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INVESTIGAÇÃO DO ACIDENTE DA BOATE KISS SANTA MARIA/RS Análise do acidente para ampliação do espaço de discussão e retorno da experiência aprendida. SÃO PAULO 2015

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Page 1: INVESTIGAÇÃO DO ACIDENTE DA BOATE KISS … chave: Investigação de acidente, incêndio, segurança química, accimap, Boate Kiss. 10 ABSTRACT Loutfi, M. Nightclub Kiss Accident

INVESTIGAÇÃO DO ACIDENTE DA BOATE KISS

SANTA MARIA/RS

Análise do acidente para ampliação do espaço de discussão e

retorno da experiência aprendida.

SÃO PAULO 2015

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MARCELO LOUTFI

Investigação do Acidente da Boate Kiss em Santa Maria/RS. Análise do acidente para ampliação do espaço de discussão e retorno da experiência aprendida.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Ambiente, Saúde e Sustentabilidade, da Faculdade de Saúde Pública, da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Mestre em Ciências.

Orientador: Prof. Dr. Ildeberto Muniz de Almeida

SÃO PAULO 2015

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Catalogação da Publicação

Biblioteca/CIR: Centro de Informação e Referência em Saúde Pública

Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo

É expressamente proibida a comercialização deste documento, tanto na sua forma impressa como eletrônica. Sua reprodução, total ou parcial, é permitida exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, desde que na reprodução figure a identificação do autor, título, instituição e ano da dissertação.

Loutfi, Marcelo

INVESTIGAÇÃO DO ACIDENTE DA BOATE KISS EM SANTA MARIA/RS: Análise do acidente para ampliação do espaço de discussão e retorno da experiência aprendida. / Marcelo Loutfi; orientador Ildeberto Muniz de Almeida. - - São Paulo, 2015.

Nº fls. 119.: il.

Dissertação (Mestrado) - - Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, 2015.

1. Investigação de Acidente 2. Incêndio 3. Segurança Química 4.Accimap 5. Boate Kiss. I Almeida, Ildeberto Muniz de, orient. II. Título.

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FOLHA DE APROVAÇÃO (DISSERTAÇÃO)

LOUTFI, Marcelo

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Ambiente, Saúde e Sustentabilidade, da Faculdade de Saúde Pública, da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Mestre em Ciências.

Aprovado em: 14 /10/ 2015

BANCA EXAMINADORA

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Dedico a minha mulher, a

Jornalista e Professora Ana Maria de Araujo Casadio Loutfi, minha companheira de jornada e que muito me incentivou neste trabalho.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Professor Dr. Ildeberto Muniz de Almeida, por compartilhar seu conhecimento e pela enorme paciência nos momentos mais difíceis.

Agradeço ao Cel. PM Alfonso Gill (GSI-USP) e ao Eng. Antonio Souza

Vieira Neto (IPEN-SP) pelas proveitosas conversas sobre o tema. Agradeço aos meus colegas de mestrado, em especial ao Rodolfo Andreani

Sobrinho que me ajudou com suas sugestões e troca de experiência. Agradeço a minha colega de trabalho, Tatiane Castilho Andrade, técnica e

bióloga que me ajudou na revisão do texto, e no apoio adicional em minhas atividades diárias.

Por fim agradeço a todos os professores da Faculdade de Saúde Pública

que compartilharam seus conhecimentos e orientações.

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EPÍGRAFE

Eu só quero que você saiba Que estou pensando em você

Mas te quero livre também Como o tempo vai e o vento vem E que eu te quero livre também

Trecho da musica: A sua

Marisa Monte

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RESUMO

Loutfi, M. Nightclub Kiss Accident Analysis in Santa Maria / RS: A case study focusing on the investigation of the accident as an opportunity to return the learned experience. 2015. 119 pgs. Dissertation (MS) - Public Health Faculty, University of São Paulo, São Paulo, 2015.

Introdução: O acidente ocorrido em Santa Maria/RS encontra-se dentre os mais propalados pela mídia inclusive com repercussão internacional. A investigação criminal, levada a cabo pela delegacia de polícia e também a feita pelos técnicos do conselho regional de engenharia, resultou em um conhecimento dos fatos imediatos, ou seja, um olhar da relação causa e efeito, nitidamente estabelecida sem buscar as razões de origem das causas. Em outros termos, aqui buscamos contextualiza o evento acidentário dentro dos fatores culturais, políticos, regulatórios e econômicos. Ao não colocar luzes sob tais aspectos correlacionados, o retorno da experiência, o aprendizado e a própria gestão de riscos, ficaram circunscritos à esfera proximal do acidente. Questões sobre o uso e comercialização de materiais pirotécnicos, o emprego de materiais de revestimentos em boates e clubes noturnos, a promoção de eventos com grande afluxo de pessoas para locais fechados, não são aprofundados nos referidos relatórios. Também não se discutiu, de forma ampla, questões sobre a atuação de órgãos públicos na concessão de funcionamento de boates, sobre o papel dos especialistas em prevenção de risco, sobre o papel dos agentes públicos em grandes desastres e acidentes ampliados, especialmente os relacionados ao acidente químico que neste caso matou, em minutos, duzentos e quarenta e dois jovens, todos levados a óbitos pela ação do gás cianídrico. Objetivos: Em face destas e de outras lacunas, este trabalho propõe um encaminhamento para enfrentamento das referidas questões. A proposta pode ser facilmente percebida, como multidisciplinar e seria difícil o desenvolvimento de um diagnóstico único sem prejuízo do aprendizado. O objetivo é justamente constatar e apresentar o contingente de influências que estavam em jogo no sistema da gestão da boate. Tal constatação significa abrir caminhos para o estudo aprofundado das dimensões sociais e técnicas presentes naquele momento e que foram reveladas pela tragédia.

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Materiais e Métodos: Para atingir este objetivo, para além da relação imediata de causa e efeito utilizamos como modelo descritivo e analítico os Mapas Verticais, AcciMap, proposto pelo engenheiro Jeans Rasmussen, com enfoque qualitativo. Esta forma de estudo força a identificação das influências de alto escalão político de governo indo do topo para a base dos acontecimentos, passando pela gestão estadual e municipal incluindo a gestão da empresa. Os materiais foram capturados dentre os disponíveis na mídia e produzidos por órgãos públicos, principalmente o relatório da polícia civil e do conselho de engenharia. Resultados: Os mapas verticais revelaram as interações e a perda de controle sistêmico das instituições. Fica visível a distribuição dos atores e das influências que atuam de modo a levar o sistema de forma lenta, mas vigorosamente para a zona de instabilidade. As concepções idealizadas, os documentos regulatórios e as políticas públicas desviam-se por força de interações não controladas do princípio da segurança, sem que o sistema consiga detectar as rápidas mudanças. As instituições são pressionadas por uma rotina que deixa de lado aspectos de gerenciamento de risco e de outro lado pela inconsistência dos poderes públicos coercitivos. Considerações finais: Mesmo o estudo de caso único, pela força do modelo dos mapas verticais, amplia a compreensão de fenômenos sociais, organizacionais e políticos. Ao buscar relações entre atores e entre acontecimentos, o estudo codifica uma estrutura singular que, entretanto, dialoga em teoria com diversos casos. Se de um lado os dados obtidos na investigação, em si mesmo, não são idênticos a outros casos, de outro lado ao interrogar e analisar os documentos emerge características importantes para a comparação teórica e metodológica impulsionando assim a compreensão deste e de outros eventos acidentários. Duas outras contribuições são particularmente relevantes. A primeira, teórica e acadêmica, se propõe a trazer para o debate a aplicação dos mapas verticais no estudo de acidentes, principalmente os multifacetados com inúmeros atores. Outra contribuição é dada pela visualização de inúmeros subsistemas decorrentes da análise vertical onde cada subsistema poderá ser estudado separadamente pondo em evidência novos caminhos de enfrentamento da problemática acidentária.

Palavras chave: Investigação de acidente, incêndio, segurança química, accimap, Boate Kiss.

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ABSTRACT

Loutfi, M. Nightclub Kiss Accident Analysis in Santa Maria / RS: A case study focusing on the investigation of the accident as an opportunity to return the learned experience. 2015. 118 pgs. Dissertation (MS) - Public Health Faculty, University of São Paulo, São Paulo, 2015.

Introduction: The accident in Santa Maria / RS is one of the most publicized by the media having international repercussions. The criminal investigation conducted by the police and also by the technicians of the Regional Engineering Board, resulted in an understanding of immediate facts, i.e., the causes and effects which clearly established without seeking for the roots of the problem. In other words, here we seek to contextualize the accident within the cultural, political, regulatory and economic aspects. If we did not analyze the correlated aspects, the feedback, learning and risk management itself would be restricted to the accident proximal sphere. Questions about the use and sale of fireworks, the use of lining materials in clubs and nightclubs, the organization of events with large amounts of people indoors, are not detailed in the reports. It was also not broadly discussed questions about the role of governmental agencies in providing operating licenses for nightclubs, the role of risk prevention experts and the role of public officials in major disasters and major accidents, especially those related to chemical substances, that, in this case, killed two hundred forty two young people in a few minutes, all of whom died due to the action of the cyanide gas. Objectives: In face of these and other shortcomings, this paper proposes a method of coping with these issues. This proposal may be easily perceived as multidisciplinary since it would be difficult to develop a single disciplinary study without putting in jeopardy the opportunity of learning from the tragic accident. The focus is to find and present the contingent of influences that were at stake in the club management system. These findings may path the way for deeper studies of the social sphere and techniques which were present at that time and that were revealed by the tragedy.

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Materials and Methods: In order to achieve this goal, we went far beyond the immediate relationship of cause and effect; we used a descriptive and analytical model of Vertical Maps, AcciMap proposed by the engineer Jeans Rasmussen with a qualitative approach. In this kind of study it is imperative to identify high political level influences, analyzing the events from top to bottom, and also going through state and municipal management data including the nightclub management itself. The data was collected from available media, from governmental agencies, particularly the civil police report and the Engineering Board report. Results: The vertical maps revealed the interaction and the systemic institution loss of control. The distribution of actors and influences that act in order to bring the system slowly but forcefully to the zone of instability is visible. The idealized conceptions, regulatory documents and public policies deviated due to uncontrolled interactions from security principles, without the system being able to detect these rapid changes. Institutions are pressed by a routine that on one hand leaves out risk management aspects and on the other hand by the inconsistency of coercive governmental supervision.

Final thoughts: Even a single case study, due to the strength of the vertical maps, can expand the understanding of the social, organizational and political phenomena. By seeking relationships between actors and between events, the study encodes a unique structure which in theory is related to several cases. On the one hand the data obtained in the investigation itself, is not identical to other cases, on the other hand as we examine and analyze the documents important features for theoretical and methodological comparison emerge, thus increasing understanding of this and other accidents. Two other contributions are particularly relevant. The first one is the theoretical and academic contribution; it has as objective to debate the implementation of vertical maps in the study of accidents, especially the multifaceted ones with numerous actors. Another one is given by the display of numerous subsystems, which result from the vertical analysis, where each subsystem can be studied separately highlighting new ways of coping with major accidents.

Keywords: Accident investigation, fire, chemical safety, accimap, Kiss Nightclub.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABNT: Associação Brasileira de Normas Técnicas ADC: Método de Árvore de Causas ART: Anotação de Responsabilidade Técnica AVTSM: Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria BBS: Behavior Based Safety BSI: Britanic Standart Institute CAS: Chemical Abstrcts Service CBSM: Corpo de Bombeiros de Santa Maria CDC: Código de Defesa do Consumidor CDM: Centro Desportivo Municipal CF: Constituição Federal CLP: Controlador Lógico Programável CO: Monóxido de Carbono CONAMA: Conselho Nacional do Meio Ambiente CONFEA: Conselho Federal de Engenharia e Agronomia CREA: Conselho Regional de Engenharia e Agronomia DIN: Deutsche Industrie Normen ETTO: Efficiency Thoroughness Trade Off FAB: Força Aérea Brasileira FMEA: Failure Mode and Effects Analysis FOC: Fire Offices Commitee FTA: Faut Tree Effect Analysis FURENBOM: Fundo Reequipamentos de Bombeiros HAZOP: Hazard and Operability Study HCN: Gás Cianídrico HRA: Human Reliability Assessment IRB: Instituto de Resseguros do Brasil MAPA: Modelo de Análise de Prevenção de Acidentes MJ: Ministério da Justiça MORT: Management Oversight Risk Tree MP: Ministério Público NBR: Norma Brasileira NFPA: National Fire Protection Association PPCI: Plano de Prevenção e Controle de Incêndio PRA: Probabilistic Risk Assessment PU: Poliuretano

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SEDEC: Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil SGIPI: Sistema de Gestão Integrado de Prevenção de Incêndio SM: Santa Maria RS: Rio Grande do Sul STEP: Sequentially Timed Events Plotting SUS: Sistema Único de Saúde TAC: Termo de Ajustamento de Conduta THERP: Technique for Human Error Prediction TMI: Three Mile Island TSM: Tragédia de Santa Maria UK: United Kingdom

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Infográfico da Tragédia. Jornal Diário de Santa Maria Figura 2: Incêndios em bares e clubes Figura 3 Concepção dos cenários de incerteza através do PRA Figura 4: Passos básicos de um HRA Figura 5: Categorias de risco e estratégias de controle Figura 6 Matriz de Haddon Figura 7: Dez estratégias de prevenção de Haddon Figura 8: Modelo do queijo suíço Figura 9: Modelo organizacional de Reason Figura 10: Modelo Gravata Borboleta Figura 11: Quadrantes de acoplamento e interações Figura 12: Níveis sociais de interação e disciplinas relacionadas Figura 13: Exemplo de Mapa Vertical Figura 14: Fronteiras de segurança e as forças que atuam no sistema Figura 15: Malha simples de controle Figura 16: Sistema de controle adaptativo com conexão custo e segurança Figura 17: Camadas com as alças de controle Figura 18: Síntese do método de pesquisa Figura 19: Classes de processo de decisão Figura 20: Representação do box de relação Figura 21: Representação do box de possibilidade Figura 22: Mapa Vertical Eventos antecedentes Figura 23 Cadastro do PPCI Figura 24: Fases de um incêndio Figura 25: Foto do interior da Boate Kiss após acidente Figura 26: Mapa Vertical da cena do acidente Figura 27: Imagem do revestimento de poliuretano Figura 28: Quadro de concentrações Figura 29: Tempo de inconsciência pela ação de CO e HCN Figura 30: Percentual de retorno de pessoas em função da visibilidade Figura 31: Porta de saída com a barreira, recolocada pela perícia Figura 32: Foto de um socorro à vítima Figura 33: Mapa vertical dos eventos conseqüentes Figura 34: Mapa de atores Figura 35: Comparação sucinta entre os documentos de investigação de acidente

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 17

EM CENA O ACIDENTE ............................................................................................. 18

PROBLEMATIZAÇÃO DA PESQUISA ...................................................................... 22

OBJETIVOS ................................................................................................................... 26

ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO ....................................................................... 27

CAPÍTULO 1 – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ............................................................ 28

1.1 MODELO LINEAR ................................................................................................. 29

1.2 MODELO EPIDEMIOLÓGICO .............................................................................. 33

1.3 MODELO ORGANIZACIONAL ............................................................................ 36

1.4 MODELO SISTÊMICO ........................................................................................... 40

CAPÍTULO 2 – MATERIAIS E MÉTODOS ................................................................ 55

2.1 MÉTODO ................................................................................................................. 57

2.2 MATERIAIS ............................................................................................................ 60

CAPÍTULO 3 – RESULTADOS E DISCUSSÃO ......................................................... 62

3.1 MAPA VERTICAL DE EVENTOS ANTECEDENTES ........................................ 63

3.1.1 Análise da gestão da boate ................................................................................................ 64

3.1.2 Análise do Corpo de Bombeiros ......................................................................................... 65

3.1.3 Análise da proteção acústica .............................................................................................. 68

3.1.4 Análise da Prefeitura .......................................................................................................... 71

3.1.5 Análise do comércio de material pirotécnico .................................................................... 73

3.1.6 Análise da relação da gestão com os trabalhadores .......................................................... 74

3.1.7Análise do incêndio ............................................................................................................. 74

3.2 MAPA VERTICAL NO CENÁRIO DO ACIDENTE ............................................ 77

3.2.1 Análise do ambiente tóxico ................................................................................................ 77

3.2.2 Análise do uso de extintor e do tempo de escape ............................................................. 80

3.2.3 A gestão da crise pelo Corpo de Bombeiros ...................................................................... 84

3.2.4 A gestão do governo .......................................................................................................... 86

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3.3 MAPA VERTICAL DOS EVENTOS CONSEQÜENTES ..................................... 87

3.3.1 Da ação governamental da crise ........................................................................................ 87

3.3.2 O antíduto .......................................................................................................................... 88

3.3.3 A ação policial ..................................................................................................................... 89

3.3.4 Seguimento das vítimas ..................................................................................................... 89

3.4 MAPA VERTICAL DOS ATORES ........................................................................ 90

3.4.1 Governo .............................................................................................................................. 91

3.4.2 Governo local e orgãos reguladores .................................................................................. 95

3.4.3 Empresa .............................................................................................................................. 97

3.4.4 Operacional ........................................................................................................................ 97

3.5 COMPARAÇÃO ENTRE INVESTIGAÇÕES ....................................................... 98

3.6 DISCUSSÃO ............................................................................................................ 99

3.6.1 Síntese dos resultados........................................................................................................ 99

3.6.2 Os resultados sob a ótica da teoria .................................................................................. 100

3.6.3 Respostas e limitação dos resultados .............................................................................. 103

CAPÍTULO 4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................ 108

REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 110

APÊNDICE .................................................................................................................. 119

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INTRODUÇÃO

Esta dissertação se insere no âmbito dos estudos de caso, especificamente,

das investigações de acidente e desastre de grande repercussão. Trata-se do caso da Tragédia de Santa Maria (TSM)1, onde em 2013 ocorreu um grave acidente ceifando a vida de duzentas e quarenta e duas pessoas.

Evidentemente que muito já foi dito e escrito sobre este acontecimento, principalmente nas mídias impressas, televisivas e pela internet. A ampla divulgação foi inclusive tema de recente e importante livro organizado por Silveira (2014), da Faculdade Federal de Santa Maria tratando da chamada questão social e cultural sob a ótica da midiatização.

Observando esta ampla gama de informações, percebe-se que este acontecimento, sobre o qual iremos nos debruçar, conflui várias linhas de reflexão tanto técnica como social. Dentre as reflexões destacam-se o incêndio, suas características. Outra reflexão é sobre a organização em casas noturnas, show e eventos e a segurança que estas oferecem para sociedade. Uma terceira linha de reflexão, que nos parece importante é o contexto da organização dos poderes públicos, que são suscitados, na medida da responsabilidade governamental em todas as esferas, no tocante a proteção à vida humana. Ainda outra reflexão se impõe a do acidente químico, conforme iremos delinear mais a frente.

A relevância da análise destes tópicos amplia as possibilidades do que chamamos de retorno de experiência que no âmbito da ergonomia da atividade é uma coleta de acontecimentos que podem corrigir os pontos fracos de um empreendimento, acumulando conhecimentos valiosos para a prevenção de acidentes (LLORY e MONTMAYEUL, 2014).

Usamos o termo retorno de experiência em sentido mais amplo para além do ambiente organizacional, com a pretensão de nos apropriar das lições sobre as fragilidades que a TSM revelou.

Neste ponto, a investigação do acidente de que vamos analisar, pode ser uma oportunidade para compreender a multiplicidade de perigos que eventualmente podem estar presentes no dia a dia das cidades em especial nas casas noturnas que se multiplicam juntamente como o crescente o êxodo da população rural para as cidades (CAIAFFA, FERREIRA, et al., 2008).

1 O termo Tragédia de Santa Maria e a sigla TSM, tomada por simplificação, foi adotado em função do

nome da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria, criada oficialmente em 23/02/2013 em uma assembléia no colégio Marista de Santa Maria (AVTSM, 2013).

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EM CENA O ACIDENTE

A seguir apresentamos uma ilustração2 do local do acidente e na seqüência a

descrição da ocorrência. Descrição da cena do momento crítico3. Na madrugada de domingo, dia 27 de janeiro de 2013, na cidade de Santa

Maria, distante trezentos quilômetros da capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, por volta das vinte e três horas, vários jovens se organizava a frente de um clube noturno, a Boate Kiss.

2 Não pudemos atualizar, na ilustração, o número de óbitos e feridos, por força de restrição no uso da imagem. Conforme: http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt 3 Esta narrativa é baseada em: (CREA-RG, 2013) e (QUEIROZ; BALLIO, 2013).

FIGURA 1: INFOGRÁFICO DA TRAGÉDIA. JORN AL DIÁRIO DE SANTA MARIA. (SILVEIRA, 2014, P. 162).

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Já por volta da meia noite o tempo de espera na fila de entrada era de no mínimo meia hora, mas isto não desanimava os jovens, até porque estavam entre amigos e a diversão e a conversa mesmo durante a espera aparentemente não os perturbara.

Dentre outros estavam alunos da faculdade de Santa Maria dos cursos de zootecnia, agronomia, veterinária. Era comum os estudantes irem se encontrar na boate, inclusive chegava a marcar encontros entre as turmas dos cursos ofertados da conhecida universidade da cidade. Naquela noite estavam comemorando o término de um dos cursos, que por algum motivo tinha se estendido um pouco mais.

O local era estilizado todo decorado, disputando dessa forma a preferência dos jovens da cidade. A boate também ofertava diversos shows ao vivo. Naquela noite estava programado o show da Banda Gurizada Fandangueira.

O grupo Gurizada Fandangueira é uma pequena banda de musica regional, da própria localidade, que atraía vários fãs inclusive por proporcionar show pirotécnico, naquela noite como organizado, inicia-se o espetáculo por volta das duas horas da manhã.

Já após a quarta musica o vocalista, auxiliado pelo promotor da banda, o musico aciona o artefato e inicia-se de pronto um princípio de incêndio no teto do palco. O teto revestido de espuma de poliuretano começa a pingar, caindo inclusive no guitarrista. Um segurança da boate localiza o extintor de incêndio e tenta por três vezes extinguir o princípio de incêndio.

Não obteve êxito, porque o extintor que foi usado estava sem o lacre, denotando que já houvera algum uso anterior.

Os freqüentadores não estavam se dando conta da gravidade da situação, ao verem que a ação do segurança foi inútil começaram a vaiar, principalmente por ter sido paralisado o show. Os membros do conjunto estão entre os primeiros a abandonar o recinto.

O tom de festa ainda reinava no local, mas por pouco tempo. Os que estavam na frente do palco ao ver que a situação estava fora de controle começam a fuga do local.

Ainda sem saber ao certo o que estava acontecendo os demais freqüentadores percebem o tumultuo. Alguns jovens saíram do ambiente, por acharem que estava havendo uma briga no local.

Com os freqüentadores se aglomerando já na única porta de saída, os seguranças cumprindo seu dever, orientavam que fosse feito o pagamento da comanda, indicando que até aquele instante ainda não se deram conta do que estava acontecendo, mesmo com os gritos de que estava pegando fogo.

Somente após os seguranças verificarem a situação é que foi liberada a saída, dos que ali estavam.

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Apesar de grande quantidade de pessoas abandonando o local, ainda havia

clientes ao fundo da boate (a direita de quem entra) para os quais a festa continuava normalmente. Estes clientes não tinham nenhuma informação até porque neste outro ponto do ambiente não havia visualização do palco.

A saída para quem se posicionou neste ponto era quase impossível, tanto pela aglomeração de pessoas como pela própria condição de pânico que se instaurava no local.

Somente após a fumaça ter alcançado o ponto central da boate é que efetivamente todos reconheceram o perigo. Os fatos, trágicos, que se sucederam a partir de então foram rápidos.

Uma das jovens ao respirar a fumaça ficou imediatamente tonta e para não cair no chão se segurou na porta de um congelador, deu-se conta, por um momento, que o único ar limpo que teria era desse freezer, ao respirar o ar do aparelho encontrou as forças para salvar-se.

Os que caiam a frente da multidão eram pisoteados, alguns outros usavam a roupa do corpo como se fosse um filtro, mas tudo era em vão e a sensação de que todos tinham era que a garganta estava sendo estrangulada. As vítimas que chegaram a ser atendidas posteriormente apresentavam partículas sólidas no trato respiratório. Todos estavam no limite da luta pela sobrevivência. Começava surgir então às primeiras vítimas fatais.

Neste ínterim, duas guarnições do corpo de bombeiros, uma de combate e outra de primeiros socorros foram acionadas e dirigiram-se para o local.

No percurso de dois quilômetros que separa a base do corpo de bombeiros e boate, os membros da equipe pensavam no que poderia ter acontecido. Um incêndio em função de fiação elétrica era o mais provável em um ambiente de shows.

O corpo de bombeiros chega ao local. O sargento faz o primeiro ingresso tentando verificar o foco do incêndio, mas percebe que não existe foco de incêndio somente a fumaça.

Uma parte da equipe de atendimento busca conter a fumaça com o uso de água, mas não conseguem ingressar na boate, pois a fumaça era densa e prejudicava a ação de salvamento e combate.

Na porta de saída as pessoas que conseguiram chegar à rua caem e ficam empilhadas no chão. Outra turma de bombeiros cuida do resgate destas pessoas, inclusive com a ajuda dos jovens que conseguiram sair antecipadamente do local.

Por volta das quatro horas os bombeiros encerram os trabalhos de salvamento. O sargento do corpo de bombeiros consegue identificar uns quinze corpos próximos ao palco, mas quando é chamado, pelo seu colega, para ver o banheiro, percebe uma enorme quantidade de pessoas já mortas. A suposição é que em função da iluminação os jovens procuraram a saída através dos banheiros existentes no local.

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O delegado titular da cidade que já tinha sido acordado, com a notícia de

que um incêndio havia provocado a morte de vinte pessoas, ao chegar ao local, percebeu que estava diante de uma tragédia ainda maior.

Já a oito horas da manhã, os corpos das vítimas fatais foram trazidos pelo exército ao Centro Desportivo Municipal (CDM), iniciando então o processo de reconhecimento das vítimas fatais.

Ao mesmo tempo o socorro aos feridos continuava. Parte no hospital local e outra parte nas unidades de terapia intensiva de outros hospitais inclusive da capital.

Na universidade de Feevale em Novo Hamburgo, iniciava os primeiros testes de sangue para análise exata do gás tóxico, procedimento importante inclusive para adequação do melhor tratamento. Foi identificado dentre outros o principal agente tóxico: O gás cianídrico (HCN).

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PROBLEMATIZAÇÃO DA PESQUISA

A TSM tem seu início a partir de um incêndio em casa noturna onde se desenrola fatos dramáticos e fartamente divulgados em diversas mídias.

Há milênios que a humanidade convive com mortes por incêndios. A título de exemplo em 2005 nos EUA, foram registradas 3.677 mortes e 17.925 pessoas feridas nesses eventos com perdas materiais estimadas em US$664 milhões (SEITO, GILL, et al., 2008). Para focar em sentido amplo os incêndios em boates e clubes noturnos, podemos encontrar na figura seguinte, uma relação sucinta de 10 casos com mortes, encabeçada pelo episódio do Rhythm Club em 1940 e finalizando com a tragédia da Boate Kiss.

Nome Local Ano Mortos Rhythm Club fire Natchez, Mississippi, US 1940 209

Cocoanut Grove fire Boston, Massachusetts,

US

1942 492

Club Cinq-Sept fire Saint-Laurent-du-Pont,

France

1971 143

Beverly Hills Supper

Club fire

Southgate, Kentucky, US 1977 165

Happy Land fire The Bronx, New York,

US

1990 87

Ozone Disco Club fire Quezon City, Philippines 1996 162

The Station nightclub

fire

West Warwick, Rhode

Island, US

2003 100

República Cromañón

nightclub fire

Buenos Aires, Argentina 2004 194

Lame Horse fire Perm, Russia 2009 156

Kiss nightclub fire Santa Maria, Rio Grande

do Sul, Brazil

2013 242

Entre os desastres, mais conhecidos por afetarem casas noturnas merece

destaque o que atingiu a The Station, em Rhode Island em 20 de fevereiro de 2003, matando 100 pessoas e deixando 200 feridos (NIST, 2005).

Ali, o principal problema envolveu o uso de material pirotécnico, a queima de espuma de poliuretano e a propagação de gases tóxicos, sendo que ocorreram dificuldades com relação a saídas de emergência.

Em outro incêndio, no Boliche Republica Cromangnon em Buenos Aires, na Argentina em 12 de abril de 2004, morreram 194 pessoas depois que o fogo atingiu o material de acabamento do teto liberando fumaça tóxica num ambiente cujas saídas de emergência estavam bloqueadas (SEITO, GILL, et al., 2008, p. 31)

FIGURA 2: INCÊNDIOS EM BARES E CLUBES (NATIONAL FIR E PROTECTION ASSOCIATION, 2014).

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Não inserido na figura 2 e pouco conhecido, inclusive no Brasil, outro

incêndio no ano de 2001 com sete mortes ocorreu em Belo Horizonte na casa de show conhecida como Canecão Mineiro4. Para anunciar a entrada de uma banda que faria sua exibição, um funcionário da casa acendeu um artefato pirotécnico conhecido pelo nome comercial de chuva-de-prata. O calor foi suficiente para promover a ignição de isopor e plásticos decorativos, promovendo a destruição quase completa do local.

Estes acidentes que foram trazidos até aqui estão sob o recorte de serem casas noturnas e de ter ocorrido show pirotécnico.

Os relatórios sobre as investigações de acidentes, em linhas gerais, não apenas os de grande vulto procuram normas não atendidas ou não conformidades com normas técnicas. A impressão que fica é de que bastaria seguir normas técnicas legais para evitar acidentes.

No caso da Boate Kiss, não foi diferente surgiram várias inconsistências com as normas técnicas (CREA-RS, 2013).

Não conformidade com normas técnicas não é ocorrência tão incomum. Em um trabalho de levantamento das irregularidades em Maringá/PR, suscitado sem dúvida pela ocorrência da TSM, em 26 estabelecimentos, absolutamente nenhum tinha projeto de central de gás (TEIXEIRA; SOARES; CARDOSO, 2013). Projeto de central de gás é uma exigência da legislação para aquelas empresas que armazenam em cilindros gás liquefeito ou natural para suas atividades dentro de suas instalações. Não estamos neste ponto criticando os relatórios. Estamos alertando, isto sim, sobre o possível equivoco de que acidentes resultam, simplesmente, de descumprimento de itens de normas, o que absolutamente seria um reducionismo dado à complexidade destes eventos acidentários. Partir da premissa de que acidentes ocorrem apenas por não conformidade com algum preceito técnico pode não ser suficiente para compreender o conjunto dos fatos.

Isto se observa facilmente pela inversão da suposição, ou seja, uma não conformidade por si só pode ser causa de um acidente?

O que estamos pondo alume não é novidade nos meios prevencionistas. Sidney Dekker (2006) apresenta duas opções em relação a um acidente. A primeira é supor que as pessoas cometeram erros o que leva a

investigação de acidente para as conclusões do tipo violação de regulação ou deficiência das mesmas, dificuldades de gerenciamento. A segunda opção citada pelo autor propõe que o acidente é um sintoma de problemas mais profundos.

4 Capturado em 01/05/2015 site: www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2711200116.htm

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No caso, estamos optando por esta segunda linha. Não deixando de lado erros de decisão, habilidade ou percepção nem

violações diretas e sim pondo luz sobre o que eventualmente influenciou tais ações. Chegamos ao cerne da problematização da pesquisa. Fazendo uma pequena digressão, salta aos olhos que a maior preocupação

com acidentes químicos e ampliados são próprios aos petroleiros e nas atividades offshore com especificidades tais como grande armazenamento de produtos químicos, ambientes perigosos, condições de trabalho complexas e trabalhos contínuos, (FERREIRA, 1996; FIGUEIREDO, 2012).

Outros acidentes como Bophal e Seveso também são incluídos nos chamados acidentes ampliados, que cmo os anteriores ultrapassam os limites internos da empresa expandindo-se em suas consequências no tempo e espaço.

Diante do estudo de caso da TSM, tais considerações são aparentemente desconexas ao tema.

Em uma boate, local de lazer, em princípio nada se supõe como perigoso, sua complexidade não parece ser de elevada monta, o processo de trabalho não é contínuo e num grupo pequeno de funcionários, eram trinta e cinco no momento do acidente, com comando praticamente único e direto dos administradores da boate, não se pode falar nem sequer em rede de comando múltipla.

Mas como então, num ambiente de lazer e diversão ocorreram centenas de mortes pela ação de agentes químicos?

Esta é a questão de partida, demonstrando, sem sombra de dúvida que há sim muito ainda para se compreender em relação à TSM.

Por que afirmamos que ocorreu um desastre químico? O fato se impõe. Foram, pelo menos, 234 pessoas mortas por intoxicação advinda do monóxido de carbono e gás cianídrico (TRIVELATO, 2013).

Como compreender que um ambiente afastado dos reconhecidamente de alto risco o desastre químico isto tenha se sucedido?

O problema da pesquisa é então a busca aprofundada como referido em Dekker (2006) ou ainda, em Almeida (2001) que levaram um local sem as especificidades de risco típico de ambientes perigosos, ao maior desastre químico de nossa história5.

Avançando ainda mais, por tudo que colocamos anteriormente vemos que se ponderarmos os acontecimentos pela ótica sistêmica haverá mais chances de compreender os fatos e por consequência nos preparar melhor para situações risco e perigos em nossa sociedade.

5Reputamos em número de vítimas, o maior acidente ampliado, do Brasil, o da Vila Socó Cubatão /SP. O maior incêndio como o do Gran Circus em Niterói/RJ em 1961. O maior acidente químico é a TSM. Notar que são episódios tecnicamente diferentes.

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Como faremos isto? Pelo método dos Mapas Verticais (RASMUSSEN,

1997), conforme iremos detalhar oportunamente. Encerramos aqui a problematização da pesquisa. O método foi enunciado e

será explanado no capítulo 2. Vimos que a TSM não pode ser incluída em uma gama de incêndios em

clubes noturnos, indo para além deste fato, sendo entendido como um desastre químico. Finalmente, deixando o âmbito geral dos incêndios, e adentrando o caso

específico, apontamos que as análises por comparação única com uma norma anteriormente estabelecida podem gerar não conformidade, mas esta talvez não seja suficiente para a melhoria do desempenho futuro, particularmente em situações com alguma similaridade que tragam em seu bojo uma dimensão organizacional.

Como opção para dar resposta da questão de partida, enunciamos a abordagem sistêmica através dos Mapas Verticais.

No tópico a seguir vamos elencar os objetivos da pesquisa em consonância com a problematização.

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OBJETIVOS

Objetivo Geral: Analisar por meio dos Mapas Verticais quais os fatores que influenciaram a

unidade, Boate Kiss de SM/RS, levando-a para um acidente químico. Objetivo Específico:

a. Comparar em termos de abordagem, os métodos e as recomendações, a investigação por análise vertical com as investigações feitas pelo Conselho Regional de Engenharia, CREA, e pela Delegacia de Polícia de SM/RS.

b. Contribuir com as políticas públicas de vigilância e prevenção de eventos similares ao investigado.

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ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO

Não é comum em nosso país análises de acidente em profundidade, muito

menos análise usando Mapas Verticais, de modo que consideramos oportuno iniciar a dissertação pela revisão bibliográfica explicitando, ao término, o Mapa Vertical de Rasmussen (1997) para análise de acidente. Este é o Capítulo 1.

A partir de então poderemos com mais clareza apresentar os materiais e a metodologia no Capítulo 2.

O Capítulo 3 refere-se aos resultados. Nele se coloca os achados em conformidade com o objetivo, ou seja, o capitulo é dividido em: mapas de eventos, mapa de atores seguido da breve comparação entre a investigação sistêmica e os relatórios do CREA/RS e o Inquérito Policial /SM. Completa o capítulo a discussão, onde os resultados são confrontados com a teoria.

O Capítulo 4 contempla as considerações finais. Observamos que esta dissertação é uma análise da investigação de acidente e, portanto não se fecha em conclusão sobre uma hipótese. O capítulo também propõe recomendações para estudos posteriores.

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CAPÍTULO 1 – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

A investigação de acidentes em profundidade não é tarefa trivial. Encontrar

um modelo que possibilite tal investigação é ainda mais difícil. Assim também indica Almeida (2001, p. 25) como segue.

Ao lado de vantagens e importância de investigações de acidentes na literatura, vários autores apontam a existência de falhas nessas práticas. Destacam-se críticas à ineficácia dos métodos de análise e de prevenção, assim como indicações de que grande parte das investigações fica incompleta, deixa ‘zonas de sombras’ e resulta em atribuição de culpa ao próprio acidentado (Hale e Hale 1972; Wigglesworth 1978, Leplat e Cuny 1979; Booth 1981; Saas e Cook 1981; Dwyer 1984, 1991; Allegrante e Sloan 1986; Dwyer e Raftery 1991; Almeida 1996). Para estes autores, a correção dos problemas citados pode ocorrer pela utilização adequada de métodos de investigação que considerem a empresa como sistema sócio-técnico aberto e que valorizem reconstrução sistematizada do evento, inclusive o resgate de percepções do(s) acidentados e de seus colegas de trabalho.

Como então organizar as idéias no contexto da TSM? Qual o caminho

poderá nos conduzir com maior segurança? Aparentemente a resposta está na citação precedente. Investigar “como sistema sócio-técnico aberto”. Vamos então contextualizar os diversos modelos culminando com o modelo sociotécnico de Rasmussen (1997).

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1.1 MODELO LINEAR

O grande marco, sem dúvida, na preocupação com segurança e prevenção de acidentes foi à publicação do livro Prevenção de Acidentes Industriais, Industrial Accident Prevention, em 1931 por Herbert Willian Heinrich. Foi então proposto o modelo linear de causa e consequência conhecido como a clássica Teoria do Dominó.

A referida teoria da causalidade resultou em uma fila de cinco pedras de dominó sendo a primeira referente a fatores ancestrais sociais, a segunda a falha de características pessoal, a terceira relativa ao ato e condições inseguras, a quarta de acidente e a quinta a lesão como consequência final (LOPES, 2012, p. 27).

Ressalta-se que a gestão de risco, desta concepção, resulta na retirada de uma das pedras do dominó, rompendo assim o encadeamento das causas. A pedra retirada é justamente a pedra do ato inseguro e condição insegura, o que difundiu na investigação de acidentes a busca das condições ou atos inseguros (ALMEIDA, 2001 p.5), concepção que aqui é criticada por ser lacunar face aos macrodeterminantes que envolvem os acidentes.

O fato é que a noção de ato inseguro entendido como ação ou omissão, que pode causar ou favorecer a ocorrência de acidente tal qual aparece na definição da norma técnica NBR 14.280 item 2.8.2 ainda prevalece promovendo um juízo de valor afetando o conhecimento em profundidade dos acontecimentos.

O referido modelo causal, por consequência levou ao surgimento de diversas tentativas de controle do fator humano, ou pessoal.

Com este viés atualmente vigora nos chamados modelos comportamentais do tipo BBS sigla da expressão em inglês, behavior based safety, segurança baseada em comportamento.

Causa certo constrangimento ao estudioso mais atualizado a dominância e o intenso uso nos dia de hoje, de um modelo cuja gênese conta com mais de oitenta anos. Outra concepção sobre o controle de danos formulada pelo engenheiro Frank Bird Jr. na década de sessenta resultou em uma imagem piramidal com a relação de 1 para 10 para 30 para 600, respectivamente a lesão incapacitante, lesão não incapacitante, acidente com danos a propriedade e quase acidentes (FANTAZZINI & DE CICCO, 1994).

O que este último autor propunha é atuar na base, nas lesões leves ou quase acidentes, para evitar os acidentes mais graves.

John Fletcher em 1970 expôs o programa de controle total de perdas cuja preocupação, na mesma linha de pensamento dos autores anteriormente citados, recaindo sobre a base da pirâmide a prevenção acidentes (FANTAZZINI & DE CICCO, 1994).

O controle total de perdas põe em evidência a eliminação não apenas dos acidentes, mas também dos danos à propriedade e de recursos financeiros da empresa, contribuindo desse modo para uma maior atratividade para o empregador pela provável melhora do processo produtivo e lucratividade.

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Com a mesma visão, algumas ferramentas, inclusive usadas na gestão da qualidade, foram utilizadas a partir da década de cinqüenta, com a finalidade de aumentar a confiabilidade tecnológica e também na gestão da segurança e saúde no trabalho.

Dentre as ferramentas mais conhecidas estão à análise de modo de falha e efeito, failure mode and effects analysis (FMEA), o estudo de perigos e operabilidade, hazard and operability study – HAZOP e a árvore de falhas, faut tree effect analysis (FTA).

Neste ponto, existe uma aproximação dos conceitos de segurança na ótica da prevenção de acidentes e da confiabilidade ligada ao desempenho esperado de um dispositivo.

Seguindo, verificamos que os conceitos de análise e investigação de acidentes, devido a sua complexidade avançam da metodologia linear para o modelo multilinear.

Contrariando o movimento linear de causas, a cronologia dos fatos é então vista sob perspectiva, analisando as conjunções e interações dos eventos. Encontramos, neste passo, o método Management Oversight Risk Tree, conhecido pela sigla MORT e o Método de Arvore de Causas (MONTEAU, ALMEIDA e BINDER, 1996), este conhecido pela sigla ADC.

O método MORT possui visão organizacional contribuindo na gestão de segurança do trabalho sendo que a OIT (1998) classifica o método como organizacional. Almeida (2008) repisa este ponto sublinhando que “Hollnagel inclui nos modelos lineares praticamente todas as técnicas que adotam esquemas gráficos, como forma de reconstrução de acidentes (...)”. Pelo visto o MORT possui capacidade de integração e de visualização das relações, contudo devido à representação em árvore mantemos o modelo no conjunto multilinear.

A técnica ADC é potente para uma série de verificações e análise. “Infelizmente ainda é muito mal interpretada e o desconhecimento resulta em fragrantes violações do método construindo não uma arvore de causas e sim uma árvore de culpados, retrocedendo então à concepção do erro humano” (ALMEIDA, 2001).

Ressaltamos ainda no contexto multilinear, o modelo seqüencial: Sequentially Timed Events Plotting (STEP). Trata-se de um modelo onde são examinadas várias linhas seqüenciais ao longo do tempo, uma para cada fator dentro do cenário do acidente.

Na concepção de Hollnagel (2014) as ferramentas de análise quantitativa, são alocadas na fase tecnológica como ferramentas avançadas e de largo uso principalmente nas indústrias de alto risco, como por exemplo, a nuclear.

Seguindo os autores Stamatelatos e Dezfuli (2011) encontramos uma referência destas ferramentas quantitativas, que aqui expomos de forma sumária como segue.

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A finalidade é a avaliação probabilística do risco, Probabilistic Risk Assessment (PRA)6, por meio de inspeção no processo produtivo, uso de estatísticas preditivas, quantificação de falha, tolerâncias e capacidade de equipamentos e materiais.

De modo geral as avaliações PRA, seguem um roteiro linear ou em árvore, conforme figura 3: Seleção de eventos (o que pode dar errado?), possível cenário de desenvolvimento (qual a freqüência em que isto pode acontecer?) e modelação da consequência (o que de errado acontecerá?).

Visto que o elemento humano faz parte do conjunto produtivo, também o PRA abarca a confiabilidade humana, Human Reliability Assessment (HRA). Os passos básicos de um HRA contam com: Definição do problema, análise da tarefa, identificação de possíveis erros, representação ou modelagem do erro e sua quantificação. Ver figura 4.

Uma importante observação é que Stamatelatos e Dezfuli (2011) coloca a avaliação estatística do erro humano dentro do conjunto de erros do sistema e não de forma isolada. Para este autor o uso, por exemplo, da conhecida técnica Technique for Human Error Prediction (THERP), deve ser inserida no contexto do sistema e não tomada de forma individual e isolada.

6 Não é do escopo desta dissertação o PRA e HRA, mas interessa ver a limitação do método.

FIGURA 4: PASSOS BÁS ICOS DE UM HRA. ELAB ORADO PELO AUTOR, COM BASE EM (STAMATELATOS; DEZFULI, 2011, P.145).

FIGURA 3: CONCEPÇÃO DOS CENÁRIOS DE INCERTEZA ATRAVÉS DO PRA. ELABORAD O PELO AUTOR COM BASE EM (STAMATELATOS; DEZFULI, 2011, P.30).

Seleção do

evento inicial

Modelo do

cenário

Avaliação da

freqüência

Modelo de

consequência

O que pode

dar errado?

Como isto acontece e com

que freqüência?

Qual é a

consequência?

Definição do

Problema.

Análise da

tarefa.

Identificação

de erros.

Representação

(modelo) do

erro.

Quantificação e

integração no

PRA.

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Comungamos com o autor lembrando sempre que o modelo de predição HRA mesmo as mais modernas técnicas, como as recomendadas em (HEATH AND SAFETY EXECUTIVE, 2009), devem seguir os passos até a integração com o PRA.

De outro lado, em certa medida a avaliação quantitativa pode ser até mesmo contra indicada. Por mais potente que seja a aplicação destas ferramentas probabilísticas padecem do vício que entendemos dominante nesta geração: A visão de causa consequência que rompe a noção de conjunto e seus intervenientes, diminuindo a visão sistêmica. De forma concordante citamos.

A maioria dos acidentes graves, no entanto, é devido a ocorrências complexas de múltiplos fatores, alguns dos quais não possuem, a priori, relação aparente. A colocação de eventos e falhas em árvores é, portanto incapaz de descrevê-los, o que não impede de ser útil para uma avaliação probabilística geral de segurança. É na verdade uma consequência da visão sistêmica, que o potencial de acidentes (complexos) não pode ser descrita por uma estrutura fixa em árvore, gráfico ou rede [...] (HOLLNAGEL; WOODS; LEVESON; 2006, p 12/Capitulo 1, tradução nossa)7

Aí se encontra a razão em reafirmar a necessidade de nos fixarmos em um

modelo sistêmico, especialmente o Mapa Vertical, AcciMap, para estudo de casos com alta complexidade inclusive pelo fator das decisões humanas.

O Mapa Vertical é uma representação gráfica que possui a característica de agregar a teoria de controle dinâmica. Tenta-se representar os pressupostos que estavam em jogo e seus possíveis controles de retorno para ajustes. Um exemplo balístico trazido em Rasmussen e Svedung (2000, p.15) é querer atingir um alvo parado ou um alvo em movimento. Quando em movimento um ajuste dinâmico deve variar direção, para atingir o alvo. Este seria um retorno de controle.

Na ausência destas abordagens, pelo menos no caso da TSM, corre-se o risco de se perder na descrição das conexões e sermos incapazes de saber como um sistema estável lenta ou abruptamente se tornou instável. Pela falta destes controles.

7 Citação original: Event trees and fault trees may be adequate for risk assessment when the outcomes range from incidents to smaller accidents, since these often need less elaborate explanations and may be due to relatively simple combinations of factors. Most major accidents, however, are due to complex concurrences of multiple factors, some of which have no apparent a priori relations. Event and fault trees are therefore unable fully to describe them – although this does not prevent event trees from being the favourite tool for Probabilistic Safety Assessment methods in general.

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1.2 MODELO EPIDEMIOLÓGICO

Existe aqui uma analogia entre a ocorrência de acidente com a terminologia médica. Procurou-se na década de oitenta a causa do acidente considerando acidentes como eventos análogos a doenças, ou seja, como resultado de uma combinação de fatores, alguns manifestos e alguns latentes, que se juntam no espaço tempo para sua manifestação (QURESHI, 2007). Esta analogia também foi evocada em Reason, como segue.

Estas observações sugerem uma analogia entre o colapso dos sistemas tecnológicos complexos e a etiologia das doenças multicausais, como câncer e as doenças cardiovasculares. Mais especificamente, parece que existem semelhanças entre falhas latentes em sistemas tecnológicos complexos e agentes patogénicos residentes no corpo humano (REASON, 1990, p.197, tradução nossa).8

Em Rasmussen e Svedung (2000, p. 27) os autores inserem o estudo

epidemiológico e conseqüente gestão da segurança com a recomendação de validade para acidentes de maior freqüência e normalmente de menor gravidade, onde faz todo sentido a retomada dos eventos passados como base apriorística da prevenção. A figura 5 mostra a segurança contextualizada em três categorias e suas fontes de perigos com as respectivas estratégias.

8 Citação original: These observations suggest an analogy between the breakdown of complex

technological systems and the aetiology of multiple-cause illnesses such as cancer and cardiovascular disease. More specifically, there appear to be similarities between latent failures in complex technological systems and resident pathogens in the human body.

FIGURA 5: CATEGORIAS DE RISCO E ESTRATÉGIAS DE CONTROLE. ELAB ORADA PELO AUTOR, COM BASE EM (RASMUSSEN; SVEDUNG, 2000, P.28) .

Segurança empírica: Segurança

ocupacional

Avaliação e controle: Segurança aérea

Análise de segurança: Segurança Nuclear

Magnitude

Freqüência

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A figura é clara e mostra que acidentes freqüentes e de baixo dano podem

ser avaliados estatisticamente, pelos eventos passados. Fato este que não se pode estender para uma usina nuclear. Haveria então escassez de dados, mas em um processo de probabilidade de ocorrência baixa e potencial catastrófico. Nestes casos, a freqüência se estabiliza em nível muito baixo sem possibilidade de estudo por meio estatístico. Para instalações novas onde não se conhece a priori o risco o uso do PRA, pode ser útil por serem ferramentas preditivas (RASMUSSEN; SVEDUNG, 2000, p. 28).

De outro lado, a reflexão epidemiológica sugere uma perspectiva interessante de enfrentamento, dos acidentes. Aludimos aqui às dez estratégias de prevenção de acidente de Haddon Jr., conforme citado por Almeida (ALMEIDA, 2006a, p. 196).

Dentro desta base de idéias o Dr. Willian Haddon em 1970 concebeu o que chamamos de Haddon Matrix, conforme a figura a seguir.

Este modelo, epidemiológico é uma ferramenta amplamente usada na

prevenção pós-desastre. Ajuda a sistematizar propostas de intervenção para três momentos: o antes, o durante e o pós-acidente.

O termo vetor é entendido como veículo transmissor do problema conforme esclarece Haddon (1980). A ampliação da matriz adicionando uma terceira dimensão, em profundidade, que inclui o custo e a eficácia torna a ferramenta ainda mais abrangente (MOOREN; GRZEBIETA; WILLIAMSON, 2009).

Da observação surgiu uma reflexão para os prevencionistas preocupados com a melhoria da segurança, de que se poderia ganhar efetividade agindo em três pontos básicos: na fonte dos problemas, no percurso entre um meio ambiente até atingir o alvo e melhorando a robustez do alvo para que o dano não se torne catastrófico. Cabe ressaltar a linearidade, ou melhor, a visão de uma energia, ou doença, que surge de uma fonte e percorre um caminho atingindo o alvo, ou poderíamos dizer o hospedeiro.

Pré-acidente Acidente Pós-acidente

Fator Humano

Fator Ambiental

Vetor

FIGURA 6: MATRIX DE HADDON B ASEADA EM (MOOREN; GRZEBIETA; WILLIAMSON, 2009).

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Da matriz da figura 6, ou seja, fonte de perigo, barreira de proteção que

evita a difusão e alvo da ação do agente colocou-se como medidas de cautela as dez estratégias de prevenção de Haddon, conforme figura 7.

Vale registrar que tanto a noção de matriz como as dez estratégias de Haddon têm origens no chamado modelo de “história natural da doença” desenvolvido por Leavell e Clark. De acordo com esse modelo mesmo intervenções realizadas após o evento, seja doença, seja acidente, são descritas como de prevenção que, neste caso, é dita terciária, seja por poderem contribuir para evitar evolução para estágios mais graves, seja por minimizarem a instalação de seqüelas. As medidas de prevenção capazes de atuar nos estágios anteriores da história da doença foram chamadas de primárias e secundárias.

O modelo epidemiológico, ainda que mantenha um princípio de linearidade

tratado anteriormente, se avizinha do modelo organizacional através da combinação no espaço e tempo de fatores patogênicos que podem inclusive estarem latente na estrutura organizacional. No mesmo sentido encontramos a seguinte orientação.

A noção de fator organizacional patogênico (FOP) tem origem na analogia médica aplicada às organizações, na linha das reflexões de James Reason (1993) sobre os “patógenos residentes” nos sistemas técnicos. Os FOP que nós definimos são tirados empiricamente da análise dos acidentes, com essa constatação de que são encontrados como fonte organizacional de falhas locais específicas que constituem seus sintomas (LLORY; MONTMAYEUL, 2014, p.117).

FIGURA 7: DEZ ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO DE HADDON. RETIRADA DE (ALMEIDA, 2006A, P. 196)

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1.3 MODELO ORGANIZACIONAL

Muitas são as adversidades e os acidentes que acompanham o homem em

sua história. Alguns positivamente aprimoram o estudo científico e tecnológico. Quando isto é conseguido chamamos de aprendizado.

Igualmente no caso TSM o esforço concentra-se em avançar na especificidade da ocorrência e com isto obter um entendimento que mobilize nossas forças para um diagnóstico e conseqüente aprendizado no caso de nos defrontar com casos semelhantes.

Assim também, ocorreu na seqüência da colisão de aviões em Tenerife de 1977 onde se modificou a comunicação entre aeronaves e torre de controle. Algum tempo depois deste acidente em 1978 Barry Turner desenvolveu seu conceito afastando de pronto as noções de que o acidente é um ato de Deus, acts God, ou ainda que tenha sido disparado por alguns poucos erros humanos (WOODS, et al., 2010, p.46).

Tal concepção é de que decisões no corpo gerencial ou organizacional carregam em si mesmo o germe de uma consequência que não se manifesta de forma abrupta, ao contrário, se mantém por algum tempo, incubation period, até que em determinada circunstância a fragilidade incubada se manifesta de modo surpreendente.

A visão de Turner incorpora tanto a perspectiva linear como a epidemiológica, mas acima de tudo e este é um ponto central, é que as cadeias de eventos podem ser discrepantes de forma a que o evento disparador passe despercebido. Surge então o chamado modelo linear complexo mais conhecido como o modelo de queijo suíço (LUNDBERG; ROLLENHAGEN; HOLLNAGEL, 2009)

A figura 8, na seqüência é ilustrativa mostrando que os buracos na forma do queijo suíço permitem a passagem de uma energia perigosa desde que haja um alinhamento que permita ao agente alcançar o alvo.

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Os vazios, ou buracos no queijo suíço, são justamente as falhas ou

problemas na gestão da segurança ou nas barreiras de segurança. As falhas podem ser nas decisões, na linha de frente do projeto, na gerência ou no nível de operação. O que foi aludido aqui é que o perigo encontra de forma estocástica janelas de oportunidades para atingir um alvo, emergindo então o acidente.

A proposição teórica é que a “ocorrência de um acidente não é simplesmente determinada pelo grande número de patógenos no sistema, seus efeitos adversos precisam encontrar as janelas de oportunidades para passar em diversos níveis, incluindo suas defesas” (REASON, 1990, p.198).

O salto teórico dado por Reason neste tipo de configuração, queijo suíço, é o tratamento que dá aos erros ativos como demandados pelo ambiente de trabalho ou organizacional.

Mas quais os fatores que são atuantes nestas barreiras de defesa ou ainda nestas janelas de oportunidade?

Aqui se agrega outra contribuição do professor James Reason, o papel dos fatores organizacionais que são os produtores dos erros ativos e latentes do ambiente conforme a figura 9.

FIGURA 8: MODELO DO QUEIJO S UÍÇO (THEOBALD, 2005)

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Nesta mesma linha de idéias encontramos Almeida (2001, p. 12) como

segue.

Em 1990, Reason (19992) introduz as noções de erros ativos, cometidos

pelos executantes ou operadores que atuam na linha de frente das

empresas e que têm conseqüências imediatas, e de erros latentes,

cometidos pelos idealizadores, pelos responsáveis por decisões de alto nível,

pelos construtores do sistema, diretores ou pessoal de manutenção e cujas

conseqüências podem ficar “adormecidas” por muito tempo no sistema.

Segundo ele, entre os integrantes da comunidade que atua na área da

confiabilidade humana cresce a consciência de que os esforços

empreendidos para descobrir e neutralizar os erros latentes têm resultado

mais benéfico (na confiabilidade do sistema) do que as tentativas pontuais

de reduzir erros ativos.

O modelo de Reason, figura 9, juntamente com a citação de Almeida (2001,

p.12) nos encoraja a pensar no princípio da substituição, apenas como uma das alternativas e não como solução integral dos problemas perigos. Explicando melhor, não nos devemos deter em apenas substituir um elemento do sistema como, por exemplo, a espuma inflamável no caso da TSM.

Outras situações podem estar em jogo e mais uma vez encontrar uma oportunidade de se manifestar como um perigo. Exemplo clássico são as decorações em festas em Nativa e ocasiões especiais.

De maneira um pouco mais sofisticada Hollnagel (2008), discorda da simplificação por substituição, tendo em conta a possibilidade de introdução de mais complexidade, aumentando os dispositivos tecnológicos.

FIGURA 9: MODELO ORG ANIZACIONAL DE REASO N.

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Hollnagel (2008) sugere uma atuação de múltiplas formas, desde a

eliminação do perigo até a mitigação da consequência, inclusive com a introdução de vários tipos de barreiras: simbólicas, físicas, funcionais e imateriais.

Outra forma de olhar para o modelo de Reason (1990) evitando atuar somente nos erros ativos, pelo principio da substituição e ampliar as formas de controle encontra-se no modelo de Almeida e Vilela (2010), chamado de Modelo de Análise e Prevenção de Acidente (MAPA), onde os autores estribados na visualização da gravata borboleta (Bow-Tie), figura 10, utilizaram a metáfora (Bow-Tie) para propor uma ferramenta de investigação, ancorada nas análises de mudanças e análise de barreiras, bem como na ergonomia da atividade (ALMEIDA, et al., 2014) de modo a evitar a análise chamada de reducionista.

O que os autores precedentes lecionam juntamente com Reason é que o

processo decisório é fundamental na formação do acidente. Isto não apenas na extremidade chamada proximal, sharp end, onde causa e consequência estão muito mais próximas e mais demandadas pela conjuntura, mas focam sobremaneira na chamada extremidade distal, blunt end, onde os elos de causa e consequência são menos visíveis e os tomadores de decisão nem sempre avaliam a repercussão de seu comando na segurança das tarefas e do ambiente.

FIGURA 10: MODELO GRAVATA BORBOLETA

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1.4 MODELO SISTÊMICO

A importância dos modelos reside no fato de que nos ajudam na compreensão sobre acidentes, dentro é claro das limitações naturais de cada representação. Existem variações entre os autores, por exemplo, (HOLLNAGEL, 2011) coloca os ambientes de forte acoplamento e não lineares como sistêmicos, já em (WOODS, et al., 2010) a colocação dos modelos complexos e sociológicos encontram-se em sintonia com os sistêmicos.

Contudo nenhuma das concepções anteriormente apresentadas sejam as lineares, as epidemiológicas e as organizacionais, devem ser descartadas.

Ao contrário devem ser utilizadas dependendo da ocorrência, para que possamos ter um diagnóstico, o mais correto.

Sob a ótica sistêmica também se pode usar vários modelos de forma complementar. Por exemplo, no artigo, de Johnson e Almeida (2004) para um mesmo fenômeno, no caso o acidente aeroespacial brasileiro, na cidade de Alcântara/MA, utilizando dois modelos o de Rasmussen e o de Nancy Leveson, respectivamente Accimap e Systems Theoretic Accident Model and Process (STAMP), os pesquisadores foram levados a concluir a utilidade da aplicação conjunta dos modelos que para o caso resultaram complementares.

Após esta pequena digressão, vamos sublinhar o que afinal é um sistema e mais ainda o que é um sistema complexo. A pista para uma resposta vem de boa mão pela citação seguinte: “Parece à primeira vista que a definição dos sistemas como ‘conjunto de elementos em interação’ (...)” (BERTALANFFY, 1968, p. 62) e segue o autor defendendo este conceito como útil em diversas áreas.

Partindo deste conceito de interação e complementando com o conceito de (MORIN, 2013, p. 111) referindo-se à complexidade como “o que é tecido em conjunto”, chegamos por conjunção ao entendimento a ser adotado aqui de que sistemas complexos são: Um conjunto acoplado, ou ligado, pois devem pertencer a um dado contexto e que interagem (trocas) entre si mesmo (sistema fechado) ou entre si mesmo e também com seu exterior (sistema aberto).

Este conceito se consolida dentro destas das perspectivas do sociólogo organizacional Charles Perrow (1999) preconizou sua teoria sobre acidente normal, que ele preferia chamar de acidente sistêmico (ALMEIDA, 2006a, p. 6; AREOSA, 2009, p. 50; LEVESON, 2004, p. 244).

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Trata-se de uma aprofundada reflexão, sobre acidentes, movida por conta de

acidentes nucleares como o de Three Mile Island (TMI), dentre outros. A seguir apresentamos o significado deste acoplamento.

Os dois factores mais importantes para “produção” de acidentes normais são: high complexity e tight coupling. O primeiro factor está relacionado com a elevada complexidade do sistema, o qual gera potencial suficiente para ocorrerem interacções imprevisíveis; enquanto o segundo está relacionado com as ligações apertadas (malha estreita ou acoplamento forte) entre os diversos componentes do sistema. Esta apertada interconectividade estrutural do próprio sistema permite ou facilita a rápida e incontrolada propagação de eventos indesejados, onde os componentes que falharam dificilmente podem ser desligados ou isolados dos restantes, devido às características internas do próprio sistema. (AREOSA, 2009, p. 52)

A figura 11, a seguir representa o que foi exposto exemplificando situações

para cada quadrante.

Processos Contínuos

Transporte Marítimo

Transporte Ferroviário

Linhas Aéreas

1

Plantas Nucleares

Aviação

Plantas Químicas

Missões Espaciais

2

3

Escolas de comércio

Empresas de Manufaturas

Correios

4

Campanhas Militares

Mineração

Universidades

FIGURA 11: QUADRANTE S DE ACOPLAMENTO E INTERAÇÕES. ELABORADA PELO AUTOR COM BAS E EM (PERROW, 1999).

Interações Complexas Interações Lineares

Acoplamento

Apertado

Acoplamento

Frouxo

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A figura 11 revela as duas vertentes da teoria de Perrow (1999):

complexidade e acoplamento. O conhecido pessimismo ao considerar o evento acidente como de difícil

resolução (ALMEIDA, 2006) é consequência desta interatividade não linear que não permite a previsibilidade característica dos modelos como a já citada teoria do dominó.

Em nossa sociedade estaríamos a salvo ou devemos nos manter sobressaltados com o alerta de que “grandes acidentes sistêmicos podem estar em gestação diante de nossos olhos ‘cegos’” (LLORY; MONTMAYEUL, 2014, p. XXII)?

Em que se pese o pessimismo de Perrow ele também aponta alguns caminhos como o da redução da complexidade para a melhoria deste estado de coisas e por consequência da prevenção.

De algum modo a preocupação com o gerenciamento de risco em sociedades dinâmicas e complexas, encontrou no modelo de Jens Rasmussen (1997) uma resposta aos anseios de todos aqueles empenhados na solução destes grandes acidentes sistêmicos.

Aqui um trabalho contínuo é necessário, pois se de um lado não podemos mudar inteiramente o rumo das coisas, podemos de algum modo compreendê-las e progressivamente combatê-las, através do gerenciamento de riscos em sociedades dinâmicas.

Acontece que a preservação da vida e em especial da vida em sociedade a cada dia se torna um desafio maior dado à estrondosa escala industrial e informacional, resultando em uma desenfreada exploração dos recursos naturais e a velocidade exponencial das mudanças tecnológicas que obscurecem a compreensão do mundo que nos cerca dada a velocidade dos fatos.

O ambiente empresarial é cada vez mais agressivo com forte pressão por ganhos financeiros, onde o poder econômico impera sobre os aspectos, sociais, culturais e ambientais da sociedade humana.

Certamente a modelagem de riscos dinâmica em tais ambientes, de alta pressão e velocidade crescente, a contribuição dos modelos dinâmicos tal qual pensado por Rasmussen (1997) e retomado por diversos outros autores como Salmon, Cornellissen e Trotter (2012), Hopkins (2000), Waterson e Jenkins (2011) e, ainda Johnson e Almeida (2004), pode ser de extrema utilidade, pois é justamente neste ambiente que se aplica, ou seja, em sociedades dinâmicas e complexas sob forte demanda externa.

O autor, Rasmussen, cuja teoria é central nesta dissertação, vê o problema dos agravos à saúde das pessoas, as contaminações do meio ambiente e os acidentes dentro dos processos industriais, no chão de fábrica, como um problema social e técnico, ou melhor, sociotécnico envolvendo uma perda do controle da segurança.

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A figura 12, na seqüência apresenta os seis níveis de Rasmussen e mostra

um desenho útil para a compreensão de como são formadas as pressões para a migração do sistema para um desastre ou acidente.

O autor propõe seis níveis básicos, a saber: Governamental, órgãos

reguladores, corporação, gerência, quadro de funcionários e atividade propriamente dita. A figura mostra componentes envolvidos na gestão em cada camada. Já à direita dentro do retângulo, vemos as disciplinas que buscam entender os diversos níveis.

Observamos que existem muitas outras disciplinas em cada camada, que não foi colocada apenas para que a figura não ficasse sobrecarregada.

Seguindo à esquerda da figura, estão representadas as demandas que influenciam a ação em cada nível, os chamados estressores ambientais.

FIGURA 12: NÍVEIS SOCIAIS DE INTERAÇÃO E DISCIPLINAS RELACI ONADAS (RASMUSSEN; SVEDUNG, 2000, P 11). ADPATADO PELO AUT OR.

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As camadas inferiores são fortemente influenciadas por decisões tomadas

nas camadas superiores que podem disparar mudanças que se propagam atingindo o nível mais abaixo, alterando ou mesmo provocando processos perigosos.

Em outras palavras os riscos precursores de uma dada situação podem estar disseminados ao longo das camadas decisórias e não apenas circunscritos a um ator único.

Esta situação se deve em parte às pressões de políticas públicas, representadas por setas de cima para abaixo e das mudanças tecnológicas de baixo para cima. Também encontramos pressões horizontais, demonstradas no modelo, por setas da esquerda para a direita, que são distribuídas por todas as áreas do sistema. Assim é que os diversos níveis não devem ser estudados de forma estanque.

A abordagem usual por decomposição e exploração circunscrita de cada nível ou camada implica em desconsiderar resultados das interações entre os diversos níveis. Tais influências devem ser levadas em conta inclusive no julgamento dos comportamentos em situação de trabalho real (RASMUSSEN; SVEDUNG, 2000).

Outro aspecto destacado nesse modelo é o desequilíbrio na relação entre a produção de riscos e o desenvolvimento de meios e instrumentos para sua regulação. Em sociedades marcadas pela velocidade da evolução de novas tecnologias e mudanças organizacionais o controle de perigos e riscos que vão sendo criados fica para trás. Equilibrar esse jogo torna-se desafio daqueles interessados na prevenção.

O desenvolvimento da representação da TSM pelo AcciMap, se propõe a entender o acidente e por consequência também o caminho para prevenção, aplicando a metodologia desenvolvida em Rasmussen (1997) bem como Rasmussen e Svedung(2000).

Para estes autores uma construção teórica, sobre acidentes encontra-se justamente na região interdisciplinar. A interdisciplinaridade de um lado dificulta o transitar entre determinados aspectos que são muito específicos a uma determinada disciplina, mas por outro lado amplia a visão anatômica do acidente evitando o reducionismo.

Através do modelo conseguimos avançar na compreensão e entendimento das mais diversas condições ambientais em especial no ambiente das tarefas e suas influências.

A título de ilustração, a figura 13, apresenta um mapa vertical do acidente no porto belga de Zeebrugge ocorrido em 1987, com o tombamento de uma balsa.

Na figura a seguir podemos observar os estressores, as demandas indicadas pelos quadrados ou box e as flechas indicando suas influências.

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A crítica, no sentido de que o modelo é forçado previamente pode ser

refutada pela força da concepção do gerenciamento dinâmico dos riscos que promove dialeticamente por sua própria concepção o esvaziamento desta crítica. O mapa é a representação de um movimento em termos de relações.

Variação em termos de posicionamento da figura não retira do todo a sua anatomia que se modela por forças dinâmicas.

Em suma a teoria é aplicada justamente pela inexistência de concepção prévia de causa efeito, sua contextura é de um movimento, modelo dinâmico complexo, e exatamente por isto nada há como forçá-lo. Não há o que se falar em modelo pré-concebido. Sua alternância ocorre de forma abrupta e neste passo (ou descompasso) é que se forma o fenômeno acidentário.

A posição doutrinária que se prefigura é que no instante da tarefa, o papel das leis, regulações, procedimentos e planos de trabalho sofrem uma perda do valor coercitivo, em função do cenário e do necessário grau de liberdade da tarefa, dada a multiplicidade de detalhes.

A explicação resulta em aceitar a probabilidade de que uma regra ou ação não seja feita no exato molde do prescrito e sim do real comportamento do sistema.

Existe intrinsecamente neste modelo a concepção de que o controle cognitivo, das tarefas no nível da atividade real pode diferenciar do prescrito.

Neste ponto há que se reconhecer a enorme dificuldade em superar conceitos já arraigados, como o do erro humano, de modo que nas próprias palavras de Rasmussen (1997) “é muito fácil encontrar alguém que tenha violado alguma regra formal”.

FIGURA 13: EXEMPLO DE MAPA VERTICAL (RAS MUSSEN; SVEDUNG, 2000). COM TRADUÇÃO DO PROFESSOR ILDEBERTO MUNIZ DE ALMEIDA.

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Rasmussen (1997, p. 189) se reporta a vários acidentes, tais como

Flixborough, Zeebrugge e Chernobyl para alicerçar a tese de que estes acidentes não são causados por meras coincidências de forma independente ou simplesmente por meros erros dos operadores.

Mas ao contrário são efeitos de decisões de muitos atores num contexto natural dentro de uma sociedade competitiva.

Veja que o autor fala em contexto natural, ou seja, a decisão é tomada em face dos estressores a que são colocados no instante da tomada de rumo, o nome dado por Rasmussen para estes estressores é de gradiente, expressão muito usada no cálculo matemático que representa o incremento de uma força num determinado sentido e direção.

O tomador de decisão por vezes não consegue ver a forma como migra tais decisões para o sistema como um todo formando um acidente em potencial.

O que falamos, até aqui, pode ser representado na figura a seguir, retirada de Rasmussen (1997, p. 190). Trata-se de mais uma contribuição de Rasmussen que esclarece os pressupostos envolvidos na natureza teórica aqui tratada.

FIGURA 14: FRONTEIRAS DE SEGURANÇA E AS FORÇAS QUE ATUAM NO SISTEMA.

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A figura 14 apresenta três fronteiras ou linhas divisórias, uma tratando do

limite econômico, outra da carga de trabalho possível e outra do desempenho desejado. No interior das atividades organizacionais da empresa, existem os chamados

movimentos brownianos, conceito retirado da físico-química que representa, no caso, nada mais que atividades ou ações aleatórias, desencontradas e que por vezes se chocam umas com a as outras. Esta transposição de conceitos, dentro de certos limites evidentemente, ocorre para obtenção de um melhor desempenho, mas dentro de dois trilhos, ou seja, os gradientes de menor esforço e o de maior eficiência (fazer mais com menos).

Esta tentativa de melhoria de desempenho individual e por consequência o da organização faz com que o sistema migre para uma área fronteiriça, no desenho chamado margem de erro.

Essa margem de erro advinda dos limites próprios do projeto ou das características do empreendimento nem sempre estão claras ou perceptíveis.

A figura mostra que se não forem perceptíveis (fronteira da percepção), as ações contribuintes para um maior desempenho poderá ultrapassar o limite de segurança.

Frise-se que este movimento de aproximação da fronteira de segurança, mesmo não cumprindo uma norma protocolar, é próprio da tentativa de melhoria do sistema, tendo sua fronteira ultrapassada quando da falta de percepção de seus limites.

Neste sentido recortamos um texto, apesar de longo, muito elucidativo sobre a concepção dinâmica dos acidentes.

Poderíamos pensar que esse não cumprimento de normas e essa degradação de segurança fariam com que uma bandeira vermelha de alerta logo se levantasse, mas por duas razões isso não acontece. Primeiro, as pessoas têm de modificar seu modo de trabalhar para cumprir suas tarefas, diante das pressões que qualquer sistema complexo vem sofrendo. É por isso que as campanhas para que os funcionários executem suas tarefas estritamente pelas normas fazem com que em geral os sistemas tecnológicos complexos cheguem a um estancamento estridente. Segundo, a mudança nas práticas de trabalho normalmente não tem um impacto negativo visível e imediato. A ameaça à segurança não se torna óbvia até que um acidente ocorra porque a violação dos procedimentos não leva imediatamente à catástrofe. Em cada nível na hierarquia, as pessoas estão trabalhando arduamente, esforçando-se para responder às medidas de custo benefício, mas não vêem como as decisões interagem com as já feitas por outras pessoas em níveis diferentes do sistema. Contudo a soma total dessas tentativas desorganizadas de adaptação aos tensores sociais está empurrando o sistema lenta porém firmemente, e ‘preparando o palco para um acidente’ para usar uma frase de Jens.(VICENTE, 2005, p. 309)

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O texto põe em evidência a forma de trabalho e a busca de melhor eficiência

podendo levar a uma região perigosa. Também em Almeida (2008) tratando do modelo ressonância de Hollnagel, fica claro que a ação humana pode ser conflitante com os procedimentos. Hollnagel propõe então o princípio Efficiency Thoroughness Trade Off (ETTO), ou seja a busca do equilíbrio entre o necessário a se fazer e o menor esforço em se conseguir o resultado razoável como fonte de entendimento destes conflitos.

Como se depreende dos autores mencionados abandona-se o ótimo para garantir um resultado satisfatório privilegiando o desempenho do sistema dentro da lógica do seu custo benefício.

Claro está que o comportamento individual pode levar para uma região que se chama margem de erro. Existe, contudo, uma diferença em potências quanto a uma intervenção de um gestor ou de um funcionário de base, sendo inclusive a ação do funcionário de base muito mais influenciada pelom contexto da organização.

Isto pode acontecer com todo um empreendimento. Existem empresas de processo contínuo que foram transferidas para países mais permissíveis e estão trabalhando no chamado modo degradado, onde a manutenção já não recompõe a condição natural do sistema (FREITAS; PORTO; MACHADO, 2000). Acidentes ampliados como Bhopal e muitos outros se inserem nesta condição.

Então à degradação do sistema e sua migração não é prerrogativa do chamado fator humano, mas do conjunto organizacional, incluindo a parte física e todos os componentes.

Por fim e não menos importante é lembrar que estamos na concepção dinâmica. Decorre então que as fronteiras podem ser ampliadas ou diminuídas ao longo do tempo.

Intervenções como modernizações de equipamentos adotando intertravamentos e dispositivos de segurança ampliam a zona de segurança. Já com a degeneração dos dispositivos de segurança, ou impossibilidade de executar algum procedimento de segurança9, elas podem ser diminuídas.

Tom Dwyer (2009) nos oferece uma reflexão ainda mais sutil ao mencionar a estratégia dos mineiros que de forma subjetiva sabiam até onde poderiam caminhar no interior das minas de carvão. Com o aparecimento da Lâmpada de Davy, a confiança dos trabalhadores no dispositivo de segurança provocou um efeito sobre as limitações anteriores dos sentidos, fazendo com que os trabalhadores assumissem uma maior exposição e, portanto um maior risco. Até mesmo, então, um dispositivo de segurança pode diminuir a região de segurança, levando o sistema ao seu limite.

9 Existem vários exemplos onde o operador deve neutralizar um dispositivo de segurança para fazer ajuste da máquina durante sua operação. Isto ocorre também nas manutenções de máquinas.

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Tal fator não é mero acaso, diga-se que atualmente, diversas normas de

segurança, preconizam treinamento para o uso de proteção individual e, sublinhe-se, também para o uso de proteção coletiva, esta última por vezes ignorada, visando entre outras coisas, saber reconhecer os limites da proteção.

Inerente a este estado de coisa é que se não se pode perceber uma delimitação ou o que é pior, se o sistema encontra-se em vias de ultrapassá-la por variadas contingências de mercado ou da própria tarefa e por fim a própria linha divisória é móvel em vista de uma sociedade proativa e dinâmica.

Nesta conexão se insere a necessidade de um sistema proativo de controle de segurança, proactive safety control. É disso que vamos tratar a seguir.

Na figura 14 apresentamos a visão sistêmica de Rasmussen em seis níveis de comando e controle. Fica fácil perceber que cada camada exerce um comando ao emitir regulamentos ou ordens específicas e confere pela retroação a efetiva aplicação e bom funcionamento do quanto implantado.

Entretanto para que a realimentação seja implantada exige evidentemente um termo de comparação, ou seja, compara-se o retorno advindo com o desejado inicialmente. Isto é uma malha simples de controle conforme a figura 15 a seguir.

FIGURA 15: MALHA SIM PLES DE CONTROLE. ADPATADA PELO AUTOR CO M BASE EM (LEVESON, 2011, P. 66)

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O funcionamento é simples, o processo sob controle gera informações que são captadas pelo sensor e enviadas ao controlador, que pode ser uma pessoa lendo um relatório ou mesmo um equipamento constatando um sinal elétrico.

O sistema busca manter o seus objetivos ou ainda de seus constrangimentos. Cabe então ao atuador, mais uma vez podendo ser uma pessoa ou não, interferir no processo para que a condição, objetivo, se mantenha.

O controlador para operar possui evidentemente um algoritmo, ou seja, um padrão ou um objetivo a ser mantido.

A figura 15 exemplifica o que chamamos mais propriamente de alça de controle, que alguns denominam conjunto de retroação e controle, termo incorreto no modelo sob tela, por ser esta última denominação, estritamente mecânica.

Lembramos que tal conjunto pode ou não funcionar exatamente como desejado. Isto se aplica a seres humanos que de modo cognitivo podem interagir de forma não esperada, mas também nos sistemas eletrônicos.

Um exemplo, de erro num dispositivo eletrônico, é visto em Figueiredo (2012, p. 232) onde um Controlador Lógico Programável (CLP), não atuou de forma esperada sobre a ausência de um sinal que deveria ser “entendido” como desligamento. Ao contrário, o dispositivo atuou como se estivesse na situação de válvula parcialmente aberta, imediatamente corrigindo, erroneamente, para a condição totalmente aberta, provocando deste modo um incidente.

Acerca disto Nancy Leveson (2004, p. 21) propõe três campos de falhas: A primeira consiste em um inadequado ajuste na imposição do controle, a segunda é devida a execução deste controle e finalmente na perda de realimentação. Temos então três pontos de controle crítico: Controlador, atuador e sensor. Os modos de falha são:

No controlador: 1. Pela falta de identificação do risco pelo controlador. 2. Pela perda de sua própria eficácia de atuação. 3. Pala falta de um comando adequado do controlador como referência. 4. Por mudança da condição esperada, em projeto, da ação prevista. 5. Pode ocorrer ainda uma inadequação entre controlador e atuador. 6. Pode haver perda ou inconsistência da informação do controlador do

processo (lack of linkup). 7. As informações, advindas do controlador que podem estar atrasadas ou

defasadas (time lags) ou fora de sincronismo com a realidade do sistema.

8. Por falta de coordenação das co-atividades e sobreposição de ações.

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No atuador: 9. Pela falta de comunicação, ou seja, o atuador não indica o desvio ao

controlador. 10. O atuador não opera em conformidade com o controle. 11. Atrasos, defasagem no tempo, time lags.

No sensor: 12. Não previsão da amostragem, ou seja, não existência de um sensor para

determinado aspecto do sistema. 13. Falha de comunicação para o controlador. 14. Falha de captação da informação ou comunicação não capturada. 15. Atrasos, defasagem no tempo, time lags. Sob a inspiração das fronteiras de segurança, figura 14, verificamos a

necessidade de nos manter resguardados de um avanço para a região dita como margem de erro. Erro que pode ser atribuído ao ser humano ou a um dispositivo elétrico ou mecânico.

Para atingir tal propósito, principalmente nos sistemas complexos, lançamos mão de um sistema de controle, chamado aqui de alça de controle.

Podem ocorrer vários aspectos patogênicos, tornando as alças de controle inoperante ou fazer com que a ação de controle não seja eficaz, ou pior como visto no exemplo dado por Marcelo Figueiredo (2012, p. 232) termos uma ação não planejada e disparadora do próprio acidente.

Diferentemente de Leveson, Rasmussen pouco explora estes aspectos, seguindo de forma diferente em relação às alças de controle Neste passo Rasmussen propõe um sistema proativo de controle de segurança, proactive safety control, para ser submetido ao que o autor chama de controle adaptativo, adptive control, dado conforme a figura 16.

Rasmussen e Svedung (2000, p. 48) propõe controle de realimentação de malha em sistemas sujeito a perturbações imprevisíveis diferente do anterior.

O sistema ao atuar “deve satisfazer um limite adicional, atender aos padrões de qualidade e custo dos seus consumidores para ser minimamente competitivo e operar dentro de um limite seguro” (RASMUSSEN; SVEDUNG, 2000), antes da fronteira de risco, não invadindo o que chamamos de zona de erro.

Para atender ambas as questões os autores sugerem um controle adaptativo que implica em um aprendizado em alça dupla e não apenas em alça simples como tratamos anteriormente.

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Assim apresentada à questão, o leitor poderá se lembrar do professor de

Harvard, Chris Argyris sobre aprendizado em duas alças, de todo relacionado com o modelo pragmático em análise, dentro da proposta de adaptar-se, mudar, ajustar-se, aprender para não solidificar a “incompetência habilidosa, inconsciência habilidosa e mecanismos de defesa” (ARGYRIS, 1999, p.1).

Decorre que controle adaptativo significa a mudança do comportamento conforme as novas circunstâncias, então o controlador pode modificar o comportamento da resposta num processo dinâmico conforme a característica do distúrbio (ALTRÖN; WITTENMARK, 1995) ponderando com outros dados relevantes, em especial a segurança do sistema.

FIGURA 16: SISTEMA DE CONTROLE ADAPTATIVO COM CONEXÃO CUSTO E SEGURANÇA. ADPATADA PELO AUTOR COM BASE EM (RASMUSSEN; SVEDUNG, 2000).

Processo

Avaliação de Segurança

Avaliação em

resposta ao cliente

Entradas

Perturbação Saída

Avaliação de Mercado

(Custo)

Design e política

de Marketing

Atualização

Otimização

Fronteira de Segurança

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Pouco a pouco em consonância com a figura 16, ocorre uma variação da

resposta em função do próprio sinal ou amostragem da condição do sistema, isto é, uma aprendizagem, pois a resposta fica referendada pelo controlador só após uma dupla comparação, da ação pretendida com o pressuposto, no caso um pressuposto de segurança, que limitaria a ação para não avançar a fronteira de segurança.

Observando ainda mais, vemos que o processo é duplamente monitorado em termos de custo ou produtividade e em termos de segurança. Um sensor avalia a condição do sistema em relação ao aspecto produtivo, já outro interfere num parâmetro de ajuste do controlador que além do ajuste próprio da condução do sistema, interage com uma referência no caso uma pré-condição de segurança e não apenas com as condições mercadológicas.

Fica claro que o sistema ou processo sofrerá então uma intervenção adaptada a outro fator além da amostragem10 de controle simples.

Isto normalmente é feito de uma forma conjunta em um só input, mas pode ser também ajustado pelo projeto do sistema com configuração com duas entradas. No bojo desta teoria de controle, os Mapas Verticais, AcciMap, buscará conflitos, justamente nas hipertrofias, nos desajustes, nos erros, da condição de controle (retroalimentação), entre os níveis ou camadas e que levaram ao acidente, conforme figura 17 a seguir.

Nível N+1 Objetivos

Políticas

Comando e Controle

Referências Medições

(Retroalimentação)

Nível N

Experiência Operacional

10

Os sistemas em malha dupla ou simples podem ser representados de forma matemática, polinomial.

Não há interesse nesta representação, para o nosso estudo.

FIGURA 17: CAMADAS C OM AS ALÇAS DE CONTR OLE. ELABORADA PELO AUTOR COM BASE EM (LEVESON, 2011, P. 83)

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Este modo de olhar pode nos fazer avançar na compreensão do processo

sociotécnico, objetivando a prevenção. Nesta linha de idéias, recuperamos do comentário do Prof. Ildeberto Muniz

de Almeida sobre a investigação de responsabilidades no desastre de Santa Maria: “[...] os mapas podem ser úteis, pois vão do chão de fábrica até a regulação política, atuando com níveis hierárquicos de modo a representar os meios do exercício de controle [...] ”.

De outro lado:

“Há um clamor geral pela identificação e punição dos culpados. Entretanto, não se verifica, na mesma extensão, preocupação em compreender as causas básicas para extrair lições e adotar medidas preventivas para evitar acontecimentos similares” (TRIVELATO, 2013).

Consideramos pelo exposto, que a escolha dos mapas de Rasmussen é

propícia para a discussão e compreensão das causas, bem como dos mecanismos de controle, nos ajudando a escapar das análises reducionistas.

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CAPÍTULO 2 – MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo de caso, único. O modelo descritivo e analítico usado

é o dos Mapas Verticais de seis níveis de Rasmussen, com enfoque retrospectivo e qualitativo.

A trajetória investigativa será sistêmica, ou seja, pretendemos ver o funcionamento em seu conjunto escapando do circulo das visões reducionistas.

A escolha do modelo se apóia em diversas razões, das quais merecem destaque.

O desastre da Boate Kiss ensejou a realização de análises em diferentes instâncias e também publicações que destacaram variadas conclusões sobre o ocorrido.

Uma distinção que foi destacada se deu em torno da natureza mesma do evento: incêndio, acidente químico ou a combinação de ambos?

Outro aspecto que desde o início foi destacado trata-se do grande número de atores sociais envolvidos no evento, seja no que se refere à regulação do funcionamento de empreendimentos do tipo casas de show, seja no tocante ao segmento que atuavam no comércio e controle de vendas de artefatos pirotécnicos.

Esse tipo situação explorado com a técnica de mapas verticais permitirem mostrar o conjunto de diferentes tipos de decisões envolvidas no desastre.

Também pesou nessa escolha o fato de se tratar de técnica desenvolvida em consonância com esforço teórico de crítica às explicações de eventos apoiadas em modelos de causalidade linear em contexto da produção científica em que cresce o interesse pelo conhecimento de novas ferramentas teóricas.

O uso da técnica escolhida implica em considerar “onde o ponto de chegada se torna o ponto de partida”(MENDEL, 1999). Com efeito, será justamente das investigações e documentos, já elaborados e disponibilizados ao público, que se parte para a construção de nossa investigação.

Nesse sentido os dados trabalhados embora secundários, serão cunhados pelos critérios dos Mapas Verticais que estratificam, revelam e redefinem os dados, levantando associações e influências na intenção de se conhecer o funcionamento do conjunto do sistema.

Em outras palavras vamos nos afastar, um pouco, dos acontecimentos e olhar o todo, olhar para o conjunto, na expectativa de que conhecendo o contexto, possamos entender melhor os fatos.

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Assim também indica Michel Llory e René Montmayeul (2014, p. XVI), sob a tônica do acidente organizacional, conforme segue.

Ainda que sejam diversas as causas diretas desses acidentes, todos eles têm uma dimensão organizacional, ou seja, as suas causas profundas devem ser buscadas para além das falhas técnicas e humanas que ocasionam o acidente.

A dificuldade encontra-se principalmente no tocante aos materiais. O

modelo toca várias disciplinas e os materiais da pesquisa que tivemos acesso não foram elaborados na configuração necessária para uma análise aprofundada de acidente interdisciplinar e de visão sistêmica.

O método, que apresentamos a seguir dará conta desta dificuldade. Quanto ao recorte no tempo este também resultou ditado pelos próprios

elementos que se pode coletar. Assim inicia-se a abordagem em abril de 2009 e finalizam-se logo após o acidente quando do início do trabalho de acompanhamento das vítimas.

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2.1 MÉTODO

A investigação ocorre conforme a figura a seguir. A partir dos materiais

crucial, pois nos pareceu difícil distinguir eventos e atores, devido ao viés de seleção. Explicando melhor existem eventos e principalmente atores identificados na cobertura do evento cuja participação não é absolutamente clara ou simplesmente não aparecem nos relatórios.

O inverso também é verdadeiro. Muito do que existe em nada compõe com o fato acidentário. Por exemplo, a composição do contrato social onde aparece o nome dos donos da boate pode ser de grande interesse que é questão cartorial, com a depurar tais fatos.

Por método preferimos optar sempre pelo que estava presente e associado ao fator acidentário. Podendo eventualmente descrever alguns aspectosanálise final se fizer necessário.

Retomando então naqual a influência é captada na camada horizontal em que se encontra ocamada vertical acima (n+1), bem como nfigura 17 da revisão bibliográfica.

A figura 19 ilustra procurando representar em linhas gerais o propósito da análise com apoio dos mapas verticais.

O evento passa a ser entendido como tendo origens no conjunto de decisões. Um evento como o ocorrido naprocessos citados permitem ou não explicar o

Materiais

Análise

FIGURA 18: SÍNTESE D

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A investigação ocorre conforme a figura a seguir.

materiais (tópico 2.2) faz-se seleção. Este ponto é de fato crucial, pois nos pareceu difícil distinguir eventos e atores, devido ao viés de seleção. Explicando melhor existem eventos e principalmente atores identificados na cobertura

ipação não é absolutamente clara ou simplesmente não aparecem

O inverso também é verdadeiro. Muito do que existe em nada compõe com o fato acidentário. Por exemplo, a composição do contrato social onde aparece o nome

e ser de grande interesse na apuração de culpa, mas fica evidente com vista para um planejamento tributário. A seleção

Por método preferimos optar sempre pelo que estava presente e associado ao fator acidentário. Podendo eventualmente descrever alguns aspectos

necessário. Retomando então na construção gráfica do Mapa Vertical busca

qual a influência é captada na camada horizontal em que se encontra ocamada vertical acima (n+1), bem como na camada vertical abaixo (n

da revisão bibliográfica. ilustra o conjunto de decisões presentes na história do acidente,

representar em linhas gerais o propósito da análise com apoio dos mapas

O evento passa a ser entendido como tendo origens no conjunto de decisões. o ocorrido na Boate Kiss permite avaliar até que

permitem ou não explicar os fato.

Seleção de:

- Eventos

- Atores

-Estratificar: nível?

-Associar na camada

Elaborar

os Mapas

FIGURA 18: SÍNTESE DO MÉTODO DE PESQUISA, DO AUTOR.

Associar com nível

superior

inferior.

relação de

pertinência com o

acidente.

se seleção. Este ponto é de fato crucial, pois nos pareceu difícil distinguir eventos e atores, devido ao viés de seleção. Explicando melhor existem eventos e principalmente atores identificados na cobertura

ipação não é absolutamente clara ou simplesmente não aparecem

O inverso também é verdadeiro. Muito do que existe em nada compõe com o fato acidentário. Por exemplo, a composição do contrato social onde aparece o nome

a apuração de culpa, mas fica evidente um planejamento tributário. A seleção se propõe

Por método preferimos optar sempre pelo que estava presente e associado ao fator acidentário. Podendo eventualmente descrever alguns aspectos ausente, se na

construção gráfica do Mapa Vertical busca-se saber qual a influência é captada na camada horizontal em que se encontra o elemento e na

a camada vertical abaixo (n-1) conforme

esentes na história do acidente, representar em linhas gerais o propósito da análise com apoio dos mapas

O evento passa a ser entendido como tendo origens no conjunto de decisões. que ponto os cinco

Associar na camada

Associar com nível

superior e/ou

inferior. Verificar

relação de

pertinência com o

acidente.

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Mesmo se considerar que algum desses processos não atuaria no caso,

parece importante explorar ou especificar estes aspectos.

Representados os fatos nos diversos níveis do mapa passalinhas de ligação (com setas) representando as relações entre esses fatos. A seta estará voltada ao ponto onde a variável, ou parte, está sofr

Acerca destas flechas devemos atentar que podem existir relações de um elemento influenciando um ao outro ao mesmo tempo e em todas as direções, horizontal e vertical.

FIGURA 19: CLASSES DRETIRADA DA APRESENTALMEIDA.

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Mesmo se considerar que algum desses processos não atuaria no caso, parece importante explorar ou especificar estes aspectos.

Representados os fatos nos diversos níveis do mapa passa-linhas de ligação (com setas) representando as relações entre esses fatos. A seta estará voltada ao ponto onde a variável, ou parte, está sofrendo a influência.

Acerca destas flechas devemos atentar que podem existir relações de um elemento influenciando um ao outro ao mesmo tempo e em todas as direções, horizontal

FIGURA 19: CLASSES D E PROCESSO DE DECISÃO (SINTEF, 2002). RETIRADA DA APRESENT AÇÕA DO PROF. ILDEBERTO M UINIZ DE ALMEIDA.

Mesmo se considerar que algum desses processos não atuaria no caso,

-se a inclusão de linhas de ligação (com setas) representando as relações entre esses fatos. A seta estará

Acerca destas flechas devemos atentar que podem existir relações de um elemento influenciando um ao outro ao mesmo tempo e em todas as direções, horizontal

O (SINTEF, 2002). UINIZ DE

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O fenômeno resulta descrito e representado então por blocos e flechas

dentro do contexto da figura 12. De cima para baixo: legislações, regulações, procedimentos em fim o que constrange o sistema, e inversamente de baixo para cima são os retornos informações, registro relatórios que servem para verificação do sistema.

As linhas tracejadas representam ligações hipotéticas, sobre as quais não foi possível encontrar efetiva influência, se a linha tracejada for de um Box ou quadro então a incerteza é sobre a existência do fato que poderia ou não estar presente.

A cautela por pontilhados é resultado da falta de informações conjugado a necessidade de destacar possível comprovação posterior. O enfraquecimento da relação possibilita, dessa forma, um panorama global sem forçar a total confirmação do fato.

A convergência é dada muito mais pelo conjunto do cenário do que pela conferência de cada dado. Convém lembrar que em Johnson e Almeida (2004) os mapas foram tão potentes que conseguiram detectar ausências e lacunas nos próprios relatórios e materiais de consulta, tanto assim que apresentaram varias linhas pontilhadas justamente com este intuito, deixando o quadro geral mais completo.

Cabe aqui uma consideração de validade dos mapas. Não conhecemos mapas feitos por vários autores sobre o mesmo tema. De modo que não se pode afirmar ou refutar uma crítica, a de que outros autores encontrariam, neste mesmo método algo diferente.

Existe trabalho relativo à técnica STAMP, feito pelo por autores diferentes em relação ao mesmo evento e conforme Johnson e Almeida (2004) guardam proximidade. De outra parte existe o uso de vários métodos em conjunto.

Por exemplo, o Accimap e STAMP foram usados em Johnson e Almeida (2004), Andreas (2009) e ainda Salmon, Cornelissen e Trotter (2012).

Os resultados, destes autores, com métodos diferentes foram no mínimo complementares. Entendemos, portanto que pode haver alguma mudança no desenho dos mapas o que não alteraria significativamente o resultado final.

FIGURA 20: REPRESENTAÇÃO DO BOX DE RELA ÇÃO. Y É INFLUENCIADO POR X.

X Y

FIGURA 21: REPRESENTAÇÃO DO BOX DE POSSI BILIDADE. PODE EXISTIR Y E SE EXISTIR PODE ESTAR ASSOCIADO E INFLUENCIADO POR X.

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2.2 MATERIAIS

Os materiais são secundários tomados de documentos divulgados em mídia e fornecidos pelos órgãos públicos, dentre os quais destacamos:

1- Relatório da Assembléia Legislativa do estado do rio Grande do Sul.

Disponível em: http://www.al.rs.gov.br/download/ComEspContraIncendio/RF_Incendio.pdf

2- Relatório da comissão Parlamentar de Inquérito do Município de Santa Maria /RS. Disponível em: http://www.claudemirpereira.com.br/wp-content/uploads/2013/07/AQUI2.pdf

3- Denúncia do Ministério Público à 1ª Vara criminal de santa Maria/RS. Disponível em: http://zh.rbsdirect.com.br/pdf/14838939.pdf

4- Relatório do Inquérito policial da 1ª Delegacia de Polícia de Santa Maria /RS. Disponível em: http://www.pc.rs.gov.br/upload/20140718162221relatorio_ip_01_de_2013___licenciamento_da_boate_kiss_final.pdf Disponível, também em:

http://www.conteudojuridico.com.br/peca-juridica,relatorio-final-do-inquerito-policial-que-apurou-o-incendio-ocorrido-no-dia-27-de-janeiro-de-2013-por-volta-da,42593.html

5- Pedido de retorno dos altos pelo Ministério Público sobre a expedição de alvará de prevenção de incêndio. Inquérito contra o Copo de Bombeiros. Disponível em: http://www.mprs.mp.br/areas/imprensa/arquivos/despachoic.pdf

6- Relatório especial do CREA-RS sobre a análise do sinistro na Boate Kiss. Disponível em:http://www.crea-rs.org.br/site/documentos/documentos10/RELATORIO%20COMISSAO%20ESPECIAL%20FINAL.pdf

Utilizamos, ainda, documentos principalmente os disponíveis na internet, tais como, jornais e revistas: O Globo, Zero Hora, Folha de São Paulo, Estado de São Paulo.

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Consultamos vários sites e inclusive blogs como da Associação dos

Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de SM11 dentre outros que comentaram o caso.

Utilizamos ainda as buscas no Google e recorremos também ao Youtube12 para filmes, entrevistas e registros iconográficos, como croquis, desenhos, filmes em particular o filme elaborado pela Discovery Channel, exibido em 2014.

Notícias da TV e os depoimentos gravados no youtube das próprias vítimas foram também objeto de reflexão.

Foi utilizada pesquisa de artigos, teses e livros sobre temas como incêndio e acidente nas bases indexadas. Pesquisamos através do SIBiUSP: Dedalus; Revistas USP; Periódicos Capes; SciELO.

Recorremos ainda ao aplicativo: Mendeley. Usamos como descritores13 as palavras em português e inglês: Incêndio,

mapa vertical, acidentes, investigação de acidentes, incêndio em clube noturno, Boate Kiss. Também recorremos à associação de palavras principalmente com o termo acidente do trabalho ou industrial, para refinamento da pesquisa.

A busca também se estendeu pela conceituação teórica por meio dos nomes dos autores: Rasmussen, Leveson, Hollnagel, Perrow, Reason, conforme demandava a revisão teórica ou mesmo pela necessidade de embasamento na seleção, estratificação e associação, na formulação dos mapas.

Dessa forma compomos várias fontes em especial, nos alicerçando em literatura técnica de estudo de caso.

Dado ao elevado grau de especificidade, do tema, ocorreram dificuldades que foram superadas pela abordagem dialogada com outros pesquisadores e principalmente com o orientador da pesquisa. Também foi decisiva a discussão, durante a banca de qualificação sobre o tema proposto, apontando o acidente químico como um dos referenciais.

11 Site: https://pt-br.facebook.com/associacaovtsm 12 Site: https://www.youtube.com/?gl=BR&hl=pt 13 Descritores em ciência e saúde: http://decs.bvs.br/

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CAPÍTULO 3 – RESULTADOS E DISCUSSÃO

O resultado é apresentado através de mapas: Mapa de eventos e mapa de atores. A primeira fase foi dividida em eventos antecedentes, evento crítico e eventos conseqüentes, guardando um pouco da característica da gravata borboleta, bow tie.

O sistema sob análise é o da casa de diversão noturna, uma boate, localizada na cidade de Santa Maria estado do Rio Grande do Sul, Brasil, a cerca de 320 Km da capital Porto Alegre.

Conforme o IBGE (2013) a população local é de 261.031 habitantes, área da cidade é 1.788.121 Km2, PIB per capta aproximado de seis mil dólares e fica no 46º do Ranking do IDH.

O ambiente da Boate Kiss é totalmente circundado por paredes de alvenaria, com divisórias acartonadas para as áreas de palco e dos três bares do interior da boate, além de banheiros e o mezanino. Apresenta uma única entrada e saída formada por duas portas com vão de 1,75 metros uma e outra com 1,60 metros, sendo que entre elas havia uma divisória central fixa de 1,0 metros.

A iluminação era mantida baixa durante suas atividades. A atividade rotineira era de divertimento e reunião para show e dança. O público predominante jovem.

A cidade possui grande quantidade de universitários, graças à universidade de Santa Maria. O processo operacional consiste em captação de clientes pela mídia, por relações públicas, com uso da malha de relacionamento incluindo ainda pessoas contratadas, promoter, para atrair clientes.

A atratividade também ocorre pela arquitetura interna e externa do ambiente. O ambiente oferece espaço de dança, ambiente propício para convívio, show de diversas bandas e consumo de bebidas e coquetéis.

O local, também conta com pessoal segurança interna da boate contratado sob demanda. Estes seguranças protegem o ambiente, organizam filas, e garantem o patrimônio do local assim como o pagamento das comandas, que são instrumentos para controle do consumo interno na boate e que deve ser quitado ao sair do ambiente.

As atividades produtivas ocorrem no período noturno. Algumas atividades de infra-estrutura ocorrem também durante o dia, tais como, contabilidade, armazenamento de material, manutenção e limpeza geral.

Neste sistema é que ocorreram os eventos a seguir descritos e analisados.

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3.1 MAPA VERTICAL DE EVENTOS ANTECEDENTES

FIGURA 22: MAPA VERT ICAL EVENTOS ANTECEDENTES. ELABOR ADO PELO AUTOR.

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3.1.1 Análise da gestão da boate

Primeiramente o nome Boate Kiss é o nome comercial, fantasia, da empresa Santo Entretenimento LTDA. Criada em local anteriormente destinado a cursos preparatórios e ainda antes uma antiga revenda de bebidas.

Foi em abril de 2009 que se consolidou a relação comercial tendo como sócios proprietários a Sra. Ângela Aurélia Callegaro e sua irmã Marlene Teresinha Callegaro. Ângela cuidava da parte financeira e Marlene da parte de compras.

Mauro Hoffman era na verdade o sócio investidor e administrava a boate, juntamente com Elissandro Spohr, também conhecido pelo apelido de Kiko. Ricardo de Castro Pasch era o encarregado da boate e vivia com a Srª Angela Callegaro. Tendo em vista a mudança de ocupação à empresa contrata um escritório de arquitetura para decoração e reforma, assim como para regularizar as atividades na prefeitura.

A contratação é para parte documental, e não faz parte o comando da obra. Na seqüência a empresa contratada Marca Engenharia cuja proprietária a Eng. Josy Maria Gaspar Enderle desenvolveu atividade de assessoria para obtenção da liberação da documentação pelo Corpo de Bombeiros de Santa Maria (CBSM), diga-se por exigência da prefeitura. A engenheira Josy elaborou o projeto, mas nunca verificou se o mesmo estava devidamente executado (RS, 2013c, p. 37).

O papel da engenheira encontra-se limitado pelo contrato ou acordo com a gestão da boate. A ação entre engenheiros e seus conselhos ligados ao Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA) é limitado à exigência da anotação de responsabilidade técnica (ART), pouco se sabe da fiscalização e atuação dos membros deste conselho. Existe legislação própria, Lei 5194/66, atribuindo compromissos e responsabilidade. É tudo.

Parece-nos óbvio constatar que se não existir uma ART ou denúncia, sequer o conselho vai saber que uma obra está sendo feita.

No caso tudo indica que este projeto, para aprovação do CBSM, jamais foi executado. Inclusive seguidas mudanças foram feitas. A gestão da boate, sem dúvida de cunho familiar, leva a frente suas decisões próprias sem preocupações com orientações técnicas.

As empresas de assessoria são apenas meio de atendimento à solicitação de algum órgão público e não atingem o universo das ações internas da empresa.

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3.1.2 Análise do Corpo de Bombeiros

O CBSM é acionado pelo próprio interessado que o faz através de protocolo via rede de internet (figura de número 23). Em geral está solicitação é precedida de uma demanda da prefeitura sobre a gestão da boate, que então contratou profissionais para a tarefa burocrática.

Não existe o policiamento dos bombeiros sem acionamento anterior, salvo poucas iniciativas as coisas são dessa forma.

Sem avançar neste ponto, cumpre salientar então que a única barreira existente na execução de quaisquer tarefas é uma barreira imaterial, estritamente documental e burocrática sob o controle exclusivo da prefeitura local que é o solicitante final da regularidade do imóvel em relação à prevenção de incêndio.

Não se está afirmando que a empresa não possui interesse em prevenção de incêndio, entretanto a provocação da prefeitura é sempre decisiva levando-se em conta a necessidade de emissão de notas sem o quê não existe faturamento, então não há como escapar da fiscalização da prefeitura é a prefeitura que exige os outros documentos.

Este fato pode ser entendido como se uma parcela do controle burocrático da prevenção de incêndios resulte municipalizada já que o direcionamento ao Corpo de Bombeiros deriva, em sua maior parte, da gestão municipal.

Já o Corpo de Bombeiros e também o CREA (CONFEA) não possuem meios de controle ativo, salvo algumas iniciativas são sempre reativos.

Nesta linha de idéias acompanhando o AcciMap o candidato a interpor alguma solicitação de qualidade ou segurança seria o contratante no caso a boate. Estaria a gestão da boate em condições para isto? O mapa sugere que não.

A boate faz uso de terceiros para complementar sua atividade, entretanto o panorama posto é da contratação para solução de exigência documental da prefeitura.

O raciocínio da gestão da boate, enquanto controle de qualidade dos serviços, passa unicamente pela obtenção do que contratou, ou seja, a liberação documental. Liberando o documento, pelo órgão público, e a contratação foi um sucesso. Deriva do raciocínio acima a inexistência de controle o que é refletido no mapa pela ausência das malhas de retorno na contratação da área técnica externa.

Este estado de coisas consegue piorar, após a implantação do Plano de Prevenção e Controle de Incêndio (PPCI). Vejamos como um sistema útil pode degenerar em uma estrutura que torna mais imperceptível a fronteira de segurança, entendida como na figura 14.

Estamos no quadro W3-PPCI do mapa. Como o software influenciou a ação do CB e por consequência o acidente, este é o ponto que vamos comentar a seguir.

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A W3 Informática fora contratada pelo Corpo de Bombeiros para

implantação de um software o Sistema de Gestão Integrado de Prevenção de Incêndio (SGIPI). Trata-se de uma solução criada inicialmente na cidade de Caxias do Sul, com a finalidade de agilizar processos reduzindo o estoque de demandas existentes.

O sucesso foi grande, em 2009 foram realizadas vinte e uma mil inspeções contra duzentas em 2002 (OSTASZEWSKI, 2010).

O major Ostaszewski (2010) segue mostrando as enormes vantagens do aplicativo web: Inserção de fotos, padronização de procedimentos, inspeções móveis, integração com prefeitura, integração com Google Maps. Mais ainda, as diversas normas e leis sobre o tema poderiam estar disponíveis ao alcance dos bombeiros, além de constantes atualizações.

Tanto é assim que o sistema foi disseminado por várias cidades do Rio Grande do Sul, em especial em Santa Maria.

O processo informatizado começaria pelo PPCI conforme determina a Portaria 064/EMBM/99. O PPCI é o primeiro protocolo feito pelo interessado, mas neste caso o processo é informatizado, em uma tela, sendo que a verificação a cargo do sistema SGIPI demora poucos minutos, contra as verificações manuais que podem demorar dias.

A partir do registro emite-se o Certificado de Conformidade com exigências mínimas a serem cumpridas, logo na seqüência ocorre diligência do CB para então ocorrer à emissão do alvará de funcionamento.

Aduzido os fatos, vemos que em algum momento a implantação de todas as inúmeras vantagens se interrompe. Do todo que foi dito e era esperado, pelo sistema, por motivo que não se sabe ao certo, se reduziu a um registro de protocolo.

Com a utilização do software SIGPI no 4.º CRB, na prática passou-se a ter somente uma modalidade de PPCI, muito próxima ao Plano Simplificado de Prevenção e Proteção Contra Incêndios (PSPCI), e que, na verdade, não respeitava (ou atendia) a totalidade das normas e diretrizes exigidas pela legislação estadual nos procedimentos administrativos dos PPCIs. A razão de tal desprezo às normas buscava priorizar uma suposta celeridade e aumento de arrecadação em detrimento da segurança dos contribuintes, já que, a partir de então, assumiu relevo a fase de inspeção das edificações (com a conseqüente arrecadação em razão do pagamento das taxas de inspeção) (RS, 2013).

Forçoso é reconhecer que o intuito arrecadador, resultou preponderante

pondo de lado outros aspectos de segurança. O fato não se esgota meramente no software indo mais além, atingindo

inclusive os trabalhadores públicos, os militares que buscavam exercer sua atividade e encontraram em vista deste próprio software uma pressão de tempo e produtividade.

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O trabalho de Soares Júnior (2009) aponta a existência de comparativo, incluindo nome do membro da brigada, referente ao número de emissão de alvará e de outros dados.

Este comparativo de desempenho individual, com nome dos militares, exerce qual papel? Quais fatores determinam a qualidade da inspeção? A quantidade é o critério?

Qual é então a lógica do sistema informatizado? O que o sistema informatizado está realmente controlando?

As perguntas nos levam a crer que o sistema parcialmente implantado, não possui o viés de auxiliar na fiscalização de normas e de segurança.

Em contraponto pode até prejudicar. Ao emitir o Certificado de Conformidade, passo antecedente ao alvará, já interpõe as características a serem verificadas, como que conduzindo a fiscalização. Segue imagem ilustrativa do cadastrado de um PPCI.

FIGURA 23 CADASTRO DE UM PPCI. FONTE (SOARES JÚNIOR, 2009).

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Tudo o que dissemos até aqui, das camadas três e quatro do mapa, ocorre de

forma deslocada das diretrizes das camadas superiores, que não obtém relatórios ou retroação para verificação se o objetivo real, ou seja, se a proteção do cidadão encontra-se amparado pelo sistema.

O erro latente da fragmentação, sistêmica e descoordenada atinge instituições privadas e públicas não sendo atributo único da gestão administrativa da boate.

3.1.3 Análise da proteção acústica

No caso do revestimento acústico o Eng. Miguel Ângelo Pedroso, subcontratado da empresa DB Graus14, possui a tarefa de resolver um problema com vizinhos da Boate, que acionaram o Ministério Público por causa do ruído do local.

O ruído, após o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em novembro de 2011, passa então a ser um objeto de preocupação para o gestor.

A introdução de revestimento acústico deriva dessa preocupação, mas também para melhoria da acústica local, coisa importante no bojo das atividades de show musical da empresa. A partir deste raciocínio estamos no fulcro da questão acidentária, como pode ser visto no mapa na camada quatro.

As três demandas sobre a boate, ou seja, a da promotoria, a da prefeitura, e a do Corpo de Bombeiros, se resolvem através da intervenção de um profissional técnico, sobre o ambiente. Na ótica destes três órgãos, os técnicos detêm o conhecimento e as condições de orientação para adequação da empresa.

Mas a empresa efetua a colocação da espuma de poliuretano por conta própria, A espuma foi colocada pelo barman a mando da empresa (RS, 2013c).

O essencial tanto para a Prefeitura, Ministério Público e Corpo de Bombeiros é que sejam adotadas pelos proprietários as supostas providências cabíveis. Parece que agiram do mesmo modo que costumavam fazer em situações assemelhadas.

Convém entender que se de um lado é legítimo supor que ao contratar profissional a empresa queira incorporar suas sugestões e projetos, de outro, em sistemas fortemente pressionados e de mudanças rápidas, advindas principalmente do ambiente argentário dos negócios, este pressuposto pode ser invalidado.

O conjunto é ainda agravado mesmo se validado o pressuposto, uma vez que as rotinas adotadas no poder público, inclusive, no Corpo de Bombeiros em relação à autorização de funcionamento de casas de show se mostravam centradas em exigências de prevenção de incêndios e podemos sustentar que não foram atendidas por completo: Sinalização, iluminação e saída de emergência, brigada de incêndio (CREA-RG, 2013).

14 O dono da DB Graus é o Engenheiro Samir Frazzon Samara.

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Cabe frisar que o acidente químico poderia se suceder ainda que todas as

demandas fossem atendidas. Lembramos que causa e consequência não se aplica de forma estrita no blunt end, momento distante do acidente. O entendimento aqui é de que os requisitos mínimos já demandariam uma ação por parte dos poderes públicos coercitivos de modo que, apenas como hipótese, a casa noturna poderia não ser liberada ao funcionamento ou então se daria maior relevância para a gestão do risco de incêndio. Havia lei e regulamentação sobre iluminação e saídas de emergência e de fácil constatação.

O poder regulador, neste ponto trabalha, duplamente, em cega confiança. A de que os pontos de norma foram seguidos e que uma vez seguidos protegem o cidadão.

De outra parte, se nem as exigências mínimas e visuais, puderam ser atendidas, o evento de contaminação química passa ao largo. Mesmo já tendo ocorrido desastres com alguma similaridade em diversos países do mundo e com elevado número de vítimas.

Existe aqui uma trilogia de desacertos: Legislação pouco específica sobre a questão química e de materiais de acabamento, inspeção descentrada do conjunto de normas sob pressão produtiva do órgão público e gestão da boate priorizando a continuidade da atividade em detrimento de quaisquer sinais de risco ou desacerto técnico.

Até que ponto práticas habituais nas rotinas dos gestores e órgão públicos e também de profissionais da área se distanciavam do prescrito em normas legais? Como isto afetou a forma como agiram na TSM? A investigação não consegue esclarecer.

O certo é que também os profissionais técnicos envolvidos nas tarefas não capturaram a preocupação com a possibilidade de acidentes químicos no estabelecimento. Incluindo aqueles encarregados da instalação de proteção acústica na Boate.

Segundo informações publicadas depois do acidente tanto em Santa Maria como em muitos outros locais do país era comum vender espuma de poliuretano sem tratamento para retardar chama. Os técnicos sabiam disso? Se sabiam alertaram aos gestores da boate?

Quanto aos vendedores, mesmo sabendo da destinação pretendida oferecem esse produto mais barato e de uso geral, aos encarregados da compra, sendo que o poliuretano somente pode ser usado se incombustível ou com retardante de chama (BISTAFA, 2011, p. 247). De onde se conclui a necessária advertência técnica, no sentido de evitar tal uso.

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No caso de Santa Maria não foi possível detectar se durante a vistoria do

Copo de Bombeiros a espuma de revestimento, seria de fácil percepção. Ainda se visualizada a espuma teria algum técnico ou membro do órgão

público conectado tal fato a um possível acidente químico? Teria alguma norma específica a priori possibilitada tal conexão de idéias?

Se tomarmos por alto o número de normas entre ABNT, International Standart Organization (ISO) e National Fire Protection Association (NFPA) nos veremos a volta com mais de seiscentas publicações.

Tudo sem acesso livre, sem possibilidade de visualização na internet em vista de direitos autorais. Todas as normas são pagas.

Em que medida o conselho de engenharia obriga atendimento de normas que não são facilmente acessíveis? Eis uma linha pontilhada no mapa a do CONFEA, ABNT e técnicos. Coexiste neste ponto um paradoxo.

Como podem atuar de forma tão desconectada, conselho, associação e técnico se o produto de engenharia (serviço ou obra) é único?

Num passo a frente se aos técnicos a dificuldade é enorme o que se dirá ao gestor da boate que é especialista em outro setor, o de entretenimento.

O que se pretende mostrar é que para engenheiros e arquitetos, a segurança química e mesmo de incêndio não é disciplina trivial. Envolve estudos e gastos financeiros. Por conseguinte seria impossível ao leigo tomar a frente desse trabalho.

Acrescenta-se ao quadro ser insensato almejar que os bombeiros com mero treinamento e um check list na mão poderiam referendar qualquer situação de segurança. Tudo o que podem é conferir se o projeto e a responsabilidade técnica estão regular, nada mais. Além de alguns detalhes visuais.

Dentro do conjunto de atividades dos órgãos públicos o Ministério Público para atender a legislação ambiental e resolver conflito entre vizinhos exige laudo acústico.

O laudo acústico verifica as intensidades sonoras e não constata a parte construtiva. O poliuretano então passa despercebido, sem documentação que o registre e sem técnico que o perceba.

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3.1.4 Análise da Prefeitura

A isso se liga todo um o subsistema da prefeitura. Neste estudo a análise do subsistema prefeitura ficou prejudicada por falta

de informações nos relatórios de análises do evento. A ausência de informações sobre a atuação de atores políticos importantes

em eventos analisados com mapas verticais já foi apontada em estudos anteriores. Estudando acidente de Alcântara, os autores apontaram lacunas em processos decisórios apontando como razões o fato de práticas apoiadas em outras ferramentas não incluírem busca sistemática de esclarecimento das cadeias hierárquicas e alças de controles, adotadas, e também recusas de colaboração por parte de envolvidos quando solicitados pelos pesquisadores Johnson e Almeida (2004).

Embora pelo menos um dos relatórios de análise do desastre de Santa Maria a que tivemos acesso, (RS, 2013b), tenha formulado questões ao prefeito da cidade sobre a estrutura organizacional da prefeitura e seu funcionamento continuou sem explorar a real forma de atuação dos diversos níveis hierárquicos do sistema cuja análise é preconizada com a técnica de mapas verticais.

Por isso mesmo, resta por ser feito esclarecimento aprofundado de contribuições das diversas áreas da prefeitura nas origens deste acidente.

O que sabemos é que a prefeitura pode exigir documentos, mas fechar empresa irregular cabe uma gradação de ações: notificação, multa, suspensão e depois cassação.

Também sobre a verba para o Corpo de Bombeiros foi dito que a mesma é recolhida e enviada ao Corpo de Bombeiros pelo Fundo de Reequipamentos de Bombeiros, (FUNREBOM)15.

Sendo que em dois anos foram encaminhados um milhão e oitocentos mil reais para o Corpo de Bombeiros. O que não sabemos é se este valor era suficiente para a gestão do Copo de Bombeiros de Santa Maria e quais as eventuais restrições que havia em função de restrição orçamentária.

De outro lado a prefeitura possui quatro mil funcionários contando com fiscais todos concursados de modo a crer que os recursos humanos são minimamente qualificados (RS, 2013b). Entretanto em que medida a ação destes funcionários estão limitada, ou constrangida?

Digamos, por fim, que o relatório de argüição do Prefeito, pelas respostas, não contribuiu para maior conhecimento do subsistema prefeitura, fica claro somente que seu principal executivo não tem a condição de controle sobre aspectos importantes na condução da liberação e funcionamento de casas noturnas (RS, 2013b).

15 Este fundo foi instituído pela Lei Municipal 5.288 de 16 de março de 2010. O mapa mostra a relação por meio da seta onde a prefeitura encaminha os valores financeiros ao CBSM.

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Os mapas revelam a falta de estrutura de controle pela ausência de malha de retorno, em especial para o principal executivo.

Temos então um elemento que é central na precondição acidentária onde a influência resulta desordenada, onde o exercício fiscalizador é pontual e burocrático.

Finaliza o documento do termo de declaração do Ilustre Prefeito ressaltando que sobre qualquer assunto escreve “de acordo nos termos da Lei”.

Está visto que na esfera política a expectativa é toda em função da legislação como poder coercitivo e mandatório.

A questão deve sofrer uma critica, pois o caso mostra a insuficiência, da mera preconização legal, haja vista, que nem mesmo a lei fora cumprida.

Neste passo a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria, AVTSM (2013), em outubro de 2013 faz três perguntas ao Ministério Público, sendo a terceira no seguinte teor: “O Ministério Público de Santa Maria sabia da existência da Lei 3301 de 1991, que proibia a utilização de espuma em boates de Santa Maria?”

A pergunta sobre a lei municipal de Santa Maria é um alerta para o descumprimento da legislação e de normas técnicas, então vigentes.

Estamos aqui em um ponto central já na esfera proximal do acidente, onde existia sim legislação contra o uso de materiais de fácil combustão e que depreende gases tóxicos. A pergunta então passa a ser em que medida os atores incorporavam, este tópico. Conheciam estes materiais? Poderiam de forma genérica antever a condição de risco?

Em Santa Maria existiam sim código e legislação do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio Grade do Sul. A proibição da espuma, mesmo que preconizada de forma genérica era proibida.

Ao examinar o caso repisamos que não se avança pela comparação com leis e normas. Elas existem, talvez precise de melhorias, isto sim, mas não nos devemos ligar ao conceito de ausência ou descumprimento somente.

A pergunta ao Ministério Público de Santa Maria sobre a Lei 3301 de 1991 é de outra ordem e nos instiga ir mais além, questiona, isto sim, a governança e o controle este é o ponto.

Finalmente a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (SEDEC), órgão federal que rege a defesa civil juntamente com a prefeitura municipal, possui um elo fraco (pontilhado) não se conhece o papel junto à prefeitura, a menos da ação direta da defesa civil.

Mais uma vez ressalta-se a descontinuidade entre órgãos públicos de diferentes camadas.

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3.1.5 Análise do comércio de material pirotécnico

Seguindo adiante, se as relações em camadas contínuas são tão frágeis então

o que dizer quanto em camadas distantes. A relação comercial da banda de música ao comprar o artefato pirotécnico é pelo gênero do objeto transacionado, governada pelo Código de Defesa do Consumidor (ligado ao Ministério da Justiça) e também pela Lei 3665/2000 relativa a produtos controlados (R10516-Ministério da Defesa). Esta linha tracejada é longa, vai da camada do ambiente aos mecanismos de governo.

O bom senso diante da complexidade crescente de regulamentos faz crer que a relação comercial loja e banda de música não se fixam nos parâmetros da legislação acima citada e nem do Ministério do Trabalho, Portaria 3.214/78, NR19, que em seu Anexo I trata justamente o comércio de fogos de artifício. O afastamento técnico legal em relação aos acontecimentos é cristalino. Com toda boa intenção o dono da loja ainda comenta em depoimento que por motivo de preço foi levado fogos para uso externo e não interno. Diferença de R$2,50 para R$50,00 (RS, 2013c p. 16). Com efeito, a declaração supõe que os fogos internos não teriam problema.

Não estendemos a pesquisa para comprovar se é possível alicerçar esta afirmação tecnicamente. A princípio isto de nada adiantaria, pois é um equivoco achar que estes artefatos de uso interno não possuem calor, também não se sabe ao certo qual a altura seria capaz de atingir, mas a maioria destes fogos17 alcança mais de um metro de distância (IMETRO, 2015), então, com o rebaixamento do teto da boate (RS, 2013c p. 17) seria difícil não atingir a espuma de revestimento utilizada.

16 R105 é o número do regulamento para fiscalização de produtos controlados pelo exército. 17 Sputinik.

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3.1.6 Análise da relação da gestão com os trabalhadores

Na esfera do Ministério do Trabalho, encontramos ainda relações cujas prerrogativas são de extrema relevância e que na prática não se concretizaram. Conforme o SINAIT (2013) morreram vinte e dois trabalhadores dentre funcionários, terceirizados e músicos.

Dentre os trinta e cinco funcionários, da boate, dezessete tinha carteira assinada, de modo que é plausível que tenham feito minimamente exames médicos e possivelmente atendida alguma das regulamentações do Ministério do Trabalho.

Também existe da convenção coletiva de trabalho18, portanto existe de alguma forma um laço regulamentar entre a gestão da boate, sindicatos e os trabalhadores, portanto com o Ministério do Trabalho.

Por ouro lado não se sabe de nenhuma orientação ou fiscalização do Ministério do Trabalho no local.

O único envolvimento que foi possível acessar foi uma nota da FUNDACENTRO-RS (órgão de pesquisa do Ministério do Trabalho) desejosa de participar das investigações, nota datada de 2 de fevereiro de 2013.

Não se sabe até que ponto este órgão pôde fazer a análise e se o fez não conhecemos nenhuma divulgação.

O mapa mostra uma relação informal entre trabalhadores. Inclusive a captação de clientes é por promoter externo. As normas da Portaria 3214/78 de segurança e saúde não ajudam neste caso sendo que apenas no Anexo I da Norma Regulamentadora de número 19 existe alguma recomendação para o comércio de artigos pirotécnicos.

3.1.7Análise do incêndio

As pré-condições estão dadas. O palco está montado para o show de pirotecnia. O que se verá na seqüência é um incêndio que dará início ao acidente químico. O incêndio é o último elo entre as pré-condições e o evento crítico. Veremos como se deu isto.

18 O número de registro da convenção no Ministério do Trabalho é RS 000284 /2012.

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Um incêndio normalmente segue a figura 24 a seguir. Claro que para haver fogo é necessário calor, combustível, comburente

(oxigênio) e uma reação em cadeia. Ao iniciar o show o artefato pirotécnico produziu o elemento que faltava, ou

seja, o calor, para dar início ao fogo que de pronto ficou incontrolável. A temperatura de ignição determina o início do incêndio o tempo zero (t=0). Esta temperatura é de 370ºC (NIST, 2005, p. 70), para espuma de

poliuretano. A partir desta temperatura de ignição onde o combustível, no caso o poliuretano, começa a soltar vapores ou gases em contato com oxigênio seguirá uma reação em cadeia que alimentará a chama.

As coisas caminham para uma inflamação generalizada também conhecida por flashover. Este processo não aconteceu.

Outro fator entrou em ação: a falta de oxigênio impedindo que o incêndio se propagasse enquanto chama.

O fato de o local ser todo fechado contribuiu para que o nível de oxigênio fosse de tal modo baixo que não se atingisse o flashover e ao mesmo tempo não tão baixo a ponto do fogo se auto-extinguir, manteve-se a reação exotérmica.

No caso, a queima ficou restrita no interior da espuma, toda porosa, gerando a fumaça tóxica.

Este desdobramento foi também comprovado pelo CREA (2013, p. 13) que destacou apenas o chamado flameover.

FIGURA 24: FASES DE UM INCÊNDIO. FONTE (SEITO, ET AL., 2008, P.71).

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O fenômeno, flameover, decorre da diferença de temperatura entre a camada

acima onde inicialmente fica a fumaça e produtos em suspensão, advindos da queima incompleta, e a camada mais baixa, ainda com algum ar disponível e com temperatura menor. Nesta intersecção ocorrem ignições acompanhadas de claridade.

Se a taxa de liberação do calor for de 20kW/m2 (próximo à 600ºC) todo o ambiente entra em combustão, chegaríamos então ao flahover conforme De Haann (apud RODRIGUES, 2009, p 40). Vejamos uma das fotos periciais onde o local se encontra preservado, principalmente na parte inferior, dos efeitos da combustão.

O evento incêndio então é tido como acidente inicial ou desencadeador, ou ainda acidente meio, em uma linguagem atualmente em desuso, mas que capta a idéia de ser este, o incêndio, um acidente que provocou outro, o acidente principal, daí a expressão: meio.

FIGURA 25: FOTO DO INTERIOR DA BOATE KISS APÓS ACIDENTE.

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3.2 MAPA VERTICAL NO CENÁRIO DO ACIDENTE

3.2.1 Análise do ambiente tóxico

Antes de tudo, chegou o momento de fixarmos a definição de agente tóxico ou substância tóxica, que foi usada reiteradamente nesta dissertação a fim de evitar alguma dúvida.

Qualquer agente químico que introduzido no organismo e absorvido, provoca efeitos adversos ou morte, resultante de uma interação físico-química com um sistema biológico. Dependendo das condições de exposição, toda substância pode agir como toxicante, causando efeito nocivo ao ser vivo. Somente as substâncias que são absorvidas para o interior do organismo podem interagir de forma local ou sistêmica. A possibilidade de ser absorvida não depende só do agente químico em particular, mas da forma química em que se apresenta, isto é, das características físico-químicas da substância na qual se encontra o elemento químico. (TORLONI e VIEIRA, 2003, p. 62)

FIGURA 26: MAPA VERT ICAL DA CENA DO ACID ENTE. ELABORADO PELO AUTOR.

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Na camada de processos físicos e atividades. O ponto central é nada menos

do que o gás cianídrico promovido pela degradação química do poliuretano, espuma usada como revestimento acústico do local. Inserimos a figura da espuma para ilustrar o objeto de revestimento.

A espuma com revestimento, aliado a outros materiais de acabamento

formaram o quadro onde se depara com pelo menos quatro fatores combinados e decisivos na ocorrência: O gás cianídrico (asfixia química), o monóxido de carbono (asfixia química), a diminuição do oxigênio (asfixia mecânica), particulados do ambiente (asfixia mecânica).

O gás cianídrico atua em nível celular dificultando a captação de oxigênio pela célula. O monóxido de carbono atua transformando a hemoglobina em carboxihemoglobina que não transporta oxigênio pelo organismo.

O quadro é então de baixo nível de oxigênio no ambiente, com diminuição das vias respiratórias por particulados aliado a impossibilidade de circulação da hemoglobina pela ação do monóxido de carbono (CO) e prejuízo na captação celular do pouco oxigênio disponível em função do gás cianídrico (HCN).

Sem uma simulação aos moldes do que foi feito na boate The Station nos EUA (NIST, 2005), seguimos por comparação.

FIGURA 27: IMAGEM DO REVESTIMENTO DE POLIURETANO EM UM DOS CAIXAS DA BOATE. FONTE (MONCADA, 2013, P. 23)

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De início ressaltamos que a comparação com os resultados da NIST (2005) pode ser feita, com alguma reserva. Dentre as principais diferenças citamos duas que nos parecem mais importantes.

A primeira é a presença de outros materiais que se inflamaram como carpetes de nylon e painéis de madeira, juntamente com o poliuretano. Podemos considerar que isto, num primeiro momento, afetaria as queimaduras e com menor influência na produção do agente tóxico.

A segunda ressalva é que o ambiente não pode ser considerado totalmente fechado. A tabela 5-6 (NIST, 2005, p. 148) demonstra os tempos de aberturas na simulação, que se inicia em 29 segundos e terminam em 130 segundos num total de dez aberturas com ventilação.

Portanto o quadro é diferente, mas sob a ótica da ação química, principalmente durante os primeiros minutos é plausível que encontremos valores como os encontrados pela simulação feita pelo do NIST. Os valores são os apresentados na figura 28 a seguir.

Tempo Substância Concentração NIST 85 segundos Oxigênio 12 % 75 segundos Gás Cianídrico 200 PPM 92 segundos Monóxido de Carbono 5000 PPM

Seguindo em nossa comparação, para locais fechado sem renovação de ar,

Seito et al (2008, p. 291) indicam que em poucos minutos a fumaça poderia ocupar dez mil metros cúbicos. Para uma boate de seiscentos e trinta e oito metros quadrados, estamos com cerca um terço deste volume, tornando o quadro da figura 28 certo para todo o ambiente. As condições são agressivas e em pouco tempo já implicaria em óbito.

As condições fatais, para poucos minutos, tomadas de (TORLONI e VIEIRA, 2003, p. 168-169) e de (GUERRA; COELHO; LEITÃO, 2006, p. 30) dão conta de uma concentração de 10.000PPM de Monóxido de Carbono e 270 PPM de Gás Cianídrico. Muito próximas da estimada para o local.

O fato então nos remete para a análise da exposição. Ou seja, uma substância será fatal se inalada em alta dose por pouco tempo ou por mais tempo em dose menor. Os tempos envolvidos e a dose podem ser então analisados pela figura 29 a seguir.

FIGURA 28: QUADRO DE CONCENTRAÇÕES. ELABO RADAS PELO AUTOR COM BASE NA TABAELA 4-5 DE (NIST, 2005, P. 112).

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O gráfico demonstra que para os valores encontrados de 200 PPM de Gás

Cianídrico (HCN) e de 5000 PPM de Monóxido de Carbono (CO), a perda de consciência ocorre em cerca de dois a cinco minutos, não mais que isso.

Da perda de consciência decorre a impossibilidade de fuga, por meios próprios, ficando então dependente de socorro externo

Naquele tempo e local, estamos na fronteira, ou limiar entre salvar-se ou perder a vida. A questão tempo nos parece crucial.

O mapa dirá então qual é está fronteira? A resposta é clara. Vida e morte deste ponto em diante dependente da capacidade física individual e da condição de escape do local.

3.2.2 Análise do uso de extintor e do tempo de escape

Retomemos a figura 26 do mapa vertical. A primeira tentativa de combate parte de um segurança com a

movimentação de um extintor de incêndio. Extintores são usados para princípios de incêndio, conseguido diminuir sua propagação e assim ganhado algum tempo ou mesmo extinguir o princípio solucionando o problema.

FIGURA 29: TEMPO DE INCONSCIÊNCIA PELA A ÇÃO DE CO E HCN, CONFORME (RASBASH ET AL., 2004, P. 112).

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O extintor não funcionou ou por defeito ou por já sido usado, lembrando

que estava sem lacre. Vejamos alguns pontos sobre o uso de extintor. Primeiramente pelo material que tivemos acesso utilizou-se de extintor de

pó químico seco de quatros quilos (RS, 2013c, p. 91). O segundo ponto é que após a ignição interna da espuma o extintor de pó

químico seco poderia não ter nenhum efeito, em virtude da porosidade inerente da forma da espuma protegendo a fonte exotérmica do pretendido isolamento (entre fogo e ar) do ponto de ignição, pela ação extintora.

Acresce um terceiro ponto relativo ao tempo de reação. Mesmo que o extintor fosse eficaz, pelos tempos envolvidos no episódio o

acionamento teria que se dar em pouquíssimo tempo, segundos. Seriam os trabalhadores capazes de distinguir o tipo do extintor e sua localização em tão pouco tempo?

Assim é que o fato foi representado por uma linha tracejada. Não se verifica a possibilidade de alguma interferência, naquele instante,

nem mesmo para retardar o desencadeamento dos fatos. Sendo o tempo fator determinante, pelo menos para minimizar as

consequências, como assinalado no tópico precedente, o comando para fuga do local traria mais benefícios.

Não foi anunciado que deveriam, os clientes, se retirar do local. Se no local, por exemplo, todas as luzes se acendessem e fosse dada a

ordem de escape teríamos um tempo de percepção da ocorrência diminuído fornecendo maiores condições de fuga.

Para tanto e este é o último momento onde a camada de gestão da boate poderia ainda atuar, teria que haver algum plano de emergência previamente estipulado e treinado.

Ao contrário. Dada a lógica de proteção do faturamento da boate, os seguranças retardaram a saída. O plano era outro, o da preservação do patrimônio. Era esta a condição entre os contratados (seguranças) e os gestores da boate.

O mapa retrata a dificuldade de escape, então decisiva e influenciada por três setas da mesma camada: Seguranças dificultam a saída dos clientes, despreparo dos funcionários (falta de plano de evacuação), evento químico em curso, representada pela seta longa que liga o evento crítico ao evento escape.

Deixados a sua própria sorte, os clientes então empreendem fuga. Neste passo a camada de processo (a fuga) sofre nítida interferência do

ambiente e dos equipamentos, ou seja, da camada inferior. Duas setas interagem neste evento.

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A primeira é a obstrução da rota de fuga. Existe interferência de toda ordem:

Mesas, cadeiras, paredes, decoração. O acumulo de pessoas e o pânico dá origem ao uso de força física, tornando

o abandono desordenado e ariscado. A fumaça, composta dos gases tóxicos e de particulados causa desorientação

suficiente para dificultar a saída. Podemos dizer que a menos de dez metros de visibilidade a desorientação

pode fazer as pessoas retornarem para o interior da boate, o que em ambiente fechado é de se esperar, conforme a figura a seguir.

Decorre que um terço das pessoas além de retornar ao interior da boate,

pondo-se em risco, atrapalha a saída das demais pessoas. A visibilidade então é fator decisivo ao escape. No mesmo sentido a

orientação da norma BSI 240 (1999) para a comunidade européia, determina a visibilidade mínima de dez metros apud Gouveia e Etruso (2002).

A confusão mental, advinda dos produtos químicos, aliada a dificuldade de visibilidade interferiu no abandono em todos os instantes. Como já referido a fumaça estava presente em todos os locais.

FIGURA 30: PERCENTUAL DE RETORNO DE PESSOAS EM FUNÇÃO DA VISIBILIDADE. FONTE (RASBASH ET AL., 2004, P. 1 11).

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Destaca-se que a velocidade da fumaça pode atingir até dois metros por

segundo contra a velocidade de caminhada de pessoas de um a dois metros por segundo ou se muito lotado e com interferências no ambiente a velocidade, das vítimas, pode cair para menos de um metro por segundo (SEITO, et al., 2008, p.125 e 291).

Se então ultrapassada todas as interferências e dificuldades o escape encontra ainda a segunda seta do mapa, a porta única com apenas três metros. Porta também bloqueada, vejamos a figura seguinte.

Como vimos o tempo de preenchimento de fumaça para o local é estimado

em noventa e dois segundos, para mil pessoas conforme se supõe existisse no local (CREA-RS, 2013, p. 11) então as condições de escape existente são claramente insuficientes.

Soluções como portas em sentidos opostos, pouca distâncias entre a porta de fuga e o local atendido, larguras de passagem adequadas. Tudo dosado conforme capacidade de ocupação e modelamento de escape, levando em conta características do local, dos clientes, previsão de movimentação, não evitariam o acidente, minimizaria as consequências.

FIGURA 31: PORTA DE SAÍDA COM A BARREIRA, RECOLOCADA PELA PERÍCIA.

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Entendemos que a norma vigente não ajudou. Sob este prisma é sim

necessário uma reflexão dos órgãos públicos e dos técnicos especializados. Quanto ao acidente em si no caso de Santa Maria, o modelamento não é

tarefa trivial. Os tempos de percepção, interpretação, decisão e movimentação de freqüentadores até a saída com todas as interferências mencionadas, nos faz crer que a fumaça, com efeito, já ocuparia todas as saídas.

O mapa revela que a condição ambiental, que interferiu na fuga, é diretamente decidida pela gestão da boate com dúvidas sobre a influência de qualquer outra norma técnica (linha pontilhada da camada superior dos órgãos reguladores).

O viés financista, com diversas barreiras para evitar fuga de não pagantes, no caso do acidente químico com emissão de fumaça tóxica de monóxido de carbono e gás cianídrico tornou o ambiente uma armadilha.

3.2.3 A gestão da crise pelo Corpo de Bombeiros

O mapa coloca a lume a ação do Corpo de Bombeiros. Neste momento, as viaturas que chegam ao local encontram-se desprovida

de recursos e de conhecimento sobre a ocorrência. Ficou público o reingresso para salvamento de amigos, feita pelas próprias

vítimas. As cenas de abertura de paredes pelos que escaparam do acidente também denotam algumas questões sobre a primeira resposta ao evento.

Isto fica retratado no mapa na camada quatro na qual a operação de socorro (pelo Corpo de Bombeiros) sofre influência das camadas superior e inferior.

A camada inferior atinge a ação do Corpo de Bombeiros dificultando a identificação da ocorrência que foi tratada de início como um incêndio e por isto mesmo comprometendo a resposta ao evento.

A própria organização do combate pode estar gerando agravo ou confusão, isto é bem conhecido em acidentes químicos como assinala Freitas, Porto e Machado (2000, p. 199). O retorno das vítimas ao local do acidente é um exemplo.

Outros equívocos se seguiram fruto desta abordagem inicial. Por exemplo, não ocorreu ventilação forçada, procedimento existente e conhecido pela maioria dos bombeiros. Também não existia equipamento de medição do monóxido de carbono ou do gás cianídrico.

A proteção individual usada pelos bombeiros não era a de classe mais elevada. Sendo certo que deveriam optar justamente pela classe mais protetiva dada a insuficiência momentânea de informação.

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Não se percebe pelas imagens ou relatórios número de cilindros autônomos

suficientes para a retirada de vítimas e inspeção do local. O uso destes equipamentos também requer treinamento apropriado, que não se sabe ao certo como foi ministrado.

A divisão de tarefas tais como retirada de vítimas, liberação das vias públicas para o acesso e remoção, aparentemente demorou a ser realizada.

Não ocorreu a separação entre áreas: Zona quente, morna fria e de exclusão19?

Nem sequer sabemos onde ficou o comitê gestor da crise. Nada foi neste instante, providenciado em relação à comunicação entre os diversos órgãos que convergiram ao local.

Todas estas questões são indicadas pela influência da camada de governo, pois requeriam um plano prévio para acidentes químicos e grandes desastres.

Para a construção destes planos é necessário metodologia de gerenciamento e como fica evidente não é tarefa trivial, mas para especialistas20.

Objetivamente, a gestão de riscos não impôs tratamento ao acidente ampliado dando origem no caso a uma situação de desacertos. Como dissemos no tópico da proteção acústica são inúmeras e pouco acessíveis as normas que reputamos que somente especialistas teriam capacidade de elaboração de um plano de gestão de riscos adequado.

Como resultado a figura21 a seguir é emblemática. Correu o mundo em vinte e nove jornais incluindo o The New York Times. A figura sugere o desespero e a ausência de equipamentos e planos de intervenção.

Acreditamos que em nosso país isto não é uma peculiaridade da cidade de Santa Maria, poucas cidades possuem recursos para grandes acidentes.

O mapa representa esta dupla interferência do salvamento desordenado e concomitantemente a desordem interferindo no trabalho de salvamento, através das duas flechas entre camadas quatro e cinco.

19 Zona quente adjacente ao acidente, zona morna adjacente a quente e que requer o mesmo nível de proteção, zona fria adjacente a morna onde se posiciona pessoal de apoio e zona de exclusão sem envolvimento direto com a crise. 20

A norma 31010 de 2012 pode ser um valiosa referencia para gestão eficaz de riscos. 21 A figura 32 teve como alteração tão somente no rosto das pessoas para evitar identificação.

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3.2.4 A gestão do governo

Para finalizar a análise devemos voltar ao mapa e ver que as ações dos órgãos públicos são todas influenciadas pelos órgãos superiores de governo.

Nada é feito ao acaso. Sem equipamento e recurso governamental não existe atuação possível. As decisões foram tomadas a priori pensadas em casos genéricos e ao atuar no evento em particular a dependência do que foi planejado é sem dúvida enorme.

Isto é apresentado pela ligação vertical do mapa com o estado do Rio Grande do Sul e também pelas duplas flechas caracterizando as interações do momento específico

As dificuldades e decisões dos órgãos superiores dificultaram isso sim, as condutas das camadas abaixo. Pela via legal sem dúvida, mas também pelas diretrizes e pelas liberações de recursos financeiros.

Se não tinham planos, equipamentos, orientações é que não foi determinado ou não havia verbas alocadas para tanto. O mapa retrata este estado de coisas pela dificuldade de gestão do Corpo de Bombeiros durante o acidente químico.

FIGURA 32: FOTO DE UM SOCORRO DISTRIBUIDA EM TODO MUNDO. FONTE (SILVEIRA, 2014, P. 36)

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3.3 MAPA VERTICAL DOS EVENTOS CONSEQÜENTES

3.3.1 Da ação governamental da crise

Neste ponto, na seqüência dos fatos a situação muda, principalmente em relação à ação governamental.

Olhando os dois mapas o do evento crítico e o de consequências, notamos rapidamente uma mudança no comportamento dos altos níveis governamentais.

Não sabemos se foi a Defesa Civil que notificou sobre a condição de emergência ou se em função da repercussão, o que se sabe é que interado do desastre o governo central acionou os recursos para atendimento da emergência.

Assim é que no mapa anterior aparece apenas o Estado do Rio Grande do Sul através do seu Corpo de Bombeiros, agora quatro atores estão diretamente envolvidos: Ministério da Integração Nacional, Ministério da Defesa, Ministério da Saúde e Estado do Rio Grande do Sul. O fato é que verbas federais, em poucas horas, estavam disponíveis, juntamente com os recursos de todos os órgãos públicos.

Quanto à ação da defesa civil possivelmente atuou justamente nas falhas iniciais, mitigando assim a ocorrência.

FIGURA 33: MAPA VERTICAL DOS EVENTOS CONSEQÜENTES. ELABORADO PELO AUTOR.

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Dessa forma a assistência pré-hospitalar pode ter sido ajudada pelos

membros da defesa civil, assim como a manutenção de comunicação, o abrigo de pessoas, a avaliação de danos, manejo de mortos e demais atividades de apoio.

De outro lado, outras unidades do Corpo de Bombeiros foram acionadas, recursos estaduais podem ter sido suplementados esta é a conotação da seta pontilhada do Estado para o Corpo de Bombeiros.

Os hospitais contaram com todos os recursos possíveis, inclusive com apoio técnico de diversos centros médicos do Brasil e do exterior.

O exercito colocou a Força Aérea Brasileira (FAB) a disposição para atendimento às vítimas.

O antídoto para HCN, a hidroxocobalamina, que não estava disponível foi retirado e transportado pela FAB, dos Estados Unidos até os hospitais de atendimento.

Mas por que não estava disponível o antídoto como ação pré-hospitalar? Simplesmente não existia em nosso país. A nosso ver uma contradição que deverá ser questionada, lembrando que o efeito do antídoto é eficaz nos primeiras horas diminuindo sua utilidade com o passar do tempo.

3.3.2 O antíduto

Quanto aos dois principais gases tóxicos, a nota técnica da FUNDACENTRO (2014) identificou que a decomposição de espumas de poliuretano geram o monóxido de carbono (CO-CAS 630-08-0)22 e o gás cianídrico (HCN – CAS 74-90-8).

Inclusive indicam que existe protocolo pré-hospitalar para uso da hidroxocobalamina.

No caso da TSM o antídoto chegou tardiamente sendo assim o seu efeito não foi o esperado.

A contradição entre a necessidade deste antídoto e sua ausência não é vista no mapa. Não temos elementos para adentrar neste ponto.

No entanto a lição aprendida foi útil conforme o artigo que trata do atendimento de um bombeiro vítima de fumaça do incêndio no Memorial da América Latina em São Paulo, capital. A queima do material acústico guarda uma semelhança com algumas características da TSM.

22 CAS é sigla de Chemical Abstrcts Service, ou seja, o número de registro da substância química na American Chemical Society.

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Dessa forma, os problemas identificados foram: provável lesão por queimadura de vias aéreas, inalação de material particulado grosseiro (“fuligem”) e intoxicação por monóxido de carbono (cujo produto é a carboxihemoglobina). Quanto à possível intoxicação por cianeto, a dosagem sérica não estava prontamente factível e disponível a curto prazo, sendo que a terapêutica deveria ser instituída o mais brevemente possível, para maximizar o benefício clínico (BASSI et al., 2014, p 422).

Neste artigo a vítima apresentava particulado com lesão das vias

respiratórias, e intoxicação por monóxido de carbono. O texto observa que existe uma questão laboratorial provocando a demora

em identificar a intoxicação por gás cianídrico Bassi et al (2014) relata então a terapêutica por meio da ventilação,

juntamente com o tratamento por intoxicação de gás cianídrico. Entenderam o risco de intoxicação por ter havido queima de plástico e

exposição prolongada à fumaça23. A terapia foi vitoriosa e posteriormente foi confirmada a presença de 1,1

mg/L contra um valor de referência menor que 0,1 mg/L de dosagem plasmática de cianeto.

O que foi dito encontra-se nos subsistemas do mapa, ou seja, a geração de gás tóxico e sem a possibilidade de atendimento com antídoto.

3.3.3 A ação policial

Convergindo a partir do momento dos óbitos a polícia local inicia seu inquérito com posterior encaminhamento ao Ministério Público para eventual denúncia.

Este ramo se conecta com o atendimento às vítimas, pois o desfecho deste atendimento pode gerar novos fatos a ser investigado no inquérito.

3.3.4 Seguimento das vítimas

Neste ponto temos o acompanhamento pelo Ministério da Saúde das vítimas e as consequências de lesões inclusive psicológicas.

Foi então criado um protocolo de acompanhamento, para o estudo de coorte. Cabe frisar o trabalho de pronto socorro psicológico, dado as vítimas e

familiares. Este trabalho emergencial concorreu para minimizar as condições de abalo psíquico que vítimas, amigos e parentes sofreram.

23 O tratamento envolveu a aplicação de nitrito de sódio e tiossulfato de sódio.

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3.4 MAPA VERTICAL DOS ATORES

Uma das fases características da análise vertical proposta em Rasmussen e Svedung (2000, p 18) é a identificação dos atores que estão envolvidos nas condições acidentais nos diversos níveis sociotécnicos.

A representação dos atores relevantes é útil para explicitar as forças envolvidas na construção do cenário do acidente. Também é importante salientar que este cenário acidentológico pode se formar naturalmente, pelo esforço destes atores pela busca da melhor eficiência e desempenho.

A construção do mapa de atores ajuda a compreender o conjunto de personagens e dos esforços legítimos dentro do contexto em que cada ator desempenha em condição normal. Um efeito colateral pode ser então mais facilmente detectado.

Para construção do Mapa de Atores, ActorMap, partirmos de um raciocínio que existem dois atores: Públicos e Privados.

FIGURA 34: MAPA DE ATORES. ELABORADA PE LO AUTOR.

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Apesar do Estado, ser um poder único, ele possui órgãos distintos e até mesmo independentes, para o exercício de suas atividades (TEMER, 2012, p. 120), dessa forma convém desmembrar este poder único como no mapa figura 34. Agora partimos para a análise.

3.4.1 Governo

O primeiro ator é o Congresso Nacional cujo papel determinante consiste em atribuir aos estados à proteção da ordem pública e combate a incêndio conforme segue.

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: [...] V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. [...] § 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil (BRASIL, 1988).

Já na seqüência temos os atores do poder executivo. No Brasil possuímos

vinte e quatro ministérios dez secretarias com status de ministérios e mais cinco órgãos ligados a presidência da república com o mesmo status ministerial.

Destes destacamos por suas atribuições, correlacionadas: O Ministério da Justiça, Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério da Saúde, Ministério da Integração Nacional, Ministério da Defesa, Ministério dos Transportes e Ministério das Cidades.

Vejamos os fatores de ligação que chamam a atenção. A justificativa deriva da legislação pertinente como apresentada na seqüência.

O Ministério da Justiça possui amplas atribuições conforme seu regimento. O Decreto 6.061 de 15 de março de 2007 apresenta em seu Artigo 1º inciso

V a defesa da ordem econômica nacional e dos direitos do consumidor dentre suas competências. Seque os artigos 12 e 14, da Lei 8078/90 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

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Art. 12 - O fabricante, o produtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, formulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

§1º - O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstancias relevantes, entre as quais:

I - sua apresentação; II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III- a época em que foi colocado em circulação; §2º - O produto não e considerado defeituoso pelo fato de outro de

melhor qualidade ter sido colocado no mercado §3º - O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não

será responsabilizado quando provar: I - que não colocou o produto no mercado; II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito

inexiste; III- a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. (...) Art. 14 - O fornecedor de serviço responde, independentemente da

existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos a prestação dos ser-viços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§1º - O serviço e defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstancias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III- a época em que foi fornecido §2º - O serviço não e considerado defeituoso pela adoção de novas

técnicas. §3º - O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando

provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste. II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro

§4º - A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. (BRASIL, 1990a)

Observa-se que a legislação, CDC, que deveria ser aplicada, dentre outros

pelo Ministério da Justiça, possui relação com os produtos que foram utilizados, a espuma de poliuretano, o material pirotécnico (fogos de artifício), extintores, a própria arquitetura e construção do local, que passando por diversas reformas foi introduzindo variações e necessitando de equipamentos de sinalização, proteção sonora como se percebe do relatório (CREA-RS, 2013).

Outro viés é entre os freqüentadores do local e a gestão da boate. Uma relação de consumo certamente.

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O Ministério do Trabalho e Emprego responde pela fiscalização da

segurança do trabalho, e possui uma vasta regulamentação protetiva dada pela Lei 6.514/77 e Portaria 3.214/78 que preceitua ações de segurança inclusive no comércio de material pirotécnico em sua Norma Regulamentadora de n.º 19.

Sublinhamos que foram vinte e dois os mortos que estavam trabalhando, na noite do acidente, sendo que a casa noturna possuía trinta e cinco funcionários dos quais dezoito sem registro (SINAT, 2013).

O Ministério da Saúde atuou diretamente na seqüência do acidente e ainda mantém estreito relacionamento no acompanhamento das vítimas.

Também possui o Ministério da Saúde, incumbência legal, na vigilância em saúde púbica conforme Lei 8080/90 em particular sublinhada pelos artigos a seguir.

Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. [...] Art. 3º A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País. Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social (BRASIL, 1990).

Ministério da Integração Nacional possui ação direta nos fatos através da

Defesa Civil, em especial articulado pela Lei 12.608/2012 que institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, que trata em suas diretrizes da “abordagem sistêmica das ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação” de desastres (BRASIL, 2012).

O Ministério da Defesa possui integração direta através do Decreto 3.665/2000 (R105), que dispões sobre o controle de material pirotécnico e sobre a fiscalização dos produtos controlados, sendo o material pirotécnico descrito no referido Decreto.

O Ministério do Transporte, apesar de aparentemente não se ligar ao estudo do caso, possui interesse devido ao controle que exerce do transporte de produtos perigosos incluindo o catálogo e a descrição de produtos perigosos bem como recomendações de segurança.

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Tudo conforme Decreto 96.044/88, Decreto 7.717/2012 e ainda por sua

função complementar dada pela Portaria 204/97, com fichas de transporte e recomendações de segurança, sendo dessa forma ligado ao material pirotécnico na forma como se colocou a disposição do público.

O Ministério das Cidades em sua diretriz de política urbana e por força da Constituição Federal (CF) Artigos 182 e 183, possui atribuições na Lei 10.257 de 10 de Julho de 2001, conhecida como Estatuto da Cidade, artigo 2º inciso V e VI como segue.

V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais; VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar: a utilização inadequada dos imóveis urbanos; [...] h) a exposição da população a riscos de desastres.

(BRASIL, 2001) Também aqui existem duas vertentes, uma refere-se aos serviços públicos e

a outra em relação a desastres ressalvando que a partir da Lei 12.608/2012 não se faz mais a distinção de desastre natural e tecnológico, estando, portanto a ação executiva ampliada para todo tipo de desastre.

Também o Ministério Público que é um órgão autônomo deve ser introduzido em contexto, por ser órgão mais amplo de defesa e propositura de ações junto ao poder judiciário, no caso, proteção ao direito ambiental e defesa do consumidor.

Neste mesmo nível, encontramos ainda o Estado do Rio Grande do Sul, que como dissemos é o formulador da política de defesa e proteção às pessoas, através de sua Polícia Militar e Corpo de Bombeiros e finalmente a Prefeitura, que versa sobre a ocupação do solo e demanda as autorizações necessárias ao exercício dos negócios na cidade de Santa Maria.

Incluímos na linha de topo do mapa de atores, o Poder Judiciário. Destacamos o fato marcante do Poder Judiciário, só desempenhar algum papel após denuncia do Ministério Público. Mesmo antes na questão ambiental (ruído) onde o Ministério Público foi acionado por vizinhos a opção foi de um Termo de Ajustamento de Conduta, mais ágil do que uma demanda judiciária.

Uma importante nota é que não existem relações de hierarquia na linha considerada. Isto porque não estamos em uma análise do organograma, mas apenas de identificação.

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3.4.2 Governo local e orgãos reguladores

Vencida esta primeira linha passamos agora para o nível subseqüente, a segunda linha, ou seja, a da Regulação e Associações. Por outro lado, pode haver a divisão desta camada em duas partes: Corpo Regulatório e Associações. A divisão se faz necessária quando temos uma condição de grande complexidade e multiplicidade de atores envolvidos neste ponto.

No caso em tela observamos que aqui já aparecem atores da esfera privada, como a Associação Brasileira de Normas Técnicas, que embora seja de grande interesse público é de esfera privada.

O primeiro ator é o Corpo de Bombeiros outros atores secundários a este não aparecem no mapa como o fornecedor do software do PPCI (W3 informática), que sob ordem desenvolveu um programa de computador para o Corpo de Bombeiros.

O CB de Santa Maria – RS era regido em 2013 pela Lei 10.987/97 e o Decreto 38.273/98. Atualmente, após o episódio da TSM, a Lei que vigora é a de número 14.376/2013 (também conhecida como Lei da Kiss) e seu respectivo Decreto 51.803 de 10 de setembro de 2014, ambos do Governo do Estado do Rio Grande do Sul.

O então Decreto 38.273/98 deixa claro em seu artigo 4º que a Brigada Militar possui a prerrogativa do exame dos planos de prevenção.

Art. 4º - O exame dos planos e as inspeções dos sistemas de prevenção de incêndio nos prédios serão feitos pela Brigada Militar do Estado através do Corpo de Bombeiros.

A quantidade de extintores, placas, normas técnicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), classificação de risco conforme Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) e tantas outras prescrições fazem parte de ambos os decretos, sendo o de 2014, mais detalhado que o anterior24.

Ao nos referirmos à legislação nesta camada verificamos um problema de fundo. No Brasil só se é obrigado a fazer aquilo que a Lei manda, conforme Artigo 5 inciso II da Constituição Federal de 1988 (CF88). Já no decreto 37.380/97 o artigo 23 menciona normas internacionais conforme segue.

Art 23 – Serão aceitas, na inexistência de dispositivo federal ou estadual, as normas da “National Fire Protetion Association” (NFPA), “Fire Offices Commitee” (FOC), “Britanic Standart Institute” (BSI) e “Deutsche Industrie Normen” (DIN)”.

24

Não é escopo desta dissertação o comparativo entre os Decretos.

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Estamos diante de um conflito entre camadas, pois se não é obrigatório a

aplicação do dispositivo legal, simplesmente é aceitável então de que serve tal tipo de inserção na regulamentação?

Apenas para um aparente conforto da busca de maior rigor diante do decreto brando ou até mesmo lacônico.

A segunda camada de Rasmussen, no caso em estudo, encontra no ator CB uma desconexão horizontal com órgãos regulamentadores principalmente ABNT. Ou seja, o Decreto 38.273/98 se reporta a normas técnicas da ABNT, mas não se sabe se os membros do CB tinham acesso a tais normas, até porque, as mesmas, possuem direitos autorais. Nesta mesma linha de idéias podem ser acrescidas as normas internacionais.

Não se sabe se os inspetores possuíam treinamento e capacitação para acompanhar as prescrições das ditas normas e mais ainda, não sabemos sequer quais destas normas estavam vigentes há época da emissão da liberação do CB, haja vista, não existir nenhum sistema de acompanhamento da norma técnica.

Conseqüentemente estamos diante de um conflito horizontal na camada regulamentar promovido diretamente pela ação da camada acima, a da legislação estadual, Decreto 38.273/98.

Esta situação não foi efetivamente capturada pela Procuradoria Pública em sua denúncia (RS, 2013), sendo o caso tratado apenas de modo pelo viés do descumprimento da norma, de tal sorte que o ataque foi incisivo ao Sistema de Gestão Integrado de Prevenção de Incêndios que nada mais é que um software desenvolvido pela empresa W3 Informática LTDA, para ser usado no controle administrativo do Plano de Prevenção e Proteção contra Incêndio (RS, 2013, p.17).

A legislação, embora pouco clara, contemplava os perigos de revestimentos, através da Lei 3301 de 1991, mas o software não. A questão que se coloca é de como se desenvolveu o programa (software).

Finalmente para a coordenação do atendimento e acompanhamento das vítimas, bem como pela necessidade do acompanhamento de coorte pelo Sistema Único de Saúde (SUS), ligado ao Ministério Saúde, foi constituído um grupo gestor que é apresentado no quadro coordenação e atendimento/SUS.

Existem atualmente 423 pessoas atendidas pelo Centro Integrado de Atenção às Vítimas de Acidentes (CAIVA) do Hospital Universitário de Santa Maria. Outros 140 em tratamento na área de saúde mental. O Ministério da Saúde destinou um milhão e seiscentos mil reais para garantir a assistência às vítimas. Já ocorreram mais de seis mil atendimentos ambulatoriais (CEREST, 2015).

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3.4.3 Empresa

Na camada da empresa, surgem diversos atores. A terceirização em pequenas empresas é de todo necessária, para trabalhos

que não seja a atividade fim. Suprimentos, instalações de equipamentos, contabilidade, serviços de

promoção de show, músicos, são exemplos dos que estavam interagindo com a boate. Após o acidente neste nível também se coloca a associação dos parentes e

amigos das vítimas. A finalidade é o acompanhamento dos processos legais, além de assistência aos parentes e vítimas (AVTSM, 2013). Este ator assim como o grupo gestor vinculado ao SUS se constituiu na seqüência dos eventos.

3.4.4 Operacional

Na camada das atividades operacionais ficou representado o pessoal que se encontrava no momento do acidente, no ambiente da tarefa. Evidente que outros atores são importantes, entretanto já se ligam a atores de camada superiores. Por este motivo não foram representados. Por exemplo, o pessoal do Corpo de Bombeiros já está devidamente representado na camada de número dois.

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3.5 COMPARAÇÃO ENTRE INVESTIGAÇÕES

A figura 35 coloca em tela os elementos caracterizadores de cada

abordagem. Primeiramente todos partem de fatos incontroversos, foi colocada uma espuma de poliuretano, altamente inflamável, num palco rebaixado, e um show pirotécnico deu causa a um incêndio que em pouco tempo gerou fumaça tóxica levando a óbito centenas de jovens.

A investigação do CREA-RS identificou os fatos e centrou suas observações nas normas técnicas, ou seja, o que deixou de ser atendido e deveria sê-lo para a conformidade com as normas brasileiras.

No campo da investigação criminal, os fatos passam a ser interpretados pelo arcabouço jurídico para construção e individualização de culpa.

De outro lado a análise sociotécnica, procura relações entre os diversos atores dentro da história da ocorrência e identifica desvios em relação a uma ação esperada que possa ou não ocorrer em função de um dado controle.

O que cada uma destas análises inclui ou ignora é função dos valores próprios da pesquisa que levam a cabo. Dizendo de outra forma as análises são produto da investigação e da visão subjacente do ramo ou modo de pensar da especialidade.

A visão da engenharia enquanto disciplina singular tendeu reforçar a necessidade de aderência às normas técnicas.

Já a deposição do direito, estrutura sua argüição no sentido de impor, uma regulação, pela punição que gera o receio de se fugir de preceitos legais.

A relação sociotécnica possui a perspectiva de um funcionamento social e técnico que interpreta os desvios como uma migração para uma zona de risco do sistema. Subjacente a este conceito se abre inúmeras frentes de pesquisa.

Documento Abordagem Método

Resultado Recomendação

CREA – RS Multicausal Comparação com Normas Não conformidades

Aprimoramento da Legislação

Inquérito policial Monocausal Diligências e oitivas para Individualização de culpa

Indiciamento e punição

Não há

Investigação de Acidente: AcciMap

Sociotécnica Mapas Verticais Acontecimento por interações

Malhas de Controles

FIGURA 35: COMPARAÇÃO SUCINTA E NTRE OS DOCUMENTOS DE INVESTIGAÇÃO DE ACIDENTE.

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3.6 DISCUSSÃO

3.6.1 Síntese dos resultados

A boate é uma oportunidade de negócio em função da vida universitária do local à cerca de trezentos quilômetros da capital.

O empreendimento foi instalado e teve que passar por diversas mudanças na arquitetura para adaptar-se a sua função recreativa. Tais mudanças nem sempre foram acompanhadas por orientação dos técnicos, estes desempenaram sempre função burocrática, não atuando nas obras.

A gestão é de cunho familiar com pouca intervenção externa. A empresa neste sentido se fecha em si mesma e não recepciona a atuação de outros profissionais.

A preocupação reinante é de atendimento ao cliente e sua conseqüente lucratividade financeira.

Não se consegue identificar nenhum indício de treinamentos ou cautelas para emergências.

Existe desvio de função, por exemplo, do barman que foi quem a mando da empresa colocou a espuma de poliuretano no ambiente.

Os organismos de fiscalização e controle agem como de costume, solicitam documentos e fazem inspeção visual. Mudanças não são passíveis de acompanhamento se não for informada pelo próprio interessado.

O software empregado foi paralisado em estágio embrionário, tendo funcionado como registro e solicitação de inspeção, nada mais. O aumento da arrecadação estacionou o projeto PPCI que de início era muito mais abrangente. O programa PPCI, resultou num programa de produtividade, numérica.

Os bombeiros sofrem pressão por resultados. O número de inspeções feitas por cada um destes funcionários é uma das formas de controle e de visualização da arrecadação.

O TAC do Ministério Público nos parece uma última medida de solução de conflitos e atendimento da legislação diante da demora das decisões judiciárias, no caso funcionou como meio de preocupação e incerteza para os gestores da boate e não como elemento motivador de melhoria. O motivo aparente é que a empresa é pouco agregada ao seu entorno, se assim não fosse não precisariam sequer de um TAC.

Órgãos como CONFEA e ABNT, estão totalmente descolados da vida diária dos técnicos, engenheiros, arquitetos, que são em ultima análise os que colocam normas e regras em funcionamento. São órgãos apenas reativos.

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As normas de segurança são de difícil acesso até mesmo para especialistas decorrendo ser pouco razoável a confiança dada para a legislação, que remete inclusive a normas internacionais.

A limitação da alocação de recursos financeiros pelo estado e pelos órgãos federais, para a prefeitura, que está na proximidade dos eventos, atinge todos os aspectos.

A loja que vende material pirotécnico além de outros atores como sindicatos, bandas de músicas, fornecedores, contabilidade, que são de atendimento ao público sofre de uma atomização. Não se apercebem de contextos para além de cada ação individual.

Os músicos tratam o show pirotécnico como um espetáculo sem quaisquer riscos, o vendedor da loja de fogos de artifício não distingue a venda de um artefato perigoso de outro qualquer.

A colocação de espuma de colchão, sem nenhum tratamento, é usada e vendida regularmente para proteção acústica.

Os bombeiros sem equipamento e treinamento, para acidentes químicos de grande porte, são chamados a atender a ocorrência. Não percebendo o principal perigo, o agente químico, acabam por atacar um incêndio que já não existia.

O antídoto contra o agente químico HCN, não existe em nosso país. Após o acidente, órgãos federais liberam recursos e atuam para mitigação

dos danos.

3.6.2 Os resultados sob a ótica da teoria

Na revisão bibliográfica optamos por quatro modelos, o linear, o epidemiológico, organizacional e o sistêmico. A abordagem da pesquisa é a sistêmica, portanto vamos nos ater apenas ao modelo sistêmico tal qual apresentado nesta dissertação.

Logo de início nos apoiamos em Sidney Dekker (2006) e suas duas formas de ver um acidente. Se como colocamos o acidente é um sintoma de problemas mais profundos então os mapas, resultado de nossa pesquisa, como uma radiografia nos fornece a doença subjacente. A doença em sistemas complexos é teoricamente um desequilíbrio dinâmico, ou seja, as atividades e os contextos mudam de forma abrupta e é necessário manter o controle nestas condições.

As chamadas alças de controle se prestam a isto, manter o controle dinâmico. Identificada as influências existentes, cabe então um olhar mais apurado destas alças e das suas eventuais rupturas, para identificar o comportamento do sistema.

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A pergunta preliminar é se a TSM, em suas peculiaridades seguiu este raciocínio, o de manter o equilíbrio dinâmico por meio de alças de controle.

O conceito apresentado na figura de número 19, juntamente sobreposto ao Mapa Vertical25 nos ajuda neste tópico. Encontramos os cinco pontos de ruptura ou desequilíbrio: Política, burocracia, gestão, rotina e crise.

O acidente pensado em sua forma distal, blunt end, é influenciado pelos atores políticos de regulamentação e na gestão local do governo.

Já ficou claro a pouca efetividade das políticas públicas, entendida nesta dissertação como segue.

O segundo sentido da palavra ‘política’ é expresso pelo termo policy em inglês. Essa dimensão de ‘política’ é a mais concreta e a que tem relação com orientações para a decisão e ação. Em organizações públicas, privadas e do terceiro setor, o termo ‘política está presente em frases do tipo ‘nossa política de compra é consultar ao menos três fornecedores’, ‘a política de empréstimos daquele banco é muito rigorosa’. O termo ‘política pública’ (public policy) está vinculado a esse segundo sentido da palavra ‘política’. Políticas públicas tratam do conteúdo concreto e do conteúdo simbólico de decisões políticas, e do processo de construção atuação dessas decisões (SECCHI, 2014, p. 1).

Retomando o mapa de atores percebe-se a enormidade de códigos, e atores

correlacionados ao evento. O mapa de atores dá conta de que existem políticas de segurança em várias instâncias. Existem mas não são efetivas, repetimos.

A pesquisa não consegue detectar, no caleidoscópio burocrático, os pontos de atrito, mas é certo que na TSM eles existem e mais ainda ocorrem no sombreamento da política com a função burocrática, próxima da ação e dos eventos.

Existem problemas estruturais, por ausência da via de comunicação, impedindo os devidos retornos de controle.

Isto é agravado pela política, então em vigor, onde o preenchimento de cargos ocorre com baixo aproveitamento dos funcionários de carreira. Braga (2012, p.204) lembra que o governo Lula preencheu aproximadamente metade dos cargos superiores de direção e assessoramento com sindicalistas que passaram a controlar um orçamento de duzentos bilhões de reais.

O aproveitamento de profissionais de carreira ajudaria na redução da assimetria de conhecimento, conforme Secchi (2014, p. 103), entre os burocratas de topo e os que lidam com o problema direto do público.

Condensando os achados, o mapa revela ruptura que ocorre no blunt end forçada pela própria política de governo com preenchimento de cargos desvinculados do ambiente próprio da tarefa.

25 Colocamos o mapa completo em apêndice para facilitar a visualização.

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A solução encontrada é mais centralização e informatização, através do SGIPI, o que ao contrário do desejado, contribui para a perda de controle, o feedback loop.

O equivoco teórico é claro. A centralização só é benéfica no quadrante 1 de Perrow, ou seja, em

situações de baixa complexidade e de alto acoplamento. O caso TSM encontra-se no quadrante 4 de alta complexidade mas de baixo acoplamento, o que quer dizer que a melhor forma seria justamente ao contrário da política implementada (PERROW, 1999, p. 33-35; SINTEF, 2004, p. 25).

O fato empírico demonstra até aqui a efetividade teórica. É necessário coordenação e não centralização. A diferença está no alinhamento, conforme a figura 12 da revisão teórica. Em outros termos é necessário linhas gerais no âmbito nacional e diretrizes concretas nas camadas que estão próximas dos eventos.

Existem desconexões entre decisão de cada ator. O estado do sistema altera-se de forma desregulada, vários distúrbios nas

atividades normais vão aos poucos levando as funções e atividades para um rumo não desejado ou furtivo (sneak path) (RASMUSSEN; SVEDUNG, 2000, p.40).

Disso é que fala o autor, também no texto a seguir. O objetivo de uma análise é analisar o trabalho nas condições normais de diferentes organizações para revelar o potencial de um conjunto conectado de efeitos colaterais. A partir disto a gestão de risco de certa forma é um sistema de apoio que faz com que os tomadores de decisão estejam cientes dos efeitos colaterais na rede em que participam e que sejam potencialmente perigosos (RASMUSSEN; SVEDUNG, 2000, p.20, tradução nossa).26

Ressalvamos que também não é possível dizer que o aumento discricionário

dos funcionários de base, seria uma solução. Não é isso. O que se demonstrou é perda de controle no nível distal dos fatos, por políticas públicas descoordenadas e alheias a própria teoria de controle.

O reconhecimento de perigos e riscos, pelos órgãos centralizadores, neste estado de coisa, demandou tempo suficiente para a incubação de erros latentes. O processo não poderia mais responder nesta esfera, seria preciso o reconhecimento na perspectiva mais proximal.

Vamos agora discutir, então, a gestão e a rotina com o propósito de ver se nestas duas esferas no sharp end, próximo ao perigo, ocorrem ou não perdas de controle.

26 Citação original: The aim of an analysis then is to analyze the normal work to conditions in the different organizations that may contribute to the creation of an accidental flow path to reveal the potential for a connected set of side effects. From here, the aim of risk management is to create a work support system that in some way makes decision-makers aware of the potentially dangerous network of side effects.

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O processo de degradação neste ponto se mantém. É visível no Mapa a ausência de linhas de retorno, na forma de registros ou relatórios.

O gestor sob influência do contexto de desalinhamento distal, aposta na lucratividade sem nenhuma tentativa de adaptação e controle, lembrando ser esta uma necessidade da condição de rápidas mudanças sociais e tecnológicas.

Por exemplo, o show pirotécnico é uma mudança técnica que não foi percebida, por não haver nenhum controle sobre estes aspectos.

A ausência de atuadores nesta linha de rotina traz sem dúvida uma opacidade das fronteiras de segurança.

O fato empírico volta a reafirmar a teoria. O ator sem referencia das margens de segurança avança para zonas inaceitáveis de risco (SINTEF, 2004, p.46).

Finalmente na gestão da crise o mapa apresenta dois momentos. O primeiro onde o sistema se mantém sob a influência situacional anterior,

onde nenhuma condição foi conectada previamente a avaliação de ameaça diferente da habitual.

O segundo momento é quando emerge a condição trágica. Nesta segunda etapa, a esfera intermediária, criticada a pouco, no sentido da aplicação das políticas públicas são desfeitas, a participação da esfera federal e estadual é significativa e a ação passa para um nível de cognição altamente influenciada pela opinião pública, conforme o referencial teórico já identificava, na figura 12.

3.6.3 Respostas e limitação dos resultados

O acidente de Santa Maria era previsível? Era esperado? Os mapas não fornecem uma resposta binária: sim ou não. René Amalberti (2009) nos alerta sobre avaliações posteriores ao acidente,

como segue. Nesse contexto, a definição de erro remete às ações (ou inações) que criaram o risco, ou mesmo danos. Compreende-se que este tipo de erro seja (felizmente) mais raro. A idéia de erro está aqui estreitamente vinculada a suas conseqüências, e às falhas da cadeia de detecção recuperação. A definição remete mais a falha de gestão global do que a uma falha isolada. Mas a identificação e análise dos “erros” isolados são com freqüência, comprometidos pelo conhecimento do fim da historia, e de elementos que estavam inacessíveis para os operadores durante a ação. Do mesmo modo, o fato de que os “erros” só sejam identificados e analisados em roteiros de acidentes ou de incidentes conduz a um considerável comprometimento de seleção de dados que leva a lhes atribuir “virtudes acidentógenas” que eles não têm(AMALBERTI, 2009, p. 236).

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Fica claro que vários erros vistos de forma retrospectiva não nos parecem razoáveis. Mas por que foram cometidos? O mapa nos revela a existência de uma intersubjetividade.

Voltando então a pergunta, o que torna a resposta binária imprecisa são as contribuições de muitos participantes no sistema. Sendo que a coordenação também se encontra distribuída, cada ator em sua esfera de ação.

Não encontramos uma política pública como orientação para os diversos níveis de atuação.

Sem políticas unificadoras, o descompasso dentro das camadas de Rasmussen e principalmente entre as camadas se mantém invisíveis de modo que surgem rupturas de toda ordem.

Os mapas estão apontando para uma estrutura de interações, que facilita a acumulação de erros latentes e que em algum momento culminaram no acidente. Ildeberto Muniz de Almeida in (MENDES, 2005, p. 776) esclarece como segue.

Em alguns casos, a acumulação de erros latentes pode contribuir para o surgimento de interações complexas, culminando em acidente. Em nossa opinião na vigência de erros latentes possíveis de identificação (análise de risco, análise ergonômica da atividade) se ocorre acidente não pode ser considerado normal.

O autor se refere aos acidentes normais de Perrow, conforme nossa base

teórica. A rigor o acidente a TSM não sofre interações fortes, apenas possui complexidade elevada. Estamos no quadrante quatro da figura 11.

Como se chega nessa conclusão? Pelas interconexões existentes explicitadas no mapa. Observamos que na espécie, tais conexões não se contagiam umas com as outras de forma automática, mas demandam tempo de reflexão (intervenção humana), são também habituais e a princípio sem nenhum mal aparente.

Em contrapartida a complexidade é alta, não se percebe com facilidade o que Rasmussen chama de sneak path.

Então o conjunto dos Mapas se coaduna no sentido da não previsibilidade, aos moldes do sublinhado por Vilela (2003, p. 43) para acidentes complexos: “Diante da pergunta se os acidentes em sistemas complexos podem ser previsíveis, Llory (1999) pondera que eventos são previsíveis à medida que existe uma relação de causa e efeito relativamente simples e absolutamente segura”.

Se então não era previsível era pelo menos evitável? Aqui a radiografia do sistema, tirada pelos Mapas Verticais são de extrema valia uma vez que mostram a anatomia das condições acidentárias.

A resposta se era ou não evitável advém da saúde do sistema. Sondar os mapas verticais e buscar dentro das conexões a ponderação de

segurança e os respectivos circuitos de retorno (controles, feedback) determina se o sistema estava apto a tratar de suas variações.

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A saúde de um sistema em ambientes dinâmicos e de rápidas mudanças, não é a solidificação de regras e sim sua capacidade de adaptação e ajuste. Ajustes, este, entrelaçado com a prevenção e não penas sob a demanda da produtividade, conforme figura 16 do referencial teórico.

O sistema, as instituições, a cultura reinante e também os tomadores de decisão, ao não temperar suas ações com o fator segurança produziram as armadilhas cognitivas, de que fala Almeida (2004), colocando a gestão cognitiva sobre o prisma sistêmico, como segue.

Esse modelo de gestão cognitiva é, simultaneamente, forte e fraco. É forte ao fornecer as bases para a superação de problemas presentes no curso das atividades. E é frágil ao sofrer influência de aspectos da variabilidade de componentes isolados do sistema, do contexto e também de características intrínsecas do sistema, como aquelas que aumentam sua complexidade estrutural. Por exemplo, a capacidade de detectar e interpretar sinais pode ser afetada por mudanças no indivíduo, associadas à sua variabilidade cronobiológica no trabalho em turnos e noturno, em momentos de fadiga e de diminuição de seu estado de vigília. Da mesma forma, o surgimento ou aumento de pressões de tempo e de produção, de problemas nas comunicações verticais e horizontais entre integrantes do sistema, o surgimento de mudanças nos recursos à disposição dos operadores ou de outros fatores estressantes podem fragilizar diretamente a segurança e introduzir dificuldades que minimizem a compreensão, a confiança e facilitem a origem de acidentes no sistema (ALMEIDA, 2004).

Do ponto de vista de (ALMEIDA, 2004) existe um diálogo entre a fragilidade

cognitiva e as influencias que podem estar presentes no sistema. O ponto focal passa então a ser o controle das influências salientando que sob a designação de controle estamos nos referindo ao conceito sistêmico conforme segue.

Observe que o uso do termo "controle" não implica o rigor de uma estrutura militar de comando e controle. Comportamento é controlado ou influenciado não só pela intervenção da gestão direta, mas também indiretamente através de políticas, procedimentos, valores partilhados, no nível de consciência dos padrões de comportamento cognitivo e outros aspectos da cultura organizacional. Todo comportamento é influenciado e pelo menos parcialmente "controlado" pelo contexto social e organizacional em que o comportamento ocorre (HOLLNAGEL; WOODS; LEVESON, 2006, Capitulo 8, p.6, tradução nossa).27

27 Citação original: Note that the use of the term ‘control’ does not imply a strict military command and control structure. Behavior is controlled or influenced not only by direct management intervention, but also indirectly by policies, procedures, shared values, the level of awareness of behavioral/cognitive patterns and other aspects of the organizational culture. All behavior is influenced and at least partially ‘controlled’ by the social and organizational context in which the behavior occurs.

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O que foi posto em evidência é justamente um problema de relações

institucionais. Várias falhas em diversos campos foram de fato importantes. Se lançarmos mão dos tópicos, de Leveson, que foram elencados no referencial teórico, percebemos no caso concreto, problemas de controlador, atuador e sensor.

Estas falhas mesmo mencionadas de forma genérica e relativamente difícil de aplicar para ações humanas em oposição às ações de dispositivos técnicos conforme assinala Salmon et al (2012, p. 1168) propiciam uma visão do como se pode avançar, sem perceber sobre a área de controle de segurança.

Neste ponto o mapa vertical de Rasmussen é mais visual. O mapa revela isto, principalmente na ausência do controle nas camadas superiores. Não existem setas de retorno.

O modelo então foi útil por desvendar a anatomia de relações, para além da causa e efeito, como segue.

Um aspecto importante a conciderar é a validade das relações causais sugeridas no AcciMap. Por exemplo, dentro do campo da análise de acidentes Hopkins (2000) usou uma lógica estrita ao construir o AcciMap descrevendo o acidente de Longford. Isto significa que desfazer um dos nexos causais vai evitar o evento final, no exemplo de Hopkins a explosão de gás. Isto implica uma forte ligação entre os itens do AcciMap. Sendo o problema da perda de retorno não um evento físico mas uma construção psicológica de explicação do coportamento humano, a lógica estrita não é viável para o exemplo aqui apresentado (ANDERSSON, 2010, p.8, tradução nossa).28

Olhando, conjuntamente, com a figura 19 as classes de processos, observa-

se então que as políticas não encontram formas de constranger as estruturas hierárquicas, sendo o constrangimento das camadas inferiores um componente fundamental na teoria de sistemas (HOLLNAGEL; WOODS; LEVESON, 2006, p.5/40).

Estes autores, fortemente ancorados nas teorias de sistemas mostram que segurança é então uma propriedade emergente da estrutura sistêmica e depende do projeto de como se forma os controles atuadores e sensores, aqui mostrados pelas setas de influência.

28 Citação original: An important aspect to consider is the validity of the causal relationships suggested in the AcciMap. For example, within the field of accident analysis Hopkins (2000) used a strict logic when constructing the AcciMap describing the Longford accident. This means that breaking any one of the causal links will avoid the final event – in Hopkins example a gas explosion. This implies a tight coupling between the AcciMap items. Since the out-of-the-loop problem is not a physical event but rather a psychological construct aiming at explaining human behaviour, the strict logic is not viable to use in the example presented here.

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O acidente poderia sim ser evitável, mas a segurança não emergiu do

sistema. Não estava no bojo da anatomia estrutural, neste caso. Fechando a questão de partida: Como, num ambiente de lazer e diversão

ocorreu o maior acidente químico da história de nosso país? A resposta encontrada é justamente o resultado dos Mapas Verticais. Um acontecimento por interações desordenadas e acumuladas durante muito tempo, “morte por interações” (VICENTE, 2005, p. 242). Complexo sim, pois o sistema é complexo.

Este sistema foi influenciado e demandado por várias camadas que ao longo do tempo perderam sua capacidade de identificar fontes de risco, conhecer os parâmetros mais sensíveis para controlar a ações de resposta. Tudo isto introduzindo erros cognitivos no sistema.

A perda dinâmica dos ajustes levou gradativamente o sistema ao colapso em termos de segurança.

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CAPÍTULO 4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quanto ao acidente. Opção ou destino?

Deixamos uma última questão para as considerações finais. Ela não deve ser como de todo o dito uma visão retrospectiva e sim um impulso para ação futura. O estado interventor e a produção de conhecimento devem andar juntos e serem temperados com fatores de prevenção.

A criação da chamada Lei da Kiss e seu Decreto 52.803/2014, deve ser considerada como parte do esforço, que não pode se esgotar em uma lei ou norma.

Vimos que as interações entre atores não ocorrem por mero acaso e que a força coercitiva e pedagógica da legislação pode não alcançar o pretendido resultado.

Lembramos que existiam leis e normas antes do acidente, mas as interações e armadilhas cognitivas e a precariedade dos controles sistêmicos tornaram pouco efetiva tais normas e leis.

O caminho então nos parece outro, como segue.

A prevenção de acidentes desse tipo exige esforços políticos que impulsionem a cooperação e a coordenação de ações do conjunto de atores identificados como envolvidos no desastre de Santa Maria. Para além de seus papéis específicos no novo sistema seus componentes precisam atentar para o fato de que decisões tomadas sob a lógica exclusiva de um determinado lugar, qualquer que seja ele no sistema, vai ensejar múltiplas interações com aquelas adotadas pelos demais atores podendo criar efeitos potencialmente negativos ou positivos e que precisarão ser considerados se o objetivo é alcançar o estado dito de Pro Atividade no Gerenciamento de Riscos apontado como necessário em sociedade dinâmica marcada pela velocidade de mudanças (LOUTFI; ALMEIDA; VILELA, 2014).

O destino estará apoiado nas opções que fizermos. O filósofo e professor Clóvis Barros Filho29 sopesando sobre a inexorável finitude da vida humana, indica que tudo o que podemos fazer é vender caro a derrota. Vender caro a derrota é no contexto da prevenção de acidente pelo menos lançar mão das melhores e mais atuais ferramentas de prevenção e controle (ALMEIDA, 2006a, p. 194), nada menos.

Não há de resto outras garantias. A ferramenta dos mapas verticais se incorpora no bojo destas ferramentas preventivas, ajudando a interpretar, gerenciar e projetar sistemas.

29 Palestra acessada em Maio/2015: https://www.youtube.com/watch?v=5AYj0_jmPks

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Parece-nos, agora, o momento de considerar como Michel Llory.

Pode-se construir um modelo geral abstrato dos acidentes? Se isso ocorresse, seria possível melhorar muito nossa capacidade de prever os acidentes. As análises feitas vão ao encontro desta esperança. Não apenas se deve admitir que todas as informações interessantes não estão contidas no desenrolar do acidente, e que é necessário retornar a muito antes dele para explicá-lo e interpretá-lo, mas vimos que também é necessário dispor de informações sobre o trabalho habitual, o trabalho cotidiano. Além disso, a pesquisa das causas profundas, das causas secundárias, dos antecedentes distantes do acidente é problemática em si mesma. As causas são incertas, os fatores de influência discutíveis. Precisamos aceitar essa parte enigmática do acidente, [...] (LLORY, 1999, p. 294).

Ao encontro da citação o retorno a pesquisa pode sim assegurar a

efetividade e a perenidade do aprendizado. Dentre as pesquisas conexas, a esta dissertação, citamos: Elaboração de

outros mapas, principalmente o mapa de conflito e de comunicações, estudos dos subsistemas aqui apresentados, delineamento de políticas públicas integradoras.

Sobre políticas públicas os mapas mostram várias linhas possíveis de ação. Em especial, verificamos o papel da prefeitura, como um órgão centralizador onde as ações concretas, podem ser focadas com sinergia.

O novo olhar que empreendemos talvez traga a capacidade de mudanças que aliada a planos e programas com objetivos bem delineados e projetos com metas claras, possam resultar nas ações concretas, mantendo e reforçando as malhas de controle de forma dinâmica.

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APÊNDICE

Mapas Verticais

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