"internet das coisas" já é realidade no brasil

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Conversa máquinas entre POR CAMILA MENDONÇA Conexão entre objetos, também chamada de Internet das Coisas, pretende mudar o modo como vivemos e está aos poucos chegando ao Brasil Imagine a seguinte situação: a intensidade das luzes e a temperatura do ar-condicionado da sua casa são ajustadas assim que você abre a porta; a geladeira avisa quais produtos faltam para preparar o jantar; o micro-ondas identifica o con- teúdo do prato e começa a esquentar ou descongelar a comida no tempo certo, sem a necessidade de qualquer comando; a televisão reconhece o seu rosto e já apresenta o canal prefe- rido; a máquina de lavar encontra uma peça de roupa que não deveria estar ali. E tudo isso sem que você precise fazer qualquer coisa. A conversa agora é entre máquinas. O que parece cena de filme de fic- ção científica é uma realidade (ainda) pouco presente no nosso cotidiano, mas já tem até nome: Internet of Thin- gs (Internet das Coisas), ou IoT para TENDÊNCIA INTERAÇÃO [[ 34 out/nov/dez 2012 [ BRASIL EM CÓDIGO ]

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Page 1: "Internet das coisas" já é realidade no Brasil

34 out/nov/dez 2012 [ BRASIL EM CÓDIGO ]

Conversamáquinas

entre

POR CAMILA MENDONÇA

Conexão entre objetos, também chamada de Internet das Coisas, pretende mudar o modo como vivemos e está aos poucos chegando ao Brasil

Imagine a seguinte situação: a intensidade das luzes e a temperatura do ar-condicionado da sua casa são ajustadas assim que você abre a porta; a geladeira avisa quais produtos faltam para preparar o jantar; o micro-ondas identifi ca o con-teúdo do prato e começa a esquentar ou descongelar a comida no tempo certo, sem a necessidade de qualquer comando; a televisão reconhece o seu rosto e já apresenta o canal prefe-rido; a máquina de lavar encontra uma peça de roupa que

não deveria estar ali. E tudo isso sem que você precise fazer qualquer coisa. A conversa agora é entre máquinas.

O que parece cena de fi lme de fi c-ção científi ca é uma realidade (ainda) pouco presente no nosso cotidiano, mas já tem até nome: Internet of Thin-gs (Internet das Coisas), ou IoT para

TENDÊNCIA INTERAÇÃO

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os mais entendidos de tecnologia. A primeira vez em que o conceito veio à cena foi na década de 90, nos Estados Unidos, quando o MIT (Massachu-setts Institute of Technology) iniciou os estudos sobre o tema. O conceito resume uma das tendências que nas-ceram com a internet, a de os objetos interagirem entre si, sem ou com a mí-nima intervenção humana.

”A Internet of Things é a tentativa de juntar debaixo do mesmo guarda-chuva várias tecnologias de identifica-ção automática dentro de um ambien-te. É o sistema machine to machine”, explica Gabriel Antonio Marão, um dos coordenadores do Fórum de Com-petitividade de IoT, que tem como ob-jetivo mostrar a importância do concei-to na sociedade e enfatizar a presença brasileira nas discussões sobre o tema que acontecem ao redor do mundo.

A ideia, de acordo com Marão, é fa-zer com que os objetos estejam conecta-dos à internet de maneira que consigam “conversar” entre si. E por que isso é tão importante? A resposta a essa pergun-ta, segundo especialistas, tem o mesmo peso de outra questão: por que a inter-net é importante para as nossas vidas?

Chegamos a um ponto em que a tecnologia é parte significativa de pro-cessos e procedimentos. Com tudo conectado, caminhos poderão ser encurtados. Mas não é só isso, segun-do explica Cezar Taurion, gerente de novas tecnologias aplicadas/technical evangelist da IBM Brasil, que dá pa-lestras sobre IoT por todo o País. Para ele, a internet das coisas nos ajudará a viver melhor dentro das condições que temos. “Temos grandes desafios pela frente, pois vivemos em um cenário de aquecimento global e explosão po-pulacional – isso aumenta a demanda por recursos naturais. Isso significa que temos de encontrar soluções para viver sem desperdícios. E à medida que co-locamos mais inteligência nas coisas, Fo

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conseguimos gerenciar melhor isso”, explica o executivo.

Taurion afirma que a IoT é uma evo-lução natural da tecnologia e influenciará diretamente a vida das pessoas quando estiver definitivamente implementada. O tema é tão importante que foram cria-dos comitês e grupos que o estudam e debatem nos mais importantes centros de pesquisa do mundo. A preocupação em estudar a IoT tem justificativa, afirma Edison Spina, professor de engenharia da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo). “O número de coisas in-teligentes já era maior que o número de pessoas conectadas em 2008 e esse nú-mero tem crescido”, afirma. O professor explica que essa conexão entre os objetos se dá por meio de etiquetas eletrônicas, sensores e câmeras.

Para pesquisar mais sobre o assunto, a USP criou neste ano o iRIoT (Interdis-ciplinary Research for Internet of Things), grupo de pesquisa interdisciplinar que es-tuda a nova tecnologia. A aplicabilidade da IoT é tão ampla que várias áreas for-mam o grupo, como engenharia, comu-nicação e até a área jurídica.

NÃO É FICÇÃOA IoT é o conceito que está por trás

das smart cities (cidades inteligentes) – aquelas em que todas as estruturas estão conectadas, permitindo, por exemplo, maior fluidez no trânsito, economia de água e energia, identificação exata das necessidades da população e melhor gerenciamento dos recursos. E elas já são reais. A cidade de Luxemburgo, ca-pital do Grão-Ducado de Luxemburgo, na Europa, foi uma das primeiras a im-plantar projetos para se tornar inteligente ao disponibilizar, desde 2002, acesso à internet nas ruas e ao conectar serviços públicos e privados.

Outro projeto conhecido foi implan-tado na cidade de Santander, na Espanha. A iniciativa, encabeçada pela Universida-de de Cantabria, visa a tornar a cidade in-

tegralmente conectada, implantando cer-ca de 20 mil sensores, câmeras e todo tipo de dispositivo móvel para manter todas as pessoas interligadas e com facilidade de acesso a todo e qualquer tipo de serviço. Esses dispositivos responderão a um úni-co sistema. O projeto tornou-se tão im-portante que tem o apoio da Comissão Europeia e recebe investimentos da União Europeia e de empresas privadas.

Não é preciso ir tão longe para verifi-car exemplos de aplicação da internet das coisas em projetos grandiosos.

No Brasil, a cidade de São Louren-ço da Mata, em Pernambuco, deve ser a primeira iniciativa desse tipo. O projeto “Cidade da Copa”, que está sendo de-senvolvido por empresas privadas, deve conectar toda a cidade em torno da Are-na de Pernambuco, um dos estádios que receberão os jogos da Copa em 2014, e que adotará soluções para o uso eficiente dos recursos naturais. A ideia é formar as bases para disponibilizar tecnologia e atender uma população de cerca de cem mil pessoas em 15 anos.

Mas nem só em grandes projetos a IoT é aplicável. Ela já faz parte da nossa realidade em pequenos objetos. Um dos

Cezar Taurion, da IBM“Temos de resolver desafios da internet urbana. É preciso pensar de forma diferente e colocar a internet na rua”

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até a fazer a lista de compras e salvar as mais usadas. As listas podem ser envia-das para o celular, por meio de um QR code – também chamado de código de realidade aumentada.

As etiquetas eletrônicas estão na base da aplicação da IoT, segundo ex-plica Roberto Matsubayashi, gerente de inovação e alianças estratégicas da GS1 Brasil (Associação Brasileira de Auto-mação). “O RFID (identificação por radiofrequência) é uma das formas de interação entre os objetos.”

A etiqueta tem alta capacidade de ar-mazenamento de informações e permite que um produto seja integralmente iden-tificado por um sistema. Matsubayashi explica que se um produto em um ponto de venda estiver vencido, por exemplo, ao passar no caixa ele pode emitir um sinal de aviso. Com isso, é possível ve-

rificar com facilidade qual lote deve ser retirado da loja, facilitando a vida do va-rejista e protegendo o consumidor.

A tecnologia já é utilizada por em-presas para facilitar processos internos, principalmente na área de logística e se-gurança. Para o executivo da GS1 Brasil, a Internet das Coisas caminha aos pou-cos. “Por ser uma tecnologia nova, você não a tem de forma fácil e abundante. Mas ela vai facilitar nossas vidas.”

IMPASSES?Para que a IoT faça parte integral-

mente das nossas vidas, é preciso resol-ver uma série de questões. A primeira delas é a padronização de um “protoco-lo”, assim como existe com a internet co-mum. “Hoje não existe legislação e nem regulamentação”, afirma Spina, da USP. “Existem discussões em todo o mundo

exemplos, já utilizado há anos pelos pau-listanos, é o Bilhete Único. A passagem eletrônica nada mais é que uma etique-ta que se comunica com um sensor da catraca e desconta o valor da passagem, explica o professor Spina, da USP. O mercado também possui exemplos mais sofisticados, como a Smart TV, da Sam-sung. Lançado em maio deste ano, o apa-relho é controlado por comando de voz e de movimento. Por meio do aparelho também é possível navegar pela internet e acessar as redes sociais, sem a necessidade de colocar senha, apenas por meio de re-conhecimento facial do usuário.

Outra novidade no mercado é a Inverse Maxi, a geladeira inteligente da Brastemp. O produto possui uma central inteligente, com interface touchscreen, por meio da qual é possível gerenciar os alimentos e avisar quando vencerão e

A tecnologia, explica Roberto Matsubayashi, já é utilizada por empresas para facilitar processos internos, principalmente na área de logística e segurança

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Equipamentos conectados em rede, capazes de identificar a demanda do usuário

que buscam fazer essa normalização de códigos”, diz.

A padronização é importante para que qualquer objeto reconheça e con-verse com outro sem barreiras. Qual-quer pessoa conectada pode abrir qual-quer site, de qualquer lugar do mundo, que a página terá a mesma cara e as mesmas informações. Isso porque exis-te um protocolo que permite esse reco-nhecimento. Com os objetos é a mesma coisa. É preciso integração. “Se o Brasil ficar fazendo o uso de tecnologia sem olhar o resto do mundo e sem buscar padrões, vai ter uma hora em que vai ficar de fora”, alerta Marão, do Fórum de Competitividade de IoT.

Em alguns países, a coisa já está em estágio adiantado. O Japão já utiliza a tecnologia em questão de maneira a fa-cilitar a locomoção de deficientes visuais. Lá, existe um sistema de pontos eletrô-

nicos instalados no chão, capazes de identificar a localização. Uma pessoa que possua uma bengala inteligente, progra-mada com o endereço de destino, pode acessá-los e chegar ao local que quiser, sem grandes dificuldades. A Malásia já planeja a automação do sistema hospi-talar, que permitirá o monitoramento do comportamento do médico e dos sinais vitais do paciente, contribuindo para a redução do erro médico.

A Coreia do Sul já possui um progra-ma nacional para a “Internet das Coisas”, enquanto que, na China, a rede é um das prioridades do governo. Tanto que já há

Edison Spina, da USP “O número de coisas inteligentes já era maior que o número de pessoas conectadas em 2008”

um projeto piloto em fase de testes, com uma cidade planejada inteiramente com base no sistema. Claro que uma cidade completamente interligada pode gerar problemas quanto à privacidade indivi-dual, assunto que vem sendo discutido desde a popularização das redes sociais e smartphones equipados com sistema de rastreamento GPS.

Quando se fala em Brasil, o principal deles é estrutural. Viver em cidades em que todas as coisas interagem requer o mínimo de fornecimento de bases que garantam conexão a qualquer hora e a qualquer lugar para todas as pessoas. “Temos de resolver desafios da internet urbana. É preciso pensar de forma dife-rente e colocar a internet na rua”, enfatiza Taurion, da IBM.

Em artigo publicado na “RCRWire-less”, publicação especializada em tec-nologia, em dezembro do ano passado, a agente de fiscalização/técnica em re-gulação na ANATEL (Agência Nacio-nal de Telecomunicações), Maria Luiza Kunert, escreveu que o Brasil ainda não está pronto para a Internet das Coisas. Segundo ela, a comunicação máquina--máquina requer uma estrutura diferente da comunicação máquina-homem, além do estabelecimento melhor de padrões de atendimento e regulação de impostos. Independentemente das discussões, a Internet das Coisas é uma realidade sem volta, acreditam especialistas. É um futuro mais presente do que se imagina.

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