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I NTERSEÇÕES DOS SUPORTES DIGITAIS potencial estético, produção, acesso, circulação: Ciberdocumentários em Manaus (AM – Brasil) Luiza Elayne Azevedo Luíndia * Universidade Federal do Amazonas 2014 * Universidade Federal do Amazonas – UFAM, Manaus, Brasil. Universidade do Algarve, Ualg, Faro, Portugal. E-mail: azevedoluindia@gmail. com.

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INTERSEÇÕES DOS SUPORTES DIGITAIS –potencial estético, produção, acesso, circulação:Ciberdocumentários em Manaus (AM – Brasil)

Luiza Elayne Azevedo Luíndia∗

Universidade Federal do Amazonas

2014

∗Universidade Federal do Amazonas – UFAM,Manaus, Brasil. Universidade do Algarve, Ualg, Faro,Portugal. E-mail: [email protected].

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2 Luiza Elayne Azevedo Luíndia

ÍndiceIntrodução 21 Convergência, hibridismo e cine digi-

tal 32 Dos documentários aos ciberdocu-

mentários 43 Convergência midiática, dispositivos e

transformações 74 Documentários no Brasil 11Considerações 18Referências Bibliográficas 19

Resumo

Analisou-se os suportes digitais no poten-cial de produção/acesso/circulação dos ci-berdocumentários1 em Manaus (AM-Brasil).Os suportes digitais (re)configuraram os do-cumentários e a Internet e seus dispositivosproporcionaram acesso, produção e circula-ção. Mesmo com alternativas narrativas egráficas a “busca do real” ainda é intensa e osfatos sociais e os problemas cotidianos do-minam as temáticas e os conteúdos.

1Entende-se ciberdocumentário sob dois contex-tos: o primeiro como resultado de muitas hibridiza-ções, sendo praticado pelo movimento ciberativistae que desenvolveu características ao permitir distin-guir um novo conjunto retórico, uma nova maneira deconceber o cinema documentário como “uma classenatural” da comunicação cinematográfica”. Bráu-lio de Britto Neves, Máquinas retóricas livres dodocumentário Ciberativista. Revista Doc On-line,n.08, Agosto de 2010, pp. 70-113. Disponível em/www.doc.ubi.pt. Consultado em 21-11-2010; O se-gundo, embora a autora não utilize o referido termo,defende: para “o atual documentarista as tecnolo-gias informáticas se apresentam como mais um su-porte apropriado para o ‘tratamento criativo da re-alidade’” Manuela Penafria, Perspectivas de desen-volvimento para o documentarismo, disponível em:www.bocc.ubi.pt (1999). Consultado em 10-05-2010.

Palavras-chave: Suportes digitais, ciber-documentário, conteúdo, acesso, produção,distribuição.

Abstract

We analyzed the potential in digital me-dia production / access / movement of ciber-documentary in Manaus (AM-Brazil). Digi-tal media (re) configured documentaries andthe Internet and its access devices provided,production and circulation. Even with al-ternative narratives and graphic "search ofthe real"are still intense and social facts andeveryday problems dominate the themes andcontent.

Keywords: Digital Media, ciberdocu-mentary, content, access, production, distri-bution.

Introdução

HOJE em dia a imagem síntese substituipraticamente em tudo os sistemas ana-

lógicos, especificamente no cinema. Frenteà situação a indústria cinematográfica tembuscado veementemente alcançar êxito e pa-râmetros ancorados em processos digitais.Para (La Ferla 2009:34), Youngblood e Wei-bel reformularam o conceito de cinema ex-pandido ao considerarem o uso das tecnolo-gias eletrônicas e digitais como opções am-pliadas dos cinematográficos. As máquinasaudiovisuais surgidas, partir desse momento,formam parte do início da era da reprodutibi-lidade e marcaram outro território na historiada produção e do consumo audiovisual.

O cinema vem estabelecendo vínculoscom a informática audiovisual desde os me-

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ados de século XX. Esse diálogo prévio esta-belecido entre o computador, o cinema e es-pecificamente o documentário2 parte de umprocesso mais amplo e importante nas múl-tiplas e significativas relações desenroladasao largo de sua história de pouco mais deum século com outros suportes e dispositi-vos. Dessas combinações e reinterpretaçõessurge o ciberdocumentário.

A conversão digital de todos os meios au-diovisuais é um tema provocativo, principal-mente quando se dirige ao ciberdocumen-tário, provavelmente por ainda dominar acorrente teórica do documentário como uma“exposição da realidade”. No meio acadê-mico, pesquisadores declaram dois lados di-cotômicos: o lado dos ‘otimistas’ ao aponta-rem o suporte digital, o ciberespaço e o com-putador como importantes fatores de poten-ciar o imaginário dos seres humanos; a cor-rente dos ‘saudosistas’ ligados à defesa docinema puro e avessos às tecnologias digi-tais que segundo os mesmos mataram o cineclássico.

Entre os dois cenários, se propõe a um re-corrido alternativo: analisar de maneira crí-tica a história de transferências entre os dis-tintos suportes digitais. Questiona-se: emque medida os multisuportes digitais contri-buíram para incrementar o ciberdocumentá-rio e sua produção/acesso e circulação? Emque momento os dispositivos e procedimen-tos transformam o potencial estético, o con-teúdo e a narrativa? Objetiva-se analisar aarticulação dos suportes digitais no potencialestético e de produção/acesso/circulação dosciberdocumentários em Manaus (AM, Bra-

2Utilizamos o termo documentário, no contexto daescola inglesa de Grieson por ser o mais circulante atéos dias de hoje.

sil). Para tal se estabeleceu 5 fases: 1. Intro-dução; 2. Convergência, hibridismo e cinedigital; 3. Do documentário ao ciberdocu-mentário; 4. Convergência midiática, dis-positivos e transformações: Do espectadorao interactor; Produção, acesso e circulação;Dispositivos, narrativas complexas (intertex-tualidade) e conteúdos; 5. Panorama: docu-mentários no Brasil: 5.1. Documentários noAmazonas; 5. 2. Interpretação dos dados;5.3. Considerações.

Diante do exposto, a pesquisa é justifi-cável pois as informações sobre o assuntoem Manaus se encontram fragmentadas. As-sim são escassas as investigações acadêmi-cas focalizando a tendência de incorporaçãodos suportes digitais e dispositivos nos docu-mentários na região, apesar do crescimentoda produção e dos festivais, vistos como suasjanelas de exibição e circulação.

1 Convergência, hibridismo ecine digital

Segundo Manovich, o computador e poste-riormente o seu uso no campo artístico é oprincipal modificador da cultura da imagem.Conceitua a “nova mídia” como aquela cri-ada em computadores, distribuída via com-putadores e armazenada e arquivada no com-putador. (Manovich, 2005:46).

A Internet e suas plataformas digitais sãoconsideradas como uma das responsáveispara aliar os meios tradicionais aos digitaisse traduzindo em uma convergência midiá-tica justamente por afetar politicamente, so-cioculturalmente e geograficamente a todos.Conseguem mesclar as “velhas mídias” e as“novas mídias” em um único espaço: a telado computador (Negroponte 2008). Essa

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convergência altera a relação entre tecnolo-gias existentes, indústrias, mercados, gêne-ros e públicos e, também, a lógica pela qual aindústria midiática opera e pela qual os con-sumidores processam a notícia e o entreteni-mento. “[...] a convergência refere-se a umprocesso, não a um ponto final”. (Jenkins,2009:43).

Um dos pontos mais afetados pela con-vergência foi a imagem digital e conformeParente é aquela “obtida através da digita-lização de cada um dos pixels, através daatribuição de números para cada um deles”(1993:284). Diz Rombes (2009): a hibrida-ção faz parte do cinema desde os seus pri-mórdios: além da imagem, o espectador con-tava com o texto (legendas ou intertítulos) naera do cine mudo, por exemplo, para a com-preensão do filme. Para o autor, o cinema é amultimídia original e moderna, função hojeoperacionalizada pelo computador.

Araújo (2007) discute a hibridação dasimagens a partir da expressão “estética dahipervenção”, a fim de explicar as relaçõesentre arte e tecnologia. Avança em outrosexemplos para identificar outros níveis de hi-bridação, como entre o ator real e a imagemsintética (cenário), entre linguagens como ci-nema, literatura e teatro e entre as imagenseletrônica e digital. “Em síntese, as formashíbridas são novos tipos de linguagem que secomunicam entre si em processos de fusão einteração”. (Araújo, 2007: 57).

Confere ao assunto Bellour (2009:14) otermo “poética das passagens” ao se operarpela via de um “entre imagens”. Para Mer-cader (2002), híbrido é o resultado da uniãode mais de duas espécies diferentes; implicase afastar da nostalgia do puro e da impurezano sentido simplista de legitimidade e linha-gem. Quase tudo é híbrido e seu alcance vai

muito além das aplicações de biologia e dagenética na agricultura. Híbrido pouco tem aver com o mestiço, heterogêneo, misto, vari-ado, díspar.

Hibridismo para Canclini (2006) se cons-titui nos processos socioculturais em que es-truturas e práticas discretas, que existiam emformas separadas, se combinaram para gerarnovas estruturas, objetos e práticas. Avan-çando no tema, Lemos (2008), cunha comopráticas de cibercultura ou “remixagem”, en-tendida como um conjunto de práticas soci-ais e comunicacionais de combinações, cola-gens, cut-up de informação a partir das tec-nologias digitais ao ganhar contornos plane-tários com a globalização e atingindo o apo-geu com as “novas mídias” de Manovich.

A atual dinâmica técnico-social instaurauma radicalidade e vários fatores, se desta-cando dois pontos chave: no primeiro, modi-ficar qualquer cena ao largo do processo demontagem e, também, a possibilidade de tra-balho em tempo real; no segundo, as facili-dades de integração de diversas tecnologiaspara contribuir no incremento de mais pro-dução/distribuição e acesso. Quais seriam asimplicações para os ciberdocumentários?

2 Dos documentários aosciberdocumentários

Sobre documentários, se destaca os irmãosLumière, passando pelos cinejornais e os fil-mes de viagem. Em seguida, se enfatizaFlaherty (direcionado ao personagem), Gri-erson e a escola inglesa (centrado no cole-tivo, caráter educativo), o Cinema-Verdadefrancês (ênfase na presença do autor), o ci-nema de Vertov, o Cinema-Direto ameri-cano, o modelo sociológico e sua superação.

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As mencionadas fases históricas foramagrupadas por modos de representação naperspectiva de Nichols (2005:135) ao iden-tificar seis tipos principais de documentá-rios: poético, expositivo, participativo, ob-servativo, reflexivo e performático. Emboratodos os modos de representações não se-jam excludentes, se frisa: o modo performá-tico ao explorar a complexidade do conhe-cimento, propicia um acesso à compreensãodo mundo por meio de dimensões subjetivase afetivas, nos remetendo aos ciberdocumen-tários. Um tom autobiográfico e a capaci-dade de expressar diferentes tipos seja de in-tervenção e/ou recursos gráficos, ou ainda,de subjetividade fazem com que esse tipode documentário trabalhe com outras for-mas de representação e alternativas narrati-vas, baseadas em sujeitos específicos, comopor exemplo, o interactor. (Azevedo Luín-dia, 2012).

Argumenta Francés (2003), o gênero do-cumental tem tido uma presença desigual re-ferente à produção e difusão desde seu inícioà atualidade. Talvez nos encontremos em umdos melhores momentos da produção de do-cumentários, como consequência da multidi-fusão propiciada pelas tecnologias digitais eedição integrada das informações. Para o au-tor, o documentário tem atualmente muitasexpectativas de penetração nas novas progra-mações das televisões devido às tecnologias.

Lipovetsky e Serroy (2009) corroboramFrancés ao comentarem sobre o crescimentodo documentário como uma resposta ao de-saparecimento dos grandes referenciais co-letivos do bem e do mal, do justo e do in-justo, da direita e da esquerda, assim comoo apagamento das grandes visões do porvirhistórico. Afirmam: o gênero perdeu seuantigo estilo professoral, ostensivamente pe-

dagógico, praticamente não há mais a tradi-cional voz off marcando a autoridade, nemestruturas narrativas e retóricas codificadas.Para eles, essas mudanças recuperam e pro-longam o caminho dos grandes criadores docinema do real que, interrogando a realidadepor todos os meios – imagem, som, monta-gem -, nunca confundiam representação domundo e aula de geografia.

A diversificação abrange também a formae na multiplicidade de suas abordagens e empesquisas o documentário passou da apren-dizagem quase doutoral de um mundo co-nhecido à investigação para a problemáticade um mundo fragmentado e sem fronteiras,que interroga em todas as direções através demeios mais complexos.

Conforme La Ferla (2009), o consumo dodocumentário em suporte digital pode servisto como outra das mortes do tradicionalcine. Desde a rodagem à pós produção e aoconsumo, vão desaparecendo todos os aspec-tos do “que fazer” dando lugar a novas for-mas híbridas. Discorda-se: a Internet e dis-positivos ampliaram cenários de acesso, pro-dução e janelas de exibição e, também, mo-dificaram o comportamento tanto do realiza-dor quanto do atual interactor através de umpacto de comunicação, de conteúdo e de nar-rativas.

Tal argumento se fundamenta em Channan(2007) quando infere: integrar todo tipo deconteúdo sobre um mesmo suporte e poderdifundi-los na mesma rede em um fluxo in-terativo de continuidade é um grande câm-bio da era digital. Ao contrário da maioriados agouros acadêmicos, a digitalização daimagem-câmara e a telematização dos pro-cessos de enunciação pública dos documen-tários proporcionou uma vertiginosa amplia-ção da visibilidade do cinema documentário.

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Nunca se produziram tantos documentá-rios com tantas maneiras diferentes: dandobem menos importância para o quantos doque como e para quem. As novas versões das“três máquinas de imagens que compõem ocinema – a camcorder digital, no lugar do ci-nematógrafo, a disseminação telemática dis-tribuída no lugar da indústria cinematográ-fica e os novos direitos autorais”. (Kluge,2007:82-3).

Afirma Neves (2010), entre muitas hibri-dizações, o documentário telematicamentedisseminado (denominado de documentário-rede ou ciberdocumentário) vem sendo pra-ticado pelo movimento ciberativista. Paratanto desenvolveu diversas características,entre elas se destacam duas: permitir distin-guir um novo conjunto retórico no documen-tário e propiciar uma nova maneira de con-ceber o cinema documentário como “umaclasse natural” da comunicação cinemato-gráfica.

Indaga-se: quais seriam as característicasessenciais dos atuais documentários? (LaFerla, 2009) e (Francés, 2003) enfatizam: oatual documentário corre o risco de se afas-tar de seu antigo papel: assumir as funçõessociais designadas por sua proximidade como real. Reconhecem no novo gênero muitomais elementos da TV e do jornalismo – emenos da sétima arte. Di Tella (2005) apontauma nova possibilidade documentária, bati-zada nos EUA como stand-up documentaryem uma referência irônica ao stand-up come-dians, tendo Michel Moore como precursordo movimento, através dos filmes: Tiros emColumbine – Bowling for Columbine (2002)e Farenheit 9/11 (2004). Neles, Moore tra-balha como personagem condutor das açõesem seus filmes, introduzindo os demais per-sonagens; as referidas estratégias são apon-

tadas por Amado (2005) como advindas tam-bém do suporte televisivo e do gênero jorna-lístico.

Conforme Marfuz (2003) e Amado (2005)quanto mais estratégias dramáticas forem co-locadas a serviço da enunciação, maior seráo aumento da expectativa e do interesse dopúblico em acompanhar a narrativa. En-quanto o ciberdocumentário cresce na TVindependente mediante o uso de estratégiasmais dramáticas, os críticos mais otimistasvêm na convergência midiática uma estraté-gia potente para “afastar” o documentarismodos dogmas estruturalistas, dando continui-dade à tendência de flexibilização iniciadacom a emergência do Cinema-Direto a partirda portabilidade dos equipamentos cinema-tográficos.

Sustenta Neves (2010), desde o início doséculo as inovações estilísticas produzidasnas “mídias radicais” vêm sendo positivadaspela apropriação de seus procedimentos naprodução de videoartistas de renome (algunspassaram a se autodenominar “documenta-ristas”), justificados pela “estética relacio-nal” (que só circula como mercadoria atra-vés do documentário), ou indexados como“documentários dispositivos.” O citado au-tor frisa: em meados dos anos 1990, poucaseram as vozes dissonantes diante do aparenteconsenso em torno da ideia do “deslizamentodos significantes na pós-modernidade”, quese formava desde os anos 1980 e as imagensdigitais como a “pá-de-cal” nas pretensõesda verdade proposicional do cinema docu-mentário.

Contrariando as expectativas do fim do do-cumentário Channan (2007) explica: a digi-talização das imagens-câmara e a telemati-zação dos processos de enunciação públicados documentários proporcionou uma verti-

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ginosa ampliação da visibilidade do cinemadocumentário. Nos atuais documentários seinsere a hibridação de gêneros (ficção + nãoficção) e o diálogo entre todas essas perspec-tivas.

A sua vez Francés (2003) afirma: o ciber-documentário tem muitas expectativas de pe-netração nas novas programações e oferta demultidifusão televisiva e mediática ao confi-gurar um consumo de relatos audiovisuais,mediante o sistema de vídeo de baixo de-manda, televisão de baixa demanda e os sis-temas de uma televisão digital ou do cine ele-trônico. Sob a égide de um gênero inovadore incompreendido em sua totalidade princi-palmente para a academia, o ciberdocumen-tário configura e reinventa um gênero confli-tante e se constitui em uma força aglutina-dora e estabilizadora dentro de uma determi-nada linguagem, um certo modo de organizarideias, meios e recursos expressivos, sufici-entemente estratificado numa cultura. (Ma-chado, 2005).

Experimenta-se o surgimento de outrosgêneros, fusão com antigos e com diferentestécnicas: o crescente interesse por filmes do-cumentários, filmes intimistas, ensaios fílmi-cos ou pela “simples” espetacularização darealidade em oposição à crise do próprio es-tatuto de verdade. Sob a visão de Penafria,(1999:05), “um documentário em suporte di-gital é suposto ser um espaço onde se de-fendem e discutem pontos de vista sobre umdado assunto”. Trata-se, resumidamente, dedesenvolver esforços no sentido de se con-jugarem elementos diversos como sendo ascaracterísticas dos produtos multimídia (emespecial a interatividade) com as caracterís-ticas do documentário.

Questiona-se: o documentário em sua pas-sagem ao ciberdocumentário ainda teria o

papel de se destinar à análise de aspectos his-tóricos, fazer denúncias, educar, dar voz àsminorias, revelar aspectos desconhecidos davida cotidiana e não, necessariamente, ser-vir ao entretenimento e à fruição artística?Sobre esses pontos teceremos algumas refle-xões.

3 Convergência midiática,dispositivos e transformações

3.1 Do espectador ao interactorPara Azevedo Luíndia (2011) há uma gamade termos para designar a posição nos diasde hoje o receptor/internauta/espectador: lei-tor imersivo ou usuário (Santaella, 2004),interagente (Primo, 2003), interactor (Mur-ray, 2003), participador (Maciel, 2009), tran-seuntes da comunicação (Vilches, 2003).Opta-se por interactor por cumprir três pa-peis ao mesmo tempo: consumo, produção einteração.

Tendo como inspiração a frase de Glau-ber Rocha “Uma câmera na mão e uma ideiana cabeça”, o interactor, quer sentir, ser sur-preendido, quer ‘adrenalina’ e experimen-tar novas emoções-choques sem parar (Lipo-vetsky e Serroy 2009). A interface permiteao espectador entrar no processo de constru-ção, ou ser mais um elemento da obra e, se-gundo Penafria (1999) caberá ao documen-tarista definir o modelo de interface, as rotasde navegação permitidas, a informação vei-culada e o melhor modo de a veicular (porexemplo, se em texto ou em imagem), comopermitir explorar áreas afins às apresentadas,etc.

Prossegue a autora: se antes a criação doautor era mínima nos documentários tradici-onais, atualmente, há espaço para a imagina-

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ção do mesmo sem pretender somente alcan-çar a objetividade, a neutralidade e naturali-dade dos registros audiovisuais. Acerca deinterface, Viveiros (2007) propõe: permiteao espectador entrar no processo de cons-trução, ou ser mais um elemento da obra;por isso, o interface interactivo que conduzo espectador deve ser o mais próximo pos-sível da experiência, o que leva a cada vezmaior indefinição do real e da ficção, porquetende para uma progressiva transparência atéao seu desaparecimento.

Comenta Penafria (1999): os modelos deinterface e sistema de navegação devem sercapazes de criar um “ambiente” apropriadoao tema que se está a tratar e no qual o uti-lizador é suposto interagir. As tecnologiaspermitem sem dúvida a interatividade que,no caso do documentário deverá ser usada nosentido de reforçar determinado argumentoe permitir a eventual passagem para outrasperspectivas ou pontos de vista sobre deter-minado assunto (quando, por exemplo, seconsultarem aplicações on line) que utiliza-rão por ser lado à interatividade para reforçaro seu ponto de vista. Frisa Rabiger (2005): odocumentário está cada vez mais se voltandoàs histórias que pode contar para os persona-gens que faz conhecer e o despertar da iden-tificação no espectador.

Somando-se o baixo custo às facilidadesde produção, hoje, se tem diversos tiposde linguagem, em particular no atual docu-mentário. Sobre as potencialidades Tava-res (2008) declara: na era da imagem di-gital há um discurso que subjaz a todo equalquer texto artístico: aquele que promoveo fascínio pelo desconhecido. A máquinaseduz pelo seu poder de criação, pela suaimensa capacidade de ultrapassar a preexis-tência do real e torná-lo também imagem.

Assim sendo, “a tentação de deixá-la atuar,exibir suas possibilidades e transformar-nosem meros utilizadores é muito grande”. (Ta-vares, 2008: 40).

Recorre-se a La Grice (2005, apud Vi-veiros, 2007), para corroborar o pensamentoacima: a passagem do espectador/utilizadorà posição de protagonista não representadofoi a que ofereceu a mais significativa mu-dança à linguagem cinemática. Na maneiraas tecnologias podem se constituir no re-gresso do conceito de “atracção” que se so-brepõe à narrativa (Viveiros, 2007:34). Esseé o “cinema de atracções” marginalizadopela narrativa que o cinema digital recupe-rou (Manovich, 2005).

Sob a mirada de Viveiros, o “cinema deatracções” privilegia o espectáculo em de-trimento de uma preocupação narrativa. Asua única estratégia é mostrar um aconteci-mento, uma situação, em vez de contá-la.Sintetizando, o “cinema de atracções” mos-tra acções em vez de narrá-las e dirige-se di-rectamente ao espectador. Então a “‘exteri-oridade’ do cinema das origens expressa abase do cinema de atracções: o acto de mos-trar qualquer coisa ao espectador”. (Vivei-ros, 2007: 37-38).

Como ocorre o acesso, a circulação e oconsumo desses atuais formatos e disposi-tivos? Quais as ‘janelas de exibição’ atu-ais? Sobre os referidos aspectos teceremoscomentários abaixo.

3.2 Produção, acesso e circulaçãoA questão econômica e os baixos custos dosequipamentos é sem dúvida uma das vanta-gens dos suportes digitais para oportunizarcrescimento e descentralização da produção,ampliando as formas de distribuição do con-

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teúdo e a recepção. Tal processo ocorre atra-vés da presença de softwares livres na rede e,também, dos festivais de cinema e vídeo comabertura às realizações com câmeras de celu-lar. As últimas, em grande parte são respon-sáveis pelas janelas de exibição principal-mente no You Tube, pois o circuito comercialainda tem os filmes estrangeiros (hollywoo-dianos) como seus pontos de mercado.

Outro elemento favorável é a ‘pirataria’,embora seja um tema controverso (e mui-tas vezes questionado dentro da comunidadeOpen-Source), ao permitir que um softwarecom alto preço possa chegar de forma gra-tuita ou a baixo custo ao usuário final. Essa‘descentralização’ é benéfica ao consumidorporque não paga à empresa criadora do soft-ware e, ainda, usufrui dos benefícios, inde-pendente de suas implicações legais, moraisou éticas.

Há uma ampliação do mercado de entre-tenimento doméstico e na questão de ‘con-teúdo amador’, Lemos (2008) esclarece: sãovídeos diversos confirmando a grande mul-tiplicidade de gostos dos usuários e não so-mente ‘cyberlixo’. A essa discussão, se adi-ciona algumas reflexões: os dispositivos po-dem ou não atuar como elementos estrutu-radores dos atuais documentários, inclusivemodificando os conteúdos e as narrativas?Como atuam essas modificações?

3.3 Dispositivos, narrativascomplexas(intertextualidade) econteúdo

O ciberdocumentário está cada vez mais sevoltando às histórias/personagens e temascotidianos em torno de reivindicações polí-

ticas e sociais para despertar a identificaçãono interator. A narrativa foi um dos gênerostextuais que mais sofreu reconfigurações, eno campo audiovisual, adquiriu adequaçõespara ser incorporada ao ficcional – e tambémao não ficcional.

No contexto, Machado (2005: 08) explica:“(...) a dinâmica da narrativa apenas evidên-cia como um gênero representa um “nicho”semiótico que as gestões culturais não secansaram de reinventar”. Argumenta ainda:em toda narrativa existe o gérmen de umaaventura e nessa estão impressas as marcasdo tempo e do espaço. O tempo de aventurasé sempre um tempo de mudanças, de acasos,de renovação.

O ciberdocumentário ganha possibilidadede usar estratégias ficcionais para criar umahistória com personagens bem definidos, si-tuar os interatores com relação ao espaço eao tempo em que os fatos acontecem, e sepropõe até a oferecer momentos de clímaxe anticlímax. Atualmente se percebe umaampliação de linguagens sinalizadas por Vil-ches (2003) e Manovich (2005) numa ten-dência cada vez mais presente de uma estru-tura de contéudo e de narrativa reorganizadapelo público, através da interface e se reto-mando a utilização da intertextualidade.

Entendida por Gonçalves e Renó (2009)quando se lança mão de estruturas ou lin-guagens características de um tipo especí-fico de texto, como o desenho animado ouas histórias em quadrinhos, alterando-se ouampliando-se seu significado e sua lingua-gem original. Seria uma retomada ao uso dasnarrativas complexas.

Gosciola as compreende como bases esta-belecidas para um roteiro a partir do qual nãosomente se articula uma narrativa principalatravessada por outras narrativas, mas uma

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história multidimensional. Em função deser incompleta e não resolvida em sua estru-tura principal, demandaria sempre desafiose mais desafios ao telespectador em buscade respostas “em outros conteúdos do pro-grama acessíveis pelos mecanismos de inte-ratividade”. (Gosciola, 2009:205).

Acerca da narrativa, Lipovetsky e Serroy(2009) especificam: as histórias secundáriasganharam destaque, dividindo a atenção doespectador com a trajetória dos personagensmais importantes. Surgem assim os filmescom várias tramas ao mesmo tempo e, os fi-nais mexem com a imaginação do especta-dor, pois o mais importante agora é a fruiçãode assistir e a emoção a ser despertada. So-bre os personagens, focalizam a dissoluçãodo maquineísmo: o bom já não é tão bome o mau nem tão mau. Quanto à temática,afirmam: temas antes tabus como sexo e vio-lência, no momento são mostrados de formabanal.

Acerca do uso de dispositivos, Brito(2005) declara: são elementos estruturado-res de vários documentários da mais recentesafra de filmes brasileiros não ficcionais.Afirma: à valorização da narrativa documen-tária, somam-se outras preocupações sobre aprópria produção não ficcional. Algumas no-vidades fazem atualizações de práticas anti-gas como o uso do off, agora mais teatrali-zado; outras são combinações e recombina-ções dessas técnicas já inventadas.

Conforme Brito (2005), os dispositivosvão se criando a partir da criatividade dos do-cumentaristas. Enquanto os procedimentosjá estão de certa forma dados, sendo conheci-dos e aplicados em vários filmes, os disposi-tivos são projetados para filmes específicos,com fim específico – e nos filmes têm seu ci-clo de vida. Isso se dá com alguns filmes da

recente produção documentária brasileira –.No fim das contas, refere-se à construção dopróprio documentário.

O ‘procedimento’ se refere às próprias fer-ramentas de se fazer cinema – no caso dodocumentário aplica-se ao uso de entrevis-tas, registro in loco, alteridade, narração emprimeira pessoa etc., tomando essas práticasem linhas gerais – o ‘dispositivo’ aplica-sea um pacto firmado que deve ser seguido,a um conjunto de ‘procedimentos’ planeja-damente dispostos para obter os elementos(recortes do real) que serão trabalhados naconstrução da narrativa imaginada para de-terminado documentário. Ao provocar o reale gerar um desequilíbrio, os ‘dispositivos’exigem reordenações.

Para Brito (2005), um filme dispositivo seimpõe pelo formato e/ou conteúdo e, paraatingi-lo faz uso de vários procedimentos ci-nematográficos que já foram determinados láno início do projeto. Ou seja: um dispositivopode ser planejado a partir de várias ‘linhasativadoras’. Ou partir de somente um proce-dimento, como nos filmes de Eduardo Cou-tinho em que a entrevista é a técnica funda-mental utilizada para ‘registrar do real’.

Os suportes implicam em transformaçõesde várias facetas do cinema e, de acordo comTavares (2008), o mesmo poderia agora re-alizar plenamente o desejo das vanguardas:tornar visível o invisível. Trazer à tona a es-trutura do inconsciente que se organiza porimagens. Para isso seria preciso, porém, acoragem de ir realmente além – do permi-tido, do estabelecido, da ordem. Só assim,na era da imagem digital, “seria possível di-minuir a distância entre a intenção de criaro invisível e o gesto de torná-lo palpável.Para isso torna-se necessário retornar ao pré-cinema. estabelecidas e modelos a seguir.

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Seria um voltar, indefinidamente, ao princí-pio”. (Tavares, 2008:45).

A seguir faremos um breve panorama dosdocumentários no Brasil para logo depoiscontextualizá-los no Amazonas de hoje. Edepois passaremos à interpretação dos dadosobtidos nas entrevistas.

4 Documentários no BrasilSegundo Machado (2007) por dez anos aprodução de filmes de não ficção caracteri-zou o cinema no Brasil e os chamados ‘fil-mes de cavação’ permaneceriam pelas pri-meiras décadas do século passado: os do-cumentários. Na segunda década, a ciênciase apropriou do documentário e descreveu ooutro – um índio, a mata, uma anta, o rio –através dos registros do Major Thomas Reise Silvino Santos, conhecido como “cineastada selva” no Amazonas. Até o fim da Se-gunda Guerra Mundial predominava o filmeeducativo, oficial, o filme turístico, ou entãocinejornal. Na década de 1950 o cinema doexotismo e dos viajantes é realizado atravésde longas-metragens.

Nos anos 1960 o documentário acompa-nhou a emergência do cinema dito novo,com Arraial do Cabo, de Paulo César Sa-raceni e Mario Carneiro e Aruanda de Lin-duarte. Nos anos 1970 e 1980, problema-tiza o próprio gênero e suas convenções comViva Cariri, de Geraldo Sarno. A décadade 1970, com Iracema, uma Transa Amazô-nica (1974), de Jorge Bodanzky e OrlandoSenna e o longa histórico Ajuricaba, 1977,de Oswaldo Caldeira, se encerrava com umdocumentário nervoso sobre a Manaus da-queles anos.

Os anos 1980 trouxe o docudrama comoaceitação de que a oposição ficção x não fic-

ção é só um recorte possível. Segundo Linse Mesquita (2008), nos anos 1990 a pro-dução documental seria o processo de reto-mada do cinema brasileiro através do bara-teamento da produção devido ao advento datecnologia de vídeo digital, bem como a ado-ção de novas políticas de incentivo a produ-ção cinematográfica por meio de isenção fis-cal, como a Lei do Audiovisual e a Lei Roua-net e, também, os programas públicos de fo-mento à produção de documentários, como oDOCTV e o projeto “Revelando os Brasis”,do Ministério da Cultura.

A reformulação e participação das entre-vistas se constituem em duas característi-cas mais fortes do documentário de Edu-ardo Coutinho. Para Coutinho, a entrevistasurge como estilo, como viga mestra de umolhar sobre o documentário a partir de SantoForte. Nos anos 2000, surge o “documentá-rio de dispositivo”, a interseção com a vide-oarte e as artes plásticas, propiciando outrasmaneiras de se relacionar com imagens emmovimento, como o filme Rua de mão du-pla, 2004, de Cao Guimarães, embora essetipo de documentário já tenha sido prefigu-rado com Coutinho na década anterior (Linse Mesquita, 2008).

De acordo com as autoras acima, as temá-ticas dos atuais documentários se deslocampara questões dos problemas sociais brasi-leiros, com um olhar (de) institucionalizado,uma postura através do oprimido e das mi-norias, retornando à vertente da análise so-ciológica. Até mesmo o termo documentá-rio a partir deste momento passa a se relaci-onar a um outro significado que seria ainda ode filme que se utilizam da “realidade”, masagora com um caráter autoral, com uma esté-tica, um pensamento cinematográfico. Comisso, o cinema verdade buscaria romper com

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o suposto caráter de “manipulação” do do-cumentário tradicional ao aliar elementos deficção em sua reconstrução.

Desse modo, com o apoio da Internet esuas plataformas digitais e através de recur-sos gráficos dos mais diversos, os documen-tários nos dias de hoje se reconfiguram embusca de outros formatos e outras linguagensmais contemporâneas.

4.1 Documentários no AmazonasRessalta Costa (1996): o gênero documen-tário atendeu melhor aos interesses econô-micos dos anos 20 em detrimento de ficçãocuja produção exigiria uma experiência an-terior na produção teatral e literária. “Os fil-mes recriaram o mito do Eldorado e do Édenterrestre, ao mesmo tempo, que reforçavamimagens de um admirável mundo novo, umparaíso que se julgava perdido”. (Costa,1996:118).

Conforme Lobo e Costa (1987), nesse ce-nário surge a figura do português SilvinoSantos (1886-1970), com uma produção queinclui 9 longa-metragem, 57 documentáriose uma série de 26 filmes sobre a famíliaAraújo e, os filmes de Silvino apresenta-vam linguagem básica e de boa qualidadetécnica (Lobo, 1994). Sobre Silvino, Auré-lio Michiles filma O cineasta da Selva ondeprocurou privilegiar o lado artístico do ci-neasta tentando uma abordagem menos car-regada de julgamentos “políticos” diferen-temente de Souza para quem: sempre es-teve ligado ao “fausto da borracha”. O au-tor define a trajetória profissional de Silvinocomo tendo sido “(...) profundamente mar-cada pelo poder econômico dos coronéis daborracha, de quem foi sempre um zeloso efiel servidor”. (Souza 1977).

Com a morte de Silvino ocorre um longohiato no campo cinematográfico de Manaus.Nos anos 60 surge o Grupo de Estudos Cine-matográficos (GEC) agitando a cidade comexibições de filmes em circuito cineclubista,organização de grupos de discussão e publi-cação de críticas em revistas e jornais locais.

Foi em 2000 que a “conexão” do cinemacom a tecnologia proporcionou a retomadada produção cinematográfica em Manaus.Para Soranz (2009), o início do século XXI,marca no Amazonas uma nova fase na pro-dução audiovisual, com o surgimento de ummovimento em torno da produção de vídeos,realizados em sua maior parte por pequenascâmeras digitais, numa produção grandiosaem número de realizações, ainda que bas-tante modesta na qualidade estética.

Prossegue Soranz (2009): é uma produ-ção apesar de realizada em suporte eletrô-nico se autodenomina cinematográfica e estádesligada da produção televisiva estabele-cida em Manaus durante as últimas décadas.O grande número de suportes de registro deimagem acaba por causar uma grande con-fusão no que tange à diferenciação e espe-cificidade técnica, ignorando assim aspectosformais e estéticos, diluídos em formulaçõesmal conceituadas sobre as manifestações delinguagem audiovisual. A hibridização dosformatos e o processo fragmentário de pro-dução acabam por definir as linguagens con-temporâneas.

Resume Soranz (2009) hoje a cidade deManaus tem realizado regularmente festivaisde cinema voltados às produções em curtametragem e já se esboçam iniciativas volta-das ao financiamento das produções, atravésde concursos promovidos por secretarias doestado e da prefeitura, que de certo precisamamadurecer e serem ampliadas.

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Siqueira (2011) em pesquisa de disserta-ção para analisar os benefícios e limitaçõesdo uso da tecnologia digital no desenvolvi-mento/produção e distribuição da cinemato-grafia em Manaus, observaram os referidosfatores: 100% dos realizadores respondeuque o suporte digital promove uma regula-ridade na produção cinematográfica devidoa três fatores: custo baixo, acesso e prati-cidade; 59% afirmou que não estariam pro-duzindo se não fosse ele, ou seja, 60% dosfilmes feitos hoje em Manaus não estariamsendo produzidos. Um dos principais garga-los da cinematografia local é a exibição, poiso cinema estrangeiro é dominante nas salascomerciais em Manaus, fato não muito dife-rente do resto do país.

A pesquisa apontou três campos por contado suporte digital: interferência benéficano campo produtivo; pouca interferência naquestão narrativa, ou seja, na forma de comose conta uma história no filme; e, por fim, asmudanças narrativas dos filmes tem se dadopor conta das mudanças nos ambientes polí-ticos, sociais, econômicos e culturais do pe-ríodo e não por causa das tecnologias utiliza-das em sua feitura. Em síntese, a investiga-ção aponta um eixo central: o suporte digitalé responsável por 100% na captação e ediçãodos filmes realizados em Manaus.

4.2 Interpretação dos dadosForam realizadas cinco entrevistas estrutu-radas (anexo) com sete indagações com re-alizadores e pesquisadores de cinema. To-mando por base o objetivo dessa pes-quisa: analisar as interseções dos suportesdigitais no potencial estético e de produ-ção/acesso/circulação dos ciberdocumentá-rios em Manaus (AM), procederemos à in-

terpretação dos dados obtidos junto aos en-trevistados3.

Indagação N. 1: “O hibridismo, a con-vergência midiática e os suportes digitais seapresentam como fatores relevantes ao atualcinema e, especificamente, aos documentá-rios. A Sr.(a) concorda? Justifique tanto suaresposta de concordância quanto de discor-dância”, obteve-se:

(A): “Sim, especialmente em se tratandodo suporte digital que possibilitou o acessode jovens realizadores (muitos sem experiên-cia) ao fazer cinematográfico, contribuindoassim para um aumento na produção inde-pendente.”

(B): No atual campo do documentário te-mos os que se utilizam de animação gráficapara construir sua narrativa, não como umailustração de certas passagens do filme, mascomo estratégia decisiva da representação domundo histórico, problematizando o estatutoda imagem no mundo contemporâneo”.

(C): “É uma realidade a interferência datecnologia digital no mundo do cinema, atin-gindo tanto as ficções como os documentá-rios no seu fazer convencional”.

(D): “Sim, concordo, o acesso facilita acaptura instantânea de situações imprevistas,deixando mais de lado o artesanal que antesse utilizava para um trabalho mais apuradoda cinematografia (. . . ) com o hibridismo sereduziu a tamanho (fotografia e filmagem viaPower shot e celular) podendo captar fatos,situações ate mesmo irrelevantes”. (E): “Nãoconsegui ver ainda essa relevância, pois osmelhores documentários hoje, tanto brasilei-

3Na interpretação dos dados utilizaremos as deno-minações A, B, C, D, E para os entrevistados.

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ros quanto estrangeiros, não se realizam comesses suportes, que podem ajudar em regis-tros visuais, mas não em estética fílmica”.

Indagação N. 2: “O que vem a ser Ciber-documentário em sua opinião”?

(A): “Um documentário feito para exibi-ção e circulação na rede, produzido tendo emvista as características da mesma e do pú-blico que tem acesso a ela”.

(B): “(. . . ) um ciberdocumentário deve serum produto pensado exclusivamente para ainternet ou ambientes hipertextuais, jogandocom as possibilidades estéticas, técnicas e delinguagem que esse meio pode proporcionar,oferecendo uma experiência inovadora, pró-pria desse meio, ao espectador”.

(C): “O espaço de aparente liberdade deveiculação e atingimento de mensagens poressa via da internet provocou o direciona-mento de alguns documentários construídosno âmbito do cinema e do vídeo-documentopara o ciberespaço midiático”.

(D): “O documentário deixa de ser apenasuma fita de vídeo transmitida em um telãoou mesmo pela uma emissora de televisão.A internet possibilita que o documentário sevague pela rede; you tube, linkado ao twitter,facebook, wordpress, emails, etc”.

(E): “Ainda desconheço o significadoexato dessa expressão, embora a palavra nãoseja estranha. Creio que se trata de produçãofeita para circular na internet (...).”

Indagação N. 3: “Embora os suportes di-gitais vêm favorecendo o acesso e produçãode documentários, vários autores apontamproblemas não somente na qualidade téc-nica, mas também na linguagem. Teça co-mentários a respeito”.

(A): “Por outro lado há a discussão de quecinema é uma linguagem e nesse sentido nãoimporta o suporte no qual é produzido”.

(B): “Em relação à qualidade técnica po-demos ponderar que o suporte digital nãoexiste em um único modelo ou padrão, masem inúmeros, de qualidades diferentes”.

(C): “(. . . ) se há regramento para esta-belecer termos da linguagem audiovisual decinema e vídeo, elas estão aparentementesendo deixadas de lado para privilegiar oconteúdo, que tem apelo mais incisivo parao atingimento dos objetivos, que é mais deação política. Mas isto é transitório, pois jáacompanhamos essa transição quando de ou-tras mídias”.

(D): “Mas é interessante essa vinda dossuportes digitais por causar essa interferên-cia porque faz com que os profissionais daárea se atentem ao novo olhar, reinventar “ofazer” documentário”.

(F): “Não tenho o que explicar, pois tudodepende do uso que se dá ao equipamento,do conhecimento das possibilidades da tec-nologia, mas antes de tudo, de um bom ro-teiro e boas qualidades de linguagem fil-mica”.

Indagação N. 4: “Os contéudos nos do-cumentários têm se diversificado para temasrelativos às reinvindicações e lutas sociaisde minorias dando-lhes voz e intervenção nomesmo. Como a Sra. vê essa nova facetado documentário? Quais as suas implica-ções?”

(A): “Acredito que o documentário sem-pre abrangeu esses temas, mas o que vemosagora é um aumento na produção de filmesdocumentários e tais temas estão aparecendomais”.

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(B): “(. . . ) é como o documentário acom-panha as evoluções e rupturas epistemoló-gicas do campo das ciências sociais, (. . . )saindo das metanarrativas para o foco nosmicropoderes está alinhado às progressõesteóricas no campo das ciências sociais (. . . )”.

(C): “Na verdade, não vejo como nova.Desde quando o cinema foi instituído comomeio importante capaz de contribuir para amodificação do pensamento social, o pro-duto audiovisual tem aplicações com essefim. Alguns momentos da história mais in-cisivos; outros menos”.

(D): “A novidade é que hoje pode ma-nipular esses depoimentos, ficcioná-los oumesmo remontá-los na ilha de edição”.

(E): “Não me parece nova, há décadaso chamado cinema verdade no Brasil (anos60) colocava a voz dos homens comuns natela (lembrar do projeto de Farkas) (. . . ) omais importante é a produção filmica inde-pendente de povos indígenas e de comunitá-rios”.

Indagação N. 5: “O atual documentáriode acordo com uma linha de pensamento seafasta cada vez mais de “sua função de seaproximar do real” para se transformar emum gênero com mais elementos da TV e dojornalismo. Assim, eles se aproximam dehistórias que podem ser contadas e desper-tam a identificação do espectador ao inseriruma hibridização de gêneros. Comente.”

(A): “Acredito que o documentário utilizade elementos de outros meios e gênero hábastante tempo, mas talvez pelo fato de umaumento na produção tais hibridizações es-tão sendo percebidas. Não acho que essas“misturas” tirem do documentário seu papelde “mostrar a verdade (. . . )”.

(B): “Em último lugar, o documentáriosempre contou histórias, isso não é uma con-quista ou um aspecto recente. A tradiçãodo documentário mostra que esse gênero seconsolida interpretando o mundo histórico,ou seja, elaborando assertivas e pontos devista sobre o mundo histórico. Contando his-tórias baseadas no real, por assim dizer”.

(C): “Os documentários que transitam nociberespaço têm, sim, algumas característi-cas que se aproximam da linguagem da tele-visão e do jornalismo (. . . ) aliás, penso queexiste um “boom” de documentários longas-metragens no Brasil, que assumem algumasdessas características, mas isso não é predo-minante, pois conseguem introduzir poesiano conteúdo e elementos estéticos não con-vencionais no formato. No entanto, quasetodos não se ‘desvinculam de se aproximardo real’”.

(D): “A imagem fala por si só, o documen-tário perdeu muito essa divagação imagética,deixar a imagem, o depoimento se desenrolarno seu tempo, acabou que houve essa redu-ção de tempo para adequar as transmissõestelevisivas”.

(E): “Não sou favorável ao gênero docu-mentário tipo linguagem de TV –, fragmen-tação e da ligeireza de tratamento da temá-tica (linguagem televisiva) acaba por aten-der à demanda de mercado, quando deve es-tar sincronizado, antenado, aos processos demudanças socioculturais”.

Indagação N. 6: “Em 1996, Selda Costaressaltou em seu livro Eldorado das ilusões:cinema e sociedade: Manaus (1897/1935)que o gênero documentário foi o que maisatendeu aos interesses dos anos 20, em de-trimento da ficção cuja produção exigiriauma experiência anterior na produção tea-

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tral e literária. Hoje, o ciberdocumentárioou o documentário atenderia a quais interes-ses no Brasil e, especificamente em Manaus,tendo em vista o incremento dos suportes di-gitais na produção?”

(A): “(. . . ) atenderia, especialmente emManaus, acredito que aos dos realizadoresindependentes que são os que mais tem sebeneficiados com as inovações tecnológicasque têm sido incorporadas ao cinema”.

(B): “Para se opor aos discursos hegemô-nicos, o documentário deve buscar uma aber-tura para o mundo, colocar-se sob o “riscodo real”, como coloca Jean-Louis Comolli.O documentário deve mostrar as fissuras domundo, suas fraturas, mostrar o que está portrás dos discursos oficiais, triunfantes e espe-tacularizantes”.

(C): “Então, temos que fazer uma distin-ção entre os documentários que “se destinamaos festivais” daqueles que são produzidospara a “luta no ciberespaço (...) os primeirospretendem galgar o caminho do profissiona-lismo e serem reconhecidos no meio artísticocinematográfico, os segundos têm propósitosmais da ação política que os produtos podemfavorecer”.

(E): “Os suportes digitais contribuem emmuito para o incremento da produção, pelopreço e pelas dimensões do equipamento,mas sem ideias boas não se faz um bom do-cumentário. Faltam bons roteiros e olhosmais estéticos. A tecnologia precisa ter umaestética.”

Indagação N. 7: “Os Festivais realizadosem Manaus, se focando na “Mostra Etno-

gráfica”4 e no “Amazonas Film Festival”5

têm conseguido uma produção e exibição darealização local, principalmente, em rela-ção aos documentários? Quais os benefí-cios e entraves de realização, circulação epúblico?”

(A): “os filmes que eles realizam paraos outros festivais de são exibidos tambémna Mostra Etnográfica e no Amazonas Film

4A Mostra Amazônica do Filme Etnográfico é umevento coordenado Núcleo de Antropologia Visualda Universidade Federal do Amazonas (NAvi/Ufam)tendo como seus principais coordenadores os profes-sores da Ufam Selda Vale da Costa e Antonio JoséVale da Costa (Tonzé). A V Mostra Amazônica doFilme Etnográfico 2011 teve como grande homena-geado o cineasta amazonense Aurélio Michiles, co-nhecido por retratar as principais características da re-gião, principalmente dos povos indígenas. O evento,ocorrido de 21 a 27 de outubro exibiu diversas produ-ções de Michiles. O sucesso “O Cineasta da Selva”,que aborda a vida de Silvino Santos, o pioneiro do ci-nema no Amazonas, foi o principal foco no evento.Em 2013 a Mostra não foi realizada. Sobre o assunto,Antonio José Vale da Costa, informou: "em 2013, oNAvi conseguiu recursos financeiros junto à Funda-ção e Amparo à Pesquisa no Amazonas (Fapeam) paradesenvolver uma pesquisa intitulada "Amazônia Au-diovisual: representatividades contemporâneas", ob-jetivando analisar o pensamento audiovisual sobre aAmazônia bem como as representações sociais. Di-vidido em dois momentos: o primeiro corresponde aum mapeamento da produção local de documentáriossobre a Amazônia 1997-2012; o segundo, a momen-tos de reflexão sobre os filmes, a edição de um livro eum documentário com os resultados.

5Em 2014, com sua 8a. edição, vem sendo promo-vido pelo Governo do Estado e Secretaria de Culturado Amazonas, apresenta em sua programação longas-metragens e curtas-metragens da produção amazo-nense, nacional e internacional. O festival proporci-ona e estimula a descoberta de novos talentos, a for-mação de técnicos e artistas no campo do audiovisuale, ainda, a captação de produções através da Amazo-nas Film Commission.

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Festival. Quanto à exibição ainda é muitorestrita, especialmente no caso da Mostra Et-nográfica. Já o Amazonas Film Festival dáum pouco mais de visibilidade ao promovera exibição em diversos pontos (. . . ) a produ-ção de documentários, ainda que crescendo,ainda é inferior aos filmes de ficção”.

(B): “(. . . )assim, novos documentários fo-ram realizados com o olhar efetivamenteamazônico, não folclórico, não exótico, nãoestrangeiro, não somente urbano, mas umolhar capaz de mostrar um mundo em trans-formação com a chegada nas “inovações”dos anos 70 e 80, recriando um imaginárioaté então escondido”

(C): “O Amazonas Film Festival é mesmopra inglês (ou francês) ver. Seus objetivossão outros, mas consegue de certa forma me-xer com a produção de documentários (. . . ) oincentivo ao “cinema amazonense” é ínfimoe estimula mais o curta-metragem ficcionalou experimental”.

(D): “Tem, mas em números muito inferi-ores de produções, e já devia ter essa rotati-vidade do mercado cinematográfico. Em nú-meros significativos, temos profissionais ca-pacitados para isso, mas optam para o que érentável. O que falta é a perpetração da men-talidade cinematográfica, pensar cinema, émover um leque de possibilidades de produ-ção e linkar outros mundos do cinema paracá e manter um ritmo coletivo.

(E): “Sim, bastante. Alguns títulos apósserem vistos, e premiados, em Manaus con-seguem participar de outros festivais no país.Os entraves são os já conhecidos: ausênciade uma escola de cinema, ausência de umapolítica pública especifica de fomento à for-mação e produção do audiovisual”.

Indagação N. 08: “Sobre um curso de ci-

nema em Manaus seja através da Ufam e/ouda UEA, quais seriam os benefícios para oincentivo da produção e circulação local?”

(A): “Acredito que o maior benefício vaiser sim um aumento da produção, mas nãosei se necessariamente de circulação”.

(B): “um curso de cinema seria outropasso importante para o aprimoramento téc-nico e estético dos cineastas locais, uma pas-sagem do amadorismo apaixonado para umao desenvolvimento de competências e habi-lidades necessárias, abrindo caminho para aprofissionalização do setor”.

(C): “Não será com mostras e festivais, emais um curso superior, que isto se transfor-mará. É preciso, junto, a atuação do Estadoem seu papel constitucional de fomentadorda cultura local e regional.”

(D): “Sinceramente, eu não entendo por-que ainda não acontece isso (. . . )”.

(E): “Os benefícios seriam muitos, pois osatuais e futuros realizadores teriam um es-paço para a aprendizagem da linguagem fíl-mica, através da obrigatoriedade de visuali-zar os filmes clássicos da historia do cinemae melhorar a qualidade de sua produção”.

Através das respostas acima se percebeuque quatro dos entrevistados concordaramque o suporte digital reconfiguraram os do-cumentários se levando em conta os recur-sos gráficos usados nos atuais documentá-rios “a exemplo da animação gráfica paraconstruir sua narrativa” (Entrevista com B,2012). Ademais proporcionou “um aumentona produção independente” (Entrevista comA, 2012) e com o “hibridismo se reduziu a ta-manho (fotografia e filmagem via Power shote celular) podendo captar fatos, situações

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até mesmo irrelevantes” (Entrevista com D,2012).

Sobre a definição de ciberdocumentários,todos responderam que são para circular naInternet ou em ambientes hipertextuais, bemcomo tem exibição e circulação na rede ouseja ciberespaço midiático. Em aspectos dossuportes favorecer acesso e produção mascom transformações na qualidade técnica econteúdos “a maioria optou por responderque no suporte digital não existe em umúnico modelo ou padrão, mas em inúmeros,de qualidades diferentes” e que os suportescontribuiram para reinventar “o fazer” docu-mentário”. Um destacou “a importância daspossibilidades da tecnologia, mas antes detudo, a necessidade de um bom roteiro e boasqualidades de linguagem filmica” (Entrevistacom E, 2012).

Sobre “a função de se aproximar do doreal” para se transformar em um gênero commais elementos da TV e do jornalismo”,os comentários se aproximam e ao mesmotempo discordam, contudo apontam que in-dependente dos gêneros e formatos quase to-dos não se ‘desvinculam de se aproximar doreal’ e o documentário sempre contou his-tórias. Não acho que essas “misturas” ti-rem do documentário seu papel de “mostrara verdade (. . . )” (Entrevista com A, 2012).“Os documentários que transitam no ciberes-paço têm, sim, algumas características que seaproximam da linguagem da televisão e dojornalismo” (Entrevista com D, 2012).

A respeito de “Hoje, o ciberdocumentá-rio ou o documentário atender a quais inte-resses no Brasil e, especificamente em Ma-naus, a partir dos suportes digitais”, a mai-oria concordou que os os suportes digitaiscontribuem em muito para o incremento daprodução, pelo preço e pelas dimensões do

equipamento. Contudo se frisa: “(. . . ) massem ideias boas não se faz um bom docu-mentário. Faltam bons roteiros e olhos maisestéticos. A tecnologia precisa ter uma esté-tica.” (Entrevista com E, 2012).

Acerca dos Festivais realizados em Ma-naus proporcionar produção e exibição darealização local, principalmente, em relaçãoaos documentários”, embora tenha crescidoa produção de documentários e outros tiposcomo os curta, “em relação aos documentá-rios, ainda “é inferior aos filmes de ficção”(Entrevista com A, 2012).

Na temática da necessidade “Manaus pos-suir um curso de cinema”, a maioria concor-dou ser necessária a implementação de umafaculdade visando contribuir não somente in-crementar a produção, mas também, se cons-tituir em um local de exibição.

ConsideraçõesAs interseções dos suportes digitais reconfi-guraram os diversos campos dos documen-tários em relação aos seguintes pontos es-colhidos como elos condutores da pesquisa:em primeiro lugar houve um incremento naprodução e circulação, contudo em pequenaescala. Os vídeos ou películas ficcionaisainda superam a produção dos documentá-rios. Sobre o potencial estético as histó-rias continuam a serem contadas agora comuma mistura de vários dispositivos ou sejauma combinação de elementos de vários ti-pos de recursos gráficos como a animaçãográfica para construir as narrativas, o que po-demos considerar como uma maneira de ob-ter recortes do real. As mudanças narrativasdos documentários vêm acompanhando te-mas polêmicos como os problemas sociais,econômicos e culturais ao utilizarem cada

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vez mais temas cotidianos, de denúncias so-ciais e de violência das cidades.

No tema produção e circulação, a Internete suas plataformas digitais, principalmenteo You Tube têm contribuído bastante para oacesso e produção bem como para janelasde exibição. Os festivais se incrementaramem Manaus e o Amazon Film Festival é atu-almente um dos responsáveis por fazer essacirculação embora não tanto da produção lo-cal. Alinhava-se o seguinte: uma políticacultural do Estado mais atuante ainda é sefaz necessária e uma intervenção maior daacademia também.

No olhar do poder e intervenção social dasminorias como temáticas dos ciberdocumen-tários os temas sociais e reinvidicatórios têmsido as tônicas dominantes mas sempre embusca de “filmar o real”. Acerca de apro-ximações do gênero televisivo- reportagensessa ponte tem sido estreitada cada vez mais.Em resumo, através da fusão de linguagense dos mais variados suportes e plataformasdigitais a busca do real permanece nos ciber-documentários mediante o predomínio de te-máticas para abordar os problemas e vivên-cias cotidianos.

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