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Revista SÍNTESE Direito Ambiental ANO IV – Nº 19 – MAIO-JUN 2014 REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Portaria CONJUD nº 610-001/2013 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Portaria nº 02, de 31.05.2012 – Registro nº 25 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Portaria nº 942, de 13.08.2013 – Ofício – 1528443 – GPRES/EMAGIS Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Informação nº 001/2013-GAB/DR DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Cinthia Hialys Koziura Magri CONSELHO EDITORIAL André Luis Saraiva, Antomar Viegas, Daniel Roberto Fink, Gina Copola, João Roberto Rodrigues, Luis Fernando Galli, Marcelo Beserra, Maria Luiza Machado Granziera, Patrícia Faga Iglecias Lemos, Paulo de Bessa Antunes, Ronald Victor Romero Magri, Toshio Mukai COMITÊ TÉCNICO Elisson Pereira da Costa, Francisco Salles Almeida Mafra Filho, Renata Jardim da Cunha Rieger, Sylvio Toshiro Mukai, Veridiana Pinheiro Lima COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Euzébio Henzel Antunes, Fabiano Haselof Valcanover, Henrique Sampaio Goron, Marcelo Garcia da Cunha, Marcelo Palma Umsza, Rodrigo Fernandes More ISSN 2236-9406

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Revista SÍNTESEDireito Ambiental

Ano IV – nº 19 – MAIo-Jun 2014

ReposItóRIo AutoRIzAdo de JuRIspRudêncIA

Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Portaria CONJUD nº 610-001/2013Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087

Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Portaria nº 02, de 31.05.2012 – Registro nº 25Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Portaria nº 942, de 13.08.2013 – Ofício – 1528443 – GPRES/EMAGIS

Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Informação nº 001/2013-GAB/DR

dIRetoR executIVo

Elton José Donato

GeRente edItoRIAl e de consultoRIA

Eliane Beltramini

cooRdenAdoR edItoRIAl

Cristiano Basaglia

edItoRA

Cinthia Hialys Koziura Magri

conselho edItoRIAl

André Luis Saraiva, Antomar Viegas, Daniel Roberto Fink, Gina Copola, João Roberto Rodrigues, Luis Fernando Galli, Marcelo Beserra, Maria Luiza Machado Granziera, Patrícia Faga Iglecias Lemos,

Paulo de Bessa Antunes, Ronald Victor Romero Magri, Toshio Mukai

coMItê técnIco

Elisson Pereira da Costa, Francisco Salles Almeida Mafra Filho, Renata Jardim da Cunha Rieger, Sylvio Toshiro Mukai, Veridiana Pinheiro Lima

colAboRAdoRes destA edIção

Euzébio Henzel Antunes, Fabiano Haselof Valcanover, Henrique Sampaio Goron, Marcelo Garcia da Cunha, Marcelo Palma Umsza, Rodrigo Fernandes More

ISSN 2236-9406

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2011 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência, legislação e outros assuntos de Meio Ambiente.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 2.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista Síntese Direito Ambiental. – v. 4, n. 19 (Jun. 2014)- . – São Paulo: IOB, 2011- . v. ; 23 cm.

Bimestral. ISSN 2236-9406

1. Direito ambiental. 2. Meio ambiente.

CDU 351.777.6 CDD 341.347

Bibliotecária responsável: Nádia Tanaka – CRB 10/855

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Na décima nona edição da Revista SÍNTESE Direito Ambiental, publica-mos na Seção Assunto Especial o tema “Sustentabilidade e Princípios Constitu-cionais”. Princípio é aquilo do qual alguma coisa procede na ordem do conhe-cimento ou da existência. O próprio conceito de Desenvolvimento Sustentável abarca a ideia de princípio, pois a sustentabilidade também é base para uma atuação socioambiental de forma responsável. A sustentabilidade possui relação direta com várias ciências. Sem dúvida, uma das mais importantes é o Direito Ambiental. A proposta de analisar sustentabilidade e princípios constitucionais é justamente para descrever os princípios do Direito Ambiental, procurando estabelecer uma relação com os ditames do Desenvolvimento Sustentável.

Sobre o tema, publicamos três artigos: o primeiro, intitulado “Breves Notas sobre a Interpretação Jurídica Sustentável à Luz da Função Social das Titularidades”, é de autoria do Advogado, Especialista em Direito Ambien-tal pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Mestrando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Euzébio Henzel Antunes; o segundo, intitulado “A Sustentabilidade como Princípio Constitucio-nal Aplicável aos Direitos Sociais à Previdência e Assistência. Reflexões a Partir dos Fundamentos e Objetivos da Constituição Federal Brasileira”, de autoria do Procurador Federal em Porto Alegre, Mestrando em Direito pela PUCRS, Especialista em Direito do Estado pela UFRGS e em Direito Processual Civil pela UNB, Fabiano Haselof Valcanover; e, por fim, o terceiro, intitulado “Hiper-processualização e Congestionamento Jurisdicional: a Sustentabilidade como Marco Transformador”, de autoria do Advogado, Doutorando e Mestre em Di-reito pela PUCRS, Membro do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul e da Academia Brasileira de Direito Processual Civil, Marcelo Garcia da Cunha.

Na Parte Geral, reunimos trabalhos dos estudiosos do Direito Henrique Sampaio Goron e Marcelo Palma Umsza. Selecionamos cinco relevantes Acór-dãos na Íntegra: um do TRF da 1ª R., um do TRF da 2ª R., um do TRF da 3ª R., um do TRF da 4ª R. e um do TRF da 5ª R., além de vasto ementário com valor agregado.

Por fim, na Parte Prática, publicamos na subseção “Modelo”, um modelo de “Ação Civil Pública Ambiental Interposta para Construção de Esgoto”.

Não deixe de ver nossa Seção Clipping Jurídico, na qual oferecemos tex-tos concisos que destacam, de forma resumida, os principais acontecimentos do período, tais como notícias, projetos de lei, normas relevantes, entre outros.

Aproveite esse rico conteúdo e tenha uma ótima leitura!

Eliane BeltraminiGerente Editorial e de Consultoria

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ....................................................................7

Assunto EspecialSuStentabilidade e PrincíPioS conStitucionaiS

doutrinaS

1. Breves Notas sobre a Interpretação Jurídica Sustentável à Luz da Função Social das TitularidadesEuzébio Henzel Antunes ............................................................................9

2. A Sustentabilidade Como Princípio Constitucional Aplicável aos Direitos Sociais à Previdência e Assistência. Reflexões a Partir dos Fundamentos e Objetivos da Constituição Federal BrasileiraFabiano Haselof Valcanover.....................................................................28

3. Hiperprocessualização e Congestionamento Jurisdicional: a Sustentabilidade como Marco TransformadorMarcelo Garcia da Cunha ........................................................................41

Parte Geral

doutrinaS

1. As Condutas “Verdes” e a Finalidade Extrafiscal da TributaçãoHenrique Sampaio Goron ........................................................................57

2. Aspectos Jurídicos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e Certificado de Emissão Reduzida – Crédito de CarbonoMarcelo Palma Umsza .............................................................................75

JuriSPrudência

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Tribunal Regional Federal da 1ª Região ....................................................91

2. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................107

3. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ..................................................113

4. Tribunal Regional Federal da 4ª Região ..................................................162

5 . Tribunal Regional Federal da 5ª Região ..................................................167

ementário

1. Ementário de Jurisprudência de Direito Ambiental .................................172

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Parte EspecialeStudoS JurídicoS

1. Quando Cangurus Voarem: a Declaração Unilateral Brasileira sobre o Direito de Pesquisa Além dos Limites da Plataforma Continental – 2010Rodrigo Fernandes More ........................................................................213

Parte PráticaModelo

1. Ação Civil Pública Ambiental Interposta para Construção de Esgoto .......229

Clipping Jurídico ..............................................................................................236

Resenha Legislativa ..........................................................................................242

Bibliografia Complementar .................................................................................243

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................244

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Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação

do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publicações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Revista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remune-ração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da SÍNTESE.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-

co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

Sustentabilidade e Princípios Constitucionais

Breves Notas sobre a Interpretação Jurídica Sustentável à Luz da Função Social das Titularidades

EUZÉBIO HENZEL ANTUNESEspecialista em Direito Público e Especialista em Direito Empresarial pela Pontifícia Universida-de Católica do Rio Grande do Sul, Especialista em Direito Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Especialista em Direito Imobiliário pelo IDC, Mestrando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Advogado.

RESUMO: O presente trabalho tem o objetivo de trazer algumas considerações a respeito da inter-pretação jurídica e o desenvolvimento sustentável, bem como sua relação com a função social das titularidades. Assim, primeiramente se abordam o desenvolvimento sustentável e os princípios da dignidade da pessoa humana, da sustentabilidade, da prevenção e da precaução, que norteiam os operadores do Direito no sentido de que haja uma efetivação das normas constitucionais e da legis-lação infraconstitucional. Prossegue-se tecendo breves notas sobre a função social das titularidades. Examina-se, nessa senda, a efetivação dos direitos fundamentais por meio do exercício da função social das titularidades. Por fim, analisa-se a constitucionalização do direito privado e seus reflexos na interpretação do direito e, ainda, como deve ser interpretada a responsabilidade de particulares na efetivação do desenvolvimento sustentável. Tem o trabalho o objetivo de esclarecer a respeito do tema, analisando aspectos pontuais e promovendo a informação e o debate a respeito do assunto, visando à defesa e à preservação dos princípios e normas previstas no nosso ordenamento consti-tucional e infraconstitucional, com o fito de promover o estudo por parte dos operadores do Direito de tema atual e relevante.

PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento sustentável; princípios; função social da empresa; interpreta-ção jurídica; Constituição de 1988.

ABSTRACT: This paper aims to bring some considerations regarding the legal interpretation and sustainable development, as well as its relation to the function of social firms. So, first up tackles sustainable development and the principles of human dignity, sustainability, prevention and precaution, that guide operators right in the sense that there is a realization of the constitutional and infraconstitutional legislation. We continue weaving brief notes about the social function of the entitlements. Examines, in that way, the enforcement of fundamental rights through the exercise of the function of social entitlements. Finally, we analyze the constitutionalization of private law and its effects on interpretation of the law and, moreover, and how can be interpreted the responsibility of individuals in the realization of sustainable development. This work has the objective to clarify on the subject, analyzing specific aspects and promoting information and debate, aimed at the preservation and defense of the principles and rules laid down in our constitutional and infraconstitucional law, with the purpose of promoting study by the operators of the right about current and relevant subject.

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10 ������������������������������������������������������������������������������������������������������RSA Nº 19 – Maio-Jun/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

KEYWORDS: Sustainable development; principles; social function of the firm; legal interpretation; 1988 Constitution.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Desenvolvimento sustentável; 1.1 Princípio da dignidade da pessoa hu-mana; 1.2 Princípio da sustentabilidade; 1.3 Princípio da prevenção; 1.4 Princípio da precaução; 2 A função social das titularidades; 2.1 A função social das titularidades no Direito brasileiro; 2.2 A função social das titularidades e os direitos fundamentais; 3 A interpretação jurídica sustentável à luz da função social das titularidades; 3.1 Breves apontamentos sobre a constitucionalização do direito privado e o seu reflexo na interpretação jurídica; 3.2 A interpretação do direito e o desenvolvimento sustentável; 3.3 Responsabilidade dos particulares na efetivação do desenvolvimento sustentável; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃOA aplicação do Direito está envolvida por pré-compreensões que são

inerentes ao juízo humano e influenciam a interpretação do Direito.

No que concerne aos direitos socioambientais, a quebra de velhos para-digmas é de fundamental importância para possibilitar a efetivação das normas constitucionais e infraconstitucionais acerca do tema e assegurar o desenvolvi-mento sustentável.

Nessa senda, com o crescente desenvolvimento econômico e tecnológi-co, a função social das titularidades assume relevante papel para a efetivação do desenvolvimento sustentável.

Tais questões já evidenciam a importância do tema. Acrescente-se, ade-mais, que há uma série de conflitos no que tange ao assunto, mormente, por envolver interesses de ordem econômica. Assim, põe-se o problema central que norteia o presente trabalho.

Primeiramente, são introduzidas breves noções sobre o desenvolvimento sustentável. De forma concisa, abordam-se os princípios da dignidade da pes-soa humana, da sustentabilidade, da prevenção e da precaução.

Ainda, tecem-se algumas considerações sobre a função social das titula-ridades no Direito brasileiro e o seu papel para possibilitar o desenvolvimento sustentável.

Por fim, discorre-se brevemente sobre a interpretação do Direito com o fito de assegurar o desenvolvimento sustentável.

Destarte, tem o trabalho o objetivo de analisar, ainda que sucintamente, os aspectos jurídicos no que concerne à temática. Por derradeiro, são tecidas al-gumas considerações finais sobre o tema estudado, pretendendo lançar algumas luzes para aprofundar o debate.

Espera-se, assim, contribuir para o estudo do Direito, fomentando uma maior reflexão a respeito do tema.

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1 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Em razão dos avanços tecnológicos e de significativas mudanças na or-

dem econômica, principalmente a formação de grupos empresariais extrema-mente poderosos, a sociedade vem sofrendo diversas modificações que ensejam a necessidade de uma atuação firme e diligente do Poder Executivo, do Poder Legislativo e do Poder Judiciário para assegurar o desenvolvimento sustentável para as gerações presentes e futuras.

Pode-se afirmar que desenvolvimento sustentável é aquele em que são supridas as necessidades da geração atual sem comprometimento da capacida-de de satisfação das necessidades das gerações futuras1.

Nessa linha, atinge-se o desenvolvimento sustentável quando os custos ambientais e sociais são internalizados na economia, que deixa de ter um papel de primazia em prol do necessário equilíbrio entre as dimensões ambiental, social e econômica.

No que diz respeito ao direito ambiental, é de grande importância a su-peração de pré-concepções falaciosas, como, por exemplo, a ideia socialmente incutida, durante décadas, de que o desenvolvimento e os recursos naturais são ilimitados2.

Nas últimas décadas, tal ideia vem sendo paulatinamente superada, in-clusive com a existência de disposição constitucional assegurando que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como que cabe ao Poder Público e à coletividade a obrigação de defendê-lo e preservá-lo para as gerações presentes e futuras3.

Ademais, não se pode olvidar o direito fundamental à boa administração pública que, embora não previsto expressamente na Constituição Federal brasi-leira, está implícito, uma vez que é alicerçado no Estado de Direito, consagrado no art. 1º da Constituição Federal. Tal direito dá suporte também à busca por um Estado sustentável, pois não se pode falar em boa administração pública sem sustentabilidade.

Nessa linha, o direito fundamental à boa administração pública vai ao encontro de um Estado sustentável, no qual o “Estado regulador” – que regula

1 FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 16. Refere o autor que: “A sustentabilidade aparece, numa primeira aproximação, como o dever de alcançar o bem-estar no presente, sem prejuízo do bem-estar futuro, próprio e de terceiros. Não apelo trivial, epidérmico e de fachada. Trata-se de direito extensivo aos que sequer nascituros são, algo que francamente subverte, em larga medida, a tradição jurídica ocidental, acostumada à noção estreita dos direitos subjetivos e a processos sucessórios acanhados. A sustentabilidade, numa fórmula sintética, consiste em assegurar, ao máximo possível, o bem-estar físico, psíquico e espiritual no presente, sem empobrecer ou inviabilizar o bem-estar no amanhã, donde segue o abandono dos conceitos protelatórios de praxe”.

2 RATTNER, Henrique. Abordagem sistêmica, interdisciplinaridade e desenvolvimento sustentável. Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/056/56rattner.htm>. Acesso em: 29 set. 2012.

3 Art. 225 da CF.

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os serviços públicos delegados e as atividades econômicas de interesse coletivo – atua para assegurar o bem-estar no presente sem comprometê-lo no futuro, pautando-se na prevenção e na precaução4.

Para melhor elucidar o tema em comento, merece destaque a análise dos princípios da dignidade da pessoa humana, da sustentabilidade, da prevenção e da precaução, cuja aplicação permite a superação de pressuposições anterior-mente estabelecidas e visa a assegurar o desenvolvimento sustentável.

1.1 PrincíPio da dignidade da Pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana é um princípio fundamen-tal da República Federativa do Brasil nos termos do art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988, e está previsto em vários documentos internacionais, sendo considerado o núcleo axiológico da Carta Magna5.

Eroulths Cortiano Júnior6, a respeito da dignidade humana, afirma que houve uma verdadeira alteração paradigmática com a proteção primordial da pessoa enquanto ser dotado de dignidade, não sendo admissível relegar ao se-gundo plano a tutela dos interesses existenciais, devendo o princípio da digni-dade humana ser o telos de todo o sistema.

Nessa senda, o referido princípio é uma categoria axiológica aberta, não sendo dotado de um conceito fechado, devendo ser aplicado de acordo com o caso em concreto em exame7.

Guilherme Braga Peña de Moraes8 ensina que o princípio apresenta-se em dupla concepção, a primeira de um direito individual protetivo em relação

4 FREITAS, Juarez. Op. cit., p. 279.5 CLOTET, Joaquim. Bioética: uma aproximação. Porto Alegre: Edipucrs, 2003. Relata o autor: “Temos que

convir que a dignidade humana é o denominador comum das declarações e dos acordos contemporâneos que visam à proteção, ao respeito e à autonomia da pessoa. É importante lembrar que o primeiro documento jurídico internacional que utiliza a palavra dignidade é o preâmbulo da Carta das Nações Unidas de 26 de junho de 1945. A convenção para a proteção dos direitos humanos e da dignidade do ser humano no que se refere às aplicações da biologia e da medicina, convênio sobre os direitos humanos e a biomedicina (Conselho da Europa, 4 de abril de 1997), constitui um ordenamento jurídico para regular a aplicação dos avanços da biologia na medicina humana. A Declaração Universal sobre o Genoma Humana e os Direitos Humanos (Unesco, 1997), que é um documento ético e jurídico, utiliza o conceito de dignidade como o primeiro alicerce de todas as suas disposições. O art. 2º da citada Declaração lembra que a dignidade das pessoas independe de suas características genéticas. Não sendo assim, permitir-se-ia todo tipo de discriminação. O ser humano não pode ser reduzido apenas ao seu genoma. Ele é mais do que um ser único. Ele é possuidor de uma propriedade incondicionada que exige respeito”.

6 EROULTHS apud CANTALLI. Direitos da personalidade – Disponibilidade relativa, autonomia privada e dignidade humana. Porto Alegre, 2008. Dissertação (Mestrado em Direito), Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

7 ANTUNES, Euzébio Henzel. A indústria farmacêutica e as pesquisas com seres humanos. Revista de Direito Empresarial, Sapucaia do Sul: Nota Dez, ed. 17, p. 135-165, 2010.

8 MORAES, Guilherme Braga Peña de. Dos direitos fundamentais: contribuição para uma teoria. São Paulo: LTr, 1997. Ressalta o autor: “Dessa forma, ao Estado cria-se uma dupla obrigação: obrigação de cuidado a toda pessoa humana que não disponha de recursos suficientes e que seja incapaz de obtê-los por seus próprios meios; e efetivação de órgãos competentes públicos ou privados, por meio de permissões, concessões ou

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ao próprio Estado e aos indivíduos, e a segunda como um verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes.

Segundo Ingo Wolfgang Sarlet9, a dignidade da pessoa humana é ao mes-mo tempo “limite e tarefa dos poderes estatais”, assim como da comunidade.

Dessa forma, como bem exposto pelo doutrinador Joaquim Clotet10, a dignidade é considerada o eixo principal da ordem constitucional, norma e dever, direito, princípio e manifestação da Constituição.

1.2 PrincíPio da sustentabilidade Juarez Freitas11 ensina que o desenvolvimento sustentável é um valor

constitucional supremo que, nas palavras do autor, “remete à realização de todos os objetivos fundamentais, que se traduzem em metas indeclináveis, tais como a redução das desigualdades sociais e regionais [...]”, e deve ser redimen-sionado em diversos artigos da Constituição.

O referido autor defende que o valor supremo da sustentabilidade decor-re da conjugação tópico-sistemática do disposto nos arts. 3º – que trata dos ob-jetivos fundamentais da República Federativa do Brasil –, 170, VI e 225, todos da Constituição12.

convênio, para prestação de serviços públicos adequados que pretendam prevenir, diminuir ou extinguir as deficiências existentes para um nível mínimo de vida digna da pessoa humana”.

9 SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In: Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. Nas palavras do autor: “[...] a dignidade da pessoa humana é simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais e, no nosso sentir, da comunidade em geral, de todos e de cada um, condição dúplice esta que também aponta para uma paralela e conexa dimensão defensiva e prestacional de dignidade. Como limite, a dignidade implica não apenas que a pessoa não pode ser reduzida à condição de mero objeto da ação própria e de terceiros, mas também o fato de a dignidade gerar direitos fundamentais (negativos) contra atos que a violem ou a exponham a graves ameaças. Como tarefa, da previsão constitucional (explícita ou implícita) da dignidade da pessoa humana, dela decorrem deveres concretos de tutela por parte dos órgãos estatais, no sentido de proteger a dignidade de todos, assegurando-lhe também por meio de medidas positivas (prestações) o devido respeito e promoção”.

10 CLOTET, Joaquim. Bioética: uma aproximação. Porto Alegre: Edipucrs, 2003.11 FREITAS, Juarez. Op. cit., p. 114 e 115. Refere o autor que: “Nessa perspectiva, o desenvolvimento merece

ser redimensionado em múltiplos dispositivos constitucionais, como o art. 174, § 1º, o art. 192, o art. 205 (vinculado ao pleno desenvolvimento da pessoa), o art. 218 (desenvolvimento científico e tecnológico, com o dever implícito de observar ecológicos limites) e o art. 219 (segundo o qual será incentivado o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica)”.

12 Ibidem, p. 117-119. O autor aduz, ainda, que o desenvolvimento deve ser reconceituado: “Entretanto, cumpre acrescentar nota de mais pronunciado destaque ao componente imaterial. Daí se conceber o desenvolvimento como o florescimento das condições, internas e externas, viabilizadoras do círculo coexistencial benéfico e salutar das consciências que recuperam a filosofia da unidade dialética da vida (que não suprime diferenças), em termos físicos, psíquicos e, em derradeira instância, éticos e imateriais. Nesses moldes, não há exagero em afirmar que a interpretação da Constituição requer novo paradigma que permita a sindicabilidade aprofundada das políticas macroeconômicas e administrativas, outrora imunes ao controle, no tocante ao cumprimento da sustentabilidade das políticas públicas. Políticas que precisam, doravante, começar a funcionar de acordo com os princípios e objetivos fundamentais da República (CF, art. 3º), não de acordo com os clientelismos antifuncionais, imediatistas e sem nexo”.

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Assim a sustentabilidade deve ser conciliada com o desenvolvimento econômico e tecnológico, pois, também por disposição constitucional, é impos-sível a paralisação ou a criação de obstáculos a este, porém essa vedação deve ser relativizada sempre que necessária a preservação de direitos fundamentais assegurados constitucionalmente13.

O valor supremo da sustentabilidade é pluridimensional e deve ser anali-sado em suas dimensões social, ética, jurídico-política, econômica e ambiental. Nas palavras de Juarez Freitas14: “Somente assim será possível o desenvolvimen-to sustentável, em harmonia com a resiliência dos ecossistemas e acatado como um dos valores supremos da Constituição”.

1.3 PrincíPio da Prevenção

Inicialmente, deve-se referir que, em que pese a semelhança entre os princípios da prevenção e da precaução – ambos atuam na seara de direitos so-cioambientais, como por exemplo, o direito à preservação do meio ambiente – inserto no art. 225 da Constituição Federal –, estes não se confundem, e devem ser utilizados como balizadores do desenvolvimento desenfreado e insustentá-vel, sempre de forma a assegurar o desenvolvimento sustentável.

O princípio da prevenção, ao contrário do princípio da precaução, tem aplicação contra riscos já conhecidos, porque já foram experimentados ou por-que já existem técnicas científicas capazes de prever a sua provável ocorrência, o que impõe ao Estado o dever de agir para prevenir o dano.

De acordo com Juarez Freitas15, a omissão do Estado nesses casos implica sua responsabilização proporcional e cita como exemplo de aplicação do prin-cípio da prevenção o dever de combate ao tabagismo em aviões, em virtude de serem conhecidos os malefícios de tal prática.

13 SAMPAIO, Aurisvaldo; CHAVES, Cristiano (Coord.). Op. cit.; GOMES, Roberto de Almeida Borges. Princípios da demanda e dispositivo: uma leitura à luz do processo coletivo, p. 461-462. De acordo com Roberto Gomes: “Falar em parar ou dificultar o crescimento econômico de um país seria advogar o impossível e ir contra a própria Carta Magna Brasileira, que tem como um de seus princípios o valor social do trabalho, objetivo de garantir o desenvolvimento nacional (incluído o econômico), erradicar a pobreza, além de indicar, no art. 170, VIII, como um dos princípios gerais da atividade econômica no Estado brasileiro, o pleno emprego. Contudo, é obrigação dos atores em questão e de toda a coletividade a busca da plena efetividade da Constituição de 1988 e não de parte dela. Ocorre, todavia, que alguns princípios que transitam na Carta Magna de 1988, que seja de forma expressa, quer seja de forma implícita, servem para um leitura diferente da feita pelos ‘desenvolvimentistas a todo curso’, como as expressas no art. 170, V e VI, da CF/1988, defesa do consumidor e do meio ambiente, e os princípios da precaução e prevenção que o constituinte estabeleceu no art. 225 e seus incisos da Carta Constitucional”.

14 FREITAS, Juarez. Op. cit., p. 54.15 FREITAS, Juarez. Princípio da precaução: vedação de excesso e de inoperância. Interesse Público, Porto

Alegre: Notadez, v. 7, n. 35, p. 33-48, jan./fev. 2006. Aduz o autor sobre o princípio da prevenção: “O ponto relevante é que não se admite inércia do Estado, sob pena de responsabilização proporcional. A omissão passa – ou deveria passar – a ser vista como uma causa jurídica de evento danoso, não mera condição. Eis, sem tirar nem acrescentar, o princípio da prevenção, nos seus elementos de fundo: a) alta e intensa probabilidade (certeza) de dano especial e anômalo; b) atribuição e possibilidade de o Poder Público evitá-lo; e c) o Estado arca com o ônus de produzir a prova da excludente reserva do possível ou de outra excludente do nexo de causalidade”.

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Existem no Brasil alguns instrumentos de tutela ambiental, como as san-ções administrativas, o licenciamento ambiental, o estudo prévio de impacto ambiental e o zoneamento administrativo, que são fundamentais para a efetiva aplicação do princípio da prevenção e asseguraram o desenvolvimento susten-tável.

No campo da saúde, o Ministério da Saúde, por meio da Política Nacio-nal de Alimentação e Nutrição (Pnan), vem incentivando a população a ter bons hábitos alimentares e conscientizando-a sobre os riscos de doenças causadas pela ingestão prolongada de alguns tipos de produtos, como, por exemplo, os ricos em colesterol e em sal16.

Pode-se afirmar, assim, que, para a efetivação do princípio da prevenção, é indispensável que todos os atores envolvidos superem a pré-compreensão de que os recursos naturais são inesgotáveis e adquiram uma consciência ecológi-ca com o intuito de prevenir a ocorrência de danos ambientais17. Contudo, essa consciência ecológica só será atingida pela educação ambiental, cabendo ao Poder Público promovê-la por meio do planejamento e da gestão sistêmicos18.

1.4 PrincíPio da Precaução

Conforme já foi referido, o princípio da precaução aplica-se aos direitos socioambientais. Aplicando-se o referido princípio, deve-se deixar de praticar, por exemplo, uma atividade que gere dúvida sobre o seu potencial efeito po-luidor.

Nesse diapasão, com base no princípio do in dubio pro natura, deve-se aplicar o princípio da precaução sempre que houver desconhecimento cientí-fico sobre determinada atividade, reduzindo a extensão, a frequência ou a in-certeza do dano, principalmente quando represente perigo não apenas ao meio ambiente, mas também possível lesão à saúde dos consumidores19.

Contudo, a aplicação do princípio da precaução deve ser alicerçada no princípio da proporcionalidade, entendendo-se este como vedação de excesso e de insuficiência20, a fim de preservar o núcleo essencial tanto da livre iniciati-

16 Vide Instituto Brasileiro de Altos Estudos em Direito Público. Disponível em: <http://www.altosestudos.com.br/?p=50104>. Acesso em: 30 out. 2012.

17 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Org.). Aspectos polêmicos da antecipação da tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997; vide FIORILLO, Celso Antônio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha; NERY, Rosa Maria Andrade. Aspectos polêmicos da antecipação da tutela, p. 101-124.

18 Sobre a necessidade de educação ambiental, vide o Princípio nº 19 da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente, de 16.06.1972. Disponível em: <http://www.agrisustentavel.com/doc/estocolmo.htm>. Acesso em: 31 out. 2012.

19 ANTUNES, Euzébio Henzel. Transgênicos e a responsabilidade civil das empresas quanto ao dever de informação ao consumidor e quanto aos danos à biodiversidade. Revista Síntese Direito Empresarial, São Paulo: Síntese, a. 4, n. 21, 2011. p. 38-78. Destaca-se: “Assim, com o grande progresso científico e, como sua decorrência, o crescimento tecnológico que vivenciamos atualmente, a adoção do princípio da precaução consubstancia-se de vital importância para a segurança da sociedade”.

20 WEDY, Gabriel de Jesus Tedesco. O princípio constitucional da precaução como instrumento de tutela do meio ambiente e da saúde pública. Porto Alegre: PUCRS, 2008. Dissertação (Mestrado em Direito),

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va e do desenvolvimento econômico quanto do direito à preservação do meio ambiente e da saúde21.

Segundo a lição de Juarez Freitas22: “Força, entretanto, evitar, de modo judicioso, a hipérbole ou excesso de precaução, que é grande mal, pois paralisa e reproduz as paranoias bloqueadoras dos progressos humanos, sem justificati-va plausível”.

Ainda, cumpre observar que a Declaração do Rio de Janeiro/92, “Eco 92”, em seu Princípio nº 15, trata do princípio da precaução e diz que, “onde houver ameaças de danos sérios e irreversíveis, a falta de plena certeza científi-ca não deve ser usada como razão para adiar medidas economicamente viáveis para impedir a degradação ambiental”.

Posteriormente, o princípio da precaução foi incorporado ao Protocolo de Cartagena sobre biossegurança, firmado em Montreal, Canadá, em 28 de janeiro de 2000, dentro da Convenção sobre Diversidade Biológica23, que foi ratificada e promulgada pelo Brasil, assim como a Convenção-Quadro das Na-ções Unidas sobre a Mudança do Clima24.

Por fim, cumpre aduzir que o princípio da precaução está intimamente ligado ao desenvolvimento econômico, devendo-se ter presente que o primeiro não engessa o segundo; ao contrário, cria cânones para que a tecnologia seja aplicada de forma responsável, sustentável e em prol da humanidade.

2 A FUNÇÃO SOCIAL DAS TITULARIDADES

2.1 a função social das titularidades no direito brasileiro

A função social das titularidades está expressamente prevista em diversos dispositivos da Constituição Federal de 1988.

Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2008. p. 90. Refere o autor: “O princípio da precaução deve sempre observar o princípio da proporcionalidade e, obviamente, as cláusulas que dele são corolários. As vedações de excesso e de inoperância devem estar sempre presentes no manejo do princípio da precaução pelo Estado em suas três funções: administrativa, judiciária e legislativa. Assim, o ato administrativo que deve visar sempre a um fim de interesse público não pode ser excessivo a ponto de mutilar direitos e destruir garantias constitucionais e nem insuficiente a ponto de nenhuma finalidade atingir e nenhum direito tutelar. Nesse sentido o juiz ao aplicar o princípio da precaução, não pode tolher de forma infundada empreendimentos privados. O exemplo utilizado por Freitas no já citado artigo de proibição de utilização de aparelhos celulares por todos os cidadãos por mera suposição de danos à saúde pela radiação é elucidativo, porque não há evidências razoavelmente fundadas pela ciência que esses aparelhos, essenciais à vida moderna, causem danos à saúde do usuário”.

21 Ibidem, p. 111.22 FREITAS, Juarez. Loc. cit.23 PRUDENTE, Antônio Souza. Transgênicos, biossegurança e o princípio da precaução. Caxias do Sul: Plenum,

2008. Conforme o seu escólio: “O princípio da precaução é imperativo constitucional, que materializa a tutela cautelar do meio ambiente, por meio de indispensável estudo prévio de impacto ambiental, a ser realizado por competente e imparcial equipe multidisciplinar, para o plantio e a comercialização da soja transgênica (round up ready), bem assim, para liberação de qualquer organismo geneticamente modificado, nas vertentes do meio ambiente, como garantia fundamental das presentes e futuras gerações”.

24 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 68.

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Luiz Edson Fachin25 aduz que a expressão titularidade engloba situações subjetivas patrimoniais, nas quais não é possível separar as relações de direi-to obrigacional das relações de direito real, uma vez que estas formam um complexo de direitos e obrigações recíprocas, que serve ao trânsito jurídico de bens e têm como motivação, nas palavras do autor, “a realização concreta da personalidade e da dignidade das pessoas que se relacionam juridicamente e daquelas que sofrem as consequências desta relação”. O autor prossegue, dan-do como exemplos de titularidade a propriedade, a posse, a empresa e os bens em geral.

No que concerne ao direito de propriedade, ao mesmo tempo em que é assegurado o direito à propriedade privada – art. 5º, caput e inciso XXII –, a Carta Magna também o limita, dispondo que o seu exercício deve estar em consonância com a sua função social – art. 5º, XXIII –, e explicita quando a pro-priedade privada urbana – art. 182, § 2º – e rural – art. 186, caput – atendem-na, estabelecendo, também, a possibilidade de desapropriação do imóvel que não atenda a sua função social – art. 184, caput.

Quanto à ordem econômica, o caput do art. 170 da Constituição dispõe que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, observando os princípios insertos em seus incisos, sendo que importam para o presente estudo a propriedade privada – art. 170, II – e a sua função social – art. 170, III.

Ana Frazão destaca que o princípio da função social, expressamente pre-visto na Constituição brasileira, tem por finalidade estabelecer “o compromisso da propriedade e da empresa com a dignidade, ressaltando os deveres que re-sultam para o proprietário e para o empresário”26.

Prossegue Ana Frazão, referindo que o Código Civil de 2002 concretiza a “dimensão passiva da função social dos direitos”, ao prever, em seu art. 187, que comete ato ilícito o titular de um direito que o exerce excedendo os limites impostos pelo seu fim social27.

Ainda, o Código Civil dispõe, em seu art. 421, que “a liberdade de con-tratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

25 FACHIN, Luiz Edson. Sustentabilidade e direito privado: funções derivadas das titularidades patrimoniais. Interesse Público, Porto Alegre: Notadez, v. 14, n. 72, p. 45-54, mar./abr. 2012, p. 48.

26 FRAZÃO, Ana. Op. cit., p. 190. De acordo com a autora: “A propriedade e a liberdade de iniciativa, assim como qualquer outro direito subjetivo ou liberdade, recebem a total proteção constitucional enquanto manifestação da autonomia do titular, deixando de merecer o amparo constitucional quando este desconhece os limites e deveres que decorrem da intersubjetividade, transformando o seu direito ou liberdade em instrumento de afirmação exclusiva do egoísmo e da ganância”.

27 Ibidem, p. 223.

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As titularidades devem ser exercidas de modo a garantir a sua função social, possibilitando a geração de empregos28, o pagamento de tributos, a sal-vaguarda do meio ambiente e o consequente desenvolvimento sustentável.

Nessa senda, deve haver a relativização das titularidades, de modo que propriedades e empresas tenham por finalidade não apenas a salvaguarda dos interesses de seus titulares, mas também do crescimento do bem da comunida-de, restando vedada a busca ilimitada do lucro que causa prejuízo à coletivi-dade.

2.2 a função social das titularidades e os direitos fundamentais

A função social da propriedade, constitucionalmente assegurada no Brasil, passou a ter o caráter de princípio limitador da autonomia privada, que, por seu turno, também é um princípio jurídico fundamental, que compõe o quadro das fontes de direito29, podendo-se afirmar que este é a fonte principal das relações contratuais.

Por meio da autonomia privada, as partes que celebram um negócio ju-rídico estabelecem, pela manifestação de sua vontade, regras dotadas de efi-ciência normativa para o caso concreto, que encontram limites nas normas de ordem pública, nos costumes e na boa-fé, bem como na lealdade contratual, na probidade, no equilíbrio contratual e, conforme referido, na função social do contrato30.

As referidas limitações existem em decorrência de que o negócio cele-brado não atende somente ao interesse das partes31, sendo dotado também de efeitos que, sendo econômicos ou sociais, refletem-se na sociedade32.

O princípio da função social tem por pilares os princípios da solidarie-dade e da igualdade, sendo que, no que tange às empresas, pode-se afirmar

28 Vide Instituto Brasileiro de Altos Estudos em Direito Público. Disponível em: <http://www.altosestudos.com.br/?p=50090>. Acesso em: 30 out. 2012.

29 AMARAL NETO, Francisco dos Santos. Autonomia privada. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/revista/numero9/artigo5.htm>. Acesso em: 09 set. 2012.

30 GOMÉZ, J. Miguel Lobato. Autonomia privada e liberdade contratual. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14238/autonomia-privada-e-liberdade-contratual>. Acesso em: 09 set. 2012.

31 SEN, Amartya. A ideia de justiça. Trad. Denise Bottmann e Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 231. De acordo com o autor: “No contexto social, quando se trata da equidade em relação às outras pessoas, haveria alguma necessidade de ir além das exigências do ‘comportamento razoável’ em relação aos outros. Nesse contexto mais exigente, é preciso prestar muita atenção nas perspectivas e nos interesses dos outros, pois eles teriam um papel importante no escrutínio ao qual nossas decisões e escolhas podem ser sensatamente submetidas. Nesse sentido, nossa compreensão do certo e do errado na sociedade tem de ir além do que Adam Smith chamou de ditames do ‘amor-próprio’”.

32 FACHIN, Luiz Edson. Op. cit., p. 50. Segundo o autor: “Atrelando a função social à estrutura das titularidades, faz-se com que a função seja, pois, o fundamento dos direitos reais e obrigacionais por ela perfilhados, indexando-lhes deveres que transcendem o destinatário único, como, por exemplo, o dever de reparar danos ambientais independentemente de culpa, mesmo que se tenha adquirido determinada propriedade depois da ocorrência destes danos”.

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que não podem ter por fim único a obtenção de lucro, cabendo-lhes atuar na promoção do desenvolvimento social33.

Após a promulgação da Constituição, que assegurou uma gama de direi-tos sociais e previu a função social da propriedade como um princípio da ativi-dade econômica, a função social das titularidades restou constitucionalmente assentada, mormente em virtude da eficácia horizontal dos direitos fundamen-tais entre particulares.

Assim, sendo imperativa a conciliação entre o necessário desenvolvi-mento econômico, a sustentabilidade e o princípio da função social, bem como as disposições constitucionais e infraconstitucionais sobre o tema, constata-se a íntima relação entre a promoção dos direitos fundamentais e a função social das titularidades.

Daí decorre a necessidade de aplicação do princípio da função social pautada pelo princípio da proporcionalidade, assegurando o equilíbrio entre as dimensões individual e funcional dos direitos subjetivos e das liberdades, preservando-se, assim, o núcleo essencial da livre iniciativa e da autonomia privada34.

Dessa forma, pode-se afirmar que, em atenção aos princípios da dignida-de da pessoa humana e da função social, bem como em virtude da necessidade de assegurar os direitos fundamentais, a atividade econômica organizada não pode ter por finalidade única a obtenção de lucro, bem como não pode visar apenas ao atendimento de sua função social35.

3 A INTERPRETAÇÃO JURÍDICA SUSTENTÁVEL À LUZ DA FUNÇÃO SOCIAL DAS TITULARIDADES

3.1 breves aPontamentos sobre a constitucionalização do direito Privado e o seu reflexo na interPretação jurídica

A doutrina liberal, que colocava a autonomia privada e a liberdade con-tratual como dogmas absolutos, deixou de ser um consenso na sociedade a partir de mudanças sociais ocorridas na Europa e calcadas, principalmente, em

33 BRUSCATO, Wilges. Manual de direito empresarial brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 581. Afirma o autor que: “A economia construída com base na iniciativa privada não é, por certo, um fim em si mesma, mas o meio de atingir melhores níveis de vida da população”.

34 FRAZÃO, Ana. Op. cit., p. 191 e 199-200. Mais uma vez refere-se Ana Frazão: “A função social não tem, como já foi dito, a finalidade de aniquilar as liberdades e os direitos dos empresários nem de tornar a empresa um simples meio para os fins sociais. Afinal, os direitos e as liberdades têm uma função social, mas não se reduzem a ela. O objetivo da função social é, sem desconsiderar a autonomia privada, reinserir a solidariedade social na atividade econômica, tal como já entendeu o Supremo Tribunal Federal”. A autora prossegue referindo a ADIn 1.003-4.

35 Ibidem, p. 190. “Em um Estado Democrático de Direito, não pode existir qualquer oposição entre a propriedade privada e a livre iniciativa, por um lado, e a função social e a justiça social, por outro. Todos esses princípios fazem parte de uma estrutura harmônica cuja unidade de sentido lhe é conferida pela dignidade da pessoa humana”.

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doutrinas socialistas, tendo reflexos importantes no ramo do direito constitu-cional.

Essa alteração de paradigma motivou a inserção dos direitos sociais em diversas Constituições, como a Constituição do México de 1917 e a Constitui-ção de Weimar de 1919, ganhando destaque a proteção da dignidade da pessoa humana36.

No Brasil, com o advento da Constituição de 1946, os direitos sociais começaram a ser inseridos, por meio da garantia dos denominados direitos--liberdades e de alguns direitos sociais. Contudo, foi a partir da promulgação da Constituição de 1988 que os direitos sociais foram assegurados de forma mais expressiva, tendo sido adotados a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como um de seus fundamentos, o que conduziu à maior inserção do direito constitucional nas relações privadas.

Assim, surge o fenômeno da constitucionalização do direito privado, que faz a carga axiológica das normas constitucionais vir a embrenhar-se por todo o ordenamento jurídico37, levando inúmeros institutos jurídicos, antes tratados apenas em codificações privadas, a serem disciplinados nas constituições con-temporâneas, assim como conduz à análise de normas do direito privado à luz de princípios constitucionais, especialmente na área dos direitos fundamentais, individuais e sociais38.

É importante observar que, quanto à autoaplicabilidade e vigência auto-mática dos direitos fundamentais, há consenso doutrinário que se dá de forma vertical – oposta frente ao Estado –, havendo divergências a respeito da sua ocorrência na forma horizontal – entre particulares –, em que pese a existência de decisões judiciais aplicando a eficácia dos direitos fundamentais no âmbito das relações jurídicas entre particulares.

Para os que defendem a aplicabilidade dos direitos fundamentais de for-ma horizontal, o Estado deve primar ativamente pela sua proteção contra agres-sões e ameaças advindas de particulares, não sendo suficiente que se limite a abster-se de violá-los39.

36 ANTUNES, Euzébio Henzel. A eficácia dos direitos fundamentais no âmbito das relações entre as corporações empresariais e os particulares. Revista Jurídica Empresarial, São Paulo: Síntese, a. 4, n. 25, p. 38-72, mar./abr. 2012.

37 ANTUNES, Euzébio Henzel. Indústria farmacêutica e pesquisas com seres humanos. Revista Jurídica Empresarial, Sapucaia do Sul: Nota Dez, ed. 17, p. 135-165, nov./dez. 2010. Em complemento: “O intérprete deverá orientar-se pela exegese que melhor otimize os princípios constitucionais. Assim, conforme o escólio de Konrad Hesse, os preceitos da Constituição deixam de ser tão somente normas de exame da constitucionalidade de atos infraconstitucionais, assumindo também os contornos de normas materiais, a fim de também lhes conferir conteúdo”.

38 SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003; FACHINI NETO, Eugênio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado, p. 35-37.

39 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais – Uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 378.

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Ainda, deve-se observar que os direitos fundamentais devem ser exami-nados sob o prisma de sua dimensão objetiva40 – que diz respeito aos valores de uma sociedade, tendo os seus efeitos irradiados para todo o ordenamento jurídico, servindo como norte para a sua interpretação – e de sua dimensão subjetiva – que trata dos limites de poder que são impostos ao Estado, consistin-do na capacidade que os particulares detêm na geração de direitos subjetivos sujeitos à proteção judicial.

Gilmar Ferreira Mendes41 observa que os direitos fundamentais podem trazer limitações à autonomia privada, tanto no plano da legislação como no plano da interpretação. Desse modo, cabe ao intérprete, ao deparar-se no caso concreto com uma colisão de direitos fundamentais, acolher a ideia da proteção do bem comum, com a relativização do outro direito.

Sobre o tema, Francisco dos Santos Amaral Neto42 manifesta-se no sen-tido de que: “O jurista deve considerar a autonomia privada inserida em uma nova concepção do direito, na qual as estruturas jurídicas relacionam-se intima-mente com a sua função social”.

Nessa senda, cabe ao intérprete da Constituição, seja ele o julgador ou o legislador infraconstitucional, primar pela defesa dos direitos da pessoa huma-na, priorizando os valores existenciais sempre que a eles forem contrapostos os valores patrimoniais43.

Ainda, considerando a complexidade da sociedade e de suas diversas culturas, surge a necessidade de uma permanente análise das pré-compreen-sões sociais, com o intuito de atingir a compreensão adequada sempre ao con-texto social do momento44.

40 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 124. Segundo o doutrinador, essa eficácia irradiante conduz a uma “humanização” da ordem jurídica, pois o intérprete, no momento da aplicação das normas, deverá pautar-se pela dignidade humana, pela igualdade substantiva e justiça social.

41 MENDES, Gilmar Ferreira. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: exclusão de sócio da União Brasileira de Compositores (RE 201.819). Caxias do Sul: Plenum, 2010. CDROM. Refere o autor que: “Um meio de irradiação dos direitos fundamentais para as relações privadas seriam as cláusulas gerais (Generalklausel), que serviriam de ‘porta de entrada’ (Einbruchstelle) dos direitos fundamentais no âmbito do direito privado”. Ressalta-se que os direitos fundamentais podem trazer limitações à autonomia privada, tanto no plano da legislação, como no plano da interpretação.

42 AMARAL NETO, Francisco dos Santos. Loc. cit.43 MORAES, Maria Celina de. A caminho de um direito civil constitucional. Disponível em: <http://www.

fae2009.kit.net/CaminhosDireitoCivilConstitucional_-_Maria_Celina_B_Moraes.pdf>. Acesso em: 15 out. 2012.

44 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. p. 15. Sobre as pré-compreensões, Inocêncio Mártires Coelho leciona que: “Uma das mais importantes contribuições da hermenêutica filosófica contemporânea para a teoria e a sociologia do conhecimento foi a consolidação do entendimento de que a compreensão do sentido de uma coisa, de um acontecimento ou de uma situação qualquer pressupõe um pré-conhecimento daquilo que se pretende compreender, pelo que, desde o início e até o final do processo cognitivo, toda interpretação, embora não chegue a ser determinada, em larga medida é guiada pela pré- -compreensão do intérprete”.

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3.2 a interPretação do direito e o desenvolvimento sustentável

Tradicionalmente, a hermenêutica jurídica pode ser conceituada como um conjunto de métodos de interpretação das normas. Em sua concepção anti-ga, era tida como um conjunto de métodos e técnicas destinado a interpretar a essência da norma, buscando o seu significado exato.

Contudo, houve uma modificação dessa concepção, restando abandona-da a visão puramente normativista. No sentir de Carlos Maximiliano45: “A her-menêutica tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito”.

Alexandre Pasqualini46 aduz que “[...] a hermenêutica é essa língua uni-versal que o mundo inteiro utiliza”, referindo que não pode ser vista, como o foi em várias épocas, como mera colaboradora. Prossegue o autor47: “A hermenêu-tica confunde-se, pois, com o Direito, haja vista que é ela, e apenas ela, quem certifica o que é o sistema jurídico diante do caso concreto”.

Assim, a hermenêutica, visando dar à norma sentido e alcance, mediante interpretação, especializou-se em diversos métodos, entre eles o método siste-mático, no qual as normas devem ser compreendidas como parte de um sistema normativo, com vistas à unidade do Direito, tratando-se do sistema jurídico como rede hierarquizada de princípios, regras e valores.

Pode-se afirmar, assim, que, na interpretação, não pode existir nem vin-culação pura, nem discricionariedade completa, assim como não pode haver automatismo ao se aplicar sistematicamente as normas jurídicas ou total sub-missão do intérprete à vontade original do legislador, porque o que deve preva-lecer é o sistema48.

Juarez Freitas49 leciona que “o direito positivo é aberto, vale dizer, a ideia de um suposto conjunto autossuficiente de normas não apresenta a menor plau-sibilidade, seja no plano teórico, seja no plano empírico”. Segundo o autor, a

45 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 1.46 PASQUALINI, Alexandre. Hermenêutica e sistema jurídico: uma introdução à interpretação sistemática do

direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 15-16.47 Ibidem, p. 23.48 FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 33.49 FREITAS, Juarez. Op. cit., p. 31-33. De acordo com o autor: “Destarte, para além da distinção entre

‘compreender’ e ‘explicar’, imperioso tornar vívida, mais funda e, especialmente, prática a compreensão (necessariamente prescritiva) da totalidade (não totalizante) do Direito (mais do que das leis), sobretudo quando se assume que o núcleo do sistema surge constituído de valores e de princípios que transcendem o âmbito da lógica estrita, por ter o intérprete jurídico, mesmo nos casos simples, que operar também com inferências não dedutivas. Segue daí que a adequação ao sistema acontece como atividade marcada e predominantemente teleológica e de eleição crítica entre critérios, inclusive quando se trata da realização de diagnóstico e do enfrentamento das incompatibilidades entre princípios e regras, já que se é certo, v.g., que a lei posterior – no geral das vezes – revoga a anterior, quando com ela incompatível, não menos certo que tal incompatibilidade, por envolver aplicação de enunciados semânticos e teleológicos, igualmente exige ser enfrentada à luz de imperativos mais altos a que as normas presumidamente em colisão se destinam, a par da necessidade de levar em conta as exigências prioritárias de harmonização dos princípios fundamentais”.

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adequação do sistema jurídico dá-se, inclusive, com o diagnóstico e o enfren-tamento de incompatibilidades entre princípios e regras, em virtude da necessi-dade de harmonização dos princípios fundamentais.

Segundo Maria Celina de Moraes50, o intérprete da Constituição, seja ele o julgador ou o legislador infraconstitucional, deve primar pela tutela dos di-reitos da pessoa humana, priorizando os valores existenciais sempre que a eles forem contrapostos os valores patrimoniais.

Nesse diapasão, tendo-se presente a importância da quebra de paradig-mas nas questões que envolvem o direito ambiental, as disposições constitucio-nais sobre o tema, os princípios da dignidade da pessoa humana, da sustentabi-lidade, da prevenção e da precaução, bem como a interpretação sistemática do direito, pode-se aferir a importância do papel do Poder Judiciário51.

Juarez Freitas52 aduz que uma interpretação jurídica sustentável garante, sem deixar de lado o texto, a eficácia direta e imediata do princípio constitu-cional que assegura o desenvolvimento sustentável, e, nas palavras do autor, “pressupõe que os princípios e os direitos fundamentais sejam o ápice da ordem jurídica”, bem como “sacrifica o mínimo para preservar o máximo dos princí-pios e direitos fundamentais, vedadas ações e omissões causadoras de danos a presentes e futuras gerações”.

O autor afirma, ainda, que o intérprete do Direito tem que promover incondicionalmente o desenvolvimento sustentável53.

Por derradeiro, sobre a o relevante papel das decisões judiciais, é oportu-na a referência feita por Eugênio Facchini Neto54, segundo a qual o Magistrado, frente ao envelhecimento das leis, muitas vezes devido à dinâmica das transfor-mações sociais, deve focar sua interpretação a respeito dos fatos litigiosos em princípios genéricos e valores abstratos.

50 MORAES, Maria Celina de. A caminho de um direito civil constitucional. Disponível em: <http://www.fae2009.kit.net/CaminhosDireitoCivilConstitucional_-_Maria_Celina_B_Moraes.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2012.

51 DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 38. No sentir do autor: “É preciso ter muito claro, entretanto, que, para a real proteção judicial dos direitos humanos, não é suficiente e, pelo contrário, é perigoso só cumprir as formalidades judiciárias, ter uma aparência de proteção judicial, que adormece a vigilância e que não é, porém, mais do que uma ilusão de justiça”.

52 FREITAS, Juarez. Op. cit., p. 325-328. Leciona o autor: “Tal interpretação jurídica, norteada pelo princípio constitucional da sustentabilidade, jamais conduzirá ao terreno da degradação irracional, que é a negação do Direito como sistema. Operará a favor da posição segundo a qual, entre duas ou mais interpretações plausíveis, deve-se preferir a que causar maior segurança intertemporal. Respeitará o dever de não conduzir a paradoxos insolúveis e fará respeitar a dignidade intersubjetiva das pessoas e da natureza”.

53 Ibidem, p. 319. Refere o autor que: “A nova hermenêutica jurídica, entendida como dever de assegurar bem-estar no presente sem prejuízo do bem-estar no futuro (não apenas para atender as necessidades, dado que é preciso cuidar dos valores), é que deliberadamente contribui à promoção corajosa, responsável e continuada do desenvolvimento duradouro”.

54 FACCHINI NETO, Eugênio. A função social do direito privado. Caxias do Sul: Plenum, 2010. “E o juiz não é só de direito [...]” (ou “a função jurisdicional e a subjetividade”). Caxias do Sul: Plenum, 2008.

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3.3 resPonsabilidade dos Particulares na efetivação do desenvolvimento sustentável

Para os que defendem a aplicabilidade dos direitos fundamentais de for-ma horizontal, o Estado deve primar ativamente pela sua proteção contra agres-sões e ameaças advindas de particulares, não sendo suficiente que se limite a abster-se de violá-los55.

Assim, conjugando a autoaplicabilidade dos direitos fundamentais de forma horizontal com a sua dimensão objetiva, tem-se que cabe ao intérprete aplicar aos casos concretos entre particulares os valores da sociedade, os quais se irradiam, conforme já foi visto, para todo o ordenamento jurídico.

Na linha do até aqui exposto, compete a todos, como integrantes da cole-tividade, a obrigação de defesa e preservação dos direitos socioambientais, por meio do exercício da função social das titularidades, mormente às empresas.

Com relação aos empresários, deve-se consignar que se tornam garan-tidores da preservação ambiental, uma vez que exploram, no mais das vezes, atividades econômicas potencialmente lesivas ao meio ambiente56.

Ademais, o titular de uma atividade econômica deve, necessariamente, pautar-se pelo atendimento das necessidades fundamentais da coletividade, em virtude da função social das titularidades, não se limitando ao exercício de ati-vidades filantrópicas, mas envidando esforços para resguardar o bem-estar da sociedade e assegurar a dignidade da pessoa humana.

Diante dos direitos assegurados em nossa Constituição, não se pode ad-mitir uma visão individualista e antropocêntrica, devendo prevalecer a visão holística e biocêntrica, a fim de assegurar a efetivação do princípio da solida-riedade nas relações horizontais entre particulares e o desenvolvimento econô-mico sustentável e equânime, no qual todos tenham condições de progredir, e não apenas alguns57.

CONCLUSÃOPara o enfrentamento do tema em comento, é de fundamental importân-

cia a compreensão de que existe uma série de interesses paralelos envolvidos,

55 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais – Uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 378.

56 ANTUNES, Euzébio Henzel. Transgênicos e a responsabilidade civil das empresas quanto ao dever de informação ao consumidor e quanto aos danos à biodiversidade. Revista Síntese Direito Empresarial, São Paulo: Síntese, a. 4, n. 21, p. 38-78, 2011.

57 FRAZÃO, Ana. Função social da empresa: repercussões sobre a responsabilidade civil de controladores e administradores de S/As. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. p. 185. Ana Frazão aduz que: “Uma realidade que ficou clara com a experiência do Estado Liberal é a de que o mero reconhecimento das liberdades formais não é suficiente para assegurar que as pessoas realizem os seus projetos de vida, pois estes dependem de uma certa quantidade de recursos materiais sem os quais a liberdade cai no vazio. Logo, não pode haver autonomia sem que se encontre uma forma de compensar as desigualdades inaceitáveis por meio de um critério de justiça distributiva, tal como a dimensão ativa da função social dos direitos pretende concretizar”.

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não podendo ser admitidas medidas, para fomentar a economia, que não este-jam fundadas nos princípios da dignidade da pessoa humana, da sustentabilida-de, da prevenção e da precaução.

Além disso, no que tange ao desenvolvimento sustentável, as normas de-vem ser sempre interpretadas com base na função social das titularidades, que, nesses casos, devem ser relativizadas. Por isso, a importância do tema.

Para viabilizar a efetivação do desenvolvimento sustentável, devem ser concretizadas as normas e princípios insertos em nossa Constituição, especial-mente com a aplicação dos já referidos princípios, sempre pautada pelo princí-pio da proporcionalidade, de forma a não anular a função social das titularida-des e, tampouco, o desenvolvimento econômico.

Nessa senda, deve-se compreender que é possível conciliar o desenvol-vimento sustentável com o progresso, possibilitando que este ocorra de forma responsável e em prol da humanidade.

Para tanto, é essencial o papel do intérprete do Direito, que deve pautar--se sempre de forma a assegurar o desenvolvimento sustentável.

Não há dúvidas, portanto, de que esse é um tema que requer muitos debates com o intuito de esclarecimento sobre todos os aspectos relativos à ma-téria. Assim, é imperativo concluir que o Poder Executivo, o Poder Legislativo, o Poder Judiciário e a sociedade civil organizada, devem atuar, de forma sistê-mica, sempre buscando a efetivação do desenvolvimento econômico e social sustentável.

Espera-se, assim, ter contribuído para um maior esclarecimento a respei-to do tema, promovendo a informação e debate a respeito do assunto, visando à defesa e à preservação dos princípios e normas previstas no nosso ordenamento constitucional, assim como o estudo por parte dos operadores do Direito de tema atual e relevante.

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Assunto Especial – Doutrina

Sustentabilidade e Princípios Constitucionais

A Sustentabilidade Como Princípio Constitucional Aplicável aos Direitos Sociais à Previdência e Assistência� Reflexões a Partir dos Fundamentos e Objetivos da Constituição Federal Brasileira

FABIANO HASELOF VALCANOVERMestrando em Direito pela PUC/RS, Especialista em Direito do Estado pela UFRGS e em Direito Processual Civil pela UNB, Procurador Federal em Porto Alegre.

RESUMO: Para a compreensão da sustentabilidade como princípio, necessária a definição precisa da distinção entre regras e princípios. Tratando a sustentabilidade como princípio constitucional, possível é verificar a sua eventual colisão com outros princípios constitucionais de mesma importân-cia. Considerando a sua abrangência e a necessária intelecção de forma superior, o que se verifica é que existe um grau maior de interação de tal princípio com os demais comandos diretivos fixados no Estado Democrático de Direito, o que demanda em sua valoração de forma tópico-sistemática e materializa a verdadeira natureza da sustentabilidade como princípio de cunho interpretativo. A di-mensão jurídica do princípio da sustentabilidade confere uma melhor sistematização ao ordenamento jurídico-constitucional, especialmente em atenção aos direitos sociais à previdência e assistência previstos no art. 6º da Constituição Federal.

PALAVRAS-CHAVE: Sustentabilidade; Previdência Social; assistência social; cidadania; dignidade da pessoa humana; interpretação tópico-sistemática.

RIASSUNTO: Per la comprensione della sostenibilità come principio, necessaria la definizione precisa della distinzione tra regole e principi. Trattare la sostenibilità come principio costituzionale, è possibile accertare la loro eventuale collisione con altri principi costituzionali di pari importanza. Data la sua portata e intellezione richiesto così superiore, ciò che sta accadendo è che ci sia un maggior grado di interazione di questo principio con gli altri comandi di amministrazione fissato in uno Stato democra-tico, che richiede nella propria valutazione del modulo argomento sistematico e si materializza la vera natura della sostenibilità come principio interpretativo. La dimensione giuridica del principio di soste-nibilità fornisce una sistematizzazione migliore per il sistema giuridico e costituzionale, soprattutto per quanto riguarda i diritti alla sicurezza sociale e l’assistenza di cui all’art. 6 della Costituzione federale.

PAROLE-CHIAVE: Sostenibilità; Sicurezza Sociale; assistenza sociale; cittadinanza; dignità della per-sona umana; interpretazione argomento-sistematico.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Distinção entre regras e princípios; 2 A sustentabilidade como princípio constitucional. Dimensão jurídica. Aplicação na Previdência Social; 3 Sustentabilidade como princí-pio-maior. Proposta de interpretação tópico-sistemática nos direitos sociais à previdência e assistên-cia; Considerações finais; Referências.

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INTRODUÇÃO

A utilização da sustentabilidade como meio de dar solução e resposta aos mais recentes anseios do cidadão é uma medida que se mostra necessária e pre-mente nos dias atuais, dado o elevado grau de desenvolvimento da sociedade contemporânea, sendo que a sua ausência expressa do texto constitucional não prejudica a consecução de tal intento.

Em um primeiro momento, o presente estudo busca abordar a distinção entre regras e princípios, na lição de Robert Alexy, caracterizando, ao final, a importância de tal procedimento na solução das divergências interpretativas eventualmente existentes entre normas de mesma hierarquia.

Logo a seguir, pretende-se demonstrar que a sustentabilidade é um verda-deiro princípio constitucional, possuindo uma dimensão jurídica de relevo, en-contrando abrigo entre os fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil, de modo a se constituir em verdadeiro instrumento a informar os anseios da comunidade como um todo. Conforme será melhor delineado a seguir, espe-cialmente na solução e preservação dos direitos individuais e sociais presentes nos arts. 5º e 6º da Constituição Federal, encontra importância a apreciação da sustentabilidade, como forma de dar fundamento e base para o alcance de uma resposta satisfatória para determinada controvérsia, com especial atenção nas questões relativas às prestações previdenciárias e assistenciais.

Por fim, merece debate específico a necessária evolução da noção de sustentabilidade como princípio de importância maior, a ponto de se encon-trar como verdadeiro valor utilizado para fins de obtenção de efetividade na aplicabilidade dos princípios e direitos fundamentos encartados no texto cons-titucional. Neste rumo, é possível apontar o princípio da sustentabilidade como princípio de cunho interpretativo, com atuação na sistematização do ordena-mento jurídico-constitucional, especialmente em atenção aos direitos sociais à previdência e assistência.

1 DISTINÇÃO ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS

É possível indicar que as normas estão definidas sob dois planos distin-tos, quais sejam: princípios ou regras. Seriam princípios, normas constituídas como mandamentos de otimização de determinadas diretivas conferidas pela ordem jurídica, ou seja, estariam em um plano abstrato. Já as regras poderiam ser qualificadas como verdadeiras determinações no âmbito fático e jurídico, trabalhando em um plano mais concreto que a espécie anteriormente descrita e da qual, sem dúvida alguma, se distingue.

Robert Alexy, no desenvolvimento de sua Teoria dos direitos fundamen-tais, apresenta tal distinção, que aqui merece transcrição:

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O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são nor-mas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, man-damentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras co-lidentes.

Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa e não uma distinção de grau. Toda a norma é ou uma regra ou um princípio.1

Outra importante diferença é que as divergências interpretativas ocorri-das entre princípios ou entre regras, considerando que entre espécies normati-vas iguais não haveria hierarquia, possuem solução diferente. A existência de divergência na aplicação entre princípios é considerada como uma colisão, passível de sopesamento para fins de solução da problemática, bem como no caso das regras, visualiza-se um conflito, onde necessária a introdução de uma cláusula de exceção ou declaração de invalidade para obtenção de uma solu-ção adequada para a questão em discussão.

Novamente aqui vale-se da lição de Robert Alexy, para aclaramento da temática:

Um conflito entre regras somente pode ser solucionado se se introduz, em uma das regras, uma cláusula de exceção que elimine o conflito, ou se pelo menos uma das regras for declarada inválida.

[...]

As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente diversa. Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com o outro, permitido –, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem pre-cedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta. Isso é o que se quer dizer quando se afirma que, nos casos concretos, os princípios têm pesos diferen-tes e que os princípios com o maior peso têm precedência. Conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios – visto

1 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 90/91.

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que só princípios válidos podem colidir – ocorrem, para além dessa dimensão, na dimensão do peso.2

O que se constata é que, no caso de conflito entre regras jurídicas, parte--se para uma solução definitiva, onde se tem vazão a expressão “tudo ou nada”, enquanto que, na existência de uma colisão de princípios, desenvolver-se-á a noção de balanceamento entre tais comandos para fins de valoração da solução mais adequada ao caso, o que é denominado de sopesamento. Luís Roberto Barroso é extremamente perspicaz em apontar tal distinção crucial entre regras e princípios no corpo da teoria dos princípios:

É, todavia, no modo de aplicação que reside a principal distinção entre regra e princípio. Regras se aplicam na modalidade tudo ou nada: ocorrendo o fato descrito em seu relato ela deverá incidir, produzindo o efeito previsto. Exemplos: implementada a idade de 70 anos, o servidor público passa a inatividade; ad-quirido o bem imóvel, o imposto de transmissão é devido. Se não for aplicada à sua hipótese de incidência, a norma estará sendo violada. Não há maior margem para elaboração teórica ou valoração por parte do intérprete, ao qual caberá apli-car a regra mediante subsunção: enquadra-se o fato na norma e deduz-se uma conclusão objetiva. Por isso se diz que as regras são mandados ou comandos de-finitivos: uma regra somente deixará de ser aplicada se outra regra a excepcionar ou se for inválida. Como consequência, os direitos nela fundados também serão definitivos.

Já os princípios indicam uma direção, um valor, um fim. Ocorre que, em uma ordem jurídica pluralista, a Constituição abriga princípios que apontam em di-reções diversas, gerando tensões e eventuais colisões entre eles. Alguns exem-plos: a livre iniciativa por vezes se choca com a proteção do consumidor; o desenvolvimento nacional nem sempre se harmoniza com a preservação do meio ambiente; a liberdade de expressão frequentemente interfere com o direito a pri-vacidade. Como todos esses princípios têm o mesmo valor jurídico, o mesmo status hierárquico, a prevalência de um sobre outro não pode ser determinada em abstrato; somente à luz dos elementos do caso concreto será possível atri-buir maior importância a um do que a outro. Ao contrário das regras, portanto, princípios não são aplicados na modalidade tudo ou nada, mas de acordo com a dimensão de peso que assumem na situação específica.3

Logo, do que foi exposto até aqui é possível indicar que a distinção entre regras e princípios está calcada na certeza de que os princípios são normas que emitem juízo de valor, ao passo que as regras são normas que possuem um conteúdo prático e efetivo maior, conferindo comandos relacionados com descrições de conduta. Neste sentido é que se materializa a certeza de que não existe hierarquia entre as referidas normas, mas sim distinção de ordem qua-litativa, dado que os comandos normativos que as duas espécies apresentam

2 Idem, p. 92/94.3 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 207/208.

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são diversos e não estão diretamente relacionados com um plano horizontal de intelecção.

2 A SUSTENTABILIDADE COMO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL. DIMENSÃO JURÍDICA. APLICAÇÃO NA PREVIDÊNCIA SOCIAL

Fixadas as premissas postas anteriormente a respeito da distinção entre regras e princípios, é possível realizar-se a devida análise da sustentabilidade como um genuíno princípio constitucional, de elevada importância em nosso ordenamento jurídico, apesar de sua ausência expressa no texto constitucional.

Ora, entre os princípios da República Federativa do Brasil destacam-se a cidadania e a dignidade da pessoa humana, bem como entre os seus objetivos está a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como a pro-moção do bem comum de todos. Neste sentido os arts. 1º e 3º da Constituição Federal:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

II – a cidadania;

III – dignidade da pessoa humana;

[...].

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

[...]

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, ida-de e quaisquer outras formas de discriminação;

[...].

Afora isso, a ordem social está fundada no trabalho e busca o bem co-mum de todos, conforme comando normativo expresso no art. 193: “Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem--estar e a justiça sociais”.

Partindo-se de tais instrumentos normativos programáticos4 que foram elevados à norma constitucional pelo legislador constituinte originário, é possí-

4 “Muitas normas são traduzidas no texto supremo apenas em princípio, como esquemas genéricos, simples programas a serem desenvolvidos ulteriormente pela atividade dos legisladores ordinários. São estas que constituem as normas constitucionais de princípio programático, que estudaremos nesta seção.” (SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 137)

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vel caracterizar-se a presença da sustentabilidade em nosso ordenamento cons-titucional. Ainda que de forma implícita, mas não por isso menos importante, a sustentabilidade como princípio sói materializar-se e é plenamente exigível como um valor de status constitucional que merece ponderação com os demais princípios constitucionais presentes, para fins de alcance de uma sociedade mais condizente com os anseios da sociedade.

Não é outro o intento com a apresentação do conceito de sustentabilida-de desenvolvido por Juarez Freitas, onde expressamente indica a sua condição de princípio constitucional:

Com tais acréscimos, é que se chegou ao conceito de sustentabilidade, que, con-vém reprisar: é o princípio constitucional que determina, independentemente de regulamentação legal, com eficácia direta e imediata, a responsabilidade do Estado e da sociedade pela concretização solidária do desenvolvimento material e imaterial, socialmente inclusivo, durável e equânime, ambientalmente limpo, inovador, ético e eficiente, no intuito de assegurar, preferencialmente de modo preventivo e precavido, no presente e no futuro, o direito ao bem-estar físico, psíquico e espiritual, em consonância homeostática com o bem de todos.5

Seguindo nesta linha, a sustentabilidade como princípio constitucional possui dimensão jurídica relevante, que proporciona o alcance de inúmeros direitos fundamentais para o indivíduo/cidadão. Não é outro o entendimento que confere para a questão o doutrinador em comento:

Dimensão jurídico-política, no sentido de que a busca da sustentabilidade é um direito e encontrá-la é um dever constitucional inalienável e intangível de reco-nhecimento da liberdade de cada cidadão, nesse status, no processo da estipula-ção intersubjetiva do conteúdo dos direitos e deveres fundamentais do conjunto da sociedade, sempre que viável diretamente. Daí brotará o Estado Sustentável, lastreado no Direito que colima concretizar os direitos relativos ao bem-estar du-radouro das atuais gerações, sem prejuízo das futuras, notadamente: (a) o direito à longevidade digna, [...]; (b) direito à alimentação sem excessos e carências; (c) o direito ao ambiente limpo, [...]; (d) o direito à educação, [...]; (e) o direito à democracia, preferencialmente direta, [...]; (f) o direito à informação livre e de conteúdo apreciável, [...]; (g) o direito ao processo judicial e administrativo com desfecho tempestivos [...]; (h) o direito à segurança, [...]; (i) o direito à renda oriunda do trabalho honesto, [...]; (j) o direito à boa administração pública, [...]; (k) o direito à moradia digna e segura.6

O que aflora, desta feita, até o presente momento, é uma elevada cer-teza de que a sustentabilidade deve ser considerada como princípio consti-tucional passível de ponderação e sopesamento com os demais princípios de mesmo jaez presentes em nosso ordenamento jurídico, inclusive com aqueles

5 FREITAS, Juarez. Sustentabilidade – Direito ao futuro. Belo Horizonte: Método, 2011. p. 516 Idem, p. 63/65.

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relacionados com a preservação de direitos e garantias fundamentais, dado que sua abrangência igualmente está em tal espectro de atuação. Existem desdobra-mentos pertinentes em relação ao princípio da sustentabilidade, essencialmente frente ao catálogo de direitos de cunho individual e social presentes na Consti-tuição Federal (arts. 5º e 6º), o que resulta na certeza de que a sua relevância e o seu enaltecimento se mostram necessários e prementes para o efetivo desen-volvimento da sociedade atual e das gerações futuras que desta dependem para existir e se desenvolver. Isso quando não for possível a sua utilização como ver-dadeiro parâmetro de sopesamento entre os demais princípios constitucionais, conforme será objeto do item seguinte.

Apenas para fins de exemplificação, é com a noção de sustentabilidade, como princípio de índole constitucional, que se pode gerar a preservação da Previdência Social brasileira, submetida a sucessivos déficits em seus caixas, o que resulta em prejuízos para as gerações futuras que não possuem a certeza de ter o respaldo necessário no momento em que necessitar de prestações estatais dos cofres previdenciários.

Ilustrativamente, é possível referir que, no ano de 2011, o déficit previ-denciário alcançou a marca de R$ 36,5 bilhões, ainda que realizada uma arre-cadação total de mais de R$ 251,2 bilhões, o que foi comemorado como sendo a melhor marca em matéria de prejuízos no setor previdenciário nos últimos 10 anos, conforme dados oficiais do Ministério da Previdência Social. Pontue-se, ainda, que o déficit apurado no ano de 2011 foi R$ 10 bilhões inferior ao ocor-rido no ano anterior, ou seja, no ano de 2010 o déficit foi de mais de R$ 46,5 bilhões em valores nominais7.

É possível verificar, assim, que, no intervalo de 1 ano, existiu uma dife-rença negativa de quase 15% entre o efetivamente arrecadado para o sistema de previdência das empresas e dos trabalhadores e o gasto pela autarquia pre-videnciária na consecução de seu objetivo de oferecer prestações previden-ciárias, o que está a indicar que, ainda com melhoras substanciais nos índices, muito existe a ser feito, para fins de que o equilíbrio no sistema previdenciário brasileiro efetivamente se concretize.

A pergunta que se realiza no presente momento é acerca de qual medida seria a pertinente para a solução ou a minimização crescente do problema, o que pode ser alcançado através de uma modificação da atual compreensão do direito à previdência social como um bem jurídico a ser arcado pelo Estado a qualquer custo, mas sim como verdadeira atividade econômica que comporta risco para as partes envolvidas.

7 Dados obtidos na Revista Previdência Social, n. 02/2012. Disponível em: <http://www.previdencia.gov.br/arquivos/office/3_120425-115428-524.pdf>. Acesso em> 11 jun. 2012.

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A noção de sustentabilidade como princípio constitucional a ser sope-sado com os demais princípios, ainda aqui considerados de mesma estatura, é uma resposta possível para o alcance da solução concreta a ser tomada na espécie, mesmo que não seja uma solução aprazível para o momento presente, mas com claros efeitos positivos para as gerações futuras.

Outra situação em que a sustentabilidade pode ser utilizada como forma de dar resposta a determinados conflitos é no que tange à dicotomia reserva do possível e mínimo existencial. As limitações do Estado em oferecer as presta-ções sociais previstas de forma abstrata pelo legislador constitucional podem ocorrer, de modo que a coletividade não sofra com determinadas opções reali-zadas em momento histórico específico, o que resultaria na atenção à máxima da reserva do possível, ou, ao contrário, o mínimo existencial deveria ser preser-vado a qualquer preço, como forma de dar vazão a nossa Carta Constitucional?

O Supremo Tribunal Federal sinaliza pela preservação do mínimo exis-tencial, ainda que em cotejo com a noção de reserva do possível8. Todavia, a questão pode ganhar novos contornos com a utilização do princípio da susten-tabilidade e os valores nele implícitos, seja conferido maior ou melhor funda-mento para a assertiva, seja contrapondo-a de forma adequada. A amplitude do princípio, bem como o seu intento de conferir uma solução razoável para determinada problemática com efeitos futuros, indica que a discussão travada a respeito de tal questão ganha novos parâmetros e pode ser melhor travada com a sua devida intelecção na análise da questão a ser solvida.

Porque não falar, ainda, na recente decisão proferida pelo Supremo Tri-bunal Federal em relação ao benefício de prestação continuada, onde resta-ram declaradas inconstitucionais normas positivas que restringiam o gozo de tal prestação assistencial pelo critério da renda mensal per capita inferior a 1//4 de salário-mínimo. Tal entendimento é diametralmente oposto àquele conferido para a matéria pelo próprio Supremo Tribunal Federal inúmeras vezes, que con-feria certeza jurídica ao sistema, no ponto em que as regras fixadas no art. 20 da Lei nº 8.743/1992 e no art. 34 da Lei nº 10.471/2003 era consideradas constitu-

8 “A cláusula da reserva do possível – que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição – encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. [...] A noção de ‘mínimo existencial’, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV).” (ARE 639.337-AgRg, 2ª T., Rel. Min. Celso de Mello, J. 23.08.2011, DJe 15.09.2011)

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cionais e plenamente aplicáveis até então para fins de apuração dos direitos re-clamados pelos cidadãos brasileiros inseridos nas hipóteses de miserabilidade9.

Neste rumo, é possível pavimentar uma base sólida, no sentido de que a sustentabilidade é um princípio de elevado nível constitucional, que merece ser devidamente ponderado e sopesado naquelas situações onde se faz necessário, especialmente para fins de que ocorra uma verdadeira atenção à solução de determinadas discussões atuais com efeitos prospectivos.

Novamente aqui é necessário valer-se da lição de Juarez Freitas, quando lança a ideia de que a sustentabilidade é um princípio-síntese:

Sustentabilidade é princípio constitucional-síntese que determina, numa perspec-tiva tópico-sistemática, a universalização do respeito às condições multidimen-sionais da vida e qualidade. Esta requer a garantia de biodiversidade, e cobra, sobremaneira, a compatibilização dos imperativos da eficiência (abarcando pes-quisas avançadas e de fronteira) e da equidade entre as gerações, com o pressu-posto de que a compreensão da dignidade extrapole os limites do antropocen-trismo.10

Oportuno referir que a importância do princípio da sustentabilidade ga-nha reforço de peso no momento em que se realiza a devida ponderação a res-peito da abrangência do Estado Democrático de Direito e o seu efetivo alcance em favor do indivíduo. Da inteligência de tais valores é possível extrair que a sustentabilidade em interação com os demais valores dá o norte plausível para

9 “Reclamação e revisão de decisão paradigma. 1. Ao apreciar reclamação ajuizada pelo INSS para garantir a autoridade de decisão da Corte proferida na ADI 1232/DF (DJU de 09.09.1998), que declarara a constitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social – Loas), o Plenário, por maioria, julgou improcedente o pedido por considerar possível revisão do que decidido naquela ação direta, em razão da defasagem do critério caracterizador da miserabilidade contido na mencionada norma. Assim, ao exercer novo juízo sobre a matéria e, em face do que decidido no julgamento do RE 567985/MT e do RE 580963/PR, confirmou a inconstitucionalidade do: a) § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993, que estabelece a renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo para a concessão de benefício a idosos ou deficientes; e b) parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) [‘Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas. Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas’]. Na espécie, o INSS questionava julgado de turma recursal dos juizados especiais federais que mantivera sentença concessiva de benefício a trabalhador rural idoso, o que estaria em descompasso com o § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993. Alegava, ainda, que a Loas traria previsão de requisito objetivo a ser observado para a prestação assistencial do Estado. Asseverou-se que o critério legal de “renda familiar per capita inferior a um quarto do salário mínimo” estaria defasado para caracterizar a situação de miserabilidade. Destacou-se que, a partir de 1998, data de julgamento da mencionada ADI, outras normas assistenciais foram editadas, com critérios mais elásticos, a sugerir que o legislador estaria a reinterpretar o art. 203, V, da CF (‘Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: [...] V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei’).” (Rcl 4374/PE, Rel. Min. Gilmar Mendes, 18.04.2013)

10 FREITAS, Juarez. Sustentabilidade – Direito ao futuro. Belo Horizonte: Método, 2011. p. 68.

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o alcance da justiça material que a sociedade atual almeja em relação aos mais diferentes aspectos11.

3 SUSTENTABILIDADE COMO PRINCÍPIO-MAIOR. PROPOSTA DE INTERPRETAÇÃO TÓPICO- -SISTEMÁTICA NOS DIREITOS SOCIAIS À PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA

Questão interessante a ser abordada, demonstrada a índole de princípio constitucional da sustentabilidade, é acerca da forma de cotejo entre os prin-cípios da sustentabilidade e dos demais princípios que podem ser extraídos da Carta Constitucional. Isso porque, como referido nos itens pretéritos, a sus-tentabilidade não está expressa na Constituição Federal, como princípio-valor, ao contrário de outros princípios norteadores de nosso Estado Democrático de Direito.

Através da teoria dos princípios, já abordada no primeiro item do pre-sente ensaio, é pacífico que, na interpretação de dois princípios, havendo ne-cessidade de ponderação entre estes, caso seria de apuração dos pesos entre os mesmos, para fins de saneamento de sua eventual colisão. Tal situação não demanda maiores ilações, mas antes remete a uma situação que merece acla-ramento.

É possível falar em colisão entre sustentabilidade e outros valores cons-titucionais em um patamar principiológico? O trato de valores afeitos à digni-dade da pessoa humana e de sustentabilidade, por exemplo, poderia levar a tal formulação que, inevitavelmente, leva a um juízo de escolha para o aplicador do Direito?

Uma proposta de solução para tal problemática passa necessariamente pela realização de uma interpretação tópico-sistemática do texto constitucio-nal12, onde tais valores tenham a sua devida e necessária importância, ab initio, apurados, com vistas a que se alcance a inevitável realização da fórmula do peso de Alexy apenas em situações limítrofes. Isso porque os fundamentos e objetivos insculpidos no texto constitucional são os pilares do exercício do po-der do Estado13, ao contrário do princípio da sustentabilidade, que possui uma interpretação que avança para além da norma jurídica em que se fundamenta

11 “Em verdade, a segurança jurídica, como subprincípio do Estado de Direito assume valor ímpar no sistema jurídico, cabendo-lhe papel diferenciado na realização da própria ideia de justiça material.” (MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 474)

12 “Por isso, não se deve descurar da elaboração de uma nova maneira de compreender o sistema jurídico, que ultrapasse, de um lado, os passivismos e os emotivismos e, de outro, que estimule, numa era de indeterminações exacerbadas, a vinculação do intérprete menos ao texto legislado fugaz e episódico, mais aos princípios e objetivos fundamentais do ordenamento, [...]” (FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 66)

13 “A busca político-jurídica por garantias da Constituição, ou seja, por instituições através das quais seja controlada a constitucionalidade do comportamento de certos órgãos de Estado que lhe são diretamente subordinados, como o parlamento ou o governo, corresponde ao princípio, específico do Estado de direito, isto é, ao princípio da máxima legalidade da função estatal. [...] A função política da Constituição é estabelecer limites jurídicos ao exercício do poder. Garantia da Constituição significa a segurança de que tais limites

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a sua aplicação, o que indica que é possível falar-se em um patamar princi-piológico superior em que se insere, ultrapassando a ideia de conjugação ou temperamento com os demais princípios correlacionados à determinada causa.

Não é outra a assertiva que se extrai quando se realiza a abordagem acerca da necessidade de uma interpretação jurídica sustentável aos princípios e direitos fundamentais. Novamente aqui se vale das lições de Juarez Freitas:

Com base no exposto e com tais fundamentos, seguem máximas para a interpre-tação jurídica interessada na concretização da sustentabilidade:

Uma interpretação jurídica sustentável pressupõe que os princípios e os direitos fundamentais sejam o fundamento e o ápice da ordem jurídica, tendo o condão de suspender a eficácia de determinadas regras, quando estritamente necessário para assegurar as finalidades superiores do sistema. [...]

Uma interpretação jurídica sustentável é a que sacrifica o mínimo para preservar o máximo dos princípios e direitos fundamentais, vedadas ações e omissões cau-sadoras de danos a presentes e futuras gerações. [...]

Uma interpretação jurídica sustentável, sem desprezar o texto, avança para além de sua letra, imprimindo eficácia direta e imediata ao princípio constitucional que determina, independentemente de regulamentação legal, com eficácia direta e imediata, a responsabilidade do Estado e da sociedade pela concretização so-lidária do desenvolvimento material e imaterial, socialmente inclusivo, durável e equânime, ambientalmente limpo, inovador, ético e eficiente, no intuito de asse-gurar, preferencialmente de modo preventivo e precavido, no presente e no futu-ro, o direito ao bem-estar físico, psíquico e espiritual, em consonância homeos- tática com o bem de todos.14

Ora, aceitando-se a possibilidade de que o princípio da sustentabilidade auxilia na consecução dos direitos e das garantias fundamentais insculpidos na Constituição Federal, certo é que se encontra em plano diverso dos princípios fundamentais que regulam o Estado de Direito, o que indica que a sua aplica-ção e interação com os demais princípios constitucionais, especialmente com os objetivos e fundamentos constitucionais postos nos arts. 1º e 3º da Carta Constitucional, tem por escopo dar a devida sistematização ao ordenamento jurídico-constitucional como um todo. Não é outra a conclusão que se pode chegar quando se verifica que de seus fundamentos é possível realizar inúmeras interações que alcançam o bem comum de todos, seja da geração atual, seja das gerações futuras15.

não serão ultrapassados.” (KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 239/240)

14 FREITAS, Juarez. Sustentabilidade – Direito ao futuro. Belo Horizonte: Método, 2011. p. 325/32815 Quanto à inteligência dos direitos humanos para além do texto legal, vale referência a doutrina de Amartya

Sen: “Com efeito, se os direitos humanos são entendidos como pretensões morais dotadas de força, como sugere o próprio Hart ao vê-los como ‘direitos morais’, então certamente temos razão para alguma catolicidade ao considerar diversos caminhos para promover essas pretensões morais. As vias e as maneiras de defender a ética dos direitos humanos não precisam se restringir à elaboração de novas leis (embora muitas vezes a

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Neste sentido, utilizar o princípio da sustentabilidade de forma a dar uma sistematização adequada ao ordenamento jurídico-constitucional como um todo, especialmente quando em debate a aplicabilidade e eficácia de direitos fundamentais, parece ser o mais adequado para lhe conferir a devida impor-tância.

Inegável ainda que, considerando a importância da Previdência Social brasileira, é necessária a utilização do princípio da sustentabilidade para fins de embasar as políticas públicas vigentes, bem como as mudanças que a evolução da sociedade necessita. O tratamento do direito social à previdência e assistên-cia, na forma como insculpido no art. 6º da Constituição Federal, demanda que tal reflexão seja realizada no momento em que pretendida a evolução do sis-tema previdenciária como um todo, especialmente para que tal procedimento ganhe a solidez necessária para a sua constante concretização.

CONSIDERAÇÕES FINAISDesta forma, no presente ensaio procurou-se, de forma preliminar, reali-

zar a devida evolução do princípio da sustentabilidade em nosso ordenamento jurídico-constitucional, realizando-se o devido estudo sobre a sua verdadeira aplicação e o pertinente campo de atuação, especialmente em atenção aos di-reitos sociais à previdência e assistência.

A valoração da sustentabilidade como princípio, com base na teoria dos princípios de Robert Alexy, é a melhor forma de dar concreção a sua diferen-ciação das regras legais propriamente ditas, bem como reforçar a sua localiza-ção entre aquelas diretrizes e aqueles valores constitucionais insculpidos nos arts. 1º e 3º da Constituição Federal. Neste patamar, é possível, inclusive, falar--se, preliminarmente, em seu sopesamento com os demais princípios de índole constitucionais.

É claro que, no cotejo com os demais princípios constitucionais que dão fundamento ao Estado Democrático de Direito, é possível lhe dar uma impor-tância maior e superior. Isso é possível considerando a sua abrangência e as possíveis interações com os demais princípios e direitos fundamentais, no mo-mento em que resta materializada a possibilidade de sua utilização como ver-dadeira regra maior de interpretação jurídica para aqueles.

Neste rumo, a dimensão jurídica do princípio da sustentabilidade, ainda que incipiente e carecedora de maior estudo doutrinário, está de todo materiali-zada e tenciona a conferir uma melhor sistematização ao ordenamento jurídico--constitucional, especialmente em atenção aos direitos sociais à previdência e

legislação possa se mostrar o caminho correto para se proceder); [...] Há uma questão interessante sobre o campo adequado da via legislativa. Às vezes supõe-se que, se um direito humano é importante, mas não tem força de lei, seria melhor legislá-lo como um direito legal especificado de maneira precisa. Mas pode ser um erro. [...]” (A ideia de justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 399/400)

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assistência, quando devidamente aplicada, o que, certamente, demanda em sua intelecção por completo.

REFERÊNCIASALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009.

FREITAS, Juarez. Sustentabilidade – Direito ao futuro. Belo Horizonte: Método, 2011.

______. A interpretação sistemática do direito. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008.

SEN, Amartya. A ideia de justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

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Assunto Especial – Doutrina

Sustentabilidade e Princípios Constitucionais

Hiperprocessualização e Congestionamento Jurisdicional: a Sustentabilidade como Marco Transformador

MARCELO GARCIA DA CUNHADoutorando em Direito pela PUCRS, Mestre em Direito pela PUCRS, Membro do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil, Advogado.

RESUMO: A ampla litigiosidade característica da contemporaneidade é uma das causas principais do congestionamento jurisdicional. Trata-se de problema que desafia a imposição de uma razoável duração do processo judicial, que encontra amparo no âmbito constitucional e em normas interna-cionais. Mediante abordagem contextualizada das suas causas e dos seus efeitos, objetiva-se aqui oferecer algumas propostas na tentativa de enfrentar essa questão. Tais propostas, muito além de inovações técnico-procedimentais, têm suas balizas fundadas no emergente paradigma do princípio da sustentabilidade. Os ajustes baseados nesse princípio estão a exigir políticas e posturas de alcan-ce presente e futuro.

PALAVRAS-CHAVE: Litigiosidade; tempo processual; propostas; revisão paradigmática; sustentabi-lidade.

ABSTRACT: The broad feature of contemporary litigation is a major cause of congestion court. This is problem that challenges the imposition of a reasonable duration of judicial proceedings, which finds support under constitutional and international standards. Through contextualized approach of its cau-ses and its effects, the objective is here to offer some proposals in an attempt to address this issue. Such proposals, beyond technical and procedural innovations have their beacons emerging paradigm founded on the principle of sustainability. Adjustments based on this principle are demanding political and attitudes of reach present and future.

KEYWORDS: Litigation; procedural time; suggestions; paradigmatic review; sustainability.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A razoável duração do processo judicial; 1.1 Posicionamento conceitual da atividade judiciária; 1.2 A razoável duração do processo judicial à vista da normatização convencional; 1.3 A razoável duração do processo judicial à vista da normatização constitucional; 2 Hiperprocessua-lização e congestionamento jurisdicional: compreensão contextual do problema; 2.1 Esclarecimentos preliminares; 2.2 Causas e efeitos do fenômeno; 3 Propostas sustentáveis para o enfrentamento do problema; 3.1 Necessidade de um princípio uniformizador; 3.2 Definição do princípio da sustentabili-dade; 3.3 Pluridimensionalidade do princípio da sustentabilidade; 3.4 Ajustes ponderados à base do princípio da sustentabilidade; Considerações finais; Referências.

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INTRODUÇÃOComo instrumento de composição dos litígios, o processo judiciário re-

clama, em homenagem a uma idealizada segurança social, a observância de um catálogo de garantias conferidas às partes, todas elas condensadas na cláu-sula constitucional do devido processo legal. Institucionalizada a justiça como atividade prestacional do Estado contemporâneo, a ordem jurídica impõe ao juiz o dever de diligenciar pelo rápido equacionamento da relação processual, submetendo-o inclusive à reparação dos danos eventualmente experimentados pelo jurisdicionado1. Há, por trás dessa engrenagem procedimental, o interesse finalístico do Estado em evitar que os litígios se prolonguem indefinidamente no tempo, o que constitui fonte de instabilidade para os protagonistas da relação processual e para toda coletividade2.

A realidade contemporânea revela a emergência de uma ampla litigiosi-dade a ser dirimida por um Poder Judiciário sem estrutura suficiente para aten-dê-la. Vários fatores são comumentemente elencados como desencadeadores do fenômeno da hiperprocessualização das relações sociais e do congestiona-mento judiciário, entre os quais se destacam a redemocratização do Brasil e o novo marco constitucional, a maior extensão, complexidade e diversidade das relações sociais da atualidade e a ineficiência de políticas de superação da crise ética e de contenção da ilegalidade epidêmica.

Para tentar contribuir no equacionamento de toda a problemática refe-rente à litigiosidade ampliada e à morosidade judiciária, procura-se aqui, longe de unilateralismos simplistas, abordar a questão à vista de sua complexidade contextual, balizando-se as propostas no emergente paradigma do princípio constitucional da sustentabilidade.

1 A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO JUDICIAL

1.1 Posicionamento conceitual da atividade judiciária

A atividade que o Estado exerce por meio de seus órgãos judiciários em nada difere, em essência, dos atos executivos e legislativos, pois todos objeti-vam, em sentido amplo, a consecução do bem-estar da coletividade. É certo que no âmbito do Judiciário igualmente se vislumbram atos característicos dos demais poderes: para que o juiz solucione o caso controvertido, cumpre que se lhe ofereça toda uma estruturação adequada, inclusive com o suporte à pratica de atos não apenas jurisdicionais, mas também administrativos e normativos.

1 A esse respeito, vide art. 125, inciso II, e art. 133, inciso II, do CPC.2 A ideia de segurança jurídica, tão cara no meio jurídico, no geral dos casos carece de maior concretização,

visto que o recurso a ela quase sempre está imbuído de uma insanável generalidade.

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Também é certo que a precípua atividade do Judiciário está incluída no amplo conceito de serviço público.

Nesse sentido, o Estado deve manter um sistema judiciário que funcione tanto quanto qualquer outra atividade pública, resguardadas obviamente as de-vidas especificidades próprias da atividade jurisdicional. Tenha-se em vista que o contribuinte, usuário dos serviços judiciários, paga não apenas os tributos em geral, mas também taxas específicas para o processamento de sua pretensão.

O serviço público extemporâneo não se ajusta aos preceitos contidos no Texto Constitucional, em particular ao princípio da eficiência, conforme expres-sa o art. 37, caput, da Constituição. A prestação jurisdicional congestionada, nesse contexto, afigura-se como atividade pública defeituosa.

1.2 a razoável duração do Processo judicial à vista da normatização convencional

A Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, subscrita na cidade de Roma, em 4 de novembro de 1950, estabelece, na primeira parte do § 1º do seu art. 6º, a obrigatoriedade aos Estados signatários de observarem o direito das pessoas de

que sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela.

O Tribunal de Justiça das comunidades europeias inclusive tem prece-dentes condenando os Estados que descumprem a regra comunitária ao pa-gamento de indenização aos prejudicados pelo excessivo congestionamento processual. José Manuel Bandres Sanchez-Cruzat revela uma especificidade dessa problemática ao afirmar que o Tribunal europeu tem alertado contra as legislações procedimentais que se mostram um tanto complexas e que podem afrontar o direito a um processo razoável, ao estabelecerem um verdadeiro la-birinto processual nos litígios contra a Administração Pública3.

Exige-se a concorrência de três requisitos para que o Estado incorra na responsabilidade por ofensa à razoabilidade temporal na prestação jurisdicio-nal: a) a norma violada deve outorgar direitos aos particulares; b) a violação de tal norma deve estar suficientemente caracterizada; c) deve haver um nexo de causalidade entre a violação e o dano causado ao particular4. O ordena-mento jurídico comunitário abarca não somente os Estados, como também os indivíduos, que podem direcionar reclamações contra a infringência do Poder

3 SANCHEZ-CRUZAT, José Manuel Bandres. Derecho Administrativo y Tribunal Europeo de Derechos Humanos. Madrid: Civitas, 1996. p. 111.

4 MAÑERO, Rosario Besné; ARRILLAGA, José Ramón Canedo; HERAS, Beatriz Péres de las. La Unión Europea. História, instituciones y sistema jurídico. Bilbao: Universidade de Deusto, 1998. p. 255.

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Público às disposições comunitárias – e aqui entram os casos em que os órgãos jurisdicionais não oferecem um serviço tempestivo. As regras convencionadas são vocacionadas à criação de direitos para os cidadãos dos Estados, direitos que nascem não só como consequência de atribuições diretas, mas também indiretamente de obrigações impostas aos Estados, às instituições comunitárias ou a outros cidadãos5.

A Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais demonstra o quanto está presente a ideia de que um processo com dilações indevidas pode atingir não apenas um simples direito do jurisdicionado, mas também valores mais caros da cidadania (como liber-dade, família, saúde e trabalho), dependendo da natureza do direito discutido no processo.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada em San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, em similitude com sua antecedente europeia, dispõe, no seu art. 8º, item 1, o qual trata das garantias judiciais, que toda pessoa tem direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por órgão jurisdicional competente, independente e imparcial, na apuração de qualquer acusação penal contra ela formulada ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de qualquer outra natureza civil. Sua vigência iniciou em 18 de julho de 1978, quando foi depositado o décimo primeiro instrumento de ratificação. O Brasil depositou sua carta de adesão à Convenção em 25 de setembro de 1992 e sua eficácia interna teve início com o Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, que lhe deu publicidade.

1.3 a razoável duração do Processo judicial à vista da normatização constitucional

O art. 5º, § 2º, da Constituição Federal já elevava a razoável duração do processo à categoria de direito fundamental, visto que os direitos e as garantias constantes do catálogo constitucional não excluem outros decorrentes de tra-tados internacionais firmados pelo Brasil. Disso resultava a plena eficácia da Convenção Americana sobre Direitos Humanos à realidade brasileira.

Além disso, uma vez prevista no Texto Constitucional a obrigatoriedade do devido processo legal (art. 5º, inciso LIV), o direito à razoável duração do processo sobressai como uma imposição consequencial desse princípio. A con-cepção de “devido processo” não está circunscrita ao resguardo das garantias formais previstas no procedimento, nem se restringe a fixar critérios para verifi-cação da razoabilidade dos atos jurisdicionais; vai além disso, elastecendo sua abrangência ao aspecto temporal do processo. Prestação jurisdicional oferecida além de um tempo moderadamente admissível ou que é concedida fora do lapso necessário à preservação do direito (desde que – esclareça-se – o pedido

5 Idem, p. 254.

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tenha sido postulado em tempo de ser adequadamente analisado), incorrendo, nessa segunda hipótese, em uma insanável inocuidade, ajustando-se mais à ideia de “indevido processo” do que à garantia prevista na Constituição.

A Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, veio acres-centar o inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição Federal, e, com isso, assegurou no ordenamento nacional, de forma expressa e inequívoca, o direito funda-mental à razoável duração do processo e os meios necessários para garantir a celeridade de sua tramitação.

À vista da normatização constitucional tendente a impedir a extempo-raneidade da prestação jurisdicional, cumpre a seguir analisar quais são suas causas e os seus efeitos, tendo presente a ideia de que a relação indicada na sequência não integraliza a extensa variedade de fatores que impelem esse fe-nômeno.

2 HIPERPROCESSUALIZAÇÃO E CONGESTIONAMENTO JURISDICIONAL: COMPREENSÃO CONTEXTUAL DO PROBLEMA

2.1 esclarecimentos Preliminares

Enquadrada a prestação jurisdicional na ampla margem conceitual de serviço público, cabe ao Estado prover os meios de cumprir esse dever de ma-neira efetiva6 e tempestiva. É importante conhecer quais são as causas do fe-nômeno da lentidão do tráfego processual para, a partir disso, buscar soluções racionalizadas e que tenham projeção em longo prazo, de modo a afastar qual-quer medida instantânea e impulsiva.

Em outras palavras, à vista da emergência do paradigma da sustentabili-dade, os ajustes necessários devem ter em conta não apenas soluções imediatas – necessárias para o enfrentamento dos problemas –, mas também se impõe conferir-lhes acima de tudo alcance futuro7.

Esclareça-se, desde logo, que a abordagem metodológica deste tópico não envolverá propriamente aspectos da legislação processual, notadamente muito limitadores para uma ampla e sistemática compreensão do problema8,

6 A ideia de efetividade da jurisdição vem sendo amplamente abordada na doutrina processual contemporânea, desencadeando, inclusive, múltiplas vertentes teóricas. A tal respeito, vide DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990; e OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil: proposta de um formalismo valorativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

7 Interessante a crítica de Howard Gardner, ao abordar os tipos de mentes que prosperarão no futuro (mentes disciplinadas, sintetizadoras, criadoras, respeitosas e éticas), quando afirma que a educação formal da atualidade está direcionada a preparar os alunos para o mundo do passado, em lugar dos possíveis mundos do futuro (Cinco mentes para o futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007. p. 23).

8 Lembre-se, aqui, a advertência de Piero Calamandrei, no sentido de que a Justiça não é um problema das leis e sim dos homens (Instituciones de derecho procesal civil: estudios sobre el proceso civil. Buenos Aires: Librería El Foro, v. III, 1996. p. 255).

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mas sim terá um enfoque voltado ao complexo de deveres éticos, culturais, sociais e políticos que estão imbricados no assunto.

2.2 causas e efeitos do fenômeno

A crise ética9 que envolve o comportamento das partes antes e durante o processo é, sem dúvida, um fator que contribui para o congestionamento jurisdicional.

Sem querer incidir na falácia da generalização, as relações de consumo bem ilustram essa crise. Certas corporações que ostentam grande poder econô-mico pontuam suas ações pela lógica do risco, optando pela inobservância da lei como estratégia de ampliação massificada do mercado. Por conta dessa insa-ciabilidade10, a consequência disso é desastrosa: centenas ou mesmo milhares de ações a congestionar a boa fluência do serviço judiciário.

Ademais disso, procurar justificar a demora do processo em razão do número de recursos previstos no procedimento, como é comum na doutrina processualística, constitui avaliação exageradamente simplista11, que não situa o problema no âmbito de sua própria complexidade. Independente do quan-titativo de recursos à disposição das partes, o processo inevitavelmente será retardado na sua solução final, ou até mesmo terá prejudicada a efetividade de seus atos decisórios, se nele imperar o esquecimento da razão ética e a cultura da insaciabilidade12. A lentidão da Justiça também encontra causa na postura do Estado como violador de direitos.

O problema aqui assume maior extensão e gravidade, pois tem origem em atos de órgãos e entidades públicas, não raras vezes pautados em políticas equivocadas, direcionadas a atender interesses partidários – por isso desvirtua-das dos legítimos interesses sociais –, absolutamente imediatistas13, e destituídas de uma aprofundada reflexão acerca de seus efeitos. E o que mais surpreende

9 Na atualidade, o recurso à ideia de crise soa de certa forma como um clichê, em vista da sua abusiva e generalizada repetição para sustentar qualquer juízo crítico sobre os mais variados fenômenos sociais. No entanto, ainda que correndo o risco de resvalar-se no lugar-comum, considerou-se aqui adequada a sua utilização como representativa dos desvios comportamentais dos protagonistas da controvérsia jurídica.

10 A propósito da insaciabilidade, Juarez Freitas aponta-a como um paradigma decadente, baseado apenas no crescimento quantitativo e destituído de conteúdo axiológico, que cede espaço à emergência do princípio da sustentabilidade, viabilizadora da qualidade de vida presente e futura (Sustentabilidade: direito ao futuro. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 83). Esse princípio será amplamente debatido mais adiante.

11 ROBLES, Gregório. Los derechos fundamentales y la ética en la sociedad actual. Madrid: Civitas, 1995. p. 132. O autor aponta a idolatração da razão técnica como uma das fontes da crise da sociedade contemporânea.

12 Howard Gardner (op. cit., p. 113) sustenta que o indivíduo deve ser capaz de fazer uma autorreflexão com foco no contexto em que se insere. Quais seus direitos, suas obrigações e suas responsabilidades? Quais seus deveres frente aos outros, principalmente com os menos afortunados? O que significa ser cidadão da sua comunidade, região e planeta?

13 Juarez Freitas (op. cit., p. 170) ressalta que em vez de adotarmos categorias presas ao curto prazo, devemos seguir o modelo do desenvolvimento intertemporal.

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é que tais decisões, na forma de atos administrativos do Executivo ou de atos normativos do Legislativo – e, algumas vezes em atos do próprio Judiciário, no exercício de suas atividades administrativas –, partem justamente de instituições que deveriam zelar pelo cumprimento da lei e pelo respeito aos direitos cons-titucionais.

Em razão da ampla abrangência dos atos do Poder Público, qualquer me-dida que não se ajuste à lei ou à Constituição pode desencadear prejuízos aos administrados, atingindo-os em seus direitos difusos, coletivos estrito senso e individuais homogêneos. E a reação converge contra um dos Poderes do Estado, já ineficiente para dar conta das demais demandas sociais, o que acentua ainda mais a morosidade do tráfego jurisdicional. Outro fator a considerar nesse con-texto da hiperprocessualização decorre da ampliação dos direitos e do maior acesso à informação.

Essa afirmação pode soar à primeira vista como paradoxal, pois levaria a uma conclusão pessimista e equivocada acerca de um fenômeno essencial-mente positivo. Entretanto, o foco do problema situa-se não propriamente no fato do incremento dos direitos e das possibilidades de informação, mas sim nas deficiências estruturais para fazer frente a essa nova realidade.

Na origem dessa problemática encontra-se a reabertura democrática do Brasil, a partir da metade dos anos 1980, que deu margem à judicialização de demandas até então reprimidas, acompanhada de um novo marco constitucio-nal, no qual foi dispensado amplo espaço a normas e princípios direcionados a assegurar a consecução de direitos sociais e dos valores existenciais14. Também a legislação infraconstitucional que iniciou sua vigência nas últimas décadas seguiu o mesmo caminho, ao garantir novos direitos à cidadania emergente no âmbito do Estado Democrático.

Agregado a esses novos contornos normativos, veio o aprimoramento dos mecanismos sociais de informação15, que muito têm contribuído, embora exista ainda um longo caminho a percorrer, para a conscientização dos indivíduos acerca de seus direitos16. Por último, todas as causas convergem na estrutura e

14 A existencialidade referida, é importante esclarecer, distancia-se de seu limitado viés antropocêntrico; ela deve ter, à vista do art. 225, caput e inciso VII, da Constituição Federal, ampla acepção de maneira a alcançar um meio ambiente ecologicamente equilibrado e o respeito a todas as formas de vida.

15 Cite-se aqui a atuação decisiva e fundamental das organizações sociais (associações, sindicatos, organizações não governamentais, etc.) em todo esse processo de divulgação e defesa de direitos. Lembre-se, ainda, a recente efervescência de movimentos sociais que utilizam o espaço público como campo para afirmação da cidadania. Nesse caso, não há intermediação representativa exercida por um ente ideológico; os movimentos sociais caracterizam-se pelo protagonismo direto, exercido pela espontânea conjunção das individualidades.

16 A respeito do conhecimento do direito, Carlos María Cárcova chama a atenção para o problema da “opacidade do jurídico”, que obscurece o seu discurso e o torna indisponível para os destinatários, em face de sua complexidade e falta de transparência conceitual. Há, nesse processo, segundo a tese do jurista argentino, uma certa manipulação e monopolização deliberada do saber, como estratégia de reprodução do poder (La opacidade del derecho. Madrid: Trotta, 2006).

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na organização deficitárias do Poder Judiciário para atender de maneira tempes-tiva e efetiva as demandas sociais.

É por demais conhecida a crônica carência de juízes e serventuários do Judiciário nacional, que não conseguem dar conta do extraordinário congestio-namento de ações aguardando definição, além de instalações e equipamentos obsoletos e inadequados, embora se reconheça o esforço que os Tribunais e o Conselho Nacional de Justiça vêm desenvolvendo para alterar esse quadro17.

Diante dessas deficiências estruturais e organizacionais, as promessas do Texto Constitucional (notadamente previstas no art. 37, caput, e no art. 93, in-ciso XIII, da Constituição Federal, este acrescentado pela Emenda nº 45/2004) não vão além da sua função retórica, ao fixarem o princípio da eficiência e a obrigatoriedade de o número de juízes das unidades jurisdicionais ser propor-cional à efetiva necessidade social e à respectiva população.

3 PROPOSTAS SUSTENTÁVEIS PARA O ENFRENTAMENTO DO PROBLEMA

3.1 necessidade de um PrincíPio uniformizador

Tradicionalmente, o congestionamento jurisdicional tem sido objeto de soluções imediatistas, simplificadas e destituídas de uma ampla contextualiza-ção (jurídica, sociológica, política), o que muito delimita a eficácia das medi-das, no geral dos casos, todas convergentes a efêmeras e paliativas modifica-ções das normas procedimentais.

O problema, a bem da verdade, carece de um princípio diretivo e racio-nalizador das opções resolutivas, conferindo a elas uma sistêmica uniformidade e coerência18, além de uma necessária estabilidade temporal.

A proposta aqui toma o rumo da sustentabilidade, como princípio emer-gente – e regente – de todas as relevantes políticas decisórias do Estado Consti-tucional contemporâneo.

3.2 definição do PrincíPio da sustentabilidade

Segundo Juarez Freitas, a sustentabilidade deve ser entendida como de-terminação ético-jurídica, de matriz constitucional (fundada, entre outros dispo-sitivos, nos arts. 3º, 170, inciso VI, e 225 da Constituição Federal), que assegura às gerações presentes e futuras um ambiente de bem-estar, responsabilização

17 Ainda que sejam necessários alguns ajustes para sua plena e adequada funcionalidade, a virtualização dos processos da Justiça Federal, implementada nos últimos anos, revela-se como iniciativa exemplar para diminuir as aflições dos jurisdicionados.

18 Para uma abordagem do sistema jurídico como uma rede axiológica e hierarquizada de princípios fundamentais, regras e valores jurídicos, vide FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

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do Estado pela prevenção de eventos danosos ao ambiente e sindicabilidade amplificada das escolhas públicas e privadas, de forma alheia a vieses e a mitos comuns19. O princípio constitucional da sustentabilidade

determina, com eficácia direta e imediata, a responsabilidade do Estado e da sociedade pela concretização solidária do desenvolvimento material e imaterial, socialmente inclusivo, durável e equânime, ambientalmente limpo, inovador, éti-co e eficiente, no intuito de assegurar, preferencialmente de modo preventivo e precavido, no presente e no futuro, o direito ao bem-estar.20

O entendimento do bem-estar, como antes mencionado, deve ser o mais amplo possível, multidimensional, de modo a alcançar todos os aspectos fun-damentais para uma digna existencialidade. E isso compreende também, pelo seu enquadramento como dever do Estado, a prestação jurisdicional adequada e tempestiva, porque nela estão em jogo, de forma expressa ou não, valores muito caros aos indivíduos e a todo o contexto social. Para bem apreender o alcance desse princípio é importante uma rápida abordagem de suas variadas dimensões.

3.3 Pluridimensionalidade do PrincíPio da sustentabilidade

Há pelo menos cinco dimensões da sustentabilidade, mutuamente re-lacionadas, que devem necessariamente condicionar as escolhas diretivas em prol do bem-estar da geração presente e das gerações futuras. A dimensão social preconiza um modelo de desenvolvimento inclusivo e justo, voltado aos cuida-dos com a digna sobrevivência de todos. Essa dimensão baliza a consecução da plenitude das potencialidades humanas e a respeitabilidade do homem frente à diversidade dos demais seres vivos21. A sustentabilidade se impõe, por outro lado, pela sua dimensão ética, baseada no reconhecimento de que todos os seres mantêm uma sintonia naturalmente empática, e não uma relação dege-nerativa e destrutiva. Em razão disso, muito além dos formalismos abstratos e destituídos de conteúdo valorativo, assim como acima de qualquer inclinação a uma insaciabilidade degradante, essa dimensão universaliza o reconhecimento e a concretização de uma solidariedade existencial22. A dimensão ambiental do princípio constitucional da sustentabilidade evoca a responsabilidade humana pelo equilíbrio da natureza. O homem não pode esquecer-se de sua condição de ser natural e por isso deve conscientizar-se de seu dever de preservar o am-biente em que vive, sem o qual é impossível haver qualidade de vida. E isso

19 FREITAS, Juarez. Sustentabilidade..., p. 32.20 Idem, p. 41.21 Idem, p. 58-60. 22 Idem, p. 60-63. Acerca do formalismo abstrato, lembre-se, aqui, do imperativo categórico kantiano como

princípio ético apriorístico, cuja validade está condicionada apenas pela intenção universalizável, e não por valores externos. Vide KANT, Immanuel. La metafísica de las costumbres. 2. ed. Madrid: Tecnos, 1994. Para uma análise crítica do formalismo de Kant, vide WEBER, Thadeu. Ética e filosofia política: Hegel e o formalismo kantiano. Porto Alegre: EdiPUCRS, 1999.

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exige medidas de longo alcance, pois, no futuro, a persistirem os altos níveis de emissão de carbono, a existencialidade de qualquer espécie restará inviabi-lizada23. A sustentabilidade projeta-se também pela sua dimensão econômica.

Para contextualizar a dimensão econômica é importante ter em vista que a estruturação básica da economia da atualidade teve seu marco originário nas políticas de liberalização e de desregulamentação, implementadas entre as dé-cadas de setenta e oitenta do século passado, em alguns países do Norte, oca-sião em que houve uma significativa supressão de políticas sociais locais. A re-gulação das relações e dos interesses entre os indivíduos, sob essa perspectiva, segue a lógica do mercado, por meio da famosa mão invisível, que intenciona a tudo equacionar nas relações da sociedade de consumo.

A rentabilidade insaciável, contudo, pautada no acelerado intercâmbio mercadológico, não pode prevalecer sobre a ética humanística, visto que essa insaciabilidade gera uma constante tensão entre o poder econômico e todos aqueles que se encontram à margem do processo econômico, além de produ-zir uma desestruturação sistêmica e generalizada dos alicerces sociais24. Juarez Freitas assinala que a dimensão econômica exige a ponderação fundamentada, em qualquer empreendimento público ou privado, acerca dos benefícios e dos custos diretos e indiretos, além da implementação de políticas de economici-dade que tenham por objetivo o combate ao desperdício em sentido amplo e a regulação do mercado, de maneira que a sua eficiência guarde real vinculação com a eficácia25. Por fim, a dimensão jurídico-política da sustentabilidade de-termina a tutela jurídica do direito ao futuro de maneira bastante amplificada, e supõe uma nova hermenêutica das relações jurídicas em geral. Essa dimensão resguarda os direitos à longevidade digna, à alimentação sem excessos e carên-cias, ao ambiente limpo, à educação de qualidade, à democracia, à informação livre e de conteúdo qualificado, ao desfecho tempestivo do processo judicial e administrativo, à segurança, à boa administração pública e à moradia digna e segura26.

3.4 ajustes Ponderados à base do PrincíPio da sustentabilidade

A multiplicidade, a extensão e a complexidade de fatores que ocasionam o fenômeno da hiperprocessualização e do congestionamento jurisdicional re-

23 FREITAS, Juarez. Sustentabilidade..., p. 64-65.24 Joseph E. Stiglitz (The price of inequality. New York: Norton & Company, 2012) faz uma análise criteriosa

e aprofundada das distorções decorrentes da desigualdade, amparada inclusive em leis que condicionam o mercado e causam desequilíbrios na repartição da riqueza e do bem-estar.

25 FREITAS, Juarez. Sustentabilidade..., p. 65-67. Amartya Sen (Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 28-29), ao defender a tese de que a liberdade é o fim principal do desenvolvimento, sustenta a necessidade de se enxergar muito além do crescimento econômico, mensurado por fatores limitados como o Produto Nacional Bruto. O desenvolvimento, segundo Sen, deve estar diretamente relacionado com a melhoria da qualidade de vida e com as liberdades sociais.

26 FREITAS, Juarez. Sustentabilidade..., p. 67-70.

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clama a adoção de medidas em sintonia com o princípio constitucional da sus-tentabilidade. Longe de fórmulas imediatistas, instantâneas e de ocasião, restri-tas a uma abordagem simplificada do problema, centradas no comum dos casos em redirecionamentos ou em inovações de caráter técnico-processualístico, o princípio impõe um equacionamento criativo do problema27, sob suas variadas perspectivas dimensionais, muito além do seu enfrentamento sob a roupagem dos velhos hábitos e das soluções unidimensionais. É essa metodologia que dará eficácia e estabilidade – presente e futura – às resoluções adotadas. O primeiro aspecto a mencionar é o que se refere à necessidade de superação da cultura do litígio.

Vive-se hoje, mais do que nunca, sob um ambiente social de culturaliza-ção à concorrência. A sociedade ocidental tecnológica e competitiva generaliza a ideia de que o “ter” importa mais do que o “ser”. Almeja-se, sempre, chegar na linha final na frente dos “adversários”. Já não se impõem limites éticos nesse culto à competição duelística, deixando-se em segundo plano princípios huma-nistas e solidários.

O litígio processual é sempre traumático e tem seu preço psicológico para ambas as partes28. É falaciosa a concepção de que no processo há vence-dor e vencido. Não há ônus sucumbencial que compense todo o tempo consu-mido e o desgaste emocional sofrido no curso de uma ação judicial. A ideia de Justiça29 deve projetar-se para além do processo judiciário.

Nesse sentido, cumpre desenvolver-se uma cultura preventiva e conci-liatória, pautada no esforço sincero de resolução dos problemas individuais e coletivos. Longe dos conceitualismos da lei processual e das abstrações forma-lísticas (“os fatos não contestados serão tidos como verdadeiros”, “o que não está nos autos não está no mundo”, etc.), é possível buscar soluções com maior sensibilidade humanística, desde que os operadores jurídicos estejam capacita-dos ao aconselhamento, à mediação e à reconciliação, figuras prestigiadas no projeto legislativo do novo Código de Processo Civil.

É necessário também vencer o sistemático inflacionamento legislativo.

27 Estamos acostumados a ver os fatos apenas pela sua configuração óbvia, e a consequência disso é um “endurecimento de atitudes”, conforme realçam criticamente Daniel Goleman, Paul Kaufman e Michael Ray (O espírito criativo. 5. ed. São Paulo: Cultrix, 2003. p. 14). Ainda sobre o tema da superação das dificuldades cotidianas com instrumentalização inventiva e criadora, vide Brigitte Bouillerge e Emmanuel Carré (Saber desenvolver a criatividade na vida e no trabalho. São Paulo: Larousse, 2004).

28 O trauma também atinge ao juiz, como elemento sensível envolvido na resolução do litígio. Em obra que expõe suas teorias sobre o comportamento judicial, entre elas a teoria psicológica, Richard A. Posner enfatiza o fator humano da atividade: “My analysis and the studies on which it builds find that judges are not moral or intellectual giants (alas), prophets, oracles, mouthpieces, or calculating machines. They are all-too-human workers, responding as other workers do to the conditions of the labor market in which they work” (How judges think. Cambridge-London: Harvard University Press, 2008, p. 07).

29 Para Amartya Sen (A ideia de justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011), a questão da justiça não se limita a uma abordagem idealizada, conforme predomina na filosofia moral e na política contemporânea, mas sim deve preocupar-se em identificar e remover as distorções reais.

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A maleabilidade e celeridade dos fatos sociais colocam em questiona-mento o sistema de legislação perene (a lei vigora até que outra a modifique ou revogue). Para acompanhar esse movimento da história contemporânea, o legis-lador lança mão de uma inflação legislativa, que produz uma ilusória sensação de segurança e certeza jurídicas. A estabilidade sociológica de tempos passados vem cedendo espaço a fatos novos e aos rumos da vida, causa de um constan-te distanciamento entre a rigidez jurídica e a mobilidade experiencial. Isso é causa de um alto grau de inobservância das normas do Estado, por ignorância dos destinatários – fenômeno da opacidade do direito – ou por absoluta falta de sintonia com a contextura social30, o que inexoravelmente produz conhecidos reflexos no problema da hiperprocessualização e congestionamento judicial.

Outro aspecto a considerar diz respeito à necessidade de transposição do excessivo tecnicismo que vigora no meio jurídico, causa de discussões estéreis que apenas dilatam o tempo processual.

Toda a construção jurisprudencial respeitante ao prequestionamento numérico pertinente aos recursos que transitam nos tribunais superiores per-mite exemplar constatação desse problema. Se a parte não prequestionou as disposições legais que alega violadas pela decisão recorrida, ou, se o fez, não “induziu” o tribunal a manifestar-se sobre elas mediante embargos declarató-rios, como está a declarar a Súmula nº 356 do Supremo Tribunal Federal31, fica fechada a via recursal para as cortes superiores.

Tende-se a direcionar o uso da técnica à consecução de um determinado fim, sem se questionar acerca da legitimidade desse objetivo; simplesmente é voltada a alcançá-lo. O saber técnico, nesse quadro, inverte a ordem natural das coisas, pois se torna fator de realização de suas próprias categorias, deixan-do ao plano secundário os valores humanos envolvidos no cenário judicial. A atividade jurisdicional, à vista desse aspecto, deve ser instrumentalizada sobre uma base contextual o mais ampla possível. A matriz a ser observada, na esteira do princípio da sustentabilidade, pressupõe compromisso com o fator humano, sem abdicação ou exacerbação da técnica, redirecionada ética e adequada-mente à consecução das necessidades das pessoas.

Há, ainda, nesse caminho de superar velhos hábitos, a imposição de uma fluidez discursiva, como meio instrumental do aspecto dialógico da Justiça con-temporânea.

A realidade judiciária requer o uso de diálogo claro e desembaraçado en-tre as partes e o órgão jurisdicional. Essa exigência é acentuada pela quantidade

30 A falta de efetividade das normas não tem sido uma preocupação recorrente entre os juristas, que relegam essa investigação aos sociólogos ou restringem-se a um enfoque meramente conceitualístico sobre o tema.

31 A Súmula nº 356, aprovada há mais de quarenta anos, tem a seguinte redação: “O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”.

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extraordinária de ações judiciais frente a uma notória insuficiência de recursos humanos e logísticos para atender a essa demanda.

A quebra de alguns tradicionalismos não se revela decisiva para alterar o quadro de abarrotamento do Judiciário, mas ao menos ressalta a emergência de um sincero propósito de colaborar com a fluência da prestação jurisdicional.

A estereotipia pautada em expressões padronizadas e amorfas, das quais são exemplares os termos e brocardos latinos, não pode mais prevalecer no discurso processual. É certo que, no campo judicial, as partes devem ter conhe-cimento das exigências específicas da construção jurídica do objeto em discus-são. Isso reclama uma retradução de todos os aspectos do caso concreto, que deve ser formatado como problema próprio para debates juridicamente regu-lados32. Nada justifica, no entanto, o excesso de simbolismos linguísticos que dificultam a apreensão das ideias e obscurecem o debate processual.

O processo tem por finalidade a resolução de problemas práticos. Na consecução desse objetivo, a atividade dialógica requer, sem prejuízo de um suporte teórico reflexivo, clareza e objetividade, características redacionais que imprimem maior fluidez aos interesses em causa, ainda que isso seja feito à cus-ta de hábitos que já não possuem consonância com as exigências da atualidade.

Um Estado comprometido com a observância do princípio constitucional da sustentabilidade deve respeitar os direitos dos cidadãos.

A insaciabilidade não pode acometer os atos do Poder Público, em quais-quer de suas esferas. Além de demandas referentes a direitos individuais hete-rogêneos33, que grassam em quantitativo assustador em um país de proporções continentais como o Brasil, nas últimas décadas o Judiciário vem enfrentando ações pulverizadas que versam sobre os chamados direitos individuais homogê-neos, que, na sua essência, são suscetíveis de divisão, embora decorram de uma origem comum, conforme identificado pela doutrina especializada.

O inusitado desse contexto, motivo de perplexidade a quem observa cri-ticamente o fenômeno do congestionamento jurisdicional, é constatar que o maior protagonista de litígios que assolam o Judiciário é justamente o Poder Público, a quem a Constituição Federal – art. 37, caput – impõe a observância do princípio da legalidade estrita em seus atos. Ainda que se leve em considera-ção, como tentativa de justificação, a sempre lembrada onipresença do Estado, assim como a sua hiperdimensão institucional, aspectos que potencializam, ao menos em tese, as possibilidades de suas decisões causarem prejuízos com am-pla extensão subjetiva, os efeitos dessa postura irresponsável são desastrosos.

32 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil e Difel, 1989. p. 229-230.33 Os direitos individuais heterogêneos, como está a evidenciar a denominação, não decorrem de uma gênese

comum; são direitos divisíveis e com titularidades perfeitamente delineadas, que não mantêm qualquer traço de similaridade. Os litígios que versam sobre esses direitos envolvem interesses específicos e singularizados.

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Aqui, o princípio da sustentabilidade também deve ter efetiva ingerência e condicionar sempre as políticas públicas e todos os atos administrativos, de modo a prevenir e precaver, como bem aponta Juarez Freitas, “os danos oriun-dos de toda e qualquer atuação desproporcional de seus agentes, por excesso ou inoperância”. Nesse sentido, a meta prioritária, à vista do paradigma da sustentabilidade, “consiste em, a todo transe, evitar os custos diretos e cola-terais dos danos provocados por ações e omissões injustificáveis dos agentes estatais”34. Por fim, é imperiosa uma efetiva reestruturação de toda a aparelha-gem do Judiciário para atender temporalmente às demandas da população. Por demais conhecido é o problema da carência de juízes e de serventuários que assola o Judiciário, cujo efetivo de pessoal não dá conta da extraordinária quan-tidade de ações em tramitação. Soma-se a isso a precariedade de instalações e de equipamentos.

Sob os marcos da sustentabilidade impõe-se a responsabilidade definitiva do Estado pela prestação jurisdicional adequada e tempestiva. Para tomar esse rumo, a Justiça precisa ser formatada em suas estruturas e em sua organização em direção à qualificação dos seus serviços35. A atividade judicial não se dá apenas pela pretensa correição dos atos tipicamente jurisdicionais, mas também por meio de todo um disciplinamento funcional, que deve ser rigorosamente zeloso em prol do bom fluxo processual.

CONSIDERAÇÕES FINAISProcurou-se, aqui, problematizar a questão da litigiosidade ampliada e a

sua consequência mais sensível, que é o congestionamento jurisdicional, tudo ao custo das angústias do cidadão que se encontra na contingência de necessitar do serviço judiciário, incluído no elenco dos deveres prestacionais do Estado.

Há uma multiplicidade de fatores desencadeadores desse fenômeno, en-tre eles uma permanente crise ética nas relações sociais, a paradoxal infringên-cia aos direitos da cidadania pelo próprio Estado, a garantia de novos direitos e o redimensionamento do nível de conscientização social, aspectos (os dois últimos) que se tornam problemáticos frente às deficiências estruturais e organi-zacionais da aparelhagem judiciária.

Na tentativa de ajustar esse contexto (hiperprocessualização e conges-tionamento judicial) ao emergente paradigma da sustentabilidade, muito além

34 FREITAS, Juarez. Sustentabilidade..., p. 271.35 Nesse aspecto, convém reconhecer medidas inegavelmente positivas e inovadoras, em perfeita sintonia com

a dimensão ambiental da sustentabilidade, como a crescente virtualização dos processos e a informatização das informações processuais. Acerca da qualificação do serviço público, Juarez Freitas aponta o direito fundamental à boa Administração Pública, que deve ser eficiente e cumpridora de seus deveres, norteando seus atos pela transparência, motivação adequada, imparcialidade, moralidade e plena responsabilidade pelas suas ações e omissões (Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa Administração Pública. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009).

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das modificações técnico-procedimentais, é importante priorizar políticas de alcance presente e futuro, de maneira a superar a culturalização da litigiosidade imponderada (em direção a um ambiente sociológico preventivo e conciliató-rio), evitar a emissão descriteriosa e desmedida de leis (causa de inflexibilidade jurídica), sustar o rigor tecnicista (de efeitos desastrosos no fluxo processual), ul-trapassar a discursividade meramente retórica, estética e estéril (que embaraça o diálogo claro e fluido entre os atores do cenário judicial), impedir a inobser-vância do princípio da legalidade por parte dos agentes do Estado (a insaciabi-lidade não pode contagiar as opções públicas) e transpor a irresponsabilidade pela prestação jurisdicional inadequada e tardia (impõe-se o dever definitivo de qualificação do serviço judiciário). Para vencer essas dificuldades e conso-lidar um verdadeiro sentimento de justiça é importante o compromisso ético e harmônico de todos os envolvidos e interessados (cidadãos, agentes políticos e operadores do direito).

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Parte Geral – Doutrina

As Condutas “Verdes” e a Finalidade Extrafiscal da Tributação

HENRIQUE SAMPAIO GORONMestrando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Estado do Rio Grande do Sul – PUCRS, Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBEt, Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Estado do Rio Grande do Sul – PUCRS, Integra os Grupos de Estudos e Pesquisas de Tributação Ambiental da Universidade Federal do Ceará – UFC e Direito Mercado e Economia da Pontifícia Universidade Católica do Estado do Rio Grande do Sul – PUCRS.

RESUMO: O presente artigo debate a concessão de incentivos fiscais às condutas que, de algum modo, protegem o meio ambiente. Apresenta-se uma breve evolução histórica na proteção ambien-tal. Debate-se a efetividade da coerção das condutas prejudiciais ao meio. Estuda-se a finalidade extrafiscal dos tributos como forma de induzir condutas ecologicamente desejadas e as espécies de incentivos fiscais passíveis de utilização tem nessas situações. Porém, para que sejam concedidos incentivos fiscais, necessário que sejam observadas as responsabilidades dos agentes públicos e o orçamento dos estatais. Conclui-se que, para não desequilibrar a balança financeira estatal, a concessão de incentivos fiscais deverá ter como contrapartida a imposição de novos tributos ou a elevação daqueles já existentes ou a diminuição dos gastos públicos, o que exigirá modificações nos modelos de gestão atuais.

PALAVRAS-CHAVE: Direito ao meio ambiente equilibrado; incentivos fiscais; responsabilidade fiscal.

ABSTRACT: This article discusses the granting of tax incentives for conduct that otherwise protect the environment. It presents a brief historical developments in environmental protection. Debate is the effectiveness of coercion harmful to the pipes. Studies the extrafiscal purpose of taxes as a way to induce environmentally desirable behaviors and species capable of using tax incentives have these situations. However, that tax incentives are granted the necessary responsibilities of public officials and the state budget are met. We conclude that, not unbalance the state financial account, the granting of tax incentives should be matched by the imposition of new taxes or raising existing ones or decrease public spending, which will require changes in current management models.

KEYWORDS: Right to balanced environment; tax incentives; fiscal responsibility.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Evolução histórica do interesse na proteção do meio; 2 Efetividade das normas de coerção; 3 Aplicação de incentivos fiscais na proteção ambiental; 3.1 Finalidades fiscal e extrafiscal dos tributos (indução de condutas); 3.2 Espécies de incentivos fiscais passíveis de au-xílio à concretização do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado; 3.3 Limites à concessão de incentivos fiscais: responsabilidade do agente público e o orçamento do Estado; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃOA utilização de meios diversos cada vez mais é necessária para se al-

cançar a efetiva proteção ambiental, pois apenas a coerção de condutas que

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degradam o ambiente natural não tem sido efetiva. As normas que preveem consequências negativas aos agentes poluidores não mais impedem ações des-trutivas para com o meio. Desta forma, vem crescendo a ideia de se utilizar o Direito Tributário, especificamente os incentivos fiscais, como forma de auxílio para se manter o equilíbrio ambiental.

Neste estudo serão analisadas as possibilidades de se lançar mão de de-terminados “prêmios” tributários para àqueles que agirem em consonância com os ditames estatais que visam garantir um ambiente saudável para as atuais e futuras gerações. Tais vantagens materializam-se na forma de incentivos fiscais como a isenção, o crédito presumido e as reduções de base de cálculo e alí-quota.

Ocorre, no entanto, que a concessão de incentivos fiscais deve neces-sariamente seguir as prescrições da chamada responsabilidade fiscal. Não há outra alternativa, as contas do Estado devem permanecer equilibradas e a con-cessão de benesses fiscais podem retirar do prumo as finanças públicas, o que seria um desastre.

1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INTERESSE NA PROTEÇÃO DO MEIOA preocupação com a degradação ambiental, não obstante os séculos de

exploração humana sobre a terra, começou a ter espaço a partir da revolução industrial. Porém, a consciência de que é de fato necessária alguma intervenção efetiva na destruição do meio somente concretizou-se na segunda metade do século XX, pois até então intencionava-se a proteção de determinados grupos ou indivíduos que de alguma forma relacionavam-se com interesses humanos e não com a preservação ambiental como um todo. Exemplos disso são a Con-venção de 1883, em Paris, que objetivava a proteção das focas de pele no Mar de Bhering, a Convenção realizada em 1911, também em Paris, para proteger as aves úteis à agricultura, e, ainda, a convenção para regulamentação da pesca da baleia em 1946 em Washington1.

Foi com a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Hu-mano, em Estocolmo, no ano de 1972, que a relação homem x natureza tomou rumos mais consistentes no sentido de se amenizar a ação humana sobre o meio ambiente. Com forte influência da comunidade científica que já procura-va solucionar problemas ambientais, da divulgação em larga escala de desastres ambientais pela mídia e do crescimento desenfreado das economias, a Confe-rência de Estocolmo foi de extrema importância para criar um novo pensamento no sentido de assumir que a ação humana estava, e ainda está, deteriorando o ambiente. A partir daquele evento, a comunidade internacional admitiu a exis-tência de problemas ambientais em dimensão global. O documento gerado na

1 MODÉ, Fernando M. Tributação ambiental – A função do tributo na proteção do meio ambiente. Curitiba: Juruá, 2003. p. 20.

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reunião realizada entre os dias 5 e 16 de junho de 1972 proclama inicialmente que:

O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que o cerca, o qual lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. Em larga e tortuosa evolução da raça humana neste planeta chegou-se a uma etapa em que, graças à rápida acelera-ção da ciência e da tecnologia, o homem adquiriu o poder de transformar, de inúmeras maneiras e em uma escala sem precedentes, tudo que o cerca. Os dois aspectos do meio ambiente humano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida mesma.2

O Princípio Primeiro, declarado na Conferência de Estocolmo, expressa a convicção de que:

O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras. A este respeito, as políticas que promovem ou perpetuam o apartheid, a segregação racial, a discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão e de do-minação estrangeira são condenadas e devem ser eliminadas.3

No Brasil, o Decreto nº 73.030, de 30.10.1973, foi o primeiro passo le-gislativo relacionado à política ambiental, e decretou a criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA, que objetivava a formulação da política oficial para o meio ambiente por meio da sistematização da legislação esparsa então existente (Código de Águas, 1934, Código Florestal, 1965, Código de Caça, 1967, Código de Pesca, 1967, Política Nacional de Saneamento, 1967, Código de Mineração, 1967 e Estatuto da Terra, 1964). Posteriormente foi ins-tituído o Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama, em 1981. No mesmo ano, a Lei nº 6.938 alinhou princípios a serem incluídos pela Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA e criou o Conselho Nacional do Maio Ambiente – Conama, órgão que visa propor diretrizes de políticas para o meio ambiente, e deliberar sobre normas que visem o equilíbrio do meio ambiente4.

Vinte anos passados da Conferência de Estocolmo, realizou-se, no Brasil, na Cidade do Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Am-biente e Desenvolvimento, em 1992, a denominada ECO/92 ou Rio-92, na qual foi constituído o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e consagrada a expressão “desenvolvimento sustentável”. Ademais, nessa oca-

2 Ministério do Meio Ambiente. Disponível em: <www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/estocolmo.doc>. Acesso em: 28 mar. 2014.

3 Idem.4 MODÉ, Fernando M. Op. cit., p. 23.

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60 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RSA Nº 19 – Maio-Jun/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

sião foi instituída a Agenda 21 (instrumento de planejamento para constituição de sociedades sustentáveis, em diferentes bases geográficas, que concilia mé-todos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica), além de terem sido realizadas importantes conferências, tais como a Conferência sobre a Diversidade Biológica e Conferência sobre Mudanças Climáticas5.

Passados 20 anos da ECO/92, em 2012, realizou-se, novamente no Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Susten-tável, na qual se debateu principalmente a economia verde no contexto do de-senvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza, bem como a estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável.

Esta breve linha do tempo demonstra que a exigência por um meio am-biente saudável vem crescendo a cada década, tornando-se, atualmente, uma questão premente para a existência da raça humana. Tendo em vista a impor-tância que tem alcançado desde a década de 1970, a proteção ambiental rece-beu merecido destaque na Constituição Federal de 1988, passando a integrar o rol de direitos fundamentais de terceira geração (que possuem a característica de uma titularidade coletiva ou difusa, que alcançam a todo gênero humano, o que os torna distintos dos de primeira e segunda geração – direitos civis e políticos e direitos sociais, culturais e econômicos respectivamente – que estão vinculados a um indivíduo ou grupo determinado).

A evidente essencialidade do direito ao meio ambiente provém da inafas-tável ideia de que o homem somente poderá desenvolver-se em um ambiente saudável. Por tal razão, justifica-se que o direito ao meio ambiente seja conside-rado fundamental, pois até sua existência depende do meio hígido.

Neste andar, a Constituição Federal de 1988 dispôs alinhamentos a serem seguidos no sentido de preserva-se o meio ambiente. Nas palavras de Simone Sebastião:

Assim, de forma definitiva, a Constituição da República de 1988 declinou di-retivas para a solução da problemática ambiental, estabelecendo diretrizes de preservação e proteção de recursos naturais, incluindo nelas a flora e a fauna, além de determinar outras medidas com as normas de promoção da educação ambiental e definir o meio ambiente como bem de uso comum do povo a ser resguardado para as presentes e futuras gerações.6

O Capítulo VI da Constituição Federal, no seu art. 225, dá o tom:

5 GERARDI, Cláudia M. de P. E.; KURANAKA, Jorge; MATSUDA, Keiji; CHELLI, Reinaldo Aparecido. Estudo de caso: a questão da queima da palha de cana-de-açúcar: a difícil conciliação entre proteção ambiental e desenvolvimento (proibição x autorização) – dois aspectos do estado em juízo. In: BENJAMIN, Antonio Hermam; FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Direito ambiental e as funções essenciais à justiça: o papel da advocacia do Estado e da defensoria pública na proteção do meio ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 386.

6 SEBASTIÃO, Simone M.. O tributo como instrumento efetivo de proteção do direito à vida no planeta. In: FOLMANN, Melissa (coord.). Tributação e direitos fundamentais. Curitiba: Juruá, 2007. p. 278.

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Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as pre-sentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus com-ponentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão per-mitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de im-pacto ambiental, a que se dará publicidade;

V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscien-tização pública para a preservação do meio ambiente;

VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que co-loquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, in-dependentemente da obrigação de reparar os danos causados.

§ 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far--se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

§ 5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.

§ 6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização defini-da em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.7

7 Brasil, Constituição Federal de 1988.

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As diretrizes do referido artigo são nítidas, destacam a importância que deve ter a questão relativa à proteção ambiental, à preservação do meio no qual o homem percorre sua existência e se desenvolve. Mas a proteção ambiental é tema por demais amplo, pois de nada adianta proteger-se pontualmente o meio ambiente se as condutas humanas não sustentam essa proteção, quer dizer, há que se impedir os erros que até o momento a raça humana tem cometido com o ambiente, do contrário não se sustentará o desenvolvimento humano.

2 EFETIVIDADE DAS NORMAS DE COERÇÃO A política de coerção das condutas lesivas ao meio ambiente possui ali-

cerce no § 3º do art. 225 da Constituição Federal8. Quer dizer, o legislador originário intencionou destacar a importância que se deve conceder à repressão de condutas que efetivamente prejudiquem ou que possam vir a ser prejudiciais ao meio. Ademais, o artigo referido traz a abrangência desta coerção, pois o “infrator” está sujeito a sanções penais e administrativas, sendo que a obrigação de reparar o dano na esfera cível é dissociada daquelas sanções.

Nos ensinamentos de Édis Milaré, “[...] a danosidade ambiental tem re-percussão jurídica tripla, certo que o poluidor, por um mesmo ato, pode ser responsabilizado, alternativa ou cumulativamente, nas esferas penal, adminis-trativa e cível”9.

Mesmo que se admita ser mais importante educar do que punir, é por intermédio do poder de polícia que se tem pretendido proteger o meio. Desta forma, a proteção ambiental tem sido exercida muito pouco com base na pre-venção, possuindo seu agir intenso na reparação de danos (esfera cível) e na coerção aos possíveis danos (esferas administrativa e penal).

A política coercitiva está essencialmente apoiada na Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas deri-vadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. No estudo da referida legislação salta evidente a importância concedida à coercibilidade de condutas lesivas ao meio ambiente.

Das infrações administrativas previstas na citada legislação e no Decre-to nº 6.514, de 22 de julho de 2008, apenas a multa simples exige culpa do agente. As demais infrações alicerçam-se na responsabilidade sem culpa, ou objetiva. São elas: advertência, multa diária, apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou ve-ículos de qualquer natureza utilizados na infração, destruição ou inutilização

8 “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”

9 MILARÉ, Édis. Direito ambiental: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 1131.

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do produto, suspensão de venda e fabricação do produto, embargo de obra ou atividade, demolição de obra, suspensão parcial ou total de atividades e restri-tiva de direitos.

O Capítulo V, da Lei nº 9.605/1998, fixa de forma mais aguda a coerção às condutas ambientalmente lesivas e prevê os crimes contra o meio ambiente, tais como contra a fauna, a flora, causar poluição (de forma bem abrangente), destruição do patrimônio cultural e ordenamento urbano e também, ainda, cri-me contra a administração ambiental.

De forma mais esparsa, a coerção também está prevista no Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, na forma de multas para inúmeras condutas (arts. 33 a 44), e na Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, relacionada a recursos hídricos superficiais ou subterrâneos, também na forma de multas, advertência e embargo provisório ou definitivo de obras (arts. 49 a 50).

No estudo mais aprofundado da legislação citada, resta por demais evi-denciado que a legislação brasileira privilegia a coerção quando se trata de pro-teção ambiental. Há inúmeros crimes e infrações administrativas que tentam, de alguma forma, impedir que atos nocivos ao meio sejam praticados.

A legislação coercitiva é muito extensa, prescreve um sem número de condutas consideradas lesivas ao meio e sobre as quais incidem penas para que delas se tente desviar. Esse excesso legislativo coercitivo sem efetividade (e desimporta nesse estudo a razão da inexistência de efetividade) acaba por vir a ser prejudicial, pois se cria uma falsa ideia de que o ambiente encontra-se protegido justamente por que a legislação abrange um sem número de ações a ele lesivas. O excesso de normas acaba, inclusive, por impedir o conhecimento de todo o rol que constitui infração. Com propriedade, Cristina Emy Yokaichiya, em sua dissertação de mestrado na Universidade de São Paulo – USP, ao tratar especificamente do Direito Penal Ambiental, afirma que:

Nenhuma das teorias preventivo-gerais escapa da constatação de que se funda-mentam em uma suposição utópica de que todas as pessoas – seja na condição de infratores ou de cidadãos que confiam no Direito – têm pleno conhecimento da norma (situação pouco provável, a não ser para profissionais especializados). Tais teorias partem, pois, da hipótese de que os cidadãos são plenamente capa-zes de utilizar seu raciocínio, seu poder de cálculo, para ser dissuadidos da ação criminosa em razão dos comandos emitidos pela norma.10

Mais adiante, a autora traz a evidencia de que:

É inegável que a condenação penal traz uma maior reprovação ético-social em termos simbólicos. O que se repudia não é o efeito auxiliar à prevenção intro-

10 YOKAICHIYA, Cristina Emy. A finalidade da pena nos crimes contra o meio ambiente. p. 167. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-03042012-132720/en.php>. Acesso em: 12 mar. 2014.

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duzido pelos aspectos expressivos integradores do simbolismo, mas a perda de confiança ao longo do tempo se o órgão estatal não executa as sanções previstas por carência dos efeitos instrumentais, restando a imputação penal resumida à mera comunicação de cumprimento impossível (e sem fins utilitários, ou seja, sem proteção de bens jurídicos penalmente relevantes). Esta perda de confiança, porém, pode ser o resultado inexorável dos julgados relacionados à Lei de Cri-mes Ambientais, em que é regra a inexecução das sanções previstas na lei, como apontou o levantamento empírico presente neste trabalho.11

Quer dizer, salta nítido que a coerção é meio eficaz para orientar con-dutas ambientalmente adequadas se as penas cominadas forem realmente exe-cutadas. É totalmente inócuo elencar na legislação inúmeras situações e enten-dê-las como infração, administrativa ou penal, se não houver a fiscalização e execução das sanções, que é o que ocorre atualmente. Multas milionárias são impostas às empresas que causam danos ao meio ambiente, no entanto não são efetivamente cobradas.

Outro aspecto negativo da política coercitiva é que está voltada mais para a reparação do que para a prevenção. Por óbvio, o elenco de infrações administrativas ou penais prevê sanções para situações já ocorridas. Porém, mesmo que se tenha efetividade na execução das penas cominadas, o meio ambiente não pode estar desabrigado da ação humana. De nada adianta punir alguém por crime ambiental que tenha criado uma situação irreversível, como, por exemplo, a caça de animal em extinção. Ora, ao se punir o infrator, o mau já foi feito e para ele não haverá reparação.

É exatamente nesse sentido que parecem ser os incentivos fiscais mais adequados para preservar o meio ambiente, pois focam justamente na conduta preventiva quando oferecem benesses àqueles que direcionem suas condutas com o objetivo de preservar o meio ambiente.

De maneira muito transparente, Renata Figueirêdo Brandão, em sua dis-sertação de mestrado, também para a Universidade de São Paulo – USP, ao revelar a importância do incentivo fiscal na proteção ambiental, aduz que:

Trata-se de mecanismo regulatório que busca a indução dos destinatários da nor-ma tributária a praticarem condutas desejáveis, sob o prisma do interesse coleti-vo. Deveras, o ente tributante abstém-se de exigir tributo (total ou parcialmente), como forma de estimular condutas desejáveis pela ordem jurídica posta.12

Talvez diga-se que os incentivos fiscais não possuem a força da pretensão punitiva, no entanto, como já afirmado, de nada adianta coerção sem efetivi-dade.

11 Idem, p. 170-171.12 BRANDÃO, Renata Figueirêdo. Incentivo fiscal ambiental: parâmetros e limites para sua instituição à luz da

Constituição Federal de 1988. p. 91. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2133/tde-12022014-150245/es.php>. Acesso em: 9 mar. 2014.

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Parece importante, porém, que os incentivos fiscais sejam melhor orga-nizados no ordenamento jurídico nacional. Não há uma sistematização para a concessão de benefícios fiscais como forma de auxílio à proteção do meio, e talvez essa organização inexista justamente porque não há uma política nacio-nal do meio ambiente que preveja esse caminho. A política ambiental brasileira está focada com total predominância na coerção.

3 APLICAÇÃO DE INCENTIVOS FISCAIS NA PROTEÇÃO AMBIENTAL

3.1 finalidades fiscal e extrafiscal dos tributos (indução de condutas)Sabe-se que o principal objetivo dos tributos é arrecadar receitas que

devem, ou pelo menos deveriam, fazer frente aos gastos públicos para manten-ça da estrutura estatal. É a finalidade fiscal. No entanto, há também uma outra função, um objetivo distinto daquele que apenas buscar carrear fundos para o Estado, qual seja, o de interferir na economia e na sociedade de modo a induzir condutas que sejam adequadas aos interesses estatais. É a finalidade extrafiscal do tributo13.

Para Hugo de Brito Machado:

O objetivo do tributo sempre foi carrear recursos financeiros para o Estado. No mundo moderno, todavia, o tributo é largamente utilizado com o objetivo de interferir na economia privada, estimulando atividades, setores econômicos ou regiões, desestimulando o consumo de certos bens e produzindo, finalmente, os efeitos mais diversos na economia. Aliás, registros existem da utilização do tribu-to, desde a Antiguidade, com a finalidade de interferir nas atividades econômi-cas; mas os autores em geral apontam o uso do tributos com essa finalidade como um produto do moderno intervencionismo estatal. A essa função intervencionista do tributo dá-se o nome de função extrafiscal.14

Paulo Caliendo distingue muito claramente a finalidade dos tributos e seus efeitos. De fato, há que se concordar com a diferenciação entre finalidade (objetivo final, meta a ser alcançada) e efeito (resultado produzido por uma ação). Desta forma, afirma o autor que “todos os tributos possuem efeitos fiscais e extrafiscais”15. De fato, da imposição tributária, que tem como finalidade arre-cadar tributos, resultarão efeitos fiscais (arrecadação) e extrafiscais (interferência na economia por meio da indução de condutas). Ou seja, ao se tratar de extra-

13 Há ainda a parafiscalidade, que objetiva arrecadar recursos para custear atividades que, em princípio, não integram as funções próprias do Estado, mas são por este desenvolvidas por meio de entidades específicas. É o caso da previdência social e do sistema financeiro de habitação.

14 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 69.15 CALIENDO, Paulo. Extrafiscalidade ambiental: instrumento de proteção ao maio ambiente equilibrado. In:

BASSO, Ana Paula (coord.). Direito e desenvolvimento sustentável: desafios e perspectivas. Curitiba: Jiruá, 2013. p. 170.

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fiscalidade como indução de condutas se está buscando a finalidade do tributo e não seu efeito.

Em realidade, a finalidade extrafiscal de determinados tributos é, na atua-lidade, tão ou mais importante que a finalidade fiscal. Cada vez mais o Estado16 se utiliza deste meio para intervir na economia e na sociedade. Na sua clássica obra, Alfredo Augusto Becker, quando trata da extrafiscalidade tributária, afirma que:

A principal finalidade de muitos tributos (que continuarão a surgir em volume e variedade sempre maiores pela progressiva transfiguração dos tributos de fi-nalismo clássico ou tradicional) não será a de um instrumento de arrecadação de recursos para o custeio das despesas públicas, mas a de um instrumento de intervenção estatal no meio social e na economia privada. Na construção de cada tributo não mais será ignorado o finalismo extrafiscal, nem será esquecido o fiscal. Ambos coexistirão, agora de um modo consciente e desejado; apenas haverá maior ou menor prevalência deste ou daquele finalismo.

Sem adentrar-se ao mérito da definição, Luís Eduardo Schoueri utiliza a expressão normas tributárias indutoras para indicar aquelas das quais efeitos extrafiscais emanam. Para o autor, a referida expressão:

Tem o firme propósito de não deixar escapar a evidência de, conquanto se tra-tando de instrumentos a serviço do Estado na intervenção por indução, não per-derem tais normas a característica de serem elas, ao mesmo tempo, relativas a tributos e portanto sujeitas a princípios e regras próprias do campo tributário.17

A utilização de tributos como instrumento para regular condutas social e economicamente desejadas é a essencial característica da extrafiscalidade. Desta forma, sendo um meio para direcionar comportamentos, indiscutível que cabe a utilização desta finalidade tributária para preservação do meio. Pois, como traz Liane Francisca Hüning Birnfeld, em sua tese de doutorado defendida na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul:

O Estado, mesmo que indiretamente, consegue incentivar a produção e comer-cialização de produtos “amigos do ambiente”, estimular a implantação de equi-pamentos em fábricas e indústrias, desincentivar as práticas que acarretam danos

16 “A ideia de que a soberania ou poder político emana do povo é relativamente antiga, e inúmeros escritores, sobretudo do séc. XVI em diante a proclamam, entre eles celebrizaram John Locke e Jean-Jacques Rousseau, segundo eles, os indivíduos, por um acordo ou contrato, teriam colocado parte de seus direitos naturais sob o controle de um governo, limitado em suas competências e responsável perante o povo. Dessa maneira voluntária, os homens decidiram entrar num acordo para criar uma sociedade civil cuja finalidade fosse promover e ampliar os direitos naturais do homem à vida, à liberdade e à propriedade – assim foi constituída uma organização política com vontade própria, que é a vontade geral – surgiu o Estado acometido do poder político para cumprir esses fins institucionais.” (BICCA, Loriane Terezinha Ribeiro. A extrafiscalidade tributária e a proteção ambiental no Mercosul. 188 f. Dissertação de Mestrado em Integração Latino-Americana pela Faculdade Ciências Sociais e Humanas, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Santa Maria/RS, 2008. p. 63)

17 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 34.

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ambientais, inibir ou tornar mais oneroso o consumo de bens e produtos ligados à degradação ambiental. Tudo por meio de isenções, imunidades, oneração ou desoneração da carga tributária de atividades ou produtos.18

Assim, sejam normas tributárias indutoras, sejam normas tributárias com finalidade extrafiscal, o que importa é a capacidade de nortear condutas de-sejadas, no caso, ambientalmente adequadas. A possibilidade de se utilizar o Direito Tributário, por meio de incentivos fiscais, como forma de auxílio na proteção ambiental passa, essencialmente, pela natureza extrafiscal do tributo que se impõe com o fim de se moldar comportamentos. É a sanção premial ou recompensatória da doutrina kelseniana. Tributa-se menos, a título de prêmio, quem não polui ou polui relativamente pouco.

Nesta esteira, destaca-se a lição de Victor Uckmar, segundo o qual:

Tributo ambientale latamente inteso à, infatti, qualqune tributo che abbia qual escopo dichiarato uma tutela genericamente intesa, dei beni naturali. Tributo ambientale in senso stretto è, invece, um tributo che interiorizza il fattore in-quinante elevandolo a pressupposto dell’imposizione. Tale costruzione consente di raggiungere ugualmente, ma in modo indiretto, lo scopo ultimo dela norma, ossia la tutela dell’ecosistema. Aumentando in modo immediato e diretto il costo di taluni fattori produttivi – o metodi di produzione – riesce, infatti, ad orientarei l comportamento dei contribuenti verso forme alternative di consumo, ottenedo così sotto forma di effetto indiretto dell’imposizione loscopo ultimo prefissato, ossia la diminuizione dell’utilizzo di fattori iniquinanti e, per tale via, la diminui-zione dell’inquinamento ambientale.19

Antes, porém, de se elencar as possibilidades de incentivos fiscais, cabe destacar o porquê de não se utilizar também da imposição tributária como for-ma indutora de comportamento, o que se passa a fazer no próximo item.

3.2 esPécies de incentivos fiscais Passíveis de auxílio à concretização do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado

A tributação de condutas lesivas ao meio, por exemplo com a majoração da tributação por meio da alteração da alíquota de determinado tributo, pare-ce deixar transparecer a ideia de que é permitido deteriorar o ambiente desde que se pague o preço exigido pelo Estado. Quer dizer, permite-se a produção, comercialização e consumo de algum bem específico, mesmo que poluente, mediante pagamento a maior da imposição tributária. Caso o produtor, comer-

18 BIRNFELD, Liane Francisca Hüning. A extrafiscalidade nos impostos brasileiros como instrumento jurídico-econômico para a promoção de defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Tese de Doutorado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Porto Alegre, 2013. p. 127.

19 UCKMAR, Vitor. La nuova dimensione del “tributo ambientale” e la sua compatibillità com l’ordenamento italiano. In: TORRES, Heleno Taveira (org.). Direito tributário ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 357.

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ciante ou consumidor tenha possibilidades e esteja disposto a pagar ao Estado o valor exigido, ser-lhe-á permitido mesmo que tal ação degrade o meio.

Assim, ao se utilizar o Direito Tributário como indutor de comportamen-tos ambientalmente adequados e desejadas, parece mais acertado que sejam concedidos incentivos fiscais, pois tal dirige-se ao encontro do egoísmo hu-mano, que exige sempre alguma vantagem em troca. Nesse caso, a vantagem equivale a um prêmio20 por sua conduta seguir o desejo estatal.

Também impõe-se, de início, excluir as subvenções, os subsídios e o diferimento como sendo incentivos fiscais. Explica-se, pois, que as subvenções e os subsídios são previsões de despesas estatais, não possuindo, desta forma, natureza tributária, uma vez que tributos são fontes de receita. Ambos provêm dos cofres públicos, são despesas públicas com o mesmo objetivo dos incen-tivos (forma de incentivar determinada atividade privada) mas com esses não se confundem. No mesmo passo segue o diferimento, que é um adiamento no pagamento do tributo, “a outorga de uma prorrogação do prazo do pagamento do tributo, de um contribuinte, em determinada operação, para sua posterior exigência, de outro sujeito passivo”, nas palavras de Luiz Celso de Barros21. No sentido de não se enquadrar o diferimento como incentivo fiscal Roque Anto-nio Carrazza é expresso: “Vamos logo dizendo que diferimento não é ‘isenção, incentivo ou benefícios fiscal’, na acepção do art. 155, § 2º, XII, g, da CF. Pelo contrário, diferimento, como registram nossos léxicos, significa adiamento”22.

Neste andar, traz-se ao estudo, como incentivos fiscais, a isenção, a re-dução da base de cálculo ou da alíquota e o crédito presumido. Esses incenti-vos fiscais possuem como fundamento de validade23 o art. 174 da Constituição

20 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Batista Machado. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1987. p. 27.

21 BARROS, Luiz Celso de. Direito tributário. 2. ed. Bauru: Edipro, 2008. p. 359.22 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 436.23 “O fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a validade de uma outra norma. Uma norma que

representa o fundamento de validade de uma outra norma é figurativamente designada como norma superior, por confronto com uma norma que é, em relação a ela, a norma inferior. [...]

Como já notamos, a norma que representa o fundamento de validade de uma outra norma é, em face desta, uma norma superior. Mas a indagação do fundamento de validade de uma norma não pode, tal como a investigação da causa de um determinado efeito, perder-se no interminável. Tem de terminar numa norma que se pressupõe como a última e a mais elevada. Como norma mais elevada, ela tem de ser pressuposta, visto que não pode ser posta por uma autoridade, cuja competência teria de se fundar num a norma ainda mais elevada. A sua validade já não pode ser derivada de uma norma mais elevada, o fundamento da sua validade já não pode ser posto em questão. Uma tal norma, pressuposta como a mais elevada, será aqui designada como norma fundamental (Grundnorm). Já para ela tivemos de remeter a outro propósito.

Todas as normas cuja validade pode ser reconduzida a uma e mesma norma fundamental formam um sistema de normas, uma ordem normativa. A norma fundamental é a fonte comum da validade de todas as normas pertencentes a uma e mesma ordem normativa, o seu fundamento de validade comum. O fato de uma norma pertencer a uma determinada ordem normativa baseia-se em que o seu último fundamento de validade é a norma fundamental desta ordem. É a norma fundamental que constitui a unidade de uma pluralidade de normas enquanto representa o fundamento da validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa.” (KELSEN, Hans. Op. cit., p. 206-207)

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Federal, que, no seu texto, veicula a obrigatoriedade de o Estado exercer as funções de fiscalização, incentivo e planejamento24.

A isenção tem gerado muitos debates com relação à sua natureza, trata-se de uma dispensa legal do pagamento do tributo ou é hipótese de não incidência tributária legalmente qualificada? Não se entrará aqui nesse debate técnico--tributário, todavia cabe um posicionamento para fins de desenvolvimento de raciocínio e, nesse andar, adota-se a definição de isenção de Paulo de Barros Carvalho25, quando descreve a maneira de atuação da norma de isenção em face da regra-matriz de incidência:

Guardando a sua autonomia normativa, a regra de isenção investe contra um dos critérios da norma-padrão de incidência, mutilando-os, parcialmente. É óbvio que não pode haver supressão total do critério, porquanto equivaleria a destruir a regra-matriz, inutilizando-a como norma válida no sistema.

No caso da proteção ao meio ambiente equilibrado, por conseguir mo-dificar os critérios da regra-matriz de incidência tributária o Estado, por inter-médio do seu respectivo legislativo, pode adequar a incidência tributária de determinada norma impositiva de tributo justamente para alcançar esse intento. Por óbvio que as isenções devem sempre estar equacionadas com o orçamen-to estatal, tema que será mais adiante tratado, porém utilizando-se a isenção, nesse caso, alcança-se dois importantes pontos, quais sejam, o efetivo afago na alma egoísta do homem, concedendo-lhe um prêmio (alívio financeiro no bolso) por orientar sua conduta observando o ditame estatal e, segundo, como reflexo do primeiro, o homem tenderá a respeitar os limites impostos para que seja beneficiado, em outras palavras, atenderá à regras de proteção ao meio ambiente simplesmente porque lhe é vantajoso.

Com relação à base de cálculo e à alíquota, ambas pertencem ao critério quantitativo da regra-matriz de incidência tributária e são fatores que, respecti-vamente, visam informar a grandeza mensurada de aspectos da materialidade do fato jurídico tributário e conjugar à base de cálculo para determinação do valor da prestação pecuniária26. Assim, qualquer redução nesses fatores pode veicular também um incentivo fiscal.

Tanto as reduções na base de cálculo quanto na alíquota são extrema-mente úteis para os fim almejado, qual seja, conceder vantagens financeiras ao contribuinte que direcionar seu comportamento no sentido de preservar o meio.

24 “Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.” (Brasil, Constituição Federal de 1988)

25 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 486.26 Idem, p. 345.

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Evidencia-se, aqui, e também nas isenções, o princípio retributivo traçado por Hans Kelsen, a sanção premial27.

Por fim, tem-se o crédito presumido, que pode confundir-se, em deter-minadas situações, com as subvenções ou com os subsídios, pois trata-se de um auxílio monetário concedido pelo Estado em razão de algum interesse. Sua natureza tributária, porém, salta evidente na medida em que essa ajuda finan-ceira estatal dá-se por meio de um crédito fictício lançados na escrita fiscal do contribuinte e que resulta em diminuição ou anulação da carga tributária da mercadoria.

3.3 limites à concessão de incentivos fiscais: resPonsabilidade do agente Público e o orçamento do estado

A concessão de incentivos fiscais é realmente um caminho a ser tentando para se alterar a conduta humana com o objetivo de preservar o ambiente natu-ral. Ocorre, no entanto, que deve ser observado que a instituição de incentivos fiscais, por mais que objetivem o nobre intento de proteção ambiental e de se alcançar efetivamente o Direito fundamental ao meio ambiente saudável, deve seguir os ditames orçamentários do Estado.

Os incentivos fiscais têm como objetivo a redução ou eliminação da car-ga tributária para um setor ou ramo de atividades. Assim, para a concessão de qualquer incentivo fiscal, deve-se observar a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000), que introduziu, no sistema jurídico nacional, a ideia de combate ao desperdício do dinheiro público e uma política de gestão fiscal responsável. O art. 11 da citada legislação28 estabelece que:

Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação.

Parágrafo único. É vedada a realização de transferências voluntárias para o ente que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos.

Interpretando o citado artigo legal, leciona Kiyoshi Harada29:

Para caracterizar a gestão fiscal responsável é preciso que o ente da Federação (União, Estado ou Município) institua todos os tributos da sua competência im-positiva, promova a previsão desses tributos e torne efetiva a sua arrecadação.

27 KELSEN, Hans. Op. cit., p. 27.28 Brasil, Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/

ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm>. Acesso em: 17 jun. 2013.29 HARADA, Kiyoshi. Incentivos fiscais em face da lei de responsabilidade fiscal. In MARTINS, Ives Gandra;

ELALI, André; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (org.). Incentivos fiscais: questões pontuais nas esferas federal, estadual e municipal. São Paulo: MP, 2007. p. 245.

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Instituir tributo significa a faculdade de o ente político contemplado pela Consti-tuição Federal criar o tributo, por meio de lei ordinária, salvo provisão constitu-cional em contrário, como é o caso do imposto sobre grandes fortunas, em que é exigida a formalidade de lei complementar para sua instituição [...].

Previsão de tributos significa promover estudos técnicos especializados para pro-jetar o contingente de contribuintes em potencial, dimensionar o momento ade-quado para a realização de sua receita.

Efetiva arrecadação de tributos significa eficiência do aparelhamento administra-tivo do Estado, para realização concreta das receitas tributárias previstas. Pressu-põe constituição do crédito tributário pelo lançamento e sua cobrança adminis-trativa ou judicial.

Em evidente consonância com os prescritivos do art. 11 da Lei de Res-ponsabilidade Fiscal, no qual se apresentam os requisitos essenciais à efetiva-ção da responsabilidade na gestão fiscal, o art. 14 do mesmo Diploma Leal30 assim determina:

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributá-ria da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigên-cia e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estima-tiva de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orça-mentárias;

II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, con-cessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

§ 2º Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entra-rá em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.

Não obstante as restrições impostas por Kiyoshi Harada à utilização dos incentivos fiscais, impende novamente colacionar seus ensinamentos relaciona-dos ao transcrito art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, de modo a elucidar a relevância da responsabilidade fiscal na concessão de incentivos31:

30 Brasil, Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm>. Acesso em: 17 jun. 2013.

31 HARADA, Kiyoshi. Incentivos fiscais em face da lei de responsabilidade fiscal. In: MARTINS, Ives Gandra; ELALI, André; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (org.). Op. cit., p. 249.

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O dispositivo em questão objetiva prevenir situações de desequilíbrio orçamen-tário, estatuindo mecanismos para a consecução das metas previstas no art. 1º da LRF, por meio de uma gestão fiscal responsável, planejada e transparente. Impõe limites e condições para a concessão ou ampliação de incentivos fiscais. Contudo, circunscreve-se à renúncia de natureza tributária, não interferindo na concessão de benefícios ligados às receitas não tributárias, como, por exemplo, a isenção de tarifas de transporte coletivo de passageiros para idosos.

Como instrumento de planejamento das finanças públicas, a renúncia de recei-tas tributárias é possível mediante a prévia estimativa do impacto orçamentário--financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, observado o disposto na lei de Diretrizes Orçamentárias e um dos requisitos dos incisos I e II. Pelo inciso I, o ente político interessado deve demonstrar previa-mente que a renúncia oi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária e que não afetará as metas dos resultados fiscais, previstos nos anexos da lei de diretrizes orçamentárias. Pelo inciso II, a proposta de renúncia deve estar acom-panhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio de aumento de receita tributária, mediante elevação de alíquotas, amplia-ção de base de cálculo, majoração ou criação de outro tributo.

Pela imposição legislativa, evidente que a concessão de incentivos fis-cais deve seguir as normas que alinham as diretrizes orçamentárias do Estado e as respectivas responsabilidades na gestão fiscal estatal. O Estado necessita de equilíbrio financeiro para se manter minimamente organizado. Havendo falta de equalização nesse ponto, de nada adiantará conceder-se incentivos fiscais para proteção ambiental, pois as finanças públicas desequilibradas acarretarão outros malefícios sociais.

Destacando a atividade financeira do Estado, Loriane Terezinha Ribeiro Bicca trouxe na sua dissertação de mestrado32 a seguinte assertiva:

A atividade do Estado consiste em obter, gerir, despender e criar os recursos in-dispensáveis à satisfação das necessidades, que o Estado assumiu ou transferiu às outras pessoas de direito público. Essa análise reporta às necessidades públicas e aos fins do Estado.

Quer dizer, o regramento da atividade financeira do Estado pelas legisla-ções orçamentárias e de responsabilidade fiscal são de suma importância para que esse mesmo Estado tenha capacidade de satisfazer as necessidades por ele assumidas. A atividade estatal não pode sofrer tamanha afetação que venha causar conjunturas inadequadas à Administração Pública, devendo os incenti-vos fiscais ser concedidos em consonância com essas prescrições.

32 BICCA, Loriane Terezinha Ribeiro. A extrafiscalidade tributária e a proteção ambiental no Mercosul. 188 f. Dissertação de Mestrado em Integração Latino-Americana pela Faculdade Ciências Sociais e Humanas, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Santa Maria/RS, 2008.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por tudo que foi trazido neste estudo, entende-se nítida a relevância da preocupação atual com a proteção ambiental. A incessante degradação do meio ambiente, resultado da ação humana evidentemente lesiva, deve ser trata-da com a devida importância.

O fato é que o Direito Ambiental, por intermédio da coerção das con-dutas consideradas lesivas ao meio ambiente, não tem alcançado o resultado esperado. A crônica degradação ambiental se mantém impávida, quase inal-cançável pelo Direito atual. Parece que o que está impedindo a efetivação do Direito fundamental ao meio ambiente sadio é a maneira com que o Direito está sendo utilizado.

Desta forma, é muito provável que a utilização do Direito Tributário, por meio da concessão de incentivos fiscais, auxilie diretamente na proteção do meio, pois, assim, concede-se prêmios ou vantagens àqueles que observam as diretrizes estatais. Como dito anteriormente, a natureza humana egoísta recla-ma alguma vantagem, alguma recompensa para impedir uma ação contrária ao seu interesse e em favor de interesse coletivo, no caso, a proteção ambiental.

É de se respeitar, no entanto, que as concessões de incentivos fiscais ne-cessariamente devem passar pelas prescrições legislativas de responsabilidade fiscal. Quer dizer, o Estado necessita de equilíbrio financeiro para se manter minimamente organizado e a concessão de incentivos não pode interferir nes-se alinhamento. Desta forma, vê-se dois caminhos a seguir para concessão de incentivos fiscais sem desequilibrar a balança financeira estatal. O primeiro, a imposição de novos tributos ou elevação daqueles já existentes. Pode-se, por exemplo, aumentar a tributação de condutas lesivas ao meio, o que apontaria para a mesma direção dos incentivos concedidos. Segundo, a diminuição dos gastos estatais, o que seria o ideal, todavia é certo que o mais difícil conside-rando-se as gestões administrativas que se tem no Brasil, que precisariam ser radicalmente modificadas.

REFERÊNCIASBARROS, Luiz Celso de. Direito tributário. 2. ed. Bauru: Edipro, 2008.

BICCA, Loriane Terezinha Ribeiro. A extrafiscalidade tributária e a proteção ambiental no Mercosul. 188 f. Dissertação de Mestrado em Integração Latino-Americana pela Faculdade Ciências Sociais e Humanas, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Santa Maria/RS, 2008.

BIRNFELD, Liane Francisca Hüning. A extrafiscalidade nos impostos brasileiros como instrumento jurídico-econômico para a promoção de defesa do meio ambiente ecologi-camente equilibrado. Tese de Doutorado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Porto Alegre, 2013.

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______. Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm>. Acesso em: 17 jun. 2013.

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Parte Geral – Doutrina

Aspectos Jurídicos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e Certificado de Emissão Reduzida – Crédito de Carbono

MARCELO PALMA UMSZAAdvogado.

RESUMO: O Protocolo de Quioto consiste no marco regulatório que instituiu percentuais de redução de Gases de Efeito Estufa (EE) a serem obrigatoriamente perseguidos pelos países integrantes do Anexo I à Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática. Previu também, como forma de flexibilização destes limites, alternativas de mitigação das emissões, que serão implemen-tadas nos países não integrantes do Anexo I, os chamados Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL). Em função deles, são desenvolvidos projetos em nações hospedeiras, como o Brasil, capazes de contribuir com uma redução de emissão de gases poluentes na atmosfera, por meio da captação/contenção destes (sequestro de carbono). Uma vez satisfeitas as condições jurídicas de elegibilidade dos projetos, estarão os participantes aptos a comercializar os Certificados de Emissão Reduzida, ou créditos de carbono.

ABSTRACT: The Kyoto Protocol was created at the United Nations Framework Convention on Climate Change, as a regulatory system which instituted percentages of Green House Gas reduction that must be compulsorily followed by countries that belong to Annex I of the Convention’s members. It also permitted, as a way to create flexibility within those limits, alternatives for mitigating the emis-sions that were to be implemented in territories of non-annex I countries; this was called the Clean Development Mechanism (CDM). Because of this, projects are developed in host countries, such as Brazil, capable of contributing to the reduction of pollutant gas emission through their containment (carbon kidnapping). Once all the legal conditions of the projects are satisfied, the participants will be able to trade Certificates of Emissions Reduction, or carbon credits.

PALAVRAS-CHAVE: Protocolo de Quioto; mecanismo de desenvolvimento limpo; certificado de emis-são reduzida; créditos de carbono.

SUMÁRIO: I – Breves apontamentos sobre tratados internacionais e recepção no Direito interno brasileiro; II – A Convenção-Quadro sobre Mudança Climática e o Protocolo de Quioto; III – Princípios jurídicos que emanam do Protocolo de Quioto; III.1 – Princípio da responsabilidade comum porém diferenciada; III.2 – Princípio do direito ao desenvolvimento sustentável; III.3 – Princípio da precau-ção; IV – A previsão jurídica do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL); IV.1 – Requisitos para a validação dos projetos MDL; IV.1.1 – Adicionalidade; IV.1.2 – Voluntariedade; IV.1.3 – Benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo; Referências.

I – BREVES APONTAMENTOS SOBRE TRATADOS INTERNACIONAIS E RECEPÇÃO NO DIREITO INTERNO BRASILEIRO

A Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, ocorrida no ano de 1969 e em vigor desde 1980, lançou as bases jurídicas internacionais para este

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tipo de instrumento legal – os textos convencionais. Em seu artigo primeiro, dispôs que “tratado significa um acordo internacional celebrado por escrito entre Estados e regido pelo Direito internacional, quer conste de um instru-mento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação particular”1. Em suma, um tratado representará oficialmente a conformidade de vontades políticas não viciadas (assemelhado à figura de um contrato), e, a partir de sua entrada em vigor, servirá de parâmetro de conduta para as pessoas jurídicas de direito público que lhe ratificaram, gerando obriga-ções, prerrogativas, deveres e direitos.

Tratados, convenções, acordos internacionais, ainda que termos diver-sos, denotam o mesmo fenômeno, suprarreferido. São eles parte do conjunto de fontes formais do Direito internacional – ao lado do costume internacional, dos princípios gerais de direito e da melhor doutrina. Conferem o respaldo ju-rídico-normativo para a conduta dos entes nacionais e para eventuais decisões tomadas em âmbito de cortes internacionais ou nacionais. Comentando o tema, Soares aponta o art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, que expli-cita esta compreensão2.

Para que produzam efeitos legais no ordenamento jurídico interno bra-sileiro, estes textos normativos internacionais seguirão um devido processo de aprovação pela instância do Poder Legislativo nacional (que os referenda ou não). Nesta etapa, é editado Decreto Legislativo com o teor do acordo bi ou multilateral. Após ser confirmado por esta instância de poder, o texto ainda pende de promulgação do Presidente da República, que, na qualidade de Chefe de Estado, editará Decreto Executivo. Estará assim encerrado o processo de ra-tificação da norma legal, a qual adquirirá, em seguida, caráter de lei ordinária3.

A hierarquia de lei ordinária que lhe é conferida pelo ordenamento ju-rídico brasileiro empresta ao texto internacional certa fragilidade jurídica. Isto porque, ao não tratar a norma objeto do tratado, expressamente, de direitos humanos (o que lhe erigiria à posição hierárquica de dispositivo constitucional, desde que observados os requisitos do § 3º, art. 5º da Carta Federal, acres-

1 Apud SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2004. p. 59.2 “1. A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem

submetidas, aplicará:

a) as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos estados litigantes;

b) o costume internacional, como prova de uma prática aceita como sendo o direito;

c) os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas;

d) sob reserva da disposição do artigo 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito.

2. A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão ex aequo et bono, se as partes com isso concordarem (SOARES, Guido Fernando Silva. A proteção internacional do meio ambiente. São Paulo: Manole, 2003. p. 83).

3 Idem, p. 85.

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centado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004), é ela vulnerável de ser derrogada por lei posterior, nacional, que disponha de forma diversa. Conforme lição de Barroso:

Os tratados internacionais são incorporados ao direito interno em nível de igualdade com a legislação ordinária. Inexistindo entre o tratado e a lei relação de hierarquia, sujeitam-se eles à regra geral de que a norma posterior prevalece sobre a anterior. A derrogação do tratado pela lei não exclui eventual responsabilidade internacional do Estado, se este não se valer do meio institucional próprio de extinção de um tratado, que é a denúncia.4

No Direito Internacional Ambiental, os princípios, ainda que não posi-tivados em textos escritos em regra são mesmo assim capazes de gerar efeitos jurídicos satisfatórios, e isto porque é operante neste ramo o que se denomina por soft law, ou seja, há efetividade destas normas ainda que não sejam dotadas de cogência. Manifestam-se por meio de documentos denominados também por “non binding agreements”, “gentlemen’s agreements”, códigos de conduta, memorandos, declaração conjunta, declaração de princípio, ou ata final5. A natureza da geração de efeitos destas “normas leves” (em uma tradução livre), se moral ou jurídica, não é consenso entre os doutrinadores.

Os tratados, por sua vez, são sim cogentes e apresentam conteúdo mais rigoroso, podendo até mesmo prescrever a infração com determinada sanção, v.g. multas aplicadas via arbitragem internacional. Nesse caso, são hard law6, dotados de força impositiva – uma vez válidos juridicamente, pois pactuados entre entes soberanos.

O objeto de interesse deste estudo é o Tratado-Quadro, que se subdivide em Protocolo e Convenção; um, regulamentador, acessório ao outro, e por isto da expressão “Protocolo à Convenção”. São ambos, assim, conjunto do mesmo marco regulatório, formando figura orgânica, comunicável e sistêmica, e servin-do ao mesmo fim (o de estabilização de GEE)7.

II – A CONVENÇÃO-QUADRO SOBRE MUDANÇA CLIMÁTICA E O PROTOCOLO DE QUIOTOO Protocolo de Quioto é sabidamente o documento internacional por

excelência que trata da questão do clima e das medidas de contenção do aque-cimento global. Integra, entretanto, um Quadro mais extenso de negociações

4 BARROSO, Luis Roberto Barroso. Interpretação e aplicação da constituição. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 33.

5 SOARES, Guido Fernando Silva. A proteção internacional do meio ambiente..., p. 92.6 FRANGETTO, Flavia Witkowski. GAZANI, Flavio Rufino. Viabilização jurídica do mecanismo de desenvolvimento

limpo no Brasil, o Protocolo de Kyoto e a Cooperação Internacional. São Paulo: Fundação Peirópolis, 2002. p. 35.

7 FRANGETTO, Flavia Witkowski. GAZANI, Flavio Rufino. Op. cit., p. 43.

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internacionais anteriores. Em 1989 foi instituído o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), por meio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e da Organização Mundial de Meteoro-logia, tornando-se referência mundial para o debate científico sobre o aqueci-mento global8. Em 1992 foi proposta a Convenção-Quadro das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (United Nations Framework Convention on Climate Change, UNFCCC), redigida pelo Comitê Intergovernamental de Negociação para a Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima (INC-FCCC), e adotada em 9 de maio de 19929.

A Convenção-Quadro é tipologia diferenciada de acordo internacional, uma vez que prevê sucessivos novos arranjos e decisões multilaterais futuras que busquem efetivar e colocar em prática soluções convergentes aos seus ob-jetivos finais10. No caso em tela, o objetivo da Convenção-Quadro foi delimi-tado pelos países signatários, que com isto avalizaram o comprometimento de seus ordenamentos jurídicos em perseguir o que restou normativamente pro-gramado. Está expressamente consignado no texto que lhe deu nascimento, em seu artigo segundo:

O objetivo final desta convenção e de quaisquer instrumentos jurídicos com ela relacionados que adote a Conferência das Partes é o de alcançar, em conformi-dade com as disposições pertinentes desta Convenção, a estabilização das con-centrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático. Este nível deverá ser alcan-çado num prazo suficiente que permita aos ecossistemas adaptarem-se natural-mente à mudança do clima, que assegure que a produção de alimentos não seja ameaçada e que permita ao desenvolvimento econômico prosseguir de maneira sustentável.11

Também se poderia indagar qual a garantia de sistematicidade entre o Protocolo e a Convenção-Quadro, e como se garantiria a efetividade desta por meio das especificidades do outro:

A garantia que o Protocolo de Kyoto dá é estrutural e organizacional, ele institui mecanismos com os quais os Estados-Partes que o ratifiquem estejam habilitados a realizar concretamente o objetivo final da UNFCC, mediante cumprimento de

8 YU, Chang Man. Sequestro florestal de carbono no Brasil, dimensões políticas, socioeconômicas e ecológicas. São Paulo: Annablume, 2004. p. 30.

9 FRANGETTO, Flavia Witkowski. GAZANI, Flavio Rufino. Op. cit., p. 299.10 São também exemplos de Convenção-Quadro a Convenção de Estocolmo e a Convenção da Diversidade

Biológica, conforme VARELLA, Marcelo Dias. Direito internacional econômico ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 25.

11 Editado e traduzido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia com o apoio do Ministério das Relações Exteriores da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/4069.html#>. Acesso em: 15 maio 2008.

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compromissos, de limitação e redução de emissões, quantificados e assumidos no Protocolo. Tais compromissos são assumidos no artigo terceiro do Protocolo.12

O Artigo Terceiro do documento de Quioto é o que define a regra básica de conduta a ser adotada para a efetivação prática dos objetivos atinentes à contenção do aquecimento global. Antes de referi-lo, tem-se de elucidar o que se deva entender por partes integrantes do Anexo I e partes Não-Anexo I. Os primeiros são os países aos quais foi imposta uma quota precisa de redução de gases de efeito estufa (GEE) a ser observada e adimplida – são os países considerados desenvolvidos e de economia próspera. Já os demais, Não-Anexo I, formam o grupo de países em relação aos quais não há previsão expressa e quantificável de redução a ser perseguida – não há propriamente um limite de emissão. São nesta segunda categoria que se encontram os países em desenvol-vimento, entre os quais o Brasil. Prescreve o Artigo Terceiro:

As Partes, incluídas no Anexo I, devem, individual ou conjuntamente, assegurar que suas emissões antrópicas agregadas, expressas em dióxido de carbono equi-valente, dos gases de efeito estufa listados no Anexo A, não excedam suas quanti-dades atribuídas, calculadas com seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões descritos no Anexo B e de acordo com as disposições deste artigo, com vistas a reduzir suas emissões totais desses gases em pelo menos 5% abaixo dos níveis de 1990, no período de compromisso de 2008 a 2012.13

Em junho de 1992, na Cúpula da Terra no Rio de Janeiro, ou Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Convenção--Quadro foi assinada por chefes de estado e outras autoridades de 154 países, bem como a União Europeia. Em 21 de março de 1994, já contava com 182 Países-Partes, estando, então, nesta data, apta a entrar em vigor14.

No Brasil, o Decreto nº 2.652 incorporou a causa ao ordenamento jurídi-co nacional, em 1º de julho de 199815. Note-se, assim, que todo o trabalho de negociação superveniente ao texto constitutivo do Tratado teve como requisito guardar conformidade com o objetivo principal suprarreferido, que lhe serviu e serve como norte. Isto, justamente, para que não restasse descaracterizado juri-dicamente o escopo de ser uma “Convenção-Quadro”, propondo e aportando medidas concretas e mais específicas que corroborem o objetivo primeiro16.

12 FRANGETTO, Flavia Witkowski. GAZANI, Flavio Rufino. Op. cit., p. 45.13 Protocolo de Quioto, editado e traduzido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia com o apoio do Ministério das

Relações Exteriores do Brasil. Disponível em: <http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/4006.html>. Acesso em: 15 maio 2008.

14 CALSING, Renata de Assis. O Protocolo de Quioto e o direito ao desenvolvimento sustentável. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2005. p. 42.

15 BRASIL. Decreto 2.652, de 1º de julho de 1998: “Promulga a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, assinada em Nova Iorque em 9 de maio de 1992”. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/legislacao/>. Acesso em: 18 maio 2008.

16 Conforme declaração que se encontra no site oficial da Convenção-Quadro. Disponível em: <http://unfccc.int/kyoto_protocol/items/2830.php>. Acesso em: 2 maio 2008: “The major distinction between the two,

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III – PRINCÍPIOS JURÍDICOS QUE EMANAM DO PROTOCOLO DE QUIOTO

iii.1 – PrincíPio da resPonsabilidade comum Porém diferenciada

Este princípio prescreve que a restrição de emissões de GEE, por meio da previsão de um índice de redução, é obrigatória apenas em relação aos países integrantes do Anexo I do Protocolo. Prega que todas as nações signatárias de-vem se comprometer em encontrar alternativas à poluição desenfreada, tanto as desenvolvidas como as em desenvolvimento, mas defende que a cogência desta redução deve recair somente nos países industrializados e com economias de mercado já prósperas e estáveis. De acordo com este princípio, exigir que as economias de países em desenvolvimento se enquadrassem no modelo de redução de emissões preconizado seria fazer-lhes pagar um custo em relação ao qual tiverem ínfima contribuição. Considera iníquo impor a países em ritmo de industrialização (em desenvolvimento), e que contam com plantas indus-triais incipientes quando comparadas com a dos países desenvolvidos, limites de emissão de poluentes que, à época do progresso destes últimos, não existiam e não serviam de empecilho ou custo adicional. Está relacionado diretamente com o princípio do poluidor-pagador, que faz recair diretamente a responsabi-lidade sobre o agente causador do dano, haja vista a necessária relação ou nexo de causalidade que ensejará a obrigação de reparar.

Sampaio, Wold e Nardy explicam:

Este princípio tem sua formulação associada aos esforços dos países em desen-volvimento para estabelecer critérios de compartilhamento da responsabilidade internacional pela solução de problemas ambientais globais que levem em con-sideração a realidade sócio-econômica dos diferentes Estados. Historicamente, sua origem remonta às negociações travadas durante a Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, as quais resultaram em sua inscrição nos quatro documentos fundamentais originados do encontro: a Decla-ração do Rio, a Agenda XXI, a Convenção Quadro sobre Mudanças Climáticas e a Convenção sobre Diversidade Biológica.17

De acordo com estes mesmos autores, desta norma jurídica decorreriam quatro consequências fundamentais, quais sejam: o reconhecimento de que os países desenvolvidos, por meio de suas atividades econômicas, causam um im-pacto negativo sobre o meio ambiente de forma muito mais grave e acentuada do que aquele ocasionado pelos países em desenvolvimento; a necessidade de os países desenvolvidos proverem recursos financeiros que permitam aos países

however, is that while the Convention encouraged developed countries to stabilize GHG emissions, the Protocol commits them to do so. The detailed rules for its implementation were adopted at COP 7 in Marrakesh in 2001, and are called the ‘Marrakesh Accords’”.

17 SAMPAIO, José Adércio Leite; WOLD, Chris; NARDY, Afrânio. Princípios de direito ambiental na dimensão internacional e comparada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 14-15.

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em desenvolvimento implementar e se adequar às obrigações internacionais pactuadas (v.g. o fundo criado pelo Protocolo de Montreal com a finalidade de financiamento das medidas protetivas à camada de ozônio); a criação de “re-gras de modelagem”, que permitem a diferenciação das obrigações de acordo com as peculiaridades e características específicas de cada ecossistema (v.g. a função específica de determinados ecossistemas, como a Amazônia, de evitar os efeitos negativos do aquecimento global, e a decorrente responsabilidade dos países que lhe circunscrevem); e por fim a ideia de uma “ferramenta de negociação”, capaz de dar voz aos diferentes atores políticos internacionais, no sentido de estabelecerem e debaterem os respectivos pesos que suas ações, enquanto Nações, têm para a formação do quadro geral dos problemas ambien-tais18.

Em função deste princípio, também, as reduções a serem perseguidas pelos países Anexo I não foram uniformemente prescritas. O parâmetro para o cálculo da redução seria o dos níveis básicos de emissão de cada nação verifi-cados no ano de 1990, com relação às emissões de CO2, CH4 e N20; ou 1995, com relação às emissões de gases substitutos do CFC (este, banido pelo Protoco-lo de Montreal)19. Porém, países que à época eram considerados economias em transição, tais como Polônia, Hungria, Romênia e Eslováquia, poderiam adotar como parâmetro de referência outro período temporal, que não o dos anos de 1990 e 1995, desde que estes outros anos fossem convencionados como sendo os de envio dos relatórios nacionais de emissões. Com base na responsabilidade comum, porém diferenciada, a União Europeia comprometeu-se a reduzir suas emissões em 8%, os Estados Unidos (à época ainda não haviam declarado a não ratificação) em 7% e o Japão em 6%20.

Este princípio, por sua vez, é um dos mais relevantes motivos de rejeição do Protocolo por parte dos Estados Unidos, que entendem ser equivocado per-mitir que países como a China, que possui um índice de emissão extremamente alto devido ao crescimento econômico robusto e acelerado, possam lançar in-discriminadamente gases de efeito estufa na atmosfera. Para Varella:

[...] Esse sistema de aplicação do princípio da não reciprocidade não repercute na promoção do desenvolvimento sustentável dos países do sul, considerando que ele não introduz obrigações positivas, como aplicar tecnologias menos po-luentes, ao contrário, limita-se a isentar os países do sul de todas as obrigações do acordo. Além do mais, é por causa dessa isenção que o regime está sendo comprometido pela não participação dos Estados Unidos.21

18 Idem, p. 15-16. 19 BRAZ, Mário Sérgio Araújo. Os mecanismos de cooperação internacional para a redução de emissões sob o

Protocolo de Quioto. B. Cient, ESMPU, Brasília, a. II, n. 9, p. 139-159, p. 143, out./dez. 2003.20 Idem, p. 144.21 VARELLA, Marcelo Dias. Op. cit., p. 85.

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iii.2 – PrincíPio do direito ao desenvolvimento sustentável

O princípio do Direito ao Desenvolvimento Sustentável concerne ao Pro-tocolo de Quioto e ao problema do aquecimento global, da mesma forma que incide na maioria das questões ambientais da atualidade. É ele paradigmático na cultura jurídico-política de fins de século XX e meados do século XXI, apare-cendo na grande maioria dos documentos e tratados relativos ao meio ambiente sadio.

Percebe-se a preocupação primeira deste princípio com o aspecto de uma relação inter-geracional, ou seja, da relação que se está a construir com a humanidade vindoura, com as sociedades e pessoas que ainda não vivem, que não fazem parte do “tempo presente”, mas que um dia ocuparão este espaço físico comum, que é a Terra. Considera um imperativo de conduta que deci-sões jurídicas, políticas e econômicas levem em conta os possíveis impactos ambientais negativos nestas futuras gerações, causados por hábitos ou estilos de vida atuais. Antecipar os tipos de problemas e conflitos que podem ocorrer, v.g. a escassez de água potável ou a poluição incorrigível do ar, são preocupa-ções diretamente relacionadas com o direito ao desenvolvimento sustentável. O valor jurídico intrínseco a este princípio é o de que seria iníquo transmitir uma herança negativa às futuras gerações, obrigando-as a criarem alternativas demasiadamente dispendiosas e arcarem com o custo de corrigir deficiências ecológicas que não foram por elas gerados, mas sim por seus antepassados22.

iii.3 – PrincíPio da Precaução

Já o Princípio da Precaução, declarado no décimo quinto dispositivo da Carta da Terra23, ou “Declaração do Rio de Janeiro”, como também no inciso 3º do Artigo 3º da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima24, é fruto jurídico da Conferência das Nações Unidas para o Meio Am-biente e Desenvolvimento. Prescreve ele que a proteção ao meio ambiente não pode exigir certeza científica em relação a alguma decisão preservacionista que

22 Neste sentido, DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 112.23 Princípio 15: “De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado

pelos Estados, de acordo com as suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental” (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 63).

24 Inc. 3, art. 3: “As Partes devem adotar medidas de precaução para prever, evitar ou minimizar as causas da mudança do clima, e mitigar seus efeitos negativos. Quando surgirem ameaças de danos sérios ou irreversíveis, a falta de plena certeza científica não deve ser usada como razão para postergar essas medidas, levando em conta que as políticas e medidas adotadas para enfrentar a mudança do clima devem ser eficazes em função dos custos, de modo a assegurar benefícios mundiais ao menor custo possível. Para esse fim, essas políticas e medidas devem levar em conta os diferentes contextos socioeconômicos, ser abrangentes, cobrir todas as fontes, sumidouros e reservatórios significativos de gases de efeito estufa e adaptações, e abranger todos os setores econômicos. As partes interessadas podem realizar esforços, em cooperação, para enfrentar a mudança do clima” (FRANGETTO, Flavia Witkowski. GAZANI, Flavio Rufino. Op. cit., p. 307).

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tenha que ser tomada. Há a iminência do problema, a probabilidade dele, mas a sua certeza científica é ausente. Age-se por cautela, não por se estar diante do problema em si.

Analisando o princípio, Sampaio, Wold e Nardy referem:

Com efeito, a aplicação da idéia de precaução pelos tribunais domésticos encon-tra-se fundamentalmente associada à existência de qualquer evidência objetiva que indique a possibilidade de ocorrência de um dano ao meio ambiente. Assim, por exemplo, os tribunais australianos, ao estabelecerem restrições à construção de determinadas estradas de rodagem por sua interferência com o habitat de uma espécie de sapo ameaçada de extinção, invocaram o princípio da precaução como fundamento de sua decisão, com amparo apenas no testemunho de uma única pessoa, que mencionou ter avistado a mencionada espécie protegida na área de influência do empreendimento.25

Na esteira de ensinamento destes mesmos autores, infere-se que o princí-pio da precaução envolve três dimensões: a existência ou não de certeza cien-tífica suficiente sobre o curso da ação a ser adotado, a consideração de quão negativos serão os impactos eventualmente advindos e, por fim, a análise da viabilidade econômica das medidas acautelatórias propostas. Especificamente quanto a esta terceira dimensão, aplicada ao problema do aquecimento global, cumpre definir o sentido da expressão “economicamente viáveis”. Assim, para responder às alterações climáticas de forma adequada a este princípio seria ne-cessário consenso acerca de qual contexto fático serviria para a efetiva adoção de medidas.

Na hipótese de a ação dar-se no sentido de prevenir a ocorrência mesma da alteração climática (medidas de prevenção do problema, ou verdadeiramen-te acautelatórias), os custos envolvidos seriam uns. Já na hipótese de a ação reativa depender da existência concreta e verificada dos efeitos negativos do aquecimento (medidas meramente mitigadoras, que, em última análise, desca-racterizam o princípio da precaução), o custo econômico seria outro. Segundo juízo destes autores, os Estados Unidos, em função de uma análise de viabili-dade econômica que considera os custos das medidas meramente mitigadoras (supostamente inferiores aos custos das medidas preventivas), não se inclinam à aplicação do princípio da precaução ao problema do efeito estufa antrópico26.

No caso do aquecimento global, o Princípio da Precaução, reconheci-do juridicamente nos documentos internacionais mencionados, uma vez que subscrito pelas diversas nações signatárias, servirá de critério de ação política e jurídica a pautar as exigências de estabilização de GEE. Assim, deve-se agir, ainda que ausente certeza científica absoluta de que o aquecimento tem como

25 SAMPAIO, José Adércio Leite; WOLD, Chris; NARDY, Afrânio. Op. cit., p. 18.26 Idem, p. 20-21.

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causa principal a ação humana. Até mesmo porque a própria noção de certeza científica pode ser questionada. É princípio pragmático, estando consubstancia-do na “ação antecipada diante do risco ou do perigo”27.

IV – A PREVISÃO JURÍDICA DO MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO (MDL)Constata-se no Artigo 12 do Protocolo de Quioto que

o objetivo do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo deve ser assistir às partes não incluídas no anexo I para que atinjam o desenvolvimento sustentável e con-tribuam para o objetivo final da Convenção, e assistir às Partes incluídas no Ane-xo I para que cumpram seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões, assumidos no Artigo 3.

O Mecanismo nasceu de proposta diplomática brasileira, que havia su-gerido a criação de um fundo de desenvolvimento limpo, objeto de depósito financeiro – como medida punitiva – por aqueles países que não alcançassem as metas de redução acordadas. Após algumas alterações, surgiu então a ideia do MDL, como um instrumento de cooperação internacional, por meio do qual países em desenvolvimento pudessem contar com recursos econômicos de pa-íses desenvolvidos para que implementassem atividades certificadas de projeto de MDL28.

Tais projetos de MDL enquadram-se como uma das três principais moda-lidades de cooperação internacional que favorecem o objetivo da redução de emissões, sendo, porém, a única prevista pelo Protocolo que beneficia países em desenvolvimento, entre os quais o Brasil. As outras modalidades são a Im-plementação Conjunta (IC) e o Comércio de Emissões (CE).

Dos três mecanismos, MDL, IC e CE, tem-se como pano de fundo a no-ção de possibilidade jurídica de cooperação internacional para que se obtenha sucesso nas metas de estabilização da emissão de GEE. Objetivando não preju-dicar em demasia as economias nacionais, estes métodos visaram flexibilizar os procedimentos para o alcance dos objetivos previstos por Quioto.

iv.1 – requisitos Para a validação dos Projetos mdlO Artigo 12.5 do Protocolo de Quioto prevê o atendimento dos seguintes

requisitos para a implementação dos projetos de MDL.

* Adicionalidade;

* Voluntariedade;

27 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. cit., p. 65.28 ARAÚJO, Antônio Carlos Porto. Como comercializar créditos de carbono. São Paulo: Trevisan, 2006. p. 23.

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* Demonstração de benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo relacionados com a mitigação da mudança do clima.

Diferentemente do que ocorre com as outras duas modalidades (Imple-mentação Conjunta e Comércio de Emissões), o MDL não previu como indis-pensável que as partes negociantes observassem o requisito da complementarie-dade das atividades, presente nas outras duas. Desta forma, é indiferente, para a negociação a ser travada, que a parte que adquirirá os Certificados de Emissão Reduzida (CER), a serem gerados no fim do ciclo do projeto, desenvolva, em âmbito doméstico, uma atividade semelhante àquela de MDL que está a gerar os créditos a serem comercializados pelo país hospedeiro. Em outras palavras, a Parte que adquirirá os créditos de carbono via MDL está isenta da obrigação de implementar, em seu próprio território, uma atividade adicional ou comple-mentar àquela específica que está sendo travada no país sede do projeto29.

Após críticas severas que compreendiam esta liberalidade como forma de reduzir a eficácia dos objetivos da Convenção e do Protocolo, institui-se um limite para que os países que se beneficiam com as reduções de emissão alhu-res não pudessem enquadrar totalmente o seu nível de contenção de emissão naquelas taxas adquiridas via MDL. Com isto, ficaram obrigados, em percentual relevante e considerável, a implantar formas domésticas e em seu próprio terri-tório para verem atendidos os imperativos jurídicos de redução. Assim, a Deci-são 17-CP.7 “restringiu a capacidade de os respectivos CER produzirem efeito jurídico de quitação de obrigação de Parte do anexo I na proporção máxima de 1% das emissões do ano-base por cada Parte, multiplicado por cinco”30.

IV.1.1 – Adicionalidade

Quanto ao critério jurídico da adicionalidade, deve-se compreendê-lo conjuntamente com o conceito de linha de base ou cenário de referência (in-ternacionalmente conhecido como “business as usual scenario”)31. Tem como ponto de partida a concepção de que as reduções de emissões de gases de efeito estufa devem ocorrer em razão direta da implementação da atividade de pro-jeto. Quer isso dizer que, comparando com um cenário inicial de emissões (ou linha de base), as limitações ocasionadas pelo projeto serão comprovadamente adicionais àquelas que supostamente poderiam ocorrer na sua ausência. Ainda, nas palavras de Lima32:

Cenário de referência ou Linha de Base (Baseline) é o cenário que qualifica e atribui, de forma razoável, dentro do limite de um projeto, a quantidade das

29 BRAZ, Mário Sérgio Araújo. Op. cit., p. 150.30 FRANGETTO, Flavia Witkowski. GAZANI, Flavio Rufino. Op. cit., p. 85.31 LIMA, Lucila Fernandes. O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e os Certificados de Emissões Reduzidas

– Aspectos legais e questões contratuais. Revista de Direitos Difusos, São Paulo, n. 38, p.105-106, jul./ago. 2006.

32 Idem, p. 107.

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emissões antrópicas de gases de efeito estufa por fontes, incluindo as emissões de todos os gases, setores, e categorias de fontes, listadas no Anexo A do Protocolo de Quioto, existentes na ausência de uma atividade de projeto de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Serve de base tanto para a verificação da adi-cionalidade quanto para a quantificação dos Certificados de Emissão Reduzidas (CRE) da atividade de projeto de MDL, que serão calculados justamente pela diferença entre as emissões da linha de base e as emissões-remoções verificadas em decorrência da atividade de projeto, incluindo as fugas. O cenário de referên-cia também é conhecido internacionalmente como “business as usual scenario”.

Este conceito de linha de base foi determinado pela Decisão 17-CP.7, 44, do Anexo dos Acordos de Marraquesh. As duas noções são complementa-res, uma vez que “a mensuração da adicionalidade é dada com base na defi-nição da linha de base, o cenário de referência”33. Exemplificando a questão, poder-se-ia imaginar um dado aterro sanitário em que há emissão, em função da decomposição de matéria orgânica, de gás metano (CH4). Se dado projeto obtivesse sucesso na utilização deste gás para a produção de energia (com sua queima), a implementação do MDL produziria uma redução adicional ao cená-rio de referência, ou linha base, sem a qual a emissão seria maior do que passou a ser em função da nova tecnologia34.

Uma questão controvertida que poderia surgir, suscitada por Frangetto e Gazani, seria a referente ao reconhecimento ou não de adicionalidade a proje-tos que, teoricamente, já deveriam ser implementados de qualquer forma, por força de legislação ambiental interna de cada país. Ora, se eventual lei protetiva já determina a necessidade de redução de emissões de poluentes, o projeto de MDL que apenas atenda à prescrição não estaria adicionando uma redução por seus “méritos próprios”. Isto porque a redução já é reclamada por preceito legal, presumindo-se que deveria ser obedecida independentemente e de forma autônoma ao Protocolo. Referem os autores que o “fato de a lei existir não traz como consequência absoluta a sua efetiva aplicação”35. Assim, a comprovação, por exemplo, de recorrente desobediência à lei ambiental, em determinada lo-calidade, serviria para configurar como presente o requisito da adicionalidade.

Em suma, para que se resolvam aparentes paradoxos, parece que se deve entender da seguinte forma: eventual legislação, genérica, abstrata, que preveja hipotéticos limites de emissão de GEE no país hospedeiro, não descaracteriza por si só o requisito da adicionalidade. Isto porque a sua existência não significa necessariamente a sua real aptidão para produzir efeitos, hiato este quantifi-cável pelo grau de efetividade da norma. Justamente para a execução real de uma previsão legal instituída genericamente (“compliance”) poderão operar os projetos de MDL. Isto não poderá ocorrer, porém, se a implementação especí-

33 FRANGETTO, Flavia Witkowski; GAZANI, Flavio Rufino. Op. cit., p. 64.34 Idem, p. 6135 Idem, p. 65.

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fica, tópica, de certas medidas corretivas, for requisito mesmo para o desenvol-vimento de determinado empreendimento ou satisfação de alguma obrigação legal (v.g. reparação de dano ambiental), pois neste caso estaria descaracteriza-da a adicionalidade (e também voluntariedade, como adiante se demonstrará).

Como exemplo para reflexão desta segunda hipótese, sugere-se o seguin-te caso ilustrativo: para a instalação de uma usina termelétrica em determinada região exigi-se a realização de Estudo de Impacto Ambiental. Se neste estudo for constatado como um dos pontos críticos do empreendimento a emissão de Gás de Efeito Estufa na atmosfera, e como requisito para a concessão da autorização de instalação a compensação destas emissões por alguma medida reparatória, teríamos espaço para que futuramente tais medidas mitigadoras fossem consi-deradas aptas a gerar créditos de carbono?

Neste caso, as atividades desenvolvidas como forma de conter as emis-sões dos poluentes, e requisitadas na etapa de licença ambiental, não estariam “adicionando”36 uma redução de GEE a um cenário de referência, pois a pró-pria existência deste cenário de referência (existência da usina termelétrica a ser construída) dependeria do atendimento de requisitos imprescindíveis para a concessão da licença (alternativa que compense a liberação de gases na at-mosfera). Em outras palavras, não havendo a proposta de medidas mitigadoras à emissão dos gases, não adviria a concessão da licença ambiental respectiva, e com isto não estaria autorizado o empreendimento. Em suma, neste caso, a adicionalidade de uma atividade de projeto de MDL não teria restado caracte-rizada.

Tudo indica ser outro o posicionamento de Oliveira e Bocaiuva, quando defendem que

[...] desde logo devem ser tomadas medidas, no âmbito do processo administrati-vo de licenciamento ambiental de empreendimentos potencialmente poluidores, para conferir efetividade aos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo. Por exi-gência constitucional, a instalação de projetos com potencial poluidor deve ser antecedida de Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA), que analisam, do ponto de vista técnico, a existência de alternativas viáveis para minimizar os efeitos negativos do empreendimento no meio ambiente. Sob a vigência do Protoco-lo de Quioto, cabe ao órgão público fiscalizar se o empreendedor pelo menos analisou a alternativa de adotar tecnologias limpas, que credenciem seu projeto como MDL.37

36 Usaram-se aqui as aspas no intuito de evidenciar uma certa inadequação da expressão “adicionalidade” como um dos requisitos do Protocolo. Isto porque ela quase sempre virá associada ao termo “redução” (das emissões de GEE), e com isto gerará dificuldade de sua compreensão (“adição de redução”). Melhor seria a adoção de um termo como “redução real” ou “sobressalente”, que denotaria de forma mais eficaz o seu conteúdo.

37 OLIVEIRA, Carlos Frederico Saturnino de; BOCAIUVA, Adriana. Protocolo de Quioto, mecanismos de desenvolvimento limpo, créditos de carbono. Aspectos jurídicos. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 380, p. 472, jul./ago. 2005.

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IV.1.2 – Voluntariedade

A voluntariedade, enquanto requisito de elegibilidade, deve ser vista pelo prisma do juízo de conveniência e oportunidade do país hospedeiro (no caso, o Brasil) em participar ou não dos projetos de MDL que beneficiarão os com-promissos de redução dos países integrantes do Anexo I. O fato de dever ser voluntária e espontânea a participação do país hospedeiro apenas reforça e enfatiza a ideia de que deverá estar o país imune a pressões externas das nações desenvolvidas para que avalize – no desempenho de sua soberania – este ou aquele projeto de energia limpa. Este requisito, portanto, atine à relação externa do país para com aqueles outros sujeitos de Direito internacional que demons-trem seu interesse na persecução de projetos de MDL em território brasileiro.

Neste sentido, conforme elucidativa observação de Frangetto e Gazani, se perguntarmos “voluntária em relação a quem?”, a participação qualificada como espontânea dirá respeito ao País-Parte em relação aos demais, que deci-dirá sobre a conveniência ou não em aprovar e participar deste ou daquele pro-jeto de produção econômica sustentável. Esta discricionariedade do país, assim, será fundamental para que se observem as necessidades e preocupações espe-cíficas nacionais, conforme previsão do artigo 4º, 8, da Convenção-Quadro38.

Outro aspecto deste requisito, trazido por Calsing39, diz com a impos-sibilidade de atividades de projeto de MDL serem previstas como obrigatórios meios de compensação de eventuais emissões de GEE. Assim, a legislação na-cional não poderia coagir internamente que fossem desenvolvidos estes proje-tos para atender à necessidade de redução de poluentes atmosféricos. Comen-tando o prejuízo à voluntariedade em casos de imposição, como no exemplo de licenciamento ambiental, referem Frangetto e Gazani:

[...] Além disso, obrigar a execução de reduções via projeto de MDL poderia im-plicar descredibilização do crédito de carbono brasileiro. [...] Em outras palavras, Países-Partes Não Anexo I não devem, sob prejuízo de um MDL autoritário e ineficaz, obrigar as empresas a reduzirem emissões de GEE via créditos de MDL. Eles podem, sim, obrigar que emissões sejam reduzidas em seu território, ou seja, simplesmente a possibilidade de instituição de políticas públicas que visem primeiramente à qualidade ambiental pelo controle da poluição atmosférica40.

IV.1.3 – Benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo

Este requisito é decorrência lógica do próprio espírito da Convenção--Quadro e do Protocolo de Quioto. Por meio dele, tem-se o mandamento de que as atividades de projeto de MDL serão necessariamente eficazes e corres-

38 FRANGETTO, Flavia Witkowski. GAZANI, Flavio Rufino. Op. cit., p. 67.39 CALSING, Renata de Assis. Op. cit., p. 105.40 FRANGETTO, Flavia Witkowski. GAZANI, Flavio Rufino. Op. cit., p. 72.

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ponderão ao objetivo principal de toda a regulação, que é o da estabilização de emissão de GEE na atmosfera.

Por meio deste requisito, aufere-se credibilidade à engenharia jurídica do MDL e às futuras negociações de Certificados de Emissão Reduzida (CER), pois permite contar com uma real redução-captação de gases de carbono na atmos-fera. Esta redução será objeto de certificação por Entidades Operacionais De-signadas, devidamente registradas e cadastradas junto ao Conselho Executivo de MDL, que farão o papel de auditoras do processo como um todo e verifica-rão o real impacto ambiental das atividades desenvolvidas. Segundo Frangetto e Gazani, o conceito temporal de “longo prazo” equivale a conceito jurídico indeterminado, requerendo um esforço interpretativo no sentido de adequar às condições peculiares de cada caso concreto41.

REFERÊNCIASARAÚJO, Antônio Carlos Porto. Como comercializar créditos de carbono. São Paulo: Trevisan, 2006.

BARROSO, Luis Roberto Barroso. Interpretação e aplicação da constituição. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

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BRAZ, Mario Sérgio Araújo. Os mecanismos de cooperação internacional para a redu-ção de emissões sob o Protocolo de Quioto. B. Cient, ESMPU, Brasília, a. II, n. 9, p. 139-159,out./dez. 2003.

CALSING, Renata de Assis. O Protocolo de Quioto e o Direito ao Desenvolvimento Sustentável. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2005.

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LIMA, Lucila Fernandes. O mecanismo de desenvolvimento limpo e os certificados de emissões reduzidas – Aspectos legais e contratuais. Revista de Direitos Difusos, São Paulo, n. 38, p. 105-111, jul./ago. 2006.

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MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

41 Idem, p. 62.

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90 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RSA Nº 19 – Maio-Jun/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoAgravo de Instrumento nº 0003083‑39.2012.4.01.0000/DF (d) Processo Orig.: 0027446‑17.2008.4.01.3400Relator: Desembargador Federal Souza PrudenteAgravante: Companhia Imobiliária de Brasília – TerracapAdvogado: Nadya Diniz FontesAdvogado: Bruna Ribeiro GanemAdvogado: Felipe Leonardo Machado GonçalvesAdvogado: Tiago Correia da CruzAdvogado: Luciana de Oliveira RamosAdvogado: Yana Fernandes Medeiros SilvaAdvogado: Christiane Freitas NobregaAdvogado: Viviane de CastroAdvogado: Leonardo José Martins MendesAdvogado: Keila Terezinha Englhardt NeryAgravado: Ministério Público FederalProcurador: Francisco Guilherme Vollstedt Bastos

ementa

CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DEGRADAÇÃO AMBIENTAL – ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – MEDIDAS PREVENTIVAS DEFERIDAS PELO JUÍZO A QUO – POSSIBILIDADE – PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO

I – Na ótica vigilante da Suprema Corte, “a incolumidade do meio am-biente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem fi-car dependente de motivações de índole meramente econômica, ain-da mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das no-ções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral [...] O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores

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constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja obser-vância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações” (ADI-MC 3540/DF – Rel. Min. Celso de Mello – DJU de 03.02.2006).

II – Nessa perspectiva, a tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equi-librado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da pre-caução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conser-vadora, evitando-se a ação) e a conseqüente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada), exigindo-se, na espécie, a manutenção das medidas de preventivas determinadas pela decisão monocrática, a fim de evi-tar danos maiores e irrecuperáveis à área de preservação ambiental objeto da ação civil pública instaurada nos autos de origem.

III – Nesta linha de entendimento, deve ser confirmada a decisão re-corrida, que concedeu antecipação de tutela precautiva, determinan-do a adoção de medidas inibitórias à continuidade das ações agresso-ras do meio ambiente, (implementação de parcelamentos irregulares do solo, localizados no Setor Habitacional Ponte de Terra – Região Administrativa do Gama, no Distrito Federal – área de uso susten-tável, integrante da Área de Proteção Ambiental – APA do Planalto Central), sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em caso de descumprimento desta decisão.

IV – Agravo de Instrumento desprovido. Decisão confirmada.

acÓrdão

Decide a Turma, por unanimidade, negar provimento ao agravo de ins-trumento, nos termos do voto do Relator.

Quinta Turma do Tribunal Regional Federal – 1ª Região – Em 07.05.2014.

Desembargador Federal Souza Prudente Relator

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relatÓrio

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Souza Prudente (Relator):

Cuida-se de agravo de instrumento interposto contra decisão proferida pelo Juízo da 13ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, nos autos da Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra o Distrito Federal, a Companhia Imobiliária de Brasília – Terracap, ora agravante, o Insti-tuto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, em que se busca a concessão de tutela jurisdicional, visando a proteção ambiental de unidade de conservação de uso sustentável (Área de Proteção Ambiental – APA do Planalto Central), em virtude da implantação de ocupação de parcelamentos clandestinos no Setor Habitacional Ponde de Terra (Região Administrativa do Gama, no Distrito Federal), bem assim, o pagamento de indenização pelos da-nos ambientais e urbanísticos causados na aludida área.

No decisum impugnado, concluiu o juízo monocrático que, na espécie, além dos parcelamentos levados a efeito antes da implementação da área de proteção em referência, outros ali estariam sendo realizados, em virtude de suposta “negligência dos agentes públicos, locais e federais, no exercício das funções administrativas ligadas à fiscalização e ao ordenamento da ocupação do solo urbano”, impondo-se, assim, a adoção da tutela cautelar inibitória pos-tulada pelo Ministério Público Federal, de forma a “suspender toda e qualquer atividade, tendente à ocupação, até que se esclareça, no causo da ação, a razão de ser incluída, pelo PDOT, em Zona Urbana de Consolidação”, a teor das informações constantes dos autos, “quando de indiscutível importância, indis-pensável até à preservação dos recursos hídricos”.

Em face desse quadro, deferiu o pedido de antecipação da tutela recursal formulado nos autos de origem, para:

a) Determinar “a todos os réus que se abstenham de realizar qualquer ação, direta ou indiretamente, tendente à ocupação, edificação, realização de obras de in-fraestrutura ou de qualquer outra finalidade, exploração de recursos naturais, corte ou supressão de qualquer tipo de vegetação ou de realização de qual-quer outra ação antrópica nos loteamentos clandestinos do Setor Habitacional Ponte de Terra, Região Administrativa do Gama, sem autorização desse Juízo Federal, que será deferida somente em caso de urgência e necessidade devida-mente comprovadas, ouvido previamente o Ministério Público Federal;”

b) Autorizar “a elaboração de laudo pericial, a fim de constar a situação atual da área e do parcelamento/assentamentos ali existentes, suas condições e danos ambientais, tanto para permitir que se assegure o cumprimento das medidas liminares deferidas, quanto para a produção de prova antecipada que também servirá de parâmetro para a reparação dos danos ambientais”.

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Restou arbitrada, ainda, multa diária no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), em caso de descumprimento da decisão impugnada.

Em suas razões recursais, sustenta a recorrente, em resumo, que, na es-pécie em comento, além da ausência dos pressupostos legais necessários para a concessão da medida postulada, à míngua de demonstração de eventual omis-são ou ineficiência dos agentes públicos que tenham contribuído para ocu-pação irregular da aludida área, as determinações ordenadas pelo juízo mo-nocrático não fazem qualquer restrição, englobando toda e qualquer ação do Poder Público, sem diferenciar as ações positivas (projetos de regularização), das ações negativas (ocupações e edificações irregulares), circunstância essa que inviabilizaria a sua própria atuação institucional na regularização fundiária, destacando que a área em referência estaria sendo ocupada seguindo os crité-rios estipulados na Lei Complementar Distrital nº 830/2009, que aprovou a re-visão do Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal – PDOT/Distrito Federal. Insurge-se, ainda, contra a imposição de multa pecuniária, ao argumento de que, além da ocupação em destaque não decorrer de qualquer omissão ou ineficiência de seus agentes, a referida penalidade em face da admi-nistração pública somente aumentaria gastos e delongariam ações reparadoras, pois se retirariam recursos do próprio poder público para o seu pagamento. Alternativamente, postula a redução do valor da referida multa.

Indeferido o pedido de antecipação da tutela recursal formulado na ini-cial e apresentadas as contrarrazões, a douta Procuradoria Regional da Repúbli-ca opinou pelo desprovimento do agravo.

Este é o relatório.

voto

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Souza Prudente (Relator):

A decisão impugnada restou lavrada, com estas letras:

Trata-se de ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público Federal, contra o Distrito Federal, a Companhia Imobiliária de Brasília – Terracap, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – Ibama e o Ins-tituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, com pedido de liminar e antecipação de tutela, nos termos do art. 12 da Lei nº 7.347/1985, art. 273 e 461, § 3º, do CPC e 84 do CDC, para que se determine:

“a) a todos os réus que se abstenham de realizar qualquer ação, direta ou indiretamente, tendente à ocupação, edificação, realização de obras de infraestrutura ou de qualquer outra finalidade, exploração de recursos naturais, corte ou supressão de qualquer tipo de vegetação ou de reali-zação de qualquer outra ação antrópica nos loteamentos clandestinos do Setor Habitacional Ponte de Terra, Região Administrativa do Gama, sem

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autorização desse Juízo Federal, que será deferida somente em caso de urgência e necessidade devidamente comprovadas, ouvido previamente o Ministério Público Federal; e

b) a todos os réus a apresentação e implementação, no prazo de 15 (quinze) dias, de programa de fiscalização integrada em todos os loteamentos da região, com cronograma físico anual dos trabalhos a serem realizados e apresentação de relatórios mensais sobre as ações empreendidas e irregu-laridades constatadas.”

Por eventual desrespeito à determinação judicial, requer a incidência de multa diária, no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), corrigida no momento do pagamento.

No intuito de verificar possível descumprimento do item “a”, caso concedida a liminar, requer, também:

“(a) realizada vistoria no Setor Habitacional Ponte de Terra, Região Adminis-trativa do Gama, por intermédio de Oficial de Justiça Avaliador, juntado-se auto de constatação detalhado; e

(b) requisitado ao Instituto de Criminalística (INC) do Departamento de Po-lícia Federal (SAIS Quadra 7, Lotes 9/10, Brasília/DF, CEP 70610-200) a ela-boração de laudo pericial, a fim de constar a situação atual da área e do par-celamento/assentamentos ali existentes, suas condições e danos ambientais, tanto para permitir que se assegure o cumprimento das medidas liminares deferidas, quanto para a produção de prova antecipada que também servirá de parâmetro para a reparação dos danos ambientais.”

Alega que a área objetivada se encontra totalmente inserida na Área de Proteção Ambiental – APA do Planalto Central, unidade de conservação de uso sustentável instituída por ato do Presidente da República, inicialmente administrada pelo Ibama e, desde 2007, pelo ICMBio.

Além disso, ressalta que os parcelamentos, em análise, restam inseridos em Áreas de Proteção de Mananciais – APM, que, consoante o atual Plano Diretor de Or-denamento Territorial – PDOT, veiculado pela LC do Distrito Federal nº 17/1997, são faixas especialmente protegidas contra o parcelamento do solo urbano e ru-ral, com vistas à garantia da disponibilidade e qualidade dos recursos hídricos para a população.

Anota, portanto, a responsabilidade solidária dos órgãos e entidades públicas federais e distritais, independentemente dos responsáveis diretos, decorrente da ação ineficiente, ou mesmo da omissão do dever jurídico de promover a defesa do meio ambiente, conforme o previsto na Lei nº 6.938/1981. No caso do Distrito Federal, cabia-lhe regular e promover o desenvolvimento urbano do território, em conformidade com a lei de posturas e o plano diretor, entre outras diretrizes, e, com relação aos órgãos federais, expedir o licenciamento ambiental, como requisito indispensável à eventual regularização do parcelamento do solo, por imposição da Lei nº 6.938/1981 e da Resolução Conama nº 237/1997, principal instrumento normativo sobre a questão.

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Entende, ainda, ser prudente a citação, por edital, dos adquirentes e ocupantes dos assentamentos, dada a existência de precedentes, que reconhecem a nuli-dade das demandas em que aqueles não figuram como litisconsortes passivos necessários.

À fl. 61, promove o requerente o aditamento da inicial para retificar o valor da causa, recebida a emenda retificadora à fl. 62.

Devidamente intimados, manifestaram-se os requeridos: Ibama/ICMBio (fls. 68/77), Distrito Federal (fls. 140/158) e Terracap (fls. 176/178), acompanha cada defesa dos respectivos documentos.

É o relatório.

Decido.

Como visto, o provimento liminar requerido tem por escopo sustar toda prática, relativa à ocupação e edificação de casas ou quaisquer outras obras, tendentes a agravar a já deteriorada situação ambiental da localidade denominada Setor Habitacional Ponte de Terra, situada no Gama/DF, vez que inserida na APA do Planalto Central e, principalmente, em Áreas de Proteção de Mananciais – APM, cuja importância para a preservação dos recursos hídricos e abastecimento da população fica bem evidenciada ao longo da discussão.

Requer-se, ainda, a ordem para a realização de um programa de fiscalização inte-grada pelos diversos órgãos distritais e federais, com o devido acompanhamento do Oficial de Justiça e do Instituto de Criminalística da Polícia Federal, para a elaboração de relatório circunstanciado e laudo pericial das condições e danos ambientais.

Inicialmente, deve ser acolhido o entendimento que julga necessário o ingresso no feito dos adquirentes dos lotes irregulares, mediante a citação por edital, sob pena de nulidade do feito, ante a possibilidade de prejuízo aos direitos subjetivos individuais, caso procedente o pedido final.

Assegura a Carta Magna que ninguém será privado da liberdade de seus bens, sem o devido processo legal, princípio basilar das garantias da ampla defesa e do contraditório.

Leia-se, a propósito:

“4. Na ação civil pública de reparação a danos contra o meio ambiente os empreendedores de loteamento em área de preservação ambiental, bem como os adquirentes de lotes e seus ocupantes que, em tese, tenham promo-vido degradação ambiental, formam litisconsórcio passivo necessário.

5. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido.”

(REsp 901422/SP; DJe 14.12.2009; Relª Min. Eliana Calmon)

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LOTEAMENTO COM PARCELAMENTO IRREGU-LAR – AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DOS ADQUIRENTES DOS LOTES – LITIS-CONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO – NULIDADE DA RELAÇÃO PRO-CESSUAL

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1. Tratando-se de ação difusa em que a sentença determina à ré a proceder ao desfazimento do parcelamento, atingindo diretamente a esfera jurídico--patrimonial dos adquirentes dos lotes, impõe-se a formação do litisconsórcio passivo necessário.

2. O regime da coisa julgada nas ações difusas não dispensa a formação do litisconsórcio necessário quando o capítulo da decisão atinge diretamente a esfera individual. Isto porque consagra a Constituição que ninguém deve ser privado de seus bens sem a obediência ao princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF/1988).

3. Nulidade de pleno direito da relação processual, a partir do momento em que a citação deveria ter sido efetivada, na forma do art. 47 do CPC.

4. Aplicação subsidiária do CPC, por força da norma do art. 19 da Lei de Ação Civil Pública.

5. Recurso especial provido para declarar a nulidade do processo, a partir da citação, e determinar que a mesma seja efetivada em nome do recorrente e dos demais adquirentes dos lotes do Jardim Joana D’Arc.”

(REsp 405706/SP; DJ 23.09.2002; Rel. Min. Luiz Fux)

No mérito, observável a necessidade da proteção judicial, a tempo de evitar maiores danos ao ambiente já degradado da APA do Planalto Central, especifi-camente a localidade do Setor Habitacional Ponte de Terra, alvo das inúmeras aquisições e ocupações de lotes irregulares, ora discutidas.

Verifica-se, nos autos, a presença de elementos, capazes de demonstrar a negli-gência dos agentes públicos, locais e federais, no exercício das funções adminis-trativas, ligadas à fiscalização e ao ordenamento da ocupação do solo urbano.

A atuação de cada uma das mencionadas esferas do Poder Público, na ques-tão, acha-se descrita no Laudo de Vistoria nº 58 (fls. 93/94), da lavra de técni-cos do Ibama, segundo o qual (i) os procedimentos de parcelamento de solo urbano devem ser aprovados por órgão distrital, a Seduma (Decreto Distrital nº 18.913/1997), (ii) a construção de edificações será precedida por alvará emi-tido pela Administração Regional (Leis Distritais nºs 1.172/1996 e 2.105/1998/Código de Edificações), (iii) a gestão e fiscalização das Áreas de Proteção de Mananciais competem à CAESB (Decreto Distrital nº 18.585/1997) e, finalmente, (iv) caberá ao Ibama, nessa cadeia de atribuições, o licenciamento ambiental do parcelamento do solo.

Não discrepam dessas conclusões, as informações prestadas pelo órgão ambien-tal, que acompanham o referido laudo, conquanto procure justificar as omissões (fl. 80): “São evidentes os impactos ambientais existentes na região, conforme constatado nos Laudos de Vistoria elaborados pelo Ibama, no entanto, a atuação do Ibama fica seriamente prejudicada uma vez que a construção de edificações não é uma atividade sujeita ao licenciamento pelos órgãos ambientais, pois não se enquadram no rol de atividades relacionadas no Anexo I da Resolução Co-nama nº 237/1997. A atribuição para autorizar e fiscalizar a construção de edi-ficações é do poder público local, em geral municipal e no caso específico do

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Distrito Federal, que acumula competências de estado e município, do Governo do Distrito Federal (GDF) que delega para as suas administrações regionais. In-clusive a regulamentação dessas atividades se dá no âmbito distrital, por meio da legislação de ordenamento Territorial, a exemplo do Plano Diretor de Orde-namento Territorial (PDOT) e legislação edilícia, a exemplo das Leis do Alvará e da Carta de Habite-se (Lei nº 1.172/1996) e do Código de Edificações (Lei nº 2.105/1998). Este último atribui a fiscalização das edificações às Administra-ções Regionais, conforme texto extraído da Lei”.

As responsabilidades do Ibama e do ICMBio, relativas à fiscalização e ocupação do solo, não se limitam ao simples licenciamento ambiental. Abrangem, também, o “supervisionamento dos demais processos dele decorrente”, como implantação de projetos de urbanização, loteamentos, serviços de água e esgoto, gabarito de construção e taxa de ocupação, entre outras atividades descritas no art. 5º do Decreto Presidencial s/ nº, de 2002, criador da APA do Planalto Central (fl. 72), embora não vá ao ponto de impor penalidades legais, estas aplicadas pelos ór-gãos ambientais competentes, na nova redação do art. 10 do decreto em questão.

É certo que, conforme alega o Ibama, o parcelamento e a desordenada ocupação se iniciaram muito antes da criação da APA, quando a gestão passou ao âmbito federal.

Igualmente certo, não ter-se quedado inerte o Ibama, ante o quadro de degrada-ção ambiental, vez que solicitou aos Administradores Regionais que “promoves-sem os procedimentos necessários para coibir e paralisar as ações de parcela-mento do solo na RA – II (Gama)”. (fl. 82)

Visível, também, o esforço fiscalizatório, refletido nos autos de infração, com aplicação de multas e embargos de obras, juntados às fls. 107/120, bem como na ata de reunião conjunta entre o Ibama e órgãos da Administração local, para a criação de um grupo misto de estudo do problema.

Destaque, ainda, para o esforço do governo local, em promover a regularização da questão fundiária do DF, de acordo com o Termo de Conduta nº 002/2007, noticiado às fls. 164/167.

No entanto, difícil explicar o surgimento de novos assentamentos clandestinos, na região, inclusive nas áreas mais sensíveis de proteção de manancial, senão por deficiência dos órgãos responsáveis, no cumprimento do dever, seja de fisca-lizar, seja de impor medidas inibitórias mais eficazes, como as demandadas no presente feito.

Quanto a estas últimas áreas, as chamadas APM’s, pelas razões demonstradas na inicial, há de se suspender toda e qualquer atividade, tendente à ocupação, até que se esclareça, no curso da ação, a razão de ser incluída, pelo PDOT, em Zona Urbana de Consolidação, a teor das informações contidas à fl. 167, quando de indiscutível importância, indispensável até, à preservação dos recursos hídricos.

Isso posto, defiro a liminar, requerida nos termos do art. 12, da Lei nº 7.347/1985, para:

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a) Determinar “a todos os réus que se abstenham de realizar qualquer ação, direta ou indiretamente, tendente à ocupação, edificação, realização de obras de in-fraestrutura ou de qualquer outra finalidade, exploração de recursos naturais, corte ou supressão de qualquer tipo de vegetação ou de realização de qual-quer outra ação antrópica nos loteamentos clandestinos do Setor Habitacional Ponte de Terra, Região Administrativa do Gama, sem autorização desse Juízo Federal, que será deferida somente em caso de urgência e necessidade devida-mente comprovadas, ouvido previamente o Ministério Público Federal”;

b) Autorizar “a elaboração de laudo pericial, a fim de constar a situação atual da área e do parcelamento/assentamentos ali existentes, suas condições e danos ambientais, tanto para permitir que se assegure o cumprimento das medidas liminares deferidas, quanto para a produção de prova antecipada que também servirá de parâmetro para a reparação dos danos ambientais’.

Em consequência, deverão os réus zelar pelo cumprimento da ordem contida no item “a”, por meio dos órgãos de fiscalização competentes, vedado, contudo, ao Judiciário, dizê-lo como e em que prazo será feito, por adentrar o âmbito da dis-cricionariedade administrativa, no exercício de atos de competência exclusiva.

Com efeito, o prazo de 15 dias, para a elaboração e realização de um cronogra-ma conjunto, anual, de fiscalização, em vista da amplitude da região visada e da disponibilidade limitada de agentes, como normalmente acontece, não se mostra viável, e o pedido de vistoria e relatório, por Oficial de Justiça, confunde-se com as atribuições administrativas de fiscalização.

Intime-se o Instituto de Criminalística (INC) do Departamento de Polícia Federal (SAIS Quadra 7, Lotes 9/10, Brasília/DF, CEP 70610-200), para os fins do item “b”, acima.

Cite-se, por edital, os adquirentes de lotes, situados na região, em apreço.

Eventual descumprimento da liminar importará na multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais), corrigida por ocasião do pagamento.”

Como visto, a pretensão deduzida nos autos de origem é no sentido de se desconstituir parcelamentos irregulares do solo, localizados no Setor Habi-tacional Ponte de Terra (Região Administrativa do Gama, no Distrito Federal), área de uso sustentável, integrante da Área de Proteção Ambiental – APA do Planalto Central.

Concluiu o juízo monocrático que, na espécie, além dos parcelamentos levados a efeito antes da implementação da área de proteção em referência, outros ali estariam sendo realizados, em virtude de suposta “negligência dos agentes públicos, locais e federais, no exercício das funções administrativas ligadas à fiscalização e ao ordenamento da ocupação do solo urbano”, impon-do-se, assim, a adoção da tutela cautelar inibitória postulada pelo Ministério Público Federal, de forma a “suspender toda e qualquer atividade, tendente à ocupação, até que se esclareça, no causo da ação, a razão de ser incluída, pelo PDOT, em Zona Urbana de Consolidação”, a teor das informações constantes

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dos autos, “quando de indiscutível importância, indispensável até à preservação dos recursos hídricos”.

Por sua vez, sustenta a recorrente, que, na espécie em comento, além da ausência dos pressupostos legais necessários para a concessão da medida postulada, à míngua de demonstração de eventual omissão ou ineficiência dos agentes públicos que tenham contribuído para ocupação irregular da aludida área, as determinações ordenadas pelo juízo monocrático não fazem qualquer restrição, englobando toda e qualquer ação do Poder Público, sem diferenciar as ações positivas (projetos de regularização), das ações negativas (ocupações e edificações irregulares), circunstância essa que inviabilizaria a sua própria atuação institucional na regularização fundiária, destacando que a área em re-ferência estaria sendo ocupada seguindo os critérios estipulados na Lei Com-plementar Distrital nº 830/2009, que aprovou a revisão do Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal – PDOT/Distrito Federal. Insurge--se, ainda, contra a imposição de multa pecuniária, ao argumento de que, além da ocupação em destaque não decorrer de qualquer omissão ou ineficiência de seus agentes, a referida penalidade em face da administração pública somente aumentaria gastos e delongariam ações reparadoras, pois se retirariam recursos do próprio poder público para o seu pagamento. Alternativamente, postula a redução do valor da referida multa.

Assim posta a questão e não obstante os fundamentos deduzidos pela agravante, não prospera a pretensão recursal por ela ventilada, na medida em que não conseguem infirmar as razões em que amparou a decisão agravada, no-tadamente em face do caráter nitidamente preventivo da postulada pelo douto Ministério Público Federal, de forma a inibir a continuidade das ações agresso-ras do meio ambiente, em érea de proteção ambiental, afinando-se, assim, com a tutela cautelar constitucionalmente prevista no art. 225, § 1º, V e respectivo § 3º, da Constituição Federal, na linha auto-aplicável de imposição ao poder público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente eco-logicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, para as presentes e gerações futuras (CF, art. 225, caput), tudo em harmonia com os princípios da precaução e da prevenção, a caracte-rizar, na espécie, o ato impugnado, uma manifesta agressão ao texto constitu-cional em vigor.

Nessa linha de inteligência, vem decidindo este egrégio Tribunal, em casos similares, conforme se vê, dentre outros, do seguinte julgado:

AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – PARQUE NA-CIONAL DOS LENÇÓIS MARANHENSES – UNIDADE DE PROTEÇÃO INTE-GRAL – SUSPENSÃO DE ATIVIDADES AGRESSORAS AO MEIO AMBIENTE – RECUPERAÇÃO DO DANO CAUSADO – POSSIBILIDADE – PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA, DECADÊNCIA E NULIDADE PROCESSUAL REJEITADAS – AGRAVO RETIDO DESPROVIDO

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[...]

V – Na ótica vigilante da Suprema Corte, “a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangen-te das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral [...] O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais as-sumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valo-res constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das pre-sentes e futuras gerações” (ADI-MC 3540/DF – Rel. Min. Celso de Mello – DJU de 03.02.2006). Nesta visão de uma sociedade sustentável e global, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura de paz, com responsabilidades pela grande comunidade da vida, numa perspectiva intergeracional, promulgou-se a Carta Ambiental da França (02.03.2005), estabelecendo que “o futuro e a própria existência da humanidade são indissociáveis de seu meio natural e, por isso, o meio ambiente é considerado um patrimônio comum dos seres humanos, devendo sua preservação ser busca-da, sob o mesmo título que os demais interesses fundamentais da nação, pois a diversidade biológica, o desenvolvimento da pessoa humana e o progresso das sociedades estão sendo afetados por certas modalidades de produção e consumo e pela exploração excessiva dos recursos naturais, a se exigir das autoridades públicas a aplicação do princípio da precaução nos limites de suas atribuições, em busca de um desenvolvimento durável”.

VI – A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precau-ção (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a conseqüente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa ativi-dade possa ser danosa, ela deve ser evitada), exigindo-se, assim, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade (CF, art. 225, § 1º, IV).

VII – O Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses é área de conservação da natureza, a merecer proteção integral, nos termos da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, tendo como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de

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grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pes-quisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. É uma área de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei, e a visitação pública e a pesquisa científica, estão sujeitas às normas e restrições es-tabelecidas no Plano de Manejo da unidade, às normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua administração, e àquelas previstas em regulamento, hipótese não ocorrida, na espécie.

VIII – Na hipótese dos autos, o imóvel descrito na petição inicial está localiza-do no interior de Área de Preservação Permanente – APP, encravado na Zona de Amortecimento do Parna dos Lençóis Maranhenses (unidade de conservação da natureza de proteção integral), no Município de Barreirinhas, no Estado do maranhão, integra o patrimônio da União, em zona costeira, devendo ser demo-lido, no prazo de 60 (sessenta) dias, por inobservância das determinações legais pertinentes, com as medidas de precaução e de prevenção do meio ambiente, adotadas na sentença recorrida, sob pena de multa coercitiva, no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por dia de atraso no cumprimento desta decisão mandamental. VI – Apelação, remessa oficial e agravo retido desprovidos. Sen-tença confirmada.

(AC 0002797-29.2006.4.01.3700/MA, Rel. Des. Fed. Souza Prudente, 5ª T., e-DJF1 p.173 de 12.06.2012)

Por oportuno, trago à baila trechos do voto condutor do referido julgado, da minha lavra, nestes termos:

“Registre-se, ainda, que, na ótica vigilante da Suprema Corte, ‘a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitu-cional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a “defesa do meio ambiente” (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral [...] O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja ob-servância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações’ (ADI-MC 3540/DF – Rel. Min. Celso de Mello – DJU de 03.02.2006).

Nesta visão de uma sociedade sustentável e global, baseada no respeito pela na-tureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura de

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paz, com responsabilidades pela grande comunidade da vida, numa perspectiva intergeneracional, promulgou-se a Carta Ambiental da França (02.03.2005), esta-belecendo que ‘o futuro e a própria existência da humanidade são indissociáveis de seu meio natural e, por isso, o meio ambiente é considerado um patrimônio comum dos seres humanos, devendo sua preservação ser buscada, sob o mes-mo título que os demais interesses fundamentais da nação, pois a diversidade biológica, o desenvolvimento da pessoa humana e o progresso das sociedades estão sendo afetados por certas modalidades de produção e consumo e pela ex-ploração excessiva dos recursos naturais, a se exigir das autoridades públicas a aplicação do princípio da precaução nos limites de suas atribuições, em busca de um desenvolvimento durável.

Nessa perspectiva, a tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determi-nada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a conseqüente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada), exigindo-se, assim, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade (CF, art. 225, § 1º, IV).

Ademais, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvol-vimento (CNUMAD), ‘tendo se reunido no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de junho de 1992, reafirmando a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, adotada em Estocolmo em 16 de junho de 1972, e buscando avançar a partir dela, com o objetivo de estabelecer uma nova e justa parceria global mediante a criação de novos níveis de cooperação entre os Estados, os setores-chaves da sociedade e os indivíduos, trabalhando com vistas à conclusão de acordos internacionais que respeitem os interesses de todos e protejam a integridade do sistema global de meio ambiente e desenvolvimento, reconhecendo a natureza integral e interdependente da Terra, nosso lar’, ela-borou a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que em seu Princípio nº 16 estabeleceu a responsabilidade do poluidor, na dicção de que: ‘As autoridades nacionais devem procurar promover a internacionalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem segundo a qual o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo da poluição, com a devida atenção ao interesse público e sem provocar distorções no comércio e nos investimentos internacionais’.

Em sendo assim, afigura-se possível, na espécie, determinar ao responsável pela degradação ambiental que se abstenha de construir novas intervenções/constru-ções no térreo identificado pelas coordenadas descritas na inicial, bem assim, que realize a demolição, sob a supervisão técnica do Ibama, das edificações identificadas ao tempo da inspeção judicial e, ainda, que apresente projeto de recuperação da área degradada ao Ibama, com cronograma de recuperação a ser

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definido pelo referido órgão ambiental, a fim de revitalizar o ecossistema ao seu estádio natural.”

***

Nessa mesma inteligência, confiram os lúcidos fundamentos lançados pela douta Procuradoria Regional da República, com estas letras:

“[...]

A liminar concedida deve ser mantida, restando à agravante desfazer a ocupação, evitar a deterioração e a realização de novas obras que afetem ainda mais a situa-ção ambiental do Setor Habitacional Ponte Terra, situado no Gama/DF, por se tratar de Área de Proteção Ambiental e Área de Proteção de Mananciais.

O argumento de que não estão presentes os requisitos para o deferimento da medida liminar é destituído de um mínimo de razoabilidade. Efetivamente, cons-tata-se a omissão do poder público, que permitiu a ocupação irregular de APA e APM.

Ademais, a medida liminar não impôs nenhuma medida excepcional que não possa ser cumprida pela agravante. O que determinou foi que a empresa pública distrital paute sua conduta com observância mínima dos princípios de conduta considerados necessários à preservação do meio ambiente.

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça tem decidido a respeito.

PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – RECURSO ESPECIAL – LOTE-AMENTO IRREGULAR – DEFERIMENTO DE TUTELA ANTECIPADA, PARA DETERMINAR A DEMOLIÇÃO DAS EDIFICAÇÕES E O DESFAZIMENTO DO PARCELAMENTO DO SOLO – PEDIDO DE SUSPENSÃO DO PROCESSO COM FUNDAMENTO NO ART. 265, IV, DO CPC – IMPOSSIBILIDADE – 1. A norma contida no art. 265, IV, do Código de Processo Civil, prevê a suspensão do processo quando a sentença de mérito: (a) ‘depender do julga-mento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da re-lação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente’; b) ‘não puder ser proferida senão depois de verificado determinado fato, ou de produzida certa prova, requisitada a outro juízo’; c) ‘tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido como declaração incidente’. 2. Hipótese em que a recorrente busca a suspensão do processo em cujos autos foi determinada a demolição e desfazimento de parcelamento do solo e edificações realizadas em área conhecida como ‘Pinheirinho’, enquanto estiver em tramitação o projeto de lei de iniciativa da Câmara Municipal de São José dos Campos/SP, visando à declaração de interesse social da referida área, para fins de desapropriação e construção de habitações populares. 3. A simples existência de um projeto de lei em tramitação, visando à declaração de interesse social da área, para fins de desapropriação, não constitui hipó-tese de suspensão do processo com fundamento no preceito legal invocado. 4. Recurso especial desprovido.

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POSSIBILIDADE, PODER JUDICIÁRIO, CONDENAÇÃO, MUNICÍPIO, DES-CONSTITUIÇÃO, LOTEAMENTO IRREGULAR, ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIEN-TAL, DECORRÊNCIA, OMISSÃO, PROIBIÇÃO, ATO ILÍCITO, LOTEADOR, FALTA, PODER DE POLÍCIA, PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PUBLICO, FISCA-LIZAÇÃO, PARCELAMENTO DO SOLO URBANO – NÃO CARACTERIZAÇÃO, PODER DISCRICIONÁRIO

Ementa: Cabe ação civil pública, para compelir o Município a desfazer parcela-mento irregular de terras caracterizadas como áreas de preservação ambiental.

Ante o exposto, opina o Ministério Público Federal pelo não provimento do agra-vo de instrumento”

Nesta linha de entendimento deve ser mantida a decisão agravada, que deferiu o pedido de antecipação da tutela formulado pelo Ministério Público Federal, na linha, inclusive da orientação jurisprudencial deste egrégio Tribunal sobre a matéria, in verbis:

CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLI-CA – DEGRADAÇÃO AMBIENTAL – ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – MEDIDAS PREVENTIVAS DEFERIDAS PELO JUÍZO A QUO – POSSIBILIDADE – PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO

I – Na ótica vigilante da Suprema Corte, “a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangen-te das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral [...] O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais as-sumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valo-res constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das pre-sentes e futuras gerações” (ADI-MC 3.540/DF – Rel. Min. Celso de Mello – DJU de 03.02.2006).

II – Nessa perspectiva, a tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qua-lidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora,

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evitando-se a ação) e a conseqüente prevenção (pois uma vez que se possa pre-ver que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada), exigindo-se, na espécie, a manutenção das medidas de preventivas determinadas pela decisão monocrática, a fim de evitar danos maiores e irrecuperáveis à área de preserva-ção permanente objeto desta ação civil pública.

V – Nesta linha de entendimento deve ser confirmada a decisão recorrida, que concedeu antecipação de tutela precautiva, determinando à empresa promovida que se abstenha de lançar no Rio Grande/MG o lixo, os entulhos de construção e o esgoto provenientes da ocupação do terreno, de edificar no local ou ampliar o que já foi edificado, de derrubar, cortar ou suprimir qualquer tipo de vegetação nativa, sendo-lhes vedada a adoção de qualquer conduta ou atividade danosa ao meio ambiente, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (hum mil reais) em caso de descumprimento desta decisão.

VI – Agravo de Instrumento desprovido. decisão confirmada.

(Ag 0042237-35.2010.4.01.0000/MG, 5ª T., Rel. Des. Fed. Souza Prudente, e-DJF1 p.168 de 02.09.2013)

***

Registre-se, por fim, que, relativamente à multa pecuniária imposta na decisão agravada, também não vingam as alegações deduzidas pela recorrente, tendo em vista que, além de expressa previsão legal (art. 11 da Lei nº 7.347/1985 e art. 461, §§ 4º e 5º, do CPC), a sua fixação tem o condão, justamente, de dar efetiva eficácia ao julgado, sendo que a sua execução encontra-se atrelada ao eventual descumprimento das determinações ordenadas pelo juízo monocráti-co, o que, certamente, não é a intenção da recorrente, a descaracterizar, sob esse enfoque, o alegado prejuízo aos cofres públicos.

Não se pode olvidar que, ainda que assim não fosse, eventual prejuízo ao erário, decorrente de possível ação ou omissão de agentes públicos, no tocante ao descumprimento da ordem judicial em referência, autoriza a competente ação regressiva, nos termos da legislação de regência, afastando-se, assim, tam-bém sob esse enfoque, o receio demonstrado pela agravante.

***

Com estas considerações, nego provimento ao agravo de instrumento, para manter a decisão agravada, em todos os seus termos.

Este é meu voto.

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Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoNº CNJ: 0009330‑37.2009.4.02.5101Relator: Desembargador Federal Guilherme DiefenthaelerApelante: Renovadora de Pneus Nova Areal Ltda.Advogado: Marcelo de Almeida BarbosaApelado: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IbamaProcurador: Luciana Bahia Iorio RibeiroOrigem: Vigésima Sexta Vara Federal do Rio de Janeiro (200951010093309)Juiz Federal Substituto Fabrício Fernandes de Castro

ementa

DIREITO ADMINISTRATIVO E ECONÔMICO – IMPORTAÇÃO DE PNEU USADO – DESTINAÇÃO FINAL – RESOLUÇÕES CONAMA NºS 258/1999 E 301/2003 – AUTO DE INFRAÇÃO – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO PRÉVIA DE ADEQUADA DESTINAÇÃO AMBIENTAL – APELAÇÃO DESPROVIDA

Trata-se de Apelação Cível interposta contra sentença que jul-gou improcedente o pedido de cancelamento do Auto de Infração nº 510293, série D, lavrado pelo Ibama, bem como a inscrição em Dívida Ativa da União.

O Ibama lavrou o Auto de Infração em face da averiguação da Em-presa “fazer funcionar estabelecimento industrial reformando pneus importados usados, deixando de comprovar a destinação final am-bientalmente adequada, deixando de comprovar a destinação final de 1.399.587kg de pneus inservíveis no ano de 2005, contrariando o disposto na Resolução do Conama nº 258/1999 e 301/2003”.

A empresa não logrou comprovar nos autos que, previamente aos embarques de pneus, tenha demonstrado, junto ao Ibama, a destina-ção ambientalmente adequada de pneus inservíveis em quantitativo correspondente ao de pneus importados, conforme exige a Resolu-ção Conama nº 258/1999. A inobservância de tal exigência configura infração às disposições da legislação destinada à proteção do meio ambiente, dando azo à autuação por parte Ibama, lavratura do Auto de Infração e aplicação da multa ora impugnada.

A multa aplicada foi fixada consoante os padrões estabelecidos pelo art. 44 do Decreto nº 3.179/1999, razão pela qual não se vislumbra irrazoabilidade ou desproporcionalidade na sua aplicação.

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O Ibama agiu dentro do poder de polícia que lhe é conferido pela legislação infraconstitucional, sendo certo que mediante delegação legal, aquele órgão de controle é competente para executar a polí-tica nacional do meio-ambiente, com atribuições específicas para a conservação, controle, fomento e uso racional dos recursos naturais renováveis, bem como fiscalização do uso desses recursos, não ca-bendo ao Judiciário avaliar a conveniência e oportunidade dos atos administrativos, mas, tão somente, velar pela legalidade dos atos pra-ticados, conforme se infere da Súmula nº 473 do STF.

Apelação desprovida.

acÓrdão

Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas:

Decide a Quinta Turma Especializada do Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, constante dos autos e que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, de de 2014.

Guilherme Diefenthaeler, Desembargador Federal – Relator.

relatÓrio

Trata-se de Apelação Cível interposta pela Renovadora de Pneus Nova Areal, contra sentença de fls. 451/453, que julgou improcedente a Ação Ordi-nária ajuizada em face do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, com o objetivo de que fosse cancelado o Auto de Infração nº 510293, série D, lavrado pelo Apelado, bem como a inscrição em Dívida Ativa da União.

Em suas razões recursais, às fls. 457/483, a Apelante fez um breve relato dos fatos e reiterou praticamente os mesmos argumentos da inicial. Contou que vem dando destinação final ambientalmente adequada aos pneumáticos desde o ano de 2004. Sustentou a inviabilidade da Autuação impugnada. Asseverou que, ao contrário do que entendeu o Juiz de primeiro grau, a autuação não se deu por pendência no Cadastro Técnico Federal, mas por não ter comprovado a destinação ambiental adequada em 2005. Acresceu que o próprio Apelado apresentou ofício certificando o adequado descarte no referido ano. Disse que o Auto de Infração apresenta severa afronta ao Princípio da Legalidade, contendo vícios formais e materiais insanáveis, tais como ser lavrado sem anterior adver-

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tência e ter como signatário da autuada funcionário sem poderes para tanto. Contestou, ainda, o cálculo para a implementação do Auto de Infração.

Contrarrazões às fls. 488/505.

Parecer do Parquet Federal opinando pelo desprovimento do recurso, conforme fls. 510/515.

Decisão, às fls. 562/564, indeferindo o pedido de antecipação de tutela formulado pela Recorrente às fls. 523/542.

Da supra decisão foi interposto Agravo Interno (fls. 569/601), ao qual, por unanimidade, foi negado provimento (fls. 604/610).

É o relatório. Peço dia para julgamento.

voto

O Exmo. Desembargador Federal Guilherme Diefenthaeler (Relator):

Trata-se de Apelação Cível interposta contra sentença de fls. 451/453, que julgou improcedente o pedido de cancelamento do Auto de Infração nº 510293, série D, lavrado pelo Ibama, bem como a inscrição em Dívida Ativa da União.

Verifica-se que o Ibama lavrou o Auto de Infração nº 510293 – D, objeto da presente demanda, em face da averiguação da Empresa “fazer funcionar estabelecimento industrial reformando pneus importados usados, deixando de comprovar a destinação final ambientalmente adequada, deixando de compro-var a destinação final de 1.399.587kg de pneus inservíveis no ano de 2005, contrariando o disposto na Resolução do Conama nº 258/1999 e 301/2003” (fl. 44).

Conforme relatado pelo Ibama, às fls. 197/199, a Apelante comprovou a destinação em 2004, resultando um crédito de 24.910kg, todavia, em 2005 deixou de comprovar a quantia de 1.434.496,5Kg, da qual, descontando o cré-dito do ano anterior, totaliza 1.3.99.587Kg de pneus inservíveis não destinados.

Destaca-se que o Ofício nº 87/05 CGQUA/DILIQ, do Ibama, informa que foi comprovado o cumprimento da Resolução Conama nº 258/1999 para o total de pneus usados importado em 2004 e parte importado em 2005, havendo irregularidade no Cadastro Técnico Federal da empresa Apelante, uma vez que a mesma não estava cadastrada em 2004 como importadora de pneumáticos, somente tendo sido registrada em 15.02.2005.

A Resolução Conama nº 258/1999 condiciona a importação de pneumá-ticos à prévia comprovação, junto ao Ibama, da destinação final ambientalmen-te adequada. Confira-se:

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“Art.1º As empresas fabricantes e as importadoras de pneumáticos ficam obriga-das a coletar e dar destinação final, ambientalmente adequada, aos pneus inser-víveis existentes no território nacional, na proporção definida nesta Resolução relativamente às quantidades fabricadas e/ou importadas.

[...]

Art. 6º As empresas importadoras deverão, a partir de 1º de janeiro de 2002, comprovar junto ao Ibama, previamente aos embarques no exterior, a destinação final, de forma ambientalmente adequada, das quantidades de pneus inservíveis estabelecidas no art. 3º desta Resolução, correspondentes às quantidades a se-rem importadas, para efeitos de liberação de importação junto ao Departamento de Operações de Comércio Exterior-Decex, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.”

A Lei nº 9.605/1998, que dispõe sobre as sanções penais e administra-tivas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, caracteriza infração administrativa ambiental, toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente. Veja-se:

“Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.

§ 1º São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e ins-taurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – Sisnama, designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha.

§ 2º Qualquer pessoa, constatando infração ambiental, poderá dirigir represen-tação às autoridades relacionadas no parágrafo anterior, para efeito do exercício do seu poder de polícia.

§ 3º A autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de co-responsabilidade.

§ 4º As infrações ambientais são apuradas em processo administrativo próprio, assegurado o direito de ampla defesa e o contraditório, observadas as disposições desta Lei.”

Com efeito, a empresa não logrou comprovar nos autos que, previamen-te aos embarques de pneus, tenha demonstrado, junto ao Ibama, a destinação ambientalmente adequada de pneus inservíveis em quantitativo correspondente ao de pneus importados, conforme exige a Resolução Conama nº 258/1999.

A inobservância de tal exigência configura infração às disposições da legislação destinada à proteção do meio ambiente, dando azo à autuação por parte Ibama, lavratura do Auto de Infração e aplicação da multa ora impugnada.

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Ainda, as normas que fundamentaram a lavratura do Auto de Infração em questão conferem a sustentação legal necessária à punição aplicada à Apelante, não havendo que se falar em violação ao Princípio da Legalidade.

No que tange à multa aplicada, entendo que fixada consoante os padrões estabelecidos pelo art. 44 do Decreto nº 3.179/1999, razão pela qual não vis-lumbro irrazoabilidade ou desproporcionalidade na sua aplicação.

No mesmo sentido vem entendendo esta Corte Regional Federal:

“DIREITO CONSTITUCIONAL E ECONÔMICO – IMPORTAÇÃO DE PNEU USADO – DESTINAÇÃO FINAL – RESOLUÇÃO Nº 258/1999 – CERTIFICADO DE REGULARIDADE – ACESSO A SISTEMA ONLINE DO IBAMA – 1. Trata-se de apelações interpostas pelas partes em face de sentença proferida nos autos de ação ordinária, objetivando a autora o cancelamento da multa relativa ao Auto de Infração nº 102874-D, bem como seja determinado ao Ibama que não crie empecilhos à comprovação, por parte da autora, da destinação final de pneus inservíveis. Em sede antecipatória, pleiteou a suspensão dos efeitos da referida autuação, bem assim a determinação para imediato restabelecimento da senha e reativação do cadastro da autora junto ao sistema do réu, para que possa com-provar a destinação final dada aos pneus inservíveis relativos à fabricação/impor-tação do ano de 2006. 2. Com efeito, embora tenha apresentado, em momento posterior inúmeros certificados atestando destinação ambientalmente adequada aos pneumáticos, fato é que a Autora não o fez perante o órgão competente, qual seja, o Ibama, e nem no momento apropriado, violando, portanto, o art. 6º da Resolução nº 258/1999, acima transcrito. 3. Noutro giro, de acordo com os docu-mentos constantes dos autos, em especial o de fls. 450, é possível depreender-se que a parte autora não consegue acessar a parte do sistema relativa à informação dos pneus importados e dos destinados de forma ambientalmente correta, em razão da restrição do débito referente à autuação ora atacada impor à emissão do Certificado de Regularidade junto ao CTF. 4. Com a negativa de expedição do Certificado de Regularidade em nome da autora, em razão da existência de débitos não adimplidos substanciados em multa pela infração a regramentos am-bientes (fato confirmado pelo Ibama em suas contra-razões), não é possível que a Autora acesse tal sistema, com vistas a informar o quantitativo de pneus impor-tados e destinados, e, assim, exercer regularmente suas atividades. 5. Recursos e remessa necessária conhecidos, porém desprovidos.”

(TRF da 2ª Região, AC 200750010022833, 8ª T.Esp., Rel. Des. Fed. Poul Erik Dyrlund, unânime, DJ 23.03.2009, p. 103)

“ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – AUTO DE INFRA-ÇÃO – TRANSPORTE DE PNEUS USADOS IMPORTADOS – APLICAÇÃO DO ART. 47-A DO DECRETO Nº 3.179/1999 – 1. Trata-se de apelação interposta em Mandado de Segurança objetivando o cancelamento do Auto de Infração nº 511511, e, consequentemente, da multa de R$ 46.000,00, lavrada em decor-rência do transporte de 115 pneus usados importados. 2. A conduta do impe-trante encontra-se vedada pelo art. 47-A do Decreto nº 3.179/1999, segundo o qual constituía infração ambiental a importação de pneu usado ou reformado,

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incorrendo na mesma pena quem comercializava, transportava, armazenava, guardava ou mantinha em depósito pneu usado ou reformado, importado nessas condições. 3. Note-se que a aquisição de mercadoria importada, mediante nota fiscal emitida por firma regularmente estabelecida, gera a presunção de boa-fé do adquirente. Todavia, no caso dos autos, a aquisição deu-se através da empresa Kefel Comércio de Pneus Ltda., a qual encontrava-se irregular por não constar do Cadastro Técnico do Ibama, tendo sido por esta razão também autuada. Dessa forma, competia à impetrante/adquirente exigir nota fiscal contendo o número da Declaração de Importação, ou a cópia de tal declaração, a fim de eximir-se do ônus de responder administrativa ou judicialmente. 4. Como bem salientado pelo Ministério Público Federal, às fls. 110, ‘muito embora a referida nota fiscal possa ser suficiente para fins tributários, não é meio hábil para comprovar a origem lícida dos pneus em questão, o que demandaria a apresentação de nota fiscal pela empresa Kefel Comercial de Pneus Ltda.’ 5. Frise-se que o Auto de Infração é ato administrativo e, como tal, está dotado da presunção relativa de legalidade e veracidade, somente elididas por prova em contrário. In casu, as alegações da impetrante não foram suficientes para abalar a presunção de legitimidade dos atos praticados pela fiscalização do Ibama, carecendo de um mínimo suporte probatório indicativo de vício que pudesse dar causa à anulação do auto de in-fração. 6. Apelação conhecida e improvida.”

(TRF da 2ª Região, AMS 200751010006325, 6ª T.Esp., Rel. Des. Fed. Guilherme Calmon Nogueira da Gama, unânime, DJ 07.10.2010, p. 195/196)

O Ibama agiu dentro do poder de polícia que lhe é conferido pela legis-lação infraconstitucional, sendo certo que mediante delegação legal, aquele órgão de controle é competente para executar a política nacional do meio--ambiente, com atribuições específicas para a conservação, controle, fomento e uso racional dos recursos naturais renováveis, bem como fiscalização do uso desses recursos, não cabendo ao Judiciário avaliar a conveniência e oportuni-dade dos atos administrativos, mas, tão somente, velar pela legalidade dos atos praticados, conforme se infere da Súmula nº 473 do Colendo STF.

Assim, pelas provas trazidas aos autos, tenho por legítima a atuação do Ibama, uma vez que se encontra em conformidade com as normas vigentes que determinam a fiscalização por parte da autoridade competente, na defesa do interesse público, devendo prevalecer, in casu, a presunção de legalidade dos atos praticados pela Administração.

Diante do exposto, nego provimento à Apelação Cível.

É como voto.

Guilherme Diefenthaeler, Desembargador Federal – Relator.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoApelação Cível nº 0005289‑37.2010.4.03.6112/SP2010.61.12.005289‑7/SP Relator: Desembargador Federal Carlos MutaApelante: Ministério Público FederalAdvogado: Tito Livio Seabra e outroApelante: União FederalAdvogado: Tércio Issami TokanoApelante: Adnael Alves da Costa Filho e outro

Sylmara Guimarães Alves da CostaAdvogado: Adnael Alves da Costa Neto e outroApelado: os mesmosParte Autora: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IbamaAdvogado: Bruno Santhiago Genovez e outroNº Orig.: 00052893720104036112 2ª Vr. Presidente Prudente/SP

ementaPROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – EXPLORAÇÃO IRREGULAR DE ÁREAS DE VÁRZEA E DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – RANCHO DE LAZER EM LOTE À MARGEM DO RIO PARANÁ – DANOS DECORRENTES DE ATIVIDADE ANTRÓPICA – ABSTENÇÃO DE UTILIZAÇÃO OU EXPLORAÇÃO – DEMOLIÇÃO DAS CONSTRUÇÕES – REMOÇÃO DOS ENTULHOS – RECOMPOSIÇÃO DA COBERTURA VEGETAL – PENA DE MULTA DIÁRIA – CABIMENTO – CUMULAÇÃO COM INDENIZAÇÃO E DEPÓSITO JUDICIAL DE VALORES, NA HIPÓTESE DE DESCUMPRIMENTO – INVIABILIDADE, NO CASO

1. Trata-se de ação civil pública para fins de cessar exploração irregu-lar de imóvel situado em áreas de várzea e de preservação permanen-te (rancho no Lote 105, situado na Av. Erivelton Francisco de Oliveira, nº 105, Estrada da Balsa, Bairro Beira-Rio, Município de Rosana/SP), com demolição e remoção dos entulhos, cumulada com recomposi-ção e indenização dos danos causados ao meio ambiente, bem como pagamento de importância necessária à execução das medidas, em caso de eventual descumprimento.

2. Segundo relatório técnico de vistoria, da Coordenadoria de Bio-diversidade e Recursos Naturais – Centro Técnico Regional de Presi-dente Prudente, trata-se de área à margem esquerda do Rio Paraná, considerada de preservação permanente – APP, nos termos do inciso 5, da alínea a, do art. 2º, da Lei Federal nº 4.771/1965 (Código Flores-

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tal) e alínea e, inciso I, do art. 3º, da Resolução Conama nº 303/2002, ou seja, dentro da faixa marginal de 500 metros, em curso d’água com largura superior a 600 metros.3. A controvérsia sobre se tratar de área rural ou urbana, tendo em vista a alegação dos réus de que o imóvel (E-0.293.750m e N-7.507.149m coordenadas) teria sido integrado ao perímetro urbano do Município de Rosana/SP, pela Lei Complementar Municipal nº 024/2008, não é relevante para o deslinde da causa, pois, ainda que esteja realmente dentro dos parâmetros fixados pelo Município, os imóveis inseridos no limite de até 500m de rios que banham mais de um Estado da Federação não perdem a característica de área de preservação per-manente da União e devem observar a legislação federal ambiental.4. Conforme contratos particulares de compra e venda, a área foi ven-dida por Fumio Kubo para Aparecido Origa, em 05.05.1998, que, por sua vez, vendeu para o réu Adnael Alves da Costa Filho, casa-do sob o regime da comunhão parcial de bens com a ré Sylmara Guimarães Alves da Costa, inicialmente a fração equivalente a 50%, em 27.05.1998, e posteriormente os 50% restantes, em 16.12.1999, sendo que todos os contratos descrevem o imóvel apenas como “uma área de terras”, não mencionando a existência de quaisquer edifica-ções ou benfeitorias realizadas pelos antigos posseiros.5. Não consta nenhuma autorização do órgão competente para cons-truir no local, sendo irrelevante se havia ou não vegetação nativa à época, pois, além de se tratar de obrigação propter rem, a manuten-ção das construções e a exploração da área, por si sós, impedem a regeneração florestal.6. A ausência de justa causa para a ação penal, por suposto crime am-biental, não interfere na seara da ação civil pública, para reparação dos danos ao meio ambiente, tendo em vista a independência entre as esferas cível e criminal.7. Os danos ao meio ambiente, causados pelas construções e utili-zação da área para moradia, foram comprovados pelos relatórios e laudos técnicos dos diversos órgãos ambientais, somente sendo passí-veis de reparação com a demolição das obras, remoção dos entulhos e plantio de espécies nativas, ao passo que os réus não demonstraram que dependam do uso e exploração da área para sobreviver, nem que se enquadram no conceito de ribeirinhos, cuja principal atividade de subsistência seja a pesca artesanal ou o extrativismo, tratando-se o casal de cirurgião dentista aposentado e funcionária pública mu-nicipal aposentada, com outras fontes de renda, e que, além disso, possuem outra moradia na área rural de Mirassol/SP, Sítio São Judas

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Tadeu, onde residem determinados períodos do ano, o que evidencia a destinação do rancho na APP para atividades recreativas e de lazer.8. A invocação de princípios e direitos fundamentais, como “o direito adquirido, a segurança jurídica, o direito de posse e propriedade, o direito à moradia e ao desenvolvimento, o direito social ao lazer, o uso e gozo de um bem público e a dignidade da pessoa humana”, de caráter individual, não se sobrepõe ao direito coletivo ao meio am-biente ecologicamente sustentável e equilibrado e, ademais, estando a área ocupada sujeita a inundações sazonais, pelas cheias do rio Paraná, a simples existência de construções, com sanitários e fossas sépticas, causa poluição ao leito do rio, com a carga dos dejetos para o corpo d’água, o que deve ser evitado.9. A responsabilidade objetiva do poluidor pela reparação dos danos ambientais tem respaldo constitucional (art. 225, § 3º, Constituição Federal) e legal (art. 14, § 1º, Lei nº 6.938/1981).10. A cumulação da reparação com indenização pelos danos am-bientais, ainda que não se trate de compensação, somente é cabível quando estes não possam ser integral e imediatamente reparados, si-tuação que não se verifica no caso dos autos, em que perícias técni-cas na área degradada constataram a possibilidade de regeneração total da mata nativa, com a implantação das medidas de demolição das construções, remoção de entulhos e plantio de mudas.11. Quanto ao pedido de condenação dos réus para que recolham valores destinados à execução das providências de demolição e recu-peração da área degradada, na eventualidade de descumprimento da tutela específica, há de se ressaltar que a cominação de multa diária de R$ 500,00, tal como prevista na sentença, cumpre a função de compelir os réus à prática das medidas determinadas, sem que haja necessidade de se arbitrar novos valores, em caso de configuração desta hipótese. Note-se que a multa, nos termos do art. 13, caput, da Lei nº 7.347/1985, reverterá ao Fundo de Defesa de Direitos Di-fusos (FDD), que, no caso específico, “tem por finalidade a repara-ção dos danos causados ao meio ambiente” (Decreto Presidencial nº 1.306/1994).12. Remessa oficial, tida por submetida, e apelos do MPF, da União e dos réus desprovidos.

acÓrdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por

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unanimidade, negar provimento à remessa oficial, tida por submetida, e aos recursos de apelação do MPF, da União e dos réus, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 08 de maio de 2014.

Roberto Jeuken Juiz Federal Convocado

relatÓrio

Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, objetivando a condenação dos réus Adnael Alves Da Costa Filho e Sylmara Guimarães Alves da Costa, possuidores de um rancho no Lote 105, situado na Av. Erivelton Francisco de Oliveira, nº 105, Estrada da Balsa, Bairro Beira-Rio, Município de Rosana/SP, ao cumprimento das seguintes obrigações: (1) abster--se de utilizar ou explorar as áreas de várzea e de preservação permanente do referido lote, não promovendo nem permitindo supressão de qualquer cober-tura vegetal, sem autorização do órgão competente; (2) demolir todas as cons-truções sobre as áreas de várzea e de preservação permanente, não autorizadas previamente, removendo o entulho para local aprovado pelo órgão ambiental, no prazo de 30 dias; (3) submeter, em 30 dias, projeto técnico à aprovação do órgão competente, para recomposição da cobertura florestal da área de preser-vação permanente, no prazo de 6 meses, pelo “plantio racional e tecnicamente orientado de espécies nativas e endêmicas da região, com acompanhamento e tratos culturais”, pelo período mínimo de 2 anos; (4) recolher judicialmente quantia suficiente para a execução das medidas, a ser apurada em liquidação de sentença, caso não cumpram o estabelecido nos prazos fixados; (5) pagar indenização pelos danos ambientais causados durante o período de ocupação irregular, em que foi impedida a regeneração da vegetação, a ser quantificada em perícia; (6) pagar multa diária equivalente a um salário mínimo, em caso de descumprimento das obrigações de fazer e não fazer; e (7) arcar com as custas e despesas processuais.

Alegou, na inicial, que: (1) a degradação ambiental atinge a totalidade do lote, com área de 353m², sobre o qual foi construído, ilegalmente, um pré-dio de alvenaria de 234m², com “mureta, escada e rampa de acesso de barcos, confrontando-se diretamente com o leito do Rio Paraná [...] interferindo nas áre-as de várzea e preservação permanente e impedindo sua regeneração” (fl. 04); (2) o imóvel encontra-se, integralmente, dentro de área de preservação perma-nente – APP, que, no caso, consiste numa faixa de 500m a partir do maior leito sazonal do rio Paraná; (3) vistorias da Polícia Ambiental e do Departamento de Proteção de Recursos Naturais – DPRN constataram a irregularidade das cons-truções; (4) laudo do Instituto de Criminalística verificou a degradação total da vegetação existente na área; (5) laudo do Instituto Chico Mendes de Conserva-

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ção da Biodiversidade atestou que os danos decorrentes da ocupação ilegal se configuraram pela retirada da vegetação, construção das edificações, limpeza do quintal, produção de resíduos sólidos (lixo) e demais efluentes lançados no rio pelas atividades antrópicas, atingindo proporções maiores do que o próprio local ocupado pelos réus; (6) a área não é adequada para ocupação humana, não só por questões ambientais, mas também por existir riscos à vida e à saúde das pessoas, a exemplo da inundação ocorrida no final do ano de 2009 e início de 2010; (7) mesmo nos ranchos com fossas e “banheiros”, os dejetos e o lixo são carregados para o curso no rio, durante a inundação sazonal característica do rio Paraná; (8) as APP’s são áreas protegidas pela Constituição Federal, Có-digo Florestal (Lei nº 4.771/1965), Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981) e Resoluções Conama nºs 303/2002 e 369/2006, as quais impõem o dever do poluidor de reparar o dano ambiental. Foram anexados os documentos de fls. 33/224.

A União e o Ibama foram admitidos como assistentes litisconsorciais do autor (fls. 262 e 307), sendo deferida liminar, no AI 0027638-37.2010.4.03.0000, para determinar abstenção de novas construções e/ou continuidade das que es-tejam em curso (fls. 266/7).

Houve contestação (fls. 276/93) e réplicas do MPF e da União (fls. 311/22 e 325/31), sendo indeferida a produção de prova pericial e testemunhal, facul-tando-se aos réus a juntada de declarações escritas para comprovação da mora-dia e inexistência de exploração antrópica, como requerido (fl. 342), o que foi anexado posteriormente (fls. 343/4).

O MPF requereu juntada do laudo pericial confeccionado pela Polícia Federal (fls. 347/67), sobre o qual os réus se manifestaram (fls. 371/3).

A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, conforme disposi-tivo que segue (fls. 374/8v.):

“[...] Ante o exposto, acolho parcialmente o pedido inicial, para o fim de julgar parcialmente procedente a presente ação civil pública, condenando os reque-ridos: / Ao cumprimento de obrigação de não fazer, consistente em abster-se de utilizar ou explorar as áreas de várzea e preservação permanente do imóvel localizado na Avenida Erivelton Francisco de Oliveira, antiga Estrada da Balsa, nº 105, no Bairro Beira-Rio, município de Rosana, SP, bem como em abster-se de promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do referido imóvel, sem a necessária e indispensável autorização do órgão compe-tente – CBRN ou Ibama. / Ao cumprimento de obrigação de fazer, consistente em demolir todas as construções existentes nas áreas de várzea e preservação per-manente inseridas no referido lote, e não previamente autorizadas pelos órgãos ambientais, providenciando, ainda, a retirada de todo o entulho para local apro-vado pelo órgão ambiental, no prazo de 30 dias. / Ao cumprimento de obrigação de fazer consistente em recompor a cobertura florestal da área de preservação permanente do referido lote, no prazo de 06 meses, pelo plantio racional e tec-nicamente orientado de espécies nativas e endêmicas da região, com acompa-

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nhamento e tratos culturais, pelo período mínimo de 02 anos, em conformidade com projeto técnico a ser submetido e aprovado pela CBRN – Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais ou pelo Ibama, marcando-se prazo para apre-sentação do projeto junto àqueles órgãos não superior a 30 dias. / Ao pagamento de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), multa essa a ser recolhida ao Fundo Federal de Reparação dos Interesses Difusos Lesados, em caráter exclusivo cominatório, em caso de descumprimento total ou parcial da ordem judicial. / Presentes os requisitos legais defiro a antecipação de tutela, mantendo a decisão agravada (fls. 266/267). / Comunique-se o relator do Agravo de Instrumento noti-ciado nos autos (fls. 266/267). / Indevida condenação em verba honorária. Se na ação civil pública o Ministério Público não paga honorários advocatícios, quan-do vencido, salvo se agir de má-fé, dentro de absoluta simetria de tratamento e à luz da interpretação sistemática do ordenamento, não pode o parquet beneficiar--se de honorários, quando for vencedor na ação civil pública. Precedentes do STJ. / Custas na forma da lei. / P.R.I.”

Apelaram os réus (fls. 385/405), alegando que: (1) a área em questão foi integrada ao perímetro urbano, pela Lei Complementar Municipal nº 024/2008, servindo o rancho de moradia aos possuidores, que dispõem de energia elétrica, água encanada, fossa séptica, sistema de coleta de lixo e telefone; (2) os danos e o pedido de indenização carecem de demonstração e fundamentação, sendo que praticamente toda a população ribeirinha do Bairro Beira-Rio é hipossufi-ciente; (3) a Resolução Conama nº 303, que estabelece os limites das APP’s de reservatórios artificiais é de 20.03.2002, enquanto o rancho foi construído há mais de 20 anos, estando na posse dos réus há mais de 12 anos; (4) o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não é absoluto e deve ser pon-derado e sopesado em relação a outros direitos fundamentais, como o direito adquirido, a segurança jurídica, o direito de posse e propriedade, o direito à moradia e ao desenvolvimento, o direito social ao lazer, o uso e gozo de um bem público e a dignidade da pessoa humana; e (5) há de se observar os prin-cípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois “a demolição dos ranchos do Bairro Beira-Rio, a maioria edificados a mais de vinte anos, causará apenas aos requeridos prejuízo de monta, fatais para aqueles que não terão para onde ir, sem qualquer benefício significativo para o meio ambiente” (fl. 394).

Apelou o MPF (fls. 407/41), alegando que: (1) “além da recomposição da cobertura vegetal no local degradado, verifica-se a necessidade de reparação dos danos ambientais gerados durante todo o período de intervenção antrópica no imóvel”; (2) o pedido de indenização, cumulado com a recomposição, tem fundamento nos arts. 4º, VII, e 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981; (3) o conjunto probatório demonstra os danos causados pela intervenção antrópica na APP; (4) acaso não seja possível fixar desde já o valor da indenização, o montante poderá ser apurado em liquidação de sentença, por arbitramento; (5) o dever de reparar o dano ambiental independe de culpa do agente, tendo em vista a adoção da teoria do risco integral e da responsabilidade objetiva; e (6) também deve ser acolhido o pedido de recolhimento de valores para a execução das res-

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taurações, na eventualidade de não serem realizadas pelos réus, pois tal medida não se confunde com a compensação pelo dano ambiental.

Apelou, ainda, a União (fls. 444/52), alegando que: (1) “é plenamente possível a conjugação da reparação ambiental com a indenização”, nos termos da legislação vigente; (2) o dano restou comprovado nos autos; (3) aplica-se o princípio da reparação integral no direito ambiental; (4) o valor da indeniza-ção deve ser apurado em perícia; (5) deve ser julgado procedente, também, o pedido para que os réus recolham quantia suficiente para a execução das medidas determinadas na sentença, em caso de descumprimento nos prazos estabelecidos; e (6) tais questões devem ser examinadas, inclusive, para fins de prequestionamento.

Com contrarrazões do MPF (fls. 421/41), da União (fls. 453/62) e dos réus (fls. 475/81), subiram os autos a esta Corte.

A Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do apelo dos réus e provimento dos recursos do MPF e da União (fls. 486/94).

É o relatório.

À revisão.

voto

Senhores Desembargadores, trata-se de ação civil pública para fins de cessar exploração irregular de imóvel situado em áreas de várzea e de preser-vação permanente, com demolição e remoção dos entulhos, cumulada com recomposição e indenização dos danos causados ao meio ambiente, bem como pagamento de importância necessária à execução das medidas, em caso de eventual descumprimento.

A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, nos seguintes ter-mos (374/8v.):

“A ação civil pública visa prevenir o dano ambiental em lote ocupado pelos réus, localizado no Município de Rosana, na Avenida Erivelton Francisco de Oliveira, antiga estrada da Balsa, nº 105, no bairro Beira-Rio, nas coordenadas E-0.293.750m e N-7.507.149m, área considerada de preservação permanente pelo art. 2º, alínea b, da Lei Federal nº 4.771/1965 e pelo art. 3º, inciso I, da Resolução Conama nº 302, de 20.03.2002, a fim de se resguardar o patrimônio público federal face à flagrante usurpação promovida pelos infratores.

A inicial veio instruída com os documentos das fls. 34/225.

A liminar foi indeferida, sucedendo-se juntada aos autos da cópia da petição de agravo instrumento (fls. 228/229 e 237/252).

A União e o Ibama requereram sua inclusão na lide na condição de assistentes litisconsorciais do MPF (fls. 259/261 e 304/305).

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Sobreveio decisão que deu provimento parcial de instrumento interposto pelo MPF (fl. 266/267).

Adnael Alves da Costa Filho e Sylmara Guimarães Alves da Costa contestaram a ação pugnando pela total improcedência (fls. 276/293).

O Ministério Público Federal apresentou réplica (fls. 311/322).

A União Federal também se manifestou (fls. 325/331).

O MPF trouxe aos autos o laudo pericial criminal realizado nas residências da região, sobre o qual se manifestaram os réus (fls. 347/367 e 371/373).

É o relatório.

Decido.

Trata-se de ação civil pública preventiva e reparatória de dano ambiental em lote ocupado pelos réus, localizado no Município de Rosana, na Avenida Erivelton Francisco de Oliveira antiga estrada da Balsa, nº 105, no bairro Beira-Rio, as coordenadas E-0.293.750m e N-7.507.149m, área considerada de preservação permanente pelo art. 2º, alínea b, da Lei Federal nº 4.771/1965 e pelo art. 3º, inciso I, da Resolução Conama nº 302, de 20.03.2002, a fim de se resguardar o patrimônio público federal face à flagrante usurpação promovida pelos infratores.

Para tanto o autor postula medida liminar, para:

a) Impor à parte-ré o cumprimento de obrigação de não-fazer consistente em abster-se de realizar qualquer nova construção em áreas de várzea e preserva-ção permanente, devendo, inclusive, paralisar todas as atividades antrópicas ali empreendidas, mormente no que concerne a iniciar, dar continuidade ou concluir qualquer obra, ou edificação – incluindo-se a instalação de banhei-ros, fossas sépticas e aparelhos de lazer – bem como o despejo – no solo ou nas águas do Rio Paraná – de lixo doméstico ou demais materiais e substâncias poluidoras;

b) Impor à parte ré a obrigação de não-fazer consistente em abster-se de promo-ver ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do referido imóvel, sem a necessária e indispensável autorização dos órgãos competentes (CBRN ou Ibama);

c) Impor a parte-ré a obrigação de se abster de conceder o uso daquela área a qualquer interessado.

Pede a cominação de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais) em caso de descumprimento da ordem liminar judicial.

Conclui postulando seja a parte-ré condenada:

1. Ao cumprimento e obrigação e não-fazer, consistente em abster-se de utilizar ou explorar as áreas de várzea e preservação permanente do lote 105, Avenida Erivelton Francisco de Oliveira, Estrada da Balsa, no Bairro Beira-Rio, município de Rosana, SP, bem como em abster-se de promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do referido imóvel, sem a necessária e indis-pensável autorização do órgão competente – CBRN ou Ibama.

2. Ao cumprimento a obrigação de fazer, consistente em demolir todas as cons-truções existentes nas áreas de várzea e preservação permanente inseridas no referido lote, e não previamente autorizadas pelos órgãos ambientais, providen-

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ciando, ainda, a retirada de todo o entulho para local aprovado pelo órgão am-biental, no prazo de 30 dias.

3. Ao cumprimento de obrigação de fazer consistente em recompor a cobertura florestal da área de preservação permanente do referido lote, no prazo de 06 me-ses, pelo plantio racional e tecnicamente orientado de espécies nativas e endê-micas da região, com acompanhamento e tratos culturais, pelo período mínimo de 02 anos, em conformidade com projeto técnico a ser submetido e aprovado pela CBRN Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais ou pelo Iba-ma, marcando-se prazo para apresentação do projeto junto àqueles órgãos não superior a 30 dias.

4. A recolher, em conta judicial, quantia suficiente para a execução das referidas restaurações, a ser apurada em liquidação, caso não o faça nos prazos fixados em sentença.

5. Ao pagamento de indenização a ser quantificada em perícia e definida por V.Exa., correspondente aos danos ambientais causados ao longo dos anos, em razão de se ter impedido a regeneração da vegetação no local da edificação, corrigida monetariamente, a ser recolhida ao Fundo Federal de Reparação de In-teresses Difusos Lesados ou a ser destinada a projetos ambientais na região, neste caso se, porventura, houver eventual acordo entre as partes.

6. Ao pagamento de multa diária equivalente a um salário mínimo, multa essa a ser recolhida ao mesmo fundo acima mencionado, em caráter exclusivo comina-tório, em caso de descumprimento total ou parcial de qualquer das obrigações de fazer e não fazer acima discriminadas.

Preliminarmente observo que, conforme adiante se verá, a solução do litígio não depende da produção da prova oral ou técnica, mas da simples análise da legis-lação que disciplina a matéria, sendo suficiente os documentos encartados nos autos.

Assim, conheço diretamente do pedido, na forma autorizada pelo art. 330, I, do Código de Processo Civil.

Do Mérito. A ação é procedente em parte.

A matéria já foi objeto de julgamento pelo MM. Juiz Federal Substituto desta 2ª Vara Federal, Dr. Flademir Jerônimo Belinatti Martins na Ação civil Pública nº 2008.61.12.014321-5.

Da Propriedade/Titularidade do Imóvel.

A propriedade do imóvel está comprovada pelo documento das fls. 139/140.

Ouvido em declaração perante a autoridade policial Adnael Alves da Costa Filho admitiu expressamente a posse e a propriedade do imóvel em questão (fls. 137/138), o que vem corroborado pelos documentos das fls. 139/140.

Além disso, ao contestarem a ação, os réus não negaram a propriedade do imó-vel, de sorte que a titularidade do mesmo é questão incontroversa nos autos.

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Da Área de Preservação Permanente.

Segundo Código Florestal (Lei nº 4.771/1965 e alterações posteriores), em seu art. 10, § 2º, Inciso II, a área de preservação permanente é ‘a área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com fun-ção ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geo-lógica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e asse-gurar o bem-estar das populações humanas”. (incluído pela MP 2.166-67/2001).

Depreende-se da leitura dos dispositivos que a APP pode ou não estar coberta por vegetação nativa, sendo que sua função é justamente de preservar ou permitir a recuperação da vegetação nativa.

O art. 2º do Código Florestal, em sua alínea a, por sua vez, estabelece quais as distâncias do nível mais alto dos rios ou cursos d’água devem ser consideradas como área de preservação permanente.

Sobre se tratar de área de preservação permanente, esclarece o laudo que a pro-priedade é considerada como área rural, de acordo com a Lei nº 4.771/1965 e Resolução Conama nº 303/2002. Verificou se que a área ocupada pelas constru-ções correspondem a 0,0234 hectares, as quais, através de mureta, escada e uma rampa de embarcações confrontam-se diretamente com o leito do Rio Paraná (distância zero). Qualquer construção nesta faixa só é permitida através de proce-dimento de autorização ambiental, como define a resolução 369/06 (que regula sobre os casos excepcionais de ocupação das APP’s) – fls. 92/106 e 220/224.

Da Natureza Rural da Área.

Cabe referir que o Parágrafo Único, do art. 2º, do Código Florestal estabelece que áreas urbanas são aquelas localizadas no perímetro urbano definido por Lei Municipal, devendo neste caso se observar os planos diretores e leis de uso do solo sem prejuízo de se respeitar os limites previstos no próprio artigo para fins do que se deve observar como APP.

Consta do laudo técnico de constatação e avaliação de dano ambiental e rela-tório técnico de vistoria, firmado por engenheiro agrônomo que se trata de área rural (fls. 92/96 e 220/224).

Não tendo a parte ré, negado expressamente na contestação, a natureza rural do imóvel, atribuída pelo autor, assim como também, não tendo produzido qualquer prova de que se trata de área urbana ou de expansão urbana, a questão se tornou incontroversa.

Da prova do Dano Ambiental e da Responsabilidade dos Réus pelo Dano.

O laudo técnico de constatação e avaliação de dano ambiental afirma que se tra-ta de uma área rural situada à margem esquerda do Rio Paraná, parte integrante de um parcelamento o solo irregular, pois dependia de autorização dos órgãos competentes.

Constatou o dano ambiental, já que há impedimento à regeneração florestal em seus estágios mais avançados da sucessão secundária da Mata Atlântica – Floresta

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Semidecidual. Esta vegetação em área de Preservação Permanente tem a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológi-ca, a biodiversidade, o fluxo gênico da fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas (fls. 92/106).

A parte ré aduziu que adquiriu o imóvel há mais de treze anos e que, juntamente com inúmeros imóveis ribeirinhos, utiliza de maneira equilibrada mantendo as-sim o meio ambiente.

A reserva legal que compõe parte de terras de domínio privado constitui verda-deira restrição do direito de propriedade. Assim, a aquisição da propriedade sem a delimitação da reserva legal não exime o novo adquirente da obrigação de re-compor tal reserva. O novo adquirente do imóvel é parte legítima para responder ação civil pública que impõe obrigação de fazer consistente no reflorestamento da reserva legal, pois assume a propriedade com ônus restritivo.

O direito de propriedade não possui caráter absoluto. Prestigiar, em casos como o presente, o direito de propriedade é comprometer a preservação do meio am-biente. Aquele que perpetua a lesão ao meio ambiente cometida por outrem está, ele mesmo, praticando o ilícito. A obrigação de conservação é automaticamente transferida do alienante ao adquirente, independentemente deste último ter res-ponsabilidade pelo dano ambiental.

Conforme bem definido pelo laudo técnico ambiental, o imóvel pertencente aos réus se encontra em Área de Preservação Permanente, situado que se encontra dentro da faixa de 500 metros da margem do rio Paraná.

Segundo o laudo técnico de constatação e avaliação de dano ambiental a área objeto da autuação é considerada de preservação permanente (APP), por se en-quadrar no inciso 5, da alínea a, do art. 2º, da Lei Federal nº 4.771/1965 (Código Florestal) e alínea e, inciso I, do art. 3º, da Resolução Conama nº 303/2002.

O laudo técnico de vistoria concluiu que houve dano ambiental, pois a edifica-ção naquela área de preservação permanente impede a formação florestal em seus estágios mais avançados da sucessão secundária da Mata Atlântica – Floresta Latifoliada EstacionaI Semidecidual.

No Relatório Técnico de Revista, constatou-se que a área ocupada pela edifi-cação perfaz um total de 353 metros quadrados, com área construída de 234 metros quadrados, confrontando-se diretamente com a margem do rio. Asseverou o relatório que existe impacto biótico à flora e fauna, além de impacto físico à água (fls. 220/224).

Da Reparação do Dano e da Indenização.

A reparação do dano ao meio ambiente privilegia a recuperação da área atingida. Por isso o ordenamento jurídico aponta a restauração natural como o mecanismo de reparação pelo dano ecológico. É forma de permitir que o próprio ecossistema encontre o reequilíbrio afastado pelos atos de agressão ecológica. A reparação mediante condenação pecuniária é forma de compensação, admitida apenas quando inviável a restauração do bem atacado. (Precedentes do STJ e do TRF-4).

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O princípio da responsabilidade civil, insculpido primordialmente no art. 186 do Código Civil, é um dos pilares do ordenamento jurídico brasileiro. Sabe-se, por outro lado, que a responsabilidade civil no Direito Ambiental é objetiva, ou,seja, independe da existência de culpa, conforme estabelece o § 1º do art. 14 da Lei nº 6.938/1981, que dispõe: ‘é o poluidor obrigado, independentemente da exis-tência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade’.

Essa mesma lei estatui ainda, em seu art. 3º, inciso IV, que se entende por polui-dor ‘a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável direta ou indiretamente por atividade causadora de degradação ambiental’, bem como define no inciso II como degradação da qualidade ambiental ‘a alteração adversa das características do meio ambiente’. E ainda, o art. 4º, inciso VII, da mesma lei, dispõe que a Política Nacional do Meio Ambiente visará a imposição ao poluidor da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados ao meio ambiente.

Vale lembrar que todos os dispositivos aqui citados vêm corroborar a intenção do legislador constituinte expressa no art. 225 da Constituição da República, ou seja, a defesa e preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, para as presentes e futuras gerações, impondo- se este dever, não só à coletividade, mas principal-mente ao Poder Público. Tanto a Lei nº 6.938/1981, em seu art. 14, § 1º, quanto a própria Constituição da República, no § 3º do já citado art. 225, estabelecem a responsabilidade objetiva para as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente, ou seja, responsabilidade independentemente da existência de culpa.

Assim têm se posicionado os Tribunais: Ação civil Pública – Dano ao Meio Am-biente: ‘O poluidor do meio ambiente tem definição legal e é aquele que pro-porciona, mesmo indiretamente, degradação ambiental. E o poluidor é sujeito ao pagamento de indenização, além de outras penalidades’ (Apelação nº 96.536-1, TJSP, 5ª C.Cív. – J. 07.04.1988).

José Afonso da Silva afirma que dessa amplitude da responsabilidade por danos ambientais ‘decorre outro princípio, qual seja, o de que à responsabilidade por dano ambiental se aplicam as regras da solidariedade entre os responsáveis, po-dendo a reparação ser exigida de todos e de qualquer um dos responsáveis’.

É interessante lembrar que o art. 29 do Código Florestal dispõe que as penali-dades decorrentes de ação prejudicial ao meio ambiente incidirão sobre (1) os ‘autores diretos’; (2) os ‘arrendatários, parceiros, posseiros, gerentes, administra-dores, diretores, promitentes compradores ou proprietários das áreas florestais, desde que praticadas por prepostos ou subordinados e no interesse dos propo-nentes ou dos superiores hierárquicos’ e (3) as ‘autoridades que se omitirem ou facilitarem, por consentimento ilegal, na prática do ato’.

Nesse contexto resta evidente que os requeridos devem ser compelidos a re-parar o dano, mediante desfazimento das construções realizadas, removendo o respectivo entulho para local adequado e pertinente. Deverão também recom-por o dano ambiental, mediante a realização de plantio de 60 (sessenta) mudas de espécies nativas na área, objeto da autuação, conforme a Resolução SMA

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nº 58/2006, tal como sugerido pelo engenheiro agrônomo que firmou o Laudo Técnico de Constatação e Avaliação de Dano Ambiental (fls. 92/106).

Tendo o laudo reputado suficientes para a reparação do dano a demolição das construções e o plantio de mudas, fica afastada a condenação dos réus no paga-mento de indenização em dinheiro, o que torna prejudicado o requerido no item 5, à fl. 31.

Por fim, registro que é perfeitamente cabível a imposição de multa diária para compelir os réus a cumprirem o comando sentencial, razão pela qual, fixo tam-bém a multa diária de RS 500,00 (quinhentos reais) para o caso de descumpri-mento da sentença. Tal valor também deverá ser corrigido monetariamente, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, sendo que a multa diária pas-sará a correr tão logo findo os prazos fixados no dispositivo para cumprimento da sentença, sem que seja dado início à execução pelos réus.

Dispositivo.

Ante o exposto, acolho parcialmente o pedido inicial, para o fim de julgar par-cialmente procedente a presente ação civil pública, condenando os requeridos:

Ao cumprimento de obrigação de não fazer, consistente em abster-se de utilizar ou explorar as áreas de várzea e preservação permanente do imóvel localizado na Avenida Erivelton Francisco de Oliveira, antiga Estrada da Balsa, nº 105, no Bairro Beira-Rio, município de Rosana, SP, bem como em abster-se de promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do referido imóvel, sem a necessária e indispensável autorização do órgão competente – CBRN ou Ibama.

Ao cumprimento de obrigação de fazer, consistente em demolir todas as constru-ções existentes nas áreas de várzea e preservação permanente inseridas no referi-do lote, e não previamente autorizadas pelos órgãos ambientais, providenciando, ainda, a retirada de todo o entulho para local aprovado pelo órgão ambiental, no prazo de 30 dias.

Ao cumprimento de obrigação de fazer consistente em recompor a cobertura flo-restal da área de preservação permanente do referido lote, no prazo de 06 meses, pelo plantio racional e tecnicamente orientado de espécies nativas e endêmicas da região, com acompanhamento e tratos culturais, pelo período mínimo de 02 anos, em conformidade com projeto técnico a ser submetido e aprovado pela CBRN – Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais ou pelo Ibama, marcando-se prazo para apresentação do projeto junto àqueles órgãos não supe-rior a 30 dias.

Ao pagamento de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), multa essa a ser recolhida ao Fundo Federal de Reparação dos Interesses Difusos Lesados, em caráter exclusivo cominatório, em caso de descumprimento total ou parcial da ordem judicial.

Presentes os requisitos legais defiro a antecipação de tutela, mantendo a decisão agravada (fls. 266/267).

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Comunique-se o relator do Agravo de Instrumento noticiado nos autos (fls. 266/267)

Indevida condenação em verba honorária. Se na ação civil pública o Ministério Público não paga honorários advocatícios, quando vencido, salvo se agir de má--fé, dentro de absoluta simetria de tratamento e à luz da interpretação sistemática do ordenamento, não pode o parquet beneficiar-se de honorários, quando for vencedor na ação civil pública Precedentes do STJ.

Custas na forma da lei.”

Com efeito, foi instaurado inquérito civil pelo Ministério Público Esta-dual, em 15.03.2002 (fls. 36 e ss.), para apurar danos ao meio ambiente, decor-rentes de exploração irregular de imóvel em área de preservação permanente – APP, às margens do Rio Paraná, à jusante da UHE Porto Primavera, constando o réu Adnael Alves da Costa Filho como proprietário de uma das edificações, em desconformidade com a legislação ambiental, referente ao Lote 105, situado na Av. Erivelton Francisco de Oliveira, nº 105, Estrada da Balsa, Bairro Beira-Rio, Município de Rosana/SP.

O cadastro das ocupações da Prefeitura Municipal indicou, em 22.09.2001, que o réu, ocupante titular do Lote 105, sobre o qual foi constru-ído um rancho de alvenaria, exercia a profissão de dentista e residia, à época, em um sítio no Município de Mirassol/SP, sendo o imóvel da APP explorado por caseiro (fl. 47).

Em 13.09.2004, a Promotoria de Justiça do Ministério Público Estadual mencionou encontrar-se em fase de discussão o zoneamento ambiental da área pelo Município de Rosana/SP, enfatizando o Promotor de Justiça a necessidade de adequação às normas ambientais (fls. 60/6):

“O zoneamento proposto prevê as seguintes áreas: zona de preservação perma-nente, zona de produção, zona de recuperação, zona populacional e zona de desenvolvimento turístico. Das inúmeras propostas constantes no farto material incluso, cumpre destacar que o zoneamento considerou como de preservação permanente faixa marginal de 200 metros de largura às margens do Rio Parana-panema, e 30 metros junto aos canais e lagoas.

O zoneamento ecológico em discussão foi encaminhado à Área Técnica da Pro-motoria de Justiça do Meio Ambiente, sendo que num primeiro momento foi sugerida a simples remoção de toda e qualquer obra que esteja em área de pre-servação permanente, que no caso de Rosana, situada entre dois grandes rios (Paraná e Paranapanema), chega a 500 metros. Assim considerada, parte da área urbana da cidade, densamente povoada, encontra-se em área de preservação permanente.

Também é imperioso ressaltar que existem centenas, talvez milhares de cons-truções nessas áreas. Foi por conta da omissão de órgãos federais e estaduais de fiscalização e também do próprio Município que a situação atual dessas áreas é problemática. Um problema que não é recente, mas sim data dezenas de anos.

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Portanto, deve ser encontrada uma solução que atenda aos interesses econômicos do município sem se esquecer das limitações impostas pela legislação ambiental.

A reparação do dano ambiental onde isso é possível e a compensação do dano nos casos em que a reparação é tecnicamente inviável é o ponto de partida para um estabelecimento adequado de uso do solo. Conformar-se com as ocupações mais antigas (anteriores a 1989, quando houve alteração do Código Florestal, sobretudo no que toca às áreas de preservação permanente) e exigir de seus pro-prietários medidas compensatórias talvez seja uma solução. Restaria saber como seria a mitigação avaliada.

De qualquer forma, algumas adequações devem ser feitas no zoneamento, e algumas sugestões podem ser feitas, extratadas principalmente das conclusões expostas nos pareceres técnicos de fls. 111/142 e 148/156. Aliás, importante consignar que a presente intervenção do Ministério Público se faz por razões de prevenção, no sentido de evitar que novos danos ambientais sejam praticados sob o manto protetor de legislação municipal que pode estar violando legislação estadual ou federal.

Dentre essas propostas, nota-se que o zoneamento faz alusão à área de preser-vação permanente de 200 metros de largura nos Rios Paraná e Paranapanema, enquanto o Código Florestal estabelece 500 metros. Ainda no tocante às APP’s, e considerando que eventualmente pode ser encontrada uma solução satisfató-ria para as ocupações antigas, deve ser exigido que toda e qualquer edificação, quando não atendida pela coleta pública de esgoto, deverá ser provida de sis-tema de tratamento, mesmo que através de fossa séptica, construída de acordo com as normas da ABNT-NBR nº 7229; definir um limite de permeabilização dos lotes, não superior a 30%, sendo que o restante da área deve ser colonizado por cobertura florestal; em se tratando compensação, seu ‘valor’ deve ser de, no mí-nimo, 10 vezes a área total interferida, e em se tratando de reflorestamento, que seja com espécies nativas heterogêneas e mediante prévia aprovação do órgão ambiental competente; criar mecanismos que impeça a expansão urbana para as áreas de planícies aluviais.

Se o objetivo do zoneamento é uma melhor ordenação do uso do solo, é forçoso que se delimite com maior clareza quais são as zonas componentes do zonea-mento, com suas precisas delimitações físicas, bem como se estabeleçam limi-tações tendo como parâmetro mínimo a legislação federal e também a estadual.

Enfim, essas e outras ressalvas estão nos mencionados.pareceres técnicos, não querendo isso dizer que não existem outras. Importante é zelar para com o aten-dimento da legislação ambiental, e assim que definidas as zonas já referidas e as limitações que recairão sobre as propriedades e atividades, deliberará a Promoto-ria de Justiça do Meio Ambiente, mediante prévia consulta ao Egrégio Conselho Superior do Ministério Público se for o caso, sobre qual o destino das centenas de protocolados instaurados para apurar os danos ambientais decorrentes da ocupa-ção de áreas especialmente protegidas.”

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Não tendo sido, ainda, convertido em lei o zoneamento ambiental, em 23.06.2006, foi dado seguimento ao inquérito, com a determinação de vistoria na área de preservação permanente (fl. 68).

Em 05.01.2007, a Polícia Militar Ambiental lavrou auto de infração con-tra o réu Adnael Alves da Costa Filho, “por impedir e dificultar a regeneração natural de demais formas de vegetação em estágio pioneiro, em área corres-pondente a 0,0353ha, incorrendo no disposto do art. 50 da Resolução SMA nº 37/2005”, sendo-lhe aplicada pena de advertência (fl. 77). No respectivo termo circunstanciado (fl. 79), constou a seguinte versão do envolvido: “que há uns 8 anos adquiriu um rancho na margem do Rio Paraná, construção de alvenaria já existente há mais de 20 anos, de uma pessoa residente em Jupiá/SP; desde que adquiriu o rancho não fez mais construções, apenas plantou árvores no terreno; utiliza o local para lazer familiar; que podou árvores da espécie fícus para evitar a proliferação de ‘scargot’ venenoso (rajado)”.

Em 24.08.2007, foi instaurado o inquérito policial 8-0484/2007 (2007.61.12.011018-7) contra o réu Adnael Alves da Costa Filho, para apurar eventual prática de crime capitulado no art. 38, caput, da Lei nº 9.605/1998 (fls. 86 e ss.).

O laudo técnico de constatação e avaliação de dano ambiental elabora-do pela DEPRN, a pedido da Delegacia de Polícia Civil de Rosana/SP, elabora-do em 18.06.2007, carreado para o bojo do referido inquérito policial, e cuja cópia vem estampada às fls. 92/4 destes autos, considerou o seguinte:

“Que trata-se de uma área rural situada à margem esquerda do Rio Paraná, a qual sofreu parcelamento do solo irregularmente pois dependia de autorização dos órgãos competentes.

Que houve dano ambiental, pois em referida área foi construída uma edificação de alvenaria, impedindo desta forma, a formação florestal em seus estágios mais avançados da sucessão secundária da Mata Atlântica – Floresta Latifoliada Esta-cional Semidecidual. Esta vegetação em Área de Preservação Permanente tem a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico da fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas.

A área objeto da autuação é considerada de preservação permanente (APP), por se enquadrar no inciso 5, da alínea a, do art. 2º, da Lei Federal nº 4.771/1965 (Có-digo Florestal) e alínea e, inciso I, do art. 3º, da Resolução Conama nº 303/2002.

3. Legislação pertinente:

RESOLUÇÃO Nº 369, DE 28 DE MARÇO DE 2006

‘Dispõe sobre os casos excepcionais, de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente – APP.’

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Art. 4º ‘Toda obra, plano, atividade ou projeto de utilidade pública, interesse social ou de baixo impacto ambiental, deverá obter do órgão ambiental com-petente a autorização para intervenção ou supressão de vegetação em APP, em processo administrativo próprio, nos termos previstos nesta resolução, no âmbito do processo de licenciamento ou autorização, motivado tecnicamen-te, observadas as normas ambientais aplicáveis’.

Constituição Federal – Art. 225, § 3º: ‘As condutas e atividades consideradas lesivas ao Meio Ambiente sujeitarão os infratores, pessoa física ou jurídica, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados’.

4. Conclusão:

Concluímos que houve dano ambiental, pois a edificação naquela área de pre-servação permanente, impede a formação florestal em seus estágios mais avan-çados da sucessão secundária da Mata Atlântica – Floresta Latifoliada Estacional Semidecidual.

As intervenções havidas ocupam uma área de preservação permanente corres-pondente a 0,0353 hectare, ou seja, 353,0 metros quadrados, conforme consta do Boletim de Ocorrência nº 23/2007, estando em desacordo com a legislação vigente.

Sugerimos que o autor proceda a demolição da edificação ali erigida irregular-mente em área de preservação permanente, removendo o respectivo entulho para local adequado e pertinente.

Sugerimos ainda, para que seja recomposto o dano ambiental, realize o autor do fato o plantio de 60 (sessenta) mudas de espécies nativas na área, objeto da autuação.

O plantio das mudas deve ser realizado em conformidade com a Resolução SMA nº 58, de 29 de dezembro de 2006.”

Cópia do laudo do Instituto de Criminalística, também datado de 18.06.2007 (fls. 98/101), original carreado para o bojo do mesmo inquérito, ressaltou que, no local, “se fazia implantado um prédio de uso de veraneio – rancho de pescador(es), de propriedade do senhor Helio Barbosa de Andrade”. Apesar de não ter sido possível verificar a estrutura interna, por estar fechado o imóvel, o perito concluiu o seguinte:

“Constitui-se objeto da perícia o prédio existente à esquerda da avenida Erivelton Francisco de Oliveira, também conhecida como estrada da Balsa, contrariando os informes que me davam contata de ser o mesmo identificado pelo nº 105 o mesmo não apresentava qualquer identificação feita sob forma de número, isto quando adotado o sentido de observação rodovia Arlindo Bétio – Rio Paraná, local em que se fazia presente um prédio térreo erigido em alvenaria, coberto por telhas assentadas sobre estrutura de madeira em duas águas, não sendo possível constatar se forrado ou não, sendo provido de rede de energia elétrica e, segundo informes, se fazendo abastecido de água potável de produção própria e, portan-

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to, como elemento coletor dos detritos sanitários e/ou águas servidas, uma fossa séptica do tipo cisterna caseira prédio este que, como já deixei consignado, em razão de se encontrar fechado, não me foi possível constatar as acomodações que o compunham.

Pela aparência, apresentava aspecto remoto, muito embora reformado e conser-vado, não me sendo possível determinar quando teria sido o prédio em epígrafe sido erigido, por certo, ocorrendo à época de sua implantação, degradação total da vegetação existente na área na qual foi o mesmo implantado.

Também, não me foi possível determinar, se à época, a área em tela se tratava de área de preservação permanente ou ambiental, nem tão pouco, qual a vegetação existente no local. O que me foi possível constatar é que hoje o mesmo se faz distante, aproximadamente, 50,0 (cinqüenta vírgula zero) centímetros da margem esquerda do rio Paraná.

A vegetação hoje existente no local, àquela observada ao redor da edificação, ainda que, se tratando de grandes arbustos e de espécies nobres, aparentava ser decorrente de intervenção humana, não sendo possível definir se ali foi implan-tada com o objetivo de regenerar a área ou com o objetivo de dar uma melhor condição de ocupação à residência – produzir sombra e/ou refrescar o prédio.

Por certo, em área de aproximadamente 350 metros quadrados existe o impedi-mento e/ou a dificultação da renegeração de vegetação natural, sendo que, tais danos não puderam ser por mim mensurados, havendo, a meu ver e, salvo melhor juízo, se fazer necessário à consulta a um Órgão Específico, onde possam existir especialistas com gabaritos e que se encontrem aptos a realizar tal avaliação.”

No inquérito policial, em 30/01 e 14/04 de 2008, foram ouvidos como testemunhas os policiais militares ambientais que realizaram a autuação, os quais ratificaram os dados constantes do auto de infração (fls. 117 e 120/1).

O réu Adnael Alves da Costa Filho prestou as seguintes declarações no inquérito policial, em 06.11.2008 (fls. 137/8):

“Quesito 01: Que, o declarante atualmente é aposentado da atividade de cirur-gião dentista; Que, é aposentado desde 14.06.2002; Quesito 02: Que, o decla-rante é o proprietário de uma edificação de alvenaria na margem esquerda do Rio Paraná, localizada na Av. Erivelton Francisco de Oliveira, nº 105, Bairro Beira Rio, município de Rosana/SP; Quesito 03: Que, o declarante adquiriu o imóvel em 27 de maio de 1998, sendo que a edificação no imóvel foi realizada pelo antigo proprietário Fumio Kubo, no ano de 1980; Quesito 04: Que, a área total do imóvel é de 322,50 metros quadrados, sendo que a área edificada é de aproximadamente 150 metros quadrados; Quesito 05: Que, o imóvel foi adqui-rido inicialmente para lazer, entretanto, há cerca de quatro anos, o declarante lá reside; Quesito 06: Que, o declarante já adquiriu a área edificada, entretanto, sabe dizer que não houve desmatamento, tendo em vista que a área era coberta apenas por gramíneas; Que, o proprietário anterior não lhe entregou nenhuma autorização dos órgãos competentes para a realização da edificação; Que, o declarante nada construiu no local, apenas pintou e plantou algumas árvores;

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Quesito 07: Que, o declarante não sabia que se tratava de área de preservação permanente; Quesito 08: Que, à época em que o declarante adquiriu o imóvel, o local era bastante movimentado, tendo em vista que a balsa que existia no local fazia a ligação rodoviária entre o Estado de São Paulo e o Estado do Mato Grosso do Sul; Que, desde 26.09.2007, o Bairro Beira Rio, local onde se encon-tra o imóvel do declarante, é considerado perímetro urbano do município de Rosana/SP, de acordo com a Lei Complementar Municipal nº 020/2007; Que, a citada Lei veio para regularizar a situação dos proprietários de rancho daquela região; Que, o declarante foi notificado pelo Ibama, entretanto, não recolheu a multa, pois recorreu, obtendo êxito em Primeira Instância e aguardando decisão em Segunda Instância; Que, o declarante apresenta, neste ato, para juntada aos autos, cópia dos contratos de compra e venda do imóvel; Que, inicialmente, o imóvel foi adquirido por Aparecido Origa do antigo proprietário Fumio Kubo, em 05.05.1998; Que, em 27.05.1998, o declarante adquiriu metade do imóvel de Aparecido Origa; Que, em 16.12.1999, o declarante adquiriu a outra metade, se constituindo como o único dono do imóvel a partir de então; Que, o declarante não registra antecedentes criminais.”

Em 16.12.2009, a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente do Ministério Público Estadual de Presidente Prudente/SP realizou diligência para verificar o nível das águas atingidas no Bairro Beira-Rio (fl. 178):

“No local supracitado, constatou-se que o nível das águas (nível mais alto) na planície do rio Paraná encontrava-se transpondo o dique marginal, onde se loca-liza o bairro, ou seja, a rua e as construções no interior da planície de inundação. Salienta-se, como apontado nos pareceres técnicos anteriores, o bairro está sobre a área de risco à inundação, do rio Paraná e assim, nos episódios de maior plu-viosidade ou controle do sistema nacional de geração de energia, as águas do rio Paraná, cobrem a planície de inundação e atingem o bairro como um todo. Ain-da, segundo informações dos moradores, no dia de amanhã (17.12.2009) a CESP informou que as águas deverão atingir mais 2 (dois) metros de altura a inundar todo bairro. No registro fotográfico documentado na vistoria do dia 16.12.2009, em seguida a este Auto de Constatação é possível verificar as informações acima.”

O Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoa Jurídica, Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas de Rosana/SP in-formou a inexistência de registro do Lote 105 (fl. 187).

Laudo técnico de vistoria do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBIO, em 27.11.2009, também carreado para o mesmo inquérito policial, destacou que (cópia de fls. 193/5):

“De acordo com a documentação encaminhada a esta Unidade de Conservação (ofício 5.756/2009 e Laudo do Instituto de Criminalística de Presidente Vences-lau nº 0827/2007), foi solicitado Laudo de Dano Ambiental a fim de se constatar ocorrência de crime ambiental em virtude da ocupação irregular de área de pre-servação permanente (APP) através da constrição de casa de alvenaria e ocupa-

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ção de terreno na margem esquerda do rio Paraná. Coordenada de referência: 22º31’47”S; 53º00’19.3”W. Foi realizada vistoria na região no dia 10.11.2009.

O imóvel em questão é cercado por muros altos e no momento da vistoria não havia ninguém no local. A casa em alvenaria é caracterizado por ‘ser de boa qua-lidade de acabamento estar em ótimo estado de conservação, tendo dimensões aproximadas de 15m x 8 m. Verifica-se também presença de rampa de acesso de barcos ao rio Paraná. O imóvel está situado muito próximo à margem do rio Paraná, a cerca de 5 metros de distancia. O terreno tem dimensão aproximada de 20 m x 15 m.’

Não encontramos ninguém para obter informações mais precisas, mas de acordo com as características do local o Sr. Adnael Alves Costa não reside no local, de forma que o imóvel pode ser classificado como ‘casa de veraneio’ e/ou ‘ranchos de pesca’.

Conforme recomendação do Ministério Público Federal e Estadual (Presidente Prudente), anuída pelo DEPRN, Ibama e ICMBlO (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), todas as ocupações prediais caracterizadas como ‘casas de veraneio’ ou ‘ranchos de pesca’ isto é, que não sejam utilizadas exclusivamente como prédios, residenciais, devem ser alvo de fiscalização.

O rio Paraná no trecho referente às ocupações irregulares possui aproximada-mente 1.900 metros de largura, de forma que sua APP, de acordo com o código florestal (Lei nº 4.771/1965) e Resolução Conama nº 303/2002, deve ser de no mínimo 500 m de largura. A distância entre a margem do rio Paraná e o inicio da construção é de aproximadamente 05 metros, podendo variar de acordo com o nível do rio, de forma que indubitavelmente tanto a casa como todo o terreno em que a mesma está construída estão situados em APP. No trecho do rio Paraná onde está localizada a construção, entre as duas margens e em frente ao local da casa verifica-se a presença de uma ilha, sendo que este fato não altera o que determina a lei em relação à largura da área de preservação permanente, que continua sendo de 500 metros.

A fim de facilitar o desenvolvimento do Laudo, abaixo utilizaremos questiona-mentos feitos por este Departamento de Polícia Federal em outros processos si-milares:

Dos questionamentos:

A) O local onde se encontra as instalações trata-se de área sob proteção da União?

R. Não. Apesar de se localizar ao lado de uma Unidade de Conservação Federal (APA), a parte do Bairro Beira Rio onde está a construção (casas de veraneio) está situada fora dos limites da APA das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná, e, portanto, sua fiscalização é de competência do Governo do Estado de São Paulo (Polícia Militar Ambiental) e, supletivamente, do Ibama/SP. Considerando que a categoria Área de Proteção Ambiental (APA), de acordo com o SNUC (Lei nº 9.985/2000) não possui ‘área de entorno’, a área em questão está fora da jurisprudência desta Unidade de Conservação.

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Entretanto sua conservação e recuperação são de extrema importância para a APA, pois as medidas adotadas nestes locais (fora da APA) influem diretamente nas ‘ações a serem tomadas dentro da APA em virtude da proximidade entre as áreas.

B) A área é de preservação permanente?

R. Considerando que a construção está situada dentro da faixa de 500m de largu-ra da margem do rio Paraná, a mesma foi edificada em área de preservação per-manente, de acordo com a Lei nº 4.771/1965 e Resolução Conama nº 303/2002, e portanto se configura em edificação irregular.

C e D) Houve danos ao meio ambiente? De que forma ocorreram estes danos?

R. Os danos ocorreram em virtude da ocupação irregular da APP, a retirada da vegetação, a construção das edificações (cerca, muro, casa, calçada, etc.), a re-alização de limpeza do quintal (varrição e capina) que impede a regeneração natural da vegetação nativa, a produção de resíduos sólidos (lixo), e por conta de todos os efluentes que acabam por serem lançados no rio em virtude das atividades antrópicas realizadas no local (esgoto de cozinha, de banheiros, fossa negra, etc.).

E) Qual a extensão dos danos causados?

R. Consideramos que os danos não são localizados, não se restringindo somente às áreas construídas, visto que ocorre também a contaminação das águas do rio através dos efluentes líquidos produzidos, além da produção de resíduos sólidos (lixo) pelas atividades antrópicas.

F) Qual a legislação violada com a conduta perpetrada pelo autor?

R. A Lei nº 4.771/1965 (Código Florestal), a Lei nº 9.605/1998, Decreto nº 6.514/2008 e as Resoluções Conama nºs 303/2002 e 369/2006.

G) Há possibilidade de recomposição e recuperação da área? Em caso positivo, quais?

R. Entendemos que há possibilidade de recuperação da área e que a mesma está intrinsecamente ligada à retirada de todas as construções do local (cercas, muro, casas, calçadas, etc. e respectivos entulhos) e a recomposição da vegetação nati-va no local degradado (plantio de árvores e arbustos).”

Em 08.03.2010, o inquérito civil foi remetido ao Ministério Público Fe-deral (fls. 162/9), o qual determinou a autuação como procedimento de tutela coletiva (fl. 170).

O MPF requereu arquivamento do inquérito policial, por ter o réu Adnael Alves da Costa Filho declarado “que comprou o imóvel em 27 de maio de 1998 e não procedeu qualquer edificação no local, acrescentando que faz uso da casa como residência há cerca de 04 anos e não tem ciência de que o imóvel

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se encontra em área de preservação permanente” e “ainda que se considere a manutenção do lugar como crime, não há elementos que asseverem com segu-rança que o investigado tenha agido com dolo no impedimento da regeneração da vegetação na área em questão” (fl. 199), o que foi deferido pelo Juízo Federal de Presidente Prudente em 15.06.2010 (fl. 202).

Em “atendimento emergencial efetuado em decorrência da enchente pro-vocada pela abertura das comportas pela CESP em meados de dezembro de 2009”, o Corpo de Bombeiros de Rosana/SP manifestou ter atuado “em ativi-dades referentes ao atendimento de ocorrências decorrentes de inundações no município de Rosana/SP, no período de 15DEZ09 A 22MAR10”, sendo “cadas-trados no Sistema de Dados Operacionais, 77 (setenta e sete) ranchos inunda-dos no Bairro Beira Rio”, registrando que “em 56 (cinquenta e seis) ranchos não haviam moradores” (fls. 205/7).

O Centro Técnico Regional V – Presidente Prudente, da Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais emitiu relatório técnico de vistoria, em 04.08.2010 (fls. 220/2):

“[...]

Trata-se de uma área rural situada à margem esquerda do Rio Paraná, a qual sofreu parcelamento do solo irregularmente, pois dependia de autorização dos Órgãos Ambientais competentes.

Referida área é considerada de preservação permanente (APP), por se enquadrar no inciso 5, da alínea a, do art. 2º, da Lei Federal nº 4.771/1965 (Código Florestal) e alínea e, inciso I, do art. 3º, da Resolução Conama nº 303/2002.

[...]

Detalhamento do(s) Dano(s):

Em 05 de janeiro de 2007, a Polícia Ambiental em patrulhamento rural verificou que na Avenida Erivelton Francisco de Oliveira, nº 105, localizada à margem esquerda do Rio Paraná, Bairro Beira Rio, município de Rosana, ocorreu dano ambiental, tendo autuado o Sr. Adnael Alves da Costa Filho (‘Por impedir e difi-cultar a regeneração natural de demais formas de vegetação em estágio pioneiro, em área correspondente a 0,0353 ha, incorrendo no disposto do art. 50 da Reso-lução SMA 37/2005’.).

4. Relato de vistoria

Objetivo: ‘Realização de perícia na propriedade situada no Lote 105, Avenida Erivelton Francisco de Oliveira nº 105 (Estrada da Balsa), Bairro Beira Rio, em Rosana/SP, entre as coordenadas E 0293.750m e N 7.507.149m, principalmente para que sejam esclarecidos os seguintes itens:’

a) Qual a real extensão da área de preservação permanente ocupada pela cons-trução existente no local?

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R: As construções ali existentes no local (rancho, calçamentos, escada de acesso ao Rio Paraná, rampa de embarcações e um cômodo para armazenar materiais e objetos), ocupam uma área correspondente a 234 metros quadrados, ou seja, 0,0234 hectare.

b) A que distância referida construção se encontra da margem do Rio Paraná?

R: Referidas construções confrontam-se diretamente com o leito do Rio Paraná, ou seja distância zero, através de mureta, escada e rampa de embarcações.

5. Recomendações técnicas

Diante do constatado e exposto, verificou-se que a área ocupada pelas constru-ções correspondem a 0,0234 hectares, as quais, através de mureta, escada e uma rampa de embarcações confrontam-se diretamente com o leito do Rio Paraná (distância zero).

Sugerimos que o autor do fato proceda a demolição da edificação e construções ali erigidas irregularmente em área de preservação permanente, removendo os respectivos entulhos para [local] adequado e pertinente.

Sugerimos ainda, para que seja recomposto o dano ambiental, realize o autor do fato o plantio de 40 mudas de árvores na área, objeto da autuação, em conformi-dade com a Resolução SMA 08/2008.”

Os réus juntaram declaração com o seguinte teor, em 16.08.2011(fl. 344):

“Eu, Adnael Alves da Costa Filho e minha esposa Sylmara Guimarães Alves da Costa, brasileiros, eu cirurgião dentista aposentado, portador da cédula de identidade RG nº 4.955.978-3 SSP/SP, inscrito no CPF/MF sob nº 736.579.058/04, ela funcionária pública municipal aposentada, portadora da Cédula de Identidade RG nº 5.538.346-4 SSP/SP, inscrita no CPFIMF sob nº 589.852.808/30, pela presente, de forma livre e espontânea, declaramos que, possuímos duas moradias, sito, no Sítio São Judas Tadeu, área rural, CEP 15.130-000, CXP 62, na cidade de Mirassol/SP, onde residimos no período de novembro à fevereiro (período do defeso (piracema)), e no “Rancho” situado na Avenida Erivelton Francisco de Oliveira, nº 20-41, Bairro Beira-Rio, CEP 19.273-000, no Município de Rosana/SP (objeto da lide), onde residimos no período de março a outubro (período onde é permitida a pesca), empregando ambos os endereços citados como domicílio.

Declaramos ainda, que nunca utilizamos o ‘Rancho’ aludido na exploração de atividades antrópicas.

[...]”

Consta, ainda, dos autos laudo pericial do Núcleo de Criminalística da Polícia Federal, de 09.09.2011, que apurou a ocorrência e caracterização dos danos ao meio ambiente no loteamento Beira-Rio, com estimativa de custos de demolição e transporte e recomposição florestal (fls. 348/54):

“[...]

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IV.1 – Caracterização dos Danos e Impactos Ambientais

A permanência das edificações e da utilização antrópica do local impede o res-tabelecimento da vegetação na APP, podendo trazer novos danos ambientais decorrentes do lançamento de efluentes (esgotos) e assoreamento, entre outros.

As áreas de APP com intervenções no interior dos lotes, quando não ocupadas por edificações de caráter permanente, apresentam-se ocupadas com um ou mais dos seguintes usos: pastagem, lavoura, gramado, jardim, pomar, arborização com espécies exóticas ou ornamentais etc. Em alguns casos as áreas não estão em uso evidente, contudo estão parcial ou totalmente desflorestadas.

As áreas impermeabilizadas assim como as desflorestadas na APP que continuam sendo utilizadas impedem totalmente a regeneração natural da vegetação, pois cobrem o solo e/ou prejudicam a manutenção do banco de sementes. Nos casos em que houve a retirada das camadas superficiais do solo a regeneração é sobre-maneira dificultada e/ou impedida, mesmo que as áreas não tenham mais algum uso específico.

O desmate elimina a vegetação nativa promovendo a perda da variabilidade ge-nética, expondo o solo antes protegido pela sombra do dossel florestal e pela camada de líter (folhas e restos vegetais e animais no nível do solo) alterando o micro clima local. A retirada da vegetação nativa sempre causa impactos am-bientais, mesmo quando é feita sob autorização do poder público, porém a ges-tão ambiental pública se faz de forma que outras áreas sejam destinadas à preser-vação ambiental com os diferentes interesses econômicos, sociais e estratégicos satisfeitos no momento em que o desmatamento de uma área se faz necessário. Neste caso, tais impactos são ainda mais graves por se tratar de mata ciliar, con-siderada de preservação permanente, pois as intervenções afetam diretamente as condições ambientais do corpo d’água adjacente favorecendo a erosão das margens e consequente assoreamento dos cursos d’água a jusante.

[...]

Todos esses fatores, diretamente dependentes da existência das matas ciliares, são indispensáveis para que sejam garantidas a renovação natural e a diversidade genética da flora e da fauna. Neste sentido, é possível que tenham sido afetadas espécies rara e/ou especialmente protegidas por lei.

As intervenções diretamente relacionadas à implantação do parcelamento de solo, como a construção de edificações e pisos cimentados, impermeabilizam o solo e reduzem ainda mais a capacidade de infiltração, intensificando os proces-sos erosivos e de assoreamento.

IV.2 – Valoração dos Danos

[...]

Face ao tempo decorrido, não há como aferir exatamente a contribuição de cada parcela/lote examinado com os danos ambientais de maior monta e complexida-de. Contudo, na situação específica, a vegetação nativa pode ser adequadamente regenerada com a total eliminação dos resquícios de atuação antrópica na área, isto é, a demolição das edificações erigidas, a retirada dos materiais construtivos

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para local adequado e a implementação de um programa assistido de revegeta-ção, com a retirada das espécies vegetais exóticas, o preparo do solo, o plantio de espécies arbóreas nativas e sua manutenção. Nos casos em que houve o deca-peamento (retirada das camadas superficiais do solo), antes da etapa de revegeta-ção, e necessária a recomposição topográfica e material do capeamento.

A forma adequada de se implantar tais ações é a contratação/execução, pela parte responsável pelo dano, de um Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) que deve ser apresentado à autoridade ambiental competente para acom-panhamento de sua execução.

[...]

O valor mínimo estimado para efeito deste Laudo considera que, sendo a área considerada de preservação permanente, não há soluções técnicas e legais que não incluam a retirada das edificações (áreas impermeabilizadas) e a completa recomposição florestal do local.

[...]”

Como se observa do relatório técnico de vistoria, da Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais – Centro Técnico Regional de Presidente Prudente (fls. 220/2), trata-se de área à margem esquerda do Rio Paraná, consi-derada de preservação permanente – APP, nos termos do inciso 5, da alínea a, do art. 2º, da Lei Federal nº 4.771/1965 (Código Florestal) e alínea e, inciso I, do art. 3º, da Resolução Conama nº 303/2002:

“Art. 2º Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.07.1989)

[...]

5 – de 500 (quinhentos) metros para os cursos d’água que tenham largura supe-rior a 600 (seiscentos) metros; (Incluído pela Lei nº 7.803 de 18.07.1989)”

[...]

“Art. 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área situada:

I – em faixa marginal, medida a partir do nível mais alto, em projeção horizontal, com largura mínima, de:

[...]

e) quinhentos metros, para o curso d’água com mais de seiscentos metros de largura;”

Os arts. 3º e 4º da Lei Federal nº 4.771/1965 (Código Florestal) estabe-lecem:

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“Art. 3º Consideram-se, ainda, de preservação permanentes, quando assim decla-radas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas:

[...]

§ 1º A supressão total ou parcial de florestas de preservação permanente só será admitida com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando for neces-sária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social.

[...]

Art. 4º A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devi-damente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

§ 1º A supressão de que trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o disposto no § 2º deste artigo. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

§ 2º A supressão de vegetação em área de preservação permanente situada em área urbana, dependerá de autorização do órgão ambiental competente, desde que o município possua conselho de meio ambiente com caráter deliberativo e plano diretor, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

§ 3º O órgão ambiental competente poderá autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação em área de preservação permanente. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

§ 4º O órgão ambiental competente indicará, previamente à emissão da autoriza-ção para a supressão de vegetação em área de preservação permanente, as medi-das mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

§ 5º A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, ou de dunas e man-gues, de que tratam, respectivamente, as alíneas c e f do art. 2º deste Código, so-mente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

§ 6º Na implantação de reservatório artificial é obrigatória a desapropriação ou aquisição, pelo empreendedor, das áreas de preservação permanente criadas no seu entorno, cujos parâmetros e regime de uso serão definidos por resolução do Conama. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

§ 7º É permitido o acesso de pessoas e animais às áreas de preservação perma-nente, para obtenção de água, desde que não exija a supressão e não compro-

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meta a regeneração e a manutenção a longo prazo da vegetação nativa. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)”

A controvérsia sobre se tratar de área rural ou urbana, tendo em vista a alegação dos réus de que o imóvel (E-0.293.750m e N-7.507.149m coorde-nadas) teria sido integrado ao perímetro urbano do Município de Rosana/SP, pela Lei Complementar Municipal nº 024/2008 (fl. 388), não é relevante para o deslinde da causa, pois, ainda que estejam realmente dentro dos parâmetros fixados pelo Município, os imóveis inseridos no limite de até 500m de rios que banham mais de um Estado da Federação não perdem a característica de área de preservação permanente da União e devem observar a legislação federal ambiental.

Conforme contratos particulares de compra e venda, a área foi vendida por Fumio Kubo para Aparecido Origa, em 05.05.1998 (fls. 297/8), que, por sua vez, vendeu para o réu Adnael Alves da Costa Filho, casado sob o regime da comunhão parcial de bens com a ré Sylmara Guimarães Alves da Costa, inicialmente a fração equivalente a 50%, em 27.05.1998 (fl. 300 e v.), e poste-riormente os 50% restantes, em 16.12.1999 (fls. 299 e v.). Ressalte-se que todos os contratos descrevem o imóvel apenas como “uma área de terras”, não men-cionando a existência de quaisquer edificações ou benfeitorias realizadas pelos antigos posseiros. De qualquer forma, ainda que já existissem tais construções, os adquirentes responderiam, igualmente, pelos danos ambientais causados pela sua manutenção e uso.

Não consta, ainda, nenhuma autorização do órgão competente para construir no local, sendo irrelevante se havia ou não vegetação nativa à época, pois, além de se tratar de obrigação propter rem, a manutenção das construções e a exploração da área, por si sós, impedem a regeneração florestal.

Cabe ressaltar que a ausência de justa causa para a ação penal, por su-posto crime ambiental, não interfere na seara da ação civil pública, para repa-ração dos danos ao meio ambiente, tendo em vista a independência entre as esferas cível e criminal.

Os danos ao meio ambiente, causados pelas construções e utilização da área para moradia, foram comprovados pelos relatórios e laudos técnicos dos diversos órgãos ambientais, somente sendo passíveis de reparação com a demo-lição das obras, remoção dos entulhos e plantio de espécies nativas.

De outro lado, os réus não demonstraram que dependam do uso e ex-ploração da área para sobreviver, nem que se enquadram no conceito de ri-beirinhos, cuja principal atividade de subsistência seja a pesca artesanal ou o extrativismo, tratando-se o casal de cirurgião dentista aposentado e funcionária pública municipal aposentada, com outras fontes de renda, e que, além disso, possuem outra moradia na área rural de Mirassol/SP, Sítio São Judas Tadeu,

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onde residem determinados períodos do ano, o que evidencia a destinação do rancho na APP para atividades recreativas e de lazer.

A invocação de princípios e direitos fundamentais, como “o direito ad-quirido, a segurança jurídica, o direito de posse e propriedade, o direito à mora-dia e ao desenvolvimento, o direito social ao lazer, o uso e gozo de um bem pú-blico e a dignidade da pessoa humana”, de caráter individual, não se sobrepõe ao direito coletivo ao meio ambiente ecologicamente sustentável e equilibrado.

No tocante a esses direitos, o Supremo Tribunal Federal não tem admitido recursos extraordinários, por falta de ofensa direta à Constituição Federal, chan-celando entendimento de inexistência de afronta a direito adquirido, direito de propriedade e demais direitos subjetivos, em face da prevalência do interesse coletivo de preservação e conservação do meio ambiente, independentemente de eventual licença ou aval concedida por órgãos municipais ou estaduais, tam-pouco se cogitando da boa ou má-fé do ocupante de APP. No AI 856568, a Relª Min. Cármen Lúcia manteve inadmissão de recurso contra acórdão entendendo que “[...] Em se tratando de dano ambiental, não se discute se a atividade do poluidor foi ou não lícita. O ordenamento jurídico adotou a teoria da respon-sabilidade objetiva sob a modalidade do risco integral, elegendo uma política de valorização à prevenção e reparação do dano. A omissão do exercício do poder de polícia administrativa pelo Poder Público não confere direito subjetivo ao particular que deixou de sofrer limitação ou restrição em seu direito, pois inexiste direito adquirido à licença ou autorização para uma obra. Respondem pelos danos ambientais, de forma solidária, todos aqueles que atuaram na causa do dano [...]” (DJ-e14.08.2012). No mesmo sentido, v.g., AI 853431, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 17.02.2012 e AI 672177, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 16.05.2011.

A Suprema Corte não reconheceu, inclusive, repercussão geral quanto à matéria (AI 765831, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 05.04.2011), e negou referendo a deferimento de medida liminar para supressão de vegetação em APP (ADI 3540, Rel. Min. Celso de Mello, 01.09.2005).

A Constituição Federal de 1988, embora assegurando o direito de pro-priedade, também se reporta à sua função social, como vetor a ser observado e prestigiado, inclusive para que aquele pereça em prol do usucapiente que lhe conferir função social, abarcando dentre os critérios à sua aferição a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garan-tindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXII – é garantido o direito de propriedade;

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XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;

[...]

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

II – propriedade privada;

III – função social da propriedade;

[...]

VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

[...]

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvol-vimento e de expansão urbana.

§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigên-cias fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

[...]

Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:

I – a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;

II – a propriedade produtiva.

Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social

[...]

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, si-multaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I – aproveitamento racional e adequado;

II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

[...]

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Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

Desde 1934, as constituições brasileiras condicionavam o direito de pro-priedade, a ser exercitado em conformidade com o interesse social, ou o bem estar social, o usucapião de imóvel rural tornado produtivo pelo labor do usu-capiente (1946) e a função social da propriedade, passível de ser usucapida quando explorada em contrariedade com este postulado (1967), revelando que embora reconhecido pelas diversas leis maiores, o seu uso estava condicionado por tais vetores.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 16 DE JULHO DE 1934)

“[...]

Art. 113 A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

17) É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intesti-na, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior.

[...]”

CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 18 DE SETEMBRO DE 1946

“[...]

Art. 147 O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei po-derá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribui-ção da propriedade, com igual oportunidade para todos.

[...]

Art. 156 A lei facilitará a fixação do homem no campo, estabelecendo planos de colonização e de aproveitamento das terras pública. Para esse fim, serão pre-feridos os nacionais e, dentre eles, os habitantes das zonas empobrecidas e os desempregados.

[...]

§ 3º Todo aquele que, não sendo proprietário rural nem urbano, ocupar, por dez anos ininterruptos, sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio, trecho

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de terra não superior a vinte e cinco hectares, tornando-o produtivo por seu tra-balho e tendo nele sua morada, adquirir-lhe-á a propriedade, mediante sentença declaratória devidamente transcrita.

[...]”

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1967

“[...]

Art. 157 A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios:

I – [...]

III – função social da propriedade;

[...]

§ 3º A desapropriação de que trata o § 1º é da competência exclusiva da União e limitar-se-á às áreas incluídas nas zonas prioritárias, fixadas em decreto do Poder Executivo, só recaindo sobre propriedades rurais cuja forma de exploração con-trarie o disposto neste artigo, conforme for definido em lei.

[...]”

De fato, a sentença merece ser mantida, pois devidamente fundamentada na responsabilidade objetiva do poluidor pela reparação dos danos ambientais, que tem respaldo constitucional (art. 225, §3º, Constituição Federal de 1988) e legal (art. 14, § 1º, Lei nº 6.938/1981):

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as pre-sentes e futuras gerações.

[...]

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, in-dependentemente da obrigação de reparar os danos causados.”

[...]

“Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, esta-dual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:

[...]

§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O

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Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

[...]”

A propósito das questões debatidas, os seguintes precedentes:

ADI 3540, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 03.02.2006: “EMENTA: MEIO AMBIEN-TE – DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) – PRER-ROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE – DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE – NECESSIDADE DE IM-PEDIR QUE A TRANSGRESSÃO A ESSE DIREITO FAÇA IRROMPER, NO SEIO DA COLETIVIDADE, CONFLITOS INTERGENERACIONAIS – ESPAÇOS TERRI-TORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS (CF, ART. 225, § 1º, III) – ALTERAÇÃO E SUPRESSÃO DO REGIME JURÍDICO A ELES PERTINENTE – MEDIDAS SUJEI-TAS AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI – SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – POSSIBILIDA-DE DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CUMPRIDAS AS EXIGÊNCIAS LEGAIS, AUTORIZAR, LICENCIAR OU PERMITIR OBRAS E/OU ATIVIDADES NOS ES-PAÇOS TERRITORIAIS PROTEGIDOS, DESDE QUE RESPEITADA, QUANTO A ESTES, A INTEGRIDADE DOS ATRIBUTOS JUSTIFICADORES DO REGIME DE PROTEÇÃO ESPECIAL – RELAÇÕES ENTRE ECONOMIA (CF, ART. 3º, II, C/C O ART. 170, VI) E ECOLOGIA (CF, ART. 225) – COLISÃO DE DIREITOS FUNDA-MENTAIS – CRITÉRIOS DE SUPERAÇÃO DESSE ESTADO DE TENSÃO ENTRE VALORES CONSTITUCIONAIS RELEVANTES – OS DIREITOS BÁSICOS DA PES-SOA HUMANA E AS SUCESSIVAS GERAÇÕES (FASES OU DIMENSÕES) DE DI-REITOS (RTJ 164/158, 160-161) – A QUESTÃO DA PRECEDÊNCIA DO DIREITO À PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE: UMA LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL EXPLÍCITA À ATIVIDADE ECONÔMICA (CF, ART. 170, VI) – DECISÃO NÃO REFERENDADA – CONSEQUENTE INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR – A PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE: EX-PRESSÃO CONSTITUCIONAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE À GENERALIDADE DAS PESSOAS. – Todos têm direito ao meio ambiente eco-logicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titulari-dade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaura-rão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina. A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRIN-CÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE – A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econô-mica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a

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disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natu-reza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimô-nio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OB-TENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA – O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impreg-nado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecolo-gia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição ina-fastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações. O ART. 4º DO CÓDI-GO FLORESTAL E A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.166-67/2001: UM AVANÇO EXPRESSIVO NA TUTELA DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – A Medida Provisória nº 2.166-67, de 24.08.2001, na parte em que introduziu sig-nificativas alterações no art. 4º do Código Florestal, longe de comprometer os valores constitucionais consagrados no art. 225 da Lei Fundamental, estabeleceu, ao contrário, mecanismos que permitem um real controle, pelo Estado, das ativi-dades desenvolvidas no âmbito das áreas de preservação permanente, em ordem a impedir ações predatórias e lesivas ao patrimônio ambiental, cuja situação de maior vulnerabilidade reclama proteção mais intensa, agora propiciada, de modo adequado e compatível com o texto constitucional, pelo diploma normativo em questão. Somente a alteração e a supressão do regime jurídico pertinente aos es-paços territoriais especialmente protegidos qualificam-se, por efeito da cláusula inscrita no art. 225, § 1º, III, da Constituição, como matérias sujeitas ao princípio da reserva legal. – É lícito ao Poder Público – qualquer que seja a dimensão ins-titucional em que se posicione na estrutura federativa (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) – autorizar, licenciar ou permitir a execução de obras e/ou a realização de serviços no âmbito dos espaços territoriais especial-mente protegidos, desde que, além de observadas as restrições, limitações e exi-gências abstratamente estabelecidas em lei, não resulte comprometida a inte-gridade dos atributos que justificaram, quanto a tais territórios, a instituição de regime jurídico de proteção especial (CF, art. 225, § 1º, III).” (grifei)

REsp 948921, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 11.11.2009: “PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – AUSÊNCIA DE PREQUESTIO-

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NAMENTO – INCIDÊNCIA, POR ANALOGIA, DA SÚMULA Nº 282 DO STF – FUNÇÃO SOCIAL E FUNÇÃO ECOLÓGICA DA PROPRIEDADE E DA POS-SE – ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – RESERVA LEGAL – RESPON-SABILIDADE OBJETIVA PELO DANO AMBIENTAL – OBRIGAÇÃO PROPTER REM – DIREITO ADQUIRIDO DE POLUIR – 1. A falta de prequestionamento da matéria submetida a exame do STJ, por meio de Recurso Especial, impede seu conhecimento. Incidência, por analogia, da Súmula nº 282/STF. 2. Inexiste direi-to adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente. O tempo é incapaz de curar ilegalidades ambientais de natureza permanente, pois parte dos sujeitos tutelados – as gerações futuras – carece de voz e de representantes que falem ou se omitam em seu nome. 3. Décadas de uso ilícito da propriedade rural não dão salvo--conduto ao proprietário ou posseiro para a continuidade de atos proibidos ou tornam legais práticas vedadas pelo legislador, sobretudo no âmbito de direitos indisponíveis, que a todos aproveita, inclusive às gerações futuras, como é o caso da proteção do meio ambiente. 4. As APPs e a Reserva Legal justificam-se onde há vegetação nativa remanescente, mas com maior razão onde, em conseqüên-cia de desmatamento ilegal, a flora local já não existe, embora devesse existir.

5. Os deveres associados às APPs e à Reserva Legal têm natureza de obrigação propter rem, isto é, aderem ao título de domínio ou posse. Precedentes do STJ. 6. Descabe falar em culpa ou nexo causal, como fatores determinantes do dever de recuperar a vegetação nativa e averbar a Reserva Legal por parte do proprietá-rio ou possuidor, antigo ou novo, mesmo se o imóvel já estava desmatado quando de sua aquisição. Sendo a hipótese de obrigação propter rem, desarrazoado per-quirir quem causou o dano ambiental in casu, se o atual proprietário ou os ante-riores, ou a culpabilidade de quem o fez ou deixou de fazer. Precedentes do STJ. 7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.” (grifei)

REsp 1237071, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 11.05.2011: “AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL – ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – POSSIBILI-DADE DE REFLORESTAMENTO POR PARTE DO PODER PÚBLICO SEM DESA-PROPRIAÇÃO – TRANSFERÊNCIA DOS CUSTOS AO PROPRIETÁRIO – OBRI-GAÇÃO PROPTER REM – INDENIZAÇÃO DO ART. 18, § 1º, DO CÓDIGO FLORESTAL – REGRA DE TRANSIÇÃO – CULTIVOS APÓS A CRIAÇÃO DA APP – CONDUTA ILÍCITA NÃO INDENIZÁVEL – DISCUSSÃO SOBRE A PRESCRI-ÇÃO PREJUDICADA – 1. O Código Florestal, em seu art. 18, determina que, nas terras de propriedade privada onde seja necessário o florestamento ou o reflo-restamento de preservação permanente, o Poder Público Federal poderá fazê-lo sem desapropriá-las, se não o fizer o proprietário. 2. Com isso, não está o art. 18 da Lei nº 4.771/1965 retirando do particular a obrigação de recuperar a área desmatada, mas apenas autorizando ao Poder Público que se adiante no proces-so de recuperação, com a transferência dos custos ao proprietário, que nunca deixou de ser o obrigado principal. 3. Tal obrigação, aliás, independe do fato de ter sido o proprietário o autor da degradação ambiental, mas decorre de obri-gação propter rem, que adere ao título de domínio ou posse. Precedente: (AgRg no REsp 1206484/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, Julgado em 17.03.2011, DJe 29.03.2011). 4. O § 1º do art. 18 do Código Florestal quando dispôs que, “se tais áreas estiverem sendo utilizadas com culturas, de seu valor deverá ser indenizado o proprietário”, apenas criou uma regra de transição para

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proprietários ou possuidores que, à época da criação da limitação administrativa, ainda possuíam culturas nessas áreas. 5. Aqueles que, como no caso do recorren-te, cultivaram em área de preservação permanente, após a entrada em vigor da norma restritiva, praticaram conduta ilícita, exploraram economicamente quan-do deveriam recuperar a vegetação. Obviamente que, em tais situações, não há que se falar em indenização. 6. A conclusão de que inexiste direito à reparação dos danos torna inócua qualquer discussão a respeito da ocorrência ou não da prescrição da pretensão indenizatória.

Recurso especial improvido.” (grifei)

AgRg no AREsp 258263, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe 20.03.2013: “CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RE-CURSO ESPECIAL – JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE – CERCEAMENTO DE DEFESA – VALOR DA CONDENAÇÃO EM DANOS MATERIAIS – SÚMULA Nº 7/STJ – HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS – RESPONSABILIDADE CIVIL – PETROBRÁS – ROMPIMENTO DO POLIDUTO ‘OLAPA’ E VAZAMENTO DE ÓLEO COMBUSTÍVEL – DANO AMBIENTAL – TEORIA DO RISCO INTEGRAL – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – PRECEDENTE DA SEGUNDA SEÇÃO, EM SEDE DE RECURSO REPETITIVO – ART. 543-C DO CPC – TERMO INICIAL – JU-ROS MORATÓRIOS – SÚMULA Nº 54/STJ – DECISÃO MANTIDA – 1. O acórdão de origem considerou possível o julgamento antecipado da lide, mencionando a extensão do acidente ambiental e as provas que confirmam a legitimidade do autor da ação, de modo que o exame do alegado cerceamento de defesa deman-daria nova apreciação do conteúdo fático-probatório dos autos, procedimento que não se admite em recurso especial (Súmula nº 7/STJ). 2. No presente caso, o acolhimento da pretensão recursal no tocante à diminuição da condenação a título de danos materiais exigiria o reexame da extensão do prejuízo sofrido pelo recorrido, o que é vedado na instância especial. 3. A fixação do quantum, em ação de indenização por danos morais e materiais, em valor inferior ao requeri-do não configura sucumbência recíproca, pois o montante deduzido na petição inicial é meramente estimativo. 4. A tese contemplada no julgamento do REsp 1.114.398/PR (Rel. Min. Sidnei Beneti, J. 08.02.2012, DJe 16.02.2012), sob o rito do art. 543-C do CPC, no tocante à teoria do risco integral e da responsabi-lidade objetiva ínsita ao dano ambiental (arts. 225, § 3º, da CF e 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981), aplica-se perfeitamente à espécie, sendo irrelevante o questiona-mento sobre a diferença entre as excludentes de responsabilidade civil suscitadas na defesa de cada caso. Precedentes. 5. ‘Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual’ (Súmula nº 54/STJ). 6. Agravo regimental desprovido.” (grifei)

REsp 1114398, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 16.02.2012: “AÇÃO DE INDENI-ZAÇÃO – DANOS MATERIAIS E MORAIS A PESCADORES CAUSADOS POR POLUIÇÃO AMBIENTAL POR VAZAMENTO DE NAFTA, EM DECORRÊN-CIA DE COLISÃO DO NAVIO N-T NORMA NO PORTO DE PARANAGUÁ – 1. PROCESSOS DIVERSOS DECORRENTES DO MESMO FATO, POSSIBILIDADE DE TRATAMENTO COMO RECURSO REPETITIVO DE TEMAS DESTACADOS PELO PRESIDENTE DO TRIBUNAL, À CONVENIÊNCIA DE FORNECIMENTO DE ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL UNIFORME SOBRE CONSEQUÊN-

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CIAS JURÍDICAS DO FATO, QUANTO A MATÉRIAS REPETITIVAS – 2. TEMAS: A) CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE NO JULGAMENTO ANTECIPA-DO, ANTE OS ELEMENTOS DOCUMENTAIS SUFICIENTES; B) LEGITIMIDADE DE PARTE DA PROPRIETÁRIA DO NAVIO TRANSPORTADOR DE CARGA PE-RIGOSA, DEVIDO A RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PRINCÍPIO DO POLUI-DOR-PAGADOR; C) INADMISSÍVEL A EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE POR FATO DE TERCEIRO; D) DANOS MORAL E MATERIAL CARACTERIZA-DOS; e) JUROS MORATÓRIOS: INCIDÊNCIA A PARTIR DA DATA DO EVENTO DANOSO – SÚMULA Nº 54/STJ; F) SUCUMBÊNCIA – 3. IMPROVIMENTO DO RECURSO, COM OBSERVAÇÃO – 1. É admissível, no sistema dos Recursos Re-petitivos (CPC, art. 543-C e Resolução STJ nº 08/2008) definir, para vítimas do mesmo fato, em condições idênticas, teses jurídicas uniformes para as mesmas consequências jurídicas. 2. Teses firmadas: a) Não cerceamento de defesa ao jul-gamento antecipado da lide. Não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide (CPC, art. 330, I e II) de processo de ação de indenização por danos materiais e morais, movida por pescador profissional artesanal contra a Petrobrás, decorrente de impossibilidade de exercício da profissão, em virtude de poluição ambiental causada por derramamento de nafta devido a avaria do Navio ‘N-T Norma’, a 18.10.2001, no Porto de Paranaguá, pelo período em que suspensa a pesca pelo Ibama (da data do fato até 14.11.2001); b) Legitimidade ativa ad causam. É parte legítima para ação de indenização suprarreferida o pes-cador profissional artesanal, com início de atividade profissional registrada no Departamento de Pesca e Aquicultura do Ministério da Agricultura, e do Abas-tecimento anteriormente ao fato, ainda que a emissão da carteira de pescador profissional tenha ocorrido posteriormente, não havendo a ré alegado e provado falsidade dos dados constantes do registro e provado haver recebido atenção do poder público devido a consequências profissionais do acidente; c) Inviabilidade de alegação de culpa exclusiva de terceiro, ante a responsabilidade objetiva. A alegação de culpa exclusiva de terceiro pelo acidente em causa, como exclu-dente de responsabilidade, deve ser afastada, ante a incidência da teoria do risco integral e da responsabilidade objetiva ínsita ao dano ambiental (art. 225, § 3º, da CF e do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981), responsabilizando o degradador em decorrência do princípio do poluidor-pagador; d) Configuração de dano moral. Patente o sofrimento intenso de pescador profissional artesanal, causado pela privação das condições de trabalho, em consequência do dano ambiental, é tam-bém devida a indenização por dano moral, fixada, por equidade, em valor equi-valente a um salário-mínimo; e) termo inicial de incidência dos juros moratórios na data do evento danoso. Nos termos da Súmula nº 54/STJ, os juros moratórios incidem a partir da data do fato, no tocante aos valores devidos a título de dano material e moral; f) Ônus da sucumbência. Prevalecendo os termos da Súmula nº 326/STJ, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não afasta a sucumbência mínima, de modo que não se redistribuem os ônus da sucum-bência. 3. Recurso Especial improvido, com observação de que julgamento das teses ora firmadas visa a equalizar especificamente o julgamento das ações de indenização efetivamente movidas diante do acidente ocorrido com o Navio N-T Norma, no Porto de Paranaguá, no dia 18.10.2001, mas, naquilo que encerram teses gerais, aplicáveis a consequências de danos ambientais causados em outros

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acidentes semelhantes, serão, como natural, evidentemente considerados nos jul-gamentos a se realizarem.” (grifei)

REsp 1227139, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 13.04.2012: “AMBIENTAL – DESMATAMENTO DE MATA NATIVA SEM AUTORIZAÇÃO – DANO RECO-NHECIDO PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA – CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO) – POSSIBILIDADE – NATUREZA PROPTER REM – IN-TERPRETAÇÃO DA NORMA AMBIENTAL – PRECEDENTES DO STJ – 1. A ju-risprudência do STJ está firmada no sentido de que a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente permite a cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar, que têm natureza propter rem. Preceden-tes: REsp 1.178.294/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, J. 10.082010; REsp 1.115.555/MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, J. 15.02.2011; AgRg-REsp 1170532/MG, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, J. 24.08.2010; REsp 605.323/MG, Relator para acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, J. 18.08.2005, entre outros. 2. Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de fazer vol-tadas à recomposição in natura do bem lesado, com a devolução dos autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e fixe eventual quantum debeatur.”

REsp 1240122, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 11.09.2012: “AMBIENTAL – LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA – FUNÇÃO ECOLÓGICA DA PROPRIEDADE – ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – MÍNIMO ECOLÓGICO – DEVER DE REFLORESTAMENTO – OBRIGAÇÃO PROPTER REM – ART.18, § 1º, DO CÓDIGO FLORESTAL de 1965 – REGRA DE TRANSIÇÃO – 1. Inexiste direito ilimitado ou absoluto de utilização das potencialidades econômicas de imóvel, pois antes até ‘da promulgação da Constituição vigente, o legislador já cuidava de impor algumas restrições ao uso da propriedade com o escopo de preservar o meio ambiente’ (EREsp 628.588/SP, Relª Min. Eliana Calmon, Primeira Seção, DJe 09.02.2009), tarefa essa que, no regime constitucional de 1988, fundamenta--se na função ecológica do domínio e posse. 2. Pressupostos internos do direito de propriedade no Brasil, as Áreas de Preservação Permanente e a Reserva Legal visam a assegurar o mínimo ecológico do imóvel, sob o manto da inafastável garantia constitucional dos ‘processos ecológicos essenciais’ e da ‘diversidade biológica’. Componentes genéticos e inafastáveis, por se fundirem com o texto da Constituição, exteriorizam-se na forma de limitação administrativa, técnica jurídica de intervenção estatal, em favor do interesse público, nas atividades hu-manas, na propriedade e na ordem econômica, com o intuito de discipliná-las, organizá-las, circunscrevê-las, adequá-las, condicioná-las, controlá-las e fiscali-zá-las. Sem configurar desapossamento ou desapropriação indireta, a limitação administrativa opera por meio da imposição de obrigações de não fazer (non facere), de fazer (facere) e de suportar (pati), e caracteriza-se, normalmente, pela generalidade da previsão primária, interesse público, imperatividade, unilatera-lidade e gratuidade. Precedentes do STJ. 3. ‘A obrigação de reparação dos danos ambientais é propter rem’ (REsp 1.090.968/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Tur-ma, DJe 03.08.2010), sem prejuízo da solidariedade entre os vários causadores do dano, descabendo falar em direito adquirido à degradação. O ‘novo proprie-

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tário assume o ônus de manter a preservação, tornando-se responsável pela re-posição, mesmo que não tenha contribuído para o desmatamento. Precedentes’ (REsp 926.750/MG, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJ 04.10.2007; em igual sentido, entre outros, REsp 343.741/PR, Rel. Min. Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ 07.10.2002; REsp 843.036/PR, Rel. Min. José Delgado, Primeira Tur-ma, DJ 09.11.2006; EDcl no Ag 1.224.056/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Mar-ques, Segunda Turma, DJe 06.08.2010; AgRg no REsp 1.206.484/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 29.03.2011; AgRg nos EDcl no REsp 1.203.101/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJe 18.02.2011). Logo, a obrigação de reflorestamento com espécies nativas pode ‘ser imediata-mente exigível do proprietário atual, independentemente de qualquer indaga-ção a respeito de boa-fé do adquirente ou de outro nexo causal que não o que se estabelece pela titularidade do domínio’ (REsp 1.179.316/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 29.06.2010). 4. ‘O § 1º do art. 18 do Có-digo Florestal quando dispôs que, ‘se tais áreas estiverem sendo utilizadas com culturas, de seu valor deverá ser indenizado o proprietário’, apenas criou uma re-gra de transição para proprietários ou possuidores que, à época da criação da li-mitação administrativa, ainda possuíam culturas nessas áreas (REsp 1237071/PR, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 11.05.2011). 5. Recurso Espe-cial não provido.” (grifei)

REsp 1107219, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 23.09.2010: “PROCESSUAL CIVIL – AD-MINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIENTAL – OCUPAÇÃO IRREGULAR DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE COM DEGRADAÇÃO AMBIENTAL – JULGAMENTO EXTRA E ULTRA PETITA – INOCORRÊNCIA – 1. A tutela ambiental é de natureza fungível por isso que a área objeto da agressão ao meio ambiente pode ser de extensão maior do que a referida na inicial e, uma vez assim aferida pelo conjunto probatório, não importa em julgamento ultra ou extra petita. 2. A decisão extra petita é aquela inaproveitável por conferir à parte provi-dência diversa da almejada, mercê do deferimento de pedido diverso ou baseado em causa petendi não eleita. Consectariamente, não há decisão extra petita quan-do o juiz examina o pedido e aplica o direito com fundamentos diversos dos for-necidos na petição inicial ou mesmo na apelação, desde que baseados em fatos ligados ao fato-base. Precedentes do STJ: AgRg no REsp 1164488/DF, Segunda Turma, DJe 07.06.2010; RMS 26.276/SP, Quinta Turma, DJe 19.10.2009; e AgRg no AgRg no REsp 825.954/PR, Primeira Turma, DJ de 15.12.2008. 3. Deveras, a análise do pedido dentro dos limites postos pela parte não incide no vício in procedendo do julgamento ultra ou extra petita e, por conseguinte, afasta a su-posta ofensa aos arts. 460 e 461, do CPC. 4. Ademais, os pedidos devem ser inter-pretados, como manifestações de vontade, de forma a tornar o processo efetivo, o acesso à justiça amplo e justa a composição da lide. Precedentes do STJ: AgRg no Ag 1038295/RS, Primeira Turma, DJe 03.12.2008; AgRg no Ag 865.880/RJ, Primeira Turma, DJ 09.08.2007; AgRg no Ag 738.250/GO, Quarta Turma, DJ 05.11.2007; e AgRg no Ag 668.909/SP, Quarta Turma, DJ 20.11.2006; 5. In casu, o Juízo Singular decidiu a questio iuris dentro dos limites postos pelas partes, consoante se conclui do excerto do voto condutor do acórdão recorrido, verbis: “[...]A ação diz respeito a ocupação e supressão de vegetação nativa em área de cerca de 180 m2 nos limites do Parque Estadual da Serra do Mar, e a construção de diversas edificações irregulares, que a perícia depois informou ocuparem 650

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m2 (fls. 262), sem aprovação dos competentes órgãos do Município e do Estado. Ou seja, o pedido inicial se refere a devastação de área de aproximadamente 180 m2 e também a diversas construções, sem indicação da área que ocupam. Daí o pedido de cessação das agressões com paralisação de desmatamento, de cons-truções e de ocupações, obviamente onde ainda não haviam ocorrido, além do pedido de demolição das edificações e culturas existentes, com restauração da vegetação primitiva, ou indenização. Irrelevante a menção à altitude de 180m, uma vez que os problemas são a situação em área de preservação permanen-te ou não e a irregularidade da ocupação e das construções, em terreno cuja acentuada declividade e situação de risco podem ser constatadas a olho nu (v. fls. 19, 31, 42, 73 e 131/132). E a perícia deixou clara a localização da área dentro do Parque Estadual com base na Planta Cartográfica Planialtimétrica do Instituto Geográfico e Cartográfico da USP (fls. 211 e 260/261), documento este cuja validade não foi infirmada pelo requerido. Mesmo o levantamento contrata-do pelo requerido para o PRAD confirmou estar a área construída acima da Cota 100 (v. fls. 288 e 297), porém o perito do Juízo observou que não houve compro-vação da altimetria do ponto de referência (fls. 311/312). A contestação mostrou que, além das duas construções apontadas na petição inicial, outras já estavam feitas, com desrespeito aos embargos administrativo e judicial (v. fls. 176/181), não apenas no terreno de 180 m2 de área estimada ocupada por aquelas cons-truções, mas em toda a área de posse do ora apelante, constituída por duas aqui-sições, uma de 2100 m2 e outra de 6000 m2 aproximadamente (v. fls. 127/132). A alegação de que já havia no local uma construção (fls. 121 e 127) não afas-ta a responsabilidade do adquirente, que é objetiva e corresponde a obrigação propter rem. A perícia informou ter havido corte do terreno (v. fls. 224 e 232/243), em que nenhuma construção pode haver sem autorização dos órgãos competen-tes. E a inexistência de curso d’água tampouco pode mudar o desfecho desta ação. Os limites da lide ficaram pois, definidos no pedido inicial e na contesta-ção e não se contém na área de 180 m2 ocupada por duas construções, apenas, mas abrange as outras construções, como já dito. O perito oficial (fls. 204/243, 259/265 e 310/314) constatou que a ocupação já estava estendida por cerca de 1242 m2 (fls. 211) com duas casas e uma igreja entre as Cotas 110 e 128 metros e verificou a degradação ambiental consumada (v. fls. 213/214 e 218/225) ‘Como se vê, ficou provado que o ora apelante ocupou área de preservação permanente e ali fez várias edificações irregularmente; o fato de já não haver ali vegetação nativa, quando da ocupação, não o libera da responsabilidade objetiva e corres-pondente a obrigação propter rem de reconstituir essa vegetação. Terceiros even-tualmente prejudicados poderão defender seus interesses pelas vias próprias.’ às fls. 402/404 6. Recurso Especial desprovido.” (grifei)

REsp 843978, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 09.03.2012: “PROCESSUAL CI-VIL – DANO AMBIENTAL – LOTEAMENTO IRREGULAR – ADQUIRENTES POS-SUIDORES – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA – LITISCONSÓRCIO PASSIVO – EMENDA À INICIAL ANTES DA CITAÇÃO – POSSIBILIDADE – 1. Hipótese em que o debate recursal refere-se, imediatamente, a questão processual: inclu-são dos dois recorridos (adquirentes de lotes) no polo passivo da demanda, por emenda à inicial. Apenas de forma mediata se discute a matéria de fundo (dano ao meio ambiente causado pelo empreendedor). 2. Cuida-se, segundo os autos, de loteamento sem licença ambiental ou urbanística válida, sobre APP – Área de

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Preservação Permanente e Zona de Vida Silvestre da Área de Proteção Ambiental (APA) Sapucaí Mirim, degradando o habitat, no bioma da Mata Atlântica (bosque de araucárias), de espécies ameaçadas de extinção, com desmatamento e ater-ramento de nascentes e córregos de água. 3. Após a propositura de Ação Civil Pública por associação ambiental, o Ministério Público, em sua primeira mani-festação, opinou pelo aditamento da petição inicial, para a indicação dos ad-quirentes de lotes. O juiz deferiu o pedido anteriormente à formação da relação jurídico-processual (antes, portanto, da citação de qualquer réu) e determinou a paralisação de todas as intervenções na área. 4. Os ora recorridos não apenas foram notificados da liminar concedida, como agiram como parte no processo, impugnando a decisão. Trata-se de um primeiro Agravo de Instrumento, rejeitado pela 6ª Câmara da Seção de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo. Essa atuação processual dos recorridos como parte não surpreende, porquanto eram os únicos ocupantes que descumpriam o embargo às obras e continua-vam a degradar a área, exatamente o que a Ação Civil Pública pretendia evitar. 5. Especificamente contra sua inclusão no polo passivo da demanda, os ora re-corridos interpuseram o segundo Agravo de Instrumento, a que se referem estes autos. A 5ª Câmara de Direito Público do TJSP reformou a decisão de primeira instância, pois entendeu que os atos dos adquirentes dos lotes (construções) não têm relação com a causa de pedir (dano causado pelo loteador). Por essa razão, não seriam litisconsortes passivos e, portanto, a emenda da inicial teria violado o disposto nos arts. 47 e 264 do CPC. 6. No plano jurídico, o dano ambiental é marcado pela responsabilidade civil objetiva e solidária, que dá ensejo, no âmbi-to processual, a litisconsórcio facultativo entre os vários degradadores, diretos ou indiretos. Segundo a jurisprudência do STJ, no envilecimento do meio ambien-te, a ‘responsabilidade (objetiva) é solidária’ (REsp 604.725/PR, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJ 22.08.2005, p. 202), tratando-se de hipótese de ‘li-tisconsórcio facultativo’ (REsp 884.150/MT, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 07.08.2008), pois, mesmo havendo ‘múltiplos agentes poluidores, não existe obrigatoriedade na formação do litisconsórcio’, abrindo-se ao autor a possibili-dade de ‘demandar de qualquer um deles, isoladamente ou em conjunto, pelo todo” (REsp 880.160/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 27.05.2010). 7. Os adquirentes de lote têm responsabilidade solidária pelo dano ambiental do loteamento impugnado em Ação Civil Pública, ainda que não realizem obras no seu imóvel, o que implica legitimidade para compor, como litisconsorte, o polo passivo da ação que questiona a legalidade do loteamento e busca a restauração do meio ambiente degradado. Em loteamento, “se o imóvel causador do dano é adquirido por terceira pessoa, esta ingressa na solidarieda-de, como responsável” (REsp 295.797/SP, Relª Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 12.11.2001, p. 140). 8. Ademais, ainda que não houvesse responsabi-lidade solidária (ou seja, que se afastasse a jurisprudência pacífica do STJ), é in-controverso que os dois recorridos vêm, segundo os autos, construindo nos lotes (aparentemente eram os únicos a fazê-lo), constatação que amplia, sem dúvida, o dano ambiental causado pelo loteamento e os transforma em agentes diretos de degradação ambiental. 9. Se a ação for julgada procedente, impossível, em vista das peculiaridades do caso, cumprir o pedido da petição inicial (‘que retor-ne toda a gleba ao estado anterior, desfazendo-se pontes, estradas, construções, etc.’) sem afetar, frontal e diretamente, os interesses dos recorridos-adquirentes

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de lotes. Assim, diante da natureza da relação jurídica in casu, tanto sob o pris-ma da eficácia da coisa julgada, da solidariedade pelo dano ambiental, quanto da indivisibilidade do objeto, é inevitável o reconhecimento do litisconsórcio. 10. Recurso Especial provido.” (grifei)

REsp 604725, Rel. Min. Castro Meira, DJ 22.08.2005, p. 202: “AÇÃO CIVIL PÚ-BLICA – DANO CAUSADO AO MEIO AMBIENTE – LEGITIMIDADE PASSIVA DO ENTE ESTATAL – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – RESPONSÁVEL DI-RETO E INDIRETO – SOLIDARIEDADE – LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO – ART. 267, IV DO CPC – PREQUESTIONAMENTO – AUSÊNCIA – SÚMULAS NºS 282 E 356 DO STF – 1. Ao compulsar os autos verifica-se que o Tribunal a quo não emitiu juízo de valor à luz do art. 267 IV do Código de Ritos, e o recor-rente sequer aviou embargos de declaração com o fim de prequestioná-lo. Tal cir-cunstância atrai a aplicação das Súmulas nº 282 e 356 do STFL. 2. O art. 23, inc. VI da Constituição da República fixa a competência comum para a União, Esta-dos, Distrito Federal e Municípios no que se refere à proteção do meio ambiente e combate à poluição em qualquer de suas formas. No mesmo texto, o art. 225, caput, prevê o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 3. O Estado recorrente tem o dever de preservar e fiscalizar a preservação do meio ambiente. Na hipótese, o Estado, no seu dever de fiscalização, deveria ter requerido o Estudo de Impacto Ambiental e seu res-pectivo relatório, bem como a realização de audiências públicas acerca do tema, ou até mesmo a paralisação da obra que causou o dano ambiental. 4. O repasse das verbas pelo Estado do Paraná ao Município de Foz de Iguaçu (ação), a ausên-cia das cautelas fiscalizatórias no que se refere às licenças concedidas e as que deveriam ter sido confeccionadas pelo ente estatal (omissão), concorreram para a produção do dano ambiental. Tais circunstâncias, pois, são aptas a caracterizar o nexo de causalidade do evento, e assim, legitimar a responsabilização objetiva do recorrente. 5. Assim, independentemente da existência de culpa, o poluidor, ainda que indireto (Estado-recorrente) (art. 3º da Lei nº 6.938/1981), é obrigado a indenizar e reparar o dano causado ao meio ambiente (responsabilidade obje-tiva). 6. Fixada a legitimidade passiva do ente recorrente, eis que preenchidos os requisitos para a configuração da responsabilidade civil (ação ou omissão, nexo de causalidade e dano), ressalta-se, também, que tal responsabilidade (objetiva) é solidária, o que legitima a inclusão das três esferas de poder no pólo passivo na demanda, conforme realizado pelo Ministério Público (litisconsórcio facultativo). 7. Recurso especial conhecido em parte e improvido.” (grifei)

REsp 884150, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 07.08.2008: “PROCESSUAL CIVIL – AD-MINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIENTAL – ÁREA DE PRE-SERVAÇÃO PERMANENTE – EDIFICAÇÃO DE CASA DE VERANEIO – AUTORI-ZAÇÃO ADMINISTRATIVA – LITISCONSÓRCIO PASSIVO FACULTATIVO

1. A ação civil pública ou coletiva por danos ambientais pode ser proposta contra poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsá-vel, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental (art. 3º, IV, da Lei nº 6.898/1991), co-obrigados solidariamente à indenização, mediante a formação litisconsórcio facultativo, por isso que a sua ausência não

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tem o condão de acarretar a nulidade do processo. Precedentes da Corte:REsp 604.725/PR, DJ 22.08.2005; REsp 21.376/SP, DJ 15.04.1996 e REsp 37.354/SP, DJ 18.09.1995. 2. Recurso especial provido para determinar que o Tribunal local proceda ao exame de mérito do recurso de apelação.”

REsp 880160, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 27.05.2010: “AMBIEN-TAL – DRENAGEM DE BREJO – DANO AO MEIO AMBIENTE – ATIVIDADE DE-GRADANTE INICIADA PELO PODER PÚBLICO E CONTINUADA PELA PARTE RECORRIDA – NULIDADE DA SENTENÇA – PARTE DOS AGENTES POLUIDO-RES QUE NÃO PARTICIPARAM FEITO – INOCORRÊNCIA DE VÍCIOS – LITIS-CONSÓRCIO PASSIVO FACULTATIVO – SOLIDARIEDADE PELA REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL – IMPOSSIBILIDADE DE SEPARAÇÃO DA RESPON-SABILIDADE DOS AGENTES NO TEMPO PARA FINS DE CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DO NICHO) – ABRANGÊNCIA DO CONCEITO DE ‘POLUIDOR’ ADOTADO PELA LEI Nº 6.938/1981 – DIVISÃO DOS CUSTOS ENTRE OS POLUIDORES QUE DEVE SER APURADO EM OUTRA SEDE

1. Na origem, cuida-se de ação civil pública intentada em face de usina por ter fi-cado constatado que a empresa levava a cabo a drenagem de reservatório natural de localidade do interior do Rio de Janeiro conhecida como ‘Brejo Lameiro’. Sen-tença e acórdão que entenderam pela improcedência dos pedidos do Parquet em razão de a atividade de drenagem ter sido iniciada pelo Poder Público e apenas continuada pela empresa ora recorrida. 2. Preliminar levantada pelo MPF em seu parecer – nulidade da sentença em razão da necessidade de integração da lide pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento – DNOS, extinto órgão fe-deral, ou por quem lhe faça as vezes –, rejeitada, pois é pacífica a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que, mesmo na existência de múltiplos agen-tes poluidores, não existe obrigatoriedade na formação do litisconsórcio, uma vez que a responsabilidade entre eles é solidária pela reparação integral do dano ambiental (possibilidade se demandar de qualquer um deles, isoladamente ou em conjunto, pelo todo). Precedente. 3. Também é remansosa a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pela impossibilidade de que qualquer dos envolvi-dos alegue, como forma de se isentar do dever de reparação, a não-contribuição direta e própria para o dano ambiental, considerando justamente que a degrada-ção ambiental impõe, entre aqueles que para ela concorrem, a solidariedade da reparação integral do dano. 4. Na espécie, ficou assentado tanto pela sentença (fl. 268), como pelo acórdão recorrido (fl. 365), que a parte recorrida continuou as atividades degradantes iniciadas pelo Poder Público, aumentando a lesão ao meio ambiente. Inclusive, registrou-se que, embora lesivas ao brejo, a atuação da usina recorrida é importante para a preservação da rodovia construída sobre um aterro contíguo ao brejeiro – a ausência de drenagem poderia acarretar a erosão da base da estrada pelo rompimento do aterro. 5. Inexiste, nesta esteira, dúvidas acerca da caracterização do dano ambiental e da contribuição da parte recorrida para isto – embora reconheçam as instâncias ordinárias que também o DNOS é agente degradador (a título inicial). 6. Aplicáveis, assim, os arts. 3º, inc. IV, e 4º, inc. VII, da Lei nº 6.938/1981. 7. Óbvio, portanto, que, sendo demandada pela integralidade de um dano que não lhe é totalmente atribuível, a parte recorrida poderá, em outra sede, cobrar de quem considere cabível a parte das despesas

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com a recuperação que lhe serão atribuídas nestes autos. 8. Recurso especial provido.” (grifei)

REsp 295797, Relª Min. Eliana Calmon, DJ 12.11.2001, p. 140: “PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIENTAL – 1. É parte legítima para figurar no pólo passivo da ação civil pública, solidariamente, o responsável direto pela violação às normas de preservação do meio-ambiente, bem assim a pessoa jurídica que aprova o projeto danoso. 2. Na realização de obras e loteamentos, é o município responsável solidário pelos danos ambientais que possam advir do empreendimento, juntamente com o dono do imóvel. 3. Se o imóvel causador do dano é adquirido por terceira pessoa, esta ingressa na solidariedade, como responsável. 4. Recurso especial improvido.” (grifei)

AC 00088290220054036102, Rel. Juiz Fed. Conv. Valdeci dos Santos, e-DJF3 24.10.2011: “DIREITO ADMINISTRATIVO – DIREITO PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANOS AMBIENTAIS – OBRIGAÇÃO PROPTER REM – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – DEVER DE INDENIZAR INDEPENDENTE-MENTE DE CULPA – CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PROTEÇÃO PERMANENTE – PERPETUAÇÃO DO DANO AMBIENTAL – DEMOLIÇÃO DA EDIFICAÇÃO, REMOÇÃO DO ENTULHO E PLANTIO DE MUDAS PIONEIRAS NO LOCAL – RAZOABILIDADE – SENTENÇA CONFIRMADA – 1. O Código de Processo Civil, no art. 509, dispõe aproveitar aos demais o recurso interposto por um dos litisconsortes, desde que não haja interesses opostos ou distintos, sendo esta a hipótese dos autos, que configura caso de litisconsórcio necessário. 2. Trata-se de ação civil pública onde se discute a responsabilidade dos réus pelos danos ambientais causados em decorrência de atividade de extração de areia e argila em área de preservação ambiental, às margens do rio Mogi-Guaçu. 3. Descabido falar em cumprimento de obrigação de não fazer, consistente em abster-se de ocupar e explorar as áreas de várzea e de preservação permanente do imóvel des-crito nos autos, conquanto, de um lado, a exploração era autorizada, e, de outro, os apelantes desocuparam a área, de forma espontânea, mesmo antes da conces-são da medida liminar, sendo razoável entender que não havia, rigorosamente, resistência à pretensão do autor, restando caracterizada falta de interesse proces-sual, quanto a este pedido. 4. Quanto ao pedido de cumprimento de obrigação de fazer, consistente em recuperar as áreas de várzea e recompor a cobertura florestal da área de preservação permanente do imóvel, promovendo a remoção de todo tipo de edificação ali existente e regenerando a área degradada, não so-corre aos apelantes a alegação de que quando da edificação, o terreno já havia sido, anos antes pelo anterior proprietário, despojado de toda vegetação natural, uma vez que a obrigação pela reparação de danos ambientais é propter rem, ou seja, fica gravada no imóvel e se transfere para o proprietário ulterior, sendo irre-levante a demonstração de boa-fé ou a ausência de intento depredatório desse. 5. Deve-se levar em conta, ainda, que a responsabilidade dos réus em reparar os danos ambientais causados é objetiva, nos termos do disposto no § 1º, art. 14, da Lei nº 6.938/1981, que dispõe ser o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou a reparar os danos causados ao meio am-biente e a terceiros, afetados por sua atividade. Assim sendo, a casa construída às margens do rio, dentro da área de várzea, implica no dever de reparar, no caso, mediante sua demolição e recomposição das espécies naturais por meio de plan-

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tio de mudas, cuidando a natureza da disseminação natural de outras sementes, de forma que a recuperação do local ocorra dentro de prazo razoável. 6. Quanto ao pedido de indenização, em favor do Fundo de Defesa dos Interesses Difusos, correspondente aos danos ambientais que se mostrarem técnica e absolutamente irrecuperáveis, nas áreas de várzea e de preservação permanente, a prova acosta-da aos autos indica a inexistência deles, bastando adotar as providências determi-nadas na sentença para a recuperação plena da área degradada. 7. Precedentes do STJ. 8. Apelação a que se nega provimento.” (grifei)

AC 0002229-65.2001.4.03.6114, Rel. Juiz Fed. Conv. Silva Neto, e-DJF3 19.05.2011, p. 1198: “AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ADMINISTRATIVO – CONS-TITUCIONAL – MEIO AMBIENTE A PREVALECER COMO VALOR IMPREGNA-DOR DA ORDEM JURÍDICA NACIONAL, PORTANTO LÍCITO O LIMITE DE 30 METROS MÍNIMOS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE EM RELAÇÃO AO RIO EM QUESTÃO, CONSOANTE ITEM 1, DA ALÍNEA A, ART. 2º, CÓDIGO FLO-RESTAL, EM RELAÇÃO AOS 15 METROS ‘LEGISLADOS’ EM ESFERA LOCAL/MUNICIPAL – PRECEDENTES – ACERTADOS ASSIM OS APELOS MINISTERIAIS, PARA QUE SE IMPONHA ABSTENÇÃO AO PODER PÚBLICO MUNICIPAL DE EXPEDIR LICENÇAS DE CONSTRUÇÃO EM DESACORDO COM REFERIDO ART. 2º – VITORIOSO O PEDIDO EM QUESTÃO, PROVIDOS OS RECURSOS A TANTO – 1. De acerto se põe a v. jurisprudência adiante em destaque, a qual a reconhecer, com razão, superior força à proteção do meio-ambiente enquanto valor universal, não como realidade citadina ou de ‘predominante interesse lo-cal’, de conseguinte pairando acima ditames como o do art. 225 e o do inciso VI, do art. 24, ambos da Lei Maior, em relação à força atrativa que se deseja emprestar ao ângulo legiferante municipalista, inciso I do art. 30, também da Carta Política. 2. No ângulo jus-normativo em guerra, o da exegese em torno do debatido art. 2º, do Código Florestal, Lei nº 4.771/1965, precisamente no cotejo do item 1 de sua alínea a, em relação a seu parágrafo único (teor às fls. 889/890), veemente que a parte final deste derradeiro preceito a ter de prevalecer, em ter-mos de preservação dos princípios presididores do ordenamento florestal brasi-leiro/nacional – que portanto a ter de guardar plena sintonia com a Magna Carta atual – em referência ao espaço de desejada liberdade delimitadora, em sede de áreas urbanas, de modo que, por conseguinte, deva ser considerado de preser-vação permanente, no litígio em pauta, ao longo do rio em questão, o mínimo de 30 metros, como estabelecido na legislação nacional em foco, não os 15 assim insuficientemente ‘normatizados’ pela lei local. 3. No presente litígio faz--se mister seja preservado o bem-maior da humanidade, a proteção a seu meio--ambiente, nos moldes mais dilargados que possíveis e assim regrados pela União com dirigismo sobre toda a Nação, pois objetivamente a induzir a base capital ao subsistir da espécie na Terra (nem aqui portanto, vênias todas, sendo necessário incursionar-se por exemplos de reações naturais cada vez mais desproporcio-nais, no mundo no qual a intervenção humana lamentavelmente sem freios, sem limites), de modo que com razão o apelo ministerial federal notadamente em seu pleito lançado às fls. 917 (por conseguinte a abarcar o apelo ministerial estadual – o qual tão brilhante quanto, por evidente, na intransigente defesa do valor em questão), no sentido de se impor, em reforma ao r. sentenciamento recorrido, se-jam os réus condenados a se abster de emitir autorizações contrárias ao disposto no art. 2º, Lei nº 4.771/1965, ausente reflexo sucumbencial, diante dos contornos

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da via eleita. 4. No exato sentido do quanto aqui firmado, os v. entendimentos consolidados. Precedentes. 5. Provimento às apelações.” (grifei)

AC 0006575-57.1999.4.03.6105, Rel. Des. Fed. Mairan Maia, e-DJF3 02.02.2011, p. 193: “DIREITO AMBIENTAL – AÇÃO POPULAR – ÁREA DE PROTEÇÃO AM-BIENTAL – EXTRAÇÃO MINERAL – DEGRADAÇÃO DO MEIO AMBIENTE – RE-GIÃO DE MANANCIAIS – INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO CONTRA A PROTEÇÃO AMBIENTAL – PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO – 1. O meio am-biente consiste em bem de uso comum do povo, essencial à sua qualidade de vida, impondo ao poder público e à própria coletividade o dever de protegê-lo e preservá-lo, visando assegurar a sua fruição pelas futuras gerações. Inteligên-cia do art. 225 da Constituição Federal. 2. A atividade de pesquisa e posterior exploração mineral na região, tal como prevista nos atos impugnados, não pode ser conciliada com a proteção ambiental dispensada (APA), sobretudo por suas repercussões em bacia hidrográfica relevante. Situação agravada pela exploração já empreendida, independentemente de autorização dos órgãos competentes e sem qualquer fiscalização. 3. Inexiste direito adquirido oponível à proteção do meio ambiente. Precedente do C. STJ. 4. A ausência de certeza científica formal acerca da existência de risco de dano sério ou irreversível requer a implementa-ção de medidas que possam assegurar a sua prevenção. Princípio da Precaução. 5. Apelação a que se nega provimento.” (grifei)

AC 0010782-25.2010.4.03.6102, Rel. Juiz Fed. Conv. David Diniz, e-DJF3 14.01.2013: “DIREITO AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – RANCHO – OCUPAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – PRELIMINAR DE LITISPENDÊNCIA – INOCORRÊNCIA – DANO AMBIENTAL COMPROVADO – DESOCUPAÇÃO E DEMOLIÇÃO – RECUPERAÇÃO POR MEIO DE PLANTIO – INDENIZAÇÃO POR DANO AMBIENTAL – RECURSO DE APELAÇÃO IMPRO-VIDO – REMESSA OFICIAL PARCIALMENTE PROVIDA – O Código de Processo Civil define litispendência enquanto a reprodução de ação anteriormente ajuiza-da, segundo o disposto no art. 301, parágrafo primeiro. O parágrafo segundo do mesmo preceptivo especifica que as ações serão idênticas quando contarem com ‘as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido’. Não há que se falar em litispendência, tendo em vista que as ações mencionadas pelo apelante não são idênticas ao presente caso, por não contarem com as mesmas partes. – Cuida-se de Ação Civil Pública interposta pelo Ministério Público em que se visa a recuperação de área de preservação permanente, ocupada pelo requerido, assim como a desocupação dessa área, promovendo-se a demolição das edifica-ções existentes. Nesta ação, o Parquet postula, também, o pagamento de indeni-zação correspondente aos danos ambientais causados. – Consideramos que não atende as exigências da lei o simples plantio de mudas nativas ao redor de áreas edificadas. A plena recuperação da área não prescinde da retirada das cons-truções e o reflorestamento de toda a área com plantio de mudas nativas sem, contudo, afastar eventual indenização pelo dano ambiental causado. – Ofensa ambiental consolidada. A dificuldade de se quantificar esse dano, traduzindo em moeda corrente, não pode nos levar a ponto de negar a aplicação de sanção civil pelo descumprimento de norma ambiental, descumprimento que se concretizou em lesão ao meio ambiente. Com moderação e proporcionalidade, entendo que R$ 30.000,00 (trinta mil reais) é valor justo para fixar o quantum debeatur a título

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de indenização por dano ambiental, a ser revertido em favor do fundo de que trata o art. 13 da Lei nº 7.347/1985. – Recurso de Apelação ao qual se nega pro-vimento. Remessa oficial parcialmente provida.”

AC 0000108-79.2011.4.01.4300, Rel. Des. Fed. Selene Maria de Almeida, e--DJF1 07.11.2012, p. 348: “AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA DEMOLIÇÃO DE OBRA E REPARAÇÃO DE DANO AMBIEN-TAL – LICENÇA EXPEDIDA POR ÓRGÃO AMBIENTAL DO ESTADO DO TO-CANTINS PARA PERMITIR EDIFICAÇÃO DE CHÁCARA DE LAZER INDIVI- DUAL EM ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL (APP) ÀS MARGENS DO LAGO DO LAJEADO – CONTRARIEDADE À LEI FEDERAL (CÓDIGO FLORESTAL) – DANO AMBIENTAL INCONTROVERSO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – DEVER DE REPARAR DANO – PARCIAL PROVIMENTO DA APELAÇÃO – 1. O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra Ana Rosa Guimarães Fonseca objetivando a condenação da apelada a demolir edificação, chácara de lazer, construída em área de preservação permanente (APP), às margens do Lago [...] do Lajeado; (b) abster-se de nova construção na área, (c) reparar o dano ambiental na área da APP e (d) indenizar o dano em valor a ser apurado em execução de sentença. 2. A sentença recorrida julgou improcedentes os pedidos sob o fundamento de que no curso da demanda a apelada obteve a licença am-biental do empreendimento expedida pelo Naturatins. 3. Área de preservação permanente, protegida nos termos dos art. 2º e 3º do Código Florestal (Lei Federal nº 4.771/1965), significa aquela coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas (art. 1º, II). 4. Consideram-se de preservação permanente, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao redor das lagoas ou reservatórios d’água naturais ou artificiais (Lei nº 4.771/1965, art. 2º, b). 5. Segundo o Código Florestal (art. 3º, § 1º) a supressão das áreas de APP só será admitida com prévia autorização do Poder Executivo, quando for necessária à execução de obra, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social. 6. Causa de dano ambiental é qualquer atividade que de forma direta ou indireta afete desfavoravelmente o meio ambiente (Lei Federal nº 6.983/1981, art. 3º, III, c). A existência de construção à beira do lago conduz a dano devido a: (a) aumento da probabilidade de ocorrer processo ero-sivo pela retirada da cobertura vegetal nativa; (b) assoreamento das margens do lago pelo transporte de sedimentos, prejuízo à fauna local porque a vegetação exótica provoca o afastamento dos animais da região; (d) compactação e im-permeabilização do solo; lixo depositado pelas pessoas que utilizam o local; (e) construção de fossa séptica com risco de contaminação do lençol freático e cor-po d’água, conforme relatório de vistoria dos agentes de fiscalização do Ibama. 7. Violando disposições da legislação ambiental Federal de proteção de APP foi erigida construções da chácara Lago Azul, município de Palmas/TO, às margens do Lago da UHE do Lajeado e concedida licença ambiental pelo Naturantins, no curso da demanda. 8. É juridicamente irrelevante que o Estado do Tocantins tenha promulgado a Lei Estadual nº 1.939/2008 considerando como de utilidade pública e interesse social e chácaras de lazer em volta do Lago do Lajeado em Palmas/TO e com isso permita a supressão de vegetação em área de preservação permanente (APP). 9. Não se altera mediante norma jurídica a natureza das coi-

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sas: luxo, construção de casas de lazer e conforto individuais não se tornam, por definição legal, atividade de interesse social e utilidade pública. 10. O art. 14, §1º da Lei nº 6.938/1991 estabeleceu a responsabilidade objetiva para os causadores de dano ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. 11. O art. 18, da Lei nº 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, as áreas de preservação permanente são consideradas reserva ou estação ecoló-gica, de responsabilidade do Ibama: ‘são transformadas em reservas ou estações ecológicas, sob responsabilidade do Ibama e demais formas de vegetação natural de preservação permanente, relacionadas no art. 2º, da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965.’. 12. A demolição de obra irregular em área de preservação permanente (APP) tem previsão legal e é medida que pode ser inclusive, aplicada pelo órgão ambiental, após regular processo administrativo (Lei nº 9.605/1998, art. 72. VIII). 13. ‘A sanção de demolição de obra poderá ser aplicada pela autori-dade ambiental quando verificada a construção de obra em área ambientalmente protegida, em desacordo com a legislação ambiental’. (Decreto nº 6.514/2008) 14. Apelação parcialmente provida.” (grifei)

Outrossim, a cumulação da reparação com indenização pelos danos am-bientais, ainda que não se trate de compensação, somente é cabível quando estes não possam ser integral e imediatamente reparados, situação que não se verifica no caso dos autos, em que perícias técnicas na área degradada constataram a pos-sibilidade de regeneração total da mata nativa, com a implantação das medidas de demolição das construções, remoção de entulhos e plantio de mudas.

Neste sentido:

REsp 1145083, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 04.09.2012: “ADMINISTRA-TIVO – AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DESMATAMENTO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (MATA CILIAR) – DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE – BIOMA DO CERRADO – ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI Nº 6.938/1981, E ART. 3º DA LEI Nº 7.347/1985 – PRINCÍPIOS DO POLUIDOR--PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL – REDUCTIO AD PRISTINUM STA-TUM – FUNÇÃO DE PREVENÇÃO ESPECIAL E GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL – CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (RESTAURAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO) – POSSIBILI-DADE – DANO AMBIENTAL REMANESCENTE OU REFLEXO – ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO – INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA – 1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta com o fito de obter responsabilização por danos ambientais causados por desma-tamento de vegetação nativa (Bioma do Cerrado) em Área de Preservação Per-manente. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais considerou provado o dano ambiental e condenou o réu a repará-lo, porém julgou improcedente o pedido indenizatório cumulativo. 2. A legislação de amparo dos sujeitos vulnerá-veis e dos interesses difusos e coletivos deve ser interpretada da maneira que lhes seja mais favorável e melhor possa viabilizar, no plano da eficácia, a prestação jurisdicional e a ratio essendi da norma de fundo e processual. A hermenêutica jurídico-ambiental rege-se pelo princípio in dubio pro natura. 3. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que, nas demandas ambientais, por força dos

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princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a conde-nação, simultânea e cumulativa, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Assim, na interpretação do art. 3º da Lei nº 7.347/1985, a conjunção ‘ou’ opera com valor aditivo, não introduz alternativa excludente. Precedentes da Primeira e Segunda Turmas do STJ. 4. A recusa de aplicação, ou aplicação truncada, pelo juiz, dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca proje-tar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa, daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável ‘risco ou custo normal do negócio’. Saem debilitados, assim, o caráter dissuasório, a força pedagógica e o objetivo profilático da responsabilidade civil ambiental (= prevenção geral e especial), verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do degradador pre-miado, imitem ou repitam seu comportamento deletério. 5. Se o meio ambiente lesado for imediata e completamente restaurado ao seu estado original (reduc-tio ad pristinum statum), não há falar, como regra, em indenização. Contudo, a possibilidade técnica e futura de restabelecimento in natura (= juízo prospecti-vo) nem sempre se mostra suficiente para, no terreno da responsabilidade civil, reverter ou recompor por inteiro as várias dimensões da degradação ambiental causada, mormente quanto ao chamado dano ecológico puro, caracterizado por afligir a Natureza em si mesma, como bem inapropriado ou inapropriável. Por isso, a simples restauração futura – mais ainda se a perder de vista – do recurso ou elemento natural prejudicado não exaure os deveres associados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum. 6. A responsabilidade civil, se realmente aspira a adequadamente confrontar o caráter expansivo e difuso do dano ambiental, deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indeni-zar – juízos retrospectivo e prospectivo. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, tanto por serem distintos os fundamentos das prestações, como pelo fato de que eventual indenização não advém de lesão em si já restaurada, mas relaciona-se à degradação remanescente ou reflexa. 7. Na vasta e complexa categoria da degradação remanescente ou reflexa, incluem-se tanto a que temporalmente medeia a conduta infesta e o pleno restabelecimento ou recomposição da biota, vale dizer, a privação temporária da fruição do bem de uso comum do povo (= dano interino, intermediário, momentâneo, transitório ou de interregno), quanto o dano residual (= deterioração ambiental irreversível, que subsiste ou perdura, não obstante todos os esforços de restauração) e o dano moral coletivo. Também deve ser restituído ao patrimônio público o proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológi-ca que indevidamente auferiu (p. ex., madeira ou minério retirados ao arrepio da lei do imóvel degradado ou, ainda, o benefício com o uso ilícito da área para fim agrossilvopastoril, turístico, comercial). 8. Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação da indenização pecuniá-ria com as obrigações de fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e fixe eventual quantum debeatur.” (grifei)

Quanto ao pedido de condenação dos réus para que recolham valores destinados à execução das providências de demolição e recuperação da área

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degradada, na eventualidade de descumprimento da tutela específica, há de se ressaltar que a cominação de multa diária de R$ 500,00, tal como prevista na sentença, cumpre a função de compelir os réus à prática das medidas deter-minadas, sem que haja necessidade de se arbitrar novos valores, em caso de configuração desta hipótese.

Note-se que a multa, nos termos do art. 13, caput, da Lei nº 7.347/1985, reverterá ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), que, no caso especí-fico, “tem por finalidade a reparação dos danos causados ao meio ambiente” (Decreto Presidencial nº 1.306/1994).

Ante o exposto, nego provimento à remessa oficial, tida por submetida, e aos recursos de apelação do MPF, da União e dos réus.

Roberto Jeuken Juiz Federal Convocado

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoApelação Criminal nº 5002613‑89.2011.404.7204/SCRelator: Sebastião Ogê MunizApelante: Ministério Público FederalApelado: Carbonífera Belluno Ltda.

Henrique SalvaroAdvogado: Roberto Silva Soares

relatÓrio

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em desfavor de Carboní-fera Belluno Ltda. pela prática do crime previsto no art. 55 da Lei nº 8.605/1998, narrando os seguintes fatos:

A Carbonífera Belluno é titular de direito minerários sobre a jazida de carvão mineral, no município de Treviso/SC (DNPM nº 14.934/1936), conheci-da como Mina Morozini.

Em 2005, a empresa apresentou Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e respectivo Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (Rima), bem como Projeto Técnico de Mina (PTM), para a abertura de duas minas nesta jazida. Uma na camada Irapuá e outra na camada Barro Branco.

A Mina Morozini camada Irapuá se desenvolveu até 2008, quando foi paralisada por esgotamento da jazida e também por causar danos ambien-tais e danos patrimoniais e morais aos superficiários (vide Ação Civil Pública nº 2007.72.04.001216-6).

Por sua vez, a jazida da camada Barro Branco foi dividida em duas par-tes: Mina Morozini Norte e Mina Morozini Leste, conforme se percebe nas plan-tas anexas.

O EIA/Rima e o PTM apresentados em 2005 se referiam apenas à Mina Morozini Norte, ou seja, à primeira fase da exploração da camada Barro Branco naquela jazida. Na ocasião a empresa não apresentou PTM, nem estudou os impactos ambientais decorrentes de eventual lavra de carvão na Mina Morozini Leste.

Com a iminência do exaurimento da jazida na Mina Morozini Norte, em novembro de 2009 a Carbonífera Belluni Ltda. protocolou na Fundação do Meio Ambiente (FATMA) o EIA/RIMA para a expansão da Mina Morozini. Em outras palavras, apresentou o EIA/Rima da Mina Morozini Leste. Referido em-preendimento ainda não foi licenciado pelo órgão ambiental.

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Ocorre que, antes mesmo da apresentação do EIA/Rima e do PTM, a empresa começou a minerar na Mina Morozini Leste, sem licença ambiental e sem autorização do DNPM.

Com efeito, em 10 de fevereiro de 2010, o DNPM constatou que a Car-bonífera Belluno Ltda. estava desenvolvendo trabalho de lavra de carvão na área da Mina Morozini Leste, especificamente no Painel P.SE41, conforme plan-ta anexa. A atividade foi então paralisada, por meio do Auto de Paralisação nº 05/2009.

O DNPM estimou que a Carbonífera Belluno Ltda. faturou R$ 1.888.600,38 (um milhão oitocentos e oitenta e oito mil seiscentos reais e trinta e oito centavos) com venda do carvão extraído na área de lavra clandes-tina.

A infração foi cometida no interesse da atividade empresarial da Carbo-nífera Belluno Ltda.

Para a prática da infração concorreram as seguintes pessoas físicas: Henrique Salvaro e Otaviano Clarindo da Silva.

Henrique é sócio majoritário e a pessoa responsável por todas as deci-sões importantes da empresa. Foi quem determinou a lavra na área Leste da Mina Morozini, mesmo sem os títulos autorizativos.

Otaviano Clarindo da Silva é engenheiro de mina e responsável técnico pelas atividades de mineração da empresa, inclusive no período em que ocor-reu a lavra clandestina na Mina Morozini. Tinha ciência de que a lavra na área do Painel P.SE41 não estava contemplada no PTN e na licença ambiental. Mes-mo assim, anuiu com a conduta ilícita da empresa, emprestando-lhe suporte material.

A denúncia foi recebida em 20.09.2011.

Após regular instrução, foi prolatada decisão, em 12.02.2014, julgando improcedente a denúncia na forma do art. 386, VII, do CPP.

Em suas razões recursais, a acusação sustenta que há comprovação ine-quívoca do dolo da empresa ré, inclusive porque obteve considerável vantagem econômica em decorrência de sua conduta. Refere que havia pleno conheci-mento das delimitações das camadas passíveis de serem exploradas, conhecen-do a empresa ré muito bem o território que estava sendo objeto de lavra, uma vez que este já havia sido delimitado por profissionais de sua confiança. Aponta que diante do esgotamento da Mina Morozini camada Irapuá e o iminente es-gotamento da Mina Morozini Norte a empresa ré,movida pela necessidade de dar continuidade a sua atividade empresarial, iniciou a lavra na Mina Morozini Leste, mesmo sem licença ambiental e sem autorização do DNPM, em manifes-to desrespeito à legislação ambiental e à sociedade como um todo, em especial

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à comunidade do Rio Morozini. Argumenta que a exploração irregular perdu-rou por três meses em uma área de aproximadamente 10.000 m, o que afasta a ausência de ciência sobre a lavra irregular, eis que havia realização diária de serviços de cartografia das áreas exploradas, com a atualização dos mapas. Infere que exatamente entre o período que ocorreu a lavra irregular, qual seja, dezembro/2008 e fevereiro/2009, o seu até então responsável técnico foi desli-gado da empresa e a mesma ficou sem nenhum responsável técnico, bem como que a empresa ré optou por realizar a extração irregular na época do ano onde as fiscalização são menos intensas, tendo em conta as datas festivas do final do ano, recesso e período de férias de muitos funcionários dos órgãos de fiscaliza-ção, o que só confirma o dolo e planejamento de todas as condutas praticadas pela empresa ré. Pondera que não se pode esperar que haja um prova de uma ordem expressa da pessoa jurídica no sentido de determinar o avanço da extra-ção para áreas não licenciadas. Noticia a existência de antecedentes criminais da ré em matéria criminal, confirmando sua personalidade para o crime, não se estando diante de episódio esporádico. Por fim, pugna pelo reconhecimento de circunstância atenuante, uma vez que a empresa reparou o dano mediante acordo celebrado com o MPF e a Comunidade do Rio Morozini.

Com as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte, onde a Procuradoria Regional da República ofertou parecer, opinando pelo provimento da apelação interposta.

É o relatório.

À revisão.

Des. Federal Sebastião Ogê Muniz Relator

voto

No que diz respeito ao crime ambiental, assim pronunciou-se o julgador a quo:

À ré Carbonífera Belluno foi imputada a prática do crime previsto no art. 55 da Lei nº 9.605/1998, cuja redação é a seguinte:

Art. 55. Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a com-petente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida:

Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.

O tipo objetivo é composto pelos elementos descritivos executar lavra,extração e pelos elementos normativos pesquisa, recursos minerais, autorização, permissão, concessão, licença, desacordo com a licença. O tipo subjetivo é composto pelo dolo genérico. Não há previsão forma culposa.

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No caso do presente processo restou incontroverso que a ao proceder a minera-ção de carvão na Mina Morosini Norte, a ré Carbonífera Belluno avançou sobre a reserva mineral localizada em outra área, chamada Mina Morosini Leste, sobre a qual a ré ainda não possuía licença ambiental para extração.

O ponto controverso diz respeito da existência de diretriz empresarial no sentido da exploração na área não licenciada.

Muito embora o MPF tenha defendido a tese de que teria havido crime por parte da empresa ré, não se vislumbram provas ou indícios suficientes à condenação.

As testemunhas ouvidas, pouco esclareceram a respeito da voluntariedade e da consciência da exploração na área. Na verdade os informantes disseram que teria ocorrido um erro técnico no desenvolvimento da lavra.

A testemunha de acusação Mario Anelli Neto, que foi presidente de Associação de Desenvolvimento da Micro Bacia Rio Morosini-Volta Redonda entre os anos de 2006 a 2010, disse que participou de vistorias na Mina Morosini juntamente com técnicos do DNPM e representantes da comunidade local; que foram extra-ídos 9 travessões e 7 ou 8 galerias na área não licenciada, mas quem detectou o problema foi o DNPM.

A testemunha de acusação Djalma Gomes de Moura, servidor do DNPM, disse que participou da vistoria na mina Morozini Norte em 10.02.2009, e que na oca-sião não se fazia acompanhar de representantes da comunidade; que constatou que a empresa avançou além do perímetro da mina P41SE; que foi lavrado auto de paralisação; que a exploração ocorreu em uma área de cerca de um hectare;

Já o informante arrolado pela defesa, Janio Possenti, disse que era o supervisor de produção pela Mina Morosini Norte no período dos fatos; que a gerência não interferia na parte técnica de desenvolvimento das minas; que em relação ao avanço disse que foi um erro técnico; que não sabiam que estavam dentro da área não licenciada; disse que havia uma equipe de topógrafos que conferia o avanço da exploração; que essa conferência era feita dia-a-dia.

O informante arrolado pela defesa, Adilson Zuchinalli, disse que era técnico de segurança de trabalho na Mina Morosini na época dos fatos; que a gerência não interferia na área técnica da empresa; que os sócios não compareciam nas frentes de trabalho; que a equipe de topógrafos comparecia na mina todos os dias; que o avanço ocorreu em razão de um erro técnico.

Ora, nesse contexto, tenho que a prova existente nos autos não indica de forma segura a existência de uma decisão empresarial deliberada de avanço da extra-ção para a área não licenciada. Não obstante o relato de que eram realizados permanentes serviços de medições pelos topógrafos, não há como dizer que a exploração na área tenha se dado de forma consciente e voluntária pela gerência da empresa. Pelo contrário, os indícios apontam para efetivo erro técnico no avanço da mina.

Em sendo assim e não havendo previsão de apenamento a título de culpa não há como ser acolhido o pedido de condenação formulado pelo MPF, devendo a ré ser, também, absolvida da imputação feita.

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Como constatado pela sentença, também reputo que não se fazem pre-sentes provas contundentes hábeis à condenação.

Com efeito, a prova coligida aos autos consiste em indícios que não com-provam, de forma cabal, o elemento subjetivo hábil à subsunção da conduta ao tipo penal.

Nesse particular, a tese defensiva no sentido de que a lavra de recursos minerais sem a competente licença ambiental e sem a autorização do DNPM fora decorrente de erro técnico é crível.

Malgrado a possibilidade de que o avanço além da mina em que detinha a empresa a devida viabilidade de exploração ter sido deliberada, não houve a comprovação de que presente a determinação consciente e voluntária para que desenvolvida a lavra em local não permitido.

É certo que houve, ao menos, imperícia, possivelmente, negligência da acusada, todavia, o tipo penal exige a presença do dolo (neste caso genérico), sendo o desbordamento praticado, impassível, portanto, de enquadramento nas sanções do art. 55 da Lei nº 9.605/1998.

De outra parte, o prosseguimento da exploração para área destituída de autorização deu-se em perímetro de cerca de um hectare, num universo de área total de 734,872 hectares, consoante as informações constantes no Evento 1 – INQ1 da Ação Penal originária, não se revelando, pois, desarrazoada a versão de que a ampliação da lavra ter-se-ia operado por equívoco de cálculo.

De outro norte, o conjunto de elementos colacionados aos autos, quais sejam a ausência de responsável técnico da empresa, o momento temporal da exploração e a prática delituosa anterior não comprovam o dolo requerido pelo delito em comento, quer isolada, quer conjugadamente.

Nessa senda, reputo que o referido elenco não elide as explicações da parte-apelada, persistindo dúvida razoável que impõe sua respectiva absolvi-ção, em homenagem ao princípio in dubio pro reo, já que não há o grau de certeza necessário para o édito condenatório.

Assim sendo, diante da dúvida razoável, impõe-se a absolvição dos acu-sados quanto a este fato, nos termos do art. 386, inciso VII, do Código de Pro-cesso Penal.

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.

Des. Federal Sebastião Ogê Muniz Relator

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoGabinete do Desembargador Federal José Maria LucenaApelação/Reexame Necessário nº 27597/PB 2009.82.01.002985‑1Apelante: Ibama – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais RenováveisRepte.: Procuradoria Regional Federal – 5ª RegiãoApelado: Sebastião Monteiro CavalcanteAdv./Proc.: Geórgia Karênia Rodrigues Martins Marsicano de Melo e outroRemte.: Juízo da 6ª Vara Federal da Paraíba (Campina Grande)Origem: 6ª Vara Federal da ParaíbaRelator: Desembargador Federal José Maria Lucena

ementa

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – IBAMA – AUTO DE INFRAÇÃO – CONSTRUÇÃO EM ÁREA PERMANENTE – OBRA REALIZADA QUANDO A ÁREA AINDA NÃO HAVIA SIDO DELIMITADA – AUSÊNCIA DE NEGLIGÊNCIA OU DOLO POR PARTE DO DEMANDANTE NA PRÁTICA DA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA – INSUBSISTÊNCIA DA MULTA APLICADA

1. Cuida-se de apelação e remessa obrigatória de sentença que julgou procedente o pedido para declarar a nulidade da multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) aplicada pelo Ibama em desfavor do Sr. Sebastião Monteiro Cavalcante, sob o fundamento de que não houve notificação prévia ao autor, muito menos a delimitação da área de preservação pela Autarquia ambiental.

2. A mais alta Corte de Justiça do país já firmou entendimento no sen-tido de que a motivação referenciada (per relationem) não constitui negativa de prestação jurisdicional, tendo-se por cumprida a exigên-cia constitucional da fundamentação das decisões judiciais. Adota-se, portanto, os termos da sentença como razões de decidir.

3. [...] “Ora, antes que houvesse essa delimitação da área de preser-vação permanente, não era razoável exigir dos seus ocupantes que soubessem que se tratava de área de preservação permanente, se os órgãos encarregados da proteção ao meio ambiente não se encarre-garam de delimitar o espaço correspondente.”

4. [...] “Outrossim, não houve qualquer tipo de notificação prévia ao autor, advertindo-o de que realizou construção em área de preserva-ção permanente, compelindo-o a sanar a irregularidade praticada sob pena de aplicação de multa, razão pela qual, nesse aspecto, a pre-

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tensão do autor deve ser acolhida e julgada procedente para anular a multa administrativa.”

5. Honorários advocatícios mantidos.

Apelação improvida.

acÓrdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto constantes dos autos, que integram o presente julgado.

Recife, 3 de abril de 2014.

José Maria Lucena, Relator.

relatÓrio

O Desembargador Federal José Maria Lucena (Relator):

Cuida-se de apelação e remessa obrigatória de sentença que julgou pro-cedente o pedido para declarar a nulidade da multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) aplicada pelo Ibama em desfavor do Sr. Sebastião Monteiro Cavalcante, sob o fundamento de que não houve notificação prévia ao autor, muito menos a delimitação da área de preservação pela Autarquia ambiental.

Nas razões de sua apelação, o Ibama alegou a nulidade da sentença vergastada, argumentando que, em nenhum momento, a legislação aplicável à apuração de infrações administrativas ambientais impõe uma gradação das pe-nalidades ou restrição de aplicação da penalidade de multa somente após efeti-vação da advertência prévia, motivo pelo qual a cobrança da multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) seria perfeitamente cabível na hipótese dos autos.

Sustentou ainda o recorrente que não há qualquer celeuma quanto à delimitação da área de preservação permanente, considerando-se como tal, no presente caso concreto, toda a área que compreende 100m ao redor da cota máxima do açude Epitácio Pessoa.

Sem contrarrazões.

Relatei.

voto

O Desembargador Federal José Maria Lucena (Relator):

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Considerando que a mais alta Corte de Justiça do país já firmou entendi-mento no sentido de que a motivação referenciada (per relationem) não cons-titui negativa de prestação jurisdicional, tendo-se por cumprida a exigência constitucional da fundamentação das decisões judiciais1, adoto como razões de decidir os termos da sentença, que passo a transcrever:

“O Ibama aplicou ao autor uma multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e embargou uma área de 1,0 ha ocupada pelo demandante, sob o fundamento de o autuado ter impedido a regeneração natural da vegetação nativa em área de preservação permanente.

Em face disso, imputou-se ao autor a prática de infração administrativa ambien-tal, prevista no art. 48 do Decreto nº 6.514/2008, que prescreve:

‘Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas ou demais formas de vegetação nativa em unidades de conservação ou outras áreas es-pecialmente protegidas, quando couber, área de preservação permanente, reserva legal ou demais locais cuja regeneração tenha sido indicada pela au-toridade ambiental competente:

Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por hectare ou fração.’

A pretensão autoral é obter a anulação tanto do termo de embargo como do auto de infração.

No que tange ao embargo da obra, a questão já restou decidida em audiência (fls. 432/433), na qual as partes chegaram a o acordo reconhecendo que o novo Código Florestal, art. 61-A, de acordo com a situação do imóvel do autor, não autoriza o embargo, razão pela qual, neste aspecto, não subsiste mais a ordem de embargo.

Portanto, o embargo à área do autor deverá obedecer aos termos do referido acordo celebrado em audiência realizada nos presentes autos.

Quanto à penalidade de multa simples, a Lei nº 9.605/1998 estabelece o seguinte:

‘Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:

II – multa simples;

§ 3º A multa simples será aplicada sempre que o agente, por negligência ou dolo:

I – advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná--las, no prazo assinalado por órgão competente do Sisnama ou pela Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha;

1 Precedentes do STF: AI 855829 AgR, Relator(a): Min. Rosa Weber, Primeira Turma, Julgado em 20.11.2012, Acórdão Eletrônico DJe-241 Divulg. 07.12.2012, Public. 10.12.2012; AI 738982 AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, Julgado em 29.05.2012, Acórdão Eletrônico DJe-119 Divulg. 18.06.2012, Public. 19.06.2012; e AI 813692 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, Julgado em 28.02.2012, Acórdão Eletrônico DJe-056 Divulg. 16.03.2012, Public. 19.03.2012.

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II – opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do Sisnama ou da Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha.’

Em casos tais, é prática comum do Ibama a aplicação imediata de penalidade de multa simples, sem que se advirta o infrator, previamente, para sanar as irregula-ridades constatadas, conforme prescreve o art. 72, § 3º, inciso I, acima transcrito.

Ora, o autor foi enquadrado em infração administrativa consistente em impedir a regeneração de vegetação nativa em área de preservação permanente. A grande celeuma que envolve a questão consiste no conceito de área de preservação permanente que, apesar de ser dado pela lei, exige um complemento de ordem técnica.

O conceito de área de preservação permanente surgiu em nosso ordenamento jurídico com a edição da Lei nº 4.771/1965 (Código Florestal), que dispõe em seu art. 2º:

‘Art. 2º Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será:

1. de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura;

2. de 50 (cinquenta) metros para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;

3. de 100 (cem) metros para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;

4. de 200 (duzentos) metros para os cursos d’água que tenham de 200 (du-zentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;

5. de 500 (quinhentos) metros para os cursos d’água que tenham largura su-perior a 600 (seiscentos) metros;

b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’água naturais ou artificiais;’

Note-se que, em se tratando de lagoas, lagos ou reservatórios naturais ou artifi-ciais, a mencionada lei indicava que as áreas de preservação permanente eram aquelas situadas ao redor desses elementos geomorfológicos, sem fixar limites que pudessem identificá-las, como fez com os rios (art. 2º, alínea a).

Em 2001, a Medida Provisória nº 2.166/1967 incluiu o § 6º ao art. 4º da Lei nº 4.771/1965, cuja redação prevê:

‘§ 6º Na implantação de reservatório artificial é obrigatória a desapropria-ção ou aquisição, pelo empreendedor, das áreas de preservação permanente criadas no seu entorno, cujos parâmetros e regime de uso serão definidos por resolução do Conama.’

Em 2002, o Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama editou a Resolução nº 302/2002 estabelecendo em seu art. 3º que:

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‘Art. 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área com largura míni-ma, em projeção horizontal, no entorno dos reservatórios artificiais, medida a partir do nível máximo normal de:

I – trinta metros para os reservatórios artificiais situados em áreas urbanas consolidadas e cem metros para áreas rurais;’

O Açude Epitácio Pessoa, localizado na cidade de Boqueirão, foi construído na década de 1950, cujas áreas em seu entorno foram concedidas pelo DNOCS para uso daqueles que pretendessem fixar morada e realizar plantações de culturas agrícolas.

Em casos semelhantes (Processos nºs 0001559-36.2009.4.05.8201 e 0002696-53.2009.4.05.8201), em cujos autos havia cópia do termo de ajustamento de conduta referido acima, destacou-se uma de suas cláusulas nas razões do deci-sum, que prescreve:

‘Cláusula Quarta. No prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contados da in-timação da homologação deste compromisso de ajustamento de conduta, o DNOCS deverá realizar a delimitação física da Área de Preservação Per-manente, mediante a afixação de placas, alertando sobre os seus limites e informando se tratar de bem público pertencente ao DNOCS, insuscetível de apropriação ou invasão privada, devendo, ao final do mesmo prazo, informar a Procuradoria da República em Campina Grande/PB sobre as providências adotadas, de tudo comprovando-se por meio de relatórios e fotografias.’

Vê-se que até o ano de 2009 não havia a delimitação da área considerada de preservação permanente em torno do Açude Epitácio Pessoa, conforme se infere da cláusula acima transcrita.

Ora, antes que houvesse essa delimitação da área de preservação permanente, não era razoável exigir dos seus ocupantes que soubessem que se tratava de área de preservação permanente, se os órgãos encarregados da proteção ao meio am-biente não se encarregaram de delimitar o espaço correspondente.

Outrossim, vislumbro que não houve qualquer tipo de notificação prévia ao au-tor, advertindo-o de que realizou construção em área de preservação permanen-te, compelindo-o a sanar a irregularidade praticada sob pena de aplicação de multa, razão pela qual, nesse aspecto, a pretensão do autor deve ser acolhida e julgada procedente para anular a multa administrativa.”

Outrossim, no tocante à condenação nos honorários advocatícios, man-tenho o valor fixado pelo Juiz sentenciante, no montante de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), devidamente atualizado (art. 20, § 4º do CPC).

Diante do exposto, nego provimento à apelação.

Assim voto.

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência1099 – Ação civil pública – cultivo de cana de açúcar em área de preservação permanente – au-

sência de licenciamento ambiental – utilização de queimada para limpeza do solo – dano ambiental – recuperação – obrigatoriedade

“Direito ambiental. Processual civil. Ação civil pública. Licenciamento ambiental. Cultivo de cana de açúcar em área de preservação permanente. Utilização de queimada para limpeza do solo e colheita da cana. Dano ambiental. Restauração. Menção genérica. Honorários. Majoração. 1. Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal – MPF e pelo Instituto Brasileiro do Meio Am-biente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama contra a Usina Trapiche S/A, para a: I – apresen-tar requerimento de licença ambiental à CPRH; II – recuperar a área de reserva legal e Área de Pre-servação Permanente – APP, degradada em face do cultivo, sem licenciamento ambiental de cana de açúcar nas áreas mencionadas e do uso de fogo para a limpeza do solo, preparo do plantio e colheita da cana de açúcar e de reparar economicamente os danos ambientais decorrentes do plan-tio e das queimadas, bem como os danos morais coletivos. 2. Sentença que acolheu a preliminar de inépcia da petição inicial suscitada pela ré, com relação aos pleitos elencados nos itens I, IV, V e VII, ao entendimento de que ‘a menção genérica à recuperação da área supostamente degradada e à condenação ao pagamento de uma indenização e à compensação ambiental se revela inconsistente e imprecisa, não se podendo identificar, razoavelmente, a causa de pedir e o respaldo jurídico da súplica’, que não é nula, dada a ausência de qualquer vício que a invalide. Preliminar de nulidade da sentença rejeitada. 4. ‘A concessão do licenciamento foi admitida no relatório da própria fis-calização do demandante (fl. 104). Foi acostada, às fls. 627/628, a Licença de Operação deferida pela citada Agência Estadual, que abrange a fabricação de açúcar e álcool, a geração de energia hidroelétrica e o cultivo de cana-de-açúcar, logo, dizia respeito a atividades industriais e agrícolas.’ 5. 2ª Turma deste Tribunal que já decidiu a respeito da matéria tratada nos presentes autos, no jul-gamento da Ap-Reex 200883000124745 (Rel. Des. Fed. Francisco Barros Dias, Publ. 31.01.2013), no sentido de que ‘[...] a questão da liquidez suscitada é efeito da sentença. No entanto, o que se quer é que tenha havido a configuração da causa, ou seja, vem antes da ocorrência do fato (dano) que ensejou a pretensão. Isso é o que não foi demonstrado pelo Ibama’; não se podendo ‘confun-dir a suposta liquidez da sentença como efeito do pronunciamento judicial, com a causa de pedir deduzida, ônus do qual não se desincumbiu a parte autora, o que fez se concluir que os elementos constantes dos autos se apresentam contrários à sua pretensão’; ‘[...] Em qualquer momento se es-pecificou o embasamento fático que pudesse amparar os pedidos. Ou seja, formularam-se pedidos, diz-se que houve agressão ao meio ambiente e a determinados direitos, porém não se apontam os fatos que possam levar a conclusão quanto ao direito agredido’; ‘o próprio reconhecimento dano ambiental fica prejudicado, já que se trata de empreendimento cujo início de atividade se iniciou há bastante tempo, restando prejudicada a ocorrência de mácula ao ambiente natural, tendo o ordena-mento oriundo de 1965 tido vigência posterior ao início das atividades perpetradas na localidade’. 6. Verba honorária ajustada para R$ 10.000,00 (art. 20, do CPC, §§ 3º e 4º). 7. Apelações do Ibama e do Ministério Público Federal e Remessa Necessária improvidas. Apelação da Usina Trapiche S/A provida (item 6). Prejudicado o agravo regimental.” (TRF 5ª R. – Ap-Reex 2008.83.00.012460-5 – (24595/PE) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Geraldo Apoliano – DJe 08.04.2014 – p. 87)

1100 – Ação civil pública – dano ambiental – construções em torno de área de proteção am-biental – mata ciliar às margens de açude – TAC – previsão de demolição do imóvel – inexistência

“Constitucional. Administrativo. Ação civil pública. Dano ambiental. Preliminar de cerceamento do direito de defesa. Rejeição. Construções em torno da área de proteção ambiental. Mata ciliar às margens do Açude Trussu. Termo de Ajustamento de Conduta – TAC. Realização em audiência. Homologação por sentença. Ausência de previsão no TAC de demolição do imóvel e de remoção de equipamentos a ele vinculados. Apelação provida. 1. Trata-se de apelação da sentença que ho-mologou o Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, firmado entre as partes, com a determinação de que, após o trânsito em julgado, o Ibama procedesse à demolição das construções existentes em

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torno da área de proteção ambiental objeto desta ação civil pública (mata ciliar às margens do Açude Trussu), às custas do promovido. 2. Do termo de depoimento da testemunha Fábio Lima Bandeira, consta que foi nomeado advogado ad hoc, muito embora, dada a palavra ao advogado nomeado para tal ato, este nada respondeu. 3. Tal fato por si não tem o condão de configurar o alegado cerceamento do direito de defesa, seja em razão da presença de advogado constituído, seja em razão da inexistência de arguição de nulidade na primeira vez que a parte ré se pronunciou nos autos, ou, ainda, pela composição da lide, mediante termo de ajustamento de conduta, posterior-mente firmado em audiência. Demais, a parte não especificou, ou demonstrou, o possível prejuízo que adviria da não oitiva desta testemunha, nem mesmo, de forma objetiva, a ocorrência deste, li-mitando-se a, genericamente, alegar o cerceamento. 4. A mesma sorte se impõe ao alegado cerce-amento em razão da não oitiva da testemunha arrolada pela defesa, notadamente quando a assina-tura do TAC, implicaria em uma preclusão lógica, diante da incompatibilidade da persistência de oitiva da testemunha e da assinatura do TAC. 5. O termo de ajustamento de conduta consiste em relevante instrumento para a solução de conflitos de interesses ou direitos difusos e coletivos, a ser firmado pelos legitimados especificados no art. 5º da Lei nº 7.347/1985, e pelos infratores desses interesses, com o propósito de adequar a conduta às exigências legais, sob pena de sanções especi-ficadas no próprio termo, com eficácia de título executivo extrajudicial, por ser utilizado, em regra, no âmbito extrajudicial. 6. O termo de ajustamento possui natureza jurídica de ato administrativo negocial, consoante posicionamento defendido por Hugo Nigro Mazzilli, com precedentes neste sentido no STJ no Agravo em Recurso Especial nº 366.353/MG (2013/0214565-8), decisão mono-crática do Ministro Relator Humberto Martins datada de 30.08.2013. 8. A despeito de cuidar de tí-tulo executivo extrajudicial, o que em princípio, tornaria despicienda a homologação judicial, no caso vertente o aludido termo foi firmado em juízo, mais precisamente em audiência e homologado na sentença recorrida. Sendo assim, o TAC em questão consiste em um título executivo judicial, por ter sido formalizado nos autos desta ação civil pública. A corroborar esse entendimento está o dis-posto no Ato Normativo nº 484, do Colégio de Procuradores de Justiça, de 05.12.2006. 9. O fato de não constar expressamente do pedido a demolição de todos os equipamentos existentes na área degradada, não implica na impossibilidade de que fossem cumpridas todas as medidas necessárias para a plena recuperação da área degradada vez que o termo deve alcançar os mesmos efeitos como se o direito coletivo lato sensu jamais tivesse sido agredido ou ameaçado de violação. 10. No caso, consta como um dos pedidos o de ‘julgar procedente a ação, para condenar o réu a reparar os danos ambientais causados à mata ciliar às margens do Açude Trussu, recompondo a mata ciliar com espécies nativas, de acordo com a orientação a ser dada pelo Ibama’. 11. A viabilidade da re-paração dos danos ambientais se deu, de início, mediante o comprometimento da parte ré, de rea-lização de propostas contidas em um ‘Plano de Recuperação da Área Degradada – PRAD’, como condição para a suspensão do processo, pelo prazo de 2 anos, consoante previsto na Audiência Admonitória (fls. 92/93). Dentre as promessas de cumprimento encontrava-se o seguinte (fl. 93). 13. O PRAD foi apresentado (fls. 94/119), com as propostas de medidas de recuperação e controle ambiental para a área objeto do projeto, levando em consideração as construções existentes no lo-cal e sem previsão de demolição da área, tendo o Ibama (fls. 120/121), assentido com o menciona-do plano, recomendando, inclusive, a sua imediata execução. 12. O Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, entre as partes (Ministério Público, DNOCS, Ibama e particular) e assinado nos seguintes termos: ‘O Ibama realizará uma vistoria na área degradada e estabelecerá as medidas necessárias para a recuperação da área, além do respectivo cronograma, que deverão ser acrescen-tadas ao plano de recuperação de área degradada já apresentado pelo demandado. Em seguida, o requerido será intimado para cumprir as exigências estabelecidas pelo Ibama dentro do prazo esti-pulado. Após o decurso do prazo estabelecido para a recuperação da área, o Ibama realizará nova vistoria para constatar se a área foi recuperada de acordo com as exigências estabelecidas. Apresen-tado o relatório final do Ibama, o MPF deverá se manifestar sobre o cumprimento das exigências. O processo ficará suspenso durante o prazo de recuperação da área degradada’. 13. Em cumprimento

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ao TAC, o Ibama procedeu à vistoria no local, apresentando, em seguida, Laudo Técnico de nº 196/08-NLA-Supes-Ibama-CE, devidamente fundamentado, que após observar ‘que as constru-ções que provocaram a degradação ambiental ainda permanecem’, descrevendo-as, concluiu que ‘as medidas necessárias para a recuperação da área degradada estão contidas no PRAD (fls. 47 a 99 do Processo nº 02007.000109/00-11) que foi aprovado pelo Ibama (fls. 101 a 103), no entanto, para a total recuperação da área degradada se faz obrigatória a retirada de todos os equipamentos que ali foram implantados: casa, escadaria, palhoça, gerador e antena parabólica’. 14. Constatação de que a providência reputada necessária pelo Ibama, de retirada de todos os equipamentos implanta-dos na área degradada (casa, escadaria, palhoça, gerador e antena parabólica), não fez parte do TAC, vindo tão somente a ser fixada no Laudo Técnico do Ibama. Nessa hipótese, não seria razoável entender que o réu, ao se comprometer a reconstituição do meio ambiente, tinha ciência e assentiu com a demolição da construção e remoção dos equipamentos instalados na área em questão, se tal providência não constou expressamente do TAC. 16. O julgador de origem, todavia, homologou o termo de ajustamento de conduta, indo além do que estava descrito no termo para determinar a demolição de ‘todos os equipamentos existentes na área degradada que inviabilizam a sua recupe-ração, nos moldes exigidos pelo Ibama (fls. 165/166)’. 17. Precedente deste Tribunal, em caso se-melhante (Processo nº 200081000131643, AC411197/CE, Rel. Des. Fed. Cesar Carvalho (conv.), 1ª T., Julgamento: 26.03.2009, Publicação: DJ 29.05.2009, p. 215), no qual também se discutia a demolição de imóvel edificado às margens do Açude Trussu como etapa necessária à recomposição da mata ciliar, mantendo a sentença de primeiro grau que havia autorizado a demolição somente em caso de não cumprimento do PRAD. 18. Caso em que não se alega descumprimento do PRAD, mas apenas do termo de ajustamento de conduta, sob a ótica equivoca, a meu sentir, de que neste estava prevista a demolição do imóvel e a remoção dos equipamentos a ele vinculados, razão pela qual sequer haveria que se cogitar da realização de tal providência. 21. Preliminar de cerceamento do direito de defesa rejeitada e apelação provida, para afastar a imposição de demolição do imóvel e de retirada dos equipamentos. 22. Sem condenação em honorários advocatícios (art. 18 da Lei nº 7.347/1985).” (TRF 5ª R. – AC 2000.81.00.013056-0 – (564848/CE) – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Rogério Fialho Moreira – DJe 03.04.2014 – p. 458)

1101 – Ação civil pública – dano ambiental – irregularidades – aplicação de multa – necessidade de perícia – suspensão – possibilidade

“Processual civil. Agravo de instrumento. Ação civil pública. Dano ambiental. Multa aplicada por irregularidades. Necessidade de perícia. Suspensão. Possibilidade. 1. Agravo de instrumento ma-nejado em face da decisão que determinou a suspensão da exigibilidade da multa constituída pelo Ibama e assinou prazo de 60 (sessenta) dias aos autores, para que façam prova das irregularidades narradas na peça vestibular. 2. É suficiente que se observe o teor da decisão concedida anteriormen-te que: ‘A Licença de Operação expedida pelo CPRH constitui o respaldo adequado para a Usina no tocante à questão ambiental. Desse modo, em princípio – e a menos que venha o CPRH a afirmar diversamente – a Licença de Operação pelo mesmo expedida constituiria o respaldo adequado para a usina no tocante à questão ambiental’. 3. Exigir a multa da demandante/agravada poderia até configurar descumprimento de decisão judicial, dados os explícitos termos desta, motivo por que deve ser suspensa a sua cobrança. 4. Na hipótese, é importante destacar que, no momento, as áreas de preservação/reserva legal degradadas ou em uso irregular – conforme alegação do Ibama –, não foram identificadas, inclusive, o próprio Ministério Público Federal, que requereu sua inclusão no polo ativo da lide insiste na realização da perícia, o que afasta a plausibilidade do direito pleiteado. Agravo de instrumento Improvido.” (TRF 5ª R. – AGTR 0040569-13.2013.4.05.0000 – (134702/PE) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Geraldo Apoliano – DJe 08.04.2014 – p. 66)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo de instrumento manejado em face da decisão da lavra da MM. Juíza Federal da 12ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco, proferida nos autos do Proces-

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so nº 0012468-68.2008.4.05.8300, que determinou a suspensão da exigibilidade da multa constituída pelo Ibama e assinou prazo de 60 (sessenta) dias aos autores, para que façam prova das irregularidades narradas na peça vestibular.Foi alegado pelo agravante que:a) “De fato a empresa recorrida detém licença ambiental. Ocorre que, no entendimento do Ibama, a mesma somente é válida para a atividade industrial de fabrico de açúcar e álcool, mas não para o exercício de atividade agrícola. E, por isso mesmo, na inicial da ação civil pública destes autos, o Ibama pediu que a empresa fosse condenada a realizar o licenciamento ambiental de suas atividades, sob pena de astreintes”;b) “[...] sem que haja uma petição inicial ou uma reconvenção formulado um pedido de uma providência é terminantemente vedado aos magistrados conceder aquilo que não foi pedido na forma e no momento processualmente adequados”;c) “A decisão recorrida é nula, data vênia, e viola as mais comezinhas regras de processo civil. Com efeito, a respeitável decisão agravada descumpriu a proibição de julgamento extra petita pelos Tribunais, encerradas nos arts. 2º, 128, 293, 459 e 460 do CPC”;d) “E o fato desse TRF ter, em fundamentação de acórdão de agravo de instrumento, entendido que à primeira vista a empresa recorrida seria detentora de licença ambiental válida não significa que esse entendimento tenha força de coisa julgada. Nem poderia, porque, além dessa afirmativa dizer respeito a mero fundamento do acórdão, e não à parte dispositiva do mesmo, o que está Poder Judiciário em discussão na ação civil pública e no agravo de instrumento anterior não é se o auto de infração contra a empresa recorria deve ser anulado, mas sim se a empresa recorrida deve ou não ser compelida a providenciar uma licença ambiental válida”.Foi indeferido o pedido de atribuição do efeito suspensivo ao agravo de instrumento e apresentada a contraminuta.Segundo o voto do ilustre Relator: “Compulsando os autos, verifico que não merece reparo o ato impugnado, pelos mesmos fundamentos trilhados no juízo monocrático, cuja fundamentação adoto como razão de decidir, verbis:‘[...] No que concerne ao requerimento formulado pela empresa ré, penso deva, efetiva-mente, ser suspensa a cobrança da multa. É suficiente que se observe o teor da decisão de fls. 108/116, mantida (quase que integralmente) pelo acórdão de fls. 623/632, de cuja ementa se extrai o seguinte excerto: ‘A licença de operação expedida pelo CPRH constitui o respaldo adequado para a usina no tocante à questão ambiental. Desse modo, em princípio – e a menos que venha o CPRH a afirmar diversamente – a licença de ope-ração pelo mesmo expedida constituiria o respaldo adequado para a usina no tocante à questão ambiental’’.Exigir a multa da demandante poderia até configurar descumprimento de decisão judicial, dados os explícitos termos desta, motivo por que deve ser suspensa a sua cobrança.”Quanto à prova pericial, entendeu o Relator:“É discutível a postura do Ibama, adotada nesta e em numerosas ações a esta semelhan-tes, de atribuir ao Judiciário incumbência que, em princípio, seria da própria autarquia, qual seja, a de fiscalizar o cumprimento da legislação concernente às APPs e reserva legal. In casu, verifico que o Relatório Circunstanciado de Fiscalização (de fls. 62/65) contém apenas o registro de que, ‘na área de cultivo de cana-de-açúcar, a conservação de áreas florestais previstas no Código Florestal não vem sendo realizada. Através de sobrevôo observou-se que as áreas de preservação permanente se encontram sem cobertura flores-tal ou bastante degradadas, bem como não ocorrem maciços florestais significativos que correspondam à reserva legal de 20% da área total das propriedades’.Vê-se, portanto, que as áreas de preservação/reserva legal degradadas ou em uso irregular não foram identificadas pelo demandante, o qual, à fl. 611, em defesa de sua estratégia, assevera que a sentença não precisaria indicar a área a ser regularizada (seria suficiente, segundo diz, que imputasse à ré a obrigação de regularizar).

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De outra banda, o Ministério Público Federal, que requereu sua inclusão no polo ativo da lide e teve deferido tal requerimento à fl. 615, insiste na realização da perícia (cf. fl. 649 – verso).Verifico já haver, no eg. Tribunal Regional Federal, pronunciamento – de mérito – desfa-vorável ao pleito do demandante em ação similar (refiro-me ao acórdão proferido pela 2ª Turma na Ap-Reex 24933/PE, relatado pelo Des. Fed. Barros Dias, trazido em cópia às fls. 715/727).Ocorre, não obstante, que, na eg. 3ª Turma, à qual o presente feito se encontra vinculado, por força da prevenção, o entendimento, externado em feito semelhante, é no sentido da necessidade de dilação probatória (v. AC 525124, Rel. Des. Fed. Luiz Alberto Gurgel de Faria, DJe 24.01.2012).”Por fim, entendeu o d. Relator:“Considerando, pois, (a) que ao autor incumbe a prova dos fatos narrados na inicial; (b) que não se pode pretender que o Judiciário substitua o ente administrativo na sua atividade de fiscalização; (c) que, ao menos por ora, não se me afigura cabível a inversão do ônus da prova; e (d) a ausência de resposta ao ofício de fl. 654, assino aos autores o prazo de 60 (sessenta) dias para que, através dos técnicos que possuem em seus quadros (e, se for o caso, com o auxílio do Laboratório de Geoprocessamento e Sensoriamento Poder Judiciário Remoto – Geosere –, da Universidade Federal de Pernambuco, com o qual o MPF já trabalhou em outras oportunidades, conforme noticiado à fl. 649), façam prova das irregularidades narradas na peça vestibular, especialmente no que concerne à identificação das APPs e áreas de reserva legal utilizadas irregularmente.Ressalte-se, por oportuno, que quando da ciência deste agravo, o Juízo a quo manteve a decisão atacada pelos seus próprios fundamentos, acrescentando, ainda, que: ‘quanto ao requerimento do Ibama para prolatar sentença ‘ilíquida’, que tal hipótese não se me afigura factível, uma vez que há outros pleitos na inicial, como a condenação ao paga-mento de indenizações, que somente seriam viáveis caso este Juízo tivesse noção acerca das dimensões da área em que a legislação ambiental esteja sendo contrariada. Sem essa noção da área, ou mesmo identificação de que a área de fato existe, o pedido seria fatalmente julgado improcedente’.”

1102 – Ação civil pública – exercício de atividade de carcinicultura – autorização estatal – res-ponsabilidade objetiva e princípio do poluidor-pagador – inaplicabilidade

“Processual civil e ambiental. Embargos declaratórios em embargos infringentes. Omissão quanto à (in)aplicação da responsabilidade objetiva e do princípio do poluidor-pagador. Questões prejudica-das, ante o reconhecimento de que a área objeto dos autos não seria de preservação permanente. 1. Trata-se de segundo julgamento de embargos declaratórios opostos pelo Ministério Público Fe-deral após decisão monocrática do STJ determinar o retorno dos autos à origem para manifestação sobre toda a matéria deduzida nos embargos de declaração opostos pelo Parquet. O STJ entendeu que não houve manifestação sobre a incidência das normas/princípios da ‘responsabilidade objeti-va por dano ambiental’ e ‘do poluidor-pagador’, mesmo diante da autorização estatal para o parti-cular exercer a atividade de carcinicultura. 2. Os aclaratórios foram opostos contra acórdão que deu provimento aos embargos infringentes da parte ré na presente ação civil pública, fazendo prevalecer o voto vencido que negou provimento à apelação do Ministério Público Federal para admitir a ex-ploração econômica da área objeto dos autos. O MPF alegou, em resumo, contradição e omissão quanto à responsabilidade objetiva e quanto ao princípio do poluidor-pagador (art. 225, §§ 2º e 3º, da CF). 3. A contradição – também apontada pelas demais partes (Ibama e parte ré) – foi sanada no primeiro julgamento dos embargos declaratórios, o qual admitiu citado vício entre o dispositivo que dá provimento aos embargos infringentes e parte do voto que determina a recuperação da área pelo Ibama. Assim, o presente julgamento resumir-se-á à análise das omissões alegadas pelo Ministério Público Federal, por ter sido a matéria devolvida para ser reapreciada por este Tribunal. 4. A análise dos pontos supostamente omissos – referentes à possibilidade de responsabilização objetiva (sem culpa) e à aplicabilidade do princípio do poluidor-pagador – restou prejudicada, na medida em que

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o acórdão foi claro ao não reconhecer a área como de preservação permanente, afastando o próprio dano ao meio ambiente. 5. Assim, não se reconhece a omissão ante a ausência de cabimento em se decidir sobre a responsabilização objetiva ou necessidade de se pagar por dano (ou poluição) que se entendeu inexistente. 6. Embargos declaratórios do Ministério Público conhecidos e improvidos.” (TRF 5ª R. – EINFAC 2000.84.00.003256-8/10 – (278430/RN) – TP – Rel. Des. Fed. Fernando Braga – DJe 09.04.2014 – p. 33)

1103 – Ação civil pública – lanchonete em centro histórico – ausência de licenciamento am-biental – certificado de dispensa – possibilidade – ausência de lesão – reconhecimento

“Apelação cível. Ação civil pública. Lanchonete que desenvolve atividade dentro da rodoviária do centro histórico de São Cristóvão supostamente sem prévio licenciamento ambiental. Certificado de dispensa da Adema, diante da diminuta dimensão do empreendimento. Ausência de lesão, portan-to, ao meio ambiente. Reforma da sentença. Unânime. I – Da análise do certificado de dispensa de licença ambiental produzido pela Administração Estadual do Meio Ambiente – Adema e do alvará e licença de funcionamento subscrito pela Prefeitura de São Cristóvão, denota-se que a situação narrada na exordial foi solucionada a contento no transcorrer da lide. II – Uma vez demonstrada a legalidade do funcionamento da lanchonete embargada, bem como ausente qualquer dever do Município de São Cristóvão em interditar a área (afinal desapareceram motivos para tanto), ou-tra saída não surge senão reconhecer a plausibilidade dos apelos, afastando a condenação dos réus, diante, inclusive, da perda de objeto da ação. III – Recursos conhecidos e providos.” (TJSE – AC 201300218366 – (4647/2014) – Rel. Des. Cezário Siqueira Neto – DJe 24.04.2014 – p. 32)

1104 – Animais – apreensão de pássaros em cativeiro – inexistência de gravidade do fato e de antecedentes do condutor – conversão da multa em serviços de preservação, melhoria e qualidade do meio ambiente – possibilidade

“Administrativo e processual civil. Embargos à execução. Auto de infração. Apreensão de pássaros em cativeiro sem a devida autorização. CDA. Requisitos da Lei nº 6.830/1980. Atendimento. Inexis-tência de gravidade do fato e de antecedentes do condutor. Pena pecuniária. Sanção desproporcio-nal. Discricionariedade não absoluta. Conversão da multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente. Depósito em caderneta de poupança. Impenhorabili-dade. Trata-se de embargos à execução fiscal opostos em face do Ibama objetivando por fim à exe-cução fiscal que originou-se de auto de infração pelo fato de o embargante ter em cativeiro 23 (vinte e três) pássaros sem a devida autorização do órgão competente, o que resultou na apreensão do animal e na aplicação de multa administrativa no valor R$ 11.500,00 (onze mil e quinhentos reais), atualizada, em maio/2013, em R$ 16.703,75 (dezesseis mil, setecentos e três reais e setenta e cinco centavos) – sob a alegação de não ter havido a juntada do auto de infração e do processo adminis-trativo de aplicação da multa – embora o § 1º do art. 16 da Lei nº 6.830/1980 seja no sentido de que a admissão dos embargos do devedor esteja condicionada à garantia da execução, não se exige que a segurança seja total ou completa. A insuficiência da penhora pode ser suprida, oportunamente, com seu reforço. Ademais, realizar a penhora apenas para dar prosseguimento à execução fiscal, sem oferecer ao executado oportunidade de opor embargos, afronta o princípio do contraditório, na medida em que restringe o direito de defesa – Certidão de Dívida Ativa (CDA) com preenchimento de todos os requisitos legais da Lei nº 6.830/1980, com discriminação do nome do devedor, origem do débito – multa –, o valor devido, a fundamentação legal, o número do processo administrativo em que se apurou o valor devido, o detalhamento da forma do cálculo dos juros e os índices de correção monetária. Diversamente do que ocorre com o auto de infração, que deve conter detalha-damente a conduta praticada pelo infrator, a CDA se constitui em documento satisfeito pelo resumo das informações sobre a dívida, bastando conter, para ser válida, os requisitos do art. 2º, § 5º, da Lei nº 6.830/1980. Na aplicação da penalidade administrativa na esfera ambiental, como critério para aferição da reprimenda, nos termos do art. 6º da Lei nº 9.605/1998, deve se levar consideração a gravidade do fato, os motivos da infração, suas consequências para a saúde pública e para o meio

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ambiente, os antecedentes do infrator quanto à legislação ambiental e a situação econômica do infrator, no caso de multa. Em considerando o pequeno número de pássaros apreendidos, o fato de as espécies não estarem em lista de extinção, as condições pessoais e econômicas do autuado, inexistência de prova no sentido de que o embargante infringisse maus tratos aos pássaros sob seus cuidados ou tivesse sido autuado anteriormente por infrações à legislação ambiental, a sanção apli-cada mostra-se desproporcional. A conversão de multa em obrigações ambientais é faculdade do administrador exercida pelos critérios de conveniência e oportunidade, não podendo, em princípio, o Poder Judiciário substituir sua vontade. No entanto, essa discricionariedade não é absoluta, de-vendo respeitar os princípios da legalidade, da isonomia, da razoabilidade e da proporcionalidade. Embora a mera manutenção de espécies da fauna brasileira consista em infração e o Ibama tenha atuado dentro dos parâmetros legais, a aplicação da multa não condiz com a situação socioeco-nômica do embargante, razão pela qual a conversão da pena de multa em prestação de serviços manifesta não só o caráter punitivo da sanção como também caráter educativo e a conscientização do agente. Em considerando ser absolutamente impenhorável, até o limite de 40 salários-mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança (art. 649, X, do CPC), mostra-se correta a decisão que autorizou a liberação do numerário constrito via Sistema BacenJud. Manutenção da sentença que julgou procedentes os embargos à execução.” (TRF 2ª R. – AC 2013.50.01.005041-5 – 8ª T.Esp. – Relª Desª Maria Helena Cisne – DJe 15.04.2014 – p. 341)

Transcrição Editorial SÍNTESE• Lei nº 6.830/1980:“Art. 2º Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.[...]§ 5º O Termo de Inscrição de Dívida Ativa deverá conter:I – o nome do devedor, dos co-responsáveis e, sempre que conhecido, o domicílio ou residência de um e de outros;II – o valor originário da dívida, bem como o termo inicial e a forma de calcular os juros de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato;III – a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida;IV – a indicação, se for o caso, de estar a dívida sujeita à atualização monetária, bem como o respectivo fundamento legal e o termo inicial para o cálculo;V – a data e o número da inscrição, no Registro de Dívida Ativa; eVI – o número do processo administrativo ou do auto de infração, se neles estiver apurado o valor da dívida.”• Lei nº 9.605/1998:“Art. 6º Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará:I – a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas conseqüências para a saúde pública e para o meio ambiente;II – os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse am-biental;III – a situação econômica do infrator, no caso de multa.”

1105 – Área de preservação ambiental – desmatamento – ação popular – extinção do processo sem resolução do mérito – acordo celebrado em ação civil pública com os mesmos pe-didos – possibilidade

“Ação popular. Desmatamento de área de preservação ambiental. Suape/PE. Perda superveniente do interesse de agir. Extinção do processo sem resolução de mérito. Acordo celebrado em ação civil pública com os mesmos pedidos. 1. Remessa oficial e apelação interposta por particular em face da sentença que extinguiu sem resolução de mérito ação popular, por ausência de interesse proces-

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sual. 2. Constatada a existência de acordo judicial em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal que abarca o mesmo pedido e causa de pedir da presente ação popular, impõe-se o reconhecimento da perda de objeto desta. 3. Por ser condição da ação, nos termos do art. 267, VI, do CPC a carência de interesse processual implica na extinção do feito sem julgamento de mérito. 4. Apelação e remessa oficial improvidas.” (TRF 5ª R. – Ap-Reex 0007818-07.2010.4.05.8300 – (30135/PE) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Marcelo Navarro Ribeiro Dantas – DJe 15.04.2014 – p. 197)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de remessa oficial e apelação interposta por particular em face da sentença que extinguiu sem resolução de mérito ação popular, por ausência de interesse processual.Os autores ajuizaram ação popular em desfavor da União, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, do Estado de Pernambuco, da Agência Estadual de Meio Ambiente – CPRH e do Município de Cabo de Santo Agostinho, com o fito de obter provimento jurisdicional que determine a suspensão de processo de licenciamento e desmatamento em área de mangue na região do Porto de Suape/PE.Houve contrarrazões.O Ministério Público Federal que atua perante este Tribunal apresentou parecer opinando pelo não provimento da apelação e da remessa oficial.Segundo o voto do Relator:“O cerne da demanda cinge-se na definição acerca dos elementos necessários para a propositura da demanda popular.Entendo não merecer reforma a sentença vergastada. Vejamos.A ação popular ora proposta tem, em suma, o escopo de evitar o desmatamento das regiões de proteção permanente na área de Suape/PE.Para tanto, pleita-se através dela que: a) o Estado de Pernambuco se abstenha de reali-zar desmatamento em Suape ou que contrate serviço acessório que importe no mesmo resultado; b) o CPRH cumpra de forma fiel suas finalidades como Agência de Proteção Ambiental; c) o Ibama realize uma avaliação dos riscos de uma futura ação sobre a área mencionada, bem como uma atuação fiscalizadora na defesa do meio ambiente, determi-nando a suspensão do processo de licenciamento; d) a União Federal cumpra sua missão institucional em defesa da referida área de preservação permanente.Entretanto, em virtude da existência de Ação Civil Pública nº 010033-53.2010.4.05.8300 ingressada pelo Ministério Público Federal com um objetivo similar, considera-se, na sen-tença, que o pedido exposto em ação popular limita-se a uma reprodução de causa que já é objeto daquela ação civil pública.Acrescenta-se, ainda, que nos autos da referida ação civil pública, foi homologada (fls. 738) transação judicial envolvendo o Ministério Público, CPRH, Ibama, Estado de Per-nambuco e SUAPE, cujo conteúdo, presente nas fls. 727-737, versa sobre a obrigação de fiscalização por parte dos órgãos responsáveis, o reconhecimento de áreas de proteção, a compensação a ser realizada em razão da obra nessas áreas e as sanções a serem apli-cadas em caso de descumprimento da transação. Sendo assim, ainda que não se trate de continência ou litispendência, visto que possuem partes legitimadas diferentes, há uma identidade de causas de pedir e de finalidade entre as duas demandas, fator que torna flagrante a ausência de interesse processual.”Dispõe o CPC, em seu art. 267 que:“Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:Vl – quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual”Segundo o Relator, por ser o interesse processual condição de ação, é imprescindível que o processo seja extinto sem que haja julgamento do mérito.Nesse sentido:“AÇÃO POPULAR – ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL – ILEGALIDADES NA EDIFICAÇÃO DE SHOPPING CENTER – ACORDO JUDICIAL CELEBRADO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM CAUSA DE PEDIR IDÊNTICA – PERDA DE OBJETO.

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Celebrado acordo judicial em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal e que versa sobre os mesmos fatos que embasam a causa de pedir da ação popular, impõe--se o reconhecimento da perda de objeto desta.O descumprimento do ajuste não enseja interesse na perpetuação da tramitação da ação popular, devendo ser buscada sua execução nos autos da ação civil pública respectiva.” (TRF 4ª R., AC 2005.72.00.000104-5, 4ª T., Rel. Edgard Antônio Lippmann Júnior, DE 19.12.2008)“PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO POPULAR – ESGOTAMENTO DO OBJETO – FALTA DE IN-TERESSE PROCESSUAL – CARÊNCIA SUPERVENIENTE DA AÇÃO – ARTS. 3º E 267, VI, E § 3º, DO CPC – EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.1. Considerando que, após o ajuizamento da ação, restou esgotado, por motivo superve-niente, o objeto da demanda, evidencia-se a carência de ação, pela perda do interesse processual. Extinção do processo sem resolução do mérito.2. Remessa necessária improvida.” (Processo nº 00110513020104058100, REO516154/CE, Rel. Des. Fed. Geraldo Apoliano, 3ª T., J. 28.02.2013, Publicação: DJe 12.03.2013, p. 203)Dessa forma, entendeu o ilustre Relator que a sentença encontra-se em consonância com o Código de Processo Civil no tocante à ausência das condições de ação e seus efeitos.

1106 – Área de preservação permanente – construção – competência fiscalizatória do Ibama – infração ambiental – possibilidade

“Administrativo e processual civil. Embargos de declaração. Mandado de segurança. Construção em Área de Preservação Permanente – APP. Ibama. Art. 23, CF/1988. Competência fiscalizatória. Infração ambiental. Possibilidade. Inexistência de omissão, obscuridade ou contradição. Efeitos mo-dificativos. Inconformismo com a decisão proferida. 1. Não devem prosperar embargos declarató-rios opostos com a finalidade de emprestar efeitos modificativos ao julgado, quando neste inexiste omissão, contradição ou obscuridade e o embargante se limita a demonstrar seu inconformismo com o que foi decidido. 2. Sentindo a necessidade de prequestionar a matéria que eventualmente será levada ao conhecimento das Cortes Superiores, aduz a recorrente, omissão no aresto adver-sado, dado que a Turma não teria se pronunciado acerca do fato de o Ibama insurgi-se contra ato administrativo que já havia permitido, isto é, o Plano de Gestão Integrada da Orla Marítima do Município de Matacara/PB, que o próprio homologou. 3. O tão só propósito de prequestionar, sem a existência, no caso concreto, de quaisquer dos pressupostos elencados no art. 535 do Código de Processo Civil, não constitui razão suficiente para a oposição dos embargos declaratórios, conso-ante prega a pacífica jurisprudência do STJ e deste Tribunal. Embargos de declaração desprovidos.” (TRF 5ª R. – AC 0002214-40.2011.4.05.8200/01 – (542749/PB) – 1ª T. – Rel. Des. Fed. José Maria de Oliveira Lucena – DJe 15.04.2014 – p. 92)

Transcrição IOBConstituição Federal:“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Muni-cípios:I – zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;VII – preservar as florestas, a fauna e a flora;

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VIII – fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habita-cionais e de saneamento básico;X – combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integra-ção social dos setores desfavorecidos;XI – registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios;XII – estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito.Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvi-mento e do bem-estar em âmbito nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)”

1107 – Área de preservação permanente – construção de açude – ausência de licença ambiental – imposição de multa ambiental – reconhecimento

“Imposição de multa ambiental. Construção de um açude, dentro de área de preservação per-manente, sem a devida licença do órgão ambiental. Matéria que envolve discussão a respeito de meio ambiente. Inteligência da Resolução nº 512/2010. Competência da Câmara Especial do Meio Ambiente. Recurso não conhecido determinando-se a remessa dos autos à Câmara Especial do Meio Ambiente.” (TJSP – Ap 0010791-68.2012.8.26.0079 – Botucatu – 3ª CDPúb. – Rel. Ronaldo Andrade – DJe 23.04.2014 – p. 1515)

1108 – Crime ambiental – caça ilegal de espécimes da fauna – ofensa a Súmula nº 231 do STJ – reconhecimento

“Apelação-crime. Delito de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 14, caput, da Lei nº 10.826/2003). Crimes contra o meio ambiente. Crimes contra a fauna. Caça ilegal de espécimes da fauna (art. 29, caput, da Lei nº 9.605/1998). Sentença condenatória. Materialidade e autoria comprovadas. Apelo ministerial dosimetria da pena. Pleito de exasperação da pena para ambos os crimes. Fixação da pena abaixo do mínimo legal. Aplicação de atenuante de confissão espontânea. Redução da pena na segunda fase da dosimetria depois de a pena-base haver sido fixada no mínimo legal. Ofensa à Súmula nº 231 do STJ. Acolhimento. Pena aquém do mínimo legal na avaliação das circunstâncias legais constitui violação aos princípios da reserva legal e da pena determinada. Pres-crição retroativa do delito do art. 29, caput, da Lei nº 9.605/1998. Apontamento pela Procuradoria Geral de Justiça. Necessidade de decretar de ofício a extinção da punibilidade. Matéria de ordem pública. Necessidade de reforma ex officio da duração da pena restritiva de direitos consistente na limitação de fim de semana. Pena restritiva de direitos deve ter a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída. Inteligência do art. 55 do Código Penal. Recurso conhecido. Apelo pro-vido parcialmente.” (TJPR – ACr 0983658-0 – 2ª C.Crim. – Relª Juíza Conv. Substª Fabiana Silveira Karam – DJe 03.04.2014 – p. 359)

Transcrição Editorial SÍNTESE• Lei nº 9.605/1998:“Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:Pena – detenção de seis meses a um ano, e multa.”• Súmula nº 231 do Superior Tribunal de Justiça:“A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.”

1109 – Crime ambiental – exploração de recursos minerais – prévia autorização – inexistência

“Habeas corpus. Art. 2º da Lei nº 8.176/1991 e art. 55 da Lei nº 9.605/1998. Justa causa para ação penal. Presente. Competência da Justiça Federal. Inépcia da denúncia. Não configurada. Prescri-

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ção e nulidade decorrente do indeferimento de prova pericial. Não ocorrência. Ordem denegada. I – A exploração de recursos minerais em território nacional, quer na superfície, quer no subsolo deste, depende de prévia autorização do Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, sendo irrelevante que a área explorada seja privada ou que não seja de preservação permanente, pois tais circunstâncias não afastam a necessidade de autorização daquele órgão federal. Assim, independentemente do eventual dano ambiental decorrente da exploração ilícita, a inexistência de autorização do DNPM é bastante para evidenciar o interesse da União no caso como também a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito criminal. II – Inexistente a alegada inépcia da inicial acusatória que, entre os demais requisitos da denúncia apta ali presentes, apontou indícios suficientes da autoria delitiva do paciente não só por ser o sócio-administrador da pessoa jurídica Premoldados Itambé Ltda., mas também em face de outros indícios desse fato (testemunhos colhidos durante a investigação), o que, de todo modo, se sujeitará à devida análise e ponderação, durante a instrução criminal, com vistas a uma eventual condenação. III – Não configuradas no caso a alegada prescrição da pretensão punitiva estatal bem como a suposta nulidade decorrente do indeferimento da prova pericial requerida pelo réu, uma vez que, conforme pacífica jurisprudência sobre o tema, o recebimento da denúncia se dá nos termos do art. 396 do CPP e não do art. 399 do mesmo Código (na qual é prevista apenas a sua manutenção, caso não seja a hipótese de absol-vição sumária), não tendo transcorrido, a toda evidência, o prazo de 4 (quatro) anos necessário à ocorrência do referido fenômeno jurídico, se considerado o marco correto de interrupção do prazo prescricional; tampouco há nulidade no fato de o Juiz a quo ter, fundamentadamente, indeferido, nos termos do art. 184 do CPP, prova que se mostra desnecessária ao esclarecimento da verdade. IV – Ordem denegada.” (TRF 1ª R. – HC 0012025-89.2014.4.01.0000/MG – Rel. Juiz Fed. Conv. Lino Osvaldo Serra Sousa Segundo – DJe 04.04.2014)

Transcrição Editorial SÍNTESE• Lei nº 8.176/1991:“Art. 2º Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo.Pena: detenção, de um a cinco anos e multa.§ 1º Incorre na mesma pena aquele que, sem autorização legal, adquirir, transportar, in-dustrializar, tiver consigo, consumir ou comercializar produtos ou matéria-prima, obtidos na forma prevista no caput deste artigo.§ 2º No crime definido neste artigo, a pena de multa será fixada entre dez e trezentos e sessenta dias-multa, conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e a preven-ção do crime.§ 3º O dia-multa será fixado pelo juiz em valor não inferior a quatorze nem superior a duzentos Bônus do Tesouro Nacional (BTN).”• Lei nº 9.605/1998:“Art. 55. Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida:Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem deixa de recuperar a área pesquisada ou explorada, nos termos da autorização, permissão, licença, concessão ou determinação do órgão competente.”

1110 – Crime ambiental – extração de areia – ausência de autorização – plano de recuperação de área degradada – materialidade – comprovação

“Direito penal. Crime ambiental. Extração de areia sem autorização. Art. 50 da Lei nº 9.605/1998. Plano de recuperação da área degradada. Art. 55 da Lei nº 9.605/1998. Materialidade comprovada. Art. 2º da Lei nº 8.176/1991 e art. 55 da Lei nº 9.605/1998. Crimes autônomos. 1. A mera apre-sentação de plano de recuperação, sem a comprovação do seu efetivo cumprimento, não importa

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qualquer benefício ao réu. A propósito, a efetiva recuperação da área não implicaria, conforme requerido pelo acusado, a sua absolvição, mas tão somente diminuição na sanção aplicada, a qual foi devidamente analisada e fixada na sentença recorrida. 2. A incidência do tipo penal previsto no art. 55 da Lei nº 9.605/1998 se dá com a comprovação de qualquer das ações elencadas no dis-positivo, sem a devida autorização, não estando vinculado à ocorrência de resultado efetivamente danoso ao meio ambiente. 3. O art. 2º da Lei nº 8.176/1991 busca tutelar e preservar o patrimônio da União, proibindo a usurpação de suas matérias-primas, enquanto o art. 55 da Lei nº 9.605/1998 impõe sanções a atividades lesivas ao meio ambiente, proibindo, dentre outras, a extração de re-cursos minerais. Sendo distintos os bens jurídicos tutelados, não há falar em conflito aparente de normas, mas sim em concurso formal.” (TRF 4ª R. – ACr 0004143-67.2007.404.7201/SC – 8ª T. – Rel. Des. Fed. Leandro Paulsen – DJe 24.04.2014 – p. 243)

Transcrição Editorial SÍNTESE• Lei nº 8.176/1991:“Art. 2º Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo.Pena – detenção, de um a cinco anos e multa.§ 1º Incorre na mesma pena aquele que, sem autorização legal, adquirir, transportar, in-dustrializar, tiver consigo, consumir ou comercializar produtos ou matéria-prima, obtidos na forma prevista no caput deste artigo.§ 2º No crime definido neste artigo, a pena de multa será fixada entre dez e trezentos e sessenta dias-multa, conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e a preven-ção do crime.§ 3º O dia-multa será fixado pelo juiz em valor não inferior a quatorze nem superior a duzentos Bônus do Tesouro Nacional (BTN).”• Lei nº 9.605/1998:“Art. 55. Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida:Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem deixa de recuperar a área pesquisada ou explorada, nos termos da autorização, permissão, licença, concessão ou determinação do órgão competente.”

1111 – Crime ambiental – extração de argila – ausência de autorização – bem da União – con-flito de normas – inexistência

“Penal e processual penal. Habeas corpus. Crime ambiental. Extração de argila. Ausência de auto-rização. Art. 55, caput, da Lei nº 9.605/1998. Crime contra o patrimônio da União. Art. 2º da Lei nº 8.176/1991. Bem da União. Art. 20, IX, da Constituição da República. Conflito de normas. Ine-xistência. Concurso formal de crimes. Embargos de declaração. Omissão. Desejo de reabertura do debate para reapreciar questões já resolvidas. Embargos improvidos. I – Os embargos de declaração – previstos nos arts. 619 e 620 do Código de Processo Penal – têm o único condão de averiguar a existência de eventual contradição, omissão ou obscuridade na decisão embargada, não servindo à reabertura de discussão de questões exaustivamente apreciadas ou mesmo discutir matéria não ob-jeto do recurso original a que é incidentemente oposto. II – Não procedem as alegações suscitadas, consoante pacífica jurisprudência pátria, inclusive citada quando do julgamento embargado, de que a conduta objeto da persecução penal, a um só tempo, representa o crime ambiental previsto no art. 55 da Lei nº 9.605/1998 e o crime contra o patrimônio da União descrito no art. 2º, caput, da Lei nº 8.176/1991, restando caracterizado o concurso formal de crimes e, ainda, não se poder falar em conflito de normas. III – As questões apresentadas nos embargos, a sugerir omissão quan-do do julgado, foram de forma suficiente e exauriente apreciadas, restando, aqui, demonstrado o

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ânimo em reabrir sua discussão, o que é impróprio na via eleita. IV – Embargos de declaração não providos.” (TRF 5ª R. – HC 0041671-70.2013.4.05.0000/01 – (5269/SE) – 4ª T. – Relª Desª Fed. Margarida Cantarelli – DJe 11.04.2014 – p. 165)

Transcrição IOB• Constituição Federal:“Art. 20. São bens da União:[...]IX – os recursos minerais, inclusive os do subsolo;[...]”• Lei nº 8.176/1991:“Art. 2º Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo.Pena: detenção, de um a cinco anos e multa.§ 1º Incorre na mesma pena aquele que, sem autorização legal, adquirir, transportar, in-dustrializar, tiver consigo, consumir ou comercializar produtos ou matéria-prima, obtidos na forma prevista no caput deste artigo.§ 2º No crime definido neste artigo, a pena de multa será fixada entre dez e trezentos e sessenta dias-multa, conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e a preven-ção do crime.§ 3º O dia-multa será fixado pelo juiz em valor não inferior a quatorze nem superior a duzentos Bônus do Tesouro Nacional (BTN).”• Lei nº 9.605/1998:“Art. 55. Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida:Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem deixa de recuperar a área pesquisada ou explorada, nos termos da autorização, permissão, licença, concessão ou determinação do órgão competente.”

1112 – Crime ambiental – pesca no lago – princípio da insignificância – aplicabilidade

“Penal. Processo penal. Crime ambiental. Pesca no Lago Paranoá. Princípio da insignificância. Apli-cabilidade. Ausência da tipicidade material. Sentença absolutória. Recurso desprovido. 1. O prin-cípio da insignificância tem aplicabilidade a qualquer espécie de crimes, salvo aqueles cometidos com emprego de violência ou grave ameaça à pessoa. 1.1 A aplicação do referido princípio, nos casos de delitos contra o meio ambiente, limita-se aos casos de pequeno grau de reprovabilidade social da conduta, diante da relevância do bem jurídico tutelado pela Constituição de 1988. 2. As circunstâncias do caso concreto demonstram que as condutas dos apelados não causaram lesão al-guma ao meio ambiente, de modo a justificar a aplicação da lei penal. 3. Preenchidos os requisitos objetivos referentes ao princípio da insignificância, quais sejam, a ofensividade inexpressiva das condutas dos réus, a ausência de periculosidade social da ações praticadas por eles, o mínimo grau de reprovabilidade de seus comportamentos e a insignificância da lesão jurídica causada ao meio ambiente, é recomendável a manutenção da sentença absolutória recorrida. 4. A condenação penal não se justifica nem se sustenta quando presente apenas a tipicidade formal, fazendo-se necessá-ria a demonstração da tipicidade material, que se encontra ausente no caso concreto. 5. Recurso desprovido.” (TJDFT – Pen 20130110670425 – (771608) – Rel. Des. Gilberto Pereira de Oliveira – DJe 28.03.2014)

1113 – Crime ambiental – princípio da insignificância – inaplicabilidade – princípio do in dubio pro societate – aplicabilidade

“Penal. Processo penal. Crimes ambientais. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Denún-cia. Recebimento. In dubio pro societate. Aplicabilidade. Recebimento. Tribunal. Admissibilidade.

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1. Os crimes ambientais são, em princípio, de natureza formal: tutelam o meio ambiente enquanto tal, ainda que uma conduta isoladamente não venha a prejudicá-lo. Busca-se a preservação da na-tureza, coibindo-se, na medida do possível, ações humanas que a degenerem. Por isso, o princípio da insignificância não é aplicável a esses crimes. Ao se considerar indiferente uma conduta isolada, proibida em si mesma por sua gravidade, encoraja-se a perpetração de outras em igual escala, como se daí não resultasse a degeneração ambiental, que muitas vezes não pode ser revertida pela ação humana. 2. Ao apreciar a denúncia, o juiz deve analisar o seu aspecto formal e a presença das condições genéricas da ação (condições da ação) e as condições específicas (condições de procedibilidade) porventura cabíveis. Em casos duvidosos, a regra geral é de que se instaure a ação penal para, de um lado, não cercear a acusação no exercício de sua função e, de outro, ensejar ao acusado a oportunidade de se defender, mediante a aplicação do princípio in dubio pro societate. 3. Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela (STF, Súmula nº 709). 4. Recurso em sentido estrito provido.” (TRF 3ª R. – RSE 0003388-47.2013.4.03.6106/SP – 5ª T. – Rel. Des. Fed. André Nekatschalow – DJe 10.04.2014 – p. 339)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra a decisão que rejeitou a denúncia oferecida contra os réus pela prática do delito do art. 34, parágrafo único, II, da Lei nº 9.605/1998, com fundamento na ausência de justa causa para a ação penal mediante a aplicação do princípio da insignificância.Alegou-se, em síntese, o seguinte:a) os réus foram denunciados pela prática do delito do art. 34, parágrafo único, II, da Lei nº 9.605/1998, porque, no dia 04.03.2013, foram surpreendidos praticando atos de pesca na Represa de Água Vermelha (Rio Grande), no Município de Paulo de Faria (SP), mediante o emprego de método não permitido pela legislação ambiental;b) foram apreendidos com os denunciados, além dos petrechos de uso proibido, 10kg (dez quilogramas) de pescados da espécies nativas conhecidas como “piapara”, “porquinho”, “piranha” e “corvina”;c) a conduta praticada pelos denunciados ofendeu ao disposto no art. 5º, I, da Instrução Normativa Ibama nº 26, de 02.09.2009;d) o MM. Juiz de primeiro grau rejeitou a denúncia por ausência de justa causa para o exercício da ação penal, considerando a irrelevância da conduta praticada pelos denun-ciados, com a aplicação do princípio da insignificância;e) o dano ambiental, uma vez consumado, afeta de tal maneira o meio ambiente, de modo que dificilmente as suas características serão recuperadas;f) a aplicação do princípio da insignificância aos crimes ambientais constitui incentivo àqueles que infringem as normas de proteção ao meio ambiente a persistirem na prática de condutas delituosas;g) pescadores que se utilizam de aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos comprometem a manutenção e a recuperação da fauna aquática;h) a pesca predatória, tipificada no art. 34 da Lei nº 9.605/1998, acarreta dano ambien-tal que não pode ser quantificado, sendo inaplicável o princípio da insignificância;i) não restou comprovado nos autos que a conduta delitiva foi praticada para prover o sustento dos denunciados e seus familiares;j) o recurso deve ser provido para o fim de ser recebida a denúncia, possibilitando o regular andamento do processo.A defesa ofereceu contrarrazões e juntou documentos.A decisão foi mantida.A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Sonia Maria Curvello, manifestou-se no sentido de provimento do recurso.Segundo o entendimento do ilustre Relator:

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“Os crimes ambientais são, em princípio, de natureza formal: tutelam o meio ambiente enquanto tal, ainda que uma conduta isoladamente não o venha a prejudicar. Busca-se a preservação da natureza, coibindo-se, na medida do possível, ações humanas que a degenerem. Por isso que o princípio da insignificância não é aplicável a esses crimes. Ao se considerar indiferente uma conduta isolada, proibida em si mesma por sua gravidade, encoraja-se a perpetração de outras em igual escala, como se daí não resultasse a degene-ração ambiental, que muitas vezes não pode ser revertida pela ação humana.”A jurisprudência, no entanto,tende a restringir a aplicação do princípio da insignificância quanto aos delitos contra o meio ambiente:“PENAL – HC – CRIME AMBIENTAL – PESCA DE CAMARÕES DURANTE PERÍODO DE REPRODUÇÃO DA ESPÉCIE – INSIGNIFICÂNCIA DA CONDUTA – INOCORRÊNCIA – TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL – [...] ORDEM DENEGADA.I – A quantidade de pescado apreendido não desnatura o delito descrito no art. 34 da Lei nº 9.605/1998, que pune a atividade durante o período em que a pesca seja proibida ou em locais interditados, exatamente a hipótese dos autos, em que a pesca do camarão se deu em época de reprodução da espécie.II – Não pode ser considerada quantidade insignificante a pesca de noventa quilos de camarão.[...]VI – Ordem denegada.” (STJ, HC 386.682-SP, Rel. Min. Gilson Dipp, J. 03.02.2005)“PROCESSUAL PENAL – CRIME AMBIENTAL – PARQUE NACIONAL DA SERRA DA BO-CAINA – NÃO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – INA-PLICABILIDADE – RECURSO MINISTERIAL PROVIDO.1. Indícios de autoria e prova da materialidade demonstrados.2. Em se tratando de delitos ambientais, é inviável a aplicação do princípio da insigni-ficância, com a exclusão da tipicidade, porquanto, ainda que determinada conduta, iso-ladamente, possa parecer inofensiva ao meio ambiente, é certo que, num contexto mais amplo, torna-se relevante, isto é, uma vez somada a todas as demais interferências hu-manas na natureza, o prejuízo global causado ao ecossistema por todas aquelas condutas isoladas, no conjunto, é evidente, devendo, assim, ser eficazmente prevenida e reprimida por normas administrativas, civis e, inclusive, penais.3. Ademais, a Lei nº 9.605/1998 prevê em seu bojo penas geralmente mais leves que, por isso, possibilitam a aplicação de institutos despenalizadores, tais como a transação penal e a suspensão condicional do processo, a indicar que o princípio da insignificância somente pode ser aplicado em casos excepcionais, isto é, quando nem mesmo a aplicação daqueles institutos seja suficiente para prevenir e reprimir a conduta ilícita causadora da lesão ambiental.4. Recurso ministerial provido. Denúncia recebida.” (TRF 3ª R., RSE 200561240008053/SP, Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini, J. 17.06.2008)“RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – CRIME AMBIENTAL – PESCA EM LOCAL PROI-BIDO – MATERIALIDADE – AUTORIA – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – RECURSO PROVIDO.1. A materialidade restou comprovada pela localização em que se encontrava a embarca-ção: local conhecido como Morcegão, situada a menos de cinqüenta metros da saída da água do vertedouro de fundo da barragem da UHE de Ilha Solteira. Local proibido para pesca, segundo laudo pericial de fls. 21/28 e art. 4º da Portaria Sudepe nº 466/1972.2. Os indícios de autoria também estão presentes, tendo em vista a localização de grande quantidade de redes de pesca em poder dos recorridos e a tentativa de fuga empreendida.3. Impossibilidade da aplicação do princípio da insignificância, tendo em vista o bem jurídico tutelado e os princípios da prevenção e precaução que regem o direito ambiental.3. O fato de não ter sido apreendido nenhum peixe em poder dos réus não exclui a ilici-tude do ato praticado. Os denunciados estavam atracados em local proibido para pesca, durante a noite, portando 12 (doze) redes de pesca e prestes a arremessá-las ao rio,

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amoldando-se tais condutas ao tipo penal em comento, tendo em vista o disposto no art. 36 da Lei nº 9.605/1998.4. Considerando que o bem jurídico tutelado deve levar em conta a especial importância das espécies aquáticas existentes nos lugares onde a pesca é vedada pela autoridade competente, mesmo sem a apreensão do produto da pesca, e as condições em que os Re-corridos foram surpreendidos, estando na iminência de jogarem as redes ao rio; ao menos no grau de certeza que o momento processual exige, estão configurados a materialidade delitiva e os indícios de autoria, restando a denúncia apta para ser recebida.5. Recurso provido.” (TRF 3ª R., RSE 200461240010018-SP, Rel. Des. Fed. Cotrim Guimarães, J. 18.03.2008)“PENAL – PROCESSUAL PENAL – DENÚNCIA – APRECIAÇÃO – PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE – CRIME AMBIENTAL – ART. 34, CAPUT, PARÁGRAFO ÚNICO, II, DA LEI Nº 9.605/1998 – CRIME FORMAL – PROTEÇÃO À FAUNA ICTIOLÓGICA – PRIN-CÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE – SANÇÕES PENAIS E ADMINISTRATIVAS – RECEBIMENTO DE DENÚNCIA NO JUÍZO AD QUEM – POSSIBILI-DADE – STF, SÚMULA Nº 709.[...]3. O delito previsto no art. 34, caput, parágrafo único, II, da Lei nº 9.605/1998 carac-teriza crime formal, em virtude da definição legal da conduta ‘pescar’ como ‘todo ato tendente’ a retirar, extrair, coletar, apanhar, apreender ou capturar espécies dos grupos de peixes, crustáceos etc. Não se exige, portanto, a produção do resultado para a sua consumação, bastando apenas a realização da conduta descrita no tipo do art. 36 da Lei nº 9.605/1998.4. Não cabe ao Poder Judiciário deixar de aplicar a lei diante do alegado insignificante potencial ofensivo do dano causado, uma vez que é função do Poder Legislativo a seleção dos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal.5. Não procede o argumento de que a aplicação de sanção administrativa às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente exclui a necessidade da aplicação da sanção penal, pois há previsão constitucional (CR, art. 225, § 3º) e legal (Lei nº 9.605/1998) para tanto.[...]7. Recurso em sentido estrito provido.” (TRF 3ª R., RSE 200561240003882/SP, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, J. 19.11.2007)Denúncia. Recebimento. In dubio pro societate. Aplicabilidade. O juiz, ao apreciar a de-núncia, deve analisar o seu aspecto formal e a presença das condições genéricas da ação (condições da ação) e as condições específicas (condições de procedibilidade) porventura cabíveis:“Pode o Magistrado rejeitar a denúncia ou queixa. Para tanto, deve atentar para o aspecto formal da peça vestibular da ação penal e para as condições genéricas da ação, e, se for o caso, para eventual condição específica, nos termos do art. 43 do CPP.”(TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 25. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2003. p. 530)Em casos duvidosos, a regra geral é de que se instaure a ação penal para, de um lado, não cercear a acusação no exercício de sua função e, de outro, ensejar ao acusado a oportunidade de se defender, mediante a aplicação do princípio in dubio pro societate:“EMENTA: PROCESSO PENAL – RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – REJEIÇÃO DA DE-NÚNCIA – ART. 43, INCISO III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADA – INDÍCIOS DE AUTORIA – DENÚNCIA RECEBIDA – RECURSO PROVIDO – DECISÃO REFORMADA.[...]4. É sabido que, na fase do recebimento da denúncia, o principio jurídico in dubio pro societate deve prevalecer, devendo-se verificar a procedência da acusação e a presença de causas excludentes de antijuridicidade ou de punibilidade no decorrer da ação penal.

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Outra providência, ou seja, a rejeição da denúncia, representa, na verdade, uma antecipa-ção do juízo de mérito, e o cerceamento do direito de acusação do Órgão Ministerial [...].”(TRF 3ª R., 5ª T., RcCr 2002.61.81.003874-0-SP, Relª Desª Fed. Ramza Tartuce, unâ-nime, J. 20.10.2003, DJ 18.11.2003, p. 374)Seguindo o raciocínio do d. Magistrado:“De acordo com a Súmula nº 709 do Supremo Tribunal Federal, o provimento de recurso em sentido estrito interposto contra a decisão que rejeita a denúncia importa no seu recebimento:Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela.Do caso dos autos. Arthur Emílio Miguel e Vicente Nilo da Silva foram denunciados pela prática do delito previsto no art. 34, parágrafo único, II, da Lei nº 9.605/1998 porque, em 04.03.2013, foram surpreendidos por Policiais Federais Ambientais, na Represa de Água Vermelha, localizada no Rio Grande, no município de Paulo de Faria (SP), praticando pesca em quantidades superiores às permitidas e mediante a utilização de petrechos não permitidos – redes com distância inferior a 150m (cento e cinquenta metros) umas das outras.Apurou-se que as redes instaladas pelos denunciados distanciavam-se entre si 138m (cento e trinta e oito metros), 92m (noventa e dois metros) e 70m (setenta metros), de modo a infringir o disposto no art. 5º, I, da Instrução Normativa Ibama nº 26, de 02.09.2009, que prevê distância mínima de 150m (cento e cinquenta metros) entre as redes.Juntamente com os petrechos de uso proibido encontrados em poder dos denunciados, foram apreendidos 10kg (dez quilogramas) de peixes das espécies conhecidas como ‘pia-para’, ‘porquinho’, ‘piranha’, ‘piavuçu’ e ‘corvina’ (fls. 28/29).A denúncia foi rejeitada com fundamento na ausência de justa causa para a ação penal (art. 395, III, do Código de Processo Penal), mediante a aplicação do princípio da insigni-ficância, considerando ter sido ínfima a lesão ao meio ambiente (fls. 33/34).Recorre o Parquet e pugna pelo recebimento da denúncia, aduzindo a inaplicabilidade do princípio da insignificância.Assiste razão à acusação.É inaplicável o princípio da insignificância aos crimes ambientais, que são, em princípio, de natureza formal, ou seja, tutelam o meio ambiente enquanto tal, ainda que uma con-duta isoladamente não o venha a prejudicar.A potencialidade lesiva da conduta não pode ser afastada em virtude da quantidade de pescado, tendo em vista o objeto jurídico protegido pela norma, qual seja, o meio am-biente.Não há que falar, portanto, em atipicidade da conduta.A denúncia descreve de forma clara a conduta dos acusados e estão presentes indícios suficientes de autoria e materialidade delitiva, observando a apreensão de 10kg (dez quilogramas) de peixes e a prática de pesca mediante a utilização de métodos não permi-tidos, tendo os denunciados declarado, em sede policial, que desconheciam que as redes estavam dispostas a uma distância inferior a 150m (cento e cinquenta metros) umas das outras (fls. 4/4v.).Considerando que o fato criminoso está exposto com clareza e possibilita o adequado exercício do contraditório e da ampla defesa, restam preenchidos os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal.Impõe-se o recebimento da denúncia, visto incidir, neste momento processual, o princípio in dubio pro societate, sendo necessária a instrução do feito, conduzido sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, para aprofundado esclarecimento do fato típico descrito na exordial acusatória.”Dessa forma, o Relator deu provimento ao recurso em sentido estrito para receber a de-núncia e determinar o regular prosseguimento do feito.

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1114 – Dano ambiental – área pertencente à União – indenização – possibilidade – recuperação do meio ambiente local – obrigatoriedade

“Ação civil pública. Área pertencente à União. Dano ambiental. Indenização. Recuperação do meio ambiente local. União e Ibama assistentes litisconsorciais. 1. Não há que se falar em ausência de fundamentação da sentença ou em julgamento extra petita. 2. Não houve violação à Lei Adjetiva Civil, na medida em que não ocorreu extrapolação do pedido. 3. A sentença proferida incorreu em julgamento citra petita. Omissão no tocante ao pleito de indenização pelo uso irregular da área da União, de uso comum do povo. 4. Não restou devidamente comprovado nos autos que o muro de contenção erigido era necessário à segurança da residência. 5. Demolição da obra e recomposição do local com pedregulhos, tendo em vista tratar-se de área marítima pertencente à União, com intuito de evitar degradações ambientais ainda maiores e corrigir, da melhor forma possível os danos causados. 6. Cabível a indenização por uso irregular e gratuito de área da União e os danos ambientais perpetrados. O valor deverá ser calculado em liquidação por arbitramento. 7. Apelações e remessa oficial providas.” (TRF 3ª R. – AC 0007401-03.2010.4.03.6104/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Márcio Moraes – DJe 11.04.2014 – p. 445)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, visando o embar-go, a interdição e a demolição de construção implantada em área pertencente à União e de uso comum do povo, localizada em costão rochoso lindeiro ao mar, aos fundos do imó-vel situado à Rua Saturnino de Brito, 1.259, Parque Prainha – São Vicente/SP. Requereu, ainda, a autoria a condenação do réu a proceder à recuperação do meio ambiente local e ao pagamento de indenização pelos danos ambientais causados.Aduziu o MPF que foi constatada invasão e aterro de terreno costeiro lindeiro à praia, em área de uso comum do povo, sem autorização dos órgãos competentes, causando danos ao meio ambiente. Sustentou que o aterramento e a construção de muros em meio ao ter-reno rochoso da praia estão a causar poluição por degradação e alteração da característica estética natural do local. Esclareceu que os costões rochosos lindeiros ao mar constituem ecossistemas abarcados pelo conceito de Zona Costeira, dado pela Lei nº 7.661/1988, sendo indispensável para a implantação de qualquer obra naquele ambiente o prévio licenciamento do órgão ambiental, precedido da apresentação e aprovação de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental – EIA/Rima. Por fim, ressaltou ser objetiva a responsabilidade por danos ambientais, nos termos da Lei nº 6.938/1981, dela decorrendo a obrigação do transgressor de reparar os danos ou de indenizar o prejuízo, independentemente de culpa.A União Federal e o Ibama manifestaram interesse em integrar a lide na qualidade de assistentes litisconsorciais do autor, o que foi deferido.A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, apenas para determinar que a área em comento, ocupada pelo réu, seja mantida na forma como se encontra, proibindo-se a ocupação e realização de qualquer alteração na construção, sem a devida licença dos órgãos ambientais competentes. Em face do princípio da causalidade, condenou o réu no pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais).Apelou o Ministério Público Federal, alegando, preliminarmente, a nulidade da sentença, por ser: a) citra petita, pois não foi apreciado o pedido de indenização pelo uso irregular e gratuito da área da União, tendo em vista que o recorrido sequer tem a propriedade útil da área; b) extra petita, porquanto a parte impositiva do julgado não foi extraída dos pedidos do autor, mas fruto de inovação que extrapola o objeto da demanda; c) não fundamentada, pois não está amparada por prova pericial, tampouco pela manifestação do órgão ambiental.No mérito, sustentou que o Juízo a quo equivocou-se na interpretação do teor do parecer técnico do Ibama, o qual, diferente do que constou na sentença, recomendou a demolição do deque irregular, ao argumento de que o local invadido pelo proprietário é público, pertencente à União, sendo razoável, para corrigir a situação, que o réu desmanche a

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edificação e recomponha o local com pedregulhos. Aduziu, ainda, que não há que se falar em consolidação de construção erigida em área de preservação permanente sem qualquer autorização ou respaldo legal. Por fim, afirma que o apelado não tem nem mesmo o afora-mento da área de sua residência, que se localiza a frente do deque irregular, ressaltando, no entanto, que a moradia não se confunde com o deque que se pretende demolir.Por sua vez, apelou a União, sustentando, em síntese, que as provas colhidas nos autos são claras no sentido de que o réu realizou uma construção irregular em zona costeira, inexistindo qualquer autorização ou legitimação dos órgãos competentes para realização de tal obra, de modo que está patente o ato lesivo ao meio ambiente. Afirma que as fotos colacionadas demonstram a maneira grosseira como foi construído o suposto “muro de arrimo”, que, na verdade, tem característica de deque, não havendo comprovação por parte do réu de que houvesse necessidade de arrimar a área, sendo de rigor a demolição completa da edificação.O Ibama também interpõe apelação, relatando que o conteúdo global do laudo de vistoria ambiental elaborado demonstrou a necessidade da demolição da área, tendo em vista tratar-se de uma área de costão rochoso, de preservação permanente, na qual fora erigida obra não licenciada pelo órgão ambiental. Argumentou que, no referido laudo, não se desaconselhou a demolição, mas apenas e tão somente destacou-se a preocupação no sentido de evitar-se um maior dano ao meio ambiente no momento da retirada da edifi-cação, que deverá ser feita por etapas e com recolhimento de todo o entulho produzido.Em contrarrazões, afirmou o réu, em suma, que a demolição não é recomendada no caso, pois poderá trazer piores impactos ambientais que a manutenção da obra, sendo cabível apenas medidas de mitigação do dano ambiental. Aduziu que o muro de contenção foi erguido somente no intuído de proteger a construção de sua residência, que estava sujeita aos impactos dos fluxos naturais da maré. Relatou que há na região vários imóveis cons-truídos na mesma situação, não sendo razoável aplicar a pena de demolição somente ao seu imóvel, colocando em risco a sua vida e de sua família.O Ministério Público Federal opinou pelo provimento de todas as apelações.Em relação às preliminares, assim votou o d. Relator:“Afasto, de pronto, a alegação de ausência de fundamentação da sentença, pois esta foi proferida com base na legislação que rege a matéria, totalmente esplanada no bojo da decisão, assim como em todos os documentos acostados aos autos, principalmente no Relatório de Fiscalização/Vistoria elaborado pelo Ibama, às fls. 217. Ora, em que pese ter o Magistrado sentenciante interpretado o referido laudo de forma a favorecer o réu, não se pode olvidar que, de qualquer forma, as suas conclusões se basearam naquele documento.Além disso, não há que se falar em sentença extra petita, eis que foi devidamente aprecia-do o pleito deduzido, tendo o juízo sentenciante concedido provimento jurisdicional menor, mas não divorciado do pedido.Com efeito, não se verifica violação à Lei Adjetiva Civil no proceder da sentença, a qual determinou que a área em questão seja mantida na forma como se encontra, proibindo-se a ocupação e realização de qualquer alteração na construção. Ainda que ausente pleito específico nesse sentido, não se há que falar em extrapolação do pedido, porquanto é cediço que quem pede o mais, pode obter o menos.No entanto, assiste razão à autora/apelante quando afirma haver omissão na sentença no tocante ao pleito de indenização pelo uso irregular da área da União, de uso comum do povo, em valor a ser apurado em sede de liquidação, conforme item 3 do pedido inicial (fls. 6-v).Verifica-se, dessarte, que a sentença proferida incorreu em julgamento citra petita, vio-lando o art. 128 do Código de Processo Civil, eis que a questão relativa à indenização não foi abordada na decisão.Por outro lado, já decidiu esta 3ª Turma ‘[...] ser possível a exegese extensiva do disposto no § 3º do art. 515 do Código de Processo Civil, acrescentado pela Lei nº 10.352, de 26 de dezembro de 2001, aos casos de julgamento extra ou citra petita, por analogia ao que ocorre no caso de extinção do processo sem apreciação do mérito, possibilitando o

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julgamento da lide pelo tribunal, desde que a mesma verse sobre questão exclusivamente de direito e esteja em condições de imediato julgamento’ (AC 2002.03.99.038973-5, Relª Desª Fed. Cecília Marcondes, J. 19.10.2005, vu). No mesmo sentido, o julgamento da AC 2009.61.00.019646-4, de minha relatoria, na sessão de 21.06.2012, nesta eg. 3ª Turma.”Quanto ao mérito, assim votou o ilustre Magistrado:“A matéria trazida aos autos cinge-se na pertinência, ou não, da demolição da construção realizada pela parte apelada em área de preservação permanente, de propriedade da União e de uso comum do povo, sem autorização da Secretaria do Patrimônio da União – SPU e dos órgãos de controle ambiental.A área onde está localizada a obra constitui costão rochoso em praia marítima, se carac-terizando como bem pertencente à União Federal.”Assim dispõe o art. 20, IV, da Constituição Federal, in verbis:“Art. 20. São bens da União:[...]IV – as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias ma-rítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II;[...]” No mesmo sentido, dispõe o caput do art. 10 da Lei nº 7.661/88 que “as praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica”.Cabe lembrar que os terrenos da Marinha são basicamente definidos em nosso orde-namento jurídico pelo Código de Águas, Decreto nº 24.643/1934, e pelo Decreto-Lei nº 9.760/1946.Dessarte, preconiza o art. 13 do Código de Águas:“Constituem terrenos de marinha todos os que, banhados pelas águas do mar ou dos rios navegáveis, vão até 33 metros para a parte da terra, contados desde o ponto a que chega o preamar médio.”Dessa maneira, entendeu o Relator que “a ocupação e a construção nessas áreas há que ser previamente permitida pela União, sendo indispensável a competente autorização do Serviço de Patrimônio da União, que administra os bens dessa entidade, assim como a licença a ser concedida pelo Ibama, sempre precedida da apresentação e aprovação de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental – EIA/Rima”.Dando seguimento ao seu raciocínio:“No caso dos autos, conforme se vê claramente das fotos acostadas (fls. 13/17 e 185/187), o réu erigiu aos fundos de sua residência um aterro de 40m2, ladeado por três altos muros de blocos de concreto, que constituíram em algo semelhante a um deque ou terraço, edificação que foi erigida sobre área vertente do costão rochoso lindeiro e com inclinação em direção ao mar.Ressalte-se que o réu admite não ter qualquer autorização dos órgãos competentes para a construção, e que já tinha conhecimento da ilegalidade de seu ato e dos danos ambientais que estaria ocasionando com a edificação, eis que a questão foi objeto de instauração de Inquérito Civil Público anos antes do ajuizamento desta ação, inquérito este que tinha como objeto, também, o funcionamento irregular de indústria de poliuretano no local. Afirmou o réu, ainda, em contestação, que após a instauração de tal inquérito apresentou junto a Prefeitura Municipal de São Vicente pedido de regularização da edificação, o qual foi indeferido.Por outro lado, a alegação do réu de que ‘o muro de arrimo foi erigido como barreira de proteção, já que as pedras constantes da paisagem natural não eram e não são suficientes para conter a fúria das ondas marítimas’, não restou devidamente comprovada nos autos.

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Ademais, ainda que se tratasse de um muro de contenção necessário à segurança da residência, não poderia o réu ter iniciado a obra sem a autorização dos órgãos competen-tes, principalmente da Secretaria do Patrimônio da União, a quem cabe a fiscalização da destinação dos imóveis que constituem bem público, bem como da manutenção das áreas de preservação ambiental e daquelas de uso comum do povo.Também não se sustenta o argumento de que a exigência do EIA-Rima é desproporcional ao uso do bem, ao argumento de que a obra é de baixíssimo impacto ambiental, pois da simples visualização do deque construído se verifica o choque que a obra causou ao ambiente marítimo, sendo impactante a imagem do grande terraço erguido quase dentro do mar, a sobrepor as rochas naturais da encosta, alterando substancialmente a paisagem natural marítima.Não entendo, portanto, por razoável e proporcional a manutenção da edificação realizada em severa afronta à legislação ambiental, de má-fé e em descumprimento a medida im-posta pelo Poder Público.Ora, admitir a permanência de construção irregular e não autorizada, carente de licença e degradadora do ambiente, representaria tolerância do Estado em relação a tais fatos, abrindo precedente sem limite e servindo de exemplo negativo, como forma de incentivo àqueles que desrespeitam a legislação ambiental. Ressalto, ademais, que esta foi a real conclusão do laudo elaborado pela Coordenação--Geral de Fiscalização Ambiental do Ibama (fls. 216/217). Ora, ainda que tenha aquele órgão salientado que a derrubada do deque ‘poderia trazer maiores problemas ambientais, inclusive com significativa poluição ao mar e as encostas desse costão’, é certo que opi-nou, ao final, pelo desmanche da obra e recomposição do local com pedregulhos, tendo em vista tratar-se de área marítima pertencente à União.Em que pese não seja possível restabelecer o exato estado anterior das condições naturais daquele ambiente, entendo que a medida de demolição, nos termos em que colocada no laudo mencionado, evitaria degradações ambientais ainda maiores e corrigiria, da melhor forma possível, os danos causados.Vejamos o que diz o laudo de vistoria quanto à viabilidade da demolição (fl. 216):‘Caso decida-se pela demolição, devem ser tomados os cuidados necessários para que todo entulho seja imediatamente retirado do local, evitando que o mesmo seja carreado pelas marés e ressacas. A demolição por etapas dos terraços com retirada total do mate-rial e limpeza do ambiente permitirá posterior recuperação do costão. A demolição deverá adotar critérios que evitem poluição sonora e poluição por poeiras, considerando tratar-se de bairro residencial.’Dessa forma, parece razoável que, obedecendo-se as regras impostas pelo órgão de prote-ção ambiental e delineadas no laudo de vistoria referido, seja levada a efeito a demolição gradual da edificação em comento.”Nesse sentido vem se posicionando os tribunais pátrios:“AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CONSTRUÇÃO IRREGULAR – AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO – DANO AMBIENTAL – APP – PARQUE NACIONAL DE ITATIAIA – CONS-TRUÇÃO EM FAIXA NON AEDIFICANDI.1. Ação Civil Pública em que se determinou, dentre outras providências, a demolição de construção irregular no entorno do Parque Nacional de Itatiaia, em Resende/RJ. 2. São inquestionáveis danos ambientais oriundos da construção e supressão vegetal ciliar a menos de trinta metros das margens de curso d’água, em área de preservação perma-nente. Inexistência de licença ou autorização dos órgãos ambientais para a realização da obra em faixa non aedificandi. Afronta aos arts. 2º e 4º da Lei nº 4.771/1965. 3. A proteção ao meio ambiente não é matéria de preponderante interesse dos Municípios, daí que não se aplica a regra de competência do art. 29 da Lei Maior. Aplicação do Código Florestal em áreas urbanas. O parágrafo único do art. 2º da Lei nº 4.771/1965, apesar de ressalvar os planos diretores e as leis de uso do solo locais, assinala que os princípios e limites estabelecidos pelo Código Florestal devem ser observados.

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4. A demolição da estrutura edificada não se mostra desproporcional. A invocação de ideia vaga de razoabilidade não pode albergar condutas ilícitas. O réu já fora autuado, descum-prido as medidas impostas pelo Ibama e concluindo indevidamente a obra. 5. Apelo desprovido.” (TRF 2ª R., 6ª T.Esp., AC 2007.51.09.000401-6, Rel. Des. Fed. Guilherme Couto, e-DJF2R 23.08.2010, p. 212)“ADMINISTRATIVO – AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – AÇUDE DE CUREMAS/PB – ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – IMÓVEL COMERCIAL – CONSTRUÇÃO IRREGULAR – PREJUÍZOS AMBIENTAIS – SUSPENSÃO DAS ATIVIDA-DES – DESOCUPAÇÃO E DEMOLIÇÃO DO IMÓVEL – POSSIBILIDADE.1. Caso em que fora determinada, em ação civil pública, a suspensão das atividades comerciais de estabelecimento situado em área de preservação permanente, sem prejuízo da desocupação e imediata demolição do imóvel. 2. Conforme se depreende das informações colhidas nos autos, o deferimento da medida sobreveio apoiado em elementos probatórios, como autos de infração e relatório técnico, os quais demonstram a irregularidade da construção bem como a falta das licenças am-bientais necessárias. 3. Descabida a alegação de que a ordem judicial desconsiderou a apresentação de ele-mentos probatórios a serem produzidos pelas partes uma vez que seu deferimento foi precedido por audiência de conciliação, momento em que foram trazidos os subsídios documentais adequados. 4. Agravo de instrumento improvido.” (TRF 5ª R., Ag 00035969320124050000, Des. Fed. Marcelo Navarro, 3ª T., DJe Data: 20.09.2013, p. 201)Por fim, no que tange à indenização pelo “uso irregular e gratuito de área da União e os danos ambientais perpetrados”, entendeu cabível, o d. Relator que “a condenação do réu a esse título, nos termos do que determina a Lei nº 9.636/1998, que dispõe sobre a regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União, in verbis:‘Art. 10. Constatada a existência de posses ou ocupações em desacordo com o disposto nesta lei, a União deverá imitir-se sumariamente na posse do imóvel, cancelando-se as inscrições eventualmente realizadas.Parágrafo único. Até a efetiva desocupação, será devida à União indenização pela posse ou ocupação ilícita, correspondente a 10% (dez por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, por ano ou fração de ano em que a União tenha ficado privada da posse ou ocupação do imóvel, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.’”Nesse sentido:“ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL – BARRACA DE PRAIA – OCUPAÇÃO CARENTE DE AUTORIZAÇÃO DE ÓRGÃO COMPETENTE – INVIABILIDADE DE SUA REGULARIZAÇÃO – DEMOLIÇÃO DA CONSTRUÇÃO IRREGULAR E REINTEGRAÇÃO DA ÁREA À POSSE DA UNIÃO – CONDENAÇÃO À INDENIZAÇÃO – APELAÇÃO IMPROVIDA.1. Barraca que explora atividade de restaurante e bar em área de praia, mesmo a pretexto de autorizações supostamente concedidas por órgãos incompetentes, constitui ocupação indevida de área de uso comum do povo, portanto insuscetível de regularização. 2. A demolição da construção irregular, a expensas de quem a fez, e a condenação dos responsáveis a indenizar a União – porquanto cientes, eis que notificados pelo SPU – pela ocupação indevida, além da reintegração da área à posse desta são medidas que se impõem. 3. Sentença incensurável. Inúmeros precedentes deste Tribunal e desta Turma. 4. Apelação a que se nega provimento.” (TRF 5ª R., 2002.80.00.001378-1, Des. Fed. Marcelo Navarro, 4ª T., DJ Data: 03.12.2007, p. 982, p. 231)

1115 – Direito urbanístico – expansão de loteamento – área de preservação permanente – pre-juízos ao ecossistema – demolição – obrigatoriedade

“Ação civil pública. Meio ambiente. Expansão de loteamento. Área de preservação permanente/ecológica. Prejuízo ao ecossistema e aos padrões urbanísticos comprovados. Dever de demoli-

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ção e recomposição da vegetação. Obrigação ambiental de natureza objetiva e propter rem. Res-ponsabilidade civil em matéria ambiental disciplinada por regime jurídico próprio, caracteriza por ser solidária e imprescritível. Permanência das construções, com base no art. 61-A, § 12, da LF 12.651/2012. Questão a ser analisada na fase de cumprimento de sentença. Prejudiciais afastadas. Sentença mantida. Recurso desprovido, com observação.” (TJSP – Ap 0007464-46.2010.8.26.0642 – Ubatuba – 1ª C.Res.MA – Rel. Moreira Viegas – DJe 07.04.2014 – p. 1294)

1116 – Direito urbanístico – improbidade administrativa – autorização de remembramento de lotes vizinhos em área tombada – competência ambiental – não caracterização

“Apelação cível. Ação civil pública. Improbidade administrativa. Servidores públicos que autori-zaram o remembramento de lotes vizinhos em área tombada no bairro do Pacaembu. Alegação de violação da Resolução SC nº 8/1991, da Secretaria de Cultura do Estado, que não permite o re-membramento de lotes. Matéria que não diz respeito à proteção do meio ambiente. Incompetência das Câmaras Reservadas do Meio Ambiente, conforme art. 1º da Resolução nº 512/2010 do TJSP. O referido remembramento de lotes foi objeto de ação civil pública movida pela Viva Pacaembu por São Paulo contra a Fazenda do Estado e os proprietários do imóvel, conhecida pela 10ª Câmara de Direito Público. Conflito de competência suscitado, tendo em vista acórdão proferido pela 9ª Câmara de Direito Público, que não conheceu do recurso. Decisão que compete à Turma Especial da Seção de Direito Público.” (TJSP – Ap 0040877-08.2009.8.26.0053 – São Paulo – 2ª C.Res.MA – Rel. Eutálio Porto – DJe 07.04.2014 – p. 1296)

1117 – Ibama – manutenção em depósito – madeira nativa sem documentação – débito inscrito na dívida ativa – execução – embargos à execução – garantia do juízo – necessidade

“Processual civil. Ambiental. Ibama. Multa. Manutenção em depósito de 20st de madeira nativa sem documentação de origem florestal. Débito inscrito na dívida ativa. Execução. Embargos à exe-cução. Necessidade de garantia do juízo. Exceção de pré-executividade. Hipossuficiência. Princí-pio da insignificância. Inaplicabilidade. Conduta tipificada como infração ambiental. Princípio da prevenção ou precaução, em prol do meio ambiente. Concessão de anistia. Faculdade da Fazen-da Nacional. Súmula nº 452 do STJ. Manutenção da sentença. Apelação improvida.” (TRF 5ª R. – AC 0000746-83.2012.4.05.8401 – (553180/RN) – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Lázaro Guimarães – DJe 03.04.2014 – p. 389)

1118 – Infração ambiental – transporte irregular de madeira – apreensão de veículo – liberação – possibilidade – fiel depositário – cabimento

“Administrativo. Infração ambiental. Transporte irregular de madeira. Apreensão do veículo. Libe-ração. Possibilidade. Fiel depositário. Cabimento. Honorários advocatícios. Majoração. Indevida. I – Afigura-se possível a liberação de veículos apreendidos em razão do transporte irregular de madeiras, quando a situação fática não indica o uso específico e exclusivo do veículo para a prática de atividades ilícitas, voltadas para a agressão do meio ambiente. Precedentes deste Tribunal. II – O art. 105 do Decreto nº 6.514/2008 dispõe que ‘os bens apreendidos deverão ficar sob a guarda do órgão ou entidade responsável pela fiscalização, podendo, excepcionalmente, ser confiados a fiel depositário, até o julgamento do processo administrativo’. Em sendo assim, afigura-se legítima a nomeação do representante legal da empresa impetrante como fiel depositário do veículo indi-cado na espécie, até o julgamento final do processo administrativo. III – Ademais, na hipótese dos autos, os honorários advocatícios deverão ser fixados nos termos do § 4º do art. 20 do CPC, com observância das normas contidas nas alíneas a, b e c do § 3º do aludido dispositivo legal, a fim de se evitar a fixação da referida verba honorária em valor irrisório ou excessivo. Em sendo assim, afigura-se incabível, na espécie, a majoração do valor fixado a título de honorários advocatícios. IV – Remessa oficial parcialmente provida. Apelações desprovidas.” (TRF 1ª R. – Ap-RN-AOrd 4596-34.2011.4.01.3603/MT – Rel. Des. Fed. Souza Prudente – DJe 23.04.2014 – p. 115)

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Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de apelação contra a sentença proferida pelo Juízo da Vara Única Federal da Subseção Judiciária de Sinop/MT, que, nos autos da ação ajuizada contra o Instituto Bra-sileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, julgou procedente o pedido, para assegurar a liberação dos veículos indicados na petição inicial.Em suas razões recursais, requereu a parte autora a reforma parcial da sentença monocrá-tica, “a fim de majorar a verba honorária para um valor justo e condizente com a prática da advocacia, entre os limites mínimos de 10% e máximo de 20% previstos no art. 20, § 3º, do Código de Processo Civil”.O Ibama, em suas razões recursais, alegou o desacerto da sentença monocrática, por-quanto a apreensão de veículos utilizados na prática de infração ambiental encontra am-paro na legislação de regência. Requereu, assim, o provimento do presente recurso, para que seja reformada a sentença a quo.Sem contrarrazões, subiram os autos para o Tribunal, também, por força da remessa oficial.Segundo o voto do Relator:“Com efeito, não obstante os fundamentos em que se amparou o Ibama, a pretensão recursal por ele formulada não merece prosperar, na medida em que o referido decisum se afina com o entendimento jurisprudencial deste eg. Tribunal, no sentido de que é possível a liberação de veículos apreendidos em razão do transporte de madeiras desa-companhadas da devida licença do órgão ambiental, quando a situação fática não indica o uso específico e exclusivo do veículo para a prática de atividades ilícitas, voltadas para a agressão do meio ambiente.”Nesse sentido, é o posicionamento do TRF 1ª Região:“ADMINISTRATIVO – INFRAÇÃO AMBIENTAL – TRANSPORTE DE MADEIRA DESACOM-PANHADA DE AUTORIZAÇÃO PARA TRANSPORTE DE PRODUTOS FLORESTAIS (ATPF) – VEÍCULOS TIPO CARRETA – APREENSÃO – MANDADO DE SEGURANÇA – LIBERAÇÃO – LEI Nº 9.605/1998, ART. 25.1. Em tema de meio ambiente, conforme jurisprudência assente neste Tribunal, caminhão utilizado para o transporte de madeira desacompanhada de ATPF válida, não é passível de apreensão e destinação, na forma do art. 25, § 4º, da Lei nº 9.605/1998, visto que não identificada situação de uso específico e exclusivo para aquela atividade ilícita. (ACr 2004.37.00.007066-3/MA).2. Sentença que concedeu a segurança, para a liberação dos veículos apreendidos, que se confirma.3. Apelação e remessa oficial, tida por interposta, desprovidas.” (AMS 2005.36.00. 009066-3/MT, Rel. Des. Fed. Daniel Paes Ribeiro, 6ª T., e-DJF1 de 14.04.2008, p. 152)“PENAL E PROCESSO PENAL – CRIME AMBIENTAL – INSTRUMENTOS E PRODUTO DO ILÍCITO – APREENSÃO – HIPÓTESES – LEI Nº 9.605/1998, ART. 25; CP, ART. 91; CPP, ART. 118 – CARACTERIZAÇÃO – CAMINHÃO.I – A apreensão e destinação dos produtos e instrumentos vinculados a crime ambiental, de que trata o art. 25 da Lei nº 9.605/1998, encontram-se adstritas às atividades pró-prias, específicas e diretamente vinculadas à lesão do meio-ambiente.II – Em casos de indevida exploração da flora, são instrumentos de prática da infração todo o maquinário e acessórios destinados à devastação ambiental.III – O caminhão utilizado para o transporte das toras indevidamente extraídas da mata, não é passível de apreensão e destinação na forma do art. 25, § 4º, da Lei nº 9.605/1998, posto que não identificada situação de uso específico e exclusivo para aquela atividade ilícita.IV – Não obstante a restrição do alcance da regra do art. 25 da Lei nº 9.605/1998, nada obsta que, mesmo em se tratando de crime ambiental, a apreensão observe-se com am-paro no art. 91 do Código Penal, ou no art. 118 do Código de Processo Penal. V – Não se verificando, no caso concreto, nenhuma das hipóteses legais retratadas, torna--se justificável a restituição, como reconhecido pela decisão recorrida.

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VI – Improvimento da apelação.” (ACr 2004.37.00.007066-3/MA, Rel. Juiz Fed. Alexandre Vidigal de Oliveira (conv.), DJ de 14.09.2005, p. 33)“APREENSÃO DE VEÍCULO – APRESENTAÇÃO DE DEFESA ADMINISTRATIVA – LIBERA-ÇÃO – LEGALIDADE.1. A apresentação de defesa administrativa contra ato de apreensão de veículo usado em infração ambiental autoriza o órgão fiscalizador a liberá-lo (Decreto nº 3.179/1999, art. 2º, § 6º, VIII). Precedentes deste Tribunal.2. Não se aplica o disposto no art. 25, § 4º, da Lei nº 9.605/1998 se não houver provas sobre o uso específico e exclusivo do veículo para a prática delituosa.3. A apreensão de veículo para investigação de possível prática de conduta definida em lei como penal deve ser efetivada perante juiz competente, com jurisdição específica para de-cisões na esfera criminal, sob pena de violação do devido processo legal e do juiz natural.4. Remessa oficial desprovida.” (REOMS 0001977-82.2002.4.01.3301/BA, Rel. Des. Fed. Fagundes de Deus, Juiz Fed. Renato Martins Prates (conv.), 5ª T., e-DJF1 de 09.07.2010, p. 132)“AGRAVO REGIMENTAL EM APELAÇÃO – IBAMA – INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA – TRANSPORTE DE MADEIRA – DIVERGÊNCIA ENTRE A ESPÉCIE DA MADEIRA TRANS-PORTADA E A GUIA FLORESTAL – APREENSÃO DE VEÍCULO – LIBERAÇÃO – POSSI-BILIDADE.1. Na hipótese dos autos, o impetrante, proprietário do veículo apreendido, alugou o veículo a terceiro, não sendo possível afirmar que o mesmo serve exclusivamente para pratica de crimes ambientais. Não há qualquer outra comprovação da participação do impetrante (proprietário do veículo) para o evento, o que permite concluir pela ocorrência de excesso de poder da autoridade impetrada, ao apreender veículo de terceiro que, com-provadamente, agiu com boa-fé.2. Conforme já decidido reiteradamente por esta Corte, ‘a apresentação de defesa ad-ministrativa contra ato de apreensão de veículo usado em infração ambiental autoriza o órgão fiscalizador a liberá-lo (Decreto nº 3.179/1999, art. 2º, § 6º, VIII)’, bem como que ‘não se aplica o disposto no art. 25, § 4º, da Lei nº 9.605/1998 se não houver provas sobre o uso específico e exclusivo do veículo para a prática delituosa’ (REOMS 0001977-82.2002.4.01.3301/BA, Rel. Des. Fed. Fagundes de Deus, Juiz Fed. Renato Martins Prates (conv.), 5ª T., e-DJF1 de 09.07.2010, p. 132).3. Agravo regimental do Ibama improvido.” (AGAMS 2008.41.01.004506-7/RO, Relª Desª Fed. Selene Maria de Almeida, 5ª T., e-DJF1 de 10.02.2012, p. 1246)“ADMINISTRATIVO – AMBIENTAL – TRANSPORTE DE LENHA EM CAMINHÃO – AU-SÊNCIA DE ATPF – MOTORISTA PROFISSIONAL – NÃO REINCIDÊNCIA NA PRÁTICA DE INFRAÇÕES AMBIENTAIS – IMPOSIÇÃO DE MULTA APREENSÃO DA MADEIRA E DO VEÍCULO TRANSPORTADOR – PERMANÊNCIA COM O IMPETRANTE ATÉ JULGAMENTO FINAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO – NOMEAÇÃO DE FIEL DEPOSITÁRIO DO BEM – EXIGÊNCIA DE DEPÓSITO JUDICIAL DO VALOR DA MULTA.1. Considerou o juiz que ‘não há notícias por parte da autoridade ambiental no sentido de que o impetrante seja contumaz violador de normas ambientais, sendo medida despropor-cional a retenção do veículo e sua posterior alienação, mantendo-se a liminar concedida em fls. 35/37’.2. Não há como se questionar a legalidade da apreensão do veículo utilizado para trans-porte de lenha sem a devida cobertura de ATPF. No entanto, entre as alegações feitas na inicial, consta exatamente a de não ter a autoridade coatora nomeado o impetrante ‘como fiel depositário de seu caminhão’.3. Dispõe o art. 105 do Decreto nº 6.514/2008 que ‘os bens apreendidos deverão ficar sob a guarda do órgão ou entidade responsável pela fiscalização, podendo, excepcional-mente, ser confiados a fiel depositário, até o julgamento do processo administrativo’.4. No caso, deve-se atentar para o fato de o infrator ser motorista profissional, dependen-do do veículo para sustentar a família, além de não ser reincidente na prática de crimes ambientais.

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5. Julgou a 3ª Turma deste Tribunal: ‘O caminhão não deve ser considerado, a princípio, instrumento de crime, uma vez que sua finalidade precípua é o trabalho e não a atividade criminosa. Ademais, veículo não constitui coisa cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção implique em fato ilícito. Precedente: ACr 2002.30.00.002164-8/AC, Des. Fed. Hilton Queiroz, 4ª T., DJ 07.11.2003, p.69’; ‘A apreensão de veículo por tempo indeter-minado, sujeitando-o aos efeitos do sol e das intempéries, pode levar, eventualmente, à inutilidade do bem tanto para o proprietário, em caso de absolvição, como para a União, em caso de condenação. Depósito do bem que se impõe para sua devida conservação’ (ACr 200941010042154, Rel. Des. Fed. Carlos Olavo, DJ de 30.07.2010).6. Em caso análogo, decidiu a 6ª Turma desta Corte: ‘Os veículos apreendidos não se destinam única e exclusivamente a causar danos ao meio ambiente, razão pela qual po-dem ser liberados, mediante a aceitação do encargo de fiel depositário pelos respectivos proprietários’; ‘Hipótese em que não há indícios de que os agravantes violem de maneira contumaz as normas ambientais, tampouco que utilizem seus veículos exclusivamente para a extração e transporte ilegal de madeira’ (Ag 200801000176449, Rel. Juiz Fed. David Wilson de Abreu Pardo, DJ de 17.11.2008).7. Apelação parcialmente provida para permitir que o veículo apreendido fique com o impe-trante, na condição fiel depositário, até o julgamento final do processo administrativo, des-de que depositado o valor da multa em juízo.” (AMS 0017928-87.2005.4.01.3600/MT, Rel. Des. Fed. João Batista Moreira, Juiz Fed. Evaldo de Oliveira Fernandes Filho (conv.), 5ª T., e-DJF1 de 07.10.2011, p. 405)Seguindo com o raciocínio do ilustre Magistrado:“De outra banda, a remessa oficial, merece ser parcialmente provida, na medida em que se afigura necessário, na espécie, a nomeação do encargo de fiel depositário ao proprietá-rio do veículo apreendido, até julgamento do processo administrativo instaurado, conforme determina o art. 105 do Decreto nº 6.514/2008, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, no sentido de que ‘os bens apreendidos deverão ficar sob a guarda do órgão ou entidade responsável pela fiscalização, podendo, excepcional-mente, ser confiados a fiel depositário, até o julgamento do processo administrativo’.”Nesse sentido é o posicionamento jurisprudencial, in verbis:“ADMINISTRATIVO – EXTRAÇÃO IRREGULAR DE MADEIRA – ÁREA INDÍGENA – APRE-ENSÃO DE VEÍCULOS – CAMINHÃO E TRATOR – USO EXCLUSIVO PARA A PRÁTICA DE INFRAÇÃO AMBIENTAL – NÃO COMPROVAÇÃO – LIBERAÇÃO – POSSIBILIDADE.1. Pedido de liberação de veículos (caminhão e trator) apreendidos pelo Ibama sob ale-gação de estarem sendo utilizados para destruição de floresta nativa de área indígena. 2. Os veículos apreendidos não se destinam única e exclusivamente a causar danos ao meio ambiente, razão pela qual podem ser liberados, mediante a aceitação do encargo de fiel depositário pelos respectivos proprietários. 3. Hipótese em que não há indícios de que os Agravantes violem de maneira contumaz as normas ambientais, tampouco que utilizem seus veículos exclusivamente para a extração e transporte ilegal de madeira. 4. Agravo de instrumento a que se dá provimento.” (TRF 1ª R., Ag 200801000176449, Rel. Juiz Fed. Conv. David Wilson de Abreu Pardo, 6ª T., DJ de 17.11.2008)“ADMINISTRATIVO – AMBIENTAL – TRANSPORTE DE LENHA EM CAMINHÃO – AU-SÊNCIA DE ATPF – MOTORISTA PROFISSIONAL – NÃO REINCIDÊNCIA NA PRÁTICA DE INFRAÇÕES AMBIENTAIS – IMPOSIÇÃO DE MULTA APREENSÃO DA MADEIRA E DO VEÍCULO TRANSPORTADOR – PERMANÊNCIA COM O IMPETRANTE ATÉ JULGAMENTO FINAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO – NOMEAÇÃO DE FIEL DEPOSITÁRIO DO BEM – EXIGÊNCIA DE DEPÓSITO JUDICIAL DO VALOR DA MULTA.1. Considerou o juiz que ‘não há notícias por parte da autoridade ambiental no sentido de que o impetrante seja contumaz violador de normas ambientais, sendo medida despropor-cional a retenção do veículo e sua posterior alienação, mantendo-se a liminar concedida em fls. 35/37’.2. Não há como se questionar a legalidade da apreensão do veículo utilizado para trans-porte de lenha sem a devida cobertura de ATPF. No entanto, entre as alegações feitas na

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inicial, consta exatamente a de não ter a autoridade coatora nomeado o impetrante ‘como fiel depositário de seu caminhão’.3. Dispõe o art. 105 do Decreto nº 6.514/2008 que ‘os bens apreendidos deverão ficar sob a guarda do órgão ou entidade responsável pela fiscalização, podendo, excepcional-mente, ser confiados a fiel depositário, até o julgamento do processo administrativo’.4. No caso, deve-se atentar para o fato de o infrator ser motorista profissional, dependen-do do veículo para sustentar a família, além de não ser reincidente na prática de crimes ambientais. 5. Julgou a 3ª Turma deste Tribunal: ‘O caminhão não deve ser considerado, a princípio, instrumento de crime, uma vez que sua finalidade precípua é o trabalho e não a atividade criminosa. Ademais, veículo não constitui coisa cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção implique em fato ilícito. Precedente: ACr 2002.30.00.002164-8/AC. Des. Fed. Hilton Queiroz; 4ª T., DJ 07.11.2003, p. 69’; ‘a apreensão de veículo por tempo indeter-minado, sujeitando-o aos efeitos do sol e das intempéries, pode levar, eventualmente, à inutilidade do bem tanto para o proprietário, em caso de absolvição, como para a União, em caso de condenação. Depósito do bem que se impõe para sua devida conservação’ (ACr 200941010042154, Rel. Des. Fed. Carlos Olavo, DJ de 30.07.2010).6. Em caso análogo, decidiu a 6ª Turma desta Corte: ‘Os veículos apreendidos não se destinam única e exclusivamente a causar danos ao meio ambiente, razão pela qual po-dem ser liberados, mediante a aceitação do encargo de fiel depositário pelos respectivos proprietários’; ‘hipótese em que não há indícios de que os Agravantes violem de maneira contumaz as normas ambientais, tampouco que utilizem seus veículos exclusivamente para a extração e transporte ilegal de madeira’ (Ag 200801000176449, Rel. Juiz Fed. David Wilson de Abreu Pardo, DJ de 17.11.2008).7. Apelação parcialmente provida para permitir que o veículo apreendido fique com o impe-trante, na condição fiel depositário, até o julgamento final do processo administrativo, des-de que depositado o valor da multa em juízo.” (AMS 0017928-87.2005.4.01.3600/MT, Rel. Des. Fed. João Batista Moreira, Juiz Fed. Evaldo de Oliveira Fernandes Filho (conv.), 5ª Turma, e-DJF1 de 07.10.2011, p. 405)“PENAL E PROCESSUAL PENAL – RESTITUIÇÃO DE COISA APREENDIDA – CAMINHÃO e TORAS DE MADEIRA – PROPRIEDADE DO CAMINHÃO COMPROVADA – INEXISTÊN-CIA DE JUSTA CAUSA PARA A MANUTENÇÃO DA APREENSÃO – RECURSO PROVIDO – NOMEAÇÃO DE FIEL DEPOSITÁRIO DO BEM.1. A restituição de coisas apreendidas no curso de inquérito ou de ação penal condiciona--se a três requisitos cumulativos, quais sejam: demonstração cabal da propriedade do bem pelo requerente (art. 120, caput, CPP); ausência de interesse no curso do inquérito ou da instrução judicial na manutenção da apreensão (art. 118 CPP) e não estar o bem sujeito à pena de perdimento (art. 91, inciso II, CP). Este é o entendimento que vem sendo adotado no âmbito desta eg. Corte. 2. O caminhão não deve ser considerado, a princípio, instrumento de crime, uma vez que sua finalidade precípua é o trabalho e não a atividade criminosa. Ademais, veícu-lo não constitui coisa cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção implique em fato ilícito. Precedente: ACr 2002.30.00.002164-8/AC, Des. Fed. Hilton Queiroz, 4ª T., DJ 07.11.2003, p. 69.3. A apreensão de veículo por tempo indeterminado, sujeitando-o aos efeitos do sol e das intempéries, pode levar, eventualmente, à inutilidade do bem tanto para o proprietário, em caso de absolvição, como para a União, em caso de condenação. Depósito do bem que se impõe para sua devida conservação. 4. Apelação provida. Requerente nomeado fiel depositário do caminhão. Manutenção da apreensão das toras de madeira, nos termos da Lei nº 9.605/1998.” (TRF 1ª R., ACr 200941010042154, Rel. Des. Fed. Carlos Olavo, 3ª T., DJ de 30.07.2010)Por fim, no tocante ao recurso interposto pela parte autora, verifica-se que nos termos do art. 20 do CPC, in verbis:

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“Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria. § 1º Omissis§ 2º Omissis§ 3º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, atendidos: a) o grau de zelo do profissional; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 01.10.1973)b) o lugar de prestação do serviço; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 01.10.1973)c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigi-do para o seu serviço. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 01.10.1973)§ 4º Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)§ 5º Omissis.”Assim, entendeu o Relator que, para fixação da verba honorária, como se vê da leitura do referido art. 20, há de ser aplicado o disposto no seu § 4º, não estando o juízo adstrito, no caso, ao percentual mínimo de 10% (dez por cento) e máximo de 20% (vinte por cento).

1119 – Licença ambiental municipal – transporte interestadual de combustível – competência do Ibama para expedir licença – reconhecimento

“Constitucional e administrativo. Processual civil. Embargos de declaração. Ambiental. Transpor-te rodoviário interestadual de combustível. Licença ambiental municipal. Competência do Ibama para expedir a licença. Atividade que oferece risco em âmbito regional e nacional. Multa aplicada. Inexistência de omissão, obscuridade ou contradição. Efeitos modificativos. Inconformismo com a decisão proferida. 1. Não devem prosperar embargos declaratórios opostos com a finalidade de emprestar efeitos modificativos ao julgado, quando neste inexiste omissão, contradição ou obscu-ridade e o embargante se limita a demonstrar seu inconformismo com o que foi decidido. 2. Foi devidamente esclarecido no acórdão combatido que a competência do Ibama para licenciar a ati-vidade em questão – transporte rodoviário de substâncias perigosas – estava configurada em razão da abrangência do impacto ao meio ambiente e não em virtude da titularidade do bem atingido. Ressaltou-se, portanto, que, como a empresa autora faz transporte de combustíveis entre Estados, ela deveria possuir uma licença de atividade expedida pelo Ibama e não pela CPRH. 3. O tão só propósito de prequestionar, sem a existência, no caso concreto, de quaisquer dos pressupostos elencados no art. 535 do Código de Processo Civil, não constitui razão suficiente para a oposição dos embargos declaratórios, consoante prega a pacífica jurisprudência do STJ e deste Tribunal. Em-bargos de declaração desprovidos.” (TRF 5ª R. – AC 0003501-22.2012.4.05.8000/01 – (563387/AL) – 1ª T. – Rel. Des. Fed. José Maria de Oliveira Lucena – DJe 10.04.2014 – p. 163)

1120 – Meio ambiente – empreendimento imobiliário – circulação com veículos pesados em via pública – risco de dano ambiental – reconhecimento

“Agravo de instrumento. Ação civil pública. Pleito de acesso à via pública com veículos pesados onde se realiza empreendimento imobiliário. Impossibilidade. Risco de dano ao meio ambiente por comodidade do empreendedor. Fato constatado por perícia. Ausência de dano irreparável. Recurso conhecido e desprovido. Pelo conjunto probatório constante dos autos evidencia-se que a permis-são pelo Poder Judiciário para que a agravante circule com os veículos (pesados e de grande porte) que entender necessário para a execução de seu empreendimento, implicará dano ao meio ambien-te, na medida em que, parte da mata nativa existente no final da via pública que se pretende utilizar teria de ser suprimida apenas por questão de comodidade do empreendedor, conforme constatado em sentença. O direito individual ou econômico do agravante não pode se sobrepor ao interes-

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se da coletividade de ter o meio ambiente ecologicamente equilibrado.” (TJPR – AI 1141704-2 – 5ª C.Cív. – Rel. Des. Luiz Mateus de Lima – DJe 04.04.2014 – p. 173)

1121 – Meio ambiente – exploração florestal – autorização – admissibilidade

“Apelação cível. Autorização de Exploração Florestal (Autex). Vício ou ilegalidade no ato adminis-trativo não comprovado. Suspensão indevida da autorização. Extravio do processo administrativo, anterior, junto ao Ibama. Recurso improvido. 1. Conforme se verifica nos autos, existe um plano de manejo florestal sustentável devidamente autorizado pelo órgão ambiental federal (Ibama) para exploração da área pertencente ao recorrido, porém, o mesmo foi extraviado, tendo o recorrido apresentado um novo plano de manejo ambiental sustentável junto à Secretaria Estadual de Meio Ambiente – Sema, ensejando a expedição da Autorização para Exploração Florestal nº 800/2009. 2. Ao emitir a Autex (Autorização para Exploração Florestal), a Secretaria Estadual do Meio Ambien-te obedece à legislação florestal do Estado, resoluções do Conselho Nacional do Meio ambiente – Conama e ao Código Florestal. Neste aspecto, não havendo qualquer vício ou ilegalidade no ato administrativo, não há que se falar em suspensão da aludida autorização de exploração da área. 3. É ponto pacífico na doutrina e na jurisprudência que a mudança de critério na interpretação da norma jurídica não autoriza a anulação ou a revogação do ato administrativo fundado em inter-pretação anterior. 4. Além do mais, o extravio do processo administrativo referente ao projeto de Manejo Florestal Sustentável aprovado pelo Ibama em 23.11.1995, não autoriza a inversão do ônus da prova quanto aos elementos do momento da concessão.” (TJMT – Ap 142204/2012 – Relª Desª Serly Marcondes Alves – DJe 09.04.2014 – p. 19)

1122 – Meio ambiente – obras de conservação em faixa de domínio de rodovia federal – licen-ciamento ambiental – desnecessidade

“Constitucional. Administrativo. Obras de conservação em faixa de domínio de rodovia federal. Licenciamento ambiental. Desnecessidade. Autuação. Legitimidade, quando a realização dos res-pectivos serviços não respeita a legislação de regência. 1. Tratando-se de obras de conservação de rodovia federal, realizadas dentro da faixa de domínio, a realização da mesma, observadas as dire-trizes fixadas em atos normativos do órgão ambiental, não depende de licenciamento ambiental, à luz do quanto disposto no § 2º do art. 2º da Instrução Normativa nº 02/2010, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. 2. Ocorrendo, porém, na realização dos serviços de conservação ofensa à legislação de regência, legítimas as autuações delas decorrentes. 3. Remessa oficial não provida.” (TRF 1ª R. – RN 0005515-77.2011.4.01.3100/AP – Rel. Des. Fed. Carlos Moreira Alves – DJe 04.04.2014 – p. 1013)

1123 – Meio ambiente – recuperação de área – demolição de residência – possibilidade

“Agravo de instrumento. Direito ambiental. ACP. Cumprimento de sentença. Demolição e recu-peração da área. A medida deferida possui caráter irreversível e satisfativo, pois determina não só a demolição da residência existente no local, como também a retirada de estruturas físicas ainda existentes, recuperando a respectiva área.” (TRF 4ª R. – AI 0001123-30.2013.404.0000/SC – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Cândido Alfredo Silva Leal – DJe 02.04.2014 – p. 85)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto contra decisão exarada no cumprimento de sentença 2004.72.08.001001-5 – ACP movida pelo MPF contra o ora agravante, que construiu em área irregular. A decisão agravada possui a seguinte redação: À luz dos argumentos expostos pelo MPF às fls. 591/592, reintime-se o executado do despacho de fl. 584. A parte agravante sustentou que há execução extra petita, na medida em que a obrigação de fazer resultado da sentença da ACP, e em atual execução, já foi cumprida. Narra que o objeto da ACP era a demolição da residência e não se referia à ruela e muro de arrimo, benfeitorias ora guerreadas. Afirmou que essas estruturas já foram alvo de análise pelos

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órgãos competentes e estão atualmente arquivados. Alegou que não pode ser responsabi-lizado por situação criada antes de ser proprietário do bem.Foi proferida decisão indeferindo o efeito suspensivo.O MPF manifestou-se pelo desprovimento do recurso.Segundo o voto do Relator:“A decisão inicial, proferida por este relator, que indeferiu o efeito suspensivo, está assim fundamentada:Para elucidar os fatos, necessários retrospecto dos atos processuais. A sentença condenou Aducci Correia a retirar e demolir a obra construída e elaborar plano de recuperação de área degradada (PRAD), fl. 294. Por maioria, a sentença foi mantida nesta Corte (fl. 357). O feito foi até o STF e a sentença não se alterou.O réu apresentou o PRAD (fls. 478/510). O MPF foi intimado, recusou o PRAD porque vagamente se referia à remoção das edificações (fl. 517). Houve apresentação de outro Projeto (fls. 522/549). O MPF requereu vistoria do Ibama. Como resultado, o Instituto constatou a presença de muro de arrimo e ruelas na área considerada de preservação permanente (fl. 592), fotos correspondentes às fls. 559/566.Na fl. 584, o juiz determinou ao réu que readequasse o programa de recuperação para a retirada das referidas ruela e muro de arrimo. Em anterior manifestação, o réu afirma que há procedimento administrativo federal, onde o MPF e o Ibama acompanharam todo o projeto de recuperação da área, autorizando as obras ora atacadas. Repisa que a sentença em execução limita-se à demolição da casa existente (fl. 609). Dada a palavra ao MPF, este explicou que [...] de fato, com a abertura da Rodovia In-terpraias, houve um deslocamento de terra e pedras sobre o terreno do réu oriundos dos trabalhos de terraplanagem, o que levou o antigo proprietário a elaborar e implementar um projeto denominado de ‘projeto técnico de reurbanização da aguada’, tendo realizado alguns trabalhos de engenharia como construção de muro de arrimo, plantio de gramíneas próximo à encosta e canalização das águas oriundas da rodovia. [...]. Assim se vê que o muro de arrimo mencionado nos últimos pareceres do Ibama e do Ministério Público Federal não é o mesmo aludido no projeto do proprietário anterior. (fl. 612, verso).Então, o juiz repisou a determinação de readequação do Projeto pelo réu (fl. 614), ense-jando a presente insurgência.”Para o Relator:“Primeiro, a petição inicial da ACP aponta que a obra irregular seria uma residência ainda em fase de construção e descrita no procedimento administrativo em anexo (fls. 20/21). Todavia, o referido procedimento administrativo não está acostado aos autos. É ônus da parte agravante carrear aos autos toda a documentação útil a sustentar a sua tese. Não sendo possível delimitar especificamente qual o objeto a ser demolido, fica vago mencio-nar que há cumprimento de sentença extra petita.Segundo, a sentença transitada em julgado é genérica sobre a condenação do agravante decorrente de sua responsabilidade pela edificação em área de preservação permanente. A perfeita delimitação do cumprimento da sentença ocorre justamente na fase ora pre-sente. Terceiro, cumpre assinalar que sobre a insurgência contra procedimentos já analisados e refugados, o MPF e o Ibama são muito claros em explicitar que são obras diferentes entre si. Quarto, a remoção do muro e da ruela é parte do cumprimento da sentença, cujo objetivo final é a recuperação da área. O analista ambiental do Ibama afirma que a retirada integral do muro, das ruas e seus entulhos, que a plena recuperação desejada para a área deverá incluir também a remoção do muro de arrimo, bem como das ruelas de acesso a praia e a antiga edificação, para que ali também ocorra, com a aplicação das técnicas de recupe-ração ambiental, a regeneração do ambiente da Mata Atlântica.”Dessa forma, o Relator indeferiu o pedido de efeito suspensivo.

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1124 – Meio ambiente do trabalho – dano moral – ausência de banheiro químico no canteiro de obra – afronta às normas de saúde e segurança no ambiente de trabalho – reconheci-mento

“Recurso ordinário. Vínculo empregatício. Da análise dos elementos probatórios dos autos, conclui--se que a reclamada executou a obra em que o reclamante afirma ter laborado e foi a real empre-gadora do obreiro, não havendo que se falar em responsabilidade de subempreiteiras. Dano moral. Ausência de banheiro químico no canteiro de obra. Transporte inadequado. Afronta às normas de saúde e segurança no ambiente de trabalho. Constatando-se que o empregado era submetido a condições de trabalho degradantes, em virtude do desrespeito às normas de segurança e higiene no ambiente de trabalho, de modo a afrontar à dignidade do trabalhador, devida a indenização por danos morais. Honorários advocatícios. Empregado não assistido por sindicato. Incidência do entendimento previsto nas Súmulas nºs 219 e 329 do TST. Não comprovando o reclamante que se encontra assistido pelo sindicato representativo de sua categoria profissional, restam indevidos os honorários advocatícios, ex vi do entendimento constante das Súmulas nºs 219 e 329 do TST. Recurso parcialmente provido.” (TRT 7ª R. – RO 0001416-16.2011.5.07.0028 – 2ª T. – Rel. Durval César de Vasconcelos Maia – DJe 20.05.2014 – p. 15)

Comentário Editorial SÍNTESENo presente caso, configurou-se a violação às normas de saúde e segurança no ambiente de trabalho, por ausência de banheiro químico no canteiro de obras.A empresa foi condenada ao pagamento de indenização por danos morais, sob o funda-mento de que no canteiro de obra não eram disponibilizados banheiros químicos e, além disso, o transporte dos empregados de casa para o trabalho era realizado em caminhão aberto, no qual os obreiros eram amontoados e transportados na carroceria.Assim, intenta excluir tal parcela da condenação argumentando que fornecia tanto banhei-ros químicos como transporte adequado para uso de seus empregados.Todavia, o Relator, em seu voto, assim fundamentou:“Semelhantes circunstâncias tornam as condições de trabalho degradantes, em virtude do desrespeito às normas de segurança e higiene no ambiente de trabalho, de modo a afrontar à dignidade do trabalhador e ensejar indenização por danos morais. Os contratos acostados aos autos não socorrem a reclamada. Aquele que tem por objeto a locação de banheiros químicos, assinado em 08.02.2010, renovado automaticamente por igual prazo, diz respeito apenas a um período da obra, não abrangendo o contrato de trabalho do reclamante.”Nessa esteira de raciocínio, temos a lição da Mestre Rúbia Zanotelli de Alvarenga:“A dignidade da pessoa humana, inserida nesse contexto dos direitos fundamentais, en-contra-se no ápice e constitui a unidade dos direitos e garantias individuais e sociais, repe-lindo qualquer comportamento que atente contra a pessoa humana. A dignidade de cada homem consiste em ser essencialmente uma pessoa, um ser cujo valor ético é superior a todos os demais no mundo.Essa afirmação encontra-se, inclusive, postulada no art. I da Declaração Universal dos Direitos do Homem: ‘Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade’.[...]O princípio da dignidade da pessoa humana está albergado no art. 1º, III, da Constituição de 1988. Há ao RT. 170, caput, VIII, no qual a ordem econômica reconhece a existência de desigualdades e pretende a sua redução, assegurando existência digna. Há também os propósitos expressos nos incisos I e II do art. 3º da CF/1988, entre os quais o de construir, numa sociedade solidária, com a erradicação da pobreza e a redução de desigualdades. Referidos dispositivos constitucionais prestigiam a primazia da dignidade da pessoa hu-mana como um valor absoluto que permeia a prevalência dos Direitos Humanos sobre todo o ordenamento jurídico pátrio brasileiro.” (O direito do trabalho como dimensão dos direitos humanos. São Paulo: LTr, 2009. p. 63-64)

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Por último, destaca-se a seguinte súmula, publicada pela Resolução nº 194/2014 do TST:“SÚMULA Nº 448 – ATIVIDADE INSALUBRE – CARACTERIZAÇÃO – PREVISÃO NA NORMA REGULAMENTADORA Nº 15 DA PORTARIA DO MINISTÉRIO DO TRABALHO Nº 3.214/1978 – INSTALAÇÕES SANITÁRIAS– (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 4 da SBDI-1 com nova redação do item II). I – Não basta a constatação da insalubrida-de por meio de laudo pericial para que o empregado tenha direito ao respectivo adicional, sendo necessária a classificação da atividade insalubre na relação oficial elaborada pelo Ministério do Trabalho. II – A higienização de instalações sanitárias de uso público ou coletivo de grande circulação, e a respectiva coleta de lixo, por não se equiparar à limpeza em residências e escritórios, enseja o pagamento de adicional de insalubridade em grau máximo, incidindo o disposto no Anexo 14 da NR-15 da Portaria do MTE nº 3.214/78 quanto à coleta e industrialização de lixo urbano. (Conversão em súmula pela Resolução nº 194/2014 – DJe 22.05.2014).”

1125 – Meio ambiente do trabalho – princípio da dignidade da pessoa humana – trabalho nas estações de tubo – ausência de água potável – violação

“Trabalho nas ‘estações tubo’. Ausência de água potável. Violação à Norma Regulamentadora nº 24 do MTE e ao princípio da dignidade da pessoa humana. Concessão de prazo para regulari-zação. Multa administrativa pelo não cumprimento. Restou devidamente comprovado, mediante parecer do MPT, que inexiste, nos postos de trabalho das ‘estações tubo’, água potável disponível para os cobradores, em desrespeito ao item 24.7.7 da NR 24 do MTE. Referida NR visa, dentre outras finalidades, dar concretude à garantia constitucional da dignidade da pessoa humana, valor supremo e fundante de todo o ordenamento jurídico pátrio, pois voltada ao oferecimento de con-dições sanitárias e de conforto mínimas nos locais de trabalho. Frisa-se que se trata de obrigação dirigida ao empregador, intransferível, uma vez que é o destinatário da norma impositiva. Portanto, regular a imposição de multa administrativa pelo órgão do MPT/PR, diante da não regularização da situação no prazo concedido. Recurso ordinário de ‘Auto Viação Redentor’ (parte autora) a que se nega provimento.” (TRT 9ª R. – RO 0001010-67.2013.5.09.0028 – Relª Rosalie Michaele Bacila Batista – DJe 20.05.2014 – p. 152)

Comentário Editorial SÍNTESEO TRT da 9ª Região, no acórdão em destaque, reconheceu a violação ao princípio da dignidade da pessoa humana no trabalho nas estações de tubo sem água potável para os trabalhadores.É a redação do seguinte item da NR 24 da Portaria nº 3214 do MTE:“24.7.1 – Em todos os locais de trabalho deverá ser fornecida aos trabalhadores água potável, em condições higiênicas, sendo proibido o uso de recipientes coletivos. Onde houver rede de abastecimento de água deverão existir bebedouros de jato inclinado e guarda protetora, proibida sua instalação em pias ou lavatórios, e na proporção de 1 (um) bebedouro para cada 50 (cinqüenta) empregados.24.7.1.1 – As empresas devem garantir, nos locais de trabalho, suprimento de água potável fresca em quantidade superior a 1/4 de litro (250 ml) por hora/homem trabalho.24.7.1.2 – Quando não for possível obter água potável corrente, essa deverá ser fornecida em recipientes portáteis hermeticamente fechados de material adequado e construído de maneira a permitir fácil limpeza.24.7.2 – A água não potável para uso no local de trabalho ficará separada e deve ser afixado aviso de advertência da sua não potabilidade.24.7.3 – Os poços e as fontes de água potável serão protegidos contra a contaminação.24.7.4 – Nas operações em que se empregam dispositivos que sejam levados à boca, somente serão permitidos os de uso estritamente individual, substituindo-se, sempre que for possível, por outros de processos mecânicos.24.7.5 – Os locais de trabalho serão mantidos em estado de higiene compatível com o gênero de atividade. O serviço de limpeza será realizado, sempre que possível, fora do horário de trabalho e por processos que reduzam ao mínimo o levantamento de poeiras.

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24.7.6 – Deverão os responsáveis pelos estabelecimentos industriais dar aos resíduos destino e tratamento que os tornem inócuos aos empregados e à coletividade. (Antigo item 24.6 renumerado pela Portaria SSST nº 13, de 17.09.1993, DOU 21.09.1993).”Outro dispositivo de extrema relevância é o inciso III do art. 1º da CF/1988:“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:[...]III – a dignidade da pessoa humana;[...].”Os Drs. Magno Federici Gomes e Frederico Oliveira Freitas tecem as seguintes conside-rações:“Dessa maneira, em conformidade com Sarlet (2004), o princípio da dignidade da pessoa humana atua como elemento fundante e informador dos direitos e garantias fundamen-tais, ainda servindo de parâmetro para aplicação, interpretação e integração, não apenas de tais pretensões constitucionais, mas de todo o ordenamento jurídico.Como observou Haberle (2009), na Alemanha, o Tribunal Constitucional Federal tem feito do art. 1º, inciso I, da Lei Fundamental própria o ponto de partida dos direitos fundamen-tais, concebendo a dignidade humana como raiz de tais pretensões essenciais.Portanto, os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana apresentam, como traço comum, o fato de que ambos ‘atuam no centro do discurso jurídico constitucional, como um DNA, como um código genético, convivendo, de forma indissociável’.Verifica-se ser inseparável a inter-relação entre a dignidade da pessoa e as pretensões constitucionais, mesmo em ordens normativas nas quais a dignidade ainda não mereceu referência expressa, porque os direitos fundamentais são inerentes à pessoa humana.Conforme Biagi (2005), tais direitos ‘são os pressupostos elementares de uma vida huma-na livre e digna, tanto para o indivíduo como para a comunidade: o indivíduo só é livre e digno numa comunidade livre; a comunidade só é livre se for composta por homens livre e dignos’.Consoante já salientado, Moraes (2003) pensa que o substrato material da dignidade da pessoa humana compreende quatro princípios jurídicos, nomeadamente os da igualda-de, liberdade, integridade física/moral (psicofísica) e solidariedade que, segundo Sarlet (2009), ‘encontram-se vinculados a todo um conjunto de direitos fundamentais’.Ainda para Sarlet (2004), essas pretensões essenciais constituem explicitações da dig-nidade da pessoa humana. Nesse ínterim, em cada direito fundamental se faz presente um conteúdo ou, pelo menos, alguma projeção da dignidade da pessoa. Essa dignidade, na condição de valor fundamental, atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais de qualquer dimensão (ou geração). Como consequência, ‘sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, em verdade estar-se-á negando--lhe a própria dignidade’.[...]O Estado Democrático de Direito exige a garantia dos direitos fundamentais e, para tanto, deve estar centrado na dignidade da pessoa humana, já que os direitos são postos a serviço da realização do homem como pessoa. Nessa perspectiva, a dignidade da pessoa humana deve figurar como valor jurídico supremo, pois ela é a base das pretensões essen-ciais e o fundamento de uma constituição operante.É certo que o desrespeito à vida, à integridade física e moral do ser humano, às condições mínimas a uma existência digna, ao reconhecimento e aplicação dos direitos fundamen-tais somente contribuirá para a ‘desmoralização’ da dignidade da pessoa humana, e, nesse contexto, o indivíduo estará fadado a abusos e injustiças sociais.Infelizmente, o Brasil ainda não aprendeu a exercer satisfatoriamente a dignidade da pessoa humana, e, frequentemente, as pretensões subjetivas constitucionais não são con-cretizadas na prática.

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O entendimento simplista de que o conceito de dignidade da pessoa humana é algo per-dido e vazio deve ser rechaçado, pois tal pensamento servirá apenas para menosprezar a real importância do instituto, além de contribuir para o voluntarismo hermenêutico arbitrário a ser perpetrado pelo Poder Judiciário.Os juristas não devem invocar a dignidade da pessoa humana de modo inflacionário, porque isso acarreta a sua desvalorização. Os operadores do direito devem conhecer o conteúdo e o alcance da dignidade da pessoa humana e os seus pontos de contato com os direitos fundamentais.Tais objetivos também poderão contribuir na tarefa de se interpretar, em um caso concre-to, o princípio da dignidade da pessoa humana, dada a conexão entre os institutos, prin-cipalmente a premissa de que os direitos fundamentais são concretizações da dignidade da pessoa humana.É fato que, atualmente, tem-se elevado o valor jurídico e o grau de importância atribuído à dignidade da pessoa humana e às pretensões constitucionais; isso, consequentemente, faz com que se torne cada vez mais trivial a alegação desses institutos no mundo jurídico.Percebe-se que, a cada dia, o estudo aprofundado, a compreensão, o desenvolvimento e a aplicação da dignidade da pessoa humana tornam-se mais essenciais para toda a sociedade.Face ao exposto, é de suma importância que a dignidade da pessoa humana não seja tratada pelos operadores do direito com arbitrariedade, com interpretações e aplicações infundadas, pois isso contribuirá para a sua banalização e perda do seu real significado, além de gerar um cenário de insegurança jurídica, o que é totalmente contrário ao seu pro-pósito.” (Os direitos fundamentais e o princípio da dignidade da pessoa humana no estado democrático de direito. Disponível em: online.sintese.com. Acesso em: 23 maio 2014)

1126 – Multa administrativa ambiental – nulidade do auto de infração – não ocorrência – li-cença ambiental – concessão por órgão estadual – competência fiscalizatória do Ibama – princípios do poluidor-pagador e do usuário-pagador – aplicabilidade

“Administrativo. Ação ordinária. Multa administrativa ambiental. Nulidade do auto de infração. Não ocorrência. Licença ambiental concedida por órgão estadual. Competência fiscalizatória do Ibama. Aplicação dos princípios do poluidor-pagador e do usuário-pagador. 1. As alegações do apelante quanto à existência de irregularidades no auto de infração e no processo administrativo que culminou na aplicação da multa ambiental não passam de mera conjectura, sem demonstra-ção de fundamentos fáticos e legais para tanto. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de que, verificada a omissão do órgão estadual na fiscalização da outorga de licença ambiental, o Ibama pode exercer seu poder de polícia administrativa, com base no § 3º do art. 10 da Lei nº 6.398/1981, tendo em vista a distinção entre as competências de licenciar e de fiscalizar. 3. A responsabilidade pela reparação do dano ambiental constitui obrigação propter rem, sendo possível cobrar também do atual proprietário a reparação por danos causados pelos proprietários antigos. Precedentes do STJ. 4. Impõe-se, na hipótese, a aplicação dos princípios do ‘poluidor-pagador’ e do ‘usuário-pagador’, previstos no art. 4º, VII, da Lei nº 6.938/1981, segundo o qual cabe ao poluidor e ao predador a obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, a contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos. 5. Sentença mantida por seus próprios fundamentos.” (TRF 4ª R. – AC 0004811-27.2006.404.7216/SC – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle – DJe 02.04.2014 – p. 92)

1127 – Multa administrativa ambiental – responsabilidade civil de reparar o dano – nexo causal – não demonstração – nulidade do auto de infração – possibilidade

“Administrativo. Ação ordinária. Multa administrativa ambiental. Responsabilidade. Nexo causal não demonstrado. Nulidade do auto de infração. Honorários advocatícios. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de que a responsabilidade civil de reparar o dano difere da responsabilidade administrativa decorrente de multa aplicada pela prática de infração am-biental, sendo que apenas a primeira adere à propriedade, como obrigação propter rem. 2. Não de-

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monstrado, na hipótese, o nexo causal entre as ações e os danos ambientais descritos nos autos de infração impugnados, não há como imputar ao demandante a responsabilidade pelo pagamento das respectivas sanções aplicadas. 3. O valor fixado na sentença em sede de honorários advocatícios mostra-se compatível com as peculiaridades do caso concreto e com os parâmetros estabelecidos no art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC.” (TRF 4ª R. – AC 0010865-91.2005.404.7200/SC – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle – DJe 09.04.2014 – p. 84)

1128 – Parcelamento do solo – loteamento irregular – regularização – possibilidade

“Embargos de declaração. Ação civil pública. Loteamento irregular. Pretensão do autor em compelir o Município e as rés a promover a regularização do loteamento irregular, bem como o pagamento por prejuízos causados ao meio ambiente, à ordem urbanística e à espera jurídica dos adquirentes dos lotes. Responsabilidade da municipalidade. Prazo razoável e cabimento de multa diária. Remo-ção das edificações existentes no imóvel loteado, caso não seja possível a regularização. Descabi-mento. Fracionamento dos lotes já consolidado há tempos, a remoção dos moradores dependeria da sua inclusão no polo passivo da ação. Sentença mantida. Recursos desprovidos. Embargos de declaração opostos pela rés apelantes, aduzindo ter o v. acórdão sido omisso. Inexistência, contu-do, do propalado vício. Embargos, outrossim, que visam à concessão de efeitos infringentes ao pre-sente recurso. Não preenchimento dos requisitos do art. 535 do Código de Processo Civil. Embargos rejeitados.” (TJSP – EDcl 0004294-12.2011.8.26.0099 – Bragança Paulista – 12ª CDPúb. – Rel. Wanderley José Federighi – DJe 16.04.2014 – p. 1618)

1129 – Poluição – indenização por danos morais – petição inicial genérica – inépcia – reconhe-cimento

“Apelação cível. Indenização por danos morais. Poluição ambiental. Petição inicial. Inépcia. Causa de pedir genérica. Ausência de especificação, de forma razoável, dos danos individuais, efetiva-mente, sofridos. Impossibilidade de emenda após a estabilização da demanda. Recurso conhecido e provido para reconhecer a inépcia da petição inicial e julgar o feito extinto, sem resolução do mérito. 1. De acordo com o art. 282, III, do CPC, a parte autora deve trazer, na petição inicial, a descrição dos fatos e dos fundamentos jurídicos do pedido. A inobservância deste requisito conduz ao indeferimento imediato da inicial, por ser impossível um pronunciamento judicial sobre algo indefinido. 2. No caso, a petição inicial não observou este requisito, pois está fundada na alegação genérica de contaminação do meio ambiente, sem qualquer especificação razoável do dano sofrido na esfera pessoal e dos motivos pelos quais seria cabível uma indenização, razão pela qual deve ser indeferida. 3. ‘Constatada a inépcia da petição inicial após o oferecimento da contestação, não se admite a emenda da inicial se isso acarretar alteração da causa de pedir ou do pedido’ (STJ, AgRg--AREsp 255008/DF, Rel. Antônio Carlos Ferreira, J. 19.02.2013, Pub. DJe 04.03.2013).” (TJPR – AC 1111910-1 – 9ª C.Cív. – Rel. Des. Francisco Luiz Macedo Junior – DJe 23.04.2014 – p. 458)

1130 – Poluição das águas – contaminação – irrigação – morte de 120 mil mudas de morango – dano moral – não caracterização

“Responsabilidade civil. Danos materiais e moral. Morte de 120 mil mudas de morango, devido à contaminação das águas de córrego pela empresa requerida, usadas pela autora para irrigação pre-sunção simples de culpa da ré juiz que não está adstrito à conclusão do laudo pericial princípio do livre convencimento do juiz. Danos emergentes devidos diante da competência concorrente para legislar e dispor sobre meio ambiente, deve-se observar a norma que melhor preserve a natureza. A autora não faz jus aos lucros cessantes, porque não poderia comercializar os frutos irrigados com água inadequada (Classe 2), pois poderiam por em risco a saúde humana, mas sim ao ressarcimento dos valores despendidos com a aquisição das mudas, preparação do solo e plantio. Dano moral não caracterizado. Recurso provido em parte.” (TJSP – Ap 0322617-66.2009.8.26.0000 – Valinhos – 1ª CDPriv. – Rel. Alcides Leopoldo e Silva Júnior – DJe 15.04.2014 – p. 1592)

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1131 – Poluição das águas – obrigação de fazer – impedimento de vazamento de emulsão asfál-tica em rios – proteção do meio ambiente pelo Poder Público – obrigatoriedade

“Recurso ex officio. Ação civil pública ambiental. Poluição de lago com emulsão asfáltica. 1. Obri-gação de fazer consistente em tomar medidas para impedir que ocorra vazamento de emulsão asfáltica em rios. Dever do Poder Público de defender e proteger o meio ambiente. Inteligência do art. 225, caput, da Constituição Federal. 2. Pretendido plantio de árvores e soltura de peixes. Dano ambiental configurado. Necessidade de reparação. Inteligência dos arts. 4º, VII, e 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981. Sentença mantida. Recurso improvido.” (TJSP – Ap 0018302-69.2008.8.26.0302 – Jaú – 2ª C.Res.MA – Rel. Eutálio Porto – DJe 02.04.2014 – p. 1982)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 6.938/1981:“Art. 4º A Política Nacional do Meio Ambiente visará: [...]VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.”“Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: I – à multa simples ou diária, nos valores correspondentes, no mínimo, a 10 (dez) e, no máximo, a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional – ORTNs, agravada em casos de reincidência específica, conforme dispuser o regulamento, vedada a sua cobrança pela União se já tiver sido aplicada pelo Estado, Distrito Federal, Territórios ou pelos Municípios. II – à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público; III – à perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimen-tos oficiais de crédito;IV – à suspensão de sua atividade.§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.”

1132 – Poluição sonora – horário de funcionamento de estabelecimento – inobservância – apli-cação de multa – admissibilidade

“Ação declaratória de nulidade de ato administrativo. Multa. Horário de funcionamento de estabe-lecimento, de acordo com a Lei Municipal nº 12.879/1999 (Programa de Silêncio Urbano). Com-petência recursal da seção de direito público (1ª à 13ª Câmaras) do TJSP. Recurso não conhecido. Suscitação de conflito. I – Estando a causa de pedir da presente ação adstrita à declaração de nulida-de de ato administrativo (multa) fundado em infração consistente em manter estabelecimento aberto após o horário permitido pela Lei nº 12.879/1999, não há que se falar em competência desta col. Câmara Reservada ao Meio Ambiente para o exame da matéria, mormente pelo fato de que a infra-ção imputada à apelante não se trata de excesso de ruídos urbanos, não se tratando, pois, de matéria referente à poluição sonora por ruídos, razão que leva à distribuição do presente recurso a uma das Câmaras entre a 1ª e 13ª da Seção de Direito Público deste eg. Tribunal de Justiça. II – Suscitação de dúvida de competência perante o col. Órgão Especial deste eg. Tribunal de Justiça, nos termos do art. 197 do Regimento Interno do Tribunal. Apelação não conhecida.” (TJSP – Ap 0038717-39.2011.8.26.0053 – São Paulo – 2ª C.Res.MA – Rel. Paulo Ayrosa – DJe 22.04.2014 – p. 1573)

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1133 – Poluição sonora – igreja evangélica – culto religioso – barulho excessivo – comprovação por laudo técnico – suspensão do uso de equipamentos de propagação sonora – possibi-lidade

“Agravo de instrumento. Decisão que concedeu a medida liminar em ação civil pública. Igreja evangélica. Barulho excessivo produzido por culto religioso. Laudo técnico que atesta a emissão de ruídos em patamares superiores aos permitidos pela legislação ambiental. Poluição sonora carac-terizada. A atividade religiosa não pode ser exercida em desarmonia com os princípios destinados a tornar efetivo o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Garantia da liberdade de culto que deve ser igualmente objeto de proteção. Necessidade de harmonização das normas constitucionais, em ordem de conferi-las real efetividade. Provimento parcial ao agravo, para deter-minar que a imposição da suspensão do ofício religioso se estenda apenas às atividades nas quais se utilizem equipamentos de propagação sonora, tais como microfones, amplificadores e caixas de som, cujo uso prejudique o direito ao sossego e a saúde daqueles cidadãos que morem no entorno da congregação religiosa, podendo, entretanto, a recorrente exercer as demais práticas litúrgicas e sociais que não demandem a utilização, interna ou externa de aparato de som. 1. Trata-se de interposto em face de decisão interlocutória que, nos autos de ação civil pública movida pelo Ministério Público Estadual, deferiu medida liminar requestada pelo Ministério Público Estadual a fim de suspender as atividades da Igreja Evangélica Assembleia de Deus Bela Vista, localizado em perímetro residencial do Município de Maracanaú. 2. A poluição sonora, mesmo em área urbana, mostra-se tão nefasta aos seres humanos e ao meio ambiente como outras atividades que compro-metam a sadia qualidade de vida, assegurada pela Constituição Federal em seu art. 225, caput. Portanto, é inconteste a impossibilidade da continuidade, por parte da agravante, da utilização, em suas celebrações religiosas, de quaisquer meios de propagação de som em desobediência aos limites previstos na legislação que venham acarretar desequilíbrio ambiental sonoro para aqueles cidadãos que vivam em seu entorno. 3. Tal reconhecimento não significa, a desdúvidas, impedir o direito, também constitucionalmente assegurado, à liberdade de culto. Assim, a suspensão de todas as atividades da igreja recorrente, tal como decidido pelo Magistrado de piso, revela-se desmedida. 4. Parcial provimento ao agravo para determinar que a imposição da suspensão do ofício religioso se estenda apenas à atividades nas quais se utilizem equipamentos de propagação sonora, tais como microfones, amplificadores e caixas de som, cujo uso prejudique o direito ao sossego e a saúde da-queles cidadãos que morem no entorno da congregação religiosa, podendo entretanto a recorrente exercer as demais práticas litúrgicas e sociais que não demandem a utilização, interna ou externa de aparato de som.” (TJCE – AI 0080083-44.2012.8.06.0000 – Relª Lisete de Sousa Gadelha – DJe 02.04.2014 – p. 22)

1134 – Recursos minerais – extração de cascalho sem autorização – crime contra a ordem eco-nômica e contra o meio ambiente – reconhecimento

“Processual penal. Extração de recurso mineral (cascalho) sem autorização. Crime contra a or-dem econômica. Art. 2º da Lei nº 8.176/1991. Crime contra o meio ambiente. Art. 55 da Lei nº 9.605/1998. Prescrição. Denúncia. Recebimento. Recurso provido. I – Se as normas tutelam ob-jetos jurídicos distintos, não há que se falar em conflito aparente de leis, mas em concurso formal, visto que o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes. II – Uma vez reconhecida a prescrição do crime tipificado no art. 55 da Lei nº 9.605/1998, deve a denúncia ser recebida quanto ao delito previsto no art. 2º da Lei 8.176/1991. III – Recurso em sentido estrito provido.” (TRF 1ª R. – RSE 0001448-86.2009.4.01.3602 – Rel. Juiz Fed. Conv. Lino Osvaldo Serra Sousa Segundo – DJe 04.04.2014 – p. 834)

Transcrição Editorial SÍNTESE• Lei nº 8.176/1991:“Art. 2º Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo.

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Pena: detenção, de um a cinco anos e multa.§ 1º Incorre na mesma pena aquele que, sem autorização legal, adquirir, transportar, in-dustrializar, tiver consigo, consumir ou comercializar produtos ou matéria-prima, obtidos na forma prevista no caput deste artigo.§ 2º No crime definido neste artigo, a pena de multa será fixada entre dez e trezentos e sessenta dias-multa, conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e a preven-ção do crime.§ 3º O dia-multa será fixado pelo juiz em valor não inferior a quatorze nem superior a duzentos Bônus do Tesouro Nacional (BTN).”• Lei nº 9.605/1998:“Art. 55. Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida:Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem deixa de recuperar a área pesquisada ou explorada, nos termos da autorização, permissão, licença, concessão ou determinação do órgão competente.”

1135 – Reserva indígena – inércia da administração no procedimento demarcatório – inocor-rência

“Constitucional. Administrativo. Agravo de instrumento. Demarcação de terras indígenas. Inércia da administração no procedimento demarcatório. Inocorrência. Agravo de instrumento improvido. 1. Agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto pela União Federal contra decisão do juízo da 8ª Vara Federal da Seção Judiciária de Alagoas, que, nos autos da Ação Civil Pública nº 0000475-13.2012.4.05.8001, deferiu o pedido liminar, para determinar à Funai e à União a) que concluam a demarcação física da Terra Indígena Xukuru Kariri, no prazo de 30 (trinta) dias; b) que concluam as avaliações de benfeitorias existentes em todos os imóveis incidentes na Terra Indígena Xukuru Kariri, no prazo de 60 (sessenta) dias; c) que, no prazo de 06 (seis) meses, conceda a posse definitiva da área delimitada na Portaria MJ nº 4.033, de 15.10.2010, aos índios Xukurus Kariris, inclusive com a desintrusão dos atuais posseiros da área; d) fixar multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), para o caso de descumprimento dos prazos acima. 2. Hipótese em que se mostra plausível a alegação da União no sentido de que a demora na conclusão do pro-cedimento demarcatório decorre da necessidade de assegurar-se o exercício do contraditório, nos termos do § 8º do art. 2º do Decreto nº 1.775/1996. 3. Uma vez tomadas as providências previstas no § 7º do art. 2º do Decreto nº 1.775/1996, com vistas à designação de grupo de trabalho com a finalidade de realizar estudos complementares de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica e cartografia, ambiental e o levantamento fundiário necessários à delimitação, e uma vez apresenta-do o relatório, caberá ainda aguardar o decurso do prazo para manifestação por parte de Estados, Municípios e demais interessados, não sendo viável, assim, determinar-se a conclusão da demar-cação do prazo de 30 (trinta) dias com a concessão da posse no prazo de 6 (seis) meses. 4. O risco de lesão grave e de difícil reparação está suficientemente evidenciado, uma vez que a fixação de prazo exíguo para a conclusão do procedimento demarcatório e a concessão de posse definitiva da área, além de causar sérios transtornos à ordem administrativa, prejudicará o exercício do contra-ditório por parte de eventuais interessados. 5. Agravo de instrumento provido. (TRF 5ª R. – AGTR 0043019-26.2013.4.05.0000 – (135754/AL) – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Rogério Fialho Moreira – DJe 03.04.2014 – p. 453)

1136 – Saneamento básico – esgoto sem tratamento – lançamento em curso d’água – inadmissi-bilidade

“Agravo de instrumento. Ação civil pública. Tutela antecipada para compelir a Sabesp e a munici-palidade a cessar, de imediato, o lançamento de esgoto sem tratamento em qualquer curso d’água da cidade ou que componham a bacia hidrográfica do Alto Tietê. Ausência dos requisitos previstos no art. 273 do CPC. Sopesamento da necessidade de estudo acerca da controvérsia da ação sob

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a égide da Lei nº 8.666/1993 e, ainda, da incompatibilidade entre os pedidos e os preceitos con-tidos na Lei nº 11.445/2007 e Lei Municipal nº 4.441/2010. Parâmetros, metas e prazos a serem considerados. Comprovação, ademais, da existência de estudos e projetos elaborados com o fim de solucionar os problemas voltados à consecução do tratamento de esgoto no município. Reco-nhecimento. Prazo exíguo contido na decisão. Inadmissibilidade. Recurso provido. I – Conquanto o julgador deva ser por demais rigoroso em casos relativos à proteção do meio ambiente, nos quais a permissão da prática de atos de degradação ambiental, no mais das vezes irrecuperáveis, poderá causar sérios e incontornáveis prejuízos para a coletividade em geral, vê-se que, no presente caso, a mera aparência de bom direito (fumus boni iuris) e perigo na demora da solução da demanda (periculum in mora), que, em tese, justificariam a concessão de liminar, por si só, não são suficien-tes para a concessão da antecipação de tutela, cujo objetivo é antecipar, total ou parcialmente, os efeitos do próprio provimento jurisdicional pleiteado na inicial. II – A verificação de que a prestação de serviços voltados à coleta, afastamento e tratamento de esgoto não é procedida em sua totalidade, causando degradação ao meio ambiente, não é suficiente para impor à agravante a concessão da tutela de forma antecipada, vez que, sopesadas as provas contidas nos autos, devem ser consideradas ao deslinde da causa a necessidade de estudo acerca da controvérsia da presente ação sob a égide da Lei nº 8.666/1993, sobretudo em relação às formalidades, fases e prazos nela estabelecidos, além da incompatibilidade entre os pedidos da presente ação e os preceitos contidos na Lei Federal nº 11.445/2007 e da Lei Municipal nº 4.441/2010, que estabelece parâmetros, metas e prazos para o tratamento de esgotos coletados no Município. Ademais, comprovou a agravante acerca da existência de projetos e metas a serem cumpridos com o fim de solucionar os problemas voltados à consecução da prestação de serviços de tratamento de esgoto, fatos esses que culminam na consideração de que o prazo concedido de 1 (um) ano se mostra exíguo, elementos suficientes, portanto, para elidir a pertinência dos pedidos atinentes à antecipação de tutela contidos na inicial da ação civil pública proposta.” (TJSP – AI 2040829-38.2013.8.26.0000 – Suzano – 2ª C.Res.MA – Rel. Paulo Ayrosa – DJe 01.04.2014 – p. 1295)

1137 – Saneamento básico – serviço de esgotamento sanitário – má prestação – taxa de esgoto – suspensão da cobrança – possibilidade – dano moral – inexistência

“Embargos declaratórios em apelação cível. Serviço de esgotamento sanitário. Má prestação. Sus-pensão da cobrança de taxa de esgoto pela Compesa. Provimento integral do apelo do Município de Jaboatão dos Guararapes e provimento parcial do apelo da Compesa, tudo apenas para afastar o pleito indenizatório de danos morais. Alegação de contradição, obscuridade e omissão do julgado em razão da imprestabilidade e da inadmissibilidade de prova pericial tida como emprestada e em suposto desprestígio à prova técnica produzida nos autos. Fundamentos do acórdão embargado adotados com base em convencimento prévio firmado no mesmo órgão colegiado fracionário em julgado paradigma proveniente de causa com manifesta identidade fático. Jurídica. Possibilidade. Vizinhos não lindeiros aos pontos de escoamento ao ar livre e/ou de lançamento de esgotos brutos. Inexistência de dano moral. Coerência. Princípio da segurança jurídica. Tentativa patente de redis-cussão do meritum causae. Descabimento. Via inadequada. Embargos declaratórios rejeitados à unanimidade de votos. 1. Não se deve confundir omissões, obscuridades e/ou contradições com inconformismo. Se as considerações tomadas naquele julgado restaram desfavoráveis às pretensões da parte ora embargante, deve ela se valer das vias recursais adequadas ao seu intento reformulador, e não opor estes aclaratórios, cuja natureza é, por essência, meramente integrativa. 2. Nesse senti-do, é de se ter em mente que a sugerida contradição existente naquele julgado não se funda sobre ele em si, mas sim no apontado descabimento da aplicação da prova pericial tida como emprestada aos autos e em alegado desprestígio/desarmonia à mesma prova técnica aqui produzida, disso re-percutindo uma implícita alegação de error in judicando, o que denota, extreme de dúvidas, a tentativa de rediscussão do meritum causae pela via estreita e inadequada (!) destes aclaratórios. 3. De outra banda, basta uma simples leitura do acórdão ora embargado para se constatar que dele não se vislumbra qualquer omissão ou obscuridade capaz de viciar a entrega da prestação jurisdi-

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cional tal qual oferecida por este órgão colegiado fracionário no julgamento desta causa. Afinal, é certo que, consoante firme orientação jurisprudencial, o princípio da livre persuasão racional ‘ha-bilita o magistrado a valer-se do seu convencimento, à luz dos fatos, provas, jurisprudência, aspec-tos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso concreto’ (AgRg-AREsp 329559/RS). 4. Sendo assim, e conquanto a parte embargante queira fazer crer que a citação ao laudo pericial elaborado no AP 224280-4 já julgado perante esta eg. 1ª CDP/TJPE constante no voto condutor do acórdão ora embargado fosse puramente relativa a uma prova emprestada em despres-tígio ao contraditório e à prova técnica aqui produzida, tem-se, em sentido oposto, que ela se prestou, na real contextualização dos fundamentos ali abordados, à demonstração das razões pelas quais aqui se firmou o convencimento e adotou o mesmo posicionamento consolidado nos autos daquele caso paradigma (ainda que por maioria de votos) para negar a pretensão indenizatória de cunho moral ora postulada por mais um grupo de moradores do Conjunto Residencial Marcos Freire, agindo-se, desta feita, em nítida coerência e salvaguarda ao princípio da segurança jurídica. Ora, não obstante os embargantes aleguem o descabimento desse proceder, certo é que eles não negam – e jamais poderiam negar (!) – a manifesta identidade fático-jurídica que entrelaça esta causa (e várias outras!) ao citado AP 224280-4, eis que, para além de ambas terem sido promovidas por grupos de moradores do Conjunto Residencial Marcos Freire contra a Compesa e o Município de Jaboatão dos Guararapes em razão da má prestação do serviço de esgotamento sanitário, foram elas patrocinadas pelos mesmos causídicos e, não por coincidência, nelas se adotou a mesma nar-rativa fática e idêntica tese jurídica na defesa do pretenso direito reivindicado por cada grupo de moradores, daí porque foram igualmente denominadas como ‘ação ordinária para cumprimento de obrigação de não fazer c/c indenização por danos morais e materiais com pedido de antecipação dos efeitos da tutela’. 5. Tais circunstâncias, como não poderia deixar de ser, motivaram o voto condutor do julgado ora embargado a adotar o mesmo posicionamento firmado nos autos do AP 224280-4, servindo a citação ao laudo pericial ali produzido como um dos elementos de funda-mentação utilizados, diante da manifesta identidade fático-jurídica das causas, para chegar ao con-vencimento e aqui ratificar o posicionamento de que a pretensão indenizatória de cunho moral ‘somente seria passível de cogitação para aqueles moradores do Conjunto Residencial Marcos Frei-re que, consumidores do sistema de esgotamento sanitário da Compesa, residam como vizinhos lindeiros aos pontos de escoamento de esgoto ao ar livre e/ou ao lançamento de esgotos brutos (não depurados) no meio-ambiente’, premissa essa da qual os ora embargantes não se afastaram. 6. Frise--se, de outra banda, que, conquanto a prestação deficitária do serviço de esgotamento sanitário pela Compesa na localidade do Conjunto Residencial Marcos Freire seja patente (o que motivou a sua condenação em 1º grau para abster-se da cobrança da ‘taxa de esgoto’ enquanto não regularizar aquele serviço), tal não se mostra suficiente ao reconhecimento dos alegados danos morais aqui postulados. Quanto aos alegados vícios provenientes do apontado desprestígio à perícia judicial realizada nestes autos, é de se ter em conta que, para além dessa arguição se prestar ao revolvimen-to do meritum causae, e conquanto este órgão colegiado fracionário não esteja vinculado àquela prova técnica ‘porque na aplicação da lei processual vigora o princípio da persuasão racional’ (AgRg-Ag 1313964/SP), dito laudo pericial detém perfeita sintonia com aquele produzido nos autos do AP 224280-4, consoante se infere das respostas do perito judicial igualmente fornecidas naque-le feito e que, como tal, não se mostram tão benéficas assim aos anseios da parte embargante no que pertine à temática dos danos morais, eis que, a rigor, apenas ratificam as premissas lançadas no paradigmático julgamento daquele AP 224280-4. 7. Nesse sentido, assim como o posicionamento adotado pela inexistência desse dano ou mesmo pelo rompimento do nexo de causalidade não implica em qualquer ofensa à legislação consumerista e tampouco às normas constitucionais ou processuais aqui tidas como violadas, mas sim no mais livre e pleno exercício da atividade jurisdi-cional, é de se ressaltar, ainda, de outra banda, que as assertivas ora deduzidas de que o acórdão embargado teria causado ‘extremo abalo’ aos embargantes e lhes teria exposto ‘à convivência diária com dejetos e odores fétidos, colocando em risco a proteção à vida e à saúde (CDC, art. 6º, I), ino-

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bstante o pagamento regular do serviço de esgotamento sanitário’ não só escancaram a sua infrutí-fera tentativa de rediscutir o meritum causae pela inadequada via destes aclaratórios, mas também refletem o desconhecimento e mesmo o intolerável menosprezo frente ao acórdão embargado. 8. Na realidade, a pretensão ora deduzida pelos embargantes reflete, apenas, o seu manifesto incon-formismo com o desfecho obtido no julgamento da apelação cível manuseada pela parte ex adversa, sendo certo que, assim como não se fez juntar aos autos nenhum ‘laudo pericial alieníge-na’, como erroneamente deduzido em suas razões recursais, nada obsta que o acórdão ora embar-gado tenha refletido o posicionamento adotado em outro decisum, ainda que não transitado em julgado, até porque tal medida, como dito alhures, apenas reafirma a coerência deste órgão cole-giado fracionário no enfrentamento do tema ora controvertido, com a consequente salvaguarda ao princípio da segurança jurídica, disso não remanescendo nenhum vício e/ou ilegalidade. 9. Embar-gos Declaratórios rejeitados à unanimidade de votos.” (TJPE – Ap 0224747-4 – 1ª CDPúb. – Rel. Des. Luiz Carlos Figueirêdo – DJe 24.04.2014 – p. 156)

1138 – Tributação ambiental – IPTU – imóvel em área urbana encravado em APP – exercício pleno de propriedade – impossibilidade – isenção – legislação regulamentadora – neces-sidade

“Apelação cível. Imóvel localizado em área urbana e encravado totalmente em área de preserva-ção permanente. Impossibilidade do exercício pleno de propriedade. Isenção de IPTU. Ausência de legislação. Cobrança tributária legítima. Improvimento do recurso. 1. Tratando-se de imóvel inserido totalmente dentro de APP, localizado na zona urbana, inexiste possibilidade, à falta de regramento normativo, de isenção do tributo que recai sobre o bem, eis que não há legislação para tanto, ao contrário, o art. 32 do CTN trata do fato gerador do Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana, bastando ter o domínio útil ou a posse e, ainda, estar localizado na zona urbana do Muni-cípio. 2. Para que ocorra a isenção de determinado tributo, deve esta ser prevista em lei, a teor do art. 176 do Código Tributário Nacional. 3. In casu, em que pese a área correspondente está em sua totalidade em Área de Preservação Permanente e não poder ser utilizada pelo proprietário (art. 3º, II, da Lei nº 12.651/2012), a cobrança do tributo – IPTU é legítima porquanto inexistente legisla-ção que conceda ao apelante a isenção pretendida. 4. Recurso improvido.” (TJAC – Ap 0014342-29.2011.8.01.0001 – (733) – 2ª C.Cív. – Relª Desª Waldirene Cordeiro – DJe 02.04.2014 – p. 18)

Transcrição IOBCódigo Tributário Nacional:“Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e ter-ritorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.[...]Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração.”

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Seção Especial – Estudos Jurídicos

Quando Cangurus Voarem: a Declaração Unilateral Brasileira sobre o Direito de Pesquisa Além dos Limites da Plataforma Continental – 2010*

RODRIGO FERNANDES MORE**

Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de Santos, Doutor em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da USP, Pós-Doutorando em Engenharia Naval e Oceânica pela Escola Politécnica da USP, Diretor do Instituto de Estudos Marítimos.

RESUMO: Em 2010, a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar decidiu que o Brasil tem direito de avaliar pedidos para autorização de pesquisa além do limites de 200 milhas náuticas de sua plataforma continental, a despeito do fato de o limite externo da plataforma continental não ter sido estabelecido de forma definitiva pela Comissão de Limites da Plataforma Continental das Nações Unidas. Esta decisão – uma decisão unilateral – pode ser entendida como ilegal e contrária ao direito internacional, ao mesmo tempo em que pode ser entendida como um ato unilateral baseado em um costume internacional, no princípio de que a plataforma continental é uma extensão natural, ipso facto e ab initio, da borda continental que se estende para o oceano. O objetivo deste artigo é analisar a legalidade daquela declaração. Primeiro, o “voo do canguru” revelará a importância do investimento em recursos humanos e, consequentemente, para os estudos da plataforma continental. Segundo, o artigo apresentará a doutrina sobre os atos unilaterais em direito internacional, com o propósito de determinar a natureza da declaração brasileira. Finalmente, analisar-se-á a legalidade, as consequên-cias e os efeitos – práticos e jurídicos – daquela declaração.

PALAVRAS-CHAVE: Plataforma continental; geopolítica; recursos do mar.

ABSTRACT: In 2010, the Inter-ministerial Commission for Sea Resources decided that Brazil has the right to appraise requests for authorization of research beyond the 200 nautical miles limit of its continental shelf, despite the fact that the outer limit of the continental shelf was not yet defi-nitely established by the United Nations Commission on the Limits of the Continental Shelf. Such decision – a unilateral decision – might be understood as illegal and contrary to the international law, while it also might be understood as a unilateral act based on an international custom, on the principle that the continental shelf is a natural extension, ipso facto and ab initio, of the continental

* Artigo apresentado no V Enabed (Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa), Fortaleza, 2011. Publicado originalmente na Revista de Direito Internacional, UniCEUB, v. 9, n. 1, p. 59-68, jan./jun. 2012 (DOI: 10.5102/rdi.v9i1.1599).

** Agradecimentos ao vice-almirante Ilques Barbosa Júnior, secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação da Marinha do Brasil (SecCTM); ao contra-almirante Marcos José Carvalho Ferreira, secretário da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (SeCIRM); e à Professora Leila de Morais, chefe de gabinete do Secretário Executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia (SeExec/MCT) pela importante revisão crítica e construtiva que dedicaram a este artigo.

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border that stretches towards the ocean. The objective of this article is to analyze the lawfulness of that declaration. Firstly, the “flight of the kangaroo” will reveal the importance of investing in human resources, and consequently in studies on the continental shelf. Secondly, the article will present the doctrine on unilateral acts of international law, with the purpose of determining the nature of the Brazilian declaration. At last, it will analyze the lawfulness, consequences and effects – practical and legal – of that declaration.

KEYWORDS: Continental shelf; geopolitics; marine resources.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O voo do canguru e a sua relação com as questões da plataforma continen-tal brasileira; 2 A Resolução nº 3/2010 da CIRM como ato unilateral; 3 Responsabilidades: a declara-ção unilateral brasileira – Questões e efeitos; 3.1 Os recursos afetados; 3.2 Os limites da resolução; 3.3 Legalidade; 3.4 Consequências jurídicas e práticas da resolução; Conclusões; Referências.

INTRODUÇÃOO caminho para se construir um Estado oceânico brasileiro, soberano

sobre os seus recursos, científica e tecnicamente preparado para pesquisá-los e explorá-los, passa pela educação e pela difusão das ciências do mar em todos os níveis do conhecimento. Passa também pela regulação jurídica das ativida-des no mar e por estudos estratégicos que contemplem aspectos de política e direito em torno de temas como defesa.

Até pouco tempo atrás, talvez não mais de 20 anos, o Brasil desconhe-cia a extensão dos recursos marinhos em seu espaço oceânico soberano. As políticas públicas especialmente pensadas e dirigidas para o espaço oceânico são relativamente recentes no Brasil, merecendo referência histórica o Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (Leplac)1, de 1989, e a Política Nacional para Recursos do Mar (PNRM)2, de 2005, dois instrumentos importantes no balizamento político, jurídico e, pode-se dizer, acadêmico de pesquisa e lavra de novas jazidas de petróleo e gás na camada pré-sal na Bacia de Santos. Gradativamente, parafraseando Martinez3, está se reconhecendo a importância dos espaço oceânico no ciclo de vida do Estado brasileiro.

Neste contexto, em maio de 2004, o Brasil encaminhou à Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC) da ONU uma “Proposta de Limite

1 Decreto nº 98.145, de 15.09.1989. Aprova o Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira. O propósito do Leplac foi estabelecer os limites do bordo exterior da plataforma continental brasileira além das 200 milhas náuticas, na qual, segundo a CNUDM, pode o Brasil exercer direitos de soberania para a exploração e o aproveitamento dos recursos naturais do leito e subsolo marinhos. Publicado no DOU em 19 set. 1989. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1980-1989/D98145.htm>. Acesso em: 27 set. 2011.

2 Decreto nº 5.377, de 23 de fevereiro de 2005. Aprova a Política Nacional para os Recursos do Mar – PNRM. Publicado no DOU em 24 fev. 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5377.htm>. Acesso em: 27 set. 2011.

3 BUSCH, Jorge Martinez. Oceanopolitica: una alternativa para el desarrollo. Santiago do Chile: Editorial Andres Bello, 1993. p. 137.

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Exterior da Plataforma Continental Brasileira”, cujo objetivo é declarar como território brasileiro, ipso facto e ab initio, a plataforma continental que se es-tende até o limite das 350 milhas náuticas da linha de base, conforme prevê o art. 76 da Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar (CNUDM)4.

Em abril de 2007, o Brasil recebeu as recomendações da CLPC com res-trições acerca de 19% do total da área pleiteada. Diante do sucesso parcial do pleito brasileiro, desde julho de 2008 está sendo preparada a “reapresenta-ção da proposta”, enquanto avançam, no plano interno, questões importantes, como a pesquisa sobre minérios, terras raras e exploração de petróleo e gás na camada pré-sal, em áreas identificadas nos limites ou mesmo dentro da área estendida pleiteada5.

Enquanto se revisa a proposta para reapresentação, a Comissão Inter-ministerial para os Recursos do Mar (CIRM) publicou a Resolução nº 3, de 26.08.2010 (DOU Seção 1, p. 28-29), que assim dispôs:

a) Aprovar a recomendação da Subcomissão para o Leplac, de que, indepen-dentemente de o limite exterior da Plataforma Continental (PC) além das 200 milhas náuticas não ter sido definitivamente estabelecido, o Brasil tem o direito de avaliar previamente os pedidos de autorização para a realização de pesqui-sa na sua PC além das 200 MN6, tendo como base a proposta de limite exterior encaminhada à Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC), em 2004, e publicada na página eletrônica da ONU; e

b) Dar conhecimento à Marinha do Brasil, por intermédio do Estado-Maior da Armada, e à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) desta Resolução. (grifamos)

O ponto central deste artigo é dedicado à natureza e aos efeitos jurídicos do trecho grifado, que afirma o Direito brasileiro de avaliar previamente pedi-dos de autorização para a realização de pesquisa na plataforma continental, “independentemente de o limite exterior da Plataforma Continental (PC) além das 200 milhas náuticas não ter sido definitivamente estabelecido...”.

Sob o ponto de vista jurídico, a Resolução nº 3/2010 da CIRM é ato re-conhecido pela doutrina internacionalista como “ato unilateral” ou “declaração unilateral”. Para não juristas, o termo pode causar espécie, inspirar dúvidas quanto à sua adequação e obediência às normas de direito internacional. Nada disso.

4 Decreto nº 1.530, de 22 de junho de 1995. Declara a entrada em vigor da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, concluída em Montego Bay, Jamaica, em 10 de dezembro de 1982. Publicado no DOU em 23 jun. 1995. Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/dai/m_1530_1995.htm>. Acesso em: 27 set. 2011.

5 Até a conclusão deste estudo não havia poços de petróleo na camada pré-sal, sendo além da distância de 200 milhas marítimas náuticas da costa brasileira.

6 Nota do autor: 1 milha náutica – MN equivale a 1.852m. Assim, 200 MN equivalem a 370,4km.

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Um ato unilateral nada mais é do que a manifestação de vontade de um único Estado, enquanto as manifestações formais, escritas de mais de um Esta-do, são definidas como “tratados”. Os atos unilaterais são fontes secundárias de direito internacional público, diferentemente dos tratados que são reconhecidos como fontes primárias, mas, assim como estes provocam efeitos jurídicos na esfera de relações entre Estados, daí a relevância do presente artigo.

Como um ato unilateral, a Resolução nº 3/2010 da CIRM, mesmo pen-dendo de medidas executivas de concreção no mundo real, como a emissão efetiva de uma autorização de pesquisa à Petrobras, por exemplo, produz efei-tos pelo menos de duas ordens:

a) efeitos jurídicos, pois se trata de um ato unilateral que pode ser visto tanto como um confronto ao regime da plataforma continental e ao art. 76 da CNU-DM quanto como forma soberana de o Brasil conferir aplicabilidade à própria CNUDM e ao art. 76;

b) efeitos políticos, como um ato que pode ser visto tanto como ato contradi-tório à proposta de reforço do multilateralismo defendida pelo Brasil quanto como confirmação do respeito do Brasil por este multilateralismo e às regras da CLPC, atualmente presidida (chairman) por um brasileiro.

Sem desmerecer a importância da análise política dos aspectos de rela-ções internacionais da referida resolução, o objetivo deste artigo é analisar os efeitos jurídicos da Resolução nº 3/2010 da CIRM, como moldura dos debates que devem se estabelecer a respeito do regime jurídico da plataforma continen-tal e do papel e das competências da CLPC.

A medida da importância deste debate jurídico é dada pelo próprio Es-tado brasileiro, que cunhou o conceito de “Amazônia Azul” para se referir à imensidão, riqueza e importância do espaço oceânico brasileiro comparativa-mente à Amazônia Verde, destacando a riqueza de suas águas, solo e subsolo sob jurisdição e soberania brasileiras (que inclui as áreas ainda sob análise da CLPC) e que fez surgir, aparentemente entre o pessoal da Petrobras, a pitoresca expressão “picanha azul”, em referência à “melhor fatia do mar”, à importância das grandes áreas potenciais de petróleo e gás no pré-sal, em especial na Bacia de Santos.

Vejamos, então, alguns aspectos legais sobre o ato unilateral praticado pelo Brasil representado pela Resolução nº 3/2010 da CIRM, tendo como pano de fundo um episódio muito interessante da história política internacional bra-sileira – a chamada guerra da lagosta (1961-1963) –, que envolveu um curioso debate entre França e Brasil sobre direitos de captura deste crustáceo em águas brasileiras.

A partir deste pano de fundo, que destaca a importância dos investimen-tos em recursos humanos no campo das ciências do mar, analisaremos a na-

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tureza jurídica da declaração unilateral representada pela resolução da CIRM, concluindo, ao final, sobre a sua legalidade, os seus efeitos e as suas conse-quências – práticas e legais – a respeito do regime da plataforma continental, tal como delineado na CNUDM.

1 O VOO DO CANGURU E A SUA RELAÇÃO COM AS QUESTÕES DA PLATAFORMA CONTINENTAL BRASILEIRA

Os cangurus têm uma relação histórica e curiosa com as questões relati-vas à plataforma continental, especialmente para o Brasil.

Desde logo, contudo, esclarecendo em parte o título deste artigo, é pre-ciso esclarecer que cangurus definitivamente não voam. Se cangurus voassem, a solução teria sido outra para a disputa diplomática entre Brasil e França, entre 1961 e 1963, sobre a pesca ilegal de lagosta por navios franceses em águas bra-sileiras, que ficou conhecida como “guerra da lagosta”. Naquele episódio, for-ças navais foram mobilizadas de um lado e do outro no litoral de Pernambuco e os ânimos verdadeiramente se acirraram7.

Em 1961, com base no art. 5º (§ 8) da Convenção de Genebra sobre Pla-taforma Continental, de 1958, o Brasil autorizou os navios franceses a realizar pesquisas na plataforma continental brasileira. De acordo com o art. 2º da Con-venção de 1958 (refletido no art. 77 da CNUDM, de 1982), os recursos naturais da plataforma continental (os recursos vivos e não vivos do solo e subsolo ma-rinhos) eram soberanamente do Estado costeiro (Brasil), excluídos aqueles das águas sobrejacentes, ou seja, da massa d’água.

Na guerra da lagosta, a questão levantada pelo Brasil foi que os franceses violaram os direitos de pesquisa e passaram a capturar lagostas que se deslo-cam em contato físico com o solo marinho. Para os franceses, ao saltar para se locomover, a lagosta deveria ser considerada um peixe, como espécie da massa d’água, não como espécie do solo marinho, cuidando-se a disputa sobre direitos de pesca em alto-mar, não sobre soberania sobre recursos da plataforma continental.

O Brasil venceu a disputa diplomática com a França em um episódio que passou para a história marcado pela inteligência e presença de espírito do comandante (depois, almirante) Paulo de Castro Moreira da Silva (1919-1983),

7 Há dois estudos interessantes sobre o episódio da guerra da lagosta: um livro mais descritivo de autoria de Cláudio da Costa Braga, de 2004 (BRAGA, Cláudio da Costa. A guerra da lagosta. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha (SDM), 2004) e um artigo analítico do ponto de vista das relações Brasil- -França, de autoria de Antônio Carlos Lessa (LESSA, Antônio Carlos. A guerra da lagosta e outras guerras: conflito e cooperação nas relações França-Brasil (1960-1964). Cena Internacional, a. 1, n. 1, p. 109-120). Há uma diferença entre os autores sobre o período histórico do conflito: Lessa aponta 1960-1964; Braga, 1961-1963, que tomamos como referência para este artigo, considerando que ambos os autores indicam que os barcos lagosteiros franceses chegaram de deixaram as costas do nordeste do Brasil em 1961 e 1963, respectivamente.

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oceanógrafo e consultor do Brasil nos debates com a França, que sentenciou com ironia: “Ora, estamos diante de uma argumentação interessante: por ana-logia, se a lagosta é um peixe porque se desloca dando saltos, então o canguru é uma ave”.

Passados quase 50 anos da solução da guerra da lagosta, o pitoresco argumento do voo do canguru permanece como uma advertência sobre a inter-pretação e o exercício dos direitos de soberania sobre a plataforma continental: nada é da forma como unilateralmente se percebe nem como coletivamente se acorda.

As percepções dos Estados sobre a extensão e os direitos sobre a plata-forma continental são distintas e potencialmente conflituosas, daí a importância dos estudos das ciências do mar, do conhecimento técnico-científico8 produzi-do pela academia brasileira, conhecimento que impede o engodo da lagosta--peixe ou do canguru-voador.

Um bom exemplo da importância da pesquisa científica e da formação de recursos humanos está na carta enviada pelos Estados Unidos à Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC), datada de 09.09.2004, na qual são questionados os resultados apresentados pelo Brasil em seu pleito de extensão de limites da plataforma continental de 2004, especificamente em relação à espessura da camada de sedimentos (sediment thickness line) da área referida no documento brasileiro como Vitória-Trindade.

Os argumentos estadunidenses, apresentados de forma genérica, fazem referência a resultados de pesquisas científicas do “Deep Sea Drilling Project”9, realizado entre 1966 e 1985, e a artigos de revistas e à base de dados denomi-nada “Total Sediments Thickness of the World’s Oceans and Marginal Seas”, elaborada por órgãos governamentais dos Estados Unidos, como o National Geophisical Data Center, do Departamento de Comércio, e pela National Oceanic & Atmospheric Administration (NOAA).

O episódio da guerra da lagosta, marcado pela ironia do voo do cangu-ru, em uma releitura sob a perspectiva dos argumentos científicos dos Estados Unidos propostos em 2004 perante a CLPC, mas que tiveram como fundamento dados levantados desde a década de 1960, reforça o potencial de conflitos em torno da soberania sobre os recursos do espaço oceânico, especialmente do

8 No episódio da guerra da lagosta, um estudo da Sudene sobre biologia e pesca da lagosta deu o embasamento técnico-científico aos argumentos brasileiros: “Era sabido, e defendido por todas as comunidades científicas, em todo o mundo, que a lagosta é um crustáceo reptante, isto é, não nadante: tem patas para se locomover, apoiando-se, para impulso, no fundo” (Braga, 2004: 40).

9 DEEP Sea Drilling Project. Iniciativa: Universidade da Califórnia, fundações de fomento e empresas privadas, apoiada por países como Estados Unidos, Alemanha, Japão, Reino Unido e França, que fez pesquisas de solo e subsolo oceânicos entre 1966 e 1985. Disponível em: <file://localhost/<http/::www.deepseadrilling.org:about.htm>. Acesso em: 14 set. 2011.

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solo e subsolo, cujos direitos de aprovação de pesquisa pretende a Resolução nº 3 da CIRM, como ato unilateral, preservar.

2 A RESOLUÇÃO Nº 3/2010 DA CIRM COMO ATO UNILATERALO direito internacional tem aversão à autolimitação, à criação unilateral de nor-mas ou exercício de atos unilaterais que afetem outros Estados à margem das garantias, direitos e deveres mínimos estabelecidos pelo sistema de direito inter-nacional.10

Sob o ponto de vista legal, um ato unilateral é a “manifestação de vonta-de de um único sujeito de direito internacional, o qual produz efeitos na esfera de atuação do direito internacional público, portanto erga omnes, na comuni-dade dos Estados”11. São atos que se

dão em forma de declarações por órgãos internos competentes (que incorrem em responsabilidades para o Estado), fazendo nascer uma situação factual e criando conseqüências jurídicas imputáveis ao Estados e decorrentes de seus atos.12

No direito do mar, por exemplo, um dos atos unilaterais mais relevantes para a formação dos regimes sobre mar territorial e plataforma continental foi a Proclamação Truman, de 1945, na qual o Presidente norte-americano Harry Truman declarou que as fronteiras na plataforma continental entre os Estados fronteiriços com os Estados Unidos deviam ser determinadas de acordo com o princípio de equidade:

In cases where the continental shelf extends to the shores of another State, or is shared with an adjacent State, the boundary shall be determined by the United States and the State concerned in accordance with equitable principles.13

Este princípio acabou sendo assimilado no direito internacional como direito costumeiro e, em conjunção com o princípio do consentimento mútuo, acabou por formar a base do art. 6º da Convenção de Genebra de 1958, subs-tituído posteriormente pelo sistema de linhas de base (art. 76) na CNUDM em vigor.

Os atos unilaterais, embora não estejam listados entre as fontes formais de direito internacional do art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça,

10 MORE, Rodrigo Fernandes. Direito internacional do desarmamento: o Estado, a ONU e a paz. São Paulo: Lex, 2007. p 189.

11 SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2002. p. 111.12 More, p. 196.13 HAMBRO, Edvard; ROVINE, Arthur W. The case law of Internacional Court. Holanda: A.W. Sijhoff, v. VI-A.,

1972. p. 211.

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são vinculantes para os Estados no campo das obrigações, gerando responsabi-lidades para o Estado14.

Ao manifestar-se pela Resolução nº 3/2010 da CIRM, o Brasil emitiu uma declaração unilateral, juridicamente vinculante, com efeitos na esfera jurídica internacional, em especial no regime jurídico da CNUDM, com respeito aos arts. 76 a 82. É preciso, então, identificar as responsabilidades que decorrem da resolução.

3 RESPONSABILIDADES: A DECLARAÇÃO UNILATERAL BRASILEIRA – QUESTÕES E EFEITOSA Resolução nº 3/2010 da CIRM, ao dispor sobre “direito de avaliar pre-

viamente os pedidos de autorização para a realização de pesquisa na sua PC além das 200 MN”, muito embora a redação não represente um conteúdo exe-cutivo e mandatório, legisla sobre conceitos e direitos estabelecidos especial-mente nos arts. 76 e 82 da CNUDM: enquanto o art. 76 define “plataforma continental” e os métodos e critérios científicos para a sua delimitação15, o art. 82 trata de “pagamentos e contribuições relativos ao aproveitamento da plata-forma continental além de 200 milhas marítimas”.

No plano de direito interno, o art. 11 da Lei nº 8.617/199316 define os limites da plataforma continental brasileira (grifamos):

A plataforma continental do Brasil compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural de seu território terrestre, até o bordo exterior da margem continental, ou até uma distância de duzentas milhas marítimas das linhas de base, a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância.

Já os recursos naturais não vivos da plataforma continental, além das 200 MN, submetem-se ao regime do art. 82 da CNUDM.

Este corpo de normas suscita alguns questionamentos: a) Quais recur-sos naturais estão sujeitos aos limites da Resolução nº 3/2010 da CIRM e dos

14 SHAW, Malcolm N. International Law. 6. ed. Nova York: CUP, 2008. p. 122. Sobre conteúdo, efeitos e funções dos “atos unilaterais”, confira-se: AGAEV, Ednan. The importance of unilateral measures as one means of attainning concrete arms reduction targets; DJALILI, Mohammad-Reza. Unilateral policies in the field of disarmament and arms limitation; COTTEREAU, Gilles. Unilateral acts and conduct by States regarding disarmament and arms limitation. In: SUR, Serge (Ed.). Disarmament and limitation of armaments: unilateral measures and policies. New York: United Nations, 1992 (Unidir/92/60).

15 Os critérios científicos para determinação da extensão da plataforma continental, referidos no parágrafo 8 do art. 76, foram estabelecidos no documento denominado “CLCS/11 – Scientific and Technical Guidelines of the Commission on the Limits of the Continental Shelf” (COMMISSION on the Limits of the Continental Shelf. CLCS/11 – Scientific and Technical Guidelines of the Commission on the Limits of the Continental Shelf. Disponível em: <http://www.un.org/Depts/los/clcs_new/commission_documents.htm-Guidelines>. Acesso em: 14 set. 2011.

16 Brasil. Lei nº 8.617, de 4 de janeiro de 1993. Dispõe sobre o mar territorial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileiros, e dá outras providências. Publicada no DOU em 5 jan. 1993.

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arts. 76 e 82 da CNUDM?; b) Quais os limites da Resolução nº 3/2010 da CIRM? c) É legal a declaração unilateral brasileira?; d) Quais as consequências jurídica e práticas da declaração?

3.1 os recursos afetados

A resposta à primeira questão requer que se considere que o art. 82 da CNUDM incide sobre recursos não vivos do espaço além do limite de 200 MN da plataforma continental, que eventualmente pode incluir parte da plataforma continental de um Estado costeiro, já que esta pode se estender a 350 MN, conforme o parágrafo 6 do art. 76. Surge aí um primeiro conflito normativo--conceitual.

Os direitos sobre a plataforma continental, inclusive a estendida além das 200 MN, são definidos no art. 77 da CNUDM.

Note-se que tanto o art. 82, § 1, quanto o art. 77, § 4, referem-se a “re-cursos não vivos” e “recursos minerais” em situações distintas. Muito embora a CNUDM não defina a extensão dos termos “recursos não vivos” e “recursos minerais”17, o § 4 do art. 77 permite identificar uma distinção formal entre estes dois termos, mas não substancial, na medida em que em seu conjunto os con-sidera como “recursos naturais”, referidos como tal no § 1 do mesmo artigo.

Afinal, os recursos naturais (minerais e os não vivos) do espaço da pla-taforma continental estendida são exclusivos do Estado costeiro ou patrimônio da humanidade?

Os arts. 76 e 77 da CNUDM afirmam a soberania do Estado costeiro sobre os recursos naturais da plataforma continental. Já o art. 82 estabelece a obrigação de pagamento ou contribuição sobre o aproveitamento apenas dos recursos não vivos da plataforma continental além das 200 MN, ou seja, da plataforma continental estendida (PCE). Em resumo, os recursos naturais (vivos e não vivos) da plataforma continental são exclusivos do Estado, enquanto apenas os recursos não vivos da PCE são patrimônio da humanidade, razão pela qual é devida contribuição sobre a sua exploração.

Esta conclusão, contudo, é desafiada por uma questão simples: porque o art. 82 refere-se a “recursos não vivos da plataforma continental além de 200 milhas marítimas das linhas de base”, e não a recursos não vivos da “área”, de-finida no art. 1º, § 1, da CNUDM como “o leito do mar, os fundos marinhos, e o seu subsolo além dos limites da jurisdição nacional”? Um estudo mais aprofun-

17 O parágrafo 2.5 do ISA Technical Study nº 5, da “International Seabed Authority” (Autoridade dos Fundos Oceânicos) explicita esta questão, muito embora tome equivocadamente como exemplos de recursos não vivos que não são recursos minerais, areia e corais, que de fato são. A ISA (“International Seabed Authority” ou Autoridade dos Fundos Oceânicos) é uma organização intergovernamental criada pelo art. 156 da CNUDM, com sede na Jamaica, cujo objeto é organizar e controlar as atividades na área, em especial administrando os recursos daquele espaço oceânico (art. 157, 1). O ISA Technical Study nº 5 está disponível em: <http://www.isa.org.jm/files/documents/EN/Pubs/TechStudy5.pdf>. Acesso em: 16 set. 2011.

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dado do processo de conclusão da CNUDM permite responder a esta questão, mas em um outro estudo.

3.2 os limites da resolução

A Resolução nº 3/2010 da CIRM estipula limites territoriais e legais.

Considerando o aspecto territorial, a Resolução nº 3/2010 considera como espaço de jurisdição a “PC além das 200 MN, tendo como base a propos-ta de limite exterior encaminhada à Comissão de Limites da Plataforma Conti-nental (CLPC), em 2004, e publicada na página eletrônica da ONU”.

Sob o aspecto legal, de exercício da jurisdição, como um dos atributos da soberania, mas não ela como um todo, nada impede que o Brasil legisle internamente sobre bens, pessoas, atos e fatos além de seu espaço territorial, reconhecidos pela doutrina como objeto de estudo no campo dos efeitos extra-territoriais dos atos internos.

É o exercício desta jurisdição, a medida de sua efetividade e a eficá-cia que implicam em consequências e efeitos jurídicos também na ordem in-ternacional: se um determinado espaço oceânico está sob um regime de res communes, como é a área, e o Brasil é signatário da convenção que assim o declarou, há um ilícito internacional em exercer, ainda que parcialmente pelo exercício do atributo da jurisdição, soberania sobre aquele espaço.

A questão é que, enquanto sob pleito, o Brasil legislou sobre um espaço que não faz parte da área, nem da plataforma continental. Que espaço oceânico é este que a ISA denomina de plataforma continental externa, mas não regulado por qualquer regime da CNUDM?

3.3 legalidade

Muito embora o aspecto legal permita solucionar conflitos de interpreta-ção e aplicação das convenções em relação ao direito internacional e mesmo ao direito interno, este mesmo aspecto legal pode conduzir à identificação de fatos que não se adequam a regime jurídico algum. Esta ausência de locus, por vezes denominada zona cinzenta, não significa, contudo, uma zona de “não direito”.

Diferentemente dos regimes específicos estabelecidos pela CNUDM para o mar territorial, zona contígua, zona econômica exclusiva, área e mesmo para a plataforma continental, não existe um regime jurídico convencional para re-gular os espaços além da plataforma continental sob pleito perante a Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC), denominados pela ISA como “Pla-taforma Continental Externa” ou PCE18.

18 Segundo Carvalho Ferreira, a necessidade de um regime específico sobre a PCE pode ser questionada no sentido de que, uma vez solucionada juridicamente a extensão da plataforma continental para além das 200

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Sem um regime específico, para se evitar o não direito que contradiz a estrutura de regimes da própria convenção, a identificação e a interpretação so-bre este regime implícito (jamais um “não regime”) se fazem pela interpretação integrativa deste com as normas da própria CNUDM e as normas e os princípios de direito internacional geral.

Há um regime implícito na CNUDM para as PCE, diferente daquele que a ISA reconhece como parte do regime da plataforma continental ou da área, de modo que a declaração unilateral brasileira sobre o direito de avaliar previa-mente os pedidos de autorização para a realização de pesquisas na plataforma continental brasileira além das 200 MN não é ilegal nem fere o direito do mar (CNUDM) nem o direito internacional geral.

A reforçar esta tese, resta a questão: Juridicamente, que são as PCE? Se-gundo a ISA, os pleitos depositados até 2010 compreendem uma área de 23 milhões km2 em áreas de solo e subsolo oceânicos, o equivalente a 30% do total das áreas de zona econômica exclusiva e 9% de todo espaço da área19.

Aqueles espaços, enquanto sob pleito, não pertencem nem à plataforma continental nem à chamada área, submetendo-se a um regime próprio, como se disse, implícito na CNUDM, que também regula os efeitos da recomendação da Comissão da ISA.

Neste sentido, a recomendação da CLPC sobre a PCE teria natureza de-claratória de direito com efeitos ex tunc, não constitutiva; caso contrário, estar--se-ia constituindo soberania sobre um espaço considerado patrimônio comum da humanidade, sobre parte da área.

A recomendação da CLPC sobre a PCE, tornada definitiva após pedido de revisão ou nova submissão, é juridicamente vinculante ao Estado costeiro, de acordo com o art. 76, § 8, da CNUDM20. Segundo o regime, o pleito perante a CLPC tem como objeto o reconhecimento de soberania preexistentes sobre a PCE, com efeitos ex tunc acerca do exercício de um direito do Estado costeiro existente ipso facto e ab initio21 e, portanto, do qual decorrem direitos e respon-sabilidades, sem qualquer restrição no direito internacional geral22.

MN, a área acrescida passa a fazer parte da plataforma continental como se desta fizesse parte ipso facto e ab initio, integrando-se ao regime específico convencional da plataforma continental (Nota do autor: A observação é precisa, mas há conflitos jurídicos que se colocam enquanto a pretensão formal de extensão de um Estado não é respondida pela CLPC.)

19 Carvalho Pereira, idem.20 De acordo com o art. 53, § 8, do documento “Rules of Procedure of the Commission on the Limits of the

Continental Shelf”. COMMISSION on the Limits of the Continental Shelf. Rules of Procedure of the Commission on the Limits of the Continental Shelf. Disponível em: <http://daccess-ods.un.org/TMP/2927001.html>. Acesso em: 14 set. 2011.

21 INTERNATIONAL Court of Justice. North Sea Continental Shelf case, 1969. Disponível em: <http://www.icj-cij.org/docket/index.php?p1=3&p2=3&code=cs2&case=52&k=cc>. Acesso em: 22 mar. 2011.

22 Ao colaborar com a revisão deste artigo, a pedido do autor, Carvalho Ferreira fez as seguintes considerações que reforçam nossa argumentação: “O art. 77 da CNUDM parágrafo 3 é claro ao estabelecer que os direitos dos Estados costeiros sobre a Plataforma Continental independem de ocupação ou qualquer declaração expressa.

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É por esta razão que a ISA não vincula os direitos de soberania sobre a plataforma continental ao estabelecimento da PCE23 (tradução nossa):

Esta seção demonstra como a implementação do art. 82 da Convenção relaciona--se com o regime da plataforma continental. O art. 77 da Convenção confere aos Estados costeiros direitos de soberania sobre a plataforma continental, com objetivo de exploração e explotação de seus recursos naturais. Os direitos de so-berania dos Estados costeiros sobre a plataforma continental existe ab initio e ipso jure a despeito da extensão da plataforma continental e a despeito da estabeleci-mento dos limites exteriores da plataforma continental além das 200 milhas. Eles são exclusivos e não dependem de ocupação efetiva ou fictícia ou de qualquer declaração expressa. Assim, um Estado costeiro está investido do direito de exer-cer tais direitos mesmo antes dos limites se tornarem definitivos e vinculantes. Em outras palavras, a extração de recursos da PCE (que pode se tornar o gatilho para implementação do art. 82) não depende do delineamento dos limites externos da plataforma continental além das 200 milhas.

3.4 consequências jurídicas e Práticas da resolução

Não há ilegalidade na declaração unilateral brasileira representada pela Resolução nº 3/2010 da CIRM.

Isso porque embora no preâmbulo da Resolução nº 3/2010 não se faça referência à interpretação da ISA quanto aos direitos de soberania ipso facto e ab initio sobre a PCE, faz-se referência expressa ao art. 77 da CNUDM e ao “direito de investigação científica marinha”, de acordo com o § 1º do art. 13 da Lei nº 8.617/1993, apesar de a mesma resolução utilizar também o termo “pesquisa”.

O art. 76 define Plataforma Continental como o ‘leito e subsolo das áreas submarinas... em toda a extensão do prolongamento natural do seu território terrestre, até o bordo exterior da margem continental’, e estabelece critérios para delimitá-la. Assim, os direitos soberanos dos Estados sobre a Plataforma Continental derivam do pressuposto de que ela se constitui em extensão do seu território, e, dessa forma, são inquestionáveis. Note-se que o art. 77 não estabeleceu restrição em relação à porção da PC que se estenda além das 200 MN da costa. A ISA, para saber que porção dos fundos marinhos faz parte da Área, toma por base os pleitos dos Estados costeiros em relação às extensões de suas PC, ainda que esses pleitos não tenham sido apreciados pela Comissão de Limites. A Área começa onde termina as PC dos Estados costeiros (estendidas ou não). No caso do Brasil, estamos em posição ainda mais confortável do que a maioria dos Estados, uma vez que o pleito brasileiro de extensão da PC já sofreu avaliação, tendo sido em grande parte aceito sem recomendações. A CIRM, além das análises jurídicas prévias em que se baseou para verificar a legalidade da Resolução no 3/2010, inspirou-se no trecho do Estudo Técnico no 5 da ISA, acima citado, não restando dúvida, portanto, sobre a pertinência do feito. Ademais, cabe lembrar que o Brasil, ao assinar e ratificar a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, depositou na ONU diversas declarações, assim como outros países também fizeram. No ato da assinatura, o Brasil formulou a declaração que recebeu o número VI, a seguir transcrita: ‘VI. Brazil exercises sovereignty rights over the continental shelf, beyond the distance of two hundred nautical miles from the baselines, up to the outer edge of the continental margin, as defined in article 76’. Sendo assim, acredita-se que a posição do Brasil a esse respeito foi expressamente declarada em 1982, ao assinar a CNUDM. Pelo que se entende, a comunidade internacional não interpretou as declarações formuladas como ‘atos unilaterais’ dos países, em desrespeito ao multilateralismo, mas apenas como interpretações feitas pelos Estados”.

23 Tradução livre do autor do parágrafo 2.2.1. do ISA Technical Study nº 5 (op. cit.).

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O sentido do termo “pesquisa” adotado na Resolução nº 3/2010 da CIRM – “direito de avaliar previamente os pedidos de autorização para a realização de pesquisa na sua PC além das 200 MN” (grifamos) – é dúbio e, paradoxalmente, muito apropriado.

Pesquisa e investigação científica marinha são conceitos jurídicos distin-tos para uma mesma atividade, diferindo pela destinação: direito de pesquisa deriva da soberania sobre a plataforma continental (art. 77) e, como tal, apro-veita apenas ao Estado costeiro, ao passo que investigação científica marinha, permitida na área, portanto fora do espaço da plataforma continental (referida nos arts. 143, 153, 238, 240 e 241 da CNUDM). Pode ser feita pela ISA ou pelo Estado costeiro em cooperação com outros, aproveitando a toda humanidade, mas “não devem constituir fundamento jurídico para qualquer reivindicação sobre qualquer parte do meio marinho ou de seus recursos” (art. 241).

O efeito desta ambiguidade, associado à natureza não executiva, não mandatória do texto da Resolução nº 3 da CIRM, reforça a tese jurídica – de base doutrinária e jurisprudencial – que, mesmo sendo negado o futuro pedido de revisão brasileiro sobre a decisão da CLPC de 2007, cujo depósito está pre-visto para 2012, não terá havido violação a qualquer dos regimes jurídicos da CNUDM, pois, na prática, os resultados das pesquisas poderão ser revertidos, segundo o regime jurídico da área24, para toda humanidade, sem incorrer o Brasil em violação ao regime da plataforma continental da CNUDM. O Brasil terá agido, legal e legitimamente, dentro de um regime próprio e implícito sobre a PCE.

CONCLUSÕESQuando um Estado costeiro amplia as suas fronteiras na plataforma conti-

nental para além das 200 MN, há uma diminuição do espaço oceânico denomi-nado área que beneficia em royalties também outros Estados, inclusive os não costeiros. Este fato é, potencialmente, gerador de conflitos.

Por esta razão, a ISA prevê um aumento considerável no número de plei-tos propostos perante a comissão, em sua grande maioria por países em desen-volvimento: estima-se em 69 o número de Estados com potencial para expansão dos limites da plataforma continental25, aumentando o potencial de conflitos.

24 Além dos limites da plataforma continental está a área, cujos recursos sejam minerais sólidos, líquidos ou gasosos, no leito do mar ou no subsolo, incluindo nódulos polimetálicos (art. 133, “a”) são patrimônio comum da humanidade, administrado pela ISA, sendo portanto vedado a qualquer Estado a apropriação de qualquer parte da área ou seus recursos minerais (arts. 133 c/c 136-137 da CNUDM).

25 ISA Technical Study nº 5, op. cit., Capítulo 3, § 3.1. Veja-se também o estudo relativamente recente do National Oceanography Centre, sediado em Southampton, Reino Unido, no qual se apresenta um mapa que resume os pleitos apresentados à Comissão da ISA até 31.01.2010. Disponível em: www.unclosuk.org. Acesso em: 14 set. 2011.

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Como se disse, o acesso a tecnologias para pesquisa, exploração e explo-tação de recursos marinhos, sejam eles dentro ou fora dos limites da plataforma continental deve ampliar o interesse e a percepção dos Estados sobre os espaços oceânicos e seus recursos naturais.

Para o Brasil ocupar espaço estratégico entre os Estados oceânicos, não coincidentemente entre os mais desenvolvidos econômica e militarmente, será preciso investir na formação de pessoal, na academia e, inexoravelmente, em meios navais, terrestres e aéreos para defesa do espaço oceânico e dos interes-ses nacionais, inclusive para defesa de atividades privadas no mar de interesse nacional (e.g., Petrobras), em todas as suas dimensões: superfície, massa d’água, solo e subsolo.

Enfim, o Brasil precisará centralizar administrativamente os assuntos do mar, conferindo aos esforços da CIRM executividade administrativa que resulte em políticas públicas de incentivo à pesquisa acadêmica e tecnológica (P&D) e, principalmente, de incentivo à interação universidade-empresa. Além de políti-cas públicas, como a PNRM, talvez seja também necessária, a curto prazo, uma autoridade ou agência que concentre as autorizações de pesquisa como aquelas referidas na Resolução nº 3/2010 da CIRM, os resultados das pesquisas univer-sitárias e empresariais no plano científico-tecnológico e de inovação, além dos esforços políticos e autoridade necessária para propor planos multissetoriais e interministeriais estratégicos e vinculantes sobre assuntos do mar.

O mar é importantíssimo para o Brasil, o que reforça a proposta de re-forço do pensamento oceanopolítico – de estudo de políticas públicas voltadas às relações de poder por meio do mar – no Brasil, com a mesma importância e riqueza dos recursos marinhos sobre os quais pretende refletir. Há muitos outros pontos – jurídicos e de relações internacionais – que merecem ser estudados acerca dos interesses brasileiros sobre a plataforma continental. A questão le-vantada pela Resolução nº 3/2010 da CIRM é apenas uma delas, nem a primeira e certamente não a última. Este estudo está muito, muito longe de esgotar o assunto.

Em suma, a Resolução nº 3/2010 da CIRM não viola os regimes da CNUDM nem o direito internacional geral; ao contrário, está de acordo, inclusi-ve, com a jurisprudência internacional que reconheceu a natureza jurídica dos direitos soberanos sobre a plataforma continental como ipso facto e ab initio, no caso “North Sea Continental Shelf”, julgado pela Corte Internacional de Justiça em 1969.

Ademais, a resolução da CIRM é mais que necessária e oportuna para viabilizar o interesse nacional legítimo e as ações sobre a exploração de pe-tróleo e gás no pré-sal na plataforma continental externa. Há muitas riquezas a serem exploradas além dos limites da plataforma continental, cuja apropriação

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deverá ser debatida não mais em uma perspectiva de força, mas de ordem legal que o Brasil tem cumprido.

O Brasil soberanamente avança sobre a Amazônia Azul.

REFERÊNCIASBARBOSA JUNIOR, Ilques. Oceanopolítica: uma pesquisa preliminar. Revista Marítima Brasileira, Rio de Janeiro, p. 55-68, 2º trim. 2009.

BRAGA, Cláudio da Costa. A guerra da lagosta. Rio de Janeiro: Serviço de Documenta-ção da Marinha (SDM), 2004.

BRASIL. Lei nº 8.617, de 4 de janeiro de 1993. Dispõe sobre o mar territorial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileiros, e dá ou-tras providências. Publicada no DOU em 5 jan. 1993.

______. Decreto nº 1.530, de 22 de junho de 1995. Declara a entrada em vigor da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, concluída em Montego Bay, Jamaica, em 10 de dezembro de 1982. Publicado no DOU de 23 jun. 1995.

______. Decreto nº 5.377, de 23 de fevereiro de 2005. Aprova a Política Nacional para os Recursos do Mar – PNRM. Publicado no DOU em 24 fev. 2005.

BUSCH, Jorge Martinez. Oceanopolitica: una alternativa para el desarrollo. Santiago do Chile: Editorial Andres Bello, 1993.

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DEEP Sea Drilling Project. Iniciativa: Universidade da Califórnia, fundações de fomento e empresas privadas, apoiada por países como Estados Unidos, Alemanha, Japão, Reino Unido e França, que fez pesquisas de solo e subsolo oceânicos entre 1966 e 1985. Dis-ponível em: <http://www.deepseadrilling.org/about.htm>. Acesso em: 14 mar. 2011.

HAMBRO, Edvard; ROVINE, Arthur W. The case law of Internacional Court. Holanda: A.W. Sijhoff, v. VI-A., 1972.

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______. ISA Technical Study nº 5. Non-living resources of the continental shelf beyond 200 nautical miles: speculations on the implementation of article 82 of the United Nations Convention on the Law of the Sea. Kingston: ISA, 2010. Disponível em: <http://www.isa.org.jm/files/documents/EN/Pubs/TechStudy5.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2011

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SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2002.

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Parte Prática – Modelo

Ação Civil Pública Ambiental Interposta para Construção de Esgoto

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE ....., ESTADO DO .....

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE ..................., na pessoa de seu Promotor de Justiça do Meio Ambiente que esta subscreve, vem mui respei-tosamente a presença de Vossa Excelência, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE OBRIGAÇÃO DE FAZERem face de

PREFEITURA MUNICIPAL DE ...., ....., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº ....., com sede na Rua ....., nº ....., Bairro ......, Cidade ....., Estado ....., CEP ....., representada neste ato por ....., brasileiro(a), (estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do CIRG nº ..... e do CPF nº ....., pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.

DOS FATOSConsoante se observa do Procedimento Preparatório de Inquérito Civil,

instaurado e com tramitação pela Promotoria de Justiça do Meio Ambiente de ..................., sob o nº ......../...., que passa a integrar a presente ação, está cons-truída a sudoeste da cidade de ..................., em uma área de 36.630,00ha, ao lado direito da Rodovia Engenheiro ................ (sentido .................../..........), neste Município (vide Mapa juntado a fls.), um sistema responsável pela coleta, afastamento, tratamento e disposição final dos esgotos domiciliares de parte das residências da cidade de ....................

Referido sistema, conforme Laudo elaborado pela CETESB, qual se en-contra juntado a fls., ... é constituído por um pré-tratamento (caixa de areia, gradeamento e calha parshall) e duas lagoas de estabilização interligadas em série (fls.).

“As duas lagoas possuem formato irregular, obedecendo a topografia do terreno, podendo ser superficialmente calculado um espelho d’água total (das duas lagoas) de aproximadamente 25.000m2.”

Todo o Sistema de Tratamento de Esgoto se põe à margem direita do ................................

Com a construção do sistema, os esgotos domiciliares de parte da cidade de ................... (aproximadamente 30%) foram para lá direcionados, e uma vez tratados são devolvidos ao meio ambiente (...............................), em condições favoráveis e adequadas ao meio ambiente, isto é, sem os resíduos sólidos pró-

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prios. Deste modo, o ..............................., que recebe o “esgoto tratado”, segue seu curso pelo Município de ..................., passando por outros Municípios, até desaguar no Rio ........., divisa com o Estado do ................

Vale ressaltar, que “lagoas de estabilização são sistemas de tratamento biológico em que a estabilização da matéria orgânica é realizada pela oxidação bacteriológica (oxidação aeróbica ou fermentação anaeróbica) e/ou redução fotossintética das algas. Tal sistema quando projetado, construído e operado de acordo com as normas técnicas, apresentam alta eficiência, com relação à redução da carga poluidora” (fls.).

Pois bem. O Sistema de Tratamento de Esgotos em questão foi projetado e edificado para tratamento e disposição final dos esgotos de parte da Cidade de ................... (tanto a Prefeitura Municipal de ..................., como a EMDAEP não possuem cópias do projeto da Estação de Tratamento de Esgotos implantada), porquanto, ao longo de vários anos serviu eficazmente para o fim que foi – com dinheiro público – projetado, edificado e posto em operação, ou seja, impediu que os esgotos domiciliares de parte da Cidade de ................... fossem lançados in natura em um dos rios da cidade – prática que aflige a grande maioria dos municípios do Estado de ................... e do Brasil.

Portanto, despeito de grande parte do esgoto dessa cidade estar sendo lançado nos rios de modo irregular, a obra em questão desempenhou (e deve continuar desempenhando!) relevante papel do trato da questão ambiental.

Contudo, a par do quadro traçado, há cerca de 02 (dois) anos o referido sistema de tratamento de esgotos, por inércia do Poder Público, no caso, a requerida, deixou de ser eficaz, apresentando-se saturado, incapaz de atingir a sua única e exclusiva finalidade: tratar os esgotos domiciliares.

O esgoto coletado passou a ser devolvido ao meio ambiente com carac-terísticas bem próximas do momento de sua entrada no “sistema”, porque este, como ressaltado, encontra-se saturado, de modo que a obra pública edificada tornou-se inoperante, por completa falta de manutenção.

Tanto assim, que morador dessa cidade, conhecendo o problema por re-clamação de terceiros, procurou esta Promotoria de Justiça e narrou a situação do local, cujas declarações estão reduzidas a fls..

Do referido termo, que sem dúvida representa anseio dos moradores Dra-cenenses, extrai-se as condições do local vista aos olhos de um cidadão comum. Nesse sentido, “embora não seja técnico, pode observar que o aspecto da água, principalmente com relação à sua viscosidade e densidade, apresentava-se pra-ticamente idêntico ao momento de entrada e saída da lagoa de estabilização. Nessa oportunidade, também pode observar que margeando a lagoa corre o ..............................., que mostra-se bastante poluído, com água totalmente vis-cosa, apresentando mau cheiro, além de empossada em vários locais [...]” (fls.).

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Essas declarações, prestadas por um leigo, se mostraram verdadeiras na medida em que posteriormente confortadas por dois laudos periciais. Com des-taque ao realizado pelo DEPRN (juntado a fls.), à pergunta de que se no local havia degradação ambiental, a resposta foi afirmativa, “porque a água que sai da lagoa de tratamento - deságua em local onde se acumula quantidade muito grande de espuma e também verifica-se que o gado das propriedades localiza-das a jusante, não bebe água e nem possível verificar presença de peixes [...]” (fls.) [sic].

Informou também a perícia que o Sistema de Tratamento de Esgotos en-contra-se saturado, pois “inclusive uma das fotos ilustra esse fato com a forma-ção de uma pequena ilha próximo à entrada do efluente (esgoto), na primeira lagoa” (fls.).

Ao que se nota, portanto, seja pelos olhos de um cidadão comum, seja pela perícia realizada pelo Departamento Estadual de Proteção de Recursos Na-turais, ou pela perícia realizada pela Agência Ambiental de ............................... – CETESB, o Sistema de Tratamento de Esgotos construído à margem do ............................... (qual deságua na Rio Paraná) não vem mais operando de modo eficaz, porquanto nos dias atuais ao invés de solucionar a questão ligada ao trato do esgoto domiciliar, passou a ser um potencial poluidor ambiental, não resta dúvida.

Nesse diapasão, desde que foi instaurado este expediente, nenhuma pos-tura municipal foi tomada, seja pela própria Prefeitura, seja por sua empresa responsável por obras desse jaez (ENDAEP). Houve, ao que se nota do docu-mento de fls., apenas consulta ao Sr. Secretário de Recursos Hídricos do Estado sobre a possibilidade de locação de equipamento para remoção do material hoje depositado na lagoa.

A uma meridiana conclusão, ao assim agir – solicitando equipamento para o desassoriamento de uma das lagoas – o próprio Ente Público, no caso, a requerida, reconheceu a situação que se instaurou no local: todo o sistema nas atuais condições não tem mais servido para a finalidade que foi construído.

É de se observar, no entanto, que o fato do “sistema de coleta e tratamen-to de esgotos” se mostrar inoperante, é decorrência da inércia estatal.

Acompanhe-se. É concebido na prática que as obras públicas têm uma vida útil. Muitas das obras realizadas pelo Poder Público para um fim comum chegam a um momento em que não servem mais à função para a qual foram projetadas. Tal ocorre, a título de exemplo, com pontes e estradas, que acabam ficando estranguladas pelo intenso fluxo de veículo; asfalto em ruas e rodovias, que acabam se desgastando pelo uso contínuo; hospitais centros de atendimen-tos e até mesmo repartições públicas, que se tornam, dada a expansão da popu-lação e serviços, incapazes de conter a demanda de atendimento, entre alguns

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exemplos. Em todos esses casos, com o passar do tempo se mostram incapazes de conseguir a mesma utilidade de outrora.

Há, porém, uma diferença: quando uma obra não mais se presta ao fim que foi construída pela evolução e demanda diária, com aquelas que se tornam inoperantes porque o Órgão Público responsável não lhe dá o necessário trato. Nas primeiras, o que se pode fazer é lutar para que novas obras sejam realizadas visando à solução do bem comum. No segundo caso, porém, deve o Poder Pú-blico ser responsabilizado pela inoperância que causou, obrigando-se a dotá-la das antigas condições, porque não se concebe que seja um bem construído com o dinheiro público colocado simplesmente em desuso pelo descaso Estatal. Mire-se que esse descaso estatal está poluindo o meio ambiente.

Nessa segunda hipótese, portanto, não há como se conformar simples-mente contemplando a situação.

Nessa linha de raciocínio, existem obras públicas que o Poder Público, desde o seu início, isto é, ainda no projeto, sabe que a sua sobrevivência e durabilidade dependerão de sua constante atividade de manutenção. Uma la-goa de tratamento, é de clareza meridiana, depende de constante manutenção. Contudo, no caso dos autos, embora a obra pública seja daquela que exige manutenção constante, nunca foi realizada.

Bem por isso, não podemos consentir que a solução assim continue, já que a Prefeitura Municipal de ..................., por vontade própria, não pretende melhoria alguma – fosse essa sua intenção, já o teria feito.

Sobre outro aspecto, a permitir que nestas condições continue todo o “sistema de tratamento”, estaremos permitindo o lançamento de esgotos em mais um rio de nossa região, o que configura um terrível dano ao meio am-biente.

Mais que isso, possibilitar a simples desativação da lagoa é permitir que em um futuro próximo sejam construídas ao redor de todo o Município de ................... várias outras lagoas, que seriam postas em desuso assim que igual-mente saturadas, o que nos soa absurdo.

Logo, emerge de forma patente a responsabilidade da Prefeitura Munici-pal de ................... de proceder a limpeza de todo o sistema, colocando-o em condições normais de funcionamento. Com efeito, o Laudo de Vistoria elabo-rado pela CETESB em março de 2000 ressaltou: “Em função dos resultados das análises laboratoriais, constatamos que o sistema vem apresentando eficiência por volta de 67% à redução da carga orgânica. Sistemas de tratamento de es-gotos semelhantes, constituídos por pré-tratamento e lagoas de estabilização, quando projetados e operados de acordo com as normas técnicas, costumam apresentar eficiência superior a 90%”. Portanto, é sua obrigação dotá-lo de ne-cessária eficácia.

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Por arremate: “Dentre os sistemas de tratamento de esgotos convencio-nais, o sistema constituído por lagoas de estabilização, interligadas em série (como no presente caso), é que apresenta menos custos de manutenção e menor necessidade de manutenção. Mesmo não requerendo mão-de-obra especializa-da, faz-se necessário a presença constante de um operário no local, realizando serviços essenciais, tais como, corte regular da grama do talude, remoção da escuma, limpeza da caixa de areia grande... Na primeira lagoa, constatamos a presença de vegetação em seu interior (ver foto), o que compromete a sua eficiência”.

Ora, deixar que dentro de uma lagoa forme uma ilha pelo acúmulo de detritos, comprometendo com isso o funcionamento da obra pública, é descaso manifesto.

Descritos os fatos, espera-se obter Provimento do Poder Judiciário para compelir a requerida a realizar suas ordinárias atividades, quais não vem re-alizando, e que, sem a força de uma decisão judicial não as fará, pois não se mobiliza para tanto, embora tenham havidos seguidos esforços de seguimentos da sociedade e do próprio Ministério Público.

De mais a mais, há um nexo causal entre o descaso público para com a lagoa de tratamento e a poluição ambiental que se forma mais à frente, quando da vazão da lagoa integrando-se ao sistema hídrico da região.

Estampa-se nesses aspectos o interesse e a necessidade da propositura da presente ação.

DO DIREITODe tudo o que vem ocorrendo, duas vertentes se abrem na questão da

adequação da conduta da requerida às regras de direito. A primeira, diz respeito ao dano ambiental.

De acordo com o art. 225 da Constituição Federal, “todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletivi-dade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras relações”.

A presente ação, antes de visar impor uma sanção à requerida, caso per-sista com sua atividade, visa tornar eficaz a norma Constitucional.

Nesse sentido, aliás, ressaltando o avanço de nossa Constituição, colo-cando-a como uma das mais avançadas do mundo no trato da questão ambien-tal, Édis Milaré (Direito do ambiente, doutrina, prática, jurisprudência. Revista dos Tribunais, 2000. p. 139/140) manifesta certa preocupação e ceticismo, fa-zendo, outrossim, um alerta: “Não basta, portanto, apenas legislar. É fundamen-tal que todas as pessoas e autoridades responsáveis se lancem ao trabalho de tirar essas regras do limbo da teoria para a existência efetiva da vida real, pois,

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na verdade, o maior dos problemas ambientais brasileiros é o desrespeito gene-ralizado, impunido e impunível, à legislação vigente. É preciso, numa palavra, ultrapassar-se a ineficaz retórica ecológica – tão inócua quanto aborrecida – por ações concretas em favor do ambiente e da vida. Do contrário, em breve, nova modalidade de poluição – ‘a poluição regulamentar’ – ocupará o centro de nossas preocupações”.

Dentro dessas primeiras orientações, a inércia da requerida vem contri-buindo para a poluição ambiental.

É de fácil compreensão que, se há pouco tempo naquele local foi cons-truída uma lagoa de tratamento, havia necessidade premente de se solucionar o problema do lançamento de esgotos in natura no meio ambiente.

Agora, se a obra construída a esse fim não está mais operando a contento, é lógico que está havendo poluição ambiental, pois o esgoto adentra ao siste-ma de tratamento e sai em condições parecidas, revelando-se em causador de danos ambientais.

Dessas colocações, ao analisar as condições da água nas lagoas de trata-mento, a CETESB ressaltou que a eficiência estava (em março de 2000, portanto, há 15 meses) em 67%, situação que a toda evidência se deteriora a cada dia.

E, de lá para cá, nada foi feito. Desse modo, não é preciso esperar a estag-nação e estrangulamento completo do sistema para só então agirmos.

Por tudo, não há dúvida, tampouco se discute que, não apresentando eficiência, vem o Poder Público poluindo o meio ambiente.

Feitas essas colocações, e assegurando que o Poder Público é poluidor do meio ambiente, pois, tendo realizado obra para solucionar a questão ambiental, em um momento seguinte deixou que perdesse sua eficácia, é de se aplicar as disposições relativas a matérias que impõem ao poluidor o dever de cessar suas atividades poluidoras, reparando ainda o dano ambiental já causado.

Nesse sentido, dispõe a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 (Lei de Política Nacional do Meio Ambiente), em seu art. 4º, que “a Política Nacional do Meio Ambiente visará: [...] IV – à imposição ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados [...]”, assegurando seu art. 3º que, “para os fins previstos nesta lei, entende-se por: [...] III – polui-ção: a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: [...] c) afetem diretamente a biota; [...] e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos”.

A esse respeito, os laudos juntados ao presente Inquérito Civil são bem explicativos, sendo que a sequência de fotos juntadas a fls. 27 deixa explícito o dano ambiental antes mencionado.

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Dentro desse contexto, afirmando-se mais uma vez que no local está ocorrendo um dano ambiental por culpa da requerida que não tomou as medi-das que estava obrigada para evitá-lo, impõe-se sua responsabilização.

DOS PEDIDOSAnte todo exposto, requer digne-se o prefeito do Município de ...., a pro-

videnciar a melhoria do meio ambiente, de modo a providenciar o sistema de esgotos projetado, vindo a cessar o dejeto junto aos rios, prejudicando, assim, a natureza.

Requer a citação da ré para, querendo, contestar a ação.

Protesta provar o alegado pelos meios em direito admitidos.

Protesta pela aplicação de multa de R$ ...., pela degradação do meio ambiente, além de multa de ..../dia, se houver protelação na obra.

Dá-se à causa o valor de R$ ....

Nesses Termos,

Pede Deferimento.

[Local], [dia] de [mês] de [ano].

[Assinatura]

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Clipping Jurídico

Comissão rejeita projeto de regularização ambiental de propriedades ruraisA Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados rejeitou na quarta-feira (21) o Projeto de Lei nº 3.835/2012, que prevê a regularização ambiental de propriedades rurais e autoriza atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural consoli-dadas até 22 de julho de 2008 em áreas de preservação permanente (APPs). Relator na comissão, o Deputado Carlos Souza (PSD-AM) recomendou a rejeição da proposta e do PL 3.846/2012, apensado. “Os projetos foram apresentados durantes as discussões do novo Código Florestal para contribuir com os debates”, disse. “Mas entendemos que as propostas em análise já cumpriram adequadamente seu papel”, completou. A proposta foi apresentada pelos Deputados Bohn Gass (PT-RS) e Sibá Machado (PT-AC) e abran-ge os imóveis rurais de até quatro módulos fiscais. A intenção dos autores na época da apresentação era regulamentar lacunas do novo Código Florestal, transformado na Lei nº 12.651/2012. • Tramitação: Os projetos tramitam em caráter conclusivo e ainda serão analisados pelas Comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Ambientalistas alertam para a falta de regulamentação de incentivos econômi-cos à preservaçãoAmbientalistas que participam de debate na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvi-mento Sustentável sobre os dois anos do Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) alertam que a regulamentação feita até o momento para a lei não detalha as regras de incentivo à regularização das propriedades rurais com passivos ambientais ou criação de instru-mentos econômicos para geração de quotas florestais a serem cedidas por quem preserva além do exigido. Segundo o advogado Raul do Valle, do Instituto Socioambiental, não há na lei nenhum tipo de incentivo ou apoio econômico à restauração. “É crível que pouco mais de cinco milhões de imóveis irão se regularizar sem incentivo do Estado?”, questionou. Assim como os representantes do setor produtivo presentes ao debate, Raul do Valle também se mostrou preocupado quanto à estruturação dos Estados para validar dos dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e operar os programas de regularização ambiental. “Estados não estão contratando gente para validar dados. O proprietário vai ter que esperar validação para assinar termo de regularização? O decreto e a instrução normativa não dizem isso (Decreto nº 8.235/2014 e Instrução Normativa nº 2/14 do Ministério do Meio Ambiente)”, alertou o advogado. “Assinar termo de compromisso sem validação poderá perpetuar erros e decreto não diz que isso poderia ser revisto caso incongruência nos dados seja encontrada. Por outro lado, esperar 10, 15 anos uma validação para assinar um termo de compromisso, também geraria um problema am-biental”, acrescentou. • Desafios: Segundo Patrícia Baião, da Conservação Internacional Brasil, um dos maiores desafios da implementação do CAR está na validação dos dados inseridos pelos produtores. Ela destacou que até mesmo Estados que já operavam um cadastramento de propriedades rurais antes do novo Código Florestal, como Pará e Mato Grosso, enfrentam dificuldades na confirmação das informações prestadas sobre os imó-veis rurais. “No Pará, quase 107 mil propriedades estão cadastradas, mas somente pouco mais de 2700 áreas validadas pelos técnicos estaduais. No Mato Grosso, das quase 43 mil propriedades cadastradas, pouco mais de 24 mil estão validadas”, informou Patrícia Baião. A Conservação Internacional, o Instituto Socioambiental e diversas outras ONGs fundaram, em 2013, o Observatório do Código Florestal para acompanhar a implemen-tação da nova lei florestal, especialmente quanto ao CAR e aos programas estaduais de

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regularização ambiental. O debate na Comissão de Meio Ambiente sobre os dois anos do Código Florestal foi proposto pelo Deputado Sarney Filho (PV-MA). (Conteúdo extraí-do do site da Câmara dos Deputados Federais)

Município deve readequar destino dos resíduos sólidosO Ministério Público do Rio Grande do Norte, por intermédio da Promotoria de Justiça da comarca de João Câmara, recomendou ao prefeito do município de Parazinho que instale, opere e encontre um melhor destino dos resíduos sólidos nos lixões, em um pra-zo de 90 dias, com a supervisão e fiscalização do órgão ambiental do Estado e em con-formidade com a legislação e as normas técnicas. Segundo os termos recomendados, o município deve monitorar de forma permanente as cercas dos lixões, evitando a entrada de animais e de pessoas não autorizadas no local, principalmente crianças, adolescentes e catadores. Devem ser feitas manutenções periódicas nas vias de acesso interno e ex-terno aos lixões e proibir o descarte de resíduos da construção civil, juntamente com os resíduos urbanos domésticos. A Promotoria de Justiça recomenda também a extinção da prática de queima do lixo a céu aberto, o descarte de resíduos das atividades de serviços de saúde, com uma coleta segregada e com prévio tratamento. Deve haver um serviço de cobertura do material recolhido com uma camada de argila mínima de 10cm, para evitar a proliferação de vetores ou combustão. A recomendação ministerial ainda sugere que o prefeito deve plantar vegetação adequada no entorno do terreno do lixão, elabo-rar e apresentar o cadastramento dos catadores, elaborar e implementar um projeto de aterro sanitário ou outra solução compatível, com as características sócio econômicas do município e ambientais vigentes. De acordo com a recomendação, a prefeitura tem 120 dias para promover um outro projeto para implantação de sistema de aterro sanitário de forma individual ou consorciada, nos termos do Plano Estadual de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos do Rio Grande do Norte (Pegirs/RN). Também em um prazo de 120 dias, deve ser criado e implantado um programa municipal de coleta seletiva de lixo e um programa de educação ambiental, direcionados a toda população do município, com a adoção de medidas objetivas de incentivo fiscal e multas e outras punições ad-ministrativas, com a elaboração de cartilha educativa e sua distribuição, além de outras eventuais políticas educativas. Já com um prazo menor, de 60 dias, o gestor municipal deverá promover o atendimento às normas contidas no art. 36, §§ 1º e 2º, da Lei Federal nº 12.305/2010, fomentando, via apoio financeiro, treinamento, capacitação, e demais ações indispensáveis, aos trabalhos de cooperativas ou de outras formas de associações de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis. Com o mesmo prazo de dois meses, o município deve enviar à Promotoria de Justiça um plano social para atender às famí-lias dos catadores em atividade no local, bem como de políticas públicas específicas e alternativas destinadas a abranger àqueles que perderão sua principal fonte de renda, reconhecendo a importância ambiental e econômica do trabalho desenvolvido por tais pessoas. Por fim, a prefeitura municipal de Parazinho terá um prazo de 15 dias para formalizar as informações acerca do acatamento da recomendação. O MP adverte que, caso o gestor não acate esses termos, serão tomadas medidas cabíveis, cível, criminal e administrativas, incluindo a responsabilidade dos administradores diretos e agentes públicos responsáveis, além de ações visando o imediato fechamento do lixão de Para-zinho. (Conteúdo extraído do site do Ministério Público do Rio Grande do Norte)

Tribunal responsabiliza prefeitura por dano ambientalA 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça paulista manteve de-cisão que determinou à Prefeitura de Pinhalzinho a interrupção do depósito de lixo

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domiciliar em área imprópria e a tomada de ações para a recuperação ambiental do local. De acordo com os autos, a municipalidade assinou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), no intuito de se pôr fim ao despejo de resíduos sólidos em área inadequada e implementar medidas sanadoras, porém o aterro continuou a funcionar irregularmente. A Promotoria ajuizou ação civil pública visando à responsabilização do Poder Público, julgada proce-dente em primeira instância. Em recurso, o município alegou que encerrou as atividades no aterro e apresentou relatório para comprovar que a área havia sido recuperada. O Relator Ruy Alberto Leme Cavalheiro explicou em voto que o relatório apresentado foi tido como inadequado e incompleto pela Cetesb e, portanto, não há como afirmar que a área degradada foi devidamente recuperada. “A Municipalidade deve providenciar o adequado gerenciamento ambiental da área contaminada, pois o lixo lá existente, ainda que aterrado, continuará a produzir chorume, correndo o risco de contaminar o solo e eventuais cursos d’água.” Os Desembargadores João Francisco Moreira Viegas e Zélia Maria Antunes Alves também participaram do julgamento, que teve votação unânime. Apelação nº 0000125-10.2008.8.26.0447. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo)

Comissão aprova auditoria em empresa que emite “selo verde”A Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio aprovou nesta quarta-feira (7) proposta que torna obrigatória a realização de auditoria externa, inde-pendente e periódica, em entidades que emitam certificações ambientais, selos verdes ou congêneres. A auditoria será efetuada por órgão ambiental federal ou por pessoa jurídica de direito privado especializada de âmbito nacional credenciada por ele. O texto aprovado é substitutivo do Deputado Ângelo Agnolin (PDT-TO) ao Projeto de Lei nº 7.700/10, do Deputado Vieira da Cunha (PDT-RS). O texto original previa que a auditoria fosse realizada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Quali-dade Industrial (Inmetro) ou por pessoa jurídica de direito privado credenciada por ele. “Muitas são as denúncias envolvendo o uso fraudulento das certificações ambientais que minam a confiança do consumidor nesses mecanismos, gerando grandes prejuízos aos produtores comprometidos, às instituições certificadoras sérias e ao próprio con-sumidor”, explicou Agnolin. Pela proposta, as entidades responsáveis pela auditoria, chamadas no projeto de “acreditadoras”, deverão levar em conta aspectos relaciona-dos à regularidade, uniformidade, eficiência e controle das atividades das entidades certificadoras, além de critérios técnicos. Após a auditoria, as entidades acreditadoras emitirão parecer “sem restrições” ou “com restrição”. • Punição: A emissão de parecer com restrições impedirá a utilização comercial ou não comercial da certificação am-biental, do selo verde ou congêneres até que haja regularização integral das pendên-cias apontadas pela entidade acreditadora. Nesse caso, a utilização das certificações ou selo acarretará multa ao ente certificado que poderá variar entre 1% a 10% do faturamento bruto do exercício fiscal anterior, a ser aplicada pelo órgão estadual ou distrital de defesa do consumidor. Conforme a proposta, as certificações ambientais, selos verdes ou congêneres em utilização antes da publicação da lei terão 180 para adaptarem-se às novas exigências. • Tramitação: O projeto será analisado em caráter conclusivo pelas comissões de Defesa do Consumidor; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Íntegra da proposta: PL-7700/2010. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

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Justiça atende MP e exige que Município de Santo Antônio de Jesus assuma combate à poluiçãoAcusada de omissão por não exercer a fiscalização e repressão à poluição sonora, moti-vo de muita reclamação por parte da comunidade local, a Prefeitura Municipal de Santo Antônio de Jesus, situada a 185km de Salvador, terá que, num prazo de 60 dias, indicar qual órgão do Município fará a fiscalização na cidade. O Município deverá publicar um decreto, fornecendo ainda o quadro de apoio pessoal e material para exercer essa função, o que deverá constar de um ato normativo possibilitando a atuação desses ser-vidores nos horários noturnos e em finais de semana. A determinação do Juiz Givandro Cardoso atende pedido liminar feito pelo promotor de Justiça Julimar Barreto em ação civil proposta contra o Município de Santo Antônio de Jesus, onde é crescente a poluição sonora, mas inexiste um órgão municipal encarregado de exercer a fiscalização para coibir os abusos. Julimar explica que, diante das muitas representações recebidas dando conta que extrapola o permitido por lei a utilização de som por carros particulares e de propaganda, bares, residências, estabelecimentos comerciais, clubes e igrejas, e perante a inexistência de um órgão municipal a quem recorrer, a ação de fiscalização que de-veria ser feita pela Prefeitura local vem sendo feita pelo Ministério Público estadual em conjunto com a Polícia Militar. Segundo ele, várias provocações têm sido feitas à Prefei-tura no sentido de ser verificada a existência de alvarás de funcionamento e da vigilância sanitária nos bares. “Contudo, tendo em vista a falta de estrutura e desorganização do Poder Executivo, nada foi cumprido pelos infratores, o que levou o MP a firmar Termos de Ajustamento de Conduta ou ingressar com ações civis públicas.” A importância desse órgão municipal é citada pelo promotor de Justiça como fundamental para a Prefeitura exercer o poder de polícia e com isso multar, apreender produtos e mercadorias, além de interditar e cassar alvarás, “o que não vem sendo feito diante da falta de servidores para atuar no expediente normal, bem como nos finais de semana e à noite, o que comprova a inoperância do poder público municipal”. Lembra Julimar que já havia ingressado com outra ACP e, na audiência de conciliação, o Município aceitou um acordo comprome-tendo-se a expedir decretos proibindo a circulação de carros de som, bem como de som fixo no centro da cidade, o que não vem acontecendo segundo relato de moradores. Ao acatar o pedido do promotor de Justiça, o juiz também determinou um prazo de 45 dias para que o Inema informe eventual descumprimento do convênio que municipalizou a fiscalização e o licenciamento ambiental. Explica Julimar que Santo Antônio de Jesus dispõe de uma recente e avançada lei municipal que trata sobre a poluição sonora, fal-tando apenas sua plena efetividade. Complementa dizendo que a demora na adoção de providências que coíbam a poluição sonora poderá acarretar sérios prejuízos à saúde da população e até mesmo levar a conflitos na comunidade. (Conteúdo extraído do site do Ministério Público do Bahia)

MP move ação para obrigar Pitangueiras a implantar programa de controle de cães e gatosO Ministério Público, por meio da Promotoria de Justiça de Pitangueiras, ajuizou no último dia 4 ação civil pública, com pedido de liminar, para obrigar o Município de Pitangueiras a realizar o controle populacional de cães e gatos e a implantar um Cen-tro de Controle de Zoonoses na cidade. De acordo com ação, proposta pelo Promotor Leonardo Bellini de Castro, existe no município um grande número de cães e gatos

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abandonados perambulando pelas ruas da cidade. O Promotor destaca que não existe qualquer providência do Poder Público no sentido de desenvolver políticas destinadas aos recolhimentos, castrações e disponibilizações de animais para adoção. No inqué-rito civil que originou a ação também foi apurado que o município não desenvolve medidas protetivas previstas em lei referentes à identificação e ao registro de animais abandonados com campanhas visando à adoção. O MP realizou diversas reuniões com o Executivo Municipal para resolver a questão, mas nenhuma providência foi tomada por parte do município. “Inadmissível que o Poder Público Municipal se exima de cum-prir seu dever sob a costumeira alegação de falta de recursos, em detrimento de direitos fundamentais de terceira geração relativas à proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado”, destaca o Promotor na ação. A Promotoria de Justiça de Pitangueiras pede à Justiça que conceda a antecipação dos efeitos da tutela para obrigar o Município a implementar programa administrativo de controle reprodutivo de cães e gatos e a pro-mover medidas protetivas, por meio de identificação, registro e esterilização cirúrgica, adoção e de campanhas educacionais para a conscientização pública e a destinar local para a criação e colocação em funcionamento de um Centro de Controle de Zoonoses para o recolhimento, a manutenção e exposição de animais abandonados para a adoção, aberto à visitação pública, com a realização de vacinação e dispensação dos demais cuidados aos animais, no prazo de 12 meses. (Conteúdo extraído do site do Ministério Público de São Paulo)

Tribunal confirma condenação de acusado de manter cativeiro ilegal de aves silvestresA 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, confirmou a decisão do juízo de primeira instância que condenou um criador por ter mantido, em 2009, canários da terra ilegalmente em cativeiro no Município de Mirassol/SP. Ele tam-bém foi condenado por alterar anilhas usadas nos pássaros – o material é de uso exclusi-vo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O acórdão, publicado no Diário Eletrônico da Justiça Federal, em 4 de abril, ratificou a sentença proferida pelo juiz da 2ª Vara Federal de São Jose do Rio Preto/SP, condenando o réu à pena total de dois anos de reclusão e seis meses de detenção, em regime inicial aberto, substituída por interdição temporária de direito consistente na proibição do exer-cício de criação de aves silvestres e recolhimento domiciliar diário a partir das 20 horas nos dias úteis e a partir das 13 horas durante os finais de semana e feriados. A decisão está baseada no art. 29, § 1º, inciso III, da Lei nº 9.605/1998 (falsificação e uso de mar-cas, logotipos, símbolos de entidades ou órgãos), em concurso material com o art. 296, § 1º, inciso III, do Código Penal (guarda em cativeiro ou depósito de espécimes da fauna silvestre não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da auto-ridade competente). Na ação penal pública promovida pelo Ministério Público Federal (MPF), consta que em 23.11.2009, em Mirassol/SP, fiscais do Ibama, em conjunto com agentes da Polícia Federal, surpreenderam o acusado mantendo canários da terra em ca-tiveiro, sem permissão do órgão competente, bem como encontraram nos pássaros ani-lhas de uso exclusivo do Ibama alteradas. A defesa do acusado requereu a absolvição por insuficiência de provas no caso das anilhas alteradas e aplicação do perdão judicial por considerar não restar comprovada a ameaça de extinção dos pássaros e que estavam em boas condições enquanto em cativeiro. Para o relator do processo, Desembargador Fe-deral Cotrim Guimarães, a mera variação do diâmetro das anilhas apreendidas consistiu

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em modo de adulteração dos sinais públicos (materiais exclusivos) emitidos pelo Ibama, com a finalidade de simular a origem em cativeiro dos canários da terra encontrados em poder do acusado. “Os objetos (apreendidos) permitem inferir que o acusado se dedica-va à captura de aves silvestres em seu habitat natural e posterior criação sem autorização da autoridade competente”, afirmou o relator. Quanto à alegação de não haver notícia de que os canários da terra estejam em extinção, o acórdão diz que “o fato de manter os espécimes em cativeiro com o uso de expedientes fraudulentos, que conciliado ao conhecimento do acusado sobre as normas relativas à criação de animais silvestres e à posse de instrumentos de caça, permitem concluir pela inadequação ao caso do perdão judicial previsto no § 2º do art. 29 da Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998)”. No TRF3, a Apelação Criminal recebeu o número 0009305-86.2009.4.03.6106/SP. (Conteú do extraído do site do Tribunal Regional Federal da 3ª Região)

Justiça paralisa as atividades da CBL e determina a regularização de licenças ambientaisAs atividades da Companhia Brasileira de Logística (CBL), que atua na movimentação e armazenagem de granéis sólidos e fertilizantes agrícolas, estão paralisadas por determi-nação judicial. A decisão, do Juízo da Vara da Fazenda Pública de Paranaguá (Litoral), foi proferida com base em ação civil pública ajuizada pela 2ª Promotoria de Justiça da comarca, que contesta a falta de regularidade ambiental e urbanística da empresa. Foi determinado, ainda, na liminar, que o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e o Município de Paranaguá se abstenham de emitir novas licenças e alvarás em favor da empresa e que exijam a regularização do licenciamento ambiental e urbanístico por parte da CBL, instalada no bairro Porto dos Padres, em Paranaguá. A promotora de Justiça Priscila da Mata Cavalcante destaca que a ação foi ajuizada com o objetivo de corrigir o desrespeito à legislação, além de evitar mais transtornos aos moradores locais, que reclamaram à Promotoria da poluição e do barulho causados pela movimentação intensa de cami-nhões no entorno do empreendimento. Entre outros argumentos, a Promotoria aponta, na ação, a ausência de regularidade da empresa, nos seguintes aspectos: inexistência de Certificado de Vistoria em Estabelecimento (CVE), expedido pelo Corpo de Bombei-ros do Paraná, inexistência de Alvará de Localização e Funcionamento, emitido pelo Município, referente ao objeto social da empresa (fertilizantes), com o cumprimento do Código Ambiental (art. 271) e da Lei nº 1.912/1995 (arts. 1º, 4º, 6º e 7º), inexistência de Alvará Sanitário válido, emitido pelo Município, invalidade dos procedimentos de Licen-ciamento Ambiental e inexistência de licença de operação e inexistência de Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) Corretivo. A multa, em caso de descumprimento da liminar, é de R$ 1 mil. (Conteúdo extraído do site do Ministério Público do Paraná)

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Resenha Legislativa

DECRETO

decreto nº 8.219, de 28.03.2014

Altera o Decreto nº 7.535, de 26 de julho de 2011, que institui o Progra-ma Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Água – “Água para Todos”, para dispor sobre a criação de Conselhos Consultivos.

Fechamento da Edição: 25�05�2014

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição os seguintes conteúdos:

ARTIGOS DOUTRINÁRIOS

• “Sustentabilidade” com a Aprovação da PNRS – Lei nº 12.305/2010 e do Decreto nº 7.404/2010. Como ser Sustentável? Eis a Questão...

André Luis Saraiva

Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET,

disponíveis em: online.sintese.com

• Processo Administrativo Mineral e Sustentabilidade Socioambiental

William Freire

Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET,

disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Assunto Especial

DOUTRINA

Assunto

SuStentabilidade e PrincíPioS conStitucionaiS

• A Sustentabilidade Como Princípio Constitucional Aplicável aos Direitos Sociais à Previdência e As-sistência. Reflexões a Partir dos Fundamentos e Ob-jetivos da Constituição Federal Brasileira (FabianoHaselof Valcanover) .................................................. 28

• Breves Notas sobre a Interpretação Jurídica Sus-tentável à Luz da Função Social das Titularidades(Euzébio Henzel Antunes) ........................................... 9

• Hiperprocessualização e Congestionamento Juris-dicional: a Sustentabilidade como Marco Trans-formador (Marcelo Garcia da Cunha) ........................ 41

Autor

euzébio Henzel antuneS

• Breves Notas sobre a Interpretação Jurídica Susten-tável à Luz da Função Social das Titularidades ............ 9

Fabiano HaSeloF ValcanoVer

• A Sustentabilidade Como Princípio Constitucio-nal Aplicável aos Direitos Sociais à Previdência e Assistência. Reflexões a Partir dos Fundamentos eObjetivos da Constituição Federal Brasileira ............. 28

Marcelo Garcia da cunHa

• Hiperprocessualização e Congestionamento Juris-dicional: a Sustentabilidade como Marco Transfor-mador ........................................................................ 41

Parte Geral

DOUTRINA

Assunto

crédito de carbono

• Aspectos Jurídicos do Mecanismo de Desenvolvi-mento Limpo e Certificado de Emissão Reduzida – Crédito de Carbono (Marcelo Palma Umsza) ............. 75

tributação aMbiental

• As Condutas “Verdes” e a Finalidade Extrafiscal da Tributação (Henrique Sampaio Goron) ...................... 57

Autor

Henrique SaMPaio Goron

• As Condutas “Verdes” e a Finalidade Extrafiscal daTributação ................................................................. 57

Marcelo PalMa uMSza

• Aspectos Jurídicos do Mecanismo de Desenvolvi-mento Limpo e Certificado de Emissão Reduzida – Crédito de Carbono ................................................ 75

JURISPRUDÊNCIA

Assunto

ação ciVil Pública

• Constitucional, administrativo e ambiental – Ação civil pública – Degradação ambiental – Área de preservação permanente – Medidas preventivas de-feridas pelo juízo a quo – Possibilidade – Princípio da prevenção (TRF 1ª R.) ................................1094, 91

• Processual civil e ambiental – Ação civil pública – Exploração irregular de áreas de várzea e de pre-servação permanente – Rancho de lazer em lote à margem do Rio Paraná – Danos decorrentes de ati-vidade antrópica – Abstenção de utilização ou ex-ploração – Demolição das construções – Remoção dos entulhos – Recomposição da cobertura vegetal – Pena de multa diária – Cabimento – Cumulação com indenização e depósito judicial de valores, na hipótese de descumprimento – Inviabilidade,no caso (TRF 3ª R.) ........................................1096, 113

Área de PreSerVação PerManente

• Administrativo e processual civil – Ibama – Auto de infração – Construção em área permanente – Obra realizada quando a área ainda não havia sido delimitada – Ausência de negligência ou dolo por parte do demandante na prática da infração administrativa – Insubsistência da multa aplicada(TRF 5ª R.) .................................................... 1098, 167

• Constitucional, administrativo e ambiental – Ação civil pública – Degradação ambiental – Área de preservação permanente – Medidas preventivas deferidas pelo juízo a quo – Possibilidade – Prin-cípio da prevenção (TRF 1ª R.) .......................1094, 91

• Processual civil e ambiental – Ação civil públi-ca – Exploração irregular de áreas de várzea e de preservação permanente – Rancho de lazer em lote à margem do Rio Paraná – Danos decorrentes de atividade antrópica – Abstenção de utilização ou exploração – Demolição das construções – Remo-ção dos entulhos – Recomposição da cobertura ve-getal – Pena de multa diária – Cabimento – Cumu- lação com indenização e depósito judicial de va-lores, na hipótese de descumprimento – Inviabili-dade, no caso (TRF 3ª R.)...............................1096, 113

criMe aMbiental

• Crime ambiental – Mineração de carvão – Reserva mineral – Licença ambiental – Ausência – Extra-ção – Impossibilidade (TRF 4ª R.) .................1097, 162

deGradação aMbiental

• Constitucional, administrativo e ambiental – Ação civil pública – Degradação ambiental – Área de preservação permanente – Medidas preventivas deferidas pelo juízo a quo – Possibilidade – Prin-cípio da prevenção (TRF 1ª R.) .......................1094, 91

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RSA Nº 19 – Maio-Jun/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ������������������������������������������������������������������������������������������������������245 • Direito administrativo e econômico – Importação

de pneu usado – Destinação final – Resoluções Conama nºs 258/1999 e 301/2003 – Auto de in-fração – Ausência de comprovação prévia de ade-quada destinação ambiental – Apelação desprovida(TRF 2ª R.) ....................................................1095, 107

direito urbaníStico

• Administrativo e processual civil – Ibama – Auto de infração – Construção em área permanente – Obra realizada quando a área ainda não havia sido delimitada – Ausência de negligência ou dolo por parte do demandante na prática da infração administrativa – Insubsistência da multa aplicada(TRF 5ª R.) .................................................... 1098, 167

• Processual civil e ambiental – Ação civil pública – Exploração irregular de áreas de várzea e de pre-servação permanente – Rancho de lazer em lote à margem do Rio Paraná – Danos decorrentes de ati-vidade antrópica – Abstenção de utilização ou ex-ploração – Demolição das construções – Remoção dos entulhos – Recomposição da cobertura vegetal – Pena de multa diária – Cabimento – Cumulação com indenização e depósito judicial de valores, na hipótese de descumprimento – Inviabilidade,no caso (TRF 3ª R.) ........................................1096, 113

ibaMa

• Administrativo e processual civil – Ibama – Auto de infração – Construção em área permanente – Obra realizada quando a área ainda não havia sido delimitada – Ausência de negligência ou dolo por parte do demandante na prática da infração administrativa – Insubsistência da multa aplicada(TRF 5ª R.) .................................................... 1098, 167

recurSo Mineral

• Crime ambiental – Mineração de carvão – Reserva mineral – Licença ambiental – ausência – Extra-ção – Impossibilidade (TRF 4ª R.) .................1097, 162

EMENTÁRIO

Assunto

ação ciVil Pública

• Ação civil pública – cultivo de cana de açúcar em área de preservação permanente – ausência de li-cenciamento ambiental – utilização de queimada para limpeza do solo – dano ambiental – recupe-ração – obrigatoriedade .................................1099, 172

• Ação civil pública – dano ambiental – construções em torno de área de proteção ambiental – mata ci-liar às margens de açude – TAC – previsão de de-molição do imóvel – inexistência ..................1100, 172

• Ação civil pública – dano ambiental – irregularida-des – aplicação de multa – necessidade de perícia – suspensão – possibilidade ...........................1101, 174

• Ação civil pública – exercício de atividade de car-cinicultura – autorização estatal – responsabilidade objetiva e princípio do poluidor-pagador – inapli-cabilidade .....................................................1102, 176

• Ação civil pública – lanchonete em centro histó-rico – ausência de licenciamento ambiental – cer-tificado de dispensa – possibilidade – ausência de lesão – reconhecimento.................................1103, 177

• Área de preservação ambiental – desmatamento – ação popular – extinção do processo sem reso-lução do mérito – acordo celebrado em ação civil pública com os mesmos pedidos – possibilidade ......................................................................1105, 178

aniMaiS

• Animais – apreensão de pássaros em cativeiro – inexistência de gravidade do fato e de anteceden-tes do condutor – conversão da multa em serviços de preservação, melhoria e qualidade do meio ambiente – possibilidade ...............................1104, 177

Área de PreSerVação aMbiental

• Área de preservação ambiental – desmatamento – ação popular – extinção do processo sem reso-lução do mérito – acordo celebrado em ação civil pública com os mesmos pedidos – possibilidade ......................................................................1105, 178

Área de PreSerVação PerManente

• Ação civil pública – cultivo de cana de açúcar em área de preservação permanente – ausência de li-cenciamento ambiental – utilização de queimada para limpeza do solo – dano ambiental – recupe-ração – obrigatoriedade .................................1099, 172

• Área de preservação permanente – construção – competência fiscalizatória do Ibama – infração am-biental – possibilidade ...................................1106, 180

• Área de preservação permanente – construção de açude – ausência de licença ambiental – imposiçãode multa ambiental – reconhecimento ..........1107, 181

• Tributação ambiental – IPTU – imóvel em área ur-bana encravado em APP – exercício pleno de pro-priedade – impossibilidade – isenção – legislação regulamentadora – necessidade .....................1138, 212

Área de Proteção aMbiental

• Ação civil pública – dano ambiental – construções em torno de área de proteção ambiental – mata ci-liar às margens de açude – TAC – previsão de de-molição do imóvel – inexistência ..................1100, 172

coMPetência aMbiental

• Área de preservação permanente – construção – competência fiscalizatória do Ibama – infração am-biental – possibilidade ...................................1106, 180

• Direito urbanístico – improbidade administrativa – autorização de remembramento de lotes vizinhos em área tombada – competência ambiental – não caracterização ...............................................1116, 194

• Licença ambiental municipal – transporte interesta-dual de combustível – competência do Ibama para expedir licença – reconhecimento .................1119, 199

• Multa administrativa ambiental – nulidade do auto de infração – não ocorrência – licença ambiental – concessão por órgão estadual – competência fis-calizatória do Ibama – princípios do poluidor-paga-dor e do usuário-pagador – aplicabilidade ....1126, 205

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246 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RSA Nº 19 – Maio-Jun/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

criMe aMbiental

• Crime ambiental – caça ilegal de espécimes da fau-na – ofensa a Súmula nº 231 do STJ – reconheci-mento ............................................................1108, 181

• Crime ambiental – exploração de recursos minerais – prévia autorização – inexistência ................1109, 181

• Crime ambiental – extração de areia – ausência de autorização – plano de recuperação de área degra-dada – materialidade – comprovação ...........1110, 182

• Crime ambiental – extração de argila – ausên-cia de autorização – bem da União – conflito de normas – inexistência ....................................1111, 183

• Crime ambiental – pesca no lago – princípio da in-significância – aplicabilidade ........................1112, 184

• Crime ambiental – princípio da insignificância – inaplicabilidade – princípio do in dubio pro societate – aplicabilidade .............................1113, 184

• Recursos minerais – extração de cascalho sem auto-rização – crime contra a ordem econômica e contra o meio ambiente – reconhecimento ..............1134, 208

dano aMbiental

• Ação civil pública – cultivo de cana de açúcar em área de preservação permanente – ausência de li-cenciamento ambiental – utilização de queimada para limpeza do solo – dano ambiental – recupe-ração – obrigatoriedade .................................1099, 172

• Ação civil pública – dano ambiental – construções em torno de área de proteção ambiental – mata ci-liar às margens de açude – TAC – previsão de demo-lição do imóvel – inexistência .......................1100, 172

• Ação civil pública – dano ambiental – irregularida-des – aplicação de multa – necessidade de perícia – suspensão – possibilidade ...........................1101, 174

• Dano ambiental – área pertencente à União – in-denização – possibilidade – recuperação do meio ambiente local – obrigatoriedade ..................1114, 189

• Meio ambiente – empreendimento imobiliário – circulação com veículos pesados em via pública –risco de dano ambiental – reconhecimento ...1120, 199

direito urbaníStico

• Direito urbanístico – expansão de loteamento – área de preservação permanente – prejuízos ao ecos-sistema – demolição – obrigatoriedade ..........1115, 193

• Direito urbanístico – improbidade administrativa – autorização de remembramento de lotes vizi-nhos em área tombada – competência ambiental –não caracterização ........................................1116, 194

ibaMa

• Área de preservação permanente – construção – competência fiscalizatória do Ibama – infração am-biental – possibilidade ...................................1106, 180

• Ibama – manutenção em depósito – madeira nati-va sem documentação – débito inscrito na dívida ativa – execução – embargos à execução – garan-tia do juízo – necessidade .............................1117, 194

• Multa administrativa ambiental – nulidade do auto de infração – não ocorrência – licença ambiental – concessão por órgão estadual – competência fis-

calizatória do Ibama – princípios do poluidor-paga-dor e do usuário-pagador – aplicabilidade ....1126, 205

inFração aMbiental

• Área de preservação permanente – construção – competência fiscalizatória do Ibama – infração am-biental – possibilidade ...................................1106, 180

• Infração ambiental – transporte irregular de madeira – apreensão de veículo – liberação – possibilidade– fiel depositário – cabimento........................1118, 194

licença aMbiental

• Área de preservação permanente – construção de açude – ausência de licença ambiental – imposiçãode multa ambiental – reconhecimento ..........1107, 181

• Multa administrativa ambiental – nulidade do auto de infração – não ocorrência – licença ambiental – concessão por órgão estadual – competência fisca-lizatória do Ibama – princípios do poluidor-pagadore do usuário-pagador – aplicabilidade ..........1126, 205

licença aMbiental MuniciPal

• Licença ambiental municipal – transporte interesta-dual de combustível – competência do Ibama para expedir licença – reconhecimento .................1119, 199

licenciaMento aMbiental

• Ação civil pública – cultivo de cana de açúcar em área de preservação permanente – ausência de li-cenciamento ambiental – utilização de queimada para limpeza do solo – dano ambiental – recupe-ração – obrigatoriedade .................................1099, 172

• Ação civil pública – lanchonete em centro histó-rico – ausência de licenciamento ambiental – cer-tificado de dispensa – possibilidade – ausência de lesão – reconhecimento.................................1103, 177

Meio aMbiente

• Meio ambiente – empreendimento imobiliário – circulação com veículos pesados em via pública –risco de dano ambiental – reconhecimento ...1120, 199

• Meio ambiente – exploração florestal – autorização – admissibilidade...........................................1121, 200

• Meio ambiente – obras de conservação em faixa de domínio de rodovia federal – licenciamento am-biental – desnecessidade ...............................1122, 200

• Meio ambiente – recuperação de área – demolição de residência – possibilidade .........................1123, 200

Meio aMbiente do trabalHo

• Meio ambiente do trabalho – dano moral – ausência de banheiro químico no canteiro de obra – afronta às normas de saúde e segurança no ambiente detrabalho – reconhecimento ............................1124, 202

• Meio ambiente do trabalho – princípio da dignidade da pessoa humana – trabalho nas estações de tubo– ausência de água potável – violação ..........1125, 203

Multa adMiniStratiVa aMbiental

• Multa administrativa ambiental – nulidade do auto de infração – não ocorrência – licença ambiental – concessão por órgão estadual – competência fis-

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RSA Nº 19 – Maio-Jun/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ������������������������������������������������������������������������������������������������������247 calizatória do Ibama – princípios do poluidor-paga-dor e do usuário-pagador – aplicabilidade ....1126, 205

• Multa administrativa ambiental – responsabilidade civil de reparar o dano – nexo causal – não demons-tração – nulidade do auto de infração – possibili-dade ..............................................................1127, 205

ParcelaMento do Solo

• Direito urbanístico – expansão de loteamento – área de preservação permanente – prejuízos ao ecos-sistema – demolição – obrigatoriedade ..........1115, 193

• Parcelamento do solo – loteamento irregular – regu-larização – possibilidade ...............................1128, 206

PeSca

• Crime ambiental – pesca no lago – princípio da in-significância – aplicabilidade ........................1112, 184

Poluição

• Poluição – indenização por danos morais – peti-ção inicial genérica – inépcia – reconhecimento ......................................................................1129, 206

Poluição daS ÁGuaS

• Poluição das águas – contaminação – irrigação – morte de 120 mil mudas de morango – dano moral– não caracterização .....................................1130, 206

• Poluição das águas – obrigação de fazer – impe-dimento de vazamento de emulsão asfáltica em rios – proteção do meio ambiente pelo Poder Pú-blico – obrigatoriedade..................................1131, 207

Poluição Sonora

• Poluição sonora – horário de funcionamento de es-tabelecimento – inobservância – aplicação de mul-ta – admissibilidade .......................................1132, 207

• Poluição sonora – igreja evangélica – culto religioso – barulho excessivo – comprovação por laudo téc-nico – suspensão do uso de equipamentos de pro-pagação sonora – possibilidade .....................1133, 208

recurSoS MineraiS

• Crime ambiental – exploração de recursos minerais – prévia autorização – inexistência ................1109, 181

• Crime ambiental – extração de areia – ausência de autorização – plano de recuperação de área degra-dada – materialidade – comprovação ...........1110, 182

• Crime ambiental – extração de argila – ausência de autorização – bem da União – conflito de normas– inexistência ................................................1111, 183

• Recursos minerais – extração de cascalho sem auto-rização – crime contra a ordem econômica e contra o meio ambiente – reconhecimento ..............1134, 208

reSerVa indíGena

• Reserva indígena – inércia da administração noprocedimento demarcatório – inocorrência ...1135, 209

SaneaMento bÁSico

• Saneamento básico – esgoto sem tratamento – lançamento em curso d’água – inadmissibilidade ......................................................................1136, 209

• Saneamento básico – serviço de esgotamento sa-nitário – má prestação – taxa de esgoto – suspen-são da cobrança – possibilidade – dano moral –inexistência ...................................................1137, 210

tributação aMbiental

• Saneamento básico – serviço de esgotamento sa-nitário – má prestação – taxa de esgoto – suspen-são da cobrança – possibilidade – dano moral– inexistência ................................................1137, 210

• Tributação ambiental – IPTU – imóvel em área ur-bana encravado em APP – exercício pleno de pro-priedade – impossibilidade – isenção – legislaçãoregulamentadora – necessidade .....................1138, 212

Seção Especial

ESTUDO JURÍDICO

Assunto

PlataForMa MarítiMa

• Quando Cangurus Voarem: a Declaração Unilate-ral Brasileira sobre o Direito de Pesquisa Além dos Limites da Plataforma Continental – 2010 (Rodrigo Fernandes More)...................................................... 213

Autor

rodriGo FernandeS More

• Quando Cangurus Voarem: a Declaração Unilate-ral Brasileira sobre o Direito de Pesquisa Além dosLimites da Plataforma Continental – 2010 ............... 213

Parte Prática

MODELO

Assunto

ação ciVil Pública

• Modelo de Ação Civil Pública Ambiental Interposta para Construção de Esgoto ...................................... 229

CLIPPING JURÍDICO

• Ambientalistas alertam para a falta de regulamen-tação de incentivos econômicos à preservação ....... 236

• Comissão aprova auditoria em empresa que emite“selo verde” ............................................................. 238

• Comissão rejeita projeto de regularização ambien-tal de propriedades rurais ........................................ 236

• Justiça atende MP e exige que Município de SantoAntônio de Jesus assuma combate à poluição ......... 239

• Justiça paralisa as atividades da CBL e determina a regularização de licenças ambientais ...................... 241

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248 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RSA Nº 19 – Maio-Jun/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

• MP move ação para obrigar Pitangueiras a implan-tar programa de controle de cães e gatos ................. 239

• Município deve readequar destino dos resíduos sólidos ..................................................................... 237

• Tribunal confirma condenação de acusado de man-ter cativeiro ilegal de aves silvestres ........................ 240

• Tribunal responsabiliza prefeitura por dano am-biental ..................................................................... 237

RESENHA LEGISLATIVA

decretoS

• Decreto nº 8.219, de 28.03.2014 ............................ 242