relatÓrio do crea/rs - incÊndio da boate kiss

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Página 1 de 38 CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA DO RIO GRANDE DO SUL SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL – ÓRGÃO DE FISCALIZAÇÃO DA ENGENHARIA E DA AGRONOMIA Rua São Luis nº 77 - Fone: (51) 3320.2100 - 90620 170 - Porto Alegre (RS) COMISSÃO ESPECIAL DO CREA-RS RELATÓRIO TÉCNICO ANÁLISE DO SINISTRO NA BOATE KISS, EM SANTA MARIA, RS PORTO ALEGRE, 04 de Fevereiro de 2013 Participam da comissão: Eng. Civil Luiz Alcides Capoani. Presidente do CREA-RS Prof. Eng. Civil Luiz Carlos da Silva Pinto. Diretor da Escola de Engenharia da UFRGS e Diretor do CEPED-RS. (coordenador) Eng. Civil e de Segurança Carlos Wengrover. Membro do Conselho Consultivo da ARES - Associação Sul-riograndense de Engenharia de Segurança do Trabalho e Coordenador do CB-24 RS Comitê Brasileiro de Segurança Contra Incêndio da ABNT, Núcleo RS (vice-coordenador) Capitão Eng. Civil e de Segurança Eduardo Estevam Rodrigues. Corpo de Bombeiros do RS e Conselheiro da Câmara Especializada em Engenharia de Segurança do Trabalho no CREA-RS. Prof. Eng. Civil Telmo Brentano. PUC-RS e UFRGS. Eng. Civil Marcelo Saldanha. Presidente de IBAPE-RS - Instituto Brasileiro de Perícia de Engenharia e Conselheiro da Câmara Especializada de Engenharia Civil no CREA-RS.

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Page 1: RELATÓRIO DO CREA/RS  - INCÊNDIO DA BOATE KISS

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CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA DO RIO GRANDE DO SUL

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL – ÓRGÃO DE FISCALIZAÇÃO DA ENGENHARIA E DA AGRONOMIA

Rua São Luis nº 77 - Fone: (51) 3320.2100 - 90620 170 - Porto Alegre (RS)

COMISSÃO ESPECIAL DO CREA-RS

RELATÓRIO TÉCNICO

ANÁLISE DO SINISTRO NA BOATE KISS, EM SANTA MARIA, RS

PORTO ALEGRE, 04 de Fevereiro de 2013

Participam da comissão:

Eng. Civil Luiz Alcides Capoani. Presidente do CREA-RS

Prof. Eng. Civil Luiz Carlos da Silva Pinto. Diretor da Escola de Engenharia da UFRGS e Diretor do CEPED-RS.

(coordenador)

Eng. Civil e de Segurança Carlos Wengrover. Membro do Conselho Consultivo da ARES - Associação Sul-riograndense

de Engenharia de Segurança do Trabalho e Coordenador do CB-24 RS Comitê Brasileiro de Segurança Contra

Incêndio da ABNT, Núcleo RS (vice-coordenador)

Capitão Eng. Civil e de Segurança Eduardo Estevam Rodrigues. Corpo de Bombeiros do RS e Conselheiro da Câmara

Especializada em Engenharia de Segurança do Trabalho no CREA-RS.

Prof. Eng. Civil Telmo Brentano. PUC-RS e UFRGS.

Eng. Civil Marcelo Saldanha. Presidente de IBAPE-RS - Instituto Brasileiro de Perícia de Engenharia e Conselheiro da

Câmara Especializada de Engenharia Civil no CREA-RS.

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1. INTRODUÇÃO

Da mesma forma que a Sociedade Gaúcha e Brasileira, o Conselho Regional de Engenharia e

Agronomia (CREA-RS) lamenta o ocorrido e se solidariza com as vítimas do incêndio ocorrido na

boate Kiss, na cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul.

Adicionalmente, desde o evento o CREA-RS tem externado sua preocupação com a necessidade

de promover uma análise técnica detalhada do sinistro e suas repercussões, visto que a

realização dos projetos para implantação da segurança contra incêndios nas edificações, e

a elaboração de Planos de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI), são

fundamentalmente atribuições de engenheiros e arquitetos.

Portanto, o CREA-RS, cumprindo sua missão institucional de fiscalização do exercício profissional

e promoção da defesa da sociedade, compreende que é sua responsabilidade, nesse momento,

envidar todos os esforços para entender o acontecido e tirar lições e aprendizados técnicos que

ajudem a elucidar quais as falhas, deficiências e demandas de melhoria do sistema gaúcho de

Segurança contra Incêndio e Pânico.

Entendendo a importância de realizar essa análise de forma técnica e isenta, o CREA-RS

convidou alguns dos especialistas mais reconhecidos e experientes do Estado, associados às

áreas de Segurança contra Incêndio e Perícias de Estruturas Sinistradas, para compor uma

Comissão Especial de Análise do Incêndio na Boate Kiss. É importante destacar que os

profissionais convidados a compor a comissão, nominados ao final desse relatório, além de

especialistas no tema, representam algumas das mais importantes associações técnicas e

entidades acadêmicas da área no Rio Grande do Sul.

Para subsidiar os trabalhos da Comissão, foi dado acesso ao local sinistrado e à documentação e

às informações referentes ao trágico acidente que chegaram ao conhecimento do CREA-RS,

disponibilizados pela Prefeitura Municipal de Santa Maria e pelo Comando do Corpo de

Bombeiros.

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2. ESCOPO DO DOCUMENTO

Cabe salientar que a Comissão Especial entende que a apuração das responsabilidades civis e

criminais deve ser efetuada pelas autoridades competentes, com todo o rigor e a disciplina

necessárias diante da importância do caso em tela.

O objetivo do presente relatório, não é sobrepor esforços aos desenvolvidos pelo nosso sistema

legal. A Comissão Especial acredita que cabe ao meio técnico e ao CREA-RS, todavia, analisar

criticamente e com grande cuidado as causas e fatores que contribuíram para a tragédia de Santa

Maria, buscando identificar as lições a serem aprendidas e as ações necessárias para que se

modifique a realidade vigente.

O texto expressa o juízo técnico consensual dos especialistas convidados a integrar a comissão

especial do CREA-RS, baseado na documentação disponível, nos relatos de domínio público e na

larga experiência de cada um de seus integrantes, que além de serem especialistas na área, já

atuaram em diversas perícias e investigações de obras sinistradas.

Além de explicar e comentar criticamente aspectos relacionados ao ocorrido, sob a ótica técnica e

de responsabilidade profissional, o presente documento se preocupa em propor uma agenda de

ações efetivas e objetivas, que sirvam de base para avanços reais na Segurança contra

Incêndio e Pânico no Estado e no País, e que contribuam para reduzir significativamente a

possibilidade de que novas tragédias como a de Santa Maria venham a ocorrer.

Acreditamos que essa é a única forma de fazer jus à memória das vítimas do sinistro, a única

maneira de gerar algum bem a partir da perda irreconciliável e traumática que entristece a todos.

Cabe salientar que as considerações e conclusões apresentadas aqui se baseiam nas

informações disponíveis até o momento. Embora novas informações possam alterar algum

aspecto específico relativo ao ocorrido, a comissão está convicta que as questões gerais

discutidas e as conclusões apresentadas permanecem válidas.

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3. CONTEXTUALIZAÇÃO

Antes de discutir os aspectos técnicos e comportamentais particulares que levaram à tragédia de

Santa Maria, a comissão especial acredita que é útil e necessário entender e analisar essa

ocorrência num contexto mais amplo.

A verdade é que, a partir das tragédias associadas a incêndios ocorridos nos anos 70, que

envolveram os sinistros dos edifícios Andraus e Joelma, em São Paulo, e das Lojas Renner, em

Porto Alegre, RS, modificações significativas em vários aspectos fundamentais para a Segurança

contra Incêndio e Pânico foram implementadas. A normalização e a legislação foram melhoradas,

as práticas de projeto avançaram e os corpos de bombeiros foram melhores aparelhados. A

considerável resposta técnica e social provavelmente salvou muitas vidas nas últimas décadas.

Passados 30 anos dessas ocorrências, no entanto, o sucesso obtido acabou gerando certo

adormecimento da percepção de risco da sociedade quanto ao perigo de incêndios.

Nesse período, os avanços técnico-científicos continuaram e os especialistas da área já haviam

detectado e vinham avisando que novos avanços eram necessários, no campo da legislação, da

fiscalização e da especificação dos materiais. Particularmente, havia preocupação com as

condições relacionadas com o controle da fumaça e características de comportamento ao fogo

dos materiais de revestimento, visto que a literatura aponta que mais de 80% das mortes

ocorridas em situações de incêndio acontecem por razão de asfixia.

Ao contrário de outros países, nossa legislação sobre controle de fumaça e dos materiais de

revestimento é bastante limitada. Faltam algumas normas brasileiras específicas (sendo

necessário muitas vezes fazer referência a normas ISO, NFPA ou aos Eurocodes) e, pior, muitas

legislações municipais e estaduais, inclusive a gaúcha, não atentam para esse aspecto. A

ventilação forçada, ou o simples uso de mecanismos de tiragem da fumaça, não são medidas

compulsórias em Projetos de Segurança contra Incêndio e Pânico, exceto para escadas

enclausuradas (o que faz sentido para edifícios, mas não para locais de reunião de público e

outras situações de risco).

O quadro estava começando a mudar. As instruções técnicas emitidas pelo Corpo de Bombeiros

de São Paulo, por exemplo, são bem mais exigentes em relação a aspectos associados à

propagação de chama e obstrução ótica pela geração de fumaça1. As mesmas haviam inspirado

outras legislações estaduais e foram tomadas como base para avaliar o desempenho contra 1 Nesse ponto, cabe destacar que uma grande dificuldade de estender a realidade hoje vigente em São Paulo a outros Estados consiste na limitação de recursos

disponibilizados para esta finalidade, bem como na ausência de infraestrutura laboratorial e acadêmica capazes de fornecer o aporte técnico-científico

necessário à implantação de programas de certificação e ensaios de materiais e sistemas para situações de incêndio.

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incêndio no âmbito da nova norma 15.575/2013, que recentemente entrou em vigor, infelizmente

aplicável somente a edifícios residenciais. A demanda por ajustes nas normas para tratar melhor

a questão do controle de fumaça estava sinalizada na prática pelos resultados trágicos de

ocorrências menores, como evidencia a morte de crianças asfixiadas, num incêndio de pequenas

dimensões, mas com rápida propagação de fumaça, que ocorreu em uma creche na cidade de

Uruguaiana, RS.

Ou seja, mudanças nessa área eram necessárias e estavam começando a tomar forma.

Infelizmente, dado o clima reinante, as mesmas não receberam a atenção necessária para evitar

a tragédia de Santa Maria.

A inércia para provocar mudanças em grande parte se deve ao fato de que a sociedade e os

poderes públicos constituídos não estavam atentos e nem preocupados com as questões de

segurança contra incêndio.

Se nos reportarmos ao cenário anterior à tragédia em Santa Maria, devemos admitir que a

percepção geral sobre o risco de incêndios da maioria das pessoas era muito deficiente.

Testemunhos após a tragédia evidenciaram que as pessoas não atentavam para os perigos que

determinados ambientes de reunião de público ofereciam aos frequentadores.

Especificamente em relação a casas noturnas, uma breve análise mostra que os embates

recentes e o foco da fiscalização nos últimos anos estavam claramente voltados para as questões

acústicas e de licença de operação. As questões sobre Segurança contra Incêndio e Pânico eram

apenas tangenciadas. Possivelmente, se houvesse sido proposta a interdição de locais devido a

problemas e falhas relacionadas a saídas de emergência ou sistemas de extinção há um mês, a

mesma teria levantado mais um clamor popular pelo exagero do que um apoio pela preocupação

com a segurança dos usuários.

A discussão sobre o tema estava restrita a especialistas, Conselhos de classe e alguns

profissionais de resposta. Evidência disto foram as discussões técnicas e a tentativa de

modernizar o Decreto Estadual de Segurança Contra Incêndio e Pânico, iniciada no ano de 2010,

em parceria entre o CREA-RS e o Corpo de Bombeiros, que estava em andamento, mas que não

despertou a atenção dos setores públicos responsáveis pela sua implementação.

Esse panorama explica porque comportamentos de risco começaram a se estabelecer. Aos

poucos, perdeu-se a noção de que as medidas e exigências eram necessárias para preservar a

segurança e a vida das pessoas.

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Na realidade atual, o atendimento e o respeito aos PPCI acabam sendo simplesmente formais. O

conjunto de leis e instruções vigentes é complexo e incorpora problemas de uniformidade nas

exigências e atribuições de responsabilidades, dando margem à possibilidade de que PPCI

sejam, em certos casos, elaborados por leigos ou profissionais sem formação específica. As

operações de fiscalização são limitadas e demoradas, devido a restrições nos recursos

financeiros e humanos disponíveis. Por isso, se adotou em algumas cidades do Estado, na

ausência de legislação estadual única vedando essa possibilidade, a prática de liberação de

funcionamento sem alvará de segurança contra incêndio e pânico, estabelecendo um protocolo

que desfavorece a segurança e permite que situações de riscos se estabeleçam sem serem

detectadas.

No Estado do Rio Grande do Sul, a principal legislação estadual da área foi publicada em 1997.

Nesses 16 anos de história os cuidados e provisões estabelecidos na mesma tiveram efeitos

positivos, colaborando para uma redução importante do número incêndios nas edificações de sua

abrangência. Contudo, com o passar do tempo e o avanço do conhecimento na área, se notaram

necessidades de avanço, mas poucas atualizações foram concretizadas.

É fundamental reconhecer esse estado de coisas para entender a cadeia de eventos que acabou

levando ao trágico sinistro de Santa Maria. Mais ainda, para propor mudanças que afetam de fato

o nível de segurança de nossas edificações, e preservem seus usuários, é fundamental analisar o

problema sob essa ótica mais ampla.

Embora haja responsabilidades objetivas associadas às causas primárias do incêndio, que pelo

que se conhece até agora estão relacionadas a condutas de risco dos proprietários do

estabelecimento e de integrantes da banda, deve-se reconhecer que, como usual num evento

dessa magnitude, se nota que houve falhas e deficiências sistêmicas, que precisam ser

apontadas para que se possamos entender sua origem e buscarmos avanços no sentido de

promover a segurança coletiva.

Antes de passar à discussão específica das causas do incêndio e da agenda de mudanças

propostas, cabe subsidiar a discussão com uma breve análise da estrutura da legislação contra

incêndio e pânico no estado do Rio Grande do Sul e fazer uma reconstituição do histórico de

utilização da edificação que sofreu o evento.

4. CONSIDERAÇÕES SOBRE A ESTRUTURA ATUAL DA LEGISLAÇÃO DE SEGURANÇA

CONTRA INCÊNDIO E PÂNICO

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Como previsto na Constituição Federal, os Estados podem legislar plenamente no caso de

omissão legislativa por parte da União, como ocorre no caso da segurança contra incêndio e

pânico.

Assim, no contexto brasileiro, cada Estado possui atualmente sua própria legislação, os

denominados Códigos Estaduais de Segurança contra incêndio e Pânico (COSCIP).

No Rio Grande do Sul, além da Lei Estadual e do Decreto Estadual, a regulamentação da área

está dispersa em diversos instrumentos técnicos, como Resoluções Técnicas e Portarias. Isto

dificulta aos profissionais, tanto projetistas como bombeiros, a interpretação e a aplicação das

exigências. É notório também, que detalhamentos técnicos inseridos em leis e não em resoluções

técnicas, engessam a possibilidade de modernização sistemática.

A ausência de um Código Estadual consolidado, contendo todas as provisões necessárias para

que se promova a segurança contra incêndio e pânico nas mais diversas situações, abre caminho

para que se busque suplementar a legislação a nível municipal, o que acarreta numa falta de

uniformidade de critérios, parâmetros e procedimentos administrativos.

Assim, apesar dos incêndios apresentarem comportamentos semelhantes em qualquer lugar do

país, atualmente, um profissional que realize projetos em diferentes cidades do Brasil, deve

conhecer diversas legislações, que estabelecem diferentes exigências para edificações com

características semelhantes.

5. HISTÓRICO DE UTILIZAÇÃO DA EDIFICAÇÃO

De acordo com a documentação disponibilizada pela Prefeitura Municipal de Santa Maria à

Inspetoria do CREA-RS, a edificação onde foi implantada a Boate Kiss era originalmente um

pavilhão, construído para uso como depósito na década de 50.

Em 2003 o local sofreu reforma sem ampliação de área (Alvará de Licença 1497/03) e é

convertido para uso como “Curso Preparatório para Escolas Superiores”, o que acarretou em

adaptações e retirada parcial de paredes internas. O projeto, tendo por responsável técnico um

engenheiro, é aprovado em 22/10/2003. A ART relativa ao mesmo está registrada no CREA-RS.

Em 2009, o local sofreu nova mudança de uso, passando a ser operado pela empresa SANTO

ENTRETENIMENTO LTDA, criada em 20 de Abril de 2009 com o objetivo de atuar primariamente

no ramo de “Discotecas, danceterias, salões de dança e similares (cod. 93.29-8-01).

Aparentemente a empresa contrata um escritório de arquitetura para planejar o novo espaço, e

uma arquiteta do mesmo requer aprovação de projeto de Reforma sem Ampliação do imóvel em

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27/07/2009 (foi localizada no CREA a ART no. 4897540, relativa ao Projeto de Reforma

registrada em nome de uma das arquitetas, descrevendo o período do serviço como indo de

22/07/2009 a 31/07/2009).

O memorial descritivo do Projeto Arquitetônico, confeccionado por duas arquitetas, datado de

Julho de 2009, foi apresentado à Prefeitura, que, em documento sem assinatura, aparentemente

fez uma análise em 04/08/2009 e demandou uma série de medidas e adequações, inclusive

relativas à norma 9077/2001 – “Saídas de Emergência em Edifícios”.

A SANTO ENTRETENIMENTO obtém, em 25/11/2009, uma Certidão (4008/09) de Zoneamento e

Uso do Solo, da Secretaria de Controle e Mobilidade Urbana da Prefeitura Municipal de Santa

Maria, certificando que o imóvel, de acordo com a Lei de Uso e Ocupação do Solo (Lei

Complementar 33, de 29/12/2005) está situado na Zona 2, sendo permitido o uso para as

atividades associativas, recreativas, culturais e desportivas e serviços de alimentação (3.2.a), o

que é compatível com a atividade principal da empresa.

A empresa SANTO ENTRETENIMENTO se instala e solicita então vistoria para receber Licença

de Localização, que é realizada em 25/03/2010, depois da qual a mesma recebe informação de

que poderia implantar naquela zona atividade de BAR E DANCETERIA.

De acordo com a documentação obtida, a SANTO ENTRETENIMENTO LTDA recebeu a Licença

de Operação em 04/03/2010 e o Alvará de Localização relativo à Boate Kiss em 14/04/2010.

Para subsidiar a licença de operação foram disponibilizados, pelo proprietário, dois documentos

técnicos:

a) um LAUDO TÉCNICO com medições de níveis de pressão sonora, emitido por engenheiro

habilitado, cuja ART, número 5118124, se encontra registrada no CREA-RS (que descreve

que o serviço foi realizado entre 21/12/2009 e 25/12/2009). O Laudo descreve que o

estabelecimento “possui duas camadas de forro de gesso acartonado com espessura de

12 mm e sobre esse forro duas camadas de lã de vidro de 50 mm de espessura e 24

kg/m3 de densidade”, e

b) um ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA, realizado por uma Arquiteta, cuja ART,

número 4995627, também se encontra registrada no CREA-RS (e descreve que o serviço

foi realizado entre 21/09/2009 e 28/09/2009). Nesse último documento se faz referência a

uma área construída de 638,25 m2 (de acordo com o registro para fins de IPTU) e

capacidade de 700 pessoas.

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Além das ART relativas aos serviços acima, existe registro no CREA-RS de uma ART (no.

5163136) relativa a Licenciamento Ambiental, serviço realizado por uma Engenheira Química e

de Segurança do Trabalho, no período de 26/01/2010 a 05/02/2010.

Cabe destacar que, como de costume, a Licença de Operação estabelece, em seu item 2.4 que:

“No caso de necessidade, por parte do estabelecimento, de alteração na sua área física, esta

alteração deverá ser previamente avaliada por esta Secretaria, através de solicitação de Licença

Prévia”.

A Licença de Operação deveria ser renovada anualmente. Foram obtidos boletins de vistoria para

esse fim, datados de 11/02/2011 e 19/04/2012 (no campo observações do último consta uma

checagem do Alvará de Prevenção e Proteção contra Incêndio, baseado no PPCI 3106/1, vigente

até 10/agosto/2012). Nos registros do CREA-RS, não consta Anotação de Responsabilidade

Técnica para o referido processo, como obrigatoriedade prevista na legislação vigente.

A licença de operação que estava vigente no dia do sinistro foi emitida em 27/04/2012. Em 12 de

Janeiro de 2012, a Prefeitura Municipal de Santa Maria solicitou um Laudo Acústico atualizado

para obtenção dessa nova Licença de Operação.

Encontra-se nos registros do CREA-RS, uma ART (no. 6266037) de Projeto e Execução de uma

reforma na edificação, realizada de acordo com o registro entre 20/02/2012 e 12/03/2012, sob

responsabilidade técnica de um Engenheiro Civil.

Segundo relatos, em torno do período da reforma foi efetuada a instalação do material de

revestimento acústico, que teve papel determinante na ocorrência do incêndio e asfixia das

vítimas. Não há registro de quem especificou o emprego ou o tipo do mesmo e se o mesmo

estava contemplado na reforma. Deduz-se que isso tenha sido feito para melhorar as condições

acústicas, talvez porque se tivesse registros de reclamações sobre o isolamento acústico2, o que

pode ter motivado o pedido da Prefeitura. O fato é que com a incorporação do material inflamável

de revestimento acústico se plantou uma importante semente da tragédia.

Um novo Laudo Técnico de Medições de Níveis de Pressão Sonora foi realizado por um

Engenheiro Civil, em 22/03/2012, registrada no CREA-RS sob no. 6286944. Esse Laudo não

registra a presença do revestimento acústico de espuma no entorno do palco, repetindo que o

estabelecimento “possui duas camadas de forro de gesso acartonado com espessura de 12 mm,

e sobre esse forro duas camadas de lã de vidro com 50 mm de espessura e 24 kg/m3 de

densidade”.

2 Em certa documentação se faz referência a um inquérito civil do Ministério Público sobre Poluição Sonora.

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Histórico dos PPCI

Segundo registros do Corpo de Bombeiros, o 1º. Alvará de Prevenção e Proteção Contra Incêndio

do estabelecimento para a boate Kiss foi emitido em 28/08/20093, com validade de 1 ano. De

acordo com indicações nos documentos obtidos, o mesmo foi concedido com base no PPCI

3106/1, de 26/06/2009. Nesse PPCI foi usada uma metragem de 615 m2. O Alvará de Prevenção

e Proteção contra Incêndio foi emitido em 28 de Agosto de 2009, com base nesse PPCI, sendo

utilizado a ferramenta de gestão de PPCI denominada SIGPI (Sistema Integrado de Gestão da

Prevenção de Incêndio).

Constata-se nesse processo uma deficiência importante que deve ser explicitada e sanada.

Normalmente, para edificações com área inferior a 750 m2, a legislação estadual vigente dispensa

a apresentação de PPCI completo, com ART emitida por profissional habilitado, para subsidiar a

emissão do alvará. Pode nesses casos ser usado o chamado Processo Simplificado de

Prevenção e Proteção contra Incêndio.

Porém, no caso de boate ou clube noturno, a edificação é automaticamente enquadrada na

Classe F-6 da norma NBR 9.077 (cujo atendimento é explicitamente demandado nas Legislações

Estaduais e Municipais). Nesses casos, conforme regulamentação do Corpo de Bombeiros, é

obrigatória a apresentação de PPCI completo, independentemente da área.

A Portaria nr 64/1999 do Corpo de Bombeiros estabelece que o PPCI completo deve ter ART do

responsável técnico. Ou seja, o proprietário deveria contratar um profissional habilitado para

elaborar o mesmo. Não foi localizada nenhuma ART associada ao PPCI ou a qualquer Projeto de

Segurança contra Incêndio e Pânico nos bancos de dados do CREA-RS. Ou seja, apesar de

demandado pela legislação vigente, o proprietário não contratou responsável técnico para esse

serviço.

Essa falha não impediu a elaboração de um PPCI através do sistema SIG-PI (sistema digital

criado para agilizar e padronizar os trabalhos de emissão de PPCI e adotado na maioria dos

municípios do interior do Estado). Como, ao contrário de outros municípios, Santa Maria não

demandava compulsoriamente nesses casos, além do registro no SIG-PI, a entrega de Projeto de

Segurança contra Incêndio documentado, foi gerado um PPCI para a edificação, sem responsável

técnico. Dessa forma, aspectos importantes relativos à configuração do espaço para situações de

emergência deixaram de ser adequadamente considerados, por profissional habilitado.

3 Ou seja, antes da elaboração e análise do PPCI, e da emissão do alvará dos bombeiros, foi concedida Licença de Operação.

Essa é uma prática comum adotada até o momento em muitas cidades, para agilizar a operação efetiva dos empreendimentos, mas que deve ser modificada para o futuro, pois permite operação em condições não determinadas de segurança contra incêndio.

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Em 21/12/2010 foi emitida a 1ª. Advertência para renovação do alvará. Em resposta, os

proprietários fizeram um requerimento para inspeção, em 11/02/2011. O local foi inspecionado em

11/04/2011, quando se emitiu uma notificação de correção, que demandava correções nos

extintores, iluminação de emergência, saídas de emergência e mangueiras de gás. No dia

25/07/2011 foi efetuada uma inspeção e contatado que as irregularidades haviam sido

solucionadas. Um novo Alvará de Prevenção e Proteção contra Incêndio foi emitido em

11/08/2011.

6. PARECER TÉCNICO PRELIMINAR

Na opinião da Comissão Especial do CREA-RS, a análise das informações disponíveis até o

momento aponta, como causas fundamentais para a ocorrência do incêndio, a combinação do

uso de material de revestimento acústico inflamável, exposto na zona do palco, associada à

realização de show com componentes pirotécnicos.

Analisando relatos, a propagação do incêndio, por sua vez, foi fundamentalmente influenciada

pela falha de funcionamento dos extintores localizados próximos ao palco, que poderiam ter

extinguido o foco inicial de incêndio.

O grande número de vítimas, por sua vez, foi influenciado pela dificuldade de desocupação, pelas

deficiências nas saídas de emergência, e pelo excesso da lotação máxima permitida.

A superlotação (aparentemente era comum que a casa abrigasse cerca de 1.000 pessoas, e isso

parece ter ocorrido na noite do sinistro) e as características inadequadas do espaço, em termos

de sinalização, tamanho e localização das saídas de emergência dificultou a evacuação.

Essas deficiências foram compostas pela aparente falta de treinamento para situação de

emergências e da ausência de equipamento de comunicação da equipe de segurança do local.

Tudo isso contribuiu para retardar a saída das pessoas nos minutos posteriores ao incêndio,

tendo papel decisivo no número de vítimas.

Muitas dessas falhas provavelmente teriam sido evitadas se houvesse sido realizado um Projeto

de Segurança contra Incêndio, por profissional habilitado e com formação específica. Um

problema que demanda correção é que hoje, é possível, em muitos casos, fazer um PPCI sem

um Projeto de Segurança contra Incêndio e sem responsável técnico. É necessário revisar esse

conceito.

Mais ainda, é necessário consolidar a legislação e integrar os sistemas de controle do Corpo de

Bombeiros, dos Conselhos Profissionais e demais órgãos de fiscalização. No caso específico da

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Boate Kiss, apesar de ser previsto na Portaria 64/99 da Brigada Militar do Estado, que deve ser

apresentada ART de Responsável Técnico, não há registro de que os proprietários tenham

contratado ou utilizado um profissional para elaborar o PPCI. Provavelmente os mesmos se

aproveitaram da facilidade do Sistema SIG-PI, criado para agilizar a emissão dos Alvarás de

Prevenção e Proteção contra Incêndios, e usado pela maioria das municipalidades do Rio Grande

do Sul, para gerar um PPCI sem que fossem cumpridas todas as demandas legais.

Outro fato que demanda atenção é que as normas e leis brasileiras ainda não tratam

adequadamente as questões relativas ao controle de fumaça e a ausência à certificação de

materiais para situações de incêndio.

Adicionalmente, a falta de uniformidade e a fragmentação de informações entre normas, decretos

estaduais, leis municipais e resoluções técnicas, como já discutido, causa confusão e dificulta a

verificação de atendimento a todos os itens.

Finalmente, se verificou no incêndio de Santa Maria que pode existir uma falha importante e que

demanda revisão nos princípios de funcionamento da iluminação de emergência. Como o

fornecimento de energia elétrica não caiu nos primeiros momentos, a iluminação de emergência,

embora existisse, não cumpriu seu papel. É necessário alterar o funcionamento desses

dispositivos para que os mesmos sejam acionados não só em caso de falta de luz, mas também

se houver obstrução ótica.

Ou seja, como se pode verificar acima (e é comum em todos os acidentes dessa magnitude),

vários fatores contribuíram para que o resultado trágico ocorresse. Independentemente da

responsabilização civil e criminal, é fundamental reconhecer que existem problemas e

deficiências sistêmicas, que necessitam ser reconhecidos e entendidos, para permitir que se

façam avanços efetivos na busca por redução de riscos.

Buscando clarificar a opinião do painel de especialistas da Comissão Especial constituída pelo

CREA-RS sobre as principais deficiências e problemas diagnosticados, os itens a seguir

apresentam considerações adicionais sobre aspectos críticos que caracterizaram o sinistro em

Santa Maria.

A DINÂMICA DE PROPAGAÇÃO DE INCÊNDIO

É um princípio básico amplamente conhecido que, para que a combustão ocorra, é necessário

que estejam disponíveis o combustível, o oxigênio e a fonte de ignição. Tecnicamente, quando

essas três condições estão presentes existe possibilidade de início de incêndio.

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A severidade do sinistro e sua forma de desenvolvimento no interior de uma edificação dependem

primordialmente do poder calorífico e da disposição dos materiais disponíveis para queima (carga

de incêndio) e das condições de ventilação do ambiente.

O incêndio desenvolve-se em quatro fases bem distintas, relacionadas com o tempo decorrido

desde a ignição, sendo as mais importantes a serem entendidas, para fins das ações de

salvamento, o de pré-aquecimento (pré-flashover) e a de ignição súbita generalizada (pós-

flashover).

Nessa seção se busca explicar como essas condições se desenvolveram no caso do Incêndio da

Boate Kiss, efetuadas com base nos resultados do levantamento fotográfico realizado durante a

visita de membros da Comissão Especial e informações contidas em matérias veiculadas pela

imprensa.

A zona de origem do incêndio restou evidenciada como sendo um dos palcos, fato atestado pelos

testemunhos de pessoas que estavam no local, e confirmado pelo nível de destruição verificado,

decorrente do maior tempo de exposição a altas temperaturas. Confirmou-se durante a visita que

as altas temperaturas causaram o colapso da estrutura da cobertura e degradaram os materiais e

móveis presentes naquele setor.

Dada a reduzida área de ventilação existente e a rápida geração de fumaça que o produto

aplicado para o tratamento acústico produziu, aquele incêndio não atingiu o estágio de ignição

súbita generalizada (flashover), fenômeno caracterizado pela combustão instantânea de todos os

materiais orgânicos disponíveis e ainda não totalmente carbonizados em um mesmo ambiente

não compartimentado, causando um rápido aumento de temperatura a níveis insuportáveis. Dada

a baixa ventilação, a quantidade de oxigênio foi limitada, o que deve ter impedido que ocorresse o

flashover.

Em alguns momentos, porém, segundo relatos, foram notados “clarões" de chamas, indicando a

ocorrência do fenômeno conhecido como flameover, caracterizado pelo desenvolvimento de

chamas inconstantes na zona limite inferior da nuvem de fumaça, onde ocorre o contato entre as

partículas e gases aquecidos e o oxigênio ainda disponível nas camadas inferiores do ambiente.

Nos demais locais de concentração do público em direção às saídas de emergência, as "marcas

de queima" visualizadas indicam claramente a existência de duas zonas, uma superior com alta

concentração de fumaça e calor, e uma inferior, com temperaturas mais baixas. Segundo estudos

especializados e indicações na norma NFPA 921, pode existir diferenças superiores a 300°

Celsius entre estas. A zona quente foi aumentando, se aproximando do solo, até atingir cerca de

1m do solo, o que contribuiu decisivamente para a ocorrência de vítimas. Após alguns minutos do

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início do incêndio, a única forma de sobreviver seria se manter abaixado, ou seja, se movimentar

rastejando.

Esse fato foi confirmado pelo nível de destruição do revestimento superior em comparação com o

alto grau de preservação de materiais muito sensíveis ao calor como os plásticos das lixeiras e

baldes de gelo, madeira dos balcões de atendimento ou revestimento das cadeiras e portas.

Desta forma, é notória a relevância que deve ser atribuída aos sistemas de controle de fumaça

dos ambientes, bem como às características de geração de fumaça e de toxicidade dos materiais

empregados, pois aumentaria a altura disponível para deslocamento das pessoas e o tempo para

o deslocamento das pessoas, proporcionando condições mais favoráveis à sobrevivência.

SOBRE A CONCEPÇÃO DO ESPAÇO E DAS SAÍDAS DE EMERGÊNCIA

O instrumento fundamental sobre o qual se apoia a segurança contra incêndios é o PPCI. Como

já explicado nesse documento, o alvará de liberação dos bombeiros recebido em agosto de 2011

pela boate Kiss foi baseado num PPCI gerado pelo sistema SIG-PI, o que não garantiu o

atendimento à Portaria 64/99, que demanda ART do responsável técnico para edificações

classificadas tipo F-6.

Outro aspecto fundamental que necessita ser modificado é que, mesmo que haja um responsável

técnico, atualmente o sistema referenciado não torna compulsório que o PPCI inclua um Projeto

de Segurança contra Incêndio, como seria recomendável. Ou seja, o modelo de PPCI atual

muitas vezes envolve apenas verificações e recomendações sobre aspectos como a disposição e

número de extintores. Esses aspectos são importantes, mas a análise deve ser tecnicamente

mais profunda para que se possam reduzir efetivamente os riscos. Não basta simplesmente

verificar formalmente o atendimento às normativas e leis aplicáveis, mas sim é necessário se

preocupar em produzir um resultado técnico eficiente e eficaz.

É recomendável, ainda, revisar a disposição que permite que muitas edificações com área menor

que 750 m2 sejam dispensadas de apresentar um PPCI completo, podendo apresentar somente

documentação simplificada.

No caso específico da Boate Kiss, o cálculo de ocupação divulgado, que consideraria 691

pessoas e justifica as dimensões das portas, usa critérios efetivamente existentes na NBR 9.077,

porém segundo as evidências, o estabelecimento muitas vezes operava com uma lotação muito

maior. Além disso, a configuração das saídas de emergência deixa a impressão que se buscou

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subterfúgios para atender os requisitos de norma, ao invés de se atentar para a segurança efetiva

dos usuários.

Edificações classe F-6 demandam, segundo a NBR 9.077, duas saídas de emergência

localizadas o mais distante possível uma da outra. Aproveitando que a redação da norma é vaga

e que isso permite uma discricionariedade que dá margem a soluções indesejáveis tecnicamente,

aparentemente se considerou que existiam duas portas de emergência, pois havia duas

passagens que davam num átrio de entrada, e neste átrio havia duas aberturas. Dessa forma,

aproveitando as deficiências normativas, possivelmente se tentou evitar ter que abrir uma nova

abertura na fachada do edifício, ou mesmo reduzir a área destinada ao público para construir uma

rota de fuga alternativa.

O tipo de situação vigente na Boate Kiss certamente não seria aprovada ou adotada por qualquer

especialista em Segurança contra Incêndio com alguma experiência.

Infelizmente, na realidade atual, não é necessário ser especialista para elaborar um PPCI. Basta

a habilitação básica e em alguns casos, basta que se atenda alguns requisitos básicos. Essa

situação deve ser alterada.

A Comissão Especial do CREA considera que, para promover a qualificação da Segurança contra

Incêndio, deve ser obrigatória a formação específica em Segurança contra Incêndio e Pânico.

Mais ainda, é necessário tornar compulsória a elaboração de um Projeto de Segurança contra

Incêndio, preferencialmente elaborado por profissional com habilitação específica. Os fatos

evidenciam que somente a formação básica em engenharia e arquitetura não é suficiente para

garantir as bases teóricas necessárias para elaborar um PPCI adequado.

Para dar sustentação a essa estratégia, é fundamental iniciar imediatamente estudos objetivando

viabilizar que o meio acadêmico oferte capacitação nesse sentido, que sejam feitos ajustes na

legislação e que o sistema CONFEA-CREA/CAU inicie um processo para modificar as atribuições

profissionais que atendam essa nova realidade.

Obviamente, o ideal é proporcionar saídas bem sinalizadas, com alta capacidade de passagem, e

distribuídas de forma a reduzir distâncias a percorrer e evitar acúmulos de fluxo de pessoas.

Apesar da deficiência nas saídas de emergência da Boate Kiss, se as rotas de evacuação e as

próprias saídas estivessem desobstruídas, isso teria contribuído significativamente para reduzir o

número de vítimas. Porém, a visita ao local evidenciou que o mesmo apresentava características

muito desfavoráveis para a evacuação dos usuários. Além da deficiência nas saídas de

emergência, havia vários obstáculos e barreiras que, na prática, reduziam violentamente o

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espaço disponível para a fuga. Esses causaram quedas e certamente aumentaram o número de

mortes.

É fundamental conscientizar proprietários sobre a necessidade de preservar o acesso livre e fácil

às saídas de emergência, e banir a prática de obstrução da via pública nas rotas e descargas das

saídas de emergência, já proibida pela legislação. É necessário, ainda, melhorar a análise das

rotas de fuga. Atualmente se dispõe de métodos de dimensionamento e de simulações

computacionais de fluxo da evacuação aceitos e utilizados em diversos países. Impõe-se a

modernização dos parâmetros e a adoção de métodos mais eficientes e com detalhamentos

melhores definidos. Sugere-se ainda, a colocação de placas atentando para a capacidade de

público, bem como o aviso periódico durante o evento sobre a existência e localização das saídas

de emergência.

SOBRE OS SISTEMAS DE CONTROLE DE FUMAÇA

A legislação estadual é claramente omissa quanto às exigências de sistemas de controle de

fumaça nos ambientes de reunião de público, quer seja pela aplicação de materiais de

revestimento com características de pouca geração de fumaça, quer seja por sistemas naturais

ou forçados de exaustão desta. Em outras palavras, não existem requisitos específicos que

garantam altura mínima livre de fumaça nas rotas de fuga externas às escadas de emergência,

que neste caso não existiam.

Nos países mais desenvolvidos, os projetos para controle de fumaça são imprescindíveis, pois

realmente previnem e proporcionam maior tempo para a saída das pessoas. Este caráter

preventivo supera muitas vezes até a ideologia interventiva de combate ao incêndio em seu

desenvolvimento inicial pela aplicação, por exemplo, de sistema de chuveiros automáticos

(sprinklers). Os dois sistemas são indispensáveis conforme o risco de incêndio da edificação, e

devem ser aplicados de forma harmonizada através de um projeto realizado por profissional

competente.

No incêndio da boate Kiss em Santa Maria, mais do que a propagação do incêndio ou do que as

temperaturas evidenciadas pela análise dos vídeos divulgados pelas redes sociais e matérias

jornalísticas, a concentração e toxicidade da fumaça gerada foram decisivas para o surgimento de

tantas vítimas fatais.

SOBRE AS CONDUTAS DE RISCO

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Pelo menos 5 condutas de risco, que agravaram o risco de incêndio e colaboraram para o trágico

resultados registrado, devem ser destacadas, como exemplos negativos de comportamento que

devem ser combatidos e reprimidos:

a) Em torno de março de 2012, quando houve uma reforma com ART registrada no CREA-

RS, foi efetuada a incorporação de material inflamável, sem que fossem notificadas as

autoridades, em especial o Corpo de Bombeiros. Isso seria uma demanda urgente, pois

envolvia aumento da carga de incêndio4. Isto é uma negligência séria, pois qualquer

reforma demanda imediatamente a solicitação de novo Alvará, pedido que só aconteceu

após a perda de validade deste. Em outras palavras, um novo PPCI deveria ser iniciado

imediatamente após a reforma efetuada. Não existe ainda registro de que isso tenha

ocorrido até a perda de validade do alvará emitido em agosto de 2011, que era válido até

agosto de 2012;

b) A boate aparentemente operava com lotação acima da prevista no PPCI, usada como

referência para verificar a dimensão necessária das saídas de emergência;

c) As rotas de fuga foram obstaculizadas com elementos metálicos, tanto internamente

quanto externamente, o que reduziu sua capacidade de escoamento de pessoas, causou

atrasos na evacuação e provocou quedas e ferimentos aos usuários que tentavam escapar

do incêndio;

d) Houve apresentação da banda com Show Pirotécnico sem que houvesse licença

específica das autoridades para tanto;

e) Não havia saídas alternativas de emergência na edificação;

SOBRE O MATERIAL DE REVESTIMENTO ACÚSTICO

Em relação ao material de revestimento acústico, segundo se sabe até o momento, o mesmo foi

instalado durante ou logo após a reforma realizada em março de 2012, em uma área de

aproximadamente um terço da total, localizada próxima ao palco.

Não se sabe se o mesmo foi especificado pelo profissional responsável pela reforma ou por

algum outro profissional técnico, nem se a seleção do mesmo foi efetuada pelos proprietários ou

pelos agentes encarregados da reforma. Essa apuração de responsabilidades é fundamental para

fins de responsabilização.

4 Infelizmente, porque o corpo normativo e nossas leis estaduais estão desatualizadas, esse importante fator que determina a severidade de sinistros não iria

mudar a classificação atual, que se baseia só na ocupação estimada e no tipo de atividade. Mas se tivesse sido contratado um profissional habilitado e experiente, como demandado na instrução 64, se esperaria que o mesmo impedisse o uso do material inflamável (que é vedado pela legislação municipal) ou adotasse medidas de proteção e evacuação mais eficientes.

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Sob o ponto de vista técnico, entretanto, o mais importante é verificar porque um material com

essas qualidades estava disponível no mercado, qual sua composição e fornecedor. Deve-se

avaliar a responsabilidade do último à luz do código de defesa do consumidor e que deva ser

melhor especificada e controlada a comercialização de produtos que não atendam às normas.

Existem sistemas de isolamento acústico devidamente certificados, que atendem normativas

brasileiras e internacionais, evidenciando comportamento aceitável em situação de incêndio.

Amostras foram coletadas para determinar a composição e comportamento ao fogo do

revestimento. Pelas informações disponíveis até o momento, o material usado é altamente

inflamável, contém poliuretano em sua formulação, libera gases tóxicos e não contém

retardadores de chama. Dadas essas características, o mesmo não poderia ter sido aplicado

como revestimento interno na cidade de Santa Maria, onde o uso de materiais inflamáveis e

tóxicos é vedado pela Lei Municipal.

No caso específico da Boate Kiss, o revestimento acústico inflamável foi aplicado de forma

aparente no palco, sobre o revestimento original de gesso acartonado e lã de rocha. Como o

palco era elevado, o contato entre os elementos pirotécnicos usados no show do Conjunto

Gurizada Fandangueira e o material inflamável se tornou possível. Estavam configuradas as

condições para o inicio do sinistro.

Para evitar a repetição de problemas desse tipo, uma forte estratégia deve ser iniciada para banir

o uso de materiais inflamáveis e tóxicos, como já aconteceu em outros países que classificam e

certificam a qualidade de todos os materiais de revestimento quanto à reação ao fogo.

SOBRE O USO DE ARTEFATOS PIROTÉCNICOS

Em relação ao show, segundo se depreende dos testemunhos e dados divulgados pela

investigação oficial e pela imprensa, foi utilizado um artefato inadequado para uso interno, que

produz faíscamento intenso e de alta temperatura, que poderia facilmente provocar a ignição do

material inflamável do revestimento acústico.

O uso de um artefato pirotécnico em ambiente fechado é um comportamento de risco inaceitável

e que evidencia claramente a percepção deficiente sobre segurança contra incêndio.

A legislação vigente estabelece que shows pirotécnicos possam ser realizados em ambientes

fechados, mas demandam licenças específicas, que não foram solicitadas no caso da boate Kiss

(Apesar de não ter sido aplicada no presente caso, a Comissão acredita que essa legislação deve

ser revista e tornada ainda mais restritiva e punitiva).

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Portanto, o fatídico show pirotécnico nunca deveria ter acontecido. Se o mesmo era usual, como

amplamente divulgado na imprensa, foi somente o acaso que evitou outros acidentes. O fator

determinante para o sinistro é que o artefato adquirido e utilizado na noite de 27 de Janeiro de

2013, segundo relatos, era do tipo inadequado para uso interno.

Percebe-se que a combinação de uso desse elemento, altamente combustível e tóxico, acima de

um piso elevado (o palco), onde a altura até o revestimento acústico era pequena, foi decisiva

para o início da conflagração.

SOBRE OS SISTEMAS DE ALARME, SINALIZAÇÃO E ILUMINAÇÃO DE EMERGÊNCIA

Pelas informações disponíveis, em termos de sinalização de emergência, a boate Kiss atendia os

requisitos. Na verdade até superava os requisitos, pois somente em Porto Alegre se demandam

sistemas autônomos de sinalização. No interior do estado, inclusive em Santa Maria, se admite o

uso de sinalização luminofosforescente.

O interior do prédio apresentava vários ambientes interligados por passagens. Além disso, havia

barreiras físicas de guarda-corpos metálicos na frente dos bares para organizar o seu acesso e

antes da porta de saída da edificação. A sinalização de emergência não era adequada para

permitir uma saída organizada com rapidez e segurança por ocasião de um incêndio.

Como deve ser a sinalização de emergência?

Como a boate não era constituída de um salão único deveria haver sinalização abundante para

organizar o fluxo das pessoas para a saída de emergência que era somente frontal.

Esta sinalização pode ser fixada no teto, paredes e piso. Quanto a altura mínima da sua borda

inferior do piso quando fixadas nas paredes ocorrem divergências, fator importante para a sua

visualização. A NBR 9077:2001 recomenda a altura de 1,60m e temos a legislação de São Paulo

que determina 1,80m. Porém, o recomendável seria 2,00m, pois hoje as pessoas são mais altas,

e quando estão em pé, reunidas num ambiente, a dificuldade de visualização pode ser grande.

Outra questão importante é sua visualização no escuro, quando a iluminação normal do prédio for

desligada. Pode ser luminosa por meio de energia de acumuladores ou outro sistema de

iluminação de emergência, e/ou fotoluminescente, isto é, pintadas com tintas especiais que

permanecem visíveis (fosforescentes) no escuro por várias horas. As placas fotoluminescentes

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em ambientes fechados, com pouca iluminação por várias horas do dia e da noite, não são

recomendadas, sendo mas indicadas a sinalização com fonte própria de iluminação.

A sinalização poderia ser por meio de pequenas luminárias instaladas no piso do ambiente

indicando o caminho que deve ser seguido para alcançar a saída (iguais às pequenas lâmpadas

instaladas nas escadas de cinemas), porque uma pessoa, em situação de emergência de

incêndio, tende a se curvar para baixo e sair olhando para o piso.

IMPORTANTE: Como se determina a localização adequada destes sinais? As normas e

legislações determinam afastamentos mínimos, máximos e posições adequadas para a sua

perfeita visibilidade. No entanto, às vezes, por questões arquitetônicas, de obstruções e de

dificuldades de instalação, estas medidas não podem ser observadas. Nesta questão da

sinalização, bem como para outros equipamentos de segurança que serão detalhadas adiante,

surge uma palavra extremamente importante no projeto de proteção contra incêndio: “O

CENÁRIO”.

Deve-se posicionar os observadores em vários pontos de um ambiente, principalmente nos

pontos do ambiente mais distante da saída final, e verificar, para cada posição, onde deverão ser

instalados os luminosos ou placas de sinalização. A visibilidade da sinalização deve ocorrer de

qualquer ponto do ambiente, mesmo que haja obstáculos intermediários.

Quanto à iluminação de emergência, a análise do ocorrido evidencia que é recomendável que os

sistemas de acionamento da iluminação de emergência sejam modificados. As luzes só foram

acionadas quando houve a queda de luz, momento em que a fumaça já tomava conta do

ambiente. O acionamento deve ser em função da obstrução de visão, ou ainda por acionamento

manual.

Além disso, sistemas de detecção e de alarmes devem ser compulsórios, pois a legislação

estadual não explica claramente as características das edificações e dos sistemas a serem

adotados, deixando margem para a não aplicação de detecção automática de incêndio.

SOBRE A FALTA DE PREPARO DOS FUNCIONÁRIOS

Nas matérias veiculadas, ficou tácita a falta de preparo dos funcionários para alertar e orientar os

usuários para a saída segura. Essa falta de preparo foi um componente importante que agravou

as deficiências do sistema de evacuação. Ao contrário, ao demorar para liberar as portas de

saída, buscando verificar se pagamentos de despesas haviam sido efetuados, a equipe de

segurança acabou contribuindo para o aumento de vítimas.

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O treinamento deve ir além do já exigido pela legislação Estadual e Resolução Técnica do Corpo

de Bombeiros e Normas Brasileiras da ABNT. Todo funcionário deve ter certificação e

treinamento básico em gestão de emergências e primeiros socorros. Medidas devem ser tomadas

para fiscalizar se o treinamento é dado de forma regular a toda as equipes, especialmente as de

segurança.

Para orientar as ações, deve ser exigida a elaboração, divulgação e apresentação de um plano

de emergência e contingências para estabelecimentos com maior risco de incêndio, inclusive

locais de reunião de público.

SOBRE A ESTRUTURA DE FISCALIZAÇÃO

Percebe-se pelas fontes iniciais, que todas as alterações que aumentaram a probabilidade de

ocorrência do incêndio na boate Kiss foram efetuadas durante a validade do alvará de prevenção

e proteção contra incêndio sem a devida comunicação aos órgãos competentes. A constatação

da irregularidade, então, demandaria uma fiscalização assistemática das diversas edificações

existentes e em funcionamento.

No entanto, é notório que estas ações proativas de fiscalização são proporcionais aos recursos

humanos e o aparelhamento disponibilizados para esta tarefa.

O problema é de grandes dimensões. Sabe-se, empiricamente, que um considerável número de

ocupações não possui o alvará de prevenção e proteção contra incêndio e sequer encaminharam

o plano para análise das autoridades.

É necessária uma mudança radical, que permita passar de um caráter reativo de procedimentos

para a adoção de ações preventivas eficientes. Para isso, deve existir um real fortalecimento dos

setores técnicos e de fiscalização, que atualmente não são suficientes para atender à demanda

existente.

Sugere-se, ainda, uma revisão das penalidades aplicadas aos infratores, pois atualmente a

previsão legal permite que grandes empresas recebam multas com valores irrisórios em

comparação ao porte delas.

SOBRE AS DEFICIÊNCIAS DO SISTEMA REGULATÓRIO

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Na opinião da Comissão Especial, o sinistro de Santa Maria chama a atenção para algumas

claras deficiências do sistema regulatório de segurança contra incêndio e pânico no Estado do

Rio Grande do Sul.

Tanto a NBR 9077 como diversas outras normativas se mostraram pouco precisas. O uso de

definições e especificações genéricas e amplas gera a possibilidade de interpretações diversas,

algumas tecnicamente inadequadas. É necessário revisar e atualizar o corpo normativo, à luz do

verificado nessa tragédia. Existe necessidade de melhorar itens relativos a controle de fumaça e

comportamento mínimo e certificação de materiais de revestimento ao fogo.

Por outro lado, a legislação estadual também necessita revisão, pois está desatualizada e não

incorpora questões fundamentais. Ademais, a dispersão de instruções em códigos municipais,

normas, resoluções técnicas dos bombeiros e decretos-lei gera uma dificuldade de compreensão

e acompanhamento técnico.

No caso particular de Santa Maria, cabe destacar que a legislação municipal pode ser

considerada como adequada e mais avançada do que a muitos outros municípios. A mesma não

só remete direto à norma NBR 9077 para saídas de emergência, o que é uma boa prática, como

veda o uso de materiais inflamáveis e não tóxicos, apesar de não especificar parâmetros precisos

de ignitabilidade, propagação das chamas, e velocidade (taxa) de produção da fumaça, que

caracterizem o risco de sua utilização.

O sistema regulatório deve avançar rapidamente. É necessário estabelecer um sistema legislativo

e de regulamentos claro, único, compreensível e acessível à população, com documentos

modernos que constem os detalhamentos necessários no que for passível de previsão.

7. PROPOSTAS DE AÇÃO

Com base nas análises, constatações e reflexões sumarizadas nos itens anteriores a Comissão

Especial do CREA-RS recomenda a adoção de uma série de ações, em regime de urgência:

Criação de Forças-Tarefa nos municípios de grande porte, com representantes da

Prefeitura, Corpo de Bombeiros, Inspetorias do CREA-RS e outros interessados, para fazer

uma análise urgente da situação vigente em locais de grande aglomeração de pessoas e

outras situações de risco;

Criação de uma Comissão de Estudos, com participação do CREA-RS, Corpo de

Bombeiros, entidades acadêmicas, representantes das instituições da área,

preferencialmente em parceria com a ABNT, para mapear as deficiências existentes no

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corpo normativo e no conjunto de leis e decretos que regulamentam a matéria, e propor

alterações visando reduzir a discricionariedade e melhorar a aplicação dos requisitos das

resoluções, leis e normas, em caráter administrativo e técnico;

Criação de uma Comissão Parlamentar Multipartidária para elaborar um CÓDIGO

ESTADUAL DE SEGURANÇA CONTRA INCENDIO E PANICO, com base nos trabalhos

da comissão de Estudos;

Edição de Decreto do Governo do Estado ou do Corpo de Bombeiros disciplinando,

provisoriamente, até edição do CÓDIGO ESTADUAL DE SEGURANÇA CONTRA

INCENDIO E PANICO, algumas questões urgentes relativas à Segurança contra Incêndio,

inclusive:

o Tornando obrigatória a apresentação de PROJETO DE SEGURANÇA CONTRA

INCÊNDIO E PÂNICO (que deve ser visto como um projeto complementar, assim

como são o hidráulico e o elétrico), devidamente detalhado e emitido por profissional

competente, como base para o PPCI;

o Estabelecer que todo o material usado em revestimentos deve ser certificado pelo

fabricante, que deve demonstrar que o mesmo atende os requisitos das normas de

propagação de incêndio e de geração de fumaça5;

o Proibindo que sejam emitidos licenciamentos provisórios de atividades de risco sem

alvarás expedidos pelo Corpo de Bombeiros;

o Determinando que todos os funcionários que atuam na segurança de locais de

concentração de público tenham treinamento e certificação para lidar com situações

de emergência (pode-se considerar as normas NFPA 1221, 1561, 1710 e 1720

como base);

o Determinando que todos os funcionários que atuam em locais de concentração de

público recebam e sejam treinados, inclusive para operar equipamentos de

comunicação;

o Tornando obrigatória a instalação de detecção e alarme contra incêndio em todos os

locais de alta circulação ou concentração de público;

o Proibindo shows com uso de material pirotécnico em locais internos;

5 Em alguns casos pode ser necessário usar tinta antichama ou proteções para melhorar o desempenho de materiais

de revestimento de paredes e tetos.

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Criação de uma Comissão de Estudos para desenvolver um projeto, a ser apresentado

ao Sistema CONFEA-CREA, de formação específica em Segurança contra Incêndio e

Gestão de Emergências, em nível de especialização ou graduação, que se torne requisito

obrigatório para habilitação de elaboração de Projetos de Segurança contra incêndio;

Criação de uma Campanha Institucional Estadual, em conjunto com o Corpo de

Bombeiros, CREA-RS, Instituições Profissionais e de Classe associadas à Construção Civil

e Meio Acadêmico, para divulgação de informações e melhoria da percepção de risco, que

cheguem inclusive às famílias que ocupam residências unifamiliares, as quais não são

abrangidas pela legislação vigente, mas apresentam a maior incidência de incêndios no

Estado;

Criação de uma Comissão de Trabalho, incluindo associações, conselhos de classe e

representantes do meio acadêmico e do corpo de bombeiros, para estudar e implantar um

PLANO EMERGENCIAL DE CAPACITAÇÃO específico para os profissionais que atuam

na área de Prevenção de Incêndios;

Solicitar à ABNT, através do CB-24, a abertura de Comissão Especial visando elaborar

propostas de normas brasileiras para especificação de materiais de revestimento e

estabelecimento de requisitos mínimos para Segurança contra Incêndio e Pânico em

edificações com ocupações destinadas a reunião de público;

Criação e operacionalização, no âmbito do Corpo de Bombeiros da Brigada Militar do

Estado do Rio Grande do Sul, de um Departamento Técnico que agregue engenheiros

habilitados e outros profissionais experientes para lidar com questões estratégicas e

operacionais de Segurança contra Incêndio, que possibilite a consolidação de um sistema

de gestão padronizado em todo o Estado, com uniformidade de procedimentos;

Criação de uma Comissão de Estudos, com representantes acadêmicos e profissionais,

para desenvolver um projeto, a ser apresentado ao Sistema CONFEA-CREA, de formação

específica em Segurança contra Incêndio e Gestão de Emergências, em nível de

especialização ou graduação, que se torne requisito obrigatório para habilitação de

elaboração de Projetos de Segurança contra incêndio;

Criação de uma Comissão de Trabalho para analisar avanços necessários nos Sistemas

de Sinalização e Iluminação de emergência6, à luz do verificado em Santa Maria;

Por fim, é necessário estabelecer uma Comissão de Trabalho para revisar e melhorar o

Sistema SIG-PI, ou criar um novo modelo de gestão digital. A Comissão entende que

6 Sugere-se como parâmetro que, em grandes ambientes, se deve utilizar luminárias embutidas no piso, com luz de cor amarela de 50 cm em 50 cm marcando todo o caminho até a porta de saída.

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proporcionar celeridade ao processo através de sistemas informatizados eficientes é

imprescindível para o atendimento da demanda existente. Porém, tornar o processo célere

não incorre em transformá-lo superficial. Esta é uma importante ferramenta, mas não deve

substituir o conhecimento técnico representado pelos projetos e memoriais específicos,

nem as etapas de análise regulamentares. Sugere-se sim, um sistema informatizado

eficiente de gerenciamento processual, tanto para uso interno dos órgãos de fiscalização,

como para os profissionais, dentro dos seus níveis de acesso. Este poderia criar uma

interface na Internet com a automação do nível de uma loja virtual, para os profissionais e

proprietários de imóveis e de estabelecimentos. Essa interface poderia possibilitar as

seguintes ações:

a) Envio do PPCI para exame;

b) Geração de boletos para o pagamento das taxas e multas aplicadas na rede

bancária;

c) Interface com o sistema de verificação da habilitação técnica do profissional

contratado para a elaboração do PPCI e dos projetos específicos que o compõem;

d) Recebimento on-line do Certificado de Conformidade após a análise do plano e

projetos;

e) Agendamento on-line das inspeções;

f) Resultado das inspeções gerados automaticamente com a utilização de

equipamentos como tablets ou smartfones;

g) Recebimento do Alvará de Prevenção e Proteção contra Incêndio com certificação

digital após o cumprimento de todas as etapas.

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ANEXO I

Eng. Telmo Brentano & Eng. Eduardo Estevam

Para contribuir com a Análise do Ocorrido, em termos de atendimento ao esperado, esse anexo contém uma análise

de diversos itens e equipamentos que seriam necessários para a proteção de um ambiente com o mesmo tipo de

ocupação, no caso de locais de reunião de público.

Serão apresentadas análises acerca de todos os equipamentos ideais e atuais que seriam necessários para a

proteção de uma edificação ou ambiente com o mesmo tipo de ocupação da Boate Kiss, no caso de reunião de

público, classificado como “F6” na NBR 9077:2001. Ressalte-se que a necessidade de alguns ou todos os

equipamentos abaixo citados vai depender das condições de ocupação do local, como população, área, altura, etc.

Sinalização de emergência; Iluminação de emergência; Saídas de emergência; Alarme e detecção de incêndio; Controle de fumaça; Sistemas de combate a incêndios; Mantas e extintores ou chuveiros automáticos para fogos em gorduras (quando houver cozinhas); Acesso para as viaturas do Corpo de Bombeiros Brigada de incêndio

1. Sinalização de emergência

Análise do local O interior do prédio apresenta vários ambientes interligados por passagens. Além disso, havia barreiras

físicas de guarda-corpos metálicos na frente dos bares para organizar o seu acesso e antes da porta de saída

da edificação. A sinalização de emergência não era suficiente para permitir uma saída organizada com

rapidez e segurança por ocasião de um incêndio.

Como deve ser a sinalização de emergência? Como a boate não era constituída de um salão único deveria haver sinalização abundante para organizar o

fluxo das pessoas para a saída de emergência que era somente frontal.

Esta sinalização pode ser fixada no teto, paredes e piso. Quanto a altura mínima da sua borda inferior do

piso quando fixadas nas paredes ocorrem divergências, fator importante para a sua visualização. A NBR

9077:2001 recomenda a altura de 1,60m, e temos a legislação de São Paulo determina 1,80m. Porém, o

recomendável seria 2,00m, pois hoje as pessoas são mais altas, e quando estão em pé, reunidas num

ambiente, a dificuldade de visualização pode ser grande.

Outra questão importante é sua visualização no escuro, quando a iluminação normal do prédio for desligada.

Pode ser luminosa por meio de energia de acumuladores ou outro sistema de iluminação de emergência,

e/ou fotoluminescente, isto é, pintadas com tintas especiais que permanecem visíveis (fosforescentes) no

escuro por várias horas. As placas fotoluminescentes em ambientes fechados, com pouca iluminação por

várias horas do dia e da noite, não são recomendáveis, sendo mais indicadas a sinalização com fonte própria

de iluminação.

A sinalização poderia ser por meio de pequenas luminárias instaladas no piso do ambiente indicando o

caminho que deve ser seguido para alcançar a saída (iguais às pequenas lâmpadas instaladas nas escadas de

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cinemas), porque uma pessoa, em situação de emergência de incêndio, tende a se curvar para baixo e sair

olhando para o piso.

IMPORTANTE: Como se determina a localização adequada destes sinais? As normas e legislações

determinam afastamentos mínimos, máximos e posições adequadas para a sua perfeita visibilidade. No

entanto, às vezes, por questões arquitetônicas, de obstruções e de dificuldades de instalação, estas medidas

não podem ser observadas. Nesta questão da sinalização, bem como para outros equipamentos de

segurança que serão detalhadas adiante, surge uma palavra extremamente importante no projeto de

proteção contra incêndio: “O CENÁRIO”.

Devem-se posicionar os observadores em vários pontos de um ambiente, principalmente nos pontos do

ambiente mais distantes da saída final, e verificar, para cada posição, onde deverão ser instalados os

luminosos ou placas de sinalização. A visibilidade da sinalização deve ocorrer de qualquer ponto do

ambiente, mesmo que haja obstáculos intermediários.

2. Iluminação de emergência

Análise do local Pelas informações disponíveis, em termos de iluminação de emergência, a boate Kiss atendia os requisitos.

Na verdade até superava-os, pois somente em Porto Alegre se demandam sistemas autônomos com

acumuladores. Devem-se rever os conceitos e, nos casos de grandes ambientes a sinalização de emergência

deve ser aplicada ao piso.

A análise do ocorrido evidencia que é recomendável que os sistemas de luzes de emergência sejam

modificados. As luzes só foram acionadas quando houve a queda de luz, momento em que a fumaça já

tomava conta do ambiente. O acionamento deve ser em função da obstrução de visão.

Como deve ser a iluminação de emergência? Numa situação de incêndio, é desligada a rede geral de energia elétrica da edificação, sendo comutada

automaticamente a rede de energia de emergência ou as luminárias ligadas a acumuladores ou gerador.

Como a rede geral de energia é desligada manualmente ou por falha na instalação elétrica, a iluminação de

emergência poderia ser ligada automaticamente quando um detector de fumaça fosse acionado,

permanecendo ligada ainda a rede geral, até o seu desligamento. Poderia ainda, serem acionadas

manualmente com botoeiras instaladas em locais de vigilância constante e no palco. Hoje há sistemas de

iluminação de emergência bem econômicos e eficientes, mas deve se ter cuidados com certas luminárias que

tem uma vida útil de funcionamento muito pequena, e algumas não garantem o nível de iluminamento

adequado. Por isso, estes sistemas devem ser testados periodicamente.

A iluminação de emergência se apresenta importante na ação de proporcionar uma saída rápida e segura,

iluminando obstáculos e evitando a queda de pessoas. Quanto à localização deve-se ter o cuidado de

verificar os possíveis obstáculos às luminárias e nos caminhos de saída do ambiente devem ter iluminação

reforçada.

3. Saídas de emergência

Análise do local

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A boate Kiss apresentava somente uma saída de emergência, que era a mesma de acesso a ela. Era formada

por duas portas com vão de luz de 1,75m de largura e outra com 1,6m a outra, almofadadas internamente

com espuma e couro sintético, e entre elas uma divisória central fixa de 1,0m. Como eram dois vãos de luz,

frontalmente à boate eram colocados guarda-corpos metálicos para formar bretes ordenadores de fluxo. Na

parte interna havia guarda-corpos metálicos separando espaços e ordenando o fluxo dos ocupantes. Estes

guarda-corpos, tanto interna como externamente, foram elementos de obstrução à saída das pessoas na

ocasião da desocupação, principalmente os frontais às portas de saída, cuja passagem era menor que a

largura das duas portas. As paredes laterais e de fundo da boate ficavam justapostas às paredes dos prédios

vizinhos, não havendo janelas ou outras saídas disponíveis. O prédio era totalmente fechado em todo o seu

perímetro, inclusive na fachada, com exceção das referidas portas frontais justapostas de acesso e saída.

A população máxima calculada no projeto era de 691 pessoas, e desconsiderando a letalidade do gás

proveniente da combustão do revestimento acústico de poliuretano, a largura necessária de saída poderia

ser considerada adequada. Mesmo assim, nesta situação para este tipo de ocupação, a saída de emergência

com portas justapostas é totalmente inconcebível e jamais deveria ser considerada viável e aceita.

E, com o revestimento acústico inadequado aplicado e altamente tóxico, que em questão de minutos mata

uma pessoa, o número de saídas alternativas deveria ser bem maior.

Como deve ser a saída de emergência?

Novamente surge a palavra CENÁRIO.

E se incêndio tivesse ocorrido junto à porta de entrada/saída da boate quais seriam as consequências?

Por isso, toda vez que se analisa um projeto de segurança contra incêndio relativamente às saídas de

emergência, devem ser feitas simulações considerando que qualquer pessoa que esteja em qualquer ponto

da edificação tenha a possibilidade de sair com segurança por uma porta de saída de emergência alternativa.

As legislações e normas dão parâmetros para o cálculo da população, localização das portas, etc., o que deve

servir de orientação ao projetista, mas devem ser elas aperfeiçoadas.

Edificações com classe de risco F6, locais de reunião de público, segundo a NBR 9077:2001, demandam duas

saídas de emergência, no mínimo, localizadas o mais distante possível uma da outra. Duas portas justapostas

e separadas por uma coluna central de um metro de largura, não poderiam ser consideradas como duas

saídas de emergência independentes e afastadas entre si.

Mas, quatro questões importantes devem ser consideradas:

Sempre deve ser analisado o cenário, com simulações das diversas situações possíveis e relativas de localizações do fogo, dos ocupantes e das saídas de emergência. Jamais a saída de qualquer ocupante, independentemente de sua localização, pode ser obstruída pelo fogo, em qualquer situação;

Quem elabora o projeto e quem o analisa devem ter bom conhecimento sobre o assunto;

As legislações estaduais e normas brasileiras devem ser atualizadas periodicamente;

Deve ser elaborado um Código Brasileiro de Segurança Contra Incêndio e Pânico.

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O cálculo de ocupação divulgado, que considera 691 pessoas, foi feito usando alternativas efetivamente

existentes na NBR 9.077:2001, porém, segundo as evidências, o estabelecimento muitas vezes operava com

uma lotação bem maior.

Se esse aspecto pode eventualmente ser imputado mais ao proprietário que ao engenheiro que elaborou o

PPCI, a consideração das saídas de emergência mostra claramente que se buscaram subterfúgios para

atender os requisitos mínimos de norma, ao invés de se atentar para a segurança efetiva dos usuários.

Esta lotação excessiva somente pode ser comprovada através da análise de borderôs.

4. Detectores de fumaça, botoeiras de alarme e alertadores

Análise do local A boate Kiss não apresentava detectores de fumaça, botoeiras de alarme e nem alarmes, alertadores ou

avisadores sonoros e visuais.

A legislação estadual do Rio Grande do Sul não explica claramente as características das edificações que

devem adotar sistemas de detecção automática de incêndio, deixando margem para a sua não aplicação.

Como deve ser o acionamento do alarme de incêndio Devem ser instalados detectores de fumaça de acordo com as recomendações da NBR 17240:2010,

conectados a alertadores ou alarmes sonoros e visuais. É importante que os ocupantes, embora difícil na

prática, conheçam o som de alarme sonoro, pelo menos. Botoeiras podem ser distribuídas no local, mas em

locais de vigilância constante, para que não sejam acionados indevidamente por um ocupante irresponsável.

5. Controle da fumaça de incêndio

Análise do local Com a queima do isolamento combustível do teto, os gases e fumaça produzidos no ambiente não tinham

pontos de saída para o exterior, ocasionando o aumento do volume de cima para baixo atingindo as pessoas.

A fumaça forma uma camada superior junto ao teto até encontrar barreiras (as paredes) pelas quais desce

para, então, formar um volume que inunda o ambiente rapidamente. O ar condicionado deve ter favorecido

a movimentação vertical rápida para baixo da fumaça tóxica para o ambiente junto ao palco de onde se

originou o fogo e para os demais ambientes. Com o calor resultante do fogo, a temperatura interna subiu

rapidamente provocando queimaduras nas pessoas do ambiente, principalmente na cabeça e nos membros

superiores, e o derretimento de materiais plásticos localizados na parede, como interruptores, canalizações,

etc. Produtos frágeis ao fogo e ao calor, junto ao piso, não sofreram a sua ação.

Mais do que a propagação do incêndio ou do que as temperaturas evidenciadas pela análise dos vídeos

divulgados pelas redes sociais e matérias jornalísticas, a concentração e toxicidade da fumaça gerada foram

decisivas para o surgimento de tantas vítimas fatais.

Controle de fumaça No prédio não havia extratores de fumaça. Equipamentos extremamente importantes para o caso.

A legislação estadual é claramente incompleta quanto às exigências de sistemas de controle de fumaça, quer

seja pela aplicação de materiais de revestimento com características de pouca geração de fumaça, quer seja

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por sistemas naturais ou forçados de exaustão desta. Em outras palavras, não existem requisitos específicos

que garantam altura mínima livre de fumaça nas rotas de fuga externas às escadas de emergência, que neste

caso não existiam.

Nos países mais desenvolvidos, os projetos para controle de fumaça são imprescindíveis, pois realmente

previnem e proporcionam maior tempo para saída das pessoas. Este caráter preventivo supera muitas vezes

até a ideologia interventiva de combate ao incêndio em seu desenvolvimento inicial pela aplicação, por

exemplo, de sistema de chuveiros automáticos (sprinklers). Os dois sistemas são indispensáveis conforme o

risco de incêndio da edificação, e devem ser aplicados de forma harmonizada através de um projeto

realizado por profissional competente.

6. Sistemas de combate a incêndio

Análise do local Havia somente extintores de incêndio no interior da edificação. Além das revisões periódicas determinadas

por norma, os extintores de incêndio deveriam ser sempre revisados antes da abertura dos estabelecimento

de reunião de público, substituindo eventuais unidades avariadas em eventos anteriores. Todas as revisões

devem ser registradas com data e funcionário responsável.

Como deve ser determinada a necessidade de chuveiros automáticos A legislação estadual do Rio Grande do Sul determina a necessidade de sistema de chuveiros automáticos

(sprinklers) a partir da área da edificação, sem levar em consideração a ocupação, a altura e a carga térmica,

este um fator extremamente importante.

7. Mantas e extintores de fogos em gorduras de cozinhas No local não havia cozinha que justificasse tais medidas de segurança contra incêndio.

8. Acesso de viaturas do Corpo de Bombeiros No local não houve problemas de acesso das viaturas do Corpo de Bombeiros. É uma medida importante e

crucial para um combate mais efetivo ao fogo num local de reunião de público.

9. Brigada de incêndio

Análise do Local Havia vigilantes patrimoniais que não aparentaram possuir conhecimento de brigadista de incêndio e a

inexistência de meios de comunicação entre eles foi divulgada na imprensa.

Como deve ser treinado o vigilante patrimonial e sobre a elaboração de plano de emergência O vigilante patrimonial obrigatoriamente deveria receber treinamento de brigadista de incêndio. No Brasil

tal medida não é obrigatória, porque aqui persiste a ideia de que o patrimônio é mais importante que a vida

humana, ainda.

Devemos considerar ainda, a obrigatoriedade de elaboração e apresentação de planos de emergência e

contingências para todas as ocupações coletivas.

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ANEXO II

Eng. Marcelo Saldanha

REGISTRO FOTOGRAFICO

Esse Anexo apresenta o registro fotográfico realizado pela equipe de vistoria durante a visita ocorrida no

dia 31/01/2013.

Fachada – Revestimento em Madeira

Incêndio na Boate Kiss

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Boate Kiss – Salão 1

Boate Kiss – Salão 1 - Palco

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Boate Kiss – Salão 2

Boate Kiss – Salão 2 - Bar

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Boate Kiss – Entrada e Saída

Rota de Fuga de Saída do Público

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Boate Kiss – Portas de Emergência (4x 0,80m)

Rota de Fuga de Saída do Público

Salão 1 - Corredor de Saída (1,00m) e Circulação de Acesso para a Saída

Rota de Fuga do Público

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Salão 1 – corredor de saída com escada e

porta de saída de emergência

Rota de Fuga do Público

Salão 2

Corredor de Saída

(1,50m)

Salão 2

Saída de Emergência

ROTA

D E

FUGA

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ANEXO III

Eng. Carlos Wengrover

Sugestões de Ações adicionais a Implementar

1. Capacitação e credenciamento

Credenciamento das empresas e profissionais especializados em segurança contra incêndio nos CREA;

Tornar obrigatório a existência de contrato de manutenção preventiva mensal dos elementos do SCPI com

responsável técnico e histórico;

Capacitação obrigatória dos profissionais que forem atuar na área, preferencialmente em nível de pós-

graduação.

2. Sistema de gestão pública do PPCI mais eficiente para o Corpo de Bombeiros

Deve-se aumentar a autonomia técnica e eventualmente ate discutir a emancipação do Corpo de Bombeiros

para garantir que seu foco de atenção seja bem direcionado. Adicionalmente, deve-se promover um plano

de carreira adequado, com valorização do corpo técnico de engenheiros, verba específica, e decisões mais

rápidas. No Brasil somente no RS, SP e BA ainda são ligadas às brigadas ou polícias militares, sendo que o

caso paulista é bem sucedido.

3. Normas ABNT e legislação

Deve-se trabalhar para estimular a atualização rápida e continuada das normas técnicas do CB-24.

No caso da SCIP devem ser direcionadas verbas públicas emergenciais.

Criação de norma ABNT para edificações com ocupação classe F-6 (boates e similares):

4. Iluminação de emergência

Devem ser estudados diversos sistemas de acionamento alternativo, para diferentes situações, com

incorporação de detectores de fumaça.

5. Sinalização de saídas

Em áreas onde a iluminação normal é fraca, utilizar luminárias embutidas no piso, com luz de cor amarela de

50 cm em 50 cm marcando todo o caminho até a porta de saída.

6. Materiais

Evitar o uso de materiais inflamáveis no mobiliário, revestimentos, acabamentos, objetos de decoração,

toalhas de mesa, divisórias, esquadrias, etc.

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Estudar a viabilidade de uso de tintas antichama para as paredes, tetos, pisos, etc.

Proibição do uso de material pirotécnico dentro do ambiente.

7. Isolamento e tratamento acústico

Deve ser bem planejado, fabricado com materiais incombustíveis, projetado por responsável técnico.

8. Extração de fumaça

Deve ser exigido sistema de extração de fumaça mecanizada e natural (para caso de falha). Esse deve ser

muito bem estudado porque é o que vai salvar as pessoas.

9. Controle de acesso

Instalação de roletas com travamento em caso de ocupação acima da prevista.

10. Rotas de Fuga

Estimular a aplicação de simulação computacional para a evacuação.

11. Treinamento

Treinamento de brigada de emergência com combate a incêndio, evacuação, primeiros socorros, plano de

emergência, estudo do comportamento humano em caso de incêndio.

12. Comunicação de Risco

Plano de emergência em uma placa colocada na parede da entrada e em pontos estratégicos;

Colocar informação sobre SCIP no cardápio.