isaac asimov - caça aos robôs

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 1 CAÇA AOS ROBÔS ISAAC ASIMOV Para minha esposa GERTRUDE e meu filho DAVID 

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  • 5/20/2018 Isaac Asimov - Caa Aos Robs

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    CAA AOS ROBSISAAC ASIMOV

    Para minha esposa GERTRUDE

    e meu filho DAVID

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    Primeiro Captulo

    ENTREVISTA COM UM COMISSRIO

    Ao chegar perto de sua escrivaninha, Ligi Baley per-cebeu que R. Sammy estava sua espera.

    - O que que voc quer? - perguntou com expressodura.

    - O chefe quer falar com - voc, Ligi. Agora mesmo.-

    Est bem.R. Sammy ficou parado, imvel.Baley repetiu: - J disse que est bem. Pode ir!R. Sammy deu meia volta e se afastou para cuidar de

    suas outras tarefas. Baley, irritado, ficou especulandopor que aquelas tarefas no poderiam ser cumpridas porum homem.

    Examinou sua bolsa de fumo e calculou mentalmente:com apenas duas cachimbadas por dia, poderia ter osuficiente para chegar at prxima distribuio da raode fumo.

    Finalmente passou pela abertura da grade (h doisanos tinha sido promovido, com direito a um canto separado por uma balaustrada) e atravessou o grande salo.

    Simpson estava examinando um painel de mercrio:

    - O chefe quer v-lo, Ligi.- Eu sei, R. Sammy j me disse.Urna fita coberta de sinais em cdigo estava saindo

    do arquivo ao mercrio, enquanto o pequeno instrumentoprocurava em sua memria e analisava as informaesguardadas entre as vibraes minsculas da brilhantesuperfcie de mercrio em seu interior.

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    - Gostaria de dar um chute no traseiro de R. Sammy,mas receio que acabaria quebrando meu p, - disseSimpson. - H alguns dias, vi Vince Barrett.

    -

    mesmo?- Veio para ver se poderia reaver seu antigo emprego

    ou ento um emprego qualquer aqui na polcia. Coitado,est desesperado, mas o que que eu poderia fazer? Expliquei que R. Sammy estava cumprindo suas tarefas. Ogaroto foi obrigado a aceitar um emprego de entregadornas usinas de. levedura. Uma lstima.. um garoto inte

    ligente e todo mundo gostava dele.Baley encolheu os ombros e falou em tom mais sperodo que queria: - Agora todo mundo est exposto aomesmo risco.

    O chefe tinha direito a um escritrio particular. O vi-dro leitoso ostentava o nome JULIUS ENDERBY. Letrasbonitas, cuidadosamente gravadas no vidro. Em baixoestava a indicao do cargo: COMISSRIO DA PO-

    LCIA, CIDADE DE NOVA IORQUE.Baley entrou e perguntou: - Estava me procurando,

    chefe?Enderby ergueu a cabea. Estava usando culos por-

    que seus olhos eram muito sensveis e no podiam sea-costumar s lentes de contato. Era necessrio seacostumar vista daqueles culos, para poder examinar o

    resto de suas feies que eram bastante banais. Baleysuspeitava que o Comissrio usava culos porque lheconferiam uma certa personalidade e que seus olhos noeram realmente to sensveis.

    O Comissrio estava visivelmente nervoso. Ajeitouos punhos da camisa, endireitou as costas e falou c cor-dialidade excessiva: - Sente-se, Ligi. Sente-se.

    Baley sentou-se com as costas rgidas e esperou.

    Enderby perguntou: - Como est Jessie? E o garoto?

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    - Muito bem, - respondeu Baley, seco. - Esto bem.E sua famlia?

    - Bem, - disse Enderby. - Muito bem.

    Pararam, sem saber como continuar.Baley pensou: Seu rosto parece esquisito.Falou: - Escute, Comissrio, gostaria que voc no

    mandasse me procurar pelo R. Sammy.- Ligi, voc sabe o que eu penso a respeito, mas ele

    foi colocado aqui e preciso me valer dele para fazer algumas coisas.

    - Mas muito desagradvel, chefe. Ele me d o recado e depois fica parado, esperando. Sabe o que eu quero dizer. Preciso lhe dizer para ir embora, caso contrriofica parado.

    - Sinto muito, Ligi, foi minha culpa. Dei-lhe a ordeme esqueci de especificar que a seguir deveria voltar aoseu trabalho.

    Baley suspirou. As rugas em volta de seus olhos cas-

    tanhos escuros ficaram mais acentuadas. - Est bem.Voc queria falar comigo?- Sim, Ligi, - confirmou o Comissrio. - .Mas no

    fcil.Levantou-se, virou as costas e se aproximou da parede

    atrs da escrivaninha. Apertou um boto invisvel e umaparte da parede ficou transparente.

    Baley bateu as plpebras quando a inesperada clari-

    dade cinzenta feriu sua vista.O Comissrio sorriu. - Mandei fazer isto de propsito,

    Ligi, no ano passado e acho que ainda no lhe mostrei.Venha at aqui para dar uma espiada. Antigamente, todosos aposentos tinham uma abertura assim. Eram chamadasjanelas. Voc sabia?

    Baley estava a par, porque tinha assistido a muitasnovelas histricas.

    - J ouvi falar a respeito.

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    - Chegue mais perto.Baley relutou, mas acabou por obedecer. Expor a in-

    timidade de um aposento ao mundo externo tinha algo deindecente. Chegou concluso que o Comissrio exage-rava um pouco com sua afetao de medievalismo echegava a parecer um pouco tolo.

    Por exemplo, quando insistia, em usar culos.Ento isto, pensou Baley. Por isso parece esquisito.Falou: - Desculpe, voc est usando culos novos,

    no mesmo?

    O Comissrio pareceu surpreso. Tirou os culos,ob-servando-os e depois olhou pra Baley. Sem os culos,seu rosto parecia mais redondo e seu queixo mais acen-tuado. Tinha tambm uma expresso indecisa porqueno enxergava muito bem.

    - Sim, - respondeu.Colocou os culos no nariz e continuou, ressentido:- Quebrei os outros h trs dias e entre uma coisa e a

    outra, s consegui os novos hoje de manh. Ligi, podeacreditar, foram trs dias infernais.

    - Por causa dos culos?- Sim, e por outros motivos tambm.Voltou a olhar pela janela, imitado por Baley que ficou

    levemente surpreso quando percebeu que estavachovendo. Durante um minuto, ficou observando o curioso

    espetculo das gotas de gua que caam do cu, enquantoo Comissrio ostentava um certo orgulho, como setivesse organizado pessoalmente aquele espetculosurpreendente..

    - a terceira vez neste ms que vejo a chuva. Umespetculo interessante, voc no acha?

    Baley admitiu a contragosto que era impressionante.Em seus quarenta e dois anos de vida tinha visto rara-

    mente a chuva ou qualquer outro fenmeno da natureza.

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    Disse: - Sempre tenho a impresso de que umgrande desperdcio. A chuva no deveria cair sobre a ci-

    dade, mas se limitar aos reservatrios.- Ligi, voc um modernista, - observou o Comiss

    rio. - uma lstima. Na Idade Mdia os homens viviamao ar livre, e no s nas fazendas. At nas cidades, atmesmo em Nova Iorque. Quando chovia, eles no pensavam que era um desperdcio, mas ficavam satisfeitos.Viviam em contato com a natureza. Sabe, melhor, muito mais saudvel. A vida moderna com plicada porquefica afastada da natureza. Voc deveria ler algo sobre oSculo do Carvo.

    Baley sabia tudo a respeito.. Tinha ouvido muita gentese queixar por causa da inveno dos reatores atmicos.Ele tambm se queixava quando estava cansado ouquando as coisas no iam como deviam. A tendncia aosqueixumes era uma faceta da personalidade humana. No

    Sculo do Carvo as pessoas costumavam se queixar pelainveno das mquinas a vapor. Um personagem numatragdia de Shakespeare se queixava da inveno daplvora. Daqui a mil anos, os homens iam se queixar dainveno do crebro positrnico.

    Para o raio que o parta.Disse com uma certa irritao: - Escute, Julius.

    -(No tinha o hbito de falar com tanta intimidade durante

    o expediente, apesar do Comissrio sempre o chamar deLigi, mas a ocasio era muito especial.)

    - Escute, Julius, voc est desconversando desde queentrei e estou comeando a ficar preocupado. O que h,afinal?

    - J vou explicar, Ligi, mas deixe que o faa minhamaneira, - disse o Comissrio. - algo bastante... desagradvel.

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    - Estou vendo, mas por outro lado, o planeta estcheio de coisas desagradveis. O que ? Mais dificulda

    des com os Rs?- Num certo sentido. vezes fico a me perguntar

    quantas mais complicaes este velho planeta poderagentar. Quando mandei fazer esta janela, no foi spara ver o cu de vez em quando. Por ela, vejo a Cidade.Fico a observ-la e penso no que poder acontecer comela dentro de mais um sculo.

    Baley ficou escandalizado por tamanhosentimenta-lismo, mas percebeu que se sentia fascinadopor aquela vista. Mesmo escurecida pela chuva, a Cidadeoferecia um panorama formidvel. O Departamento dePolcia ocupava os andares superiores da Prefeitura, e aPrefeitura era muito alta. As torres da vizinhana eramtodas mais baixas e da janela do Comissrio s se podiamver os tetos. Pareciam uma poro de dedos apontando

    para cima. As paredes eram lisas, sem janelas, orevestimento externo de colmias humanas.- Sinto que esteja chovendo, - observou o Comiss

    rio. - Hoje no podemos ver a Cidade Espacial.Baley olhou para oeste, mas o comissrio estava certo.

    O horizonte estava fechado. As torres de Nova Iorque sedestacavam contra uma parede cinzenta de gua.

    - J conheo a Cidade Espacial, - disse Baley.

    -

    Gosto de v-la daqui, - respondeu o Comissrio. -Posso perceb-la naquele intervalo entre os dois setoresde Brunswick. um conjunto de abbadas baixas. Mostra a diferena que existe entre ns e os Espaciais. Nsficamos juntos e levantamos torres bem altas. Eles entregam uma abbada para cada famlia. Uma famlia, umacasa. Entre uma abbada e a outra tem bastante terreno.Alguma vez voc j conversou com um Espacial?

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    - Sim, algumas vezes. H um dias, falei com um deles aqui mesmo, pelo seu intercomunicador - respondeuBaley pacientemente.

    -

    Sim, estou lembrado. Estou com vontade de filosofar. Eles e ns. Dois estilos de vida diferentes.

    Baley percebeu que seu estmago estava comeandoa se contrair um pouco. Pensou que o prembulo do Co-missrio estava se encompridando demais e que a con-cluso poderia ser fatal.

    Disse: - Est bem. Voc acha que isto muito sur-preendente? No podemos espalhar oito bilhes de pes-soas da Terra, aloj ando-as em pequenas abbadas. Elestm espao suficiente em seus mundos, precisamos dei-x-los viver sua maneira.

    O Comissrio voltou escrivaninha e se sentou. Seusolhos, levemente diminudos pelas lentes cncavas, fita-ram Baley sem piscar. Falou: - Nem todos so tolerantes arespeito desta diferena de culturas. No s entre ns,

    mas tambm entre os Espaciais.- Certo. E da?- Da, um Espacial morreu h trs dias.Ento, era isto. Baley encrespou levemente os cantos

    da boca, mas seu rosto comprido tinha uma expressoto triste que no deu para perceber. Disse: - Que remdio.Espero que tenha sido por causa de alguma doenacontagiosa. Um vrus, talvez uma gripe.

    O Comissrio ficou a observ-lo, estupefato. - O que que voc est dizendo?

    Baley achou que no valia a pena explicar. Todomundo conhecia os esforos feitos pelos Espaciais paraeliminar as doenas em sua sociedade. Os cuidados queusavam para evitar ao mximo qualquer contato com osTerrestres infectos eram ainda mais conhecidos. O Co-missrio porm no tinha sensibilidade suficiente parareconhecer o sarcasmo.

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    Baley respondeu: - S falei por falar. Como foi queele morreu? - Voltou a olhar pela janela.

    O Comissrio disse: - Morreu porque ficou sem peito.

    Algum usou um desintegrador.Baley enrijeceu os msculos. Perguntou sem se virar: -

    O que que voc est dizendo?- Estou lhe explicando que houve um assassinato,- murmurou o Comissrio. - Voc um investiga

    dor. Voc sabe o que um assassinato.Baley finalmente se virou. - Mas um Espacial! Voc disseque isto aconteceu h trs dias? -Sim.

    -

    Quem fez isto? Como aconteceu?- Os Espaciais afirmam que foi um Terrestre.- Isto impossvel.- Por que? Voc no gosta dos Espaciais. Eu tambm

    no gosto. Pode me dizer qual Terrestre gosta deles? Algum foi um pouco alm de no gostar. s isto.

    -Escute, eu...

    - Tudo isto s indica que a insatisfao est aumentando. Possivelmente, alimentada por alguma organizao.

    Baley protestou: - Comissrio, no estou entendendo.Voc est querendo me testar?

    - Como? - O Comissrio pareceu estupefato.Baley ficou a observ-lo. - H trs dias algum matou

    um Espacial, e os Espaciais acreditam que isto foi obra

    de um Terrestre. At agora, ningum descobriu nada, -continuou batendo os dedos sobre a escrivaninha. -No isto? Por Josaf, Comissrio, isto inacreditvel. Umacoisa destas poderia provocar o desaparecimento de NovaIorque da face da terra.

    O Comissrio sacudiu a cabea. - A coisa no tosimples como parece, Ligi. Escute: estive ausente trsdias. Reuni-me com o Prefeito, passei algum tempo na

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    Cidade Espacial e fui at Washington, para consultar oBir de Investigaes Terrestres.

    -No diga. E qual a opinio do BIT?

    -

    Disseram-me que precisamos resolver o caso. A-conteceu dentro dos limites da zona urbana. A CidadeEspacial pertence Nova Iorque.

    -Mas tem privilgios extra-territoriais.-Sei. J vamos examinar este detalhe. - O Comiss

    rio desviou os olhos da expresso dura de Baley. Dava aimpresso de ser um subordinado de Baley, e o prprioBaley parecia estar aceitando esta inverso de posies.

    -

    Os Espaciais podem resolver seus casos sozinhos, -sentenciou Baley.

    -Espere um minuto, Ligi, - pediu o Comissrio. -No seja apressado. Estou tentando discutir o caso comvoc, de amigo para amigo. Quero que voc perceba minha posio. Eu estava l quando a coisa aconteceu. Tinha marcado uma entrevista com ele - com Roj Nemen-

    nuh Sarton.-Com a vtima?- Isto mesmo. A vtima. - O Comissrio fungou. -

    Por uma questo de cinco minutos, poderia ter sido eu adescobrir o cadver. Isto, sim, seria um choque. Mesmoassim, o impacto foi brutal, acredite, brutal. Eles me avisaram quando cheguei. Ento comeou um pesadelo detrs dias, Ligi. E ainda por cima, eu no estava enxer

    gando direito e no tinha sequer o tempo de mandar fazer culos novos. Mas nunca mais vou me encontrarnuma situao destas. Mandei fazer trs pares.

    Baley tentou imaginar como tinham acontecido ascoisas. Visualizou os Espaciais altos e claros se aproxi-mando do Comissrio para lhe comunicar o acontecido,com seu jeito brusco, sem rodeios. Julius sem dvida tinhatirado os culos para limp-los. Emocionado pela noticia,devia t-los deixado cair, observando, contraria-

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    do, os estilhaos espalhados pelo cho. Baley estavaconvencido de que, pelo menos durante os primeiros

    cinco minutos, o Comissrio tinha ficado mais perturbadopor causa dos culos quebrados que pelo assassinato. OComissrio ainda estava falando: - Compreenda, Ligi,esta situao o diabo. Voc observou que os Espaciaistm direitos extra-territoriais. Eles podem insistir em fazersua prpria investigao e mandar um relatrio qualquerao seu governo. Os Mundos Externos poderiam se valerdeste relatrio para pedir qualquer indenizao queachassem certa. Voc sabe a reao que uma coisa destaspoderia provocar entre nosso povo.

    - Se a Casa Branca concordasse no pagamento, cometeria suicdio poltico.

    - Ao mesmo tempo, cometeria outro tipo de suicdiose recusasse o pagamento.

    - Eu sei, eu sei, - respondeu Baley. Ainda era um ga-

    rotinho quando pela ltima vez os cruzadores reluzentesdo espao tinham desembarcado soldados em Washington, Nova Iorque e Moscou, para que coletassem o queera devido.

    - Pois , voc sabe. Pagando ou no pagando, tudoisto vai dar encrenca. Nossa nica sada est em encontrar o assassino e entreg-lo aos Espaciais. Vamos terque faz-lo.

    -

    Por que no entregamos o caso ao BIT? Afinal,mesmo tendo acontecido dentro de nossos limites urbanos, o crime envolve as relaes intra-estelares, e..,

    - O BIT se recusou. O caso muito delicado e precisamos resolv-lo sozinhos. - Lanou um olhar agudo aoseu subordinado. - Preciso tambm acrescentar, Ligi,que um caso perigoso. Todos ns nos arriscamos aperder nossos empregos.

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    Baley observou: - Voc acha que eles queiram subs-tituir todos ns? Tolices. No existe suficiente pessoalespecializado.

    -

    Existem os Rs, - retrucou o comissrio. - Lembre-se disto.

    - O que?- R. Sammy est apenas comeando. Entrega reca

    dos. Outros podem patrulhar as vias expressas. Diacho,homem, conheo os Espaciais melhor do que voc, e seio que eles esto fazendo. Existem Rs que podem fazerseu trabalho e o meu tambm. Podemos ser desclassificados. No pense que isto impossvel. E comear tudode novo, com a nossa idade...

    - Est bem, - rosnou Baley.O Comissrio parecia arrependido. -Desculpe, Ligi.Baley assentiu e procurou afastar a lembrana de seu

    prprio pai. O Comissrio conhecia bem toda aquela his-tria.

    Baley perguntou: - Quando surgiu toda esta conversade substituies?- Ligi, no seja ingnuo. H tempo que isto est a-

    contecendo. Comeou h vinte e cinco anos, desde achegada dos Espaciais. Voc sabe que assim. Agora est alcanando tambm os escales superiores, s isto.Se no conseguirmos resolver o caso, podemos perdernossa aposentadoria. Por outro lado, Ligi, se encontrar

    mos a soluo, os benefcios podem ser de longo alcance. Para voc, poderia ser algo especialmente favorvel.

    - Por que, para mim? - perguntou Baley.- Porque voc ficar encarregado do caso, Ligi.- Isto est fora de minhas atribuies. Sou simples

    mente um C-5.- Mas voc gostaria de ser promovido categoria de

    C-.6, no ? - Baley queria ser promovido. Conheciamuito bem os privilgios de um funcionrio da categoria

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    C-6. O assento garantido na via expressa durante a horado rush, e no s entre s dez e s quatro. Um bom passopara cima na lista de escolha das cozinhas seccionais.

    Provavelmente a. possibilidade de arranjar um aparta-mento melhor e finalmente, para Jessie, a possibilidadede freqentar os Solrios.

    - Claro que gostaria, - disse. - bvio que sim.Quem no gostaria? Por outro lado, o que aconteceria seno conseguisse resolver o caso?

    - Por que voc no o resolveria, Ligi? - implorou oComissrio. - Voc um bom investigador, voc timo. Voc est entre os melhores.

    - Temos uma meia dzia de homens com melhoresqualificaes em minha diviso. Por que voc pretendepreteri-los?

    Baley no acrescentou que, em casos normais, o Co-missrio no costumava contrariar o protocolo normal.Devia ser mesmo um emergncia gravssima.

    O Comissrio entrelaou os dedos - Por dois motivos.Para mim, voc no simplesmente um investigadorqualquer, Ligi. Somos amigos. No posso me esquecer quecursamos a faculdade juntos. s vezes pode parecer queeu no me lembre mais, porm isto devido diferenaem nossas posies. Sou o Comissrio e voc sabe o queisto significa. Continuo porm sendo seu a-migo e achoque este caso apresenta uma excelente oportunidade para a

    pessoa certa. Quero que voc se encarregue disto.- Esta s uma razo, - comentou Baley, seco.- A segunda razo que eu penso que voc amigo

    meu. Preciso de um grande favor.- Que espcie de favor?- Quero que voc trabalhe com um parceiro Espacial.

    uma condio imposta pelos Espaciais. Eles concordaram em no relatar o assassnio, e concordaram em dei-

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    xar a investigao aos nossos cuidados. Insistiram pormque um de seus agentes acompanhe as investigaes emsua totalidade.

    -

    Parece que eles no confiam em ns.- Voc precisa compreend-los. Se a investigao

    no for coroada de sucesso, um bom nmero de Espaciais ficar muito mal com seu prprio governo. Assim,Ligi, decidi que ia conceder-lhes o benefcio da dvida.Estou disposto a acreditar que so movidos, pelas melhores intenes.

    - No tenho dvidas a respeito, Comissrio. Achoque este o maior defeito de todos os Espaciais.

    O Comissrio pareceu surpreso, mas continuou:-Voc est disposto a colaborar com um Espacial?

    - Voc est pedindo isto como um favor especial?- Sim. Estou lhe pedindo para aceitar o caso com to

    das as condies impostas pelos Espaciais.- Est bem, vou aceitar um parceiro Espacial.

    - Obrigado, Ligi. Ele ter que morar com voc.-Eh!, espere a!- Eu sei, eu sei. Porm, voc tem um apartamento

    espaoso. Trs quartos. Voc s tem um filho. Voc pode hosped-lo. Isto no vai provocar complicaes, podeacreditar. Por outro lado, necessrio.

    - Sei que Jessie no vai gostar.- Explique a Jessie como esto as coisas - insistiu o

    Comissrio com a expresso to sria que seus olhos pareciam querer saltar de trs dos culos. - Explique a elaque se voc me fizer este favor, vou fazer o que estiverao meu alcance para que, o caso concludo, voc sejapromovido no a C-6, mas a C-7. Entendeu, Ligi? A C-7.- Est bem, Comissrio. Estamos combinados.Baley quis se levantar, olhou para o Comissrio e ficou sentado.

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    - Tem mais alguma coisa?Enderby assentiu vagarosamente. - Sim, mais uma

    coisa.-

    O que ?- O nome de seu parceiro- Que diferena faz?- Os Espaciais tem hbitos esquisitos, - disse o co

    missrio. - O parceiro que propuseram no ... no ...Baley arregalou os olhos. - Espere um minuto!- Ligi, precisa, entende? Voc precisa! No temos

    sada!- E ter que morar em meu apartamento? Uma coisadestas?

    - Estou lhe pedindo um favor de amigo!-No. No!- Ligi, s posso confiar em voc e mais ningum. Se

    r que voc no entende? Precisamos colaborar com osEspaciais. Precisamos resolver este caso para manter a-

    fastadas as naves espaciais da Terra. Mas no, podemosfazer isto de qualquer jeito. Voc ter um R como, parceiro. Entenda, se ele resolver o caso, se ele referir quesomos incompetentes, estaremos arruinados de qualquerjeito. Todo o nosso departamento, entende? Estou lheentregando uma tarefa extremamente delicada, Ligi. Voc ter que trabalhar junto com o R, mas voc ter que

    resolver este caso, no pode deixar que ele o faa. Entendeu?- Voc quer dizer que tenho que cooperar cem por

    cento e ao mesmo tempo fazer sua caveira?- Que mais poderamos fazer? No temos a menor

    possibilidade de encontrar uma outra sada.Ligi Baley. estava indeciso. - No sei o que Jessie

    vai dizer a respeito.

    - Se voc quiser, vou falar pessoalmente com Jessie.

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    - No preciso, Comissrio. - Respirou fundo -Qual o nome do meu parceiro?

    -

    R. Danil Olivaw.- Esta no hora de se usar eufemismos, - disse Ba-

    ley tristemente. - Vou aceitar o caso e podemos usar onome inteiro do meu parceiro. Rob Danil Olivaw.

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    Segundo Captulo IDA E

    VOLTA PELA VIA EXPRESSA

    Como de costume, a via expressa transportava umamultido de pessoas: no nvel inferior todo mundo viajavade p, e no nvel superior iam os que gozavam do pri-vilgio de usar assentos. Um bom nmero descia conti-nuamente, em direo s pistas de desacelerao, paraapanhar as vias locais ou para entrar nas estaes que,debaixo de arcos ou por cima de pontes, permitiam oa-cesso intrincada rede das Sees Urbanas. Um outrofluxo de gente chegava continuamente do outro lado, pelaspistas de acelerao, para tomar a via expressa.

    Havia uma infinidade de luzes: paredes e tetos lumi-nosos que pareciam cascatas fosforescentes; um piscar

    continuo de anncios chamando a ateno; o brilho duro epersistente dos vermes luminosos que assinalavamESTE RAMAL PARA SEES DE JERSEY - SI-GA A SETA PARA CHEGAR AO EAST RIVER-NVEIS SUPERIORES DE TODAS AS VIAS PARASEES DE LONGISLAND.

    Sobretudo, havia aquele barulho que acompanhava avida: milhes de pessoas que falavam, riam, tossiam,

    chamavam, cantarolavam, respiravam.Nenhuma sinalizao para indicar o caminho at a

    Cidade Espacial, pensou Baley.Passou de uma pista para a outra com a agilidade

    conferida pela prtica de toda sua vida. As crianasa-prendiam a pular pistas logo quando comeavam a

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    caminhar. Baley quase no percebeu o arranco da acele-rao, enquanto sua velocidade aumentava a cada passo.Tambm no percebia que estava inclinado para a frente

    para resistir ao empuxo. Em trinta segundos chegou pista final que progredia a noventa quilmetros por horae conseguiu subir na via expressa, que era uma plataformaenvidraada e com grades, que se movia mesma ve-locidade.

    Nenhuma sinalizao para indicar o caminho at aCidade Espacial, pensou.

    Por outro lado, no havia necessidade nenhuma desinalizao. Quem precisava ir Cidade Espacial, co-nhecia o caminho. Quem conhecia o caminho, tinha algoa fazer na Cidade Espacial. Quando, vinte e cinco anosatrs, tinha sido construda a Cidade Espacial, logo semanifestou uma tendncia de fazer dela um alvo de ex-curses. As multides da Cidade comearam a se dirigirpara l.

    Os Espaciais tinham posto um paradeiro neste hbito.Agiram com muita polidez (eram sempre polidos), massem muitas preocupaes de delicadeza, e ergueram umabarreira de fora entre eles e a Cidade de Nova Iorque.Criaram postos combinados do Servio de Imigrao ede Fiscalizao alfandegria. Se algum precisava ir at aCidade Espacial, tinha que se identificar, deixar que orevistassem e se submeter a um exame mdico e uma

    de-sinfeco de rotina.Tudo isto provocou protestos, como era de se esperar.

    Por sinal, protestos mais irritados do que merecia. Aindignao foi tamanha que se constituiu num srio obs-tculo aos programas de modernizao. Baley se lem-brava dos Tumultos da Barreira. Ele tambm estava entreos manifestantes que vinham pela via expressa, ficavamde p sobre os assentos, contrariando qualquer privilgio eque depois pulavam de uma pista para a outra,

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    descuidadamente, arriscando se ferir, para chegar maisperto da Cidade Espacial, berrando slogans e destruindoinstalaes urbanas, para desabafar sua frustrao.

    Com um pequeno esforo, Baley ainda conseguia selembrar das lengas-lengas gritadas em coro, como Ohomem nasceu na Terra, nossa Me, entenderam? como refro incompreensvel: Inqui-dinqui-parli-bo.

    A msica era de uma antiga cano popular e haviamilhares de versos. Alguns eram engraados, a maioriaeram tolos e at obscenos, mas todos acabavam comEm tendeu, porco espacial? Porco, porque significavasujo. Uma maneira ftil de se vingar dos Espaciais peloinsulto que faziam aos Terrestres: eles insistiam em con-siderar todos os nativos da Terra, criaturas infectas echeias de doenas.

    Como era de se esperar, os Espaciais no foram em-bora. Nem mesmo precisaram fazer uso de armas ofensi-vas. A frota terrestre h muito sabia que qualquer apro-

    ximao de uma nave dos Mundos Externos equivalia aum suicdio. Avies terrestres tinham se arriscado a so-brevoar a rea da Cidade Espacial nos primeiros dias de-pois de sua construo e tinham simplesmente desapare-cido. Quando muito, uma ponta de asa, toda esmigalha-da,podia cair dos cus.

    Os manifestantes, mesmo enfurecidos, no podiam seesquecer dos efeitos dos disruptores sub-etricos manuais

    usados pelos Espaciais contra os Terrestres, h mais deum sculo.

    Assim, os Espaciais ficaram tranqilamente atrs desua Barreira, fruto do progresso de sua cincia e que nopoderia ser transposta com qualquer sistema conhecidona Terra. Esperaram at que a Cidade interveio e acal-mou os manifestantes com gases soporficos evomit-rios. As cadeias subterrneas se encheram delideres, de insatisfeitos e de pessoas que nada tinham

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    com o caso,

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    mas simplesmente passavam por perto. Aps algum tempotodos foram postos em liberdade.

    Depois de um demorado intervalo, os Espaciais di-

    minuram o rigor das restries. Eliminaram a Barreira e apolcia de Nova Iorque ficou encarregada de zelar peloisolamento dos Espaciais. Mais importante ainda, oe-xame mdico tomou-se menos ofensivo.

    Baley pensou que talvez agora as coisas pudessemmudar mais uma vez. Se os Espaciais realmente acredi-tavam que um Terrestre tinha penetrado em sua Cidadepara cometer um crime, poderiam mais uma vez erguer aBarreira. Os efeitos poderiam ser pssimos.

    Subiu na plataforma da via expressa, atravessou amultido de p, e pela estreita escada em espiral, alcanouo nvel superior onde se sentou. Evitou colocar suachapinha de categoria na fita do chapu at atravessaremo rio Hudson. Um C-5 no tinha privilgios de assento aleste do Hudson e a oeste de Long Island, e apesar de

    haver muitos assentos vagos, um fiscal o teria enxotadosem hesitaes.O ar assoviava de maneira caracterstica, pela frico

    contra as capas arredondadas que protegiam cada assento.Era um barulho que impedia qualquer conversa, mas nointerferia no pensamento de quem estava acostumado a seservir da via expressa.

    A maioria dos terrestres era de tendncias mais ou

    menos medievalistas. No era difcil chegar a esta atitude:bastava a gente se lembrar dos tempos em que a Terra erao mundo, e no simplesmente um entre outros cinqentamundos. E, por sinal, o pior dos cinqenta.

    Baley se virou de repente ao ouvir um grito feminino.Uma mulher tinha deixado cair sua bolsa. Conseguiu v-lapor uni instante, uma mancha cor de rosa sobre o cinzaescuro da pista. Um passageiro que descia da via expressadevia t-la chutado sem querer em direo pista

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    de desacelerao, e a dona estava se afastando rapida-mente de sua propriedade.

    Baley encrespou o lbio. Se ela tivesse suficiente agi-

    lidade, poderia alcan-la movendo-se de uma pista paraa outra - se algum outro passageiro no a pisasse ou chu-tasse de novo. Nunca conseguiria saber o desfecho docaso. J se encontrava a mais de um quilmetro da cenado incidente.

    Provavelmente a mulher no conseguiria recuperar abolsa. Sabia-se, por uma estatstica, que a cada trs mi-nutos algum deixava cair alguma coisa sobre as pistas,sem conseguir recuper-la. Existia uma enorme reparti-o que cuidava de objetos perdidos e achados. Era maisuma complicao da vida moderna.

    Baley pensou que antigamente era tudo mais simples.Tudo mesmo. Esta era a base de raciocnio dosmedieva-listas.

    O Medievalismo tinha muitas manifestaes. Para

    Julius Enderby, dono de uma imaginao limitada, signi-ficava o apego s coisas arcaicas. culos! Janelas!Para Baley, era o estudo da histria. Sobretudo o es-

    tudo de costumes populares.E a Cidade: a Cidade de Nova Iorque, onde tinha

    nascido e onde vivia. Muito maior que qualquer outraCidade, exceto Los Angeles. Com uma populao maisnumerosa que qualquer outra, exceto Xanghai. A Cidade

    de Nova Iorque s contava trs sculos.Pela verdade, naquela mesma rea geogrfica, anti-

    gamente existia algo chamado Nova Iorque. Aquelea-montoado primitivo de populao tinha existido durantetrs milnios e no trezentos, mas aquilo no era a Cidade.

    Naquela poca no existiam Cidades. Eram simples-mente aglomeraes de habitaes, sob o cu aberto. Ashabitaes se pareciam um pouco com as abbadas dos

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    Espaciais, s que, logicamente, eram muito diferentes.Estas aglomeraes (a maior de todas mal chegava a dezmilhes de habitantes, e a maioria nunca chegou nem a

    um milho) eram espalhadas aos milhares em todos osrecantos da Terra. De um ponto de vista moderno, todaselas brilhavam por uma total ineficincia econmica.

    A eficincia da Terra era o produto de uma populaoem contnuo aumento, O planeta podia sustentar trs emesmo cinco bilhes de pessoas, diminuindo progres-sivamente. o padro de vida. Mas quando a populaochegasse a oito bilhes, a inanio comearia a se insi-nuar na vida de todos os dias. Era necessrio recorrer amudanas radicais na cultura da humanidade, especial-mente porque os Mundos Externos (que antigamentee-ram simplesmente colnias terrestres estabelecidas hmil anos) faziam restries severssimas imigrao.

    A mudana radical se processou durante um milnioe teve como resultado a formao gradativa das Cidades.

    A eficincia era implcita na magnitude. Era um fato re-conhecido at na Idade Mdia. As indstrias caseiras de-sapareceram antes das fbricas e as fbricas cederam olugar s indstrias continentais.

    Bastava comparar a ineficincia de cem mil casas paracem mil famlias, com a eficincia de uma Seco ha-bitacional para cem mil; ou uma coleo de livros-filmesem cada casa, comparada a uma concentrao seccional

    de filmes; de um televisor individual para cada famlia,comparada ao sistema de televiso unitria.

    Alis, era suficiente pensar na loucura da duplicaoinfinita de banheiros e cozinhas, comparada ao sistemade refeitrios e banheiros eficientes produzidos pela cul-tura da Cidade.

    As aldeias, cidades e metrpoles terrestres definha-ram sempre mais at que foram absorvidas pelas Cidade.. As primeiras ameaas de guerra atmica s conse-

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    guiram diminuir um pouco o ritmo, que logo voltou aacelerar depois da inveno das capas de proteo.

    A cultura das Cidades significava a melhor distribui-

    o de alimentos e um sempre maior uso de leveduras ehidropnicos. A Cidade de Nova Iorque se espalhava porduas mil milhas quadradas e depois do ltimorecensea-mento resultou ter mais de vinte milhes dehabitantes. Na Terra existiam mais oitocentas Cidadescom uma mdia de dez milhes de habitantes.

    Toda Cidade se transformou numa unidadesemi-autnoma, economicamente auto-suficiente. Podiaerguer suas capas, estabelecer suas defesas laterais,penetrar nas entranhas de seu solo. Transformou-se numacaverna de ao, numa formidvel e auto-suficientecaverna de ao e de concreto.

    A urbanizao era cientificamente planejada. No cen-tro estavam os enormes complexos de administrao. Aseguir, cuidadosamente orientadas, vinham as Seces

    residenciais interligadas pelas vias expressas e as viaslocais. As fbricas, as instalaes hidropnicas, os tan-ques para as culturas de levedura e as usinas de energiaestavam situadas nos subrbios, e por todos os lados haviaaquedutos e sistemas de esgotos, escolas, cadeias, lojas,cabos de alta voltagem e ondas de comunicao.

    Estava fora de qualquer dvida: o homem tinha con-seguido dominar o ambiente, e a Cidade era o apogeu

    deste controle. A conquista mxima no se resumia nasviagens espaciais, ou nos cinqenta mundos colonizadose agora to arrogantes e independentes: era a Cidade.

    Na Terra, praticamente, no havia populao que vi-vesse fora de uma Cidade. Fora delas tudo era selvagem,debaixo do cu aberto, e poucos homens possuam a cal-ma necessria para enfrentar estas condies, mesmoreconhecendo que todo aquele espao aberto era neces-srio. Produzia a gua, o carvo e a madeira que eram as

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    matrias-primas indispensveis para a produo do pls-tico e das sempre mais indispensveis leveduras. (O pe-trleo h muito estava esgotado, mas era substitudo com

    sucesso por leveduras gordurosas.) As terras entre as Ci-dades ainda tinham minas e eram largamente usadas parao cultivo de plantas alimentares e a criao de gado. Aproduo era ineficiente, mas a carne de vaca, a carne deporco e os cereais eram produtos de luxo e usados paraexportao.

    S poucas criaturas humanas eram necessrias paraexplorar as minas, dirigir as fazendas e canalizar a gua, esua atividade se limitava a uma superviso longa dis-tncia. O trabalho era feito pelos robs que eram maise-ficientes e mais baratos.

    Os, robs! Parecia uma ironia: o crebro positrnicoera uma inveno terrestre e os robs tinham sido em-pregados pela primeira vez em servios produtivos naprpria Terra.

    Isto no tinha acontecido nos Mundos Externos, em-bora os Mundos Externos tivessem assumido a atitude deserem os inventores dos robs.

    A economia robtica, porm, chegou ao seu auge nosMundos Externos. Na Terra, a atividade dos robs semprefoi limitada s minas e aos campos. S nos ltimos vinte ecinco anos, e por insistncia dos Espaciais, os robscomearam a ser esporadicamente empregados nas

    Cidades.As Cidades eram boas. Qualquer pessoa, menos os

    medievalistas, reconhecia que no existia qualquer subs-tituto razovel para as Cidades. Infelizmente, no iamcontinuar indefinidamente boas. A populao da Terraainda estava aumentando. Qualquer dia, apesar dos es-foros das Cidades, chegaria o momento em que o n-mero de calorias disponveis para cada pessoa menosque o necessrio para a sobrevivncia.

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    A situao parecia ainda pior por causa dos Espaciais,descendentes dos antigos colonizadores que tinhamemigrado da Terra e que viviam no luxo em seus planetasdo espao, cuja populao era escassa, mas que possuamuma enorme quantidade de robs. Os Espaciais estavamdecididos a manter o alto grau de conforto daquelesmundos vazios: era por isso que limitavam severamenteos nascimentos e proibiam a imigrao dos Terrestres. Eraeste o motivo que...

    Estava chegando Cidade Espacial!

    Baley percebeu que estava se aproximando da Seode Newark. No podia se demorar mais, a no ser quequisesse chegar Seo de Trenton, atravessando o centroda regio da levedura, quente e cheirosa.

    Era uma questo de calcular bem o tempo. Precisavade tanto para descer pela rampa, de mais tanto para en-contrar um caminho entre as pessoas que viajavam dep, mais um pouco para encontrar a abertura na grade e

    finalmente, o necessrio para pular de uma outra pistade desacelerao.

    Quando terminou estava em frente plataforma esta-cionria. Toda a manobra foi feita sem pensar. provvelque, se tivesse medido seus passos de maneira consciente,teria cometido algum erro.

    Como esperava, Baley viu que estava quase s. Na

    estao s viu um guarda e, a no ser pelo zunido cons-tante da vida expressa, o silncio era quase total ein-quietante.

    Tomou uma passagem estreita que o levou por trsou quatro curvas bastante fechadas. Viu logo que isto eraproposital. Uma passagem assim no poderia acomodarmultides de terrestres e no permitia ataques diretos.

    Baley achou muito bom poder se encontrar com seu

    parceiro ainda fora da Cidade Espacial. Repugnava-lhe a

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    perspectiva de um exame mdico, apesar de saber queseria feito com polidez.

    Um Espacial estava parado perto das portas que le-

    vavam ao ar livre e s abbadas da Cidade Espacial. Suasroupas eram do tipo terrestre: calas apertadas na cintura elargas sobre os tornozelos, com uma tira colorida sobre acostura externa. Vestia uma camisa comum de Textron, decolarinho aberto e punhos franzidos, com as costurasfechadas com zper, mas era sem dvida um Espacial.Havia algo em sua postura, no jeito de erguer a cabea, nacalma que transpirava das feies tranqilas daquele rostolargo, de mas salientes, e no corte dos cabelos cor debronze, penteados para trs, que indicava que ele no eraum Terrestre.

    Baley se aproximou dele com passos rgidos e faloucm tom monocorde: - Sou o investigador Elias Baley doDepartamento de Polcia da Cidade de Nova Iorque, ca-tegoria C-5.

    Mostrou sua identificao e continuou: - Recebi or-dens para me encontrar com R. Danil Olivaw na via deaproximao da Cidade-Espacial. - Consultou seu relgio:- Cheguei um pouco adiantado. Posso lhe pedir que minhapresena seja anunciada?

    Estava um pouco apreensivo. De uma certa forma jtinha se acostumado com os robs de modelo terrestre.Sem dvida, os modelos espaciais deviam ser diferentes.

    Nunca tinha visto um, mas na Terra corriam boatos hor-rveis a respeito dos formidveis robs que trabalhavamde maneira sobre-humana nos longnquos Mundos Ex-ternos. Sem querer, cerrou os dentes.

    O Espacial esperou educadamente que Baley termi-nasse de falar e disse: - Isto desnecessrio. Estava es-perando por voc.

    Baley ergueu automaticamente a mo, deixando-a cairem seguida. Seu queixo tambm caiu, parecendo ainda

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    mais comprido. No conseguiu falar: as palavras pareci-am engasgadas em sua garganta

    O Espacial continuou: - Quero me apresentar. Sou R.Danil Olivaw.

    - mesmo? Ser que eu me enganei? Pensei que aprimeira inicial...

    - No, est certo. Sou um rob. Voc no foi informado?

    - Fui informado. - Baley ergueu a mo suada e ali-sou o cabelo, sem necessidade. Depois a estendeu. - Sin

    to muito, senhor Olivaw. Desculpe minha confuso.Bom dia. Sou Elias Baley, seu parceiro.- timo. - A mo do rob apertou suavemente a ou

    tra, com uma presso amistosa e logo a largou. - Vocparece perturbado. Posso lhe pedir para ser franco? Parauma colaborao satisfatria, acho necessrio esclarecero maior nmero de fatos importantes. Em nosso mundo,os parceiros costumam se chamar pelo primeiro nome.

    Espero que isto no contrarie seus prprios hbitos.- Acontece que voc no tem a aparncia de um ro

    b, - observou Baley muito sem jeito.- Isto o perturba?- Acho que tolice minha, Da... Danil. Todos os ro

    bs de seu mundo se parecem com voc?- Existem diferenas individuais, Elias, como entre

    os homens.- Nossos robs... Bom, d para ver que eles so robs, voc me entende? Voc parece um Espacial.

    - Estou vendo. Voc esperava encontrar um modeloprimitivo e ficou surpreso. Por outro lado, bastante lgico que nosso povo prefira um rob com acentuadas caractersticas humanides, especialmente em casos comoo nosso, porque necessrio evitar qualquer complica

    o. Voc no acha?

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    O rob estava certo. Se fosse facilmente reconhecvelcomo tal, poderia provocar distrbios na Cidade. Baleydisse: - Sim.

    - Ento, podemos ir embora, Elias.Voltaram em direo via expressa. R. Danil logo

    entendeu o funcionamento das pistas de acelerao eprocedeu por elas com percia e agilidade. Baley pensavaser necessrio moderar sua prpria velocidade mas logoviu que no era e teve que acelerar.

    O rob continuava ao seu lado, sem dar qualquer sinal

    de estar em dificuldades. Baley chego a imaginar que R.Danil estava se movimentando mais devagar do que eracapaz. Ao chegar corrente ininterrupta dos carros davia expressa, pulou a bordo sem tomar o menor cuidadopela sua segurana e o rob o imitou com a maiorfacilidade.

    Baley enrubesceu, deglutiu duas vezes e falou.:-Vou ficar com voc aqui embaixo.

    -

    Aqui - O rob, que no parecia se ressentir do barulho e da ondulao rtmica da plataforma, perguntou: -Ser que recebi informaes erradas? Disseram me que acategoria C-5, em certas circunstncias, gozava do privilgio de assento no nvel superior.

    - verdade. Eu posso subir, mas voc no pode.- Como assim?

    -

    Precisa ser da categoria C-5, Danil.- Foi o que me disseram.- Voc no um C-5. - Era difcil conversar no nvel

    inferior, onde o assovio do ar era mais alto e Baley estava se esforando para no ser ouvido pelas outras pessoas em sua volta.

    R. Danil observou: - Por que eu no poderia ser umC-5? Sou seu parceiro e preciso pertencer sua mesma

    categoria. Recebi isto.

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    Tirou uma identificao do bolso da camisa. O do-cumento era autntico e mostrava que pertencia a DanilOlivaw, sem a primeira inicial reveladora. A categoria

    eraaC-5...- Vamos subir, - falou Baley com o rosto impassvel.Quando se sentaram, Baley continuou a olhar para

    frente, chateado consigo mesmo e muito consciente dapresena do rob ao seu lado. Por duas vezes, tinha feitoum papelo. Em primeiro lugar, no tinha percebido que R.Danil era um rob e, a seguir, no tinha pensado que, pelalgica, R. Danil teria documentos que o identificariamcomo um C-5.

    Obviamente, isto s podia acontecer porque ele noera um investigador de romance policial. No era imunea surpresas, no tinha a aparncia imperturbvel e seuraciocnio era apenas normal. Sabia que era assim, mass agora comeava a lastimar por no ser umsuper-investigador.

    Sobretudo, porque R. Danil Olivaw, ao que parecia,era a personificao de todos os atributos de um investi-gador de romance policial.

    Por outro lado, ele no podia no ser. Era um rob.Baley procurou justificativas perante si mesmo No

    escritrio estava acostumado a robs iguais a R. Sammy.Esperava encontrar uma mquina coberta por uma super-fcie de plstico, dura e brilhante, quase branca. Imagi-

    nava que a expresso seria parada num sorriso imbecil.Acreditava que os movimentos seriam espasmdicos eincertos.

    Mas R. Danil no era assim.Baley virou levemente a cabea para observar o rob.

    R. Danil tambm se virou para fit-lo e acenou levementecom a cabea. Enquanto falava, seus lbios se mexiam demaneira normal e no ficavam simplesmente abertoscomo acontecia com os robs terrestres. Era possvel en-

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    trever os movimentos de uma lngua, enquanto articulavaas palavras.

    Baley pensou, como possvel que ele fique sentadoao meu lado com tanta calma? Tudo isto deve ser novo einesperado para um rob. O barulho, as luzes, as multi-des...

    Baley se levantou, passou em frente a R. Danil e disse:- Venha comigo.

    Desceram da via expressa para as pistas de desacele-rao.

    Baley estava pensando: Meu Deus, o que que voudizer a Jessie?Seu encontro com o rob tinha temporariamente

    a-fastado esta preocupao de sua mente, mas ela estavavoltando com insistncia enquanto a via local os levavapara a Seo do Baixo Bronx.

    Disse: - Veja, Danil, tudo isto um s prdio: tudo oque voc pode ver, a Cidade inteira, um s prdio. L

    dentro vivem vinte milhes de pessoas. As vias expressasfuncionam sem parar, a uma velocidade de noventaquilmetros por hora. Temos mais de trezentos quilme-tros de vias expressas e centenas de quilmetros de viaslocais.

    Dentro de instantes, pensou Baley com ironia, voucalcular quantas toneladas de levedura Nova Iorque con-

    some por dia, quantos litros cbicos de gua bebemos equantos megawatts de energia so produzidos por horanas usinas nucleares.

    Danil observou: - Recebi estes dados e muitos outrosdo gnero quando me deram minhas instrues.

    Baley pensou, timo, isto pelo menos elimina qual-quer necessidade de inform-lo a respeito da situaoa-limentar, hdrica e energtica. Por que quero

    impressionar um rob?

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    Estavam na proximidade da rua 182 Leste, a mais oumenos duzentos metros dos elevadores que levavam scamadas de concreto e ao em que se encontravam os

    apartamentos, entre os quais havia um que era sua resi-dncia.

    Estava a ponto de dizer: - Por aqui, - quando seuprogresso foi impedido por uma aglomerao de pessoasem frente a uma porta brilhantemente iluminada quemarcava a localizao de um entreposto. Nesta Seohavia um grande nmero de entrepostos de va rejo nacamada trrea.

    Assumiu automaticamente um tom autoritrio e per-guntou pessoa mais prxima: - O que est acontecendo?

    O homem estava se esticando na ponta dos ps. Res-pondeu: - No sei, acabo de chegar.

    Uma outra voz excitada respondeu: - L dentro temuma poro de malditos robs. Espero que os enxotemdaqui. Gostaria de agarrar um para despeda-lo.

    Baley lanou um olhar apreensivo a Danil que noparecia perturbado. Talvez no tivesse entendido o signi-ficado daquelas palavras.

    Baley abriu caminho entre a multido. - Deixe-mepassar! Um pouco de espao! Sou da polcia!

    Conseguiu passar, ouvindo trechos de frases:- ... despeda-los.., rosca por rosca... abrir todas as

    costuras, bem devagar... - Algum soltou uma gargalhada.

    Baley sentiu um calafrio. A Cidade funcionava com omximo da eficincia, mas obrigava seus habitantes aaturar muitas coisas. Eram obrigados a viver dentro deuma rotina rgida e submetidos a um controle severo ecientfico, O acmulo de inibies levava s vezes a ex-ploses imprevisveis.

    Lembrou-se dos distrbios perto da Barreira.

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    Sem dvida, existiam muitas razes que podiam levara manifestaes contra os robs. Homens que se viam

    obrigados a considerar uma possvel desclassificao,que implicava um sustento mnimo e insuficiente, depoisde passar metade de suas vidas trabalhando, no podiamraciocinar friamente e chegar concluso que os singelosrobs no podiam ser culpados. Os robs representavamalgo tangvel que podia ser destrudo.

    Ningum podia bater em algo chamado poltica do

    governo ou num slogan do gnero: Produo maiorpor meio de robs.,O governo achava que tudo no passava de dificul-

    dades sem importncia, que poderiam ser facilmente su-peradas e que logo, depois de um necessrio perodo deadaptao, todos poderiam gozar de uma vida melhor.

    Infelizmente, o processo de desclassificao serviapara incrementar a expanso do movimento medievalis-ta.

    A cada dia os homens ficavam mais desesperados, e svezes a amargura da frustrao pode levar facilmente aatos de vandalismo.

    Naquele momento a hostilidade da multido estavaaumentando e poderia explodir a qualquer instante, numaorgia de sangue e destruio.

    Baley empurrava. desesperadamente as pessoas emsua volta, tentando alcanar a porta.

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    Terceiro Captulo

    INCIDENTE NO ENTREPOSTO

    Havia menos gente no interior da loja do que na rua.O gerente, prevendo complicaes, tinha acionado ocampo de fora da porta, logo no comeo, impedindo aentrada de possveis desordeiros. O campo de fora tam-bm impedia s pessoas que estavam na loja de sair, masisto era de menos.

    Baley atravessou a porta usando o neutralizador empoder de todos os policiais. Ficou surpreso ao ver que R.Danil ainda estava ao seu lado. O rob estava guardandoseu prprio neutralizador, um modelo diminuto, mais levee mais bonito que o modelo policial.

    O gerente se aproximou rapidamente, falando em voz

    alta. - A Cidade me entregou meus novos empregados.Estou agindo dentro da lei.No fundo do entreposto, trs robs se mantinham

    eretos perto da parede. Seis criaturas humanas se encon-travam perto da porta. Eram todas mulheres.

    - Muito bem, - falo Baley, decidido. - O que estacontecendo aqui? Qual o motivo de toda esta agita-o?

    Uma mulher respondeu com voz aguda: - Entrei paracomprar sapatos. Por que no posso ser atendida por umvendedor decente? Ser que no mereo um mnimo derespeito? - Suas roupas berrantes, e especialmente seuchapu vistoso, eram uma resposta direta sua pergunta

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    que assim, se tomava retrica. O rosto avermelhado es-tava coberto por uma maquilagem excessiva.

    O gerente explicou: - Se for preciso, eu mesmo vouatend-la, mas no posso atender a todas. Meus homenstrabalham muito bem, so empregados registrados. Te-nho aqui seus mapas de especificao, seus certificadosde garantia...

    - Mapas de especificao, - berrou a mulher. Soltouuma gargalhada estridente, olhando para as outras. - Es-cutem s! Ele disse homens, O que que h com voc?

    Estes no so homens! So ro-bs! - Ela esticou as slabas.- Vou explicar a vocs o que eles fazem. Roubam osempregos de nossos homens. E ainda so protegidos pelogoverno porque trabalham sem remunerao. Por causadisto tem famlias obrigadas a viver em barracos e a comermingau de levedura no processada. So famlias decentes,famlias de trabalha dores. Se eu mandasse, todos os robsseriam destrudos, eu garanto!

    As outras mulheres vociferavam confusamente e dolado de fora os gritos da multido estavam aumentando.

    Baley sentia agudamente a presena de R. DanilOli-vaw ao seu lado. Observou os empregados doentreposto. Eram robs terrestres, e ainda do tipo menosrefinado. Robs simples, construdos para tarefasrelativamente simples. Precisavam conhecer todos os

    nmeros de referncia dos modelos, os preos e ostamanhos disponveis. Poderiam, possivelmente,conhecer todas as flutuaes do estoque, talvez com maiseficincia que uma criatura humana, porque no possuamoutros interesses. Podiam computar perfeitamente opedido para a semana seguinte. Sabiam como colocar umsapato no p de um cliente.

    Em si, cada rob era totamente inofensivo. Mas como

    um grupo, eles representavam um perigo incrvel.

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    Baley percebeu que conseguia sentir mais simpatiapor aquela mulher do que teria acontecido no dia anterior.

    Ou talvez, quem sabe, h apenas duas horas. Podia sentira presena de R. Danil e comeou a pensar se Da-nil nopoderia substituir com facilidade um investigador dacategoria C-5. Enquanto pensava, via os barracos. Sentiao paladar do mingau de levedura crua. Conseguia selembrar de seu pai.

    Seu pai era fsico nuclear e sua categoria era a maisalta da Cidade. Houve um acidente na usina nuclear eseu pai foi responsabilizado. Seguiu-se a desclassifica-o. Baley no conhecia todos os detalhes: naquela pocatinha apenas um ano.

    Lembrava porm os barracos de sua infncia, a terrvelvida daquela comunidade, que era quase insustentvel.No se lembrava da me: ela no conseguira sobreviverpor muito tempo. A recordao do pai era muito clara:

    um homem abatido, quase sempre silencioso, de-sesperado, que raramente falava no passado, com a vozrouca e frases curtas e desconexas.

    Quando Ligi tinha apenas oito anos, seu pai morreu,ainda desclassificado. O .garoto e suas duas irms maisvelhas foram internados no orfanato seccional. O lugarera conhecido pelo nome de Nvel Infantil. Tio Boris,irmo da me, era muito pobre e no conseguiu impedir a

    internao.A vida continuou dura. Foi difcil progredir na escola,

    sem privilgios paternos que o ajudassem a se afirmar.E agora estava no meio de homens e mulheres que

    ameaavam provocar distrbios, simplesmente porquetemiam a desclassificao e a perda de todos os seus pri-vilgios.

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    Falou em voz baixa com a mulher que acabava deprotestar. - Chega, dona, no queremos desordens aquidentro. Os empregados no fizeram nada errado.

    -

    Claro que no, - respondeu a mulher aos gritos. -Tambm no poderiam fazer nada. Voc pensa que voupermitir que me toquem com seus dedos frios e oleosos?Quando cheguei aqui, imaginei que seria atendida comocompete a qualquer criatura humana. Sou moradora daCidade e tenho direito a ser atendida por criaturas humanas. A mais, tenho duas crianas que esto me esperandoem casa. No podem ir at a cozinha seccional para jantar sozinhas, como se fossem rfos. Preciso sair daqui.

    - Escute, - retrucou Baley que estava comeando aperder a pacincia. - Se voc no tivesse protestado como fez, j teria comprado seus sapatos e no estaria maisaqui. Voc est provocando todo este rebulio sem motivo nenhum. Agora chega.

    - Gostei disso! - A mulher parecia estupefata. - Vo

    c realmente acredita que pode falar comigo como se eufosse lixo. Est na hora de o governo compreender queos robs no so os nicos a merecer ateno. Sou umamulher que trabalha e tenho meus direitos. - Seus protestos pareciam no ter fim.

    Baley sentiu-se acuado. A situao estavaincontro-lvel. Mesmo que a mulher consentisse a seratendida pelos robs, a multido l fora parecia pronta

    para qualquer coisa.Havia centenas de pessoas apinhadas contra as vitri-

    nas. A multido parecia ter aumentado do dobro, desde omomento em que os policiais tinham entrado no entre-posto.

    - Qual o procedimento normal nestes casos? - perguntou R. Danil de repente.

    Baley quase sobressaltou. Disse: - Em primeiro lugar,este no um caso normal.

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    - O que dizem as leis a este respeito?- A permanncia dos Rs aqui perfeitamente legal

    Trata-se de empregados registrados.Estavam conversando em sussurros. Baley tentava

    manter uma expresso autoritria e ameaadora. A ex-presso de Olivaw era, como sempre, impassvel.

    - Neste caso, - disse R. Danil, - diga a mulher paradeixar que os Rs a atendam. Caso contrrio, mande-a sair.

    Baley encrespou o lbio. - Precisamos levar em conta

    aquela multido, a mulher no tem nenhuma importncia,S temos uma coisa a fazer: precisamos chamar a tropa dechoque.

    - Um policial deveria ser o bastante para ordenar aoscidados para fazer sua obrigao, - disse Danil.

    Virou-se para o gerente. - Senhor, faa o favor dea-brir a porta.

    Baley esticou o brao para segurar o ombro de R.

    Danil e sacudi-lo, mas mudou de idia. Um desacordovisvel entre dois membros da polcia poderia bastar,neste momento, para afastar qualquer possibilidade deuma soluo pacfica.

    O gerente protestou, olhando para Baley. Baley des-viou o olhar.

    R. Danil falou sem levantar a voz: - Em nome da lei,

    abra aquela porta.O gerente se esganiou: - A Cidade ser responsvelpor qualquer prejuzo na mercadoria e nas instalaes.Quero que fique bem claro que vou agir porque estousendo obrigado.

    O campo de fora foi eliminado. Homens e mulheresentraram como uma avalanche. Ouviam-se gritos de tri-unfo. A multido percebeu que estava ganhando a parada.

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    Baley j tinha ouvido falar de desordens deste tipo.Uma vez assistira pessoalmente, enquanto os robs eramerguidos por inmeras mos e os corpos pesados e inertes

    eram carregados para longe. Os homens empurravam etorciam aqueles simulacros metlicos de criaturas hu-manas. Usavam martelos, facas energticas e pistolasa-tmicas. Finalmente reduziram as mquinas aamontoados informes de metal despedaado e fios dearame. Carssimos crebros positrnicos, a maiscomplicada inveno da tente humana, serviram para umjogo de bola que acabou por destru-los em poucosminutos.

    Finalmente, a multido comeou a destruir qualquercoisa que estivesse ao seu alcance.

    Os robs empregados no entreposto no podiam terconhecimento disto, mas soltaram guinchos quando amultido penetrou no interior da loja e ergueram os bra-os metlicos em frente aos rostos, como a se esconder.

    A mulher que tinha provocado o incidente, agora estavaassustada e gritava sem parar: - Esperem, esperem umpouco! Calma!

    Algum puxou-lhe o chapu por cima do rosto e suavoz se tomou estrdula enquanto pronunciava palavrasincompreen s vei s.

    O gerente continuava se esganiando: - Mande-osparar, investigador! Mande-os parar!

    Ento, R. Danil falou. Sem nenhum esforo aparente,sua voz se elevou muitos decibis acima de qualquer vozhumana. claro, pensou Baley, ele no um...

    R. Danil disse: - Parados! O primeiro a se mexer, sermorto.

    Algum gritou no fundo da loja: - Peguem-no!Mas ningum se mexeu.R. Danil subiu agilmente numa cadeira e de l pulou

    para o topo da caixa de Transtex que servia de vitrina in-

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    terna. A fluorescncia colorida que surgia das frestas

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    cortadas na pelcula molecular polarizada, dava. ao seurosto liso e calmo uma aparncia transterrena.

    Transterrena, pensou Ealey.

    Todos se mantiveram imveis enquanto R. Danil,com uma calma impressionante, esperava.

    R. Danil falou: - Vocs pensam, este homem est se-gurando um chicote neurnico, algo que s faz ccegas.Se avanarmos juntos, poderemos derrub-lo e s umaou duas pessoas podero se machucar um pouco, mas fi-caro boas. Conseguiremos, porm, fazer o que bemqueremos, e a lei e a ordem podem ir para o diabo.

    Sua voz no era spera ou irada, era simplesmenteautoritria. Era uma voz acostumada a mandar. Continuou:- Vocs esto enganados. Estou segurando em minha moum objeto que no um chicote neurnico. O que tenhoaqui um desintegrador e seu efeito fatal. Vou us-lo eno vou apont-lo acima de suas cabeas. Vou matarmuita gente antes que vocs possam me alcanar. Talvez

    consiga matar a todos. Estou falando srio. Vocs estopercebendo que estou falando srio?Houve algum movimento num ponto afastado, mas a

    multido no aumentou. Pessoas recm-chegadas aindaparavam para ver o que estava acontecendo, mas muitosestavam se afastando depressa. As pessoas mais prxi-mas a R. Danil estavam segurando a respirao, resistindodesesperadamente aos empurres dos que estavam mais

    atrs.A mulher que era a causa de toda aquela confuso,

    acabou com o suspense. Comeou a gritar, chorandoconvulsivamente: - Ele nos matar. Eu no fiz nada. Porfavor, deixem-me sair daqui!

    Virou-se, mas s viu uma parede impenetrvel dehomens e mulheres apinhados e imveis. Ento caiu dejoelhos. Na multido, era possvel ver um acentuadomovimento em direo porta.

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    R. Danil desceu da vitrina com um pulo e falou:- Agora irei at a porta. Vou atirar em qualquer ho

    mem ou Mulher que quiser me tocar. Quando chegar porta, atirarei em qualquer homem ou mulher que noquiser sair daqui. Esta mulher...

    - No, no, - berrou a mulher com o chapu. - Eu jlhe disse que no fiz nada. No queria provocar toda estaconfuso. No quero mais comprar sapa tos. S querovoltar para casa.

    - Esta mulher ser atendida, - continuou Danil. - Ela

    deve ficar.Deu um passo para frente.A multido estava muda. Baley fechou os olhos. No

    sou responsvel, pensou desesperado. Acontecer umcrime e depois teremos a pior confuso do mundo, maseles me foraram a aceitar um rob como parceiro. Eleslhe deram a mesma autoridade.

    No, assim no ia adiantar. Ele mesmo no acreditava

    que adiantaria. Poderia ter mandado parar R. Danil bemno comeo. Poderia ter chamado um carro de patrulha.Tinha deixado que R. Danil assumisse o comando,sentindo-se aliviado por faz-lo. Quando tentou explicara si mesmo que a personalidade de R. Danil estava con-trolando a situao, provou um surto de nojo por simesmo. Um rob estava controlando a...

    No ouviu nenhum barulho anormal, nenhum grito,nenhum gemido, nenhum protesto. Abriu os olhos.A multido estava se dispersando.O gerente do entreposto estava se acalmando, ajei-

    tando as roupas em desordem, alisando os cabelos emurmurando ameaas na direo dos desordeiros.

    Um carro de patrulha parou em frente do entrepostocom um suave assovio decrescente de sua sirene. Baley

    pensou: est chegando quando tudo j acabou.

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    O gerente puxou sua manga. - Chega de confuso,por favor.

    Baley respondeu: - No vai haver mais confuso ne-

    nhuma.Foi bastante fcil se livrar do carro de patrulha que

    estava ali por ter recebido uma denncia de aglomeraoem frente de um entreposto. Os patrulheiros no conhe-ciam os pormenores e podiam ver que o trnsito na ruaera normal. R. Danil se afastou para um lado enquantoBaley explicava aos homens do carro o que tinha aconte-cido, minimizando os fatos e sem mencionar a interven-o de R. Danil.

    A seguir, chamou R. Danil para um lado e ambos seencostaram numa parede de concreto e ao.

    - Quero que entenda, - disse, - que no estou tentando defraud-lo de seu sucesso.

    - O que que voc pretende dizer com isto?- No mencionei que voc teve um papel importante

    em dispersar a multido.- No conheo todos os seus costumes. No meumundo, costumamos fazer relatrios completos, mas talvez em seu mundo isto no seja necessrio. De qualquermaneira, a rebelio foi evitada. Este o fato importante,no mesmo?

    - Voc acha? Agora escute bem. - Baley tentou conferir autoridade s suas palavras, mas era difcil, porque

    estavam cochichando. - Nunca mais faa isto.- Voc quer dizer que eu nunca mais devo insistir pa

    ra que as leis sejam obedecidas? Se eu no fizer isto,qual ser minha tarefa?

    - Quero dizer, nunca mais ameace um ser humanocom um desintegrador.

    - Elias, voc sabe perfeitamente que eu no teria atirado em circunstncia nenhuma. Sou incapaz de machucar uma criatura humana. Mas voc viu que no foi ne-

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    cessrio abrir fogo. Alis, eu imaginava que no serianecessrio.

    - O fato que voc no fosse obrigado a atirar foi uma

    mera questo de sorte. Nunca mais se arrisque a faz-lo.Eu poderia ter feito a mesma cena, com o mesmo truque...

    - Como assim, o mesmo truque?- Deixe para l. Tente entender o sentido do que es

    tou lhe dizendo. Eu poderia ter ameaado a multidocom meu prprio desintegrador, afinal estou carregandoum. Mas no posso me dar ao luxo de correr estes riscos,e voc tambm no pode. Foi muito mais seguro chamarum carro de patrulha, em vez de bancar o heri.

    R. Danil refletiu um pouco mas depois sacudiu a ca-bea. - Amigo Elias, acredito que voc est errado. Re-cebi a informao de que uma das caractersticas humanasaqui na Terra que, contrariamente ao que acontece nosMundos Externos, as pessoas so condicionadas desde a

    infncia aceitar o mando da autoridade. Aparentemente, o resultado de seu modo de vida. Alis, provei que umhomem que mostrava ter suficiente autoridade, bastoupara acabar com tudo. Sua vontade de ver aparecer umcarro de patrulha era, acredito eu, uma expresso de seudesejo instintivo de transferir a responsabilidade a umaautoridade superior. Admito que em meu mundo minhasaes no poderiam encontrar uma justificativa.

    O rosto comprido de Baley enrubesceu pela raiva.- Se eles tivessem compreendido que voc um ro

    b...- Tinha certeza que no me reconheceriam.- De qualquer jeito, lembre-se que voc um rob.

    Nada mais que um rob. Simplesmente um rob. Igualzinho aos robs que so empregados naquele entreposto.

    - Mas isto bvio.

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    - E lembre-se que voc no humano. Baley sentiuque estava sendo cruel contra sua vontade.

    R. Danil pareceu refletir. Disse: - A diferena entrehumano e rob talvez no seja to significativa como adiferena entre a inteligncia e a no-inteligncia.

    - Isto pode ser verdade em seu mundo, - disse Baley,- mas na Terra no assim.

    Olhou para o relgio e quase no conseguiu acreditarque j estava com uma hora e meia de atraso. Ao lembrar

    que R. Danil era o vencedor da primeira rodada sentiu agarganta seca e doda. R. Danil tinha conseguido umsucesso enquanto ele ficava parado, sem saber o que fazer.

    Falou secamente: - Vamos embora. Preciso levar vocpara minha casa.

    R. Danil disse: - Veja uma coisa. No admissvelfazer qualquer distino, a no ser que se considere o fatorintel...

    Baley levantou a voz. - Est bem. O assunto est en-cerrado. Jessie est esperando em casa. - Dirigiu- se parao mais prximo tubo de comunicao intra-seccionanl.-Acho que ser melhor avis-la que estamos a caminho.

    - Voc disse Jessie?- Sim. Minha mulher.Por Josaf, pensou Baley. Estou num estado de esp-

    rito formidvel para enfrentar Jessie.

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    Quarto Captulo

    APRESENTAO FAMLIA

    O que mais tinha chamado a ateno de Elias Baleypara Jessie era sobretudo seu nome. O encontro aconteceudurante a festa de Natal da Seco, no ano 02, ao lado damesa de ponche. Ele acabava de encerrar os estudos, e porser um empregado da Cidade, era tambm um novoresidente na Seco. Morava numa alcova para solteiro naSala Comum 122-A. Estas alcovas para solteiro no erammuito ruins.

    Ela estava distribuindo ponche. - Sou Jessie, - eladisse. - Jessie Navodny. Acho que ainda no nos conhe-cemos.

    - Balev, ele respondeu. - Ligi Baley. Acabo de me

    mudar para esta Seco.Apanhou o copo e sorriu automaticamente. Ela pareciaalegre e cordata e decidiu ficar perto dela. Era um novatoe sempre muito desagradvel estar numa festa semconhecer ningum: a gente acaba observando os outros quese divertem, sem conseguir tomar parte na conversa. Ascoisas costumavam melhorar s quando todos j tinhamingerido uma boa quantidade de lcool.

    Ficou perto da mesa de ponche, olhando para as pes-soas que se movimentavam ao redor e tomando a bebidadevagar.

    - Eu ajudei a preparar o ponche. - A voz da moa interrompeu seus pensamentos. - Posso garantir que bommesmo. Quer mais um pouco?

    Baley viu que seu copo estava vazio. Sorriu e disse:

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    -Sim. O rosto da moa era oval e no muito bonito, especi-

    almente por causa do nariz um pouco pronunciado. Vestia

    roupas discretas e seus cabelos castanhos claros seencaracolavam sobre a testa.

    Ela tambm se serviu de ponche e Baley logo come-ou a se sentir melhor.

    - Jessie, - falou, saboreando o nome enquanto o pronunciava. - Que nome simptico. Voc no se importase eu a chamar pelo nome?

    -No, no me importo. Est certo. Quer saber qual meu nome de verdade? Jessie s meu apelido.

    -Ento, Jessica?-Voc no vai adivinhar nunca.-No consigo me lembrar de outros.Ela riu e falou com expresso maliciosa: - Meu nome

    verdadeiro Jezabel.O nome despertou imediatamente sua ateno. Lar-

    gou o copo sobre a mesa e perguntou estupefato: - Deverdade?- Palavra. No estou brincando. mesmo Jezabel.

    Consta em todos os meus documentos. Meus pais gostavam muito deste nome.

    Ela parecia orgulhosa de possu-lo, mesmo que suaaparncia nada tivesse de Jezabel.

    Baley falou com muita seriedade: - Meu nome ver-

    dadeiro Elias, sabe?Ela no pareceu perceber o que isto implicava.Ligi continuou: - Elias foi o grande inimigo de Jeza-

    bel.-Ora, no diga?- verdade. Est na Bblia.-Que coisa. Eu no sabia. Voc no acha engraa

    do? Espero que isto no signifique que voc tambm tenha que ser meu inimigo.

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    Mas logo viram, desde o comeo, que no poderiaser assim. Num primeiro momento a coincidncia denomes a transformou em algo mais que uma moa sim-

    ptica que servia ponche. Com o tempo ele descobriuque Jessie era bem disposta, tinha um bom corao e eraat bonitinha. Apreciava especialmente sua boa disposi-o. Precisava deste antdoto para a disposio sardnicaque tinha, de encarar a vida.

    Jessie no se importava com seu rosto comprido etristonho.

    - Escute, - dizia, - que importa se voc tem a apa-rncia de um limo azedo? Eu sei que voc no assim eacho, alis, que se voc estivesse sempre sorrindo, comoeu fao, acabaramos explodindo a cada encontro. Conti-nue assim como voc , Ligi, para evitar que eu entre emrbita.

    Jessie tambm cuidou que Ligi no se deixasse do-minar pelo desespero. Com o tempo, ele pediu um pe-

    queno apartamento para um casal, que lhe foi concedidoa condio que se casassem. Quando mostrou a Jessie aautorizao, falou: - Voc no poderia arrumar o apar-tamento, para eu poder deixar o alojamento de solteiro?No gosto de morar l.

    Provavelmente esta no era a mais romntica maneirade pedir uma moa em casamento, mas Jessie gostou.

    Baley s conseguia se lembrar de uma nica ocasio

    em que Jessie no mostrou sua costumeira boa disposio,e esta ocasio tambm se relacionava ao seu nome.Aconteceu no primeiro ano de casamento e ainda esta-vam sem filho. Alis, foi naquele mesmo ms que con-ceberam Bentley. (Pelo Q. I., pela classificao de seusValores Genticos e pela posio de Baley no departa-mento de polcia, eles tinham direito a duas crianas, e aprimeira poderia ser concebida durante o primeiro anode casamento.) Refletindo sobre o fato, Baley chegou

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    concluso que a inconsueta irritabilidade de Jessie poderiaser atribuida ao fato que Bentley estava a caminho.

    Jessie naquela poca estava um pouco chateada por-

    que Baley sempre chegava muito tarde.Falou: - Acho embaraoso comer sozinha todas as

    noites.Baley sentia-se cansado e de mal humor. Perguntou: -

    Por que? Voc pode encontrar rapazes solteiros bastantesimpticos.

    Como era previsvel, ela se inquietou: - Por que, Li-gi,voc pensa que talvez eu no possa chamar a ateno demais ningum?

    Talvez fosse porque estava cansado; talvez aconteceuporque Juliu Enderby, seu colega de curso, recebera umapromoo para uma categoria C superior sua. Talvezfosse at porque j no queria ver Jessie fazer o impossvelpara justificar aquele seu nome, quando sabia que ela noera daquele tipo e nunca poderia s-lo.

    Qualquer que fosse o motivo, retrucou irnico: - possvel que voc possa, mas no acredito que voc o faa.Gostaria que voc se esquecesse de seu nome e ficassesatisfeita de ser simplesmente voc.

    - Vou ser o que bem entendo.- Voc no vai chegar a lugar nenhum, com todos

    aqueles esforos de ser uma Jezabel. Para lhe dizer a verdade, seu nome no significa o que voc pensa que

    significa. A Jezabel da Bblia era uma esposa fiel e, pelos costumes da poca, era uma boa esposa. Ningumpode afirmar que ela teve amantes, no aprontou coisanenhuma e nunca foi licenciosa.

    Jessie o encarou furiosa. - No acredito. Ouvi milvezes a expresso Uma Jezabel pintada. Sei o que sig-nifica.

    - possvel que voc acredite que sabe. Escute.Quando o rei Acab, marido de Jezabel, morreu, Jeoro

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    foi eleito rei. Je, um de seus generais, se rebelou e o as-sassinou. 2 Je ento cavalgou at Jezrael onde moravaJezabel a velha rainha-me; Jezabel soube de sua vinda e

    compreendeu que Je pretendia mat-la. Mulher orgu-lhosa e de muita coragem, pintou cuidadosamente o rostoe vestiu seus trajes mais bonitos, para poder enfrent-locom toda sua altivez de rainha. Je mandou que fossejogada por uma janela do palcio e ela morreu, mas foiuma morte digna, pelo menos na minha opinio. Assim,quando as pessoas falam numa Jezabel pintada, quesaibam ou no, elas se referem mor te de Jezabel.

    Na noite seguinte Jessie falou em tom humilde: -Li-gi, andei lendo a Bblia.

    - O que? - perguntou Baley que no se lembravamais do assunto.

    - Li as partes que se referem a Jezabel.- Jessie, sinto muito se a ofendi. Acho que foi infan

    tilidade minha.

    -

    No, no. - Rejeitou a mo de Baley e se endireitou sobre o sof, deixando um bom espao entre ambos.- Acho timo conhecer a verdade. No quero fazer papeles por no conhecer a verdade. Ento, fui ler. Ela erauma mulher malvada, Ligi.

    - Considere o detalhe: aqueles captulos foram escritos pelos seus inimigos. No conhecemos a verso de Jezabel.

    -

    Ela matou todos os profetas do Senhor que estavamao seu alcance.

    - Dizem que ela o fez. - Baley procurou uni pouco.de goma de mascar em seu bolso. (Anos mais tarde, largou este hbito porque Jessie achava que, com seu rostocomprido e o olhar sempre triste, quando mascava goma,ele se parecia demais com uma velha vaca com a bocacheia de capim indigesto). Disse: - Se voc quer saber oque ela poderia ter dito, posso tentar imaginar algumas

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    razes. Ela era agarrada religio de seus antepassadosque j moravam naquelas terras muito antes da chegadados Hebreus. Os Hebreus tinham seu prprio Deus, que

    ainda por cima era um Deus muito exclusivista. Os He-breus no ficavam satisfeitos de adorar seu Deus, queriamque todo mundo o adorasse. Jezabel era conservadora edefendia sua antiga crena contra qualquer novidade.Afinal, mesmo que as crenas novas tivessem um maisalto contedo moral, as velhas crenas a satisfaziammais de um ponto de vista emocional. O fato dela termandado matar sacerdotes, s a caracteriza como umapersonagem de sua poca. Naqueles tempos, este era osistema normal para fazer proslitos. Se voc leu o pri-meiro livro dos Reis, voc deve se lembrar que Elias de-safiou 850 profetas de Baal, para ver quem poderia fazercair o fogo do cu. Elias ganhou e sem demora ordenou multido de matar os 850 profetas de Baal. E todos forammortos.

    Jessie mordiscou o lbio. - O que que voc me diz arespeito da vinha de Nabot, Ligi? Este tal Nabot noperturbava ningum, s que se recusava a vender sua vi-nha ao rei. Ento Jezabel conseguiu falsos testemunhosque juraram que Nabot era culpado de blasfmia, ou coisaque o valha.

    - Disseram que ele tinha blasfemado Deus e o Rei,- observou Baley.

    -

    Est vendo? Ento confiscaram sua propriedade e omataram.

    - Foi uma injustia. Por outro lado, em tempos modernos, o caso de Nabot poderia ser resolvido de maneiramuito mais suave. Se a Cidade quisesse sua propriedade,ou mesmo se uma das naes medievais quisesse se a-propriar da vinha, uma ordem assinada por um Juiz seriao suficiente para mand-lo embora, e mesmo para remov-lo a fora se isto se tornasse necessrio. A seguir, a

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    autoridade pagaria a Nabot um preo estabelecido pormesma. O rei Acab no dispunha destes meios legaisMesmo assim, a soluo de Jeabel era errada. Sua nica

    desculpa estava no fato que o rei Atab estava perturbado edoente por causa da situao e Jezabel acreditava que seuamor pelo rei justificava qualquer coisa. Quero repetirmais uma vez, ela era uma esposa fiel, dedicada emodel...

    Jessie se afastou mais ainda, com o rosto avermelhadopela fria. - Acho que voc mesquinho e desprezvel.

    Baley ficou apalermado: - O que foi que eu fiz? Oque que h com voc?

    Jessie saiu, deixando-o sozinho no apartamento, epassou metade da noite nos nveis de vdeo sub-etrico,passando de um espetculo ao outro e gastando todas asentradas dos prximos dois meses (e as do marido tam-bm.)

    Baley ainda estava acordado quando ela voltou, mas

    Jessie no quis dizer mais nada.Muitos anos mais tarde, Baley um dia chegou con-cluso que tinha destrudo uma parte importante da vidade Jessie. Para ela, o nome significava algo pecaminoso etentador. Contrabalanceava de maneira satisfatria suavida passada um pouco montona e respeitvel. Acres-centava um certo aroma de licenciosidade que ela adorava.

    Mas estava tudo acabado. Ela nunca mais mencionou

    seu nome verdadeiro, nem em frente a Ligi, nem emfrente aos amigos. Se transformou em Jessie e passou aassinar assim.

    Com o passar dos dias voltaram a fazer as pazes e aseguir, mesmo que chegassem a brigar, as discussesnunca alcanaram a gravidade daquela primeira e unibriga sria.

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    Uma s vez houve mais uma referncia ao assunto.Jessie estava no oitavo ms de gravidez. Tinha se de-mi-tido de seu cargo de assistente dietista na cozinha

    seccional A-23, e como tinha disposio um bocado detempo, estava preparando coisas para o nascimento dobebe.

    Uma noite, perguntou: - Que tal, Bentley?- O que foi, querida? - disse Baley levantando os o-

    lhos da papelada que estava examinando. (Jessie no recebia mais um ordenado e logo chegaria mais uma bocapara alimentar. Baley tinha a impresso que sua promoo no chegaria to cedo, e trazia trabalho para casa.)

    - Quero dizer, se o beb for um garoto, que tal cham-lo Bentley?

    Baley estirou os lbios. - Bentley Baley? Voc noacha que neste caso o nome e o sobrenome seriam muitoparecidos?

    - No sei. Acho que Bentley soa bem. Afinal, a cri

    ana sempre pode escolher um nome do meio quando ficar maiorzinha.- Se voc gosta, para mim est bem.- Voc tem certeza? Quero dizer... talvez voc prefi

    ra chamar o garoto de Elias.- Todo mundo o chamaria de Junior, voc no acha?

    Seria urna pssima idia. Ele poder chamar seu filho deElias, se ele quiser.

    Ento Jessie disse: - S tem mais uma coisa, - e parou.Depois de algum tempo Baley perguntou: - Que coisa?Jessie evitou olhar para o seu lado e observou: - Ben-

    tley no um nome, bblico, no mesmo?- No, - respondeu Baley. - Tenho certeza que no

    .- Ento, est certo. No quero um nome bblico.

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    Este foi o nico vago aceno briga sria at o dia emque Ligi estava voltando para casa, levando consigo orob Danil Olivaw. Estava casado h dezoito anos e seu

    filho Bentley Baley (que ainda no tinha escolhido umnome do meio) j tinha completado os dezesseis.

    Baley parou em frente grande porta de dois batentesque ostentava a escrita: PESSOAL - HOMENS. Maisembaixo lia-se, em letras menores: SUB-SECO 1A-1E.Logo em cima da fechadura, em letras minsculas,podia-se ler: A perda da chave dever ser comunicadasem demora, chamando 27-101-51.

    Um homem chegou, passou por eles, enfiou uma lascade alumnio na fechadura e entrou. Fechou a porta, semo menor aceno de mant-la aberta para Baley. Por outrolado, se fizesse este gesto, Baley teria se ressentido. Ocostume era muito arraigado: no interior ou nasimediaes dos Pessoais, os homens no davam a menorateno presena dos outros. Baley se lembrava que

    uma das coisas mais interessantes, aprendidas depois docasamento, era que as mulheres tinham costumes absolu-tamente diferentes, nos Pessoais para mulheres.

    Jessie sempre dizia: - Encontrei Josephine Greely noPessoal e ela me contou...

    Uma desvantagem do progresso social era o fato queos Baleys tinham recebido autorizao para ativar a pe-quena pia em seu quarto de dormir e que, por conse-

    qncia, a vida social de Jessie acabou sendo prejudicada.Sem conseguir disfarar completamente seu mal estar,

    Baley falou: - Danil, por favor, espere aqui, do lado defora.

    - Voc pretende se lavar? - perguntou R. Danil.Baley ficou ainda mais sem jeito e pensou: Que droga

    de rob! Deram-lhe tantas informaes, mas por que nolhe ensinaram um pouco de educao? Se ele falar

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    neste assunto com qualquer outra pessoa, a responsabili-dade ser minha.

    Disse: - Pretendo usar o chuveiro. noite sempretem muita gente, e eu acabaria perdendo tempo. Se tomarmeu chuveiro agora, poderemos dispor de mais tempo.

    R. Danil manteve sua expresso calma. - Seus cos-tumes requerem que eu fique esperando aqui?

    Baley ficou completamente sem jeito. - Por que vocquer entrar... sem nenhuma necessidade?

    - Agora estou entendendo. Claro, claro. Entretanto,

    Elias, minhas mos costumam ficar sujas e pretendo lav-las.Ergueu as mos com as palmas para cima. Eram ro-

    sadas, gorduchas, com todas as linhas necessrias: oproduto perfeito de uma fabricao meticulosa. E sobre-tudo, pareciam muito limpas.

    Baley falou: - Temos uma pia em nosso apartamento,sabe? - No usou de muita nfase. No adiantava esnobar,

    frente a um rob.- Muito obrigado pela sua amabilidade. Acredito po

    rm que mais aconselhvel que eu use este lugar. Considerando que preciso conviver com os Terrestres, achomelhor adotar o maior nmero de seus costumes e suasatitudes.

    - Est bem. Vamos entrar.

    O interior luminoso e bem decorado contrastava coma aparncia estritamente utilitria do resto da Cidade,mas nesta ocasio Baley no reparou.

    Murmurou ao ouvido de Danil: - Vou levar mais oumenos meia hora. Espere por mim. - Antes de se afastar,lembrou-se de mais um detalhe: - Escute, no conversecom ningum e no observe ningum. No diga uma pa-lavra e no olhe, entendeu? Este o costume.

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    Lanou um rpido olhar ao redor, para ter certeza queningum tivesse reparado em sua atitude, mas no notou

    nenhum olhar escandalizado. Estavam na ante-sala que,naquele instante, estava vazia.

    Entrou no corredor, com a impresso de estar sujo,passou pelas salas comuns e chegou aos boxes particulares.Sua autorizao de usar um box particular datava de hcinco anos - era um box bastante amplo e continha umchuveiro, uma pequena lavanderia e outras instalaesnecessrias. Havia at um pequeno projetor que podia serligado para assistir filmes de noticirios.

    Naquela ocasio, num surto de bom humor, Baley ti-nha declarado jocosamente que o box era um verdadeirolar. Agora, porm, ficava freqentemente a se perguntarcomo poderia agentar as instalaes mais espartanasdas salas comunitrias, se seus privilgios fossem cance-lados de repente.

    Apertou o boto para ligar a lavanderia.Quando voltou ante-sala, com o corpo lavado, asroupas de baixo e a camisa limpinhas e uma sensaogeral de bem-estar, encontrou Danil que esperava paci-entemente.

    - Sem complicaes? - perguntou Baley quando jestavam a uma prudente distncia da porta.

    - Nenhuma complicao, Elias, - respondeu R. Da

    nil.Quando chegaram ao apartamento, Jessie estava

    es-perando-os perto da porta, com um sorriso preocupa do.Baley a beijou:

    - Jessie, - murmurou, - este meu novo parceiro,Danil Olivaw.

    Jessie esticou a mo que R. Danil apertou e largou.Olhou timidamente para sua visita.

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    - No quer sentar-se senhor Olivaw? Preciso falarcom meu marido a respeito de um assunto particular.No vou demorar e espero que no se incomode.

    Puxou Baley pela manga e ambos foram para um outroquarto.

    Jessie perguntou em voz baixa e preocupada: - Vocno se machucou, no mesmo? Fiquei preocupadaquando ouvi o noticirio.

    - Que noticirio?- Foi transmitido h uma hora. A respeita das desor

    dens em frente ao entreposto. Disseram que a multidofoi dispersada por dois investigadores. Eu sabia que vocestava trazendo um colega e a coisa aconteceu na suasub-seco, numa hora em que voc devia estar naquelasparagens. Receava que eles no quisessem dizer toda averdade e que voc...

    - Jessie, por favor. Pode ver que estou muito bem.Jessie fez um esforo para se controlar. Perguntou:

    -

    Seu parceiro no de sua mesma diviso, no ?- No, - respondeu Baley, muito sem jeito. - Ele ...um estranho.

    - Como que devo trat-lo?- Como qualquer outra pessoa. Ele simplesmente

    meu parceiro.Falou em tom to diferente que Jessie apertou os

    o-lhos. - O que que est errado?

    - No h nada de errado. Vamos voltar para a sala.Nossa ausncia pode parecer esquisita.

    Ligi Baley percebeu de repente que sentia-se umpouco inseguro a respeito de seu apartamento. At aqueledia nunca tivera qualquer dvida. Muito pelo contrrio,sentia at um certo orgulho. O apartamento constava detrs grandes aposentos: a sala, especialmente, media

    cinco metros por seis. Cada aposento tinha um armrioembutido. Por estar encostado num dos principais con-

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    dutos de ventilao, havia, de vez em quando, um levezunido, mas o controle de temperatura e de condiciona-mento de ar era excelente. A mais, no se encontrava amuita distncia do Pessoal, e isto no era pouca vanta-gem.

    Porm a presena daquela criatura de um mundoa-lm do espao, provocou uma certa insegurana emBa-ley. O apartamento agora parecia acanhado e pobre.

    Jessie perguntou com uma animao um pouco for-ada: - Ligi, voc e o senhor Olivaw j jantaram?

    - No, - respondeu Baley apressadamente. - Eu aindano comi e Danil no vai comer conosco.Jessie no achou nada de mais. O fornecimento de

    a-limentos era severamente controlado e as raes eramacanhadas: recusar um convite para almoar ou jantarera sinal de boa educao.

    Falou: - Senhor Olivaw, espero que no se incomodese comemos. Ligi, Bentley e eu comemos em geral na

    cozinha comunitria. mais conveniente e tem umamaior variedade de pratos. Alis, tambm as pores somaiores. Por outro lado, Ligi e eu recebemos a autorizaode comer em casa trs vezes por semana, se assimquisermos - Ligi tem bastante sucesso em seu trabalho egozamos de um status bastante lisonjeiro - ento imagineique, caso quisesse comer conosco, voc preferiria uma

    refeio particular, apesar de ser minha opinio que aspessoas que desfrutam exageradamente de privilgiosparticulares, so um pouco anti-sociais.

    R. Danil, muito polido, ouvia a conversa com ateno.Baley, com um gesto disfarado da mo, falou: - Jessie,

    estou com fome.R. Danil perguntou: - Senhora Baley, seria muito

    a-trevimento se eu a chamasse pelo seu nome?

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    - claro que no. - Jessie tirou a mesa do receptcu-lona parede e ligou a tomada do aquecedor de pratos. -Porfavor, Danil, no se acanhe. Pode me chamar de Jessie. -Soltou uma gargalhadinha.

    Baley ficou furioso. A situao estava ficando a cadaminuto mais desagradvel. Jessie pensava que R. Danilera um homem. Aquela coisa seria mencionada e de