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ITAQUERA, SÃO PAULO-SP: UMA EXPERIÊNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO DE ESPAÇO GEOGRÁFICO FORA DA SALA DE AULA
Fernanda Ribeiro dos Santos1
RESUMO: Nos últimos vinte anos, a Geografia vem passando por renovações de ordem teórico-metodológicas, as quais negam o estudo do espaço geográfico de maneira fracionada e a-histórica. Essa posição repercute na Geografia Escolar, que propõe o abandono do ensino conteudista a favor de um ensino significativo para os alunos, a fim de se reconhecerem como agentes de produção, reprodução e transformação do espaço geográfico. Assim, surge a necessidade de repensar as práticas pedagógicas visando a contemplar as inovações teórico-metodológicas da ciência geográfica. Perante esse desafio, este trabalho apresenta as reflexões e o desenvolvimento de uma proposta de trabalho desenvolvida durante o ano de 2001 na Escola Estadual Professor Milton Cruzeiro – DER Leste1. A referida proposta tomou o cotidiano dos alunos como caminho metodológico para aprendizagem do espaço geográfico, tornando o aproveitamento do “vivido” o “ponto de partida” para o ensino da Geografia. Palavras-chave: Ensino de Geografia. Metodologia. Espaço geográfico. Cotidiano do aluno. Itaquera.
1 Aluna do Curso de Especialização para docentes em Geografia (REDEFOR – UNESP). Docente da Rede Pública de Ensino. Diretoria de Ensino Região Leste 1. E-mail: [email protected]
ABSTRACT: In the last twenty years, Geography has been undergoing renovations of theoretical and methodological order, which negate the study of geographical space in a partial and ahistorical way. This position affects the School Geography, proposing the abandonment of the teaching content for the benefit of education meaningful to students, in order to see themselves as agents of production, reproduction and transformation of geographical space. Thus arises the need to rethink teaching practices in order to apply the theoretical and methodological innovations of geographic science. Faced with this challenge, this paper presents the reflections and the development of a work proposal developed during 2001 at State School Teacher Milton Cruzeiro – DER Leste1. The proposal took the daily lives of students as a methodology for learning the geographical space, making use of the “lived” the “starting point” for the teaching of Geography.
Keywords: Teaching Geography. Methodology. Geographic area. The student’s daily life. Itaquera.
Introdução
Na esfera das ciências humanas, a Geografia tem a atribuição do estudo da
sociedade por meio de uma perspectiva espacial. Portanto, a ciência geográfica tem o
espaço geográfico como seu principal objeto de análise. Com relação à ideia de espaço
geográfico, sinteticamente, considera-se o resultado e a condição da interação entre a
sociedade e os elementos da natureza.
Em conformidade com a ciência geográfica, a Geografia Escolar trata de
conteúdos norteados pela temática do espaço geográfico. No entanto, durante muitos
anos, a temática do espaço geográfico foi tratada nas escolas de maneira fragmentada.
Isto é, durante o processo de ensino-aprendizagem ora eram tratados os elementos
sociais, ora eram tratados os elementos naturais do espaço geográfico. Além disso,
também era fundamental a memorização de fatos. Essa prática não viabilizava que os
alunos compreendessem o espaço geográfico em seus aspectos dinâmicos e a sua
totalidade.
Nos últimos vinte anos, a Geografia vem passando por renovações de ordem
teórico-metodológicas, as quais negam o estudo do espaço geográfico de maneira
fracionada e a-histórica. Essa posição repercute na Geografia Escolar, que propõe o
abandono do ensino conteudista a favor de um ensino significativo para os alunos, a fim
de se reconhecerem como agentes de produção, reprodução e transformação do espaço
geográfico.
Perante esses novos rumos, surge um novo desafio para os professores
responsáveis pelo processo de ensino e aprendizagem dos conteúdos de Geografia: qual
é o caminho pedagógico-metodológico a ser adotado para contemplar as inovações
teórico-metodológicas da ciência geográfica?
Diante do desafio de viabilizar a aprendizagem do espaço geográfico em sua
totalidade de maneira significativa para os alunos, surgiu a proposta de introdução dessa
temática a partir da escala de análise local. Deve-se considerar que, perante um mundo
cada vez mais globalizado, o local também envolve o global, sendo que a interpretação
da realidade local permite compreender o global.
Assim, à vista das inúmeras transformações que estão ocorrendo no espaço
geográfico do bairro Itaquera, que faz parte do cotidiano dos alunos da E. E. Prof.
Milton Cruzeiro, manifestou-se uma oportunidade didática para o ensino do espaço
geográfico com os alunos do ensino fundamental.
Nos últimos anos, são notórias as diversas transformações realizadas no espaço
urbano do bairro de Itaquera, pertencente ao município de São Paulo. Tais
transformações são consequência das ações sociais e do Estado, o qual, no processo de
produção e organização do espaço urbano, destaca-se como um dos agentes de
regulação do uso do solo. Ao dar execução a projetos de políticas públicas urbanas e
direcionar investimentos para instalações de infraestruturas, ele contribui para a
organização da cidade, de modo direto.
De acordo com esses pressupostos, as transformações que estão ocorrendo no
bairro de Itaquera foram utilizadas para o desenvolvimento do conceito de espaço
geográfico durante as aulas de Geografia. Essas informações estão presentes no
cotidiano dos alunos dessa escola e foram utilizadas por nós, com propósito de
desenvolver a competência dos alunos de compreender como as ações do homem em
sociedade produzem, transformam e organizam o espaço geográfico.
Apresentaremos as reflexões e o desenvolvimento dessa proposta neste trabalho, o
qual foi sistematizado da seguinte maneira: no primeiro item estão apresentadas
reflexões a respeito da definição de espaço geográfico e sua abordagem na Geografia
Escolar; em seguida, no segundo item, estão expostas objeções quanto à utilização do
conhecimento cotidiano dos alunos como caminho metodológico para aprendizagem do
espaço geográfico e o desdobramento da prática.
O espaço geográfico e a geografia escolar
A relação estabelecida entre o ser humano e a natureza é um encontro natural,
pois tudo o que é necessário para a manutenção da vida humana no planeta Terra
encontra-se em disposição na natureza. Ao longo da história da humanidade, essa
relação entre homem e natureza resultou em sistemas de objetos. Santos (2006, p. 72)
descreve: “Para os geógrafos, os objetos são tudo o que existe na superfície da Terra,
toda herança da história natural e todo resultado da ação humana que se objetivou”.
Coexistem com os sistemas de objetos os sistemas de ações, constituindo, assim, o
espaço geográfico.
O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único não qual a história se dá. No começo era a natureza selvagem, formada por objetos naturais, que ao longo da história vão sendo substituídos por objetos fabricados, objetos técnicos, mecanizados e, depois, cibernéticos, fazendo com que a natureza artificial tenda a funcionar como uma máquina. (SANTOS, 2006, p. 63)
Desde sua institucionalização, a Geografia busca a compreensão da relação do
homem com a natureza, mesmo apresentando métodos de investigação diferenciados ao
longo da história do pensamento geográfico. Por esse motivo, neste trabalho a
Geografia será considerada uma ciência de atuação na esfera das ciências sociais, cuja
competência é a investigação espacial da sociedade, sendo o espaço geográfico seu
objeto de análise. Santos (2006, p. 75) assinala: “Ora a configuração espacial é um dado
técnico, enquanto o espaço geográfico é um dado social”.
Tal concepção vai ao encontro do que foi indicado por Santos (2006, p. 62): “[…]
proposta atual de definição da geografia considera que a essa disciplina cabe estudar o
conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ação que formam o espaço”.
Na Geografia Escolar, esses princípios teórico-metodológicos vêm sendo
adotados como referência na busca da construção do conhecimento, nos últimos vinte
anos, quando iniciou um processo de renovação do ensino da Geografia. Tal processo
de renovação teve início devido às críticas ao ensino da Geografia Tradicional,
fundamentado na descrição do espaço geográfico e na memorização de conceitos e
fatos. Prática que não favorece aos alunos o desenvolvimento de habilidades e a
construção de conhecimentos que permitam a interpretação da realidade. As reformulações da ciência geográfica levaram, então, a alterações significativas no campo do ensino de Geografia, mesmo porque alguns dos pesquisadores mais expressivos circularam nas duas áreas de investigação. Atestam isso os inúmeros trabalhos produzidos, nas últimas décadas, que denunciaram as fragilidades de um ensino com base na Geografia Tradicional e que propuseram o ensino de uma Geografia nova, com base em fundamentos críticos. (CAVALCANTI, 2010, p.18)
Portanto, atualmente, os conteúdos adotados pela Geografia Escolar possibilitam
que no processo de ensino-aprendizagem os alunos desenvolvam os conhecimentos
geográficos, a fim de que se tornem leitores críticos do espaço geográfico. Assim como
Callai (2000, p.95) aponta, “Este conhecimento, partindo dos conteúdos da Geografia,
significa ‘uma consciência espacial’ das coisas, dos fenômenos, das relações sociais que
se travam no mundo”.
Diante dessa nova concepção no ensino de Geografia, o professor, como
profissional responsável pela sistematização do processo de ensino-aprendizagem, é
levado a reconhecer que os pressupostos teórico-metodológicos apresentados
anteriormente devam ser tomados como referência para execução de seu trabalho. Caso
isso não ocorra, corre-se o risco de reprodução das atividades que vêm sendo negadas:
“[…] conteúdos […] insistentemente trabalhados, no mais das vezes de forma
fragmentada, separando-se o físico do humano, como se a realidade do mundo nos
mostrasse as coisas separadas” (CALLAI, 2000, p. 102). Além disso, Santos (2006, p.
86) nos alerta que “O espaço geográfico deve ser considerado como algo que participa
igualmente da condição do social e do físico, um misto, um híbrido”. Isto é, não deve
ser tratado de maneira fracionada.
Ainda acerca dos conteúdos que conduzem os alunos a uma compreensão crítica
do espaço geográfico e sua totalidade, é importante tratar do aspecto da dimensão
histórica, pois “A dimensão histórica na análise geográfica favorece a percepção dos
significados de cada lugar para além das aparências e encaminha à compreensão da
realidade espacial como resultado de processos sociais da humanidade” (CALLAI,
2000, p. 100).
Nesse contexto de renovação, há a necessidade de repensar a condução do
processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos de Geografia, pois os procedimentos
metodológicos utilizados até então (no ensino da Geografia Tradicional) não se
adéquam às inovações teórico-metodológicas pretendidas para o ensino de Geografia.
O cotidiano, caminho metodológico possível para aprendizagem do espaço
geográfico
Conforme a nova concepção de Geografia apresentada no capítulo anterior,
pensamos na proposta de utilizar as experiências cotidianas dos alunos para o processo
de aquisição dos conceitos científicos do ensino de Geografia.
A partir da minha prática como professora de Geografia do ensino básico e da
minha vivência com o processo de desenvolvimento dos alunos, acredito que a criança,
quando chega à escola, já possui conhecimento. Esse conhecimento é espontâneo,
desenvolvido durante as atividades do dia a dia. No entanto, tal conhecimento não é
envolvido por lógica, ou seja, é meramente pragmático. Portanto, acredita-se que a
criança já conhece o espaço geográfico que a cerca, como o seu bairro, pois é nesse
espaço que ela circula, sabe a localização do que ela precisa e tem na memória a
configuração espacial. Porém, esse conhecimento adquirido no cotidiano não é
suficiente para a criança compreender a lógica de produção, transformação e
organização do espaço geográfico em que vive. Essa situação a exime de uma
consciência espacial e de uma interpretação crítica da realidade, mantendo-as alienadas
em relação ao espaço em que vive.
Assim, como é atribuição do ensino de Geografia permitir ao aluno ler e
compreender o espaço geográfico contemporâneo como uma totalidade articulada, e não
apenas memorizar fatos e conceitos desarticulados, sugerimos a utilização do espaço de
convivência dos alunos como estímulo e solicitação para que ele assimile uma
informação nova (conhecimento científico).
Sobre a construção do conhecimento científico, Callai (2000, p. 105) afirmou:
“No processo de construção do conhecimento, o aluno, ao formular seus conceitos, vai
fazê-lo operando com os conceitos do cotidiano e os conceitos científicos”.
A reflexão dessas considerações conduziu a uma experiência didática, a fim de
desenvolver a temática espaço geográfico com os alunos da 5ª série / 6º ano da E. E.
Prof. Milton Cruzeiro, São Paulo-SP, com base no propósito da Geografia escolar, que é
o de criar oportunidades para que os alunos desenvolvam a compreensão do espaço
geográfico como o espaço das relações existentes entre sociedade e natureza, adotando
o espaço geográfico como objeto de estudo do ensino de Geografia.
A possibilidade é considerar o empírico na situação de aprendizagem dos alunos
da 5ª série / 6º ano pareceu oportuna para o desenvolvimento de um projeto, pois todos
esses alunos residem próximos à escola, a qual está localizada no bairro de Itaquera.
O bairro pertence ao município de São Paulo, e nos últimos anos vêm sofrendo
diversas transformações. Transformações estas aparentemente intensificadas a partir da
aprovação da Lei 13.851, de 18 de junho de 2004, a qual aprova o plano de
melhoramento nos Distritos de Arthur Alvim, Itaquera, José Bonifácio, São Miguel,
Lajeado e Guaianases — que, dentre outras ações, previa o prolongamento da avenida
Radial Leste, presente no artigo VIII da referida lei.
Segundo a Prefeitura de São Paulo: A obra será uma nova opção aos moradores e motoristas da Penha, Itaquera e Guaianases. Eles não vão mais ter de enfrentar o trânsito
pesado da Avenida Radial Leste, com destino ao Centro (Prefeitura do Município de São Paulo, 2008).
O prolongamento da avenida Radial Leste e a instalação de outras infraestruturas
trouxeram simultaneamente a construção de um shopping center, um polo institucional
— que abrigará diversos equipamentos e serviços, como ETEC, SENAI, laboratórios de
tecnologia, e o novo Fórum — e, por último, um estádio de futebol. Essa vicissitude
desencadeou a valorização das terras adjacentes e o processo de verticalização.
Tal cenário de modificações vem sendo acompanhado pelos alunos dessa escola, o
que também o torna parte do cotidiano deles.
Então, tomando como ponto de partida as mudanças que estão ocorrendo no
bairro, iniciamos a estratégia de desenvolvimento do conteúdo do projeto, que foi
realizado durante o ano de 2011, concomitantemente às situações de aprendizagem que
contemplam os conteúdos e as habilidades definidos pelo currículo do Estado de São
Paulo.
O projeto teve início a partir da seguinte indagação: Vocês (alunos) acreditam que
os materiais que os cercam são natureza transformada pelo homem? Essa pergunta
desencadeou uma discussão, pois nesse momento alguns alunos rejeitaram essa ideia,
dizendo que o plástico, o vidro, o concreto, etc. são feitos nas fábricas, por isso não são
natureza. A partir desse apontamento, começamos a apresentar aos alunos, por meio de
uma aula expositiva dialogada, que a natureza é condição de existência para o ser
humano e tudo que precisamos para a manutenção de nossas vidas está disposto nela.
Estabelecemos essa ideia argumentando que nas fábricas os objetos não são produzidos
do nada, e que para a produção acontecer é necessária a utilização das matérias-primas,
que nada mais são que recursos extraídos da natureza (recursos naturais). Para efeito de
abstração, apresentamos uma sequência de imagens, em slides, sobre a produção do
plástico, desde a extração do petróleo até a constituição de objetos plásticos. A seguir,
as imagens utilizadas:
Figura 1 – Extração do Petróleo Fonte: Site Brincando na Rede: http://www.brincandonarede.com.br/campanha/BauDeAtividades_Detalhes.aspx?produto=plastico
Figura 2 – Transformação do petróleo bruto em produtos derivados. Fonte: Site Brincando na Rede: http://www.brincandonarede.com.br/campanha/BauDeAtividades_Detalhes.aspx?produto=plastico
Figura 3 – Nafta para produção do plástico. Fonte: Site Brincando na Rede: http://www.brincandonarede.com.br/campanha/BauDeAtividades_Detalhes.aspx?produto=plastico
Figura 4 – Plástico em forma de grãos. Fonte: Site Brincando na Rede: http://www.brincandonarede.com.br/campanha/BauDeAtividades_Detalhes.aspx?produto=plastico
Figura 5 – Grãos transformados em produtos. Fonte: Site Brincando na Rede: http://www.brincandonarede.com.br/campanha/BauDeAtividades_Detalhes.aspx?produto=plastico
Até esse ponto, esperávamos que os alunos construíssem a compreensão de alguns
princípios que norteiam as relações estabelecidas entre a sociedade e a natureza. Para
certificar se esse propósito estava sendo atingido, desenvolvemos a seguinte atividade:
eles tiveram que produzir uma ficha de observação por meio do exame do ambiente que
eles vivenciam, na qual deveria conter duas colunas. Na primeira, deveriam escrever o
nome dos objetos que estavam observando e na segunda, a matéria-prima utilizada para
produzir o objeto citado.
O resultado atingido foi satisfatório; os alunos conseguiram compreender que a
natureza nos fornece os recursos necessários para nossa subsistência.
De acordo com esse exemplo, esclarecemos aos alunos que os seres humanos, ao
se apropriarem dos recursos naturais como fonte de manutenção de subsistência
provocam a transformação da natureza. Nesse momento, também nos apoiamos na
apresentação de imagens. As imagens utilizadas na ocasião foram da cidade de São
Paulo ao longo de sua história. O esperado foi que os alunos percebessem a ação do
homem no processo de transformação da natureza.
Algumas das imagens estão apresentadas a seguir:
Figura 6 – Avenida Paulista, São Paulo-SP. Adaptada por Fernanda R. dos Santos. Fonte: VLACH, V; VESENTINI, J.W. Geografia Crítica: o espaço social e o espaço brasileiro. 2. ed. São Paulo: Ática, 2004.
Figura 7 – Praça da Sé, São Paulo-SP. Fonte: Histórico Demográfico do Município de São Paulo: http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/
A atividade de análise e leitura das fotografias da cidade de São Paulo ao longo de
sua história nos permitiu desenvolver o conceito de paisagem, uma das categorias de
análise do espaço geográfico. Adotamos a definição de paisagem realizada por Milton
Santos, a qual considera a paisagem como a expressão materializada das relações do
homem com a natureza em um espaço limitado. “A paisagem é o conjunto de formas
que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações
localizadas entre homem e natureza” (SANTOS, 2006, p. 103).
Desse modo, pedimos que eles desenhassem em uma folha de sulfite, dividida em
duas, o antes e o depois de uma área ocupada por um grupo de seres humanos.
A avaliação dos resultados dessa atividade nos revelou que os alunos
permaneceram no senso comum, pois a maioria dos desenhos apresentava uma
paisagem natural como o “antes” e uma paisagem artificial poluída como o “depois”.
Portanto, tivemos que retomar o desenvolvimento do conceito de paisagem, explicando
que no processo de relação do homem com a natureza não se materializam apenas
coisas ruis, como a poluição de rios e do ar, mas que também existem expressões
materializadas das relações do homem com a natureza que são boas. Como exemplo,
utilizamos as moradias, que são lugares que nos protegem dos elementos climáticos e
nos proporcionam conforto. Nesse momento, utilizamos a seguinte imagem:
Figura 8 – Construção de moradias. Fonte: VLACH, V; VESENTINI, J. W. Geografia Crítica: o espaço social e o espaço brasileiro. 2. ed. São Paulo: Ática, 2004.
Para nos certificar dos resultados obtidos, pedimos que eles recortassem e
colassem imagens de jornais e revistas de paisagens artificiais (resultado do processo de
construção do espaço) que achassem belas. Consideramos que o efeito da atividade foi
satisfatório, pois eles apresentaram paisagens de parques, conjunto de prédios, orla de
praia, plantações de eucalipto, etc.
Para efeito de associação dessas novas informações ao cotidiano dos alunos,
propomos uma investigação da história do bairro em que vivem, no caso, Itaquera.
Nessa investigação, realizada em grupos de cinco anos, deveria conter, além da história
do bairro, imagens da paisagem e entrevistas com moradores antigos.
O tempo disponível para que realizassem essa investigação foi de dois meses. Em
seguida, selecionamos os materiais levantados por meio da investigação, os quais
apresentaram aos outros colegas mediante slides.
Por meio dessa atividade, os alunos conseguiram constatar que, em sua origem, as
terras que hoje fazem parte do bairro de Itaquera eram caminho e pouso para os
bandeirantes que seguiam para Gerais (atual Minas Gerais) em busca do ouro. Depois,
passou por um período caracterizado por LEMOS e FRANÇA (1999) como rural e por
AZEVEDO (1945), como semirrural. Ou seja, momento em que era predominante a
existência de glebas de frutas e hortaliças cultivadas por imigrantes nipônicos. A partir
de meados do século XX, objeto da grande expansão urbana, assim como toda a Zona
Leste da cidade, o bairro de Itaquera apresenta-se como “cidade-dormitório”, isto é,
núcleo de moradias da população de baixa renda que foram repelidas do centro no
processo de urbanização da cidade.
Da década de 1970 aos dias atuais, o espaço em questão passou por profundas
transformações, com as instalações de infraestrutura de circulação (viária e o metrô),
desenvolvimento do comércio de bens de consumo e instalação de empresas prestadoras
de serviços.
Utilizando as informações coletadas pelos os alunos a partir da investigação,
ocorreu uma aula expositiva dialogada em que foi possível fazer a associação das
paisagens do bairro ao longo da história com o tipo de uso e apropriação do espaço do
bairro. Após essa aula, os alunos desenvolveram slides com as fotografias das paisagens
associadas às atividades sociais, econômicas e culturais que ocorriam no momento.
Assim, puderam compreender que conforme o tempo vai passando as atividades sociais
no espaço de Itaquera foram se modificando e, portanto, a paisagem também.
A próxima fase do projeto ocorreu com mais um momento de investigação. Dessa
vez, os alunos foram convidados a fotografar. Então, em grupo de cinco alunos, em
posse de uma câmera fotográfica ou celular, deveria fotografar formas ou estruturas no
bairro que fossem novas para eles. Os alunos tiveram 15 dias para levantar esse
material.
No dia da apresentação, mostraram fotografias de bancos, lojas, construção de
prédios, condomínios de casas geminadas, hotéis, ciclovias, bicicletário, novas ruas e
avenidas, etc. Para efeito de localização dessas formas e estruturas que eles
fotografaram, tiveram que fazer uma planta pictórica (um mapa sem legenda ou termos
técnicos, mas com pontos de referência), representando o local de todas elas no bairro.
Na aula seguinte, por meio de um diálogo, os alunos foram levados a refletir
como os novos processos sociais e econômicos de escala global causaram o surgimento
dessas novas formas e estruturas no bairro. As reflexões tiveram que ser registras em
uma produção de texto individual.
A avaliação das produções textuais nos permitiu analisar o desenvolvimento da
capacidade de pesquisar, reconhecer e refletir sobre produção e as transformações do
espaço geográfico do bairro de Itaquera.
Todos os materiais desenvolvidos pelos alunos durante as atividades foram
utilizados para produção de painéis que foram apresentados durante a Feira de Ciências
e Artes (FECIART)2 para toda a comunidade.
Considerações finais
A experiência exibida neste trabalho apresenta-nos a possibilidade de aproveitar a
bagagem de conhecimento que os alunos já possuem quando chegam à escola, para o
desenvolvimento de uma prática pedagógica significativa para eles. No caso em 2 FECIART – Feira de Ciências e Artes – Iniciativa pedagógica promovida pela Escola Estadual Milton Cruzeiro, a qual reúne um grande público de pais, alunos e moradores da comunidade de Itaquera. A programação do evento conta com exposições de trabalhos realizados pelos alunos ao longo do ano letivo, apresentações musicais, work shops e curtas-metragens.
questão, o desenvolvimento dos conteúdos que conduzem os alunos a uma compreensão
crítica do espaço geográfico e sua dinâmica e totalidade, além de proporcionar, ao longo
do processo de ensino-aprendizagem, o desenvolvimento de habilidades que garantirão
o pleno exercício da cidadania, como: a leitura de textos, tabelas e mapas, técnicas de
representação, argumentação e oralidade, pesquisa; organização de dados, técnicas de
apresentação, etc.
Contudo, considero que os procedimentos metodológicos utilizados se adéquam
às inovações teórico-metodológicas pretendidas para o ensino de Geografia.
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