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INTRODUÇÃO À HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO PROJETO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA/UFRN ARTHUR RODRIGUES FABRÍCIO RESUMO DA OBRA: BRYAN, B. M. The 18th Dynasty before the Amarna Period. In: SHAW, Ian (Org). The Oxford history of the ancient Egypt. United States: Oxford University Press: 2003. DIJK, J. V. The Amarna Period and the Later New Kingdom. In___ (Org). The Oxford history of the ancient Egypt. United States: Oxford University Press: 2003. Novo Império (c.1550 – 1060 a.C.) Quando pensamos o Novo Império, período que compreende a XVIII, XIX e XX dinastia, logo direcionamos o imaginário que temos desse momento da história egípcia às grandezas militares do período, como a Batalha de Qadesh empreendidas Ramessés II, no entanto, esse período foi muito mais rico em vários aspectos do que, a um primeiro olhar, possamos entendê-lo. Após a “expulsão” dos hicsos do território egípcio, teremos novamente um período de paz e prosperidade e, principalmente, união das cidades do país. Cultura e economia tiveram novo fôlego e expandiram suas fronteiras além dos limites geográficos do território já conquistados, impulsionando a entrada de riquezas e produtos estrangeiros. No campo político podemos destacar o governo por faraós tidos como fortes e cujos nomes seriam recordados, mesmo em períodos posteriores, como exemplo de grandes administradores. É nesse período que eventos como a ascensão de Hatshepsut, uma mulher, como regente acabam por acontecer, quebrando paradigmas e aumentando exponencialmente o papel feminino na história do país. Acaba por acontecer, nesse período, uma reforma religiosa e política, propagada durante o reinado de Amenhotep IV, que seria conhecido como Akhenaten, e que visava implantar um sistema religioso monoteísta, cujo deus principal seria o próprio disco solar, Aten. Temos ainda, como principais eventos as batalhas contra povos estrangeiros, como Mitanni, durante o

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Page 1: INTRODUÇÃO À HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA DO EGITO … · sudoeste da Palestina, bem como as campanhas no reino de Kush, na capital e cidade de Kerma, perto da terceira catarata. O

INTRODUÇÃO À HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO

PROJETO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA/UFRN

ARTHUR RODRIGUES FABRÍCIO

RESUMO DA OBRA:

BRYAN, B. M. The 18th Dynasty before the Amarna Period. In: SHAW, Ian (Org). The

Oxford history of the ancient Egypt. United States: Oxford University Press: 2003.

DIJK, J. V. The Amarna Period and the Later New Kingdom. In___ (Org). The Oxford

history of the ancient Egypt. United States: Oxford University Press: 2003.

Novo Império (c.1550 – 1060 a.C.)

Quando pensamos o Novo Império, período que compreende a XVIII,

XIX e XX dinastia, logo direcionamos o imaginário que temos desse momento da

história egípcia às grandezas militares do período, como a Batalha de Qadesh

empreendidas Ramessés II, no entanto, esse período foi muito mais rico em vários

aspectos do que, a um primeiro olhar, possamos entendê-lo.

Após a “expulsão” dos hicsos do território egípcio, teremos novamente

um período de paz e prosperidade e, principalmente, união das cidades do país. Cultura

e economia tiveram novo fôlego e expandiram suas fronteiras além dos limites

geográficos do território já conquistados, impulsionando a entrada de riquezas e

produtos estrangeiros. No campo político podemos destacar o governo por faraós tidos

como fortes e cujos nomes seriam recordados, mesmo em períodos posteriores, como

exemplo de grandes administradores.

É nesse período que eventos como a ascensão de Hatshepsut, uma

mulher, como regente acabam por acontecer, quebrando paradigmas e aumentando

exponencialmente o papel feminino na história do país. Acaba por acontecer, nesse

período, uma reforma religiosa e política, propagada durante o reinado de Amenhotep

IV, que seria conhecido como Akhenaten, e que visava implantar um sistema religioso

monoteísta, cujo deus principal seria o próprio disco solar, Aten. Temos ainda, como

principais eventos as batalhas contra povos estrangeiros, como Mitanni, durante o

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período pré-Amarniano, a batalha de Qadesh, empreendida por Ramessés II contra os

hititas e a expulsão dos Povos do Mar, durante o reinado de Ramessés III, além de

vários outros conflitos que puderam por em prova a capacidade do exército egípcio e de

suas políticas expansionistas.

É nesse período de paz e prosperidade, que só irá mudar quando do

enfraquecimento do estado com o fim da XX dinastia e a tomada do poder pelos líbios,

que enterramentos luxuosos como os empreendidos no Vale dos Reis, irão se destacar.

Situa-se nesse período o jovem faraó Tutankhaton, cuja tumba viria a ser descoberta

intacta pelo arqueólogo Howard Carter e sua equipe em 1922, revelando inúmeras

riquezas e materiais nunca antes encontrados intactos.

A 18ª Dinastia antes do período de Amarna

1. Ahmose (Ahmés) e a 18ª Dinastia

Descobertas arqueológicas e novos exames dos materiais já existentes

nos anos 80 e 90 do século passado sugerem que a reunificação do Egito deu-se apenas

durante a última década dos 25 anos de reinado de Ahmose (1550-1525 a.C.),

considerado o primeiro rei da 18ª dinastia. No entanto, pesquisadores afirmam que essa

nova dinastia teria começado oficialmente apenas por volta de 1530 a.C., apesar do

reinado de Ahmose já estar em andamento e construindo as estruturas que seriam

levadas adiantes durante o restante da 18ª dinastia.

Essa retomada dos rumos do Egito trouxe consigo uma revitalização e

continuidade das formas e tradições que nunca foram esquecidas durante o Segundo

Período Intermediário. Inscrições na tumba de Ahmose, filho de Ibana indicam, em

Elkab, a derrota dos hicsos em nome do Rei Ahmose, o cerco ao forte de Sharuhen no

sudoeste da Palestina, bem como as campanhas no reino de Kush, na capital e cidade de

Kerma, perto da terceira catarata. O fim dessa última contra a Núbia deu-se sob o

comando de Amenhotep I e uma série de monumentos foram erigidos para comemorar a

vitória dos dois reis.

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No começo da XVIII dinastia, vários níveis1 de Avaris, cidade que foi o

centro político durante o domínio hicso no Egito durante a XIV e XV dinastias, parecem

registrar diversos reinados que sucederam Ahmose. Durante esse tempo, muitos

monumentos decorados com afrescos minóicos eram usados, fato esse que sustenta a

tese de um contato crescente com o mundo Egeu. Valores artísticos egípcios durante

esse período passaram a sofrer forte influência minóica, cujos padrões de arte foram

adaptados. No entanto, após o começo da dinastia, essa tendência estilística diminuiu e

eventualmente cessou, deixando poucos elementos remanescentes, principalmente

devido aos fortes valores da iconografia dominantemente egípcia.

Durante o reinado de Ahmose um grande movimento de reconstrução e

revalorização de templos e cidades passou a acontecer: Avaris passou a ser um

importante centro comercial e Mênfis foi novamente desenvolvida. Os templos erigidos

por Ahmose nos seus últimos anos de reinado, tanto ao norte quanto ao sul, são obras

correspondentes ao tradicional programa de construção em honra aos deuses cujos

cultos floresceram no Médio Império: Ptah, Amun, Montu e Osíris. Ainda, em algumas

estelas do período, Ahmose se denomina propiciador e benfeitor do templo de Karnak.

Em uma delas, Ahmose clama ter sido o reconstrutor de tumbas e pirâmides destruídas

na região tebana por uma tempestade infligida ao Alto Egito pelo poder de Amun, cujas

estátuas parecem ter sido abandonadas e deixadas em péssimo estado.

Apesar da múmia de Ahmose ter sido encontrada em Deir el-Bahri, não

se sabe a localização real de seu enterramento, afinal, sacerdotes do Novo Império e do

Terceiro Período Intermediário mantiveram o costume de realocar as múmias dos faraós

para conservar seus restos mortais da profanação de ladrões de túmulos.

2. Amenhotep I

Amenhotep I, filho de Ahmose e próximo na sucessão, provavelmente

ainda não era adulto quando da sua ascensão ao poder. Deve ter havido uma curta co-

regência com Ahmose para assegurar uma transição pacífica e continuidade da dinastia

estabelecida. De certa forma, o reino de Amenhotep I foi uma continuação ao de seu

pai: construções que provavelmente foram pensadas no reinado anterior foram

1 Referente à técnica de estratigrafia.

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edificadas, expedições militares rumo ao sul completaram campanhas anteriores.

No entanto, Amenhotep I teve êxitos próprios ao longo de seu reinado e

logo após sua morte, ele e sua mãe, Ahmose-Nefertari, foram deificados e adorados em

Tebas, especialmente na vila real de construtores, Deir el-Medina, onde além dos cultos

comuns, era comum haver cultos pessoais nas próprias residências.. A hipótese provável

da deificação dos dois concerne ao começo do Novo Império e sua atividade construtora

nas margens oeste do rio.

As obras de construção durante esse reinado envolvem a elevação de

Karnak a um sítio de veneração à instituição do reinado. No entanto, nas construções

não aparecem representações ou menções à Festa-Sed de seu reino, festa realizada

geralmente no aniversário do trigésimo ano de reinado onde o rei poderia renovar suas

forças magicamente e reafirmar-se como forte soberano através da realização de rituais;

após a primeira, costumava-se realizar-se novamente outra festa em intervalos de três

anos. Ainda, as construções de Amenhotep I e seus sucessores relacionam a questão de

onde e como as observações astronômicas em relação ao calendário afetaram essas

construções. Acredita-se que os templos serviam como observatórios astronômicos e,

durante o governo de Amenhotep I, houve uma provável iniciativa de refazer os

calendários mais antigos. Como o sistema de datação egípcio era baseado em decanos,

precisava-se de boa estrutura para a análise das estrelas a noite.

Após o fim do reino de Amenhotep I, as principais características da 18ª

dinastia já estavam estabelecidas: uma clara devoção ao culto de Amun em Karnak, as

conquistas militares na Núbia e suas consequências financeiramente boas, a estrutura

nuclear fechada da família real e uma forte união de famílias poderosas que tinham

relações colaterais, primariamente associadas com as regiões de Elkab, Edfu e Thebas.

3. As mulheres reais no início da 18ª dinastia

Durante o Antigo Império e o Médio Império as filhas dos reis, que

carregavam consigo as credenciais reais, podiam se casar com altos oficiais, caso

autorizadas pela família. No entanto, existiam várias limitações no que diz respeito a

sua “posição” na família real. Quando um filho exterior à família real casava-se com

uma princesa, não havia ganhos financeiros, por exemplo, em guerras, quando o espólio

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era dividido entre a realeza, medida essa que visava restringir os concorrentes ao trono

que se casavam com essas mulheres em busca de ascensão social. Filhos que casavam

com princesas não participavam do “núcleo” real.

No entanto, durante a 17ª Dinastia, Seqenenra e Ahhotep, importante

rainha dessa dinastia, para assegurar a transição e exclusividade da linhagem familiar,

estabeleceram a proibição de filhas reais casarem-se com outro indivíduo que não o

próprio rei. Porém, a linhagem nem sempre se prendia a do rei, pois o mesmo não era

obrigado a casar apenas com princesas. Apenas com o reinado de Ramessés II voltamos

a ter evidências de princesas casando-se com outros que não sejam o rei.

Apesar das restrições para casamento com reis, muitas princesas

tornaram-se extremamente ativas nos governos de seus maridos e herdeiros, como

Ahhotep, Ahmose-Nefertari e Hatshepsut, que adquiriram credenciais reais. Um fato

extremamente significante em relação a essas influências femininas no poder

demonstra-se com a homenagem depois prestada à rainha Ahhotep por seu filho, em

decorrência da pacificação do Alto Egito e expulsão de rebeldes (os hicsos), creditado a

rainha, que também recebeu credenciais que implicavam sua participação direta no

governo.

Ahmose-Nefertari, por exemplo, é descrita em um monumento do ano 18

do reinado de Ahmose como sendo a “filha do rei, irmã do rei, grande esposa do rei,

esposa do deus Amun”, e, assim como Ahhotep, “aquela que ama o Alto e Baixo Egito”.

A rainha sobreviveu ao seu marido e seu filho Amenhotep I e ainda assim conservou

seus títulos e posição como esposa do deus Amun no reino de Thutmés I.

Existem evidências que afirmam que rainhas podiam gerenciar seus

próprios planos de construção, independentemente da figura do rei, possuindo centros

de cultos próprios e templos dedicados a sua imagem. Ainda, existem monumentos que

representavam a presença feminina da família real em diversas regiões estrangeiras,

talvez, como forma de ligar as rainhas e princesas a Hathor, deusa das terras

estrangeiras, cujo papel de filha do deus-sol era proteger seu pai.

Por fim, temos o exemplo de outra presença feminina, membro da família

real da 18ª dinastia, filha de Amenhotep I, irmã do rei e esposa de deus, Satamun, que

nunca tornou-se rainha. No entanto, Satamun foi honrada por seu pai, juntamente a

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Ahmose-Nefertari por seu papel como esposa de Amun e mesmo nos tempos

Ramessidas, Satamun foi venerada como membro da família de Ahmose-Nefertari e foi

incluída em cenas da família real deificada.

4. Thutmés I

A primeira sucessão da 18ª dinastia que não descendeu diretamente de

“pai para filho” não resultou em um longo governo. No entanto, pode-se afirmar que a

duração do reinado de Thutmés I foi inversamente proporcional ao impacto na estrutura

do próprio reinado: seus interesses militares e econômicos na Núbia demonstrados com

uma campanha fortemente violenta foram construídos sobre os esforços de seu

antecessor, mas as expedições na Síria abriram novos horizontes em relação ao

comércio e a diplomacia desse período. Esses esforços são, hoje em dia, muito mais

vistos em Tebas e na Núbia, porém são igualmente evidentes em Mênfis e nas regiões

mais ao norte.

Não se conhece o pai de Thutmés I, porém sua mãe chamava-se

Seniseneb, nome feminino comum no Segundo Período Intermediário. Casado com

Ahmose, que possuía o título de “irmã do rei” e “grande esposa real”, estudiosos

entendem que a esposa do rei, devido à ausência do título “filha do rei”, seria sua

própria irmã. Thutmés I é ainda pai de Hatshepsut, que assumiu a posição de “esposa do

deus Amun”, substituindo Ahmose-Nefertari, que faleceu durante o reinado de Thutmés

I.

Quanto aos monumentos de seu reinado nota-se o crescimento de Giza

como um centro de peregrinação no Novo Império, devido à localização das tumbas de

Khufu (Queóps) e Khafra (Quéfren) e principalmente devido ao culto de deus

identificado como a Grande Esfinge, Horemakhet (Hórus no horizonte). Thutmés I

preferiu ainda não honrar os dois últimos reis com monumentos, como era costume,

porque ambos faziam parte de uma linhagem que os ligavam a Ahmose, linhagem essa

que Thutmés não compartilhava. No lugar dessa honra aos reis passados, o atual líder

preferiu legitimar seu reinado através dos grandes deuses: na 18ª dinastia a

descendência que ligava o rei aos deuses era comum, mas esse costume parece ter a

primeira maior ênfase no reinado de Thutmés I.

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Não é conhecido nenhum templo funerário para Thutmose I, mas uma

capela honrando-o foi incluída por Hatshepsut em seu templo. No entanto, isso não

significa que o rei não fora cultuado antes do reinado de sua filha. Era comum para

faraós, como vemos no caso de Hatshepsut, erigir templos que eram tanto capelas da

família quanto um lugar sagrado em honra à Amun e ao rei.

5. O breve reinado de Thutmés II e ascensão de Hatshepsut

Casado com sua irmã (meia-irmã), Hatshepsut, Thutmés II chega ao

poder e governa por aproximadamente três anos, período esse marcado por poucas obras

e pela continuidade das campanhas militares na Núbia, contendo algumas revoltas que

ameaçaram a “paz” construída violentamente por seu pai e encerrando efetivamente os

problemas maiores do Egito com Kush.

Desde cedo em seu governo a imagem do faraó era associada à de seu

irmã e rainha, Hatshepsut, que aparecia em relevos decorativos de monumentos tebanos,

comumente ostentando seu título de esposa divina. Acredita-se ainda que o templo de

Deir el-Bahri foi originalmente começado no reinado de Thutmés II, já sob o comando

de Hatshepsut, como rainha.

Com a morte de Thutmés II, Hatshepsut assume o trono como regente,

enquanto o filho do faraó com uma esposa secundária, herdeiro do trono, ainda seria

uma criança. Ainda cedo em sua regência, a rainha assume o nome de trono Maatkara e

passa a se enxergar como a herdeira de Thutmés I, seu pai, bem como acredita-se que

ela tenha se utilizado das consequências econômicas e políticas do seu cargo como

esposa do deus Amun, juntamente a sua genealogia que a liga a Ahmose-Nefertari, para

sustentar sua regência, de maneira similar a algumas antecessoras femininas.

Inspirada provavelmente em Sobekkara Sobekneferu, mulher que

governou o Egito ao final da 12ª Dinastia, Hatshepsut passa por claras transformações

em busca da associação à imagem do rei, tradicionalmente masculinizada. A rainha não

buscou enfatizar seu papel administrativo junto ao reinado de Thutmés II, pelo

contrário, buscou enfatizar sua linhagem sanguínea, passando a preparar também

Nefrura, sua filha, para assumir o mesmo papel sacerdotal como esposa do deus Amun.

Em Deir el-Bahri, cenas e textos relacionados a Hatshepsut proclamam

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que Thutmés I a tinha como herdeiro antes de sua morte e que Ahmose tinha sido

escolhido por Amun para gerar o novo governante divino. Hatshepsut se apropria desse

conceito e clamando sua linhagem, justifica seu governo por vinte anos, mantendo seu

poder como faraó baseado nesse argumento principal.

A lista de empreendimentos levados adiante por Hatshepsut, iniciados ou

terminados por ela, bem como por seu sucessor, Thutmés III, é imensa. Como principais

obras destacam-se templos e estatuárias em grande parte na Núbia (destaque para o

templo de Buhen, contendo cenas de Hatshepsut e sua coroação, além da veneração de

seu pai), restauração de monumentos danificados em Mênfis na guerra contras os

hicsos e expansão do templo de Karnak. Hatshepsut teria aproveitado o período de paz

de seu reinado para, com recursos extraídos da Núbia, bem como com materiais

exóticos trazidos do Levante e do reino de Punt, expandir o templo de Karnak,

construindo uma série de salas onde ela poderia celebrar seu nascimento de Amun,

ganhar bênçãos das deidades para seu governo e expandir a crença divina na própria

instituição do reinado.

Inspirado pela arquitetura do Primeiro Período Intermediário, o templo

de Deir el-Bahri é a prova concreta da grandiosidade de Hatshepsut durante seu

governo: construído em pedra calcária, abusando de terraços e estátuas osiríacas, bem

como homenagens a faraós anteriores. Os andares acessíveis do templo mostram cenas

que cuidadosamente caracterizam a vida da regente: a campanha na Núbia, o transporte

de obeliscos para o templo de Karnak e a expedição para Punt. Ao sul, existe uma

capela construída para Hathor, deusa do cemitério oeste, adornada com motivos e

emblemas da deusa-vaca. O templo ainda contem capelas para Amun e um altar a céu

aberto para o deus-sol, Rê-Horakhty.

Uma série de frases designadas para a comunicação com o pequeno

público capaz de lê-las, traz a seguinte mensagem: “Aquele que for prestar sua

homenagem, viverá. Aquele que falar maldades ou blasfêmias de sua Majestade,

morrerá.”. Essa parecia ser a posição oficial da corte, que viveu durante o governo de

Hatshepsut, em boas relações com a rainha, que igualmente ganhava apoio da nobreza

ao apoiá-los. Nesse período, pela primeira vez, um rei aparecia carregando a simbologia

e vestido como o deus-sol, agindo como um intermediário para proprietários de tumbas

da nobreza.

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6. O reinado de Thutmés III

No 20º ou 21º ano de reinado de Hatshepsut, Thutmés III assume o poder

sozinho e, agora maduro, mas não ainda com seu poder completamente legitimado,

passa a colaborar com militares para identificar uma possível glória e riqueza no

nordeste do território (coloque a data, ele tem um período de co-regência com

Hatshepsut, é importante abordar). As recompensas da conquista da Núbia não

pertenciam a Thutmés e por meio do contato de Hatshepsut com Punt o Egito havia

obtido, de certa forma, tudo que aquele reino tinha a oferecer. O faraó passa então a

investir no Levante, onde os egípcios poderiam controlar as rotas de comércio, que até

aquele momento, estavam nas mãos de governantes sírios, palestinos, egeus e

comerciantes de Chipre. Ao fim de dezessete anos de incursões militares, a Palestina

estava dominada e fortes investidas contra a Síria garantiram a Thutmés III o

reconhecimento e uma boa reputação, gastando os lucros das expedições em nome de

templos de Amun e outros deuses, bem como distribuindo as riquezas entre os generais

e os homens que seguiram o rei nessas expedições.

Os registros dos anais reais afirmam que na primeira campanha militar,

Thutmés III avançaria por Gaza, planejando um ataque a Meggido, maior cidade-estado

ocupada pelo governante de Kadesh, cidade essa extremamente protegida por um grupo

de chefes representando regiões do Levante até Nahrin (Mitanni e suas possessões na

Síria). Inscrições de Thutmés indicam o desgosto do faraó com a posição defendida por

esse grupo de chefes estrangeiros, que segundo ele, deveriam ter permanecido leais ao

Egito. Produtos como o cedro do Líbano, cobre e outros materiais estavam sendo

controlados por Mitanni no norte da palestina e na faixa costeira da região.

Após a batalha, Thutmés III aproveitou os grandes espólios de guerra que

envolviam carruagens (duas cobertas em ouro), cavalos, armaduras, além de outros

animais e materiais; e continuou, após substituir os chefes locais por outros de

confiança, rumo ao norte, em direção ao rio Litani. Os filhos dos governantes das

cidades que caíam iam sendo recolhidos e mandados para o Egito para serem educados

e “egipcianizados”, substituindo, eventualmente, os pais mortos como chefes quando

atingissem a idade adulta.

Registros sobre Nahrin não constavam na documentação oficial até a

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oitava campanha, por ser considerada poderosa demais para ser mencionada em

monumentos egípcios, no entanto, a conquista dos vassalos sírios teve grande impacto

nessa representação. A participação de um novo exército na conquista da Síria,

incluindo Nahrin, é comemorada em diversas tumbas tebanas do reinado de Thutmés III

e de seu sucessor, Amenhotep II, com grande destaque para o uso sistemático de

carruagens contra os inimigos tanto do sul, quanto do norte. O encontro militar entre

Egito e Mitanni parece ter sido curto nesse período, porém, relatos sobre as Guerras

Sírias são escassos. No entanto, sabemos que a procura por bens sírios como vidros e

vasilhames aumentaram, bem como a própria cultura religiosa da região cresceu com a

entrada de novos deuses no panteão egípcio, como vemos durante o reino de

Amenhotep II, no caso de deuses asiáticos como Reshef e Astarte. No caminho

iconográfico de transformação do reino de Mitanni de vilão a fornecedor de produtos

valiosos e luxuosos, podemos ligar o Egito a uma aliança de interesses principalmente

econômicos, com Nahrin.

Antes mantido às sombras de Hatshepsut, Thutmés III, responsável pela

destruição da memória de sua antecessora, não desonra o nome e os monumentos da

antecessora até os últimos anos de seu reinado passando primeiramente a trabalhar em

aspectos que lembrassem seu reinado por todo o Vale do Nilo. Transformações das

obras iniciadas por Hatshepsut deram-se principalmente durante o reino de Thutmés e

Amenhotep II, que alteraram as feições das construções e atribuíram suas insígnias reais

a elas. Fato interessante é que as representações do faraó Thutmés III lembravam muito

as feições e as próprias maneiras de se representar de sua antecessora durante os últimos

anos de seu reinado, havendo somente a diferenciação nos ombros e no peito mais

robusto do faraó, em relação a Hathsepsut e sua estatuária.

Durante seus trinta e dois anos de reinado, Thutmés III consolidou seu

governo e seu nome além do Egito, especificamente na Núbia, onde representações do

faraó e seu nome estão gravados em várias localidades. A construção e valorização de

Karnak também foi igualmente continuada durante seu reinado, reestruturando áreas

centrais do templo e substituindo materiais mais simples por outros mais ricos, como no

caso da capela de Amenhotep I, em pedra calcária, que foi substituída por arenito, mais

resistente e arquiteturalmente mais apresentável. Ainda, nas paredes centrais do templo,

cenas remontando ao Festival-Sed do rei buscavam o fortalecimento da própria

instituição do seu reinado, havendo ainda cenas em destaque de suas campanhas a Ásia.

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7. Amenhotep II

Thutmés III tomou, aproximadamente no décimo quinto ano de seu

governo, seu filho, Amenhotep II, como co-regente e dividiu com ele durante dois anos

o poder monárquico. Sob seu comando, a desmoralização e o processo de esquecimento

de Hathshepsut continuou de maneira ainda mais forte, eliminando os vestígios de seu

reinado e de sua linhagem familiar. Os monumentos de Hatshepsut foram utilizados

favorecendo o novo rei: alguns foram encobertos por outras construções, outros tinham

o nome da rainha-faraó mutilado e retirado, e alguns eram corrigidos ao colocar as

insígnias reais de Thutmés III e Thutmés II .

O reinado de Amenhotep II é constantemente deixado às sombras de dois

grandes reinados que o antecederam e os reinados seguintes que o sucederam na 18ª

dinastia. No entanto, durante seus quase trinta anos de reinado, suas incursões ao

Levante trouxeram paz ao Egito, benefícios econômicos e sistematicamente

aumentaram os monumentos aos deuses.

As campanhas militares de Amenhotep II foram marcadas pela

manutenção da paz e da estabilidade financeira do Egito, bem como pelo controle dos

chefes que não concordavam com a proposta egípcia de comércio com regiões

influenciadas por Mitanni. Durante seu governo foi feita uma nova aliança com Nahrin,

que visava à paz entre esses asiáticos de Mitanni e o reino egípcio.

Em seu reinado, Amenhotep II ficou conhecido por sua capacidade

atlética: quando menor, o rei morava na região de Mênfis e treinava cavalos nos

estábulos de seu pai, era dito, então, que ele era capaz de acertar alvos diversos com

suas setas, em cima de uma carruagem em movimento. Esta sua habilidade está gravada

em estelas de Giza e em relevos tebanos, bem como registrada em escaravelhos

encontrados na região do Levante.

8. Thutmés IV

A ascensão de Thutmés IV ao trono parece não ter tido nenhum

reconhecimento da parte de Amenhotep II, não havendo co-regência entre os dois. É

importante salientar que não necessariamente o primogênito do rei assumiria o trono.

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Seria comum que o filho da Grande Esposa Real sucedesse o faraó e, caso ela só tenha

tido filhas, algum filho de outra esposa secundária assumiria o cargo, no entanto, a

primogenitura não era direito dos filhos do faraó. Sendo assim, em uma época de paz,

as crianças da realeza eram educadas juntas, durante a 18ª dinastia, porém o crescimento

do número de crianças educadas dessa maneira não é nenhuma coincidência: uma

competição ocorria entre os capazes de assumir o trono e, nessa querela entre jovens

ambiciosos, destacou-se o jovem príncipe Thutmés.

Conta a lenda, que um dia o jovem príncipe estava viajando ao meio-dia

e sentou-se à sombra da Grande Esfinge para descansar perto do deus. Em sonho,

segundo o relato, o deus Horemmakhet-Khepri-Rê-Atum conversa com o príncipe

“como um pai fala para seu filho”, avisando que daria a ele o reinado, porém com a

condição de proteger a Grande Esfinge da ação do tempo e das violentas areias do

deserto, que o afrontavam. Assim, Thutmés escavou ao redor da Esfinge, liberando-a da

areia que a cobria e registrou seu trabalho em várias estelas que foram colocadas perto

da área. É provável que essa construção tenha servido para desviar atenção da disputa

ao trono, que continuava com mutilações e violência contra a memória e a imagem dos

outros príncipes. Thutmés IV sobe ao trono desbancando o príncipe Webensenu, porém,

não podemos afirmar se o rei que ascendeu ao trono usurpou-o para si através de outras

manobras.

É interessante a afirmação que diz que o rei egípcio construía de acordo

com a quantidade de paz e fartura existente em seu reinado, no entanto, parece que

apesar de ter vivenciado esses fatores em boas proporções, Thutmés IV não construiu

muitas obras de sua própria autoria, preferindo seguir as linhas de construção de seu pai

e avô que privilegiavam a expansão e a modificação de templos existentes, como foi

feito pelo faraó em Karnak. Ainda, parece ter indicado a seu filho quais eram os locais

de possíveis construções futuras, agindo assim dentro de seu papel real de construtor.

No que concerne às políticas externas da época do reinado desse faraó

sabemos que seu contato com Mitanni foi feito em um contexto de uma paz que já

existia, nunca chegando assim a confrontar o governante desse povo diretamente. As

campanhas egípcias ficaram restritas, então, ao combate a certos vassalos do Egito, que

se tornavam muito poderosos, ou a pequenos reis de Mitanni, que faziam pressões a

algumas cidades egípcias. Thutmés IV tomou ainda uma das filhas do governante de

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Mitanni, Artatama, como esposa, com o intuito de selar a paz e as relações diplomáticas

com o rei.

Nunca abandonando a noção que a dinastia se fortaleceria com a

permanência de casamentos entre reis e filhas do rei, Thutmés IV enfatizou as

associações divinas com as mulheres da realeza: o rei eleva a própria mãe à categoria de

“esposa real de Amun”, como se Tiaat fosse a própria deusa Mut. Esse feito será

continuado em reinados seguintes. A mudança iconográfica é forte: as esposas reais de

Amun passam agora a ser representadas segurando maças, formas essas com que serão

conhecidas em suas representações de esposas reais de Amun.

9. Amenhotep III e a Rainha Tiye

Ao longo de seus trinte e oito anos de governo, Amenhotep III gozou de

grande paz e prosperidade em seu reinado: a população como um todo aproveitou essa

onda de bonança com grandes colheitas e passou a lembrar o rei, mesmo após mil anos,

como uma divindade da fertilidade associada com a boa colheita. Não sabemos ao certo

com quantos anos Amenhotep III, que pode ter assumido o cargo de faraó ainda quando

criança, chegou ao poder, assim, como não sabemos ao certo, entrando agora no campo

das possibilidades, se a mãe do faraó, Mutemwiya, assumiu o cargo de regente para seu

filho ainda criança.

Discussões recentes a cerca do reinado de Amenhotep III sugerem que o

rei foi deificado ainda enquanto vivo, não apenas na Núbia, onde construiu um templo

em sua própria honra, mas no Egito como um todo. Alguns egiptólogos acreditam que

as representações iconográficas e inscrições relativas ao faraó, principalmente após seu

primeiro jubileu, são provas dessa sua transformação em divindade, bem como seu

filho, Amenhotep IV/Akhenaton, teria ascendido seu pai à categoria de deus-

personificação do próprio Aton, o disco solar.

Em seu jubileu (Festa-Sed), por volta dos anos trinta ou trinta e um de

seu reinado, o faraó é identificado com o deus-sol em iconografia que o representa em

um papel específico do deus Rê, guiando sua barca solar. É impossível afirmar ou

descartar a teoria da deificação de Amenhotep III, pois, diferentemente de Ramessés II,

que fora deificado em vida com inúmeras e grandiosas representações, não foram

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encontrados registros que concernem a esse fator. Outro aspecto que afeta a

interpretação dos estudiosos é a falta de registros quanto a uma possível co-regência

entre Amenhotep III e seu filho, futuro Akhenaton, o que teria favorecido fortemente

essa ideia de deificação do faraó.

Amenhotep III deixou inúmeras construções e ampliou diversos outros

templos e cultos às divindades principais do Egito. Suas áreas de atuação envolvem

cidades como Amada (em honra a Amun e Rê-Horakhty), Karnak (o templo ao leste

para o deus-sol) e Hermópolis. O faraó construiu capelas na Núbia, onde existem

também diversos escaravelhos com seu nome em vários sítios distintos. Em Tebas,

localiza-se o que talvez seja o maior destaque em construções desse faraó que chegou a

nós: os Colossos de Mêmnon, estátuas gigantescas que faziam parte de um templo

funerário na margem ocidental dessa cidade.

A tumba de Amenhotep III, a KV 22, foi escavada nos anos 90 por uma

equipe de pesquisadores japoneses, que tiveram o cuidado de mapear cuidadosamente a

tumba extremamente larga e bonita. O corpo do faraó, por sua vez, foi encontrado na

tumba de Amenhotep II, ou pelo menos, uma múmia com o nome do faraó.

A rainha Tiye foi a mulher mais importante do reinado desse faraó, sendo

constantemente representada juntamente a ele nas paredes de templos, como em Soleb e

Tebas, porém foi deificada em seu próprio templo, na Núbia Superior, tornando-se parte

do programa solar de divindades. Seu papel seria “como olho solar de Rê no Sudão,

unir-se a divindade Nebmaatra para retornar ao Egito e então restaurar a ordem (Maat)

ao mundo”.

Por sobreviver ao seu marido, Tiye trocou correspondências com o rei de

Mitanni, onde ele, pedia para que ela lembrasse ao seu filho, Amenhotep IV, da boa

relação que o antigo faraó possuía com ele e seu reino, requisitando assim que essa

situação perdurasse durante o governo dele. Tiye deu a luz ainda a Satamun,

Henhttaneb, Nebetiah e Ísis. Entre as filhas destaca-se Satamun, com quem Tiye dividia

o título de “grande esposa real”, enquanto as outras possuíam títulos como “esposa real”

ou “consorte do rei”.

Quanto às relações externas durante o reino de Amenhotep III, destacam-

se as campanhas núbias que tiveram lugar durante o quinto ano de reinado do rei,

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bastante comemoradas em diversos lugares. Também cresce a quantidade de artefatos

gregos encontrados, bem como aparecem citações a nomes de cidades do Egeu,

incluindo Micenas, Phaistos e Cnossos. Cartas entre Amenhotep III e outros reis

importantes da época, como os da Babilônia, Mitanni e Arzawa foram preservadas em

escrita cuneiforme em tabuinhas. Nessas cartas, Amenhotep III chega a negociar

casamentos com filhas desses reis, demonstrando uma forte conexão entre as fortes

civilizações da época.

O período Amarna e o Novo Império Tardio

1. O período pós-Amenhotep III e a religião do Novo Império

Após a morte de Amenhotep III, o Egito deixado pelo faraó passava por

uma fase evidente de prosperidade e riqueza, além de um grande poder que nunca antes

tinha visto. O acordo concluído por seu pai com o rei de Mitanni havia trazido paz e

estabilidade para o reino, bem como uma apologia ao luxo e ao exótico. O poder do

Egito e as boas condições porque passava estavam expostas nos grandes monumentos,

que eram cada vez maiores que os anteriores, templos e palácios igualmente, bem como

estátuas colossais, escaravelhos e mesmo os shabtis da elite.

As atitudes em relação aos vizinhos do exterior mudaram e agora esses

não eram mais vistos como forças hostis que rodeavam o território egípcio, mas sim

como um contato amigável, propiciado pela continuidade da política de boa vizinhança

de Amenhotep III. Os imigrantes introduziram no Egito algumas divindades que

claramente se associavam com a figura do próprio faraó, especialmente no aspecto da

guerra. No entanto, agora os estrangeiros eram vistos como parte da criação divina da

humanidade, como visto no Hino à Aton, escrito por Amenhotep IV.

O deus-sol e o rei eram o centro da religião e dos laços teológicos que

envolviam a cultura desse povo, que se desenvolvera durante vários séculos. Os reis

participavam diretamente do ritual diário do deus-sol, agindo como seu principal oficial,

o primeiro sacerdote, que conhece todos os segredos e aspectos do curso diário do deus-

sol. Todo dia havia a renovação do mesmo ritual: Rê entrava num ciclo de morte e

renascimento, passando ao pôr-do-sol pelo mundo inferior, onde era regenerado,

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renascendo ao amanhecer como Rê-Horakhty. Osíris, o deus do Mundo Inferior,

costumeiramente era assimilado a Rê, sendo visto como um aspecto dele, o que

confirma deus-sol como o deus criador, de onde todos os outros deuses emergiram e

foram transformados em aspectos seus.

Apesar da sede do governo durante quase todo o Novo Império ter sido

em Mênfis, os reis da 18ª Dinastia eram provenientes de Tebas, a qual continuou sendo

o mais importante centro religioso do país: o deus local dessa cidade, Amun (O Oculto),

foi associado com o deus-sol, Rê, tornando-se, dessa forma, Amun-Rê, sendo cultuado

dessa maneira em todos os templos do Egito, incluso em Mênfis. O rei, na interpretação

religiosa, era nascido de Amun, da união desse deus com a rainha-mãe, num ritual que

era constantemente re-encenado no Festival de Opep, no templo de Amun, em Luxor.

Sendo assim, Amon-Rê torna-se o deus mais importante do país, cujo

templo recebia grandes doações e parte das riquezas do país, e cujos sacerdotes

tornaram-se cada vez mais poderosos, adquirindo grande poder econômico e político.

2. Amenhotep IV/Akhenaton

“Aquele que Amun escolheu”. É dessa maneira, que no começo de seu

reinado, Amenhotep IV foi oficialmente coroado, no entanto, logo após da sua coroação

o rei já demonstrava querer seguir seu próprio caminho.

O rei começou seu governo com um extenso programa de construção em

Karnak, o maior centro do culto a Amun. A localização exata dos templos construídos é

desconhecida, no entanto, para alguns estudiosos, ficam orientados para o nascer do sol,

ao leste da jurisdição de Amun. Os templos construídos não eram dedicados a Amun,

mas para uma nova forma do deus-sol, cujo nome oficial era “O vivo, Rê-Hórus do

Horizonte, que se alegra no horizonte de sua identidade de luz que está no disco solar”,

sendo encurtado para “o disco-solar” (palavras previamente utilizadas ao se referir ao

próprio sol). Essa longa inscrição contida em dois cartuchos, assim como as reais, era

geralmente precedida das palavras “meu pai vive”.

A “nova forma” trazida à tona do deus-sol, encarnada no próprio rei, que

já surgia no reinado de Amenhotep III, “O Áton ofuscante”, era demonstrado em suas

representações à maneira tradicional, de um homem com cabeça de falcão e disco solar.

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No entanto, no início do reino de Amenhotep IV essa iconografia fora abandonada

radicalmente em favor de uma nova: o deus era representado como um disco, cujos

raios estendiam-se em mãos que tocavam o rei e sua família, suplantando símbolos de

vida e poder envolta deles e recebendo as devidas oferendas. Nesse momento, Áton

tomava preferência no cenário de divindades, porém ainda não substituía os outros

deuses inteiramente.

Uma possível co-regência entre Amenhotep IV e Amenhotep III é

demonstrada através de um templo, em Karnak, devotado ao Festival Sed do primeiro,

realizada possivelmente entre os anos dois e três de seu reinado. Esse fato marcante,

pois não é comum a um rei celebrar esse festival até o 30º ano de seu reinado, serve

para reforçar a tese de um governo em conjunto com seu pai. Áton, que está presente,

representado nas paredes, em todos os episódios descritos no jubileu, é agora idêntico a

Amenhotep III e, o festival, assume um caráter de homenagem tanto ao novo rei quanto

a Áton, que seria o “pai divino” que governa o Egito como um co-regente de seu filho

carnal, sua encarnação, o rei.

Fato interessante nos templos em Karnak é o crescimento do papel da

esposa real do rei, Nefertiti, na decoração e nos rituais que são representados nela. Uma

das estruturas é inteiramente devotada a ela, com seu marido ausente dos relevos, nela,

Nefertiti é representada realizando rituais antes restritos apenas ao rei, como a

“Apresentação de Maat” (realizado para manter a ordem do universo) e Castigando o

inimigo (sobrepujando o poder do caos). No começo do reinado o papel de Nefertiti não

era tanto de uma co-regente ao seu marido, mas sim da assimilação dos dois à imagem

dos gêmeos divinos, Shu e Tefnut, o primeiro par de divindades gerados pelo deus-

criador, Áton.

No quinto ano de seu reinado, Amenhotep IV decide cortar todos os laços

religiosos do Egito com sua capital e com o deus Amun, fundando uma nova cidade a

qual dá o nome de Akhetaton (conhecida atualmente como Armana), ou “O horizonte de

Áton”, local que seria a sede de todo o culto a Áton que se espalharia pelo resto do

Egito. Nesse mesmo instante, Amenhotep IV assume o nome Akhenaton, que significa

“aquele que age efetivamente em nome de Áton”. Se houvera motivos políticos e

religiosos que geraram o estopim da mudança efetiva da capital religiosa do Egito, não

se sabe, porém, entende-se que houve naquele tempo oposição feita principalmente

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pelos sacerdotes do grande tempo de Amun em Thebas, que antes cada vez mais

poderosos, agora jaziam desprestigiados.

Não se sabe quando realmente Akhenaton mudou-se para sua nova

cidade, porém assume-se que o evento deu-se entre o primeiro e segundo ano de sua

fundação. Assim que a decisão de mudança da capital fora feita, todas as atividades

relacionadas à construção em Tebas cessaram, havendo, porém, a substituição dos

cartuchos reais de Amemhotep IV por sua nova designação, Akhenaton.

Por volta do ano nono de seu reinado, as mudanças mais contundentes de

sua reforma religiosa tiveram lugar: a fórmula de Áton fora mudada para “O vivo, Rê,

governador do horizonte que se alegra no horizonte em sua identidade de Rê, o pai que

retornou como o disco-solar”; os templos tradicionais do estado foram fechados e os

cultos a outros deuses paralisaram-se; e talvez um dos mais importantes acontecimentos

dessa sua reforma, as procissões e feriados públicos deixaram de ser celebrados.

O papel militarista de Akhenaton por muito tempo foi deixado de lado

principalmente por um perfil traçado do rei pelos primeiros estudiosos que o viam como

um pacifista, no entanto, temos ciência do envio do exército, por parte de Akhenaton,

para desbaratar uma rebelião que se formava na Núbia no ano 12. Fica no ar a dúvida

se o rei e seu exército confrontaram os hititas, que nessa época derrotaram o Império

Hurriano de Mitanni, aliado do Egito, destruindo a paz e o balanço que havia

permanecido por várias décadas.

Entrando no campo da especulação, durante o reinado de Akhenaton,

uma suposta segunda esposa, provavelmente uma princesa mitanniana de nome Kiya

(um nome perfeitamente comum para os egípcios), recebeu do rei o título recém-criado

de “grande e amada esposa do rei”, título que a distinguia claramente da esposa oficial

do rei, Nefertiti. No entanto, quando do ano 12 do reinado de Akhenaton, as

representações de Kiya sumiram de templos e monumentos, sendo repostas por

inscrições das filhas do rei, mais frequentemente, Meritaton. A hipótese que se levanta é

que Kiya é a possível mãe de Tutankhaton, futuro rei do Egito, e que teria uma “rixa”

com Nefertiti, a esposa principal de Akhenaton.

A influência de Nefertiti cresce ainda mais durante o fim do reinado de

seu marido, passando a agir como co-regente dele sob o nome de Neferneferuaten e cujo

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nome de trono assumido fora Ankh(et)kheperura, deixando o cargo de esposa real à sua

filha, Meritaton. Os motivos que levaram Akhenaton a propor um sistema de co-

regência com sua esposa ainda são incertos, porém especula-se, já naquela época, um

possível desgosto ao novo sistema religioso elaborado pelo rei.

Após a morte de Akhenaton, um efêmero rei, Smenkhkara, aparece em

alguns registros do fim do período de Amarna, acompanhado em algumas delas, pela

sua rainha Meritaton. Como não sem tem certeza da identidade do rei, especula-se que

ele pode ter sido Nefertiti, que inspirada pelo exemplo de Hatshepsut, teria assimilado

aspectos masculinos a sua imagem, bem como tomado sua própria filha como sua

rainha, assumindo o trono para si após a morte de seu marido. A argumentação

favorável a essa teoria gira entorno do nome de trono do efêmero rei e da ainda co-

regente na época anterior, Nefertiti, que seriam exatamente iguais. Quando esse rei

morreu, poucos anos depois, sobe ao trono o jovem Tutankhaton (Tutankhamun), o

único remanescente da família real, que se casa com sua meia-irmã, Ankhesenpaaten e

abandona Amarna, restaurando os cultos tradicionais.

3. O período pós-Amarniano e suas consequências

Apesar do pouco tempo de duração desse episódio, o impacto na

estrutura social e religiosa egípcia foi enorme, deixando cicatrizes profundas na

consciência coletiva dos habitantes, com mudanças que afetaram esse Estado durante os

períodos seguintes. Algumas dessas mudanças são facilmente detectadas nos enterros da

elite e na arquitetura de tumbas, que demonstravam as mudanças religiosas nas crenças

do povo.

Osíris, divindade que tinha sido banida do panteão egípcio por

Akhenaton, tornou-se após a fase de Amarna a manifestação noturna de Rê, além de ter

sua associação com as práticas funerárias aumentada ainda mais, em comparação com o

período anterior. Além disso, o símbolo solar por excelência, a pirâmide, passou a

figurar nas capelas e tumbas na parte do superior, no teto, como um piramídion,

mostrando cenas de veneração para com Rê e Osiris.

Encontrado em tumbas da elite, O Grande Hino ao Áton, que

provavelmente foi composto pelo próprio Akhenaton, trazia na época armaniana, os

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principais dogmas da nova religião. Criado em uma nova linguagem oficial, muito mais

próxima dos discursos de hoje em dia do que as estruturas usadas anteriormente nos

textos oficiais e religiosos, essa nova literatura estimulou o crescimento de um novo

padrão que perdurou séculos após.

Em geral, os textos do Livro dos Mortos foram dominantes na decoração

de tumbas. Ilustrações e trechos de várias outras composições antes destinadas à realeza

passaram a figurar em tumbas particulares, como a Litania de Rê e os chamados Livros

do Mundo Inferior. Esses livros chegaram primeiro a Deir el-Medina, mas logo em

outros lugares também, demonstrando uma possível reação contra as práticas e dogmas

religiosos instituídos por Akhenaton. Agora, os proprietários de tumbas particulares

possuíam seus próprios templos onde podiam venerar os deuses sem a influência real,

que antes monopolizava o culto, agindo como intermediário único desse contato entre

os homens e o deus.

4. Tutankhamun (Tutankhaton)

O jovem Tutankhaton assume, ainda criança, o trono real em Amarna e,

como uma de suas primeira medidas, abandona a cidade fundada por seu pai. Mesmo

após a mudança, pessoas ainda continuaram a viver em Amarna, mas a corte mudou-se

para Mênfis, tradicional sede do governo. A liberdade religiosa foi restituída e o culto

voltou a Tebas, que mais uma vez, tornou-se o centro religioso do país. Em seguida,

Tutankhaton mudou seu nome real para Tutankhamun e adotou o epíteto “governador de

Heliópolis do Sul”, uma referência a Karnak, como centro de culto do deus-sol, Amun-

Rê.

Diferentemente de Thutmés III e Amenhotep III, que também assumiram

o reino ainda quando crianças e tiveram regentes mulheres da família, Tutankhamun

teve como regente um militar de alta patente sem nenhuma ligação familiar com ele, o

chefe-comandante do exército, Horemheb. Ele ganhou o direito de suceder o rei em

caso de morte, o que veio realmente a acontecer. Em seu Texto de Coroação ele sugere

que teria sido ele mesmo quem havia sugerido ao rei a mudança de capital,

abandonando Amarna “quando o caos havia invadido o palácio”.

Talvez o documento mais importante do reinado de Tutankhamun seja a

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Estela da Restauração, onde ele apresenta uma descrição extremamente negativa do que

ele encontrou ao assumir o poder, com todas as degenerações estruturais e mentais

causadas pelas reformas de Akhenaton. Os templos destruídos, os cultos abolidos, as

expansões militares rumo à Síria sem encontrar sucesso: deus já não parecia escutá-los,

os havia abandonado.

Indícios sugerem que Horemheb já estava engajado desde cedo no

reinado de Tutankhamun, como nos conflitos contra os hititas, nos quais parece não ter

tido um resultado positivo, pois não conseguiu estabelecer um “novo balanço de poder”

na região do Levante. Diferentemente, as campanhas na Núbia parecem ter tido mais

sucesso em restaurar a moral e a ordem no reino.

Tutankhamun liderou ainda uma campanha de restauração de templos

tradicionais e de reorganização da administração do país. Para essa tarefa o rei designou

Maya, o chefe do tesouro de seu governo, para que o mesmo fosse responsável pelas

ações tomadas nesse sentido: além da restauração de templos e estatuárias, Maya

também esteve à frente da demolição de templos e palácios de Akhenaton,

primeiramente em Tebas e logo em seguida em Amarna. Maya ainda foi responsável

pelos enterros de Tutankhamun e de seu sucessor, Ay, e igualmente pela reorganização

da vila de trabalhadores de Deir el-Medina, quando da construção da tumba de

Horemheb.

5. Ay e Horemheb

Não se sabe ao certo os eventos que levaram à morte de Tutankhamun em

seu 10º ano de reinado2, em um tempo que o Egito estava em um duro confronto contra

os hititas, que terminou com a derrota egípcia em Amqa, não muito longe de Qadesh.

Não se sabe se Horemheb estava liderando as tropas reais contra os hititas, porém

evidências demonstram que ele ausentou-se das preparações para os ritos fúnebres e

enterro de Tutankhamun.

Ay, um conselheiro real que fora um importante oficial de confiança de

Akhenaton e provavelmente fora um parente da esposa de Amenhotep III, a rainha Tiy,

conduziu os ritos e pouco tempo depois assumiu o trono. A rainha viúva de

2 Pesquisas recentes indicam que o rei teria falecido prematuramente vítima de malária.

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Tutankhamun, Ankhesenarnum, buscou negociar a paz com os hititas ao pedir ao rei

deles, Shupiluliuma, que escolhesse um filho que pudesse se casar com ela e assumir o

posto de rei do Egito, para que assim, os dois países pudessem se tornar um só. O rei

hitita aceitou a proposta e enviou seu filho, Zannanza para o Egito, porém, o príncipe

fora assassinado no caminho, prolongando a guerra entre os dois países.

O rei Ay, já em idade bastante avançada, governou por pelo menos três

anos, tentando fazer emendas à situação dos dois países em conflito, negando a

responsabilidade do Egito sobre a morte do príncipe hitita. Ay tentou ainda impedir que

Horemheb pudesse assumir o trono em caso de sua morte, negando os direitos do

comandante e elegendo um possível neto, Nakhtmin, como seu herdeiro. No entanto,

Horemheb sucedeu Ay ao trono e logo tratou de destruir as imagens de seu predecessor

presentes nos monumentos e de igualmente destruir aquelas de seu rival, Nakhtmin.

O reinado de Horemheb, diferentemente do período anterior a sua

ascensão ao poder, parece não ter tido muitos eventos (ou pelo menos, muitas

documentações não foram encontradas a cerca dos eventos que concernem ao período

de seu reinado) significantes. Os problemas com os hititas continuaram e por volta do

10º ano de seu reinado os egípcios haviam falhado em reconquistar Qadesh e Amurru.

Entretanto, as fontes que registram esse fato provêm do lado hitita do confronto. Alguns

textos hititas referem-se a uma trégua alcançada que não fora quebrada até o reinado de

Seti I, evidência importante que comprovaria o acordo do lado de Horemheb com seus

oponentes.

O rei ainda engajou-se com um programa extenso de construções, em

especial a Grande Sala Hipostila de Karnak. Ainda, parece ter sido responsável por uma

sistemática demolição da cidade de Amarna, agora desabitada. No entanto, o maior

destaque para o reinado de Horemheb adveio de mudanças de cunho estruturais da

própria instituição do reinado: em seu Texto de Coroação, Horemheb reconhece a sua

falta de sangue real, porém, põe enfase em sua narrativa de que ainda jovem Hórus o

havia escolhido para preparar-se para a futura tarefa de ser rei do Egito, evento talvez

inspirado pela própria tentativa de legitimação do poder de Hathsepsut, que de forma

semelhante, fora eleita pelo oráculo de Amun para ser faraó após ter sido regente.

6. Ramessés I e Seti I

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Seguindo o procedimento de Horemheb de não escolher um herdeiro de

origem real, Paramessu, comandante da fortaleza de Sile e vizir de Horemheb, fora

escolhido pelo faraó ainda vivo como o próximo na linha de sucessão ao trono. A

família de Paramessu vinha de Avaris, antiga capital dos hicsos, cujo culto ao deus Set

era mais forte que no resto do país; essa ligação com Set, foi reafirmada durante as

dinastias Ramessidas, cujos membros se consideravam descendentes desse deus.

Quando Horemheb morreu, Paramessu o sucedeu como Ramessés I,

iniciando uma nova dinastia, a XIX. No entanto, existem evidências que sugerem que os

faraós Ramessidas consideravam Horemheb como o verdadeiro fundador da dinastia.

Ramessés I aparenta velhice quando assumiu o reino, pois provavelmente seu neto já

havia nascido naquela época e mesmo antes seu filho, Seti I, já havia sido apontado

como vizir, comandante de Silo e possuia outros tantos títulos religiosos, que o ligava a

diversas divindades, inclusive ao próprio deus Set.

Seti I deve ser creditado pelo maior esforço na restauração de templos e

cultos tradicionais, ultrapassando as iniciativas empreendidas pelos seus anteriores: em

todos os lugares inscrições e representações de faraós do período pré-Armaniano foram

restauradas. Ele igualmente embarcou em um projeto ambicioso de construção que

envolvia o país inteiro, mas especificamente focado nos grandes centros religiosos,

como Tebas, Abidos, Mênfis e Heliópolis, criando novos templos e expandindo os que

já existiam antes (principalmente o templo de Set em Avaris, que viria ser a futura

residência dos faraós Ramessidas). Continuou ainda a construção da Grande Sala

Hipostila de Karnak, começada por Horemheb e restaurou o templo de Deir el-Bahri,

construído por Hatshepsut.

Em Abidos, Seti I construiu aos moldes do Médio Império, um templo

cenotáfio para o deus Osíris. A famosa lista real desse templo, mostrando antigos

ancestrais reais participando do culto a Osíris, excluía a realeza do período Armaniano,

atribuindo a Horemheb os anos de reinado de Akhenaton, Ay e Tutankhamun

(considerado talvez um co-regente de Horemheb).

As construções de Seti I parecem ter sido possíveis devido à reabertura

das expedições exploratórias na Núbia, Palestina e Síria, bem como por ter enviado à

Núbia tropas para buscar cativos que constituíssem uma mão de obra mais barata. Em

busca ainda de reafirmar o poder egípcio, Seti I enviou a ao sul da Palestina uma

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pequena expedição militar contra Shashu; em outra guerra, conseguiu conquistar

Qadesh, promovendo a deserção de Amurru para o lado egípcio: o resultado foi uma

guerra contra os hititas cujos estados vassalos se perderam novamente, seguido por um

período de paz relativa.

Seti I foi ainda o primeiro rei a enfrentar as incursões de tribos líbias na

região do Delta, tribos essas que pareciam estar sendo motivadas primariamente pela

fome e que causariam complicações ao longo do Novo Império, no entanto pouco se

sabe sobre essa primeira investida. Os relevos nas paredes norte da Grande Sala

Hipostila que documentam as campanhas líbias e sírias inovam em estilo artístico,

muito mais realista (claramente influenciado pelo estilo Amarniano), criando uma

sensação de que ao olhar aquelas cenas, o observador está olhando para um evento

histórico realmente concretizado.

7. Ramessés II

Não sabemos ao certo quantos anos Seti I ocupou o trono, porém no fim

do seu reinado ele aponta seu filho e herdeiro, Ramessés, como co-regente enquanto o

mesmo ainda era “uma criança em seu abraço”. Ramessés II certamente nasceu durante

o reinado de Horemheb, antes de Ramessés I assumir o trono, quando este e Seti I ainda

eram oficiais de alta patente, aspecto enfatizado bastante por ele, assim como Horemheb

o fez em seu Texto de Coroação. Uma coisa que fica muito evidente nessa atitude de

Seti I em tomar seu filho como sucessor e co-regente é o fato de ele precisar agir dessa

maneira para assegurar o trono para seu filho, procedimento esse que só seria revertido

com Ramessés II e o mito do nascimento divino do rei da 18ª dinastia.

Cedo em seu reino, provavelmente ainda como co-regente de seu pai,

Ramessés II e dois de seus filhos, os príncipes coroados Amunherwenemef e

Khaemwaset, foram em sua primeira campanha militar, cujo objetivo era desarticular

uma rebelião na Nubia. O papel dos príncipes em seu reinado ganha mais importância, e

eles deixam de ser representados apenas em imagens e tumbas de seus professores e

enfermeiras, passando a ter representações propriamente reais, recebendo cada um, o

título de comandante e chefe do exército.

Em seu quarto ano de reinado, Ramessés II organizou uma campanha

Page 25: INTRODUÇÃO À HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA DO EGITO … · sudoeste da Palestina, bem como as campanhas no reino de Kush, na capital e cidade de Kerma, perto da terceira catarata. O

militar maior na Síria, conseguindo recuperar Amurru para o lado egípcio. No entanto,

essa situação não duraria muito: o rei hitita, Muwatalli, decidiu reconquistar de vez

Amurru e evitar maiores perdas em seu território. Estava armada uma das batalhas mais

significativas do mundo antigo, A Batalha de Qadesh, não somente por suas dimensões

armadas, mas principalmente por representar um faraó, que mesmo sem conquistar seus

objetivos, volta ao seu país afirmando-se vitorioso, sendo registrado na iconografia da

época dessa maneira, bem tendo essa propaganda real espalhada pelas paredes de todos

os maiores templos.

Na realidade, Ramessés II foi levado a acreditar que o rei hitita estava

longe ao norte, em Tunip, com muito medo de enfrentar os egípcios, porém, na verdade,

o oponente estava próximo, do outro lado de Qadesh. Acreditando nisso, Ramessés

avançou rapidamente para Qadesh com apenas uma das quatro divisões de seu exército

e subitamente foi forçado a enfrentar o enorme exército do rei hitita. Mutawalli

primeiramente destruiu a segunda divisão que avançava de encontro ao rei, para em

seguida ir esmagar Ramessés e suas tropas.

Nas descrições posteriores da batalha, Ramessés é colocado em um

momento de glória, onde, com seus imediatos preparando-se para desertar e quase

sozinho e cercado pelas tropas inimigas, clama que seu pai Amun o salve e então passa

a enfrentar os soldados hititas que o atacavam. No entanto, Amun escuta as preces do rei

e faz com que uma força de suporte que estava na costa de Amurru chegasse em pouco

tempo para o resgate do rei. Com a chegada da terceira e quarta divisões os egípcios

podem finalmente se reorganizar e passam a ter maior número de carruagens de guerra.

Entretanto, o excelente exército hitita consegue resistir aos números e a batalha acaba

empatada. Ramessés declina a oferta de paz hitita, no entanto uma trégua é formada e o

faraó retorna para casa com muitos cativos de guerra e espólio, porém sem conseguir

alcançar seu objetivo principal, que era reconquistar Amurru. O Egito nunca mais seria

capaz de reconquistar Qadesh e Amurru.

No 16º ano do reinado de Ramessés, Mursili III, que havia sucedido seu

pai no reinado hitita, é deposto por seu tio Hattusili III e, após dois anos de tentativas de

retomada do poder (com a ajuda de babilônicos e assírios), foge para o Egito. Hattusili

exige a deportação do sobrinho, pedido esse negado pelo Egito. Então, os hititas mais

uma vez preparam-se para engajar-se em uma guerra contra os egípcios. Mas, devido às

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pressões assírias, que aproximava-se do Império Hitita, a guerra não se forma e

Hattusili, sem escolhas, acaba reabrindo as negociações com o Egito, levando a uma

trégua final no no 21 de reinado de Ramessés.

Apesar de não conseguirem o domínio de Qadesh, a trégua com o

Império Hitita providenciou um novo período de estabilidade para o Egito, que voltou-

se para o comércio exterior, particularmente com o Eufrates, o Mar Negro e o Egeu.

Essa estabilidade permitiu que Ramessés pudesse se dedicar agora a combater os

invasores líbios que chegavam cada vez em maiores números, principalmente no Delta,

onde o faraó constrói uma série de fortificações. No ano 34, os laços com os hititas são

mais estreitados quando do casamento do faraó com uma princesa daquele povo, filha

de Hattusili, que ao chegar ao Egito é recebida com muita pompa e festa.

A princesa hitita é mais uma das sete mulheres que receberam o título de

“grande esposa real” durante o longo reinado de 66 anos de Ramessés II. Quando ainda

era co-regente de seu pai, Ramessés fora presenteado com um harém, mas foram duas as

esposas principais, Nefertari e Isetnofret, que providenciaram a ele muitos filhos e

filhas. Nefertari foi a “Grande Esposa Real” até o ano 25 do reinado, quando faleceu e

passou seu título para Isetnofret, que morreu pouco antes da chegada da princesa hitita.

Ainda, quatro filhas de Ramessés receberam o título de Grande Esposa: Henutmira,

Bintanat, Meritamun e Nebettawy. Essas foram as quatro principais filhas do faraó, que

teve por volta de 40 filhas e 45 filhos. Essa grande prole foi enterrada em uma tumba

gigantesca no Vale dos Reis recentemente descoberta.

Durante seu longo reinado Ramessés foi responsável por um extenso

programa de construção que começou com a adição de um grande pórtico e um pátio ao

templo de Amun em Luxor. Construiu ainda um belo templo para Osíris em Abidos,

além de gradualmente encher o país com templos e estátuas em honra aos deuses,

muitas das quais, usurpadas de faraós anteriores. Ainda particularmente impressionantes

são os templos em rocha na Núbia Inferior, incluindo dois em Abu Simbel, que devem

ter sido construídos por uma força de trabalho composta por tribos locais.

Ramessés II foi responsável pela expansão da cidade de Avaris ao torná-

la sua grande residência no Delta, chamada Pi-Ramessés, ou “casa do Ramessés”. A

cidade situava-se estrategicamente perto da rota para o Silo e para as províncias na

Palestina e na Síria. A cidade logo tornou-se o principal centro internacional de

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comércio e o centro da atividade militar do país, além de tornar-se o centro de culto para

muitas divindades estrangeiras (asiáticas, preferencialmente) como Baal, Reshep,

Hauron, Anat e Astarte. É interessante perceber os benefícios que a paz recém-adquirida

com os hititas trouxe para o Egito: os artesãos e ferreiros hititas foram trazidos ao Egito

para difundir a sua técnica em matéria de armas e armaduras e, a partir dessa difusão da

tecnologia, muitos estrangeiros, que antes eram prisioneiros de guerra no Egito,

passaram a ser incorporados nas forças de combate do país.

Ao longo de sua vida, Ramessés celebrou mais de dez Festas-Sed (o

único desde Amenhotep III a celebrar mais de uma), com a primeira em seu trigésimo

ano de reinado e realizando outras em intervalos mais ou menos regulares de três anos.

Ramessé II não parece ter tido muita paciência para ser deificado como Amenhotep III

fora durante suas três Festas-Sed. Por sua vez, próximo do oitavo ano de seu reinado,

Ramessés ergueu uma estátua colossal cujo nome dado foi “Ramessés-o-deus”. Estátuas

como essa foram construídas em pilares e em grandes templos, onde recebiam cultos

regulares dos habitantes, além do rei possuir, dentro do templo, sua própria imagem

cultual e o barco de procissões, juntamente com outras divindades a quem eram

dedicados. Em relevos, Ramessés II é visto dedicando oferendas ao seu próprio eu

deificado.

Dos seus muitos filhos o que talvez mais se destaca é Khaemwaset,

considerado um sábio e um mágico por muitos, foi um grande admirador do passado

glorioso do Egito, das grandes pirâmides e monumentos da Antigo Império. Dedicou-se

a restaurar esses monumentos e conservar o interesse dos egípcios em sua própria

história, já bastante distante. Após a morte de Khaemwaset, Ramessés II viveu ainda

outros doze anos, quando finalmente morreu no 66º ano de seu reinado, o mais longo

desde Pepi I, na VI dinastia. Durante seus últimos anos de reinado tornou-se uma lenda-

viva, reverenciado por seus admiradores e invejado por seus sucessores, devido à

longevidade anormal de seu reinado. Seus doze filhos mais velhos haviam falecido

antes do pai, por consequência, assume o trono Merenptah, o quarto filho de Isetnofret e

príncipe coroado desde a morte de Khaemwaset.

8. Sucessores de Ramessés II

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Merenptah, que já devia ter uma idade avançada quando assumiu o trono,

enviou diversas expedições militares para fora do país, não somente na Núbia, mas

também na Palestina, onde controlou vassalos rebeldes; a “Estela da vitória” que

registra essas vitórias sobre os vassalos de Ashkelon, Gezer e Yenoam, contém também

a primeira referência, em fontes egípcias, a Israel, tratada ainda como uma tribo.

No entanto, o evento que mais marcou o reinado de Merenptahh deu-se

com a invasão líbia, que já se formava no reinado de seu avô e de seu pai. Os fortes

construídos por Ramessés II com a intenção de segurar a pressão líbia ao oeste

desmantelaram-se ante a coalizão da Líbia com outras tribos lideradas pelo rei Mereye.

A fome providenciou a migração dos povos do Egeu e do mundo jônico

para o Egito, em busca da fertilidade trazida pelo Nilo. Merenptah enviou grãos para os

hititas, ainda aliados do Egito no leste, que igualmente passavam fome. Grandes centros

como a Micenas grega foram violentamente destruídos e o Império Hitita passava a

entrar em colapso. No Egito, os chamados “Povos do Mar” alcançaram a costa da

África, viajando pelos mares e juntaram-se a tribos líbias. O exército dos invasores

chegou a contar com 16 mil homens, que junto aos guerreiros traziam sua família e seus

bens mais preciosos, realmente migrando de áreas menos férteis, visando à estabilidade

produtiva do Egito. Contam os relatos egípcios que os líbios estavam destinados a

falhar, pois o rei desses povos, Mereye, já havia sido condenado no tribunal divino de

Atum como culpado de todos os seus crimes. Merenptah venceu os invasores em uma

querela que durou seis horas. Milhares de inimigos foram mortos, mas um número

maior tornaram-se prisioneiros de guerra e foram colocados em assentamentos militares,

especialmente no Delta.

O resto do reino de Merenptah parece ter sido pacífico, porém, após sua

morte, o trono entrou em disputa entre Seti II, filho mais velho de Merenptah e um rei

rival, Amenmessu, que chegou a governar durante alguns anos no sul do país. Apesar de

confuso esse período de sucessão, sabemos que Seti II reassumiu o poder total e tratou

de usurpar todos os cartuchos que tratavam de Amenmessu. Inscrições posteriores

tratam o usurpador como “o inimigo”.

Após a morte de Seti II, seu único filho, Septah, que não era filho da

rainha, mas sim de uma concubina síria, assume o posto de faraó. Ainda mais

importante é o fato da criança sofrer de atrofia na perna devido a uma poliomelite.

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Tausret, no entanto, resguardou seu título de “Grande Esposa Real” e agiu como regente

para seu enteado, com o apoio de um importante oficial sírio chamado Bay (descrito

como uma espécie de ministro de todo o país). Quando Septah morreu em seu sexto ano

de reinado, Tausret reinou por dois anos, sem dúvida alguma com o suporte de Bay,

tornando-se assim a terceira rainha a governar o Egito no Novo Império e com a morte

dela, encerra-se a XIX dinastia.

9. Ramessés III, Ramessés IV e a 20ª dinastia.

Com o Egito envolto em “caos” e pressões vindas de fora, o país estava

sem governante após a morte de Tausret. É possível que Bay tenha tentando assumir o

trono, amparado por seus confederados, porém entende-se que ele foi sobrepujado por

Sethnakht, governante que expulsou então os estrangeiros que estavam rebelando-se e

que buscavam ouro, prata e cobre para roubar no Egito. Após a morte de Sethnakht, seu

filho, Ramessés III, assumiu o trono. Surgia a XX dinastia.

Apesar de o rei ter herdado um clima de paz e estabilidade de seu pai,

logo ele teria sua própria parcela de problemas ao se engajar em um conflito com tribos

líbias que usaram o período anterior de indefinição política para adentrar no território

egípcio. Por esse tempo, os próprios egípcios já haviam aceitado a ideia de uma

convivência pacífica com imigrantes, considerando essa chegada de estrangeiros como

inevitável, porém, quando uma revolta formou-se contra a “interferência” da sucessão

do rei, Ramessés rapidamente respondeu, trazendo ordem ao país.

Um dos fatos mais importantes do reinado de Ramessés III foi a batalha

com os Povos do Mar: essa coalizão de povos já havia destruído a capital do Império

Hitita, conquistado Tarsus (com vários fixando-se na Cilícia e no norte da Síria),

arrasando Alalakh e Ugarit; Chipre e sua capital Enkomi foram saqueadas. Certamente

o último objetivo dos Povos do Mar encontrava-se no Egito, sobre o qual lançaram um

ataque marítimo e por terra no ano 8 do reinado do faraó. No entanto, Ramessés já

estava bem ciente dos perigos que vinham em sua direção e passou a organizar uma

grande defesa, fortificando cidades do Delta próximas ao Nilo. Quando os assaltos

aconteceram, as tropas de Ramessés, bem preparadas, foram capazes de lidar com os

invasores, que desamparados, voltaram as suas terras conquistadas na Síria-Palestina.

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O reinado de Ramessés III também ficou conhecido devido a grandes

construções como o seu grande templo mortuário em Medinet Habu, um dos mais bem

conservados templos da atualidade, que se assemelhava ao modelo do Ramesseum, de

seu grande predecessor Ramessés II. Foi responsável ainda pela expansão de Pi-

Ramessés, cujas construções não parecem ter sido afetadas pelos embates durante o

reinado.

É importante salientar o crescimento do poder dos templos e dos cultos a

Amun de Thebas, como mostrado no Grande Papiro Harris e a necessidade real de

inspecionar e reorganizar esses templos onde transbordavam corrupção. Esse papiro

lista grandes doações de terra feitas a importantes templos em Tebas, Mênfis e

Heliópolis, mostrando que no fim do reinado de Ramessés III, um terço das terras

cultiváveis estava nas mãos dos templos e, dessas terras, três quartos pertenciam a

Amun de Tebas, cujos sacerdotes eram dotados agora de grande influência e poder. Uma

grande crise econômica abateu-se sobre o estado e suas finanças, causando falta de

alimentos, que eram pagos pelo estado, aos trabalhadores em Deir el-Medina, levando

no ano 29 do governo de Ramessés, às primeiras greves organizadas registradas na

história.

Ao fim do reinado de Ramessés é registrada uma tentativa de assassinato

do rei por parte de um complô organizado no harém real, em Pi-Ramessés, onde oficiais

do reino, também envolvidos, queriam depor o rei e levar ao trono o filho que o faraó

tinha com uma de suas mulheres, Pentaweret. Apesar de incitar as pessoas a se

rebelarem contra o rei, a revolta falhou, e provavelmente o rei continuou vivo (sua

múmia não tem sinais de morte violenta) até falecer de causas naturais e ser substituído

por seu filho, Ramessés IV.

Ramessés IV, quinto filho de seu pai, assumiu o trono após seus irmãos

morrerem e o mesmo tornar-se príncipe coroado. Julgando pelo nome de sua mãe, Isis-

Ta-Habadjilat, o novo rei deveria ter algum sangue estrangeiro correndo por suas veias.

Assim que assumiu, Ramessés pôs-se a construir (em destaque o seu templo mortuário,

em Tebas), retomando expedições em Wadi Hammamat e buscando turquesa e cobre nas

minas do Sinai e de Timna; além disso, ainda aumentou a força de trabalho de Deir el-

Medina para 120 homens. No entanto, o faraó morreu em seu quinto (ou sétimo) ano de

reinado, sem completar nenhuma das obras.

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Durante seu reinado, ocorreram atrasos na entrega de artigos para os

trabalhadores de Deir el-Medina. Ao mesmo tempo cresceu a influência do poder dos

grandes sacerdotes de Amun. O ofício tornou-se então mais independente, tendo o cargo

passado novamente hereditariamente, e o rei possuía, por sua vez, pouco controle sobre

quem era designado como sacerdote.

Os faraós posteriores governaram, em sua maioria, durante muito pouco

tempo (com exceção feita a Ramessés XI, que governou por 30 anos), continuando a

enfrentar problemas com revoltosos líbios e com os ladrões de tumbas da época. O

poder do rei nesse período passou a decair, havendo indícios que os últimos faraós

Ramessidas tinham controle apenas de uma parcela do Egito (no caso, o Delta).

Hordas de líbios impediam os trabalhadores da margem oeste de

trabalharem, a fome assolava o Egito (anos das hienas), ladrões de tumbas passaram a

agir em templos e palácios e houve até mesmo guerra civil. Um conflito entre Ramessés

XI e Panehsy, vice-rei da Núbia, aconteceu provavelmente pela tentativa de usurpação

do vice-rei de cargos que beneficiassem os núbios através de uma alimentação melhor.

Em tempos de crise geral, onde mesmo o Egito sofria por falta de alimentos, era

comum o surgimento de guerras civis, fazendo com que, em certo ponto, Panehsy recue

de volta à Núbia. Algum tempo depois, o general Piankh assume os títulos de Panehsy,

bem como o título de vizir após a morte de Amenhotep, o grande sacerdote de Amun,

assumindo também esse título, reunindo os três maiores títulos de cargos oficiais em

uma só pessoa. O golpe de Piankh inaugura o período chamado de renascença, termo

usado para indicar que o país havia “renascido” após um período de caos.

Por fim, no último século de governo Ramessida, tumbas são

constantemente assaltadas, tendo múmias desenfaixadas em busca de ouro e outros

materiais valiosos. Mesmo as múmias dos faraós perdiam seus amuletos e eram re-

enterradas em tumbas anônimas escavadas nas encostas rochosas tebanas. É interessante

evidenciar que duas múmias parecem ter escapado de sinas iguais: a de Tutankhamun

(KV 62) e a de seu pai, Akhenaton (KV 55).