ivênio dos santos - alma nua

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ALMA NUA O DESNUDAMENTO DA ALMA ATRAVÉS DE UMA ABORDAGEM PSICO-TEOLÓGICA DO SERMÃO DO MONTE

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ALMA NUA

O DESNUDAMENTO DA ALMA ATRAVÉS DE UMA

ABORDAGEM PSICO-TEOLÓGICA DO SERMÃO DO MONTE

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IVÊNIO DOS SANTOS

ALMA NUA

O DESNUDAMENTO DA ALMA ATRAVÉS DE UMA

ABORDAGEM PSICO-TEOLÓGICA DO SERMÃO DO MONTE

Digitalização: Argonauta

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SUMÁRIO Dedicatória ................................................................ 07

Prefácio ..................................................................... 09

Nota do Autor............................................................ 11

Apresentação............................................................. 13

Introdução................................................................. 17

Capítulo I O Evangelho do Reino.............................................. 25

Capítulo 2 Um Outro Evangelho................................................ 41

Capítulo 3 O Voto da Simplicidade............................................ 47

Capítulo 4 A Constituição do Reino........................................... 57

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Alma Nua

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Capítulo 5 O Princípio da Adoração........................................... 61

Capítulo 6 O Princípio de Servir................................................. 85

Capítulo 7 O Princípio da Submissão.......................................... 103

Capítulo 8 O Princípio da santidade............................................ 119

Capítulo 9 O Princípio do Perdão................................................ 131

Capítulo 10 O Princípio da Reconciliação.....................................153

Capítulo 11 O Princípio da Integridade......................................... 167

Capítulo 12 O Princípio do Testemunho....................................... 195

Capítulo 13 A Terapia de Deus..................................................... 221

Conclusão...................................................................237

Notas.......................................................................... 244

Referências bibliográficas..........................................249

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DEDICATÓRIA Dedico este livro a um amigo do coração, Luiz Gustavo Lança,

por ter sido quem mais me estimulou a escrevê-lo. Obrigado Gustavo por ter ouvido as minhas pregações no Ser-

mão do Monte com um ouvido tão atento e um senso crítico tão aguçado. Foi certamente as suas anotações, tão minuciosas, envia-das a mim, que deram a partida para eu colocar-me diante do computador e transformar o Seminário Diagnóstico e Terapia Es-piritual em Alma Nua.

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PREFÁCIO

Apresentar um livro é, na verdade, antes de tudo, apresentar um autor. Apresentar um autor é, na verdade, antes de tudo, apre-sentar uma pessoa. Por esta razão, tenho extremo conforto e ale-gria com o privilégio que me foi concedido de apresentar Alma Nua, e por trás das palavras, Ivênio dos Santos.

Coincidentemente, meu primeiro contato com Ivênio foi atra-vés de um texto: a sinopse publicada de suas mensagens baseadas em Isaías 6 no jornal Liderança Pastoral, publicado pela SEPAL. Naquela época, início da década de 80, Ivênio já era uma figura lendária em meu coração. As muitas histórias que ouvia a seu res-peito e de seu ministério despertavam a cada dia o desejo de co-nhecê-lo pessoalmente, o que imaginava quase impossível, tama-nha a idealização que fazemos dos nossos heróis.

Nosso contato pessoal foi numa conferência de aniversário da Igreja Batista de Água Branca, em São Paulo, início do meu mi-nistério pastoral. Ali ouvi Ivênio pregar e cantar, e também o vi fazer o povo rir e chorar. Naqueles dias descobri o quê de mais be-lo há nos sábios e santos: são vasos de barro, homens de dores, em quem repousa a glória de Deus de maneira graciosa e singular.

O título de seu livro é coerente com sua maneira de viver: I-vênio é um homem de alma nua. A abordagem do seu livro é pas-

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toral, muito coerente com seu jeito de ser. A linguagem de seu li-vro é teológica, muito adequada a um amante das Escrituras Sa-gradas. Suas ilustrações são experienciais e vivenciais, próprias para quem deseja falar de coração para coração.

Sua abordagem é original: tratar o Sermão do Monte como "a Constituição do Reino de Deus" e explicá-lo a partir das bem-aventuranças, transformando cada uma delas em princípios explo-didos no corpo do famoso Sermão de Jesus: os pobres de espírito adoram; os que choram servem; os mansos vivem sem ansiedade; os que têm fome e sede de justiça se santificam; os misericordio-sos perdoam; os pacificadores promovem reconciliação; os puros de coração são coerentes; os perseguidos se posicionam.

O objetivo do seu livro é relevante: ajudar cada leitor a "detec-tar aqueles males da alma que se alojam nos cantos escuros da personalidade". A proposta do seu livro é uma santa pretensão: "a-presentar a Terapia de Deus para os males da nossa alma".

No contexto religioso e evangélico brasileiro, o livro chega em boa hora. Diante da superficialidade das conversões, da irrespon-sabilidade de tantas lideranças espirituais, do analfabetismo bíbli-co de incontáveis crentes, e das doenças de alma do povo da fé, Alma Nua é uma palavra que merece e precisa ser ouvida por to-dos aqueles que desejam trilhar os caminhos do discipulado de Je-sus. livres dos pesos da religião e comprometidos com os elevadís-simos ideais da verdade revelada.

Para o leitor interessado em ser curado na alma, o texto é óleo puro, pronto para a unção das feridas; para os pastores e líderes in-teressados em subsídios pastorais, o texto é "uma carta do céu". Para todos, uma estaca segura que aponta a essência da fé em Cris-to e o Cristo da fé.

Com alegria recomendo às suas mãos Alma Nua, na esperança e oração que lhe seja ajuda para despir a alma diante de Deus e re-ceber a cura que existe apenas no evangelho da graça de Deus.

Ed René Kivitz

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NOTA DO AUTOR

(EXPLICANDO O CONCEITO) Esta abordagem psico-teológica do Sermão do Monte visa de-

monstrar que Teologia e Psicologia .não podem andar dissociadas, pois somente através de um conhecimento real de Deus é que se pode ter um conhecimento real do homem.

A psicologia humanista que tem dominado quase todas as pro-postas terapêuticas conduz inevitavelmente o pensamento do ho-mem moderno a crer na auto-ajuda e não na ajuda do alto.

Os pastores têm ficado reféns da idéia de que quanto ao acon-selhamento eles devem ceder lugar a um profissional da área de psicologia, pois estes estão mais preparados para tratar dos males da alma.

Os psicólogos cristãos têm uma grande contribuição a fazer desde que usem a psicologia sob a ótica da Teologia e não o con-trário. Mas, a bem da verdade, um grande número de psicólogos cristãos entendem que não podem fazer qualquer tipo de infração espiritual com os seus pacientes pois não estariam agindo com as ferramentas de uma "psicologia científica".

O que muitos chamam de "psicologia científica" é a abordagem humanista que exclui totalmente Deus, crendo somente na capaci-dade e bondade inerentes ao ser humano, entendendo como esca-pismo qualquer busca de solução em Deus.

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Temos de concordar que existem formas simplistas e escapistas de muitos que espiritualizam excessivamente tudo. No entanto, is-to não pode e não deve nos levar ao ceticismo que não confere qualquer valor à oração e à intervenção sobrenatural de Deus.

Outrossim, é somente na Bíblia, como nosso espelho, que a-prendemos a lidar com as culpas certas e a ficar livres do domínio das falsas culpas.

Esta abordagem do Sermão do Monte pretende ser uma ajuda real na cura da alma profundamente maculada pelo pecado.

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APRESENTAÇÃO

Nós tivemos no meio evangélico, na década de 70. uma in-fluência muito benéfica do Seminário "Conflitos da Vida", minis-trado por Larrv Cov. Tive o privilégio de participar do primeiro, que foi realizado em São Paulo, na Catedral Presbiteriana da Rua Nestor Pestana.

Antes de Larry Coy, Bill Gothard, seu discipulador, havia mi-nistrado, num encontro da MIB (Missão Informadora do Brasil), os princípios que deram origem ao Seminário "Conflitos da Vida". Dr. Russel Shedd esteve naquele encontro e passou para nós - um grupo de pastores que se reunia com ele semanalmente para estu-dar a Bíblia - os princípios aprendidos com Bill Gothard. Foi um grande impacto em nossas vidas.

Quando Larry Coy ministrou pela primeira vez em São Paulo, os seus ensinos, exemplificados principalmente por sua vida, atin-giram-nos em cheio. Lembro-me que muitos teceram severas críti-cas ao que achavam ser uma imposição cultural do "american way of life". No entanto, não podíamos esperar que um pastor america-no, que nunca viveu no Brasil, apresentasse as suas propostas con-textualizadas à nossa realidade brasileira. Nós é que teríamos a ta-refa de contextualizar os seus ensinos. E, realmente foi o que pas-sei a fazer dali para frente.

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Tive oportunidade de conversar com Larry Coy e fazer-lhe uma observação que julgava ser de grande relevância.O Seminário "Conflitos da Vida" precisava dar um enfoque mais claro à graça, caso contrário, ele poderia produzir três frutos indesejáveis: De-sespero - naqueles que tentassem viver os princípios do Sermão do Monte na sua própria suficiência; exacerbado legalismo, por parte daqueles que tentassem impor aos outros os padrões de excelência do Sermão do Monte; e descrédito para com a mensagem central dos ensinos de Jesus vendo-os como utópicos ou não aplicáveis aos dias de hoje.

Naquela mesma ocasião esteve ministrando em São Paulo o abençoado avivalista inglês Roy Hession, autor de Senda do Cal-vário, Queremos ver a Jesus e Enchei-vos Agora, da Editora Betâ-nia. Tive o privilégio de recebê-lo na Igreja Batista Unida do Brás, onde eu era pastor. Numa daquelas memoráveis noites ele nos trouxe uma mensagem muito esclarecedora que mudou os rumos de minha percepção teológica. O seu tema foi: "Como entrar na posse das bem-aventuranças pela porta dos fundos", pregando so-bre "bem-aventurados os perdoados"1.

Dali para frente comecei a ministrar o Sermão do Monte unin-do o que havia recebido do Seminário "Conflitos da Vida" com o que havia compreendido da graça através de Roy Hession. De lá para cá, tenho me aprofundado na compreensão do maior sermão jamais pregado até hoje, entendendo-o como "aio"2 que nos con-duz para Cristo, não apenas para a nossa justificação, mas também para a nossa santificação.

O Seminário de Larry Coy ajudou-me a perceber os conflitos resultantes da violação dos princípios do Reino de Deus. Mas, foi a visão da graça que me possibilitou reconhecer o objetivo princi-pal de Jesus no Sermão do Monte, que é levar-nos a descobir a nossa total incapacidade de nos melhorarmos a nós mesmos, ou de nos santificarmos a nós mesmos através dos nossos esforços. As-sim sendo, passei a conjugar os princípios do Sermão do Monte com a mensagem da graça capacitadora de Deus, vendo no Ser-mão do Monte a Lei Superior de Jesus, que, qual espelho cristali-no, realça a nossa fealdade, provocando assim um desnudamento

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Apresentação

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da nossa alma. Daí surgiu o conceito que transformei em livro: Santidade ao Seu Alcance3.

Há esperança para nós, pecadores fracos que, justificados por Jesus, não fomos deixados à nossa própria sorte para tentarmos ser santos na "marra", através de autodisciplina e coisas tais. Este é o enfoque do Seminário "Diagnóstico e Terapia Espiritual" que ve-nho ministrando há quase 30 anos. Alma Nua é o Seminário trans-formado em livro que passo agora às suas mãos, desejando since-ramente descortinar diante de seus olhos uma vida de real Santi-dade, possível de ser vivida por aqueles que já descobriram o "... já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim."4.

Que você possa ser tomado pelo maravilhoso sentimento de que Deus tornou-se acessível a nós, não somente para a nossa jus-tificação, mas também para a nossa santificação. Para tanto quero sugerir-lhe, depois de ler Alma Nua, a leitura de Santidade ao Seu Alcance onde procuro apresentar de forma mais distendida a a o-peração da graça na nossa santificação. Assim sendo Alma Nua é a Lei, e Santidade ao Seu Alcance é a Graça.

Há esperança para pecadores fracos e cansados, pois este é o convite amoroso de Jesus: "Vinde a mim, todos os que estais can-sados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de co-ração; e achareis descanso para a vossa alma, Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve"5.

Ivênio dos Santos

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Alma Nua

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INTRODUÇÃO Voltar ou avançar no tempo sempre foi uma aspiração dos fic-

cionistas. Seria realmente fantástico poder viajar a um passado bem distante e vivenciar certos acontecimentos que marcaram a história da humanidade. Vamos dar asas à nossa imaginação e em-barcar num avião do tempo que nos leve à Palestina de dois mil anos atrás.

Vamos nos imaginar como judeus: vivendo na cidade de Jeru-salém nos dias de Jesus. Estamos debaixo do domínio dos roma-nos, amargando impostos extorsivos e leis coercitivas. Quando sa-ímos à rua e encontramos um romano carregando um fardo pesado este obriga-nos a levar o seu fardo por mais de um quilômetro. E assim, de mil maneiras, somos profundamente humilhados todos os dias. E a vida vai passando sem qualquer possibilidade de mudança.

No entanto quando chega o sábado somos tomados de um novo alento, pois, deixaram-nos a possibilidade de adorar livremente em nosso grande templo. Na área do templo sentimo-nos gente. A nossa dignidade é reafirmada, e nossa esperança avivada. O rabino levanta-se para ler o Livro Sagrado1, e sua voz, embargada pela emoção, demonstra ter um recado do coração de Deus para o seu povo sofrido:

- Queridos irmãos, quero repartir com vocês algo fantástico

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que li durante esta semana no rolo do profeta Isaias. Minh'alma enchesse de regozijo ao meditar na palavra profética desse ho-mem que a 700 anos atrás foi um instrumento de Deus para falar-nos da nossa principal esperança nacional, a vinda do Ungido, o Messias de Israel. Eis a promessa do Senhor que deverá renovar em nós hoje a segurança de sermos o povo escolhido de Deus.

- "Do tronco de Jessé sairá um rebento, e das suas raízes um renovo. Repousará sobre ele o Espírito do Senhor, o Espírito de sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de fortale-za, o Espírito de conhecimento e de temor do Senhor. Deleitar-se-á no temor do Senhor; não julgará segundo a vista dos seus olhos, nem repreenderá segundo o ouvir dos seus ouvidos; mas julgará com justiça os pobres, e decidirá com eqüidade a favor dos man-sos da terra; ferirá a terra com a vara de sua boca, e com o sopro dos seus lábios matará o perverso. A justiça será o cinto dos seus lombos, e a fidelidade o cinto dos seus rins. O lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará junto ao cabrito; o bezerro, o leão novo e o animal cevado andarão juntos, e um pequenino os guiará. A vaca e a ursa pastarão juntas, e as suas crias juntas se deitarão; o leão comerá palha como o boi. A criança de peito brincará sobre a toca da áspide, e o já desmamado meterá a mão na cova do basilisco. Não se fará mal nem dano algum em todo o meu santo monte, porque a terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o mar. Naquele dia recorrerão as nações à raiz de Jessé que está posta por estandarte dos povos; a glória lhe será a morada" 2.

- Que promessa tremenda! Da descendência de Jessé, pai do nosso grande rei Davi surgirá aquele que haverá de trazer justiça para todos nós. Sacudirá de nossos ombros todo jugo romano, e não mais "estaremos por cauda, mas por cabeça" 3, pois as na-ções recorrerão a Ele, o nosso glorioso Messias.

Voltamos para casa com uma disposição nova, o que nos con-fere força para suportar os romanos por mais uma semana. No próximo sábado estaremos juntos novamente considerando as fan-tásticas promessas de Deus.

A semana passa sem maiores novidades, fora o ato humilhante a que fomos expostos quando vimos um romano espancando um irmão nosso pelo simples fato deste tê-lo atrapalhado a transitar

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Introdução

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com a sua biga4 numa passagem estreita que dá acesso à via prin-cipal. A sensação de impotência diante da injustiça é horrível e corrói-nos as forças.

Mesmo assim vamos levando as coisas, pois nossa alma ainda degusta a palavra profética que encheu-nos de regozijo, e pensa-mos: "Certamente teremos no próximo sábado a continuação do que vimos no sábado passado".

Assim, quase não vemos o tempo passar, pois estamos, como que encharcados de esperança.

Eis que hoje novamente é sábado solene. Aprontamo-nos com alegria e expectativa, pois vamos, como povo de Deus, adorar no Seu Santo Templo. Tudo em nós vibra de emoção e entusiasmo. A Palavra de Deus será ministrada de uma forma objetiva e clara, pois o nosso líder espiritual é um homem cheio do temor de Deus, e sua alma está em chamas diante daquilo que o Senhor tem reve-lado em sua bendita Palavra.

No entanto, quando ele se levanta para falar o seu semblante parece turbado. Não percebemos nele aquela mesma alegria e en-tusiasmo da semana passada. O que será que o está perturbando?

- Queridos irmãos, encontro-me hoje perplexo diante da Pala-vra de Deus. Passei uma semana de profundas lutas íntimas, pois não consegui discernir o que o profeta Isaias prosseguiu falando sobre o nosso glorioso Messias. Depois da benção que tivemos aqui no sábado passado, continuei analisando acuradamente as profecias seguintes e deparei-me com algo inusitado que passarei a lhes expor:

- "Eis que o meu Servo procederá com prudência; será exalta-do e elevado, e será mui sublime. Como pasmaram muitos à vista dele, pois o seu aspecto estava mui desfigurado, mais do que de outro qualquer, e a sua aparência mais do que a dos outros filhos dos homens, assim causará admiração às nações, e os reis fecha-rão as suas bocas por causa dele; porque aquilo que não lhes foi anunciado verão, e aquilo que não ouviram entenderão. Quem creu em nossa pregação? E a quem foi revelado o braço do Se-nhor! Porque foi subindo como renovo perante ele, e como raiz de uma terra seca; não tinha aparência nem formosura; olhamo-lo, mas nenhuma beleza havia que nos agradasse. Era desprezado, e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o

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que é padecer; e como um de quem os homens escondem o rosto era desprezado, e dele não fizemos caso. Certamente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido. Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões, e moído pelas nos-sas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados. Todos nós andávamos des-garrados como ovelhas; cada um se desviava pelo caminho, mas o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos. Ele foi opri-mido e humilhado, mas não abriu a boca; como cordeiro foi leva-do ao matadouro; e, como ovelha, muda perante os seus tosquia-dores, ele não abriu a sua boca. Por juízo opressor foi arrebata-do, e de sua linhagem quem dela cogitou? Porquanto foi cortado da terra dos viventes; por causa da transgressão do meu povo foi ele ferido. Designaram-lhe a sepultura com os perversos, mas com o rico esteve na sua morte, posto que nunca fez injustiça, nem do-lo algum se achou em sua boca. Todavia, ao Senhor agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando der ele a sua alma como oferta pelo pecado, verá a sua posteridade e prolongará os seus dias; e a vontade do Senhor prosperará nas suas mãos. Ele verá o fruto do penoso trabalho de sua alma, e ficará satisfeito; o meu Servo, o Justo, com o seu conhecimento, justificará a muitos, porque as i-niqüidades deles levará sobre si. Por isso eu lhe darei muitos co-mo a sua parte e com os poderosos repartirá ele o despojo, por-quanto derramou a sua alma na morte; foi contado com os trans-gressores, contudo levou sobre si o pecado de muitos, e pelos transgressores intercedeu. "5

Palavra? A quem o profeta está se referindo? Por tudo que analisei só pode ser uma referência ao Messias, pois a expressão "meu servo", que aparece aqui, é empregada em todo o livro de Isaias referindo-se ao Messias. Mas, como conciliar essas duas profecias? No sábado passado vimos um Messias glorioso que vem para governar com sabedoria e justiça, cuja atuação afetará até a natureza, pois as feras e os répteis peçonhentos viverão em paz e harmonia com o homem e entre si. O texto é claríssimo ao afirmar que "não se fará mal nem dano algum, porque a terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o

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Introdução

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mar". É de impressionar também a declaração: "naquele dia re-correrão as nações à raiz de Jessé que está posta por estandarte dos povos". Tudo aponta para um tempo maravilhoso em que o nosso Messias haverá de reinar sobre toda a terra. Como enten-der então este texto de hoje no qual O vemos sendo levado como ovelha para o matadouro?O que pode significar ser ele "traspas-sado pelas nossas transgressões?" Como entender também: "Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que é padecer; e como um de quem os homens escon-dem o rosto, era desprezado, e dele não fizemos caso"?

- Sendo bem honesto não sei o que esta profecia quer nos co-municar. Será que a Palavra de Deus está falando de dois Messi-as, um glorioso e outro sofredor? Será que não faremos caso d'E-le quando surgir no cenário histórico do nosso povo?

Era este o sentimento que dominava os judeus da Palestina nos dias de Jesus. A esperança messiânica estava no seu auge. As cir-cunstâncias históricas de dominação e opressão mantinham-nos continuamente ligados nas promessas bíblicas de libertação pela vinda do Messias glorioso, prometido em Isaías 11. Por isso foram incapazes de reconhecê-lo ("... e d'Ele não fizemos caso"). Jesus, o Servo Sofredor de Isaías não se encaixava nos seus paradigmas de Messias glorioso e por isso O rejeitaram6.

Se os judeus daqueles dias tivessem a Palavra de Deus escrita num volume, como a temos hoje, certamente grifariam Isaias 11.1-10 e passariam por cima de Isaias 52.13-53.12, deixando-o de lado como texto incompreensível. Não é exatamente isso que fazemos em nossas Bíblias?

O que hoje, depois de mais de dois milênios de história, po-demos saber, com segurança, é que as profecias da Palavra de Deus não estão falando de dois Messias, mas de duas vindas do Messias. Na sua primeira vinda, em cumprimento de Isaias 52.13;53.12, Ele veio para destronar, não o império romano, co-mo esperavam os judeus, mas o império satânico, e estabelecer o Seu Reino dentro de nós7. Na Sua segunda vinda, Ele virá em glória, para reinar sobre toda a terra, em cumprimento de Isaias 11, que certamente terá o seu cumprimento literal como teve I-saias 53. Nós estamos, nesse momento da história, entre Isaias 53

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e Isaias 11, em que o Reino de Deus já está em nós e entre nós mas não ainda na sua plenitude.

Somente de posse desta compreensão é que poderemos enten-der, de fato, o Reino de Deus, como entrar nele e também como buscá-lo em primeiro lugar conforme ordenou Jesus em Mateus 6.33. Buscá-lo em primeiro lugar é orar diariamente pedindo "Ve-nha o teu Reino. Seja feita a tua vontade"8 , não no sentido do Reino Milenar futuro, mas desejando de fato o seu governo sobre todas as situações do nosso dia a dia.

É também através do entendimento do "Reino já e ainda não" que poderemos perceber porque Deus não cura sempre. Os que pregam que é da vontade de Deus curar sempre se baseiam em Isa-ías 53.4 — "Certamente ele tomou sobre si as nossas enfermida-des". No entanto não foram apenas as nossas enfermidades que Ele levou sobre si, mas todas as mazelas conseqüentes da queda. Isaías 53.4 está se referindo apenas a uma dessas mazelas. Ele le-vou sobre si também a nossa morte e nós ainda morremos. Ele le-vou sobre si também os males que afetam a ecologia e esses conti-nuam ainda a nos assolar. Paulo afirma em Romanos 8.18-25 que a criação geme e suporta angústias até agora aguardando a sua re-denção.

Neste período da história entre Isaías 11 e 53 Deus faz inter-venções sobrenaturais neste mundo para demonstrar que o Reino já chegou entre nós, mas não ainda na sua plenitude. No entanto Ele não faz sempre. Não podemos afirmar que é sempre da vonta-de de Deus curar. Teríamos que afirmar também que é sempre da vontade d'Ele ressuscitar mortos. Somente na plenitude do Reino, conforme Isaías 11 é que não se fará mais nenhum mal ou dano, porque a terra se encherá com o conhecimento do Senhor como as águas cobrem o mar.9

Por outro lado àqueles que pensam no Reino só em termos de futuro acabam tendo uma visão muito limitada do Sermão do Monte e sua aplicabilidade em nossa vida diária, pois racioci-nam tratar-se da ética do Reino Milenar que virá com a segunda vinda de Jesus. Tal postura tem gerado um baixo padrão ético na igreja contemporânea. Por isso John Stott analisa o Sermão

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Introdução

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do Monte como uma contracultura demonstrando ser o Reino de Deus exatamente o oposto do que observamos na sociedade em que vivemos.

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Capítulo 1

O EVANGELHO

DO REINO

(A PORTA DO REINO)

"Percorria Jesus toda a Galiléia ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino...". (Mt 4.23)

Seguramente, todos os que estão lendo este livro, devem co-nhecer um número bem grande de diferentes religiões. São tantos os nomes e alguns tão esquisitos, que ficamos a pensar que a ques-tão religiosa mais se parece com um mercado, onde se encontra de tudo, a gosto do freguês.

No entanto pretendo demonstrar, através deste texto, que só e-xistem e, sempre, só existiu, de Adão até hoje, duas religiões no mundo, e que todos os diferentes grupos enquadram-se numa de duas diferentes filosofias religiosas.

Quero apresentar-lhes assim o âmago das Escrituras. Não irei tratar das questões periféricas, mas ir ao coração da verdade bíbli-ca. A palavra evangelho significa boa notícia. A boa notícia que temos a dar a todas as pessoas é que, através da vida, morte e res-surreição de Jesus, abriu-se à oportunidade do ser humano colo-car-se novamente debaixo do governo de Deus. Esta foi à defini-ção dada para Evangelho pelo Congresso de Lausanne, na Suíça, em 1974, quando as principais lideranças da Igreja Evangélica no mundo debruçaram-se sobre a caminhada da Igreja Reformada. Este é o Evangelho do Reino, ou seja, do governo de Jesus sobre todas as áreas da vida.

Ao falarmos em Reino de Deus, não estamos pensando em

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termos escatológicos ou futurísticos1, quando então o Reino se consolidará plenamente sobre a terra e a sociedade humana, por ocasião da segunda vinda de Jesus, mas no Reino que já foi inau-gurado na sua primeira vinda2 – o Reino que Ele veio plantar den-tro de nós. Portanto, quando falamos em Reino de Deus, estamos pensando no Reino que já chegou. Todos os que se submetem ao governo de Jesus tornam-se súditos desse Reino.

Quando Deus criou o homem Ele o criou em três partes. Vida física, vida mental e vida espiritual 3. Alguns advogam que alma e espírito aparecem nas Escrituras como sinônimos4. Usarei a trico-tomia mais por uma questão didática do que propriamente teológi-ca, para demonstrar o que foi que morreu na queda do homem.

Em Gênesis 1.26 e 27 está registrado que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. O que vem a ser essa imagem e se-melhança? Teria Deus um corpo parecido com o do homem? Isto não é possível, pois o próprio Jesus afirmou que Deus é Espírito5. Por isso Deus não pode estar confinado num corpo que o limitaria no espaço. Ele é Onipresente.

O que vem a ser, portanto, essa imagem e semelhança? Um dos principais atributos do homem, que o assemelha a Deus, é a sua Liberdade. Deus desejou criar um ser livre que correspondesse a Ele. Existem outros aspectos dessa imagem e semelhança, tais como: Pessoalidade (Deus é um ser pessoal e não uma força im-pessoal), Moralidade (Deus tem valores morais), Vontade (Deus tem uma vontade que é sempre "boa, perfeita e agradável"6, Cons-ciência (Deus é um ser que tem consciência de Si), Comunicação verbalizada (Deus é um ser que se comunica), etc.

Algumas pessoas às vezes perguntam, como se estivessem fa-zendo uma grande descoberta: "Se Deus é tão sábio, poderoso e bom, por que Ele não criou o homem só para o bem?"

Imaginemos o homem criado com apenas um caminho para tri-lhar. Eu pergunto: Ele seria livre? Quem gostaria de casar-se com uma pessoa maravilhosa, mas que tivesse debaixo da sua blusa vá-rios botões para ser programada? Um robô perfeito que ninguém jamais poderia imaginar ser uma máquina. E ali está ela para ser programada a fim de corresponder a todas as expectativas do noi-

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O Evangelho do Reino

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vo. Será que teria sentido casar-se com uma máquina? Deus poderia ter criado um boneco assim, que Lhe repetisse o

dia inteiro: "Eu te amo, eu te amo, eu te amo..." Na realidade Ele seria um grande tolo brincando com bonecos

perfeitos. Como fator obrigatório, de querer um ser semelhante a Si, Deus tinha que dar a esse ser a possibilidade de escolher, mes-mo sabendo que não O escolheriam.

O que torna uma pessoa livre é a possibilidade de escolher. Os homens distinguem-se basicamente dos animais por esta caracte-rística. Os animais agem por instinto, uma espécie de programa-ção, enquanto que nós, seres humanos fazemos escolhas continu-amente. Ao colocar o primeiro casal ali no Éden, Deus confron-tou-os com uma escolha: Obedecer-lhe ou não. Qual foi o fator es-colha? Aquela árvore colocada no meio do jardim. A árvore do conhecimento do bem e do mal.

Muita gente pensa que o relato de Gênesis é um tanto fantasio-so. Tais pessoas simplesmente não atinaram para a singularidade do que estava acontecendo ali. Aquela árvore era um teste. Era o fator obrigatório de Deus querer um ser livre que correspondesse a Ele livremente. O fruto proibido não tem nada a ver com sexo co-mo geralmente se pensa na teologia popular. Às vezes mostra-se uma maçã mordida com a insinuação de que o pecado original te-nha sido o ato sexual. Deus já havia ordenado ao casal para crescer e multiplicar-se, e, obviamente, ninguém iria nascer dependurado como fruto de uma árvore.

A ordem de Deus ao homem foi muito clara: "De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás"7.

Isto nos revela a existência de uma liberdade, mas uma liber-dade com responsabilidade. E ali, naquele paraíso, no pleno uso de suas faculdades mentais, aquele primeiro casal disse não a Deus.

Ao comer do fruto estavam dizendo: "Não queremos o teu go-verno sobre nossas vidas. Queremos ser os donos do nosso próprio nariz".

Mas aí cometeram um sério e terrível engano, pois o homem

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não é um ser absolutamente livre. Ele é livre tão somente para es-colher uma dependência. Em outras palavras, o homem é livre pa-ra escolher quem vai governá-lo. O homem só seria um ser absolu-tamente livre, se tivesse o controle de todas as circunstâncias. No entanto sabemos que somos finitos e dependentes. Nenhum de nós tem qualquer garantia de que viveremos mais uma dia sequer. Por-tanto, se somos assim dependentes, não somos livres. Eu pergunto: O Brasil é um país livre? Logicamente que não, pois devemos até as meias. E, quem deve é escravo8. Mas num certo sentido somos livres. Somos livres para escolher a quem dever. Isto ilustra perfei-tamente a situação do ser humano. Um homem é livre tão somente para escolher uma dependência.

Portanto, ali no Éden, ao dizer não para Deus, o homem estava dizendo sim para alguém. Para quem ele estava dizendo sim? A quem estava ele se submetendo? A Palavra de Deus afirma com todas as letras que o homem estava colocando-se debaixo do jugo do tirano Satanás9. E, ao comer daquele fruto o homem morreu. Ele não morreu nem física, nem mentalmente. Não caiu um raio sobre a sua cabeça aniquilando-o por completo. Em que sentido então ele morreu? Ele morreu espiritualmente. Ele foi cortado da vida de Deus. Aquela árvore pode ser chamada também de árvore da autonomia. Ao comer daquele fruto o homem estava desligan-do-se de Deus, e isto é morte.

Como via de conseqüência todos nós nascemos mortos. Não nascemos como Adão, e tivemos uma árvore pela frente, pois já nascemos cortados da vida de Deus. Nascemos separados de Deus, e, no dizer do apóstolo Paulo aos Efésios, nascemos mortos10.

Agora pasmem com as palavras de Jesus em João 8.44. É im-portante perceber que Jesus está tendo um diálogo com gente boa da sociedade. Gente honesta que pagava as suas contas, que tinha boa reputação, que eram bons pais de família. Em outras palavras, gente honrada. Ouçamos as palavras contundentes de Jesus: "Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos. Ele foi homicida desde o princípio e jamais se firmou na verdade, porque nele não há verdade. Quando ele profere a mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira".

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Jesus não dirigiu essas palavras a bandidos e prostitutas. Ele di-rigiu-as a gente comum, como nós, que vivemos de forma honra-da. Portanto essas palavras de Jesus não diziam respeito apenas àqueles com quem falava, mas a todas as pessoas que já viveram até hoje. Isto inclui a você e a mim. Isto é muito diferente daquilo que as pessoas naturalmente pensam. É corrente entre as pessoas, que todo mundo é filho de Deus, e que todos nascem do lado de Deus. Só os facínoras e desclassificados é que são alinhados com Satanás. No entanto Jesus contesta claramente esta idéia popular, e coloca todos os seres humanos na posição de filhos do Diabo, submetidos assim ao seu governo tirano. Este é o problema crucial da humanidade caída. A história da humanidade é, de fato, a histó-ria de uma dominação maligna sobre a raça humana.

Quero destacar agora a importância da palavra religião. Vem do latim religare, que significa religar. Portanto a palavra religião traz implícita a idéia de que o homem estava ligado a Deus, mas agora, depois de sua rebelião, ele foi desligado. Religião tem por, objetivo promover essa religação. São centenas e talvez milhares os nomes das religiões, mas pretendo defender a seguinte tese: O homem nasce neste mundo espiritualmente morto ou separado de Deus, existindo apenas duas religiões ou duas filosofias religiosas que procuram apresentar uma solução para o problema.

Para ilustrar este fato imaginemos a seguinte cena: Um rio mui-to largo e traiçoeiro que nunca foi vencido por ninguém. Carlos, medalha de ouro em nado livre nas Olimpíadas aceita o desafio de atravessá-lo, querendo com isto entrar para o livro dos recordes. No dia marcado está ali, à beira do rio, uma verdadeira multidão de repórteres de várias partes do mundo, por ser Carlos o grande campeão mundial. O pai de Carlos leva um barco a motor, bem possante, e fica da margem torcendo pelo filho. No momento a-prazado Carlos começa a travessia, com muita segurança, debaixo do aplauso de todos. Mas em chegando bem no meio da travessia algo inusitado lhe acontece: começa a sentir terríveis câimbras nos braços e nas pernas. Quem já teve câimbras sabe o que isto signi-fica. Os músculos embolam-se produzindo uma dor lancinante que impede uma livre movimentação. Agora imaginemos Carlos com

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câimbras nos braços e nas pernas dentro de um abismo de águas. Em outras palavras ele está morto. Ele começa a afundar em de-sespero. E é neste momento de desespero que ouve os gritos de seu pai lá da margem:

- Meu filho não se afogue, bata as pernas e os braços, cora-gem!

Será que os conselhos de seu pai irão ajudá-lo de alguma ma-neira? Parece-me que não. Pelo contrário, irão deixá-lo mais de-sesperado ainda. Os conselhos do pai levam-no a entrar em maior pânico, pois percebe que seu pai está esperando que ele consiga salvar a si mesmo, e ele sabe que as pernas não lhe valem para na-da nem tampouco os braços. O único recurso que lhe resta é a voz pra gritar:

- Socorro meu pai! O que ele está esperando que o pai faça? Que pegue a sua pos-

sante lancha e venha em seu socorro. E o pai faz exatamente isto, retirando-o da morte certa, colocando-o dentro do barco.

Carlos está salvo e agora chegam em terra firme. Repórteres de todos os lados querendo saber o que aconteceu. Será que Carlos vai sair todo orgulhoso dizendo:

- Eu sou o maior nadador do mundo, eu me salvei! Seria esta a sua postura? Certamente que não. Penso que ele sa-

iria muito humilde afirmando: - Gente, eu estava morto, meu pai me salvou! Aqui está a diferença entre a religião de Deus e a religião dos

homens. A religião dos homens é ilustrada pelo pai, lá da margem, dando conselhos para o filho, esperando que ele salvasse a si mesmo. É por isso chamada também de auto-soterismo, que ensi-na ser a salvação uma conquista do próprio homem. Existem mui-tos grupos que se intitulam cristãos, e que esposam esta filosofia. Para esses, Jesus não é Salvador, mas exemplo a ser seguido. Salvador é o próprio homem

Agora eu lhe pergunto: Se você estivesse morrendo afogado, numa situação como a que foi descrita você precisaria que um grande nadador pulasse na água e começasse a lhe dizer: "Olhe pa-ra mim, veja como eu faço, siga o meu exemplo!"

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Naquele momento você estaria precisando de um exemplo ou de um salvador? Antes de Jesus ser nosso exemplo Ele veio para ser o nosso Salvador.

O que é crer em Jesus? Não é meramente acreditar na sua exis-tência. Apanhemos uma cadeira. Quando eu estou de pé todo o meu corpo está apoiado nas minhas pernas, mas quando me assen-to na cadeira, todo o meu peso passa para a cadeira e, então, eu posso descansar. Agora suponhamos que eu não confie na cadeira, e apenas finja estar sentado, continuando a sustentar todo o meu peso. Aparentemente estou sentado, mas as minhas pernas sentem a tensão do esforço de estar segurando o meu peso, de uma forma ainda mais desconfortável.

Existem muitas pessoas que crêem em Jesus assim. Na realida-de aparentam ser boas pessoas, que se dizem possuidoras de muita fé, mas quando se verifica, a fé dos tais é em si mesmos. "Olha, eu sou uma boa pessoa! Eu não desejo mal nem para uma formiga! Eu só me apego com Deus! Eu faço o melhor que posso!"

Qual é o centro de confiança dessas pessoas? Elas próprias. Es-tão confiadas nas próprias pernas, isto é, na sua integridade, na sua bondade, na sua justiça. Foi para esses que Jesus declarou: "... pois não vim chamar justos (ou seja, aqueles que pensam ser justos)11 e sim pecadores [ao arrependimento]"12.

Esta é a filosofia básica da religião dos homens. O homem é o seu próprio salvador. A salvação é o fruto de suas boas obras. Não existe perdão de pecados. A tese esposada é: aqui se faz aqui se paga. É a chamada: Lei do Karma. Daí a necessidade das reencar-nações ou de purgar-se os pecados num determinado lugar. Con-seqüentemente aqueles que assim pensam nunca podem usufruir a segurança da salvação, pois nunca fizeram o suficiente. Estão confiados nas próprias pernas e não podem assim experimentar o descanso n'aquele que veio para levar sobre si todos os nossos fardos.

E a religião de Deus? Eis a verdade central das Escrituras. Nunca é o homem que se volta para Deus para buscá-lo, mas é sempre Deus quem busca o homem. Esta é a gloriosa verdade que permeia toda a Bíblia: "Porque Deus amou ao mundo de tal ma-

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neira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna"13.

Jesus é a lancha de Deus. Jesus é Deus que veio aqui, porque o homem jamais poderia ir para Ele. O homem está com câimbras nas pernas e nos braços. No dizer de Paulo aos Efésios 2.1 "... mortos nos vossos delitos e pecados...".

Deus não ficou do Céu gritando ao homem: "Seja bom, seja honesto! Faça o melhor possível! Faça boas obras! Faça penitên-cias! Faça tudo o que puder para chegar aqui".

Jesus não está no cimo de uma escada bem íngreme dizendo: "Se você quer a salvação, então se esforce para subir cada degrau. O primeiro degrau é o domínio do seu gênio, o segundo, o domí-nio dos seus desejos carnais, o terceiro, a vitória sobre o seu ego-ísmo, e assim centenas de degraus estão à sua frente, vá subindo até estar preparado para chegar a mim. São muitos os degraus, mas se você esforçar-se bastante, quem sabe um dia, daqui a milhares de anos, você estará apto. Agora, se você tropeçar e falhar terá que começar tudo de novo".

Qual é a gloriosa notícia que temos a dar a todos os homens? É que Deus tornou-se acessível ao maior pecador. Ele não esta lá no topo de uma escada, mas ao rés-do-chão chamando os pecadores: "Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve"14.

Jesus é o pai, na parábola do nadador, vindo em direção do homem para tirá-lo da morte. A religião de Deus é a religião do perdão comprado na cruz por Jesus. É a verdade bíblica de que ao homem era impossível redimir-se e então Deus o redimiu do jugo do tirano Satanás.

Agora, há um detalhe muito importante:.A vinda de Jesus não salvou automaticamente todas, as pessoas. A vinda de Jesus para morrer naquela cruz é o sim de Deus ao homem. A semelhança de um casamento. O celebrante dirige-se ao noivo e pergunta:

- João, você aceita Maria para ser sua esposa, para amá-la, ser-lhe fiel em todo o tempo, etc, etc?

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- Sim! Responde João. Será que o celebrante contentar-se-á apenas com o sim do noi-

vo? Será que declará-los-á casados sem dirigir-se à noiva? Se ele fizesse, qual seria a reação natural da noiva?

- O senhor não vai perguntar pra mim? Eu sou uma pessoa e não um objeto!

Isto mostra-nos que o sim do noivo não consuma o casamento. De igual maneira a morte de Jesus é o sim de Deus ao ser humano. Ele, o noivo, já disse sim. Ele é a Árvore da Vida, diante da qual, agora, nos encontramos numa situação contrária à de Adão e Eva. Eles nasceram no sim, na comunhão com Deus e disseram-Lhe não. Nós já nascemos no não. Nascemos mortos espiritualmente. Nascemos cortados da vida de Deus. Nascemos debaixo do jugo satânico. E agora estamos diante do amor do Deus revelado em "Cristo Jesus. Estamos agora diante da Cruz. A Cruz é a "Arvore da Vida". E diante dessa outra árvore nós temos que responder a uma célebre pergunta:

- Que farei de Jesus] Esta pergunta foi feita pela primeira vez por Pôncio Pilatos

quando os judeus lhe trouxeram Jesus para que ele o condenasse a morte.

- Tens que crucificá-lo porque ele se diz Rei, e não há rei se-não César! - Esbravejaram os judeus enraivecidos15.

Quem era Pôncio Pilatos? Era o governador romano colocado ali na Palestina pelo Imperador do mundo, o poderoso César Au-gusto. Os judeus, à semelhança de todos os outros povos conquis-tados, estavam debaixo do tacão dos romanos, amargando uma dominação escravocrata. Anelavam pela vinda do Messias prome-tido a Israel, pois queriam se ver livres daquele jugo.

Quando Jesus iniciou o seu ministério, os líderes de Israel fica-ram sobressaltados, pois não conseguiram entender a sua mensa-gem. Jesus pregava amor aos inimigos, referindo-se aos romanos. Numa certa ocasião chegaram a Ele com uma pergunta de conota-ção política:

- Mestre, devemos pagar esses impostos a César?16 Quanta revolta havia naquela pergunta. Então, Jesus lhes pede

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uma moeda: - De quem é esta efígie gravada aqui nesta moeda?17 Imagino que a contragosto e com muita raiva, responderam: - E de César! - Então dêem a César o que é de César, e a Deus o que é de

Deus! - foi a resposta de Jesus. Os líderes de Israel passaram a ver nele uma ameaça às suas

aspirações políticas imediatas, e decidiram então matá-lo.18 Quando liam o profeta Isaías maravilhavam-se diante da profe-

cia do cap. 11 que fala do Reino Milena do Messias. Por isso O esperavam, para que os livrasse de todo o jugo opressor dos roma-nos, mas não conseguiam entender a profecia do cap. 53, que fala do Messias Sofredor. E, eles, sem o perceber, cumpriram a profe-cia do cap. 53. O cap. 11 não se cumpriu ainda, e nós aguardamos aquele dia glorioso quando Jesus haverá de reinar sobre toda a ter-ra. Na sua primeira vinda Jesus veio libertar-nos de um jugo muito mais terrível do que o jugo dos romanos sobre os judeus. Jesus veio libertar-nos do jugo de Satanás. Mas os líderes de Israel não o reconheceram ("e d'Ele não fizemos caso"), e decidiram matá-lo. No entanto, eles não tinham autoridade política para fazê-lo19 e, por isso, foram a Pilatos exigir a sua condenação:

- Tens de crucificá-lo, pois Ele se diz rei, e não há rei senão César.

Os Judeus, não queriam saber do governo de César. Na reali-dade estavam colocando Pilatos "contra a parede".

- Se soltas a este, não és amigo de César20. E Pilatos então, tentando agradá-los e ao mesmo tempo que-

rendo soltar a Jesus propõe uma anistia. Era seu costume soltar-lhes anualmente um preso político, e assim ele traz diante da mul-tidão Barrabás e Jesus21.

Quem era Barrabás? Era um zelote. Zelotes eram aqueles fer-renhos nacionalistas, bem extremados, que queriam derrubar o Império romano. Barrabás havia sido preso numa.sedição contra os romanos, e era bem popular entre o povo22. Pilatos tem a espe-rança que o povão que usufruiu dos milagres de Jesus o escolha. Então, ele propõe:

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- Quem vocês querem que eu lhes solte, a Jesus chamado o Cristo (Messias), ou a Barrabás?23

A massa humana, ali reunida foi facilmente manipulada pelos líderes de Israel a gritar:

- Queremos Barrabás! Queremos Barrabás!24 Pilatos não esperava por essa reação do povo, e então faz a cé-

lebre pergunta que tem atravessado os séculos e gerações: - Que farei então de Jesus chamado o Cristo?25 (Messias). É esta a pergunta que cada um de nós tem de responder, mais

dia, menos dia. Você está sendo confrontado agora por esta per-gunta, diante da qual só existem três opções: PRIMEIRA OPÇÃO: CONTINUAR NO MEIO DA MULTIDÃO

Qual foi a decisão da multidão naquele dia? Gritaram com to-

das as suas forças: - Crucifica-o, não queremos que ele reine sobre nós! Nós nascemos aqui no mundo com a mesma atitude daquela

multidão, por isso afirmei que a primeira opção é continuar no meio da multidão. Qual foi a atitude de Adão e Eva lá no Éden ao comer daquele fruto? O que estavam dizendo a Deus? "Não que-remos o teu governo sobre nós! Queremos ser os donos do nosso nariz!".

Todos nós que nascemos aqui neste mundo, depois de Adão, nascemos com a mesma atitude. Este é o pecado herdado de Adão. "Não queremos que Tu governes sobre nós!"

Por isso a nossa primeira opção real é permanecer no meio da multidão gritando: "Não quero o teu governo sobre a minha vi-da!".

Você é livre para isto. Agora, não se engane; se não é Deus quem está no governo, então, é Satanás o governador. Não adianta enganar-se com a idéia romântica de que é Deus quem é o Senhor de sua vida, desde que você entende-se por gente. Não é isto que a bíblia diz. Nascemos aqui debaixo do jugo do terrível e tirano de Satanás, e, nenhum rito religioso, que alguém tenha feito, com a

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melhor das intenções, em seu nome, inseriu-o no Reino de Deus. É tão absurdo alguém dizer-se cristão desde o nascimento, por ter si-do batizado em criança, quanto dizer-se casado desde que nasceu.

Vamos imaginar dois casais muito amigos que ganharam um bebê, mais ou menos na mesma época, um menino e uma menina. Então resolvem levar seus filhos ao cartório e casá-los. Isto já po-de ter sido feito em outros tempos e em outras culturas, mas para nós hoje é algo inconcebível, uma verdadeira violência à liberda-de. Assim também seria a maior violência privar o ser humano de decidir quem ele quer, de fato, no governo de sua vida. Isto não é uma mera questão de gosto religioso. Isto é o âmago da questão. SEGUNDA OPÇÃO: TENTAR O IMPOSSÍVEL, ISTO É, "DAR UMA DE PILATOS"

O que foi que Pilatos fez? Pilatos mandou vir água, e lavou as

mãos, num gesto que passou a ser conhecido como tentativa de neutralidade. Era como se estivesse dizendo: "Nesta questão eu não tomo partido. Eu fico em cima do muro!".

E, isto, é impossível, pois Jesus afirmou categoricamente: "Quem não é por mim é contra mim: e quem comigo não ajunta espalha."26

Voltemos a pensar na ilustração do casamento. Depois do noi-vo dizer sim, o celebrante dirige-se agora à noiva:

- Maria você aceita João para ser seu marido, etc, etc... Imagine que a noiva fique quieta. Não abre a boca para dizer

nada, nem faz qualquer movimento com a cabeça. Penso que o ce-lebrante irá estranhar bastante e, sem dúvida, irá repetir a pergun-ta. Se a noiva permanecer em silêncio, ele poderá realizar o casa-mento? Claro que não! Mesmo que os pais, os padrinhos, os con-vidados, ou quem quer que seja, argumentem com ele. O silêncio da noiva será tomado pelo celebrante como não, e não como sim, pois neste caso "quem cala não consente". Eis uma situação em que é impossível manter-se na neutralidade.

Contudo, há muita gente "em cima do muro'' com relação a Je-

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sus. As igrejas de um modo geral estão abarrotadas de pessoas que, embora freqüentadoras assíduas, estão tentando uma posição de neutralidade com relação a Jesus. Querem um Jesus à sua mo-da. Querem o Céu, o perdão, a paz, a prosperidade, mas não que-rem o governo de Jesus sobre elas. Querem ser seus próprios se-nhores. Senhores dos seus negócios, do seu lar, do seu namoro, do seu lazer, etc. Jesus não entra nessas questões. Jesus é coisa religi-osa de domingo.

Na realidade, ao lavar as mãos, Pilatos estava dizendo não a Je-sus. Ele não queria deixar o trono, pois este lhe trazia muitas van-tagens. Ele, aparentemente, não queria dizer não a Jesus, mas o seu gesto acabou redundando num estrondoso não. Da mesma forma, aqueles que, aparentemente são cristãos, estão aí todo do-mingo, mas, na realidade, não querem o governo de Jesus sobre suas vidas, portanto estão também dando um sonoro não a Jesus.

Lembro-me de um jovem que me disse em certa ocasião: - Eu não quero dizer sim para Jesus, mas também não quero

dizer sim ao Diabo. Eu quero ficar neutro nessa questão. Eu não quero que Jesus nem o Diabo controlem a minha vida. Eu mesmo é que quero controlá-la.

Aí está o engano de muitos, pois isto é impossível. Ou nos submetemos ao governo de Jesus, ou permaneceremos debaixo do governo do terrível e tirano Satanás. TERCEIRA OPÇÃO: FAZER DE JESUS O REI

"Sim, Jesus, reina em mim! Eu me submeto ao teu comando!

Eu desfaço agora todo compromisso com o reino das trevas e submeto-me incondicionalmente a ti para que me governes! Eu me arrependo agora de todos os meus pecados, ou seja, de toda a mi-nha vida vivida fora da tua vontade, tentando eu mesmo governar-me, mas sendo governado pelo reino das trevas. Tentando ser au-tônomo ou independente de ti, mas vivendo debaixo do jugo do ti-rano Satanás. Até hoje predominavam as minhas idéias, agora quero a tua Palavra. Até hoje era a minha vontade, agora eu quero

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fazer da tua vontade o meu alimento diário"27. Isso é como se assentar na cadeira. É uma rendição total, mu-

dando o centro de confiança de si mesmo para Ele. Isso é crer em Jesus e não meramente acreditar n'Ele.

O que foi que o apóstolo Pedro disse à multidão no dia de Pen-tecostes quando tiveram seus olhos abertos para ver que haviam crucificado o Messias? A pergunta crucial da multidão foi: "Que faremos, irmãos?".28

E a resposta de Pedro foi clara e incisiva: "Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para a remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo".29

Esta é a porta de entrada do Reino de Jesus. Arrependimento é meia volta. É deixar de ser independente para ser dependente de Deus. Ser batizado é ser sepultado com Cristo. É morrer para o reino das trevas e levantar-se para uma nova vida no Reino de Je-sus. E o resultado será: "... e recebereis o dom do Espírito Santo".

Deus virá morar no seu corpo. Seu corpo passará a ser templo do Espírito Santo30. Você tornar-se-á um transportador de Deus. Todos os seus pecados serão perdoados31. Você passará da morte para a vida32. Seu nome irá para o Livro da Vida do Cordeiro33. Aleluia! Eis a tremenda notícia que eu queria lhe dar: Através da vida, da morte e da ressurreição de Jesus você pode colocar-se de-baixo do governo de Deus. Deponha suas armas e renda-se incon-dicionalmente a Ele.

Nunca irei esquecer-me daquele jovem a quem batizei, por vol-ta da meia noite, na banheira de minha casa. Ele vinha sendo e-vangelizado a um bom tempo. Ele entrou porta adentro declaran-do:

- Quero batizar-me pois estou convertendo-me agora. Eu en-tendi que Jesus é a única solução e quero dar a Ele toda a minha vida.

Enchi a banheira e o batizei naquela madrugada mesmo, depois de uma avaliação bem criteriosa do seu posicionamento. Ao sair do batismo ele falou com muita convicção:

- Agora eu preciso pregar para a minha namorada, pois se ela

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não se converter vou ter que deixá-la. - Mas, por que você terá que deixá-la? Perguntei a ele. - É porque, se ela não se converter irá querer transar comigo,

e de agora em diante não transarei mais com ela. Aquele jovem havia compreendido claramente as implicações

de render-se inteiramente ao governo de Jesus. Ele sabia que ago-ra, no Reino de Jesus namorar era diferente da maneira como na-morava antes no reino das trevas. No reino das trevas o namoro era pela via da intimidade sexual, mas agora, no Reino de Deus, não. Agora, namoro era pela vida da santidade.

Depois de alguns meses sua namorada também se rendeu a Je-sus e passaram a ter um namoro lindo, segundo os padrões do Rei-no de Deus. Depois de três anos de um abençoado namoro tive o privilégio de celebrar o casamento deles com uma alegria muito grande, pois sabia que ali estava um casal firmando os alicerces da sua vida conjugal sobre os valores do Reino de Deus.

Este era o evangelho que Jesus pregava: "Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e hu-milde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve".34

O que é jugo? É o mesmo que "canga", aquela pesada peça de madeira que se coloca numa parelha de bois para arar a terra. Nós somos livres para escolher um jugo, ou uma canga. Nascemos a-qui, debaixo do jugo do tirano Satanás e somos convidados a tro-car de jugo; "Vinde a mim... Tomai... o meu jugo... Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve". O jugo de Jesus é suave por-que o Seu pescoço é que está colocado nessa parelha conosco. Portanto, aceitar o Evangelho do Reino é receber o jugo de Jesus, é submeter-se incondicionalmente, ao Seu governo, em todas as áreas da vida, é "negar-se a si mesmo", é "tomar a cruz" cada dia, é "segui-Lo". Não existe a possibilidade de aceitá-lo apenas como Salvador dos seus pecados e não como senhor de sua vida.

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Capítulo 2

UM OUTRO EVANGELHO

Foi Juan Carlos Ortiz, na década de 80, através do seu livro O Discípulo que alertou-nos para um outro evangelho que vem sendo espalhado à larga e que tem dominado a maneira de pensar de muitas igrejas evangélicas. Ortiz o chama de "evangelho das ofer-tas" ou "evangelho segundo os santos evangélicos", que nada mais é do que o alardeado e aparentemente combatido "evangelho da prosperidade". Evangelho este praticado por vários e importantes segmentos do meio evangélico, que faz do homem o centro de tu-do, por isso designado também de "evangelho antropocêntrico". Tal evangelho faz de Deus um servo do homem. É como se Deus existisse em função de fazer-nos felizes. Eis algumas falas bem ca-racterísticas daqueles que esposam este "outro evangelho":

• "Entregue sua vida a Jesus e a prosperidade baterá a sua porta";

• "Enfermidades não mais poderão vir sobre você, pois Je-sus levou sobre Si todas as enfermidades";

• "Aquele que crê, de fato, em Jesus não mais tem de an-dar de carro velho, pois como filho do Rei, passa a ter direito a um zero quilômetro";

• "Deus não quer que nenhum de seus filhos seja pobre,

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por isso reivindique d'Ele os seus direitos de filho. Pobreza mate-rial é sinal de pobreza espiritual";

• "Qualquer enfermidade na vida de um crente é evidência de pecado, pois aquele que realmente anda em obediência a Deus nenhum mal chegará a sua tenda";

• "Pense e fale positivamente, pois há poder em suas pala-vras. Aquilo que você fala lhe acontecerá'".

Repudiamos essas propostas sedutoras, e, aparentemente bíbli-

cas, mas são muitos os que têm embarcado nessa pregação que a-trai as multidões.

Basta, a qualquer pregador que quiser hoje ser popular e ver sua igreja crescer, entrar para essa corrente do pensamento positi-vo. Num momento de crise econômica, com taxas elevadíssimas de desemprego, tal pregação soa como bálsamo para muitos, e as multidões são atraídas pelos "pães e peixes". No entanto percebe-mos ser tal pregação um outro evangelho.

Paulo disse aos Galatas: "Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo, para outro evangelho; o qual não é outro, senão que há alguns que vos perturbam e querem perverter o evange-lho de Cristo. Mas, ainda que nós, ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema. Assim como já dissemos, e agora repito, se alguém vos pre-ga evangelho que vá além daquele que recebestes, seja anátema" (Gl 1.6-9). Esse "outro evangelho" denunciado por Paulo, e que estava ca-

tivando o coração dos crentes da Galácia era o "evangelho da jus-tificação pela guarda da lei", incluindo a necessidade da circunci-são dos gentios, tornando-os assim parte do povo de Israel. Não é exatamente o que hoje estão pregando os adeptos da "teologia da prosperidade", mas Paulo deixou em aberto que qualquer "outro evangelho" que fosse pregado deveria ser anatematizado.

Qual foi o evangelho que Paulo apresentou aos Gálatas? Segu-

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ramente o "Evangelho do Reino"', ou seja, do governo de Jesus sobre todas as áreas da vida. Na pregação do Evangelho do Reino fica evidente o "negar-se a si mesmo", o "tomar a cruz", o "buscar em primeiro lugar o Reino de Deus", o "abrir mão dos seus direi-tos", o "servir ao invés de ser servido". Nesse "outro evangelho" o que se percebe claramente é a busca dos seus interesses egoístas, a defesa e reivindicação dos seus direitos, a cura e a prosperidade material como direitos adquiridos dos filhos do Rei, ou seja, as benesses do Reino já. Daí a fala estranha: "Eu exijo", "Eu reivin-dico", "Eu ordeno", etc.

Agora, é muito importante perceber que fomos nós mesmo os pregadores do evangelho, que criamos tal excrescência, pois fo-mos nós que geramos esse "falso evangelho".

Como foi que ele nasceu? Certamente como resultado das nossas famosas "séries de conferências evangelísticas". A maior parte das igrejas evangélicas desenvolveu, durante muito tempo, como sua principal estratégia evangelística, eventos em que os crentes esforçavam-se para trazer convidados a fim de ouvirem o evangelho através de um renomado pregador. Durante muitos anos de minha vida participei de conferências deste tipo. Numa conferência evangelística o pregador será avaliado pela quanti-dade de pessoas que conseguir trazer à frente no apelo. Daí é que começou a surgir o barateamento do evangelho. O apelo virou apelação. Quanta apelação temos presenciado. Já ouvi apelações incríveis. Lembro-me até de um pregador famoso do passado, já promovido à glória, que fez um apelo evangelístico nos seguintes termos:

- Quem quer ir para o céu levante a mão. Diante das mãos levantadas, continuou apelando: - Agora, todos os que levantaram suas mãos, venham para

frente, pois quero orar por vocês. Todos os que vieram à frente foram computados como conver-

tidos, ou decididos. Isto para mim é pura manipulação. Isto não é pregar o evangelho.

Outros, diante da falta de decisões, começam a baratear o custo: - Não estou convidando ninguém a fazer qualquer compromisso.

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(Isto é falso, pois a conversão a Cristo é um tremendo compromis-so com Ele e com seu povo.)

- Agora abaixem suas cabeças, fechem os olhos, ninguém está olhando, enquanto ouvimos os instrumentos tocando, você pode tomar a sua decisão.

Outros mandam os crentes falarem com as pessoas não conver-tidas, convidando-as a vir à frente.

Daí foi mudando-se para os mais diferentes tipos de apelo: - Aqueles que estão com problemas no relacionamento conju-

gal venham à frente, pois vamos orar para Deus curar o seu ca-samento.

- Aqueles que estão enfermos venham à frente. "Os que estão desempregados", "os deprimidos", "os solitá-

rios", "os gordos". E assim vai se ampliando o leque para se ter pessoas na frente.

Não vejo nenhum problema de orarmos pelos enfermos, aliás, devemos fazê-lo regularmente, mas não como proposta evangelís-tica, pois nem Jesus nem os apóstolos agiram assim. Na proclama-ção do Evangelho do Reino o que devemos colocar é a renúncia de tudo e a rendição ao governo de Jesus. É o arrependimento e o rompimento com o reino das trevas. A salvação, a paz, a alegria, são conseqüência da rendição total ao governo de Jesus. Cura e prosperidade podem ser ou não bênçãos decorrentes de uma real entrega. No entanto, não se pode colocá-las como atrativos para as pessoas virem a Jesus, pois tal tipo de proposta torna-se manipula-ção grosseira e não paixão pelas almas perdidas. Se a motivação fosse a paixão pelas almas, mesmo assim não deveríamos tolerar tais práticas; mas, a bem da verdade, muitas vezes, o que está em jogo é a reputação do pregador que tem de apresentar resultados.

Tais práticas acabaram gerando esse evangelho adocicado a gos-to do freguês, cheio de promessas mirabolantes. Tal evangelho aca-ba reduzindo Jesus ao "meigo nazareno" que está do lado de fora do seu coração, ansioso para ter um lugarzinho em sua vida. "Dê uma chance a Jesus!" Quase que completamos automaticamente:

- Coitadinho, não o deixe do lado de fora, sentindo frio e fome. Abra-lhe agora mesmo o coração, pois Ele o ama tanto!

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Quase que se diz: - Faca este favor a Jesus, pois ele precisa tanto de você! Jesus acabou tornando-se um produto a ser vendido: - Use Jesus e sua pele terá a beleza da noiva do Cordeiro. - Jesus é a resposta para a sua insônia. - Com Jesus em sua vida você consegue até emagrecer. Percebo que muitos se convertem "ao céu^', "à paz", "à prospe-

ridade", mas não ao governo de Jesus. Tem sido também muito comum a idéia de que é possível aceitar a Jesus apenas como Sal-vador e não como Senhor. É como se estivéssemos dizendo que a graça elimina o padrão de excelência. Confunde-se assim a graça preciosa, tornando-a no que denunciou Dietrich Bonhoffer em "graça barata"1. Seria, mais ou menos, semelhante a um casamento onde a noiva depois da cerimônia se dirigisse ao noivo nos seguin-tes termos:

- Meu amor, eu estou tão feliz de estar agora casada com você, mas você precisa entender que eu gosto ainda de outros rapazes e quero continuar namorando-os também. Mas, você não deve ficar triste, pois você é o principal!

Muita gente pensa que Jesus é tão bom que Ele aceita o peca-dor de qualquer jeito, até mesmo com esse tipo de proposta inde-cente:

- Jesus! Eu o aceitei como meu Salvador. Eu estou muito feliz por ter certeza de um dia ir morar contigo no céu, mas agora Je-sus, enquanto ainda estamos por aqui na terra, eu quero que sai-ba que tenho outros interesses importantes. Espero que me enten-da que não posso ser exclusivo do Senhor. Mas não fique triste, pois o Senhor é o principal!

É a isto que chamamos de "graça barata". É à luz de tal barate-amento do evangelho que precisamos, mais do que nunca, procla-mar o evangelho que Jesus e os apóstolos proclamaram: o Evange-lho do Reino. Somente a proclamação do "Evangelho do Reino" é que gera discípulos e não meros convertidos.

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Capítulo 3

O VOTO DA SIMPLICIDADE

Não haveria uma promessa clara de prosperidade aos que se colocam debaixo do Senhorio de Cristo? Será que o combate à pregação da prosperidade não pode levar-nos para o desequilíbrio da pregação do "evangelho da miséria" como sendo o Evangelho do Reino? Estaria a palavra de Deus condenando a prosperidade e valorizando a pobreza? Será que inconscientemente não estamos defendendo o voto de pobreza? Haveria uma virtude intrínseca em ser pobre de recursos materiais? Na parábola dos talentos Jesus não está ensinando a virtude do progresso? Quando Paulo exorta os crentes de Corinto1 a semear muito para colher muito ele não está falando em termos materiais?

À luz destas questões quero propor-lhes um paradoxo. Parado-xo, segundo os dicionários, é uma afirmação, na mesma frase, de um conceito, mediante contradições aparentes ou termos incompa-tíveis.

Como a definição já diz, o paradoxo é apenas uma afirmação, aparentemente contraditória, pois depois de esclarecida deve trazer grandes ensinamentos. Eis o paradoxo: "Contentai-vos com o que tendes e progredi o máximo que puderdes". Vamos analisar este paradoxo refletindo sobre três importantes conceitos.

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O primeiro é o conceito de CONTENTAMENTO.

"Seja a vossa vida sem avareza. Contentai-vos com as cousas que tendes; porque ele tem dito: De maneira alguma te deixarei nunca ja-mais te abandonarei. Assim, afirmemos confiantemente: O Senhor é o meu auxílio, não temerei; que me poderá fazer o homem?" (Hb 13.5).

O autor de Hebreus está simplesmente dizendo que devemos deixar que o senhor seja, de fato, o nosso Deus. Não coloquemos nossa confiança no dinheiro, pois avareza é adoração a Mamom. O deus-dinheiro é muito atraente por dar-nos, aparentemente, a sen-sação de segurança quanto ao futuro. O que a Palavra de Deus está nos exortando a fazer é colocar nossa confiança total no Senhor e não nas posses materiais.

Tudo o que vier a se constituir em nossa fonte de segurança, de significado, ou de contentamento, torna-se o nosso deus. A Pala-vra, em Hb 13.5, está nos ordenando a deixar que Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, seja, de fato, o nosso Deus. Através do profeta Jeremias, Ele fala a seu povo Israel: "Espantai-vos disto, ó céus, e horrorizai-vos! Ficai estupefatos, diz o Senhor. Porque dois males cometeu o meu povo: a mim me deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram cisternas, cisternas rotas, que não retêm as águas"2.

Se Deus não for nossa fonte de contentamento, segurança e significado, estaremos sempre "cavando cisternas rotas" que não conseguem reter as águas, ou seja, estaremos sempre em busca de algo que preencha em nós essas necessidades básicas, e assim aca-bamos curvados em atração diante de outros altares.

Faça uma verificação em seu coração indagando com honesti-dade: "Quem é, de fato, o meu Deus? Em que altar tenho me cur-vado em real adoração? Em quê coloco a minha total confiança? Onde está a minha fonte de genuíno contentamento? O que é que me dá significado para viver cada dia? Se eu tirasse Deus da mi-nha vida o que mudaria?"

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O segundo conceito é o de PROGRESSO. Vamos analisar, cuidadosamente, a famosa parábola dos talentos:

"Pois será como um homem que, ausentando-se do país, chamou os seus servos e lhes confiou os seus bens. A um deu cinco talentos, a outro dois e a outro um, a cada um segundo a sua própria capacidade; e então partiu. O que recebera cinco talentos saiu imediatamente a negociar com eles e ganhou outros cinco. Do mesmo modo o que re-cebera dois, ganhou outros dois. Mas o que recebera um, saindo, a-briu uma cova e escondeu o dinheiro do seu senhor. Depois de muito tempo, voltou o senhor daqueles servos e ajustou contas com eles. Então, aproximando-se o que recebera cinco talentos, entregou outros cinco, dizendo: Senhor, confiaste-me cinco talentos; eis aqui outros cinco talentos que ganhei. Disse-lhe o senhor: Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel no pouco, sobre muito te colocarei: entra no gozo do teu senhor. E, aproximando-se também o que recebera dois talentos, disse: Senhor, dois talentos me confiaste; aqui tens outros dois que ganhei. Disse-lhe o senhor: Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei: entra no gozo do teu senhor. Che-gando, por fim, o que recebera um talento, disse: Senhor, sabendo que és homem severo, que ceifas onde não semeaste, e ajuntas onde não espalhaste, receoso, escondi na terra o teu tesouro; aqui tens o que é teu. Respondeu-lhe, porém, o senhor: Servo mau e negligente, sabias que ceifo onde não semeei e ajunto onde não espalhei? Cum-pria, portanto, que entregasses o meu dinheiro aos banqueiros, e eu, ao voltar, receberia com juros o que é meu. Tirai-lhe, pois, o talento, e dai-o ao que tem dez. Porque a todo o que tem se lhe dará, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. E o servo inútil lançai-o para fora, nas trevas. Ali haverá choro e ranger de dentes." (Mt 25.14-30). Percebemos claramente nesta parábola o conceito de progresso.

O Rei exige lucro. Ele deu potencialidade a todos e exige progres-so de todos. Esta é a lei que rege a vida. Planta-se um grão espe-rando uma centena. Jesus está ensinando-nos aqui que vida gera vida. O grande pecado denunciado nesta parábola é o pecado da

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anti-vida. Voltar-se para dentro com medo e não crescer evidencia morte espiritual. Esse medo paralisante tem destruído muitas vidas e recebe hoje o nome de baixa auto-estima. O que Deus pune é a negação da vida, das potencialidades que Ele colocou em todos nós, diferentes sim, um recebeu cinco, outro dois e outro um, mas capazes de produzir a trinta, sessenta e a cem por um, conforme a parábola do semeador3. Enterrar o talento significa dizer para Deus: "Eu tenho medo do Senhor, pois és muito exigente. Eu não dou conta de agradar-te, por isso eu não me atiro à tarefa de gran-jear outros talentos pois tenho medo de fracassar e ser rejeitado por ti. Assim sendo eu fico na minha; não faço nada para o pro-gresso do teu Reino, mas, pelo menos, não dou maiores proble-mas. Está aqui o que é teu.".

São estes que passam pela vida mas não vivem. "Se o grão de trigo, caindo em terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, pro-duz muito fruto"4. Para frutificar é preciso morrer. A casca da se-mente precisa ser rompida para que a vida, que está nela, aflore. Este é o progresso que Deus espera de cada um de nós. O terceiro conceito é o de ADMINISTRAÇÃO. Somente enten-dendo este conceito é que penetraremos no ensino do paradoxo proposto. Quem é o dono do ouro e da prata? O Salmista afirma: "Ao Senhor pertence a terra e tudo o que nela se contém, o mundo e os que nele habitam"5. Portanto a nós foi entregue a tarefa de administrar os bens do Senhor.

Um dos textos que mais tive dificuldade de compreender em toda a Bíblia, e que, durante muitos anos, ficou na prateleira a-guardando iluminação do Senhor foi Lucas 16.9, onde Jesus, con-cluindo a parábola do administrador infiel, afirma: "E eu vos re-comendo: das riquezas de origem iníqua fazei amigos; para que, quando aquelas vos faltarem, esses amigos vos recebam nos taber-náculos eternos".

Na primeira vez que li este texto fiquei com um verdadeiro nó na cabeça, que levou muitos anos para ser desatado. Lendo o pe-queno e excelente livro Não Ameis o Mundo, de Watchman Nee, Deus trouxe luz sobre esse texto e o nó foi desfeito. Anos depois,

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em Dinheiro, Sexo e Poder de Richard Foster, encontrei a mesma interpretação dada por Nee, que veio solidificar o entendimento da parábola.

Na parábola, Jesus mostra um administrador que, tomando ci-ência de que seria despedido, agiu com astúcia com os devedores do seu patrão, favorecendo-os com descontos especiais em suas dívidas para que tais credores viessem a favorecê-lo no futuro. Numa parábola não se deve buscar significado em todos os deta-lhes, mas num ponto focal. Qual o ponto focal dessa parábola? Je-sus estava enfatizando a astúcia do administrador infiel, ensinan-do-nos a ser astutos com a riqueza de origem iníqua que cair em nossas mãos, para granjearmos com elas, amigos nos tabernáculos eternos, ou seja, entesourar nos Céus investindo em vidas que le-varemos para lá, onde nem traça, nem ferrugem corroem.

Porém, o nó não está aí, mas em Jesus chamar os bens a serem administrados de riquezas de "origem iníqua". Logo pensamos em dinheiro sujo, adquirido em trabalhos indignos ou de forma indig-na. Mas daí surge uma outra dificuldade intransponível, pois Jesus jamais apoiaria certas atividades lucrativas que ferem os valores do Reino. Tanto Watchman Nee como Richard Foster chamam de "riquezas de origem iníqua" todo o dinheiro circulante, ou todo o sistema monetário vigente neste mundo. Por isso é que Jesus cha-ma o dinheiro de Mamom, o deus-dinheiro.

Compreendendo então que todo dinheiro circulante é iníquo por fazer parte de um sistema iníquo, percebemos que o ensino de Jesus é no sentido de sermos verdadeiros administradores dos bens que vierem para nossas mãos, transformando o dinheiro iníquo em dinheiro abençoado. Richard Foster diz que ao cristão é dada a e-levada vocação de usar Mamom sem servir a ele.

Quando é que estaremos usando Mamom sem servi-lo? Quando permitirmos que Deus determine nossas decisões eco-nômicas. Estaremos servindo a Mamom quando permitirmos que o dinheiro determine nossas decisões econômicas. Compramos uma casa, um carro, ou qualquer outro bem com base numa ori-entação clara de Deus ou por termos o dinheiro para fazê-lo? Se o dinheiro determinar o que fazemos ou deixamos de fazer, então

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é ele quem nos governa, mas se for Deus quem determina o que fazemos ou deixamos de fazer então é Ele quem nos governa. Simplesmente precisamos decidir quem vai tomar nossas deci-sões.

Pode ser que o dinheiro me diga: "Você tem o suficiente para comprar isso". Mas Deus pode estar objetando: "Eu não quero que você compre isso". A quem vamos obedecer?

Se minha esposa me diz: "Meu bem, vamos comprar isto, pois o preço está excelente". E eu lhe responder: "Não podemos, pois não temos dinheiro". O dinheiro decidiu.

Mas se eu disser: "Bem, querida, vamos orar para saber se Deus quer que façamos essa compra. Se Ele quiser, certamente nos proverá os recursos!" Nesse caso seria Deus o Senhor, mas no outro Mamom.

Esta é uma área onde temos errado muito como pais, pois dei-xamos de ensinar aos nossos filhos a vida dependente. Se um filho chega pedindo-nos alguma coisa e vamos logo respondendo que não podemos porque não temos dinheiro, comunicamos claramen-te que quem decide é o dinheiro. No entanto muitos erram pelo ou-tro lado, principalmente aqueles pais que tiveram uma infância pobre e agora são bem sucedidos financeiramente. Muitos desses pais atendem aos mais absurdos desejos dos filhos por acharem que não devem privá-los de nada. É novamente Mamon decidindo. Quão valioso é para a vida espiritual dos filhos, se desde pequenos aprendem com os pais a vida dependente. Talvez seja mais difícil para quem tem muito dinheiro sob sua guarda do que para quem tem pouco. Ou, provavelmente, ambos tenham dificuldades pró-prias.

Richard Foster advoga que, assim como os monastérios com o seu voto de pobreza e os puritanos com o seu voto de diligência foram uma reação ao deus-dinheiro, nós precisamos também hoje de um voto que responda criativa e corajosamente à questão do di-nheiro6. Precisa ser um voto, diz ele, que rejeite a mania moderna de granjear riquezas, sem pender para um ascetismo mórbido. De-ve ser um voto que nos conclame a usar o dinheiro sem servi-lo, e, que, submeta o dinheiro, totalmente, à vontade e aos caminhos de

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Deus. Portanto, nós, que seguimos a Jesus Cristo, somos chamados a

um VOTO DE SIMPLICIDADE. Esse voto não é para um punha-do de gente dedicada, mas para todos. Não é uma opção, à qual podemos aceitar ou rejeitar, dependendo de nossa preferência pes-soal. Todos os que se intitulam discípulos de Jesus têm a obriga-ção de seguir o que Ele diz, e o apelo de Jesus, na questão do di-nheiro, pode ser reduzido a uma só palavra - SIMPLICIDADE.

Irei apresentar aqui os nove significados de simplicidade dados por Richard Foster no seu livro acima citado: 1. Simplicidade significa compreensão clara do real sentido da vida

• Temos um só desejo - obedecer a Cristo em todas as coisas; • Temos um só propósito - glorificar a Cristo em todas as coi-

sas; • Temos uma só utilidade para o dinheiro - promover o Reino

de Jesus aqui na terra. 2. Simplicidade significa regozijo pela boa criação de Deus.

• Oscar Wilde disse certa vez que as pessoas não dão valor ao pôr do sol somente por não lhes custar nada. Uma vida de simpli-cidade dá valor a todas as dádivas graciosas da criação de Deus: Ao pôr do sol, à beleza do luar, à majestade do mar, à solenidade das estrelas, etc. 3. Simplicidade significa contentamento e confiança.

• "Não andeis ansiosos..."7 é o conselho de Paulo; • "...nada tendo, mas possuindo tudo"8; • "porque aprendi a viver contente em toda e qualquer situa-

ção"9; • Paulo viveu assim pela graça, e nós também podemos viver.

4. Simplicidade significa libertação das garras da cobiça.

• A prisão da cobiça leva-nos a amar as poisas e a usar as pes-soas; —-----------------------*—

• Quem é prisioneiro da cobiça valoriza o ter e não o ser, por

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isso não se importa em usar as pessoas para ter o que ama; • Somente através de uma vida de real simplicidade é que res-

gatamos o valor das pessoas, e colocamos as coisas no seu devido lugar, e assim encontramos significado para amar as pessoas e usar as coisas. 5. Simplicidade significa modéstia e temperança.

• Nossas vidas devem ser marcadas pela abstinência voluntária em meio ao luxo extravagante;

• Nosso uso dos recursos tem de ser moderado sempre pela ne-cessidade humana;

• E é sempre muito importante lembrar que "a ostentação afasta o irmão". 6. Simplicidade significa receber a provisão material com grati-dão.

• Completa privação não é boa coisa, e o rejeitamos como sinal de duplicidade e não de simplicidade. Duplicidade no sentido de mascarar a verdadeira espiritualidade através da negação. 7. Simplicidade significa usar o dinheiro sem abusar dele.

• No poder do Espírito Santo dinheiro conquistamos e captu-ramos o dinheiro colocando-o a serviço de Cristo;

• Sabemos que o bem-estar não e definido pela riqueza e por is-so não nos apegaremos a nada;

• Devemos apossar-nos das coisas sem valorizá-las em dema-sia;

• Devemos possuí-las sem ser possuídos por elas; • Devemos usar o dinheiro dentro dos limites de uma vida espi-

ritual corretamente disciplinada; • Devemos administrá-lo para a glória de Deus e o bem das

pessoas; • Devemos entregar aquilo que é devido ao ministério da igreja

local, onde estamos comprometidos, e orar para que os responsá-veis pelas decisões sejam totalmente guiados pelo Espírito;

• Aquilo que ficar sob nossa guarda não pode ser entendido

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como nosso mas, igualmente, devemos buscar a orientação do Es-pírito para usá-lo da maneira de Deus e para Sua glória, pois so-mos apenas administradores dos bens d'Ele. 8. Simplicidade significa disponibilidade.

• Devemos ficar livres da compulsão de adquirir sempre algo maior e melhor, dispondo assim de tempo, dinheiro e energia para responder à necessidade humana;

• "Aquele que furtava, não furte mais; antes trabalhe, fazendo com as próprias mãos o que é bom, para que tenha com que acudir ao necessitado"10. 9. Simplicidade significa dar alegre e generosamente.

• "...deram-se a si mesmos..."11, disse Paulo acerca das igrejas da Macedônia.

A Teologia da prosperidade é arma satânica para escravizar

cristãos nas garras de Mamom através da sutileza do ter como evi-dência do ser. Somente um voto como o acima proposto pode con-duzir-nos, nestes dias de consumismo desenfreado, a viver, no presente século, sábia, justa e piedosamente. Devemos sempre ter em mente uma das máximas de John Wesley: "Ganhe o máximo que puder; economize o máximo que puder, e doe o máximo que puder".

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Capítulo 4

A CONSTITUIÇÃO DO REINO

Durante um bom tempo eu tive certa dificuldade para enten-

der a expressão de Jesus: "Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim, será salvo; entrará e sairá e achará pastagem"1. Como é possível entrar por essa porta e depois sair? Sair para onde? Per-cebo assim que a figura da porta condiciona-nos a pensar numa casa. Por isso fica difícil a compreensão. Acabamos pensando em entrar na salvação e sair da salvação. No entanto essa porta a que Jesus se refere é a porta no muro da separação entre Deus e o homem, e essa porta não se abre para uma sala, ela se abre para um Caminho. Por isso entrará pela porta, e sairá para o Caminho e achará pastagem.

Roy Hession em seu livro QueremosVer a Jesus, desenvolve a percepção de Jesus como o Caminho, mostrando-nos que o mesmo princípio que operou em nós para entrarmos pela porta operará em nós para andarmos pelo Caminho. "Ora, como recebestes a Cristo Jesus, o Senhor, assim andai nele"2.

Como foi que o recebemos? Não por obras de justiça praticadas por nós, mas pela graça, mediante a fé3. Entramos na porta do Reino pela graça e andamos no Caminho do Reino pela mesma graça. Quando fomos tocados pela graça de Deus e nos rendemos ao governo de Jesus entramos pela porta do Reino, e então passa-

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mos a andar no caminho do Reino, capacitados pela mesma graça, pois o mesmo que disse"Eu sou a porta", disse também " Eu sou o caminho".

Em que consiste o Caminho do Reino e como podemos andar nele? Quando prestamos atenção à ordem de Jesus a seus discípu-los antes de partir: "...fazei discípulos de todas as nações, batizan-do-os em nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todos as cousas que vos tenho ordenado"4, percebemos que andar no Caminho do Reino é o mesmo que "guardar todas as cousas" que Jesus ordenou.

Onde se encontram "todas as cousas que vos tenho ordenado"? O que Mateus tinha em mente quando registrou estas palavras de Jesus? Certamente ele não poderia estar pensando no Novo Tes-tamento como o temos hoje, pois jamais imaginaria que um dia haveria um volume, composto de escritos dos apóstolos, conheci-do como Novo Testamento. Creio eu que ele estava pensando nos ensinos de Jesus que havia colocado de forma sistemática em seu livro. Obviamente, todo o Novo Testamento e, conseqüentemente, toda a Escritura contém os ensinos de Jesus que Ele quer que Seus discípulos guardem. Mas, o que quero enfatizar é que o cerne dos ensinamentos de Jesus está explicitado no evangelho segundo Ma-teus, e mais propriamente, no Sermão do Monte. Poderíamos en-tão afirmar, com muita segurança, que o Sermão do Monte é a Constituição do Reino de Deus. Nele iremos encontrar os princí-pios que regem a caminhada do verdadeiro discípulo.

O Sermão do Monte pode ser dividido da seguinte maneira: Introdução: As Bem-aventuranças5 • O enunciado de oito princípios que regem o Reino de Deus

em nós. O Corpo do Sermão:6 • O desenvolvimento dos oito princípios Conclusão: • Dois tipos de construtor7 a) O construtor sábio que edificou sobre a rocha. b) O construtor tolo que edificou sobre a areia.

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Na introdução Jesus ressalta a busca universal do ser humano pela felicidade, pois "bem-aventurado" significa feliz ou saudável, se assim pudéssemos dizer. São felizes ou saudáveis os que tomam os princípios do Reino a sério para cumpri-los no seu dia a dia. No corpo do sermão os princípios são exemplificados através de ensi-nos claros e objetivos. Na conclusão, Jesus demonstra, de forma majestosa, que todos nós somos os construtores de nossa história, havendo somente dois tipos de construtor: o sábio e o tolo.

Construir sobre a Rocha significa construir sobre os princípios e valores do Reino de Deus tomando-os a sério para praticá-los, enquanto que construir sobre a areia é não dar ouvidos aos princí-pios do Reino, construindo a vida sobre conceitos e valores pró-prios. A "chuva", os "rios" e os "ventos" que dão com ímpeto so-bre as casas construídas são os problemas naturais da vida que vêm de igual maneira sobre o que é fiel a Jesus (o construtor sá-bio) , e sobre o descrente (o construtor tolo).

É importantíssimo perceber que Jesus não promete ao fiel dis-cípulo tribulações menores. Os problemas e dificuldades vêm de igual maneira sobre crentes e descrentes. Jesus não nos atrai para o seu Reino com promessas de livramento dos problemas da vida. Pelo contrário, Ele enfatiza, em muitos lugares, que passando para o seu lado iremos arrastar sobre nós as mesmas perseguições que também vieram sobre Ele.

É, portanto, falsa a pregação que promete ao crente fiel a isen-ção das tributações. Afirmar que alguém, sendo fiel, está imune a doenças, desemprego, assalto, acidentes e tantas coisas mais, é a-firmar coisa diferente do que Jesus afirmou e, portanto, é ser um falso profeta. Temos que estar atentos a esse tipo de pregação tão popular nos dias de hoje e que tem arrastado verdadeiras multi-dões para o engano e conseqüente apostasia.

Já faz um bom tempo, li a respeito da queda de uma das árvo-res gigantes do parque das Sequóias na Califórnia. Os botânicos daquele parque, depois de acurada investigação, descobriram que aquela árvore, que já era gigante quando Cristóvão Colombo apor-tou na América, e que havia suportado tantas intempéries, sucum-biu por causa de pequeninos cupins que lhe corroeram as raízes.

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Não foram os grandes vendavais ou a erosão do tempo que derru-bou aquela Sequóia gigante, mas pequeninos seres, agindo de ma-neira quase invisível. Assim também se dá com a nossa vida cristã, pequeninos "cupins" vão corroendo a nossa seiva espiritual, silen-ciosa e gradativamente.

O principal objetivo deste livro é ajudá-lo a detectar aqueles males da alma, que se alojam nos cantos escuros de nossa persona-lidade e passam, muitas vezes, a serem acalentados por nós. São eles os grandes responsáveis pela perda do nosso vigor espiritual

Perceberemos que a lei mais alta apresentada por Jesus no Sermão do Monte funcionará como um aparelho de ressonância magnética, trazendo para a luz as mazelas de nossa alma enferma pelo pecado. A Lei desnuda-nos por mostrar o padrão de excelên-cia de Deus. A nossa tendência é mirarmo-nos em padrões bem in-feriores, tais como, a consciência, ou na comparação com os ou-tros, etc. Mirando-nos numa vitrine de loja temos uma visão bem inferior daquela que temos ao mirarmo-nos num espelho de cristal.

Quando vemos Jesus levantando a lei do nível da ação para o nível da intenção, somos jogados por terra. "Ouvistes que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos digo: Qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela"8; "Ouvistes o que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo: não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra; e, ao que quer de-mandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa. Se al-guém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas"9.

É importante lembrar que o objetivo de um aparelho de resso-nância magnética não é curar, mas revelar a enfermidade. Depois da análise dos oito princípios estaremos prontos para entrar na UTI de Deus. Ao final deste livro estarei apresentando o que en-tendo ser a terapia de Deus para os males da nossa alma, sugerindo também a leitura de Santidade ao Seu Alcance onde pude trabalhar mais detalhadamente na graça operando a nossa santificação.

Passemos, portanto, a uma análise cuidadosa da Constituição do Reino de Deus reconhecendo em cada bem-aventurança um princípio que será expandido no corpo do sermão.

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Capítulo 5

O PRINCÍPIO DA ADORAÇÃO

"Bem-aventurados os pobres de espírito

porque deles é o Reino dos Céus". (Mt 5.3)

A expressão "pobre de espírito" tem sido muito mal compreen-dida, e, por que não dizer, muito distorcida. Vejo uma má compre-ensão naqueles que a usam de forma pejorativa quando querem re-ferir-se a alguém: "Ora, fulano de tal é um pobre de espírito!".

Certamente não foi esse o uso que Jesus fez desta expressão. Percebo distorção numa nota de margem de uma certa tradução da Bíblia onde, se aplica a expressão "pobres de espírito" aos defici-entes mentais. Por serem irresponsáveis, Jesus estaria afirmando a felicidade dos tais pela garantia de já possuírem o Reino eterno. Eis uma forma de distorção que obscurece totalmente o objetivo de Jesus.

Vejamos, então, o que é "pobre de espírito". É o mesmo que carente ou dependente A palavra empregada por Mateus é "pto-chos", que significa pobreza absoluta. Existe na língua grega outra palavra para pobre, que é "penês", que significa alguém que preci-sa trabalhar para viver, diferindo do rico que tem muitas posses. Penês descreve o homem trabalhador que não é rico, que não temo que é supérfluo, mas que tem o que é necessário para uma vida digna. A palavra empregada por Mateus para expressar a afirma-ção de Jesus não foi "penês", mas "ptochos", que significa alguém

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destituído de tudo, em pobreza absoluta. Jesus, de fato está dizen-do: "Bem-aventurados os absolutamente carentes de espírito por-que deles é o reino de Deus".

Qual a implicação básica desta afirmação de Jesus? São "po-bres de espírito" aqueles que têm real percepção de sua absoluta dependência de Deus, por terem já descoberto que não são possui-dores de nada; O apóstolo Paulo estava reconhecendo-se "pobre de espírito" ao afirmar: "Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum..."1. É o mesmo que percebemos também em Davi: "Eu sou pobre e necessitado, porém o Senhor cuida de mim..."2.

Dallas Willard em Conspiração Divina3 afirma que é forçar o texto querer dar às bem-aventuranças a conotação de um padrão de excelência, "de algo bom que supostamente Deus deseja ou até exige, e que serve de um fundamento sensato para a bem-aventurança que ele confere". Segundo ele não podemos afirmar que "pobres de espírito" são os que percebem sua real condição de carência, mas sim aqueles que são espiritualmente empobrecidos, que não têm nenhuma cultura ou brilho intelectual, que são pobres espiritualmente no sentido de não terem qualquer profundidade espiritual. Eles são bem-aventurados porque "o gracioso toque dos céus desceu gratuitamente sobre eles". Discordo de Dallas Wil-lard, pois isto é contrário a todas as demais bem-aventuranças. Quando Jesus afirma serem bem-aventurados os que choram, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os limpos de coração, os pacificadores, os perseguidos por causa da justiça, Ele os está colocando como um padrão de excelência, sim, que deve ser buscado por todos nós, assim também os "pobres de espírito". Eu devo almejar ser um "pobre de espírito", mas não devo almejar ser uma pessoa destituída de saber, de profundidade espiritual, de ter percepções agudas. Se não olharmos para as bem-aventuranças como o padrão de excelência do Reino, de fato, não penetraremos no seu conteúdo real.

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DEFINIÇÃO DO PRINCÍPIO "Pobre de espírito" é aquele que já descobriu sua absoluta ca-

rência espiritual e que por isso coloca Deus como centro de sua vida, vivendo em total dependência d'Ele e para sua glória.

Um contraste bem evidente é o que percebemos na atitude dos cristãos de Laodicéia, aos quais poderíamos chamar de "ricos de espírito". Jesus enviou através de seu mais íntimo amigo, o apósto-lo João, uma carta àquela igreja na qual demonstra sua aversão pa-ra com a atitude deles: "Estou a ponto de vomitar-te da minha bo-ca; pois dizes: Estou rico e abastado e não preciso de coisa algu-ma"4.

Esta postura autônoma é o fato gerador de todos os nossos principais conflitos espirituais. Tal atitude nasceu lá no Éden quando o primeiro casal rompeu com Deus. Eles estavam, de fato, dizendo para Deus, através de sua rebelião, que não mais queriam viver na dependência d'Ele. Pensavam estar assumindo o governo de suas próprias vidas, mas na realidade estavam submetendo-se a um outro governo, como já vimos no capítulo dois. O Diabo es-tava lá insuflando no primeiro casal a busca da primazia ou da au-tonomia: "Deus sabe que se vocês comerem do fruto serão como Ele, conhecedores do bem e do mal. E isto, Ele, de fato, não quer, pois espera mantê-los cativos numa vidinha medíocre de subservi-ência aos seus caprichos".

A atração do conhecimento foi muito grande. "Se tivermos o conhecimento, teremos o controle".

Deu certo. O primeiro casal foi fisgado e rompeu com Deus. Comer daquele fruto significou a busca da autonomia. De lá para cá, o que chamamos de história da humanidade, nada mais é do que uma luta desenfreada do ser humano por reconhecimento, ou busca da divinização. É a isto que devemos chamar de humanis-mo, ou seja, uma necessidade de provar-se capaz sem Deus. A fala do diabo foi: "Sereis como Deus, conhecedores do bem e do mal"5.

Parece-me ser este o foco central da questão. Satanás conse-guiu inocular no ser humano a sua doença letal, a busca da divin-

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dade, a sede de ser Deus, o anelo pelo comando. Ser conhecedor do bem e do mal implica em ter o controle. Se eu tenho o conhe-cimento, eu tenho o domínio. Se eu tenho o domínio, eu mereço o reconhecimento e o louvor.

Por que é tão importante para nós, seres humanos, o reconhe-cimento por outros do nosso valor? Hegel afirmou ser essa, de fa-to, a principal busca do ser humano. Creio que isto é fruto do É-den, ou seja, o homem no centro, querendo os holofotes sobre ele. Ser "rico de espírito", portanto, "é a tentativa de autenticar-se pelo seu valor intrínseco.

Esta tem sido uma das grandes questões filosóficas que vem sendo debatida através dos séculos. O homem é intrinsecamente bom e o meio é que o corrompe, ou é intrinsecamente mau e cor-rompe o meio? Esta foi a grande disputa entre Agostinho e Pelá-gio (384 a 409 d.C). O Pelagianismo foi anatematizado no Con-cilio de Éfeso, em 22 de julho de 431 por defender a bondade i-nerente do ser humano em contraposição com a posição de Agos-tinho que defendia a depravação total da raça humana através da queda.

A queda afetou toda a raça. Ninguém mais nasce como Adão tendo a liberdade de optar entre seguir Deus ou não. Todo ser hu-mano nasce já escravizado ao jugo satânico, foi o pensamento vi-torioso dessa disputa teológica. Segundo Pelágio alguém poderia não cair à semelhança de Adão e Eva e crescer numa vida de pie-dade sem pecado. Para o Pelagianismo Jesus seria um exemplo a ser seguido. Para Agostinho e mais tarde para Calvino a deprava-ção do ser humano foi total. Jesus veio para um mundo rebelde e anti-Deus a fim de resgatar-nos do fútil procedimento herdado dos nossos pais. A morte de Jesus não foi a de um mártir que serve como exemplo para nós, foi uma morte substitutiva, na qual levou sobre si todas as mazelas da natureza humana caída.

Jesus está afirmando, de fato, nesta primeira bem-aventurança, o princípio da adoração. Somente aqueles que se reconhecem ab-solutamente carentes de Deus é que o buscam em total dependên-cia e reconhecimento de que só Ele é digno de toda glória e lou-vor. Como diz o salmista: "Fica-lhe bem o cântico de louvor" 6 A

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palavra adoração, portanto só pode ter um endereço: "Ao Único que é digno de todo louvor, a Ele seja a glória pelos séculos dos séculos. Amém!"7

Alguém poderia objetar: "Mas, não existe nada no homem que mereça aplauso?".

O problema não está ai – o problema está em fazer-se qualquer coisa na esperança de alcançar o aplauso. Não que o homem não possa fazer coisas boas, mas com, que motivação as faz. Por isso precisamos pensar nas conseqüências da violação deste primeiro princípio.

Mas, antes de falarmos das conseqüências de violar-se este princípio é necessário eliminar alguns conceitos falsos do que seja adoração. Para muitos, adoração é cantar hinos, ou seja, estar num culto celebrando através de cânticos espirituais. Sendo assim, a adoração estaria limitada a tempo e lugar. O diálogo de Jesus com a mulher samaritana é por demais revelador de uma mudança radi-cal que Ele veio operar no conceito de adoração.

A mulher samaritana o interpelou dizendo: "Nossos pais adoravam neste monte; vós, entretanto, dizeis que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar. Disse-lhe Jesus: - Mulher, podes crer-me, que a hora vem, quando nem neste monte, nem em Je-rusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não conheceis, nós ado-ramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas vem a hora, e já chegou, quando os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para Seus adoradores. Deus é espírito; e importa que os seus adorado-res o adorem em espírito e em verdade." (Jo 4.20-24). A adoração estava limitada ao templo, sim. Lá era o lugar sa-

grado. Deus habitava de forma especial no Shekiná ou Santo dos Santos. Quando Jesus expulsou os vendilhões do templo8, Ele es-tava ainda agindo de acordo com o velho paradigma do templo como casa de Deus. Mas aqui, no seu diálogo com a mulher sama-ritana, Jesus estava profetizando uma mudança radical, quando a adoração não estaria mais limitada a tempo e lugar.

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Mateus, ao narrar a morte de Jesus na cruz, do lado de fora dos muros de Jerusalém, insere no seu relato algo que se deu dentro do templo, lá no Lugar Santo, na entrada do Santo dos Santos. O véu do Santuário, que separava o Lugar Santo do Lu-gar Santíssimo, foi rasgado de alto a baixo por uma mão invisí-vel. O véu por sua textura9, jamais poderia ser rasgado por qual-quer mão humana. Somente a mão de Deus poderia fazê-lo10. Certamente Mateus tomou conhecimento desse fato por algum sacerdote que estava lá naquele momento. O autor de Hebreus dá-nos o significado teológico da abertura do Santo dos Santos: "Tendo, pois, irmãos, intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos con-sagrou pelo véu, isto é, pela sua carne, e tendo grande sacerdote sobre a casa de Deus, aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé...".11

O caminho para a presença de Deus estava aberto; o caminho de sangue. Podemos agora chegar para genuína adoração. Mas, quando e onde? Em todo tempo e em todo lugar. No Novo Testa-mento um novo conceito de adoração foi estabelecido. O conceito, de templo sagrado como casa de Deus foi derrubado para dar lugar a um novo conceito revolucionário. Os irmãos reunidos constitu-em-se em santuário12, nunca o lugar onde se reúnem. Eles pró-prios, e não o lugar, no dizer de Pedro são as "pedras vivas"13 edi-ficados como casa espiritual. Paulo vai descer a questões comezi-nhas do nosso dia a dia para estabelecer a adoração como um mo-do de viver: "Quer comais, quer bebais ou façais qualquer outra coisa fazei para a glória de Deus"14.

Em 1Coríntios 3.16-17 Paulo ajuda-nos a entender o que Je-sus quis dizer quando afirmou: "Onde dois ou três estiverem reu-nidos em meu nome, ali estou no meio deles"15. Isto significa que o número mínimo de dois irmãos, quando reunidos em nome de Jesus constitui um corpo. Os irmão reunidos são santuário, for-mado de pedras vivas. E, em 1Coríntios 6.19-20, o apóstolo dei-xa claro que cada crente, individualmente, também é um verda-deiro santuário, demonstrando assim que a adoração passa a ser um modo de viver.

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Isto evoca para mim a experiência daquela moça simples e sem cultura que se converteu e foi dar o seu testemunho antes do ba-tismo. O seu pastor pediu-lhe então para falar do que ela própria podia observar como mudança significativa em sua vida: "Eu sempre trabalhei como empregada doméstica e, antes de me con-verter, ao limpar as casas onde trabalhava, colocava sempre o pó debaixo do tapete e limpava só nos lugares aparentes. Agora, eu removo tudo, retiro os tapetes e limpo em todo lugar, pois estou fazendo para Jesus".

Isto é adoração. É um novo modo de viver em que colocamos o Senhor no centro e vivemos em função dele.

Portanto, adorar não é apenas cantar hinos no tempo de cele-bração que temos em nossos cultos, mas realizar qualquer coisa que traga honra e glória ao Seu Nome.

Durante um bom tempo nós deixamos de cantar aquele lindo cântico "Quão amáveis são os teus tabernáculos", baseado no Salmo 84, porque os crentes, ao cantarem: "Bem aventurados a-queles que habitam em tua casa!" pensavam no prédio onde nos reunimos como "casa de Deus". Agora, toda vez que cantamos es-te Salmo temos de explicar: "Não estamos nos referindo a este lu-gar, a estas paredes, mas a nós como irmãos reunidos, tornamo-nos Casa de Deus onde Ele habita. Poderíamos estar reunidos, lá na praça, lá seríamos o santuário do Deus vivo".

O cântico passou a ter um novo valor e a ser cantado com mui-to maior profundidade.

Um grande mal decorrente do entendimento de casa de Deus como o lugar físico em que nos reunimos é o conceito de secular e sagrado. Secularizacão é o banimento de Deus da vida por cir-cunscrevê-Lo ao nível do sagrado. Deus é coisa de domingo e do templo. O resto é secular. Os que trabalham no templo estão no sagrado, os demais em trabalhos seculares. Isto gerou também uma ética dupla. No templo, ou seja, na área do sagrado, temos um determinado comportamento, nos vestimos de uma certa maneira, falamos de um determinado jeito sagrado, etc., mas fora dali, em outros lugares, mudamos nossa.forma de ser e agir. "Negócio é negócio, religião à parte"

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CONSEQÜÊNCIAS DA VIOLAÇÃO Antes de mais nada devemos estar atentos às maneiras de vio-

lar-se este princípio. Violamos o princípio da adoração buscando a glória e o reconhecimento por aquilo que fazemos. Em outras pa-lavras, procuramos estar debaixo dos holofotes da aprovação hu-mana, mais do que da aprovação divina. Nossas ações são movi-das em função da aprovação do meio. O louvor e o reconhecimen-to das pessoas tornam-se o principal combustível a alimentar nos-sas ações.

Violamos também este princípio através da busca do ter, como forma de afirmação. Acabamos raciocinando nos termos do reino das trevas de que se eu tiver, eu serei. Se eu tiver o carro do ano, se eu morar naquele bairro, se eu fizer aquele curso, etc. então te-rei valores e serei reconhecido.

Vejamos as principais conseqüências decorrentes da violação do princípio da adoração. O que acontece quando busco a autono-mia colocando-me no centro, debaixo do foco das luzes da apro-vação humana?

Orgulho é o pecado central, gerador de inúmeros frutos que i-remos analisar. Orgulho pode ser definido como conceito muito elevado que alguém faz de si mesmo, amor-próprio exagerado, al-tivez, empáfia, bazófia, soberba. Pode-se afirmar sem medo de e-xagero que o orgulho é a nossa principal enfermidade espiritual, ou melhor dizendo, o nosso principal pecado. Por isso ele é apon-tado como o principal dos sete pecados capitais. Foi o orgulho que precipitou Satanás para o reino das trevas. E foi através da sutil tentação do orgulho que ele atingiu a raça humana, inoculando em nós esse vírus letal.

Vejamos os frutos decorrentes do orgulho que evidenciam, dentro de nós, a quebra do princípio da adoração.

Um fruto bem evidente do orgulho é o medo. Aliás, foi o pri-meiro sentimento manifestado pelo primeiro casal lá no Éden, de-pois da queda - "...tive medo, e me escondi"16.

Pode parecer estranho para muitos colocarmos o medo como ruto do orgulho, pois aparentemente dá impressão contrária. Al-

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guém com medo parece-nos até humilde. No entanto precisamos conceituar bem o que chamamos de medo, pois existem medos e medos. O medo, instinto de preservação, é saudável e dependemos dele em nossa vida diária. Quem é que não sente um frio na espi-nha ao passar por um beco escuro onde se sabe que muitos são as-saltados? Eu, por exemplo, não posso subir em lugares muito altos e ficar bem na beirada de um prédio ou precipício, pois tenho me-do de cair lá de cima. Existe também o medo de animais repug-nantes, como a barata. Qual é a mulher que não tem medo de bara-ta? Eu diria que esse também é um medo muito bom, pois o ho-mem sente-se um verdadeiro herói quando socorre a donzela ame-drontada por uma barata. Nenhum rapaz é atraído por aquela me-nina que mata a barata sem nenhum temor. Vai aqui, de graça, um conselho para as mocinhas que estão em busca do seu príncipe en-cantado. Se você não tem medo de barata, finja ter. Nunca me es-queço do que me disse aquela moça já madurona depois da minha palestra: "Ah! Agora sei por que não me casei até hoje; nunca tive medo de barata!".

O medo a que me refiro como fruto da soberba é bem mais su-til, e, certamente foi o medo de Adão e Eva no Éden. É o medo da rejeição. A necessidade de sentirmo-nos aceitos é natural e saudá-vel até certo ponto, mas pode tornar-se uma preocupação neurótica que nos paralise totalmente.

Uma maneira bem objetiva de perceber-se esse medo em ação é observando as fases por que passam todos os casamentos. A primeira é a fase do deslumbramento ou da lua de mel. É a fase que perdura do namoro. Durante o namoro conseguimos esconder-nos do outro mostrando apenas a nossa face polida. É o jogo em que todos estamos envolvidos na sociedade humana. O jogo do es-conde-esconde. Dois jovens iniciam um relacionamento através das virtudes que percebem um no outro. E, nesse perío-do,conseguem esconder os aspectos negativos e desagradáveis, vi-sando à conquista. Às vezes as unhas aparecem, mas são rapida-mente recolhidas, não provocando um grande desconforto. Isto se dá pelo fato de não estarem ainda debaixo do mesmo teto. Mas depois de casados, vivendo agora mais tempo juntos, não conse-

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guem mais se camuflar. Essa fase do deslumbramento perdura por algum tempo, durante o casamento, mas logo se dissipa, pois nin-guém consegue viver num clima de auto-policiamento, como nu-ma longa contenção que impeça a pessoa real de vazar. Logo, logo as unhas aparecem e lá se vai o deslumbramento, e o casamento entra assim na fase do descobrimento, ou, segundo alguns na "lua de fel".

É esse o medo a que me refiro. O medo do desnudamento. Esse medo é magnificamente descrito no livro de lohn Powell Por Que Tenho Medo de lhe Dizer Quem Sou, da Editora Crescer. Vale a pena lê-lo cuidadosamente para compreender esse mecanismo que faz-nos fechar a porta para o outro nos conhecer. Esse medo é fru-to do nosso orgulho, pois não queremos que o outro descubra o que não somos. Precisamos sentir-nos aceitos e valorizados, e as-sim, acabamos vivendo no nível do eu – ideal e não do eu – real. Os perfeccionistas geralmente são tímidos e introspectivos por es-tabelecerem padrões muito altos, que eles próprios não atingem. E o medo que os leva a trancar a porta da intimidade.

Não há como escapar da fase do descobrimento, por mais que tentemos esconder-nos. O que geralmente acontece nessa fase é um clima de contínua competição. Por sentir-se vulnerável cada um começa a atacar o outro, concentrando-se nas suas falhas e fraquezas, o que só faz exacerbar o clima de competição. O grande perigo por que passam todos os casamentos é estacionar nessa fase. Conheço casais competindo por mais de trinta anos. Atualmente, muitos preferem o rompimento. A maior ofensa que se comete contra o cônjuge acontece nessa segunda fase, que é querer mudá-lo. Quando eu quero mudar o outro estou passando um sentimento de rejeição que provoca um maior endurecimento nas relações, pois o que de fato comunico é que você é o proble-ma e que, se você mudasse tudo estaria resolvido. Sendo assim, coloco-me numa posição de superioridade que diminui e magoa o outro.

No livro Santidade ao Seu Alcance17 menciono a nossa experi-ência conjugal na vivência dessa segunda fase. Nós combinamos jogar aberto, contando tudo um para o outro. O que aconteceu é

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que só eu abria as minhas fraquezas e pecados, a Déa só falava em tese. Ela dizia: "Meu bem, eu também sou muito pecadora!".

Mas ela não contava fatos, e isto fazia com que eu me sentisse um miserável pecador, pensando nela como a santa donzela que não tinha ou não vivia os mesmos conflitos que eu vivia.

Paul Tournier, em Mitos e Neuroses18 afirma ter chegado à conclusão de que mais mulheres do que homens vão à igreja devi-do ao mal-estar da consciência. Segundo ele, o homem é dado à ação e a mulher ao sentimento. Os pecados da ação manifestam-se visivelmente; os do sentimento, em geral, permanecem inconsci-entes. O homem desonesto em seus negócios não pode ir à igreja e ouvir a pregação do evangelho sem se sentir mal. Entretanto a mu-lher, que é ciumenta, ou que detesta a sua nora, pode ouvir um sermão sobre o amor e recebê-lo, sem sentir mal estar algum.

Penso que era exatamente isto que acontecia conosco. Mas houve um momento em nossa história que minha esposa começou também a abrir comigo as suas fraquezas e pecados. Eram confli-tos em áreas diferentes, mas senti-me ótimo, pois estávamos agora num desnudamento real. O que estávamos descobrindo é que éra-mos iguais. Que não havia melhor e pior. Era tudo pior, ou seja, éramos igualmente pecadores que precisávamos estar quebranta-dos aos pés da cruz para experimentar o poder do sangue. É so-mente naquele lugar de quebrantamento em que não mais nos con-centramos no outro, para mudá-lo, que entramos na terceira fase do casamento: A fase do aprimoramento, ou da "lua do Céu". Per-demos o medo da rejeição e passamos a experimentar a maior tor-ça operadora de mudanças que é a aceitação. Quando eu me aceito falho, aceito também que o outro seja falho e paro de querer mu-dá-lo.

Outro fruto que nasce do orgulho é insegurança. Percebo que a maioria das pessoas tem uma certa dose de insegurança. Quando me pego inseguro, numa determinada situação, começo a avaliar-me e chegou a descobrir a peçonha da soberba por trás da minha insegurança. Lá está o vírus causador dos nossos maiores males. Percebo que a insegurança acontece por medo de ser diminuído, ou de não ser valorizado como acho que devo, de ser rejeitado por

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não saber ou não ter capacidade de realizar determinadas coisas, de ser preterido, etc. Aí então eu paro e me pergunto a mim mes-mo: "Por que você está tão inseguro? Parece que está sentindo-se rejeitado? No fundo a sua preocupação não é com o que os outros pensam de você? Você não é surpresa para Deus. Ele o aceita do jeito que é com seus limites e deficiências. Você não precisa ser um sucesso para Ele condescender em andar com você. Seu pro-blema é com os outros. Você precisa é do reconhecimento e lou-vor dos outros."

O Espírito Santo não deixa por menos. Ele vai lá no fundo e to-ca na ferida: "Perceba, meu filho, que o real problema é você res-valando para o centro. Você está buscando a luz dos holofotes da aprovação humana.

Aí, então, sou levado ao pó. O único jeito é por a cara no chão e tratar face a face com Deus e sair totalmente curado pela graça da aceitação.

A insegurança pode revelar também uma excessiva preocupa-ção com a auto-imagem. Existem aqueles que se esmeram tanto no que fazem não pelo fato de querer algo bem feito, mas sim por ne-cessidade de aprovação. É o caso, por exemplo, da dona de casa que fica aflitíssima se o marido fala com ela, em cima da hora, que uma visita está para chegar. O mundo parece desabar sobre ela, pois não irá conseguir fazer boa figura. Certamente ela irá receber o visitante cheia de insegurança e o marido já sabe que mais tarde será degolado.

Continuando então em nossa prospecção interior, indo o mais fundo que conseguimos dentro de nós, chegamos aos famosos com plexos de inferioridade e de superioridade Percebo que não nos importamos muito quando nos acusam de ares de superioridade. Alguns até gostam de ser vistos assim. No entanto, toda ostentação esconde um sentimento de inferioridade. Um bom teste para avali-ar a nossa saúde emocional é perceber a nossa reação diante de e-logios públicos feitos a outras pessoas. Quem tem complexo de superioridade não suporta ouvir tais elogios e logo procura dimi-nuir a pessoa ou o feito daquele que está sendo honrado ou elogia-do: "Não entendo porque tanta louvação, eu teria feito muito me-

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lhor!". Se não expressa com palavras, pelo menos pensa e fica embur-

rado, pois queria os holofotes em si. Quem é consumido pelo complexo de inferioridade ou baixa

auto-estima reage de forma diferente. Fica também emburrado lamentando-se da incapacidade de ser ou fazer aquilo que leva o outro a ser honrado e respeitado: "Puxa vida! Eu sou um zero à esquerda. Parece que Deus chove mais nas hortas dos outros do que na minha!".

O problema é o mesmo, pois quem reage assim gostaria é de ter o foco sobre a sua pessoa.

Quando a Palavra de Deus afirma que não devemos pensar de nós além do que convém19, significa que é tão enfermo subesti-mar-se como superestimar-se.

A competição é outra forma de provar superioridade. De um modo geral podemos dizer que existe uma competição saudável que é a que promove todos os tipos de esporte. Não é errado competir numa partida de futebol desejando a vitória, aliás, o contrário é que poderia ser doentio; alguém que competisse sem-pre buscando a derrota. No entanto a dificuldade em aceitar a derrota, ou de não valorizar a vitória do outro pode revelar bas-tante a respeito de certas patologias interiores. Percebo no fana-tismo esportivo por um determinado clube algo bastante revela-dor do torcedor. Aquele torcedor que chamamos de "doente" é alguém que precisa muito da vitória do seu clube para agregar valor à sua pessoa. A vitória do seu clube é a sua vitória, que lhe garante valor pessoal.

E o que dizer da competição entre igrejas, entre pastores, entre denominações, entre para-eclesiásticas? Muitas vezes podemos justificar tais competições em nome da pureza doutrinária, ou do zelo pela causa, ou ainda por determinada visão ministerial. Mas, a bem da verdade, o que realmente está por trás, minando a verda-deira espiritualidade é o pecado da soberba, promovendo toda sor-te de disputas e maledicências.

Por que será que, às vezes, aparece dentro de nós, um senti-mento de alegria com o fracasso do outro, ou então de tristeza com

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o sucesso do outro? A razão desses sentimentos pecaminosos, em-bora bem acobertados, é que o sucesso do outro ressalta o nosso fracasso e o fracasso outro evidencia o nosso sucesso. Daí a expli-cação para a praga da maledicência. Por que concentrarmo-nos nas coisas negativas das pessoas e comentarmos sobre elas? Exata-mente por esta razão. Pois, ao concentrarmo-nos no ruim dos ou-tros achamo-nos melhores.

Outro fruto indesejado da soberba que revela a quebra do pri-meiro princípio do Reino é a frustração. Por que somos apanha-dos, muitas vezes, com um sentimento de frustração, principal-mente depois de realizarmos algo? Vamos analisar a experiência de Maria e Marta recebendo Jesus em sua casa:

"Indo eles de caminho, entrou Jesus num povoado. E certa mu-

lher chamada Marta, hospedou-o na sua casa. Tinha ela uma irmã chamada Maria, e esta quedava-se assentada aos pés do Senhor a ouvir-lhe os ensinamentos. Marta agitava-se de um lado para ou-tro, ocupada em muitos serviços. Então se aproximou de Jesus e disse: Senhor, não te importas de que minha irmã tivesse deixado que eu fique a servir sozinha? Ordena-lhe, pois, que venha ajudar-me. Respondeu-lhe o Senhor: Marta! Marta! andas inquieta e te preocupas com muitas cousas. Entretanto, pouco é necessário, ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte e esta não lhe será tirada." (Lc 10.36-42).

Não havia nada de errado com o que Marta estava fazendo e,

certamente estava fazendo o seu melhor. Eram tarefas domésticas que alguém teria de fazer. No entanto encontramo-la visivelmente irritada e frustrada. Seria tão somente por ter sido deixada traba-lhando sozinha? Não encontramos nenhuma repreensão de Jesus a Maria. Se fosse uma questão de negligência preguiçosa de Maria certamente Jesus a teria repreendido, mas, pelo contrário, Jesus a elogia e repreende a Marta:

- Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coi-sas!

Jesus foi muito gentil e não atacou de imediato os seus moti-

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vos, mas certamente o que provocava aquela atitude de irritada frustração eram os seus falsos motivos. Imagino que Marta racio-cinou assim:

- Puxa vida! Jesus vai estar aqui em casa e eu preciso deixar tudo muito limpo e arrumado, e também, fazer muitas coisas gos-tosas para ele.

Não havia nada de errado com esses pensamentos. O problema é que Maria raciocinou totalmente diferente:

- Que maravilha! Jesus vai estar aqui em casa sem toda aque-la gente que o segue, e eu poderei fazer-Lhe tantas perguntas que se avolumam dentro de mim!

Tenho a nítida impressão que Marta estava querendo impres-sionar Jesus com o seu trabalho e Maria estava tão somente seden-ta, sem nenhuma intenção de fazer boa figura. Jesus então faz uma declaração surpreendente:

- Maria escolheu a boa parte que não lhe será tirada. Isto me leva a refletir sobre o trabalho que dizemos fazer para

Jesus. Quais são as minhas reais motivações? A frustração sempre aparece quando a minha motivação é receber os elogios por aquilo que estou fazendo. Se os elogios não aparecem então começo a culpar os outros e a lamuriar:

- Ninguém reconhece o meu esforço! Todo mundo só quer mo-leza! Só eu dou duro para realizar as coisas e ninguém reconhece!

E assim derramamos toda a nossa bílis sobre os outros, cheios de frustração.

Eu tenho de perguntar-me continuamente com que motivação faço as coisas, e muitas vezes, apanho-me frustrado por não ter si-do reconhecido pelo meu trabalho. Quando isto acontece, eu sei que saí do trilho da adoração e cai na armadilha da auto-promoção.

Devemos também prestar bastante atenção na falsa modéstia, ou falsa humildade. Isto geralmente acontece quando recebemos elogios e para não parecermos orgulhosos começamos a dizer:

- Não dê glórias a mim, dê glórias ao Senhor! Existem pessoas que têm grande dificuldade de receber elogi-

os, pois pensam que devem rechaçá-los, querendo com isso de-

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monstrar humildade; o que não passa de falsa humildade. A ver-dadeira humildade não busca o elogio, mas o aceita, reconhecendo com alegria ter sido um instrumento nas mãos de Deus. Por isso o problema não está nas pessoas nos elogiarem, mas em buscarmos os elogios.

É muito interessante observar que tanto no início de Israel co-mo nação como no início da Igreja, Deus matou por serem falsos adoradores. No capítulo 10 de Levítico está narrada a trágica mor-te de Nadabe e Abiu, filhos de Arão, por trazerem "fogo estranho" ao altar e em Atos 4.32-5.11 a morte de Ananias e Safira por en-cenarem uma entrega mentirosa de oferta visando o reconheci-mento das pessoas. Vamos ler cuidadosamente o texto de Atos:

"Da multidão dos que creram era um o coração e a alma. Ninguém

considerava exclusivamente sua nem uma das coisas que possuía; tu-do, porém, lhes.era comum. Com grande poder os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em todos eles havia abundante graça. Pois nenhum necessitado havia entre eles, porquan-to os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam os valores correspondentes e depositavam aos pés dos apóstolos; então se distri-buía a qualquer um à medida que alguém tinha necessidade. José, a quem os apóstolos deram o sobrenome de Barnabé, que quer dizer fi-lho da exortação, levita, natural de Chipre, como tivesse um campo, vendendo-o trouxe o preço e o depositou aos pés dos apóstolos. En-tretanto, certo homem, chamado Ananias, com sua mulher Safira, vendeu uma propriedade, mas de acordo com sua mulher, reteve parte do preço, e, levando o restante, depositou-o aos pés dos apósto-los.Então disse Pedro: Ananias, por que encheu Satanás teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo, reservando parte do valor do campo? Conservando-o, porventura, não seria teu? E, vendido, não estaria em teu poder? Como, pois, assentaste no coração este desíg-nio? Não mentiste aos homens, mas a Deus.Ouvindo estas palavras, Ananias caiu e expirou, sobrevindo grande temor a todos os ouvintes. Levantando-se os moços, cobriram-lhe o corpo e, levando-o, o sepul-taram. Quase três horas depois, entrou a mulher de Ananias, não sa-bendo o que ocorrera. Então Pedro, dirigindo-se a ela, perguntou-lhe:

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Dize-me, vendestes por tanto aquela terra? Ela respondeu: sim, por tanto. Tornou-lhe Pedro: Por que entrastes em acordo para tentar o Espírito do Senhor? Eis aí à porta os pés dos que sepultaram o teu marido, e eles também te levarão. No mesmo instante caiu ela aos pés de Pedro e expirou. Entrando os jovens, acharam-na morta e, levan-do-a, sepultaram-na junto do marido. E sobreveio grande temor a toda a igreja e a todos quantos ouviram a notícia destes acontecimentos." (At 4-32-5:11).

Por que Deus foi tão severo tirando a vida dessas pessoas?

Penso que Ele queria pontuar para todos nós a seriedade da adora-ção. Precisamos entender bem o que aconteceu. A punição sobre Ananias e Safira não foi por terem retido parte do valor, pois Pe-dro deixou bem claro: "Conservando-o não seria teu, e vendido, não estaria em teu poder?".

Portanto, não havia obrigatoriedade de vender e trazer aos pés dos apóstolos. O problema foi a tentativa de aparentar uma coisa e fazer outra. Eles deram a impressão que estavam doando tudo, como fez Barnabé, mas estavam retendo uma parte. Eles cobiça-ram o reconhecimento que viram Barnabé receber, e por isso si-mularam, uma "entrega total". Eles provavelmente, dominados por um sentimento de soberba, ou de superioridade não suportaram ver outro ser reconhecido, e, cobiçaram assim o louvor da comu-nidade. Voltaram para casa depois da oferta de Barnabé murmu-rando e criticando:

- Você viu, mulher, quanta louvação ao Barnabé por causa da sua oferta? O nosso sítio dá de dez naquele sítio mixuruca que ele doou. O que você acha Safira, da gente vender o nosso e dar só a metade? A metade do nosso é muito mais do que tudo que Barna-bé deu. Agora, não vamos falar que estamos doando só a metade, vamos dar a entender que estamos dando tudo. Você concorda?

- Claro meu bem que concordo! Vai ser maravilhoso todos os irmãos ressaltando o nosso feito. Penso até que o Pr. Pedro irá fazer um destaque especial da nossa oferta no seu sermão e tam-bém colocar no boletim de domingo como um exemplo de dedica-ção!

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A nossa vida cristã também recebe uma sentença de morte e definha quando, igualmente, realizamos qualquer coisa com o ob-jetivo de atrair sobre nós o foco do louvor. Deus deixou-nos esses exemplos tão drásticos para que percebêssemos a seriedade da questão. Eu preciso sondar continuamente as minhas motivações, e, quantas vezes descubro-me um falso-adorador. Quando estamos atentos à malignidade do nosso coração podemos correr para o Trono da Graça e receber o bálsamo curador do sangue de Jesus que purifica-nos de todo o pecado, e, assim sermos conduzidos a andar naquelas obras preparadas de antemão para nós20, que quan-do vistas trazem glória ao nosso Pai celestial21. RESULTADOS DA VIVÊNCIA DO PRINCÍPIO

Agora, vejamos os resultados de uma vida realmente quebran-

tada, que tem plena consciência de sua total dependência de Deus por reconhecer-se, de fato, "pobre de espírito". O resultado princi-pal é respirar já o clima do reino, pois o texto diz: "Bem aventu-rados os pobres de espírito porque deles é o reino de Deus". O tex-to não diz, deles será o Reino um dia no futuro, mas deles já é o Reino.

Outro resultado evidente é uma contínua vida de adoração. Temos a tendência de pensar em adoração como cantar hinos de louvor. Adoração é muito mais do que isso. A conversa de Jesus com a mulher samaritana deixou bem claro uma nova dimensão da adoração, não mais limitada a tempo e lugar. Paulo colocou a ado-ração como um modo de viver: "Quer comais, quer bebais, ou fa-çais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus"22.

Nunca vou esquecer-me daquela aula para crianças de 8 a 10 anos sobre adoração. Para ajudar as crianças na reflexão do que é adoração comecei a perguntar o antônimo de certas palavras:

- Qual o antônimo de alegre? - Triste! Responderam em uníssono. - Qual o antônimo de feio? - Bonito! Também em alegre uníssono. E assim prossegui perguntando o antônimo de velho, de pobre,

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de simpático, de bom, etc. Até chegar à adoração. - Qual o antônimo de adorar? Eu não esperava a resposta que tive. Thaís, 10 anos, muito a-

tenta, levantou a mão e respondeu com convicção: - Reclamar. Eu confesso que nunca tinha visto a murmuração como o opos-

to de adoração, talvez por não ter entendido até então a adoração como um modo de viver. Mas, que lição magnífica eu estava a-prendendo ali através de uma criança. Isto me levou a muitas re-flexões e pude então perceber que todas as vezes que estamos re-clamando de qualquer coisa, estamos fazendo o contrário de ado-rar.

Por quê? Pode você estar perguntando. Se, Deus é de fato o Senhor Soberano sobre todas as coisas23.

Se, nem um fio de cabelo cai de nossa cabeça sem o Seu consen-timento24. Se, todas as coisas cooperam para o bem dos que o a-mam25. Então a expectativa que Ele tem a nosso respeito é de darmos graças em toda e qualquer situação26. Quando eu reclamo, estou reclamando de Deus. ''Como o Senhor permitiu, que eu per-desse o emprego? Como o Senhor permitiu que meu filho morres-se? E assim por diante."

Precisamos também entender que Deus tem duas vontades: Sua vontade real e Sua vontade permissiva. Não é da vontade real de Deus que uma pessoa adultere. No entanto, Ele não irá amarrá-la nalgum lugar para impedi-la de pecar. Essa pessoa jamais poderá adorar a Deus pelo seu adultério, afirmando que Deus o consentiu. Todo sofrimento que experimentará será fruto de sua rebelião. Portanto, existe sofrimento que é resultado do nosso pecado. Mas existe muito sofrimento que não é por pecado direto de quem está sofrendo. Este é o grande tema do livro de Jó. O "em tudo daí gra-ças" de Tessalonicenses 5.18 como vontade expressa de Deus não inclui, portanto, o dar graças pelos pecados que cometemos, pois isto nos tornaria totalmente irresponsáveis por eles. Uma pessoa pode estar passando por penúria financeira por causa do pecado da preguiça, mas outro poderá estar passando por igual penúria não ocasionada por qualquer pecado seu. É aqui que os "amigos de

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Jó", adeptos da teologia da prosperidade, cometem uma grande in-justiça com pessoas que estão sofrendo por atribuírem pecados em suas vidas para explicar o seu sofrimento. OS ENSINOS DE JESUS NO CORPO DO SERMÃO

Por fim, vejamos agora quais os ensinamentos de Jesus no cor-

po do Sermão do Monte que explicitam este princípio da adoração. Como vimos no capítulo 4, a Constituição do Reino, cada bem-aventurança é o enunciado de um princípio que Jesus expandiu no corpo do sermão.

• Mateus 6.1-18. Este texto nos fornece três exemplos muito importantes: . 1°) Ao fazer o bem "Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos homens, com o... fim de serdes vistos por eles, d'outra sorte não tereis galardão junto de vosso Pai Celeste. Quando, pois, deres esmola, não toques trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que eles já re-ceberam a recompensa. Tu, porém, ao dares a esmola, ignore a tua esquerda o que faz a tua direita; para que a tua esmola fique em secre-to; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará". Dizem que comemos mais ovos de galinha do que de pata por-

que a galinha, depois de botar, faz uma enorme propaganda e a pa-ta não. Muitos de nós cacarejamos como a galinha depois de fa-zermos uma boa ação. Jesus está dizendo que ao fazermos isso já recebemos o nosso galardão, ou seja, o louvor das pessoas. Se o que estamos buscando é o louvor das pessoas então já o recebe-mos, mas não o galardão d'Aquele que vê em secreto.

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2°) Ao orar "E quando orardes, não sereis como os hipócritas porque gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos dos homens. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompen-sa. Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai que está em secreto; e teu Pai que vê em secreto te re-compensará. E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios, porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos. Não vos assemelheis, pois a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe o de que ten-des necessidade, antes que lho peçais". Jesus deixa-nos bem claro que existe espiritualidade ostentató-

ria. Precisamos, portanto, avaliar cuidadosamente como tem sido a nossa postura, para não cairmos no engodo de uma espiritualidade de fachada.

Será que Jesus está ensinando aqui que não devemos pedir pelo fato de Deus já saber do que precisamos?

Não é esta a questão, mas em fazer-se vãs repetições, com o in-tuito de ser ouvido por "encher" a paciência de Deus. Jesus está dizendo que a verdadeira oração é um relacionamento de amor en-tre Pai e filho, onde o Pai sabe das necessidades do filho, e tem prazer de ver o filho expondo com liberdade os seus desejos. No entanto isto não inclui ficar repetindo e repetindo, como a criança mimada que quer muito uma determinada coisa e fica falando sem parar para conseguir a atenção do pai e assim ser atendida. Jesus está dizendo que com Deus não é assim.

3º) Ao jejuar Quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas;

porque desfiguram o rosto com o fim de parecer aos homens que jejuam. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa. Tu, porém, quando jejuares, unge a cabeça e lava o rosto, com o fim não de parecer aos homens que jejuas, e sim ao teu Pai, em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará".

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A grande pergunta que temos de fazer a nós mesmos é: Que re-compensa eu quero? A dos homens ou a de Deus?

Aquele que tudo faz em busca da recompensa ou louvor dos homens chegará à glória do Pai como que através do fogo. Suas obras, disse Paulo, como palha, se queimarão. Mas aquele que fez para o Pai que vê em secreto, suas obras, como ouro depurado pe-lo fogo, receberá do Pai o verdadeiro louvor27. Parece-me que muitos de nós não nos importamos muito com a questão do galar-dão. Lembro-me de um senhor que dizia: "Se no Céu eu for lixeiro estará tudo bem. O importante é estar lá." j

Mt 6.9-13 "Portanto, vós orareis assim: Pai nosso, que estás nos Céus, santifica-

do seja o teu nome; venha o teu reino, faça-se a tua vontade, assim na ter-ra como no Céu; o pão nosso de cada dia dá-nos hoje; e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores; e não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal, pois teu é o Rei-no, o poder e a glória para sempre. Amém."

Colocar a oração do Pai Nosso dentro do Princípio da Adora-

ção tem por objetivo demonstrar que toda oração genuína, quer se-ja petição, intercessão, confissão, louvor, é, na realidade, um ato de adoração. Pois, é através da oração que estamos afirmando nos-sa total dependência de Deus e reconhecendo Sua Soberania sobre todas as coisas.

Jesus não nos deixou este modelo de oração para que se tornas-se um tipo de mantra em que papagueamos estas palavras sem que passem pela nossa mente. Foi este tipo de prática que acabou le-vando as igrejas evangélicas a tirar, de sua liturgia essa reza deco-rada. No entanto, devemos perceber nesta oração um modelo per-feito e completo daquilo que deve ser nossa oração diária. Minha esposa e eu passamos a orar o Pai Nosso todos os dias detendo-nos em cada uma das nove declarações.

Quando oramos 'Venha o teu reino'', por exemplo, nós pedimos detalhadamente a vinda do governo de Jesus sobre todas as áreas

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de nossa vida: nosso casamento, nossos filhos, nossas finanças, nosso ministério, e assim, prosseguimos detalhando tudo aquilo sobre o que queremos ver o governo de Jesus atuando. Fazemos o mesmo com cada uma das declarações e então percebemos como é completo este modelo deixado por Jesus para nos nortear na ora-ção.

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Capítulo 6

O Princípio do Servir

"Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados" (Mt 5.4)

Estaria Jesus afirmando com esta expressão que os emotivos

são bem aventurados? Será que existe uma virtude especial nos que choram diante de uma cena bonita, ou até diante de um ato he-róico?

Não me parece ser esse o enfoque de Jesus. Ele está focalizan-do as lágrimas da compaixão e também do genuíno arrependimen-to. Isto porque os emotivos ou que choram por qualquer coisa, não precisam de consolo. Suas lágrimas, geralmente, são de alegria e não de pesar, mas os que choram por compaixão ou arrependimen-to receberão o consolo.

DEFININDO O PRINCÍPIO

A sensibilidade que Jesus ressalta na expressão "Bem-

aventurados os que choram" é a sensibilidade espiritual que se ex-pressa de duas maneiras: 1ª) Sensibilidade ao próprio pecado

É o mesmo que quebrantamento, ou pronta atitude de assumir responsabilidade pelo erro cometido sem atribuir culpa a outros. Significa assim contrição ou tristeza pela falta cometida. É bem-

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aventurado, ou feliz, ou sadio, aquele que não está endurecido pelo engano do pecado, que está pronto a lidar com o seu pecado sem a tendência de pensar que os seus problemas ou pecados existem por culpa dos outros. Uma pessoa pode ficar tão endurecida pelo en-gano do pecado que acabará desenvolvendo uma síndrome – A síndrome de vítima. Toda vez que errar procurará atenuar sua cul-pa atribuindo-a a outros ou, até mesmo, a Deus.

Lembro-me de uma jovem linda que parecia ter uma vida bem piedosa, mas que acabou atolando-se em pecados grosseiros e des-truidores. Lá, bem no fundo do poço, não encontrei uma pessoa quebrantada, mas uma jovem amarga, atirando farpas em todos. Eu ouvi dos seus lábios: "Eu não sei como foi que Deus me deixou fazer todas estas coisas!".

Na realidade, ela estava inocentando-se e culpando Deus pelos seus pecados.

São essas as pessoas que estão continuamente procurando os culpados pelos seus problemas e sofrimentos, e, conseqüentemen-te, estão sempre empenhados em mudar os outros. É aquele mari-do que quer mudar a esposa, por entender ser ela a grande causa-dora de todos os seus males, ou, ao contrário, a mulher que atribui ao marido os seus sofrimentos, e que suspira: "Ah, se meu marido mudasse!".

Os possuidores dessa síndrome são profundamente cobradores, pois são auto-centrados. Não saíram da infância em que a criança age como se o mundo convergisse em torno dela. Tais pessoas não amadureceram emocionalmente e por isso cobram de tudo e de to-dos.

"Os que choram" são aqueles que já descobriram que os seus problemas não estão do lado de fora, mas do lado de dentro. O meu problema não é a casa em que moro, ou os filhos que tenho ou minha esposa, ou meu patrão, ou minha igreja, ou meu país. O meu problema sou eu. Reagir com as pessoas ou situações exter-nas esperando sempre que os outros mudem, ou resolvam os meus problemas promove o endurecimento que é o contrário de que-brantamento.

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2ª) Sensibilidade aos pecados e/ou problemas do outro Somente aquele que se enxerga pecador, responsável pelos

seus próprios erros e que chora por causa deles é que será compas-sivo com os outros pecadores. Aquele que chora pelos próprios pecados chorará também pelos do próximo.

São, portanto, bem aventurados aqueles que se empatizam com o próximo. "Empatia" é uma ótima palavra, mas pouco usada. Empregamos mais a palavra "simpatia". Ambas têm a mesma raiz que é a palavra "pathos" que significa dor ou sofrimento. Daí vem a palavra patologia, que significa "estudo da dor, ou do sofrimen-to". "Pathos" mais o prefixo "syn" forma a palavra "simpatia", que significa "sofrer com". "Pathos" mais o prefixo "em" forma "em-patia", que significa "sofrer em" ou "sofrer dentro".

Você pode estar pensando: "Até agora não ajudou muito esse negócio de ver a etimologia das palavras. Parece mais diletantismo de pregador".

Vejamos então um exemplo interessante: Suponhamos que uma pessoa perdeu um filho querido num acidente, e que passou por um período de grande dor e sofrimento. Tal pessoa, depois de restaurada emocional e espiritualmente, é chamada para consolar uma família que está chorando a perda de uma pessoa muito que-rida. Ao chegar naquele lugar de muitas lágrimas ela pode abraçar as pessoas sofridas e dizer: "Eu compreendo a dor de vocês, pois passei também por esse vale. Isto é simpatia". É sofrer com".

Agora, pense em você, que talvez nunca teve uma perda tão grande, e que é chamado a consolar alguém que sofre. Ali, vendo a dor daquela mãe, você chora com ela como se fosse, seu filho. Isso é "empatia". Sofrer em, ou dentro. Sofrer por identificação pro-funda. Sofrer por olhar a vida pelo prisma do outro. Isto aconteceu comigo uma vez. Fui levado a uma casa onde havia uma mãe con-sumida pela dor da perda de seu filho de 25 anos. Havia sido as-sassinado brutalmente. Essa mulher, separada do marido, havia perdido há dois anos uma filha, também de forma trágica. Ali es-tava ela atirada sobre a cama querendo somente a morte, pois ha-via desistido de tudo. O que eu poderia dizer a ela? Fui tomado por um sentimento de compaixão tal que me levou a ajoelhar ao

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lado de sua cama e chorar como nunca chorei até hoje. Foi a me-lhor coisa que fiz, pois Jesus não disse "aconselhai os que cho-ram", mas "chorai com os que choram".

Aliás, é muito importante salientar que temos a tendência de dar soluções simplistas diante da dor alheia. É irritante observar aqueles que se acham no direito de dar conselhos na hora que de-veriam chorar. Tenho a nítida impressão de que as pessoas sen-tem-se incomodadas com a dor dos outros e também culpadas de não darem uma solução. Pensam que as pessoas quando abrem su-as dores estão esperando conselhos. É o que as pessoas menos querem. O que o sofredor está precisando não é de explicações, ou esclarecimentos sobre o seu problema, ou pregação exortativa para permanecer firme no meio da dor, mas alguém que o escute e con-siga orar e chorar com ele.

Você já viu como as pessoas se sentem desconfortáveis num velório? Existe palavra mais idiota do que "meus pêsames" ou "meus sentimentos" para dizer-se ao enlutado? É muito melhor não falar nada, e dar um abraço sincero de condolências do que fi-car preocupado em dizer alguma coisa. O que sempre faço nessas ocasiões é dar um abraço e dizer com sinceridade: "Deus te aben-çoe e te sustente".

E muitas vezes, não digo nada, só abraço. Em síntese "os que choram" são aqueles que são sensíveis ao

seu pecado, sendo, portanto, pessoas quebrantadas, ou seja, que olham para a vida não como vítimas, mas como responsáveis pelos erros cometidos e, que, por isso, são igualmente sensíveis ou com-passivos com os pecados e/ou problemas do próximo, procurando ver a vida pelo prisma do outro, desenvolvendo assim a compreen-são de servo. Daí chamarmos este segundo princípio de Princípio do Servir.

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CONSEQÜÊNCIAS DA VIOLAÇÃO DESTE PRINCÍPIO

Eu violo este segundo princípio do Reino quando me torno

uma pessoa auto-centrada, olhando para vida e para os outros de uma forma errada, entendendo que os outros são os responsáveis pelos meus problemas e que existem em função de me servir.

Quero aplicar-lhes um teste interessante: • Imagine-se numa noite bem fria usufruindo do conforto a-

conchegante do seu lar. Tocam a campainha e você vai atender. Lá fora está um mendigo sujo e maltrapilho. Qual será a sua reação interior? Aceitação ou rejeição?

• Imagine-se numa outra noite fria, igualmente confortável,

dentro do seu lar. Tocam a campainha e você vai atender. Lá fo-ra está um casal muito elegante com um lindo pacote nas mãos. Qual será a sua reação interior? Aceitação ou rejeição?

Provavelmente, a reação de todos nós seja a mesma. O mendi-go causa em nós um sentimento de rejeição por ser alguém que certamente quer alguma coisa de nós, enquanto que o casal elegan-te pode ser alguém que esteja trazendo-nos algo interessante, ge-rando assim em nós um sentimento de aceitação. Isto prova-nos que a nossa natureza é intrinsecamente pecaminosa e auto-centrada. pois olhamos para o nosso próximo sempre esperando ser servidos e não servir.

No reino de Satanás ou reino das trevas, é considerado grande aquele que tem muitos servos, mas no Reino de Deus é grande a-quele que serve a muitos.

Vejamos, portanto as conseqüências inevitáveis de uma vida auto-centrada:

Egoísmo ou egocentrismo. É a postura da pessoa que vê sem-

pre os outros como seus devedores. Ela está sempre pensando nos outros de forma utilitária.

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Insensibilidade ou endurecimento para com os próprios pe-cados. Quem é auto-centrado tenderá sempre a justificar-se dos er-ros atribuindo-os aos outros.

Insensibilidade para com os pecados e/ou problemas do

próximo. A pessoa endurecida será sempre fria e indiferente, para com os pecados ou problemas do outro.

Oração vazia e sem efeito. A oração egocêntrica faz de Deus

meu servo. Estarei sempre voltado para os,.meus interesses, inca-paz de derramar-me pelos outros, pois minha atitude será continu-amente de cobrança, até de Deus.

A oração do servo é muito diferente, pois seu alvo é mais a-bençoar do que ser abençoado. Lembro-me de uma pregação de Juan Carlos Ortiz numa série de conferências que realizou na costa oeste dos EUA em que ironizava as "rezas" das orações auto-centradas e apresentava a oração do servo como a oração do ver-dadeiro discípulo de Jesus. O servo não ora transferindo para Deus toda a responsabilidade, mas ora colocando-se em suas mãos para ser usado como resposta. O egocêntrico até quando pede pelos ou-tros o faz de maneira irresponsável: "Senhor, abençoa o irmão Ro-berto com um emprego, e não demore em responder, pois ele está passando por grandes necessidades, e eu reivindico de ti essa res-posta urgente."

A oração do servo é totalmente diferente: "Senhor, tu me in-formaste da situação de desemprego do irmão Roberto e venho a ti para saber o que o Senhor quer que eu faça?".

Ortiz conta que no final daquelas conferências abriu espaço pa-ra testemunhos, pois queria saber o que havia sido retido dos seus ensinamentos. Uma jovem senhora falou da importância que foi para sua vida a compreensão da oração do servo. Disse ela que de-pois daquela noite em que o pregador falou sobre a maneira do servo colocar-se nas mãos de Deus disponível para ser usado co-mo resposta da oração ela voltou impactada para casa, pois vinha orando por uma amiga que havia se mudado para um local a 3.000 quilômetros de distância daquela maneira irresponsável faz de

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Deus um servo. Ela voltou para casa orando diferente: - Senhor o que Tu queres que eu faça pela minha amiga, pois

me sinto angustiada e preocupada com ela? Naquela mesma noite decidiu fazer uma ligação interurbana. A

outra levou um susto, pois não esperava que a amiga fizesse uma ligação tão cara, e foi logo perguntando:

- O que foi que houve? Por que você está me ligando a uma hora dessas? Aconteceu alguma coisa grave?

- Não, eu só estou ligando para lhe dizer o quanto a amo e como tenho me sentido angustiada e cheia de preocupação com você. Eu quero saber como você está.

A outra caiu em prantos e respondeu: - Só pode ser Deus quem mandou você me ligar, pois eu estava

aqui desesperada querendo suicidar-me. Ficaram mais de 40 minutos no telefone orando, chorando e

louvando a Deus. Tudo isso porque uma serva perguntou ao seu Senhor: - O que Tu queres que eu faça? Tendo pregado há alguns anos atrás este princípio na Terceira

Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte ouvi do Pr. Marcelo Gual-berto o seguinte testemunho:

- Esta verdade tocou-me tanto que comecei a fazer a oração do servo em muitas situações em que antes eu devolvia pra Deus de for-ma irresponsável.

- Eu, muitas vezes, ficava revoltado com os governantes pelo desca-so que percebia com certas regiões onde o povo estava passando fome. Certa noite, assistindo um documentário sobre a miséria numa das re-giões mais pobres do nosso estado, eu me vi orando a oração do servo:

- Senhor, o que Tu queres que eu faça? - Eu fui desafiado por Deus e levei o desafio para a Igreja. E, o

resultado foi que assumimos o compromisso de sustentar a todos os moradores daquele município carente, que eu tinha visto na televi-são, com cestas básicas por seis meses, até que chegassem as chuvas e eles pudessem ter uma colheita. Foi algo maravilhoso que abenço-ou a todos nós, pois estávamos sendo as mãos de Deus suprindo a-quele povo carente.

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É importantíssimo frisar que o verdadeiro servo não sai fazen-do as coisas simplesmente porque alguém tem de fazer algo, por isso estou falando em oração do servo. Ele tem de perguntar ao Senhor:

- O que Tu queres que eu faça? Não é fazer por fazer. É fazer debaixo do comando do Cabeça

que é Cristo. Caso contrário seríamos esmagados pelas necessida-des. O verdadeiro servo não é comandado pelas necessidades, nem tampouco por um sentimento de culpa diante da miséria humana, mas por uma direção clara do Senhor, pois é tão pecado não fazer o que Deus nos mandou fazer, como fazer o que Ele não nos man-dou. Não fazer o que Ele manda é pecado de rebelião, mas fazer o que Ele não manda é pecado de pretensão.

A oração do servo não promove um ativismo desordenado, mas uma postura de prontidão para ouvir o comando do Cabeça do corpo que é Cristo, para assim "andarmos nas boas obras que Ele preparou de antemão para nós"1.

Hipocrisia religiosa. O mundo está cansado de um discurso re-

ligioso de amor ao próximo que não se efetiva na prática. Jesus a-tacou severamente a hipocrisia religiosa através da parábola do bom Samaritano:

"E eis que certo homem, intérprete da lei, se levantou com o in-tuito de pôr Jesus em provas, e disse-lhe: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? Então Jesus lhe perguntou: Que está escrito na lei? Como interpretas? A isto ele respondeu: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tu-as forças e de todo o teu entendimento; e amarás o teu próximo como a ti mesmo. Então Jesus lhe disse: Respondeste corretamen-te; faze isto, e viverás. Ele, porém, querendo justificar-se, pergun-tou a Jesus: Quem é o meu próximo? Jesus prosseguiu, dizendo: Certo homem descia de Jerusalém para Jerico, e veio a cair nas mãos de salteadores, os quais, depois de tudo lhe roubarem e lhe causarem muitos ferimentos, retiraram-se deixando-o semi-morto. Casualmente descia um sacerdote por aquele mesmo caminho e, vendo-o, passou de largo. Semelhantemente um levita descia por

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aquele lugar e, vendo-o também passou de largo. Certo samarita-no, que seguia o seu caminho, passou-lhe perto e, vendo-o, com-padeceu-se dele. E chegando-se, pensou-lhe os ferimentos, apli-cando-lhes óleo e vinho; e, colocando-o sobre o seu próprio ani-mal, levou-o para uma hospedaria e tratou dele. No dia seguinte ti-rou dois denários e os entregou ao hospedeiro dizendo: Cuida des-te homem e, se alguma cousa gastares a mais, eu to indenizarei quando voltar. Qual destes três te parece ter sido o próximo do homem que caiu nas mãos dos salteadores? Respondeu-lhe o in-térprete da lei: O que usou de misericórdia para com ele. Então lhe disse: Vai, e procede tu de igual modo." (Lc 10.25-37).

Nesta parábola percebemos nitidamente três diferentes filosofi-as de vida:

1 - A filosofia dos salteadores - O que é teu é meu. Esta é a filosofia do mundo cão em que vivemos, onde muitos

pisam no seu próximo e o exploram porque o importante é ter, não importando o como ter. Vemos isto acontecer de mil maneiras to-dos, em que verdadeiros salteadores olham para o seu próximo desta forma utilitária: "Como posso tirar vantagem dessa pessoa?"

Muitos são assim usados, explorados, assaltados, porque aque-les que fazem do ter o seu objetivo perderam totalmente de vista a perspectiva do ser.

2 - A filosofia dos religiosos - O que é meu é meu. É o que vemos nas figuras do sacerdote e do levita. Diz o texto

que vendo o homem caído passaram de largo ou de longe; ou seja, não quiseram nem ver a real condição do homem para não se en-volverem nem ao menos emocionalmente.

Vamos imaginar aquele líder religioso descendo de Jerusalém para Jericó enlevado pelo culto maravilhoso que havia dirigido, degustando ainda as compreensões do amor de Deus pelo pecador, ilustrado nos sacrifícios que havia oferecido, de acordo com as leis cerimoniais. Havia compreendido também que esse Deus miseri-

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cordioso exigia do seu povo o mesmo comportamento para com os semelhantes. No entanto, ao ver aquele homem caído, sua mente ficou obnubilada e, talvez, tenha feito, até mesmo, críticas severas à política dos seus dias que não oferecia maior segurança contra os assaltantes: "Não posso envolver-me com isso, pois não é meu problema e, além do mais, tenho que dirigir um estudo bíblico da-qui a pouco em Jerico".

Assim, em todo tempo, o que regia o seu comportamento era uma filosofia, ou modo de ver a vida - O que é meu é meu – É meu o meu tempo, é meu o meu dinheiro, e uso-os apenas em be-nefício próprio. é a lei da selva: "Cada um viva a sua vida, e o res-to que se vire!".

Imaginemos também o Levita que pertencia ao grande coral do templo, descendo de Jerusalém para Jerico cantarolando, com a sua voz empostada de tenor, a linda ária da qual era o solista, da cantata maravilhosa que estavam ensaiando para a Páscoa. Ao ver o homem caído passa de longe, pois sua alma sensível de artista não pode ser tocada por sentimentalismos de ajuda aos carentes, pois afinal das contas para que servem os impostos extorsivos que pagamos. "Além do mais, tenho um ensaio com o meu naipe, da-qui a pouco em Jerico".

Ele também estava sendo regido pela mesma filosofia - O que é meu é meu.

Jesus" estava atacando severamente a hipocrisia religiosa dos que têm um discurso de amor ao próximo dissociado de uma práti-ca de serviço ao próximo.

3 - A filosofia do genuíno cristão - O que é meu é teu. Esta filosofia é a que vemos na figura do samaritano. Curiosa-

mente, Jesus coloca um samaritano no papel do genuíno cristão para confrontar ainda mais os soberbos judeus que tinham nos sa-maritanos um povo desprezível, composto por aqueles israelitas que foram miscigenados com outros povos durante o cativeiro as-sírio e que não foram levados para o cativeiro babilônico. Tendo ficado em Samaria durante o cativeiro na Babilônia acabaram apa-rentando-se mais e mais com os gentios, formando assim uma raça

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mesclada de judeus e gentios. Os "genuínos" judeus os despreza-vam por não serem judeus puros.

O samaritano passa perto e constata a seriedade da situação e envolve-se de corpo e alma. Numa leitura cuidadosa do texto per-cebemos que ele passou aquela noite na hospedaria cuidando do assaltado, dedicando seu tempo, seu sono, seus cuidados. Tendo que prosseguir viagem deixa-o aos cuidados do hospedeiro assu-mindo todas as responsabilidades financeiras.

O genuíno cristão, portanto, é aquele que olha para o próximo da perspectiva de ser seu servo - O que é meu é teu.

Somos discípulos d'Aquele que disse: "Eu não vim para ser ser-

vido, mas para servir."2 Esta parábola mostra-nos assim que o cristão é chamado a en-

volver-se como servo. Lembro-me muito bem de quando preguei, há muitos anos a-

trás, esta mensagem, quando ainda pastoreava a Igreja Batista Central de Belo Horizonte. Eu não tenho por hábito ficar à porta cumprimentando as pessoas depois do culto. Geralmente perma-neço lá na frente conversando com aqueles que me procuram. Es-tava ali conversando, quando Flávio me abordou:

- Tem um rapaz estranho aí fora querendo conversar com você. Quase que eu me descartei dizendo para ele: - Ora, cuide você dele! Mas a pregação estava tão fresquinha na mente que eu não tive

jeito de escapar. Fui em direção da pessoa e "passei perto" e me envolvi.

Levei-o para minha casa naquela noite. (Hoje entendo que po-deria tê-lo levado para uma hospedaria, pois deveria proteger a minha família). Lanchamos juntos, depois dele ter se banhado e colocado a roupa que eu lhe dei, e coloquei-o em nosso quarto de hospedes dizendo-lhe que no outro dia iríamos conversar mais profundamente sobre os seus problemas. No outro dia eu tinha de sair bem cedo para deixar as crianças na escola e só voltaria na ho-ra do almoço. Deixei-o em casa com uma tarefa: cortar a grama do nosso jardim. Na minha volta para o almoço iríamos conversar.

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Quando cheguei, por volta das 12h30, lá estava a grama do mesmo tamanho.

- Por que você não cortou a grama? Fui logo perguntando. - Mas eu cortei, respondeu ele. - Cortou coisa nenhuma, olha só, está do mesmo tamanho! Sua resposta foi totalmente inusitada: - Quando eu penso que fiz, eu já fiz! Fiquei pasmo por alguns instantes, mas percebi estar, realmen-

te, diante de um problema sério. Com muito jeito fui conversando com ele e consegui algumas

informações valiosas. Descobri que ele morava em Trombudo Central, uma pequenina cidade do interior de Santa Catarina. Con-segui falar com a telefonista daquela cidade tentando descobrir a sua família. Quando lhe contei a história ela pediu-me que aguar-dasse na linha, e saiu em busca da irmã do rapaz. Dentro de pou-cos minutos, a sua irmã estava falando comigo e me fazendo mil perguntas para identificar se era mesmo seu irmão. Quando perce-beu que era, de fato, seu irmão ela começou a chorar e a me agra-decer.

- Moço, o senhor não faz idéia do bem que nos fez. Nós está-vamos desesperados sem notícias dele, pois ele fugiu daqui aluci-nado no dia em que viu o nosso irmão mais velho suicidando-se.

Deu um trabalhão enorme fazê-lo chegar de volta à sua casa, mas senti-me um privilegiado. Era como se eu estivesse sendo, naquele momento, as mãos de Deus amparando o fraco e necessi-tado. Descobri ali, naquele dia, a verdade maravilhosa das pala-vras de Jesus: "Mais bem aventurado é dar do que receber"3.

Percebo assim que só vivemos de fato quando nos doamos.

Quando saímos do nosso egocentrismo e olhamos para o outro da perspectiva correta de servos.

Em Filipenses 2.3 o apóstolo Paulo exorta-nos a não fazermos nada por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, conside-rando cada um os outros como superiores a nós mesmos. Eu sem-pre tive dificuldade de compreender este texto. Como poderia con-siderar uma determinada pessoa superior a mim se a tal pessoa não

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tinha nada que evidenciasse isto? No entanto prosseguindo no tex-to de Filipenses encontramos a resposta: "Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsis-tindo em forma de Deus não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de ser-vo...".

Devemos olhar para os outros sempre dessa perspectiva: Eu sou seu servo. É neste sentido que olhamos para os outros como superiores, não como melhores ou de maior capacidade, mas como alguém de quem eu sou servo. É assim no Reino de Deus. Fomos chamados para servir, e nossa vida só encontra significado quando olhamos para o nosso próximo desta maneira. Será que Jesus está ensinando, que nós, os seus filhos, somos os responsáveis em re-solver os problemas de fome e miséria do mundo? Parece-me que não. A pergunta é: Quem é o meu próximo?

Através desta parábola Jesus está nos ensinando a estar atentos a situações comuns em nossa vida diária que poderão exigir de nós envolvimento. Certamente, todos nós, todos os dias, vamos ter al-guém que vai precisar de nós, e a nossa tendência carnal vai ser escapar. Isto não quer dizer que teremos que sair recolhendo todos os mendigos das ruas, a não ser que Deus nos faça um chamado bem específico neste sentido. Nós temos a tendência de pensar somente em envolvimento financeiro. Talvez o envolvimento fi-nanceiro seja o mais fácil. Mas, o que dizer daquela pessoa chata que quer alugar o nosso ouvido com as suas abobrinhas. Geral-mente descartamo-nos de tais pessoas. Mas ali pode estar um pró-ximo precisando de nossa atenção amorosa.

Em se tratando de ação ou assistência social precisamos de al-gumas percepções. Eu, por exemplo, sinto-me sempre, profunda-mente abatido, quando um menino ou uma menina de rua bate à janela do meu carro pedindo dinheiro. Dentro de mim cresce uma dor por aquela situação. Eu já me coloquei inteiramente nas mãos de Deus para deixar tudo o que faço e dedicar-me ao resgate dos menores de rua. No entanto isto só pode ser feito com uma con-vicção muito forte de um chamado claro de Deus. Pois, qualquer ação que seja fruto de uma emoção passageira, não perdurará. Ou,

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ações sociais realizadas por sentimento de culpa também serão in-frutíferas. Ações sociais conseqüentes são aquelas nascidas de um chamado específico de Deus.

Resolvi não mais dar dinheiro às crianças nas ruas, pois desco-bri muitos profissionais da mendicância usando-as como meio de arrecadação. Passei então a canalizar a minha doação para o proje-to de apadrinhamento da Visão Mundial por ser uma das organiza-ções mais abalizadas na realização de projetos sociais que operam no Brasil. OS RESULTADOS DA OBSERVAÇÃO DESTE PRINCÍPIO

"Bem-aventurados os que choram porque serão consolados." Vejamos os resultados práticos na vida daqueles que são que-

brantados e que se empatizam com o próximo: • Serão consolados por experimentarem a maravilhosa sensa-

ção de perdão dos seus pecados. • Serão consolados por verem a operação de Deus na vida do

próximo por seu intermédio. • Serão consolados por verem a resposta de Deus às suas ora-

ções, nas quais, muitas vezes, foram usados como instrumentos de Deus.

• Serão consolados por perceberem que o genuíno quebranta-mento torna-os mais sensíveis às necessidades do outro.

• Serão consolados por descobrirem a longanimidade de Deus para consigo levando-os a serem longânimos com o próximo.

• Serão consolados pela alegria de servir ao invés de ficarem esperando ser servidos.

• Serão consolados por extinguirem um espírito de cobrança que os levava sempre a olhar para os outros como devedores.

• Serão consolados pela liberdade adquirida de olhar o mundo da maneira de Jesus: "Não estou no mundo para ser servido, mas para servir e doar a minha vida".

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OS ENSINOS DE JESUS NO CORPO DO SERMÃO

Vejamos agora o que aparece no corpo do sermão do monte es-

tá relacionado a este princípio, pois esta é a nossa tese, que os oito princípios são expandidos no corpo do sermão, e obviamente por todo o Novo e Velho Testamento. Portanto, pode ser um trabalho altamente gratificante pesquisar em toda a Bíblia os textos corres-pondentes a estes oito princípios centrais do Reino de Deus. Cer-tamente que, numa pesquisa desta natureza, você irá descobrir ou-tros princípios que poderão enriquecer em muito o seu entendi-mento do Reino de Deus.

Na busca pelo entendimento a respeito de quais são os princí-pios permanentes e quais são as regras temporárias, percebemos em diversas situações que o estabelecimento de uma regra faz-se necessário para a defesa de algum princípio. O cuidado que temos de ter é o de perceber quando a regra torna-se obsoleta na defesa de tal princípio, pois mantê-la quando ela não mais defende prin-cípio algum é o que gera a doença do legalismo que atrofia e mata a verdadeira espiritualidade.

Deixe-me dar um exemplo: Talvez seja necessário estabelecer uma regra quanto aos Motéis. Suponhamos que fique estabelecido por uma determinada comunidade evangélica que os seus mem-bros, mesmo os casais casados, não freqüentarão motéis, por terem se tornado um antro de prostituição. No entanto, um determinado membro daquela comunidade viaja para os EUA e lá hospeda-se num Motel. Quando a liderança da igreja toma conhecimento promove a disciplina daquele irmão. Acontece que nos EUA mo-tel não tem a conotação de antro de prostituição como aqui. Por-tanto para lá a regra não tem qualquer validade na defesa do prin-cípio da santidade sexual.

Quais são os ensinamentos de Jesus no corpo do sermão do monte relacionados a este princípio?

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"Vós sois o sal da terra; ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe res-taurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pi-sado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte; nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos os que se encontram na casa. Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso pai que está nos céus." (Mt 5.13-16). Jesus emprega aqui duas figuras muito esclarecedoras dos re-

sultados da nossa atuação no mundo: 1ª) O sal O sal tem duas propriedades muito importantes. Sabor e pre-

servação, ou conservação. Penso que Jesus está assinalando aqui que o servo é quem dá sabor agradável ao meio onde vive, pois sua atuação é para fora, assim como o sal. O sal desfaz-se para dar sabor, ou valorizar os alimentos. Assim também é o servo. O após-tolo Paulo declarou: "Eu de boa vontade me gastarei e ainda me deixarei gastar em prol da vossa alma"4.

O sal também preserva ou conserva os alimentos, impedindo a sua deterioração. Assim também o servo. Ele mantém o meio sau-dável por viver em função de servir e não de ser servido. Isto im-pede a deterioração de uma sociedade que é facilmente corrompi-da pelo egocentrismo, onde cada um procura o outro de forma uti-litária. É o servo que salga a sociedade impedindo-a de deteriorar-se totalmente, pois a sua atitude a permeia de um significado mai-or. A malignidade é contida por almas livres, voltadas para a doa-ção de si mesmas promovendo a conservação dos valores do Rei-no de Deus.

2ª) A luz É importantíssimo perceber que Jesus não está dizendo que nós

devemos ser sal e luz, mas que já somos. Em João 8.12 Jesus afirma ser a luz do mundo, e aqui em Ma-

teus 5.14 Ele diz que nós somos a luz do mundo. Podemos extrair

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daqui uma verdade maravilhosa. Parafraseando podemos dizer que Jesus é o sol e nós somos a lua. Ele tem luz própria e nós somos os seus satélites. Ele disse: "Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo."5

Mas tendo voltado ao Pai, nos passamos a ser os seus satélites, verdadeiros anteparos de sua luz, projetando-a na face escura da noite em que o mundo se encontra. O mundo não pode ver mais a Jesus senão em nossas faces e é numa face de servo que mostra-mos Jesus ao mundo.

Estão totalmente equivocados aqueles que querem apresentar Jesus na face do conquistador, do poderoso, dos números que im-pressionam, das bênçãos materiais que atraem. Ele só é visto na-queles que estão curvados lavando os pés do próximo, munidos apenas de uma bacia e uma toalha.,

A luz que ilumina os passos do perdido é a luz do servo que trabalha nas caladas da noite em busca do cansado e do aflito. A luz que orienta o que navega na imensidão do oceano, no turbilhão dos vagalhões que querem afundar sua tosca embarcação, é a luz dos que refletem a luz daquele que disse: "Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus. Se eu sou o Senhor dos ventos e das tempestades vocês podem descansar em mim. Eu sou a luz do mundo, quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida.".

Mateus 5.43-48: "Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo

e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos ini-migos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos. Porque, se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os gentios também o mesmo? Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste"

A ordem "amai os vossos inimigos" e "orai pelos que vos per-seguem"nos intriga e acabamos achando ser algo utópico ou im-possível a nós pobres mortais. O que Jesus teria em mente colo-cando-nos diante de tais ordens?

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Primeiramente, precisamos compreender o que é amar? Temos a tendência de pensar na palavra amor como sendo um emoção. Em nossa cultura a palavra amor ou amar, assumiu este significa-do emocional. Pensamos que amar alguém é ter um sentimento de querer estar perto, abraçar e fazer carinho, etc. Por isso excluímos totalmente da mente a possibilidade de se amar um inimigo. Como eu poderia querer a companhia daquela pessoa ou fazer-lhe carí-cias? É impossível!

No entanto, amar é muito mais do que sentir. Amar é uma ati-tude que melhor seria compreendida pela palavra servir. O texto mais adequado para uma devida compreensão do que seja "amar o inimigo" é Romanos 12.17-21:

Não torneis a ninguém mal por mal; esforçai-vos por fazer o bem

perante todos os homens; se possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os homens; não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira; porque está escrito: A mim me pertence a vingan-ça; eu é que retribuirei, diz o Senhor. Pelo contrário, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque fa-zendo isto, amontoarás brasas vivas sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem."

Amar o inimigo, portanto, é suprir-lhe as necessidades. "Tudo quanto quereis que os homens vos façam, assim fazei-o

vós também a eles; porque esta é a lei e os profetas"6. Esta é a chamada Lei Áurea. Nós gostamos de ser servidos e

bem tratados. Não é errado gostar disso. O que Jesus nos ensina aqui é tornar essa intenção por base ao agirmos para com o nosso próximo.

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Capítulo 7

O Princípio da Submissão

"Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra". (Mt 5.5)

Os dois primeiros princípios estabelecem a base do edifício es-

piritual do Reino de Deus que é amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Este terceiro princípio é também de fundamental importância porque introduz-nos na compreensão do nosso papel de apenas mordomos e não donos do que Deus co-loca em nossas mãos, até mesmo da nossa própria vida.

Antes de mais nada, é muito importante perceber o que a ex-pressão "manso" não significa:

• Não significa alguém de caráter fraco. Jesus intitulava-se manso e humilde de coração", no entanto, vemo-Lo derrubando as mesas dos cambistas de uma forma bastante agressiva. • Não significa alguém que pratica a filosofia de "paz a qual-quer preço". Existem aqueles que para viverem em paz engo-lem "gatos e lagartos". Eu diria que esta atitude é uma das mai-ores responsáveis pelas enfermidades nos relacionamentos conjugais. Lembro-me do Senhor Pedro. Sua esposa dizia: "Eu e o Pedro

estamos casados há quase 50 anos e nunca brigamos!"' Aparentemente podia-se pensar que era o casal perfeito, que

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vivia em plena harmonia conjugai. No entanto a realidade era ou-tra. O senhor Pedro queria a paz e para tanto se anulou totalmente para conseguir viver com aquela mulher dominadora. Certo dia chegou em casa e já não morava mais lá. Ela havia decidido mudar e fez a mudança sem dar a mínima satisfação a ele.

Isto é sinal de um bom casamento? Não, pois um bom casa-mento tem de ter confronto. Um bom casamento exige que os côn-juges se enfrentem e se respeitem. Mansidão, portanto, não é anu-lação. DEFININDO O PRINCÍPIO

Qual, então, é o significado de "manso"? "Manso" é aquele que se submeteu inteiramente ao Senhor, en-

tregando-lhe todos os seus direitos e pertences, entendendo assim que não é mais dono de nada, nem mesmo de sua própria vida, mas tão somente um administrador dos bens do Senhor. Daí cha-marmos este princípio de Princípio da Submissão. A essa experi-ência de "entrega total" damos o nome de "Plena Submissão".

Há uma tendência em nossos arraiais evangélicos de acreditar ser possível uma pessoa receber a Cristo apenas como Salvador e não como Senhor. Vamos nos imaginar um automóvel. Quem está no volante ou no controle de nossas vidas? A Palavra de Deus é bem clara ao afirmar que todos nós nascemos sob a regência satâ-nica1, ou seja, com Satanás no volante. O que é conversão? Não pode ser uma aceitação parcial de Jesus colocando-o apenas no lu-gar do carona. Conversão genuína é a colocação de Jesus no co-mando de tudo.

Existe esta disputa teológica hoje, alguns entendem que ao fa-larmos em conversão ao senhorio de Cristo seria acrescentar es-forços humanos à graça. Provavelmente esta disputa é o resultado de um pensamento bem comum, que percebe a conversão como um ato imediato, quando a conversão talvez seja um processo em que vamos nos convertendo até o ponto da rendição plena. Quando esta se dá, estamos de fato convertidos ou regenerados. Muitos que começam e não dão frutos são cortados fora, como vemos em

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João 15. Estariam perdendo a salvação? Não, pois, de fato, nunca a tiveram. Assemelham-se à semente que caiu sobre o terreno ro-choso e também à semente que caiu entre os espinhos2. Tais se-mentes chegaram a brotar, mas não deram fruto permanente. O en-tendimento da parábola do semeador leva-nos a perceber que e-xistem aqueles que recebem a Palavra com alegria, e permane-cem por um tempo, mas os cuidados deste mundo e a fascinação das riquezas sufocam a semente impedindo-a de crescer e de dar frutos.

Evidentemente, estas são aquelas pessoas que recebem a Cristo parcialmente e em seus corações outros interesses competem com Jesus e acabam vencendo. Declarar tais pessoas convertidas por-que um dia "aceitaram" a Jesus é um tremendo equívoco; pois, o quê significa "aceitar" Jesus senão submeter-se ao Seu governo em todas as áreas da vida? Portanto, concordando com a tese de Cal-vino, devemos declarar que o salvo não perde a salvação. No en-tanto, precisamos rever o que chamamos de salvo. Salvo não é al-guém que um dia atendeu um apelo e foi batizado e freqüenta a i-greja mas sua vida não evidencia obediência aos mandamentos de Jesus. As duas principais evidências de uma pessoa salva são: fo-me de obediência e arrependimento. Portanto, uma pessoa salva comete pecados, mas arrepende-se deles. Sendo assim, a maior e-vidência de uma genuína conversão não é nunca errar, mas arre-pender-se e consertar o erro cometido.

Contrariando o Arminianismo que afirma a salvação como fru-to da perseverança, devemos crer que o salvo irá perseverar. De-vemos, assim, olhar para a perseverança como conseqüência da salvação e não como causa. Pois, se a perseverança é causa então nós é que estamos nos salvando.

Jesus deixou bem evidente que os que fazem a vontade do Pai é que entram no Reino e não os que fazem milagres e prodígios:

Assim, pois, pelos seus frutos os conhecereis. Nem todo o que

me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profe-

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tizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então lhes direi explicita-mente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade".

Repudiamos, assim, um tipo de evangelho que procura dar a segurança da salvação a quem não deveria ter tal segurança, pois o que isto tem acarretado é uma crescente banalização da £é.

Ser manso, portanto, é ter consciência clara de estar inteira-mente submisso ao comando de Jesus desejando, acima de todas as coisas, alimentar-se de Sua vontade.

CONSEQÜÊNCIAS DA VIOLAÇÃO Lembrando que conseqüências físicas são decorrentes da viola-

ção de leis físicas, conseqüências espirituais surgirão por violar-mos leis ou princípios espirituais.

Como e quando violamos este terceiro princípio? Violamos este princípio de duas maneiras: 1ª) Permitindo falsos deuses no controle de nossas vidas Uma pessoa convertida poderá vir a quebrar este princípio in-

correndo no erro denunciado por Jeremias3: "Espantai-vos disto, ó céus, e horrorizai-vos! Ficai estupefatos, diz o Senhor. Porque dois males cometeu o meu povo: a mim me deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram cisternas, cisternas rotas, que não retêm as águas".

O que são essas cisternas rotas que não conseguem reter as á-guas? São fontes falsas de vida. Tudo aquilo que vier a constituir-se em nossa fonte de segurança ou de significado, ou desconten-tamento, torna-se uma "cisterna rota" ou um "deus falso, levando-nos a violar este princípio. Deixamos Deus, o nosso "Manancial de Águas Vivas , e começamos a cavar cisternas, ou seja, começamos a procurar significado fora de Deus. Conseqüentemente, destro-namos a Deus e nos guindamos ao trono, o melhor, uma divindade falsa vai para o trono e começa a nos controlar.

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Por que Deus exigiu de Abraão o sacrifício de Isaque? Em San-tidade ao Seu Alcance4 esta questão está bem explicitada e eu re-comendo a sua feitura. O fato central era a entronização de Isaque como deus de Abraão. Isaque tomou o lugar de Deus no coração de Abraão, e Deus não aceita ser segundo. Por quê? Por ser um megalomaníaco que quer sempre o primeiro lugar? Não. Mas por ver um filho deixando a fonte da vida, tentando encontrar vida noutro lugar onde ela não está. Seria o mesmo que vermos o se-dento deixando a fonte de águas saudáveis e indo em direção a um reservatório de gasolina para dessedentar-se. O coração do Pai so-fre por ver os seus filhos correndo em tantas direções à procura de significado, deixando-o de lado por não descobrir que n'Ele estão todos os tesouros que nossa alma anela.

Sendo assim, precisamos estar atentos, pois os deuses insinu-am-se em nossas vidas através de desejos legítimos. É legítimo uma jovem querer namorar e casar, é legítimo uma pessoa querer uma casa própria, é legítimo desejar possuir um automóvel. Mas, a ordem dos fatores, que, na matemática, não altera o produto, na vida espiritual altera, pois a Palavra de Deus declara: "Agrada-te do Senhor e Ele satisfará os desejos do teu coração"5. Precisamos entender bem o que é esse "agrada-te do Senhor", pois muitos são atraídos apenas pela segunda parte do versículo: "e Ele satisfará os esejos do teu coração".

A Palavra de Deus está nos ensinando que, ao colocarmos Deus como centro de nossa vida, fazendo d'Ele o nosso "Mananci-al de Águas Vivas", isto não elimina certos desejos legítimos. Em-bora tais desejos não nos controlem eles existem e Deus promete satisfazê-los. Parafraseando o texto poderíamos colocá-lo assim: "Quando descobrir que em Deus está toda a razão de viver, você não mais ficará correndo atrás de qualquer coisa para preencher vazios de sua alma, no entanto, perdurarão desejos que deixarão de ser dominantes, mas que são legítimos, e Deus, então, fará uma de duas coisas: ou os satisfará ou os tirará do seu coração".

Quando tais desejos tornam-se dominantes eles transformam-se em verdadeiras divindades, roubando assim o lugar de Deus em nossas vidas e nós passamos a curvar-nos diante de outros altares.

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Foi isto que aconteceu com Abraão e, por isso, Deus requereu-lhe a entrega total de Isaque.

2ª) Assumir o papel de dono Quando eu raciocino e vivo em função do ter e não do ser, eu

serei controlado pelas coisas e acabarei inexoravelmente "amando as coisas" e "usando as pessoas", diz-nos John Powell6, quebrando assim uma lei básica que rege a vida saudável que é "amar as pes-soas" e "usar as coisas". É esse sentimento de posse o principal causador da quebra deste terceiro princípio. Quando, então, somos controlados por qualquer divindade falsa que nos rouba Deus e também quando somos tomados pelo sentimento de posse, viola-mos o princípio da submissão e apresentamos vários sintomas pe-caminosos:

-Ansiedade Talvez o mais grave de todos, por ser um dos pecados mais su-

tis e mais tolerados por nós, por não a vermos como pecado. Ela surge através do orgulho, como podemos perceber em 1 Pedro 5. 6,7: "Humilhai-vos, portanto, sob a poderosa mão de Deus, para que ele, em tempo oportuno, vos exalte, lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós".

A ordem que recebemos aqui é de nos humilharmos sob a po-derosa mão de Deus para que Ele nos exalte no tempo d'Ele. Logo em seguida aparece o como humilhar-se: "Lançando sobre Ele to-da a vossa ansiedade porque Ele tem cuidado de vós". É daqui que depreendemos ser a ansiedade uma forma muito sutil de orgulho. É um sentimento pecaminoso por querer o controle do futuro. Por que o dinheiro nos fascina? Por fornecer-nos um certo sentimento de segurança quanto ao amanhã.

Ansiedade é o mesmo que preocupação (ocupar-se antes). Nós não temos ansiedade pelo bem, mas pelo mal. Diante de um bem que aguardamos temos expectativa e não ansiedade. Por isso Jesus disse para não andarmos ansiosos quanto ao futuro, pois "basta pa-ra cada dia o seu mal"7.

Só existe uma maneira de nos ocuparmos antes: "Não andeis

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ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas, di-ante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graças. E a paz de Deus, que excede todo entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus"8. Per-cebemos, assim, que a oração verdadeira é um ato de humilhação, pois é a declaração de nossa falência, de nossa impossibilidade, que nos está levando a depender inteiramente de Deus. Ansiedade é o contrário de orar. É angustiar-se por querer ter a solução em si mesmo. O resultado de lançar sobre Deus a nossa ansiedade, ou de fazer conhecida diante d'Ele as nossas petições, é ser tomado pela Sua paz, que excede todo o entendimento. Só nesta atitude de de-pendência está a cura da ansiedade.

Amargura A amargura acontece quando a nossa divindade é atingida: Fi-

camos ressentidos e amargurados com Deus por tocar naquilo que nos é tão sagrado. Ficamos também amargurados com as pessoas, no mais das vezes, por questões relativas aos nossos direitos inva-didos.

Irritação Assim como a dor e a febre são alarmes do nosso corpo que

nos alertam de problemas, a irritação é um alerta espiritual muito importante advertindo-nos da quebra deste importantíssimo prin-cípio.

Geralmente ficamos irritados quando nossos "direitos" são vio-lados. O que Deus espera é que percebamos que o servo não tem direitos, só deveres, e que devemos entregar a Ele a defesa do que consideramos ser nossos "direitos". Será que tenho consciência clara do que é ser servo? Talvez nos intitulemos servos de Deus, mas será que já entendemos que isto tem a ver com ser servo das pessoas? Ouçamos Jesus:

"Qual de vós, tendo um servo ocupado na lavoura ou em guardar o

gado, lhe dirá quando ele voltar do campo: Vem já e põe-te à mesa? E que, antes, não diga: Prepara-me a ceia, cinge-te e serve-me, en-

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quanto eu como e bebo; depois, comerás tu e beberás? Porventura, te-rá de agradecer ao servo porque este fez o que lhe havia ordenado? Assim também vós, depois de haverdes feito quanto vos foi ordenado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos fazer" (Lc 17-7-10).

Lembro-me da história contada por Larry Coy, no seu Seminá-

rio "Conflitos da Vida", de uma jovem que o procurou para acon-selhamento. Ela ficava muito irritada com a irmã mais nova por esta invadir os seus direitos usando suas roupas sem pedir e quase sempre as estragando. A situação atingiu o clímax no dia em que a irmã, às escondidas, usou sua calça novinha, que ela nem tinha es-treado, e a rasgou bem no joelho. Ela estava transtornada de tanta raiva. Larry Coy explicou cuidadosamente este princípio "de não sermos donos de nada, mas apenas mordomos". Mostrando para ela que as suas roupas, na realidade, eram propriedade de Deus, que estavam sob sua guarda, e que a ela competia apenas zelar de-las o melhor que pudesse. Entretanto, como não podia cuidar delas às 24 horas do dia, deveria confiar que Deus, sendo o dono, tam-bém não queria que as suas coisas fossem estragadas. Cabia à jo-vem consagrá-las a Ele, num ato consciente de entrega total, con-tinuando a cuidar delas como bom mordomo, mas deixando com Ele a guarda do que Lhe pertencia. Assim, como sugestão, ele lhe disse que, ao chegar em casa, ela deveria colocar todas as roupas sobre a cama como se fosse um altar e entregá-las totalmente ao cuidado do Senhor e descansar n^Ele. Disse-lhe também que se Deus permitisse que a irmã continuasse a usar e estragar suas roupas seria para testá-la, a fim de verificar se ela estava real-mente livre.

Conta ele que depois de um ano encontrou-se novamente com aquela jovem e foi logo perguntando pelas "roupas de Deus". Ela disse com euforia:

- Pastor Larry, minha irmã nunca mais estragou as roupas de Deus e, agora, quando quer usar alguma, pede-me emprestado. Foi-se embora toda a irritação e ficamos ótimas amigas.

Confesso que ouvi esta história com muito ceticismo achando

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ser papo de gringo. Anos mais tarde, quando pastoreava a Primeira Igreja Batista de Birigüi, ministrei estes princípios para toda a i-greja. Lembro-me bem de um domingo, depois de ter pregado so-bre este terceiro princípio, que, ao final do culto, abordei um cren-te novo, chamado José Carlos, sobre o que mais o irritava em sua casa. Ele disse-me sem rodeios:

- Meu irmão mais novo. Eu então quis saber os motivos de sua irritação. - Eu fico muito irritado quando chego em casa do trabalho e

verifico que ele arrancou folhas de meus cadernos, quebrou pon-tas de lápis, e tantas coisas mais, invadindo o que é meu. Eu sou muito cuidadoso com as minhas coisas, e isto me tira do sério!

Lembrei-me imediatamente da história das "roupas de Deus" contada por Larry Coy e resolvi testar o seu ensinamento. Expli-quei para o José Carlos, cuidadosamente, todo este princípio de "não ser dono de nada" e o desafiei a entregar o seu material ao Senhor num ato de inteira consagração. Passou o tempo e esqueci-me totalmente da nossa conversa. Quase cinco meses depois me lembrei e perguntei-lhe sobre o material escolar de Deus.

- Depois da nossa conversa fiz como você me falou, disse ele, e entreguei, de fato, o material escolar "de Deus" nas mãos d'Ele, e fiquei descansado e, curiosamente, meu irmão não tem mais es-tragado nada.

Eu, na minha incredulidade, achei que tudo aquilo não passava de uma grande coincidência e deixei pra lá.

Mudamos de Birigüi, aceitando o desafio de permanecer dois anos lecionando no Seminário Palavra da Vida, antes de voltar ao pastorado. Depois de um ano voltei a Birigüi para ministrar aos irmãos daquela amada igreja. Estava lá, na padaria do irmão Davi, quando José Carlos passou de bicicleta. Gritei por ele e fui logo perguntando:

- Como vai o "material escolar de Deus"? Ele abriu-se num largo sorriso e foi dizendo: - Tenho grandes novidades para lhe contar, disse ele. Eu fiquei

tão impactado com a questão do material escolar, pois meu irmão nunca mais o estragou, que eu comecei a prestar atenção em outras

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coisas que me irritavam. Uma outra coisa que me irritava muito e-ram os meus colegas de trabalho. Pois, tendo eu essa natureza muito organizada sofria muito com as minhas ferramentas de trabalho na fábrica. Cada funcionário tem suas próprias ferramentas que ficam nos escaninhos e esses escaninhos são abertos. Nós trabalhamos em turnos de 8 horas. Quando eu chegava para fazer o meu turno perce-bia que haviam usado as minhas ferramentas e isso me deixava lou-co. Então reconheci que Deus estava lidando comigo, pois eu estava violando o princípio do "não ser dono de nada". Apanhei as minhas ferramentas e tranquei-me no banheiro para orar e consagrá-las ao Senhor. Eu já sabia que Deus poderia deixar que continuassem a es-tragar as minhas facas para provar-me, por isso entreguei de cora-ção e descansei totalmente. Você quer saber o que tem acontecido?

- Vamos lá, pois estou curiosíssimo! - Antes dessa entrega minhas facas duravam no máximo dois me-

ses. Agora, elas chegam a durar mais de cinco meses e eu fiquei livre daquela irritação que me corroía por dentro.

Alguém poderia objetar: "Será que Deus vai se importar com as facas de um cortador de solas numa fábrica de calçados? Ora, Ele tem trabalho mais importante para fazer!".

Quem pensa assim desconhece o Deus das coisas pequenas. Um dos versículos mais fascinantes da Bíblia para mim é Mateus 10.30: "E, quanto a vós outros, até os cabelos todos da cabeça es-tão contados". O nosso Deus é o Deus do fio de cabelo. Ele é o Deus que se importa com as coisas pequenas. Por isso importou-se com as facas daquele jovem trabalhador de uma fábrica de calça-dos, e importa-se com você e comigo no nosso dia a dia cheio de pequeninas coisas que muitas vezes nos roubam a paz.

Preste bastante atenção nas coisas que o irritam, pois segura-mente são naquelas áreas que você acha que estão os seus direitos invioláveis. Parece que Deus está deixando alguém mexer lá. A-corde! Preste atenção!

Agora, é importante lembrar que nenhuma entrega acontece de fato se a fazemos como barganha a fim de termos aquilo que que-remos. O importante na entrega é a libertação que passamos a ex-perimentar por deixarmos a questão nas mãos do verdadeiro dono,

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confiando que Ele irá fazer exatamente o que deve ser feito. Facas durarem mais ou calças não serem mais rasgadas foi a solução de Deus para aqueles casos, mas as coisas não serão, necessariamen-te, sempre conduzidas dessa maneira. Deus, como dono de todas as coisas, agirá como achar que deve, mudando ou não situações. Em todo tempo, porém, o que Ele realmente está interessado é conduzir-nos à verdadeira liberdade. Um coração livre do domínio do ter, livre do domínio da posse.

Ódio Ser possuído pelas coisas pode gerar em nós verdadeiro ódio

contra aqueles que.ameaçam nossas posses. Quando falo de ser possuído pelas coisas não estou me referindo apenas a bens mate-riais, mas também pessoas. Se alguém nutre um sentimento de posse numa relação de amizade ou na vida conjugal, ela transfor-ma o outro em coisa a ser usada e consumida.

Avareza Avareza é o domínio do ter. Por isso a Palavra de Deus declara

que avareza, é idolatria, pois o avarento torna-se auto-centrado numa adoração de si mesmo, vivendo como se tudo existisse em função dele próprio.

RESULTADOS DA VIVÊNCIA DO PRINCÍPIO "Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra". Quem descobre que não é dono de nada, mas apenas um mor-

domo, realmente herda, ou usufrui a vida sobre a terra, de forma plena e cheia de paz. Os mansos experimentam também a Plenitu-de de Deus, sobre a qual nos fala Paulo em Efésios 3.14-19. Os mansos experimentam a gloriosa libertação do domínio de falsos deuses. Ser livre é que nos possibilita realmente de usufruir a vida sobre a terra, não mais dominados pelo ter. Podemos nos alegrar com a beleza do canto dos pássaros sem precisar aprisioná-los em nossa gaiola.

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OS ENSINOS DE JESUS NO CORPO DO SERMÃO

"Ouvistes que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Eu, po-rém vos digo: não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra; e, ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa. Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas. Dá a quem te pede e não voltes às costas ao que deseja que lhe emprestes". (Mt 5.38-42) Temos neste texto o ensinamento da não resistência ao pervero

e da prontidão em servir ao que nos solicita. Jesus nos ensina aqui quatro maneiras de não opormos resistência:

1 - Dando a outra face Assim como "o olhar com intenção impura" estabelece um re-

ferencial de alerta na questão da pureza sexual, o "dar a outra fa-ce" mantém-nos atentos na questão da ofensa pessoal. Quando somos atingidos reagimos imediatamente com agressão. Jesus está nos ajudando a perceber as nossas reações pecaminosas, para li-darmos com elas no seu nascedouro.

2 - Deixando a túnica Vemos aqui, igualmente, a questão do não se agarrar a nada. Se

o que está sob minha guarda é do Senhor, então Ele é o meu de-fensor. Eu não tenho que assegurar a posse de nada.

3 - Andando a segunda milha Havia uma lei romana que obrigava a todos os povos conquis-

tados sujeitarem-se aos cidadãos romanos que tinham direitos so-bre eles. Se um romano estivesse carregando um fardo pesado po-deria exigir que um conquistado levasse seu fardo por uma milha. Jesus ensina, então, a seus discípulos que, ao invés de ficarem re-voltados, sentindo-se humilhados, deveriam assumir a posição de servos indo além do que lhes foi exigido.

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4 - Doando ao que nos pede, e, não voltando as costas ao que nos pede emprestado

Novamente está presente aqui o princípio da administração, do abrir mão do possuir sem ser possuído pelas coisas.

"Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no Céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam; porque, onde está o teu te-souro, aí estará também o teu coração. São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso; se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em tre-vas. Portanto, caso a luz que em ti há sejam trevas, que grandes trevas serão! Não se pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas. Por isso, vos digo: Não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo, mais do que as vestes? Observai as aves do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros; contudo, vosso Pai celeste as sustenta. Porventura, não vaieis vós muito mais do que as aves? Qual de vós, por ansioso que esteja pode acrescentar um côvado ao curso da sua vida? E por que andais ansio-sos quanto ao vestuário? Considerai como crescem os lírios do cam-po: eles não trabalham nem fiam. Eu contudo, vos afirmo que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lança-da no forno, quanto mais a vós outros, homens de pequena fé? Por-tanto não vos inquieteis, dizendo: Que comeremos? Que beberemos? Ou: Com que nos vestiremos? Porque os gentios é que procuram to-das estas cousas; pois vosso Pai celeste sabe que necessitais de todas elas; buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a Justiça, e todas estas cousas vos serão acrescentadas. Portanto, não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados; basta ao dia o seu próprio mal". (Mateus 6.19-34)

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Há aqui cinco ensinamentos claros enfatizando o princípio da Submissão:

a) Não ajuntar tesouros na terra, mas ajuntá-los no céu O ajuntar tesouros na terra torna-nos autocentrados e isto, se-

gundo os padrões do Reino de Deus, é insanidade9. É comum a-firmar-se que não podemos levar nada daqui deste mundo. No en-tanto Jesus está afirmando neste texto que podemos e devemos le-var. O que levaremos daqui? Vidas ou pessoas. Por isso temos de investir os bens que vierem para as nossas mãos em vidas, pois as-sim estaremos ajuntando tesouros no céu, onde nem traça, nem ferrugem corroem.

b) Perceber que os olhos são as portas de entrada da alma Olhos maus são os olhos cobiçosos, e olhos bons são os olhos

dadivosos. Se alguém pensa que tem a luz de Deus, mas seus o-lhos são olhos cobiçosos, suas trevas são maiores ainda, pois esta-rá enganando-se de forma mais profunda. É exatamente o que ve-mos nas propostas da teologia da prosperidade, onde a ênfase no ter como evidência do ser obscurece a mensagem central do evan-gelho. As pessoas estão sendo atraídas para a "luz" do evangelho com promessas que acentuam a avareza, ou o ter, como evidência da fidelidade a Deus. Sendo assim o engano é maior, pois torna as pessoas muito mais cativas de Mamom, levando-as a entender que bênçãos materiais são as grandes manifestações da aprovação de Deus. Que grandes trevas são essas!

c) Não é possível servir a dois senhores Vemos Jesus aqui deixando claro que Mamom é uma divinda-

de que deseja ser servida. Sermos controlados por Mamom torna-nos seus servos. Impossibilitados, portanto, de servir ao Senhor.

d) Buscar o Reino de Deus em primeiro lugar Este é um dos textos mais ricos e claros sobre a necessidade de

ficarmos livres da opressão da ansiedade. Buscar o Reino de Deus e Sua Justiça e descansar n'Ele quanto às questões da nossa sobre-

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vivência é o fundamento da nossa saúde espiritual e emocional. e) Perceber que temos de enfrentar apenas o mal de cada dia Esta é uma das verdades mais libertadoras da ansiedade. Ansi-

edade é, na realidade, medo do mal no futuro. Jesus está desafian-do-nos a enfrentar com Ele o mal que poderá vir amanhã. Em ou-tras palavras, Ele está ensinando-nos a viver cada dia como se fos-se o único.

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Capítulo 8

O PRINCIPIO DA SANTIDADE

"Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque serão fartos". (Mt 5.6)

Todos os princípios do Sermão do Monte têm as suas aplica-

ções primeiramente no nível individual para depois atingirem o nível social. Portanto, fome e sede de ver justiça social, ou fome e sede de batalhar por causas justas, têm de ser conseqüência de se ter fome e sede de ser santo, de ser reto, de ser justo. Aquele que luta por justiça social ou por alguma causa justa sem ter ele pró-prio fome e sede de ser justo, certamente se tornará um demagogo. A busca por justiça deverá nascer daqueles corações sinceros que, diante de Deus, anelam por ser retos, santos e justos em todo o seu proceder.

O conceito católico de santidade ou de ser santo trouxe grande prejuízo para a mente de muitos de nós, pois obscureceu totalmen-te a verdade bíblica tornando-a estranha, distante e não atraente. Uma vida reclusa nos mosteiros, uma abstinência de determinados prazeres e certas penitência auto-flagelantes, têm levado muitos a não desejarem uma vida de santidade, e, até mesmo, a considerem utópica e irreal. A teologia católica com a sua prática de beatifica-ção e canonização deturpou completamente o ensinamento bíblico do que é ser santo e está a anos-luz distante do ensinamento mara-vilhoso das escrituras.

A prática católica vem da influência pagã do gnosticismo que

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estabelecia o pleroma, uma corrente de mediadores entre Deus e os homens, como uma escada de seres angelicais de acesso entre Deus e os homens. A teologia católica fez dos "santos" esse "ple-roma" de mediadores, tendo Maria no grau mais elevado da esca-da, sendo que tais mediadores, homens santos e piedosos, que em vida acumularam virtudes pela prática do bem, e, que, depois de mortos, podem distribuir bênçãos aos que buscam sua mediação.

A Escritura, no entanto ensina-nos que Jesus é o "Pleroma". "...porque aprouve a Deus que, nele, residisse toda a plenitude..."1 (pleroma). Por isso Paulo escrevendo a Timóteo afirma: "Porquan-to há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, Cris-to Jesus, homem..."2.

A canonização católica abrange três fases distintas para conso-lidar a presença do "santo" na escada de mediação, e conduzi-lo aos altares para ser venerado. A primeira é a introdução do proces-so informativo, preparado por uma diocese ou uma sociedade reli-giosa, sobre os escritos e as virtudes do candidato. Sendo aceito o processo, ele passa a percorrer os trâmites canônicos da Congre-gação para a Causa dos Santos. Pelo fato de ter sido recebido esse processo e de ter sido dado início à sua tramitação o candidato passa a ser considerado VENERAVEL, título que o propõe como modelo a ser imitado por haver praticado, em grau heróico, as virtudes, sem, contudo, permitir-lhe qualquer espécie de culto público.

A segunda fase é a BEATIFICAÇÃO. Depois de um longo e exigente processo quanto à genuína fidelidade doutrinal católico-romana do candidato e a comprovação de virtudes e realização de dois ou três milagres portentosos feitos sob a invocação do vene-rável, chega-se ao final dessa fase, cabendo somente ao Papa de-clará-lo BEATO ou BEM-AVENTURADO, passando a ter ele, ainda em caráter provisório, suas imagens expostas e cultuadas publicamente apenas no lugar do seu nascimento e nas terras onde viveu e onde exerceu suas atividades religiosas.

A terceira fase é a CANONIZAÇÃO, propriamente dita, sole-nemente celebrada pelo próprio "Sumo Pontífice", depois de com-pletado o inquérito processual canônico, incluindo-se outros três

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milagres feitos pelo beato. Com a canonização o "santo" passa a gozar do culto público em toda a "igreja" de rito latino e suas ima-gens podem ser expostas em toda parte.

Esta prática católica desvirtuou tanto o conceito bíblico de "santo" que fica até difícil demonstrar o que as Escrituras realmen-te ensinam.

É muito importante entender, antes de mais nada, o significado das palavras originais tanto no Velho como no Novo Testamento. No Velho Testamento a palavra traduzida por santo é "kadosh" e no Novo Testamento é "hagios", ambas significando separação especial para Deus. O curioso é que tais palavras nunca são em-pregadas para pessoas mortas. No Salmo 16.3, Davi declara que "aos santos que há na terra, ... os notáveis nos quais tenho todo o meu prazer". Já no Novo Testamento, a palavra só é empregada referindo-se aos cristãos. É o que vemos na introdução da maioria das epístolas de Paulo: "Paulo, apóstolo de Cristo Jesus por vonta-de de Deus, aos santos que vivem em Efeso e fiéis em Cristo Je-sus"3. Paulo não está endereçando suas epístolas para uma classe especial de cristãos que viviam de forma diferente dos demais, mas sim, a todos aqueles que, tendo se rendido ao governo de Je-sus, foram transportados do reino das trevas, para o Reino do Filho Amado, tornando-se assim santos, ou separados para Deus, ou, como diz-nos Pedro: "...raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus..."4.

Santo", portanto, é aquele que nasceu de novo por uma ação sobrenatural do Espírito Santo e assim é nova criatura., e agora, "separado" para Deus deseja viver "... para que anuncieis as virtu-des daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz"5.

O verdadeiro "santo" tem duas características básicas: A pri-meira é fome de obediência. Quem é nascido de Deus6 passa a ter o desejo de obedecer a Deus - "Aquele que tem os meus manda-mentos e os guarda, esse é o que me ama...".7 Nem sempre o obe-dece, mas esta é a sua vontade real. A segunda é arrependimento. O genuíno cristão, ou seja, o "santo", falha, erra, peca, mas não permanece no pecado ou desobediência, pois é quebrantado e vol-

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ta-se para Deus. É nisto que consiste a "santificação", ou seja um contínuo processo de crescimento na obediência.

Se no ato da conversão, quando a pessoa é declarada "santa" ou separada para Deus, ela não pecasse mais, então Paulo não teria de ensinar: "Aquele que furtava não furte mais; antes, trabalhe, fa-zendo com as próprias mãos o que é bom, para que tenha com que acudir ao necessitado".8

Nem teria de dizer: "Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe; e sim, unicamente, a que for boa para edificação, conforme a necessidade, e, assim, transmita graça aos que ouvem".9

Nem tampouco: "Pois esta é a vontade de Deus, que vos abste-nhais da prostituição".10

Ele estava escrevendo a "santos", que ainda tinham problemas sérios em suas vidas, e que agora precisavam ser ensinados "a guardar todas as coisas que Jesus ordenou11.

Portanto, os "santos" estão num processo de santificação, ou num crescimento na obediência. Vamos imaginar uma pessoa que se converteu verdadeiramente e, poucas semanas depois de con-vertida, já declarada "santa" por Deus, cai num deslize moral e morre fulminada por um aneurisma cerebral, sem tempo sequer de arrepender-se. Alguns poderão achar que tal pessoa não se conver-teu de fato, ou que perdeu a salvação. Acontece que tal pessoa não teve tempo de aprender a "guardar todas as coisas" ordenadas por Jesus,12 e, assim velhos hábitos ainda estavam lá, os quais seriam banidos numa caminhada de obediência, se não tivesse sido pro-movida à glória.

Muitos crentes pensam que se estiverem cometendo algum pe-cado quando Jesus voltar ou caso morram repentinamente, estarão perdidas, pois não tiveram tempo de arrepender-se. Tais pessoas acham que têm de estar zeradas, ou seja, sem nada constando em sua ficha celestial. Certamente tais irmãos pensam somente naque-les pecados grosseiros, deixando de fora os pecados de maledicên-cia, avareza, inveja, soberba, glutonaria, e tantas coisas mais que, geralmente, não colocamos em nossas listas de pecados.

O ensinamento bíblico é que o pecado não tem mais domínio sobre nós, mas que, enquanto estivermos no corpo estaremos ainda

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sujeitos a pecar. O apóstolo João deixa isto muito claro ao afirmar: "Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática do peca-do; pois o que permanece nele é a divina semente; ora, esse não pode viver pecando, porque é nascido de Deus".13 Na mesma epís-tola afirma: "Se dissermos que não temos pecado nenhum, nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós... se disser-mos que não temos cometido pecado, fazemos Deus mentiroso e a sua palavra não está em nós".14 Percebemos, assim, que o pecado é um acidente de percurso e não mais uma norma como antes, uando estávamos no reino das trevas.

Portanto ter fome e sede de justiça é o mesmo que tomar a Pa-lavra de Deus a sério para obdecê-la. São assim bem aventurados os que têm fome e sede de obediência.

Fome e sede denotam saúde, enquanto a ausência de fome pode se dar por dois motivos: doença ou morte. Uma pessoa que ainda esteja "morta nos seus delitos e pecados",15 não manifestará ne-nhuma fome pelas Escrituras. Isto se deu comigo, pois até os meus 19 anos eu era rato de igreja, mas nunca havia me convertido de fato. Por ter sido levado a igreja desde a mais tenra idade, o hábito religioso foi plantado em mim, mas não a vida de Deus. Somente aos 19 anos passei pela gloriosa experiência do novo nascimento e um mundo novo se abriu para mim. A partir de então passei a ter verdadeira fome da Palavra de Deus, e daí para frente nada mais poderia tomar o seu lugar em minha vida.

Isto me faz lembrar a história de uma jovem que ganhou um li-vro de presente e começou a lê-lo sem muito interesse e logo o deixou de lado. Os anos se passaram e ela se casou, e, agora, ar-rumando as coisas em sua nova residência deparou-se com aquele livro do passado. Sentada ainda num caixote da mudança ela co-meçou a lê-lo e não mais conseguiu parar. Leu uma vez, e depois outra e mais outra. Alguém poderia pensar que haviam trocado a páginas do livro, mas não foi isto que mudou o seu interesse pelo livro. Não havia acontecido nada com o livro, mas sim, com ela, pois havia se casado com o autor do livro. Agora as palavras ti-nham significado pois eram palavras do seu amado.

A mesma coisa acontece com a Bíblia. Somente quando nos

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"casamos" com o autor do livro é que as Suas palavras tornam-se doces para nós e tornamo-nos ávidos por elas. "Uma pessoa que ainda não conhece a Jesus não tem interesse amoroso por Sua Pa-lavra. Poderá até ter interesse acadêmico, mas não espiritual, pois não consegue entender as Escrituras. Jesus disse aos fariseus: "Qual a razão por que não compreendeis a minha linguagem? É porque sois incapazes de ouvir a minha palavra".16 O apóstolo Paulo explica essa impossibilidade do não convertido entender a Palavra de Deus afirmando que "o homem natural (o não converti-do) não aceita as coisas, do espírito de Deus porque lhe são loucu-ras; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritual-mente".17 Portanto, o morto não tem fome.

Um segundo grupo de pessoas que também não tem fome são os doentes. Você já viu como certas enfermidades afetam as nos-sas papilas gustativas e levam embora todo o nosso apetite? Assim também acontece com a nossa fome e sede de justiça. Um verda-deiro discípulo de Jesus pode ficar espiritualmente doente e perder todo apetite pelas coisas de Deus. Pode-se dizer que muitos, à se-melhança do Jeca Tatu de Monteiro Lobato, estão apenas sobrevi-vendo.

A famosa história do grande escritor paulista de Taubaté deve ajudar-nos bastante na compreensão da inanição espiritual decor-rente do "amarelão" que tem atacado muitos filhos de Deus.

Lá estava o Jeca, às dez horas da manhã, deitado em sua rede, sem ânimo para nada, quando pára em sua porta o seu vizinho, um fazendeirão rico, cheio de saúde para dar e vender, que fica lá de fora olhando para o estado de calamidade que havia se tornado a fazenda do Jeca. O mato estava tomando conta de tudo, as vacas eram pele e osso, que davam dó; os meninos barrigudos e bran-quelos, vítimas do amarelão, mais pareciam uns mortos-vivos. Tu-do ali cheirava à morte e desilusão. Não agüentando ver aquela si-tuação ele dá a maior carraspana no Jeca:

- Que vergonha! Como é que um homem de verdade pode estar deitado, a uma hora destas, numa rede, enquanto sua fazenda está jogada às traças e os filhos morrendo a míngua? - Levanta ho-mem, vai trabalhar!

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O Jeca levanta-se da rede, apanha uma enxada e fica fingindo que está capinando, enquanto o outro permanece de pé no portão. O fazendeirão rico sai cantando os pneus e o Jeca joga a enxada pra lá e volta para sua rede, pois não tem ânimo para nada.

Esta é uma ilustração bem real de muitos cristãos que estão a-penas numa espécie de sobrevida. São "santos", foram regenera-dos mas estão profundamente enfermos e por isso não têm qual-quer disposição para a vida espiritual. Não demonstram a mínima fome pelas coisas de Deus, pois tudo está crestado e seco. A co-munhão com os irmãos é seca, o louvor nos cultos é seco, a Pala-vra é seca, a oração é seca, a missão é impossível, pois não há dis-posição para nada. O "amarelão" chamado pecado está consumin-do todas as forças do Jeca espiritual.

Mas eis que um dia, entra na vida do Jeca Tatu "Ankilostomina Fontoura" botando o "amarelão" pra correr e, logo em seguida, vem o "Biotônico Fontoura" trazendo nova disposição para o tra-balho. Daí para frente a fazenda virou um brinco. Todo mundo na fazenda passou a usar butina, até as galinhas, para não apanharem o tal do "amarelão", ou "cezão", ou "maleita", ou "impaludismo" como se fala lá pelo Nordeste do nosso país. As crianças ficaram umas belezas, e o Jeca dava alegria de ver. Que disposição para o trabalho! Que maravilha de horta! Que gado bonito! Nada mais parecia difícil, e a vida tornou-se gostosa de viver.

Ao final dos exames de ressonância magnética espiritual, ou seja, dos oito princípios reveladores do nosso "amarelão", irei a-presentar o "Ankilostomina" e o "Biotônico" de Deus sob o título A Terapia de Deus". E então veremos que a vida cristã realmente vitoriosa e cheia de santidade prática é semelhante a uma fazenda bonita de se ver. Uma santidade atraente como a de Jesus é a con-seqüência natural de aprendermos a andar no Espírito tratando das enfermidades à medida que surgem, não deixando que se tornem endêmicas.

Existe um teste infalível para verificar-se a saúde espiritual de uma pessoa. Basta observar se ela usa uma pá ou uma enxada. Os que não têm fome e sede de justiça, ou de santidade, ou de tomar a palavra de Deus a sério para obedecê-la, sempre usam a pá. Quan-

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do ouvem uma mensagem tocante geralmente dizem: "Esta men-sagem era para o meu marido ou, minha esposa tinha de ouvir isto ou, que pena que o irmão fulano não veio hoje, ele precisava ouvir o que foi dito!".

Tais pessoas, pela enfermidade espiritual deformante, adquiri-ram uma espécie de surdez da alma, tornando-se assim totalmente impermeáveis à voz do Espírito Santo. Acabaram desenvolvendo o que chamei de síndrome de vítima e reagem sempre como se os seus problemas estivessem fora delas. Por isso quando ouvem algo tocante nunca é para elas, é sempre para o outro, pois o outro é que precisa mudar.

Os famintos, ao contrário, usam uma enxada, sempre puxando em sua direção: "Puxa vida, Deus falou profundamente comigo a-través dessa mensagem!".

Quando vão ouvir uma pregação, ligam-se ao pregador para comer e beber tudo o que puderem. Naquele momento eles não es-tão preocupados se outros estão comendo ou não, pois estão se banqueteando.

CONSEQÜÊNCIAS DA VIOLAÇÃO Estagnação na vida cristã É o que vemos naqueles cristãos a quem foi endereçada a epís-

tola aos Hebreus: "A esse respeito temos muitas coisas que dizer e difíceis de explicar, porquanto vos tendes tornado tardios em ouvir. Pois, com efeito, quando devíeis ser mestres, atendendo ao tempo decorrido, tendes novamente necessidade de alguém que vos ensine de novo, quais são os princípios elementares dos oráculos de Deus, assim, vos tornastes como necessitados de leite e não de alimento sólido.Ora, todo aquele que se alimenta de leite é inexperiente na palavra da justiça, porque é criança. Mas o alimento sólido é para os adultos, para aqueles que, pela prática, têm as suas faculdades exercitadas para discernir não somente o bem, mas também o mal." (Hb 5.11-14).

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"Atendendo ao tempo decorrido" quer dizer: desde que se con-verteram até hoje, já vai um tempo suficiente para vocês serem mestres. No entanto vocês ficaram estagnados, precisando ainda das coisas mais elementares da fé. Sendo assim vocês parecem crianças que não cresceram e que continuam a precisar de leite por não suportarem alimento mais sólido. Mas, os que dentre vocês, tornaram-se adultos pela prática da Palavra desenvolveram uma capacidade de refletir com discernimento espiritual e, por isso, conseguem fazer separação entre o que é bom e o que é mal. O crente criança (estagnado) é presa muito fácil do maligno por não ter discernimento do mal. É levado com muita facilidade para os valores antagônicos do reino das trevas por estar ainda engati-nhando nos caminhos do Reino de Deus.

Perda de interesse Inevitavelmente irá cair o interesse pelos cultos, pela comu-

nhão com os irmãos, pelo louvor, pelo estudo da Palavra de Deus, por testemunhar, por contribuir financeiramente, etc.

Religiosidade aparente Muitos tentarão manter um certo status espiritual. No entanto

será algo puramente de aparência e sem nenhuma profundidade espiritual. Tais pessoas geralmente tornam-se legalistas estabele-cendo regras para os outros. ^

Profissionalismo pastoral Um pastor, ou um líder, que não tiver fome e sede de ser justo,

ou reto, ou santo, certamente tornar-se-á um profissional da fé. Seus objetivos são todos interesseiros e o seu caminho será de ma-nipulação dos incautos.

Responsabilidade social Somente quem tem fome e sede de ser justo é que batalhará

também por ver a justiça correr sobre a terra. Somente os famintos por serem justos trabalharão por ver justiça sendo feita. Sua alma sensível e obediente ao Pai será um canal por onde Ele poderá tra-

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zer o Seu Reino de justiça. Aqueles que lutam por justiça social ou por causas justas sem a

devida fome de justiça individual, certamente usarão armas igual-mente opressoras para atingir os seus fins. Na sua busca de justiça cometerão injustiças, pois agirão movidos por uma visão errada de si mesmos. É isto que tem acontecido com todos os movimentos chamados de libertação. Na sua busca por justiça tornam-se, na maioria das vezes, mais injustos que os seus opressores.

O que normalmente acontece com aqueles que não têm fome e sede de serem justos é uma alienação com as injustiças sociais que os rodeia, sem importar-se com nada que não os atinja. Muitos só se despertam para uma situação de injustiça quando são atingidos, e aí, normalmente, usam as armas erradas na sua luta por justiça, pois são movidos tão somente por interesses próprios, ou por dese-jo de vingança.

RESULTADOS DA VIVÊNCIA DO PRINCÍPIO

Os que têm fome e sede de justiça serão fartos, isto é, serão far-

tos, isto é, serão santos, serão vasos de honra usados por Deus. Suas vidas evidenciarão a justiça de Deus. Serão usados por Deus para implantar o Seu Reino de Justiça.

Aqueles que fazem da vontade de Deus sua comida serão saci-ados por verem a atuação da justiça de Deus através de suas vidas, pois são "educados na justiça" e assim "habilitados para toda boa obra".18 OS ENSINOS DE JESUS NO CORPO DO SERMÃO

"Acautelai-vos dos falsos profetas, que se vos apresentam disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores. Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos? Assim, toda árvore boa produz bons frutos, porém a árvore má produz frutos maus. Não pode a árvore boa produzir frutos maus, nem a árvore má produzir frutos bons. Toda árvore que não produz

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bom fruto é cortada e lançada ao fogo. Assim, pois, pelos frutos os conhecereis. Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! Entrará no rei-no dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos Céus. Muitos naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porven-tura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não ex-pelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? En-tão, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade." (Mt 7.15-23) Jesus não avalia a santidade de uma pessoa pelos feitos miracu-

losos que possa realizar, mas, sim, pela obediência à sua vontade. Temos que ser cautelosos com a aparência de espiritualidade,

pois os que não evidenciam fome de obediência são lobos devora-dores.

Pelos frutos é que se conhece a árvore. O que a arvore da San-tidade produz é justiça e retidão. Temos de ser cautelosos para não olharmos para os milagres e fecharmos os olhos para a retidão, pois é assim que nos tornamos presas fáceis dos lobos.

"Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as pratica será comparado a um homem prudente que edificou a sua casa sobre a ro-cha; e caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e de-ram com ímpeto contra aquela casa, que não caiu, porque fora edifi-cada sobre a rocha. E todo aquele que ouve estas minhas palavras e não as pratica será comparado a um homem insensato que edificou a sua casa sobre a areia; e caiu a chuva, transbordaram os nos, sopra-ram os ventos e deram com ímpeto contra aquela casa, e ela desabou, sendo grande a sua ruína". (Mt 7.24-27) Esse texto é a magnífica conclusão do Sermão do Monte onde

percebemos a existência de apenas dois tipos de pessoas: Os que constroem suas vidas sobre a Rocha e os que a constroem sobre a areia.

Esta conclusão ressalta o princípio da santidade por demonstrar que construir sobre a Rocha é tomar a Palavra de Deus a sério para obedecê-la, enquanto que construir sobre a areia é não dar ouvidos

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à Palavra do Senhor edificando a vida sobre as próprias idéias ou valores.

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Capítulo 9

O Princípio do Perdão

"Bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia". (Mt5.7)

Talvez compreendamos melhor o que seja misericórdia se a re-

lacionarmos com a graça. Aparentemente são palavras sinônimas, mas na realidade são antônimas.

Vamos imaginar graça e misericórdia como sendo as duas mãos de Deus. Com a mão da misericórdia Deus segura ou retém tudo o que eu mereço, ou seja, ira, juízo, condenação. E, com a mão da graça Ele estende-me tudo o que eu não mereço: salvação, vida eterna, glorificação, etc.

Assim sendo, misericórdia pode ser vista também como com-paixão ou perdão incondicional. Por isso amamos a afirmação bí-blica: "As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos con-sumidos, pois as suas misericórdias não têm fim, renovam-se a ca-da manhã"1.

O Deus da Bíblia é um Deus cheio de compaixão ou misericór-dia. Diz o profeta Isaias que Deus "é rico em perdoar".2

Enquanto a misericórdia está sobre todos, indistintamente, a graça tem uma característica toda especial; ela só é concedida ao necessitado. O Deus cheio de misericórdia é também o Deus cheio de graça, estendendo sua mão ao necessitado. No entanto, "Ele despede vazios os ricos"3 disse Maria no Magnificat, mas "aos humildes concede a sua graça"4. Humildes aqui são os carentes.

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Aqueles que estão conscientes de sua total dependência d'Ele. Será que temos coragem de abrir nossas fraquezas com um me-

ro conhecido, ou só o fazemos com um verdadeiro amigo de quem temos segurança do seu amor incondicional? Alguém que não vai ficar chocado ou escandalizado com algo que lhe segredamos, nem tampouco irá passar a tratar-nos de forma diferente ou des-confiar da nossa normalidade. Nós precisamos desse amigo. John Powell, no seu livro O Segredo do Amor Eterno5, afirma que todos nós precisamos de alguns amigos que nos conheçam profunda-mente e, pelo menos, de um amigo que nos conheça totalmente. Aí reside o segredo da verdadeira saúde espiritual e emocional. Se nós precisamos de amigos com quem possamos abrir as nossas fraquezas, Deus também. Mas teria Deus fraquezas? Não é Ele o Deus Todo Poderoso? Isto pode soar como uma heresia, embora eu esteja falando de forma metafórica. Não tire conclusões preci-pitadas, nem abandone a leitura, pois quero prosseguir e chegar a algo realmente maravilhoso sobre o caráter de Deus.

Três vezes Abraão é chamado na Bíblia de amigo de Deus.6 Diante do pecado e da maldade de Sodoma e Gomorra Deus busca seu amigo e lhe abre o seu coração misericordioso.

Disse o Senhor: "Ocultarei a Abraão o que estou para fazer?". Depois de Deus abrir-lhe a sua dor, o seu coração misericordioso, Abraão começou a interceder: "Destruirás o justo com o ímpio? Se houver, porventura, cinqüenta justos na cidade, destruirás ainda assim e não pouparás o lugar por amor dos cinqüenta justos que nela se encontram?"

Deus prontamente responde a Abraão: "Se eu achar em Sodo-ma cinqüenta justos dentro da cidade, pouparei a cidade toda por amor deles"7.

Abraão prossegue intercedendo e abaixa a quantia de justos pa-ra 45, depois para 40, 30, 20 e pára em 10. A resposta pronta de Deus sempre foi a mesma: "Não a destruirei por amor dos 45,40, 30, 20 e 10".

Será que, se Abraão tivesse prosseguido e chegasse a um, ou seja, Ló, Deus teria poupado a cidade? Tudo nos leva a crer que sim.

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E o que dizer da experiência de Jonas. Qual a razão de Jonas não querer ir pregar aos ninivitas? A ordem de Deus foi muito cla-ra: "Dispõe-te, vai à grande cidade de Nínive e clama contra ela, porque a sua malícia subiu até mim".8

Ao invés de obedecer ele fugiu noutra direção. Deus teve que levá-lo a Nínive na "marra".9

Tendo sido praticamente vomitado pelo peixe nas proximida-des de Nínive, Jonas percebeu que não tinha jeito, teria de pregar aquela mensagem de juízo aos ninivitas. E, durante três dias per-correu as ruas da cidade proclamando: "Ainda quarenta dias, e Ní-nive será subvertida".10

Houve uma comoção geral e toda a cidade foi quebrantada: "Os ninivitas creram em Deus, e proclamaram um jejum, e vestiram-se de panos de saco, desde o maior até o menor.Chegou esta notícia ao rei de Nínive; ele levantou-se do seu trono, tirou de si as vestes re-ais, cobriu-se de pano de saco e assentou-se sobre cinza. E fez-se pro-clamar e divulgar em Nínive: Por mandado do Rei e seus grandes, nem homens, nem animais, nem bois, nem ovelhas provem coisa al-guma, nem os levem ao pasto, nem bebam água; mas sejam cobertos de pano de saco, tanto os homens como os animais, e clamarão for-temente a Deus; e se converterão, cada um do seu mau caminho e da violência que há em suas mãos. Quem sabe se voltará Deus, e se ar-rependerá, e se apartará do furor da sua ira, de sorte que não pereça-mos? Viu Deus o que fizeram, como se converteram do seu mau ca-minho; e Deus se arrependeu do mal que tinha dito lhes faria e não o fez". (Jn 3.5-10) Qual foi a reação de Jonas diante daquele verdadeiro aviva-

mento espiritual na cidade de Nínive? Voltou radiante de sua missão, levando o fogo do avivamento em seu coração? Não. Fi-cou amuado querendo a morte.

Com isso, desgostou-se Jonas extremamente e ficou irado. E orou ao Senhor e disse: Ah! Senhor! Não foi isso o que eu disse, estando ain-da na minha terra? Por isso, me adiantei, fugindo para Társis, pois sa-

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bia que és Deus clemente, e misericordioso, e tardio em irar-se, e grande em benignidade, e que te arrependes do mal. Peço-te, pois ó Senhor, tira-me a vida, porque melhor me é morrer do que viver" (4:1-3). Como entender essa reação tão estranha de Jonas? Jonas, de fa-

to, queria que Deus derramasse o seu juízo sobre os Ninivitas pois aquele era um povo conhecido pelos seus atos de crueldade. A ra-zão de não querer ir pregar era por conhecer o coração misericor-dioso de Deus.

Na sua oração de reclamação ele estava, em outras palavras, dizendo: "Eu sabia que o Senhor é misericordioso, e que não a-güenta ver um coração arrependido que logo o perdoa!".

Falando através de Oséias Deus diz ao povo rebelde:

"Porque o meu povo é inclinado a desviar-se de mim; se é concitado a dirigir-se acima, ninguém o faz. Como te deixaria, ó Efraim? Como te entregaria, ó Israel? Como te faria como a Admá? Como fazer-te um Zeboim? Meu coração está comovido dentro em mim, as minhas compaixões, à uma, se acendem. Não executarei o furor da minha ira; não tornarei para destruir a Efraim, porque eu sou Deus e não ho-mem, o Santo no meio de ti; não voltarei em ira" (Os 11.7-9). Esta é a essência de Deus, a sua misericórdia. Diferentemente

do que muitos pensam, Deus é intrinsecamente amor, cheio de mi-sericórdia, e essa misericórdia traduz-se em longanimidade, ou se-ja, longo ânimo ou paciência para conosco. Se há uma característi-ca de Deus que me abençoa e me encanta é a sua longanimidade para comigo. E este é um dos princípios que regem o seu Reino. Um reino de misericórdia.

"Misericordioso", portanto, é aquele que perdoa completamen-te. Este princípio tem a ver com o procurar o ofensor com a atitude certa para ganhá-lo de volta à comunhão. Para procurarmos a pes-soa que pecou contra nós com a atitude certa, Jesus deixou bem claro a nossa necessidade de nos avaliarmos primeiro: "Tira pri-meiro a trave do teu olho e, então, verás claramente para tirar o ar-

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gueiro do olho de teu irmão".11 "Argueiro" e "trave" são palavras muito pouco usadas ou co-

nhecidas por nós. O vocábulo grego aqui traduzido por "argueiro" sugere "poeira" ou pequeno "cisco". A idéia é de algo que pode causar irritação, embora bem pequeno. "Trave" é a viga de madei-ra sobre a qual uma casa é edificada. Percebe-se então que Jesus está usando algo muito comum na linguagem oriental que é o exa-gero para enfatizar uma diferença significativa.

O "argueiro", portanto, é usado para indicar uma falha ou pe-cado pequeno da parte de um "irmão", enquanto a "trave" fala-nos de uma falha ou pecado grave por parte do censurador. Com isto Jesus está nos ensinando que nós temos responsabilidade, sim, com a correção do erro de um irmão, mas que temos primei-ro de lidar conosco, de nos auto-avaliarmos, pois são hipócritas aqueles que não se reconhecem pecadores e que são mais exigen-tes com as falhas alheias do que com as próprias. A pessoa preci-sa de boa visão sobre si mesmo para saber como ajudar os outros nas suas falhas ou pecados. Ninguém verá bem, longe, se não ver bem, perto.

Em Mateus 18.15-17, Jesus expande este conceito detalhando os passos que precisamos dar em direção ao ofensor visando a ga-nhá-lo de volta a comunhão:

Se teu irmão pecar [contra ti], vai argüi-lo, entre ti e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste a teu irmão. Se, porém, não te ouvir, toma ainda con-tigo uma ou duas pessoas, para que, pelo depoimento de duas ou três testemunhas, toda palavra se estabeleça. E, se ele não os atender, di-ze-o à igreja; e, se recusar ouvir também a igreja, considera-o como gentio e publicano." O "se teu irmão pecar contra ti" deve ser entendido de duas

maneiras: A primeira, um pecado contra a minha pessoa e, a se-gunda, um pecado contra o corpo, ou a igreja. Jesus nos dá aqui os passos que devemos dar em direção ao ofensor, percebendo que a motivação não pode ser apenas reparação ou "tirar a limpo", mas ganhá-lo de volta à comunhão. Portanto, antes de dar o primeiro

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passo, devemos fazer uma avaliação muito honesta da nossa real motivação. Pois, se a nossa motivação não for "ganhá-lo de volta à comunhão", trataremos o irmão de forma legalista e doentia au-mentando ainda mais o problema.

É importante perceber as dificuldades que teremos ao tratar do pecado cometido pelo irmão, primeiramente contra a nossa pessoa. Quando alguém nos ofende ou peca contra nós, de alguma manei-ra, o seu pecado desencadeia dentro de nós uma reação pecamino-sa. Por isso, Jesus manda-nos "tirar primeiro a trave". Temos de lidar conosco primeiro, e isto, às vezes, é demorado. Somente de-pois de termos lidado com o nosso pecado, e de termos segurança da nossa real motivação de ganhar o irmão de volta à comunhão é que deveremos dar o primeiro passo, que é "ir a ele" e, tratar, "tu e ele só". É imprescindível estarmos cheios da misericórdia perdoa-dora de Deus para que haja perdão em nosso coração antes de ir-mos tratar com o irmão, porque, mesmo que ele não se arrependa e seja possível reatar a comunhão, nosso coração ficará livre dos males da amargura e dos ressentimentos.

Este "tu e ele só" é muitíssimo importante. Se envolvermos ou-tras pessoas, até as mais chegadas, como o nosso cônjuge, por e-xemplo, nós desencadearemos um processo de enfermidade nos relacionamentos. O pecado de um irmão contra nós tem que ficar conosco só, para que, quando dermos o primeiro passo, ninguém mais esteja envolvido emocionalmente com o problema.

Quando então vamos ao irmão com a motivação correta, deve-mos também procurar uma situação que seja a mais agradável pos-sível de se tratar a questão. Não se pode falar num local de muita gente, ou apressadamente, como na saída do culto, por exemplo. Tem de ser um local adequado, pois poderá haver choro, ou explo-são de raiva, ou tanta coisa mais.

Que coisa maravilhosa quando o irmão "ouve". Esse "ouvir de que fala Jesus é reconhecer a falta e desculpar-se sinceramente. Lembro-me de uma experiência que tive com a minha cunhada Lúcia, uma pessoa muito querida. Éramos missionários no Piauí e estávamos de férias em São Paulo em casa do sogro. Eu tinha lido naqueles dias um livro que havia me "agarrado". Comecei a lê-lo

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lá pelas 9 horas da noite e, quando dei por mim o dia já estava cla-reando. Falei tanto do livro que a Lúcia pediu-me para lê-lo. O li-vro era bem velho e suas páginas estavam soltando da encaderna-ção. Emprestei-lhe o livro com a recomendação de não dobrá-lo para que não se desfizesse. Eu estava na sala quando tocaram a campainha e a Lúcia saiu do seu quarto para abrir a porta com o livro dobrado ao meio.

- Puxa vida, Lúcia! O que foi que eu lhe pedi? - Fui logo re-clamando.

- Por que não engole este livro! Foi o seu desabafo, que eu ou-vi, assim, meio entre-dentes.

Eu fiquei pasmo com aquela reação agressiva de uma pessoa tão querida e que sempre foi muito carinhosa comigo. Fiquei ali mudo e sem ação. Ela saiu logo depois para a escola e eu fiquei em casa meio chateado, pensando no ocorrido. Eu tinha duas op-ções: Ignorar o acontecido e "deixar pra lá", como faz a maioria das pessoas, pensando que o tempo apagaria as coisas, ou lidar com a questão como mandou Jesus. Quando "deixamos pra lá" fi-camos de "pé atrás" com a pessoa e com o passar do tempo o rela-cionamento vai se deteriorando. Muitos casais "deixam pra lá" e o tempo, em vez de curar, infecta mais e o relacionamento vai fican-do purulento.

Eu fiquei em casa, e, lembro-me bem, fui estudar este texto de Mateus 18. Lendo alguns comentários cheguei ao que penso ser o foco do ensino de Jesus. "Se teu irmão pecar contra ti, vai argüi-lo entre ti e ele só". Esse argüi-lo tem a ver com ajudá-lo a ver a falta cometida. O mesmo que ajudá-lo a tirar o argueiro. E, para ajudá-a a tirar o argueiro eu tinha que, primeiro, tirar a minha trave, ou se-ja, eu tinha de lidar comigo, com os meus pecados relacionais, com as minhas debilidades, para que eu não fosse a ela com ares de superioridade. E, assim, fui ali quebrantado. E, quando Lúcia voltou para casa, fui eu quem lhe abriu a porta. Eu chamei-a no quarto e olhei bem nos seus olhos e lhe disse:

- Lúcia, eu a amo muito. Eu não sei o que fiz para magoá-la, mas você me magoou. Eu só estava preocupado com o livro, que ele não se desfizesse.

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Ela me abraçou chorando e disse com muito carinho: - Perdoe-me, eu também o amo. Foi bobeira minha. E o que aconteceu depois disto? Nossa comunhão tornou-se

muito maior e mais sólida. O Diabo, nosso adversário, não quer que tratemos as coisas

desta maneira, pois ele sabe que quando o fazemos nossa comu-nhão uns com os outros cresce. Mas, se "deixamos pra lá" a doen-ça se instaura e os relacionamentos vão sendo destruídos. Foi exa-tamente isto que Paulo quis dizer ao afirmar: "Não se ponha o sol sobre a vossa ira"12. Em outras palavras, trate da questão antes que ela fique purulenta.

Existe a tendência, principalmente nos relacionamentos conju-gais, de viver-se, o que eu chamei no capítulo sete de "paz a qual-quer preço". Um dos cônjuges, para viver em paz, engole gatos e lagartos, fugindo sempre de confrontar o outro quando sofre a fal-ta. Essa tendência é um dos principais fatores que levam o casa-mento ao fracasso. Um bom casamento tem de ter confrontação. É o caso daquele casal que mencionei. Eles já tinham comemorado as bodas de ouro. Mas, visivelmente, padeciam desse mal. Ela sempre dizia: "Eu e o Pedro estamos casados há mais de 50 anos e nunca brigamos".

Para viver em paz o Sr. Pedro anulou-se totalmente. A maior virtude de um bom casamento não é não ter falhas ou pecados ou erros, mas ter bons consertos. Déa e eu estabelecemos como um dos princípios fundamentais do nosso casamento não deixar "o sol se por sobre a nossa ira". Quantas vezes fomos dormir às quatro horas da manhã acertando as arestas. Mas, que privilégio saber que não existe nada se interpondo entre nós. Já nos machucamos em várias ocasiões, mas não deixamos os ferimentos sem trata-mento e assim não permitimos a formação de pus.

Quando um osso se quebra e é bem soldado dificilmente se quebrará novamente no mesmo lugar, pois criou-se ali uma resis-tência maior. Assim também é nos relacionamentos. Precisamos de coragem para nos enfrentar e curarmos as nossas machucadu-ras. Quando "deixamos pra lá" iniciamos a construção de um muro que, tijolo por tijolo, vai sendo levantado, à medida que nova ma-

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chucaduras vão sendo deixadas sem tratamento. Depois de algum tempo uma infecção generalizada se espalha por todo o corpo e os riscos da gangrena são reais, pois uma muralha foi levantada im-pedindo toda e qualquer comunicação.

Uma segunda dificuldade é quando se trata do pecado de al-guém contra o corpo e não contra a nossa pessoa diretamente. Ge-ralmente quando sabemos de um erro cometido por um irmão te-mos a tendência de falar disso para outras pessoas primeiro. E, na maioria das vezes, forma-se um juízo sobre a pessoa, e começa-se a tratá-la de forma diferente, sem que ninguém a tenha confronta-do. Quando isto acontece estamos fazendo o jogo do maligno per-mitindo que a enfermidade instaure-se no corpo.

Esta é uma dificuldade real e a maioria dos crentes age em con-formidade com esse comportamento pecaminoso, entendendo que não tem de tratar a questão diretamente e, primeiramente, com o irmão faltoso. Em se tratando de pecado sexual, geralmente o que tomou conhecimento não vai sozinho ao irmão faltoso, mas já pro-cura o pastor propondo a exclusão daquele irmão. A maioria das igrejas age assim, em desobediência ao ensino claro de Jesus. Mas quando obedecemos e vamos ao irmão e o ajudamos a retirar o ar-gueiro, estamos "ganhando" esse irmão de volta à comunhão, e cobrindo "uma multidão de pecados".13 E, depois de reconhecer-mos seu real arrependimento, pois o arrependimento verdadeiro produzirá frutos, não apenas lágrimas, devemos declarar-lhe o nosso perdão e fazer um voto: "Eu o perdôo, em nome de Jesus, e faço agora, diante de Deus e de você um voto, de que da minha boca, ninguém tomará conhecimento deste pecado que você come-teu contra o corpo. Se alguém vier a tomar conhecimento disto se-rá através de você, pois só você poderá falar sobre isso".

E, se ele não nos ouvir, ou seja, não se arrepender e continuar no seu caminho de desobediência e desonra do evangelho? Temos então de dar o segundo passo que é chamar duas ou três testemu-nhas. Quem são essas testemunhas? Alguém que testemunhou o ocorrido e irá ficar do nosso lado, fortalecendo a nossa posição? Não. São apenas testemunhas desse segundo encontro, que irão ouvir a ambos. Pois, poderá dar-se o caso das testemunhas não a-

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poiarem a nossa posição e perceberem que não houve pecado do outro contra nós, ou contra o corpo. Eles então seriam mediadores. Mas, reconhecendo eles também o pecado do irmão deverão exor-tá-lo ao arrependimento. Se forem ouvidos e houver arrependi-mento sincero então "ganhamos" o irmão de volta à comunhão. E, aí, devemos declarar-lhe o nosso perdão e fazermos um voto: "Di-ante de Deus declaramos o irmão perdoado, em nome de Jesus, e fazemos agora um voto de que ninguém (nem esposa, esposo filho, amigo íntimo, etc.) tomará conhecimento do seu pecado através de nós. Se alguém tomar conhecimento do ocorrido será através da sua boca, pois só você poderá falar sobre isso".

Lembro-me do caso de uma senhora que vinha sendo traída pe-lo marido há anos, e ela sempre dava apenas o primeiro passo, o "tu e ele só". Deu esse passo inúmeras vezes até que não suportan-do mais chamou "as testemunhas" que o confrontaram e ele foi profundamente quebrantado e deixou totalmente aquele caminho de pecado. É maravilhoso quando as coisas resolvem-se no pri-meiro ou até mesmo no segundo passo. Mas, se depois de dado o segundo passo, a pessoa não se arrepender? O que Jesus mandou fazer? O terceiro passo é "dize-o a igreja".

Obviamente que esses passos não podem ser dados um hoje, outro amanhã. e o outro depois de amanhã. Temos de dar um tem-po entre esses passos. Não deve ser um tempo, nem muito curto, nem muito longo. E, durante todo o processo devemos estar diante de Deus em intercessão, desejando, de fato, o arrependimento e restauração do irmão. Como se dá esse terceiro passo?

Certamente, quando se trata de pecados grosseiros que atingem a toda a comunidade, os líderes da igreja já deveriam ser envolvi-dos no segundo passo, para que o terceiro passo seja dado por eles. Deveriam convocar uma reunião especial só para os membros da igreja, e, nessa reunião de "família" declarar à igreja o ocorrido, mostrando os passos que já foram dados. Todos os membros da i-greja, tomando conhecimento, devem começar a orar pelo faltoso, desejando, de coração, ganhá-lo de volta à comunhão.

Naquele encontro da "família", dever-se-ia indicar um grupo de irmãos que fosse, em nome da igreja, confrontar o irmão faltoso,

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buscando ainda o seu arrependimento. O grupo que for ao irmão, enviados pela igreja, não irá para discipliná-lo, mas para confron-tá-lo, visando o seu arrependimento e restauração plena. Se o fal-toso arrepender-se, e é importante frisar, com frutos genuínos de arrependimento, e isto não é percebido apenas pelas lágrimas, mas por medidas saneadoras concretas tomadas por ele, então aqueles irmãos deverão declará-lo perdoado e conduzi-lo a uma reunião com a "família", ou seja, com a igreja reunida, onde esse irmão deverá confessar sua falta e buscar o perdão da igreja. A igreja re-unida, exclusivamente para isto, deverá então lhe declarar o seu perdão e fazer um voto: "Querido irmão, nós o perdoamos em nome de Jesus, e fazemos agora, diante de Deus e de você, um vo-to, de que ninguém ouvirá dos nossos lábios menção desonrosa a seu respeito, devido a esse pecado. Somente você poderá falar do assunto, ninguém mais. Se algum membro desta igreja fizer qual-quer menção desonrosa a seu respeito, devido ao seu pecado, es-tará pecando contra você e deverá ser repreendido".

"Mas, se recusar ouvir também a igreja, considera-o como gentio e publicano". Este é o quarto passo. O seu desligamento oficial da igreja. E isto deverá ser notificado a ele para que haja temor no seu coração, pois ainda poderá ser quebrantado e voltar arrependido.

E muito importante percebermos o ensinamento de Jesus aqui quanto a uma das principais características de uma pessoa genui-namente convertida. Uma marca do filho de Deus é o arrependi-mento. Jesus está pontuando aqui que uma pessoa convertida po-derá não se arrepender na primeira ou na segunda instância. Mas se não se arrepender na terceira instância, deverá ser tratada como descrente, pois não evidenciou uma das principais marcas –de um verdadeiro cristão, que é o arrependimento sincero.

Como se trata um descrente? Tratamos um descrente com todo carinho, só que não o chamamos de irmão, nem podemos ter com ele a mesma comunhão que temos com os que são do Senhor. De-veremos, daí para frente, buscar a sua conversão. Agora, é impor-tante notar que Jesus não disse que ele é um "gentio e publicano". ou seja, um descrente, mas que deveremos tratá-lo como tal. Se

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essa pessoa, agora afastada, demonstrar estar vivendo maravilho-samente bem sem o convívio dos irmãos, é, provavelmente, a mai-or evidência de sua não conversão. Pois o convertido afastado es-tará vivendo em tormento e acabará retornando quebrantado mes-mo que passe muito tempo. No entanto, é muito importante com-preender a repreensão que Paulo faz aos Coríntios por estarem as-sociando-se com pessoas que se diziam irmãos, mas que viviam dissolutamente.

"Já em carta vos escrevi que não vos associásseis com os impuros; re-firo-me, com isto, não propriamente aos impuros deste mundo, ou os avarentos, ou roubadores, ou idólatras; pois, neste caso, teríeis de sair do mundo. Mas, agora, vos escrevo que não vos associeis com al-guém que, dizendo-se irmão, for impuro, ou avarento, ou idolatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com esse tal, nem ainda co-mais. Pois com que direito haveria eu de julgar os de fora? Não jul-gais vós os de dentro? Os de fora, porém, Deus julgará. Expulsai, pois, de entre vós o malfeitor." (ICo 5.9-13). Muitos crentes não têm prestado atenção neste ensino das Es-

crituras e têm aceitado "churrascar" com alguns que se dizem ir-mãos, mas que são os malfeitores descritos aqui por Paulo. Depois de falar dos passos a serem dados, Jesus ressalta a autoridade que foi delegada por Ele à igreja: "Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligardes na terra será desligado nos céus".14 Paulo menciona essa autorida-de, usada num caso de disciplina, na igreja de Corinto:

"Geralmente, se ouve que há entre vós imoralidade e imoralidade tal, como nem mesmo entre os gentios, isto é, haver quem se atreva a possuir a mulher de seu próprio pai. E, contudo, andais vós ensober-becidos e não chegastes a lamentar, para que fosse tirado do vosso meio quem tamanho ultraje praticou? Eu, na verdade, ainda que au-sente em pessoa, mas presente em espírito, já sentenciei, como se es-tivesse presente, que o autor de tal infâmia seja, em nome do Senhor Jesus, reunidos vós e o meu espírito, com o poder de Jesus, nosso Se-

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nhor, entregue a Satanás para a destruição da carne, a fim de que o espírito seja salvo no Dia do Senhor.Não é boa a vossa jactância. Não sabeis que um pouco de fermento leveda a massa toda? Lançai fora o velho fermento, para que sejais nova massa, como sois, de fato, sem fermento. Pois também Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado" (ICo 5.1-7). Vemos Paulo aqui investido de uma autoridade que ninguém

mais possui, que é a autoridade apostólica, que não foi passada numa sucessão, como pensa o catolicismo. Nem através de Paulo, nem de Pedro. Apóstolos de Jesus foram somente aqueles doze, e depois da queda de Judas, seguramente Paulo o substituiu e não Matias. A palavra "apóstolo" é uma palavra técnica que tem a sig-nificativa conotação de uma procuração que não pode ser substa-belecida, ou seja, somente Jesus podia dar aquela procuração. Ninguém poderia fazê-lo em Seu nome. Daí a conclusão lógica de que foi a precipitação de Pedro, naqueles dias que antecederam a vinda do Espírito Santo, que os levou a escolher Matias e dar-lhe um lugar no colégio apostólico,15 lugar esse que era de Paulo, cha-mado por Jesus, conforme sua palavras em Gálatas: "Paulo, após-tolo, não da parte de homens, nem por intermédio de homem algum, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou den-tre os mortos".16

Em Efésios 4.11-15 quando Paulo fala dos dons de liderança que Jesus deu à igreja para o treinamento dos fiéis, para o desem-penho do seu ministério, ele inclui o dom de apóstolo. No entanto, o dom de apóstolo, ou seja, de abrir trabalhos pioneiros, não inclui a autoridade de um apóstolo de Jesus, pois essa autoridade ficou restrita aos doze, que são os fundamentos da muralha da Nova Je-rusalém, de que nos fala Apocalipse 21.14.

Portanto, hoje, ninguém tem mais aquela autoridade que levou Paulo a dizer: "Eu já sentenciei que o autor dessa infâmia seja en-tregue a Satanás para a destruição da carne..."

No entanto, percebemos que a autoridade que Jesus delegou à igreja, em Mateus 18.15-20, permanece: À igreja foi dada a auto-ridade de "ligar" e "desligar". Portanto, quando uma igreja local

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age em unidade17 na disciplina de alguém, ela está investida dessa autoridade.

Parece-me que Pedro estava muito incomodado com este ensi-no de Jesus sobre o perdão, por isso aproxima-se e pergunta: "Se-nhor, até quantas vezes meu irmão pecará contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes?".18

A regra observada entre os judeus, segundo os ensinos da li-teratura judaica, era três vezes. Quando então Pedro fala em sete vezes, devia estar achando o seu padrão elevadíssimo. Então Jesus lhe responde: "Não te digo que até sete vezes, mas até setenta ve-zes sete".19 Ou seja, indefinidamente. E, para firmar neles esta verdade contou-lhes uma parábola:

"Por isso, o reino dos céus é semelhante a um rei que resolveu ajustar contas com os seus servos. E, passando a fazê-lo, trouxeram-lhe um que lhe devia dez mil talentos. Não tendo ele, porém, com que pagar, ordenou o senhor que fosse vendido ele, a mulher, os filhos e tudo quanto possuía e que a dívida fosse paga. Então, o servo, prostrando-se reverente, rogou: Sê paciente comigo, e tudo te pagarei. E o senhor daquele servo, compadecendo-se, mandou-o embora e perdoou-lhe a dívida. Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus conser-vos que lhe devia cem denários; e, agarrando-o, o sufocava, dizendo: Paga-me o que me deves. Então, o seu conservo, caindo-lhe aos pés, lhe implorava: Sê paciente comigo, e te pagarei. Ele, entretanto, não quis; antes, indo-se, o lançou na prisão, até que saldasse a dívida. Vendo os seus companheiros o que se havia passado, entristeceram-se muito e foram relatar ao seu senhor tudo o que acontecera. Então, o seu senhor, chamando-o, lhe disse: Servo malvado, perdoei-te aquela dívida toda porque me suplicaste; não devias tu, igualmente, compa-decer-te do teu conservo, como também eu me compadeci de ti. E, indignando-se, o seu senhor o entregou aos verdugos, até que lhe pa-gasse toda a dívida. Assim, também, meu Pai celeste vos fará, se do íntimo não perdoardes cada um a seu irmão" (Mt 18.23-35). Que ensino maravilhoso está contido nesta parábola! A dívida

que foi totalmente perdoada, era uma quantia impagável. Dez mil

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talentos ou 60 milhões de denários que corresponderia, em nossa moeda de hoje, a quase um bilhão de reais. Essa dívida que foi to-talmente perdoada simboliza a nossa dívida de pecados para com Deus, que é impagável por nós e que foi totalmente quitada por Je-sus na cruz. Paulo faz uma declaração surpreendente aos Colos-senses:

"E a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões e pela incircuncisão da vossa carne, vos deu vida juntamente com ele, per-doando todos os nossos delitos; tendo cancelado o escrito de dívida que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era pre-judicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz; e, despojan-do os principados e as potestades, publicamente os expôs ao despre-zo, triunfando deles na cruz" (Cl 2.13-15). O ensino da parábola nos mostra que Deus não fez um plano de

pagamentos dos nossos pecados em longo prazo, no purgatório ou nas sucessivas reencarnações, para melhorar o nosso karma. Ele quitou a nossa dívida. Este é o evangelho da graça de Deus e, é is-to, o principal fator que distingue a fé cristã de todas as demais re-ligiões.

A dívida do conservo era irrisória, somando, no valor de hoje, uns mil e quatrocentos reais. Essa dívida simboliza o pecado do próximo para conosco e nossa atitude é, muitas vezes, implacável, totalmente destituída de misericórdia. Jesus está nos confrontando com uma realidade de todos os dias, em que somos duros e infle-xíveis com os pecados e falhas do nosso próximo, por não fazer-mos uma avaliação devida do quanto fomos perdoados por Deus. Aquelas pessoas que afirmam que não conseguem perdoar, prova-velmente têm uma visão muito pequena do quanto foram perdoa-das. Elas se dizem pecadoras, mas não se acham assim tão pecado-ras. Nunca tiveram uma visão real de si, e acabam vivendo numa crosta de ilusão a seu respeito, tornando-se impermeáveis à ação de Deus em suas vidas. O "tirar a trave" tem a ver com essa avali-ação honesta que temos de fazer de nós mesmos antes de irmos a-judar o outro a "tirar o argueiro".

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Tudo isto é mais esclarecedor quando compreendemos a "ce-rimônia" do lava-pés.20 No dia dos pães asmos, conforme os e-vangelistas Mateus, Marcos e Lucas, Jesus entregou a Pedro e João a responsabilidade dos preparativos para a comemoração da páscoa. Foram ao lugar designado por Jesus, encontraram a pes-soa que lhes cederia a sala, ou cenáculo e, assim, deixaram tudo pronto para o encontro. A cerimônia do lava-pés, descrita apenas pelo evangelista João, que foi um dos dois que foram preparar o lugar deve ter acontecido naquele cenáculo, antes de comerem a Páscoa.

Por que foi tão impactante Jesus cingir-se de uma toalha e lavar os pés dos seus discípulos? Muitos pontuam apenas a humildade. Mas, além da humildade houve ali algo notável e esclarecedor que precisamos captar.

Quem normalmente lavava os pés das pessoas quando se reuni-am para um banquete, ou uma festa, eram os escravos mais des-classificados de todos. Pois este era o costume naqueles dias de poucos banhos e muita sujeira nos pés, devido às sandálias abertas e às estradas poeirentas. Além do mais as pessoas não ficavam as-sentadas em cadeiras com os pés debaixo das mesas. Ficavam se-mi-deitadas em divãs com os pés bem à mostra e próximos dos ou-tros.

Pedro e João, do apoio logístico, fizeram seu trabalho direiti-nho, e certamente chegaram uma meia hora antes para verificar os detalhes. Foi aí que se deram conta da falta do escravo. E, prova-velmente, desenvolveram o seguinte diálogo:

- Puxa vida, João, esquecemos de contratar um lavador de pés! - É mesmo cara, e agora, o que vamos fazer? ~ Eu não sei não! Só sei de uma coisa, eu é que não vou lavar

pé de ninguém, disse Pedro. - Eu também não, respondeu João. Fico imaginando os discípulos chegando aos poucos e experi-

mentando um clima de constrangimento geral. Todo mundo com os pés sujos num ambiente que exigia pés limpos. Penso que Jesus chegou por último e foi logo percebendo a situação. Sem que nin-guém desse conta, ele sai do meio deles e procura uma bacia e

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uma toalha, e volta na postura do mais reles escravo para lavar-lhes os pés. Na mente estupefata de todos estava a pergunta: O que será que ele vai fazer? Isto é serviço de escravo! Os primeiros es-tendem os pés meio automatizados pelo inusitado da situação, mas quando chega em Pedro, ele protesta:

- Senhor, tu me lavas os pés a mim? - O que eu faço não o sabes agora; compreendê-lo-ás depois. - Nunca me lavarás os pés! - responde-lhe Pedro. - Se eu não te lavar, não tens parte comigo, disse-lhe Jesus. Então, o intempestivo Pedro vai para o outro extremo. É como

se estivesse dizendo: - Se a questão é ter comunhão contigo, então não lave somen-

te os pés, mas também as mãos e a cabeça, ou seja, tudo o que puder ser lavado aqui, pois quero é plena comunhão contigo.

Jesus, então, dá um significado teológico para o que estava fa-zendo:

- Quem já se banhou não necessita de lavar senão os pés; quan-to ao mais, está todo limpo. Ora, vós estais limpos, mas nem todos.

Jesus estava se referindo a Judas, que não estava lavado espiri-tualmente.

Qual o ensinamento desse episódio tão marcante? Quando Je-sus disse: "Quem já se banhou não necessita de lavar senão os pés", Ele estava enfatizando que na conversão a pessoa é total-mente lavada, mas que na caminhada cristã suja os pés, ou seja, peca. E, quando se peca, não tem de banhar-se de novo, ou seja, batizar-se ou converter-se novamente, apenas lavar os pés. Isto, quer dizer, portanto, que "lavar os pés" é o mesmo que lidar com os pecados do dia a dia da caminhada cristã.

Mas, Ele não disse que era para nós lavarmos os nossos pés, embora possamos presumir que isto também deve ser feito. Ele disse que, sendo Ele Senhor e Mestre, lavou-lhe os pés, deveriam eles, igualmente, lavar os pés uns dos outros, ou seja, lidar com os pecados do outro. Poderíamos parafrasear da seguinte maneira: "Quando vires o argueiro (pé sujo) de teu irmão, dispa-te de tuas vestes, lava-te primeiro, e então se curve humildemente e lave os pés do teu irmão.

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Nunca me esquecerei de uma das experiências mais emocio-nantes que tive no ministério pastoral lavando os pés de um irmão. Ele era meu parente bem chegado. Nosso culto de Natal havia terminado muito tarde e chegamos em casa por volta da meia noi-te. Meu irmão acima de mim morava na minha rua, e quando che-guei, ele correu em minha casa e me informou que esse parente nosso estava, naquele momento, vivendo um verdadeiro drama com a esposa, e me sugeriu que eu fosse lá naquela mesma hora da noite. Ao chegar lá o encontrei irredutível. Ele não queria saber de conversa.

- Por favor, não venha com conselhos! Foi logo falando ao ver-me entrar de Bíblia na mão.

Com muito custo um cunhado meu conseguiu levá-lo dali para a sua oficina mecânica. Depois de saírem, fui atrás e acabei fican-do a sós com ele, pois meu cunhado escapou, e nos deixou sozi-nhos. Como foi que lhe ganhei o coração naquela noite? Eu não lhe preguei um sermão, nem tampouco o exortei a voltar para casa e se reconciliar com a esposa. O que foi que eu fiz? Eu me despi abrindo-lhe os meus pecados. Falei dos meus erros no casamento. Mostrei-lhe como Deus era misericordioso comigo quando eu não lhe escondia as minhas faltas. Eu não falei em tese, eu contei-lhe fatos. Ele estupefato ouviu-me atentamente, e então abriu seu co-ração e, chorando muito, contou o drama que estavam vivendo. Choramos juntos e ele voltou para casa e se reconciliou com a es-posa e estão felizes até hoje.

Naquele dia eu me senti gente. Eu entendi o que Paulo quis di-zer: "Fiz-me fraco para ganhar os fracos".21

Naquele momento eu me senti um pastor de almas. Que privi-légio! Eu estava lavando os pés daquele irmão. CONSEQÜÊNCIAS DA VIOLAÇÃO

O que nos acontece quando não perdoamos de fato? E impor-

tante lembrar que devemos perdoar mesmo sem arrependimento do faltoso, para ficarmos livres das conseqüências da falta de per-dão, pois essas nos enfermam. Naturalmente que a restauração da

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comunhão só poderá acontecer mediante o sincero arrependimen-to, mas, se este não acontecer, ficamos livres, pois nosso coração não agasalhará os males da falta de perdão.

Como podemos saber se perdoamos de fato uma pessoa que não se arrependeu? Observando as nossas motivações para com ela. O que desejamos de verdade para a pessoa? Desejamos-lhe o bem? Desejamos que ela acerte sua vida? Que seja feliz? Que se arrependa? Que se reconcilie com Deus? Que seja bem sucedida?

Se não observamos estas atitudes em nós, é porque, provavel-mente, nosso coração está contaminado. E as conseqüências inevi-táveis serão:

Ressentimento Este é um sentimento muito pernicioso, pois é como uma ferida

aberta que não cicatriza e que sempre provoca dor. Maledicência Quando não se perdoa alguém, o nome daquela pessoa sempre

será lembrado de forma negativa e, a tendência, será sempre falar mal dela, achando-se no direito de fazê-lo.

Crítica amarga A falta de perdão nos levará a fazer todo tipo de crítica àquela

pessoa. Se alguém falar algo positivo a seu respeito, nós logo le-vantaremos várias críticas amargas.

Condenação Assumimos o posto de juiz e passamos a condenar todas as su-

as atitudes. Desejo de vingança Começamos a alimentar vingança no coração por não conse-

guirmos aceitar que ela fique impune pelo que nos fez. Formação de uma "raiz de amargura"22 A raiz de amargura quando brota contamina a muitos e enferma

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todo o corpo. Uma pessoa amargurada pela falta de perdoar pode tornar-se um câncer numa comunidade. Ela se torna um pessoa tão voltada para si que é incapaz de ver a sua trave, pois desenvolve o que chamamos de "síndrome de vítima". RESULTADOS DA OBSERVAÇÃO

"Bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia" Quem perdoa, quem é longânimo e compassivo, também será

perdoado e terá também a benção de usufruir a longanimidade de Deus.

O perdoador será sempre alguém quebrantado, que não se acha superior aos outros e, por isso, não é implacável com os erros que os outros cometem.

Certamente, haverá um nível mais profundo de intimidade com aquela pessoa a quem perdoamos e que se reconciliou conosco. Parece que acontece uma aceitação mútua mais profunda, pois máscaras caíram, e sentimos que não precisamos fingir espirituali-dade.

É no relacionamento conjugai, mais do que em qualquer outro, que o genuíno perdão produz frutos de amizade profunda.

Às vezes penso que nos relacionamos tão pouco como igreja, que não temos tempo nem de pecar uns contra os outros. E, assim, desenvolvemos relacionamentos frágeis de exterioridades. O ideal seria se os membros de uma igreja local morassem no mesmo pré-dio, tendo assim oportunidades para muitos enfrentamentos. Cer-tamente haveria muitos ossos quebrados, mas também muitos con-sertos, e assim, maiores oportunidades de nos conhecermos de fato e nos amarmos apesar das nossas deficiências, lembrando sempre que a grande virtude de um genuíno cristão não é nunca errar, mas consertar.

Uma comunidade de pecadores quebrantados será uma comu-nidade cheia de saúde, pois não existirão nela os laços destruidores do legalismo e da maledicência. Não há nada melhor no mundo do que o sentimento de sermos aceitos, apesar de nós.

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ENSINOS DE JESUS NO CORPO DO SERMÃO "... e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores. Porque, se perdoardes aos homens as suas o-fensas, também vosso Pai celeste vos perdoará; se, porém, não perdo-ardes aos homens as suas ofensas, tampouco vosso Pai vos perdoará as vossas ofensas" (Mt 6.12,14-15). Jesus condiciona o perdão que nos dá ao perdão que damos ao

nosso semelhante. Será que ficaremos sem o perdão de Deus se não perdoarmos alguém que pecou contra nós?

É, claramente, o que Jesus diz nestes versículos. Estaria esse perdão de Jesus relacionado à nossa salvação? Ou seja, se eu não perdoar alguém, fico banido da salvação?

Não é esta a questão, mas sim da perda de comunhão com Deus que promove todo tipo de retardo espiritual. É bom lembrar também que "importa que todos nós compareçamos perante o tri-bunal de Cristo, para que cada um receba segundo o bem ou o mal feito por meio do corpo".23 Muita gente pensa nesse tribunal ape-nas para conferir galardão, mas o texto diz pelo bem ou pelo mal que tiver feito por meio do corpo. Isto quer dizer que, mesmo os salvos, vão ter um acerto de contas com o Senhor. Daí, podermos concluir que alguém, realmente convertido, e que parte para a gló-ria com o coração endurecido pela falta de perdão, irá acertar lá com o Senhor. Não para declará-lo condenado, mas para quebran-tar o seu coração e promover a plena reconciliação. Por isso Ele enxugará tantas lágrimas.24

"Não julgueis, para que não sejais julgados. Pois, com o critério com que julgardes, sereis julgados; e, com a medida com que tiver-des medido, vos medirão também. Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão, porém não reparas na trave que está no teu próprio? Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho e, então, verás claramente para tirar o argueiro do olho de teu irmão". (Mt 7.1-5)

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Tendo já usado amplamente este texto, quero agora apenas res-saltar a questão do julgamento. Estaria Jesus nos proibindo de jul-gar sempre? Como entender as palavras de Paulo: "Porém o ho-mem espiritual julga todas as coisas?...".25

Creio que precisamos fazer aqui uma distinção muito importan-te entre julgar ações e julgar motivações.

Penso eu que Jesus está condenando aqui o julgamento das mo-tivações e não das ações. Em outras palavras eu não devo e não posso julgar as motivações das pessoas, mas suas ações eu tenho a responsabilidade de julgar. Suponhamos que eu veja um rapaz es-pancando brutalmente uma criança. O que devo fazer? Será que tenho de ficar passivo, dizendo: "Eu não posso condenar ou julgar a atitude desse rapaz".

Não! Eu tenho de julgá-la sim, e condená-la como uma ação má, e sair em defesa da criança, mesmo que isto me custe a vida.

Agora, imaginemos uma outra situação: Uma pessoa se dirige ao piano e toca de forma maravilhosa, encantando a todos. Eu fico num canto resmungando e dizendo aos que me cercam que o tal está tocando só para aparecer. É este tipo de julgamento que eu não posso fazer, pois estou me condenando. O que estou, de fato, dizendo é que se fosse eu que estivesse tocando estaria fazendo para aparecer. O ato de tocar piano não é um ato mau, mas bom. Agora, a motivação de tocar não nos compete julgar.

Paulo escrevendo aos Efésios diz que não devemos ser cúmpli-ces das obras infrutíferas das trevas; antes, porém devemos repro-vá-las, ou seja, julgá-las e condená-las.26

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Capítulo 10

O PRINCIPIO DA RECONCILIAÇÃO "Bem-aventurados os pacificadores

porque serão chamados filhos de Deus". (Mt 5.9) A razão de saltar a ordem das Bem-aventuranças, tratando dos

"Pacificadores" antes dos "Limpos de Coração" é somente por uma questão didática, a fim de tratar estes dois princípios juntos, pois ambos visam o conserto dos relacionamentos.

Enquanto que, no princípio do perdão aborda-se a questão do pecado do outro contra nós, neste novo princípio é o contrário. Trataremos do nosso pecado contra o outro.

O Princípio espiritual contido em Bem-aventurados os pacifi-cadores é o Princípio da Reconciliação contra quem nós pecamos.

De forma mais abrangente podemos dizer que Pacificador é aquele que procura, de todas as maneiras possíveis, promover a reconciliação entre pessoas que estão separadas, estando sempre pronto a consertar o que esteja errado em relações pessoais, tanto de si mesmo, como de terceiros.

Vejamos, primeiramente, os, passos que devemos dar em dire-ção àquele contra quem nós pecamos. O texto chave é Mateus 5.23-24: "Se, pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e, então, vol-tando, faze a tua oferta".

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1° Passo: Lembrar Jesus está fazendo alusão ao culto judaico, onde o adorador

trazia uma ovelha para ser sacrificada. O altar a que se refere era o lugar do sacrifício. Portanto, este texto não tem nada a ver com o trazer os dízimos ao gazofilácio. Seria mais aplicável hoje ao culto da ceia, quando nos aproximamos da mesa do Senhor a fim de uma avaliação honesta do nosso relacionamento com Deus e com os nossos, irmãos.

A ceia do Senhor nos obriga a olhar para três direções. Primei-ramente para o passado, contemplando o preço que foi pago pela nossa redenção e o cancelamento de toda a nossa dívida. Em se-guida para o presente, ou seja, para o nosso relacionamento com os irmãos. E, finalmente, para o futuro, quando tomaremos a ceia com Ele, no Reino do Pai.1 Portanto, quando olhamos para o pre-sente e vemos o relacionamento quebrado com algum irmão, devi-do ao nosso pecado contra ele, devemos dar o segundo passo.

2° Passo: Deixar a oferta Deixar a oferta implicaria em não prestar nosso culto a Deus

tendo uma pendência com um irmão. Jesus está nos ensinando que a nossa relação vertical com Deus é afetada pela nossa rela-ção horizontal com o nosso. Irmão. Eu percebo algumas vezes certos irmãos "deixando" de tomar a ceia. Quando os abordo perguntando o motivo da não participação eles afirmam ter um problema não resolvido com um determinado irmão. Aí procuro ir mais fundo e saber a quanto tempo isto aconteceu e fico pasmo quando descubro que é coisa muito velha. "Meu querido irmão, como é que você consegue viver com uma pendência desta em sua vida?"

Eu creio que Jesus ao ensinar o "deixar a oferta", certamente estava pensando em poucos dias. Portanto, eu o exorto, em nome de Jesus, a resolver essa pendência o mais rápido possível e quero um retorno de sua parte. O que tenho visto, é que, quando as pes-soas obedecem esta ordem de Jesus, elas são restauradas e o cálice volta a transbordar.

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O Princípio da Reconciliação

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3º Passo: Ir Portanto, a iniciativa é sempre nossa. Tanto no caso do outro

pecar contra nós, quanto quando nós pecarmos contra o outro, a i-niciativa deverá ser sempre nossa. Com isto Jesus está nos ensi-nando que em nenhuma situação eu tenho de ficar esperando o ou-tro vir em minha direção. Ninguém pode dizer: "Eu não tenho na-da contra ele, se ele tem algo contra mim, então que venha tratar comigo".

Desta forma, o corpo estará sempre saudável. Se entendermos que a iniciativa é sempre de todos, nenhuma doença se instalará em nosso meio, pois somos todos, igualmente responsáveis, pela saúde do corpo.

4º Passo: Reconciliar Muitos que ficam estacionados no "deixar", vivem assim, anos

a fio, tendo seu relacionamento quebrado com quem precisam a-certar contas, e também com Deus. Este passo deve ser dado o quanto antes, mas somente depois do coração estar realmente que-brantado. Se você for ao seu irmão justificar-se de sua falta você piorará a situação. Deverá ir a ele de coração quebrantado assu-mindo a culpa que lhe é devida, e também fazendo os acertos que a situação exigir. '

5º Passo: Voltar e ofertar É celebrar a vitória da cruz sobre o pecado. É entrar no San-

to dos Santos pelo novo e vivo caminho que Jesus nos consa-grou pelo véu, isto é, pela sua carne.2 É participar da ceia do Senhor de coração limpo, discernindo o corpo em harmonia com os irmãos.

Lembro-me de uma senhora que começou a freqüentar a nossa igreja vinda de uma igreja bem próxima. Como não gosto de enco-rajar essa pulação de galho de uma comunidade para outra fui sa-ber dela o porquê da sua vinda. Ela me disse que havia tido um probleminha com um irmão da outra igreja e, assim, ela queria se transferir para a nossa igreja. Eu lhe disse que isso só seria possí-vel depois de reconciliar-se com aquele irmão. Orientei-a a ir a ele

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e consertar o que estava errado no relacionamento deles e, se de-pois de consertar, ela ainda quisesse vir para o nosso meio então conversaríamos a respeito. Passadas algumas semanas ela apare-ceu de novo e fui logo saber como havia sido o conserto.

- Eu cheguei para aquele irmão e lhe disse, que, se o tinha o-fendido em alguma coisa eu queria que ele me perdoasse.

- Você vai ter que voltar a ele minha irmã, fui logo lhe adian-tando.

- Pois na realidade o que você lhe disse foi o seguinte: - Olha meu irmão, eu não acho que o ofendi em nada, mas se

você acha então eu peço que me perdoe. - Minha querida irmã, seja bem honesta, você ofendeu ou não

aquele irmão? Perguntei com muita seriedade. Ela abaixou os olhos e respondeu: - Sim. Eu o ofendi. Eu sei que o magoei muito, e estou, de fato

arrependida. - Pois é isto que você deve ir lá falar com ele. Faça isto o

quanto antes e depois venha falar comigo. Passados dois domingos, lá estava ela novamente no culto com

o rosto iluminado por um largo sorriso, e logo que o culto termi-nou, veio me procurar com euforia na voz.

- Pastor, pastor, ele me perdoou! Foi maravilhosa a nossa re-conciliação! Eu estou livre de um fardo!

Na minha juventude, trabalhei muitos anos com a Organização Palavra da Vida em acampamentos de jovens e adolescentes. Um traço bem comum na maioria dos adolescentes é o descuido com as suas roupas. A mãe prepara cuidadosamente o rol das roupas que o filho está levando para o acampamento, e coloca uma rela-ção na parte interna da mala para que o filho não esqueça nada, mas na hora de ir embora ele acaba largando um punhado de rou-pas pra trás. Nós da equipe ajuntávamos aquelas roupas e as guar-dávamos, por algum tempo, esperando que alguém as reclamasse, mas, quase ninguém voltava para buscar nada, e, assim, acabáva-mos mandando aquelas roupas para algumas instituições e também para certos campos missionários. Mas, muitas vezes, nós próprios éramos o "campo missionário". A maioria de nós, seminaristas

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"duros", ficávamos experimentando aquelas roupas e muitas pas-savam a ser parte do nosso guarda-roupa.

Certa vez eu estava subindo em direção ao salão de cultos, na companhia do Ari, meu pai na fé, quando ele se abaixou e apa-nhou na beirada da estrada um short lindo, de muito boa qualida-de. Certamente de algum adolescente espavorido que deixou cair por ali na hora de sair. Só estávamos nós dois, o short era do meu tamanho, para ele não servia, nem para o seu filho, que era peque-no. Eu estava certo que ele iria dar o short pra mim, mas ele não o fez. Ele foi e o dependurou no varal de sua casa, pois estava mo-lhado da chuva que havia caído na noite anterior. Eu fiquei danado da vida com ele, e pensei: "Ô gringo pão duro!".

Hoje eu entendo que ele guardou o short pensando na possibi-lidade do dono retornar para buscá-lo, mas naquela ocasião eu não pensei assim. Eu fiquei é bronqueado com ele. No dia seguinte, passando perto de sua casa, lá estava o short no varal. Fui lá de mansinho e o surrupiei. Usei aquele short muito tempo, e o Ari nunca me falou nada. Será que ele nem se deu conta, ou, será que ficou de "pé atrás" comigo? Eu não sei, mas bem que, às vezes, penso que ele pode ter ficado com uma reserva em seu coração que o distanciou de mim.

Seis anos se passaram e eu saí da Palavra da Vida para ser mis-sionário no Piauí, e o Ari voltou aos EUA para abrir novos acam-pamentos da P.V.3 em outras partes do mundo. No entanto todas as vezes que eu me lembrava dele lá estava aquele short no meio, me acusando.

Em 1970, aconteceu em São Paulo, o curso Conflitos da Vida. Quando Larry Coy tratou deste princípio ressaltando a necessidade de curarmos o nosso passado daquilo que "deixamos pra lá", veio imediatamente à tela da minha mente o short. Depois de muita luta resolvi escrever uma carta, mesmo sabendo que o melhor seria tra-tar pessoalmente, mas como estava sem condições de viajar aos EUA, resolvi escrever. Foi muito difícil escrever aquela carta, pois o Espírito Santo não deixou por menos. Eu tive de escrever a pala-vra "roubei". Como foi duro admitir isso. Eu queria desculpas, no entanto não foi possível, tive de enfrentar a verdade e, chamar o

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pecado pelo nome. Mas, depois que o fiz, coração ficou totalmente em paz. Eu tive também de restituir. Comprei um short semelhante e mandei para ele.

Somente dezessete anos depois da carta é que me encontrei no-vamente com Harry Bollback. Foi muito bom revê-lo. E, qual foi a sua primeira palavra para mim, antes mesmo de me abraçar? "Foi muito importante o que você fez!".

Só então, depois de vinte e três anos do ocorrido, estávamos partilhando de uma comunhão sem qualquer barreira. Nós pode-mos pensar, e o inimigo quer que pensemos assim, que o tempo se encarregará de curar nossos problemas; no entanto, o tempo não cura nada, só infecta mais.

Quantos casamentos estão purulentos devido a ferimentos não tratados. São mágoas e mágoas que o tempo não consegue escon-der.

Tratamos até aqui da nossa reconciliação com alguém contra quem nós pecamos. No entanto, este princípio é mais abrangente, pois contempla também a reconciliação que podemos promover entre terceiros. Isto me leva para um artigo de uma revista, de muitos anos atrás, de um conhecido pastor do passado. Tendo as-sumido ainda bem jovem o pastorado de uma igreja, ele se depa-rou com um problemão entre duas irmãs. A igreja estava dividida entre os adeptos da irmã Beth e os adeptos da irmã Sandra. Até mesmo se sentavam em lados opostos da nave do templo. Reinava assim uma hostilidade declarada. Na sua grande inexperiência, se-gundo ele, estava a ponto de reunir as duas e deixar o "pau que-brar". No entanto, ele foi socorrido a tempo por um velho diácono que o aconselhou a não fazer isso, mas a tentar semear alguma concórdia entre elas.

Conta ele que naquela mesma semana foi visitar a D. Beth e saboreando os seus deliciosos quitutes introduziu suavemente um comentário sobre os doces maravilhosos de D. Sandra. A mulher ficou apopléctica e, cheia de irritação, quase gritou:

- É verdade, ela tem uma mão muito boa para doces, pena que não tem a mesma habilidade para outras coisas, pois é terrível de gênio, e zxzxxccvvbbxvxzx... - Soltou todo tipo de toxinas que tinha

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contra a outra. No entanto havia admitido algo bom da rival: "Re-almente ela tem uma mão muito boa para doces."

Na semana seguinte, onde é que ele estava? Em casa de D. Sandra saboreando os seus doces maravilhosos.

- Irmã Sandra, seus doces são uma delícia! Bem que a irmã Beth já havia me falado que a senhora tem uma mão muito boa pra doces. (Logicamente que não falou o resto).

- Quem falou isso? A Beth Fernandes? Quem diria que eu um dia iria ouvir isso da parte dela. Ela também faz salgadinhos ma-ravilhosos e muitas outras coisas gostosas. E continuou tecendo elogios à outra, sem alardear os seus defeitos.

Logo, logo, ele começou a perceber olhares de aprovação sen-do trocados. E, com o passar do tempo, aquela névoa foi se dissi-pando e, ao sair daquela igreja, a paz já reinava em toda a comuni-dade.

- Mas, o maior beneficiado fui eu, diz-nos ele. Pois aprendi o princípio de passar a "boa palavra". Daí para frente sempre fi-quei atento ao ouvir um elogio feito a alguém. E, depois, conver-sando com a pessoa elogiada eu dava sempre um jeito de introdu-zir aquele elogio em nossa conversa. E eu via o semblante da pes-soa mudar, pois um elogio feito indiretamente tem um valor muito maior, pois é sentido como mais sincero,

Gostei tanto desse artigo que comecei também a praticar o

"passar a boa palavra". Percebi como o inimigo nos usa para pas-sar a "má palavra". Verifiquei também que a grande maioria tem a tendência de se calar quanto à boa palavra, não a fazendo chegar onde deveria, ou seja, na pessoa elogiada, mas age de forma dife-rente com a "má palavra" fazendo, muitas vezes, questão de levá-la até o seu alvo. Agindo assim nos tornamos instrumentos nas mãos do maligno para dividir e infectar o corpo.

Se atirarmos uma tocha de fogo dentro de um lago ela se extin-guirá imediatamente, mas se a atirarmos num milharal seco, em segundos provocaremos um incêndio perigoso. Para a "má pala-vra" devemos ser como um lago. Quando alguém chegar ao nosso ouvido com uma "palavra má" a respeito de alguém, ser um lago é

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chamá-la para orar pela pessoa. Aquela "fofoca" morrerá ali mes-mo. Mas ser um campo de milho seco é dar-lhe ouvidos e já co-meçar a falar com outros, incendiando assim os corações contra aquela pessoa.

O inimigo nos engana de duas maneiras muito sutis. A primeira é levando-nos a crer que sendo verdade o que estamos falando, is-to nos dá o direito de falar. A segunda é dando-nos a entender que já tendo falado com a pessoa em questão estamos autorizados a fa-lar para outros. No entanto a Palavra de Deus é explicitamente cla-ra ao declarar: "Não faleis mal uns dos outros"4. Quando não ti-vermos nada de bom para falar de alguém a melhor coisa é não fa-lar nada.

Conta-se de uma senhora que nunca falava mal de ninguém, pois sempre tinha uma palavra elogiosa a respeito de qualquer pes-soa. Certa feita alguém comentou em sua presença: i

- A Senhora é tão exagerada em só ver as virtudes das pessoas que é capaz de falar bem até do diabo.

- E vocês não acham que ele é bem perseverante! Respondeu ela. Isto pode ser uma piada, mas contém uma grande verdade que

precisa ser vivenciada por nós, pois quando passamos a "boa pala-vra" estamos aproximando as pessoas, e matando a "má palavra" num lago de amor, estamos "cobrindo multidão de pecados".5

Havia muito pouco tempo que eu tinha lido esse artigo "Passe a boa palavra", quando me deparei com uma situação perfeita pa-ra praticá-lo. Eu fui convidado para uma série de conferências numa grande igreja numa das nossas capitais. Ao chegar ao ae-roporto, não tinha ninguém me esperando; então apanhei um táxi e me dirigi para o Colégio daquela denominação, pois conhecia o diretor daquele Colégio de longa data. Enquanto aguardava o pastor, o meu amigo diretor abriu o coração comigo e falou grandes ressentimentos que tinha contra aquele pastor que chega-ria dentro de poucos minutos para me apanhar. Eu me senti bas-tante constrangido ouvindo tudo aquilo, mas logo o pastor che-gou desculpando-se muito por ter-me deixado esperando no ae-roporto. Saímos e no caminho eu lhe perguntei sobre a gestão do meu amigo diretor à frente do Colégio. Ele teceu grandes elogi-

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os ao diretor: - Este é um verdadeiro homem de Deus! Ele tem feito um tra-

balho maravilhoso. O Colégio é outro depois que ele assumiu a direção. Nós estamos vibrando com a sua administração.

Eu fiquei muito feliz ao ouvir isso, e fiquei calado quanto ao que tinha ouvido do meu amigo diretor.

As conferências foram muito abençoadas e eu já estava arru-mando as malas para ir para o aeroporto quando me lembrei do "Passe a boa palavra". Liguei imediatamente para o meu amigo e lhe contei tudo o que o pastor havia falado sobre ele. Houve um grande silêncio do outro lado da linha. Depois ouvi sua voz em-bargada de emoção:

- Você não faz idéia do valor destas palavras para a minha vida! Eu saí daquela cidade de avião, mas poderia ter saído de carro,

de ônibus, ou até mesmo a pé, que eu estaria voando, de tanta ale-gria. Ter sido usado por Deus como um retransmissor de boas pa-lavras, que aproximaram duas pessoas, valeu mais do que toda a conferência. CONSEQÜÊNCIAS DA VIOLAÇÃO

Vejamos, primeiramente, os casos pessoais. Pequei contra al-

guém e não o procuro para confessar, reconciliar, restituir, etc. O que esta postura endurecida e resistente certamente provocará? Quais as conseqüências?

Sentimento de culpa Paul Tournier no seu livro Culpa e Graça fala de "culpas fal-

sas" e "culpas verdadeiras". As culpas falsas subjugam muitas pes-soas indevidamente, pois, na realidade são falsas. São assumidas por um tipo de distúrbio psicológico, ou síndrome de Deus. É a-quela mãe que não se perdoa da filhinha ter morrido num desastre de automóvel. Ela martiriza-se dizendo: "Se eu não a tivesse leva-do comigo ela não teria morrido".

E assim ela se consome através de uma culpa falsa. Ela não fa-lhou em nada. Ela não foi responsável em nada pela morte da fi-

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lha. Conheço uma pessoa que se martiriza até hoje, depois de 15 anos da morte do irmão: "Se eu não tivesse deixado meu irmão vi-ajar, ele não teria morrido".

Parece que a pessoa precisa se punir de alguma maneira "Sín-drome de Deus" é um sentimento de onipotência que algumas pes-soas carregam sentindo-se responsáveis por tudo o que acontece ao seu redor.

Agora, existem as culpas verdadeiras e essas precisam ser as-sumidas. Alguém que pecou contra o outro e não o procura para consertar deve sentir-se culpado mesmo, e é importante que sinta. Pior se não sentisse nada, pois seria um indício de total entorpeci-mento espiritual, com pouca possibilidade de cura.

Insegurança Uma pessoa que vai deixando pendências na sua história de vi-

da desenvolverá uma profunda insegurança, pois sempre sentirá a falta de confiança dos outros na sua pessoa. Os seus problemas a-cabarão se tornando verdadeiros fantasmas que sempre a acompa-nharão.

Afastamento Por sentir-se insegura a pessoa acaba afastando-se do convívio

dos irmãos, tornando-se mais e mais arredia e desconfiada. Infecção na comunidade Quando os relacionamentos pessoais não são curados a enfer-

midade passa para a comunidade, pois a igreja local é um orga-nismo vivo e não uma organização.

Vejamos, agora, no caso de terceiros. Sei de irmãos que

estão com o relacionamento quebrado e nada faço para promover a reconciliação. Quais as conseqüências desta atitude de descaso minha e de outros, que também conhecem a situação e nada fazem?

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Maledicência Haverá a tendência de se formar partidos, e daí começam as

"fofocas", resultando na separação dos irmãos, provocando muitas ofensas e muitas lágrimas.

Infecção generalizada em toda a comunidade A doença espalha-se pelo corpo, provocando dissensões e divi-

sões. OS RESULTADOS DA OBSERVAÇÃO

"Bem-aventurados os pacificadores porque serão chamados filhos de Deus". Depois de quatro dias de ministração do Seminário "Diagnósti-

co e Terapia Espiritual" em Jaguaquara, na Bahia, fui procurado por um jovem:

- Pastor Ivênio, depois do que acabo de ouvir, estou desesperado! Não sei o que fazer!

- Conte-me o que está acontecendo. Espero poder ajudá-lo de al-guma maneira, fui logo me prontificando para ouvi-lo atentamente.

- Pastor a situação é muito complicada e, aos meus olhos, não vejo solução. Eu trabalho para um irmão da minha igreja num comércio va-rejista. Ele confiou tudo em minhas mãos e não sabe nada do que acon-tece ali. O problema está aí, pois venho roubando dele já há alguns anos e ele não faz a mínima idéia. Depois do que acabei de ouvir aqui hoje eu acordei e vi a seriedade do meu pecado. O que eu faço agora?

- Eu sei que é uma situação constrangedora, mas não existem ata-lhos. Você consegue jazer um levantamento dd tudo que lhe roubou? ( É, eu tinha de usar a palavra dura "roubou", para não "dourar a pílula").

- Sim. Eu posso fazer esse levantamento e atualizar o dinheiro, respondeu prontamente. (Era aquele tempo de inflação galopante em que o valor do dinheiro mudava diariamente).

- Então é isto que você tem de fazer. Marque um encontro a sós com ele e confesse o seu pecado. Apresente-lhe o montante que você

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lhe deve, e garanta-lhe que irá pagar tudo, mesmo que tenha de ser seu escravo.

- Mas, pastor, eu não sei se vou ter coragem. Ele vai me matar, pois a decepção dele vai ser enorme. Eu prefiro sumir no mundo e não dar mais notícias.

- Se você fizer isso, vai passar o resto da vida fugindo. Fugindo de si mesmo. O caminho de Deus é o confronto. É vir para a luz. É colo-car tudo às claras. Só assim haverá libertação. Estarei orando para Deus dar-lhe coragem. E, por favor, escreva-me contando o resultado.

Não recebi nenhuma notícia dele por mais de cinco anos, até que fui convidado novamente para ser preletor naquele mesmo a-campamento.

Durante a minha primeira preleção eu o divisei no meio da congregação e pensei: "Bem, pelo menos ele está vivo."

Logo que terminei, ele veio correndo falar comigo. - Puxa vida! Que bom vê-lo de novo. Eu passei um ano sem cora-

gem de seguir o seu conselho. Mas depois não agüentando mais a mão de Deus sobre mim, eu fiz o que me sugeriu. Quando lhe contei tudo ele ficou mudo, e depois de terrível silêncio ele me disse:

- Meu filho, você é um verdadeiro filho de Deus, pois só um filho de Deus faria o que você está fazendo, pois certamente você poderia continuar me enganando e eu nunca teria descoberto.

- E sabe o que ele fez? Perdoou-me toda a dívida e, fez mais ain-da:

- Agora, então, é que posso confiar em você de verdade. Eu quero que você seja meu sócio.

No Reino de Deus é assim. Nada debaixo do tapete. É assim que vencemos o príncipe das trevas, trazendo tudo para luz, pois ele não suporta a luz.

Um pastor muito amigo me procurou depois de ouvir esta pre-leção e me contou que quando estudante no Seminário havia traba-lhado na tesouraria do Colégio que era ligado ao Seminário.

- Eu desviei dinheiro do caixa enquanto fui tesoureiro. Ninguém descobriu. Formei-me no Seminário, fui ordenado pastor, e aquele fantasma me perseguia. Até que, não suportando mais, fiz os devidos cálculos de quanto havia subtraído e me dirigi ao antigo Diretor. Ele

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não era mais o Diretor em exercício. Entreguei-lhe um envelope com a quantia e confessei-lhe o meu pecado. Eu lhe disse:

- O senhor pode fazer o que quiser com este dinheiro. Ele me abraçou com muita ternura e me respondeu: - Meu filho, você é um verdadeiro filho de Deus, pois só um fi-

lho de Deus age assim. Você vai ser um grande pastor. Realmente, esse irmão é um grande pastor, e quando me contou

isso o fez com tanta humildade que muito me abençoou. OS ENSINOS DE JESUS NO CORPO DO SERMÃO

"Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e: Quem matar estará sujeito a julgamento. Eu, porém, vos digo que todo aquele que se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento; e que pro-ferir um insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento do tribu-nal; e que lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao inferno de fogo. Se, pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa perante o altar a tua ofer-ta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta. Entra em acordo sem demora com o teu adversá-rio, enquanto estás com ele a caminho, para que o adversário não te entregue ao juiz, o juiz, ao oficial de justiça, e sejas recolhido à prisão. Em verdade, te digo que não sairás dali, enquanto não pa-gares o último centavo". (Mateus 5.21-26) Já analisamos deste texto o verso 23 abordando os passos a se-

rem dados na reconciliação. Quero deter-me agora tão somente nos versos 21 e 22 onde nos deparamos com uma séria dificulda-de.

Jesus estabelece uma sentença gradativa à medida que o peca-do vai se tornando mais grave:

• Aquele que irar-se contra seu irmão estará sujeito a julga-mento. • Aquele que proferir um insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento do tribunal. • Aquele que chamar a seu irmão tolo estará sujeito ao infer-

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no de fogo. Aqui está a dificuldade. Aparentemente a terceira sentença é

duríssima para um pecado que não nos parece assim tão grave. Por que chamar um irmão de tolo nos tornaria réus do inferno de fogo?

Estamos diante de uma dificuldade de tradução. A tradução mais fiel deveria ser: "E quem chamar seu irmão de maldito ou anátema estará sujeito ao inferno de fogo".6

Isto posto, precisamos perceber a seriedade que Jesus está a-pontando aqui para o fato de se amaldiçoar alguém ou anate-matizá-lo, que é o mesmo que excluí-lo da nossa vida desejando-lhe o inferno. Ele está encarecendo neste texto o perigo da nossa língua.

Em Provérbios 6.16-19 o "semear contendas entre os irmãos" está alistado como o pecado que Deus mais abomina, acima até de "derramar sangue inocente".

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Capítulo 11

O PRINCÍPIO DA INTEGRIDADE

"Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus ". (Mt 5.8)

Este princípio trata das motivações. É "Limpo de coração"

quem tem motivações corretas, não havendo ambigüidade entre as suas motivações e as suas ações. Portanto, este princípio trata da relação entre o ser e o fazer. Eu o denomino "Princípio da Integri-dade", por tratar-se da inteireza do ser. Uma pessoa íntegra ou in-teira é uma pessoa sem divisões internas. É uma pessoa que não tem ambigüidades. Ela é sempre a mesma pessoa, pois não vive diferentes papéis.

Provérbios 4.23 afirma: "Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida".

O que a Palavra de Deus chama de coração? Certamente não é uma referência ao músculo que bombeia sangue para todo o nosso corpo; embora, certamente esteja usando o coração como uma fi-gura daquilo que transporta os nutrientes emocionais para todo o nosso ser. Podemos então pensar no coração como fonte de toda a nossa vida emocional ou sentimental.1 Somente assim, poderemos entender as palavras de Jesus em Marcos 7.21-23: Porque de den-tro, do coração dos homens, é que procedem os maus desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios, os adultérios, a avareza, as malícias, o dolo, a lascívia, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a lou-cura. Ora, todos estes males vêm de dentro e contaminam o ho-

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mem". Em Jeremias 17.9, lemos que "o coração do homem é enganoso

e desesperadamente corrupto". Portanto, a revelação que Deus faz do ser humano não é nada boa. Humanistas são aqueles que que-rem crer na bondade inerente do ser humano, mas a Palavra de Deus não deixa espaço para as propostas humanistas. Jesus afir-mou: "Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vos-sos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará boas cousas aos que lhe pedirem".2

Refutando o jovem rico Jesus disse: "Por que me chamas bom? Ninguém é bom senão um, que é Deus".3

Temos que fazer aqui uma digressão, pois uma pergunta se faz necessária: Será que Jesus não se achava bom? Esta é uma questão bastante relevante para os nossos dias, pois dela depende todo o edifício da nossa fé. Por que será que Jesus não aceitou ser cha-mado de "bom Mestre" pelo jovem rico?

O que Jesus, de fato, não estava aceitando era ser chamado de "bom homem". Em outras palavras, Ele estava dizendo: "Se você vê em mim apenas um 'bom homem' e não Deus, então não me chame bom, pois na realidade sou mau, visto estar reivindicando ser Deus".

Esta é a grande questão que iremos enfrentar neste terceiro mi-lênio, ou neste período chamado pós-modernidade. A questão quanto à divindade de Jesus. A igreja enfrentou na era moderna (1650-1945), ataques quanto à realidade de Deus. A ciência tor-nou-se a religião da era moderna e, nada que não passasse pelo crivo da ciência, ou da racionalidade, era aceito. Igrejas se fecha-ram, no chamado Primeiro Mundo, e a Europa passou a intitular-se pós-cristã. As teorias darwinianas se tornaram a bíblia dos ateís-tas que não precisavam da existência de Deus para explicar a vida. Assim sendo, os racionalistas da era moderna acreditavam que o conhecimento científico traria a "era de ouro" sobre a terra. Que o homem moderno baniria completamente de sua mente qualquer idéia de Deus, pois o homem era a medida de tudo.

No entanto, o que levou a chamada "era moderna" ao seu fim foi o desencanto total com a bondade humana e seus conheci-

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mentos científicos, que, ao invés de produzir o paraíso, produziu o inferno de duas guerras mundiais, as atrocidades dos campos de concentração e os desastres ecológicos irreversíveis. Pode-se dizer que a "era moderna" que já vinha apresentando seus ester-tores na virada do século XIX para o século XX acabou de su-cumbir e ser enterrada com a Segunda Guerra Mundial. Os hu-manistas de plantão ainda se agarraram na ideologia marxista que pretendia produzir a justiça do proletariado, mas com a que-da do muro de Berlim, acabaram-se as pretensões daqueles que criam no "homem bom".

Estamos vivendo hoje num grande vazio ideológico dentro da "pós-modernidade". Esta é a era da indiferença e do desencanto. A era da apatia e da desesperança. E, acima de tudo, a era das grandes incertezas. O homem pós-moderno é aquele que perdeu as certezas e, que, por isso, está experimentando um regresso emocional ao primitivismo espiritualista, ou seja, um agarrar-se a qualquer tipo de espiritualidade que lhe ofereça alguma experi-ência mística. Assim sendo, o homem pós-moderno difere do homem moderno quanto à crença em Deus. Enquanto o homem moderno dizia-se ateísta o pós-moderno é espiritualista. Ele não tem a tendência de negar a existência de Deus, mas de apegar-se a qualquer tipo de espiritualidade. Por isso o pensamento pós-moderno é de aceitar toda e qualquer experiência espiritual como válida desde os chás do Santo Daime até as invocações dos mor-tos e quaisquer outras experiências místicas que promovam al-gum tipo de contato com a divindade que, segundo eles, está em cada um de nós.

Deste modo, o pensamento pós-moderno conduz tudo a um ni-velamento, ou seja, não pode existir qualquer religião ou seita que se afirme portadora da verdade, ou que se arrogue ser o único ca-minho para Deus. Este é um ataque direto ao coração da fé cristã, pois esta é exclusivista. A verdadeira fé cristã não abre espaço pa-ra a possibilidade de qualquer outra proposta religiosa ser verda-deira. Quando Jesus afirma: "Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim"4, Ele exclui toda e qualquer outra proposta. Por isso o ataque da pós-modernidade

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não é contra Deus, mas contra Cristo. Assim, não estamos vivendo um período de crescimento do ateísmo, ou de rejeição a Deus mas um período de rejeição a Cristo como Deus encarnado. Um perío-do anti-Cristo. Todos os livros ou artigos que estão sendo editados hoje sobre Jesus visam rebaixá-lo à posição de apenas um "homem bom", para assim colocá-lo no mesmo nível dos demais gurus fundadores de religiões.

Por que o livro Código da Vinci de Dan Brown teve um suces-so tão vertiginoso? Um livro que torce fatos históricos inquestio-náveis é lido com tanta avidez por rebaixar Jesus à categoria de um mero guru. Jesus, como Deus encarnado, incomoda, pois é ex-cludente.

Somos humanistas que cremos na bondade do ser humano ou somos realistas, como Jesus, que denuncia a maldade de todos os descendentes de Adão? Por querermos parecer bons nos camufla-mos e mascaramos as nossas reais motivações pecaminosas, fal-tando-nos assim integridade. A nossa personalidade foi cindida pe-lo pecado e conseqüentemente temos em nós o querer realizar o bem, mas não a capacidade para fazê-lo. A imagem e semelhança de Deus permanecem em nós através dos valores de Deus em nós incorporados, mas o pecado degenerou nossa imagem promoven-do a egocentricidade que leva-nos pelo caminho da manipulação e utilização do outro.

Nós podemos elaborar grandes tratados filosóficos e viver no mundo das idéias, mas somos traídos pelo coração enganoso, por-que, na realidade, nós não somos o que nós pensamos ser, mas o que nós sentimos e fazemos. Em outras palavras, a nossa pessoa real não se evidencia através da nossa racionalidade, mas através das nossas ações, que são fruto das nossas emoções, ou do nosso coração. Por isso, Provérbios 4.23 afirma ser o coração a fonte da vida. "Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida".

A exortação da Palavra de Deus é no sentido de "guardarmos o coração". Precisamos pôr guardas à porta dos nossos sentimentos e dos nossos desejos emocionais, pois é aí que se trava a batalha da integridade entre o ser e o fazer.

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Os "limpos de coração", portanto, são aqueles que mantêm essa guarda contínua em seus corações impedindo o domínio do fazer sobre o ser. Suas motivações (o ser) são compatíveis com as suas ações (o fazer). Integridade é, assim, a designação mais apropriada para nos referirmos àqueles que não têm uma vida dupla, que não vivem a dicotomia entre o ser e o fazer, entre a motivação e a a-ção. Logo, os "limpos de coração" são aqueles que não guardam "cartas na manga", não se camuflam, que não procuram enganar para tirar vantagem.

Quando Jesus viu Natanael pela primeira vez, afirmou a seu respeito: "Eis um verdadeiro israelita, em quem não há dolo!".5

Dolo é engano ou fraude, ou ainda, traição e má fé e também ação praticada com a intenção de violar o direito alheio. Na reali-dade, Jesus estava dizendo: "Eis um verdadeiro israelita limpo de coração."

Foi esse Natanael que Filipe chamou para conhecer o Messias: "Achamos aquele de quem Moisés escreveu na lei, e a quem se re-feriram os profetas: Jesus, o Nazareno, filho de José. Perguntou-lhe Natanel: De Nazaré pode sair alguma cousa boa?".6

Esta é uma característica de uma pessoa limpa de coração, ela não se esconde, pois é muito autêntica. Ela é a mesma pessoa, em casa, no trabalho, no lazer, na igreja. Ela não vive diferentes pa-péis. Assim, "limpo de coração" não é alguém que não erra ou não peca, mas alguém que não se camufla.

Lembro-me de uma experiência que o Pastor Geremias Bento me contou, quando ainda era pastor da Primeira Igreja Batista em Belo Horizonte. Um jovem da igreja lhe pediu para viajar em sua companhia, pois queria conhecê-lo mais na intimidade, fora do púlpito. Geremias então o levou numa viagem de uma semana que fez a São Paulo. Na volta o jovem lhe disse:

- Puxa vida, Pastor! O senhor é o mesmo que é no púlpito! - Geremias - eu lhe falei - esse foi o maior elogio que você po-

deria ter recebido de alguém. Ele o estava chamando de "limpo de coração".

"Limpo de coração" deve ser então entendido como aquele que põe guardas às portas do seu coração para não ser conduzido de

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forma enganosa. Ele cuida das suas motivações. Ele as traz debai-xo do olhar atento do Espírito Santo andando na luz e purificando tudo no sangue da Nova Aliança. Ele não se esconde. Ele não pro-cura fazer boa figura. Ele se desnuda. Ele é autêntico. Ele chora quando precisa, sem medo das lágrimas da fraqueza mas também ri com as alegrias da vitória. Aliás, ele ri até da vida pois percebe que não precisa ser sisudo para ser levado a sério. Ele descobre as invejas e maldades do seu coração e as confessa. Descobre tam-bém desejos impuros na sua sexualidade e os traz à presença do Pai e deles fala com uma franqueza assustadora e sai fortalecido para vencer todos esses fantasmas da alma. E nessa intimidade com Deus que ele descobre estar, de fato, sendo o filho agradável ao Pai, pois sabe que Deus é luz, no qual não há nenhum subterfú-gio, e anela andar assim com seus filhos, banhados na graça, chei-rosos como Jesus. CONSEQÜÊNCIAS DA VIOLAÇÃO

O que acontece quando eu me escondo ou me camuflo, não me

deixando ser conduzido pelo Espírito, não guardando o meu cora-ção enganoso? Quais as conseqüências de uma vida sem integri-dade?

Vida dupla ou hipocrisia religiosa Não há nada mais detestável do que a falsidade. Querer aparen-

ta o que não se é. Por que isto acontece? Por que temos tanto medo do desnudamento? Já vimos isto no Princípio da Adoração. Uma necessidade enorme de sermos reconhecidos e valorizados é o que nos leva a esconder e a cumprir papéis. Precisamos ou buscamos o louvor das pessoas e isto nos torna falsos, ou duplos, ou sem inte-gridade.

Desonestidade Essa desonestidade é expressa em muitas áreas, mas, princi-

palmente nos negócios. Como já vimos, o dolo é uma fraude que visa tirar vantagem do próximo. Portanto, agir dolosamente nos

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negócios, querendo levar vantagem, é uma das principais evidên-cias de um coração impuro, sem controle do Espírito Santo. Qual-quer negócio só é bom se for bom para todos. Esconder detalhes que me favorecem é uma forma de dolo. No reino das trevas agir dolosamente é ser esperto, mas no Reino de Deus é ser enganador e fraudulento.

Impureza sexual Tem sido um grande prejuízo para a devida compreensão da

sexualidade humana relacionar a queda no Éden com o ato sexual. Este tipo de interpretação forçou o pensamento de grande parte da cristandade a encarar a sexualidade como algo pecaminoso, ou en-tão, a limitar o intercurso sexual apenas para a procriação.

Como encarar o prazer? Como cristãos devemos dar curso ao prazer advindo da prática sexual? Por que limitar o prazer sexual apenas aos casados? Como é que os solteiros devem lidar com a sua sexualidade? A fé cristã ensina a castidade para os solteiros ou isto é imposição de certas tradições religiosas? E o homossexua-lismo é legítimo ou não? Se o prazer é legítimo por que não pode ser partilhado por pessoas do mesmo sexo? Estas são algumas questões relevantes que precisamos encarar para avaliarmos a pu-reza do coração nesta área tão importante da vida humana onde tem havido mais dolo do que em qualquer outra.

Antes de mais nada precisamos compreender o movimento pendular da história no que concerne a sexualidade humana. De um lado o estoicismo, com forte ênfase no dever, na retidão, no domínio das paixões, olhando, muitas vezes, para a sexualidade como algo a ser negado, por produzir a lassidão do dever. Do ou-tro lado o hedonisrno encarando o prazer como a busca principal do ser humano. Estas duas escolas de pensamento têm norteado o assunto sexualidade através dos tempos.

Zenão, que nasceu em 334 a.C. em Cício na ilha de Chipre, é considerado o pai do estoicismo. Ele conferia à ética um papel preponderante e insistia no argumento de que a felicidade depende diretamente de uma submissão do desejo à razão divina que rege todo o universo. Percebemos assim, bastante proximidade nos

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conceitos de Zenão com a fé cristã. No entanto, o estoicismo den-tro do movimento dos mosteiros, tomou certos contornos de exa-gerado ascetismo, a ponto de não comerem nada que fosse agradá-vel ao paladar, para não serem tentados pela gula, nem dormiam em camas confortáveis para não serem dominados pela preguiça, nem tampouco permitiam o casamento e a prática sexual como forma de evitar a luxúria. Não se pode atribuir totalmente ao estoi-cismo todos esses exageros, mas certamente a filosofia estóica a-limentou os pensamentos desses monges ascetas.

Por exemplo, donde veio a doutrina católica da perpétua vir-gindade de Maria? Qual é o demérito para Maria ter tido vários fi-lhos? Para uma judia, demérito era não tê-los. Jesus nasceu de forma miraculosa sem qualquer participação de José, como estava profetizado: "...eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe chamará Emanuel".7 Mas, e depois do nascimento de Jesus, o que afirma o evangelista Mateus? "Despertado José do sono, fez como lhe ordenara o anjo do Senhor e recebeu sua mulher. Con-tudo, não a conheceu, enquanto ela não deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus".8 Claramente Mateus está afirmando que depois do nascimento de Jesus, José conheceu Maria sexual-mente. E ela foi abençoada por Deus com o nascimento de vários filhos.9

Os que argumentam que estes textos referem-se a primos de Je-sus desconhecem a riqueza da língua grega que emprega aqui o termo "adelphós", irmãos de sangue, e não "anepsiós", primos. Além do mais é importante lembrar o uso que Lucas e João fazem das palavras "filho unigênito" e "filho primogênito". Quando João está falando de Jesus como filho de Deus ele usa o termo "unigêni-to" do Pai.10 Mas quando Lucas está falando de Jesus como filho de Maria ele usa o termo "primogênito".11 E, Lucas não estava es-crevendo isto ali, na hora do nascimento, mas uns sessenta anos, ou mais, depois do acontecimento. Se Maria ainda estivesse viva, estaria beirando os 80 anos de idade. Se ela tivesse gerado apenas a Jesus, Lucas jamais poderia ter usado a palavra "primogênito, mas "unigênito", como João, quando quis deixar claro que Jesus é o Único Filho de Deus.

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Existe ainda uma outra linha de raciocínio empregada pelos defensores da perpétua virgindade de Maria, usando o texto de Mateus 12.46-50, de que Jesus chama de irmãos a todos os que fazem a vontade de Deus e não àqueles que o procuravam do lado de fora do recinto em que estavam reunidos. Vejamos o texto na íntegra:

"Falava ainda Jesus ao povo, e eis que sua mãe e seus irmãos es-tavam do lado de fora, procurando falar-lhe. E alguém lhe disse: Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e querem falar-te. Porém ele respondeu ao que lhe trouxera o aviso: Quem é minha mãe e quem são meus irmãos? E, estendendo a mão para os discípulos, disse: Eis minha mãe e meus irmãos. Porque qualquer que fizer a vonta-de de meu Pai celeste, esse é meu irmão, irmã e mãe". Se Jesus estivesse negando a irmandade, por parte de mãe, da-

queles que o estavam procurando, estaria negando também a ma-ternidade de Maria, pois disse: "Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?".

Percebe-se, obviamente, que Jesus estava comparando e espiri-tualizando a relação de intimidade de uma família com a sua rela-ção com os seus discípulos, colocando-os no mesmo pé de igual-dade, sem negar o fato da família nuclear a que pertenceu nos dias de sua encarnação.

Tudo isto foi dito para levantar novamente a indagação: Por que essa defesa insana da perpétua virgindade de Maria? A única explicação histórica plausível é a influência de um estoicismo as-ceta exacerbado, sobre alguns teólogos medievais, que viam impu-reza em qualquer intimidade sexual, mesmo entre os casados. O raciocínio da negação praticado pelo ascetismo é: O prazer é mau. Se a prática do sexo dá prazer então ela é má e perverte a Entida-de. Sendo assim, Maria não pode ter tido o prazer de uma intimi-dade sexual, senão ela não seria santa. Isto não é cristianismo, mas estoicismo asceta.

A genuína fé cristã, que se firma exclusivamente na Palavra de Deus, não nega o prazer, mas tampouco o diviniza como faz o he-

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donismo, que é o outro lado do pêndulo. Em muitos momentos da história, esta foi a filosofia que dominou o modo de pensar e agir das pessoas. Estamos vivendo hoje, o clímax de um hedonismo e-xistencialista em todas as suas formas possíveis. Tudo está sendo medido pelo parâmetro do prazer. Se dá prazer, então, é certo e deve ser praticado.

Na introdução do seu livro O Mito da Grama mais Verde, J. Allan Petersen narra o diálogo que teve com um senhor de meia idade, depois de ter proferido uma .palestra para homens sobre in-fidelidade conjugal:

- Por que você não terminou a história? Perguntou ele, apertando minha mão, ao despedir-se, depois da sessão da manhã da confe-rência. - Eu havia contado a história de um homem cuja infidelidade ha-via arruinado o seu casamento, causando um divórcio em outra família e deixado cicatrizes indeléveis na alma de seus filhos. Pe-tersen, disse ele, tal história não termina costumeiramente em tra-gédia e frustração; muitas vezes é através de um "caso" extra-conjugal que uma pessoa encontra o verdadeiro amor e felicidade e alegria pela primeira vez. - Saímos para almoçar juntos e no caminho fiquei sabendo que es-se homem franco era um pastor que dirigia três pequenas igrejas naquela região. Embora afirmasse estar muito bem casado com uma bela e talentosa mulher, ele estava profundamente envolvido com uma jovem pianista de uma de suas igrejas. - Petersen, eu só vim ter prazer de verdade quando me envolvi com essa jovem. Eu nunca tinha podido desenvolver certas fanta-sias sexuais com a minha esposa, mas com essa jovem eu vou às nuvens. Prazer como tenho tido só pode ser coisa de Deus, por is-so tem de estar certo. Este é o parâmetro hedonista que está regendo a maioria dos

comportamentos, não somente na área sexual, mas em quase to-das as áreas da nossa vida. O prazer está sendo a medida aferido-ra do certo e errado. Portanto, estamos mergulhados até ao pes-

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coço em práticas hedonistas sem nos apercebermos. Hoje, por exemplo, existem verdadeiros templos de gastronomia onde se cultua o prazer da alimentação. Somos contrários ao prazer de comer? Logicamente que não, mas devemos estar atentos aos males da comilança que se pratica hoje, que trazem grandes pre-juízos para a nossa saúde. Muitos cristãos sinceros nem pensam nisso, pois o direito ao prazer parece estar estabelecido e não po-de ser negado.

É comum encontrarmos pessoas se divorciando usando o ar-gumento do direito ao prazer como a base da separação. Empre-gam a palavra felicidade como sinônima de prazer: "Se o meu ca-samento não estiver prazeroso é legítimo eu descartar-me dele, pois afinal das contas eu tenho o direito de ser feliz".

E o que dizer do namoro dos jovens? Namoro hoje é sinônimo de transa sexual. A grande maioria dos jovens e também adoles-centes já inseriram em sua forma de pensar que o normal é ir para cama com o namorado ou namorada. Quem não faz assim é visto como estranho ou fanático religioso. Entre os adolescentes o "fi-car" ainda não inclui, necessariamente, o intercurso sexual, mas quase tudo que seja prazeroso e sem compromisso de permanên-cia.

Como já dissemos, a genuína fé cristã não é nem estóica, nem tampouco hedonista, ela não nega nem diviniza o prazer, em se tratando do prazer sexual, ela, antes, o.canaliza para o casamen-to, para que sua prática seja experienciada dentro de um contexto de pleno compromisso. Em se tratando do homossexualismo, é impossível querer adaptá-lo à fé.cristã, pois esta o nega de forma absoluta, como sendo uma perversão da sexualidade. Portanto, para aqueles que afirmam não ter atração por pessoas do outro sexo, a única opção bíblica é a castidade, ou seja, total abstinên-cia sexual. Devemos lembrar que, assim como uma disfunção or-gânica pode levar uma pessoa a praticar a abstinência do açúcar, por exemplo, uma disfunção emocional igualmente, deverá exi-gir abstinência, sem que isto cause danos maiores. A abstinência de certos aspectos da sexualidade não terá que ser algo traumáti-co ou prejudicial, a não ser que aceitemos o engodo da maneira

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hedonista de pensar. Os diabéticos podem ter uma vida muito boa mesmo sem açúcar.

Defraudação Este conceito está baseado em 1Ts 4.1-8:

"Finalmente, irmãos, nós vos rogamos e exortamos no Senhor Je-sus que, como de nós recebestes, quanto à maneira por que eleveis viver e agradar a Deus, e efetivamente estais fazendo, continueis progredindo cada vez mais; porque estais inteirados de quantas instruções vos demos da parte do Senhor Jesus. Pois esta é a von-tade de Deus: a vossa santificação, que vos abstenhais da prostitu-ição; que cada um de vós saiba possuir o próprio corpo em santifi-cação e honra, não com o desejo de lascívia, como os gentios que não conhecem a Deus; e que, nesta matéria, ninguém ofenda, nem defraude a seu irmão; porque o Senhor, contra todas estas cousas, como antes vos avisamos e testificamos claramente, é o vingador, porquanto Deus não nos chamou para a impureza e sim para a san-tificação. Dessarte, quem rejeita estas cousas não rejeita o homem e sim a Deus, que também vos dá o seu Espírito Santo." A tradução que estou usando é a Revista e Atualizada, da Soci-

edade Bíblica do Brasil, 2ª edição. Comparando as traduções per-cebemos que esta tradução, provavelmente, é a que mais se distan-cia da idéia original do texto. A tradução mais literal é a Revista e Corrigida da Imprensa Bíblica Brasileira, que traduz asssim o Ver-so 4: "Que cada um de vós saiba possuir o seu vaso em santifica-ção e honra". O "possuir o seu vaso" não é uma referência ao pró-prio corpo, mas sim, uma referência ao outro, o que é bem refor-çado pelo contexto. A tradução Revista e Atualizada da Sociedade Bíblica do Brasil, edição de 1961, a meu ver, chegou mais perto da idéia original: "Que cada um de vós, em santificação e Honra, sai-ba conseguir esposa". A esposa, então, é o vaso, ou recipiente do amor do esposo. Sendo assim, este é claramente um texto sobre namoro, ou como encontrar o cônjuge, não através da via da sexu-alidade, ou desejo de lascívia, como fazem os gentios que não co-

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nhecem a Deus. Quando Paulo está exortando os cristãos de Tessalônica a se

absterem da prostituição, pensamos logo em prostituição paga, pois este é o sentido da palavra prostituição em nosso contexto a-tual. No entanto, a palavra "pornéia", aqui traduzida por prostitui-ção, refere-se a toda e qualquer prática sexual fora do casamento. Os gentios eram tremendamente devassos na sua sexualidade de-senfreada e não consideravam errado as praticas sexuais entre pes-soas solteiras e, até mesmo, o adultério era visto com benevolên-cia. No entanto o apóstolo está estabelecendo àqueles crentes, ori-undos de um passado tão permissivo, uma outra ética sexual, fir-mada na santidade das relações.

Temos, assim, aqui uma orientação muito importante para to-dos os solteiros e solteiras que desejam a vida conjugal. Buscar o companheiro ou a companheira pela via da santidade e não da se-xualidade. Pois procurar o cônjuge da maneira dos gentios promo-ve a defraudação do outro, que é o mesmo que provocar desejos que só podem ser satisfeitos dentro do casamento.

Se o namoro for um tempo de se aprofundar em carícias, mes-mo sem chegar à realização plena do ato conjugal, ele se constitui num ato de defraudação, pois somente dentro de um relaciona-mento de compromisso de vida, de pertencer, de assumir o outro perante a família, a sociedade, a igreja, e principalmente diante de Deus, é que se pode usufruir, legitimamente, as gratificações da sexualidade.

Paulo, portanto, está advogando um namoro em busca do côn-juge sem os abrasamentos da lascívia. É importante mencionar a tempo, que não existe, biblicamente falando, namoro que não vise o casamento. Ninguém pode namorar para curtir, ou namorar por namorar. Namoro não é fim, mas meio de se encontrar o cônjuge. Fica assim bem definida como impureza moral a prática lasciva do "ficar" entre os adolescentes.

Nunca irei me esquecer daquela jovem que me procurou para aconselhamento, lá na década de 70. Ela trazia no semblante gran-de dor e desespero. Ela começou narrando a sua história e eu podia quase imediatamente saber o seu final. Ela era realmente crente.

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Ela tinha um padrão de namoro segundo a Palavra de Deus, mas começou a namorar um rapaz não convertido. Logicamente que ele não tinha os mesmos padrões que ela. No começo tudo foi lin-do e maravilhoso, pois ele dizia:

- Puxa, como você é diferente (da fulana)! Você me compreen-de de verdade. Eu até tive um caso com ela, mas ela não me com-preendia como você.

É muito interessante de se observar a diferença da tentação pa-ra o homem e para a mulher. O homem, em questões de sexuali-dade, é tentado mais pelos olhos e a mulher mais pelo ouvido. A-quela jovem estava sendo seduzida, de forma bem sutil, por al-guém que dizia o que era doce aos seus ouvidos. Quando afirmou ter tido um caso com a outra, ele estava comunicando seu padrão de namoro. Depois de algum tempo de namoro ele começou a fa-zer cenas de ciúme dizendo que ela não o amava de verdade senão daria provas de seu amor. O que ele estava chamando de "provas de amor" era a intimidade sexual. Assim se estabeleceu entre eles o dolo, o engano, a impureza, a falta de inteireza de coração, pois as motivações escondidas eram outras. Ele pensava na cama e ela pensava no véu e grinalda. Ela fazia concessões de maior intimi-dade, querendo segurá-lo para o casamento e ele insistia em "pro-vas de amor" querendo levá-la para a cama. Até que ela não con-seguiu segurar mais e entregou-se totalmente a ele. Daí para fren-te, ele começou a desprezá-la e a provocar-lhe ciúmes namorando outras e procurando-a apenas para deitar-se com ela. Ela sempre cedia, pensando ser a maneira de conquistá-lo para o casamento. O tempo passou neste tipo de namoro, que, segundo a Palavra de Deus, era "pornéia" ou prostituição. E então, aconteceu o inevitá-vel: ela ficou grávida. Ele virou uma fera e começou a lançar-lhe em rosto:

- Como você foi deixar isso acontecer? O que vão falar de vo-cê na igreja?

Como se pode perceber ela ficou sozinha com o seu problema, e ele começou então a fazer-lhe ameaças e promessas:

- Não podemos ter este filho! Não podemos nos casar agora! Mas eu lhe prometo que se tirarmos a criança, logo que tivermos

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condições casaremos. Ela não pensava em aborto. Ter aquela criança era tudo o que

ela queria. Mas, o sonho de se casar, de entrar na cerimônia de ca-samento de véu e grinalda foi maior e ela acabou cedendo. Ela es-tava ali sentada a minha frente querendo morrer, pois havia abor-tado de gêmeos, e agora não conseguia apagar de sua mente as fa-ces daqueles bebês. Ela havia tocado num fio de alta tensão e esta-va sendo destruída por dentro pela dor e pela culpa.

Josh MacDowell no seu livro Os Mitos da Educação Sexual demonstra como a promiscuidade sexual tomou conta dos jovens e adolescentes americanos por causa de certos mitos:

• "Os Adolescentes querem mais sexo do que amor" • "É irrealista querer que os adolescentes esperem" • "A mídia ensina aos adolescentes a verdade sobre o sexo" • "O sexo entre os adolescentes que concordam com ele não é

da conta de ninguém" • "O sexo seguro é realmente seguro" • "Os adolescentes não precisam de que os pais envolvam-se

nas suas decisões sexuais" É muito importante lembrar que esses 6 mitos acima alistados

são apenas mitos nos quais as pessoas querem crer, e não, a reali-dade dos fatos.

Hoje numa Escola Pública Americana, em algumas regiões dos Estados Unidos, uma jovem adolescente pode sair de sua classe, ir para uma Clínica de Aborto (Um ônibus especial permanece na porta das Escolas), fazer o aborto e voltar para sua aula, sem dar satisfação a ninguém, muito menos a seus pais, pois o grito geral é que ela tem direito sobre o seu corpo.

Esta é a sociedade hedonista que faz do prazer o referencial do que é certo e errado. Todos sabem que pílulas não protegem to-talmente, nem camisinha, então mata-se. O prazer é assim coloca-do acima da vida humana.

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Domínio da lascívia A palavra lascívia pode ser definida como prazer sensual na

mente. Nós podemos ficar enredados na lascívia por permitir o seu alojamento em certos quartos fechados da nossa mente, entenden-do como área legítima da nossa intimidade, onde ninguém mais pode ter acesso e onde nos permitimos fantasiar. Podemos ser en-ganados em pensar que Deus não nos reprova em degustarmos tais fantasias em nossa mente.

Incapacidade de testemunhar Quando agasalhamos imoralidade em nosso coração, nossa bo-

ca se fecha e não conseguimos falar de Jesus. Tenho a impressão que uma grande maioria não prega o evangelho mais abertamente por este motivo. Sentem-se reprovados. Sei de mim mesmo que, quando sou condescendente com os meus olhos, meus lábios se fecham.

Rejeição da boa consciência Paulo escrevendo a Timóteo, seu filho na fé, exorta-o a "...

mantendo fé e a boa consciência, porquanto alguns, tendo rejeita-do a boa consciência, vieram a naufragar na fé".12 Quando não co-locamos guardas à porta do nosso coração enganoso podemos vir a naufragar, ao invés de navegar na fé. Afundamos em imoralidade, em desonestidade, em vários tipos de permissividade, pois a nossa boa consciência ficou cauterizada.

RESULTADOS DA VIVÊNCIA DESTE PRINCÍPIO

Quando no meu dia-a-dia ponho guardas à porta do meu cora-

ção, ou como disse Davi, "escondo a tua palavra no meu coração para não pecar contra ti",13 o resultado é a pureza do coração. E os "puros de coração verão a Deus".

Esse "ver a Deus" não significa ter visões de Deus, mas sim percepções espirituais mais profundas, ou um perceber mais acu-rado das ações de Deus no viver diário, ou um reconhecê-lo em todos os caminhos.14

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OS ENSINOS DE JESUS NO CORPO DO SERMÃO

"Ouvistes o que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos digo: qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no cora-ção, já adulterou com ela. Se o teu olho direito te faz tropeçar, ar-ranca-o e lança-o de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, não seja todo o teu corpo lançado no inferno. E, se tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e não vá todo o teu corpo para o inferno. Também foi dito: Aquele que repudiar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio. Eu, porém, vos digo: qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de relações sexuais ilícitas, a expõe a tor-nar-se adúltera; e aquele que casar com a repudiada comete adulté-rio". (Mateus 5.27-32) Temos neste texto três ensinamentos importantíssimos que

pontuam o Princípio da Integridade: 1°) Adultério no coração Jesus está nos conduzindo para uma "sintonia fina". Ele está

levantando o nível da lei. A Lei diz: "Não adulterarás". A Lei de Moisés focalizava a ação do adultério. Jesus levantou a Lei do ní-vel da ação para o nível da intenção. Com isso Ele está nos prote-gendo do coração enganoso, pois aquele que chamar o olhar cobi-çoso de adultério estará lidando com o pecado no seu nascedouro. Muitos brincam com o adultério chegando muito perto da beirada do abismo, não tendo forças para retornar. Com este ensino Jesus está nos protegendo da leviandade do coração.

Seria ideal para a nossa saúde se fizéssemos check-up duas ve-zes ao ano. Certamente iriam detectadas enfermidades no nasce-douro, a tempo de se tomar medidas apropriadas ao seu combate. Jesus está aqui nos colocando diante de um check-up do nosso co-ração.

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2°) Medidas radicais que precisamos tomar Ao afirmar a necessidade de "arrancar-se" o olho, ou de "cor-

tar-se" a mão, Jesus estava empregando o "exagero" visando a nossa conscientização de medidas radicais que precisamos tomar naquelas áreas em que somos vulneráveis. Obviamente ele estava sendo literal, pois sabia que o "corte" da mão ou o "arrancar" do olho não eliminariam o problema que não se encontra na mão ou no olho, mas no "coração". É sabido que Orígenes (182 252 d.C.), um dos chamados Pais da Igreja, emasculou-se, a fim de eliminar as tentações sexuais, o que, certamente não aconteceu.

3°) Quanto ao divórcio E muito importante de se observar que o contexto histórico em

que Jesus estava ministrando não dava à mulher o direito de repu-diar o marido. Isto era prerrogativa exclusivamente masculina. Fo-ram os desdobramentos dos ensinos de Jesus, feitos principalmen-te por Paulo, que vieram conferir a mesma dignidade à mulher. Assim, lemos em Gálatas 3.28 que em Cristo não pode haver nem homem, nem mulher, nem escravo, nem livre, nem judeu, nem gentio, ou seja, somos todos iguais diante do Pai. Portanto, da mesma forma, que não admitimos mais a escravatura de seres hu-manos, não podemos também admitir qualquer tipo de cerceamen-to à mulher por ser mulher. Em se tratando do divórcio elevemos, portanto, fazer a leitura de forma contextualizada, reconhecendo que Jesus foi o grande emancipador da mulher, dando-lhe assim os mesmos direitos na relação conjugal.

Jesus estabelece neste texto, como único motivo legítimo para repudiar-se a mulher, a quebra da aliança ou pacto de fidelidade sexual. Nos dias de Jesus, estava no auge uma polêmica entre duas escolas rabínicas quanto à questão do divórcio. As escolas de Hil-lel e de Shammai. A escola de Hillel era bastante liberal conceden-do ao homem o direito de divorciar-se de sua mulher por qualquer motivo, até por ficar feia ou queimar a comida. Já a escola de Shammai era bastante restritiva, concedendo o divórcio ao marido apenas em caso de infidelidade sexual por parte da.esposa.

De acordo com as leis judaicas a mulher não poderia iniciar um

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processo de divórcio, porém podia comparecer a um tribunal e forçar o marido a divorciar-se dela, sob determinadas condições. Por exemplo, se ele sofresse de certas enfermidades, ou se se ocu-passe de certos trabalhos inconvenientes, ou ainda, se fizesse ju-ramentos em detrimento dela ou a forçasse a fazer tais juramentos. Mas, em se tratando de infidelidade sexual, ela não tinha nenhum direito pois ele poderia até mesmo ter concubinas. O "Não adulte-rarás" para o homem significava apenas não possuir a mulher do próximo. Relacionar-se com uma mulher solteira não seria consi-derado adultério. Para a mulher, no entanto, não era assim. Qual-quer relacionamento fora do casamento era adultério. "Vemos as-sim que prevalecia sempre um duplo padrão, tolerante para com os homens e severo para com as mulheres. A mulher era considerada propriedade masculina. Onde estava o adúltero que foi apanhado junto com a mulher que foi trazida a Jesus?15 Por que trouxeram só a mulher?

Este tema precisa ser tratado levando em conta o contexto his-tórico, caso contrário cometeremos muitas injustiças. Naquele contexto em que a mulher era propriedade masculina, Jesus deixou claro seu apoio à escola de Shammai, permitindo ao marido divor-ciar-se da mulher exclusivamente em caso de infidelidade sexual dela. Essa era uma posição que visava proteger a mulher dos abu-sos dos homens. Quando Jesus a reiterou, muitos o questionaram dizendo: "Se essa é a condição do homem relativamente a sua mu-lher, não convém casar"16, ou seja, se temos de agüentar uma mu-lher que fica velha e feia, e que até mesmo não cuida bem da casa, então é melhor nem casar".

O que precisamos compreender no assunto divórcio é que Jesus deixou questões em aberto que deveriam ser tratadas mais tarde, pelos discípulos, sob orientação do Espírito Santo, é claro. É o que vemos em 1Co 7.10-15:

Ora, aos casados, ordeno, não eu, mas o Senhor, que a mulher não se separe do marido (se, porém, ela vier a separar-se, que não se ou que se reconcilie com seu marido); e que o marido não se aparte de sua mulher. Aos mais digo eu, não o Senhor: se algum irmão tem mulher

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incrédula, e esta consente em morar com ele não a abandone; e a mu-lher que tem marido incrédulo, e este consente em viver com ela, não deixe o marido. Porque o marido incrédulo é santificado no convívio da esposa, e a esposa incrédula é santificada no convívio do marido crente. Doutra sorte, os vossos filhos seriam impuros; porém, agora, são santos. Mas, se o descrente quiser apartar-se, que se aparte; em tais casos, não fica sujeito à servidão nem o irmão, nem a irmã; Deus vos tem chamado à paz." E importante observar neste texto que a ordem de não se sepa-

rar foi dada primeiramente à mulher. Por que será, visto que a mu-lher não deveria tomar a iniciativa? Percebemos então em Paulo, como desdobramento do ensino de Jesus, a preocupação de equi-parar a mulher ao homem quanto ao direito de também poder to-mar a iniciativa.

O mais interessante neste texto é a distinção entre "ordeno, não eu, mas o Senhor" e "aos mais digo eu, não o Senhor". Existem aqueles que pensam que a palavra de Paulo aqui tem menos auto-ridade. No entanto o que Paulo está dizendo é que Jesus pronun-ciou-se quanto à indissolubilidade do casamento, mas não men-cionou nada sobre uma situação nova que estava surgindo que era a separação por causa da conversão de um dos cônjuges. A palavra de Paulo tem a mesma autoridade que a de Jesus por ter recebido, como apóstolo, uma procuração d'Ele.

É importantíssimo salientar que a Igreja foi alicerçada sobre a doutrina dos apóstolos, e não somente sobre a de Jesus. Ele, an-tes de partir, deixou bem claro que não deixaria seus discípulos órfãos, mas enviaria o Espírito Santo para conduzi-los a toda a verdade.17 Portanto, existem verdades que foram estabelecidas pelos apóstolos, sobre as quais Jesus não se pronunciou, tendo deixado apenas os princípios para que eles firmassem os concei-tos práticos para a vida da Igreja. Portanto, não se pode olhar pa-ra a palavra de Paulo como simples opinião humana, mas como Palavra de Deus dada através da autoridade apostólica. Foi exa-tamente isto que ele falou aos Tessalonicenses: "Outra razão ain-da temos para, incessantemente, dar graças a Deus: é que, tendo

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vós recebido a palavra que de nós ouvistes, que é de Deus, aco-lhestes não como palavra de homens e sim como, em verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito, está operando eficazmente em vós, os que credes.18

A orientação que Paulo está dando aos crentes de Corinto, so-bre a qual Jesus não se pronunciou diz respeito ao cônjuge crente não se separar do não crente. Aqui não é o caso de um casamento misto. Eles já eram casados e um apenas se converteu. Paulo está dizendo ao cônjuge crente para manter-se no casamento se o outro consentir em viver com ele numa nova situação espiritual. Mas se o descrente quiser separar-se, que se separe, diz o apóstolo. Paulo está dizendo ao cônjuge convertido que ele deve permanecer firme na fé, permitindo ao descrente romper o contrato conjugal por não querer mais a sua companhia como cristão. "Em tais casos, não fi-ca sujeito à servidão nem o irmão, nem a irmã; Deus vos tem chamado à paz".

Eis a questão: Tais pessoas estariam impedidas de um novo ca-samento no futuro, caso o cônjuge descrente não mudasse a sua a-titude? Parece-me que não. A expressão "não fica sujeito à servi-dão, nem o irmão, nem a irmã; Deus vos tem chamado à paz", fir-ma o mesmo princípio de liberdade para novas núpcias, pois todo contexto judaico de divórcio pressupunha liberdade para novas núpcias. E aqui, no caso de abandono por causa da fé, Paulo está estabelecendo plena igualdade entre homem e mulher.

Por isso é necessário conceituarmos muito bem os termos da aliança conjugal conforme estabelecida por Deus em Gn 2.24: "Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher, tornan-do-se os dois uma só carne". Esta Aliança é composta de três compromissos igualmente importantes, que não sendo, qualquer deles, cumprido destrói o matrimônio.

O primeiro é: Deixar pai e mãe Qual a implicação desse compromisso? Será que Deus está e-

xigindo que os filhos abandonem os pais depois de se casarem? Obviamente que não, pois o cuidado dos pais na sua velhice é uma das formas de se obedecer ao quarto mandamento – "Honra ao teu

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pai e à tua mãe".19 O deixar aqui implica em não depender mais dos pais, nem ma-

terial, nem psicológica, nem espiritualmente. O deixar pressupõe a maturidade dos nubentes para a formação de uma nova estrutura familiar que precisa ter vida própria para se desenvolver sauda-velmente.

Alguém que se casa, mas não corta o cordão da dependência emocional (Às vezes são os pais que não cortam, no entanto é mais grave quando os filhos não cortam), diante de qualquer difi-culdade no seu relacionamento conjugai abriga-se nos pais fugin-do assim do confronto que é indispensável na vida a dois. Com o passar do tempo a situação só faz agravar-se, promovendo a que-bra do primeiro compromisso da aliança conjugal.

Há casos de filhos imaturos que se casam, geralmente não se-guindo os passos dessa Aliança, iniciando-a pelo terceiro com-promisso que é tornar-se uma só carne, e, como conseqüência, a-bandonam o cônjuge - alguns até os próprios filhos - e voltam para debaixo das asas dos pais. Por não terem deixado os pais, não con-seguem unir-se ao cônjuge, e o tornar-se uma só carne é a única coisa que os prendem, mas por ser um vínculo muito fraco, logo se desfaz. Não conseguiram romper o cordão que os prende aos pais, pois ainda se nutrem desse relacionamento.

A criança no ventre materno está numa situação ideal de calor, proteção, alimento, etc. Quando ela rompe a madre entra num mundo hostil que começa a agredi-la. O cordão umbilical tem de ser cortado porque agora ela irá se nutrir de forma diferente. No entanto ela sai de uma bolsa e entra em outra bolsa que é o cuida-do e a proteção dos pais. Ela vive até a adolescência usufruindo desses cuidados paternos. Quem não se lembra com saudade dos anos dourados da adolescência? Vivíamos com a cabeça nas nu-vens. Tive uma infância e adolescência bem pobre, mas que tempo bom foi aquele, como nos divertíamos sem nenhuma preocupação com contas, ou com o que quer que seja. Estávamos ainda no se-gundo útero.

O final da adolescência é um período de turbulências porque começamos a sentir novamente as dores do parto, não mais de um

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bebezinho mas de um adolescente que está rompendo com a bol-sa de proteção dos pais para entrar na Vida adulta. Um novo cor-dão tem de ser rompido para que o jovem aprenda a andar pelas próprias pernas. Por isso, o primeiro passo para alguém caminhar em direção ao matrimônio não é a intimidade sexual com alguém de quem se enamorou, mas deixar pai e mãe. Não no sentido ge-ográfico, indo morar em outra cidade, ou mudando-se de casa, mas no sentido de dar demonstrações de sua autonomia, tanto material como espiritual e psicológica. Muitos não amadurecem, continuam numa eterna adolescência, e por isso não conseguem deixar pai e mãe. Vivem o que Dan Kiley chama de síndrome de Peter Pan.

O segundo compromisso é: Unir-se ao cônjuge Eu diria que é praticamente impossível unir-se sem deixar pai e

mãe. Existem casamentos que se iniciam com um pé no fracasso, pois não conseguem unir-se, a começar com as questões financei-ras. Casam com tudo muito definitivamente separado. Contas se-paradas, bens separados, interesses separados, objetivos de vida separados. Alguns querem se casar até mesmo com a vida espiri-tual separada (casamento misto20), ou seja, cada um com a sua proposta de fé. Casamento de verdade é fusão, é unidade, é intera-ção, é formação de uma nova identidade, não mais individualiza-da, mas corporativa. É uma doação ao outro, é um negar-se a si mesmo. É querer mais servir do que ser servido.

U que está prevalecendo em nossos dias é um exacerbado indi-vidualismo que tem levado as pessoas a se voltarem para dentro e se descartarem muito facilmente do outro. Alvin Toffler chama es-te momento de era do descartável, ou da morte da permanência. É a era do lenço yes, coador melita, caneta bic. Usa-se e joga-se fora. O mesmo está acontecendo nos relacionamentos humanos. Muitos não querem e não conseguem unir-se, pois são auto-centrados e não conseguem se doar.

É esse tipo de individualismo acachapante que tem produzido toda forma de desunião ou de destruição do compromisso de unir-se. Agressões verbais, agressões físicas, maus tratos, abusos, a-

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bandono, são conseqüências inevitáveis da quebra desse segundo do compromisso da aliança conjugal.

O terceiro compromisso é: Tornar-se uma só carne A palavra casamento é derivada de acasalamento, mostrando

assim que a intimidade sexual é parte integrante e vital da aliança conjugal. Haverá quebra da aliança conjugal se qualquer dos côn-juges se negar a ter intimidade sexual. Existe uma orientação cla-ríssima neste sentido nas Escrituras dada pelo apóstolo Paulo em 1Co 7.1-5:

"Quanto ao que me escrevestes, é bom que o homem não toque em mulher; mas, por causa da impureza, cada um tenha a sua própria es-posa, e cada uma, o seu próprio marido. O marido conceda à esposa o que lhe é devido, e também, semelhantemente, a esposa, ao seu mari-do. A mulher não tem poder sobre o seu próprio corpo, e sim o mari-do; e também, semelhantemente, o marido não tem poder sobre o seu próprio corpo, e sim a mulher. Não vos priveis um ao outro, salvo talvez por mútuo consentimento, por algum tempo, para vos dedicar-des à oração e, novamente, vos ajuntardes, para que Satanás não vos tente por causa da incontinência." Se um dos cônjuges se negar, terminantemente, a manter rela-

ções sexuais alegando não gostar ou não ter prazer, ou qualquer outro motivo, a não ser que alguma enfermidade o impeça de man-ter a intimidade sexual, o cônjuge rejeitado deverá orientar o ou-tro na busca de ajuda terapêutica. Caso aquele não queira ajuda ou que a busque relutantemente sem se abrir para um tratamento adequado, o casamento não terá condições de ser mantido, pois um dos compromissos da aliança conjugal está quebrado. A não ser que o cônjuge rejeitado queira manter estoicamente o rela-cionamento conjugal em total abstinência sexual. Conheço situa-ções em que um dos cônjuges não quer intimidade sexual mas quer manter o casamento por amar o outro e, por reconhecer a própria dificuldade na área sexual e a necessidade do outro, su-gere que este busque relacionar-se sexualmente com outras pes-

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soas. Esta é uma proposta indecente, totalmente indigna de um verdadeiro discípulo de Jesus.

É interessante ainda de se observar que os compromissos da a-liança conjugal estão colocados numa determinada ordem que não deve ser alterada. O primeiro é deixar pai e mãe. O segundo é u-nir-se ao cônjuge. O terceiro é tornar-se uma só carne. A aliança matrimonial deve ser firmada nesta ordem. Alterar a ordem só tra-rá prejuízos ao casamento.

Quantos casais carregam problemas enormes por terem inicia-do o seu casamento tornando-se uma só carne. É muito importante ressaltar aos jovens que Deus não estabeleceu esta ordem para in-fernizá-los ou tirar-lhes o prazer, mas para protegê-los de si mes-mos, de seus corações enganosos e egocêntricos. Protegê-los de uma união precipitada baseada apenas na paixão sexual. Não se-guir os passos da aliança conjugal é não ter o temor do Senhor, que é o princípio da sabedoria. Conduzir a vida conjugal fora do temor do Senhor é loucura redobrada e total insensatez que certa-mente produzirá os frutos de um casamento fracassado.

Fica assim evidente que a quebra de qualquer dos três com-promissos da aliança conjugal possibilita o divórcio, e, conse-qüentemente a liberdade para um novo casamento, desde que seja no Senhor, isto é, na fidelidade ao Senhor obedecendo a seqüência dos compromissos da aliança conjugal.

Precisamos entender também que a enfermidade de um dos cônjuges que o impossibilite de privar da intimidade sexual não se constitui em quebra da aliança conjugal e, portanto, não pode ser usada como argumento pelo outro para requerer o divórcio. O verdadeiro pacto do casamento deve deixar claro que os com-promissos firmados devem ser mantidos tanto na saúde como na doença, na fartura ou na necessidade, no emprego ou no desem-prego.

Alguns irmãos sinceros e zelosos, por verem o casamento nos dias de hoje ser tratado tão levianamente, ensinam que o divórcio e novo casamento não devem existir sob qualquer hipótese. Ensi-nam que até mesmo que alguém que já foi casado várias vezes e se converteu deverá voltar para o primeiro cônjuge. Se não for possí-

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vel, por não ser aceito, então deverá manter-se sozinho por causa do Reino. Entendo o zelo dos que assim ensinam, pois visam res-saltar a seriedade do casamento perante Deus. No entanto é uma posição sem a devida fundamentação bíblica que deixa de encarar certos fatos, e que, também, comete muitas injustiças, incorrendo ainda no erro de ensinar que se alguém se casar, nas situações a-cima expostas, comete adultério e os adúlteros não podem herdar o Reino de Deus, e, portanto, cai da graça e está perdido.

Os que pensam ser possível alguém "cair da graça" raciocinam em termos da perseverança ser causa da salvação e não resultado. Conseqüentemente a salvação acaba sendo uma obra humana e não divina, pois no fundo é o homem que está se salvando pela sua perseverança. O argumento dos que defendem tal posição é que a cláusula de exceção mencionada por Jesus em Mateus 5.32 e 19.9 refere-se ao casamento ainda não consumado, quando o noivo, na noite de núpcias descobre que a sua noiva não é virgem, por ter encontrado nela "coisa vergonhosa".21 Então os pais teriam que apresentar os lençóis da noite de núpcias com as provas de sua vir-gindade, caso contrário ela seria apedrejada.

No entanto, está sobejamente documentado que nos dias de Je-sus o apedrejamento, em casos de adultério, já eram raríssimos, pois estando sob o domínio dos romanos os povos conquistados não podiam aplicar suas próprias leis de pena de morte.22 Por isso, é bem evidente, que Jesus estivesse falando de uma infidelidade conjugal depois de casados e não antes.

Outro argumento é a afirmação de Jesus: "Nem todos são aptos para receber este conceito, mas apenas aqueles a quem é dado. Porque há eunucos de nascença; há outros a quem os homens fize-ram tais; e há outros que a si mesmos se fizeram eunucos, por cau-sa do reino dos céus".23

Esta afirmação de Jesus foi feita em resposta ao questionamen-to daqueles que disseram ser melhor então para o homem não se casar, se não pudesse se divorciar por qualquer motivo. Tomar es-ta afirmação como sendo uma determinação d'Ele para aqueles que se separam permanecerem eunucos é deturpar o que Jesus es-tava falando. A estupefação dos fariseus prendeu-se ao fato de Je-

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sus limitar o repúdio à mulher exclusivamente em caso de in-fidelidade sexual. A objeção não era quanto a não poderem se di-vorciar e casar novamente, mas a ser isto possível só em caso de infidelidade da mulher. O que estavam dizendo era: "Se não po-demos ser livres para despedir a mulher por qualquer motivo então é melhor não se casar".

Quando eles falaram em não se casar Jesus lhes disse que esse era um conceito que nem todos podiam aceitar e então lhes ensina ser o celibato um dom dado por Deus a alguns e não a todos. Ou seja, alguns por decisão própria, decidem não se casar para servir melhor no Reino. Paulo reforça este conceito escrevendo aos co-ríntios: "Quero que todos os homens sejam tais como também eu sou; no entanto, cada um tem de Deus o seu próprio dom; um, na verdade, de um modo; outro, de outro. E aos solteiros e viúvos di-go que lhes seria bom se permanecessem no estado em que tam-bém eu vivo. Caso, porém, não se dominem, que se casem; porque é melhor casar do que viver abrasado".24

Portanto este é um conceito que nem todos são aptos a receber, mas somente aqueles a quem é dado. Jesus faz esta afirmação so-bre celibato desvinculada totalmente da questão de divórcio e no-vo casamento. Ele apenas estava ensinando que o não se casar é uma tomada de posição individual e não imposta, e que somente alguns recebem de Deus a capacitação para fazê-lo. Impor o celi-bato aos separados que não conseguem reatar com o cônjuge ori-ginal, como necessidade de manter-se no Reino, é cometer o mesmo absurdo que Jesus mencionou quanto aos que foram torna-dos eunucos por força de outros.

É muito importante também analisarmos o texto de Romanos 7, onde Paulo faz uma analogia do casamento para ilustrar a nossa morte para o domínio da lei:

Porventura, ignorais, irmãos (pois falo aos que conhecem a lei), que a lei tem domínio sobre o homem toda a sua vida? Ora, a mulher casada está ligada pela lei ao marido, enquanto ele vive; mas, se o mesmo morrer, desobrigada ficará da lei conjugal. De sorte que será considerada adúltera se, vivendo ainda o marido, unir-se com outro

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homem; porém, se morrer o marido, estará livre da lei e não será adúltera se contrair novas núpcias. Assim, meus irmãos, também vós morrestes relativamente à lei, por meio do corpo de Cristo, para pertencerdes a outro, a saber, aquele que ressuscitou dentre os mor-tos, para que frutifiquemos para Deus" (Rm 7.1-4). O que percebemos aqui é Paulo fazendo uso da lei de indisso-

lubilidade do casamento para ilustrar a nossa posição de liberdade do domínio da lei conquistada pela morte de Cristo. Certamente esta é a lei maior do casamento, a sua indissolubilidade. No entan-to precisamos encarar este texto relacionando-o com todos os ou-tros.

A lei de trânsito estabelece a proibição de se atravessar o sinal vermelho. Esta é uma lei claríssima e ninguém tem qualquer dúvi-da sobre ela. Entretanto a lei não entra no mérito das diversas ex-ceções:

• Caso você esteja carregando alguém que precisa de socorro urgente, olhe para os lados, procure se certificar se há seguran-ça e atravesse o sinal vermelho indo em direção do socorro ne-cessário. • Ou, caso esteja às, 02h00min. da manhã, numa região muito perigosa, não fique parado no sinal vermelho. Observe bem o movimento e atravesse o sinal com segurança. Em todo o tempo a regra geral continua a ser: Não atravesse o

sinal vermelho. Assim também é no assunto divórcio. Em todo tempo a regra geral é: Não se divorcie. Deus odeia o repúdio e, portanto, não é a sua vontade a separação.

Um outro fato interessante que comprova a aceitação de Jesus de outros casamentos é o seu diálogo com a mulher samaritana,25 quando chama de maridos a todos com quem ela se casou anteri-ormente, reconhecendo assim a legitimidade daqueles casamentos. Só não reconheceu como marido àquele com quem ela estava vi-vendo no momento, por não estarem, por alguma razão que não dá para sabermos, devidamente casados. É bem pouco provável que ela tivesse ficado viúva cinco vezes.

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Capítulo 12

O Princípio do Testemunho

"Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus. Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo,

disserem todo mal contra vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus;

pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós". (Mt 5.1 0-12)

Chamo a este princípio de "Princípio do Testemunho" por se

tratar do posicionamento que, cada um de nós, como cristãos, pre-cisamos tomar diante da injustiça, diante do desvirtuamento da pessoa de Jesus e também diante do engano, da mentira, da falsi-dade, etc. O genuíno cristão não pode se calar, pois ele é chamado a testemunhar. Disse Jesus aos primeiros discípulos: "...mas rece-bereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra".1

O mesmo poder é derramado sobre todos aqueles que se ren-dem ao governo de Jesus, capacitando-os assim a testemunhar.

No entanto, é bem importante frisar que o texto diz ser bem-aventurado aquele que é perseguido por causa da justiça e não por causa da "estultícia". A bem da verdade existem muitos crentes que são perseguidos por causa de sua estultícia, que é o mesmo que tolice, ou insensatez.

Lembro-me de um caso bem ilustrativo de estultícia ocorrido na cidade de Ouro Preto-MG. Uma determinada família muito ri-ca e muito mística estava vivendo um grande drama com a doença incurável de um filho adolescente. Eles já haviam levado em sua casa todo tipo de curandeiro e ninguém resolvia o problema. De-

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cidiram então chamar um certo pastor daquela cidade, conhecido pela fama de realizar milagres. Chegando à casa daquela família o pastor se deparou com ídolos de todos os tipos espalhados pela casa. Ele foi logo decretando a quebra de todas aquelas imagens para que ele pudesse orar livremente pela cura da criança. Os pais prontamente quebraram aqueles ídolos na esperança de verem a cura do filho amado. Então, o pastor orou piedosamente decre-tando a cura da criança, que depois de 15 dias estava morta e os pais na justiça contra ele, querendo ser ressarcidos dos prejuízos da quebra de ídolos caríssimos, importados de várias partes do mundo.

Diante do seu rebanho, aquele pastor começou a se defender dizendo-se perseguido por causa da justiça ou do evangelho. Mas, na realidade, ele estava sendo perseguido por causa da sua estultí-cia. Que Deus pequeno ele tinha! Por que não poderia orar no meio daquela idolatria? De que adianta levar as pessoas a quebrar ídolos de pau ou de pedra, ou de qualquer outra coisa, se eles pri-meiramente não os destruir no coração? Temos, assim, aqui um caso bem explicativo de uma perseguição, não por causa do evan-gelho, ou de Jesus, ou de qualquer posicionamento justo, mas por causa de uma tolice muito grande.

Logo, é bem-aventurado aquele que toma posição ao lado de Jesus, ao lado da verdade, ao lado da justiça. Em outras palavras, perseguido por causa da justiça é aquele que está pronto a se com-prometer verbalmente acerca de sua fé em Cristo, assumindo todas as implicações desse posicionamento. Conseqüentemente este princípio tem a ver com o ministério que Jesus entregou a todos os seus discípulos.

Você já foi chamado para o ministério? Muitas vezes faço esta pergunta e fico aguardando as mãos le-

vantadas no auditório. Uns poucos levantam as mãos. Faço uma cara de surpresa e me dirijo ao pastor da igreja onde estou minis-trando:

- Meu querido irmão, eu pensei que você havia me convidado para falar a crentes, mas, pelo que vejo a maioria aqui ainda não se converteu.

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Aí, então, faço uma brincadeira: - Muito bem, vejamos se todos conhecem o texto que vou iniciar.

Se conhecerem, falem comigo: "E, assim, se alguém está em Cris-to..." Geralmente todos falam comigo o resto do versículo, mas pa-ram em "eis que se fizeram novas". É como se fosse uma verdade completa, desligada totalmente do seu contexto. A grande maioria não tem a mínima idéia do que vem depois. Eu fico esperando e nada acontece, então eu declamo o resto da declaração de Paulo:

- E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as cousas antigas já passaram; eis que se fizeram novas. Ora, tudo provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, a saber, que Deus estava em Cris-to reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as su-as transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação. De sorte que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos re-concilieis com Deus.2

Preste muita atenção, meu irmão, se você já foi reconciliado com Deus através da morte substitutiva de Jesus, então você já é uma nova criatura, pois já foi colocado em Cristo. E, se isto é um fato em sua vida, também é um fato que Ele lhe confiou uma tare-fa ou ministério. Ele lhe entregou uma credencial de embaixador do seu Reino, para você, que já experimentou a reconciliação, pas-sar agora a promover a reconciliação de outros com Ele. Que mi-nistério fantástico!

Outro texto muito importante é Mateus 28:18-20 onde Jesus, quase se despedindo dos discípulos, lhes entrega a chamada Gran-de Comissão: "Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discí-pulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Fi-lho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as cousas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século".

Nem Gengis Khan, nem Nabucodonoso, nem Alexandre Mag-no, nem Júlio César, nem George W. Bush, nem qualquer outro monarca, em nenhum momento da história, fizeram uma afirma-

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ção tão ousada como esta feita por Jesus: "Toda autoridade me foi dada no céu e na terra". Ou aquele simples carpinteiro de Nazaré sabia o que estava falando, ou era o maior lunático que já viveu até hoje. Mas, por causa daquela afirmação homens deram suas vidas e continuam a dá-las para cumprirem a tarefa entregue por Ele.

Reiterando o que já abordamos nos capítulos 7 e 8, os verda-deiros discípulos de Jesus são movidos por uma profunda fome de obediência. Aliás, a meu ver, são duas as principais marcas de um verdadeiro discípulo: Fome de obediência e genuíno arrependi-mento. Isto porque, mesmo anelando por obedecer, o discípulo fa-lha, e quando isto acontece, seu coração se derrama em arrepen-dimento sincero. Sendo assim, a Grande Comissão não foi dada apenas àqueles primeiros discípulos, mas a todos os que vão se tornando Seus discípulos. E, é muitíssimo importante prestarmos uma atenção cuidadosa na ordem deixada por Jesus, pois a mesma tem sido desvirtuada. A igreja através da história tem perdido o foco no "fazer discípulos", descambando para o "fazer converti-dos" e muitas vezes, até mesmo, para o "fazer prosélitos".

Quando a igreja se atrelou ao Império Romano, através da "conversão" de Constantino, em 313 d.C, dentro de pouco tempo a fé passou a ser imposta aos povos conquistados pelo poderoso im-pério. Houve assim muita adesão religiosa e não conversão e dis-cipulado. Como foi que o "evangelho" chegou em terras brasilei-ras? Através das botas do soldado português, numa desumana do-minação dos escravos africanos e dos índios. Vemos assim que muitos povos foram cristianizados na "marra".

A reforma do século XVI e o movimento pietista resgataram a verdade bíblica da conversão individual. E, percebemos assim, nas igrejas chamadas reformadas e evangélicas uma preocupação com a evangelização e também com o discipulado dos convertidos. No entanto, a partir de certos movimentos de avivamento e da conver-são em massa de verdadeiras multidões, perdeu a percepção do que seja "fazer discípulos" e não meros convertidos.

Outro fator determinante que desatrelou a conversão do disci-pulado foi separar fé ou crença de obediência. Muitos não perce-

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beram que a obediência ou fome de obediência é a maior evidên-cia de uma pessoa genuinamente convertida. Passaram a ensinar que a ênfase na obediência era um tipo de obra que invalidaria a graça.

Essa disputa continua até hoje em muitos lugares, principal-mente nos EUA onde é conhecida como a "controvérsia do senho-rio". Um livro muito importante que, a meu ver, deu início à po-lêmica entre os evangélicos americanos, a partir de sua publicação em 1988, foi O Evangelho Segundo Jesus Cristo de John MacAr-thur Jr., no qual defende que só existe conversão genuína quando nos redemos a Jesus como Senhor e não apenas como nosso Sal-vador. Do outro lado, levantou-se Charles Rvrie e Zane Hodges com o seujivro Absolutely Free (Inteiramente livre), ainda não tra-duzido em português, defendendo a "aceitação" de Jesus como Salvador como a única exigência para alguém ter a garantia da salvação eterna, bastando confiar n'Ele, ou seja, no seu papel de removedor da culpa, sem nenhuma obrigação de segui-lo.

A posição arminiana na busca de produzir uma fé mais respon-sável tem laborado no erro de colocar a obediência ou perseveran-ça do salvo como condição da salvação. Esta maneira de ver a sal-vação invalida a graça, pois no final é o próprio homem quem está se salvando. No entanto, a posição dos reformadores Lutero, Cal-vino, Zwinglio e tantos outros é clara: A perseverança ou fome de obediência é fruto e não causa da conversão. Assim afirmamos com Calvino que o salvo irá perseverar; que o salvo irá produzir frutos genuínos de arrependimento.

Homens como Finney, Moody, Biüy Sunday, e mais recente-mente Billy Graham, que deram início às famosas "Séries de Con-ferências Evangelísticas" ou "Cruzadas Evangelísticas" acabaram gerando, sem querer, conversões ao Céu, mas não ao governo de Jesus. Percebemos assim, muitas igrejas evangélicas, pessoas que se intitulam "salvas" mas sem nenhuma fome de obediência. De-veríamos duvidar da conversão dos tais, pois nunca, de fato, se renderam a Jesus como Senhor. Tais pessoas são impossíveis de se discipular, pois não querem nenhum tipo de compromisso ou go-verno sobre elas. Continuam autônomas, vivendo como bem en-

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tendem, acreditando terem a garantia de ir morar no Céu com Je-sus, pois um dia O "aceitaram", num apelo emocionante, e vieram à frente, e depois de algum tempo foram batizadas e seu nomes fo-ram escritos no Livro da Vida, onde não existe borracha que apa-gue.

A parábola do semeador deverá nos ajudar a compreender de-vidamente esta questão ao nos mostrar as diferentes reações das pessoas ao evangelho:

"Eis que o semeador saiu a semear. E, ao semear, uma parte caiu à beira do caminho, e, vindo as aves, a comeram. Outra parte caiu em solo rochoso, onde a terra era pouca, e logo nasceu, visto não ser pro-funda a terra. Saindo, porém, o sol, a queimou; e, porque não tinha ra-iz, secou-se. Outra caiu entre os espinhos, e os espinhos cresceram e a sufocaram. Outra, enfim, caiu em boa terra e deu fruto: a cem, a ses-senta e a trinta por um" (Mt 13.3-8). Os diferentes tipos de solo foram usados por Jesus para ilustrar

as diferentes reações das pessoas ao evangelho. A primeira reação é de Indiferença. Esta é a reação daqueles,

cujos corações são definidos por Jesus como "beira do caminho". Helmut Thielicke descreve magistralmente os "homens cami-

nho" dizendo que certamente o caminho não é destinado a receber semente, mas sim, dar passagem às pessoas:

"É endurecido por ser muito pisado, e, geralmente, é bem liso. Assim como existem as estradas asfaltadas, existem também os corações asfaltados. Sua lisura é impecável. Têm um papel impor-tante nas relações sociais. Estradas e ruas, geralmente costumam ter nomes. É preciso conhecer os nomes das ruas e estradas para se saber onde estamos indo. Assim também, há pessoas que se devem conhecer, como as ruas, para se alcançar certos objetivos. São a-queles que estão em postos chaves, e, por sua influência pode-se atingir o alvo. Isto é bom e está em ordem. Não se pode culpar uma pessoa por ser influente, assim como ninguém culpará um caminho por não ser lavoura e sim terra dura. Mas, o que por um

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lado parece vantagem, por outro pode ser um obstáculo. Acontece que na estrada movimentada e repisada, dificilmente poderá cres-cer qualquer semeadura. A pessoa que é apenas caminho pelo qual passa o movimento diário, que nunca experimenta um pouco de quietude, pois o tráfego é incessante, dificilmente verá crescer em si a semente eterna. Quem não tem condição de ser lavoura por uma horinha que seja, que não suporta ser arado, ficando a espera que Deus lance Sua semente nos sulcos, em princípio já perdeu o jogo. Movimento e agitação não permitem Deus trabalhar na vida. Coitados dos "homens e mulheres caminho". Só se encontra neles alguns "tufos" de capim nas rachaduras do asfalto".3

A segunda reação é de entusiasmo superficial, ou como costu-

mamos chamar de "fogo de palha". A semente que caiu sobre a pouca terra, tendo uma rocha por baixo. A impressão que temos deste grupo de pessoas é um tanto mais favorável. A princípio quando aceitam a mensagem da Palavra de Deus ficam cheias de entusiasmo. Falam da forte emoção que sentiram; e, aqueles que lhes são mais chegados, chegam a acreditar que, de fato, se con-verteram. Mas, não demora muito e o fogo acaba. O coração, que parecia tão abrasado, parece agora um gelo de indiferença e frieza. Como pode acontecer isto?

Na maioria dos casos, trata-se de um cristianismo meramente emocional. Quando alguém diz que determinada pregação muito o emocionou, é de se suspeitar que tenha sido só na pouca terra que está sobre a rocha do coração endurecido, ou seja, na periferia de suas emoções. Porque onde a Palavra realmente atinge a alma, ali haverá morte e quebrantamento, ali se descerá às profundidades, e ali haverá renascimento. Mas, primeiro haverá muita dor de parto, antes que a vida nova irrompa. Haverá de se cortar muitos cordões e não apenas um.

Quando há apenas entusiasmo, pode ser que este foi o resultado da retórica do pregador, ou, quem sabe, do clima emocional da re-união. A Palavra de Deus, porém, não é um encanto para os ouvi-dos, mas "uma marreta que esmiúça a rocha".4 Quem não sai com marcas profundas não pense que foi alcançado, pois entusiasmo é

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quase sempre "fogo de palha". A rocha por baixo da pouca terra não permite que a semente

penetre em seu interior. O coração pedregoso, portanto, é aquele em que a Palavra não penetra profundamente. Isto acontece quan-do o interesse real não é a pessoa de Jesus. Muitos querem apenas as Suas bênçãos, mas não Ele mesmo.

Não há nada mais gratificante do que encontrar cristãos que re-almente foram transformados pelo poder de Deus, cujas vidas evi-denciam que o arado sulcou fundo. Mas não há coisa pior do que encontrar aqueles que apenas foram "tocados de leve". São verda-deiros agentes de decomposição do Reino. São aqueles que diante das primeiras rajadas ou do primeiro troar de canhão fogem espa-voridos. São os que, segundo Jesus, em vindo as tribulações e difi-culdades escandalizam-se com a Palavra. Jesus não é o que espe-ravam, pois não lhes solucionou o problema do jeito que queriam e, por isso, O abandonam.

Uma terceira reação mostrada na parábola é de aceitação par-cial. A semente que caiu entre os espinhos. "Homens espinho" são aqueles em cujo coração brotam outras coisas além do Evangelho do Reino. Deus não é a paixão de suas vidas. Existem muitos ou-tros interesses competindo com Deus e vencendo, chegando mes-mo a sufocar aquele interesse que parece ter existido por Deus.

Os "cuidados do mundo" e a "fascinação das riquezas" são os ídolos do coração. São aquelas coisas que acabam tomando o lugar de Deus. São as "cisternas rotas" a que se refere Jeremias.5 Deve-mos estar atentos à exortação de João em sua primeira epístola:

"Não ameis o mundo, nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele; porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não procede do Pai, mas procede do mundo. Ora, o mundo passa, bem como a sua concupiscência; aquele, porém, que faz a vontade de Deus permanece eternamente" (1Jo 2.15-17). Lucas, no relato desta parábola6, afirma que a semente nasceu,

cresceu e frutificou, mas o fruto não amadureceu. Esta parábola

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nos alerta para a "fascinação das riquezas" e os "cuidados do mun-do, como agentes sufocadores da divina semente.

Todos nós sabemos que vacina é um pouco da doença que se inocula no organismo para que este crie anticorpos contra a doen-ça. A fé cristã não pode ser recebida em pequena dose, senão aca-ba se tornando em vacina que cria anticorpos contra.o evangelho. O evangelho de Jesus precisa ser recebido integralmente, ou seja, precisamos pegar toda a "doença", caso contrário criaremos anti-corpos resistentes à fé cristã. É isto que observamos nas reações que vimos até agora.

Finalmente, nos deparamos com a última reação que é aceita-ção plena. A semente que caiu na boa terra. Esta frutifica a cem, sessenta e trinta por um. Aqui se trata das pessoas que não apenas ouvem, mas que retém a Palavra. A palavra "compreender" é usa-da aqui no sentido de "reter" ou "apreender", ou "segurar". Trata-se daqueles que rasgam o coração, permitindo assim ao arado fa-zer sulcos profundos em suas vidas. E, lá no fundo a semente pe-netra e produz frutos em abundância. Genuínos frutos de arrepen-dimento, pois o ser inteiro é tocado e o caráter é transformado.

Percebe-se claramente que apenas esta quarta reação é vista como conversão genuína. Jesus está demonstrando nesta parábola que as demais reações não devem ser entendidas como entrada no Reino. Portanto, genuína conversão, tem a ver com os resultados visíveis de transformação do caráter, senão não houve conversão, apenas adesão religiosa, ou profissão de fé, separada do fruto que é obediência.

A parábola do semeador é a melhor interpretação para o difícil texto de Hebreus 6.4-8:

É impossível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se tornaram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e os Poderes do mundo vin-douro, e caíram, sim, é impossível outra vez renová-los para arrepen-dimento, visto que, de novo, estão crucificando para si mesmos o Fi-lho de Deus e expondo-o à ignomínia. Porque a terra que absorve a chuva que freqüentemente cai sobre ela e produz erva útil para aque-

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les por quem é também cultivada recebe bênção da parte de Deus; mas, se produz espinhos e abrolhos, é rejeitada e perto está da maldi-ção; e o seu fim é ser queimada." Na segunda reação a que chamamos de entusiasmo superficial

ou "fogo de palha", e, na terceira, aceitação parcial, a pessoa foi "iluminada", "provou o dom celestial", "participou do Espírito Santo", "provou a boa palavra e os poderes do mundo vindouro". No entanto tal pessoa, segundo a parábola, não pode ser chamada de "filho do Reino", ou "nascido de novo".

A declaração: "e caíram, sim, é impossível outra vez renová-los para arrependimento, visto que estão crucificando para si mesmos o Filho de Deus expondo-o à ignomínia", não se refere a qualquer tipo de pecado, mas ao abandono de Jesus. O "caíram" se refere ao abandono de Jesus e retorno ao judaísmo, rejeitando-o assim como o Messias. Era o que estava acontecendo com muitos judeus cris-tãos, que, devido a perseguição e também pressão dos familiares, estavam voltando ao judaísmo; o que implicava na volta aos sacri-fícios de animais, e, conseqüentemente na rejeição de Jesus como o "Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo".

Devemos tomar a parábola como explicação dessa atitude, não só dos judeus que estavam voltando atrás, mas também daquelas pessoas que "aceitaram" o evangelho num entusiasmo superficial ou que o aceitaram parcialmente. Tais pessoas acabam se tornando impermeáveis a posteriores ações do Espírito Santo. Será que de-veríamos chamar tais pessoas de "crentes temporários"? Teriam perdido a salvação? Não, pois nunca a tiveram. Devemos lembrar as palavras de João em sua primeira epístola: "Eles saíram de nos-so meio; entretanto, não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos".7

É muito comum, nas salas de aconselhamento, depois de uma Cruzada Evangelística, os conselheiros, devidamente treinados, apresentarem ao decidido as bênçãos decorrentes de sua "aceita-ção" de Jesus. Entre elas destaca-se a segurança de agora pertencer a Jesus para sempre "pois ninguém poderá arrebatá-lo de Suas

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mãos", numa leitura parcial de João 10.28 – "Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão eternamente, e ninguém as arrebatará de minha mão". Ler apenas o verso 28 para dar certeza ao decidido é fazer uma certa manipulação das Escrituras, pois o contexto pró-ximo é fundamental. Jesus disse: "As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão eternamente, e ninguém as arrebatará de minha mão".

Agora sim, é possível entender o que Jesus estava falando. As "minhas ovelhas" têm três características:

• Elas ouvem a minha voz; • Elas são conhecidas por mim; • Elas me seguem. A essas ovelhas que têm estas características, é que Ele prome-

te a segurança de estarem em suas mãos, donde ninguém pode ar-rebatá-las. No entanto, encontro pessoas que se dizem salvas, mas que não dão ouvidos a Jesus e que tampouco o seguem. Tais pes-soas não deveriam ter tanta segurança, pois Jesus disse que é pelo fruto que se conhece a árvore.

Sendo assim, afirmamos que a salvação não é fruto da perseve-rança, mas que a perseverança é fruto da salvação. O salvo irá per-severar.

Como entender então Mateus 24.13: "Aquele, porém, que per-severar até o fim, esse será salvo"? Esta é uma linguagem fenome-nológica, ou seja, uma linguagem de observação do que vemos acontecer externamente. É como dizemos: O sol se põe, o sol nas-ce. O que conseguimos observar com os nossos olhos é o movi-mento do sol e não da terra. No entanto, sabemos que é a terra que se move em torno do sol. Não se podia esperar que Josué dissesse: "Terra pare de se movimentar".

Ele usou uma linguagem fenomenológica: "Sol, detém-te em Gibeom".8

O que observamos é a pessoa perseverando, no entanto, é den-tro dela, pela capacitação do Espírito Santo, que acontece a perse-

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verança como fruto da vida de Deus. É o mesmo com a expressão: "Sê fiel até a morte e dar-te-ei a coroa da vida".9

Talvez a ilustração mais apropriada seja a do aborto. Qual fa-mília que contabiliza como filho um caso de aborto. Depois do nosso quarto filho Rodrigo, quando estávamos mudando para Belo Horizonte, Déa estava no quinto mês de gestação. Não sabemos as causas que provocaram aquele aborto. Era mais um menino. Seria o quinto na série de homens que Deus nos deu. Só depois é que veio a Luciana. No entanto, nós não computamos aquele quinto como filho. Nós nunca falamos que temos seis filhos, ou que ti-vemos seis filhos. E, percebo, que é assim com todas as famílias. Por quê? Porque aquele foi um fruto que não amadureceu.

Ao dizer que não computamos um aborto como filho, estaría-mos com isto dando apoio a realizar-se um aborto, por não estar devidamente maduro? Logicamente que não. Ninguém tem o di-reito de interromper a vida. Só estou me utilizando de algo que pode ilustrar muito bem o que poderíamos chamar de crentes abor-tivos, ou seja, que não amadureceram e, portanto, não vieram à luz. No dizer de João 15, estavam na Videira, mas não frutifica-ram, por isso foram cortados. Eles perderam a salvação? Não, pois nunca a tiveram.

Provavelmente, a nossa dificuldade é que pensamos na conver-são como um ato. No "levantar da mão" a pessoa foi regenerada. Pode ser, no entanto, que a conversão, seja mais um processo, co-mo a gestação, até a criança vir à luz, até o novo nascimento. Só então, quem nasce de novo, disse Jesus, é que pode ver o Reino de Deus.

A ordem de Jesus foi: "fazei discípulos". E tal ordem é expli-citada no versículo seguinte, ou seja, no como fazer discípulos. Quase sempre, nas escrituras, um verbo no imperativo é seguido por um verbo no gerúndio, estabelecendo assim o como se obe-dece a ordem. A ordem clara foi: "fazei discípulos", e o como foi: "batizando-os" e "ensinando-os a guardar todas as coisas". É muito significativa aqui a ordem dos fatores. De um modo geral, as igrejas evangélicas realizam o batismo do novo convertido depois de um tempo de freqüência na classe de "catecúmenos.

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Na realidade, o que praticamos é: "Quem crer e for salvo um dia será batizado".

Por que será que não praticamos o "quem crer e for batizado será salvo"? O argumento mais plausível é o de que hoje o contex-to é bem diferente dos dias da igreja nascente. Naqueles dias era possível praticar o batismo junto com a conversão, mas hoje não, pois não estamos num contexto de perseguição, quando os que se apresentavam para o batismo estavam pondo a cabeça a prêmio, o que não se dá hoje, sendo o batismo, em muitos casos, até um ato de promoção social junto ao grupo, tornando assim necessário um bom tempo de avaliação da conversão.

Aparentemente, tal argumento convence, mas, na realidade, o problema é outro. Não tem sido possível batizar imediatamente os novos convertidos, por serem os tais, frutos de apelos evangélicos superficiais, onde não se prega o Evangelho do Reino. Não se pre-ga o "negar-se a si mesmo", o "tomar a cruz", o "renunciar a tudo". Atrai-se o pecador com promessas de melhoria de vida e solução dos seus problemas, sem confrontá-lo com a questão real do go-verno de Jesus sobre sua vida. Sendo assim, realmente é uma pre-cipitação batizá-lo no momento de sua "aceitação".

Isto me faz lembrar de um episódio até cômico numa cerimônia de batismos no rio, feito por uma denominação que batiza os que se apresentam na hora. Estavam todos os crentes à beira do rio e, muitos estavam sendo batizados. Ao final, o dirigente voltou-se para os curiosos, que foram assistir os batismos dos crentes, e per-guntou:

- Alguém que está assistindo a estes batismos quer também se entregar a Jesus e ser batizado?

Estava ali um japonesinho, e os crentes que o rodeavam come-çaram a insistir com ele. Depois de muita insistência ele resolveu descer ao encontro do batizador. Foi assim batizado e ao sair do rio os irmãos se aproximaram perguntando:

- E, então irmão o que é que está sentindo? - Mais flesquinho nom! Logicamente não é este tipo de prática que estou defendendo.

O que se pode perceber claramente no Novo Testamento é que a

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única forma de apelo que existia era o batismo. Não se convidava as pessoas a aceitar Jesus levantando a mão ou fazendo uma ora-ção. Hoje, no entanto, como resultado das pregações e apelos e-vangelísticos, levantar a mão passou a ser uma forma de batismo. É o que percebemos no testemunho daquele irmão diante da igre-ja:

- Irmãos, eu fui visitar uma pessoa muito doente no hospital e tive oportunidade de lhe apresentar o evangelho, mas na hora do apelo ele não tinha forças nem para levantar a mão. Tive então de ajudá-lo a levantar o braço para aceitar a Jesus.

Que coisa mais estranha! Até parece que Jesus entra na pessoa pelo sovaco.

As pregações para as massas devem ser vistas mais como pré-evangelização. Elas têm o seu lugar, mas os apelos deveriam ser diferentes.

- Quem gostaria de saber mais sobre Jesus e o perdão de seus pecados e como entrar para o Seu Reino, venha à frente, ou nos procure depois desta reunião, para o colocarmos em contato com alguém que irá evangelizá-lo.

Daí para frente, a pessoa interessada estaria sendo evangeliza-da, através das implicações claras de seguir a Jesus. Ela não deve-ria ser tratada como convertida, mas como interessada. Ela está somente enamorada de Jesus e quer conhecer em que consiste, de fato, realizar um verdadeiro casamento espiritual e, quais as con-dições impostas pelo Noivo Celestial. Somente depois de conhecer o que é "negar-se a si mesmo", "tomar a cruz", "renunciar a tudo" por amor a Ele é que deveríamos fazer o apelo:

- No dia que você quiser se render incondicionalmente a Jesus como seu Senhor e Salvador eu o batizarei.

Veja bem, o apelo é para o batismo, é para a entrega total, é pa-ra morrer e ressuscitar. E isto que Jesus ordenou que fizéssemos. "O que faremos irmãos?" Foi a pergunta angustiada daquela mul-tidão que havia rejeitado a Jesus como o Messias e que agora esta-va tendo os olhos abertos pela pregação de Pedro. A resposta de Pedro foi: "Arrependei-vos e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus de Cristo para a remissão dos vossos pecados, e re-

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cebereis o dom do Espírito Santo".10 Depois do batismo é que se começa a praticar o "ensinando a

guardar todas as coisas que vos tenho ordenado". Aí é que começa o discipulado. Discipulado não é uma classe de Escola Dominical para "ensinar todas as cousas" que Jesus mandou. Aliás, aqui é que se comete um grande erro. Podemos ter classes maravilhosas de Escola Dominical e ensinar nelas as melhores teologias, mas não foi exatamente isto que Jesus ordenou que fizéssemos. Ele orde-nou que fizéssemos discípulos, batizando-os e ensinando-os a guardar todas as coisas.

Há uma diferença enorme entre "ensinar todas as coisas" e "en-sinar a guardar todas as coisas". Isto tem-nos passado despercebi-do e é a razão da grande maioria de nós não saber e não praticar o "fazer discípulos". Acabamos fazendo meros convertidos que jo-gamos na classe da "catacumba" (catecúmenos não parece cata-cumba?), e os deixamos lá para que cresçam na vida cristã assimi-lando o que acharem necessário para o seu crescimento espiritual. É como deixar o bebê diante da geladeira informando-o de que ali estão todos os alimentos de que ele precisa.

Pinto de granja tem mãe? O que faz a "galinha caipira" com a sua prole? Ela os defende e alimenta. Ai de quem mexer com os seus filhotes! Vai receber boas bicadas. Chamo o nosso sistema de "chocadeira espiritual". O pinto de granja não tem esse cuidado maternal, assim também o crente de "chocadeira", não é cuidado por ninguém, ou melhor, é cuidado de forma generalizada. Ele faz parte do rebanho. Seu nome está no rol. Mas ninguém tem respon-sabilidade de acompanhar seu crescimento.

Vamos imaginar uma sociedade em que as crianças são cuida-das numa creche comunitária, desde o seu nascimento. Os que as geraram só as visitam uma vez por semana, e, mesmo assim, só podem ter um leve contato com elas, pois afinal de contas, não sa-bem como lidar com crianças, pois isto é função daqueles que fo-ram muito bem treinados no Seminário de Cuidado das Crianças. Imagine-se uma vez por semana visitando o seu bebê. Você o vê de longe, através do vidro. Se você desejar tomá-lo nos braços, uma enfermeira o trará a você, mas lhe recomendará que seja bre-

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ve, pois poderá prejudicar a criança. Será que tal sociedade desenvolveria um amor genuíno entre

pais e filhos? Será que os pais se sentiriam responsáveis pelo cui-dado dos filhos? No entanto é exatamente isto que fazemos com os "filhos espirituais''. Mesmo aqueles que foram usados por Deus para trazê-los a conversão não se sentem responsáveis pelo seu crescimento. Afinal, isto é responsabilidade daqueles que fizeram Seminário!

Depois de ter sido impactado pelo livro O Discípulo de Juan Carlos Ortiz, lá na década de 80, resolvi introduzir algumas de su-as idéias na igreja que pastoreava naquela época. Passei a pedir à pessoa que havia trazido o novo convertido para a igreja que en-trasse no batistério e participasse comigo do batismo do seu "filho na fé". Após os batismos, vínhamos todos para frente, depois de trocarmos as roupas molhadas, e então eu entregava o novo mem-bro aos cuidados do seu pai ou mãe espiritual deixando bem claro que ele ou ela seriam os responsáveis pelo novo crente na sua ca-minhada cristã.

Puxa, que idéia boa! Pode estar alguém pensando. Só que nunca funcionou. Demorei muito para descobrir onde estava a falha do meu sistema. Finalmente descobri que estava na classe da "catacumba". Pois, o sentimento dos que haviam trazido a pessoa para a igreja era que, estando a pessoa na classe de novos membros eles não teriam de se preocupar. Alguém estaria lhe passando os nutrientes espirituais necessários. Bem semelhante à sociedade que imaginamos, das crianças cuidadas por especialis-tas.

Muito tempo se passou até que, começando uma nova Igreja, praticamente do zero, éramos 20 pessoas, resolvi ser mais radical na minha proposta. Passamos a praticar o "quem ganha é o que ba-tiza", e eliminar totalmente a classe de novos crentes. O discipula-dor é a classe. Estamos nesta prática há mais de 14 anos e temos visto o seu funcionamento acontecer de forma maravilhosa. Tive-mos de parar com todo tipo de apelo evangelístico e treinar os crentes a se reproduzirem: E, quando alguém ganha outro para o Reino ele é quem tem o privilégio de colocá-lo no Corpo de Cristo

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batizando-o em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e de cuidar agora de sua alimentação e de todas as suas necessidades espirituais.

Esta compreensão é decorrente da ordem de Jesus em Mateus 28 18-20: "Toda autoridade me foi dada no Céu e na terra, portan-to indo, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado, e eis que estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos".

Se entendermos que esta ordem foi dada a todos, e não apenas aos doze, então o como se obedece à ordem também tem de ser para todos. A prática das igrejas de permitir que apenas os pasto-res batizem é fruto do clericalismo que se instaurou na igreja his-tórica, e, que, mesmo depois da Reforma permaneceu nos arraiais protestantes.

Em nossa denominação batista o ensinamento que recebemos nos seminários é o de que quem batiza é a igreja através daquele que ela autoriza. Certamente, passou-se a autorizar somente os pastores para se coibir abusos. Com o passar do tempo, no entanto, essa prática virou bíblia para muitos, promovendo verdadeiros ab-surdos, principalmente nos campos missionários onde praticam mulheres. Os "batizandos", às vezes, aguardam anos para serem batizados, esperando a visita de algum pastor.

Hoje, quando algum colega de ministério critica a nossa prática eu respondo cheio de convicção: "Você me critica porque você não prestou a devida atenção nas aulas de eclesiologia no seminá-rio em que se formou. Um bom seminário Batista ensina com cla-reza que quem batiza é a igreja, através de quem ela autorizou. Nós, como igreja, autorizamos a todos os crentes a batizar. Se vo-cê é quem levou a pessoa a Jesus, então é você quem deve batizá-la, pois será você quem irá cuidar dela. Logicamente que tomamos os devidos cuidados para que as pessoas realizem os batismos den-tro dos parâmetros das nossas convicções. Ninguém pode sair ba-tizando sem vincular a pessoa à igreja local, pois, enquanto o ba-tismo no Espírito Santo, ou seja, a sua conversão, a coloca na Igre-ja Universal, o batismo nas águas a coloca na igreja local, assu-

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mindo aquela família da fé como sua família. Um outro aspecto muito importante na ordem dada por Jesus é

o tempo verbal de certas palavras chaves. As traduções falham em colocar o verbo ir no imperativo, pois ele é gerúndio. A tradução deve ser "indo" e não "ide", "indo fazei discípulos". E, o "indo" é muito mais forte que o "ide", porque estabelece um modo de viver. Todos nós que fomos criados ouvindo sempre o "ide", acabamos achando que só alguns são chamados para ir. A maioria dos cren-tes sempre pensa que esta ordem de Jesus não diz respeito a eles, pois nunca "sentiram" nenhuma chamada para ir. No entanto o que Jesus está dizendo a todos os seus filhos é: "indo" para escola faça discípulos; "indo" para o trabalho faça discípulos; "indo" para casa faça discípulos; "indo" para o lazer faça discípulos. Ou seja, em todo tempo, esteja sintonizado no principal ministério de sua vida que é fazer discípulos.

Numa classe de novos membros, o pastor pediu que as pessoas se apresentassem, pois eram desconhecidas umas das outras. E, geralmente, as pessoas se apresentam falando o nome e o que fa-zem. E, então, no meio das apresentações: "Eu sou engenheiro", "Eu sou dona de casa", "Eu sou vendedor", "Eu sou médico", uma jovem surpreendeu a todos: "Meu nome é Nancy e eu sou uma discípula de Jesus, habilmente disfarçada de operadora de máqui-nas".11

Essa apresentação caiu como uma bomba naquela classe le-vando todos a refletir sobre onde estava o foco central de suas vidas.

Será que já nos conscientizamos de que na realidade estamos onde estamos para desenvolvermos ali os interesses do nosso Pai? Pois, na realidade somos seus embaixadores no local onde traba-lhamos e vivemos. Ali é o nosso campo de ação missionária.

Já vimos o como se faz discípulos: batizando-os e ensinando-os a guardar todas as coisas. Quero apenas acrescentar que o "en-sinar a guardar todas as coisas" implica em gastar tempo, investir na vida da pessoa, trabalhar no seu caráter ("...quem furtava não furte mais, antes trabalhe para que tenha com que acudir ao ne-cessitado", ensinou Paulo em Efésios 4.28), pois as pessoas se

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convertem, mas trazem consigo todas as mazelas da velha vida. A conversão não faz desaparecer, de forma mágica, certos hábitos pecaminosos, senão Paulo não teria de ensinar a não mais roubar. E o ensino mais eficaz é pelo método da repetição. É através da repetição que ensinamos as crianças a escovar dentes, pentear os cabelos, tomar banho, etc. A palavra grega mais usada no Novo Testamento para ensino é a palavra katekeo, que significa "ensino por repetição". Portanto, discipulado ou mentoria só pode ser pra-ticado num relacionamento de vida na vida, e não apenas numa classe de estudo bíblico onde se passa apenas conceitos ou infor-mações.

Na bandeira brasileira, há uma frase muito importante que to-dos nós brasileiros amamos e respeitamos: Ordem e Progresso. E na bandeira do discípulo de Jesus existem também uma frase tre-mendamente importante: Ordem e Promessa. A ordem é: Fazei discípulos. E a promessa é: Eu irei junto. Jesus nos promete assim a sua companhia quando nos colocamos no caminho da obediência do fazer discípulos.

Ouvi certa vez uma pregação brilhante do Pastor Fanini na qual dizia ser amante da pescaria. Achava realmente emocionan-te lutar com o peixe até vencê-lo e tirá-lo da água. Mas chegando em casa dizia para a esposa: "Helga, limpar os peixes é com vo-cê".

Jesus nos chamou não somente para sermos "pescadores de homens", mas também de "limpadores de homens". E nisto que consiste o "fazer discípulos e não apenas convertidos". O novo convertido vem cheio de escamas de hábitos pecaminosos que precisarão ser raspados, e isso é tarefa de quem discípula.

Na mesma pregação, Fanini trabalhou alegoricamente no texto de Marcos 2.1-12 dizendo que o evangelista Marcos não mencio-nou o nome dos amigos do paralítico, mas que ele sabia os seus nomes. Logicamente que uma introdução como esta agarrou a a-tenção de todos nós. Ele então passou a descrevê-los:

O primeiro chamava-se conversão. Só alguém genuinamente convertido traz outro até Jesus. Só alguém que já conhece a Jesus segurará na alça da cama do paralítico para conduzi-lo ao Senhor.

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O paralítico não virá pelas próprias pernas; ele precisa de alguém que o carregue.

O segundo amigo do paralítico era Convicção. Somente aque-les que têm convicção de que Jesus é a única esperança para o pa-ralítico, que Jesus é a única resposta para o coração humano, é que também segurará na beirada da sua cama para trazê-lo a Jesus. Se você acha que uma melhor educação, ou um melhor nível de salá-rios, ou um melhor sistema de saúde, ou ainda, um melhor sistema previdenciário é a solução para o paralítico, você não o trará a Je-sus.

O terceiro amigo do paralítico chamava-se Consagração. De nada adianta você ser convertido e ter convicção de que Jesus é a única solução para o ser humano, paralítico na estrada da vida, se você não se consagrar à tarefa de buscá-lo.

O quarto amigo do paralítico tinha por nome Cooperação. Po-de bem ser que todos aqueles amigos tenham ido à casa do paralí-tico para trazê-lo até Jesus e não deram conta porque foram sozi-nhos, ou seja, isoladamente. Frustrados por não terem conseguido, encontram-se na casa onde Jesus está ministrando e operando ma-ravilhas. Olharam um para o outro e descobriram que foram lá se-parados, e então se uniram, e juntos o trouxeram a Jesus. Assim também precisamos formar grupos de resgate pois sozinhos não damos conta. Esta é a melhor estratégia para se trazer os paralíti-cos até Jesus. CONSEQÜÊNCIAS DA VIOLAÇÃO

O que acontece quando eu me escondo? Quais as conseqüên-

cias de não me posicionar verbalmente ao lado de Jesus, ou da ver-dade, ou da justiça?

Medo Talvez não devesse dizer que medo seja conseqüência, mas

causa, pois a pessoa se esconde, ou não se posiciona por medo, ou proteção da imagem. E muito comum isto acontecer. É aquele jo-vem na escola, que não se declara discípulo de Jesus por medo da

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reação ou rejeição dos amigos. Pois, ser chamado de "crente" é bastante pejorativo. Ele tem medo de ser estigmatizado como "santinho". A sua necessidade de aceitação pelo grupo provoca ne-le esse medo que o leva a não se posicionar. Isto é verdade tam-bém com certos crentes no seu ambiente de trabalho, ou no clube, ou na vizinhança, pois sabem que se posicionando certamente virá a perseguição sob diversas formas: gozação ou chacota, ataques a igreja e tantas coisas mais. É interessante de se observar que uma pessoa pode declarar-se espírita, ou católica, ou umbandista, ou Hare Krishna, que ninguém a importunará. Mas quando alguém se intitula "crente", ou "discípulo de Jesus", logo as barricadas levan-tam, e a perseguição se estabelece. O termo "evangélico" está tão aguado que também já não incomoda e não provoca reações de perseguição.

Vida dupla, ou hipocrisia religiosa São muitos os cristãos que vivem essa vida dupla. Quando na

companhia de outros cristãos ele é falante, é espiritual, é ousado, mas sozinho, noutro ambiente,, ele toma a cor do ambiente. É o famoso "crente camaleão". É semelhante àquele adolescente que é valentão quando está com a sua turma, mas sozinho é um grande covarde.

Testemunho nulo Algumas pessoas defendem-se dizendo que o importante não é

falar, mas viver. Obviamente que a nossa vida tem de estar na vi-trine, pois de nada adiantará sermos tagarelas cristãos com uma vida imunda que anula tudo o que falamos. No entanto, "testemu-nho" não é apenas vida, é vida mais fala. Conheço ateus que têm uma vida íntegra e, no entanto não professam nada. Ser uma tes-temunha é dizer eu vi, eu experimentei, eu conheço, eu fui tocado pelo amor de Deus.

Esterilidade espiritual O cristão que não se posiciona, dificilmente se reproduzirá es-

piritualmente. Poderá ser até um bom religioso, mas nunca terá a

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alegria da maternidade ou paternidade espiritual. RESULTADOS DA VIVÊNCIA DESTE PRINCÍPIO

"Bem-aventurados os perseguidos, porque deles é o Reino dos Céus". É o mesmo resultado que vemos na primeira bem-aventurança,

os "pobres de espírito". Os perseguidos" e também os "pobres de espírito" já estão vivendo o clima do Reino. Deles já é o Reino. Não lhes é prometido o Reino para amanhã, mas para hoje, pois, de fato, já o buscam em primeiro lugar, e, por isso, já usufruem da sua realidade. Deus é o centro de suas vidas e eles O buscam e de-pendem inteiramente d'Ele. Jesus não é um meio para outros fins, Ele é o próprio fim. "Eu Sou o Caminho e ninguém vem ao Pai senão por mim". Jesus é o Caminho para Ele mesmo. Ele é o pró-prio fim, diz Roy Hession em Queremos, ver a Jesus.12

"Grande é o vosso galardão nos Céus". Percebemos assim que o galardão está relacionado com quanto do Reino já estamos vi-vendo aqui. Não nos preocupamos muito com galardão, pois pen-samos que o que importa mesmo é estar lá. É realmente difícil pa-ra nós pensarmos em recompensas, pois nos achamos tão peque-nos e sem qualquer tipo de mérito, que não passa pela nossa cabe-ça recebermos qualquer tipo de honraria celestial. No entanto, con-forme C.S. Lewis, receber glória do único que é digno de toda gló-ria, se constituirá num verdadeiro peso de glória.13 Segundo Le-wis, o Novo Testamento tem muito a declarar sobre renúncia, mas não da renúncia como um fim em si. Devemos negar a nós mes-mos e tomar a nossa cruz para podermos seguir a Cristo. E, quase todas as descrições da recompensa que seguem a essa renúncia contém um apelo ao desejo natural de felicidade. Se hoje a noção de que é errado desejar a nossa felicidade e esperar gozá-la escon-de-se na maioria das mentes, ela surgiu, segundo Lewis, em Kant ou nos estóicos, mas não na fé cristã.

A maioria dos crentes sabe de cor Efésios 2.8 e 9, mas não prosseguem com o verso 10: "Pois somos feitura dele, criados em

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Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas". O meio evangélico ficou tão avesso à doutrina das boas obras para a salvação que deixa de ver as boas obras como evidência da salvação. Fomos salvos pela graças para as boas obras.

No entanto, é importante perceber que não é qualquer boa obra, mas sim, aquelas que Deus preparou de antemão para cada um de nós. Parece-me que Deus tem uma agenda para cada um de seus filhos e o nosso galardão está relacionado com quanto dessa agen-da foi cumprido por nós.

Eu fico imaginando que Jesus vai me chamar à parte e dizer: - Ivênio, está vendo aquele meu filho ali? Veja o que nós dois fize-

mos na vida dele. Parabéns, você foi um ótimo parceiro! Mas, por outro lado, Ele também vai me mostrar a Sua agenda,

que havia preparado para mim, e com pesar vai dizer: - Puxa vida meu filho! Olhe aqui tudo que eu tinha preparado para

você realizar, mas você estava sempre tão ocupado com a sua agenda, que, poucas vezes, consegui a sua atenção para ser meu parceiro.

Vou ficar estarrecido com tudo que Ele havia planejado para fazermos juntos e que não foi feito devido ao meu pecado de ne-gligência em cultivar maior intimidade com Ele. Pois é somente na intimidade de amigos que Ele nos segreda aquelas obras especi-ais.14

Entendo que isso é galardão. Todos os salvos haverão de com-parecer perante o Tribunal de Cristo,15 não para ser decidido o seu futuro eterno, pois já passaram da morte para a vida,16 mas para receberem pelo bem ou pelo mal praticados no corpo. Quer dizer que vai haver premiação, ou seja, o louvor da parte de Deus e o regozijo de nossa parte por termos sido bons parceiros d'Ele; a fe-licidade, como pontua muito bem C. S. Lewis, de sermos reconhe-cidos e valorizados por aquele que é o único merecedor de toda glória e louvor. Por isso os vinte e quatro anciãos, representando todos os salvos, se prostrarão diante daquele que se encontra as-sentado no trono, e depositarão as suas coroas diante d'Ele, pro-clamando: "Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder, porque todas as coisas tu criaste, sim, por causa

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da tua vontade vieram a existir e foram criadas"17. No entanto, vai haver também repreensão, pois o texto de Pau-

lo aos Coríntios é claríssimo: "... para receber pelo bem ou pelo mal praticados no corpo". Não sabemos que tipo de repreensão se-rá. Fico pensando que o só perceber as omissões ou não cumpri-mento da Sua agenda preparada para mim, já será uma dor muito grande. Quanto mais aqueles salvos que partem daqui deixando tantas pendências: pecados não tratados, agravos a outros não con-sertados, e tanta coisa mais. Realmente vai haver muita lágrima para Deus enxugar.18 OS ENSINOS DE JESUS NO CORPO DO SERMÃO

"Também ouvistes que foi dito aos antigos: Não jurarás falso, mas cumprirás rigorosamente para com o Senhor os teus juramentos. Eu, porém, vos digo: de modo algum jureis; nem pelo Céu, por ser o tro-no de Deus; nem pela terra, por ser estrado de Seus pés; nem por Je-rusalém, por ser a cidade do grande Rei; nem jures pela tua cabeça, porque não podes tornar um cabelo branco ou preto. Seja, porém, a tua palavra: Sim, sim; não, não. O que disto passar vem do maligno". (Mateus 5.33-37) Jesus claramente neste texto proíbe todo tipo de juramento. Is-

so não se refere ao juramento à bandeira que todo soldado deve fazer. Juramento à bandeira é um tino de declaração de lealdade á pátria que todo brasileiro deve fazer.

Este juramento que Jesus menciona aqui é um tipo de endosso que a pessoa faz para dar credibilidade às suas palavras.

"Eu juro pelos olhos da minha mãe" que eu irei lhe pagar. O que esta pessoa está querendo é que o outro confie na sua palavra de que honrará o compromisso que está firmando. Como, prova-velmente, tal pessoa já tenha falhado muitas vezes com a palavra empenhada,ela está precisando agora de um endosso para que o outro acredite. Coitada da mãe, sempre correndo o risco de perder os olhos por causa de um filho desonesto e sem palavra.

Seja, porém, a tua palavra: Sim, sim; não, não. Isto significa:

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Não tenha meias palavras ou meias verdades. Seja alguém cujas palavras têm peso e credibilidade, pois o que passa disto é do ma-ligno.

O Princípio do Testemunho tem a ver com o uso que fazemos das palavras. Verborragia é o muito falar para tentar obter credibi-lidade. O verdadeiro discípulo dá testemunho através de um falar seguro e sem subterfúgios. "Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis ante os porcos as vossas pérolas, para que não as pisem com os pés e, voltando-se, vos dilacerem".19

Testemunhar através da fala implica também em "não lançar pérolas aos porcos". Em outras palavras, não devemos falar das ri-quezas espirituais com aqueles que as ridicularizam e escarnecem de Deus e sua palavra. Devemos estar sempre atentos para pro-clamar aos que realmente querem ouvir e, ouvem respeitosamente.

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Capítulo 13

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A função de um aparelho de ressonância magnética não é curar

a enfermidade, mas, sim, detectá-la. O Sermão do Monte como padrão de excelência do Reino de Deus, tem também o mesmo ob-jetivo. Sigamos o relato de Mateus depois que Jesus encerra o Sermão do Monte: "Ora, descendo ele do monte, grandes multi-dões o seguiram. E eis que um leproso, tendo-se aproximado, ado-rou-o, dizendo: Senhor, se quiseres, podes purificar-me. E Jesus, estendendo o mão, tocou-lhe, dizendo: Quero, fica limpo! E ime-diatamente ele ficou limpo de sua lepra".1

É maravilhoso perceber como o Espírito Santo supervisionou a obra de composição das escrituras pois, este leproso vindo ao sopé da montanha para curvar-se diante de Jesus em adoração e pedir-lhe a cura, é a mais perfeita ilustração que poderíamos ter do obje-tivo do Sermão do Monte. A pergunta dele não foi: "Se podes", mas "se queres podes purificar-me".

A resposta de Jesus não se fez esperar: "É claro que eu quero, fica limpo!".

Assim também é com a nossa santificação. O que os exames de ressonância magnética revelaram sobre nós? Não foi exatamente a nossa condição de leprosos espirituais? Orgulho ou soberba, com-plexos, medo, insegurança, competição, timidez, frustração, ego-

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ísmo, irritação, insensibilidade, falta de oração, amargura, ressen-timentos, crítica, desejo de vingança, ódio, inveja, maledicência, impureza moral, lascívia, concupiscência, defraudação, estagna-ção, culpa, etc.

Pode ser que você seja daqueles que estão querendo galgar o monte das bem-aventuranças na base da garra e da disposição de pagar o preço, pois você crê naquelas propostas dos livros que mais vendem hoje, os de auto-ajuda. Você já tem tentado subir a-garrando-se aos tufos de capim, ralando-se pelas encostas e caindo desanimado, só para tentar de novo e perceber, cada vez mais, quão íngreme é a subida, pois as demandas da lei perfeita parecem crescer mais e mais. Talvez você esteja no momento, parado, sen-tado nalguma sombra, esperando descobrir novas forças para ten-tar de novo. Mas, aos poucos, está se formando dentro de você uma convicção de que não dá para subir. Parece que esse negócio de ser santo como Deus é santo foi uma grande piada de mau gos-to que não vai dar mais para engolir. Você começa a duvidar de que Jesus estivesse falando a sério. Talvez fosse apenas uma colo-cação retórica da parte d'Ele.

Você se encontra num lugar muito perigoso. São muitos os que ficam nessa "sombra" onde você está agora, e daí começam a jo-gar fora todos os valores que Jesus já havia construído no seu ca-ráter. Alguns resolvem manter uma aparência de santidade, como se tivessem conseguido subir bastante no monte. Outros pulam fo-ra e se tornam cáusticos e agressivos. No entanto, alguns poucos se dirigem ao sopé da montanha, como aquele leproso, e fazem a grande descoberta: Existe santidade real aos pés da cruz.

Quero repartir com você essa percepção maravilhosa, conside-rando aquelas condições que, certamente, todo andarilho da fé tem de cumprir para chegar aonde o leproso chegou.

Reconhecer-se pecador Pecador ou enfermo, para usar a linguagem terapêutica. "Os

sãos não precisam de médico, mas sim os doentes", disse Jesus2. A pior situação a que uma pessoa pode chegar é de cegueira quanto à sua real condição. "Se dissermos que não temos pecado nenhum,

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nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós".3 Quantos estão se enganando, pois miram-se em espelhos muito

opacos. Ou miram-se na sua consciência, que facilmente se caute-riza, ou miram-se naqueles que os rodeiam, à semelhança daquele fariseu da parábola narrada por Jesus: "Ó Deus, graças te dou por-que não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúl-teros, nem ainda como esse publicano; jejuo duas vezes por sema-na e dou o dízimo de tudo quanto ganho".

Jesus disse: "Se a vossa justiça não exceder em muito a dos es-cribas e fariseus, jamais entrareis no Reino dos Céus".4

Qual é a justiça que excede em muito a dos escribas e fariseus? A justiça daquele publicano da parábola: "O publicano, estando em pé, longe, não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim, pecador!"

Jesus declarou ao fim da parábola que foi este publicano que desceu justificado ou justo para sua casa e não o fariseu.5

Por que para Deus é tão importante esse reconhecimento? Ve-mo-lo quase suplicando ao povo rebelde de Israel através de Jere-mias: "Tão somente reconhece a tua iniqüidade, reconhece que transgrediste contra o Senhor, teu Deus, e te prostituíste com os estranhos debaixo de toda árvore frondosa, e não deste ouvidos à minha voz, diz o Senhor. Convertei-vos, ó filhos rebeldes, diz o Senhor; porque eu sou vosso esposo...". 6

É porque reconhecimento é a condição básica para alguém ser tratado por Deus. É através do reconhecimento que o orgulho ou soberba começa a ser esmagado, permitindo que o bálsamo tera-pêutico do Espírito Santo penetre até onde o pecado trouxe tanta degeneração e dor.

Se você já descobriu que o seu problema não é a casa em que mora, nem seu vizinho, nem tampouco o seu cônjuge, ou seus fi-lhos, nem seu patrão, nem sua igreja, nem seu pastor, nem ainda seu país ou seu clube de futebol, mas você mesmo, então você é um fortíssimo candidato para andar no mesmo caminho daquele leproso, até aos pés da cruz.

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Querer ser tratado por Deus Por quê? Porque tem muita gente boa que se reconhece peca-

dor, carente da glória de Deus, mas que não quer ser mexido. Es-tão satisfeitos com a mediocridade de sua vida cristã. Afinal de contas ninguém espera muito deles e assim vão levando a sua vi-dinha religiosa, esperando um dia morar nas mansões celestiais.

Aquele paralítico do tanque de Betesda7 é uma ótima ilustração desse tipo de cristianismo vivido por muitos. Jesus chega para ele e faz uma pergunta que nos parece escandalosamente óbvia:

- Queres ser curado! - Espera aí Jesus, isto é pergunta que se faça a um homem 38 anos

enfermo, e, que, todos os dias é colocado aqui esperando um milagre? Esta bem pode ter sido a reação dos discípulos diante da per-

gunta de Jesus. No entanto, a pergunta não era tão óbvia como podemos pen-

sar. Jesus tinha muita razão de fazê-la, pois o que Ele queria é que o próprio paralítico refletisse se, de fato, queria ser curado. Isto porque aquela paralisia lhe trazia algumas vantagens: Ninguém esperava muito dele. Ele tinha cama, comida e roupa lavada. Afi-nal, só teria que ficar ali, sem nenhuma expectativa de ser curado, pois nem ajuda teria para entrar no tanque. E assim sua vida era levada, sem maiores preocupações, até ouvir aquele estranho com uma pergunta tão inquietadora.

- Será que eu quero mesmo? Não sei não! Já me acostumei de ser trazido e deixado aqui todos os dias. Tenho tantos amigos aqui seme-lhantes a mim. Gosto de jogar truco com eles, e nem vejo o dia passar. Afinal, não tenho ninguém que me ponha no tanque! Às vezes, fico a pensar na cura, e acabo achando que ser curado vai é me trazer pro-blemas, pois vou ter que pegar no batente e todo mundo vai querer é me "tirar o couro". Penso que a minha família também não tem ne-nhuma esperança na minha cura. Agora, será por que este homem está me perguntando isso? Será que ele quer me colocar no tanque?

Sem dúvida alguma, deve ter passado tudo isso por aquela ca-beça sofrida. E, o que está passando por sua cabeça agora? Você quer ser tratado por Deus? Você quer uma vida cristã mais pro-funda? Você quer ser um servo? Você quer se doar às pessoas?

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Você tem anelos por uma intimidade maior com Deus ou está bem assim do jeito que está?

- Esse negócio de ser espiritual não é comigo não. Se eu entrar nessa, todo mundo vai ficar esperando muita coisa de mim. Eu vou ter que me envolver com problemas e necessidades dos ou-tros. É melhor eu ficar na minha, fazendo só para o gasto. Afinal eu dou o dízimo de tudo o que ganho, canto no coro, e sou fre-qüentador assíduo dos cultos. Penso que já está ótimo. Muita es-piritualidade é só para quem quer ser pastor, o que não é o meu caso. Então vou ficando por aqui mesmo com o meu "truco".

Agora, se você é daqueles que têm fome na alma, e sofre por ver suas pernas bambas que não conseguem correr em direção ao próximo, então Jesus está lhe perguntando:

- Queres ser curado? Você quer uma vida de doação? Você quer amar os não amáveis? Você quer ser daqueles que "correm e não se cansam, caminham e não se fatigam",8 então é comigo mesmo.

Esta segunda condição é também indispensável para você en-trar na senda do calvário.

Ser totalmente honesto com Deus Isto significa chamar o pecado de pecado sem arranjar descul-

pas ou atenuantes. Isto significa olhar para esses oitos exames das bem-aventuranças e perceber que eles lhe mostram a verdade so-bre você.

Quando penso em honestidade com Deus, desconheço alguém mais honesto que Davi. Que tragédia foi aquele momento de pai-xão com Bate Seba! Quanta dor e sofrimento advieram daqueles instantes loucos de prazer! Mas, depois, quando foi confrontado por Natã, Davi foi totalmente honesto. É verdade que, a princípio ele tentou se esconder. Ele fez três tentativas fracassadas de es-conder o seu pecado.9

A primeira foi chamar Urias dos campos de batalha para ter uns dias de férias em casa. Esperava Davi que Urias coabitasse com sua linda esposa, e assim, camuflaria seu pecado, pois todos iriam pensar que o filho era de Urias, mesmo tendo a cara e o ca-belo ruivo de Davi. Achava ele que daria para disfarçar e manter a

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pose. Mas, não deu certo. Urias não dormiu com Bate Seba. Não há no texto nenhuma evidência de que Urias estivesse desconfiado de alguma tramóia de sua esposa, ou de Davi. Ele só não conse-guia entender porque o rei estava lhe dando aquelas férias.

Quando Davi ficou sabendo que Urias armou tendas no quintal e não dormiu com a esposa, ficou sobressaltado e inquiriu dele as razões. A resposta de Urias foi como uma espada que atravessou-lhe a alma: "A arca, Israel e Judá ficam em tendas; Joabe, meu se-nhor, e os servos de meu senhor estão acampados ao ar livre; e hei de eu entrar na minha casa, para comer e beber e para me deitar com minha mulher? Tão certo como tu vives e como vive a tua alma, não farei tal coisa".10

Mas Davi estava tão cego pelo pecado, que na sua ânsia e me-do de ser descoberto fez nova tentativa. "Então, disse Davi a Uri-as: - Demora-te aqui ainda hoje, e amanhã te despedirei. Urias, pois, ficou em Jerusalém aquele dia e o seguinte. Davi o convidou, e comeu e bebeu diante dele, e o embebedou; à tarde, saiu Urias a deitar-se na sua cama, com os servos de seu senhor; porém não desceu à sua casa".11

Davi esperava que Urias, embriagado, perdesse suas defesas morais e assim se entregasse nos braços de sua esposa. Mas, mes-mo embriagado Urias manteve sua postura de dignidade.

É impressionante o que o pecado faz com o ser humano. Ele nos degrada ao ponto de levar Davi a arquitetar a morte do seu le-al soldado. Esta foi a sua terceira e mais trágica tentativa: "Pela manhã Davi escreveu uma carta a Joabe e lha mandou por mão de Urias. Escreveu na carta, dizendo: Ponde Urias na frente da maior força da peleja; e deixai-o sozinho, para que seja ferido e mor-ra".12

Quando Davi recebeu a notícia da morte de Urias ele tomou Bate Seba por mulher, certamente numa cerimônia pomposa, para que todos pensassem que o filho que iria nascer tinha sido gerado depois do casamento.

Parecia que tudo dera certo. Sentiu-se aliviado, embora ator-mentado pela culpa e pela constatação da vileza do seu caráter. Mas de Deus não se zomba. Logo havia alguém muito especial ba-

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tendo à sua porta. - O que será que o profeta Nata quer comigo a essa hora? - Ó rei! Vim aqui para narrar-lhe uma história muito triste: "Havia

numa cidade dois homens, um rico e outro pobre. Tinha o rico ovelhas e gado em grande número; mas o pobre não tinha coisa nenhuma, se-não uma cordeirinha que comprara e criara, e que em sua casa cresce-ra, junto com seus filhos; comia do seu bocado e do seu copo bebia; dormia nos seus braços, e a tinha como filha. Vindo um viajante ao homem rico, não quis este tomar das suas ovelha e do gado para dar de comer ao viajante que viera a ele; mas tomou a cordeirinha do ho-mem pobre e a preparou para o homem que lhe havia chegado".13

- Nata, isto é um absurdo! Eu não posso me calar diante de uma injustiça tão grande, e sentencio esse homem, que cometeu tal ultraje no meu reino, à morte e, antes de morrer, entregar ao pobre quatro ve-zes o que lhe foi roubado.

- Tu és o homem, Davi! Assim diz o Senhor, Deus de Israel: "Eu te ungi rei sobre Israel e eu te livrei das mãos de Saul; dei-te a casa de teu senhor e as mulheres de teu senhor em teus braços e também te dei a casa de Israel e de Judá; e, se isto fora pouco, eu teria acrescentado tais e tais coisas. Por que, pois, desprezaste a palavra do Senhor, fa-zendo o que era mal perante ele? A Urias, o heteu, feriste à espada; e a sua sua mulher tomaste por mulher, depois de o matar com a espada dos filhos de Amom. Agora, pois, não se apartará a espada jamais da tua casa, porquanto me desprezaste e tomaste a mulher de Urias, o he-teu, para ser tua mulher. Assim diz o Senhor: Eis que da tua própria casa suscitarei o mal sobre ti, e tomarei tuas mulheres à tua própria vista, e as darei a teu próximo, o qual se deitará com elas, em plena luz deste sol. Porque tu o fizeste em oculto, mas eu farei isto perante todo o Israel e perante o sol."14

- Eu pequei! Eu pequei! Pequei contra o meu Deus. É daqui para frente que iremos ver a sua total honestidade,

salmos 51 e 32 estão registrados os clamores do seu coração na-queles dias de trevas tão densas. O salmo 51 revela-nos o seu que-brantamento e o 32 a sua libertação. Quero destacar algumas ex-pressões muito ricas desses dois salmos:

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"Compadece-te de mim, ó Deus, segundo a tua benignidade; e, se-gundo a multidão das tuas misericórdias, apaga as minhas trans-gressões. Lava-me completamente da minha iniqüidade e purifica-me do meu pecado. Pois eu conheço as minhas transgressões e o meu pecado está sempre diante de mim. Pequei contra ti, contra ti somente, e fiz o que é mal perante os teus olhos... Eis que te comprazes na verdade no íntimo e no recôndito me fa-zes conhecer a sabedoria. Purifica-me com hissopo, e ficarei limpo; lava-me, e ficarei mais alvo que a neve. Faze-me ouvir júbilo e alegria, para que exultem os ossos que es-magaste. Cria em mim, ó Deus, um coração puro e renova dentro em mim um espírito inabalável. Não me repulses da tua presença, nem me retires o teu Santo Espírito. Restitui-me a alegria da tua salvação e sustenta-me com um espíri-to voluntário..."

Vejamos agora no Salmo 32, a cura perfeita que Deus faz

quando alguém se abre em total honestidade, e se dispõe a ser tra-tado por Ele. Temos visto muita gente caindo à semelhança de Davi, mas muito poucos voltando como Davi voltou, sem atirar farpas, sem atribuir culpa a outros pelos seus erros, sem procurar teologias acomodatícias. Certamente foi esta honestidade diante de Deus que, fez dele o homem conhecido pelo epíteto: "Um homem segundo o coração de Deus ".

"Bem-aventurado aquele cuja iniqüidade é perdoada, cujo pecado é coberto. Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não atribui ini-qüidade e em cujo espírito não há dolo. Enquanto calei os meus pecados, envelheceram os meus ossos pelos meus constantes gemidos todo o dia. Porque a tua mão pesava dia e noite sobre mim, e o meu vigor se tornou em sequidão de estio. Confessei-te o meu pecado e a minha iniqüidade não mais ocultei.

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Disse: confessarei ao Senhor as minhas transgressões; e tu perdoaste a iniqüidade do meu pecado. Sendo assim, todo homem piedoso te fará súplicas em tempo de po-der encontrar-te. Com efeito, quando transbordarem muitas águas, não o atingirão. Tu és o meu esconderijo; tu me preservas da tribulação e me cercas de alegres cantos de livramento..." Essa honestidade a que me refiro é o mesmo que "andar na luz"

de que nos fala João em sua primeira epístola. João emprega, tanto no seu evangelho como nessa epístola, a palavra "trevas" como si-nônima de mentira, engano, subterfúgio, camuflagem, etc., e a pa-lavra "luz" como sinônima de verdade, autenticidade, honestidade, franqueza, transparência, etc.

João afirma que recebeu de Jesus a mensagem que pode trazer-nos alegria completa, e a mensagem é que "Deus é luz e nele não há treva nenhuma". Em Deus não existe subterfúgios, ou carta es-condida na manga. Todo Ele é clareza, é realidade. Se alguém dis-ser que está em plena sintonia com Deus, mas vive se escondendo, colocando as coisas debaixo do tapete, segundo João tal pessoa es-tá vivendo uma farsa. Mas, se andarmos na luz, como Deus está na luz, manteremos comunhão com os que igualmente andam na luz, e experimentaremos a maravilhosa dádiva do lavar regenerador no sangue de Jesus.

Muitos invertem o texto bíblico "andai no Espírito e jamais sa-tisfareis à concupiscência da carne",15 para "Não satisfaça a con-cupiscência da carne e então andarás no Espírito". Esta é compre-ensão distorcida dos que pregam a santificação pelas obras. O que a Palavra de Deus está ensinando é: "Andai no Espírito", que é o mesmo que "Andai na Luz", que é igual a "Andai na Verdade", e você jamais "encherá a barriga" de pecado. Ou seja, você estará sujeito a comer alguns grãos de pecado, mas não encherá o prato. Você cometerá erros ou pecados, mas logo os perceberá e se livra-rá deles. "Satisfazer a concupiscência da carne" é o mesmo que encher o prato e banquetear-se, e não apenas comer alguns grãos.

Portanto, o "andar na luz" de que nos fala João não significa

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não errar, ou pecar, mas perceber quando erramos ou pecamos. A alegria completa não é experimentada por quem nunca peca, pois este não existe, mas por quem aprende a consertar. Assim, afirmo que a maior virtude do genuíno cristão não é nunca errar, mas con-sertar. Por isso, Davi diz: "Tu me cercas de alegres cantos de li-vramento".16

Alguém poderia objetar: "Se for assim, então vamos pecar para que experimentemos a alegria do perdão".

Pensar assim se parece muito com a história daquele louco que batia a cabeça na parede formando enormes galos. Depois de al-guns minutos batia novamente em cima dos galos, formando ou-tros maiores. Alguém que o estava observando aproximou-se e perguntou:

- Por que você faz isto, não dói muito? - Dói demais, disse ele, mas depois eu sinto um alívio. Enquanto estivermos por aqui estaremos sujeitos a pecar, mas o

pecado na nossa experiência de filhos regenerados, haverá de ser acidente de percurso e não norma.

Olhar para Jesus O que quero destacar aqui é a importância de colocar os olhos

no lugar certo. É distinguirmos arrependimento de remorso. É per-cebermos a diferença entre Pedro e Judas. Pois quando caímos nalgum pecado temos a tendência de primeiro olhar para dentro de nós. Isto é bom e está correto. Precisamos mesmo deste primeiro olhar para dentro a fim de percebermos quão enganoso é o nosso coração. Mas o perigo consiste em fixarmos nossos olhos aí e nos consumimos pelo remorso.

Remorso é um tipo de auto-flagelação em que a pessoa procu-ra, devido ao seu orgulho, pagar pelo erro cometido. Existem pessoas que nunca se perdoam. Reconhecem que foram perdoa-das por Deus, mas elas próprias não se perdoam. Isto é fruto de um orgulho muito sutil que leva a pessoa a tentar redimir-se pelo sofrimento.

Judas olhou para o seu coração maligno e foi destruído pelo remorso, enquanto Pedro olhou para Jesus e se desmanchou em ar-

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rependimento sincero. Teria sido outra a história de Judas se ele tivesse, depois de consumada a traição, nas suas horas de agonia, olhado para Jesus e não para a hediondez do seu coração. Igual-mente a "bondade de Deus o conduziria também ao arrependimen-to".17

Há um texto no Velho Testamento, que foi usado por Jesus pa-ra ilustrar-nos, de forma magnífica, a necessidade de olharmos fi-xamente para Ele, autor e consumador de nossa fé.18 É o texto que nos fala da serpente de bronze, em Números 21.4-9:

"Então, partiram do monte Hor, pelo caminho do mar vermelho, a rodear a terra de Edom, porém o povo se tornou impaciente no ca-minho. E o povo falou contra Deus e contra Moisés: Por que nos fi-zestes subir do Egito, para que morramos neste deserto, onde não há pão nem água? E a nossa alma tem fastio deste pão vil. Então, o Se-nhor mandou entre o povo serpentes abrasadoras, que mordiam o povo; e morreram muitos do povo de Israel. Veio o povo a Moisés e disse: Havemos pecado, porque temos falado contra o Senhor e con-tra ti; ora ao Senhor que tire de nós as serpentes. Então, Moisés o-rou pelo povo. Disse o Senhor a Moisés: Faze uma serpente abrasa-dora, põe-na sobre uma haste, e será que todo mordido que a mirar viverá. Fez Moisés uma serpente de bronze e a pôs sobre uma haste; sendo alguém mordido por alguma serpente, se olhava para a de bronze, sarava". Não teria sido muito mais simples se Deus tivesse acabado com

todas aquelas serpentes de uma vez? Que solução mais inusitada Ele preferiu. Levantar uma serpente de bronze como fonte de cura daqueles que para ela olhassem. Por que Deus fez isso? Penso que foi para dar-nos a mais perfeita ilustração de como ele lidou com o nosso pecado. Jesus usou este episódio comparando-o com o que estava para fazer: "E do modo por que Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado, para que todo o que nele crê tenha a vida eterna.19

Moisés levantou na ponta de uma haste uma representação a-quilo que era a fonte do mal que os estava acometendo. E, Jesus

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disse que Ele igualmente seria levantado para livrar-nos daquilo que nos destrói que é o nosso pecado. Por isso, quando foi levan-tado Ele era a representação perfeita daquilo que nos acomete. Diz-nos Paulo que "Deus O fez pecado por nós para que n'Ele fos-semos feitos justiça de Deus".20 Isto significa que quando Jesus foi levantado naquela cruz Ele era imundo, Ele era pecado. Ele era maldito, porque Ele era eu, Ele era você. A Sua morte foi uma morte substitutiva. Naquele momento caia sobre Ele todo juízo de Deus sobre todo o pecado da raça humana.

Imaginemos um chumaço de algodão que mergulhamos numa poça de lama. Como sairá o algodão? Sairá uma lama só. Foi exa-tamente isto que Jesus fez por nós. Ele mergulhou-se no charco de imundícia dos nossos pecados e absorveu-os. Aquele que nunca pecou, tornou-se uma grotesca forma de pecado, repugnante aos olhos do Pai, e sobre Ele abateu-se o "castigo que hoje nos traz a paz".21

Quando Jesus desceu ao Jordão para ser batizado por João este não quis fazê-lo:

- Eu é que preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim? Mas Jesus lhe respondeu: - Deixa por enquanto, porque, assim, convém-nos cumprir to-

da a justiça. Então João concordou.22 Por que João relutou em batizá-lo? Porque o seu batismo era de

arrependimento, e Jesus não tinha nada de que se arrepender, mas ele João, tinha, por isso disse:

- Eu é que preciso ser batizado por ti. Parece que João compreendeu o que Jesus disse quanto a ser

necessário cumprir toda a justiça e então o batizou. O que estava acontecendo ali, na realidade, era Jesus se identi-

ficando como pecador e assumindo o seu lugar. Mas, mais do que isto, Ele estava entrando no Jordão que estava completamente i-mundo pelos pecados de todos, deixados ali e, estava absorvendo-os. Era o alvo algodão saindo embebido da imundície do pecado humano.

A suprema identificação de Jesus com a natureza humana deu-se por fim na cruz. Ali Ele era homem na sua acepção plena. Diz-

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nos o livro de Hebreus que Jesus foi aperfeiçoado através das coi-sas que sofreu.23 Em que sentido foi Ele aperfeiçoado? Não foi Ele sempre perfeito? Ele foi aperfeiçoado na sua humanidade. No Calvário estava um homem perfeito coberto de todas as mazelas inerentes à raça humana.

Por isso, a chamada de Hebreus é para "olharmos firmemente para o Autor e Consumador de nossa fé".24 Ele foi levantado, e fez-se pecado por nós, para que nós, olhando para Ele fiquemos li-bertos das mordeduras do pecado.

Quando olhamos para Jesus, descobrimos que todo "escrito de dívidas" que era contra nós foi cancelado porque Ele assumiu toda a nossa culpa.25 Quando olhamos para Jesus, vemos que não "res-tou nenhuma condenação para nós",26 pois todo juízo de Deus caiu sobre Ele.27 Quando olhamos para Jesus, temos a total segurança de que somos aceitos e que podemos agora chegar ao Trono da Graça, ao Santo dos Santos, pelo novo e vivo caminho que Ele nos abriu através do seu sangue.28 Aleluia! Jesus triunfou cabalmente sobre o pecado na cruz, e nos abriu a porta para andarmos vitorio-samente aos pés da cruz.

Confiar totalmente n'Ele O apóstolo João afirma que "se confessarmos os nossos peca-

dos Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça"29. Temos que repousar neste fato solene: Ele é fiel e justo.

O que é que Deus faz com os nossos pecados quando os con-fessamos em sincero arrependimento? Quais os resultados práticos da nossa confissão:

O primeiro é o perdão. Ele nos perdoa de forma plena. Que ma-

ravilha é o perdão! Conta-se de uma mãe que, todas as vezes que o filho lhe desobedecia, ela pregava um prego numa determinada tá-bua. O filho a via fazendo isso, mas não se dava conta. Um belo dia ele perguntou:

- Mãe, por que a senhora às vezes prega um prego naquela tábua? - Sabe meu filho, você tem sido muito desobediente, o que muito me

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entristece e, todas às vezes, que você me desobedece, eu prego um prego nesta tábua.

A tábua estava cheia de pregos, e o menino ficou tão impres-sionado que começou a chorar:

- Mamãe, como tenho sido desobediente! Perdoe-me, eu quero a-prender a obedecer.

Aquela mãe ficou tão tocada pela reação do filho, que imedia-tamente apanhou a tábua e começou a retirar os pregos.

- Claro que eu lhe perdôo meu filho. Estou arrancando estes pregos para você saber que está sendo perdoado de verdade.

- Mas mamãe, a senhora retirou os pregos, mas as marcas fica-ram.

- É verdade meu filho, a gente pode perdoar, mas as marcas sempre ficam.

Será que o perdão de Deus é como o daquela mãe? Será que as marcas dos nossos pecados ficarão para sempre diante de nós, ou diante d'Ele? As únicas marcas que permanecerão nos nossos pe-cados são aquelas que Jesus ostenta em suas mãos. Verdadeiras marcas de glória e não de vergonha. Naquele dia, lá por ocasião de sua volta, conta-nos Zacarias que chegarão a Ele e perguntarão:

- Que feridas são essas nas tuas mãos? Responderá Ele: - São as feridas com que fui ferido na casa dos meus amigos.30 O segundo resultado é purificação. Quando falamos que o per-

dão de Deus é pleno e não deixa marcas é porque Ele é fiel não só para perdoar, mas também para purificar: "O sangue de Jesus nos purifica de todo pecado";31 "Se confessarmos os nossos pecados Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de to-da injustiça".32

Vamos imaginar uma mãe que arruma o seu filhinho de 3 anos e ordena:

- Fique quietinho aí enquanto a mamãe se arruma (só mãe de "primeira viagem" arruma o filho primeiro para depois se arru-mar), e não vá brincar na terra.

Quando ela vem pronta pra sair o seu anjinho parece ter chega-

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do de um rally nas montanhas de barro. Está praticamente irreco-nhecível. Ela faz aquela cara brava e ele começa a chorar:

- Mamãe me perdoe que eu me sujei na lama! Certamente ela irá perdoar. Mas sairá com ele, imundo daquele

jeito? Não. Ela irá colocá-lo debaixo do chuveiro e dar-lhe aquele banho. Vai apanhar a sua roupa mais linda e ele sairá como um príncipe. É exatamente isto que Deus faz com os nossos pecados. Ele não só nos perdoa, mas purifica-nos de toda iniqüidade. E, po-demos sair também como príncipes.

O terceiro resultado é esquecimento da parte de Deus. Uma das

mais gloriosas verdades, que encheu meu coração de gozo, ouvi de Roy Hession quando pregou na Igreja que eu pastoreava em São Paulo, sobre "Como Entrar na Posse das Bem-Aventuranças pela Porta dos Fundos", abordando, no Salmo 32, Bem-aventurados os perdoados. Naquela pregação ele afirmou que muitas vezes chega-va abatido a Jesus dizendo:

- Senhor, tem paciência comigo, pois estou aqui de novo para confessar que falhei, que pequei.

Ao que Jesus lhe respondeu: - Por que, de novo, meu filho? Esta é a primeira vez. Pois to-

das as vezes que você vem quebrantado eu o perdôo de fato, puri-fico e esqueço. É como se você nunca tivesse pecado.33

Que verdade maravilhosa! Que cura maravilhosa! Eu posso ter a absoluta segurança de que nada está no meio, afastando os Seus olhos dos meus. Posso olhar para o Pai, olho no olho, e saber que está tudo certo entre nós. Isto me encanta e me enche de um amor cada vez mais apaixonado por Ele.

Alguém poderia ser levado a pensar que, sendo assim, pode-mos nos tornar levianos para com o pecado. Será que saber que sou tratado assim pelo Pai, vai produzir em mim o desejo pelo pe-cado? Parece-me que não, pois é o oposto que acontece. Conhe-cendo como Deus teve de tratar de forma tão radical com o peca-do, haverá cada vez mais um temor santo em nós que nos distanci-ará mais e mais do pecado. É assim que o Salmista se expressa: "Contigo, porém, está o perdão, para que te temam".34

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Conclusão

PERMANENTES NAVIDEIRA

(João 15) Deus, o Grande Agricultor, plantou uma videira no solo amal-

diçoado pela rebelião humana. Ele tem enxertado galhos na sua Videira para que os frutos do seu amor se expressem através deles. Ele, como Agricultor, é um com a sua videira, e planejou para que os galhos se ligassem de tal maneira à sua videira que se tornas-sem também um com Ela. Ele como Agricultor, sempre irá podar muito bem os galhos que dão fruto para que frutifiquem cada vez mais, e assim o mundo árido e faminto poderá encontrar sombra, abrigo e alimento nos galhos.

A sua videira está plantada bem junto às correntes de água vi-va, e os sedentos chegam e bebem e se alimentam do fruto do Es-pírito Santo que apanham dos galhos: Amor, alegria, paz, longa-nimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio.1

Eu fui enxertado um dia nessa videira e comecei, desde cedo, a experimentar o amor do Pai em todo tempo, mas especialmente nas ocasiões de poda. Era tão doloroso, às vezes, mas eu sabia que o Bom Agricultor estava podando aquelas coisas que precisavam ser removidas para que eu produzisse mais frutos. Eu vejo muitas vezes o Agricultor cortar muitos galhos secos e mirrados e atirá-los ao fogo, e fico pensando: "Por que será que aqueles galhos não

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'pegaram'?" Nunca soube responder a essas indagações da minha mente,

mas esses galhos sempre parecem "crianças abortivas" que nunca chegam a nascer. E, assim, fui crescendo e ficando cada vez mais forte, e experimentando uma alegria enorme por ver os frutos maduros serem apanhados e saboreados por velhos, jovens e cri-anças.

As podas nunca acabaram. Não fico triste na ocasião das podas, pelo contrário, experimento urna verdadeira alegria por saber que o Agricultor se esmera em me podar, pois conta comigo para ali-mentar muita gente com o fruto da sua videira.

Cada dia me sinto mais um com a videira. Sinto-me parte d'E-le, e percebo que já não penso nada aparte d'Ele, e que só quero o que Ele quer. Acho que somos grandes amigos. Afinal a sua com-panhia é o que mais quero, e começo a descobrir que Ele também gosta muito da minha companhia e que me considera também seu amigo. Não há privilégio maior do que este.

No ano retrasado, eu fiquei pasmo com a sua promessa ilimita-da de me conceder o que eu bem quisesse.2 Eu fiquei até corado de vergonha, pois me passou tantas coisas na hora. É incrível como o inimigo ainda tem tanto espaço na vida da gente, e consegue nos atrair para as suas "cisternas rotas". Mas logo me dei conta, pois vi a futilidade de pedir coisas, e fiquei parado pensando: "O que é que eu quero de fato?"

Ele estava esperando a minha resposta, e eu continuei vascu-lhando a minha alma. Eu vinha conversando com Ele há já um bom tempo sobre o meu filho doente. Eu tinha desistido de orar pela sua cura, pois já orávamos por isso há mais de 20 anos. Che-guei à conclusão que o Pai não queria curá-lo. Então desisti sem briga, numa boa, e falei para minha esposa que não tinha mais es-perança. Deus não quer, então está tudo certo! Continuamos ami-gos, e certamente Ele nos dará da sua graça para amar o nosso fi-lho e cuidar dele. Mas ali, naquele maio de 2003, meditando sobre o "Esconderijo do Altíssimo", Jesus, A Videira Verdadeira, veio ao meu coração e me falou:

- Se você aprender a andar comigo em "sintonia fina", você

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Conclusão

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poderá pedir o que quiser que lhe será feito.3 Eu quase caí para trás. - Sabe Jesus, o que eu quero acima de qualquer outra coisa?

Eu quero é crescer nessa amizade, pois o Senhor é a verdadeira riqueza que eu sempre procurei. Desde o dia em que me entreguei e fui conectado em Ti, descobri que "o Senhor é a porção da mi-nha herança, e que não possuo outro bem além de Ti".4 O que eu preciso mais além da Tua seiva?

- Eu sei meu filho, que você já entendeu que em mim está a Vi-da, e eu vejo que você não é daqueles que estão correndo atrás das minhas bênçãos. Eu me alegro tanto com aqueles que me buscam porque me querem como amigo, não por causa do que es-peram que eu faça por eles. Mas, eu gostaria que você me falasse daquele pedido que está entalado na sua garganta e que você já declarou para meio mundo que desistiu dele. Veja bem, não é você que está falando sobre o assunto agora, sou eu. Eu quero que vo-cê fale o que está lá dentro do seu coração.

- Eu sei que eu não tenho jeito de te enganar, e que o Senhor gosta é da "verdade no íntimo". Para ser o mais honesto possível, eu quero muito a cura do meu filho. Mas quero uma "curassa" pra ninguém botar defeito. Sem nenhuma seqüela. Um milagre assim do tamanho da ressurreição do Lázaro, pois duvido que Lázaro tenha sido ressuscitado com vista ruim, ou bronquite asmática, ou coisa que o valha. Imagino que ele ressuscitou zero quilômetro.

- Então, meu amigo, eu quero que você entenda o que eu chamo de "sintonia fina". Eu ensinei no Sermão do Monte o Padrão de Excelên-cia do Reino. Muitos galhos pensam que o meu objetivo era que vocês fizessem o máximo de esforço para cumprir aquele padrão. No entanto, não é esse o meu propósito, pois seria a mesma coisa que dizer a vo-cês, que vocês é que devem se esforçar para dar fruto. Isto não é tarefa de vocês, mas minha. O que realmente desejo é que vocês, galhos, percebam, através daquele padrão, o que é que, muitas vezes, impede a minha seiva de correr mais livremente através de vocês.

E assim o Senhor continua a explicação: - Você viu aqueles galhos secos que o meu Pai cortou?5 Pois bem,

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o relacionamento deles comigo estava entupido, e a seiva não conse-guia passar, e eles não se desenvolveram. Logo secaram. Agora, você e tantos outros têm dado frutos porque a minha seiva chega até vocês, mas existem impedimentos que muitos galhos não percebem, pois só pensam em grandes impedimentos. Eu diria que tenho muitos galhos, que poderiam estar dando muito mais frutos, mas que não dão porque se relacionam comigo numa "sintonia grossa", ou melhor dizendo, eles só percebem os grandes pecados. Sendo assim muita coisa vai se acu-mulando dentro deles, bloqueando a passagem da minha seiva. De vez em quando meu Pai tem de agir com severidade para acordá-los. O que esses meus galhos experimentam é um tipo muito intermitente de relacionamento comigo. Só posso continuar a tratá-los como servos e não como amigos, como eu gostaria.

- Eu deixei os ensinamentos do Sermão do Monte para ser uma "sintonia fina" entre nós. Talvez você não saiba, mas o pecado é uma coisa terrível. Toda vez que você peca você está dizendo sim para o meu arquiinimigo e dizendo não para mim. E, não importa o tamanho do pecado. Qualquer pecado que vocês, galhos, cometem me separam de vocês. Fico assim impedido de frutificar através de vocês. O meu i-nimigo deita e rola e se sente fortalecido. E, você nem imagina como isso me entristece, pois na realidade ele tem razão. Eu fui preterido. É bem pior quando é um amigo chegado, pois de um servo eu até espero isso mesmo, mas de um amigo é difícil. Agora, o que o inimigo não po-de suportar é saber que meu Pai providenciou uma solução permanen-te para esse tipo de situação. O meu Pai, como experiente Agricultor, providenciou perdão perfeito que elimina todas as toxinas deixadas pe-lo pecado. Basta a o galho vir para a Luz e detectar o pecado e reco-nhecer, arrependido, que fez uma escolha errada, para, imediatamente, ser perdoado e purificado, e a minha seiva volta a circular por ele.

- João é um amigão meu, um dos mais chegados. Eu dei a ele uma mensagem para entregar a todos os meus galhos. A mensagem da "ale-gria completa". No dia que cada galho meu descobrir que "alegria completa" é permanecer conectado em mim, e que isto é possível atra-vés de uma "sintonia fina", então encherei a terra com os meus frutos. Porque, por incrível que possa lhe parecer, assim como vocês, galhos, não podem expressar os meus frutos se não estiverem conectados em

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Conclusão

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mim, eu também não posso dar frutos sem vocês. Em outras palavras, meu Pai o Grande Agricultor decidiu fazer-me um com vocês. Eu quero amar as pessoas através de vocês, e, por isso, eu preciso ensiná-los a manter essa "sintonia fina" comigo. Veja a mensagem que eu entreguei a João. Certamente você já a conhece, pois ele a divulgou pelo mundo todo na sua primeira epístola:

- Meu Pai é Luz e não há n'Ele nenhum subterfúgio, nenhuma coisa escondida ou camuflada. Se alguém disser que é amigo chegado d'Ele, mas vive se escondendo, sem coragem de se aproximar de peito aberto por medo de ser rejeitado por Ele, esse tal não sabe o que é ser amigo d'Ele e estará vivendo uma farsa. Mas, se vierem para a Sua Luz irão reconhecer outros como amigos e companheiros de caminhada e se re-gozijarão por descobrirem que são igualmente falhos. Não há ali nin-guém superior a ninguém. E assim, desnudados por Sua Luz experi-mentarão o melhor de tudo: Que a minha vida ou o meu sangue, tem o poder de purificá-los de todo pecado. Agora, se alguém disser que não precisa de purificação porque não comete pecados, esse tal vive no en-gano e não há nenhuma verdade nele. Mas quem chegar honestamente, sem se esconder, e abrir as suas falhas com tristeza e arrependimento sincero, Ele não só perdoará imediatamente, mas também purificará com carinho, apagando todas as transgressões, lançando tudo no mais profundo abismo do esquecimento, donde o inimigo não pode tirar na-da para usar como aguilhão contra vocês. No entanto se alguém per-manecer defensivo, dizendo-se justo, por não ter cometido pecado ne-nhum, esse tal está chamando meu Pai de mentiroso, pois Ele afirma que ninguém, enquanto estiver por aqui, estará imune ao pecado.6

- O que eu chamo de "sintonia fina"? É a percepção do pecado no seu nascedouro. Por isso lhes dei o Sermão do Monte. O que fiz foi ti-rá-los de uma "sintonia grossa", a Lei de Moisés, para colocá-los nu-ma "sintonia fina", ou seja, tirá-los do nível da ação e levá-los para o nível da intenção. Ao fazer isto não estava tentando lhes colocar um fardo insuportável, mas ajudá-los a perceber o pecado que corta a nossa comunhão desde que ele surge no coração, e lhes apresentar o meu sangue purificador como cura de todo pecado. Sendo assim, nin-guém precisa ficar desconectado por tempo longo, pois poderá reco-nectar-se imediatamente. Talvez vocês entendam melhor se eu usar ou-

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tra figura: - Eu Sou a Central Elétrica e vocês são as lâmpadas. Quem perma-

nece ligado em mim e eu nele esse haverá de brilhar, porque sem mim é impossível. Ao desligar o interruptor, o nome já fala tudo, o inter-rompedor, a corrente não chega até a lâmpada e ela não brilha. A se-paração entre os fios não precisa ser grande para a corrente não pas-sar, pode ser a distância de um fio de cabelo. Que coisa incrível! É as-sim também com o pecado. Quando no coração você agasalha aquele desejo impuro, ou aquela mágoa, ou qualquer "fio de cabelo", a cor-rente cessa e a lâmpada apaga. Um grande problema que venho tendo com muitas lâmpadas é que não se dão conta e ficam apagadas por muito tempo. Saiba que eu tenho lâmpadas que ficam apagadas sema-nas, algumas até meses. Sabe por que acontece? Porque vivem numa "sintonia grossa". Só chamam de pecado aqueles pecadões e assim vão ficando frios e indiferentes, e deixando muita gente no escuro.

- Eu lhes deixei o Sermão do Monte para acordá-los, afim de se re-conectarem imediatamente, pois só assim vocês serão permanentes em mim. Eu conheço alguns que acham que permanecer em mim é nunca pecar. Os que assim pensam são aqueles que só chamam de pecado aquelas coisas grandes, e por isso não aprendem a andar quebranta-dos. Vocês querem saber quem agrada de fato ao meu Pai, ao Espírito Santo e a Mim? São aqueles ,de coração quebrantado e contrito. Nós queremos que vocês sejam perfeitos como nós, no entanto nós sabemos que essa perfeição só será atingida na sua plenitude quando vierem os finalmentes. Por enquanto nós sabemos conviver com os limites de vo-cês. Mas existe um detalhe importante: Não adianta,a corrente não passa com qualquer pecado desligando o interruptor. Por isso estou encarecendo diante de vocês a "sintonia fina", ou seja, escutem a voz do Espírito Santo lhes mostrando o pecado que aparece na tela do seu computador. Não pense que aquele olhar impuro passa despercebido. Ele desliga você, sim. Você está acolhendo a sugestão do inimigo e me dando as costas. Portanto, se você é meu amigo, não fique pensando que eu sou legal e que não vou ligar para uma coisinha de nada. Não é assim que as coisas funcionam. O seu pecado é um ato de rebelião que o separa de mim. Por isso corra para o caminho da Cruz, pois é ali que chegam os leprosos quebrantados que são conduzidos ao Monte

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das Bem-Aventuranças. "Bem-aventurados os perdoados porque serão chamados Amigos de

Deus".

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Notas Apresentação 1 Salmos 32; 2 Galatas 3.24; 3 Santos, Ivênio dos - Santi-dade ao Seu Alcance - Ed. Redenção, MG, 1999; 4 Galatas 2.20; 5 Mateus 11.28-30. Introdução 1 Não se sabe, com certeza, se havia no templo algum tipo de pregação ou ensino. O mais provável é que a leitura da Lei e dos Profetas fosse feita nas sinagogas. Mantive-mos o uso do templo apenas por valor didático; 2 Isaías 11.1-10; 3 Deuteronômio 28.13; 4 Antigo carro romano de 2 rodas conduzido por 2 cava-los; 5 Isaías 52.13-15; 53.1-12; 6 Muitos estudiosos entendem à luz de Mateus 21.33-46 que, especialmente, os líderes do povo, rejeitaram a Jesus cons-cientes de ser ele o Messias de Israel; 7 Lucas 17.20,21; 8 Marcos 6.10 (RC); 9 Santos, Ivênio dos – Santi

dade ao Seu Alcance - págs. 122 a 128, onde este argu-mento está mais desenvolvi-do. Capítulo 1 O Evangelho do Reino 1 Isaías 11; 2 Isaías 53; 3 1 Tessalonicenses 5.23; He-breus 4.12; 4 Lucas 1.46,47; Mateus 10.28; ICoríntios 5.3,5; 5 João 4.24; 6 Romanos 12.2; 7 Gênesis 2.16,17; 8 Provérbios 22.7; 9 João 8.44; 10 Efésios2.1; 11 Comentário do autor. Não faz parte do texto bíblico; 12 Mateus 9.13; 13 João 3.10; 14 Mateus 11.28-30; 15 João 19; 16 Lucas 20.22; 17 Lucas 2.24; 18 Mateus 26.3-5; 27.1; João 11.47-53; 19 João 18.31; 20 João 19.12; 21 Mateus 27.15-17; 22 Lucas 23.19; Mateus 27.16;

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23 Mateus 27.17; 24 Mateus 27.20; 25 Mateus 27.22; 26 Mateus 12.30; 27 João 4-34; 28 Atos 2.37; 29 Atos 2.38; 30 1Coríntios6.19; 31 Colossenses2.14; 32 João 5.24; 33 Apocalipse 20.12-15; 34 Mateus 11.28-32. Capítulo 2 Um Outro Evangelho 1 Bonhõeffer, Dietrich, Dis-cipulado, Ed. Sinodal, RS, págs. 10 à 19. Capítulo 3 0 Voto da Simplicidade 1 2 Coríntios 9.6; 2 Jeremias 2.12,13; 3 Mateus 13; 4 João 12.24; 5 Salmos 24-1; 6 Foster, Richard - Dinheiro, Sexo e Poder - Ed. Mundo Cristão, SP, 2005, pág. 67; 7 Filipenses 4.6; 8 2 Coríntios 6.10; 9 Filipenses 4.11; 10 Efésios 4.28; 11 2 Coríntios 8.5.

Capítulo 4 A Constituição do Remo 1 João 10.9; 2 Colossenses 10.9; 3 Efésios 2.8,9; Tito 3.5; 4 Mateus 28.19,20; 5 Mateus 5.1-12; 6 Mateus 5.13 a 7.23; 7 Mateus 7.24-28; 8 Mateus 5.27,28; 9 Mateus 5.38-41; 10 Santos, Ivênio dos - San-tidade ao Seu Alcance - Ed. Redenção, MG, 1999. Capítulo 5 0 Princípio da Adoração 1 Romanos 7.18; 2 Salmos 40.17; 3 Williard, Dallas - Conspi-ração Divina - Ed. Mundo Cristão, SP, 2001, pág. 124; 4 Apocalipse 3.16,17; 5 Gênesis 3.5; 6 Salmos 147.1 7 1 Timóteo 1.17; 8 Mateus 21.12,13; 9 Êxodo 26.31-33; 10 Mateus 27.51; 11 Hebreus 10.19-22; 12 ICoríntios 3.16,17; 13 1 Pedro 2.5; 14 1 Coríntios 10.31; 15 Mateus 18.20; 16 Gênesis 3.10; 17 Santos, Ivênio dos - San-

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tidade ao Seu Alcance - Ed. Redenção, MG, 1999, pág 95; 18 Tournier, Paul - Mitos e Neuroses - ABU Editora, SP, pág 27; 19 Romanos 12.3; 20 Efésios2.1; 21 Mateus 5.16; 22 1 Coríntios 10.31; 23 1 Timóteo 6.1346; 24 Mateus 10.29,30; 25 Romanos 8.28; 26 1 Tessalonicenses 5.18; 27 1 Coríntios 3.1047. Capítulo 6 O Princípio do Servir 1Efésios2.10; 2 Marcos 10.45; 3 Atos 20.35; 4 2 Coríntios 12.15; 5 João 9.5; 6 Mateus 7.12. Capítulo 7 0 Princípio da Submissão 1 João 8.44; 2 Mateus 13.1-23; 3 Jeremias 2.12,13; 4 Santos, Ivênio dos - Santi-dade ao Seu Alcance - Ed. Redenção, MG, 1999; 5 Salmos 37.4; 6 Powell, John - Por que Tenho Medo de lhe Dizer Quem Sou? - Ed. Crescer, SP, pág. 49;

7 Mateus 6.34; 8 Filipenses 4.6,7; 9 Lucas 12.13. Capítulo 8 0 Princípio da Santidade 1 Colossenses 1.19; 2 1 Timóteo 2.5; 3 Efésios 1.1 (Ver também Romanos 1.7; 1 Coríntios 1.2; 2Coríntios 1.1; Filipenses 1.1; Colossenses 1.1); 4 1 Pedro 2.9; 5 1 Pedro 2.9 (RC); 6 João 1.11-13; 7 João 14.21; 8 Efésios 4.28; 9 Efésios 4.28,29; 10 1 Tessalonicenses 4.3; 11 Mateus 28.20; 12 Mateus 28.20;

13 1 João 3.9; 14 1 João 1.8-10 15 Efésios 2.1; 16 João 8.43; 17 1 Coríntios 2.14; 18 2 Timóteo 3.16. Capítulo 9 0 Princípio do Perdão 1 Lamentações 3.22; 2 Isaías 55.7; 3 Lucas 1.53; 4 Tiago 4.6; 5 Powell, John - O Segredo do Amor Eterno - Ed. Cres-

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cer, SP, pág. 69; 6 2 Crônicas 20.7; Isaías 41.8; Tiago 2.23; 7 Gênesis 18.16-33; 8 Jonasl.2; 9 Jonas 1 e 2; 10 Jonas3.4; 11 Mateus 7.5; 12 Efésios 4.26; 13 Tiago 5.20; 14 Mateus 18.18; 15 Atos 1.15-26; 16 Galatas 1.1; 17 Mateus 18.19; 18 Mateus 18.21; 19 Mateus 18.22; 20 João 13.1-17; 21 1 Coríntios 9.22; 22 Hebreus 12.15; 23 2 Coríntios 5.10; 24 Apocalipse 21.4; 25 1 Coríntios 2.15; 26 Efésios 5.11. Capítulo 10 0 Princípio da Reconciliação 1 Mateus 26.29; 2 Hebreus 10.20; 3 Organização Palavra da Vi-da 4 Tiago 4.11; 5 1 Pedro 4.8; 6 Tolo, tradução do more (Grego); Maldito ou Aná-tema, tradução de more (Aramaico);

Capítulo 11 0 Princípio da Integridade 1 A palavra LEB aqui traduzi-da por coração é empregada também no sentido de perso-nalidade, intelecto e volição; 2 Mateus 7.11; 3 Marcos 10.18; 4 João 14.6; 5 João 1.47; 6 João 1.45,46; 7 Isaías 7.14; 8 Mateus 1.24,25; 9 Mateus 12.46-50; Mateus 13.53-58; 10 João 3.16; 11 Lucas 2.7; 12 1 Timóteo 1.19; 13 Salmos 119.11; 14 Provérbios 3.5,6; 15 João 8; 16 Mateus 19.10; 17 João 14.18-26; 18 1 Tessalonicenses 2.13 19 Êxodo 20.12; 20 2 Coríntios 6.14; 21 Deuteronômio 22.13-21; 22 João 18.31; 23 Mateus 19.11,12; 24 1 Coríntios 7.7-9; 25 João 4. Capítulo 12 O Princípio do Testemunho 1 Atos 1.8; 2 2 Coríntios 5.17-20;

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3 Thielicke, Helmut - O Mo-saico de Deus - Encontro Pu-blicações, PR, pág 63; 4 Jeremias 23.29; 5 Jeremias 2.13; 6 Lucas 8.14; 7 1 João 2.19; 8 Josué 10.12; 9 Apocalipse 2.10; 10 Atos 2.38; 11 Stuart Briscoe - Discipula-do Diário Para Pessoas Co-muns - Pág 5; 12 Hession, Roy - Queremos Ver a Jesus - Ed. Betânia, MG, pág 89; 13 Lewis, C. S. - Peso de Gló-ria - págs 11 a 23; 14 Salmos 25.14; 15 2Coríntios5.10; 16 João 5.24; 17 Apocalipse 4.11; 18 Apocalipse 21.4; 19 Mateus 7.6 Capítulo 13 A Terapia de Deus 1 Mateus 8.1-3; 2 Marcos 2.17; 3 1 João 1.8; 4 Mateus 5.20; 5 Lucas 18.9; 6 Jeremias 3.13,14; 7 João 5;

8 Isaías 40.31; 9 2 Samuel 11 e 12; 10 2 Samuel 11.11; 11 2 Samuel 11.12,13; 12 2 Samuel 11.14; 13 2 Samuel 12.1-4; 14 2 Samuel 12.7-12; 15 Galatas 5.16; 16 Salmos 32; 17 Romanos 2.4; 18 Hebreus 12.4; 19 João 3.14,15; 20 2Coríntios5.21; 21 Isaías 53.5; 22 Mateus 3.14,15; 23 Hebreus 2.10; 24 Hebreus 12.2; 25 Colossenses 2.14; 26 Romanos 8.1; 27 Isaías 53.5; 28 Hebreus 10.19,20; 29 1 João 1.9; 30 Zacarias 13.6; 31 1 João 1.7; 32 1 João 1.9; 33 Isaías 43.25; 34 Salmos 130.4. Conclusão 1 Galatas 5.22,23; 2 João 15.7; 3 João 15.7; 4 Salmos 16.2,5; 5 João 15.2.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Bonhöffer, Dietrich - O Discipulado - Editora Sinodal Bonhöffer, Dietrich - Ética - Editora Sinodal Brown, Dan - O Código da Vinci - Editora Sextante Carothers, Merlin - Era Inferno, Agora é Céu - Editora Betânia Coleman, Daniel - Inteligência Emocional - Editora Objetiva Coy, Larry - Conflitos da Vida - Curso Conflitos da Vida Edwards, Gene - Perfil de Três Reis - Editora Vida Foster, Richard - Dinheiro, Sexo e Poder - Editora Mundo Cristão Foster, Richard - Celebração da Disciplina - Editora Vida Frankl, Viktor E. - Psicoterapia e Sentido da Vida - Editora Qua-drante Grubb, Norman - O Intercessor (Vida e Obra de Rees Howells) - Editora Betânia Hendricks, Howard - Aprenda a Mentorear - Editora Betânia Hession, Roy - A Senda do Calvário - Editora Betânia Hession, Roy - Enchei-vos Agora! - Editora Betânia Hession, Roy - Queremos Ver a Jesus - Editora Betânia Horton, Michael - Cristo o Senhor - Editora Cultura Cristã Houston, James M. - Mentoria Espiritual -- Editora Sepal Hulme, William E. - Dinâmica da Santificação - Editora Sinodal Hurding, Roger F. - A Árvore da Cura - Edições Vida Nova Hurnad, Hannah - Pés como os da Corça nos Lugares Altos - Edi-tora Vida Jones, Martyn Lloyd - Autoridade Espiritual - Editora Renovação Espiritual Jones, Martyn Lloyd - Estudos no Sermão do Monte - Editora Fiel Kemp, Jaime - A Verdadeira Felicidade - Editora Sepal Kempis, Tomás - A Imitação de Cristo - Editora Martin Claret Lewis, C. S. - Cristianismo Puro e Simples - ABU Editora Lewis C. S. - Peso de Glória - Edições Vida Nova MacArthur Jr, John - O Evangelho Segundo Jesus - Editora Fiel MacDowell, Josh - Os Mitos da Educação Sexual - Editora Can-deia

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Nee, Watchman - A Vida Cristã Normal - Livraria Alegria (Lis-boa) Nee, Watchman - Esmurrando o Corpo - Editora Arvore da Vida Ortiz, Juan Carlos - O Discípulo - Editora Betânia Petersen, J. Allan - O Mito da Grama Mais Verde - Juerp Schaeffer, Francis - A Morte da Razão - Editora Fiel Schaeffer, Francis - A Verdadeira Espiritualidade - Editora Fiel Shedd, Russel P. - A Felicidade Segundo Jesus - Edições Vida Nova Smith, Hannah W. - O Segredo de Uma Vida Feliz - Editora Re-novação Espiritual Smith, Malcolm - Esgotamento Espiritual - Editora Vida Stott, John - Contracultura Cristã - ABU Editora Swindoll, Charles - Firme Seus Valores - Editora Betânia Thielicke, Helmut - Mosaico de Deus - Editora Sinodal Thomas, Lan - Salvos Pela Vida de Cristo - Editora Leitor Cristão Toffler, Alvin - O Choque do Futuro - Arte Nova Editora Toffler, Alvin - A Terceira Onda - Editora Record Tournier, Paul - Culpa e Graça - ABU Editora Tournier, Paul - Mitos e Neuroses - ABU Editora Willard, Dallas - A Conspiração Divina - Editora Mundo Cristão Zacharias, Ravi - Pode o Homem Viver Sem Deus - Editora Mun-do Cristão