irmão leigo: identidade e missão (frei edson matias ofmcap)

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 Irmão leigo: Identidade e missão Frei Edson Matias OFMCap.  O Evangelho que professamos não é uma marca ou um produto que se vende, mas antes é uma forma de vida. Todos aqueles que vivem em conformidade com Cristo, eva ngelizam. As diferenças constituem um dos pilares de qualquer construção de identidade. Para nós cristãos, movidos pelo desejo de um mundo cada dia mais  justo, a diversidade é riqueza incontestável e necessária às comunidades. Nesse contexto a vocação do irmão leigo é um dom e uma riqueza para as nossas fraternidades. Ela se apresenta com sua forma específica de viver dentro da missão em um carisma específico. Ela por excelência mostra a originalidade e profetismo da Vida Religiosa.  Nas diversas congregações essa vocação tem seu próprio contorno. Nas congregações que são laicas parece não ocorrer tantas crises em relação a identidade. Tudo está ali: formação religiosa, acadêmica, carisma, etc. Entretanto, nas diversas congregações ditas µmistas¶ (clérigos e leigos) os conflitos na formação da identidade são acentuados. A ordem franciscana é um exemplo claro dessa realidade. O ideal de Francisco de Assis, de uma fraternidade evangélica, logo foi turvado em sua fonte. Clérigos e leigos começaram uma disputa pelo controle da ordem.  No capítulo de 1239 vemos que os clérigos ³julgavam não desfrutar da  posição que mereciam´. (DESBONNETS, 1987, p.125). E assim, a fraternidade originária onde a sociedade estava reconciliada, livre de divisões, reassume o antigo vício. Um dos pilares responsável por essa mutação da ordem foi o Ministro Geral Aymon de Faversham. Esse pode ser considerado o segundo fundador da ordem, estabelecendo uma estrutura clerical. Desse momento em diante começam as nomeações de bispos franciscanos e, em pouco tempo, já eram dezenas pela Europa. Com a clericalização da ordem, os irmãos leigos ficaram impedidos de assumir cargos. Ou seja, somente podia dirigir a ordem aqueles que receberam da igreja o ministério sacerdotal. Logo, a ordem reveste-se da mesma roupa da Igreja hierárquica. Não que isso seja terrível, mas que na realidade não é próprio do

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Irmão leigo: Identidade e missão

Frei Edson Matias OFMCap. 

O Evangelho que professamos não é uma marca ou um produto que sevende, mas antes é uma forma de vida. Todos aqueles que vivem em

conformidade com Cristo, evangelizam. 

As diferenças constituem um dos pilares de qualquer construção deidentidade. Para nós cristãos, movidos pelo desejo de um mundo cada dia mais

  justo, a diversidade é riqueza incontestável e necessária às comunidades. Nessecontexto a vocação do irmão leigo é um dom e uma riqueza para as nossasfraternidades. Ela se apresenta com sua forma específica de viver dentro da missãoem um carisma específico. Ela por excelência mostra a originalidade e profetismoda Vida Religiosa.

  Nas diversas congregações essa vocação tem seu próprio contorno. Nascongregações que são laicas parece não ocorrer tantas crises em relação aidentidade. Tudo está ali: formação religiosa, acadêmica, carisma, etc. Entretanto,nas diversas congregações ditas µmistas¶ (clérigos e leigos) os conflitos naformação da identidade são acentuados.

A ordem franciscana é um exemplo claro dessa realidade. O ideal deFrancisco de Assis, de uma fraternidade evangélica, logo foi turvado em sua fonte.Clérigos e leigos começaram uma disputa pelo controle da ordem.

  No capítulo de 1239 vemos que os clérigos ³julgavam não desfrutar da  posição que mereciam´. (DESBONNETS, 1987, p.125). E assim, a fraternidadeoriginária onde a sociedade estava reconciliada, livre de divisões, reassume oantigo vício. Um dos pilares responsável por essa mutação da ordem foi o MinistroGeral Aymon de Faversham. Esse pode ser considerado o segundo fundador daordem, estabelecendo uma estrutura clerical. Desse momento em diante começam

as nomeações de bispos franciscanos e, em pouco tempo, já eram dezenas pelaEuropa.

Com a clericalização da ordem, os irmãos leigos ficaram impedidos deassumir cargos. Ou seja, somente podia dirigir a ordem aqueles que receberam daigreja o ministério sacerdotal. Logo, a ordem reveste-se da mesma roupa da Igrejahierárquica. Não que isso seja terrível, mas que na realidade não é próprio do

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carisma franciscano. Em outras palavras, estamos a séculos vivendo, e agoratentando desfazer o rumo que tomamos.

Dentro desse contexto que nos encontramos hoje vem a nós a reflexão sobrea identidade e missão dos irmãos leigos dentro da ordem franciscana. Um dos

 primeiros passos dessa reflexão deve ser essa consciência histórica. Estamos aindaem um curso errôneo devido a nossas opções como ordem. Várias experiências nosúltimos tempos têm acenado outras possibilidades. Como a criação da ComissãoInterfranciscana (OFM ± OFMConv ± OFMCap) para o Estudo da OrdemFranciscana Como ³Instituto Misto´. Essa comissão, em 1997, lançou um estudosobre a Identidade da Ordem Franciscana no Momento de sua Fundação, natentativa de oficializar um pedido a Santa Sé para que reconheça as ordensfranciscanas como mistas. É dentro desse contexto de luzes e sombras que nosencontramos e constituímos nossa identidade e nossa missão.

Falar em identidade nessa conjuntura apresenta-se complicado. Somosconstituídos a partir da diferenciação, mas isso não quer dizer conflito freqüentecomo observamos na história entre leigos e clérigos. A diferença deve seestabelecer na unidade em uma constante dialética.

Todos nós somos sedentos de significado para nos formar como pessoas.Quando entramos na ordem queríamos ser frades franciscanos. Aos poucos vamos

  percebemos que os conflitos existem e nos perguntamos sobe nossa vocação ousobre aquilo que intuímos como nosso caminho. Para uns, isso acontece de forma

tranqüila, mesmo enfrentado barreiras. Entretanto, outros sofrem por sentiremsempre cobrados em resultados para serem aceitos na ordem.

Tal necessidade, no caso dos irmãos leigos, surge normalmente do embateentre pastoral paroquial e demais atividades. Em muitos lugares outras formas deatividade evangelizadora não são reconhecidas como trabalho pela fraternidadelocal. Começa se assim, uma busca de identidade, pois ser aceito e acolhidonaquilo que faço reforça minha identidade ou enfraquece sua formação.

Talvez nesse ponto de nossa reflexão, seja necessário discutir sobre nossocarisma e nossa missão que não é outra coisa a não ser o anúncio do evangelho

  pelo testemunho. Assim, a evangelização ± que é nosso µobra¶ por excelência ± ³Realiza-se por meio do testemunho e por meio do anúncio do mistério deCristo...´. (CPO III, 4 §). Não é simplesmente por meios de atividades querealizamos nossa missão. Elas fazem parte de nosso dia-a-dia, mas atividades nãoquer dizer evangelização. A vocação do irmão leigo deve ser aprofundada nessesentido. 

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A evangelização ± dentro da pastoral ou em missão ± somente se realiza pelotestemunho. Em nosso mundo por vezes confundimos evangelização com

 propaganda e Marketing. O Evangelho que professamos não é uma marca ou um produto que se vende, mas antes é uma forma de vida. Todos aqueles que vivemem conformidade com Cristo, evangelizam.

  Não há dúvidas que é necessário refletir sobre evangelização, missão e  pastoral na construção da identidade do irmão. Refundar nosso carisma comofraternidade proposta por Francisco de Assis, contriburá para tal dinâmica.

  Nos últimos tempos começaram a existir grupos dentro das ordensfranciscanas que passaram a dialogar sobre o caráter misto de nosso carisma, mastambém percebemos, nos últimos tempos, um retorno ao conservadorismo dentrode nossas instituições, onde a figura do irmão leigo passa a ser revista como

coadjuvante. Por isso é urgente a manutenção das reflexões dos Ministros Geraisna carta de 1994 sobre nossas origens. Não podemos perder de vista o que foiinspirado naquela ocasião. Sem tais reflexões ficará difícil tratar sobre a identidadedo irmão leigo e sua missão, pois tudo já esta pré-estabelecido por um erro de

 percurso em nossa história.

Outro ponto que devemos tomar consciência é que nossa missão e identidadenão estão mais em locais tradicionais. ³Antes os meios clássicos eram igrejas,capelas, escolas e hospitais, etc. Hoje estão presentes também contextos novos, queexigem respostas e formas também novas´. (CPO III, 16 §). Hoje estamos no meio

 popular, nas universidades, na política, nos movimentos sociais, no trabalho com a juventude, etc. O CPO III, citado aqui, é do final da década de 70, e vemos aindahoje a identidade do irmão leigo franciscano sendo moldada pela paróquia. E,ainda hoje o Ministro Geral alerta: ³Hoje as coisas mudaram radicalmente não sóna Igreja e na ordem, mas também no campo político e econômico´. (CC, 2009, p.3).

O protagonismo em nossa missão é importantíssimo nesse caminho. Não éem ambiente de flores que se vai andar, mas é na fadiga de um novo despertar davida religiosa, que tem como centro o profetismo.

  Nossa igreja hoje não é constituída circularmente, mas hierarquicamente.  Nossa ordem também assim se encontra. Com isso confundimos cargos comcarismas ou com evangelização. Os ministérios são úteis e necessários, mas elesnão podem ser absolutizados em si mesmos. Vemos a senhora da comunidadeexalar mais evangelho que muitos líderes religiosos institucionalizados em suamissão. Não se forma uma identidade evangelizadora buscando reconhecimento e

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cargos, mas se disponibilizando. O frade ³não se apresenta como superior nemcomo inferior, mas como irmão. Não se impõe, mas se dispõe´. (CPO III, 18 §).Esteja onde for: na igreja, na faculdade, nos movimentos sociais, etc. o irmão leigodeve exalar aquele perfume de Cristo Jesus.

Por fim, percebemos que ao trabalhar sobre a identidade e missão do irmãoleigo franciscano, vemos que toda essa realidade é plástica. Podemos dizer que aidentidade é uma não fixação, poderíamos dizer como um aceno que seria umaµnão identidade¶. Talvez a palavra melhor que qualifica tal realidade seja µabertura¶ou µgratuidade¶. Não se faz algo para ter identidade, pois assim agindo já se fixou oque deveria ser dinâmico. Somos em Cristo antes mesmo de sermos. Isso deveconstituir nossa missão e nossa identidade. Em outras palavras: ³Nossafraternidade franciscano-capuchinha, tendo em si mesma a tensão da fraternidadeuniversal, é chamada, pela sua mesma índole, a testemunhar uma vida

transformada, expressão de ³relações redimidas´. (CC, 2009, p. 5). (Cf. CPO VII).É dessa vivência que podemos falar em evangelização e identidade. REFERÊNCIAS:

CARTA CIRCULAR SOBRE A MISSÃO. Roma, 2009.

DESBONNETS, Théophile. Da intuição a instituição. Petrópolis: Cefepal, 1987.

TERCEIRO CONCELHO PLENÁRIO. Vida e atividade missionária. Mattli,

1978.

*Frei Edson Matias, é frade capuchinho da província do Brasil Central. 

Retirado de:

http://www.capuchinhosrs.org.br/index.php?ir=Noticias&action=ler&id_noticia=25032