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FACULDADE MERIDIONAL IMED ESCOLA DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO PPGD MESTRADO EM DIREITO ISADORA BENVENUTI DE MATTOS EXPULSÕES: UMA REFLEXÃO SOBRE O DESLOCAMENTO DE REFUGIADOS E DESAFIOS EM POLÍTICAS PÚBLICAS Passo Fundo, RS 2019

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FACULDADE MERIDIONAL – IMED

ESCOLA DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO – PPGD

MESTRADO EM DIREITO

ISADORA BENVENUTI DE MATTOS

EXPULSÕES: UMA REFLEXÃO SOBRE O DESLOCAMENTO DE REFUGIADOS E

DESAFIOS EM POLÍTICAS PÚBLICAS

Passo Fundo, RS

2019

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Isadora Benvenuti de Mattos

EXPULSÕES: UMA REFLEXÃO SOBRE O DESLOCAMENTO DE REFUGIADOS E

DESAFIOS EM POLÍTICAS PÚBLICAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

graduação Stricto Sensu – Mestrado em

Direito – da Faculdade Meridional – IMED,

em sua área de concentração em Direito

Democracia e Sustentabilidade, Linha de

Pesquisa Fundamentos do Direito e da

Democracia, como requisito à obtenção do

título de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. José Renato Cella

Passo Fundo, RS

2019

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CIP – Catalogação na Publicação

M444e MATTOS, Isadora Benvenuti de Expulsões: uma reflexão sobre o deslocamento de refugiados e

desafios em políticas públicas / Isadora Benvenuti de Mattos. – 2019. 78 f., il.; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade IMED, Passo Fundo,

2019. Orientador: Prof. Dr. José Renato Cella.

1. Direito internacional. 2. Refugiados – Políticas públicas. 3. Migração. I. CELLA, José Renato, orientador. II. Título.

CDU: 341

Catalogação: Bibliotecária Angela Saadi Machado - CRB 10/1857

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais, que sempre acreditaram em mim, à minha filha, para

que um dia eu possa seguir de exemplo.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, por ser essencial em minha vida. Aos meus pais, Denise e Alberto,

pelo apoio e incentivo incessante. Ao meu esposo, pelo carinho, paciência e por ser meu porto

seguro. À minha sogra, Eliete, por toda ajuda. À Luísa, minha filha, por ser a minha força

para buscar um futuro melhor. Aos meus colegas e amigos da Pós-graduação, que trouxeram

alegria e leveza por toda essa caminhada. Às minhas irmãs, por servirem de exemplo. Ao

Cheikh Cisse, in memorian, por ser a inspiração para a busca de empregos com condições

dignas aos refugiados. Ao Serigne Diakhate, in memorian, por ser inspiração para a busca de

moradias em condições dignas aos refugiados.

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“... para cada refugiado existe sempre um não refugiado que

poderia ser um refugiado caso fossem diferentes as circunstâncias

e prioridades políticas.”

Emma Haddad

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RESUMO

O tema das migrações internacionais vem ganhando espaço acadêmico, repercutindo

no meio social, cultural e sendo central na esfera política de vários países, inclusive sendo

tema central de encontros, conferências e debates na seara internacional. O assunto é central

também no Brasil, em várias áreas do conhecimento, em razão de o país vivenciar a realidade

de imigrantes, principalmente àqueles em estado de vulnerabilidade: os refugiados. A presente

pesquisa tem como fulcro apresentar a realidade do ciclo de expulsões, descrito por Saskia

Sassen, sob o qual os refugiados estão vulnerabilizados e apresentar soluções para o

rompimento desse ciclo, com base na legislação brasileira vigente e também políticas públicas

que proporcionem o bom recebimento e inserção social de migrantes refugiados que buscam

acolhimento no Brasil. O método de abordagem é dedutivo, utilizando revisão bibliográfica e

a análise panorâmica das políticas públicas internacionais com base em coleta de dados

secundários.

Palavras-chave: Refugiados. Expulsões. Lei 13.445/17. Políticas Públicas.

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ABSTRACT

The theme of international migrations has been gaining academic space, having

repercussions in the social and cultural environment and being central in the political sphere

of several countries, including being the central topic of meetings, conferences and debates in

the international arena. The subject is also central in Brazil, in several areas of knowledge,

because the country experiences the reality of immigrants, especially those in a state of

vulnerability: the refugees. The present research has as a fulcrum to present the reality of the

cycle of expulsions, described by Saskia Sassen, under which the refugees are vulnerable and

to present solutions for the rupture of this cycle, based on the current Brazilian legislation and

also public policy that provide the good reception and social insertion of refugee migrants

who seek shelter in Brazil. The method of approach is inductive, using bibliographic review

and the panoramic analysis of international public policies based on secondary data collection.

Keywords: Refugees. Expulsions. Law 13.445/17. Public policy.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Maioria dos alvos de acordo com valor total do relatório.................................. 32

Figura 2 – A origem do investimento – 20 principais países............................................... 33

Figura 3 - A aquisição de terra pelo perfil do investidor..................................................... 34

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Número de negócios por milhões de hectares.................................................... 31

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACNUR ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS

CIDH CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

CNIg CONSELHO NACIONAL DE IMIGRAÇÃO

CO₂ DIÓXIDO DE CARBONO

FAO FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION

FMI FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL

IPCC PAINEL INTERGOVERNAMENTAL DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

OEA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS

OMC ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO

ONG ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL

ONU ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS

OIM ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL PARA MIGRAÇÕES

OUA ORGANIZAÇÃO UNIDADE AFRICANA

PAE PLANOS DE AJUSTE ESTRUTURAL

PIB PRODUTO INTERNO BRUTO

PNUD PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO

SEBRAE SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................................. 13

2 O CONTEXTO GLOBAL DA CRESCENTE EXPULSÃO HUMANA.................... 14

2.1 Expulsões e Brutalidades: esquadrinhando conceitos................................................... 20

2.2 O Novo Mercado Global de Terras................................................................................. 28

2.2.1 Onde? Quem? Das Aquisições de Terras Estrangeiras................................................ 29

3 OS INSTITUTOS JURÍDICOS DE PROTEÇÃO DAS POPULAÇÕES

EXPULSAS..........................................................................................................................

37

3.1 Classificações de Refúgio: de Guerra, Ambientais e Econômicos............................. 42

3.2 Quem pode ser beneficiado pelo instituto....................................................................... 46

4 NO PRISMA DOS REFUGIADOS NO BRASIL......................................................... 55

4.1 Práticas Reprováveis....................................................................................................... 57

4.2 Boas Práticas para a Recepção dos Refugiados.............................................................. 63

5 CONCLUSÃO.................................................................................................................. 73

REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 75

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1 INTRODUÇÃO

A globalização, o problema das desigualdades, as transformações econômicas e

políticas, o atual fluxo migratório de refugiados e o impacto social-econômico e cultural que

causam nas sociedades envolvidas estimulam estudos acerca do tema da migração no cenário

internacional. Esses fenômenos transnacionais trazem uma série de discussões sobre a

estrutura estatal no âmbito global e o papel que deve assumir defronte aos fluxos migratórios,

enquanto inserido no cenário em que a permeabilidade das fronteiras exerce forte influência

na política interna do país.

A presente dissertação busca enfrentar a realidade da migração internacional de

refugiados ao Brasil, com ênfase na obra de Saskia Sassen - Expulsões: Brutalidades e

Complexidades na Economia Global – considerando a legislação brasileira vigente para as

migrações e refugiados (leis 13.445/2017 e lei 9.474/97, respectivamente) e acordos

internacionais sobre o tema dos quais o Brasil é signatário. Tratando-se de um trabalho

vinculado à área de direitos humanos, salienta questões que envolvem elementos

fundamentais para a promoção da dignidade da pessoa humana segundo as concepções

verificadas na atualidade para o Direito dos Refugiados, no âmbito nacional e internacional.

Nesse sentido, um olhar direcionado à matéria das migrações no Brasil, com ênfase

naqueles em estado de vulnerabilidade, que se enquadram no instituto do refúgio, ou também

denominados por Sassen de “expulsos”, revelam dificuldades para o bom recebimento,

acolhimento e inserção na sociedade em questão. O trabalho buscou políticas públicas

internacionais que podem caracterizar-se como alternativas viáveis ao governo brasileiro para

suprir essas lacunas práticas, considerando seus benefícios e dificuldades, visando fortalecer

as capacidades estatais para valorizar e priorizar as necessidades dos refugiados,

desenvolvendo um modelo de gestão que rompe com o ciclo de expulsões, evitando práticas

condenadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, além de promover

desenvolvimento a partir dos fluxos migratórios. Para a pesquisa, foi utilizado método de

abordagem indutivo, utilizando revisão bibliográfica e a análise panorâmica das políticas

públicas internacionais com base em coleta de dados secundários a partir do estudo

promovido pelo Ministério da Justiça, Visões do Contexto Migratório no Brasil.

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2 O CONTEXTO GLOBAL DA CRESCENTE EXPULSÃO HUMANA

A teoria moderna da migração se originou com Ravenstein, em meados do século

XIX. Esse período foi predominantemente caracterizado pelo crescimento e consolidação da

sociedade industrial. Os migrantes eram parte de um mecanismo, os quais eram considerados

forças de empuxo ou arranque, ao redor do progresso capitalista, em plena expansão, os

marcos conceituais predominantes consideravam a migração um fenômeno positivo, pois

consideravam uma contribuição à modernização, à mobilidade do trabalho e ao crescimento

econômico. A teoria da migração da época estava focada nos movimentos populacionais

ligados ao crescimento econômico, sumariamente dizendo entre Estados Unidos e Europa1.

As abordagens teóricas quanto ao fenômeno migratório dividiu-se entre aqueles que

se filiam ao aporte teórico neoclássico-funcionalista de Lee, e, de outro lado, encontra-se o

artigo de Singer, que segue a linha histórico-estruturalista. No enfoque de Lee, o indivíduo, de

forma racional, analisa o custo-benefício do deslocamento e decide individualmente se realiza

ou não2.

De acordo com Singer e sua teoria, a migração é um fenômeno social, que assume

dimensão de classe social, que estaria respondendo aos processos social, econômico e político

ao migrar. Sob sua ótica, as migrações internas são sempre historicamente condicionadas,

sendo o resultado de um processo global de mudança, do qual elas não devem ser separadas3.

Para Singer, existiriam fatores de expulsão (subdivididos em fatores de mudança e de

estagnação) e de atração.

Os fluxos migratórios da atualidade são conceitualizados de forma extremamente

diferente, trata-se de uma migração pós-industrial, os movimentos estão estabelecidos com

base nas redes interpessoais globais e interdependência da economia mundial. Em um

contexto de recessão econômica, inflação e processo evolutivo de transformação em diversos

setores sociais, a migração já não é mais concebida como uma contribuição ou fenômeno

favorável para economia. Compreende-se como um translado de mão de obra de uma região

para outra. Prevalecem agora opiniões negativas sobre a migração internacional, que causa

temor de perda do emprego nos países que recebem os migrantes e temor da fuga dos

cidadãos mais preparados ou qualificados intelectualmente nos países de origem4.

1 SIMMONS, Alan B. Explicando la migración: la teoría en la encrucijada· 1991. p. 6 2 LEE. Uma teoria sobre a migração, 1980, p. 99 3 SINGER. Migrações internas: considerações teóricas sobre o seu estudo, 1980, p. 217. 4 SIMMONS, 1991, p. 7

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Os movimentos internos e internacionais apoiam e reforçam certos tipos de

desigualdades de classe e de divisões internacionais entre países ricos e pobres. As teorias

sobre fenômenos migratórios passaram a preocupar-se mais com os conflitos sociais e a

desigualdade de relações na tentativa de explicar esses processos sociais.5O cenário mundial

atual enfrenta o surgimento de um novo problema político: o surgimento de novas lógicas de

expulsão, que incluem pessoas, empresas e lugares expulsos de ordens sociais que pertenciam

anteriormente. Esse conceito de expulsões é uma forma de entender as patologias do

capitalismo global atual que vai além e mais profundamente do que a ideia que é familiar da

desigualdade crescente. Põem em xeque práticas, decisões, conquistas e cadeias econômicas

que são respeitadas e admiradas pelo capitalismo global, porém desembocam em simples

expulsões, que coexistem facilmente com o crescimento econômico tal como é medido pelas

formas tradicionais, isto é, nossas economias políticas avançadas possuem uma lógica

organizadora que cria e convive com demasiada frequência expulsões6.

Wolpert afirma que a migração populacional trata-se de um resultado do processo de

decisão, em função de uma expectativa de mudanças melhores para o futuro7. Grande parte do

aporte teórico diz respeito ao êxodo rural, processo social que sustenta o processo de

proletarização da massa de produtores rurais que passaram a ser incorporados como mão de

obra urbana.

Hasta 1850, ni el éxodo rural, ni la inmigración extranjera, ni la escuela ni ningún

otro fenómeno parecen definirse en la óptica de la producción de fuerzas de trabajo.

El éxodo rural aún no constituye un fenómeno afirmado; remite, más bien, a una

fluctuación general de las masas rurales que una tendencia claramente delineada. La

inmigración extranjera, trabajadores de oficios especialmente, es únicamente un

elemento más entre otros de la circulación de los trabajadores atraídos por mejores

salarios, mejores empleos o bien establecidos en determinados lugares debido a

simples contingencias históricas. (...) pero todo sucede como si el capital, cuyo

desarrollo no está todavía realmente afirmado, se alimentase en base a una oferta de

trabajo que está ahí, exógena a sus propios circuitos de funcionamiento8.

A corrente que se vincula a essa teorização destaca a estrutura capitalista como

responsável pelo desenvolvimento desigual e desequilibrado sobre o espaço territorial, isso é,

5 SIMMONS, op. cit,, p. 28. 6 SASSEN, Saskia. Expulsões: Brutalidade e Complexidade na Economia Global, 2016, p. 9. 7 WOLPERT, apud SILVA. Pesquisa de Fluxos Migratórios para Belo Horizonte. In Migrações Internas e

Desenvolvimento Regional. Belo Horizonte. CEDEPLAR/ANPEC, 1975, p. 132. 8 GAUDEMAR, La mobilisation générale. Paris: Editions du Champ Urbain, 1981, p. 249-250.

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os fluxos de população em busca de trabalho são determinantes para a diferença campo-

cidade9.

A única mercadoria que essa massa populacional dispõe para oferecer ao mercado

capital é a sua mão de obra, sua força de trabalho, pois perderam a capacidade de produzir e

subsistir com base em sua própria produção rural. O trabalhador passou a ser obrigado a

circular em busca de subsistência. Migração trata-se, essencialmente, de uma necessidade

gerada a partir dos processos sociais e econômicos circunscritos às relações capitalistas, que

respondem ao padrão de produção e acumulação de riqueza da sociedade.

Em Singer10, os fatores determinantes para a produção dos fluxos são os atrativos que

orientam os locais para qual se destinam. O principal atrativo é são vagas de emprego,

demanda por força de trabalho que são vistas como oportunidade econômica. Esse autor já

considerava que no local de origem surgiam fatores de expulsão, que eram determinados pela

introdução de relações capitalistas, aumentando a produtividade do trabalho e gerando uma

redução no número de empregos. Além disso, a tecnologia agrícola expulsou camponeses e

pequenos produtores que perderam competitividade no cultivo, pois incapazes em economia

de subsistência de aumentarem a produtividade da terra, equiparados a grandes latifúndios.

Uma consonância existente entre os principais teóricos é o problema acerca do

individualismo metodológico, que considera o migrante como capacitado a escolher

voluntariamente o deslocamento, o tempo de permanência, o local de destino, e os fatores

envolvidos à decisão de abandonar a pátria em busca de perspectivas melhores. Reduzir toda a

estrutura do deslocamento a vontade do agente individual seria omissão ou ingenuidade:

Neste caso, as motivações, quando levadas em conta, são tomadas como meras

atualizações subjetivadas das determinações estruturais. Os indivíduos ou grupos

sociais tendem a ser percebidos como simples atores de um drama cujo cenário e

script está inscrito na estrutura, em primeiro lugar, no mercado – particularmente no

mercado de trabalho11. Neoclássicos e estruturalistas mostram-se incapazes de

identificar o lugar e o papel da coerção na produção e reprodução dos deslocamentos

e localizações do trabalho no movimento normal do desenvolvimento capitalista. Em

consequência, suas análises acabam por omitir dimensão essencial da dinâmica que

subjaz a fluxos e localizações de populações12.

9 VAINER, Deslocamentos compulsórios, restrições à livre circulação: elementos para um reconhecimento

teórico da violência como fator migratório, 1998, p. 825. 10 SINGER. Migrações internas: considerações teóricas sobre seu estudo. In: Migração interna: textos

selecionados, 1980, p. 222. 11 VAINER, Carlos. Deslocamentos compulsórios, restrições à livre circulação: elementos para um

reconhecimento teórico da violência como fator migratório. 1998, p. 826. 12 VAINER, op. cit., p. 828.

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Confirma Sayad que a migração possui em sua essência características demográficas,

sociais e econômicas: a grande maioria dos deslocados eram homens jovens que buscavam

vender a força de trabalho nas indústrias e na mineração13. Esses deslocamentos estavam

inseridos num escopo de processo social que levou aqueles homens e mulheres a

empreenderem os movimentos ultramarinos, dimensão que está além de decisões racionais

movidas pela percepção de que se era possível maximizar as condições de vida num outro

continente:

Pronto a se satisfazer da observação empírica e do que esta lhe traz, mas do que da

revelação de verdades escondidas – é levado a privilegiar o ponto de vista

individualista: são indivíduos isoladamente que tomam, com toda a liberdade e

segundo o que acreditam ser seu interesse, a decisão de partir; são eles que decidem,

por si mesmos e por sua própria conta por quanto tempo vão ficar e, ao final deste

período, decidem se lhes convêm retornar [...] Este ponto de vista, que se pode taxar

de ingênuo, quando só a expressão do senso comum, revela, quando incorporado por

certos homens de ciência, o princípio mais geral que está na gênese do que eles

chamam individualismo metodológico, um pré-conceito de método consistindo a

calar ou minimizar a parte que as estruturas objetivas, isto é, as relações de força

presentes, assumem em todas as relações sociais14.

Os movimentos populacionais no pós-fordismo, estágio no qual o processo de

acumulação do capital altera-se significativamente. Para Harvey15, esse foi um marco de

mudança abissal nas praticas econômicas, politicas, sociais, culturais, interpessoais, que

geraram a transição da modernidade para a pós-modernidade. Alterando a estruturação

capitalista de percepção de tempo-espaço. No período fordista a população trabalhadora era

significativa para a economia, pois produziam e consumiam de forma significativa,

controlando e gerenciando a economia. Os movimentos migratórios eram associados ao

desenvolvimento de capital, produção e consumo em massa, rotatividade e mobilidade do

trabalho, migrantes faziam parte do exército industrial.

Sassen identifica essa ruptura em meados dos anos 80, porém Harvey denota que

esse padrão de produção e acumulação já iniciou sua decadência nos anos 60, quando a queda

da produção e lucratividade originou um problema fiscal nos Estados Unidos, esse período foi

marcado por diversas recessões econômicas que se intercalam com alguns períodos de grande

crescimento econômico, além de ser período caracterizado pela queda da imigração europeia e

13 SAYAD, A. O retorno: elemento constitutivo da condição do imigrante. Revista Travessia, São Paulo: Centro

de Estudos Migratórios - CEM, ano 13, jan. 2000. p. 23. 14 SAYAD, 2000, op. cit., p. 26. 15 HARVEY, D. A condição pós-moderna, 1992, p. 135.

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inicio da grande imigração latina, hispânica e asiática, que modificaram a demografia do país.

Nesse mesmo período, os países em desenvolvimento iniciaram movimento tardio ao

fordismo, com políticas de substituição de importações e transnacionais se espalhando pelo

mundo, gerando um modelo absolutamente novo de industrialização. De acordo com o autor,

“O período de 1965/1973 tornou cada vez mais evidente a incapacidade do fordismo e do

keynesianismo conter as contradições inerentes ao capitalismo”16.

De acordo com Kujawa e Zambam17, a crise do Estado de Bem Estar Social teve

auge no início dos anos 2000, período marcado pela ampliação do mercado como mecanismo

para satisfação das necessidades básicas e diminuição dos orçamentos públicos para políticas

sociais. Além de problemas endêmicos e pandêmicos relacionados à guerras, desigualdades,

crises econômicas e políticas que aumentaram vulnerabilidade social. O acelerado processo

de globalização, desse final do século XX e início do século XXI, constituiu novos desafios

nos temas que envolvem justiça social, desenvolvimento, concentração de renda, fome,

imigração, direito ao trabalho, educação, serviço de saúde, entre outros; inquietações que

surgiram a partir daí permanecem carecendo de estudos aprofundados e, principalmente,

serem combatidas, prevenidas e superadas pelo envolvimento das autoridades, políticos e

cidadãos no geral, com efetivação dos direitos fundamentais18.

O papel minimalista dos governos nacionais foi reforçado pela economia neoliberal

fomentada pelo Fundo Monetario Internacional e pelo Banco Mundial. Os Planos de Ajuste

Estrutural (PAEs) que foram impostos para as nações endividadas ao final dos anos 70 e na

década de 80 exigiram a redução dos programas governamentais de bem estar social, e os

países do Terceiro Mundo fenecendo19.

A modificação estrutural da economia, associada à crise financeira e a capacidade

ociosa das corporações gerou necessidade de racionalizar, reestruturar e controlar as

condições de trabalho. As inovações tecnológicas passaram a ganhar cada vez mais espaço,

aumentando produtividade, com menor custo em menor tempo. As empresas se difundiram

mundo afora, em zonas de mão de obra barata e menor controle estatal, o capital passou a

girar mais e rapidamente. O modelo de produção fordista foi perdendo espaço, e um padrão de

acumulação flexível tomou o seu lugar. Padrões de consumo, de trabalho, de mercado e de

16 HARVEY, D., op. cit., p. 135. 17 KUJAWA; ZAMBAM. As políticas públicas em Amartya Sen: condição de agente e liberdade social. 2017, p.

62. 18KUJAWA; ZAMBAM. As políticas públicas em Amartya Sen: condição de agente e liberdade social. 2017, p.

82. 19 DAVIS, Mike. Planeta Favela, 2006, p. 34.

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20

produtos passaram a se flexibilizar também, voltados a servir novos setores de produção,

novos serviços a serem fornecidos, novos mercados, novas tecnologias e organizações

financeiras. O advento desse novo padrão foi um prato cheio para criação de desigualdade

como nunca antes vista em diversos setores, regiões geográficas. O mercado de trabalho

precisou adaptar-se em face de toda essa volatilidade, aumentando a competitividade,

estreitando margem de lucros, enfraquecendo sindicatos e impondo regimes de trabalhos mais

flexíveis e que atendiam as exigências do capital. Em suma, o emprego regular foi substituído

pelo trabalho parcial, precário, subcontratado ou temporário20.

O emprego informal é a ausência de poder de barganha, de regulamentos, de direitos

e de contratos devidamente formalizados. A exploração é a essência da desigualdade. A

exploração de mão de obra, a tecnologia antiquada e o baixo investimento de capital é o que

compõe o setor informal, que não é registrado nem tributado, além de garantir o abuso de

mulheres e crianças21.

Na pós-modernidade a mobilidade da força de trabalho adequou-se ao novo padrão de

acumulação, com surgimento de modos de produção pautados pela subcontratação,

terceirização, busca por mão de obra barata, redução no quadro funcional, automação,

tecnologia de produção, esse processo de transição resultou em uma sociedade informacional

de economia global, caracterizada pela deterioração das condições de trabalho.

Corrobora Castells quando afirma que a vulnerabilidade da mão de obra sob

condições de flexibilidade imoderada afetam diretamente a força de trabalho, mas também a

vida profissional.

A maior parte dos trabalhadores ainda não está num emprego que aproveite o

máximo das suas capacidades, mas são meros executantes ao longo de linhas de

disciplina industrial tradicional. Neste caso, eles são trabalho genérico, e podem ser

substituídos por máquinas ou por trabalho mais barato no próprio país (imigrantes,

mulheres, minorias) ou por todo o globo. Nestas condições, as empresas tendem a

limitar os compromissos em longo prazo com o trabalho genérico, optando por

subcontratar, por empregar temporariamente ou por trabalho a tempo parcial. Por

outro lado, estes trabalhadores tendem a endurecer o seu poder de negociação

através da negociação coletiva e da sindicalização. Mas sendo a força de trabalho

mais vulnerável, cada vez mais enfrentam a batalha da deslocalização da mão-de-

obra industrial e do trabalho rotinizado22.

20 HARVEY, ibid., 1992, p. 140. 21 DAVIS, Mike. Planeta Favela, 2006, p. 89. 22 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede Do Conhecimento à Ação Política, 1999, p. 22.

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O reconhecimento do fluxo migratório como produto de imposição social é

imperativo. O deslocamento é gerado a partir de fatores externos que expulsam cidadãos de

suas casas em busca de melhores condições de trabalho, mas principalmente de vida. Tomar a

decisão de partir para outra pátria, enfrentar burocracia, legislação, cultura, povo, não se trata

a penas de mera liberdade. E nesse sentido advém o conteúdo proposto por Sassen para o

enfrentamento dessa questão, que aborda o tema com diferentes vieses, no intuito de sanar

uma lacuna teórica e escavar os aspectos que levam massas populacionais a abandonarem

familiares e amigos para buscarem acolhimento em longínquos territórios.

2.1 Expulsões e Brutalidades: esquadrinhando conceitos

De acordo com Sassen, as novas migrações são marcos que ajudam a entender por

que um determinado fluxo migratório começa e, portanto, dizem algo sobre um contexto

maior. Trata-se de um fator que serve de indicador de uma mudança na área de onde o

migrante vem e para onde ele vai. O capitalismo moderno se desenvolveu a partir de

mudanças significativas que marcaram rupturas do século XX. A supressão do keynesianismo

trouxe nos anos 80 uma nova dinâmica que expulsa os atores sociais dos motores de produção

de riqueza e promove uma nova forma de expansão do capital, a partir de ativos financeiros.

Conjuntamente, veio o advento de novas técnicas produtivas e o fortalecimento de grandes

corporações, que deterioraram ainda mais a situação do proletariado global. A partir desses

fenômenos, Sassen percebeu uma afinidade sistêmica por trás dos diversos focos de expulsões

abordados em seu livro, que serve como base teórica para esse trabalho: Expulsões:

Brutalidade e Complexidade na Economia Global23.

A autora propõe vieses que traçam e analisam os movimentos migratórios globais,

conforme impactos sociais, ambientais e financeiros dos fenômenos de expulsões. O marco

histórico que alterou significativamente o fenômeno migratório foi a inauguração de uma

nova forma de capitalismo, a partir da adoção de um crescimento econômico maléfico para a

maioria das pessoas, em virtude do aumento da capacidade predatória e extrativista contra a

biosfera combinado com as elites e capacidades sistêmicas do mercado financeiro atuando

como facilitadores das expulsões e sendo responsáveis por gerar um alto nível de acumulação

de capital inédito, promovendo o agravamento das desigualdades em todo o globo. Entre os

23 SASSEN, S., Expulsões: Brutalidades e Complexidades na economia global, 2016, passim.

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indicadores trazidos pela autora para demonstrar isso estão o aumento do desemprego, da

pobreza, da emigração, da dívida pública e de encarceramentos24.

A criação de novos mecanismos financeiros trouxe para os anos 80 mais

instrumentos complexos de enriquecimento da classe dominante e fomentou movimentos

especulativos com a atuação de grandes empresas e firmas financeiras. Esse novo modelo de

auferir lucratividade a partir de ativos financeiros consistiu em uma alternativa mais rápida e

incerta se comparado aos investimentos em capital fixo. A financeirização das dívidas de

governos, empresas e hipotecas contribuiu para o enfraquecimento das soberanias estatais e

expulsões de civis. A moradia exemplifica claramente os malefícios que esse novo fenômeno

trouxe, pois a securitização das hipotecas serviu para manter o ciclo especulativo em

movimento, visando sua compra e venda rápidas e aumentando o lucro do investidor, que

recebe como pagamento pacotes financeiros. Situação essa que estourou a bolha da crise no

mercado imobiliário de 2008, que se iniciou nos Estados Unidos e teve impacto em todo o

mundo, que gerou diversos ciclos de expulsões e brutalidades que geram consequências para

cidadãos até os dias atuais25.

Analisando o aspecto ambiental, percebe-se que as inovações técnicas, químicas e

organizacionais desenvolveram-se de tal forma que ultrapassam as capacidades de renovação

da terra, água e ar, isto é, exaurem o quoeficiente regenerativo da biosfera, comprometendo as

condições de vida de diversas searas da população mundial, da flora e da fauna, além de

diminuir as capacidades para as gerações futuras. Como consequência disso estão às vastas

extensões de água e terra morta que resultam do alto grau de exploração e da financeirização

dos comodities primários. Além disso, o impacto da degradação não pode ser analisado e

enfrentado como uma questão local, pois um ato depredatório realizado em um local do globo

gerará impacto em diversas regiões ou em todas, como por exemplo o efeito estufa, causado

pelas altas emissões de CO₂ que tem como efeitos à alteração climática, elevação dos níveis

dos oceanos e sua acidez, derretimento de geleira, dentre outros. A própria pauta ambiental

também sofre com o caráter capitalista competitivo, as negociações sobre emissão de carbono

acabam tendo a função mais de auferir vantagem para poluir do que realmente apresentar uma

preocupação para reduzi-la. Como forma de fortalecer o argumento, a autora apresenta vários

exemplos da ação de empresas que agridem ao meio ambiente, ligadas a contaminação por

24 SASSEN, S., 2016, passim. 25 SASSEN, S., 2016, passim.

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chumbo, cromo, mineração predatória, faturamento hidráulico, acidentes nucleares e

açambarcamento de águas26.

O Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial e da Organização

Mundial do Comércio (OMC) atuam de forma a incentivar uma seara diretamente ligada ao

fenômeno de expulsões, área específica do corolário neoliberal: o novo mercado global de

terras. Essas instituições promovem essa prática ascendente desde os anos 80. Características

das políticas capitalistas, tais como, o crescimento das dívidas estatais, da corrupção nas

máquinas públicas, dos investimentos externos no setor primário, da permissividade das elites

econômicas, levaram a vulnerabilidade e enfraquecimento da soberania estatal, que necessitou

adequar-se à esse mercado de aquisições de terras em território estrangeiro. A alta demanda

de cultivos industriais, o aumento dos preços dos alimentos e, futuramente, a necessidade de

água potável, levaram a expansão alarmante desse comércio, que continua crescendo, e

gerando micro expulsões das populações locais e prejuízos para o bioma local pela prática da

monocultura e agricultura predatória27.

A mudança da natureza dos investimentos, antes voltado para a produção em massa e

agora para a dimensão financeira, é responsável por representar um “limite sistêmico”,

enfatizando a impossibilidade de crescimento e desenvolvimento aos moldes anteriores, antes

dos meados dos anos 80. A exclusão das camadas sociais marginalizadas passa a ser uma

constante, acompanhada por uma contração do Estado com o enfraquecimento do Estado de

bem estar social. Diante disso, sua indagação final apela para o senso do meio científico e

popular sobre as necessidades de se incluir o espaço dos expulsos e marginalizados nas

teorizações e debates. Esse trabalho busca inspiração na obra de Sasken pelo seu intuito em

tentar trazer para a superfície essas “condições subterrâneas” de conceituação, analisando

fenômenos perceptíveis por prismas que costumam ficar enterrados ou esquecidos. As

expulsões são fenômenos agudos, que variam em conteúdo e local, atravessando as diferentes

camadas sociais e condições físicas, no mundo todo:

A expulsão de milhões de pequenos agricultores em países pobres em decorrência

dos 220 milhões de hectares de terras adquiridos por investidores e governos

estrangeiros desde 2006 e as práticas destrutivas de mineração em países tão

diferentes quanto Estados Unidos e Rússia. Além disso, existem as inúmeras pessoas

deslocadas, armazenadas em campos formais e informais de refugiados, os grupos

convertidos em minorias nos países ricos e que são amontoados em prisões e os

26 SASSEN, S., 2016, passim. 27 SASSEN, S., 2016, passim.

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homens e mulheres em boas condições físicas que estão desempregados e

armazenados em guetos e favelas28.

Tratam-se, em suma, de processo seletivo selvagem. As novas capacidades que

surgem deveriam ser utilizadas em prol do desenvolvimento e inovação da esfera social, para

ampliar e fortalecer o bem-estar social e da biosfera, porém são, em suma, utilizadas para

desmembrar o social, criando desigualdade extrema, destruindo com o sonho de vida

prometido pela democracia liberal à classe média, expulsando pobres e vulneráveis de suas

terras, empregos, casas e liberdades, além de aniquilar e expulsar pedaços da biosfera de seu

espaço vital29.

De acordo com a socióloga o mundo capitalista neoliberal encontra-se em constante

movimento de expulsão. Essas expulsões ocorrem numa lógica de apagamento que acontece

na ordem do visual e do material; elites econômicas tornam-se o norte visual - assim como

seus modos de vida, e as populações que não correspondem às dinâmicas econômicas das

cidades contemporâneas passam a ocupar um estado de invisibilidade. São indivíduos que

constam em números estatísticos - a quantidade de deslocados ao Brasil no último ano e o

aumento vertiginoso ao número de desempregados, a quantidade de pessoas desabrigadas pela

guerra no Oriente Médio, a quantidade de refugiados que a Alemanha recebeu em seu

território nos últimos anos, mas que não fazem parte dos nortes ideológicos, aquele que

compõe a lista dos desejos e das prioridades em nossas sociedades30.

A expulsão se dá por condição extrema, e essa situação gera uma nova condição

emergente, na qual a autora justifica o fluxo migratório, e uma perda maciça de habitat em

países subdesenvolvidos devido à expansão da mineração, da agricultura de plantação

(monocultura), de disputa de água, de expansão das cidades, de inferência de empresas

transnacionais em territórios nacionais. Isso gera milhões de deslocados: pequenos

agricultores e populações rurais pobres. Eles vão para as cidades, um dos poucos lugares onde

eles podem se dispersar em forma de uma grande favela e, eventualmente, alguns tentam

migrar para outros países. São enquadrados de acordo com esta teoria como um novo tipo de

refugiados, que são produzidos por uma forma particular de “desenvolvimento econômico”.

Porém não há nenhum regime que lhes reconheça. Então, são classificados como

28 SASSEN, S., 2016, passim. 29 SASSEN, S., op. cit., 2016, p. 13. 30 SASSEN, S., op. cit., 2016, p.13.

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simplesmente migrantes, mas eles não são os migrantes: não há casa para voltar. Eles estão

desabrigados, eles são refugiados de desenvolvimento econômico31.

Sassen lança mão de uma nova conceituação, que julga mais adequada como

interpretação desses fenômenos, pois as antigas ferramentas conceituais utilizadas, tais como

desigualdade, pobreza, dívida governamental crescente, acabam sendo antiquadas para

investiga dinâmicas diversas que possuem uma raiz em comum. Utilizando explicações

familiares o observador não analisa as tendências comuns que possuem os diferentes

fenômenos. Para ilustrar o embate cognitivo que a autora tenta trazer ela refere o seguinte

questionamento: “O enorme aumento da quantidade de pessoas deslocadas na África

subsaariana tem alguma afinidade sistêmica com o crescimento do número de pessoas

desempregadas de forma permanente e frequentemente encarceradas nos Estados Unidos?”32.

Da perspectiva do capitalismo atual, a extração de recursos naturais da América

Latina, África e Ásia Central são mais importantes do que as pessoas que habitam esses

territórios, vivem, consomem, trabalham nesses continentes. Isso difere dos períodos

anteriores, nos quais a classe média trabalhadora representava uma massa significativa e

próspera para a economia global, e contribuiu muito para o florescimento do capitalismo33:

Talvez tenhamos entrado em uma nova fase do capitalismo avançado na década de

1980, período que reinventou os mecanismos de acumulação primitiva. Hoje a

acumulação primitiva é executada por meio de operações complexas e de muita

inovação especializada. [...] Depois de trinta anos desse tipo de desenvolvimento,

testemunhamos em boa parte do mundo economias em contração, a escalada de

destruição da biosfera no mundo inteiro e o ressurgimento de formas extremas de

pobreza e de brutalização onde achávamos que já tinham sido eliminadas ou

estavam em vias de desaparecer. [...] e agora se caracteriza por desequilíbrios ainda

maiores em sua relação com os recursos naturais e sua utilização34,

Isso quer dizer, o ciclo da brutalização encontra forças neste novo período em que a

nossa capacidade de extração ameaça componentes essências da biosfera, acarretando áreas

cada vez maiores de terra e água morta, além da combinação do acumulo de capital mais e

mais frequente, que favorece sempre a mesma parcela mais rica do globo.

O crescente deslocamento de pessoas ao Sul global nas últimas duas décadas é

abordado pela autora como um exemplo de expulsão, pois a maioria delas jamais voltarão

para o local que costumavam morar; as suas antigas casas passaram a ser zonas de guerras,

31 SASSEN, S., op. cit., 2016, p. 173. 32 SASSEN, S., op. cit., 2016, p. 17, grifos do autor. 33 SASSEN, S., op. cit., 2016, p. 19, et seq. 34 SASSEN, S., op. cit., 2016, p. 11.

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fazendas, operações de mineração ou terra morta35. Os números da ACNUR não somam os

deslocados por força das aquisições de terras em grande escala no Sul global, assevera a

autora:

No fim de 2011, o último ano para o qual existiam dados estatísticos abrangentes da

ACNUR quando da escrita deste livro 42,5 milhões de pessoas no mundo inteiro

haviam saído à força de suas casas como consequência de conflitos novos ou

persistentes em diferentes partes do globo. Esse foi o quinto ano em que o número

de pessoas deslocadas à força superou os 42 milhões. A classificação ‘pessoas

deslocadas’ inclui várias populações diferentes36.

Fatores como pobreza e conflitos políticos são capazes de impulsionar por si só essas

dinâmicas de expulsão. Os países situados no Sul global abrigam 80% dos refugiados do

mundo. Praticamente cinco milhões desse total firmaram nova residência em países onde o

PIB per capita era menor do que três mil dólares. De acordo com António Guterres, alto

comissário das Nações Unidas, são os países mais pobres que carregam o peso dessas

expulsões37.

Além disso, a aquisição de terras dentro de um país por um governo ou empresa

estrangeira é um processo que vem aumentando nos últimos anos. Milhões de hectares de

terra estimam-se terem sido adquiridos por governos e empresas em territórios diversos dos

seus de origem, entre 2006 e 201138. A maior parte desses territórios localizam-se no

continente africano, e uma contagem crescente de porções na América Latina, Ásia,

primordialmente Laos e Vietnã, e países europeus como Rússia e Ucrânia. São setores

distintos e países distintos que compõe esses compradores. Existem dois fatores que

contribuíram significativamente para esse aumento vertiginoso das aquisições de terras

estrangeiras, o primeiro é o interesse no cultivo de palmeiras para a fabricação de

biocombustível, e o segundo é o crescente mercado de alimentos, com aumento marcante nos

preços desde o ano de 200039.

Esse mercado crescente gera um deslocamento massificado de pequenos produtores e

até de cidades inteiras, que se percebem cercados por níveis cada vez maiores de toxicidade

na terra e na água, pertinente mencionar trecho trazido pela autora:

35 SASSEN, ibid., 2016, p. 25. 36 SASSEN, ibid., 2016, p. 66. 37 SASSEN, ibid., 2016, p. 72. 38 SASSEN, ibid., 2016, p. 99. 39 SASSEN, ibid., 2016, p. 100.

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O que realmente acontece quando um novo proprietário/arrendatário, nacional ou

estrangeiro, adquire 2,8 milhões de hectares de terra para plantar palmeiras para

produzir biocombustível? Dezenas de povoados, distritos de agricultura de

subsistência e instalações de produção são expulsos da terra nessas regiões rurais.

Alguns podem receber uma compensação e outros podem ser reassentados em terra

equivalente. No entanto, de forma geral, as perdas são muito maiores do que as

compensações. Por último, a flora e a fauna são expulsas para dar lugar a

monoculturas. Tudo isso traz degradação para o terreno e para a terra em si, por

meio da perda da diversidade dos nutrientes e insetos. Depois de algumas décadas, a

terra vai estar exaurida, morta do ponto de vista clínico, como vimos em outras

zonas de plantação na América Central, no Caribe e em partes da África40.

Ao norte do Rio Grande do Sul, mais especificamente na cidade de Passo Fundo, a

procedência daqueles que solicitam refúgio, em sua maioria, são compostos por haitianos,

senegaleses e bangaleses41. No caso do Senegal, a migração se caracteriza essencialmente pela

busca por trabalho. O país possui uma área pouco menor que o estado do Paraná, foi

colonizado pela França e alcançou independência apenas no ano de 1960. A disputa europeia

por colônias africanas dissolveu tribos e levou conflito ao continente, mesmo que hoje o país

esteja passando por um período sem disputa bélica, as marcas que foram deixadas pelas

guerras afetam o país economicamente. A grande maioria da população é composta por

jovens, pois os mais velhos morreram nos conflitos, e a economia ainda é fraca e não

consegue acolher toda a mão de obra disponível no país. Expulsos, a única alternativa que

resta é migrar42.

Além disso, o Senegal está entre os países mais atingidos por essa modalidade de

açambarcamento de terras, de acordo com a extensão total de aquisições relatadas, com uma

média de dois milhões de hectares pertencentes a grupos estrangeiros43, um número acentuado

considerando que a extensão total do país é de pouco menos de 20 milhões de hectares44.

Existe também um aumento significativo de deslocados motivados por desastres

ambientais. É o caso de Bangladesh, que é conhecido por ser um dos países mais vulneráveis

a ciclones e enchentes. Cerca de 40 milhões de bangaleses vivem hoje em regiões costeiras

que estão ameaçadas pela elevação do nível do mar, com uma previsão de que até o ano de

2030 cerca de 3% dessa área estará sob a água, e 6% até o ano de 2050. Esclarece Sassen45:

40 SASSEN, S., ibid., 2016, p. 101. 41 CARDONA, NOSCHANG, Refugiados do Brasil ao Rio Grande do Sul: novos desafios para a comunidade

que acolhe. 2015, p. 83. 42 ESPEIORIN, Vagner. A Nova Cara Do Migrante. 2014, p. 3. 43 SASSEN, op. cit., p. 119. 44 ITAMARATY, Portal Consular: Senegal. 2018. 45 SASSEN, ibid., 2016, p. 73.

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Com o avanço das mudanças climáticas, porém, essa perda de terra pela elevação do

nível do mar deve gerar um impacto ainda mais desastroso para os que vivem nas

regiões costeiras. A elevação do nível do mar agrava as enchentes, causa tormentas

mais fortes na estação de ciclones e provoca níveis mais altos de salinidade no

litoral. Isso prejudicará plantações e estoques de água potável. O aumento da

salinidade na costa de Bangladesh é um grave problema para as comunidades locais,

pois destrói as possibilidades de subsistência ao tornar incultiváveis grandes trechos

de terras aráveis e contaminar a água potável destinada a pessoas e animais. Além

desses iminentes desastres costeiros, graves secas e inundações estão causando

deslocamentos temporários e em longo prazo no interior. Estima-se que 6,5 milhões

de pessoas em Bangladesh já tenham sido deslocadas por causa das mudanças

climáticas, um número que, segundo as estimativas, só deve crescer.

O principal motivo da expulsão que ocorre em Bangladesh não deixa de ser o mesmo

que ocorre no Senegal, a perda de meios de subsistência nos países de origem, que obrigam os

migrantes a buscar trabalho e sobrevivência em outras localidades. A situação dos haitianos é

semelhante, sem perspectiva defronte a miséria crônica que assola o país, a escassez de postos

de trabalho, e o terremoto do ano de 2010 que destruiu boa parte deste território, buscam na

no Brasil melhores condições de vida. Vejamos:

Com mais de 70% da população sem emprego, muitos trabalham no setor informal

da economia, vendendo comida, café, roupa, frutas, diesel e carvão nas ruas para

conseguir cerca de 1,5 dólar por dia. O restante da população é absorvido pela

máquina estatal, por ONGs estrangeiras e pela modesta indústria que existe, como a

têxtil. Sem saneamento básico ou tratamento de água, apenas 10% do país têm

acesso a energia elétrica, tornando o cotidiano ainda mais precário. A economia é

baseada majoritariamente no Petrocaribe. [...] Nas ruas, a disputa pela sobrevivência

é desumana, e a maior parte da população não sabe o que é ter um emprego formal.

[...] A diáspora haitiana não é algo novo. Estima-se que cerca de 830 mil haitianos

vivam nos EUA, 800 mil na República Dominicana, 100 mil no Canadá e 80 mil na

França. O Brasil, que vem sendo foco recente dessa migração, é hoje lar para mais

de 35 mil deles46.

A partir dos estudos de Sassen, observamos que o fenômeno que ocorre ao Norte do

Rio Grande do Sul, mais especificamente na cidade de Passo Fundo, trata-se de uma forma de

expulsão, onde a vulnerabilidade e a impossibilidade de sobrevivência obrigam que as pessoas

busquem abrigo e subsistência em outros países. Esse novo vértice observacional da economia

global faz com que nos deparemos com novas tendências de enfrentamento de situações de

brutalidade tidas como prósperas e benignas sob a ótica do capitalismo. Um número cada vez

maior de pessoas sendo expulsas, fenômeno tal que altera significativamente o caráter das

economias locais, da pequena propriedade de terra, da agricultura de subsistência, da flora, da

fauna, das regras tradicionais que organizavam o uso e a posse da terra. Essa prática está

gerando uma nova fase de busca pela subsistência em diversas partes do mundo.

46 GOMBATA, Marsílea. Cansados da miséria crônica, haitianos buscam nova vida no Brasil. Carta Capital.

2014, p. 1.

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2.2 O Novo Mercado Global de Terras

A aquisição de terras em um país por governos ou empresas estrangeiras é uma

prática que ocorre há vários séculos, em diversas partes do mundo. Grande parte dessas terras

localizam-se no continente africano, mas cada vez mais porções de terras da América Latina,

Rússia, Ucrânia, Laos e Vietnã também estão sendo compradas por organizações

internacionais. Nesse negócio, os investidores estão espalhados ao redor do mundo, desde

países como China e Suécia como empresas de biotecnologia e financeiras. Fatores que

contribuem para esse aumento do número de aquisições são, principalmente, o aumento da

demanda de produtos alimentícios e de biocombustível47.

Essa prática, como já foi explanado anteriormente nesse trabalho, gera as

denominadas micro expulsões de moradores locais, como agricultores minifundiários,

camponeses, mas também podem ser responsáveis pelo deslocamento de cidades inteiras,

além do crescente nível de destruição do bioma, que abrange a toxicidade da água, do solo e

das plantações lindeiras. Assevera a autora:

O que realmente acontece quando um novo proprietário/arrendatário, nacional ou

estrangeiro, adquire 2,8 milhões de hectares de terra para plantar palmeiras para

produzir biocombustível? Dezenas de povoados, distritos de agricultura de

subsistência e instalações de produção são expulsos da terra nessas regiões rurais.

Alguns podem receber uma compensação e outros podem ser reassentados em terra

equivalente. No entanto, de forma geral, as perdas são muito maiores do que as

compensações. Por último, a flora e a fauna são expulsas para dar lugar a

monoculturas. Tudo isso traz degradação para o terreno e para a terra em si, por

meio da perda da diversidade dos nutrientes e de insetos. Depois de algumas

décadas, a terra vai estar exaurida, morta do ponto de vista clínico, como vimos em

outras zonas de plantação na América Central, no Caribe e em partes da África. Em

muito longo prazo, a terra pode se recuperar. Mas os descendentes dos agricultores e

produtores rurais expulsos não serão beneficiados: viverão em favelas abarrotadas

na periferia das grandes cidades48.

Foi no período da década de 70 que o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco

Mundial implementaram programas de reestruturação no Sul do globo, conhecidos na

atualidade na Europa como programas de austeridade, que deixaram vulneráveis esses

territórios para a compra e venda de terras por estrangeiros, comércio que se expandiu

rapidamente. Juntamente a isso, veio na década de 90 o incentivo da Organização Mundial do

47 SASSEN, S., ibid., 2016, p. 99. 48 SASSEN, S., ibid., 2016, p. 101.

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Comércio (OMC) para diminuir empecilhos para importação-exportação, dando asas ao livre-

comércio49. Vide o caso da África Subsaariana:

Quando a dívida nacional explodiu nos anos 1980 em muitos países da África

Subsaariana, em parte por causa de reciclagem dos chamados dólares da OPEP50

pós-1973, grande parcela desse progresso foi interrompida. As principais razões para

isso foram a imposição de prioridades de pagamento da dívida e a abertura de

mercados a poderosas empresas estrangeiras. Isso enfraqueceu o Estado,

empobreceu as classes médias e destruiu o setor nacional de manufatura, que não

conseguiria competir com as grandes empresas estrangeiras que atuavam em

mercados maciços. Iniciou-se um ciclo descendente, que muito mais tarde permitiu a

aquisição de terras em grande escala por parte de governos e empresas

estrangeiras51.

Uma enorme dívida externa, os programas de reestruturação do FMI e do Banco

Mundial, somados a ganância e corrupção explicam o resultado dos Estados falidos do Sul do

Globo, além da facilidade que compradores estrangeiros encontraram ao adquirir latifúndios

em territórios internacionais.

2.2.1 Onde? Quem? Das Aquisições de Terras Estrangeiras

Os estudos que descrevem as medições de compra e venda de terras estrangeiras

podem variar conforme os critérios escolhidos. Sassen52 optou em sua obra por seguir a base

de dados contida no estudo Land Matrix, realizado com auxilio da International Land

Coalition (Coalizão Internacional de Terras), o qual será utilizado nesse trabalho também.

Cabe destacar algumas características contidas nessa pesquisa para entender de que forma os

dados foram coletados e analisados, de que forma o Land Matrix defini a aquisição de terras e

as inclui nas medições, inclusive no intuito de compreendermos as limitações desse estudo.

As transações de terras tidas como pertinentes para fazerem parte do estudo precisam

envolver uma transferência de direitos de uso, controle ou posse da terra por meio de venda,

arrendamento ou concessão, precisam implicar em uma conversão da terra usada por

pequenos proprietários, ou para funções ambientais importantes, ou para uso comercial em

grande escala e terem duzentos hectares ou mais e serem realizadas após o ano 2000, quando

49 SASSEN, S., ibid., 2016, p. 104. 50 OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo. 51 SASSEN, S., ibid., 2016, p. 107. 52 SASSEN, S., ibid., 2016, p. 113.

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o índice de preços dos alimentos da FAO53 estava em seu ponto mais baixo. No que tange a

confiabilidade das fontes, a Land Matrix define da seguinte maneira:

O banco de dados do Land Matrix contém informações sobre dois tipos de dados:

“relatados” e de “referências cruzadas”. Dados “relatados” cobrem transações

apresentadas em relatório publicados de pesquisa, públicos. Dados de “referências

cruzadas” referem-se a transações sobre as quais a informação foi obtida em

múltiplas fontes; o processo de cruzar as referências implica uma avaliação da

confiabilidade da fonte da informação, a triangulação com outras fontes e, se

necessário, a confirmação com parceiros do país nas redes do Land Matrix.

Informação de imprensa não são consideradas suficientes para as referências

cruzadas. Relatório de pesquisa baseada em trabalho de campo, a confirmação por

parceiros conhecidos dentro do país e registros oficiais de terras são considerados

evidência suficiente54.

A autora analisa os dados de forma geral, sem selecionar determinada região do

globo para uma pesquisa mais minuciosa, como o foco desse trabalho está nos migrantes de

vieram para o Sul do Brasil, e, como já foi dito nesse trabalho, a maioria desses são

provenientes dos países: Senegal, Haiti e Bangladesh. Esse trabalho estará focado em analisar

o açambarcamento de terras que ocorre nesses países de forma mais criteriosa, com enfoque

em compreender qual a situação de expulsão que esses cidadãos estão enfrentando em seus

países de origem.

Porém, anteriormente cabe destacar quais as motivaçõs e a pretensão desses países

que investem capital em território estrangeiro, os objetivos que visam ao comprar essas terras

em países longínquos. Para explanar isso, o relatório Transnational Land Deals for

Agriculture in the Global South55, realizado com base nos dados fornecidos pela Land Matrix,

aponta que 37% das terras adquiridas são destinadas a produção de biodiesel, seguidas de

25% voltadas para a agricultura, e 3% e 5% voltados para pecuária e outros cultivos não

alimentares, respectivamente. Os demais 27% estão voltados ao florestamento no intuito de

realizar sequestro de carbono, além de extração mineral, indústria e turismo56. Isso, de acordo

com análises de negociações realizadas no período de 2006 a 2010. (Vide tabela 1).

Tabela 1 - Número de negócios por milhões de hectares.

53 FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations, ou em português traduzido como

Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura.

54 SASSEN, S., ibid., 2016, p. 116.

55 Negócios Transnacionais de Terras para Agricultura ao Sul Global, em tradução livre. 56 ANSWEEUW, Ward; BOCHE, Mathieu; BREU, Thomas; GIGER, Markus; LAY, Jann; MESSERLI, Peter;

NOITE, Kerstin. Transnational Land Deals for Agriculture in the Global South. Roma: International Land

Coalition, 2012.

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32

Número de negócios Hectares em milhões

Agricultura 1162 82.9

Florestamento 78 3.1

Pecuária 55 0.4

Mineração 91 3.9

Turismo 23 2.3

Indústria 20 0.3

Conservação 3 0.3

Não Informado 237 12.8

Total 1668 106

Fonte: Anseeuw, Willy, et. al., 2012, p. 26.

Além da agricultura de monocultura ser o objeto da maior parte dos investimentos,

cabe destacar que em poucos países estão localizadas a maior parte da aquisição total de

terras. Por mais que um número grande de países estejam envolvidos em investimentos

externos, apenas 11 dos 84 países concentram 70% dos negócios. E dentre os 11, sete

pertencem ao continente africano57. (Vide figura 1).

57 ANSWEEUW, Ward; BOCHE, Mathieu; BREU, Thomas; GIGER, Markus; LAY, Jann; MESSERLI, Peter;

NOITE, Kerstin. Transnational Land Deals for Agriculture in the Global South. Roma: International Land.

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33

Fonte: Anseeuw, Wily, et. al., 2012, p. 9.

Os países emergentes compõem grande escala de negociações de terras internacionais,

como China, Brasil, África do Sul e Arábia Saudita. Além de serem países que originam

negociações de terras, também são alvos de investidores estrangeiros. Além desses, países do

Norte do Globo, como Estados Unidos e União Europeia, são significativos investidores.

(Vide figura 2).

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34

Fonte: Anseeuw, Boche, et. al., 2012, p. 21

Para concluir essa investigação macro da situação global do açambarcamento de terras

estrangeiras, cabe verificar o perfil do investidor. A investigação revela que empresas

privadas configuram a grande maioria dos investidores, chegando ao número de 442

negociações, 30.3 milhões de hectares adquiridos. Ainda foram identificados como

investidores empresas públicas ou estatais, fundos de investimento e parcerias público-

privadas, que em comparação atingem patamar menos significante. (Vide figura 3). Os

investidores provenientes da América do Norte, América do Sul e Europa são em

principalmente investidores privados. E as demais regiões se caracterizam por serem quase

exclusivamente investidores públicos, em destaque a Arábia Saudita, China e Coréia do Sul58.

58 ANSWEEUW, Ward; BOCHE, Mathieu; BREU, Thomas; GIGER, Markus; LAY, Jann; MESSERLI, Peter;

NOITE, Kerstin. Transnational Land Deals for Agriculture in the Global South. Roma: International Land, p.

24.

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35

Fonte: Aseeuw, Boche, et. al., 2012, p. 24.

Finda essa breve análise do panorama geral dos investimentos em terras estrangeiras,

necessário estudar os dados dos países originários que configuram a nacionalidade da maioria

dos migrantes que buscam refúgio no Brasil, conforme dados do Ministério da Justiça de

2017. De acordo com o relatório Refúgio em Números, da Secretaria de Justiça, tiveram

condição de refugiados reconhecida no Brasil: 1.221 senegaleses, 364 provenientes da

República Democrática do Congo e 267 do Paquistão, não foram estimados os imigrantes que

se encontram em situação de irregularidade. Países enumerados anteriormente como entre os

20 mais atingidos pelo comércio internacional de terras. Ao Sul do Brasil, essencialmente, a

migração é proveniente do Senegal.

Inicialmente se faz necessário esclarecer dois tipos de fontes captadas nas pesquisas

do Land Matrix para correlação de dados. O estudo classificou dois tipos de fontes de acordo

com a confiabilidade, as quais foram classificadas nesse estudo como “apenas relatado” e

“declarado”, essas fontes são reportagens da imprensa, artigos científicos e websites do

governo, checadas pelas empresas que colaboram com o estudo; e a outra fonte são acordos

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contratuais livremente publicados, respectivamente. Nesse sentido, de acordo com Land

Matrix, 3% das terras aráveis do Senegal pertencem a empresas estrangeiras, um total de 303

mil hectares declarados, podendo chegar a dois milhões de hectares apenas relatados, sendo

que o país apresenta nove milhões de hectares aráveis59. Já na República Democrática do

Congo, 5,4 milhões de hectares declarados pertencem a investidores estrangeiros,

configurando 19,9% das terras agrícolas do país. A grande maioria dos investidores são

empresas estadunidenses, e o objeto principal do investimento é a silvicultura60. Já no

Paquistão, cerca de 100 mil hectares declaradamente pertencem a estrangeiros, chamando

atenção para a compra de 80.937 hectares pela empresa canadense Kianji Energy, para

produção de palmeiras para Biocombustível. Os números de açambarcamento no Paquistão

podem chegar a mais de três milhões de hectares, segundo fontes apenas relatadas61.

Apesar de o Brasil estar classificado também dentre os países mais atingidos pelo

açambarcamento, é necessário considerar a quantidade de terra arável pertencente a

investidores externos com relação ao total de terra disponível para agricultura no país. Por

exemplo, no caso do Paquistão, atinge a marca de 8% do território destinado a agricultura

pertencente a estrangeiros, em contrapartida, o Brasil com 70 contratos de venda de terra

declarados, chegando ao marco de quase quatro milhões de hectares entre negociações

declaradas e apenas relatadas, atinge aproximadamente o marco de 1,5% da área que pode ser

destinada para agricultura pertencente a grupos estrangeiros62.

Esses elementos aqui estudados proporcionam uma mudança de paradigma no que

tange o enfrentamento das migrações globais. A compra e venda de território internacional é

uma prática histórica, mas que atinge áreas cada vez maiores, e implica no reposicionamento

de populações cada vez mais significativamente. O enfraquecimento de governos, a expansão

de empresas transnacionais e a destruição econômica de pequenos produtores agrícolas são

sugestivos a uma nova fase para a busca de subsistência em territórios longínquos.

59 LAND MATRIX, 2016, p. 1, et. seq. Disponível em:

https://landmatrix.org/media/filer_public/c5/20/c520a5a1-d407-464b-a89d-

d364edecaef6/7969_up_psard_land_matrix_senegal_country_portfolio1.pdf+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br

Acesso em: 2 out. 2018. 60 LAND MATRIX, 2018,p. 1, et. seq. Disponível em:

https://landmatrix.org/media/filer_public/77/18/7718711e-8d18-4afb-8d5c-

4d88545392d5/drc_land_matrix_country_profile_20180405.pdf. Acesso em: 2 out. 2018. 61 LAND MATRIX, 2018. Disponível em: https://landmatrix.org/en/get-the-detail/by-target-

country/pakistan/?order_by=&starts_with=P Acesso em: 2 out. 2018. 62 Neste parágrafo foram casadas informações contidas na Figura 1, além das disponíveis no Estudo Land

Matrix, e os dados disponibilizados pelo Banco Mundial sobre o território área cultivável em cada país.

Disponível em: https://data.worldbank.org/country/brazil?locale=pt e https://landmatrix.org/en/.

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A produção científica é importante para entender o comportamento dos novos

movimentos de população e fornecer elementos para a produção de políticas públicas capazes

de atender as necessidades e enfrentar a situação dos expulsos, tanto aqueles que estão

chegando quanto aqueles que estão partindo.

Mesmo que o Brasil se caracterize como um país que possui um arcabouço jurídico-

legal avançado nas questões migratórias, isto não é o suficiente para lidar com o afluxo de

refugiados em seu território. O moroso trajeto para conseguir tornar-se regular é burocrático,

como abordado no primeiro capítulo, o país não está organizado para proporcionar assistência

social, ou políticas públicas que estejam voltadas para o acolhimento e integração na

sociedade. Findo o processo legal, ainda resta o desafio de proporcionar sensação de

acolhimento e pertencimento. Nesse sentido, para o fechamento dessa pesquisa, ainda resta a

pergunta: tendo em vista as brutalidades e complexidades dos processos econômicos, sociais e

políticos, como o Brasil pode promover melhor condição de dignidade aos expulsos que

migraram para esse país?

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3 OS INSTITUTOS JURÍDICOS DE PROTEÇÃO DAS POPULAÇÕES EXPULSAS

Tendo em vista que o modelo de desenvolvimento e as estruturas capitalistas liberais

têm provocado expulsões de pessoas em diversas localidades do mundo, como abordado no

item anterior, passa-se a estudar nesse item dois quais institutos jurídicos nacionais e

internacionais buscam enquadrar e caracterizar essa massa populacional expulsa, no intuito de

compreender e recepcionar esse fenômeno, com objetivo de proteger esses cidadãos. A autora

Sassen não enquadrar a terminologia que adota em seu livro, expulsos, com instituto jurídico

existente, pois cria conceito próprio para sua obra. Como esse trabalho busca referência na

autora, mas principalmente analisa a realidade brasileira, é necessário buscar os institutos

jurídicos devidamente conceitualizados, em âmbito internacional e nacional, para enquadrá-

los às ideias anteriormente expostas.

A expressão refugiado é amplamente utilizada de forma coloquial para designar

qualquer pessoa que tenha fugido de seu país, seja em virtude de temor de perseguições, por

motivos econômicos, por motivos ambientais ou sociais. No entanto, a definição do termo,

perante o Direito Internacional, é bem mais limitada. Cabe salientar que o instituto de

refugiados em nenhum momento é considerado sinônimo de expulso na obra de Sassen, tendo

em vista que a autora não adota institutos jurídicos para descrição do fenômeno; entretanto, ao

estudar as diferentes classificações de migrantes, percebe-se que o refugiado é aquele que

possui características mais similares àquelas atribuídas por Sassen quando se refere aos

expulsos. Por isso, esse trabalho irá dar mais destaque ao instituto do refúgio, propriamente

dito.

A acolhida de refugiados é um ato de solidariedade para com deslocados que

abandonam seus países por não possuírem mais condições mínimas de dignidade e

subsistência, por fugirem de perseguições, em virtude de sua raça, religião ou opinião

política63.

No período entre as duas Grandes Guerras, os fenômenos da desnacionalização foi

amplamente utilizado como arma política dos Estados Totalitários (nazistas, fascistas e

socialistas), com o intuito de expulsar e perseguir comunidades ou classes políticas inteiras

que pudessem colocar seus regimes políticos em perigo. Nesta época, os Estados Liberais

eram incapazes de fazer valer a proteção dos direitos humanos destes que haviam perdido

63 BARBOSA, Fernanda Pereira. O refúgio no Brasil: definição e requisitos. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande,

XIV, n. 90, jul 2011. Disponível em:

<http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9836&revista_caderno=16>.

Acesso em 01 maio 2014. Acesso em 01 maio 2018.

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seus direitos, além do fato de que estas comunidades apátridas64 eram vistas como subproduto

da guerra65.

Assim, a repatriação e a naturalização restaram ineficientes para resolver o problema

dos refugiados. Nenhum governo nacional admitia que esses indivíduos, considerados

indesejáveis, adentrassem em seu território, o que inviabilizava a repatriação. Não era

possível, também, proceder com a naturalização, pois os países europeus não estavam

preparados para os pedidos maciços de naturalização. A única medida plausível a ser tomada

eram a manutenção dos campos de refugiados66.

O refúgio constitui-se como instituto de direito internacional público que surge sob a

égide da Liga das Nações, em face de um contingente elevado de pessoas perseguidas na

União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, para os quais seria impossível uma qualificação

individual por meio do instituto do asilo, dado que nenhum Estado estaria disposto a acolher

milhares de pessoas, sendo necessária uma qualificação coletiva que lhes assegurasse a

proteção internacional67.

A primeira definição jurídica do termo refugiado foi trazida no ano de 1951, na

Convenção de Genebra sobre Refugiados deste mesmo ano68. Foi a partir desta Convenção

que o instituto do refúgio consolidou-se, visto que, além da definição do termo, previu ainda

diversos direitos, garantias e princípios que ainda constituem bases e pilares do instituto69.

Refúgio significa “lugar para onde alguém foge para ficar em segurança; lugar de

recolhimento; apoio; amparo; proteção”70. Essa definição do dicionário não é tão diferente do

conceito jurídico, tendo em vista que juridicamente o ato de concessão do refúgio consiste,

basicamente, em conceder abrigo àquele que foge de seu país, pois lá não encontra a proteção

de que precisa, em termos de direitos humanos.

Este instituto encontra-se bem consolidado. Está inserido no âmbito do Direito

Internacional, é recente e tem grande abrangência. A sua classificação, no entanto, não é

pacífica. Enquanto parte da doutrina nacional entende que se trata de um estatuto, outros

estudiosos entendem que se trata de um instituto. Contêm regras próprias, princípios próprios

64 Sem nacionalidade. 65 BARBOSA, op. cit., 2011. 66 BARBOSA, op. cit., 2011. 67 JUBILUT, Liliana Lyra. O Direito Internacional dos Refugiados e sua Aplicação no Ordenamento Jurídico

Brasileiro. São Paulo: Método, 2007. p. 43-44. 68 O primeiro documento internacional a tratar acerca dos Refugiados. 69 BARBOSA, ibid., 2011. 70 ROCHA, Ruth. PIRES, Hindenburg da Silva. Mini Dicionário Enciclopédico Escolar. São Paulo: Scipione,

2000. p. 526.

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e, em alguns países, até legislação própria, como é o caso do Brasil. É importante dizer que a

concessão do refúgio não se trata de ato discricionário do Estado concessor, pois o status de

refugiado está vinculado a diplomas e hipóteses legais bem definidos71.

Ainda, a proteção jurídica dos refugiados iniciou somente na segunda metade do

século XX. A Segunda Guerra Mundial foi o evento histórico que gerou o maior número de

refugiados, em sua grande parte, judeus que foram deportados para além das fronteiras

alemãs, tornando-se apátridas, além daqueles que abandonavam o país em razão de

perseguições72.

Resultaram diretamente do contexto pós-Segunda Guerra Mundial, o Tratado

Internacional da ONU, o Estatuto de 1951 e o próprio ACNUR. Foi em razão desse contexto

histórico que surgiu a preocupação em regulamentar medidas visando soluções em relação aos

ao fluxo migratório de refugiados, que tinha tendência de aumentar73. O grande sofrimento

conhecido pelo mundo inteiro e vivido por milhões de pessoas que sobreviveram à Segunda

Guerra Mundial levou as Nações Unidas a criarem uma Convenção que regularia a situação

dos refugiados, sendo aprovada em 195174.

Esse período também foi marcado pela supervalorização do princípio da soberania

dos Estados, e a Convenção de Genebra sobre Refugiados de 1951, em seu artigo 1º, definia

como refugiado75 aquela pessoa que temia, em virtude de raça, opinião política, nacionalidade,

grupo social ou religião, por sua integridade física ou por sua vida.

No entanto, essa Convenção encontra duas limitações: a limitação temporal, vez que

restringe o conceito de refugiados aos acontecimentos ocorridos antes de 01º de janeiro de

1951, e a limitação geográfica, visto que é expresso que os acontecimentos deveriam ter

ocorrido na Europa. Assim, não teria como reconhecer a condição de refugiado àquelas

pessoas que estivessem fugindo de outros continentes que não da Europa e/ou em virtude de

acontecimentos posteriores a 1951. Por isso, o conceito de refugiado trazido pela Convenção

71 JUBILUT, Liliana Lyra. O Direito Internacional dos Refugiados e sua Aplicação no Ordenamento Jurídico

Brasileiro. São Paulo. Método, 2007. p. 42. 72 JUBILUT, ibid. 2007, p. 42. 73 BARBOSA, ibid., 2011. 74 A Convenção de 1951 começou a vigorar em 21 de abril de 1954 75 Para os fins da presente Convenção, o termo “refugiado” aplicar-se-á a qualquer pessoa: [...] Que, em

consequência de acontecimentos ocorridos antes de 01º de Janeiro de 1951, e receando, com razão ser perseguida

em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se

encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a

proteção daquele país; ou que, se não tiver nacionalidade e estiver fora do país no qual tinha a sua residência

habitual após aqueles acontecimentos, não possa ou, em virtude do dito receio, a ele não queira voltar. [...]

Disponível em <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/dr-conv-estatuto-

refugiados.html>. Acesso em 13 mai. 2018.

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de 1951, por ser restrito, não conferia efetiva proteção a todos aqueles que fugissem de seus

países, obviamente por questões de necessidade. Só obteria a proteção jurídica de um terceiro

Estado o indivíduo que se enquadrasse no conceito de refugiado contido no artigo 1º da

Convenção de Genebra de 1951, com suas reservas temporal e geográfica76.

No entanto, é preciso dizer que as limitações geográficas e temporais não impedem

de enxergar aspectos positivos na Convenção. Ela trouxe princípios de grandiosa importância

ao Direito Internacional dos Refugiados, como o princípio do non-refoulement77, que é uma

das bases do instituto do refúgio, além de trazer a primeira definição de refugiado,

uniformizando os requisitos para o reconhecimento da condição de refugiado no âmbito

global.

O Brasil, em 15 de julho de 1952, assinou a Convenção de Genebra sobre

Refugiados de 1951. Em 28 de janeiro de 1961, o país ratificou a Convenção relativa ao

Estatuto dos Refugiados, a partir do Decreto nº 50.215, com a exclusão dos artigos 15 e 1778,

do mesmo diploma legal. Com relação à limitação temporal, foi criado o Protocolo sobre o

Estatuto dos Refugiados de 1967, com o fim de eliminar as restrições que limitavam a

Convenção de Genebra de 1951. No entanto, o protocolo não abordou a discussão sobre a

definição de refugiados, mantendo o requisito da violação dos direitos civis e políticos. O

Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967 foi aprovado como um documento curto e

se limitou a revogar as reservas temporal e geográfica79.

Ainda em 1967, a Convenção da Organização da Unidade Africana (OUA), visou

conferir proteção a todas as pessoas que são compelidas a cruzar as fronteiras nacionais em

razão de desastres causados pelo homem, independente da existência de temos de

perseguição80.

Em 1984, com a Declaração de Cartagena, foi estabelecido um vínculo entre o

Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Internacional dos Refugiados. Ela é

aplicável aos países da América Latina e estendeu o conceito de refugiado, abrangendo

76 BARBOSA, ibid., 2011. 77 “É aquele princípio pelo qual os indivíduos não podem ser mandados contra sua vontade para um território no

qual possam ser expostos a perseguição ou onde corram risco de morte ou, ainda, para um território do qual se

sabe que serão enviados a um terceiro território no qual pode sofrer perseguição ou tenham sua integridade física

ou vida ameaçada”. JUBILUT, Liliana Lyra. O Direito Internacional dos Refugiados e sua Aplicação no

Ordenamento Jurídico Brasileiro. São Paulo: Método, 2007. p. 86. 78 Estes artigos ditam acerca de reconhecimento do direito de associação e de emprego remunerado ao refugiado. 79 BARBOSA, Fernanda Pereira. O refúgio no Brasil: definição e requisitos. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande,

XIV, n. 90, jul 2011. Disponível em:

<http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9836&revista_caderno=16>.

Acesso em 01 maio 2018. Acesso em 01 maio 2018. 80 BARBOSA, op. cit., 2011.

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pessoas que fugiram de seus países porque sua vida, liberdade ou segurança foram ameaçadas

pela violência generalizada, pela agressão estrangeira, pelos conflitos internos, pela violação

maciça dos direitos humanos ou por outras circunstâncias que hajam perturbado gravemente a

ordem pública81.

No ano de 1997, o legislativo brasileiro apresenta uma lei acerca dos refugiados,

representando um grande avanço no tema do refúgio, trazendo normas específicas e

regulamentando ainda o procedimento que deve ser seguidos quando o Brasil for o concessor

do refúgio. A Lei nº 9.474/97, que dispõe acerca dos direitos e deveres dos refugiados,

seguindo o disposto na Convenção da Organização da Unidade Africana de 1967 e na

Declaração de Cartagena de 1984, estendeu a definição de refugiado, considerando como tal

os indivíduos que, devido a grave ou generalizada violação de direitos humanos, foi obrigado

a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país. Tal ampliação traz

grande avanço ao garantir aos indivíduos a efetiva proteção de direitos humanos. O ponto

negativo é que, por ter sido avanço trazido por documento regional, não tem abrangência

global.

É possível afirmar que o instituto do refúgio encontra-se bem consolidado em termos

de legislação interna brasileira, tanto pelo próprio estatuto do refugiado quanto pela nova lei

de migrações, que em seu artigo 122 salienta que todo o disposto quanto ao instituto do

refúgio deve respeitar a legislação específica vigente.

Ainda, em 13 de julho do ano de 2018 na Conferência de Marraquexe, durante o

governo de Michel Temer, o Brasil assinou o Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e

Regular82, aprovada pelos Estados-membros da ONU, com o apoio da Assembleia Geral

também da ONU. O Pacto Global não é vinculativo e está fundamentado em valores de

soberania do Estado, compartilhamento de responsabilidade e não-discriminação de direitos

humanos. Reconhece que é necessária uma abordagem cooperativa para otimizar os

benefícios gerais da migração, além de mitigar seus riscos e desafios para indivíduos e

comunidades nos países de origem, de trânsito e de destino, como por exemplo recomendando

que a detenção do imigrante seja o último recurso e pelo menor tempo possível, proibindo a

deportação coletiva e discriminação do imigrante, garantindo acesso à Justiça, à saúde e à

educação, além de troca de informação entre os países para o combate do tráfico de pessoas.

Foi assinado por 121 dos 193 países membros da ONU. Caracteriza-se por ser um documento

81 BARBOSA, op. cit., 2011. 82 NAÇÕES UNIDAS, 2018. Disponível em: https://nacoesunidas.org/assembleia-geral-da-onu-adota-

oficialmente-pacto-global-para-a-migracao/amp/. Acesso em: jan. 2019.

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abrangente que tem finalidade de melhor gerenciar a migração internacional, enfrentando

desafios e fortalecendo os direitos dos migrantes, contribuindo para o desenvolvimento

sustentável e tendo como base a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos

Direitos Humanos.

O documento respeita a soberania dos Estados, mas também considera as suas

obrigações perante os acordos internacionais, e trata-se de uma estrutura cooperativa, baseada

nos compromissos acordados pelos próprios Estados na Declaração de Nova Iorque para

Refugiados e Migrantes do ano de 2016. Entretanto, em janeiro de 2019,o governo brasileiro,

por meio do Itamaraty, informou à ONU que irá se desvincular do Pacto em questão, pois o

governo atual entende que o pacto em questão é instrumento insuficiente para lidar com o

problema migratório, e um instrumento interno seria mais compatível e posteriormente

regulamentado83.

3.1 Classificações de Refugio: de Guerra, Ambientais, Econômicos

Novos tipos de deslocamentos de pessoas84 surgiram nos últimos anos e nem sempre é

possível caracterizar adequadamente a diferença entre um refugiado político e um refugiado

econômico. Entretanto, tais delimitações configuram fenômenos que não podem ser

ignorados, tendo em vista o volume de pessoas que abandonam ou permanecem fora de seus

países de origem, independentemente de qualquer outra consideração, como seria o caso dos

albaneses na Itália ou dos romenos na Espanha. Em matéria de refugiados, a principal

controvérsia atual é a diferenciação entre refugiados econômicos e políticos. Podemos citar

três tipos de fatos que podem dar causa a deslocamento internacional de pessoas,

configurando fluxo de refugiados. Esses fatores são: políticos, econômicos e ambientais85.

O conceito de refugiado aumentou desde a ratificação da Convenção de Genebra sobre

Refugiados de 1951 e do Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967. Refugiado não é

mais aquele que foge apenas em virtude de conflitos armados, regimes ditatoriais ou por

83 JORNAL NACIONAL, 2019, p. 1. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-

nacional/noticia/2019/01/08/brasil-informa-a-onu-que-vai-deixar-pacto-de-migracao.ghtml. Acesso em: jan.

2019. 84 ACNUR. O número de análises de pedidos de refúgio é seis vezes maior do que em 2012. 2012. Disponível

em: http://www.acnur.org/t3/portugues/noticias/noticia/numero-de-analises-de-casos-de-refugio-no-ano-passado-

e-seis-vezes-maior-que-em-2012/. Acesso em: 15 mai. 2018. 85 CASELLA, Paulo Borba. apud NASCIMENTO, Luiz Sales do. A Cidadania dos Refugiados no Brasil. São

Paulo: Editora Verbatim, 2012. p. 37.

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motivo de raça, cor ou religião. Esses indivíduos são impulsionados a abandonar suas

residências em virtude de novos motivos, como sociais e ambientais, e além de se deslocarem,

ainda ficam desprovidas de proteção internacional específica86.

A primeira diferenciação que esse trabalho propõe é segundo a classificação do

ACNUR para o deslocado interno, que não atravessa a fronteira de seu próprio país,

permanecendo, dessa forma, condicionado às decisões do Estado, ainda que a atuação deste

Estado não seja a motivação de sua fuga. Este grupo de pessoas se desloca por motivos muito

semelhantes daqueles que procuram refúgio, sejam eles os conflitos armados, a violação de

direitos humanos, violência generalizada, entre outros87.

Os refugiados sociais ou econômicos são aqueles que, em virtude do estado de pobreza

em que vivem em seu país de nascimento ou onde se encontre sua residência, se vêm

obrigados a deixá-lo em virtude de falta de emprego, de dinheiro e de condições dignas de

sobrevivência. Refugiados econômicos são os mais difíceis de serem definidos, confundindo-

se em parte com os chamados migrantes. Há dificuldade acerca da caracterização desse tipo

de refugiados, uma vez que não há temor de perseguição e sua saída do país de residência se

dá por fatores sociais, não se enquadrando no art. 1º da Convenção Relativa ao Estatuto dos

Refugiados das Nações Unidas de 1951 nem no art. 1º da lei 9.474 de 1997.

Em termos abstratos, poderíamos definir o refugiado econômico como aquele que se

vê diante da impossibilidade total de satisfazer suas necessidades vitais no país do qual é

nacional, enquanto migrante, ao menos em tese, poderia substituir em seu país natal, mas,

insatisfeito com as condições locais, se desloca para outra região, em busca de melhores

perspectivas88., essa conceituação se adequa exatamente aos cidadãos denominados por

Sassen de expulsos, embora a autora não faça referencia ao termo refugiado como sinônimo.

Além desses, a autora refere também como expulsos os refugiados ambientais e políticos,

inclusive destacando o caso de Bangladesh, icônico no que diz respeito aos refugiados

ambientais89.

Cabe destacar aqui que o conceito de migrante adotado por esse trabalho é de que se

caracterizam como migrantes todos aqueles que se deslocam para viver em local diferente

daquele de origem. O migrante é toda pessoa que se transfere do seu local de nascimento ou

86 JUBILUT, Liliana Lyra. O Direito Internacional dos Refugiados e sua Aplicação no Ordenamento Jurídico

Brasileiro. São Paulo: Método, 2007. p. 169 87 ACNUR. Disponível em <http://www.acnur.org/t3/portugues/quem-ajudamos/deslocados-internos/>. Acesso

em 16 maio 2018. 88 CASELLA, Paulo Borba. apud NASCIMENTO, Luiz Sales do. A Cidadania dos Refugiados no Brasil. São

Paulo: Editora Verbatim, 2012. p. 37. 89 SASSEN, S., ibid., 2016, p. 60.

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de sua residência para outro país ou região, tanto nacional como internacionalmente. Este é

um termo comum para definir de forma abrangente, tanto para entrada quanto para saída de

um país (imigrantes e emigrantes, respectivamente). Existem também as migrações internas,

que se referem aos migrantes que se movem dentro do país de origem, denominados pelo

ACNUR como deslocados internos90.

Os refugiados de guerra, como o próprio nome deixa implícito, são pessoas que fogem

de seus países em virtude de conflitos armados, por terem seus direitos civis e/ou políticos

violados e por temer que esses direitos continuem permanentemente sendo violados. Dessa

forma, quando a guerra ou a agitação civil devasta uma comunidade, as pessoas que moram

naquela localidade são forçadas a se deslocar para proteger suas vidas e sua integridade física.

Para elas, a situação que se encontram as deixa em face de situações como a morte por

privação, assaltos, genocídios ou a vida no exílio91. Refugiados por motivos políticos se

enquadram na definição das Nações Unidas, bem como pessoas fugindo dos desastres de

guerras, estejam ou não ideologicamente envolvidas no conflito92.

Além das guerras, a violência é inerente ao poder estatal, uma vez que o Estado,

inclusive o estado democrático é considerado um aparato de forças, que subjuga a sociedade a

fim de impor a ela certos fins prioritários em detrimento de outros, operando um sistema de

coerção para reprimir todos os que estão à margem da lei. Assim, quem foge da violência

advinda do aparato estatal, mesmo que lícita e oriunda de um país democrático, poderia ser

considerado, grosso modo, sem nenhum parâmetro normativo, um refugiado93.

Outro caso que é muito discutido por não haver temor de perseguição é o caso dos

refugiados ambientais. Segundo o Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas

(IPCC), os eventos catastróficos, como o Furacão Katrina, o tsunami que atingiu a costa do

Japão e o excesso de chuvas que causou desabamentos nas encostas dos morros no Brasil, se

tornarão cada vez mais frequentes. As pessoas que sofrem com essas catástrofes vêm sendo

90 INSTITUTO DE MIGRAÇÕES E DIREITOS HUMANOS. 2018. Disponível em

<http://www.migrante.org.br/migrante/index.php?option=com_content&view=article&id=219&Itemid=1214>.

Acesso em 16 maio 2018. 91 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. A ONU e os Refugiados, 2018. Disponível em

<http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-os-refugiados/>. Acesso em 16 maio 2018. 92 CASELLA, Paulo Borba. apud NASCIMENTO, Luiz Sales do. A Cidadania dos Refugiados no Brasil. São

Paulo: Editora Verbatim, 2012. p. 37. 93 NASCIMENTO, Luiz Sales do. A Cidadania dos Refugiados no Brasil. São Paulo: Editora Verbatim, 2012. p.

35-36.

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chamadas de “refugiados ambientais”, mas, além de não se enquadrarem na clássica definição

de refugiado, não tem a proteção material ou jurídica94.

Refugiados por motivos ambientais enfrentam situações de expulsões por serem

atingidos por catástrofes naturais, como terremotos, secas ou inundações95. Dessa forma,

situações de fome e miséria, catástrofes naturais, problemas ambientais e situações de guerra96

fazem que grande massa de pessoas procure refúgio97 em outros países. No que diz respeito à

questão dos refugiados em decorrência de fatores ambientais, há a necessidade da comunidade

internacional se mobilizar e elaborar instrumentos legais capazes de promover a proteção

dessas pessoas. Por meio do encontro Deslocamentos Humanos por Motivos Ambientais e

Catástrofes Naturais, considerou-se que as mudanças climáticas geram migrações, e apesar

dessas não estarem amparadas pela Convenção de Viena ou pela Declaração de Cartagena, há

que atentar para o fato de que essas pessoas encontram-se vulneráveis e desabrigadas, ou com

risco iminente de ficarem desabrigadas, necessitando de apoio e garantia de direitos civis. O

uso do termo refugiado ambiental foi empregado pela primeira vez em 1974 por Lester

Brown, fundador do Instituto Worldwatch, de pesquisas relacionadas à questão ambiental

global. O refúgio ambiental significa uma migração forçada e rápida, logo após o evento

natural ou logo antes de ele ocorrer, em razão da impossibilidade da vida ou da dignidade, em

razão de tal evento98.

Contata-se que há diversas formas de migrações e movimentos de pessoas em nível

mundial. Aqueles que se deslocam nesse intuito, geralmente viajam sem documentação, além

94 BUENO, Claudia da Silva. “Refugiados Ambientais”: Em Busca de Amparo Jurídico Efetivo. 2012. Trabalho

de Conclusão de Curso – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto

Alegre, 2012. p. 10-11. 95 CASELLA, Paulo Borba. op. cit.,. p. 37. 96 Matéria vinculada no site do G1, em 08/01/2014, informa que, devido a crise na Síria, fez com que 283

cidadãos do país pedissem e conseguissem refúgio no Brasil em 2013. O número representa 44% do total de

concessões feitas pelo governo federal, segundo dados do Ministério da Justiça obtidos pelo site. O total de

pedidos de refúgio aceitos no país é mais que o triplo do registrado em 2012, totalizando 199 pedidos.

Disponível em <http://g1.globo.com/brasil/noticia/2014/01/com-guerra-civil-siria-triplica-numero-de-

concessoes-de-refugio-no-brasil.html>. Acesso em 20 maio 2018. 97 Pedidos de refúgios aumentaram oito vezes em três anos. O Brasil possui 5.208 refugiados reconhecidos de 80

nacionalidades distintas. Em 2013, segundo o levantamento apresentado pelo Comitê e pelo Alto Comissariado

das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), no início de maio, foram registradas 5.256 solicitações, a maior

parte de nacionais de Bangladesh, seguidos do Senegal, Líbano e Síria. Apesar das muitas negativas às

solicitações que não se enquadram no estatuto do refúgio – no caso de Bangladesh, por exemplo, dois terços dos

pedidos foram indeferidos no ano passado –, a expectativa das autoridades é que, este ano, as solicitações

cheguem a 12 mil. Andres Ramirez, representante do Acnur no Brasil lembra que, se mantida a média de

concessão – que atualmente é de cerca de 40% de todas as solicitações, o número de refugiados no Brasil poderá

duplicar. Disponível em

<http://www.opovo.com.br/app/maisnoticias/mundo/dw/2014/05/14/noticiasdw,3250693/pedidos-de-refugio-no-

brasil-aumentam-oito-vezes-em-tres-anos.shtml>. Acesso em 20 maio 2018. 98 GRUBBA; MAFRICA, 2005, p. 222.

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de se envolverem com tráfico de seres humanos, colocando-se em condições desumanas99.

Porém, o aparato estatal e as condições político-econômicas não permitem que os Estados

recebam adequadamente grandes massas de pessoas que fogem de condições insuficientes à

dignidade da pessoa humana em seus países de origem, muito menos com a garantia de que

encontraram nos locais de destino melhores condições de dignidade e respeito aos direitos

humanos.

3.2 Quem pode ser beneficiado pelo instituto

As inovações da Convenção de 1951100 e do Protocolo de 1967 geraram o

reconhecimento do status de refugiado no âmbito internacional. São cinco os motivos

previstos internacionalmente que asseguram o refúgio: a raça, a nacionalidade, a opinião

política, a religião e o pertencimento a um grupo social101. Estes motivos decorrem

diretamente da igualdade, liberdade e fraternidade, três pilares que iniciaram a positivação dos

direitos humanos.

99 GRUBBA; MAFRICA, 2005, p. 222. 100 O artigo 1º da Convenção de Genebra de 1951 estabelece como refugiado aquele que foi considerado

refugiado nos termos dos Ajustes de 12 de maio de 1926 e de 30 de junho de 1928, ou das Convenções de 28 de

outubro de 1933 e de 10 de fevereiro de 1938 (Convention Concerning the Status of Refugees Coming from

Germany of 10 February 1938) e do Protocolo de 14 de setembro de 1939, ou ainda da Constituição da

Organização Internacional dos Refugiados. Em 12 de maio de 1926, foi celebrado o Arrengement relating to the

issue of identity certificates to Russian e Armenian refugees para definir quem eram os refugiados russos e

armênios, onde, ainda que com certa leveza, aparece pela primeira vez o princípio do non-refoulement. Em 1928,

começou a constituir-se, no âmbito do direito internacional, o princípio do non-refoulement, por meio do

Arrengement relating to the legal status of Russian and Armenian refugees of 30 june 1928. Para Fischel de

Andrade, trata-se do “embrião” do princípio da não devolução, uma vez que recomendava que a expulsão fosse

suspensa ou não realizada caso o refugiado não apresentasse condições legais para adentrar no país para onde se

daria sua condução. No ano de 1933 foram abertas as assinaturas acerca da Convention Relating to the

International Status of Refugees of 28 June 1933. A convenção visava ampliar práticas de repatriação e

concede3r aos refugiados russos e armênios direitos nos seus países de asilo. Uma série de direitos dos

refugiados foram especificados, como o direito à educação, a possibilidade de poder trabalhar no país que o

abriga e documentos de viagem. À essa convenção é dado o devido destaque pela continuidade da proteção aos

refugiados ao utilizar o termo “a presente convenção é aplicável à Russos, Armênios e assimilados”, abrindo a

possibilidade de mais pessoas serem abrangidas pela expressão “refugiadosAlém da restrição temporal e local,

aqueles que, em consequência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo ser

perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do

país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país,

ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em

consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele, também são

consideradas refugiadas pela Convenção de 1951. ”. BARICHELLO, Stefania Eugenia Francesca. Direito

Internacional dos Refugiados na América Latina: O plano de Ação do México e o Vaticínio de Hannah Arendt.

Rio Grande do Sul, 2009. Disponível em <https://www.yumpu.com/pt/document/view/12792635/direito-

internacional-dos-refugiados-na-america-dominio-publico/38>. Acesso em 23 maio 2018. 101 JUBILUT, Liliana Lyra. O Direito Internacional dos Refugiados e sua Aplicação no Ordenamento Jurídico

Brasileiro. São Paulo: Método, 2007. p. 113.

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O reconhecimento do status de refugiado baseia-se no “fundado temor de

perseguição”, como já mencionado, buscando preservar os direitos individuais, utilizando

critérios tanto objetivos e quanto subjetivos102. Os critérios objetivos estão representados pela

expressão “fundado” e se caracteriza pela comparação entre a situação objetiva do país de

origem do refugiado com a situação relatada por este como base para a solicitação do status.

Já o critério subjetivo está na expressão “temor de perseguição”, que deve ocorrer em virtude

de um dos cinco motivos: a raça, a nacionalidade, a opinião política, a religião ou o

pertencimento a algum grupo social.

O conceito de raça tem origem biológica e tem como finalidade designar um grupo

que apresente certa homogeneidade no conjunto dos aspectos genéticos particulares,

hereditariamente transmitidos de geração pra geração103. A existência das raças e, por

consequência, das diferenças físicas entre os indivíduos pertence ao estudo da biologia, e não

será aprofundado nesse trabalho. No entanto, há perigo no que concerne ao uso da distinção

racial com finalidade diversa daqueles ligadas à biologia, especialmente no âmbito político,

uma vez que desses decorrem diretamente a discriminação e a intolerância.

Norberto Bobbio ensina que o racismo e a discriminação racial só existem em um

terceiro momento, após o juízo de fato e um juízo de valoração, quando é sustentado que a

raça superior tem o direito, justamente por se entender superior, de oprimir ou aniquilar a raça

inferior. A ONU, em virtude da preocupação com o racismo, em 1965, patrocinou a

Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial,

ratificada pelo Brasil em 27 de março de 1968. Em seu preâmbulo, usa como justificativa para

a adoção do tema os fatos de que os Estados estavam:

Convencidos de que a doutrina da superioridade baseada em diferenças

raciais é cientificamente falsa, moralmente condenável, socialmente

injusta e perigosa, e que não existe justificação para a discriminação

racial, em teoria ou na prática, em lugar algum. Reafirmando que a

discriminação entre as pessoas por motivo de raça, cor ou origem étnica é

um obstáculo às relações amistosas e pacíficas entre as nações e é capaz

de perturbar a paz e a segurança entre os povos e a harmonia de pessoas

vivendo lado a lado, até dentro de um mesmo Estado, e convencidos de

que a existência de barreiras raciais repugna os ideais de qualquer

sociedade humana104.

102 JUBILUT, op. cit., 2007, p. 115. 103 JUBILUT, op. cit., 2007, p. 115. 104 OEA, Trecho do preâmbulo da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação Racial, de 1965.

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A partir desse documento, é possível perceber o repúdio internacional acerca da

discriminação racial, repúdio este que foi reafirmado na Conferência das Nações Unidas

contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerância, da qual decorreu a

Declaração de Durban105, de 08 de setembro de 2001. Além das Conferências Internacionais, o

Brasil também adotou essa postura de repudiar o racismo e a discriminação racial, instituindo

a Lei 7.716/89106, estabelecendo os crimes resultantes de preconceito de raça e cor.

Posteriormente, complementada pela Lei 9.459/97, que, por sua vez, amplia o rol dos crimes

para os preconceitos em função de etnia, religião ou procedência nacional. Em virtude de

todas as colocações e visando a proteção efetiva dos indivíduos, estabeleceu-se que a

perseguição de um ser humano em função da raça é motivo para o reconhecimento do status

de refugiado, em razão de proteção.

O pertencimento a algum grupo social diz respeito à identificação de um indivíduo

como parte de um subgrupo da sociedade107. Na realidade, a definição de grupo social não é

precisa e a inclusão dela no rol de motivos para concessão do status de refúgio se deu,

justamente, por essa imprecisão. Ao longo do tempo, foi percebido que nenhuma definição

taxativa de quem é refugiado ou não abrangeria todos aqueles indivíduos que necessitassem

de proteção, em todas as épocas. Mas, ao mesmo tempo, foi verificada a indisponibilidade de

uma positivação internacional que objetivasse a aplicação homogênea deste instituto, sendo,

dessa forma, necessário o estabelecimento de critérios108.

Em virtude disso, na tentativa de combinar essas duas necessidades aparentemente

opostas, incluiu-se um critério sem definição taxativa, para que pudesse ser flexibilizado

frente à necessidade de proteger um indivíduo refugiado em que a situação fática não se

enquadrasse nos demais critérios. É possível dizer que este critério é maleável e garantidor da

justiça efetiva aos refugiados.

Para a definição do grupo social, existem três critérios: a) o critério de coesão do grupo;

b) o critério contextual; e c) o critério do agente de perseguição109. Por tratar-se de um critério

flexibilizável e sem definição taxativa, não foi muito utilizado no decorrer da história, até

105 OEA, CONFERÊNCIA MUNDIAL CONTRA O RACISMO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, XENOFOBIA

E INTOLERÂNCIA CORRELATA. 2001, passim. 106 BRASIL, Senado Federal. 1989. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7716.htm Acesso

em: nov. 2018. 107 JUBILUT, Liliana Lyra. O Direito Internacional dos Refugiados e sua Aplicação no Ordenamento Jurídico

Brasileiro. São Paulo: Método, 2007. p. 132. 108 Op. cit. 2007, p. 132. 109 Op. cit., 2007. p. 132.

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recentemente. Na atualidade, dois grupos sociais têm se destacado na aplicação deste critério

para a aquisição de refúgio: os homossexuais e as mulheres.

Os homossexuais são discriminados em virtude de uma característica de sua identidade

e que não contam com um critério de reconhecimento do status de refugiado específico.

Mesmo com a defesa dos direitos desse grupo social, continuam sendo perseguidos e, em

decorrência disso, passou a se utilizar este critério como meio de assegurar seus direitos

mínimos.

De acordo com Sen110, a repressão social de homossexuais, imigrantes e determinados

grupos religiosos é comum em vários países do mundo. Existe imposição social para que

homossexuais vivam como heterossexuais, com a negação da liberdade de escolha em prol da

homogeneidade social. Na medida em que se impede a diversidade, também se impede a

liberdade de escolha.

Em relação às mulheres, deve ser remetido à questão de gênero. A diferenciação entre

homens e mulheres parte desde as diferenças biológicas, físicas e sociais, sendo priorizado

este último aspecto com a finalidade de diminuir as diferenças existentes como critério

discriminatório. A partir dessa tentativa de diminuir a discriminação, busca-se a igualdade

material entre homens e mulheres111.

A preocupação acerca da mulher se dá devido a sua vulnerabilidade, devido a elas

serem, em algumas culturas, tratadas de forma inferior na hierarquia. Atualmente, as mulheres

e crianças são 48%112 da população refugiada. Isso se dá devido a maior causa aos pedidos de

refúgio por guerras, que acaba matando grande parte da população masculina e deixando

vulnerável a população feminina. Assim, o critério do pertencimento a um grupo social para o

reconhecimento do status de refugiado ainda se encontra em desenvolvimento e não deve

perder sua principal característica: a flexibilidade.

Os estudos sobre a política, tanto na vertente de Aristóteles, que escreve em face do

fenômeno da polis e preocupa-se com a organização do poder, debatendo acerca da divisão

desse e as formas de governo ao tratar da política, quanto à visão de Norberto Bobbio, que vê

a crise de autoridade na modernidade, e opta por centrar seus estudos no próprio poder

político, singularizando o monopólio do uso da força apresentam dois pontos em comum: a)

110 SEN, Amartya. Identidade e Violência. 2015, p. 64. 111 JUBILUT, Liliana Lyra. O Direito Internacional dos Refugiados e sua Aplicação no Ordenamento Jurídico

Brasileiro. São Paulo: Método, 2007, p. 133. 112 JORNAL GLOBO, Número de novos refugiados é maior em 14 anos no mundo. 2013. Disponível em

<http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/06/numero-de-novos-refugiados-e-o-maior-em-14-anos-no-

mundo.html>. Acesso em 26 ago 2018.

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tratam a política como meio de estruturação da organização estatal; e b) apontam a

necessidade de que, para que exista verdadeiramente a política, se esteja diante de uma

coletividade113.

A opinião política, seja no sentido de melhorar a estrutura do governo ou de melhorar a

estruturara do modo de governar, só existe quando há a coletividade, pois essa traz consigo a

diversidade. É preciso falar de coletividade para haver divergências de opiniões. Falar de

opinião no singular, podendo o singular ser entendido como um único ser humano ou como

uma única opinião, é um paradoxo. Assim, a opinião política é consagrada como critério para

concessão de refúgio, visto que é direito humano consagrado indiretamente através do direito

à liberdade de pensamento, de opinião e de associação, na Declaração Universal dos Direitos

do Homem, de 1948114.

A garantia à opinião política é fundamental, inclusive no que diz respeito à proteção da

vida do indivíduo que discorda com a opinião política dominante, principalmente em casos de

países tiranos, totalitários ou ditatoriais. É imprescindível destacar que a garantia da livre

opinião política é assegurada internacionalmente, pelo art. 19 da Declaração Universal dos

Direitos do Homem115. A opinião política, por ser considerado um direito humano e uma

garantia fundamental, deve ser motivo de concessão do status de refugiado, além do que,

preenche os requisitos do aspecto objetivo e subjetivo do fundado temor de perseguição.

A nacionalidade é o vínculo jurídico que une o indivíduo ao Estado, e pode ser

entendida em duas dimensões: a vertical, que visa o aspecto jurídico-político da ligação entre

o indivíduo e o Estado, entre o indivíduo e o Direito Internacional, e a horizontal, que diz

respeito ao aspecto sociológico, visando à ligação do indivíduo com os demais membros da

comunidade, da população e do Estado116.

O termo “nacionalidade” tem divergências a respeito de sua definição, existindo duas

correntes clássicas e uma moderna. A primeira corrente clássica decorre do pensamento

alemão e nos ensina que a nacionalidade se baseia em aspectos objetivos, como território,

comunidade cultural, raça, língua, religião, que podem existir isolada ou conjuntamente na

113 BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro:

Campus, 2000. p. 164-170. 114 ACNUR. Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, 1948. Disponível em:

https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf. Acesso em: 12 nov. 2018. 115 NAÇÕES UNIDAS, Declaração Universal de Direitos Humanos, 1948, Art. 19 - Todo o indivíduo tem direito

à liberdade de opinião e de expressão, este direito implica a liberdade de manter as suas próprias opiniões sem

interferência e de procurar, receber e difundir informações e ideias por qualquer meio de expressão

independentemente das fronteiras. Disponível em <http://www.humanrights.com/pt/what-are-human-

rights/universal-declaration-of-human-rights/articles-11-20.html>. Acesso em 13 set. 2018. 116 JUBILUT, Liliana Lyra. O Direito Internacional dos Refugiados e sua Aplicação no Ordenamento Jurídico

Brasileiro. São Paulo: Método, 2007. p. 119-120.

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base do vínculo, sendo denominada “teoria objetiva”. A segunda teoria é a chamada de “teoria

subjetiva ou voluntarista” muito difundida na França e Itália, e nega a fundamentação da

nacionalidade em bases objetivas, por óbvio, entendendo que esse vínculo decorre da vontade

dos indivíduos de estarem unidos.

O surgimento da terceira teoria, que tem como expoente Eric Hobswan, do século XX,

que critica as teorias objetiva e subjetiva, visto que ambas definem nacionalidade

aprioristicamente, fato que não se comprova na prática e não permite uma definição que

englobe todas as nações existentes. Para esta nova corrente, deve ser verificado se a união dos

indivíduos forma uma nação a posteriori, ou seja, a partir da realidade empírica, sendo os

elementos apontados pelas teorias objetiva e subjetiva (território, língua, religião, raça,

comunidade cultural, vontade) apenas explicadores do protonacionalismo, ou seja, do por que

os indivíduos desejam unir-se, daquilo que antecede a criação de uma nação, mas não

explicadoras do vínculo em si117.

O conceito de nacionalidade não se confunde com o princípio da nacionalidade118. A

nacionalidade com o conceito de nação faz com que comece a surgir novos Estados na

Europa, motivando a ideia de unificação. Ainda, é possível utilizar-se da nacionalidade para

legitimar o Estado moderno, como base para o princípio da nacionalidade - o princípio de que

cada nação deveria corresponder a um Estado. A incessante procura por essa homogeneidade

e, como consequência lógica, a discriminação das minorias durante as primeiras quatro

décadas do século XX, fizeram com que ocorressem as maiores migrações na Europa, em sua

maioria, involuntárias, em função da retirada da nacionalidade de diversas pessoas por parte

dos Estados, o que resultou a existência de milhares de indivíduos apátridas119.

Os apátridas são aqueles indivíduos sem nacionalidade. E que são privados do exercício

de qualquer direito, por não terem nacionalidade alguma, visto que não contam com a

proteção estatal, como os indivíduos que possuem nacionalidade. As causas da inexistência da

nacionalidade são diversas, como a retirada, por parte de um Estado, da nacionalidade

anteriormente existente ou, pela situação fática, o indivíduo nasce em território que utiliza o

critério ius saguinis para definição de nacionalidade e seus pais tem nacionalidade definida

117 JUBILUT, op. cit., 2007, p. 121. 118 JUBILUT, Liliana Lyra. O Direito Internacional dos Refugiados e sua Aplicação no Ordenamento Jurídico

Brasileiro. São Paulo: Método, 2007. p. 121: O conceito de nacionalidade surgiu com o capitalismo, no

século XIX. Esse conceito de união entre os indivíduos, privilegiando suas semelhanças com a finalidade de

propiciar o auto sustento de seus membros, visto que pregava a inviabilidade econômica de pequenos Estados

e, assim, entendia-se a nação como um estágio do desenvolvimento humano. 119 JUBILUT, op. cit., p. 122.

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por ius solis, ou, ainda, pela anulação da naturalização de estrangeiro por parte o Estado que o

naturalizou, por exemplo120.

A nacionalidade é, ainda na atualidade, motivo de discriminação em Estados com

multietnia e provoca a fuga desses indivíduos que, sem o instituto do refúgio, estariam

desprovidos de proteção. Dessa forma, é possível afirmar que a nacionalidade é um motivo

para a concessão do status de refúgio, visto a maneira que é enfrentada na prática.

Diversos doutrinadores reúnem os institutos de asilo e refúgio em um único instituto.

No entanto, eles não se confundem. O Tratado de Direito Penal Internacional de Montevidéu,

de 1889, dedicou um capítulo ao tema do asilo, não sendo o único documento internacional a

tratar do assunto121. A América Latina é o continente que mais faz uso do instituto do asilo,

sendo que outros continentes o utilizam esporadicamente122.

É preciso esclarecer que o asilo diplomático, que é típico da América Latina e é

utilizado como costume, é uma fase de transição para a concessão do asilo definitivo, que é o

chamado asilo territorial123. O asilo diplomático pode ser concedido em navios, aeronaves e

acampamentos militares e a concessão deste não implica necessariamente a outorga de asilo

territorial124.

O asilo político é tratado em título próprio na Lei de Migração, de número 13.445/17,

que determina que o estrangeiro que for admitido em território nacional na condição de

asilado, ficará sujeito a cumprir as leis vigentes e as que o Governo brasileiro lhe fixar, além

dos deveres que lhes forem impostas pelo Direito Internacional125. A necessidade de um corpo

de leis de força internacional que acolhesse uma grande massa de pessoas deslocadas entre

fronteiras começou a ser desenhada como consequência de guerras entre etnias precedentes à

Primeira Guerra Mundial, e que criaram problemas de ordem política, econômica e social,

piorados com o fim da guerra126.

A Liga das Nações trouxe a efetiva proteção aos refugiados. E foi assim que os grupos

de refugiados, antes sem nenhuma proteção, começaram a ser realocados em outros Estados,

120 JUBILUT, op. cit., p. 122-123. 121 Destaca-se a Convenção sobre Asilo assinada na VI Conferência Pan-Americana em Havana, em 1928 e a

Convenção sobre Asilo Diplomático, na X Conferência Interamericana de Caracas, em 1954. 122 ACNUR, Das Diferenças entre os Institutos Jurídicos do Asilo e do Refúgio. 2017, p. 15. Disponível em <

https://www.acnur.org/portugues/wp-content/uploads/2018/02/Caderno-de-Debates-12_Ref%C3%BAgio-

Migra%C3%A7%C3%B5es-e-Cidadania.pdf >. Acesso em 02 jun 2018. 123 NASCIMENTO, Luiz Sales do. A Cidadania dos Refugiados no Brasil. São Paulo: Ed. Verbatim, 2012, p. 30. 124 ACNUR, op. cit., 2017, p. 17. 125 ACNUR, op. cit., 2017, p. 17. 126 ACNUR, op. cit., 2017, p. 33.

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criando novos vínculos com aqueles países, garantindo proteção externa e interna127. O século

XX foi marcado pelo totalitarismo fascista e nazista e ainda e pela Segunda Guerra Mundial,

que provocou o deslocamento de enormes grupos de pessoas e o período de martírio do povo

judeu. Nesse momento histórico, a Liga das Nações não existia, mas movimentações para a

solução dos problemas internacionais já haviam se iniciado e contribuíram para a criação da

Organização das Nações Unidas – ONU128.

Vinculada a Organização das Nações Unidas, foi criada a Organização Internacional

dos Refugiados, porém, com tempo certo para durar. Teve seu fim programado para 1950,

sendo extinta em 28 de fevereiro de 1952129. O problema dos refugiados não terminou com a

criação desta organização e sentiu-se a necessidade de criação de um novo órgão, porém, de

caráter permanente, ligado à ONU, para lidar acerca dos refugiados. Então, cria-se o Alto

Comissariado das Nações Unidas para Refugiados – ACNUR130, criada pela resolução número

428 da Assembleia das Nações Unidas, em 14 de dezembro de 1950, com a missão de dar

apoio e proteção aos refugiados de todo o mundo.

Percebe-se que são semelhantes no sentido de se tratarem de instituições relacionadas

à proteção da pessoa vítima de perseguição. Ambos protegem indivíduos independentemente

de suas nacionalidades, excluindo a possibilidade de extradição. E em ambos os casos, fica

assegurado o exercício de todos os direitos civis de um estrangeiro residente no País131.

O asilo diplomático aparece como uma espécie de tradição latino-americana, bem

como o asilo enquanto instituto de Direito Internacional Público, ao passo que o refúgio tem

caráter universal. O asilo visa à proteção em face de perseguição efetiva e atual, enquanto,

para se tornar um refugiado, basta o temor de perseguição132.

O asilo pode ser requerido no país de origem da pessoa perseguida. No refúgio, a

atuação ou perseguição contra as finalidades e princípios das Nações Unidas é motivo para a

não concessão do status, enquanto no asilo, essa atuação não se torna causa de exclusão do

benefício133.

127 ACNUR, op. cit., 2017, p. 33. 128 NASCIMENTO, op. cit., 2012. p. 33-34. 129 NASCIMENTO, op. cit., 2012, p. 34. 130 NASCIMENTO, Luiz Sales do. A Cidadania dos Refugiados no Brasil. São Paulo: Ed. Verbatim, 2012, p. 34. 131 ACNUR, Das Diferenças entre os Institutos Jurídicos do Asilo e do Refúgio. 2017, p. 34. Disponível em <

https://www.acnur.org/portugues/wp-content/uploads/2018/02/Caderno-de-Debates-12_Ref%C3%BAgio-

Migra%C3%A7%C3%B5es-e-Cidadania.pdf >. Acesso em 02 jun 2018. 132 ACNUR, op. cit., 2017, p. 34. 133 ACNUR, op. cit., 2017, p. 35.

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Para que os institutos jurídicos tornem-se capazes de proteger os expulsos, é

necessário que o país adote uma postura de governo que vise melhorar as capacidades das

estruturas estatais visando uma adequada recepção dos refugiados, considerando suas

necessidades e direitos. Nesse sentido, o item três busca analisar políticas públicas que podem

complementar práticas brasileiras para proporcionar melhores condições de dignidade àqueles

que buscam abrigo nesse território.

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4 NO PRISMA DOS REFUGIADOS NO BRASIL

Em Castel, poderia ser dito que os refugiados pertencem, em sua maioria, as zonas de

vulnerabilidade social, que são contingentes de indivíduos que estão desprotegidos, e não

pertencem às relações tradicionais sociais, são os desempregados, ou aqueles que possuem

emprego informalizado, que foram inseridos de forma precária no mercado, e estão

fragilizados perante a sociedade, as relações familiares ou comunitárias. É dessa zona de

vulnerabilidade, que os refugiados tentam fugir, melhorando suas condições em novo

território, tentando encontrar proteção em novo Estado e em novo grupo comunitário. Neste

capítulo iremos enfrentar a problemática do processo migratório de refugiados com base no

estudo Visão do Contexto Migratório no Brasil.

Um espaço social de instabilidade, de turbulências, povoado de indivíduos em

situação precária na sua relação com o trabalho e frágeis em sua inserção relacional.

Daí o risco de caírem na última zona, que aparece, assim, como o fim de um

percurso. É a vulnerabilidade que alimenta a grande marginalidade ou a

desfiliação134.

De acordo com Sen, uma comunidade bem integrada, organizada na qual os

residentes são próximos, ajudam-se mutuamente, atuam de forma colaborativa e solidária

pode ser a mesma comunidade que atira tijolos pelas janelas aos imigrantes que ali chegam. A

adversidade da exclusão pode estar muito próxima a dádiva da inclusão135. Sob pena de

incorrer nesse erro, uma planejamento político que incentive a igualdade entre os nacionais e

os imigrantes se faz necessária, e para tal advém o estudo supramencionado, que foi

desenvolvido no ano de 2017, sob coordenação do Dr. Marcelo Torelly, financiado pelo

Ministério da Justiça, esse trabalho foi viabilizado por meio de uma Carta Acordo entre a

OIM (Organização Internacional para Migrações) e o Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD). Esse trabalho envolveu analisar a situação dos migrantes no

Brasil, mapeando de forma macro o cenário, por meio de reuniões bilaterais, multilaterais e

escuta ativa identificada ou anônima de diversos atores136 estratégicos.

134 CASTEL, 1997, p. 27. 135 SEN, 2015, p. 12. 136 Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR); Associação de Ganeses de Criciúma

(Cogacri); Associação de Imigrantes Haitianos de Bento Gonçalves (AIHB); Cáritas Londrina; Central Única

dos Trabalhadores (CUT); Centro de Migrações e Direitos Humanos; Centro de Referência e Atenção ao

Imigrante (CRAI) – Florianópolis; Comitê Nacional para Refugiados (CONARE); CONECTAS Direitos

Humanos; Confederação Nacional do Comércio (CNC); Coordenação de Política de Migração do Município de

São Paulo; Defensoria Pública da União (DPU); Delegação da União Europeia no Brasil; Diretoria de Migrações

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Como citado no primeiro capítulo desse trabalho, o Brasil é referência internacional

com relação à normatividade para a governança migratória. Principalmente, a partir do

advento da Lei 13.445/17, somada a Lei 9.474/97. Nesse sentido, veio o trabalho supracitado,

que busca alternativas práticas para a concretização do que traz a legislação vigente,

desenvolvendo alternativas de regulamentação e políticas públicas para articular as

normativas nacionais e internacionais, focadas na garantia de direitos humanos, com a

realidade do processo migratório. Os atores entrevistados forneceram dados para o

mapeamento das expectativas sociais, e as principais necessidades no panorama brasileiro,

identificadas como necessidades imediatas, as quais: articular o encaminhamento de

migrantes no território nacional e promover o desenvolvimento por meio da imigração;

inserção laboral de imigrantes. Para solucionar essas dificuldades, foram expostas diferentes

propostas para regulamentar políticas públicas com base em experiências internacionais. Cabe

destacar que o trabalho foi realizado enquanto a Lei 13.445/17 ainda era um Projeto de Lei,

número 2.516, e buscava trazer clareza para as partes que ainda estavam obscuras nesse PL137.

No intuito de trazer soluções práticas para romper com o ciclo de expulsões abordado

no capítulo anterior, esse trabalho irá focar em coletar dados referentes às necessidades

brasileiras, às práticas negativas realizadas por diferentes países e julgadas pela Corte

Interamericana de Direitos Humanos, além de propostas de experiências positivas

internacionais de políticas públicas que podem se adequar ao panorama brasileiro, pois são

voltadas para as lacunas que este país apresenta, considerando a recepção dos migrantes.

Essas políticas visam à integração de refugiados e o desenvolvimento socioeconômico, além

de fortalecer as capacidades estatais para consolidar e apoiar um governo que prioriza e

valoriza as necessidades dos migrantes, principalmente os vulneráveis: refugiados. São

do Ministério da Justiça (DEMIG); Divisão de Imigração do Ministério das Relações Exteriores; EMDOC –

Brasil; Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC); Federação Brasileira de Bancos

(Febraban); Federação de Residentes Bolivianos no Brasil; Fundação AVINA; Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE); Instituto de Migrações e Direitos Humanos (IMDH); Instituto Pro Bono; Mattos Filho, Veiga

Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados; Ministério Público Federal (MPU); Missão Paz – São Paulo; Núcleo de

Estudos de Populações Elza Berquó, da Universidade de Campinas (NEPO Unicamp); Pastoral do Migrante –

Campo Grande; Pastoral do Migrante – Florianópolis; Pastoral do Migrante – Fortaleza; Pastoral do Migrante –

Três Lagoas; Presidência do Conselho Nacional de Imigração (CNIg); Procuradoria Federal dos Direitos do

Cidadão do Ministério Público Federal (PFDC-MPF); Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(PNUD) Brasil; Projeto Cosmópolis, da Universidade de São Paulo (USP); Rede Sulamericana para as

Migrações Ambientais (RESAMA); Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL/MJ);

Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério dos Direitos Humanos (SEDH/MDH); Serviço

Franciscano de Solidariedade (SEFRAS) São Paulo; e Universidade Federal de Roraima (UFRR). 137 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., Visões do Contexto Migratório no Brasil. Brasília: Organização

Internacional para as Migrações, Agência das Nações Unidas Para as Migrações, 2017, p. 22.

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modelos que servem como base para desenvolver um modelo de gestão que inibe o ciclo de

expulsões, além de se beneficiar a partir dos fluxos de migrantes.

A exclusão social é grande vilã quando se tratam de estabilidade social, econômica,

política e cultural de uma sociedade. O Estado tem papel fundamental para buscar condições

de justiça que expressem condições de vida digna para a população. Nesse sentido, as

políticas públicas138 são ferramentas fundamentais empreendidas pelos Estados para enfrentar

graves mazelas sociais que ameaçam ordenamento social justo e equitativo139.

4.1 Práticas Reprováveis

Tanto a legislação vigente quando políticas públicas que regulamentem questões

migratórias no Brasil precisam estar de acordo com Tratados e Convenções Internacionais das

quais o país é signatário. Órgãos internacionais de supervisão, como a Corte Interamericana

de Direitos Humanos, exercem função de interpretação e controle dessas normas, emitindo

sentenças e manifestações com relação a políticas públicas e regulamentos que devem ser

evitados internamente, configurados como práticas reprováveis.

Para fins de identificação de boas práticas de políticas públicas adequadas para a

situação fática brasileira, cabe destacar primeiramente casos de más práticas, rejeitadas

internacionalmente, que violam garantias fundamentais ou contrariam agendas internacionais

de direitos humanos e migração.

A primeira prática reprovada a ser analisada é a violação ao princípio do devido

processo legal ao migrante. A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) decidiu, em

30 de maio de 1999 no Caso Castillo Petruzzi140, que o Peru violou a Convenção Americana

sobre Direitos Humanos, invalidando o julgamento e condenação da justiça militar peruana,

que impediu chilenos de realizar a própria defesa. Nesse caso, foi garantido um novo juízo

com garantia da observância do devido processo legal para Jaime Francisco Sebastián,

138 KUJAWA; ZAMBAM. As políticas públicas em Amartya Sen: condição de agente e liberdade social. 2017,

p. 64: esse trabalho segue o entendimento fundamentado por esses autores quanto ao entendimento do termo

políticas públicas, que compreendem como campo do conhecimento que tem como objetivo colocar o governo

em ação. Isto é, a formulação de políticas públicas constitui-se como estágio em que os governos exprimem seus

propósitos em ações que resultaram mudanças no mundo real. 139 KUJAWA; ZAMBAM. As políticas públicas em Amartya Sen: condição de agente e liberdade social. 2017,

p. 62 140 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1999. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_52_esp.pdf. Acesso em: 20 fev. 2019.

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Castillo Petruzzi, Maria Concepcion Pincheira Sáez, Lautaro Enrique Mellado Saavedra e

Alejandro Luis Astorga Valdez141.

Além dessa, considera-se reprovável prática que viola a proibição de retirada

indevida de nacionalidade. Exemplifica o caso Baruch Ivcher Bronstein142, de 24 de setembro

de 1999, no qual a CIDH declarou que o Peru violou o direito a nacionalidade, consagrado no

artigo 20.1 e 20.3 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, pois retirou por lei a

nacionalidade derivada (naturalização) de Bronstein, o que causou a perda de direitos de

propriedade e controle sobre um canal de TV, que se caracterizava por criticar o governo

peruano à época. Nesse caso, mesmo utilizando de uma lei vigente para a retirada da

nacionalidade derivada, o país foi condenado a devolver a nacionalidade ao cidadão143.

Seguindo a análise das más práticas, pondera-se o caso Ricardo Canese, quanto a

violação de direito à circulação e à saída do território nacional. Julgado em que a CIDH

apreciou processo sobre a responsabilidade internacional do Paraguai. Canese foi condenado

em processo criminal de difamação e injúria, sendo impossibilitado de sair do país144. Fato

relevante que envolve o caso é que os fatos iniciaram-se em meio a debates de campanhas

para eleições presidenciais de 1993, o réu fora condenado em 1994 em primeira instância e,

em 1997 condenado de forma irrecorrível a pena restritiva de liberdade por 2 meses e multa.

Em 31 de agosto de 2004, a Corte considerou que o Paraguai violou direito de circulação e

liberdade de pensamento e expressão, convencionado nos artigos 22 e 13 da Convenção

Americana de Direitos Humanos, condenando a pagamento de multa estratosférica em

benefício de Canese145.

Também destaca-se o caso Tibi146, de 7 de setembro de 2004, reprovável pela

violação ao direito de ampla defesa. Nesse caso, a Corte julgou a responsabilidade do Estado

do Equador com relação a pena restritiva de liberdade ilegal e arbitrária contra Daniel David

Tibi, bem como as condições de sua detenção e maus-tratos. Na época, a prisão foi feita com

base apenas em questão de “controle imigratório”, não sendo informada acusação ou realizado

devido processo legal. Daniel Tibi foi preso preventivamente por 3 anos, nos centros de

141 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., Visões do Contexto Migratório no Brasil. Brasília: Organização

Internacional para as Migrações, Agência das Nações Unidas Para as Migrações, 2017, p. 138. 142 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, op. cit., 1999. 143 TORELLY, M.; KHOURY, A. et., al., Visões do Contexto Migratório no Brasil. Brasília: Organização

Internacional para as Migrações, Agência das Nações Unidas Para as Migrações, 2017, p. 139. 144 TORELLY, M.; KHOURY, A. et., al., op.cit., 2017, , p. 139. 145 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2014. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/ficha_tecnica.cfm?nId_Ficha=218&lang=en. Acesso em: 19 fev.

2019. 146 TORELLY, M.; KHOURY, A. et., al., op. cit., 2017, p. 140.

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detenção do Equador. O Equador foi condenado a pagar enorme quantia de dinheiro, referente

a compensação monetária, chegando a valor aproximado de 244.400,000 euros. Infere-se da

sentença:

El Estado del Ecuador no puede permitir ni debe tolerar que las más elementales

garantías del debido proceso sean violentadas por la irresponsabilidad de

determinados jueces y policías sean de la INTERPOL o judiciales. Ellos constituyen

una afrenta para el país. 3. El Ecuador debe desterrar definitivamente la tortura y los

tratos crueles e inhumanos como medios de investigación de un delito. Quisiera

tener el convencimiento de que al momento actual (año 2004) estos métodos fueron

superados. El Estado ecuatoriano ratificó (1999) la Convención Interamericana

contra la Tortura, en consecuencia, sus disposiciones se han integrado a nuestro

ordenamiento jurídico, tanto como las normas de la Convención Americana147.

Em 23 de novembro de 2006, a Corte Interamericana de Direitos Humanos julgou o

caso das Meninas Yean e Bosico148 contra República Dominicana. Esse caso sobressai pelo

fato de envolver duas crianças, de 10 e 12 anos. A mãe de Yean e a prima da mãe de Bosico

solicitavam para o país caribenho a certidão de nascimento tardia das crianças, que fora

negado apesar de apresentados todos os documentos necessários; as meninas haviam nascido

na República Dominicana, mas possuíam descendência Haitiana. A corte decidiu que foram

violados os direitos à nacionalidade e igualdade, dentre as condenações, o Estado precisou

realizar ato público de pedido de desculpas para as crianças, além de danos morais e a

emissão da certidão de nascimento149.

Violando os direitos ao: devido processo legal, proibição de criminalização por

migração e proibição de discriminação entre nacionais e migrantes, o Panamá foi condenado

por violar o direito à liberdade, garantia ao acesso à justiça, princípio da legalidade e

integridade pessoal, no caso Vélez Loor150, julgado em 23 de novembro de 2010. O cidadão

equatoriano foi detido em 2002 no Panamá, por não portar os documentos necessários para

permanecer nesse país. São particularidades do caso, que cabem destaque: a diretoria nacional

de migração decretou prisão preventiva ao senhor Loor, que foi levado ao centro prisional La

Palma. Constatando que ele havia sido deportado em 18 de setembro de 1996 do Panamá, foi

condenado a pena de dois anos de prisão em centro prisional do país, por haver infringido

147 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2004, p. 150, Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_114_esp.pdf . Acesso em: 20 fev. 2019. 148 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/cf/jurisprudencia2/ficha_tecnica.cfm?nId_Ficha=289&lang=es. Acesso em: 20 fev.

2019. 149 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., Visões do Contexto Migratório no Brasil. Brasília: Organização

Internacional para as Migrações, Agência das Nações Unidas Para as Migrações, 2017, p. 140. 150 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/resumen_218_esp.pdf. Acesso em: 20 fev. 2019.

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disposição do Decreto Lei número 16 sobre Migração, de 30 de junho de 1960 desse país.

Essa conduta não havia sido notificada ao senhor Loor. Em dezembro de 2002 ele foi

transferido para a prisão La Joyita. Em 2003, resolveram deportá-lo para a República do

Equador. No período em que permaneceu preso, foi constatado que a situação penitenciária do

Panamá encontrava problemas com relação à deficiência estrutural, deficiência no

fornecimento regular de água, superpopulação, classificação e organização das pessoas

encarceradas, deficiência dos programas de ressocialização e educação. Realidade que se

assemelha ao sistema prisional brasileiro151. Destaca-se da sentença:

El Tribunal consideró que la detención de personas por incumplimiento de las leyes

migratorias nunca debe ser con fines punitivos, las medidas privativas de libertad

sólo deberán ser utilizadas cuando fuere necesario y proporcionado en el caso en

concreto a los fines de asegurar la comparecencia de la persona al proceso

migratorio o garantizar la aplicación de una orden de deportación, y únicamente

durante el menor tiempo posible. […] La situación de vulnerabilidad en que suelen

encontrarse las personas migrantes se ve incrementada cuando por causa de su sola

situación migratoria irregular son privadas de libertad en centros penitenciarios en

los que son recluidas con personas procesadas y/o sancionadas por la comisión de

delitos, tal como ocurrió en el presente caso. Dicha situación hace que los migrantes

sean más propensos a sufrir tratos abusivos, pues conlleva una condición individual

de facto de desprotección respecto del resto de los detenidos. […] Los migrantes

deben ser detenidos en establecimientos específicamente destinados a tal fin que

sean acordes a su situación legal y no en prisiones comunes. […] Las condiciones de

detención en la Cárcel Pública de La Palma y en el Centro Penitenciario La Joyita,

en su conjunto constituyeron tratos crueles, inhumanos y degradantes contrarios a la

dignidad del ser humano en violación del artículo 5.1 y 5.2 de la Convención, en

relación con el artículo 1.1 de dicho instrumento, en perjuicio del señor Vélez

Loor152.

Distinto caso em que o México solicitou à Corte Interamericana de Direitos

Humanos uma Opinião Consultiva sobre a Condição Jurídica e os Direitos dos Migrantes

Indocumentados153, em 2003, a referida Corte indica a necessidade de construir uma política

pública migratória clara e compatível com a proteção dos direitos humanos, sob pena de se

estar violando o princípio da promoção de entrada regular, regularização documental e

proteção dos direitos humanos154. Além dessa, na Opinião Consultiva sobre Direitos e

Garantias das Crianças no Contexto da Migração e/ou em Necessidade de Proteção

151 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., Visões do Contexto Migratório no Brasil. Brasília: Organização

Internacional para as Migrações, Agência das Nações Unidas Para as Migrações, 2017, p. 140. 152 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/resumen_218_esp.pdf. Acesso em: 20 fev. 2019, p. 4. 153 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2003. Disponível em:

www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_18_por.doc. Acesso em: 20 fev. 2019. 154 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., Visões do Contexto Migratório no Brasil. Brasília: Organização

Internacional para as Migrações, Agência das Nações Unidas Para as Migrações, 2017, p. 141.

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Internacional155, solicitado pela Argentina em 2014, foi declarado pela Corte Interamericana

de Direitos Humanos que os Estados de origem são responsáveis por garantir um nível

mínimo de proteção dos direitos dessas crianças migrantes. Foi estabelecido o princípio da

não detenção de crianças imigrantes, além de salientarem o princípio de não devolução,

obrigação dos Estados, abordado no primeiro capítulo dessa pesquisa, porém com

interpretação mais ampla que garanta proteção complementar das crianças migrantes. Além

disso, a Corte salienta o dever dos Estados em garantir proteção ao direito à vida familiar,

salientando que nos casos em que a criança tem direito a nacionalidade do país ou cumpre

com os requisitos para permanência permanente, os pais não podem ser expulsos por

infrações migratórias de caráter administrativo, pois sacrifica o direito à vida familiar da

criança156.

Nesse sentido, cabe destacar ainda a prática reprovável da política de separação de

familiares migrantes, adotada pelos Estados Unidos. A Organização dos Estados Americanos

aprovou resolução condenando veementemente a pratica de separação de membros da mesma

família de migrantes e apelou por adoção de medidas que conduzam ao reagrupamento

familiar, foi apresentada por iniciativa do México, juntamente com El Salvador, Guatemala e

Honduras, e aprovada por consenso no Conselho Permanente da OEA, em 16 de Agosto de

2018. A resolução foi baseada em direitos humanos universalmente reconhecidos, e reafirmou

que os melhores interesses das crianças devem prevalecer em todas as medidas tomadas pelos

Estados, incluindo as políticas de imigração. Também reafirma o direito de toda pessoa de

buscar e receber asilo e refúgio. Ressaltou a importância de respeitar o já mencionado

princípio de non-refoulment e instou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos a

visitar a fronteira sul dos Estados Unidos para observar a situação e, se necessário, tomar as

medidas que julgassem necessárias, inclusive a adoção de medidas cautelares. A questão

permanecerá na agenda do Conselho Permanente para permitir um acompanhamento

adequado. Cerca de duas mil quinhentas e cinquenta e uma crianças foram separadas de seus

progenitores nos Estados Unidos157. O seguinte trecho extraído da resolução salienta as

mazelas psicológicas que essa política de tolerância zero ocasiona nas crianças afetadas:

155 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2014, Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_21_por.pdf. Acesso em: 20 fev. 2019. 156 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., Visões do Contexto Migratório no Brasil. Brasília: Organização

Internacional para as Migrações, Agência das Nações Unidas Para as Migrações, 2017, p. 141. 157 INTER-AMERICAN COMMISSION ON HUMAN RIGHTS RESOLUTION 64/2018: Precautionary

Measure No. 731-18. Migrant Children affected by the “Zero Tolerance” Policy regarding the United States of

America. 2018. Disponível em: www.oas.org/en/iachr/decisions/pdf/2018/64-18MC731-18-US-

en.pdf+&cd=2&hl=pt-PT&ct=clnk&gl=br. Acesso em: 20 fev. 2019.

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The prolonged separation of the children from their family is likely to have a serious

impact on the affective ties with their relatives, resulting in emotional and

psychological distress that could affect their personal integrity by placing the

balanced development of their personality at risk. In the same way, the Inter-

American system has learned that in the case of children and adolescents, the right to

identity is linked to the right to a family life, given the role that family plays in

the combination of attributes and characteristics that allow for the individualization

of the person in society. Additionally, the concrete circumstances and the specific

context of the separation of the children from their family have different impacts on

their personal integrity and on their comprehensive and balanced development. […]

The IACHR has learned that family contributes decisively to the well-being of the

children and to their comprehensive and balanced development in the physical,

mental, spiritual, moral, psychological and social dimensions. Therefore, the

separation of the children from their families may place the development and

evolution of their different abilities at risk158.

A partir do exposto, é possível utilizar princípios que sirvam como norte para

políticas públicas que venham a regulamentar a situação migratória brasileira, pois as decisões

da CIDH possuem força vinculante e devem ser seguidas, além de as Opiniões Consultivas

servirem como indicadores para condutas proibidas e permitidas aos Estados.

Esses princípios são compatíveis com as agendas internacionais de direitos humanos

e normas internacionais de migração. Destacam-se os seguintes: não criminalizar a migração,

tratar a migração como questão de segurança pública, proibir o tratamento discriminatório de

migrantes, garantir o devido processo legal e ampla defesa ao migrante, seguir diretrizes de

direitos humanos na aplicação de políticas migratórias, proteção da criança migrante,

proibição da retirada arbitrária de direito de nacionalidade e seus reflexos, garantia de direito

a nacionalidade para filhos de migrantes, direito a livre circulação, princípio do non-

refoulment, proteção da mulher e direito à vida familiar da criança. A partir desses dados,

passamos a analisar práticas internacionais condecoradas que se norteiam por esses princípios

e servem de bom exemplo para o Brasil, além de que poderiam ser adequadas a situação

socioeconômica desse país.

158 INTER-AMERICAN COMMISSION ON HUMAN RIGHTS RESOLUTION 64/2018: Precautionary

Measure No. 731-18. Migrant Children affected by the “Zero Tolerance” Policy regarding the United States of

America. 2018. Disponível em: www.oas.org/en/iachr/decisions/pdf/2018/64-18MC731-18-US-

en.pdf+&cd=2&hl=pt-PT&ct=clnk&gl=br. Acesso em: 20 fev. 2019, p. 8-9.

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4.2 Boas Práticas para a Recepção dos Refugiados

A partir do novo marco regulatório com o advento da Lei 13.445/17, que revogou o

antigo Estatuto do Estrangeiro da década de 80, foi inaugurada nova era da política brasileira

para migrantes, isso somado ao Estatuto do Refugiado de 97, formando um arcabouço

normativo moderno e de acordo com os princípios internacionais para migração e direitos

humanos.

As boas práticas em políticas públicas abordadas nesse capítulo foram coletadas e

analisadas a partir do estudo Visões do Contexto Migratório no Brasil, referido anteriormente,

que consideram as mudanças da normatividade e ilustram questões que ainda demandam

atenção do legislador e do gestor público no que tange a melhoria do manejo dos fluxos de

refugiados no Brasil e inserção na sociedade e no mercado de trabalho. O estudo categorizou

três grandes grupos de necessidades imediatas para que o Brasil proporcione uma recepção

adequada aos fluxos migratórios, principalmente no que tange aos refugiados, grupo de

migrantes em estado de vulnerabilidade. O trabalho sugere que essas políticas sejam

analisadas pelos gestores públicos como propostas a serem implementadas ao longo da

próxima década, no intuito de alcançar uma política de migração sólida e exitosa, que põe em

prática os princípios norteadores contidos nas letras da legislação vigente159. Salientando que

essa postura é imprescindível para o rompimento do ciclo de expulsões.

Essas propostas não demandam apenas a participação do Governo Federal, mas

também do engajamento de agentes municipais e estaduais, pois a maioria das lacunas

identificadas relacionadas à gestão de refugiados dizem respeito à demandas locais160. Ao

estudar esses exemplos de boas práticas em políticas públicas coletados a partir desse amplo

estudo, é passível a identificação das esferas que necessitam de mais atenção, considerando

prioridades apresentas pelo próprio estudo e pelo governo brasileiro.

As políticas públicas são ferramentas fundamentais para o processo de

desenvolvimento social, buscam integrar a economia e a tecnologia, o progresso econômico,

os mercados e demais atores envolvidos com objetivo de produzir condições de expansão de

liberdade de escolha, desenvolvendo as capacidades humanas. É a partir desses benefícios

resultantes de políticas públicas que o Estado se justifica no seu aparato institucional, jurídico

159 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., Visões do Contexto Migratório no Brasil. Brasília: Organização

Internacional para as Migrações, Agência das Nações Unidas Para as Migrações, 2017, p. 152. 160 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., op. cit., 2017, p. 152.

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e financeiro161. Nesse sentido, as mudanças tecnológicas, a facilidade de comunicação, de

circulação de capital, a mobilidade humana, a mundialização dos processos produtivos,

ampliaram as capacidades produtivas da sociedade, facilitando o acesso aos bens de consumo,

e, por outro lado, deixaram mais complexas as necessidades humanas, exigindo outros

paradigmas de compreensão para orientar políticas que buscam as condições de justiça social.

Uma das prioridades encontradas nesse estudo é o bom encaminhamento de

refugiados ao longo do território nacional, para a solução desse problema de acolhimento e

inserção foi identificado um projeto denominado Clef de France, Chave da França162, por

tradução livre, essa primeira boa prática a ser estudada foi implementada em 2004, pela ONG

France Terre d’Asile. Tem o intuito de promover a inserção do refugiado no país como um

todo, buscando regiões em que seu perfil profissional, sua qualificação e características

pessoais, considerando expectativas, preferencias e escolhas, sejam demandados pelo

mercado de trabalho local e possam se adequar. Esse projeto foi desenvolvido principalmente

voltado para os refugiados, mas pode abranger todo o público de imigrantes. Os recursos

destinados ao programa são provenientes da gestão pública da região de Île-de-France, mais

afetada pelo fluxo de migrações. Esse projeto busca auxiliar refugiados recém-chegados com

dificuldade de integração, encontrar emprego e acomodação, proporcionando-lhes uma

inserção em regiões com mais possibilidades de encontrarem habitação e emprego dignos.

Contando com 31 centros em toda a França, o programa providencia alojamento,

aconselhamento com assistentes sociais capacitados, que avaliam a situação do refugiado, e

juntamente com o restante da equipe, elaboram um plano personalizado para suas demandas.

O refugiado aprende sobre a região que lhe está sendo proposta para recepcioná-lo, recebe

contatos para oportunidade de emprego e moradia. Alguns casos em que for identificado

necessidade, o participante é encaminhado a cursos profissionalizantes, treinamentos que

possam incrementar seu currículo e melhorar perspectivas de carreira. O planejamento de

mobilidade é totalmente personalizado, e considera dificuldades e características pessoais do

migrante. Para aqueles que aceitam a realocação, os casos seguem sendo acompanhados pelo

programa até que seja constatada uma boa adaptação163.

Esse encaminhamento de refugiados é necessário considerando que a maioria se

posiciona em áreas metropolitanas de grandes cidades, principalmente Paris, e ali enfrentam

dificuldades com emprego e habitação. Esse é o contexto francês, mas também é o brasileiro,

161 KUJAWA; ZAMBAM. As políticas públicas em Amartya Sen: condição de agente e liberdade social. 2017,

p. 65; 82. 162 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., op. cit., 2017, p. 152-156. 163 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., op. cit., 2017, p. 152.

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no qual a população estrangeira concentra-se em boa parte nas grandes cidades, que oferecem

emprego informalizado, precarizado, mas também permitem que os migrantes reúnam-se em

grupos de compatriotas e se beneficiem de instituições de caridade. Além de terem um maior

custo com moradia, e acabarem por optando por habitações com condições indignas, em que

são obrigados a viver em apartamento abarrotados de gente em periferias, ocupam empregos

instáveis e sem proteção164.

Uma cidade como Paris, que concentra 40% de toda a população imigrante da França

em suas periferias, não tem capacidade de inserir corretamente em condições de dignidade

essas pessoas, que acabam em subempregos, marginalizados e prejudicados corroborando

com o ciclo de expulsões. De acordo com a ONG, o processo de realocação dura cerca de

quatro meses165.

O programa em questão exige uma boa articulação dos entes da administração

pública, pois necessitam ser identificados padrões de demandas do mercado de trabalho de

distintas localidades, além de estruturas do mercado imobiliário local. De tal forma, para que

o Brasil possa adequar esse programa, é necessário o desenvolvimento de plataforma

eletrônica, que venha a ser atualizada frequentemente por entes municipais, com informações

a respeito de demanda por mão de obra e disponibilidade de habitação. O Governo Federal

precisa disponibilizar órgão responsável por receber os imigrantes, analisar esses dados e

organizar a realocação e acompanhamento. Para tal, seria necessário adequar um órgão já

existente ou criar uma nova agência, que realize comunicação periódica com os demais atores.

O estudo propõe que o programa seja adaptado para ficar a cargo do órgão CNIg (Conselho

Nacional de Imigração) já existente. Para tanto, seria necessário aumentar a estrutura física do

Conselho e o quadro funcional, além de conferir maior liberdade para que possa apurar e

organizar dados, além de exigir adesão e responsabilidade de instâncias municipais, para que

possam atuar em conjunto166.

Desse modo, seria possível atingir um equilíbrio entre oferta e demanda de

profissionais no país, facilitando a inserção do refugiado em comunidades ao longo de todo

território nacional. A experiência francesa demonstrou que o período de adaptação do

imigrante à localidade em que foi realocada pode ser dificultoso, por isso o monitoramento

por determinado período e reuniões de acompanhamento com assistentes sociais devidamente

164 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., op. cit., 2017, p. 153. 165 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., op. cit., 2017, p. 153. 166 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., op. cit., 2017, p. 155.

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qualificados para trabalhar nesse projeto são de extrema importância para o sucesso do

programa167.

Foi estudado anteriormente que um conjunto de fatores determina a expulsão de

cidadãos de seus territórios, tais como questões ambientais, conflitos armados, perseguições,

mercado internacional de terras, dentre outros discorridos nos capítulos anteriores, percebe-se

que o projeto Clef de France propõe uma alternativa factível para inserção dos refugiados na

sociedade de forma coerente e concreta, diminuindo a possibilidade de que sejam mais uma

vez expulsos e brutalizados, pois proporciona acolhimento adequado, fornecendo habitação e

modo de subsistência dignos, para que possam ser tanto alocados no território de destino

quanto amparados168.

Outra necessidade brasileira para melhor recepção dos refugiados é promover o

desenvolvimento local a partir da própria imigração e troca de conhecimento proveniente dos

fluxos migratórios. Para esse objetivo foram identificadas duas boas práticas, denominadas

Entre Vecinos e Porta Palazzo de Turin, que serão analisadas em sequência.

Apontado pelo estudo Visões do Contexto Migratório como uma das principais

necessidades brasileiras a integração dos imigrantes como forma de fomento do

desenvolvimento nacional, buscando benefícios para a sociedade local a partir de

empreendedorismos e lideranças realizadas por imigrantes. Foi identificado ao longo desse

trabalho que há muito estigma por parte dos brasileiros que os refugiados seriam concorrentes

ao público local no mercado de trabalho. Os nacionais tem dificuldade para perceber o aporte

que os estrangeiros podem fornecer em termos culturais, econômicos e de desenvolvimento.

Duas boas práticas auxiliam para ilustrar esse tópico, orientando a construção de políticas

públicas que podem se adequar ao contexto brasileiro169.

A boa prática Entre Vecinos170, de tradução livre do espanhol, Entre Vizinhos, é um

programa costa-riquenho, que promove a criação de espaços comunitários participativos que

buscam tratar de maneira lúdica e inclusiva os desafios e potenciais da comunidade, as

demandas de grupos vulneráveis, como refugiados, idosos, crianças e portadores de

deficiências e necessidades especiais. Além disso, o programa preocupa-se em proporcionar

espaços de igualdade de participação para homens e mulheres refugiados, principalmente

porque o público feminino refugiado caracteriza-se por apresentar maior vulnerabilidade no

167 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., op. cit., 2017, p. 155. 168 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., op. cit., 2017, p. 156. 169 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., op. cit., 2017, p. 156. 170 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., op. cit., 2017, p. 156 – 159.

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contexto migratório, além de serem frequentemente serem sub-representadas nas próprias

comunidades de imigrantes. Também as crianças e adolescentes são tratadas como sujeitos

ativos no programa, rompendo lógicas de intervenções arbitrárias ou discricionárias.

Algumas dificuldades estruturais causaram dificuldades na experiência da Costa

Rica, que não possibilitaram boa integração do refugiado, como carência de equipamentos,

problemas de serviços públicos básicos de saúde e educação. Algumas comunidades não

conseguiram incluir de forma adequada os migrantes, por isso um estudo prévio se faz

necessário antes da implementação local do programa, além de um envolvimento do serviço

público focado em desenvolver uma participação cidadã171.

Ainda com a temática de desenvolvimento a partir da inclusão do imigrante

refugiado, advém o programa que compõe a terceira boa prática desse trabalho, denominado

Porta Palazzo de Turin172, programa que envolve o maior mercado ao ar livre da Europa, na

cidade de Turin, na Itália. O Mercado Porta Palazzo encontrava-se em meio a dificuldades

com a irregularidade de comerciantes imigrantes, aumentando a criminalidade local, o índice

de desemprego da região e a depredação do centro histórico da cidade. O projeto buscou

regularizar os comerciantes informais, a partir de uma agência da prefeitura para o

desenvolvimento do local. Os vendedores irregulares foram concebidos em uma nova

categoria jurídica criada, denominada de “não profissionais” e receberam espaço adequado

dentro do mercado. Adquiriram status regular dentro do mercado e proteção jurídica, o que

diminuiu os conflitos entre comerciantes regulares e irregulares, além de cuidarem melhor dos

espaços que lhes foram designados173.

O Mercado conta com mais de mil lojas fixas e 700 vendedores de rua, e sempre

atraiu comerciantes estrangeiros que buscavam local para trabalhar e subsistir. 20% dos

trabalhadores no mercado eram estrangeiros, no ano de 2000. Desde o ano de 1935 a

prefeitura da cidade formalizou estatuto que autorizava imigrantes não documentados a trocar

mercadorias no Porta Palazzo. Em 2001 esse estatuto foi temporariamente revogado, e a área

perdeu organização, formalidade, ameaçando toda a estrutura comercial e a vitalidade do

restante do bairro, aumentando a hostilidade entre vendedores licenciados e não licenciados e

afugentando consumidores. Financiada inicialmente pela União Européia, a iniciativa

devolveu qualidade ao espaço, proporcionou desenvolvimento econômico, resolveu os níveis

elevados de desemprego e criminalidade. Em 2002, a ação evoluiu, passando a sob a égide da

171 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., op. cit., 2017, p. 157. 172 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., op. cit., 2017, p. 159-163. 173 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., op. cit., 2017, p. 159.

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Agência de Desenvolvimento Local, que envolvia instituições públicas, parceiros privados e

representantes da comunidade174.

Esse programa é uma boa prática para o Brasil porque o contexto de trabalho

informal e precário está muito presente na realidade de refugiados neste país, tanto em

grandes cidades como São Paulo, como cidades menores no interior dos estados ao longo de

todo território, como no caso de Passo Fundo e Caxias do Sul. Além de garantir os direitos e

proteção aos refugiados, esse projeto rompe com o ciclo de expulsões e brutalizações porque

ao incluir o refugiado em redes comunitárias e comercio formalizado está inibindo a

incidência de marginalização social e a associação ao comércio criminoso e irregular, que

colocam suas vidas em risco; além de que eles passariam a contribuir para o desenvolvimento

com o pagamento de impostos e os motivos que geram conflito entre comerciantes

locais/regulares e comerciantes imigrantes/irregulares estariam encerrados175.

Ainda, o programa criou uma associação de líderes locais, com mais de duzentas

adesões, que pegaram para si as atribuições de atualizar os fornecedores e comerciantes sobre

as decisões municipais que os influencia; participação em fóruns para discutir e compartilhar

preocupações, demandas e desafios periodicamente. Tanto o programa Entre Vecinos quanto

o Porta Palazzo de Turin contam com o ponto positivo que os imigrantes naturalmente já

estão organizados em grupos bem articulados176.

No Brasil, esse projeto poderia fazer parte do Programa Nacional de Capacitação das

Cidades, que atua em todo território nacional. Como esse programa possui como uma de suas

prioridades capacitar membros da comunidade para gestão local organizada, seus esforços

deveriam abraçar também a adesão de refugiados, considerando a ampla presença estrangeira

nas cidades177.

A não criminalização da imigração e a recepção conforme diretrizes de direitos

humanos estão dentre os princípios elencados como essenciais para nortear as políticas

públicas para migração, sem prejuízo do combate de práticas ilegais, como pirataria. O poder

público necessita estruturar-se para a regularização dos refugiados, conforme preconiza a

legislação vigente.

Atualmente, iniciativas brasileiras nesse sentido foram muito exitosas, como as ações

da ONG Migrafix, que promove atividades remuneradas para refugiados, como workshops,

174 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., op. cit., 2017, p. 160. 175 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., op. cit., 2017, p. 160. 176 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., op. cit., 2017, p. 161. 177 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., op. cit., 2017, p. 161.

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feiras, experiências gastronômicas e culturais, além de apoiar projetos de imigrantes

refugiados para empreender no Brasil, proporcionando consultorias, capacitações,

treinamento, palestras e inserção social e profissional. A ACNUR, o SEBRAE e a Google

tornaram-se parceiros da Migrafix, reconhecendo seu papel e importância para a sociedade.

Outro exemplo brasileiro positivo é a Feira da Rua Coibra, em São Paulo. A feira

tradicional de bolivianos foi regularizada pela Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura

de São Paulo em 2014, adquirindo status de patrimônio cultural do povo boliviano na cidade.

A rua passou a ser fechada aos finais de semana e foi reformada pela Prefeitura, com remoção

da fiação, pintura dos imóveis, uniformização das calçadas, padronização das barracas,

sinalização bilíngue, pórtico e arborização, além do aumento de oficiais da segurança e

estabelecimento de horário de funcionamento. O espaço conta com posto avançado do

consulado boliviano, cabines para ligação telefônica internacional para Bolívia, agências para

envio de dinheiro e compra e venda de passagens aéreas, além de estandes de comida e

artesanato tradicionais da Bolívia. O plano de revitalização trouxe benefícios para todos os

envolvidos178.

Essas ações beneficiam os locais, os refugiados e o próprio país, que prospera

socioeconomicamente, além de melhorar sua imagem interna e internacionalmente, um país

inclusivo recebe incentivo, investimento, apoio; um país que promove práticas de expulsões

tem somente o que perder em questões culturais, sociais, econômicas e ambientais.

O terceiro objetivo imediato identificado a partir do estudo Visões do Contexto

Migratório no Brasil é a inserção laboral de imigrantes refugiados, considerado pelos

entrevistados nesta pesquisa como uma das principais necessidades a serem implementadas no

país. Para tal, foram identificadas três boas práticas, denominadas Hire Imigrants; Du bist der

Schlüssel e Programa de Trabalhadores Agrícolas Temporários, analisadas na sequência.

Empregar Imigrantes179, de tradução livre, é uma prática que oferece ferramentas para

as empresas buscarem, selecionarem e contratarem imigrantes que buscam empregos em

determinada localidade. Implementado no Canadá, a partir da Associação Global Diversity

Exchange da Universidade de Ryerson, o programa também oferece treinamento para a

recepção e integração para os refugiados e mantém uma rede virtual com dados, análises e

exemplos exitosos relacionados ao programa, para incentivo de novas contratações. Essa

proposta também proporciona recursos para o refugiado empreender no país, fornecendo

planos de gerenciamento e planejamento futuro de seus negócios, além de ensinarem sobre a

178 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., op. cit., 2017, p. 161-163. 179 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., op. cit., 2017, p. 164.

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legislação local para o trabalho e negócios. Esse projeto visa valorizar as competências dos

refugiados, fomentando o interesse de empresas na mão de obra de imigrantes, principalmente

voltado para refugiados que buscam acolhimento no Canadá. O Hire Imigrants pretende se

consolidar como referência de prática, de pesquisa, debate e ideias para alavancar as

habilidades de imigrantes, e para tal divulga e analisa os dados de sua plataforma, e atualiza

um banco de currículos de refugiados inscritos constantemente em um canal de comunicação

com potenciais empregadores, além de informar sobre os procedimentos para contratação de

estrangeiros, rompendo com estereótipo de que seria muito complicado.

Esse programa se aplica ao contexto brasileiro porque é de simples aplicabilidade,

por meio de plataformas digitais que podem ser projetadas e divulgadas com facilidade por

profissionais da área da informática. A ação é desenvolvida quase inteiramente on-line e não

demanda altos custos do governo, com grandes contratações de funcionários. É um programa

que se dirige aos imigrantes como um todo, mas proporciona proteção e apoio aos refugiados,

além de fomentar a valorização da mão de obra, evitando a informalidade, o trabalho

desprotegido e o serviço insalubre. Além disso, o programa monitora as empresas que

seleciona, a fim de certificar que o imigrante será assistido pelas leis trabalhistas180.

O programa Du bist der Schlüssel181, de tradução livre Você é a Chave, da Prefeitura

de Bremen, na Alemanha, busca incentivar o recrutamento de jovens imigrantes,

principalmente refugiados, para empregos públicos, como bombeiros, policiais, assistentes

sociais, funcionários de gestão pública. A boa prática divulga projeções de carreira e

benefícios em associações de imigrantes, centros culturais, para aumentar o recrutamento do

público imigrante na administração pública. A prefeitura identificou que o imigrante não

buscava cargos públicos, pois não tinha conhecimento ou acesso a esses cargos, e a partir

disso lançou a campanha “você é a chave para o seu futuro e sua cidade”, que divulga vídeos

e compartilha depoimentos. O projeto busca enfatizar que os candidatos alemães e os

estrangeiros serão tratados com equidade, principalmente no que tange à salários, progressão

de carreira, requisitos e treinamentos. O programa foi efetivo desde o primeiro ano, subindo o

número de candidatos imigrantes de 19% para 25%. O projeto alemão é inovador, pois coloca

a gestão pública como fomentadora do emprego de refugiados dando bom exemplo e

incentivando também a iniciativa privada. Porém, cuidado deve ser tomado para que os

180 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., op. cit., 2017, p. 164. 181 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., op. cit., 2017, p. 165.

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refugiados não sejam atraídos para ocupações de status social inferiorizado, renegadas pelos

cidadãos nacionais182.

No Programa de Trabalhadores Agrícolas Temporários México-Canadá183, mais de

20 mil trabalhadores mexicanos são contratados anualmente para trabalhar em fazendas

canadenses, com direito a todos os serviços públicos como todos os cidadãos canadenses, e

também pagando impostos. A parceria dos dois países garante, de um lado, mão de obra

específica para setor agrícola, e de outro lado, boas condições de trabalho e garantia de

proteção jurídica ao empregado. Foi implementado desde 1974 e, desde então, mais de 261

mil trabalhadores mexicanos foram alocados, trabalhando pelo prazo máximo de oito meses,

especialmente na região de Ontário. Anualmente o governo canadense registra os

empregadores interessados nessa contratação temporária, enquanto o governo mexicano

recruta de forma gratuita os candidatos ao emprego. Os empregadores devem oferecer além

do salário mínimo pago aos canadenses da mesma categoria, habitação gratuita e

regulamentada, refeições ou instalações de cozinha. Esse projeto se adequa a realidade

brasileira, tendo em vista que o país é grande produtor de produtos agrícolas, necessitando de

mão de obra para essas áreas, principalmente em períodos de colheita manual de

determinados alimentos, como frutas. Organizar um sistema informatizado para contratação

de refugiados que se encontram desempregados no Brasil para prestarem serviço temporário

em colheitas, de forma organizada, protegida e adequadamente remunerada e fiscalizada,

pode resolver o problema de falta de recursos econômicos de muitos refugiados, que também

não encontram nesse país meios de subsistir.

A partir desse estudo, Visões do Contexto Migratório no Brasil, foram identificados

três grandes grupos de deficiências no Brasil para o bom recebimento dos refugiados. Com

base nessas necessidades, buscou-se enfrentar modelos de políticas públicas bem sucedidas -

que estão de acordo com diretrizes de Direitos Humanos e de acordo com o que preconiza a

legislação brasileira para migrantes e refugiados – as quais poderiam servir como práticas

para o acolhimento e inserção adequada dos refugiados na sociedade brasileira. É pertinente a

formalização de boas práticas para migração como políticas públicas de longo prazo, que

visem o rompimento do ciclo de expulsões, sob os quais os refugiados encontram-se

vulneráveis. É importante que o poder público, a iniciativa privada, a sociedade civil e os

migrantes atuem em conjunto e respeitosamente para se complementarem, buscando o

desenvolvimento local para todas as esferas, o que propiciaria uma convivência harmônica e

182 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., op. cit., 2017, p 165. 183 TORELLY, M.; KHOURY, A., et., al., op. cit., 2017, p. 168.

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bem equilibrada entre nacionais e estrangeiros, impulsionando a diversidade com troca

cultural, de conhecimento e de ideias.

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5 CONCLUSÃO

Os direitos pertinentes ao instituto do refúgio são instrumentos essenciais para a

proteção de seres humanos em situação de grave desamparo, em um mundo globalizado que,

porém, a nacionalidade ainda exerce papel determinante para conferir status de sujeito de

direitos.

Esse trabalho identificou uma aproximação teórica entre a realidade fática dos

sujeitos expulsos, terminologia fundamentada por Sassen, com os refugiados, cidadãos em

estado de vulnerabilidade, protegidos por instituto jurídico específico de Direito Internacional.

E, a partir desse ponto, comparou a situação descrita por Sassen e a capacidade protetiva

estatal para com as pessoas refugiadas, por meio de tratados internacionais dos quais o Brasil

é signatário, além do arcabouço legislativo interno. A partir desse ponto, o trabalho demandou

que fossem coletados dados que apontavam as maiores necessidades do Brasil para a recepção

adequada desses cidadãos vulnerabilizados pelo ciclo de expulsões. Identificados como

imperativos: organizar administrativamente o encaminhamento de migrantes ao longo do

território nacional, a fim de evitar grandes aglomerados de refugiados vivendo em metrópoles

com condições precárias de moradia e trabalho; promover o desenvolvimento das

comunidades locais a partir do intercambio de ideias, conhecimento e cultura entre nacionais

e estrangeiros e inserção laboral de imigrantes, objetivando evitar o trabalho informal,

desprotegido e precário.

No que tange a atuação estatal para acolhimento de imigrantes, a presente pesquisa

demonstrou que diretrizes devem ser seguidas a fim de evitar práticas que não estejam de

acordo com o que preconiza a Corte Interamericana de Direitos Humanos em seus julgados,

que possuem efeito vinculante. Doravante, práticas internacionais com resultados positivos

foram indicadas como soluções para as lacunas encontradas no recebimento de refugiados,

das quais foram analisadas as principais características, dificuldades e como poderiam ser

implementadas no Brasil como políticas públicas que valorizam e priorizam as necessidades

dos migrantes em estado de vulnerabilidade.

O contexto mundial legitima ações que considerem as dificuldades dos refugiados à

inserção social nos países em que buscam acolhimento e proteção. Esse contexto é o principal

responsável pela necessidade de revisão de estruturas institucionais do governo no que diz

respeito aos fluxos migratórios. Não se pode ignorar a realidade de milhões de pessoas

aprisionadas em um ciclo expulsivo que arbitrariamente as colocam em situação de

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indignidade, vulnerabilidade. Identificar e propor ações capazes de inibir a repetição desse

ciclo foi o desafio proposto para essa pesquisa, objetivando promover um ambiente capaz de

acolher, se solidarizar, inserir e valorizar essas pessoas forçadas a se desenraizarem por

condições extremas de indignidade, cuja sobrevivência e segurança demandam de proteção

internacional. Importante ressaltar o papel do Estado para que esse objetivo possa ser

atingido, mas também das comunidades locais que se deparam com refugiados desamparados,

clamando por ajuda e empatia.

Não se pretendeu aqui exaurir assunto tão amplo, com tantas peculiaridades, que

pode ser observado de diversos pontos de vista, mas sim propiciar ao leitor a visualização da

grande complexidade do tema, alertando sobre a urgência que envolve o debate, para superar

as dificuldades e do perigo da questão ser negligenciada e cair no esquecimento. Está longe

de superar um problema que só tende a se agravar, para tanto é necessário buscar alternativas

que amortizem os impactos nas vidas humanas, além de manter o tema em evidência para que

se busque o melhor caminho dentro das condições existentes. E algumas dessas alternativas

foram exploradas ao longo desse texto.

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