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Page 1: Isaac Domingos da Silva · 3 Isaac Domingos da Silva Recife – PE – 30/03/1951. Formação: Português-Latim Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ - 1979. Sócio Fundador

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Isaac Domingos da Silva

Recife – PE – 30/03/1951.

Formação: Português-Latim

Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ

- 1979.

Sócio Fundador da APPERJ – Associação

Profissional de Poetas no Estado do Rio de

Janeiro.

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Rio de Janeiro, 22/12/2001.

Prezado Isaac,

O título de sua coleção de poemas - Manhã de

Setembro – reflete bem a altura de seu estro: início

de primavera. São seus poemas o embrião de um

artista cuja sensibilidade ainda está acorrentada

pelos grilhões da racionalidade. Mas é muito forte

para vencer esses grilhões e alçar às portas do

Parnaso. É um bom poeta em botão que virá

florescer dentro em breve. Parabéns e sucesso!

(Evanildo Bechara)

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ISAAC DOMINGOS DA SILVA

MANHÃ DE SETEMBRO

Poesias

e

Alguns causos

Rio de Janeiro – 2002

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À memória de meus pais:

Beatriz Alves da Silva

e

Ivo Domingos da Silva.

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Dedico este livro a:

Ana Beatriz,

Denise

E

Abrahão.

2002

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APRESENTAÇÃO

Da Ladeira do Alto do Céu e da casa de sapê, onde

nasci, apenas tênues recordações me restam, pois é

no Rio de Janeiro que vivo e para cá fui trazido

com apenas um ano. Indeléveis são as recordações

de minha infância no bairro de Vigário Geral e foi

na Escola República do Líbano que ouvi da última

professora do Primário* a frase que norteia minha

vida “Conquistar sem sacrifício é triunfar sem

glória”.

Se se puder chamar de poesia as desmanteladas

frases que se balbucia quando se perde,

inopinadamente, a mãe, foi assim que apareceram

os meus primeiros versos, aos dezesseis anos.

Quisera encontrar na poesia maneira de mitigar

minha dor – inutilmente, tentei descrever o imenso

vazio da irreparável perda.

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Certa feita, em um assomo de bom senso deitei ao

fogo os garabulhos que produzi. Contribuiu para

esta decisão o meu primeiro emprego. Minha

função era encaixotar livros de um Programa de

Governo chamado COLTED, patrocinado pela

USAID. A Distribuidora se chamava Livraria e

Editora Prazo Ltda. Nas horas vagas, enquanto

tentava poetar minha desdita, lia inúmeros poetas,

principalmente os parnasianos, logo pude inferir

que carecia dos caprichos da divina musa.

Não fui suficientemente forte para aceitar o

malogro e, uma vez aqui, outra acolá fui

produzindo alguns versos que acabaram escapando

do rigor do meu senso.

Os anos passaram e eu sempre cultivando a

veleidade de trazer à luz essas garatujas mas a

autocrítica, durante anos, me impediu.

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Exigente, não só com os outros, comigo também,

procrastinei enquanto pude esta decisão.

Mas atire a primeira pedra quem nunca sentiu

vontade de ser avaliado, ainda que o bom senso lhe

baste para isso.

Se me faltasse argumento para justificar minha

fraqueza, lembrar-me-ia de que seria insensato

deixar passar a oportunidade, que me dá o meu

amigo e Irmão Emir de alcançar a plenitude da

vida, patrocinando a edição desta coletânea.

Uma árvore, dois maravilhosos filhos (Abrahão e

Ana Beatriz), uma grande companheira (Denise),

por fim um livro: Manhã de Setembro. O que

posso mais querer da vida, senão agradecer ao

Supremo Artífice a ventura dos meus dias.

(O Autor)

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Agradecimento:

Emir Carvalho de Souza

Que patrocinou a edição deste livro.

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MANHÃ DE SETEMBRO

Poesias

Isaac Domingos da Silva

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APENAS COMPAIXÃO

Nem ao menos um olhar de mínima compreensão,

Paira em teus olhos.

Nem o sentimento de uma paixão,

Para que saibas a dor que corta meu coração,

Que a ti entrego sem êxito e malogrado.

Pulsa em teu peito um coração?

Ainda que não te comove a minha dor

Nem a mim corresponda esta paixão,

Saiba quão magno é, por ti, o meu amor. (1967)

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LUA

Antes para tudo, era a lua,

Que os poetas faziam.

Inspiravam-se nela

E muitas poesias nasciam.

Era a donzela entre os astros

Por ninguém, jamais, alcançada.

Cândida, cálida e linda,

Era por todos almejada.

Agora tudo isso acabou,

Pois ela não é mais encantada.

O homem na lua chegou.

A lua foi conquistada. (1969).

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TEU CORPO

Um sorriso franco e verdadeiro,

Transbordante de alegria,

Bailam em teus lábios

Com perfeita harmonia.

Nada é igual ao teu sorriso.

Nem suponho que há no mundo

O que possa superar

A beleza dos teus olhos,

Que refletem com meiguice,

A ternura do teu olhar.

Em teus lábios um sorriso.

Nos teus olhos há ternura,

No teu rosto há meiguice,

Em teu corpo uma aventura. (1974)

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PARQUE ABANDONADO

Há um silêncio.

É um silêncio total.

O radinho de pilha ligado,

O eterno recomeçar da geladeira,

O desesperador ruído da fluorescente,

Nada.

Definitivamente nada

Quebra este silêncio.

É um silêncio total.

Sinto-me só, muito só.

Até o sono me abandona.

Nesta solidão me agarro às lembranças

E passo noites a vaguear.

Já passei no Cine Ópera, no Bar dos Pescadores,

No Aterro do Flamengo.

Tudo muito só.

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E só você pode quebrar este silêncio.

Este silêncio de um parque abandonado. (1974)

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TARSO METATARSO

É perdoar senhores,

Se vos direi no entanto.

Tarso, metatarso, tarso.

Tarso tarso, meta meta.

Há quem diria talvez,

Que sem motivo aparente

Repetirei novamente.

Tarso, metatarso tarso.

Tarso, tarso meta meta.

Articulações metafísicas,

Metabolismo sem mal

catabolismo fatal.

Anabolismo, que tal?

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E eu tento me articular

Em busca do vil metal.

Em tarso metatarso, tarso.

Tarso tarso meta meta,

Metalismo total.

Existo em um mundo, que

Nem tártaro, nem céu, meta.

Metagoge, meta?

Picadura metafórica

Tarsismaculatus cruel.

Do sono, acorda Tarquinius.

Acordei, nada direi

Apenas tarso, meta tarso

Metatarso me chamarão,

Ou meta chamar-me-ei. (1976)

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O PÃO?

- Nem só de pão vive o homem.

- Eba! Há outra opção?

- Congemine.

Matutei, matutei

E continuei com fome.

- Nem só de pão vive o homem.

- Como? !!!

- O homem precisa mudar.

- E o pão?

- O pão? !!

- Poxa!!!

Pára de pensar em pão. (1976)

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ALPINISTA

Eu sou alpinista.

Sou alpinista. Sou...

Eu sou alpinista.

Claro que sou alpinista.

- Adoro escalar

O monte vênus. (1976)

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TEUS LÁBIOS

Teus lábios já tocaram os meus.

Hoje, apenas meus olhos distantes,

Fitam os teus.

É crível que isto aconteça,

Ainda que eu não mereça,

Pois nunca em teu corpo toquei

Apenas por prazer de prazer.

Se gozaste, no ato indelével,

Quando apenas eu te amei,

Ainda que orgasmo tiveste

O gozo quem teve fui eu.

Pois nunca em teu corpo toquei

Apenas por prazer de prazer.

Somente, de veras, te amei. (1977)

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EXPERIÊNCIA

Experiência é pente para careca,

Sabia? !!

Careca não precisa de pente,

Sabia?!!

A experiência é fruto do tempo.

O tempo nos dá experiência.

O que fazer com ela?

Você sabia? Sabia.

Um ano se passou

e agora você diz:

- Eu não sabia.

Eu declaro: Sabia!

- você sabia.

E agora me diz

Que não sabia.

Assim não dá. (1977)

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NADA

Por que você me deseja?

Porque te ouço suavemente.

E você desesperadamente, mente.

O que há entre o caminho e os pés?

Nada.

Apenas não sei voar.

O que há entre o alheio e as mãos?

Nada?!!

- Há sentimento de posse. (1978)

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PARE

Você que pisa sobre a grama do jardim

E da cantina atira copos sobre a mesma.

Deixa no pátio o seu carro atravessado

E chuta um cão como se chuta uma pedra.

Não vê que flores que compõem teu visual,

E que afagam com aroma o teu nasal,

São seres vivos que não dependem de você

Mas que você depende deles pra viver.

Você que grita liberdade com fervor,

Com afinco prega os direitos humanos.

Não vê que a bomba atômica continua

Campos, mares, matas, poluindo,

Que são o bem maior do ser humano.

Você canta em alto brados liberdade

Vive preso acorrentado por vontade

Porque não tem por quem defende lealdade.

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Você precisa então parar para refletir

Que para seus direitos continuarem a existir

É necessário lutar pelos direitos de todos,

Sem essa de individualizar interesses. (1978)

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SABER

Saber que um dia eu te amei,

Que teus lábios beijei

E tuas mãos afaguei.

Saber que o teu corpo toquei,

Sob o meu apertei,

Com volúpia e prazer.

Saber que você foi feliz,

Quando me fez feliz,

Sem perguntas fazer.

Saber que fiz juras de amor

A quem me fez pensar

Que é possível o amor.

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Porém tudo acabou,

Hoje apenas restou

A certeza que eu ao

Passar por você

Só me resta saber,

Que um dia eu te amei. (12/12/1979)

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JÁ VISTE

Já viste o brilho nos olhos de uma criança

Quando sua mãe lhe oferece o seio?

Assim brilham meus olhos,

Quando buscam os teus.

Já viste um colibri, de flor em flor,

À procura do néctar?

Assim sou, quando medroso,

Procuro o teu olhar.

Já viste, de um mendigo, a solidão,

Quando no dia-a-dia lhe falta o pão?

Assim sou, quando diante de ti,

Me falta coragem para dizer-te: te amo.

Já viste a angústia de um exilado,

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Recordando a terra que deixou?

Assim sou, quando te recordo,

Ao ver-te de longe passar.

Já viste o pôr-do-sol?

A relva coberta de neve,

Já viste?

Já viste os lírios do campo?

Um veio d’água na pedra

Já viste?

Assim tu és em meu delirium tremens

Porque sou ébrio de ti. (1980)

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EU NÃO QUERO MORRER

Há quem diga:

Quero morrer de noite.

É doce morrer no mar.

Um romântico, talvez

Quisesse morrer,

Nos braços de sua amada.

Eu não quero morrer,

Eu não quero morrer,

Há quem diga isso? (1980)

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IRRITAÇÃO

Três coisas me irritam profundamente:

Queimadura de banha quente,

A resignação de um pobre

E a tal da ingratidão. (1982)

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REVERTÉRIO

Vou voltar a dizer: eu não presto.

E de novo dizer: sou feliz.

Recomeçar a fazer os meus versos,

E as canções que ainda não fiz.

Vou amar a vida de novo.

E novamente cantar com meu povo.

Achar que achei o meu eu.

Ou ficar sem querer me achar.

Vou dizer que tudo deu certo,

Que achei o caminho correto

Para chegar ao lugar que eu quis.

Vou voltar a chamar-me poeta,

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Vou deixar que tudo aconteça

Sem pensar o que será o amanhã. (1983)

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GRILHÕES

Você quebrou os meus grilhões.

Tornou-me livre.

Disso não dei conta.

E continuei

Como se me tivessem as amarras.

Longe delas, continuava preso

Inexplicavelmente.

Vivi, senti, consenti,

Questionei, congeminei.

Um esforço sincrônico de

Expurgar aquele tempo.

Me esforço, debato-me

Liberto.

Liberdade, liberdade, liberdade. (1984)

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REPRESSÃO

Quem reprime o amor

Opta pela solidão.

E nada, decididamente, nada

E tão patético. (1984)

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SOU

Quero falar da vida,

E me surpreendo falando de mim.

Sou egoísta.

Quero compreender a virtude

Acabo fazendo autocrítica.

Sou vaidoso.

Quero falar de fé,

E me declaro cético,

Sou incoerente.

Quero preconizar confiança

Mas demoro muito para agir.

Sou inseguro.

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Quero ser político

E me sinto poderoso.

Sou imoral. (OUT/1984)

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O COGUMELO

Um vento passou.

Passou desperdiçando:

Fúria, fragor e jactância.

Caiu, apenas caiu, sobre um cogumelo

Pateticamente empedernido

Que colecionava: amor, paz,

esperança, arrependimento.

Bastava uma brisa, fresca e amena

Era tudo que este acéfalo

E bruto fungo resistiria.

E quedou.

Quedou haurido e sorridente

Talvez porque, já decrépito e alquebrado,

Inda refletia força e resistência.

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E há de voltar, talvez como brisa

- Cálida, lépida e volitiva -

Veleidades também

E ao voltar, porque lhe espero

Encontrará um ser

Quase humanizado

Colecionando: Guerra, aleivosia, estrelas,

Universo, relatividade. (1984)

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ALTER EGO

Dei esmola a um pobre,

Para uma velhinha sorri

Discordei de um ancião,

Sentei-me no banco da praça,

E sem me dá conta de nada,

Um cão de guarda afaguei.

Pulei amarelinhas,

No meio de algumas crianças.

Lembrei-me que era primavera

E surpreendi o pôr-do-sol,

Tão lindo com ele é.

Chutei o ar de bobeira.

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Senti, da noite, o brilho

Que você tem no cabelo.

Achei a lua morena,

Morena como você.

Parei em frente ao mar,

Juntei conchinhas na areia,

Voltei a fazer os meus versos,

Na pedra seu nome escrevi.

Gritei, na praia, sozinho

Cantei, sambei e bailei.

Descobri que a vida é bela

e quando o ônibus peguei

Nem vi que o trânsito era lento,

E quando em casa cheguei,

Sentei-me com meu filho no chão,

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Com ele brinquei de botão.

A paz inundou o meu ser

E dormi pensando em você.

Alguém poderá perguntar,

O que isso tem de anormal?

Respondo que até é banal

Só nunca foi feito por mim.

Por isso fiz esta canção,

Para descrever a emoção

Que você me fez sentir

No dia que eu a conheci. (21/09/1984)

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PERDOA

Castração,

Castração,

Castração.

Coleciono palavras?

Perdoa senhora. (1984)

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CASTRAÇÃO

Perdoa senhora,

Se eu perguntar de repente.

O que tem a ver o amor

com a minha idiotice?

-Nada.

Decididamente nada.

Perdoa senhora,

Porque nunca me permiti

À paixões violentas,

Antes sim

Violento com minhas paixões.

Perdoa senhora

Porque procrastinei

Todo esse encantamento,

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Que separa o homem do ser.

E nada

Decididamente, nada

É tão violento. (1984)

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MUSEU DA VIDA

Espevitador,

Candeeiro,

Terreiro

Lua cheia,

Noites claras,

Trancoso,

Estórias da carochinha,

Augúrio do mocho...

É noite.

E a noite passa.

Alguém há de se lembrar,

Um dia, quem sabe,

Ainda não muito tarde,

Que espevitador agora é peça de museu.

Candeeiro, apenas os últimos

Olhares românticos, alumiará.

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Terreiros estão invadidos de automóveis.

Lua cheia. É cheia de projetos da NASA.

E de bandeiras imperialistas -

As noites claras.

- claramente invadida de congeminências -

E o amargo vazio da TV.

E as estórias não são mais de trancoso,

São vanilóquios de uma solidão. (02/03/84)

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OS SONHOS DE PEDRINHO

Os sonhos de pedrinho,

São os sonhos de josé,

São os sonhos de mané,

São os sonhos de joãozinho.

Pois os sonhos são iguais.

Ele sonhou que estava levitando,

Que caindo sobre a rampa,

Desbancava o redentor.

(Que embora moribundo, fez de tudo nesse mundo

Para salvar seu sucessor).

-Não permita deus que eu morra,

Nem que eu caia na masmorra-

Mas pedrinho ainda sonhando,

Conjurou o seu passado

E sorrindo o perdoou.

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Os sonhos de pedrinho

São dos sonhos de josé,

São os sonhos de mané,

São os sonhos de joãozinho,

Pois os sonhos são iguais.

Ele sonhou que não era mais capacho,

Que agora era liberto

Do implacável redentor,

(Que embora carcomido cria piamente

Que ainda era um ditador).

-Não permita Deus que eu morra

Nem que eu caia na masmorra -

Mas pedrinho acordando

Perjurou o seu passado

E sem dó o condenou. (JUL/1984)

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OS SONHOS DE ANINHA

Ao movimento das "Diretas Já"

Os sonhos de aninha,

são os sonhos de alice,

São os sonhos de eunice,

São os sonhos de glorinha,

Pois os sonhos são iguais.

Ela sonhou que estava cavalgando,

Que subia uma rampa,

Se assentava em uma campa

De um velho faraó.

Este há mais de vinte anos,

Se chamava “o Redentor”.

Os sonhos de aninha

São os sonhos de alice,

São os sonhos de eunice,

São os sonhos de glorinha,

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Pois os sonhos são iguais

Ela sonhou que desceu

Daquela rampa

E ao povo alucinado,

Que esqueceu o seu passado,

Sem mistérios se entregou.

Os sonhos de aninha

São os sonhos de alice

São os sonhos de eunice,

São os sonhos de glorinha,

Pois os sonhos são iguais.

Ela sonhou, que estava arrependida,

Por ter sido conivente

Com o urso prepotente

Que na campa hibernou.

Agora entristecida,

Caminhou pela avenida

E o sonho acabou. (JUL/1984)

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PAPAI NOEL

Quisera vestir-me de papai noel,

Nesta noite.

Exatamente nesta noite de natal.

Nesta noite,

Vestir-me de papai noel

E sair em busca de uma casa.

Uma casa onde haja uma criança.

Uma criança a espera do bom velhinho.

Esse velhinho, que teimei em brigar com ele.

E ele nunca me deu bolas.

-Nem as que eu pedi-

E eu sempre o chamei de fantasma

Cometedor de crime contra a fé infantil.

Porque nunca soube amar a quimera

Nem deixar a fantasia amainar minha realidade.

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Justamente agora, quisera dizer:

Como é duro não crer em papai noel. (24/12/84)

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AMADA NEVE

Você chegou como a neve, inopinada,

Perfunctória, envolvente, atraente,

Estranhamente esperada.

Como a neve se foi

Deixando sensação de leveza,

Ternura e paz.

Soubesse eu merecer você...

Soubesse eu prescindir de você,

Quando me cobriu de uma claridade,

Como a neve macia. Que tentei

Agarrar, acariciar e afagar.

Vê-la fugir entre os dedos,

Qual neve fugidia,

Apenas deixou, docemente,

marcas indeléveis.

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Quisera saber, como a relva

Que recebe o sereno, receber você.

Quisera saber, como os lírios do campo

Contêm o orvalho, conter você.

Mas,

Você passou. (1984)

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QUASE EDIPIANA

Aos colegas de turma do Curso de Letras

Quero morrer em uma sexta-feira,

-Claro que não é nesta-

Exatamente nesta,

Pretendo rever velhos colegas.

Tenciono torná-los novos amigos.

São colegas do Curso de Letras,

Letras de uma Faculdade,

Quase edipiana...

(coisas do AI-5).

Há um lustro estamos afastados.

-Tínhamos pressa de sair-

Saímos daquele Estabelecimento

Que nos obrigou sentarmos juntos,

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Em busca do mesmo objetivo.

E juntos, estávamos separados.

Ideologias? ! ! diferentes.

Ideais, não eram os mesmos,

Iguais, apenas eram os sonhos. (21/12/84)

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PRIMAVERA

A primavera voltou.

De tarde, um sol ameno,

Insinua que como a primavera voltou

Minha amada também voltará.

Meu coração não crê,

Mas se deixa enganar.

Insiste em teimar e declara:

Se a primavera voltou,

Ela também voltará.

Eu, que nunca me dei conta da primavera,

Nem das flores o perfume,

Nela me fez pensar,

Sentei-me na Praça, sequioso,

Doido para vê-la voltar.

Meu coração insiste em teimar

Incrédulo, prefere enganar-se

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e conclui: Foi a primavera que a trouxe,

Foi a primavera,

Foi.

Coração absurdo, surdo

Deixe ao menos eu falar

Não foi a primavera que a trouxe,

Foi ela, que me trouxe,

Definitivamente a primavera. (1985)

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BRASILEIROS

Treze milhões de brasileiros

São mutilados.

Treze milhões de brasileiros

São neuróticos.

Treze milhões de brasileiros

São alcoólatras.

Treze milhões de brasileiros

São deficientes.

Treze milhões de brasileiros

São analfabetos.

Treze milhões de brasileiros

São estrangeiros,

Treze milhões de brasileiros

São ricos.

Treze milhões de brasileiros

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São miseráveis.

Treze milhões de brasileiros

São políticos.

Treze milhões de brasileiros

São conformados.

Cento e trinta milhões de brasileiros

Apoiam tudo isso. (1985)

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EXATA NOÇÃO

À Denise

Falar do meu amor por você

É o mesmo que dizer a respeito

De uma galáxia qualquer.

Você ouve, presta atenção

Mas lhe falta a noção

Do exato saber.

Falar do meu amor por você

É o mesmo que ouvir

Um cientista dizer:

O sol está distante

Quinhentos anos luz de uma estrela qualquer

Você ouve, presta atenção,

Mas lhe falta a noção

Do exato saber.

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Porque meu amor por você

É maior que o meu grito.

É o próprio infinito.

É a grandeza do exato saber. (1985)

(publicado em Perfil 2001 – APPERJ)

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À NOVA REPÚBLICA

É ser pessimista demais,

Se tão prudentemente,

Quiser olhar para trás.

Houve um tempo assim

Milagres: divinos, ecológicos, econômicos

Vitórias: No roçado, no garimpo, no futebol

Euforia total.

Anos depois

Nada, nada era real

Hoje arrepio-me

(o mesmo entusiasmo voltou)

Se crê?

crê-se no primo dia.

Crê-se no meado do mês.

Crê-se no ancião,

Trazendo cem anos de tradição.

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Sou cético?

Sou.

Até quando cético sou.

Esperai, Senhores

E direis:

Mais um ano se passou. (01/01/85)

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POETA NÃO SOU

"Uma pedra no caminho"

"Um caminho na pedra"

"Uma terra de palmeiras"

"Onde canta o sabiá"

"Uma terra de palmares"

Onde canta o Senhor, SABIA? ““.

Quantos há que criam,

Outros vem e recriam

Eu apenas copio

Porque poeta não sou.

Poeta não sou, nem seria

Não fosses tu,

A minha única poesia. (JAN/1985)

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VOVÓ MOCINHA

Pedi a vovó que dissesse

O que queria ganhar,

Pois era natal e eu queria,

Um bom presente lhe dar.

- Meu neto o que eu quero,

Estou certa, você não pode me dar.

Eu quero um pedaço de terra

Para um bom roçado aplantar.

Fazer uma rocinha para ter

Com que o dia empatar.

Pois tenho certeza que

Ainda posso trabalhar.

E você me deixa aqui

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Neste malvado lugar.

Já faz tempo que não vejo

O pôr-do-sol, nem o luar.

Se você deseja então

Algum presente me dar.

Me leva depressa daqui,

Eu quero pro norte voltar.

Eu tenho certeza que eu

Se um dia pra lá voltar

Vou me ocupar de um roçado

Pois gosto é de trabalhar.

Me leva – meu neto daqui –

Me deixa pro norte voltar

Eu quero, de novo, ouvir o canto da sabiá,

Do boi o mugido escutar,

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O bando de arribação, que faz o sol se ocultar,

Eu quero ainda avistar.

E quando a noite chegar

No céu eu possa espiar

A lua cheia e formosa e no meio do seu esplendor

a imagem de Nosso Senhor.

- Me leva depressa daqui,

Eu quero pro norte voltar.

Vovó tem oitenta e cinco anos

E me deu esta lição

Pois vi em seus olhos o brilho

De uma grande paixão. (1985)

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A COISA NOSSA

Coisa é a palavra coisa

Que coisa? !!!

Meu filho quando quer simplificar as coisas

diz: Pai coisei a coisa

- Que coisa meu filho?

- A coisa pai.

- Pára com essa coisa de coisar a coisa

É que o nome que ele coisa quando

lhe falta a memória é coisa

- Pai sabe Seu Coisa? !!

-Que coisa?!

- Seu Coisa da Dona Coisinha

- Pára com esta coisa, filho

Que coisa!!!

Aí me pego dizendo:

O que você está coisando?

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- Estou coisando... pai.

Eu implico tanto com a coisa

Que às vezes não digo coisa com coisa

Aí está o segredo da coisa nossa. (1985)

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PODE SER

Pode ser que de repente descubra

Que me é permitido voar,

Na Av. Brasil,

Em um avião chamado meu sonho,

Eu embarque

Com destino ao ano dois mil.

Pode ser que me sente na praça

E espere o cometa passar.

Se chover, eu embarco em um desses,

Que leva a gente para qualquer lugar.

Pode ser que olhando para Meca,

Eu dedique uma prece a Alah,

A tupã ofereça uma flecha,

A Ovídio centenas de bois,

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A exu ofereça meu sangue.

E depois. e depois me pergunte...

E depois?!!

Pode ser que eu divida meu pão,

Com quem tenha mais fome que eu,

E depois, com fome também,

Não me atreva dizer a ninguém

Pode ser, pode ser, pode ser.

Pode ser que dirigindo meu carro,

Me sinta um cavalheiro

Cavalgando um fogoso corcel.

No corcel e de relho na mão,

me sinta imperador,

Que de tanto dizer pode ser,

É possível que eu encontre meu ser. (1986)

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ILAÇÕES

Quisera falar de amor

E congeminei, pensei, pensei, e...

Já sei

Dele não se fala.

O amor quando rola é intenso, voraz.

Ninguém se ocupa

Do amor que vive.

E quando haurido,

Falar de quê?

Amor não é indelével,

(porque não se percebe).

É sempre perfunctório,

Ainda que vivido intensamente.

Quando se vai,

Falar de quê?

Falar do que não há,

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-Não há porquê.

Querer falar do amor

É falar das cinzas da fogueira. (1986)

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EU VOU LUTAR POR TEU AMOR

Sei que vou te amar eternamente.

Não será apenas um verão.

Mas não quero ver-te descontente,

Se souber que curto essa paixão.

Porque enquanto eu achar que tenho chance

Eu vou lutar,

Eu vou lutar por teu amor.

Não te entristeças se algum dia,

No New Cash me encontrares

Sentando àquela mesa, desatinado,

Que presenciou o nosso amor,

Porque enquanto eu achar que tenho chance

Eu vou lutar

Eu vou lutar por teu amor.

Já são trezentos sonhos, com certeza

Mais de três mil copos de cerveja

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Que me ajudam relembrar a ternura daquele

instante

Que de beijos me cobriste

Por isso enquanto eu achar que tenho chance

Eu vou lutar,

E eu vou lutar por teu amor.

Não quero que te arrependas da indelével marca

Que teu beijo em mim deixou.

Nem me chames de pueril, se em teus braços

Eu quiser chorar,

Pois enquanto eu achar que tenho chance

Eu vou lutar

Eu vou lutar por teu amor.

Por teu amor insano e passageiro,

Que foi tão fundamental para o meu ser.

Embora hoje seja apenas cinzas.

É o que me faz, dia-a-dia, renascer.

Por isso, enquanto eu achar que tenho chance,

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Eu vou lutar,

Eu vou lutar por teu amor. (1986)

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CHOREI

Chorei porque foi

O único jeito

De mostrar minha paixão.

Chorei porque não

Achei direito

Esconder minha emoção. (18/08/87 as 16:55 h)

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POXA

Como pode um peixe vivo

Viver dentro de água suja

Sem ao menos dizer:

Poxa!!! Assim não dá pra viver. (1986)

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CIDINHO

Meu caro amigo Cidinho

É um cabra porreta

É um homem pra lá de decente

Não vive metido em mutreta.

Está sempre fazendo canções,

Poemas, versos e retreta.

Para mostrar o quanto é bom

Já fez até opereta.

Nunca o vi aborrecido,

Parece que é de outro planeta.

Só o vejo ficar irritado

Quando o chamam de lambreta. (1986)

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ISSO NÃO SE FAZ

Há um silêncio total em meu carro.

É que meu rádio parou

E não quer mais falar.

Foi um moleque qualquer que passou

E resolveu, minha antena, arrancar.

Isso não se faz companheiro !!!

Isso não se faz... (1986)

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MEA CULPA

Crianças felizes

Brincando na praça

Brincando de “avião”

Brincando de jogar pedras

Em minhas “janelas”.

Que droga!!! (1986)

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CAMINHAR

Caminhar com você.

É muito bom caminhar.

Caminhar a noite inteira,

De mãos dadas,

Caminhar agarrado a você.

A noite inteira,

Caminhar com você.

É bom caminhar com você.

Quero caminhar com você

Na cama, sem cama

Não importa.

Quero caminhar com você. (25/05/87)

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MENTIRAS

Quem me vê sorrindo, não hesita.

Assegura que sou feliz.

Quem me vê pisando firme, não duvida.

Declara que sou pernóstico.

E o sistema me aperreia...

Quem me vê gritando, se aborrece.

Estabelece que sou maluco.

Quem me vê falando de política, constata.

Este sujeito é um chato.

E o sistema me aperreia...

Quem me vê consolando, se alegra.

Acha que sou cheio de vida.

Quem me vê falando de Deus, converte-se.

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Pensa que sou crente.

E o sistema me aperreia...

Quem me vê sério e sisudo, se espanta.

E me chama de violento.

Quem me vê criticando, conclui incontinente.

Ele é intransigente.

E o sistema me aperreia...

Quem me ver contestando, não tolera.

Conclui que sou exigente.

Quem me vê chorando, não perdoa.

Me chama de cínico.

E o sistema me aperreia...

E o sistema me aperreia?

O sistema me arrepia. (1987)

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SÓ ESCURIDÃO

Há um silêncio total em meu quarto

Mas quando me deito pensando em dormir

Eis que um barulho estranho me chama atenção.

Fico pensando que é alma penada,

Mas me levanto depressa, para ver se é ladrão.

Acendo a luz mas não encontro a razão

Desse barulho que ouço, quando apago o lampião

Volto a deitar-me ainda cismado

E eis que de novo o mesmo barulho me chama

atenção

Matutei, matutei e cheguei a conclusão.

É que quando apago a luz

Meu quarto mergulha na escuridão.

E eu que já estava pensando,

Pensado que fosse uma assombração. (1988)

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EDIPIANA

Quisera ter a simplicidade de dizer

- Te amo.

Mas não te amo

O que sinto por ti

Não é simplesmente amor.

Amor é comedido, conseqüente,

Amor não carece de conforto,

- Quem ama é prudente -

O amor prescinde do urgente.

O que sinto por ti, mulher:

É um tresloucado amor insano,

Um febril desejo de ser teu dono,

Em um noturno cio felino

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De caçar-te a noite inteira

Para sentir teu corpo,

Como se sente,

Da praia, a areia ardente.

É desejar estar em uma ilha edênica,

É querer que o ano tenha mil noites,

Que na noite haja mil horas,

Que as horas sejam eternas,

Para possuir-te inteiramente

E nunca contentar-me de contente.

É querer ser teu escravo e suplicante

Deste doce e terrível ardor,

Que não pode ser simplesmente amor. (1988)

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MATER

Algumas vezes me ocupei

De fazer um poema.

Um poema prenhe da

Ternura que há em mãe.

Ai fico,

mãe é... Mãe é... mãe.

Desisto. Me calo

E em silêncio ouço.

Porque mãe é a voz de Deus

Dizendo: Haja o mundo. (14/05/89)

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FLAMBOYANT

Meu coração é feito um flamboynt

- Florido?

- Sangrando.(25/12/1989)

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LOUCO

Quero um amor insano,

Inconseqüente,

Doentio,

Que me leve para cama,

Sem medo,

Sem tempo de refletir.

Quero ser louco,

Louco de amor,

Louco de gritar:

Te amo. (1990)

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CHICO MENDES

Chico Mendes morreu.

Estamos ensangüentados,

Não sabemos o que fazer.

Orai, diz o Santo Padre.

Protestai, diz o povo ensandecido.

Esperai, diz a justiça morosa.

O que fazer?

Há duzentos anos oramos por Tiradentes.

Haverá sempre um mártir para dar sentido

Às orações do Santo Padre,

À preguiça da Justiça.

Ao grito do Povo

O que resta?

O mugido do boi,

O alarido das folhas,

O tinir do machado,

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O ranger da motosserra,

Para compor nossa oração.

Não basta, vamos acabar com isso

Orar é correr atrás do prejuízo. (1990)

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QUE BANDEIRA É ESSA?

Amarela,

Azul,

Branca,

Verde

- Mesclada de desigualdade -

Que bandeira é essa? (1990)

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PIA DIVISÃO

Dois terços da terra

Não é terra.

Dois terços da terra

Não tem gente.

Dois terços de gente

Não tem terra. (1991)

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DENGOSA

Ela é charmosa.

Ela é dengosa.

Minha filha Beatriz.

Ela é carinhosa,

Ela é cheirosa

E me faz tão feliz. (1991)

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VIVA CAZUZA

Sou cidadão,

Comportado,

"Careta",

Correto,

Ordeiro

E orgulhoso.

Sou contribuinte

Do INSS

Do IRPF

Do IPTU

Do IPVA

Do IPMF

O sistema me retribui:

Com aumento da violência,

Com aumento de desemprego,

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Com arrocho salarial,

Com abandono dos hospitais.

Os articulistas me dizem:

O desemprego é para conter o consumo.

O arrocho é para baixar a inflação.

O abandono é para controlar a densidade

demográfica.

A violência é para assustar a burguesia.

Se contesto o sistema me diz:

Vá reclamar ao Papa

Só me resta um grito:

Viva Cazuza!!!. (1992)

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CANTIGA DE NINAR

Lá vem Anabiá

A fim de petiscar

Um daqueles “marmitões”

Que a Denise tem para lhe dar.

Eu canto uma canção,

Uma canção de ninar

Para fazer dormir feliz

Minha filha Anabiá. (1992).

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MELEQUINHA

Eu conheço uma menina

Que se chama Beatriz

Ela tira todo dia

Melequinhas do nariz.

E ainda sai gritando

Sai gritando bem feliz

Olha lá quantas bolinhas,

Quantas bolinhas que fiz. (1992)

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LIBERDADE

Viver preso

É ter a liberdade

De gritar para

Uma multidão surda

Absurda. (1993)

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COMO A NEVE

Tu como a neve chegaste

E como a neve te foste

Em mim a ternura deixaste

E a leveza da paz

Às vezes, me senti teu escravo

Às vezes me senti capataz.

Tu como a neve te foste

Tal como a neve chegaste

Já que não soube conter-te

Não vou esquecer-te jamais

Porque ninguém, como tu,

De me envolver, foi capaz.

Tu como a neve ficaste

Quando a aurora raiou

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Como lembrança marcaste

O teu tresloucado amor

Às vezes eu sinto saudade

Às vezes o que sinto é langor

Não devo e não quero pedir-te

Nem suplicar teu amor

Porque esta marca indelével

Que fizeste em mim ficar

É como a neve macia

Que não se pode olvidar. (13/08/1993)

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EPITÁFIO DE UM BANERJANO

Primeiro foram demitidos os que já eram

aposentados.

E eu achei foi bom, afinal para que serve esta

velharia?

Depois foram os que trabalhavam nos gabinetes.

E eu aplaudi, afinal todos eram apadrinhados.

Também demitiram os funcionários de outros

Estados.

E eu achei correto, afinal antes eles do que eu.

Mais tarde acabaram com os estagiários.

E eu achei normal, afinal meu filho não é um

estagiário.

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Demitiram também todos os encampados.

E eu concordei inteiramente, afinal eu sou um

concursado.

Por fim demitiram os concursados.

Porque banqueiro odeia banco estadual.

Aí eu me toquei, mas já era tarde demais.

Afinal, aqui jaz um conscursado. (1995)

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IMAGINE

Imagine o dia,

Que nenhum brasileiro

Passará fome.

Imagine

Que isso é o mínimo

Que se pode imaginar.

Se você imaginar,

Imagine!

- Imagine que esse dia chegará

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DESESPERO

Se você se desespera

Porque não vê o tempo passar,

Não se desespere...

Desesperador é ver que o tempo passou.

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O QUE PRENDE MINHA ATENÇÃO

Três coisas prendem demais minha atenção,

Aliás, são quatro, segundo o sábio Salomão:

O caminho da águia no céu,

O caminho da serpente na pedra,

O caminho do navio no mar, e

O caminho do homem com uma mulher.*

(Provérbios, 30:18, 19)

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MULHER

Mulher... mulher eva, mulher medéia,

Mulher penélope, mulher dalila, mulher afrodite,

Mulher amélia, mulher atenéia, mulher maravilha,

Mulher gostosa, mulher tentação, mulher de casa,

Mulher rendeira, mulher lavadeira, mulher

rezadeira,

Mulher carpideira, mulher parteira, mulher fatal,

Mulher pai, mulher protetora, mulher camponesa,

Mulher do próximo, mulher dama, mulher de ferro,

Mulher beata, mulher difícil, mulher de malandro,

Mulher peão, mulher-macho, mulher operária,

Mulher... , simplesmente mulher.

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Que em março pranteia o inolvidável crime, de

algozes brutais,

Que com fogo calou a voz de 129 mulheres,

Que acenderam, desse suplicio, a chama da

liberdade.

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Página em Branco

Ser ou não ser?

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Página virada

Eis a questão.

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Alguns causos

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OITO DE MARÇO

(Homenagem ao Dia Internacional da Mulher)

Criou Deus o sol, o mar, os vegetais, os astros, os

animais e o homem.

Durante seis longos dias Deus se encarregou da

criação do mundo e no sétimo descansou;

descansou e verificou que sua obra não estava

completa, e sem nenhuma pressa ou cansaço criou

a mulher e a chamou EVA - fonte de vida em

hebraico - e foi exatamente a mulher que fez a

primeira revolução no mundo, assumindo a

responsabilidade de parir, de multiplicar, de ser

como Deus. Desde então a mulher tem sido

protagonista de inúmeras mudanças no rumo da

humanidade.

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A determinação de AGAR, a serenidade de SARA,

a argúcia de REBECA, o amor de RAQUEL, a

abdicação da mãe de Moisés, a perspicácia de

Ester, a esperança de PENÉLOPE, a angústia de

JOANA D’ARC, a resistência das operárias de

Nova Iorque, são exemplos de atitudes de

mulheres que modificaram o mundo.

É possível que essas mulheres não tenham se

dado conta do papel que exerceram no destino da

humanidade, todavia não se eximiram de lutar

contra a discriminação e por uma sociedade com

oportunidades e direitos iguais.

Desde 1857, quando 129 mulheres foram

queimadas vivas dentro das fábricas em Nova

Iorque, por melhores condições de trabalho e

redução da exaustiva jornada, 8 de março tem sido

marco da conscientização da mulher.

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É duro recordar esta data - você mulher que de

Deus recebeu a incumbência de fazer o mundo

existir, ter de morrer pela própria existência - mas

essa luta não será vã, haverá um tempo em que 8

de março será o Dia Internacional da Igualdade

Social.

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MANHÃ DE SETEMBRO

Sem dizer uma palavra a senhoria - uma velha

viúva - acompanhada da filha, invadiu nosso

quintal, aproximou-se da cerca e arrancou os

cachos de bananas do pequeno pomar. Olhar

ameaçador, caminhou para minha mãe e disparou:

- De agora em diante não plante mais nada aqui e a

partir do mês que vem, quero o dobro de aluguel.

- Meu marido não tem condição...

- Isso não é problema meu, se não pode, trate de

desocupar a casa que tem quem pague o que vale.

- Dona... D...

De costas, a filha da velha gritava, enquanto se

afastavam: desocupe a casa, desocupe...

Mamãe mal podia acreditar no que ouvia, sentou-

se no batente da porta e se pois a relembrar do dia

em que lá chegamos. A casa fechada, durante

alguns anos, trazia a lembrança do dono que nela

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havia se enforcado. O terreno estava coberto de

mato - era uma meia-água de piso cimentado mas,

comparada ao barraco que morávamos no charco

do Dique, era uma belezura, por isso mamãe não

deu trela a vizinhança, que dizia que a casa era

mal-assombrada - Capinou o terreno, e a vala que

corria perto da porta foi desviada para longe.

Animada com o quintal, plantou várias árvores

frutíferas.

Naquela manhã de setembro. Enquanto catava o

feijão mamãe conversava comigo - Papai fora à

feira, meus irmãos ao péla-porco, eu e o caçula

ficamos em casa – lamentou a vida de aluguel,

sonhava ter um canto para viver, e com a voz

embargada falava da senhoria. Vi minha mãe,

como nunca vira antes, quebrantada,

inconformada com aquela atitude mesquinha da

velha senhora.

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Coração manso - nem assim pode suportar tanta

humilhação. Chorou copiosamente e misturava ao

feijão as lágrimas que vertiam dos angustiados

olhos.

Conversamos longamente. Fez uma retrospectiva

de toda sua vida.

A sua força inabalável parecia estar chegando ao

fim e chorou como quem reunia naquele instante

todos os percalços da espinhosa vida.

- Mãe, juro que ainda vou lhe dar uma bonita casa.

- Trate de estudar para ser doutor, que vou cuidar

da vida e... foi para o tanque.

Minutos depois dirigi-me ao fundo do quintal onde

ficava o tanque. Estava caída e do seu lado meu

irmão, de dois anos, brincava.

- Mãe, que brincadeira é essa?!!

Corri feito louco, gritando, gritando.

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SALVO POR UMA ABÓBORA Homenagem a Ivo Domingos da Silva - (1927-1997)

Meu pai nasceu na Estacada, 3º Distrito de

Mamanguape (terra onde apenas o cardo medra).

Conta que olhou para o céu; o sol estava a pino.

Olhou para o chão; A terra rachada e esturricada.

Seu coração bateu forte, bateu mais que pestana de

assombrado. Olhou para o pai - meu avô, mestre

Toinho - e disse: Pai isto aqui não é terra para se

viver, vida pior não vou encontrar em lugar

nenhum do mundo.

D. Mocinha, minha avó, olhou para meu pai: Filho,

Nosso Sinhô Jesui Cristo e Padim padi Ciço ti

proteji, e meu pai partiu. Arribou e foi parar no

Recife.

Só no mundo foi para as bandas do Cajueiro, lá

chegou no dia 2 de fevereiro de 1947. Desta data

ele nunca se esqueceu.

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Em Cajueiro perambulou em busca de emprego, e

nada.

Se ao menos encontrasse um conhecido... (era tudo

que sua mente congeminava, debaixo do sol

ardente).

Andava e andava.

De tanto vagar encontrou uma plantação de

abóboras. Estava tão obstinado que ao vê-la, tão

grandes que eram, julgou que via centenas de bois

deitados no pasto.

Aproximou-se e constatou que eram jerimuns

enormemente grandes. Foi aí que lhe veio uma

grande idéia.

- Vou pernoitar aqui, dentro de uma dessas

abóboras.

Tirou do alforje um cutelo, abriu uma pequena

"janela" no jerimum, tirou a polpa e deixou apenas

a casca oca e se alojou.

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Alquebrado dormiu feito criança.

Manhã seguinte meu pai saiu em busca de uma

ocupação, de noite dormia na casa que a natureza

lhe dera. Fez isso durante algum tempo.

Conseguiu trabalho em uma construção de casas,

hoje a Vila do Cajueiro.

Papai progrediu. Três anos depois estava casado,

morou no Alto do Céu em uma casa de taipa

coberta de sapê, (onde nasci).

Quando nasci, papai decidiu vir para o Rio de

Janeiro.

Aqui nasceram meus irmãos, somos treze, fora os

doze, que não puderam ouvir esta estória.

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VEXAMES DA CIDADE GRANDE

Meu pai foi o primeiro da família a arribar da

“Santa Terrinha”, saiu da Estacada, que era

Distrito de Mamanguape, em 1947. Primeiro

passou pelo Recife, mas veio parar mesmo onde

era seu destino: O Rio de Janeiro.

Aos poucos, os demais membros da família iam

chegando para as bandas de cá.

Eu me lembro, era pequeno e vez por outra papai

ia ao Campo de São Cristóvão esperar mais um

pau-de-arara - que aquela época despejava,

semanalmente, dezenas de conterrâneos - e receber

mais um primo ou irmã, que chegara do Norte.

O tempo foi passando e o pau-de-arara deu lugar

ao ônibus. A viagem durava mais de oito dias,

assim mesmo era um verdadeiro luxo, comparado

ao desconforto do velho caminhão.

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Foi de ônibus que veio uma tia solteirona. Na

verdade prima de papai, mas mamãe sugeriu que a

chamasse de tia.

Na viagem, tia “Teinha”, era assim que a

chamávamos, seu nome era Terciliana, veio

comendo farinha e rapadura, e bebia café nas

paradas. Desembarcou com azia.

- Meu estombo estava impanzinado, Biata. Disse à

minha mãe, ao contar o

vexame que passou assim que chegara na Cidade

Grande.

No bar da Rodoviária arriscou pedir um Alka-

Seltzer. Sabia da dificuldade de pronunciar

corretamente o nome do antiácido. Meio

envergonhada, procurou dizer rapidamente o nome

do remédio, imaginando que seria entendida. O

que lhe pareceu, posto que o balconista lhe atendeu

prontamente.

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- Moço me dê cá uma Alcafé.

- Pois não, Senhora, disse o garçon, e deu-lhe uma

ficha para cafezinho.

Minha tia pegou a ficha. Desconfiada, matutou, e

congeminou: Que estranho! Será que tudo nesta

cidade é diferente?!!!

Olhou, olhou, e foi em frente

- Moço, me dê cá, também, um copo d’água.

O moço lhe atendeu prontamente.

Minha tia olhou mais uma vez para ficha, apesar

de desconfiada, a queimação no estômago lhe

induzia achar que em suas mãos havia de fato um

Alka-Seltzer.

Jogou a ficha no copo d’água e ficou esperando

que fervesse.

- Não é possível ... Alka-Seltzer tem que ferver.

Pensou.

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- Moço, me diz uma coisa, por que este Alka-

Seltzer - arriscando pronunciar um pouco mais

devagar - não ferve?

- O que disse Senhora ?!!!

- Me diz... por que esta pinóia não ferve?

- Minha senhora, isso é uma ficha. A Senhora me

pediu um café.

- Oxente moço! Eu pedi uma alcassée. Remédio

pro estombo

- Aqui não vendemos remédio. Vá à farmácia.

Minha tia, cheia de vergonha e de azia saiu de

fininho.

Quando chegou em casa ainda teve de contar esta

estória, antes de minha mãe lhe servir um pouco de

bicarbonato de sódio e correr a preparar-lhe um

chá de capim-santo.

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GENTILEZA GERA GENTILEZA

Hoje são 17, de manhã me pus a escarafunchar

meus alfarrábios em busca de selecionar material

para um concurso literário.

Como todo bom carioca – não obstante ser

nordestino – deixei essa tarefa para última hora.

Revi poemas, crônicas, garatujas inacabadas, e

nada. Nada encontrei que falasse especificamente

do Rio de Janeiro, que merecesse ser enviado para

um concurso promovido pela Prefeitura. Revirei

mais uma vez. Acabei encontrando um artigo que

protestava contra a insana campanha de

emancipação do Rio.

Aquela onda de separar a Zona Oeste de fato me

deixou indignado. Afirmava no artigo que o rio

tinha como destino ser indivisível. Foi Distrito

Federal. Quando virou estado tinha uma única

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cidade, por fim virou município e ninguém ousou

bulir com sua indivisibilidade. Só mesmo

interesses inconfessáveis justificariam tamanha

ousadia.

Reli o artigo e admiti que era assunto passado e,

ainda por puro temor de que uma dessas

fatalidades do destino nos apronta, o assunto

pudesse, novamente, vir à tona, desisti.

Por conta de ter sido candidato a vereador em 88,

havia escrito vários artigos sobre os problemas

sociais.

Apelei para uma crônica em que abordo o

problema da habitação no Rio.

- É uma crônica patética. Pensei vai esta mesmo.

Já que o concurso é promovido por uma Secretaria

Municipal, quem sabe possa colaborar para que os

governantes possam pensar seriamente nesta

questão estrutural de habitação do Rio de Janeiro.

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Escolhido o texto reli o regulamento que dizia:

“Trata-se de um concurso que vise selecionar

trabalhos que valorizem a vida Carioca.”

Não é possível! Esta crônica esta fora do

regulamento. Tô fora.

Por conta disso saí meio atrasado para o trabalho.

O que me rendeu a companhia de minha mulher.

Quase chegando na Central do Brasil Denise

desperta minha atenção.

Olha lá o Gentileza.

Lá estava o Senhor Gentileza com aquele

estandarte na mão, preconizando a PAZ.

Olhei e disse: É o maluco beleza mais antigo dessa

cidade

- Isaac, quem escreve para ele essas mensagens

nos postes, nos pilares, nas ruas ?

É ele

Que legal!

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- Poxa ... agente aqui falando de CPI, de eleições e

ele alheio a tudo isso, há três décadas pregando o

amor, a paz, a gentileza, espalhando carinho por

essa gente, surda, que trafega com pressa de

chegar. Ele parece que não tem pressa de passar,

nem se arrepende de estar falando tanto tempo a

mesma coisa.

Lembrei-me do concurso e matutei: Bem que eu

podia fazer uma crônica registrando a presença do

amigo Gentileza. Certamente ele é a cena que mais

valoriza o Rio.

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CADA

VEZ MAIS

ME CONVENÇO

DE QUE O CONHECIMENTOS

DA VERDADE É O ÚNICO CAMINHO

PARA

L

I

B

E

R

DADE.

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NÃO

MORTE

QUE

NÃO

VENHA

DE

SURPRESA.

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QUANTO MENOS SE TEM

A PERDER,

MAIS SE TEM

A GANHAR.