introdução paulo bedaque h - fisica.org.brmal e é tema de legislação em todo o mundo que, em...

7
39 Física na Escola, v. 17, n. 1, 2019 Nível sonoro medido com aplicativos Introdução H oje em dia, quando queremos sa- ber as horas, simplesmente miramos nosso relógio. Quando queremos saber em que dia do mês estamos, consultamos igualmente o calendário de nosso relógio ou um calen- dário impresso de mesa ou parede. Se que- remos medir um intervalo de tempo, usamos um cronômetro ou mesmo nosso relógio. Mas nem sempre foi assim. An- tes de dominarmos a tecnologia da con- tagem do tempo, a hora do dia era esti- mada pela altura do Sol ou por outros fenômenos relacionados à rotação e trans- lação de nosso planeta. Ainda hoje, várias nações indígenas acompanham o ponto de nascimento do Sol no horizonte e podem assim acompanhar as mudanças das esta- ções ao longo do ano. Muitas vezes não nos damos conta de como nossas vidas foram e estão sendo alteradas pelo uso de tecnolo- gias que facilitam a solução de uma gama enorme de problemas cotidianos. Vivemos em uma sociedade tecnoló- gica e esse fato não pode ser abstraído pela escola que prepara para a vida. Nossas vi- das hoje são pautadas pela ciência e pela tecnologia e a preocupação com o tecno- lógico, com a aplicabilidade dos conheci- mentos, com a busca de soluções para nossos problemas, deve estar presente em todas as áreas da educação. O texto a se- guir do astrônomo americano Carl Sagan [1] trata do risco da exclusão científica e tecnológica: Nós criamos uma civilização global em que os elementos mais cruciais - o transporte, as comunicações e todas as outras indústrias, a agricultura, a me- dicina, a educação, o entretenimento, a proteção ao meio ambiente e até a importante instituição democrática do voto - dependem profundamente da ciência e da tecnologia. Também criamos uma ordem em que quase nin- guém compreende a ciência e a tecno- logia. É uma receita para o desastre. Podemos escapar ilesos por algum tem- po, porém mais cedo ou mais tarde essa mistura inflamável de ignorância e po- der vai explodir na nossa cara. Ref. [1, p. 39] Tecnologia (do grego τεχνη - “ofício” e λογια - “estudo”) é vista por parte dos professores como uma mera aplicação do conhecimento cien- tífico. Mas a tecnolo- gia não pode ser con- fundida com ciência aplicada e sim como fruto de um contexto social que cria deman- das que direcionam a aplicabilidade dos co- nhecimentos cientí- ficos. Para além do pa- norama histórico da mera aplicabilidade, a tecnologia deixou de ser vista apenas como um modo que a humanidade encontrou de sobreviver ou de melhorar a sua qualidade de vida para ser vista como engrenagem importante nas relações de poder. Assim, é preciso que nossos alunos discutam e usem tecnologia até para se defender dela; é preciso que eles se transformem em atores ativos no mundo tecnológico, como usuários de aplicativos e equipamentos que estão ao seu alcance. A escola não pode se separar do mundo real onde as pressões sociais, usando os conhecimentos científicos, geram tecnologias que modificam profun- damente as nossas vidas. Os smartphones Paulo Bedaque Grupo de Estudos em Epistemologia e Didática, Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil E-mail: [email protected] Paulo Sergio Bretones Departamento de Metodologia de Ensino, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil E-mail: [email protected] O presente trabalho propõe o uso de um apli- cativo gratuito (para Android e OS) para celular ou tablet como instrumento de medida de nível sonoro que pode ser usado em aulas de física do Ensino Médio. O nível sonoro está ligado a questões de conforto e saúde humana e ani- mal e é tema de legislação em todo o mundo que, em geral, fornece os limites permitidos para o nível sonoro. Discute-se rapidamente a poluição sonora ao longo da história e os problemas de saúde que sons intensos podem provocar. Propomos então um projeto cidadão em que os alunos são levados a medir níveis sonoros, usando seu próprio smartphone ou tablet, em pontos seguros de sua cidade e com a supervisão do professor, como cruzamentos movimentados, ruas de comércio, restaurantes, pátio da escola durante os intervalos de aulas, ginásios de esporte etc. Com os dados em mãos, os alunos devem fazer um levantamento dos pontos onde a legislação é desobedecida. Pode- se também tabular os níveis sonoros em locais mais silenciosos como bibliotecas, salas de aula, pátio da escola durante as aulas etc. Vivemos em uma sociedade tecnológica e esse fato não pode ser abstraído pela escola que prepara para a vida. Nossas vidas hoje são pautadas pela ciência e pela tecnologia e a preocupação com o tecnoló- gico, com a aplicabilidade dos conhecimentos, com a busca de soluções para nossos problemas, deve estar presente em todas as áreas da educação

Upload: others

Post on 12-Jan-2020

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Introdução Paulo Bedaque H - fisica.org.brmal e é tema de legislação em todo o mundo que, em geral, fornece os limites permitidos ... Discute-se rapidamente a poluição sonora

39Física na Escola, v. 17, n. 1, 2019 Nível sonoro medido com aplicativos

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Introdução

Hoje em dia, quando queremos sa-ber as horas, simplesmentemiramos nosso relógio. Quando

queremos saber em que dia do mêsestamos, consultamos igualmente ocalendário de nosso relógio ou um calen-dário impresso de mesa ou parede. Se que-remos medir um intervalo de tempo,usamos um cronômetro ou mesmo nossorelógio. Mas nem sempre foi assim. An-tes de dominarmos a tecnologia da con-tagem do tempo, a hora do dia era esti-mada pela altura do Sol ou por outrosfenômenos relacionados à rotação e trans-lação de nosso planeta. Ainda hoje, váriasnações indígenas acompanham o pontode nascimento do Solno horizonte e podemassim acompanhar asmudanças das esta-ções ao longo do ano.Muitas vezes não nosdamos conta de comonossas vidas foram eestão sendo alteradaspelo uso de tecnolo-gias que facilitam asolução de uma gamaenorme de problemascotidianos.

Vivemos em uma sociedade tecnoló-gica e esse fato não pode ser abstraído pelaescola que prepara para a vida. Nossas vi-das hoje são pautadas pela ciência e pelatecnologia e a preocupação com o tecno-lógico, com a aplicabilidade dos conheci-mentos, com a busca de soluções paranossos problemas, deve estar presente emtodas as áreas da educação. O texto a se-guir do astrônomo americano Carl Sagan[1] trata do risco da exclusão científica etecnológica:

Nós criamos uma civilização global emque os elementos mais cruciais - otransporte, as comunicações e todas as

outras indústrias, a agricultura, a me-dicina, a educação, o entretenimento,a proteção ao meio ambiente e até aimportante instituição democrática dovoto - dependem profundamente daciência e da tecnologia. Tambémcriamos uma ordem em que quase nin-guém compreende a ciência e a tecno-logia. É uma receita para o desastre.Podemos escapar ilesos por algum tem-po, porém mais cedo ou mais tarde essamistura inflamável de ignorância e po-der vai explodir na nossa cara. Ref. [1,p. 39]

Tecnologia (do grego τεχνη - “ofício”e λογια - “estudo”) é vista por parte dosprofessores como uma mera aplicação do

conhecimento cien-tífico. Mas a tecnolo-gia não pode ser con-fundida com ciênciaaplicada e sim comofruto de um contextosocial que cria deman-das que direcionam aaplicabilidade dos co-nhecimentos cientí-ficos. Para além do pa-norama histórico damera aplicabilidade, atecnologia deixou de

ser vista apenas como um modo que ahumanidade encontrou de sobreviver oude melhorar a sua qualidade de vida paraser vista como engrenagem importantenas relações de poder. Assim, é preciso quenossos alunos discutam e usem tecnologiaaté para se defender dela; é preciso queeles se transformem em atores ativos nomundo tecnológico, como usuários deaplicativos e equipamentos que estão aoseu alcance. A escola não pode se separardo mundo real onde as pressões sociais,usando os conhecimentos científicos,geram tecnologias que modificam profun-damente as nossas vidas. Os smartphones

Paulo BedaqueGrupo de Estudos em Epistemologia eDidática, Faculdade de Educação,Universidade de São Paulo, São Paulo,SP, BrasilE-mail: [email protected]

Paulo Sergio BretonesDepartamento de Metodologia deEnsino, Universidade Federal de SãoCarlos, São Carlos, SP, BrasilE-mail: [email protected]

O presente trabalho propõe o uso de um apli-cativo gratuito (para Android e OS) para celularou tablet como instrumento de medida de nívelsonoro que pode ser usado em aulas de físicado Ensino Médio. O nível sonoro está ligado aquestões de conforto e saúde humana e ani-mal e é tema de legislação em todo o mundoque, em geral, fornece os limites permitidospara o nível sonoro. Discute-se rapidamente apoluição sonora ao longo da história e osproblemas de saúde que sons intensos podemprovocar. Propomos então um projeto cidadãoem que os alunos são levados a medir níveissonoros, usando seu próprio smartphone outablet, em pontos seguros de sua cidade e coma supervisão do professor, como cruzamentosmovimentados, ruas de comércio, restaurantes,pátio da escola durante os intervalos de aulas,ginásios de esporte etc. Com os dados em mãos,os alunos devem fazer um levantamento dospontos onde a legislação é desobedecida. Pode-se também tabular os níveis sonoros em locaismais silenciosos como bibliotecas, salas de aula,pátio da escola durante as aulas etc.

Vivemos em uma sociedadetecnológica e esse fato não

pode ser abstraído pela escolaque prepara para a vida.

Nossas vidas hoje são pautadaspela ciência e pela tecnologia ea preocupação com o tecnoló-gico, com a aplicabilidade dosconhecimentos, com a busca de

soluções para nossosproblemas, deve estar presenteem todas as áreas da educação

Page 2: Introdução Paulo Bedaque H - fisica.org.brmal e é tema de legislação em todo o mundo que, em geral, fornece os limites permitidos ... Discute-se rapidamente a poluição sonora

40 Física na Escola, v. 17, n. 1, 2019Nível sonoro medido com aplicativos

e os tablets trouxeram aos usuários apli-cativos para todos os fins e todas as árease a maioria desses aplicativos pode serobtido gratuitamente. E a escola tem quese esforçar por explorar essas novas ferra-mentas, que passam a ser vistas como fer-ramentas didáticas, de uso cotidiano nasescolas.

Os professores em geral não foramformados com o uso de tecnologia, o quefaz do professor de hoje um pioneiro, umdesbravador de novasterras, um navegadorsem bússola atrás denovos continentes.Ainda que reconheçaa necessidade do usoda tecnologia na esco-la, não se sente ampa-rado por materiais di-dáticos e aplicativosapropriados à educação. Deve correr atrásde alternativas em meio às suas aulas emontar o seu próprio portfólio de solu-ções. Existe uma grande demanda parapropostas didáticas que auxiliem o profes-sor nessa tarefa e nosso trabalho quer daruma pequena, muito pequena, contribui-ção nesse sentido. Propomos o uso de umaplicativo que meça o nível de intensidadesonora, que pode ser obtido gratuitamenteem meio a uma lista de centenas disponí-veis para esse fim. Mas como a tecnologiadeve ser vista como uma produção soci-al, atendendo demandas humanas, discu-timos a utilidade dessas medidas. Todasas nações reconhecem a importância dodescanso e do conforto e criaram regras eleis, chamadas por nós genericamente de“Leis do silêncio”, para garantir o direitoao baixo nível de ruído, em especial noperíodo de sono. Queremos que nossosalunos mapeiem os pontos de sua regiãoonde há problemas e verifiquem se alegislação está ou não sendo cumprida.Se não está, podem, juntamente com oseu professor, requerer junto às autori-dades o cumprimento das normas.

Recentemente, vários artigos forampublicados em jornais sobre o assunto.Como exemplo, o jornal Correio Popularde Campinas [2] noticiou que a GuardaMunicipal de Campinas apreendeu 80 veí-culos por conta de excessos no uso do somautomotivo, que perturbam o sossegopúblico, infringindo a chamada “Lei doPancadão”. Também publicou [3] que umprocurador do município de Jaguariúna(SP) pediu ao Ministério Público (MP) ainterrupção do barulho do sino da Matrizdas 22:00 h às 7:00 h. Além disso, outranotícia foi publicada [4] mencionandoreclamações de moradores da cidadereferentes ao barulho da propaganda feita

por um avião de pequeno porte (teco-teco)anunciando espetáculo de circo.

O aprendizado dos conceitos ligadosao som, da quantificação de algumas desuas propriedades, das implicações nasaúde que ruídos podem trazer, daslegislações que tentam proteger o cidadãodo barulho intenso, do uso de aplicativosque meçam o nível sonoro, da coleta dedados e apresentação dos resultados, docrescimento com as discussões que se

seguirão ao trabalho,do contato com auto-ridades se for neces-sário, fazem destaproposta um mini-projeto de pesquisaque deverá interessarmuito aos alunos etrazer bons resultadosao aprendizado deles.

Diversas pesquisas já foram feitas naárea de ensino de ciências e física nos vá-rios níveis escolares sobre a área de acús-tica.

Vários artigos publicados em perió-dicos são mencionados a seguir. A experi-mentação na compreensão de um fenô-meno físico sobre interferência, denomi-nado batimento de ondas sonoras, foiestudada na Ref. [5], que também sugereo uso de um software desenvolvido para otema. O software Audacity é apresentadona Ref. [6] como ferramenta para o ensinode ondas e dos fenômenos relacionados.Com o uso de tal programa em sala deaula, pode ser feita a gravação e a ediçãode áudios com diversas funcionalidades,que podem ser utilizados para que o estu-dante possa visualizar e estudar as carac-terísticas de uma onda sonora. Tambémsão apresentados a concepção, a modeli-zação e o desenvolvimento de um ambien-te virtual na Ref. [7], em que as tecnologiasda informação e da comunicação foramutilizadas como recurso educacional paraa aprendizagem deconceitos introdutó-rios sobre a física dosom, tendo como basea teoria da aprendi-zagem significativa.

Também foramdefendidas disserta-ções e teses sobre o te-ma. Uma proposta deintrodução à física na 8ª série do EF (atualnono ano) é apresentada na Ref. [8] pormeio de fenômenos físicos relacionadosà produção e percepção de sons pelaaudição humana. Um estudo sobre comoas tecnologias de informação e comuni-cação podem ser utilizadas para a apren-dizagem de conceitos introdutórios sobre

as ondas sonoras foi realizada na Ref. [9]junto a alunos do EM. Materiais de apoiopara o uso da música para ensino deacústica foram desenvolvidos na Ref.[10]. A leitura de textos de divulgaçãocientífica (TDC) é utilizada na Ref. [11]com alunos do EM, para o ensino eaprendizagem de conteúdos científicos naformação de estudantes-leitores. Umasequência didática para ser aplicada emsala de aula, junto a alunos do EM, foielaborada na Ref. [12] visando abordar afísica da poluição sonora e medidas daintensidade sonora, utilizando smartpho-ne e o aplicativo Sound Meter. Uma se-quência didática junto a alunos do EMfoi aplicada na Ref. [13] abordando asrelações entre a percepção musical e oensino das características das ondas sono-ras para o ensino de acústica e utilizandoa teoria da aprendizagem significativa deAusubel.

Além disso, outros trabalhos apre-sentados em eventos mostram pesquisasna área. Um enfoque interdisciplinar éutilizado na Ref. [14] relacionando osconhecimentos da física, da fisiologia, daaudição e da fonoaudiologia. Pela aplica-ção de um conjunto de atividades para oEM, foi feita uma análise para estudar adinâmica do perfil conceitual dos estu-dantes. O resultado de uma pesquisabibliográfica sobre tendências teóricas emetodológicas, instrumentos de coleta etratamento de dados utilizados em tra-balhos cujo objeto de estudo estava rela-cionado com transposição didática, som,ondas, onda sonora e acústica foi apre-sentado na Ref. [15]. A construção e apli-cação de um projeto temático em disci-plinas de licenciatura em física sãomostradas na Ref. [16], onde são abor-dados conteúdos físicos específicosatravés da contextualização de um temasocialmente relevante como a poluiçãosonora e suas relações com o ensino de

física. Uma sequênciadidática é proposta naRef. [17] junto a estu-dantes do 2° ano doEnsino Médio, explo-rando a saúde audi-tiva, a propagação dosom, as caracterís-ticas e os efeitos dasondas sonoras, rela-

cionando-as com as músicas que ouvemno fone de ouvido. Considerado um temasignificativo, o estudo foi pautado noreferencial dos Três Momentos Pedagó-gicos e no Enfoque CTSA e as respostasdiscursivas dos estudantes foram analisa-das à luz da proposta de avaliação contidanos documentos oficiais.

Todas as nações reconhecem aimportância do descanso e do

conforto e criaram regras e leis,chamadas por nós

genericamente de “Leis dosilêncio”, para garantir o

direito ao baixo nível de ruído,em especial no período de sono

Os professores em geral nãoforam formados com o uso de

tecnologia, o que faz doprofessor de hoje um pioneiro,

um desbravador de novasterras, um navegador sem

bússola atrás de novoscontinentes

Page 3: Introdução Paulo Bedaque H - fisica.org.brmal e é tema de legislação em todo o mundo que, em geral, fornece os limites permitidos ... Discute-se rapidamente a poluição sonora

41Física na Escola, v. 17, n. 1, 2019 Nível sonoro medido com aplicativos

Qualidades fisiológicas epropriedades do som

Esta seção serve para relembrar al-guns conceitos básicos ligados ao estudodo som e estabelecer as nomenclaturas queusaremos neste trabalho, já que a litera-tura mostra algumas flexibilizações comrespeito aos nomes usados.

É preciso que se distinga as proprie-dades físicas do som daquelas que cha-mamos de qualidades fisiológicas, pro-priedades essas que têm ligação com apercepção do som pelo aparelho auditivohumano. As propriedades físicas maisimportantes do som são a velocidade, afrequência, o comprimento de onda e aamplitude, grandezas essas bem conheci-das dos professores de física do Ensino Mé-dio. Já as qualidades fisiológicas do somtêm paralelo com as grandezas citadas eas principais são altura, timbre (não seráabordado) e intensidade.

O aparelho auditivo humano conse-gue captar sons de frequências entre 20 Hze 20.000 Hz. A velocidade do som variade meio para meio e mesmo no ar eladepende de fatores como pressão atmos-férica e umidade relativa, mas costuma-se usar o valor de 340 m/s, que corres-ponde a situações de temperatura ambien-te com 50% de umidade. Assim, lem-brando que para as ondas, sejam mecâ-nicas ou eletromagnéticas, a velocidade éigual ao produto do comprimento de ondapela frequência (V = λ.f), podemos calcu-lar o intervalo de variação desse compri-mento de onda do som audível comosendo de 17 mm a 17 m. Como o ouvidodos humanos e dos animais distingue dife-rentes frequências? À grandeza física fre-quência associa-se uma qualidade fisioló-gica do som chamada de altura. Assim,altura é o nome que se dá à distinção queo ouvido humano faz das várias frequên-cias de som que consegue captar. Chama-mos de sons graves aqueles de menorfrequência e de sons agudos os de frequên-cia maior. Trata-se de uma nomenclaturarelativa e assim podemos dizer que umsom de frequência 10.000 Hz é mais agu-do que outro de 6.000 Hz e é mais graveque um de 13.000 Hz. Na linguagemmusical usam-se “notas mais baixas emais altas”, numa referência a sons maisgraves e mais agudos.

Vibrações mecânicas com frequênciasmenores que 20 Hz são chamadas deinfrassom. Aquelas com frequência acimade 20.000 Hz são chamadas de ultrassom.Uma pergunta interessante e frequenteentre os alunos é: os animais em geralconseguem captar infrassons ou ultras-sons? Os cães, por exemplo, têm uma fai-

xa de audição bem mais larga que a hu-mana; eles conseguem ouvir na faixa de15 Hz a 50.000 Hz. No entanto, acima de20.000 Hz as vibrações podem irritar essesanimais. Os morcegos também são conhe-cidos pela capacidade de captar e emitirultrassom e a faixa de audição deles é1.000 Hz a 120.000 Hz. Como não enxer-gam bem e vivem muitas vezes em caver-nas e outros locais escuros e fechados,usam sua capacidade de emitir ultrassompara se guiar. Emitem ultrassom e ana-lisam a reflexão das vibrações no ambientepara mapear os obstáculos à sua volta.Esse, aliás, é o princípio do sonar. Nossosamigos golfinhos também têm ouvidosque trabalham numa faixa mais larga quea nossa, entre 70 Hz e 240.000 Hz, e tam-bém usam sua capacidade de emitirultrassom para se guiar. Entre os animaisque captam infrassom estão os elefantese as toupeiras. Como os tremores de terrasão vibrações mecânicas de baixa frequên-cia, podendo ser na faixa do infrassom,há registros imprecisos de elefantes quemostraram certa agi-tação antes de terre-motos e tsunamis.Nós próprios, aindaque não ouçamos in-frassons, podemosperceber pela pele al-guma vibração nessa faixa.

Sons de mesma frequência podem serouvidos por nós como sendo mais fortesou mais fracos. Estamos falando da quali-dade fisiológica do som chamada de inten-sidade e que é vulgarmente chamada de“volume”. A intensidade está relacionadaà grandeza física “amplitude” da onda so-nora. Assim, quando aumentamos o “vo-lume” do som da TV, estamos gerandoondas sonoras com amplitude maior.Existe uma grandeza chamada intensidadefísica sonora (I) que acaba por se confun-dir muitas vezes com a qualidade fisioló-gica intensidade. Para dirimir esse conflito,vamos usar a nomenclatura intensidadesonora I em uma região do espaço como

sendo a grandeza física definida pelo valorda potência (P) da fonte sonora porunidade de área (A) (Fig. 1). Sendo a gran-deza potência (P) definida como a quan-tidade de energia (E) na unidade de tempo(Δt), e a área da esfera dada por A = 4.π.r2,temos:

Essa grandeza, no Sistema Interna-cional, será expressa na unidade W/m2 ouJ/m2.s. Determinada fonte sonora emitesom com uma certa potência, ou seja, comuma certa taxa de emissão de energia porunidade de tempo. A propagação do somse dá de forma esférica e a potência sonoraocupa áreas cada vez maiores à medidaque se propaga. O valor 4.π.r2 correspondeà área da esfera no ponto considerado.Essa expressão mostra que a intensidadesonora cai com o quadrado da distânciaaté a fonte sonora. A menor intensidadesonora capaz de sensibilizar o ouvido hu-mano é I0 = 10-12 W/m2, também cha-

mada de limiar daaudibilidade [19].

Já a intensidadepercebida pelo ouvidohumano será medidapor um número quechamaremos de nível

de intensidade sonora ou, simplificada-mente, nível sonoro (β). Intensidade so-nora (I) e nível sonoro (β) não podem serconfundidos. A relação entre as duasgrandezas não é linear. Assim, se dobrar-mos o valor da intensidade sonora I, não“ouviremos o dobro”, β não dobrará.Observa-se que para ouvirmos com odobro de intensidade (dobro do nível so-noro) é preciso que a intensidade física sejaelevada ao quadrado, o que sugere umarelação logarítmica entre as duas. ErnstHeinrich Weber (1795-1878) foi quemprimeiro percebeu essa relação, não sópara o som, mas para outras situaçõesque envolvem nossos sentidos. Mais tarde,Gustav Theodor Fechner (1801-1887)

Figura 1: A intensidade sonora em uma região do espaço mede a quantidade de energiasonora (E) que chega até ela na unidade de tempo e na unidade de área. Essa energiasonora partiu da fonte e se espalha esfericamente pelo espaço. (Fonte: Ref. [18]).

Uma pergunta interessante efrequente entre os alunos é: osanimais em geral conseguem

captar infrassons ouultrassons?

Page 4: Introdução Paulo Bedaque H - fisica.org.brmal e é tema de legislação em todo o mundo que, em geral, fornece os limites permitidos ... Discute-se rapidamente a poluição sonora

42 Física na Escola, v. 17, n. 1, 2019Nível sonoro medido com aplicativos

procurou uma interpretação teórica paraa descoberta de Weber. Assim, a Lei de We-ber-Fechner representa uma relação ma-temática entre o estímulo físico (I) e a sen-sação sonora (β) percebida por um indi-víduo. Matematicamente, podemos enun-ciar a lei de Weber-Fechner como S = k logI, onde S é a sensação e I o estímulo físico.Assim, no caso do som, definimos nível

sonoro como . Embora o resul-

tado desta operação (β) seja uma grandezaadimensional, convencionou-se dar a eleo nome de Bell, em homenagem a Alexan-der Graham Bell. Para usar-se númerosmaiores e mais cômodos, criou-se ummúltiplo do Bell, o decibel (dB), apenasuma escala, resultado de:

A intensidade I = I0 corresponde aβ = 0 dB, ou seja, qualquer som com nívelacima de 0 dB poderá ser ouvido por nós.O nível de 10 dB corresponde à intensidadede 10I0. Para “ouvirmos o dobro” disso,ou seja, 20 dB, será preciso que a intensi-dade sonora suba pra 100I0; para conse-guirmos 30 dB precisamos aumentar essevalor para 1000I0, e assim sucessiva-mente.

Será que um som de 60 dB é muitointenso e causa desconforto? Para se teruma ideia, uma conversa normal, sem tu-multos ou exageros, corresponde a essenível sonoro. Já uma reunião acalorada decrianças corresponde a algo como 90 dB eum avião jato decolando gera algo como120 dB. O infográfico na Fig. 2 mostra osníveis sonoros relacionados a algumas si-tuações cotidianas.

Essa definição do nível sonoro carregauma estranha aritmética. Imagine queestamos diante de duas fontes sonoras erecebemos de cada uma delas 50 dB.Significa que estamos sujeitos a 100 dB?A resposta é não; nesse caso 50 dB + 50dB = 53 dB. Chamemos de I a intensidadesonora que nos chega de cada uma dessasfontes. Assim, a intensidade total querecebemos vale 2I e o nível sonoro será1:

O mesmo resultado seria obtido paravalores distintos de 50 dB. Assim, 70 dB+ 70 dB = 73 dB ou 3 dB + 3 dB = 3 dBou ainda 0 dB + 0 dB = 3 dB. Evidente-mente as igualdades que estamos usandosó valem para decibels, já que, matemati-camente falando, 3 + 3 = 6. Por essa es-tranha matemática, dois sons, um de

30 dB e outro de 50 dBresultam praticamente em50 dB1 .

Saúde vs. poluiçãosonora

Se de um lado a natu-reza nos inunda com sonsagradáveis como o baru-lho das águas, do vento,das árvores etc., se a hu-manidade inventou a mú-sica que se impõe comouma das mais importantesexpressões artísticas e a demaior mercado em todo omundo, se a produção desom pelo homem permitiuo aparecimento das váriaslínguas do mundo, de ou-tro lado a civilização hu-mana trouxe também oruído, raro na natureza,mas comum nas cidades.De maneira informal, po-demos definir ruído comotodo som que causa des-conforto e insalubridade àspessoas. Igualmente, po-demos definir poluição so-nora como a exposiçãodescontrolada e indesejadaaos ruídos. Os grandescentros urbanos, com seusmilhares de automóveis eindústrias ruidosas, tra-zem problemas vários desaúde e devem se submetera normas de convivência ede salubridade. Mas não apenas os ruídospodem ser insalubres; o surgimento dosaparelhos de som, em especial os portáteiscom fones de ouvido, trouxeram o cos-tume, comum entre jovens, de ouvir mú-sicas com alta intensidade.

Esse quadro de exposição aos ruídos,segundo a Sociedade Brasileira de Otolo-gia, é causa de 30 a 35% das perdas audi-tivas [21]. Segundo a OMS, 10% da popu-lação mundial está submetida a valoresperigosos do nível sonoro que podemcausar perda auditiva temporária ou per-manente e “Sabe-se que as pessoas perce-bem, avaliam e reagem aos sons (ruído)mesmo quando estão dormindo. Por essemotivo, o organismo pode reagir ao ruídocom aumento da produção de hormônios,elevação do ritmo cardíaco, contração dosvasos sanguíneos, entre outras reações”[22]. Essa mesma OMS “considera a po-luição sonora como uma das formas maisgraves de agressão ao ser humano e aoambiente” [22] e aponta que 40% dapopulação europeia está exposta a níveis

acima de 55 dB, diariamente, e 20%, a ní-veis acima de 65 dB [23]. Quando o ruídoé intenso, acima de 85 dB, por períodosde oito horas por dia, podem ocorrer alte-rações no aparelho auditivo e levar ao PAIR(Perda Auditiva Induzida por Ruído). NoBrasil existe um órgão, chamado ABNT(Associação Brasileira de Normas Técni-cas), semelhante ao que existe em outrospaíses, que aponta sérios problemas desaúde que podem ser causados pelos sonsmuito intensos [24]: “possibilidade de pro-vocar úlcera, irritação, excitação manía-co-depressiva, desequilíbrios psicológicos,estresse degenerativo e aumentar o riscode infarto, derrame cerebral, infecções,osteoporose, hipertensão arterial e perdasauditivas, entre outras enfermidades” epor esse motivo baixou normas que visama diminuir esses problemas. Interessantetrabalho realizado por investigador daUniversidade de São Paulo [25], no mu-nicípio de Piracicaba, resume na Tabela 1os principais problemas causados pela po-luição sonora.

Figura 2: Sons muito intensos podem trazer desconforto eaté sérios problemas se saúde. Fonte: adaptado da Ref. [20].

Page 5: Introdução Paulo Bedaque H - fisica.org.brmal e é tema de legislação em todo o mundo que, em geral, fornece os limites permitidos ... Discute-se rapidamente a poluição sonora

43Física na Escola, v. 17, n. 1, 2019 Nível sonoro medido com aplicativos

A poluição sonora ao redor domundo e da história

A busca pelo silêncio ou por níveissuportáveis de ruídos não é recente. Em44 a.C. Júlio César, imperador de Roma,impôs uma lei que proibia o tráfego decarroças pela cidade durante a noite, exa-tamente para favorecer o silêncio duranteo sono. Vejam a lei [26]:

Doravante, nenhum veículo com rodasou algo parecido será permitido dentrodos recintos da cidade do anoitecer até onascer do sol... os que precisarem en-trar durante a noite e ainda estiveremna cidade ao amanhecer deverão esta-cionar e descarregar até a hora indicada.

Tempos depois, o escritor Juvenal, emsua Sátira (117 d.C.) diria [26]: “É abso-lutamente impossível dormir em qualquercanto da cidade. O perpétuo movimentode carros nas ruas próximas... é suficientepara acordar os mortos”.

A preocupação com a poluição sono-ra, em especial nas cidades europeias, cres-ceu ao longo dos séculos. Sinos de igrejas,vendedores de peixes e frutas, trombetasdos correios etc., fizeram evoluir legisla-ções que tratavam do direito ao silêncio.Mas foi na Inglaterra dos séculos XVIII eXIX que a discussão atingiu níveis maisconflitantes, com o surgimento da cha-

mada Revolução Industrial. Máquinasbarulhentas e grandes obras ruidosas to-mam conta do cenário, sendo que em1825 é inaugurada a primeira linha fer-roviária. Em 1861 surge o primeiro mo-tor a combustão, invento que culminouno aparecimento do automóvel, maior vi-lão em nossos dias quando o assunto époluição sonora. A partir da RevoluçãoIndustrial, o mundo estaria irremediavel-mente tomado pelo ruído. Mais recente-mente, o surgimento dos aparelhos eletrô-nicos de som e dos fones de ouvido agrega-ram novas fontes de sons intensos e hásérias preocupações dos profissionais comrespeito à saúde de nossos ouvidos.

A “lei do silêncio” no Brasil

Na verdade, não existe uma “lei dosilêncio”, como as pessoas costumam di-zer. Ao menos não existe uma lei com essenome no Brasil. O que há é uma lei fede-ral [27] (Lei federal 3.688 de 3 de outubrode 1941) que está em pleno vigor e que sechama Lei das Contravenções Penais. Ocapítulo IV da lei trata “Das Contraven-ções Referentes À Paz Pública” e em seuartigo 42 trata da perturbação do trabalhoe do sossego.

Art. 42. Perturbar alguém o trabalho ouo sossego alheios:I – com gritaria ou algazarra;

II – exercendo profissão incômoda ouruidosa, em desacordo com as prescriçõeslegais;III – abusando de instrumentos sonorosou sinais acústicos;IV – provocando ou não procurandoimpedir barulho produzido por animal deque tem a guarda:Pena – prisão simples, de quinze dias atrês meses, ou multa, de duzentos mil réisa dois contos de réis.

Para nós, habitantes do século XXI, aredação cheira a um certo anacronismo,mas é a lei em vigor a ser usada no casode abusos com a intensidade sonora.Observem que não há nenhuma referênciaa horários em que se pode abusar de sonsintensos. Há uma crença popular de quea partir das 22:00 h, até as 6:00 h, não sepode produzir sons perturbadores, poden-do uma britadeira invadir seu quarto logode manhã, mas não há essa restrição nalei. Não há horário definido para se per-turbar os outros, todos são igualmentecontravenções. Do ponto de vista jurídico,crime ou contravenção penal somente sediferenciam pelo alcance da pena e aquelesque se sentem prejudicados por algumcontraventor podem procurar um delega-do de polícia, o juizado de pequenas causasou o ministério público de sua cidade. Evi-dentemente, leis como essa não vêm paradesestabilizar o convívio entre as pessoase o bom senso deve prevalecer sobre osaspectos jurídicos. O primeiro passo deveser sempre procurar o entendimento en-tre as partes. Além do que, muitas vezesé melhor suportar algum ruído desa-gradável de uma britadeira por um tempopara se ter em seguida uma rua bem asfal-tada, bonita e segura. Os estados e os mu-nicípios têm, muitas vezes, suas própriasregras, regulamentadas em geral por de-cretos, que fazem parte do pacote do quese chama de “Lei do Silêncio”. Algumasdessas regras são realmente leis, pois fo-ram aprovadas pelas assembleias legisla-tivas ou pelas câmaras municipais. Assim,por exemplo, a lei distrital 4.092 [27]especifica atitudes ofensivas à saúde, à se-gurança e ao bem-estar da coletividade vin-das da poluição sonora em Brasília (Fig. 3).

Já a prefeitura de São Paulo elaborouo Projeto de Silêncio Urbano (PSIU) [29]da Lei 15.133, que fiscaliza locais confi-nados como bares, boates, salões de festas,templos religiosos etc., mas não permitevistorias em residências. Estabelece que emzonas residenciais o limite é de 50 dB en-tre 7:00 h e 22:00 h e cai para 45 dB norestante do dia. Nas zonas mistas essesvalores são respectivamente 65 e 55 dB enas zonas industriais são 70 e 65 dB.

Tabela 1: Impactos dos ruídos na saúde humana. Fonte: Ref. [25].

Nível sonoro Reação Efeitos negativos Exemplos de locais

Até 50 dB Confortável Nenhum Rua sem tráfego (limite da OMS)

Acima de 50 dB O organismo humano começa a sofrer impactos do ruído

De 55 a 65 dB A pessoa fica em Diminui o poder de Agência bancária estado de alerta, concentração enão relaxa prejudica a produtividade

no trabalho intelectual

De 65 a 70 dB O organismo reage Aumenta o nível de Bar ou restaurante(início das para tentar se cortisona no sangue, lotadoepidemias de adequar ao diminuindo a resistênciaruído) ambiente, imunológica. Induz a

minando defesas liberação de endorfina,tornando o organismodependente. É por issoque muitas pessoas sóconseguem dormir emlocais silenciosos com orádio ou TV ligados.Aumenta a concentraçãode colesterol no sangue

Acima de 70 dB O organismo fica Aumentam os riscos Praça de alimentaçãosujeito a estresse de enfarte e infecções, em shoppingdegenerativo, entre outras doenças centersalém de abalar sérias Ruas de tráfegoa saúde mental intenso

Page 6: Introdução Paulo Bedaque H - fisica.org.brmal e é tema de legislação em todo o mundo que, em geral, fornece os limites permitidos ... Discute-se rapidamente a poluição sonora

44 Física na Escola, v. 17, n. 1, 2019Nível sonoro medido com aplicativos

Para o professor que decidiu abordaresses assuntos com os seus alunos, é deenorme importância que ele conheça alegislação de seu país, de seu estado e desua cidade, pois há variações considerá-veis.

Decibelímetros no smartphone

Apenas para o sistema operacionalAndroid, em visita à Play Store, encon-tramos cerca de 130 aplicativos com amesma finalidade: medir o nível sonoroem decibel. Quase 100% deles são dispo-nibilizados gratuitamente. Não queremosnos ater a nenhum deles em especial paranão sugerir uma tendência. Deixamos pa-ra o professor a escolha daquele que me-lhor lhe agradar. A Fig. 4 mostra, a títulode exemplo, um desses, distribuídogratuitamente, chamado “decibelímetro”,nome comum a vários deles. Convéminstalar vários e selecionar alguns, pois aqualidade e as características são diferen-tes. Alguns têm mostrador digital e outrosanalógicos; mostradores ora pequenos,ora grandes; alguns constroem umgráfico que mostra a curva de variaçãodo nível sonoro, outros colocam referên-cias a locais com aquele nível sonoro; al-guns fornecem dados estatísticos comomáximo, mínimo e valor médio encon-trados durante o seu uso, outros entre-gam o espectro de frequências dos sonscaptados etc. Sugerimos escolher algumque registre graficamente as observaçõesem função do tempo. Assim, usando umcronômetro em paralelo, pode-se obteruma coleta de dados com registro de alte-rações no nível sonoro ao longo dosminutos e dos acontecimentos. A escolhado aplicativo mais conveniente é por si sóuma pesquisa curiosa, que vai certamenteinteressar os alunos. O professor pode fi-

xar algumas características importantese deixar que a própria classe escolha o apli-cativo. A precisão das medidas deverá serdiferente conforme a qualidade do apare-lho e do aplicativo usados. Embora nãotenhamos comparado os resultados comequipamentos profissionais de medição,a chance de nossos smartphones perderemnesse comparativo é grande. No entanto,eles se prestam bem aos nossos objetivos,que é detectar pontos onde o ruído é exces-sivo e permitir aos alunos que trabalhemcom tecnologia de qualidade ao alcancede suas mãos.

É importante lembrar que esses apa-relhos medem, na verdade, variações depressão. Há uma relação direta entreintensidade sonora e as variações de pres-são que são provocadas no meio de pro-pagação. Os decibelímetros trabalham,portanto, com o Nível de Pressão Sonorae podemos escrever:

Uso desses conceitos na escola

Primeiramente convém lembrar danecessidade de garantir a total segurança

dos alunos em estudos feitos fora da salade aula ou da escola. Depois de escolhidoo aplicativo Sound Meter que será usado,peça que todos o instalem em seu dispo-sitivo móvel. Não há problemas se ossistemas operacionais forem diferentes; oimportante é que os aplicativos escolhidostenham funções parecidas. Basicamente,eles deverão medir o nível de intensidadesonora em pontos escolhidos. Os própriosalunos poderão anotar a data e o horáriodas respectivas coletas de dados. Convémque se façam medidas por um certo tempo(um ou dois minutos, por exemplo) e oresultado considerado seja o valor máxi-mo medido.

Antes das medidas, é interessante quese convide um profissional da saúde parafalar aos alunos sobre os problemas cau-sados pela poluição sonora. Convém queesse especialista, que pode ser membro dealguma família da comunidade escolar,seja um médico otorrinolaringologista ouum fonoaudiólogo. Também podem con-tribuir com a discussão profissionais liga-dos ao meio ambiente. Seu colega profes-sor de biologia poderá ajudar em seuprojeto, explicando aos alunos como fun-ciona o aparelho auditivo e questões desaúde ligadas a ele. Do mesmo modo, seucolega professor de matemática poderá daraos alunos as ferramentas necessárias pa-ra se trabalhar com logaritmos.

Convém que a coleta de dados sejafeita com um formulário pronto e impres-so. Assim, pode-se uniformizar a coletade dados e facilitar a leitura futura que sefará deles. Basicamente, deve-se registraro local da medição, a data, o horário e ovalor medido do nível sonoro naqueleponto, sempre que possível, visitado nohorário de pico. Com os resultadosencontrados, a classe pode montar ummapa indicando nele os valores máximosmedidos do nível sonoro. Sugerimos usaro Google Maps, colocando alfinetes nessespontos e registrando os valores encontra-dos. Pode-se usar alfinetes vermelhos paraos pontos mais barulhentos (acima de85 dB), amarelos para aqueles de um blocointermediário (entre 65 dB e 85 dB) e ver-des para os pontos mais silenciosos (abai-xo de 65 dB). Assim, ele poderá ser dispo-nibilizado a todos os alunos e a todos osmembros da comunidade interessados. AFig. 5 apresenta um mapa fictício focali-zando alguns pontos da cidade de SãoPaulo. No arquivo original, quando se cli-ca em um alfinete, abre-se uma janelaindicando a hora da observação e o valormáximo medido. Em especial, temos umalfinete vermelho dividindo o espaço comum verde. Ali se encontra um teatro queapresenta um alto nível sonoro à noite e

Figura 3: Ilustração encontrada no docu-mento da lei citada, que mostra, com hu-mor, os problemas trazidos pelos sonsindesejados. Fonte: Ref. [28]).

Figura 4: Tela de um dos aplicativos dis-poníveis para quantificar níveis sonoros.

Page 7: Introdução Paulo Bedaque H - fisica.org.brmal e é tema de legislação em todo o mundo que, em geral, fornece os limites permitidos ... Discute-se rapidamente a poluição sonora

45Física na Escola, v. 17, n. 1, 2019 Nível sonoro medido com aplicativos

um valor bem menor no horário do al-moço. Para um mesmo local, um mesmoponto do mapa, podemos ter alfinetes comcores diferentes, mostrando medições emdiferentes horários e dias.

Figura 5: Mapa tendo como base o Google Maps (Fonte: Ref. [30]).

Conclusão

O uso de tecnologia na educação éaltamente desejado, já que prepara o alunopara o mundo em que ele viverá, pautado

pela ciência e pela tecnologia. O artigoexplora apenas um aplicativo, mas muitosoutros estão à espera de professores quese disponham a pensar e montar umesquema didático que os utilize. Espe-ramos ter fornecido uma linha de cons-trução, entre tantas outras possíveis, econtribuído para motivar jovens e educa-dores.

Para encerrar este artigo, depois de tu-do o que foi dito aqui, lembrando Sha-kespeare, ao final de Hamlet [31]: “O restoé silêncio”.

Nota

1β1 = 30 dB implica em enquanto

β2 = 50 dB implica em . Assim, a

nova razão da intensidade física sonoraserá 103 + 105 = 103 + 100.103 =101.103 que é muito próximo de 105,resultando em β = 50 dB.

Referências

[1] C. Sagan, O Mundo Assombrado Pelos Demônios: A Ciência Vista Como Uma Vela no Escuro (Companhia das Letras, São Paulo, 1996).[2] D. Camargo, GM apreende 80 carros por som alto. Correio Popular, Campinas, 20 jul. 2018. Cidades, p. A5.[3] A. Ramirez, Jaguariúna: Silêncio às badaladas centenárias. Correio Popular, Campinas, 27 jul. 2018. Cidades, p. A5.[4] B. Maineti, ‘Teco-teco’ gera receio em campineiro. Correio Popular, Campinas, 28 jul. 2018. Cidades, p. A7.[5] W.P. da Silva, C.M.D.P.S. e Silva, D.D.P.S. e Silva, C.D.P.S. e Silva, Cad. Bras. Ens. Fís. 21, 103 (2004).[6] T.G. Ribeiro, Clarice Parreira Senra e Mateus Antônio Resende, Física na Escola 16(1), 43 (2018).[7] R.C. Diogo e S.T. Gobara, Revista Brasileira de Informática na Educação 16, 23 (2008).[8] L.R. Rui, Uma Proposta de Introdução de Conceitos Físicos na 8ª Série Através do Som, e Algumas Importantes Curiosidades e Aplicações do seu Estudo.

Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2006).[9] R.C. Diogo, A Aprendizagem de Ondas Sonoras sob a Ótica de Desafios em um Ambiente Virtual Potencialmente Significativo. Dissertação de Mestrado,

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (2008).[10] R. Chierecci, O Som da Física. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo (2013).[11] D. Correia, Textos de Divulgação Científica: Leitura, Produção e Divulgação de Atividades Didáticas no Espaço do Estágio Supervisionado em Física.

Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Santa Maria (2016).[12] M.D. Pereira, Estudo da Poluição Sonora por Estudantes do Ensino Médio Usando Smartphone. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de

São Carlos (2017).[13] D.C. Stinglin, Relações Entre a Percepção Musical e o Ensino das Características das Ondas Sonoras. Dissertação de Mestrado, Universidade Tecnológica

Federal do Paraná (2017).[14] P.W. Bastos e C.R. de Mattos, in: Encontro de Pesquisa em Ensino de Física, XI EPEF (2008)d isponível em https://bit.ly/2Wetknq.[15] M.I.A. Jardim, N.C.G. Errobidart e S.T. Gobara, in: Encontro de Pesquisa em Ensino de Física, XI EPEF (2008), disponível em https://bit.ly/2wwooQw.[16] C. C. Moreira, C. C. de Macedo e D. G. de Oliveira, in: Simpósio Nacional de Ensino de Física, XX SNEF (2013), disponível em https://bit.ly/2XoRblI.[17] A.E. da Silva, J.F. da Costa, S. Camargo, T.R. Hilger e L.L. Samojeden, in: Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, XI ENPEC

(2017), disponível em https://bit.ly/2HUkCqL.[18] Documentação disponível em https://bit.ly/2dbc77R, consultada em 31/12/2018.[19] M.F. Ferreira Neto, 60 + 60 = 63? (Sociedade Brasileira de Física, São Paulo), disponível em https://bit.ly/2W7fPWI.[20] Documentação disponível em https://bit.ly/2WlLRTS, consultada em 15/7/2018.[21] Documentação disponível em https://bit.ly/2Wkv183, consultada em 31/12/2018.[22] Documentação disponível emhttps://bit.ly/2WJmuuy, consultada em 31/12/2018.[23] D.F.B. Zajarkiewicch, Poluição Sonora Urbana – Aspectos Jurídicos e Técnicos. Tese de Mestrado em Direito na Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo, disponível em https://bit.ly/2Z4u0ha.[24] Norma 10.151 da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, disponível em https://bit.ly/2LIfe9M.[25] D.F. da Silva Filho, Estudo da Poluição Sonora no Ambiente Urbano da Cidade de Piracicaba (Universidade de São Paulo, São Paulo), disponível em

https://bit.ly/2XorhyH.[26] R.G. Rosset, Lei do silêncio e tutela da tranquilidade pública, disponível em https://bit.ly/2YZD2vM.[27] Lei das Contravenções Penais – Lei Federal 3.688 de 3 de outubro de 1941. Pode ser consultada em https://bit.ly/2OXNWkA.[28] Lei Distrital 4.092 de 30 de janeiro de 2008 – Lei do Silêncio de Brasília que pode ser encontrada em https://bit.ly/2HTt8WS.[29] PSIU – Programa de Silêncio Urbano da prefeitura de São Paulo, disponível em https://bit.ly/1Lx7SPz.[30] Google Maps - https://www.google.com.br/maps.[31] W. Shakespeare, A Tragédia de Hamlet, Príncipe da Dinamarca (Abril Cultural, São Paulo, 1976).