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Revista SÍNTESE DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL ANO XIV – Nº 83 – DEZ-JAN 2014 REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Superior Tribunal de Justiça – Nº 50/2001 Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 18/2001 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040-0 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 20/2010 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 07/0042596-9 Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/07 DIRETOR EDITORIAL Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Herica Eduarda Geromel Vasques CONSELHO EDITORIAL Fernando da Costa Tourinho Filho, Geraldo Batista de Siqueira, Jader Marques, Luiz Flávio Gomes, Milton Jordão, Neemias Moretti Prudente, Paulo José Iasz de Morais, René Ariel Dotti, Roger Spode Brutti, Rômulo de Andrade Moreira, Ronaldo Batista Pinto, Salvador José Barbosa Júnior COMITÊ TÉCNICO Débora de Souza de Almeida, Giovani Agostini Saavedra, Leonardo Schmitt de Bem, Renata Jardim da Cunha Rieger, Rogério Montai de Lima COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Alexandre Morais da Rosa, Bernardo de Azevedo e Souza, Cristina Rego de Oliveira, Daniel Borges Moreno, Leonardo Schmitt de Bem, Mateus Marques, Maurício Tasca, Neemias Moretti Prudente, Rodrigo Oliveira de Camargo, Rômulo de Andrade Moreira, Thaís Comassetto Felix ISSN 2179-1627

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Revista SÍNTESEDireito Penal e Processual Penal

Ano XIV – nº 83 – Dez-JAn 2014

ReposItóRIo AutoRIzADo De JuRIspRuDêncIASuperior Tribunal de Justiça – Nº 50/2001

Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 18/2001Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040-0

Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 20/2010Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 07/0042596-9

Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/07

DIRetoR eDItoRIAlElton José Donato

GeRente eDItoRIAl e De consultoRIAEliane Beltramini

cooRDenADoR eDItoRIAlCristiano Basaglia

eDItoRAHerica Eduarda Geromel Vasques

conselho eDItoRIAlFernando da Costa Tourinho Filho, Geraldo Batista de Siqueira, Jader Marques,

Luiz Flávio Gomes, Milton Jordão, Neemias Moretti Prudente, Paulo José Iasz de Morais, René Ariel Dotti, Roger Spode Brutti, Rômulo de Andrade Moreira, Ronaldo Batista Pinto,

Salvador José Barbosa Júnior

comItê técnIcoDébora de Souza de Almeida, Giovani Agostini Saavedra,

Leonardo Schmitt de Bem, Renata Jardim da Cunha Rieger, Rogério Montai de Lima

colAboRADoRes DestA eDIçãoAlexandre Morais da Rosa, Bernardo de Azevedo e Souza, Cristina Rego de Oliveira, Daniel Borges Moreno, Leonardo Schmitt de Bem, Mateus Marques, Maurício Tasca,

Neemias Moretti Prudente, Rodrigo Oliveira de Camargo, Rômulo de Andrade Moreira, Thaís Comassetto Felix

ISSN 2179-1627

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2000 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência, legislação e outros assuntos de Direito Penal e Processual Penal.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respectivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 5.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected].

REVISTA SÍNTESE DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL Nota: Continuação da REVISTA IOB DE DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

Porto Alegre: Síntese, v. 1, n. 1, abr./maio, 2000

Publicação periódica Bimestral

v. 14, n. 83, dez./jan. 2014

ISSN 2179-1627

1. Direito penal – periódicos – Brasil 2. Direito processual penal

CDU: 343.2(81) (05)CDD: 343

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Bibliotecária responsável: Helena Maria Maciel CRB 10/851)

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Tramita na Câmara dos Deputados o PL 8.045/2010, que tem o objetivo de reformar o Processo Penal Brasileiro, instituindo novo código.

A ideia do projeto, além de modernizar a legislação vigente, é tornar mais eficiente e harmônica com os tempos atuais, bem como mais adequada à Constituição Federal e ao Estado Democrático de Direito.

O jurista Jacinto Coutinho assim mencionou em uma de suas obras: “Pode-se ter um novo Código de Processo Penal, constitucionalmente fundado e democraticamente construído, mas ele será somente linguagem se a mentalidade não mudar.”

“Novo Código de Processo Penal”, assunto de extrema relevância e complexidade, foi escolhido para ser tratado na edição de nº 83 da Revista SÍNTESE Direito Penal e Processual Penal.

Para tratar de assunto tão polêmico, a edição contou com a publicação de sete importantes artigos dos mais renomados juristas, sendo eles: Neemias Moretti Prudente, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Oliveira de Camargo, Bernardo de Azevedo e Souza, Maurício Tasca, Thaís Comassetto Felix e Cristina Rego de Oliveira.

Na Parte Geral da Revista, publicamos mais duas doutrinas de diferentes temas do Direito Penal e Processual Penal, além de um Ementário com Valor Agregado Editorial, criteriosamente selecionado e preparado para você, com comentários elaborados pela equipe SÍNTESE.

Vale ressaltarmos, ainda, todo o conteúdo publicado na Parte Geral, como Acórdãos na Íntegra de diversos Tribunais Regionais e Superiores.

E, por fim, destacamos a seção denominada “Clipping Jurídico”, na qual oferecemos a você, leitor, textos concisos que destacam de forma resumida os principais acontecimentos do período, tais como Notícias, Projetos de Lei, Normas Relevantes, dentre outros.

É com prazer que a IOB deseja a você uma ótima leitura!

Eliane BeltraminiGerente Editorial e de Consultoria

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos .................................................................... 7

Assunto EspecialNovo Código de ProCesso PeNal

doutriNas

1. Principais Mudanças (e Polêmicas): Projeto de Novo Código de Processo Penal (PL 8.045/2010)Neemias Moretti Prudente ..........................................................................9

2. Para uma Noção de Doping no Processo PenalAlexandre Morais da Rosa ........................................................................24

3. Adesão Civil: Riscos da Aparente Ampliação do Objeto do Processo PenalRodrigo Oliveira de Camargo ...................................................................32

4. Breves Linhas sobre o Monitoramento Eletrônico na Legislação Brasileira e no Anteprojeto de Reforma do Código de Processo PenalBernardo de Azevedo e Souza .................................................................43

5. Interceptação Telefônica. Prazo de Duração. Lei nº 9.296/1996 e Projeto do Novo CPPMaurício Tasca .........................................................................................59

6. O Reconhecimento Fotográfico de Pessoas e Suas Implicações no Processo Penal Brasileiro. Uma Abordagem à Luz do Artigo 226 do Código de Processo Penal de 1941 e da Redação do Artigo 196 do PLS 156/2009Thaís Comassetto Felix .............................................................................70

7. Reforma do Código de Processo Penal e Tutela Ressarcitória da Vítima: Apontamentos ao Projeto de Lei nº 8.045/2010Cristina Rego de Oliveira .........................................................................78

Parte GeraldoutriNas

1. Princípios da Irretroatividade e Retroatividade PenalLeonardo Schmitt de Bem ........................................................................98

2. Interceptação Telefônica e Tribunais Superiores: Análise dos Requisitos Legais e Constitucionais à Luz da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal FederalDaniel Borges Moreno ...........................................................................124

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JurisPrudêNCia

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1532. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1573. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1624. Tribunal Regional Federal da 1ª Região ..................................................1685. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................1726. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ..................................................1767. Tribunal Regional Federal da 4ª Região ..................................................1818. Tribunal Regional Federal da 5ª Região ..................................................188

ementário de jurisprudênciA

1. Ementário de Jurisprudência ................................................................... 194

Seção EspecialaCoNteCe

1. O Indiciamento e o Supremo Tribunal FederalRômulo de Andrade Moreira .................................................................229

PrátiCa ProCessual

1. Resposta à AcusaçãoMateus Marques .....................................................................................234

Clipping Jurídico ..............................................................................................243

Índice Alfabético e Remissivo ............................................................................ 245

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Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação

do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publicações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Re-vista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da SÍNTESE.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.

11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

Novo Código de Processo Penal

Principais Mudanças (e Polêmicas): Projeto de Novo Código de Processo Penal (PL 8.045/2010)1

NEEMIAS MORETTI PRUDENTEProfessor Universitário e de Processo Penal da Escola da Magistratura do Paraná, Mestre e Especialista em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia, Pastor da Igreja da Verdade Real.

RESUMO: O artigo busca apontar as principais mudanças (e polêmicas) previstas no projeto de novo Código de Processo Penal (PL 8045/2010).

PALAVRAS-CHAVE: Projeto de novo código de processo penal; PL 8045/2010; mudanças; polêmicas.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Princípios fundamentais; 2 Investigação criminal; 3 Juiz das garantias; 4 Inquérito policial; 5 Ação penal; 6 Interrogatório; 7 Dano moral; 8 Direitos da vítima; 9 Índios; 10 Provas; 11 Procedimentos; 12 Aplicação imediata da pena; 13 Recursos; 14 Medidas cautelares pessoais; 15 Medidas cautelares reais; 16 Ações de impugnação; 17 Cooperação jurídica internacio-nal; Conclusão; Referência.

INTRodução Arriva la nuova procedura, ma serve anche una nuova mentalità.2

(Franco Coppi)

O atual Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689, de 1941) conta com mais de 72 anos e, durante todo esse período, sofreu apenas algumas al-terações pontuais. Portanto, encontra-se inadequado e defasado, principalmen-te em relação às mudanças introduzidas pela CF/1988 (que redemocratizou o País).

Por esse motivo, tramita na Câmara dos Deputados o PL 8045/2010, que visa reformar o Processo Penal brasileiro, instituindo novo código3. O projeto,

1 Fica o meu agradecimento a todos os parceiros que aceitaram o convite e participam dessa edição: Alexandre Morais da Rosa, Bernardo de Azevedo e Souza, Cristina Rego de Oliveira, Maurício Tasca, Rodrigo Oliveira de Camargo e Thaís Comassetto Felix. Meu muito obrigado.

2 Tradução livre: “Chega um novo processo, mas é preciso também uma nova mentalidade”.3 O PL 8045 é fruto do Projeto de Lei nº 156/2009, de autoria do Senador José Sarney (que por sua vez é

baseado no anteprojeto elaborado por uma comissão externa de juristas criada em 4 de junho de 2008, através

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para além de modernizar a legislação, torna-a mais eficiente e harmônica com os tempos atuais, bem como mais adequada à CF/1988 e ao Estado Democráti-co e Social de Direito4.

O projeto, dividido em 6 livros (da persecução penal, do processo e dos procedimentos, das medidas cautelares, das ações de impugnação, das relações jurisdicionais com autoridade de estrangeira e disposições finais), prevê grandes modificações no processo penal brasileiro, entre elas: agiliza os procedimentos; diminui o número de recursos; estabelece uma série de direitos ao acusado e à vítima; revê o funcionamento do tribunal do júri; define claramente a função de cada um dos sujeitos processuais; estabelece expressamente o processo penal do tipo acusatório, buscando garantir a imparcialidade do órgão julgador e a presunção de inocência do acusado; proporciona garantia de sigilo da inves-tigação e a preservação da intimidade dos envolvidos; cria a figura do juiz de garantias; propõe novas medidas cautelares em substituição à prisão preventiva; põe fim à prisão especial; traz mudanças no interrogatório, no uso de escutas telefônicas, no valor da fiança, além de muitas outras mudanças.

Sem embargo, confira a seguir as principais mudanças (e polêmicas) pre-vistas no projeto de novo Código de Processo Penal.

1 PRINCÍPIoS FuNdAMENTAIS Conforme o projeto, todo processo penal realizar-se-á sob o contraditório

e a ampla defesa, garantida a efetiva manifestação do defensor técnico em todas as fases procedimentais (art. 3).

Supre-se uma importante lacuna em nossa legislação, ao expressamente adotar o sistema acusatório de processo penal (art. 4), no qual os papéis dos sujeitos processuais são mais bem definidos – a investigação cabe à polícia e ao Ministério Público; o Ministério Público também tem a atribuição de acusar; e o juiz tem a incumbência de julgar. Fica o juiz proibido de substituir o Ministério Público na função de acusar e de levantar provas que corroborem os fatos narra-dos na denúncia, sem prejuízo da realização de diligências para esclarecimento de dúvidas.

A interpretação das normas processuais penais orientar-se-á pela proi-bição de excesso, privilegiando a dignidade da pessoa humana e a máxima

do Ato nº 011/2008, com o objetivo de reformar essa legislação). Tal Projeto nº 156/2009, após aprovação no Senado, foi encaminhado à Câmara dos Deputados por meio do Ofício nº 2427, de 21.12.2010, para ser submetido à revisão, nos termos do art. 65 da Constituição Federal. Na Câmara, o Projeto recebeu o nº 8.045/2010.

4 Segundo Renato Casagrande, a reforma deve, como justificativa, “tornar o processo penal mais ágil, célere, eficaz e justo”, em razão de viver-se “um momento de violência amplamente disseminada em nossa sociedade, o que coloca em relevo a necessidade de eficácia punitiva penal”. Assim, o projeto tem três objetivos principais: 1) sintonizar o código com a Constituição Federal; 2) dotar os diferentes operadores da Justiça de definições claras sobre a tarefa de cada um, buscando agilizar o processo penal; 3) limitar a possibilidade de apresentação de recursos protelatórios, que levam a impunidade.

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proteção dos direitos fundamentais, considerada, ainda, a efetividade da tutela penal (art. 5).

2 INVESTIGAção CRIMINALFica garantido, na investigação criminal, o sigilo necessário à elucidação

do fato e à preservação da intimidade e da vida privada da vítima, das testemu-nhas, do investigado e outras pessoas indiretamente envolvidas (art. 10).

O investigado e o seu defensor têm o direito de ter acesso a todo material já produzido na investigação criminal, exceto no que diz respeito, estritamente, às diligências em andamento.

Também haverá a possibilidade de produção de provas pelo investigado, sendo garantido a ele (por meio de seu advogado, defensor público ou de outros mandatários com poderes expressos) tomar a iniciativa de identificar fontes de prova em favor de sua defesa, podendo, inclusive, entrevistar pessoas (art. 13).

Ainda, conforme reza o art. 753, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, no exercício do seu poder de polícia, que abrange a apuração de cri-mes praticados nas dependências de responsabilidade da respectiva instituição, poderão instaurar inquérito policial a ser presidido por servidor no desempenho de atividade típica de polícia, bacharel em direito.

3 JuIz dAS GARANTIAS Uma das mais importantes e atuais novidades do projeto é a criação da

figura do juiz das garantias, que seria responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos fundamentais do acu-sado (art. 14).

O juiz de garantias se torna o responsável por atos como: zelar pelos di-reitos do preso, determinar o trancamento ou a prorrogação do inquérito, bem como decidir sobre os pedidos de interceptação telefônica, quebra de sigilo, pedido de arquivamento.

Com as mudanças, caberá ao juiz das garantias atuar na fase da inves-tigação, ficando o outro juiz do processo responsável pela tarefa de julgar o caso5. Cria-se, assim, uma causa de impedimento para o juiz de garantias: não poderá ele funcionar no processo (art. 16). No entanto, o referido impedimento

5 Cada Comarca deve ter um juiz responsável pela investigação – o juiz de garantias – e outro que fará o julgamento e determinará a sentença a ser aplicada ao réu. Nota-se uma enorme dificuldade prática de sua implementação de norte a sul do País. Em muitas Comarcas do País existe apenas um juiz para analisar e julgar todos os processos (40%). A obrigatoriedade de participação de dois juízes em todos os processos vai onerar o Poder Judiciário e não significará, necessariamente, maior imparcialidade nas decisões. Todavia, para outros, o juiz que faz a investigação está contaminado para julgar. Nas Comarcas nas quais houver um Magistrado, a legislação da Organização Judiciária determinará quem atuará como juiz de garantias, que, para ele, poderá ser o juiz de uma circunscrição próxima. Assim, o novo CPP não obrigaria a presença de dois juízes em todas as Comarcas.

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não se aplicará às Comarcas ou seções judiciárias nas quais houver apenas um juiz (art. 748).

4 INQuÉRITo PoLICIAL

Pelo projeto, a investigação criminal é poder-dever do delegado de polí-cia, no caso do inquérito policial (art. 18). Previu-se que o delegado conduzirá a investigação com isenção e independência (art. 19).

Fica definido que o exercício da atividade de polícia judiciária pelos de-legados não exclui a competência de outras autoridades administrativas (art. 18, § 2º), tais como as investigações criminais realizadas pelo Ministério Público (ainda que realizada apenas de forma supletiva) e as sujeitas a inquérito policial militar.

A abertura do inquérito será comunicada imediatamente, pelo delegado, ao Ministério Público (art. 20, § 1º).

No caso de prisão em flagrante delito, não havendo representação da vítima (ação penal pública condicionada) no prazo de 5 dias, o preso será colo-cado imediatamente em liberdade (art. 22, parágrafo único).

Havendo indícios de que a infração penal foi praticada por policial, ou com a sua participação, o delegado deve comunicar imediatamente a ocorrên-cia à respectiva corregedoria de polícia e ao Ministério Público (art. 23).

Importante salientar que, enquanto não instaurada a ação penal, a trami-tação do inquérito deve ocorrer entre o Ministério Público e a polícia judiciária (art. 31).

Quanto ao prazo de tramitação do inquérito policial, fica mantido o pra-zo de 15 dias para o réu preso, mas amplia-se a tramitação do inquérito para 90 dias se ele estiver solto, podendo ser prorrogado (art. 31). Não obstante, o inquérito policial não poderá exceder o prazo de 720 dias, sendo que o esgota-mento de tal prazo autoriza seu arquivamento pelo juiz das garantias (art. 32). Cria-se aqui uma espécie de extinção da punibilidade do investigado pelo de-curso do tempo de instauração do inquérito, diverso da prescrição penal.

Após a conclusão do inquérito, propõe-se que os autos não mais tenham o juiz como destinatário, mas o Ministério Público (art. 34). Este órgão, quando recebe o inquérito já encerrado, pode oferecer denúncia, requerer novas provas e esclarecimentos, como também requerer o arquivamento do inquérito, quan-do entender incabível a acusação, o que poderá ou não ser deferido pelo juiz (arts. 35 e 38).

5 Ação PENAL

O projeto acaba com a ação penal privada. Nesses casos, o processo pas-sa a ser iniciado por ação pública, condicionada a representação do ofendido,

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podendo ser extinta com a retratação da vítima, desde que feita até o ofereci-mento da denúncia (art. 45).

Entre as principais novidades do projeto está a que prevê que a ação penal nos crimes contra o patrimônio, desde que atinjam exclusivamente bens particulares e praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa, seja condi-cionada à representação (a vítima diz se quer ou não a ação). Nesses crimes, quando a lesão causada for de menor expressão econômica, ainda que já pro-posta a ação, se prevê a “conciliação” entre o acusado e a vítima, que implicará a extinção da punibilidade (art. 46)6.

6 INTERRoGATóRIoTambém há mudanças no instituto do interrogatório, que passa a ser tra-

tado como meio de defesa e não mais de prova, ou seja, é um direito do inves-tigado ou do acusado (art. 64).

Pelo projeto, o preso deve ser assistido por um advogado ou defensor público desde o interrogatório policial, e não apenas na fase de interrogatório judicial. No caso de flagrante delito, se, por qualquer motivo, não for possível contar com a assistência de advogado ou defensor público no local, o auto de prisão em flagrante será lavrado e encaminhado ao juiz das garantias sem o interrogatório do conduzido. A autoridade policial aguardará o momento mais adequado para fazer o interrogatório, a menos que o próprio interrogando ma-nifeste livremente a vontade de ser ouvido naquela oportunidade. Se o interro-gatório não for realizado, a autoridade fará apenas a qualificação do investigado (art. 64).

O projeto prevê que seja respeitada a capacidade de compreensão e dis-cernimento do interrogado, não se admitindo o emprego de métodos ou téc-nicas ilícitas e de quaisquer formas de coação, intimidação ou ameaça contra a liberdade de declarar. A autoridade responsável pelo interrogatório também

6 O novo texto fomenta (ainda que timidamente) a diminuição da incidência do sistema, ao incentivar (e dar uma abertura) a políticas criminais de restauração dos danos e pacificação dos conflitos (não se caminha para a imposição de pena e sim satisfação dos interesses da vítima). O Direito Penal, de modo geral, é entendido como uma questão de interesse público, isto é, não limitado às pretensões e interesses da vítima. O Estado se vê obrigado a agir, tão logo tenha notícia de um crime de ação penal pública, muitas vezes contrariamente aos desejos da vítima (pois, em determinados casos, a ação penal poderá causar novos transtornos à vítima – vitimização secundária, como a publicidade dos fatos e com a sua inserção involuntária ou compulsória no sistema penal). O projeto busca diminuir um pouco esses efeitos nos crimes patrimoniais, praticados sem violência e sem grave ameaça. Nesses casos, se propõe ouvir a vítima, apoiá-la e averiguar se ela prefere um caminho extrajudicial que lhe conforte, ampare e permita reparar o dano causado pelo ofensor. Assim, nestas infrações, o projeto prevê que o juiz possa extinguir a punibilidade, quando a continuação do processo e a imposição da sanção penal puderem causar mais transtornos àqueles diretamente envolvidos no conflito. Ou seja, quando houver espaço para soluções extrajudiciais que favoreçam a conciliação entre autor e vítima. Com isso, evita-se tais conflitos (de pequena monta que abarrotam o judiciário). Fazendo com que o judiciário se ocupe dos casos mais complexos e relevantes. (Cf. Entrevista com Eugênio Pacelli. Código permitirá ao país criar a cultura da pacificação. Disponível em: <http://www12.senado.gov.br/cidadania/edicoes/331/codigo-permitira-ao-pais-criar-a-cultura-da-pacificacao>. Acesso em: 1º nov. 2013)

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não poderá oferecer qualquer vantagem ao interrogado se não tiver amparo legal para fazê-lo (art. 65).

Antes do interrogatório, o investigado ou acusado será informado do in-teiro teor dos fatos a ele imputados; de que poderá reunir-se em local reservado com seu defensor; de que suas declarações poderão eventualmente ser utiliza-das em desfavor de sua defesa; do direito de permanecer em silêncio e de que esse silêncio não poderá ser usado como confissão ou mesmo ser interpretado em prejuízo de sua defesa (art. 66).

O interrogatório será constituído de duas partes: a primeira sobre a vida do acusado e a segunda sobre os fatos. Ao final, a autoridade indagará ao acu-sado se tem algo mais a declarar em sua defesa (art. 67). Se quiser confessar a autoria de um crime, será questionado se o faz de livre e espontânea vontade (art. 72).

No interrogatório do índio, se necessário, solicitará a colaboração de an-tropólogo com conhecimento da comunidade a que pertence o interrogando ou de representante do órgão indigenista federal, para servir de intérprete e prestar esclarecimentos (art. 71).

A regra geral é de que a realização do interrogatório seja feito pessoal-mente. Todavia, excepcionalmente (e por decisão fundamentada), é permitido o interrogatório do réu preso por videoconferência, desde que a medida seja necessária para prevenir risco à segurança pública, para viabilizar a participa-ção do réu doente ou impedido de comparecer a juízo por outro motivo pessoal ou ainda para impedir influência do réu no depoimento da testemunha ou da vítima (art. 76).

7 dANo MoRAL

A vítima poderá, no prazo de 10 dias, pedir a recomposição civil do dano moral causado pela infração. Pelo projeto, a reparação é admitida no caso de dano moral (art. 81). Já no caso de dano material, a vítima vai buscar essa inde-nização – que pode requerer perícias – na Justiça Cível (art. 83).

8 dIREIToS dA VÍTIMA

Uma das principais inovações do projeto é que a vítima vai ter seus direi-tos assegurados legalmente, dentro de um capítulo específico. O texto sistemati-za os direitos da vítima, já previstos em norma em vigor, e estabelece novos di-reitos, visando a dar satisfações mínimas à vítima. A proposta traz modificações no tratamento geral da vítima, seja pelos órgãos do Estado (polícia, Ministério Público, juiz), seja também pelos particulares envolvidos (advogado, parentes da vítima, etc.).

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Considera-se “vítima” “a pessoa que suporta os efeitos da ação crimi-nosa, consumada ou tentada, dolosa ou culposa, vindo a sofrer, conforme a natureza e as circunstâncias do crime, ameaças ou danos físicos, psicológicos, morais ou patrimoniais, ou quaisquer outras violações de seus direitos funda-mentais” (art. 90).

São direitos assegurados à vítima, entre outros (art. 91):

I – ser tratada com dignidade e respeito condizentes com a sua situação;

II – receber imediato atendimento médico e atenção psicossocial7;

III – ser encaminhada para exame de corpo de delito quando tiver sofrido lesões corporais;

IV – reaver, no caso de crimes contra o patrimônio, os objetos e pertences pes-soais que lhe foram subtraídos, ressalvados os casos em que a restituição não possa ser efetuada imediatamente em razão da necessidade de exame pericial;

V – ser comunicada (por via postal ou endereço eletrônico cadastrado): a) da prisão ou soltura do suposto autor do crime; b) da conclusão do inquérito policial e do oferecimento da denúncia; c) do eventual arquivamento da investigação; d) da condenação ou absolvição do acusado;

VI – obter cópias de peças do inquérito policial e do processo penal, salvo quan-do, justificadamente, devam permanecer em estrito sigilo;

VII – ser orientada quanto ao exercício oportuno do direito de representação, de ação penal subsidiária da pública, de ação civil por danos materiais e morais, da adesão civil à ação penal (permite que a vítima, por simples adesão, possa obter a condenação do autor na recomposição civil dos danos morais já no próprio processo penal) e da composição dos danos civis para efeito de extinção da pu-nibilidade, nos casos previstos em lei;

VIII – prestar declarações em dia diverso do estipulado para a oitiva do suposto autor do crime ou aguardar em local separado até que o procedimento se inicie;

IX – ser ouvida antes de outras testemunhas, respeitada ordem prevista no caput do art. 276;

X – peticionar às autoridades públicas para se informar a respeito do andamento e deslinde da investigação ou do processo, bem como manifestar as suas opiniões;

XI – obter do autor do crime a reparação dos danos causados, assegurada a assis-tência de defensor público para essa finalidade;

XII – intervir no processo penal como assistente do Ministério Público ou como parte civil para o pleito indenizatório;

7 Diferente de vários países europeus – que possuem organizações da sociedade civil em apoio e proteção às vítimas de infrações penais –, o Brasil ainda não possui um movimento organizado em moldes semelhantes. Na Europa, as organizações prestam atendimento psicológico, jurídico e social, principalmente aos carentes, atuando em colaboração com o governo, como, por exemplo, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (Apav), criada em 1990, que chega a atender imigrantes ilegais em Portugal.

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XIII – receber especial proteção do Estado quando, em razão de sua colaboração com a investigação ou processo penal, sofrer coação ou ameaça à sua integrida-de física, psicológica ou patrimonial, estendendo-se as medidas de proteção ao cônjuge ou companheiro, filhos, familiares e afins, se necessário for;

XIV – receber assistência financeira do Poder Público, nas hipóteses e condições específicas fixadas em lei;

XV – ser encaminhada a casas de abrigo ou programas de proteção da mulher em situação de violência doméstica e familiar, quando for o caso;

XVI – obter, por meio de procedimentos simplificados, o valor do prêmio do se-guro obrigatório por danos pessoais causados por veículos automotores;

[...]

É dever de todos o respeito a estes diretos, especialmente dos órgãos de segurança pública, do Ministério Público, das autoridades judiciárias, dos órgãos governamentais competentes e dos serviços sociais e de saúde (art. 91, § 1º); as autoridades terão sempre o cuidado de preservar o endereço e outros dados pessoais da vítima (art. 91, § 2º); estende-se esses direitos aos familiares próximos e ao representante legal, quando a vítima não puder exercê-los dire-tamente (art. 92).

9 ÍNdIoSA infração penal que tenha por fundamento a disputa sobre direitos in-

dígenas, ou quando praticada pelo índio, será apreciada pela Justiça Federal. Pelo Texto Constitucional em vigor, cabe aos juízes federais processar e julgar a disputa sobre direitos indígenas. O projeto insere essa norma no Código de Processo Penal e acrescenta que também a infração praticada pelo índio inclui--se na competência da Justiça Federal (art. 97, § 1º).

10 PRoVASTorna inadmissível as provas obtidas de forma ilícita e as delas derivadas,

sem exceção (art. 167).

Admite o uso de prova emprestada de outro processo judicial ou admi-nistrativo, desde que comprovado o contraditório (art. 169).

Foram inseridas disposições especiais relativas à inquirição de crianças e adolescentes (arts. 192-195).

No tocante ao reconhecimento de pessoas, a pessoa cujo reconhecimen-to se pretender será colocada ao lado de outras, no mínimo de 5, que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconheci-mento a apontá-la. É dizer, passa a ser obrigatório colocar o suspeito ao lado de no mínimo 5 pessoas (art. 196).

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O projeto acaba com a acareação entre acusados, deixando esse proce-dimento somente para as pessoas que têm obrigação legal de dizer a verdade: testemunhas e vítimas (art. 199). Assim, a vítima e testemunhas não mais serão colocadas em confronto com o acusado, evitando a revitimização daquelas.

Quanto à busca e apreensão, o art. 232, interpretado conjuntamente com o art. 233, inova e passa a exigir, a contrario sensu, que haja mandado de busca domiciliar para cumprir mandado de prisão, se a pessoa a ser presa está em local não livremente acessível ao público.

As escutas telefônicas somente serão autorizadas em crimes cuja pena máxima for superior a 2 anos, situação que caracteriza as infrações de médio e grave potencial ofensivo, salvo se a conduta delituosa for realizada exclusiva-mente por meio dessa modalidade de comunicação (art. 247).

Além disso, o prazo de duração da interceptação, em geral, não deverá exceder a 60 dias, mas poderá chegar a 360 dias ou até mais, quando necessá-rio ou se tratar de crime permanente (art. 252).

O art. 260 prevê a divulgação às outras pessoas citadas nas conversas da existência da interceptação, salvo por decisão do juiz se houver prejuízo à investigação.

11 PRoCEdIMENToSQuanto aos procedimentos, o projeto prevê que o prazo máximo para a

audiência de instrução e julgamento passe para 90 dias (art. 274)8.

O projeto cria o “incidente de aceleração processual”. Esgotado o prazo para a instrução do processo, o juiz pode lançar mão dessa ferramenta para garantir que atos sejam realizados nos finais de semana, feriados ou fora da jor-nada de trabalho. Pode, ainda, convocar servidores extras para realizar os atos de comunicação e expediente necessários (art. 274, § 2º).

O projeto também incorpora o procedimento sumaríssimo dos juizados especiais criminais ao Código de Processo Penal (arts. 285-313) e introduz no-vas regras para o tribunal do júri (arts. 321-409).

No procedimento sumaríssimo, nas infrações penais em que as conse-quências do fato sejam de menor repercussão social, o juiz, à vista da efetiva recomposição do dano e conciliação entre autor e vítima, poderá julgar extinta a punibilidade, quando a continuação do processo e a imposição da sanção penal puder causar mais transtornos àqueles diretamente envolvidos no conflito (art. 308, § 4º).

8 Só para constar, verifica-se pelo projeto que, quando o réu se oculta para ser citado, foi excluída a possibilidade de citação por hora certa (que é um retrocesso e favorece a impunidade). Nesse caso, será feita citação por edital (art. 148).

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No Tribunal do Júri, terão preferência, na organização da pauta, os acu-sados presos. A proposta tem por objetivo tornar mais célere o julgamento de processos do Tribunal do Júri em que o acusado, embora pronunciado e sol-to em relação ao processo do crime doloso contra a vida, encontra-se preso em virtude de outro processo, seja por prisão preventiva ou em cumprimen-to de pena privativa de liberdade em razão de (condenação por) outro crime (art. 342).

Após os debates, no Tribunal do Júri, passa a ser permitido aos jurados romperem a incomunicabilidade para debate (deliberação expressa) entre si (por até uma hora), a respeito do que devem julgar (art. 398). É dizer, passa a ser permitida a comunicabilidade entre os jurados.

12 APLICAção IMEdIATA dA PENANo capítulo que versa sobre o procedimento sumário, cria-se a figura da

“aplicação imediata da pena”, com o objetivo de tornar mais rápida e menos onerosa o processo. Para os casos em que a pena aplicável ao crime não for superior a 8 anos, o Ministério Público e o acusado, por meio de seu defensor, poderão pedir a aplicação imediata da pena até o início da audiência de instru-ção e julgamento.

A aplicação imediata da pena será feita se houver confissão, total ou parcial em relação aos fatos imputados na acusação, com a vantagem de que a pena será aplicada no mínimo previsto. Sempre que couber, será aplicada a substituição da pena privativa de liberdade ou a suspensão condicional da pena. A pena poderá ainda ser diminuída em até 1/3 da pena mínima prevista se as circunstâncias pessoais do agente e a menor gravidade das consequências do crime assim o indicarem (art. 283). Todavia, não havendo acordo entre as partes, o processo prosseguirá na forma do rito ordinário (art. 284).

Cumpre ressaltar que essa aplicação imediata da pena não equivale à transação, pois é verdadeira condenação, inclusive com dosagem de pena a ser feita pelo juiz, que irá reduzir substancialmente a reprimenda.

Tal proposta, de um lado, repercutirá na redução dos inquéritos em tra-mitação, desafogando os serviços das delegacias de polícia e, por outro lado, evitará que acusados circunstancialmente envolvidos com o crime não se as-sentem no banco dos réus. Além disso, a solução alternativa de aplicação de pena não privativa de liberdade, hoje cabível apenas após toda a tramitação do processo, é antecipada.

13 RECuRSoS O projeto acaba com os chamados recursos de ofício, quando o juiz re-

mete sua decisão ao tribunal competente para necessário reexame da matéria, independente da manifestação das partes.

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Todo e qualquer recurso dependerá de iniciativa da parte que se sen-tir prejudicada com a decisão (art. 461). Além disso, para ganhar tempo, já na interposição do recurso a parte terá que apresentar as razões para o apelo (art. 462).

Ainda dispõe que os recursos sejam interpostos e processados indepen-dentemente de preparo e de pagamento de custas ou despesas (art. 472).

Prevê ainda que apenas um recurso seja feito em cada instância do judi-ciário, a fim de apressar o andamento processual (evitando retardar o andamen-to do processo). Assim, restringe-se o número de recursos, quais sejam (art. 459): agravo (arts. 473-479), apelação (arts. 480-491), embargos infringentes (arts. 492-496), embargos de declaração (arts. 497-498), recurso ordinário (arts. 499-503), recurso especial e extraordinário (arts. 504-514).

O texto limita o uso dos embargos de declaração. Pela proposta, para cada acórdão caberá apenas um embargo de declaração, no prazo de cinco dias (art. 497).

Reza ainda o art. 752 que são os tribunais de todos os graus de jurisdição proibidos de criar novos recursos em seus respectivos regimentos internos.

14 MEdIdAS CAuTELARES PESSoAIS

Pelo projeto, procura-se ampliar o rol das cautelares, a fim de que alcan-cem maior número de crimes (hipóteses de cabimento) e, além disso, prever situações destinadas à garantia de eficácia do provimento jurisdicional, bem como medidas que possibilitem a reparação do dano, adimplemento de even-tual pagamento de multa ou prestação pecuniária, até a localização do acusado para assegurar a aplicação da lei penal.

Antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, a prisão fica limitada a três modalidades: flagrante, preventiva e temporária (art. 535).

Uma novidade no projeto de código é a determinação de que não haverá emprego de força, como a utilização de algemas, salvo se indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso, ou para preservar a integridade física do executor, do preso ou de terceiros. Sendo expressamente vedado o em-prego de algemas i) como forma de castigo ou sanção disciplinar, ii) por tempo excessivo e iii) quando o investigado/acusado se apresentar, espontaneamente, ao juiz ou ao delegado de polícia (art. 537).

Outra novidade é o fim das chamadas prisões especiais. Na prática, quem tem o privilégio previsto em lei específico, como advogados, vai manter a prerrogativa. Somente seriam recolhidos em quartéis ou em outro local distin-to do estabelecimento prisional quando, pelas circunstâncias de fato ou pelas condições pessoais do agente, ficar constatado que há risco à sua integridade

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física9. Os presos provisórios ficarão separados dos condenados. E observadas as mesmas condições, o preso não será transportado juntamente com outros (art. 547).

Sobrevindo condenação recorrível, o tempo de prisão provisória será utilizado para cálculo e gozo imediato dos benefícios previstos na LEP, como progressão de regime, livramento condicional, saída temporária, indulto e co-municação das penas. (art. 548).

Prevê que é nulo o flagrante preparado, com ou sem a colaboração de terceiros, quando seja razoável supor que a ação, impossível de ser consumada, só ocorreu em virtude daquela provocação (art. 551).

É terminantemente vedada a incomunicabilidade do preso (art. 552, § 1º).

No caso de prisão em flagrante, o juiz terá o prazo de até 24 horas para: i) relaxar a prisão se ela tiver sido efetuada de forma ilegal, ii) convertê-la em preventiva, iii) arbitrar fiança ou aplicar medidas cautelares cabíveis, ou iv) con-ceder liberdade provisória (art. 555).

Quanto à prisão preventiva, o texto do projeto traz três regras básicas que deverão nortear esse tipo de instituto, com o objetivo de que ele seja utili-zado somente em situações mais graves: jamais será utilizada como forma de antecipação da pena; o clamor público não justifica, por si só, a decretação da prisão preventiva; somente será imposta se outras medidas cautelares pessoais revelarem-se inadequadas ou insuficientes, ainda que aplicadas cumulativa-mente (art. 556).

A prisão preventiva só poderá ser aplicada no caso de crimes dolosos com pena superior a 3 anos de prisão, exceto se cometido por meio de violência ou grave ameaça à pessoa. A prisão preventiva também não cabe nos crimes culposos e no caso de o agente estar com uma doença gravíssima e seu esta-do de saúde ser, portanto, incompatível com a aplicação da medida ou exija tratamento permanente em local diverso. O juiz também poderá autorizar o cumprimento da prisão preventiva em domicílio quando: i) o agente for maior de 75 anos, ii) gestante a partir do sétimo mês de gestação ou se esta for de alto risco; ou iii) imprescindível aos cuidados especiais devidos à criança menor de seis anos de idade ou com deficiência (art. 557).

Os prazos para a prisão preventiva são os seguintes: a partir da prisão em flagrante, 180 dias entre as fases de investigação e até a conclusão do processo em primeira instância. Na fase de segunda instância, a prisão preventiva poderá durar outros 360 dias, e, em última instância (Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal), outros 180 dias. Esses prazos valem para a hipóte-

9 Assim, o autor de um crime que tenha provocado comoção nacional, no primeiro caso, e um juiz, promotor ou policial, no segundo, terão direito a ficar em local distinto daquele reservado aos demais presos.

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se de a pena para o crime ser inferior a 12 anos de detenção. Se superior, são acrescidos 60 dias a cada fase. Se, após o início da execução, o preso fugir, os prazos interrompem-se e, após a recaptura, serão contados em dobro. A prisão preventiva terá a duração máxima de 4 anos, ainda que a contagem seja feita de forma descontínua (art. 559). Cabe destacar que o juiz, ao decretar ou pror-rogar prisão preventiva, já deverá, logo de início, indicar o prazo de duração da medida (560).

Após 90 dias de prisão preventiva, ela será obrigatoriamente reexami-nada pelo juiz ou tribunal competente, para avaliar se persistem, ou não, os motivos que levaram à sua aplicação, podendo substituí-la, se for o caso, por outra medida cautelar (art. 562).

No tocante à prisão temporária, o projeto determina que esse instituto somente deverá ser usado se não houver “outro meio para garantir a realização do ato essencial à apuração do crime, tendo em vista indícios precisos e obje-tivos de que o investigado obstruirá o andamento da investigação” dos crimes previstos no art. 563. Isso significa que a prisão preventiva não poderá mais ser utilizada sob o pretexto de garantir qualquer ato de investigação, mas somente os considerados “essenciais” e, mesmo assim, somente a partir de “indícios precisos e objetivos” de que o investigado, livre, possa criar obstáculos à inves-tigação.

Já os prazos continuam os mesmos da atual legislação: máximo de 5 dias, admitida uma única prorrogação, por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade. No entanto, outra novidade é que o juiz poderá con-dicionar a duração da prisão temporária ao tempo estritamente necessário para a realização do ato investigativo. Essa medida cautelar não poderá ser utilizada com o único objetivo de interrogar o investigado (arts. 563 e 564).

Quanto ao instituto da fiança, nos crimes punidos com detenção ou pri-são simples (qualquer que seja o limite máximo da pena cominada) ou reclusão, com pena fixada em limite não superior a 5 (cinco) anos (exceto se praticados com violência ou grave ameaça à pessoa), a fiança será concedida diretamente pelo delegado de polícia, logo após a lavratura do auto de prisão em flagrante (art. 568, § 1º).

Pelo projeto, o valor da fiança será fixado entre 1 a 200 salários-mínimos, nas infrações penais cujo limite máximo da pena privativa de liberdade fixada seja igual ou superior a oito anos e de 1 a 100 salários-mínimos nas demais infrações penais. Para determinar o valor da fiança, a autoridade considerará a natureza, as circunstâncias e as consequências do crime, bem como a impor-tância provável das custas processuais, até o final do julgamento. No entanto, dependendo da situação econômica do preso e da natureza do crime, pode também ser reduzida até o máximo de 2/3 ou ainda ser aumentada, pelo juiz, em até 100 vezes (art. 572).

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O juiz, verificando ser impossível ao réu prestar a fiança, por motivo de insuficiência econômica, poderá conceder-lhe liberdade provisória (art. 573).

Ainda, o projeto lista 15 tipos de outras medidas cautelares pessoais, alternativas a prisão provisória (art. 533): I) fiança (arts. 567-586); II) recolhi-mento domiciliar (arts. 588-590); III) monitoramento eletrônico (arts. 591-594); IV) suspensão do exercício de profissão, atividade econômica ou função pública (art. 595); V) suspensão das atividades de pessoa jurídica (art. 596); VI) proi-bição de frequentar determinados lugares (art. 597); VII) suspensão da habi-litação para dirigir veículo automotor, embarcação ou aeronave (art. 598); VIII) afastamento do lar ou outro local de convivência com a vítima (art. 599); IX) proibição de ausentar-se da comarca ou País (art. 600); X) comparecimento periódico em juízo (art. 601); XI) proibição de se aproximar ou manter contato com pessoa determinada (art. 602); XII) suspensão do registro de arma de fogo e da autorização para porte (art. 603); XIII) suspensão do poder familiar (art. 604); XIV) bloqueio de endereço eletrônico na Internet (art. 605); e XV) liberdade provisória (arts. 610-611).

15 MEdIdAS CAuTELARES REAISInclui a indisponibilidade dos bens do acusado, lícitos ou ilícitos, como

medida cautelar. Assim, pelo projeto, são medidas cautelares reais (art. 612): i) indisponibilidade de bens (arts. 615-623), ii) sequestro de bens (arts. 624- -634), iii) hipoteca legal (art. 644), e iv) e arresto de bens (art. 646-649).

O projeto permite que bens abandonados ou cujo proprietário não tenha sido identificado sejam postos em indisponibilidade ou sequestrados pela Justi-ça (arts. 615 e 624, § 1º).

A inovação de maior alcance é a que permite a alienação cautelar dos bens sequestrados, sem que haja a necessidade de aguardar o trânsito em jul-gado da sentença condenatória, se houver receio de depreciação patrimonial ou perecimento pelo decurso de tempo, bem como esta for a melhor forma de preservar o valor desses bens, por causa do custo de conservação (art. 630).

16 AçÕES dE IMPuGNAçãoEntre as ações de impugnação está a revisão (arts. 655-662), o habeas

corpus (arts. 663-681) e o mandado de segurança (art. 682-692). O projeto ten-tou dar um tratamento ordenado a tais institutos que, em linhas gerais, mantêm a mesma disciplina do atual CPP.

17 CooPERAção JuRÍdICA INTERNACIoNALReza o projeto que será aplicado o disposto no Livro V às atividades de

“cooperação jurídica internacional” em matéria penal, salvo quando de modo

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diverso for estabelecido em tratados dos quais o Brasil seja parte, observada, ainda, a legislação específica (art. 693).

Dessa forma, o pedido de “cooperação internacional” será executado por meio de (art. 694): i) extradição (arts. 700-707), ii) ação de homologa-ção de sentença estrangeira (arts. 708-712), iii) carta rogatória e auxílio direto (arts. 713-730), iv) transferência de pessoas condenadas (arts. 731-734), e v) transferência de processos penais (art. 735-737).

CoNCLuSãoO Projeto (leia-se: um projeto, uma minuta) de Lei nº 8.045/2012, que

procura reformar o Processo Penal brasileiro com a instituição de novo código, apesar de ter defeitos e falhas, conta com pontos extremamente positivos.

Diante de diversas correntes de pensamento, acreditamos que o melhor caminho é o debate e o aprimoramento do projeto. Com a contribuição de to-dos os setores, se dará ao País um novo e moderno Código de Processo Penal.

Por fim, adverte Jacinto Coutinho: “Pode-se ter um novo Código de Pro-cesso Penal, constitucionalmente fundado e democraticamente construído, mas ele será somente linguagem se a mentalidade não mudar”10.

REFERÊNCIACÂMARA dos Deputados. Projeto de novo Código de Processo Penal (PL 8.045). Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=A9FFBBF923A6D0266293E4FEF0471C94.node1?codteor=831788&filename=PL+8045/2010>. Acesso em: 1º dez. 2013.

10 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Novo código de processo penal pede nova mentalidade. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 6 de abril de 2009. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-abr-06/revisao-codigo-processo-penal-demanda-sistema-acusatorio>. Acesso em: 1º dez. 2013.

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Assunto Especial – Doutrina

Novo Código de Processo Penal

Para uma Noção de Doping no Processo Penal

ALEXANDRE MORAIS DA ROSADoutor em Direito, Professor de Processo Penal da UFSC, Juiz de Direito (TJSC).

SUMÁRIO: Introdução; 1 O processo penal como jogo; 2 Para uma noção de doping processual; 3 A surpresa e o suspense no processo antidoping.

INTRodução Neemias Moretti Prudente pediu-me um artigo sobre algo novo sobre

o processo penal brasileiro, especialmente o PL 156. Na linha do que venho pesquisando, especialmente sobre a aplicação da teoria dos jogos no processo penal1, cabe expor algumas linhas sobre a noção de doping aplicada ao proces-so penal. Daí que se articula, rapidamente, a noção de jogo no processo penal e, depois, a de doping. A pretensão é a de promover nova compreensão do fair play e da teoria das nulidades em trabalho futuro. Antecipa-se que o PL perdeu a oportunidade de superar a teoria do prejuízo, bem assim de atualizar a noção em face do processo como procedimento em contraditório.

1 o PRoCESSo PENAL CoMo JoGo Entender o processo penal como jogo não é novidade. Embora o proces-

so penal exija racionalidade dos jogadores, o exercício do jogo mostra que as decisões são tomadas para além da racionalidade. Daí que a metáfora do teoria dos jogos pode ser invocada para modelar, de alguma maneira, a matriz teórica de como as decisões podem ser tomadas, partindo-se do estudo dos comporta-mentos dos jogadores, julgadores, estratégias, táticas e recompensas.

A noção de jogo é antiga e, com Johan Huzinga (em Homo Ludens), po-de-se dizer que “é no jogo e pelo jogo que a civilização surge e se desenvolve”. Daí a pretensão de integrar o jogo no campo do processo penal. O regozijo da vitória, um gol de mão aos 47 do segundo tempo, enfim, as sensações de prazer e decepção estão inseridas no cenário dos jogos, queiramos ou não! A vitória

1 MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. Os autores citados encontram-se no livro.

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em embargos infringentes, pelo placar de 6 votos a 5, depois de toda a batalha processual, representa, aos jogadores, já na prorrogação, a sensação de vitória! E a partida continua.

O jogo fascina, excita, preenche o tédio do cotidiano. O vazio da disputa está para além do que se pode racionalizar. Qualquer um de nós, ao jogar um jogo qualquer (futebol, videogame, etc.), extravasa, em maior ou menor grau, a irracionalidade. Xinga-se, grita-se, briga-se, comemora-se! No processo penal também! No jogo processual penal, joga-se com a antecipação e a recompensa da vitória, por meio da linguagem e suas sutilezas. O processo penal é o mito pelo qual, com a decisão, a ordem das coisas, o acusado e a punição devol-veriam ao ambiente coletivo, mesmo que imaginariamente, a paz! Daí que se pode falar no aparente e no manifesto, a saber, por detrás do jogo público, as motivações, as recompensas, as pretensões devem vasculhar outros lugares, para além da seriedade de fachada. Daí serem cômicas – e temos que segurar o riso – as empoladas regras de tratamento e lições de moral quer atravessam os procedimentos judiciais.

No jogo do processo penal brasileiro, contudo, nem mesmo temos nor-mas compartilhadas. Esse problema torna o jogo dependente do “dono da bola”. Ou seja, em cada unidade jurisdicional, diante da ausência de sentido compartilhado das normas processuais, o jogo apresenta variáveis. E isso é an-tidemocrático. O jogador de xadrez sabe que, se chegar em qualquer lugar do mundo, mesmo sem falar o idioma, pode jogar com o adversário que se en-contra sentado na frente de um tabuleiro. Basta sentar-se e jogar. As regras são compartilhadas. No processo penal, o déficit normativo torna o jogo mais com-plexo, dado que, antes do jogo, para que se possa ter êxito, é preciso conhecer o julgador da partida. Saber quais as regras irá aplicar/desconsiderar.

A teoria dos jogos pressupõe que a vitória depende da tomada de de-cisões em cadeia. No decorrer do procedimento judicial, em cada subjogo, é necessário o cotejo da estratégia da adversário e do “dono da bola”. Antecipar a melhor jogada possível, os ganhos e prejuízos, a cada momento, parece ser o caminho adequado para tomada de decisões estratégias. Não se trata, necessa-riamente, de matematizar o Direito – de acordo com o ensinamento de Calvo González2 –, mas de lançar mão de outra caixa de ferramentas teórica, dada a manifesta insuficiência do Direito para tal. Até porque não se trata de verdade verdadeira, ou seja, opera-se longe da possibilidade da reconstrução do caso penal.

A obtenção da vitória no jogo processual depende de uma série de deci-sões em cadeia, cuja subsequente vincula-se, necessariamente, ao êxito na an-terior. Há uma interdependência das jogadas. Exemplificativamente e do ponto

2 CALVO GONZÁLEZ, Jose. Direito curvo. Trad. André Karam Trindade; Luis Rosenfeld e Dino del Pino. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.

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de vista meramente formal: a condenação depende de uma denúncia apta e de defesa existente. Cabe dizer que o êxito de um dos jogadores depende do contendente. Não se trata de um jogo individual, em que o resultado decorre exclusivamente das jogadas individuais. As jogadas, articuladas legalmente, são sempre dialéticas, em contraditório. Daí a importância do contraditório na com-preensão do processo penal. Talvez não seja arriscado afirmar que no exercício tedioso do direito processual penal falte emoção. Entendido pela metáfora da teoria dos jogos, quem sabe, possamos entender melhor seu funcionamento, até porque no plano das regras processuais não dispomos de sentido compartilha-do. O CPP de 1941 e a Constituição não convivem harmonicamente.

A criminologia cultural aponta, desde outro lugar, que o tédio, diante das condições da modernidade, nos diz Jeff Ferrel (e no Brasil Álvaro Oxley da Rocha e Salo de Carvalho), passou a compor a vida cotidiana, fazendo com que o sujeito encontre momentos ilícitos de excitação, ou seja, condutas efêmeras, cometidos contra o próprio tédio, entre eles arriscar-se, as jogadas processuais ilícitas, as formas de doping processual. O processo penal acaba, pois, transfor-mando-se em um grande mecanismo de superação do tédio, mediante a prática de jogadas ilícitas, “jeitinhos processuais”, com as quais o leitor, se tiver paciên-cia, poderá tomar conhecimento na próxima coluna. No momento, basta dizer que as recompensas de descargas de adrenalina que o jogo processual enseja quebram, não raro, o tédio do cotidiano, diante do inesperado.

2 PARA uMA Noção dE doPING PRoCESSuALGrosso modo, doping é fraude, jogo sujo! Surgido no âmbito dos espor-

tes, o doping se constitui como problema privado e público3, especialmente nas competições, tanto assim que o Comitê Olímpico Internacional criou en-tidades para “combater” o fenômeno: World Anti-Doping Agency – Wada. A função básica seria a prevenção e repressão da fraude e da trapaça nas disputas, garantindo-se o fair play (jogo limpo) e se protegendo tanto os atletas como o próprio jogo.

De outro lado, no campo do processo penal entendido como jogo, pode--se invocar, quem sabe, a noção de doping processual para superar a teoria das nulidades. No Brasil, a teoria das nulidades do processo penal, com origem civi-lista, é um caos. Prevalece a discussão entre ausência de prejuízo, malversação das normas procedimentais, enfim, dilemas ideológicos travestidos de questões processuais, cuja superação é necessária.

A legitimidade do provimento judicial dependerá do desenrolar cor-reto dos atos e posições subjetivas previstos em lei, do fair play. E a perfeita

3 Entre as diversas obras, vale indicar ROXIN, Claus; GRECO, Luis; LEITE, Alaor. Doping e direito penal. São Paulo: Atlas, 2011, bem assim as obras de Leonardo Schmitt de Bem, entre elas: Intervenção penal no doping desportivo. In: APPROBATO, Machado. Curso de direito desportivo sistêmico. São Paulo, 2010.

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observância dos atos e posições subjetivas dos atos antecedentes (subjogos) é condição de possibilidade à validade dos subsequentes. Logo, a mácula proce-dimental ocorrida no início do processo – partida – contamina os demais, os quais, para sua validade, precisam guardar referência com os anteriores. O ato praticado em desconformidade com a estrutura do procedimento é inservível à finalidade a que se destina. A decisão final, preparada pelo procedimento, também se constitui como parte desse, ou melhor, sua parte final, o julgamento do jogo processual.

A doutrina diferencia a “mera irregularidade” (sem violação do conteúdo do ato) da “inexistência” (por ausência de requisito de sua validade – alegações finais por não advogado ou sentença por não juiz), “nulidade relativa” e “nu-lidade absoluta”. Em relação a essa distinção, também com Lopes Jr, pode-se afirmar a insuficiência das categorias e, a partir do processo como procedi-mento em contraditório, bem assim da reserva de jurisdição, só há nulidade por decisão judicial. Entretanto, o regime de nulidades do CPP (arts. 563-573), além de ultrapassado, é confuso4. Adota a compreensão da verdade substancial (CPP, art. 566), possui dispositivos revogados em outros locais do próprio CPP (art. 564, III, a, b, c, III), bem como indica compreensão civilista, incompatível com o devido processo legal substancial, da ausência de prejuízo – pas nullité sans grief (CPP, art. 563)5. Assim é que, superada a distinção arbitrária e sem sentido, todas as hipóteses de violação ao devido processo legal substancial, serão declaradas nulas.

Neste artigo, para fins exemplificativo, ainda que o art. 212 do CPP ex-clua o juiz da gestão da prova, ou seja, descabe o papel de jogador (“Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não ad-mitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição”), parte significativa dos julgadores permanece atrelada ao modelo presidencia-lista e inquisidor. A atual redação não deixa dúvida acerca do papel do juiz no desenrolar da colheita da prova testemunhal, colocando-o no papel de mero espectador, sendo atribuída aos jogadores a formulação direta das perguntas à

4 PAULA, Leonardo Costa. As nulidades no processo penal. Curitiba: Juruá, 2013; BINDER, Alberto M. O descumprimento das formas processuais: elementos para uma crítica da teoria unitária das nulidades no processo penal. Trad. Angela Nogueira Pessoa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003; LOUREIRO, Antonio Tovo. Nulidades & limitação do poder de punir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010; LOPES JR., Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2012; PACELLI DE OLIVEIRA, Eugênio. Curso de processo penal. São Paulo: Atlas, 2013.

5 LOPES JR., Aury. Op. cit. p. 1129: “Além da imprecisão em todo do que seja prejuízo, há um agravamento no trato da questão no momento em que se exige que a parte prejudicada (geralmente a defesa, por evidente) faça prova dele. Como se faz essa prova? Ou ainda o que se entende por prejuízo? Somente a partir disso é que passamos para a dimensão mais problemática: como demonstrá-lo? Não é necessário maior esforço para compreender que a nulidade somente será absoluta se o julgador (juiz ou tribunal) quiser... e esse tipo de incerteza é absolutamente incompatível com o processo penal contemporâneo”.

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testemunha (nos moldes do cross-examination6 norte-americano ou do esame incrociato7 italiano). Tal mudança, pois, é decorrente da busca de adequação da norma processual penal à Constituição da República8, eis que, ao abandonar o modelo presidencialista de condução da colheita da prova testemunhal, situa o Magistrado no lugar de garantidor da forma da informação oral9. Na estratégia processual a tática das perguntas é dos jogadores, inclusive quando se preten-de inserir a dúvida10. Daí que não há sentido sequer na alegada produção da prova em favor da defesa, uma vez que o esclarecimento só acontece no caso de dúvida e, por evidente, a dúvida absolve (CPP, art. 386, VII). De sorte que evidenciada a mácula ao devido processo legal substancial, é de se reconhecer a nulidade pretendida pela defesa. Até mesmo porque, não obstante a Teo-ria do Prejuízo (pas nullitè sans grief e encampada pelo CPP, art. 563), como hoje posta, encontra-se ultrapassada (neste sentido também Lopes Jr., Tovo Loureiro11, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho12, entre outros), e a descon-sideração do lugar de julgador é a manifestação inequívoca de dano à parte,

6 A Lei nº 11.690, de 09.08.2008, alterou a redação do art. 212 do Código de Processo Penal, passando- -se a adotar o procedimento do Direito norte-americano, chamado cross-examination, no qual as vítimas, as testemunhas e o acusado são questionadas diretamente pela parte que as arrolou, facultada à parte contrária, na sequência, sua inquirição (exame direto e cruzado), possibilitando ao Magistrado complementar a inquirição se entender necessários esclarecimentos remanescentes e o poder de fiscalização (TJRS, Apelação Criminal nº 70035125046, Rel. Des. Odone Sanguiné, Julgado em 14.10.2010).

7 TONINI, Paolo. Lineamenti di Diritto Processuale Penale. Milano: Giuffrè, 2008. p. 133.8 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 370: “A Lei

nº 11.690/2008 trouxe importante alteração no procedimento de inquirição de testemunhas. Ali se prevê que as perguntas das partes serão feitas diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem a repetição de outra já respondida (art. 212 do CPP). E, mais ainda, prevê que o juiz poderá complementar a inquirição, sobre pontos eventualmente não esclarecidos (art. 212, parágrafo único, do CPP). Observa-se, então, que a medida encontra-se alinhada a um modelo acusatório de processo penal, no qual o juiz deve assumir posição de maior neutralidade na produção da prova, evitando-se o risco, aqui já apontado, de tornar-se o magistrado um substituto do órgão de acusação. Assim, as partes iniciam a inquirição, e o juiz a encerra”.

9 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. I, 2011. p. 643-644: “Neste novo modelo, o juiz abre a audiência, compromissando (ou não, conforme o caso) a testemunha e passa a palavra para a parte que a arrolou (MP ou defesa). Caberá à parte interessada na produção da prova, efetivamente produzi-la, sendo o juiz – neste momento – fiscalizador do ato, filtrando as perguntas ofensivas, sem relação com o caso penal, indutivas ou que já tenham sido respondidas pela testemunha. Após, caberá à outra parte fazer suas perguntas. O juiz, como regra, questionará ao final, perguntando apenas sobre os pontos relevantes não esclarecidos. É, claramente, uma função completiva e não mais de protagonismo. [...] O juiz preside o ato, controlando a atuação das partes para que a prova seja produzida nos limites legais e do caso penal. Ademais, poderá fazer perguntas sim, para complementar os pontos não esclarecidos”.

10 OLIVEIRA, Francisco da Costa. O interrogatório de testemunhas. Coimbra: Almedina, 2007.11 LOUREIRO, Antonio Tovo. Op. cit., p. 93-100: “Ainda que se aceite a distinção entre nulidades relativas e

absolutas na qual se apoiam os autores e da qual não se compartilha, cumpre apontar uma vulnerabilidade deste entendimento. Os autores realizam uma abertura conceitual excessiva no limite entre os casos em que é necessário demonstrar o prejuízo, pois apenas atrela-se a necessidade demonstração do prejuízo ao fato de constituir a hipótese uma nulidade relativa. A falha deste raciocínio é que não há previsão explícita de quais atributos a violação deve possuir para que seja digna de nulidade absoluta”.

12 MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson. Introdução aos princípios gerais do processo penal brasileiro. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre: Nota Dez Editora, n. 01, p. 44, 2001.

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porquanto a condução do processo por juiz imparcial e equidistante restou atin-gida, como bem pontua Lenio Streck13.

Daí que se pode entender a função da noção de doping no contexto processual. Especificamente no campo normativo, o Estatuto do Torcedor (Lei nº 12.299/2010) prevê o art. 41-E: “Fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado da competição esportiva”. Talvez se possa aproveitar essa disposição para mostrar que o devido processo legal substancial deve ser levado a sério.

Para tanto, resta evidente que a questão das autolesões permanecem im-puníveis, dado o consentimento válido e o sujeito não pode invocar nulidade a que deu causa. Logo, autodoping se vincula às escolhas táticas dos jogadores processuais, ou seja, a escolha por não apresentar uma prova, deixar de for-mular alguma pergunta, etc. Já o heterodoping, todavia, significa a inclusão de aspectos externos, como a corrupção, a coação de testemunhas, enfim, para além das jogadas lícitas.

No caso da acusação pública, via Ministério Público, diante dos princí-pios democráticos da atividade, não se pode aceitar o autodoping, como, por exemplo, a exclusão de prova favorável à defesa, a manipulação da investiga-ção, perguntas sugestionáveis, realização de reconhecimento sem linha de sus-peitos, proporcionalidade em favor do Estado, utilização de argumentos “para torcida”.

3 A SuRPRESA E o SuSPENSE No PRoCESSo ANTIdoPINGAlfred Hitchcock dizia que o terror se obtém com a surpresa, enquanto

o suspense pelo aviso antecipado. O que se passa no campo do direito e do processo penal é um misto entre as diversas surpresas, que causam terror, ante-cedidas pelo aviso de que isto irá acontecer. O aviso de que isto irá acontecer está presente no discurso midiático do terror e se pode invocar a metáfora de filmes e livros, justamente para dar sentido ao que se passa.

O filme “Tubarão” contou com um recurso que o próprio Steven Spielberg não contava nas filmagens: o efeito suspense conseguido somente

13 STRECK, Lenio Luiz. Por que tanto se descumpre a lei e ninguém faz nada. In: “Consequentemente, parece evidente que, respeitados os limites semânticos do que quer dizer cada expressão jurídica posta pelo legislador, houve uma alteração substancial no modo de produção da prova testemunhal. Repito: isso até nem decorre somente do ‘texto em si’, mas de toda a história institucional que o envolve, marcada pela opção do constituinte pelo modelo acusatório. Por isso, é extremamente preocupante que setores da comunidade jurídica de terrae brasilis, por vezes tão arraigados aos textos legais, neste caso específico ignorem até mesmo a semanticidade (ou a sintaxe) mínima que sustenta a alteração. Daí a minha indagação: em nome de que e com base em que é possível ignorar ou ‘passar por cima’ de uma inovação legislativa aprovada democraticamente? É possível fazer isso sem lançar mão da jurisdição constitucional? E, permito-me insistir: por vezes, cumprir a ‘letra da lei’ é um avanço considerável. Lutamos tanto pela democracia e por leis mais democráticas...! Quando elas são aprovadas, segui-las ‘à risca’ é nosso dever. Levemos o texto jurídico a sério, pois! Por isso, não é possível concordar com as considerações de Nucci e Luiz Flávio sobre a ‘desconsideração’ da alteração introduzida pelo legislador democrático no art. 212”.

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porque o terror da surpresa era precedido do suspense em que o predador ape-nas era sugerido, indicado como se não estivesse presente. Consta no Wikipedia que

o principal atrativo do filme, o tubarão mecânico, apresentou vários problemas durante as filmagens, causados pela água salgada do mar, pois Spielberg não quis filmar em uma piscina, como seria o convencional. Várias sequências em que o Tubarão apareceria, Spielberg teve que substituí-lo por filmagens de marolas e movimentos de água. Mesmo nas poucas ocasiões em que o Tubarão podia ser usado, a responsável pela montagem teve que usar de muita habilidade, para que as cenas não parecessem falsas. As plateias do mundo todo não notaram essas falhas, graças ao exímio trabalho de direção e montagem. Mas para todos os artistas que trabalharam no filme ficou a irritação com aquele “maldito tubarão”, conforme diziam nas entrevistas e depoimentos posteriores.

Esse efeito semblant que o filme proporciona, a saber, de se estar com medo em qualquer lugar, pois o “Tubarão” poderia se fazer presente, do nada, no efeito surpresa, ocasionou o “suspense” de toda uma geração... Essa estrutu-ra de se aproveitar de uma “surpresa” violenta para causar “suspense” e se usar ideologicamente, de fato, está presente na nossa película diária: a continuação incessante do medo!

Nesse sentido, o “crime-tubarão” é utilizado como mecanismo midiático da violência constitutiva do humano e, paradoxalmente tratado como se fosse uma surpresa no cotidiano, fomentado por uma realidade excludente, na qual o neoliberalismo se esgueira como financiador oculto desta economia criminal e obscena. A surpresa é, no caso, falsa, da ordem do semblant. Sabe-se, desde antes, que as possíveis variáveis do crime não decorrem, de regra, de um ato de terror individual, mas sim de toda uma coletividade que produz e se regozija com o crime. De qualquer modo, percebe-se que o destino de quem pretende sair desta metáfora é complicado, justamente porque as coordenadas culturais em que se está submerso reproduz o modelo da única possibilidade capaz de nos livrar do tubarão: matando-o! E se mata, muito. O sistema penal produz vítimas de todos os lados. Somente não percebe quem continua acreditando nos contos de mocinho e bandido. De um lado o mal, organizado para causar o desespero dos que se situam – imaginariamente e sem culpa – do lado do bem. O poder se organiza assim, especialmente no direito penal.

Acontece, entretanto, que, diante do levante neoliberal e do agiganta-mento do sistema penal, as soluções processuais, diretamente: seus custos pas-saram a ser gigantescos. Daí que, a partir da lógica do custo/benefício, as nor-mas processuais precisaram ser mais eficientes e, sem ética, utiliza-se o doping. Importando-se as noções de tradições diversas, desprezando o giro que modo de pensar da filosofia pragmática exige, algumas novidades foram introduzidas no País, tudo sob o mote de matar o “tubarão”. Para isso, a justiça criminal eficiente, com custos reduzidos, sem direito de defesa, parece a “demanda eco-nômica” proposta, abolindo os limites garantistas do sistema penal.

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Daí que se apegar ao “garantismo constitucional” de Luigi Ferrajoli é a busca de um limite ao “eficientismo” do processo penal. Articula garantias mínimas que devem, necessariamente, fazer barreira para se evitar que se nego-ciem o “direito à liberdade” e a presunção de inocência. Defender direitos de acusados passou a ser uma atividade clandestina. Em nome do bem, dos bons e justos, divididos em dois lados, os enunciadores da salvação colocam-se na missão (quase divina) de defenestrar o mal na terra, transformando qualquer violador da ordem em “tubarão”, na luta por sua extinção.

Talvez se possa entender um pouco mais sobre os dilemas contemporâ-neos do processo penal eficiente quando se é acusado, a saber, ao se colocar na posição de acusado. Qual o juiz que se pretende ver julgando-nos? Se nós fóssemos os juízes, poderíamos dizer que seríamos garantistas? Ou a garantia somente interessa quando formos acusados? O que não se pode é continuar aceitando as “novidades” legislativas sem uma profunda reflexão de qual é o nosso papel nem os efeitos que nossas posições podem engendrar no coletivo. Os limites democráticos precisam ser recompostos. O “tubarão” já foi preso, morto, esquartejado, mas sempre surge o medo de que ele retorne, não porque o quer, mas porque o “tubarão” habita o mais íntimo do humano. Surpresa? Medo? Angústia? Tudo humano, demasiadamente humano, diria Nietzsche. Mais dia menos dia todos precisaremos de juízes garantistas... basta conseguir ficar vivo.

Assim é que se precisa de juiz para se garantir as normas do próprio jogo, a noção de doping pode ser útil para se pensar a superação da teoria das nuli-dades prevalecente, apontando que a fraude é novo conceito, ampliado, para se entender o autodoping e o heterodoping, os quais, em situação de violação do devido processo legal substancial, podem gerar a violação do fair play. A teoria das nulidade articulada pelo senso comum teórico não consegue entender que o desenrolar do jogo processual prevalece sobre o resultado. Mesmo com um vitória processual, no fundo, o que há é fraude. Daí que, neste texto preliminar, sem prejuízo de novas pesquisas, aponta-se para metáfora do doping como novo significante a ser, quem sabe, aprofundado e empregado na compreensão democrática de devido processo legal substancial lido conforme a teoria dos jogos, com fair play.

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Assunto Especial – Doutrina

Novo Código de Processo Penal

Adesão Civil: Riscos da Aparente Ampliação do Objeto do Processo Penal

RODRIGO OLIVEIRA DE CAMARGOAdvogado, Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS, Professor de Direito Penal e Proces-so Penal da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), Palestrante e Professor convidado na ESA-OAB/RS, Membro efetivo da Comissão de Defesa de Assistência e Prerrogativas da OAB/RS, Membro do Instituto Lia Pires, Associado do IBRASPP – Instituto Brasileiro de Pro-cesso Penal. Autor de artigos e capítulo de livro sobre Direito Penal e Processo Penal.

O PL 156/2009, atualmente em tramitação no âmbito da Câmara dos De-putados e que ambiciona a reforma global do Código de Processo Penal, apre-senta novos institutos processuais até então desconhecidos nos ordenamentos pretéritos, como é o caso da inclusão do procedimento da adesão civil ao pro-cesso penal como forma que visa a oportunizar reparação dos danos causados às vítimas dos delitos por intermédio do processo penal. Trata-se de uma nova forma de abordagem que se abre no âmbito das ciências criminais e principal-mente em sua esfera processual, na medida em que a participação da vítima no processo penal vem, cada vez mais, ganhando especial enfoque a partir dos movimentos vitimológicos acentuados após a Segunda Guerra Mundial.

A principal crítica reproduzida pela vitimologia em relação ao processo penal guarda relação com a expropriação da vítima do conflito pelo Estado, colocando-se (o ente estatal) como único sujeito passivo constante do delito, não deixando espaços de atuação para participação do ofendido. Quando a justiça privada e a vingança privada deram lugar à justiça pública, a vítima aca-bou sofrendo um processo de neutralização, pois de protagonista na persecução penal passou a ocupar a posição de mera informante das condutas delitivas1.

Justamente por tal motivo, temas como a vitimização secundária e a in-clusão de modelos processuais de restauração e conciliação de conflitos ga-nharam especial relevo na seara criminológica, o que veio acompanhado por ideais de reintrodução da vítima no processo penal e de especial preocupação em relação à sua satisfação quanto à reparação do dano, culminando na pro-posta legislativa que faz surgir, de forma iminente, a figura da parte civil com a

1 MEYER, Júlio. Derecho procesal penal: parte general: sujeitos procesales. 1. ed. Buenos Aires: Del Puerto, 2003. p. 583.

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atribuição de direitos, deveres e faculdades processuais. A participação da víti-ma no processo penal e a relação estabelecida entre ações penal e civil para a satisfação do dano decorrente do delito vêm, cada vez com maior intensidade, travando novas discussões e, na mesma medida, exigindo uma interpretação constitucionalmente coerente.

Para a vitimologia, deixar ao direito civil a busca de indenização pelo ato ilícito faria com que a vítima restasse lesada de forma adicional à sanção penal2. Por esse motivo, são apuradas duas distintas categorias de medidas propostas para promover o adequado enfrentamento da problemática.

A primeira é defendida a partir da reforma do Código de Processo Penal e propõe o aumento ou inclusão de medidas de proteção às vítimas de delitos, entre as quais deve ser destacada a proposta que sustenta o deslocamento da reparação ou compensação dos danos do processo civil para o centro do pro-cesso penal, o aumento da utilização de medidas cautelares do processo civil no processo penal e, por último, o aumento da capacidade e qualidade na pro-teção da vítima, tudo de forma a permitir a resolução da ação civil e da ação penal pelo juiz competente pela causa criminal3.

Este é o caso da Lei nº 9.099/1995, que inaugurou o modelo que prio-riza a indenização do dano em detrimento até mesmo da punição do infrator, culminando com a regra do art. 387, IV, do Código de Processo Penal, inserida pela Lei nº 11.719/2008, que prevê a fixação, em sentença, de indenização de um valor mínimo para a reparação dos prejuízos suportados pelo ofendido em decorrência da infração criminal.

A outra proposta é fundada em uma nova concepção de processo penal e propõe sua transformação em um processo entre partes alçadas ao mesmo nível, o que conduz à interação entre ofensor e ofendido, além de se basear sempre na busca da conciliação no processo penal tendo o juiz uma atuação ou voltada para a correção jurídica das resoluções alcançadas ou para a mediação do conflito. São exemplos de tal proposta o processo restaurador e o procedi-mento da justiça restaurativa, utilizados a partir de uma sistemática diferente de procedimento do que aquela que é empregada pela reforma do Código de Processo Penal para a reparação do dano4.

Roxin pontua que uma das grandes discussões estabelecidas na última década em política criminal, em solo alemão, deu-se acerca da posição da vítima no sistema penal, e que dadas a intensidade e as circunstâncias dessa

2 GIACOMOLLI, Nereu José. Legalidade, oportunidade e consenso no processo penal na perspectiva das garantias constitucionais: Alemanha, Espanha, Itália, Portugal, Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 83.

3 BUSTOS, Juan; LARRAURI, Elena. Victimología: presente y futuro (hacia um sistema penal de alternativas). Barcelona: PPU, 1993. p. 45-57.

4 Idem, ibidem.

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contenda, ainda não foi possível se chegar a resultados capazes de gerar um consenso.

Ao revés, o autor aponta a existência de um conflito aparentemente inso-lúvel: de um lado, se coloca uma corrente sociopolítica que incentiva a partici-pação da vítima na solução do conflito social desencadeado pelo delito e a ter em conta que o processo penal tem como finalidade, antes de tudo, a repara-ção do dano; de outra banda, com o desenvolvimento da penalística moderna, entendeu-se por bem o afastamento da vítima das relações estabelecidas com o direito penal, eis que suas sanções se fundamentam quase que exclusivamente no conflito entre sociedade e autor do fato, e que a busca pela reparação do dano experimentado pelo ofendido deve dar-se no âmbito do direito civil.

Para Roxin, fundado no entendimento de que todas as reflexões que in-cluem a proteção da vítima no direito penal são inspiradas na “[...] separación de todas las demandas particulares [...]”, é que se identificam as dificuldades enfrentadas para integrar ao modelo estrutural penal as noções de reparação do dano5.

Em que pese o referido procedimento já existir nas legislações da Alemanha, da Espanha e da Itália, nem mesmo nesses países existe consenso acerca de sua eficácia em termos de aplicação prática, o que, desde já, dispara um alerta sobre a sua utilização no ordenamento jurídico brasileiro, que até os dias atuais vive sob a influência fascista do Código de Processo Penal de 1941, atenuada em parte pela promulgação da Constituição Federal de 1988.

Mais do que apreciar a simples participação da vítima no processo penal, apresenta-se a necessidade de analisar a proposta dos institutos que garantem às vítimas a reparação do dano com a compreensão de processo que se desen-volve em contraditório pelas partes nele envolvidas, partindo da reconstrução dos ideais vitimológicos de forma a estabelecer uma conformidade de seus pen-samentos com os paradigmas constitucionais que norteiam o processo penal, estabelecendo-se, quando necessário, críticas ao modelo proposto.

O texto reformista apresenta à comunidade jurídica o instituto da adesão civil ao processo penal como uma forma de possibilitar que a sentença penal condenatória arbitre em favor do ofendido, dentro do processo penal, uma re-paração pelo dano moral causado pela infração penal. Com a edição do PL 156/2009, verifica-se uma inovação que cria um objeto eventual ou uma pre-tensão contingente (adesão civil), de conteúdo não penal, que autoriza à vítima a buscar a responsabilização simultânea (penal e civil) do acusado, tudo em um mesmo processo e perante um mesmo juiz – o responsável pelo julgamento do caso penal.

5 ROXIN, Claus. Passado, presente y futuro del derecho procesal penal. 1. ed. Santa Fé: Rubinzal Culzoni, 2007. p. 71.

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A exposição de motivos do Projeto Lei nº 156/2009 afirma ser uma das missões perseguidas pela alteração legislativa a instituição da possibilidade de composição civil dos danos – em alguns casos até mesmo com efeitos de extin-ção da punibilidade no curso do processo –, admitindo-se, para tanto, até mes-mo uma maior esfera de disponibilidade dos interesses da vítima ao ingresso na persecução penal, modificando-se o panorama de sua posição no processo penal até então existente6.

Ainda conforme a exposição de motivos do Projeto Lei nº 156/2009, a posição da vítima altera-se significativamente quando a ela convergem-se inú-meras atenções, “[...] não só no plano de uma simbologia necessária à criação e ao fomento de uma cultura de respeito à sua contingente condição pelos órgãos públicos”7, mas também em relação à sua participação dentro do processo pe-nal – e é disso que queremos nos preocupar –, acompanhando os movimentos processuais europeus que já instituíram em seus ordenamentos a adesão civil da vítima ao objeto da ação penal8.

O projeto do novo Código de Processo Penal prevê, em seu art. 271, a possibilidade de que, logo em seguida ao oferecimento da denúncia e não sen-do o caso de seu indeferimento liminar, seja notificada a vítima, no prazo de 10 (dez) dias, para promover a adesão civil da imputação penal. Trata-se, portanto, de aparente ampliação do objeto do processo penal, que agora também insere uma discussão sobre indenização civil.

O modelo do PL 156/2009 indica a reparação como instrumento polí-tico-criminal de resposta ao delito e que se alimenta de uma combinação de motivos que ultrapassam o conceito de ressarcimento à vítima, apresentando-se como uma alternativa híbrida entre a pena e a responsabilidade civil9. A sanção penal nenhuma relação guarda com a reparação ou com o ressarcimento, papel que é reservado à aplicação da sanção civil.

Trata-se de uma aparente ampliação do objeto do processo penal que agora também insere uma discussão sobre reparação do dano e busca que o processo penal crie mecanismos procedimentais de forma a possibilitar que a

6 Brasil. Senado. Comissão de Juristas responsável pela elaboração de anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal. Brasília/DF: Senado Federal, 2009.

7 Idem.8 “A vítima, enquanto parte civil, poderá ingressar nos autos, não só como assistente da acusação, mas também,

ou apenas, se assim decidir, como parte processual a ser contemplada na sentença penal condenatória” (Idem, grifo do autor).

9 “La filosofia polítcio-criminal que inspira básicamente esta ‘reparación’ parte del reconocimiento positivo de la disposición del autor en su asunción de su responsabilidade ante la víctima, y en su caso ante la sociedad. Su contenido es por ello mucho más flexible, pudiendo coincidir o no con los elementos proprios de la ‘responsabilidad civil’. Así se utiliza este concepto para abarcar tanto prestaciones materiales como inmateriales, e incluso prestaciones que suponen la dedicación de tiempo o trabajo en beneficio de la víctima, La reparación simbólica que tiene como destinataria la sociedad […] representan um terreno limítrofe con las penas en cuanto a su contenido, debido a su distanciamento de referencia al daño efectivo produzido a un sujeto concreto.” (Pérez SANZBERRO, Guadalupe. Reparación y conciliación en el sistema penal: apertura de una nueva via? Granada: Comares, 1999. p. 19-20)

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sentença penal condenatória determine um valor a título de reparação ao dano moral causado pela infração penal. É uma intervenção principal ao processo penal, em que pese qualificada como adesiva, na medida em que se dá com toda a capacidade de postulação necessária para sustentar independentemente as pretensões penais e civis do ofendido10.

Mais do que apreciar a simples participação da vítima no processo pe-nal, faz-se imprescindível analisar a proposta desse instituto por meio da com-preensão de processo que se desenvolve em contraditório pelas partes nele envolvidas (Fazzalari)11, de forma a estabelecer uma conformidade entre as sustentações vitimológicas e os paradigmas constitucionais que norteiam o pro-cesso penal. Da forma como proposto, existe enorme receio de que as desvan-tagens trazidas pelo instituto superem as benesses de sua aplicação, principal-mente se formos levar em consideração os direitos fundamentais relacionados ao processo e ao procedimento12.

A acumulação de pretensões manifestamente incompatíveis causa fla-grante degeneração do processo penal, principalmente porque a chamada ade-são civil é introduzida sob uma visão “eficientista” que utiliza o processo penal como um instrumento político de defesa social, dotando-a de uma função ma-nifestamente alheia àquela a ele atribuída. Interesses reparatórios são desvirtua-dos por completo de todo o sistema jurídico-processual penal, na medida em que se buscam fins outros a sua função, estrutura e finalidade, o que vem agra-vado pela constatação de que falta uma previsão legislativa no Código Penal que regule a relação entre a pena e a reparação do dano13.

Interessa-nos particularmente para os efeitos do presente trabalho a cons-tatação de que a pena depende não só da existência do delito como também da existência de um processo penal, o que não é o caso da reparação do dano, que prescinde da existência desse último elemento, na medida em que pode ser satisfeita extraprocessualmente. Aragoneses Alonso registra que “[...] en un sistema del proceso penal puro carece de fundamento la intervención en el proceso penal de un actor civil”, na medida em que “[...] el fin del proceso es el de la declaración de un delito y la imposición de la pena, por lo que la respon-sabilidad civil deve ser ejercitada en la via civil”14.

Não é por outro motivo que Lopes Júnior afirma a existência de uma relação complementar entre delito, pena e processo a ponto de sustentar que “[...] não existe delito sem pena, nem pena sem delito e processo, nem processo

10 GIMENO SENDRA, Vicente; MORENO CATENA, Victor; DOMINGUEZ, Valentín Cortéz. Derecho procesal penal. 3. ed., ref. e actual. Madrid: Editorial Colex, 1999. p. 129.

11 FAZZALARI, Élio. Instituições de direito processual. Campinas: Bookseller, 2006.12 ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales,

2002.13 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 78/81.14 ARAGONESES ALONSO, Pedro. Instituiciones de derecho procesal penal. Madrid: Rubí, 1976. p. 124.

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penal senão para determinar o delito e impor uma pena”15. A previsão da ade-são civil dentro do processo penal rompe com esse paradigma e cria uma nova espécie que usurpa e amplia a função do processo penal.

Para a realização do direito penal, o processo deve atingir uma dupla função, que inclui a viabilização da aplicação da pena e a sua existência como instrumento de efetivação de garantias de direitos e liberdades individuais16, o que não parece ser observado a partir de uma leitura dos dispositivos que regu-lam a inclusão da parte civil no processo penal.

O objeto do processo penal é tão somente o fato punível, resultado to-talmente diverso da forma como se produz e se delimita o objeto do processo civil, ressaltando-se que a finalidade precípua do processo penal está baseada na atuação distinta e exclusiva da ação penal (para efetivação da pretensão acusatória), e que o juiz daquele processo não pode estar obrigado a atender a interesses de natureza distinta (pretensão indenizatória), sob pena de desvirtuá--lo de seu próprio fim17.

A acumulação de pretensões manifestamente incompatíveis causa uma flagrante degeneração do processo penal, e tal circunstância fica evidenciada com a regra que outorga à parte civil autonomia recursal quanto à matéria tra-tada na adesão. O processo penal pode prosseguir apenas para a discussão de matéria eminentemente civil (!!!).

Nestes casos, os de impugnação da sentença criminal pela parte civil, a controvérsia segue sob apreciação do juízo penal, “[...] cuyas viscitudes y cuyos ritos sigue necesariamente la causa civil, aunque se trate de impugnaciones a los solos fines civiles, mientras dure el estado de acumulación procesal”18. Ou seja, o juízo criminal de segunda instância pode ficar sujeito à apreciação da matéria exclusivamente cível, o que para nós é inconcebível, na medida em que causa conflito e desvirtua os objetivos próprios do processo penal.

Exista ainda uma declarada omissão no texto do PL 156/2009 quanto às formas de distribuição da responsabilidade civil, na medida em que esta tam-bém tende a recair, até a quantia de sua participação, sobre os terceiros que houverem movidos por fins lucrativos, participado dos efeitos de um delito. A norma não pode ser interpretada de forma tão rígida que cause situações de forma a obstaculizar o exercício do direito de defesa. Haverá situações em que o próprio imputado possa desejar ofertar uma reconvenção penal (mais comum em casos de delitos de trânsito) se, desconforme com a acusação, sustenta sua

15 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. 3. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 4.

16 VIADA LOPEZ-PUIGCERVER, Carlos; ARAGONESES ALONSO, Pedro. Curso de derecho procesal penal. 4. ed. Madrid: Prensa Castellana, v. 1, 1974. p. 203.

17 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal, cit..., p. 4.18 MANZINI, Vicenzo. Tratado de derecho procesal penal. Santiago Sentís Melendo e Mariano Ayerra Redín

(Trad.). Buenos Aires: Jurídicas Europa-América, t. 2, 1951. p. 415-416.

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condição de ofendido e demanda a indenização do dano contra aquele que é tido como vítima no processo penal19.

Não se pode esquecer de que ao menos a pretensão civil é regida por princípios que lhe são próprios20. A não previsão de divisão da responsabilida-de civil no processo penal não só prejudica como também sobrecarrega ainda mais o acusado, na medida em que expressamente afasta do curso do processo penal eventuais outros envolvidos que também sejam responsáveis civis pela ocorrência de algum dano experimentado pela vítima.

Além de tudo, o palco em que se forma o processo penal para o ofereci-mento de acusações de forma excessiva ante a inclusão de mais uma parte fi-gurando no polo ativo do procedimento induz a um desequilíbrio nessa relação pelo evidente reforço na acusação. O PL 156/2009 incrementa a acusação – e somente ela – pela previsão de mais um advogado orientado a cuidar somente da adesão civil no processo penal e supera qualquer limite razoável do que se entende por paridade de armas, descambando para um manifesto sobrepeso na acusação, flagrantemente desmedida.

A situação projetada também teria algum efeito de retardo no processo penal ante os prazos e atos que são concedidos à parte civil, e esta preocupação aumenta quando se estiver diante de acusado preso. O fato de que o projeto reformista nada esclarece quanto aos prazos concedidos à parte civil também dispara um alerta em relação a esse novo procedimento.

As reformas processuais que pretendem a responsabilização civil dentro do processo penal devem vir acompanhadas de uma sistemática compatível e completa, atendendo a todas as necessidades do processo. A falta de har-monia e de procedimento adequado para a obtenção da reparação do dano é um entrave a ser ainda enfrentado pelo legislador. Teme-se pelo abandono dos direitos e garantias fundamentais do acusado, principalmente em nome das pretensas eficiência e celeridade processuais, mais tendentes a gerar a exclusão social e penal do sujeito passivo do processo do que atingir os propósitos pre-gados pela alteração legislativa.

A adesão civil, vista como uma forma redutora de complexidade em ra-zão de sua possibilidade em suprimir o ajuizamento simultâneo de ações que teriam como “causa de pedir” o mesmo fato gerador, deve ser observada tam-bém, em face do seu caráter extremamente político, como uma operação de preenchimento de expectativas sociais21. Esta forma de simplificação/conden-

19 GIMENO SENDRA, Vicente; MORENO CATENA, Victor; DOMINGUEZ, Valentín Cortéz. Op. cit., p. 130.20 Idem, ibidem.21 “A quem se dirige, hoje, o processo penal quando pretende colocar-se sob o signo da celeridade? Às

expectativas. Dirige-se a determinado quadro de expectativas. E de quem fica refém esse mecanismo de estabilização normativa que é o direito sempre que, acossado por operadores que disputam em novos moldes a sua área político funcional de actuação, opta por embarcar em lógicas estranhas ao seu código genético, ou, ao invés, por crispar a sua posição em torno de uma nostalgia de ordem perdida? Das expectativas. Em

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sação de processos22 se torna flagrantemente uma opção que visa unicamente ao “[...] preenchimento de expectativas de normalização e de simplificação das opções em presença”23.

É irrefutável a assertiva de que “[...] para lá do efeito de resposta estamos perante uma expansão do desejo, um exercício de reivindicação de preenchi-mentos simultâneos, os quais, uma vez garantidos, asseguram uma coisa e logo depois outra, consoante os momentos e os apetites concretos”24. Essa expansão e o oferecimento de diferentes tipos de preenchimento (redutores de complexi-dade) não parecem estar, entretanto, ao alcance do direito com a agilidade que a sociedade anseia, razão pela qual “[...] nunca como hoje a função de redução de complexidade tenha estado tão desligada dos mecanismos de estabilização das expectativas”25.

Partindo do entendimento de que a sociedade moderna organizou sua própria estabilidade socionormativa e que hoje parte em busca de reinventá-la, Cunha Martins observa a assunção de uma tarefa que corresponde a um “[...] esforço de reposicionamento perante desafios emergentes na contemporanei-dade (em especial o acréscimo de complexidade) e à consequente necessidade de reavaliação do quadro de mecanismos normalizadores disponíveis para lhes dar resposta (um dos quais o direito)”26. No mesmo sentido, o projeto reformista, ao recomendar a adesão civil no processo penal como uma forma redutora de complexidade e como movimento de redefinição (assim é como enxergamos),

ambas as hipóteses, fica refém das expectativas – sociais, processuais, normativas, ou outras. À imagem da política, também o direito não trabalha apenas sobre os circuitos crentes que veladamente lhe percorrem os alicerces, trabalha de igual modo sobre os circuitos mais ostensivos da expectativa que, do exterior, lhe solicitam um desempenho. Ora, os sistemas da expectativa movem-se na esfera do desejo. Os mecanismos sociais, epistêmicos ou processuais são aí, sempre, por definição, potenciais máquinas desejantes.” (CUNHA MARTINS, Rui. O ponto cego do direito: the Brazilians lessons. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 51)

22 Referência neste sentido também é formulada por Giacomolli, para quem, “no que tange à ritualística processual, percebeu-se o claro surgimento de verdadeiras fórmulas mágicas para solucionar a morosidade dos processos: audiência única, identidade física do juiz, engessamento temporal, supressão de recursos, simplificação superficial, acopladas sobre uma estrutura arcaica, de baixa potencialidade constitucional, ambientadas na década de quarenta. Nessa perspectiva, o mito da aceleração do processo e das respostas processuais, sempre prontas, determinadas e acabadas em um único direcionamento, situaram-se na ingenuidade da existência de uma única perspectiva da velocidade do tempo, olvidando a mutabilidade constante e a transição permanente. A busca de padronização em rede de procedimentos não se alheou ao fenômeno da superposição […], da justaposição e da junção dos opostos. O dito ‘novo’ foi o resultado da reciclagem, com manutenção da perspectiva mecanicista, de uma razão, de uma resposta e de um monólogo científico e hermético, reduzido e fechado em si mesmo, sem comunicação com os outros saberes, distante de uma possível integração e de multiplicidade de relacionamentos endo e extraprocessuais. Com isso, potencializou-se o risco e a insegurança no âmbito processual penal” (GIACOMOLLI, Nereu José. Exigências e perspectivas do processo penal na contemporaneidade. In: GAUER, Ruth Maria Chittó (Org.). Criminologia e sistemas jurídicos penais contemporâneos II. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2010.. p. 284).

23 CUNHA MARTINS, Rui Cunha. Op. cit., p. 63.24 Idem, ibidem.25 Segundo o autor, não haveria um mecanismo capaz de “assegurar que ele esteja aberto, que seja viável

e operativo; que ele funcione, em suma, seja para responder satisfatoriamente à vontade galopante da ‘novidade’ e ao desejo de sangue, seja para responder favoravelmente à vontade do aplainamento crítico e ao desejo de certeza em relação ao retorno do mesmo em tudo o que acontece (Idem, p. 64).

26 CUNHA MARTINS, Rui Cunha. Op. cit., p. 52.

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também se traduz, a exemplo de outras propostas de abreviamento procedi-mental, “como a continuação do processo de estabilização social e de introdu-ção de confiança referenciado no pensamento iluminista”.

A adesão civil pode vir a se tornar apenas em um elemento de geração de expectativas com a inserção de uma nova questão no processo penal, na mesma medida em que pode vir a suscitar as mesmas frustrações (ou até maio-res) do que as decorrentes de um processo civil outrora sequer ajuizado pela vítima, eis que, em geral, conhecedora das possibilidades de insucesso. Tal ele-mento pode, ainda, encabeçar uma reversão no propósito da reforma, criando uma espécie de vitimização secundária em segundo plano [ou (re)vitimização secundária]: os direitos da vítima (processuais e reparatórios) são observados, alcançando-lhe inclusive um título executivo judicial por intermédio da sen-tença penal condenatória, o qual, entretanto, poderá não ser executado por uma simples questão de insolvência do acusado, senão por outro motivo a esse vinculado.

Por outro lado, abandonam-se os direitos e garantias fundamentais do acusado, principalmente em nome das pretensas eficiência e celeridade pro-cessuais, mais tendentes a gerar a exclusão social e penal do sujeito passivo do processo do que atingir os propósitos pregados pela reforma processual.

A falta de uma harmonia sistemática e de procedimento adequado para a obtenção da indenização civil é o principal entrave ainda a ser enfrentado pelo legislador. Ao longo dos períodos históricos, o processo penal adquiriu algu-mas regras e princípios basilares que, em conjunto, formam suas diretrizes fun-damentais na formação dos procedimentos. Não existe, em contrapartida, um chamado “procedimento ideal”, à medida que “[...] o processo penal reflete, em cada época e em cada local, as vicissitudes das ideologias e pensamentos dos sistemas políticos e as formas diferenciadas de expressão do tecido social”27.

Uma vez notificada a vítima para promover a adesão civil da imputação penal, deverá ela comparecer aos autos para manifestar sua vontade de dar prosseguimento com a pretensão civil no processo penal. Contudo, a forma que se deve dar ao ato não fica nada clara no texto legal.

Seguindo a ritualística processual civil, a manifestação da vítima deveria preencher todos os requisitos exigidos para a elaboração de uma petição ini-cial; os atos subsequentes, como contestação, réplica, manifestações e recursos inerentes ao processo civil, também deveriam ser garantidos como forma de observação estrita ao devido processo legal e ao contraditório. Não por outro motivo Puente Segura pontua que “[...] para que tal declaración pueda hacerse en la sentencia penal, es necesario que se ejercite la acción correspondiente en debida forma, esto es, de acuerdo con los princípios procesales que regulan

27 Scarance FERNANDES, Antônio. Teoria geral do procedimento e o procedimento no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 41.

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el ejercicio de estas acciones de carácter civil”28. Ou seja, traduz-se de funda-mental importância que, ao valer-se de sua pretensão civil, o ofendido o faça sempre em cumprimento aos pressupostos legais que autorizam o exercício de tal direito, e ainda em estrita obediência às regras estabelecidas caso a caso.

A norma não pode ser interpretada de forma tão rígida que cause situa-ções de forma a obstaculizar o exercício do direito de defesa. Haverá situações em que o próprio imputado possa desejar ofertar uma espécie de reconvenção penal (o que seria mais comum em casos de delitos de trânsito) se, desconforme com a acusação, sustenta sua condição de ofendido e demanda a indenização do dano contra aquele que é tido como vítima no processo penal. Pode ele agir dessa forma no modelo da adesão civil proposto?

Claro que não.

Importa-nos sobremaneira a ressalva anotada por Fazzalari de que “[...] a norma singular, isto é, a disciplina de um único ato, resulta incompleta exata-mente porque se trata de ato componente de um procedimento”29. Com efeito, entendemos que o art. 271 do PL 156/2008 ostenta exatamente essa hipótese de norma singular, pois é lançado solitariamente em meio ao procedimento ordinário, de forma a “regular” a adesão civil em nosso processo penal sem, contudo, estabelecer os atos subsequentes para seu adequado andamento, o que, imaginamos, vem a prejudicar toda a sistemática estabelecida para o pro-cesso penal30.

Conforme Fazzalari, o processo como procedimento é identificado e de-nominado sempre em função do ato final a que se dispõe, sendo também possí-vel fazê-lo conforme o conteúdo da sequência de atividades na qual o processo consiste31. Parece-nos, contudo, que a “adesão” falha na medida em que não existe uma “cadeia” sucessiva de atos de forma a regulamentar a reparação do dano dentro do processo penal. O que há, a nosso ver, é simplesmente o

28 GONZÁLES-CUÉLLAR, Antonio et al. Ley de Enjuiciamento Criminal y Ley del Jurado. 16. ed. Madrid: Colex, 1997. p. 83.

29 “De fato, a norma singular – que regula um singular ato procedimental – fixa-lhe o conteúdo (isto é, a conduta na qual ele consiste) em relação ao papel que o ato deva desenvolver na série procedimental; coloca-o em um determinado ponto daquela sequência, entre outros atos, alguns dos quais servem de pressuposto e outros de efeito do ato de quo; determina-lhe o tempo de cumprimento sempre em relação ao ato ou aos atos que o precedem e que o sucedem; estabelece-lhe a forma [...], a valoração do ato [...], sempre em vista da função que o ato deve desenvolver na seqüência no qual ele está. Ainda: o regime de validade e eficácia de cada ato do procedimento, e daquele final, depende da regularidade ou irregularidade do ato que o precede e influi sobre a validade e sobre a eficácia do ato e dos atos dependentes que o seguem (compreendido aquele final). Em tudo isso está a confirmação da validade teórica da noção de procedimento e de sua necessidade” (FAZZALARI, Élio. Instituições de direito processual. Campinas: Bookseller, 2006. p. 116-117).

30 Mais uma vez valemo-nos de Fazzalari, para quem “[...] o que importa, para fins de qualificação do ato como ‘procedimental’, é que ele desenvolva um seu importante papel na sequência do procedimento” (Idem, p. 117).

31 Para o autor, “[...] dado que tal sequência é destinada a verificar e/ou a pôr em movimento, no contraditório dos interessados, os específicos pressupostos do ato final com o qual a série é destinada a concluir-se, então vale dizer que o discernimento do que seja o processo é feito principalmente dos temas e pelo modo de desenvolvimento do contraditório” (Idem, p. 126-127).

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abandono de uma norma que tem finalidade flagrantemente distinta daquela a que se destina o processo penal, com um propósito até então inexistente, que amplia o objeto processual.

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Assunto Especial – Doutrina

Novo Código de Processo Penal

Breves Linhas sobre o Monitoramento Eletrônico na Legislação Brasileira e no Anteprojeto de Reforma do Código de Processo Penal

BERNARDO DE AZEVEDO E SOUZAMestre em Ciências Criminais (PUCRS), Especialista em Ciências Penais, Membro do Gru-po de Pesquisa em Políticas Públicas de Segurança e Administração da Justiça Penal (GPESC-PUCRS), Membro da Comissão de Estudos sobre Monitoramento Eletrônico de De-tentos da OAB/SP, Advogado.

SUMÁRIO: 1 Aspectos introdutórios; 2 A legislação sobre monitoramento eletrônico no Brasil; 2.1 Anteprojetos; 2.2 Lei nº 12.258, de 15 de junho de 2010; 2.3 Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011; 2.4 Decreto nº 7.627, de 24 de novembro de 2011; 2.5 Anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal; Considerações finais; Referências.

1 ASPECToS INTRoduTóRIoSJá uma realidade no País1, o monitoramento eletrônico (ME) consiste,

em linhas gerais, a utilização de dispositivos eletrônicos (como pulseiras e/ou tornozeleiras) que permitem localizar e controlar, fora do estabelecimento pri-sional, indivíduos que respondem a um processo penal ou que estão em fase de cumprimento da pena privativa de liberdade. Para Pierpaolo Cruz Bottini2, “é a forma de controle dos movimentos dos condenados ou dos réus em processo penal, através de instrumentos atrelados ao corpo, que emitem sinais que possi-bilitam sua localização”. Já Neemias Moretti Prudente assim define:

O monitoramento eletrônico consiste, em regra, no uso de um dispositivo ele-trônico pelo “criminoso” (não necessariamente apenas os efetivamente conde-nados, bastando que figurem como réus em um processo penal condenatório), que passaria a ter a liberdade (ainda que mitigada ou condicionada) controlada via satélite, evitando que se distancie ou se aproxime de locais predeterminados. Esse dispositivo indica a localização exata do indivíduo a ele atado, uma vez que

1 Nesse sentido, vide AZEVEDO E SOUZA, Bernardo de. Monitoramento eletrônico no Brasil: realidade ainda para poucos. Revista Jurídica, Porto Alegre, v. 428, p. 105-118, 2013; e AZEVEDO E SOUZA, Bernardo de. O estágio inicial de implementação do monitoramento eletrônico no Brasil. Boletim IBCCrim, São Paulo, v. 244, p. 8, 2013.

2 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Aspectos pragmáticos e dogmáticos do monitoramento eletrônico. Revista da Faculdade de Direito de Uberlândia, v. 36, p. 387, 2008.

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o sistema permite saber, com precisão, se a área delimitada está sendo obedeci-da. Isso possibilita o registro de sua movimentação pelos operadores da central de controle.3

Túlio Vianna dá à expressão monitoração eletrônica um sentido mais am-plo do que o aqui empregado: trata-se de “uma técnica que utiliza instrumentos eletrônicos para ampliar os sentidos humanos e focalizá-los sobre determinados ambientes, comunicações ou pessoas, com fins de controle e/ou registro de condutas”. O rastreamento – nomenclatura escolhida pelo autor, que corres-ponde, aqui, ao nosso monitoramento eletrônico –, por sua vez, “é um tipo especial de monitoramento que não visa um lugar ou meio de comunicação, mas pessoas, veículos, animais, ou qualquer objeto móvel definido”4.

Consoante Matt Black e Russell G. Smith5, o monitoramento eletrônico pode ser utilizado para três finalidades: detenção, restrição e vigilância. Como forma de detenção, visa a assegurar que o monitorado permaneça em locais predeterminados (v.g., da prisão domiciliar). No caso da prisão domiciliar, onde o indivíduo deve permanecer em sua residência o tempo todo, a medida po-deria ser bastante eficaz. Pode, ainda, ser utilizado como meio de restrição, de modo a assegurar que o monitorado não entre em determinadas áreas (proibi-das) ou se aproxime de determinadas pessoas (v.g., vítimas e testemunhas)6. Em se tratando de crimes nos quais a pessoa da vítima assume papel relevante, a utilização do monitoramento eletrônico mostrar-se-ia eficaz. Finalmente, pode servir como forma de vigilância, o que permite o controle e o acompanhamento da localização do monitorado, bem como a prevenção de fugas.

Para atender a tais finalidades, é possível utilizar tanto os sistemas ativos quanto passivos de monitoração eletrônica. Nos sistemas ativos, também deno-minados sistemas de monitoramento contínuo (continuously signalling system), o monitorado acopla em seu corpo o equipamento – bracelete ou tornozeleira –, que, por meio de um dispositivo intermediador (localizado em sua residên-cia), emite um sinal contínuo para uma central de monitoramento. Na even-tualidade de o monitorado distanciar-se demais do dispositivo intermediador, a central de monitoramento é alertada imediatamente. A variação desse sistema consiste na transmissão do sinal diretamente à central de monitoração, que con-

3 PRUDENTE, Neemias Moretti. Monitoramento eletrônico: uma efetiva alternativa à prisão? Porto Alegre: Síntese, v. 11, n. 65, p. 11, dez./jan. 2011.

4 VIANNA, Túlio. Transparência pública, opacidade privada: o direito como instrumento de limitação do poder na sociedade do controle. Rio de Janeiro: Revan, 2007. p. 55-64.

5 BLACK, Matt; SMITH, Russel G. Electronicmonitoring in the criminal justice system. Disponível em: <migre.me/aaXVe>. Acesso em: 31 ago 2013.

6 Nesse sentido, o ME pode ser aplicado cumulativamente com as medidas dos incisos II e III do art. 319 do CPP, quais sejam, proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; e proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante.

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trolaria, em tempo real, o exato local onde se encontra o monitorado (por meio de Global Position System – GPS)7.

O GPS consiste em três componentes: Satélites, Estações de terra conectadas em rede e dispositivos móveis. A tecnologia elimina a necessidade de dispositivos instalados em locais predeterminados, podendo ser utilizada como instrumento de detenção, restrição ou vigilância. [...] o GPS pode ser utilizado de forma ativa (quando permite a localização do usuário em tempo real) ou na forma passiva (quando o dispositivo utilizado pelo usuário registra toda sua movimentação ao longo do dia. Os dados são retransmitidos uma única vez a central, que gera o relatório diário).8

Ainda que tenham sido criados inicialmente para reforçar a finalidade de detenção, os sistemas ativos podem ser utilizados também para restrição ou vigilância. É perfeitamente possível seu emprego para evitar que o monitorado tenha contato com determinadas pessoas. Nesse sentido, vítimas e testemunhas poderiam instalar em suas residências um ou mais dispositivos de vigilância. Assim, caso o monitorado se aproximasse demais do local onde se encontra o dispositivo, a central de monitoramento seria imediatamente alertada. Outra opção viável seria a colocação de dispositivos de monitoramento em paradas de ônibus e estações de trens, de modo a rastrear o indivíduo na rotina diária “trabalho-casa”9.

Já nos sistemas passivos, também denominados sistemas de contato pro-gramado (programmed contact system), o monitorado é periodicamente conta-tado por telefone no local onde deve permanecer para comprovar sua identida-de (através de senha, voz, scanner de retina ou impressão digital). A principal vantagem desse tipo de sistema, conforme anotam Iglesias Río e Pérez Paren-te10, é a sua menor estigmatização pública. Há, ainda, a questão do custo, visto que, em alguns casos, não haveria a necessidade de instalação de transmissores no domicílio do vigiado. Como desvantagem, os autores apontam eventuais perturbações (originadas pelas ligações telefônicas) às pessoas que residem pró-ximas ao monitorado, sobretudo no horário noturno.

De acordo com Steve Wright11, duas são as modalidades de sistema pas-sivo. Na primeira, o bracelete ou pulseira (conforme o caso) é programado para apresentar um número específico toda vez que receber uma chamada da central de monitoração. O monitorado deve, então, digitar esse número em seu tele-fone celular e enviar uma mensagem de texto para a central. A segunda moda-

7 Black; Smith. Eletronic monitoring...8 MARIATH, Carlos Roberto. Monitoramento eletrônico: liberdade vigiada. Ministério da Justiça. Brasília, 2009.

Disponível em: <migre.me/aaXZv>. Acesso em: 6 ago 2012.9 Black; Smith. Eletronicmonitoring...10 IGLESIAS RÍO, Miguel Ángel; PÉREZ PARENTE, Juan Antonio. La pena de localizacíon permanente y su

seguimiento com medios de control electrónico. Disponível em: <migre.me/aaY1k>. Acesso em: 5 ago 2012.11 WRIGHT, Steve. Prison technologies: An appraisal of technologies of political control. Disponível em: <migre.

me/aaY24>. Acesso em: 6 ago 2012.

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lidade baseia-se no sistema de reconhecimento de voz. O monitorado recebe, de tempos em tempos, uma chamada telefônica da central de monitoração. Du-rante a chamada, o computador central compara a voz da pessoa que responde à ligação com o registro eletrônico de voz que fora gravado no momento em que o monitorado se matriculou no sistema. Existe a possibilidade de utilizar-se também o reconhecimento facial em vez do reconhecimento de voz. Esses tipos de sistemas somente são úteis para a finalidade de detenção12.

Pierre Landreville13 atenta para as três gerações tecnológicas do moni-toramento eletrônico. A primeira delas engloba os sistemas (ativos e passivos) anteriormente descritos. A segunda, atualmente em desenvolvimento, possibi-lita monitorar os movimentos de uma pessoa em tempo real, onde quer que ela esteja (tracking tag), a partir de dispositivos de localização global. Isso, no entanto, só será possível com o aperfeiçoamento da tecnologia. Trata-se de mo-dalidade de controle similar àquela vivenciada por Robert Clayton Dean, pro-tagonizado pelo ator Will Smith, no filme Inimigo do Estado (Enemy of State).

O sistema de segunda geração, formado por dispositivos de localização global (GPS), pressupõe a utilização de três componentes: satélites, uma rede de esta-ções em terra e braceletes ou tornozeleiras eletrônicas. O dispositivo, criado na década de setenta pelo Departamento de Defesa norte-americano, permite uma precisa localização do indivíduo, vinte e quatro horas por dia, com uma margem de erro de dez metros, em três dimensões: latitude, longitude e altitude. Pode, por exemplo, viabilizar a emissão de um alarme caso a pessoa monitorada adentre em um local proibido ou chegue a poucos metros de uma determinada pessoa. Entretanto, não se pode olvidar que problemas técnicos como interferências e di-ficuldades relacionadas à recepção de sinal em determinadas áreas podem com-prometer a eficácia do sistema.14

Por derradeiro, a terceira geração tecnológica, bastante hipotética15, bus-ca utilizar mecanismos que, uma vez inseridos sob a pele ou no corpo do mo-nitorado, alertariam à central da monitoração que aquele está prestes a cometer um crime. À semelhança do filme Minority Report, estrelado pelo ator Tom

12 Black; Smith. Eletronicmonitoring...13 LANDREVILLE, Pierre. La surveillanceéletrocnique des délinquants: un marché emexpansion. Disponível em:

<migre.me/aaY3r>. Acesso em: 5 ago 2012.14 JIPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; MACEDO, Celina Maria. O Brasil e o monitoramento eletrônico. In:

Monitoramento eletrônico: uma alternativa à prisão? Experiências internacionais e perspectivas no Brasil. Brasília: CNPCP, 2008. p. 26. “Esse sistema de segunda geração tem a capacidade não somente para controlar a permanência, em um determinado lugar, da pessoa que está sendo objeto do monitoramento, senão que, milimetricamente, detecta sua presença fora do local que havia sido delimitado, apontando, precisamente, o lugar e o horário em que esteve. Para tanto, o vigiado deverá portar um transmissor similar ao utilizado na vigilância eletrônica ativa, que tem por finalidade enviar os dados de seus movimentos à central, fazendo com que seja disparado um alarme sempre que o vigiado se distancia do perímetro dentro do qual fora confinado” (GRECO, Rogério. Atualização sobre monitoramento eletrônico (Curso de Direito Penal, Parte Geral). Disponível em: <migre.me/aaY6x>. Acesso em: 5 ago 2012).

15 “[...] o sistema de terceira geração ainda se apresenta de forma hipotética. Contudo, não se trata de mera especulação, visto que a tecnologia atingiu um desenvolvimento tal que já é possível o desenvolvimento de chips para serem implantados no corpo humano.” (Jipiassú; Macedo. O Brasil e o monitoramento..., p. 26)

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Cruise, a central de monitoração tentaria evitar a (potencial) prática delitiva16. Como observam Iglesias Río e Pérez Parente17, seria possível, com isso, proce-der a uma intervenção corporal direta no monitorado, por meio de descargas elétricas programadas, que repercutiriam diretamente em seu sistema nervoso central. Haveria, ainda, a possibilidade de injetar em seu sangue um tranquili-zante ou outra substância, sobretudo para o caso de esquizofrênicos ou adeptos ao álcool.

2 A LEGISLAção SoBRE MoNIToRAMENTo ELETRÔNICo No BRASILNão obstante as experiências realizadas ao longo dos anos em outros

países, sobretudo nos Estados Unidos18, a discussão sobre o ME no Brasil se iniciou apenas no ano de 2001. Como aponta Carlos Roberto Mariath19, o Congresso Nacional, à época, estava bastante preocupado com a situação do sistema prisional brasileiro, sobretudo no que diz respeito à superlotação dos estabelecimentos penais: a população carcerária total já contava com mais de 230 mil presos. O cenário favoreceu o surgimento dos primeiros projetos de lei versando sobre o tema, os quais passam a ser descritos a seguir.

2.1 AntepRoJetos

Apresentado em plenário no dia 21.03.2001, o PL 4.342 foi o primeiro a contemplar a temática do ME no país. De autoria do Deputado Marcus Vicente, o PL tinha como justificativa a falência do sistema prisional brasileiro e, como pano de fundo, as rebeliões ocorridas nas penitenciárias naquele momento. O projeto acreditava que o ME consistiria em uma solução efetiva ao problema da superpopulação dos contingentes carcerários, além de propiciar a humaniza-ção, reintegração e recuperação dos condenados.

Quase três meses depois, em 06.06.2001, foi apresentado pelo Deputado Vittorio Medioli o PL 4.834, que posteriormente (08.06.2001) foi apensado ao PL 4.342, por versar sobre a mesma matéria. A justificativa exposta era bastante semelhante ao projeto anterior: a falência e a impotência do sistema penitenciá-

16 “[...] nosso herói luta com todas as suas forças contra a criminalidade, comandando uma equipe de policiais que, com base nas previsões de três sensitivos – com o sugestivo nome de precogs – evita que homicídios se consumem, prendendo seus potenciais autores momentos antes do golpe final. [...] O triunfo do Direito Penal de Culpabilidade sobre o Direito Penal de Periculosidade reafirma o direito de escolha próprio de todo ser humano e volta a sepultar Lombroso e seus discípulos partidários de uma criminologia geneticista em que não precisaremos de astros ou cartas para prever homicídios, mas das bases nitrogenadas componentes de DNAs humanos. Todos culpados a priori. Todos excluídos sem possibilidade de que venham a ‘causar dano à sociedade’. Risco zero.” (MATTOS, Virgílio de; VIANNA, Túlio. Minority Report: uma nova lei, velhos paradigmas. Disponível em: <www.tuliovianna.org>. Acesso em: 7 ago 2012)

17 Iglesias Río; Pérez Parente. La pena de localizacíon...18 Sobre as origens do monitoramento eletrônico, vide AZEVEDO E SOUZA, Bernardo de. O panóptico virtual:

como dois irmãos gêmeos, o musical West Side Story, o Homem-Aranha e um juiz de direito contribuíram para o nascimento do monitoramento eletrônico. Boletim IBCCrim, São Paulo, v. 241, p. 10-12, 2012.

19 Mariath. Monitoramento eletrônico...

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rio, escancaradas pelas rebeliões perpetradas em 19 presídios do país. Sob a perspectiva do projeto, o ME poderia auxiliar no desafogamento dos presídios, de modo a combater a problemática da superpopulação carcerária. Ainda na concepção do projeto, a utilização de pulseiras eletrônicas potencializaria a ressocialização dos presos.

O ano de 2007 contemplou diversas propostas legislativas sobre o ME. O primeiro deles, qual seja, o PL 337, foi apresentado em 07.03.2007 pelo Depu-tado Ciro Pedrosa e manteve essencialmente a mesma justificativa constante no PL 4.834/2001, o qual lhe teria servido de inspiração.

De autoria do Deputado Carlos Manato, o PL 510 foi apresentado em plenário no em 21.03.2007, tendo logo sido apensado ao PL 337. Consoante a justificativa do projeto, a vigilância eletrônica seria alternativa eficaz à inegável falência do sistema penitenciário brasileiro, de modo a possibilitar a ressociali-zação dos condenados e desonerar o Estado.

O PLS 165 (PL 1.295/2007 na Câmara dos Deputados) foi exposto em plenário pelo Senador Aloizio Mercadante no dia 28.03.2007. A justificativa do projeto, à semelhança das anteriores, fundamentava-se na falência do sistema prisional brasileiro, que, na oportunidade, já contava com cerca de 401 mil presos. Sob o viés da proposta legislativa, o ME seria alternativa válida para aliviar o sistema carcerário, o qual deveria se destinar tão somente a presos perigosos. Outrossim, a utilização da medida permitiria desde logo a reinserção do acusado na sociedade, de modo a responder o processo penal livremente. O projeto acabou sendo posteriormente emendado pelo Senador Demóstenes Torres (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania).

Exibido em plenário pelo Senador Magno Malta no dia 29.03.2007, o PLS 175 (PL 1.288/2007 na Câmara dos Deputados) tinha por justificativa a in-sustentabilidade do sistema prisional brasileiro, diante do excessivo número de presos. O controle monitorado de presos seria, na concepção do projeto, medi-da apta a substituir eficientemente a prisão, uma vez que permitiria o convívio social do monitorado sem afetar sua integridade física.

Amparado em pesquisas realizadas nos Estados Unidos e na Europa acer-ca da viabilidade jurídica e técnica da implantação do monitoramento de pes-soas por meio de dispositivos de rastreamento eletrônico, o PL 641 foi apresen-tado em plenário no dia 03.04.2007. O projeto, de autoria do Deputado Edio Lopes, buscava incluir a monitoração eletrônica como forma de fiscalização externa dos beneficiados pelo regime semiaberto, regime aberto, limitação de fim de semana, livramento condicional e saída temporária.

Em 27.06.2007, foi apresentado em plenário o PL 1.440, proposto pelo Deputado Beto Mansur. Segundo a justificativa do projeto, a utilização do ME potencializaria a humanização e a reintegração do condenado à sociedade,

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pois lhe permitiria laborar, participar de cursos e atividades educativas, além de poder gozar diariamente do convívio familiar.

2.2 leI nº 12.258, De 15 De Junho De 2010Após intensos debates no âmbito do Congresso Nacional, os PLs

337/2007, 510/2007, 641/07, 1.440/2007 e 1.295/2007 acabaram sendo con-densados no PL 1.288/2007. Analisado pela Comissão de Constituição, Jus-tiça e Cidadania (que, inclusive, apresentou um substitutivo), o projeto foi enviado à Presidência da República para sanção, sendo transformado na Lei nº 12.258. Publicado em 15 de junho de 2010, o novel diploma legal alterou a LEP, introduzindo a possibilidade de aplicação do ME em duas hipóteses: a) saída temporária ao preso que estiver cumprimento pena em regime semiaberto (art. 146-B, inciso II); b) quando a pena estiver sendo cumprida em prisão domi-ciliar (art. 146-B, IV). A proposta legislativa inicial contemplava outras hipóteses de aplicação20, que acabaram sofrendo vetos da Presidência da República.

Consoante as razões dos vetos:

A adoção do monitoramento eletrônico no regime aberto, nas penas restritivas de direito, no livramento condicional e na suspensão condicional da pena contraria a sistemática de cumprimento de pena prevista no ordenamento jurídico brasi-leiro e, com isso, a necessária individualização, proporcionalidade e suficiência da execução penal. Ademais, o projeto aumenta os custos com a execução penal sem auxiliar no reajuste da população dos presídios, uma vez que não retira do cárcere quem lá não deveria estar e não impede o ingresso de quem não deva ser preso.21

Ao analisar as razões do veto presencial, Janaína Rodrigues Oliveira e Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo concluíram que:

O veto da Presidência da República traz clara opção de política criminal, tendo em vista que expressamente inviabiliza a possibilidade de uso do monitoramento eletrônico nos demais casos, tendo em vista o caráter restritivo dos direitos da medida, que cria forma de fiscalização para os indivíduos que já se encontram em liberdade, sem enfrentar a questão da superpopulação prisional. Foi excluída a possibilidade de vigilância eletrônica no regime aberto, quando da realização de atividades ligadas a estudo, trabalho e outras atividades autorizadas.22

20 Quais sejam: a) aplicar pena restritiva de liberdade a ser cumprida nos regimes aberto ou semiaberto, ou conceder progressão para tais regimes, b) aplicar pena restritiva de direitos que estabeleça limitação de horários ou de frequência a determinados lugares; c) conceder o livramento condicional ou a suspensão condicional da pena.

21 Disponível em: <migre.me/abHBN>. Acesso em: 6 ago 2012.22 OLIVEIRA, Janaína Rodrigues; AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. O monitoramento eletrônico de apenados

no Brasil. In: MORAIS DA ROSA, Alexandre; PRUDENTE, Neemias Moretti (Org.). Monitoramento eletrônico em debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 110. Para uma análise mais aprofundada sobre a matéria objeto de veto presidencial, vide GOMES, Raimundo de Albuquerque; SILVA, Marcos Pereira de. Monitoramento eletrônico: meio de reduzir a população carcerária no Brasil. Porto Alegre: Síntese, v. 11, n. 64, out./nov. 2011. p. 215-224.

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O art. 146-C, incluído pela referida lei, preceitua que o monitorado de-verá tomar os devidos cuidados com o equipamento eletrônico e, ainda, possui os seguintes deveres: a) receber visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder aos seus contatos e cumprir suas orientações (inciso I); b) abster-se de remover, de violar, de modificar, de danificar de qualquer for-ma o dispositivo de monitoração eletrônica ou de permitir que outrem o faça (inciso II).

O parágrafo único do art. 146-C menciona que a violação comprovada destes deveres previstos poderá acarretar, a critério do juiz da execução, ouvi-dos o Ministério Público e a defesa, as seguintes consequências: a) a regressão do regime (inciso I); b) a revogação da autorização de saída temporária (inciso II); c) a revogação da prisão domiciliar (inciso VI); d) a advertência, por escrito, para todos os casos em que o juiz da execução decida não aplicar alguma das medidas previstas nos incisos de I a VI deste parágrafo (inciso VII).

Por fim, o art. 146-D menciona as (duas) hipóteses de revogação do ME: a) quando se tornar desnecessária ou inadequada; b) se o acusado ou conde-nado violar os deveres a que estiver sujeito durante a sua vigência ou cometer falta grave. Como destaca Prudente23, para que ocorra a revogação do ME, na prática, deverá o magistrado aprazar, antes de sua decisão, audiência de justifi-cação, com fulcro no art. 118, § 2º, da LEP24, oportunidade em que serão ouvi-dos o acusado, devidamente assistido pelo seu defensor, e o Ministério Público.

2.3 leI nº 12.403, De 4 De mAIo De 2011Sem embargo da inovação trazida pela Lei nº 12.258/2010, no sentido de

introduzir o ME no ordenamento jurídico brasileiro, não houve, na realidade, alterações significativas no que tange à redução da população carcerária (um dos objetivos propostos pelos diversos projetos de leis anteriormente mencio-nados). Isso porque as hipóteses autorizadas (i.e., aquelas que não foram objeto do veto presidencial) limita(va)m-se ao âmbito da execução penal, atingindo tão somente condenados que já se encontra(va)m fora dos estabelecimentos prisionais. Significa dizer que, anteriormente ao advento da Lei nº 12.258/2010, aqueles presos que conquistavam por mérito benefícios a saída temporária e a

23 PRUDENTE, Neemias Moretti. Sozinho mas não esquecido: uma análise sobre o sistema de monitoramento eletrônico de infratores. In: MORAIS DA ROSA, Alexandre; PRUDENTE, Neemias Moretti (Org.). Monitoramento eletrônico em debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 148.

24 “Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado:

I – praticar fato definido como crime doloso ou falta grave;

II – sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime (art. 111).

§ 1° O condenado será transferido do regime aberto se, além das hipóteses referidas nos incisos anteriores, frustrar os fins da execução ou não pagar, podendo, a multa cumulativamente imposta.

§ 2º Nas hipóteses do inciso I e do parágrafo anterior, deverá ser ouvido previamente o condenado.”

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prisão domiciliar não se submetiam a qualquer espécie de controle eletrônico, ao passo que, com a sobrevinda da aludida lei, poderiam agora se sujeitar à medida.

Como destaca Luís Carlos Valois:

[...] embora o veto presencial tenha livrado o ordenamento jurídico de um ab-surdo maior, não evitou totalmente a incoerência observada nas próprias razões do veto. O monitoramento de apenado em regime semiaberto não é nenhuma medida descarcerizadora, pela simples razão de que nada se alterou com relação ao direito ao regime semiaberto. O sentenciado que podia ingressar no regime intermediário continuará ingressando da mesma forma, cumpridos os mesmos re-quisitos de antes, portanto o monitoramento eletrônico veio apenas como acrés-cimo de rigor na pena.25

Destarte, a aplicação do ME nas hipóteses de saída temporária ao preso que estiver cumprimento pena em regime semiaberto e quando a pena estiver sendo cumprida em prisão domiciliar (art. 146-B, incisos II e IV, da LEP, respec-tivamente) passa a constituir patente expansão do controle penal, um verdadei-ro plus na vigilância.

[...] se antes a liberdade expressa nos casos acima delineados nada custavam ao Estado, ora custarão aproximadamente R$ 500,00 (quinhentos reais) por presa/preso, valor pertinente ao investimento em equipamentos e funcionárias/os ne-cessários ao funcionamento do monitoramento eletrônico. E se, por um lado, a “novidade” faz recrudescer os gastos com o sistema de execução penal, por outro há manifesto agravamento de alguns dos problemas que justamente deveriam ser alvos de políticas públicas mais eficazes. Assim, parece claro que o monitora-mento eletrônico, como disposto na Lei nº 12.258, em nada minora a desumana superlotação que assola o sistema carcerário brasileiro. Pior: nesses termos, o monitoramento eletrônico, além de trazer consigo um acréscimo nos gastos pú-blicos, pode representar também um acréscimo de estigmatização àquelas/es que galgaram legitimamente a conquista de benefícios e que agora terão que suportar um novo ônus.26

Ao admitir o uso do ME tão somente nas hipóteses em que o preso já se encontrava fora do estabelecimento prisional, a Lei nº 12.258/2010 demons-trou um lado tímido, acanhado, inseguro, contrariando não apenas os objetivos propugnados pelos aludidos anteprojetos legislativos como a própria lógica do sistema de controle eletrônico. Não há, por óbvio, como atender à finalidade de redução do número de “presos” no sistema carcerário se são justamente (e tão somente) os “soltos” que estão sendo monitorados...

25 VALOIS, Luís Carlos. Ensaio sobre o monitoramento eletrônico (Lei nº 12.258/2010). In: MORAIS DA ROSA, Alexandre; PRUDENTE, Neemias Moretti (Org.). Monitoramento eletrônico em debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 130.

26 SILVEIRA, Valdir João; VALENTE, Rodolfo de Almeida. Estigma eletrônico. O Estado de São Paulo, São Paulo, Aliás, p. J6, 20 jun. 2010.

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Deduz-se, portanto, que o monitoramento eletrônico não constitui uma alternati-va, mas sim uma obrigação cumulativa que haverá de ser suportada pelos presos que estão cumprindo pena em regime semiaberto, ou seja, a Lei nº 12.258/2010 nada mais fez senão criar nova forma de limitação à liberdade do preso cum-prindo pena em regime semiaberto (ou em prisão domiciliar), agravando a sua situação pessoal, impondo o uso do equipamento de vigilância. Vê-se então que a lei institui condições que não beneficiam o condenado, porque antes não havia vigilância para os casos descritos, de modo que lhe impõe sujeitar-se a ser moni-torado, o que não ocorria antes.27

Não obstante, o cenário toma novos contornos com o advento da Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011, que, entre as inúmeras modificações no Código de Processo Penal, atribuiu à prisão preventiva uma nova roupagem, alocando-a como ultima ratio. Para tanto, o novo diploma legal estabeleceu, no art. 319, um rol de 9 (nove) medidas cautelares diversas da prisão, sendo inserida, entre elas, no inciso IX, a monitoração eletrônica28.

Desse modo, se a Lei nº 12.258/2010 foi um marco no sentido de in-troduzir e regulamentar o ME no ordenamento jurídico pátrio – apesar de sua restrição à fase de execução penal –, a Lei nº 12.403/2011 inovou ainda mais ao possibilitar sua aplicação como medida cautelar diversa da prisão. Se antes daquele diploma legal havia, pois, a possibilidade de aplicação da monitora-ção tão somente aos condenados (no âmbito da execução penal), agora, com a novel legislação, o emprego da medida se estendeu também aos indiciados (durante o inquérito policial) e aos acusados (durante o curso da ação penal), de modo a impedir o encarceramento destes antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Com esse novo modelo, o Brasil parece definitivamente estar avançan-do em direção aos fundamentos que justificariam a criação e a aceitação do ME em países cuja adoção do sistema se dera em momento anterior, uma vez que, para além de estabelecer um novo panorama, oferece a possibilidade de mitigar as mazelas decorrentes do encarceramento29. Depreende-se que a Lei nº 12.403/2011 advém, pois, com a finalidade de evitar, a todo custo, a segre-gação provisória dos indiciados e acusados, considerando a prisão preventiva a última alternativa colocada à disposição do magistrado: a ultimaratio.

Diante da nova realidade, deverá o juiz, antes de decretar a prisão pre-ventiva, analisar a possibilidade de aplicar uma das medidas cautelares elenca-das pelo art. 319, onde, no inciso IX, se encontra a monitoração eletrônica. Para tanto, em observância ao art. 282, o magistrado deverá atentar à necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais (inciso

27 MORAIS, Paulo José Iasz de. Monitoramento eletrônico de preso. São Paulo: IOB, 2012. p. 47.28 “Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão: [...] IX – monitoração eletrônica.”29 Morais. Monitoramento eletrônico..., p. 45.

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I), e à adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado (inciso II).

O juiz poderá decretar a medida cautelar de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público (art. 282, § 2º). Nada impede que o juiz aplique cumulativamente duas medidas cautela-res distintas (art. 282, § 1º). É a hipótese de aplicar o ME com o art. 319, inciso II (proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circuns-tâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações), para evitar, por exemplo, que determinados torcedores fanáticos, responsáveis por provocar arruaças du-rante as partidas de futebol, voltem a adentrar no estádio de seus times, por determinado período de tempo.

2.4 DecReto nº 7.627, De 24 De noVembRo De 2011Pouco mais de seis meses após a sobrevinda da Lei nº 12.403/2011, foi

promulgado o Decreto nº 7.627, em 24 de novembro. Elaborado no âmbito da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério de Justiça, o decreto regula-menta o uso do ME previsto no art. 319, IX, do CPP e nos arts. 146-B, 146-C e 146-D da LEP.

Dispõe o decreto que o monitorado deverá receber documento no qual constem, de forma clara e expressa, seus direitos e os deveres a que estará su-jeito, o período de vigilância e os procedimentos a serem observados durante a monitoração (art. 3º).

O art. 4º destaca que a responsabilidade pela administração, pela execu-ção e pelo controle da monitoração eletrônica caberá aos órgãos de gestão pe-nitenciária, cabendo-lhes, ainda, a) verificar o cumprimento dos deveres legais e das condições especificadas na decisão judicial que autorizar a monitoração eletrônica (inciso I); b) encaminhar relatório circunstanciado sobre a pessoa monitorada ao juiz competente na periodicidade estabelecida ou, a qualquer momento, quando por este determinado ou quando as circunstâncias assim o exigirem (inciso II); c) adequar e manter programas e equipes multiprofissio-nais de acompanhamento e apoio à pessoa monitorada condenada (inciso III); d) orientar a pessoa monitorada no cumprimento de suas obrigações e auxiliá-la na reintegração social, se for o caso (inciso IV); e e) comunicar, imediatamente, ao juiz competente sobre fato que possa dar causa à revogação da medida ou modificação de suas condições (inciso IV).

O parágrafo único do mesmo dispositivo rege que a elaboração e o envio de relatório circunstanciado poderão ser feitos por meio eletrônico certificado digitalmente pelo órgão competente. Por derradeiro, os arts. 6º e 7º tratam da preservação do sigilo dos dados e das informações do monitorado. De acordo

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com o art. 6º, o sistema de monitoramento será estruturado de modo a preservar o sigilo dos dados e das informações da pessoa monitorada.

O art. 7º, por sua vez, dispõe que o acesso aos dados e às informações da pessoa monitorada ficará restrito aos servidores expressamente autorizados que tenham necessidade de conhecê-los em virtude de suas atribuições. Quanto a este ponto, é importante destacar que, mesmo antes do advento do decreto, algumas empresas já vinham atentando para tal particularidade. A Central de Monitoramento da empresa Spacecom S.A., por exemplo, não possui acesso a qualquer dado ou foto do sentenciado, uma vez que tais informações são exclu-sivas da unidade prisional responsável pelo sentenciado. O monitoramento dos sentenciados dá-se através de números aleatórios gerados pelo próprio sistema (p. ex., M35764) e a unidade prisional tem acesso aos dados vinculados a esse código30.

2.5 AntepRoJeto De RefoRmA Do cóDIGo De pRocesso penAl

O ME está também previsto no PL 156/200931, que visa a instituir o novo Código de Processo Penal. De acordo com os arts. 579 e 580 do referido pro-jeto, o juiz poderá submeter o investigado (ou acusado) ao sistema de ME nos crimes cujo limite máximo da pena privativa de liberdade cominada seja igual ou superior a 8 (oito) anos, desde que haja prévia anuência daquele, a ser mani-festada em termo específico. Qualquer que seja a tecnologia utilizada, o dispo-sitivo eletrônico não terá aspecto aviltante ou ostensivo, nem colocará em risco a saúde do investigado ou acusado, sob pena de responsabilidade do Estado (art. 581).

O art. 582 preceitua as hipóteses de descumprimento da medida caute-lar, que ocorrem quando o investigado ou acusado (a) danificar ou romper o dispositivo eletrônico, (b) desrespeitar os limites territoriais fixados na decisão judicial ou (c) deixar de manter contato regular com a central de monitoramento ou não atender à solicitação de presença.

A título de complementação, destaca-se que a redação final do PLS 156/2009 contemplou duas alterações. O critério quantitativo de pena inicial-mente disposto para possibilitar a aplicação da medida (qual seja, igual ou su-perior a oito anos) foi reduzido para “igual ou superior a quatro anos”:

Art. 591. Nos crimes cujo limite máximo da pena privativa de liberdade comina-da seja igual ou superior a 4 (quatro) anos, o juiz poderá submeter o investigado

30 Informações extraídas do sítio eletrônico <www.spacecom.com.br.>. Acesso em: 6 ago 2012.31 A Comissão de Juristas responsável pela elaboração do anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal é

composta por Antonio Correa, Antonio Magalhães Gomes Filho, Eugênio Pacelli de Oliveira (relator), Fabiano Augusto Martins Silveira, Felix Valois Coelho Júnior, Hamilton Carvalhido (coordenador), Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Sandro Torres Avelar e Tito Souza do Amaral.

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ou acusado a sistema de monitoramento eletrônico que permita a sua imediata localização. (grifamos)

Ademais, na primeira hipótese de descumprimento da medida (danificar ou romper o dispositivo eletrônico) foi inserido o complemento “ou de qualquer maneira adulterá-lo ou ludibriá-lo”:

Art. 594. Considera-se descumprida a medida cautelar se o investigado ou acu-sado:

I – danificar ou romper o dispositivo eletrônico, ou de qualquer maneira adulterá--lo ou ludibriá-lo;

II – desrespeitar os limites territoriais fixados na decisão judicial;

III – deixar de manter contato regular com a central de monitoramento ou não atender à solicitação de presença. (grifamos)

CoNSIdERAçÕES FINAIS

Como pudemos observar no decorrer do presente ensaio, o debate sobre o ME no país possui pouco mais de uma década. As primeiras propostas legis-lativas, de autoria dos deputados Marcus Vicente (PL 4.342) e Vittorio Medioli (PL 4.834), confirmavam já existir, em 2001, a preocupação do Congresso Nacional com a realidade do nosso sistema prisional, que, à época, contava com mais de 230 mil presos. O ano de 2007 foi marcado pelo advento de mais cinco projetos legislativos (PL 337, 510 e 641, e PLS 165 e 175), que, por tratarem de matérias idênticas, acabaram sendo condenados em um único: o PL 1.288/2007. Enviado para sanção presidencial, o projeto, após sofrer alguns vetos, acabou sendo transformado na Lei nº 12.258/2010.

Em que pese o advento da primeira lei federal a regulamentar a matéria e o início da utilização do ME no país, não se observou qualquer redução dos contingentes prisionais, objetivo este proposto pelos diversos projetos de leis antes mencionados. Muito pelo contrário: o número de presos no Brasil conti-nuou aumentando, ultrapassando atualmente mais de meio milhão. Isso se deu, em verdade, porque as hipóteses autorizadas pela Lei nº 12.258/2010 atingiram tão somente aqueles condenados que já se encontravam fora do sistema prisio-nal, se permitindo concluir, sob essa ótica, que a utilização do ME no âmbito da execução penal passou a constituir um acréscimo na vigilância (expansão do controle penal).

Com a Lei nº 12.403/2011, o ME adquiriu nova esfera de incidência, tendo seu emprego então estendido aos indiciados (durante o inquérito policial) e aos acusados (durante o curso da ação penal), de modo a impedir o encarce-ramento destes antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. A novidade tecnológica, não mais limitada somente à execução penal, com o advento do novel diploma legal passa a integrar um rol de medidas cautelares

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(art. 319 do CPP), das quais pode o magistrado fazer uso em substituição à de-cretação de uma prisão preventiva.

No entanto, até onde se tem notícia32, o ME vem sendo aplicado muito timidamente como medida alternativa à prisão preventiva (art. 319, IX, do CPP). Com efeito, muito embora passados mais de dois anos desde o advento da Lei nº 12.403/2011, não se possui ainda dados expressivos acerca da aplicação do ME, por exemplo, durante o inquérito policial ou mesmo no curso da ação penal. A utilização da ferramenta eletrônica na realidade está sendo voltada ao regime semiaberto e, sobretudo, ao âmbito da prisão domiciliar.

Tal preferência talvez decorra daquilo que Aury Lopes Jr.33 denomina cultura inquisitorial-encarcerizadora dominante em nossa sociedade. Não obs-tante as conquistas democráticas obtidas ao longo da história, prepondera atu-almente na mentalidade dos atores judiciários (com raras exceções) a crença de que as instituições jurídicas dependem da prisão de pessoas para se legitimar. Logo, aplicar as medidas cautelares diversas da prisão em substituição à prisão preventiva – cuja decretação vem sendo cada vez mais banalizada no Brasil – sobretudo a de monitoração eletrônica – tecnologia recente e desconhecida por muitos –, se trata, pois, de uma verdadeira “quebra de cultura”, da qual os atores judiciários parecem ainda não estar preparados.

Mas retornando à legislação sobre o ME no país, é importante desta-car que, sem embargo das inovações trazidas pelas Leis nºs 12.258/2010 e 12.403/2011, nenhum destes diplomas legais teve a preocupação de oferecer qualquer terminação conceitual do termo “monitoração eletrônica”. Nesse pon-to, inovou o Decreto nº 7.627/2011, segundo o qual monitoração eletrônica é a vigilância telemática posicional à distância de pessoas presas sob medida cau-telar ou condenadas por sentença transitada em julgado, executada por meios técnicos que permitam indicar a sua localização (art. 2º). Não obstante, no que diz respeito às demais disposições do decreto, ainda que se disponham a nor-tear a regulamentação do ME no Brasil, é certo que, por si sós, são insuficientes para atender tal finalidade, devendo cada Estado da Federação desenvolver suas próprias regras (modus operandi) e aperfeiçoar constantemente a utilização do equipamento de controle.

Em relação ao anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal, de-ve-se reconhecer que houve também a preocupação em regulamentar o ME. No entanto, são necessários alguns reparos, visto que, como observa Neemias Prudente, do modo como está previsto no anteprojeto, o ME mais se assemelha

32 Nesse sentido, vide AZEVEDO E SOUZA, Bernardo de. O monitoramento eletrônico como medida alternativa à prisão preventiva. Dissertação de Mestrado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais. Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo (Orientador). Porto Alegre, 2013.

33 LOPES JR., Aury. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas cautelares diversas – Lei nº 12.403/2011. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 4 e 89.

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a uma “contracautela” (em substituição a outra cautela) do que uma medida cautelar propriamente dita:

Vale lembrar que, embora previsto no anteprojeto do Código de Processo Penal no Capítulo denominado “Outras Medidas Cautelares Específicas”, [o monitora-mento eletrônico] não se trata de uma nova medida cautelar, mas de uma forma diferenciada de cumprimento das prisões cautelares já existentes (decretadas tan-to na fase investigativa, como na fase processual). Até porque o anteprojeto não menciona os requisitos ou fundamentos para sua aplicação, indicando apenas o critério quantitativo de pena (crimes cujo pena cominada seja igual ou superior a oito anos).34

Em suma, o ME constitui uma realidade no Brasil, mas, para que o uso da nova ferramenta tecnológica possa apresentar resultados efetivos, são necessá-rios avanços em todas as esferas: na legislação sobre a matéria; na cultura (men-talidade) dos atores judiciários; na aquisição de equipamentos; na edificação de centrais de monitoramento; no treinamento de pessoal. Podemos, sim, evoluir (e muito), tendo um longo caminho a percorrer. Estamos caminhando para uma nova fase do Direito Penal e Processual Penal, sendo necessário enxergar os fenômenos do mundo contemporâneo com novos “olhos”, ou seja, pelo viés da atual concepção científica. Ao contrário dos Estados Unidos e outros países da Europa (que utilizam tal sistema há anos), o Brasil a recém está assimilando esta nova forma de controle. Com efeito, se os objetivos propugnados pelo ME35 serão concretizados no país ainda é muito cedo para dizer. De todo modo, estaremos acompanhando o desenvolvimento da nova ferramenta eletrônica no país, observando os impactos dela decorrentes, na expectativa de que, em breve, possamos oferecer ao leitor notícias positivas.

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34 Prudente. Monitoramento eletrônico..., p. 154.35 Entre eles destacamos a luta contra a superlotação carcerária, que atinge atualmente mais de meio milhão de

presos no país.

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Assunto Especial – Doutrina

Novo Código de Processo Penal

Interceptação Telefônica. Prazo de Duração. Lei nº 9.296/1996 e Projeto do Novo CPP

MAURÍCIO TASCAMestre em Ciências Criminais pela PUCRS, Graduado em Direito pela PUCRS, Advogado cri-minalista.

O direito à intimidade, à vida privada e ao sigilo das comunicações são garantias fundamentais asseguradas pela Constituição Federal de 1988, art. 5º, incisos X e XII, respectivamente. Por intimidade consideramos o modo de ser do indivíduo que exclua do conhecimento dos demais aquilo que somente a ele interessa e que ele queira manter em seu foro íntimo1. Em que pese haver distinção doutrinária acerca da conceituação de privacidade e de intimidade, preferimos ficar, para esse trabalho, com a posição apresentada por Ingo Sarlet, ao argumentar que essa distinção seja deveras complicada de ser sustentada, em razão “da fluidez entre as diversas esferas da vida privada (incluindo a in-timidade), [...] incluindo a intimidade no âmbito de proteção mais amplo do direito à vida privada (privacidade)”2.

O art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal, por sua vez, estabelece o direito à inviolabilidade das comunicações telegráficas, de dados e telefôni-cas, além de assegurar o sigilo da correspondência. O inciso está redigido da seguinte forma: “É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

Na sua parte final, como se pode verificar, abre a possibilidade de serem violadas essas garantias, mediante autorização judicial de acordo com as hipó-teses trazidas por lei. Em decorrência dessa cláusula de direito fundamental, em 1996 foi promulgada a Lei nº 9.296/1996, que a regulamentou. O seu art. 1º

1 RUARO, Regina Linden; RODRIGUEZ, Daniel Piñero. O direito à proteção dos dados pessoais: uma leitura do sistema europeu e a necessária tutela dos dados sensíveis como paradigma para um sistema jurídico brasileiro. Revista Direitos Fundamentais e Justiça, Porto Alegre: EDIPUCRS, n. 11, p. 165/166, abr./jun. 2010.

2 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: RT, 2013. p. 405.

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declara que as interceptações das comunicações telefônicas deverão observar os requisitos previstos nos artigos seguintes. O parágrafo único desse mesmo artigo estabelece que essa lei se aplica também à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.

O art. 5º da Lei prevê que o prazo de duração da interceptação não pode exceder a quinze dias, com possibilidade de prorrogação3 por igual período. Essa questão, no entanto, não é pacífica, tanto para a doutrina quanto para a jurisprudência. Há quem defenda a possibilidade de uma única renovação do prazo, ficando limitada a interceptação ao máximo de trinta dias. Por outro lado, doutrina e jurisprudência majoritárias, inclusive o Supremo Tribunal Fe-deral4, entendem que o prazo pode ser renovado tantas vezes quantas forem necessárias para a elucidação do(s) fato(s) investigado(s)5. Por fim, uma terceira corrente, minoritária, entende que a quebra do sigilo telefônico não pode ultra-passar o período de sessenta dias. Diante disso, o presente trabalho visa a ana-lisar esses posicionamentos à luz do projeto de lei do novo Código de Processo Penal em tramitação na Câmara dos Deputados, sob o número 8.045/2010, bem como com a legislação de outros países.

Ademais, trataremos aqui apenas da interceptação telefônica, entendida como captar uma comunicação telefônica, tomar conhecimento de uma comu-nicação alheia pertencente a terceiros sem o conhecimento deles, pois, haven-do o conhecimento de um participante, estaremos diante de escuta telefônica, que não é objeto de análise no presente artigo. Não se trata, portanto, de uma intervenção na chamada. Além da interceptação e da escuta, há a gravação clandestina e ambiental6, que não serão abordadas no presente trabalho. Ainda convém referir que analisaremos a questão do prazo em situações em que há uma decisão judicial devidamente fundamentada autorizando a prorrogação, pois, do contrário, a investigação iniciaria ilicitamente.

3 Vejamos o que contém o art. 5º: “A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo,uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova”.

4 “EMENTA: [...] 5. PROVA – Criminal. Interceptação telefônica. Prazo legal de autorização. Prorrogações sucessivas. Admissibilidade. Fatos complexos e graves. Necessidade de investigação diferenciada e contínua. Motivações diversas. Ofensa ao art. 5º, caput, da Lei nº 9.296/96. Não ocorrência. Preliminar rejeitada. Voto vencido. É lícita a prorrogação do prazo legal de autorização para interceptação telefônica, ainda que de modo sucessivo, quando o fato seja complexo e, como tal, exija investigação diferenciada e contínua. [...]” (INQ 2424, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, Julgado em 26.11.2008, DJe-055 Divulg. 25.03.2010, Publ. 26.03.2010; Ement., v. 02395-02, p. 00341)

5 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; SCARANCE FERNANDES, Antônio. As nulidades no processo penal. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 177. Seguindo essa linha, Vicente Greco Filho refere que a “lei não limita o número de prorrogações possíveis, devendo entender-se, então, que serão tantas quantas necessárias à investigação, mesmo porque 30 dias pode ser prazo muito exíguo” (GRECO FILHO, Vicente. Interceptação telefônica. São Paulo: Saraiva, p. 51).

6 Apenas a título de esclarecimento, na gravação clandestina, um dos interlocutores é quem faz a gravação telefônica ou, então, um terceiro com o seu consentimento; já na gravação ambiental não há o uso do sistema telefônico, mas a gravação, por parte de um dos interlocutores ou terceiro com o seu conhecimento.

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PoSICIoNAMENTo douTRINÁRIo E JuRISPRudENCIALParcela pequena da doutrina entende que a renovação do prazo de quin-

ze dias pode ser realizada apenas uma vez, estabelecendo um limite fixo e intransponível de trinta dias ininterruptos. Discordamos desse posicionamen-to. No entanto, deixaremos para fundamentar mais adiante, passando, agora, à análise do entendimento majoritário.

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência majoritárias entendem que o prazo de duração da interceptação telefônica não é o de trinta dias previstos no art. 5º suprarreferido (quinze mais quinze), mas sim indefinido, devendo o magistrado “guiar-se pelo bom senso e pelo direito comparado, sendo possí-veis tantas prorrogações quantas necessárias, desde que continuem presentes os pressupostos de admissibilidade da ordem de interceptação”7. Esse é o posicio-namento atual do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, de onde destacamos o seguinte julgado:

EMENTAS: [...] 5. PROVA – Criminal. Interceptação telefônica. Prazo legal de autorização. Prorrogações sucessivas. Admissibilidade. Fatos complexos e gra-ves. Necessidade de investigação diferenciada e contínua. Motivações diversas. Ofensa ao art. 5º, caput, da Lei nº 9.296/1996. Não ocorrência. Preliminar re-jeitada. Voto vencido. É lícita a prorrogação do prazo legal de autorização para interceptação telefônica, ainda que de modo sucessivo, quando o fato seja com-plexo e, como tal, exija investigação diferenciada e contínua. [...]. (INQ 2424, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, Julgado em 26.11.2008, DJe-055 Divulg. 25.03.2010, Publ. 26.03.2010; Ement., v. 02395-02, p. 00341) (grifamos)

Há, inclusive, na jurisprudência, quem defenda a possibilidade de prorro-gação do prazo de trinta em trinta dias, sustentando que a renovação de quinze em quinze dias “poderia trazer embaraços e atrasos às investigações, mitigando a agilidade e a continuidade necessárias para se alcançar o êxito consistente no desmantelamento do grupo”8. Data maxima venia ao posicionamento dos julgadores, contando, inclusive, com posicionamento similar no Supremo Tri-

7 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; SCARANCE FERNANDES, Antônio. As nulidades no processo penal. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 177. Seguindo essa linha, Vicente Greco Filho refere que a “lei não limita o número de prorrogações possíveis, devendo entender-se, então, que serão tantas quantas necessárias à investigação, mesmo porque 30 dias pode ser prazo muito exíguo (GRECO FILHO, Vicente. Interceptação telefônica. São Paulo: Saraiva. p. 51).

8 Esse é o pensamento do Ministro Og Fernandes no seguinte julgamento: “HABEAS CORPUS – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA – TORTURA, CORRUPÇÃO PASSIVA, EXTORSÃO, PECULATO, FORMAÇÃO DE QUADRILHA E RECEPTAÇÃO – INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA DEFERIDA PELO PRAZO DE TRINTA DIAS CONSECUTIVOS – POSSIBILIDADE – PRECEDENTE DO STF – DILAÇÃO TEMPORAL JUSTIFICADA NA NECESSIDADE DE APURAÇÃO DOS INÚMEROS CRIMES PRATICADOS, NA COMPLEXIDADE E PERICULOSIDADE DA QUADRILHA, CUJOS INTEGRANTES SÃO, EM GRANDE PARTE, POLICIAIS CIVIS

1. A Lei nº 9.296/1996 autoriza a interceptação telefônica apenas quando presentes indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal punida com reclusão e quando a prova não puder ser obtida por outros meios disponíveis. Estabelece também que a decisão judicial deve ser fundamentada e a interceptação não pode exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual período, caso comprovada a sua indispensabilidade.

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bunal Federal em alguns julgados referidos, inclusive, na ementa do acórdão do STJ, não podemos concordar com tal ativismo judiciário. Ora, se nem a lei for respeitada, os quinze dias nela previstos e nada passam a ter a mesma validade, pois há evidente ausência de aplicação da lei. Assim, questionamos se podemos cogitar então um prazo direto de sessenta dias? E de noventa? Cento e oitenta talvez? Os fundamentos utilizados nessa decisão são atécnicos, argumentando o julgador com base na “razoabilidade” do caso concreto, sem, no entanto, analisar fundamentadamente o princípio da razoabilidade/proporcionalidade, considerando seus critérios de aplicação, seu conceito. Ou seja, utiliza-se um princípio como verdadeira “carta coringa” para satisfazer a vontade do magis-trado, caracterizando um verdadeiro “julgo conforme a minha consciência”9.

2. Na hipótese, insurge-se o impetrante tão somente contra o pressuposto de cunho temporal, sustentando a ilegalidade das interceptações telefônicas prorrogadas pelo período de 30 (trinta) dias consecutivos, por afronta ao que preconiza o art. 5º da Lei nº 9.296/1996.

3. Entretanto, a excepcional prorrogação das interceptações telefônicas pelo prazo de 30 (trinta) dias, a despeito de contrariar a literalidade da Lei nº 9.296/1996, mostra-se razoável quando a peculiaridade da causa exigi-la. Precedentes do STF: RHC 88.371, DJe de 02.02.2007, decisão unânime; e desta Corte: HC 138.933/MS, DJe 30.11.2009, decisão unânime.

4. Durante as investigações realizadas pela Polícia Federal e denominadas de ‘Operação Xeque-Mate’”, constatou-se a ocorrência de vários crimes supostamente praticados pelo paciente, policial civil, e pelos corréus – alguns deles também policiais –, a saber, a prática de tortura, corrupção passiva, extorsão, peculato, formação de quadrilha e receptação.

5. As várias denúncias ofertadas pelo Ministério Público Estadual afirmam se tratar de quadrilha, em grande parte formada por policiais civis que, aproveitando-se da função pública, praticava tortura e extorsões; facilitava a exploração de jogos de azar e o desmanche de veículos furtados, tudo mediante o recebimento de propina; além de agenciar serviços advocatícios no distrito policial, visando se beneficiar de parte dos honorários auferidos pelo defensor.

6. Não se pode negar que o fato de policiais civis integrarem a quadrilha dificulta demasiadamente a colheita da prova, razão pela qual se devem ponderar os interesses envolvidos a fim de que o evidente interesse público se sobreponha, ainda mais em se tratando de quebra de sigilo telefônico efetuado com autorização judicial devidamente fundamentada.

7. Dessa forma, atendendo aos ditames de proporcionalidade e ponderação de interesses e sopesando as circunstâncias que revestem o caso em análise – quais sejam, a complexidade e a periculosidade da organização criminosa, o elevado número de integrantes, dentre estes policiais civis, e a grande quantidade de crimes supostamente cometidos –, não há se falar em constrangimento ilegal na prorrogação das interceptações telefônicas pelo prazo de 30 (trinta) dias contínuos.

8. Ordem denegada.” (STJ, Habeas Corpus nº 106.007/MS, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, Julgado em 17.08.2010)

9 Além da ementa, necessária a transcrição de trecho do julgado referido na nota de rodapé anterior, para bem demonstrar a forma de aplicação do princípio da proporcionalidade no caso:

“Assim, as interceptações prorrogadas pelo prazo de 30 (trinta) dias, a despeito de contrariar a literalidade da Lei nº 9.296/1996, se mostram razoáveis para a apuração dos inúmeros fatos criminosos imputados à quadrilha, se justificando, ainda, diante da complexidade e da periculosidade da referida organização criminosa. A renovação das escutas de 15 (quinze) em 15 (quinze) dias poderia trazer embaraços e atrasos às investigações, mitigando a agilidade e a continuidade necessárias para se alcançar o êxito consistente no desmantelamento do grupo.

Aliás, depreende-se dos autos que uma das interceptações autorizadas visava ao monitoramento de 29 (vinte e nove) números de telefone (fls. 65/66), o que torna muito difícil a operacionalização das escutas e colheita do material investigatório no prazo ínfimo de 15 (quinze) dias. Logo, razoável a dilação temporal.

[...]

Entretanto, não se pode negar que o fato de policiais civis integrarem a quadrilha dificulta demasiadamente a colheita da prova, razão pela qual se devem ponderar os interesses envolvidos a fim de que o evidente

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Portanto, o posicionamento de que a interceptação telefônica pode durar o tem-po que for necessário para a elucidação dos fatos investigados é temerário, pois torna a exceção da inviolabilidade das comunicações telefônicas uma regra no caso concreto, sem considerar critério algum, levantando as bandeiras do “combate ao crime organizado”, da “complexidade do caso”, do “resguardo da ordem pública” e diversos outros chavões como verdadeiras frases prontas que se amoldam a quaisquer casos, dando semblante de regra ao que deveria ser exceção.

Por outro lado, uma terceira corrente se posiciona pelo prazo máximo de sessenta dias na interceptação, fazendo analogia com o estado de defesa, que prevê sua duração pelo período máximo de sessenta dias, nos termos do art. 136, § 2º, da Constituição Federal. Trata-se de verdadeira construção doutri-nária, conforme se verifica na obra de Geraldo Prado10, sendo, posteriormente, abraçada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Habeas Corpus nº 76.686/PR11, de onde destacamos a seguinte passagem do voto do Relator Ministro Nilson Naves:

interesse público se sobreponha, ainda mais em se tratando de quebra de sigilo telefônico efetuado com autorização judicial devidamente fundamentada.

Ignorar as peculiaridades da causa em comento significaria desmerecer o resguardo da ordem pública, da segurança e da credibilidade das instituições estatais, uma vez que as escutas constataram a prática de diversos crimes graves por parte de agentes públicos no exercício de suas funções. A complexidade da causa não só autoriza como exige investigação diferenciada e ininterrupta.

A jurisprudência dos Tribunais Superiores consagra não haver direitos absolutos, e, em decorrência deste raciocínio, por óbvio, muitas das garantias dos cidadãos são mitigadas a fim de atender a um bem maior, concretizando um juízo de proporcionalidade que deve nortear todas as decisões do Poder Judiciário, em especial quando há conflito de valores igualmente protegidos, como é a hipótese dos autos.

Dessa forma, atendendo aos ditames de proporcionalidade e ponderação de interesses e sopesando as circunstâncias que revestem o caso em análise – quais sejam, a complexidade da organização criminosa, o elevado número de integrantes, dentre estes policiais civis, e a grande quantidade de crimes cometidos –, não vislumbro constrangimento ilegal na prorrogação das interceptações telefônicas pelo prazo de 30 (trinta) dias contínuos.” (STJ, Habeas Corpus nº 106.007/MS, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, Julgado em 17.08.2010)

10 Limite às interceptações telefônicas e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 19 e ss.

11 “Ementa: Comunicações telefônicas. Sigilo. Relatividade. Inspirações ideológicas. Conflito. Lei ordinária. Interpretações. Razoabilidade. 1. É inviolável o sigilo das comunicações telefônicas; admite-se, porém, a interceptação ‘nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer’. 2. Foi por meio da Lei nº 9.296, de 1996, que o legislador regulamentou o texto constitucional; é explícito o texto infraconstitucional – e bem explícito – em dois pontos: primeiro, quanto ao prazo de quinze dias; segundo, quanto à renovação – ‘renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova’. 3. Inexistindo, na Lei nº 9.296/1996, previsão de renovações sucessivas, não há como admiti-las. 4. Já que não absoluto o sigilo, a relatividade implica o conflito entre normas de diversas inspirações ideológicas; em caso que tal, o conflito (aparente) resolve-se, semelhantemente a outros, a favor da liberdade, da intimidade, da vida privada, etc. É que estritamente se interpretam as disposições que restringem a liberdade humana (Maximiliano). 5. Se não de trinta dias, embora seja exatamente esse, com efeito, o prazo de lei (Lei nº 9.296/1996, art. 5º), que sejam, então, os sessenta dias do estado de defesa (Constituição, art. 136, § 2º), ou razoável prazo, desde que, é claro, na última hipótese, haja decisão exaustivamente fundamentada. Há, neste caso, se não explícita ou implícita violação do art. 5º da Lei nº 9.296/1996, evidente violação do princípio da razoabilidade. 6. Ordem concedida a fim de se reputar ilícita a prova resultante de tantos e tantos e tantos dias de interceptação das comunicações telefônicas, devendo os autos retornar às mãos do Juiz originário para determinações de direito.” (HC 76.686/PR, 6ª Turma, Rel. Min. Nilson Naves, Data do Julgamento 09.09.2008)

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[...] entendo eu que a interceptação de que estamos cuidando, deferida, vimos, a 17.05.2004, renovada e renovada e renovada, tantas vezes renovada, e o foi por mais de dois anos, de exceção, revestiu-se de regra, de medida excepcional, tornou-se medida normal, tornando-se, dessa forma, a interceptação de que esta-mos cuidando, repito, em medida que, primeiro, ultrapassou o prazo e o tempo do art. 5º da Lei nº 9.296, sendo, o do art. 136, § 2º, da Constituição, ultrapassou também o limite da razoabilidade...

Na sequência, o Ministro analisa a intenção do legislador ao limitar a própria exceção, referindo que ela não pode ultrapassar o prazo de quinze dias. Dessa maneira, concluiu pela concessão da ordem no habeas corpus, acompa-nhado pelos demais Ministros, reputando ilícita a prova resultante das intercep-tações telefônicas.

Feita essa análise doutrinária e jurisprudencial, convém verificar o trata-mento dado pela legislação estrangeira.

dIREITo CoMPARAdoPartindo para a análise da legislação estrangeira, verificaremos que al-

guns países são mais liberais, enquanto outros estabelecem regras rígidas para a prorrogação dos prazos na interceptação telefônica. No presente trabalho analisaremos as legislações espanhola, italiana, francesa, portuguesa, alemã, argentina e chilena.

No Código de Processo Penal espanhol, o legislador definiu o prazo de três meses para a interceptação, podendo ser prorrogado por igual período sem haver limitação de prorrogações12.

Já a legislação italiana, por seu turno, é semelhante ao disposto na nossa Lei nº 9.296/1996, porquanto prevê uma interceptação pelo prazo de quinze dias, podendo haver prorrogação de forma sucessiva13.

12 Código de Processo Penal espanhol (art. 579):

“1. Podrá el Juez acordar la detención de la correspondencia privada, postal y telegráfica que el procesado remitiere o recibiere y su apertura y examen, si hubiere indicios de obtener por estos medios el descubrimiento o la comprobación de algún hecho o circunstancia importante de la causa.

2. Asimismo, el Juez podrá acordar, en resolución motivada, la intervención de las comunicaciones telefónicas del procesado, si hubiere indicios de obtener por estos medios el descubrimiento o la comprobación de algún hecho o circunstancia importante de la causa.

3. De igual forma, el Juez podrá acordar, en resolución motivada, por un plazo de hasta tres meses, prorrogable por iguales períodos, la observación le las comunicaciones postales, telegráficas o telefónicas de las personas obre las que existan indicios de responsabilidad criminal, así como de las comunicaciones de las que se sirvan para la realización de sus fines delictivos.”

13 Código de Processo Penal italiano (art. 267):

“Presupposti e forme del provvedimento.

1. Il pubblico ministero richiede al giudice per le indagini preliminari l’autorizzazione a disporre le operazioni previste dall’art. 266. L’autorizzazione è data con decreto motivato quando vi sono gravi indizi di reato e l’intercettazione è assolutamente indispensabile ai fini della prosecuzione delle indagini.

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A legislação francesa prevê a interceptação telefônica pelo período de quatro meses, podendo ser prorrogada nas mesmas condições de forma e du-ração14.

O Código de Processo Penal português não estabelece sequer a duração da interceptação15, cabendo à jurisprudência portuguesa referir que cabe ao magistrado, no despacho da interceptação, indicar o prazo de tal limitação à liberdade do investigado.

Passando para a legislação alemã, verificaremos que é o sistema mais rígido no concernente às interceptações telefônicas, iniciado pelo prazo de três meses, havendo a possibilidade de apenas uma prorrogação por igual período16.

Dessa forma, verificamos que, em boa parte da legislação europeia, pre-domina a possibilidade de interceptação por prazos longos, estando a decisão

1-bis. Nella valutazione dei gravi indizi di reato si applica l’articolo 203.

2. Nei casi di urgenza, quando vi è fondato motivo di ritenere che dal ritardo possa derivare grave pregiudizio alle indagini, il pubblico ministero dispone l’intercettazione con decreto motivato, che va comunicato immediatamente e comunque non oltre le ventiquattro ore al giudice indicato nel comma 1. Il giudice, entro quarantotto ore dal provvedimento, decide sulla convalida con decreto motivato. Se il decreto del pubblico ministero non viene convalidato nel termine stabilito, l’intercettazione non può essere proseguita e i risultati di essa non possono essere utilizzati.

3. Il decreto del pubblico ministero che dispone l’intercettazione indica le modalità e la durata delle operazioni. Tale durata non può superare i quindici giorni, ma può essere prorogata dal giudice con decreto motivato per periodi successivi di quindici giorni, qualora permangano i presupposti indicati nel comma 1.”

14 Código de Processo Penal francês (art. 100-2):

“Cette décision est prise pour une durée maximum de quatre mois. Elle ne peut être renouvelée que dans les mêmes conditions de forme et de durée.”

15 Código de Processo Penal português (art. 188):

“Formalidades das operações

1. Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações, com a indicação das passagens das gravações ou elementos análogos considerados relevantes para a prova.

2. O disposto no número anterior não impede que o órgão de polícia criminal que proceder à investigação tome previamente conhecimento do conteúdo da comunicação interceptada a fim de poder praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova.

3. Se o juiz considerar os elementos recolhidos, ou alguns deles, relevantes para a prova, ordena a sua transcrição em auto e fá-lo juntar ao processo; caso contrário, ordena a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações ligados ao dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado conhecimento.”

16 Código de Processo Penal alemão (§ 100b):

“[...]

(2) Die Anordnung ergeht schriftlich. Sie muß Namen und Anschrift des Betroffenen, gegen den sie sich richtet, und die Rufnummer oder eine andere Kennung seines Telekommunikationsanschlusses enthalten. In ihr sind Art, Umfang und Dauer der Maßnahmen zu bestimmen. Die Anordnung ist auf höchstens drei Monate zu befristen. Eine Verlängerung um jeweils nicht mehr als drei weitere Monate ist zulässig, soweit die in § 100a bezeichneten Voraussetzungen fortbestehen.”

A tradução que segue é livre: “(2) A diligência se determina por escrito. Deve conter o nome e domicílio da pessoa contra a qual se dirige. Deve ser determinado, ainda, o modo, o alcance e a duração das medidas. A diligência deve durar 3 meses no máximo. É admissível uma prorrogação, em qualquer hipótese, de no máximo 3 meses, desde que perdurem as condições estabelecidas no § 100a.”

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sempre nos limites do pensamento do magistrado, com exceção da Alemanha, que estabelece um prazo máximo de seis meses no total.

Passando à análise da legislação latino-americana, destacamos os Códi-gos Processuais Penais argentino e chileno, sendo que ambos não descrevem um prazo máximo para a interceptação telefônica. Na legislação argentina17, a lei sequer refere um prazo máximo para a primeira autorização telefônica, ha-vendo construção jurisprudencial no sentido de que deve ser combinado com o art. 207 do CPP, de forma análoga, para que a interceptação tenha um prazo máximo de seis meses, equiparada com o prazo da instrução penal. Na legis-lação chilena, o prazo previsto é de sessenta dias, podendo haver prorrogação, sem estabelecer um limite máximo de tempo18.

Por fim, traz-se à baila o posicionamento do Tribunal Europeu de Direitos Humanos sobre a matéria no caso Valenzuela Contreras v. Espanha, em que o TEDH condenou o governo na Espanha pela proteção deficiente com relação ao sigilo das comunicações telefônicas do povo espanhol na medida em que o art. 579 da Ley de Enjuiciamiento Criminal não estabelecia limites temporais concretos/rígidos à invasão da privacidade do investigado, bem como em face de a lei não ser suficientemente clara para que qualquer cidadão possa conhe-cer as condições e as circunstâncias em que a autoridade investigativa pode exercer a interceptação telefônica19.

Vê-se, assim, que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos vem dando interpretação ampla quando em análise a violação a direitos fundamentais.

17 Código de Processo Penal argentino (art. 236):

“El juez podrá ordenar, mediante auto fundado, la intervención de comunicaciones telefónicas o cualquier otro medio de comunicación del imputado, para impedirlas o conocerlas.”

Prazo para concluir a instrução: “Art. 207. La instrucción deberá practicarse en el término de cuatro (4) meses a contar de la indagatoria. Si ese término resultare insuficiente, el juez solicitará prórroga a la cámara de apelaciones, la que podrá acordarla hasta por dos (2) meses más, según las causas de la demora y la naturaleza de la investigación. Sin embargo, en los casos de suma gravedad y de muy difícil investigación, la prórroga otorgada podrá exceder excepcionalmente de dicho plazo”.

18 Código Penal chileno (art. 222):

“Interceptación de comunicaciones telefónicas. Cuando existieren fundadas sospechas, basadas en hechos determinados, de que una persona hubiere cometido o participado en la preparación o comisión, o que ella preparare actualmente la comisión o participación en un hecho punible que mereciere pena de crimen, y la investigación lo hiciere imprescindible, el juez de garantía, a petición del ministerio público, podrá ordenar la interceptación y grabación de sus comunicaciones telefónicas o de otras formas de telecomunicación. La orden que dispusiere la interceptación y grabación deberá indicar circunstanciadamente el nombre y dirección del afectado por la medida y señalar la forma de la interceptación y la duración de la misma, que no podrá exceder de sesenta días. El juez podrá prorrogar este plazo por períodos de hasta igual duración, para lo cual deberá examinar cada vez la concurrencia de los requisitos previstos en los incisos precedentes.”

19 Caso 27.671/95. Inteiro teor disponível em: <http://cmiskp.echr.coe.int/tkp197/search.asp?skin=hudoc-en>.

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TRATAdoS INTERNACIoNAISDiversos são os tratados internacionais sobre direitos humanos ratifica-

dos pelo Brasil. Infelizmente, no entanto, tímida é sua aplicação nos casos con-cretos tratados pela nossa jurisprudência.

No tocante à violação da intimidade, podemos destacar a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, no seu art. X20; a Declaração Universal dos Direitos Humanos, no seu art. XII21; a Convenção Americana de Direitos Humanos, no seu art. 11.2.222; e, por fim, o Pacto Internacional de Di-reitos Civis e Políticos, no seu art. 17.123.

É a partir não só da legislação especial reguladora das interceptações telefônicas que devemos analisar o caso concreto, mas também sob a ótica dos direitos humanos e constitucionais, de modo que tais preceitos sirvam de limi-tadores à devassa telefônica comumente realizada pelos órgãos investigatórios amparados por decisões judiciais.

MudANçAS CoM o PRoJETo do NoVo CódIGo dE PRoCESSo PENALTramita na Câmara Federal o Projeto de Lei nº 8.045/2010, que prevê

alteração do atual Código de Processo Penal, cujo número, no Senado, foi o PL 156/2009. Na parte pertinente ao presente trabalho, destacamos os arts. 245 a 263, os quais tratam da matéria das interceptações telefônicas, revogando a atual Lei nº 9.296/1996.

Desses artigos, o que nos interessa no presente caso é o disposto no art. 252, que refere o seguinte:

O prazo de duração da interceptação não poderá exceder a 60 (sessenta) dias, permitidas prorrogações por igual período, desde que continuem presentes os pressupostos autorizadores da diligência, até o máximo de 360 (trezentos e ses-senta dias), salvo quando se tratar de crime permanente, enquanto não cessar a permanência.

§ 1º O prazo correrá de forma contínua e ininterrupta e será contado a partir da data do início da interceptação, devendo a prestadora responsável pelo serviço comunicar imediatamente esse fato ao juiz, por escrito.

§ 2º Para cada prorrogação será necessária nova decisão judicial fundamentada, observado o disposto no caput deste artigo.

20 Toda pessoa tem direito à inviolabilidade e à circulação da sua correspondência.21 Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência,

nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

22 Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação.

23 Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra e reputação.

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Conforme se verifica, o projeto aumenta significativamente o prazo para a interceptação telefônica, tornando-o praticamente ilimitado, em virtude da possibilidade de renovação do prazo quando se tratar de investigação de crime permanente.

Fazendo análise comparativa com as demais legislações estrangeiras re-feridas, verificamos que nosso projeto de lei supera as demais no tocante ao prazo da interceptação, muito embora as normas referidas não expressem um limite taxativo, exceto o contido no diploma processual alemão, que estabelece o máximo de seis meses de violação aos dados telefônicos do cidadão.

CoNCLuSãoAnalisando esse contexto, não há como concordar com o disposto

no projeto do novo Código de Processo Penal, especialmente no tocante ao art. 252 colacionado, pois peca em dois pontos: primeiro, não estabelece um limite máximo de duração da interceptação, colocando sempre uma ressalva que possibilita o alargamento da ingerência na vida privada da pessoa investi-gada; segundo, traz um prazo que possibilita a interceptação pelo período de um ano para os delitos não classificados como permanentes, o que se verifica em verdadeiro excesso.

O discurso dos defensores da prorrogação da interceptação telefônica ininterruptamente sempre beira o ativismo judicial, sendo fracos os verdadeiros argumentos jurídico-constitucionais.

Atualmente, verificamos, como bem disse Hassemer24, que os cidadãos querem que o Estado faça o papel de pai, criando a expectativa de que tudo pode e deve ser feito no combate da chamada criminalidade organizada, de-vassando da forma que seja a vida do outro. No entanto, os defensores desse Estado-pai esquecem que a pessoa investigada, antes de qualquer atitude, está envolvida pela garantia constitucional da presunção da inocência.

Prorrogar e prorrogar e prorrogar ilimitadamente a interceptação telefô-nica com a presunção de que se estará mais próximo da descoberta da verdade não é motivação suficiente para violar tal garantia fundamental. A utilização da escuta telefônica no processo penal como meio de defesa no combate à crimi-nalidade de forma livre e desimpedida trata-se de verdadeiro Estado totalitário travestido de Estado Democrático de Direito25.

24 HASSEMER, Winfried. Direito penal libertário. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 238.25 Vejamos o que diz o Senador Pedro Simon, que fez proposta de ementa para que o prazo da interceptação

telefônica passasse de 180 (cento e oitenta) dias para o contido no atual projeto, que é de 360 (trezentos e sessenta) dias: “A emenda atende a um dos principais clamores da polícia judiciária e do Ministério Público em virtude da atual limitação legal do prazo da interceptação telefônica a meros quinze dias, prorrogáveis mais uma única vez. Embora o projeto de reforma processual penal aumente esse prazo, entendo que é importante torná-lo ilimitado quando se tornar indispensável do meio de prova” (grifamos) (Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/73513.pdf>. Acesso em: 27 jun. 2011).

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O processo penal constitucional na pretendida reforma26 deve ser pauta-do pela técnica e pelo respeito às garantias constitucionais, processuais e pro-cedimentais, de modo a ser a lide algo realmente efetivo, garantindo as prerro-gativas do acusado no que se pode chamar de jogo justo.

É preciso ter em mente que o processo penal é justamente o freio neces-sário contra a vingança muitas vezes pretendida. Ter um processo justo significa reconhecer direitos do cidadão que devem ser elevados a grau superior em comparação com outras pretensões. Ter um processo justo significa adotarmos critérios rígidos para determinados casos que envolvam direitos fundamentais, em que pese tais critérios possam causar a inutilização de eventual prova que poderia indicar a prática de determinado crime. Ter um processo justo significa analisar a lei em conformidade com os tratados internacionais de direitos huma-nos e com a Constituição Federal. Ter um processo justo significa ter direito não só a um processo penal com prazo razoável, mas também que a investigação tenha um prazo razoável, pois é nela que se faz a devassa de toda a vida do investigado.

Portanto, entendemos que o disposto no art. 252 do Projeto de Lei refe-rido viola tratados internacionais e a Constituição Federal, pois estabelece pra-zo extremamente longo, abrindo, inclusive, a possibilidade de renovações por prazo indeterminado, deixando de operar verdadeira reforma, pois, na verdade, tudo ficará da mesma forma como na atualidade.

26 Assim refere Bacigalupo: “Todo esto pone de manifiesto que la finalidad de la reforma procesal en lo que concierne a la eficiencia del proceso penal se debe juzgar de acuerdo con criterios técnicos y no debe estar orientada demagógicamente a dar alguna clase de respuesta normativa oportunista, destinada a mostrar a la opinión pública que rápidamente se hace algo, sin contar que en poco tiempo revelará su propia ineficacia. En todo caso es necesario no apresurarse” (BACIGALUPO, Enrique. El debido proceso penal. 1. ed. Buenos Aires: Hamurabi, 2005. p. 202).

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Assunto Especial – Doutrina

Novo Código de Processo Penal

O Reconhecimento Fotográfico de Pessoas e Suas Implicações no Processo Penal Brasileiro. Uma Abordagem à Luz do Artigo 226 do Código de Processo Penal de 1941 e da Redação do Artigo 196 do PLS 156/2009

THAÍS COMASSETTO FELIXAdvogada Criminalista.

INTRodução

O Processo Penal brasileiro tem sofrido constantes ameaças por parte dos sujeitos que atuam na sua formação, tanto em sua fase preliminar quanto na fase judicial. A atividade policial que atropela garantias constitucionais e in-fraconstitucionais, mesmo que de caráter meramente formal e de procedimento, acaba, na maioria das vezes, causando reflexos graves à instrução processual, especialmente no que tange à coleta da prova.

A atividade probatória, mesmo sendo um direito garantido pelo contradi-tório e pela ampla defesa, deve observar alguns limites a fim de que tenha uti-lidade processual, eis que resta necessário respeitar os demais princípios e ga-rantias que norteiam a atividade probatória. A ultrapassagem de tais princípios e garantias ocasiona prejuízo ao acusado, comportando nulidades ao processo.

Uma situação que ocorre cotidianamente é o erro procedimental quando da busca pela identidade do autor do fato delituoso. O ato de reconhecimento nas Delegacias de Polícia do Brasil é introduzido mediante um álbum de foto-grafias, sem qualquer descrição prévia de suas características, no qual constam imagens de inúmeros sujeitos, os quais, majoritariamente são foragidos do siste-ma penitenciário. Assim, com a apresentação de tal material, ao ofendido cabe apontar quem foi o responsável em praticar eventual conduta criminosa.

Ao estabelecer quem é o suspeito ocorre a lavratura de um auto de reco-nhecimento fotográfico, com a respectiva assinatura da vítima, e, a partir disso, a autoridade policial já pode efetivar a intimação do identificado para com-parecimento na Delegacia de Polícia. Em toda esta narrativa procedimental,

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não há qualquer previsão legal hábil a amparar e legitimar esta manobra para finalmente identificar o autor.

No diploma processual penal vigente, a única ferramenta legal para rea-lizar o reconhecimento de pessoas é o art. 226. Nele estão inseridas regras básicas procedimentais, como, por exemplo, número de indivíduos necessários para serem dispostos ao lado do que está na posição de suspeito.

Ao ferir tais preceitos, os órgãos jurisdicionais contaminam os fatos aven-tados naquela investigação ou ação penal, prejudicando a elucidação de uma “verdade processual”, já que a verdade real é inacessível ao direito.

O Código de Processo Penal é claro e elucidativo quando impõe uma forma de operar o reconhecimento de pessoas. Não há qualquer lacuna legal que permita alguma interpretação extensiva e de caráter arbitrário; portanto, o ato de reconhecer pessoas está devidamente descrito no diploma processual.

O texto legal não prevê qualquer tipo de reconhecimento que não seja o pessoal, ou seja, reconhecimento pessoal não é reconhecimento fotográfico, inclusive resta claro, por meio da leitura do § 1º do art. 226 do referido Código, que o sujeito que pretende reconhecer alguém deve primeiramente descrever o sujeito para que depois a autoridade policial possa providenciar a ida do reco-nhecido à delegacia juntamente com mais algumas pessoas semelhantes a ele para que se proceda o reconhecimento pessoal sem que haja qualquer tipo de identificação.

Um dos fatores que pode gerar uma certa dificuldade de atuação por par-te dos órgãos jurisdicionais são as constantes modificações que vem sofrendo o Código de Processo Penal. Tais alterações trazem constantes preocupações, pois passam a integrar um diploma processual que não possui mais uma identi-dade específica, o que ocasiona, certas vezes, a má interpretação na aplicabili-dade de normas, gerando nulidades processuais.

Na reforma levada a cabo pela Lei nº 11.690/2008 existem avanços e alguns retrocessos, ao aceitar determinadas condutas do juiz, das partes, da polícia, que ferem as garantias constitucionais do réu e que podem acabar na contaminação do julgador com material probatório absolutamente indevido.

Tais assuntos mostram especial relevância em nossa realidade processual penal, em razão da necessidade de um primado das garantias constitucionais sobre qualquer espécie de utilitarismo processual, assim como do alheamento do juiz (terzietà) à atividade das partes, para que haja um devido processo legal, fazendo com que o juiz se coloque exatamente acima e no centro das partes, a fim de que não tenhamos um juiz-ator ou um juiz-inquisidor.

O reflexo de tal atuação é a produção de nulidades processuais, que, na maioria das vezes, são provocadas por provas ilícitas incorporadas ao processo, advindas de uma atuação à margem da lei durante a fase policial. Aqui outra

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problemática emerge, uma vez que a Constituição Federal veda a admissibi-lidade de provas ilícitas, porém, o legislador, contrariando tal vedação abso-luta imposta pela Constituição Federal, trouxe hipóteses de “relativização” de tal garantia como, por exemplo, as teorias advindas do sistema common law: teoria da “fonte independente” e teoria da “descoberta inevitável”, a fim de dar contornos de legalidade às provas ilícitas.

Em razão da prova ilícita ter sido suscitada em juízo primeiramente em um sistema common law, resta necessário ressaltar suas conceituações no siste-ma civil law, também, assim como trazer a noção de fairness1. No ordenamento inglês, a prova obtida por meios ilegais ou impróprios não era incluída na cate-goria de prova vedada em lei, sendo, assim, admitida. Entretanto, tal prova po-deria vir a ser excluída pela Corte no exercício de seus poderes discricionários relacionados à sua preservação da fairness2.

Assim, atenta Antônio Magalhães Gomes Filho que “essa discricionarie-dade estava ligada, sobretudo, à exclusão de provas não confiáveis e só era exer-cida raramente em relação à prova ilegal”3. Diversamente ocorre nos Estados Unidos da América, no qual a tradição é não levar em consideração a fairness para realizar a exclusão de uma prova ilegal, mas sim há a apreciação de tal conteúdo por meio da análise de referências de direitos e garantias individuais. Quando apurado que tal prova é ilegal, pois, para existir, violou algum direito constitucional, resta imperativamente excluída dos autos. Assim, resta evidente que não há discricionariedade e critérios de fairness. Há, entretanto, causas ex-cepcionais que minimizam os extremos da obrigatoriedade da exclusão4.

No contexto do reconhecimento de pessoas, importante salientar a dife-renciação entre fontes e meios de prova, definição trazida por Tereza Armenta Deu: as fontes se referem à forma como se dá o ato investigatório, pelo qual se vislumbra obter prova; os meios podem ser considerados com uma atividade de verificação, ou seja, ato pelo qual se incorpora a prova ao processo5.

Concluímos, assim, que a fonte de um reconhecimento pessoal nos mol-des atuais é o reconhecimento fotográfico, e o meio de prova, em nosso enten-dimento, a denúncia ministerial, que torna válido o reconhecimento pessoal realizado em sede policial para embasar os indícios de autoria.

Imprescindível que um novo diploma processual passe a vigorar para que tais problemáticas sejam amenizadas. Assim, pretende-se analisar como está

1 Segundo o dicionário de inglês jurídico de Maria Chaves de Mello, fairness significa justiça; honestidade; imparcialidade; equidade.

2 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Novas tendências em matéria de provas ilícitas. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 611.

3 Idem, p.612.4 Idem, ibidem.5 ARMENTA DEU, Teresa. Nuevas tendencias en materia de provas ilícitas. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

p. 545.

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disciplinado o reconhecimento de pessoas no Projeto de Lei do Senado nº 156, o qual disciplina a reforma do Código de Processo Penal.

o RECoNHECIMENTo PESSoAL

Na fase preliminar do processo penal há a produção de provas repetí-veis e irrepetíveis, sendo que tais provas são norteadas pelo diploma proces-sual penal, o qual delimita a atividade policial e define como se procederá na produção probatória. O desrespeito ao texto legal gera atos ilegais, já que estão em dissonância com a lei, porém, resta verificar o que geram tais atos e de que forma são utilizados, tanto para autoridade policial quanto para o órgão ministerial.

Na prática policial é recorrente a utilização de álbuns de fotografias, atualmente virtuais, para que vítimas e testemunhas reconheçam os autores dos fatos, ou, ainda, a indicação de determinada fotografia, sem sequer existir uma prévia descrição sobre o indivíduo que cometeu o fato. Ante a indicação de um sujeito, a autoridade policial procede ao reconhecimento pessoal nos termos do art. 226, II, do CPP. Assim, têm-se a derivação de um ato ilegítimo em um momento que pretende-se macular o vício inerente ao procedimento.

O reconhecimento fotográfico seguido de reconhecimento pessoal em fase policial acaba por embasar o indiciamento por meio do Delegado de Polí-cia. Em um segundo momento, na audiência de instrução e julgamento, o juiz procede o réu a novo reconhecimento e, assim, o reconhecimento que se origi-nou em um álbum de fotografias torna-se ato legal.

É exatamente este o ponto mais preocupante, um indício obtido por meio ilegítimo acaba tornando-se uma prova lícita, uma vez que houve a “judiciali-zação” do ato em questão. Em nosso entendimento, a ilicitude da prova ocorre no momento em que o acusador traz para o processo tal prova, ou seja, é a denúncia que é a responsável por inserir tal mácula.

Porém, a teoria da fonte independente ou da descoberta inevitável po-dem livrar tal prova. Assim, se o julgador demonstrar que o suposto autor do crime poderia ser identificado de outras formas, a prova torna-se lícita.

A Constituição Federal é elucidativa ao tratar que são inadmissíveis as provas obtidas por meios ilícitos, ou seja, não há ressalvas. Assim, impossível considerar válidas as teorias embutidas em nosso Código de Processo Penal, especialmente em razão de sua inconformidade constitucional e por serem fruto da construção jurídica norte-americana. O processo penal representa o meio de efetivação dos direitos fundamentais e de limitação do poder punitivo estatal. É ele o responsável pela instrumentalização de garantias constitucionais e barrei-ra última que se opõe entre o mero exercício arbitrário de poder e o respeito ao Estado Democrático de Direito.

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Tal abordagem parte da concepção portuguesa, ainda vigente na obra de Canotilho6, de Constituição Normativa, demonstrando-se, assim, ser a Consti-tuição não apenas informativa, mas, efetivamente, diretiva, iluminando a cria-ção e execução adequada dos fundamentos jurídicos de uma democracia de Direito.

Tal concepção do corpo constitucional, por sua vez, deve estar associada à lição de Ferrajoli e sua concepção do garantismo diante de uma dupla face: verificação do “dever ser” do Direito Penal e verificação do “ser” no Direito Pe-nal, sendo que, quanto menor a distância entre ambas, mais próximo se estará de um processo devidamente garantidor dos direitos historicamente conquista-dos pelo indivíduo.

Para o autor italiano, o processo penal deve ser entendido enquanto ga-rantia instrumental do cidadão ante o poder de punir, garantia essa que somente poderá encontrar respaldo fático por meio do fiel cumprimento das “regras do jogo” ou, como denomina Ferrajoli, “[...] a estrita jurisdicionariedade do pro-cesso penal”7. Em verdade, é justamente por meio do processo que se diminui a distância entre o “dever ser” da norma e o “ser” do plano fático, fundamen-talmente por meio do respeito aos axiomas garantistas que, no presente tra-balho, são destacados preferencialmente a partir do denominado “axioma 7”, quais sejam: “Nulla culpa sine judicio, nullum judicium sine accusatione, nulla accusatio sine probatione, nulla probatio sine defensione”8.

Em suma, o casamento entre o constitucionalismo de Canotilho e o Ga-rantismo de Ferrajoli é o reflexo de uma necessidade que Bobbio, já em 1979, apregoava:

Os jovens têm necessidade de acreditar em valores muito altos, e tão altos que na verdade sejam inalcançáveis. A democracia não é, em si mesma, um valor abso-luto, como a justiça, a liberdade, a felicidade, mas é um método, um conjunto de regras de convivência, as chamadas “regras do jogo”.9

A vedação constitucional acerca das provas ilicitamente obtidas funciona como barreira à regressão a um sistema inquisitivo, no qual a verdade seja per-seguida a qualquer preço, segundo ensina Prado10.

Como ensina Barbosa Moreira, “se puxarmos um pêndulo com dema-siada energia em certo sentido e assim o mantemos por largo tempo, quando seja liberado ele, fatalmente, se moverá com força equivalente no sentido opos-

6 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2000. p. 1094.

7 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 145.

8 Idem, p. 91. 9 BOBBIO, Norberto. As ideologias e o poder em crise. 4. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1999. p. 133.10 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 143.

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to”; portanto, “a melhor forma de coibir um excesso e de evitar que se repita não consiste em santificar o excesso oposto”11. Tal ideia demonstra o cuidado que devemos ter ao lidar com princípios constitucionais, uma vez que poderão ocorrer exceções de aplicabilidade a fim de que não se sacrifique um bem de maior valor.

A jurisprudência do STF, por sua vez, já havia se manifestado sobre o tema aqui abordado de forma específica durante a análise da Ação Penal nº 307-3, movida em desfavor do ex-presidente Fernando Collor de Melo e Paulo César Farias, reafirmou o que ora se expõe acerca das provas ilícitas lato sensu, deixando expresso que:

É indubitável que a prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária idoneidade jurídica como meio de formação do convencimento do julgador, razão pela qual deva ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da verdade, no prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito devido a direitos e garantias fundamentais da pessoa humana [...] é um pequeno preço que se paga por viver-se em Estado de Direito Democrático. A Justiça Penal não se realiza a qualquer preço [...] a cláusula constitucional do due process of law – que se desti-na a garantir a pessoa do acusado contra ações eventualmente abusivas do Poder Público – tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma das suas projeções concretizadoras mais expressivas, na medida em que o réu tem o impos-tergável direito de não ser denunciado, de não ser julgado e de não ser condenado com apoio em elementos instrutórios obtidos ou produzidos de forma incompatível com os limites impostos, pelo ordenamento jurídico, ao poder persecutório e ao poder investigatório do Estado [...]. (Ação Penal nº 307-3/DF, Plenário, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU 13.10.1995, RTJ, v. 162, p. 03-340, 10/1997)12

A prova ilícita pro reo deve ser assim estudada, eis que, não obstante o abandono do conceito de “verdade real” enquanto objetivo de um processo, a punição ilegítima sobre um inocente é dano não aceito pelo Estado de Direito. Dessa forma, e ainda que se trabalhando com conceitos de verossimilhança em oposição ao de “verdade”, têm-se que, em favor do réu, tal objetivo poderá ser uti-lizado para a admissão da prova colhida em desrespeito aos mandamentos legais.

O Título VIII do livro I do projeto de lei da reforma do Código de Pro-cesso Penal trata da prova, o art. 167 trata da inadmissibilidade da prova ilícita, nos mesmos moldes daqueles inseridos na Constituição Federal, porém inova positivamente ao disciplinar, em seu parágrafo único, que a prova considera-da inadmissível será desentranhada dos autos e arquivada sigilosamente em cartório. O art. 196 dispõe como será realizado o reconhecimento de pessoas. Novamente não há previsão quanto à possibilidade de realizar-se um reconhe-cimento fotográfico.

11 MOREIRA, José Carlos Barbosa. A constituição e as provas ilicitamente adquiridas. Revista da AJURIS, Porto Alegre: Associação dos Juízes de Direito do Rio Grande do Sul, n. 68, a. XXIII, p. 27, nov. 1996.

12 Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 30 out. 2008.

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A novidade no tocante ao reconhecimento fotográfico é a obrigatorieda-de de colocar ao lado da pessoa que deve ser reconhecida, no mínimo, cinco pessoas que possuam semelhança. Nos demais incisos há a reprodução do texto anterior.

CoNCLuSÕES

As inovações que compõem o projeto de lei do Código de Processo Penal cuidam em adequá-lo à Constituição Federal, buscando dar maior efetividade às garantias fundamentais. No tocante às provas ilícitas, importantes alterações, haja vista que as teorias inseridas em 2009 não foram implementadas no projeto de lei, e a previsão de desentranhamento das provas ilícitas representa impor-tante passo em direção à constitucionalização processual penal.

Já em relação ao reconhecimento pessoal, o PL não comportou alterações significativas, porém, ao disciplinar o número mínimo de pessoas que devem ser postas ao lado do réu no ato da identificação, comporta uma nova garantia para que o réu nunca seja submetido individualmente na coleta de tal prova tão significativa. Dessa forma, atitudes como um mero apontamento durante a audiência, indicando ser aquele o autor do delito em comento, provavelmente não ocorrerá mais com esta nova redação inserida no inciso II do art. 196 do referido projeto de lei.

A aprovação do PLS 156/09 importará em importante passo em direção ao efetivo desenvolvimento do Estado Democrático de Direito, uma vez que não teremos mais um diploma processual penal recheado de alterações e con-tornos inquisitoriais, de modo a efetivar garantias àqueles que são submetidos ao processo penal.

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Assunto Especial – Doutrina

Novo Código de Processo Penal

Reforma do Código de Processo Penal e Tutela Ressarcitória da Vítima: Apontamentos ao Projeto de Lei nº 8.045/2010

CRISTINA REGO DE OLIVEIRA1

Mestre em Direito Penal pela Universidade de Coimbra/Portugal, Especialista em Direito Penal Econômico Europeu pelo Instituto de Direito Penal Econômico Europeu – IDPEE da Universida-de de Coimbra, Especialista em Direito Penal e Criminologia pela UFPR, Especialista em Direito Constitucional pela ABDCONST, Especialista em Sociologia Política pela UFPR, Assessora na 4ª Procuradoria de Justiça Criminal – Ministério Público do Paraná.

RESUMO: O texto analisa as proposições contidas no Projeto de Lei nº 8.045/2010, tendente à reforma do atual Código de Processo Penal, enfatizando as modificações referentes à tutela dos direitos da vítima, em especial da reparação pelos danos sofridos em decorrência da infração penal. Nesse sentido, apresenta quais são as inovações atinentes à possibilidade de indenização dos danos materiais e morais fixados na sentença penal condenatória.

PALAVRAS-CHAVE: Vítima; direitos fundamentais; ressarcimento; danos materiais; danos morais; sistema da interdependência; reforma legislativa.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Panorama crítico (desde uma perspectiva vitimológica): necessidade de repensar o “lugar” da vítima no sistema jurídico-penal; 2 Da vítima como “sujeito de direitos”. Do rol (expresso) de direitos fundamentais contidos no PL 8.045/2010; 3 Da reparação dos danos causados à vítima do delito; 3.1 Do sistema de interdependência entre as esferas cível e criminal para a re-composição do dano; 3.2 Artigo 387, inciso IV, do CPP: da possibilidade de ressarcimento fixado pelo Juízo Criminal; 3.3 Alterações propostas pelo PL 8.045/2010 concernentes à reparação dos danos. Críticas gerais; Conclusão; Referências.

INTRoduçãoA narrativa apresenta críticas preliminares ao Projeto de Lei (PL)

nº 8.045/2010, que visa à alteração do atual do Código de Processo Penal (CPP). Para delimitar o objeto da pesquisa, o artigo tratará da figura da “vítima”, realizando, preliminarmente, um panorama histórico-evolutivo acerca de seu tratamento no cenário jurídico-penal.

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Em seguida, serão destacados os direitos que são expressamente tutela-dos no aludido projeto, centrando, especialmente, na possibilidade de repara-ção (material e moral) dos danos sofridos em decorrência da conduta praticada pelo ofensor. Para tanto, será inicialmente abordado o sistema da interdepen-dência entre as instâncias cível e criminal, regra geral que vigorou no CPP até a promulgação da Lei nº 11.379/2008, cuja redação do art. 387, inciso IV, do CPP possibilita que o juiz criminal faça a fixação do quantum mínimo de inde-nização no momento de prolação da sentença.

Ao final, serão apresentados os dispositivos do projeto que versam sobre a possibilidade de reparação civil do dano moral decorrente da conduta crimi-nosa, apontando suas principais críticas.

1 PANoRAMA CRÍTICo (dESdE uMA PERSPECTIVA VITIMoLóGICA): NECESSIdAdE dE REPENSAR o “LuGAR” dA VÍTIMA No SISTEMA JuRÍdICo-PENAL

O papel da vítima no contexto jurídico-criminal da atualidade passou a ser repensado (ou, para alguns, redescoberto2). Aliás, as modificações propostas pela Comissão responsável pelas alterações do atual Código de Processo Pro-cessual importam em conceder à vítima maior importância dentro do cenário jurídico.

Sob um breve retrospecto histórico, observa-se que as conquistas do pen-samento iluminista afastaram as formas participativas do ofendido na resolução dos conflitos, a exemplo do que se realizava no sistema privatista (e primitivo) da antiguidade: desde os primórdios, atribuiu-se uma postura ativa da vítima frente à ofensa sofrida, que, associada à possibilidade de ressarcimento3, visa-va, sobretudo, à retomada da harmonia comunitária. Entretanto, o pensamento contratualista atribuiu ao Estado a prerrogativa legítima de instrumentalizar a pacificação social – ou seja, a titularidade (monopólio) e o exercício do jus puniendi –, utilizando-se de seu aparato técnico-burocrático para censurar àquele que transgredisse os preceitos normativos, simbolicamente apaziguan-do, ainda que como reflexo indireto ou utópico, as angústias daquele sujeito vitimado no caso concreto.

2 SANTOS, Cláudia Cruz. A “redescoberta” da vítima e o direito processual penal português. In: ANDRADE, Manuel da Costa (Org.). Estudos em homenagem ao Professor Doutor Jorge de Figueiredo Dias. Stvdia Ivridica. Coimbra: Coimbra, v. III, n. 100, 2010. p. 1133-1153.

3 A ideia de reparação do ofendido remete-se às práticas da antiguidade: trazendo à colação o Código de Hamurabi, caso o sujeito fosse vítima de delitos patrimoniais, era chamado à exposição de seus danos, os quais a cidade ressarcia. Em outro caso, tal como citado por Costa Andrade, em caso de homicídio também restaria plausível a concessão de indenização a seus descendentes. Com a evolução do Direito, nota-se a “sub-rogação da vítima pelo Estado no direito às somas pecuniárias pagas pelo delinqüente”, ao mesmo tempo em que se verifica “o triunfo de um ethos de controlo – e tratamento – do delinqüente” (ANDRADE, Manuel da Costa; DIAS, Jorge de Figueiredo. Criminologia. O homem delinqüente e a sociedade criminógena. Coimbra: Coimbra, 1997. p. 51 e 53).

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Ora, se, por um lado, a entrega de competências ao Estado para a resolu-ção do conflito representa um avanço civilizacional herdado da ilustração – em especial pelos princípios que ensejam a proteção do sujeito, tais como o do juiz natural, o postulado da oficialidade, a de aplicação da lei genérica e abstrata como garantia de igualdade e paz social, entre outros –, também se questiona em que medida tal delegação torna-se um retrocesso, porque, além de tais prer-rogativas restarem suprimidas em momentos de aplicação prática do Direito, ainda afasta seus reais titulares da construção de uma solução que acorde com seus interesses. Com a racionalização moderna, o delito passou a ser entendido como “uma relação entre o indivíduo e o Estado, seja como infração das nor-mas estatais, seja como lesão de bens jurídicos, cuja proteção se estima como pressuposto necessário da convivência em sociedade”4.

Observa-se, excluída das teorizações penais, a identificação do crime enquanto ruptura – no sentido de ofensa – de uma relação de cuidado intersub-jetiva, o que propiciou o distanciamento da vítima na composição da resposta institucional, vez que a relação jurídica delineia-se entre o autor do delito e o órgão de representação do poder institucional, tal qual o Ministério Público. Como resultado de sua neutralização, tem-se que “a emoção do drama social gerado pelo evento criminoso passou a ficar na mão de um procurador público, mais interessado na satisfação do cumprimento da norma, através da condena-ção do delinqüente, do que na satisfação dos particulares anseios de justiça da vítima”5.

A anulação da vítima e de sua capacidade de autorrepresentação6 – ou seja, o esvaziamento de sua importância, e, portanto, de sua participação na ingerência do litígio – condicionou-a a mero “objeto”, meio de prova, ou agente passivo sobre o qual recai o delito, afastando do conflito quaisquer que fossem suas pretensões subjetivas, despersonalizando e reduzindo suas individuais am-bições em detrimento daquelas pretendidas pela sociedade7.

Como resultado da negligência de sua participação e, além disso, da im-possibilidade de reparação (material e simbólica) dos danos sofridos, alerta-se

4 SANTANA, Selma Pereira de. A vitimodogmática: uma faceta da Justiça Restaurativa? Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal, [s.l], ano XI, n. 62, p. 47-62, jun./jul. 2010. p. 52.

5 DUARTE, Caetano. Justiça Restaurativa. Sub Judice – Justiça e Sociedade, Lisboa: Idéias, n. 37, p. 47-52, out./dez. 2006. p. 47.

6 ORTIZ HERRERA, Silvia. Situación actual de la víctima en la Justicia Penal. Repercusión de las recientes propuestas de modificación del sistema sancionatório. Revista de Estudios Penitenciarios, Madrid, n. 247, p. 67-96, 1999. p. 69. No mesmo sentido, Christie aponta que a vítima é duplamente ofendida: além do dano recebido pelo ofensor, ainda é negada a sua participação na resolução do conflito. Para tanto, cf. CHRISTIE, Nils. Los conflictos como pertenencia. In: ROXIN, Claus et al. De los delitos y de las víctimas. Buenos Aires: Ad Hoc, 1992. p. 161-181, p. 163.

7 A neutralização da vítima decorre do fato de que o “ámbito científico reservado a la figura victimal, en esta macro-revolución de la dogmática ilustrada, es pretendidamente aséptico, segregado de las notas emocionales e individualizadoras que antaño causaran una desigual, discriminada y personalista acción de la Justicia, al ras de la entidad o relevancia del sujeto ofensor y ofendido. Todas las víctimas son la misma víctima: la sociedad” (ORTIZ HERRERA, Silvia. Situación actual..., p. 69).

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para sua “coisificação”8 pela Justiça Pública: a vítima, ao se objetivar e ser trata-da de forma impessoal, se dissolve no anonimato, deixa de ser protagonista de uma resposta que deve, em especial, satisfazer suas necessidades e restabelecer o vínculo social com o autor da infração, para tornar-se instrumento (ou meio) para justificar a imposição de um castigo, sendo “utilizada como a prova que permite chegar ao autor”9.

Não fosse apenas isso, verifica-se, ainda, uma reiterada forma de vitimi-zação “secundária”, na qual a experiência frustrante que “supone su participa-ción en el proceso, potencia la estigmatización y acrecienta el daño psicológico causado por el delito. Sus efectos no sufridos durante el proceso invitan a no denunciar, ni a colaborar; el sistema penal pierde eficácia y las instituiciones se desprestigian”10.

No âmbito criminológico, as teorias centralizavam seu objeto de estudo na figura do delinquente – tido como responsável pela prática de comportamen-tos desviantes, em consonância com o pensamento etiológico –, ou, então, com o paradigma da reação social, as críticas eram dirigidas ao sistema de controle social. Nesse sentido, pode-se evidenciar o flagrante “desequilíbrio, onde os interesses da vítima são substituídos pelos da sociedade e/ou delinqüente, con-forme se coloque o assento na necessidade de repor a tranqüilidade da ordem jurídica afectada pela violação da norma, e/ou necessidade de reabilitação e reintegração do delinqüente”11.

Resgatando-se o anteriormente exposto, se o desvio constrói-se através do resultado da interação social entre sujeitos, passa-se a questionar qual seria, então, a participação da vítima na definição da criminalidade12, e, ainda, em

8 De acordo com DIAS, coisificação é “a forma mais radical de menosprezo e objectivação do Outro. Significa utilizá-lo como instrumento, degradá-lo à condição de objecto ou de mercadoria ao nível de algo que é destituído de dignidade e concebido como valor de troca [...] Nas situações de coisificação o subjugado é tratado como objecto de dominação ou instrumento de realização do outro, sendo-lhe recusada qualquer dignidade, qualidade ou substâncias humanas” (DIAS, Augusto Silva. Reconhecimento e coisificação nas sociedades contemporâneas. Uma reflexão sobre os Limites da Intervenção Penal do Estado. In: DIAS, Augusto Silva (Org.). Liber Amicorum de José de Sousa e Brito em comemoração do 70º aniversário. Coimbra: Almedina, 2009. p. 113-131, p. 117).

9 CERVINI, Raúl. Os processos de descriminalização. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 249-250.

10 ESCAMILLA, Margarita Martinez. Justicia Reparadora, mediación y sistema penal: diferentes estrategias, los mismos objetivos? In: GUIRAO, Rafael Alcacer et al. Estúdios Penales en homenaje a Enrique Gimbernat. Madrid: Edisofer, t. I, 2008. p. 465-497, p. 470. Para Hassemer, vitimização secundária “é o efeito vitimizador que os órgãos encarregados da Administração da Justiça exercem quando, em suas investigações e atuações policiais ou processuais, expõem a vítima a novos danos e incômodos, algumas vezes desnecessários, mas outras inevitáveis, para a investigação do delito e castigo do delinqüente” (MUÑOZ CONDE, Francisco; HASSEMER, Winfried. Introdução à criminologia. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2008. p. 132).

11 DUARTE, Caetano. Justiça Restaurativa, p. 57.12 Interessa ressaltar que a seletividade não opera somente ao nível das instâncias formais, mas para além delas,

alcançando os ditos controles informais, ou seja, cada cidadão possui, em si, o poder de definição dos sujeitos delinquentes, definido, sobretudo, se acionará, ou não, o aparato jurisdicional. Nesse sentido, as denúncias realizadas pelas vítimas são essenciais para a delimitação de quais agentes, e quais tipos de bens jurídicos, serão classificados como situações ilícitas passíveis de controle. Nesse sentido, cf. ANDRADE, Manuel. A vítima..., p. 87 e ss.

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que medida seu comportamento contribui para que porte tal estigma, tornando--se, então, objeto dessa mesma seleção. A complexidade do papel do ofendi-do para a compreensão da dinâmica punitiva resultou na necessidade de seu regresso ao pensamento penal, surgindo, nessa linha, a corrente vitimológica, tida enquanto “ciência que se ocupa de agrupar e sistematizar o saber empírico sobre a vítima do delito”13.

O processo de retomada da importância da vítima no cenário penal pas-sou por fases distintas, as quais denunciam, em especial, as necessidades de ampliação de suas garantias para reafirmar sua pessoalidade: assim, buscou-se efetivar maneiras de prestação assistencial, para, ao final, tutelar sua participa-ção no decurso do processo penal14, disponibilizando a efetiva possibilidade de ressarcimento pelos danos sofridos. Ademais disso, pode-se dizer que a atenção disponibilizada à vítima deve englobar “1) o estudo e a pesquisa, para dimen-sionar e conhecer melhor o objetivo; 2) a adaptação da legislação a uma nova abordagem; 3) o apoio, assistência e proteção à vítima na chamada advocacia da vítima, campo vasto para o advogado, assistente social, psicólogo e outros profissionais”15.

Como resultado do “não lugar” imputado à vítima no sistema de justi-ça, vislumbra-se a construção de mecanismos de proteção (materiais e proces-suais), voltados à facilitação de sua participação no litígio. Mas não só: o maior enfoque direciona-se à possibilidade de sua reparação (seja material ou simbó-lica) diante da ofensa percebida.

Desde logo, a vitimologia aponta como insuficiente o modelo tradicional no qual, baseado em abstrações, era suficiente para restaurar a norma jurídica violada que o agente sofresse um sancionamento – crítica que, ademais, perpas-sa os fracassos associados às funções da pena. Isso porque, de acordo com Zehr, o ofendido necessita, para além da restituição de danos, de “(1) a safe place in the immediate aftermath of crime, (2) answers to questions, (3) an opportunity to testify to their truth, (3) an opportunity to feel empowered”16, o que poderá ser viabilizado através do novo paradigma de justiça.

Em breve síntese, a contribuição vitimológica resultou na chamada de atenção para o fato de que o funcionamento do sistema de justiça criminal “ignora a vítima e suas necessidades, e com isso atua de forma a revitimizá-la, deixando-lhe uma única saída: recorrer ao processo penal e pedir a punição do ofensor e com isso satisfazer-se, mesmo sem contribuir para o processo e seu

13 MUÑOZ CONDE; Francisco; HASSEMER, Winfried. Introdução à Criminologia..., p. 133.14 ALMEIDA, Maria Rosa Crucho. As relações entre vítimas e sistema de justiça criminal em Portugal. Revista

Portuguesa de Ciência Criminal, Coimbra, ano 3, n. 1, p. 103-118, jan./mar. 1993. p. 104.15 KOZOVSKI, Ester. Vitimologia, direitos humanos e Justiça Restaurativa. Revista IOB de Direito Penal e

Processual Penal, [s.l], ano VII, n. 48, p. 148-162, fev./mar. 2008. p. 146.16 ACHILLES, Mary; ZEHR, Howard. Restorative Justice for Crime Victims: the promise and the challenge.

In: BAZEMORE, Gordon; SCHIFF, Mara. Restorative Community Justice: Repairing Harm and Transforming Communities. Cincinnati: Anderson Publishing, 2001. p. 87-99, p. 91.

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desfecho”17, ainda que ausentes quaisquer possibilidades de restauração dos danos (materiais e psicológicos) causados, bem como de sua satisfação com a conclusão do litígio.

Como resultado das problemáticas suscitadas pela crítica vitimológica, os operadores do Direito passaram a tentar “remediar” a situação da vítima através de reformas pontuais na legislação. De forma exemplificativa, almejando uma forma de satisfação material dos danos que decorrem da infração, destaca-se a possibilidade de composição civil dos danos (art. 74 da Lei nº 9.099/1995), a viabilidade de condicionamento da suspensão condicional do processo à repa-ração dos danos (art. 89, § 1º, I, da Lei nº 9.099/1995) e, na legislação especial, existe a multa reparatória nos crimes de trânsito (art. 297 da Lei nº 9.503/1997).

Importante citar, também, as inovações trazidas pela Lei nº 11.340/2006, popularmente conhecida como “Lei Maria da Penha”, criando mecanismos es-pecíficos para coibir a prática de violência contra a mulher, além de trazer instrumentos para a prevenção do delito e de assistência à vítima.

Entretanto, o Projeto de Lei nº 156/2009, de autoria do Senador José Sarney, pretende ser mais ambicioso em relação à tutela dos direitos da vítima, à medida que intenta reformar o atual Código de Processo Penal e inserir na cultura jurídica uma nova forma de tratamento do ofendido.

Após aprovação no Senado, o aludido projeto foi encaminhado à Câma-ra dos Deputados em data de 21.12.2010, para ser submetido à revisão, nos termos do art. 65 da Constituição Federal, ocasião em que recebeu o número 8.045/2010 (PL 8.045/2010). Em janeiro de 2011, foi determinado o apensa-mento do Projeto de Lei nº 7.987/2010, também propondo modificações ao atual CPP, de autoria do Deputado Miro Teixeira. O projeto aguarda a criação de Comissão Especial para emissão de parecer, nos termos do art. 205, § 1º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados18.

2 dA VÍTIMA CoMo “SuJEITo dE dIREIToS”. do RoL (EXPRESSo) dE dIREIToS FuNdAMENTAIS CoNTIdoS No PL 8.045/2010

Atendo-se à redação proposta no aludido projeto, observa-se que o le-gislador destacou um capítulo específico para a proteção da vítima – qual seja, o Livro I (“Da Persecução Penal”), em seu Título V (“Dos direitos da Vítima”, englobando os arts. 90 a 92). Inicialmente, realizou sua delimitação conceitual, em consonância com a inclinação humanista do novo Código e o respeito às garantias fundamentais previstas na Constituição Federal. Neste sentido, a nor-ma assim está redigida:

17 PALLAMOLLA, Raffaella da Porciuncula. Justiça restaurativa: da teoria à pratica. São Paulo: IBCCrim, 2009. p. 52.

18 Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490263>. Acesso em 4 jun. 2013.

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Art. 90. Considera-se “vítima” a pessoa que suporta os efeitos da ação criminosa, consumada ou tentada, dolosa ou culposa, vindo a sofrer, conforme a natureza e circunstâncias do crime, ameaças ou danos físicos, psicológicos, morais, patri-moniais ou quaisquer outras violações de seus direitos fundamentais.

Da análise do texto extrai-se a tentativa de delinear a condição do ofen-dido através dos danos sofridos sob os prismas psicológico, moral, físico e pa-trimonial, alargando, sobremedida, a proteção de seus direitos, além de ser um rol exemplificativo, que permite a averiguação, no caso concreto, de demais violações.

A redação do art. 9119 do Projeto assegura, de forma expressa e melhor sistematizada, a tutela de direitos fundamentais da vítima, importando destacar, dentro outros, a comunicação via postal ou por endereço eletrônico dos atos essenciais do processo – tais como a soltura do autor do crime, o oferecimento da denúncia, o desfecho do procedimento penal –, vindo a acentuar a ideia de publicidade do feito.

Ainda, o aludido dispositivo autoriza que a vítima seja encaminhada a casas de abrigo ou programas de proteção da mulher em situações de violência doméstica ou familiar, além de receber apoio financeiro do Estado.

Interessante notar a preocupação do Estado na manutenção da integrida-de da vítima e de seus familiares. Nesse sentido, inclusive, é a redação do inciso

19 “Art. 91. São direitos assegurados à vítima, entre outros: I – ser tratada com dignidade e respeito condizentes com a sua situação; II – receber imediato atendimento médico e atenção psicossocial; III – ser encaminhada para exame de corpo de delito quando tiver sofrido lesões corporais; IV – reaver, no caso de crimes contra o patrimônio, os objetos e pertences pessoais que lhe foram subtraídos, ressalvados os casos em que a restituição não possa ser efetuada imediatamente em razão da necessidade de exame pericial; V – ser comunicada: a) da prisão ou soltura do suposto autor do crime; b) da conclusão do inquérito policial e do oferecimento da denúncia; c) do eventual arquivamento da investigação, nos termos do art. 39; d) da condenação ou absolvição do acusado; VI – obter cópias de peças do inquérito policial e do processo penal, salvo quando, justificadamente, devam permanecer em estrito sigilo; VII – ser orientada quanto ao exercício oportuno do direito de representação, de ação penal subsidiária da pública, de ação civil por danos materiais e morais, da adesão civil à ação penal e da composição dos danos civis para efeito de extinção da punibilidade, nos casos previstos em lei; VIII – prestar declarações em dia diverso do estipulado para a oitiva do suposto autor do crime ou aguardar em local separado até que o procedimento se inicie; IX – ser ouvida antes de outras testemunhas, respeitada a ordem prevista no caput do art. 276; X – peticionar às autoridades públicas para se informar a respeito do andamento e deslinde da investigação ou do processo, bem como manifestar as suas opiniões; XI – obter do autor do crime a reparação dos danos causados, assegurada a assistência de defensor público para essa finalidade; XII – intervir no processo penal como assistente do Ministério Público ou como parte civil para o pleito indenizatório; XIII – receber especial proteção do Estado quando, em razão de sua colaboração com a investigação ou processo penal, sofrer coação ou ameaça à sua integridade física, psicológica ou patrimonial, estendendo-se as medidas de proteção ao cônjuge ou companheiro, filhos, familiares e afins, se necessário for; XIV – receber assistência financeira do Poder Público, nas hipóteses e condições específicas fixadas em lei; XV – ser encaminhada a casas de abrigo ou programas de proteção da mulher em situação de violência doméstica e familiar, quando for o caso; XVI – obter, por meio de procedimentos simplificados, o valor do prêmio do seguro obrigatório por danos pessoais causados por veículos automotores. § 1º É dever de todos o respeito aos direitos previstos neste Título, especialmente dos órgãos de segurança pública, do Ministério Público, das autoridades judiciárias, dos órgãos governamentais competentes e dos serviços sociais e de saúde. § 2º As comunicações de que trata o inciso V do caput deste artigo serão feitas por via postal ou endereço eletrônico cadastrado e ficarão a cargo da autoridade responsável pelo ato. § 3º As autoridades terão sempre o cuidado de preservar o endereço e outros dados pessoais da vítima.”

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XIII do aludido artigo, ao dispor como direito fundamental da vítima “receber especial proteção do Estado quando, em razão de sua colaboração com a in-vestigação ou processo penal, sofrer coação ou ameaça à sua integridade física, psicológica ou patrimonial, estendendo-se as medidas de proteção ao cônjuge ou companheiro, filhos, familiares e afins”.

Entretanto, os locais destinados à proteção da vítima no Brasil ainda são poucos, diferente do que ocorre em outros países20. Como exemplo, existe em Portugal a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima – APAV, organização sem fins lucrativos que apoia as vítimas de crimes, promovendo atendimento perso-nalizado, apoio social, jurídico, moral e econômico, para além de enfatizar a possibilidade dos encontros restaurativos com o infrator.

Necessário impulsionar não apenas o Estado, mas também a sociedade civil nacional para a criação e organização de instituições voltadas ao atendi-mento dos interesses das vítimas de infrações penais.

3 dA REPARAção doS dANoS CAuSAdoS À VÍTIMA do dELITo

3.1 Do sIstemA De InteRDepenDêncIA entRe As esfeRAs cíVel e cRImInAl pARA A RecomposIção Do DAno

Para instrumentalizar a tutela protetiva do ofendido, o projeto regula-menta, de forma mais detalhada, a possibilidade de reparação21 dos danos su-portados em decorrência da conduta delitiva, determinando ao juiz criminal o arbitramento de um mínimo valorativo, no seio da sentença penal condena-tória. Entretanto, tal proposição não é inédita no ordenamento jurídico pátrio.

Explica-se. É notório que, em muitos casos, o comportamento delitivo praticado pelo agente atinja a coletividade (em geral), como pode, ao mesmo tempo, “afetar mais intensamente o patrimônio (moral e econômico) de deter-

20 Ademais, destaca-se a preocupação dos principais organismos ao elaborarem documentos visando à proteção da vítima: em 1985, a Organização das Nações Unidas adotou a Resolução nº 40/1934, consistente em declaração dos princípios fundamentais de justiça para as vítimas de crimes e abusos de poder. No âmbito do Conselho da Europa, destaca-se a Convenção Européia de 1983, que prevê a indenização através do Estado para vítimas de crimes violentos. Em Portugal, como medida de auxílio à vítima, foi criado em 1990 a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV). Sintetizando os fundamentos que justificaram a criação das referidas normas, Carlota Pizarro Almeida aponta “a convicção de que o sistema penal não é suficiente para dar respostas às necessidades da vítima; a avaliação positiva das potencialidades da mediação e outros sistemas alternativos; a necessidade de assegurar o pagamento da indemnização, não só do direito mas de facto, se necessário assumindo o Estado esse encargo; o reconhecimento da amplitude dos danos sofridos pela vitima, que determinam necessidades de ordem muito diversas” (ALMEIDA, Carlota Pizarro. Despublicização do direito criminal. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2000. p. 45).

21 A doutrina distingue, tecnicamente, as diversas modalidades de recomposição civil: os primeiros, de índole essencialmente econômica: restituição (recomposição decorrente do ato ilícito), ressarcimento (dano emergente acrescidos dos lucros cessantes); de natureza moral, existe a reparação/indenização (sendo esta a modalidade de recomposição do dano) (PACELLI DE OLIVEIRA, Eugênio. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 181/182).

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minada pessoa”22, podendo resultar na responsabilização do infrator por tais danos causados23.

Como regra, adotava-se no Brasil o sistema da independência das instân-cias24 (cível e criminal), possibilitando a propositura de dois procedimentos dis-tintos para a obtenção da resposta estatal: o Ministério Público promovia a ação penal, ao passo que a vítima ingressava com a ação civil ex delicto25 (art. 64 do CPP). De outra forma, ainda faculta-se à vítima aguardar o trânsito em julgado da sentença condenatória para sua posterior liquidação no juízo executório (nos termos dos arts. 63 do CPP, art. 91, I, do CP e 475-N, inciso II, do CPC).

Significa dizer que, tradicionalmente, ao passo que o sistema criminal limitava-se à imputação de uma sanção, remetia-se à instância cível a fixação do quantum26 devido a título ressarcitório, cuja legitimidade para intentar a ação seria do ofendido, de seu representante legal ou se seus herdeiros27.

A ação cível somente poderia ser proposta contra o réu da ação penal, desde que não tenha sido absolvido pelo reconhecimento da inexistência mate-rial do fato (art. 66 do CPP), pela negativa de autoria, ou que tenha atuado sob alguma situação excludente – estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito (art. 65 do CPP). Para acionar demais responsáveis (terceiros), torna-se necessária a ação espe-cífica de conhecimento, sendo a sentença criminal apenas elemento de prova.

Em que pese a regra da independência, o art. 64, em seu parágrafo único, disciplina a possibilidade de suspensão da ação civil até o julgamento definitivo

22 PACELLI DE OLIVEIRA, Eugênio. Curso de processo penal, p. 177.23 Nos termos da lei civil, aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito

ou causar prejuízo a outrem comete “ato ilícito”, ficando obrigado a reparar o dano (arts. 186 e 927 do CC).24 De acordo com a doutrina, são quatro os sistemas que tutelam a matéria: “o da separação, em que o

provimento penal exercerá nenhuma ou limitadíssima influência na área civil; o da confusão, à semelhança do primitivo direito romano, quando a ação única serve ao duplo objetivo de aplicar a pena e reparar o dano; o da solidariedade, em que, separadas as ações, obrigatoriamente se resolvem em conjunto e no mesmo processo; e, por fim, o da livre escolha, cujo o traço específico consistirá na hipótese de acumulação facultativa, no processo penal, de ambas as ações” (ASSIS, Araken de. Eficácia civil da sentença penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 444).

25 Ademais, o art. 91, I, do CP impõe como efeito da condenação tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime. Nesse sentido, de acordo com Bittencourt, a vítima e seus sucessores não estão obrigados a aguardar o desfecho da ação penal, podendo buscar o ressarcimento do dano através de ação própria (BITENCOURT, César Roberto. Tratado de direito penal. Parte geral. 13. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2008. p. 691).

26 Sendo a sentença ilíquida, era necessária a sua liquidação por artigos (art. 475-E do CPC). Nessa liquidação, embora não fosse possível rediscutir a lide ou modificar a sentença que a julgou, seria necessária a produção de provas acerca do valor do dano existente. Para tanto, cf. MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova reforma do código de processo penal comentada – Artigo por artigo. São Paulo: Método, 2011. p. 239.

27 Evidentemente, a sentença criminal é título executivo (art. 584, II, do CPC), mas sua liquidez depende de apuração (por artigos), ou seja, deve-se instaurar uma nova relação jurídica com o intuito de verificar a exatidão do quantum que será efetivamente devido ao ofendido.

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da seara criminal, visto que, a depender do resultado de seu desfecho, a preten-são ao ressarcimento deixaria de ser legítima28.

Na prática, diante dessa sistemática, observou-se uma excessiva demora na prestação jurisdicional, visto que a vítima, em muitos casos, dependia do desfecho de uma ação para, somente após, ingressar com a tutela civil corres-pondente.

Por tal razão, inovou o legislador pátrio ao possibilitar, a partir da reda-ção advinda da Lei nº 11.379/2008, atualmente em vigor, que o ressarcimento da vítima seja realizado pelo juízo da condenação criminal, tendendo a respei-tar o princípio da duração razoável do processo, em seus pilares de economia processual e de celeridade.

3.2 ARtIGo 387, IncIso IV, Do cpp: DA possIbIlIDADe De RessARcImento fIXADo pelo Juízo cRImInAl

A Lei nº 11.379, em vigor desde 22 de agosto de 2008, inseriu na previ-são do art. 387, inciso IV29, o dever de o juiz, na sentença penal condenatória, arbitrar um valor mínimo para a reparação dos danos sofridos em decorrência do comportamento delituoso praticado pelo agente – sejam prejuízos materiais ou, para parcela da doutrina, também morais.

Em uma primeira análise, observa-se que o projeto afasta-se do rigorismo da independência entre as instâncias para aproximar-se do sistema adotado em Portugal – qual seja, o da adesão obrigatória –, através do qual a vítima, em regra, para obter a indenização cível pelos danos advindos da infração penal, deve fazê-lo no juízo criminal30. No citado ordenamento, como regra, o pro-cesso civil é “enxertado” no criminal, e, uma vez que tal não seja realizado, ocorrerá a preclusão do direito ao ressarcimento.

28 Conferir os arts. 66 e 67 do CPP. Por tal fundamento, Pacelli entende que, no Brasil, o sistema da interdependência é mitigado ou relativizado, uma vez que, a depender do fundamento da condenação penal, o ofendido não poderá intentar a pretensão cabível para seu ressarcimento. Ocorre, então, uma certa “subordinação temática de uma instância à outra” (PACELLI DE OLIVEIRA, Eugênio. Curso de processo penal, p. 178 e 180).

29 Art. 387, IV, do CPP: “O juiz, ao proferir sentença condenatória: fixará o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido”. Interessante destacar a discussão acerca da aplicabilidade (imediata ou não) da norma em questão. Para alguns, a norma teria conteúdo material, podendo retroagir em alguns casos. De qualquer forma, a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a norma é puramente processual, de aplicação imediata. Assim, como exemplo, cita-se o julgado: “A norma de Direito Processual Penal se aplica imediatamente às sentenças proferidas após a sua entrada em vigor. Sendo assim, a norma do art. 387, IV, do CPP deve ser aplicada ao presente caso, em que a sentença condenatória foi proferida quando já vigente a lei que modificou os dispositivos da lei adjetiva penal” (REsp 1208510/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, J. 24.05.2011, DJe 15.06.2011).

30 A redação do Código de Processo Português disciplina, em seu art. 71, que “o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei” (sem grifos no original). Vale ressaltar que a disciplina do processo de adesão está contida nos arts. 71 a 84 da legislação.

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Entretanto, no Brasil, ainda prevalece o entendimento de que a vítima tem a faculdade de optar pelo ingresso posterior na seara cível, caso não tenha o juízo criminal fixado a quantia em questão, afastando a ideia de única opor-tunidade para o ressarcimento dos danos, adequando-se, assim, ao sistema da separação parcial.

A alteração legislativa teve como propósito, além de primar pela eco-nomia e celeridade processual (visto que a fixação de um valor mínimo torna o título executivo líquido, o que afasta o longo tramite anteriormente previsto para sentenças ilíquidas31), também evitar que decisões contraditórias fossem emanadas de diferentes juízos em situações fáticas assemelhadas, em flagrante ofensa aos direitos da vítima e à ideia de segurança jurídica.

Entretanto, omissa em suas previsões, a alteração legal que resultou na atribuição de competência “de características civilísticas” ao magistrado cri-minal tem sido pouco e, em certos casos, indevidamente explorada na prática forense, vez que suscitou inúmeras dúvidas acerca de sua aplicação.

Primeiramente, no que tange à legitimidade para o pedido, alguns enten-dem que a fixação dos valores poderia ser realizada de ofício32 – o que amplia, sobremaneira, os poderes do magistrado, em flagrante ofensa ao atual sistema acusatório –, enquanto, de outro lado, discute-se a necessidade de requerimen-to da parte33 (ou, de quem seria a parte legitimada: se apenas a vítima, também

31 Nesse sentido, por exemplo, nas sentenças líquidas, a execução já se inicia com a citação do devedor para proceder ao pagamento ou à impugnação, que ocorrerá sempre no juízo cível (art. 475-N, parágrafo único, do CPC).

32 O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) se manifestou, por vezes, no sentido de que se os danos suportados pela vítima foram conhecidos pelo réu desde a etapa investigatória, visto que presentes documentos juntados para embasar a prática do ilícito penal, não haveria necessidade de oportunizar o contraditório, podendo ser o valor fixado de ofício pelo magistrado. Assim: “A fixação de valor pecuniário para fins de indenização material das vítimas não encontra óbice quando os valores são de conhecimento das partes desde o inquérito policial, quedando-se a defesa silente quanto a eles. Nestes casos, por se tratar de dano material solvível e de conhecimento das partes, não se vislumbra a impossibilidade de fixação na sentença” (TJPR, AC 834573-9, 5ª C.Crim., Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, Rel. Rogério Etzel, unânime, J. 08.03.2012).

De outra forma, o STJ já se manifestou em sentido diverso: “PROCESSUAL PENAL – INDENIZAÇÃO DO ART. 387, IV, DO CPP – APLICABILIDADE À AÇÃO PENAL EM CURSO QUANDO A SENTENÇA CONDENATÓRIA FOR PROFERIDA EM DATA POSTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.719/2008 – [...] 2. Inexistindo nos autos elementos que permitam a fixação do valor, mesmo que mínimo, para reparação dos danos causados pela infração, o pedido de indenização civil não pode prosperar, sob pena de cerceamento de defesa” (REsp 1176708/RS, 6ª Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, J. 12.06.2012, DJe 20.06.2012).

33 A jurisprudência aponta que o “Magistrado deve na sentença que impõe condenação ao réu, independentemente de postulação do representante do Ministério Público e até mesmo da vítima, arbitrar valor indenizatório mínimo. Somente deixará de fazê-lo se dos elementos de informação contido nos autos, inclusive colhidos na fase instrutória, não conseguir parâmetro de aferição algum para assim proceder. Cabe ressaltar que não há qualquer violação ao devido processo legal em sua substancialidade com esse procedimento porque o réu já quando da apresentação de defesa preliminar e no curso do processo, deve estar atento, também, a essa exigência, já que decorre de lei o arbitramento desse valor mínimo a título de indenização à vítima. Temos que a indenização se refere apenas ao prejuízo material suportado pelo ofendido, o qual é o único que pode ser de pronto demonstrado, sem prejuízo para que a vítima busque a indenização pelos danos morais ou a complementação dos danos materiais no juízo cível”. Conferir: TJPR, AC 805470-8, Chopinzinho, 4ª C.Crim., Rel. Antônio Martelozzo, unânime, J. 09.02.2012. As decisões que não são contraditadas estão sendo anuladas pelo Tribunal, sem prejuízo de serem novamente intentadas na esfera cível.

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o Ministério Público34 ou a Defensoria Pública, nos casos em que se observa a hipossuficiência do ofendido).

Ademais, uma vez entendendo-se que o titular para o requerimento em favor da vítima será (também) o Ministério Público, resta questionar se, em aten-dimento ao princípio da correlação entre acusação e sentença, faz-se necessá-rio que o pedido esteja expresso na inicial acusatória.

Andrey Borges de Mendonça, ao tratar da matéria, assim lecionou:

É relevante notar que a possibilidade de o magistrado criminal fixar o valor míni-mo na sentença independe de pedido explícito. E não há violação ao princípio da inércia, segundo pensamos. Isto porque é efeito automático de toda e qualquer sentença penal condenatória transitada em julgado impor ao réu o dever de in-denizar o dano causado. Não é da própria disposição legal o mencionado efeito. É automático, já dissemos. Ou seja, independentemente de qualquer pedido, no âmbito penal, a sentença penal condenatória será considerada título executivo. O mesmo se aplica em relação ao valor mínimo da indenização: decorre da lei, é automático, sem que seja necessário pedido expresso de quem quer que seja. A única modificação que a reforma introduziu foi transmudar o título executivo, que antes era ilíquido e agora passa a ser líquido, ao menos em parte.35 (sem grifos no original)

Segundo Baltazar Junior, a fixação de valor mínimo na sentença se con-figura como um de seus requisitos legais obrigatórios, não podendo tal questão deixar de ser apreciada pelo julgador e fundamentada em todos os seus aspec-tos. Assim:

O estabelecimento do valor mínimo da indenização depende de decisão judi-cial expressa, constituindo requisito da sentença, ao contrário do que se dava no regime anterior, com o efeito civil de tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime (CP, art. 91, I), para o qual é irrelevante o fato de o juiz indicá-lo ou não na decisão. A omissão do valor mínimo da indenização não tornará a sentença nula, mas poderá ensejar embargos declaratórios para sanar a omissão, uma vez que se cuida de requisito da sentença, na nova disciplina, devendo o juiz fazer constar o valor mínimo da indenização ou o motivo pela qual deixa de fazê-lo como, por exemplo, a inexistência de dano patrimonial ou a falta de informações a respeito.36 (sem grifos no original)

De outra forma, para Nucci, cujo entendimento acerca da legitimidade ativa é mais abrangente, é essencial que o pedido de ressarcimento dos danos

34 Interessante a questão suscitada pela redação do art. 68 do CPP: “Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (art. 32, §§ 1º e 2º), a execução da sentença condenatória (art. 63) ou a ação civil (art. 64) será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público”. Entretanto, o STF entendeu que o dispositivo é dotado de inconstitucionalidade progressiva, ou seja, apenas será aplicado para a tutela dos hipossuficientes enquanto não houver a instauração da Defensoria Pública nos Estados.

35 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova reforma do código de processo penal comentada, p. 240.36 BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. A sentença penal de acordo com as leis de reforma. In: NUCCI, Guilherme

de Souza (Org.). Reforma do processo penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009. p. 285.

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seja expresso para viabilizar o exercício do contraditório e da ampla defesa37. Assim:

[...] é fundamental haver, durante a instrução criminal, um pedido formal para que se apure o montante civilmente devido. Esse pedido deve partir do ofendido, por seu advogado (assistente de acusação) ou do Ministério Público. A parte que o fizer precisa indicar valores e provas suficientes a sustentá-los. A partir daí, deve-se proporcionar ao réu a possibilidade de se defender e produzir contrapro-va, de modo a indicar valor diverso ou mesmo a apontar que inexistiu prejuízo material ou moral a ser reparado. Se não houver formal pedido e instrução es-pecífica para apurar o valor mínimo para o dano, é defeso ao julgador optar por qualquer cifra, pois seria nítida infringência ao princípio da ampla defesa.38 (sem grifos no original)

Ultrapassando o argumento da fixação da reparação de ofício, ensejam também controvérsias o momento no qual tal pedido deve ser postulado em Juízo: no ato em que a denúncia é oferecida, durante a instrução probatória, nos argumentos finais ou em sede recursal.

Ora, de qualquer forma, é salutar que no atual Estado Democrático seja possível o exercício do contraditório e da ampla defesa também em relação à possibilidade de arbitramento de indenização, em sintonia com as demais pre-visões constitucionais que sustentam o devido processo legal.

Ademais, verifica-se também dificuldade quanto à definição do arbitra-mento, ou seja, do quantum monetário que deve ser conferido ao ofendido. Isso porque inevitável que, para a compensação de danos materiais sofridos, sejam trazidos aos autos parâmetros para balizar a atuação do magistrado criminal. Por tal razão, a possibilidade do réu contraditar tais documentos deve ser ampla e substancial, situação que, em alguns casos, poderia repercutir na celeridade (ou de razoável duração) do rito processual.

Algumas críticas são também elaboradas em relação ao rito previsto para a apuração dos crimes dolosos contra a vida. Nesse sentido, Aury Lopes Júnior aponta, de forma incisiva, que

[...] o problema agrava-se no Tribunal do Júri, não só pela complexidade fáti-ca que envolve esses fatos, mas também pela própria especificidade do ritual judiciário ali estabelecido. Como pode o réu realizar uma defesa eficiente em plenário e ainda ocupar-se de fazer a “defesa cível” para evitar uma condenação

37 Interessante destacar a decisão do TJPR que afastou a indenização que fora fixada sem atentar para elementos concretos, inviabilizando o exercício do contraditório. Assim: “INDENIZAÇÃO À VÍTIMA – ART. 387, IV, CPP – FALTA DE PROVA QUANTO AO DANO EFETIVAMENTE SOFRIDO – VALOR ARBITRADO SEM AMPARO EM ELEMENTOS CONCRETOS – OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL – EXCLUSÃO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO – Lesão corporal de natureza grave. Fixação de valor para reparação do dano (art. 387, IV, do CPP). Inadmissibilidade, vez que a matéria não restou articulada no processo. Recurso provido em parte” (TJPR Apelação-Crime nº 621.979-2, Rel. Des. Telmo Cherem, J. 08.04.2010)

38 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 736.

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à título indenizatório em valores excessivos e desproporcionais? Há ainda um outro fator complicador: para quem deverá dirigir sua argumentação? Para o juiz ou para os jurados? Mas os jurados serão quesitados sobre valores indenizató-rios? Ademais, pela complexidade que envolve a indenização em crimes contra a vida, não há condições processuais para, no processo penal, discuti-las com as mínimas condições probatórias e jurídicas.39

Diante disso, o autor sugere que não existem alternativas interpretativas: “Ou aceitamos que o juiz fixe indevidamente um valor indenizatório em caso de sentença condenatória, sem as mínimas possibilidades de defesa e usurpan-do o poder decisório do conselho de sentença; ou simplesmente negamos a validade do artigo”40.

Questão que também gera controvérsia refere-se à legitimidade para re-correr dessa parte (ou capítulo41) civil da sentença penal condenatória. De for-ma lógica, nos crimes de ação privada, deve o ofendido ou seu representante legal fazê-lo. Entretanto, a dúvida existe nos crimes de ação pública, cujo titular é o Ministério Público: poderá somente o aludido órgão recorrer da sentença, ou só o ofendido quando funcionar como assistente é que poderá?

A doutrina aponta que,

no que concerne ao Ministério Público, é necessário reconhecer que não possui, em regra, interesse recursal sobre a questão: apenas ao ofendido e ao acusado incumbem decidir sobre quantum da reparação. Isso porque se trata de um bem disponível e cabe apenas às partes decidir acerca da disposição, ou não, desse direito a acerca da busca dos meios de tutela que lhe são assegurados. No en-tanto, em uma situação, parece que o Parquet tem interesse recursal: quando o Órgão tem legitimidade para intentar a ação civil ex delito, nos termos do art. 68 do Código de Processo Penal. E, ressalta-se, esta atribuição só existe em Estados que ainda não organizaram a Defensoria Pública, constitucionalmente incumbi-da da orientação e defesa dos necessitados, na forma dos arts. 5º, LXXIV, e 134.42

39 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. II, 2011. p. 334

40 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal..., p. 335. No mesmo sentido, Souza diz que “a jurisdição do júri, nos limites da constituição, é estritamente penal, não podendo haver solução civil alguma, ainda que limitada à existência do fato e à autoria do fato, até porque tal decisão cabe apenas a juízes leigos. Ressalte-se que em nosso sistema não existem juízes leigos em matéria civil. Isso não é um problema de competência, mas sim de jurisdição nos limites da Constituição” (SOUZA, Wilson Alves de. Arte civil no processo penal: análise crítica do Código de Processo Penal brasileiro reformado e do projeto de Código de Processo Penal. Disponível: <http://www.evocati.com.br/evocati/interna.wsp?tmp_page=interna&tmp_codigo=438&tmp_secao=17&tmp_topico=direitoprocpenal&wi.redirect=AFLDJONOA9DNLCG7577U>).

41 Mendonça destaca que a indenização deve ser um capítulo próprio da sentença penal condenatória. Afirma que eventual recurso desta parte da decisão não impedirá a expedição da carta de guia definitiva, visto que os demais capítulos transitarão em julgado (o que importará para fins de contagem do prazo prescricional), vez que serão tidos como independentes (cf. MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova reforma do código de processo penal comentada, p. 243).

42 RIEGER, Renata Jardim da Cunha; CAMARGO, Rodrigo de Oliveira. Breves considerações sobre a revalorização da vítima e a reparação do dano no processo penal brasileiro. Revista de Estudos Criminais, n. 34, p. 40-41, 2009. No mesmo sentido, apontando que o parquet não possui interesse recursal, uma vez que a questão indenizatória refere-se ao âmbito de disponibilidade das partes, por ser interesse patrimonial e, portanto,

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Ao final, ainda pode-se suscitar que a sentença condenatória, como título executivo judicial que fixou um valor mínimo de reparação, não seja suficiente para a satisfação dos direitos da vítima. Aqui, importa ressaltar que o ofendido não está impedido de complementar o valor no juízo cível43.

Em síntese, sendo inúmeras as controvérsias suscitadas pela legislação vigente, o projeto de lei em debate almeja disciplinar de forma mais específica acerca do ressarcimento dos danos sofridos pela vítima, delimitando o procedi-mento que deverá ser utilizado.

3.3 AlteRAções pRopostAs pelo pl 8.045/2010 conceRnentes à RepARAção Dos DAnos. cRítIcAs GeRAIs

O art. 426 do aludido projeto informa, em seu inciso V, que, ao proferir a sentença condenatória, o juiz deverá declarar os efeitos da condenação, des-tacando a necessidade de tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, em consonância com as regras dos arts. 91 e 92 do Código Penal.

O texto em análise deixou de sanar as eventuais críticas elaboradas à an-terior redação do art. 387 do CPP. Nessa ótica, apenas estabelece critérios mais específicos atinentes ao pedido de indenização pelos danos morais suportados pela vítima que, ao que parece, será o procedimento seguido para a recompo-sição dos demais danos.

No que tange aos danos morais, a possibilidade de seu ressarcimento está expressamente prevista na Seção II (“Da parte civil”) e abrange os arts. 81 a 84 do Projeto. Inicialmente, o novo regramento propõe como legitimados ativos para o requerimento da composição do dano no bojo da decisão condenatória a “vítima ou, no caso de sua ausência ou morte, as pessoas legitimadas a ingres-sar como assistentes44, desde que atue sem ampliar a matéria de fato constante da denúncia [...]” (art. 81 do PL).

Ademais, é nesse sentido que o art. 91, inciso VII, do Projeto dispõe como direito fundamental da vítima “ser orientada quanto ao exercício oportu-no do direito representação, de ação penal subsidiária da pública, de ação civil por danos materiais e morais, da adesão civil à ação penal e da composição dos danos civis para efeito de extinção da punibilidade, nos casos previstos em lei”,

disponível, cf. MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova reforma do código de processo penal comentada, p. 244-245.

43 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal..., p. 97. A doutrina ainda aponta que o numerário fixado pelo magistrado não dever ser mínimo, nem desvirtuando das necessidades do ofendido, para que, como consequência, seja desestimulado o posterior ingresso do ofendido no juízo cível. GOMES, Luiz Flávio. Comentários às reformas do código de processo penal e da lei de trânsito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 315.

44 Nos termos do art. 77 do PL, será assistente do Ministério Público “a vítima ou no caso de menoridade ou de incapacidade, seu representante legal, ou, na sua falta, por morte ou ausência, seus herdeiros, conforme o disposto na legislação civil”.

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disciplinando, ainda, o mesmo art. 91, inciso XI, que é essencial que possa ob-ter do autor do crime a reparação dos danos causados, assegurada a assistência de Defensor Público.

Para o exercício de tal direito, o legitimado “poderá, no prazo de 10 (dez) dias, requerer a recomposição civil do dano moral causado pela infração, nos termos e nos limites da imputação penal, para o que será notificado após o oferecimento da inicial acusatória”, nos termos do art. 81 do Projeto. Significa dizer que, caso o Ministério Público deixe de requerer, em sua denúncia, a reparação dos danos morais, será proporcionado à vítima a propositura do pe-dido, apontando prazo certo e determinado para o exercício do direito.

Aqui, é explícita a adesão da ação civil de cunho reparatório em decor-rência de danos morais sofridos pelo ofendido, sendo expressa, nesse sentido, a redação do art. 423, inciso IV, do Projeto, ao expor que o juiz, ao proferir sentença condenatória, “arbitrará o valor da condenação civil pelo dano moral, se for o caso”45.

Não obstante as severas críticas anteriormente realizadas à redação do art. 387, IV, do atual CPP, entende-se que o tratamento do ressarcimento dos danos morais apreciados na seara criminal traria ainda maiores complicações, uma vez que a sua fixação exige avaliação mais complexa e pormenorizada das consequências do delito, visto que necessário analisar o dano psicológico causado e ainda ponderar a condição econômica das partes, dependendo de mais aprofundada produção probatória.

Não fosse apenas isso, é interessante destacar que os contornos probató-rios da lide civil e da criminal são essencialmente distintos, visto que,

na esfera criminal, o interesse da acusação é o de punir o acusado, condená-lo a uma sanção criminal e o da defesa é a manutenção do status libertatis, o retorno a este (casos de prisão cautelar) ou diminuir a potencialidade do ius puniendi. Cabe a acusação o encargo de quebrar a presunção de inocência do acusado e demonstrar o afastamento do mínimo censurável. O objeto da prova e a carga desta, na esfera civil têm outra dimensão e poderão desvirtuar as regras probató-rias criminais, diante dos danos ao ofendido (condenar para propiciar a fixação de uma indenização). No momento em que o legislador determinou a estipula-ção de uma indenização dos danos de natureza civil no âmbito de um processo criminal, incrementou o pólo acusador e fragilizou, ainda mais, o pólo defensivo. Isso porque a acusação terá interesse em também levar ao processo criminal a prova destinada à fixação dessa indenização e a defesa, por outro lado, terá mais uma preocupação, além de criar a dúvida razoável no processo, tendente a sua absolvição, preocupar-se-á com a indenização. Ademais, do dever de indenizar, o qual flui naturalmente da condenação, há interesse em sua dimensão, mesmo

45 No mesmo sentido, o art. 81, § 1º, aponta que “o arbitramento do dano moral será fixado na sentença condenatória e individualizado por pessoa, no caso de ausência ou morte da vítima e de pluralidade de sucessores habilitados nos autos”.

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que provisória. É mais um entrave à resposta da jurisdição criminal dentro do prazo razoável.46

Questão ainda de extrema complexidade concerne à utilização de parâ-metros para a fixação de danos morais. Como sopesar os danos sofridos pelo ofendido, sem que afete a tão buscada imparcialidade do magistrado? Sentiria ele os efeitos da ação, influenciando o desfecho da ação principal?

De qualquer forma, certo é que a possibilidade de ressarcimento dos danos morais e materiais sofridos pela vítima acarretaria elevado ônus à defesa, que não somente se preocupará em realizar o contraditório atinente ao ilícito penal, como também deverá contestar o grau de responsabilização civil decor-rente da conduta. Ora, não seria sobrecarregar o réu em seus direitos básicos em detrimento da plena tutela da vítima? Qual seria, então, a proporcionalidade entre a satisfação do direito das partes?

A doutrina destaca que o

[...] o legislador buscou o caminho mais fácil para resolver o problema da vítima no processo penal, eliminando algumas garantias dos acusados, como o direito ao contraditório e à ampla defesa e a necessidade de correlação entre a acusação e a sentença. O motivo da demora nas respostas judiciais reside na ausência de estrutura e material humano para o número de processos em tramitação, e não em face do rito processual. Mesmo assim, optou-se por reduzir garantias dos acu-sados, misturando o processo civil com o processo penal, ao invés de contratar mais funcionários para a administração da Justiça.47 (sem grifos no original)

Por tal razão é que, diante da eventual complexidade da causa, a redação do art. 82, parágrafo único, do Projeto48 aponta que a ação deverá ser remetida ao juízo cível competente, sendo, então, a questão discutida dentro dos limi-tes daquele regramento legal, para não prejudicar os direitos fundamentais do acusado.

CoNCLuSãoO movimento criminológico que pugnou pela necessidade de tutela da

vítima resultou na promulgação da Lei nº 11.719/2008, que acrescentou o in-ciso IV ao art. 387 do CPP, passando a disciplinar a possibilidade de ressarci-mento dos danos no bojo da sentença penal condenatória. Entretanto, diante

46 GIACOMOLLI, Nereu José. Reformas (?) do processo penal. Considerações críticas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 110.

47 GOMES, Lauro Thaddeu. A reparação do dano ao ofendido na sentença penal condenatória. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2011. p. 34-46.

48 Art. 82, parágrafo único, do PL: “Quando o arbitramento do dano moral depender da prova de fatos ou circunstâncias não contidas na peça acusatória ou a sua comprovação puder causar transtornos ao regular desenvolvimento do processo penal, a questão deverá ser remetida ao Juízo Cível, sem prejuízo do disposto no inciso II do art. 475-N do Código de Processo Civil”.

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das inúmeras problemáticas suscitadas pela alteração pontual do dispositivo, o projeto de lei que visa à reforma do microssistema processual penal disciplina, de forma mais detalhada, as condições para o requerimento do pedido de con-tornos essencialmente civis.

Assim, apesar de não sanar exaustivamente as dúvidas acerca do institu-to, melhor especifica quais são os legitimados para a propositura do pedido, o objeto (danos materiais e morais), o rito adequado, ampliando, de forma consi-derável, o rol de direitos (expressos) da vítima.

De qualquer forma, pode-se pontuar, como principais objeções ao novo sistema: a) a ofensa ao sistema acusatório, que garante a imparcialidade do juiz e o impede de proferir a condenação ex officio em matéria penal ou civil; b) do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, não observados no processo penal por essa lei quanto à lide civil.

Ao que parece, a reforma e o debate doutrinário devem primar pelo en-contro do ponto de equilíbrio entre a necessidade de satisfação da vítima, de-senvolvendo tutela mais célere e que responda melhor aos seus anseios, e, de outro lado, a garantia dos direitos fundamentais do acusado.

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Parte Geral – Doutrina

Princípios da Irretroatividade e Retroatividade Penal

LEONARDO SCHMITT DE BEMProfessor de Direito Penal na Universidade Federal de Santa Catarina, Doutor em Direito Pe-nal pela Università degli Studi di Milano/Itália, Mestre em Direito Penal pela Universidade de Coimbra/Portugal.

SUMÁRIO: 1 Princípio da irretroatividade penal; 2 Princípio da retroatividade penal; 2.1 Abolitio criminis; 2.1.1 Extinção dos efeitos penais; 2.1.2 Princípio da coisa julgada; 2.2 Abolitio criminis e revogação formal de um tipo penal; 2.3 Abolitio criminis e sucessão de normas integradoras; 2.4 Abolitio poena; 2.5 Novatio legis incriminadora; 2.6 Novatio legis in mellius; 2.7 Novatio legis in pejus; 2.8 Conclusões parciais; 3 Lei mais benigna; 4 Competência jurisdicional; 5 Lei intermediária; 6 Lei excepcional ou temporária; 7 Combinação de leis penais; 7.1 Teoria da ponderação unitária; 7.2 Teoria da ponderação diferenciadora; 7.3 Teoria da retroatividade parcial da lei; 7.4 Posicionamen-to jurisprudencial; 8 Substituição de elementos circunstanciados; 9 Crimes continuado e permanen-te; 10 Vacatio legis; 11 Retroatividade jurisprudencial; 12 Medidas de segurança.

1 PRINCÍPIo dA IRRETRoATIVIdAdE PENALTrata-se, conforme a doutrina de Juarez Cirino dos Santos, “do funda-

mento político do princípio da legalidade”1. Isso porque o princípio da lega-lidade – em suas duas dimensões – não é um favor que se faz à pessoa. Seria moralmente inaceitável o julgador punir alguém por uma conduta que era lícita ao ensejo de sua prática pelo motivo de uma nova lei passar a incriminar a mes-ma conduta. Igualmente, seria absurda a imposição de uma pena não prevista em lei quando da prática da ação.

A proibição de retroatividade da lei mais severa deriva do princípio da legalidade (art. 5º, XXXIX) e, especificamente, é uma consequência lógica do princípio da anterioridade (art. 5º, XL)2. Para Aníbal Bruno, estes dispositivos consubstanciam “a garantia e a estabilidade do ordenamento jurídico, sem o qual não haveria condição preliminar de ordem e firmeza nas relações sociais e de segurança dos direitos individuais”3, pois, adaptando a doutrina de Claus Roxin, “a tentação do legislador de introduzir ou agravar a posteriori crimes ou penas como consequências de emoções do momento e em razão de condutas socialmente escandalosas é marcante, especialmente, para acalmar os estados de alarme e excitação politicamente indesejados”4. Seria suficiente recordar,

1 SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal, 2006, p. 20.2 BACH, Marion. Leis penais em branco e princípio da legalidade, 2012, p. 41-44.3 BRUNO, Aníbal. Direito penal, 1967, p. 255.4 ROXIN, Claus. Derecho penal, 1997, p. 161.

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para exemplificar, que as cenas cruéis perpetradas pelo soldado Rambo na fa-vela de Diadema justificaram a promulgação da legislação sobre a tortura5. É nesse sentido que Jescheck e Weigend falam em “segurança jurídica”6.

Vale resumir o que mencionamos: ninguém pode ser sancionado penal-mente por uma conduta que na época de sua ação ou omissão não era relevante para o Direito Penal ou, para Figueiredo Dias, “um agente só pode ser punido por um fato descrito e declarado passível de pena por uma lei anterior ao mo-mento de sua prática”7. Isso, pois, o Direito Penal não pode gerar intranquili-dade social, mas, ao contrário, deve preservar os princípios constitucionais da legalidade e anterioridade como os dois pilares de um Estado Democrático de Direito, e não de um fantasma de Estado policial8.

Essa proibição decorre tanto da função da pena como do conceito de culpabilidade. O princípio é condição indispensável, em primeiro lugar, pois a ameaça da pena por parte do legislador funciona como um instrumento de prevenção geral. A intimidação de futuros infratores somente é possível quan-do existe previamente a coação da cominação penal. Em segundo lugar, é na possibilidade de conhecimento prévio da proibição em que se sustenta a moti-vação. Por isso o princípio impõe ao legislador incluir entre os pressupostos de aplicação da pena a culpabilidade do agente9.

2 PRINCÍPIo dA RETRoATIVIdAdE PENALAfirmamos que ninguém pode ser condenado por uma conduta ativa ou

omissiva que, quando de sua realização, não era considerada delito, de acordo com o direito aplicável. Ademais, não se pode impor uma pena mais grave que a cominada no momento da realização do delito. Essa é a ideia geral da irre-troatividade. Porém, haverá retroatividade quando posteriormente a realização do injusto culpável for promulgada uma lei que de qualquer forma favorecer o agente. Esse princípio, assim, implica uma derrogação da regra tempus regit actum. Entre outros fundamentos, pode-se dizer que a retroatividade favorável se reconduz às exigências do princípio da proibição de excesso.

Trata-se de princípio esculpido na Constituição Federal (art. 5º, XL) e com previsão detalhada no Código Penal (art. 2º, parágrafo único), auxiliando na resolução dos conflitos decorrentes do direito penal transitório: a) lei posterior deixar de considerar crime conduta incriminada pela lei anterior ou passar a isentá-la de pena; b) lei posterior incriminar ação que era anteriormente lícita; c) lei posterior, sem retirar a incriminação da conduta, beneficiar o agente tor-

5 Lei nº 9.455/1997, de 7 de abril.6 JESCHECK, Hans Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de Derecho Penal, 2002, p. 184.7 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal, 2004, p. 182.8 HASSEMER, Winfried. Fundamentos del Derecho Penal, 1984, p. 320.9 MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio. Manuale di Diritto Penale, 2009, p. 82.

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nando, de qualquer forma, menos grave sua situação; d) lei posterior, mantendo a incriminação da conduta, prejudicar a situação do agente.

2.1 AbolItIo cRImInIs

O art. 2º, caput, do Código Penal frisa que “ninguém poderá ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime”. Ocorre a “descriminali-zação em sentido técnico”10 ou a abolitio criminis, que constitui, por diversos motivos, uma causa extintiva da punibilidade (art. 107, III, do CP). Este institu-to “exprime uma escolha político-criminal do legislador, o qual entende não mais necessário de repressão penal uma classe de fatos precedentes previstos no catálogo de crimes”11. Pode-se citar como exemplos de abolição: o crime de usurpação de nome ou de sobrenome alheio (art. 185) foi revogado com a Lei nº 10.695/2003, de 1º de julho; o crime de sedução (art. 217) foi revogado com a Lei nº 11.106/2005, de 28 de março; a mesma legislação revogou o delito de adultério (art. 240).

Embora a aparente simplicidade da presente regra, há uma situação que pode gerar dúvidas. Imagine que uma lei penal deixa de considerar delito a conduta humana para passar a configurá-la como contravenção. Nesse con-texto, pergunta-se se a conduta praticada, em momento anterior à alteração, deve merecer a sanção contravencional? A situação deverá ser analisada sob dois prismas: o primeiro, excludente da ação criminosa; e o segundo, que passa a prevê-la como contravenção. Portanto, àqueles que realizaram o comporta-mento na vigência da antiga lei penal devem ser estendidos os efeitos da descri-minalização, isto é, o comportamento deixa de ter relevância, e apenas às ações verificadas depois da tipificação contravencional aplicam-se suas respectivas penas12.

2.1.1 Extinção dos efeitos penais

Cessam em virtude da abolitio criminis a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Portanto, na hipótese de um agente estar cumprindo a pena relacionada à conduta descriminalizada, deixará imediatamente de fazê--lo. Nesse sentido explica Faria Costa que “se o Estado deixa de ter a pretensão da punição criminal relativamente ao fato, não faz qualquer sentido que um agente continue a responder por ele”13. Os efeitos penais da condenação são os previstos nos arts. 91 e 92 do Código Penal. Permanecem, porém, os demais efeitos. Assim, por exemplo, no caso de se abolir o crime de homicídio culposo de trânsito (art. 302 da Lei nº 9.503/1997), continuará o agente obrigado a re-

10 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal, 2004, p. 187.11 MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio. Manuale di Diritto Penale, 2009, p. 89.12 DE BEM, Leonardo Schmitt. Lei penal no tempo, 2008, p. 187.13 COSTA, José de Faria. Noções fundamentais de direito penal, 2019, p. 88.

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paração dos danos civis resultantes do acidente fatal. Se em razão do adultério decorre na seara cível o divórcio do casal com a determinação judicial de pa-gamento de pensão, este efeito permanece inatacável14.

2.1.2 Princípio da coisa julgada

Atente que na redação do caput do art. 2º do Código Penal o legislador não fez menção ao princípio da coisa julgada. A omissão encontra justificativa no fato de a abolitio criminis estar albergada, em rigor, dentro da ampla pro-posta do princípio da aplicação da lei penal mais favorável (art. 2º, parágrafo único). É passagem de Nélson Hungria: “Nos altares do Direito Penal, a coisa julgada é uma santa de prestígio muito relativo”15.

Observando o Código Penal português, por sua vez, vê-se que o legis-lador a preserva e não a impõe como um limite, pois, nas hipóteses de conde-nação com trânsito em julgado, cessam a execução e os efeitos penais do fato que a nova lei eliminou do número de infrações (art. 2º-2). Ou seja, nem o caso julgado se constitui em um obstáculo à aplicação da lei mais favorável. Aduz Figueiredo Dias: “Isso se compreende considerando que, se a concepção do legislador se alterou até o ponto de deixar de reputar jurídico-penalmente rele-vante um comportamento, não tem qualquer sentido político-criminal manter os efeitos de concepção ultrapassada”16. Igual é a previsão espanhola, pois as leis penais que favoreçam o agente terão efeito retroativo ainda que ao entrar em vigência exista uma sentencia firme (art. 2º-2).

Situação diversa se observa no Código Penal alemão, que limita, por uma interpretação analógica e conforme o sentido da lei, a eficácia da retroatividade da abolitio criminis aos fatos anteriores a uma sentença (§ 2º-3), isto é, a lei penal descriminalizadora não alcança a coisa julgada. Claus Roxin, ao analisar a retroatividade favorável ao réu, salienta que “se se derroga um preceito penal depois da ação do fato, mas antes que se pronuncie a sentença, deve-se absol-ver o autor, pois neste caso a lei mais benigna é que não há em absoluto uma lei”17. Em outras palavras, a existência de uma sentença condenatória quer sig-nificar que no momento de sua prolação havia uma lei em vigor. A preservação da condenação significa a manutenção da eficácia da lei anterior, não obstante revogada pelo legislador.

2.2 AbolItIo cRImInIs e ReVoGAção foRmAl De um tIpo penAl

Relevante também é o fato de a nova legislação penal revogar formal-mente um tipo penal, mas trasladar um verbo pertencente ao seu núcleo origi-

14 MEROLLI, Guilherme. Fundamentos críticos de direito penal, 2010, p. 290.15 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, 1979, p. 119.16 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal, 2004, p. 187.17 ROXIN, Claus. Derecho Penal, 1997, p. 166.

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nário para um novo artigo, não configurando, assim, a abolitio criminis. Veja-mos alguns exemplos para aclarar o raciocínio.

A redação do art. 39, § 5º, II, da Lei nº 9.504/1997, de 30 de setembro, ganhou novos contornos com a promulgação da Lei nº 11.300/2006, de 10 de maio. A antiga redação dispunha: “Constitui crime [...] a distribuição de mate-rial de propaganda política, inclusive volantes e outros impressos ou a prática de aliciamento, coação ou manifestação tendente a influir na vontade do elei-tor”. Ao modificar sua redação, o legislador apenas simplificou seu texto, pois o aliciamento, a coação ou a manifestação nada mais representam que formas de arregimentação de eleitores. Ademais, vislumbra-se que algumas ações perten-centes ao seu núcleo foram trasladadas para compor o inciso III do art. 39, § 5º, embora a distribuição de material de propaganda política seja uma das ações mais comuns da boca de urna. Logo, as modificações não representaram uma abolitio criminis, mas apenas hipóteses de revogação formal.

A Lei nº 11.343/2006, de 23 de agosto, não previu dispositivo idêntico ao estatuído no art. 12, § 2º, III, da Lei nº 6.368/1976. Contudo, analisando a íntegra da nova redação, encontra-se previsão para algumas condutas que con-tribuem para o tráfico de drogas no art. 37 da nova Lei de Drogas. A doutrina penal específica traz comentários que, inclusive, assimilam as duas condutas, considerando como criminoso aquele que anuncia a chegada da polícia nas favelas, comumente feita com pipas ou fogos de artifício18. Embora a nova ti-pificação se distancie da anterior em face de sua especificidade e seja de mais difícil configuração, é perfeitamente compatível com o tipo penal revogado for-malmente.

O crime de atentado violento ao pudor (art. 214) foi revogado pela Lei nº 12.015/2009, de 7 de agosto. O mais apressado pode sugerir a ocorrência da abolitio criminis, mas esta não se verificou, pois, com uma atenta leitura de toda a reforma processada no âmbito dos crimes contra a liberdade sexual, verifica-se que o conteúdo daquele tipo penal passou a compor o crime de es-tupro (art. 213 do CP). O mesmo se deu em relação ao delito de rapto violento ou mediante fraude (art. 219 do CP), revogado pela Lei nº 11.106/2005, de 28 de março, pois, pela análise sistemática da legislação penal, se verifica que este tipo penal passou a constituir, justamente com a promulgação da legislação referida, forma qualificada do crime de sequestro (art. 148, § 1º, V, do CP).

2.3 AbolItIo cRImInIs e sucessão De noRmAs InteGRADoRAs

Tudo o que foi dito se refere aos casos de alteração da norma incrimina-dora, às modificações imediatas do tipo penal. Porém, é importante destacar os casos de alteração de normas convocadas a integrar o tipo de crime, citadas por

18 GOMES, Luiz Flávio. Nova lei de drogas comentada, 2006, p. 176.

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Gatta como modificações mediatas do tipo penal. Em tais hipóteses, a solução do problema será diversa quando a norma convocada integrar ou não a norma incriminadora, pois só no primeiro caso se pode propriamente falar de sucessão de normas integradoras da lei penal e, com efeito, aplicar-se a disposição legal da abolitio criminis. Passemos aos exemplos.

Ao fim da assertiva é paradigmático o exemplo do furto: responde pelo delito, como é notório, quem “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel” (art. 155 do CP). Como já vimos, é possível que a norma incriminadora faça referimento a um conceito normativo derivado de outra norma jurídica. Assim perfilhou o legislador quanto ao crime contra o patrimônio antes referido, porquanto o conceito de “alheia” reclama a noção civilística de propriedade (art. 1.228). Posto isto, é possível que, em tempo sucessivo à cominação do furto pelo agente, permanecendo inalterada a norma incriminadora do art. 155 do Código Penal, sobrevenha uma modificação das disposições de Direito Civil em relação ao modo de aquisição de propriedade e que, por efeito da alteração normativa, a coisa móvel subtraída possa não mais ser considerada “alheia”. Poder-se-ia falar de abolitio criminis nessa situação? Como se mencionou, é imperativo saber se a norma convocada integra ou não a norma penal incrimi-nadora. Nesse específico exemplo não se pode falar de abolitio criminis. O sig-nificado da qualificação de coisa “alheia” como coisa “de não propriedade do autor do furto”, utilizada pelo legislador na descrição da ação abstrata, segundo a doutrina penal italiana, “é de todo independente do conteúdo da norma civil, uma vez que os modos de aquisição de propriedade poderão ser disciplinados no Código Civil de maneira diversa sem que o conceito de coisa alheia altere de algum modo o seu significado”19.

Em tradução livre à doutrina de Gatta, pode-se dizer que apenas as mo-dificações de normas realmente integradoras, as únicas que incidem sobre a estrutura do tipo, podem ocasionar uma abolitio criminis, pois as normas a que se referem os elementos normativos do tipo, como no delito de furto, são só aparentemente integradoras e, assim, uma eventual alteração que incida so-bre elas é absolutamente irrelevante quanto à fisionomia do crime e à ofensa ao bem jurídico tutelado. Dito em outras palavras, estas normas, efetivamente, destinam-se somente a servir de pressuposto exclusivo para a contingente con-cretização da qualificação que é expressa pelo elemento normativo, no entanto não concorrem, definitivamente, para exprimir a escolha político-criminal da parte do legislador. Tome-se o crime de calúnia (art. 138 do CP)20. Pune-se com detenção e multa quem “caluniar alguém, imputando-lhe fato definido como crime”. A norma incriminadora requer a integração por outra norma penal que albergue um crime. Pensemos no fato de o agente imputar a prática de furto a outrem sabendo ser este inocente e que, passado um ano, em razão de modifi-

19 GATTA, Gian Luigi. Abolitio Criminis e Successione di Norme “Integratrici”, 2008, p. 509 e ss.20 GATTA, Gian Luigi. Abolitio Criminis e Successione di Norme “Integratrici”, 2008, p. 403 e ss.

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cação legal, o fato da falsa inculpação não seja mais legalmente previsto como crime, isto é, exclui-se o furto do Código Penal. Houve abolitio criminis? Não, pois a fisionomia do crime não é alterada. O tipo penal de calúnia segue man-tendo o mesmo núcleo de injusto. Mas se o crime fosse textualmente definido nos seguintes termos “caluniar alguém, imputando-lhe furto a pessoa que sabe inocente”, poder-se-ia falar em abolitio criminis.

E seria correto afirmar que não existe mais homicídio culposo de trânsito (art. 302 da Lei nº 9.503/1997) acaso a norma de cuidado descumprida pelo agente deixar de constar do CTB ou se for modificada depois do atropelamen-to? Para tocar com as mãos o que se perguntou: seria possível falar em abolitio criminis do homicídio culposo de trânsito se o limite permitido de velocidade fosse elevado para 80km/h após o motorista, conduzindo a 65km/h, ter matado um motociclista que trafegava em pista com velocidade máxima de 40km/h? Não, pois a fisionomia do delito de trânsito não se altera em decorrência da mudança de uma regra cautelar, pois esta não tem força para incidir jamais sobre a opção de política-criminal eleita pelo legislador. Em outras palavras, não há uma modificação do fim de proteção do tipo penal do art. 302 do CTB com a alteração de seu complemento. Para ilustrar o que foi dito: não deixa de existir o crime de homicídio culposo de trânsito se, depois do atropelamento fatal ocorrido em via de duplo sentido, resolver o conselho de trânsito alterá-la para sentido único.

O que acabamos de destacar é aquilo que pequena parte da doutrina penal brasileira enfatiza sob o contexto das normas penais em branco e, preci-samente, em relação à questão de saber se a alteração da norma complementar pode ou não ser retroativa para alcançar uma ação precedente relacionada ao objeto de alteração a ponto de provocar a abolitio criminis da norma incrimina-dora. Segundo Bitencourt, a resposta não é simples, pois se trata de “tema pro-fundamente controvertido, tanto na doutrina nacional quanto na estrangeira”21. E com isso se verificam várias alternativas.

Basileu Garcia aduzia que a retroatividade penal benéfica era incondi-cional, pois “a disposição extrapenal de que se entretece a norma penal em branco impregna-se de cunho penal, como parte que passa a constituir da figura delituosa”22. Juarez Cirino dos Santos é também partidário da retroatividade do complemento mais favorável. Depois de citar como exemplo a exclusão de uma doença, que, na época do fato, constava do catálogo que complementava a proibição do preceito penal, matiza que

atualmente, a controvérsia é decidida pela retroatividade da lei penal benigna, porque o complemento da lei é elemento do tipo penal e, portanto, integra a lei penal, segundo a seguinte lógica: se o tipo legal não existe sem o complemento

21 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2013, p. 216.22 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal, 1982, p. 167.

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legal ou administrativo – e o Poder Legislativo, independente da inconstituciona-lidade da delegação de poderes, autoriza a edição do complemento da lei penal, por outra lei ou por ato administrativo – então o complemento é elemento do tipo de injusto e, na hipótese de complemento posterior mais favorável, retroativo.23

No outro extremo estava Nelson Hungria, para quem “as leis penais em branco não são revogadas em consequência da revogação de seus complemen-tos. A circunstância de que, com a cessão dos complementos, deixam de ser aplicáveis, somente diz com o futuro”24. Ainda contrários estão João Mestieri25 e Bitencourt. Para este,

as leis penais em branco não são revogadas em consequência da revogação de seus complementos, pois se tornam tão-somente temporariamente inaplicáveis por carecerem de elemento indispensável à configuração da tipicidade. Recupe-ram sua validez e eficácia com o surgimento de nova norma integradora.26

Com base nas doutrinas eleitas, passemos à análise do seguinte caso: o agente é condenado por tráfico da droga ‘x’, como tal prevista à época do fato na Portaria nº 344/1998 da Secretária de Vigilância Sanitária que, no en-tanto, posteriormente deixou de figurar nessa mesma lista, isto é, deixou de ser considerada droga pela norma complementar. Sabe-se que o art. 33 da Lei nº 11.343/2006 é um exemplo de norma penal em branco e que a Portaria do Ministério da Saúde descreve os complementos (drogas) que integram a redação do preceito penal. Seguindo a doutrina de Gatta, anteriormente exposta, basta precisar se esse complemento se trata realmente de uma norma integradora ou é apenas norma aparentemente integradora. Particularmente, entendo que reveste a primeira natureza e, com efeito, a supressão da droga ‘x’ do elenco da Portaria tem força para descriminalizar o comportamento praticado pelo agente antes da modificação complementar e, portanto, rompe com os efeitos da sen-tença. Isso porque uma nova disciplina administrativa relacionada às drogas comporta a alteração da forma de ataque ao objeto jurídico protegido pelo tipo penal do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, restringindo o âmbito de incriminação. Não obstante a opção político-criminal não seja modificada, há alteração real da figura abstrata do delito. Assim, mantemos posição no sentido de que no exemplo a supressão da substância ‘x’ altera a própria matéria de proibição e, por conseguinte, opera-se a abolitio criminis27, mas não mais seguimos a doutrina penal da (des)continuidade do tipo normativo, apresentada por Luiz Flávio Gomes, passando a fundamentar a abolitio criminis, até para evitar inter-pretações arbitrárias, pela perspectiva de um confronto lógico-formal apresenta

23 SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal, 2006, p. 51.24 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal, 1977, p. 137.25 MESTIERI, João. Manual de direito penal, 1999, p. 75.26 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2013, p. 217.27 BEM, Leonardo Schmitt de Bem. Lei penal no tempo, 2008, p. 202.

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pelo italiano Gatta, pois um critério no qual é possível precisar se houve ou não abolitio é a comparação dos fatos jurídicos legais no plano estrutural28.

Solução diversa foi proposta em exemplo de Sebastian Soler: “O fato de que uma lei tire de determinada moeda o seu caráter, nenhuma influência tem sobre as condenações existentes por falsificação de moeda (art. 293 do CP), porque não variou o objeto abstrato de tutela penal; não variou a norma penal que continua sendo idêntica”. Para o autor argentino, “só influi a variação da norma complementar quando importe verdadeira alteração da figura abstrata do Direito Penal, e não mera circunstância que, na realidade, deixa subsistente a norma”29. E também no exemplo de Silva Sánchez:

Pense numa indústria cujas emanações de anídrico sulfúrico são de 10.000 mg/Nm3, em tempo no qual a normativa administrativa do meio ambiente situou o máximo em 9.000 mg/Nm3, pelo que, presente os demais requisitos, realiza o tipo penal do art. 325 do Código Penal Espanhol, com os responsáveis sendo con-denados. Porém, passados os anos e devido a uma melhora da situação do meio ambiente, a Administração situa o máximo de emanação tolerada em 12.500 mg de anídrico sulfúrico. Há realmente sentido que se aplique retroativamente ao sujeito a nova configuração do art. 325 e que, portanto, seja posto em liberdade? A resposta é negativa, porquanto, em que pese a mudança normativa produzida, continua cumprindo perfeitamente seus fins preventivos a sanção conferida a um indivíduo que, em um momento em que determinados bens jurídicos se achavam expostos ao risco, realizou uma conduta de exposição a perigo relevante aos mesmo que ainda atualmente se pretende evitar.30

Por essa razão não se falava em abolitio criminis no caso de violação de tabelas de preço relacionado ao revogado art. 6º, I a III, da Lei nº 8.137/1990, de 27 de dezembro (revogado pela Lei nº 12.529/2001, de 30 de novembro), se-não exemplificamos: certa mercadoria não podia ser vendida por preço superior a R$ 50,00, porém o feirante resolveu vendê-la por R$ 75,00. Posteriormente, uma nova tabela foi publicada permitindo a venda da mesma mercadoria por até R$ 90,00. A nova norma complementar retroagia para beneficiar o feirante e, assim, deixava de considerar a conduta de delito contra a ordem econômica? A resposta era negativa, a uma, pois houve simples atualização dos valores monetários em decorrência da chamada lei do mercado, da oferta e da procura; e, a duas, pois as tabelas tinham nítida natureza excepcional31; e, finalmente, porque a mudança de preços na tabela não elimina o caráter criminoso da con-duta precedente realizada, mas não porque subsiste uma continuidade típica normativa como salienta Luiz Flávio Gomes, e, sim, porque em nada alterou a escolha política-criminal do legislador nacional de punir tais condutas. Logo, a alteração da tabela de preço não determinava uma abolitio criminis, uma vez

28 GATTA, Gian Luigi. Abolitio Criminis e Successione di Norme “Integratrici”, 2008, p. 6 e ss.29 SOLER, Sebastian. Derecho Penal Argentino, 1976, p. 193.30 SILVA SÁNCHEZ, Jesús Maria. Legislación socio-económica y retroactividad favorable, 1995, p. 173 31 DELMANTO, Celso et al. Código penal comentado, 2007, p. 28.

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que se constituía apenas como norma aparentemente integradora do tipo penal de ilícito previsto no antigo art. 6º da Lei nº 8.137/1990, de 27 de dezembro.

2.4 AbolItIo poenA

A isenção de pena é uma situação favorável ao condenado, justificando a retroatividade da lei que o beneficia. Revela frisar, porém, que não se deve confundir isenção de pena com a despenalização de uma conduta, pois na última situação há apenas uma modificação da natureza da sanção imposta, configurando, mais precisamente, segundo veremos, uma situação em que a lei posterior favorece ao agente. Dotti exemplifica a hipótese com a chamada lei de convivência entre os companheiros para o caso de aplicação do perdão judicial previsto no art. 121, § 5º, do Código Penal. Com a Lei nº 9.278/1996, de 10 de maio, foi possível estender ao companheiro que praticou o crime de homicídio culposo antes da promulgação da lei o abrigo do perdão judicial32.

2.5 noVAtIo leGIs IncRImInADoRA

Uma lei penal que passa a incriminar uma conduta anteriormente lícita só tem eficácia sobre comportamentos praticados a partir de sua entrada em vi-gor. Assim, está proibida a retroatividade, pois, “se a consciência da ilicitude da ação ou da omissão é um dos elementos da culpabilidade, não há de se cogitar de responsabilidade penal quando o fato praticado não era incriminado”33, ou pela doutrina de Fragoso, “inexistente a ameaça penal, justificada seria a prática do fato, pois o cidadão não poderia sentir-se obrigado à observância de preceito não existente nem intimado por sanção que não havia”34.

Merolli fez menção ao “bizarro” art. 216-A do Código Penal, consequên-cia da promulgação da Lei nº 10.224/2001, de 15 de maio, que tipificou o de-lito de assédio sexual. Para o penalista, “por mais discutível e questionável que seja o novo diploma legal, este só pode alcançar os fatos praticados depois do início de sua vigência”35. O art. 39 da Lei nº 11.343/2006, sem correspondente na revogada Lei nº 6.368/1976, tipifica a ação de “conduzir embarcação ou aeronave após o consumo de drogas, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”. A pena privativa de liberdade passou a ser aplicada apenas às ações praticadas depois de transcorrido o período de vacatio (08.10.2006), sendo que àqueles que conduziram embarcações sob o efeito da substância ilícita em pe-ríodo anterior não foi possível impor a sanção decorrente da nova legislação,

32 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal, 2001, p. 265.33 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal, 2001, p. 265.34 FRAGOSO, Heleno Cláudio. A lei penal no tempo, 1975, p. 4.35 MEROLLI, Guilherme. Fundamentos críticos de direito penal, 2010, p. 288.

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pois “o autor do fato não praticou crime, porque, no momento da execução, sua conduta era indiferente para o Direito Penal”36.

Ademais, poder-se-á falar de novatio legis incriminadora se uma con-travenção penal passar a constituir delito. O stalking é uma conduta na qual o agente persegue a vítima com habitualidade. As razões para esta conduta são muitas, mas geralmente se verifica por obsessão amorosa, concretizando-se, assim, pelo envio incansável de flores, presentes, e-mails, que acabam gerando um manifesto desconforto à vítima e, não raro, alguns problemas emocionais37. Para evitar essa invasão na esfera de intimidade da vítima, o legislador prevê a contravenção de perturbação da tranquilidade: “Molestar alguém ou perturbar--lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável” (art. 65 da LCP). Damásio de Jesus entende que essa conduta merece maior consideração do le-gislador, transformando-se o fato em crime autônomo. Considerando a restrição de liberdade de locomoção da vítima, a alteração de seu modo de vida, a lesão a sua reputação, enfim, o temor geral, a sugestão está próxima de ser aceita pelo legislador (veja o projeto do novo Código Penal38), passando o stalking a constituir delito. Mas a nova norma incriminadora só poderá ser aplicada a quem pratique a perseguição depois de sua entrada em vigor, não alcançando os fatos pretéritos.

2.6 noVAtIo leGIs In mellIus

Dispõe o art. 2º, parágrafo único, do Código Penal que “a lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ain-da que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”. Em regra geral, a lei penal mais benigna é aquela que estabelece uma pena mais branda ou um regime de cumprimento de pena menos severo. Mas a maior benigni-dade pode provir de outras circunstâncias, como, por exemplo, a alteração da composição do tipo penal, a diminuição do tempo para a progressão de regime, lapso prescricional menor, uma nova condição de procedibilidade da ação pe-nal39, etc. Vamos aos exemplos.

Pense-se que o tipo penal de formação de quadrilha ou bando (art. 288 do CP) passasse a exigir o número mínimo de cinco elementos para sua con-figuração. Não há a descriminalização em sentido técnico, mas alteração da composição do tipo penal. O novo dispositivo retroagiria incondicionalmente para alcançar todos os fatos ocorridos em momento anterior, pois a exigência normativo-típica era de apenas quatro pessoas para a configuração do crime

36 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2013, p. 206.37 ROSA, Alexandre Morais; QUARESMA, Heloísa Helena. Stalking e a criminalização do cotidiano, 2013, p. 1

e ss.38 Art. 147 do PLS 236/2012, Projeto Dipp-Sarney.39 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de Derecho Penal, 2002, p. 121.

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autônomo. Trata-se, portanto, de uma lei posterior mais benéfica aos fatos pra-ticados sob a égide da lei anterior.

A Lei nº 9.099/1995, de 26 de setembro, passou a exigir a representação do ofendido nos crimes de lesão corporal leve e culposa para ser instaurada a ação penal (art. 88). Embora a ação penal para o crime de lesão corporal fosse de natureza pública antes da promulgação da Lei dos Juizados Especiais, indepen-dentemente da fase em que se encontrava o processo fez-se necessário o exer-cício dessa condição (representação) por meio da intimação do ofendido, como condição de procedibilidade da ação penal. Vencido o prazo de trinta dias sem manifestação da parte, o juiz, de ofício, extinguia a punibilidade do acusado, pois a nova legislação era mais favorável ao agente. Para a análise prática dessa situação, vide processo Supremo Tribunal Federal (Inquérito nº 10533/AM, Rel. Min. Celso de Aurélio J. 24.04.1996, DJU 24.05.1996, p. 17412).

A Lei nº 6.368/1976 previa entre as causas de aumento de pena a asso-ciação eventual para fins de tráfico (art. 18, III). A Lei nº 11.343/2006, de 23 de agosto, no entanto, não manteve no rol das causas especiais de aumento de pena essa circunstância. Logo, por ser mais favorável, retroagiu para beneficiar os agentes que assim se associavam e, com efeito, muitos recursos foram inter-postos judicialmente para que o aumento antes irrogado fosse desconsiderado.

Releva frisar, como o fez Mirabete, que essas previsões não ferem “o princípio que preserva a coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da CF), pois o preceito tutela as garantias individuais e não o direito do Estado enquanto titular do ius puniendi”40. Em que pese uma sentença definitiva, a lei mais favorável sempre retroage em benefício do condenado. Já não é esta a determinação do legislador português, alemão e italiano, pois eles preservam o princípio da coisa julgada.

Segundo o primeiro, “salvo se o agente não tiver sido condenado por sen-tença transitada em julgado, é aplicado o regime que se mostrar mais favorável” (art. 2º-4). Taipa de Carvalho entende que essa disposição é inconstitucional, pois a mesma restrição não consta do texto português (art. 29-4)41. Este entendi-mento não é compartilhado por Figueiredo Dias:

Não seria razoável, por muito dificilmente exequível, que a totalidade das conde-nações penais cuja execução ou cujos efeitos se mantêm tivesse de ser reformada todas as vezes que uma lei nova viesse a atenuar qualquer consequência jurídico--penal ligada ao fato. Além disso, de todo o modo, não compete à lei constitucio-nal regular as condições para aplicação dos seus comandos, antes pelo contrário, lhe compete deixar ao legislador o seu âmbito próprio de atuação.42

A nosso ver, quanto ao Direito Penal português, a questão nem precisa chegar à seara da (in)constitucionalidade, pois se para o mais (abolitio criminis)

40 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, 1990, p. 62.41 CARVALHO, Taipa de. Direito penal, 2004, p. 234.42 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal, 2004, p. 189.

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é permitido desconstituir a força do princípio da coisa julgada (art. 2º-2), não há razão para o menos (uma lei penal mais favorável, mas que não chega a descri-minalizar) deixar de sê-lo.

O legislador alemão também impõe limites à retroatividade: “Se a lei vigente ao término do fato se modifica antes da sentença, aplicar-se-á a lei mais benigna” (§ 2º-3)43. Ainda o legislador italiano: “Quando a lei do tempo em que foi cometido o crime e a posterior são diversas aplica-se aquela com disposição mais favorável ao réu, salvo pronunciada sentença irrevogável” (art. 2º-4), pois, segundo explicam Marinucci e Dolcini, “a necessidade de um tratamento mais favorável não prevalece sobre a inviolabilidade da coisa julgada como expres-são da necessidade de salvaguardar um conjunto de investigações judiciais já esgotadas”44.

2.7 noVAtIo leGIs In peJus

Quando a lei posterior agravar, de qualquer modo, a conduta criminosa praticada sob a égide da lei anterior, aplicar-se-á o princípio da ultratividade, pelo qual a lei anterior postergará seus efeitos para o futuro, por ser mais benig-na, e a posterior, por ser mais severa, será irretroativa. Vejamos alguns exemplos para aclarar esse contexto.

O agente que praticou uma única conduta de tráfico até o dia 08.10.2006 continua a ter uma resposta penal entre três e dez anos, não obstante sua conde-nação se dê sob o tempo da legislação mais recente, que prevê pena mínima de cinco anos e máxima de quinze anos. Portanto, mantém-se a aplicação da Lei nº 6.368/1976. A nova lei, por ser mais grave, não retroage.

O exemplo anterior apresenta uma situação de alteração quantitativa de pena. Porém, a alteração também pode dar-se qualitativamente. Por exemplo: a lei penal passa a criminalizar uma conduta que anteriormente era apenas contravenção penal; ou a lei penal passa a cominar cumulativamente pena de prisão e multa a uma conduta que antes era sancionada apenas com prisão. Nestes dois casos a lei nova será irretroativa e a lei anterior será ultrativa.

2.8 conclusões pARcIAIs

Luiz Regis Prado nos ampara na resolução dos conflitos sucessórios de leis penais:

Na hipótese em que a lei posterior (lei nova) incrimina fato não previsto na lei an-terior: vale o princípio da irretroatividade; quando a lei posterior descrimina fato anteriormente punível: vale o princípio da retroatividade favorável ou abolitio criminis; se a lei posterior pune o mesmo fato mais que a anterior: vale o princí-

43 ROXIN, Claus. Derecho penal, 1997, p. 166.44 MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio. Manuale di Diritto Penale, 2009, p. 94.

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pio da ultratividade; e, se a lei posterior beneficia de qualquer forma o agente: vale gravemente o princípio da retroatividade favorável.45

3 LEI MAIS BENIGNAO exato critério para apuração da lei mais benigna foi apurado por

Hungria na redação do Código Penal de 1969, não promulgado, ao salientar que “para se reconhecer qual a lei mais favorável entre a posterior e anterior, elas devem ser consideradas de maneira separada, cada qual no conjunto de suas normas aplicáveis ao fato”46. Também era a orientação de Von Liszt:

Se o julgador tem de escolher dentre duas ou mais leis a menos severa, deve antes de tudo decidir o caso que lhe é sujeito sucessivamente em face de cada uma das leis em questão, e assim verificar as circunstâncias constitutivas do crime segundo a qualificação de cada uma onde o evento mais favorece ao acusado.47

Na reforma penal de 1984 o legislador silenciou a respeito. A mais bali-zada doutrina segue o critério de Hungria48. Entendemos que, para precisão da lei mais benigna, o procedimento é – e, em último termo, tem de ser – casuísti-co, não obstante suscetível de uma tipologia, isto é, o magistrado deve realizar uma consideração conjunta do agente e da situação concreta perante as duas leis e, depois, comparar os dois resultados, aplicando aquele mais favorável ao agente. Alternativamente, embora não endossado pela doutrina tradicional, Delmanto apontou que cabia ao interessado decidir qual lei aplicar49.

4 CoMPETÊNCIA JuRISdICIoNALQuando o processo se encontrar em fase de instrução e julgamento, ou

pendente de decisão transitada em julgado, a competência para aplicação da lei nova (mais favorável) será do magistrado que dirige a causa penal e, estando pendente o julgamento do recurso, pode o desembargador ou juiz convocado a integrar uma Câmara Criminal do respectivo Tribunal seguir dois caminhos: ou aplicar ex officio o benefício – o que reputamos mais correto por respeito ao princípio da celeridade processual – ou converter o julgamento em diligência. Quanto aos processos com sentença condenatória irrecorrível, deve-se aplicar a Súmula nº 611 do Supremo Tribunal Federal, que estabelece: “Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação da lei mais benigna”. Assim dispõe a Lei nº 7.210/1984, que definiu a compe-tência do juiz da execução para “aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado” (art. 66, I). Finalmente, este pedido não

45 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, 2006, p. 191.46 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal, 1977, p. 236.47 LISZT, Franz Von. Tratado de direito penal alemão, 2003, p. 178.48 BRUNO, Aníbal. Direito penal, 1967, p. 255.49 DELMANTO, Celso. Código penal comentado, 2007, p. 21.

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deve ser realizado por meio de revisão criminal perante o Tribunal competente, mas sim com requerimento da parte interessada ao juízo da execução50.

5 LEI INTERMEdIÁRIAO princípio da aplicação da lei mais benigna também se estende ao que a

doutrina chama de lei intermediária, isto é, “uma lei que não estava vigendo nem ao tempo do fato delitivo nem no momento da solução do caso”51. Em outras pa-lavras, é uma lei penal que “nasce e morre” entre a conduta realizada e a decisão judicial. É o que se pode chamar de dupla sucessão: a primeira lei (do momento do fato) deixa de vigorar em razão de uma segunda lei e esta perde sua eficácia em razão da promulgação de uma terceira lei (antes da decisão final).

Vejamos o seguinte caso: a pena mínima vigente para o delito de furto era de um ano, sendo depois substituída para uma pena de seis meses; mas, antes da sentença, a pena mínima é novamente alterada para nove meses, pois a punição anterior foi considerada demasiadamente leve. Note que, entre as três leis, a intermediária é a mais benigna. Será a lei aplicável no momento da sentença? Sim, pois é a lei mais favorável. Nesse caso, a lei intermediária é si-multaneamente retroativa (em relação à primeira) e ultrativa (quanto à terceira). Ela possui dupla extratividade. Claus Roxin aclara essa temática:

Quando depois da comissão do fato se atenua a pena prevista para a conduta, porém, devido à má experiência dessa reforma, e antes do momento da decisão judicial se retorna a pena originária, não obstante essa situação, pode o réu exigir que o castigue com a norma intermediária mais benigna, uma vez que com a atenuação havia obtido a posição jurídica mais favorável.52

Esse pensamento também era pontificado por Nelson Hungria: “Deci-dir o contrário seria contrariar o princípio da extratividade da lex mitior”53, e, atualmente, é seguido por Cezar Bitencourt:

A lei posterior, mais rigorosa, não pode ser aplicada pelo princípio geral da irre-troatividade, como não pode ser aplicada a lei da época do fato, mais rigorosa. Por princípio excepcional, só poderá ser aplicada a lei intermediária, que é mais favorável. A lei intermediária tem dupla extratividade: é, ao mesmo tempo, uma lei retroativa e ultrativa.54

6 LEI EXCEPCIoNAL ou TEMPoRÁRIAO art. 3º do Código Penal estabelece: “A lei excepcional e a lei tempo-

rária, embora cessadas as circunstâncias que a determinaram ou decorrido o

50 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal, 2001, p. 263.51 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal, 2001, p. 263.52 ROXIN, Claus. Derecho penal, 1997, p. 167.53 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, 1977, p. 137.54 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 213, p. 213.

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período de sua duração, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência”. Em um sentido amplo, essas leis irão viger por um período de tempo determinado e apresentam eficácia transitória. A primeira vige por tempo limitado por um fato futuro, emergencial ou extraordinário (epidemia ou inundação). A segunda vige por um tempo que está predeterminado no próprio texto normativo. Extinguin-do-se a situação anormal ou encerrando-se o prazo de vigência, revogam-se au-tomaticamente. Ambas, contudo, apresentam a característica da ultratividade, isto é, continuam a viger para as condutas humanas praticadas em seu curso, não obstante revogadas.

Andrei Schmidt salienta que o art. 3º do Código Penal, no que se refere à lei excepcional, foi criado para normatizar casos de guerra ou de calamidade pública, mas a sua redação, excessivamente abstrata e permissiva, acaba por servir de fundamento para outros contextos, como, por exemplo, para criação de leis penais em matéria econômica quando o nível inflacionário brasileiro atinge patamar elevadíssimo55. O art. 36 da Lei nº 12.663/2012 dispõe que os “tipos penais previstos neste Capítulo terão vigência até o dia 31 de dezembro de 2014”. A Lei Geral da Copa é um exemplo de lei temporária. Assim, as condutas ilícitas de utilização indevida de símbolos oficiais (arts. 30 e 31), de marketing de emboscada por associação (art. 32) e por intrusão (art. 33) pode-rão suceder até o último dia deste ano.

Em face do princípio da retroatividade benéfica, consagrado no art. 5º, XL, da Constituição Federal, a disposição relativa às leis excepcionais e tem-porárias não seria inconstitucional? Não obstante minoritária, uma respeitada doutrina penal rejeita o imperativo da ultratividade gravosa56. Predomina, no entanto, tese contrária, que entende como principal razão justificativa do afasta-mento da lei mais favorável o fato de a “revogação de uma lei temporal vir con-dicionada somente pelo desaparecimento do motivo que a originou e não por uma mudança na concepção jurídica”57. Do contrário, bastaria que o agente aguardasse o mais próximo do fim da vigência de uma dessas leis para praticar a infração, porquanto estaria seguro de que não seria julgado antes de sua re-vogação automática58. O Código Penal italiano regula, de modo expresso, que o princípio da retroatividade da lei penal mais favorável não opera para as leis excepcionais e para as leis temporárias (art. 2º-5)59. Entre nós, porém, mesmo que se verifique a revogação automática da lei, continua a ter efeitos para o

55 SCHMIDT, Andrei Zenkner. O princípio da legalidade penal no Estado Democrático de Direito, 2001, p. 231.56 COSTA JÚNIOR, Paulo José. Comentários ao código penal, 2007, p. 10; MEROLLI, Guilherme. Fundamentos

críticos de direito penal, 2010, p. 294-295; NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais comentadas, 2012, p. 393.

57 Entre muitos, veja-se: JESCHECK, Hans; WEIGEND, Thomas. Tratado de direito penal, 2002, p. 188; ROXIN, Claus. Derecho Penal, 1997, p. 169; DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal, 2004, p. 193; DELMANTO, Celso et al. Código penal comentado, 2007, p. 26; BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2013, p. 215.

58 NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal, 1975, p. 88.59 MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio. Manuale di Diritto Penale, 2009, p. 96.

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futuro, mesmo após cessar a situação de emergência ou decorrido o prazo final da lei temporária. Não há exceção da exceção!

Mencionam Zaffaroni e Pierangeli que “uma lei excepcional não se deve confundir com um tipo circunstanciado, que é uma lei penal que considera de-lito uma conduta ou agrava a pena para uma conduta, quando há a ocorrência de certas circunstâncias”60. Por exemplo: o furto praticado durante o repouso noturno (art. 155, § 1º) ou o furto praticado em ocasião de uma calamidade pública (art. 155, c/c art. 61, II, j, do CP). Ambos os fatos só seriam circunstân-cias especiais se estivessem contidos em lei excepcional ou em lei temporária. Em caso de epidemia no país, poder-se-á estipular uma lei penal que proíba as pessoas em quarentena de se comunicar com seus parentes. Também seria distinto “enquanto durar uma situação de contaminação venenosa, provocada por uma alga, relativamente a determinados bivalves, o que implica que a sua comercialização esteja penalmente proibida”61.

7 CoMBINAção dE LEIS PENAISOutra questão importante a ser analisada no âmbito do Direito Penal

transitório refere-se à possibilidade ou não da combinação de leis penais só em seus aspectos favoráveis para a “promulgação” de uma “terceira lei”. Dito em outras palavras, a combinação das leis penais revela que a lei anterior ou a lei posterior, em seu todo, não é favorável ao agente. É notório que a combinação de leis em termos procedimentais é possível. Resta saber se idêntico caminho pode ser seguido para o fim de aplicação de penas. Duas são as teses cogitadas: a) a tradicional, que rejeita a combinação; b) a moderna, que a admite. Há mui-ta discussão teórica e jurisprudencial a respeito, razão pela qual cumpre estudar cada construção depois de destacar alguns exemplos.

O tráfico de drogas atualmente está previsto no art. 33 da Lei nº 11.343/2006, punido com pena de reclusão, de cinco a quinze anos. Existe previsão de uma redutora de pena para os chamados “traficantes de primeira viagem” com frações variando de um sexto a dois terços, desde que preenchi-das algumas condições (art. 33, § 4º). Assim, aplicando a fração máxima ao tem-po mínimo de pena, chegar-se-ia a uma pena de um ano e oito meses (conside-rando que a pena-base foi aplicada no mínimo legal e não houve incidência de circunstâncias legais e causas especiais de aumento). Antes da promulgação da referida lei, por sua vez, o delito estava previsto no art. 12 da Lei nº 6.368/1976, com pena de reclusão de três a quinze anos, mas não havia previsão da redutora para “o traficante de primeira viagem”. Poder-se-ia combinar apenas as partes boas, isto é, a pena do art. 12 com a redutora do art. 33, § 4º, apenas para os agentes que cometeram a ação enquanto vigia a antiga legislação especial?

60 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, 1997, p. 232.61 COSTA, José de Faria. Noções fundamentais de direito penal, 2009, p. 91.

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Ainda no contexto das drogas, a revogada lei previa como causa de au-mento de pena de um a dois terços no caso de tráfico com o exterior (art. 18, I, da Lei nº 6.368/1976). Não obstante a nova lei ter aumentado a pena prevista ao delito com a promulgação da novel legislação (de três para cinco anos, em relação ao mínimo; e de doze a quinze, quanto ao máximo), reduziu o quantum de aumento de pena relativa à ação de tráfico para o exterior para um sexto a dois terços (art. 40, I, da Lei nº 11.343/06). A questão a responder, portanto, é saber se é possível que o réu que praticou o crime sob a égide da antiga lei (revogada) poderia ficar sujeito àquela pena inicial (art. 12: reclusão, de três a doze anos) com o novo aumento de pena (art. 40, I: de um sexto a dois terços), por lhe ser mais favorável?

7.1 teoRIA DA ponDeRAção unItáRIA

Essa vertente fundamenta a proibição da combinação das leis penais no entendimento de que o intérprete estaria legislando e, assim, violaria o princípio da separação de poderes (art. 2º da CF), e mais: que a terceira lei não vigeu em nenhum momento, devendo-se aplicar totalmente uma ou outra lei. Há presti-giada defesa para a presente tese, como Zaffaroni, Pierangeli, Marinucci, entre outros62.

7.2 teoRIA DA ponDeRAção DIfeRencIADoRA

Não obstante a privilegiada defesa pela primeira tese, a segunda encontra apoio significativo da doutrina63. Essa posição consolida-se no sentido de que a expressão “de qualquer modo” prevista no art. 2º, parágrafo único, do Código Penal não comporta exceções. Assim, o juiz está obrigado a aplicar a parte da lei (leia-se, a norma) que mais favoreça ao agente e, para essa tarefa, é possível se valer de parte da lei posterior ou de seu todo (leia-se, a norma retroativa). Em síntese, valendo-se apenas parcialmente da lei posterior, realiza uma fusão com a parte favorável da lei anterior (leia-se, norma) que vigia ao tempo da realiza-ção do delito. Nesse âmbito, não está obrigado a optar por um regime único, como pretendem muitos penalistas, e muito menos está criando uma terceira lei. Parte da doutrina nacional e estrangeira segue essa tese. Frederico Marques afirma que a tarefa do juiz não passa de simples interpretação integrativa64. Figueiredo Dias menciona que

é equívoca a afirmação de que o regime definitivo aplicável não pode ser com-posto pelo juiz com partes de regulamentação que é emanada de uma lei antiga e de partes emanadas da nova lei, como vem entendendo a jurisprudência do-

62 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, 1997, p. 231; MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio. Manuale di Diritto Penale, 2009, p. 94.

63 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal, 1982, p. 150; SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal, 2006, p. 11.

64 MARQUES, José Frederico. Curso de direito penal, 1954, p. 192.

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minante (refere-se às cortes portuguesas), que aponta para a opção de um dos regimes em bloco.65

7.3 teoRIA DA RetRoAtIVIDADe pARcIAl DA leI

Paulo Queiroz propõe uma terceira corrente, pois entende que a questão está mal colocada, porque rigorosamente não haveria em tal situação combi-nação de leis penais, mas mera retroatividade parcial da lei. Entendemos, na verdade, que o penalista acaba por alcançar o mesmo resultado da teoria dife-renciadora. Literalmente:

A nova lei sempre pode ser total ou parcialmente favorável ao réu, podendo inclusive ser benéfica na parte penal e prejudicial na parte processual ou vice--versa. Pois bem, se a lei posterior for inteiramente favorável ao réu, é evidente que retroagirá de forma integral, mas se o for em parte, então o caso não é de combinação, mas de retroatividade parcial da nova lei. Parece evidente assim que, se a lei deve retroagir quando for inteiramente favorável, tal deve ocorrer, com maior razão, quando o for apenas em parte, em respeito ao princípio da retroatividade da lex mitior, pouco importando o quanto de benefício encerre; afinal, se a lei penal deve retroagir no seu todo quando mais branda, o mesmo há de ocorrer quando apenas o for em parte. Ademais, o Código Penal (art. 2º, parágrafo único) prevê a retroatividade quando a lei posterior favorecer o agente de qualquer modo. Não existindo combinação de lei, mas mera retroatividade parcial da nova lei, é impróprio falar de criação de uma nova lei, pois o que ocor-re é uma simples aplicação simultânea de leis igualmente válidas. E não admiti-la é negar vigência ao princípio da retroatividade da lei mais favorável.66

7.4 posIcIonAmento JuRIspRuDencIAl

E como se posicionam as Cortes de Justiça nessa matéria? O Supremo Tribunal Federal já rejeitou a interpretação combinada de leis penais no tempo com a consequente criação de um terceiro ordenamento só para reger um caso específico, como, por exemplo: Recurso Criminal nº 1381, RTJ 94/501; Recurso Criminal nº 1412, RTJ 96/547; e Habeas Corpus nº 68.416/DF, Rel. Min. Paulo Brossard, J. 08.09.1992, assim ementado:

Lex mitior. Execução de sentença. Livramento condicional. Combinação de nor-mas que se conflitam no tempo. Princípio da isonomia. O princípio da retroativi-dade da lex mitior, que alberga o princípio da irretroatividade de lei mais grave, aplica-se ao processo de execução penal e, por consequência, ao livramento condicional, art. 5º, XL, da Constituição Federal e parágrafo único do art. 2º do Código Penal (Lei nº 7.209/1984). Os princípios da ultratividade e da retroativi-dade da lex mitior não autorizam a combinação de duas normas que se conflitam para se extrair uma terceira que mais beneficie o réu. Tratamento desigual a

65 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal, 2004, p. 191.66 QUEIROZ, Paulo. Direito penal, 2008, p. 110.

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situações desiguais mais exalta do que contraria o princípio da isonomia. Habeas corpus indeferido.

Contudo, recentemente, discutindo exatamente a aplicação da redutora do tráfico de drogas com previsão na Lei nº 11.343/2006 aos condenados pelo crime ainda sob a vigência da Lei nº 6.368/1976, entendeu o Supremo Tribunal Federal, embora dividido (a decisão ficou empatada, valendo a decisão mais favorável ao recorrido) nos seguintes termos:

1. A regra constitucional de retroação da lei penal mais benéfica (inciso XL do art. 5º) é exigente de interpretação elástica ou tecnicamente “generosa”. 2. Para conferir o máximo de eficácia ao inciso XL do seu art. 5º, a Constituição não se refere à lei penal como um todo unitário de normas jurídicas, mas se reporta, isto sim, a cada norma que se veicule por dispositivo embutido em qualquer diploma legal. Com o que a retroatividade benigna opera de pronto, não por mérito da lei em que inserida a regra penal mais favorável, mas por mérito da Constituição mesma. 3. A discussão em torno da possibilidade ou da impossibilidade de mes-clar leis que antagonicamente se sucedem no tempo (para que dessa combinação se chegue a um terceiro modelo jurídico-positivo) é de se deslocar do campo da lei para o campo da norma; isto é, não se trata de admitir ou não a mesclagem de leis que se sucedem no tempo, mas de aceitar ou não a combinação de normas penais que se friccionem no tempo quanto aos respectivos comandos. 4. O que a Lei das Leis rechaça é a possibilidade de mistura entre duas normas penais que se contraponham, no tempo, sobre o mesmo instituto ou figura de direito. Situação em que há de se fazer uma escolha, e essa escolha tem que recair é sobre a intei-reza da norma comparativamente mais benéfica. Vedando-se, por conseguinte, a fragmentação material do instituto, que não pode ser regulado, em parte, pela regra mais nova e de mais forte compleição benéfica, e, de outra parte, pelo que a regra mais velha contenha de mais benfazejo. 5. A Constituição da República proclama é a retroatividade dessa ou daquela figura de direito que, veiculada por norma penal temporalmente mais nova, se revele ainda mais benfazeja do que a norma igualmente penal até então vigente. Caso contrário, ou seja, se a norma penal mais nova consubstanciar política criminal de maior severidade, o que prospera é a vedação da retroatividade. 6. A retroatividade da lei penal mais ben-fazeja ganha clareza cognitiva à luz das figuras constitucionais da ultra-atividade e da retroatividade, não de uma determinada lei penal em sua inteireza, mas de uma particularizada norma penal com seu específico instituto. Isto na acepção de que, ali onde a norma penal mais antiga for também a mais benéfica, o que deve incidir é o fenômeno da ultra-atividade; essa norma penal mais antiga decai da sua atividade eficacial, porque inoperante para reger casos futuros, mas adquire instantaneamente o atributo da ultra-atividade quanto aos fatos e pessoas por ela regidos ao tempo daquela sua originária atividade eficacial. Mas ali onde a norma penal mais nova se revelar mais favorável, o que toma corpo é o fenôme-no da retroatividade do comando. Com o que ultra-atividade (da velha norma) e retroatividade (da regra mais recente) não podem ocupar o mesmo espaço de incidência. Uma figura é repelente da outra, sob pena de embaralhamento de antagônicos regimes jurídicos de um só e mesmo instituto ou figura de direito. 7. Atento a esses marcos interpretativos, hauridos diretamente da Carta Magna, o § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 outra coisa não fez senão erigir quatro

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vetores à categoria de causa de diminuição de pena para favorecer a figura do pequeno traficante. Minorante, essa, não objeto de norma anterior. E que, as-sim ineditamente positivada, o foi para melhor servir à garantia constitucional da individualização da reprimenda penal (inciso XLVI do art. 5º da CF/1988). 8. O tipo penal ou delito em si do tráfico de entorpecentes já figurava no art. 12 da Lei nº 6.368/1976, de modo que o ineditismo regratório se deu tão-somente quanto à pena mínima de reclusão, que subiu de três para cinco anos. Afora ou-tras pequenas alterações redacionais, tudo o mais se manteve substancialmente intacto. 9. No plano do agravamento da pena de reclusão, a regra nova não tem como retroincidir. Sendo (como de fato é) constitutiva de política criminal mais drástica, a nova regra cede espaço ao comando da norma penal de maior teor de benignidade, que é justamente aquela mais recuada no tempo: o art. 12 da Lei nº 6.368/1976, a incidir por ultra-atividade. O novidadeiro instituto da mino-rante, que, por força mesma do seu ineditismo, não se contrapondo a nenhuma anterior regra penal, incide tão imediata quanto solitariamente, nos exatos termos do inciso XL do art. 5º da Constituição Federal. 10. Recurso extraordinário des-provido. (STF, RE 596.152/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, J. 13.10.2011)

Em síntese, o condenado, autor do delito de tráfico de drogas sob a égi-de da lei antiga, ao recorrer de sua sentença, teve a pena base mantida no mínimo de três anos (a lei mais recente aumentou para cinco anos), mas sobre ela incidiu a causa de especial redução de pena prevista na nova lei (e não existente na lei anterior), considerando que o agente era primário, apresentava bons antecedentes, não se dedicava às ações criminosas e nem integrava or-ganização criminosa (art. 33, § 4º). Aplicou-se, na espécie, simultaneamente, uma norma da Lei nº 6.368/1976 (o tipo penal do art. 12) e uma norma da Lei nº 11.343/2006 (a redutora do art. 33, § 4º), combinadas com o propósito de beneficiar o condenado. Este exemplo “demonstra que a aplicação simultânea de regras integrantes de duas ou mais leis constitui um processo de integração absolutamente em compatibilidade com a função jurisdicional e as exigências do Direito e da Justiça”67. Seguindo o magistério de Costa Andrade, nessa úl-tima situação adota-se a teoria da ponderação diferenciada, pois foi abstraído apenas um artigo da nova lei para aplicá-lo sob o teor integral do preceito da lei anterior, integrando a primeira lei com a orientação desse único dispositivo.

8 SuBSTITuIção dE ELEMENToS CIRCuNSTANCIAdoSQuestão largamente discutida na doutrina penal estrangeira e próxima à

figura da combinação de leis penais, em que pese com ela não se confunda, e que pode vir a ser assentada entre nós em razão, por exemplo, no contexto do tráfico de drogas em razão da promulgação da Lei nº 11.343/2006, mas ainda em qualquer outro, diz respeito à configuração ou não de uma lei penal mais benigna quando depois da realização de uma conduta venha a ser substituído um elemento circunstanciado por outro que no momento também se verifica.

67 DOTTI, René Ariel. Direito penal, 2001, p. 273.

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Dois agentes associaram-se eventualmente em 10.05.2006 visando a vender substância tóxica proibida. No momento da prática delitiva, a conduta era castigada com acréscimo de pena por essa circunstância (art. 18, III, da Lei nº 6.368/1976). Antes do trânsito em julgado esse aumento foi suprimido com a edição da Lei nº 11.343/2006, que, porém, introduziu a circunstância do emprego de arma de fogo como nova causa de aumento (art. 40, IV). Ambos estavam armados para garantir a eficácia da negociação. Assim, questiona-se: Os agentes deverão responder pelo delito de tráfico na forma simples ou com a incidência da nova causa de aumento de pena, isto é, é ou não possível o novo elemento circunstanciado substituir o antigo elemento?

Duas são as soluções: a) considerar somente o núcleo da conduta proi-bida e verificar se este permanece com idêntica roupagem na nova legislação penal. A resposta afirmativa deve conduzir o intérprete a considerar a nova cau-sa de aumento. Foi o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal alemão na situação específica daquele país68; b) não se considera o núcleo comum, pois as circunstâncias especiais de aumento de pena não são nada similares. Enquanto a associação eventual caracterizou o modo como se realizou o delito, o emprego de arma se referiu ao meio que foi utilizado para a garantia dos re-sultados ilícitos. Logo, quanto à conduta de tráfico de drogas como resultado da associação eventual dos agentes houve reformatio in mellius, pois foi suprimido esse elemento circunstanciado (não há previsão na Lei nº 11.343/2006) e, com efeito, por se tratar de lei mais favorável, deve retroagir para favorecer aos agen-tes. No que se refere à introdução da nova majorante, há uma alteração preju-dicial aos agentes e, assim, estará submetida à irretroatividade penal, passando a ter eficácia apenas para os fatos posteriores a sua entrada em vigor69. Ambos os agentes, assim, a nosso ver, no exemplo proposto, responderiam apenas pela conduta do art. 12, caput, da Lei nº 6.368/1976.

9 CRIMES CoNTINuAdo E PERMANENTENão existe preceito que regule os casos de sucessão de leis penais rela-

cionado especificamente com os crimes permanentes e continuados, mas existe posição sumulada pelo Supremo Tribunal Federal determinando a aplicação da lei mais grave se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência (Súmula nº 711).

Veja-se o exemplo: o agente, uma semana antes de completar dezoito anos, participou do sequestro da vítima e, na continuação, vigiou o cativeiro, até que, passados trinta dias, enquanto ainda se discutia o resgate, os policiais o prenderam, libertando a vítima. No ínterim das negociações houve a promul-gação de uma nova lei que alterou gravemente a pena do delito de sequestro.

68 ROXIN, Claus. Derecho Penal, 1997, p. 167.69 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal, 2004, p. 190.

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Sabe-se que a maioridade penal se inicia aos dezoito anos (art. 27 do CP) e que a teoria da atividade regula a fixação do tempo da prática do delito (art. 4º do CP). Logo, tratando-se de um crime permanente, não obstante a privação de liberdade tenha acontecido quando o agente era menor de idade, com a ma-nutenção da vítima em um cativeiro durante os trinta dias, o agente alcançou a maioridade e, assim, pode responder pelo delito. Contudo, qual pena aplicar: a da lei que vigia no momento do sequestro ou aquela que passou a viger antes da libertação da vítima? Como houve mudança da lei penal para outra considerada mais grave no decorrer da execução do delito, ao agente aplica-se a lei penal mais recente, isto é, a mais grave. Ademais, para fins de qualificação do delito pelo tempo de restrição de liberdade do ofendido se deve considerar apenas o período após o agente alcançar a maioridade penal.

Diz-se crime continuado quando o agente, mediante mais de uma ação ou mais de uma omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, modo de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro (p. ex., sucessivos estelionatos contra idosos empregando sempre a mesma fraude durante alguns meses). Diz-se crime permanente aquele no qual a agressão ao bem jurídico protegido perdura no tempo e a permanência está ao poder do sujeito ativo. O crime de sequestro é o exemplo paradigmático (art. 148 do CP).

10 VACATIo LEGISO espaço de tempo compreendido entre a publicação da lei e sua entra-

da em vigor denomina-se de vacatio legis. Esse período “responde a razões de segurança jurídica já que para que a lei possa ser obedecida pelos cidadãos é preciso que esses a conheçam”70. Enquanto não transcorrido esse tempo, a lei nova, não obstante mais benigna, não tem força vinculante. Considera-se, pois, ainda em vigor a lei penal precedente sobre a mesma matéria. Caso, durante a vacatio legis, a lei penal seja corrigida em seu texto, por conter erros materiais, falhas de ortografia ou pontos duvidosos, ensejando outra publicação, os prazos mencionados no art. 1º, § 3º, da Lei de Introdução ao Código Civil começam a correr da nova publicação. Porque as emendas ou as correções à lei que já tenha entrado em vigor são consideradas lei nova, como salienta o art. 1º, § 4º, do Decreto-Lei nº 4.657/194271.

Regressemos ao exemplo: o agente, uma semana antes de completar de-zoito anos, participou do sequestro da vítima e, na continuação, vigiou o local do cativeiro, até que, passados trinta dias, enquanto ainda se discutia o resgate, os policiais o prenderam, libertando a vítima. No ínterim das negociações hou-ve a promulgação de uma nova lei que alterou gravemente a pena do delito do

70 VICENTE MARTÍNEZ, Rosario. El Princípio de la Legalidade Penal, 2004, p. 62.71 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal, 1977, p. 138.

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art. 148 do Código Penal, passando a viger depois do prazo de quarenta e cinco dias da vacatio legis. Nesse caso, a solução é diversa. Atente: como a libertação da vítima ocorreu quando o agente já havia atingido a maioridade, responderá pelo delito de sequestro com incidência das penas previstas na lei que vigia no momento da conduta, pois embora promulgada nova lei antes da libertação da vítima, seus efeitos não incidem, pois se deve aguardar o término da vacatio legis. Observe a Súmula nº 711 do Supremo Tribunal Federal: “A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência”. A lei pode existir, porém existência não se confunde com eficácia, embora pense contrariamente Costa Júnior, que defende a aplicação imediata quando benigna72.

11 RETRoATIVIdAdE JuRISPRudENCIALOutra questão interessante na matéria em análise se refere à extensão

ou não da proibição da aplicação retroativa às mudanças jurisprudências pre-judiciais ao agente, estando vigendo idêntico texto de lei penal. A questão a ser respondida é saber se uma corrente jurisprudencial – com postura não con-denatória – vigente antes da prática da conduta humana pode ser modificada – para uma postura condenatória – depois de sua realização e, tudo isso, sob o império de uma mesma lei penal e em claro prejuízo ao agente? Pense-se que a jurisprudência, embora presentes critérios legais para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal (art. 28, § 1º, da Lei nº 11.343/2006), resolve modificar de 5g para 3g a quantidade de drogas que o agente pode portar para ser considerado simples usuário. Essa mudança, operada sob a égide da mesma lei, poderia retroagir para prejudicar o réu que foi apreendido com 4g da droga e, assim, considerá-lo autor do crime de tráfico de drogas?

Merece ênfase a doutrina de Fragoso, que se declarou manifestamente pela não incidência da proibição retroativa por entender que “esta se refere à lei e não às alterações da jurisprudência dos tribunais”73. Também Castanheira Neves estabelece que “a aplicação da nova corrente jurisprudencial que deter-mina a punição do fato praticado ao tempo da jurisprudência anterior, que o considerava criminalmente irrelevante, não constitui propriamente uma viola-ção do princípio da legalidade”74. Afirma Roxin que,

em relação à jurisprudência não vige a proibição de retroatividade, pois se o Tri-bunal interpreta a norma de maneira mais desfavorável para o acusado, diverso do que havia feito na jurisprudência anterior, este tem de suportá-la, pois, con-forme o seu sentido, essa nova interpretação não é uma punição ou agravação

72 COSTA JÚNIOR, Paulo José. Código penal comentado, 2007, p. 9.73 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, 1983, p. 95.74 NEVES, Castanheira. O princípio da legalidade criminal. In: CORREIA, Eduardo. Estudos, 1989, p. 325.

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retroativa, mas a realização de uma vontade da lei, que já existia desde sempre, mas que apenas agora foi corretamente reconhecida.75

Para amenizar eventual injustiça, porém, Hassemer sustenta que seria possível reconhecer a situação de erro de proibição, pois o agente apenas re-alizou sua conduta sabendo da jurisprudência firme e consolida a respeito76.

Os argumentos anteriores compõem a teoria majoritária. Mas outro setor da doutrina passou a defender a proibição da retroatividade. Primeiramente, porque embora as mudanças de jurisprudências não constituam propriamente a lei à qual diz respeito o princípio da legalidade, quando o Tribunal apela as suas decisões para complementar a legislação (pense-se no caso antes narrado), não seria coerente sustentar que a mudança de entendimento desfavorável ao réu possa ser aplicada retroativamente77. Pode-se dizer que muitos agentes pau-tam seus comportamentos filiados mais à jurisprudência do que propriamente na lei. Haveria, assim, uma confiança do cidadão “na ordem jurídica geral que parece exigir que se incluam nesse princípio também as decisões jurisdicionais sobre os valores constitucionais de maneira a integrar a legalidade nesse tipo de falha”78. Além disso, para fazer uma ligação com a doutrina roxiniana, em algu-mas situações a mudança de postura jurisprudencial desfavorável não decorre de uma descoberta da vontade da lei, mas em razão de o fato ser exaustivamen-te noticiado pela imprensa, provocando a revolta popular e, com efeito, uma nova “resposta” por parte de nossas Instâncias de Controle Formal. Claro que se poderia argumentar que a constante alteração na composição dos Tribunais enseja uma modificação de pensamento, mas, nesse caso, deve-se sustentar, como determina Nuno Brandão, “que a nova corrente jurisprudencial somente seja aplicada aos fatos praticados a partir do momento em que foi emanada”79.

12 MEdIdAS dE SEGuRANçAEmbora o ordenamento penal brasileiro não disponha expressamente,

como o faz o espanhol (art. 2º-1 do CP), por exemplo, o princípio da legali-dade também é extensível às medidas de segurança. Trata-se do resultado de interpretação a fortiori. Assim, como efeito extensivo, também a proibição da retroatividade prejudicial se deve aplicar às medidas de segurança. Mencionam Zaffaroni e Pierangeli que “resulta infantil acreditar que a Constituição elenca garantias estritas para as consequências jurídicas de um delito, mas não as es-tabelece para as medidas de segurança, quando o legislador se limita apenas a

75 ROXIN, Claus. Derecho Penal, 1997, p. 165.76 HASSEMER, Winfried. Fundamentos del Derecho Penal, 1984, p. 325.77 VICENTE MARTÍNEZ, Rosario. El Princípio de la Legalidad Penal, 2004, p. 74.78 YACOBUCCI, Guillermo. Os desafios atuais do princípio da legalidade, 2005, p. 101.79 BRANDÃO, Nuno. Contrastes jurisprudenciais, 2003, p. 1302.

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trocar o nome pena por medida de segurança”80. Com base nessa doutrina se alcança a conclusão de que se deve aplicar a medida de segurança que vigia quando da realização da conduta proibida ao agente inimputável e não aquela do momento da prolação por parte do magistrado da sentença absolutória im-própria (condenação, na prática), salvo quando mais benéfica ao agente.

No mesmo sentido alinha Figueiredo Dias: “Também para as medidas de segurança se fazem sentir as exigências de proteção dos direitos, liberda-des e garantias das pessoas atingidas que substancialmente se identificam com aquelas que se fazem sentir ao nível das penas”81. Isso, pois, o Código Penal português dispõe que “a medida de segurança só pode ser aplicada a estados de perigosidade cujos pressupostos estejam fixados em uma lei anterior ao seu preenchimento” (art. 1º-2). Outra tese, entre nós sustentada por Nelson Hungria, nasceu na doutrina portuguesa. Maria João Antunes, em sua tese de doutorado, apresenta: “É a decisão do magistrado o melhor momento para aferir o pressu-posto da periculosidade do agente”. Isso, porque, para o penalista,

o fundamento específico da medida de segurança é a periculosidade do indiví-duo, um estado que perdura e que permanece, de maneira que, como é óbvio, não se pode dizer ex post facto a lei que procura conjurá-lo, enquanto está per-sistindo. A medida de segurança não se aplica ao sujeito pelo que ele fez, porém pelo que ele é e pelo que atualmente continua sendo.82

Na doutrina penal italiana também se discute se o princípio da irretro-atividade alcança essa figura jurídica. Informa o legislador que as medidas de segurança são reguláveis pela lei em vigor ao tempo de suas aplicações, salvo se diversas ao tempo de suas execuções (art. 200 do CP). Assim, pela ausência de regulamento constitucional, porque o texto máximo somente enuncia o princípio da legalidade, mas não o da irretroatividade, quanto às medidas de segurança (art. 25-3), a disciplina legal comporta a aplicabilidade retroativa de uma medida mais gravosa ao agente. Mas esse entendimento requer duas condições, como fri-sam Marinucci e Dolcini: “Que a conduta fosse prevista como crime já ao tempo de sua realização e a lei do tempo já previsse a aplicabilidade de uma medida de segurança”83. Segundo dispõe o Código Penal alemão, “quando não determinado contrariamente, as medidas de segurança serão infligidas segundo a legislação aplicável à época da decisão” (§ 2º-6). Roxin, contudo, crítica essa disposição “em razão da finalidade igualmente preventiva da medida, um tratamento de modo diverso é político-criminalmente injustificado”84. Em outras palavras, critica o fato de que as medidas de segurança podem ser introduzidas ou mesmo endu-recidas retroativamente quando a lei penal não dispõe de outra forma.

80 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, 1997, p. 232.81 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal, 2004, p. 184.82 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal, 1977, p. 139.83 MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio. Manuale di Diritto Penale, 2009, p. 84.84 ROXIN, Claus. Derecho Penal, 1997, p. 164.

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Parte Geral – Doutrina

Interceptação Telefônica e Tribunais Superiores: Análise dos Requisitos Legais e Constitucionais à Luz da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal*

DANIEL BORGES MORENOSoldado QPM-2 da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, Bacharel em Direito pela Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A excepcionalidade da interceptação telefônica; 2 A interceptação tele-fônica e a “denúncia anônima”; 3 O juiz competente e a teoria do juízo aparente; 4 A duração da interceptação telefônica; 5 O consentimento posterior do interlocutor; 6 A degravação integral da interceptação telefônica; 7 O fenômeno da serendipidade no âmbito da interceptação telefônica; 8 A prova emprestada no processo administrativo disciplinar; Considerações finais; Referências.

INTRoduçãoSerão estudados alguns dos principais problemas que o Superior Tribunal

de Justiça e o Supremo Tribunal Federal têm enfrentado na análise da intercep-tação telefônica. Para isso, foram selecionadas decisões dos anos de 2008 a 20131, trazendo a posição destes Tribunais, no que tange ao entendimento da plena aplicabilidade da Lei nº 9.296, de 1996, e o fiel cumprimento dos princí-pios constitucionais.

Entre algumas questões pode-se destacar a excepcionalidade da intercep-tação telefônica, que foge a uma situação ordinária, assim como os casos passí-veis de aceitação de deflagração deste procedimento a partir de uma denúncia anônima. Ainda, o juiz competente e a teoria do juízo aparente, observando-se a razoabilidade, que podem gerar dúvidas quanto à licitude da prova.

A respeito da duração da interceptação telefônica, quais limites estes Tri-bunais Superiores entendem como pertinentes sem agredir a Constituição e a própria lei. Também, como pode ser interpretada uma situação onde inicial-mente uma escuta considerada ilícita é recebida com a posterior autorização

* O artigo originou-se de pesquisa realizada no período de janeiro a julho de 2013, para o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do acadêmico Daniel Borges Moreno, orientado pela Professora Renata Jardim da Cunha Rieger, como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Direito na Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. O trabalho foi apresentado à banca examinadora composta pelos Professores Marcelo Schwenk Duque, Roque Reckziegel e Renata Jardim da Cunha Rieger, em 19 de junho de 2013, obtendo nota máxima, com indicação para publicação.

1 Excepcionalmente serão trazidos julgados de datas diversas, devido à sua importância ao trabalho.

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do interlocutor. Por fim, entre outros problemas, a questão das provas oriundas de interceptação telefônica em processo criminal, utilizadas em processo ad-ministrativo.

1 A EXCEPCIoNALIdAdE dA INTERCEPTAção TELEFÔNICAA interceptação telefônica feita de forma indiscriminada coloca em risco

princípios constitucionais, em especial o princípio do direito à intimidade. Não há de se negar que tal conduta por parte do Estado seja de eficácia no comba-te à criminalidade2. Porém, é necessário entender que sua utilização deve ser moderada.

Uma vez que se trata de medida excepcional, nosso ordenamento jurí-dico, através da Lei nº 9.296, de 1996, permite a interceptação telefônica ape-nas quando houver indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal. Além disso, não basta que seja qualquer infração penal: esta deverá ser punível com reclusão e, principalmente, tal prova não possa ser produzida por outro meio disponível3. Destarte, nossa Constituição, descrevendo a intercepta-ção telefônica como medida excepcional, acabou por preordenar regras estritas de garantias a serem obedecidas conforme o andamento das investigações, de modo que não fique banalizada através de seu uso indiscriminado4. Assim, fora as hipóteses autorizadas pelo dispositivo constitucional, a mesma Lei nº 9.296, de 1996, prevê sanção aplicável ao seu descumprimento5.

Para que a autorização da interceptação telefônica por parte do magistra-do seja razoável, não basta uma mera demonstração de indícios. O juiz deverá fundamentar sua decisão evidenciando e especificando com clareza tais indí-cios, devendo estes estarem amparados em provas inequívocas a respeito da materialidade. Somente quando vislumbrada viabilidade real de punição é que se deve autorizar a interceptação, reconhecidamente uma medida excepcional,

2 Não há que se duvidar da importância ao combate da criminalidade, porém, os direitos e as garantias fundamentais conquistados e assegurados por nossa Constituição não podem ser afastados. Isso fatalmente ocorre no processo penal brasileiro. Aury Lopes Junior argumenta que “é o preço que estamos pagando por esse discurso punitivista, que tem fomentado uma avalanche de acusações infundadas. [...] devemos ter um sistema recursal que realmente funcione. E, mais ainda, juízes que respeitem a Constituição”. Ainda: “[...] processo penal desde uma concepção institucional, como instrumento a serviço da máxima eficácia dos direitos e garantias da Constituição” (LOPES JÚNIOR, Aury. Eduardo Henrique Balbino Pasqua e João Paulo Orsini Martinelli entrevistam Aury Lopes Jr. Revista Liberdades, IBCCrim, n. 10, maio/ago. 2012).

3 Nesse sentido, transcreve-se o art. 2º da Lei nº 9.296 de 1996: “Art. 2º Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses: [...] II – a prova puder ser feita por outros meios disponíveis; III – o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção”.

4 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 438.5 Nesse sentido o art. 10 da Lei nº 9.296, de 1996: “Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de

comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa”.

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uma vez que envolve o direito ao sigilo das comunicações, ou seja, um direito fundamental6.

Mais uma demonstração de que a interceptação telefônica é medida ex-cepcional reside no fato de que a mesma é proibida quando a prova pretendi-da puder ser obtida por outro meio, ou seja, havendo a possibilidade de não agredir o direito fundamental à intimidade, a interceptação telefônica não po-derá ser utilizada. Como alerta Vicente Greco Filho7, caso esse meio diverso de prova só possa surgir posteriormente, não invalida a interceptação telefônica, mas, se existir no momento que foi solicitada a interceptação ao magistrado e simplesmente não foi utilizado por desinteresse das autoridades, a prova colhi-da pela interceptação estará contaminada e não poderá ser utilizada.

Pelo exposto, como alerta Gilmar Ferreira Mendes8, considerando que a interceptação telefônica se trata de restrição a direito fundamental, somente poderá ser admitida em casos excepcionais, em crimes de real gravidade, de-vendo o aplicador da norma estar atento às circunstâncias específicas de cada caso, atender aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de modo a avaliar se o fato que supostamente gerou a medida interceptiva é propor-cional à medida constritiva de direitos. Assim também é o entendimento da jurisprudência dos Tribunais Superiores, conforme este habeas corpus, assim ementado, de 20089:

[...]

4. Para a determinação da quebra do sigilo telefônico dos investigados, mister se faz a demonstração, dentre outros requisitos, da presença de razoáveis indícios de autoria em face deles. Inteligência do art. 2º, I, da Lei nº 9.296/1996.

5. A presença de denúncia anônima e de matérias jornalísticas indicando a pos-sível participação dos investigados na empreitada criminosa é suficiente para o preenchimento desse requisito.

6. É certo que elementos desse jaez devem ser vistos com relativo valor, porém, não se pode negar que, juntos, podem constituir indícios razoáveis de autoria de delitos.

7. Outro requisito indispensável para a autorização do meio de prova em ques-tão é a demonstração de sua indispensabilidade, isto é, que ele seja o único meio capaz de ensejar a produção de provas. Inteligência do art. 2º, II, da Lei nº 9.296/1996.

6 GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Interceptação telefônica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 179-181.

7 GRECO FILHO, Vicente. Interceptação telefônica: considerações sobre a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 27.

8 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 651.9 Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 116.375/PB. Paciente: . Autoridade Coatora: .

Relatora: Ministra Jane Silva (Desembargadora Convocada do TJMG). 6ª Turma. Brasília. Decisão unânime. Julgado em 16 de dezembro de 2008.

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8. Havendo o Juízo de 1º Grau deferido a gravosa medida unicamente em razão da gravidade da conduta dos acusados, do poderio da organização criminosa e da complexidade dos fatos sob apuração, porém, sem demonstrar, diante de ele-mentos concretos, qual seria o nexo dessas circunstâncias com a impossibilidade de colheita de provas por outros meios, mostra-se inviável o reconhecimento de sua legalidade.

9. Ademais, as interceptações deferidas no caso que ora se examina não pre-cederam de qualquer outra diligência, havendo a medida sido utilizada como a origem das investigações, isto é, empregada a exceção como se fosse a regra.

[...]

21. Ordem parcialmente concedida, apenas para declarar a nulidade das inter-ceptações telefônicas efetivadas contra os pacientes. (grifou-se)

A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça acordou por conceder, de forma unânime, habeas corpus de forma parcial aos pacientes em ação rela-cionada à interceptação telefônica. A jurisprudência foi firme em restringir a interceptação como uma medida excepcional, sujeita a um rígido controle que sujeita até mesmo o magistrado de primeiro grau que, anteriormente, autorizara e tornara legal o pedido de interceptação telefônica diante dos atuais pacientes por parte da polícia federal e a polícia comum.

Preliminarmente, o pedido de interceptação telefônica por parte da po-lícia deveria se pautar como um meio de investigação suplementar. Em outras palavras, é esperado que seja necessário um razoável indício de autoria em face dos fatos relacionados primeiramente. Reforçando o caráter de suplemen-taridade da medida, a interceptação telefônica só deverá ser utilizada quando outras possibilidades de meio de prova restarem esgotadas. Para os ministros da 6ª Turma não basta que seja invocado o poderio da organização criminosa ou a gravidade dos crimes envolvidos, e sim o nexo dessas circunstâncias com a pos-sibilidade de colheita de outros meios de prova. Restou que a polícia não efe-tuou nenhuma diligência, apenas utilizando as interceptações telefônicas como a origem das investigações, pelo que os ministros entenderam como ilegal.

O caráter de suplementaridade como medida excepcional não significa que a interceptação telefônica servirá somente quando houver outros meios investigatórios. Há casos especialmente dificultosos para o trabalho da polícia judiciária nos trabalhos de elucidação dos crimes onde a interceptação judi-cial pode ser a única alternativa possível, como se pode analisar neste habeas corpus de 201110:

Habeas corpus. Direito processual penal. Interceptação telefônica. Único meio de prova viável. Prévia investigação. Desnecessidade. Indícios de participação

10 Brasil. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 105527/DF. Paciente: Adriana Barros Ferraz. Autoridade Coatora: Superior Tribunal de Justiça. Relatora: Ministra Ellen Gracie. 2ª Turma. Brasília, 29 de março de 2011.

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no Crime surgidos durante o período de monitoramento. Prescindibilidade de de-gravação de todas as conversas. Inocorrência de ilegalidade. Ordem denegada.

1. Na espécie, a interceptação telefônica era o único meio viável à investigação dos crimes levados ao conhecimento da Polícia Federal, mormente se se levar em conta que as negociações das vantagens indevidas solicitadas pelo investigado se davam eminentemente por telefone.

2. É lícita a interceptação telefônica, determinada em decisão judicial funda-mentada, quando necessária, como único meio de prova, à apuração de fato delituoso. Precedentes.

3. O monitoramento do terminal telefônico da paciente se deu no contexto de gravações telefônicas autorizadas judicialmente, em que houve menção de pa-gamento de determinada porcentagem a ela, o que consiste em indício de sua participação na empreitada criminosa.

4. O Estado não deve quedar-se inerte ao ter conhecimento da prática de outros delitos no curso de interceptação telefônica legalmente autorizada.

5. É desnecessária a juntada do conteúdo integral das degravações das escutas telefônicas realizadas nos autos do inquérito no qual são investigados os ora Pacientes, pois basta que se tenham degravados os excertos necessários ao em-basamento da denúncia oferecida, não configurando, essa restrição, ofensa ao princípio do devido processo legal. Precedentes.

6. Writ denegado. (grifou-se)

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal entende que a interceptação telefônica como meio de prova pode ser o principal meio probatório quando for o único recurso disponível, se revestindo de absoluta legalidade. A paciente foi denunciada com base em interceptação telefônica que teve como alvo outros investigados11. Através disso, tal interceptação telefônica se tornou o único meio probatório e, portanto, totalmente viável à investigação dos crimes levados ao conhecimento da polícia federal porque as solicitações de vantagens indevidas, a caracterização dos crimes se dava exclusivamente por telefone. Dessa forma, não houve obstáculos ao se considerar a licitude da prova, mesmo sendo a interceptação telefônica o único meio, conforme a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal considerou em casos anteriores12. Por fim, o próprio juiz de primeiro grau fundamentou minuciosamente a imperiosa necessidade da interceptação telefônica na ausência de outras possibilidades de prova, pois a polícia judiciária em seu pedido demonstrou a sazonalidade da infração pe-nal investigada na pessoa dos denunciados que, por tratarem de pagamentos oriundos da Administração Pública, não levariam menos do que um ano para

11 Guilherme de Souza Nucci diz em sua obra que: “Se durante a interceptação, legalmente determinada, descobre-se a prática de outros delitos, não é possível ao Estado, cuidando-se de crimes de ação pública incondicionada, fingir que nada houve” (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 762).

12 O mesmo entendimento se deu no INQ 2.424/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, DJe 25.03.2010.

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praticarem a infração novamente, pelo que justificou a imperiosa urgência da medida. Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho atentam para o fato de que a excepcionalidade precisa ser observada e não pode dizimar o princípio constitucional do direito à intimi-dade. É necessário observar a gravidade e se ater aos requisitos que norteiam a concessão da medida13:

A execução das interceptações exige, na maioria dos ordenamentos, ordem judi-ciária. O provimento que autoriza a interceptação tem natureza cautelar, visando assegurar as provas pela fixação dos fatos, assim como se apresentam no mo-mento da conversa. Por isso mesmo a operação só pode ser autorizada quando presentes os requisitos que justificam as medidas cautelares (fumus boni juris e periculum in mora), devendo ainda ser a ordem motivada.

Uma vez que a interceptação vem, de certa forma, a violar direito cons-titucional, deve somente ocorrer em situações excepcionais. Somente é admis-sível em casos que outros meios de prova se mostrem impossíveis para a elu-cidação dos fatos. Ou seja, conforme descreve Ricardo Antonio Andreucci: “A medida busca provar que certa pessoa praticou uma infração penal e que não há outros meios para realizar tal”.

É importante ressaltar que a quebra de sigilo telefônico implica intro-missão na privacidade do cidadão, expressamente amparada pela Constituição Federal em seu art. 5º, inciso X, e somente se justifica mediante especificação da necessidade com fundamentação plausível. Claramente, a interceptação te-lefônica legal, autorizada pelo juiz competente, trata de medida excepcional. Assim, a Lei de Interceptações Telefônicas trouxe, em seu art. 2º, incisos II e III14, que não poderá ser admitida interceptação telefônica quando houver outro meio de prova, assim como essa infração penal deveria ser punida com pena de reclusão. Não foi o que aconteceu, tendo o Ministro Tourinho Neto afirma-do que “não adianta o juiz dizer que existem indícios razoáveis de autoria ou participação, é preciso que, claramente, diga quais são esses indícios, os evi-dencie”. Da mesma forma, a polícia não pode sondar através da interceptação telefônica, ou seja, a interpretação por prospecção é ilegal, não recepcionada pela Lei nº 9.296/1996.

2 A INTERCEPTAção TELEFÔNICA E A “dENÚNCIA ANÔNIMA”No processo penal, a chamada “denúncia anônima”15 pode desencadear

procedimentos preliminares de investigação. Porém, como já foi dito, não pode

13 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 174.

14 Transcreve-se o art. 2º da Lei nº 9.296, de 1996: “Art. 2º Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses: [...] II – a prova puder ser feita por outros meios disponíveis; III – o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção”.

15 O termo “denúncia anônima”, juridicamente, realmente não é o mais adequado, uma vez que denúncia é o nome técnico da inicial do Ministério Público. Segundo Julio Fabbrini Mirabete, o termo técnico mais

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por si só autorizar a interceptação telefônica, uma vez que esta é o último re-curso, sendo utilizada quando não há outros meios disponíveis de prova. Assim, deverá haver investigações preliminares que venham a embasar o oferecimento da denúncia, onde somente depois de esgotados todos os meios venha a ser utilizada a interceptação telefônica. Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme demonstra o habeas corpus de 201116:

Habeas corpus. Corrupção passiva. Interceptação telefônica. Legalidade. Medida excepcional e prorrogações devidamente fundamentadas. Prazo. Razoabilidade. Ausência de nulidade.

1. Interceptações telefônicas e prorrogações realizadas em consonância com a lei que regula a matéria e com precedentes jurisprudenciais. Autorizações para execução da medida suficientemente fundamentadas e implementadas dentro do permissivo legal, inclusive no prazo estipulado pela norma, inexistindo, por con-sequência, a nulidade por derivação das demais provas coletadas, uma vez que não se reconheceu, naquele momento, a nulidade das interceptações.

2. Inexiste ilegalidade na instauração de inquérito policial ou na deflagração da ação penal provenientes de delatio criminis anônima, desde que o oferecimen-to da denúncia tenha sido precedido de investigações preliminares acerca da existência de indícios da veracidade dos fatos noticiados, o que, no caso dos autos, ocorreu exaustivamente. Precedentes. O deferimento das interceptações telefônicas ocorreu somente após a realização das diligências, que confirmaram os indícios da prática do delito.

3. Escutas telefônicas perduraram pelo período de oito meses, o que, dada a complexidade do feito e dos fundamentos apresentados, mostra-se razoável, não caracterizando abusividade.

4. Desnecessária a juntada do conteúdo integral das degravações das escutas telefônicas se presentes os excertos necessários ao embasamento da denúncia oferecida e não comprovado prejuízo à defesa técnica (HC 91.207-MC/RJ, Pleno, Ministra Cármen Lúcia).

5. Ordem denegada. (grifou-se)

Os Ministros do Superior Tribunal de Justiça acordaram, de forma unâni-me, por denegar a ordem de habeas corpus. O Relator, Ministro Sebastião Reis Júnior, entendeu que a questão exige um exame mais aprofundado da prova, de forma que não se harmoniza com a via estreita do habeas corpus. Ademais, as autorizações de interceptação telefônica pelo magistrado de primeiro grau foram feitas conforme a Lei nº 9.296, de 1996, portanto, totalmente inseridas no ordenamento jurídico pátrio, de forma que não há que se falar em ilegalidade.

adequado é “notícia crime inqualificada”, ou melhor, “notícia anônima do crime” (MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 95).

16 Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 224.898/SE. Pacientes: Marco Aurélio de Siqueira Freire e outro. Autoridade Coatora: Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior. 6ª Turma. Brasília, 18 de outubro de 2011.

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A denúncia anônima por si só não gerou o pedido de interceptação telefônica, já que esta foi solicitada somente após o início de procedimentos investigatórios por parte da Corregedoria da Polícia Federal.

O Supremo Tribunal Federal, em habeas corpus de 201217, demonstra possuir o mesmo entendimento do Superior Tribunal de Justiça no que tange à impossibilidade de a denúncia anônima ensejar a utilização de interceptação telefônica diretamente sem incorrer em diligências prévias:

Habeas corpus. Constitucional. Penal. Imputação da prática dos delitos previstos no art. 3º, inciso II, da Lei nº 8.137/1990 e nos arts. 325 e 319 do Código Penal. Investigação preliminar não realizada. Persecução criminal deflagrada apenas com base em denúncia anônima.

1. Elementos dos autos que evidenciam não ter havido investigação preliminar para corroborar o que exposto em denúncia anônima. O Supremo Tribunal Fede-ral assentou ser possível a deflagração da persecução penal pela chamada denún-cia anônima, desde que esta seja seguida de diligências realizadas para averiguar os fatos nela noticiados antes da instauração do inquérito policial. Precedente.

2. A interceptação telefônica é subsidiária e excepcional, só podendo ser deter-minada quando não houver outro meio para se apurar os fatos tidos por crimino-sos, nos termos do art. 2º, inciso II, da Lei nº 9.296/1996. Precedente.

3. Ordem concedida para se declarar a ilicitude das provas produzidas pelas in-terceptações telefônicas, em razão da ilegalidade das autorizações, e a nulidade das decisões judiciais que as decretaram amparadas apenas na denúncia anôni-ma, sem investigação preliminar. Cabe ao juízo da Primeira Vara Federal e Juiza-do Especial Federal Cível e Criminal de Ponta Grossa/PR examinar as implicações da nulidade dessas interceptações nas demais provas dos autos. Prejudicados os embargos de declaração opostos contra a decisão que indeferiu a medida liminar requerida. (grifou-se)

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a presidência do Ministro Ricardo Lewandovski e tendo como Relatora a Ministra Cármen Lúcia, conce-deu, de forma unânime, habeas corpus impetrado em favor de denunciado por crime contra a ordem tributária18, assim como por violação do sigilo funcional19 e prevaricação20, com o fim de declarar a ilicitude de provas produzidas em

17 Brasil. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 108.147/PR. Paciente: Alexandre Longo. Autoridade Coatora: Superior Tribunal de Justiça. Relatora: Ministra Carmen Lúcia. 2ª Turma. Brasília, 11 de dezembro de 2012.

18 Nesse sentido o art. 3º da Lei nº 8.137, de 1990: “Art. 3º Constitui crime funcional contra a ordem tributária, além dos previstos no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal (Título XI, Capítulo I): [...] II – exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela, vantagem indevida; ou aceitar promessa de tal vantagem, para deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente”.

19 Transcreve-se a violação de sigilo funcional conforme o art. 325 do Código Penal: “Art. 325. Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação: § 1º Nas mesmas penas deste artigo incorre quem: [...] II – se utiliza, indevidamente, do acesso restrito”.

20 Transcreve-se o crime de prevaricação conforme o art. 319 do Código Penal: “Art. 319. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.

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interceptações telefônicas, ante a ilegalidade das autorizações e a nulidade das decisões judiciais que as decretaram amparadas apenas em denúncia anônima, sem investigação preliminar.

Ainda determinou a juízo federal de piso examinar as implicações da nu-lidade dessas interceptações nas demais provas dos autos. Na espécie, a auto-rização das interceptações deflagra-se a partir de documento apócrifo recebido por membro do Ministério Público. Este confirmara com delegado da Receita Federal os dados de identificação de determinada empresa e do ora paciente, auditor fiscal daquele órgão. Em seguida, solicitara a interceptação, sem, no entanto, proceder à investigação prévia. Aqui se percebe claramente que a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal entende também que a medida da inter-ceptação telefônica é de caráter excepcional. Ela deve apoiar uma investigação no momento que não houver nenhum outro tipo possível de prova, e não ser o pivô, o agente principal que dá motivo a uma investigação que nem ao me-nos inicial. Outrossim, as polícias judiciárias poderiam simplesmente promover verdadeiras devassas a seu bel-prazer e escolher aleatoriamente possíveis trans-gressores da lei penal, violando por completo princípios constitucionalmente protegidos. Ressaltou-se, no ponto, ausência de investigação preliminar. Apon-tou-se que a investigação deveria ter sido acionada após verificação da ocor-rência de indícios e da impossibilidade de se produzir provas por outros meios.

O próprio Supremo Tribunal Federal entende que é possível a deflagra-ção da persecução penal pela chamada denúncia anônima21, desde que seja seguida de diligências realizadas para averiguar os fatos nela noticiados antes da instauração do inquérito policial, o que não ocorreu na espécie vertente. Porém, isto nada tem a ver com a interceptação telefônica: ela é último recurso depois que não há outros meios de produzir provas, e não o primeiro no qual essas provas se assentariam.

Interessante questão que a Ministra Cármen Lúcia não aplicou a teoria dos frutos da árvore envenenada porque, além de não ser o pedido apresentado na impetração do presente habeas corpus, não haveria naquele momento ele-mentos conclusivos sobre a nulidade pontual da interceptação telefônica inva-lidar o processo ou mesmo o restante do conjunto probatório. A interceptação telefônica ilegal por si só é inadmissível, devendo ela ser desentranhada do processo. Caberia ao juízo de origem apreciar tais elementos cognitivos.

3 o JuIz CoMPETENTE E A TEoRIA do JuÍzo APARENTEA competência para a definição do pedido e do procedimento da inter-

ceptação telefônica, segundo a Lei nº 9.296, de 1996, é do mesmo juiz que de-

21 Brasil. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 98.345/RJ. Pacientes: Marcos Serra Xavier, Sérgio Macário Abrantes e José Francisco Costa e Silva. Autoridade Coatora: Superior Tribunal de Justiça. Relator: Ministro Marco Aurélio. 1ª Turma. Brasília, 16 de junho de 2010.

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verá presidir a ação principal. A dúvida reside se uma prova originada em juízo que pensou-se competente e, posteriormente, percebeu-se que não se tratava da autoridade judiciária correta corromperia a licitude da prova. Para elucidar tal questão, a decisão referente a habeas corpus recente da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal merece grande destaque22, disponível no Informativo nº 701 daquele Tribunal:

Interceptações telefônicas e teoria do juízo aparente – 1

Ao admitir a ratificação de provas – interceptações telefônicas – colhidas por juízo aparentemente competente à época dos fatos, a 2ª Turma, por maioria, denegou habeas corpus impetrado em favor de vereador que supostamente teria atuado em conluio com terceiros para obtenção de vantagem indevida mediante a mani-pulação de procedimentos de concessão de benefícios previdenciários, principal-mente de auxílio-doença. Na espécie, a denúncia fora recebida por juiz federal de piso que decretara as prisões e as quebras de sigilo. Em seguida, declinara da competência para o TRF da 2ª Região, considerado o art. 161, IV, d-3, da Cons-tituição do Estado do Rio de Janeiro, bem como o julgamento do RE 464935/RJ (DJe de 27.06.2008), pelo qual se reconhecera que os vereadores fluminenses deveriam ser julgados pela segunda instância, em razão de prerrogativa de fun-ção. Por sua vez, o TRF da 2ª Região entendera que a competência para processar e julgar vereadores seria da primeira instância, ao fundamento de que a justiça federal seria subordinada à Constituição Federal (art. 109) e não às constituições estaduais. Alegava-se que o magistrado federal não teria competência para as in-vestigações e para julgamento da ação penal, uma vez que vereadores figurariam no inquérito.

(HC 110496/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, 09.04.2013)

Interceptações telefônicas e teoria do juízo aparente – 2

Asseverou-se que o precedente mencionado não se aplicaria à espécie, porquan-to aquela ação penal tramitara na justiça estadual e não na federal. Destacou-se que, à época dos fatos, o tema relativo à prerrogativa de foro dos vereadores do Município do Rio de Janeiro seria bastante controvertido, mormente porque, em 28.05.2007, o Tribunal de Justiça local havia declarado a inconstitucionalidade do art. 161, IV, d-3, da Constituição estadual. Observou-se que, embora essa decisão não tivesse eficácia erga omnes, seria paradigma para seus membros e juízes de primeira instância. Nesse contexto, obtemperou-se não ser razoável a anulação de provas determinadas pelo juízo federal de primeira instância. Adu-ziu-se que, quanto à celeuma acerca da determinação da quebra de sigilo pelo juízo federal posteriormente declarado incompetente – em razão de se identificar a atuação de organização criminosa, a ensejar a remessa do feito à vara espe-cializada –, aplicar-se-ia a teoria do juízo aparente. Vencido o Ministro Celso de Mello, que concedia a ordem. Ressaltava que, embora a jurisprudência do STF acolhesse a mencionada teoria, essa apenas seria invocável se, no momento

22 Brasil. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 110.496/RJ. Paciente: Agostinho Serodio Boechat. Autoridade Coatora: Superior Tribunal de Justiça. Relator: Ministro Gilmar Mendes. 2ª Turma. Brasília, 9 de abril de 2013.

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em que tivessem sido decretadas as medidas de caráter probatório, a autoridade judiciária não tivesse condições de saber que a investigação fora instaurada em relação a alguém investido de prerrogativa de foro. Pontuava que o juízo federal, ao deferir as interceptações, deixara claro conhecer o envolvimento, naquela investigação penal, de três vereadores, dois dos quais do Rio de Janeiro, cuja Constituição outorgava a prerrogativa de foro perante o Tribunal de Justiça. Fri-sava que a decisão que decretara a medida de índole probatória fora emanada por autoridade incompetente. Após, cassou-se a liminar anteriormente deferida.

(HC 110496/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, 09.04.2013)

Tal decisão demonstrou o entendimento da 2ª Turma do Supremo Tri-bunal Federal de que, uma vez que determinado juiz decreta a interceptação telefônica dos investigados e, posteriormente, vem a chegar à conclusão de que o juízo competente tratava-se de outro Tribunal, não há que se falar, necessa-riamente, em prova ilícita.

A prova obtida através da interceptação telefônica poderá ser plenamen-te ratificada se demonstrado no processo que a interceptação foi decretada por juízo aparentemente competente. Assim, não é ilícita a interceptação telefônica autorizada por juiz aparentemente competente ao tempo desta decisão que, mais tarde, venha a ter declarada sua incompetência, conforme a teoria do juízo aparente.

4 A duRAção dA INTERCEPTAção TELEFÔNICAA lei das interceptações telefônicas regulamentou a violação através de

ordem judicial do sigilo das comunicações telefônicas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. O prazo para autorização das comuni-cações telefônicas e telemáticas não pode exceder o prazo de 15 dias23. Indiscu-tivelmente a autoridade judicial pode determinar um prazo menor. Porém, em casos necessários, é permitida a renovação telefônica por igual tempo, desde que esta decisão judicial também seja fundamentada, justificando os motivos da prorrogação.

A lei não dispõe por quantas vezes são permitidas as renovações dos pedidos de interceptação telefônica. Uma vez que a própria lei não deixa cla-ro por quantas vezes é adequado renovar os pedidos de interceptação, dando margem à interpretação jurídica, insta buscar o entendimento doutrinário e o entendimento dos Tribunais Superiores. Inicialmente, colaciona-se ementa de julgado do Superior Tribunal de Justiça do ano de 200824:

23 Transcreve-se o art. 5º da Lei nº 9.296, de 1996: “Art. 5° A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova”.

24 Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 76.646/PR. Pacientes: Isidoro Rozenblum Trosman e Rolando Rozenblum Elpern. Autoridade Coatora: Relator: Ministro: Nilson Naves. 6ª Turma. Brasília, 9 de outubro de 2008.

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Comunicações telefônicas. Sigilo. Relatividade. Inspirações ideológicas. Conflito. Lei ordinária. Interpretações. Razoabilidade.

1. É inviolável o sigilo das comunicações telefônicas; admite-se, porém, a inter-ceptação “nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer”.

2. Foi por meio da Lei nº 9.296, de 1996, que o legislador regulamentou o texto constitucional; é explícito o texto infraconstitucional – e bem explícito – em dois pontos: primeiro, quanto ao prazo de quinze dias; segundo, quanto à renovação – “renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova”.

3. Inexistindo, na Lei nº 9.296/1996, previsão de renovações sucessivas, não há como admiti-las.

4. Já que não absoluto o sigilo, a relatividade implica o conflito entre normas de diversas inspirações ideológicas; em caso que tal, o conflito (aparente) resolve-se, semelhantemente a outros, a favor da liberdade, da intimidade, da vida privada, etc. É que estritamente se interpretam as disposições que restringem a liberdade humana (Maximiliano).

5. Se não de trinta dias, embora seja exatamente esse, com efeito, o prazo de lei (Lei nº 9.296/1996, art. 5º), que sejam, então, os sessenta dias do estado de defesa (Constituição, art. 136, § 2º), ou razoável prazo, desde que, é claro, na última hipótese, haja decisão exaustivamente fundamentada. Há, neste caso, se não ex-plícita ou implícita violação do art. 5º da Lei nº 9.296/1996, evidente violação do princípio da razoabilidade.

6. Ordem concedida a fim de se reputar ilícita a prova resultante de tantos e tan-tos e tantos dias de interceptação das comunicações telefônicas, devendo os au-tos retornar às mãos do Juiz originário para determinações de direito. (grifou-se)

A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou quase dois anos de interceptações telefônicas no curso de investigações feitas pela Polícia Federal contra o Grupo Sundown, do Paraná. Até então, o Tribunal tinha apenas pre-cedentes25 segundo os quais é possível prorrogar a interceptação tantas vezes quantas fossem necessárias, desde que fundamentadas.

Com o julgado ora analisado, pela primeira vez o excesso de prazo foi reconhecido, norteando o tratamento da matéria26. Com prazo fixado em lei de 15 dias, as escutas foram prorrogadas, conforme entendimento dos Ministros, sem justificativa razoável por mais de dois anos, sendo, portanto, ilegais. A de-cisão foi unânime. A Turma acompanhou o entendimento do Relator, Ministro Nilson Naves.

25 Neste sentido, Habeas Corpus nº 60.809. Paciente: Veridiana Alves Miranda. Autoridade Coatora: Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Relator: Ministro Gilson Dipp. Brasília, 17 maio 2007.

26 Aury Lopes Júnior entende que, “uma vez considerada ilícita a prova [...] deve ser verificada a eventual contaminação que essa prova produziu em outras e até mesmo na sentença [...]”. Destarte, deve ser desentranhado do processo toda e qualquer matéria relacionada ao vício originário (LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 600-601).

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A decisão ora em análise determinou, ainda, o retorno do processo à primeira instância da Justiça Federal para que fossem excluídas da denúncia do Ministério Público quaisquer referências a provas resultantes das escutas consideradas ilegais. Dessa forma, todos os atos decisórios anteriores foram anulados, fazendo com que retornassem à comarca de origem para seu desen-tranhamento e repetição. Para o Relator, se há normas de opostas inspirações ideológicas, tal qual a Constituição e a lei que autoriza a escuta telefônica, a solução deve ser a favor da liberdade. “Inviolável é o direito à vida, à liberdade, à intimidade, à vida privada”. Os ministros entenderam que estender indefini-damente as prorrogações, quanto mais sem fundamentação, não é razoável, já que a Lei nº 9.296/1996 autoriza apenas uma renovação do prazo de 15 dias por igual período, sendo de 30 dias o prazo máximo para escuta. A importância da decisão se dá no momento em que, uma vez identificada a ilegalidade na renovação substancial e indefinida de prazo para as interceptações telefônicas, também é discutido aqui o ato viciado e todos que venham a decorrer dele, sendo igualmente ilícitas as provas que se obtiveram a partir dessa fonte.

A prova ilícita por derivação ou, como é mais conhecida, “teoria dos frutos da árvore envenenada”, trata da questão de que uma vez reconhecida a ilicitude da prova, devem ser desentranhadas do processo todas as provas que foram contaminadas por ela, conforme a própria doutrina entende. Aury Lopes Júnior27 relata a origem da teoria dos frutos da árvore envenenada em sua obra, onde o “princípio da contaminação tem sua origem no caso Silverthorne Lumber & Co. v. United States, em 1920, tendo a expressão fruits of poisonous tree sido cunhada pelo Juiz Frankfurter, da Corte Suprema, no caso Nardone v. United States, em 1937”.

Interessante, também, é a afirmação de Renato Brasileiro de Lima28, no sentido de que “nada adianta dizer que são inadmissíveis, no processo, as pro-vas obtidas por meios ilícitos se essa ilicitude também não se estender às provas que dela derivam”. Uma vez que as provas ilícitas por derivação são provas que, em momento posterior, foram produzidas (mesmo que aparentemente de forma lícita), porém foram contaminadas pela prova ilícita originária, por efeito de repercussão causal.

Porém, é preciso observar o nível de contaminação no processo. Confor-me ensina Paulo Rogério Bonini, “se não houver contaminação ou vinculação absoluta entre a prova ilícita e a lícita originária, não se anula o processo”29. Ora, não há de se anular todo um processo penal por conta de vícios nos pro-cedimentos das infrações se restarem, após as provas contaminadas desentra-nhadas dos autos evidências e outros procedimentos adequadamente realizados

27 LOPES JÚNIOR, Aury Lopes. Direito processual penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 599-600.28 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. Niterói: Impetus, v. 1, 2011. p. 892.29 SILVA, José Geraldo da; BONINI, Paulo Rogério; LAVORENTI, Wilson. Leis penais especiais anotadas.

12. ed. Campinas: Millennium, 2011. p. 480.

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que permitam o prosseguimento da ação. Ademais, como segue Paulo Rogério Bonini em relação à nulidade da prova ocorrida na prorrogação da intercep-tação, mas válida originariamente, “[...] se a interceptação inicial foi válida e, com o que se apurou nela, possível foi a condenação, independentemente da prova produzida na prorrogação da interceptação ilegal, válida é a prova e a condenação”30.

Indiscutivelmente, o prazo da interceptação telefônica é de 15 dias, es-tando de forma explícita em texto infraconstitucional. Da mesma forma, no próprio texto é demonstrada a possibilidade de renovação por mais 15 dias, desde que seja indispensável tal meio de prova. Ainda, segundo o Relator Mi-nistro Nilson Naves, é aceitável os 60 dias do Estado de Defesa ou ainda prazo maior, desde que baseado em sucessivas renovações de 15 dias e que atendam ao princípio da razoabilidade e haja decisão exaustivamente fundamentada.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar habeas corpus em 201231, de-monstrou o seu entendimento sobre o assunto:

[...]

2. A renovação da medida ou a prorrogação do prazo das interceptações tele-fônicas pressupõem a complexidade dos fatos sob investigação e o número de pessoas envolvidas, por isso que nesses casos maior é a necessidade da quebra do sigilo telefônico, com vista à apuração da verdade que interessa ao proces-so penal, sendo, a fortiori, “lícita a prorrogação do prazo legal de autorização para interceptação telefônica, ainda que de modo sucessivo, quando o fato seja complexo e exija investigação diferenciada e contínua” (INQ 2424/RJ, Relator Ministro Cezar Peluso, DJe 25.03.2010).

3. A comunicação entre o paciente e o advogado, alcançada pela escuta telefôni-ca devidamente autorizada e motivada pela autoridade judicial competente, não implica nulidade da colheita da prova indiciária de outros crimes e serve para a instauração de outro procedimento apuratório, haja vista a garantia do sigilo não conferir imunidade para a prática de crimes no exercício profissional.

4. O art. 40 do Código de Processo Penal, como regra de sobredireito, dispõe que o juízes ou tribunais, quando em autos ou papéis de que conhecerem verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia. Desse modo, se a escuta telefônica trouxe novos elementos probatórios de outros crimes que não foram aqueles que serviram como causa de pedir a quebra do sigiloso das comu-nicações, a prova assim produzida deve ser levada em consideração e o Estado não deve quedar-se inerte ante o conhecimento da prática de outros delitos no curso de interceptação telefônica legalmente autorizada.

30 SILVA, José Geraldo da; BONINI, Paulo Rogério; LAVORENTI, Wilson. Leis penais especiais anotadas. 12. ed. Campinas: Millennium, 2011. p. 480.

31 Brasil. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 106.225/SP. Paciente: Rogério Wagner Martini Gonçalves. Autoridade Coatora: Superior Tribunal de Justiça. Relator: Ministro Marco Aurélio. 1ª Turma. Brasília, 7 de fevereiro de 2012.

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5. Habeas corpus indeferido. (grifou-se)

A 1ª Turma do Supremo Tribunal, ao acordar por maioria de votos em denegar a ordem de habeas corpus, afirmou seu entendimento sobre a duração da interceptação telefônica. O Relator Ministro Marco Aurélio, em seus votos, afirmou que foi respeitada a Lei nº 9.296, de 1996, pois o prazo máximo de 15 dias da autorização de interceptação telefônica foi observado, sendo que a indispensabilidade do meio de prova foi comprovada, assim como a decisão do magistrado de primeiro grau foi devidamente fundamentada. Porém não con-cordou com as sucessivas renovações dos pedidos de interceptação telefônica, pois, nas palavras do Ministro: “A lei é pedagógica ao revelar que a prorrogação não pode extravasar – mesmo porque seria o acessório em relação ao principal – o período da interceptação primeira”. Ou seja, para o Ministro Marco Aurélio a interceptação deve ter o prazo máximo de 30 dias, sendo conforme a lei, 15 dias para o primeiro pedido, e 15 dias para a renovação. Contudo, o Ministro Luiz Fux, a Ministra Rosa Weber e a Ministra Cármen Lúcia não compartilham do mesmo entendimento. A maioria de votos que culminou na denegação do habeas corpus entendeu que a suposta torpeza de quem comete o ilícito, a alta complexidade que impossibilita a solução das investigações não pode servir ao próprio agente, sendo que também a legislação infraconstitucional não mencio-na uma limitação das prorrogações. Assim, as prorrogações das interceptações telefônicas podem ser feitas indefinidamente, desde que observados os motivos que levem à excepcionalidade da medida, como a gravidade do crime, a impos-sibilidade de outra medida menos gravosa de investigação e a fundamentação do juiz.

5 o CoNSENTIMENTo PoSTERIoR do INTERLoCuToRDecisão recente proferida pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça,

em habeas corpus de 2012, no qual há o entendimento de que o consentimento posterior do interlocutor não enseja por tornar lícita uma prova que foi ilícita em sua origem, ou seja, uma suposta aceitação depois de interceptação irregular não tem o condão de validar a prova, como segue:

Direito processual penal. Interceptação telefônica sem autorização judicial. Vício insanável.

Não é válida a interceptação telefônica realizada sem prévia autorização judi-cial, ainda que haja posterior consentimento de um dos interlocutores para ser tratada como escuta telefônica e utilizada como prova em processo penal. A interceptação telefônica é a captação de conversa feita por um terceiro, sem o conhecimento dos interlocutores, que depende de ordem judicial, nos termos do inciso XII do art. 5º da CF, regulamentado pela Lei nº 9.296/1996. A ausência de autorização judicial para captação da conversa macula a validade do material como prova para processo penal. A escuta telefônica é a captação de conversa feita por um terceiro, com o conhecimento de apenas um dos interlocutores. A gravação telefônica é feita por um dos interlocutores do diálogo, sem o con-

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sentimento ou a ciência do outro. A escuta e a gravação telefônicas, por não constituírem interceptação telefônica em sentido estrito, não estão sujeitas à Lei nº 9.296/1996, podendo ser utilizadas, a depender do caso concreto, como prova no processo. O fato de um dos interlocutores dos diálogos gravados de forma clandestina ter consentido posteriormente com a divulgação dos seus conteúdos não tem o condão de legitimar o ato, pois no momento da gravação não tinha ciência do artifício que foi implementado pelo responsável pela interceptação, não se podendo afirmar, portanto, que, caso soubesse, manteria tais conversas pelo telefone interceptado. Não existindo prévia autorização judicial, tampouco configurada a hipótese de gravação de comunicação telefônica, já que nenhum dos interlocutores tinha ciência de tal artifício no momento dos diálogos inter-ceptados, se faz imperiosa a declaração de nulidade da prova, para que não surta efeitos na ação penal. Precedente citado: EDcl-HC 130.429/CE, DJe 17.05.2010; HC 161.053/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Julgado em 27.11.2012. (grifou-se)

A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu a ilicitude de gra-vações telefônicas que foram utilizadas para a instauração de inquérito policial e também o ajuizamento de ação penal contra o paciente pela suposta prática do crime de tráfico de influência32.

O paciente, advogado, juntamente com sua cliente, tiveram sua conversa telefônica gravada de forma clandestina por terceira pessoa. Nesta conversa, supostamente o advogado teria pedido a quantia de três mil reais à sua cliente, que seriam repassados ao escrivão da Delegacia de Polícia, de forma que faci-litaria seu trabalho e o andamento do inquérito policial para qual teve seu tra-balho contratado, configurando, assim, o ilícito penal de tráfico de influência.

Após ser denunciado pelo Ministério Público, o paciente arguiu a inép-cia da denúncia por estar fundamentada em prova ilícita, pois sua cliente, em um primeiro momento, não possuía conhecimento da interceptação telefôni-ca, consentindo para isto somente posteriormente. O Relator entendeu que ne-nhum tipo de interceptação telefônica seria validamente inserida como prova em ação penal sem a prévia autorização judicial. O consentimento posterior de uma das partes não transforma a interceptação telefônica em gravação telefôni-ca e tampouco legaliza a interceptação telefônica outrora ilícita.

Por fim, ficou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que o consentimento posterior não vem a legitimar a interceptação telefônica sem autorização judicial e tais provas ilícitas para o embasamento de uma sentença de mérito na ação penal devem, portanto, ser desentranhadas, como preceitua o Código de Processo Penal33.

32 Assim está disposto no art. 332 do Código Penal: “Art. 332. Solicitar, exigir,cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único. A pena é aumentada da metade, se o agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada ao funcionário”.

33 Transcreve-se o art. 157 do Código de Processo Penal: “Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”.

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6 A dEGRAVAção INTEGRAL dA INTERCEPTAção TELEFÔNICAPara o Superior Tribunal de Justiça, não há necessidade de identificação

dos interlocutores, nem de degravação da conversa como requisito de validade da diligência a ser tomada como meio de prova. O próprio art. 9º da própria Lei nº 9.296, de 1996, prevê a inutilização da gravação que não interessar à prova34. A transcrição integral de gravações telefônicas, além de serem muito difíceis de serem transcritas no curso do processo, são totalmente irrelevantes na parte em que não condizem com o fato que dá origem à denúncia. E, assim como a degravação dos diálogos, também não há qualquer necessidade des-ta degravação ser feita por perito oficial. Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme agravo regimental no recurso em mandado de segurança de 201135:

Penal e processo penal. Agravo regimental no recurso ordinário em mandado de segurança. Interceptação telefônica. Degravação integral. Desnecessidade. Autenticidade das gravações. Regra. Prescindibilidade de perícia. Ausência de direito líquido e certo. Agravo regimental a que se nega provimento.

1. Não há necessidade de degravação dos diálogos em sua integridade por peritos oficiais, visto que a Lei nº 9.296/1996 não faz qualquer exigência nesse sentido.

2. Não há também na lei qualquer orientação no sentido de que devem ser peri-ciadas as gravações realizadas, com a finalidade de demonstrar sua genuinidade e intangibilidade, pois a regra é que sejam idôneas.

3. Agravo regimental a que se nega provimento. (grifou-se)

O julgamento do Inquérito nº 2.42436, conhecido por “Operação Fura-cão”, em que foram mobilizados cerca de 360 homens da Polícia Federal para encontrar acusados de envolvimento de exploração de jogos ilegais, corrup-ção passiva de agentes públicos, receptação e tráfico de influência. A operação abrangeu Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e Distrito Federal. Foram detidos desembargadores, procurador geral da república, um delegado da Polícia Fe-deral, entre outros. Julgado pelo Supremo Tribunal Federal, trata-se de decisão norteadora ao Judiciário em relação à interceptação telefônica em diversas ma-térias, entre elas a questão recorrente da necessidade ou não de degravação de interceptação telefônica:

Prova. Criminal. Interceptação telefônica. Transcrição da totalidade das grava-ções. Desnecessidade. Gravações diárias e ininterruptas de diversos terminais

34 Assim dispõe a Lei nº 9.296/1996: “Art. 9° A gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada”.

35 Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso em Mandado de Segurança nº 28642/PR. Interes.: Carlos Alberto Franco Wanderlei e outros. Agravado: Ministério Público Federal. Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura. 6ª Turma. Brasília, 2 de agosto de 2011.

36 Brasil. Supremo Tribunal Federal. Inquérito nº 2.424/RJ. Autor: Ministério Público Federal. Denunciados: P.G.O.M. e outros. Relator: Ministro: Cezar Peluso. Tribunal Pleno. Brasília, 26 de outubro de 2008.

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durante período de 7 (sete) meses. Conteúdo sonoro armazenado em 2 (dois) DVDs e 1 (hum) HD, com mais de quinhentos mil arquivos. Impossibilidade material e inutilidade prática de reprodução gráfica. Suficiência da transcrição literal e integral das gravações em que se apoiou a denúncia. Acesso garantido às defesas também mediante meio magnético, com reabertura de prazo. Cercea- mento de defesa não ocorrente. Preliminar repelida. Interpretação do art. 6º, § 1º, da Lei nº 9.296/1996. Precedentes. Votos vencidos. O disposto no art. 6º, § 1º, da Lei federal nº 9.296, de 24 de julho de 1996, só comporta a interpretação sensata de que, salvo para fim ulterior, só é exigível, na formalização da prova de interceptação telefônica, a transcrição integral de tudo aquilo que seja relevante para esclarecer sobre os fatos da causa sub iudice. (grifou-se)

O Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal entendeu que não há necessidade da transcrição integral das gravações. E nem isso é possível. Gra-vações ininterruptas, ainda mais por períodos prolongados, geram centenas de horas de conversação que, além de serem impossíveis de serem reproduzidas de forma literal no processo, são totalmente inúteis no que se refere ao suposto fato que gerou a denúncia. É necessário somente a transcrição literal e integral do fato que gerou a denúncia. Porém, para não haver cerceamento de defesa, há a necessidade de garantir acesso à defesa do material gravado mediante meio magnético.

Recentemente, uma decisão do Supremo Tribunal Federal demonstrou que a desnecessidade de degravação integral da interceptação telefônica não é algo absoluto, dependendo em certos casos do que o juiz entende como ne-cessário, conforme este agravo regimental de 201337, publicado no Informativo nº 694 do Supremo Tribunal Federal:

Interceptação telefônica: degravação total ou parcial – 1

O Plenário, por maioria, negou provimento a agravo regimental interposto de decisão do Ministro Marco Aurélio, proferida em ação penal, da qual relator, em que determinara a degravação de mídia eletrônica referente a diálogos tele-fônicos interceptados durante investigação policial (Lei nº 9.296/1996: “Art. 6º Deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de inter-ceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização. § 1º No caso de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será determinada a sua transcrição”). No caso, a defesa requere-ra, na fase do art. 499 do CPP, degravação integral de todos os dados colhidos durante a interceptação. A acusação, tendo em vista o deferimento do pedido, agravara, sob o fundamento de que apenas alguns trechos do que interceptado seriam relevantes à causa. Por isso, a degravação integral seria supostamente prescindível e o pedido teria fins meramente protelatórios.

37 Brasil. S Supremo Tribunal Federal. Ação Penal nº 508/AP. Autor: Ministério Público Federal. Réu: Sebastião Ferreira da Rocha. Relator: Ministro: Marco Aurélio. Tribunal Pleno. Brasília, 7 de fevereiro de 2013.

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Interceptação telefônica: degravação total ou parcial – 2

Prevaleceu o voto do Relator. Afirmou que a existência de processo eletrônico não implicaria o afastamento do citado diploma. O conteúdo da interceptação, registrado em mídia, deveria ser degravado. A formalidade seria essencial à valia, como prova, do que contido na interceptação. Frisou que o acusado alegara que o trecho degravado inviabilizaria o direito de defesa. Ademais, descaberia falar em preclusão, já que se cuidaria de nulidade absoluta. O Ministro Dias Toffoli acresceu que o juízo acerca da necessidade de degravação total ou parcial ca-beria ao Relator. A Ministra Cármen Lúcia salientou não haver nulidade no caso de degravação parcial, e que competiria ao órgão julgador ponderar o que seria necessário para fins de prova. Na espécie, entretanto, verificou que o Relator en-tendera que a medida não seria protelatória. A corroborar essa assertiva, analisou que o deferimento do pleito não implicara reabertura de prazo para alegações das partes. Vencidos os Ministros Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux e Gilmar Mendes, que davam provimento ao agravo. Consideravam legítima a degravação parcial, desde que dado amplo acesso aos interessados da totalidade da mídia eletrônica. A Ministra Rosa Weber sublinhava a preclusão da matéria, pois a denúncia já teria sido recebida. (grifou-se)

Contrariando entendimento jurisprudencial amplamente majoritário, nessa interessante decisão o Plenário, por maioria, negou provimento a agravo regimental interposto de decisão do Ministro Marco Aurélio, proferida em ação penal, da qual Relator, em que determinara a degravação de mídia eletrônica referente a diálogos telefônicos interceptados durante investigação policial. No caso, a defesa requereu a degravação integral de todos os dados colhidos du-rante a interceptação telefônica autorizada judicialmente. A acusação, tendo em vista o deferimento do pedido, agravara, sob o fundamento de que apenas alguns trechos do que interceptado seriam relevantes à causa. Por isso, a degra-vação integral seria supostamente prescindível e o pedido teria fins meramente protelatórios.

Prevalecendo o voto do Relator, este afirmou que a existência de pro-cesso eletrônico não implicaria o afastamento do citado diploma. O conteúdo da interceptação, registrado em mídia, deveria ser degravado. A formalidade seria essencial à valia, como prova, do que contido na interceptação. O rela-tor frisou ainda que o acusado alegou que o trecho degravado inviabilizaria o direito de defesa. Ademais, descaberia falar em preclusão, já que se cuidaria de nulidade absoluta. O Ministro Dias Toffoli acrescentou que o juízo acerca da necessidade de degravação total ou parcial caberia ao Relator. A Ministra Cármen Lúcia salientou que não haver nulidade no caso de degravação parcial e que competiria ao órgão julgador ponderar o que seria necessário para fins de prova. Na espécie, entretanto, verificou que o Relator entendera que a medida não seria protelatória. A corroborar essa assertiva, analisou que o deferimento do pleito não implicara reabertura de prazo para alegações das partes. Vencidos os Ministros Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux e Gilmar Mendes, que da-vam provimento ao agravo. Consideraram legítima a degravação parcial, desde

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que dado amplo acesso aos interessados da totalidade da mídia eletrônica. A Ministra Rosa Weber sublinhava a preclusão da matéria, pois a denúncia já teria sido recebida.

Destarte, tal decisão trata da necessidade ou desnecessidade da trans-crição integral da degravação da interceptação telefônica. A jurisprudência permanece a mesma. A decisão trata do entendimento de que, quando o juiz entende que é necessária a transcrição integral, isso deve ser feito.

7 o FENÔMENo dA SERENdIPIdAdE No ÂMBITo dA INTERCEPTAção TELEFÔNICAEm julgado de 2012 do Superior Tribunal de Justiça38 foi tratado sobre

o fenômeno da serendipidade, que versa sobre a descoberta de fatos novos advindos de monitoramento judicialmente autorizado, mas que resultam na identificação de pessoas que, embora inicialmente não relacionadas no pedido da medida probatória, possuem estreita relação com o objeto da investigação:

Habeas corpus. Corrupção ativa. 1. Serendipidade das interceptações telefôni-cas. Possibilidade. Fundamentação concreta. Prorrogações sucessivas motivadas e proporcionais. Imprescindibilidade para o prosseguimento das investigações. 2. Prorrogação com base em indícios de crime punido com detenção. Ilegalida-de. Inexistência. Crimes conexos. 3. Prorrogação superior a trinta dias. Razoabi-lidade. Investigação complexa. 4. Ordem denegada.

1. A interceptação telefônica vale não apenas para o crime ou indiciado objeto do pedido, mas também para outros crimes ou pessoas, até então não identifica-dos, que vierem a se relacionar com as práticas ilícitas. A autoridade policial ao formular o pedido de representação pela quebra do sigilo telefônico não pode antecipar ou adivinhar tudo o que está por vir. Desse modo, se a escuta foi auto-rizada judicialmente, ela é lícita e, como tal, captará licitamente toda a conversa.

2. Durante a interceptação das conversas telefônicas, pode a autoridade policial divisar novos fatos, diversos daqueles que ensejaram o pedido de quebra do si-gilo. Esses novos fatos, por sua vez, podem envolver terceiros inicialmente não investigados, mas que guardam relação com o sujeito objeto inicial do monitora-mento. Fenômeno da serendipidade.

3. Na espécie, os pressupostos exigidos pela lei foram satisfeitos. Tratava-se de in-vestigação de crimes punidos com reclusão, conexos com crimes contra a fauna, punidos com detenção. Além disso, tendo em vista que os crimes de corrupção ativa e passiva não costumam acontecer às escâncaras – em especial tratando--se de delitos cometidos contra a Administração Pública, cujo modus operandi prima pelo apurado esmero nas operações – está satisfeita a imprescindibilidade da medida excepcional.

38 Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 144.137/ES. Paciente: Tércio Borlengui Júnior. Autoridade Coatora: Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Relator: Ministro Marco Aurélio Berllizze. 5ª Turma. Brasília, 15 de maio de 2012.

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4. Todas as decisões do Juízo singular autorizando a renovação das escutas te-lefônicas foram precedidas e alicerçadas em pedidos da Autoridade Policial. O magistrado utilizou-se da técnica de motivação per relationem, o que basta para afastar a alegação de que a terceira prorrogação do monitoramento telefônico baseou-se apenas em indícios de crime apenado com detenção, pois depreende--se da representação da autoridade policial que os crimes objeto da investigação eram os de corrupção passiva – punido com reclusão – e o descrito no art. 29, § 1º, inciso III, da Lei nº 9.605/1998.

5. A Lei nº 9.296/1996 é explícita quanto ao prazo de quinze dias, bem assim quanto à renovação. No entanto, segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, essa aparente limitação do prazo para a realização das interceptações telefônicas não constitui óbice à renovação do pedido de monitoramento telefô-nico por mais de uma vez. Precedentes.

6. No caso, não seria razoável limitar as escutas ao prazo único de trinta dias, pois, a denúncia indica a participação de 10 (dez) réus, e se pauta em um conjun-to complexo de relações e de fatos, com a imputação de diversos crimes, dentre os quais a corrupção ativa. Assim, não poderia ser ela viabilizada senão por meio de uma investigação contínua e dilatada a exigir a interceptação ao longo de diversos períodos de quinze dias. Precedentes.

7. Habeas corpus denegado. (grifou-se)

O Superior Tribunal de Justiça entendeu que é perfeitamente possível a utilização de interceptação telefônica devidamente autorizada para apurar crime organizado na hipótese de denúncia de pessoa inicialmente não investi-gada, mas cujo envolvimento em atividade ilícita restou evidenciado. Assim, o referido Tribunal considera a possibilidade de relativização das comunicações telefônicas.

Ainda no entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não há que se considerar uma proteção ilimitada do sigilo das comunicações telefônicas em detrimento dos interesses da sociedade pois, dessa forma, há de se considerar que tais medidas restritivas de liberdade – observando atentamente a propor-cionalidade e a razoabilidade – favorecem a ordem pública necessária à demo-cracia. Ainda que restritivas de direito, a interceptação telefônica, atendendo ao princípio da serendipidade, reforça a defesa dos direitos fundamentais.

8 A PRoVA EMPRESTAdA No PRoCESSo AdMINISTRATIVo dISCIPLINARNo que tange à possibilidade da utilização de prova emprestada em

processo administrativo disciplinar no tocante à prova produzida em ação pe-nal, assim dispõe o mandado de segurança de 2012 do Superior Tribunal de Justiça39:

39 Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 14.140/DF. Impetrante: Maria da Conceição de Medeiros. Impetrado: Ministro de Estado da Fazenda. Relatora: Ministra Laurita Vaz. 2ª Turma. Brasília, 6 de dezembro de 2012.

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[...]

2. É cabível a chamada “prova emprestada” no processo administrativo disci-plinar, desde que devidamente autorizada pelo Juízo Criminal. Assim, não há impedimento da utilização da interceptação telefônica produzida na ação penal, no processo administrativo disciplinar, desde que observadas as diretrizes da Lei nº 9.296/1996. Precedentes.

3. Eventuais irregularidades atinentes à obtenção propriamente dita das “inter-ceptações telefônicas” – atendimento, ou não, aos pressupostos previstos na Lei nº 9.296/1996 – não podem ser dirimidas em sede de mandado de segurança, porquanto deverão ser avaliadas de acordo com os elementos constantes dos autos em que a prova foi produzida e, por conseguinte, deverão ser arguidas, examinadas e decididas na instrução da ação penal movida em desfavor da im-petrante.

4. A pena disciplinar aplicada à ex-servidora não está calcada tão somente no conteúdo das degravações das “interceptações telefônicas” impugnadas, mas também em farto material probante produzido durante o curso do processo ad-ministrativo disciplinar.

[...]

9. Segurança denegada. (grifou-se)

Segundo a Ministra Laurita Vaz, uma vez que haja a devida autorização do juízo criminal, responsável pelo sigilo da prova, é lícito o cabimento da prova emprestada no processo administrativo disciplinar, não sendo a prova da interceptação telefônica impedida nesse processo. Assim, segundo a ministra, é perfeitamente cabível a utilização da interceptação telefônica, desde que ex-cepcional, e também desde que observado o devido processo legal no processo administrativo disciplinar.

No mesmo sentido, questão de ordem em petição de 2008 do Supremo Tribunal Federal40:

Prova emprestada. Penal. Interceptação telefônica. Documentos. Autorização judicial e produção para fim de investigação criminal. Suspeita de delitos come-tidos por autoridades e agentes públicos. Dados obtidos em inquérito policial. Uso em procedimento administrativo disciplinar, contra outros servidores, cujos eventuais ilícitos administrativos teriam despontado à colheita dessa prova. Ad-missibilidade. Resposta afirmativa a questão de ordem. Inteligência do art. 5º, in-ciso XII, da CF e do art. 1º da Lei federal nº 9.296/1996. Precedentes. Voto venci-do. Dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, bem como documentos colhidos na mesma investigação, po-dem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou

40 Brasil. Supremo Tribunal Federal. Questão de Ordem em Petição nº 3.683/MG. Requerente: Ministério Público Federal. Relator: Ministro Cezar Peluso. Tribunal Pleno. Brasília, 13 de agosto de 2008.

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as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra outros servido-res cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessas provas.

O Supremo Tribunal Federal possui o entendimento, assim como o Supe-rior Tribunal de Justiça, de que é aceitável a utilização da prova emprestada no que refere às provas coletadas em interceptação telefônica revestida de absoluta legalidade, ou seja, em conformidade com a legislação. Destarte, uma vez que a intimidade do indivíduo já foi rompida, não seria possível fazer novamente, pois o mesmo não ocorreria novamente. Em outras palavras, tal intimidade vio-lada seria algo permanente, podendo ser transportada para o processo adminis-trativo disciplinar. Outrossim, não há que se confundir a produção da prova, que é o que a Constituição Federal e a Lei nº 9.296, de 1996, referem com sua utilização processual – este sim permitido, desde que com autorização do juízo criminal. É importante frisar que o único voto vencido, o do Ministro Marco Aurélio, afirmou sua contrariedade na generalização das provas oriundas da interceptação telefônica para outras esferas, como o direito administrativo, em especial no que se refere o processo administrativo disciplinar. A constituição viabiliza o afastamento do sigilo das comunicações telefônicas apenas com o da investigação criminal e o êxito da persecução penal, de forma que nem mesmo com a autorização do juízo criminal seria possível a utilização da prova emprestada.

CoNSIdERAçÕES FINAISNeste momento final da pesquisa sobre a interceptação telefônica e o

entendimento dos Tribunais Superiores, é possível chegar à conclusão de que a interceptação telefônica autorizada e realizada indiscriminadamente agride princípios constitucionais, como o direito ao sigilo das comunicações telefôni-cas e ao princípio da intimidade. Destarte, a interceptação telefônica deve ser considerada uma medida excepcional, sendo o último recurso possível e desde que haja a presença de razoáveis indícios de autoria de crimes de real gravi-dade puníveis com pena de reclusão. Embora a interceptação telefônica seja uma medida cautelar utilizada de forma excepcional e como último recurso, os Tribunais Superiores entendem que a notícia-crime inqualificada (“denúncia anônima”) pode ser utilizada para deferir a interceptação, desde que acompa-nhada de diligências prévias pela autoridade policial.

Entende-se que não é ilícita a interceptação telefônica autorizada por juiz aparentemente competente ao tempo desta decisão que, posteriormente, venha a ter declarada sua incompetência, conforme a teoria do juízo aparente. Quanto ao prazo de duração, em que pese se verifique discussão doutrinária, os Tribunais têm entendido que é possível a dilatação do prazo de interceptação telefônica acima dos trinta dias previstos em lei (quinze dias, prorrogáveis por mais quinze), podendo ser feita de forma indefinida no tempo. Para tanto, é preciso analisar a complexidade do delito investigado e a indispensabilidade da

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colheita da prova e o atendimento dos demais requisitos, atendendo à excep-cionalidade da medida.

O consentimento posterior do interlocutor em uma interceptação tele-fônica, originariamente ilícita, não tem o poder de torná-la legítima. Destarte, deve ser observado o momento da colheita da prova, e não da vontade do interlocutor no momento do processo. Outrossim, as provas ilícitas devem ser desentranhadas do processo. No que diz respeito às degravações, de regra, não é necessária a degravação integral da interceptação telefônica, desde que a defesa possua acesso amplo à totalidade das gravações. Porém, uma vez que o juiz entenda ser pertinente sua forma integral, isso deve ser feito.

É possível a utilização da interceptação telefônica devidamente autori-zada para apurar ato ilícito na hipótese de denúncia de pessoa inicialmente não investigada, mas cujo envolvimento na atividade ilícita restou evidenciado, observando o princípio da serendipidade.

Por fim, tem-se a conclusão de que, mesmo que a interceptação telefô-nica tenha por fim a elucidação de crimes graves, ela sempre deverá observar uma série de características para conservar sua licitude, preenchendo os re-quisitos legais e constitucionais. Desde características legais, dispostas na Lei nº 9.296, de 1996, até características constitucionais, algumas implícitas, como o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade. Assim, não há de se per-mitir que, além de restringir direitos constitucionais como o direito à intimidade e o direito ao sigilo das comunicações telefônicas, venham a serem agredidos tantos outros, como o direito à ampla defesa, à dignidade da pessoa humana e ao contraditório. Mesmo assim, tais provas podem ser utilizadas em processo administrativo disciplinar, pois a intimidade e o direito ao sigilo das comunica-ções telefônicas já foram quebrados, não se configurando, assim, desrespeito a direitos constitucionais do indivíduo.

REFERÊNCIASANDREUCCI, Ricardo Antonio. Legislação penal especial. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

ARAS, Vladimir. Princípios do processo penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 52, 1º nov. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2416>. Acesso em: 8 maio 2013.

ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal esquematizado. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009.

ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

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AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas e gravações clandestinas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000.

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______. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 76.646/PR. Pacientes: Isidoro Rozenblum Trosman e Rolando Rozenblum Elpern. Autoridade Coatora: Relator: Ministro: Nilson Naves. 6ª Turma. Brasília, 9 de outubro de 2008.

______. Tribunal Regional Federal 1ª Região. Habeas Corpus nº 2008.01.00.046319-0/MG. Paciente: Sigiloso. Autoridade Coatora: Juízo Federal da Subseção Judiciária de São Sebastião do Paraíso/MG. Relator: Desembargador Tourinho Neto. 3ª Turma. Brasília, 21 de outubro de 2008.

______. Supremo Tribunal Federal. Inquérito nº 2.424/RJ. Autor: Ministério Público Federal. Denunciados: P.G.O.M. e outros. Relator: Ministro: Cezar Peluso. Tribu-nal Pleno. Brasília, 26 de outubro de 2008.

______. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 116.375/PB. Paciente: . Autoridade Coatora: . Relatora: Ministra Jane Silva (Desembargadora Convocada do TJMG). 6ª Turma. Brasília. Decisão unânime. Julgado em 16 de dezembro de 2008.

______. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 143.697/PR. Paciente: Osni Muccellin Arruda. Autoridade Coatora: Tribunal Regional Federal da 4ª Re-gião. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. 5ª Turma. Brasília, 22 de setembro de 2009.

______. Superior Tribunal de Justiça. Ação Penal nº 422/RR. Autor: Ministério Público Federal. Réus: Mauro José do Nascimento Campello e outros. Relator: Ministro: Teori Albino Zavascki. Corte Especial. Brasília, 19 de maio de 2010.

______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 98.345/RJ. Pacientes: Marcos Serra Xavier, Sérgio Macário Abrantes e José Francisco Costa e Silva. Auto-ridade Coatora: Superior Tribunal de Justiça. Relator: Ministro Marco Aurélio. 1ª Turma. Brasília, 16 de junho de 2010.

______. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 94.546/RJ. Paciente: Sérgio Juiz de Albuquerque. Autoridade Coatora: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura. 6ª Turma. Brasília, 18 de novembro de 2010.

______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 99.490/SP. Paciente: Maria Aparecida Rosa. Autoridade Coatora: Superior Tribunal de Justiça. Relator: Minis-tro Joaquim Barbosa. 2ª Turma. Brasília, 23 de novembro de 2010.

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______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 105527/DF. Paciente: Adriana Barros Ferraz. Autoridade Coatora: Superior Tribunal de Justiça. Relatora: Ministra Ellen Gracie. 2ª Turma. Brasília, 29 de março de 2011.

______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso em Mandado de Segurança nº 28642/PR. Interes.: Carlos Alberto Franco Wanderlei e outros. Agravado: Ministério Público Federal. Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura. 6ª Turma. Brasília, 2 de agosto de 2011.

______. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 102.601/MS. Paciente: Marcio Kanomata. Autoridade Coatora: Superior Tribunal de Justiça. Relator: Mi-nistro Dias Toffoli. 1ª Turma. Brasília, 4 de outubro de 2011.

______. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 224.898/SE. Pacientes: Marco Aurélio de Siqueira Freire e outro. Autoridade Coatora: Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior. 6ª Turma. Brasília, 18 de outubro de 2011.

______. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 104.005/RJ. Paciente: Edison Velloso de Gondomar. Autoridade Coatora: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Relator: Ministro Jorge Mussi. 5ª Turma. Brasília, 8 de novembro de 2011.

______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus nº 29.658/RS. Recorrente: F. J. de O. F. Recorrido: Ministério Público Federal. Relator: Ministro Gilson Dipp. 5ª Turma. Brasília, 2 de fevereiro de 2012.

______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 106.225/SP. Paciente: Rogério Wagner Martini Gonçalves. Autoridade Coatora: Superior Tribunal de Justiça. Relator: Ministro Marco Aurélio. 1ª Turma. Brasília, 7 de fevereiro de 2012.

______. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 144.137/ES. Paciente: Tércio Borlengui Júnior. Autoridade Coatora: Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Relator: Ministro Marco Aurélio Berllizze. 5ª Turma. Brasília, 15 de maio de 2012.

______. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 204.778/SP. Pacientes: Humberto Amaral Monteiro e Dalton Benedito Peres Júnior. Autoridade Coatora: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator: Ministro OG Fernandes. 6ª Turma. Brasília, 4 de outubro de 2012.

______. Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 14.140/DF. Impe-trante: Maria da Conceição de Medeiros. Impetrado: Ministro de Estado da Fazen-da. Relatora: Ministra Laurita Vaz. 2ª Turma. Brasília, 6 de dezembro de 2012.

______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 108.147/PR. Paciente: Alexandre Longo. Autoridade Coatora: Superior Tribunal de Justiça. Relatora: Ministra Carmen Lúcia. 2ª Turma. Brasília, 11 de dezembro de 2012.

______. Supremo Tribunal Federal. Ação Penal nº 508/AP. Autor: Ministério Pú-blico Federal. Réu: Sebastião Ferreira da Rocha. Relator: Ministro: Marco Aurélio. Tribunal Pleno. Brasília, 7 de fevereiro de 2013.

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150 ...............................................................................................................RDP Nº 83 – Dez-Jan/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 28.281/SP. Recorrente: Andriele Cristila Laurindo Goiano. Recorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo. Relator: Ministro Jorge Mussi. 5ª Turma. Brasília, 21 de fevereiro de 2013.

______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 110.496/RJ. Paciente: Agostinho Serodio Boechat. Autoridade Coatora: Superior Tribunal de Justiça. Relator: Ministro Gilmar Mendes. 2ª Turma. Brasília, 9 de abril de 2013.

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Parte Geral – Jurisprudência

6756

Superior Tribunal de JustiçaAgRg no Agravo em Recurso Especial nº 181.221 – SP(2012/0102886‑6)Relator: Ministro Sebastião Reis JúniorAgravante: Marcos Rogerio Ribeiro MarinhoAdvogado: Manoel Carlos de Oliveira e outro(s)Agravado: Ministério Público do Estado de São Paulo

ementAPENAL – AGRAVo REGIMENTAL EM AGRAVo EM RECuRSo ESPECIAL – INTERPoSIção FoRA do PRAzo LEGAL dE 5 dIAS – INTEMPESTIVIdAdE – PRoToCoLo PoSTAL – Não APLICAção AoS TRIBuNAIS SuPERIoRES – SÚMuLA Nº 216/STJ

1. É intempestivo o agravo regimental interposto após o prazo le-gal de 5 dias (art. 528 do RISTJ).

2. Em se tratando de recurso dirigido a Tribunal Superior, a com-provação da tempestividade recursal é aferida pela data do pro-tocolo da Secretaria do Tribunal, e não pela data da postagem na agência dos Correios. Incidência da Súmula nº 216/STJ.

3. Agravo regimental não conhecido.

AcóRDãoVistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indi-

cadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do agravo regimental nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Assusete Magalhães, Rogerio Schietti Cruz, Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ/SE) e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 5 de novembro de 2013 (data do Julgamento).

Ministro Sebastião Reis Júnior Relator

RelAtóRIoO Exmo. Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior: Em 15.10.2013, neguei pro-

vimento ao agravo em recurso especial interposto por Marcos Rogério Ribeiro

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154 ....................................................................................................RDP Nº 83 – Dez-Jan/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDêNCIA

Marinho. Na ocasião, consignei dois fundamentos distintos. Em primeiro lugar, assinalei que o recorrente não impugnara, de forma específica e eficiente, os fundamentos utilizados pela Corte de origem para inadmitir o recurso especial, incidindo na Súmula nº 182/STJ, por analogia.

Em segundo, registrei, no tocante ao recurso especial em si, que o recor-rente não apontara, de forma específica, os dispositivos legais tidos por violados (Súmula nº 284/STF). Eis a ementa (fl. 335):

PENAL – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – FUNDAMENTO INATACADO – SÚMULA Nº 182/STJ – AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DOS DISPOSITIVOS DE LEI TIDOS POR VIOLADOS – FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE – SÚMULA Nº 284/STF.

Agravo em recurso especial improvido.

Inconformado, o recorrente interpôs agravo regimental. Nas razões, re-chaça a incidência da Súmula nº 182/STJ à espécie (fls. 345/352).

É o relatório.

Voto

O Exmo. Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior (Relator):

Sucede que o agravo regimental não comporta conhecimento, pois inter-posto fora do prazo legal de 5 dias (art. 28, § 5º, da Lei nº 8.038/1990).

Veja-se que a decisão agravada foi disponibilizada no DJe do dia 17.10.2013 (quinta-feira) e publicada no dia 18.10.2013 (sexta-feira) – fl. 339.

Com efeito, o prazo para o recurso iniciou-se no dia seguinte à publi-cação (21.10.2013), encerrando-se no dia 25.10.2013 (sexta-feira). O recurso, no entanto, somente foi protocolizado nesta Corte no dia 28.10.2013, ou seja, quando já esgotado o prazo recursal (fl. 345).

Conquanto tenha o recorrente colacionado comprovante de postagem com data anterior, cumpre ressaltar que, em se tratando de recurso dirigido a Tribunal Superior, a tempestividade recursal é aferida pela data de protocolo da Secretaria do Tribunal, e não pela postagem nas agências dos Correios.

Sobre o tema, confiram-se:

[...]

2. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a comprovação da tempestividade dos recursos é aferida pela data do protocolo da Secretaria do Tri-bunal e não pela data da postagem nas agências dos correios, a teor do disposto na Súmula nº 216/STJ, in verbis:

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RDP Nº 83 – Dez-Jan/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDêNCIA ........................................................................................................155

“A tempestividade de recurso interposto no Superior Tribunal de Justiça é aferida pelo registro no protocolo da secretaria e não pela data da entrega na agência do correio”.

(AgRg no AREsp 368.672/MG, Min. Moura Ribeiro, Quinta Turma, DJe 25.09.2013)

[...]

3. É pacífico o entendimento, nesta Corte e no Supremo Tribunal Federal, que a tempestividade recursal é aferida pelo protocolo da petição e não pela postagem na agência dos Correios. Incidência do Enunciado nº 216 da Súmula desta Corte.

(AgRg no AREsp 243.620/MG, Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 27.11.2012)

Em face do exposto, não conheço do agravo regimental.

ceRtIDão De JulGAmento seXtA tuRmA

Número Registro: 2012/0102886-6 Processo Eletrônico AgRg no AREsp 181.221/SPMatéria criminalNúmeros Origem: 110012007000602 20110000164839 5330120070054126 5412212007 54122120078260533 60207Em Mesa Julgado: 05.11.2013Relator: Exmo. Sr. Ministro Sebastião Reis JúniorPresidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Sebastião Reis JúniorSubprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Oswaldo José Barbosa SilvaSecretário: Bel. Eliseu Augusto Nunes de Santana

AutuAção

Agravante: Marcos Rogerio Ribeiro MarinhoAdvogado: Manoel Carlos de Oliveira e outro(s)Agravado: Ministério Público do Estado de São PauloAssunto: Direito penal – Crimes previstos na legislação extravagante – Crimes de tráfico ilícito e uso indevido de drogas – Tráfico de drogas e condutas afins

AGRAVo ReGImentAl

Agravante: Marcos Rogerio Ribeiro Marinho

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156 ....................................................................................................RDP Nº 83 – Dez-Jan/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDêNCIA

Advogado: Manoel Carlos de Oliveira e outro(s)Agravado: Ministério Público do Estado de São Paulo

ceRtIDão

Certifico que a egrégia Sexta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Sexta Turma, por unanimidade, não conheceu do agravo regimental, nos ter-mos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Assusete Magalhães, Rogerio Schietti Cruz, Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJ/SE) e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Parte Geral – Jurisprudência

6757

Superior Tribunal de JustiçaAgRg no Agravo em Recurso Especial nº 345.966 – SP (2013/0179951‑1)Relator: Ministro Marco Aurélio BellizzeAgravante: Ministério Público FederalAgravado: Luis Octávio Azeredo Lopes Índio da Costa (Preso)Advogados: Odel Mikael Jean Antun

Roberto Podval e outro(s)

ementA

PENAL E PRoCESSo PENAL – AGRAVo REGIMENTAL EM AGRAVo EM RECuRSo ESPECIAL – 1. CoNCESSão dE HABEAS CoRPuS PELA CoRTE LoCAL – PLEITo dE RESTABELECIMENTo dA PRISão CAuTELAR – VIoLAção Ao ART. 312 do CPP – dIVER- GÊNCIA JuRISPRudENCIAL – FuNdAMENToS dA PRISão PREVENTIVA – REEXAME dAS PRoVAS do PRoCESSo – IMPoSSIBILIdAdE – INCIdÊNCIA dA SÚMuLA Nº 7/STJ – 2. AGRAVo REGIMENTAL IMPRoVIdo

1. A análise da violação do art. 312 do Código de Processo Penal, nos termos em que pleiteado pelo recorrente, demandaria, inevita-velmente, o reexame do arcabouço carreado aos autos, porquanto assentado pelo Tribunal de origem ser insustentável a manutenção da prisão preventiva, ante a carência de motivação e de amparo nos fatos e nas provas constantes dos autos.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

AcóRDão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das no-tas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regi-mental.

Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Regina Helena Costa e Jorge Mussi vo-taram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Laurita Vaz.

Brasília/DF, 19 de novembro de 2013 (data do Julgamento).

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Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator

RelAtóRIo

O Senhor Ministro Marco Aurélio Bellizze:

Trata-se de agravo regimental interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão monocrática, da minha lavra, que negou provimento ao agravo em recurso especial, nos seguintes termos:

PENAL E PROCESSO PENAL – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – 1. CON-CESSÃO DE HABEAS CORPUS PELA CORTE LOCAL – PLEITO DE RESTABELE-CIMENTO DA PRISÃO CAUTELAR – VIOLAÇÃO AO ART. 312 DO CPP – DI-VERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL – FUNDAMENTOS DA PRISÃO PREVENTIVA – REEXAME DAS PROVAS DO PROCESSO – IMPOSSIBILIDADE – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7/STJ – 2. AGRAVO NÃO PROVIDO.

Sustenta o agravante, em síntese, que não há “se confundir reexame de fatos e provas com a valoração legal da prova nem tampouco com a qualifica-ção jurídica dos fatos”. Aduz não ser necessário o reexame do acervo fático--probatório para aferir a alegada contrariedade ao art. 312 do Código de Pro-cesso Penal, porquanto possível, a partir do quadro fático delineado pela Corte local, aferir a presença de elementos concretos a justificar a prisão preventiva.

É o relatório.

Voto

O Senhor Ministro Marco Aurélio Bellizze (Relator):

A insurgência não merece prosperar.

Com efeito, conforme explicitado na decisão agravada, o recorrente afir-ma que a prisão preventiva é necessária para a garantia da ordem econômica – haja vista a magnitude da lesão causada – e para a aplicação da lei penal, em razão de eventual risco de o recorrido interferir nas investigações, ocultar bens patrimoniais (inviabilizando, assim, o ressarcimento das lesões financeiras) e evadir-se do distrito da culpa.

Contudo, a análise da violação do art. 312 do Código de Processo Penal, nos termos em que pleiteado pelo recorrente, demandaria, inevitavelmente, o reexame do arcabouço carreado aos autos, porquanto assentado pelo Tribunal de origem ser insustentável a manutenção da prisão preventiva, ante a carência de motivação e de amparo nos fatos e nas provas constantes dos autos.

Por oportuno, transcrevo trechos do acórdão (fls. 2631/2650):

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RDP Nº 83 – Dez-Jan/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDêNCIA ........................................................................................................159

O Juízo de 1º grau alicerçou ainda a decretação da prisão preventiva como ne-cessária para a garantia da ordem econômica e para assegurar a aplicação da lei penal.

Não se vislumbra, no entanto, qualquer afronta à ordem econômica que possa ser evitada com a manutenção da prisão cautelar do paciente.

Se houve a prática de crimes contra o sistema financeiro nacional, de lavagem ou ocultação de bens deverá ser apurado em procedimento próprio e objeto da denúncia, o que ainda não tinha ocorrido quando se decretou a preventiva.

A lesão da magnitude da lesão financeira causada deve ser ponderada no mo-mento da fixação de eventual punição ao cabo da ação penal, e não no limiar do inquérito policial para a decretação da prisão cautelar.

[...]

O paciente não está mais à frente do Banco Cruzeiro do Sul e, portanto, não possui condições de interferir na prática bancária. Como é cediço, suposições e afirmações genéricas de cunho retórico não são suficientes para justificar a prisão cautelar que não pode ser utilizada como antecipação de futura pena.

Anoto que houve a entrega de passaporte do paciente à autoridade judicial e o comprometimento de comparecer a todos os atos e termos do processo, bem como de colaborar com qualquer esclarecimento que se fizer necessário, caindo por terra aventada obstrução à aplicação da lei penal.

Com relação ao patrimônio do paciente, já foi decretada a indisponibilidade pelas autoridades competentes, sobre ele não possuindo, o paciente, disponi-bilidade imediata, de forma a obstar possível ressarcimento e recomposição do patrimônio da instituição financeira.

O próprio paciente se dispôs a colaborar com as explicações necessárias, já ten-do sido ouvido pela autoridade policial e também prestado esclarecimentos ao Juízo, evidenciando propósito de não criar percalços à instrução criminal.

Relativamente a supostos bens não declarados que poderiam ser desviados pela ação do paciente (hipótese aventada na decisão que decretou a prisão), cabe a atuação da autoridade policial e do Ministério Público para identificar tais bens além da postulação das medidas legais cabíveis para a sua apreensão, não sendo a prisão cautelar o meio adequado para a consecução desse objetivo. Tampouco, há nos autos elementos concretos que indicam que o paciente tenha procurado desviar bens ou impedir a sua localização, mas apenas conjecturas sobre essa possível conduta.

[...]

Para manter alguém em cárcere cautelarmente faz-se imperiosa a demonstração de fatores indicativos de ofensa aos bens tutelados pelo art. 312 do Código de Processo Penal (ordem pública, ordem econômica, instrução criminal e aplica-ção da lei penal), sendo necessária a existência de elementos concretos que in-diquem essa violação. In casu, não há razões que justifiquem a manutenção da prisão cautelar.

Com tais considerações, concedo a ordem para revogar a prisão preventiva do paciente.

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Portanto, para alterar o entendimento firmado pela Corte de origem, que entendeu estarem ausentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva, seria necessário o revolvimento fático-probatório, procedimento vedado pelo enunciado nº 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

Nesse sentido:

PENAL E PROCESSO PENAL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INS-TRUMENTO – PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE – ART. 557, CAPUT, DO CPC – RECURSO MANIFESTAMENTE INADMISSÍVEL E IMPROCEDENTE – VIOLA-ÇÃO AO ART. 44 DA LEI Nº 11.343/2006 – LIBERDADE PROVISÓRIA – VEDA-ÇÃO – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULAS NºS 211/STJ, 282 E 356/STF – AFRONTA AO ART. 312 DO CPP – FUNDAMENTOS DA PRISÃO PREVENTIVA – REEXAME FÁTICO E PROBATÓRIO – IMPOSSIBILIDADE – SÚ-MULA Nº 7/STJ – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL – ART. 255/RISTJ – INOB- SERVÂNCIA – AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO – 1. [...] 2. É condição sine qua non ao conhecimento do especial que tenham sido ventilados, no contexto do acórdão objurgado, os dispositivos legais indi-cados como malferidos na formulação recursal. Inteligência dos Enunciados nºs 211/STJ, 282 e 356/STF. 3. É assente que cabe ao aplicador da lei, em instância ordinária, fazer um cotejo fático e probatório a fim de analisar se estão presen-tes os requisitos para que se decrete, mantenha ou que se revogue a constrição cautelar do acusado. Incidência da Súmula nº 7 deste Tribunal. 4. [...]. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no Ag 1327894/MT, Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 01.10.2012)

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É como voto.

ceRtIDão De JulGAmento QuIntA tuRmA

Processo Eletrônico AgRg no AREsp 345.966/SP

Número Registro: 2013/0179951-1

Matéria criminal

Números Origem: 00320409320124030000 110177520124036181 201203000320407 320409320124030000 66406120124036181

Em Mesa Julgado: 19.11.2013

Relator: Exmo. Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Guilherme Henrique Magaldi Neto

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RDP Nº 83 – Dez-Jan/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDêNCIA ........................................................................................................161

Secretário: Bel. Lauro Rocha Reis

AutuAção

Agravante: Ministério Público FederalAgravado: Luis Octávio Azeredo Lopes Índio da Costa (preso)Advogados: Roberto Podval e outro(s)

Odel Mikael Jean AntunAssunto: Direito Penal – Crimes previstos na legislação extravagante – Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional

AGRAVo ReGImentAl

Agravante: Ministério Público FederalAgravado: Luis Octávio Azeredo Lopes Índio da Costa (preso)Advogados: Roberto Podval e outro(s)

Odel Mikael Jean Antun

ceRtIDão

Certifico que a egrégia Quinta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental.”

Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Regina Helena Costa e Jorge Mussi vo-taram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Laurita Vaz.

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Parte Geral – Jurisprudência

6758

Superior Tribunal de JustiçaEDcl no AgRg no Recurso Especial nº 1.294.523 – SP (2011/0288593‑3)Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis MouraEmbargante: Severino NininAdvogado: Carlos Eduardo Boiça Marcondes de Moura e outro(s)Embargado: Ministério Público do Estado de São Paulo

ementA

EMBARGoS dE dECLARAção – AGRAVo REGIMENTAL – RECuRSo ESPECIAL – PRES- CRIção INTERCoRRENTE – RECoNHECIMENTo – EMBARGoS ACoLHIdoS PARA dE- CLARAR A EXTINção dA PuNIBILIdAdE do RECoRRENTE

1. Verificada a ocorrência superveniente da prescrição da preten-são punitiva estatal, nos termos do que disciplina o art. 109, inciso IV, c/c art. 115 do Código Penal, cumpre acolher os aclaratórios, com efeitos infringentes, para declarar a extinção da punibilidade do recorrente.

2. Embargos de declaração acolhidos com efeitos modificativos.

AcóRDão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indi-cadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: A Sexta Turma, por unanimidade, acolheu os embargos de declaração, com efei-tos modificativos, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Assusete Magalhães, Rogerio Schietti Cruz e Marilza Maynard (Desembargado-ra Convocada do TJ/SE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior.

Brasília, 12 de novembro de 2013 (data do Julgamento).

Ministra Maria Thereza de Assis Moura Relatora

RelAtóRIo

Ministra Maria Thereza de Assis Moura (Relatora):

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Trata-se de embargos declaratórios, opostos por Severino Ninin, em face de acórdão desta Sexta Turma que conheceu em parte do agravo regimental e, na parte conhecida, negou-lhe provimento. A título de ilustração, confira-se a ementa do aresto:

PENAL E PROCESSO PENAL – AGRAVO REGIMENTAL – RECURSO ESPECIAL – INTERROGATÓRIO – RENOVAÇÃO DO ATO AO FINAL DA INSTRUÇÃO – LEI Nº 11.719/2008 – ALTERAÇÃO LEGISLATIVA SUPERVENIENTE À SUA REALIZAÇÃO – TEMPUS REGIT ACTUM – SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO – INTERPRETAÇÃO CONFORME AO ART. 94 DO ESTATUTO DO IDOSO – ADI 3096/DF – RECURSO QUE NÃO IMPUGNA OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 182/STJ

1. Quanto à repetição do interrogatório ao final da instrução, trata-se de tema de cunho processual ao qual é aplicável, como regra geral, o princípio do tempus regit actum, ou seja, realizados os atos processuais na vigência do regramento antigo, não induz nulidade a superveniência da novel disposição legal que even-tualmente altera o modo como devem ser realizados. Precedentes.

2. É inviável o agravo regimental que não impugna especificamente os funda-mentos da decisão agravada. Aplicação do disposto na Súmula nº 182/STJ.

3. Agravo regimental conhecido em parte e improvido.

Sustenta o embargante, nas razões dos presentes aclaratórios, a ocorrên-cia de prescrição superveniente, considerando que, aplicada a pena de 02 (dois) anos e 08 (oito) meses na origem, “entre a data da sentença até a presente data já escoou mais de 04 (quatro) anos e 10 (dez) meses, sendo que a prescrição no caso dos autos, conta-se pela metade, considerando que o embargante é maior de 70 anos”.

Intimado o Ministério Público Federal, manifestou-se o Parquet pelo aco-lhimento dos presentes embargos declaratórios.

É o relatório.

ementA

EMBARGoS dE dECLARAção – AGRAVo REGIMENTAL – RECuRSo ESPECIAL – PRES- CRIção INTERCoRRENTE – RECoNHECIMENTo – EMBARGoS ACoLHIdoS PARA dE- CLARAR A EXTINção dA PuNIBILIdAdE do RECoRRENTE

1. Verificada a ocorrência superveniente da prescrição da preten-são punitiva estatal, nos termos do que disciplina o art. 109, inciso IV, c/c art. 115 do Código Penal, cumpre acolher os aclaratórios, com efeitos infringentes, para declarar a extinção da punibilidade do recorrente.

2. Embargos de declaração acolhidos com efeitos modificativos.

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Voto

Ministra Maria Thereza de Assis Moura(Relatora):

Com razão o embargante.

Extrai-se dos autos que o acórdão recorrido manteve a condenação do embargante à pena, estabelecida pela sentença, de 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de detenção, como incurso no art. 302, parágrafo único, inciso III, da Lei nº 9.503/1997, substituída por restritivas de direitos.

Por outro lado, verifica-se que o embargante já contava, quando da pro-lação da sentença condenatória, com mais de 70 (setenta) anos de idade, razão pela qual deve ser reduzido da metade o prazo da prescrição. No caso presente, portanto, tem-se que a prescrição se dá em 4 (quatro) anos, nos termos do que disciplina o art. 109, inciso IV, c/c art. 115 do Código Penal.

Dessarte, tendo a sentença condenatória sido publicada em 21.11.2008 (fl. 157), observa-se a implementação da prescrição da pretensão punitiva. Com efeito, entre o último marco interruptivo e o presente momento já se passaram mais de quatro anos, sem que tenha ocorrido o trânsito em julgado.

Em assim sendo, deve ser reconhecida a ocorrência da prescrição pela pena aplicada em concreto, nos termos do art. 110, § 1º, do Código Penal, ra-zão pela qual deve ser declarada extinta a punibilidade do recorrente, conforme disciplina o art. 107, inciso IV, do Código Penal, e nos termos do que determina o art. 61 do Código de Processo Penal.

Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados desta Corte Superior de Justiça:

PENAL E PROCESSUAL PENAL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – OFENSA AO ART. 619 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – OCORRÊNCIA – EXTINÇÃO DA PUNIBILI-DADE – RECONHECIMENTO – MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA – ART. 61 DO CPP – PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL – CONFIGURAÇÃO

I – A extinção da punibilidade pela superveniência da prescrição da pretensão punitiva estatal, nos termos do art. 61 do Código de Processo Penal, constitui ma-téria de ordem pública, cabendo ao juiz, em qualquer fase do processo, declará--la de ofício, havendo, pois, omissão a ser sanada no acórdão embargado.

II – Tratando-se de concurso de crimes, a extinção da punibilidade recairá sobre a pena de cada delito, isoladamente, nos termos do art. 119 do Código Penal.

II – A sentença condenatória foi publicada em cartório, em mãos do escrivão, no dia 01.12.2006. Transcorrido prazo superior a 4 (quatro) anos desde a publicação da sentença, último marco interruptivo prescricional, constata-se a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, a teor do disposto no art. 107, IV, do Código Penal.

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III – Embargos declaratórios acolhidos, com efeitos infringentes, para reconhecer a extinção da punibilidade do Embargante.

(EDcl no AgRg no Ag 1417829/DF, Relª Min. Regina Helena Costa, Quinta Tur-ma, Julgado em 17.10.2013, DJe 22.10.2013)

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – OMISSÃO – NÃO OCORRÊNCIA – MANIFESTAÇÃO FUNDAMENTADA DO ACÓRDÃO RECORRIDO SOBRE TODOS OS PONTOS SUSCITADOS – PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO – PRESCRIÇÃO – OCORRÊNCIA – MA-TÉRIA DE ORDEM PÚBLICA – EMBARGOS DECLARATÓRIOS ACOLHIDOS PARA RECONHECER A PRESCRIÇÃO

1. Observo que a decisão recorrida não foi omissa, e, fundamentadamente, en-tendeu não ser possível reapreciação das circunstâncias da causa, colhidas na instrução criminal, que demonstraram a autoria e materialidade, por demandar reexame do contexto fático-probatório, incidindo, dessa forma, a Súmula nº 7, desta Corte.

2. Nos termos da jurisprudência desta Corte, o órgão julgador não é obrigado a se manifestar sobre todos os pontos alegados pelas partes, mas somente sobre aqueles que entender necessários para a sua decisão, de acordo com seu livre e fundamentado convencimento, não caracterizando omissão ou ofensa à legisla-ção infraconstitucional o resultado diferente do pretendido pela parte.

3. Não há, portanto, falar em omissão no julgado, quando ausentes os requisitos previstos no art. 619, do Código de Processo Penal.

4. Por ser a prescrição matéria de ordem pública, deve ser reconhecida de ofício ou a requerimento das partes, a qualquer tempo ou grau de jurisdição, a teor do art. 61, do Código de Processo Penal.

5. Considerada a pena de 2 (dois) anos de reclusão, fixada pelo Tribunal a quo, bem como o transcurso do prazo superior a 4 (quatro) anos depois da sentença condenatória, com trânsito em julgado para a acusação, deve ser reconhecida a prescrição superveniente da pretensão punitiva do Estado.

6. Embargos declaratórios acolhidos para reconhecer a prescrição da pretensão punitiva estatal do embargante no que tange ao delito tipificado no art. 14 da Lei nº 10.826/2003.

(EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp 130.342/SC, Rel. Min. Moura Ribeiro, Quinta Turma, Julgado em 08.10.2013, DJe 14.10.2013)

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – RECURSO ESPECIAL – PROCESSO PENAL – ART. 110, § 1º, DO CP – PRESCRIÇÃO RETROATIVA – OCORRÊNCIA – EMBAR-GOS COM EFEITOS INFRINGENTES

1. A oposição de embargos de declaração almeja o aprimoramento da prestação jurisdicional, por meio da alteração de julgado que se apresenta omisso, contra-ditório, obscuro ou com erro material (art. 619 do CPP).

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2. Incidência da prescrição retroativa, na qual se leva em consideração a pena aplicada in concreto, mesmo sendo uma espécie de prescrição da pretensão pu-nitiva – que, de modo geral, deveria considerar exclusivamente a pena in abstrato –, com fundamento no princípio da pena justa.

3. Na ausência de recurso da acusação ou no improvimento deste, a pena aplica-da na sentença condenatória firma-se, desde a prática do fato, como necessária e suficiente para aquele caso em particular.

Assim, a pena concretizada justifica-se como novo parâmetro para a fixação da prescrição da pretensão punitiva estatal.

4. A prescrição retroativa pode ser considerada entre a consumação do crime e o recebimento da denúncia, ou entre este e a sentença condenatória e até entre esta e a pendência de julgamento do recurso especial (art. 110, § 1º, do CP).

5. Embargos de declaração acolhidos com efeitos infringentes, para declarar a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva estatal em relação aos fatos imputados ao ora embargante, nos termos dispostos no voto.

(EDcl no AgRg no REsp 929.679/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, Julgado em 09.04.2013, DJe 06.05.2013)

Ante o exposto, acolho os embargos de declaração, com efeitos modifi-cativos, para declarar a extinção da punibilidade do recorrente, em virtude da prescrição superveniente.

É como voto.

ceRtIDão De JulGAmento seXtA tuRmA

Processo Eletrônico EDcl no AgRg no REsp 1.294.523/SP

Número Registro: 2011/0288593-3

Matéria Criminal

Números Origem: 00085773920068260201 201.01.2006.008577-5/000000-000 2010120060085775 85773920068260201 870/2006 8702006 990.09.046382-1 990090463821 99009046382150000

Em Mesa Julgado: 12.11.2013

Relatora: Exma. Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura

Presidente da Sessão: Exma. Sra. Ministra Assusete Magalhães

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. João Francisco Sobrinho

Secretário: Bel. Eliseu Augusto Nunes de Santana

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RDP Nº 83 – Dez-Jan/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDêNCIA ........................................................................................................167

AutuAção

Recorrente: Severino NininAdvogado: Carlos Eduardo Boiça Marcondes de Moura e outro(s)Recorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo

Assunto: Direito penal – Crimes previstos na legislação extravagante – Crimes de trânsito

embARGos De DeclARAção

Embargante: Severino Ninin

Advogado: Carlos Eduardo Boiça Marcondes de Moura e outro(s)

Embargado: Ministério Público do Estado de São Paulo

ceRtIDão

Certifico que a egrégia Sexta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Sexta Turma, por unanimidade, acolheu os embargos de declaração, com efei-tos modificativos, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Assusete Magalhães, Rogerio Schietti Cruz e Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJ/SE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior.

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Parte Geral – Jurisprudência

6759

Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoNumeração Única: 0004884‑39.2007.4.01.3500Apelação Criminal nº 2007.35.00.004893‑2/GORelator: Desembargador Federal Olindo Herculano de MenezesApelante: João Crispim QuintanilhaAdvogado dativo: Flavia Elisa AlbernazApelado: Ministério Público FederalProcurador: Marcelo Ribeiro de Oliveira

ementA

PENAL – ESTELIoNATo – FRAudE CoNTRA o SEGuRo-dESEMPREGo E FGTS – dI- FICuLdAdES FINANCEIRAS

1. Comprovadas a materialidade e a autoria do delito – fraude ao programa do seguro-desemprego e ao FGTS –, merece con-firmação o decreto condenatório, que aplicou a pena de forma criteriosa, em quantitativo suficiente para reprovação e prevenção do crime.

2. A pobreza e as dificuldades econômicas, que atingem a todos, em maior ou menor extensão, não podem ser aceitas como justifi-cativa e/ou explicação para o cometimento de crimes.

3. Desprovimento da apelação.

AcóRDão

Decide a Turma negar provimento à apelação, à unanimidade.

4ª Turma do TRF da 1ª Região – Brasília, 2 de julho de 2013.

Desembargador Federal Olindo Menezes, Relator

RelAtóRIo

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Olindo Menezes (Relator): – João Crispim Quintanilha apela de sentença da 11ª Vara Federal/GO, que o conde-nou a 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão e 20 (vinte) dias-multa, à razão de 1/20 (um vigésimo) – SM, pelo crime de estelionato (art. 171, § 3º – CP),

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com substituição. Conforme proposição do Ministério Público Federal, o co-denunciado João Emílio de Pina Quintanilha obteve o benefício da suspensão condicional do processo, uma vez que, no caso concreto, era aplicável a causa de diminuição de pena, prevista no § 1º do art. 171 – CP. A denúncia expôs os fatos:

[...] 1. Consta dos autos que os denunciados João Emílio de Pina Quintanilha e João Crispim Quintanilha, em unidade de desígnio, receberam indevidamente 03 (três) parcelas do Seguro Desemprego, no valor de R$ 321,79 (trezentos e vinte e um reais e setenta e nove centavos) cada, em 19.07, 23.08 e 19.10.2004 (fl. 93), e sacaram em 04.06.2004 a quantia de R$ 192,72 (cento e noventa e dois reais e setenta e dois centavos) do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, também de forma fraudulenta.

2. De fato, o denunciado João Emílio de Pina Quintanilha rescindiu de forma unilateral, em 04.04.2004, o contrato de trabalho que mantinha com a empresa Santa Marta Distribuidora de Drogas Ltda., CNPJ nº XXXX, fato que, conforme legislação de regência, o impedia de sacar o FGTS e de receber o seguro desem-prego.

3. Em razão do pedido de demissão de João Emilio, a empresa empregadora emitiu o Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho – TRCT, acostado à fl. 14 dos autos.

4. Contudo, o segundo denunciado, João Crispim Quintanilha, pai de João Emílio e cuja profissão é contador, confeccionou um novo TRCT, alterando em especial o campo referente a causa do afastamento do empregado. No documento frau-dado constou que houve dispensa sem justa causa em vez de dispensa a pedido, situação que, se verídica, daria direito a João Emílio de levantar o saldo existente na conta do FGTS e de receber o benefício do Seguro Desemprego (fl. 06).

5. A fraude veio a lume porque a empresa empregadora, Santa Marta Distri-buidora de Drogas Ltda., solicitou à Caixa Econômica Federal o certificado de regularidade do FGTS, instante em que a empresa pública federal detectou a irregularidade referente ao ex-empregado João Emílio, pelo fato de que na GFIP – Guia de Recolhimento do FGTS e Previdência Social, constar o código “J” e no documento apresentado por João Emílio apresentar código “01”.

6. Registre-se que o código “J” indica afastamento iniciado pelo empregado sem justa causa, e código “01” indica dispensa pela empresa sem justa causa. No primeiro caso não há o levantamento do fundo côo o recebimento do benefício.

7. Os denunciados, agindo com tal artifício, induziram a CEF no levantamento do FGTS e no pagamento do benefício do seguro desemprego, em concurso formal.

[...]

Sustenta que se encontrava em dificuldades financeiras para pagar a fa-culdade de direito do filho, não restando alternativa que não a prática do crime. Pede, sucessivamente, a aplicação da Lei nº 9.099/1990.

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O órgão do Ministério Público Federal nesta instância, em parecer fir-mado pelo Procurador Regional da República Guilherme Zanina Schelb (fls. 296-300), manifesta-se pelo desprovimento da apelação.

É o relatório. Sigam os autos ao exame do revisor, que pedirá a designa-ção de dia para o julgamento (art. 613, I, CPP).

Voto

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Olindo Menezes (Relator): – O acu-sado não discute a autoria e a materialidade do crime, que foram plenamen-te demonstradas na sentença. Busca, apenas, mas com argumentos genéricos, justificar sua conduta, alegando que estava com dificuldades financeiras para pagar a faculdade de direito do filho. A sentença deu pela inexistência de ele-mentos de prova que sustentassem a excludente de ilicitude, nestes termos:

[...] Quanto à tese defensiva segundo a qual incidiria, na espécie, a excludente de ilicitude insculpida nos arts. 23, inciso I e 24, do Código Penal, uma vez que o acusado João Crispim somente teria agido de forma a praticar o crime de estelionato descrito na inicial acusatória, visando a angariar valores que seriam destinados a pagar a faculdade de seu filho, o corréu João Emílio, não há que ser acolhida, uma vez que não produziu o acusado prova alguma capaz de sustentar a exculpante suscitada (CPP, 156).

[...]

Mesmo se o acusado tivesse sido condenado à pena mínima prevista para o crime de estelionato qualificado, 1 ano e 4 meses de reclusão, ela ultra-passaria o limite objetivo de 1 ano fixado no art. 891 da Lei nº 9.099/1995, não havendo como cogitar na possibilidade de suspensão condicional do processo.

A mera alegação de dificuldades financeiras não pode justificar a prá-tica do delito e caracterizar estado de necessidade. O acusado possui grau de instrução superior de Contador e paga aluguel de apartamento no centro de Goiânia, com salário aproximado de R$ 3.000,00 na época dos fatos. Não há, de fato, indicação de miserabilidade para demonstrar que estava em estado de necessidade quando cometeu a fraude contra o seguro desemprego e o FGTS.

As razões do recurso são insuficientes para afastar o decreto condenató-rio. Ao contrário do que alega, a prova dos autos indica que o acusado possui condições financeiras suficientes para manter a si e sua família, sendo a prática

1 Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

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RDP Nº 83 – Dez-Jan/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDêNCIA ........................................................................................................171

do crime uma opção consciente, com vontade livre e dirigida para lesar o bem jurídico tutelado pela norma jurídica.

A pobreza – diga-se o mesmo das dificuldades econômicas, que atin-gem a todos, em maior ou menor extensão –, ressalvada a dimensão extrema, não pode ser aceita como justificativa e/ou explicação para o cometimento de crimes.

Em face do exposto, nego provimento à apelação, mantendo a sentença em todos os seus termos.

É o voto.

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Parte Geral – Jurisprudência

6760

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoV – Apelação Criminal nº 2011.51.01.490361‑8Nº CNJ: 0490361‑43.2011.4.02.5101Relator: André FontesApelante: Ministério Público FederalApelado: Daniela FonsecaAdvogado: Clovis Borges Moraes e outrosOrigem: Décima Vara Federal do Rio de janeiro(201151014903618)

ementA

dIREITo PENAL E PRoCESSuAL PENAL – APELAção CRIMINAL – CoNTRABANdo – AuToRIA dELITIVA Não CoNFIGuRAdA

I – O crime de contrabando pressupõe o domínio final da ativida-de de exploração do bem irregularmente introduzido em território nacional.

II – Se a ré não detinha a propriedade ou a posse dos bens apre-endidos, uma vez que, na condição de empregada do estabeleci-mento comercial, não passava de mera detentora das máquinas caça-níqueis, não se encontra configurada a autoria delitiva, de-vendo ser mantida a sua absolvição.

III – Recurso desprovido.

AcóRDão

Vistos e relatados os presentes autos, em que são partes as acima indica-das, acordam os Membros da 2ª Turma Especializada, por maioria, negar pro-vimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Votaram ainda os Desem-bargadores Marcelo Pereira da Silva e Messod Azulay Neto. Os Procuradores Regionais da República, João Ricardo da Silva Ferrari e Marcelo de Figueiredo Freire, respectivamente, no parecer e em sessão de julgamento, presentaram o Ministério Público.

Rio de Janeiro, 15 de outubro de 2013 (data do Julgamento).

André Fontes Relator Desembargador do TRF da 2ª Região

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RelAtóRIo

Em 25 de novembro de 2011 (fls. 02-07) foi oferecida denúncia contra Daniela Fonseca, na qual foi imputada a conduta tipificada no art. 334, § 1º, alíneas c e d, do Código Penal, sob o argumento de que ela recebeu e manteve em seu estabelecimento comercial dezesseis máquinas eletrônicas programá-veis, popularmente conhecidas como “caça-níqueis”.

Inquérito policial, às fls. 02-32 (apenso), relatado às fls. 29-31.

Denúncia recebida em 1º de dezembro de 2011, conforme decisão de fl. 13.

Folhas de antecedentes criminais, às fls. 18-20.

Resposta à acusação, às fls. 29-30.

Laudo de Perícia Criminal Federal, às fls. 33-44.

Assentada da audiência de instrução e julgamento, às fls. 71-79, na qual foram inquiridas as testemunhas arroladas pela acusação e realizado o interro-gatório da ré.

Alegações finais apresentadas pelo Ministério Público, às fls. 98-104, e pela defesa, às fls. 107-112.

O MM. Juiz da 10ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, Marcelo Luzio Marques Araujo, em sentença de fls. 128-134, absolveu a ré Daniela Fon-seca, da imputação relativa ao crime previsto no art. 334, § 1º, c e d, do Código Penal, com fundamento no art. 386, inciso IV, do Código de Processo Penal.

O magistrado sentenciante lastreou a absolvição, em síntese, nos seguin-tes fundamentos: (i) embora comprovada a materialidade delitiva, a acusação não logrou demonstrar que a ré era, efetivamente, a responsável pela explora-ção comercial das máquinas eletrônicas; (ii) o conjunto probatório ratificou a conclusão de que a ré era mera empregada da casa de jogos, responsável por atender os apostadores e pelo gerenciamento rotineiro do local, circunstância que esvazia qualquer tentativa de rotulá-la como autora do crime.

A acusação interpôs apelação, à fl. 144, apresentando razões recursais, às fls. 145-149, sustentando, em síntese, que: (i) a ré não era apenas diarista de serviços gerais, tal qual sustentou, contraditoriamente, em seu interrogató-rio, mas sim responsável pelo funcionamento do bingo clandestino; (ii) para a caracterização do tipo penal imputado na denúncia, não é imprescindível que o agente seja “importante figura no mundo da contravenção penal”, sen-do suficiente que sua participação seja penalmente relevante na exploração comercial das máquinas caça-níqueis; (iii) o funcionamento das organizações criminosas responsáveis pela exploração comercial de máquinas caça-níqueis, no município do Rio de Janeiro, depende de agentes, que, assim como a ré, emprestam sua relevante contribuição na ponta das atividades; (iv) a configu-

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ração do tipo penal em comento não exige a propriedade do estabelecimento, mas, tão-somente, que a participação do denunciado seja fundamental para a concretização do esquema criminoso, conforme ocorreu em relação à acusada; (v) não há dúvidas de que a ré, ao operar o bingo clandestino, mesmo após seu fechamento pela Polícia Federal, agiu com vontade livre e consciente de em-presar seu contributo para a empreitada delitiva versada, o que justifica a sua condenação pelo delito em tela.

Contrarrazões apresentadas pela defesa, às fls. 162-167.

O Procurador Regional da República, João Ricardo da Silva Ferrari, ma-nifestou-se, às fls. 173-178, pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

À revisão, nos termos regimentais.

Em 24.09.2013.

André Fontes Relator Desembargador do TRF da 2ª Região

VotoI – O crime de contrabando pressupõe o domínio final da atividade de explora-ção do bem irregularmente introduzido em território nacional.

II – Se a ré não detinha a propriedade ou a posse dos bens apreendidos, uma vez que, na condição de empregada do estabelecimento comercial, não passava de mera detentora das máquinas caça-níqueis, não se encontra configurada a auto-ria delitiva, devendo ser mantida a sua absolvição.

Como visto no relatório, a absolvição de Daniela Pereira teve como fun-damento a ausência de comprovação da autoria delitiva, na medida em que os elementos probatórios coligidos aos autos não lograram demonstrar que ela, efetivamente, era a responsável pelo estabelecimento comercial em que se deu a apreensão das máquinas eletrônicas em questão.

Com efeito, o crime de contrabando ou descaminho, previsto no art. 334 do Código Penal, também se caracteriza pela “aquisição, recebimento ou ocultação, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comer-cial ou industrial, de mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal, ou acompanhada de documentos conhecidamente fal-sos” (§ 1º, alínea d).

Desse modo, cumpre-nos avaliar se a conduta imputada à acusada en-contra adequação à figura típica descrita no dispositivo legal acima citado, bas-tando, para tanto, verificar a presença das quatro elementares do tipo, quais

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sejam: (i) aquisição, recebimento ou ocultação; (ii) em proveito próprio; (iii) no exercício de atividade comercial; (iv) documentação legal pertinente.

Sobre esse aspecto, não obstante a exordial acusatória tenha apontado a ré como a responsável pela exploração comercial das máquinas apreendidas, não há nos autos suporte probatório capaz de sustentar essa conclusão.

Pelo contrário, a instrução probatória demonstra que a ré era mera em-pregada do estabelecimento no qual as máquinas operavam, conforme se infe-re a partir dos depoimentos prestados, em sede policial, pelas testemunhas de acusação Rachel Helena Matos Campista e Arnaldo Rodrigues Júnior, posterior-mente ratificados em juízo (fls. 74-75 e 76-77, respectivamente):

“[...] Que, ao ser questionada, Daniela Fonseca admitiu ser atendente do bingo e trabalhar no horário de 13:00 às 21:00 horas [...]” – fl. 03 (apenso).

“[...] Que presenciou o momento em que Daniela Fonseca admitiu ser funcioná-ria do bingo e já ter sido conduzida para esta Delefaz quando do fechamento do mesmo bingo há alguns meses [...]” – fl. 04 (apenso).

Conclui-se, portanto, que a ré não detinha a propriedade ou a posse dos bens apreendidos, uma vez que, na condição de empregada do estabelecimen-to comercial, não passava de mera detentora das máquinas caça-níqueis, cir-cunstância que afasta a autoria delitiva, pois, como já salientado, o crime de contrabando pressupõe o domínio final da atividade de exploração do bem irregularmente introduzido em território nacional.

Logo, considerando-se que os elementos probatórios coligidos aos autos não lograram demonstrar que a ora recorrida concorreu para a prática delitiva imputada na denúncia, é de ser mantida a sua absolvição, com fundamento no art. 386, inciso IV, do Código de Processo Penal.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

É o voto.

Em 15.10.2013.

André Fontes Relator Desembargador do TRF da 2ª Região

DespAchoReporto-me às notas fonográficas da sessão de julgamentos de 15.10.2013,

como razões de voto divergente, cuja juntada aos autos determino.

Rio de Janeiro, 28 de outubro de 2013.

Marcelo Pereira da Silva Desembargador Federal

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Parte Geral – Jurisprudência

6761

Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoApelação Criminal nº 0004253‑46.2009.4.03.6127/SP2009.61.27.004253‑6/SPRelator: Desembargador Federal André NekatschalowApelante: Wagner de Freitas LimaAdvogado: SP209677 Roberta Braido Martins (int. pessoal)Apelado: Justiça PúblicaNº orig.: 00042534620094036127 1ª Vr. São João da Boa Vista/SP

ementA

PENAL – MoEdA FALSA – GuARdA dE NoTAS FALSAS – CoNTRAFAção GRoSSEIRA – ATIPICIdAdE dA CoNduTA – ABSoLVIção do RÉu – APELAção PRoVIdA

1. É certo que o delito de moeda falsa descrito no art. 289, § 1º, do Código Penal consuma-se tão somente com a guarda das cédu-las inidôneas, sendo desnecessária a introdução em circulação ou mesmo tal intenção, mostrando-se suficiente que o agente tenha consciência da contrafação e esta seja hábil a ludibriar o homem de conhecimento médio.

2. Na espécie, a despeito de o exame pericial consignar a eventual possibilidade de as cédulas falsas ludibriarem o homem médio, a análise das notas à fl. 47 denota seu precário estado de conser-vação, visto estarem abrindo ao meio, o que torna perceptível a falsificação ictu oculi.

3. Tendo em vista tratar-se de falsificação grosseira, impõe-se a absolvição do réu por atipicidade da conduta.

4. Apelação provida.

AcóRDão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 25 de novembro de 2013.

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Andre Nekatschalow Desembargador Federal Relator

Voto

Imputação. Wagner de Freitas Lima foi denunciado pela prática do delito do art. 289, § 1º, do Código Penal, porque, em 17.03.2009, guardou, em sua residência, duas cédulas falsas, uma no valor de R$ 10,00 (dez reais) e outra de R$ 50,00 (cinquenta reais).

Segundo a denúncia, em 17.03.2009, guardas municipais abordaram o denunciado e encontraram 5g (cinco gramas) de cocaína no interior do veículo por ele conduzido, tendo o denunciado confessado que mantinha outras drogas em sua residência, a qual foi revistada pelos guardas, que encontraram as duas notas supostamente falsas (fls. 57/59).

Materialidade. Constam dos autos os seguintes elementos de convicção da materialidade do delito:

a) auto de exibição e apreensão (fls. 15/17);

b) laudo pericial, atestando a falsidade das cédulas apreendidas (fls. 18/20);

c) cédulas falsas (fl. 47).

Autoria. Em interrogatório extrajudicial, no momento da prisão em fla-grante, o acusado permaneceu em silêncio (fl. 9).

Em declarações prestadas posteriormente na Delegacia de Polícia, o acu-sado disse ter recebido as notas falsas quando vendia cervejas em um rodeio, sendo que, quando percebeu a falsidade, não conseguiu certificar-se de quem teria recebido as cédulas. Afirmou ter guardado as notas em sua carteira, as quais estavam abertas no meio quando foram encontradas pelos guardas mu-nicipais. Disse tê-las guardado por não imaginar que teria problemas por isso (fl. 38).

Em interrogatório judicial, o réu declarou ser verdadeira a acusação. Afir-mou ter recebido as notas falsas havia 8 (oito) meses, quando vendia cerveja em um rodeio, mas não saber que teria problemas por guardá-las. Disse só ter percebido que eram falsas ao chegar em sua casa. Esclareceu serem as notas de R$ 10,00 (dez reais) e de R$ 50,00 (cinquenta reais). Declarou que as cédulas estavam dobradas em sua carteira, guardadas em um “bolsinho” separado do seu dinheiro, sendo que já estavam até rasgando de tanto tempo que estavam lá. Afirmou ter sido parado pelos policiais por suspeita de tráfico, tendo os po-liciais encontrado cocaína em seu carro por ser usuário. Acrescentou que não era possível colocar as cédulas falsas em circulação pelo estado em que se

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encontravam. Disse que era possível perceber a falsidade porque a nota estava rasgada, “separada” (fl. 217 e mídia à fl. 218).

Na Polícia, Edson Antonio Martins, Guarda Municipal, declarou ter abor-dado o veículo do acusado em patrulhamento de rotina. Disse ter encontrado cocaína escondida na buzina do automóvel, bem como ter o acusado declara-do haver mais drogas em sua residência. Afirmou que, em revista realizada na residência do acusado, foram localizados entorpecentes, celulares, máquinas fotográficas e R$ 117,25 (cento e dezessete reais e vinte e cinco centavos), em notas diversas e moedas, além de uma nota de R$ 10,00 (dez) reais e outra de R$ 50,00 (cinquenta reais), ambas aparentemente falsas (fls. 4/5).

Em Juízo, a testemunha de acusação Edson Antonio Martins, Guarda Mu-nicipal, disse ter abordado o veículo conduzido pelo réu, que já era conhecido pela prática de tráfico de entorpecentes, e, em minuciosa revista, haver encon-trado entorpecente armazenado na buzina do veículo. Relatou que o réu con-fessou ter mais entorpecente em sua residência e, em busca no imóvel, haver encontrado entorpecentes e certa quantia em dinheiro, sendo que uma nota de R$ 10,00 (dez reais) e outra de R$ 50,00 (cinquenta reais) aparentavam ser falsas. Indagado se teria detectado a falsidade de plano, esclareceu ser “bem grosseira” (fl. 138 e mídia à fl. 141).

Ouvido na fase policial, Carlos Alberto Ferreira, Guarda Municipal, afir-mou ter abordado o veículo do acusado em patrulhamento de rotina e haver localizado uma porção de cocaína escondida na buzina do veículo. Declarou que o acusado confessou ter mais drogas em sua residência. Relatou que, em busca no imóvel, foram localizados entorpecentes, máquinas fotográficas, celu-lares e R$ 117,25 (cento e dezessete reais e vinte e cinco centavos) em dinheiro e mais duas cédulas aparentemente falsas (fl. 7).

Em declarações da fase judicial, a testemunha de acusação Carlos Alberto Ferreira, Guarda Municipal, afirmou ter abordado o veículo conduzido pelo réu e encontrado cocaína armazenada na buzina do automóvel. Declarou que o réu afirmou ter mais drogas guardadas em sua residência. Relatou que, realizada diligência na casa do réu, foram encontrados entorpecentes e dinhei-ro trocado, havendo duas notas que aparentavam ser falsas (fl. 139 e mídia à fl. 141).

Pugna a defesa pela absolvição do réu.

O recurso merece prosperar.

As cédulas falsas foram apreendidas na residência do réu, que admitiu tê-las guardado, ciente da falsidade, mas sem saber que poderia ter problemas por tal conduta.

É certo que o delito de moeda falsa descrito no art. 289, § 1º, do Códi-go Penal consuma-se tão somente com a guarda das cédulas inidôneas, sendo

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desnecessária a introdução em circulação ou mesmo tal intenção, mostrando--se suficiente que o agente tenha consciência da contrafação e esta seja hábil a ludibriar o homem de conhecimento médio.

Na espécie, tem-se falsificação grosseira, a afastar a tipicidade da con-duta.

O laudo pericial traz a seguinte consideração quanto às notas falsas:

Cumpre consignar que as cédulas, no estado em que se encontram, podem even-tualmente, dependendo das condições em que forem apresentadas, enganar o indivíduo de conhecimento médio. (fl. 20)

A despeito de o exame pericial consignar a eventual possibilidade de as cédulas falsas ludibriarem o homem médio, a análise das notas à fl. 47 denota seu precário estado de conservação, visto estarem abrindo ao meio, o que torna perceptível a falsificação ictu oculi.

O interrogatório do réu, na Polícia e em Juízo, corrobora o precário es-tado de conservação das notas quando encontradas pelos guardas municipais.

Outrossim, em Juízo, a testemunha de acusação Edson Antonio Martins, Guarda Municipal, declarou ser “bem grosseira” a falsificação.

Tendo em vista tratar-se de falsificação grosseira, impõe-se a absolvição do réu por atipicidade da conduta.

Destaque-se, a propósito, parecer da Ilustre Procuradora Regional da Re-pública, Dra. Luiza Cristina Fonseca Frischeisen:

De início, cabe consignar que pelo exame ocular das notas anexadas à fl. 47, verifica-se que a falsificação é grosseira, sendo inapta a iludir pessoa de diligên-cia comum, o que caracteriza a atipicidade da conduta perpetrada pelo acusado.

Embora as notas estejam danificadas em razão do decurso do tempo, é possível aferir que mesmo em bom estado, tais cédulas não seriam capazes de enganar uma pessoa de diligência comum, eis que apresentam coloração e textura distin-tas de uma nota original.

Assim, no caso em análise, não há que se falar em potencialidade lesiva das cédulas que o apelante guardava em sua carteira, em virtude da inidoneidade da falsificação, incapaz de enganar o homem médio, devendo sua conduta ser considerada atípica. (fl. 318v.)

Ante o exposto, dou provimento à apelação para absolver Wagner de Freitas Lima da prática do delito do art. 289, § 1º, do Código Penal, com funda-mento no art. 386, III, do Código de Processo Penal.

É o voto.

Andre Nekatschalow Desembargador Federal Relator

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RelAtóRIo

Trata-se de apelação interposta contra a sentença que condenou Wagner de Freitas Lima a 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, regime ini-cial aberto, e 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, pela prática do delito do art. 289, §1º, do Código Penal, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direi-tos (fls. 275/276v.).

Recorre a defesa com os seguintes argumentos:

a) absolvição por falta de provas;

b) “ao se fazer uma leitura da presente denúncia, observa-se que a mesma não permite concluir pelo crime de transmissão de moeda falsa, uma vez que as moedas falsas foram encontradas na residência do Réu e não estava sendo transportada com o mesmo a fim de colocá-las em circulação” (fl. 297);

c) “não consta da denúncia provas da autoria do delito, pois não restou provado que o Réu fabricou moeda falsa, comprou ou colocou em circulação, pois a realidade dos fatos é que o mesmo as recebeu em pagamento e as guardou para não restituir à circulação, não podendo ser esta atitude considerada cri-me” (fl. 297);

d) “não basta para a configuração do crime de moeda falsa a comprovação da materialidade e da autoria. Indispensável mostra-se também que esteja com-provado o dolo do agente, que se expressa na intenção de por a moeda falsa em circulação” (fl. 297);

e) “a única intenção do Réu foi de guardar notas falsa para não colocá-las nova-mente em circulação, uma vez que as recebeu e no momento não se deu conta de que eram falsas, por este motivo não soube identificar quem lhe passou estas notas falsas, pois vendia cervejas em um rodeio da cidade, sendo comer-cializado muitas cervejas e para diversos clientes” (fl. 297);

f) incidência do princípio da insignificância à espécie;

g) redução do valor prestação pecuniária fixada em substituição à pena privativa de liberdade (fls. 295/300).

A acusação ofereceu contrarrazões (fls. 304/310).

A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, manifestou-se pelo provimento da apelação para absolvição do acusado (fls. 317/320).

É o voto.

Andre Nekatschalow Desembargador Federal Relator

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Parte Geral – Jurisprudência

6762

Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoApelação Criminal nº 0000543‑52.2009.404.7109/RSRelatora: Juíza Federal Salise Monteiro SanchoteneApelante: Ministério Público FederalApelante: Flávio Renato Vianna SóriaAdvogado: Roberto Hecht Junior

Ana Paula Oliveira LopesApelado: (os mesmos)

ementA

dIREITo PENAL – CRIME CoNTRA A AdMINISTRAção PÚBLICA – PECuLATo – PRESCRIção ENTRE dATA do FATo E do RECEBIMENTo dA dENÚNCIA – PENA EM CoNCRETo – APRoPRIAção dE VALoRES dE dEPóSITo JudICIAL – MATERIALIdAdE E AuToRIA CoMPRoVAdAS – CoNTINuIdAdE dELITIVA – dIAS-MuLTA – REdução – REPARAção doS dANoS CAuSAdoS – dIMINuIção do VALoR – ISENção dE CuSTAS – CoNdIção ECoNÔMICA do ACuSAdo A SER AVERIGuAdA PELo JuÍzo dA EXECução 1. A pena imposta ao réu, pela prática de peculato (art. 312, CP) restou fixada em 02 anos e 07 meses de reclusão, sem levar em conta a continuidade delitiva – De acordo com o art. 109, IV, do Código Penal, o prazo prescricional, com base na pena aplicada, é de 08 anos – Considerando que o primeiro marco interruptivo da prescrição (recebimento da denúncia) se deu em 04.06.2009, declara-se extinta a punibilidade quanto aos fatos ocorridos em data anterior a 04.06.2001.2. Comprovado que o réu, livre e conscientemente, apropriou--se, em proveito próprio, de valores depositados judicialmente na Caixa Econômica Federal, de que tinha posse em razão do cargo, incorrendo nas penas do art. 312 do Código Penal.3. Subsistindo apenas duas das oito infrações pelas quais o réu foi condenando no primeiro grau, impõe-se a diminuição do quantum da continuidade para 1/6.4. Em razão da nova dosimetria, a pena pecuniária deve ser re-duzida, permanecendo o valor unitário estabelecido na sentença.5. Sendo efeito automático da condenação a obrigação de inde-nizar o dano causado pelo crime (art. 91, I, do CP), a fixação de valor mínimo a título de reparação independe de pedido ou pro-

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vocação para o contraditório – Por se tratar de norma de natureza processual-penal, aplica-se no momento do ato processual (prola-ção da sentença), consoante expressa disposição do art. 2º do CPP – Precedente desta Corte.6. Remanescendo apenas as duas condenações relativas aos fatos de 25.07.2001 e 07.08.2001, reduz-se o valor da reparação do dano para o equivalente às duas apropriações ocorridas nas datas mencionadas, atualizados desde então.7. Em relação à assistência judiciária gratuita, a fase da execução é o momento adequado para que a miserabilidade jurídica do con-denado seja examinada, a fim de ser concedida isenção de custas.

AcóRDão

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Sétima Turma do Tribunal Federal da 4ª Região, por una-nimidade, negar provimento aos recursos e, de ofício, reconhecer a prescrição dos crimes praticados antes de 04.06.2001, reduzindo a fração da continuidade delitiva, a quantidade de dias-multa e o valor da reparação dos danos causa-dos, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que integram o presente julgado.

Porto Alegre, 26 de novembro de 2013.

Juíza Federal Salise Monteiro Sanchotene Relatora

RelAtóRIoO Ministério Público Federal ofereceu denúncia (fls. 02-04) contra Flávio

Renato Vianna Sória, dando-o como incurso nas sanções do art. 312 c/c art. 71, ambos do Código Penal.

A exordial, recebida em 04.06.2009 (fls. 96-97), narrou os fatos nas se-guintes letras:

Flávio Renato Vianna Sória, que à data dos fatos exercia a função de confiança de caixa executivo junto ao PAB Justiça Federal da CEF, em 07 (sete) oportunidades distintas, entre 11 de maio de 2000 e 07 de agosto de 2001 e sem autorização judicial, efetuou saques na conta de depósitos judiciais nº 3930.005.00002637-4 da CEF, mediante utilização do terminal financeiro nº 1003, apropriando-se dos respectivos valores. [...] Verifica-se, pois, que o acusado apropriou-se do valor nominal de R$ 14.269,13 (quatorze mil, duzentos e sessenta e nove reais e treze centavos), que, atualizado em 11.04.2008, alcançou a importância de R$ 17.007,07 (dezessete mil, sete reais e sete centavos).

[...]

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RDP Nº 83 – Dez-Jan/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDêNCIA ........................................................................................................183

Flávio Renato Vianna Sória, em 27.04.2000, também se apropriou da importân-cia de R$ 4.338,40 (quatro mil, trezentos e trinta e oito reais e quarenta centavos) e, em 16 de agosto de 2000, do valor de R$ 0,09 (nove centavos), então deposita-dos na conta nº 3930.005.00002793-1 junto à CEF, sem que para tanto possuísse a necessária autorização judicial.

A sentença às fls. 133-136 rejeitou a denúncia com base na prescrição da pretensão punitiva do Estado pela pena em perspectiva. O MPF interpôs apela-ção (fls. 138-150), recebida como recurso em sentido estrito, para anular a de-cisão, ao qual foi dado provimento pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Regularmente instruído e processado o feito, sobreveio nova sentença (fls. 306-312), julgando procedente a denúncia para condenar o réu pela prática de peculato (art. 312, CP) em continuidade delitiva (art. 71, CP) a 03 anos, 02 meses e 22 dias de reclusão e 55 dias-multa, à razão unitária de 1/2 salário mí-nimo vigente à época dos fatos. Fixou-se a indenização de R$ 18.607,62 a título de reparação pelos danos causados à CEF, nos termos do art. 387, IV, do CPP.

Inconformados, apelaram o réu (fls. 317-325) e o Ministério Público Fe-deral (fls. 314 e 327-347).

A defesa de Flávio requer o afastamento do valor mínimo da reparação dos danos, sustentando a natureza híbrida do art. 387, IV, do CPP, o que impe-de sua aplicação a fatos anteriores a sua vigência. Pede, também, seja deferido o benefício da assistência judiciária gratuita.

O Parquet requer o aumento da fração da continuidade delitiva para o patamar máximo, já que o réu cometeu o crime de peculato em oito oportuni-dades. Em relação à multa, pede a readequação para 90 unidades diárias, a fim de se guardar a devida proporcionalidade com a pena privativa de liberdade. Em razão da nova dosimetria, sustenta que a sanção corporal não deve ser subs-tituída por restritivas de direitos.

Apresentadas as contrarrazões (fls. 340-347 e 353-357), vieram os autos a este Tribunal.

A Procuradoria Regional da República emitiu parecer (fls. 368-377) opi-nando pelo provimento do recurso ministerial e pelo desprovimento do recurso da defesa.

É o relatório. À revisão.

Juíza Federal Salise Monteiro Sanchotene Relatora

Voto

O recurso da acusação se restringe apenas ao pedido de aumento da fração da continuidade delitiva e da quantidade de dias-multa, sem atacar o mé-

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rito da sentença. Já a defesa apelou apenas para postular afastamento do valor fixado a título de indenização pelos danos causados e para a concessão da AJG.

Assim, cumpre esclarecer que a pena imposta ao réu, pela prática de peculato (art. 312, CP) restou fixada em 02 anos e 07 meses de reclusão, sem levar em conta a continuidade delitiva. De acordo com o art. 109, IV, do Có-digo Penal, o prazo prescricional, com base na pena aplicada, é de 08 anos. Considerando que o primeiro marco interruptivo da prescrição (recebimento da denúncia) se deu em 04.06.2009, declaro extinta a punibilidade quanto aos fatos ocorridos em data anterior a 04.06.2001, por conta da prescrição, subsis-tindo a condenação somente quanto aos crimes praticados em 25.07.2001 e 07.08.2001.

Quando da correta análise da materialidade e da autoria, assim se mani-festou o magistrado a quo (fls. 307-309v):

Da Materialidade

A materialidade do crime de peculato restou devidamente comprovada pela documentação constante do Procedimento Administrativo nº 1.29.000.002460/ 2008-64, promovido pela CEF, no qual foram juntadas fichas de caixa, bem como efetuadas pesquisas nos sistemas de controle da instituição.

O relatório conclusivo (fls. 35/39), embasado nos documentos e nas pesquisas citadas, foi contundente na demonstração da efetiva apropriação de valores e forma de operação.

Denota-se que foram realizadas retiradas na conta de depósito judicial nº 3930.005.00002637-4, sem o arquivamento de qualquer alvará, ofício ou mandado expedidos pelo juízo do feito ao qual a conta estava vinculada. A ine-xistência de tais autorizações ficou demonstrada pela decisão/ofício juntada às fls. 43/44, na qual fica claro o desconhecimento do juízo do processo quanto a qualquer autorização de retirada.

Assim, procedeu-se com saques nos meses de maio e setembro de 2000 e nos meses de fevereiro (duas oportunidades), março, julho e agosto de 2001, materia-lizando a apropriação de valores em 7 (sete) momentos.

[...]

Assim, devidamente comprovada a materialidade do delito pela prova dos autos, passo à análise da autoria e do dolo, momento em que também será verificada a qualidade do agente como funcionário público.

Da Autoria e do Dolo

A autoria do réu Flávio Renato Vianna Sória está devidamente comprovada pelo procedimento administrativo nº 1.29.000.002460/2008-64 e pelos depoimentos das testemunhas de acusação. Efetivamente, conforme relatórios de caixa jun-tados aos autos e demais documentos, as operações de débito indevidas eram realizada pelo réu, utilizando-se de sua matrícula.

O sistema informatizado da instituição financeira exigia a correta identificação do funcionário autorizado para a realização das operações, sendo apurado que

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RDP Nº 83 – Dez-Jan/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDêNCIA ........................................................................................................185

todos os procedimentos foram realizados com o logon do réu. O relatório de fls. 35/39 é claro:

7.1.4.2 – Como alternativa para identificação do responsável, buscamos localizar as fitas de caixa das datas em que ocorreram as retiradas, dessas, localizamos 6 (Anexo I, fls. 18 a 23) e, em todas, o Caixa Executivo responsável pela efetivação da retirada foi o ex-empregado Flávio Renato Vianna Sória, conforme demons-trado a seguir.

A testemunha Alfredo Teixeira de Lucena assim referiu em depoimento:

Testemunha: Todos os saques operacionalizados no terminal financeiro, do cai-xa, do empregado Flávio, que à época, agora é ex-empregado, [...]

[...]

Testemunha: Porque a fita de caixa que se faz necessária à identificação através do logon e senha do empregado. De todas as autenticações na fila de caixa foram feitas com a matrícula dele, como ele era o único empregado que trabalhava no terminal financeiro, somente poderia ter sido ele.

A testemunha Aires Darci Rivero Vieira também afirmou que todas as operações “foram exclusivamente com a matrícula dele”.

Ainda, confirmando a conclusão que decorre das provas, o réu em interrogatório, confessou a autoria do delito, bem como afirmou que tinha consciência de sua ilicitude, se dizendo arrependido. Registre-se, contudo, que sua confissão é irre-levante para o decreto condenatório, que decorre unicamente e suficientemente da prova dos autos.

Provada a autoria dos delitos, resta referir que o réu exercia a função de confian-ça e tinha vínculo de trabalho com a Caixa Econômica Federal, empresa pública federal, portanto, o agente pode ser qualificado como servidor público para fins de incidência do tipo penal do peculato, na forma do art. 327 do Código Penal. [...]

Comprovada materialidade e autoria, o dolo resta demonstrado pela vontade li-vre e consciente do réu em apropriar-se de valores de que tinha posse em razão do cargo em proveito próprio, sem elementos nos autos que possam comprovar não ter o réu plena ciência do cometimento do ato criminoso e da sua ilicitude.

[...]

Assim, provada a ocorrência dos fatos típicos e antijurídicos, certas a materiali-dade, bem como a autoria e culpabilidade, impõe-se a condenação do réu, em 8 (oito) oportunidades, pela prática do delito do art. 312, caput, c/c o art. 71, ambos do Código Penal.

Não se insurgindo a defesa quanto aos pontos acima referidos, mantenho a condenação de Flávio Renato Vianna Sória pela prática do crime previsto no art. 312 do Código Penal, em duas oportunidades (fatos ocorridos 25.07.2001 e 07.08.2001).

Em face do reconhecimento da prescrição dos delitos ocorridos antes de 04.06.2001, faz-se necessário tecer algumas considerações a respeito da dosimetria.

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186 ....................................................................................................RDP Nº 83 – Dez-Jan/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDêNCIA

Não há o que modificar na pena-base, tampouco quanto à segunda e à terceira fases de fixação, porquanto corretamente analisadas pelo juiz de pri-meiro grau. Assim, mantenho a reprimenda em 02 anos e 07 meses de reclusão.

No que se refere ao aumento da fração da continuidade delitiva, o recur-so do MPF resta prejudicado, pois, subsistindo apenas duas das oito infrações, impõe-se a diminuição do quantum para 1/6. A pena definitiva, portanto, resul-ta em 03 anos de reclusão, em regime aberto.

Igualmente prejudicado o apelo da acusação no tocante a multa, já que, em razão da nova dosimetria, a pena pecuniária deve ser redimensionada para 47 dias-multa. O valor unitário permanece o mesmo estabelecido na sentença (1/2 do salário mínimo vigente em agosto de 2001).

Mantenho a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nos termos da decisão recorrida.

A defesa requer, ainda, o afastamento do valor a título de repara-ção do dano, fixado nos termos do art. 387, IV, do Código de Processo Pe-nal, pois os crimes teriam sido cometidos antes da entrada em vigor da Lei nº 11.719/2008. Não assiste razão ao apelante, pois, “sendo efeito automático da condenação a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime (art. 91, I do CP), a fixação de valor mínimo a título de reparação independe de qual-quer efeito penal de pedido ou provocação para o contraditório. Por se tratar de norma de natureza processual-penal, aplica-se no momento do ato pro-cessual (prolação da sentença), consoante expressa disposição do art. 2º do CPP”. (EIN 00071573720084047100, Rel. Des. Paulo Afonso Brum Vaz, publ. em 28.02.2012).

Contudo, das oito condenações contidas na sentença de primeiro grau, seis foram consideradas prescritas, o que, em tese, possui os mesmos efeitos da absolvição. Portanto, remanescendo apenas as duas relativas aos fatos de 25.07.2001 e 07.08.2001, reduzo o valor da reparação do dano para o equi-valente às duas apropriações ocorridas nas datas mencionadas, no total de R$ 4.473,67 (quatro mil, quatrocentos e setenta e três reais e sessenta e sete centavos), atualizados desde agosto de 2001.

Por fim, no que tange ao pedido de AJG, não merece acolhimento a pre-tensão, pois é na execução que a miserabilidade jurídica do condenado deve ser examinada a fim de ser concedida isenção de custas. Tal entendimento res-tou consolidado, como se depreende do aresto a seguir:

Penal. Estelionato contra a previdência social. Princípio da insignificância. Ina-plicabilidade. Figura privilegiada. Art. 171 do CP. Prescrição. Ocorrência. Quem, utilizando cartão magnético de segurado já falecido, retira mensalmente os va-lores depositados em banco a título de proventos de aposentadoria, pratica, na modalidade “manter em erro”, estelionato contra o INSS. [...] Compete ao juiz da execução apreciar o pedido de isenção do pagamento de custas processuais. Pre-

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RDP Nº 83 – Dez-Jan/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDêNCIA ........................................................................................................187

cedente do STJ. [...]. (ACR 2002.72.00.005532-6, Rel. Des. Paulo Afonso Brum Vaz, public. no DJU de 13.10.2004, pág. 726).

Ante o exposto, voto por negar provimento aos recursos e, de ofício, reconhecer a prescrição dos crimes praticados antes de 04.06.2001, reduzindo a fração da continuidade delitiva, a quantidade de dias-multa e o valor da repa-ração dos danos causados.

Juíza Federal Salise Monteiro Sanchotene Relatora

eXtRAto De AtA DA sessão De 26.11.2013

Apelação Criminal nº 0000543-52.2009.404.7109/RSOrigem: RS 200971090005437Relator: Juíza Federal Salise Monteiro SanchotenePresidente: Juíza Federal Salise Monteiro SanchoteneProcurador: Dr. Marcelo Veiga BeckhausenRevisor: Juiz Federal Luiz Carlos CanalliApelante: Ministério Público FederalApelante: Flávio Renato Vianna SóriaAdvogado: Roberto Hecht Junior

Ana Paula Oliveira LopesApelado: (os mesmos)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 26.11.2013, na seqüência 28, disponibilizada no DE de 11.11.2013, da qual foi intimado(a) o Ministério Público Federal. Certifico, também, que os autos foram encaminha-dos ao revisor em 04.11.2013.

Certifico que o(a) 7ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígra-fe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu negar provimento aos recursos e, de ofício, reconhecer a prescrição dos crimes praticados antes de 04.06.2001, reduzindo a fração da continuidade delitiva, a quantidade de dias-multa e o valor da repara-ção dos danos causados.

Relator Acórdão: Juíza Federal Salise Monteiro Sanchotene

Votante(s): Juíza Federal Salise Monteiro Sanchotene Juiz Federal Luiz Carlos Canalli Juiz Federal José Paulo Baltazar Junior

Valéria Menin Berlato Diretora de Secretaria

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Parte Geral – Jurisprudência

6763

Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoAgravo em Execução Penal nº 1847 – PE (0002673‑33.2011.4.05.8300)Agrte.: Ministério Público FederalAgrdo.: Josefa Maria da SilvaRepte.: Defensoria Pública da UniãoOrigem: 13ª Vara Federal de Pernambuco (Privativa em Matéria Penal e Competente p/Execuções Penais) – PERelator: Juiz Francisco CavalcantiPrimeira Turma

ementA

PENAL E PRoCESSuAL PENAL – AGRAVo EM EXECução PENAL – INduLTo PREVISTo No dECRETo Nº 7.873/2012 – CuMPRIMENTo INTEGRAL dA PRESTAção dE SERVIçoS À CoMuNIdAdE – INAdIMPLÊNCIA dA PENA dE MuLTA E dA PRESTAção PECuNIÁRIA – RÉ SEM CoNdIção SoCIoECoNÔMICA PARA AdIMPLIR – REQuISIToS SuBJETIVoS E oBJETIVoS do dECRETo Nº 7.873/2012 ATENdIdoS – EXTINção dA PuNIBILIdAdE

1. Agravo em execução penal interposto pelo MPF contra sentença que, com base no art. 107, II, do CP, c/c o art. 1º, XII, do Decreto nº 7.873/2012, declarou extinta a punibilidade da agravada.

2. O art. 107 do CP elenca, dentre as hipóteses extintivas de pu-nibilidade, a concessão de indulto, especificamente em seu inciso II. O Decreto nº 7.873/2012, por seu turno, em seu art. 1º, XII, concedeu indulto coletivo às pessoas, nacionais ou estrangeiras, condenados a pena privativa de liberdade substituída por sanções restritivas de direitos, que, de qualquer forma, tivessem cumprido, até 25.12.2012, ¼ da pena, se não reincidentes.

3. No caso concreto, a executada cumpriu integralmente uma das penas restritivas de direitos, referente à prestação de serviços à comunidade – o que equivale ao cumprimento de ½ da pena total –, embora não tenha cumprido a outra, relativa à prestação pecu-niária.

4. Ressalte-se que, consoante o relatório psicossocial, a agravada não apresenta condições socioeconômicas de cumprir a prestação pecuniária, tampouco a pena de multa, o que restou em pedido para converter a prestação pecuniária em prestação de serviços e

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RDP Nº 83 – Dez-Jan/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDêNCIA ........................................................................................................189

para parcelar o valor da multa, tendo o MPF concordado com o requerido.

5. Por já restar cumprida integralmente uma das sanções restritivas de direitos, sobraria apenas metade da pena privativa de liberdade total, o que demonstra se encontrarem atendidos os requisitos sub-jetivos e objetivos estabelecidos no Decreto nº 7.873/2012 para a concessão do indulto, não havendo motivos para modificar a decisão que declarou extinta a punibilidade da agravada.

6. Agravo em execução penal improvido.

AcóRDão

Vistos e relatados os presentes autos, decide a Primeira Turma do Tri-bunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo em execução penal, nos termos do relatório e voto anexos, que passam a integrar o presente julgamento.

Recife/PE, 26 de setembro de 2013 (data do Julgamento).

Juiz Francisco Cavalcanti Relator

RelAtóRIo

O Juiz Francisco Cavalcanti (Relator): O Ministério Público Federal (MPF) interpôs Agravo na execução penal contra Josefa Maria da Silva, devido à de-cisão do juízo da 13ª Vara Federal da Seção judiciária de Pernambuco, que declarou extinta a punibilidade da agravada.

Na decisão (fls. 112/3), o Juiz: “com fulcro no art. 107, II, do CPB, c/c art. 1º, XII, do Decreto nº 7.873/2012, declaro extinta a punibilidade de Josefa Maria da Silva em face da extinção da pena pelo indulto”.

Segundo o agravante (fls. 115/22), não seria possível se utilizar o total cumprimento da sanção de prestação de serviços à comunidade para compen-sar o valor da prestação pecuniária, por considerar que tais penas foram impos-tas de forma cumulativa e possuírem expressão quantitativa distinta. Por fim, afirma não preencher a agravada, assim, o requisito objetivo previsto no art. 1º, XII, do Decreto nº 7.873/2012.

Em resposta (fls. 129/35), Josefa Maria pugnou pela manutenção do jul-gado e, consequentemente, pelo não provimento do agravo.

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Em parecer (fls. 145/6), a Procuradoria Regional da República da 5ª Re-gião opinou para que se dê provimento ao agravo.

É o relatório. Ao eminente revisor.

Juiz Francisco Cavalcanti Relator

ementA

PENAL E PRoCESSuAL PENAL – AGRAVo EM EXECução PENAL – INduLTo PREVISTo No dECRETo Nº 7.873/2012 – CuMPRIMENTo INTEGRAL dA PRESTAção dE SERVIçoS À CoMuNIdAdE – INAdIMPLÊNCIA dA PENA dE MuLTA E dA PRESTAção PECuNIÁRIA – RÉ SEM CoNdIção SoCIoECoNÔMICA PARA AdIMPLIR – REQuISIToS SuBJETIVoS E oBJETIVoS do dECRETo Nº 7.873/2012 ATENdIdoS – EXTINção dA PuNIBILIdAdE

1. Agravo em execução penal interposto pelo MPF contra sentença que, com base no art. 107, II, do CP, c/c o art. 1º, XII, do Decreto nº 7.873/2012, declarou extinta a punibilidade da agravada.

2. O art. 107 do CP elenca, dentre as hipóteses extintivas de pu-nibilidade, a concessão de indulto, especificamente em seu inciso II. O Decreto nº 7.873/2012, por seu turno, em seu art. 1º, XII, concedeu indulto coletivo às pessoas, nacionais ou estrangeiras, condenados a pena privativa de liberdade substituída por sanções restritivas de direitos, que, de qualquer forma, tivessem cumprido, até 25.12.2012, ¼ da pena, se não reincidentes.

3. No caso concreto, a executada cumpriu integralmente uma das penas restritivas de direitos, referente à prestação de serviços à comunidade – o que equivale ao cumprimento de ½ da pena total –, embora não tenha cumprido a outra, relativa à prestação pecu-niária.

4. Ressalte-se que, consoante o relatório psicossocial, a agravada não apresenta condições socioeconômicas de cumprir a prestação pecuniária, tampouco a pena de multa, o que restou em pedido para converter a prestação pecuniária em prestação de serviços e para parcelar o valor da multa, tendo o MPF concordado com o requerido.

5. Por já restar cumprida integralmente uma das sanções restritivas de direitos, sobraria apenas metade da pena privativa de liberdade

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RDP Nº 83 – Dez-Jan/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDêNCIA ........................................................................................................191

total, o que demonstra se encontrarem atendidos os requisitos sub-jetivos e objetivos estabelecidos no Decreto nº 7.873/2012 para a concessão do indulto, não havendo motivos para modificar a decisão que declarou extinta a punibilidade da agravada.

6. Agravo em execução penal improvido.

VotoO Juiz Francisco Cavalcanti (Relator):

Como ensaiado no relatório, trata-se de Agravo em execução penal in-terposto pelo ministério Público Federal – MPF contra sentença do juízo da 13ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco, que, com base no art. 107, II, do CP, c/c o art. 1º, XII, do Decreto nº 7.873/2012, declarou extinta a punibili-dade de Josefa Maria da Silva.

Nas razões do recurso (fls. 115/22), sustenta o Parquet Federal que não seria possível se utilizar do total cumprimento da sanção de prestação de servi-ços à comunidade para compensar o valor da prestação pecuniária, por consi-derar que tais penas foram impostas de forma cumulativa e possuírem expressão quantitativa distinta.

Por fim, afirma não preencher a agravada, assim, o requisito objeti-vo previsto para a concessão do indulto, previsto no art. 1º, XII, do Decreto nº 7.873/2012.

Conheço do recurso, porque estão presentes seus pressupostos de ad-missibilidade intrínsecos (cabimento, legitimidade, interesse e ausência de fato extintivo e impeditivo do direito de recorrer) e extrínsecos (tempestividade e regularidade formal).

No meu entendimento, não merece reforma a sentença.

O art. 107 do CP elenca, dentre as hipóteses extintivas de punibilidade, a concessão de indulto, especificamente em seu inciso II.

No caso dos autos, portanto, cumpre observar se a executado preenche ou não os requisitos previstos no Decreto nº 7.873/2012, que concede indulto coletivo às pessoas, nacionais ou estrangeiras, que se adequassem às hipóteses nele constantes.

Diz o dispositivo legal:

Art. 1º É concedido o indulto coletivo às pessoas, nacionais e estrangeiras:

[...]

XII – condenadas a pena privativa de liberdade, desde que substituída por pena restritiva de direitos, na forma do art. 44 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de de-zembro de 1940 – Código Penal, ou ainda beneficiadas com a suspensão condi-cional da pena, que, de qualquer forma, tenham cumprido, até 25 de dezembro de 2012, um quarto da pena, se não reincidentes, ou um terço, se reincidentes;

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No caso concreto, Josefa Maria da Silva foi condenada à pena privativa de liberdade de 1 ano, 9 meses e 20 dias de reclusão, além de multa, sendo aquela convertida em duas penas restritivas de direitos, uma de prestação de serviços à comunidade e outra de prestação pecuniária.

Consoante se infere da declaração de fl. 77, a executada cumpriu inte-gralmente a sanção restritiva de direito correspondente à prestação de serviços à comunidade. Entretanto, a agravada não cumpriu à sanção de prestação pecu-niária, além de também se encontrar inadimplente no tocante à pena de multa.

Neste ponto reside a argumentação do agravante, no sentido de que a agravada deveria ter cumprido, para efeitos de recebimento de indulto, ¼ de cada uma das sanções restritivas de direitos, de forma que não se poderia esten-der o “excesso” existente na prestação de serviços à comunidade para comple-mentar o que faltava da prestação pecuniária.

Porém, logrou êxito o Juiz ao asseverar que (fls. 112/3): Sendo certo que a pena privativa de liberdade fora desmembrada em duas (pres-tação pecuniária e prestação de serviços), certo será que o cumprimento de uma das penas restritivas de direito perfará a metade da pena total reprimenda comi-nada.

Partindo dessas premissas lógicas, volto-me aos autos.

Consoante se infere da declaração de fls. 77 e dos documentos que lhe serviram de base, a executada cumpriu integralmente uma das penas restritivas de direi-tos – o que equivale ao cumprimento de 1/2 da pena total –, embora não tenha cumprido a outra. Logo, também se pode arrematar que prestou mais de um quarto da pena total cominada, evento que autoriza a decretação da extinção da punibilidade com fulcro no inciso XII do art. 1º do Decreto nº 7.873/2012.

Pois bem, consoante o relatório psicossocial às fls. 56/7, a agravada não apresenta condições socioeconômicas de cumprir a prestação pecuniária – substitutiva da pena privativa de liberdade, tampouco a pena de multa, o que restou em pedido, através da Defensoria Pública da União, para converter a prestação pecuniária em prestação de serviços e para parcelar o valor da multa, tendo o MPF concordado com o requerido (fls. 82/3 e 106/9).

Entretanto, com a possibilidade da concessão do indulto, por força do Decreto nº 7.873/2012, o Juiz sentenciante preferiu, por logo, declarar extinta a punibilidade de Josefa Maria da Silva, uma vez que realizada a conversão acima, teria a agravada, pois, cumprido, pelo menos, metade de cada prestação de serviços, o que acarretaria a concessão do indulto.

Não obstante, para afastar os argumentos protelatórios do MPF de que as penas são quantitativamente distintas, colaciono os seguintes excertos do Decreto nº 7.873/2012:

Art. 6º O indulto ou a comutação da pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos alcança a pena de multa aplicada cumulativamente.

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RDP Nº 83 – Dez-Jan/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDêNCIA ........................................................................................................193

Parágrafo único. A inadimplência da pena de multa cumulada com pena priva-tiva de liberdade ou restritiva de direitos não impede a declaração do indulto ou da comutação de penas.

Art. 7º As penas correspondentes a infrações diversas devem somar-se, para efeito do indulto e da comutação de penas, até 25 de dezembro de 2012.

Parágrafo único. Na hipótese de haver concurso com crime descrito no art. 8º, não será declarado o indulto ou a comutação da pena correspondente ao crime não impeditivo, enquanto a pessoa condenada não cumprir, no mínimo, dois terços da pena, correspondente ao crime impeditivo dos benefícios.

Portanto, devem-se somar as sanções sim, pois, por império da aplicação direta in bonam partem do art. 148 da Lei de Execuções Penais1 e do art. 12 da Lei nº 1.060/19502, ter-se-ia concedido a conversão da prestação pecuniária em prestação de serviços à comunidade e, consequentemente, por já restar cum-prida integralmente uma sanção de prestação, sobraria metade apenas da pena total, o que não impediria a concessão do indulto.

Não obstante, destaco não haver hierarquia entre as sanções restritivas de direitos, pois senão estar-se-ia a conferir maior valor a determinada sanção para proteção do bem jurídico tutelado. Logo, mais uma vez, restaria certa a conversão debatida diversas vezes, uma vez que não cabe ao intérprete do texto normativo, na concepção de Hans Kelsen, estabelecer uma hierarquia in malam partem, a qual o legislador não fez.

Desse modo, não cabe reforma alguma ao decido pelo Juiz sentenciante, pois se encontram atendidos os requisitos subjetivos e objetivos estabelecidos no Decreto nº 7.873/2012 para a concessão do indulto, com a consequente extinção da punibilidade da agravada.

Com essas considerações, nego provimento ao agravo em execução penal.

É como voto.

Juiz Francisco Cavalcanti Relator

1 Art. 148. Em qualquer fase da execução, poderá o Juiz, motivadamente, alterar, a forma de cumprimento das penas de prestação de serviços à comunidade e de limitação de fim de semana, ajustando-as às condições pessoais do condenado e às características do estabelecimento, da entidade ou do programa comunitário ou estatal.

2 Art. 12. A parte beneficiada pelo isenção do pagamento das custas ficará obrigada a pagá-las, desde que possa fazê-lo, sem prejuízo do sustento próprio ou da família, se dentro de cinco anos, a contar da sentença final, o assistido não puder satisfazer tal pagamento, a obrigação ficará prescrita.

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência 6764 – Código de Trânsito Brasileiro – atropelamento – comunicabilidade no juízo cível de

sentença penal condenatória – possibilidade

“Recurso especial. Civil. Penal. Ação de reparação de danos morais e materiais. Comuni-cabilidade no juízo cível de sentença penal condenatória não transitada em julgado, ante o reconhecimento superveniente, no juízo criminal, de prescrição retroativa. Impossibilidade. Prescrição da pretensão punitiva. Afastamento dos efeitos principais e secundários da sen-tença penal condenatória. Recurso parcialmente provido. 1. A executoriedade da senten-ça penal condenatória (CPP, art. 63) ou seu aproveitamento em ação civil ex delicto (CPP, art. 64; CPC, arts. 110 e 265, IV) depende da definitividade da condenação, ou seja, da forma-ção da coisa julgada criminal, até mesmo pela máxima constitucional de que ninguém poderá ser considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória (CF, art. 5º, LVII). 2. Na hipótese em exame, a sentença penal condenatória não transitou em julga-do para a defesa, pois foi, supervenientemente, substituída por acórdão em apelação criminal que extinguiu a punibilidade, em decorrência do reconhecimento da prescrição retroativa. 3. A sentença penal condenatória, não transitada em julgado, não possibilita a excepcional comunicabilidade entre o juízo cível e o criminal, prevista no art. 1.525 do Código Civil de 1916 (atual art. 935 do Código Civil de 2002) e nos arts. 63 e 65 do Código de Processo Pe-nal. 4. Segundo delineia a doutrina de direito penal, a prescrição retroativa, da maneira como disciplinada pela reforma de 1984 (CP, art. 110, §§ 1º e 2º), constitui forma de prescrição da pretensão punitiva, e não apenas da pretensão executória. Por isso, quando reconhecida, extingue o jus puniendi, e não apenas o poder-dever do Estado de impor concretamente a sanção penal (jus executionis). 5. O reconhecimento da prescrição retroativa, por se referir à forma de prescrição da pretensão punitiva, extingue a punibilidade afastando todos os efeitos principais (aqueles concernentes à imposição das penas ou medidas de segurança) e secundá-rios da sentença penal condenatória (custas, reincidência, confisco, etc.), incluindo-se nesses últimos o efeito civil de que trata o art. 91, I, do Código Penal. 6. Afastado o obrigatório apro-veitamento da sentença penal condenatória que não transitou em julgado, deve o juízo cível, no âmbito de sua livre convicção, pautar-se nos elementos de prova apresentados no âmbito de todo o processo, inclusive em eventual prova emprestada do processo criminal do qual te-nha participado o réu (garantia do contraditório), a fim de aferir a responsabilidade da parte ré pela reparação do dano. 7. Recurso especial parcialmente provido, com retorno dos autos ao colendo Tribunal a quo, para novo julgamento da apelação cível.” (STJ – REsp 678.143/MG – (2004/0087312-8) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 30.04.2013)

Comentário Editorial SÍNTESEO vertente acórdão trata de um caso de atropelamento.A recorrente deixou de prestar socorro à adolescente atropelada que, por conta de fratura exposta na tíbia, ficou com a musculatura comprometida e sofreu redução de dois centímetros no comprimento do membro, além de redução na movimentação do pé.A recorrente e o proprietário do veículo foram processados pelo pai e pelo plano de saúde da vítima. O Departamento de Trânsito local condenou a recorrente administrativamente, bem como na esfera criminal.Nesse ínterim, o feito, na esfera cível, ficou suspenso até a conclusão do processo criminal.Com base na sentença criminal, o d. Juízo a quo julgou procedente, em parte, a denúncia, reconhecendo a autoria delitiva como sendo da motorista que conduzia o veículo que atropelou a vítima, bem como a materialidade do crime de lesão cor-poral culposa ocorrida na direção de veículo automotor. Submeteu, assim, a ré ao

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regramento do art. 303, caput, da Lei nº 9.503/1997, c/c o art. 65, I, do Código Penal, fixando a pena em seis meses de detenção e oito meses de suspensão para dirigir veículo automotor, com substituição, ao final, da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, consistente em prestação pecuniária.O art. 303 da Lei nº 9.503/1997 in verbis: “Art. 303. Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor:Penas – detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.”A apelação da ré, perante o Tribunal de Justiça de Minas Gerais foi reconhecida sua prescrição, já que a recorrente que tinha menos de 21 anos à época dos fatos. O Relator do processo entendeu que o reconhecimento da prescrição retroativa pelo TJMG tornara prejudicial o exame do mérito da condenação em primeira instância. Tal condenação, que não se tornou definitiva, não vincula a esfera cível. Vale trazer trecho do voto do Relator:“Rui Stoco, ao interpretar o disposto no mencionado art. 1.525 do Código Civil de 1916, esclarece:‘O Código estabeleceu, como se vê, a independência da responsabilidade civil da responsabilidade criminal, pois diversos são os campos de incidência da lei penal e da lei civil. Tal separação, entretanto, não é absoluta, posto que o sistema adotado é o da independência relativa, visto que, para evitar que um mesmo fato tenha julgamentos discrepantes, reconhecendo-se, ad exemplum, sua existência num foro e sua inexistência em outro, pode, em certos casos, haver influência, no cível, da decisão proferida no crime, e vice-versa.De qualquer modo, por força desse princípio, o sujeito pode ser absolvido no juízo criminal em face da prática de um fato inicialmente considerado delituoso e, entre-tanto, ser obrigado à reparação do dano no juízo cível. O agente pode ser civilmente obrigado à reparação do dano, embora o fato causador do prejuízo não seja típico para efeitos penais.Assim, em regra, a responsabilidade do agente numa esfera não implica a responsa-bilidade em outra. Em face da prática de um crime o legitimado pode agir de duas formas: a) aguardar o desfecho da ação penal. Transitada em julgado a sentença condenatória, pode ingressar no juízo cível visando mera execução, posto que de posse estaria de título executivo judicial; b) ingressar desde logo no juízo cível com a ação de reparação de danos.” (Responsabilidade civil e sua interpretação jurispru-dencial. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 137)Analisando o art. 935 do atual Código Civil, salienta Cláudio Luiz Bueno de Godoy: “O dispositivo, de idêntica previsão que o antecedeu, na legislação revogada, havida apenas pequena alteração redacional, repete a consagração da independência da jurisdição civil e criminal, quando movimentadas para a apuração de um mesmo fato penalmente típico, com repercussão indenizatória. Tal independência, porém, é relativa ou mitigada, dado que, se no juízo criminal, em que a exigência probatória é mais rígida, se delibera, de forma peremptória, sobre a existência material do fato ou sobre sua autoria, bem como sobre excludentes de ilicitude (art. 65 do CP), nada mais, a respeito, pode ser discutido no cível. Essa regra, em sua primeira parte, está também no art. 66 do Código de Processo Penal, que, porém, contempla casuística mais restrita, apenas impedindo a rediscussão, no cível, de sentença absolutória penal que tenha reconhecido a inexistência do fato. Ou seja, pelo Código de Processo Penal não se impede a discussão, no juízo cível, sobre autoria deliberada no crime. Não foi essa, contudo, a opção do Código Civil que, repetindo o anterior, estendeu a imutabilidade à esfera cível também da sentença criminal que tenha decidido sobre a autoria do crime. Bem de ver, porém, que a sentença absolutória fundada na ausência de provas, na atipicidade do fato, ou ainda a sentença de extinção de punibilidade não inibem a ação indenizatória cível (art. 67 do CPP).

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[...]Muito embora livre a propositura da demanda cível, faculta o art. 64, parágrafo único, do CPP, que o juiz suspenda-lhe o andamento se for intentada ação penal, e até seu julgamento. Da mesma maneira, pode a vítima, em vez de desde logo ajuizar a ação civil, aguardar o deslinde da ação penal e o título executivo que lá se pode-rá formar, antes disso não se findando o prazo prescricional que em seu desfavor pudesse estar correndo, conforme nova previsão do art. 200 do Código Civil, a cujo comentário se remete o leitor.” (Código civil comentado: doutrina e jurisprudência. Coord. Ministro Cezar Peluso. São Paulo: Manole, 2007. p. 779)Colacionamos alguns julgados para melhor ilustrar o caso:“PENAL – CRIME DE TRÂNSITO – LESÕES CORPORAIS – CONDENAÇÃO – RE-CURSO DA DEFESA ALEGANDO INSUFICIÊNCIA DA PROVA – PEDIDO DE ABSOL-VIÇÃO – RECURSO NÃO PROVIDO – SENTENÇA MANTIDA – 1. O recorrente foi denunciado e condenado como incurso no art. 303, caput, da Lei nº 9.503/1997, porque causou lesões na região cervical, no punho esquerdo, na cabeça, no dorso e no cotovelo direito de Cleber J. S., por imprudência e imperícia na condução de veículo automotor. Segundo a denúncia, o denunciado adentrou na contramão de uma via e colidiu com o veículo da vítima lesionada. 2. Foi aplicada pena de seis meses de detenção no regime aberto, esta substituída por outra restritiva de direito, a ser fixada pelo juízo da execução criminal, bem como suspenso o direito de dirigir pelo prazo de três meses. 3. Prova suficiente da materialidade encontra-se no laudo de exame de local de acidente de tráfego informando a colisão da parte anterior de veículos (Escort e Logus) que trafegavam em sentido contrário; No laudo de exame de corpo de delito informando lesões contusas na vítima; no relato harmônico e coerente da vítima e das testemunhas ouvidas em juízo, que informaram a colisão dos veículos porque o do recorrente trafegava na contramão. Essas declarações e o interrogatório judicial no qual o recorrente afirmou derivar para a mão contrária para ‘desviar do pardal’, também demonstram a autoria do fato imputado. 4. De-monstrado que o recorrente conduzia veículo automotor na contramão de direção da via, resta inegável sua imprudência, independente de ingestão anterior de bebida alcoólica e de estar em velocidade excessiva, pois aquela conduta é bastante para acarretar acidente no trânsito. Nisso a inobservância do dever de cuidado represen-tado em regra básica aos usuários das vias terrestres, em especial o art. 26, inciso I, do Código de Trânsito Brasileiro, estabelecendo abstenção de todo ato que possa constituir perigo ou obstáculo para o trânsito de veículos. Afinal, a condução de veí-culo automotor na contramão pode causar acidente e isso constitui fato plenamente previsível. Portanto, configurada a culpa do recorrente, correta a sentença na impo-sição da pena prevista na lei. 5. Recurso conhecido e não provido, com súmula de julgamento servindo de acórdão, na forma do art. 82, § 5º, da Lei nº 9.099/1995.” (TJDFT, Pen 20070810021559, (703411), Rel. Juiz Fábio Eduardo Marques, DJe 19.08.2013)“HOMICÍDIO CULPOSO E LESÃO CORPORAL CULPOSA NA DIREÇÃO DE VEÍ-CULO AUTOMOTOR – ARTS. 302 E 303 DO CTB – MATERIALIDADE E AU-TORIA COMPROVADAS – Culpa verificada em razão da inobservância de cuidado objetivo. Sentença condenatória mantida. Apelação não provida.” (TJSP, Ap 0102377-84.2009.8.26.0050, São Paulo, 4ª CDCrim., Rel. Eduardo Braga, DJe 13.06.2013) (Disponível em: www.iobonlinejuridico.com.br)“LESÃO CORPORAL CULPOSA – TRÂNSITO – ART. 303 DA LEI Nº 9.503/1997 – IMPRUDÊNCIA NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR – Invasão da faixa em que trafegava a motocicleta conduzida pelo ofendido. Materialidade e autoria demons-tradas. Impossibilidade de absorção pelo delito de direção embriagada (art. 306 do CTB). Crime de lesão corporal não abrangido pela elementar típica da exposição da incolumidade de outrem a dano potencial. Diversidade de objetividade jurídica. Pro-cedência total da ação penal. Penas fixadas no mínimo legal. Condenação a 1 ano de

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detenção e 10 dias-multa por infração aos arts. 303 e 306 do CTB. Substituição por restritiva de direito. Apelo ministerial provido para esse fim.” (TJSP, Ap 0002993-33.2008.8.26.0132, Catanduva, 16ª CDCrim., Rel. Otávio de Almeida Toledo, DJe 17.06.2013) (Disponível em: www.iobonlinejuridico.com.br)Outrossim, recomendamos a leitura dos seguintes artigos: “Aplicação da pena”, de autoria do Dr. Ruy Rosado de Aguiar Júnior; “Código de Trânsito Brasileiro – Lei nº 9.503/1997 – Aspectos penais”, de autoria do Dr. Giovani Ferri; “Crimes de trânsito da competência dos juizados especiais criminais”, de autoria do Dr. Edison Miguel da Silva Jr (Disponíveis em: www.iobonlinejuridico.com.br).

6765 – Competência – inquérito policial – estelionato contra a Previdência Social – conces-são fraudulenta – apuração dos fatos

“Conflito de competência. Processual penal. Inquéritos policiais. Estelionato contra a pre-vidência. Inexistência de conexão probatória. Competência do juízo suscitado. 1. Não há conexão, em princípio, entre feitos criminais que versem sobre concessão fraudulenta de benefícios previdenciários levados a efeito por servidor do INSS associado, eventualmente, a outras pessoas. Colaboradores e beneficiários –, porquanto não exista interferência pro-batória entre cada um dos fatos tidos por delituosos. 2. A apuração dos fatos de forma in-dependente não representa qualquer prejuízo aos acusados, na medida que, uma vez ve-rificada a continuidade delitiva, o juiz da execução, nos termos do art. 66, III, a, da Lei nº 7.210/1984, procederá a unificação das penas. 3. Competência do juízo suscitado.” (TRF 2ª R. – CJ 2013.02.01.010889-2 – (988) – 1ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Paulo Espirito Santo – DJe 14.10.2013)

Comentário Editorial SÍNTESEO vertente acórdão trata de Conflito Negativo de Competência suscitado pelo MM. Juízo da 4ª Vara Federal de São João de Meriti, em face do MM. Juízo da 5ª Vara Federal de São João de Meriti, ambos da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, a fim de que se determine o juízo competente para o trâmite da Ação Penal nº 0001020-10.2013.4.02.5101.Consta dos autos que a ação foi distribuída ao Juízo da 5ª Vara Federal de São João do Meriti, o Ministério Público Federal denunciou as rés pela prática dos crimes pre-vistos nos arts. 312 e 171, § 3º, do Código Penal, por ter a primeira, na qualidade de então servidora do INSS, concedido benefício de aposentadoria por tempo de contribuição em favor da segunda, sem que tivesse essa o tempo de contribuição legalmente exigido para sua obtenção.As rés apresentaram suas defesas. A MM. Juíza declinou da competência em fa-vor da 4ª Vara Federal de São João de Meriti, ao XXXIII – Conflito de Jurisdição nº 988.2013.02.01.010889-23 argumento de que a competência para o julga-mento da presente ação penal seria da referida Vara, por entender haver conexão com os fatos apurados no bojo da Ação Penal nº 0002335-73.2012.4.02.5110, em trâmite no referido juízo, por suposta continuidade delitiva, como também pelo fato de a Ação Penal nº 2012.51.10.002335-6 ser originária do Inquérito nº 2009.51.10.002082-4, distribuído também à 4ª VF-SJ, em 02.03.2009, data anterior à distribuição da do IPL relativo à ação penal cuja competência para proces-samento se discute nestes autos.Os autos foram remetidos ao Juízo da 4ª Vara Federal de São João de Meriti, que suscitou este conflito negativo de competência, sob o argumento de que não há a conexão apontada.O nobre Relator, ao analisar os autos, verificou que trata-se de situações distintas, que foram perpetradas, não só em momentos distintos, como tiveram cada uma de-

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las, a participação de pessoas diferentes, apenas estando em todas, a ré, servidora do INSS.Vale trazer trecho do voto do Relator:“Entendo que não há conexão entre feitos criminais que versem sobre concessão fraudulenta de benefícios previdenciários levados a efeito por servidor(a) do INSS associado(a), eventualmente, a outras pessoas – colaborares e beneficiários –, por-quanto não exista interferência probatória entre cada um dos fatos tidos por delituo-sos. É que cada concessão fraudulenta apresenta um conjunto diferente de circuns-tâncias – os corréus costumam ser diferentes, como se ocorre no presente caso –, podendo cada uma delas ser apurada, sem prejuízo para a colheita de informações e posterior instrução criminal, no bojo de inquéritos independentes entre si, o que afasta a necessidade de reunião para julgamento pelo mesmo juízo. Nesse sentido, trago à colação as seguintes ementas:‘PENAL – PROCESSUAL PENAL – ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL – ART. 171, § 3º, DO CP – REUNIÃO DE PROCESSOS – INOPORTUNA – INEXIS-TÊNCIA DE CONEXÃO PROBATÓRIA – SÚMULA Nº 611 DO COL. STF – RECURSO DO MP PROVIDO – 1. Apesar de verificada a similitude das circunstâncias obje-tivas nas condutas das agentes, o mesmo não se pode afirmar quanto à unidade de desígnios exigida para a configuração da continuidade delitiva. 2. A união de processo mostra-se inconveniente, diante das inúmeras concessões irregulares a be-neficiários distintos. 3. A apuração dos fatos de forma independente não representa qualquer prejuízo às acusadas, a medida que, uma vez verificada a continuidade delitiva, o juiz da execução, nos termos do art. 66, III, a, da Lei nº 7.210/1984, procederá a unificação das penas. 4. Recurso criminal provido.’ (TRF 1ª R., RCCR 2003.38.01.001556-3/MG, Rel. Des. Federal Hilton Queiroz, 4ª Turma, DJ de 01.09.2006)‘PENAL – PROCESSO PENAL – ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL – ART. 171, § 3º, DO CP – REUNIÃO DE FEITOS – INEXISTÊNCIA DE CONEXÃO PROBATÓRIA – POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO PELO JUIZ DA EXECU-ÇÃO DA CONTINUIDADE DELITIVA – SÚMULA Nº 611 DO STF – 1. Existência de diversas ações penais em que o recorrido é acusado da prática de crime de estelio-nato contra a Previdência Social. Inconveniência da reunião dos feitos dada a inexis-tência de conexão probatória, pela pluralidade de beneficiários. 2. O reconhecimento da continuidade delitiva pode ser feito em sede de execução penal, conforme Súmula nº 611 do STF. 3. Recurso criminal provido.’ (TRF 1ª R., RCCR 2005.38.01. 000280-0/MG, Rel. Juiz Fed. Guilherme Doehler (conv.), 4ª Turma, DJ 22.09.2005, p. 40)[...]”Em relação à continuidade delitiva apontada, como bem destacou o Procurador da República com assento neste Tribunal, em sua manifestação:“[...] a mera possibilidade de se reconhecer a continuidade delitiva entre os fatos abordados nos referidos processos – tendo em vista tratarem de condutas atinentes à mesma ré, na mesma Agência da Previdência Social –, não implica, necessariamen-te, o reconhecimento da conexão, notadamente porque as provas a serem produzi-das, em cada um dos autos, referem-se a períodos distintos e específicos e, como salientado acima, a beneficiários diversos. Outrossim, a existência de continuidade entre os crimes praticados poderá ser reconhecida em sede de execução das penas eventualmente impostas à acusada, inclusive para o fim de determinação do regime de cumprimento (arts. 66, inciso III, alínea a, e 111, ambos da Lei nº 7.210/1984). Neste sentido, vide o julgado do eg. Superior Tribunal de Justiça:Penal. Processual Penal. Estelionato. Réu submetido a vários processos. Pretensão de reconhecimento de continuidade delitiva. fase própria. Execução. Necessidade de reexame de provas. Súmula nº 7/STJ. [...] Na hipótese em que o réu se encon-tra submetido a vários processos sob a acusação de delitos idênticos – estelionato

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contra a Previdência Social – o reconhecimento da continuidade delitiva poderá efetuar-se na fase de execução, quando da unificação das penas. Recurso especial não conhecido.”Isto posto, o TRF 2ª R. conheceu do conflito para declarar competente o MM. Juízo Suscitado, da 5ª Vara Federal de São João de Meriti/RJ.

6766 – Crime ambiental – ilha costeira – dano provocado – Justiça Federal – competência

“Penal. Crime ambiental. Competência. Dano provocado em ilha costeira. Unidade de con-servação federal de proteção integral. Interesse da União verificado. Arts. 20, IV, e 109, IV, da Constituição Federal. I – O crime ambiental relatado na denúncia malfere interesse federal, na medida em que ocorreu em ilha costeira, bem da União Federal, de acordo com o art. 20, IV, da Constituição da República, e atingiu área localizada na Zona de Amortecimento da Esec de Tamoios, unidade de conservação criada por decreto federal e administrada pela Autarquia Federal Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, evidenciando--se, pois, a competência da Justiça Federal para julgamento do feito, em consonância com o prescrito pelo art. 109, IV da CR/1988. II – Recurso ministerial provido. Competência da Jus-tiça Federal reconhecida.” (TRF 2ª R. – RSE 2012.51.11.000283-0 – (3351) – 1ª T.Esp. – Rel. Juiz Fed. Conv. Marcello Ferreira de Souza Granado – DJe 22.10.2013)

6767 – Crime ambiental – norma penal em branco – falta de justa causa – alegação – impos-sibilidade

“Processo penal. Recurso em sentido estrito. Crime ambiental. Art. 34, parágrafo único, in-ciso II, da Lei nº 9.605/1998. Norma penal em branco. Denúncia oferecida com indicação do número da norma integrativa. Validade. 1. De acordo com o art. 3º do Código Penal, ‘a lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência’. 2. Não há que se falar em falta de justa causa quando a denúncia é fundamentada em norma penal em branco e indica o número da norma integrativa que leva à tipificação da conduta, pois somente a omissão dessa indicação pode constituir a inépcia, por impossibilitar a defesa do acusado. 3. A denúncia resume-se basicamente em um pedido de prestação jurisdicional onde o Ministério Público Federal apresenta a postulação condenatória, não sendo necessário demonstrar de plano a responsabilidade criminal do acusado, circunstância esta que ficará a cargo da fase própria da produção de provas pretendidas pelas partes. 4. Recurso em sentido estrito provido.” (TRF 1ª R. – RSE 0001919-40.2012.4.01.4300/TO – Relª Desª Fed. Monica Sifuentes – DJe 18.10.2013)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDP nº 82, Out.-Nov./2013, ementa nº 6701 do STF.

6768 – Crime ambiental – obras irregulares – plano de recuperação – irrelevância

“Penal e processual. Crime ambiental. Obras irregulares no Parque Nacional da Serra do Itajaí. Danos. Plano de recuperação. Irrelevância para a tipicidade da conduta. Interesse de agir do MP. Princípio da obrigatoriedade. Art. 40 da Lei nº 9.605/1998. Materialidade, autoria e dolo comprovados. Art. 68 da Lei nº 9.605/1998. Crime-meio. Princípio da consunção. Manutenção da condenação apenas pelo crime-fim. Reprimenda, diminuição da pena. 1. A consumação do delito previsto no art. 40, § 1º, da Lei nº 9.605/1998 se dá com a ocorrência do dano à área especialmente protegida, de modo que o compromisso posterior de regenerar o local não afasta a tipicidade da conduta, mas apenas corrobora a certeza de que houve pre-juízos, cujos efeitos precisam ser mitigados. Além disso, o acordo de recuperação firmado na instância administrativa não implica efeitos substanciais na seara penal, em face do princípio

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da independência das esferas. 2. Ao contrário do que alega o recorrente, o agente ministerial não se comprometeu a deixar de instaurar ação penal caso o agente recuperasse a área, até porque o Ministério Público é regido pelo princípio da obrigatoriedade, segundo o qual a pro-positura do processo não fica ao seu arbítrio ou discricionariedade. 3. Restando demonstrado que o acusado autorizou a realização de obra que causou danos à unidade de conservação, incide nas penas do art. 40, § 1º, da Lei nº 9.605/1998. O contexto demonstra, no mínimo, a existência de dolo eventual, na medida em que o apelante assumiu o risco de produzir os prejuízos ambientais na área protegida. 4. Incabível a condenação pelo delito previsto no art. 68 da Lei nº 9.605/1998, uma vez que o descumprimento de obrigação de relevante inte-resse ambiental constituiu, in casu, conduta intrínseca ao crime de dano à unidade de conser-vação. 5. Inaplicável a agravante prevista no art. 15, inciso II, alínea e, da Lei nº 9.605/1998, tendo em vista que a caracterização da área como unidade de conservação é inerente ao tipo penal pelo qual o réu foi condenado (art. 40 da Lei nº 9.605/1998). 6. Considerando que as unidades de conservação não são integralmente formadas por espécies ameaçadas de extin-ção, tal particularidade não é inerente ao tipo penal do art. 40 da Lei Ambiental. Porém, se a circunstância for considerada como causa de aumento de pena (art. 53, inciso II, alínea c), naturalmente não deve ser aplicada a título de agravante (art. 15, inciso II, alínea q), sob pena de bis in idem. 7. Inexistindo, nos autos, comprovação de efetiva reparação do dano, não inci-de a atenuante do art. 14, inciso II, da Lei Ambiental. Ainda que reconhecida, a incidência da circunstância atenuante não poderia conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal, nos termos da Súmula nº 231 do STJ. 8. Não havendo laudo ambiental concluindo que o crime em tela resultou em diminuição de águas naturais, erosão do solo ou modificação do regime climático, inviável aplicar a qualificadora prevista no art. 53, inciso I, da Lei nº 9.605/1998. 9. Redução da pena corporal e das substitutivas.” (TRF 4ª R. – ACr 0004589-87.2009.404. 7205/SC – 7ª T. – Relª Juíza Fed. Salise Monteiro Sanchotene – DJe 14.11.2013)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDP nº 82, Out.-Nov./2013, ementa nº 6701 do STF.

6769 – Crime contra a ordem tributária – recibos falsos – IR – conduta autônoma – desca-racterização

“Penal. Processo penal. Recurso em sentido estrito. Imposto de Renda Pessoa Física. Recibos falsos. Despesas odontológicas. Crime contra a ordem tributária. Lei nº 8.137/1990. Consun-ção. Princípio da especialidade. Uso posterior. Consumação anterior. Fisco. Possibilidade de convocação imediata. 1. A Lei nº 8.137/1990 é especial em relação aos crimes de falsidade ideológica e uso de documento ideologicamente falso, previstos nos arts. 304 e 299 do Códi-go Penal, sendo incorreto falar em delitos autônomos. 2. Recibos de despesas odontológicas fictícias, confeccionados com a finalidade exclusiva de possibilitar a sonegação fiscal, têm a potencialidade lesiva exaurida neste crime. 3. O uso de documentos falsos para comprova-ção posterior das informações prestadas na Declaração de Imposto Pessoa Física, no caso os recibos de despesas odontológicas inexistentes, fornecidos por um denunciado ao outro, não caracteriza conduta autônoma em relação à sonegação, porquanto a Receita Federal, no ato da entrega da declaração de ajuste anual, já pode convocar o contribuinte para esclareci-mentos acerca das informações prestadas, o que demonstra a consumação deste delito-meio no mesmo instante do delito-fim. 4. Recurso em sentido estrito não provido.” (TRF 1ª R. – RSE 0031956-95.2012.4.01.3800/MG – Relª Desª Fed. Monica Sifuentes – DJe 25.10.2013)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDP nº 82, Out.-Nov./2013, ementa nº 6702 do STF.

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RDP Nº 83 – Dez-Jan/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDêNCIA ................................................................................201

6770 – Crime contra o sistema de telecomunicações – distribuição clandestina de sinal de TV – tipificação – crime de furto – desclassificação

“Penal. Apelação criminal. Distribuição clandestina de sinal de TV por assinatura. Art. 183 da Lei nº 9.472/1997. Negativa de autoria. Pleito de desclassificação para crime previsto no art. 155, § 3º do CP. Recurso não provido. I – Comprovada a autoria do crime previsto no art. 183, da Lei nº 9.472/1997. Desnecessária a propriedade dos equipamentos utilizados para a prática delitiva. Previsão legal de responsabilidade penal de quem concorre para conduta delituosa de prática clandestina de atividades de telecomunicação. No caso, o apelante pos-sui conhecimento das técnicas necessárias para a atividade na central clandestina de TV e era quem distribuía o sinal de TV. II – A diversidade de bens jurídicos e de sujeitos passivos do crime imputado (distribuição clandestina de sinal de telecomunicação, com o fornecimento dos sinais eletromagnéticos de TV fechada para terceiros) e do crime previsto no art. 155, § 3º, do CP (furto de energia) não autorizam o acolhimento do pleito de desclassificação. III – Alerta quanto à possibilidade de perda do valor total da fiança no caso de não apresenta-ção do condenado para o início do cumprimento da pena definitivamente imposta. IV – Ape-lação não provida.” (TRF 2ª R – ACr 2011.51.10.000932-0 – (10419) – 1ª T. Esp. – Rel. Juiz Fed. Conv. Marcello Ferreira de Souza Granado – DJe 22.10.2013)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDP nº 81, Ago.-Set./2013, ementa nº 6650 do TRF 5ª R.

6771 – Crime de abandono de posto – estado de necessidade – excludente de culpabilidade – não comprovação

“Abandono de posto. Autoria e materialidade comprovadas. Estado de necessidade como excludente de culpabilidade não comprovado. Não cabimento do perdão judicial disposto no art. 107, inciso IX, do Código Penal comum. Incabível o princípio da proporcionalidade. Não comprovação do estado de necessidade como excludente de culpabilidade por ausência de documentos comprobatórios do estado de saúde da mãe do apelante e do registro de atendi-mento médico/hospitalar dela na ocasião do delito. Não se aplica o perdão judicial disposto no art. 107, inciso IX, do Código Penal comum, uma vez que inexiste previsão na legislação penal castrense para aplicação do referido instituto nos crimes de abandono de posto. Não cabimento do princípio da proporcionalidade em face da ausência de lesão efetiva ao bem jurídico tutelado. Por se tratar de crime de perigo abstrato, para a sua caracterização não é necessária a existência de dano concreto, bastando a simples conduta do agente. Apelo não provido. Decisão unânime.” (STM – Ap 21-80.2012.7.06.0006/BA – Rel. Min. Alvaro Luiz Pinto – DJe 18.10.2013)

6772 – Crime de declaração falsa – processo de transformação de visto para estrangeiro – autoria e materialidade – configuração

“Penal. Processual penal. Crime de declaração falsa em processo de transformação de visto para estrangeiro. Autoria e materialidade configuradas. Perdão judicial e abrandamento da pena. Impossibilidade. 1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou proce-dente, em parte, a pretensão punitiva estatal, condenando o chinês Ye Genguang pela prática do crime de declaração falsa em processo de transformação de visto para estrangeiro, tipifi-cado no art. 125, XIII, da Lei nº 6.815/1980 (Estatuto do Estrangeiro), à pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão, substituída por uma pena restritiva de direitos e multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais). 2. Narra a denúncia que Ye Genguang, em 27 de agosto de 2009, apresentou documento público materialmente falsificado (passaporte) e declarações ideolo-gicamente falsas perante a Delegacia da Polícia Federal em Campina Grande com o intuito

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de obter residência brasileira provisória, para convertê-la, posteriormente, em permanente, auferindo os benefícios da Lei nº 11.961/2009. 3. As investigações realizadas tanto em juízo quanto extrajudicialmente testificam a responsabilidade penal do acusado, porquanto com-provadas a autoria e a materialidade delituosas. Excertos da sentença transcritos. 4. Centra--se o recurso na circunstância de que o rigor da pena não permitirá que o acusado busque meios para subsistir e se estabelecer no Brasil. 5. Tais argumentos fundam-se apenas nas consequências que surgirão com o cumprimento da reprimenda, e, além de não justificarem o cometimento do ilícito, mostram-se frágeis e sem amparo legal, o que não autoriza o perdão judicial. 6. Nada a reparar quanto à dosimetria aplicada, pois o comando decisório de 1º grau seguiu, com precisão e ponderação, todas as três etapas que devem anteceder à cominação da penalidade, em estrita observância às circunstâncias judiciais (art. 59 do CPB), agravantes, atenuantes, causas de aumento e de diminuição de pena, sem deixar de atentar para qualquer detalhe. Apelo a que se nega provimento.” (TRF 5ª R. – ACr 0003048-74.2010.4.05.8201 – (9069/PB) – 1ª T. – Rel. Des. Fed. José Maria de Oliveira Lucena – DJe 17.10.2013)

6773 – Crime de estelionato – apropriação indébita – exercício da advocacia – suspensão – constrangimento ilegal – inexistência

“Habeas corpus. Substitutivo de recurso próprio. Não cabimento. Estelionato e apropriação indébita. Garantia da ordem pública. Medida cautelar de suspensão do exercício da advo-cacia. Inexistência de constrangimento ilegal. 1. A Constituição da República define, no art. 105, incisos I, II e III, o rol de competências do Superior Tribunal de Justiça para o exer-cício da jurisdição em âmbito nacional. 2. À luz desse preceito, esta Corte não vem mais admitindo a utilização do habeas corpus como substituto de recurso ordinário, tampouco de recurso especial, nem como sucedâneo da revisão criminal, sob pena de se frustrar a celerida-de e desvirtuar a essência desse instrumento constitucional. 3. Contudo, uma vez constatada a existência de ilegalidade flagrante, nada impede que esta Corte defira ordem de ofício, como forma de refrear constrangimento ilegal, situação inocorrente na hipótese. 4. O paciente, durante os anos de 2009 e 2010, teria se valido de sua profissão, advogado, para praticar, em tese, diversos crimes de estelionato e apropriação indébita. Extrai-se dos autos que, além de reter os valores a título de honorários pagos por clientes, sem que ajuizasse as ações pro-metidas, o paciente, em algumas situações, chegou a se apropriar dos documentos pessoais dos constituintes, vindo a realizar um empréstimo consignado em folha em nome de duas das vítimas, razão pela qual é réu em ações de ressarcimento de danos e exibição de documentos. 5. Resta, pois, devidamente fundamentada a medida cautelar de suspensão do exercício da advocacia, levando em conta que as condutas imputadas são mais gravosas e a frequência com que aconteciam tornam real o risco de que, no exercício da advocacia, o paciente volte a praticá-las. Há, assim, necessidade de se resguardar a ordem pública, mostrando-se caracte-rizado o justo receio da utilização daquela profissão para o cometimento de infrações penais. 6. Atento ao princípio da proporcionalidade, entendo que, no caso, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, previstos constitucionalmente, devem ser ponderados em face da necessidade de se resguardar a coletividade das graves e abusivas práticas levadas a cabo pelo paciente. 7. Ordem não conhecida.” (STJ – HC 253924 (2012/0191398-0) – 6ª T. – Rel. Min. Og Fernandes – DJe 04.10.2013)

Comentário Editorial SÍNTESEO vertente acórdão trata de habeas corpus impetrado em favor do paciente que teve contra si decretada a prisão preventiva, no bojo de cinco processos criminais nos quais se apuram as práticas, em tese, dos crimes previstos nos arts. 171, caput, e 168, § 1º, III, c/c o art. 61, II, g, todos do Código Penal.

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Consta dos autos que o paciente teria sido denunciado nas ações penais por ter, entre os anos 2009 e 2010, na qualidade de advogado, utilizando-se de meios ardilosos, induzido vários clientes a erro, eis que, sob a promessa de ajuizar ações judiciais, recebia a quantia acertada a título de honorários e não movia as ações, tampouco restituía a quantia recebida.Inconformada com a decretação da prisão, a defesa impetrou habeas corpus na Cor-te de origem, o qual foi parcialmente concedido para substituir a custódia preventiva por outras medidas cautelares diversas da prisão, consistentes na determinação de comparecimento periódico em juízo, proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução, bem como suspensão para o exercício da advocacia, ressalvando-se os processos já em curso patrocinados pelo paciente.O impetrante busca a revogação da medida de suspensão do exercício da advocacia, argumentando que a providência inviabiliza a própria subsistência, na medida em que impede o exercício da profissão.O Relator manifestou-se no sentido de que os argumentos apresentados não foram suficientes para comprovar esses fatos. Além disso, as condutas atribuídas ao pa-ciente são muito graves e a permissão para continuar o exercício profissional poderia implicar reincidência nos crimes. O Relator afirmou, ainda, que o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) prevê a suspensão das atividades advocatícias dos profissionais que se beneficiarem à custa do cliente ou da parte contrária, situação em que o caso se encaixa. Para o Relator, a ausência de manifestação da OAB sobre as condutas em apuração não impede a suspensão do exercício da profissão pelo Juízo Criminal. “Não existe relação de dependência entre as esferas penal e administrativa, sequer existe veda-ção no Estatuto da Advocacia que impeça a atuação cautelar na esfera jurisdicional, quando verificados seus requisitos”, disse o Relator.O Superior Tribunal de Justiça negou a ordem.Sobre crimes de estelionato, apropriação indébita e furto, trazemos a brilhante expo-sição do jurista Fernando de Almeida Pedroso, em seu artigo intitulado “Apropriação indébita, estelionato e furto qualificado pelo emprego da fraude: distinção típica entre as espécies”:“Apropriação indébita (art. 168), furto qualificado pelo emprego de fraude (art. 155, § 2º, II) e estelionato (art. 171, caput) constituem figuras criminosas afins, osten-tando índole delituosa de conotação patrimonial, pelo assenhoreamento ilícito de coisa alheia efetivado pelo sujeito ativo.Distingue-se a apropriação indébita das outras duas entidades criminosas, funda-mentalmente, em razão do momento em que surge o dolo ou intenção do agente de se assenhorear do pertence alheio (animus rem sibi habendi).De feito.Na apropriação indébita, o sujeito ativo, no momento da deliberação criminosa, já tem consigo a posse ou a detenção da res, convertendo ulterior e subjetivamente o título pelo qual a possui ou detém. Vale dizer: no crime em epígrafe, há dolo super-veniente, posto já tenha o agente a coisa legitimamente em seu poder, emergindo o ilícito penal justamente pela conversão subjetiva verificada ao resolver o sujeito ativo integrar e incorporar o bem ao seu próprio patrimônio, deixando, pois, de ter a coisa alieno nomine para tê-la ut dominus pro suo.Como a propósito professa e pontifica Nélson Hungria (Comentários, Forense, 1967, V11/129-130), ‘o que caracteriza a apropriação indébita, distinguindo-a do furto, do roubo e do estelionato, é que não representa uma violação da posse material do dominus: a coisa não é subtraída ou ardilosamente captada a este, pois já estava no legítimo e desvigiado poder de disponibilidade física do agente. Enquanto no furto, no roubo e no estelionato, o poder de fato sobre a coisa é obtido com o próprio crime,

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na apropriação indébita, ao contrário, esse poder precede ao crime, forrado o agente ao esforço de granjeá-lo... Diversamente daqueles crimes, na apropriação indébita não há um dolus ab initio, mas um dolus subsequens: a malícia do agente sobrevém à posse ou detenção lícita da res’.De outro turno, exatamente em razão do momento em que tem berço o dolo peculiar à espécie de que se cuida, não transmuda a apropriação indébita para furto qualifi-cado pelo emprego de fraude ou estelionato (que pressupõem um dolo ab initio para a obtenção do proveito criminoso) o fato do agente se valer de enliços, embustes, engodos ou qualquer artifício ardiloso e enganoso para acobertar o crime, como, verbi gratia, simulando ter sido vítima de assalto.Já em se tratando de furto qualificado pelo emprego de fraude ou estelionato, o dolo precede e antecede a obtenção do proveito ilícito, encontrando-se o agente pleno de resolução criminosa ao adquirir o poder físico sobre a coisa.Tênue e sutil, todavia, desponta a diferença típica entre estas duas figuras crimi-nosas.Senão, vejamos.Recebe o rótulo classificatório de crime bilateral (ou de encontro) o preceito típico que inscreve em sua estrutura a participação concorrente daquele que será alcan-çado pelas consequências gravosas do delito (vítima ou prejudicado), desenvolvida juntamente com a atividade desempenhada pelo sujeito ativo.Em crime desse jaez, a cooperação voluntária e necessária da vítima ou prejudicado emerge como elemento fático imprescindível ao sucesso típico do fato incriminado, condicionada que está a verificação da existência da tipicidade a esta associação volitiva operada entre si e o agente do episódio delituoso.Nesses casos, o fato incriminado pressupõe, em seu contexto estrutural típico, a união e encontro de vontades entre a do sujeito ativo e a da vítima ou prejudicado, que almejam alcançar e cumprir um objetivo comum, que outorgará desfecho típico ao crime quando concretizado.Por conseguinte, nos delitos bilaterais ou de encontro, o intento do autor do fato incriminado e o escopo daquele que experimentará (como vítima ou prejudicado) seus consectários nocivos convergem e se dirigem para a consecução do mesmo propósito, constituindo esta fusão e comunhão de desiderato, operada pela violação de cada um, pressuposto condicionante da tipicidade do episódio.Desta sorte, se, nesta espécie de crime, não for ao encontro da vontade do su-jeito ativo a volição conscientemente dirigida pelo sujeito passivo ou prejudicado ao propósito comum, convergindo-se e fundindo-se as vontades para a realização do mesmo objetivo, carecerá o fato de descortino típico no preceito que o inscreve com natureza bilateral, projetando sua adequação típica, eventualmente, para figura delitiva diversa (verbi gratia: de sedução para estupro, de participação em suicídio para homicídio, de estelionato para furto qualificado pelo emprego de fraude...).O estelionato, consoante ressumbra da communis opinio doctorum, pertence à clas-se, categoria, grupo e estirpe dos delitos bilaterais ou de encontro.Dessa maneira, no estelionato, o sujeito ativo, ardilosamente, faz com que a res lhe seja entregue pela vítima, sponte sua. No furto qualificado pela fraude, entretanto, que carece da bilateralidade, o agente subtrai, isto é, valendo-se do engodo, retira sub-repticiamente, calm et occulte, a coisa da posse ou do domínio do lesado.No estelionato, inexiste subtração: o lesado entrega livremente a coisa ao sujeito ativo. No fruto qualificado pelo enliço, a fraude constitui meio à tirada da res, amor-tecendo e diluindo o agente, pelo embuste, a vigilância da vítima sobre a coisa, mas sem fazer com que dela chegue a abjurar totalmente, embora enganada, a ponto de esboroar essa esfera de disponibilidade que é, unicamente, diminuída.No furto fraudulento, o empolgamento do pertence alheio opera-se invicto domine, ao passo que no estelionato inocorre subtração, pois ocorre consciente entrega do

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valor, embora presente o vício da vontade (cf. Ap. Crim. 37.901, de 30.09.71, 3ª C., SP, Rel. Ricardo Couto, in Azevedo Franceschini, Jurisprudência do TACrimSP, Ed. Universitária de Direito, 1975, II/303, nº 2.772).‘No estelionato, a fraude faz com que a vítima incida em erro e voluntariamente entregue seus bens, consciente de que eles estão saindo de seu patrimônio e ingres-sando na esfera da disponibilidade do agente.’ (RT, 680/350)No furto, a maquinação ardilosa serve como meio para obter a posse da coisa, pois o sujeito passivo é insipiente do tocante ao elemento transitivo do fato criminoso (id est: a coisa subtraída passa para o poder do agente sem a sua vontade), enquanto no estelionato o sujeito ativo obtém a coisa do passivo induzindo-o em erro, pois a coisa lhe é entregue voluntariamente, com sua concordância e anuência (cf. Hoepp-ner Dutra, O furto e o roubo, Max Limonad Editor, 1955, p. 1934), renunciando o lesado, ilaqueado em sua boa-fé, ao poder de disponibilidade e vigilância. No furto, vicia-se a atenção do sujeito passivo, que não se apercebe da subtração.‘Não há confundir furto qualificado pela fraude com crime de estelionato. Embora atuando em ambos a maquinação, no estelionato tende esta a contaminar a vontade do lesado no sentido de anuir, embora sob a ação do embuste, na transmissão di-reta ou indireta do bem patrimonial. No furto essa falácia vai atuar não na vontade ligada à transmissão do bem, mas sim na criação de uma situação tal que propicie a subtração, mas sempre com o desconhecimento da vítima.’ (JUTACrim, 45/62). Cf., ainda, RT, 523/419, 551/371, 552/355, 557/350, 558/340Há fraude característica de furto qualificado, anota Magalhães Noronha, quando o agente, pretextando qualquer motivo, pede à vítima que lhe mostre o objeto que tem em mãos e, tomando-o, põe-se em fuga. Há fraude no caso comum em que dois meliantes entram em estabelecimento comercial e, enquanto um distrai a atenção da vítima, o outro subtrai. Há ainda furto com fraude quando a vítima se mantém em colóquio amoroso, valendo-se disso o comparsa da ladra para subtrair o dinheiro das roupas do incauto (Direito penal, Saraiva, 13. ed., 1977, 11/249).Furto qualificado pela fraude perpetra, ainda, quem, a pretexto de conseguir empre-go como doméstica (Proc. 623/77, 1º Ofício de Ituverava/SP, e JUTACrim, 24/87), ou simulando ser funcionário da Light (cf. Justitia, 96/310) ou funcionário de con-cessionária de serviço público (RT, 451/418), logra acesso ao domicílio da vítima, para, logo em seguida, subtrair-lhe os pertences, ou quem, sob o paramento apócrifo de policial rodoviário, apreende veículo, levando-o consigo sob a asserção de levá--lo à repartição policial, assenhoreando-se do automotor (Proc. 28/76, 2º Ofício de Igarapava/SP). Furto qualificado pela fraude é perpetrado por aquele que, ex-vigilan-te de empresa de segurança, uniformizado, se faz passar por empregado desta para subtrair (RT, 680/350).Igual delito perpetra aquele que, com o argumento de experimentar veículo posto à venda pelo proprietário, com ele desaparece, apoderando-se do carro mediante o ar-dil de apresentar-se como possível interessado na aquisição (Proc. 1.949, 2º Ofício de Ituverava/SP, RT, 523/419 e JUTACrim, 21/359, 83/366).Furto qualificado pela fraude comete também quem, no interior de casa comercial, simula interesse na aquisição de peças de vestuário, levando-as consigo ao gabinete provador para experimentá-las e, sob suas próprias roupas, as veste e as leva con-sigo (Proc. 443/90, 2ª Vara Criminal de Taubaté/SP). Estelionato, porém, comete aquele que recebe o dinheiro do lesado, espontaneamente entregue, vendendo-lhe bem inexistente, falsificado ou gleba de terra no fundo do mar.Da mesma forma, traz à realização o estelionato aquele que, falsamente intitulando--se advogado, recebe, por entrega voluntária da vítima, importância em pectinia para ajuizar ação (Proc. 1.214/79, 22ª Vara Criminal de São Paulo) ou quem, emitindo cheque sem fundos pós-datado como meio iludente, permanece em casa alheia, como locatário, pelo período avençado de um mês (quando então seria o che-

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que sacado), abandonando-a em seguida, tendo conseguido a entrega das chaves, durante o interregno, mediante o artifício (Proc. 33/78, 2º Ofício de São Bento do Sapucaí/SP), perpetrando igual delito aquele que recebe mercadorias ou bens pagos com cheque alheio furtado e fraudulentamente preenchido ou quem, alterando re-lógio de bomba de gasolina para obter saldo, ilude o freguês (Ap. Crim. 29.219, de Piracicaba, J. em 2.3.09.71, 4ª C., Rel. Azevedo Junior, in Azevedo Franceschini, ob. cit., 11/80, nº 2.131). Percebe-se do exposto, portanto, a unilateralidade do furto majorado pela fraude, pela dissensão da vítima no apoderamento, e a bila-teralidade do estelionato, pela aquiescência embora viciada e tisnada – do lesado.Por isso, ‘o que distingue o furto com fraude do estelionato é que, naquele, há uma discordância expressa ou presumida do titular do direito patrimonial em relação à conduta do agente, ao passo que, neste, o consentimento da vítima constitui uma peça que é parte integrante da própria figura criminosa’ (RT, 516/340).” (publicado em: www.SÍNTESEnet.com.br)

6774 – Crime de estelionato – atestados falsos – indução a erro – prescrição – reconheci-mento – possibilidade

“Penal. Estelionato majorado. Art. 171, § 3º, do CP. Prescrição. Materialidade. Atestados mé-dicos contrafeitos. Benefícios previdenciários. Autoria. Crime impossível. Penas pecuniárias. 1. Tratando-se da autora da fraude, a prescrição conta-se da data da entrega dos atestados contrafeitos ao INSS para o fim de obter o benefício previdenciário. Reconhecida a prescrição de alguns fatos apontados na denúncia. Precedentes do STF. 2. Comprovada a materialidade do crime de estelionato contra o INSS consistente na apresentação de atestados médicos falsos para instruir pedidos de benefícios previdenciários. 3. Perícia documentoscópica apontou que a ré confeccionou os atestados médicos utilizados para induzir e manter os peritos da Autar-quia Federal em erro quanto à existência de doenças psíquicas incapacitantes dos segurados para o trabalho. A ré também teria acompanhado os segurados nas perícias e os orientado sobre como deveriam se comportar para justificar a patologia fictícia. 4. Afastada alegação de crime impossível porquanto os médicos-peritos do INSS levam em consideração os atestados médicos apresentados pelos segurados para corroborar o seu diagnóstico e data de início da doença. 5. Mantido os valores das penas pecuniárias, possibilitando o seu pagamento de forma parcelada na execução.” (TRF 4ª R. – ACr 0038870-98.2006.404.7100/RS – 7ª T. – Rel. Juiz Fed. Luiz Carlos Canalli – DJe 24.10.2013)

6775 – Crime de estelionato – peculato – crime contra a ordem tributária – lavagem de di-nheiro – investigado – ex-prefeito – desvio – ocorrência

“Agravo regimental. Conflito negativo de competência. Tribunal Federal da 1ª Região e Tribu-nal de Justiça do Estado de Roraima. Desvio de recursos. Repasse de verbas federais mediante convênio com ente estadual. Crimes de estelionato, de peculato, contra a ordem tributária e de lavagem de dinheiro. Investigado que não mais ocupa cargo de prefeito. Pleito pelo pre-juízo do conflito. Justiça Federal versus Justiça Estadual. Juízo natural. Necessidade de se di-rimir quaisquer dúvidas. Jurisprudência sedimentada sobre a questão. Economia e celeridade processuais. Declaração da competência da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de Roraima. 1. Os indícios do desvio de dinheiro público, oriundo do repasse de verbas federais mediante convênio com o Estado de Roraima, apontam para a prática de crimes de estelionato, de peculato, contra a ordem tributária e de lavagem dinheiro, cujo investigado, então prefeito do Município de Iracema/RR, não mais figura como autoridade detentora de foro especial por prerrogativa de função, o que ensejaria a prejudicialidade deste conflito de competência. 2. Contudo, com o fim de dirimir quaisquer dúvidas acerca da controvérsia e em atendimento aos princípios da economia e da celeridade processual – o incidente tramita desde 2007 e há a possibilidade de arguição de novo conflito pelas mesmas razões –, impõe-se afastar a

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prejudicialidade alegada. 3. Acerca do assunto, a orientação desta Corte é no sentido de que compete à Justiça Federal a apuração de malversação de verbas federais repassadas mediante convênio a ente estadual, tendo em vista a configuração de interesse da União, nos termos do art. 109, inciso IV, da CF. 4. Na espécie, os elementos colhidos na operação da Polícia Federal, denominada ‘Praga do Egito’, informam que, além do suposto locupletamento dos indiciados em detrimento de recursos do Estado, verbas federais oriundas de convênio entre o ente estatal e a União eram depositadas na conta única do Estado de Roraima, com o fim de pagamento de funcionários fantasmas ‘contratados’ pelo governo, o que demonstra o efetivo prejuízo da União a atrair a competência da Justiça Federal. Já teria sido apurado o desvio da quantia mínima de R$ 644.016,07 provenientes dos cofres federais. 5. Tal deslinde é refor-çado pelo envio à Justiça Federal de 1ª instância da ação penal originária (AP 320, Rel. Min. Paulo Gallotti), na qual figura como denunciado o então Governador do Estado de Roraima, Francisco Flamarion Portela, juntamente com Bernardino Alves Cirqueira e Elândia Gomes Araújo, ora indiciados, tendo em vista o fim do mandato eletivo daquele. 6. Não é inédita a declaração da competência de um juízo que não figura como um dos nomeados no conflito, cumprindo a esta Corte o mister de indicar a autoridade competente, em atendimento ao prin-cípio do juiz natural (CF, art. 5º, LIII) (precedentes da Seção). 7. Agravo regimental desprovido. Conflito conhecido para fixar a competência da Justiça Federal, no caso, a 2ª Vara da Seção Judiciária de Roraima, juízo onde inicialmente tramitou o feito.” (STJ – AgRg-CC 92.791 – (2007/0305972-4) – 3ª S. – Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz – DJe 19.11.2013)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDP nº 82, Out.-Nov./2013, ementa nº 6707 do TRF1ª R.

6776 – Crime de estupro – progressão de regime – exame criminológico – possibilidade

“Agravo em execução penal. Estupro. Crime hediondo. Progressão de regime carcerário. Exa-me criminológico. Possibilidade. Discricionariedade do juiz da execução penal. Requisito subjetivo não atendido. Súmula nº 26 do STF. 1. Mesmo após as alterações introduzidas no art. 112 da LEP pela Lei nº 10.792/2003, que excluiu a referência ao exame criminológico, pode o Magistrado determinar sua realização quando o entender necessário, consideradas as peculiaridades do caso e desde que o faça em decisão motivada. Inteligência da Súmula Vinculante nº 26 do STF. 2. Apesar de satisfeito o requisito temporal, não há que se cogitar em progressão de regime quando o exame técnico atesta a inaptidão do reeducando para o convívio social. 3. Agravo conhecido e improvido.” (TJGO – Ag-AEXP 201391442024 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Nicomedes Domingos Borges – DJe 29.10.2013)

6777 – Crime de lavagem de dinheiro – venda de automóveis contrabandeados – atipicidade

“Penal e processual penal. Venda de automóveis supostamente contrabandeados. Lavagem de dinheiro que não se confirma. Conduta que se amolda ao próprio delito de contrabando (art. 334, § 1º, c, do CP). Atipicidade. Recurso desprovido. I – Não obstante o recente julgado do eg. Superior Tribunal de Justiça no sentido de ser possível o juízo de retratação acerca do recebimento da denúncia (REsp 1318180/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, Julga-do em 16.05.2013, DJe 29.05.2013), o Magistrado não reavaliou a admissibilidade da inicial acusatória, tendo adentrado na análise dos elementos normativos do crime de lavagem de di-nheiro para concluir pela atipicidade das condutas. II – A lavagem de dinheiro consubstancia--se na ocultação dos lucros auferidos com determinado delito e não na ocultação do próprio objeto material do delito antecedente. III – No caso do contrabando, a venda de mercadoria estrangeira introduzida clandestinamente no país caracteriza a própria conduta prevista no art. 334, § 1º, c, do Código Penal, razão pela qual os denunciados por este delito não podem

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responder também pelo crime de lavagem de dinheiro, em razão da venda do produto contra-bandeado. IV – Desprovimento do recurso.” (TRF 2ª R. – ACr 2012.51.01.059587-9 – (10522) – 1ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Paulo Espirito Santo – DJe 18.11.2013)

6778 – Crime de moeda falsa – corrupção de menores – pena – fixação – acima do mínimo legal

“Habeas corpus. Direito penal. Moeda falsa e corrupção de menores. Dosimetria. Fixação da pena-base acima do mínimo legal. Maus antecedentes. Configuração. Utilização de termos vagos, genéricos e elementos inerentes ao próprio tipo penal para a caracterização da culpa-bilidade. Motivação inidônea. Conduta social e personalidade. Impossibilidade de considera-ção no caso. Incidência da Súmula nº 444 desta Corte. Continuidade delitiva. Três infrações. Percentual de aumento. Ilegalidade. Readequação. Regime prisional fechado. Cabimento. Or-dem de habeas corpus parcialmente concedida. 1. O julgador deve, ao individualizar a pena, examinar com acuidade os elementos que dizem respeito ao fato, para aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda que seja necessária e suficiente para reprovação do crime. 2. O decurso de lapso temporal superior a 05 (cinco) anos entre a data do término da pena da condenação anterior e a data da infração posterior, embora afaste os efeitos da reincidên-cia, não impede o reconhecimento de maus antecedentes, ensejando, assim, o aumento da pena-base acima do mínimo legal. Precedentes. 3. A culpabilidade foi negativamente valo-rada mediante elementos inerentes ao tipo penal dos crimes de moeda falsa e de corrupção de menores (‘o réu não deu importância ao bem jurídico tutelado na espécie, qual seja a fé pública, colocando em circulação e guardando moeda falsa, além de se utilizar de menores para a prática delituosa’), o que determina o afastamento dessa circunstância. 4. Inquéritos policiais, ações penais em andamento ou mesmo condenações sem certificação do trânsito em julgado não se prestam a majorar a pena-base, seja a título de maus antecedentes, conduta social negativa ou personalidade voltada para o crime, em respeito ao princípio da presunção de não culpabilidade. Por tal razão fora editada a Súmula nº 444/STJ, na qual se sedimentou o entendimento de que ‘é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base’. 5. É pacífica a jurisprudência desta Corte ao dizer que o aumento de pena pela continuidade delitiva deve levar em conta o número de infrações, sendo que esta 5ª Turma tem considerado correta a exacerbação da pena em 1/5 (um quinto) no crime conti-nuado, no caso de 3 (três) delitos. 6. Na hipótese, fixada a pena-base acima do mínimo legal, porque considerada, no caso concreto, circunstância judicial desfavorável ao réu, mostra-se cabível a fixação de regime prisional fechado, a teor do disposto no art. 33, §§ 2º e 3º, c/c o art. 59, ambos do Código Penal. 7. Ordem de habeas corpus parcialmente concedida para reduzir a pena aplicada ao paciente, nos termos explicitados no voto.” (STJ – HC 213.685 – (2011/0167647-9) – 5ª T. – Relª Min. Laurita Vaz – DJe 19.11.2013)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDP nº 82, Out.Nov./2013, ementa nº 6714 do TJDF.

6779 – Crimes militares – roubo qualificado – extorsão simples – princípio da isonomia – aplicabilidade

“Habeas corpus. Processual penal. Crimes militares. Roubo qualificado e extorsão simples. Pretendida extensão dos efeitos de acórdão proferido pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça em favor de corréu. Ausência de similitude de situações fático-processuais. Inaplicabi-lidade do art. 580 do Código de Processo Penal. Ordem de habeas corpus denegada. Busca-se a extensão de efeitos do acórdão proferido pela 5ª Turma desta Corte Superior, nos autos do HC 191.619/RN, de minha relatoria, que concedeu a ordem de habeas corpus a corréu, em razão da constatação de vício decorrente da falta de apresentação de alegações finais por sua

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defesa. Porém, ao contrário do que ocorrido com o corréu, a defesa dos pacientes apresentou alegações finais, não se constatando qualquer nulidade quanto a eles. 2. Não se encontrando os corréus na mesma situação fático-processual, não cabe, a teor do princípio da isonomia e do art. 580 do Código de Processo Penal, deferir pedido de extensão de julgado benéfico obtido por um deles. Precedentes. 3. Ordem de habeas corpus denegada.” (STJ – HC 252.584 – (2012/0180384-8) – 5ª T. – Relª Min. Laurita Vaz – DJe 19.11.2013)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDP nº 82, Out.-Nov./2013, ementa nº 6719 do STF.

6780 – Estatuto da Criança e do Adolescente – crime de roubo – medida socioeducativa – semiliberdade – aplicação

“Apelação. Vara da Infância e da Juventude. Conduta análoga ao crime de roubo circunstan-ciado. Concessão de efeito suspensivo ao recurso. Medida socioeducativa. Semiliberdade. Abrandamento. Confissão espontânea. Impossibilidade. Ausência de violação a tratados inter-nacionais. Medida adequada. Sentença mantida. I – Não restando evidenciado risco de dano irreparável à parte, rejeita-se o pedido de concessão de efeito suspensivo à apelação criminal interposta pela defesa (art. 215 do Estatuto da Criança e do Adolescente). II – A ausência de regramento quanto ao instituto da confissão espontânea não viola tampouco nega vigência a qualquer tratado internacional relativo aos direitos das crianças e dos adolescentes do qual o Brasil seja signatário, porquanto o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece regramen-to específico para aplicação das medidas socioeducativas, nos termos do art. 112, § 1º, o qual dispõe que o julgador deve levar em conta a capacidade de cumprimento, as circunstâncias e a gravidade da infração por ocasião da eleição da medida cabível. III – Nos feitos atinentes à apuração de atos infracionais não se aplicam as regras sobre dosimetria da pena previstas no Código Penal, notadamente em relação à incidência da atenuante prevista no art. 65, III, d, já que para as crianças e os adolescentes não há cominação de pena, mas aplicação de medidas protetivas e/ou socioeducativas, cujo caráter não é sancionatório ou punitivo. IV – Na linha do entendimento jurisprudencial consolidado pelo col. STJ, a aplicação da medida socioe-ducativa de semiliberdade não está adstrita às hipóteses do art. 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente, porquanto tal regramento deve ser observado tão somente nos casos de internação. V – Não merece censura a sentença que impõe medida socioeducativa de semili-berdade por tempo indeterminado ao adolescente que comete ato infracional que se amolda ao tipo descrito no art. 157, § 2º, inciso I, do Código Penal, quando há provas reveladoras do razoável comprometimento do adolescente com as drogas e sua iniciação no mundo da delin-qüência, bem como do descumprimento de medida anteriormente imposta ao representado. VI – Recurso conhecido e não provido.” (TJDFT – Ap 20120130068782 – (725513) – Rel. Des. Humberto Adjuto Ulhôa – DJe 22.10.2013)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDP nº 82, Out.-Nov./2013, ementa nº 6720 do TJDFT; Vide RDP nº 81, Ago.-Set./2013, ementa nº 6655 do STJ.

6781 – Estelionato contra a Previdência Social – crime permanente – prescrição

“Habeas corpus. Penal. Estelionato praticado contra a Previdência Social (art. 171, § 3º, do Código Penal). Crime permanente quando o beneficiário recebe a quantia indevida. Prescri-ção pela pena máxima em abstrato. Não. ocorrência. 1. A jurisprudência deste Supremo Tri-bunal Federal é no sentido de ser o crime de estelionato previdenciário praticado pelo próprio beneficiário de natureza permanente; prazo prescricional começa a fluir a partir da cessação da permanência, não do primeiro pagamento do benefício. 2. Sem transcurso do prazo de

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doze anos entre o último pagamento indevido do benefício previdenciário e o recebimento da denúncia, afastada está a prescrição pela pena máxima em abstrato. 3. Ordem denegada.” (STF – HC 117.470 – Relª Min. Cármen Lúcia – DJe 23.10.2013)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDP nº 82, Out.-Nov./2013, ementa nº 6721 do TRF2ª R.

6782 – Estelionato qualificado – saque indevido – benefícios previdenciários – autoria e ma-terialidade – comprovação

“Penal. Processual penal. Estelionato qualificado. Art. 171, § 3º, c/c art. 71, CP. Saque inde-vido de benefícios previdenciários. Pensão por morte e aposentadoria. Óbito da segurada. Genitora da acusada. Autoria e materialidade comprovadas. Deficiência física e dificuldades financeiras. Estado de necessidade. Percebimento dos benefícios por quase cinco anos. Perigo atual. Inocorrência. Substituição da pena de prestação de serviços comunitários. Art. 78, § 2º, CP. Possibilidade. 1. Apelação criminal interposta por Maria José de Lima em contrariedade à sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara da Seção Judiciária da Paraíba que, julgando parcial-mente procedente a ação penal, condenou a recorrente nas sanções do art. 171, caput, e § 3º, c/c o art. 71, ambos do CPB, à pena de 01 ano, 06 meses e 07 dias de reclusão, aplicando-se a suspensão condicional da pena pelo prazo de 02 anos, com prestação de serviços à comu-nidade durante o primeiro ano. 2. A defesa pede a reforma da sentença requerendo a absolvi-ção, alegando, em síntese, que a acusada teria praticado o crime sob estado de necessidade. Subsidiariamente, invoca a inadequação da pena de prestação de serviços à comunidade imposta em razão de ser portadora de deficiência física, entendendo que faria jus ao benefício previsto no § 2º do art. 78 do CP. 3. Autoria e materialidade delitivas não contestadas pela defesa. Com efeito, o conjunto probatório aponta, a toda evidência, o fato de a apelante Maria José de Lima ter percebido indevidamente benefícios previdenciários referentes a pensão por morte e aposentadoria por idade a que fazia jus a genitora da denunciada, Severina Batista de Lima, desde o falecimento desta, em novembro/2002, até novembro/2007, causando uma lesão aos cofres da Previdência Social de mais de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais). 4. Em que pese entender comprovada a dificuldade financeira e comprometimento de saúde para o exercício de atividade laborativa, sem falar nas poucas oportunidades de emprego disponí-veis na localidade, não cabe a aplicação da excludente de ilicitude do estado de necessidade em razão de o recebimento indevido dos benefícios ter se perpetrado por quase cinco anos, o que descaracteriza a atualidade do perigo inerente ao estado de necessidade. Trechos da sentença transcritos. 5. Cabível a substituição da pena de prestação de serviços à comunidade pelas condições previstas no § 2º do art. 78 do CP, considerando a grave limitação física da recorrente que a impede de cumprir a prestação de serviços comunitários na forma estabe-lecida na sentença. Apelação criminal parcialmente provida em consonância com o parecer ministerial.” (TRF 5ª R. – ACr 2008.82.00.008119-7 – (9094/PB) – 1ª T. – Rel. Des. Fed. José Maria de Oliveira Lucena – DJe 14.11.2013)

6783 – Estupro – ameaça – negativa de autoria delitiva – sentença condenatória

“Penal e processo penal. Estupro. Art. 213, caput, do Código Penal. Ameaça. Art. 147 do Código Penal. Concurso material. Sentença condenatória. Recurso da defesa. 1. Delito de estupro. Conformismo com a condenação. Delito de reconhecimento da atenuante da confis-são espontânea (art. 65, inciso III, alínea d, do Código Penal). Impossibilidade. Réu que não colaborou com a justiça e não prestou informações para elucidar os fatos. Negativa de autoria delitiva. Sentença condenatória fundada na prova oral, notadamente nos depoimentos da vitima, e das testemunhas, e na prova material colacionada aos autos. 2. Delito de ameaça. Conformismo com a condenação. Autoria e materialidade seguras para sustentar a condena-

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ção. 3. Fixação da pena. Erro material consistente em considerar a pena de detenção como pena de reclusão. Readequação de ofício. 4. Regime prisional fechado. Manutenção, em face do quantum de pena fixado. Recurso desprovido.” (TJPR – ACr 1006197-3 – 3ª C.Crim. – Relª Desª Sônia Regina de Castro – DJe 22.10.2013)

6784 – Execução penal – falta grave – progressão de regime – interrupção do lapso temporal – possibilidade

“Medida cautelar. Efeito suspensivo a recurso especial. Falta grave. Progressão de regime. Interrupção do lapso temporal para obtenção do benefício. Possibilidade. Matéria pacifica-da nesta Corte Superior no julgamento do EREsp 1.176.486/SP. Liminar confirmada. Pedi-do procedente. 1. Segundo entendimento pacificado nesta Corte no julgamento do EREsp 1.176.486/SP, o cometimento de falta disciplinar de natureza grave pelo executando acarreta o reinício do cômputo do interstício necessário ao preenchimento do requisito objetivo para a concessão do benefício da progressão de regime, iniciando-se o novo período aquisitivo a partir da data da última infração disciplinar. 2. Pedido cautelar julgado procedente para suspender, até o julgamento do recurso especial interposto pelo Ministério Público, os efei-tos do acórdão proferido pela Corte de origem no agravo de Execução Penal nº 0057697-57.2012.8.19.0000, determinando desde já a elaboração de novo cálculo de pena com base no entendimento ora assentado.” (STJ – MC 21.714 – (2013/0340000-8) – 5ª T. – Relª Min. Laurita Vaz – DJe 19.11.2013)

6785 – Execução penal – livramento condicional – fugas – infração disciplinar

“Agravo em execução penal. Pedido de livramento condicional. Atestado de conduta carcerá-ria satisfatória que não vincula o Magistrado. Fugas reiteradas do agravante. Demais requisitos subjetivos não comprovados. Prequestionamento. Recurso improvido. A análise do comporta-mento satisfatório durante a execução da pena para o deferimento do livramento condicional deve ser realizada amplamente, observado todo o período em que o reeducando resgata a sua reprimenda. A prática de inúmeras fugas durante o cumprimento da reprimenda, constitui-se em evidente infração disciplinar e fundamentação idônea à não concessão do livramento con-dicional, ante o não preenchimento do requisito subjetivo necessário à obtenção da benesse. O mérito pessoal, baseado no atestado de conduta carcerária não assegura que o agravante esteja, de fato, apto a galgar benefício. O Colegiado não está obrigado a mencionar, para fins de prequestionamento, os dispositivos das normas supostamente violadas, bastando declinar as razões pelas quais chegou à conclusão exposta na decisão recorrida. Com o parecer, re-curso improvido.” (TJMS – AG-ExPen 0035137-79.2013.8.12.0001 – 1ª C.Crim. – Relª Desª Maria Isabel de Matos Rocha – DJe 24.10.2013)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDP nº 81, Ago.-Set./2013, ementa nº 6660 do TJDFT.

6786 – Execução penal – regime prisional – regressão – fuga – falta grave – configuração

“Recurso de agravo execução penal. Regressão de regime prisional do semiaberto para o fe-chado. Possibilidade. Fuga. Configurada falta grave. Inteligência dos arts. 50, II, c/c 118, I, da LEP. Recurso desprovido. 1. É passível de ser transferido para regime mais rigoroso o conde-nado que durante o cumprimento da pena privativa de liberdade praticar fato definido como crime doloso ou falta grave. Tribunal de Justiça.” (TJPR – AG 1078664-8 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Antonio Loyola Vieira – DJe 22.10.2013)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDP nº 81, Ago.-Set./2013, ementa nº 6660 do TJDFT.

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6787 – Execução penal – tráfico de drogas – estrangeiro em situação irregular no País – prin-cípio da isonomia – aplicação

“Agravo em execução penal. Tráfico ilícito de drogas. Estrangeiro em situação irregular no País. Trabalho externo, progressão de regime e livramento condicional. Possibilidade. Prin-cípio constitucional da isonomia. Individualização da pena. Viabilidade. Recurso provido. A execução da pena do nacional e do estrangeiro submete-se aos princípios da isonomia e da individualização da pena, não sendo a condição de estrangeiro irregular, por si só, fator impeditivo à concessão de progressão de regime e livramento condicional.” (TJMS – AG-ExPen 0005724-97.2013.8.12.0008 – 2ª C.Crim. – Rel. Des. Romero Osme Dias Lopes – DJe 22.10.2013)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDP nº 82, Out.-Nov./2013, ementa nº 6727 do STJ; Vide RDP nº 81, Ago.-Set./2013, ementa nº 6660 do TJDFT.

6788 – Extradição – crimes de prostituição e detenção ilegal – tráfico internacional – pres-crição – não ocorrência

“Extradição. Crimes de prostituição e detenção ilegal. Correspondência com os crimes de tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual e de sequestro e cárcere pri-vado. Dupla incriminação. Prescrição. Não ocorrência. Inexistência de óbices legais à ex-tradição. Entrega condicionada à assunção de compromisso quanto à detração da pena. 1. Pedido de extradição formulado pelo Governo da Espanha que atende aos requisitos da Lei nº 6.815/1980 (Estatuto dos Estrangeiros) e do Tratado de Extradição específico. 2. Crime de prostituição que corresponde ao crime de tráfico internacional de pessoa para fim de explo-ração sexual do art. 231 do Código Penal. Crime de detenção ilegal que se amolda ao crime de sequestro e cárcere privado do art. 148 do mesmo diploma. Dupla incriminação atendida. 3. Não ocorrência de prescrição e inexistência de óbices legais. 4. O compromisso de detra-ção da pena, considerando o período de prisão decorrente da extradição, deve ser assumido antes da entrega do preso, não obstando a concessão da extradição. O mesmo é válido para os demais compromissos previstos no art. 91 da Lei nº 6.815/1980. 5. Extradição deferida.” (STF – EXT 1.298 – Relª Min. Rosa Weber – DJe 23.10.2013)

6789 – Falsificação de medicamentos – preceito secundário – constitucionalidade

“Penal. Processo penal. Falsificação de medicamentos. Preceito secundário. Art. 273 do Có-digo Penal. Constitucionalidade. Desclassificação para descaminho. Impossibilidade. Sibutra-mina. Tráfico de droga. Concurso formal de crimes. Apelação desprovida. 1. A questão sobre a constitucionalidade do preceito secundário do art. 273 do Código Penal foi submetida à apreciação do Órgão Especial desta Corte por meio da Arguição de Inconstitucionalidade nº 2009.61.24.000793-5, de Relatoria da Desembargadora Federal Ramza Tartuce, sendo que, por maioria, o preceito foi declarado constitucional. 2. Não obstante a severidade da sanção legal prevista aos delitos do art. 273, § 1º-B, do Código Penal, isso não implica na inconstitucionalidade do dispositivo, dado que resulta dos critérios eleitos pelo legislador. 3. A tipificação do delito de falsificação de medicamento de origem estrangeira, sem registro na Anvisa, deve ser mantida, dado que a conduta se subsume ao tipo do art. 273, § 1º-B, do Código Penal em sua integralidade. Não é razoável o pleito de desclassificação para o delito de descaminho, à razão de que existe no diploma legal tipo específico para a conduta do réu. 4. Conforme a legislação vigente quando da prática delitiva, somada à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, se extrai que a posse, pelo réu, da substância emagrecedora sibutramina, constante da Portaria nº 344/1998, classificada à época como psicotrópica ano-

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rexígena, é suficiente para caracterizar o delito como tráfico de droga (Lei nº 11.343/2006, art. 33, caput). 5. Apelação desprovida.” (TRF 3ª R. – ACr 0007845-93.2011.4.03.6106/SP – 5ª T. – Rel. Des. Fed. André Nekatschalow – DJe 19.11.2013)

6790 – Furto simples – insuficiência de provas – absolvição

“Penal. Apelação criminal. Furto simples. Absolvição por insuficiência de provas. Inviabilida-de. Autoria e materialidade comprovadas. Conjunto probatório robusto e coeso. Atipicidade material da conduta. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Desclassificação. Furto privilegiado. Não caracterização. Dosimetria. Circunstância judicial. Inquérito policial ou ações penais em curso. Súmula nº 444 do STJ. Arrependimento posterior. Não caracterização. Regime de cumprimento de pena menos gravoso. Substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direito ou suspensão condicional da pena. Pleitos inviáveis. I – As provas existentes nos autos são suficientes para o julgamento de procedência do pleito condenatório deduzido na denúncia, mormente quando a materialidade e a autoria encontram. Se sufi-cientemente comprovada na confissão do acusado, aliada as declarações das testemunhas. II – A apreciação da aplicação do princípio da insignificância pelo Magistrado deve partir da análise criteriosa de determinados requisitos cumulativos, a saber, mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, grau reduzido de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada. O não preenchimento de qualquer um dos requisitos mencionados impede o reconhecimento do crime de natureza bagatelar. Precedentes. III – Para reconhecimento do privilégio no furto, não basta a prima-riedade do agente e que o valor da coisa seja de pequena monta, pois necessária a análise da repercussão no patrimônio da vítima e do desvalor social da conduta, para que não se in-centive a reiteração de delitos de pequeno valor econômico que, em conjunto, podem causar desordem social. IV – Não se pode valorar circunstância judicial com base em inquéritos ou ações penais em curso, conforme Súmula nº 444 do col. STJ. V – Não se pode aplicar a causa de diminuição de pena referente ao arrependimento posterior, quando o dano não foi repa-rado integralmente até o recebimento da denúncia, por ato voluntário do agente. VI – Não obstante a existência de ação penal em andamento não seja óbice, por si só, para a concessão da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou suspensão condicio-nal da pena, bem como para eleição de regime de cumprimento de pena, no presente caso, a sequência de práticas criminosas evidencia que a conversão da sanção reclusiva e o abran-damento do regime não se mostrarão suficientes para a prevenção e repressão do delito em comento. VII – Recurso conhecido e parcialmente provido.” (TJDFT – Pen 20090410108685 – (732951) – Rel. Des. Humberto Adjuto Ulhôa – DJe 12.11.2013)

6791 – Fraude à licitação – ação penal – trancamento – inépcia da inicial – atipicidade da conduta – ausência de justa causa – impossibilidade

“Recurso ordinário em habeas corpus. Processual penal. Art. 89 da Lei nº 8.666/1993. Dis-pensa de licitação fora das hipóteses legais, no âmbito do Banco de Brasília. Falta de justa causa não evidenciada de plano. Análise sobre a materialidade do delito que não pode ser feita na via eleita. Manifestação ministerial sobre a resposta à acusação. Irregularidade pro-cessual. Inexistência de prejuízo. Recurso desprovido. 1. O trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, que há imputação de fato penalmente atípico, a inexistência de qualquer elemento indiciário demonstrativo de autoria do delito ou, ainda, a extinção da punibilidade, o que não ocorre in casu. 2. Defende o recorrente a falta de justa causa para a ação penal por atipicidade da conduta, uma vez que não há nexo causal entre sua conduta e a fraude à licitação perpetrada. Contudo, acolher a tese defensiva demanda minucioso exame do conjunto fático e probatório, mormente porque

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ele autorizou diretamente o ato supostamente ilegal, como membro da Diretoria Colegiada da Instituição Financeira. 3. Já que a denúncia, lastreada em indícios suficientes de autoria e materialidade do crime, descreve que o recorrente agiu dolosamente para a contratação de empresa com dispensa de licitação, fora das hipóteses legais, é dispensável a descrição minu-ciosa e individualizada de sua efetiva contribuição para o delito. A exordial narra a conduta delituosa de forma a possibilitar o exercício da ampla defesa, restando, pois, reservado para a instrução criminal o detalhamento mais preciso de seu proceder. Precedentes. 4. A abertura de vista ao Ministério Público após o oferecimento da reposta a acusação prevista no art. 396 do Código de Processo Penal, mormente quando não demonstrado qualquer prejuízo à defe-sa, não acarreta nulidade processual. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal. 5. Recurso desprovido.” (STJ – RHC 37.056/DF – (2013/0114535-0) – Relª Min. Laurita Vaz – DJe 16.10.2013)

Comentário Editorial SÍNTESEO vertente acórdão trata de recurso ordinário em habeas corpus interposto em favor do denunciado como incurso no art. 89 da Lei nº 8.666/1993, contra acórdão dene-gatório do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, assim ementado:

“HABEAS CORPUS – ACUSAÇÃO DE INCURSÃO NO ART. 89, CAPUT, C/C ART. 84, § 2º, C/C ART. 99, CAPUT, E § 1º, TODOS DA LEI Nº 8.666/1993 – PRE-TENSÃO AO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL – ALEGAÇÕES DE INÉPCIA DA INI-CIAL, ATIPICIDADE DA CONDUTA – INVIABILIDADE DO EXAME DA PROVA – FALA DO MINISTÉRIO PÚBLICO APÓS A RESPOSTA À ACUSAÇÃO – DENEGAÇÃO DA ORDEM – A denúncia, na espécie, atende à regra do art. 41 do Código de Processo Penal, porquanto descreve, com clareza e objetividade, os fatos, em tese, crimino-sos, com todas as suas circunstâncias, individualizando a conduta do paciente, de forma suficiente a permitir o exercício pleno da ampla defesa e do contraditório. Para o trancamento da ação penal, exige-se falta de justa causa, o que, na via estreita do writ, somente é viável desde que se comprove, de plano, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, hipóteses não ocorrentes na espécie. A via angusta do habeas corpus não se presta ao confronto e à valoração de provas para exame de negativa de autoria e participação. Não cabe, na via estreita do habeas corpus, analisar inteiramente a conduta atribuída ao paciente – conluio entre diretores do BRB e funcionários da Cartão BRB para possibilitar subcontratação de empresa sem o necessário procedimento licitatório – e decidir sobre ela. Tanto mais quando também se imputa ao paciente, além da autorização para celebração de termo aditivo a convênio para a prestação de serviços de tecnologia, conduta omis-siva de que resultou a inexigibilidade da licitação. Não fere o devido processo legal o pronunciamento do Ministério Público após a resposta à acusação, falando sobre os documentos juntados e rebatendo teses jurídicas, sendo certo que a defesa poderá produzir o que de direito em sede de instrução e será a última a falar nas alegações finais. Conforme precedente do Supremo Tribunal Federal, apresentada defesa prévia em que são articuladas, até mesmo preliminares, é cabível a audição do Estado--acusador, para haver definição quanto à sequência, ou não, da ação penal.” (STF, HC 105739, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma). Ordem denegada.Consta dos autos que o recorrente alegou trancamento da ação penal, inépcia da de-núncia e ausência de justa causa para o processo, porque ele apenas teria dado um parecer técnico sobre a viabilidade do serviço contratado, sem nenhuma influência na suposta fraude à exigência de licitação, imputada à diretoria do banco.Mencionou, ainda, que houve ofensa ao princípio do devido processo legal, pois o Magistrado processante abriu prazo para o Ministério Público se manifestar sobre a resposta à acusação, o que entendeu ser vedado, pois a defesa sempre tem o direito de falar por último no processo penal.

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A Relatora, ao analisar seu voto, destacou que a denúncia descreve que recorrente agiu dolosamente para a contratação de empresa com dispensa de licitação, fora das hipóteses legais, sendo, portanto, dispensável a descrição minuciosa e individualiza-da de sua efetiva contribuição para o delito. Vale trazer trecho do voto do Relator:“Na presente insurgência, o recorrente afirma que, nos termos da exordial acusató-ria, foi denunciado como incurso no crime de dispensa indevida de licitação porque ‘teria se omitido no dever de cuidado, vigilância e proteção da coisa pública, a que estaria obrigado em razão do cargo que ocupavam’, porém a acusação ‘não demons-trou de que forma poderia ter agido para evitar a subcontratação’ (fl. 404). Nessa linha, defende a falta de justa causa para a ação penal, por atipicidade da conduta, uma vez que não há nexo causal entre sua conduta e a fraude perpetrada e não se pode imputar crime omissivo culposo de dispensa ilegal de licitação, que exige dolo de lesar o Erário, portanto, somente punível na modalidade dolosa.[...]A propósito:AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO OR-DINÁRIO – DESCABIMENTO – FALSIDADE IDEOLÓGICA E USO DE DOCUMENTO FALSO – TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL –. INÉPCIA DA EXORDIAL ACUSATÓ-RIA – INOCORRÊNCIA – DENÚNCIA GERAL – POSSIBILIDADE NOS CRIMES SO-CIETÁRIOS – PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP – AGRAVO DESPROVIDO – A restrição de hipóteses de conhecimento dos habeas corpus subs-titutivos de recurso próprio encontra-se amparada no entendimento jurisprudencial tanto desta Corte quanto do Supremo Tribunal Federal, ressalvada a possibilidade da concessão da ordem de ofício nos casos de flagrante ilegalidade. In casu, não se verifica, de plano, qualquer ilegalidade manifesta apta a justificar o trancamento antecipado da ação penal, que é medida excepcional, somente admitida nos casos em que ficar evidenciada a total ausência de provas sobre autoria e materialidade, a atipicidade da conduta, ou a ocorrência de uma causa de extinção da punibilidade. A denúncia encontra-se em conformidade com o disposto no art. 41 do CPP, tendo em vista que as condutas criminosas atribuídas aos pacientes estão suficientemente descritas, de forma apta a viabilizar o exercício do direito à ampla defesa. De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, nos crimes societários, não se exige a descrição individualizada da participação de cada acusado no evento delitivo, bas-tando a narrativa do fato e a indicação da suposta participação dos denunciados, para que se assegure seu direito à ampla defesa. Nessas hipóteses, é possível o oferecimento de denúncia geral, atribuindo a todos os denunciados a autoria pelo fato considerado criminoso. Agravo regimental desprovido.’ (AgRg-HC 198.779/PE, Relª Min. Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJSE), Quinta Turma, Julgado em 13.08.2013, DJe 26.08.2013)Quanto à abertura de vista para o Ministério Público, após o oferecimento da respos-ta à acusação prevista no art. 396 do Código de Processo Penal, a ministra afirmou que o procedimento não acarreta nulidade processual, principalmente quando não demonstrado nenhum prejuízo à defesa.Diante do exposto, o Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso.”

6792 – Furto qualificado – pena-base – ilegalidade

“Habeas corpus. Substitutivo de recurso especial. Impetração anterior à modificação da orien-tação jurisprudencial desta Corte. Possibilidade de concessão de ordem de ofício. Crime de furto qualificado. Alegação de flagrante ilegalidade na fixação da pena-base (art. 59 do Códi-go Penal). Inocorrência. Proporcionalidade e fundamentação adequada. Ausência de perícia constatando a qualificadora do rompimento de obstáculo. Flagrante ilegalidade constatada. Afastamento. Redução da pena. Ordem parcialmente concedida. 1. Acompanhando o enten-

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dimento firmado pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, nos autos do Habeas Corpus nº 109.956, de relatoria do Excelentíssimo Ministro Marco Aurélio, a 5ª Turma desse Superior Tribunal de Justiça passou a adotar orientação no sentido de não mais admitir o uso do writ como substitutivo de recurso ordinário, previsto nos arts. 105, II, a, da Constituição Federal e 30 da Lei nº 8.038/1990, sob pena de frustrar a celeridade e desvirtuar a essência desse ins-trumento constitucional (v.g., HC 252.810, Relª Min. Laurita Vaz, DJe de 27.08.25013). 2. A fixação da pena-base, com fulcro nas circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, não obedece a critério objetivo ou matemático, sendo conferido certo grau de discricionariedade ao julgador na valoração desses elementos, respeitando-se os princípios da proporcionali-dade e razoabilidade e considerando as circunstâncias concretas do caso. Precedentes. 3. A qualificadora do crime de furto ‘rompimento de obstáculo e escalada’, quando deixa vestígios (crime não transeunte), exige, de regra, o exame pericial para a sua comprovação, nos termos do art. 158 do Código de Processo Penal. Precedentes. 4. Habeas corpus não conhecido. Ordem parcialmente concedida, de ofício, para retirar a qualificadora de rompimento de obstáculo e, consequentemente, reduzir a pena, nos termos do voto.” (STJ – HC 219.953 – (2011/0231757-0) – 5ª T. – Relª Min. Regina Helena Costa – DJe 21.10.2013)

6793 – Furto qualificado – princípio da insignificância – inaplicabilidade

“Habeas corpus. Penal. Furto qualificado. Art. 155, § 4º, inciso IV, do Código Penal. Alegada incidência do postulado da insignificância penal. Inaplicabilidade. Pacientes reincidentes em práticas delituosas. Precedentes. Ordem denegada. 1. Embora seja reduzida a expressivida-de financeira do bem subtraído (um aparelho celular no valor de R$ 50,00), entendo não ser possível acatar a tese de irrelevância material da conduta por eles praticadas, tendo em vista ambos serem reincidentes em delitos contra o patrimônio. 2. Segundo a jurisprudência desta Corte, ‘o reconhecimento da insignificância material da conduta increpada ao paciente serviria muito mais como um deletério incentivo ao cometimento de novos delitos do que propriamente uma injustificada mobilização do Poder Judiciário’ (HC 96.202/RS, Primeira Turma, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 28.05.2010). 3. Essas circunstâncias inibem a aplicabilidade do postulado da insignificância ao caso concreto. 4. Ordem denegada.” (STF – HC 117.615 – Rel. Min. Dias Toffoli – DJe 23.10.2013)

6794 – Homicídio doloso – participação em disputa automobilística ilícita – “pega” – velo-cidade excessiva – condenação

“Recurso especial. Penal. Acusação que imputou a ambos os réus, em coautoria, a prática do crime de homicídio doloso. Participação em disputa automobilística ilícita (‘pega’), com velocidade excessiva e manobras arriscadas, que ocasionou a morte da vítima. Caracterização do dolo eventual. Tribunal do júri. Conselho de sentença que reconheceu, na linha da tese defensiva, a inexistência do chamado ‘pega’. Condenação de um réu por homicídio culposo (CTB, art. 302) e o outro por homicídio doloso (CP, art. 121). Impossibilidade. Fato único. Crime praticado em concurso de pessoas. autoria colateral. Não ocorrência. Violação à teoria monista. Art. 29 do Código Penal. Extensão da decisão que condenou o corréu por homi-cídio culposo ao recorrente. Recurso não conhecido. Habeas corpus concedido de ofício. 1. Hipótese em que o Ministério Público denunciou o recorrente e outro corréu como incursos nos arts. 121, § 2º, inciso I, e 129, caput, na forma dos arts. 29 e 70, todos do Código Penal, porque, ao realizarem disputa automobilística ilícita, vulgarmente conhecida como ‘pega’ ou ‘racha’, causaram a morte de uma vítima e lesão corporal em outra, concluindo a acusação pela presença do dolo eventual, porquanto ambos assumiram o risco de causar o resultado. Esses fatos foram ratificados na sentença de pronúncia, no acórdão confirmatório, bem como no libelo acusatório. 2. Na sessão plenária do Tribunal do Júri, o Conselho de Sentença, na linha do que sustentara a defesa desde o inquérito policial, entendeu que os réus não

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participavam, por ocasião dos fatos delituosos, de nenhuma corrida ilícita, como deduzido pela acusação. Todavia, mesmo entendendo dessa forma, desclassificou o crime apenas em relação ao corréu Bruno, sendo condenado por homicídio culposo na direção de veículo automotor (CTB, art. 302), concluindo quanto ao recorrente Thiago que este assumiu o risco de produzir o resultado morte na vítima, ou seja, que agiu com dolo eventual. 3. Tratando-se de crime praticado em concurso de pessoas, o nosso Código Penal, inspirado na legislação italiana, adotou, como regra, a teoria monista ou unitária, ou seja, havendo pluralidade de agentes, com diversidade de condutas, mas provocando um só resultado, existe um só delito. 4. Assim, denunciados em coautoria delitiva, e não sendo as hipóteses de participação de menor importância ou cooperação dolosamente distinta, ambos os réus teriam que receber ri-gorosamente a mesma condenação, objetiva e subjetivamente, seja por crime doloso, seja por crime culposo, não sendo possível cindir o delito no tocante à homogeneidade do elemento subjetivo, requisito do concurso de pessoas, sob pena de violação à teoria monista, razão pela qual mostra-se evidente o constrangimento ilegal perpetrado. 5. Diante da formação da coisa julgada em relação ao corréu e considerando a necessidade de aplicação da mesma solução jurídica para o recorrente, em obediência à teoria monista, o princípio da soberania dos veredictos deve, no caso concreto, ser aplicado justamente para preservar a decisão do Tribunal do Júri já transitada em julgado, não havendo, portanto, a necessidade de submissão do recorrente a novo julgamento. 6. Recurso especial não conhecido. Habeas corpus conce-dido de ofício para, cassando o acórdão recorrido, determinar a extensão ao recorrente do que ficou decidido para o corréu Bruno Albuquerque de Miranda, reconhecendo-se a caracte-rização do crime de homicídio culposo na ação penal de que aqui se cuida, cabendo ao juízo sentenciante fixar a nova pena, de acordo com os critérios legais.” (STJ – REsp 1.306.731/RJ – (2011/0249384-0) – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 04.11.2013)

Comentário Editorial SÍNTESENão é possível condenar dois motoristas por “pega”, com base nos mesmos fatos e circunstâncias, em coautoria, como se um agisse de forma culposa e o outro com dolo eventual.Com base nesse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça aplicou a um motoris-ta condenado por homicídio doloso a mesma pena do outro envolvido no acidente, condenado por homicídio culposo na direção de veículo.Consta dos autos que o Ministério Público denunciou o recorrente e outro corréu pelos crimes de homicídio qualificado e lesão corporal, praticados na direção de veículo automotor quando realizavam manobras arriscadas e imprimiam excessiva velocidade ao realizarem corrida automotiva ilícita, popularmente conhecida como “pega” ou “racha”.O Tribunal do Júri desclassificou o delito em relação ao corréu B. A. M. para homicí-dio culposo, fixando a pena prevista no art. 302 da Lei nº 9.503/1997, no patamar de 3 (três) anos de detenção, em regime aberto, além de suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor por igual período, substituída por duas medidas res-tritivas de direitos.O Relator considerou que réu seria submetido a novo julgamento pelo júri. Ocorre que a condenação do corréu na modalidade culposa já transitou em julgado tanto para a defesa quanto para a acusação. Não pode, portanto, ser modificada.Para o Relator, a aplicação da soberania do júri se dá, no caso concreto, com a pre-servação da coisa julgada. A questão resolvida pelo STJ foi meramente de aplicação do direito, não havendo outra solução cabível que não a de extensão dos efeitos da sentença condenatória ao recorrente.Caberá ao juízo sentenciante a realização de novo cálculo da pena ao recorrente, observando os parâmetros do homicídio culposo ao dirigir.

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O Relator mencionou, com base na conclusão dos jurados, mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a violação na teoria unitária do concurso de agentes.A teoria decorre da adoção, no Brasil, do sistema unitário, também conhecido como monista, em relação ao concurso de pessoas. Isto é, quando duas ou mais pessoas agem com condutas diversas, mas causam um único resultado, existe um único crime.Caso a acusação tivesse concluído, ao final da instrução probatória, que os réus teriam agido com objetivos diversos, não havendo, portanto, o liame subjetivo que caracteriza o concurso de pessoas, seria o caso de se aditar a denúncia, aplicando a chamada mutatio libelli.Nessa hipótese, a alteração permitiria à defesa responder à nova imputação adequa-damente. No caso julgado, essa mudança não foi feita, sendo mantida a acusação de que os dois motoristas agiram com o mesmo objetivo.Vale trazer trecho do voto do Relator:“Na exposição de motivos da aludida reforma do Código Penal foi ressaltada a ado-ção da teoria monista:Do concurso de pessoas. 25. Ao reformular o Título IV, adotou-se a denominação ‘Do Concurso de Pessoas’ decerto mais abrangente, já que a coautoria não esgota a hipótese do concursus delinquentium. O Código de 1940 rompeu a tradição origi-nária do Código Criminal do Império, e adotou neste particular a teoria unitária ou monística do Código italiano como corolário da teoria da equivalência das causas (Exposição de Motivos do Ministro Francisco Campos, item 22). Sem completo retor-no à experiência passada, curva-se, contudo, o Projeto aos críticos dessa teoria, ao optar, na parte final do art. 29, e em seus dois parágrafos, por regras precisas que distinguem a autoria da participação. Distinção, aliás, reclamada com eloquência pela doutrina, em face de decisões reconhecidamente injustas.”Assim, diante da formação da coisa julgada para o corréu e considerando a neces-sidade de aplicação da mesma solução jurídica para o recorrente, em obediência à teoria monista, o princípio da soberania dos veredictos deve, no caso concreto, ser aplicado justamente para preservar a decisão do Tribunal do Júri já transitada em julgado, não aquela questionada, totalmente contraditória.Dessa forma, sendo a questão meramente de direito, não há outra solução a ser dada ao caso senão a de estender os efeitos da sentença condenatória aplicada ao corréu para o recorrente, cabendo ao juízo sentenciante, monocraticamente, proce-der à nova dosimetria da pena pelo crime de homicídio culposo.Diante do exposto, o STJ não conheceu do recurso especial. Concedo, porém, habeas corpus de ofício para, cassando o acórdão recorrido, determinar que seja estendido ao recorrente T. A. V. o que ficou decidido para o corréu B. A. M., reconhecendo-se a caracterização do crime de homicídio culposo na ação penal de que aqui se cuida, cabendo ao juízo sentenciante fixar a nova pena, de acordo com os critérios legais.

6795 – Investigação criminal – quebra de sigilo bancário e fiscal – interesse da sociedade na apuração dos fatos – prevalência

“Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Descabimento. Quebra dos sigilos bancário e fiscal. Determinação devidamente fundamentada. Imprescindibilidade da medida. Preva-lência do interesse da sociedade na apuração dos fatos. Investigação criminal presidida direta-mente pelo Ministério Público. Possibilidade. Habeas corpus não conhecido. 1. Os Tribunais Superiores restringiram o uso do habeas corpus e não mais o admitem como substitutivo de recursos e nem sequer para as revisões criminais. 2. A garantia de sigilo fiscal e bancário não se reveste de caráter absoluto, devendo ceder se, verificados fortes indícios de participação do paciente em operações financeiras suspeitas, se mostrar imprescindível. 3. Na fase investigati-va deve prevalecer o interesse da sociedade na apuração da realidade dos fatos. 4. Admite-se

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que o Ministério Público proceda a investigações criminais. 5. Habeas corpus não conhecido por ser substitutivo do recurso cabível.” (STJ – HC 120.141/MG – (2008/0247175-2) – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 14.11.2013)

Comentário Editorial SÍNTESEO vertente acórdão cuida-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário im-petrado em favor do paciente questionando a determinação da quebra dos sigilos bancário e fiscal determinada pelo juízo da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária de Minas Gerais e mantida pela 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, apontada como autoridade coatora. Consta dos autos, que o paciente foi presidente do Banco BMG S/A envolvido nas investigações do conhecido caso “Mensalão” por ter concedido empréstimos ao Par-tido dos Trabalhadores. Não obstante, nenhum de seus diretores foi incluído na denúncia de tal caso. Houve desmembramento das investigações e algumas operações financeiras do Ban-co BMG S/A, tidas como suspeitas, passaram a ser averiguadas, culminando na quebra dos sigilos bancário e fiscal do paciente.A defesa ingressou com pedido de habeas corpus perante o STJ, argumentando que o Ministério Público não tem legitimidade para conduzir diretamente apurações criminais e que a quebra de sigilo violou a intimidade do paciente, além de não ter sido submetida ao devido processo legal. Sustentou ainda que, mesmo sem elementos suficientes que indiquem a prática de crimes, o Ministério Público promoveu uma verdadeira devassa na vida privada do paciente, sem objetivos claros.Ao contrário do suscitado pela defesa, a quebra de sigilo decorreu de decisão devi-damente fundamentada, diante da existência de fortes indícios de irregularidades na movimentação bancária do paciente.Citando precedentes do STJ, o Relator reiterou que é vedado ao Ministério Público tão somente presidir o inquérito policial, mas não lhe é proibido realizar investiga-ções no exercício de suas atribuições legais e constitucionais. O Superior Tribunal de Justiça confirmou a legalidade da quebra do sigilo bancário e fiscal do paciente.Vale trazer trecho do voto do Relator:“Também não pode ser acatada a tese de que a quebra dos sigilos bancário e fiscal representaria desnecessária invasão da privacidade do paciente.A prova era indispensável para a investigação das operações financeiras rotuladas como suspeitas e a oitiva do paciente jamais seria capaz de as suprir. Vale lembrar que na fase investigativa deve prevalecer o interesse da sociedade na apuração dos fatos, notadamente quando buscados de forma lícita, a contrario sensu do art. 5º, LVI, da Constituição Federal. É de interesse geral que a apuração se dê em sua integralidade.Nesse sentido:HABEAS CORPUS – PROCESSO PENAL – INQUÉRITO POLICIAL INSTAURADO PARA APURAR A PRÁTICA DE CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIO-NAL – TRANCAMENTO – SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA – QUEBRA DE SIGILO BAN-CÁRIO E FISCAL – FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO – DILIGÊNCIA UTILIZADA PARA OBTER INDÍCIOS DA INFRAÇÃO – INOCORRÊNCIA – ORDEM DENEGADA[...]2. O direito ao sigilo das informações bancárias e fiscais, eminentemente de caráter individual, não pode ser absoluto, a ponto de obstaculizar a legítima ação do Estado no sentido de, no interesse coletivo, zelar pela legalidade; ao revés, é sempre miti-gado quando contraposto ao interesse maior da sociedade, e restarem devidamente

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evidenciadas circunstâncias que justifiquem a medida, como ocorre in casu. 3. Ine-xiste constrangimento ilegal quando decisão judicial que decretou a quebra do sigilo bancário e fiscal demonstra a necessidade de complementar investigação criminal que já se iniciou, com elementos suficientes para indicar o rumo das diligências a serem efetuadas.[...](HC 125.846/SP, Relª Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, Julgado em 01.09.2009, DJe 30.11.2009)”

6796 – Livramento condicional – constrangimento ilegal – caracterização

“Penal e processual penal. Habeas corpus substitutivo de recurso especial. Utilização do re-médio constitucional como sucedâneo de recurso. Não conhecimento do writ. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Livramento condicional. Cometi-mento de novo delito, no curso do benefício. Ausência de suspensão do curso do livramento condicional (art. 145 da Lei nº 7.210/1984) ou de sua revogação, durante o período de prova. Extinção da pena, em 1º grau. Cassação, pelo Tribunal a quo. Situação já vencida, pelo de-curso do tempo. Incidência do art. 90 do Código Penal. Constrangimento ilegal evidenciado. Manifesta ilegalidade. Habeas corpus não conhecido. Concessão de habeas corpus, de ofício. I – Dispõe o art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal que será concedido habeas corpus ‘sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder’, não cabendo a sua utilização como substituto de recurso ordinário, tampouco de recurso especial, nem como sucedâneo da revisão criminal. II – A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar os HCs 109.956/PR (DJe de 11.09.2012) e 104.045/RJ (DJe de 06.09.2012), considerou inadequado o writ, para substituir recursos es-pecial e ordinário ou revisão criminal, reafirmando que o remédio constitucional não pode ser utilizado, indistintamente, sob pena de banalizar o seu precípuo objetivo e desordenar a lógica recursal. III – O Superior Tribunal de Justiça também tem reforçado a necessidade de se cumprir as regras do sistema recursal vigente, sob pena de torná-lo inócuo e desnecessário (art. 105, II, a, e III, da CF/1988), considerando o âmbito restrito do habeas corpus, previsto constitucionalmente, no que diz respeito ao STJ, sempre que alguém sofrer ou se achar amea-çado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, nas hipóteses do art. 105, I, c, e II, a, da Carta Magna. IV – Nada impede, contudo, que, na hipótese de habeas corpus substitutivo de recursos especial e ordinário ou de revisão criminal – que não merece conhecimento –, seja concedido habeas corpus, de ofício, em caso de flagrante ilegalidade, abuso de poder ou decisão teratológica. V – Nos termos da jurispru-dência pacífica do STJ, em sintonia com a do STF, ainda que o juízo das execuções não tenha ciência da prática de novo delito, pelo apenado, durante o curso do livramento condicional, extingue-se a pena, se não há suspensão cautelar do benefício, nos termos do art. 145 da Lei nº 7.210/1984, ou a sua revogação, durante o período de prova, tal como ocorreu, in casu. Precedentes do STJ. VI – Na espécie dos autos, não houve suspensão cautelar do livramento condicional, nos termos do art. 145 da Lei nº 7.210/1984, ou a sua revogação, durante o pe-ríodo de prova, que findou em 25.07.2012. Após, veio aos autos notícia da prática de novo delito, pelo paciente, durante o período de prova, devendo, pois, ser declarada extinta a pena, nos termos do art. 90 do Código Penal, consoante a jurisprudência do STJ. VII – Consoante a jurisprudência do STJ, ‘praticado novo delito, no período de prova do livramento condicional concedido ao réu, cabe ao juízo das execuções, instado pelo Ministério Público, determinar a suspensão cautelar do benefício, ainda durante o seu curso, para, posteriormente, e se for o caso, revogá-lo, tendo em vista a eventual condenação sofrida pelo apenado. Inteligência dos arts. 732 do Código de Processo Penal, 145 da Lei de Execuções Penais e 90 do Código Penal. Permanecendo inerte o órgão fiscalizador, depois do cumprimento integral do benefí-

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cio, não pode ser restringido ao réu o direito de ver extinta a sua pena privativa de liberdade, restabelecendo-se situação já vencida pelo decurso de tempo’ (STJ, HC 178.270/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe de 04.11.2011). VIII – Habeas corpus não conhecido. IX – Or-dem concedida, de ofício, para, cassando o acórdão impugnado, restabelecer a decisão de 1º Grau que julgara extinta a pena, quanto ao delito objeto de livramento condicional.” (STJ – HC 274.489 – (2013/0243897-0) – 6ª T. – Relª Min. Assusete Magalhães – DJe 12.11.2013)

6797 – Peculato – desvio de mercadorias importadas – materialidade e autoria – compro-vação

“Penal. Processo penal. Apelação. Peculato. Inépcia da denúncia. Preclusão. Apreensão e desvio de mercadorias importadas. Dolo. Materialidade e autoria. Comprovação. Restituição involuntária e parcial das mercadorias. Art. 16, CP. Afastamento. 1. Afigura-se descabida a alegação de inépcia da denúncia após a prolação da sentença por haver óbice no art. 569 do Código de Processo Penal, e tendo em vista o enfrentamento da tese pelo Juiz a quo, na sentença. 2. Há portaria do Ministério da Justiça que cuida, especificamente, das abordagens feitas por policiais rodoviários federais a veículos transportando mercadorias alienígenas de-sacompanhadas de documentação legal, devendo o agente policial encaminhar, de imediato, tanto o meio de transporte quanto os passageiros para a Polícia Federal. 3. Dolo do acusado evidenciado na apreensão e desvio, para si e outrem, das mercadorias pertencentes a ‘sacolei-ros’ abordados em ônibus procedente do Paraguai, fiscalizados em posto policial rodoviário federal. 4. Não cabe aplicar a redução de pena decorrente da restituição das mercadorias, quando ela ocorreu por ato involuntário do acusado e a devolução foi parcial. 5. Apelação do Ministério Público Federal provida. Apelação do réu desprovida.” (TRF 1ª R. – ACr 0011669-85.2005.4.01.3500 – Relª Desª Fed. Monica Sifuentes – DJe 25.10.2013)

6798 – Princípio da insignificância – não incidência – tipicidade material – não reconheci-mento

“Habeas corpus. Impetração contra acórdão de apelação. Impropriedade da via eleita. Recep-tação. Valor da coisa maior que um terço do salário-mínimo à época. Princípio da insignifi-cância. Não incidência. Tipicidade material. Não reconhecimento. Ausência de ilegalidade patente. Não conhecimento. 1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem contra acórdão de apelação, como se fosse um sucedâneo recursal. 2. Consoante entendimento jurisprudencial, o ‘princípio da insignificância, que deve ser analisado em conexão com os postulados da frag-mentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal, tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material [...] Tal postulado, que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada, Apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção míni-ma do Poder Público’ (HC 84.412-0/SP, STF, Min. Celso de Mello, DJU 19.11.2004). 3. Não é insignificante a conduta de receptar uma bateria automotiva, avaliada em R$ 170,00, que, à época dos fatos, era mais de 33% do salário-mínimo, então vigente. 4. Em tais circunstâncias, não há como reconhecer o caráter bagatelar do comportamento imputado, havendo afetação do bem jurídico. 5. Ausência de flagrante ilegalidade, apta a relevar a impropriedade da via eleita. 6. Impetração não conhecida.” (STJ – HC 195.292 – (2011/0014411-0) – 6ª T. – Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJe 21.10.2013)

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Remissão Editorial SÍNTESEVide RDP nº 82, Out.-Nov./2013, ementa nº 6743 do TRF 1ª R.

6799 – Prisão – garantia da ordem pública – periculosidade – necessidade

“Habeas corpus. Processual penal. Paciente condenado como incurso no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. Art. 16, caput c/c art. 20, ambos da Lei nº 10.826/2003 e art. 348 do Código Penal. Negativa de apelo em liberdade. Paciente que respondeu preso ao processo. Gravidade concreta do delito, periculosidade do acusado e probabilidade de reiteração cri-minosa idoneamente demonstradas. Necessidade da prisão para garantia da ordem pública. Condições pessoais favoráveis. Irrelevância no caso. Ordem de habeas corpus não conhecida. 1. O Superior Tribunal de Justiça, adequando-se à nova orientação da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, e em absoluta consonância com os princípios constitucionais. Notadamente o do devido processo legal, da celeridade e economia processual e da razoável duração do processo, reformulou a admissibilidade da impetração originária de habeas corpus, a fim de que não mais seja conhecido o writ substitutivo do recurso ordinário, sem prejuízo de, even-tualmente, se for o caso, deferir-se a ordem de ofício, nos feitos em andamento. 2. Paciente preso em flagrante delito e posteriormente condenado às penas de 12 anos de reclusão e 04 meses de detenção, em regime inicial fechado, e 1.020 dias-multa, como incurso no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006; art. 16, caput c/c art. 20, ambos da Lei nº 10.826/2003; e art. 348 do Código Penal. 3. A manutenção da custódia cautelar encontra-se suficientemente funda-mentada para a garantia da ordem pública, já que o paciente, policial civil, foi encontrado em comboio formado por quatro veículos integrados por traficantes e policiais, dentro dos quais foi encontrada grande quantidade de material bélico, como fuzis, pistolas automáticas, grana-das e munições, bem como considerável quantidade de entorpecentes e elevada quantia de dinheiro em espécie, além de apetrechos como telefones celulares e caderno com anotações relativas ao tráfico de drogas. 4. As condições pessoais favoráveis, tais como primariedade, bons antecedentes, ocupação lícita e residência fixa, além de não estarem demonstradas, não têm o condão de, por si sós, desconstituir a custódia antecipada, caso estejam presentes outros requisitos de ordem objetiva e subjetiva que autorizem a decretação da medida extrema. 5. Ordem de habeas corpus não conhecida.” (STJ – HC 274.942 – (2013/0253659-0) – 5ª T. – Relª Min. Laurita Vaz – DJe 19.11.2013)

6800 – Redução à condição análoga à de escravo – denúncia – rejeição – falta de justa causa

“Processual penal. Penal. Redução à condição análoga à de escravo. Art. 149 do CP. Denún-cia. Rejeição. Falta de justa causa recurso não provido. I – Falta à denúncia suporte probatório mínimo que demonstre ofensa, por parte do réu, aos bens penalmente protegidos pelo art. 149 do CP, a liberdade individual e a dignidade do trabalhador. II – Verifica-se que no Relatório de Fiscalização em Zona Rural (fls. 06/18) elaborado por auditores fiscais do MTE, não há qual-quer referência à trabalho escravo do único empregado do acusado encontrado na fazenda vistoriada. Há, segundo o relatório, violações de normas, é certo, trabalhistas e administrativas, mas não se vislumbra fato penalmente relevante (sujeição), mormente considerando que não há nos autos qualquer depoimento da vítima sobre as alegadas condições degradantes de tra-balho, há indícios que o ofendido ia ao trabalho em veículo próprio, que utilizava as mesmas instalações do acusado já que a fazenda encontrava-se em fase de ‘abertura e formação’ (fl. 08) e que os direitos trabalhistas do ofendido foram honrados pelo acusado durante o período da fiscalização (fl.09). III – Nesse sentido, têm decidido esta Turma que: ‘Tenha-se em mente, por exemplo, os fatos muito comuns em que as autoridades relatam como sendo caso de ‘trabalho escravo’ a existência de trabalhadores em local sem instalações adequadas, como banheiro, re-feitório, etc., sem levar em conta que o próprio empregador utiliza-se das mesmas instalações e que estas são, na maioria das vezes, o retrato da própria realidade interiorana do Brasil. Há que

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se estar atento, portanto, para a possibilidade de abusos na tipificação de fatos tidos como de tra-balho escravo’ (Min. Gilmar Mendes, RE 398.041/PA). 3. Apelação não provida (ACr 0001748-25.2008.4.01.4300/TO, Rel. Juiz Tourinho Neto, 3ª Turma, e-DJF1 de 05.11.2010, p. 41). IV – Recurso em sentido estrito que se nega provimento.” (TRF 1ª R. – RSE 0000008-44.2012. 4.01.3604/MT – Rel. Juiz Fed. Conv. Alexandre Buck Medrado Sampaio – DJe 14.11.2013)

6801 – Roubo duplamente circunstanciado – emprego de arma – concurso de agentes

“Habeas corpus. Roubo duplamente circunstanciado. Emprego de arma. Concurso de agen-tes. Código Penal, art. 157, § 2º, I e II. Prisão em flagrante convertida em preventiva. Segrega-ção cautelar fundada em hipótese do art. 312 do Código de Processo Penal. Decisão genérica. Necessidade de fundamentação concreta pelo Magistrado. Constrangimento ilegal caracteri-zado. A prisão cautelar, no sistema jurídico brasileiro, é medida extrema de caráter excepcio-nalíssimo reservada às hipóteses em que se fizer necessária para ‘garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria’ (CPP, art. 312). Para restringir o direito à liberdade, antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, sob pena de se admitir, por via oblíqua, o cumprimento antecipado da pena, o Magistrado deverá, necessariamente, apontar dentre os elementos constantes nos autos, aqueles que fundamentam a segregação. Não pode o Tribunal de Justiça preencher a lacuna deixada pelo Magistrado de 1º grau, buscando elementos do caso concreto para fundamentar a prisão do paciente. Ordem concedida. Determinação ao Juízo a quo para que se manifeste sobre o cabimento das medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal.” (TJSC – HC 2013.054544-9 – Rel. Des. Roberto Lucas Pacheco – DJe 01.11.2013)

6802 – Roubo qualificado – dosimetria – concurso formal – reconhecimento

“Penal e processual penal. Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário constitucional. Competência do Supremo Tribunal Federal para julgar habeas corpus. CF, art. 102, I, d e i. Rol taxativo. Matéria de direito estrito. Interpretação extensiva. Paradoxo. Organicidade do direi-to. Roubo qualificado. Dosimetria. Concurso formal reconhecido. Aumento da pena em 2/3. Incidência em patamar superior ao máximo previsto no art. 70 do Código Penal que varia de 1/6 até ½. Existência de erro material. Alegação de ausência de fundamentação idônea para majorar a pena em razão do reconhecimento de três qualificadoras. Motivação suficiente. Habeas corpus extinto por inadequação da via eleita e ordem concedida de ofício. 1. A dosi-metria da pena, bem como os critérios subjetivos considerados pelos órgãos inferiores para a sua realização, não são passíveis de aferição na via estreita do habeas corpus, por demandar minucioso exame fático e probatório inerente a meio processual diverso. Precedentes: HC 97058, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, Julgado em 01.03.2011; HC 94073, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, Julgado em 09.11.2010. 2. Nada obstante, a dosimetria da pena se revela passível de revisão pelo Supremo Tribunal Federal em casos de flagrante ilega-lidade ou teratologia manifesta, a justificar a intervenção corretiva da Corte. Precedentes: HC 97058, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, Julgado em 01.03.2011; HC 94073, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, Julgado em 09.11.2010. 3. In casu: a) O paciente e outros corréus foram presos em flagrante e condenados, pois ‘em conluio, subtraíram para eles, me-diante grave ameaça exercida com emprego de armas de fogo contra vigilantes, funcionários e clientes de uma agência do Bradesco, aparelhos de telefone celular, pertences, documentos pessoais, quantias em dinheiro, cheques, armas de fogo e o veículo VW/Polo Sedan [...] aden-traram na referida agência bancária ostentando armamento pesado, anunciaram o assalto, dominaram os vigilantes e deles subtraíram os três revólveres que cada um portava. Em segui-da, abordaram os funcionários e cliente, que tiveram suas liberdades restringidas, pois foram mantidas numa sala, e deles subtraíram diversos bens e quantias em dinheiro’. b) O Superior

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Tribunal de Justiça reduziu a pena para 9 (nove) anos, 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias pela prática do crime de roubo triplamente qualificado, mantidas as condenações em 2 (dois) me-ses de detenção no tocante ao crime de resistência e em 2 (dois) anos de reclusão quanto ao crime de uso de documento falso. c) As instâncias ordinárias, assim como o Superior Tribunal de Justiça incorreram em erro, pois majoraram a pena do paciente em 2/3 (dois terços), em razão do reconhecimento do concurso formal, contudo o art. 70 do Código Penal dispõe que este aumento será de 1/6 (um sexto) até 1/2 (metade). 4. No caso sub examine, o acréscimo de 5/12, em razão da incidência das causas de aumento de pena prevista no art. 157, § 2º, I (se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo), II (concurso de duas ou mais pessoas) e V (se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo a liberdade), está devidamente fundamentado, tendo em vista o ‘elevado número de agentes e no uso de armas de elevado calibre, de alto poder vulnerante, além do emprego de violência e privação de liberdade de uma das vítimas’. 5. Habeas corpus extinto por inadequação da via eleita. Or-dem concedida, de ofício, para determinar ao juízo processante ou, se for o caso, ao juízo da execução penal, que aplique à pena do paciente o aumento decorrente do concurso formal, previsto no art. 70 do Código Penal no patamar de ½ (metade).” (STF – HC 110.854 – Rel. Min. Luiz Fux – DJe 22.10.2013)

6803 – Sonegação de contribuição previdenciária – ex-prefeito – responsabilização

“Penal. Apelação criminal da defesa. Sentença condenatória. Art. 337-A, inciso I, do CP. Responsabilização penal do ex-prefeito. Ausência de provas da autoria delitiva. Absolvição. Art. 386, V, do CPP. Recurso provido. 1. Imputação do crime previsto no art. 337-A do CP diante do não recolhimento ao INSS de valores efetivamente arrecadados a título de Contri-buição dos contribuintes prestadores de serviço da prefeitura. 2. Em que pese a materialidade delitiva encontrar-se devidamente comprovada, o simples fato de o acusado ser ex-prefeito do município não é suficiente a imputar-lhe a autoria delitiva da conduta omissiva. A responsa-bilização penal é subjetiva, exigindo a demonstração do dolo do agente, que não se presume. 3. Apelação criminal provida.” (TRF 5ª R. – ACr 2007.83.03.000439-7 – (10426/PE) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Marcelo Navarro Ribeiro Dantas – DJe 22.10.2013)

6804 – Tráfico de drogas – imediações de estabelecimento de ensino – regime mais gravoso – fixação

“Habeas corpus substitutivo de recurso especial. Impetração posterior à modificação do en-tendimento desta Corte Superior. Concessão de writ de ofício. Impossibilidade. Ausência de flagrante ilegalidade. Crime de tráfico de drogas praticado nas imediações de estabelecimento de ensino (art. 33, caput, combinado com o art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006). Pena-base acima do mínimo legal. Quantidade de droga. 54,3 gramas de cocaína, 35,7 gramas de crack e 15,9 gramas de maconha, separas em invólucros de plástico destinados à venda. Circuns-tância judicial preponderante sobre as circunstâncias definidas no art. 59 do Código Penal. Inteligência do art. 42 da Lei nº 11.343/2006. Fundamentação idônea. Fixação do regime mais gravoso justificada. Ordem de habeas corpus não conhecida. I – Acompanhando o en-tendimento firmado pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, nos autos do Habeas Corpus nº 109.956, de relatoria do Excelentíssimo Ministro Marco Aurélio, a 5ª Turma desse Superior Tribunal de Justiça passou a adotar orientação no sentido de não mais admitir o uso do writ como substitutivo de recurso ordinário. II – O Tribunal a quo reformou a sentença conde-natória quanto a majoração da pena-base, em face da valoração indevida de ações penais em andamento. Todavia, manteve a majoração acima do mínimo legal, fundamentando na quantidade de droga apreendida, nos termos do art. 42 da Lei nº 11.343/2006. No caso dos autos, foram apreendidas 54 invólucros de plástico, contendo 54,3g de cocaína; 144 invólu-cros, contendo 35,7g de crack e 11 invólucros, contendo 15,9g de maconha. III – A pena do

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paciente restou fixada em 5 anos, 8 meses e 1 dia de reclusão, no regime inicial fechado, e ao pagamento de 680 dias-multa. IV – Presente circunstância judicial desfavorável, devida-mente fundamentada, é possível ao julgador fixar regime prisional mais gravoso, nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal. Precedentes. V – Habeas corpus não conhecido.” (STJ – HC 277.448 – (2013/0315205-0) – 5ª T. – Relª Min. Regina Helena Costa – DJe 12.11.2013)

6805 – Tráfico de drogas – posse de maquinário – associação – normas violadas – ausência; condenação simultânea – diminuição de pena – incidência

“Direito penal. Recurso especial. 1. Tráfico de drogas. Posse de maquinário. Associação. Arts. 33, 34 e 35 da Lei nº 11.343/2006. Pedido de absolvição. Decote de causa de aumento do art. 40, VI, da Lei de Drogas. Incidência de redutora do art. 33, § 4º, da mesma lei. Pleitos inviáveis na via eleita. Ausência de indicação das normas violadas. Recurso especial com motivação deficiente. Súmula nº 284/STF. 2. Pedidos que demandam revolvimento de fatos e provas. Impropriedade da providência em recurso especial. Súmula nº 7/STJ. 3. Divergência jurisprudencial. Condenação simultânea nos arts. 33 e 34 da Lei nº 11.343/2006. Alegação de bis in idem. Ocorrência. Posse de instrumentos. Crime meio. 4. Balança de precisão e serra circular. Ausência de tipicidade. Objetos próprios do crime de tráfico. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido. 1. Os pedidos de absolvição por ausência de prova, de decote da causa de aumento prevista no art. 40, inciso VI, da Lei nº 11.343/2006 e de incidência da causa de diminuição da pena trazida no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas não têm como ser analisados na via eleita. Com efeito, o recorrente se limitou a reiterar os pedidos já formulados perante o Tribunal de origem, sem, no entanto, apontar qualquer violação a norma infraconstitucional ou divergência jurisprudencial. Assim, a ausência de especificação das hipóteses de cabimento do presente recurso torna sua fundamentação deficiente, o que atrai, por analogia, a incidência do Verbete nº 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. 2. É assente nesta Corte Superior que cabe ao aplicador da lei, nas instâncias ordinárias, pro-ceder ao cotejo do material fático-probatório dos autos, a fim de aferir a existência de provas aptas a embasar a condenação bem como a correta dosimetria da pena, com incidência das causas de aumento e de diminuição que ficarem comprovadas. Não compete ao Superior Tri-bunal de Justiça, na via eleita, o reexame de fatos e provas, conforme dispõe o Enunciado nº 7 da Súmula desta Corte. 3. Há nítida relação de subsidiariedade entre os tipos penais descritos nos arts. 33 e 34 da Lei nº 11.343/2006. De fato, o tráfico de maquinário visa a proteger a ‘saúde pública, ameaçada com a possibilidade de a droga ser produzida’, ou seja, tipifica--se conduta que pode ser considerada como mero ato preparatório. Portanto, a prática do art. 33, caput, da Lei de Drogas absorve o delito capitulado no art. 34 da mesma lei, desde que não fique caracterizada a existência de contextos autônomos e coexistentes, aptos a vulnerar o bem jurídico tutelado de forma distinta. No caso, referida análise prescinde do reexame de fatos, pois da leitura da peça acusatória verifica-se que a droga e os instrumentos foram apre-endidos no mesmo local e num mesmo contexto, servindo a balança de precisão e a serra/alicate de unha à associação que se destinava ao tráfico de drogas, não havendo a autonomia necessária a embasar a condenação em ambos os tipos penais simultaneamente, sob pena de bis in idem. 4. Salutar aferir, ademais, quais objetos se mostram aptos a preencher a tipicidade penal do tipo do art. 34 da Lei de Drogas, o qual visa a coibir a produção de drogas. A meu ver, deve ficar demonstrada a real lesividade dos objetos tidos como instrumentos destinados à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sob pena de a posse de uma tampa de caneta – utilizada como medidor – atrair a incidência do tipo penal em exame. Relevante, assim, analisar se os objetos apreendidos são aptos a vulnerar o tipo penal em tela. No caso dos autos, além de a conduta não se mostrar autônoma, verifico que a apreensão de uma balança de precisão e de um alicate de unha não pode ser considerada como posse de maquinário nos termos do que descreve o art. 34 da Lei de Drogas, pois referidos instrumentos

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integram a prática do delito de tráfico, não se prestando à configuração do crime de posse de maquinário. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido para ex-cluir a condenação dos recorrentes Márcia Regina Millezi e Francisco Luís Alves de Lima pela prática do delito do art. 34 da Lei de Drogas.” (STJ – REsp 1.196.334/PR – (2010/0097420-8) – 5ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 26.09.2013)

Comentário Editorial SÍNTESEPassamos a comentar o acórdão que trata de recurso especial interposto com funda-mento na alínea c do inciso III do art. 105 da Constituição Federal contra acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná.Consta dos autos que os recorrentes foram condenados como incursos nos arts. 33, caput, 34 e 35, caput, todos da Lei nº 11.343/2006, à pena de 17 (dezessete) anos e 11 (onze) dias de reclusão, e de 20 (vinte) anos, 5 (cinco) meses e 8 (oito) dias de reclusão, respectivamente.Inconformados, interpuseram recurso de apelação, ao qual se negou provimento, nos termos da seguinte ementa:“Apelação-crime 1. Conjunto probatório suficiente a demonstrar a materialidade e autoria dos delitos dos arts. 33 e 35 da Lei nº 11.343/2006. Modificação do depoi-mento de uma das requeridas que não detém o condão de inviabilizar a condenação, máxime o depoimento anterior desta na fase inquisitorial coadunar com todos os demais elementos de provas acostados aos autos a demonstrar que o apelante era o fornecedor direto das substâncias entorpecentes. Impossibilidade de aplicação do princípio do in dubio pro reu. Dosimetria de pena. Corretamente aplicado observan-do criteriosamente as circunstâncias judiciais. Crime continuado. Ausência de pro-vas. Necessidade de reforma para exclusão da causa de aumento de pena. Recurso de apelação conhecido e parcialmente provido. Apelação-crime 2. Inconstituciona-lidade dos arts. 33 e 35 da Lei nº 11.343/2006 por importar bis in idem diante dos mesmos núcleos penais. Inocorrência. Hipóteses diferentes referentes a drogas (art. 33) e meios de produção/elaboração de drogas (art. 34). Materialidade e auto-ria dos delitos imputados aos réus demonstrados nos autos (arts. 33, 34 e 35 da Lei nº 11.343/2006). Pretensão de exclusão da causa de aumento de pena referente ao art. 40, VI, da Lei de Entorpecentes. Impossibilidade. Demonstração de efetiva participação de menores/adolescentes. Alegada necessidade de reconhecimento da causa de diminuição de pena do art. 41 da lei (delação premiada). Desacolhimento. Modificação dos depoimentos prestados na fase inquisitorial e judicial que impedem o reconhecimento da hipótese. Precedente desta Corte. Causa de diminuição da pena do art. 33, § 4º. Impossibilidade. Réus que integraram organização criminosa voltada ao transporte de drogas entre as Cidades de Curitiba e União da Vitória, com distribuição e venda aos usuários. Recurso de apelação conhecido e desprovido.”Dependendo do contexto em que o tráfico de drogas é praticado, o crime previsto no art. 34 da Lei nº 11.343/2006 pode ser absorvido pelo do art. 33.Esse é o entendimento da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça.Vale trazer trecho do voto do Relator:“Num primeiro momento, verifico que a resposta para a celeuma ora apresentada não se encontra na existência de verbos idênticos em ambas as normas – fabricar, adquirir, vender, guardar. Com efeito, não obstante alguns verbos se repetirem, as condutas do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 guardam relação com a droga e do art. 34 com os objetos destinados à produção do entorpecente. Têm, portanto, ob-jetividade jurídica diversa.Contudo, nos termos do que ensina a melhor doutrina, há nítida relação de subsidia-riedade entre referidos tipos penais. De fato, o tráfico de maquinário visa a proteger a ‘saúde pública, ameaçada com a possibilidade de a droga ser produzida’, ou seja, tipifica-se conduta que pode ser considerada como mero ato preparatório.

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Vicente Greco Filho, ao dissertar sobre o delito descrito no art. 34 da Lei de Drogas, afirma que ‘a pena privativa de liberdade para o delito do art. é menor, no mínimo e no máximo, que a pena do artigo anterior, de modo que, se a conduta do agente também violar uma das proibições ali previstas, o delito a ser considerado será aque-le e não este’ (GRECO FILHO, V. Tóxicos: prevenção-repressão. 14. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 208).Da mesma forma, Renato Marcão afirma que ‘o tipo descrito no art. 34 da Lei de Drogas é de natureza subsidiária, razão pela qual deve ficar absorvido pelo crime de tráfico, ressalvadas situações excepcionais’ (MARCÃO, R. Tóxicos: Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006: nova lei de drogas. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 253).Conclui-se, assim, que a prática do art. 33, caput, da Lei de Drogas absorve o delito capitulado no art. 34 da mesma lei, desde que não fique caracterizada a existência de contextos autônomos e coexistentes, aptos a vulnerar o bem jurídico tutelado de forma distinta. Dessarte, necessário aferir se as condutas retratadas nos autos são ou não autônomas no caso concreto, a fim de verificar a efetiva existência de dissídio.”O Relator concluiu que a prática do art. 33 da Lei de Drogas absorve o delito do art. 34 da mesma lei, desde que não fique caracterizada a existência de contextos autônomos e coexistentes, aptos a vulnerar o bem jurídico tutelado de forma distinta.Seguindo o voto do Relator, a Turma afastou a condenação pelo art. 34 por verificar que a droga e os instrumentos foram apreendidos no mesmo local e no mesmo con-texto. Assim, não foi constatada autonomia fática necessária para que ocorresse a condenação simultânea com base nos dois artigos. Diante do exposto, o Superior Tribunal de Justiça conheceu do recurso especial em parte para, nessa extensão, dar-lhe provimento, excluindo a condenação dos recor-rentes MRM e FLL pela prática do delito do art. 34 da Lei de Drogas.

6806 – Uso de documento falso – potencialidade lesiva – materialidade e autoria – prova – condenação

“Apelação criminal. Uso de documento falso. Potencialidade lesiva. Materialidade e autoria. Prova. Condenação. Manutenção. Crime impossível. Não ocorrência. Princípio da insignifi-cância. Inaplicabilidade. Pena pecuniária. Redução. Proporcionalidade. Provimento parcial. I – Comprovadas pelo conjunto probatório a materialidade e a autoria do crime de uso de documento falso, a condenação é medida que se impõe. II – Constatado que o atestado médi-co possui timbre e forma idêntica àqueles expedidos pela rede pública hospitalar do Distrito Federal, sendo a adulteração de difícil reconhecimento pelo homem médio, inviável a ab-solvição pela aplicação da teoria do crime impossível. III – Aos delitos cometidos contra a fé pública não se aplica o princípio da insignificância ou intervenção mínima do direito penal, dada a gravidade do ilícito praticado. IV – Verificado que o valor do dia-multa fixado na sen-tença não guarda proporcionalidade com a situação econômica do réu espelhada nos autos, impõe-se a redução. V – Recurso parcialmente provido.” (TJDFT – ACr 20120710313113 – (726593) – Relª Desª Nilsoni de Freitas – DJe 24.10.2013)

6807 – Usurpação de função pública – agente de inspeção – materialidade e autoria – con-denação

“Penal. Apelação criminal. Usurpação de função pública. Art. 328, parágrafo único, do Có-digo Penal. Acusado que se apresentava como agente de inspeção do Ministério do Trabalho e Emprego. Usurpação de função pública. Materialidade e autoria provadas. Dolo específi-co demonstrado. Fixação da pena. Valoração positiva da maior parte das circunstâncias do art. 59 do Código Penal. Pena-base próxima ao mínimo legal. Substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos. Apelação do réu provida em parte. 1. Acusado que, no período compreendido entre agosto e setembro de 1999, se apresentava como agen-

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te de inspeção do Ministério do Trabalho e Emprego (MPE), promovendo a fiscalização de empresas de engenharia e ameaçando seus responsáveis de lavrar autos de infração, salvo se houvesse o pagamento de ‘gorjeta’, impondo às empresas, inclusive, termos de notificação e de registro de inspeção, constando carimbo e assinatura falsos, através dos quais tentava extorquir dinheiro das empresas em que realizava vistoria. 2. Condenação pelo crime previsto no art. 328, parágrafo único, do Código Penal às penas de 04 (quatro) anos de reclusão, em regime aberto, e de 30 (trinta) dias-multa, correspondendo cada um deles ao valor de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo à época dos fatos, sem a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos. 3. Consumação do crime de usurpação de função pública (art. 328, parágrafo único, do Código Penal), porque o agente apresentava-se como titular do cargo indevidamente, executando de forma ilegítima um ato de ofício, inerente à função ocupada de modo ilegal, recebendo alguma vantagem para isso. 4. Autoria e mate-rialidade comprovadas. Farta documentação e depoimentos testemunhais. 5. Recorrente que granjeou conceito desfavorável apenas no tocante à culpabilidade e às consequências do delito. Favoráveis seis entre os oito requisitos a serem considerados para a fixação da pena, nos termos do art. 59, do Código Penal, deve ser fixada a pena próxima ao mínimo legal, em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, tornada definitiva, ausentes atenuantes e agravan-tes, e majorantes e minorantes. Regime semi-aberto como o inicial de cumprimento de pena. 6. Manutenção da pena de 30 (trinta) dias-multa, correspondendo cada um deles ao valor de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo à época dos fatos, por ela guardar consonância com a pena privativa de liberdade. 7. Substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade e no pagamento de uma prestação pecuniária, em benefício de entidade assistencial, na forma a ser indicada pelo Juízo das Execuções Penais, na audiência admonitória, nos termos do art. 44 do Código Penal. 8. Apelação do réu provida em parte, para reduzir a pena privativa de liberdade e substituí-la por duas penas restritivas de direitos.” (TRF 5ª R. – ACr 2002.81.00.019199-5 – (8440/CE) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Geraldo Apoliano – DJe 25.10.2013)

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Seção Especial – Acontece

O Indiciamento e o Supremo Tribunal Federal

RÔMULO DE ANDRADE MOREIRA Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia, Ex-Assessor Especial da Procuradoria-Geral de Justiça, Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais, Ex-Procurador da Fazenda Estadual, Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador – Unifacs, na Graduação e na Pós-Gra-duação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público), Pós-Graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal), Especialista em Processo pela Universidade Salvador – Unifacs (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos), Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário), Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Mi-nistério Público do Estado da Bahia, Professor convidado dos Cursos de Pós-Graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Autor das obras Curso temático de direi-to processual penal e Comentários à Lei Maria da Penha (em coautoria com Issac Guimarães, 2010); A prisão processual, a fiança, a liberdade provisória e as demais medidas cautelares (2011), Juizados Especiais Criminais – O procedimento sumaríssimo (2013), Uma crítica à teoria geral do processo (2013), além de coordenador do livro Leituras complementares de di-reito processual penal (2008). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

Sempre se disse (inclusive eu), e com razão, que indiciado é aquele su-jeito de direitos (e não objeto) que está sendo investigado nos autos do inquérito policial ou de qualquer outra peça investigatória, inclusive em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (ver Leis nºs 1.579/1952, 10.001/2000 e 10.679/2003). Logo, não seria necessário, desde logo, que se indicasse expressamente quem era o indiciado, pois este poderia ser identificado a partir do encaminhamento das diligências policiais, não sendo necessário um indicativo formal daquela condição1.

Na verdade, sempre defendi que o ideal é que o fosse, mas, obviamente, não era pelo fato de inexistir uma referência explícita acerca desta condição que se pudesse negar o status de investigado/indiciado de alguém; ao contrário, um cidadão não poderia ser notificado para comparecer como testemunha de um crime (com o dever de falar, dizer a verdade, prestar juramento, ser condu-

1 Para Hélio Tornaghi, “em relação ao indiciado, não há necessidade de qualquer ato declaratório ou constitutivo dessa qualidade; ela decorre das circunstâncias. Não é indiciado quem foi qualificado e identificado pelo processo datiloscópico, mas, ao reverso, pode ser feita a identificação de quem é indiciado” (apud JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 178). Exatamente por isso, o Supremo Tribunal Federal, reiteradamente, vem concedendo habeas corpus para garantir que o paciente seja ouvido na Comissão Parlamentar de Inquérito como indiciado/investigado, e não mera testemunha.

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zido coercitivamente, etc.), quando, na verdade, já estava figurando no proce-dimento apuratório como investigado/indiciado.

Mutatis mutandis, veja-se que o Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, concedeu parcialmente o pedido de medida liminar requerido no Habeas Corpus nº 115830. A paciente havia sido convocada a prestar depoi-mento em uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados. Em sua decisão, o Ministro determinou que a CPI conceda à paciente trata-mento na condição de acusada ou investigada, o que significa que ela poderá se recusar a assinar termo de compromisso e a responder eventuais perguntas que impliquem autoincriminação. Pela decisão, ela não poderia sofrer medidas restritivas de direito ou privativas de liberdade como consequência do direito de não produzir provas contra si. O Ministro Gilmar Mendes, entretanto, ressalvou que, com relação aos fatos que não impliquem autoincriminação, a paciente tem a obrigação de prestar informações. “Nas circunstâncias dos autos, afigurar--se-ia inequívoco, pelo menos em sede de juízo cautelar, que o não reconheci-mento do direito de a paciente isentar-se de responder às perguntas, cujas res-postas possam vir a incriminá-la, pode acarretar graves e irreversíveis prejuízos a direito fundamental da paciente. De outro lado, deve-se ter em mente que não é possível esvaziar o conteúdo constitucional da importante função insti-tucional atribuída às Comissões Parlamentares de Inquérito pelo ordenamento jurídico brasileiro”, disse o Ministro em sua decisão.

Sobre o indiciamento, várias foram as decisões da Suprema Corte e do Su-perior Tribunal de Justiça, a saber: “Não havendo elementos que o justifiquem, constitui constrangimento ilegal o ato de indiciamento em inquérito policial” (STF, 2ª T., HC 85.541, Rel. Cezar Peluso, J. 22.04.2008, DJU 22.08.2008).

EMENTA: Inquérito policial. Despacho genérico de indiciamento referente a di-retor de entidade, por fato que teria ocorrido durante gestões anteriores. Indi-ciamento precipitado, não justificado, que constitui evidente constrangimento ilegal. Recurso de habeas corpus a que se dá provimento para deferir a ordem e cassar o despacho de indiciamento. (RHC 1368/SP)

Se há indícios da prática de crimes, incabível o trancamento do inquérito. II – Todavia, o indiciamento só pode ser realizado se há, para tanto, fundada e objetiva suspeita de participação ou autoria nos eventuais delitos. Habeas corpus parcialmente concedido. (HC 8466/PR; Habeas Corpus nº 1999/0003165-2, Rel. Min. Felix Fischer)

Em sessão realizada no dia 11 de abril de 2007, o Plenário do Supremo Tribunal Federal arquivou inquérito instaurado contra um Senador da Repúbli-ca. O julgamento ocorreu na análise da questão de ordem trazida pelo Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, na Petição nº 3825. Nesta oportunidade, o Minis-tro lembrou que a pessoa suspeita da prática de infração penal passa a figurar como indiciada a contar do instante em que, no inquérito policial instaurado, se verificou a probabilidade real de ser o agente. “Eu entendo que, posto expli-

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citamente no status de indiciado, possa o parlamentar invocar plena e ostensi-vamente as garantias consequentes entre as quais a de silenciar-se a respeito da imputação a ele irrogada”, disse2.

Em outra decisão, por maioria dos votos, os Ministros do Supremo Tri-bunal Federal deram provimento a um agravo regimental entendendo que o Inquérito (Inq) nº 2291 deveria ser analisado pela Corte. No inquérito, um De-putado Federal estava sendo investigado pela suposta prática de crimes contra a ordem tributária, formação de quadrilha, sonegação fiscal e evasão de divisas. De acordo com o recorrente [parlamentar], “a simples condição de investigado como caracterização de um estado da parte já é o bastante para se determinar o deslocamento da competência em razão da regra do foro privilegiado”. O Deputado salientou também que o fato de ser sócio administrador do grupo já o coloca na condição de investigado, suficiente para que o trâmite do inquérito ocorra perante o Supremo Tribunal Federal. O Ministro Marco Aurélio votou pelo provimento do recurso e foi acompanhado pela maioria dos Ministros. “Se esse inquérito desaguar em si numa ação penal e, posteriormente, chegar-se à conclusão da culpa, se colocará a empresa na cadeia?”, indagou o Ministro Marco Aurélio.

Em decisão monocrática, o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito con-cedeu liminar no Habeas Corpus (HC) nº 98441 em favor de um Delegado da Polícia Federal, desobrigando-o de assinar termo de compromisso como teste-munha no depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito das escutas telefô-

2 O Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria e de acordo com o voto do Ministro Gilmar Mendes, decidiu que a Polícia Federal não tem competência para indiciar, sem autorização do STF ou pedido do procurador-geral da República, os detentores da prerrogativa de foro privilegiado listados no art. 102, alíneas b e c, da Constituição Federal. A decisão se deu no julgamento da questão de ordem levantada pelo Ministro Gilmar Mendes no Inquérito (Inq) nº 2411, que investiga a participação de parlamentares na fraude das ambulâncias, a chamada Operação Sanguessuga. O ministro questionou a validade do indiciamento do Senador Magno Malta (PR-ES) por iniciativa da Polícia Federal, sem autorização do STF. O voto vista do Ministro Gilmar Mendes foi acompanhado pela maioria (6 a 4) do Plenário. No caso julgado em conjunto, na Petição (PET) nº 3825, o Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, havia votado em 11.04.2007 pelo indeferimento do pedido de anulação formal do indiciamento do Senador Aloísio Mercadante (PT-SP), quando o Ministro Gilmar Mendes pediu vista dos autos. Naquela ocasião, por unanimidade, o STF determinou o arquivamento do inquérito em relação ao senador, mas a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou pela anulação do ato de indiciamento do senador pela Polícia Federal, porque teria havido violação da prerrogativa de foro de Mercadante e “invasão injustificada da atribuição que é exclusiva da Suprema Corte de proceder ao eventual indiciamento do investigado”. Na sessão do dia 10.10.2007, o Ministro Gilmar Mendes afirmou que a investigação pode ser deflagrada por outros órgãos, mas a abertura deve ser supervisionada pelo Relator do STF que autoriza ou não o indiciamento dos suspeitos. Para o ministro, “há de se fazer a devida distinção entre os inquéritos originários, de competência desta Corte, e aqueles outros de natureza tipicamente policial, os quais se regulam inteiramente pela legislação processual penal brasileira”. Esta é a jurisprudência que prevalece no Supremo, declarou o Relator. O Ministro citou o parecer do procurador-geral da República, que afirmou: “A iniciativa do procedimento investigatório deve ser confiada ao MPF contando com a supervisão do Ministro Relator do STF. Nesse contexto, a Polícia Federal não estaria autorizada a abrir, de ofício, inquérito policial para apurar a conduta de parlamentares federais ou do próprio Presidente da República”. Assim, de acordo com o exposto na petição do MPF e os precedentes da Corte, o Ministro Gilmar Mendes votou pela anulação do ato formal de indiciamento do Senador Magno Malta, promovido pela PF. O Ministro lembrou que, “no exercício da competência penal originária do STF (art. 102 da CF), a atividade de supervisão judicial deve ser constitucionalmente desempenhada durante toda a tramitação das investigações – desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento da denúncia pelo próprio STF” (Fonte: STF).

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nicas clandestinas, bem como para que ele permanecesse calado sem o risco de ser preso e para ter assistência de advogado durante o depoimento3.

No caso, embora não tivesse sido formalmente indiciada, o nome da paciente constava como tal dos autos da referida ação. Considerando a importância do indiciamento como condição para o exercício do direito de defesa na fase in-vestigatória e a possibilidade do advento de prejuízos à paciente, aduziu-se que não haveria, nos autos, nenhum elemento para que ela figurasse como indiciada. (Supremo Tribunal Federal, HC 85541/GO, Rel. Min. Cezar Peluso, 22.04.2008)

Também a propósito, o Ministro Joaquim Barbosa concedeu liminar em habeas corpus (HC 115015) para suspender decisão judicial que determinou o indiciamento formal de diretores e representantes legais de empresa de têxteis que já são réus em ação penal. Na decisão, ele acrescentou que o indiciamento formal de acusados é ato exclusivo da polícia, que, com base em elementos de investigação, elege “o suspeito da prática do ilícito penal”.

Pois bem.

Com a promulgação recente da Lei nº 12.830/2013, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia, estabeleceu-se que “o indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamenta-do, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, ma-terialidade e suas circunstâncias”. Portanto, doravante, o indiciamento deverá ser devidamente fundamentado, tal como a obrigação que têm os Magistrados e membros do Ministério Público de fundamentarem, respectivamente, as suas decisões e pronunciamentos, sob pena da peça informativa retornar à Delegacia de Polícia para que se cumpra a lei.

Aliás, já com base nesta nova lei, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o indiciamento policial serve para que o delegado formalize sua convicção de que determinado investigado em inquérito é o suspeito de ser o autor do crime. Portanto, o juiz não pode determinar, depois de já aberta ação penal, o indiciamento formal de um dos réus. Ao mandar indiciar, o juiz assume função inerente à investigação, o que não faz parte de suas funções jurisdicionais. O entendimento foi da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, que concedeu habeas corpus a quatro acusados de crimes tributários para suspender ordem

3 A Comissão Parlamentar de Inquérito do “Apagão Aéreo”, do Senado Federal, deve dar ao indiciado tratamento próprio à condição de acusado ou investigado. Com isso, ele tem direito a não assinar termo de compromisso como testemunha e também o direito de permanecer calado sobre os assuntos não protegidos por sigilo, sem que por esse motivo seja preso ou ameaçado de prisão. A decisão liminar foi do Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, ao deferir, dia 14.08.2007, medida cautelar no Habeas Corpus (HC) nº 92225. Para o Ministro Gilmar Mendes, a Constituição Federal, em seu art. 58, § 3º, confere às CPIs os poderes de investigação próprios de autoridades judiciais. Dessa forma, como ocorre em depoimentos prestados perante os órgãos judiciários, é assegurado o direito do investigado não se incriminar (autoincriminação) perante essas comissões parlamentares. Ao deferir a liminar, o Ministro ressaltou que, “com relação aos fatos que não impliquem auto-incriminação, persiste a obrigação de o depoente prestar informações”, finalizou Gilmar Mendes, que mandou expedir salvo conduto para o empresário e determinou que a decisão deveria ser comunicada com urgência ao presidente da CPI do “Apagão Aéreo” (Fonte: STF).

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de indiciamento, feita na sentença. A 2ª Turma seguiu voto do Ministro Teori Zavascki. Em explicação sucinta, ele ensina que o indiciamento não existe na lei processual penal brasileira, mas a doutrina o classifica como um “ato de formalização” da convicção do delegado, com base em indícios, sobre a auto-ria de determinado crime. A partir do momento em que a denúncia é recebida pelo Judiciário, o suspeito passa a ser réu em ação penal e deixa de ser suspeito. Para Zavascki, isso “demonstra incompatibilidade entre o ato de recebimento da denúncia, que já pressupõe a existência de indícios mínimos de autoria, e a posterior determinação de indiciamento, ato que atribui a alguém no curso do inquérito a suposta autoria delitiva e que visa a subsidiar o oferecimento da peça acusatória”. O Ministro também afirmou que a ordem de indiciamento pelo juiz é “incompatível com o sistema acusatório”, que prevê a separação orgânica das funções dos agentes envolvidos na persecução penal, que reserva ao juiz condenar ou absolver os formalmente acusados de determinados cri-mes. “Ao impor à autoridade responsável pelas investigações quem ela deve considerar como autor do crime, o órgão Judiciário se sobrepõe, em tese, as suas conclusões, sendo essa, a toda evidência, atribuição estranha à atividade jurisdicional”. Dessa forma, e como “são muitas as consequências jurídicas e morais decorrentes do indiciamento formal”, a ordem dada pelo juiz de pri-meiro grau deve ser anulada (HC 115.015, Revista Consultor Jurídico, 30 de setembro de 2013).

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Seção Especial – Prática Processual

Resposta à Acusação

MATEUS MARqUESProfessor de Direito Penal, Processo Penal e Prática Jurídica da Estácio/FARGS, Professor do Curso de Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Meridional – IMED, Mestrando em Ciências Criminais pela PUCRS, Especialista em Ciências Penais pela PUCRS, Especialista em Direito Penal Econômico e Empresarial pela Universidad Castilla-La Mancha (Espanha), Advogado criminalista.

EXCELENTÍSSIMA AuToRIdAdE JudICIÁRIA dA Xª VARA CRIMINAL do FoRo CENTRAL dA CoMARCA dE PoRTo ALEGRE/RS

Ação penAl nº 123456789C. A. L., já devidamente qualificado nos autos da presente Ação Penal, vem, perante Vossa Excelência, por seus Defensores signatários, apresentar, tempesti-vamente, RESPOSTA À ACUSAÇÃO, fulcro no art. 396-A do Código de Processo Penal.

I – BREVE RELATo doS FAToSC. A. L. foi denunciado pela prática, em tese, dos delitos previstos no

art. 288, caput1, do Código Penal, bem como pela prática do delito previsto no art. 1º, caput, da Lei nº 12.683/20122, todos na forma do art. 693 do Código Penal.

Em 20.02.2013, foi recebida a denúncia, e o acusado citado e intimado em 15.04.2013 para apresentar Resposta à Acusação.

1 “Art. 288. Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:

Pena – reclusão, de um a três anos.”2 “Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de

bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.”3 “Art. 69. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos

ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela. § 1º Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será incabível a substituição de que trata o art. 44 deste Código. § 2º Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais.”

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II – PRELIMINARMENTE: AuSÊNCIA dE JuSTA CAuSA PARA PRoPoSIção dA Ação PENAL. uSo ABuSIVo do dIREITo dE ACuSAR. ABSoLVIção

Com previsão no art. 395, III, do Código de Processo Penal4, a justa causa é importante condição para proposição da ação penal. Importante mencionar que a justa causa é um ponto de apoio para todas as estruturas da ação penal, pois constitui um limite ao possível (ab)uso do ius ut procedatur, ao direito de ação.

Identifica-se a justa causa com a existência de uma causa jurídica e fática que legitime devidamente e justifique uma acusação, além da própria inter-venção penal. Não é o que ocorre nos autos, onde há forte acusação de que o denunciado fazia parte de quadrilha e que organizadamente juntavam-se para a prática de diversos crimes.

Para que ocorra a justa causa, é necessário que a mesma esteja relacio-nada a outros dois fatores, existência de indícios razoáveis de autoria e materia-lidade, de um lado, e, de outro, com o controle processual do caráter fragmen-tário da intervenção penal.

Assim pontua com razão a doutrina:

A base para o exame será sempre a mesma, e a resposta deverá resultar da verifi-cação de tais situações específicas, porque, obviamente, cada uma delas exige o preenchimento necessário de determinados e específicos requisitos.5

Não é o que se verifica nos autos, sendo que, após longa e midiática in-vestigação, não restou devidamente comprovado nenhum ato considerado ilíci-to praticado pelo denunciado, motivo pelo qual é imperiosa a rejeição da peça inicial, e a decretação da absolvição, sumária, diante da inexistência de qual-quer indício que resulte na prática de ato considerado criminoso pelo acusado.

III – dA LAVAGEM dE dINHEIRo. ATIPICIdAdE. INEXISTÊNCIA dE CRIME ANTECEdENTE. APLICAção dA LEI PENAL No TEMPo. AuSÊNCIA dE doLo. ABSoLVIção

Consta na peça acusatória que C. A. L., juntamente com os demais acu-sados, a partir de maio de 2004 até os dias atuais, em diversas oportunidades, agiram de forma a ocultar e dissimular a origem e destino dos valores suposta-mente percebidos pela prática dos delitos perpetrados em organização crimino-sa, especialmente o de lavagem de capitais.

Assim, C. foi denunciado pela prática dos crimes previstos no art. 1º, § 1º, inciso I, da Lei nº 9.613/1998, com as alterações produzidas pela Lei

4 “Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I – for manifestamente inepta; II – faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III – faltar justa causa para o exercício da ação penal.”

5 ASSIS MOURA, Maria Thereza Rocha de. Justa causa para a ação penal. São Paulo: RT, 2001. p. 173.

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nº 12.683/2012, pela prática de ocultação e dissimulação de 3 bens adquiridos de S. R., provenientes (tese acusatória) de práticas delituosas, conforme segue:

a) Na data de 1º de junho de 2012, um veículo marca VW/Fusca, de propriedade de C. C. C. (sua sogra na época e mãe da denunciada D.);

b) Em 28 de maio de 2012, um veículo marca VW/Brasília, de proprie-dade da Empresa ZYK, Administração, Participações e Empreendi-mentos Ltda.;

c) Em 28 de maio de 2012, um veículo marca Fiat/147, de proprieda-de de P.P.P.

Primeiramente, é preciso ressaltar que não a peça acusatória requer a incidência da Lei nº 12.683/2012 sobre o denunciado, alegando que trata-se de crime permanente, quando afirma que:

Ocultaram e dissimularam a propriedade dos bens adquiridos com valores pro-venientes da prática de tais crimes, os quais permanecem em ocultação, a fim de impedir eventual alcance, seja pela via judicial ou administrativa. (grifo nosso)

De outra sorte, classificar a conduta do denunciado como ocultação ou mesmo dissimulação de propriedade de bens é um absurdo.

A tese acusatória de que os referidos procedimentos tratavam-se de crime de lavagem de capitais não merece prosperar, pois não existe no presente caso qualquer comprovação de ocultação ou dissimulação de valores proveniente de qualquer atividade ilícita.

Importante ressaltar que, embora as alterações produzidas na lei de la-vagem de capitais, agora sob a égide da Lei nº 12.683/2012, a peça acusató-ria sustenta que esses crimes são de natureza permanente, ou seja, quando o momento consumativo se protrai no tempo. Ocorre que a peça acusatória está revestida de erro, pois o delito em tela não possui caráter permanente e sim instantâneo, mas com efeito contínuo. Importante referir que essa diferenciação é primordial, principalmente no sentido de que reflete na alegação acusatória sobre a aquisição dos bens.

Sobre o tema, os doutrinadores Gustavo Badaró e Pierpaolo Cruz Botini lecionam que a diferença acerca do tema (crime instantâneo ou permanente) está na “interpretação teleológica do bem protegido no crime de lavagem de dinheiro6”.

6 BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BADARÓ, Gustavo Henrique. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. Comentários à Lei nº 9.613/1998, com as alterações da Lei nº 12.683/2012. São Paulo: RT, 2012. p. 48/50.

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A proteção aos bens jurídicos é uma das funções do direito penal, pois traz segurança vital para a sociedade. Sob esta ordem, entendemos que o bem protegido nesse delito, tutelado para proteger a credibilidade do sistema eco-nômico-financeiro, pois essa atividade altera, e muito, o equilíbrio do sistema econômico financeiro da sociedade.

Nesse mesmo entendimento, e de acordo com os doutrinadores Gustavo Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini, lecionam que:

O ato de ocultar ou dissimular consuma o delito no instante de sua prática. A ma-nutenção do bem oculto ou dissimulado é mera decorrência ou desdobramento do ato inicial. Trata-se de crime instantâneo de efeitos permanentes, no qual a consumação cessa no instante do ato, mas seus efeitos perduram no tempo. [...] Ainda que ele tenha o poder de interrupção da lavagem durante todo o período de encobrimento, isso não torna o crime permanente, como ocorre com os de-mais crimes contra a administração da justiça citados.7

No presente caso, as aquisições dos bens móveis efetivadas por C., com datas de a) 1º de junho de 2012; b) 28 de maio de 2012; e c) 28 de maio de 2012, todas efetivadas durante a vigência da Lei nº 9.613/1998, que posterior-mente foi alterada pela Lei nº 12.638/2012, passando a viger a partir de 9 de julho de 2012.

Dessa forma, resta comprovada a atipicidade da acusação proferida con-tra C. no sentido de que não há delito anteriormente praticado, não havendo também o que se falar em ocultação e dissimulação.

No que se refere à irretroatividade da lei penal e ao princípio da anterio-ridade, é necessário que a lei preceda às infrações penais nela previstas como condição de validade, pois do contrário a norma acabaria por incidir direta-mente sobre o comportamento que até o momento não se constituía ilícito pe-nal, assim, a lei só poderá ser aplicada a fatos futuros e não aqueles já ocorridos.

Por fim, a aquisição dos bens móveis por C. não configura infração penal, principalmente ocultação e dissimulação, de tal sorte que a absolvição sumá-ria é medida que se impõe, devido à atipicidade da conduta descrita na peça acusatória.

IV – dA IMPuTAção Ao CRIME dE QuAdRILHA. AuSÊNCIA dAS CIRCuNSTÂNCIAS dETERMINANTES E ELEMENTARES do TIPo PENAL. ABSoLVIção

C. A. L. foi denunciado pela prática, em tese, do crime previsto no art. 288 do Código Penal. Narra a peça acusatória que, no período compreen-dido entre os anos de 2000 e 2012, os denunciados S. R., G. R., D. R., M. A., L. R., C. R., S. T., P. L., C. A. L. e S.Z. “associaram-se, em quadrilha, para o fim

7 Idem, p. 77/78.

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de praticar os delitos de falsidade documental, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, além de delitos contra a ordem tributária (fatos a serem denunciados após a constituição dos respectivos Autos de Lançamento Tributário)”.

Dessa forma e para que o delito de quadrilha seja devidamente tipificado, é necessário se obedecer a uma série de circunstâncias, que são determinantes para o fim especial de se unirem para cometerem crimes, o que não ocorre no caso em tela, deixando de haver, portanto adequação típica da conduta narrada na peça acusatória.

Para que ocorra devidamente a tipificação penal do delito de quadrilha, é entendimento da doutrina:

Caracteriza o delito de quadrilha ou bando a circunstância de se associarem qua-tro ou mais pessoas, permanecendo associadas por algum tempo, determinado ou não, em vínculo estável mesmo que rudimentar, colocando em perigo o bem jurídico paz pública, em vista do fim especial de se unirem para cometer crimes.8

Cabe salientar que, para que se configure a imputação ao delito de qua-drilha, é necessário que a peça acusatória demonstre que os fatos atribuídos a alguém, tem vinculação com o tipo penal anteriormente descritos. É o que ocorre no presente caso, pois não restaram demonstrados os elementos defi-nidores do tipo, quais sejam, (a) finalidade voltada para a prática de crimes; (b) estabilidade dos participantes; e (c) a existência, de no mínimo, quatro agentes.

Assim, discorremos sobre os elementos definidores do tipo penal de qua-drilha, quais sejam:

A) fInAlIDADe VoltADA pARA A pRátIcA De cRImes

Inicialmente, importante referir que a situação evocada no tipo penal de quadrilha é necessariamente a reunião de pessoas com a única e exclusiva finalidade, o cometimento de crimes. Para que reste configurado, é imperioso que as chamadas “organizações criminosas” tenham como finalidade a prática de delitos, pois o tipo penal incriminador, nesse caso fala adstritamente “para o cometimento de crimes”.

Assim, no presente caso, inexiste a finalidade para a prática de crimes, que representa o motivo, em tese, da união de pessoas. Nesse sentido é o enten-dimento de Cezar Roberto Bitencourt, quando refere que:

8 ESTELITTA, Heloisa. Criminalidade de empresa, quadrilha e organização criminosa. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 18 apud Miguel Reale Júnior, 2006, p. 139.

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O dolo, representado pela vontade consciente de associar-se a outras pessoas com a finalidade de praticar crimes indeterminados, criando um vínculo associa-tivo entre os participantes.9

O que não é o caso em tela, pois diante de ampla investigação criminal não restou comprovado que C. praticou qualquer atividade considerada ilícita. Dessa forma, não pode prosperar a presente acusação, e, diante desse entendi-mento, Heloisa Estelitta pontua:

Pois é preciso que seja levado em consideração que, a priori, a simples reunião de pessoas formando uma sociedade empresária para a prática de atividades eco-nômicas não se consubstancia em formação de quadrilha ou bando, ainda que tais pessoas venham ser responsabilizadas pela prática de crimes econômicos no exercício de atividade econômica lícita; nestes casos, não há formação de qua-drilha ou bando porque falta a essa união de pessoas (4 ou mais) a finalidade da prática de crimes.10 (grifo nosso)

Ainda, no que tange a esse requisito essencial, destaca-se o julgado do Superior Tribunal de Justiça:

5. Ocorre que, quanto ao delito de quadrilha ou bando, verifica-se a falta do elemento subjetivo do tipo “para o fim de cometer crimes”, revelador de um especial fim de agir. Destarte, não há elementos para o recebimento da denúncia quanto ao delito em espécie, haja vista que, nos termos da peça acusatória, o acusado juntou-se com mais de três pessoas para cometer crime (peculato).

6. Realmente, a Corte Especial no julgamento da Denun na APn .549/SP, DJe 18.11.2009, corroborando entendimento do STF, decidiu que: [...] IX – A con-duta típica prevista no art. 288 do Código Penal consiste em associarem-se, uni-rem-se, agruparem-se, mais de três pessoas (mesmo que na associação existam inimputáveis, mesmo que nem todos os seus componentes sejam identificados ou ainda, que algum deles não seja punível em razão de alguma causa pessoal de isenção de pena), em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes (Luiz Régis Prado in “Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 3”, Ed. Revista dos Tribunais, 4ª edição, 2006, p., 606). A estrutura central deste crime reside na consciência e vontade de os agentes organizarem-se em bando ou quadrilha com a finalidade de cometer crimes. Trata-se de crime autônomo, de perigo abstrato, permanente e de concurso necessário, inconfundível com o simples concurso eventual de pessoas.

Por fim, devidamente comprovada a inexistência do fim especial de agir para a prática de crimes, requisito necessário para a configuração do delito de quadrilha imputado ao acusado C., é que se postula pela absolvição.

9 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte especial. 6. ed. São Paulo: Saraiva, v. 4, 2012. p. 441.

10 ESTELITTA, Heloisa. Op. cit., p. 31.

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b) estAbIlIDADe Dos pARtIcIpAntes

Para que se torne evidente a prática do crime de quadrilha, é necessário que a participação de todos os envolvidos seja de forma “estruturada”, com estabilidade. Assim, sustenta Mohamad Ale Hasan Mahmoud:

Não existe associação sem o congregar, dilatado no tempo, de esforços comuns, em prol de determinado objetivo. Distancia-se, assim, do modelo comissão--omissão, para uma modalidade de comportamento que exige um expressivo corpo de condutas positivas.11

Diante do que foi anteriormente referido, também está de acordo o en-tendimento doutrinário, conforme segue:

Esse caráter de estabilidade é fundamental, sob pena de, reiteradamente, come-terem-se os mesmos equívocos tantas vezes cometidos no sentido de se crimina-lizar de maneira midiática, simples concurso de agentes que nenhuma relação guarda com o crime de quadrilha ou bando.12

Causa estranheza que, embora diante da investigação realizada pelo Mi-nistério Público, não restou comprovado qualquer vínculo associativo com fim específico de praticar atos delitivos de C. com os outros denunciados. A referi-da investigação não aponta qualquer indicação “associativa” de que C. tivesse ciência das atividades de S. R., ademais, a peça acusatória carece de contexto fático-probatório em relação ao concurso necessário entre os denunciados, dei-xando de descrever as condutas que justificassem a imputação.

Por fim, devidamente comprovada a fragilidade na peça acusatória, quando não demonstra o vínculo associativo com a finalidade de praticar cri-mes entre os denunciados, deixando também de provar a estabilidade “neces-sária” para configurar o crime de quadrilha.

c) númeRo De AGentes (mínImo QuAtRo)A doutrina e principalmente os julgados dos Tribunais Superiores têm de-

finido que, para se configurar o delito de quadrilha, é necessária a presença de, no mínimo, quatro sujeitos praticando atos considerados ilícitos em conjunto. No caso dos autos, não há qualquer comprovação da prática de crimes, tam-pouco qualquer fato que associe C. para esse fim, deixando existir a tipificação penal da quadrilha.

De outra sorte, importante esclarecer que C. jamais fez parte de qual-quer “organização criminosa” como refere a peça acusatória, até porque não há definição clara e objetiva em nosso ordenamento jurídico do que seria essa associação. Nesse sentido, pontua Renato Mello de Jorge Silveira:

11 MAHMOUD, Mohamad Ale Hasan. Quadrilha ou bando: crime habitual. IBCCrim, Boletim 185, abr. 2008. 12 FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. Código penal e sua interpretação. 8. ed. São Paulo: RT. 2007. p. 1386.

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A relação entre o crime de formação de quadrilha ou bando com a questão penal do crime organizado não se explica unicamente por uma proximidade semânti-ca, ou pelo fato de, no Brasil, não haver definição típica do que viria a ser crime organizado. Na verdade, ela foi sedimentada por inesperadas reformas e contrar-reformas legislativas. No cenário normativo brasileiro, fez-se primeira menção à organização criminosa na Lei nº 9.034/1995, a qual dispunha sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. O problema se coloca, pois sua redação original previa certa confusão entre organização criminosa e as ações praticadas por quadrilha ou bando. A distinção se deu com a reforma dessa norma produzida pela Lei nº 10.217/2001 que claramente isolou previsões de quadrilha ou bando, asso-ciações criminosas e organizações criminosas. Isso não trazia grandes proble-mas, já que, até aquele momento, penalmente não havia a previsão conceitual de organizações criminosas. No entanto, tudo mudou com o advento da Lei nº 9.613/1998. Ao utilizar o conceito de crime antecedente, e ao mencionar um rol destes, em seu art. 1º, a Lei de Lavagem de Dinheiro previu como crime a oculta-ção de dinheiro proveniente de crime “praticado por organização criminosa” (Lei nº 9.613/1998, art. 1º, VII). Apesar da menção à organização criminosa, esta não era idealmente definida. Hoje, apesar desse problema se mostrar minorado, em face da alteração do art. 1º da Lei nº 9.613/1998, pela Lei nº 12.683/2012, ainda resta a confusão terminológica, tendo-se, não raro, a imputação de um fato na confluência de outro. É de ver, ainda, que, recentemente, foi promulgada a Lei nº 12.694/2012, a qual, apesar de dar definição ao que seria organização criminosa, ainda não tipifica a matéria. Ela dá, contudo, prova da necessidade de distinção entre a quadrilha tradicional e a organização criminosa. Uma tem por base o abalo à paz pública, em visão de criminalidade tradicional. A outra busca o rompimento com problema da modernidade. Visando a primeira sorte de casos, instituiu-se, não sem críticas, até mesmo a Lei nº 12.720/2012, que criminaliza a constituição de milícia armada (art. 288-A do Código Penal). Quanto ao segundo grupo, ainda não existe definição típica adequada, claudicando tenazmente a le-gislação nacional nesse jaez. O Ministério Público Federal tratou a matéria como se os elementos fossem sinônimos, e não o são. De um lado, reconheceu-se a não existência de crime de organização criminosa, e, de outro, utilizou-se de seu esquadro como se quadrilha ou bando fosse.13

Importante ressaltar ainda que, em amplo universo de interceptações te-lefônicas, não consta qualquer ligação de C. com os outros denunciados, no que se refere à prática de crimes, ou mesmo ocultação de bens, como presumi-do pelo Parquet.

Assim, resta cristalino que a absolvição sumária de C. é medida salutar de justiça, visto que não procede a tese acusatória de formação de quadrilha ou bando.

13 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Os limites da imputação do crime de formação de quadrilha ou bando. IBCCrim, Boletim 242, jan./2013.

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V – doS REQuERIMENToSDiante do exposto, REQUER:

a) Rejeição da denúncia e o conhecimento da preliminar de ausência de justa causa para a proposição da ação penal, diante da violação ao uso abusivo do direito de acusar pelo Ministério Público;

b) Absolvição sumária de C. A. L. diante da errônea denúncia pelo crime de lavagem de dinheiro em face da atipicidade da acusação, em relação a irretroatividade da lei penal bem como a inexistência de crime antecedente;

c) A absolvição sumária de C. A. L. quanto às imputações acerca do crime de quadrilha ou bando, em face da ausência de condições determinantes e elementares para a prática do delito;

d) A juntada do rol de testemunhas abaixo arroladas, que deverão ser intimadas para audiência posteriormente designada por Vossa Exce-lência.

Termos em que espera deferimento.

Porto Alegre, 26 de Julho de 2013.

Mateus Marques OAB/RS 71.869

ROL DE TESTEMUNHAS

a) A. B. C. – Residente e domiciliada na Rua X nº 98, na Cidade de Porto Alegre/RS;

b) X. Y. Z. – Residente e domiciliado na Rua H nº 33, na Cidade de Porto Alegre/RS;

c) P. P. P. – Residente e domiciliado na Rua GG nº 01, na Cidade de Porto Alegre/RS;

d) D. E. F. – Residente e domiciliada na Rua Q nº 666, na Cidade de Porto Alegre/RS.

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Clipping Jurídico

Cassada decisão sobre liberdade condicional a condenado por associação ao tráficoO Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli cassou acórdão da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) que concedeu livra-mento condicional a condenado por associação ao tráfico de entorpecentes que havia cumprido apenas um terço da pena a ele imposta. A decisão do ministro foi tomada nos autos da Reclamação (RCL) nº 16079. De acordo com os autos, no julgamento de habeas corpus, a Turma do TJRJ afastou a aplicação do art. 44, parágrafo único, da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006). Esse dispositivo trata da concessão de livramento con-dicional somente após cumprimento de dois terços da pena. Em sua decisão, o Ministro Dias Toffoli acolheu argumento do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) de que a decisão questionada ofendeu a Súmula Vinculante nº 10 da Suprema Corte, que não admite o afastamento, no todo ou em parte, de lei ou ato normativo do Poder Público por órgão fracionário de Tribunal (como a 5ª Câmara Criminal do TJRJ), mesmo que não declare a sua inconstitucionalidade. A súmula traduz a interpretação do art. 97 da Constituição Federal pelo STF. Trata-se da chamada reserva de Plenário, segundo a qual somente pleno ou órgão especial de Tribunal pode, por maioria absoluta, declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Em 16 de agosto deste ano, o Ministro Dias Toffoli deferiu liminar suspendendo os efeitos da decisão atacada. Agora, ele julgou o mérito da ação, amparado no art. 161, parágrafo único, do Regimento Interno do STF, que permite que o relator julgue o mérito da reclamação quando a matéria for objeto de jurisprudência consolidada do Tribunal. Ao cassar acórdão da Turma do TJRJ, o ministro determinou que outro seja proferido “em consonância com o art. 97 da Carta da Repú-blica”. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

STF veda combinação de leis para reduzir pena por tráfico de drogasPor maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu não ser possível a aplica-ção da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da nova Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006), combinada com penas previstas na Lei nº 6.368/1976, para crimes cometidos durante sua vigência. O Ministro Ricardo Lewandowski, Relator do Recurso Extraordinário (RE) nº 600817, sustentou que, embora a retroação da lei penal para favorecer o réu seja uma garantia constitucional, a Lei Magna não autoriza que partes de diversas leis se-jam aplicadas separadamente em seu benefício. O relator sustentou que a aplicação da minorante prevista em uma lei, combinada com a pena prevista em outra, criaria uma terceira norma, fazendo com que o julgador atue como legislador positivo, o que confi-guraria uma afronta ao princípio constitucional da separação dos Poderes. A decisão no RE 600817, que teve repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual do STF, servirá de paradigma para casos semelhantes. O ministro observou que a Lei nº 6.386/1976 es-tabelecia para o delito de tráfico de entorpecentes pena de 3 a 15 anos de reclusão, e a nova lei, mais severa, prevê para o mesmo crime pena de 5 a 15 anos. Ele destacou que a causa especial de diminuição de pena foi incluída apenas para beneficiar o réu primá-rio que tenha bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas ou não seja integrante de organização criminosa. “Não resta dúvida que o legislador preocupou-se em diferenciar o traficante organizado, que obtém fartos lucros com a direção de ativi-dade altamente nociva à sociedade, do pequeno traficante, denominado mula ou avião, utilizado como simples mão de obra para entrega de pequenas quantidades de droga”, disse o relator. A corrente divergente entende que a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da nova Lei de Drogas combinada com a pena da lei

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revogada não representa a criação de nova norma. Os ministros que defendem esta tese consideram que, como o dispositivo favorável ao réu não existia, a norma é autônoma e pode ser aplicada em combinação com a lei anterior. O RE 600817 foi interposto pela Defensoria Pública da União (DPU) contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), que não aplicou ao caso as causas de diminuição previstas na Lei nº 11.343/2006 (arts. 33, § 4º, e 40, inciso I), em combinação com a pena fixada com base no art. 12 da Lei nº 6.368/1976. Tal procedimento, segundo a Defensoria, seria mais benéfico ao réu. No processo analisado, os ministros deram provimento parcial ao RE, negando a aplicação imediata da minorante da lei nova combinada com a pena da lei anterior, mas determinando a volta do processo ao juiz de origem para que, após efetuar a dosimetria de acordo com as duas leis, aplique, na íntegra, a legislação que for mais favorável ao réu. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

Motoristas em racha cometem mesmo crime e merecem mesma condenaçãoNão é possível condenar dois motoristas por “racha” ou “pega” com base nos mesmos fatos e circunstâncias, em coautoria, como se um agisse de forma culposa e o outro com dolo eventual. Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou a um motorista condenado por homicídio doloso a mesma pena do outro envol-vido no acidente, condenado por homicídio culposo na direção de veículo. A acusação atribuiu aos motoristas a participação em corrida ilícita, conhecida como “racha” ou “pega”. Ao fazê-lo, eles teriam assumido o risco de causar a morte da vítima. Um dos carros a derrubou da motocicleta e o outro a atropelou. Daí a denúncia por homicídio intencional, na modalidade de dolo eventual. Os jurados, porém, afastaram o dolo de um dos motoristas. Por isso, ele foi condenado por homicídio culposo na direção de veículo e recebeu pena final de três anos de detenção em regime aberto e suspensão da habilitação pelo mesmo período. O outro motorista, no entanto, foi condenado por homicídio doloso simples e recebeu pena final de sete anos de reclusão em regime semiaberto e inabilitação para dirigir por cinco anos. Para o Ministro Marco Aurélio Bellizze, a conclusão dos jurados, mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), violou a teoria unitária do concurso de agentes. O TJRJ ainda afirmou que os jura-dos teriam reconhecido a autoria colateral e não o concurso de pessoas, por ser distinta a responsabilidade jurídico-penal dos réus. O Ministro Bellizze explicou que essa hipótese ocorre quando os dois agentes, embora se voltem contra o mesmo bem jurídico, atuam de forma individual, um ignorando os atos do outro, para a realização do crime. Nesses casos, não há adesão dos sujeitos na execução do ilícito, e a responsabilização penal é individual. O ministro ainda considerou que o caso seria, a rigor, de submeter o réu a novo julgamento pelo júri. Ocorre que a condenação do corréu na modalidade culposa já transitou em julgado tanto para a defesa quanto para a acusação e não pode, portanto, ser modificada. Para o relator, a aplicação da soberania do júri se dá, no caso concreto, com a preservação da coisa julgada. A questão resolvida pelo STJ foi meramente de apli-cação do direito, não havendo outra solução cabível que não a de extensão dos efeitos da sentença condenatória ao recorrente. Caberá ao juízo sentenciante a realização de novo cálculo da pena ao recorrente, observando os parâmetros do homicídio culposo ao dirigir. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Fechamento da Edição: 03.12.2013

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINA

Assunto

Novo Código de ProCesso PeNal

•Adesão Civil: Riscos da Aparente Ampliação do Objeto do Processo Penal (Rodrigo Oliveira de Camargo) .......................................................32

•Breves Linhas sobre o Monitoramento Eletrôni-co na Legislação Brasileira e no Anteprojeto de Reforma do Código de Processo Penal (Bernardo de Azevedo e Souza) .........................................43

• Interceptação Telefônica. Prazo de Duração. Lei nº 9.296/1996 e Projeto do Novo CPP(Maurício Tasca) .................................................59

•O Reconhecimento Fotográfico de Pessoas e Suas Implicações no Processo Penal Brasilei-ro. Uma Abordagem à Luz do Artigo 226 do Código de Processo Penal de 1941 e da Re-dação do Artigo 196 do PLS 156/2009 (ThaísComassetto Felix) ................................................70

•Para uma Noção de Doping no Processo Penal (Alexandre Morais da Rosa) ................................24

•Principais Mudanças (e Polêmicas): Projeto de Novo Código de Processo Penal (PL 8.045/ 2010)(Neemias Moretti Prudente) ..................................9

•Reforma do Código de Processo Penal e Tute-la Ressarcitória da Vítima: Apontamentos ao Projeto de Lei nº 8.045/2010 (Cristina Regode Oliveira) ........................................................78

Autor

alexaNdre Morais da rosa

•Para uma Noção de Doping no Processo Penal ...........................................................................24

BerNardo de azevedo e souza

•Breves Linhas sobre o Monitoramento Eletrôni-co na Legislação Brasileira e no Anteprojeto de Reforma do Código de Processo Penal................43

CristiNa rego de oliveira

•Reforma do Código de Processo Penal e Tutela Ressarcitória da Vítima: Apontamentos ao Pro-jeto de Lei nº 8.045/2010 ...................................78

MauríCio tasCa

• Interceptação Telefônica. Prazo de Duração.Lei nº 9.296/1996 e Projeto do Novo CPP ..........59

NeeMias Moretti PrudeNte

•Principais Mudanças (e Polêmicas): Projeto de Novo Código de Processo Penal (PL 8.045/2010) (Neemias Moretti Prudente) ..................................9

rodrigo oliveira de CaMargo

•Adesão Civil: Riscos da Aparente Ampliação do Objeto do Processo Penal ...................................32

thaís CoMassetto Felix

•O Reconhecimento Fotográfico de Pessoas e Suas Implicações no Processo Penal Brasileiro. Uma Abordagem à Luz do Artigo 226 do Códi-go de Processo Penal de 1941 e da Redação do Artigo 196 do PLS 156/2009 ...............................70

ACONTECE

Assunto

iNquérito PoliCial

•O Indiciamento e o Supremo Tribunal Federal (Rômulo de Andrade Moreira) ..........................229

Autor

rôMulo de aNdrade Moreira

•O Indiciamento e o Supremo Tribunal Federal ..229

PRÁTICA PROCESSUAL

Assunto

resPosta à aCusação

•Resposta à Acusação (Mateus Marques) ........... 234

Autor

Mateus Marques

•Resposta à Acusação ....................................... 234

Índice Geral

DOUTRINA

Assunto

iNterCePtação teleFôNiCa

• Interceptação Telefônica e Tribunais Superiores: Análise dos Requisitos Legais e Constitucionais à Luz da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal (DanielBorges Moreno) ................................................124

PriNCíPios

•Princípios da Irretroatividade e Retroatividade Penal (Leonardo Schmitt de Bem) .......................98

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246 .....................................................................................................RDP Nº 83 – Dez-Jan/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

Autor

daNiel Borges MoreNo

• Interceptação Telefônica e Tribunais Superiores: Análise dos Requisitos Legais e Constitucionais à Luz da Jurisprudência do Superior Tribunal deJustiça e do Supremo Tribunal Federal .............124

leoNardo sChMitt de BeM

•Princípios da Irretroatividade e Retroatividade Penal ..................................................................98

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

agravo eM exeCução PeNal

•Penal e processual penal – Agravo em exe-cução penal – Indulto previsto no Decreto nº 7.873/2012 – Cumprimento integral da pres-tação de serviços à comunidade – Inadimplên-cia da pena de multa e da prestação pecuniária – Ré sem condição socioeconômica para adimplir – Requisitos subjetivos e objetivos do Decreto nº 7.873/2012 atendidos – Extinção da puni-bilidade (TRF 5ª R.) ................................ 6763, 188

CoNtraBaNdo

•Direito penal e processual penal – Apelação criminal – Contrabando – Autoria delitiva não configurada (TRF 2ª R.) .......................... 6760, 172

CriMe CoNtra a adMiNistração PúBliCa

•Direito penal – Crime contra a administração pública – Peculato – Prescrição entre data do fato e do recebimento da denúncia – Pena em concreto – Apropriação de valores de depósito judicial – Materialidade e autoria comprovadas – Continuidade delitiva – Dias-multa – Redução – Reparação dos danos causados – Diminuição do valor – Isenção de custas – Condição eco-nômica do acusado a ser averiguada pelo juízo da execução (TRF 4ª R.) ......................... 6762, 181

estelioNato

•Penal – Estelionato – Fraude contra o seguro--desemprego e FGTS – Dificuldades financeiras (TRF 1ª R.) ............................................. 6759, 168

Moeda Falsa

•Penal – Moeda falsa – Guarda de notas falsas – Contrafação grosseira – Atipicidade da con-duta – Absolvição do réu – Apelação provida(TRF 3ª R.) ............................................. 6761, 176

PresCrição

•Embargos de declaração – Agravo regimental – Recurso especial – Prescrição intercorrente – Reconhecimento – Embargos acolhidos para de-clarar a extinção da punibilidade do recorrente(STJ) ....................................................... 6758, 162

reCurso

•Penal – Agravo regimental em agravo em recur-so especial – Interposição fora do prazo legal de 5 dias – Intempestividade – Protocolo pos-tal – Não aplicação aos tribunais superiores – Súmula nº 216/STJ (STJ) ......................... 6756, 153

•Penal e processo penal – Agravo regimental em agravo em recurso especial – 1. Concessão de habeas corpus pela Corte local – Pleito de res-tabelecimento da prisão cautelar – Violação ao art. 312 do CPP – Divergência jurisprudencial – Fundamentos da prisão preventiva – Reexame das provas do processo – Impossibilidade – In-cidência da Súmula nº 7/STJ – 2. Agravo regi-mental improvido (STJ) .......................... 6757, 157

EMENTÁRIO

Assunto

Código de trâNsito Brasileiro

•Código de Trânsito Brasileiro – atropelamento – comunicabilidade no juízo cível de sentençapenal condenatória – possibilidade........ 6764, 194

CoMPetêNCia

•Competência – inquérito policial – estelionato contra a Previdência Social – concessão fraudu-lenta – apuração dos fatos ..................... 6765, 197

CriMe aMBieNtal

•Crime ambiental – ilha costeira – dano provo-cado – Justiça Federal – competência .... 6766, 199

•Crime ambiental – norma penal em branco – fal-ta de justa causa – alegação – impossibilidade .............................................................. 6767, 199

•Crime ambiental – obras irregulares – plano de recuperação – irrelevância ..................... 6768, 199

CriMe CoNtra a ordeM triButária

•Crime contra a ordem tributária – recibos falsos – IR – conduta autônoma – descaracterização .............................................................. 6769, 200

CriMe CoNtra o sisteMa de teleCoMuNiCações

•Crime contra o sistema de telecomunicações – distribuição clandestina de sinal de TV – tipifi-cação – crime de furto – desclassificação . 6770, 201

CriMe de aBaNdoNo de Posto

•Crime de abandono de posto – estado de ne-cessidade – excludente de culpabilidade – não comprovação ......................................... 6771, 201

CriMe de deClaração Falsa

•Crime de declaração falsa – processo de trans-formação de visto para estrangeiro – autoria e materialidade – configuração ................. 6772, 201

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RDP Nº 83 – Dez-Jan/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO .........................................................................................................247

CriMe de estelioNato

•Crime de estelionato – apropriação indébita – exercício da advocacia – suspensão – constran-gimento ilegal – inexistência .................. 6773, 202

•Crime de estelionato – atestados falsos – in-dução a erro – prescrição – reconhecimento – possibilidade ......................................... 6774, 206

•Crime de estelionato – peculato – crime contra a ordem tributária – lavagem de dinheiro – in-vestigado – ex-prefeito – desvio – ocorrência .............................................................. 6775, 206

CriMe de estuPro

•Crime de estupro – progressão de regime – exa-me criminológico – possibilidade .......... 6776, 207

CriMe de lavageM de diNheiro

•Crime de lavagem de dinheiro – venda de auto-móveis contrabandeados – atipicidade .. 6777, 207

CriMe de Moeda Falsa

•Crime de moeda falsa – corrupção de meno-res – pena – fixação – acima do mínimo legal .............................................................. 6778, 208

CriMes Militares

•Crimes militares – roubo qualificado – extorsão simples – princípio da isonomia – aplicabili-dade ...................................................... 6779, 208

estatuto da CriaNça e do adolesCeNte

•Estatuto da Criança e do Adolescente – crime de roubo – medida socioeducativa – semi-liber-dade – aplicação ................................... 6780, 209

estelioNato CoNtra a PrevidêNCia soCial

•Estelionato contra a Previdência Social – crime permanente – prescrição ........................ 6781, 209

estelioNato qualiFiCado

•Estelionato qualificado – saque indevido – bene-fícios previdenciários – autoria e materialidade– comprovação ...................................... 6782, 210

estuPro

•Estupro – ameaça – negativa de autoria delitiva – sentença condenatória ........................ 6783, 210

exeCução PeNal

•Execução penal – falta grave – progressão de regime – interrupção do lapso temporal – possi-bilidade ................................................. 6784, 211

•Execução penal – livramento condicional – fu-gas – infração disciplinar ....................... 6785, 211

•Execução penal – regime prisional – regressão – fuga – falta grave – configuração ........... 6786, 211

•Execução penal – tráfico de drogas – estran-geiro em situação irregular no País – princípio da isonomia – aplicação ........................ 6787, 212

extradição

•Extradição – crimes de prostituição e detenção ilegal – tráfico internacional – prescrição – nãoocorrência ............................................. 6788, 212

FalsiFiCação de MediCaMeNtos

•Falsificação de medicamentos – preceito secun-dário – constitucionalidade .................... 6789, 212

Furto siMPles

•Furto simples – insuficiência de provas – absol-vição ..................................................... 6790, 213

Fraude à liCitação

• Fraude à licitação – ação penal – trancamento – inépcia da inicial – atipicidade da conduta – au-sência de justa causa – impossibilidade .... 6791, 213

Furto qualiFiCado

•Furto qualificado – pena-base – ilegalidade .............................................................. 6792, 215

•Furto qualificado – princípio da insignificância – inaplicabilidade ..................................... 6793, 216

hoMiCídio doloso

•Homicídio doloso – participação em disputa automobilística ilícita – “pega” – velocidade ex-cessiva – condenação ............................ 6794, 216

iNvestigação CriMiNal

• Investigação criminal – quebra de sigilo bancá-rio e fiscal – interesse da sociedade na apuração dos fatos – prevalência .......................... 6795, 218

livraMeNto CoNdiCioNal

•Livramento condicional – constrangimento ile-gal – caracterização ............................... 6796, 220

PeCulato

•Peculato – desvio de mercadorias importa-das – materialidade e autoria – comprovação .............................................................. 6797, 221

PriNCíPio da iNsigNiFiCâNCia

•Princípio da insignificância – não incidência – tipicidade material – não reconhecimento .............................................................. 6798, 221

Prisão

•Prisão – garantia da ordem pública – periculosi-dade – necessidade ................................ 6799, 222

redução à CoNdição aNáloga à de esCravo

•Redução à condição análoga à de escravo – denúncia – rejeição – falta de justa causa .............................................................. 6800, 222

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rouBo duPlaMeNte CirCuNstaNCiado

•Roubo duplamente circunstanciado – empregode arma – concurso de agentes .............. 6801, 223

rouBo qualiFiCado

•Roubo qualificado – dosimetria – concurso for-mal – reconhecimento ........................... 6802, 223

soNegação de CoNtriBuição PrevideNCiária

•Sonegação de contribuição previdenciária – ex--prefeito – responsabilização ................. 6803, 224

traFiCo de drogas

•Tráfico de drogas – imediações de estabeleci-mento de ensino – regime mais gravoso – fixação .............................................................. 6804, 224

•Tráfico de drogas – posse de maquinário – as-sociação – normas violadas – ausência; conde-

nação simultânea – diminuição de pena – inci-dência ................................................... 6805, 225

uso de doCuMeNto Falso

•Uso de documento falso – potencialidade lesiva – materialidade e autoria – prova – condenação .............................................................. 6806, 227

usurPação de FuNção PúBliCa

•Usurpação de função pública – agente de ins-peção – materialidade e autoria – condenação .............................................................. 6807, 227

CLIPPING JURÍDICO

•Cassada decisão sobre liberdade condicionala condenado por associação ao tráfico ............243

•STF veda combinação de leis para reduzir pena por tráfico de drogas .........................................243

•Motoristas em racha cometem mesmo crime e merecem mesma condenação ..........................244