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56 Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 “QUANDO A MÁSCARA E O ROSTO TROCAM DE LUGAR”: O FUTURO DISTÓPICO EM “V DE VINGANÇA” Autor: Fernando Scaff Moura Orientador: Clóvis Gruner INTRODUÇÃO Nomear esta monografia com a frase da música “Além da máscara”, da banda Pouca Vogal, projeto paralelo de Humberto Gessinger e Duca Leindecker, respectivamente integrantes das bandas Engenheiros do Hawaii e Cidadão Quem, além de uma forma de homenagem a estas queridas bandas gaúchas, é uma frase simples para explicar o quadro maior do que significa o título da obra utilizada neste trabalho: “V de Vingança”. Afinal, muito pouco do quadrinho 1 tem a ver com uma vingança propriamente dita, tudo pode girar em torno de V; o personagem principal da obra cujo rosto e o nome jamais são revelados, somente o codinome, V; e sua tentativa de castigar todos aqueles que o fizeram sofrer nos campos de concentração. Contudo, sua vingança se estende a uma justiça social, a castigar a sociedade corrupta e fascista que se consolidou na Inglaterra após uma guerra nuclear que aconteceu durante os anos 80. A vingança que compõe o título da obra é a vingança de toda a história contra o fascismo, é o golpe contra os governos desonestos, as pessoas omissas os quais nada fazem, admirando a ruína de suas vidas sentadas no sofá da sala. V mostra que basta um homem para iniciar a mudança do mundo, mas é necessário o envolvimento de toda sociedade para que ele se modifique de verdade. A Anarquia é possível. Um mundo melhor é possível. A vingança de V é contra o mundo mau que fez dele quem ele é, e não contra o líder do fascismo, ou do partido como um todo, mas de tudo que fez possível eles tomarem o poder. O nome da história em quadrinhos, em sua língua mãe, é “V for Vendetta” e, no caso, Vendeta tem um significado um pouco mais nobre que a vingança propriamente dita, é o espírito da vingança, o acerto de contas. Uma revanche em nome da honra. A justiça entre famílias quando a própria lei não consegue cumpri-la, para limpar o nome ou deixar claro que uma injustiça não pode acontecer novamente. Para V, a justiça não está ao seu lado na luta pela liberdade. Neste ponto, vemos que a máscara e o rosto trocam de lugar. V não é um rosto, afinal, a todo momento ele é mostrado de máscara, as poucas pessoas que veem seu rosto, pouco tempo depois, estarão mortas para não dizer a ninguém quem ele é ou como se parece. Nós não sabemos quem ele é, nem mesmo Evey, garota que ele educa e mora com ele sabe sua verdadeira identidade. A máscara tomou o lugar do rosto, é ela que representa o homem, e ela tem um grande significado. Primeiro, ela é o rosto de Guy Fawkes, o revolucionário por trás da tentativa de explodir o parlamento inglês na revolta da pólvora, em 5 de novembro de 1605. Segundo, V transforma seu rosto, sua máscara, na ideologia por trás de seus feitos, ela e a letra V representam a Liberdade sobre a Justiça, representam os diretos humanos, a integridade, a revolução, a Anarquia.

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56Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

“QUANDO A MÁSCARA E O ROSTO TROCAM DE LUGAR”: O FUTURO DISTÓPICO EM “V DE VINGANÇA”

Autor: Fernando Scaff Moura

Orientador: Clóvis Gruner

INTRODUÇÃO

Nomear esta monografia com a frase da música “Além da máscara”,

da banda Pouca Vogal, projeto paralelo de Humberto Gessinger e Duca

Leindecker, respectivamente integrantes das bandas Engenheiros

do Hawaii e Cidadão Quem, além de uma forma de homenagem a

estas queridas bandas gaúchas, é uma frase simples para explicar o

quadro maior do que significa o título da obra utilizada neste trabalho:

“V de Vingança”. Afinal, muito pouco do quadrinho1 tem a ver com

uma vingança propriamente dita, tudo pode girar em torno de V; o

personagem principal da obra cujo rosto e o nome jamais são revelados,

somente o codinome, V; e sua tentativa de castigar todos aqueles que

o fizeram sofrer nos campos de concentração. Contudo, sua vingança

se estende a uma justiça social, a castigar a sociedade corrupta e

fascista que se consolidou na Inglaterra após uma guerra nuclear que

aconteceu durante os anos 80.

A vingança que compõe o título da obra é a vingança de toda a

história contra o fascismo, é o golpe contra os governos desonestos,

as pessoas omissas os quais nada fazem, admirando a ruína de suas

vidas sentadas no sofá da sala. V mostra que basta um homem para

iniciar a mudança do mundo, mas é necessário o envolvimento de toda

sociedade para que ele se modifique de verdade. A Anarquia é possível.

Um mundo melhor é possível. A vingança de V é contra o mundo mau

que fez dele quem ele é, e não contra o líder do fascismo, ou do partido

como um todo, mas de tudo que fez possível eles tomarem o poder.

O nome da história em quadrinhos, em sua língua mãe, é “V for

Vendetta” e, no caso, Vendeta tem um significado um pouco mais nobre

que a vingança propriamente dita, é o espírito da vingança, o acerto

de contas. Uma revanche em nome da honra. A justiça entre famílias

quando a própria lei não consegue cumpri-la, para limpar o nome ou

deixar claro que uma injustiça não pode acontecer novamente. Para V,

a justiça não está ao seu lado na luta pela liberdade.

Neste ponto, vemos que a máscara e o rosto trocam de lugar. V

não é um rosto, afinal, a todo momento ele é mostrado de máscara,

as poucas pessoas que veem seu rosto, pouco tempo depois, estarão

mortas para não dizer a ninguém quem ele é ou como se parece. Nós

não sabemos quem ele é, nem mesmo Evey, garota que ele educa e

mora com ele sabe sua verdadeira identidade. A máscara tomou o

lugar do rosto, é ela que representa o homem, e ela tem um grande

significado.

Primeiro, ela é o rosto de Guy Fawkes, o revolucionário por trás da

tentativa de explodir o parlamento inglês na revolta da pólvora, em 5

de novembro de 1605. Segundo, V transforma seu rosto, sua máscara,

na ideologia por trás de seus feitos, ela e a letra V representam a

Liberdade sobre a Justiça, representam os diretos humanos, a

integridade, a revolução, a Anarquia.

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 57Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

Com o tempo e com sua morte, a máscara tem que se manter viva,

porém, sem o homem ela nada vale. Como o Fantasma, história em

quadrinhos dos anos 40, desenvolvidos por Lee Falk e Ray Moore, onde

o “espírito que anda”, a Alma Imortal por trás do manto do fantasma

deveria se manter sempre alerta e vigilante por toda a eternidade

(explicarei mais tarde sobre esta lenda).

A história de V segue esse princípio, com sua morte2 o manto

e a máscara são assumidas voluntariamente por Evey, a inocente e

frágil menina que, treinada por V, se vê diante da responsabilidade e,

sem pestanejar, assume o manto, incitando a revolução e provando

que, de uma vez por todas, os ideais são a prova de balas, imortais.

Novamente, a máscara e o rosto, trocam de lugar.

A história em V de Vingança se passa em Londres no ano de 1997,

após uma guerra nuclear ter destruído quase todo o mundo, deixando

a Inglaterra livre, porém sofrendo pelas as catástrofes nucleares. V é

um personagem misterioso, sempre de manto e máscara3, nunca sendo

revelada sua identidade aos leitores ou aos personagens interessados.

V salva Evey, uma menina de 16 anos, de um assassinato e, assim,

começa a educá-la na cultura que se perdeu com o governo fascista

que se estabeleceu em Londres após a guerra.

V age sabotando Londres, explodindo símbolos e ícones do poder,

matando políticos e cidadãos corruptos que o fizeram sofrer no

passado. Contudo, sempre criando uma forma de, com isso, educar os

londrinos a pensarem por si só. V quer a revolução. Ele tem êxito em

todo seu plano, no fim, com sua morte, Evey assume o manto dando

sequência a suas ideias e fechando a história em quadrinhos.

Não podemos deixar de falar das histórias em quadrinhos

propriamente ditas nesta introdução, afinal, apesar delas estarem

presentes em nossa história a mais de um século, muito pouco se fala

sobre elas como uma fonte histórica, desta forma, vale a pena pensar

na resposta para a seguinte pergunta: Mas afinal, o que é uma história

em quadrinhos?

Se formos buscar o significado da palavra, poucos conseguiríamos

responder. Talvez o termo brasileiro seja a definição mais correta,

uma história contada a partir de quadradinhos, portanto, história

em quadrinhos. Contudo, em sua língua de origem, ela é chamada

de “comics” que significa cômico, o que não corresponde a todas as

histórias deste gênero. Na França, país representativo na produção

e consumo destas obras, ela é chamada de “bande dessinées”, ou

tiras desenhadas, no que podem se enquadrar as famosas tirinhas de

jornal, mas não as revistas em si. Na Itália as chamam de “fumetti”,

ou fumacinha, por causa dos balões com as falas dos personagens.

Durante muito tempo chamamos as HQs (Histórias em Quadrinhos)

de gibis, que significava moleque, isso há muito tempo no Brasil e

Portugal. Até hoje esse apelido carinhoso define as revistas da turma

da Mônica, criada por Mauricio de Sousa, e é usada para definir

quadrinhos infantis, mas não os quadrinhos de heróis. Em Portugal,

se chama “Banda Desenhada”, similar à França, ou “História aos

quadrinhos”, que é uma definição meio estranha. No Japão é comum e

muito popular o Mangá, contudo, o estilo de desenho, forma de leitura

e enredos são bem diferentes dos quadrinhos ocidentais.

Mesmo com tantos nomes em tantos lugares, pouco podemos

saber das histórias em quadrinhos pelo ponto de vista da História

como disciplina, mas estão presentes em muitos trabalhos das

demais ciências humanas, como a Antropologia e a Sociologia, ou

mesmo no seu próprio meio, as Artes. Assim, para responder tal

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pergunta, pedimos auxílio para Will Eisner, o grande mestre por trás

dos quadrinhos, criador do herói “Spirit” entre outras grandes obras

de arte das histórias em quadrinhos. Ele define os quadrinhos como

sendo uma “Arte Seqüencial”, uma história contada em sequência

de desenhos e textos, com um enredo definido, não precisando dos

quadrinhos, dos balões ou qualquer outra coisa visual aos quadrinhos,

somente um enredo que conta a história, usando a fusão gráfica do

texto e da imagem. Falaremos sobre isso mais tarde.

Além de Eisner como nome famoso por trás das HQs, temos

também Stan Lee, responsável pela criação de um grande número

de heróis tão populares nos dias de hoje, como o Homem-Aranha, o

Quarteto Fantástico, o Surfista Prateado, grande parte dos X-Men,

entre tantos outros heróis da editora Marvel, popular nos dias de

hoje, apenas equiparável a DC, editora responsável pelos heróis

Super Homem, Batman, Lanterna Verde, entre outros. Stan Lee é

conhecido como a Casa das Ideias da Marvel, responsável pelas

grandes sagas e grandes heróis, e as duas editoras lançam um

grande numero de quadrinhos que lemos atualmente. Stan Lee,

por mais representativo autor de quadrinhos, carismático e icônico,

produziu poucas obras teorizado os quadrinhos como fez Eisner,

poucas delas foram traduzidas para o português, ou são facilmente

encontradas.

Com tantas histórias em quadrinhos, muitos heróis, e um consumo

durante anos destas revistas que influenciaram a juventude de tantas

pessoas, dificilmente elas passariam impunes pela história. Contudo,

a história em quadrinhos pouco foi teorizada para tal fim, assim, na

busca por definir como fonte histórica os quadrinhos, devemos ir aos

próprios desenhistas e pensadores dos quadrinhos. Entre os mais

populares temos o próprio Will Eisner com o livro “A Arte Sequencial”

e Scott McCloud e seu livro “Desvendando os Quadrinhos”.

O livro de McCloud é escrito em formado de HQ, sem textos

longos, somente quadrinhos e um narrador brincando com a meta

linguagem dos quadrinhos e seus princípios. Já o livro de Eisner é um

pioneiro, com textos, teorias mais densas e longos textos, mas claro,

como não pode deixar de se fazer ao falar de quadrinhos, recheado de

imagens do próprio autor.

Por motivos que têm muito a ver com o uso e a temática, a Arte Sequencial tem sido geralmente ignorada como forma digna de discussão acadêmica. Embora cada um dos seus elementos mais importantes, tais como design, o desenho, o cartum e a criação escrita tenham merecido considerações acadêmicas isoladamente, esta combinação única tem recebido um espaço bem pequeno (se é que tem recebido algum) no currículo literário e artístico. Creio que tanto o profissional como o crítico são responsáveis por isso.4

Eisner é o primeiro a elevar o quadrinho ao status de arte,

comparando-o com o cinema, pois os dois trabalham com enredo, uma

trama, discurso e imagens. Porém, cada um tem sua técnica e formas

de elaborar suas narrativas.

Neste ponto, trabalhar com os quadrinhos torna-se algo complexo.

Não há como separar o texto da imagem, nem mesmo como tratar uma

passagem inteira sem pensar o que se passa em cada quadrinho. Em

geral, há toda uma intenção dos desenhistas com o uso das sombras,

dos movimentos para acompanhar o discurso e deixar a obra mais

completa e complexa. Eisner fala sobre essas questões do desenho,

fundamentais para o quadrinho.

Sem parecer nas linhas escritas, podemos saber se a história se

passa de dia ou à noite, em um cenário rural ou urbano, ou mesmo

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em que época tudo está se passando. As imagens dizem muito mais

que o texto e, muitas vezes, só temos elas para acompanhar todos os

acontecimentos.

Frequentemente, as imagens mostram acontecimentos em

momentos diferentes, ou seja, a sequência de quadro não acompanha

a sequência real de movimentos como no cinema, por exemplo: um som

de campainha enquanto um homem toma café, no próximo desenho

temos o homem tomando café com uma mulher. As roupas do homem

não mudaram, nem a disposição das coisas na mesa de café. Assim,

conseguimos supor, sem a necessidade de discurso ou imagens, que o

homem se levantou, atendeu a porta, convidou a mulher para entrar e a

acompanhou até o ambiente onde ele estava tomando café, tudo isso,

sem aparecer uma linha ou imagem.

Em menor escala, pode acontecer de dois homens estarem se

encarando para um duelo, o som de tiros aparece escrito no quadrado

e vemos um homem no chão. Não temos a imagem do tiro sendo dado

ou recebido, ou mesmo a queda, tudo acontece rápido. Mas sabemos,

em nossa interpretação da sequência de imagens, o que aconteceu.

Porém, o autor pode querer dar uma intenção diferente aos

acontecimentos. Quando o tiro é disparado, ele pode dar um ângulo

da bala no ar, uma imagem do homem levando o tiro, ele cambalear

na contra luz, para, por fim, cair morto. A cena parece mais longa,

demorada, impactante.

A escolha dos ângulos em que a imagem será visualizada pelo

leitor, a demora das cenas em relação ao acontecido, tudo pode mudar

as intenções e interpretações da história. Naquela situação em que o

homem toma café com a mulher, todos os acontecimentos que ficaram

nas margens dos quadrados não eram importantes e foram cortados

para dar espaço para os que realmente eram, como o diálogo que eles

teriam na mesa de café. Na situação do duelo rápido, a morte pode

querer ser retratada como algo efêmero, veloz e cruel. Ou mesmo, a

morte do bandido não era tão importante para o enredo da história, isso

depende do contexto. Por outro lado, a cena mais longa do tiroteio pode

querer valorizar o momento, a morte de um personagem importante,

ou mesmo mostrar a tragédia de uma maneira mais próxima e terrível.

As interpretações todas dependem da sequência dos

acontecimentos, sozinho pode ser impossível que um quadrinho da

história diga todo o desenrolar da cena. Vamos a um exemplo prático:

Figura 1 - Análise do quadrinho 1

WILLIBGHA, Bill; MEDINA, Lan; LEJOLAHA, Steve Fábulas Panini/Vertigo : Barueri, 2003

Volume 1 p.3

Este quadrinho solitário pouco pode nos dizer sobre a história,

o contexto ou mesmo justificar seus acontecimentos. Podemos ver

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um homem fumando seu cigarro, fazendo algumas anotações em

um escritório apertado. Um quadro de recados, fotos sobre a mesa,

uma luminária, uma cafeteira, um sobretudo pendurado e certificados

na parede. Essas informações pouco podem nos dizer sobre toda a

história. Para os fãs do gênero noir, podemos até interpretar que seja

um escritório de algum detetive, mas sozinha, esta imagem pouco diz.

Somado a isso, temos um homem debruçado sobre a mesa,

colocando a mão no peito, provavelmente, como quem sente dor. Sua

posição indica alguém cansado, sofrendo. Ele, dentro do contexto,

pouco diz também. Agora, vamos usar o texto para tentar desvendar

o mistério.

Quem inicia o dialogo é o homem fumando. Sabemos disso pela

dinâmica dos quadrinhos, leitura da esquerda para a direita, de cima

para baixo, como em um livro, e como o balão de fala dele aparece

à cima do outro, sabemos que ele fala antes do homem sofrido. Ele

diz: “Parece que você está sem fôlego João. Andou subindo o pé-de-

feijão de novo?”. Ao que o outro responde: “huh... huh... não”.

Temos aqui o uso de uma técnica dos quadrinhos, que vamos

esmiuçar. Primeiro, os negritos nas falas, comuns nos quadrinhos, são

muito representativos. Mas o que eles, de fato, significam?

Eisner, sempre ele, os define como sendo o “controle do ouvido do

leitor5”, e que, com este recurso, se pode acrescentar som e disciplina

ao ouvido interior do leitor. Seria algo como dar ênfase às palavras,

como se elas fossem mais importantes que as demais no texto. Ou

pelo personagem dar mais entonação a elas ao serem pronunciadas,

ou por serem significativas para a história.

Então, sabemos que “Pé-de-feijão” e “não” são palavras

importantes no diálogo entre os personagens. Isso não ajuda muito.

O tal João fala “huh... huh...”, que em língua alguma significa alguma

coisa, mas foi usado nesta conversa para indicar que ele está respirando

pesado, ou seja, está emitindo estes sons. Em outro momento, esses

mesmos “huh... huh...” podiam indicar alguém sendo espancado,

provavelmente acrescentariam um “g” algo como “hugh”, que denota

mais dor, mas isso depende de autor para autor. Isso acrescenta drama

à cena, o homem aparece bufando, cansado. Isso é verdade pela fala do

homem fumando, e informa, que a respiração de João está pesada.

Agora, por que a ele está com a respiração pesada? Bom, a única

coisa que sabemos é que ele não subiu o “pé-de-feijão”, mas há quanto

tempo ele está com a respiração pesada, e por qual motivo, isso não

temos como descobrir olhando somente essa imagem. Ele pode ter

recebido uma notícia ruim do outro homem. Pode estar tendo um

ataque cardíaco, recebendo super poderes (estamos em uma história

em quadrinhos afinal), enfim, qualquer coisa é possível.

Temos mais informações na interpretação deste quadrinho. Outra

muito interessante é que o homem fumando não está nem aí para

o João. Por quê? Os dois não se gostam? O que faz ele perder a

respiração não lhe interessa? O homem fumando é o vilão da história

vendo o herói padecer em sua frente? Também não há como saber.

Podemos tentar interpretar o quadrinho solitariamente, mas é

impossível, mesmo lendo a referência da imagem, e sabendo que o

título da HQ é “Fábulas” pouco ajuda. Faz a citação ao “João e o Pé-

de-Feijão” fazer um pouco mais de sentido em uma conversa formal em

um escritório qualquer, mas nem tanto também.

Isto torna a arte sequencial de Will Eisner válida. O quadrinho,

algumas vezes pode, sim, fazer todo o sentido do mundo, mas nem

sempre isso será possível.

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Figura 2 - Analise do quadrinho 2

WILLIBGHA, Bill; MEDINA, Lan; LEJOLAHA, Steve Fábulas Panini/Vertigo : Barueri, 2003

Volume 1 p.3

Agora temos mais informações. Sabemos que o João está ofegante

por ter corrido até a sala da segurança do senhor Lobo Mau. Isso,

após passar pela sala de negócios da B. Neve. Tudo começa a fazer

sentido nesse momento... Temos um homem chamado Lobo Mau, e

outro chamado de João, onde a referência a ele é o “Pé-de-Feijão”.

Tudo pode estar fugindo ao controle da realidade, mas histórias em

quadrinhos são assim mesmo, por isso são tão fascinantes.

Figura 3 - Análise do quadrinho 3

WILLIBGHA, Bill; MEDINA, Lan; LEJOLAHA, Steve Fabulas Panini/Vertigo : Barueri, 2003

Volume 1 p.3

Assim termina a página 3 da revista. Mais referências às

histórias infantis. Agora João acusa Lobo Mau de ainda bufar na

casa dos porquinhos, o que ofende o detetive. As ofensas são

percebidas pelo diálogo onde os negritos são usados. Contudo,

agora, temos o gancho da história, uma revelação usada na página

impar (normalmente a página da direita) que será virada para revelar

algo novo. Agora, sabemos que o João veio ao segurança informar

sobre um crime horrível! O que será que vai acontecer?

Esta revista, “Fábulas”, é uma das melhores revistas da

atualidade, tendo recebido alguns prêmios.Porém, é pouco

reconhecida pelos fanáticos por super-heróis, que normalmente só

consomem revistas das editoras DC ou Marvel, deixando o selo

Vertigo para as histórias mais densas, voltadas para um público

mais adulto.

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Posso adiantar que a história se passa em Nova York, em um bairro

particular habitado pelas fábulas das histórias infantis, em que seus

personagens tiveram que fugir de seus reinos distantes por causa de

uma terrível ameaça. Todos estão presentes, como podemos ver de

pronto, temos a o João do pé-de-feijão, o Lobo Mau e a Branca de

Neve (nota na porta pela qual João passou correndo) nas páginas

anteriores a essa corrida toda (ele corre uma ou duas páginas, mais ou

menos), outros são apresentados, sendo deixados para trás na corrida

até a sala do Lobo Mau.

É este complexo jogo de imagens e texto que forma a “gramática”

de leitura dos quadrinhos. Como o jogo de cena em que aparece João

entrando na sala, e logo na sequência, caído sobre a mesa, que não

mostra o processo todo de sua queda até a mesa. Somente o vemos

apoiado, já falando com o Lobo Mau. Também a sequência de cenas nos

quadros que se completam e formam toda a história, onde, sozinhos,

os quadrinhos nada significariam, ou significariam muito pouco para a

narrativa, sendo necessário toda a revista, ou toda a série delas para

compreender o todo dos acontecimentos.

As histórias em quadrinhos são uma rica fonte de pesquisa e

leitura. Sendo atrativas e convidativas à leitura. São voltadas para

diversos públicos: o infantil, onde encontramos as revistinhas da Turma

da Mônica e da Disney; revistas para jovens, e adultos interessados,

como as revistas de Heróis da Marvel e DC; ou adulto e curiosos, como

algumas revistas do selo Vertigo, as Graphic Novels (sobre as quais

falarei mais tarde) e outras revistas com textos e imagens mais densos

e impactantes, sem tantos heróis ou fantasias, em que podemos

encontrar as últimas revistas de Will Eisner, entre tantas outras

revistas do Alan Moore, Frank Miller e Neil Gaiman. Podem agradar

os jovens também, como toda boa revista, mas somente alguém mais

vivido consegue entender o que se passa com os personagens em sua

plenitude.

Então, se a revista é tão rica, perpassa a história da juventude

durante muito tempo, por que a historiografia pouco se preocupa com

ela? Como toda fonte alternativa, ela não está passiva de críticas.

Até chegarmos à Escola dos Annales, onde algumas fontes novas

foram incorporadas nas ferramentas do historiador, a literatura,

o cinema, pinturas e fotografias eram tidas como fontes pouco

significativas, onde não se trazia a veracidade pura e bruta da história

para ser transcrita pelo historiador. Neste momento, havia o mote

famoso, de Langlois e Seignobos: “Onde não há documentos não há

história”.

Felizmente, esse conceito cai por terra com o tempo, hoje, com

a modernidade e a contemporaneidade, a discussão sobre o que é

história e o que é uma fonte histórica se amplia ao infinito. Mantendo

um método historiográfico e investigativo, o historiador pode usar de

qualquer fonte, que consiga validar, para descobrir o que, de fato, pode

ter acontecido no passado.

Os quadrinhos neste processo foram largamente defendidos

e criticados. As acusações marxistas e conservadoras de que eles

seriam obra do mercado de consumo, feito para manipular as crianças

e corromper a sociedade, perpassou anos a fio, se engendrando na

mente de pais e professores sobre a sua característica subversiva,

corruptora, e produto de um mundo capitalista imperialista e covarde!

Estas acusações tornaram os quadrinhos fonte pouco usual, afinal,

como obras de conteúdo estritamente manipulável, não seriam bem

vistos quando usados como fontes. Percebemos esse tipo de discurso

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em obras como “Por que ler o pato Donald”, dos chilenos Dorfman e

Mattelart.

No entanto, na edição “Shazam!” da revista Debates, organizada

por Álvado de Moya, encontramos uma larga defesa, proferida por um

bom número de autores, onde deparamos com uma historiografia dos

quadrinhos, estudos sobre os personagens, seus usos na educação e a

aprendizagens dos jovens.

Junto destes autores, temos o renomado Umberto Eco, com seus

textos publicados pela revista Debates: “Apocalípticos e Integrados”,

nos quais pondera sobre os quadrinhos realmente serem fruto do

mercado de consumo, sem deixar de ser arte, comparando-o com

o cinema. Eco é um dos primeiros a dar este voto de confiança aos

quadrinhos, e pensar neles como uma possibilidade de estudo.

No Brasil, atualmente, temos bons estudos e pesquisadores

se debruçando sobre os quadrinhos, como Álvaro de Moya, Moacy

Cirne, Waldomiro Verguero, entre outros. Mesmo de maneira escassa,

encontramos artigos citando o uso, ou falando abertamente sobre

os quadrinhos. Estudando-os ou usando-os como instrumentos para

melhor entender um determinado período da história.

Assim, perguntar se é possível desvendar a história com esses

materiais sobre as HQs, desbravar esta fonte pouco usual para

entender um período, relações políticas, discursos e intenções do

autor, como é feito com o cinema, a literatura, é uma forma de manter

a discussão sobre os quadrinhos presa há um debate já feito e muito

bem defendido por tantos autores.

A intenção deste trabalho é analisar os quadrinhos como um

todo, esmiuçar suas características que os elevam ao status de Arte,

para entender o que aconteceu nos anos 80, e o que representaram

à juventude dessa época. Para isso, utilizaremos o Graphic Novel “V

de Vingança” escrita por Alan Moore e desenhada por David Lloyd.

A partir dela, pretendemos descobrir mais sobre a década de 80, as

influências que fizeram desta revista tão popular em sua época e

tirar dela os discursos anarquistas e representações históricas que

possibilitam interpretações.

Esta monografia foi divida em três capítulos.

O primeiro abordará uma historiografia das histórias em quadrinhos,

do seu início nos jornais de domingo aos grandes quadrinhos de luxo

do século XX, dando principal atenção aos quadrinhos dos anos 80

e seus autores. Também fará uma análise do quadrinho como arte,

aprofundando sua ferramenta e conceito estético, para compreender o

que é o quadrinho e o que o define como sendo uma Arte Sequencial.

Para solucionar essa proposta, foram utilizadas as leituras feitas de

Álvaro de Moya, Will Eisner e Eric Hobsbawm.

O segundo capítulo falará sobre os anos 80, seu panorama cultural,

enfatizado na Inglaterra. A guerra fria, breves relações políticas, para

que possamos melhor entender a graphic novel “V de Vingança”, que

teve sua origem nessa década. Na sequência do capítulo, haverá uma

análise do totalitarismo no quadrinho, comparado com o livro de George

Orwell “1984”, lembrando que a obra de Alan Moore teve grande

influência desta obra, principalmente no tocante ao totalitarismo.

Percebendo nestas duas perspectivas de futuro, de Moore e Orwell, os

pessimismos de seus tempos. Neste momento, as leituras de Hannah

Arendt e Michel Foucault foram de grande importância.

Já no terceiro capítulo será feita uma análise mais completa da

fonte, para tentar entender a história, seu enredo e personagens,

principalmente quem é V, suas ideias e desejos revolucionários.

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Assim, tenta descobrir em qual anarquismo V se enquadraria. Walter

Benjamim e Foucault dão conta desta análise.

Enfim, vamos abrir as páginas quadriculadas da história para

conhecer os anos 80, a obra “1984”, de George Orwell, que influenciou

a HQ analisada e o(s) anarquismo(s) em V de Vingança!

1. DA HISTÓRIA DOS QUADRINHOS PARA A HISTÓRIA EM QUADRINHOS

A união fora uma batalha, o clímax uma vitória. Era um golpe desferido no partido. Era um ato políticoGeorge Orwell

1.1 Das “tirinhas” às revistas

A história dos quadrinhos começou em um domingo. Mais

precisamente no dia 5 de maio de 1895, no jornal novaiorquino World,

onde o famoso personagem de Richard F. Outcault, “O Garoto Amarelo”

começa a ser publicado, semanalmente, em forma de tirinhas, para

assim iniciar um processo de industrialização do gênero que chegará

aos quadrinhos modernos.

No entanto, delimitar essa data, ou considerar “O Garoto

Amarelo” como sendo a primeira, é uma injustiça com outras

obras, ou mesmo um equívoco com formas de expressão similares,

anteriores a tal tirinha. Sua importância se dá ao fato de ser a

primeira em cores; serem publicadas com uma frequência semanal,

apesar das histórias não serem interligadas; o público a aceitar

muito bem, dando início a uma larga produção de novas ideias e

novos autores, tornado as tirinhas parte obrigatória nos grandes

jornais.

Somados a sua aceitação, ela traz muitas características das

histórias em quadrinhos: como o Balão, onde as falas dos personagens

aparecem; o uso de linhas de movimento, pequenos traços ao lado do

personagem indicando movimentação na imagem; e uma sequência de

ao menos três quadrados que contam uma história sem se alterar a

cena, alguma vezes, trazendo o conceito da Arte Sequencial sugerida

por Will Eisner.

Contudo, antes do “O Garoto Amarelo”, houve outras. Alvaro de

Moya6, sugere como sendo as primeiras a retratar o gênero, as tiras

“M. Vieux-Bois”, de Rudolph Töpffer, iniciadas em 1827. Nelas, há uma

história contada por quadros em sequência, contudo, não possuem

balões ou os desenhos dinâmicos como os que aparecem no “O Garoto

Amarelo”. Elas se enquadram, mais provavelmente, como charges,

com seu narrador em linhas abaixo do desenho, contando as histórias

acompanhando a ação dos quadros.

As charges já eram populares nos jornais antes das tirinhas. Eram

desenhos únicos com dizeres abaixo, mas não obrigatórios, criticando

ou sugerindo algo. Nelas vemos a possível sugestão às futuras tirinhas

que se tornariam as revistas populares nos anos de 1930, mesmo

que nelas não haja uma história em sequência, nem movimento, nem

balões, nem nada que sugira os conceitos normais em um quadrinho.

Outros autores, como Sonia M. Bibe-Luyten7, vão mais longe,

atribuindo a origem dos quadrinhos às pinturas rupestres, desenhos

nas paredes de cavernas que contam a história de uma situação ou

acontecimento, seguidas pelos afrescos, murais ou vitrais, pinturas e

desenhos que, com o tempo, levariam às histórias em quadrinhos.

Pensar quadrinhos é perceber uma gama de características que

os definem. Principalmente as tirinhas, que podem ser tidas como a

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 65Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

poesia dos quadrinhos, exigem uma abordagem e uso de ferramentas

para tal que diferem, e muito, de uma pintura rupestre ou de um vitral.

Todas podem ser uma forma de comunicação por meio de imagens

e, às vezes, textos. Contudo, nem todas podem ser vistas como

pertencentes ao gênero história em quadrinhos. As charges podem

ser o final de um processo do qual virá a surgir “O garoto amarelo”

e mesmo ele não possui todas as características que tornarão os

quadrinhos populares. Mas é nele que vemos pela primeira vez o balão,

que “é a marca registrada dos quadrinhos8”.

Esta discussão das origens dos quadrinhos diverge de autor para

autor, mas todos concordam com a importância de “O Garoto Amarelo”

para a história em quadrinhos; com isso, podemos dizer que os

quadrinhos como conhecemos surgiram ao público em um domingo.

Junto do sucesso que foram as tiras amarelas do “Garoto” nos

jornais, outras começaram a aparecer. Como as famosas tiras de “Os

Sobrinhos do capitão”, de Rudolph Dirks, em 1897, e “Little Nemo in

Slumberland”, de Winsor McCay, em 1905. Nesta última, a arte começa

receber destaque, dando outras ideias e imagens às tirinhas, quando

ela retrata os sonhos de Nemo. As tiras eram desenhadas inspiradas

na art deco popular na época, com curvas e sugestões oníricas, que era

a proposta das tiras. A importância da forma com que o desenho é feito

começa a levar os quadrinhos a uma popularidade cada vez maior, pois

elas deixam de ser feitas de qualquer maneira, para receber atenção e

uma arte mais adequada à proposta e à ideia do autor, sugestionando o

discurso de imagem e textos, como Will Eisner afirma ao dizer que “as

duas funções estão irrevogavelmente entrelaçadas. A arte sequencial

é o ato de urdir um tecido9”, ou seja, histórias em quadrinhos é fruto do

bom uso do texto e da imagem para comunicar e narrar a história.

Em 1929, o ano do crack na bolsa de Nova York, a grande depressão

norte americana, as tiras começam a perder qualidade e autores.

Contudo, as histórias em quadrinhos ganham novos horizontes e

perspectivas. Irônica e contraditoriamente a tudo que pensamos de

1929, e os anos seguintes, os quadrinhos começam sua glória.

É talvez por isso que se explica como o gênero aventura chegou ao auge e um turbilhão de histórias surgiu nesta época, explorando ao máximo esta nova mina de ouro. Aventura indica um desejo de evasão e a criação de mitos, de heróis positivos. Revela a necessidade de novos modelos nos quais se inspirar para a conduta humana10.

É neste ano que um dos mais populares personagens das histórias

em quadrinhos surge: Tintin, criação de Georges Remi, conhecido

pela alcunha de Hergé. Neste momento os quadrinhos deixam de

ser suplementos de jornais, para serem vendidos como revistinhas

independentes. Tintin também está nesta leva. Ele é uma mostra da

consolidação do gênero, com influência e repercussão, transformando

a forma como se fazem a história independente, principalmente no

cenário europeu das HQs.

Nos Estados Unidos, em contra-ponto às revistas mais sérias de

aventura e ação, Walt Disney começa seu império com o rato Mickey

em 1929. Com revistinhas de um humor mais infantil, Disney firma

os pés no que vai ser a grande indústria dos quadrinhos nas décadas

seguintes.

Ainda, em 1929, inicia-se uma época que ficou conhecida como A

Era de Ouro dos Quadrinhos, tendo como personagem vanguardista

deste momento “Tarzan”, de Hal Foster. Este quadrinho, baseado

no livro de Edgar Rice Burroghs, sai completamente dos quadrinhos

engraçados, como era comum no gênero (em inglês, a palavra para

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denominar as HQ é comics, que significa cômico), para histórias mais

sérias com enredos mais densos. Junto de “Tarzan”, o quadrinho de

ficção científica “Buck Rogers”, baseado em um conto publicado um

ano antes na revista norte americana Amazing Stories, vem somar esta

era repleta de heróis.

Estas revistas abrem as portas para uma boa quantidade de heróis

e aventuras diversas, que começam a ser produzidas nos cinemas,

e com o decorrer do tempo transformadas em bonecos de ação,

programas para a tevê e romances, como vemos atualmente.

Com a grande depressão, tem-se início a ascensão dos quadrinhos

e sua concretização na cultura juvenil mundial. A década de 1930

se inicia com lendários personagens que marcaram o século XX e a

histórias das histórias em quadrinhos, como o detetive “Dick Tracy”,

de Chester Gould lançado em 1931; o aventureiro espacial “Flash

Gordon”, de Alex Raymon, lançado em 1934; e o “Agente Secreto

X-9”, de Dashiell Hammett, também de 1934; sem esquecer o mágico

“Mandrake”, lançado no mesmo ano, por Lee Falk e Phil Davis. Em

1936, Lee Falk inicia um novo projeto com Ray Moore, “Fantasma”, um

personagem de sucesso dos quadrinhos e que inova em seus temas,

dando um panorama maior ao personagem, com uma história que vem

de um passado e almeja um futuro; com revistas que mostram uma

sequência evolutiva de suas ações visando um desfecho, ou ao menos

completar a lenda que sempre é proferida pelo herói, dele ser o espírito

que anda, um imortal, pelo fato de ter filhos que seguem seus passos,

vestindo seu manto. Ou seja, houve um fantasma no passado, há um

fantasma agora, e haverá um no futuro.

Em 1937, Hal Foster deixa “Tarzan” de lado para dar início a uma

importante história em quadrinhos, “O Príncipe Valente”, que une um

desenho belíssimo com textos e pesquisa exemplares. Em “Príncipe

Valente”, vemos o início do que serão os grandes quadrinhos nas

décadas seguintes. Nesta obra, houve a preocupação com um desenho

significativo e com histórias sérias e impactantes, preenchendo

os quadros nas páginas das histórias, além de uma inovação nos

quadrinhos, usando somente narradores e poucos diálogos, sem

balões, valorizando a excelência do desenho como prioridade, e textos

significativos e bem elaborados para conduzir a história.

Ao se aproximar o conflito armado da Segunda Guerra Mundial, o

cenário dos quadrinhos também começa a se alterar. Em 1938, surgem

dois personagens queridos pelos leitores de quadrinhos: um voltado

ao público infantil, Pato Donald, conhecido personagem Disney, porém

criado por Carl Barks. Outro, voltado para o público jovem, com o herói

célebre, confundido com um pássaro ou com um avião, aparece nas

páginas das comics norte americanas, Superman, ou “Super-Homem”,

de Jerry Siegel e Joe Shuster. Eles inovam nos quadrinhos, onde um

herói poderoso, com super força, capacidade de voar, visão de raios-X

entre outros super poderes, dá inicio a Era de Prata dos quadrinhos.

Praticamente sozinho, Superman altera todo o conceito de elaboração

de heróis e problemáticas das histórias. Suas aventuras fantásticas

permitiram mais histórias de outros super-heróis mascarados, com

roupa collant e super poderes. Bom, nem todos eles.

“Batman”, de Bob Kane, surge em 1939, contando a história de um

homem rico sem os grandes poderes que o Superman possuía; veste

o manto do morcego para combater o crime nas noites da cidade de

Gothan, usando de apetrechos e intuição de detetive para resolver

seus mistérios e prender os bandidos. Assim, os heróis começam a

aparecer: “Capitão Marvel”, de C. C. Beck, em 1939; “Namor”, de Bill

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Everett, do mesmo ano; “Capitão America”, em 1941, por Jack Kirby

e Joe Simon.

Dentre todos, o mais afetado dentro de suas histórias pela grande

guerra foi o Capitão América. Todos, desde “Tarzan”, que continuava

sendo publicado nas mãos de outros autores, o “Fantasma”, “Príncipe

Valente”, entre outros, tinham povos inimigos, ou alguma espécie de

“germânicos” como vilões em suas histórias. Mas foi o Capitão América

quem lutou no front contra os nazistas. Contudo, torna-se ícone por

ser um soldado que questiona sua causa, tendo como frase célebre

“Talvez eu devesse lutar menos... e perguntar mais”11, como bem nos

lembra Bibe-Luyten, em seu livro “O que é história em quadrinhos12”.

Após a guerra, seu arquivilão torna-se o Caveira Vermelha, como uma

metáfora ao comunismo.

Mas, em 1940, uma personalidade lendária surge, tanto por sua

obra quanto como autor. “O Espírito” (The Spirit), de Will Eisner. Obra

e autor se confundem em fama. Nos quadrinhos do “Espírito”, o uso de

luz e sombra e de ângulos cinematográficos nos desenhos consolida a

beleza nos quadrinhos de heróis. As histórias bem elaboradas contra

um vilão que nunca aparece13, fazem deste quadrinho um marco,

símbolo de apreciação e bom gosto. Isso graças a seu autor, o primeiro

a pensar sua arte, brigar para que ela se tornasse uma arte comparável

ao cinema, a literatura e a pintura. Hoje, os quadrinhos são vistos como

a nona arte.

Após alguns anos como professor de Técnicas de Quadrinhos na

Faculdade de Artes de Nova York, Will Eisner publica o livro, “História

em quadrinhos e a Arte Sequencial”14, de 1989, elaborando todos os

conceitos básicos para se ter e fazer uma história em quadrinhos,

sugerindo que, nem sempre, ela precise dos quadrinhos propriamente

ditos. Uma prática já utilizada, nos anos 1970 em diante, em Graphic

Novels, sobre as quais falarei mais tarde.

Voltando aos anos 40, com o fim da Segunda Guerra Mundial, os

quadrinhos entram em defasagem na Europa; com a escassez de papel

e suprimentos, eles acabam ficando em segundo plano. Outros heróis

e aventuras surgem neste período, porém, somente nos anos 1950

eles voltam com força, e novamente, nas tirinhas.

“Recruta Zero”, de Mort Walker e “Mindum” (mais conhecido

como Peanuts, ou a Turma de Charlie Brown), de Charles Shulz, voltam

a habitar os jornais, cativar os leitores novamente aos quadrinhos.

No Brasil, em 1964, Maurício de Sousa cria a “Turma da Mônica”,

que atrai os leitores brasileiros ao hábito dos quadrinhos. No mesmo

ano, Quino cria, na Argentina, “Mafalda”, outra personagem que marcou

sua presença nos leitores de quadrinhos, que dialogava em suas tiras

com humor e profundidade, falando de política e relações mundiais.

Com o cenário dos quadrinhos crescendo, alguns autores não

conseguem espaço para suas revistas, pois ainda os antigos heróis

eram publicados em massa, e o cenário underground se intensifica. Um

dos autores mais respeitados dentre as revistas alternativas é Robert

Crumb, hoje visto como um respeitável desenhista de quadrinhos, mas,

nos anos de 1965, criava personagens identificados com a juventude

do período, criticando o modo de fazer quadrinhos e de se viver a vida

no american dream.

Em 1985, o mundo dos quadrinhos muda completamente: grandes

autores reformulam os velhos personagens da era de prata, fazendo

deles os heróis famosos das HQs de hoje em dia. As Graphic Novels,

repletas de arte e textos fantásticos, se popularizam no gênero, e os

quadrinhos se firmam no público jovem e adulto.

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Frank Miller, neste ano, reformula o Batman, com a série “O

Cavaleiro das Trevas”. Torna o personagem mais sombrio e ligado

com o clima da guerra fria e da violência urbana dos grandes centros.

Neil Gaiman cria a revista “Sandman” que muda a forma de se ver

as histórias em quadrinhos, com desenhos elaborados e conceitos

semióticos sugestivos em cada história. Alan Moore, responsável por

“V de Vingança” de 1988, cria heróis, reformula histórias e é tido como

um Midas das HQs, pois toda história que faz são obras de arte de

texto, algumas vezes contando com excelentes desenhistas, e tem

grande aceitação pelo público.

Entre suas histórias, as mais significativas nos quadrinhos são

“Watchmen”, de 1988, e “A Piada Mortal” de 1989. Todas com histórias

únicas, que também alteraram a forma de se ver alguns dos grandes

heróis dos quadrinhos.

Entrarei em maiores detalhes sobre estes quadrinhos dos anos

80 e 90 adiante, por hora, ficamos com esta breve história das HQs,

dentro do contexto mundial em que elas estavam inseridas.

1.2 Forma e técnica: tiras e graphic novels

Para entender melhor esta história das histórias em quadrinhos

é interessante também entender a mudanças das técnicas de

desenhos, temas das histórias e as formas de se fazer uma história

em quadrinhos.

Alguns conceitos são padrões em uma história em quadrinhos,

exclusivos dentro dela, como os próprios Quadrados que delimitam o

desenho, que, como já mencionado, não são obrigatórios para se fazer

uma história em quadrinhos de fato. Will Eisner se diverte provando este

argumento, e mesmo nas HQs mensais, alguns desenhos “sangram” do

quadrado, extrapolando seus limites. Fora das histórias em quadrinhos,

dificilmente veremos esses quadrinhos serem empregados de mesma

forma em outra arte.

Outra característica são os Balões, áreas “vazias” do desenho,

com uma indicação de um personagem presente na cena, ou não, onde

está escrito o que ele fala. Estes balões têm formas, indicando se o

personagem grita, sussurra, pensa ou diz simplesmente. Como os

quadrados, a presença dos balões não é obrigatória, o próprio Eisner,

em seu livro “Quadrinhos e a arte Sequencial15”, comenta sobre a

possibilidade de uma história sem nenhum diálogo onde tudo está

expresso pelas imagens. Um bom exemplo de quadrinho sem som é

“Gon”, de Masashi Tanaka, publicado em 2003, que conta a história

de um pequeno dragão caindo em aventuras pela selva sem emitir

nenhum som. Também sem o recurso do narrador, como é o caso do

“Príncipe Valente”, que não tem balões de diálogo.

A última das características são as Onomatopéias, que não são

exclusivas dos quadrinhos, mas estão comumente presentes. Elas são

imitação de sons escritas nos desenhos para sugerir algum tipo de

barulho. Como por exemplo, sobre um telefone desenhado estar escrito

“triiim” para informar ao leitor que o telefone está tocando, ou “crack”

escrito sobre o desenho de um galho sob o pé de alguém, informando

que ele se partiu. Também é uma característica não obrigatória, sendo

um recurso somente quando há a necessidade de mencionar um som

importante nos acontecimentos da aventura.

Então, se nenhuma dessas características, muitas delas exclusivas,

são obrigatórias, há a possibilidade de se fazer uma história em

quadrinhos sem nenhuma delas, correto? Sim. Então, como eu

identificarei um quadrinho, quando eu estiver diante de um?

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É neste ponto que a teoria de Will Eisner sobre a Arte Sequencial

entra. “’Escrever’ para um quadrinho pode ser definido como a

concepção de uma ideia, a disposição de elementos de imagem e a

construção da sequência da narração e da composição do diálogo”16.

Ou seja, a idéia de fundir imagens com textos para que se conte uma

história.

Em sua forma mais simples, os quadrinhos empregam uma série de imagens repetitivas e símbolos reconhecíveis. Quando são usados vezes e vezes para expressar ideias similares, tornam-se uma linguagem – uma forma literária, se quiserem. E é essa aplicação disciplinada que cria a “gramática” da Arte Sequêncial.17

Esta “gramática” artística presente nos quadrinhos é o que

a faz reconhecível e comparável umas as outras. Não são suas

características mais visíveis, mas a forma como ela é feita, sua

elaboração e concepção. História em quadrinhos é a narração de uma

história pelo uso de imagens desenhadas junto a um roteiro.

Com o tempo, a exigência por um bom desenho e a melhora nas

qualidades das revistas criou uma forma de quadrinhos muito diferente

daquelas de seus primórdios. Como no caso de “O Garoto Amarelo”

em que as onomatopéias não existiam. Ou mesmo nas tiras de

Rudolph Töpffer, que, pela falta dos balões, sempre tinham de recorrer

a um narrador externo, em textos fora dos quadrados, para contar a

história.

Quando se examina uma obra em quadrinhos como um todo, a disposição dos seus elementos específicos assume a característica de uma linguagem. O vocabulário da Arte Sequencial tem se desenvolvido continuamente nos Estados Unidos. Desde a primeira aparição dos quadrinhos na imprensa diária, na virada do século, essa forma popular de leitura encontrou um público amplo e, em particular, passou a fazer parte da dieta literária inicial da

maioria dos jovens. As histórias em quadrinhos comunicam numa “linguagem” que se vale da experiência visual comum ao criador e ao público. Pode-se esperar dos leitores modernos uma compreensão fácil da mistura imagem-palavra e da tradicional decodificação de texto. A história em quadrinhos pode ser chamada de “leitura” num sentido mais amplo que o comumente aplicado ao termo.18

Fora estas questões mais precisas de conceituação dos quadrinhos,

temos as formas de se fazer uma história. Como as tirinhas, revistas

e Graphic Novel.

Uma tirinha é toda história que tem início e fim na mesma página,

de preferência, em poucos quadros. Por muito tempo se teve como

padrão o uso de três quadrados. Isso não impede que mais quadrinhos

sejam usados pelo autor, ou mesmo dois quadrinhos. O importante é

que sejam histórias curtas com seu início e fim na mesma página.

Naturalmente as tirinhas são empregadas para se fazer humor,

porém, alguns autores, como Laerte, no Brasil, as usam para causar

reflexões sobre a natureza humana e política. Ou mesmo “Mafalda”, de

Quino, que cria discussões profundas com o recurso de três quadrados,

aprofundando, de maneira simples, situações complexas mundiais.

Entre os maiores exemplos de tirinhas populares temos “Minduin”

(Peanuts), de Charles Shulz; e “Calvin e Haroldo” de Bill Watterson.

Sempre bem humoradas, mas com questões profundas sobre a

natureza humana, política mundial e a própria vida em si.

Muitas vezes as tiras são seriadas, onde várias tirinhas contam

histórias interligadas entre acontecimentos, uma referenciando a

outra. Algo comum nas revistas de heróis.

As revistas em quadrinhos se popularizaram nos anos 30 e 40,

porém, nem sempre elas foram como nós conhecemos. Hoje, as

revistas são mensais, e no final de uma já se tem o gancho para a

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próxima revista, fazendo o leitor esperar ansiosamente pela próxima

edição para saber o desfecho do último infortúnio do herói. “Se o

leitor acompanha uma história em quadrinhos seriada, é necessário

que ele leia o maior número de tiras e/ou páginas dominicais desta

história. Em caso contrário, a narrativa ficará truncada ou mesmo

incompreensível.19”

Porém, no seu início, as revistas tinham histórias curtas, com início

e fim na mesma revista. Poucas vezes necessitado do recurso em

estender a história em mais de uma edição, o que se convencionou

em chamar de “minisséries”. Histórias que seguiam em mais de uma

revista, mas tinham fim previsto.

Tarzan é um exemplo destas revistas com histórias únicas. Ela foi

uma das primeiras revistas a se preocupar com o desenho em cada

quadrinho. A arte maravilhosa de Hal Foster fez de Tarzan um ícone

entre revistas, cada espaço era ocupado, e cada desenho repleto de

significados, mostrando detalhadamente quão exótica era a floresta

em que viva o Rei das Selvas.

Somente vamos rever uma arte similar em “Príncipe Valente”,

também de Hal Fostes, e em Spirit de Will Eisner, que emprega uma

linguagem cinematográfica em suas obras, com trocas de ângulos nos

desenhos, e cortes de quadros sugestivos. Ele não foi o primeiro, mas

certamente foi o autor que melhor utilizou tal recurso.

Com as revistas em quadrinhos mensais, ou quinzenais como eram

nos anos 80 e 90, as demandas de histórias acabaram criando certas

repetições, inventando sempre novas origens para heróis ou recontando-

as de maneiras diferentes, em “minisséries” ruins ou fracas.

Neste ponto, o mercado consumidor acaba necessitando de um

estímulo. Os quadrinhos estavam estabelecidos, mas o formato estava

padronizado, ou muito infantil ou sem mudanças necessárias para

manter os velhos leitores de quadrinhos ou atrair novos. Esta era a

brecha que faltava para as Graphic Novels, que, podemos dizer, são

um fenômeno dos anos 80.

Will Eisner inova criando aventuras exclusivas para revistas

únicas, onde a qualidade do material era superior ao das revistinhas

em quadrinhos, e as histórias tinham um cunho mais adulto, mais

similar a um romance, com personagens complexos e técnicas mais

artísticas nos desenhos e nos textos. Nesta leva, várias histórias de

heróis também são feitas neste mesmo estilo, conhecido como Graphic

Novel. Entre as mais famosas, temos a “Piada Mortal” de Alan Moore,

uma história do epopeico confronto entre Batman e Coringa. “Elektra”

de Frank Miller, que é conhecido mais pela arte aquarelada do que pelo

texto e pela heroína, que ainda é pouco popular entre os leitores.

É Will Eisner que populariza20 o termo para as Novelas Gráficas,

colocando um selo na capa de sua Graphic Novel chamada “Um

Contrato Com Deus”, de 1978. Estas revistas começam a se

popularizar, pois “as Graphic Novels são o espaço mais indicado para

as experimentações, para a renovação estética nas HQs21”, tornando-

se um caminho interessante onde os grandes desenhistas e roteiristas

desenvolveram grandes histórias. Assim, mesmo que Asterix, TinTin,

entre outros, fossem lançadas nos anos 50 e 60 como revistas únicas e

com histórias exclusivas, com boa arte e texto, em grandes álbuns, só

se pode vê-los como pertencentes as edições de luxo dos quadrinhos

a partir dos anos 80.

A escolha do termo “Graphic Novel” não é ao acaso, Eisner o

desenvolve na intenção de colocar essas revistas no patamar de artes

comparadas à literatura. Pois, Novels em inglês significa romance,

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novela. Assim, Eisner sugere que, ler um “romance gráfico” é o mesmo

que ler um livro. Os quadrinhos não são somente desenhos coloridos,

mas possuem textos bem elaborados e enredos penetrantes.

Alguns heróis também foram criados nas Graphic Novels, longe

dos quadrinhos, heróis épicos nasceram e morreram nelas. Como

os “Watchmen” e “V de Vingança” do inigualável Alan Moore e

“Sandman” do genial Neil Gaiman, mesmo que Sandman tenha sido,

originalmente, uma revista mensal, sua arte e texto eram exemplares, e

como teve um fim previsto, com o tempo, foram relançadas no melhor

estilho das Graphic Novels de luxo.

Dentro destas Graphic Novels se encontra a já citada “V de

Vingança”, obra que será utilizada para melhor entender os anos 80,

período em que ela é lançada. Todas as formas de HQs são ótimas

fontes para melhor entender um determinado período, tanto como

obra refletida pelo ideal de um autor, como pela necessidade de um

público consumidor que muda com o decorrer do tempo. No entanto,

nas revistas de luxos a arte e o discurso artístico são mais visíveis,

e a liberdade do autor em produzir algo mais aberto as suas ideias

tornam as Graphic Novels fontes mais abrangentes sobre assuntos

mais definidos. Com isso, vou entrar mais detalhadamente no contexto

dos anos 80 e no cenário dos quadrinhos.

1.3 A “revolução” dos quadrinhos nos anos 80

O mundo dos anos 80 está imerso em uma conturbação política. A

Guerra Fria e ameaça da guerra nuclear, junto com o descontentamento

econômico e político, tudo fruto de um processo longo, como a

guerra fria que tem seu auge na década de 50, e outras tantas crises

econômicas e políticas, com regimes ditatoriais ao redor do mundo.

Enfim, um prato cheio para a ficção científica, romances de espionagem

e as histórias em quadrinhos.

O Breve Século XX fora de guerras mundiais, quentes ou frias, feitas por grandes potências e seus aliados em cenários de destruição de massa cada vez mais apocalípticos, culminando no holocausto nuclear das super potencias, felizmente evitado. Esse perigo desaparecera visivelmente. O que quer que trouxesse o futuro, o próprio desaparecimento ou transformação de todos os velhos atores do drama mundial, com exceção de um, significava que uma Terceira Guerra Mundial do velho tipo se achava entre as perspectivas menos prováveis.22

O autor complementa ainda: “Em suma, o século (XX) acabou

numa desordem global cuja natureza não estava clara, e sem um

mecanismo óbvio para acabar com ela ou mantê-la sob controle23”.

Neste meio, algumas Graphic Novels ganham destaque no cenário dos

quadrinhos mundiais, e seus autores viram ícones dentro deste mundo

dos quadrinhos.

Entre autores mais importantes, em nível internacional, temos três,

também responsáveis pelas grandes histórias em quadrinhos desta

década, os já citados: Frank Miller, Neil Gaiman e Alan Moore.

Estes três viraram o exemplo de bons roteiristas de quadrinhos.

Cada obra produzida por eles influenciava e alterava o gênero, tanto

na mitologia dos heróis quanto como em histórias independentes e

conceituais.

Frank Miller marca sua passagem pelas histórias das histórias

em quadrinhos, nos anos 80, com as obras: “Cavaleiros das Trevas”

e “Ronin”. Principalmente a primeira, que reformula o personagem

Batman, deixando-o mais sério e compenetrado em suas ambições,

sombrio e violento como a própria década que o concebe. Uma

característica interessante é o uso de computação gráfica nos

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desenhos, algo inusitado para a época. É o começo de uma revolução

dos quadrinhos, no uso de cores e desenhos mais vivos com aspecto

mais “cybernético”. Mesmo a temática da obra tem um pessimismo

em um mundo destruído pela paranóia e guerras, onde até os heróis

já perderam seus antigos propósitos de “capa e espada”. O super-

homem, nesta história, não é um herói para salvar o mundo, mas um

funcionário do governo dos Estados Unidos.

Neil Gaiman, em 1988, começa sua obra prima, “Sandman”,

uma revista em 75 edições que elabora conceitos visuais dentro da

história, com um tema completamente novo, fantasioso e ao mesmo

tempo humano. Nestas histórias, ele conta facetas na existência de

uma entidade conhecida como “Sonho”, ou Morpheus, o nome do

deus grego do sonhar. Junto dele, na história às vezes aparecem seus

irmãos “Destino”, “Morte”, “Destruição”, “Desejo”, “Desespero” e

“Delírio” (uma curiosidade é que, em inglês, todos os nomes começam

com D). A existência destas entidades e a influência delas no mundo

mortal, junto com a presença de antigos mitos e lendas, que se tornam

reais nas páginas da HQ, fizerem de Sandman uma das mais cultuadas

revistas em quadrinhos dos anos 80 e 90, quando foram relançadas

como qualidade de Luxo em Graphic Novels.

O personagem Sonho, como sendo algum símbolo de esperança

e conforto do sono, é perturbado por amores iludidos e pelo egoísmo

humano, seu humor afeta a forma como as pessoas sonham. Sua desilusão

é a desilusão humana. Até seus irmãos trazem com eles reflexos deste

pessimismo. Algo sempre mencionado sobre os anos 1980.

Já Alan Moore, teve na década citada o momento de maior índice

de produção. Entre suas obras mais surpreendentes, desta década,

estão “Watchmen”, de 1988, “A Piada Mortal”, de 1989 e “V de

Vingança”, 1989. Como trabalharemos com esse último no decorrer,

comentemos os dois primeiros.

“Watchmen” retrata um mundo outro de heróis mais humanos

que os grandes heróis da era de prata, humanos por não terem

super poderes, e não por serem humanitários. Nela, vemos todo o

desenvolvimento do mundo dentro do ponto de vista de heróis da

antiga e nova geração (algo entre 1940 a 1960, antiga geração, e 1970

a 1980, nova geração), sobre a violência e os grandes acontecimentos

dos Estados Unidos envolvendo estes mesmos heróis. Também temos

um jornaleiro que interpreta o mundo e sugere o futuro pelas manchetes

dos jornais. Assim, de maneira magistral, acabamos conhecendo um

pouco de uma nova história do século XX, até os conturbados anos 80

que, graças aos heróis, chegou a um caos e ao medo, e graças a eles

também, a tranquilidade e ao conformismo.

Personagens ímpares como Coruja, Rorschach e Dr. Manhattan

mostram pontos de vistas sobre a luta contra o crime, o mundo e a

humanidade de maneiras diferentes. Esses três personagens (há

vários outros de igual profundidade, porém, esses três estão mais

presentes na história), principalmente Dr. Manhattan, filosofam sobre

suas existências, o que estão fazendo e o porquê, tentando se verem

em um mundo que não os quer mais. Toda a história se desenrola

após o assassinato de um dos antigos heróis, o Comediante, amigo e

inimigo de todos; nas lembranças de cada um, o Comediante aparece

com frases sobre vida, o que leva alguém a ser herói e comentários

ácidos e sádicos sobre cada um. Muitas vezes, carregados de uma

dura verdade.

Dentre todos, o único com algum tipo de superpoder é o Dr.

Manhattan, graças a um erro em uma experiência nuclear. Ele tem um

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 73Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

poder, se não igual, muito semelhante do que se imagina Deus possuir.

Ele reconstrói e destrói a matéria, cria vida, está além do tempo e do

espaço, pode ler mentes e tudo mais que se possa imaginar. Contudo,

com seus poderes, ele cria uma enorme indiferença à humanidade,

uma crítica muito bem feita à teologia de qualquer ordem, mostrando

que, com grandes poderes, talvez, não se venha uma grande

responsabilidade24, mas um tédio sobre a própria existência.

Contudo, é este mesmo Dr. que faz os russos, e suas armas

nucleares, permanecerem em banho-maria. O medo de que ele

entre na guerra, mantém a guerra fria, gelada, e favorável ao lado

Americano. Todo o tempo há informes jornalísticos sobre o relógio

do apocalipse, marcando quinze minutos para a meia noite, os

problemas na guerra e a tensão do front (no quadrinho se comenta

uma guerra acontecendo pelo petróleo em algum lugar no Oriente

Médio).

“Watchmen” é uma Graphic Novel que deve ser lida por toda

e qualquer pessoa amante do bom gosto, que se interesse pela

história do século XX e/ou por histórias em quadrinhos.

Não tão epopeica quando “Watchmen”, mas de igual profundidade

e importância, temos “A Piada Mortal”, do mesmo autor. Uma outra

reformulação do personagem Batman, hoje um dos mais queridos

pelos leitores de quadrinhos. Nela, temos o maniqueísmo da luta do

bem e do mal, e a nuança da balança quando se coloca Batman de

um lado e do outro seu arquiinimigo, o Coringa.

Mesmo para aqueles que não gostam de quadrinho, ou mesmo

(por mais absurdo que seja) não goste do Batman, a leitura é uma

reflexão sobre o bem e o mal, o certo e o errado, o ético e o moral.

Nela, descobrimos a história nunca contada do passado do Coringa,

e a tentativa do Batman entender como duas pessoas que não se

conhecem podem se odiar tanto.

Ao fim de toda a trama, temos o Coringa se revelando o psicopata

que é, passando dos limites para provar seu ponto de vista. Terminamos,

refletindo: Quem é mais louco? O Batman ou o Coringa?

Todas essas Graphc Novels têm por base sonhos, ilusões,

paranoia, conflitos e intenções políticas dentro de suas histórias. O

clima ameaçador da década influenciou a arte, da pintura e literatura,

ao cinema e histórias em quadrinhos. Este diálogo com a realidade

perpassa todas as histórias em quadrinhos no decorrer do tempo,

mesmo quando nela encontramos anacronismos e situações hipotéticas

absurdas em determinados momentos históricos em que se passa a

história. No livro “Muito Além dos Quadrinhos”, Verguero e Ramos

fazem uma análise muito interessante:

(...) alguns quadrinhos podem dar falsa realidade histórica, como é o caso do Príncipe Valente, de Harold Foster, no qual existe um anacronismo. Várias vezes o fato histórico é utilizado apenas como um pano de fundo para a correlação com situações do cotidiano. 25

Este cotidiano presente nos quadrinhos torna a leitura de um

quadrinho como fonte interessante e significativa em um trabalho

histórico. O autor, imerso em sua própria realidade, produz quando

convém, uma obra repleta de facetas e sugestões a sua própria

realidade. No caso do “Príncipe Valente”, quando o personagem

principal se defrontava contra os Hunos, ou os Germânicos, na Idade

Media, era uma analogia à Segunda Guerra Mundial e o conflito contra

Alemanha. Mesmo podendo ser anacrônico o momento de conflito que

se passa dentro da HQ, ou mesmo este conflito nunca ter acontecido

no período proposto pelo autor. A importância de ele ser retratado era

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74Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

uma forma de mostrar ao leitor uma faceta de sua própria realidade,

sobre sua situação cotidiana atual. “Elas (as HQs) trabalham com a

ficção, mas carregam em si todos elementos que constatam a realidade,

tanto no discurso da escrita como no discurso visual.”26

Nesta ideia de falsa sensação de realidade e anacronismo,

percebemos algumas alterações de fatos históricos dentro dos

quadrinhos, para fortalecer o enredo da narrativa, e situar o leitor

no tempo, espaço e na importância dos acontecimentos. O uso

deste recurso é bem empregado por Alan Moore, principalmente em

“Watchmen”.

Quando vemos as noticias de que Kennedy foi morto, boatos

surgem sugerindo que sua morte foi causada pelo próprio governo dos

Estados Unidos e quem apertou o gatilho foi o Comediante. Sabemos

que o Comediante é um personagem fictício, e a morte do Kennedy é

real. Fazer essa mistura nos faz conhecer melhor o contexto político

em que se encontra a história, a importância do personagem dentro

do enredo e motivos outros que levam o Comediante a ser morto já no

início da história.

Outros acontecimentos “irreais” se passam na história: na guerra

do Vietnã, os vencedores foram os EUA, anos antes do fim real, graças

ao Comediante e ao Dr. Manhattan. Com essa vitória, Richard Nixon,

presidente dos Estados Unidos na época da guerra, consegue se

reeleger para o terceiro mandato, e a Guerra Fria muda seus paradigmas.

Alterar esse fato histórico torna a leitura interessante. Primeiro, para

compreender toda a narrativa (importância dos personagens e cadeia

de acontecimentos posteriores) como para ver um “o que aconteceria

se27” na hipótese dos vitoriosos serem outros no conflito do Vietnã, e

se heróis existissem.

Estas HQs com temáticas profundas retratando seu tempo, em

histórias empolgantes com temas inovadores, recursos gráficos novos

(com o tempo tornam-se quase ilimitados) e uma aceitação maior pelo

público, tornaram as Graphic Novels a revolução dos quadrinhos dos

anos 1980. Marcando seu lugar entre as grandes artes: a nona arte.

Portanto, para pensar os conturbados anos 80, seus dilemas e

transformações políticas, vamos à Inglaterra. Ao espetáculo de fogos

e explosões de “V de vingança”, a ilusão e paranoia da guerra nuclear

dos anos 80, para entender por que, em 1988, Alan Moore escreveu

para a introdução desta Graphic Novel que “Esta terra está cada vez

mais fria e hostil, e eu não gosto mais daqui!28”.

2. “V”, a vingança

Se você quer uma imagem do futuro, imagine uma bota prensando um rosto humano para sempre.George Orwell

2.1 A década perdida?

Estamos na Inglaterra, década de 80, temos uma Rainha, bebemos

chá às 17h, vestimos nossas calças jeans e camisetas do David Bowie.

Lemos livros de George Orwell, Aldous Huxley, Thomas Disch, Harlan

Ellison e Thomas Pynchon29. Sem esquecer que, em 1979, Margaret

Thatcher torna-se a primeira Primeira-Ministra, e não gostamos muito

dela.

Mesmo com Metallica, AC/DC, Rolling Stones e Pink Floyd, nada

de muito novo no mundo do Rock surge nos hits de sucesso, grande

parte são relançamentos. Na grande maioria, a música eletrônica e

ritmos menos pesados como The Police, Wham!, Abba, Bee Gees

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 75Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

entre outros, habitam as fitas K7 gravas e trocadas entre os jovens

desta geração. Alguns mantêm na sala o bom Atari, mas ir ao fliperama

gastar suas fichas em pimball ou em pac-man ainda é o programa mais

interessante.

Em Londres, outras bandas significativas, provocantes e inovadoras

em sua forma de fazer melodias e letras começaram a fazer sua fama.

Sex Pistols e The Clash. Sem duvida são as bandas mais influentes

desta geração do punk rock londrino.

O punk é o lado B da música nos anos 80. Em vez de música

eletrônica e roupas estranhas, o punk tinha seus poucos acordes, vozes

pouco harmoniosas, cabelos espetados, arrepiados ou bagunçados,

roupas surradas e jaquetas de couro ou jeans. É o punk que traz uma

mensagem anarquista ao mundo. Gritando contra o consumismo,

sangrando as cordas da guitarra contra o mundo louco que os cerca,

lutando contra o movimento cultural que não dizia aquilo que estes

jovens queriam ouvir.

De fato, os anos 80 estão repletos de pequenas peculiaridades,

mudanças significativas na política mundial e no imaginário popular

dos jovens. A cultura pessimista leva aos anos 90 um ar fresco. Pois

toda a paranoia, sem motivos muito convincentes a não ser o alívio

de todos com o “fim” do comunismo, se vai como se nunca tivesse

existido, deixando a década de 80 em um limbo, a ponto de muitos

chamarem-na de “década perdida”.

O que se podia esperar? Os anos oitenta foram os progenitores30

e assassinos do glamour rock, considerado por muitos, se não a

pior coisa que já aconteceu depois da era disco, o movimento mais

incompreendido da música inglesa. O glam como é conhecido, foi tema

de um filme, “Velvet gold mine”, de 1998, dirigido por Todd Haynes.

Tendo em seu elenco Christian Bale, um inglês radicado nos Estados

Unidos que, para investigar um crime, precisa relembrar do seu

“vergonhoso” passado como um admirador deste tipo de música.

Em suma, os músicos tocavam com roupas apertadas, repletas de

purpurina, e, sem qualquer motivo, retiravam a roupa no meio do show.

Batendo em suas partes íntimas com os instrumentos, ou coisas assim,

enquanto uma música desafinada animava as festas regadas a muita

droga sintética do final do século XX.

Entre as bandas principais, algumas delas retratadas no filme, temos:

Alice Cooper, David Bowie, Gary Glitter, Queen, T.Rex, Placebo, Scissor

Sister, Slade e, para não esquecer, Secos & Molhados. Muitas dessas

bandas de Glam não iam ao estremo deste estilo, mas seguiam algumas

tendências. O Glam influenciou o punk e outros movimentos, tem sua

importância musical e cultural. Mas se foi, não precisamos mais dele.

Fora do cenário musical, estamos impressionados com a trilogia

de Star Wars: “Uma Nova Esperança” de George Lucas, o “Império

Contra Ataca”, de Irvin Kershner e “O Retorno de Jedi”, de Richard

Marquad, sendo eles, respectivamente, de 1977, 1980 e 1983.

Alan Moore31, roteirista de V de Vingança, está entre os 27 e

30 anos, um desconhecido no mundo dos quadrinhos. Como nós,

também iludido com a política conservadora de Thatcher, sua caçada

anticomunista e comentários ácidos sobre a liberdade e a juventude.

David Lloyd32, desenhista de V de Vingança, é um veterano

nas HQs, trabalhando para a Marvel Inglesa desde os anos 70, é o

responsável pelo futuro projeto que solidificará seu nome e de seu

amigo Moore na história dos quadrinhos.

Sem esquecer, é claro, que a Guerra Fria ainda é matéria de

manchete em quase todo noticiário. O comunismo é uma “ameaça”

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76Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

latente ao mundo, a guerra nuclear esta cada vez mais próxima de

acontecer. Aprendemos na escola como nos proteger de um ataque

aéreo inesperado e o que fazer quando a bomba H cair.

“London Calling” já havia sido cantada pelo The Clash, em 1979.

Pensar os anos oitenta, política e culturalmente, é entrar em um

caldeirão de acontecimentos fervilhantes e confusos. O mundo estava

envolto em um medo generalizado, os anos 60 já estavam nos livros

de história e a juventude está iludida e temerosa com o futuro. Tudo é

incerto e nada parece solucionar essa desilusão.

Diferente dos Estados Unidos, a Europa ainda mantém em suas

paredes resquícios de um século conturbado. Duas guerras mundiais

que se mantiveram, em grande parte, em solo europeu. O ano de 1968

que, não só na França, marcou a Europa com suas manifestações,

protestos e mortes. O envelhecimento do movimento Hippie na

Inglaterra. O fim destes cem anos não parecia ser um final feliz. Talvez,

apesar de se passar na América Latina, o final de “Cem anos de

Solidão” (1982) de Gabriel García Márquez sintetize o final esperado.

Sem contar que, em 1982, nossa Primeira-Ministra mais impopular

se vê em um dilema, que se torna sua maior oportunidade, as

Falklands (que os argentinos insistem em chamar de Ilhas Malvinas)

são dominadas pelo exército argentino. Mesmo sendo um território

desimportante na economia inglesa, o parlamento considera esta

atitude como sendo uma ofensa direta a moral inglesa e ao bom nome

da Rainha. Porém, em vez de perder a pose, a sra. Thatcher declara

guerra para reconquistar o seu território, dando início em 2 de abril de

1982 ao conflito Inglaterra versus Argentina, que se repetiria na copa

de 198633, no campo de futebol, onde um gol de mão é a revanche

castelhana realizada.

O resultado dessa guerra são dois: primeiro, a elevação da moral

da primeira-ministra e com isso sua reeleição, fazendo seu domínio

se estender por toda a década e calando a boca dos parlamentares

que gritavam “Demita-se, demita-se34” nos dias de crise anteriores a

vitória. E segundo, a criação de um mito, um herói popular que até

hoje se mantém nos noticiários argentinos: Diego Maradona, por

permitir que, mesmo trapaceando, a Argentina estabelecesse a sua

superioridade latina sobre os invasores saxões no futebol.

Thatcher assume a postura de Dama de Ferro como ficou conhecida

pelo seu discurso contra o comunismo e a URSS. A Inglaterra entra em

uma crise econômica, as greves gerais atrasam a economia inglesa

e nem o Partido Conservador, nem o Trabalhista, conseguem acertar

um acordo com os trabalhadores. Thatcher retira os subsídios do

governo, deixando a administração nas mãos das empresas privadas.

Desemprego e inflação são a reposta a isso. A Primeira-Ministra declara:

“vai piorar muito antes de melhorar35”. Como diriam os membros do

partido totalitário de “V de Vingança”: “Inglaterra Triunfa”.

Assim surge a postura neoliberal na Grã-Bretanha. Os trabalhadores

em greve, o mundo dentro de um colapso nuclear (sabemos, hoje, que

seria muito difícil acontecer tal hecatombe, mas nos anos 1980 não

era o que aparecia na TV), e como resposta aos medos e incertezas

políticas econômicas, Thatcher simplesmente diz que não fará nada.

Vamos dar a voz a um inglês mais velho sobre:

A tentativa mais consistente de instituí-lo no Ocidente (planos econômicos utópicos que prezavam a liberdade e o máximo de felicidade), o regime da sra. Thatcher na Grã-Bretanha, cujo fracasso econômico era geral admitido na época de sua queda, tinha de operar com um certo gradualismo. Contudo, quando se fizeram tentativas para instituir-se de uma hora para outra, essas

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 77Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

economias de laissez-faire em substituição às antigas economias soviético-socialistas, os resultados foram economicamente apavorantes, e política e socialmente desastrosos. As teorias em que se baseava a teologia neoliberal, embora elegantes, pouca relação tinham com a realidade36.

Somado a isso, Thatcher mantém uma barreira moral e crítica

contra o comunismo soviético, aderindo à muralha de ferro, ou

cordão sanitário, da maneira exemplar. Suas declarações duras são

responsáveis pela alcunha “Dama de Ferro”, como sendo uma protetora

da fronteira ocidente - oriente comunista. Uma de suas frases famosas

é “Ninguém se lembraria do Bom Samaritano se ele só tivesse boas

intenções. Ele possuía também dinheiro.37”

Tais declarações eram a expressão de uma rigidez política da

época, a necessidade de tomar um partido, uma opinião moral, uma

posição ética mundial.

No Brasil, os comunistas e estudantes revolucionários começavam

a parar de morrer nos cárceres da ditadura. Cuba ainda estava lá, viva e

forte no Atlântico, uma bandeira vermelha tremulando no horizonte da

praia de Malibu, na Flórida. Não havia mais ícones comunistas jovens e

heróicos como nos anos 60 e 70. O mundo estava mudando. Mas tudo

parecia tão incerto que, mesmo quando Mikahail Gorbachev assume

a secretaria-geral do Partido Comunista Soviético, promovendo

uma tentativa de paz e reacomodação econômica e política com a

perestroika e a glasnost, o mundo parecia se manter nas miras das

bombas nucleares.

Nesta balança para se tomar um lado, capitalismo e comunismo

se chocavam mundialmente, e o medo deste choque causar uma

catástrofe era a base do pensamento de 1980. Certo, talvez não fosse

tão transtornador viver neste período, ainda estamos aqui, afinal. No

mínimo era confuso. Mas, na queda de braço, a Inglaterra ficou do lado

do “Bom Samaritano”.

Embora o capitalismo certamente não se achasse na melhor das formas no fim do Breve Século XX, o comunismo do tipo soviético estava inquestionavelmente morto, e era muito pouco provável que revivesse. Por outro lado, nenhum observador sério no início da década de 1990 podia ser tão confiante em relação à democracia liberal quanto ao capitalismo. O máximo que se podia prever com alguma confiança era que praticamente todos os Estados iam continuar a declarar suas profunda ligação com a democracia, a organizar algum tipo de eleição, com uma certa tolerância por uma oposição às vezes conceitual, mas dando sua própria interpretação ao significado do termo.38

Quando, em 1986, o inesquecível (deveria ser inesquecível) desastre

nuclear na Usina de Tchernobyl na Ucrânia ocorre, e o mundo se vê

no impasse de que o comunismo estava fragilizado, doente e ruindo,

literalmente. Mas também, com medo, afinal, toda grande potência

possuía uma Usina nuclear em uma cidade não muito distante.

Até chegarmos em 1989, com o comunismo mostrando,

definitivamente, seus erros e opressões, com o massacre na Praça da Paz

Celestial, na China, e com a queda do muro de Berlin, na Alemanha. Muita

paranoia e medo participavam dos sonhos e pesadelos dos anos 80.

Fora de toda loucura generalizada da política econômica mundial,

a cultura também passava por severas mudanças. O cinema largava

seus antigos conceitos, para câmeras mais leves, efeitos especiais

e sonoros que revolucionam a arte, como em Star Wars. A televisão

já estava em todos os lugares, ao ponto de Thatcher declarar que

“Vivemos na era da televisão. Uma só tomada de uma enfermeira

bonita ajudando a um velho a sair de uma sala diz mais do que todas as

estatísticas sanitárias39”. A música deixa de ser tirada com os dedos

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das guitarras para dar lugar à música eletrônica, bateria pronta e

melodias repetitivas. Seriados de televisão e ficções científicas trazem

alienígenas invasores como uma metáfora ao comunismo, fazendo uma

releitura do que já era feito nos anos 50 e 60, quando a guerra fria

estava em seu auge, e esta metáfora começava a ser usada em livros

e no cinema.

Os filmes trazem uma juventude querendo festa, perder a

virgindade, curtir a vida adoidadamente40 e sobreviver à vida escolar,

com todas as suas divisões étnicas, fazendo coisas erradas por ter

uma opinião diferente da “norma” estabelecida. Talvez isto seja culpa

da banda Pink Floyd, com seu LP duplo “The Wall”, de 1979, dentro

de todas as grandes músicas: “Another brick in the wall”, tornou-se a

canção mais influente, principalmente a parte 241.

A IBM lança o computador portátil, em 1981, e uma nova revolução,

talvez o início da quarta revolução industrial, como alguns historiadores

indicam, tenha surgido com esse primeiro espécime de computador,

entrando nas casas como fez o rádio e a televisão.

Em 1985, ecologistas detectam um buraco na camada de ozônio

sobre a Antártida, dando base aos argumentos dos ambientalistas

que se estendiam há décadas alertando sobre o consumismo, a

obsolescência e o mau uso das matérias primas.

Sem contar outras guerras mais quentes como Israel invadindo

o Líbano, com o apoio dos USA, em 1982. Ou mesmo a invasão do

Panamá, para abolir as drogas vendidas aos “inocentes jovens” norte

americanos.

No entanto, podemos concordar com Gary Jules, músico britânico

que, em 1982, lançou uma música, hoje considerada um hino, utilizada

em filmes de muitos diretores que tiveram sua juventude neste período.

Como Sean Penn em seu filme “Into the Wild” e Richard Kelly, com o

filme “Donnie Darko”. A música é “Mad World”.

Ele diz: “And I find it kind of funny / I find it kind of sad, The dreams

in which I’m dying are the best I’ve ever had, I find it hard to tell you /

I find it hard to take, When people run in circles It’s a very very Mad

World / Enlarging your world Mad World”42.

Entender os anos 80 nos permite entender o contexto em que a

graphic novel V de Vingança foi escrita e onde Alan Moore e David Lloyd

estavam inseridos. Contudo, o mundo louco e conturbado da década

de oitenta, suas características e situações culturais, econômicas e

políticas tem origens durante todo um século. Este século também

influencia a obra de Alan Moore, V de Vingança, e esta é influenciada

pela obra de George Orwell, “1984”. Vamos ampliar nosso mundo

e voltar um pouco nas décadas e perceber essas influências, que

fazem estes dois autores projetarem futuros não muito agradáveis de

imaginar.

2.2 O futuro é hoje

Karl Marx, na introdução do Manifesto ao Partido Comunista,

desenvolve o conceito de “Aprendiz de feiticeiro43”, usando-o para

denominar os burgueses revolucionários, franceses e ingleses, do século

XVIII e XIX, que, após obterem suas conquistas, se perderem pelo poder

e ambição, não conseguem controlar aquilo que haviam criado. Um

feitiço que volta contra o feiticeiro. Uma magia que foge ao tamanho

previsto e causa um efeito maior do que o esperado. Podemos dizer que

o século XX está repleto destes feitiços que fugiram ao controle.

Um deles, iniciado com a propagação da mídia, após a vitória norte

americana, ao custo de muitas vidas, com a bomba atômica caindo

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 79Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

sobre Hiroshima e Nagasaki, desencadeou um pensamento paranóico,

uma política desenfreada e crises econômicas que perpassaram o

mundo até 1989, e além, quando um simples muro de concreto cai,

deixando em suas ruínas escombros de um feitiço que ainda pode ser

sentido ao olharmos para trás, e para o mundo atual.

Antes deste feitiço, temos os movimentos totalitários do início

do século, que geraram tanto tormento a tanta gente. Terror, morte,

desespero e desilusões marcam o período, surge a magia principal que

marca, a ferro e fogo, algumas vezes literalmente, o século XX.

Os movimentos totalitários saíram da Itália, Rússia e Alemanha

para ganhar o mundo. O fascismo, o nazismo e o stalinismo tornaram-

se ideias a serem interpretadas, e não somente movimentos isolados

em determinados países. Elas marcaram outras ditaduras totalitárias

ao redor do mundo. Mesmo estas ideias tendo sido findadas em 1945,

ou se a intenção fosse que o túmulo marcasse tal data como o fim

derradeiro desta feitiçaria da pior espécie lançada sobre o mundo,

seus aprendizes erraram a mão em alguma fórmula e dela surgiram

muitos outros terrores do breve século XX.

A bomba atômica foi uma resposta indireta a esta feitiçaria, os regimes

ditatoriais foram uma resposta a ela, as outras guerras: Golfo, Vietnã, a

crise dos mísseis entre Cuba e os Estados Unidos, a própria revolução

cubana, o maio de 68, o massacre em Praga, em Pequim, a passeata dos

cem mil, o movimento negro, feministas, enfim, tanta luta e tanta morte

por efeito de um feitiço mal feito, tudo respostas a um erro passado,

que custou a ser consertado, se foi consertado44. Podem ser respostas

indiretas ao acontecimento, seguindo o fluxo dos acontecimentos.

Hoje, talvez, a Segunda Guerra Mundial esteja na história, em um

passado de quase 100 anos. Hitler é uma personalidade tão excêntrica

quanto Napoleão. A Rússia, dizem, não é mais comunista, outros

sussurram que o comunismo está morto. E o mundo respira aliviado

um novo final dos tempos: o aquecimento global, ou outra catástrofe

ecológica do gênero.

Vamos voltar à Inglaterra e às obras propostas para análise. As

ruas sujas e repletas de cartazes com mensagens ligadas ao Estado

são o panorama predominante. A cidade cinza de fuligem e poluição

marca nossa primeira olhadela pela janela de nosso quarto.

O governo nos ama. Nos protege e nos quer bem. Vemos seus

olhos em todo lugar, suas mensagens de apoio. Ouvimos no rádio, na

televisão, sua voz, a voz que parece ser a do destino, nos alertado,

nos mostrando o que está acontecendo. Sempre preciso, sempre certo

sobre os dados, sobre as estatísticas, sobre o futuro.

Ouvir o governo na rádio ou na tevê nos acalma. É tudo que

podemos fazer, não ouvimos música, a não ser aquelas aceitas pelo

estado, ou marchinhas militares. Não assistimos nada que não seja

aquilo que temos que ver, porque o estado quer. E ele só faz isso por

que ele nos ama. O fardo de responder por nós é grande demais, e não

podemos reclamar.

Normalmente trabalhamos em fábricas de armas ou em alguma

outra função em prol do Estado, que se esforça para conter as guerras

que sempre ameaçam nosso território, bombas podem explodir a

qualquer momento. Estamos sitiados dentro de nossas próprias casas.

Nenhum lugar é seguro.

Quem pertence ao partido tem suas vantagens, claro. Melhores

casas, acesso a certos lugares, algum tipo de imunidade. Quanto mais

alto e mais perto da alta cúpula, quanto mais importante seu cargo ou

função, mais regalias e vistas grossas são feitas sobre suas costas.

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80Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

Este é o mundo que vivemos após tanto conflito, guerras e

ameaças. Aceitamos nosso grande líder como um irmão mais velho a

cuidar de nós quando nossos pais não estão em casa. Ele sabe o que é

melhor para nós, e nós aceitamos isso, sem questionar.

Estamos em um mundo totalitário, em um futuro distópico45,

imaginado por alguém para uma Inglaterra ditatorial, paranóica e

omissa ao que acontecia com ela mesma. Por enquanto, podemos

estar tanto na mente de George Orwell quanto na de Alan Moore;

“1984” ou “V de Vingança”. Nas duas temos essas ideias de futuro,

uma Inglaterra arruinada pelo século que a precede. Nas duas temos

uma população omissa, desinteressada, confusa e medrosa, algo

desconcertante, como diz Hannah Arendt:

Mas o que é desconcertante no sucesso do totalitarismo é o verdadeiro altruísmo de seus adeptos. É compreensível que as convicções de um nazista ou bolchevista não sejam abalados por crimes cometidos contra os inimigos do movimento; mas o fato espantoso é que ele não vacila quando o monstro começa a devorar os próprios filhos, nem mesmo quando ele próprio se torna vítima da opressão, quando é incriminado e condenado, quando é expulso do partido e enviado para um campo de concentração ou de trabalhos forçados. Pelo contrario: para assombro de todo o mundo civilizado, estará até disposto a colaborar com a própria condenação e tramar a própria sentença de morte, contanto que o seu status como membro do movimento permaneça intacto.46

Os motivos que levam Orwell a escrever seu clássico livro, “1984”

são relativamente claros. Publicado em 1949, quatro anos após o fim

da Segunda Grande Guerra, possui todo o pessimismo do período. As

ruínas da Europa ainda eram visíveis; o sofrimento, o terror e as perdas

ainda faziam parte de uma conversa corriqueira. Alertar o mundo que

aquilo não podia acontecer novamente, ou que não só a Alemanha e

a URSS poderiam criar sistemas totalitários como o nazismo, a Grã-

Bretanha facilmente poderia sucumbir se nada fosse feito. Do contrário,

o autor pensou em uma estimativa de 35 anos para todas as mudanças

que ele imaginava viessem a acontecer. Para que os quatro ministérios:

“o Ministério da Verdade, que se ocupava das notícias, diversões,

instrução e belas-artes; Ministério da Paz, que se ocupava da guerra;

o Ministério do Amor, que mantinha a lei e a ordem, e o Ministério

da Fartura, que acudia às atividades econômicas47” surgissem nesta

nova Londres, tendo na fachada do Ministério da Verdade os 3 lemas

do partido: “Guerra é Paz, Liberdade é Escravidão, Ignorância é Força”.

Podemos ver “1984” como um alerta, uma necessidade de dizer “para

que não se esqueça, para que nunca mais aconteça48”.

Orwell se desilude com o que acontece na Rússia, com o governo

de Stalin, as mortes e os campos de trabalhos forçados. A tirania

naquilo que seria o sonho comunista se realizando. Em sua obra,

esta desilusão e alerta estão constantemente presentes. As formas

como o governo age, sua postura e relações com seu povo são formas

como o autor via o governo de Stalin. A própria fisionomia do Grande

Irmão, lembrava os cartazes de Stalin: “o rosto de um homem de uns

quarenta e cinco anos, com espesso bigode preto e traços rústicos mas

atraentes49” já a descrição de Goldstein lembra em muito a face de

Trotsky: “era um rosto judaico, magro, com um grande halo de cabelo

branco esgrouvinhado e um pequeno cavanhaque – um rosto arguto (...)

no nariz comprido e fino (...) se equilibravam os óculos50”. Esta relação

do Grande Irmão com Goldstein é uma metáfora ao relacionamento

de Stalin com seu antigo amigo, e rival na política da URSS, Trotsky51.

Contudo, o que leva Alan Moore resgatar este livro, próximo ao

ano previsto para o cumprimento de sua profecia, e ampliar o ano para

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uma década à frente, 1997, alterar algumas coisas para um cenário

mais atual e, novamente, projetar um futuro distópico sobre Londres?

Vejamos: na década de 80, pessoas vivas que tinham lutado na

segunda guerra mundial não eram muitas, ou haviam falecido ou

atingiam a terceira idade. Uma Inglaterra totalitária não era um projeto

de governo viável para o momento. O mundo já tinha problemas

demais para resolver. Por que V de Vingança torna-se um quadrinho

tão popular se o mundo não se parecia, em nada, com aquele vivido

por George Orwell?

Talvez, fossem parecidos.

Os dois livros retratam a população de maneira semelhante,

omissa e disciplinada com o estado que a rege. Contudo, há algumas

discrepâncias que mostram os pontos onde as diferenças de período

se ressaltam.

O “1984” trabalha com um mundo mais próximo ao Stalinismo,

controlando as pessoas pelo psicológico, propagandas políticas

massivas, ódio ao outro, entre outras teorias de controle de massa. A

própria ideologia do partido de “1984” se chama Socialismo Inglês. A

organização de poucos ministérios responsáveis por um bom número

de funções, entre outras características lembram muito a visão que se

tinha do Stalinismo.

Diferente de V de Vingança, que possui um distanciamento da

Segunda Guerra, quase meio século de tecnologia e inovações para

acrescentar. Fazer um remake do “1984” não estaria a altura dos

anos 8052.

O cenário de V de Vingança se assemelha com o mundo cinza

e sujo de Orwell, porém, com mais outras formas de controle e

tecnologias. Vemos a presença de campos de concentração, ódio a

negros, homossexuais, entre outros povos e minorias. A presença da

televisão e sua importância na sociedade são apresentadas, sendo

uma constante preocupação de Moore a quantidade de tempo médio

que as pessoas ficam em frente à TV durante o dia.

Esta televisão como parte de um sistema controlador aparece nas

duas histórias de maneiras diferentes. Orwell apresenta as teletelas,

aparelhos de tevê que ficam fixas em todas as casas. “O aparelho

podia ter o volume reduzido, mas era impossível desligá-lo de vez53”.

Elas servem também como câmeras que filmam o tempo todo todas as

pessoas, dentro de suas próprias casas, na intimidade do lar. Ninguém

está impune da vigilância constante, feita pelo próprio Estado. Temos

aqui um exemplo duro e bruto do que é o panóptico54 de Foucault e

sua implicação vigilante, onde ninguém sabe se realmente está sendo

vigiado.

Um princípio usado de maneira diferente por Moore. A tevê está

presente nas casas como nos dias de hoje, as pessoas assistem como

um hábito costumeiro diário. Passando suas horas vendo besteiras

e notícias. Contudo, essa vigilância monitorada está nas ruas, nos

policiais fazendo vigia. Fazendo quarentena em bairros, impedindo

pessoas de sair de casa, como é mostrado já nas primeiras páginas da

HQ, quando uma noticia é passada na rádio, mostram-se câmeras de

vigilância sobre as pessoas, com placas dizendo “Para sua proteção”55

e policiais indicando o que fazer.

Esta forma de disciplina se encaixa na proposta de “sociedade de

controle” de Gilles Deleuze, no texto “Sobre as sociedades de controle”

do livro “Conversações”. Aqui, Deleuze busca em Foucault a ideia

disciplinar dos séculos XVIII e XIX, mas projeta para o final do século

XX, com novas tecnologias e ideias de vigilância constante. Onde não

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somente as pessoas são sentinelas umas das outras, mas câmeras

de segurança, computadores e radares monitoram os movimentos e

mantêm todos sob o devido controle. Mesmo o panóptico se mantendo

como um conceito abrangente através do tempo, o ano de 1997 de

“V de Vingança” se enquadra perfeitamente nesta sociedade pensada

por Deleuze.

Na própria notícia da rádio já encontramos um discurso de controle,

quando informa à população que as “zonas de quarentena hoje são as

áreas de Brixton e Streatham. Sugerimos que o acesso a elas seja

evitado por razões de saúde e segurança56”, na sequência, informativos

sobre racionamento de carne e produções de ovos, junto com a notícia

do desbaratamento do que “se supõe ser uma célula terrorista”. Após

uma notícia assustadora como essa, de que há células terroristas na

cidade, segue-se outra falando da roupa da jovem rainha e sua aparição

pública. Abrindo uma brecha para falar que para a Bretanha voltar a ser

uma grande nação só depende dos homens desse país, ou seja, se ela

não é uma grande nação, a culpa também é dos homens trabalhadores

deste país. Fecha, alertando as pessoas sobre o preenchimento do

censo, que também é uma forma de controle populacional, e com uma

rápida informação sobre um projeto de limpeza de um charco, que não

fica muito claro. Por fim, um “boa noite”.

Essas notícias todas, por mais importantes que algumas delas

pareçam ser, foram dadas as 00h07, do dia 5 de novembro, enquanto Evey

se maquia para tentar, pela primeira vez, ganhar algum complemento

ao seu parco salário em uma fábrica de munições, vendendo assim,

talvez a única coisa que seja dela, seu corpo. Ela tem dezesseis anos.

Ao mesmo tempo, em uma coincidência do destino, esse é o dia em

que V iniciará o fim de sua revolta. Também se preparando, colocando

sua maquiagem, sua mascara e fantasia. Provavelmente, ninguém

estava prestando atenção ao que era dito no rádio.

A diferença crucial nas duas obras está no desfecho. Para

Orwell, não existe esperança. O mundo está fadado ao fracasso, ao

conformismo e a escravidão moral para sempre. Mesmo um herói, que

encontra outro igual em sua luta, se vê cercado e condenado a morte

certa ao tentar de rebelar contra o partido. Porém, não somente ele

morre, não somente ele perde a causa, ele perde seus princípios, seu

ideal, tudo que fazia dele, ele mesmo, para no fim aceitar tudo que ele

sempre odiou. Aceitar, amar, morrer por aquilo.

Moore não concorda com isso, no mínimo, não aceita em sua obra.

A Anarquia é a salvação do mundo, um homem, um único homem, pode

mudar as coisas, por pior que elas estejam. Claro, agitando a massa

para agir com ele.

As duas obras contêm um pessimismo em relação à política do

momento em que foram escritas, as pessoas que nada fazem a respeito

do mundo que as cercam e a natureza humana.

David Lloyd, desenhista de V de Vingança, na introdução, de

1990, da graphic novel comenta sobre uma ida dele ao bar. Sobre

os seriados que passam na tevê enquanto ele bebe sua Guinness

tranquilamente em um pub londrino. Primeiro, “EastEnders – um

seriado sobre o dia-a-dia de trabalhadores alegres e descontraídos em

um bairro mítico e decadente de Londres”, depois “Porridge – a reprise

de um sitcom sobre um prisioneiro alegre e descontraído numa prisão

vitoriana decadente e, por conveniência, nada opressiva”, então, as

8:30, “veio A Question of Sport – um show de perguntas estralando

celebridades esportivas alegres e descontraídas, respondendo sobre

outras celebridades esportivas, muitas das quais também alegres e

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 83Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

descontraídas” “Reinou o bom humor57”. Contudo, 30 segundos após

iniciar o noticiário, a televisão é desligada. Ao indagar ao garçom sobre

qual motivo levou a tevê a ser desligada, ouve como resposta, em um

tom alegre e descontraído, do garçom: “Não reclame comigo. Foi a

patroa”. Ao terminar a cerveja, foi embora do bar, sabendo que a TV

não seria ligada novamente, pois após o noticiário das nove, passaria

o filme “Os meninos do Brasil”, “com poucos personagens alegres

e descontraídos”. Para finalizar sua carta, ele coloca que: “Em V de

Vingança, também não há muitos personagens alegres e descontraídos.

E é para gente que não desliga na hora do noticiário” (provavelmente

valia a pena ver jornal nos anos 80).

Esta colocação sobre os anos 80, sobre a televisão marcar presença

com personagens despreocupados e descontraídos em contraponto

a visão dos autores sobre o mundo não estar tão alegre assim, nem

tão descontraído, muito menos despreocupado, mostra que, V de

Vingança veio na contra cultura, não querendo acalmar as pessoas

sobre o mundo que as cercam, e sim, avisar que, a qualquer momento,

as pessoas deveriam ir à rua para acertar as coisas.

Esta relação da televisão, do rádio, das propagandas coladas por

toda Londres nas duas obras, mostra as formas de propaganda do

Estado às pessoas para marcar sua presença a todo o momento. “A

essência dos movimentos totalitários, que só podem permanecer no

poder enquanto estiverem em movimento e transmitirem movimento a

tudo que os rodeia58”. Nos casos de “1984”: “o Grande Irmão Zela por

Ti”; Os lemas do Partido; Os Dois Minutos de Ódio, momento diário

em que todos os funcionários do partido vão para uma grande sala, e

por dois minutos assistem em uma grande tela, imagens da guerra,

dos revolucionários contra o partido, e lengalenga especiosa dita pelo

Inimigo do Povo, Emmanuel Goldstein, um homem a ser odiado, nunca

capturado pelo estado, quase uma lenda sombria a perturbar o sono

das crianças; ódio ao inimigo; ao passado perturbador; a guerra; ao

mesmo tempo uma prova de amor ao Partido, ao grande irmão. Além

de diversas situações, cartazes panfletários entre outros movimentos

usados de subterfúgio para controlar a mente das pessoas, indo para

todos os instintos humanos, até o sexual. “O Partido estava procurando

matar o instinto sexual ou, se não fosse possível matá-lo, distorcê-lo e

torná-lo indecente.59”

Em “V de Vingança” a propaganda também está presente. Não

só em plaquetas dizendo “para a sua proteção”, mas em cartazes que

sempre aparecem como “força através da pureza, pureza através da

fé”, propagandas na rádio dizendo “deposite sua fé no Destino”, que é

como ficou conhecida a voz na rádio; ou programas de seriado, como

um elaborado dentro da HQ chamado de Storm Saxon60, que acontece

no futuro de 2501. Um herói racista, que salva mulheres brancas e

sexys, quais sofrem nas mãos dos negros que dominam o mundo. Neste

seriado, vemos frases como: “esses negros carniceiros já abusaram

demais! Eles curram nossas mulheres, queimam nossas casas, nossas

posses.61”; ou o seriado Sempre Rir que tem a chamada para o

episódio que diz: “acompanhem os problemas de Sid e Brenda, quando

um vizinho os acusa de armazenar comida62”, uma forma humorada de

educar e mostrar o que não deve ser feito, um pensamento do estado

para as pessoas. A tevê como normatização.

Nos países totalitários, a propaganda e o terror parecem ser duas faces da mesma moeda. Isso, porém, só é verdadeiro em parte. Quando o totalitarismo detém o controle absoluto, substitui a propaganda pela doutrinação e emprega a violência não mais para assustar o povo, (o que só é feito nos estágios iniciais, quando

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ainda existe a oposição política) mas para dar realidade às suas doutrinas ideológicas e às suas mentiras utilitárias63”

Outra abordagem que surge nas duas histórias é a poluição

das cidades. Em “1984”, a poluição é culpa das fábricas, carvão

queimando e sujeira. Em V, aconteceu um Inverno Nuclear. Mesmo

que já se tenha uma preocupação ambiental, e o mundo começa a ver

os desastres ecológicos, não como agora, pois, na época, eles tinham

bombas atômicas para se preocupar, não como hoje que elas não são

tão importantes quanto as baleias, as tartarugas e os carros. Na teoria

de Moore, Thatcher não se elegeria para o terceiro mandato em 1988,

perderia o cargo para os partidos trabalhistas, e assim, a Inglaterra

se livraria das bombas atômicas que possuía, deixando de ser alvo da

guerra nuclear que afeta a periferia do mundo inglês. Porém, mesmo

as bombas não tendo estourado no meio do chá das cinco da tarde. O

mundo sofre com as explosões. Deixando tudo mais escuro, chuvoso e

sujo. Tudo uma simbologia para agravar ainda mais o futuro distópico,

onde nada é melhor do que foi no passado.

A explicação para estas situações catastróficas que acontecem

é realizada pelos Estados das duas obras de maneira diferente, tudo

para justificar o poder e concretizar os mitos de origem, validando os

problemas atuais como sendo problemas do passado. Orwell joga tudo

em um passado mítico, antigo e esquecido pela falta de lembrança

das pessoas, de educação cultural e histórica. Mesmo quando Winston

Smith, personagem principal em “1984”, vaga pela cidade e encontra

uma pessoa velha para quem ele possa perguntar sobre o passado,

esta não sabe dizer nada sobre seu próprio passado ou de alguma

história mais antiga ao Partido. Ninguém sabe como era antes das

guerras, “os livros de História dizem que antes da revolução a vida

era completamente diferente do que é hoje. Reinava a mais terrível

opressão, injustiça, pobreza... pior do que tudo que imaginamos64”.

Mesmo o velho, que esta sendo “interrogado” por Smith, não se

lembra, está alcoolizado demais, velho demais para lembrar. Talvez

nem se importe. Como durante muito tempo lembrar-se do seu

passado era desimportante, sua memória acabou apagando ou se

misturando com novas informações que vieram com o tempo. Assim, o

partido conseguia controlar o passado, o presente e o futuro. Ninguém

consegue lembrar-se do que aconteceu, ninguém pode comparar sua

vida com outra para saber o que era melhor.

“Quem controla o passado, controla o futuro; quem controla o

presente, controla o passado65” este é um dos lemas do Partido em

“1984”.

Já em V de Vingança tudo inicia na recessão de 1981, na Inglaterra

real, durante o ministério da senhora Thatcher (mesmo que o nome

dela não seja dito literalmente), poucos anos antes do ano de 1997,

em que se passa a história. Os trabalhistas assumem o poder e retiram

as bombas atômicas, mesmo assim, a guerra acontece. Não se explica

direito, pois a história é contata pela memória de Evey que, na época,

tinha 7 anos. Mas, em 1988, se iniciou uma guerra nuclear, entre

os russos e os norte americanos. Com o tempo, os bombardeios se

espalharam pelo mundo, a África deixou de existir, a Europa recebeu

grande parte das bombas, Londres ficou embaixo d’água. O céu

ficou amarelo e preto66. O clima ficou louco. As pessoas morriam de

doenças, os esgotos transbordaram. Em 1992, no meio de uma guerra

de quadrilha pelo poder, uma coalizão de grupos fascistas, chamada

de Nórdica Chama, consegue o poder. Em meio ao caos, as coisas

começam a se acalmar.

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Assim, este grupo começa a caçar, prender e matar minorias. O

pai da Evey é levado embora, pois participou de um grupo socialista

na juventude, sua mãe já havia morrido de alguma doença. Assim, a

menina é levada para trabalhar em uma fábrica de fósforos. Este é o

retrato da Inglaterra em 1997 em “V de Vingança”. O passado ainda é

recente, mas em meio ao caos e as transformações mundiais, parece

ser muito pior do que é hoje. Mesmo o governo sendo fascista, as

coisas não poderiam ficar piores do que eram durante a guerra. Parece

que o lema “Ignorância é Força” se encaixa perfeitamente nesta

nova Inglaterra, pois ao ignorar o passado, deixar de fazer perguntas

e entender o que se passa ao seu redor, o estado se fortalece, e a

realidade torna-se mais suportável, pois eu simplesmente a ignoro.

Dentro de todo esse conceito de semelhanças e diferenças,

encontramos um ponto chave para pensar “V de Vingança” e “1984”,

que são seus movimentos totalitários. Estes feitiços que afetaram os

autores e que, por consequência, as próprias obras criadas.

Somos imediatamente tentados a interpretar o totalitarismo como forma moderna de tirania, ou seja, um governo sem leis no qual o poder é exercido por um só homem. De um lado, o poder arbitrário, sem freios das leis, exercido no interesse do governante e contra os interesses dos governados; e, de outro, o medo do governante pelo povo67.

Esta afirmação torna-se verdade nas duas obras. Em “1984” pelas

investidas e políticas contra traição, a paranoia do partido e todo o

aparato usado no Ministério do Amor para acabar com as ideias

rebeldes nos revoltados. Sem contar a Novilingua68, que é uma forma

de controle das pessoas.

Em “V de Vingança” este medo do governante pelo povo, e

o interesse deste em governar aparece de maneira mais poética.

Enquanto conhecemos o Grande Irmão, na obra Orwell, uma entidade

praticamente sem nome, um rosto que encara as pessoas, que as

oprime e que as ama. Na Inglaterra de Moore, temos Adam Susan, o

Líder. A cabeça do partido, o homem por trás de tudo.

Meu nome é Adam Susan. Eu sou o Líder. Sou um homem como qualquer outro. Eu conduzo o país que amo para fora da desolação do século vinte. Acredito na sobrevivência. No destino da raça nórdica. Eu acredito no fascismo. Oh, sim, eu sou fascista. O que é fascismo? Uma palavra. Um termo cujo significado se perdeu no resmungo dos fracos e traidores. Os romanos inventaram o fascismo. Um maço de gravetos era o símbolo. Um graveto sozinho podia ser partido. O maço resistiria. Fascismo... força da união.Eu acredito na força. Eu acredito na união. E se a força, a união de propósitos, exige uniformidade de pensamento, palavras e feitos, que assim seja.Eu não ouvirei súplicas por liberdade. Sou surdo aos apelos por diretos civis. Eles são luxos. Eu não acredito em luxos.A guerra escorraçou os luxos.A guerra escorraçou a liberdade.A única liberdade que resta ao povo é passar fome. A liberdade de morrer... de viver num mundo caótico. Devo conceder a eles tal liberdade? Creio que não.Reservo a mim a liberdade que nego aos outros? Não. Eu me restrinjo à minha cela e sou apenas um servo. Eu, que sou mestre de tudo que posso ver.Eu vejo a desolação. Contemplo as cinzas. Possuo tanto e tenho tão pouco.Eu não sou amado, nem de corpo nem de alma. Jamais conheci o murmúrio da ternura. Nunca senti a paz que reside por entre as coxas de uma mulher. Mas eu sou respeitado. Sou temido. E isso é o bastante...... por que eu amo. Eu, que não sou amado, tenho um amor mais profundo que gemidos e convulsões da conjunção carnal.Devo falar dela? Devo falar da minha noiva?Ela não tem olhos para flertar ou proteger, mas a tudo enxerga. A tudo vê e compreende com divina sabedoria. Diante dos portais de

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seu intelecto, eu me deixo cegar pela luz interior. Quão ignóbil devo parecer a seus olhos, quão pueril e primitivo.Sua alma é limpa, imaculada pelas armadilhas da emoção. Ela não odeia, não anseia. Jamais foi tocada pela alegria ou tristeza. Eu a venero, mas não a mereço. Eu idolatro a pureza de seu desprezo. Ela não me respeita e nem me teme.Ela não me ama.Quem não a conhece pensa que é dura e fria. Uma criatura sem vida e sem paixão. Eles não a conhecem, nem recebem seu toque.Ela me toca e eu encontro com Deus, pelo destino. Toda a existência flui através dela. Eu a idolatro. Sou seu escravo. Liberdade alguma jamais foi tão doce.Minha amada, deixe-me ficar ao seu lado para sempre, passar minha vida em seu interior. Eu anseio por todos os seus desígnios sem jamais suplicar a menor centelha de afeição. Destino.Destino... eu te amo.69”

Arendt ao dizer: “o idealismo, tolo ou heróico, nasce da decisão

e da convicção individuais, mas forja-se na experiência70” deve ter

pensado em pessoas como o Líder, que têm suas convicções acima de

sua própria vida, por mais erradas que estas convicções sejam.

Quem leu esse texto sem acompanhar com o quadrinho, de onde

esse monólogo foi tirado, pode achar tudo muito confuso. Portanto,

vamos elucidar o mistério. Ele está falando com uma máquina. Um

computador que tudo rege, tudo vê e tudo sabe. Um banco de dados

que vigia a todos, que calcula os acertos do partido, chamado de

Destino.

Ela seria uma metáfora que podemos empregar como sendo o

próprio poder. De estar acima do panóptico, de Michel Foucault, deter

para si toda a “Governamentalidade71”. O Líder acredita em tudo que

diz nesta passagem, por mais perturbador que seja. São pensamentos

íntimos, sua ideologia somada a sua experiência de vida.

A cena se passa no começo do capítulo 5 da HQ, chamado

“Versões”. E acontece quando o Líder passa em frente à Old Bailey72,

o centro criminal de Londres, algo como um fórum, e encara a estátua

da justiça que há sobre a cúpula maior da construção. A estatua é

clássica: coroa na cabeça, espada na mão direita, balança na mão

esquerda, braços abertos como uma cruz, olhos fechados.

Fora todo o transtorno psicológico que podemos tirar desse cara a

partir de seu discurso e distorções em suas interpretações. Podemos

fazer uma análise da sua noção de governo com a ideia que existe de

governo nos anos 80.

Quando ele entra no prédio em que se encontrará com sua máquina

amada. Oito soldados o saldam com os braços erguidos com a palma

aberta, como se saldaria um nazista. Sempre que ele passa por um

soldado o mesmo gesto é repetido. Neste momento, o monólogo fala

sobre a uniformidade e força.

Na passagem em que ele afirmar não acreditar em luxos, ainda

temos os oito soldados, mas agora, de outro ponto de vista, vemos em

primeiro plano o cano de uma arma73. Já podemos interpretar um bom

número de visões políticas.

Sobre a liberdade que Susan cede para ele mesmo, no quadrinho

em que ela está inserida, vemos o desenho de um corredor por onde

passa o líder e várias telas de vigilância da cidade ligadas e sendo

monitoradas74. Mostrando uma certa ironia em seu discurso, pois ele

está fora das câmeras, do outro lado. Ele pode se privar de alguma

coisa, contudo, o panóptico está ao seu controle, e desta forma, Susan

não está no mesmo nível de vigilância que diz estar.

Quando fala de sua “noiva”, ele entra em sua sala escura e, ao

tocar em uma cadeira, aparentemente confortável, fala do toque que

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 87Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

recebe dela, ele está apertando o botão que a liga. Ou seja, é ele

quem a toca, quem a controla. Seu discurso é insano. Como daquelas

pessoas que falam com plantas, dizendo que elas a amam mais por

fazer isso75.

Quando o Líder diz que ser escravo do poder é a mais doce

liberdade, podemos interpretar claramente o lema do partido criado

por Orwell “Liberdade é escravidão”. Neste discurso, encontramos as

peças para montar o totalitarismo existente, fragmentado por Hannah

Arendt. Como, por exemplo, quando Susan afirma que uniformidade

é uma exigência para a união de propósitos, vemos a aceitação desta

idéia pela massa, sendo que este governo está a tanto tempo no

poder, regendo as pessoas como acha melhor, mesmo que tenha que

empregar a força. Assim percebemos o que diz Arendt: “os movimentos

totalitários são possíveis onde quer que existam massas que, por

um motivo ou outro, desenvolveram certo gosto pela organização

política.76” Organização esta que, comparada ao caos da pós-guerra

nuclear, torna-se a melhor opção.

Como diz Malvadinho, personagem de tirinhas criada por André

Dhamer, “Se um revólver é um grande argumento, o fuzil é uma verdade

científica77”, e a organização do movimento totalitário veio armado com

vários deles. Não tinha como discutir.

Quando o Líder se afirma como sendo um fascista, já colocamos

toda a ideia dos totalitarismos do início do século como sendo o caso

da Graphic Novel.

A organização deste estado totalitário também é muito peculiar.

Enquanto em “1984”, o Partido Interno está envolvido em mistério.

Pouco sabemos sobre ele, seus membros e o que fazem. Mas

sabemos da sua existência, que ele nos observa e que administra

tudo cuidadosamente. Na Londres futurista de 1997 as coisas são

diferentes. O partido é esmiuçado. Como vimos, até o pensamento do

Líder é apresentado ao leitor. Vemos por trás dos bastidores, por entre

as coxias, no palco dos acontecimentos.

Enquanto na obra de Orwell temos quatro ministérios, a organização

da tirania de Moore se representa em seus ministérios de controle,

todos ligados a partes do corpo, principalmente do rosto. Formando a

metáfora das funções empregadas a cada membro de cada parte, e do

próprio Estado em si.

Temos os “homens-dedo”, que são o equivalente aos policiais do

Estado, e respondem ao “Dedo”, o departamento de Polícia. O “Olho”,

responsável pela vigilância e monitoramento das câmeras. “Ouvido”

que monitora os telefones, ouvindo tudo que está sendo dito em

Londres. “Nariz” que investiga acontecimentos e segue o rastro das

pistas. Composto também por algo como laboratórios e agências de

detetive. Há também a “Boca” responsável por toda a comunicação,

rádio, televisões, jornais, revistas, etc. E todos respondem ao Cérebro,

ou seja, ao Líder, um único homem, este que controla, metaforicamente,

o destino, simbolizado pelo computador preciso que tudo sabe. Todos

estes juntos representam a cabeça, grupo principal para administrar

o partido.

Esta é uma metáfora sobre um país regido pela razão, sem emoção.

Não há um coração, um grupo responsável pelo bem estar das pessoas,

ou algo assim. Moore nos apresenta somente a cabeça, a responsável

por vigiar e iludir as pessoas.

É este totalitarismo – organizado, rígido, que utiliza a força, que

valoriza a “raça nórdica” acima das outras – que é o temor de Moore

e Lloyd.

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88Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

Interessante ressaltar a diferença crucial das obras, sendo uma

um romance e a outra uma história em quadrinhos. As diferenças de

narrativas, possibilidades e leituras são várias. No romance, Orwell tem

que seduzir o leitor, fazer mistério sobre o governo, deixando tudo na

imaginação do leitor. Há descrições mais longas sobre o cenário além

de linhas e mais linhas de texto para mostrar reações dos personagens

e seus pensamentos. Nesta obra não há espaço para mostrar detalhes

e peculiaridades, o romance tem que seguir sua ordem, com inicio,

meio e fim.

Já na Graphic Novel de Moore, a liberdade narrativa torna-se

maior. Ele não precisa se ater ao texto, pois possui como ajuda na

narrativa as imagens. Nelas, vemos expressões dos personagens,

conseguimos interpretar intenções na sugestão de um olhar. Junto

do texto, muitas vezes, ele passeia por outras áreas da Londres

devastada. Os ângulos que escolhe para o desenho são sugestivos

para enfatizar o texto, como por exemplo, na história inicial do

capitulo um, do tomo três: “A terra do faça-o-que-quizer”, chamado

“Vox Populi”78. Onde é colocada uma sequência que inicia com

uma garotinha encarando uma câmera de vigilância, ao lado de

sua bicicleta, tendo em primeiro plano um cartaz com os dizeres:

“Monitores sabotados. Permaneçam em suas casas!” Essa sequência

de 18 quadrinhos nos leva a uma bela descrição do que as pessoas

interpretam das ações “terroristas” de V. Mostrando um plano com

a câmera de segurança encarando a menina, e sempre intercalando

com a opinião sobre os acontecimentos de pessoas diferentes.

Enquanto alguns reclamam do governo por não fazer nada contra, se

sentindo inseguros em suas casas, outros acham fantástico, criticam

o nome usado pelo “herói”, ou alguns acontecimentos que ocorreram

com as câmeras desligadas. Dentre as opiniões temos a do próprio

Líder, se questionando sobre como seu país irá reagir agora que o

governo está silencioso sem as comunicações. A menina, olhando

para a câmera diz “merda”, espera uma reação, e nada acontece. Por

fim, ri, xinga o mundo em que ela vive e as pessoas que não gosta.

Picha embaixo da câmera a palavra “merda” e o símbolo de “V” na

parede em frente79. E é este o último quadro, após o questionamento

de Susan “como meu país preencherá o silêncio?”, vemos em plano

geral o poste com a câmera de segurança, “merda” escrito no chão,

o símbolo de “V” na parede. Sugestionando a resposta a pergunta

do Líder. Este é um tipo de discurso utilizado nesta história e em

tantas outras HQs, repleto de interpretações entre os quadros, entre

as linhas, retiradas dos silêncios.

A configuração geral das revistas de histórias em quadrinhos apresenta uma sobreposição de palavras e imagem, e, assim, é preciso que o leitor exerça as suas habilidades interpretativas visuais e verbais. As regências da arte (por exemplo, perspectiva, simetria, pincelada) e as regências da leitura (por exemplo, gramática, enredo, sintaxe) superpõem-se mutuamente. A leitura da revista de quadrinhos é um ato de percepção estética e de esforço intelectual80”

Desta forma, não há necessidade de descrever todos os

acontecimentos. Não precisamos que o autor escreva “então, a menina

se afastou do poste em direção a sua bicicleta, pegou um spray em

sua mochila, se abaixou em frente à câmera de vigilância e pichou

‘merda’”. Todos esses acontecimentos ficam implícitos de quadro a

quadro. Vemo-la sorrindo, falando “merda” para a câmera; em seguida,

próxima de sua bicicleta, pegando alguma coisa, e no outro, ela já está

agachada, no chão, na letra A da palavra “merda”.

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 89Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

Esta diferença de linguagem, da HQ para o romance, torna não

somente a leitura propriamente dita, diferente, mas as possibilidades

narrativas, de mostrar como está Londres após a hecatombe: a

expressão facial das pessoas; além de tornar fascinante a revelação

do por trás da ditadura. Não necessita de muitas linhas para descrever

como é a sala do Líder, somente um ou dois quadrinhos. Enquanto

algum personagem anda pelas ruas, já vemos como ela está suja e

devastada. Como são as casas e as rondas policiais. O espaço físico

usado para a narrativa é diferente, e a leitura interpretativa torna-

se outra. Assim, a forma como se dão as histórias, permite relações

diferentes com o leitor.

Em “1984”, temos sempre a visão perceptiva do personagem

principal Winston Smith; já em “V de Vingança”, o cenário é um todo,

vagamos pela Londres a todo momento, entrando na mente do vilão e

em seu habitat, da mesma forma que estamos na mente de Evey, mas

nunca na mente de V, dele, só ouvimos seus discursos, normalmente é

nele que vemos a opinião dos autores de maneira mais forte.

Em sua carta de abertura de “V de Vingança”, Moore coloca que

Estamos em 1988 agora. Margaret Thatcher está entrando em seu terceiro mandato e fala confiante de uma liderança ininterrupta dos Conservadores no próximo século. Minha filha caçula tem sete anos, e um jornal tablóide acalenta a idéia de campos de concentração para pessoas com AIDS. Os soldados da tropa de choque usam visores negros, bem como seus cavalos; e suas unidades móveis têm câmeras de vídeo rotativas instaladas no teto. O governo expressou o desejo de erradicar a homossexualidade até mesmo como conceito abstrato. Só posso especular sobre qual minoria será alvo dos próximos ataques.81

A primeira parte da revista, “A Europa depois do reino”, foi escrita

em 1981, o autor fazia especulações sobre sua obra e o medo que o

futuro reservava. Tinha medo de estar certo. É este mundo que Moore

não gosta, que lhe dá o desejo de sair da Inglaterra. Contudo, em

vez de uma história pessimista como aquela escrita no pós Segunda

Grande Guerra, Moore colocou esperança, o desejo de que, talvez,

algo possa mudar. Ele colocou V, o herói que mudará o mundo com

seu discurso anarquista, suas bombas e suas rosas. Um anti-herói

necessário para o mundo em ruínas que se encontrava. Um anjo da

história. Um homem que é uma ideia. Uma máscara sem rosto. Um

V de vitória.

Mas afinal, quem é V?

3. “BOA NOITE LONDRES”

Além disso, ver ou mesmo pensar em Goldsteim produzia automaticamente medo e raiva.George Orwell

3.1 “V” e a revolta sem rosto

Old Bailey. Segunda Versão: Ola, formosa dama. Linda noite, não? Perdoe-me a intromissão talvez a senhorita pretendesse passear... apenas desfrutar a paisagem. Não importa. Creio que é chegado o momento de uma breve conversa.Ahh, Eu me esqueci que não fomos apresentados. Eu não tenho um nome, mas pode me chamar de V. Madame Justiça... Este é V. V... esta é madame Justiça. Olá madame Justiça. ‘Boa noite, V.’Pronto. Agora já nos conhecemos. Para ser sincero, outrora fui um admirador seu. Até imagino o que está pensando... ‘O pobre rapaz tem uma queda por mim... uma paixão juvenil.’ Desculpe, mas não é este o caso. Eu a admirava, apesar da distância. Ainda criança, passando pela

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90Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

rua, eu admirava sua beleza. Eu dizia a meu pai, ‘quem é aquela moça?’, e ele respondia, ‘É a madame Justiça’. Ao que eu replicava: ‘Como ela é linda’. Por favor, não pense que se trata apenas de atração física. Em absoluto. Eu a amava como pessoa, como ideal. Isso foi há muito tempo. Agora, confesso que há outra pessoa... ‘O quê? Que vergonha V! Traindo-me com uma meretriz de lábios pintados e sorriso vulgar!’Eu, madame? Permita-me uma correção. Foi a sua infidelidade que me arremessou nos braços dela!Ah! Ficou surpresa, não? Pensou que eu desconhecia suas escapadelas? Enganou-se, eu sei de tudo. Na verdade, não me surpreendi quando soube que você flertava com homens de uniforme.‘Uniforme? E-eu não sei do que está falando. Sempre foi você, V... O único em minha vi--‘ Mentirosa! Meretriz! Ousa negar que se deixou envolver por ele, com suas braçadeiras e botas?E então? O gato comeu sua língua? Foi o que pensei.Muito bem. A verdade foi revelada. Você não é mais minha Justiça. É a dele. Recebeu outro em sua cama. Faça bom proveito de seu novo amante.‘Snif! Snif! Q-quem é ela? Como se chama?’ Seu nome é Anarquia, e ela me ensinou mais como amante do que você imagina. Com ela, aprendi que não há sentido na justiça sem liberdade. Ela não faz promessas e nem deixa de cumpri-las como você. Eu costumava me indagar por que jamais me olhou nos olhos. Agora eu sei. Por isso, adeus, cara dama. Nossa separação não me entristece, uma vez que não é mais a mulher que amei outrora. Eis um último presente, que deixo a seus pés.82

V cumprimenta a estátua da Justiça, se curvando e tirando

o chapéu. Vira as costas e sai. Então acontece a explosão. “As

chamas da liberdade que adorável. Quanta justeza, minha preciosa

anarquia...”83 e cita Shakespeare na sequência “Ó beldade, até hoje

eu te desconhecia84”.

Toda essa cena acontece no telhado da Old Bailey, com V tendo uma

conversa com a estátua. Um jogo de amor que ironiza por se assemelhar

com o do líder pelo seu computador85. Um é lógico, racional e cheio de

interesses, o outro é caloroso, repleto de ciúmes e explosivo.

V trata tudo como uma peça de teatro, até trazendo os explosivos

dentro de uma caixa de bombons86.

Todo o desenho está no jogo de cenas entre os dois, que tem suas

faces imóveis. Todavia, dependendo do ângulo e das palavras, estão

repletos de sentimentos. V utiliza uma máscara sempre sorrindo,

parecendo que tudo que fala não passa de uma ironia. Já a Justiça tem

um semblante sério, reflexivo, repleto de pesar.

Esta é a grande sacada de Lloyd, pois acima de tudo, se trata de

uma estatua e de um homem usando uma máscara, que mantém nos

rostos sempre as mesmas expressões.

Este jogo de ângulos nos desenhos torna essa passagem uma

das mais impactantes do quadrinho. V se curva, aponta o dedo, tira o

chapéu e gesticula, a justiça permanece sempre impassível, imóvel, e,

mesmo assim, parece estar com todo o peso da culpa nas costas. Ao

falar que acha bonito o amor juvenil de V, a estátua parece estar com o

semblante maternal, amigável. Quanto V fala de sua infância passando

pela estatua, mostra um ângulo da rua, olhando a estatua no alto do

telhado. No momento em que ela acusa, na voz de V, dele a estar

traindo com uma meretriz, o rosto está sério, à altura dos olhos, parece

estar com as sobrancelhas apertadas. Entretanto, ao ser acusada de

ser uma meretriz que trai V com homens de uniforme, a vemos de

baixo, parece que desviando o olhar. Por fim, ao perguntar como se

chama a nova amada de V, vemos por sobre seus ombros que V está

de costas para ela.

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 91Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

Contudo, sabemos que ela é uma estatua, e é perturbador ver

que em momento algum sua expressão muda. Somente a sombra

cobre um lugar ou outro, mas sem perder o foco da luz sugerida no

quadrinho, ela muda pela distância do rosto com o quadro geral da

cena87.

Este é V, um homem que faz de tudo um grande espetáculo: o herói

dramático, romântico, e ideológico. Sua primeira aparição está já na

página inicial da história, no sétimo quadro, onde vemos um homem,

provavelmente nu e careca, indo em direção a uma penteadeira bem

iluminada onde, na parede ao fundo, há diversos cartazes de filmes

clássicos em preto e branco. O vulto da cabeça de um urso ou lobo, à

direita, e a esquerda, uma estante de livros, contendo entre os títulos

legíveis, Utopia, Capital e Mein Kampf.

Seu refúgio se chama Galeria das Sombras88, um abrigo para

toda a arte banida da tirania da nova Londres. Livros, música,

filmes, quadros e risos. Um esconderijo sem janelas, que traz aos

olhos inúmeras referências do que é importante para o autor que se

perdeu com a ditadura. É neste local que toda a mágica acontece,

os bastidores do grande espetáculo de luzes e fogos que V preparou

para essa Londres corrompida.

O anti-herói trata sua empreitada como uma peça de teatro,

sempre utilizando de frases de Shakespeare ou criando todo um

cenário simbólico para justificar seus assassinatos. No último

quadrinho da página 16, ele fala: “Pronto, a abertura terminou. Venha,

nós temos que preparar o primeiro ato89”. Um personagem ciente da

peça, que tem todo o roteiro tramado para o que vai acontecer.

O rosto de V jamais aparece, muitos especulam e sugerem quem

ele seja, porém, seu nome, identidade, credo ou qualquer outra

informação se limitam a ele ser o prisioneiro da cela 590, em um campo

de concentração com experiências genéticas, destinado a minorias

como negros, homossexuais e religiosos contrários ao partido

(provavelmente V se encaixa em alguma dessas características).

O mistério permanece para além da história, que, com o tempo,

descobrimos não se tratar da história do grande revolucionário e sua

máscara sorridente, e sim, da história da menina de 16 anos, Evey.

Que quase é morta pelos homens-dedo ao tentar se prostituir pela

primeira vez na vida, o pior não acontece graças a V91.

A abertura de seu espetáculo é nada mais nada menos que a

explosão do Parlamento Inglês. Em poucas páginas tudo se revela,

sem guardar nada para o final. Digo isso, pois a máscara que V usa

é do revolucionário Guy Fawkes, famoso por ter tentado explodir o

parlamento no dia 5 de novembro de 1605, no que ficou conhecido

como a Revolta da Pólvora. Contudo, Fawkes foi preso antes de realizar

seu plano, nas portas do parlamento com uma grande quantidade de

pólvora. Assim, a trova famosa (atualmente famosa por culpa da HQ),

é dita por V, informando que haverá uma grande celebração:

“Remember, remember the fifth of November.Gunpowder, Treason and Plot.I see no reason why Gunpowder TreasonShould ever be forgot”92

É bom lembrar que, no primeiro quadrinho da história, quando

a Voz do Destino fala na rádio, a data que é informada é a de 5 de

novembro de 1997. Assim começa o show, com data marcada: uma

grande explosão, e fogos de artifício fazendo um grande V no céu,

iluminando a noite e fazendo Evey se impressionar por fazer tanto

tempo que não vê algo tão bonito.

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92Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

V é a representação desta cultura perdida pela ditadura que assola

a Inglaterra. É a lembrança de um mundo bom que se perdeu durante

os erros políticos dos anos 80. É a nostalgia do tempo que já foi, o

resquício dos bons momentos que não voltam mais. Sua Galeria das

Sombras é um museu da antiguidade da cultura pop e da arte em si

como um todo: Cinema, Literatura, Pintura, Esculturas, Música, Teatro,

entre outras coisas como danças e mágicas. Até mesmo a presença de

uma junkbox para marcar a época de que V sente falta.

Toda a obra é repleta de simbolismos e metáforas, tanto nas

imagens quanto nas escolhas de fantasias e ações tomadas por V.

Interpretar essas situações teatrais, tornam o quadrinho fascinante.

Moore e Lloyd vão a fundo na “gramática da Arte Sequencial”93,

proposta por Will Eisner, quando urdem o tecido que forma a HQ, com

imagens e textos.

Quando V aplica sua vingança contra aqueles que o torturaram,

contra os homens que aniquilaram seus sonhos, e os sonhos de tantos

outros, sempre usa de algum subterfúgio para lembrar suas vítimas o

que está acontecendo a elas. Lembrar que tudo acontece por culpa

delas, e não de seu assassino. Que, no mínimo, tudo aquilo já era

esperado. Assim, temos o uso de cenários, itens significativos, como

uma hóstia, mas sempre com o uso da rosa Violet Carson, uma linda

flor, típica da Inglaterra, que dizem estar extinta desde a hecatombe

dos anos 80. A rosa é uma lembrança do campo de concentração,

mas também é a forma de mostrar que em tudo deve haver “romance.

Sempre, sempre romance”94, como diz V.

V age sempre rápido, a primeira parte do quadrinho acontece

rapidamente, pois tudo já estava armado há anos, só esperando

acontecer. Sua primeira vítima é Lewis Prothero, o homem por trás da

Voz do Destino, antigamente conhecido como Comandante do campo

de concentração onde V foi aprisionado, o “Campo de Readaptação

de Larkhill”.

V sequestra Prothero durante uma viagem de trem e o veste

com seu antigo uniforme, levando-o a uma réplica cinematográfica

do campo de concentração. Vemos as portas falsas, as luzes fortes

fazendo grandes sombras95.

Como prisioneiros, todas as bonecas de porcelana da coleção de

Prothero, vestidas com roupas listradas. Todas enfileiradas. Sabemos

da paixão do homem pelas bonecas por citações de outros a elas em

passagens anteriores à situação. E também, por uma defesa feita por

ele, momentos antes de ser sequestrado, sobre coleções de bonecas

serem interessantes, acompanhada de uma história de como ele é

galanteador com as mulheres, para não pensarem que ele é algum tipo

de homossexual.

Assim, V coloca todas as bonecas em um forno96. Como comandante

do campo, Prothero era responsável por acionar os fornos. E assim, V

queima e derrete todas as bonecas enquanto elas “gritam” em coro

“ma-mãe”. Mesmo o ex-comandante implorando, ele assiste o fim

de sua tão amada coleção, ficando catatônico com o choque. Nesta

passagem, V não utiliza de sua máscara de Guy Fawkes, e sim de outra

máscara com roupa de algo que lembra um bilheteiro de circo. Com um

nariz protuberante e um sorriso ainda maior do que a outra máscara.

Sendo que, por trás, ele praticamente repete as palavras de Michel

Onfray, fazendo jus a sua vingança.

Por todos aqueles que só conheciam o destino dentro dos fornos crematório e das chaminés de tijolos dos campos de concentração; por aqueles cujas peles tatuadas serviram de abajur; por aqueles cuja gordura tornou-se sabão, os cabelos tecidos; por aqueles,

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 93Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

crianças, mulheres e homens, que foram maculados, aviltados, humilhados, destruídos; por aqueles que voltaram destroçados, fedidos, rachados, freqüentados por pesadelos que escavam em suas camas a rigidez dos estrados de arame e transformam em sudários seus lençóis onde se arriscam tantas noites a serem engolidos por uma memória sombria; por todos eles, é preciso acabar com os impasses do indizível e das experiências limites a fim de desejar que a política de hoje e de amanhã seja esclarecida pelas lições que se devem tirar da experiência concentracionária nazista97

Após a explosão do parlamento e poucas horas depois, com o

fim da Voz do Destino, a queda do governo torna-se uma questão de

tempo. A bela voz de Prothero só sabe repetir “ma-mãe” e “sala cinco”.

Nada mais. Assim, substituem a voz do radialista para outra não tão

bela e nem tão experiente.

Esta voz, presente desde o início da obra, sendo finda na página 38

da história, tem uma grande importância na manipulação administrativa

da ditadura. Como coloca Hannah Arendt: “Quando o totalitarismo

detém o controle absoluto, substitui a propaganda pela doutrinação

e emprega a violência não mais para assustar o povo, mas para dar

realidade às suas doutrinas ideológicas e às suas mentiras utilitárias98”.

A Voz na rádio representa justamente essa doutrinação, somado a isso,

era divulgado que esta voz pertencia ao computador conhecido como

Destino, por isso “Voz do Destino”. Sendo este computador sempre

preciso, astuto e responsável pelos acertos do partido e sendo a voz

o elo entre o partido e o povo. Uma fissura neste relacionamento gera

desconfiança, o que acontece precisamente:

A capital ouve atentamente. Há algo errado. Algo estranho na Voz do Destino. Algo diminuto que lança uma sombra majestosa e incômoda sobre o futuro, pois, o que quer que reservem os dias vindouros, uma coisa é certa... nada será como antes99.

Estes dois golpes contra o partido são o começo do fim. A explosão

do parlamento e a morte da voz do destino criam um desconforto

no Estado que precisa se justificar inventando qualquer desculpa

que, claro, é aceita pelo povo, já que a existência do “Codinome V”,

como é conhecido pelos homens-dedo, é desconhecida pelo resto

da população.

A história segue, e os alvos de V mudam a medida que vão

morrendo. Com isso, as críticas de Moore à sociedade também se

alteram, o que antes era a mídia, agora é a religião.

Durante a missa, no sermão do bispo, é feita uma menção à

presença de um mal na sociedade, de satã estar agindo, como

sendo algo profetizado por Deus. Após a missa, o bispo conversa

com um auxiliar, e comenta que foi Destino que pediu para ele

acrescentar essa passagem e “quem são eles para questionar o

todo-poderoso?”, colocando o Estado e o líder no mesmo patamar

de Deus, um recurso usado em várias outras ditaduras totalitárias

pelo mundo. Como Mussolini fez ao ceder o Vaticano para a igreja

católica.

Fora a isso, o bispo se pergunta por qual pecado mortal será

tentado por Deus. Na conversa, descobrimos que ele espera

uma jovem menina, no entanto, é informado que ela é um pouco

mais velha que o normal, ela tem 15 anos. O Bispo fica um pouco

chateado com a informação.

A menina é Evey, e está ajudando V em sua vingança.

Acusar o bispo como sendo um pedófilo, cometer perjúrio entre

outras coisas, pode parecer o ápice da crítica de Moore, porém,

com o tempo ele começa a criticar as pessoas, a população, o

telespectador, enfim, a todos nós, leitores do quadrinho.

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Evey ajuda V em seus objetivos, deixando a janela aberta e

enrolando o bispo o máximo que pode. No fim, descobrimos que o

bispo era o padre do campo de reeducação, e é mais uma vítima das

vinganças do “terrorista” V.

Descobrimos que V colocou para tocar durante o assassinato

do bispo a quinta sinfonia e que o som faz o ritmo “da-da-da-dum”

é o código Morse para a letra V100. Mais uma sacada simbólica e

teatral de V.

O bispo foi morto com uma hóstia envenenada com cianureto101.

Poético e irônico.

Evey entra em uma crise por ter ajudado a matar um homem. V

diz que foi ela quem quis fazer um pacto. Por fim, ele faz uma citação

ao livro “V” de Thomas Pynchon “Há mais mistérios por trás de V do

que nós suspeitávamos. Não é quem, mas o que é ela.102” Mais uma

situação usando a letra V103.

Essas relações da letra V com o mundo, os lugares mais estranhos

onde ela aparece. Livros com ela como título, sinfonias. Palavras com

ela como inicial. Número romano, citações em latim. Enfim, toda a gama

de informações que contém a letra V, fazem o nome V do personagem

se tornar simbólico, impactante e complexo. Fazendo-nos sempre

perguntar “mas quem afinal é V?” Podemos usar das palavras de

Michel Onfray, ao definir o rebelde, para descrever este personagem:

Uma problematização dos prazeres que autoriza uma resolução dos desejos sem o parasita da culpa, uma nova erótica e uma cultura de si que supõem uma definição ampliada da dietética entendia como uma ética generalizada, um governo de si no qual o regime dos prazeres parece menos uma ocasião de sofrimento que uma possibilidade hedonista, uma intersubjetividade contratual e jubilatória, uma moral da brandura e da amizade, uma política da moderação, o desejo não mais definido pela falta, mas pelo pleno, a

confusão da ética, da estética e da existência, a vida pensada como uma obra de arte.104”

V é a essência da revolta. Como ele mesmo diz, ao se confrontar

com o detetive Finch, membro do Nariz, que desde o início ficou

encarregado pela investigação dos acontecimentos relacionados ao

terrorista conhecido como “Codinome V” (e que pincela com o clima

noir o quadrinho), após levar quatro tiros do detetive: “Pronto! Você

pretendia me matar? Não há carne ou sangue dentro deste manto para

morrerem. Há apenas uma ideia. Ideias são a prova de balas.105”

Como homem revoltado106, V é aquele que diz não, um ser cansado

de aturar a injustiça para se levantar e dizer: “agora basta, já passou

do limite”. Diferente de um revolucionário, que necessariamente deve

agir em grupo, o revoltado luta em sua individualidade, sendo seguido

ou não por alguém, na certeza que, em alguma parte de sua atitude

de revolta há uma razão, uma certeza de estar certo. Sua certeza

extrapola sua essência, formando dele sua própria revolta. V é este

homem, que mesmo na morte, acredita na lógica de suas ações.

“Na revolta, o homem transcende no outro, e, desse ponto de vista,

a solidariedade humana é metafísica107”, assim é a influência de V, de

suas ideias e motivos. Em momento algum da história, mesmo tendo a

oportunidade de fazê-lo, ele divulga seus propósitos ou a forma como

fazer acontecer suas ideias, ele não quer liderar a revolta, nem ser o

guia, mas apontar a direção. Como revoltado, as pessoas são tocadas

pela causa, mas por ela ter sentido e não por serem convocadas à luta.

Está ideia do personagem V por trás da história nos traz a

baila uma discussão gerada por Moacy Cirne, onde ele coloca que

“basta ver, com sensibilidade, certas configurações mitológicas que

plasmam alguns personagens para que entendamos melhor o espaço

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 95Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

epistemológico de sua concretude108”. Com isso, ele quer dizer que o

personagem caracteriza a obra, faz dela única e genial. O autor e tudo

mais ficam a mercê do jogo de ações feitas por esse personagem que

guia a história.

V extrapola os limites de ser um personagem de ficção para ser a

essência da revolta. Um conjunto de frases e atitudes que o tornam

quase inumano. Além das transformações que ele sofreu no campo

de concentração o deixarem com uma força e agilidades superiores à

humana. Mas tudo isso só serve para reforçar seu discurso como uma

ideia, um revolucionário pronto para morrer por sua causa. V pode ser

o personagem principal, o nome no título da obra, contudo, ele parece

estar mais para metáfora do que para indivíduo.

No entanto, toda essa inumanidade que ele apresenta, revela um

homem “humano, demasiadamente humano”, com desejos, sonhos,

ambições, perspectivas, críticas e falhas, na busca de ser, ou já sendo,

um espírito livre, sendo feliz em sua individualidade.

Com o tempo descobrimos que a história, na verdade, é a trajetória

de Evey, como dito antes, a menina de dezesseis anos que, como um

conto de fadas antigo, passa por todas as transformações de sua vida.

Entretanto, sem todas as metáforas que as fábulas apresentam, tudo

acontece de uma maneira mais bruta e real.

Enquanto na história da Bela Adormecida, ela fura o dedo em uma

agulha de uma roda de fiar, simbolizando sua primeira menstruação e

sua passagem de uma menina inocente para a mulher adulta que se

tornará, Evey quase fura a fila da maturidade, menstruação e relações

com um príncipe encantado, oferecendo seu corpo para um homem em

troca de dinheiro. Pela sua atitude, pelo seu desconhecimento do caso,

tudo indica que ela é virgem. Principalmente quando ela está sendo

questionada pelo policial à paisana e ela diz que ele será seu primeiro

e ele complementa dizendo “freguês”109, deixando no ar que talvez ele

seja o primeiro homem de sua vida.110

Quando ela é salva por V, ela entra na “Jornada do Herói” de

Joseph Campbell. Partindo para a mudança de sua existência, do

mundo comum em que vivia, aquele onde ela iria se prostituir, entrando

no Chamado à aventura, sendo levada por V à Galeria das Sombras.

Depois de descobrir melhor sobre o mundo comum, ela entra na

aventura, ajudando o V com o Bispo, para logo em seguida recusar

o chamado. Não concordando com V e querendo voltar a sua vida

normal.

Pelas definições, a ordem do chamado da aventura, pode ser, de

maneira simplificada, dividida e definida nos seguintes percursos:

Mundo comum, ou o dia a dia do herói; Chamado à aventura, quando

a rotina é quebrada; Recusa ao Chamado, quando o herói decide

não se envolver; Encontro com o mentor, quando se depara com

alguém mais experiente e/ou com uma grande decisão; Travessia do

primeiro limiar, quando o herói decide encarar o mundo novo; Testes,

aliados e inimigos, grande parte da história, onde passará por testes,

conhecerá pessoas novas, e se deparará com algo que pode ser o

inimigo definitivo; Aproximação da caverna oculta, quando se aproxima

do objetivo de sua missão; Provação, quando o herói enfrenta seu

maior desafio; Recompensa, a conquista do herói; Caminho de volta, o

retorno ao mundo anterior (não é obrigatório); Ressurreição, acontece

ao enfrentar uma trama anterior, não resolvida; por fim, Retorno com o

elixir, o fim da história, quando o herói volta transformado111.

O encontro com o mentor já aconteceu, mas foi com a recusa

de Evey que V decide treiná-la, e assim, levando-a para a rua e a

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abandonando. Evey se encontra sozinha112, entrando no quinto ponto

da jornada, onde ela atravessa o primeiro limiar, se inserindo em um

mundo diferente daquele onde ela era somente uma criança inocente e

agora tem que encarar o mundo de frente.

Neste momento, os testes, aliados e inimigos são apresentados.

Evey acaba morando com Gord, um homem comum do subúrbio

de Londres que, para sobreviver às vezes se envolve com algumas

tramóias e ilegalidades. Já se passaram alguns meses desde o início

da história, Evey se apresenta mais adulta, amadurecendo. Antes,

tentou retribuir a estada na Galeria da Solidão com o seu corpo,

mas V recusou, informando que isso não seria possível. Ela se sentiu

confusa, transtornada. Achando que V poderia ser seu Pai, levado

pelo partido há muitos anos trás. Após negações e revelações ela se

encontra esquecendo V neste novo lar.

É com Gord que ela se entrega, um homem que a respeita e que

a ama. Onde ela começa a viver aquela vida normal que ela queria,

longe dos assassinatos de planos revolucionários de V. Contudo, a

violência não fica fora de casa, Gord é morto113 pelos seus comparsas,

com uma espadada através da porta. Novamente Evey se vê como

criança, como aquela menina que sempre precisa de ajuda, que

sempre precisou de alguém a seu lado e nunca teve. Nem sua mãe,

nem seu pai, V ou mesmo Gord. Aqui ela perde um aliado, e tem que

superar os testes de suas escolhas, descobrindo quem é seu inimigo,

o Estado, a violência que cerca as pessoas, o medo e a incerteza.

Ela pega uma pistola na gaveta e sai para a rua. Vingar Gord, matar

aqueles que a fizeram sofrer e que fazem tantos outros. Porém, é

impedida por V, e levada novamente para a caverna oculta, a Galeria

das sombras.

Campbell coloca este momento como sendo um momento da

história de grande clímax, e tudo fica indefinido. Moore e Lloyd não

podiam ser mais literais. V provavelmente a seda com clorofórmio,

e ela entra em um sonho, onde tudo em sua mente é uma bagunça.

Partindo de um sonho de quando era uma menina, e seu pai vem

chamá-la para a festa, em um momento seu pai vira Gord, e eles

vão para cama juntos, até que sua mãe os pega no flagra e ela se

vê com seu pai. Contudo, mesmo ela se sentindo culpada sua mãe

não fica brava, só avisa sobre a vinda de um homem das marionetes.

Os lugares mudam as sensações se trocam rapidamente. Ela sente

medo do marionetista, que estava tirando a cabeça das pessoas

a pauladas114, enquanto todos riem. Ela corre, atrás dela vem V,

o homem das marionetes. Mesmo fugindo, ela sabe que não dará

tempo, se vê cercada, sozinha, culpa a todos por seu infortúnio.

Consegue chegar a um elevador, a porta fecha deixando V para

fora. Mas ela descobre que V está no elevador. E ele a pega115.

Trocamos a página impar pela par116 e descobrimos que Evey está

em uma cela, com roupas de prisioneira. Pelo outro lado da grade,

somente pode-se ver o cartaz “Força através da pureza, pureza

através da fé”117. O mesmo que tinha na rua onde, pela primeira vez

ela tentou vender seu corpo, sua pureza. Evey se encontra na oitava

parte de sua jornada, a provação.

Sem sombra de dúvida esta é a passagem mais impactante

de toda a Graphic Novel, o momento em que Evey se encontra

presa, tendo como parceiro de cela um rato118. Ela é torturada

psicologicamente, fisicamente e moralmente pelos guardas, tudo

para que ela entregue o paradeiro do terrorista conhecido como

“Codinome V”.

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Raspam o cabelo dela, a afogam, batem. Contudo, ela não sabe o

local onde V se escondia, foi levada lá vendada e solta na rua novamente

vendada. Não sabe nada sobre seu antigo anfitrião e salvador, não há

informação a ser revelada, mas ela é torturada.

Com o tempo, o rato não a incomoda mais, tudo que ela tem para

lhe dar forças e esperanças é a parceira de cela ao lado, que lhe deixou

um bilhete, escrito a mão em cinco pedaços de papel higiênico, onde

ela conta a vida dela e o motivo dela estar ali.

O nome desta vizinha é Valerie119, uma atriz em começo de

carreira que se apaixonou por uma mulher. A homossexualidade é algo

condenável pelo partido (e por Margareth Tatcher também), porém,

Valerie ama outras garotas, e não vê nada de errado nisso, mas a

sociedade a reprime, e mesmo ela se afastando para viver sua vida,

a opressão e o preconceito a condenaram. Só o amor uma pela outra

bastava, até serem afastadas e presas. Foram torturadas e obrigadas

a darem nomes e acusarem umas as outras. Sua parceira, Ruth, se

suicidou na cela, Valerie tem certeza que irá morrer. A declaração de

Valeire no final da carta que está nas mãos de Evey120 é o consolo

supremo a toda angústia passada no cárcere.

Eu vou morrer aqui. Cada centímetro de mim morrerá... exceto um. Só um. É pequeno e frágil e é a única coisa no mundo que ainda vale a pena se ter. Não devemos jamais perdê-lo, vendê-lo ou entregá-lo. Não podemos deixar que alguém tire de nós.Não sei quem você é, se é homem ou mulher. Talvez eu nunca o veja, nem te abrace, nem bebamos juntos... mas eu te amo.Espero que consiga fugir daqui. Espero que o mundo mude, que as coisas melhorem, e que, um dia, as rosas voltem. Queria poder te beijar.Valerie121”

É este ultimo centímetro que Winston Smith perde no final de

“1984” e que Evey recupera neste momento do quadrinho. Aquela

menina linda que perdeu toda a beleza na prisão, ficando magra e

frágil recupera a postura e seus princípios. Assim, quando levada para

um último interrogatório, sendo obrigada a assinar uma declaração

acusando V de algumas injustiças e outras verdades (como o

assassinato de um bom numero de figurões do partido), ela recusa e

diz não. Assim, foi condenada a ser levada para trás do depósito de

produtos químicos e ser fuzilada.

Aceitando sua morte, não há mais nada com que possam ameaçá-

la e, portanto, está livre.

A cena é impactante, Evey se vê sozinha na cela, descobre que

tudo não passou de um circo, um espetáculo de bonecos e gravações

de vós para iludi-la. Tudo está vazio, até mesmo o rato está preso em

uma gaiola122. No final do labirinto, ela se depara com V a esperando,

na Galeria das Sombras.

Claro que a garota não gosta nem um pouco da “brincadeira”.

Xinga, grita, acusa V de ser um louco. Ainda mais que ele diz ter feito

tudo isso por amor! Por querer libertá-la! A discussão esquenta os

ânimos. V argumenta que a vida é uma prisão, Evey não se importa

de ser presa se ela for feliz. V fala das injustiças, da omissão das

pessoas, do mundo ao redor dela. Evey retruca que o mundo é assim

mesmo e nós temos que suportá-lo, ela foge, não quer mais pensar

em nada, argumentar. Ela corre e V manda ela aproveitar o melhor

momento da vida dela, quando ela sente a liberdade aflorando em

sua essência.

Evey cai de joelhos, e chora. V a leva para o terraço, onde chove.

Ela não sente frio, nem medo, somente a liberdade em seu corpo nu e

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frágil. E ela se transforma. Esta é a recompensa de toda sua jornada

mitológica, e agora ela está de volta a Galeria das Sombras.

Esta passagem é muito importante para o quadrinho. Não somente

pelas transformações de Evey, mas pela simbologia aplicada por Moore.

V, em sua história, neste mesmo momento de sua vida, mais ou menos,

quando ele está no cárcere do campo de concentração, ele também

sofre sua transformação. Porém, no caso dele, há uma explosão, e ele

sobrevive ao fogo. A última vez que seu corpo é visto, foi saindo do

meio das chamas, nu. Evey, por sua vez, está nua, na chuva. Fogo e

água123, elementos opostos.

Estas duas transformações mostram à vertente revolucionária dos

dois personagens. Algo que V deixa bem claro quando ele e Evey estão

levando explosivos para o trem:

A anarquia ostenta duas faces, a criadora e a destruidora. Destruidores derrubam impérios, fazem telas com os destroços, onde os criadores erguem mundos melhores. Os destroços, uma vez obtidos, tornam as ruínas irrelevantes. Fora com os explosivos, então!Fora com os destruidores. Eles não têm lugar em nosso mundo melhor.Brindemos a todos os nossos bombardeiros, a nossos bastardos mais desprezíveis e odiosos. Bebamos a sua saúde......e depois que não os vejamos mais.124”

Aqui fica bem clara a proposta do quadrinho. Esta fala de V mostra

toda a proposta, o que significa Evey e V dentro da história. V sabe

que morrerá e que isso é um processo necessário para a revolução, e

também sabe que Evey com sua alma doce e desejos bons é a resposta

para o futuro quando ele não estiver mais aqui.

Após ser baleado, V morre e Evey descobre que realmente não

importa quem está por trás da máscara e sim o que ele representa.

Evey assume o manto, e este é, literalmente, seu renascimento. Não

podemos acusar Moore de errar a fórmula de Campbell, mas este

momento é triunfante na HQ. Pois V é declarado morto, o partido

informa que se ele não aparecer até a meia noite, sua morte será

confirmada. O povo aguarda nas ruas, agitado com o caos generalizado

que tomou as ruas de Londres. Quando V surge, agora como Evey,

declarando que a anarquia ou os grilhões são as únicas opções, o povo

volta ao caos. Tudo como manda o script.

Seu retorno com o elixir, sendo a décima segunda parte da

jornada mitológica, é quando Evey leva para a Galeria das sombras

o novo Líder, um dos poucos figurões do partido que permaneceram

vivo, com alguma credibilidade, após todos os acontecimentos, mas

ele estava tão afastado da politicagem, que nem sabe de todas as

artimanhas envolvidas. Agora ela não é mais a mesma, o mundo não

é mais o mesmo. E a história continua.

Podemos colocar a ressurreição como o momento em que ela se

descobre livre, e o retorno com o elixir ela ter se transformado no

manto de V. Porém, a ressurreição de V é tão literal, que seria injusto

fazer essa interpretação.

Assim se forma a jornada mitológica de Evey, e como “V de

Vingança” é sua história. Porém, V também passa por sua jornada,

vamos descobrindo todos os acontecimentos com o tempo, com as

investigações do detetive Finch e os diários que são encontrados.

Finch também é um personagem importante na história, ele

também passa por sua jornada, também descobre a liberdade, mas

diferente de Evey ele não teve um mentor, nem mesmo alguém para

orientar seu caminho, no fim, ele caminha sozinho pela escuridão de

Londres.

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Todos estão sendo influenciados pelas ações de V: Evey, Finch, o

Líder, e tantos outros personagens. V é uma entidade que tudo possui

e tudo pode. Um ser praticamente onipotente e onisciente que pulsa

anarquia e revolta. Um anjo que altera a história e os acontecimentos

ao redor dele.

3.2 O “anjo da história”: o ódio do passado deve alimentar o presente

O Anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruínas sobre ruínas e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. (...) Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos de progresso.125”

Podemos dizer que Benjamim é sensível à arte para retirar essa

metáfora tão significativa de um quadro como o Angelus Novus.

Entretanto, a metáfora é pertinente, e usá-la para definir V nos faz

perceber todo o processo revolucionário e interpretar este personagem

por trás da máscara que sorri.

Benjamim molda este anjo pensando em todo o processo

histórico com que os historiadores acabam se deparando ao desvendar

o passado. Desta forma, o anjo é uma entidade que está presente

e se deslocando junto com este passado rumo ao futuro, o qual ele

não encara, somente sabe que está vindo. Esta entidade ruma ao

progresso, que significa a ruína do passado, pela elevação do futuro.

Ao pensar neste mundo de ruínas como sendo algo inevitável para

que o futuro venha e nestes processos como sendo o justo acontecimento

da própria história, percebemos que, durante toda a HQ, V não nega

o processo, mas o apressa, o direciona e o controla para que, destas

ruínas surja um futuro mais interessante do proposto pela tempestade

fulminante que acarreta toda esta Londres “futurista” de 1997.

As ruínas de uma sociedade causada pela guerra nuclear; o fim dos

anos 80, tão caros para o autor; uma sociedade indiferente e omissa

às injustiças e à corrupção; um mundo caótico e perdido nas mãos

de um governante louco. São estas as ruínas que o progresso cria e

tornando-as o alicerce onde o V baseia uma sociedade utópica que ele

tanto almeja.

V é uma entidade arrastada por esse progresso, percebendo sem

virar o rosto toda a destruição que esta tempestade criou, e sem

pestanejar, tenta mover suas asas para tentar guiar esse progresso

para um estado, digamos, superior. V como o Anjo da História, como

alerta ao futuro, um ser acima das ruínas do passado, que se molda

delas, capaz de se orientar na tempestade.

Como Foucault e Benjamim, Moore tenta com V de Vingança fazer

um alerta contra o fascismo e os estados totalitários. V é este alerta de

que a mudança pode ser feita e deve ser gerada pela sociedade, para

assim, evitar essas ruínas.

Foucault mostra as tramas do poder, sua origem e seus caminhos

para se estender sobre todas as pessoas. Um poder invisível, opressor

e tido como necessário para a vida humana. Percebemos isso na leitura

de “Vigiar e Punir”, “Genealogia do Poder”, entre tantos outros textos

do autor. O poder como o conhecemos está nas tramas da sociedade,

na vigilância constante de pessoa para pessoa. O Panoptismo não é

apenas uma explicação de como a sociedade funciona, mas também

um aviso para nos deixar cientes que a sociedade é controlada.

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100Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

“Em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de

poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou

obrigações.126” Este “corpo dócil” pensado por Foucault nos traz a tona

a sociedade controlada pela sociedade totalitária, como a pensada por

Hannah Arendt, e encontrada em V de Vingança, pois ela condiciona o

indivíduo a um controle para que seu poder se mantenha estabelecido,

um controle de mente e corpo, ela é capaz de “exercer sobre ele

uma coerção sem folga, de mantê-lo ao nível mesmo da mecânica –

movimentos, gestos atitudes, rapidez: poder infinitesimal sobre o

corpo ativo.127”

Se projetarmos a sociedade vigilante de Foucault para V de

Vingança encontraremos muitas semelhanças, tanto porque estas

semelhanças também estão presentes em nosso mundo atual. Na

Graphic Novel encontramos a rigidez da disciplina educadora; a ideia

de se fazer quarentena, como era no medievo, quando se tinha alguma

peste doentia na cidade; ou mesmo as situações de panóptico, com

vigilância eletrônica, polícia e censo, entre outras situações.

Estas situações são relações da sociedade comum, contudo, elas

se elevam em um Estado fascista. Em seu texto “Introdução à vida não

fascista”, Foucault coloca três inimigos ao mundo128, que podem levar

aos desconfortos da sociedade, são eles: a burocracia; os “técnicos

do desejo – os psicanalistas e semiólogos”, que querem levar o mundo

à catalogação da lei binária; e, por fim, o inimigo maior, o fascismo.

Mas não qualquer fascismo, e sim aquele “que nos faz amar o poder,

desejar esta coisa que nos domina e nos explora.129”

Benjamim também vê no fascismo uma ameaça à sociedade,

“o assombro com o fato de que os episódios que vivemos no século

XX ‘ainda sejam’ possíveis, não é um assombro filosófico130”. A luta

contra essa personificação deve se manter sempre, pois o fascismo

“se beneficia da circunstância de que seus adversários o enfrentam

em nome do progresso, considerando como uma norma histórica.131”

Porém, em nome deste progresso o fascismo pode renascer. Cabe ao

anjo da história observar estes acontecimentos, ver as ruínas que o

progresso molda e alertar o futuro. Coube a V destronar o fascismo e

a (in)justiça em nome da liberdade.

Uma das ações de V mais incríveis é quando ele domina a televisão

londrina e passa uma mensagem muito informativa. Ele segue o

conselho de Benjamim, tentando mudar o pensamento das pessoas

que “se alimentam da imagem dos antepassados escravizados, e não

dos descendentes libertados.132” Assim, ele faz tal qual um historiador

que possui o dom de mudar as coisas, “o dom de despertar no passado

as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador

convencido de que também os mortos não estarão em segurança se

o inimigo vencer.133”

Esta ideia de não mostrar um futuro glorioso, onde a vitória se

encontra, onde está o progresso, e sim mostrar um passado forte,

interessante, onde todos nós podemos firmar nossos pés sem medo,

pois lá também há vitória. Não somos todos fracassados historicamente,

pelo contrário, o passado nos permite ir ao futuro com segurança e

convicção.

É assim que V entra, como um deus que julga sua criação, pela tela

da TV, revelando tudo aquilo que a educação e o totalitarismo fascistas

tentam negar, mas diferente de seu inimigos, V não se impõe como

um líder, ou um chefe, mas como um orientador, alguém para indicar o

caminho. Como Zaratustra, personagem de Nietzsche em “Assim falou

Zaratustra”, que desce de sua montanha para mostrar aos homens

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 101Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

as opções para serem seres humanos melhores, ou serem o “último

dos homens” ou serem o “super-homem”, mas em momento algum ele

força as pessoas a optarem por alguma delas, somente conversa e

argumenta sobre as possibilidades.

Ele assume o horário nobre, quando todos estão prostrados diante

da TV, como em um jornal, iniciando sua fala com seu saudoso “Boa

noite, Londres”134. Sabemos que é uma gravação em fita, não é ao

vivo, então, há uma trama que se desenrola durante a exibição, nos

bastidores da emissora de televisão. Vou deixar isso de lado, não é

importante agora135.

Falando em trabalho, é desta forma que V inicia sua abordagem com os

telespectadores, sempre os tratando como funcionários incompetentes,

que não estão cumprindo bem seu papel para que as coisas deem certo.

V se coloca no papel de Deus onipresente, como um patrão que quer o

melhor desempenho do funcionário, porém, sem nunca ser imperativo

em sua fala. Ele busca a origem humana no começo da evolução das

espécies, buscando em Darwim o contraponto da religiosidade e o

criacionismo. Algo comum de se pensar neste mundo fascista, onde a

religião é um predominante meio de controle e educação.

V se coloca naquela época primordial, dizendo que ajudou o homem

neste processo evolucionário. Ele elogia, carrega o discurso de maneira

exímia, enaltece os grandes feitos da humanidade e suas evoluções

tecnológicas. Porém, ele tem problemas com seu funcionário, com sua

criação, e o problema está na “indisposição natural para subir dentro

da empresa.136” Acusa a humanidade (afinal, ele está falando com

todos os telespectadores e também, com nós leitores do quadrinho)

de ser acomodada, não querer encarar responsabilidades, mesmo ele

(Deus, Patrão, V) dando muitas oportunidades.

Aqui temos uma imagem de Buda, como sendo um exemplo

das oportunidades dadas aos homens no passado, mesmo assim,

ninguém quis ouvi-lo, preferiram se manter em seus lugares, dizendo

saber onde deveriam estar, mas V é veemente, “para ser franco, você

nunca nem tentou.137”

Todo o discurso de V é acusador, sem ser cruel ou impositivo.

Sempre apontando o dedo para o telespectador mostrando que ele

é o culpado pelo mundo estar da forma que está. Sua acomodação,

inércia e indiferença, sua servidão voluntária, características

indispensáveis para a consolidação de uma sociedade totalitária, é a

causa de todo o transtorno e incômodo.

V vai além, apontando o principal problema da sociedade: os

desentendimentos familiares.

Estou sabendo que você não consegue mais se entender com sua esposa... me disseram que os dois brigam muito, que você grita... falaram até de violência. Fui informado que você sempre magoa aquela que ama... aquela que jamais deveria magoar.E seus filhos? São sempre as crianças que sofrem, como você bem sabe. Pobrezinhos! O que fizeram para merecer isso?O que fizeram para merecer sua truculência, seu desespero, sua covardia e todas as intolerâncias cultivadas com tanta estima?138”

Acusar o alicerce familiar, que seria a base da sociedade, é ir

além de apontar o dedo para os erros do mundo, mas questionar se

esses erros que tanto acusam como sendo praticados pelo Estado,

pelo outro, às vezes por um inimigo distante, não possam estar

acontecendo dentro daquela sala confortável em frente a TV. V acusa

a humanidade pelos seus próprios problemas, mas acusa também o

cidadão comum de ser o elo fraco para uma sociedade devidamente

livre, justa e melhor.

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“A gerência”, como diz V, “é deplorável139”, mas não é dela a culpa

destes problemas todos. Ele reconhece que “tivemos uma sucessão

de malversadores larápios e lunáticos tomando um sem-número de

decisões catastróficas. Isso é inegável140”, mas ele retorna a sua

acusação dizendo: “mas quem os elegeu?141”. Neste momento vemos

uma sala em frente à TV, com um pai gordo com sua cerveja na mão,

uma mãe deitada no sofá. Uma filha mais velha apoiada no respaldar

e um garoto ao lado142. Todos vendo a TV, todos responsáveis e

culpados.

Claro que qualquer um está sujeito a se equivocar, mas cometer os mesmos erros fatais, século após século parece uma atitude deliberada. Você encorajou esses incompetentes, que transformaram sua vida profissional num inferno.143

Assim V termina suas acusações, diz que “bastava dizer ‘não’144”

e que agora, seu valor na companhia tinha se perdido, e terá dois anos

para se corrigir e atingir resultados satisfatórios, caso contrário, será

cortado. “Isso é tudo. Pode voltar ao trabalho. As tarefas normais

devem começar tão logo seja possível.145”

Este vídeo é o golpe final de V à sociedade, ao partido, ao fascismo

como um todo. V inicia o fim de seu grandioso espetáculo.

Esta passagem é composta de um uso complexo de imagem

e discurso, pois, a todo momento, enquanto V fala, imagens são

mostradas, sem legendas ou explicação, ao fundo. Quando fala sobre

evolução, temos ao fundo alguma espécie de símio. Ao elogiar a

ausência de faltas dos “funcionários”, temos uma imagem do corpo de

bombeiros. Os grandes feitos são retratados com o homem pousando

na lua. Temos imagens de guerras, alguns quadros antigos. Fotos de

ditadores e passeatas nazistas. Por fim, uma explosão atômica.

Estas imagens complementam o discurso, sendo praticamente

usadas como um recurso cinematográfico, afinal, V está em uma

televisão. Aqui sentimos muito bem essa proximidade das duas fontes,

do Quadrinho para com o Cinema. Quando V fala algo, a imagem induz

a interpretação para aqueles que as entende. O discurso ganha força

e impacto, tendo uma interpretação imagética muito maior do que se

fosse simplesmente oral. Por exemplo, ao falar das crianças e delas

sofrerem com os maus tratos, vemos uma criança loira apoiada em

uma janela. Não temos certeza de quem ela seja, pois não há uma

referência. Mas parece ser a criança de “Alemanha, Ano Zero” do

filme de Roberto Rosellini146. Neste filme, esta criança passa por maus

bocados, diversos tipos de violência, para, no fim, acabar se matando.

Um jovem de 12 anos. O filme é forte e impactante, e ver esta imagem

junto do discurso, quando ele fala “O que fizeram para merecer isso?”,

as cenas do filme e os acontecimentos que a criança sofreu e cometeu

se somam à interpretação da pergunta. As referências durante todo

o discurso, e também em todo o quadrinho, tornam as interpretações

dos acontecimentos muito mais significativas.

Contudo, o golpe ao âmago de todo o poder é quando V coloca,

por poucos instantes, os dizeres “Eu te amo” na tela de Destino147, na

frente do Líder, fazendo-o entrar em um surto louco.

Assim começa o tomo 3 da HQ, “A terra do Faça-o-que-quiser148”.

Com Evey entrando definitivamente na sua fase adulta, após passar

pelo cárcere fictício de V, e guardar em um baú, vários ursinhos de

pelúcia, livros infantis e tudo que não é mais necessário.

Já faz meses que V não age, colocando todos na calmaria antes da

tempestade. E que tempestade! V explode o partido em vários pontos

estratégicos usando os ritmos das explosões na sequência apoteótica

de 1812 Ouverture Solennelle, de Tchaikovsky149.

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 103Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

Claro que, habitualmente, não há som nas histórias em quadrinhos,

porém, neste momento, quando vemos a partitura com o nome da

sinfonia e V se aproximando como um maestro150 pronto para reger

seus instrumentos, podemos sentir as vibrações dos metais e dos

tambores. Com isso, vemos o caos, a Cabeça sendo desmantelada,

as pessoas não sabendo o que fazer. Então, uma mensagem no rádio

aparece, é V, declarando que a privacidade está sendo novamente

devolvida como direito aos cidadãos, ninguém saberá o que estão

fazendo, sem câmeras ou escutas. Está declarado, por três dias, a lei

do “faça-o-que-quiser”. Londres está em chamas, a música termina, V

agradece os aplausos151.

Um momento sublime e inesquecível. Estamos novamente no dia 5

de novembro, agora de 1998. Passado um ano do início da história. V,

na pressa por criar as ruínas desse presente ingrato, transformando-o

em um passado vítima da tempestade do progresso, leva suas asas

para um novo futuro. Como o Angelus Novus de Klee, interpretado

por Benjamim, ele também encara o passado, suas ruínas, e sente

em seu manto a mesma tempestade violenta que o empurra. Mas ele

alertou os mortos. Incitou o orgulho de um passado e a certeza de um

futuro melhor. Acertou o fascismo aonde doía mais, no poder. Agora,

simplesmente se deixa carregar pela tempestade caótica que criou.

Contudo, não está com os olhos escancarados e com a boca dilatada,

mas sim, com um sorriso levado no rosto.

3.3 Qual anarquismo? “V” e o anarquismo individualista

V é um anarquista. Isso ele afirma ao longo de toda a história. Sua

busca por um mundo melhor, não fascista, com pessoas livres para

tomarem as rédeas de suas próprias vidas, é tudo que ele sempre quis.

Este é seu desejo, e esta é a sua vingança.

Em um dos diálogos que acontece na história, de Evey com V,

perceberemos esta opinião anárquica de V. O diálogo começa com

Evey falando do início de toda a baderna que gerará a revolução:

...aconteceu lá em East Finchley esta noite. Dissero que a moça tinha levado uma lata de feijão e metero uma bala bem na cara dela. Todo mundo fico mudo, parado... que nem se ela fosse uma paquistanesa. Essa foi demais. Se os putos aparece aqui, vão levá um chute no rabo... Ah, se vão”152

Este relato de Evey é acompanhado das imagens da cena relatada.

Com uma mulher sendo pega pelos policiais em um saque a uma loja

de conveniências. Uma arma sendo colocada em seu rosto e, depois,

uma multidão vendo o corpo cair, mas tendo em primeiro plano a arma

(claramente uma pistola panzer, usada pelos nazistas na segunda

guerra mundial153) com fumaça saindo do cano. No que assim, entra

o discurso de V.

Não se deve contar com a maioria silenciosa, pois o silêncio é algo frágil. Um ruído alto... e está tudo acabado.O povo está amedrontado e desorganizado demais. Alguns podem ter tido a oportunidade de protestar, mas foram como vozes gritando no deserto.O barulho é relativo ao silêncio que precede. Quanto mais absoluta a quietude, mais devastadoras as palmas.Nossos governantes não ouvem a voz do povo há gerações, Evey... e ela é muito mais alta do que eles se recordam.”154

As imagens da multidão silenciosa155, observando o assassinato,

observando as pessoas reagirem em meio à turba, pasma. Muitos

horrorizados, outros tantos impassíveis, mas no fim, todos

enraivecidos156.

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104Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

Assim chegamos ao 6 de novembro de 1998, após Londres ter

sido explodida ao som de Tchaikovsky. Pessoas nas ruas, a cidade

sendo saqueada. Multidões em protestos por todos os lados. Fogo e

manifestações.

Evey escuta as notícias em um rádio trazido por V, e pergunta o

que é isso, o que está acontecendo? Todo esse tumulto e gritaria, V...

Isso é Anarquia? Esta é a terra do faça-o-que-quiser?”157 Ao que

V responde:

Não. Esta é a terra do faça-o-que-quiser. Anarquia significa sem líderes, não sem ordem.Com Anarquia, vem uma era de Ordung, de verdadeira ordem, ou seja, ordem voluntária. Esta Era de Ordung terá início quando o insano e incoerente ciclo de verdwirrung, que esses boletins revelam, tiver se exaurido. Isto não é anarquia, Eve. Isto é o caos.”158

Pensar com quais anarquismos estamos lidando, pode ser algo

complexo demais, afinal, como qualquer ideologia, há diversas

vertentes e muitas são similares entre si. No caso de V, sabemos

existir uma deixa para o anarco-individualismo. Vertente fundada por

Max Stirner, escritor de “O ego e o que a ele pertence”. Sendo que ele

ficou conhecido como o anarquista egoísta.

Para o Estado, é indispensável que ninguém tenha vontade própria. Se alguns a possuíssem, seria preciso excluí-los, prendê-los ou bani-los. Se todos a possuíssem, o Estado acabaria. É impossível imaginar um estado sem senhores nem servos, já que ele deve desejar ser o senhor de tudo aqui que abrange – e a isso chamamos ‘a vontade do Estado’... A vontade que existe em mim pode destruí-lo e, por isso, ele a chama de egoísmo. Minha vontade e o estado são duas forças em luta, entre as quais é impossível a paz eterna.”159

Este pensamento diz muito sobre V, a ponto de conseguirmos

ver nele o reflexo revoltado de Stirner e de seu egoísmo. Esta luta

incansável do homem contra o Estado, da força usada para a revolta

que faz sangrar seus pulsos e, assim, se livrar dos grilhões que o

aprisionam. Este é V, um homem contra o Estado, na tentativa de fazer

as outras pessoas também sentirem essa vontade, este egoísmo.

Em várias passagens do quadrinho podemos ver V se colocando

como o contraponto do estado. Principalmente quando ele revela a

Evey que ele também possui um Destino, o computador que tudo rege.

Ele também sabe o que o Estado sabe, e ele está à altura de todo o

poder fascista.

Outra boa passagem sobre as relações dele com o estado, neste

teatro maniqueísta gerado por V, é aquela, já citada, onde há a

declaração a estatua da Justiça. Seu amor de infância que se deitou

com o inimigo, gerando o ódio do amante deixado para trás.

Deste amor frustrado, do ódio, surge o V destruidor. Que

percebemos no discurso de despedida que faz para Evey, ao definir as

duas faces da anarquia, a destruidora e a criadora.

A anarquia ostenta duas faces, a criadora e a destruidora. Destruidores derrubam impérios, fazem telas com os destroços, onde os criadores erguem mundos melhores. Os destroços, uma vez obtidos, tornam as ruínas irrelevantes. Fora com os explosivos, então!Fora com os destruidores. Eles não têm lugar em nosso mundo melhor.Brindemos a todos os nossos bombardeiros, a nossos bastardos mais desprezíveis e odiosos. Bebamos a sua saúde......e depois que não os vejamos mais.”160

Este brinde a sua própria saúde e morte, onde ele se vê como um

bastardo desprezível e odioso, um incômodo em um mundo melhor.

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Porém, antes, sua função é vital para se conseguir o mundo melhor que

ele almeja, no qual os criadores erguerão e manterão este mundo.

Esta faceta destruidora é reflexo das teorias niilista anárquicas.

Da necessidade de criar as ruínas de um mundo intrinsecamente

corrompido, onde as pessoas estão habituadas a ele e às próprias

tramas de poder foucaultiano, estão estabelecidos de maneira a

nenhuma resistência conseguir pará-los.

Aqui encontramos ideias anarquistas de Bakunin, a destruição do

Estado pela elevação do povo em seu posto de direto, o comando de

suas próprias vidas: “A estrela da Revolução se erguerá de um mar de

sangue e fogo, brilhando bem alto e independente sobre Moscou, e se

transformará na estrela-guia que conduzirá a humanidade liberada.161”

Esta frase, tirada do livro Apelo aos eslavos, mostrava esta ideia

niilista, em outro contexto, mas se transportada para a Londres de V,

mostra o espetáculo de fogos de V para servir de estandarte ao povo,

de exemplo aos duvidosos.

Outra passagem nas ideias de Bakunin que descreve V está no

Catecismo revolucionário, quando ele diz que:

O revolucionário é um homem sob o juramento – diz o catecismo -, ele deve ocupar-se exclusivamente com um único interesse, um único pensamento, uma única paixão: a revolução... Há entre ele e a sociedade uma guerra de morte, incessante irreconciliável... Ele deve fazer uma lista daqueles que foram condenados à morte e executar as sentenças, pela ordem de suas relativas iniqüidades.162

Bakunin não podia ser mais literal, mas V faz sua lista de

condenados ao contrário das iniqüidades. Fora isso, este é V, um

revolucionário sobre juramento. Percebemos em suas atitudes, nas

suas palavras e ações que tudo que faz está voltado para mudar a

sociedade e implementar o anarquismo como modo de vida na Londres

de 1997. Sua vingança, seu niilismo, sua vida, seu anarquismo, são

ferramentas para mudar o mundo. Mundo este que o jogou no fogo, no

campo de concentração, tentou matar suas esperanças, seus amigos,

tudo que tinha e possuía. Que matou os pais de Evey, que a forçou a

se prostituir para poder se alimentar direito. Que mata. E, ao mesmo

tempo, não se importa com nada que acontece a sua volta, em que sua

corrupção está intrinsecamente ligada a essa violência, como sendo

algo meramente natural na ordem das coisas. O Fascismo jamais

deveria se tornar uma opção no mundo. A este mundo injusto V dedica

seu mais belo presente póstumo, a Anarquia.

Qual anarquismo V discursa? Isso pode pouco ser importante. Seria

aquele pensado pelo filosofo Godwin? Puro, inocente e racional?

A anarquia é transitória, mas a ditadura tende a se tornar permanente. A anarquia desperta a mente, difunde energia e iniciativa entre a comunidade, embora possa talvez não fazê-lo da melhor maneira... Mas na ditadura, a mente é esmagada sob a mais odiosa forma de igualdade. Tudo que promete grandeza está destinado a cair sob o jugo exterminador da suspeita e da inveja.163

Facilmente conseguimos encontrar no discurso de V noções desta

passagem do livro Inquéritos sob a justiça política. O povo como único

revolucionário capaz de reger quando não houver mais estado. Quando

isso não for mais necessário, algo novo virá. A anarquia não é o ponto

final do processo revolucionário. Anarquia ao contrario da ditadura.

Ou quem sabe, nas belas palavras de Proudhon, do livro “A

propriedade é um roubo”, lá também podemos encontrar uma forma

de se pensar V:

Se tivesse de responder à seguinte questão: o que é escravidão?, e a respondesse numa única palavra: é um assassinato, meu

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pensamento seria logo compreendido. Eu não teria necessidade de um longo discurso para mostrar que o poder de tirar o homem o pensamento, a vontade, a personalidade é um poder de vida e de morte, e que fazer um homem escravo é assassiná-lo. Por que então a esta outra pergunta: o que é propriedade?, não posso eu responder da mesma maneira: é um roubo, sem ter a certeza de não ser entendido, embora esta segunda proposição não seja senão a primeira transformada?164

Não é difícil interpretar as pessoas omissas como escravos do

fascismo, as rédeas do partido, seu controle sobre a liberdade de

expressão e vigilância como uma forma do Partido tomar Londres como

sendo sua propriedade? V tenta devolver aos homens aquilo que é

deles por direito de nascença, a liberdade.

Até nas palavras do bondoso Krapotkin, encontramos dizeres que

podiam ser ditas por V:

Quando este dia chegar – e cabe a vocês apressar a sua chegada -, quando toda uma região, quando grandes cidades com seus subúrbios tiverem se libertado dos homens que as governam, nossa tarefa está definida: é preciso fazer com que todos os equipamentos retornem às mãos da comunidade; que todos os recursos sociais, hoje em poder de indivíduos isolados, sejam devolvidos aos seus verdadeiros donos, ou seja, a todos, para que cada um possa desfrutar o seu quinhão no consumo, para que a produção de tudo que for necessário e útil possa continuar sem interrupções e para que a vida social, longe de sofrer uma interrupção, possa prosseguir com renovada energia.165

A revolução de todos por todos, na devolução de suas

ferramentas, aquilo que os sustenta, se adaptarmos para os anos 80,

aquilo que lhes faz feliz, sem que deva justificativa a um possuidor

destes recursos. V deseja isso aos londrinos, que eles tomem por

eles mesmos o poder do Estado, para, assim, tornarem-se livres,

como bem entenderem.

Pensar a anarquia em V de Vingança, retoma a discussão do início

desta monografia, sobre as relações do HQ com o público dos anos 80,

a Era Thatcher e a desilusão política na juventude desta década.

A Inglaterra e o mundo passavam por transformações

socioeconômicas com a fragilidade da guerra fria e a ameaça constante

de um holocausto nuclear. Não parecia haver esperanças para um

futuro melhor. A HQ vem mostrar um futuro esperado por todos, onde

há uma guerra nuclear, o mundo está estraçalhado e caótico, e na

tentativa de arrumar a situação, voltam os mesmo problemas do início

do século, anteriores as grandes guerras e a concretização de uma

ameaça fascista na Europa.

Alan Moore não se preocupa em dizer que a ameaça não aconteceu,

que a bomba não caiu. Mas mostra que, para a Inglaterra se salvar, a

Dama de Ferro deve deixar de ser a primeira ministra britânica, assim,

com o partido trabalhista assumindo as rédeas inglesas, limpando

o território das bombas nucleares, talvez, ela possa sair ilesa dos

ataques, por deixar de ser um alvo em potencial.

A crítica do autor não está na análise de um mundo hipotético

fascista futurista, mas nos receios das decisões na década de oitenta

no futuro por vir. Principalmente ao se tratar dos preconceitos ao

homossexualismo, racismos e xenofobia, situações retratadas na

HQ quando V descreve as pessoas que eram levadas à força para os

campos de concentração.

A falta de liberdade de expressão, a vigilância constante nas ruas.

A polícia, o Estado guiando como bem entendem as normas de convívio,

com guerras praticamente particulares, como no caso da Batalha das

Malvinas, e as pessoas criticando sem nada fazer, ou simplesmente

aceitando as decisões sem se preocupar com o dia de amanhã.

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Se as pessoas pensarem no que estão fazendo, as mudanças podem

vir a ajudar. A angústia revolucionária que existe no quadrinho é o fato

de ninguém mais querer fazer nada para mudar o mundo no estado em

que ele está. Para isso, faz-se necessária uma medida drástica, niilista,

que mova as pessoas do seu lugar. Tudo pode depender de um homem,

mas será somente o início, pois, se ninguém aceitar ou ver as injustiças

existentes, nada mais poderá ser feito. O conformismo tornará tudo

novamente igual.

Os anarquismos em V de Vingança são o alerta à década de 80,

uma sugestão de uma opção melhor que a vigente. Melhor que a tirania

de Thatcher, que a rigidez inglesa, que a paranoia caótica, que o medo

e o conformismo, Moore, utilizando de V, propõe a anarquia, afinal, se

é para ter alguém como Thatcher no comando do Estado, melhor era

não ter Estado nenhum, melhor seria a Anarquia, um povo sem Estado,

mas não um povo sem ordem. A pura e simples anarquia.

A graphic novel permanece atual, mesmo mais de vinte anos

após sua publicação, as pessoas continuam omissas, aceitando tudo

que acontece a sua volta, e as corrupções do estado. Ainda sendo

necessário um anarquista como V para que uma mudança ocorra. Ler

nos anos 90, ou depois, não faz dela uma obra deslocada no tempo,

mesmo lendo após a data futura proposta, 1997, ainda dá para sentir

a tensão do tempo. Mesmo sem a guerra fria, ainda temos bombas

atômicas, mesmo sem as ditaduras, ainda temos governantes

corruptos, mesmo com todos os movimentos jovens e culturais dos

anos 80, ainda temos pessoas omissas.

Talvez ainda precisemos de uma frase anarquista para melhor

entender o que nós queremos, se é esta justiça complexa dos novos

tempos, ou a doce e dura liberdade.

Em uma de suas últimas frases, V declara: “Esta é a missão deles:

governarem-se a si mesmo. Suas vidas, amores e terra166”. Não mais,

não menos.

CONCLUSÃO

Trabalhar com histórias em quadrinhos como fonte histórica pode

ser extremamente complicado. Analisar todas as imagens e textos

para transmitir alguma informação ao leitor de maneira que seja

inteligível e curiosa, não é fácil em nenhuma circunstância, mas com

os quadrinhos, o recurso da imagem e sua interpretação, as grandes

possibilidades de interpretação, podem levar a contradições quando

soltas solitariamente, fora do contexto delas.

Em um primeiro momento, após ler algumas pesquisas de outros

historiadores, reparei que usar recortes das imagens no texto dificulta

a leitura. Por serem mídias diferentes, texto e história em quadrinhos

nem sempre se encaixam perfeitamente. Como não estávamos

fazendo uma análise direta das imagens para colocá-las no meio da

página e assim desvendá-la, e sim, estávamos tentando fazer uma

análise dos anos 80, do autor, dos diálogos e das sugestões por

trás da obra, descobrimos que deixar a interpretação das imagens

ao leitor poderia confundir a sequência do texto, afinal, como o

leitor pode não ter lido a Graphc Novel, inserir sem explicações

um quadrinho na intenção de que faça sentido com o texto, não

seria a melhor forma. Assim, colocar os recortes necessários, mais

por curiosidade do que por meio indispensável para se entender o

texto, tornou-se a melhor forma para se trabalhar com esta fonte

para mim. Com isso, as imagens ficaram no final do texto, como dito

na introdução.

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108Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

Encontrar estudos semelhantes, que trabalhassem com histórias

em quadrinhos também não foi fácil. Alguns artigos, outros textos, mas

em geral, muitos usavam o quadrinho como objeto de pesquisa e não

como fonte, a intenção inicial da monografia. Com a falta de exemplos

e teorias mais aprofundadas sobre o uso dos quadrinhos como fonte,

readaptamos algumas ideias, e muitas outras foram modificadas ao

escrever definitivamente a monografia.

Mesmo assim, lidar com algo que está presente em minha vida

desde minha infância, ainda mais com uma de minhas HQ favoritas faz o

trabalho ser mais ameno e gostoso de se fazer. Possuindo a fonte, pude

me dedicar em trabalhar com as leituras e em escrever, e relê-la quantas

vezes fosse necessário, lendo tudo minuciosamente, ou folhando as

páginas na procura de alguma imagem que dissesse algo que eu ainda

não havia percebido, isso foi um exercício interessante, com o tempo, a

fonte acaba te dizendo o que você esperava ou negando tudo aquilo que

você supunha para lhe dar um caminho novo e interessante.

Como tive uma “militância anarquista” em minha época de colégio,

acabávamos lendo e repassando livros uns para os outros, e “V de

Vingança” era uma leitura obrigatória. Discutíamos sobre ele, sobre

anarquia e o mundo. Criticávamos longamente o filme baseado na

obra, que, realmente, não se parece com a Obra original, deixando

muito a desejar, ao se tratar de Anarquia. Mas nunca víamos V

como um Anarco-Individualista, tínhamos pelo Max Stirner um ódio

ideológico. Contudo, relendo os livros e anotações nas bordas dos

livros e o próprio V, acabei por redescobrir um anarquismo deixado de

lado, conhecer um personagem que não via, que inserido nos anos 80,

uma década que não vivi, acabou fazendo muito mais sentido do que

vê-lo como um proudhoniano.

Com o tempo, a pesquisa monográfica tornou-se uma forma de

saciar minhas curiosidades juvenis, descobrir a década que precedeu

minha geração, as bandas que eu tanto gostava, e que criou os filmes

que marcaram minha infância. Ler relatos e descobrir a paranóia

existente nos livros de espionagem que habitam minha estante.

Não vivi com a bomba atômica, nem com ditadura alguma.

Notar que poucos anos antes de eu nascer o mundo era uma loucura

generalizada, permitiram interpretar os desenhos, quadrinhos e jogos

de videogame que joguei minha vida toda com outros olhos. Os filmes e

livros tinham por trás um apelo a um momento histórico complexo. Um

medo do final dos tempos. Hoje, o medo mudou de nome, acusamos

as ameaças ecológicas, evitamos gastar copos de plástico, ou comer

sopa de tartaruga. Um discurso que funciona dos anos 90 em diante,

mas que, para um mundo prestes a acabar como alguns temiam nos

anos 80, seria infundado.

Claro que a paranoia não era tamanha, que o final dos tempos

era impensável mesmo para os jovens daquela época, mas existia a

ameaça. O medo de um estagiário desastrado tropeçar nos botões

errados e erradicar um país inteiro do mapa era um receio, exagerado

ou irônico, mas era.

Descobrir essas coisas “velhas”, mas que criam uma nova

roupagem quando começamos a entender os detalhes, foi sem dúvida

a parte mais interessante.

Entre as conclusões referentes às descobertas feitas sobre esta

graphic novel, pode-se ver em V um exemplo a ser seguido, pois em “V

de Vingança” se encontram todos os conselhos de Foucault para viver

uma vida não fascista, mas não qualquer fascismo, e sim aquele que

existe dentro de nós. Os conselhos, que se encaixam em V, são:

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- Libere a ação política de toda forma de paranóia unitária e totalizante;- Faça crescer a ação, o pensamento e os desejos por proliferação, justaposição e disjunção, mais do que por subdivisão e hierarquização piramidal;- Libere-se das velhas categorias do Negativo (a lei, o limite, a castração, a falta, a lacuna), que o pensamento ocidental, por um longo tempo, sacralizou como forma do poder e modo de acesso à realidade. Prefira o que é positivo e múltiplo; a diferença à uniformidade; o fluxo às unidades; os agenciamentos móveis aos sistemas. Considere que o que é produtivo, não é sedentário, mas nômade;- Não imagine que seja preciso ser triste para ser militante, mesmo que a coisa que se combata seja abominável. É a ligação do desejo com a realidade (e não sua fuga, nas formas da representação) que possui uma força revolucionária;- Não utilize o pensamento para dar a uma prática política um valor de verdade; nem a ação política, para desacreditar um pensamento, como se ele fosse apenas pura especulação. Utilize a prática política como um intensificador do pensamento, e a análise como um multiplicador das formas e dos domínios de intervenção da ação política;- Não exija da ação política que ela restabeleça os “direitos” do indivíduo, tal como a filosofia os definiu. O indivíduo é o produto do poder. O que é preciso é “desindividualizar” pela multiplicação, o deslocamento e os diversos agenciamentos. O grupo não deve ser o laço orgânico que une os indivíduos hierarquizados, mas um constante gerador de “desindividualização”;- Não caia de amores pelo poder.167

Viver uma vida não fascista não parece ser difícil, não precisamos

ser nenhum V para conseguir construir um mundo melhor. Contudo,

segui-los pode torná-lo livre, porém ser livre sozinho, em uma sociedade

que você não aceita e que não o aceita, pode trazer-lhe tristeza. “V de

Vingança” é um quadrinho sobre mudanças e escolhas, sobre a vida

e o futuro, colocando a revolta e a anarquia somente como um pano

de fundo sobre a própria existência humana. Na vida real, ser V, ou

sentir o que ele sentiu não te fará uma Evey ou um revoltado capaz de

explodir a corrupção, mas sim, andar sozinho por um mundo devastado

pelo caos. Caminhar pelas ruínas da destruição do progresso sem

nem ao menos saber para onde vai o Anjo da História. No fim, o que

V quer nos deixar de verdade é que, mais vale estar sozinho do que

mal acompanhado, se for para estar sozinho com suas convicções

e liberdade. Exatamente como o que acontece com Finch, no último

quadrinho da história.

Figura 4 -Último quadrinho de v de vingança

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo : Panini/Vertigo

p267

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110Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

Assim, acabamos descobrindo um novo “V de Vingança”, fruto de

uma década que foi herdeira de um conturbado século. Esmiuçamos

uma história em quadrinhos genial, repleta de referências e

complexidades, para ajudar os quadrinhos a deixarem de ser somente

um entretenimento injustiçado, tornar uma fonte completa, interessante

ao trabalho do historiador e com isso aumentar o nível do debate.

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 111Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

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WILLIBGHA, Bill; MEDINA, Lan; LEJOLAHA, Steve Fabulas Panini/Vertigo : Barueri, 2003.

WOODCOCK, George História das ideias e movimentos anarquistas – A Idéia - Volume1 Porto Alegre : L&PM, 2002.

_____ História das ideias e movimentos anarquistas – O movimento - Volume2 Porto Alegre: L&PM, 2002.

Notas de rodapé1 Termo carinhoso para se chamar as Histórias em quadrinhos.

2 Ver imagem 5 em anexo.

3 Ver imagem 6 em anexo.

4 EISNER, Will Quadrinhos e a arte seqüencial São Paulo: Martins Fontes, 1999 p.5

5 Id. ibid. p.125

6 MOYA, Álvaro de, História das histórias em quadrinhos São Paulo : Editora Brasiliense, 1996

7 BIBE-LUYTEN, Sonia M. O que é história em quadrinhos São Paulo : Círculo do Livro (Coleção primeiros passos), 1993 p.136

8 Id. Ibid. p. 134

9 EISNER, Will op.cit. p. 122

10 BIBE-LUYTEN, Sonia op. cit p. 142

11 Esta frase foi dita pelo “bandeiroso” (apelido dado pelos inimigos ao Capitão América, pelo fato de ele parecer uma bandeira ambulante) na sua participação na Guerra do Vietnã, largamente criticada pelas mídias, e não seria diferente nas HQs. Com o tempo, as editoras deram um jeito de colocar o Capitão América em todas as guerras que os Estados Unidos participaram. Desde a guerra dos confederados ao conflito da guerra fria, usando como subterfúgio máquinas do tempo, fendas espaciais ou qualquer outra coisa que o levasse ao passado ou ao futuro.

12 BIBE-LUYTEN, Sonia M. op. Cit. p. 148

13 Eisner foi bem cuidadoso neste ponto, somente relatos de vítimas indicam que o vilão é negro e vive sempre no cais, no caso, o vilão é o Octopus, ou O Polvo, homem por trás dos crimes que sempre acaba conseguindo fugir do herói antes de ser capturado. Quando Spirit se depa-ra com Octopus ou é nas sombras ou na contra luz, deixando a fisionomia do bandido no mistério.

14 EISNER, Will op. Cit.

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114Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

15 Id. Ibid.

16 Id. Ibid. p. 122

17 id. ibid. p.8

18 Id. Ibid. P.7

19 LUCCHETTI, Marcos Aurélio; LUCCHETTI, Rubens Francisco História em quadrinhos: uma introdução Revista USP – São Paulo

20 O termo já havia sido usado nos anos 60 por Richard Kile, pelo que nos coloca os autores: TEIXEIRA, Nícia Cecília Ribas Borges; CORREA, Wyllian Eduardo de Souza Watchmen e o discurso distópico do “bem maior” Guarapuava : Revista de História e Estudos Culturais Vol. 6 ano VI nº2, 2009. pg 9

21 SANTOS, Roberto Elísio dos O caos dos quadrinhos modernos Revista Comunicação e Educação São Paulo v.2 Jan./Abr. 1995

22 HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914 – 1991 São Paulo : Companhia das Letras, 1995 p.538

23 Id. Ibid. p.541

24 “Grandes poderes trazem grande responsabilidade” uma frase clássica nos quadrinhos do “Homem-Aranha”, publicado pela editora Marvel.

25 VERGUERO, Waldomiro. RAMOS, Paulo Muito além dos quadrinhos São Paulo : Devir, 2009 p.105

26 Id. Ibid.

27 Referência a uma popular série de revistas da editora Marvel que se intitula “O que aconteceria se” (em inglês “What if”) que conta uma versão de alguma história se algo inesperado acontecesse, o que aconteceria no futuro. Alterando uma situação famosa, como mudar a pessoa que se transformou em Homem Aranha, ou se o Wolverine não salvasse alguém, entre outras.

28 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo : Panini/Vertigo, 2006 p. 8

29 Indicações que Alan Moore sugere como sendo referencias na elaboração do quadrinho V de Vingança em seu artigo “Por Trás do Sorriso Pintado” publicado na Graphic Novel: MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p. 274

30 O Glam tem seu inicio nos anos 70, recebendo influência de vários outros movimentos musicais anteriores a ele, contudo, é nos anos 80 que sua representação e repercussão mundial se destacam.

31 Alan Moore, nascido em 18 de novembro de 1953 no interior da Inglaterra, tornou-se um dos grandes nomes por trás dos quadrinhos, sua fama se equipara a suas esquisitices. Mora em um sítio longe da capital, com sua esposa e duas filhas. Possui longos cabelos desgrenhados e uma barba similar. Sempre aparece com anéis e roupas de couro. É vocalista em botecos da região de uma banda Hardcore. Sempre retira o nome dos filmes baseado em sua obra, criticando o filme por deturpar sua arte. Abriu alguns selos independentes para lançar seus quadrinhos alternativos. Acusa as editoras de plagiarem suas histórias, algumas vezes com razão, mesmo assim, elas continuam o contratando para escre-ver uma ou outra história, que, às vezes, ele recusa. Além de roteirista de HQ e músico, também é um grande escritor, com seu livro “A Voz do Fogo” sendo o mais vendido no mês de seu lançamento, entre outros livros não tão famosos que ele também escreveu.

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32 Pouco se sabe sobre este desenhista, nasceu em 1950, britânico, ficou conhecido por ter desenhado com Alan Moore em V de Vingança, mas já trabalhava na Marvel Britânica, na década de 70, desenhando até hoje algumas revistas mensais de heróis ingleses, com pouca influên-cia no público brasileiro.

33 O jogo ocorrido no decorrer da copa entre Argentina e Inglaterra ficou conhecido como “a batalha das Malvinas”, referenciando a batalha perdida em 1982. A Argentina viu no campo de futebol a oportunidade da revanche ao confronto.

34 GARFINKEL, Bernard Margaret Thatcher (coleção Grandes Lideres) São Paulo : Nova Cultura, 1987

35 Id. Ibid.

36 HOBSBAWM, Eric. op. cit. p542

37 GARFINKEL, Bernard op. cit.

38 HOBSBAWM, Eric. op.cit p553

39 GARFINKEL, Bernard op.cit.

40 “Curtindo a Vida Adoidado” ou “Ferris Bueller’s Day Off”, filme dirigido por John Hughes, lançado em 1986

41 Este LP, duplo, está entre os lançamentos mais importantes da banda Pink Floyd. Dentre eles, as três partes de “Another brick in the wall” representa um sentimento juvenil que perpassou o cinema e outros protestos da época. Cada parte tem um estilo melódico diferente, e composições experimentais que tornam cada uma única, mesmo mantendo o ritmo. Esta experimentação musical é uma característica da banda Pink Floyd. Contudo a parte dois possui em seus versos o trecho famoso que diz: “Hey! Teachers! Leave them kids alone!” uma crítica a forma rígida e normatizada da escola primária inglesa, que se estende a toda forma de educação rígida (militar, acadêmica, familiar, etc.). A Parte 1 trata sobre a relação pai e filho. A 2 com a educação e a alienação das crianças, já a 3 sobre a sociedade e as críticas à juventude. As três músicas terminam com o refrão clássico “All in all it’s just another brick in the wall. / All in all you’re just another brick in the wall” que em uma tradução livre seria : “Tudo foram apenas tijolos no muro, Todos vocês foram apenas tijolos no muro.” Tendo várias interpretações como: todos não passam de coisas sem personalidades que formam os tijolos da sociedade, concreto e adubo. Ou, como alguns dizem “os tijolos do céu, do fim do universo”. Porém, as impressões deixadas pelos corpos das vítimas das bombas atômicas nos muros de Hiroshima e Nagasaki, também estão nas interpretações mais condizentes com os anos 80.

42 Tradução: eu acho isso irônico / eu acho isso triste, Os sonhos onde estou morrendo são os melhores que eu já tive, acho difícil dizer a você / acho difícil de entender, Quando as pessoas andam em círculos é um Mundo muito muito Louco, Amplie seu mundo, Mundo Louco.

43 MARX, Karl; ENGEL, Friedrich Manifesto do partido Comunista Porto Alegre : L&PM, 1998 p. 26

44 Mesmo a bomba atômica tinha um princípio bom por trás de sua equação matemática (E=MC²), que fora feita para calcular a energia gera-da pela explosão de uma estrela e resultou na fórmula que explodiria átomos. Este é o princípio de feitiços fora de controle, quando algo que é pensando com um propósito bom, vira contra esse feiticeiro, mudando seu propósito e tornando-se algo grande demais para se controlado.

45 “A distopia ainda que usada como uma maneira de crítica social, caracteriza-se justamente como o contrário da utopia, constituindo-se numa utopia negativa, ou uma antiutopia.” – ORCIUCH, Richard Mathias Uma bota pisando um rosto humano, para sempre: As distopias

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políticas nas obras de 1984 e Admirável mundo novo 2005. 50f. trabalho de conclusão de curso (graduação em História) – setor de ciências humanas, letras e artes, Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba, 2005. p.13. A preocupação aqui é “se o exercício da imaginação utópica não seria, no fundo, a revelação e a concretização de tendências ditatoriais do homem. Em outras palavras: se a utopia não é algo intrinsecamente mau, se ela não é nosso lado-monstro, ao invés de nosso lado-médico.” - COELHO, Teixeira O que é utopia São Paulo : brasiliense (primeiros passos), 1989, p.46.

46 ARENDT, Hannah Origens do totalitarismo São Paulo : Companhia das Letras, 1989 p. 357

47 ORWELL, George 1984 São Paulo : Companhia Editorial Nacional, 2005 pg.8

48 Slogan do Arquivo Nacional para a exposição de fotos e arquivos da Ditadura Militar no Brasil de 1964 a 1985, chamado de “Memórias Reveladas”.

49 ORWELL, George op.cit pg.5

50 ORWELL, George op.cit. pg.14

51 ORCIUCH, Richard Mathias op.cit.

52 V de Vingança está inserido junto com um bom número de obras que também começam a retratar o futuro de maneira distópica, como: “Blade Runner”, filme de 1982 dirigido por Ridley Scott, “MadMax”, 1979 por George Miller, “Robocop” de Paul Verhoeven, 1987, entre ou-tros. Assim, V não é o precursor de um gênero, mas dialoga com a cultura de sua época.

53 ORWELL, George op.cit. pg.6

54 “Fazer com que a vigilância seja permanente em seus efeitos, mesmo se é descontínua em sua ação; que a perfeição do poder tenda a tornar inútil a atualidade de seu exercício; (...) enfim, que os detentos se encontrem presos numa situação de poder de que eles mesmos são os portadores.” FOUCAULT, Michel Vigiar e punir Petrópolis, RJ : Vozes, 2008 p.166

55 Ver imagem 7 em anexo.

56 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p.11

57 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p. 7

58 ARENDT, Hannah op.cit. p356

59 ORWELL, George op.cit p.67

60 Ver imagem 8 em anexo

61 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit p.109

62 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit p.110

63 ARENDT, Hannah op.cit p.390

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64 ORWELL, George op.cit. p.90

65 ORWELL, George op.cit. p.36

66 Ver imagem 9 em anexo

67 ARENDT, Hannah op.cit. p.513

68 A novilíngua é uma forma de controle intelectual. Um conceito de vocabulário elaborado genialmente por Orwell para mostrar os níveis de controle das pessoas. Normalmente, o vocabulário aumenta, novas palavras são inventadas para explicar novas coisas, enquanto outras palavras vão caindo em desuso, mas não sendo extintas. A novilíngua prega o contrário a isso. Com a destruição de palavras, encurtando o vocabulário, impedindo as pessoas de conceituarem aquilo que elas sentem. Por exemplo “se temos a palavra “bom”, para que precisamos de “mau”? “Imbom” faz o mesmo efeito... e melhor por que é exatamente oposta, enquanto “mau” não é.” “No fim, todo o conceito de bondade e maldade será descrito por seis palavras; ou melhor, em uma única, não vês que beleza, Winston?” Esta argumentação pode parecer bela. Facilitar o uso de palavras, encurtar todas as regras gramaticais em uma linguagem simples. Contudo, sem as palavras, seus significados e definições, torna-se impossível pensar e conceituar a realidade, se não soubéssemos o que é liberdade, a palavra fosse inexistente, sentiría-mos alguma necessidade, um desejo, mas não saberíamos dizer o que queremos, ou o que desejamos. Algo semelhante a perguntar a um leigo sobre o que é anarquia, várias definições podem surgir: caos total, bagunça, desordem, negação do estado, entre outras coisas. Não entender a palavra, faz a compreensão de um texto, da sua realidade tornar-se errônea, ou incompreensível.

69 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p 39 -41

70 ARENDT, Hannah op.cit. p.357

71 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder, 14ª edição. Rio de Janeiro: Graal, 1999

72 Ver imagem 10 em anexo

73 Ver imagem 11 em anexo

74 Ver imagem 12 em anexo

75 Existem estudos que dizem que conversar com plantas ajuda em seu desenvolvimento, mas nada diz que elas retribuam com amor.

76 ARENDT, Hannah op.cit. p. 361

77 DHAMER, André, disponível em www.malvados.com.br, acessado em 20 de abril de 2010, tirinha número 1372.

78 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p.190 e 191

79 Ver imagem 13 em anexo.

80 EISNER, Will op.cit. p.8

81 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p.8

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118Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

82 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit p41 a 43

83 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit p43

84 Citação da peça Henrique VIII, de Willian Shakespeare, ato 1, cena IV. MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p43

85 Neste capítulo chamado “Versões” o autor faz um jogo da passagem dos dois, V e Líder, pela estátua da justiça da Old Bailey. O diálogo fascista é a primeira versão e o anarquista a segunda.

86 Ver imagem 14 em anexo

87 Ver imagem 15 em anexo.

88 Ver imagem 16 em anexo.

89 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p16

90 O numero da sala está em romano “V”, um dos tantos motivos para seu codinome ser V.

91 A sonoridade de V e Evey em inglês são muito semelhantes. Esta informação se torna relevante no decorrer da história.

92 “Lembrem, lembrem, o cinco de novembro, que traição, que artimanha. Por isso, não há por que esquecer uma traição tamanha” (tradução retirada da HQ) MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p16 Existe uma data comemorativa na Inglaterra, não um feriado, o que seria um tanto quanto irônico, mas muitos felicitam o dia da Revolta da Pólvora, no dia 5 de novembro, com esta trova sendo famosa. No Brasil ela só se tornou conhecida por culpa da graphic novel.

93 EISNER, Will op.cit.

94 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p220

95 Ver imagem 17 em anexo.

96 Ver imagem 18 em anexo.

97 ONFRAY, Michel. A política do rebelde: tratado de resistência e insubmissão. Rio de Janeiro: Rocco, 2001 p.35

98 ARENDT, Hannah op.cit. p390

99 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p38

100 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p61

101 Ver imagem 19 em anexo.

102 Id. Ib. p.66

103 Ver imagem 20 em anexo.

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104 ONFRAY, Michel. Op.cit. p175

105 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p238

106 CAMUS, Albert O homem revoltado RJ : Record, 1999

107 Id.ibid. P29

108 CIRNE, Moacy Quadrinhos, sedução e paixão Petrópolis : Vozes, 2000 p.62

109 Ver imagem 21 em anexo.

110 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p13

111 MOYERS, Bill; CAMPBELL, Joseph O poder do mito Editora Multimídia /Cultura Marcas DVD de entrevista.

112 Ver imagem 22 em anexo.

113 Ver imagem 23 em anexo.

114 Ver imagem 24 em anexo.

115 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p144 a 149

116 Uma ferramenta muito usada nos quadrinhos. Normalmente as páginas pares são as páginas da esquerda e as ímpares as da direita. Co-mumente, o quadrinho de impacto da história é o último da página ímpar, para que, quando a página for virada, voltando à página par, tenha-se a sensação de surpresa, revelando algo inesperado.

117 Ver imagem 25 em anexo.

118 Ver imagem 26 em anexo.

119 Ver imagem 27 em anexo.

120 Ver imagem 28 em anexo.

121 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p161-162

122 Ver imagem 29 em anexo.

123 Ver imagem 30 e 31 em Anexo.

124 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p224

125 BENJAMIM, Walter Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre a literatura e história cultural São Paulo: Brasiliense, 1994 p. 226.

126 FOUCAULT, Michel op.cit. p.118

127 Id.ibid. p.118

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120Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

128 FOUCAULT, Michel Introdução à vida não fascista retirado do site: http://vsites.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/vidanaofascista.pdf no dia 21/05/2010.

129 id.ibid.

130 BENJAMIM, Walter id.ibid p.226

131 id.ibid. p226

132 id.ibid. p229

133 id.ibid. p225

134 Ver imagem 32 em anexo.

135 Posso adiantar que V sairá vivo, e de maneira triunfal, contudo, há a apreensão de que ele tenha morrido a bala, mas não era ele. Em tem-po, ele trocou de roupa com um importante funcionário da TV, no fim, o funcionário morreu com fogo amigo. E V voltou seguro e com o trabalho bem feito para casa.

136 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p116

137 id.ibid P116

138 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p118

139 id.ibid

140 id.ibid

141 id.ibid

142 Ver imagem 33 em anexo.

143 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p119

144 id.ibid p119

145 id.ibid p120

146 Ver imagem 34 em anexo.

147 Ver imagem 35 em anexo.

148 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p183

149 id.ibid. p184

150 Ver imagem 36 em anexo.

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151 Ver imagem 37 em anexo

152 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p195

153 Ver imagem 38 em anexo.

154 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit p195 -196

155 Ver imagem 39 em anexo.

156 Ver imagem 40 em anexo.

157 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p197

158 id.ibid. p197

159 WOODCOCK, George História das idéias e movimentos anarquistas – A Idéia Porto Alegre : L&PM, 2002 p110

160 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p224

161 WOODCOCK, George op.cit. p172

162 id.ibid. p194

163 WOODCOCK, George op.cit. p65

164 PROUDHON, Pierre Joseph, A propriedade é um roubo Porto Alegre : L&PM, 1998 p20

165 WOODCOCK, George op.cit. p226

166 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p247

167 FOUCAULT, Michel Introdução à vida não fascista disponível em: vsites.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/vidanaofascista.pdf acesso em 10 de junho de 210

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122Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

Anexo

Figura 5 - V está morto!

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/

Vertigo p247

Figura 6 - V ao espelho

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/

Vertigo p12

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Figura 8 - Storm Saxon

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo

p110

Figura 7 - Câmera de vigilância

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/

Vertigo p11

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124Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

Figura 11 - Sequência do discurso do líder e seus pontos de vista

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo p39

Figura 9 - Retrato de Londres após a guerra nuclear

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo p29

figura 10 - Old Bailey vista de cima

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo p39

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Figura 13 - Cena da garotinha e da câmera

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/

Vetigo191

Figura 14 - Presente a justiça

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo p43

Figura 12 - Líder a cima do panóptico/controle

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo

p40

CENA DA GAROTINHA E DA CÂMERA

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/

Vetigo191

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126Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

Figura 16 - Galeria das sombras

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo

p168

Figura 15 - Diálogo entre a máscara e a estatua

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo p42

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Figura 18 - Bonecas ao forno

Figura 18 - HÓSTIA DE CIANURETO

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo p36

Figura 17 - Cenário cenográfico DEV

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo 36

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128Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

Figura 20 - V LENDO “V”, DE THOMAS PYNCHON

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo p66

Figura 19 - Hóstia de Cianureto

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo p64

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Figura 22 - Evey Sosinha

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/

Vetigo p102

Figura 23 - Gord Morto

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/

Vetigo p139

Figura 21 - Primeiro “freguês” de Evey

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo 13

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130Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

Figura 25 - Visão da cela de Evey

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo

p150

Figura 26 - Companheiro de cela

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo

p151

Figura 24 - Marionetista no sonho de Evey

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo

p147

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Figura 28- Evey terminando de ler a carta de valerie

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo

p162

Figura 27 - Cartaz do filme que valerie fez parte antes

de ser levada para o campo de concentração

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo

p106

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Figura 30 - Renascimento de V - fogo

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vertigo p85

Figura 29 - Rato na gaiola

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vertigo p167

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Figura 32 - V na TV

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vertigo

p114

Figura 31 - Renascimento De Evey - Água

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vertigo

p174

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134Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011

Figura 34 - Imagens mostradas por V ao fundo de sua transmissão

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vertigo

p118

Figura 33 - Família em frente á TV

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vertigo

p118

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Figura 37 - V agradece os aplausos

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vertigo

p189

Figura 35 - Destino ama o líder?

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vertigo

179

Figura 36 - V Iniciando sua orquestra

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vertigo

p185

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Figura 39 - Multidão silenciosa

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vertigo

p196

Figura 38 - Tiro de panzer no rosto de uma mulher

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vertigo

195

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Figura 40 - Multidão enraivecida

MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vertigo

p196