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REPRESENTAÇÕES DO MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA DE 1932 NOS MANUAIS DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO PUBLICADOS EM COLEÇÕES (1933-1945) Orlando José de Almeida Filho 1 Universidade Federal de São João del – Rei ([email protected]) Apoio FAPEMIG O saber que é poder não conhece nenhuma barreira, nem na escravidão da criatura, nem na complacência em face dos senhores do mundo. Adorno & Horkheimer INTRODUÇÃO Esta comunicação situada na perspectiva da História Cultural pensada por Roger Chartier tem como objetivo continuar uma investigação que venho realizando em torno de manuais voltado para a formação de professores e nesse caso, publicados no período que vai de 1933 a 1945. 1 Esses manuais espraiam saberes constituindo modelos pedagógicos norteadores de práticas culturais e formas escolares e por meio de seus dispositivos materiais e de leitura, organizam práticas de ensino aprendizagem. (CARVALHO, 2003, p. 314-315). Os dispositivos de leitura voltam-se, pelo menos, para dois atores sociais: o autor e editor. 2 Os três manuais de História da educação que selecionei, foram lançados em um período que apareceram, no Brasil, diversas publicações em coleções. 3 Os três manuais são portadores de representações que disseminam as formalidades das práticas (CARVALHO, HANSEN, 1996, p. 14). Selecionei os seguintes manuais: Noções de história da educação (1ª ed.) de Afranio Peixoto, então professor da Universidade e do Instituto de Educação do Rio de Janeiro, publicado em 1933, pela Companhia Editora Nacional na Coleção Atualidades Pedagógicas da série III da Biblioteca Pedagógica Brasileira. O segundo manual, Pequena história da educação (9ª ed.), publicado na coleção Biblioteca da Educação pela editora Melhoramentos, em 1936, pelas madres Francisca Peeters e Maria A. de Cooman, professoras do curso normal do Colégio Sagrado Coração de Jesus, em Santo André, no estado de São Paulo. O terceiro texto Noções de história da educação, (11º ed.) de Theobaldo Miranda Santos, publicado, também, pela Companhia Editora 1 Doutor em História da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor Adjunto do Curso de História da UFSJ, Departamento de Ciências Sociais.

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REPRESENTAÇÕES DO MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA

DE 1932 NOS MANUAIS DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO PUBLICADOS EM

COLEÇÕES (1933-1945) Orlando José de Almeida Filho1 Universidade Federal de São João del – Rei ([email protected])

Apoio FAPEMIG

O saber que é poder não conhece nenhuma barreira, nem na escravidão da criatura, nem na complacência em face dos senhores do mundo. Adorno & Horkheimer

INTRODUÇÃO

Esta comunicação situada na perspectiva da História Cultural pensada por Roger

Chartier tem como objetivo continuar uma investigação que venho realizando em torno

de manuais voltado para a formação de professores e nesse caso, publicados no período

que vai de 1933 a 1945.1 Esses manuais espraiam saberes constituindo modelos

pedagógicos norteadores de práticas culturais e formas escolares e por meio de seus

dispositivos materiais e de leitura, organizam práticas de ensino aprendizagem.

(CARVALHO, 2003, p. 314-315). Os dispositivos de leitura voltam-se, pelo menos,

para dois atores sociais: o autor e editor.2 Os três manuais de História da educação que

selecionei, foram lançados em um período que apareceram, no Brasil, diversas

publicações em coleções.3 Os três manuais são portadores de representações que

disseminam as formalidades das práticas (CARVALHO, HANSEN, 1996, p. 14).

Selecionei os seguintes manuais: Noções de história da educação (1ª ed.) de

Afranio Peixoto, então professor da Universidade e do Instituto de Educação do Rio de

Janeiro, publicado em 1933, pela Companhia Editora Nacional na Coleção Atualidades

Pedagógicas da série III da Biblioteca Pedagógica Brasileira. O segundo manual,

Pequena história da educação (9ª ed.), publicado na coleção Biblioteca da Educação

pela editora Melhoramentos, em 1936, pelas madres Francisca Peeters e Maria A. de

Cooman, professoras do curso normal do Colégio Sagrado Coração de Jesus, em Santo

André, no estado de São Paulo. O terceiro texto Noções de história da educação, (11º

ed.) de Theobaldo Miranda Santos, publicado, também, pela Companhia Editora 1 Doutor em História da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor Adjunto do Curso de História da UFSJ, Departamento de Ciências Sociais.

Nacional, a partir de 1945, em duas coleções: Atualidades Pedagógicas e no Curso de

Psicologia e Pedagogia. Santos foi professor de Filosofia da Educação do Instituto de

Educação do Rio de Janeiro e também editor/autor da coleção Curso de Psicologia e

Pedagogia.

Delimitei o estudo tendo em vista compreender três questões centrais: Quais

representações do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932 estão presentes

nesses manuais? Como os autores delimitaram o tema sobre o Manifesto dos Pioneiros

da Educação Nova de 1932 no contexto discursivo dos manuais? Quais estratégias

foram utilizadas ao situar o Manifesto da Educação Nova de 1932 nesses compêndios?

Uma das expressões da cultura é o impresso e a leitura. Os dispositivos de

leitura, determinados pelo autor e editor, por meio do objeto material denominado livro

(divisão de capítulos, parágrafos, notas, capa, ilustrações, cores, diagramação, fotos,

etc.), por exemplo, representam um tipo de organização que têm como objetivo, dentre

outros, a compreensão do discurso do texto. Os dispositivos estão ancorados nos

suportes que permitem a leitura de um texto com possibilidades de múltiplas

interpretações. Os dispositivos são pensados na lógica dos interesses de, pelo menos,

dois atores sociais responsáveis por uma determinada publicação, ou seja, o autor e o

editor.4 Um dos pressupostos fundamentais de Chartier é justamente o de

[...] que não existe nenhum texto fora do suporte que o dá a ler, que não há compreensão de um escrito, qualquer que ele seja, que não dependa das formas através das quais ele chega ao seu leitor. Daí a necessária separação de dois tipos de dispositivos: os que decorrem do estabelecimento do texto, das estratégias de escrita, das intenções do autor; e os dispositivos que resultam da passagem a livro ou impresso, produzido pela decisão editorial ou pelo trabalho da oficina, tendo em vista leitores ou leituras que podem não estar de modo nenhum em conformidade com os pretendidos pelo autor (Chartier, 1990, p. 127).

Esses dispositivos de leituras (do autor interessado que o seu texto seja

compreendido e esteja bem escrito) e os dispositivos de mercado (preocupação maior do

editor que procura desenvolver o designer do livro, sua forma aparente) são

representações concretas de interpretação dos atores sociais que atuam sobre a escrita e

a edição de um livro com o objetivo de ser decifrado pelos leitores. Chartier retoma um

dos pressupostos de De Certeau que é o de “estratégia” e de “lugar”. Um sujeito ao

tomar uma decisão circunscrita em um determinado lugar aponta para uma estratégia

que é justamente o cálculo (ou manipulação) das relações de forças que se torna

possível a partir do momento em que um sujeito de querer e de poder (uma empresa,

um exército, uma cidade, uma instituição científica) pode ser isolado. (De Certeau,

1994, p. 99). Por exemplo, em uma empresa editorial o editor ocupa o lugar de poder

que determina as estratégias de edição. Autores, editores e leitores estão inseridos em

contextos que se esboçam naquilo que De Certeau denomina de “astúcias de interesses

e de desejos diferentes”. O editor decide como o livro ou o impresso deverá sair para o

mercado, tendo em vista atingir os interesses do maior número possível de leitores,

independentemente da vontade do autor. Ele representa o poder decisório e assim o

constitui. Dessa forma, a representação é institucionalizadora de estratégias e de

práticas. Por outro lado há, também, enfrentamentos denominados lutas de

representação que ocorrem no “lugar” em que as estratégias são esboçadas, pois é um

lugar de disputas de poder. Esse lugar reveste-se, portanto, de múltiplos significados de

poder e de dominação e, por isso mesmo, as [...] lutas de representação têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio. (CHARTIER, 1991, p. 17).

No caso do mundo da edição o lugar de poder e de saber dimensionam

representações e lutas de representações por meio de estratégias do texto escrito que

conformará uma prática de leitura. São as práticas que determinam as múltiplas

significações de um texto que depende, também, das formas por meio das quais é

recebido por seus leitores (os ouvintes). (Chartier, 1991, 178).5 Por isso mesmo a

história do impresso se constitui, também, como história de uma prática cultural. É

nessa perspectiva que os estudos sobre o impresso nos últimos 20 anos demonstram a

importância de levar em conta duas tradições fundamentais para as pesquisas

historiográficas. A primeira é antiga e lê os textos ignorando seus suportes. Os textos que se prestam para escrever a história são tomados como portadores de um sentido que é indiferente à materialidade do objeto manuscrito ou impresso através do qual ele se dá, constituído de uma vez por todas e identificável graças ao trabalho crítico. Uma história do ler afirmará contra esse postulado, que as significações dos textos, quaisquer que sejam, são constituídas, diferentemente, pelas leituras que apoderam deles. Daí, uma dupla conseqüência. Antes de mais nada, dar à leitura o estatuto de uma prática criadora, inventiva, produtora e não anulá-la no texto lido, como se o sentido desejado por seu autor devesse inscrever-se no espírito de seus leitores, com toda imediatez e transparência, sem resistência nem desvio no espírito de seus leitores. Em seguida, pensar que os atos de leitura que dão aos textos significações plurais e móveis situam-se no encontro de maneiras de ler, coletivas ou individuais, herdadas ou inovadoras, íntimas ou públicas e de protocolos de leitura depositados nos objetos lidos, não somente pelo autor que indica a justa compreensão de seu texto, mas também,

pelo impressor que compõe formas tipográficas, seja com um objetivo explícito, seja inconscientemente, em conformidade com os hábitos de seu tempo (Chartier, 1996, 78).

É importante observar que os significados do ato da leitura são plurais pelo fato

de envolverem diversas representações a partir do lugar em que o leitor está situado, do

seu repertório de leitura e de sua concepção de mundo que irá determinar

interpretações.6 A prática da leitura por meio de textos e impressos, portanto, estabelece

representações nas relações entre pertença social e produções culturais como afirma

Chartier. O lugar social de onde se lê determina representações de leituras de mundo e

todo sistema de pensamento está referido a “lugares” sociais, econômicos, culturais,

etc. (Certeau, 2002, p. 66),7 Ao contrário dos escritores “os leitores são viajantes” que

circulam por terras que não são suas. A escrita funda o lugar determinado dos escritores,

porém a leitura dissemina, espraia-se por diversos lugares entre diversos leitores e

reafirma-se por significados distintos, criando representações múltiplas pelos leitores

nômades; “consequentemente, um texto só existe se houver um leitor para lhe dar um

significado” (Chartier, 1999, p. 11). Partindo do lugar dos escritores, ao tornarem

comuns suas idéias por meio do impresso, provocam a comunidade de leitores a

formularem respostas e/ou questões permeadas por significados distintos e

representações por meio dos signos diversos que compõem o texto e a própria leitura

(ruído, som, letra, imagem, gestos, postura, etc.).

1. O PÚBLICO E O PRIVADO: REPRESENTAÇÕES EDUCACIONAIS DO

MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA de 1932

Manifestos fazem parte da modernidade e sempre foram recorrentes na tradição

da história e no Brasil, sobretudo, a partir do final do século XIX foram muito

disseminados, definidos e fundamentados com objetivos políticos, econômicos ou

sociais. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932 foi um desses

documentos que se tornou uma daquelas fontes à qual Lê Goff refere-se como um

documento monumento8 da história que sempre é lembrado como referência no processo

de desenvolvimento da educação brasileira. Esse Manifesto acabou se tornando o que

Xavier denominou como um monumento de nossa memória educacional. (Xavier, l.,

2002, P. 8). O discurso do documento traduziu uma vontade política, segundo Nagle, de

alavancar9 o Brasil para outra realidade social, política e econômica. A marca do

progresso técnico e científico é constante em sua narrativa.

Em seus 13 temas, o Manifesto constituiu-se em um documento que nos fornece

um panorama das lutas educacionais do período. Além da visão panorâmica sobre a

educação, o documento é um marco representativo na historiografia educacional pelo

fato de marcar e delinear um debate que estava ocorrendo pelos grupos organizados da

sociedade. O Manifesto foi um chamamento político e social, endereçado ao povo e ao

governo, para os “graves problemas educacionais do Brasil”.

No subtítulo está inscrito A reconstrução educacional no Brasil – ao povo e ao

governo. No próprio tema de abertura do Manifesto “ao povo e ao governo” já se impõe

algumas questões: a que “povo” está se referindo? Havia uma organização nacional de

discussão sobre a educação? A forma como o documento foi divulgado propiciou um

amplo debate popular sobre a questão educacional? A população estava acompanhando

as discussões propostas pelos Pioneiros da Educação? Qual foi o verdadeiro sentido que

os signatários quiseram dar ao documento ao se referirem a “povo”? O documento

possui um tom elitista (de cima para baixo) e a palavra “povo” aparece mais como uma

simbologia política do que uma representação participativa de decisão e/ou inserção no

debate sobre a questão educacional.

Outra questão importante a ser levantada é no que se refere aos signatários. São

26 signatários que não possuíam uma concepção homogenia sobre a questão

educacional, porém assinaram o documento. Paschoal Lemme e Roldão de Barros eram

simpatizantes do socialismo e mesmo Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, embora

fossem mais próximos, não eram defensores dos mesmos princípios. O Manifesto

traduziu alguns avanços consensuais que abarcaram diversos educadores, mesmo

defendendo posições diferenciadas. Uma das idéias era a defesa da criação de um

Sistema Educacional organizado pelo Estado com características próprias: escola única,

laica, pública, universal e sistêmica. A concepção de que a educação possuía um fim

social e por isso mesmo era função do Estado em promovê-la unia os signatários que

assinaram o documento.

O chamamento para um “Plano de reconstrução educacional” buscava levantar

uma discussão política sobre a questão, bem como uma revisão nos métodos

pedagógicos que deveriam ser norteados pela “nova educação”. Nesse sentido, o

documento fala em “Educação Nova” em oposição à “educação tradicional”. Havia

uma posição contra as tendências exclusivamente passivas intelectualistas e verbalistas

da escola tradicional no modelo jesuítico. Portanto, defendia uma reforma integral:

organização, método e sistema calcados, principalmente, na concepção da Educação

Nova norteada pelo educador norte americano John Dewey?

No final do texto, há uma diretriz geral para o plano de reforma educacional que

é a construção de um Estado democrático de direitos e deveres para os cidadãos e que a

ciência seria o pilar dessa Educação Nova que sustentaria uma nova civilização pela

educação pública e não privada.

2. REPRESETAÇÕES EDITORIAIS: VESTÍGIOS NOS MANUAIS

As lutas de representações e a produção de sentido pela materialidade e leitura

nos possibilitam compreender o discurso desses autores e colocá-los inseridos em dois

processos de modelos culturais10 em disputas pelo campo educacional: o católico e o

liberal escolanovista. O campo em disputa era o da educação, e os saberes escolares que

iriam conformar o campo11 das ciências educacionais seriam sistematizados pela

produção material de impressos.12 As coleções de Santos, voltadas para a formação dos

professores, sistematizavam esse campo, construindo modelos de saberes escolares na

perspectiva da pedagogia católica. Nesse sentido, as coleções eram modelares13, pois

organizavam o campo educacional, conformando a cultura escolar.

As capas de livros fazem parte de um dos pressupostos fundamentais refletidos

por Chartier que [...] não existe nenhum texto fora do suporte que o dá a ler, que não há

compreensão de um escrito, qualquer que ele seja, que não dependa das formas através

das quais ele chega ao seu leitor. (CHARTIER, 1990, p. 127). A análise da

materialidade das capas dos manuais permite localizar não só o público leitor a quem se

destina a obra, mas, também, as estratégias editoriais de cada volume das coleções no

sentido de chamar atenção pelas cores e informações da obra. Portanto, a materialidade

dos impressos no interior dessa perspectiva historiográfica é fundamental para se

compreender o que Chartier denomina de sentido das formas.14

Averiguando as capas dos três volumes que selecionei (Fig. 1, 2 e 3) é possível

fazer as seguintes observações: O padrão dos três volumes investigados possui formatos

diferentes; o de Santos e Peixoto – 14 X 21 e o de Peeters e Coman - 16 X 23. O que

chama mais atenção nas capas dos três volumes é o título que está em negrito,

maiúsculo e maiores que as demais letras, a coleção a que pertence o volume, os nomes

dos autores e lugar de atuação revelando a autoridade da autoria. Ao relacionarmos o

título (Fig. 1,2 e 3) com o índice (Fig. 4,5 e 6) percebemos a proposta metodológica dos

volumes: trabalha com a perspectiva do tempo histórico cronológico, universal e linear,

onde as diversas temporalidades são sucessões de acontecimentos.

O volume de Peeters e Coman não traz o lugar onde atuavam, porém indica que

são religiosas com o título “MADRES”. Ainda em relação ao título no volume de

Santos o nome da coleção se destaca (letras maiores) embora o título (letras um pouco

menores) também é destaque. Os livros de Santos e Peixoto trazem o número do volume

e o das madres não. Os dispositivos que indicam a editora também estão em lugares

diferentes: o volume de Peeters e Coman aparece bem em cima da capa como primeira

informação destacada “Edições Melhoramentos” e os de Santos e Peixoto em baixo

como última informação. (ver figuras 1, 2 e 3).

Olhando para a capa (Fig. 1, 2 e 3), os dados constitutivos de leitura já mostram

que se trata de volumes de uma coleção voltada para a educação. As estratégias

pretendem indicarem ao leitor de qual assunto trata cada volume, chamando a atenção

para a especificidade do produto em um mercado competitivo, pois o mercado do livro,

voltado para a educação na década de 1930, já era muito significativo e continha muitos

outros títulos sobre Psicologia da educação, Didática, Psicologia Sociologia da

educação, entre outros. As capas possuem todas as informações em uma seqüência

(nome da coleção, volume, autor, título e editora) em que o leitor visado percebe

imediatamente se o volume lhe interessa, visto que faz parte de seu campo de atuação.

Com isso, podem ser despertados o interesse e desejo da posse do produto. É uma

produção que induz muito rapidamente ao esclarecimento do leitor da importância do

volume para a sua profissão e/ou formação. Além disso, esse produto faz parte de um

conjunto maior que é a coleção e, por isso mesmo, se diferencia de uma obra publicada

isoladamente. Os autores são autoridades reconhecidas pela sua trajetória na educação.15

Observa-se que as cores de fundo, em cores variadas, são de tonalidades leves e

claras, favorecendo o realce das informações escritas. O editor pretende, de fato, chamar

a atenção para os dispositivos de leitura do volume.

Fig. 1 Capa do manual de Santos Fig. 2 Capa do manual de Peeters e Cooman

Fig. 3 Capa do manual de A. Peixoto

Os índices (Figs. 4, 5 e 6) possibilitam localizar as representações do Manifesto

no contexto das diversas temporalidades marcadamente positivistas, privilegiando uma

história cronológica, onde os sucessivos acontecimentos constroem o que os autores

denominam “História da educação”. Inserido em um contexto narrativo de uma história

universal, percebe-se que os autores trabalharam com a idéia de summa, ou seja, são

textos sumários/sínteses de cada temporalidade situada historicamente.

O índice da obra de Santos representa a estrutura da obra do autor: Prefácio e

introdução, dividido em oito assuntos temáticos e cada um deles subdivididos em

subtemas; no final um apêndice sobre a educação no Brasil. O volume possui

quatrocentas e trinta e uma páginas (431), das quais apenas vinte e uma páginas (21)

correspondem à História da educação no Brasil totalizando apenas 4.7 % da obra.

Fig. 4 - Índice do manual de Santos. Noções de História da educação.

No volume das madres, Peeters e Coman, apenas no último capítulo (cap. XIX)

as autoras realizam, em onze páginas (11), uma narrativa sobre a educação no Brasil que

sumariamente traduz a educação da Colônia à República. O volume é constituído de

dois prefácios (primeira e segunda edição), introdução, dezenove capítulos e um

apêndice sobre a educação da mulher, totalizando cento e cinqüenta e cinqüenta e quatro

páginas, portanto as onze páginas correspondem a 7.1 % da obra

Não há no índice, da segunda edição, nenhuma referência ao Manifesto dos

Pioneiros da Educação Nova de 1932. O manual que me debrucei foi a nona edição

publicada em 1969, período este em que o Manifesto já havia se consolidado como um

documento importante para entender a educação brasileira antes e após os anos 1930.

Fig. 5 - Índice do manual de Peeters e Cooman. Pequena história da educação.

O texto de Peixoto constituído de vinte capítulos traz representações

significativas, pois introduz três temas (América Latina, Educação no Brasil e Escola

Nova) que em um primeiro olhar o leitor localiza muito rapidamente e percebe sua

importância para o debate educacional no contexto daquele período. O volume é

constituído de duzentos e sessenta e quatro páginas (264) das quais sessenta e três

páginas é dedicado à Educação na América Latina (cap. XVI), Brasil (caps. XVII,

XVIII e XIX) e Escola Nova (cap. XX) o que corresponde a 23.8% da obra. Observam-

se as páginas dedicadas à educação no Brasil corresponde a 19% do total das páginas do

volume. Essa representação é importante, pois tanto Santos, como Peeters e Coman,

não trazem uma discussão sobre América Latina e Escola Nova destacado como

Peixoto. Além disso, a Escola Nova é tema central no Manifesto dos Pioneiros da

Escola Nova e 1032. Há uma representação clara do posicionamento de Peixoto no

sentido de chamar a atenção sobre o tema. Embora, no índice, o tema do Manifesto não

apareça descrito, o mesmo, contrariamente dos volumes de Santos e Peeters/Coman é

citado constantemente. Ainda, citações dos nomes dos pioneiros e escolanovistas como

Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho são recorrentes no texto de

Peixoto. Também são recorrentes autores internacionais ligados à Educação Nova:

Decroly, Bovet, Claparède, Maria Montessori, Decroly John Dewey, entre outros.

Fig. 6 – Índice do manual de A. Peixoto. Noções de história da educação.

Considerações Finais

As representações do Manifesto a Educação Nova de 1932, constituídas nas edições

desses manuais, demarcam os lugares antagônicos em que os dois grupos se posicionaram no

decorrer da década de 1930. O objetivo era o de conquistar o professor, pela edição e

prescrições que normatizavam e orientavam a sua ação pedagógica. Esses modelos

ultrapassaram o período da produção desses materiais e, de certa forma, ainda estão muito

presentes na concepção de muitos professores e profissionais da educação. Muitos discursos

ainda disseminam a idéia de missão, idealismo, valores espirituais, valores democráticos,

educar fazendo, formação global, profissionalização, verbas públicas para a educação, etc.

Editores publicam diariamente títulos que discutem essas temáticas, cujo plano simbólico,

ainda, representam a amplitude das disputas educacionais e dos debates dos anos 1930 que

perpassaram as décadas seguintes em um processo de mudanças e permanências históricas

calcadas no campo do debate sobre a educação brasileira.

BIBLIOGRAFIA

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas linguísticas. São Paulo: Edusp. 1996

CARVALHO, Marta Maria Chagas. A escola e a República e outros ensaios. Bragança Paulista, São Paulo: EDUSF, 2003. CARVALHO, Marta Maria Chagas, HANSEN, João Adolfo. Modelos culturais e representação: uma leitura de Roger Chartier. Revista VARIA HISTÓRIA, Belo Horizonte, nº 16, set/1996. CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: 1. arte de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. CHARTIER, Roger (Org.) Práticas de leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 2001. ________________. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. ________________. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1990. ________________ Leituras e leitores na França do Antigo Regime. São Paulo: Editora da UNESP, 2004. FOUCAUT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1996. NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. 2 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001 PEETERS, Madre Francisca, COOMAN, Madre Maria Augusta. Pequena história da educação. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1969. PEIXOTO, Afrânio. Noções de História da educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1933. SANTOS, Theobaldo Miranda. Noções de história da educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1965. TOLEDO, Maria Rita de A. Coleção Atualidades Pedagógicas: do projeto político ao projeto editorial (1931-1981). Tese de doutorado. PUC-SP, 2001. XAVIER, Libânia Nacif. Para além do campo educacional: um estudo do manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932. Bragança Paulista, São Paulo: EDUSF, 2002. 1 Trabalho apresentado no IX Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação: rituais, Espaços e Patrimônios Escolares em que discuti as concepções dos liberais e católicos no processo de disputas pelo campo educacional nos anos 1930 tendo como objeto de investigação os manuais voltados pra a formação de professores das escolas normais e faculdades de pedagogia. Cf. ALMEIDA FILHO, Orlando José. Produção editorial e formação de professores: disputas entre católicos e liberais pelo campo educacional. IX Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação: rituais, Espaços e Patrimônios Escolares. Lisboa: Porto Editora, 2012. 2 Em mina tese de doutorado discuto essa questão mais detalhadamente. Cf. ALMEIDA FILHO, Orlando José. A estratégia da produção e circulação católica do projeto editorial das coleções de Theobaldo Miranda Santos (1945-1971. Tese de doutorado. PUC-SP, 2008. 3 Toledo em sua tese de doutorado ao se debruçar sobre estudos da Companhia Editora Nacional discute o surgimento de publicações em coleções no Brasil e afirma que na década de 1920 são perceptíveis as diversas coleções que apareceram nessa década com assuntos e gêneros vaiados. Cf. TOLEDO, Maria Rita de A. Coleção Atualidades Pedagógicas: do projeto político ao projeto editorial (1931-1981). Tese de doutorado, PUC/SP, 2001. 4 Id. 2008. 5 Chartier aponta que nesse processo há três períodos decisivos no que se refere às formas de leitura no Antigo Regime: “o do século IX-XI, que viram as scriptoria manásticas abandonarem os antigos hábitos da leitura e da cópia oralizada; o do século XIII, com a difusão da leitura em silêncio no mundo universitário; e enfim, o da metade do século XIV, quando a nova maneira de ler alcança, tardiamente, as aristocracias laicas” (Chartier, 2001, p. 82). 6 Quero tomar o termo “interpretação” como mecanismo não apenas de entendimento do texto ou da relação do leitor com as mensagens elaboradas pelo autor, que busca tornar seu discurso compreensivo, mas todas as formas de interações da pessoa que lê a partir dos seus conhecimentos de mundo e de suas experiências existenciais. É por meio dessa dupla relação (mensagem lida e estar no mundo) que o leitor interpreta e constrói representações de mundos, reais e possíveis. 7 Em seu livro “A escrita da história”, Michel de Certeau dialoga com diversos autores e, sobretudo, com a Escola dos Annales, determinando que o historiador fala de um lugar peculiar que é o seu campo de atuação. O capítulo II trata do tema “Um lugar social” definindo os limites dos estudos historiográficos. Sobre esse tema conferir: CERTEAU, Michel. A Escrita da história. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forence, 2002. pp. 65-76.

8 Cf. Le Goff, Jacques. História e memória. 4 ed., Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1994 9 Cf. NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. 2 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. 10 Cf. CARVALHO, Marta Maria Chagas, HANSEN, João Adolfo. Modelos culturais e representação: uma leitura de Roger Chartier. Revista VARIA HISTÓRIA, Belo Horizonte, nº 16, set/1996, pp. 7-24. 11 Refiro-me ao sentido dado por Bourdieu de “campo”, enquanto conceito de habitus, como sendo conjunto de possibilidades que permitem ações e práticas em situações reais do cotidiano e da própria cultura. Cf. (Bourdieu, 1996, p. 64). 12 O investimento na produção editorial com o objetivo de conformar o campo educacional, por meio da formação de professores, foi uma estratégia utilizada por todos aqueles que militavam nesse campo: católicos e liberais. De um lado os liberais convictos da necessidade de difusão das novas concepções educacionais e de outro, os católicos defensores de uma depuração dos princípios que não correspondiam aos seus interesses. O que se pode afirmar sobre as convicções dos dois grupos em relação ao impresso foi a percepção que tiveram sobre a importância desse meio de divulgação como estratégia comunicacional que poderia conformar idéias e concepções de modelos pedagógicos e educacionais. 13 op. cit. 1996, pp. 7-24. 14 Cf. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1990. 15 Em minha tese de doutorado no capítulo II – Estrutura e Descrição da Coleção discuto mais detalhadamente os dispositivos de capas de edições de livros. op. cit. pp. 125-194.