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INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GESTAÇÃO (ABORTAMENTO VOLUNTÁRIO) Desde há muito, e porque não dizer desde o início da vida em sociedade, a raça humana convive com a prática da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG). Nas diferentes sociedades e nos diferentes períodos da história esse comportamento esteve sempre calcado sobre três grandes pilares: a moral, a religião e a lei. Por se tratar de assunto extremamente delicado ao envolver os três aspectos citados, os quais têm uma variabilidade grande dentro do planeta em que vivemos, encontramos, conseqüentemente, diferentes posições quanto à aceitabilidade ou não da IVG nos ordenamentos jurídicos dos Estados que constituem o globo terrestre. Entendendo-se o abortamento como comportamento social de ocorrência diuturna e universal procedeu-se a uma pesquisa literária objetivando verificar como se comportam os ordenamentos jurídicos em quatorze Estados do leste europeu, Estados Unidos da América do Norte e nove Estados do Caribe, América Central e do Sul bem como o Brasil no que se refere ao abortamento e, em especial, à IVG. No mundo existe, atualmente, um grande número de Estados que recepcionam no seu ordenamento jurídico a IVG. Verificou-se ainda a existência de um grande número de países onde, mesmo sendo condenado pela religião e não recepcionado pelo ordenamento jurídico este procedimento é realizado de forma clandestina elevando os riscos já existentes daquelas mulheres que a ele se submetem através de pessoas despreparadas técnica e estruturalmente. Surge, daí, que a permissividade em relação à IVG está relacionada ao amparo dado à mesma pela legislação vigente assim, países permissivos respaldam-na através de normas específicas. Alguns países onde a permissividade está presente condicionam a IVG a determinadas situações ou prazos. estes são denominados condicionantes. Neste aspecto constatou-se como evoluíram os ordenamentos jurídicos nos Estados permissivos nas últimas décadas, que evolução ocorreu no Estado que mais influência exerce sobre os outros no globo terrestre, principalmente após o movimento social ocorrido na década de setenta quando do surgimento e proliferação dos grupos “hippies” com sua filosofia naturalista e pacifista de “paz e amor”. Deu-se enfoque também, pela importância

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INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GESTAÇÃO

(ABORTAMENTO VOLUNTÁRIO)

Desde há muito, e porque não dizer desde o início da vida em sociedade, a raça

humana convive com a prática da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG). Nas

diferentes sociedades e nos diferentes períodos da história esse comportamento esteve

sempre calcado sobre três grandes pilares: a moral, a religião e a lei.

Por se tratar de assunto extremamente delicado ao envolver os três aspectos citados,

os quais têm uma variabilidade grande dentro do planeta em que vivemos, encontramos,

conseqüentemente, diferentes posições quanto à aceitabilidade ou não da IVG nos

ordenamentos jurídicos dos Estados que constituem o globo terrestre.

Entendendo-se o abortamento como comportamento social de ocorrência diuturna e

universal procedeu-se a uma pesquisa literária objetivando verificar como se comportam os

ordenamentos jurídicos em quatorze Estados do leste europeu, Estados Unidos da América

do Norte e nove Estados do Caribe, América Central e do Sul bem como o Brasil no que se

refere ao abortamento e, em especial, à IVG.

No mundo existe, atualmente, um grande número de Estados que recepcionam no

seu ordenamento jurídico a IVG. Verificou-se ainda a existência de um grande número de

países onde, mesmo sendo condenado pela religião e não recepcionado pelo ordenamento

jurídico este procedimento é realizado de forma clandestina elevando os riscos já existentes

daquelas mulheres que a ele se submetem através de pessoas despreparadas técnica e

estruturalmente.

Surge, daí, que a permissividade em relação à IVG está relacionada ao amparo dado

à mesma pela legislação vigente assim, países permissivos respaldam-na através de normas

específicas. Alguns países onde a permissividade está presente condicionam a IVG a

determinadas situações ou prazos. estes são denominados condicionantes.

Neste aspecto constatou-se como evoluíram os ordenamentos jurídicos nos Estados

permissivos nas últimas décadas, que evolução ocorreu no Estado que mais influência

exerce sobre os outros no globo terrestre, principalmente após o movimento social ocorrido

na década de setenta quando do surgimento e proliferação dos grupos “hippies” com sua

filosofia naturalista e pacifista de “paz e amor”. Deu-se enfoque também, pela importância

decorrente das raízes em relação ao idioma e à colonização, a alguns Estados da América

do Sul, signatários ou não do Tratado do Mercosul, mas que têm a religiosidade firmada

basicamente no cristianismo, em especial o catolicismo.

A escolha deste tema teve por motivo o fato de ser considerado polêmico

socialmente em decorrência do tripé básico que o mantém e, principalmente, por se

entender que a evolução do comportamento da mulher na sociedade não é mais o mesmo

de décadas e séculos passados, exigindo do legislador modificações relacionadas à

propositura de novas leis bem como readequação das vigentes.

Este comportamento social feminino exige da igreja um entender que a evolução é

inexorável e que a sua função é fornecer importantes elementos balizadores do proceder

humano em sociedade sem, contudo, querer aplica-los tendo como base única o indivíduo

no seu âmbito religioso esquecendo-se do ser social que o homem é.

Diante de tais pensamentos dar-se-á uma noção tecnicamente médica sobre o que é

o abortamento, quais as suas principais classificações dentro da medicina, bem como

discorrer-se-á sobre as implicações médico-legais do abortamento e as repercussões na

saúde presente e futura da mulher que se submete a esse procedimento, vez que versa esta

monografia sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez ou seja; aquele abortamento

realizado por médico ou não, com a vontade manifesta da paciente, em qualquer fase da

gestação uma vez que o direito, ao contrário da medicina, não discrimina a expulsão não

espontânea do concepto desde que o resultado morte esteja presente.

Verificar-se-ão no desenvolver deste dados estatísticos relacionados ao abortamento

em vários Estados, mesmo aqueles não relacionados especificamente ao tema uma vez que

estes, isoladamente, não têm sido publicados na literatura médica e/ou doutrina legal.

Faz-se uma análise da evolução do ordenamento jurídico pátrio no quarto capítulo

bem como se mostram os vários projetos apresentados na última década objetivando uma

maior amplitude no alcance social das normas vigentes sobre o tema.

No último capítulo faz-se uma incursão na jurisprudência pátria verificando-se as

incidências da IVG bem como o embasamento jurídico para a ISG em casos específicos.

CAPITULO I A VIDA HUMANA

La vida humana es un derecho de aquel al cual pertenece. Se trata de un derecho subjetivo suyo y la vida intrauterina es un bien jurídico. Si esa vida pertenece al ser que vive en el seno materno ha de pensarse sin duda que ese mismo ser titulariza el derecho a gozar de ese bien que es suyo, que se llama vida. Es así que lo jurídico no debe desentenderse de ninguna realidad viviente-humana, porque es el producto del hombre para el hombre. Nacer no es comenzar a vivir, sino salir al mundo exterior después de que se haya adquirido el desarrollo necesario. La criatura es anterior al nacimiento. (Jurisprudência argentina)

No direito pátrio, assim como nos ordenamentos jurídicos analisados, o direito à

vida é o ponto básico de partida para a aquisição dos demais direitos pelo indivíduo

humano.

A Constituição Federal brasileira, promulgada em 05 de outubro de 1988 no seu

artigo 5.º, caput, determina:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos: (...) [grifa-se]. No seu inciso XLI impõe: a lei punirá qualquer discriminação atentatória aos

direitos e liberdades fundamentais.

Trata, assim, o assunto em pauta, de um direito fundamental e inalienável do

indivíduo do qual derivam todos os demais direitos adquiridos, necessários e

imprescindíveis para uma perfeita vida em sociedade. O direito, através da normatização

das regras de convivência, proporciona um relacionamento harmônico entre o indivíduo

e a sociedade bem como a punição daqueles que, por seu comportamento anti-social,

lesam o bem maior. Desta maneira o direito culmina o seu objetivo de justiça social.

Cabe aqui relembrar os ensinamentos do grande mestre Miguel REALE ao

discorrer sobre a tridimensionalidade do direito. Afirma o professor na sua Teoria

Tridimensional do Direito que:

a) onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, um fato subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica etc.); um valor, que confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo; e, finalmente, uma regra ou norma, que representa a relação medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor;

b) tais elementos ou fatores (fato, valor e norma) não existem separados uns dos outros, mas coexistem numa unidade concreta;

c) mas ainda, esses elementos ou fatores não só se exigem reciprocamente, mas atuam como elos de um processo (já vimos que o Direito é uma realidade histórico-cultural) de tal modo que a vida do Direito resulta da interação dinâmica e dialética dos três elementos que a integram1. Desta forma, cabe lembrar que a norma provém de um fato social, econômico, de

ordem técnica, geográfica, etc. devidamente valorado dentro do seio social. Não se

concebe a existência de qualquer norma sem que se perceba a necessidade social da

mesma pois ela regulará o conviver dos indivíduos em sociedade. Entende-se, assim, que

a norma advém da sociedade, existe para a sociedade e regula as relações sociais.

Tanto o proceder social reiterado pode levar à necessidade da existência da norma

como a existência da norma leva a um determinado proceder social estando os dois focos

sujeitos ao valor do proceder. Um proceder que tem valor social preponderante leva,

necessariamente, ao surgir de uma norma reguladora para determinar direitos e deveres,

sendo o contrário também verdadeiro; onde a existência de uma norma socialmente

imposta leva a um proceder social mais uniforme e condigno.

1 REALE Miguel. Lições Preliminares De Direito. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1987. p. 65

A vida do indivíduo não é determinada por nenhuma norma de origem social e

sim, e apenas, regida pela norma advinda da sociedade. Advém a vida das regras da

natureza onde todos, de forma natural, têm o direito à ela no seu sentido mais amplo.

Bioeticamente tem-se encontrado na literatura semelhança ao acima exposto com

relação ao pensamento do professor REALE. Guy DURANT2 diz que surge na atualidade

uma nova problemática em relação às abordagens tradicionais relacionadas à ética e à

vida em sociedade, bem como o viver. Afirma que a bioética deve ter por dever renovar

antigas regras e que abra novos caminhos, criando regras e princípios novos que sirvam

ao conjunto da ética e levem em consideração os seus diversos campos de preocupação.

Assim como o mestre REALE na sua Teoria Tridimensional do Direito, o autor

citado mostra que bioeticamente as normas surgem da aplicação dos princípios sobre

àquilo que a sociedade valoriza, como se verifica no esquema abaixo:

Valores... que são a categoria do bem e indicam atributos do Ser.

Princípios... que dão as grandes orientações, que fixam as atitudes.

Regras... que determinam a ação, que organizam a decisão.

Ilustrando o acima descrito observa-se o providencial esquema abaixo inserido,

tendo como exemplo o valor “vida” no que se refere a um enfermo.

Valores... – vida

- caráter sagrado da vida

- autonomia da pessoa

Princípios... - respeito pela vida

- proibição de matar

- autodeterminação

Regras - exigência de usar os meios proporcionais

- informação ao doente 2 DURANT, Guy. A Bioética: natureza, princípios, objetivos. São Paulo: Paulus, 1995. p. 54 – 55.

Verifica-se desta forma que:

A palavra norma é mais geral: ela aplica-se melhor ao nível dos princípios do que ao plano das regras. Quase sempre a norma é percebida ou apresentada como uma espécie de tabu ou de um imperativo categórico: ela está lá, ela se impõe, sem que se saiba exatamente de onde veio e porque está lá. Sem entrar em polêmicas, pode-se dizer, parece-me, que habitualmente as normas (princípios e regras) estão a serviço de valores que os traduzem em termos operacionais. As duas realidades não se opõem: elas se completam e se remetem uma à outra; a norma conduz ao valor, o valor se traduz em norma.3 Em se tratando do assunto vida faz-se importante ressaltar que o princípio básico

que sempre deverá vigir tanto no viver diário como na criação de normas sociais é o do

“primum non nocere”. Em se respeitando esse princípio básico ao se manejar questões

inerentes ao viver, à criação de novas vidas e à própria vida instalada, seja intra ou extra-

útero, estar-se-á obedecendo um princípio natural e universal em seu aspecto tão amplo

ao ponto de não encontrar barreiras sequer entre raças ou espécies.

Óbvio é que quando se propõe a discorrer juridicamente sobre este assunto

impreterivelmente advém a tona para participar dos embasamentos discursivos a

religiosidade, a moral e a ética. É exatamente esta multidisciplinariedade ecumênica que,

fazendo o assunto palpitante e irremediavelmente inesgotável, lança o desafio de não

ser este apenas mais um trabalho a criticar ou apoiar o abortamento não previsto na lei

nacional.

Faz-se mister ter-se uma pequena parcela de embasamento técnico em relação ao

assunto em pauta para que este, associado ao conhecimento jurídico, forneça as bases

necessárias para um juízo crítico, provido não apenas deste como ferramenta. Em assim

se procedendo poder-se-á dar à interpretação das normas a visão multidisciplinar

focalizada na ciência, na ética, no sentimento cristão o que, indubitavelmente, promoverá

verdadeiramente a justiça.

3 DURANT, Guy. Ob. cit., p. 55

1.1 CONCEITO DE VIDA

Os dicionários pátrios conceituam o vocábulo “vida” de diversas maneiras como

se pode verificar na citação abaixo4.

Vida s.f. (Do latim vita )1. Característica própria aos seres vivos que possuem estruturas complexas (macromoléculas, células, órgãos, tecidos), capazes de resistir a diversas modificações, aptos a renovar, por assimilação, seus elementos constitutivos (átomos, pequenas moléculas), a crescer e reproduzir.2. Conjunto de condições e características da existência próprias a um tipo de ser vivo. 3. O período existente entre o nascimento e a morte; existência. 4. Maneira de viver própria a um grupo, caracterizada por um conjunto de condições sociais, econômicas e culturais, históricas, etc. 5. Duração da existência humana; conjunto de acontecimentos que sucedem nesta existência. Os conceitos supra também podem ser também obtidos em qualquer dicionário da

língua portuguesa pois os conceitos da vida serão sempre os mesmos enquanto os padrões

de vida se modificam com as transformações da sociedade. Para o desenvolver deste

trabalho considerar-se-á a definição de vida como o espaço de tempo decorrido entre a

geração e a morte do indivíduo, pois no conceito biológico a vida de inicia quando da

união do material genético masculino com o feminino, o que ocorre na fecundação.

É ponto pacífico nos diversos ordenamentos jurídicos pesquisados que o início do

processo biológico denominado vida humana tem seu apogeu com a fusão dos

pronúcleos masculino e feminino, respectivamente do espermatozóide e do óvulo.

Teorias existem que procuram determinar que a partir do momento em que ocorre

a fusão do material genético feminino com o masculino forma-se um pró-embrião que

neste estado permanecerá até o momento em que ocorrer o processo biológico

denominado nidação. Embasando-se neste argumento alguns Estados despenalizam o

abortamento proporcionado nesta época. Como exemplo tem-se a França onde é liberado

o uso da chamada “pílula do dia seguinte”, conhecida no Brasil como “contracepção de

emergência”.

4 GRANDE ENCICLOPÉDIA LAROUSSE CULTURAL. Vida. São Paulo: Universo (Circulo do Livro), 1988, p. 6061

Esta concepção tem na atualidade o seu valor decorrente do avanço tecnológico da

medicina o que proporcionou a inúmeros casais inférteis a possibilidade da fertilização in

vitro e outras técnicas para fertilização do óvulo fora do corpo da mulher. Decorrente

da indução da ovulação por modernas drogas que o fazem de uma maneira bastante

perdulária uma vez que dezenas de óvulos são liberados durante o processo de ovulação e

estes, fecundados, são posteriormente selecionados e, os não implantados, congelados

para posterior utilização. Caso esta utilização não ocorra serão, após algum tempo,

“descartados”, como ocorreu na Inglaterra há alguns anos tendo sido esta situação por

demais comentada e investigada devido ao crescimento no planeta da Bioética e do

Biodireito.

No entanto, é por demais conhecido dentre as religiões cristãs que a fecundação

corresponde ao inicio da vida- não se está aqui perquirindo a existência ou não da alma e,

consequentemente, o momento da sua inserção na forma de vida que está evoluindo pois,

nessa situação, o prisma do estudo deveria ser outro.

No que se refere ao aspecto legal percebe-se, pela doutrina, que a vida de qualquer

indivíduo da espécie humana se inicia ao nascer vivo, o que pode ser observado no artigo

4.º da Lei n.º 3.071 de 1.º de Janeiro de 1916 “A personalidade civil do homem começa

com o nascimento com vida: mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do

nascituro”.

Mesmo antes de haver sido seccionado o cordão umbilical pelo obstetra ou pela

parteira, desde que o vagido tenha sido ouvido ou a inspiração preenchido os alvéolos

pulmonares, considera-se que, legalmente, a criança nasceu com vida. Passa, assim, o

rebento a ser sujeito de direito com a expansão pulmonar, independentemente de ser um

indivíduo saudável, prematuro, sindrômico, deficiente ou dentro dos parâmetros de

normalidade física e/ou psíquica.

Afirma-se na doutrina jurídica que o fator determinante do início da vida é o

nascer vivo conforme constatado no diploma legal citado acima. Se analisarmos o

indivíduo como um ser determinado pela lei veremos que ele só passa a existir no mundo,

para aquela, através da Declaração de Nascido Vivo a qual é o primeiro documento no

qual se embasa o Cartório de Registro Civil para emitir a Certidão de Nascimento, base

para a obtenção de todos os outros necessários à vida do cidadão.

Segundo IVES GANDRA:

Expressão salvar a vida da gestante, significa uma ordem de preferência para a vida já instituída, isto é, para aquele que já adquiriu o atributo personalidade e, portanto, atingiu inquestionavelmente a qualidade de pessoa, com a preterição do estado potencial (produto da concepção).5

Afirma ainda que:

este entendimento já era adotado em tempos medievais como opinavam Zacchia e Coreriu: Non punitor si judicio medicorum alieter non potest mater salvare... Pro salute mulieris excusatur. Assim, entende o legislador que existe, inquestionavelmente, um critério de

valoração da vida juridicamente, ou seja; a vida extra-uterina tem predominância

valorativa sobre a vida biológica em desenvolvimento intra-útero. Esta predominância, é

óbvio, estabelece-se a partir do momento em que entram em choque os interesses da

gestante e os do embrião (feto). Este é o grande ponto da discussão do tema que se

propõe a desenvolver.

Desta forma, a legislação protege como vida apenas a extra-uterina definindo que

o direito à vida é inalienável iniciando com a aquisição da personalidade a qual, por sua

vez, ocorre ao nascer com vida. O termo personalidade verbete Jur. Aptidão, reconhecida

pela ordem jurídica, para exercer direitos e contrair obrigações, que, por sua vez

provém da palavra pessoa Jur. Ser ao qual se atribuem direitos e obrigações.

O professor José Afonso da SILVA, ao comentar sobre o direito à vida e à

intimidade tendo a vida como objeto do direito demonstra que no texto constitucional a

proteção ampla que a mesma determina não se restringe o direito à vida apenas no

aspecto biológico pois:

5 Artigo disponível em: http://www.neófito.com.br

(...) é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura mantendo sua identidade, até que muda de qualidade, deixando, então, de ser vida para ser morte. Tudo o que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a vida.6 Apoiado em RECASENS, argumenta ainda o douto professor:

Todo ser dotado de vida é indivíduo, isto é: algo que não se pode dividir, sob pena de deixar de ser. O homem é um indivíduo, mas é mais que isto, é uma pessoa”.7 [Continua o grande mestre na obra citada]: “A vida é intimidade conosco mesmo, saber-se e dar-se conta de si mesma, um assistir a si mesma e um tomar de posição em si mesma” 8. Por isso é que ela constitui a fonte primária de todos os outros bens jurídicos. O que se observa na doutrina e legislação atual é uma nítida separação dos direitos

em fases distintas do mesmo processo. Quando o ser ainda se desenvolve no ventre

materno (...) a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro os quais não

têm inseridos no seu bojo o direito à vida. Este direito passa a fazer parte de uma forma

insofismável e definitiva ao nascer com vida como determina a primeira parte do artigo

4.° do Código Civil brasileiro.

O direito à vida, conforme afirma José Afonso da SILVA, traz consigo direitos

outros de forma indelével e inalienável como:

Direito à existência (direito de estar vivo, de lutar pelo viver, de defender a própria vida e de permanecer vivo). É o Direito de não ter interrompido o processo vital senão pela morte espontânea e inevitável.

Direito à integridade física. Agredir o corpo humano é um modo de agredir a vida, pois esta se realiza naquele. A integridade físico-corporal constitui, por isso, um bem vital e revela um direito fundamental do indivíduo.9

Direito à integridade moral. A vida humana não é apenas um conjunto de elementos materiais. Integram-na também valores imateriais, como os morais. O

6 SILVA, José Afonso da. Curso De Direito Constitucional Positivo. 4. ed. Rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p. 428 7 Apud SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 4. ed. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. 8 Id. Ibid., .p. 60 9 Id. Ibid., p. 429

elemento moral, em sua dimensão social, é um valor a que a Constituição empresta muita importância, não raro superpondo-o acima de outras garantias; assim, por exemplo, não aceita publicações contrárias à moral e aos bons costumes (art. 153,§ 8.º), não admite liberdade de cultos religiosos em desacordo com os bons costumes (§ 5,º). A moral individual, a honra pessoal, o bom nome, a boa fama, a reputação integram a vida humana, como uma dimensão imaterial. São atributos, sem os quais a pessoa fica reduzida a uma condição animal de pequena significação.10

Direito à intimidade. O Direito à vida privada, o direito à intimidade (direito de estar só) como decorrência do direito da personalidade que, por sua vez, se integra no direito à vida, constitui, daí, um direito fundamental, assegurado na Constituição, em seu sentido genérico, como um componente deste último, e é, em caos específicos, garantido na forma da inviolabilidade do lar e do sigilo da correspondência.11

Entende-se ser a vida um processo biológico com princípio, desenvolvimento e

fim, o qual obedece, insofismavelmente, as leis da natureza mas que pode sofrer, em

qualquer de suas etapas, interferência do indivíduo humano. Independente dos motivos

que levam a esse proceder intra-específico, onde irá ocorrer agressão ao que “está por

vir”, esta agressão estará ocorrendo intra-especificamente, situação inadmissível moral e

eticamente em uma sociedade evoluída. Filosoficamente, embasado no entender de

HABERMAS12 que eleva a unicidade do ser, tem-se a certeza de que a vida é inviolável.

O direito pátrio positivado, porém, valora diferentemente a vida intra-uterina da extra-

uterina fazendo uma “cisão ficta” no processo que tem início, desenvolvimento e fim.

Determina o artigo 4.° do Código Civil uma “suspensão” de direitos daquele que

nascerá como o faz em relação aos procedimentos e atos processuais. A norma positivada

determina que aquele que se move no ventre materno terá personalidade e, portanto,

estará vivo para o “mundo jurídico”, apenas após nascer com vida. Desta forma o direito

faz uma “cisão ficta” no processo contínuo que é a vida e determina que os direitos só

podem ser pleiteados a partir daquele marco (introdução no mundo jurídico).

Entende-se, desta forma, que não pode o legislador diferenciar a vida intra-uterina

da extra-uterina facultando o fim da primeira em qualquer que seja o motivo, exceto

10 Id. Ibid., p. 430-431 11 SILVA, José Afonso da. Ob. cit., p. 431 12 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia, entre facticidade e validade. Tempo Brasileiro

quando a mãe corre risco de vida. Nesta situação é inquestionável que morrendo a mãe,

via de regra, morrerá o embrião.

A vida, no nosso modesto parecer, corresponde a um conjunto de reações e

processos orgânicos ininterruptos e interrelacionados os quais se iniciam com a

fecundação e findam com a morte. Está-se aqui se referindo à morte biológica a qual, por

sua vez, tem o condão de determinar a morte civil.

Há, dentro da doutrina pátria, quem afirme não ser o embrião pessoa humana e

sim potência de pessoa humana e, desta forma, ainda não o sendo, é passível de atos que

provoquem o interromper do seu desenvolvimento. Este não é o nosso entender. Assim,

torna-se necessário o entendimento do que é "pessoa humana" nos seus conceitos básicos,

diferencia-la de “ser humano” para que se possa avançar no tema proposto neste trabalho.

1.2 O SER HUMANO

Ao serem analisados em estágios iniciais de desenvolvimento embriões como o da

salamandra e o do homem observa-se serem extremamente semelhantes na sua

morfologia, ou seja; no seu aspecto morfobiológico. O que pode levar a primeira vista o

incorrer em erros aqueles que não creditam ao embrião humano a característica da vida.

Ao se observar a morfologia do embrião incorre-se no falso julgamento uma vez que suas

características morfológicas em muito pouco podem lembrar o ser humano do nosso

convívio diário. A única forma inequívoca de se identificar um embrião e determinar a

que espécie pertence é, indubitavelmente, a identificação do seu “mapa genético”, ou seja

o seu Ácido Desoxirribonucleico (ADN).13

Na espécie humana este “mapa genético” é caracterizado pela presença de

quarenta e seis cromossomas (vinte e três pares) nas células somáticas e apenas vinte e

três cromossomas não pareados nas células germinativas. Nas células somáticas

13 O ácido desoxirribonucleico (ADN ou DNA) teve sua estrutura descrita pela primeira vez no ano de 1953 pelos pesquisadores WATSON e CRICK. A sigla DNA corresponde às iniciais em língua inglesa do ácido desoxirribonucleico.

encontram-se vinte e três pares correspondendo a vinte e três cromossomas maternos

emparelhados aos vinte e três cromossomas paternos advindos da fecundação do óvulo

pelo espermatozóide.

Apenas a presença de vinte e três cromossomas em uma célula reprodutora não

caracteriza um indivíduo da espécie humana mas sim a seqüência de nucleotídeos14 na

cadeia de ADN desses cromossomas. De forma mais simplificada o cariótipo (disposição

dos pares de cromossomas de uma célula obtidos por microscopia eletrônica) de um

indivíduo pode dar informações precisas se ele pertence ou não á espécie humana.

Assim sendo para se identificar biologicamente se um indivíduo é ser humano ou

não deve-se ter como ponto de partida o seu material genético (ADN).

Este método (ADN) é o utilizado para determinação da paternidade bem como

para o elucidar de casos de estupro e assassinatos pela perícia técnica e dão índices de

acerto que em muito se aproximam dos cem por cento. É, na atualidade, um exame

necessário para a confirmação ou exclusão da paternidade e que, embora extremamente

expensivo, é condição para o prolatar da sentença judicial, o que é demonstrado pelo

patrocínio do Estado nos casos onde o investigado não tenha condições financeiras para

realizar o exame.

Desta forma, entendido que biologicamente o ser humano tem uma cadeia de

ADN que lhe é típica tal qual a impressão digital do indivíduo ou mesmo a imagem

fotográfica do seu fundo de olho (retina), pode-se, agora, fazer uma pequena e

superficial incursão filosófica para conceituar a pessoa humana.

1.3 A PESSOA HUMANA

Em 1967, o relatório publicado pela Conferência Internacional Sobre o Aborto,

estudo patrocinado pela Harvard Divinity University e pela Kennedy Foundation

afirmava que a presença da pessoa humana, sob o ponto de vista médico, biológico e

14 Conjunto formado pela desoxirribose (açúcar), base nitrogenada e fosfato e que constitui elemento básico para a constituição do DNA.

El grado de civilización de una sociedad, de una época, depende del modo de disponer y disciplinar estas interferências entre sujetos personales, los cuales deben predisponerse en actitudes que no sólo respeten la persona, sino que favorezca el desarollo de la personalidad. Caberia aqui uma pergunta: pode-se conceber a existência de uma pessoa humana

sem a vida?

Segundo GONELLA a teoria clássica da pessoa existe em função de uma doutrina

da vida. GHIRARDI (ob. cit.) afirma:

La vida no es sólo propiedad fundamental de la persona sino que les es naturalmente consubstancial. De aquí el derecho a la vida sea reconocido por los sistemas jurídicos como un derecho esencialíssimo de la persona humana. Cuando se arroja una mirada a los derechos que inspira la noción de persona, surge de inmediato el recuerdo de que el compuesto humano está constituido por dos principios: la materia y el espíritu. Llamo la atención sobre el punto: no se trata de dos elementos separables, sino de dos principios. Y, en consecuencia, al tratar de enumerar los derechos fundamentales de la persona inspirados por esta concepción, caben dos ángulos: el biológico y el espiritual.18

18 Id. Ibid., p. 39

Pode-se esquematizar o pensamento de GHIRARDI (obra citada) da maneira

abaixo:

Fonte: Olsen A. GHIRARDI, La Persona Humana Antes del Nacimiento, p. 39

Pode-se verificar pelo esquema acima que o primeiro direito do ser humano no

sentido biológico é, insofismavelmente, o direito à vida. Como afirma GHIRARDI:

El derceho a la vida no significa vivir solamente hoy, vivir un período determinado, sino toda la vida, desde la concepción hasta la muerte. El derecho a la vida implica, fundamentalmente, el derecho a la continuidad de la vida. Incluye el derecho a oponerse a la interrupción de ella en cualquiera de sus extremos y en cualquier segmento.19 A teoria pactista de JOHN LOCKE é considerada a pedra angular das normas e

estas são caminhos por onde deve seguir a conduta humana, assim sendo: La persona es

definida en la norma y es lo que ésta dice que es. A lo sumo, deja margen para una labor

de interpretación, cuyo horizonte no va más allá del caso concreto.20

O professor MIGUEL REALE ao discorrer sobre o tema21 relembra que:

19 GHIRARDI, Olsen A., Ob. cit., p. 40 20 Id. Ibid., p. 41 21 REALE, Miguel. Lições Preliminares De Direito, 15 ed. São Paulo: Saraiva, 1987. p. 227.

DIREITOS FUNDAMEN

TAIS DA PESSOA

SER BIOLÓGICO

SER ESPIRITUAL

DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICO-BIOLÓGICA

DIREITO À LIBERDADE

DIREITO À HONRA

DIREITO À PRIVACIDADE

DIREITO À VIDA

Persona era a máscara usada pelos artistas no teatro romano – do qual, por sinal, não participavam mulheres – a fim de configurar e caracterizar os tipos ou “personagens” e, ao mesmo tempo, dar maior ressonância à voz. O símile é feliz pois a “pessoa” é a dimensão ou veste social do homem, aquilo que o distingue e o “apresenta” e projeta na sociedade, para que ele possa ser, de maneira autônoma, o que corresponde às virtualidades do seu ser individual. Pessoa é, por outras palavras, a dimensão atributiva do ser humano, ou seja, a qualificação do indivíduo como ser social enquanto se afirma e se correlaciona no seio da convivência através dos laços ético-jurídicos. [Continua o mestre em sua obra22]: A idéia de pessoa é fundamental tanto no domínio da Ética como no campo estrito do Direito. A criatura humana é pessoa porque vale de per si, como centro de reconhecimento e convergência de valores sociais. A personalidade do homem situa-o como ser autônomo, conferindo-lhe dimensão de natureza moral. No plano jurídico a personalidade é isto: a capacidade genérica de ser sujeito de direitos, o que é expressão de sua autonomia moral. Desta forma, para o mestre MIGUEL REALE “Personalidade todos os homens

têm, desde o nascimento”23, e esta pode ser considerada, em sentido amplo, pré-requisito

para se ter capacidade. No entanto, a personalidade não determina necessariamente a

capacidade do indivíduo pois menores de quatorze anos, índios não civilizados, loucos e

dementes, dentre outros, têm personalidade porém são civilmente incapazes. [não existe

grifo no original]

A definição de pessoa foi diferentemente consubstanciada no decorrer do tempo

dentro da filosofia. Cita-se, por exemplo, os dizeres de BOÉCIO ao afirma que pessoa é a

naturae rationalis individua substantia.

Já para HARTMANN pessoa é “o ser que olha para o futuro, o ser previsor que

coloca fins, o ser atuante que, ao atuar, decide livremente e que, ao mesmo tempo possui

o sentido do valor e do desvalor...”24.

MAX SCHELER, contrapondo-se a BOÉCIO, afirma que a pessoa nada tem a ver

com a substantia ou com o sujeito uma vez que estaria ela no plano material do ato

“Pessoa é a concreta e essencial unidade de ser de atos de diferentes classes de essência,

22 Id. , ibid., p. 228. 23 Id. , ibid. 24 LLORENTE, Francisco Olmedo. A Filosofia Crítica De Miguel Reale. São Paulo: Convívio, 1985. p. 126

que em si antecede a todos os diferentes atos (percepção interior e exterior, querer,

pensar, sentir, amar, etc.)”.25

Immanuel KANT afirma em seus escritos prevalecer o aspecto ético e axiológico:

“a pessoa é um fim em si mesma e digna de respeito; nunca pode ser utilizada como puro

meio”.26

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) tem expressa com

fidelidade a máxima kantiana: “Age de tal maneira que trates a humanidade, tanto na sua

própria pessoa como na do outro, sempre como um fim e jamais como um meio ”.

Demonstra, desta forma, KANT que o tratar o outro como um fim significa reconhecer a

pessoa como um centro de alteridade e dignidade.

O filósofo acompanhando a tendência de alguns pensadores de seu tempo

diferenciou indivíduo (ser) de pessoa afirmava no concernente ao assunto que aquele

seria

(...) uma entidade psicofísica dotada de uma certa complexidade e de unidade que a torna distinta de outro indivíduo, assim, um cão é um indivíduo. A pessoa, ainda que seja, até certo ponto, também um indivíduo, já que também se constitui de um corpo e de uma estrutura psicofísica, não se reduz totalmente a essa estrutura. O indivíduo é limitado pelas suas características psicofísicas – o cão se submete totalmente à sua condição psicofísica de cão – enquanto a pessoa tira de si mesma suas determinações. Por isso, a pessoa é sobretudo liberdade, pois ela é capaz de se autodeterminar27. Quando se trata de estudar e definir a pessoa humana pesquisa-se a metafísica a

antropologia jurídica e voltam-se as conclusões para a Filosofia do Direito, como pode-se

verificar pelo citado por GHIRARDI:

Inútil es decir que, a la hora de interpretar un texto legal, en mi ánimo pesará siempre la definición clásica, especialmente si hay ruídos de fondo. Hacerlo de outra manera significaría una renuncia a mis convicciones más profundas. Y toco

25 Id., ibid. p. 126 26 Id. Ibid. 27 HRYNIEWICZ, Severo. Para Filosofar – Introdução à Filosofia. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 1997. p. 233-234.

Torna-se óbvio que a virtualidade da personalidade do embrião está

inexoravelmente fadada à materialidade da mesma uma vez que todos os elementos

necessários para a sua manifestação estão contidos no concepto e se desenvolvem

juntamente com ele a ponto de, quando do seu nascimento, mesmo sem haver completado

as quarenta semanas, reconhece o ordenamento jurídico a sua condição.

LACADENA, J. J. já afirmava em sua obra: el hombre es persona desde el

primer momento.32

Conforme afirma Marciano VIDAL em sua obra Bioética (1989):

De una moral naturalista es necesario pasar a una moral en la que el criterio fundamental sea la persona. Ahora bien, la compressión normativa de persona es necesario entenderla dentro de una visión integral. La moral del futuro está buscando un concepto de totalidad que abarque todo: La dignidad y el bienestar del hombre en cuanto persona, en su relación esencial para com Dios, para com el hombre y para com el mundo que le rodea. Vê-se aqui que a alteridade é o fator preponderante para o entendimento ao

respeito à pessoa e à vida humana.

O entendimento dos posicionamentos acima descritos no concernente à

personalidade humana tem uma guinada vertiginosa quando procura-se examinar, à luz

do direito atual, o resultado oriundo dos avanços biotecnológicos como a FIVETE33

(Fertilização "in vitro" e Transferência de Embriões) por exemplo.

1.4 AS TEORIAS SOBRE A VIDA

Duas teorias procuram estabelecer o momento exato da aquisição da

personalidade pelo novo ser, uma afirmando que a aquisição da personalidade deve ser

32LACADENA J. J.. LA Fecundación Artifical: ciencia Y ética. Madrid: Cavarrubias, 1985. p. 48. 33 Técnica utilizada na área da medicina para casais inférteis onde existe uma impossibilidade da mulher de engravidar pelas causa mais diversas como também pela dificuldade masculina no concernente à baixa concentração de espermatozóides no sêmen ou mesmo pela esterilização anterior (vasectomia). Esta técnica colhe tanto os óvulos como os espermatozóides através de técnicas especiais e realizam a fecundação em laboratório sendo os ovos, posteriormente inseridos no útero para proporcionar o seguimento da gestação.

europeus e americanos do norte onde se procura fundamentar o ato abortivo no "direito à

intimidade" (Rigths of Privacy) e "direito ao próprio corpo".

Para o professor Moisés TRACTEMBERG37 o ser humano é corpo e ao mesmo

tempo mente, consciência. Para esse pesquisador, cujas conclusões são derivadas da

análise de ultra-sonografias, o indivíduo passa a existir a partir do momento em que se

forma o seu "ego", o que se dá por volta do quarto ou quinto mês de gestação. Afirma o

autor citado que passa a existir a partir desse momento uma "mente consciente" que é

caracterizada por uma atividade mental que tem consciência de si e do próprio ambiente

que cerca o feto.

Através do estudo do sistema nervoso central (SNC) do feto e do embrião é que o

professor TRACTEMBERG iniciou a formulação da sua

teoria uma vez que verificado que em um embrião de oito semanas o peso do SNC

correspondia a 25% do total, que em uma gestação a termo (40 semanas) este peso

decairia para 15% enquanto que em um adulto o peso do SNC corresponde a apenas 3 a

5%. Verificou ainda que já com 12 semanas o feto responde com taquicardia (aceleração

dos batimentos cardíacos) ao som de uma buzina acionada em contato com o ventre

materno. Este teste é hoje utilizado como fator preditivo de comprometimento fetal e é

realizado nos exames ambulatoriais de consultas pré-natais.

Desta forma, verifica-se que a própria ciência médica procura também demonstrar

que o início de uma gestação não significa necessariamente a existência de uma pessoa

humana uma vez que o "ego" incorpora-se ao feto após o quarto mês.

Como afirmam DINIZ e ALMEIDA No entanto, não são os dados evolutivos da

fisiologia fetal que decidem quando se pode ou não abortar, mas sim os valores sociais

concedidos a cada conquista orgânica do feto38. O que demonstra ser o abortamento um

proceder do indivíduo por uma causa iminentemente social. Seja ela solitária (motivos

que dizem respeito ao próprio indivíduo, como a sua autonomia de vontade) seja ela

comum (motivos que dizem respeito a um segmento ou toda a sociedade como o estupro,

a superpopulação, gravidez em religiosas, etc.).

37 REVISTA DIÁLOGO MÉDICO, ano 14 – n. 8 – Novembro de 1999. Indústrias Farmacêuticas ROCHE 38 DINIZ, Débora e ALMEIDA, Marcos de. In: Iniciação À Bioética, 1998. p 135.

O professor José Afonso da SILVA, ao tecer considerações acerca do direito à

vida, reconhece a dificuldade de uma definição, como se constata na seguinte leitura: Não

intentaremos dar uma definição disto que se chama vida, porque é aqui que se corre o

risco de ingressar no campo da metafísica suprarreal, que não nos levará a nada.39

Ao desenvolver este tema sabe-se da polêmica que o mesmo poderá gerar face às

diversas definições e conceitos do vocábulo em questão, bem como à gama enorme de

situações e fatos, legais e ilegais, aos quais o mesmo encontra-se ligado.

Cita o jurista HÉLIO BICUDO40:

Sem dúvida, como salienta a professora Márcia Pimentel, PhD em genética humana, ela começa com a concepção, "pois, a partir do momento em que o óvulo é fecundado pelo espermatozóide, inicia-se uma nova vida, que não é aquela do pai ou da mãe, e sim a de um novo organismo que dita seu próprio desenvolvimento, sendo dependente do ambiente intra-uterino da mesma forma que somos dependentes do oxigênio para viver. Biologicamente, cada ser humano é um evento genético único, que não mais se repetirá. No âmbito religioso, especificamente dentro do catolicismo, religião

predominante no Brasil, a vida não se restringe ao período decorrido desde o nascimento

com vida até a sucumbência definitiva das atividades orgânicas. Crê-se na existência de

vida após a morte devidamente interpretado nas citações existentes nos diversos livros da

Bíblia. Outro fato de evidente importância na religião católica é o crer na existência de

uma alma a qual seria incorporada ao indivíduo no momento da concepção residindo

neste fato, talvez, o ponto mais forte do repúdio que o católico tem pelo abortamento41.

Estas situações claramente demonstram que o início da vida se dá dentro do

organismo materno, em condições naturais, e portanto, confirmam que os direitos da

pessoa que está sendo gerada já lhes são inerentes intra-útero sendo apenas formalmente

efetivados ao nascer com vida.

39 SILVA, José Afonso da. Ob. cit., p. 428. 40 Artigo disponível em: http://www.neófito.com.br 41 A religião que predomina no ocidente é a cristã a qual se fundamenta nos ensinamentos escritos no conjunto de livros denominado Biblia. No que se refere à vida a Biblia apresenta vários escritos que podem ser acessados pelo leitor como em Isaías 46:3, Juízes 13:5, Lucas 2:21, Jeremias 1:5, Hebreus 7: 9-10 dentre outros.

Veja-se o que afirma Carlos José MOSSO:

Quien afirma que antes de la anidácion no hay un ser humano, debería poder responder a que naturaleza pertenece el cigoto no anidado, si es un animal, un vegetal o un extraterrestre. Si dijera que es un animal, debería poder explicar en virtud de qué esse animal puede mutar de especie y convertirse en un ser humano después de la anidácion. Aún por la vía del absurdo podemos concluir que hay ya un ser humano cuando el espermatozoide penetra en el óvulo.42 Não há que se confundir o tema até o momento desenvolvido com as teorias de

SAVIGNY – teoria da fictio juris, teoria de GIERKE – teoria organicista ou real, teoria

de Maurice HAURIOU – teoria institucionalista entre outras uma vez que estas dizem

respeito à personalidade jurídica em especial e não apenas ao sentido de pessoa43. No

entanto, devido à sua importância para o direito, far-se-á mais adiante uma pequena

explanação sobre as diferentes teorias da personalidade.

É importante se observar que, nesta situação, contrapondo-se ao interesse jurídico

existente, embasado no artigo 5.º da CF/88 quando no seu caput determina a garantia da

vida, encontra-se o direito da gestante à intimidade e á privacidade ao próprio corpo.

Desta forma estabelece-se um distúrbio de interesses tendo por um lado um ser que está

sendo gerado através de um ato humano no ventre materno e, por outro lado, o

desinteresse da gestante em levar ao termo aquela gravidez por motivos que, para ela, são

relevantes. Este é, talvez, na atualidade, o termo crucial da discussão uma vez que pontos

de vista religiosos, legislativos e filosóficos conflitam-se isolada ou associadamente.

Pelo até o momento exposto, torna-se necessário enfatizar a impossibilidade de

confundir ou utilizar-se como sinônimos os termos “ser humano” e “pessoa”. Tornou-se

bastante claro na explanação supra que todos da espécie humana são seres humanos

porém não são, necessariamente,

pessoas. Para a personalização torna-se necessária a interação plena do ser humano com o

meio onde vive, a inter-relação com outros seres humanos e pessoas. A simples presença

42 "El Derecho nº 8986", de 23 de abril de 1996. 43 Para uma noção mais concreta sobre estas teorias, sugere-se a obra de Miguel REALE. Lições Preliminares De Direito. São Paulo: Saraiva, 1987. p. 229 – 245.

do ser humano no seio da sociedade não o faz pessoa mas sim a consciência e inter-

relação do mesmo no seio social são fatores determinísticos para tal. Torna-se necessária

a autodeterminação como “conditio sine qua non” para determinação da personalidade.

Segundo GOBSTEIN44 o que é condição necessária para que o embrião possa ter

a ele atribuídos direitos denomina-se consciência e afirma:

Porém, no processo que conduz à emergência da consciência, a sensibilidade surge como forma rudimentar do que será mais tarde a consciência de si reflexiva. É por isso que a definição do momento em que o embrião começa a sofrer determina o início do seu ser pessoal. ENGELHARDT45 afirma não ser o fato do ser humano pertencer à

espécie humana que atribui o homem o seu valor, mas a consciência, a racionalidade e o sentido moral de que são capazes os membros dessa espécie, embora também devessem ser considerados pessoas os seres que não pertencessem à espécie humana mas que apresentassem, no entanto, essas características. (não existe grifo no original) Afirma Eliane S. AZEVÊDO46 que

As discordâncias também não convergem para um ponto geral de aceitação total; muito ao contrário, as opiniões divergem e as sugestões de quando a vida humana se inicia buscam fundamentação no surgimento de estruturas em momentos diversos do desenvolvimento embrionário. Em 1979, o Ethics Advisory Board nos Estados Unidos da América do Norte propôs que o 14.° dia de gestação fosse considerado o inicio da vida, justificando ser este dia o final da fase de implantação. Para outros o 6.° dia, quando as células passam do estado de totipotência para o de unipotência, deve ser considerado o início da vida humana, porque a partir deste momento sabe-se se será formada mais de uma pessoa (gêmeos) ou uma única pessoa. Para outros, todavia, o momento divisório entre ser ou não humano é o

44 KEATING, Bernard. Estatuto do Embrião. In: Dicionário Da Bioética, HOTTOIS, Gilbert; PARIZEAU, Marie-Hélène (Org.). Lisboa: Instituto Piaget, 1998. p. 199 45 Id., ibid., p. 199. 46 AZEVEDO, Eliane S. Aborto. In: Bioética No Século XXI, GARRAFA, Volnei e COSTA, Sérgio Ibiapina F. Brasília: UnB, 2000. p. 89-90.

início da formação do sistema nervoso, ou seja, o início da vida cerebral, que o ocorre na 8.ª semana. Para outros, o marco é o surgimento do suco neural no 11.° dia. A Comissão Waller-Australia considera o aparecimento da linha primitiva. Para os que defendem este momento, a justificativa é que o aparecimento da linha primitiva é o sinal de que se começa a formar um só embrião. Antes desse momento, para os defensores dessa tese, não teria sentido falar da presença de um verdadeiro ser. Criou-se, assim, o termo pré-embrião para definir uma entidade não-humana sobre a qual se estaria permitindo a realização de pesquisas.47 Afirma ainda a autora citada48 que ENGELHARDT determina que

o recém-concebido não tem consciência, não tem racionalidade e não tem senso de moral e ainda que sendo estas características próprias das pessoas, quem não as tem não merece o reconhecimento de pessoa, e continua assim, nem todos os seres humanos são pessoas, e entre os não-pessoas estão os fetos, os recém nascidos, os retardados mentais graves e pessoas em estado de coma. Discorrendo ainda sobre o assunto continua a autora:

Para Singer, somente é pessoa quem possui autoconsciência, auto controle, sentido de presente e futuro, capacidade de se imaginar em relação aos outros, respeito pelos outros, além de ser capaz de comunicar-se e demonstrar curiosidade. A Declaração dos Direitos do Homem datada de 1948 e que, na realidade,

corresponde a uma adequação temporal da declaração de 1789 pode, segundo Gilbert

HOTTOIS49, proporcionar um recurso ambíguo não concludente no que se refere ao

assunto abortamento pois a afirmação em nível individual tende a entrar em conflito com

as “exigências do bem comum”.

Afirma em sua obra o autor supra citado:

47 Questiona-se se, de acordo com o texto acima citado, mesmo a ética tem dificuldade em determinar e afirmar que “Filho de peixe, peixinho é.”, ou seja, que a união de dois pró núcleos de células humanas (óvulo e espermatozóide) só pode originar um indivíduo da espécie humana? Ora, ao identificar o pré-embrião como “uma entidade não humana sobre a qual se estaria permitindo a realização de pesquisas.” estar-se-ia determinando a possibilidade de células humanas originarem seres não humanos. 48 AZEVEDO, Eliane S. Aborto. In: Bioética No Século XXI, GARRAFA, Volnei e COSTA, Sérgio Ibiapina F. Brasília: UnB, 2000. p. 90 49 HOTTOIS, Gilbert. Direitos do Homen. In: Dicionário Da Bioética, HOTTOIS, Gilbert; PARIZEAU, Marie-Hélène (Org.). Lisboa: Instituto Piaget, 1998. p. 165

Como compreender o artigo 350, que defende o “direito à vida” de “qualquer indivíduo”? Haverá quem queira ler nele uma interdição firme de qualquer aborto, sublinhando o termo vida; outros, acentuando o termo indivíduo, negarão que um embrião com alguns dias ou algumas semanas possa ser considerado um indivíduo propriamente dito. Porém, sê-lo-ia se surgissem outras dificuldades em virtude do direito à saúde (art.25): um embrião não tem o direito de nascer de boa saúde, sem deficiências? Baseada na proteccão dos indivíduos, a “Declaração Universal dos Direitos do Homem” não evoca a preservação do “bem comum”, embora esteja evidentemente subentendido desde 1789 (art. 4) que a minha liberdade pára onde começa a prejudicar o outro e que a idéia de um “contrato social” implica a consideração essencial do bem colectivo51. Pergunta então o autor citado: “A partir de que momento se torna mais importante

proteger o colectivo (isto é, de facto, os indivíduos também) violando os direitos de

certos indivíduos ou de certos grupos de indivíduos?”.

Na atualidade observa-se uma grande preocupação dos constitucionalistas no que

se refere à observância de princípios e regras constitucionais. Tal tendência tem como

centro a idéia de que no positivismo jurídico, como nos é ensinado por Kelsen, a

Constituição corresponde à norma mater e todas as demais normas são dela oriundas ou a

ela devem se submeter.

Ao adotar-se a teoria principialista cai, automaticamente, por terra a doutrina que

classificava as normas em preceptivas e programáticas onde a estas últimas lhes era

negado o caráter de força de lei.

Os princípios constitucionais têm como característica fundamental o poder de

serem critérios objetivos do processo de interpretação-aplicação do direito que podendo

ser invocados colmatam as lacunas porventura existentes na lei.

Constituem, portanto, os princípios constitucionais um segmento das normas

jurídicas que constituem o ordenamento jurídico. O ordenamento jurídico é composto,

ordinariamente, por normas jurídicas as quais, por sua vez, se diferenciam em regras e

princípios.

50 Refere-se à Declaração dos Direitos do Homem de 1948. 51 HOTTOIS, Gilbert. Direitos do Homen. In: Dicionário Da Bioética, HOTTOIS, Gilbert; PARIZEAU, Marie-Hélène (Org.). Lisboa: Instituto Piaget, 1998. p. 166

Duas teorias se apresentam na atualidade no concernente aos princípios frente à

Constituição: concepção forte e concepção fraca.

No concernente à concepção forte dos princípios tem-se como base que existe

uma distinção “lógica e quantitativa” entre os princípios e as regras.

No que se refere à concepção fraca dos princípios observa-se que afirmam os

autores não existir uma diferenciação clara entre princípios e regras. Os princípios,

segundo esta concepção não asseguram a solução justa nem mesmo eliminam a

necessária discricionariedade do julgador.

São, na atualidade, fortes representantes da teoria forte dos princípios Letizia

Gianformagio, Ronald Dworkin e Robert Alexy a qual tem uma forte aceitação pela

maioria dos doutrinadores.

Em se referindo aos princípios frente ao tema abordado neste trabalho observa-se

que fatalmente haverá colisão entre dois deles quando o assunto é a IVG. Colidem o

princípio do direito à manutenção da vida, do viver, do existir que é auferido ao nascituro

pela CF e o direito à autonomia, à liberdade, à privacy, ao determinar e gerir o próprio

corpo reivindicado pela gestante.

A colisão de dois direitos garantidos por princípios e regras constitucionais

determinam ao julgador um julgamento onde deverá o mesmo fazer a interpretação e

valoração de cada qual de per si. Tarefa árdua onde valores éticos, sociais, morais,

religiosos e legais confluem para o caso concreto e devem ser decantados e separados

fornecendo como produto final a justiça para o mesmo.

Quando dois princípios se conflitam ocorrendo a “colisão de princípios”

necessariamente, in caso, um deverá suplantar o outro. Observe-se entretanto que não

haverá jamais a invalidação do princípio suplantado mas apenas o seu preterimento

justificado frente ao outro princípio. Este preterimento justificado ocorrerá,

exclusivamente, no caso concreto. Fora do caso a ser analisado os princípios mantém

cada qual o seu valor e podem ser invocados a qualquer momento por qualquer do povo.

A preterição de um princípio em relação a outro tem como fulcro a “regra da

ponderação” onde o preterimento de um princípio em relação a outro só se justifica

quando o grau de importância de satisfação do princípio oposto é maior.

Segundo Robert ALEXY cuanto mayor es el grado de la no satisfación o de

afectación de um princípio, tanto mayor tiene de ser la importância da la satisfación del

outro52.

Ainda em referência aos princípios, com extrema propriedade afirma Letizia

GIANFORMAGIO que i principí non sono mai tra loro incompatibili: sono sempre tra

loro concorrenti53 e isto explica de forma clara a necessidade do preterimento de alguns

princípios em relação a outros.

Desta forma quando se verifica a existência de colisão entre os direitos do

nascituro de manter a sua existência, de ter um futuro que somente teria interferência das

ações oriundas da própria natureza de forma independente da ação humana e os direitos

da gestante relacionados à sua autonomia, deverá o julgador ter em conta as teorias dos

princípios pois ambos os direitos aqui pleiteados têm o respaldo da Constituição Federal.

Verifica-se que isolados os direitos acima citados não são conflitantes. Ao ver

deste acadêmico são, pelo contrário, dependentes uma vez que torna-se impossível falar-

se em direito à autonomia, direito ao próprio corpo, rigth of privacy, quando o postulante

a tais direitos não é provido de vida. Deste modo, o direito á vida, como posto pela

doutrina vigente, é anterior a quaisquer outros direitos fundamentais que, por sua vez, são

decorrentes daquele.

Não se quer afirmar que pela sua primogenitude deverá prevalecer o direito à vida

sobre qualquer outro direito. Quer-se, sim, que, ao interpretar a norma (regra ou

princípio) o julgador tenha para si que a mesma dignidade existente e determinada pelo

artigo 1°. III da Constituição Federal para a gestante, também existe para o nascituro.

Que ambos têm esse direito pois ambos são seres humanos e vivos (embora separados por

52 ALEXY, Robert. Teoria De Los Derechos Fundamentales. Madrid, Centro de Estudos Constitucionales, 1993. p. 161. 53 GIANFORMAGIO, Letizia. L’interpretazione Della Constituizione Tra Aplicazione Di Regole Ed Argomentazione Basata Su Principí. In: Rivista Internazionale di filosofia del diritto, IV serie – LXII, n. 1, p 65-103, gen./ mar. 1985.

uma barreira) constituídos por células diferenciadas em cujos núcleos encontramos 46

(quarenta e seis) cromossomas.

Ao se aceitar a idéia de que as barreiras modificam os seres da mesma espécie

estaríamos aceitando a teoria de Adolf HITLLER que, na Segunda Grande Guerra

Mundial, mantinha isolados em campos de concentração milhares de judeus para, a

seguir, encaminha-los às câmaras de gás culminando com maior holocausto até o

momento conhecido pelo hommo sapiens.

A partir das considerações acima, será possível discorrer sobre o tema central do

presente trabalho, que versa sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez, vulgarmente

conhecida como aborto, que será objeto de estudo do próximo título.

Nome: Luigino Coletti Profissão: médico Cidade: Campo Mourão Estado: Paraná E-mail: [email protected] Texto produzido em outubro/2001