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Curso e-learning sobre direitos humano – capítulo 1 – introdução
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INTRODUÇÃO AO CURSO DE E-LEARNING SOBRE DIREITOS HUMANOS
Capítulo 1
Panorâmica
1. Introdução ...................................................................................................................................... 1 1.1. Enquadramento ................................................................................................................................... 2 1.2. Desenvolvimentos históricos .......................................................................................................... 3 1.3. O Regime dos Direitos Humanos ................................................................................................... 4
1.3.1. A Declaração Francesa e a Declaração de direitos Americana ..................................................5 1.3.2. Protecção do indivíduo sob o Direito Internacional ......................................................................5 1.3.3. A Sociedade das Nações e a protecção das minorias .....................................................................6 1.3.4. A Carta das Nações Unidas ........................................................................................................................6 1.3.5. A Carta Internacional dos Direitos Humanos....................................................................................7
1.3.5.1. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) .....................................................7 1.3.5.2. Os Pactos Internacionais das Nações Unidas de 1966 .........................................................8
1.3.6. Outras fontes internacionais ....................................................................................................................9 1.4. Metodologia básica ........................................................................................................................... 10 1.5. Plataforma de valor .......................................................................................................................... 13 1.6. Abordagem dinâmica ....................................................................................................................... 13 1.7. Crítica ..................................................................................................................................................... 15
1. Introdução Diariamente os jornais, a rádio e a televisão têm denunciado violações dos direitos humanos.
Tais violações são acentuadas em países devastados pela guerra e conflitos armados, como o
Afeganistão, a Síria e a República Democrática do Congo. Em cantos mais pacíficos do mundo, no
entanto, um advogado pode processar o governo por não cumprir com o direito dos seus clientes
à educação. Ou uma estudante que não tenha permissão para usar o seu “hijab” na sala de aula,
pode alegar violação da liberdade de religião ou crença. Os direitos humanos são invocados em
toda a parte – desde organizações de interesse público que mobilizam acções contra a
discriminação com base na origem étnica em discotecas populares, até às organizações que
exigem melhores cuidados de saúde para as crianças. Os direitos humanos também encontram
caminho em debates nos parlamentos no âmbito da emanação de uma nova lei, ou quando os
diplomatas se reúnem para analisar a situação de países específicos.
O conhecimento dos direitos humanos é realmente importante em todos os países, uma vez que
não há nenhum país que respeite, proteja e satisfaça completamente os direitos e as liberdades
estabelecidas nas convenções de direitos humanos. O cumprimento das obrigações decorrentes
da observância dos direitos humanos exige discernimento e consciência, tanto para os titulares
de direitos quanto para aqueles que têm o dever de implementar as normas, que lhes sustentam.
A compreensão dos direitos humanos é crucial tanto nos países pacíficos com um bom historial
de direitos humanos, como em países em dificuldades com guerras civis ou ataques terroristas, e
em países com falta de recursos fundamentais para dar protecção básica aos direitos humanos.
Os direitos humanos podem parecer complexos e de longo alcance. O objectivo deste curso de e-
learning é explicar as características comuns desses exemplos acima mencionados na vida diária
das pessoas e, mais precisamente, explicar e definir direitos humanos, assim como oferecer um
panorama geral sobre as normas internacionais e mecanismos de monitorização. Reconhece o
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processo recíproco de adaptação e contribuição das diferentes sociedades e culturas ao
desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos – da América à Ásia, da África à
Europa. Como mencionado previamente, a maioria da informação apresentada neste curso de e-
learning está acessível na Internet, como os casos citados, os tratados de direitos humanos e
informação dos órgãos internacionais de monitorização. Para mais detalhes e aprofundamento,
existem artigos académicos e monografias que abrangem todas as normas de direitos humanos e
situações específicas de cada país, e alguns deles são apresentados no último capítulo deste
curso de e-learning.
1.1. Enquadramento Um ponto de partida básico é que os direitos humanos são os direitos e liberdades fundamentais
que as pessoas mantêm em relação às autoridades públicas. O conteúdo dos direitos e liberdades
varia, desde o direito à vida, à liberdade de expressão, às regras para o tratamento de presos, o
direito à educação, até ao direito de contrair matrimónio e criar uma família. Estes direitos
fundamentais estão consagrados nos acordos celebrados entre os Estados, e cabe aos Estados,
no âmbito de sua discrição, saber se eles se tornam parte desses acordos.
O termo “direitos humanos” não apresenta necessariamente um conteúdo fixo aceite
universalmente. O ponto de partida para este curso de e-learning é que os direitos humanos são
definidos de acordo com o Direito Internacional, ou seja, as convenções de direitos humanos,
práticas de órgãos internacionais, direito consuetudinário e em alguns documentos jurídicos não
vinculativos (soft law). Essas fontes são inspiradas pela ética, pela política e pela legislação
interna.
As palavras “tratado” e “convenção” são usadas indistintamente para descrever esses acordos
entre os Estados. Quando um Estado se torna parte de um acordo, escolhe abandonar parte da
sua soberania e, a partir desse momento, o Estado compromete-se a tratar todos os indivíduos
no âmbito da sua jurisdição, de acordo com as regras estabelecidas na convenção. Além disso, o
Estado não deve agir de forma contrária às disposições estabelecidas na convenção. Ademais, a
adesão do Estado transfere as regras das convenções para a legislação nacional, que passam a
ter um efeito directo sobre os indivíduos nesse Estado, de acordo com o sistema legal para o
Estado em questão.
Considerando que a adesão a um tratado é um bom ponto de partida judicial uma vez que se
baseia em normas jurídicas e mecanismos de implementação, é importante notar que a
perspectiva judicial não é a única plataforma para a compreensão dos direitos humanos. Os
direitos humanos também podem ser considerados num sentido mais amplo e interdisciplinar,
assim, também se podem analisar os direitos humanos a partir de teorias de poder numa
abordagem antropológica ou baseada em reflexões sociológicas. Por exemplo, uma socióloga
pode utilizar os direitos humanos como uma ferramenta para explicar as diferenças entre
homens e mulheres. Tais diferenças estão enraizadas em estruturas societárias e os direitos
podem servir como um modelo para uma sociedade ideal. Ou, talvez, a socióloga faça a
abordagem oposta e, em vez disso, use os direitos humanos na sua análise de como o
estabelecimento de tais direitos reforça as desigualdades existentes. E mais, um cientista político
pode, com base na adesão de um país a um tratado, deduzir qual a opinião existente
predominantemente no país em relação a que equilíbrio deve existir entre soberania nacional e
compromisso internacional, e talvez até mesmo deduzir quais os grupos são dominantes. Além
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disso, um historiador pode explicar como o conceito de direitos humanos tem evoluído ao longo
do tempo e como a ideia se espalhou de dentro dum país e para novos países. Talvez o
historiador pudesse até ligar esse desenvolvimento internacional a factores e eventos
específicos. Finalmente, um filósofo pode encontrar argumentos sobre a validade (ou falta dela)
dos direitos humanos e examinar se o objectivo pode ser atingido por meio de normas
organizadas. Embora os exemplos acima mostrem que os direitos humanos podem ser vistos
através de várias plataformas académicas diferentes, este curso de e-learning concentra-se no
aspecto jurídico dos direitos humanos.
Os direitos humanos são especialmente importantes porque conferem direitos aos indivíduos,
fazendo com que as autoridades se vinculem às obrigações correspondentes. Assim,
considerando que os direitos humanos não estabelecem regras de como as pessoas devem agir,
aplicam-se à conduta das autoridades públicas em relação aos indivíduos sob sua jurisdição.
Todo o indivíduo tem direito ao gozo desses direitos, independentemente de estatuto ou origem;
não há exigência de que uma pessoa tenha mérito especial ou seja digna do gozo desses direitos.
Por causa da natureza universal e igualitária desses direitos, eles ajudam a reduzir a
desigualdade na distribuição do poder entre as autoridades públicas e os particulares. Embora a
abordagem jurídica estrita possa parecer insatisfatória, uma vez que muitos podem preferir
concentrar-se em saber como as pessoas se devem tratar umas às outras, no mundo jurídico esta
abordagem é mais rigorosa por estabelecer o enquadramento para os direitos humanos.
Também é importante mencionar que os direitos humanos incluem direitos fundamentais em
oposição aos direitos mais gerais. Consequentemente, nem todos os aspectos da vida são
abrangidos ou protegidos pelos direitos humanos. Por exemplo, o direito de criar uma família é
apenas uma obrigação positiva do Estado de respeitar a família como uma instituição, não
estando as autoridades, portanto, sob nenhuma obrigação de ajudar as pessoas a estabelecer
uma família. Outro exemplo é o direito à saúde, onde a legislação nacional tipicamente daria
detalhes sobre o tipo de serviços de saúde disponíveis para quem e a que custo, enquanto as
disposições em matéria de direitos humanos são mais gerais. Por outro lado, os direitos
humanos são dinâmicos e relevantes também quando a sociedade está a mudar. Desta forma, a
liberdade de expressão protege o uso da Internet e as novas tecnologias que não foram
inventadas quando as convenções de direitos humanos foram redigidas.
1.2. Desenvolvimentos históricos Toda a sociedade tem regras sobre a distribuição de poder entre os indivíduos e as autoridades.
No mundo ocidental, as discussões filosóficas da Grécia Antiga e do Iluminismo são amplamente
conhecidas, e também incluiu teorias sobre direitos fundamentais para todos e cada um. A
Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e a Declaração de
Independência Americana de 1776 também transformaram as teorias em ferramentas
essenciais para a governação da sociedade.
As mesmas normas tornam-se cada vez mais parte de constituições de muitos países, seja por
inspiração de outras nações ou documentos internacionais. Essas semelhanças podem
geralmente ser vistas em princípios abrangentes, tais como o preceito de que o parlamento deve
basear-se em eleições democráticas ou que as autoridades não têm o direito de usar a tortura.
Os direitos humanos também são protegidos em mais pormenor através de leis formais
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aprovadas pelos parlamentos ou órgãos legislativos, por exemplo, o direito que uma pessoa tem
de aceder aos tribunais e que todas as crianças têm direito à educação. As normas dos direitos
humanos são encontradas a um nível ainda mais baixo, através de normas e directrizes criadas
por poderes executivos (ex.: governo, serviços públicos). Os detalhes e a escala de tal legislação
têm crescido ao mesmo ritmo que a construção de Estados de Direito. Em muitos casos, é difícil –
às vezes até mesmo impossível – identificar a origem desta legislação com os princípios
expressos nas convenções. No entanto, não há grande necessidade de o fazer.
Os direitos humanos desenvolveram-se de serem concedidos a indivíduos privilegiados, como os
cidadãos ricos, homens, e apenas àqueles acima de uma certa idade, para com o tempo, se
estenderem a todos os indivíduos sob a jurisdição do Estado numa base de igualdade. As
necessidades comuns a cada e todo o indivíduo formam a base desses direitos, que são, em
princípio, independentes de estatuto, género, origem étnica, riqueza ou nacionalidade.
Perto do final da Segunda Guerra Mundial, a humanidade deu um salto gigantesco em relação
aos direitos humanos. Os direitos humanos ascenderam então do nível nacional para o
internacional, uma vez que passaram de normas na legislação e prática nacionais a uma parte do
Direito Internacional Público. Os Estados concordaram mutuamente em tratar os indivíduos de
acordo com certos padrões comuns, que tiveram algumas consequências importantes; os
Estados abdicaram de uma parte da sua soberania e os direitos humanos foram consagrados e
universalizados.
Dois movimentos provocaram tal desenvolvimento. Um foi a busca pela paz. A crença era de que
a democracia, a estabilidade, a cooperação e o desenvolvimento seriam salvaguardados numa
sociedade baseada nos direitos humanos e, portanto, a probabilidade de uma nova guerra
mundial seria significativamente reduzida. A segunda esperança era limitar o poder
discricionário dos Estados no que diz respeito ao tratamento dos indivíduos sob a sua jurisdição.
Isso incluiu a proibição do genocídio, a opressão geral dos próprios cidadãos, a repressão de
pessoas com diferentes crenças e hábitos e, sobretudo, a desigualdade global de tratamento. De
grande influência neste desenvolvimento foram as experiências terríveis da Segunda Guerra
Mundial, assim como a crescente crítica à maneira como as potências coloniais tratavam os
povos que viviam nas suas colónias.
Os desenvolvimentos históricos são descritos mais detalhadamente no capítulo 2, o regime de
direitos humanos.
1.3. O Regime dos Direitos Humanos A ideia de que todos, simplesmente em virtude de sua humanidade, têm direito a certos direitos
individuais é um conceito relativamente recente. No entanto, as suas raízes são encontradas em
épocas anteriores e documentadas em muitas culturas. A maioria das sociedades têm valores
semelhantes à "regra de ouro" de "não fazer aos outros o que não gostaria que fizessem a você".
Um grande número de fontes escritas antigas, como o Hindu Vedas, o código babilônico do
Hammarubi, a Bíblia, o Alcorão e os Analectos de Confúcio, todos abordam a questão obrigações,
direitos e responsabilidades dos povos. Além disso, todas as sociedades, quer na escrita ou na
tradição oral, tiveram sistemas de justiça. Também tem sido de seu interesse fortalecer a saúde e
o bem-estar de seus membros e formar e entregar informação dos idosos para as gerações mais
novas. Outro precursor do direito dos direitos humanos pode ser encontrado no conceito de
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"Estado de Direito", que se desenvolveu em relação às ideias das leis religiosa e natural. A Carta
Magna de 1215, embora só protegesse a nobreza, incluía as primeiras formas do que hoje
consideramos ser normas fundamentais para o direito dos direitos humanos, incluindo as
disposições para a igualdade perante a lei, os direitos de propriedade e liberdade religiosa. A
Declaração dos Direitos de 1689 de Inglaterra e do País de Gales, embora também não se aplique
a todos os indivíduos, incluía proteção à liberdade de expressão nos debates parlamentares, um
passo importante para as concepções modernas de liberdade de expressão. Outro passo
importante ao sentido da noção dos direitos humanos ocorreu no século 18, quando pensadores
iluministas começaram a abraçar a doutrina dos direitos naturais; direitos que as pessoas
tinham em virtude de serem seres humanos e não dados por Deus ou o Imperador. Estas ideias
encontraram expressão na Declaração de Independência Americana, a Declaração Francesa dos
Direitos do Homem e na Declaração dos Direitos Americana.
1.3.1. A Declaração Francesa e a Declaração de Direitos Americana
A Declaração Francesa dos Direitos do Homem de 1789 começa declarando no Artigo 1, “os
homens nascem e são livres e iguais em direitos". A Liberdade é definida no Artigo 4 como a
capacidade de "fazer tudo que não prejudique a outrem". A Declaração garante o direito dos
cidadãos de participar no processo político e protecções contra abusos do Ministério Público
com procedimentos e julgamento justos. A Declaração de Direitos Americana de 1791 contém
liberdades semelhantes às encontradas na Declaração Francesa. A Primeira Emenda protege
uma série de liberdades de expressão, incluindo a liberdade de discurso, de religião, de reunião e
de imprensa. E como a Declaração Francesa, a Declaração de Direitos Americana protege o
direito a um julgamento justo e processo devido, que são agora princípios fundamentais no
Direito Internacional dos Direitos Humanos.
1.3.2. Protecção do indivíduo sob o Direito Internacional
As protecções constitucionais discutidas até este ponto são todos exemplos de protecções de
jurisdição interna. A lei moderna dos direitos humanos, no entanto, é um conjunto de normas
que se aplica universalmente, sem respeito às fronteiras nacionais. Historicamente, o Direito
Internacional não estende os seus direitos e protecções aos indivíduos, e foi amplamente
entendida como aplicável apenas aos Estados.
As primeiras excepções à inaplicabilidade do Direito Internacional aos indivíduos podem ser
encontradas no seu tratamento ao tráfico de escravos e da pirataria. Piratas e mercadores de
escravos eram considerados hostis humani generis, que significa "inimigos de toda a
humanidade", e os crimes de pirataria em alto mar podiam ser julgados em qualquer tribunal
competente à volta do mundo. A condenação internacional do comércio de escravos nos séculos
18 e 19 também exibiu um crescente reconhecimento da responsabilidade do Estado em matéria
de seguridade e de segurança individual. Os britânicos lideraram o caminho sobre a abolição do
tráfico de escravos, criando uma série de tratados bilaterais com os Estados que permitiam a
procura de navios suspeitos de transportar escravos. Os Britânicos também estabeleceram
tribunais internacionais que poderiam julgar casos que envolviam violações da proibição do
comércio transatlântico de escravos.
O Direito Internacional também abordou tangencialmente as questões dos direitos humanos no
Direito Internacional Humanitário, ou na lei da guerra. As leis de combate armado incluíam,
entre outras, normas que ditavam quem podia ser alvo de um conflito armado e como
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prisioneiros de guerra deveriam ser tratados, protegendo, assim, a segurança dos indivíduos em
tempo de guerra.
1.3.3. A Sociedade das Nações e a protecção das minorias
O estabelecimento da protecção das minorias depois da Primeira Guerra Mundial foi um passo
importante na direcção da criação das leis modernas dos direitos humanos. Embora essas
protecções tenham servido como precursoras para os direitos humanos individuais, a protecção
das minorias foi implementada primeiramente por razões políticas, não humanitárias. Muitos
Estados estavam preocupados com o potencial dos grupos minoritários para fomentar a agitação
política e provocar movimentos separatistas, e a protecção das minorias foi uma ferramenta
usada para conter isto. A Sociedade das Nações desintegrou-se com o início da Segunda Guerra
Mundial, e no seu rescaldo foi proposto um novo sistema para proteger os direitos dos
indivíduos contra a acção do Estado, nomeadamente as Nações Unidas.
1.3.4. A Carta das Nações Unidas
Os direitos humanos foram abordados pela primeira vez numa abordagem unificada e
sistemática com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945. No entanto, a ONU
foi projectada primeiramente para prevenir os casos de conflitos interestaduais em larga escala,
que tanto devastou a Europa no início do século 20. Embora os direitos humanos fossem
destaque dentro da Carta das Nações Unidas, eles eram, no entanto, secundários para o objectivo
de manter a paz e a segurança internacionais. Um princípio fundador da Carta das Nações
Unidas é o da não-intervenção nos assuntos internos dos Estados, como reflecte o Artigo 2 (7) da
Carta proibindo a ONU de intervir em "assuntos que dependam essencialmente da jurisdição
interna de um Estado". Este respeito pela soberania dos Estados e a não-intervenção, em parte,
explica a relutância da ONU em intervir em muitos casos de graves violações dos direitos
humanos. No entanto, os direitos humanos têm um lugar importante no sistema da ONU, como
evidenciado pelo posicionamento de destaque do objectivo de "promover e estimular o respeito
pelos direitos humanos" no Artigo 1 da Carta da ONU.
A novidade dos direitos humanos no Direito Internacional é que eles não só protegem os
indivíduos, mas que os direitos só podem ser violados por Estados através de indivíduos que
agem em nome de uma autoridade do Estado. A mudança no sentido de uma concepção de
direitos internacionais que poderiam ser violados por indivíduos ocorreu tão cedo quanto nos
Tribunais Penais de Nuremberga, em 1945-46. O Direito Internacional tem sido
tradicionalmente do domínio dos Estados, para além de casos limitados de responsabilidade
individual por crimes internacionais, tais como a pirataria em alto mar. O Tribunal de
Nuremberga, no entanto, alargou o âmbito da responsabilidade individual no Direito
Internacional para crimes de guerra e crimes contra a humanidade. A Carta da ONU,
consequentemente, expandiu essa nova concepção de responsabilidade individual sob o Direito
Internacional para iniciar a formação de direitos individuais de acordo com o Direito
Internacional. A definição de direitos humanos na Carta da ONU foi deliberadamente deixada
vaga, e esperaria para ser esclarecida nas declarações e tratados posteriores.
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1.3.5. A Carta Internacional dos Direitos Humanos
A ONU começou o desenvolvimento da legislação dos direitos humanos, definindo o crime de
genocídio, uma prioridade compreensível depois dos terríveis acontecimentos e do sistemático
assassínio de minorias da Segunda Guerra Mundial. A declaração da Assembleia Geral da ONU de
1946 condenou o genocídio como um crime internacional, e a declaração foi seguida em 1948
por vínculo legal, na Convenção sobre a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio. A
Convenção estabelece que o crime de genocídio pode ser cometido por indivíduos que podem,
então, ser julgados pelo crime no Estado onde o acto foi cometido ou perante um tribunal
internacional competente (hoje o Tribunal Penal Internacional é capaz de julgar indivíduos por
crime de genocídio). Nesse mesmo ano, a Assembleia Geral da ONU adoptou a Declaração
Universal dos Direitos Humanos que consiste num corpo abrangente de normas dos direitos
humanos.
Em 1948, a Assembleia Geral da ONU também adoptou a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, que consiste num conjunto abrangente de normas de direitos humanos. Este
documento é a plataforma para os dois principais tratados de direitos humanos da ONU: o Pacto
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Económicos,
Sociais e Culturais. Estes três documentos, além dos dois protocolos opcionais aos Pactos,
constituem o que é conhecido como a Carta Internacional de Direitos Humanos (international
bill of human rights).
1.3.5.1. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH)
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948 é o documento mais importante
dos direitos humanos no mundo (http://www.un.org/en/universal-declaration-human-rights/).
A Declaração é um documento político e foi originalmente contemplado que um tratado
juridicamente vinculativo rapidamente seguiria a DUDH, uma vez que não tinha uma força
jurídica na época. A Declaração Universal dos Direitos Humanos é uma compilação das
principais disposições de direitos humanos dividida em 30 artigos, e não há nenhum mecanismo
específico de monitorização associado a ela. No entanto, a Declaração é a base de muitas outras
convenções juridicamente vinculativas que foram adoptadas desde então, tanto a nível regional
como mundial. Não seria até 1966 que as normas contidas na DUDH seriam traduzidas em
tratados juridicamente vinculativos, e assim por um longo tempo, a declaração foi a principal
fonte autorizada de normas dos direitos humanos. Na visão da DUDH, reiterada posteriormente,
os direitos humanos são um todo abrangente que não pode ser subdividido ou aplicada de forma
selectiva. O preâmbulo da DUDH declara que os Estados Membros vão se esforçar para garantir
o "reconhecimento e observância efectiva e universal" dos direitos ali listados.
Até hoje, a DUDH continua a ser uma fonte amplamente invocada para a compreensão e
interpretação das normas de direitos humanos. Isso reflecte-se na prática de um grande número
O website do Gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos
Humanos (OHCHR) contém informações completas sobre os direitos humanos
universais:
• Introdução geral: www.ohchr.org
• Textos dos tratados: www2.ohchr.org/english/law
• Perfis dos países: www.ohchr.org/EN/Countries/
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de tribunais e organismos de direitos humanos, como eles frequentemente se referem à
declaração em seu trabalho, recomendações e julgamentos. Tem sido amplamente aceite que, ao
longo do tempo, a maioria das disposições na Declaração, em princípio, de natureza
juridicamente não vinculativa, adquiriram o estatuto de Direito Internacional consuetudinário, o
que significa que tem força jurídica e é vinculativa para os Estados Partes. Dito isto, os conteúdos
mais específicos dos direitos e liberdades permanecem vagos.
A DUDH contém direitos civis e políticos, bem como direitos económicos, sociais e culturais. Os
primeiros direitos estão protegidos nos Artigos 3-12 e os últimos nos Artigos 22-27. O Artigo 3º
estabelece que "todo ser humano tem o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal". Os
Artigos 4º e 5º expandem a liberdade, a proibição da escravidão e do tráfico de escravos. Os
Artigos 13-15 protegem a liberdade de circulação, o direito a uma nacionalidade e o direito de
buscar asilo em caso de perseguição. Os direitos que regem a detenção e julgamento justos
podem ser encontrados nos Artigos 7-11. As liberdades de família são descritas nos Artigos 12 e
16, incluindo o direito de se casar. A liberdade de pensamento, consciência, religião, opinião,
reunião e associação podem ser encontrados nos Artigos 18-20. Os Artigos 22-27 lidam entre
outras coisas com o direito ao trabalho, adequados padrões de vida, saúde, segurança social,
períodos de descanso e de lazer, educação e vida cultural. Os direitos económicos, sociais e
culturais diferem dos direitos civis e políticos em que nem todos os países serão capazes de
imediatamente de cumprirem essas normas, uma vez que a sua implementação depende da
situação em cada país, incluindo a capacidade económica dos países para implementar as
mudanças e políticas necessárias. Embora os direitos económicos, sociais e culturais não tenham
os mesmos requisitos de implementação imediata que os direitos civis e políticos, os Estados
Partes ainda precisam tomar medidas e assegurar a realização progressiva. Além disso, apesar
da natureza única dos direitos económicos e sociais, eles eram vistos como inseparáveis dos
direitos civis e políticos encontrados na DUDH. Como veremos, no entanto, estes dois conjuntos
de direitos foram bifurcados nos dois tratados juridicamente vinculativos que se seguiram à
DUDH.
1.3.5.2. Os Pactos Internacionais das Nações Unidas de 1966
O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto Internacional sobre os
Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC) foram destinados a ser versões juridicamente
vinculativas da DUDH. Foi originalmente previsto que as normas de direitos humanos definidas
na DUDH estariam protegidas em um único tratado, mas revelou-se politicamente impossível
combinar os direitos civis e políticos com os direitos económicos, sociais e culturais. Isto foi
principalmente devido ao ambiente de Guerra Fria em que os tratados foram redigidos. Os EUA e
outros países Ocidentais mostraram-se cépticos aos direitos económicos, sociais e culturais
protegidos no PIDESC, enquanto outros Estados, então representados pela esfera da União
Soviética, estavam mais relutantes em subscrever os direitos civis e políticos contidos no PIDCP.
Apesar da divisão política ocasionada pelos direitos contidos nos chamados "Pactos Gêmeos," os
redatores da DUDH pretendiam que os direitos fossem entendidos como um todo coeso, e na
verdade ambos os Pactos estão até hoje amplamente ratificados.
O PIDCP incorpora a visão civil e política dos direitos humanos e codifica os direitos encontradas
nos Artigos 3-21 da DUDH. Muitos dos direitos contidos no PIDCP têm as suas origens nas
Declarações Francesa e Americana do século 18, incluindo o direito à vida, à liberdade e de
julgamento justo perante um tribunal independente e imparcial. Também estão incluídas
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algumas liberdades fundamentais como a liberdade de expressão e a liberdade de consciência.
Estes direitos são referidos como os direitos humanos da "primeira geração", que decorrem da
divisão de diferentes direitos humanos de acordo com quando foram estabelecidos. Os direitos
civis e políticos têm sido durante muito tempo parte das constituições de muitos países e,
filosoficamente falando, são considerados a primeira geração de direitos. Embora aos direitos
humanos tenham sido atribuídas classificações, na realidade, não existe uma distinção clara
entre os diferentes grupos de direitos. No entanto, os direitos contidos no PIDCP são mais
inequívocos do que os direitos encontrados no PIDESC, e espera-se que estes direitos sejam
realizados imediatamente quando um Estado adere ao Pacto.
O PIDESC incorpora a visão social, económica e cultural dos direitos humanos e codifica os
direitos encontrados nos Artigos 22-27 da DUDH. Estes direitos são referidos como os direitos
da "segunda geração", e, em contraste com o PIDCP, podem ser implementados
progressivamente ao longo do tempo. Direitos, como o direito a salário adequado, padrão de
vida adequado, e educação gratuita não podem ser realizados imediatamente em muitos países,
necessitando, portanto, de uma abordagem progressiva para a implementação. Também estão
incluídos no PIDESC os direitos à moradia adequada, o direito à saúde mais elevado possível, a
segurança social, ambientes de trabalho seguros e saudáveis, como também lazer e descanso
adequados. Este conjunto de direitos está refletindo conceitos de estado de bem-estar mais
modernos e elaborados e, portanto, muitas vezes referidos como a segunda geração de direitos
humanos.
1.3.6. Outras fontes internacionais
A Declaração dos Direitos Humanos é a base de muitas outras convenções juridicamente
vinculativas que foram adoptadas desde então, tanto a nível regional como mundial, em adição
aos dois Pactos acima mencionados.
Ao nível global, ao nível da ONU, s principais convenções de direitos humanos da ONU incluem:
• a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965);
• a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as
Mulheres (1979);
• a Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou
Degradantes (1987);
• a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989);
• a Convenção Internacional sobre a Protecção dos Direitos de Todos os Trabalhadores
Migrantes e dos Membros das suas Famílias (1990);
• a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006);
• a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os
Desaparecimentos Forçados (2006).
Foram também criadas convenções regionais para a Europa, América, África e partes do Médio
Oriente. Para além disso, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) elaborou convenções
relevantes sob o seu sistema tripartido, encontrando-se elementos de protecção dos direitos
humanos em instrumentos sub-regionais, como a União Europeia e a Comunidade da África
Oriental.
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As convenções têm todas uma origem comum na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e
a maioria refere-se a este documento nos seus preâmbulos. No entanto, cada convenção também
é única e, ao contrário da Declaração Universal, elas são juridicamente vinculativas para os
Estados Partes. Há órgãos de monitorização estabelecidos para garantir que os Estados
cumpram, e que também incentivam os Estados a adoptar novas convenções ou a dar um
contributo sobre como as disposições específicas devem ser interpretadas. Esta combinação de
convenções e mecanismos de monitorização é muitas vezes denominada Regimes de Direitos
Humanos, que será tratado posteriormente neste curso de e-learning. No entanto, também é
importante notar que esta prática de monitorização está em desvantagem pois pode expor os
direitos humanos às críticas de Estados que não aprovam um forte protecção dos direitos
humanos. Por exemplo, os Estados que tenham um fraco recorde de promoção e protecção de
direitos humanos podem declarar que somente o texto de uma convenção – e não a
interpretação dada pelos órgãos de monitorização – é obrigatória para os Estados.
Outra característica comum é que todas as convenções de direitos humanos fazem parte do
grande aglomerado de Direito Internacional Público (lei que rege as relações internacionais
entre os Estados e, até certo ponto, organizações internacionais como as Nações Unidas, a União
Africana e o Conselho da Europa). O Direito Internacional Público compreende diversas áreas,
incluindo o Direito Marítimo, Direito Diplomático e o comércio internacional e meio ambiente. A
legislação dos direitos humanos está intimamente relacionada com os tópicos de Direito
Internacional Público como o Direito Humanitário, Direito Penal Internacional e o Direito dos
Refugiados.
1.4. Metodologia básica Uma vez que a legislação dos direitos humanos faz parte do regime de Direito Internacional
Público, é baseada na mesma metodologia. As fontes são basicamente tratados, Direito
Internacional consuetudinário, princípios gerais de direito e decisões e ensinamentos judiciais.
Estas quatro fontes estão listadas no Artigo 38 (1) do Estatuto do Tribunal Internacional de
Justiça. Existem alguns ajustes nesta metodologia no que se refere à legislação dos direitos
humanos, especialmente porque a legislação dos direitos humanos também regula a relação
entre governos e indivíduos. Examinaremos alguns destes no texto abaixo.
Os direitos humanos são geralmente divididos em quatro tipos de convenções: 1) gerais, 2)
específicas, 3) regionais, e 4) globais. As convenções gerais concentram-se num amplo espectro
de direitos e liberdades, ao passo que as convenções específicas se preocupam com uma
selecção mais restrita de direitos ou visam uma categoria específica de pessoas.
Em termos de convenções globais, qualquer nação no mundo pode tornar-se parte de uma
convenção. A adesão a uma convenção regional, no entanto, é reservada para os países duma
região específica ou países membros duma organização em particular, como os países europeus
que são membros do Conselho da Europa, os países americanos a compor a Organização dos
Estados Americanos, os Estados asiáticos formam a Associação de Nações do Sudeste Asiático, e
os Estados africanos formam a União Africana. Essa partição foi criada por considerações
práticas e não tem qualquer significado quanto ao estatuto jurídico ou político das convenções.
Exemplos de algumas das convenções gerais mais importantes incluem ambos os pactos da ONU
de 1966:
Curso e-learning sobre direitos humano – capítulo 1 – introdução
11
• o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), e;
• o Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais (1966).
Exemplos de convenções que são ao mesmo tempo regionais e gerais incluem:
• a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (1950);
• a Carta Social Europeia (1966);
• a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (1981), e;
• a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969).
Convenções que são quer específicas quer globais incluem:
• a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as
Mulheres (1979);
• a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Racial (1965);
• a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), e;
• a Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou
Degradantes (1987).
Embora existam poucas convenções regionais específicas, alguns exemplos incluem:
• a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção da Tortura (1987);
• a Convenção-Quadro do Conselho da Europa para a Protecção das Minorias Nacionais
(1955), e;
• a Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança (1990).
Além das quatro categorias apontadas acima, os direitos humanos são comummente divididos
em direitos civis e políticos, e em direitos económicos, sociais e culturais. Os direitos civis
abrangem um amplo espectro de direitos, incluindo o direito à vida, a proibição da tortura, o
direito à privacidade, e à liberdade de expressão e religião. Os direitos políticos incluem o direito
de votar e ser eleito e a liberdade de expressão, reunião e associação. Dentro da outra categoria,
os direitos económicos estão intimamente ligados à propriedade, trabalho e segurança social,
enquanto os direitos sociais abrangem a saúde, a alimentação e a habitação. Os direitos culturais
formam um subgrupo mais restrito e incluem o direito de proteger e desfrutar da cultura e de
usar a sua própria língua.
É importante notar que estas distinções são feitas para fins educacionais e não têm qualquer
significado jurídico. Nem é um ranking de quais direitos são mais importantes do que outros. Em
vez disso, os direitos humanos devem ser considerados como um todo. Todos os direitos
humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados, como declarado na
Declaração de Viena e seu Programa de Acção, adoptados pela Conferência Mundial sobre
Direitos Humanos de Viena em 1993. No entanto, o seguimento da Declaração Universal resultou
em duas convenções principais, nomeadamente, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos e o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, que não só
resultaram na diferenciação entre os dois principais grupos de direitos, mas que também
ganharam importância prática. Ao mesmo tempo, os textos nestas duas convenções diferem
substancialmente, especialmente em relação às obrigações que são impostas aos Estados. As
duas convenções também diferem no que diz respeito aos prazos dos regimes de aplicação.
Curso e-learning sobre direitos humano – capítulo 1 – introdução
12
A estes dois grupos principais de direitos junta-se também um terceiro grupo de direitos. Este
terceiro grupo, conhecido como direitos colectivos ou de solidariedade, inclui o direito à paz, ao
desenvolvimento e a um ambiente limpo. Os direitos de solidariedade são expressos em
documentos políticos e são, portanto, diferentes dos direitos que estão previstos nas
convenções. Estes documentos políticos são frequentemente precursores de documentos
jurídicos vinculativos, como é o caso da Declaração Universal e as Regras Gerais sobre a
Igualdade de Oportunidades para as Pessoas com Deficiência. Assim, o carácter político da
Declaração Universal dos Direitos Humanos e das Regras Padrão tornou-se um carácter
juridicamente vinculativo dos dois Pactos e da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência. Isto mostra que este terceiro grupo de direitos pode constituir uma adição futura
aos direitos existentes. Se eles vão constituir um grupo novo e separado de direitos ou se por
ventura vão se misturar com os grupos existentes, é outra questão. Por exemplo, o Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos já realizou muitos julgamentos sobre o equilíbrio entre a
protecção ambiental e o direito do indivíduo à privacidade e ao lar, enquanto, ao mesmo tempo,
o Comité de Direitos Humanos da ONU comentou sobre armas nucleares. Ainda sobre o mesmo
prisma, em 2001, a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos emitiu uma decisão
que considerava que o Estado Nigeriano não cumpriu com a Convenção Africana como resultado
de danos ao ambiente. Estes exemplos demonstram como o terceiro grupo de direitos já está
incluído nos processos judiciais em matéria de direitos humanos.
Embora tenham sido atribuídas classificações aos direitos humanos, na realidade, não existe
uma distinção clara entre os diferentes grupos de direitos. Por exemplo, a liberdade de
associação é classificada como um direito civil e faz parte do Pacto Internacional sobre os
Direitos Civis e Políticos. No entanto, esse direito também é fundamental na vida profissional e é,
portanto, também protegido no Pacto das Nações Unidas sobre os Direitos Económicos, Sociais e
Culturais. Da mesma forma, a liberdade de reunião é de suma importância em termos da
aplicação de outros direitos, como a liberdade de religião, protecção das minorias e contra a
discriminação racial. O mesmo também se pode dizer quanto ao direito à educação – este é um
direito social, cultural ou económico?
Os direitos humanos também podem ser divididos de acordo com o período em que foram
estabelecidos. Os direitos civis e políticos têm sido há muito tempo parte das constituições de
muitos países e, filosoficamente falando, são considerados a primeira geração de direitos. Estes
direitos são de importância fundamental para o funcionamento da democracia e do Estado de
Direito. A liberdade é a chave para este tipo de direitos. Na esteira dos direitos humanos há um
grupo mais recente de direitos que inclui os direitos económicos, sociais e culturais. Estes
direitos foram criados mais recentemente e estão intimamente ligados ao estado de bem-estar
social, e, portanto, depende da situação específica num determinado país. Porém, a igualdade é
fundamental para estes direitos. Finalmente, uma terceira geração de direitos pode ser vista nos
direitos de solidariedade acima mencionados. A chave para estes direitos é a unidade e a
fraternidade. Em suma, isto reflecte o lema da Revolução Francesa, como afirmou Robespierre:
"Liberdade, Igualdade e Irmandade”.
Embora a abordagem geracional seja uma outra maneira útil para ensinar e compreender os
diferentes direitos, também pode ser enganosa pois pode criar uma falsa divisão entre os
direitos mais antigos e conservadores, e os direitos mais recentes e radicais. No entanto, todos
estes direitos coexistem, com a primeira discussão aprofundada desses direitos a ocorrer na
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Declaração Universal de 1948. Mesmo se eles existissem a um nível nacional antes da
Declaração, os dois primeiros grupos de direitos (e talvez até mesmo o terceiro) tiveram a sua
estreia internacional ao mesmo tempo.
1.5. Plataforma de valor Os direitos humanos são baseados em alguns valores considerados como comuns para todos os
seres humanos no mundo. Os direitos humanos também podem ser invocados perante os
tribunais nacionais e internacionais. Isto é muitas vezes contestado: é óbvio que os juízes e os
membros das comissões mantêm os seus valores pessoais no papel que desempenham e,
portanto, os documentos e as conclusões reflectem diferentes plataformas de valor. É também
evidente que a sociedade e os tribunais se influenciam mutuamente. No entanto, há limites
claros para os tipos de argumentos que podem ser considerados como raciocínios jurídicos
válidos, e até que ponto vai o alcance da interpretação.
Há também um outro problema associado aos valores. Como os valores podem ser facilmente
percebidos como normas não vinculativas, isto pode indicar que os direitos são relativos e são
um privilégio que se tem de dar caso a caso. As decisões tomadas pelos órgãos dos tratados
provam que os direitos humanos são normas jurídicas que não fazem distinção entre os
indivíduos, merecedores ou não merecedores.
A relação entre os valores e os direitos humanos é de interdependência. Isto porque, enquanto
os valores criaram (e, em parte, criam) direitos, ainda há direitos estabelecidos que colocam
limites ao uso de valores pelas autoridades. Infelizmente, há muitas pessoas – políticos e outros
– que confundem esta distinção entre direitos e valores. Assim, é de suma importância ressaltar
que as fontes de direitos humanos constituem justificação suficiente para as normas em questão
e que não é necessária nenhuma referência a valores. De acordo com o Direito Internacional
Público, quando um Estado decide tornar-se parte duma convenção, o Estado assume
automaticamente as obrigações no âmbito do Direito Internacional. Isso ajuda a diminuir a
pressão exercida sobre as normas de direitos humanos por políticos de todo o mundo, sejam
eles da Indonésia, Suécia ou Tanzânia.
Conhecimentos profundos sobre a base legal dos direitos humanos também ajudam a
determinar o seu valor em relação a sociedades e governos que são fundamentalmente
diferentes uns dos outros. Ao mesmo tempo, a maioria dos países tem um sistema de divisão de
poder e uma plataforma legal que pode ser testada perante os tribunais. Além disso, uma base
legal sólida faz com que seja mais fácil prever o futuro dos direitos humanos. Por outras
palavras, enquanto a compreensão dos direitos humanos se basear na legislação em vigor (de
lege lata) e não numa avaliação subjectiva sobre a forma como a lei deveria ser (de lege ferenda),
as regras mantêm o seu poder de persuasão diante dos tribunais nacionais e dos órgãos de
supervisão de tratados internacionais. O inconveniente, no entanto, é que as questões relativas
aos valores não são muitas vezes levantadas abertamente, mas formam um argumento mais
escondido ou inconsciente.
1.6. Abordagem dinâmica Os direitos humanos são dinâmicos. Isto significa que eles se desenvolvem ao longo do tempo e
são sensíveis às mudanças na sociedade. Assim, o texto duma convenção não é imutável,
Curso e-learning sobre direitos humano – capítulo 1 – introdução
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deixando espaço para interpretação. A jurisprudência dos tribunais e comissões de direitos
humanos reflecte a natureza dinâmica dos direitos. O princípio da “interpretação dinâmica” foi
estabelecido pela primeira vez numa decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
(TEDH). Desde então, outros sistemas regionais de direitos humanos também reconheceram a
importância desta abordagem mais evolutiva. É, no entanto, o TEDH que utiliza a abordagem
mais amplamente. Por exemplo, os casos de maus-tratos foram por muito tempo classificados
como delito menos grave de tratamento desumano ou tratamento ou pena degradantes, e não
como tortura. Nos últimos anos, porém, esse limite foi reduzido e muitas circunstâncias que
anteriormente não se qualificavam como tortura, são-no hoje.
Outro exemplo é o desenvolvimento do direito ao respeito pela vida privada. Com o tempo, foi
dada protecção à actividade homossexual ao abrigo desta disposição, o que implica,
essencialmente, a concessão do estatuto de igualdade com a actividade heterossexual. Foram
também dados direitos aos transsexuais, o que pode ser visto em relação à aceitação do nome
legal e à mudança de género nos registos públicos. Embora nenhuma dessas questões estivesse
na agenda quando as convenções fundamentais foram elaboradas, elas têm vindo a ser incluídas
através da jurisprudência e reflectem a natureza dinâmica das convenções e da sua capacidade
de se adaptarem às mudanças na sociedade e às necessidades actuais.
Embora haja muitas vantagens ligadas à flexibilidade inerente às disposições de uma convenção,
tal flexibilidade tem um preço, pois pode ser prejudicial para a credibilidade e a reputação da
convenção. As disposições originais foram o resultado de longas e intensas negociações
internacionais, estando o texto final da convenção a funcionar como uma salvaguarda para os
interesses nacionais. Quando os Estados aderem a uma convenção, eles concordam com esse
texto em particular. Estados que não concordem totalmente com a redacção podem fazer a sua
ratificação sujeita a reservas a algumas ou todas as disposições da convenção. Quando o
resultado dessas negociações é alinhado pela opinião de um pequeno grupo de juízes ou de
membros de uma comissão que não estão sujeitos à autoridade de qualquer dos Estados-
Contratantes, os Estados Membros sentem-se muitas vezes inclinados a rejeitar esses
desenvolvimentos, alegando que eles não são obrigados por essas novas normas. Neste contexto
particular, os Estados-Contratantes encontram apoio para os seus argumentos no Direito
Internacional Público formal.
De acordo com o Direito Internacional Público, os Estados são obrigados apenas pelas
convenções e não pelas opiniões dos órgãos de monitorização. Uma excepção importante a este
princípio são os tribunais de direitos humanos. Como exemplo, as sentenças finais do Tribunal
Europeu dos Direitos do Homem são juridicamente vinculativas apenas sobre o Estado que é
parte no caso específico em questão (o assunto é resolvido entre o requerente e o Estado
defensor, Artigo 46°). O mesmo princípio é estabelecido para as decisões tomadas pelo Tribunal
Africano dos Direitos Humanos e dos Povos (Artigos 28° e 30° do Protocolo à Carta Africana dos
Direitos Humanos e dos Povos relativo ao estabelecimento de um Tribunal Africano dos Direitos
Humanos e dos Povos). O mesmo vale para os acórdãos da Corte Interamericana de Direitos
Humanos, desde que os Estados Partes em causa tenham expressamente dado o seu
consentimento para a Corte ter esta jurisdição (Artigo 62° CADH). Nos casos em que os Estados
não são partes, a prática do Tribunal serve como um precedente para futuras decisões e, assim,
tais decisões estão, em termos práticos, a determinar as obrigações de todos os Estados Partes.
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Há muitos argumentos a favor do desenvolvimento de uma convenção por via da jurisprudência.
Os Estados-Contratantes têm dado aos órgãos da convenção a autoridade para interpretarem e
aplicarem as respectivas disposições, como consagrado no Artigo 62° (3) da Carta Africana e
Artigo 3° do Protocolo à Carta Africana. Consequentemente, os Estados aceitaram que esses
órgãos tenham autoridade para desenvolverem ainda mais as ditas convenções. A Convenção
Europeia dos Direitos Humanos consagra o princípio de que só a Grande Câmara está autorizada
a proferir uma sentença que possa ter um resultado incompatível com uma sentença
anteriormente proferida pelo Tribunal (Artigo 30°). No sistema africano de direitos humanos, os
tribunais e órgãos de monitorização são os únicos que têm competência para interpretar as
normas das convenções. Os tribunais nacionais podem aplicar as normas das convenções, mas o
órgão de monitorização africano é o responsável por dar a opinião final sobre a interpretação
das convenções. O conteúdo das convenções torna o desenvolvimento natural, se não for
necessário. As normas são amplas e servem para regular os aspectos centrais da governação
pública. As matérias reguladas pelas convenções não são estáticas e, portanto, é irrealista que as
negociações entre os Estados-Contratantes possam ser o único meio para alterar as convenções.
Os órgãos das convenções têm um poder limitado para alterar os direitos consagrados nelas. As
mudanças importantes são feitas por meio do estabelecimento de novos direitos por novos
protocolos. Os protocolos só são obrigatórios para os Estados que optem por se tornarem
membros. As mudanças realizadas dizem respeito tanto aos mecanismos de monitorização
quanto aos direitos individuais e às disposições.
Os órgãos dos tratados têm autoridade limitada para mudar as convenções por meio de
interpretação e prática. O conteúdo principal da convenção é fixo. Por outras palavras, a
protecção das disposições existentes pode ser estendida para abranger novas circunstâncias
sociais, mas não para abranger novas áreas que poderiam ter sido incluídas no momento em que
a convenção foi elaborada. Um exemplo desta prática é a inclusão da protecção do ambiente ao
abrigo das disposições que garantem o direito ao respeito pela habitação. Deve-se ter em mente
que este desenvolvimento acontece de forma gradual. Desenvolvimentos que parecem
revolucionários hoje podem ter sido postos em movimento por uma cadeia de acontecimentos
aparentemente insignificantes. O poder de revisão judicial pode servir como um exemplo neste
caso, porque as áreas que costumavam ser deixadas ao critério da Administração Pública em
muitos países, caíram gradualmente na jurisdição dos tribunais de direitos humanos.
A flexibilidade inerente aos direitos humanos incentiva algumas pessoas, mas alarma outras.
Para muitos, esta qualidade não significa nem alegria nem terror, porque as experiências
mostram que as alterações em causa são geralmente menores.
1.7. Crítica Os direitos humanos internacionais sempre foram alvo de críticas. O simples adicionar das
palavras “direitos humanos” à Carta da ONU em 1945, mostrou-se tão difícil que foi adiado para
um documento separado nomeado Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Provou-
se ainda mais difícil para a comunidade internacional chegar a um acordo sobre o real
significado dessas palavras. Três anos de duras negociações foram necessários para completar
um esboço da Declaração Universal dos Direitos Humanos, apesar de o documento ter apenas
natureza política (não jurídica) e conter não mais de 30 disposições curtas. Além disso, mesmo
depois da declaração ter sido redigida, ela ainda assim não recebeu o apoio de todos os Estados
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Membros. Assim, transformar as disposições da Declaração Universal em normas jurídicas
vinculativas revelou-se um desafio ainda maior. Vinte anos se passaram antes que as convenções
juridicamente vinculativas para os direitos civis e políticos e económicos, sociais e culturais
fossem abertas à assinatura, tendo passado ainda mais dez anos antes que um número suficiente
de Estados as tivessem assinado e as fizessem entrar em vigor.
Assim, é fácil ver como há vários desafios que se interpõem no caminho da implementação dos
direitos humanos. Além disso, muitos Estados têm dificuldades em fazer cumprir as disposições
em situações da vida real, tendo ainda maiores dificuldades de aceitar críticas dos órgãos
internacionais de monitorização, da comunidade internacional ou de Estados individuais.
Além das dificuldades de implementação mencionadas acima, os direitos humanos são alvo de
críticas por muitas razões diferentes. Durante muito tempo, os críticos mais severos dos direitos
humanos rejeitaram-nos, tendo-os como uma ideia ocidental imposta aos outros países através
do poder político, cultural, económico e militar. Alegava-se que eram as nações ocidentais que
controlavam a ONU, o processo conducente à elaboração da Carta das Nações Unidas, bem como
a subsequente criação e interpretação das convenções. No entanto, tais críticas acalmaram, à
medida que mais Estados foram aderindo a uma ou mais das convenções, o que, por sua vez,
tornou mais difícil para um país não reconhecer esses direitos. Em 1993, durante a Conferência
Mundial sobre Direitos Humanos em Viena, todos os países participantes concordaram que os
direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. Além disso,
o domínio ocidental enfraqueceu-se ao longo do tempo, em parte porque os órgãos de
monitorização estão equipados com pessoas de diferentes regiões e culturas, e também porque
muitos países não-ocidentais se tornaram parte do sistema das Nações Unidas depois de 1948.
Outro fabricante de mudanças foi o sistema de Revisão Periódica Universal (RPU), onde todos os
Estados Membros das Nações Unidas são regularmente questionados pelos outros Estados
Membros sobre os seus registos de direitos humanos.
Um possível contra-argumento a esta crítica é a afirmação de que os direitos humanos são
universais. Existem duas partes para este argumento. Uma é que os direitos humanos
incorporam os valores aplicáveis a cada um e a todos os indivíduos em todos os países do
mundo, independentemente da sua origem cultural ou país de origem. Isto decorre da ideia de
que os direitos humanos tomam as necessidades do indivíduo como ponto de partida e que essas
necessidades variam pouco entre as culturas e os países. O segundo argumento é que os direitos
humanos recebem apoio de quase todos os países do mundo, quer sob a forma de ausência de
protesto formal através da adesão às convenções ou através da participação no sistema da RPU.
Isto significa que, apesar de muitos países poderem criticar as normas, elas ainda são legalmente
válidas. De acordo com a lei dos direitos humanos, a liberdade de expressão é protegida da
mesma forma quer na Tanzânia quer na Noruega, e o direito ao trabalho da mesma maneira
quer no Turquemenistão, quer na Alemanha.
Uma forma mais recente de crítica é que os direitos humanos são antidemocráticos. A base para
esta crítica é que os direitos humanos são baseados em convenções e que os Estados individuais
geralmente não têm a capacidade de influenciar o conteúdo das regras. A crítica ganha força
devido ao facto de que os órgãos internacionais que monitorizam têm aprimorado essas normas,
tendo os Estados pouca influência sobre esse desenvolvimento. Este défice democrático é
Curso e-learning sobre direitos humano – capítulo 1 – introdução
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especialmente evidente quando os direitos humanos entram em choque com as leis nacionais
legisladas por um parlamento democraticamente eleito.
Os direitos humanos nunca foram destinados a ser democráticos. Eles tinham a intenção de
proteger a minoria de abusos por parte da maioria, o que muitas vezes se torna difícil se a
democracia for interpretada de forma demasiado ampla. Além disso, os direitos humanos
protegem os indivíduos de abusos cometidos pelas autoridades estatais, o que também se
encontra em processos democráticos. Um argumento mais simples é de que teria sido
impossível criarem-se direitos humanos através de um processo totalmente democrático, o que
é visto na dificuldade que os Estados demonstram em negociar uma convenção que seria
aprovada por consenso.
No entanto, pode-se argumentar de que há de facto uma base democrática para os direitos
humanos, uma vez que os representantes dos governos negociaram as convenções, sendo que
esses governos derivam de parlamentos democraticamente eleitos. Além disso, a adesão final a
uma convenção muitas vezes depende da ratificação pelo parlamento.
Uma terceira forma de crítica está relacionada com a “realpolitik”, que é a ideia de que a política
está baseada em considerações práticas e não tanto em ideias filosóficas. Embora os direitos
humanos sejam normas legais, muitos Estados optam por contornar essas regras quando o
consideram necessário. Tem havido exemplos na guerra contra o terror, durante a qual quer os
Estados quer as organizações internacionais esticaram os direitos humanos até aos seus limites.
Isso também pode ser visto em questões relacionadas à religião. A aprovação pelo TEDH de uma
proibição sobre o véu muçulmano na Turquia pode ser criticada por colocar grande ênfase nas
tradições e história da Turquia, o que também se reflectiu no facto de o Comité de Direitos
Humanos da ONU até certo ponto sustentou opinião oposta num caso em que também havia um
conflito entre religião e políticas de Estado. No entanto, a lei, incluindo os direitos humanos,
opera sempre dentro de um quadro político. Se as normas legais perderem a sua legitimidade (o
que pode acontecer quando a sociedade progride além de certas normas), a política tende a
ganhar a batalha. Esse entendimento, até certo ponto, tem sido incorporado aos direitos
humanos, e também pode ser visto como o outro lado da moeda da natureza dinâmica das
normas de direitos humanos.
É importante notar, no entanto, que existe uma “válvula de segurança” no facto de as
autoridades terem a possibilidade de restringir muitos dos direitos, tal como a liberdade de
expressão. Além disso, as autoridades podem impor restrições se a sociedade como um todo
estiver ameaçada (a chamada derrogação). No entanto, é evidente que os direitos humanos se
esforçam para encontrar o equilíbrio certo de terem um propósito para os indivíduos, sendo ao
mesmo tempo viáveis. Se as expectativas sobre os Estados individuais se tornarem muito altas, a
brecha entre as reivindicações de Direito Internacional Público e as políticas nacionais vai-se
tornar muito grande, fazendo com que as normas internacionais percam a sua legitimidade.
Uma consideração adicional é que os órgãos internacionais de monitorização são enfraquecidos
pelas acções ditadas pelo “realpolitik”. Quando os países que obstruem a implementação dos
direitos humanos têm representantes nos órgãos internacionais, isso contribui para enfraquecer
esse aspecto do regime de direitos humanos. Do mesmo modo, quando os Estados não estão
dispostos a alocar fundos suficientes para os órgãos de monitorização, isso leva a aumentar o
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retrocesso, o que se torna quase paradoxal. Assim, parece que o triunfo dos direitos humanos até
certo ponto se tenha tornado a sua tragédia: quantos mais casos são levados aos tribunais e aos
órgãos de monitorização, mais tempo isso leva, e quanto mais resoluções sobre os princípios
forem tomadas, mais resistência se cria.
Dito isto, a crítica e o debate é saudável, mesmo para os direitos humanos. Numa perspectiva
mais ampla, pode-se dizer que os direitos humanos tiveram efeitos positivos sobre muitas
sociedades e que essa influência foi maior que o esperado. Ao mesmo tempo, muitos sustentam a
opinião de que os fundamentos jurídicos destes direitos são muito mais sólidos do que o debate
e o apoio público poderiam sugerir. O elo mais fraco na cadeia é claramente o regime de
monitorização, mas, aqui, mais uma vez, os resultados são melhores do que o esperado.
Embora a ideia de direitos humanos nunca venha a ser totalmente concretizada, muitos Estados
e pessoas continuarão a esforçar-se para alcançá-los. Por conseguinte, é importante salientar os
pequenos progressos que continuam a ser feitos em vez de ressaltar as deficiências existentes.