internacionalizaÇÃo do direito e caminhos para a
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIEcircNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
CURSO DE DIREITO
INTERNACIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO E
CAMINHOS PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM DIREITO
COMUM EUROPEU ANAacuteLISE DA MARGEM
NACIONAL DE APRECIACcedilAtildeO
MONOGRAFIA DE GRADUACcedilAtildeO
Rafaela da Cruz Mello
Santa Maria RS Brasil
2014
1
INTERNACIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO E CAMINHOS
PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU ANAacuteLISE DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO
Rafaela da Cruz Mello
Monografia apresentada agrave disciplina de Monografia II do Curso de Direito da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSMRS) como requisito parcial para
obtenccedilatildeo do grau de
Bacharel em Direito
Orientadora Jacircnia Maria Lopes Saldanha
Santa Maria RS Brasil
2014
2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIEcircNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
CURSO DE DIREITO
A Comissatildeo Avaliadora abaixo assinada
aprova a Monografia
INTERNACIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO E CAMINHOS PARA A
CONSTRUCcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM EUROPEU ANAacuteLISE DA
MARGEM NACIONAL DE APRECIACcedilAtildeO
Elaborada por
Rafaela da Cruz Mello
como requisito parcial para obtenccedilatildeo do grau de
Bacharel em Direito
COMISSAtildeO EXAMINADORA
Profordf Drordf Jacircnia Maria Lopes Saldanha
(PresidenteOrientadora)
Profordf Drordf Valeacuteria Ribas do Nascimento
(Universidade Federal de Santa Maria)
Prof Sadi Flocircres Machado
(Faculdade de Direito de Santa Maria)
Santa Maria 28 de novembro de 2014
3
AGRADECIMENTOS
Primeiramente meu principal agradecimento eacute a Deus que durante todo o periacuteodo de
elaboraccedilatildeo deste singelo trabalho garantiu-me forccedilas para superar todos os obstaacuteculos e
coragem para enfrentar todos os meus temores
Agrave minha estimada orientadora Professora Jacircnia pelos anos de trabalho que
desenvolvemos juntas e pelos ensinamentos conferidos durante todo este tempo Sem sobra de
duacutevida satildeo verdadeiros mestres e humanistas como a senhora os responsaacuteveis por fazer a
diferenccedila natildeo soacute na vida de alguns alunos como no mundo
Agrave minha matildee Marilene pelo apoio constante durante o periacuteodo de elaboraccedilatildeo deste
trabalho Muito obrigada pelo amor incondicional por confiar no meu potencial e me
incentivar a dar o melhor de mim em tudo
Ao meu irmatildeo Otaacutevio pelo carinho pela fraternidade e por ter parado inuacutemeras vezes
qualquer um de seus afazeres para escutar minhas anguacutestias ou meus ensaios de ideias para
este trabalho
Ao meu querido amigo Maacutercio pela parceria acadecircmica que deu iniacutecio a uma bela
amizade Obrigada pelas indagaccedilotildees constantes e por sempre me incentivar a ter uma postura
de inquietude em relaccedilatildeo ao mundo
Agrave Bruna pela amizade pelo apoio e pelo consolo nos momentos difiacuteceis Obrigada por
ter tornado especial cada um dos dias vividos dentro e fora da UFSM seja no Brasil ou aleacutem-
mar Agrave Tieli pela amizade e pela maneira leve e espontacircnea com que me ensinou a ver a vida
durante esses anos de graduaccedilatildeo
Por fim a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formaccedilatildeo deixo
aqui registrado o meu agradecimento
4
ldquoOs povos da terra participam em vaacuterios graus de uma comunidade
universal que se desenvolveu a ponto de que a violaccedilatildeo do direito
cometida em um lugar do mundo repercute em todos os demais
A ideia de um direito cosmopolita natildeo eacute portanto fantaacutestica ou
exagerada eacute um complemento necessaacuterio ao coacutedigo natildeo escrito
do Direito poliacutetico e internacional transformando-o num direito
universal da humanidade Somente nessas condiccedilotildees podemos
congratular-nos de estar continuamente avanccedilando em direccedilatildeo a
uma paz perpeacutetuardquo
(Immanuel Kant)
5
RESUMO
Monografia de Graduaccedilatildeo
Curso de Direito
Universidade Federal de Santa Maria
INTERNACIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO E CAMINHOS
PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU ANAacuteLISE DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO
Autora Rafaela da Cruz Mello
Orientadora Jacircnia Maria Lopes Saldanha
Data e Local da Defesa Santa Maria 28 de novembro de 2014
A evoluccedilatildeo da sociedade industrial para a sociedade informacional ocasiona mudanccedilas
significativas nas estruturas juriacutedicas Afirma-se que hoje a seara juriacutedica se assemelha a um
mosaico no qual um verdadeiro caos aparente se instala em razatildeo da multiplicidade de regras
e instituiccedilotildees de hierarquias diversas Nesse contexto o continente europeu pode ser
considerado como um verdadeiro laboratoacuterio de estudos uma vez que em um mesmo
territoacuterio convivem a ldquopequena Europardquo marcada pelo jaacute consolidado direito comunitaacuterio e a
ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos Sob esse panorama de
anaacutelise do espaccedilo europeu eacute que se propotildee o presente trabalho a analisar a possibilidade de
construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa analisando
como forma de viabilizar tal projeto a figura hermenecircutica da Margem Nacional de
Apreciaccedilatildeo Utiliza-se o meacutetodo dedutivo de abordagem e o meacutetodo de procedimento
monograacutefico e para melhor trabalhar com o tema divide-se o trabalho em duas grandes
partes a primeira analisa a evoluccedilatildeo dos direitos humanos nas duas esferas do espaccedilo
europeu para na sequecircncia trabalhar especificamente com a contribuiccedilatildeo das novas
geometrias juriacutedicas do processo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos bem como da
margem nacional de apreciaccedilatildeo para construir as bases de um direito comum europeu
pluralista Na sequencia aborda-se unicamente o instituto da margem nacional com a
finalidade de averiguar se o modo como o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem aplica a
ferramenta efetivamente contribui para a criaccedilatildeo desse direito comum bem como se
possibilita a harmonizaccedilatildeo entre o universalismo dos direitos do homem e o relativismo das
pluralidades e particularismos culturais
Palavras-chave Europa universalismo relativismo direito comum margem nacional de
apreciaccedilatildeo
6
ABSTRACT
Graduation Monografh
Law School
Federal University of Santa Maria
INTERNATIONALIZATION LAW AND WAYS FOR THE
CONSTRUCTION OF A COMMON EUROPEAN LAW
ANALISYS OF MARGIN OF APPRECIATION
Author Rafaela da Cruz Mello
Adviser Jacircnia Maria Lopes Saldanha
Date and Place of the Defense Santa Maria November 28 2014
The evolution of industrial society to the information society brings about significant changes
in the legal structures It is said that today the legal harvest resembles a mosaic in which a
real apparent chaos ensues because of the multiplicity of rules and various hierarchies of
institutions In this context the European continent can be considered as a true laboratory
studies since in the same territory live the little Europe marked by already established
Community law and the big Europe regional rights protection system humans Under this
scenario analysis of the European area do you propose this study to examine the possibility of
building a common law on human rights in Europe analyzing in order to facilitate such a
project hermeneutics figure of the National Assessment Bank We use the deductive method
of approach and the monographic method and procedure to better work with the theme the
work is divided into two main part the first analyzes the evolution of human rights in the two
spheres of Europe for in sequence work specifically with the contribution of the new legal
geometries the process of universalization of human rights and the national margin of
appreciation to build the foundations of a pluralistic European common law In sequence
addresses solely the Institute of National bank in order to ascertain whether how the
European Court of Human Rights applies to effectively contributes tool for the creation of this
common law and if possible harmonization between universalism of human rights and
cultural relativism of plurality and particularism
Keywords Europe universalism relativism common law national margin of appreciation
7
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 8
1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM
DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS 11
11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave
criaccedilatildeo de um direito comum 11
12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias
juriacutedicas a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da
figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo 20
2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU 33
21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem
Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu 33
22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos 43
CONCLUSAtildeO 57
REFEREcircNCIAS 59
8
INTRODUCcedilAtildeO
No iniacutecio do seacuteculo XX Hans Kelsen1 em ldquoTeoria Pura do Direitordquo defendeu a tese de
que para entender a ciecircncia juriacutedica era necessaacuterio observaacute-la de modo dissociado de outras
ciecircncias O autor propocircs a compreensatildeo do direito a partir da famosa piracircmide kelseniana a
norma fundamental ndash a Constituiccedilatildeo ndash estaria no topo da piracircmide e seria capaz de dotar de
validade o restante do ordenamento juriacutedico Abaixo desta norma fundamental estariam as
demais leis e regras do direito sendo que tal formulaccedilatildeo estagnada e sistemaacutetica da ordem
juriacutedica adequava-se aos anseios de organizaccedilatildeo de uma sociedade industrial
Todavia por trabalhar com conflitos sociais o direito natildeo fica alheio agraves vicissitudes
do seacuteculo XX sendo que a Europa apresenta-se como um importante laboratoacuterio de
observaccedilatildeo de mudanccedilas Apoacutes a Segunda Guerra Mundial emergem na sociedade poacutes-
industrial e posteriormente informacional novas estruturas juriacutedicas que natildeo mais satildeo
capazes de se adequar agrave inflexiacutevel loacutegica hieraacuterquica kelseniana Estamos na era do que
Losano2denomina de ldquodireito turbulentordquo que se move se agita e muda de modo veloz assim
como a sociedade que o cerca embora natildeo tatildeo rapidamente quanto esta sociedade
Em razatildeo disso novas geometrias satildeo criadas para tentar explicar o panorama juriacutedico
da sociedade atual Na Europa por exemplo em que temos convivendo sistemas juriacutedicos de
origens e de ordens diversas ndash sistema internacional nacional supranacional ndash autores
determinam que se vive o tempo do Estado em Rede3ou dos aneacuteis disformes com a
proximidade de guirlandas4 ocasionando ao mais despercebido leitor da realidade um
sentimento de caos juriacutedico
Nesse sentido eacute possiacutevel destacar o pensamento de Mireille Delmas-Marty5 que
revoluciona o pensamento de Kelsen Segundo ela essa falta de sistematizaccedilatildeo
aparentemente anaacuterquica eacute solo feacutertil para a construccedilatildeo de um direito comum pluralista em
1 KELSEN Hans Teoria Pura do Direito Traduccedilatildeo de Joatildeo Baptista Machado Satildeo Paulo Martins Fontes
1996 2 LOSANO Mario G Modelos teoacutericos inclusive na praacutetica da piracircmide agrave rede Novos paradigmas nas
relaccedilotildees entre direitos nacionais e normativas supraestatais Revista do Instituto dos Advogados do Estado de
Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 08 n16 p 264-284 2005 3 CASTELLS Manuel Para o Estado-Rede globalizaccedilatildeo econocircmica e instituiccedilotildees poliacuteticas na era da
informaccedilatildeo In PEREIRA Luiz Carlos Bresser WILHEIM Jorge SOLA Lourdes (Org) Sociedade e Estado
em transformaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora UNESP Brasiacutelia ENAP 1999a p164 4 DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006
5 Id 2004a
9
mateacuteria de direitos humanos A sociedade em tempos de globalizaccedilatildeo precisa resistir ao
processo de desumanizaccedilatildeo e de coisificaccedilatildeo do homem de modo que a base para a
construccedilatildeo desse direito comum pluralista devem ser os direitos humanos
Sob a oacutetica europeia que seraacute aqui analisada por ser um importante referencial para os
estudos das mudanccedilas sociais e juriacutedicas dos seacuteculos XX e XXI de que direitos humanos
referimo-nos para ser a base de um direito comum Em um continente tatildeo muacuteltiplo e plural
como realizar o diaacutelogo positivo entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo
das diferentes culturas
Sob esta oacutetica emerge a figura central desse estudo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
(MNA) bem como sua contribuiccedilatildeo para a construccedilatildeo de um direito comum e para a
harmonizaccedilatildeo entre universalismo e relativismo no contexto da Europa Este recurso
hermenecircutico denominado Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo trata-se de uma construccedilatildeo
jurisprudencial criada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante tambeacutem
referido como Tribunal de Estrasburgo) com a finalidade de conferir algum espaccedilo de
deferecircncia para que os tribunais nacionais dos Estados possam decidir algumas questotildees
consoante suas particularidades locais
Embora esta seja a teoria sob a qual se alicerccedila o instituto almeja-se neste trabalho
responder os seguintes questionamentos a doutrina da MNA aplicada pelo Tribunal Europeu
dos Direitos Humanos contribui para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema
europeu de proteccedilatildeo dos direitos do homem Em sua aplicaccedilatildeo praacutetica a margem se mostra
como um recurso eficaz para harmonizar o universalismo dos direitos humanos e o pluralismo
advindo das diversidades culturais e religiosas dos diferentes paiacuteses que fazem parte do
Conselho da Europa
Para responder tal questionamento utilizou-se o meacutetodo dedutivo como meacutetodo de
abordagem e o meacutetodo monograacutefico de procedimento atraveacutes da leitura e fichamento das
diferentes construccedilotildees teoacutericas e doutrinaacuterias sobre o tema bem como anaacutelise de alguns
julgamentos paradigmaacuteticos do Tribunal de Estrasburgo Para melhor compreensatildeo da
complexidade do tema trabalhado dividiu-se esta monografia em duas grandes partes a parte
1 se ocupa da paisagem europeia no poacutes-Segunda Guerra Mundial com a criaccedilatildeo da ldquopequena
Europardquo do direito comunitaacuterio e da ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos
direitos humanos avaliando em ambos os cenaacuterios de que modo se deu a preocupaccedilatildeo com a
temaacutetica dos direitos humanos ou fundamentais (11)
Por conseguinte no intuito de aprofundar o estudo sobre a possibilidade de criaccedilatildeo de
um direito comum no contexto da ldquogrande Europardquo buscou-se uma anaacutelise das novas
10
geometrias da paisagem juriacutedica e do tipo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos que se
procura dentro desse cenaacuterio avaliando por conseguinte o surgimento da figura da MNA
(12) A parte 2 por sua vez objetiva a anaacutelise pura do instituto da Margem Nacional de
Apreciaccedilatildeo averiguando o histoacuterico de sua criaccedilatildeo e as definiccedilotildees acerca de seu conceito
(21) para na sequecircncia avaliar a partir da anaacutelise de alguns julgamentos paradigmaacuteticos do
Tribunal de Estrasburgo se tal ferramenta hermenecircutica se demonstra eficaz no processo de
harmonizaccedilatildeo das tensotildees entre universalismo e relativismos e se pode ser relevante no
processo de criaccedilatildeo de um direito comum cuja base satildeo os direitos humanos (22)
11
1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM
DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS
O seacuteculo XX trouxe mudanccedilas significativas para os mais diversos segmentos da vida
social e o direito natildeo ficou alheio agraves vicissitudes decorrentes do poacutes-Segunda Guerra Mundial
O continente europeu sobretudo passa a ser o cenaacuterio de revoluccedilotildees na estrutura juriacutedica ateacute
entatildeo conhecida com o surgimento praticamente concomitante de instituiccedilotildees supranacionais
e internacionais para aleacutem das nacionais
Neste vieacutes uma das preocupaccedilotildees primordiais do poacutes-guerra foi a de garantir a tutela
dos direitos humanos mesmo diante das mudanccedilas latentes no cenaacuterio juriacutedico Desta feita
deparamo-nos com duas esferas dentro do cenaacuterio europeu a ldquopequena Europardquo que origina
um direito comunitaacuterio europeu o qual mesmo tendo se ocupado com questotildees relativas agrave
economia e agrave integraccedilatildeo regional desenvolve a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais
atraveacutes do diaacutelogo jurisprudencial entre cortes de naturezas distintas e a ldquogrande Europardquo do
sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos espaccedilo haacutebil e possiacutevel para ser base de
criaccedilatildeo de um direito comum (11) Da evoluccedilatildeo de um campo ao outro a premissas de
universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo buscam
legitimar e consolidar a criaccedilatildeo desse direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
(12)
11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave
criaccedilatildeo de um direito comum
O historiador britacircnico Eric Hobsbawn6 talvez tenha encontrado a melhor adjetivaccedilatildeo
para o seacuteculo XX a ldquoEra dos Extremosrdquo Nas palavras do proacuteprio autor ldquoNatildeo sabemos o que
6 HOBSBAWN Eric A era dos extremos o breve seacuteculo XX 1941-1991 Satildeo Paulo Companhia das Letras
1995
12
viraacute a seguir nem como seraacute o segundo milecircnio embora possamos ter a certeza de que ele
teraacute sido moldado pelo Breve Seacuteculo XXrdquo7
Nesse sentido a Segunda Guerra Mundial representa o marco crucial natildeo soacute para a
preocupaccedilatildeo global em relaccedilatildeo aos direitos humanos8 com a criaccedilatildeo e fortalecimento de uma
grande quantidade de instrumentos normativos responsaacuteveis por sua tutela em acircmbito
mundial como tambeacutem para o surgimento de uma nova Europa Apoacutes o teacutermino da guerra
que teve como palco principal de seus acontecimentos o continente europeu diversos paiacuteses
se encontravam em uma situaccedilatildeo de caos politico fragmentaccedilatildeo e enfraquecimento
econocircmico aleacutem do perigo iminente de eclosatildeo de uma nova disputa de proporccedilotildees mundiais
advinda da dicotomia entre capitalismo e socialismo na entatildeo incipiente Guerra Fria
Eacute nesse contexto que emerge a ideia de criaccedilatildeo de um espaccedilo comum europeu
consubstanciado atraveacutes da integraccedilatildeo regional entre os paiacuteses do continente Ainda no inicio
do seacuteculo XX eacute possiacutevel destacar a ocorrecircncia de propostas relativamente concretas para a
integraccedilatildeo europeia como eacute o caso da proposta do francecircs Aristides Briand em 1929 de
criaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia sob a oacutetica de uma federaccedilatildeo ou seja fundada sob uma
noccedilatildeo de uniatildeo o que implica o respeito agrave soberania9 Todavia a crise econocircmica mundial a
ascensatildeo de nacionalismos na Europa e por fim a eclosatildeo da segunda grande guerra
obstaculizaram a adesatildeo a essa proposta
O cenaacuterio do poacutes-guerra de desintegraccedilatildeo social e miseacuteria econocircmica em grande parte
dos paiacuteses envolvidos gerou a instalaccedilatildeo do Congresso da Europa em Haia nas datas de 7 a
11 de maio de 1948 no qual houve a criaccedilatildeo do ldquoMovimento Europeurdquo No referido
congresso duas correntes foram estabelecidas as quais impulsionaram o surgimento da
ldquopequena Europardquo10
e da ldquogrande Europardquo respectivamente a Europa dos federalistas e a
7 Ibid p14
8 Pode-se nesse sentido destacar a descriccedilatildeo de Valeacuterio Mazzuoli de que desde a Segunda Guerra Mundial em
decorrecircncia dos horrores e atrocidades cometidos durante esse periacuteodo em que muitas vidas eram consideradas
como nuacutemeros e valiam tatildeo pouco os direitos humanos passaram a constituir um dos principais temas do Direito
Internacional contemporacircneo A normatividade internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos foi conquistada
por meio de lutas histoacuterias contiacutenuas e incessantes e consubstanciada em diversos tratados concluiacutedos com esse
propoacutesito tendo sido fruto de um lento e gradual processo de internacionalizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo desses
mesmos direitos o qual fora intensificado com o fim da Segunda Guerra Mundial MAZZUOLI Valeacuterio de
Oliveira Curso de Direito Internacional Puacuteblico 5 ed Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 811 9 SILVA Karine de Sousa Uniatildeo Europeia antecedentes e evoluccedilatildeo histoacuterica In SILVA Karine de Souza
COSTA Rogeacuterio Santos da(Org) Organizaccedilotildees Internacionais de Integraccedilatildeo Regional Uniatildeo Europeia
Mercosul e UNASUL Florianoacutepolis Ed Da UFSC Fundaccedilatildeo Boiteux 2013 p 54 10
Doravante por ldquopequena Europardquo estar-se-aacute referindo aos paiacuteses participantes da Uniatildeo Europeia sujeitos
portanto agraves decisotildees das instituiccedilotildees da Uniatildeo dentre as quais se destaca o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo
Europeia ldquoGrande Europardquo por sua vez refere-se aos paiacuteses que aderiram ao Conselho da Europa que hoje
somam um total de 47 (quarenta e sete) membros e que se submetem agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal Europeu de
Direitos Humanos PRINO Carla Sofia Abreu Relaccedilotildees entre TJUE e TEDH no contexto de adesatildeo da UE agrave
13
Europa dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental11
Os primeiros defendiam uma
integraccedilatildeo mais profunda entre os paiacuteses com transferecircncia de parcela de soberania dos
Estados para uma instituiccedilatildeo com poderes supranacionais sendo esta a base para a criaccedilatildeo da
Comunidade Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) Os segundos por sua vez se opunham agrave
cessatildeo de direitos soberanos impulsionando com seus ideais a criaccedilatildeo em 1949 do
Conselho da Europa com sede em Estrasburgo
Natildeo obstante essa divisatildeo surgida no Congresso da Europa eacute possiacutevel afirmar que a
base de construccedilatildeo da atual Uniatildeo Europeia deu-se com a criaccedilatildeo da Comunidade Europeia
do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) movida pelos ideais integracionistas do francecircs Jean Monnet
Contratado no poacutes-guerra para participar do Plano de Modernizaccedilatildeo e Equipamento da
Franccedila Monnet tinha medo de que o Plano Marshall norte-americano de empreacutestimo de
dinheiro para a reconstruccedilatildeo da Europa pudesse gerar uma diacutevida eterna aos paiacuteses do
continente com os Estados Unidos e para escapar disso via como uacutenica soluccedilatildeo a promoccedilatildeo
de um esforccedilo comum dos Estados atraveacutes de projetos de integraccedilatildeo regional
Por isso redigindo o texto da Declaraccedilatildeo de Schuman de 1950 Monet propagava a
ideia de integraccedilatildeo como meio de assegurar a paz e reerguer a poliacutetica e a economia dos
paiacuteses que foram destruiacutedos pela guerra Nesse sentido sua ideia foi a partir de uma ideologia
pacifista de influecircncia kantiana neutralizar a rivalidade franco-alematilde atraveacutes de uma espeacutecie
de mercado comum com a criaccedilatildeo de uma organizaccedilatildeo internacional com caraacuteter
supranacional que seria responsaacutevel pela gestatildeo dos recursos naturais da regiatildeo do Sarre e do
Ruhr os quais seriam colocados a serviccedilo da paz e natildeo da guerra12
A proposta integracionista daquele que eacute considerado o arquiteto do projeto de
integraccedilatildeo europeia era de retirar da matildeo dos Estados a capacidade de gestatildeo dos recursos
energeacuteticos que movimentavam a induacutestria beacutelica e da guerra Desta forma uma autoridade
internacional mais especificamente uma organizaccedilatildeo internacional setorial seria criada com
um status supranacional para gerenciar e administrar a produccedilatildeo de carvatildeo e de accedilo
funcionando atraveacutes da delegaccedilatildeo de parcelas da soberania estatal em questotildees especiacuteficas
Assim em 1951 com a assinatura do Tratado de Paris criou-se a Comunidade
Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) com a participaccedilatildeo inicial de seis paiacuteses Franccedila
Alemanha Itaacutelia Beacutelgica Holanda e Luxemburgo Posteriormente em 1957 com o Tratado
CEDH Debater a Europa Nuacutemero 4 JaneiroJunho 2011 Disponiacutevel em httpwwweurope-direct-
aveiroaevaeudebatereuropa Acesso 10 out 2014 11
SILVA Karine de Sousa De Paris a Lisboa sessenta anos de integraccedilatildeo europeia In SILVA Karine de
Souza Mercosul e Uniatildeo Europeia O Estado da arte dos processos de integraccedilatildeo regional Florianoacutepolis
Editora Modelo 2010 p 35 12
Ibid p 60
14
de Roma a Comunidade Econocircmica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia para a
Energia Atocircmica (CEEA ou Euratom) foram criadas consolidando-se deste modo as trecircs
comunidades que fizerem emergir o direito comunitaacuterio no seio da Europa Foi contudo
somente em 1992 com o Tratado de Maastrich ou Tratado da Uniatildeo Europeia que nasceu a
Uniatildeo Europeia propriamente dita consagrada em trecircs pilares baacutesicos as comunidades que
inicialmente lhe deram base a colaboraccedilatildeo em mateacuteria de poliacutetica exterior e seguranccedila
comum e a cooperaccedilatildeo no acircmbito judicial e policial em mateacuteria penal13
Visiacutevel deste modo que o que impulsionou a criaccedilatildeo de um direito comunitaacuterio
europeu foi a necessidade de reorganizaccedilatildeo do continente apoacutes 1945 e o fortalecimento
econocircmico de antigas potecircncias rivais como foi o caso da Franccedila e da Alemanha Ocorre que
de modo concomitante ao crescimento dos ideais dos federalistas a segunda corrente oriunda
do Congresso da Europa de 1949 dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental tambeacutem
cresceu e se tornou visiacutevel vez que possuiacutea como objetivo a realizaccedilatildeo de uma uniatildeo mais
estreita entre seus membros de modo a salvaguardar os ideais e princiacutepios que satildeo seu
patrimocircnio comum e favorecer seu progresso social e econocircmico
O Conselho da Europa surgido em 1949 portanto configura-se como outra
organizaccedilatildeo internacional surgida na Europa do poacutes-guerra tendo como base a consolidaccedilatildeo
sob o principio da cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses e natildeo o federalismo que implica cessatildeo de
parcelas da soberania Seu propoacutesito eacute o de defesa dos direitos humanos desenvolvimento
democraacutetico e estabilidade poliacutetico-social na Europa sendo chamado de ldquogrande Europardquo por
desde o iniacutecio contar com mais adesotildees de paiacuteses em relaccedilatildeo agrave CECA Eacute justamente dentro
desse Conselho que surge o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em 1959
oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa e
responsaacutevel pela tutela dos direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem
(CEDH) de 1950
A eclosatildeo desses dois movimentos marca o iniacutecio de uma verdadeira revoluccedilatildeo dentro
da compreensatildeo do direito Se antes no continente europeu era possiacutevel vislumbrar a
existecircncia em grande medida e tatildeo somente de tribunais nacionais cuja competecircncia era
exercida dentro de determinado Estado sob a eacutegide de sua soberania o cenaacuterio altera-se e daacute
espaccedilo para a existecircncia natildeo soacute de tribunais nacionais como tambeacutem de tribunais
supranacionais e internacionais
13
Ibidem p 77
15
No caso do direito comunitaacuterio sua criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de
instituiccedilotildees que fortaleccedilam o sistema supranacional Em funccedilatildeo disso dentre os mais diversos
oacutergatildeos criados pelos sucessivos tratados comunitaacuterios pode-se destacar o Tribunal de Justiccedila
da Uniatildeo Europeia (TJUE) ou Tribunal de Luxemburgo
Este criado pelo Tratado de Paris de 1951 e adotado pelo Tratado de Roma de 1957
tem a finalidade de assegurar o cumprimento do direito comunitaacuterio e a interpretaccedilatildeo e
aplicaccedilatildeo dos Tratados dentro a vida da comunidade14
Submetem-se agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal
atualmente os vinte e oito15
paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e ao longo dos anos
ele se desenvolveu como uma importante instituiccedilatildeo capaz de contribuir ao desenvolvimento
da comunidade atraveacutes de consolidaccedilotildees jurisprudenciais e da conversatildeo dos tratados
constitutivos da comunidade em verdadeiras constituiccedilotildees materiais
Embora a preocupaccedilatildeo com os direitos humanos no cenaacuterio da ldquopequena Europardquo natildeo
tenha sido uma caracteriacutestica inicial dos tratados constitutivos das comunidades europeias o
diaacutelogo do Tribunal de Luxemburgo com os tribunais nacionais de alguns Estados europeus
traz agrave tona esse tema bem como se caracteriza por ser o grande responsaacutevel pela consolidaccedilatildeo
de princiacutepios baacutesicos do direito comunitaacuterio como eacute o caso da supremacia das normas
comunitaacuterias Neste vieacutes importante destaque deve ser feito ao caso CostaENEL16
de 1964
que marcou o surgimento da noccedilatildeo de supremacia das normas da comunidade europeia
O objeto de tal caso fora uma lei italiana de nacionalizaccedilatildeo da energia eleacutetrica
declarada incompatiacutevel com o Tratado da Comunidade Econocircmica Europeia Em sede de
reenvio prejudicial o Tribunal Constitucional Italiano enviou a questatildeo ao Tribunal de Justiccedila
da Uniatildeo Europeia o qual reconheceu que ao instituir uma comunidade de duraccedilatildeo ilimitada
com caraacuteter sui generis e poderes resultantes de delegaccedilatildeo de parcela da soberania os paiacuteses
limitariam seus direitos soberanos em prol de um conjunto de normas aplicaacutevel natildeo soacute agrave
comunidade como a todos os seus Estados membros17
14
OLIVEIRA Odete Maria de Uniatildeo Europeia processos de integraccedilatildeo e mutaccedilatildeo 1ordfed 3ordf tir Curitiba
Juruaacute 2003 15
Os vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia satildeo Alemanha Aacuteustria Beacutelgica Bulgaacuteria Chipre
Croaacutecia Dinamarca Eslovaacutequia Eslovecircnia Espanha Estocircnia Finlacircndia Franccedila Greacutecia Hungria Irlanda Itaacutelia
Letocircnia Lituacircnia Luxemburgo Malta Paiacuteses Baixos Polocircnia Portugal Reino Unido Repuacuteblica Checa
Romecircnia Sueacutecia Dados disponiacuteveis no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeuropaeuabout-
eucountriesmember-countriesindex_pthtm Acesso 01 nov 2014 16
O acoacuterdatildeo do referido caso encontra-se disponiacutevel na iacutentegra no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeur-
lexeuropaeulegal-contentPTTXTPDFuri=CELEX61964CJ0006ampfrom=EN Acesso 02 out 2014 17
FARENZENA Sueacutelen Costa versus ENEL ndash O primado do Direito Comunitaacuterio e a mudanccedila de paradigma o
Estado em rede europeu Revista da SJRJ Vol 19 nordm34 Rio de Janeiro 2012 Disponiacutevel em
httpwww4jfrjjusbrseerindexphprevista_sjrjarticleviewFile338296 Acesso 01 out 2014
16
Neste sentido determinou o Tribunal de Luxemburgo que a forccedila executiva do direito
comunitaacuterio natildeo poderia variar de um espaccedilo para outro ao sabor das legislaccedilotildees internas
Impossiacutevel portanto um Estado fazer prevalecer sobre uma ordem juriacutedica aceita sob o pilar
da reciprocidade e da cessatildeo de parcela de direitos soberanos uma medida unilateral anterior
ou posterior que lhe pode opor
Natildeo obstante tal decisatildeo a ideia de supremacia das normas comunitaacuterias por si soacute
natildeo foi adotada de modo paciacutefico por todos os tribunais constitucionais dos paiacuteses sujeitos agrave
jurisdiccedilatildeo do Tribunal de Luxemburgo Em funccedilatildeo disso houve a percepccedilatildeo por parte dos
juiacutezes do TJUE de que seria necessaacuterio acoplar agrave ideia de supremacia das normas
comunitaacuterias um discurso dotado de legitimidade que envolvesse princiacutepios e ideais comuns
natildeo soacute para a comunidade como para os Estados membros Esse discurso portanto seria o
discurso dos direitos fundamentais18
Ateacute o surgimento de algumas tensotildees entre os posicionamentos dos tribunais nacionais
e as decisotildees do TJUE havia certa resistecircncia por parte deste uacuteltimo em lidar com questotildees
concernentes aos direitos humanos ou fundamentais Isto porque o motivo que levou agrave criaccedilatildeo
das Comunidades Europeias e a posterior Uniatildeo Europeia foi predominantemente econocircmico
tanto eacute que os tratados iniciais das Comunidades Europeias natildeo trazem elementos que refiram
explicitamente a preocupaccedilatildeo com direitos humanos ou fundamentais19
Entretanto consoante
fora asseverado a supremacia das normas comunitaacuterias somente conseguiria se afirmar e se
consolidar caso fosse acoplada ao tema da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais
Neste sentido a deacutecada de 1960 pode ser vista como um importante marco para o
TJUE Casos como o Stauder (1969) e o Internationale Handelsgesellschaft20
(1970)
18
GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional
algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em
httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014 19
Pertinente o destaque da concepccedilatildeo de Gilmar Mendes e Geroge Rodrigo Bandeira Galindo sobre este tema
Segundo eles os instrumentos que instituiacuteram as comunidades europeias natildeo se referem de maneira expliacutecita agrave
proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais e haacute razotildees para isso A primeira delas reside no fato de que a
proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa deveria ser transferida para outra organizaccedilatildeo internacional no caso o
Conselho da Europa que foi uma instituiccedilatildeo fundamental para a elaboraccedilatildeo da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos
do Homem de 1950 Outra razatildeo sustenta-se na ideia de que a inclusatildeo imediata de um cataacutelogo de direitos
fundamentais nos tratados instituidores das Comunidades Europeias geraria conflitos entre as consolidadas
constituiccedilotildees estatais e o entatildeo incipiente direito comunitaacuterio Por fim outra razatildeo apontada eacute traduzida no fato
de que os Estados eram temerosos de que a imediata inclusatildeo de temas de direitos fundamentais ou humanos nos
tratados instituidores das Comunidades pudesse ampliar as competecircncias de prerrogativas de instituiccedilotildees receacutem-
criadas Ibidem p03
De qualquer forma houve no processo de germinaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia nos moldes em que hoje
conhecemos a predominacircncia de ideias economicistas e de integraccedilatildeo regional com base na aproximaccedilatildeo de
ideais produtivos e de mercado A preocupaccedilatildeo com a tutela de direitos humanos ou fundamentais surge atraveacutes
dos diaacutelogos espontacircneos entre as cortes constitucionais e o Tribunal de Luxemburgo 20
Neste caso o raciociacutenio da corte faz clara alusatildeo agrave vinculaccedilatildeo entre primazia do direito comunitaacuterio e a
proteccedilatildeo dos direitos fundamentais por parte das instituiccedilotildees comunitaacuterias Os pontos 3 e 4 do julgamento do
17
consolidaram o entendimento do Tribunal de Luxemburgo de que os direitos fundamentais
fazem parte dos princiacutepios gerais do direito comunitaacuterio Conflitos positivos de competecircncias
entre tribunais nacionais e o tribunal supranacional instituiacutedo no acircmbito da comunidade
marcaram os diaacutelogos iniciais para a estimulaccedilatildeo da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais em
acircmbito comunitaacuterio
Como continuidade deste diaacutelogo eacute pertinente destacar o caso Nold (1974) no qual o
Tribunal de Luxemburgo reconheceu como pauta geral para o direito comunitaacuterio europeu o
predomiacutenio dos direitos fundamentais Com isso mais uma vez reafirmou-se a ideia de que o
direito comunitaacuterio tem supremacia sobre as disposiccedilotildees legais nacionais mas que de toda a
sorte deve se adaptar a uma base comum de valores como os determinados por exemplo
pela Convenccedilatildeo Europeia de Direito do Homem
Por isso fala-se que este caso fixa um terceiro elemento no nuacutecleo de salvaguarda dos
direitos fundamentais aleacutem das tradiccedilotildees constitucionais comuns e dos direitos fundamentais
garantidos nas Constituiccedilotildees dos Estados os instrumentos internacionais relativos agrave proteccedilatildeo
dos direitos humanos passam a ser uma importante fonte de inspiraccedilatildeo para a proteccedilatildeo de
direitos em acircmbito comunitaacuterio Em funccedilatildeo disso inclusive em 1975 o TJUE pela primeira
vez recorreu agrave Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem no caso Rutili21
Apesar de tal decisatildeo do caso Nold o emblemaacutetico caso Solange levou agrave confirmaccedilatildeo
e consolidaccedilatildeo da vigecircncia dos direitos fundamentais no acircmbito da Comunidade Neste caso
em 1974 o Tribunal Constitucional alematildeo determinou que enquanto a Comunidade natildeo
dispusesse de um sistema de proteccedilatildeo de direitos comparaacutevel ou equiparado agrave Lei
Fundamental de Bonn ou seja enquanto natildeo houvesse um cataacutelogo de direitos fundamentais
aplicaacuteveis agrave Comunidade Europeia as instituiccedilotildees comunitaacuterias seriam ineficazes no que
concerne agrave proteccedilatildeo desses direitos22
TJUE respectivamente determinam que 3 A validade de uma medida comunitaacuteria ou de seus efeitos em um
Estado membro natildeo podem ser afetadas por alegaccedilotildees de que ela contraria direitos fundamentais tal como
formuladas pela Constituiccedilatildeo do Estado ou princiacutepios de uma estrutura constitucional nacional() 4() o
respeito pelos direitos fundamentais forma uma parte integral dos princiacutepios gerais de direito protegidos pela
Corte de Justiccedila A proteccedilatildeo de tais direitos enquanto inspirada pelas tradiccedilotildees constitucionais comuns aos
Estados membros deve ser assegurada no acircmbito da estrutura e dos objetivos da Comunidaderdquo Ibidem p4 21
O caso Rutilli caracteriza-se por ser a primeira referecircncia jurisprudencial feita pelo Tribunal de Luxemburgo agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem ou seja a utilizaccedilatildeo por parte de um tribunal supranacional de um
marco normativo essencial natildeo para o direito comunitaacuterio mas para o sistema regional de proteccedilatildeo aos direitos
humanos Nesse caso o Tribunal de Luxemburgo afirmou que as normas de direito comunitaacuterio natildeo era mais do
que uma manifestaccedilatildeo de princiacutepios gerais de direito consagrados na Convenccedilatildeo 22
GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional
algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em
httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014
18
Como resultado de tal caso natildeo soacute o Tribunal de Luxemburgo passou a consolidar um
entendimento jurisprudencial favoraacutevel ao respeito e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais
como demais instituiccedilotildees da entatildeo Comunidade Europeia assim agiram Em funccedilatildeo disso diz-
se que o principal resultado do caso Solange foi uma resoluccedilatildeo conjunta datada de 5 de abril
de 1977 entre Parlamento Europeu Conselho Europeu e Comissatildeo Europeia denominada
ldquoDeclaraccedilatildeo Conjunta sobre Direitos Fundamentaisrdquo23
Nesta ressaltou-se a necessidade do
respeito em acircmbito comunitaacuterio dos direitos fundamentais consagrados pelas tradiccedilotildees
constitucionais dos Estados membros e pela Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos
Os direitos fundamentais atraveacutes desse diaacutelogo jurisprudencial entre as cortes de
esperas diferentes (supranacional e nacionais) apareceram de modo progressivo no direito
comunitaacuterio europeu tornando-se paracircmetros de validade das normas da Uniatildeo Qualquer
norma seja comunitaacuteria seja nacional que contrariasse os direitos fundamentais seria
considerada invaacutelida
A tendecircncia jurisprudencial do TJUE de vincular a noccedilatildeo de supremacia das normas
comunitaacuterias com a proteccedilatildeo aos direitos fundamentais acabou por refletir no Tratado de
Maastricht de 1992 Tambeacutem chamado de Tratado da Uniatildeo Europeia este documento em
seu artigo F nuacutemero 2 determina que a Uniatildeo respeite os direitos fundamentais tal como os
garante a Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem24
Na esteira da inclusatildeo da proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em tratados o Tratado de
Lisboa de 2007 aleacutem de estabelecer personalidade juriacutedica agrave Uniatildeo Europeia25
determina que
a esta aderiraacute agrave Convenccedilatildeo Europeia para a proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e das Liberdades
Fundamentais sendo que a adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas
nos tratados26
23
XAVIER Ana Isabel Os Direitos Fundamentais no ldquodiaacutelogo europeurdquo de Nice a Lisboa In Debater a
Europa n 9 julhodezembro 2013 Disponiacutevel em httpeurope-direct-
aveiroaevaeudebatereuropaimagesn9axavierpdf Acesso em 03 out 2014 24
Artigo F n 2 ldquoA Uniatildeo respeitaraacute os direitos fundamentais tal como os garante a Convenccedilatildeo Europeia de
Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais assinada em Roma em 4 de novembro de
1950 e tal como resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-membros enquanto princiacutepios
gerais do direito comunitaacuteriordquo TRATADO DE MAASTRICHT 1992 Disponiacutevel em httpeuropaeueu-
lawdecision-makingtreatiespdftreaty_on_european_uniontreaty_on_european_union_ptpdf Acesso 15 out
2014 25
O artigo 46-A do Tratado de Lisboa determina que ldquoA Uniatildeo tem personalidade juriacutedicardquo TRATADO DE
LISBOA 2007 Disponiacutevel em httpeur-lexeuropaeulegal-
contentPTTXTPDFuri=OJC2007306FULLampfrom=PT Acesso 16 out 2014 26
O artigo 6ordf do Tratado de Lisboa determina que ldquo1 A Uniatildeo reconhece os direitos as liberdades e os
princiacutepios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da Uniatildeo Europeia de 7 de Dezembro de 2000 com
as adaptaccedilotildees que lhe foram introduzidas em 12 de Dezembro de 2007 em Estrasburgo e que tem o mesmo
valor juriacutedico que os Tratados De forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competecircncias da Uniatildeo tal
como definidas nos Tratados Os direitos as liberdades e os princiacutepios consagrados na Carta devem ser
interpretados de acordo com as disposiccedilotildees gerais constantes do Tiacutetulo VII da Carta que regem a sua
19
Mesmo que o ideal de Constituiccedilatildeo para a Uniatildeo Europeia natildeo tenha sido aprovado
pelos Estados membros as regras de supremacia das normas comunitaacuterias e de proteccedilatildeo aos
direitos fundamentais consagrados natildeo soacute nas Constituiccedilotildees como nas proacuteprias tradiccedilotildees
constitucionais dos Estados regem as decisotildees do Tribunal supranacional que existe no
continente Por isso mesmo que a preocupaccedilatildeo inicial da ldquopequena Europardquo tenha sido a
integraccedilatildeo econocircmica dos paiacuteses devastados pela guerra para que pudessem voltar a ser
competitivos internacionalmente ao longo do tempo sentiu-se a necessidade de trazer para
dentro do direito comunitaacuterio noccedilotildees acerca dos direitos fundamentais e humanos de modo
que hoje estes se encontram tutelados por instrumentos e oacutergatildeos supranacionais especiacuteficos
Ocorre que conforme se mencionou no iniacutecio deste subcapiacutetulo o cenaacuterio europeu
pode ser vislumbrado sob duas oacuteticas distintas desde o Congresso da Europa a oacutetica
federalista que impulsiona a criaccedilatildeo da Uniatildeo Europeia e de um direito comunitaacuterio europeu
e o vieacutes da cooperaccedilatildeo internacional marcado pela criaccedilatildeo do Conselho da Europa e de um
sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos o qual exige o pensamento acerca
da possibilidade da construccedilatildeo de um direito comum europeu
Nesse aspecto acerca do conceito de comum eacute pertinente remontar agraves premissas de
Dardot et Laval27
Para os autores o comum do direito segundo uma loacutegica de interpretaccedilatildeo
neoliberal natildeo seraacute outro que o direito de propriedade dos contratos e do lucro Eacute justamente
contra esse tipo de concepccedilatildeo trazido pelos efeitos nefastos da globalizaccedilatildeo que se invoca a
defesa e a reabilitaccedilatildeo do conceito de comum que deve ser entendido sob uma loacutegica de bases
uniacutessonas em mateacuteria de direitos humanos
Em razatildeo disso eacute no acircmbito da ldquogrande Europardquo ou seja do sistema regional europeu
de proteccedilatildeo dos direitos do homem que se vislumbram bases para a criaccedilatildeo de um direito
comum cuja premissa eacute a busca do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano28
Deste
modo no panorama apresentado se vislumbra de modo claro que embora existam regras
princiacutepios e instituiccedilotildees para reger o direito comunitaacuterio europeu (regras previstas nos
tratados da Uniatildeo Europeia e pacificadas pelo ativismo do TJUE) na ldquopequena Europardquo em
interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo e tendo na devida conta as anotaccedilotildees a que a Carta faz referecircncia que indicam as fontes
dessas disposiccedilotildees 2 A Uniatildeo adere agrave Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais Essa adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas nos Tratados3
Do direito da Uniatildeo fazem parte enquanto princiacutepios gerais os direitos fundamentais tal como os garante a
Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como
resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-Membrosrdquo Ibid 2007 27
DARDOT Pierre LAVAL Cristian COMMUN essai sur la revolutiona au XXeme siegravecle Paris La
deacutecouverte 2014 p 287 28
DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio
de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b
20
mateacuteria de direitos humanos e no acircmbito de um processo de globalizaccedilatildeo eacute preciso avanccedilar
na compreensatildeo do espaccedilo europeu para no acircmbito do sistema regional consolidar as bases
para a criaccedilatildeo de um direito comum
12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias juriacutedicas
a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da figura da
Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
O Congresso da Europa sob o aspecto juriacutedico dividiu o continente em blocos
autocircnomos dentro de um sistema multicecircntrico Nesse sentido Mireille Delmas-Marty29
assevera que natildeo existe uma unidade juriacutedica chamada Europa ou sequer uma visatildeo uacutenica e
preestabelecida do continente
Pelo contraacuterio existe uma Europa feita de instituiccedilotildees juriacutedicas diversas cada uma
com regras e princiacutepios especiacuteficos Neste sentido de um lado tem-se a ldquopequena Europardquo
composta pelos vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e que possui um ideal
primordialmente econocircmico com os objetivos de livre circulaccedilatildeo de pessoas e de
mercadorias bem como de instituiccedilatildeo de uma moeda uacutenica sob a perspectiva de abertura de
fronteira entre os paiacuteses Sob este ideal desenvolve-se a base para o direito comunitaacuterio que
possui como instituiccedilatildeo juriacutedica maacutexima o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo Europeia (TJUE)
com caraacuteter supranacional
Na Europa dos ldquoVinte e Oitordquo portanto sob o ideal integracionista surge o chamado
direito comunitaacuterio europeu o qual atraveacutes de direito originaacuterio (tratados constitutivos) e
direito derivado (normas emanadas de oacutergatildeos de competecircncia legislativa da Uniatildeo) forma o
sistema juriacutedico-poliacutetico e juriacutedico-econocircmico da Uniatildeo Europeia A peculiaridade desta nova
ordem formada eacute a de natildeo querer unificar a ordem juriacutedica dos paiacuteses europeus mas de
uniformizar em algumas mateacuterias as normas do bloco criado Justamente por isso a
supranacionalidade intriacutenseca ao direito comunitaacuterio natildeo se confunde com o direito
internacional
Sob as bases de interesses econocircmicos tem-se o objetivo de chegar a uma integraccedilatildeo
nas aacutereas concernentes agrave poliacutetica cultura dentre outras sob uma relaccedilatildeo de integraccedilatildeo entre o
29
Id 2004a p47
21
ordenamento juriacutedico comunitaacuterio e o ordenamento interno de cada Estado Sem sombra de
duacutevidas a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais se insere nessas relaccedilotildees mas com o
intuito de fortalecer o ideal de supremacia das normas comunitaacuterias Em funccedilatildeo de tal
premissa tem-se a necessidade de preservar o estaacutegio alcanccedilado pelo processo de integraccedilatildeo e
por isso um ordenamento juriacutedico comunitaacuterio eacute formado Entretanto eacute preciso avanccedilar no
processo de tutela dos direitos humanos em um contexto tatildeo plural como o europeu
Deste modo de outro lado tem-se a ldquogrande Europardquo criada pelo Conselho da Europa
perfazendo uma cooperaccedilatildeo poliacutetica que hoje abriga quarenta e sete membros30
signataacuterios da
Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais
(CEDH) O oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do Conselho da Europa eacute o Tribunal Europeu dos Direitos
do Homem (TEDH) sediado em Estrasburgo e para o qual podem demandar tanto Estados
quanto indiviacuteduos viacutetimas de violaccedilotildees de direitos humanos reconhecidos pela convenccedilatildeo
Neste sentido o paraacutegrafo 3ordm31
do Preacircmbulo da CEDH de 1950 assevera que a
finalidade principal do Conselho da Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre seus
membros e que um dos meios para alcanccedilar esta finalidade eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais sendo tais direitos vistos como um meio
para uma progressiva integraccedilatildeo dos europeus Antes mesmo disso o Estatuto do Conselho da
Europa de 1949 havia asseverado que a finalidade da instituiccedilatildeo era criar uma organizaccedilatildeo
que levasse os paiacuteses do continente a uma associaccedilatildeo cuja base fosse a unidade entre seus
membros privilegiando ideais e princiacutepios comuns aos diferentes Estados
Essa configuraccedilatildeo surgida na segunda metade do seacuteculo XX produz alteraccedilotildees
significativas na conceituaccedilatildeo de alguns institutos juriacutedicos e poliacuteticos como eacute o caso do
Estado da soberania dentre outros Nesse sentido o cenaacuterio Europeu pode ser enxergado
como proacuteximo da noccedilatildeo de Estado em Rede proposto por Manuel Castells32
Em um mesmo
espaccedilo territorial a autoridade passa a ser partilhada ao longo de uma rede de instituiccedilotildees O
30
Os 47 paiacuteses que fazem parte do Conselho da Europa satildeo Beacutelgica Dinamarca Franccedila Irlanda Itaacutelia
Luxemburgo Paiacuteses Baixos Noruega Sueacutecia Reino Unido Greacutecia Turquia Islacircndia Alemanha Ocidental
Aacuteustria Chipre Suiacuteccedila Malta Portugal Espanha Liechtenstein Satildeo Marino Finlacircndia Hungria Polocircnia
Bulgaacuteria Estocircnia Lituacircnia Eslovecircnia Repuacuteblica Checa Eslovaacutequia Romecircnia Andorra Letocircnia Albacircnia
Moldaacutevia Macedocircnia Ucracircnia Ruacutessia Croaacutecia Geoacutergia Armecircnia Azerbaijatildeo Boacutesnia e Herzegovina Seacutervia
Mocircnaco Montenegro Disponiacutevel em
httpwwwcoeintptAboutCoemediainterfacepublicationscoe_dh_ptpdf Acesso 08 out 2014 31
O terceiro paraacutegrafo do preacircmbulo da CEDH dispotildee que ldquoConsiderando que a finalidade do Conselho da
Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre os seus Membros e que um dos meios de alcanccedilar essa finalidade
eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento dos direitos do homem e das liberdades fundamentais ()rdquo CONVENCcedilAtildeO
EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS
1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso em 08 out 2014 32
CASTELLS Manuel A era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura A sociedade em rede Vol 1 5
ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999b
22
Estado-naccedilatildeo claacutessico relaciona-se com instituiccedilotildees supranacionais e a rede formada possui
noacutes diversos e natildeo um centro uacutenico sendo que esses noacutes podem apresentar tamanhos distintos
e estar ligados por relaccedilotildees assimeacutetricas
Essas redes e seus noacutes portanto representam formas de poder paralelas e
complementares que satildeo autocircnomas uma em relaccedilatildeo agraves outras O espaccedilo europeu marcado
por um jaacute consolidado direito comunitaacuterio e por uma estrutura supranacional sui generis
tornou-se um verdadeiro campo de concorrecircncia convergecircncia justaposiccedilatildeo e conflito de
vaacuterias constituiccedilotildees e poderes constituintes em um mesmo espaccedilo poliacutetico levando a uma
pluralidade de ordenamentos e de normatividades
A supranacionalidade desenvolvida assemelha-se desta forma a um Estado em Rede
em funccedilatildeo de um novo paradigma de governanccedila estabelecido em diferentes niacuteveis com
diferentes noacutes de diferentes dimensotildees e com relaccedilotildees internacionais assimeacutetricas O Estado-
Naccedilatildeo claacutessico se articula cotidianamente na tomada de decisotildees com instituiccedilotildees
supranacionais de diferentes tipos e em acircmbitos distintos33
Em uma mesma organizaccedilatildeo
complexa temos entatildeo as caracteriacutesticas da descentralizaccedilatildeo e da coordenaccedilatildeo sobretudo no
aspecto normativo sendo que a crise do Estado-naccedilatildeo o desenvolvimento das instituiccedilotildees
supranacionais e a transferecircncia das atribuiccedilotildees e iniciativas aos acircmbitos regionais e locais satildeo
caracteriacutesticas que funcionam como base para o desenvolvimento do Estado em Rede
Nesse acircmbito ainda eacute possiacutevel acrescentar a definiccedilatildeo de Marcelo Varella34
de que a
Uniatildeo Europeia caracteriza-se por ser uma instituiccedilatildeo sui generis natildeo soacute pelo seu modo de
constituiccedilatildeo como por seus efeitos no campo juriacutedico-normativo Desta maneira o bloco
europeu dos vinte e oito inserido no contexto de um sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos
humanos (ldquopequena Europardquo inserida na ldquogrande Europardquo) marca a caracteriacutestica de uma
superaccedilatildeo da tiacutepica forma de visatildeo linear e hieraacuterquica do direito tradicional em favor da
construccedilatildeo de um direito em camadas ou em diferentes niacuteveis ou ainda em redes
Essa concepccedilatildeo de Castells utilizada aqui para ilustrar as relaccedilotildees na Uniatildeo Europeia
comunica-se com a noccedilatildeo de Mireille Delmas-Marty35
de um pluralismo que deve ser
ordenado Na Europa como um todo em acircmbito juriacutedico a coexistecircncia de normas das mais
diversas fontes e de tribunais nas mais diferentes escalas faz emergir uma noccedilatildeo de caos
33
Id 1999a p164 34
VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade
de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014 p145 35
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006
23
juriacutedico que precisa ser ordenado Em razatildeo disso pertinente a busca por um direito comum
com ecircnfase em um direito comum em mateacuteria de direitos humanos
Interessante notar que esse cenaacuterio criado intensifica-se com o processo de
mundializaccedilatildeo36
e sob essa oacutetica embora os direitos humanos tenham se tornado oponiacuteveis aos
Estados perfazendo princiacutepios de direito incluiacutedos nas Constituiccedilotildees Estatais no
entendimento dos tribunais supranacionais e em instrumentos normativos internacionais os
corolaacuterios do processo de mundializaccedilatildeo satildeo os direitos econocircmicos que predominam nas
preocupaccedilotildees do jaacute consolidado direito comunitaacuterio europeu
Enquanto os direitos humanos foram concebidos sob o prisma de uma universalidade e
com a finalidade de proteger o ldquoirredutiacutevel humanordquo37
os direitos econocircmicos satildeo os motores
da mundializaccedilatildeo sendo que isso somado agrave desestabilizaccedilatildeo do tempo e agrave desestatizaccedilatildeo do
Estado gera no processo de mundializaccedilatildeo uma aparente desordem normativa com a
proliferaccedilatildeo de normas de modo anaacuterquico38
Em funccedilatildeo disso eacute viaacutevel dizer que o continente europeu serve de base e eacute capaz de
traduzir importantes eventos para explicar fenocircmenos que hoje satildeo salientes na esfera juriacutedica
Mireille Delmas-Marty39
sugere que vivemos sob a eacutegide de espaccedilos ldquodesestatizadosrdquo tempos
ldquodesestabilizadosrdquo e uma ordem ldquodeslegalizadardquo No sentido atual da paisagem juriacutedica
afirmar que o Estado eacute a uacutenica fonte de Direito eacute assumir uma atitude de exclusatildeo de todos os
demais espaccedilos normativos
Como eacute possiacutevel observar na Europa convivem em um mesmo espaccedilo normas
provenientes de fontes estatais claacutessicas normas advindas de instituiccedilotildees supranacionais e
regras provenientes de entes internacionais na formaccedilatildeo de um verdadeiro mosaico juriacutedico
O monopoacutelio do Estado como produtor do direito deixa de ser imperativo frente agrave
internacionalizaccedilatildeo crescente das fontes juriacutedicas De modo concomitante e corroborando
36
Na obra ldquoTrecircs Desafios para um Direito Mundialrdquo Mirelle Delmas-Marty observa as particularidades dos
termos globalizaccedilatildeo mundializaccedilatildeo e universalidade quais sejam ldquoA mundializaccedilatildeo remete agrave difusatildeo espacial
de um produto de uma teacutecnica ou de uma ideia A universalidade implica um compartilhar de sentidosrdquo Em
outra passagem disserta ldquoDifusatildeo espacial de um lado compartilhar os sentidos de outra estas duas foacutermulas
descrevem muito bem a diferenccedila que separam os dois fenocircmenos que eu denominarei globalizaccedilatildeo para a
economia e universalizaccedilatildeo para os direitos do homem guardando assim o termo mundializaccedilatildeo uma
neutralidade que ele jamais perderaacute caso natildeo se resigne rapidamente ao primado da economia sobre os Direitos
do Homemrdquo DELMAS-MARTY Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr
Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b p 08-09 37
Ibid p48 38
FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos
teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013 39
DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47
24
com a teoria do Estado em Rede de Castells eacute possiacutevel observar um processo de
descentralizaccedilatildeo espacial com o deslocamento de fontes do centro para periferias40
Da mesma forma os tempos estatildeo desestabilizados Segundo Delmas41
em comparaccedilatildeo
aos votos claacutessicos de perpetuidade da lei eacute possiacutevel hoje encontrar fontes temporaacuterias e
evolutivas do direito O espaccedilo europeu se constitui como uma aacuterea privilegiada dessas fontes
evolutivas42
Sob o aspecto da ldquopequena Europardquo as regras de direito comunitaacuterio impotildeem um
resultado que deve ser atingido o que pela falta de meios juriacutedicos incentiva os Estados a
adaptar seus textos a dados econocircmicos
Isso tudo faz emergir a noccedilatildeo de assincronia43
do direito ou seja diferentes
velocidades em diferentes espaccedilos Nesse sentido haacute no espaccedilo europeu uma diferenccedila de
velocidade dos processos de integraccedilatildeo das normas internacionais (ou supranacionais) de
direito do comeacutercio em comparaccedilatildeo com as normas ambientais ou relativas aos direitos
humanos O proacuteprio processo evolutivo de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais
sob o panorama da ldquopequena Europardquo demonstra desde os primoacuterdios da criaccedilatildeo da
Comunidade Europeia uma ausecircncia de sincronia em relaccedilatildeo agraves duas esferas do direito A
evoluccedilatildeo dos direitos humanos eacute lenta quando comparada com a celeridade da integraccedilatildeo das
normas de direito comercial e econocircmico em um mundo de economia globalizada
Pode-se entatildeo afirmar que natildeo soacute na Europa como tambeacutem na sociedade
internacional o tempo das relaccedilotildees comerciais e por conseguinte o tempo da integraccedilatildeo do
direito do comeacutercio eacute o tempo do software da fluidez da velocidade da luz Enquanto isso o
tempo das relaccedilotildees humanas da eacutetica da solidariedade e da integraccedilatildeo do direito dos direitos
humanos segue o tempo do hardware do denso do apego ao territoacuterio e agraves localidades44
Por fim estaacute-se tambeacutem frente a uma ordem ldquodeslegalizadardquo uma vez que dentre os
reflexos das vicissitudes na seara juriacutedica eacute possiacutevel destacar um ruptura com a noccedilatildeo de
40
Tal fenocircmeno eacute descrito por Mireille Delmas-Marty como ldquodescentralizaccedilatildeordquo Esta envolve o deslocamento de
fontes do centro do Estado para coletividades territoriais Todavia tal fenocircmeno natildeo se confunde com uma mera
desconcentraccedilatildeo de poderes que eacute destinada a conferir maior eficaacutecia agraves estruturas centrais do Estado A
descentralizaccedilatildeo conforme refere a autora confia ao representante local da coletividade territorial certos poderes
de decisatildeo fazendo transparecer uma autonomia local para impor certas regras juriacutedicas Como exemplo
podem-se destacar as comissotildees locais de eacutetica como ocorre em uma deontologia profissional como a Ordem
dos Advogados As regras disciplinares desta profissatildeo guardam um caraacuteter misto sendo de natureza local e
nacional privada e puacuteblica Ibid 2004ap55 41
Ibid 2004ap47 42
Segundo Delmas falar de fontes evolutivas significa renunciar ao passado do costume e ao futuro das leis para
situar as fontes de direito no presente por natureza instaacutevel Ibid 2004ap65 43
Id 2006 p 114 44
SALDANHA Jacircnia Marial Lopes BRUM Maacutercio Morais MELLO Rafaela da Cruz A Assincronia do
Direito e o Caso Araguaia Uma anaacutelise da Decisatildeo do Supremo Tribunal Federal Brasileiro na ADPF 153 e do
Julgamento do Caso Gomes Lund e Outros vs Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos In Andreacute
Karam Trindade Angela Araujo da Silveira Espindola (Org) Direitos Fundamentais e Espaccedilo Puacuteblico 1ed
Passo Fundo - RS Editora IMED 2011 v 2 p 37-61
25
identidade entre direito e lei45
O processo de internacionalizaccedilatildeo deixa comum aos sistemas
de commun law e de civil law o papel do juiz na geraccedilatildeo do direito ou seja na interaccedilatildeo entre
texto normativo e sua interpretaccedilatildeo de modo que a jurisprudecircncia e o diaacutelogo entre os
diferentes tribunais serve para ambos os sistemas como um importante balizador para
consolidaccedilatildeo de entendimentos e de princiacutepios
Diante desse cenaacuterio juriacutedico global proveniente do processo de internacionalizaccedilatildeo -
e especiacutefico no caso da Europa ndash de desestatizaccedilatildeo de ruptura com paradigmas e com a loacutegica
binaacuteria de interpretar o direito eacute possiacutevel concordar com a premissa de Mireille Delmas-
Marty46
de que a paisagem juriacutedica apresenta um panorama de proliferaccedilatildeo constante de
normas e de entendimentos jurisprudenciais que em um primeiro momento podem levar a
uma noccedilatildeo de desordem e anarquia
Conveacutem perceber que a nova paisagem juriacutedica para a qual a Europa eacute um verdadeiro
laboratoacuterio47
eacute composta por formas mais complexas como piracircmides inacabadas
descontiacutenuas compostas por aneacuteis normativos como uma guirlanda no entanto natildeo
especificamente se liga agrave anarquia Pelo contraacuterio a retirada de marcos e o deslocamento de
linhas natildeo significa desordem e essa aparecircncia de caos favorece ao pluralismo
Por isso Delmas-Marty48
atesta que a internacionalizaccedilatildeo do direito apresenta um
grande paradoxo ordenar o plural Embora estejamos semanticamente diante de vernaacuteculos
opostos visto que a proposta eacute colocar em ordem aquilo que naturalmente eacute muacuteltiplo e plural
sem reduzir sua identidade a primeira consideraccedilatildeo que deve ser feita eacute a de que o tiacutepico
modelo kelseniano de loacutegica juriacutedica natildeo mais se aplica ao cenaacuterio em que o Direito se insere
atualmente em razatildeo da multiplicidade e do dinamismo existente no processo de
mundializaccedilatildeo
Para ir da desordem agrave ordem eacute necessaacuterio fortalecer as correlaccedilotildees da formaccedilatildeo
juriacutedica trazendo estabilidade agrave presenccedila de divergecircncias atraveacutes de uma aproximaccedilatildeo entre
ordens juriacutedicas por meio de um jogo de referecircncias cruzadas com o intuito de ordenar a
multiplicidade Essa aproximaccedilatildeo poreacutem natildeo pode ser concebida senatildeo em relaccedilatildeo a uma
referecircncia comum e neste campo a utilidade dos instrumentos protetivos de direitos humanos
traz a coerecircncia de conjunto capaz de indicar uma direccedilatildeo a seguir um norte para a criaccedilatildeo de
um direito comum cujo pluralismo eacute ordenado
45 DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47 46
Id 2006 47
VARELLA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do direito Direito Internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Livre Docecircncia em Direito Internacional Faculdade de
Direito da Universidade de Satildeo Paulo (USP) Satildeo Paulo 2012 Acesso 14 out 2014 48
Ibid 2006 p 10
26
Obviamente o direito comum almejado eacute pluralista tendo a razatildeo como instrumento
de justificaccedilatildeo e de diaacutelogo O pluralismo eacute justificado pelo intuito de harmonizar e conjugar
as particularidades religiosas poliacuteticas culturais de cada Estado ou comunidade evitando a
sobreposiccedilatildeo de uma ordem sobre outra ou a assimilaccedilatildeo e exclusatildeo Em razatildeo disso o
direito comum pluralista pretende construir um ldquoDireito dos Direitosrdquo a partir do ideal de
universalizaccedilatildeo dos direitos humanos sendo que a finalidade eacute a de aproximar ou harmonizar
ndash e natildeo unificar - os diferentes sistemas juriacutedicos sob a perspectiva de respeito ao ldquoirredutiacutevel
humanordquo49
Impossiacutevel a criaccedilatildeo de normas e regras comuns a todos os povos justamente pelo
fato de que sempre algumas normas advindas de culturas especiacuteficas se sobressairatildeo sobre
outras na criaccedilatildeo de uma hegemonia negativa O direito comum portanto inserido na oacutetica
de um direito mundial pluralista eacute aquele acessiacutevel a todos e comum aos diversos Estados
sem que haja o abandono de identidades Justamente em funccedilatildeo disso o alicerce para a sua
criaccedilatildeo eacute a aproximaccedilatildeo dos sistemas juriacutedicos tendo por base os direitos humanos que
carregam a caracteriacutestica da universalidade a qual adveacutem do compartilhamento de sentidos e
do enriquecimento pela troca
Neste sentido em que consistem esses direitos humanos que satildeo os alicerces para a
criaccedilatildeo de um direito comum Eacute possiacutevel afirmar que a mera previsatildeo constitucional ou em
tratados de direitos jaacute asseguram a sua proteccedilatildeo Como lidar com questotildees concernentes agraves
pretensotildees universalistas e as particularidades do relativismo cultural nas diferentes
sociedades europeias
Narciso Baez50
traz reflexotildees importantes acerca desse tema Segundo ele em meados
do seacuteculo XVII pensou-se que a positivaccedilatildeo dos direitos humanos seria instrumento suficiente
para garantir o seu respeito Essa noccedilatildeo adentrou a contemporaneidade com a filosofia de
Hans Kelsen de que as normas positivadas e inseridas nos ordenamentos juriacutedicos eram
obrigatoacuterias por serem legitimadas por uma norma juriacutedica superior que tinha um fim em si
mesma
Obviamente o seacuteculo XX mostrou que a mera inserccedilatildeo legal da dignidade da pessoa
humana ndash que eacute o elemento cerne dos direitos humanos ndash em um sistema positivo de direito e
dissociada de valores morais natildeo seria suficiente para evitar eventuais violaccedilotildees desses
49
Ibid 2006 p 54 50
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos
humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da
UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em
httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014
27
direitos Sob esse panorama e seguindo a corrente eacutetica51
de fundamentaccedilatildeo dos direitos
humanos pode-se afirmar que estes satildeo direitos de fora da ordem positiva que tecircm em seu
bojo componentes morais sociais poliacuteticos e ateacute econocircmicos que salvaguardam condiccedilotildees
miacutenimas para a garantia da dignidade da pessoa humana Em sua dimensatildeo baacutesica portanto
satildeo direitos inatos pautados em valores morais e conferidos aos indiviacuteduos pelo simples fato
de estes serem humanos
Logo para a construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos exige-
se o fortalecimento desses em suas dimensotildees baacutesicas Eacute neste sentido que Delmas52
se refere
ao miacutenimo eacutetico universal e ao irredutiacutevel humano ou seja elementos que todos os indiviacuteduos
apresentam em comum mesmo em diferentes culturas
As duas estruturas baacutesicas dos direitos humanos satildeo portanto os valores morais e a
dignidade humana53
Em relaccedilatildeo aos primeiros infere-se que a origem dos direitos humanos
natildeo eacute legal vez que estes satildeo reconhecidos aos indiviacuteduos pelo simples fato de serem
humanos O ordenamento juriacutedico tem a mera funccedilatildeo de reconhecer tais direitos e transformaacute-
los em normas a fim de obter efetividade Jaacute a dignidade humana eacute o bem maior dentro dos
direitos humanos constituindo uma qualidade universal intriacutenseca irrenunciaacutevel e
inalienaacutevel inerente a todos os seres humanos e que se encontra acima das especificidades
culturais
Neste vieacutes a universalidade de tais direitos que eacute requisito indispensaacutevel para a
criaccedilatildeo de um direito comum natildeo eacute marcada pela criaccedilatildeo de instrumentos internacionais
positivos de proteccedilatildeo dos direitos humanos Isso porque embora tenha se conseguido a
universalizaccedilatildeo da adesatildeo dos Estados como eacute o caso da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos da ONU de 1948 ou mesmo da CEDH do sistema regional europeu ainda haacute
resistecircncias agrave aceitaccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo em algumas culturas que alegam a necessidade de
relativizaccedilatildeo desses direitos para adequaccedilatildeo agraves realidades nacionais54
Logo para a construccedilatildeo de uma verdadeira universalidade eacute necessaacuterio interpretar os
direitos humanos sob uma oacutetica interdisciplinar Finnis55
nesse aspecto afirma que os direitos
humanos constituem uma categoria que busca consagrar a dignidade humana sendo esta um
atributo de todas as pessoas independentemente de crenccedila ou cultura Nesse aspecto
51
Id 2007 p 13-35 52
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b 53
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Direitos humanos na globalizaccedilatildeo In BAEZ Narciso
Leandro Xavier BARRETO Vicente (Org) Direitos humanos em evoluccedilatildeo Joaccedilaba Ed Unoesc 2007 p
13-35 54
Id 2009 p77-99 55
FINNIS John Ley natural e derechos naturales Buenos Aires AbeledoPerrot 2000
28
vislumbra-se necessaacuterio a fim de identificar quais satildeo os valores baacutesicos e inderrogaacuteveis a
todos os humanos a construccedilatildeo de valores universais atraveacutes do diaacutelogo e do cruzamento de
diferentes culturas com diferentes valores Isso facilita a construccedilatildeo de uma cultura
cosmopolita baseada em uma identificaccedilatildeo em que prevaleccedila a dignidade da pessoa humana
acima dos relativismos
As diversidades culturais satildeo provenientes de elementos externos56
da diferenccedila de
ambientes naturais mas mesmo assim todas as pessoas ainda que inseridas em
especificidades culturais distintas ainda manteacutem atributos comuns Eacute por essa loacutegica que
permanece atual a premissa de Kant de que no atual estaacutegio da humanidade os povos
atingiram um grau de desenvolvimento que os permitem fazer parte de uma comunidade
cosmopolita57
Por isso a violaccedilatildeo de um direito humano em um ponto do planeta repercute e
pode ser sentida em todos os outros
Pertinente ainda lembrar que a universalizaccedilatildeo natildeo significa a imposiccedilatildeo ou a
uniformizaccedilatildeo de uma cultura sobre as outras Pelo contraacuterio deve-se buscar uma raiz
comum qual seja um conjunto de valores miacutenimos universais capazes de dialogar com
diferentes culturas garantindo o respeito e a preservaccedilatildeo da vida humana em qualquer lugar
Ainda sob essa oacutetica eacute possiacutevel afirmar que a noccedilatildeo de direito comum de Delmas
aproxima-se do ideal de direito cosmopoliacutetico em Kant58
Ao perceber o aumento da
participaccedilatildeo dos povos na Terra Kant vislumbra a ideia de uma comunidade mundial
alicerccedilada sob as bases de um direito cosmopoliacutetico a fim de garantir a paz perpeacutetua Diante
da dicotomia entre praacuteticas culturais e direitos humanos a base do cosmopolitismo kantiano eacute
a busca de criteacuterios loacutegico-racionais que sejam comuns a todas as culturas
Nesse espectro surgem entatildeo os direitos humanos como nuacutecleo moral-juriacutedico do
direito cosmopoliacutetico vez que a moralidade miacutenima universal se baseia em trecircs pilares a)
humanidade comum b) ameaccedilas compartilhadas e c) obrigaccedilotildees miacutenimas Logo a
fundamentaccedilatildeo moral eacute a base dos direitos humanos uma vez que nela encontram-se as
exigecircncias imprescindiacuteveis para a vida de um indiviacuteduo Apesar das diferenccedilas sociais e
culturais entre os seres humanos algumas necessidades e capacidades satildeo comuns a todos59
56
PAREKH Bhikhu Pluralist universalism and human rights In SMITH Rhona K M ANKER Cristien van
den The essentials of human rights London Oxford University Press 2005 57
KANT Immanuel Para a paz perpeacutetua Traduccedilatildeo Baacuterbara Kristen - Rianxo Instituto Galego de Estudos de
Seguranccedila Internacional e da Paz 2006 58
Ibid 2006 p 107-108 59
BARRETO Vicente de Paulo Direito Cosmopoliacutetico e Direitos Humanos In Espaccedilo Juriacutedico Journal of
Law N 2 Vol 11 2010 Disponiacutevel em
httpeditoraunoescedubrindexphpespacojuridicoarticleview19491017 Acesso 30 out 2014
29
Assim como a concepccedilatildeo de direitos humanos natildeo pode mais ser concebida como o
era na eacutepoca de Kelsen o panorama em que o Direito de um modo geral se insere hoje
tambeacutem natildeo pode mais ser concebido conforme a loacutegica claacutessica kelseniana em que a
constituiccedilatildeo estatal encontra-se no topo de uma estrutura piramidal sendo hierarquicamente
seguida pela legislaccedilatildeo infraconstitucional Os rearranjos da mundializaccedilatildeo e a consequente
internacionalizaccedilatildeo do Direito fazem com que novas estruturas permeiem o atual cenaacuterio
juriacutedico mundial
Seja uma concepccedilatildeo de trapeacutezio cujos veacutertices superiores satildeo ocupados em igual
niacutevel pelas constituiccedilotildees estatais e pelos tratados ou convenccedilotildees internacionais protetivos dos
direitos humanos como eacute a visatildeo de Canotilho seguida por Flaacutevia Piovensan60
seja uma
visatildeo de nuvens fluidas e descontiacutenuas com um direito de sistemas interativos complexos
marcados por geometria de piracircmides inacabadas e aneacuteis normativos como guirlandas
defendida por Delmas-Marty61
demonstram que a internacionalizaccedilatildeo traz tentativas de
recomposiccedilatildeo de um pluralismo que deveraacute ser suficientemente ordenado
Em razatildeo disso razoaacutevel frente agrave mudanccedila paradigmaacutetica trazida pela mundializaccedilatildeo
pensar em um conjunto ordenado para a desordem uma vez que a aparente anarquia que
existe favorece ao pluralismo Para se chegar a um direito comum pluralista tendo por base os
direitos humanos deve-se buscar a harmonizaccedilatildeo entre estes e os direitos econocircmicos com
respeito agraves particularidades religiosas e culturais e com a superaccedilatildeo dos perigos de uma
uniformizaccedilatildeo hegemocircnica tendente agrave globalizaccedilatildeo econocircmica
Nesse novo paradigma o ideaacuterio de ordem ldquodeslegalizadardquo anteriormente referido
toma corpo uma vez que a sobrevalorizaccedilatildeo da lei e das grandes codificaccedilotildees perde espaccedilo
havendo em contrapartida a crescente incorporaccedilatildeo dos precedentes (certa ruptura de
fronteiras entre common law e civil law) e dos princiacutepios como espeacutecie de coacutedigo cultural do
processo de interpretaccedilatildeo e criaccedilatildeo do direito62
A internacionalizaccedilatildeo do Direito reflete portanto uma nova realidade de um Direito
de sistemas complexos fluidos descontiacutenuos e interativos os quais levam agrave mutaccedilatildeo da
proacutepria concepccedilatildeo tradicional de ordem juriacutedica que natildeo eacute mais fechada dentro de si mesma e
sim sofre influecircncia de outras A tradicional piracircmide kelseniana eacute desconstruiacuteda
60
PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e diaacutelogo entre jurisdiccedilotildees In Revista Brasileira de Direito
Constitucional ndash RBCD n19 ndash janjul 2012 61
DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio
de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b 62
FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos
teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013
30
gradativamente dando lugar a novas geometrias cuja hierarquia natildeo eacute tatildeo riacutegida mas nem por
isso deixa de ser complexa
No topo encontram-se as constituiccedilotildees juntamente com elementos do Direito
Internacional (jus cogens tratados relativos o direito internacional dos direitos humanos) e do
direito comunitaacuterio europeu No corpo do que seria a antiga piracircmide kelseniana encontra-se
o crescimento e a consolidaccedilatildeo de um direito jurisprudencial atraveacutes de um jogo de
referecircncias reciacuteprocas em que um sistema observa o outro mas natildeo haacute um centro ao lado das
normas produzidas no legislativo (a intensa produccedilatildeo jurisprudencial para os hard cases
culmina em adiccedilatildeo de conteuacutedos advindos de ldquooutros direitosrdquo) e a base passa a ser composta
por decretos e regulamentos que resultam de administraccedilotildees policecircntricas corroborando para
a crenccedila de que o processo de internacionalizaccedilatildeo do direito vem acompanhado de
descentralizaccedilatildeo e privatizaccedilatildeo de fontes do Direito63
Diante deste quadro Delmas64
apresenta trecircs espeacutecies de processo de interaccedilatildeo para
se chegar a um direito comum coordenaccedilatildeo por entrecruzamento harmonizaccedilatildeo e unificaccedilatildeo
Destaca-se antes de discorrer brevemente sobre esses processos que o direito comum natildeo
tem a pretensatildeo de unificar o Direito no texto pois isso seria uma tarefa praticamente utoacutepica
A ideia de Delmas objetiva na realidade a exploraccedilatildeo da pluralidade como potencial poder
de integraccedilatildeo vez que as redes dinacircmicas e as estruturas vetorizadas pelos direitos humanos
presentes nas novas geometrias da ordem mundial se pautam no reconhecimento do outro em
uma espeacutecie de alteridade65
A coordenaccedilatildeo por entrecruzamento caracteriza-se por ser um processo horizontal em
que a autoridade das decisotildees seraacute reforccedilada pelo jogo de referecircncias cruzadas de uma
jurisdiccedilatildeo agrave outra Essa eacute uma fase transitoacuteria na construccedilatildeo de uma verdadeira ordem juriacutedica
mundial em que a internormatividade e a interpretaccedilatildeo cruzada permitem a formaccedilatildeo de no
miacutenimo uma comunidade de juiacutezes Em funccedilatildeo disso em acircmbito global percebem-se traccedilos
da coordenaccedilatildeo por entrecruzamento nos diaacutelogos entre cortes e tribunais nas mais diferentes
ordens No espaccedilo europeu a coordenaccedilatildeo eacute percebida da mesma forma atraveacutes dos diaacutelogos
entre as cortes nacionais e os tribunais da ldquopequena Europardquo e da ldquogrande Europardquo
respectivamente Tribunal de Luxemburgo e de Estrasburgo
Interessante notar conforme jaacute foi demonstrado que foram os diaacutelogos entre as cortes
nacionais dos diversos Estados membros da entatildeo Comunidade Europeia e posterior Uniatildeo
63
Ibid 2013 p20 64
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006 65
LOPES Carla Patriacutecia Frade Nogueira Internacionalizaccedilatildeo do Direito e pluralismo juriacutedico limites de
cooperaccedilatildeo no diaacutelogo de juiacutezes In Revista de Direito Internacional da Uniceub Vol 9 n4 2012
31
Europeia que auxiliaram no processo de consolidaccedilatildeo do entendimento de primazia das
normas comunitaacuterias ao lado da proteccedilatildeo integral aos direitos fundamentais previstos nas
constituiccedilotildees estatais Isso culminou conforme se asseverou anteriormente na disposiccedilatildeo do
Tratado de Lisboa de que a Uniatildeo Europeia natildeo soacute se submete agraves tradiccedilotildees e regras
constitucionais em mateacuteria de direitos fundamentais como adere agrave Convenccedilatildeo Europeia dos
Direitos do Homem
Se o primeiro processo de interaccedilatildeo eacute a coordenaccedilatildeo far-se-aacute de imediato a anaacutelise do
uacuteltimo processo a unificaccedilatildeo visto que o eacute no processo intermediaacuterio ndash a harmonizaccedilatildeo ndash que
se desenvolve o foco do presente estudo A unificaccedilatildeo seria do ponto de vista formal o
processo perfeito por unir ordens juriacutedicas regionais sob um mesmo modelo hieraacuterquico e
coerente das ordens nacionais tradicionais Entretanto sob o enfoque empiacuterico essa perfeiccedilatildeo
estaacute longe de ser garantida vez que a unificaccedilatildeo consiste na transferecircncia pura e simples do
regramento juriacutedico de um paiacutes para outro em uma espeacutecie de verticalizaccedilatildeo ordenada que
pode gerar a dominaccedilatildeo hegemocircnica de uma ordem sobre outra sem portanto respeito agrave
pluralidade
O processo intermediaacuterio de harmonizaccedilatildeo por sua vez tende a aproximar os sistemas
com um propoacutesito coordenativo poreacutem sem a intenccedilatildeo unificadora Tal processo limita-se a
uma integraccedilatildeo imperfeita cuja chave eacute a preservaccedilatildeo das margens nacionais de apreciaccedilatildeo
De modo diferente da coordenaccedilatildeo que eacute marcada pela horizontalidade da comunicaccedilatildeo entre
conjuntos juriacutedicos a harmonizaccedilatildeo instaura uma relaccedilatildeo do tipo vertical que implica o
reconhecimento de algumas hierarquias entre por exemplo direito internacional e nacional
direito supranacional e nacional dentre outras formas Todavia a inversatildeo destas hierarquias
e o reconhecimento muacutetuo fazem parte do movimento de harmonizaccedilatildeo
As margens nacionais de apreciaccedilatildeo satildeo as grandes novidades desse processo de
harmonizaccedilatildeo vez que elas funcionam em uma dinacircmica centriacutefuga e envolvem tanto a
obrigaccedilatildeo de conformidade em relaccedilatildeo agraves normas internacionais das quais determinado paiacutes eacute
signataacuterio quanto agrave apreciaccedilatildeo soberana dos Estados sendo delineada por princiacutepios
comuns66
A resistecircncia dos direitos internos e os avanccedilos do processo de harmonizaccedilatildeo satildeo
portanto as condiccedilotildees de possibilidade para a aplicaccedilatildeo da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
(MNA)
66
SALDANHA Jacircnia Maria Lopes MELLO Rafaela da Cruz Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e
Diaacutelogos Transjurisdicionais uma anaacutelise da postura do Supremo Tribunal Federal Brasileiro In Conselho
Nacional de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito - CONPEDI (Org) Direito Internacional dos Direitos
Humanos I XXIII EdFlorianoacutepolis CONPEDI 2014 v I p 368-394
32
Deste modo imperioso reconhecer que em um continente plural como eacute o europeu
com diversos paiacuteses com aspectos linguiacutesticos culturais religiosos e poliacuteticos a figura da
MNA apresenta-se como uma importante chave para o desenvolvimento e consolidaccedilatildeo de
um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos sendo uma ferramenta relevante
para o estabelecimento de um pluralismo ordenado uma vez que as pluralidades e
peculiaridades culturais e religiosas de cada Estado satildeo respeitadas
Neste sentido portanto a Europa pode ser vista novamente como um laboratoacuterio de
experiecircncias e o surgimento da MNA possui hoje um importante papel sobretudo dentro do
continente europeu Utilizada tanto pelos Tribunais de Luxemburgo e Estrasburgo a MNA
surgiu pela primeira vez na jurisprudecircncia do TEDH
Embora existam relatos do uso da MNA pelo Tribunal de Luxemburgo para permitir
que os conceitos comunitaacuterios sejam interpretados de modo flexiacutevel segundo as
especificidades nacionais e servindo como uma importante vaacutelvula de escape para as tensotildees
nacionais mais fortes neste trabalho far-se-aacute a limitaccedilatildeo da utilizaccedilatildeo da MNA pelo Tribunal
Europeu de Direitos do Homem com o intuito de analisar quais satildeo os entraves e as
possibilidades do uso de tal ferramenta pra a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de um direito comum
para a ldquogrande Europardquo tendo como base os direitos humanos
33
2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU
A noccedilatildeo de margem encontra-se no coraccedilatildeo dos sistemas de Direito uma vez que o
direito interno jaacute prevecirc a possibilidade de uma margem de interpretaccedilatildeo aos juiacutezes em relaccedilatildeo
agraves demandas que lhes satildeo apresentadas Todavia a internacionalizaccedilatildeo impulsiona ao
acreacutescimo do termo ldquonacionalrdquo a essa margem no sentido de permitir o reconhecimento da
diversidade dos sistemas juriacutedicos e a possibilidade de um direito comum
Nesse sentido no presente capiacutetulo far-se-aacute uma abordagem acerca da histoacuteria dessa
ferramenta criada pelo TEDH bem como o conceito e as criacuteticas trazidas por estudiosos da
doutrina da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) (21) Por conseguinte atraveacutes de uma
anaacutelise jurisprudencial se tentaraacute comprovar que a margem a despeito de opiniotildees contraacuterias
acerca da ausecircncia de paracircmetros para sua aplicaccedilatildeo pelo TEDH constitui-se como um
instrumento relevante para a construccedilatildeo de um direito comum europeu tendo como base
luminosa os direitos humanos (22)
21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem
Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu
Consoante fora anteriormente aludido a noccedilatildeo de margem encontra-se dentro dos
sistemas de direito Por isso em um primeiro momento aponta-se a margem dentro do direito
interno como ferramenta capaz de auxiliar o juiz enquanto receptor da norma a interpretar
determinado caso concreto em uma espeacutecie de coacutedigo cultural que determina o senso da
norma67
Nesse sentido a origem dessa margem de interpretaccedilatildeo adveacutem do direito
administrativo de diversos Estados europeus Na Franccedila a margem eacute conhecida como ldquomarge
67
DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation
du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit
compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780
34
drsquoappreacutecciationrdquo na Alemanha eacute vista como ldquoErmessensspielraumrdquo e na Itaacutelia ldquomarge de
discrizionalitaacuterdquo68
Em acircmbito interno portanto caracteriza-se por ser uma deferecircncia que
combina aspectos processuais e hermenecircuticos no sentido de conferir uma reserva de
apreciaccedilatildeo ao administrador para decidir acerca da conveniecircncia e oportunidade em relaccedilatildeo
aos atos administrativos
O processo de internacionalizaccedilatildeo estaacutegio supremo da globalizaccedilatildeo69
no acircmbito do
Direito se desenvolve a ponto de transformar o campo de uma disciplina de modo que
consoante jaacute fora exaustivamente exposto a seara juriacutedica natildeo se limita mais agrave relaccedilatildeo entre
Estados nem somente se combina com os direitos internos Logo o pluralismo pode ser visto
como uma palavra de ordem na paisagem juriacutedica atual e por isso a noccedilatildeo de margem ganha
o adjetivo ldquonacionalrdquo e passa a ser um elemento de tentativa de aproximaccedilatildeo com a finalidade
de atingir um direito comum com bases humanistas
Logo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) teria a finalidade de proceder a uma
espeacutecie de siacutentese entre os anseios de unidade juriacutedica e o desejo de separaccedilatildeo proveniente de
uma autonomia estatal A margem portanto sob o vieacutes da internacionalizaccedilatildeo corresponderia
ao caminho do meio entre o pressuposto de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o
relativismo ou os particularismos culturais de cada Estado
No contexto europeu em que tanto sob o vieacutes comunitaacuterio quanto sob a perspectiva do
sistema regional os Estados apresentam pluralidades significativas em relaccedilatildeo agrave religiatildeo agrave
cultura agrave poliacutetica dentre outros campos a figura da MNA serve como um importante
instrumento para aproximar o universal e o relativo70
Dessa maneira teria a funccedilatildeo de no
processo de construccedilatildeo de um direito comum apresentar como horizonte a universalidade dos
direitos humanos mas sem perder de foco os relativismos culturais que formam a identidade
das mais diferentes sociedades
Niacutetido portanto que o caminho para a construccedilatildeo de um ldquocomumrdquo em mateacuteria de
direitos humanos relaciona-se natildeo soacute com a proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua esfera eacutetica
e miacutenima como tambeacutem com a preservaccedilatildeo da pluralidade Como instrumento do processo de
harmonizaccedilatildeo a margem carrega em seu acircmago a noccedilatildeo de convergecircncia em torno de
princiacutepios comuns mas garantindo o respeito a uma espeacutecie de direito agrave divergecircncia uma vez
68
ITZCOVITCH Giulio One None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations The Lautsi Case
In Human Rights Law Review Oxford Journals 2013 Disponiacutevel em
httphrlroxfordjournalsorgcontent132toc Acesso 04 nov 2014 69
SANTOS Milton Teacutecnica Espaccedilo Tempo Globalizaccedilatildeo e meio teacutecnico-cientiacutefico-informacional 5ordf ed
Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2013 p 45 70
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b
35
que se garante a cada Estado a particularidade de lidar com questotildees atinentes agraves suas
diferenccedilas
Deste modo o Tribunal de Estrasburgo consoante fora dito anteriormente se utiliza
pela primeira vez do recurso agrave MNA no caso Lawless vs Irlanda71
Na discussatildeo cerne deste
conflito estava a possibilidade de prisatildeo provisoacuteria no caso dos atentados terroristas
relacionados ao grupo extremista IRA (Irish Republic Army) Mais especificamente o
cidadatildeo irlandecircs Gerard Richard Lawless ex-membro do IRA foi preso em julho de 1957 no
momento em que estava prestes a viajar da Irlanda agrave Gratilde-Bretanha Neste ato foi detido sob
especiais poderes de detenccedilatildeo indeterminada sem julgamento sob alegaccedilotildees de ofensas contra
o Estado irlandecircs
Lawless fazendo o uso da prerrogativa de peticcedilatildeo individual demandou perante a
Corte Europeia de Direitos do Homem alegando violaccedilatildeo pelo Estado Irlandecircs dos artigos 56
e 7 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem mas especificamente direitos de
liberdade seguranccedila julgamento justo e o princiacutepio de proibiccedilatildeo de puniccedilatildeo sem lei anterior
que defina um delito
No julgamento do caso em 1961 o Tribunal de Estrasburgo pela primeira vez fez
alusatildeo mesmo que de modo natildeo explicito agrave possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo
ao deixar ao Estado Irlandecircs margem para decidir fundamentando-se nas prerrogativas do
artigo 1572
da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Tal norma da Convenccedilatildeo alude agrave
possibilidade de derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade com a prerrogativa de que em
caso de guerra ou outro perigo puacuteblico que ameace a vida da naccedilatildeo a parte aderente agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem pode tomar providecircncias que derroguem as
obrigaccedilotildees previstas no tratado na estrita medida em que exigir a situaccedilatildeo
71
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57518itemid[001-57518] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lawless vs Irlanda Sentenccedila de 01 de julho de 1961 Acesso
05 nov 2014 72
Artigo 15 Derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade 1 Em caso de guerra ou de outro perigo puacuteblico que
ameace a vida da naccedilatildeo qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providecircncias que derroguem as obrigaccedilotildees
previstas na presente Convenccedilatildeo na estrita medida em que o exigir a situaccedilatildeo e em que tais providecircncias natildeo
estejam em contradiccedilatildeo com as outras obrigaccedilotildees decorrentes do direito internacional 2 A disposiccedilatildeo
precedente natildeo autoriza nenhuma derrogaccedilatildeo ao artigo 2deg salvo quanto ao caso de morte resultante de atos
liacutecitos de guerra nem aos artigos 3deg 4deg (paraacutegrafo 1) e 7deg 3 Qualquer Alta Parte Contratante que exercer este
direito de derrogaccedilatildeo manteraacute completamente informado o Secretaacuterio Geral do Conselho da Europa das
providecircncias tomadas e dos motivos que as provocaram Deveraacute igualmente informar o Secretaacuterio - Geral do
Conselho da Europa da data em que essas disposiccedilotildees tiverem deixado de estar em vigor e da data em que as da
Convenccedilatildeo voltarem a ter plena aplicaccedilatildeo CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS
DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014
36
Logo aplicando o referido artigo 15 da Convenccedilatildeo a decisatildeo do Tribunal de
Estrasburgo foi de no caso proposto asseverar que os fatos apurados natildeo revelam uma
violaccedilatildeo por parte do Governo irlandecircs de suas obrigaccedilotildees ao abrigo da Convenccedilatildeo Europeia
para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais Em razatildeo disso de a
motivaccedilatildeo do Tribunal para proferir a decisatildeo ter partido de uma prerrogativa da proacutepria
Convenccedilatildeo Europeia alguns autores73
natildeo fazem alusatildeo a este caso como o primeiro em que
houve concessatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo para Estado
Embora haja uma referecircncia tiacutemida agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso exposto
anteriormente eacute no caso linguiacutestico belga74
que se percebe uma manifestaccedilatildeo mais concreta
da Corte de Estrasburgo em relaccedilatildeo agrave deferecircncia de julgamento aos Estados precisando
alguns dos fundamentos da doutrina da MNA No caso belga julgado em 1968 pais que
falavam francecircs questionaram o sistema educacional da Beacutelgica que dividia o paiacutes em quatro
regiotildees linguiacutesticas distintas
O Tribunal de Luxemburgo aceitou uma margem de apreciaccedilatildeo conferida agraves partes em
funccedilatildeo de que os Estados possuiacuteam discricionariedade em relaccedilatildeo agrave regulamentaccedilatildeo do direito
agrave educaccedilatildeo A Corte argumentou que essa necessidade de concessatildeo de uma deferecircncia ou de
um limite de discricionariedade ao Estado era proveniente da natureza do proacuteprio direito
discutido (regulamentaccedilatildeo do sistema educacional) de modo que a regulamentaccedilatildeo do direito
agrave educaccedilatildeo poderia variar de acordo com o local e com o tempo consoante as necessidades e
os recursos da comunidade e dos indiviacuteduos
Ainda eacute possiacutevel destacar nesse caso a vinculaccedilatildeo da noccedilatildeo de margem de apreciaccedilatildeo
ao princiacutepio de subsidiariedade dos tribunais internacionais em relaccedilatildeo agraves cortes nacionais
Por isso o Tribunal manifestou-se asseverando que natildeo desejava substituir as autoridades
nacionais pois se assim o fizesse perderia a caracteriacutestica de mecanismo internacional de
garantia da ordem instaurada pela Convenccedilatildeo
73
KRATOCHVIL Jan The inflation of the margin of appreciation by european court of human rights In
Netherlands Quarterly of Human Rights Vol 293 2011 p 324-357 Disponiacutevel em ww corteidhorcr
tablas r26992pdf Acesso 01 nov 2014
VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um
equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em
httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 74
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httpwww9euskadineteuskara_araubideaLegedialegeakgaztelaneuropas23b001pdf CORTE EUROPEIA
DE DIREITOS HUMANOS Caso linguiacutestico belga Sentenccedila de 23 de julho de 1968 Acesso 05 nov 2014
37
Essa subsidiariedade conduz agrave MNA duas noccedilotildees75
uma noccedilatildeo teacutecnica e outra
poliacutetica Na noccedilatildeo teacutecnica a razatildeo para sua existecircncia relaciona-se com a imprecisatildeo de
algumas normas que conferem certa liberdade ao juiz internacional No campo poliacutetico a
relaccedilatildeo se evidencia pela sensibilidade dos Estados em relaccedilatildeo a temas polecircmicos
Sob essa oacutetica e embora esse natildeo seja o foco do presente trabalho pode-se afirmar que
a MNA eacute uma figuram importante tanto para o horizonte de criaccedilatildeo de um direito comum
europeu como para a consolidaccedilatildeo do direito comunitaacuterio europeu Isso porque este uacuteltimo
embora tenha sido baseado em um ideal federalista funda-se na realidade em um modelo de
governanccedila supranacional em que a MNA foi importada pelo Tribunal de Luxemburgo a fim
de ser uma vaacutelvula de escape para tensotildees fortes em acircmbito comunitaacuterio76
O TJUE deste modo permite que os conflitos comunitaacuterios sejam interpretados de
maneira flexiacutevel conforme especificidades nacionais Cada Estado pode atribuir seu proacuteprio
significado a expressotildees ou textos legais de interpretaccedilatildeo ampla devendo-se contudo
vincular aos princiacutepios e conceitos juriacutedico-legais do direito comunitaacuterio
No campo de construccedilatildeo de um direito comum europeu que tem como terreno o
sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos tal premissa natildeo eacute diferente Embora em
alguns casos o TEDH opte pela concessatildeo da margem de deferecircncia essa soacute pode ser aplicada
pelo Estado se este observar os princiacutepios que regem o instrumento legal base da Corte qual
seja a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) Deste modo o Estado natildeo fica
desobrigado do cumprimento da Convenccedilatildeo pois em tese apenas existiraacute margem para
pontos sensiacuteveis desta os quais permitem interpretaccedilotildees diferenciadas de acordo com os
particularismos nacionais e os desacordos culturais
Nesse sentido conforme se observou pelos casos citados com ecircnfase para o caso
Lawless vs Irlanda uma primeira aplicaccedilatildeo da doutrina da margem vinculou-se ao processo
de sedimentaccedilatildeo do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos vez que tal
caso foi um dos primeiros a ser julgado pelo Tribunal de Estrasburgo aleacutem de conforme fora
dito ter sido o primeiro no acircmbito da criaccedilatildeo e uso da MNA Em razatildeo desse contexto a
utilizaccedilatildeo do instrumento em questatildeo deu-se em funccedilatildeo de uma demanda que envolvia
questatildeo de seguranccedila interna de um paiacutes e por isso a aplicaccedilatildeo da deferecircncia de julgamento agrave
Irlanda daacute-se tambeacutem como uma teacutecnica poliacutetica para evitar tensotildees entre esfera internacional
75
DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation
du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit
compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780 76
VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade
de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014
38
e nacional (esta ainda arraigada ao conceito claacutessico de soberania) no acircmbito de um sistema
que tinha sido criado recentemente
Sob tal vieacutes pode-se recorrer agrave explicaccedilatildeo de Marcelo Varella77
de que a margem
deve ser aplicada para temas polecircmicos em que abusos exegeacuteticos por parte do tribunal de
cariz internacional podem levar agrave perda de legitimidade deste Contudo com o
desenvolvimento da teoria da MNA tanto por doutrinadores como pela proacutepria jurisprudecircncia
do tribunal que a criou percebe-se que o seu uso em grande medida relaciona-se com o
embate entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo nacional em mateacuteria de
desacordos culturais
Natildeo obstante a existecircncia de criacuteticas sobre a aplicaccedilatildeo praacutetica atual da MNA pelo
TEDH o que seraacute objeto de anaacutelise na sequencia do presente trabalho eacute com a figura da
deferecircncia da margem nacional que se torna possiacutevel um pluralismo de justaposiccedilatildeo78
que
tolera a coexistecircncia de sistemas particularmente diferentes Somente a possibilidade de
acoplamento do adjetivo nacional ao substantivo margem ou seja uma transferecircncia de
conceito desse substantivo para outra esfera que natildeo agrave interna de cada paiacutes jaacute demonstra que
uma ruptura com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito jaacute iniciou e ainda estaacute em curso
A ruptura com a concepccedilatildeo tradicional unificada e estritamente hierarquizada de
ordem juriacutedica leva a uma ruptura epistemoloacutegica com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito
Isso permite natildeo soacute a existecircncia e aplicaccedilatildeo de uma margem nacional de apreciaccedilatildeo como
demonstra a possibilidade de concretizaccedilatildeo do ideal de um direito comum que por ser
pluralista natildeo pode ser projetado conforme o modelo tradicional e nem encontra campo para
isso em funccedilatildeo do novo mosaico juriacutedico existente sobretudo na Europa
Logo eacute possiacutevel afirmar que a margem a que se refere esse trabalho natildeo deixa de ser
um reconhecimento jurisprudencial dessa mudanccedila de ares trazida pelas novas configuraccedilotildees
e estruturas juriacutedicas Isso porque novas instituiccedilotildees emergem em meio de um caos juriacutedico
que natildeo passa despercebido pelas cortes internacionais Prova disso eacute que a MNA natildeo eacute
mencionada somente pelo TEDH Ainda que de modo muito tiacutemido e em pequena medida eacute
possiacutevel o destaque de citaccedilatildeo (e aplicaccedilatildeo) da referida doutrina pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos79
Embora o continente latino americano seja tatildeo ou mais plural e diversificado que o
europeu e que o uso da margem como instrumento de siacutentese entre relativo e universal seja
77
Ibid 2012 p 143 78
DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 757 79
POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema
interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012
39
teoricamente indicado para sedimentar as bases de construccedilatildeo de um direito comum pluralista
a aplicaccedilatildeo do instituto em solo americano ainda natildeo ocorre de modo significativo Sob esse
vieacutes o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Seacutergio Garcia Ramirez80
asseverou
que a margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute uma ferramenta e um princiacutepio europeu de relativismo
relativo agrave execuccedilatildeo que natildeo eacute visto com simpatia pela Corte maacutexima do sistema regional
americano de direitos humanos Isso em funccedilatildeo natildeo soacute do histoacuterico de demandas que
chegaram ao julgamento da Corte Interamericana ndash em grande parte envolvendo violaccedilotildees de
direitos humanos perpetradas pelo Estado durante os periacuteodos de ascensatildeo de autoritarismos e
ditaduras na Ameacuterica Latina ndash como tambeacutem em razatildeo das democracias latino-americanas
ainda estarem em fase de consolidaccedilatildeo
Deste modo em razatildeo da ausecircncia ateacute entatildeo de casos envolvendo desacordos
culturais e das recentes reinserccedilotildees ou inserccedilotildees democraacuteticas de paiacuteses do continente
americano temia-se que eventual aplicaccedilatildeo de MNA poderia ser compreendida pelos Estados
como um salvo-conduto para que houvesse violaccedilatildeo de direitos humanos pelos paiacuteses A
cautela e a percepccedilatildeo de paisagens diferentes entre os territoacuterios separados pelo Atlacircntico
fizeram e fazem com que ainda hoje a doutrina da margem tenha pouca ou quase nenhuma
aplicaccedilatildeo na Ameacuterica
Deste modo pode-se afirmar que a internacionalizaccedilatildeo do direito - e seus reflexos na
Europa - eacute a responsaacutevel pela criaccedilatildeo de um espaccedilo para o desenvolvimento da doutrina da
margem nacional de apreciaccedilatildeo Nesse sentido embora a criaccedilatildeo tenha sido jurisprudencial
por parte do TEDH com aplicaccedilatildeo em alguns casos pelo proacuteprio Tribunal de Luxemburgo eacute
importante avaliar de que modo a doutrina conceitua o referido instituto
A posiccedilatildeo adotada por este trabalho eacute a de Mireille Delmas-Marty81
que salienta em
suas obras a origem nacional da margem nacional ainda como uma margem de interpretaccedilatildeo
capaz de conferir um pluralismo de valores do tipo meta juriacutedico em uma espeacutecie de
deferecircncia para apreciaccedilatildeo do juiz receptor de determinada norma Todavia a margem
relativa agrave internacionalizaccedilatildeo liga-se ao reconhecimento da diversidade de sistemas juriacutedicos
os quais possuem algumas caracteriacutesticas peculiares ligadas agraves identidades do Estado em que
se encontram
80
Tal posicionamento de Seacutergio Garciacutea Ramirez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema Internacional de
Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de 19 e 20 de agosto
de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado ndash da Pontifiacutecia
Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS 81
DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 762
40
Em razatildeo disso para a autora a noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo aleacutem de ser
uma siacutentese entre o universal e o relativo eacute uma chave do pluralismo ordenado Desse modo
sua construccedilatildeo assemelha-se de um lado agrave expressatildeo de uma dinacircmica centriacutefuga ou seja
uma resistecircncia dos Estados agrave integraccedilatildeo e o apego agrave noccedilatildeo claacutessica de soberania e de outro
lado sendo ela limitada por princiacutepios comuns estabelece o miacutenimo de compatibilidade
voltando-se ao centro em uma dinacircmica centriacutepeta
Haacute portanto um movimento duplo que por vezes traduz as resistecircncias dos direitos
nacionais por vezes os avanccedilos rumo agrave harmonizaccedilatildeo do direito comum em mateacuteria de
direitos humanos Eacute justamente essa capacidade de oscilaccedilatildeo que permite os ajustamentos
com vistas a compatibilizar o interno com o comum com o intuito nem de criar uma
hegemonia do universal e nem de tornar inaplicaacutevel o direito comum em razatildeo das
particularidades Desta forma Delmas percebe a margem como uma teacutecnica juriacutedica presente
no acircmbito do fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo do direito e que permite o reconhecimento da
diversidade entre os sistemas juriacutedicos82
Benvenisti83
por sua vez visualiza no uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo uma
espeacutecie de latitude que cada sociedade tem na resoluccedilatildeo de conflitos inerentes entre os
direitos individuais e os interesses nacionais ou entre diferentes convicccedilotildees morais Por
conseguinte alude que a doutrina da margem consoante inclusive fora abordado
anteriormente neste trabalho respondeu inicialmente a preocupaccedilotildees de governos nacionais
de que as poliacuteticas internacionais pudessem comprometer a seguranccedila nacional Isso entatildeo
explicaria a invocaccedilatildeo da margem no caso Lawless vs Irlanda por exemplo
Com a evoluccedilatildeo da jurisprudecircncia o uso desse instrumento passou a ser aplicado por
outras razotildees como gestatildeo de recursos discricionariedade em relaccedilatildeo a questotildees
concernentes agrave deliberaccedilatildeo acerca de sistemas poliacuteticos educacionais entre outros ateacute passar
a ser utilizada em temas relativos aos desacordos culturais Ainda segundo Bevenisti84
a
utilizaccedilatildeo da margem se justifica em alguns casos e em algumas mateacuterias ndash para o autor por
exemplo a aplicaccedilatildeo da margem nacional natildeo se justifica quando em questatildeo se encontram o
direito de minorias - sendo que o uso ampliado ou desmedido pode gerar uma espeacutecie de
deslegitimaccedilatildeo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos
82
Ibid 2000 p 760 83
BENVENISTI Eyal Margin of apreciation consensus and universal standards In International Law and
Politics Vol 31843 1999 pp 843-854 Disponiacutevel em httpwwwpict-
pctiorgpublicationsPICT_articlesJILPBenvenistipdfp 853 Acesso 05 nov 2014 84
Ibid 1999 p 846
41
Para Poblete amp Alvarado85
a margem nacional de apreciaccedilatildeo liga-se agrave noccedilatildeo de fins e
limites da jurisdiccedilatildeo internacional ou supranacional em mateacuteria de direitos humanos Eles
reconhecem que a doutrina da margem concede aos Estados signataacuterios de convenccedilotildees
internacionais liberdade para apreciar as circunstacircncias materiais que exigem aplicaccedilatildeo de
medidas excepcionais em situaccedilatildeo de emergecircncia como eacute o caso das prerrogativas do artigo
15 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de derrogaccedilatildeo em caso de necessidade
Outrossim ainda segundo os mencionados autores a margem possibilita aos Estados
liberdade para limitar direitos reconhecidos em tratados internacionais quando outros direitos
exigem respeito ou assim exigem os interesses da comunidade Ainda serviria para definir os
conteuacutedo dos direitos delimitar como eles satildeo aplicados no plano interno e definir o modo
como seratildeo cumpridas resoluccedilotildees de um oacutergatildeo internacional de supervisatildeo de um tratado ou
convenccedilatildeo Dessa maneira tais autores identificam a doutrina da MNA como uma
metodologia de que se servem os tribunais internacionais para difundir os direitos humanos
previstos nos tratados internacionais bem como o direito do comeacutercio ndash a margem tambeacutem eacute
aplicada pela Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio (OMC)
Vila86
por sua vez percebe na doutrina da marem nacional de apreciaccedilatildeo uma espeacutecie
de ldquodeferecircnciardquo praticada pelo Tribunal de Estrasburgo em relaccedilatildeo aos Estados signataacuterios da
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Isso pelo fato de que o sistema de proteccedilatildeo dos
diretos humanos na Europa eacute resultado de uma divisatildeo de trabalho entre os Estados e a Corte
em que os primeiros satildeo responsaacuteveis primaacuterios desta proteccedilatildeo e a Corte possui um caraacuteter
subsidiaacuterio atuando em acircmbitos sensiacuteveis como o da moralidade e da religiatildeo em que natildeo haacute
consenso entre os Estados
Nesse mesmo sentido se situa o pensamento de Roca87
que afirma que a doutrina da
margem nacional de apreciaccedilatildeo ocupa um lugar de destaque na jurisprudecircncia do Tribunal
Europeu de Direitos Humanos e eacute necessaacuteria para refletir uma realidade evidente qual seja a
pluralidade cultural dos Estados que fazem parte do Conselho da Europa notaacutevel em um
pluralismo de base territorial sobre o qual assenta uma cultura comum europeia de alguns
miacutenimos
85
POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema
interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012 p5 86
VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um
equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em
httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 87
ROCA JavierGarciacutea La muy discrecional doctrina del margen de apreciacioacuten nacional seguacuten el Tribunal
Europeo de Derechos Humanos Soberaniacutea e Integracioacuten In UNED Teoriacutea y Realidad Constitucional N
202007 p 117-143 Disponiacutevel em httpe-spaciounedes revistasuned indexphp TRC article vie 6778
Acesso 02 nov 2014
42
Da mesma forma considera o autor que os princiacutepios da proporcionalidade e da
subsidiariedade satildeo imanentes agrave noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo visto que os
Estados possuem certa margem de discricionariedade na aplicaccedilatildeo e no cumprimento de
obrigaccedilotildees impostas pela Convenccedilatildeo bem como na ponderaccedilatildeo de interesses mais
complexos Se houver excesso por parte dos Estados no uso dessa margem haacute violaccedilatildeo do
princiacutepio da proporcionalidade e abre-se espaccedilo para a intervenccedilatildeo do oacutergatildeo jurisdicional
internacional sob as bases do princiacutepio da subsidiariedade
Eacute importante sob essa oacutetica lembrar que embora o diferencial da Corte Europeia de
Direitos Humanos seja o de permitir a peticcedilatildeo individual de qualquer sujeito que denuncie
uma violaccedilatildeo de seus direitos baacutesicos assim como outros tribunais internacionais tem a regra
da exigecircncia do esgotamento das vias internas de acesso agrave justiccedila para que a demanda seja
recebida pelo TEDH Se natildeo houve satisfaccedilatildeo do pleito por parte do Estado ou se a reparaccedilatildeo
obtida se revelara inidocircnea para uma proteccedilatildeo adequada ao direito violado entatildeo agrave Corte
Europeia eacute permitido revisar a decisatildeo nacional ou substituiacute-la
Mahorney88
em seus estudos assevera que a margem funciona como uma espeacutecie de
divisatildeo de jurisprudecircncias uma vez que traccedila uma linha divisoacuteria entre o que deve decidir
cada comunidade nacional e as questotildees que tecircm relevacircncia para necessitar uma soluccedilatildeo
homogecircnea ou seja as que demandam uma decisatildeo que harmonize a regulaccedilatildeo do direito e
suas garantias na comunidade internacional independentemente das diferenccedilas de tradiccedilotildees
ou culturas
Contreras89
afirma que os tratados regionais de direitos humanos embora contenham
escopos de universalidade em relaccedilatildeo a esses direitos satildeo acompanhados pela possibilidade
de peculiaridades geograacuteficas na execuccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos direitos do homem As cortes
internacionais tecircm a dificuldade de conciliar ou justificar a falta de conciliaccedilatildeo entre
diferenccedilas morais e normativas de cada regiatildeo Em razatildeo disso uma das criaccedilotildees doutrinaacuterias
mais importantes eacute a da margem nacional de apreciaccedilatildeo sendo esta para o autor um criteacuterio
interpretativo desenvolvido tanto como deferecircncia aos Estados para que possam regular o
conteuacutedo dos direitos e suas restriccedilotildees e para distribuir os poderes e niacuteveis de decisotildees
tomadas entre as autoridades domeacutesticas e internacionais
88
MAHORNEY Paul Marvellous richness diversity or individual cultural relativism In Human Rights Law
Journal Vol 19 nuacutem 1 30 de abril de 1998 p 1 89
CONTRERAS Pablo National Discretion and International Deference in the Restriction of Human Rights A
Comparison Between the Jurisprudence of the European and the Inter-American Court of Human Rights In
Northwestern Journal of International Human Rights Vol 11 2012 Disponiacutevel em
httpscholarlycommonslawnorthwesterneducgiviewcontentcgiarticle=1155ampcontext=njihr Acesso 01 nov
2014
43
Visiacutevel portanto que na doutrina natildeo haacute um contexto exato em relaccedilatildeo a essa figura
criada e aplicada na jurisprudecircncia do TEDH Enquanto para alguns estudiosos ela se
configura como uma doutrina para outros eacute um criteacuterio interpretativo ou hermenecircutico usado
pelos tribunais internacionais no sentido de revisar a decisatildeo de um Estado ou conceder
deferecircncia a este para julgar conforme o direito interno coadunado com os princiacutepios miacutenimos
existentes nos tratados internacionais de direitos humanos
Natildeo obstante a divergecircncia de conceituaccedilatildeo no campo teoacuterico analisar-se-aacute no
proacuteximo capiacutetulo alguns casos emblemaacuteticos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de apreciaccedilatildeo
pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos mais diferentes tema com o intuito de
responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel afirmar que do modo como eacute aplicada a
doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo pela Corte Europeia de Direitos do Homem
temos uma efetiva contribuiccedilatildeo para o processo de harmonizaccedilatildeo entre universal e relativo e
construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos
Embora a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo tenha nascido da tentativa de
produccedilatildeo de uma siacutentese entre o universal e o relativo no espaccedilo do sistema regional europeu
de proteccedilatildeo dos direitos humanos sua aplicaccedilatildeo praacutetica sobretudo pelo TEDH natildeo eacute imune a
criacuteticas Cumpre a esse capiacutetulo realizar notas acerca da aplicaccedilatildeo praacutetica da margem
nacional de apreciaccedilatildeo com o intuito de verificar se ela efetivamente contribui ou eacute capaz de
contribuir para a construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
Conforme afirmam Brum et Saldanha90
a MNA ao ser compreendida e utilizada como
uma forma de autocontrole por meio do qual o oacutergatildeo jurisdicional internacional evita o
enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas poliacutetica pode
representar um risco de fragilizaccedilatildeo do direito internacional dos direitos humanos caso seu
uso se torne indiscriminado sem criteacuterios claros e limites precisos Desta maneira seu uso em
vez de conduzir ao caminho de ordenaccedilatildeo do muacuteltiplo e de mundializaccedilatildeo dos direitos
90
BRUM Maacutercio Morais SALDANHA Jacircnia Maria Lopes A margem nacional de apreciaccedilatildeo e sua
(in)aplicaccedilatildeo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em mateacuteria de anistia Uma figura hermenecircutica a
serviccedilo do pluralismo ordenado In Anuario Mexicano de Derecho Internacional 2015(No prelo para
publicaccedilatildeo)
44
humanos levaria ao rumo contraacuterio da fragmentaccedilatildeo e reforccedilo da velha noccedilatildeo de soberania
marcada pela ausecircncia de compromisso dos Estados com os marcos protetivos miacutenimos do
direito internacional
Neste vieacutes portanto dentro ainda de um panorama geral de anaacutelise da postura do
Tribunal de Estrasburgo um dos primeiros pontos de criacutetica se relaciona ao enfraquecimento
da credibilidade do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos Na visatildeo de
alguns doutrinadores a postura da Corte Europeia na aplicaccedilatildeo irrestrita e sem limitaccedilotildees ou
uma sistematizaccedilatildeo teacutecnica em relaccedilatildeo aos casos em que deve ou natildeo ser aplicada pode gerar
um sentimento de descrenccedila na legitimidade e na eficaacutecia das decisotildees tomadas pelo oacutergatildeo
jurisdicional internacional do Conselho da Europa
Para alguns estudiosos o modo como a margem eacute aplicada reflete uma postura de
evitar o enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas
poliacuteticas Aleacutem de uma fragilizaccedilatildeo do sistema internacional de proteccedilatildeo aos direitos humanos
o uso da margem sem limites definidos pode levar ao reforccedilo da noccedilatildeo claacutessica de soberania
em que o compromisso dos Estados com os instrumentos normativos de direito internacional
era mitigado
No campo de aplicaccedilatildeo a casos praacuteticos eacute possiacutevel conforme assevera Roca91
visualizar as imprecisotildees praacuteticas e teoacutericas do uso da margem o que leva a dois resultados o
primeiro eacute a necessidade de criaccedilatildeo de esforccedilos com urgecircncia para melhor edificar e criar
paracircmetros para a aplicaccedilatildeo da ferramenta bem como que o demandante ou qualquer
observador perante a Corte natildeo saber com suficiente seguranccedila juriacutedica quando o Tribunal
de Estrasburgo vai usar a margem nem quais seratildeo os possiacuteveis resultados desse uso
Ainda segundo o autor a margem eacute um instrumento impreciso e de geometria
variaacutevel todavia eacute consenso entre os doutrinadores que a ferramenta natildeo eacute uma carta branca
aos Estados para fazerem o que quiserem sendo necessaacuteria depuraccedilatildeo teoacuterica para tornar o
instrumento mais preciso Seu uso impotildee como jaacute foi dito autocontenccedilatildeo por parte da Corte
tendo em vista que sua funccedilatildeo segundo o princiacutepio da subsidiariedade eacute somente de impor
estandartes miacutenimos comuns em mateacuteria de direitos humanos Entretanto o niacutevel de proteccedilatildeo
dos direitos dos direitos e das diversas foacutermulas para concretizaacute-los natildeo satildeo homogecircneos
diante de naccedilotildees com tradiccedilotildees juriacutedicas tatildeo diversas
Desta maneira no campo jurisprudencial com a finalidade de responder ao
questionamento feito no capiacutetulo anterior utilizar-se-aacute de modo conjunto as classificaccedilotildees das
91
ROCA op cit 125
45
decisotildees da Corte Europeia dos Direitos do Homem feitas por Contreras e por Roca Para o
primeiro doutrinador92
eacute possiacutevel dividir os casos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de
apreciaccedilatildeo pelo Tribunal de Estrasburgo em trecircs grandes grupos
O primeiro grupo abarca casos envolvendo direitos fundamentais e direitos poliacuteticos
dentre os quais se destacam a proibiccedilatildeo da tortura ou a liberdade de expressatildeo e associaccedilatildeo
Nesse primeiro grupo no que tange aos direitos fundamentais haacute rigorosa supervisatildeo por
parte do Tribunal Europeu negando qualquer margem nacional de apreciaccedilatildeo aos Estados
Ainda dentro deste conjunto no que concerne aos discursos poliacuteticos ou direito de partidos
poliacuteticos eacute por vezes concedida uma margem reduzida agraves autoridades domeacutesticas para
decisatildeo ou execuccedilatildeo de uma decisatildeo
O segundo grupo por sua vez relaciona-se aos direitos de propriedade em que a
Corte concede grande margem de deferecircncia aos Estados Isso porque o TEDH reconhece em
princiacutepio que as autoridades nacionais estatildeo melhor situadas do que o juiz internacional no
que tange a apreciaccedilatildeo acerca do melhor interesse de uma comunidade em relaccedilatildeo a poliacuteticas
envolvendo direitos de propriedade
Por fim o terceiro grupo eacute o mais complexo para a apreciaccedilatildeo do tipo de margem
concedida pelo Tribunal de Estrasburgo uma vez que conteacutem temas que natildeo apresentam
consenso por parte do Tribunal Deste modo neste grupo ficam evidentes as complexidades e
as vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis da MNA Casos como os de liberdade religiosa liberdade de
discurso direitos dos homossexuais dentre outros temas latentes e relevantes na paisagem
juriacutedica social e cultural europeia
Do mesmo modo Roca93
divide a margem nacional de apreciaccedilatildeo em trecircs ciacuterculos
concecircntricos tendo como base a natureza dos direitos cuja tutela eacute pleiteada junto ao oacutergatildeo
jurisdicional internacional do sistema europeu O primeiro ciacuterculo de Roca relaciona-se com o
segundo grupo de Contreras vez que trata dos direitos de propriedade que teriam uma
margem de deferecircncia ampla e um controle pouco intenso por parte da Corte Esse ciacuterculo
seria o maior e englobaria os demais
No ciacuterculo menor estariam os direitos vistos como absolutos pelo Tribunal Europeu
Dentre esses se destacam o direito agrave vida ou os direitos democraacuteticos que apresentam uma
margem de apreciaccedilatildeo pouco extensa juntamente com um controle restrito por parte da Corte
Europeia Este ciacuterculo identifica-se com o primeiro grupo anteriormente mencionado visto
92
CONTRERAS op cit p 35 93
ROCA op cit p 134
46
que trabalha com noccedilotildees de direitos fundamentais e poliacuteticos essenciais e miacutenimos para todos
os paiacuteses europeus
Por fim no espaccedilo intermediaacuterio entre esses dois ciacuterculos encontra-se uma esfera
meacutedia que relacionando-se com o terceiro grupo definido por Contreras contempla todos os
outros direitos em que alguma vez o Tribunal de Estrasburgo mencionou ou aplicou a margem
nacional de apreciaccedilatildeo Eacute justamente nesse ciacuterculo que devem ser desenvolvidos os
paracircmetros para guiar o uso da ferramenta pela Corte no intuito de reduzir a inseguranccedila
juriacutedica ocasionada pelo uso sem uma sistematizaccedilatildeo de criteacuterios
Eacute pertinente em um primeiro momento destacar que conforme ambos os
doutrinadores demonstram quando se mencionam direitos fundamentais ou vinculados agrave
princiacutepios democraacuteticos inaplicaacutevel eacute o uso da margem pela Corte ou se for feito eacute de forma
absolutamente restrita No caso dos direitos fundamentais interessante relembrar Baez94
que
ao buscar o conceito de direitos humanos concluiu que nenhuma fonte normativa existente
tanto em sistemas internacionais quanto nacionais ou regionais trazem a definiccedilatildeo de direitos
humanos Pelo contraacuterio soacute os exemplificam
Nesse sentido observou Baez95
que embora natildeo exista uma definiccedilatildeo precisa de
direitos humanos existem elementos baacutesicos que fazem parte desses e o elemento que eacute
citado em todos os instrumentos normativos sobre o tema eacute o de dignidade da pessoa humana
Os direitos humanos somente existem para realizaccedilatildeo e proteccedilatildeo da dignidade humana poreacutem
o conceito de dignidade eacute de tatildeo difiacutecil conceituaccedilatildeo quanto o conceito de direitos humanos
O autor conclui que a dignidade possui duas dimensotildees a dimensatildeo baacutesica a qual
corresponde aos limites miacutenimos e fundamentais para a existecircncia humana impedindo a
noccedilatildeo de coisificaccedilatildeo do ser Se houver portanto violaccedilatildeo agrave dimensatildeo baacutesica da dignidade da
pessoa humana haacute tambeacutem violaccedilatildeo dos direitos humanos A outra dimensatildeo eacute a cultural vez
que envolve o conjunto de valores que cada sociedade desenvolve
A primeira dimensatildeo refere-se agrave universalidade e a segunda que depende de fatores
culturais permite que os direitos humanos sejam morfologicamente assimeacutetricos Isso natildeo
deixa de se relacionar com o que Delmas-Marty fala acerca dos direitos humanos
inderrogaacuteveis ou seja que natildeo podem sofrer a incidecircncia de qualquer tipo de margem de
94
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos
humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da
UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em
httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014 95
Tal posicionamento de Narciso Leandro Xavier Baez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema
Internacional de Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de
19 e 20 de agosto de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado
ndash da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS
47
apreciaccedilatildeo Estes possuem a caracteriacutestica do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano
ou seja vinculam-se agrave noccedilatildeo da dimensatildeo baacutesica da dignidade da pessoa humana
Neste vieacutes eacute possiacutevel dizer que no que diz respeito aos direitos fundamentais a Corte
de certa forma apresenta certa relaccedilatildeo com as doutrinas apresentadas uma vez que em casos
em que existam registros de violaccedilotildees aos direitos humanos inderrogaacuteveis quais sejam os
que tem como cerne a dignidade humana baacutesica a Corte natildeo permite qualquer espeacutecie de
margem nacional de apreciaccedilatildeo Vejamos por exemplo o caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila96
julgado em 2006 O demandante perante o Tribunal de Estrasburgo foi um terrorista
venezuelano conhecido na deacutecada de 1970 condenado pelo Estado Francecircs agrave prisatildeo perpeacutetua
pelo assassinato em 1974 dois inspetores da poliacutecia francesa e um antigo companheiro
terrorista libanecircs
Saacutenchez recorreu agrave Corte Europeia arguindo violaccedilotildees do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo
Europeia dos Direitos do Homem (proibiccedilatildeo da tortura e tratamentos humanos degradantes) e
do artigo 13 do mesmo diploma legal (direito a um recurso efetivo) Embora no julgamento
tenha ficado decidido que natildeo houve violaccedilatildeo ao artigo 3ordm97
o posicionamento da Corte
permite asseverar que natildeo haacute margem nacional de deferecircncia aos Estados quando o assunto
for violaccedilatildeo de direitos humanos ou fundamentais inderrogaacuteveis ou cujo nuacutecleo central for a
dignidade baacutesica da pessoa humana Nesse sentido a Corte pontuou que mesmo nas
circunstacircncias mais difiacuteceis como a luta contra o terrorismo ou o crime organizado a
Convenccedilatildeo proiacutebe em termos absolutos a tortura ou tratamentos inumanos ou degradantes
Igualmente natildeo confere o Tribunal margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso de
violaccedilatildeo de direitos humanos nas condiccedilotildees degradantes das prisotildees de muitos paiacuteses do Leste
Europeu O caso Kalashnikov vs Ruacutessia98
julgado em 15 de julho de 2002 cujo fundamento
foi repetido em muitos outros casos envolvendo condiccedilotildees humanas degradantes nas prisotildees
apresenta a consideraccedilatildeo de que deficientes condiccedilotildees objetivas e estruturais de cumprimento
de pena podem constituir uma violaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo Europeia
96
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-
1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila Sentenccedila
de 04 de julho de 2006 Acesso 05 nov 2014 97
Artigo 3ordm Proibiccedilatildeo da tortura Ningueacutem pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos desumanos
ou degradantes CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS
LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 98
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-
1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Kalashnikov vs Ruacutessia Sentenccedila de 15
de julho de 2002 Acesso 05 nov 2014
48
Ainda pode-se destacar o caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria99
em que novamente o motivo
que serve de base para o pedido de julgamento do Tribunal de Estrasburgo eacute a violaccedilatildeo do
artigo 3ordf da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de que ningueacutem poderaacute ser
submetido a torturas nem a penas ou tratamentos humanos degradantes O caso em comento
referiu-se agrave prisatildeo do senhor Borislav Gutsanov membro do Partido Comunista preso pela
poliacutecia da Bulgaacuteria em sua casa na frente de seus filhos e de sua esposa durante as
investigaccedilotildees de esquemas de grupos criminosos Segundo o relato das partes demandantes
Gustsanovi foi rendido em sua casa por volta das seis horas da manhatilde forccedilado a se ajoelhar e
algemado em frente a seus filhos menores de idade
A decisatildeo da Corte foi a de considerar que houve violaccedilatildeo do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo
uma vez que se mostrou desnecessaacuterio o ato dos policiais e natildeo condizente com os princiacutepios
da proporcionalidade e com as exigecircncias de garantia de direitos fundamentais de um Estado
Democraacutetico de Direito Isso porque o demandante natildeo teria oferecido resistecircncia em sua
prisatildeo de modo que algemaacute-lo diante de sua famiacutelia representou uma espeacutecie de tratamento
humano degradante
Casos como os acima previstos mostram um padratildeo doutrinaacuterio e jurisprudencial
semelhante vez que natildeo se encontram referecircncias expressas a qualquer margem nacional de
apreciaccedilatildeo para as autoridades nacionais O TEDH determina se as provas colhidas satildeo
suficientes ou natildeo para provar o real risco de tortura ou de tratamento humano e
degradante100
Logo pelo fato de que a natureza dos direitos envolvidos nesse caso eacute considerada
como fundamental de imediato eliminam-se as possibilidades de deferecircncia aos Estados Tal
compreensatildeo eacute o que faz o uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo ser extremamente reduzido
no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos Isso porque ateacute hoje diferentemente do Tribunal de Estrasburgo a Corte
Interamericana teve como maioria de demandas apresentadas as envolvendo delitos
praticados pelos Estados Americanos durante as ditaduras militares ou civil militares em que
casos de tortura e desaparecimento forccedilados eram julgados ou seja casos envolvendo a
violaccedilatildeo de direitos fundamentais ou humanos em sua perspectiva eacutetica de dignidade humana
e natildeo cultural
99
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-126982itemid[001-126982] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria Sentenccedila de 15 de outubro de 2013
Acesso 05 nov 2014 100
CONTRERAS op cit p 41
49
Nesse aspecto visiacutevel que quando se tratam de possiacuteveis violaccedilotildees de direitos
humanos inderrogaacuteveis previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos
a anaacutelise feita pelo Tribunal de Estrasburgo eacute de revisatildeo minuciosa da sentenccedila proferida no
paiacutes de origem da demanda bem como a possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute
extremamente reduzida para natildeo falar inexistente No caso de direitos democraacuteticos a
deferecircncia quando concedida pela Corte possui um limite miacutenimo e consoante o princiacutepio da
proporcionalidade soacute eacute concedida se a restriccedilatildeo eacute necessaacuteria e condizente com uma sociedade
democraacutetica
Nos direitos democraacuteticos referidos abarca-se a participaccedilatildeo poliacutetica atraveacutes das
possibilidades de liberdade de associaccedilatildeo ou de discurso poliacutetico Neste campo dos direitos de
participaccedilatildeo poliacutetica em sociedades democraacuteticas a margem concedida pelo Tribunal de
Estrasburgo consoante se afirmou eacute reduzida e sujeita a um controle rigoroso por parte do
oacutergatildeo jurisdicional internacional
Destaca-se o caso Lingens vs Austria101
que por mais que tenha sido julgado na
deacutecada de 1980 pela Corte Europeia eacute emblemaacutetico em relaccedilatildeo ao posicionamento do
tribunal internacional acerca da liberdade de expressatildeo Nesse caso durante o periacuteodo anterior
agraves eleiccedilotildees na Aacuteustria o jornalista Lingens publicou dois artigos polecircmicos sobre os
candidatos incluindo em um desses artigos a informaccedilatildeo de que o entatildeo presidente do
Partido Liberal Nacional da Aacuteustria teria ligaccedilotildees no passado com o nazismo e com a SS
Contra o jornalista foi instaurado um processo penal e ao fim da instruccedilatildeo criminal
este fora condenado pelo delito de difamaccedilatildeo conforme as regras do direito penal austriacuteaco
Esgotadas as vias internas de recurso o jornalista demandou perante a Corte Europeia
alegando que houve por parte do Estado violaccedilatildeo do artigo 10 da Convenccedilatildeo Europeia
havendo censura em seu direito de expressar-se livremente O Estado por sua vez nas razotildees
apresentadas perante o tribunal internacional justificou a condenaccedilatildeo na convicccedilatildeo de
proteccedilatildeo da honra dos direitos de outrem
Frente a este embate o Tribunal de Estrasburgo reconheceu uma margem miacutenima de
deferecircncia agraves autoridades domeacutesticas no que concerne aos oacutergatildeos locais na avaliaccedilatildeo de uma
necessidade social imperiosa que justificaria a interferecircncia na liberdade de expressatildeo de
Lingens Entretanto ressaltou que essa deferecircncia seria seguida por uma riacutegida supervisatildeo
101
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lingens vs Austria Sentenccedila de 8 de julho de 1986 Acesso
05 nov 2014
50
internacional uma vez estar se tratando de direitos fundamentais para o bom funcionamento
de uma sociedade democraacutetica
Ainda nesse sentido o TEDH arguiu que a liberdade de debate poliacutetico eacute cerne da
democracia e considerar que qualquer ofensa ou notiacutecia acerca de uma pessoa puacuteblica seria
sempre difamaccedilatildeo poderia impedir a imprensa na realizaccedilatildeo de sua tarefa de fornecedora de
informaccedilotildees Deste modo aplicando de forma conjunta os princiacutepios da proporcionalidade e
da subsidiariedade o Tribunal de Estrasburgo decidiu que a condenaccedilatildeo fora desproporcional
ao objetivo legiacutetimo perseguido e constituiu uma violaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo no
acircmbito da Convenccedilatildeo Europeia
Tambeacutem merece anaacutelise o caso July and Sarl Libeacuteration vs France102
cuja sentenccedila
foi proferida em 2008 Neste caso o jornal francecircs Libeacuteration divulgou uma reportagem a
respeito das investigaccedilotildees da morte do juiz Bernard Borrel que em um primeiro momento
havia sido dada como suiciacutedio mas apoacutes a reabertura das investigaccedilotildees houve surgimento de
indiacutecios de morte por encomenda Apoacutes a divulgaccedilatildeo da reportagem contendo informaccedilotildees
acerca da participaccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos na morte do magistrado o diretor do jornal
Senhor July foi processado criminalmente pelo crime de difamaccedilatildeo e condenado pelo governo
francecircs
O TEDH em sua manifestaccedilatildeo asseverou que o caso em questatildeo trazia niacutetida
interferecircncia de autoridades puacuteblicas na liberdade de expressatildeo e essa interferecircncia caso natildeo
siga os requisitos do artigo 10103
da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos representa
clara violaccedilatildeo do direito de liberdade de expressatildeo Nessa situaccedilatildeo ainda a Corte faz uso de
uma triacuteade de requisitos descritos por Contreras104
para a concessatildeo da margem a) prescriccedilatildeo
legal - verificar se a restriccedilatildeo realizada pela autoridade domeacutestica foi autorizada ou pelo
102
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-85084itemid[001-85084] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso July and Sarl Libeacuteration vs France Sentenccedila de 14 de
fevereiro de 2008 Acesso 05 nov 2014 103
Artigo 10 Liberdade de expressatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de expressatildeo Este direito
compreende a liberdade de opiniatildeo e a liberdade de receber ou de transmitir informaccedilotildees ou ideias sem que
possa haver ingerecircncia de quaisquer autoridades puacuteblicas e sem consideraccedilotildees de fronteiras O presente artigo
natildeo impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusatildeo de cinematografia ou de televisatildeo a um
regime de autorizaccedilatildeo preacutevia 2 O exerciacutecio desta liberdades porquanto implica deveres e responsabilidades
pode ser submetido a certas formalidades condiccedilotildees restriccedilotildees ou sanccedilotildees previstas pela lei que constituam
providecircncias necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a integridade territorial ou a
seguranccedila puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral a proteccedilatildeo da
honra ou dos direitos de outrem para impedir a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees confidenciais ou para garantir a
autoridade e a imparcialidade do poder judicial CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS
DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 104
CONTRERAS op cit p 34
51
menos executada em conformidade com a lei b) objetivo legiacutetimo c) se a medida foi
necessaacuteria em uma sociedade democraacutetica
No caso pode ser feito o destaque para o trecho da sentenccedila em que analisando a
necessidade da medida de investigaccedilatildeo do crime de difamaccedilatildeo a Corte arguiu que a tarefa do
tribunal internacional no exerciacutecio de sua competecircncia de fiscalizaccedilatildeo natildeo eacute de tomar o lugar
das autoridades competentes mas sim rever as decisotildees que porventura violarem preceitos
previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem quando entregues ao poder de
apreciaccedilatildeo do Estado Deve entatildeo a Corte agrave luz do caso como um todo avaliar se a medida
tomada pelo Estado foi proporcional ao objetivo legiacutetimo perseguido e se os motivos
indicados pelas autoridades nacionais satildeo suficientes e relevantes Por tais motivos no caso
em questatildeo o TEDH declarou que houve violaccedilatildeo por parte do Estado Francecircs do direito de
liberdade de expressatildeo devendo este arcar com uma indenizaccedilatildeo agraves partes prejudicadas
Ainda dentro dessa esfera de atuaccedilatildeo mais precisamente no que concerne ao direito
democraacutetico de livre reuniatildeo e associaccedilatildeo previsto no artigo 11105
da Convenccedilatildeo Europeia o
destaque pode ser dado aos casos do Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia106
julgado em 2005 e Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia107
julgado em 2006 O primeiro deles
trata da questatildeo de dissoluccedilatildeo do Partido Comunista da Turquia ordenado pelo Tribunal
Constitucional do paiacutes sob as razotildees de que era incompatiacutevel com as obrigaccedilotildees
constitucionais e convencionais do Estado
Ao apreciar tal caso a Corte alegou que os partidos poliacuteticos satildeo estruturas essenciais
para o bom e justo funcionamento da democracia Embora natildeo negue certa margem de
deferecircncia aos Estados para que dissolvam partidos poliacuteticos que poderiam tentar minar a
estrutura constitucional do Estado tal decisatildeo se executada pode sofrer revisatildeo se natildeo
105
Artigo 11 Liberdade de reuniatildeo e de associaccedilatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo
paciacutefica e agrave liberdade de associaccedilatildeo incluindo o direito de com outrem fundar e filiar-se em sindicatos para a
defesa dos seus interesses 2 O exerciacutecio deste direito soacute pode ser objeto de restriccedilotildees que sendo previstas na
lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a seguranccedila
puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral ou a proteccedilatildeo dos direitos
e das liberdades de terceiros O presente artigo natildeo proiacutebe que sejam impostas restriccedilotildees legiacutetimas ao exerciacutecio
destes direitos aos membros das forccedilas armadas da poliacutecia ou da administraccedilatildeo do Estado CONVENCcedilAtildeO
EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS
1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 106
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia
Sentenccedila de 2005 Acesso 05 nov 2014 107
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia Sentenccedila de 15 de
julho de 2006 Acesso 05 nov 2014
52
adequar-se agraves previsotildees da Convenccedilatildeo Europeia Logo o Tribunal embora tenha feito a
ressalva de que podem os Estados dissolver partidos poliacuteticos na situaccedilatildeo afirmou que houve
violaccedilatildeo dos direitos de liberdade de associaccedilatildeo visto que natildeo havia qualquer indiacutecio de que
o partido por ter ideal comunista poderia colocar em risco a estrutura do Estado
Da mesma forma o caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia que envolve o direito
de liberdade sindical Na situaccedilatildeo o Governo turco justifica o fechamento de sindicatos com
base em previsotildees da legislaccedilatildeo trabalhista interna a qual natildeo permite que funcionaacuterios criem
sindicatos A Corte na anaacutelise da situaccedilatildeo tambeacutem asseverou que houve violaccedilatildeo do artigo
11 mesmo que neste existam ressalvas em relaccedilatildeo agrave liberdade de associaccedilatildeo de membros das
Forccedilas Armadas da Poliacutecia e da Administraccedilatildeo do Estado Contudo essas limitaccedilotildees devem
ser interpretadas pelos Estados dentro da sua margem de apreciaccedilatildeo de maneira restrita
Se esses casos expostos ilustram exemplos de margem nacional de apreciaccedilatildeo
reduzida ou inexistente o polo oposto envolve os direitos concernentes agrave propriedade para os
quais a Corte Europeia possui entendimento de que a margem de deferecircncia agraves autoridades
domeacutesticas deve ser maior e mais elaacutestica bem como a supervisatildeo por parte do Tribunal
Internacional deve ser menor e relativizada Isso porque as autoridades nacionais em uma
concepccedilatildeo semelhante agrave de juiz natural no processo estariam mais bem situadas que o juiz
internacional para avaliar qual eacute o interesse geral de uma comunidade nessa seara108
A proteccedilatildeo internacional dos direitos de propriedade encontra-se no artigo 1ordm109
do
Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo de Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades
Fundamentais Jaacute na previsatildeo normativa encontra-se a prerrogativa de que qualquer pessoa
singular ou coletiva tem direito ao respeito de seus bens natildeo podendo haver privaccedilatildeo da
propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica ou por condiccedilotildees previstas em lei Desta maneira
as demandas soacute seratildeo revistas pela Corte caso implicarem violaccedilatildeo expliacutecita a esse artigo
Segundo Roca110
a jurisprudecircncia internacional definiu que a previsatildeo normativa
anteriormente destacada segue trecircs criteacuterios em primeiro lugar deve ser respeitado o direito
ao respeito e gozo paciacutefico dos bens dos indiviacuteduos Na sequecircncia a segunda regra
108
CONTRERAS op cit p 40 109
Artigo 1 Proteccedilatildeo da propriedade Qualquer pessoa singular ou coletiva tem direito ao respeito dos seus bens
Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas
pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo
do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso
dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees
ou de multas CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS
LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 110
ROCA op cit p 127
53
compreende uma garantia contra a privaccedilatildeo ilegal ou seja somente poderaacute haver
expropriaccedilatildeo ou privaccedilatildeo da propriedade em casos de utilidade puacuteblica e de acordo com
condiccedilotildees legalmente previstas Por fim o terceiro paracircmetro eacute a possibilidade de o Estado
estabelecer restriccedilotildees ao direito de propriedade tendo por base a prevalecircncia do interesse
puacuteblico sobre o privado
Logo sob a base desses criteacuterios e de alguns casos jaacute julgados pelo oacutergatildeo jurisdicional
internacional eacute possiacutevel asseverar que a margem de apreciaccedilatildeo concedida aos paiacuteses eacute larga
quando se estaacute diante dos direitos de propriedade No caso Back vs Finlacircndia111
de 2004 que
trata de noccedilotildees de utilidade puacuteblica em casos de expropriaccedilatildeo haacute o reforccedilo da noccedilatildeo de
subsidiariedade da Corte Europeia com o entendimento de que esta deve respeitar as decisotildees
das autoridades nacionais soacute sendo possiacutevel e viaacutevel a intervenccedilatildeo se o juiacutezo for
manifestamente desprovido de bases racionais
Por fim poreacutem natildeo menos importante aborda-se o uacuteltimo grupo de jurisprudecircncias da
Corte Europeia de Direitos Humanos que pode ser enquadrado no que Roca determina como
ciacuterculo mediano vez que conteacutem temas em que o posicionamento do Tribunal de Estrasburgo
em relaccedilatildeo agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute oscilante Eacute nesse grupo que pode ser
visualizada toda a complexidade da margem e suas vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis em casos
semelhantes envolvendo por exemplo liberdade religiosa direito de homossexuais e
transexuais e outros temas
Justamente nesse ciacuterculo que natildeo apresenta por parte dos doutrinadores jaacute referidos no
capiacutetulo anterior um criteacuterio de unificaccedilatildeo se apresenta o embate entre o universalismo de
alguns direitos previstos nos marcos normativos internacionais de direitos humanos ndash com
destaque para a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos ndash e o relativismo relativo a noccedilotildees
religiosas e culturais que compotildeem a identidade dos diferentes povos europeus
Nesse aspecto no que tange agrave liberdade religiosa a qual eacute prevista pelo artigo 9ordm112
da
CEDH temos duas decisotildees emblemaacuteticas do Tribunal de Estrasburgo o caso Lautsi vs
111
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-114486itemid[001-114486] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Back vs Finlacircndia Sentenccedila de 13 de novembro de 2002
Acesso 05 nov 2014 112
Artigo 9 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de pensamento de consciecircncia e de religiatildeo este direito
implica a liberdade de mudar de religiatildeo ou de crenccedila assim como a liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou a
sua crenccedila individual ou coletivamente em puacuteblico e em privado por meio do culto do ensino de praacuteticas e da
celebraccedilatildeo de ritos 2 A liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou convicccedilotildees individual ou coletivamente natildeo
pode ser objeto de outras restriccedilotildees senatildeo as que previstas na lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa
sociedade democraacutetica agrave seguranccedila puacuteblica agrave proteccedilatildeo da ordem da sauacutede e moral puacuteblicas ou agrave proteccedilatildeo dos
direitos e liberdades de outrem CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO
54
Itaacutelia113
julgado em 2011 e o caso Leyla Sahin vs Turquia114
julgado em 2005 Isso porque
nesses casos respectivamente o TEDH referendou as normas que impotildeem a presenccedila de
crucifixos nas escolas puacuteblicas italianas e natildeo opocircs objeccedilotildees a restriccedilotildees estatais concernentes
ao uso do veacuteu islacircmico no contexto educativo
No primeiro caso o TEDH retificou a decisatildeo da Corte Constitucional Italiana que
em 2009 havia estabelecido por unanimidade que a norma italiana a qual impunha desde a
deacutecada de 1920 a presenccedila de crucifixo nas paredes de escolas puacuteblicas havia violado o direito
da senhora Lautsi a educar seus filhos conforme suas convicccedilotildees laicas e liberdade religiosa
Portanto o Tribunal italiano argumentou que a manutenccedilatildeo de um siacutembolo religioso em salas
de aula de uma escola puacuteblica poderia perturbar emocionalmente os estudantes que natildeo
professassem religiatildeo alguma a ter a percepccedilatildeo de que o contexto educativo estava marcado
pela religiatildeo
Para retificar tal sentenccedila o TEDH argumentou por uma valoraccedilatildeo abstrata de
compatibilidade entre a norma italiana que permitia o uso de crucifixos nas escolas puacuteblicas e
os direitos convencionais sendo que a margem nacional de apreciaccedilatildeo foi aplicada para essa
valoraccedilatildeo da norma italiana Em primeiro lugar o Tribunal Europeu matizou quais satildeo as
exigecircncias convencionais de neutralidade religiosa na educaccedilatildeo indicando que se proiacutebe o
proselitismo ou a adoccedilatildeo no marco educativo de algo compatiacutevel com o estabelecimento de
o ensino obrigatoacuterio de uma religiatildeo ou a imposiccedilatildeo de uma religiatildeo no ensino puacuteblico
O crucifixo no entendimento do TEDH eacute um siacutembolo religioso passivo cuja
influecircncia natildeo se compara a que exercem a educaccedilatildeo religiosa ou a participaccedilatildeo em atividades
religiosas Logo a percepccedilatildeo subjetiva de que o crucifixo supotildee uma ausecircncia de respeito ao
direito de liberdade religiosa natildeo basta para considerar que tenha havido uma violaccedilatildeo agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Para o TEDH portanto sempre que natildeo exista
a pretensatildeo de doutrinar o Estado goza de margem de deferecircncia para decidir sobre a
permanecircncia dos crucifixos em sala de aula
HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 113
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-104040itemid[001-104040] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lautsi vs Italia Sentenccedila de 18 de marccedilo de 2011 Acesso 05
nov 2014 114
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-70956itemid[001-70956] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Leyla Sahin vs Turquia Sentenccedila de 10 de novembro de
2005 Acesso 05 nov 2014
55
No caso Leyla Sahin de proibiccedilatildeo do uso do veacuteu islacircmico por uma jovem no recinto
de sua universidade para o TEDH os Estados tecircm autonomia para limitar o uso do veacuteu em
locais como escolas puacuteblicas ou universidades Para referendar essa restriccedilatildeo agrave liberdade
religiosa o Tribunal Europeu admitiu o uso da margem de apreciaccedilatildeo por parte do Estado em
razatildeo da ausecircncia de um consenso europeu sobre a mateacuteria somado agrave ideia de que as
autoridades nacionais podem lidar melhor com o assunto por estarem mais perto das
realidades nacionais do que o oacutergatildeo jurisdicional internacional
Para o TEDH desta forma a opccedilatildeo poliacutetica de um Estado pelo laicizismo pode
justificar restriccedilotildees agrave liberdade religiosa e exigir sacrifiacutecios aos indiviacuteduos em prol da
harmonia religiosa do paiacutes Embora portanto haja restriccedilatildeo da liberdade individual religiosa
no caso em questatildeo a proibiccedilatildeo natildeo viola a CEDH
A aplicaccedilatildeo dos princiacutepios da subsidiariedade e da proporcionalidade bem como a
falta de consenso na Europa acerca de questotildees como as apresentadas marcaram o
posicionamento do TEDH na concessatildeo de margem de deferecircncia aos Estados no que
concerne agrave liberdade religiosa A grande criacutetica contudo reside na falta de criteacuterios
especiacuteficos e de clareza no uso da ferramenta
Neste uacuteltimo grupo portanto vislumbra-se o que Kratochivil115
menciona como
ldquomedida misteriosardquo ou seja natildeo existem paracircmetros ou criteacuterios especiacuteficos para a aplicaccedilatildeo
da margem Pelo contraacuterio haacute falta de clareza e de limites demonstrando que a banalizaccedilatildeo
do uso da MNA liquidifica sua substacircncia e pode gerar inseguranccedila juriacutedica aos litigantes
Sob essa oacutetica no campo de direitos inderrogaacuteveis como eacute o caso dos direitos que compotildeem
esse uacuteltimo grupo a consideraccedilatildeo de Vila116
merece destaque
Segundo a autora nesse campo que envolve relativismos culturais a postura do TEDH
varia entre a adoccedilatildeo de uma versatildeo voluntarista de MNA ou a adoccedilatildeo de uma versatildeo
racionalista A primeira se centra no direito de que o Tribunal de Estrasburgo eacute um oacutergatildeo
internacional e assume uma visatildeo normativa e natildeo meramente temporal ou procedimental
acerca do princiacutepio da subsidiariedade Por isso o TEDH reconhece que sua legitimidade
poliacutetica eacute meramente derivada e outorga uma presunccedilatildeo em favor do Estado evitando realizar
uma valoraccedilatildeo independente de compatibilidade entre as medidas impugnadas e o convecircnio
Esta presunccedilatildeo soacute eacute rompida quando haacute razotildees fortes para concluir que o Estado extrapolou o
exerciacutecio de sua autonomia Sob a oacutetica desta concepccedilatildeo fatores como a falta de consenso
115
KRATOCHVIL op cit p 330 116
VILA op cit p 10
56
europeu ou a ideia de que os Estados situam-se em um local melhor apropriado para decidir
adquirem importacircncia por razotildees de legitimidade institucional
Entretanto a oacutetica racionalizada de MNA percebe a ferramenta como um resultado de
efetuar um balanccedilo entre os valores que estatildeo em jogo na proteccedilatildeo dos direitos convencionais
mais do que uma presunccedilatildeo de partida em favor do Estado O TEDH centra-se em examinar
se a medida estatal impugnada consegue alcanccedilar um balanccedilo equitativo entre direitos
individuais e valores democraacuteticos A finalidade natildeo eacute justificar a deferecircncia mas reconhecer
de modo equilibrado os valores democraacuteticos no seio da CEDH
Sobretudo neste uacuteltimo grupo analisado ao qual aqui somente satildeo trazidos casos em
relaccedilatildeo agrave liberdade religiosa (artigo 9ordm da CEDH) concentram-se as criacuteticas em relaccedilatildeo agrave
falta de paracircmetros do TEDH para deferir ou natildeo uma margem de apreciaccedilatildeo aos Estados
Essa variabilidade eacute por alguns117
definida como um ponto negativo de falta de definiccedilatildeo de
criteacuterios o que pode levar a uma margem larga ou a uma margem estreita A primeira poderia
conduzir ao processo de fragmentaccedilatildeo do espaccedilo europeu enquanto a segunda poderia forccedilar
a integraccedilatildeo sob o domiacutenio de uma concepccedilatildeo moderna de direitos humanos pautada pelo
liberalismo e individualismo
Deste modo duas respostas podem ser concedidas agrave pergunta cerne deste trabalho a
margem constitui-se em um instrumento eficaz no processo de construccedilatildeo de um direito
comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa uma vez que sob a perspectiva eacutetica
destes direitos o TEDH preza pela preservaccedilatildeo do irredutiacutevel humano e dos direitos
inderrogaacuteveis e absolutos da pessoa humana Prova disso eacute a ausecircncia ou a miacutenima margem
que eacute concedida para casos envolvendo tortura ou tratamentos humanos degradantes ou
violaccedilatildeo de direitos democraacuteticos
No entanto a ausecircncia de paracircmetros e de criteacuterios por parte do Tribunal de
Estrasburgo (ausecircncia constatada por diversos doutrinadores trazidos ao longo deste trabalho
e exemplificada de modo sinteacutetico atraveacutes da anaacutelise de casos emblemaacuteticos envolvendo
liberdade religiosa) no julgamento de direitos humanos quando vinculados a questotildees
culturais demonstram que no campo praacutetico ainda haacute muito para avanccedilar no processo de
siacutentese entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo dos direitos culturais
117
BRUM et SALDANHA Op cit
57
CONCLUSAtildeO
Slavoj Zizek118
certa vez afirmou que o papel do filoacutesofo natildeo eacute o de propor iniciativas
capazes de mudar o mundo ou as situaccedilotildees em curso mas de observar e interpretar a realidade
que eacute posta A pretensatildeo deste trabalho natildeo difere da conceituaccedilatildeo de filoacutesofo por Zizek Isso
porque em nenhum momento busca-se apresentar alternativas fortes para resolver problemas
postos mas sim almeja-se observar sob um amplo espectro os reflexos da mundializaccedilatildeo
dentro do Direito e de modo especiacutefico como atua o Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem no que concerne agrave aplicaccedilatildeo da figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
Aos mais observadores da realidade que se apresenta eacute impossiacutevel negar que na atual
conjuntura da sociedade informacional a proliferaccedilatildeo exacerbada e anaacuterquica de normas e
instituiccedilotildees juriacutedicas gera uma sensaccedilatildeo de caos e de desordem que clama por uma ordenaccedilatildeo
Embora esse verdadeiro mosaico em que se transformou o Direito na atualidade possa ser
vislumbrado em acircmbito global uma anaacutelise mais apurada de uma parte do todo em
especiacutefico da Europa se mostra pertinente para avaliar as possibilidades de construccedilatildeo de um
pluralismo ordenado
A base possiacutevel desse pluralismo ordenado invariavelmente eacute um direito comum cujo
alicerce se encontra nos direitos humanos No contexto europeu de convivecircncia simultacircnea
de uma ldquopequena Europardquo e de uma ldquogrande Europardquo embora o direito comunitaacuterio jaacute tenha
se consolidado sendo um modelo sui generis para todo o globo ainda eacute preciso avanccedilar no
acircmbito da ldquogrande Europardquo ou do sistema regional europeu dos direitos do homem para a
criaccedilatildeo de um direito comum
Nesse sentido parece indiscutiacutevel que a base de um direito comum europeu seja
alicerccedilada na proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua dimensatildeo moral miacutenima ou no que
Delmas denomina de miacutenimo eacutetico universal e irredutiacutevel humano Logo a universalizaccedilatildeo
almejada natildeo tem como objetivo impor referecircncias de uma cultura sobre as demais e sim o
diaacutelogo entre as diferentes particularidades existentes no seio das diversas sociedades que
convivem na Europa a fim de encontrar o que haacute de valores comuns em todas elas
Todavia por mais que a premissa seja de faacutecil compreensatildeo os embates entre
universalismos e relativismos culturais estatildeo na ordem do dia na agenda do Tribunal de
Estrasburgo de modo que um dos temais mais debatidos atualmente no continente se refere
118
ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo Boitempo 2008
58
ao uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo por este tribunal a fim de conferir deferecircncia aos
Estados em algumas mateacuterias para decidir acerca de questotildees sensiacuteveis
O objetivo do presente trabalho foi o de analisar essa ferramenta hermenecircutica de
origem europeia sob a oacutetica de caos juriacutedico anteriormente apresentado De acordo com o que
fora apurado e estudado chegou-se a conclusatildeo de que o uso dessa doutrina contribui ainda
que de modo tiacutemido para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema europeu
Isso porque quando se tratam de temas concernentes agrave tortura a tratamentos humanos
degradantes a penas desproporcionais ou ainda a direitos democraacuteticos a Corte opta por
definir um entendimento que deve ser aplicado em todos os paiacuteses independentemente de
especificidades culturais Estariacuteamos proacuteximos portanto de uma definiccedilatildeo de direitos
humanos inderrogaacuteveis ou de um miacutenimo eacutetico universal proposto por Delmas e jaacute idealizado
por Kant em sua premissa de direito cosmopoliacutetico
No que tange ao restante dos direitos humanos em uma dimensatildeo cultural pode-se
dizer que a teoria da margem traduz uma ideia de que estaacute eacute capaz de harmonizar o
universalismo dos direitos humanos e o pluralismo advindo das diversidades culturais e
religiosas dos paiacuteses europeus Entretanto consoante a anaacutelise de posiccedilotildees doutrinaacuterias acerca
da utilizaccedilatildeo praacutetica do instituto pelo Tribunal de Estrasburgo bem como o embate
paradigmaacutetico de julgados envolvendo liberdade religiosa parece inevitaacutevel a conclusatildeo de
que como meacutetodo de harmonizaccedilatildeo entre plural e universal o oacutergatildeo jurisdicional
internacional do sistema europeu ainda tem muito a evoluir sobretudo na definiccedilatildeo de
paracircmetros e criteacuterios para servir de norte baacutesico em relaccedilatildeo aos mais diversos casos
59
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ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo
Boitempo 2008
1
INTERNACIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO E CAMINHOS
PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU ANAacuteLISE DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO
Rafaela da Cruz Mello
Monografia apresentada agrave disciplina de Monografia II do Curso de Direito da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSMRS) como requisito parcial para
obtenccedilatildeo do grau de
Bacharel em Direito
Orientadora Jacircnia Maria Lopes Saldanha
Santa Maria RS Brasil
2014
2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIEcircNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
CURSO DE DIREITO
A Comissatildeo Avaliadora abaixo assinada
aprova a Monografia
INTERNACIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO E CAMINHOS PARA A
CONSTRUCcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM EUROPEU ANAacuteLISE DA
MARGEM NACIONAL DE APRECIACcedilAtildeO
Elaborada por
Rafaela da Cruz Mello
como requisito parcial para obtenccedilatildeo do grau de
Bacharel em Direito
COMISSAtildeO EXAMINADORA
Profordf Drordf Jacircnia Maria Lopes Saldanha
(PresidenteOrientadora)
Profordf Drordf Valeacuteria Ribas do Nascimento
(Universidade Federal de Santa Maria)
Prof Sadi Flocircres Machado
(Faculdade de Direito de Santa Maria)
Santa Maria 28 de novembro de 2014
3
AGRADECIMENTOS
Primeiramente meu principal agradecimento eacute a Deus que durante todo o periacuteodo de
elaboraccedilatildeo deste singelo trabalho garantiu-me forccedilas para superar todos os obstaacuteculos e
coragem para enfrentar todos os meus temores
Agrave minha estimada orientadora Professora Jacircnia pelos anos de trabalho que
desenvolvemos juntas e pelos ensinamentos conferidos durante todo este tempo Sem sobra de
duacutevida satildeo verdadeiros mestres e humanistas como a senhora os responsaacuteveis por fazer a
diferenccedila natildeo soacute na vida de alguns alunos como no mundo
Agrave minha matildee Marilene pelo apoio constante durante o periacuteodo de elaboraccedilatildeo deste
trabalho Muito obrigada pelo amor incondicional por confiar no meu potencial e me
incentivar a dar o melhor de mim em tudo
Ao meu irmatildeo Otaacutevio pelo carinho pela fraternidade e por ter parado inuacutemeras vezes
qualquer um de seus afazeres para escutar minhas anguacutestias ou meus ensaios de ideias para
este trabalho
Ao meu querido amigo Maacutercio pela parceria acadecircmica que deu iniacutecio a uma bela
amizade Obrigada pelas indagaccedilotildees constantes e por sempre me incentivar a ter uma postura
de inquietude em relaccedilatildeo ao mundo
Agrave Bruna pela amizade pelo apoio e pelo consolo nos momentos difiacuteceis Obrigada por
ter tornado especial cada um dos dias vividos dentro e fora da UFSM seja no Brasil ou aleacutem-
mar Agrave Tieli pela amizade e pela maneira leve e espontacircnea com que me ensinou a ver a vida
durante esses anos de graduaccedilatildeo
Por fim a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formaccedilatildeo deixo
aqui registrado o meu agradecimento
4
ldquoOs povos da terra participam em vaacuterios graus de uma comunidade
universal que se desenvolveu a ponto de que a violaccedilatildeo do direito
cometida em um lugar do mundo repercute em todos os demais
A ideia de um direito cosmopolita natildeo eacute portanto fantaacutestica ou
exagerada eacute um complemento necessaacuterio ao coacutedigo natildeo escrito
do Direito poliacutetico e internacional transformando-o num direito
universal da humanidade Somente nessas condiccedilotildees podemos
congratular-nos de estar continuamente avanccedilando em direccedilatildeo a
uma paz perpeacutetuardquo
(Immanuel Kant)
5
RESUMO
Monografia de Graduaccedilatildeo
Curso de Direito
Universidade Federal de Santa Maria
INTERNACIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO E CAMINHOS
PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU ANAacuteLISE DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO
Autora Rafaela da Cruz Mello
Orientadora Jacircnia Maria Lopes Saldanha
Data e Local da Defesa Santa Maria 28 de novembro de 2014
A evoluccedilatildeo da sociedade industrial para a sociedade informacional ocasiona mudanccedilas
significativas nas estruturas juriacutedicas Afirma-se que hoje a seara juriacutedica se assemelha a um
mosaico no qual um verdadeiro caos aparente se instala em razatildeo da multiplicidade de regras
e instituiccedilotildees de hierarquias diversas Nesse contexto o continente europeu pode ser
considerado como um verdadeiro laboratoacuterio de estudos uma vez que em um mesmo
territoacuterio convivem a ldquopequena Europardquo marcada pelo jaacute consolidado direito comunitaacuterio e a
ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos Sob esse panorama de
anaacutelise do espaccedilo europeu eacute que se propotildee o presente trabalho a analisar a possibilidade de
construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa analisando
como forma de viabilizar tal projeto a figura hermenecircutica da Margem Nacional de
Apreciaccedilatildeo Utiliza-se o meacutetodo dedutivo de abordagem e o meacutetodo de procedimento
monograacutefico e para melhor trabalhar com o tema divide-se o trabalho em duas grandes
partes a primeira analisa a evoluccedilatildeo dos direitos humanos nas duas esferas do espaccedilo
europeu para na sequecircncia trabalhar especificamente com a contribuiccedilatildeo das novas
geometrias juriacutedicas do processo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos bem como da
margem nacional de apreciaccedilatildeo para construir as bases de um direito comum europeu
pluralista Na sequencia aborda-se unicamente o instituto da margem nacional com a
finalidade de averiguar se o modo como o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem aplica a
ferramenta efetivamente contribui para a criaccedilatildeo desse direito comum bem como se
possibilita a harmonizaccedilatildeo entre o universalismo dos direitos do homem e o relativismo das
pluralidades e particularismos culturais
Palavras-chave Europa universalismo relativismo direito comum margem nacional de
apreciaccedilatildeo
6
ABSTRACT
Graduation Monografh
Law School
Federal University of Santa Maria
INTERNATIONALIZATION LAW AND WAYS FOR THE
CONSTRUCTION OF A COMMON EUROPEAN LAW
ANALISYS OF MARGIN OF APPRECIATION
Author Rafaela da Cruz Mello
Adviser Jacircnia Maria Lopes Saldanha
Date and Place of the Defense Santa Maria November 28 2014
The evolution of industrial society to the information society brings about significant changes
in the legal structures It is said that today the legal harvest resembles a mosaic in which a
real apparent chaos ensues because of the multiplicity of rules and various hierarchies of
institutions In this context the European continent can be considered as a true laboratory
studies since in the same territory live the little Europe marked by already established
Community law and the big Europe regional rights protection system humans Under this
scenario analysis of the European area do you propose this study to examine the possibility of
building a common law on human rights in Europe analyzing in order to facilitate such a
project hermeneutics figure of the National Assessment Bank We use the deductive method
of approach and the monographic method and procedure to better work with the theme the
work is divided into two main part the first analyzes the evolution of human rights in the two
spheres of Europe for in sequence work specifically with the contribution of the new legal
geometries the process of universalization of human rights and the national margin of
appreciation to build the foundations of a pluralistic European common law In sequence
addresses solely the Institute of National bank in order to ascertain whether how the
European Court of Human Rights applies to effectively contributes tool for the creation of this
common law and if possible harmonization between universalism of human rights and
cultural relativism of plurality and particularism
Keywords Europe universalism relativism common law national margin of appreciation
7
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 8
1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM
DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS 11
11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave
criaccedilatildeo de um direito comum 11
12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias
juriacutedicas a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da
figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo 20
2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU 33
21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem
Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu 33
22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos 43
CONCLUSAtildeO 57
REFEREcircNCIAS 59
8
INTRODUCcedilAtildeO
No iniacutecio do seacuteculo XX Hans Kelsen1 em ldquoTeoria Pura do Direitordquo defendeu a tese de
que para entender a ciecircncia juriacutedica era necessaacuterio observaacute-la de modo dissociado de outras
ciecircncias O autor propocircs a compreensatildeo do direito a partir da famosa piracircmide kelseniana a
norma fundamental ndash a Constituiccedilatildeo ndash estaria no topo da piracircmide e seria capaz de dotar de
validade o restante do ordenamento juriacutedico Abaixo desta norma fundamental estariam as
demais leis e regras do direito sendo que tal formulaccedilatildeo estagnada e sistemaacutetica da ordem
juriacutedica adequava-se aos anseios de organizaccedilatildeo de uma sociedade industrial
Todavia por trabalhar com conflitos sociais o direito natildeo fica alheio agraves vicissitudes
do seacuteculo XX sendo que a Europa apresenta-se como um importante laboratoacuterio de
observaccedilatildeo de mudanccedilas Apoacutes a Segunda Guerra Mundial emergem na sociedade poacutes-
industrial e posteriormente informacional novas estruturas juriacutedicas que natildeo mais satildeo
capazes de se adequar agrave inflexiacutevel loacutegica hieraacuterquica kelseniana Estamos na era do que
Losano2denomina de ldquodireito turbulentordquo que se move se agita e muda de modo veloz assim
como a sociedade que o cerca embora natildeo tatildeo rapidamente quanto esta sociedade
Em razatildeo disso novas geometrias satildeo criadas para tentar explicar o panorama juriacutedico
da sociedade atual Na Europa por exemplo em que temos convivendo sistemas juriacutedicos de
origens e de ordens diversas ndash sistema internacional nacional supranacional ndash autores
determinam que se vive o tempo do Estado em Rede3ou dos aneacuteis disformes com a
proximidade de guirlandas4 ocasionando ao mais despercebido leitor da realidade um
sentimento de caos juriacutedico
Nesse sentido eacute possiacutevel destacar o pensamento de Mireille Delmas-Marty5 que
revoluciona o pensamento de Kelsen Segundo ela essa falta de sistematizaccedilatildeo
aparentemente anaacuterquica eacute solo feacutertil para a construccedilatildeo de um direito comum pluralista em
1 KELSEN Hans Teoria Pura do Direito Traduccedilatildeo de Joatildeo Baptista Machado Satildeo Paulo Martins Fontes
1996 2 LOSANO Mario G Modelos teoacutericos inclusive na praacutetica da piracircmide agrave rede Novos paradigmas nas
relaccedilotildees entre direitos nacionais e normativas supraestatais Revista do Instituto dos Advogados do Estado de
Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 08 n16 p 264-284 2005 3 CASTELLS Manuel Para o Estado-Rede globalizaccedilatildeo econocircmica e instituiccedilotildees poliacuteticas na era da
informaccedilatildeo In PEREIRA Luiz Carlos Bresser WILHEIM Jorge SOLA Lourdes (Org) Sociedade e Estado
em transformaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora UNESP Brasiacutelia ENAP 1999a p164 4 DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006
5 Id 2004a
9
mateacuteria de direitos humanos A sociedade em tempos de globalizaccedilatildeo precisa resistir ao
processo de desumanizaccedilatildeo e de coisificaccedilatildeo do homem de modo que a base para a
construccedilatildeo desse direito comum pluralista devem ser os direitos humanos
Sob a oacutetica europeia que seraacute aqui analisada por ser um importante referencial para os
estudos das mudanccedilas sociais e juriacutedicas dos seacuteculos XX e XXI de que direitos humanos
referimo-nos para ser a base de um direito comum Em um continente tatildeo muacuteltiplo e plural
como realizar o diaacutelogo positivo entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo
das diferentes culturas
Sob esta oacutetica emerge a figura central desse estudo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
(MNA) bem como sua contribuiccedilatildeo para a construccedilatildeo de um direito comum e para a
harmonizaccedilatildeo entre universalismo e relativismo no contexto da Europa Este recurso
hermenecircutico denominado Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo trata-se de uma construccedilatildeo
jurisprudencial criada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante tambeacutem
referido como Tribunal de Estrasburgo) com a finalidade de conferir algum espaccedilo de
deferecircncia para que os tribunais nacionais dos Estados possam decidir algumas questotildees
consoante suas particularidades locais
Embora esta seja a teoria sob a qual se alicerccedila o instituto almeja-se neste trabalho
responder os seguintes questionamentos a doutrina da MNA aplicada pelo Tribunal Europeu
dos Direitos Humanos contribui para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema
europeu de proteccedilatildeo dos direitos do homem Em sua aplicaccedilatildeo praacutetica a margem se mostra
como um recurso eficaz para harmonizar o universalismo dos direitos humanos e o pluralismo
advindo das diversidades culturais e religiosas dos diferentes paiacuteses que fazem parte do
Conselho da Europa
Para responder tal questionamento utilizou-se o meacutetodo dedutivo como meacutetodo de
abordagem e o meacutetodo monograacutefico de procedimento atraveacutes da leitura e fichamento das
diferentes construccedilotildees teoacutericas e doutrinaacuterias sobre o tema bem como anaacutelise de alguns
julgamentos paradigmaacuteticos do Tribunal de Estrasburgo Para melhor compreensatildeo da
complexidade do tema trabalhado dividiu-se esta monografia em duas grandes partes a parte
1 se ocupa da paisagem europeia no poacutes-Segunda Guerra Mundial com a criaccedilatildeo da ldquopequena
Europardquo do direito comunitaacuterio e da ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos
direitos humanos avaliando em ambos os cenaacuterios de que modo se deu a preocupaccedilatildeo com a
temaacutetica dos direitos humanos ou fundamentais (11)
Por conseguinte no intuito de aprofundar o estudo sobre a possibilidade de criaccedilatildeo de
um direito comum no contexto da ldquogrande Europardquo buscou-se uma anaacutelise das novas
10
geometrias da paisagem juriacutedica e do tipo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos que se
procura dentro desse cenaacuterio avaliando por conseguinte o surgimento da figura da MNA
(12) A parte 2 por sua vez objetiva a anaacutelise pura do instituto da Margem Nacional de
Apreciaccedilatildeo averiguando o histoacuterico de sua criaccedilatildeo e as definiccedilotildees acerca de seu conceito
(21) para na sequecircncia avaliar a partir da anaacutelise de alguns julgamentos paradigmaacuteticos do
Tribunal de Estrasburgo se tal ferramenta hermenecircutica se demonstra eficaz no processo de
harmonizaccedilatildeo das tensotildees entre universalismo e relativismos e se pode ser relevante no
processo de criaccedilatildeo de um direito comum cuja base satildeo os direitos humanos (22)
11
1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM
DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS
O seacuteculo XX trouxe mudanccedilas significativas para os mais diversos segmentos da vida
social e o direito natildeo ficou alheio agraves vicissitudes decorrentes do poacutes-Segunda Guerra Mundial
O continente europeu sobretudo passa a ser o cenaacuterio de revoluccedilotildees na estrutura juriacutedica ateacute
entatildeo conhecida com o surgimento praticamente concomitante de instituiccedilotildees supranacionais
e internacionais para aleacutem das nacionais
Neste vieacutes uma das preocupaccedilotildees primordiais do poacutes-guerra foi a de garantir a tutela
dos direitos humanos mesmo diante das mudanccedilas latentes no cenaacuterio juriacutedico Desta feita
deparamo-nos com duas esferas dentro do cenaacuterio europeu a ldquopequena Europardquo que origina
um direito comunitaacuterio europeu o qual mesmo tendo se ocupado com questotildees relativas agrave
economia e agrave integraccedilatildeo regional desenvolve a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais
atraveacutes do diaacutelogo jurisprudencial entre cortes de naturezas distintas e a ldquogrande Europardquo do
sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos espaccedilo haacutebil e possiacutevel para ser base de
criaccedilatildeo de um direito comum (11) Da evoluccedilatildeo de um campo ao outro a premissas de
universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo buscam
legitimar e consolidar a criaccedilatildeo desse direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
(12)
11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave
criaccedilatildeo de um direito comum
O historiador britacircnico Eric Hobsbawn6 talvez tenha encontrado a melhor adjetivaccedilatildeo
para o seacuteculo XX a ldquoEra dos Extremosrdquo Nas palavras do proacuteprio autor ldquoNatildeo sabemos o que
6 HOBSBAWN Eric A era dos extremos o breve seacuteculo XX 1941-1991 Satildeo Paulo Companhia das Letras
1995
12
viraacute a seguir nem como seraacute o segundo milecircnio embora possamos ter a certeza de que ele
teraacute sido moldado pelo Breve Seacuteculo XXrdquo7
Nesse sentido a Segunda Guerra Mundial representa o marco crucial natildeo soacute para a
preocupaccedilatildeo global em relaccedilatildeo aos direitos humanos8 com a criaccedilatildeo e fortalecimento de uma
grande quantidade de instrumentos normativos responsaacuteveis por sua tutela em acircmbito
mundial como tambeacutem para o surgimento de uma nova Europa Apoacutes o teacutermino da guerra
que teve como palco principal de seus acontecimentos o continente europeu diversos paiacuteses
se encontravam em uma situaccedilatildeo de caos politico fragmentaccedilatildeo e enfraquecimento
econocircmico aleacutem do perigo iminente de eclosatildeo de uma nova disputa de proporccedilotildees mundiais
advinda da dicotomia entre capitalismo e socialismo na entatildeo incipiente Guerra Fria
Eacute nesse contexto que emerge a ideia de criaccedilatildeo de um espaccedilo comum europeu
consubstanciado atraveacutes da integraccedilatildeo regional entre os paiacuteses do continente Ainda no inicio
do seacuteculo XX eacute possiacutevel destacar a ocorrecircncia de propostas relativamente concretas para a
integraccedilatildeo europeia como eacute o caso da proposta do francecircs Aristides Briand em 1929 de
criaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia sob a oacutetica de uma federaccedilatildeo ou seja fundada sob uma
noccedilatildeo de uniatildeo o que implica o respeito agrave soberania9 Todavia a crise econocircmica mundial a
ascensatildeo de nacionalismos na Europa e por fim a eclosatildeo da segunda grande guerra
obstaculizaram a adesatildeo a essa proposta
O cenaacuterio do poacutes-guerra de desintegraccedilatildeo social e miseacuteria econocircmica em grande parte
dos paiacuteses envolvidos gerou a instalaccedilatildeo do Congresso da Europa em Haia nas datas de 7 a
11 de maio de 1948 no qual houve a criaccedilatildeo do ldquoMovimento Europeurdquo No referido
congresso duas correntes foram estabelecidas as quais impulsionaram o surgimento da
ldquopequena Europardquo10
e da ldquogrande Europardquo respectivamente a Europa dos federalistas e a
7 Ibid p14
8 Pode-se nesse sentido destacar a descriccedilatildeo de Valeacuterio Mazzuoli de que desde a Segunda Guerra Mundial em
decorrecircncia dos horrores e atrocidades cometidos durante esse periacuteodo em que muitas vidas eram consideradas
como nuacutemeros e valiam tatildeo pouco os direitos humanos passaram a constituir um dos principais temas do Direito
Internacional contemporacircneo A normatividade internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos foi conquistada
por meio de lutas histoacuterias contiacutenuas e incessantes e consubstanciada em diversos tratados concluiacutedos com esse
propoacutesito tendo sido fruto de um lento e gradual processo de internacionalizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo desses
mesmos direitos o qual fora intensificado com o fim da Segunda Guerra Mundial MAZZUOLI Valeacuterio de
Oliveira Curso de Direito Internacional Puacuteblico 5 ed Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 811 9 SILVA Karine de Sousa Uniatildeo Europeia antecedentes e evoluccedilatildeo histoacuterica In SILVA Karine de Souza
COSTA Rogeacuterio Santos da(Org) Organizaccedilotildees Internacionais de Integraccedilatildeo Regional Uniatildeo Europeia
Mercosul e UNASUL Florianoacutepolis Ed Da UFSC Fundaccedilatildeo Boiteux 2013 p 54 10
Doravante por ldquopequena Europardquo estar-se-aacute referindo aos paiacuteses participantes da Uniatildeo Europeia sujeitos
portanto agraves decisotildees das instituiccedilotildees da Uniatildeo dentre as quais se destaca o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo
Europeia ldquoGrande Europardquo por sua vez refere-se aos paiacuteses que aderiram ao Conselho da Europa que hoje
somam um total de 47 (quarenta e sete) membros e que se submetem agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal Europeu de
Direitos Humanos PRINO Carla Sofia Abreu Relaccedilotildees entre TJUE e TEDH no contexto de adesatildeo da UE agrave
13
Europa dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental11
Os primeiros defendiam uma
integraccedilatildeo mais profunda entre os paiacuteses com transferecircncia de parcela de soberania dos
Estados para uma instituiccedilatildeo com poderes supranacionais sendo esta a base para a criaccedilatildeo da
Comunidade Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) Os segundos por sua vez se opunham agrave
cessatildeo de direitos soberanos impulsionando com seus ideais a criaccedilatildeo em 1949 do
Conselho da Europa com sede em Estrasburgo
Natildeo obstante essa divisatildeo surgida no Congresso da Europa eacute possiacutevel afirmar que a
base de construccedilatildeo da atual Uniatildeo Europeia deu-se com a criaccedilatildeo da Comunidade Europeia
do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) movida pelos ideais integracionistas do francecircs Jean Monnet
Contratado no poacutes-guerra para participar do Plano de Modernizaccedilatildeo e Equipamento da
Franccedila Monnet tinha medo de que o Plano Marshall norte-americano de empreacutestimo de
dinheiro para a reconstruccedilatildeo da Europa pudesse gerar uma diacutevida eterna aos paiacuteses do
continente com os Estados Unidos e para escapar disso via como uacutenica soluccedilatildeo a promoccedilatildeo
de um esforccedilo comum dos Estados atraveacutes de projetos de integraccedilatildeo regional
Por isso redigindo o texto da Declaraccedilatildeo de Schuman de 1950 Monet propagava a
ideia de integraccedilatildeo como meio de assegurar a paz e reerguer a poliacutetica e a economia dos
paiacuteses que foram destruiacutedos pela guerra Nesse sentido sua ideia foi a partir de uma ideologia
pacifista de influecircncia kantiana neutralizar a rivalidade franco-alematilde atraveacutes de uma espeacutecie
de mercado comum com a criaccedilatildeo de uma organizaccedilatildeo internacional com caraacuteter
supranacional que seria responsaacutevel pela gestatildeo dos recursos naturais da regiatildeo do Sarre e do
Ruhr os quais seriam colocados a serviccedilo da paz e natildeo da guerra12
A proposta integracionista daquele que eacute considerado o arquiteto do projeto de
integraccedilatildeo europeia era de retirar da matildeo dos Estados a capacidade de gestatildeo dos recursos
energeacuteticos que movimentavam a induacutestria beacutelica e da guerra Desta forma uma autoridade
internacional mais especificamente uma organizaccedilatildeo internacional setorial seria criada com
um status supranacional para gerenciar e administrar a produccedilatildeo de carvatildeo e de accedilo
funcionando atraveacutes da delegaccedilatildeo de parcelas da soberania estatal em questotildees especiacuteficas
Assim em 1951 com a assinatura do Tratado de Paris criou-se a Comunidade
Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) com a participaccedilatildeo inicial de seis paiacuteses Franccedila
Alemanha Itaacutelia Beacutelgica Holanda e Luxemburgo Posteriormente em 1957 com o Tratado
CEDH Debater a Europa Nuacutemero 4 JaneiroJunho 2011 Disponiacutevel em httpwwweurope-direct-
aveiroaevaeudebatereuropa Acesso 10 out 2014 11
SILVA Karine de Sousa De Paris a Lisboa sessenta anos de integraccedilatildeo europeia In SILVA Karine de
Souza Mercosul e Uniatildeo Europeia O Estado da arte dos processos de integraccedilatildeo regional Florianoacutepolis
Editora Modelo 2010 p 35 12
Ibid p 60
14
de Roma a Comunidade Econocircmica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia para a
Energia Atocircmica (CEEA ou Euratom) foram criadas consolidando-se deste modo as trecircs
comunidades que fizerem emergir o direito comunitaacuterio no seio da Europa Foi contudo
somente em 1992 com o Tratado de Maastrich ou Tratado da Uniatildeo Europeia que nasceu a
Uniatildeo Europeia propriamente dita consagrada em trecircs pilares baacutesicos as comunidades que
inicialmente lhe deram base a colaboraccedilatildeo em mateacuteria de poliacutetica exterior e seguranccedila
comum e a cooperaccedilatildeo no acircmbito judicial e policial em mateacuteria penal13
Visiacutevel deste modo que o que impulsionou a criaccedilatildeo de um direito comunitaacuterio
europeu foi a necessidade de reorganizaccedilatildeo do continente apoacutes 1945 e o fortalecimento
econocircmico de antigas potecircncias rivais como foi o caso da Franccedila e da Alemanha Ocorre que
de modo concomitante ao crescimento dos ideais dos federalistas a segunda corrente oriunda
do Congresso da Europa de 1949 dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental tambeacutem
cresceu e se tornou visiacutevel vez que possuiacutea como objetivo a realizaccedilatildeo de uma uniatildeo mais
estreita entre seus membros de modo a salvaguardar os ideais e princiacutepios que satildeo seu
patrimocircnio comum e favorecer seu progresso social e econocircmico
O Conselho da Europa surgido em 1949 portanto configura-se como outra
organizaccedilatildeo internacional surgida na Europa do poacutes-guerra tendo como base a consolidaccedilatildeo
sob o principio da cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses e natildeo o federalismo que implica cessatildeo de
parcelas da soberania Seu propoacutesito eacute o de defesa dos direitos humanos desenvolvimento
democraacutetico e estabilidade poliacutetico-social na Europa sendo chamado de ldquogrande Europardquo por
desde o iniacutecio contar com mais adesotildees de paiacuteses em relaccedilatildeo agrave CECA Eacute justamente dentro
desse Conselho que surge o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em 1959
oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa e
responsaacutevel pela tutela dos direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem
(CEDH) de 1950
A eclosatildeo desses dois movimentos marca o iniacutecio de uma verdadeira revoluccedilatildeo dentro
da compreensatildeo do direito Se antes no continente europeu era possiacutevel vislumbrar a
existecircncia em grande medida e tatildeo somente de tribunais nacionais cuja competecircncia era
exercida dentro de determinado Estado sob a eacutegide de sua soberania o cenaacuterio altera-se e daacute
espaccedilo para a existecircncia natildeo soacute de tribunais nacionais como tambeacutem de tribunais
supranacionais e internacionais
13
Ibidem p 77
15
No caso do direito comunitaacuterio sua criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de
instituiccedilotildees que fortaleccedilam o sistema supranacional Em funccedilatildeo disso dentre os mais diversos
oacutergatildeos criados pelos sucessivos tratados comunitaacuterios pode-se destacar o Tribunal de Justiccedila
da Uniatildeo Europeia (TJUE) ou Tribunal de Luxemburgo
Este criado pelo Tratado de Paris de 1951 e adotado pelo Tratado de Roma de 1957
tem a finalidade de assegurar o cumprimento do direito comunitaacuterio e a interpretaccedilatildeo e
aplicaccedilatildeo dos Tratados dentro a vida da comunidade14
Submetem-se agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal
atualmente os vinte e oito15
paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e ao longo dos anos
ele se desenvolveu como uma importante instituiccedilatildeo capaz de contribuir ao desenvolvimento
da comunidade atraveacutes de consolidaccedilotildees jurisprudenciais e da conversatildeo dos tratados
constitutivos da comunidade em verdadeiras constituiccedilotildees materiais
Embora a preocupaccedilatildeo com os direitos humanos no cenaacuterio da ldquopequena Europardquo natildeo
tenha sido uma caracteriacutestica inicial dos tratados constitutivos das comunidades europeias o
diaacutelogo do Tribunal de Luxemburgo com os tribunais nacionais de alguns Estados europeus
traz agrave tona esse tema bem como se caracteriza por ser o grande responsaacutevel pela consolidaccedilatildeo
de princiacutepios baacutesicos do direito comunitaacuterio como eacute o caso da supremacia das normas
comunitaacuterias Neste vieacutes importante destaque deve ser feito ao caso CostaENEL16
de 1964
que marcou o surgimento da noccedilatildeo de supremacia das normas da comunidade europeia
O objeto de tal caso fora uma lei italiana de nacionalizaccedilatildeo da energia eleacutetrica
declarada incompatiacutevel com o Tratado da Comunidade Econocircmica Europeia Em sede de
reenvio prejudicial o Tribunal Constitucional Italiano enviou a questatildeo ao Tribunal de Justiccedila
da Uniatildeo Europeia o qual reconheceu que ao instituir uma comunidade de duraccedilatildeo ilimitada
com caraacuteter sui generis e poderes resultantes de delegaccedilatildeo de parcela da soberania os paiacuteses
limitariam seus direitos soberanos em prol de um conjunto de normas aplicaacutevel natildeo soacute agrave
comunidade como a todos os seus Estados membros17
14
OLIVEIRA Odete Maria de Uniatildeo Europeia processos de integraccedilatildeo e mutaccedilatildeo 1ordfed 3ordf tir Curitiba
Juruaacute 2003 15
Os vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia satildeo Alemanha Aacuteustria Beacutelgica Bulgaacuteria Chipre
Croaacutecia Dinamarca Eslovaacutequia Eslovecircnia Espanha Estocircnia Finlacircndia Franccedila Greacutecia Hungria Irlanda Itaacutelia
Letocircnia Lituacircnia Luxemburgo Malta Paiacuteses Baixos Polocircnia Portugal Reino Unido Repuacuteblica Checa
Romecircnia Sueacutecia Dados disponiacuteveis no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeuropaeuabout-
eucountriesmember-countriesindex_pthtm Acesso 01 nov 2014 16
O acoacuterdatildeo do referido caso encontra-se disponiacutevel na iacutentegra no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeur-
lexeuropaeulegal-contentPTTXTPDFuri=CELEX61964CJ0006ampfrom=EN Acesso 02 out 2014 17
FARENZENA Sueacutelen Costa versus ENEL ndash O primado do Direito Comunitaacuterio e a mudanccedila de paradigma o
Estado em rede europeu Revista da SJRJ Vol 19 nordm34 Rio de Janeiro 2012 Disponiacutevel em
httpwww4jfrjjusbrseerindexphprevista_sjrjarticleviewFile338296 Acesso 01 out 2014
16
Neste sentido determinou o Tribunal de Luxemburgo que a forccedila executiva do direito
comunitaacuterio natildeo poderia variar de um espaccedilo para outro ao sabor das legislaccedilotildees internas
Impossiacutevel portanto um Estado fazer prevalecer sobre uma ordem juriacutedica aceita sob o pilar
da reciprocidade e da cessatildeo de parcela de direitos soberanos uma medida unilateral anterior
ou posterior que lhe pode opor
Natildeo obstante tal decisatildeo a ideia de supremacia das normas comunitaacuterias por si soacute
natildeo foi adotada de modo paciacutefico por todos os tribunais constitucionais dos paiacuteses sujeitos agrave
jurisdiccedilatildeo do Tribunal de Luxemburgo Em funccedilatildeo disso houve a percepccedilatildeo por parte dos
juiacutezes do TJUE de que seria necessaacuterio acoplar agrave ideia de supremacia das normas
comunitaacuterias um discurso dotado de legitimidade que envolvesse princiacutepios e ideais comuns
natildeo soacute para a comunidade como para os Estados membros Esse discurso portanto seria o
discurso dos direitos fundamentais18
Ateacute o surgimento de algumas tensotildees entre os posicionamentos dos tribunais nacionais
e as decisotildees do TJUE havia certa resistecircncia por parte deste uacuteltimo em lidar com questotildees
concernentes aos direitos humanos ou fundamentais Isto porque o motivo que levou agrave criaccedilatildeo
das Comunidades Europeias e a posterior Uniatildeo Europeia foi predominantemente econocircmico
tanto eacute que os tratados iniciais das Comunidades Europeias natildeo trazem elementos que refiram
explicitamente a preocupaccedilatildeo com direitos humanos ou fundamentais19
Entretanto consoante
fora asseverado a supremacia das normas comunitaacuterias somente conseguiria se afirmar e se
consolidar caso fosse acoplada ao tema da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais
Neste sentido a deacutecada de 1960 pode ser vista como um importante marco para o
TJUE Casos como o Stauder (1969) e o Internationale Handelsgesellschaft20
(1970)
18
GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional
algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em
httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014 19
Pertinente o destaque da concepccedilatildeo de Gilmar Mendes e Geroge Rodrigo Bandeira Galindo sobre este tema
Segundo eles os instrumentos que instituiacuteram as comunidades europeias natildeo se referem de maneira expliacutecita agrave
proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais e haacute razotildees para isso A primeira delas reside no fato de que a
proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa deveria ser transferida para outra organizaccedilatildeo internacional no caso o
Conselho da Europa que foi uma instituiccedilatildeo fundamental para a elaboraccedilatildeo da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos
do Homem de 1950 Outra razatildeo sustenta-se na ideia de que a inclusatildeo imediata de um cataacutelogo de direitos
fundamentais nos tratados instituidores das Comunidades Europeias geraria conflitos entre as consolidadas
constituiccedilotildees estatais e o entatildeo incipiente direito comunitaacuterio Por fim outra razatildeo apontada eacute traduzida no fato
de que os Estados eram temerosos de que a imediata inclusatildeo de temas de direitos fundamentais ou humanos nos
tratados instituidores das Comunidades pudesse ampliar as competecircncias de prerrogativas de instituiccedilotildees receacutem-
criadas Ibidem p03
De qualquer forma houve no processo de germinaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia nos moldes em que hoje
conhecemos a predominacircncia de ideias economicistas e de integraccedilatildeo regional com base na aproximaccedilatildeo de
ideais produtivos e de mercado A preocupaccedilatildeo com a tutela de direitos humanos ou fundamentais surge atraveacutes
dos diaacutelogos espontacircneos entre as cortes constitucionais e o Tribunal de Luxemburgo 20
Neste caso o raciociacutenio da corte faz clara alusatildeo agrave vinculaccedilatildeo entre primazia do direito comunitaacuterio e a
proteccedilatildeo dos direitos fundamentais por parte das instituiccedilotildees comunitaacuterias Os pontos 3 e 4 do julgamento do
17
consolidaram o entendimento do Tribunal de Luxemburgo de que os direitos fundamentais
fazem parte dos princiacutepios gerais do direito comunitaacuterio Conflitos positivos de competecircncias
entre tribunais nacionais e o tribunal supranacional instituiacutedo no acircmbito da comunidade
marcaram os diaacutelogos iniciais para a estimulaccedilatildeo da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais em
acircmbito comunitaacuterio
Como continuidade deste diaacutelogo eacute pertinente destacar o caso Nold (1974) no qual o
Tribunal de Luxemburgo reconheceu como pauta geral para o direito comunitaacuterio europeu o
predomiacutenio dos direitos fundamentais Com isso mais uma vez reafirmou-se a ideia de que o
direito comunitaacuterio tem supremacia sobre as disposiccedilotildees legais nacionais mas que de toda a
sorte deve se adaptar a uma base comum de valores como os determinados por exemplo
pela Convenccedilatildeo Europeia de Direito do Homem
Por isso fala-se que este caso fixa um terceiro elemento no nuacutecleo de salvaguarda dos
direitos fundamentais aleacutem das tradiccedilotildees constitucionais comuns e dos direitos fundamentais
garantidos nas Constituiccedilotildees dos Estados os instrumentos internacionais relativos agrave proteccedilatildeo
dos direitos humanos passam a ser uma importante fonte de inspiraccedilatildeo para a proteccedilatildeo de
direitos em acircmbito comunitaacuterio Em funccedilatildeo disso inclusive em 1975 o TJUE pela primeira
vez recorreu agrave Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem no caso Rutili21
Apesar de tal decisatildeo do caso Nold o emblemaacutetico caso Solange levou agrave confirmaccedilatildeo
e consolidaccedilatildeo da vigecircncia dos direitos fundamentais no acircmbito da Comunidade Neste caso
em 1974 o Tribunal Constitucional alematildeo determinou que enquanto a Comunidade natildeo
dispusesse de um sistema de proteccedilatildeo de direitos comparaacutevel ou equiparado agrave Lei
Fundamental de Bonn ou seja enquanto natildeo houvesse um cataacutelogo de direitos fundamentais
aplicaacuteveis agrave Comunidade Europeia as instituiccedilotildees comunitaacuterias seriam ineficazes no que
concerne agrave proteccedilatildeo desses direitos22
TJUE respectivamente determinam que 3 A validade de uma medida comunitaacuteria ou de seus efeitos em um
Estado membro natildeo podem ser afetadas por alegaccedilotildees de que ela contraria direitos fundamentais tal como
formuladas pela Constituiccedilatildeo do Estado ou princiacutepios de uma estrutura constitucional nacional() 4() o
respeito pelos direitos fundamentais forma uma parte integral dos princiacutepios gerais de direito protegidos pela
Corte de Justiccedila A proteccedilatildeo de tais direitos enquanto inspirada pelas tradiccedilotildees constitucionais comuns aos
Estados membros deve ser assegurada no acircmbito da estrutura e dos objetivos da Comunidaderdquo Ibidem p4 21
O caso Rutilli caracteriza-se por ser a primeira referecircncia jurisprudencial feita pelo Tribunal de Luxemburgo agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem ou seja a utilizaccedilatildeo por parte de um tribunal supranacional de um
marco normativo essencial natildeo para o direito comunitaacuterio mas para o sistema regional de proteccedilatildeo aos direitos
humanos Nesse caso o Tribunal de Luxemburgo afirmou que as normas de direito comunitaacuterio natildeo era mais do
que uma manifestaccedilatildeo de princiacutepios gerais de direito consagrados na Convenccedilatildeo 22
GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional
algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em
httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014
18
Como resultado de tal caso natildeo soacute o Tribunal de Luxemburgo passou a consolidar um
entendimento jurisprudencial favoraacutevel ao respeito e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais
como demais instituiccedilotildees da entatildeo Comunidade Europeia assim agiram Em funccedilatildeo disso diz-
se que o principal resultado do caso Solange foi uma resoluccedilatildeo conjunta datada de 5 de abril
de 1977 entre Parlamento Europeu Conselho Europeu e Comissatildeo Europeia denominada
ldquoDeclaraccedilatildeo Conjunta sobre Direitos Fundamentaisrdquo23
Nesta ressaltou-se a necessidade do
respeito em acircmbito comunitaacuterio dos direitos fundamentais consagrados pelas tradiccedilotildees
constitucionais dos Estados membros e pela Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos
Os direitos fundamentais atraveacutes desse diaacutelogo jurisprudencial entre as cortes de
esperas diferentes (supranacional e nacionais) apareceram de modo progressivo no direito
comunitaacuterio europeu tornando-se paracircmetros de validade das normas da Uniatildeo Qualquer
norma seja comunitaacuteria seja nacional que contrariasse os direitos fundamentais seria
considerada invaacutelida
A tendecircncia jurisprudencial do TJUE de vincular a noccedilatildeo de supremacia das normas
comunitaacuterias com a proteccedilatildeo aos direitos fundamentais acabou por refletir no Tratado de
Maastricht de 1992 Tambeacutem chamado de Tratado da Uniatildeo Europeia este documento em
seu artigo F nuacutemero 2 determina que a Uniatildeo respeite os direitos fundamentais tal como os
garante a Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem24
Na esteira da inclusatildeo da proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em tratados o Tratado de
Lisboa de 2007 aleacutem de estabelecer personalidade juriacutedica agrave Uniatildeo Europeia25
determina que
a esta aderiraacute agrave Convenccedilatildeo Europeia para a proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e das Liberdades
Fundamentais sendo que a adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas
nos tratados26
23
XAVIER Ana Isabel Os Direitos Fundamentais no ldquodiaacutelogo europeurdquo de Nice a Lisboa In Debater a
Europa n 9 julhodezembro 2013 Disponiacutevel em httpeurope-direct-
aveiroaevaeudebatereuropaimagesn9axavierpdf Acesso em 03 out 2014 24
Artigo F n 2 ldquoA Uniatildeo respeitaraacute os direitos fundamentais tal como os garante a Convenccedilatildeo Europeia de
Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais assinada em Roma em 4 de novembro de
1950 e tal como resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-membros enquanto princiacutepios
gerais do direito comunitaacuteriordquo TRATADO DE MAASTRICHT 1992 Disponiacutevel em httpeuropaeueu-
lawdecision-makingtreatiespdftreaty_on_european_uniontreaty_on_european_union_ptpdf Acesso 15 out
2014 25
O artigo 46-A do Tratado de Lisboa determina que ldquoA Uniatildeo tem personalidade juriacutedicardquo TRATADO DE
LISBOA 2007 Disponiacutevel em httpeur-lexeuropaeulegal-
contentPTTXTPDFuri=OJC2007306FULLampfrom=PT Acesso 16 out 2014 26
O artigo 6ordf do Tratado de Lisboa determina que ldquo1 A Uniatildeo reconhece os direitos as liberdades e os
princiacutepios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da Uniatildeo Europeia de 7 de Dezembro de 2000 com
as adaptaccedilotildees que lhe foram introduzidas em 12 de Dezembro de 2007 em Estrasburgo e que tem o mesmo
valor juriacutedico que os Tratados De forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competecircncias da Uniatildeo tal
como definidas nos Tratados Os direitos as liberdades e os princiacutepios consagrados na Carta devem ser
interpretados de acordo com as disposiccedilotildees gerais constantes do Tiacutetulo VII da Carta que regem a sua
19
Mesmo que o ideal de Constituiccedilatildeo para a Uniatildeo Europeia natildeo tenha sido aprovado
pelos Estados membros as regras de supremacia das normas comunitaacuterias e de proteccedilatildeo aos
direitos fundamentais consagrados natildeo soacute nas Constituiccedilotildees como nas proacuteprias tradiccedilotildees
constitucionais dos Estados regem as decisotildees do Tribunal supranacional que existe no
continente Por isso mesmo que a preocupaccedilatildeo inicial da ldquopequena Europardquo tenha sido a
integraccedilatildeo econocircmica dos paiacuteses devastados pela guerra para que pudessem voltar a ser
competitivos internacionalmente ao longo do tempo sentiu-se a necessidade de trazer para
dentro do direito comunitaacuterio noccedilotildees acerca dos direitos fundamentais e humanos de modo
que hoje estes se encontram tutelados por instrumentos e oacutergatildeos supranacionais especiacuteficos
Ocorre que conforme se mencionou no iniacutecio deste subcapiacutetulo o cenaacuterio europeu
pode ser vislumbrado sob duas oacuteticas distintas desde o Congresso da Europa a oacutetica
federalista que impulsiona a criaccedilatildeo da Uniatildeo Europeia e de um direito comunitaacuterio europeu
e o vieacutes da cooperaccedilatildeo internacional marcado pela criaccedilatildeo do Conselho da Europa e de um
sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos o qual exige o pensamento acerca
da possibilidade da construccedilatildeo de um direito comum europeu
Nesse aspecto acerca do conceito de comum eacute pertinente remontar agraves premissas de
Dardot et Laval27
Para os autores o comum do direito segundo uma loacutegica de interpretaccedilatildeo
neoliberal natildeo seraacute outro que o direito de propriedade dos contratos e do lucro Eacute justamente
contra esse tipo de concepccedilatildeo trazido pelos efeitos nefastos da globalizaccedilatildeo que se invoca a
defesa e a reabilitaccedilatildeo do conceito de comum que deve ser entendido sob uma loacutegica de bases
uniacutessonas em mateacuteria de direitos humanos
Em razatildeo disso eacute no acircmbito da ldquogrande Europardquo ou seja do sistema regional europeu
de proteccedilatildeo dos direitos do homem que se vislumbram bases para a criaccedilatildeo de um direito
comum cuja premissa eacute a busca do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano28
Deste
modo no panorama apresentado se vislumbra de modo claro que embora existam regras
princiacutepios e instituiccedilotildees para reger o direito comunitaacuterio europeu (regras previstas nos
tratados da Uniatildeo Europeia e pacificadas pelo ativismo do TJUE) na ldquopequena Europardquo em
interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo e tendo na devida conta as anotaccedilotildees a que a Carta faz referecircncia que indicam as fontes
dessas disposiccedilotildees 2 A Uniatildeo adere agrave Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais Essa adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas nos Tratados3
Do direito da Uniatildeo fazem parte enquanto princiacutepios gerais os direitos fundamentais tal como os garante a
Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como
resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-Membrosrdquo Ibid 2007 27
DARDOT Pierre LAVAL Cristian COMMUN essai sur la revolutiona au XXeme siegravecle Paris La
deacutecouverte 2014 p 287 28
DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio
de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b
20
mateacuteria de direitos humanos e no acircmbito de um processo de globalizaccedilatildeo eacute preciso avanccedilar
na compreensatildeo do espaccedilo europeu para no acircmbito do sistema regional consolidar as bases
para a criaccedilatildeo de um direito comum
12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias juriacutedicas
a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da figura da
Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
O Congresso da Europa sob o aspecto juriacutedico dividiu o continente em blocos
autocircnomos dentro de um sistema multicecircntrico Nesse sentido Mireille Delmas-Marty29
assevera que natildeo existe uma unidade juriacutedica chamada Europa ou sequer uma visatildeo uacutenica e
preestabelecida do continente
Pelo contraacuterio existe uma Europa feita de instituiccedilotildees juriacutedicas diversas cada uma
com regras e princiacutepios especiacuteficos Neste sentido de um lado tem-se a ldquopequena Europardquo
composta pelos vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e que possui um ideal
primordialmente econocircmico com os objetivos de livre circulaccedilatildeo de pessoas e de
mercadorias bem como de instituiccedilatildeo de uma moeda uacutenica sob a perspectiva de abertura de
fronteira entre os paiacuteses Sob este ideal desenvolve-se a base para o direito comunitaacuterio que
possui como instituiccedilatildeo juriacutedica maacutexima o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo Europeia (TJUE)
com caraacuteter supranacional
Na Europa dos ldquoVinte e Oitordquo portanto sob o ideal integracionista surge o chamado
direito comunitaacuterio europeu o qual atraveacutes de direito originaacuterio (tratados constitutivos) e
direito derivado (normas emanadas de oacutergatildeos de competecircncia legislativa da Uniatildeo) forma o
sistema juriacutedico-poliacutetico e juriacutedico-econocircmico da Uniatildeo Europeia A peculiaridade desta nova
ordem formada eacute a de natildeo querer unificar a ordem juriacutedica dos paiacuteses europeus mas de
uniformizar em algumas mateacuterias as normas do bloco criado Justamente por isso a
supranacionalidade intriacutenseca ao direito comunitaacuterio natildeo se confunde com o direito
internacional
Sob as bases de interesses econocircmicos tem-se o objetivo de chegar a uma integraccedilatildeo
nas aacutereas concernentes agrave poliacutetica cultura dentre outras sob uma relaccedilatildeo de integraccedilatildeo entre o
29
Id 2004a p47
21
ordenamento juriacutedico comunitaacuterio e o ordenamento interno de cada Estado Sem sombra de
duacutevidas a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais se insere nessas relaccedilotildees mas com o
intuito de fortalecer o ideal de supremacia das normas comunitaacuterias Em funccedilatildeo de tal
premissa tem-se a necessidade de preservar o estaacutegio alcanccedilado pelo processo de integraccedilatildeo e
por isso um ordenamento juriacutedico comunitaacuterio eacute formado Entretanto eacute preciso avanccedilar no
processo de tutela dos direitos humanos em um contexto tatildeo plural como o europeu
Deste modo de outro lado tem-se a ldquogrande Europardquo criada pelo Conselho da Europa
perfazendo uma cooperaccedilatildeo poliacutetica que hoje abriga quarenta e sete membros30
signataacuterios da
Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais
(CEDH) O oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do Conselho da Europa eacute o Tribunal Europeu dos Direitos
do Homem (TEDH) sediado em Estrasburgo e para o qual podem demandar tanto Estados
quanto indiviacuteduos viacutetimas de violaccedilotildees de direitos humanos reconhecidos pela convenccedilatildeo
Neste sentido o paraacutegrafo 3ordm31
do Preacircmbulo da CEDH de 1950 assevera que a
finalidade principal do Conselho da Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre seus
membros e que um dos meios para alcanccedilar esta finalidade eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais sendo tais direitos vistos como um meio
para uma progressiva integraccedilatildeo dos europeus Antes mesmo disso o Estatuto do Conselho da
Europa de 1949 havia asseverado que a finalidade da instituiccedilatildeo era criar uma organizaccedilatildeo
que levasse os paiacuteses do continente a uma associaccedilatildeo cuja base fosse a unidade entre seus
membros privilegiando ideais e princiacutepios comuns aos diferentes Estados
Essa configuraccedilatildeo surgida na segunda metade do seacuteculo XX produz alteraccedilotildees
significativas na conceituaccedilatildeo de alguns institutos juriacutedicos e poliacuteticos como eacute o caso do
Estado da soberania dentre outros Nesse sentido o cenaacuterio Europeu pode ser enxergado
como proacuteximo da noccedilatildeo de Estado em Rede proposto por Manuel Castells32
Em um mesmo
espaccedilo territorial a autoridade passa a ser partilhada ao longo de uma rede de instituiccedilotildees O
30
Os 47 paiacuteses que fazem parte do Conselho da Europa satildeo Beacutelgica Dinamarca Franccedila Irlanda Itaacutelia
Luxemburgo Paiacuteses Baixos Noruega Sueacutecia Reino Unido Greacutecia Turquia Islacircndia Alemanha Ocidental
Aacuteustria Chipre Suiacuteccedila Malta Portugal Espanha Liechtenstein Satildeo Marino Finlacircndia Hungria Polocircnia
Bulgaacuteria Estocircnia Lituacircnia Eslovecircnia Repuacuteblica Checa Eslovaacutequia Romecircnia Andorra Letocircnia Albacircnia
Moldaacutevia Macedocircnia Ucracircnia Ruacutessia Croaacutecia Geoacutergia Armecircnia Azerbaijatildeo Boacutesnia e Herzegovina Seacutervia
Mocircnaco Montenegro Disponiacutevel em
httpwwwcoeintptAboutCoemediainterfacepublicationscoe_dh_ptpdf Acesso 08 out 2014 31
O terceiro paraacutegrafo do preacircmbulo da CEDH dispotildee que ldquoConsiderando que a finalidade do Conselho da
Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre os seus Membros e que um dos meios de alcanccedilar essa finalidade
eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento dos direitos do homem e das liberdades fundamentais ()rdquo CONVENCcedilAtildeO
EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS
1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso em 08 out 2014 32
CASTELLS Manuel A era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura A sociedade em rede Vol 1 5
ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999b
22
Estado-naccedilatildeo claacutessico relaciona-se com instituiccedilotildees supranacionais e a rede formada possui
noacutes diversos e natildeo um centro uacutenico sendo que esses noacutes podem apresentar tamanhos distintos
e estar ligados por relaccedilotildees assimeacutetricas
Essas redes e seus noacutes portanto representam formas de poder paralelas e
complementares que satildeo autocircnomas uma em relaccedilatildeo agraves outras O espaccedilo europeu marcado
por um jaacute consolidado direito comunitaacuterio e por uma estrutura supranacional sui generis
tornou-se um verdadeiro campo de concorrecircncia convergecircncia justaposiccedilatildeo e conflito de
vaacuterias constituiccedilotildees e poderes constituintes em um mesmo espaccedilo poliacutetico levando a uma
pluralidade de ordenamentos e de normatividades
A supranacionalidade desenvolvida assemelha-se desta forma a um Estado em Rede
em funccedilatildeo de um novo paradigma de governanccedila estabelecido em diferentes niacuteveis com
diferentes noacutes de diferentes dimensotildees e com relaccedilotildees internacionais assimeacutetricas O Estado-
Naccedilatildeo claacutessico se articula cotidianamente na tomada de decisotildees com instituiccedilotildees
supranacionais de diferentes tipos e em acircmbitos distintos33
Em uma mesma organizaccedilatildeo
complexa temos entatildeo as caracteriacutesticas da descentralizaccedilatildeo e da coordenaccedilatildeo sobretudo no
aspecto normativo sendo que a crise do Estado-naccedilatildeo o desenvolvimento das instituiccedilotildees
supranacionais e a transferecircncia das atribuiccedilotildees e iniciativas aos acircmbitos regionais e locais satildeo
caracteriacutesticas que funcionam como base para o desenvolvimento do Estado em Rede
Nesse acircmbito ainda eacute possiacutevel acrescentar a definiccedilatildeo de Marcelo Varella34
de que a
Uniatildeo Europeia caracteriza-se por ser uma instituiccedilatildeo sui generis natildeo soacute pelo seu modo de
constituiccedilatildeo como por seus efeitos no campo juriacutedico-normativo Desta maneira o bloco
europeu dos vinte e oito inserido no contexto de um sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos
humanos (ldquopequena Europardquo inserida na ldquogrande Europardquo) marca a caracteriacutestica de uma
superaccedilatildeo da tiacutepica forma de visatildeo linear e hieraacuterquica do direito tradicional em favor da
construccedilatildeo de um direito em camadas ou em diferentes niacuteveis ou ainda em redes
Essa concepccedilatildeo de Castells utilizada aqui para ilustrar as relaccedilotildees na Uniatildeo Europeia
comunica-se com a noccedilatildeo de Mireille Delmas-Marty35
de um pluralismo que deve ser
ordenado Na Europa como um todo em acircmbito juriacutedico a coexistecircncia de normas das mais
diversas fontes e de tribunais nas mais diferentes escalas faz emergir uma noccedilatildeo de caos
33
Id 1999a p164 34
VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade
de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014 p145 35
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006
23
juriacutedico que precisa ser ordenado Em razatildeo disso pertinente a busca por um direito comum
com ecircnfase em um direito comum em mateacuteria de direitos humanos
Interessante notar que esse cenaacuterio criado intensifica-se com o processo de
mundializaccedilatildeo36
e sob essa oacutetica embora os direitos humanos tenham se tornado oponiacuteveis aos
Estados perfazendo princiacutepios de direito incluiacutedos nas Constituiccedilotildees Estatais no
entendimento dos tribunais supranacionais e em instrumentos normativos internacionais os
corolaacuterios do processo de mundializaccedilatildeo satildeo os direitos econocircmicos que predominam nas
preocupaccedilotildees do jaacute consolidado direito comunitaacuterio europeu
Enquanto os direitos humanos foram concebidos sob o prisma de uma universalidade e
com a finalidade de proteger o ldquoirredutiacutevel humanordquo37
os direitos econocircmicos satildeo os motores
da mundializaccedilatildeo sendo que isso somado agrave desestabilizaccedilatildeo do tempo e agrave desestatizaccedilatildeo do
Estado gera no processo de mundializaccedilatildeo uma aparente desordem normativa com a
proliferaccedilatildeo de normas de modo anaacuterquico38
Em funccedilatildeo disso eacute viaacutevel dizer que o continente europeu serve de base e eacute capaz de
traduzir importantes eventos para explicar fenocircmenos que hoje satildeo salientes na esfera juriacutedica
Mireille Delmas-Marty39
sugere que vivemos sob a eacutegide de espaccedilos ldquodesestatizadosrdquo tempos
ldquodesestabilizadosrdquo e uma ordem ldquodeslegalizadardquo No sentido atual da paisagem juriacutedica
afirmar que o Estado eacute a uacutenica fonte de Direito eacute assumir uma atitude de exclusatildeo de todos os
demais espaccedilos normativos
Como eacute possiacutevel observar na Europa convivem em um mesmo espaccedilo normas
provenientes de fontes estatais claacutessicas normas advindas de instituiccedilotildees supranacionais e
regras provenientes de entes internacionais na formaccedilatildeo de um verdadeiro mosaico juriacutedico
O monopoacutelio do Estado como produtor do direito deixa de ser imperativo frente agrave
internacionalizaccedilatildeo crescente das fontes juriacutedicas De modo concomitante e corroborando
36
Na obra ldquoTrecircs Desafios para um Direito Mundialrdquo Mirelle Delmas-Marty observa as particularidades dos
termos globalizaccedilatildeo mundializaccedilatildeo e universalidade quais sejam ldquoA mundializaccedilatildeo remete agrave difusatildeo espacial
de um produto de uma teacutecnica ou de uma ideia A universalidade implica um compartilhar de sentidosrdquo Em
outra passagem disserta ldquoDifusatildeo espacial de um lado compartilhar os sentidos de outra estas duas foacutermulas
descrevem muito bem a diferenccedila que separam os dois fenocircmenos que eu denominarei globalizaccedilatildeo para a
economia e universalizaccedilatildeo para os direitos do homem guardando assim o termo mundializaccedilatildeo uma
neutralidade que ele jamais perderaacute caso natildeo se resigne rapidamente ao primado da economia sobre os Direitos
do Homemrdquo DELMAS-MARTY Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr
Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b p 08-09 37
Ibid p48 38
FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos
teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013 39
DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47
24
com a teoria do Estado em Rede de Castells eacute possiacutevel observar um processo de
descentralizaccedilatildeo espacial com o deslocamento de fontes do centro para periferias40
Da mesma forma os tempos estatildeo desestabilizados Segundo Delmas41
em comparaccedilatildeo
aos votos claacutessicos de perpetuidade da lei eacute possiacutevel hoje encontrar fontes temporaacuterias e
evolutivas do direito O espaccedilo europeu se constitui como uma aacuterea privilegiada dessas fontes
evolutivas42
Sob o aspecto da ldquopequena Europardquo as regras de direito comunitaacuterio impotildeem um
resultado que deve ser atingido o que pela falta de meios juriacutedicos incentiva os Estados a
adaptar seus textos a dados econocircmicos
Isso tudo faz emergir a noccedilatildeo de assincronia43
do direito ou seja diferentes
velocidades em diferentes espaccedilos Nesse sentido haacute no espaccedilo europeu uma diferenccedila de
velocidade dos processos de integraccedilatildeo das normas internacionais (ou supranacionais) de
direito do comeacutercio em comparaccedilatildeo com as normas ambientais ou relativas aos direitos
humanos O proacuteprio processo evolutivo de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais
sob o panorama da ldquopequena Europardquo demonstra desde os primoacuterdios da criaccedilatildeo da
Comunidade Europeia uma ausecircncia de sincronia em relaccedilatildeo agraves duas esferas do direito A
evoluccedilatildeo dos direitos humanos eacute lenta quando comparada com a celeridade da integraccedilatildeo das
normas de direito comercial e econocircmico em um mundo de economia globalizada
Pode-se entatildeo afirmar que natildeo soacute na Europa como tambeacutem na sociedade
internacional o tempo das relaccedilotildees comerciais e por conseguinte o tempo da integraccedilatildeo do
direito do comeacutercio eacute o tempo do software da fluidez da velocidade da luz Enquanto isso o
tempo das relaccedilotildees humanas da eacutetica da solidariedade e da integraccedilatildeo do direito dos direitos
humanos segue o tempo do hardware do denso do apego ao territoacuterio e agraves localidades44
Por fim estaacute-se tambeacutem frente a uma ordem ldquodeslegalizadardquo uma vez que dentre os
reflexos das vicissitudes na seara juriacutedica eacute possiacutevel destacar um ruptura com a noccedilatildeo de
40
Tal fenocircmeno eacute descrito por Mireille Delmas-Marty como ldquodescentralizaccedilatildeordquo Esta envolve o deslocamento de
fontes do centro do Estado para coletividades territoriais Todavia tal fenocircmeno natildeo se confunde com uma mera
desconcentraccedilatildeo de poderes que eacute destinada a conferir maior eficaacutecia agraves estruturas centrais do Estado A
descentralizaccedilatildeo conforme refere a autora confia ao representante local da coletividade territorial certos poderes
de decisatildeo fazendo transparecer uma autonomia local para impor certas regras juriacutedicas Como exemplo
podem-se destacar as comissotildees locais de eacutetica como ocorre em uma deontologia profissional como a Ordem
dos Advogados As regras disciplinares desta profissatildeo guardam um caraacuteter misto sendo de natureza local e
nacional privada e puacuteblica Ibid 2004ap55 41
Ibid 2004ap47 42
Segundo Delmas falar de fontes evolutivas significa renunciar ao passado do costume e ao futuro das leis para
situar as fontes de direito no presente por natureza instaacutevel Ibid 2004ap65 43
Id 2006 p 114 44
SALDANHA Jacircnia Marial Lopes BRUM Maacutercio Morais MELLO Rafaela da Cruz A Assincronia do
Direito e o Caso Araguaia Uma anaacutelise da Decisatildeo do Supremo Tribunal Federal Brasileiro na ADPF 153 e do
Julgamento do Caso Gomes Lund e Outros vs Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos In Andreacute
Karam Trindade Angela Araujo da Silveira Espindola (Org) Direitos Fundamentais e Espaccedilo Puacuteblico 1ed
Passo Fundo - RS Editora IMED 2011 v 2 p 37-61
25
identidade entre direito e lei45
O processo de internacionalizaccedilatildeo deixa comum aos sistemas
de commun law e de civil law o papel do juiz na geraccedilatildeo do direito ou seja na interaccedilatildeo entre
texto normativo e sua interpretaccedilatildeo de modo que a jurisprudecircncia e o diaacutelogo entre os
diferentes tribunais serve para ambos os sistemas como um importante balizador para
consolidaccedilatildeo de entendimentos e de princiacutepios
Diante desse cenaacuterio juriacutedico global proveniente do processo de internacionalizaccedilatildeo -
e especiacutefico no caso da Europa ndash de desestatizaccedilatildeo de ruptura com paradigmas e com a loacutegica
binaacuteria de interpretar o direito eacute possiacutevel concordar com a premissa de Mireille Delmas-
Marty46
de que a paisagem juriacutedica apresenta um panorama de proliferaccedilatildeo constante de
normas e de entendimentos jurisprudenciais que em um primeiro momento podem levar a
uma noccedilatildeo de desordem e anarquia
Conveacutem perceber que a nova paisagem juriacutedica para a qual a Europa eacute um verdadeiro
laboratoacuterio47
eacute composta por formas mais complexas como piracircmides inacabadas
descontiacutenuas compostas por aneacuteis normativos como uma guirlanda no entanto natildeo
especificamente se liga agrave anarquia Pelo contraacuterio a retirada de marcos e o deslocamento de
linhas natildeo significa desordem e essa aparecircncia de caos favorece ao pluralismo
Por isso Delmas-Marty48
atesta que a internacionalizaccedilatildeo do direito apresenta um
grande paradoxo ordenar o plural Embora estejamos semanticamente diante de vernaacuteculos
opostos visto que a proposta eacute colocar em ordem aquilo que naturalmente eacute muacuteltiplo e plural
sem reduzir sua identidade a primeira consideraccedilatildeo que deve ser feita eacute a de que o tiacutepico
modelo kelseniano de loacutegica juriacutedica natildeo mais se aplica ao cenaacuterio em que o Direito se insere
atualmente em razatildeo da multiplicidade e do dinamismo existente no processo de
mundializaccedilatildeo
Para ir da desordem agrave ordem eacute necessaacuterio fortalecer as correlaccedilotildees da formaccedilatildeo
juriacutedica trazendo estabilidade agrave presenccedila de divergecircncias atraveacutes de uma aproximaccedilatildeo entre
ordens juriacutedicas por meio de um jogo de referecircncias cruzadas com o intuito de ordenar a
multiplicidade Essa aproximaccedilatildeo poreacutem natildeo pode ser concebida senatildeo em relaccedilatildeo a uma
referecircncia comum e neste campo a utilidade dos instrumentos protetivos de direitos humanos
traz a coerecircncia de conjunto capaz de indicar uma direccedilatildeo a seguir um norte para a criaccedilatildeo de
um direito comum cujo pluralismo eacute ordenado
45 DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47 46
Id 2006 47
VARELLA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do direito Direito Internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Livre Docecircncia em Direito Internacional Faculdade de
Direito da Universidade de Satildeo Paulo (USP) Satildeo Paulo 2012 Acesso 14 out 2014 48
Ibid 2006 p 10
26
Obviamente o direito comum almejado eacute pluralista tendo a razatildeo como instrumento
de justificaccedilatildeo e de diaacutelogo O pluralismo eacute justificado pelo intuito de harmonizar e conjugar
as particularidades religiosas poliacuteticas culturais de cada Estado ou comunidade evitando a
sobreposiccedilatildeo de uma ordem sobre outra ou a assimilaccedilatildeo e exclusatildeo Em razatildeo disso o
direito comum pluralista pretende construir um ldquoDireito dos Direitosrdquo a partir do ideal de
universalizaccedilatildeo dos direitos humanos sendo que a finalidade eacute a de aproximar ou harmonizar
ndash e natildeo unificar - os diferentes sistemas juriacutedicos sob a perspectiva de respeito ao ldquoirredutiacutevel
humanordquo49
Impossiacutevel a criaccedilatildeo de normas e regras comuns a todos os povos justamente pelo
fato de que sempre algumas normas advindas de culturas especiacuteficas se sobressairatildeo sobre
outras na criaccedilatildeo de uma hegemonia negativa O direito comum portanto inserido na oacutetica
de um direito mundial pluralista eacute aquele acessiacutevel a todos e comum aos diversos Estados
sem que haja o abandono de identidades Justamente em funccedilatildeo disso o alicerce para a sua
criaccedilatildeo eacute a aproximaccedilatildeo dos sistemas juriacutedicos tendo por base os direitos humanos que
carregam a caracteriacutestica da universalidade a qual adveacutem do compartilhamento de sentidos e
do enriquecimento pela troca
Neste sentido em que consistem esses direitos humanos que satildeo os alicerces para a
criaccedilatildeo de um direito comum Eacute possiacutevel afirmar que a mera previsatildeo constitucional ou em
tratados de direitos jaacute asseguram a sua proteccedilatildeo Como lidar com questotildees concernentes agraves
pretensotildees universalistas e as particularidades do relativismo cultural nas diferentes
sociedades europeias
Narciso Baez50
traz reflexotildees importantes acerca desse tema Segundo ele em meados
do seacuteculo XVII pensou-se que a positivaccedilatildeo dos direitos humanos seria instrumento suficiente
para garantir o seu respeito Essa noccedilatildeo adentrou a contemporaneidade com a filosofia de
Hans Kelsen de que as normas positivadas e inseridas nos ordenamentos juriacutedicos eram
obrigatoacuterias por serem legitimadas por uma norma juriacutedica superior que tinha um fim em si
mesma
Obviamente o seacuteculo XX mostrou que a mera inserccedilatildeo legal da dignidade da pessoa
humana ndash que eacute o elemento cerne dos direitos humanos ndash em um sistema positivo de direito e
dissociada de valores morais natildeo seria suficiente para evitar eventuais violaccedilotildees desses
49
Ibid 2006 p 54 50
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos
humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da
UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em
httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014
27
direitos Sob esse panorama e seguindo a corrente eacutetica51
de fundamentaccedilatildeo dos direitos
humanos pode-se afirmar que estes satildeo direitos de fora da ordem positiva que tecircm em seu
bojo componentes morais sociais poliacuteticos e ateacute econocircmicos que salvaguardam condiccedilotildees
miacutenimas para a garantia da dignidade da pessoa humana Em sua dimensatildeo baacutesica portanto
satildeo direitos inatos pautados em valores morais e conferidos aos indiviacuteduos pelo simples fato
de estes serem humanos
Logo para a construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos exige-
se o fortalecimento desses em suas dimensotildees baacutesicas Eacute neste sentido que Delmas52
se refere
ao miacutenimo eacutetico universal e ao irredutiacutevel humano ou seja elementos que todos os indiviacuteduos
apresentam em comum mesmo em diferentes culturas
As duas estruturas baacutesicas dos direitos humanos satildeo portanto os valores morais e a
dignidade humana53
Em relaccedilatildeo aos primeiros infere-se que a origem dos direitos humanos
natildeo eacute legal vez que estes satildeo reconhecidos aos indiviacuteduos pelo simples fato de serem
humanos O ordenamento juriacutedico tem a mera funccedilatildeo de reconhecer tais direitos e transformaacute-
los em normas a fim de obter efetividade Jaacute a dignidade humana eacute o bem maior dentro dos
direitos humanos constituindo uma qualidade universal intriacutenseca irrenunciaacutevel e
inalienaacutevel inerente a todos os seres humanos e que se encontra acima das especificidades
culturais
Neste vieacutes a universalidade de tais direitos que eacute requisito indispensaacutevel para a
criaccedilatildeo de um direito comum natildeo eacute marcada pela criaccedilatildeo de instrumentos internacionais
positivos de proteccedilatildeo dos direitos humanos Isso porque embora tenha se conseguido a
universalizaccedilatildeo da adesatildeo dos Estados como eacute o caso da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos da ONU de 1948 ou mesmo da CEDH do sistema regional europeu ainda haacute
resistecircncias agrave aceitaccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo em algumas culturas que alegam a necessidade de
relativizaccedilatildeo desses direitos para adequaccedilatildeo agraves realidades nacionais54
Logo para a construccedilatildeo de uma verdadeira universalidade eacute necessaacuterio interpretar os
direitos humanos sob uma oacutetica interdisciplinar Finnis55
nesse aspecto afirma que os direitos
humanos constituem uma categoria que busca consagrar a dignidade humana sendo esta um
atributo de todas as pessoas independentemente de crenccedila ou cultura Nesse aspecto
51
Id 2007 p 13-35 52
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b 53
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Direitos humanos na globalizaccedilatildeo In BAEZ Narciso
Leandro Xavier BARRETO Vicente (Org) Direitos humanos em evoluccedilatildeo Joaccedilaba Ed Unoesc 2007 p
13-35 54
Id 2009 p77-99 55
FINNIS John Ley natural e derechos naturales Buenos Aires AbeledoPerrot 2000
28
vislumbra-se necessaacuterio a fim de identificar quais satildeo os valores baacutesicos e inderrogaacuteveis a
todos os humanos a construccedilatildeo de valores universais atraveacutes do diaacutelogo e do cruzamento de
diferentes culturas com diferentes valores Isso facilita a construccedilatildeo de uma cultura
cosmopolita baseada em uma identificaccedilatildeo em que prevaleccedila a dignidade da pessoa humana
acima dos relativismos
As diversidades culturais satildeo provenientes de elementos externos56
da diferenccedila de
ambientes naturais mas mesmo assim todas as pessoas ainda que inseridas em
especificidades culturais distintas ainda manteacutem atributos comuns Eacute por essa loacutegica que
permanece atual a premissa de Kant de que no atual estaacutegio da humanidade os povos
atingiram um grau de desenvolvimento que os permitem fazer parte de uma comunidade
cosmopolita57
Por isso a violaccedilatildeo de um direito humano em um ponto do planeta repercute e
pode ser sentida em todos os outros
Pertinente ainda lembrar que a universalizaccedilatildeo natildeo significa a imposiccedilatildeo ou a
uniformizaccedilatildeo de uma cultura sobre as outras Pelo contraacuterio deve-se buscar uma raiz
comum qual seja um conjunto de valores miacutenimos universais capazes de dialogar com
diferentes culturas garantindo o respeito e a preservaccedilatildeo da vida humana em qualquer lugar
Ainda sob essa oacutetica eacute possiacutevel afirmar que a noccedilatildeo de direito comum de Delmas
aproxima-se do ideal de direito cosmopoliacutetico em Kant58
Ao perceber o aumento da
participaccedilatildeo dos povos na Terra Kant vislumbra a ideia de uma comunidade mundial
alicerccedilada sob as bases de um direito cosmopoliacutetico a fim de garantir a paz perpeacutetua Diante
da dicotomia entre praacuteticas culturais e direitos humanos a base do cosmopolitismo kantiano eacute
a busca de criteacuterios loacutegico-racionais que sejam comuns a todas as culturas
Nesse espectro surgem entatildeo os direitos humanos como nuacutecleo moral-juriacutedico do
direito cosmopoliacutetico vez que a moralidade miacutenima universal se baseia em trecircs pilares a)
humanidade comum b) ameaccedilas compartilhadas e c) obrigaccedilotildees miacutenimas Logo a
fundamentaccedilatildeo moral eacute a base dos direitos humanos uma vez que nela encontram-se as
exigecircncias imprescindiacuteveis para a vida de um indiviacuteduo Apesar das diferenccedilas sociais e
culturais entre os seres humanos algumas necessidades e capacidades satildeo comuns a todos59
56
PAREKH Bhikhu Pluralist universalism and human rights In SMITH Rhona K M ANKER Cristien van
den The essentials of human rights London Oxford University Press 2005 57
KANT Immanuel Para a paz perpeacutetua Traduccedilatildeo Baacuterbara Kristen - Rianxo Instituto Galego de Estudos de
Seguranccedila Internacional e da Paz 2006 58
Ibid 2006 p 107-108 59
BARRETO Vicente de Paulo Direito Cosmopoliacutetico e Direitos Humanos In Espaccedilo Juriacutedico Journal of
Law N 2 Vol 11 2010 Disponiacutevel em
httpeditoraunoescedubrindexphpespacojuridicoarticleview19491017 Acesso 30 out 2014
29
Assim como a concepccedilatildeo de direitos humanos natildeo pode mais ser concebida como o
era na eacutepoca de Kelsen o panorama em que o Direito de um modo geral se insere hoje
tambeacutem natildeo pode mais ser concebido conforme a loacutegica claacutessica kelseniana em que a
constituiccedilatildeo estatal encontra-se no topo de uma estrutura piramidal sendo hierarquicamente
seguida pela legislaccedilatildeo infraconstitucional Os rearranjos da mundializaccedilatildeo e a consequente
internacionalizaccedilatildeo do Direito fazem com que novas estruturas permeiem o atual cenaacuterio
juriacutedico mundial
Seja uma concepccedilatildeo de trapeacutezio cujos veacutertices superiores satildeo ocupados em igual
niacutevel pelas constituiccedilotildees estatais e pelos tratados ou convenccedilotildees internacionais protetivos dos
direitos humanos como eacute a visatildeo de Canotilho seguida por Flaacutevia Piovensan60
seja uma
visatildeo de nuvens fluidas e descontiacutenuas com um direito de sistemas interativos complexos
marcados por geometria de piracircmides inacabadas e aneacuteis normativos como guirlandas
defendida por Delmas-Marty61
demonstram que a internacionalizaccedilatildeo traz tentativas de
recomposiccedilatildeo de um pluralismo que deveraacute ser suficientemente ordenado
Em razatildeo disso razoaacutevel frente agrave mudanccedila paradigmaacutetica trazida pela mundializaccedilatildeo
pensar em um conjunto ordenado para a desordem uma vez que a aparente anarquia que
existe favorece ao pluralismo Para se chegar a um direito comum pluralista tendo por base os
direitos humanos deve-se buscar a harmonizaccedilatildeo entre estes e os direitos econocircmicos com
respeito agraves particularidades religiosas e culturais e com a superaccedilatildeo dos perigos de uma
uniformizaccedilatildeo hegemocircnica tendente agrave globalizaccedilatildeo econocircmica
Nesse novo paradigma o ideaacuterio de ordem ldquodeslegalizadardquo anteriormente referido
toma corpo uma vez que a sobrevalorizaccedilatildeo da lei e das grandes codificaccedilotildees perde espaccedilo
havendo em contrapartida a crescente incorporaccedilatildeo dos precedentes (certa ruptura de
fronteiras entre common law e civil law) e dos princiacutepios como espeacutecie de coacutedigo cultural do
processo de interpretaccedilatildeo e criaccedilatildeo do direito62
A internacionalizaccedilatildeo do Direito reflete portanto uma nova realidade de um Direito
de sistemas complexos fluidos descontiacutenuos e interativos os quais levam agrave mutaccedilatildeo da
proacutepria concepccedilatildeo tradicional de ordem juriacutedica que natildeo eacute mais fechada dentro de si mesma e
sim sofre influecircncia de outras A tradicional piracircmide kelseniana eacute desconstruiacuteda
60
PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e diaacutelogo entre jurisdiccedilotildees In Revista Brasileira de Direito
Constitucional ndash RBCD n19 ndash janjul 2012 61
DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio
de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b 62
FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos
teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013
30
gradativamente dando lugar a novas geometrias cuja hierarquia natildeo eacute tatildeo riacutegida mas nem por
isso deixa de ser complexa
No topo encontram-se as constituiccedilotildees juntamente com elementos do Direito
Internacional (jus cogens tratados relativos o direito internacional dos direitos humanos) e do
direito comunitaacuterio europeu No corpo do que seria a antiga piracircmide kelseniana encontra-se
o crescimento e a consolidaccedilatildeo de um direito jurisprudencial atraveacutes de um jogo de
referecircncias reciacuteprocas em que um sistema observa o outro mas natildeo haacute um centro ao lado das
normas produzidas no legislativo (a intensa produccedilatildeo jurisprudencial para os hard cases
culmina em adiccedilatildeo de conteuacutedos advindos de ldquooutros direitosrdquo) e a base passa a ser composta
por decretos e regulamentos que resultam de administraccedilotildees policecircntricas corroborando para
a crenccedila de que o processo de internacionalizaccedilatildeo do direito vem acompanhado de
descentralizaccedilatildeo e privatizaccedilatildeo de fontes do Direito63
Diante deste quadro Delmas64
apresenta trecircs espeacutecies de processo de interaccedilatildeo para
se chegar a um direito comum coordenaccedilatildeo por entrecruzamento harmonizaccedilatildeo e unificaccedilatildeo
Destaca-se antes de discorrer brevemente sobre esses processos que o direito comum natildeo
tem a pretensatildeo de unificar o Direito no texto pois isso seria uma tarefa praticamente utoacutepica
A ideia de Delmas objetiva na realidade a exploraccedilatildeo da pluralidade como potencial poder
de integraccedilatildeo vez que as redes dinacircmicas e as estruturas vetorizadas pelos direitos humanos
presentes nas novas geometrias da ordem mundial se pautam no reconhecimento do outro em
uma espeacutecie de alteridade65
A coordenaccedilatildeo por entrecruzamento caracteriza-se por ser um processo horizontal em
que a autoridade das decisotildees seraacute reforccedilada pelo jogo de referecircncias cruzadas de uma
jurisdiccedilatildeo agrave outra Essa eacute uma fase transitoacuteria na construccedilatildeo de uma verdadeira ordem juriacutedica
mundial em que a internormatividade e a interpretaccedilatildeo cruzada permitem a formaccedilatildeo de no
miacutenimo uma comunidade de juiacutezes Em funccedilatildeo disso em acircmbito global percebem-se traccedilos
da coordenaccedilatildeo por entrecruzamento nos diaacutelogos entre cortes e tribunais nas mais diferentes
ordens No espaccedilo europeu a coordenaccedilatildeo eacute percebida da mesma forma atraveacutes dos diaacutelogos
entre as cortes nacionais e os tribunais da ldquopequena Europardquo e da ldquogrande Europardquo
respectivamente Tribunal de Luxemburgo e de Estrasburgo
Interessante notar conforme jaacute foi demonstrado que foram os diaacutelogos entre as cortes
nacionais dos diversos Estados membros da entatildeo Comunidade Europeia e posterior Uniatildeo
63
Ibid 2013 p20 64
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006 65
LOPES Carla Patriacutecia Frade Nogueira Internacionalizaccedilatildeo do Direito e pluralismo juriacutedico limites de
cooperaccedilatildeo no diaacutelogo de juiacutezes In Revista de Direito Internacional da Uniceub Vol 9 n4 2012
31
Europeia que auxiliaram no processo de consolidaccedilatildeo do entendimento de primazia das
normas comunitaacuterias ao lado da proteccedilatildeo integral aos direitos fundamentais previstos nas
constituiccedilotildees estatais Isso culminou conforme se asseverou anteriormente na disposiccedilatildeo do
Tratado de Lisboa de que a Uniatildeo Europeia natildeo soacute se submete agraves tradiccedilotildees e regras
constitucionais em mateacuteria de direitos fundamentais como adere agrave Convenccedilatildeo Europeia dos
Direitos do Homem
Se o primeiro processo de interaccedilatildeo eacute a coordenaccedilatildeo far-se-aacute de imediato a anaacutelise do
uacuteltimo processo a unificaccedilatildeo visto que o eacute no processo intermediaacuterio ndash a harmonizaccedilatildeo ndash que
se desenvolve o foco do presente estudo A unificaccedilatildeo seria do ponto de vista formal o
processo perfeito por unir ordens juriacutedicas regionais sob um mesmo modelo hieraacuterquico e
coerente das ordens nacionais tradicionais Entretanto sob o enfoque empiacuterico essa perfeiccedilatildeo
estaacute longe de ser garantida vez que a unificaccedilatildeo consiste na transferecircncia pura e simples do
regramento juriacutedico de um paiacutes para outro em uma espeacutecie de verticalizaccedilatildeo ordenada que
pode gerar a dominaccedilatildeo hegemocircnica de uma ordem sobre outra sem portanto respeito agrave
pluralidade
O processo intermediaacuterio de harmonizaccedilatildeo por sua vez tende a aproximar os sistemas
com um propoacutesito coordenativo poreacutem sem a intenccedilatildeo unificadora Tal processo limita-se a
uma integraccedilatildeo imperfeita cuja chave eacute a preservaccedilatildeo das margens nacionais de apreciaccedilatildeo
De modo diferente da coordenaccedilatildeo que eacute marcada pela horizontalidade da comunicaccedilatildeo entre
conjuntos juriacutedicos a harmonizaccedilatildeo instaura uma relaccedilatildeo do tipo vertical que implica o
reconhecimento de algumas hierarquias entre por exemplo direito internacional e nacional
direito supranacional e nacional dentre outras formas Todavia a inversatildeo destas hierarquias
e o reconhecimento muacutetuo fazem parte do movimento de harmonizaccedilatildeo
As margens nacionais de apreciaccedilatildeo satildeo as grandes novidades desse processo de
harmonizaccedilatildeo vez que elas funcionam em uma dinacircmica centriacutefuga e envolvem tanto a
obrigaccedilatildeo de conformidade em relaccedilatildeo agraves normas internacionais das quais determinado paiacutes eacute
signataacuterio quanto agrave apreciaccedilatildeo soberana dos Estados sendo delineada por princiacutepios
comuns66
A resistecircncia dos direitos internos e os avanccedilos do processo de harmonizaccedilatildeo satildeo
portanto as condiccedilotildees de possibilidade para a aplicaccedilatildeo da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
(MNA)
66
SALDANHA Jacircnia Maria Lopes MELLO Rafaela da Cruz Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e
Diaacutelogos Transjurisdicionais uma anaacutelise da postura do Supremo Tribunal Federal Brasileiro In Conselho
Nacional de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito - CONPEDI (Org) Direito Internacional dos Direitos
Humanos I XXIII EdFlorianoacutepolis CONPEDI 2014 v I p 368-394
32
Deste modo imperioso reconhecer que em um continente plural como eacute o europeu
com diversos paiacuteses com aspectos linguiacutesticos culturais religiosos e poliacuteticos a figura da
MNA apresenta-se como uma importante chave para o desenvolvimento e consolidaccedilatildeo de
um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos sendo uma ferramenta relevante
para o estabelecimento de um pluralismo ordenado uma vez que as pluralidades e
peculiaridades culturais e religiosas de cada Estado satildeo respeitadas
Neste sentido portanto a Europa pode ser vista novamente como um laboratoacuterio de
experiecircncias e o surgimento da MNA possui hoje um importante papel sobretudo dentro do
continente europeu Utilizada tanto pelos Tribunais de Luxemburgo e Estrasburgo a MNA
surgiu pela primeira vez na jurisprudecircncia do TEDH
Embora existam relatos do uso da MNA pelo Tribunal de Luxemburgo para permitir
que os conceitos comunitaacuterios sejam interpretados de modo flexiacutevel segundo as
especificidades nacionais e servindo como uma importante vaacutelvula de escape para as tensotildees
nacionais mais fortes neste trabalho far-se-aacute a limitaccedilatildeo da utilizaccedilatildeo da MNA pelo Tribunal
Europeu de Direitos do Homem com o intuito de analisar quais satildeo os entraves e as
possibilidades do uso de tal ferramenta pra a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de um direito comum
para a ldquogrande Europardquo tendo como base os direitos humanos
33
2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU
A noccedilatildeo de margem encontra-se no coraccedilatildeo dos sistemas de Direito uma vez que o
direito interno jaacute prevecirc a possibilidade de uma margem de interpretaccedilatildeo aos juiacutezes em relaccedilatildeo
agraves demandas que lhes satildeo apresentadas Todavia a internacionalizaccedilatildeo impulsiona ao
acreacutescimo do termo ldquonacionalrdquo a essa margem no sentido de permitir o reconhecimento da
diversidade dos sistemas juriacutedicos e a possibilidade de um direito comum
Nesse sentido no presente capiacutetulo far-se-aacute uma abordagem acerca da histoacuteria dessa
ferramenta criada pelo TEDH bem como o conceito e as criacuteticas trazidas por estudiosos da
doutrina da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) (21) Por conseguinte atraveacutes de uma
anaacutelise jurisprudencial se tentaraacute comprovar que a margem a despeito de opiniotildees contraacuterias
acerca da ausecircncia de paracircmetros para sua aplicaccedilatildeo pelo TEDH constitui-se como um
instrumento relevante para a construccedilatildeo de um direito comum europeu tendo como base
luminosa os direitos humanos (22)
21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem
Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu
Consoante fora anteriormente aludido a noccedilatildeo de margem encontra-se dentro dos
sistemas de direito Por isso em um primeiro momento aponta-se a margem dentro do direito
interno como ferramenta capaz de auxiliar o juiz enquanto receptor da norma a interpretar
determinado caso concreto em uma espeacutecie de coacutedigo cultural que determina o senso da
norma67
Nesse sentido a origem dessa margem de interpretaccedilatildeo adveacutem do direito
administrativo de diversos Estados europeus Na Franccedila a margem eacute conhecida como ldquomarge
67
DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation
du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit
compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780
34
drsquoappreacutecciationrdquo na Alemanha eacute vista como ldquoErmessensspielraumrdquo e na Itaacutelia ldquomarge de
discrizionalitaacuterdquo68
Em acircmbito interno portanto caracteriza-se por ser uma deferecircncia que
combina aspectos processuais e hermenecircuticos no sentido de conferir uma reserva de
apreciaccedilatildeo ao administrador para decidir acerca da conveniecircncia e oportunidade em relaccedilatildeo
aos atos administrativos
O processo de internacionalizaccedilatildeo estaacutegio supremo da globalizaccedilatildeo69
no acircmbito do
Direito se desenvolve a ponto de transformar o campo de uma disciplina de modo que
consoante jaacute fora exaustivamente exposto a seara juriacutedica natildeo se limita mais agrave relaccedilatildeo entre
Estados nem somente se combina com os direitos internos Logo o pluralismo pode ser visto
como uma palavra de ordem na paisagem juriacutedica atual e por isso a noccedilatildeo de margem ganha
o adjetivo ldquonacionalrdquo e passa a ser um elemento de tentativa de aproximaccedilatildeo com a finalidade
de atingir um direito comum com bases humanistas
Logo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) teria a finalidade de proceder a uma
espeacutecie de siacutentese entre os anseios de unidade juriacutedica e o desejo de separaccedilatildeo proveniente de
uma autonomia estatal A margem portanto sob o vieacutes da internacionalizaccedilatildeo corresponderia
ao caminho do meio entre o pressuposto de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o
relativismo ou os particularismos culturais de cada Estado
No contexto europeu em que tanto sob o vieacutes comunitaacuterio quanto sob a perspectiva do
sistema regional os Estados apresentam pluralidades significativas em relaccedilatildeo agrave religiatildeo agrave
cultura agrave poliacutetica dentre outros campos a figura da MNA serve como um importante
instrumento para aproximar o universal e o relativo70
Dessa maneira teria a funccedilatildeo de no
processo de construccedilatildeo de um direito comum apresentar como horizonte a universalidade dos
direitos humanos mas sem perder de foco os relativismos culturais que formam a identidade
das mais diferentes sociedades
Niacutetido portanto que o caminho para a construccedilatildeo de um ldquocomumrdquo em mateacuteria de
direitos humanos relaciona-se natildeo soacute com a proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua esfera eacutetica
e miacutenima como tambeacutem com a preservaccedilatildeo da pluralidade Como instrumento do processo de
harmonizaccedilatildeo a margem carrega em seu acircmago a noccedilatildeo de convergecircncia em torno de
princiacutepios comuns mas garantindo o respeito a uma espeacutecie de direito agrave divergecircncia uma vez
68
ITZCOVITCH Giulio One None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations The Lautsi Case
In Human Rights Law Review Oxford Journals 2013 Disponiacutevel em
httphrlroxfordjournalsorgcontent132toc Acesso 04 nov 2014 69
SANTOS Milton Teacutecnica Espaccedilo Tempo Globalizaccedilatildeo e meio teacutecnico-cientiacutefico-informacional 5ordf ed
Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2013 p 45 70
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b
35
que se garante a cada Estado a particularidade de lidar com questotildees atinentes agraves suas
diferenccedilas
Deste modo o Tribunal de Estrasburgo consoante fora dito anteriormente se utiliza
pela primeira vez do recurso agrave MNA no caso Lawless vs Irlanda71
Na discussatildeo cerne deste
conflito estava a possibilidade de prisatildeo provisoacuteria no caso dos atentados terroristas
relacionados ao grupo extremista IRA (Irish Republic Army) Mais especificamente o
cidadatildeo irlandecircs Gerard Richard Lawless ex-membro do IRA foi preso em julho de 1957 no
momento em que estava prestes a viajar da Irlanda agrave Gratilde-Bretanha Neste ato foi detido sob
especiais poderes de detenccedilatildeo indeterminada sem julgamento sob alegaccedilotildees de ofensas contra
o Estado irlandecircs
Lawless fazendo o uso da prerrogativa de peticcedilatildeo individual demandou perante a
Corte Europeia de Direitos do Homem alegando violaccedilatildeo pelo Estado Irlandecircs dos artigos 56
e 7 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem mas especificamente direitos de
liberdade seguranccedila julgamento justo e o princiacutepio de proibiccedilatildeo de puniccedilatildeo sem lei anterior
que defina um delito
No julgamento do caso em 1961 o Tribunal de Estrasburgo pela primeira vez fez
alusatildeo mesmo que de modo natildeo explicito agrave possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo
ao deixar ao Estado Irlandecircs margem para decidir fundamentando-se nas prerrogativas do
artigo 1572
da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Tal norma da Convenccedilatildeo alude agrave
possibilidade de derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade com a prerrogativa de que em
caso de guerra ou outro perigo puacuteblico que ameace a vida da naccedilatildeo a parte aderente agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem pode tomar providecircncias que derroguem as
obrigaccedilotildees previstas no tratado na estrita medida em que exigir a situaccedilatildeo
71
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57518itemid[001-57518] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lawless vs Irlanda Sentenccedila de 01 de julho de 1961 Acesso
05 nov 2014 72
Artigo 15 Derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade 1 Em caso de guerra ou de outro perigo puacuteblico que
ameace a vida da naccedilatildeo qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providecircncias que derroguem as obrigaccedilotildees
previstas na presente Convenccedilatildeo na estrita medida em que o exigir a situaccedilatildeo e em que tais providecircncias natildeo
estejam em contradiccedilatildeo com as outras obrigaccedilotildees decorrentes do direito internacional 2 A disposiccedilatildeo
precedente natildeo autoriza nenhuma derrogaccedilatildeo ao artigo 2deg salvo quanto ao caso de morte resultante de atos
liacutecitos de guerra nem aos artigos 3deg 4deg (paraacutegrafo 1) e 7deg 3 Qualquer Alta Parte Contratante que exercer este
direito de derrogaccedilatildeo manteraacute completamente informado o Secretaacuterio Geral do Conselho da Europa das
providecircncias tomadas e dos motivos que as provocaram Deveraacute igualmente informar o Secretaacuterio - Geral do
Conselho da Europa da data em que essas disposiccedilotildees tiverem deixado de estar em vigor e da data em que as da
Convenccedilatildeo voltarem a ter plena aplicaccedilatildeo CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS
DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014
36
Logo aplicando o referido artigo 15 da Convenccedilatildeo a decisatildeo do Tribunal de
Estrasburgo foi de no caso proposto asseverar que os fatos apurados natildeo revelam uma
violaccedilatildeo por parte do Governo irlandecircs de suas obrigaccedilotildees ao abrigo da Convenccedilatildeo Europeia
para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais Em razatildeo disso de a
motivaccedilatildeo do Tribunal para proferir a decisatildeo ter partido de uma prerrogativa da proacutepria
Convenccedilatildeo Europeia alguns autores73
natildeo fazem alusatildeo a este caso como o primeiro em que
houve concessatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo para Estado
Embora haja uma referecircncia tiacutemida agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso exposto
anteriormente eacute no caso linguiacutestico belga74
que se percebe uma manifestaccedilatildeo mais concreta
da Corte de Estrasburgo em relaccedilatildeo agrave deferecircncia de julgamento aos Estados precisando
alguns dos fundamentos da doutrina da MNA No caso belga julgado em 1968 pais que
falavam francecircs questionaram o sistema educacional da Beacutelgica que dividia o paiacutes em quatro
regiotildees linguiacutesticas distintas
O Tribunal de Luxemburgo aceitou uma margem de apreciaccedilatildeo conferida agraves partes em
funccedilatildeo de que os Estados possuiacuteam discricionariedade em relaccedilatildeo agrave regulamentaccedilatildeo do direito
agrave educaccedilatildeo A Corte argumentou que essa necessidade de concessatildeo de uma deferecircncia ou de
um limite de discricionariedade ao Estado era proveniente da natureza do proacuteprio direito
discutido (regulamentaccedilatildeo do sistema educacional) de modo que a regulamentaccedilatildeo do direito
agrave educaccedilatildeo poderia variar de acordo com o local e com o tempo consoante as necessidades e
os recursos da comunidade e dos indiviacuteduos
Ainda eacute possiacutevel destacar nesse caso a vinculaccedilatildeo da noccedilatildeo de margem de apreciaccedilatildeo
ao princiacutepio de subsidiariedade dos tribunais internacionais em relaccedilatildeo agraves cortes nacionais
Por isso o Tribunal manifestou-se asseverando que natildeo desejava substituir as autoridades
nacionais pois se assim o fizesse perderia a caracteriacutestica de mecanismo internacional de
garantia da ordem instaurada pela Convenccedilatildeo
73
KRATOCHVIL Jan The inflation of the margin of appreciation by european court of human rights In
Netherlands Quarterly of Human Rights Vol 293 2011 p 324-357 Disponiacutevel em ww corteidhorcr
tablas r26992pdf Acesso 01 nov 2014
VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um
equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em
httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 74
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httpwww9euskadineteuskara_araubideaLegedialegeakgaztelaneuropas23b001pdf CORTE EUROPEIA
DE DIREITOS HUMANOS Caso linguiacutestico belga Sentenccedila de 23 de julho de 1968 Acesso 05 nov 2014
37
Essa subsidiariedade conduz agrave MNA duas noccedilotildees75
uma noccedilatildeo teacutecnica e outra
poliacutetica Na noccedilatildeo teacutecnica a razatildeo para sua existecircncia relaciona-se com a imprecisatildeo de
algumas normas que conferem certa liberdade ao juiz internacional No campo poliacutetico a
relaccedilatildeo se evidencia pela sensibilidade dos Estados em relaccedilatildeo a temas polecircmicos
Sob essa oacutetica e embora esse natildeo seja o foco do presente trabalho pode-se afirmar que
a MNA eacute uma figuram importante tanto para o horizonte de criaccedilatildeo de um direito comum
europeu como para a consolidaccedilatildeo do direito comunitaacuterio europeu Isso porque este uacuteltimo
embora tenha sido baseado em um ideal federalista funda-se na realidade em um modelo de
governanccedila supranacional em que a MNA foi importada pelo Tribunal de Luxemburgo a fim
de ser uma vaacutelvula de escape para tensotildees fortes em acircmbito comunitaacuterio76
O TJUE deste modo permite que os conflitos comunitaacuterios sejam interpretados de
maneira flexiacutevel conforme especificidades nacionais Cada Estado pode atribuir seu proacuteprio
significado a expressotildees ou textos legais de interpretaccedilatildeo ampla devendo-se contudo
vincular aos princiacutepios e conceitos juriacutedico-legais do direito comunitaacuterio
No campo de construccedilatildeo de um direito comum europeu que tem como terreno o
sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos tal premissa natildeo eacute diferente Embora em
alguns casos o TEDH opte pela concessatildeo da margem de deferecircncia essa soacute pode ser aplicada
pelo Estado se este observar os princiacutepios que regem o instrumento legal base da Corte qual
seja a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) Deste modo o Estado natildeo fica
desobrigado do cumprimento da Convenccedilatildeo pois em tese apenas existiraacute margem para
pontos sensiacuteveis desta os quais permitem interpretaccedilotildees diferenciadas de acordo com os
particularismos nacionais e os desacordos culturais
Nesse sentido conforme se observou pelos casos citados com ecircnfase para o caso
Lawless vs Irlanda uma primeira aplicaccedilatildeo da doutrina da margem vinculou-se ao processo
de sedimentaccedilatildeo do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos vez que tal
caso foi um dos primeiros a ser julgado pelo Tribunal de Estrasburgo aleacutem de conforme fora
dito ter sido o primeiro no acircmbito da criaccedilatildeo e uso da MNA Em razatildeo desse contexto a
utilizaccedilatildeo do instrumento em questatildeo deu-se em funccedilatildeo de uma demanda que envolvia
questatildeo de seguranccedila interna de um paiacutes e por isso a aplicaccedilatildeo da deferecircncia de julgamento agrave
Irlanda daacute-se tambeacutem como uma teacutecnica poliacutetica para evitar tensotildees entre esfera internacional
75
DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation
du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit
compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780 76
VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade
de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014
38
e nacional (esta ainda arraigada ao conceito claacutessico de soberania) no acircmbito de um sistema
que tinha sido criado recentemente
Sob tal vieacutes pode-se recorrer agrave explicaccedilatildeo de Marcelo Varella77
de que a margem
deve ser aplicada para temas polecircmicos em que abusos exegeacuteticos por parte do tribunal de
cariz internacional podem levar agrave perda de legitimidade deste Contudo com o
desenvolvimento da teoria da MNA tanto por doutrinadores como pela proacutepria jurisprudecircncia
do tribunal que a criou percebe-se que o seu uso em grande medida relaciona-se com o
embate entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo nacional em mateacuteria de
desacordos culturais
Natildeo obstante a existecircncia de criacuteticas sobre a aplicaccedilatildeo praacutetica atual da MNA pelo
TEDH o que seraacute objeto de anaacutelise na sequencia do presente trabalho eacute com a figura da
deferecircncia da margem nacional que se torna possiacutevel um pluralismo de justaposiccedilatildeo78
que
tolera a coexistecircncia de sistemas particularmente diferentes Somente a possibilidade de
acoplamento do adjetivo nacional ao substantivo margem ou seja uma transferecircncia de
conceito desse substantivo para outra esfera que natildeo agrave interna de cada paiacutes jaacute demonstra que
uma ruptura com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito jaacute iniciou e ainda estaacute em curso
A ruptura com a concepccedilatildeo tradicional unificada e estritamente hierarquizada de
ordem juriacutedica leva a uma ruptura epistemoloacutegica com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito
Isso permite natildeo soacute a existecircncia e aplicaccedilatildeo de uma margem nacional de apreciaccedilatildeo como
demonstra a possibilidade de concretizaccedilatildeo do ideal de um direito comum que por ser
pluralista natildeo pode ser projetado conforme o modelo tradicional e nem encontra campo para
isso em funccedilatildeo do novo mosaico juriacutedico existente sobretudo na Europa
Logo eacute possiacutevel afirmar que a margem a que se refere esse trabalho natildeo deixa de ser
um reconhecimento jurisprudencial dessa mudanccedila de ares trazida pelas novas configuraccedilotildees
e estruturas juriacutedicas Isso porque novas instituiccedilotildees emergem em meio de um caos juriacutedico
que natildeo passa despercebido pelas cortes internacionais Prova disso eacute que a MNA natildeo eacute
mencionada somente pelo TEDH Ainda que de modo muito tiacutemido e em pequena medida eacute
possiacutevel o destaque de citaccedilatildeo (e aplicaccedilatildeo) da referida doutrina pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos79
Embora o continente latino americano seja tatildeo ou mais plural e diversificado que o
europeu e que o uso da margem como instrumento de siacutentese entre relativo e universal seja
77
Ibid 2012 p 143 78
DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 757 79
POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema
interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012
39
teoricamente indicado para sedimentar as bases de construccedilatildeo de um direito comum pluralista
a aplicaccedilatildeo do instituto em solo americano ainda natildeo ocorre de modo significativo Sob esse
vieacutes o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Seacutergio Garcia Ramirez80
asseverou
que a margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute uma ferramenta e um princiacutepio europeu de relativismo
relativo agrave execuccedilatildeo que natildeo eacute visto com simpatia pela Corte maacutexima do sistema regional
americano de direitos humanos Isso em funccedilatildeo natildeo soacute do histoacuterico de demandas que
chegaram ao julgamento da Corte Interamericana ndash em grande parte envolvendo violaccedilotildees de
direitos humanos perpetradas pelo Estado durante os periacuteodos de ascensatildeo de autoritarismos e
ditaduras na Ameacuterica Latina ndash como tambeacutem em razatildeo das democracias latino-americanas
ainda estarem em fase de consolidaccedilatildeo
Deste modo em razatildeo da ausecircncia ateacute entatildeo de casos envolvendo desacordos
culturais e das recentes reinserccedilotildees ou inserccedilotildees democraacuteticas de paiacuteses do continente
americano temia-se que eventual aplicaccedilatildeo de MNA poderia ser compreendida pelos Estados
como um salvo-conduto para que houvesse violaccedilatildeo de direitos humanos pelos paiacuteses A
cautela e a percepccedilatildeo de paisagens diferentes entre os territoacuterios separados pelo Atlacircntico
fizeram e fazem com que ainda hoje a doutrina da margem tenha pouca ou quase nenhuma
aplicaccedilatildeo na Ameacuterica
Deste modo pode-se afirmar que a internacionalizaccedilatildeo do direito - e seus reflexos na
Europa - eacute a responsaacutevel pela criaccedilatildeo de um espaccedilo para o desenvolvimento da doutrina da
margem nacional de apreciaccedilatildeo Nesse sentido embora a criaccedilatildeo tenha sido jurisprudencial
por parte do TEDH com aplicaccedilatildeo em alguns casos pelo proacuteprio Tribunal de Luxemburgo eacute
importante avaliar de que modo a doutrina conceitua o referido instituto
A posiccedilatildeo adotada por este trabalho eacute a de Mireille Delmas-Marty81
que salienta em
suas obras a origem nacional da margem nacional ainda como uma margem de interpretaccedilatildeo
capaz de conferir um pluralismo de valores do tipo meta juriacutedico em uma espeacutecie de
deferecircncia para apreciaccedilatildeo do juiz receptor de determinada norma Todavia a margem
relativa agrave internacionalizaccedilatildeo liga-se ao reconhecimento da diversidade de sistemas juriacutedicos
os quais possuem algumas caracteriacutesticas peculiares ligadas agraves identidades do Estado em que
se encontram
80
Tal posicionamento de Seacutergio Garciacutea Ramirez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema Internacional de
Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de 19 e 20 de agosto
de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado ndash da Pontifiacutecia
Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS 81
DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 762
40
Em razatildeo disso para a autora a noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo aleacutem de ser
uma siacutentese entre o universal e o relativo eacute uma chave do pluralismo ordenado Desse modo
sua construccedilatildeo assemelha-se de um lado agrave expressatildeo de uma dinacircmica centriacutefuga ou seja
uma resistecircncia dos Estados agrave integraccedilatildeo e o apego agrave noccedilatildeo claacutessica de soberania e de outro
lado sendo ela limitada por princiacutepios comuns estabelece o miacutenimo de compatibilidade
voltando-se ao centro em uma dinacircmica centriacutepeta
Haacute portanto um movimento duplo que por vezes traduz as resistecircncias dos direitos
nacionais por vezes os avanccedilos rumo agrave harmonizaccedilatildeo do direito comum em mateacuteria de
direitos humanos Eacute justamente essa capacidade de oscilaccedilatildeo que permite os ajustamentos
com vistas a compatibilizar o interno com o comum com o intuito nem de criar uma
hegemonia do universal e nem de tornar inaplicaacutevel o direito comum em razatildeo das
particularidades Desta forma Delmas percebe a margem como uma teacutecnica juriacutedica presente
no acircmbito do fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo do direito e que permite o reconhecimento da
diversidade entre os sistemas juriacutedicos82
Benvenisti83
por sua vez visualiza no uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo uma
espeacutecie de latitude que cada sociedade tem na resoluccedilatildeo de conflitos inerentes entre os
direitos individuais e os interesses nacionais ou entre diferentes convicccedilotildees morais Por
conseguinte alude que a doutrina da margem consoante inclusive fora abordado
anteriormente neste trabalho respondeu inicialmente a preocupaccedilotildees de governos nacionais
de que as poliacuteticas internacionais pudessem comprometer a seguranccedila nacional Isso entatildeo
explicaria a invocaccedilatildeo da margem no caso Lawless vs Irlanda por exemplo
Com a evoluccedilatildeo da jurisprudecircncia o uso desse instrumento passou a ser aplicado por
outras razotildees como gestatildeo de recursos discricionariedade em relaccedilatildeo a questotildees
concernentes agrave deliberaccedilatildeo acerca de sistemas poliacuteticos educacionais entre outros ateacute passar
a ser utilizada em temas relativos aos desacordos culturais Ainda segundo Bevenisti84
a
utilizaccedilatildeo da margem se justifica em alguns casos e em algumas mateacuterias ndash para o autor por
exemplo a aplicaccedilatildeo da margem nacional natildeo se justifica quando em questatildeo se encontram o
direito de minorias - sendo que o uso ampliado ou desmedido pode gerar uma espeacutecie de
deslegitimaccedilatildeo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos
82
Ibid 2000 p 760 83
BENVENISTI Eyal Margin of apreciation consensus and universal standards In International Law and
Politics Vol 31843 1999 pp 843-854 Disponiacutevel em httpwwwpict-
pctiorgpublicationsPICT_articlesJILPBenvenistipdfp 853 Acesso 05 nov 2014 84
Ibid 1999 p 846
41
Para Poblete amp Alvarado85
a margem nacional de apreciaccedilatildeo liga-se agrave noccedilatildeo de fins e
limites da jurisdiccedilatildeo internacional ou supranacional em mateacuteria de direitos humanos Eles
reconhecem que a doutrina da margem concede aos Estados signataacuterios de convenccedilotildees
internacionais liberdade para apreciar as circunstacircncias materiais que exigem aplicaccedilatildeo de
medidas excepcionais em situaccedilatildeo de emergecircncia como eacute o caso das prerrogativas do artigo
15 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de derrogaccedilatildeo em caso de necessidade
Outrossim ainda segundo os mencionados autores a margem possibilita aos Estados
liberdade para limitar direitos reconhecidos em tratados internacionais quando outros direitos
exigem respeito ou assim exigem os interesses da comunidade Ainda serviria para definir os
conteuacutedo dos direitos delimitar como eles satildeo aplicados no plano interno e definir o modo
como seratildeo cumpridas resoluccedilotildees de um oacutergatildeo internacional de supervisatildeo de um tratado ou
convenccedilatildeo Dessa maneira tais autores identificam a doutrina da MNA como uma
metodologia de que se servem os tribunais internacionais para difundir os direitos humanos
previstos nos tratados internacionais bem como o direito do comeacutercio ndash a margem tambeacutem eacute
aplicada pela Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio (OMC)
Vila86
por sua vez percebe na doutrina da marem nacional de apreciaccedilatildeo uma espeacutecie
de ldquodeferecircnciardquo praticada pelo Tribunal de Estrasburgo em relaccedilatildeo aos Estados signataacuterios da
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Isso pelo fato de que o sistema de proteccedilatildeo dos
diretos humanos na Europa eacute resultado de uma divisatildeo de trabalho entre os Estados e a Corte
em que os primeiros satildeo responsaacuteveis primaacuterios desta proteccedilatildeo e a Corte possui um caraacuteter
subsidiaacuterio atuando em acircmbitos sensiacuteveis como o da moralidade e da religiatildeo em que natildeo haacute
consenso entre os Estados
Nesse mesmo sentido se situa o pensamento de Roca87
que afirma que a doutrina da
margem nacional de apreciaccedilatildeo ocupa um lugar de destaque na jurisprudecircncia do Tribunal
Europeu de Direitos Humanos e eacute necessaacuteria para refletir uma realidade evidente qual seja a
pluralidade cultural dos Estados que fazem parte do Conselho da Europa notaacutevel em um
pluralismo de base territorial sobre o qual assenta uma cultura comum europeia de alguns
miacutenimos
85
POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema
interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012 p5 86
VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um
equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em
httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 87
ROCA JavierGarciacutea La muy discrecional doctrina del margen de apreciacioacuten nacional seguacuten el Tribunal
Europeo de Derechos Humanos Soberaniacutea e Integracioacuten In UNED Teoriacutea y Realidad Constitucional N
202007 p 117-143 Disponiacutevel em httpe-spaciounedes revistasuned indexphp TRC article vie 6778
Acesso 02 nov 2014
42
Da mesma forma considera o autor que os princiacutepios da proporcionalidade e da
subsidiariedade satildeo imanentes agrave noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo visto que os
Estados possuem certa margem de discricionariedade na aplicaccedilatildeo e no cumprimento de
obrigaccedilotildees impostas pela Convenccedilatildeo bem como na ponderaccedilatildeo de interesses mais
complexos Se houver excesso por parte dos Estados no uso dessa margem haacute violaccedilatildeo do
princiacutepio da proporcionalidade e abre-se espaccedilo para a intervenccedilatildeo do oacutergatildeo jurisdicional
internacional sob as bases do princiacutepio da subsidiariedade
Eacute importante sob essa oacutetica lembrar que embora o diferencial da Corte Europeia de
Direitos Humanos seja o de permitir a peticcedilatildeo individual de qualquer sujeito que denuncie
uma violaccedilatildeo de seus direitos baacutesicos assim como outros tribunais internacionais tem a regra
da exigecircncia do esgotamento das vias internas de acesso agrave justiccedila para que a demanda seja
recebida pelo TEDH Se natildeo houve satisfaccedilatildeo do pleito por parte do Estado ou se a reparaccedilatildeo
obtida se revelara inidocircnea para uma proteccedilatildeo adequada ao direito violado entatildeo agrave Corte
Europeia eacute permitido revisar a decisatildeo nacional ou substituiacute-la
Mahorney88
em seus estudos assevera que a margem funciona como uma espeacutecie de
divisatildeo de jurisprudecircncias uma vez que traccedila uma linha divisoacuteria entre o que deve decidir
cada comunidade nacional e as questotildees que tecircm relevacircncia para necessitar uma soluccedilatildeo
homogecircnea ou seja as que demandam uma decisatildeo que harmonize a regulaccedilatildeo do direito e
suas garantias na comunidade internacional independentemente das diferenccedilas de tradiccedilotildees
ou culturas
Contreras89
afirma que os tratados regionais de direitos humanos embora contenham
escopos de universalidade em relaccedilatildeo a esses direitos satildeo acompanhados pela possibilidade
de peculiaridades geograacuteficas na execuccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos direitos do homem As cortes
internacionais tecircm a dificuldade de conciliar ou justificar a falta de conciliaccedilatildeo entre
diferenccedilas morais e normativas de cada regiatildeo Em razatildeo disso uma das criaccedilotildees doutrinaacuterias
mais importantes eacute a da margem nacional de apreciaccedilatildeo sendo esta para o autor um criteacuterio
interpretativo desenvolvido tanto como deferecircncia aos Estados para que possam regular o
conteuacutedo dos direitos e suas restriccedilotildees e para distribuir os poderes e niacuteveis de decisotildees
tomadas entre as autoridades domeacutesticas e internacionais
88
MAHORNEY Paul Marvellous richness diversity or individual cultural relativism In Human Rights Law
Journal Vol 19 nuacutem 1 30 de abril de 1998 p 1 89
CONTRERAS Pablo National Discretion and International Deference in the Restriction of Human Rights A
Comparison Between the Jurisprudence of the European and the Inter-American Court of Human Rights In
Northwestern Journal of International Human Rights Vol 11 2012 Disponiacutevel em
httpscholarlycommonslawnorthwesterneducgiviewcontentcgiarticle=1155ampcontext=njihr Acesso 01 nov
2014
43
Visiacutevel portanto que na doutrina natildeo haacute um contexto exato em relaccedilatildeo a essa figura
criada e aplicada na jurisprudecircncia do TEDH Enquanto para alguns estudiosos ela se
configura como uma doutrina para outros eacute um criteacuterio interpretativo ou hermenecircutico usado
pelos tribunais internacionais no sentido de revisar a decisatildeo de um Estado ou conceder
deferecircncia a este para julgar conforme o direito interno coadunado com os princiacutepios miacutenimos
existentes nos tratados internacionais de direitos humanos
Natildeo obstante a divergecircncia de conceituaccedilatildeo no campo teoacuterico analisar-se-aacute no
proacuteximo capiacutetulo alguns casos emblemaacuteticos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de apreciaccedilatildeo
pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos mais diferentes tema com o intuito de
responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel afirmar que do modo como eacute aplicada a
doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo pela Corte Europeia de Direitos do Homem
temos uma efetiva contribuiccedilatildeo para o processo de harmonizaccedilatildeo entre universal e relativo e
construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos
Embora a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo tenha nascido da tentativa de
produccedilatildeo de uma siacutentese entre o universal e o relativo no espaccedilo do sistema regional europeu
de proteccedilatildeo dos direitos humanos sua aplicaccedilatildeo praacutetica sobretudo pelo TEDH natildeo eacute imune a
criacuteticas Cumpre a esse capiacutetulo realizar notas acerca da aplicaccedilatildeo praacutetica da margem
nacional de apreciaccedilatildeo com o intuito de verificar se ela efetivamente contribui ou eacute capaz de
contribuir para a construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
Conforme afirmam Brum et Saldanha90
a MNA ao ser compreendida e utilizada como
uma forma de autocontrole por meio do qual o oacutergatildeo jurisdicional internacional evita o
enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas poliacutetica pode
representar um risco de fragilizaccedilatildeo do direito internacional dos direitos humanos caso seu
uso se torne indiscriminado sem criteacuterios claros e limites precisos Desta maneira seu uso em
vez de conduzir ao caminho de ordenaccedilatildeo do muacuteltiplo e de mundializaccedilatildeo dos direitos
90
BRUM Maacutercio Morais SALDANHA Jacircnia Maria Lopes A margem nacional de apreciaccedilatildeo e sua
(in)aplicaccedilatildeo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em mateacuteria de anistia Uma figura hermenecircutica a
serviccedilo do pluralismo ordenado In Anuario Mexicano de Derecho Internacional 2015(No prelo para
publicaccedilatildeo)
44
humanos levaria ao rumo contraacuterio da fragmentaccedilatildeo e reforccedilo da velha noccedilatildeo de soberania
marcada pela ausecircncia de compromisso dos Estados com os marcos protetivos miacutenimos do
direito internacional
Neste vieacutes portanto dentro ainda de um panorama geral de anaacutelise da postura do
Tribunal de Estrasburgo um dos primeiros pontos de criacutetica se relaciona ao enfraquecimento
da credibilidade do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos Na visatildeo de
alguns doutrinadores a postura da Corte Europeia na aplicaccedilatildeo irrestrita e sem limitaccedilotildees ou
uma sistematizaccedilatildeo teacutecnica em relaccedilatildeo aos casos em que deve ou natildeo ser aplicada pode gerar
um sentimento de descrenccedila na legitimidade e na eficaacutecia das decisotildees tomadas pelo oacutergatildeo
jurisdicional internacional do Conselho da Europa
Para alguns estudiosos o modo como a margem eacute aplicada reflete uma postura de
evitar o enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas
poliacuteticas Aleacutem de uma fragilizaccedilatildeo do sistema internacional de proteccedilatildeo aos direitos humanos
o uso da margem sem limites definidos pode levar ao reforccedilo da noccedilatildeo claacutessica de soberania
em que o compromisso dos Estados com os instrumentos normativos de direito internacional
era mitigado
No campo de aplicaccedilatildeo a casos praacuteticos eacute possiacutevel conforme assevera Roca91
visualizar as imprecisotildees praacuteticas e teoacutericas do uso da margem o que leva a dois resultados o
primeiro eacute a necessidade de criaccedilatildeo de esforccedilos com urgecircncia para melhor edificar e criar
paracircmetros para a aplicaccedilatildeo da ferramenta bem como que o demandante ou qualquer
observador perante a Corte natildeo saber com suficiente seguranccedila juriacutedica quando o Tribunal
de Estrasburgo vai usar a margem nem quais seratildeo os possiacuteveis resultados desse uso
Ainda segundo o autor a margem eacute um instrumento impreciso e de geometria
variaacutevel todavia eacute consenso entre os doutrinadores que a ferramenta natildeo eacute uma carta branca
aos Estados para fazerem o que quiserem sendo necessaacuteria depuraccedilatildeo teoacuterica para tornar o
instrumento mais preciso Seu uso impotildee como jaacute foi dito autocontenccedilatildeo por parte da Corte
tendo em vista que sua funccedilatildeo segundo o princiacutepio da subsidiariedade eacute somente de impor
estandartes miacutenimos comuns em mateacuteria de direitos humanos Entretanto o niacutevel de proteccedilatildeo
dos direitos dos direitos e das diversas foacutermulas para concretizaacute-los natildeo satildeo homogecircneos
diante de naccedilotildees com tradiccedilotildees juriacutedicas tatildeo diversas
Desta maneira no campo jurisprudencial com a finalidade de responder ao
questionamento feito no capiacutetulo anterior utilizar-se-aacute de modo conjunto as classificaccedilotildees das
91
ROCA op cit 125
45
decisotildees da Corte Europeia dos Direitos do Homem feitas por Contreras e por Roca Para o
primeiro doutrinador92
eacute possiacutevel dividir os casos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de
apreciaccedilatildeo pelo Tribunal de Estrasburgo em trecircs grandes grupos
O primeiro grupo abarca casos envolvendo direitos fundamentais e direitos poliacuteticos
dentre os quais se destacam a proibiccedilatildeo da tortura ou a liberdade de expressatildeo e associaccedilatildeo
Nesse primeiro grupo no que tange aos direitos fundamentais haacute rigorosa supervisatildeo por
parte do Tribunal Europeu negando qualquer margem nacional de apreciaccedilatildeo aos Estados
Ainda dentro deste conjunto no que concerne aos discursos poliacuteticos ou direito de partidos
poliacuteticos eacute por vezes concedida uma margem reduzida agraves autoridades domeacutesticas para
decisatildeo ou execuccedilatildeo de uma decisatildeo
O segundo grupo por sua vez relaciona-se aos direitos de propriedade em que a
Corte concede grande margem de deferecircncia aos Estados Isso porque o TEDH reconhece em
princiacutepio que as autoridades nacionais estatildeo melhor situadas do que o juiz internacional no
que tange a apreciaccedilatildeo acerca do melhor interesse de uma comunidade em relaccedilatildeo a poliacuteticas
envolvendo direitos de propriedade
Por fim o terceiro grupo eacute o mais complexo para a apreciaccedilatildeo do tipo de margem
concedida pelo Tribunal de Estrasburgo uma vez que conteacutem temas que natildeo apresentam
consenso por parte do Tribunal Deste modo neste grupo ficam evidentes as complexidades e
as vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis da MNA Casos como os de liberdade religiosa liberdade de
discurso direitos dos homossexuais dentre outros temas latentes e relevantes na paisagem
juriacutedica social e cultural europeia
Do mesmo modo Roca93
divide a margem nacional de apreciaccedilatildeo em trecircs ciacuterculos
concecircntricos tendo como base a natureza dos direitos cuja tutela eacute pleiteada junto ao oacutergatildeo
jurisdicional internacional do sistema europeu O primeiro ciacuterculo de Roca relaciona-se com o
segundo grupo de Contreras vez que trata dos direitos de propriedade que teriam uma
margem de deferecircncia ampla e um controle pouco intenso por parte da Corte Esse ciacuterculo
seria o maior e englobaria os demais
No ciacuterculo menor estariam os direitos vistos como absolutos pelo Tribunal Europeu
Dentre esses se destacam o direito agrave vida ou os direitos democraacuteticos que apresentam uma
margem de apreciaccedilatildeo pouco extensa juntamente com um controle restrito por parte da Corte
Europeia Este ciacuterculo identifica-se com o primeiro grupo anteriormente mencionado visto
92
CONTRERAS op cit p 35 93
ROCA op cit p 134
46
que trabalha com noccedilotildees de direitos fundamentais e poliacuteticos essenciais e miacutenimos para todos
os paiacuteses europeus
Por fim no espaccedilo intermediaacuterio entre esses dois ciacuterculos encontra-se uma esfera
meacutedia que relacionando-se com o terceiro grupo definido por Contreras contempla todos os
outros direitos em que alguma vez o Tribunal de Estrasburgo mencionou ou aplicou a margem
nacional de apreciaccedilatildeo Eacute justamente nesse ciacuterculo que devem ser desenvolvidos os
paracircmetros para guiar o uso da ferramenta pela Corte no intuito de reduzir a inseguranccedila
juriacutedica ocasionada pelo uso sem uma sistematizaccedilatildeo de criteacuterios
Eacute pertinente em um primeiro momento destacar que conforme ambos os
doutrinadores demonstram quando se mencionam direitos fundamentais ou vinculados agrave
princiacutepios democraacuteticos inaplicaacutevel eacute o uso da margem pela Corte ou se for feito eacute de forma
absolutamente restrita No caso dos direitos fundamentais interessante relembrar Baez94
que
ao buscar o conceito de direitos humanos concluiu que nenhuma fonte normativa existente
tanto em sistemas internacionais quanto nacionais ou regionais trazem a definiccedilatildeo de direitos
humanos Pelo contraacuterio soacute os exemplificam
Nesse sentido observou Baez95
que embora natildeo exista uma definiccedilatildeo precisa de
direitos humanos existem elementos baacutesicos que fazem parte desses e o elemento que eacute
citado em todos os instrumentos normativos sobre o tema eacute o de dignidade da pessoa humana
Os direitos humanos somente existem para realizaccedilatildeo e proteccedilatildeo da dignidade humana poreacutem
o conceito de dignidade eacute de tatildeo difiacutecil conceituaccedilatildeo quanto o conceito de direitos humanos
O autor conclui que a dignidade possui duas dimensotildees a dimensatildeo baacutesica a qual
corresponde aos limites miacutenimos e fundamentais para a existecircncia humana impedindo a
noccedilatildeo de coisificaccedilatildeo do ser Se houver portanto violaccedilatildeo agrave dimensatildeo baacutesica da dignidade da
pessoa humana haacute tambeacutem violaccedilatildeo dos direitos humanos A outra dimensatildeo eacute a cultural vez
que envolve o conjunto de valores que cada sociedade desenvolve
A primeira dimensatildeo refere-se agrave universalidade e a segunda que depende de fatores
culturais permite que os direitos humanos sejam morfologicamente assimeacutetricos Isso natildeo
deixa de se relacionar com o que Delmas-Marty fala acerca dos direitos humanos
inderrogaacuteveis ou seja que natildeo podem sofrer a incidecircncia de qualquer tipo de margem de
94
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos
humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da
UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em
httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014 95
Tal posicionamento de Narciso Leandro Xavier Baez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema
Internacional de Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de
19 e 20 de agosto de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado
ndash da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS
47
apreciaccedilatildeo Estes possuem a caracteriacutestica do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano
ou seja vinculam-se agrave noccedilatildeo da dimensatildeo baacutesica da dignidade da pessoa humana
Neste vieacutes eacute possiacutevel dizer que no que diz respeito aos direitos fundamentais a Corte
de certa forma apresenta certa relaccedilatildeo com as doutrinas apresentadas uma vez que em casos
em que existam registros de violaccedilotildees aos direitos humanos inderrogaacuteveis quais sejam os
que tem como cerne a dignidade humana baacutesica a Corte natildeo permite qualquer espeacutecie de
margem nacional de apreciaccedilatildeo Vejamos por exemplo o caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila96
julgado em 2006 O demandante perante o Tribunal de Estrasburgo foi um terrorista
venezuelano conhecido na deacutecada de 1970 condenado pelo Estado Francecircs agrave prisatildeo perpeacutetua
pelo assassinato em 1974 dois inspetores da poliacutecia francesa e um antigo companheiro
terrorista libanecircs
Saacutenchez recorreu agrave Corte Europeia arguindo violaccedilotildees do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo
Europeia dos Direitos do Homem (proibiccedilatildeo da tortura e tratamentos humanos degradantes) e
do artigo 13 do mesmo diploma legal (direito a um recurso efetivo) Embora no julgamento
tenha ficado decidido que natildeo houve violaccedilatildeo ao artigo 3ordm97
o posicionamento da Corte
permite asseverar que natildeo haacute margem nacional de deferecircncia aos Estados quando o assunto
for violaccedilatildeo de direitos humanos ou fundamentais inderrogaacuteveis ou cujo nuacutecleo central for a
dignidade baacutesica da pessoa humana Nesse sentido a Corte pontuou que mesmo nas
circunstacircncias mais difiacuteceis como a luta contra o terrorismo ou o crime organizado a
Convenccedilatildeo proiacutebe em termos absolutos a tortura ou tratamentos inumanos ou degradantes
Igualmente natildeo confere o Tribunal margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso de
violaccedilatildeo de direitos humanos nas condiccedilotildees degradantes das prisotildees de muitos paiacuteses do Leste
Europeu O caso Kalashnikov vs Ruacutessia98
julgado em 15 de julho de 2002 cujo fundamento
foi repetido em muitos outros casos envolvendo condiccedilotildees humanas degradantes nas prisotildees
apresenta a consideraccedilatildeo de que deficientes condiccedilotildees objetivas e estruturais de cumprimento
de pena podem constituir uma violaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo Europeia
96
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-
1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila Sentenccedila
de 04 de julho de 2006 Acesso 05 nov 2014 97
Artigo 3ordm Proibiccedilatildeo da tortura Ningueacutem pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos desumanos
ou degradantes CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS
LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 98
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-
1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Kalashnikov vs Ruacutessia Sentenccedila de 15
de julho de 2002 Acesso 05 nov 2014
48
Ainda pode-se destacar o caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria99
em que novamente o motivo
que serve de base para o pedido de julgamento do Tribunal de Estrasburgo eacute a violaccedilatildeo do
artigo 3ordf da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de que ningueacutem poderaacute ser
submetido a torturas nem a penas ou tratamentos humanos degradantes O caso em comento
referiu-se agrave prisatildeo do senhor Borislav Gutsanov membro do Partido Comunista preso pela
poliacutecia da Bulgaacuteria em sua casa na frente de seus filhos e de sua esposa durante as
investigaccedilotildees de esquemas de grupos criminosos Segundo o relato das partes demandantes
Gustsanovi foi rendido em sua casa por volta das seis horas da manhatilde forccedilado a se ajoelhar e
algemado em frente a seus filhos menores de idade
A decisatildeo da Corte foi a de considerar que houve violaccedilatildeo do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo
uma vez que se mostrou desnecessaacuterio o ato dos policiais e natildeo condizente com os princiacutepios
da proporcionalidade e com as exigecircncias de garantia de direitos fundamentais de um Estado
Democraacutetico de Direito Isso porque o demandante natildeo teria oferecido resistecircncia em sua
prisatildeo de modo que algemaacute-lo diante de sua famiacutelia representou uma espeacutecie de tratamento
humano degradante
Casos como os acima previstos mostram um padratildeo doutrinaacuterio e jurisprudencial
semelhante vez que natildeo se encontram referecircncias expressas a qualquer margem nacional de
apreciaccedilatildeo para as autoridades nacionais O TEDH determina se as provas colhidas satildeo
suficientes ou natildeo para provar o real risco de tortura ou de tratamento humano e
degradante100
Logo pelo fato de que a natureza dos direitos envolvidos nesse caso eacute considerada
como fundamental de imediato eliminam-se as possibilidades de deferecircncia aos Estados Tal
compreensatildeo eacute o que faz o uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo ser extremamente reduzido
no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos Isso porque ateacute hoje diferentemente do Tribunal de Estrasburgo a Corte
Interamericana teve como maioria de demandas apresentadas as envolvendo delitos
praticados pelos Estados Americanos durante as ditaduras militares ou civil militares em que
casos de tortura e desaparecimento forccedilados eram julgados ou seja casos envolvendo a
violaccedilatildeo de direitos fundamentais ou humanos em sua perspectiva eacutetica de dignidade humana
e natildeo cultural
99
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-126982itemid[001-126982] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria Sentenccedila de 15 de outubro de 2013
Acesso 05 nov 2014 100
CONTRERAS op cit p 41
49
Nesse aspecto visiacutevel que quando se tratam de possiacuteveis violaccedilotildees de direitos
humanos inderrogaacuteveis previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos
a anaacutelise feita pelo Tribunal de Estrasburgo eacute de revisatildeo minuciosa da sentenccedila proferida no
paiacutes de origem da demanda bem como a possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute
extremamente reduzida para natildeo falar inexistente No caso de direitos democraacuteticos a
deferecircncia quando concedida pela Corte possui um limite miacutenimo e consoante o princiacutepio da
proporcionalidade soacute eacute concedida se a restriccedilatildeo eacute necessaacuteria e condizente com uma sociedade
democraacutetica
Nos direitos democraacuteticos referidos abarca-se a participaccedilatildeo poliacutetica atraveacutes das
possibilidades de liberdade de associaccedilatildeo ou de discurso poliacutetico Neste campo dos direitos de
participaccedilatildeo poliacutetica em sociedades democraacuteticas a margem concedida pelo Tribunal de
Estrasburgo consoante se afirmou eacute reduzida e sujeita a um controle rigoroso por parte do
oacutergatildeo jurisdicional internacional
Destaca-se o caso Lingens vs Austria101
que por mais que tenha sido julgado na
deacutecada de 1980 pela Corte Europeia eacute emblemaacutetico em relaccedilatildeo ao posicionamento do
tribunal internacional acerca da liberdade de expressatildeo Nesse caso durante o periacuteodo anterior
agraves eleiccedilotildees na Aacuteustria o jornalista Lingens publicou dois artigos polecircmicos sobre os
candidatos incluindo em um desses artigos a informaccedilatildeo de que o entatildeo presidente do
Partido Liberal Nacional da Aacuteustria teria ligaccedilotildees no passado com o nazismo e com a SS
Contra o jornalista foi instaurado um processo penal e ao fim da instruccedilatildeo criminal
este fora condenado pelo delito de difamaccedilatildeo conforme as regras do direito penal austriacuteaco
Esgotadas as vias internas de recurso o jornalista demandou perante a Corte Europeia
alegando que houve por parte do Estado violaccedilatildeo do artigo 10 da Convenccedilatildeo Europeia
havendo censura em seu direito de expressar-se livremente O Estado por sua vez nas razotildees
apresentadas perante o tribunal internacional justificou a condenaccedilatildeo na convicccedilatildeo de
proteccedilatildeo da honra dos direitos de outrem
Frente a este embate o Tribunal de Estrasburgo reconheceu uma margem miacutenima de
deferecircncia agraves autoridades domeacutesticas no que concerne aos oacutergatildeos locais na avaliaccedilatildeo de uma
necessidade social imperiosa que justificaria a interferecircncia na liberdade de expressatildeo de
Lingens Entretanto ressaltou que essa deferecircncia seria seguida por uma riacutegida supervisatildeo
101
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lingens vs Austria Sentenccedila de 8 de julho de 1986 Acesso
05 nov 2014
50
internacional uma vez estar se tratando de direitos fundamentais para o bom funcionamento
de uma sociedade democraacutetica
Ainda nesse sentido o TEDH arguiu que a liberdade de debate poliacutetico eacute cerne da
democracia e considerar que qualquer ofensa ou notiacutecia acerca de uma pessoa puacuteblica seria
sempre difamaccedilatildeo poderia impedir a imprensa na realizaccedilatildeo de sua tarefa de fornecedora de
informaccedilotildees Deste modo aplicando de forma conjunta os princiacutepios da proporcionalidade e
da subsidiariedade o Tribunal de Estrasburgo decidiu que a condenaccedilatildeo fora desproporcional
ao objetivo legiacutetimo perseguido e constituiu uma violaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo no
acircmbito da Convenccedilatildeo Europeia
Tambeacutem merece anaacutelise o caso July and Sarl Libeacuteration vs France102
cuja sentenccedila
foi proferida em 2008 Neste caso o jornal francecircs Libeacuteration divulgou uma reportagem a
respeito das investigaccedilotildees da morte do juiz Bernard Borrel que em um primeiro momento
havia sido dada como suiciacutedio mas apoacutes a reabertura das investigaccedilotildees houve surgimento de
indiacutecios de morte por encomenda Apoacutes a divulgaccedilatildeo da reportagem contendo informaccedilotildees
acerca da participaccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos na morte do magistrado o diretor do jornal
Senhor July foi processado criminalmente pelo crime de difamaccedilatildeo e condenado pelo governo
francecircs
O TEDH em sua manifestaccedilatildeo asseverou que o caso em questatildeo trazia niacutetida
interferecircncia de autoridades puacuteblicas na liberdade de expressatildeo e essa interferecircncia caso natildeo
siga os requisitos do artigo 10103
da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos representa
clara violaccedilatildeo do direito de liberdade de expressatildeo Nessa situaccedilatildeo ainda a Corte faz uso de
uma triacuteade de requisitos descritos por Contreras104
para a concessatildeo da margem a) prescriccedilatildeo
legal - verificar se a restriccedilatildeo realizada pela autoridade domeacutestica foi autorizada ou pelo
102
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-85084itemid[001-85084] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso July and Sarl Libeacuteration vs France Sentenccedila de 14 de
fevereiro de 2008 Acesso 05 nov 2014 103
Artigo 10 Liberdade de expressatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de expressatildeo Este direito
compreende a liberdade de opiniatildeo e a liberdade de receber ou de transmitir informaccedilotildees ou ideias sem que
possa haver ingerecircncia de quaisquer autoridades puacuteblicas e sem consideraccedilotildees de fronteiras O presente artigo
natildeo impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusatildeo de cinematografia ou de televisatildeo a um
regime de autorizaccedilatildeo preacutevia 2 O exerciacutecio desta liberdades porquanto implica deveres e responsabilidades
pode ser submetido a certas formalidades condiccedilotildees restriccedilotildees ou sanccedilotildees previstas pela lei que constituam
providecircncias necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a integridade territorial ou a
seguranccedila puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral a proteccedilatildeo da
honra ou dos direitos de outrem para impedir a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees confidenciais ou para garantir a
autoridade e a imparcialidade do poder judicial CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS
DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 104
CONTRERAS op cit p 34
51
menos executada em conformidade com a lei b) objetivo legiacutetimo c) se a medida foi
necessaacuteria em uma sociedade democraacutetica
No caso pode ser feito o destaque para o trecho da sentenccedila em que analisando a
necessidade da medida de investigaccedilatildeo do crime de difamaccedilatildeo a Corte arguiu que a tarefa do
tribunal internacional no exerciacutecio de sua competecircncia de fiscalizaccedilatildeo natildeo eacute de tomar o lugar
das autoridades competentes mas sim rever as decisotildees que porventura violarem preceitos
previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem quando entregues ao poder de
apreciaccedilatildeo do Estado Deve entatildeo a Corte agrave luz do caso como um todo avaliar se a medida
tomada pelo Estado foi proporcional ao objetivo legiacutetimo perseguido e se os motivos
indicados pelas autoridades nacionais satildeo suficientes e relevantes Por tais motivos no caso
em questatildeo o TEDH declarou que houve violaccedilatildeo por parte do Estado Francecircs do direito de
liberdade de expressatildeo devendo este arcar com uma indenizaccedilatildeo agraves partes prejudicadas
Ainda dentro dessa esfera de atuaccedilatildeo mais precisamente no que concerne ao direito
democraacutetico de livre reuniatildeo e associaccedilatildeo previsto no artigo 11105
da Convenccedilatildeo Europeia o
destaque pode ser dado aos casos do Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia106
julgado em 2005 e Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia107
julgado em 2006 O primeiro deles
trata da questatildeo de dissoluccedilatildeo do Partido Comunista da Turquia ordenado pelo Tribunal
Constitucional do paiacutes sob as razotildees de que era incompatiacutevel com as obrigaccedilotildees
constitucionais e convencionais do Estado
Ao apreciar tal caso a Corte alegou que os partidos poliacuteticos satildeo estruturas essenciais
para o bom e justo funcionamento da democracia Embora natildeo negue certa margem de
deferecircncia aos Estados para que dissolvam partidos poliacuteticos que poderiam tentar minar a
estrutura constitucional do Estado tal decisatildeo se executada pode sofrer revisatildeo se natildeo
105
Artigo 11 Liberdade de reuniatildeo e de associaccedilatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo
paciacutefica e agrave liberdade de associaccedilatildeo incluindo o direito de com outrem fundar e filiar-se em sindicatos para a
defesa dos seus interesses 2 O exerciacutecio deste direito soacute pode ser objeto de restriccedilotildees que sendo previstas na
lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a seguranccedila
puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral ou a proteccedilatildeo dos direitos
e das liberdades de terceiros O presente artigo natildeo proiacutebe que sejam impostas restriccedilotildees legiacutetimas ao exerciacutecio
destes direitos aos membros das forccedilas armadas da poliacutecia ou da administraccedilatildeo do Estado CONVENCcedilAtildeO
EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS
1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 106
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia
Sentenccedila de 2005 Acesso 05 nov 2014 107
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia Sentenccedila de 15 de
julho de 2006 Acesso 05 nov 2014
52
adequar-se agraves previsotildees da Convenccedilatildeo Europeia Logo o Tribunal embora tenha feito a
ressalva de que podem os Estados dissolver partidos poliacuteticos na situaccedilatildeo afirmou que houve
violaccedilatildeo dos direitos de liberdade de associaccedilatildeo visto que natildeo havia qualquer indiacutecio de que
o partido por ter ideal comunista poderia colocar em risco a estrutura do Estado
Da mesma forma o caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia que envolve o direito
de liberdade sindical Na situaccedilatildeo o Governo turco justifica o fechamento de sindicatos com
base em previsotildees da legislaccedilatildeo trabalhista interna a qual natildeo permite que funcionaacuterios criem
sindicatos A Corte na anaacutelise da situaccedilatildeo tambeacutem asseverou que houve violaccedilatildeo do artigo
11 mesmo que neste existam ressalvas em relaccedilatildeo agrave liberdade de associaccedilatildeo de membros das
Forccedilas Armadas da Poliacutecia e da Administraccedilatildeo do Estado Contudo essas limitaccedilotildees devem
ser interpretadas pelos Estados dentro da sua margem de apreciaccedilatildeo de maneira restrita
Se esses casos expostos ilustram exemplos de margem nacional de apreciaccedilatildeo
reduzida ou inexistente o polo oposto envolve os direitos concernentes agrave propriedade para os
quais a Corte Europeia possui entendimento de que a margem de deferecircncia agraves autoridades
domeacutesticas deve ser maior e mais elaacutestica bem como a supervisatildeo por parte do Tribunal
Internacional deve ser menor e relativizada Isso porque as autoridades nacionais em uma
concepccedilatildeo semelhante agrave de juiz natural no processo estariam mais bem situadas que o juiz
internacional para avaliar qual eacute o interesse geral de uma comunidade nessa seara108
A proteccedilatildeo internacional dos direitos de propriedade encontra-se no artigo 1ordm109
do
Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo de Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades
Fundamentais Jaacute na previsatildeo normativa encontra-se a prerrogativa de que qualquer pessoa
singular ou coletiva tem direito ao respeito de seus bens natildeo podendo haver privaccedilatildeo da
propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica ou por condiccedilotildees previstas em lei Desta maneira
as demandas soacute seratildeo revistas pela Corte caso implicarem violaccedilatildeo expliacutecita a esse artigo
Segundo Roca110
a jurisprudecircncia internacional definiu que a previsatildeo normativa
anteriormente destacada segue trecircs criteacuterios em primeiro lugar deve ser respeitado o direito
ao respeito e gozo paciacutefico dos bens dos indiviacuteduos Na sequecircncia a segunda regra
108
CONTRERAS op cit p 40 109
Artigo 1 Proteccedilatildeo da propriedade Qualquer pessoa singular ou coletiva tem direito ao respeito dos seus bens
Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas
pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo
do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso
dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees
ou de multas CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS
LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 110
ROCA op cit p 127
53
compreende uma garantia contra a privaccedilatildeo ilegal ou seja somente poderaacute haver
expropriaccedilatildeo ou privaccedilatildeo da propriedade em casos de utilidade puacuteblica e de acordo com
condiccedilotildees legalmente previstas Por fim o terceiro paracircmetro eacute a possibilidade de o Estado
estabelecer restriccedilotildees ao direito de propriedade tendo por base a prevalecircncia do interesse
puacuteblico sobre o privado
Logo sob a base desses criteacuterios e de alguns casos jaacute julgados pelo oacutergatildeo jurisdicional
internacional eacute possiacutevel asseverar que a margem de apreciaccedilatildeo concedida aos paiacuteses eacute larga
quando se estaacute diante dos direitos de propriedade No caso Back vs Finlacircndia111
de 2004 que
trata de noccedilotildees de utilidade puacuteblica em casos de expropriaccedilatildeo haacute o reforccedilo da noccedilatildeo de
subsidiariedade da Corte Europeia com o entendimento de que esta deve respeitar as decisotildees
das autoridades nacionais soacute sendo possiacutevel e viaacutevel a intervenccedilatildeo se o juiacutezo for
manifestamente desprovido de bases racionais
Por fim poreacutem natildeo menos importante aborda-se o uacuteltimo grupo de jurisprudecircncias da
Corte Europeia de Direitos Humanos que pode ser enquadrado no que Roca determina como
ciacuterculo mediano vez que conteacutem temas em que o posicionamento do Tribunal de Estrasburgo
em relaccedilatildeo agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute oscilante Eacute nesse grupo que pode ser
visualizada toda a complexidade da margem e suas vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis em casos
semelhantes envolvendo por exemplo liberdade religiosa direito de homossexuais e
transexuais e outros temas
Justamente nesse ciacuterculo que natildeo apresenta por parte dos doutrinadores jaacute referidos no
capiacutetulo anterior um criteacuterio de unificaccedilatildeo se apresenta o embate entre o universalismo de
alguns direitos previstos nos marcos normativos internacionais de direitos humanos ndash com
destaque para a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos ndash e o relativismo relativo a noccedilotildees
religiosas e culturais que compotildeem a identidade dos diferentes povos europeus
Nesse aspecto no que tange agrave liberdade religiosa a qual eacute prevista pelo artigo 9ordm112
da
CEDH temos duas decisotildees emblemaacuteticas do Tribunal de Estrasburgo o caso Lautsi vs
111
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-114486itemid[001-114486] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Back vs Finlacircndia Sentenccedila de 13 de novembro de 2002
Acesso 05 nov 2014 112
Artigo 9 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de pensamento de consciecircncia e de religiatildeo este direito
implica a liberdade de mudar de religiatildeo ou de crenccedila assim como a liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou a
sua crenccedila individual ou coletivamente em puacuteblico e em privado por meio do culto do ensino de praacuteticas e da
celebraccedilatildeo de ritos 2 A liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou convicccedilotildees individual ou coletivamente natildeo
pode ser objeto de outras restriccedilotildees senatildeo as que previstas na lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa
sociedade democraacutetica agrave seguranccedila puacuteblica agrave proteccedilatildeo da ordem da sauacutede e moral puacuteblicas ou agrave proteccedilatildeo dos
direitos e liberdades de outrem CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO
54
Itaacutelia113
julgado em 2011 e o caso Leyla Sahin vs Turquia114
julgado em 2005 Isso porque
nesses casos respectivamente o TEDH referendou as normas que impotildeem a presenccedila de
crucifixos nas escolas puacuteblicas italianas e natildeo opocircs objeccedilotildees a restriccedilotildees estatais concernentes
ao uso do veacuteu islacircmico no contexto educativo
No primeiro caso o TEDH retificou a decisatildeo da Corte Constitucional Italiana que
em 2009 havia estabelecido por unanimidade que a norma italiana a qual impunha desde a
deacutecada de 1920 a presenccedila de crucifixo nas paredes de escolas puacuteblicas havia violado o direito
da senhora Lautsi a educar seus filhos conforme suas convicccedilotildees laicas e liberdade religiosa
Portanto o Tribunal italiano argumentou que a manutenccedilatildeo de um siacutembolo religioso em salas
de aula de uma escola puacuteblica poderia perturbar emocionalmente os estudantes que natildeo
professassem religiatildeo alguma a ter a percepccedilatildeo de que o contexto educativo estava marcado
pela religiatildeo
Para retificar tal sentenccedila o TEDH argumentou por uma valoraccedilatildeo abstrata de
compatibilidade entre a norma italiana que permitia o uso de crucifixos nas escolas puacuteblicas e
os direitos convencionais sendo que a margem nacional de apreciaccedilatildeo foi aplicada para essa
valoraccedilatildeo da norma italiana Em primeiro lugar o Tribunal Europeu matizou quais satildeo as
exigecircncias convencionais de neutralidade religiosa na educaccedilatildeo indicando que se proiacutebe o
proselitismo ou a adoccedilatildeo no marco educativo de algo compatiacutevel com o estabelecimento de
o ensino obrigatoacuterio de uma religiatildeo ou a imposiccedilatildeo de uma religiatildeo no ensino puacuteblico
O crucifixo no entendimento do TEDH eacute um siacutembolo religioso passivo cuja
influecircncia natildeo se compara a que exercem a educaccedilatildeo religiosa ou a participaccedilatildeo em atividades
religiosas Logo a percepccedilatildeo subjetiva de que o crucifixo supotildee uma ausecircncia de respeito ao
direito de liberdade religiosa natildeo basta para considerar que tenha havido uma violaccedilatildeo agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Para o TEDH portanto sempre que natildeo exista
a pretensatildeo de doutrinar o Estado goza de margem de deferecircncia para decidir sobre a
permanecircncia dos crucifixos em sala de aula
HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 113
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-104040itemid[001-104040] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lautsi vs Italia Sentenccedila de 18 de marccedilo de 2011 Acesso 05
nov 2014 114
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-70956itemid[001-70956] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Leyla Sahin vs Turquia Sentenccedila de 10 de novembro de
2005 Acesso 05 nov 2014
55
No caso Leyla Sahin de proibiccedilatildeo do uso do veacuteu islacircmico por uma jovem no recinto
de sua universidade para o TEDH os Estados tecircm autonomia para limitar o uso do veacuteu em
locais como escolas puacuteblicas ou universidades Para referendar essa restriccedilatildeo agrave liberdade
religiosa o Tribunal Europeu admitiu o uso da margem de apreciaccedilatildeo por parte do Estado em
razatildeo da ausecircncia de um consenso europeu sobre a mateacuteria somado agrave ideia de que as
autoridades nacionais podem lidar melhor com o assunto por estarem mais perto das
realidades nacionais do que o oacutergatildeo jurisdicional internacional
Para o TEDH desta forma a opccedilatildeo poliacutetica de um Estado pelo laicizismo pode
justificar restriccedilotildees agrave liberdade religiosa e exigir sacrifiacutecios aos indiviacuteduos em prol da
harmonia religiosa do paiacutes Embora portanto haja restriccedilatildeo da liberdade individual religiosa
no caso em questatildeo a proibiccedilatildeo natildeo viola a CEDH
A aplicaccedilatildeo dos princiacutepios da subsidiariedade e da proporcionalidade bem como a
falta de consenso na Europa acerca de questotildees como as apresentadas marcaram o
posicionamento do TEDH na concessatildeo de margem de deferecircncia aos Estados no que
concerne agrave liberdade religiosa A grande criacutetica contudo reside na falta de criteacuterios
especiacuteficos e de clareza no uso da ferramenta
Neste uacuteltimo grupo portanto vislumbra-se o que Kratochivil115
menciona como
ldquomedida misteriosardquo ou seja natildeo existem paracircmetros ou criteacuterios especiacuteficos para a aplicaccedilatildeo
da margem Pelo contraacuterio haacute falta de clareza e de limites demonstrando que a banalizaccedilatildeo
do uso da MNA liquidifica sua substacircncia e pode gerar inseguranccedila juriacutedica aos litigantes
Sob essa oacutetica no campo de direitos inderrogaacuteveis como eacute o caso dos direitos que compotildeem
esse uacuteltimo grupo a consideraccedilatildeo de Vila116
merece destaque
Segundo a autora nesse campo que envolve relativismos culturais a postura do TEDH
varia entre a adoccedilatildeo de uma versatildeo voluntarista de MNA ou a adoccedilatildeo de uma versatildeo
racionalista A primeira se centra no direito de que o Tribunal de Estrasburgo eacute um oacutergatildeo
internacional e assume uma visatildeo normativa e natildeo meramente temporal ou procedimental
acerca do princiacutepio da subsidiariedade Por isso o TEDH reconhece que sua legitimidade
poliacutetica eacute meramente derivada e outorga uma presunccedilatildeo em favor do Estado evitando realizar
uma valoraccedilatildeo independente de compatibilidade entre as medidas impugnadas e o convecircnio
Esta presunccedilatildeo soacute eacute rompida quando haacute razotildees fortes para concluir que o Estado extrapolou o
exerciacutecio de sua autonomia Sob a oacutetica desta concepccedilatildeo fatores como a falta de consenso
115
KRATOCHVIL op cit p 330 116
VILA op cit p 10
56
europeu ou a ideia de que os Estados situam-se em um local melhor apropriado para decidir
adquirem importacircncia por razotildees de legitimidade institucional
Entretanto a oacutetica racionalizada de MNA percebe a ferramenta como um resultado de
efetuar um balanccedilo entre os valores que estatildeo em jogo na proteccedilatildeo dos direitos convencionais
mais do que uma presunccedilatildeo de partida em favor do Estado O TEDH centra-se em examinar
se a medida estatal impugnada consegue alcanccedilar um balanccedilo equitativo entre direitos
individuais e valores democraacuteticos A finalidade natildeo eacute justificar a deferecircncia mas reconhecer
de modo equilibrado os valores democraacuteticos no seio da CEDH
Sobretudo neste uacuteltimo grupo analisado ao qual aqui somente satildeo trazidos casos em
relaccedilatildeo agrave liberdade religiosa (artigo 9ordm da CEDH) concentram-se as criacuteticas em relaccedilatildeo agrave
falta de paracircmetros do TEDH para deferir ou natildeo uma margem de apreciaccedilatildeo aos Estados
Essa variabilidade eacute por alguns117
definida como um ponto negativo de falta de definiccedilatildeo de
criteacuterios o que pode levar a uma margem larga ou a uma margem estreita A primeira poderia
conduzir ao processo de fragmentaccedilatildeo do espaccedilo europeu enquanto a segunda poderia forccedilar
a integraccedilatildeo sob o domiacutenio de uma concepccedilatildeo moderna de direitos humanos pautada pelo
liberalismo e individualismo
Deste modo duas respostas podem ser concedidas agrave pergunta cerne deste trabalho a
margem constitui-se em um instrumento eficaz no processo de construccedilatildeo de um direito
comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa uma vez que sob a perspectiva eacutetica
destes direitos o TEDH preza pela preservaccedilatildeo do irredutiacutevel humano e dos direitos
inderrogaacuteveis e absolutos da pessoa humana Prova disso eacute a ausecircncia ou a miacutenima margem
que eacute concedida para casos envolvendo tortura ou tratamentos humanos degradantes ou
violaccedilatildeo de direitos democraacuteticos
No entanto a ausecircncia de paracircmetros e de criteacuterios por parte do Tribunal de
Estrasburgo (ausecircncia constatada por diversos doutrinadores trazidos ao longo deste trabalho
e exemplificada de modo sinteacutetico atraveacutes da anaacutelise de casos emblemaacuteticos envolvendo
liberdade religiosa) no julgamento de direitos humanos quando vinculados a questotildees
culturais demonstram que no campo praacutetico ainda haacute muito para avanccedilar no processo de
siacutentese entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo dos direitos culturais
117
BRUM et SALDANHA Op cit
57
CONCLUSAtildeO
Slavoj Zizek118
certa vez afirmou que o papel do filoacutesofo natildeo eacute o de propor iniciativas
capazes de mudar o mundo ou as situaccedilotildees em curso mas de observar e interpretar a realidade
que eacute posta A pretensatildeo deste trabalho natildeo difere da conceituaccedilatildeo de filoacutesofo por Zizek Isso
porque em nenhum momento busca-se apresentar alternativas fortes para resolver problemas
postos mas sim almeja-se observar sob um amplo espectro os reflexos da mundializaccedilatildeo
dentro do Direito e de modo especiacutefico como atua o Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem no que concerne agrave aplicaccedilatildeo da figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
Aos mais observadores da realidade que se apresenta eacute impossiacutevel negar que na atual
conjuntura da sociedade informacional a proliferaccedilatildeo exacerbada e anaacuterquica de normas e
instituiccedilotildees juriacutedicas gera uma sensaccedilatildeo de caos e de desordem que clama por uma ordenaccedilatildeo
Embora esse verdadeiro mosaico em que se transformou o Direito na atualidade possa ser
vislumbrado em acircmbito global uma anaacutelise mais apurada de uma parte do todo em
especiacutefico da Europa se mostra pertinente para avaliar as possibilidades de construccedilatildeo de um
pluralismo ordenado
A base possiacutevel desse pluralismo ordenado invariavelmente eacute um direito comum cujo
alicerce se encontra nos direitos humanos No contexto europeu de convivecircncia simultacircnea
de uma ldquopequena Europardquo e de uma ldquogrande Europardquo embora o direito comunitaacuterio jaacute tenha
se consolidado sendo um modelo sui generis para todo o globo ainda eacute preciso avanccedilar no
acircmbito da ldquogrande Europardquo ou do sistema regional europeu dos direitos do homem para a
criaccedilatildeo de um direito comum
Nesse sentido parece indiscutiacutevel que a base de um direito comum europeu seja
alicerccedilada na proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua dimensatildeo moral miacutenima ou no que
Delmas denomina de miacutenimo eacutetico universal e irredutiacutevel humano Logo a universalizaccedilatildeo
almejada natildeo tem como objetivo impor referecircncias de uma cultura sobre as demais e sim o
diaacutelogo entre as diferentes particularidades existentes no seio das diversas sociedades que
convivem na Europa a fim de encontrar o que haacute de valores comuns em todas elas
Todavia por mais que a premissa seja de faacutecil compreensatildeo os embates entre
universalismos e relativismos culturais estatildeo na ordem do dia na agenda do Tribunal de
Estrasburgo de modo que um dos temais mais debatidos atualmente no continente se refere
118
ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo Boitempo 2008
58
ao uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo por este tribunal a fim de conferir deferecircncia aos
Estados em algumas mateacuterias para decidir acerca de questotildees sensiacuteveis
O objetivo do presente trabalho foi o de analisar essa ferramenta hermenecircutica de
origem europeia sob a oacutetica de caos juriacutedico anteriormente apresentado De acordo com o que
fora apurado e estudado chegou-se a conclusatildeo de que o uso dessa doutrina contribui ainda
que de modo tiacutemido para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema europeu
Isso porque quando se tratam de temas concernentes agrave tortura a tratamentos humanos
degradantes a penas desproporcionais ou ainda a direitos democraacuteticos a Corte opta por
definir um entendimento que deve ser aplicado em todos os paiacuteses independentemente de
especificidades culturais Estariacuteamos proacuteximos portanto de uma definiccedilatildeo de direitos
humanos inderrogaacuteveis ou de um miacutenimo eacutetico universal proposto por Delmas e jaacute idealizado
por Kant em sua premissa de direito cosmopoliacutetico
No que tange ao restante dos direitos humanos em uma dimensatildeo cultural pode-se
dizer que a teoria da margem traduz uma ideia de que estaacute eacute capaz de harmonizar o
universalismo dos direitos humanos e o pluralismo advindo das diversidades culturais e
religiosas dos paiacuteses europeus Entretanto consoante a anaacutelise de posiccedilotildees doutrinaacuterias acerca
da utilizaccedilatildeo praacutetica do instituto pelo Tribunal de Estrasburgo bem como o embate
paradigmaacutetico de julgados envolvendo liberdade religiosa parece inevitaacutevel a conclusatildeo de
que como meacutetodo de harmonizaccedilatildeo entre plural e universal o oacutergatildeo jurisdicional
internacional do sistema europeu ainda tem muito a evoluir sobretudo na definiccedilatildeo de
paracircmetros e criteacuterios para servir de norte baacutesico em relaccedilatildeo aos mais diversos casos
59
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Boitempo 2008
2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIEcircNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
CURSO DE DIREITO
A Comissatildeo Avaliadora abaixo assinada
aprova a Monografia
INTERNACIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO E CAMINHOS PARA A
CONSTRUCcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM EUROPEU ANAacuteLISE DA
MARGEM NACIONAL DE APRECIACcedilAtildeO
Elaborada por
Rafaela da Cruz Mello
como requisito parcial para obtenccedilatildeo do grau de
Bacharel em Direito
COMISSAtildeO EXAMINADORA
Profordf Drordf Jacircnia Maria Lopes Saldanha
(PresidenteOrientadora)
Profordf Drordf Valeacuteria Ribas do Nascimento
(Universidade Federal de Santa Maria)
Prof Sadi Flocircres Machado
(Faculdade de Direito de Santa Maria)
Santa Maria 28 de novembro de 2014
3
AGRADECIMENTOS
Primeiramente meu principal agradecimento eacute a Deus que durante todo o periacuteodo de
elaboraccedilatildeo deste singelo trabalho garantiu-me forccedilas para superar todos os obstaacuteculos e
coragem para enfrentar todos os meus temores
Agrave minha estimada orientadora Professora Jacircnia pelos anos de trabalho que
desenvolvemos juntas e pelos ensinamentos conferidos durante todo este tempo Sem sobra de
duacutevida satildeo verdadeiros mestres e humanistas como a senhora os responsaacuteveis por fazer a
diferenccedila natildeo soacute na vida de alguns alunos como no mundo
Agrave minha matildee Marilene pelo apoio constante durante o periacuteodo de elaboraccedilatildeo deste
trabalho Muito obrigada pelo amor incondicional por confiar no meu potencial e me
incentivar a dar o melhor de mim em tudo
Ao meu irmatildeo Otaacutevio pelo carinho pela fraternidade e por ter parado inuacutemeras vezes
qualquer um de seus afazeres para escutar minhas anguacutestias ou meus ensaios de ideias para
este trabalho
Ao meu querido amigo Maacutercio pela parceria acadecircmica que deu iniacutecio a uma bela
amizade Obrigada pelas indagaccedilotildees constantes e por sempre me incentivar a ter uma postura
de inquietude em relaccedilatildeo ao mundo
Agrave Bruna pela amizade pelo apoio e pelo consolo nos momentos difiacuteceis Obrigada por
ter tornado especial cada um dos dias vividos dentro e fora da UFSM seja no Brasil ou aleacutem-
mar Agrave Tieli pela amizade e pela maneira leve e espontacircnea com que me ensinou a ver a vida
durante esses anos de graduaccedilatildeo
Por fim a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formaccedilatildeo deixo
aqui registrado o meu agradecimento
4
ldquoOs povos da terra participam em vaacuterios graus de uma comunidade
universal que se desenvolveu a ponto de que a violaccedilatildeo do direito
cometida em um lugar do mundo repercute em todos os demais
A ideia de um direito cosmopolita natildeo eacute portanto fantaacutestica ou
exagerada eacute um complemento necessaacuterio ao coacutedigo natildeo escrito
do Direito poliacutetico e internacional transformando-o num direito
universal da humanidade Somente nessas condiccedilotildees podemos
congratular-nos de estar continuamente avanccedilando em direccedilatildeo a
uma paz perpeacutetuardquo
(Immanuel Kant)
5
RESUMO
Monografia de Graduaccedilatildeo
Curso de Direito
Universidade Federal de Santa Maria
INTERNACIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO E CAMINHOS
PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU ANAacuteLISE DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO
Autora Rafaela da Cruz Mello
Orientadora Jacircnia Maria Lopes Saldanha
Data e Local da Defesa Santa Maria 28 de novembro de 2014
A evoluccedilatildeo da sociedade industrial para a sociedade informacional ocasiona mudanccedilas
significativas nas estruturas juriacutedicas Afirma-se que hoje a seara juriacutedica se assemelha a um
mosaico no qual um verdadeiro caos aparente se instala em razatildeo da multiplicidade de regras
e instituiccedilotildees de hierarquias diversas Nesse contexto o continente europeu pode ser
considerado como um verdadeiro laboratoacuterio de estudos uma vez que em um mesmo
territoacuterio convivem a ldquopequena Europardquo marcada pelo jaacute consolidado direito comunitaacuterio e a
ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos Sob esse panorama de
anaacutelise do espaccedilo europeu eacute que se propotildee o presente trabalho a analisar a possibilidade de
construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa analisando
como forma de viabilizar tal projeto a figura hermenecircutica da Margem Nacional de
Apreciaccedilatildeo Utiliza-se o meacutetodo dedutivo de abordagem e o meacutetodo de procedimento
monograacutefico e para melhor trabalhar com o tema divide-se o trabalho em duas grandes
partes a primeira analisa a evoluccedilatildeo dos direitos humanos nas duas esferas do espaccedilo
europeu para na sequecircncia trabalhar especificamente com a contribuiccedilatildeo das novas
geometrias juriacutedicas do processo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos bem como da
margem nacional de apreciaccedilatildeo para construir as bases de um direito comum europeu
pluralista Na sequencia aborda-se unicamente o instituto da margem nacional com a
finalidade de averiguar se o modo como o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem aplica a
ferramenta efetivamente contribui para a criaccedilatildeo desse direito comum bem como se
possibilita a harmonizaccedilatildeo entre o universalismo dos direitos do homem e o relativismo das
pluralidades e particularismos culturais
Palavras-chave Europa universalismo relativismo direito comum margem nacional de
apreciaccedilatildeo
6
ABSTRACT
Graduation Monografh
Law School
Federal University of Santa Maria
INTERNATIONALIZATION LAW AND WAYS FOR THE
CONSTRUCTION OF A COMMON EUROPEAN LAW
ANALISYS OF MARGIN OF APPRECIATION
Author Rafaela da Cruz Mello
Adviser Jacircnia Maria Lopes Saldanha
Date and Place of the Defense Santa Maria November 28 2014
The evolution of industrial society to the information society brings about significant changes
in the legal structures It is said that today the legal harvest resembles a mosaic in which a
real apparent chaos ensues because of the multiplicity of rules and various hierarchies of
institutions In this context the European continent can be considered as a true laboratory
studies since in the same territory live the little Europe marked by already established
Community law and the big Europe regional rights protection system humans Under this
scenario analysis of the European area do you propose this study to examine the possibility of
building a common law on human rights in Europe analyzing in order to facilitate such a
project hermeneutics figure of the National Assessment Bank We use the deductive method
of approach and the monographic method and procedure to better work with the theme the
work is divided into two main part the first analyzes the evolution of human rights in the two
spheres of Europe for in sequence work specifically with the contribution of the new legal
geometries the process of universalization of human rights and the national margin of
appreciation to build the foundations of a pluralistic European common law In sequence
addresses solely the Institute of National bank in order to ascertain whether how the
European Court of Human Rights applies to effectively contributes tool for the creation of this
common law and if possible harmonization between universalism of human rights and
cultural relativism of plurality and particularism
Keywords Europe universalism relativism common law national margin of appreciation
7
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 8
1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM
DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS 11
11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave
criaccedilatildeo de um direito comum 11
12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias
juriacutedicas a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da
figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo 20
2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU 33
21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem
Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu 33
22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos 43
CONCLUSAtildeO 57
REFEREcircNCIAS 59
8
INTRODUCcedilAtildeO
No iniacutecio do seacuteculo XX Hans Kelsen1 em ldquoTeoria Pura do Direitordquo defendeu a tese de
que para entender a ciecircncia juriacutedica era necessaacuterio observaacute-la de modo dissociado de outras
ciecircncias O autor propocircs a compreensatildeo do direito a partir da famosa piracircmide kelseniana a
norma fundamental ndash a Constituiccedilatildeo ndash estaria no topo da piracircmide e seria capaz de dotar de
validade o restante do ordenamento juriacutedico Abaixo desta norma fundamental estariam as
demais leis e regras do direito sendo que tal formulaccedilatildeo estagnada e sistemaacutetica da ordem
juriacutedica adequava-se aos anseios de organizaccedilatildeo de uma sociedade industrial
Todavia por trabalhar com conflitos sociais o direito natildeo fica alheio agraves vicissitudes
do seacuteculo XX sendo que a Europa apresenta-se como um importante laboratoacuterio de
observaccedilatildeo de mudanccedilas Apoacutes a Segunda Guerra Mundial emergem na sociedade poacutes-
industrial e posteriormente informacional novas estruturas juriacutedicas que natildeo mais satildeo
capazes de se adequar agrave inflexiacutevel loacutegica hieraacuterquica kelseniana Estamos na era do que
Losano2denomina de ldquodireito turbulentordquo que se move se agita e muda de modo veloz assim
como a sociedade que o cerca embora natildeo tatildeo rapidamente quanto esta sociedade
Em razatildeo disso novas geometrias satildeo criadas para tentar explicar o panorama juriacutedico
da sociedade atual Na Europa por exemplo em que temos convivendo sistemas juriacutedicos de
origens e de ordens diversas ndash sistema internacional nacional supranacional ndash autores
determinam que se vive o tempo do Estado em Rede3ou dos aneacuteis disformes com a
proximidade de guirlandas4 ocasionando ao mais despercebido leitor da realidade um
sentimento de caos juriacutedico
Nesse sentido eacute possiacutevel destacar o pensamento de Mireille Delmas-Marty5 que
revoluciona o pensamento de Kelsen Segundo ela essa falta de sistematizaccedilatildeo
aparentemente anaacuterquica eacute solo feacutertil para a construccedilatildeo de um direito comum pluralista em
1 KELSEN Hans Teoria Pura do Direito Traduccedilatildeo de Joatildeo Baptista Machado Satildeo Paulo Martins Fontes
1996 2 LOSANO Mario G Modelos teoacutericos inclusive na praacutetica da piracircmide agrave rede Novos paradigmas nas
relaccedilotildees entre direitos nacionais e normativas supraestatais Revista do Instituto dos Advogados do Estado de
Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 08 n16 p 264-284 2005 3 CASTELLS Manuel Para o Estado-Rede globalizaccedilatildeo econocircmica e instituiccedilotildees poliacuteticas na era da
informaccedilatildeo In PEREIRA Luiz Carlos Bresser WILHEIM Jorge SOLA Lourdes (Org) Sociedade e Estado
em transformaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora UNESP Brasiacutelia ENAP 1999a p164 4 DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006
5 Id 2004a
9
mateacuteria de direitos humanos A sociedade em tempos de globalizaccedilatildeo precisa resistir ao
processo de desumanizaccedilatildeo e de coisificaccedilatildeo do homem de modo que a base para a
construccedilatildeo desse direito comum pluralista devem ser os direitos humanos
Sob a oacutetica europeia que seraacute aqui analisada por ser um importante referencial para os
estudos das mudanccedilas sociais e juriacutedicas dos seacuteculos XX e XXI de que direitos humanos
referimo-nos para ser a base de um direito comum Em um continente tatildeo muacuteltiplo e plural
como realizar o diaacutelogo positivo entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo
das diferentes culturas
Sob esta oacutetica emerge a figura central desse estudo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
(MNA) bem como sua contribuiccedilatildeo para a construccedilatildeo de um direito comum e para a
harmonizaccedilatildeo entre universalismo e relativismo no contexto da Europa Este recurso
hermenecircutico denominado Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo trata-se de uma construccedilatildeo
jurisprudencial criada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante tambeacutem
referido como Tribunal de Estrasburgo) com a finalidade de conferir algum espaccedilo de
deferecircncia para que os tribunais nacionais dos Estados possam decidir algumas questotildees
consoante suas particularidades locais
Embora esta seja a teoria sob a qual se alicerccedila o instituto almeja-se neste trabalho
responder os seguintes questionamentos a doutrina da MNA aplicada pelo Tribunal Europeu
dos Direitos Humanos contribui para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema
europeu de proteccedilatildeo dos direitos do homem Em sua aplicaccedilatildeo praacutetica a margem se mostra
como um recurso eficaz para harmonizar o universalismo dos direitos humanos e o pluralismo
advindo das diversidades culturais e religiosas dos diferentes paiacuteses que fazem parte do
Conselho da Europa
Para responder tal questionamento utilizou-se o meacutetodo dedutivo como meacutetodo de
abordagem e o meacutetodo monograacutefico de procedimento atraveacutes da leitura e fichamento das
diferentes construccedilotildees teoacutericas e doutrinaacuterias sobre o tema bem como anaacutelise de alguns
julgamentos paradigmaacuteticos do Tribunal de Estrasburgo Para melhor compreensatildeo da
complexidade do tema trabalhado dividiu-se esta monografia em duas grandes partes a parte
1 se ocupa da paisagem europeia no poacutes-Segunda Guerra Mundial com a criaccedilatildeo da ldquopequena
Europardquo do direito comunitaacuterio e da ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos
direitos humanos avaliando em ambos os cenaacuterios de que modo se deu a preocupaccedilatildeo com a
temaacutetica dos direitos humanos ou fundamentais (11)
Por conseguinte no intuito de aprofundar o estudo sobre a possibilidade de criaccedilatildeo de
um direito comum no contexto da ldquogrande Europardquo buscou-se uma anaacutelise das novas
10
geometrias da paisagem juriacutedica e do tipo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos que se
procura dentro desse cenaacuterio avaliando por conseguinte o surgimento da figura da MNA
(12) A parte 2 por sua vez objetiva a anaacutelise pura do instituto da Margem Nacional de
Apreciaccedilatildeo averiguando o histoacuterico de sua criaccedilatildeo e as definiccedilotildees acerca de seu conceito
(21) para na sequecircncia avaliar a partir da anaacutelise de alguns julgamentos paradigmaacuteticos do
Tribunal de Estrasburgo se tal ferramenta hermenecircutica se demonstra eficaz no processo de
harmonizaccedilatildeo das tensotildees entre universalismo e relativismos e se pode ser relevante no
processo de criaccedilatildeo de um direito comum cuja base satildeo os direitos humanos (22)
11
1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM
DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS
O seacuteculo XX trouxe mudanccedilas significativas para os mais diversos segmentos da vida
social e o direito natildeo ficou alheio agraves vicissitudes decorrentes do poacutes-Segunda Guerra Mundial
O continente europeu sobretudo passa a ser o cenaacuterio de revoluccedilotildees na estrutura juriacutedica ateacute
entatildeo conhecida com o surgimento praticamente concomitante de instituiccedilotildees supranacionais
e internacionais para aleacutem das nacionais
Neste vieacutes uma das preocupaccedilotildees primordiais do poacutes-guerra foi a de garantir a tutela
dos direitos humanos mesmo diante das mudanccedilas latentes no cenaacuterio juriacutedico Desta feita
deparamo-nos com duas esferas dentro do cenaacuterio europeu a ldquopequena Europardquo que origina
um direito comunitaacuterio europeu o qual mesmo tendo se ocupado com questotildees relativas agrave
economia e agrave integraccedilatildeo regional desenvolve a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais
atraveacutes do diaacutelogo jurisprudencial entre cortes de naturezas distintas e a ldquogrande Europardquo do
sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos espaccedilo haacutebil e possiacutevel para ser base de
criaccedilatildeo de um direito comum (11) Da evoluccedilatildeo de um campo ao outro a premissas de
universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo buscam
legitimar e consolidar a criaccedilatildeo desse direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
(12)
11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave
criaccedilatildeo de um direito comum
O historiador britacircnico Eric Hobsbawn6 talvez tenha encontrado a melhor adjetivaccedilatildeo
para o seacuteculo XX a ldquoEra dos Extremosrdquo Nas palavras do proacuteprio autor ldquoNatildeo sabemos o que
6 HOBSBAWN Eric A era dos extremos o breve seacuteculo XX 1941-1991 Satildeo Paulo Companhia das Letras
1995
12
viraacute a seguir nem como seraacute o segundo milecircnio embora possamos ter a certeza de que ele
teraacute sido moldado pelo Breve Seacuteculo XXrdquo7
Nesse sentido a Segunda Guerra Mundial representa o marco crucial natildeo soacute para a
preocupaccedilatildeo global em relaccedilatildeo aos direitos humanos8 com a criaccedilatildeo e fortalecimento de uma
grande quantidade de instrumentos normativos responsaacuteveis por sua tutela em acircmbito
mundial como tambeacutem para o surgimento de uma nova Europa Apoacutes o teacutermino da guerra
que teve como palco principal de seus acontecimentos o continente europeu diversos paiacuteses
se encontravam em uma situaccedilatildeo de caos politico fragmentaccedilatildeo e enfraquecimento
econocircmico aleacutem do perigo iminente de eclosatildeo de uma nova disputa de proporccedilotildees mundiais
advinda da dicotomia entre capitalismo e socialismo na entatildeo incipiente Guerra Fria
Eacute nesse contexto que emerge a ideia de criaccedilatildeo de um espaccedilo comum europeu
consubstanciado atraveacutes da integraccedilatildeo regional entre os paiacuteses do continente Ainda no inicio
do seacuteculo XX eacute possiacutevel destacar a ocorrecircncia de propostas relativamente concretas para a
integraccedilatildeo europeia como eacute o caso da proposta do francecircs Aristides Briand em 1929 de
criaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia sob a oacutetica de uma federaccedilatildeo ou seja fundada sob uma
noccedilatildeo de uniatildeo o que implica o respeito agrave soberania9 Todavia a crise econocircmica mundial a
ascensatildeo de nacionalismos na Europa e por fim a eclosatildeo da segunda grande guerra
obstaculizaram a adesatildeo a essa proposta
O cenaacuterio do poacutes-guerra de desintegraccedilatildeo social e miseacuteria econocircmica em grande parte
dos paiacuteses envolvidos gerou a instalaccedilatildeo do Congresso da Europa em Haia nas datas de 7 a
11 de maio de 1948 no qual houve a criaccedilatildeo do ldquoMovimento Europeurdquo No referido
congresso duas correntes foram estabelecidas as quais impulsionaram o surgimento da
ldquopequena Europardquo10
e da ldquogrande Europardquo respectivamente a Europa dos federalistas e a
7 Ibid p14
8 Pode-se nesse sentido destacar a descriccedilatildeo de Valeacuterio Mazzuoli de que desde a Segunda Guerra Mundial em
decorrecircncia dos horrores e atrocidades cometidos durante esse periacuteodo em que muitas vidas eram consideradas
como nuacutemeros e valiam tatildeo pouco os direitos humanos passaram a constituir um dos principais temas do Direito
Internacional contemporacircneo A normatividade internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos foi conquistada
por meio de lutas histoacuterias contiacutenuas e incessantes e consubstanciada em diversos tratados concluiacutedos com esse
propoacutesito tendo sido fruto de um lento e gradual processo de internacionalizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo desses
mesmos direitos o qual fora intensificado com o fim da Segunda Guerra Mundial MAZZUOLI Valeacuterio de
Oliveira Curso de Direito Internacional Puacuteblico 5 ed Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 811 9 SILVA Karine de Sousa Uniatildeo Europeia antecedentes e evoluccedilatildeo histoacuterica In SILVA Karine de Souza
COSTA Rogeacuterio Santos da(Org) Organizaccedilotildees Internacionais de Integraccedilatildeo Regional Uniatildeo Europeia
Mercosul e UNASUL Florianoacutepolis Ed Da UFSC Fundaccedilatildeo Boiteux 2013 p 54 10
Doravante por ldquopequena Europardquo estar-se-aacute referindo aos paiacuteses participantes da Uniatildeo Europeia sujeitos
portanto agraves decisotildees das instituiccedilotildees da Uniatildeo dentre as quais se destaca o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo
Europeia ldquoGrande Europardquo por sua vez refere-se aos paiacuteses que aderiram ao Conselho da Europa que hoje
somam um total de 47 (quarenta e sete) membros e que se submetem agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal Europeu de
Direitos Humanos PRINO Carla Sofia Abreu Relaccedilotildees entre TJUE e TEDH no contexto de adesatildeo da UE agrave
13
Europa dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental11
Os primeiros defendiam uma
integraccedilatildeo mais profunda entre os paiacuteses com transferecircncia de parcela de soberania dos
Estados para uma instituiccedilatildeo com poderes supranacionais sendo esta a base para a criaccedilatildeo da
Comunidade Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) Os segundos por sua vez se opunham agrave
cessatildeo de direitos soberanos impulsionando com seus ideais a criaccedilatildeo em 1949 do
Conselho da Europa com sede em Estrasburgo
Natildeo obstante essa divisatildeo surgida no Congresso da Europa eacute possiacutevel afirmar que a
base de construccedilatildeo da atual Uniatildeo Europeia deu-se com a criaccedilatildeo da Comunidade Europeia
do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) movida pelos ideais integracionistas do francecircs Jean Monnet
Contratado no poacutes-guerra para participar do Plano de Modernizaccedilatildeo e Equipamento da
Franccedila Monnet tinha medo de que o Plano Marshall norte-americano de empreacutestimo de
dinheiro para a reconstruccedilatildeo da Europa pudesse gerar uma diacutevida eterna aos paiacuteses do
continente com os Estados Unidos e para escapar disso via como uacutenica soluccedilatildeo a promoccedilatildeo
de um esforccedilo comum dos Estados atraveacutes de projetos de integraccedilatildeo regional
Por isso redigindo o texto da Declaraccedilatildeo de Schuman de 1950 Monet propagava a
ideia de integraccedilatildeo como meio de assegurar a paz e reerguer a poliacutetica e a economia dos
paiacuteses que foram destruiacutedos pela guerra Nesse sentido sua ideia foi a partir de uma ideologia
pacifista de influecircncia kantiana neutralizar a rivalidade franco-alematilde atraveacutes de uma espeacutecie
de mercado comum com a criaccedilatildeo de uma organizaccedilatildeo internacional com caraacuteter
supranacional que seria responsaacutevel pela gestatildeo dos recursos naturais da regiatildeo do Sarre e do
Ruhr os quais seriam colocados a serviccedilo da paz e natildeo da guerra12
A proposta integracionista daquele que eacute considerado o arquiteto do projeto de
integraccedilatildeo europeia era de retirar da matildeo dos Estados a capacidade de gestatildeo dos recursos
energeacuteticos que movimentavam a induacutestria beacutelica e da guerra Desta forma uma autoridade
internacional mais especificamente uma organizaccedilatildeo internacional setorial seria criada com
um status supranacional para gerenciar e administrar a produccedilatildeo de carvatildeo e de accedilo
funcionando atraveacutes da delegaccedilatildeo de parcelas da soberania estatal em questotildees especiacuteficas
Assim em 1951 com a assinatura do Tratado de Paris criou-se a Comunidade
Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) com a participaccedilatildeo inicial de seis paiacuteses Franccedila
Alemanha Itaacutelia Beacutelgica Holanda e Luxemburgo Posteriormente em 1957 com o Tratado
CEDH Debater a Europa Nuacutemero 4 JaneiroJunho 2011 Disponiacutevel em httpwwweurope-direct-
aveiroaevaeudebatereuropa Acesso 10 out 2014 11
SILVA Karine de Sousa De Paris a Lisboa sessenta anos de integraccedilatildeo europeia In SILVA Karine de
Souza Mercosul e Uniatildeo Europeia O Estado da arte dos processos de integraccedilatildeo regional Florianoacutepolis
Editora Modelo 2010 p 35 12
Ibid p 60
14
de Roma a Comunidade Econocircmica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia para a
Energia Atocircmica (CEEA ou Euratom) foram criadas consolidando-se deste modo as trecircs
comunidades que fizerem emergir o direito comunitaacuterio no seio da Europa Foi contudo
somente em 1992 com o Tratado de Maastrich ou Tratado da Uniatildeo Europeia que nasceu a
Uniatildeo Europeia propriamente dita consagrada em trecircs pilares baacutesicos as comunidades que
inicialmente lhe deram base a colaboraccedilatildeo em mateacuteria de poliacutetica exterior e seguranccedila
comum e a cooperaccedilatildeo no acircmbito judicial e policial em mateacuteria penal13
Visiacutevel deste modo que o que impulsionou a criaccedilatildeo de um direito comunitaacuterio
europeu foi a necessidade de reorganizaccedilatildeo do continente apoacutes 1945 e o fortalecimento
econocircmico de antigas potecircncias rivais como foi o caso da Franccedila e da Alemanha Ocorre que
de modo concomitante ao crescimento dos ideais dos federalistas a segunda corrente oriunda
do Congresso da Europa de 1949 dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental tambeacutem
cresceu e se tornou visiacutevel vez que possuiacutea como objetivo a realizaccedilatildeo de uma uniatildeo mais
estreita entre seus membros de modo a salvaguardar os ideais e princiacutepios que satildeo seu
patrimocircnio comum e favorecer seu progresso social e econocircmico
O Conselho da Europa surgido em 1949 portanto configura-se como outra
organizaccedilatildeo internacional surgida na Europa do poacutes-guerra tendo como base a consolidaccedilatildeo
sob o principio da cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses e natildeo o federalismo que implica cessatildeo de
parcelas da soberania Seu propoacutesito eacute o de defesa dos direitos humanos desenvolvimento
democraacutetico e estabilidade poliacutetico-social na Europa sendo chamado de ldquogrande Europardquo por
desde o iniacutecio contar com mais adesotildees de paiacuteses em relaccedilatildeo agrave CECA Eacute justamente dentro
desse Conselho que surge o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em 1959
oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa e
responsaacutevel pela tutela dos direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem
(CEDH) de 1950
A eclosatildeo desses dois movimentos marca o iniacutecio de uma verdadeira revoluccedilatildeo dentro
da compreensatildeo do direito Se antes no continente europeu era possiacutevel vislumbrar a
existecircncia em grande medida e tatildeo somente de tribunais nacionais cuja competecircncia era
exercida dentro de determinado Estado sob a eacutegide de sua soberania o cenaacuterio altera-se e daacute
espaccedilo para a existecircncia natildeo soacute de tribunais nacionais como tambeacutem de tribunais
supranacionais e internacionais
13
Ibidem p 77
15
No caso do direito comunitaacuterio sua criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de
instituiccedilotildees que fortaleccedilam o sistema supranacional Em funccedilatildeo disso dentre os mais diversos
oacutergatildeos criados pelos sucessivos tratados comunitaacuterios pode-se destacar o Tribunal de Justiccedila
da Uniatildeo Europeia (TJUE) ou Tribunal de Luxemburgo
Este criado pelo Tratado de Paris de 1951 e adotado pelo Tratado de Roma de 1957
tem a finalidade de assegurar o cumprimento do direito comunitaacuterio e a interpretaccedilatildeo e
aplicaccedilatildeo dos Tratados dentro a vida da comunidade14
Submetem-se agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal
atualmente os vinte e oito15
paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e ao longo dos anos
ele se desenvolveu como uma importante instituiccedilatildeo capaz de contribuir ao desenvolvimento
da comunidade atraveacutes de consolidaccedilotildees jurisprudenciais e da conversatildeo dos tratados
constitutivos da comunidade em verdadeiras constituiccedilotildees materiais
Embora a preocupaccedilatildeo com os direitos humanos no cenaacuterio da ldquopequena Europardquo natildeo
tenha sido uma caracteriacutestica inicial dos tratados constitutivos das comunidades europeias o
diaacutelogo do Tribunal de Luxemburgo com os tribunais nacionais de alguns Estados europeus
traz agrave tona esse tema bem como se caracteriza por ser o grande responsaacutevel pela consolidaccedilatildeo
de princiacutepios baacutesicos do direito comunitaacuterio como eacute o caso da supremacia das normas
comunitaacuterias Neste vieacutes importante destaque deve ser feito ao caso CostaENEL16
de 1964
que marcou o surgimento da noccedilatildeo de supremacia das normas da comunidade europeia
O objeto de tal caso fora uma lei italiana de nacionalizaccedilatildeo da energia eleacutetrica
declarada incompatiacutevel com o Tratado da Comunidade Econocircmica Europeia Em sede de
reenvio prejudicial o Tribunal Constitucional Italiano enviou a questatildeo ao Tribunal de Justiccedila
da Uniatildeo Europeia o qual reconheceu que ao instituir uma comunidade de duraccedilatildeo ilimitada
com caraacuteter sui generis e poderes resultantes de delegaccedilatildeo de parcela da soberania os paiacuteses
limitariam seus direitos soberanos em prol de um conjunto de normas aplicaacutevel natildeo soacute agrave
comunidade como a todos os seus Estados membros17
14
OLIVEIRA Odete Maria de Uniatildeo Europeia processos de integraccedilatildeo e mutaccedilatildeo 1ordfed 3ordf tir Curitiba
Juruaacute 2003 15
Os vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia satildeo Alemanha Aacuteustria Beacutelgica Bulgaacuteria Chipre
Croaacutecia Dinamarca Eslovaacutequia Eslovecircnia Espanha Estocircnia Finlacircndia Franccedila Greacutecia Hungria Irlanda Itaacutelia
Letocircnia Lituacircnia Luxemburgo Malta Paiacuteses Baixos Polocircnia Portugal Reino Unido Repuacuteblica Checa
Romecircnia Sueacutecia Dados disponiacuteveis no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeuropaeuabout-
eucountriesmember-countriesindex_pthtm Acesso 01 nov 2014 16
O acoacuterdatildeo do referido caso encontra-se disponiacutevel na iacutentegra no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeur-
lexeuropaeulegal-contentPTTXTPDFuri=CELEX61964CJ0006ampfrom=EN Acesso 02 out 2014 17
FARENZENA Sueacutelen Costa versus ENEL ndash O primado do Direito Comunitaacuterio e a mudanccedila de paradigma o
Estado em rede europeu Revista da SJRJ Vol 19 nordm34 Rio de Janeiro 2012 Disponiacutevel em
httpwww4jfrjjusbrseerindexphprevista_sjrjarticleviewFile338296 Acesso 01 out 2014
16
Neste sentido determinou o Tribunal de Luxemburgo que a forccedila executiva do direito
comunitaacuterio natildeo poderia variar de um espaccedilo para outro ao sabor das legislaccedilotildees internas
Impossiacutevel portanto um Estado fazer prevalecer sobre uma ordem juriacutedica aceita sob o pilar
da reciprocidade e da cessatildeo de parcela de direitos soberanos uma medida unilateral anterior
ou posterior que lhe pode opor
Natildeo obstante tal decisatildeo a ideia de supremacia das normas comunitaacuterias por si soacute
natildeo foi adotada de modo paciacutefico por todos os tribunais constitucionais dos paiacuteses sujeitos agrave
jurisdiccedilatildeo do Tribunal de Luxemburgo Em funccedilatildeo disso houve a percepccedilatildeo por parte dos
juiacutezes do TJUE de que seria necessaacuterio acoplar agrave ideia de supremacia das normas
comunitaacuterias um discurso dotado de legitimidade que envolvesse princiacutepios e ideais comuns
natildeo soacute para a comunidade como para os Estados membros Esse discurso portanto seria o
discurso dos direitos fundamentais18
Ateacute o surgimento de algumas tensotildees entre os posicionamentos dos tribunais nacionais
e as decisotildees do TJUE havia certa resistecircncia por parte deste uacuteltimo em lidar com questotildees
concernentes aos direitos humanos ou fundamentais Isto porque o motivo que levou agrave criaccedilatildeo
das Comunidades Europeias e a posterior Uniatildeo Europeia foi predominantemente econocircmico
tanto eacute que os tratados iniciais das Comunidades Europeias natildeo trazem elementos que refiram
explicitamente a preocupaccedilatildeo com direitos humanos ou fundamentais19
Entretanto consoante
fora asseverado a supremacia das normas comunitaacuterias somente conseguiria se afirmar e se
consolidar caso fosse acoplada ao tema da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais
Neste sentido a deacutecada de 1960 pode ser vista como um importante marco para o
TJUE Casos como o Stauder (1969) e o Internationale Handelsgesellschaft20
(1970)
18
GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional
algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em
httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014 19
Pertinente o destaque da concepccedilatildeo de Gilmar Mendes e Geroge Rodrigo Bandeira Galindo sobre este tema
Segundo eles os instrumentos que instituiacuteram as comunidades europeias natildeo se referem de maneira expliacutecita agrave
proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais e haacute razotildees para isso A primeira delas reside no fato de que a
proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa deveria ser transferida para outra organizaccedilatildeo internacional no caso o
Conselho da Europa que foi uma instituiccedilatildeo fundamental para a elaboraccedilatildeo da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos
do Homem de 1950 Outra razatildeo sustenta-se na ideia de que a inclusatildeo imediata de um cataacutelogo de direitos
fundamentais nos tratados instituidores das Comunidades Europeias geraria conflitos entre as consolidadas
constituiccedilotildees estatais e o entatildeo incipiente direito comunitaacuterio Por fim outra razatildeo apontada eacute traduzida no fato
de que os Estados eram temerosos de que a imediata inclusatildeo de temas de direitos fundamentais ou humanos nos
tratados instituidores das Comunidades pudesse ampliar as competecircncias de prerrogativas de instituiccedilotildees receacutem-
criadas Ibidem p03
De qualquer forma houve no processo de germinaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia nos moldes em que hoje
conhecemos a predominacircncia de ideias economicistas e de integraccedilatildeo regional com base na aproximaccedilatildeo de
ideais produtivos e de mercado A preocupaccedilatildeo com a tutela de direitos humanos ou fundamentais surge atraveacutes
dos diaacutelogos espontacircneos entre as cortes constitucionais e o Tribunal de Luxemburgo 20
Neste caso o raciociacutenio da corte faz clara alusatildeo agrave vinculaccedilatildeo entre primazia do direito comunitaacuterio e a
proteccedilatildeo dos direitos fundamentais por parte das instituiccedilotildees comunitaacuterias Os pontos 3 e 4 do julgamento do
17
consolidaram o entendimento do Tribunal de Luxemburgo de que os direitos fundamentais
fazem parte dos princiacutepios gerais do direito comunitaacuterio Conflitos positivos de competecircncias
entre tribunais nacionais e o tribunal supranacional instituiacutedo no acircmbito da comunidade
marcaram os diaacutelogos iniciais para a estimulaccedilatildeo da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais em
acircmbito comunitaacuterio
Como continuidade deste diaacutelogo eacute pertinente destacar o caso Nold (1974) no qual o
Tribunal de Luxemburgo reconheceu como pauta geral para o direito comunitaacuterio europeu o
predomiacutenio dos direitos fundamentais Com isso mais uma vez reafirmou-se a ideia de que o
direito comunitaacuterio tem supremacia sobre as disposiccedilotildees legais nacionais mas que de toda a
sorte deve se adaptar a uma base comum de valores como os determinados por exemplo
pela Convenccedilatildeo Europeia de Direito do Homem
Por isso fala-se que este caso fixa um terceiro elemento no nuacutecleo de salvaguarda dos
direitos fundamentais aleacutem das tradiccedilotildees constitucionais comuns e dos direitos fundamentais
garantidos nas Constituiccedilotildees dos Estados os instrumentos internacionais relativos agrave proteccedilatildeo
dos direitos humanos passam a ser uma importante fonte de inspiraccedilatildeo para a proteccedilatildeo de
direitos em acircmbito comunitaacuterio Em funccedilatildeo disso inclusive em 1975 o TJUE pela primeira
vez recorreu agrave Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem no caso Rutili21
Apesar de tal decisatildeo do caso Nold o emblemaacutetico caso Solange levou agrave confirmaccedilatildeo
e consolidaccedilatildeo da vigecircncia dos direitos fundamentais no acircmbito da Comunidade Neste caso
em 1974 o Tribunal Constitucional alematildeo determinou que enquanto a Comunidade natildeo
dispusesse de um sistema de proteccedilatildeo de direitos comparaacutevel ou equiparado agrave Lei
Fundamental de Bonn ou seja enquanto natildeo houvesse um cataacutelogo de direitos fundamentais
aplicaacuteveis agrave Comunidade Europeia as instituiccedilotildees comunitaacuterias seriam ineficazes no que
concerne agrave proteccedilatildeo desses direitos22
TJUE respectivamente determinam que 3 A validade de uma medida comunitaacuteria ou de seus efeitos em um
Estado membro natildeo podem ser afetadas por alegaccedilotildees de que ela contraria direitos fundamentais tal como
formuladas pela Constituiccedilatildeo do Estado ou princiacutepios de uma estrutura constitucional nacional() 4() o
respeito pelos direitos fundamentais forma uma parte integral dos princiacutepios gerais de direito protegidos pela
Corte de Justiccedila A proteccedilatildeo de tais direitos enquanto inspirada pelas tradiccedilotildees constitucionais comuns aos
Estados membros deve ser assegurada no acircmbito da estrutura e dos objetivos da Comunidaderdquo Ibidem p4 21
O caso Rutilli caracteriza-se por ser a primeira referecircncia jurisprudencial feita pelo Tribunal de Luxemburgo agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem ou seja a utilizaccedilatildeo por parte de um tribunal supranacional de um
marco normativo essencial natildeo para o direito comunitaacuterio mas para o sistema regional de proteccedilatildeo aos direitos
humanos Nesse caso o Tribunal de Luxemburgo afirmou que as normas de direito comunitaacuterio natildeo era mais do
que uma manifestaccedilatildeo de princiacutepios gerais de direito consagrados na Convenccedilatildeo 22
GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional
algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em
httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014
18
Como resultado de tal caso natildeo soacute o Tribunal de Luxemburgo passou a consolidar um
entendimento jurisprudencial favoraacutevel ao respeito e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais
como demais instituiccedilotildees da entatildeo Comunidade Europeia assim agiram Em funccedilatildeo disso diz-
se que o principal resultado do caso Solange foi uma resoluccedilatildeo conjunta datada de 5 de abril
de 1977 entre Parlamento Europeu Conselho Europeu e Comissatildeo Europeia denominada
ldquoDeclaraccedilatildeo Conjunta sobre Direitos Fundamentaisrdquo23
Nesta ressaltou-se a necessidade do
respeito em acircmbito comunitaacuterio dos direitos fundamentais consagrados pelas tradiccedilotildees
constitucionais dos Estados membros e pela Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos
Os direitos fundamentais atraveacutes desse diaacutelogo jurisprudencial entre as cortes de
esperas diferentes (supranacional e nacionais) apareceram de modo progressivo no direito
comunitaacuterio europeu tornando-se paracircmetros de validade das normas da Uniatildeo Qualquer
norma seja comunitaacuteria seja nacional que contrariasse os direitos fundamentais seria
considerada invaacutelida
A tendecircncia jurisprudencial do TJUE de vincular a noccedilatildeo de supremacia das normas
comunitaacuterias com a proteccedilatildeo aos direitos fundamentais acabou por refletir no Tratado de
Maastricht de 1992 Tambeacutem chamado de Tratado da Uniatildeo Europeia este documento em
seu artigo F nuacutemero 2 determina que a Uniatildeo respeite os direitos fundamentais tal como os
garante a Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem24
Na esteira da inclusatildeo da proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em tratados o Tratado de
Lisboa de 2007 aleacutem de estabelecer personalidade juriacutedica agrave Uniatildeo Europeia25
determina que
a esta aderiraacute agrave Convenccedilatildeo Europeia para a proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e das Liberdades
Fundamentais sendo que a adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas
nos tratados26
23
XAVIER Ana Isabel Os Direitos Fundamentais no ldquodiaacutelogo europeurdquo de Nice a Lisboa In Debater a
Europa n 9 julhodezembro 2013 Disponiacutevel em httpeurope-direct-
aveiroaevaeudebatereuropaimagesn9axavierpdf Acesso em 03 out 2014 24
Artigo F n 2 ldquoA Uniatildeo respeitaraacute os direitos fundamentais tal como os garante a Convenccedilatildeo Europeia de
Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais assinada em Roma em 4 de novembro de
1950 e tal como resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-membros enquanto princiacutepios
gerais do direito comunitaacuteriordquo TRATADO DE MAASTRICHT 1992 Disponiacutevel em httpeuropaeueu-
lawdecision-makingtreatiespdftreaty_on_european_uniontreaty_on_european_union_ptpdf Acesso 15 out
2014 25
O artigo 46-A do Tratado de Lisboa determina que ldquoA Uniatildeo tem personalidade juriacutedicardquo TRATADO DE
LISBOA 2007 Disponiacutevel em httpeur-lexeuropaeulegal-
contentPTTXTPDFuri=OJC2007306FULLampfrom=PT Acesso 16 out 2014 26
O artigo 6ordf do Tratado de Lisboa determina que ldquo1 A Uniatildeo reconhece os direitos as liberdades e os
princiacutepios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da Uniatildeo Europeia de 7 de Dezembro de 2000 com
as adaptaccedilotildees que lhe foram introduzidas em 12 de Dezembro de 2007 em Estrasburgo e que tem o mesmo
valor juriacutedico que os Tratados De forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competecircncias da Uniatildeo tal
como definidas nos Tratados Os direitos as liberdades e os princiacutepios consagrados na Carta devem ser
interpretados de acordo com as disposiccedilotildees gerais constantes do Tiacutetulo VII da Carta que regem a sua
19
Mesmo que o ideal de Constituiccedilatildeo para a Uniatildeo Europeia natildeo tenha sido aprovado
pelos Estados membros as regras de supremacia das normas comunitaacuterias e de proteccedilatildeo aos
direitos fundamentais consagrados natildeo soacute nas Constituiccedilotildees como nas proacuteprias tradiccedilotildees
constitucionais dos Estados regem as decisotildees do Tribunal supranacional que existe no
continente Por isso mesmo que a preocupaccedilatildeo inicial da ldquopequena Europardquo tenha sido a
integraccedilatildeo econocircmica dos paiacuteses devastados pela guerra para que pudessem voltar a ser
competitivos internacionalmente ao longo do tempo sentiu-se a necessidade de trazer para
dentro do direito comunitaacuterio noccedilotildees acerca dos direitos fundamentais e humanos de modo
que hoje estes se encontram tutelados por instrumentos e oacutergatildeos supranacionais especiacuteficos
Ocorre que conforme se mencionou no iniacutecio deste subcapiacutetulo o cenaacuterio europeu
pode ser vislumbrado sob duas oacuteticas distintas desde o Congresso da Europa a oacutetica
federalista que impulsiona a criaccedilatildeo da Uniatildeo Europeia e de um direito comunitaacuterio europeu
e o vieacutes da cooperaccedilatildeo internacional marcado pela criaccedilatildeo do Conselho da Europa e de um
sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos o qual exige o pensamento acerca
da possibilidade da construccedilatildeo de um direito comum europeu
Nesse aspecto acerca do conceito de comum eacute pertinente remontar agraves premissas de
Dardot et Laval27
Para os autores o comum do direito segundo uma loacutegica de interpretaccedilatildeo
neoliberal natildeo seraacute outro que o direito de propriedade dos contratos e do lucro Eacute justamente
contra esse tipo de concepccedilatildeo trazido pelos efeitos nefastos da globalizaccedilatildeo que se invoca a
defesa e a reabilitaccedilatildeo do conceito de comum que deve ser entendido sob uma loacutegica de bases
uniacutessonas em mateacuteria de direitos humanos
Em razatildeo disso eacute no acircmbito da ldquogrande Europardquo ou seja do sistema regional europeu
de proteccedilatildeo dos direitos do homem que se vislumbram bases para a criaccedilatildeo de um direito
comum cuja premissa eacute a busca do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano28
Deste
modo no panorama apresentado se vislumbra de modo claro que embora existam regras
princiacutepios e instituiccedilotildees para reger o direito comunitaacuterio europeu (regras previstas nos
tratados da Uniatildeo Europeia e pacificadas pelo ativismo do TJUE) na ldquopequena Europardquo em
interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo e tendo na devida conta as anotaccedilotildees a que a Carta faz referecircncia que indicam as fontes
dessas disposiccedilotildees 2 A Uniatildeo adere agrave Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais Essa adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas nos Tratados3
Do direito da Uniatildeo fazem parte enquanto princiacutepios gerais os direitos fundamentais tal como os garante a
Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como
resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-Membrosrdquo Ibid 2007 27
DARDOT Pierre LAVAL Cristian COMMUN essai sur la revolutiona au XXeme siegravecle Paris La
deacutecouverte 2014 p 287 28
DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio
de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b
20
mateacuteria de direitos humanos e no acircmbito de um processo de globalizaccedilatildeo eacute preciso avanccedilar
na compreensatildeo do espaccedilo europeu para no acircmbito do sistema regional consolidar as bases
para a criaccedilatildeo de um direito comum
12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias juriacutedicas
a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da figura da
Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
O Congresso da Europa sob o aspecto juriacutedico dividiu o continente em blocos
autocircnomos dentro de um sistema multicecircntrico Nesse sentido Mireille Delmas-Marty29
assevera que natildeo existe uma unidade juriacutedica chamada Europa ou sequer uma visatildeo uacutenica e
preestabelecida do continente
Pelo contraacuterio existe uma Europa feita de instituiccedilotildees juriacutedicas diversas cada uma
com regras e princiacutepios especiacuteficos Neste sentido de um lado tem-se a ldquopequena Europardquo
composta pelos vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e que possui um ideal
primordialmente econocircmico com os objetivos de livre circulaccedilatildeo de pessoas e de
mercadorias bem como de instituiccedilatildeo de uma moeda uacutenica sob a perspectiva de abertura de
fronteira entre os paiacuteses Sob este ideal desenvolve-se a base para o direito comunitaacuterio que
possui como instituiccedilatildeo juriacutedica maacutexima o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo Europeia (TJUE)
com caraacuteter supranacional
Na Europa dos ldquoVinte e Oitordquo portanto sob o ideal integracionista surge o chamado
direito comunitaacuterio europeu o qual atraveacutes de direito originaacuterio (tratados constitutivos) e
direito derivado (normas emanadas de oacutergatildeos de competecircncia legislativa da Uniatildeo) forma o
sistema juriacutedico-poliacutetico e juriacutedico-econocircmico da Uniatildeo Europeia A peculiaridade desta nova
ordem formada eacute a de natildeo querer unificar a ordem juriacutedica dos paiacuteses europeus mas de
uniformizar em algumas mateacuterias as normas do bloco criado Justamente por isso a
supranacionalidade intriacutenseca ao direito comunitaacuterio natildeo se confunde com o direito
internacional
Sob as bases de interesses econocircmicos tem-se o objetivo de chegar a uma integraccedilatildeo
nas aacutereas concernentes agrave poliacutetica cultura dentre outras sob uma relaccedilatildeo de integraccedilatildeo entre o
29
Id 2004a p47
21
ordenamento juriacutedico comunitaacuterio e o ordenamento interno de cada Estado Sem sombra de
duacutevidas a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais se insere nessas relaccedilotildees mas com o
intuito de fortalecer o ideal de supremacia das normas comunitaacuterias Em funccedilatildeo de tal
premissa tem-se a necessidade de preservar o estaacutegio alcanccedilado pelo processo de integraccedilatildeo e
por isso um ordenamento juriacutedico comunitaacuterio eacute formado Entretanto eacute preciso avanccedilar no
processo de tutela dos direitos humanos em um contexto tatildeo plural como o europeu
Deste modo de outro lado tem-se a ldquogrande Europardquo criada pelo Conselho da Europa
perfazendo uma cooperaccedilatildeo poliacutetica que hoje abriga quarenta e sete membros30
signataacuterios da
Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais
(CEDH) O oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do Conselho da Europa eacute o Tribunal Europeu dos Direitos
do Homem (TEDH) sediado em Estrasburgo e para o qual podem demandar tanto Estados
quanto indiviacuteduos viacutetimas de violaccedilotildees de direitos humanos reconhecidos pela convenccedilatildeo
Neste sentido o paraacutegrafo 3ordm31
do Preacircmbulo da CEDH de 1950 assevera que a
finalidade principal do Conselho da Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre seus
membros e que um dos meios para alcanccedilar esta finalidade eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais sendo tais direitos vistos como um meio
para uma progressiva integraccedilatildeo dos europeus Antes mesmo disso o Estatuto do Conselho da
Europa de 1949 havia asseverado que a finalidade da instituiccedilatildeo era criar uma organizaccedilatildeo
que levasse os paiacuteses do continente a uma associaccedilatildeo cuja base fosse a unidade entre seus
membros privilegiando ideais e princiacutepios comuns aos diferentes Estados
Essa configuraccedilatildeo surgida na segunda metade do seacuteculo XX produz alteraccedilotildees
significativas na conceituaccedilatildeo de alguns institutos juriacutedicos e poliacuteticos como eacute o caso do
Estado da soberania dentre outros Nesse sentido o cenaacuterio Europeu pode ser enxergado
como proacuteximo da noccedilatildeo de Estado em Rede proposto por Manuel Castells32
Em um mesmo
espaccedilo territorial a autoridade passa a ser partilhada ao longo de uma rede de instituiccedilotildees O
30
Os 47 paiacuteses que fazem parte do Conselho da Europa satildeo Beacutelgica Dinamarca Franccedila Irlanda Itaacutelia
Luxemburgo Paiacuteses Baixos Noruega Sueacutecia Reino Unido Greacutecia Turquia Islacircndia Alemanha Ocidental
Aacuteustria Chipre Suiacuteccedila Malta Portugal Espanha Liechtenstein Satildeo Marino Finlacircndia Hungria Polocircnia
Bulgaacuteria Estocircnia Lituacircnia Eslovecircnia Repuacuteblica Checa Eslovaacutequia Romecircnia Andorra Letocircnia Albacircnia
Moldaacutevia Macedocircnia Ucracircnia Ruacutessia Croaacutecia Geoacutergia Armecircnia Azerbaijatildeo Boacutesnia e Herzegovina Seacutervia
Mocircnaco Montenegro Disponiacutevel em
httpwwwcoeintptAboutCoemediainterfacepublicationscoe_dh_ptpdf Acesso 08 out 2014 31
O terceiro paraacutegrafo do preacircmbulo da CEDH dispotildee que ldquoConsiderando que a finalidade do Conselho da
Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre os seus Membros e que um dos meios de alcanccedilar essa finalidade
eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento dos direitos do homem e das liberdades fundamentais ()rdquo CONVENCcedilAtildeO
EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS
1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso em 08 out 2014 32
CASTELLS Manuel A era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura A sociedade em rede Vol 1 5
ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999b
22
Estado-naccedilatildeo claacutessico relaciona-se com instituiccedilotildees supranacionais e a rede formada possui
noacutes diversos e natildeo um centro uacutenico sendo que esses noacutes podem apresentar tamanhos distintos
e estar ligados por relaccedilotildees assimeacutetricas
Essas redes e seus noacutes portanto representam formas de poder paralelas e
complementares que satildeo autocircnomas uma em relaccedilatildeo agraves outras O espaccedilo europeu marcado
por um jaacute consolidado direito comunitaacuterio e por uma estrutura supranacional sui generis
tornou-se um verdadeiro campo de concorrecircncia convergecircncia justaposiccedilatildeo e conflito de
vaacuterias constituiccedilotildees e poderes constituintes em um mesmo espaccedilo poliacutetico levando a uma
pluralidade de ordenamentos e de normatividades
A supranacionalidade desenvolvida assemelha-se desta forma a um Estado em Rede
em funccedilatildeo de um novo paradigma de governanccedila estabelecido em diferentes niacuteveis com
diferentes noacutes de diferentes dimensotildees e com relaccedilotildees internacionais assimeacutetricas O Estado-
Naccedilatildeo claacutessico se articula cotidianamente na tomada de decisotildees com instituiccedilotildees
supranacionais de diferentes tipos e em acircmbitos distintos33
Em uma mesma organizaccedilatildeo
complexa temos entatildeo as caracteriacutesticas da descentralizaccedilatildeo e da coordenaccedilatildeo sobretudo no
aspecto normativo sendo que a crise do Estado-naccedilatildeo o desenvolvimento das instituiccedilotildees
supranacionais e a transferecircncia das atribuiccedilotildees e iniciativas aos acircmbitos regionais e locais satildeo
caracteriacutesticas que funcionam como base para o desenvolvimento do Estado em Rede
Nesse acircmbito ainda eacute possiacutevel acrescentar a definiccedilatildeo de Marcelo Varella34
de que a
Uniatildeo Europeia caracteriza-se por ser uma instituiccedilatildeo sui generis natildeo soacute pelo seu modo de
constituiccedilatildeo como por seus efeitos no campo juriacutedico-normativo Desta maneira o bloco
europeu dos vinte e oito inserido no contexto de um sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos
humanos (ldquopequena Europardquo inserida na ldquogrande Europardquo) marca a caracteriacutestica de uma
superaccedilatildeo da tiacutepica forma de visatildeo linear e hieraacuterquica do direito tradicional em favor da
construccedilatildeo de um direito em camadas ou em diferentes niacuteveis ou ainda em redes
Essa concepccedilatildeo de Castells utilizada aqui para ilustrar as relaccedilotildees na Uniatildeo Europeia
comunica-se com a noccedilatildeo de Mireille Delmas-Marty35
de um pluralismo que deve ser
ordenado Na Europa como um todo em acircmbito juriacutedico a coexistecircncia de normas das mais
diversas fontes e de tribunais nas mais diferentes escalas faz emergir uma noccedilatildeo de caos
33
Id 1999a p164 34
VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade
de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014 p145 35
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006
23
juriacutedico que precisa ser ordenado Em razatildeo disso pertinente a busca por um direito comum
com ecircnfase em um direito comum em mateacuteria de direitos humanos
Interessante notar que esse cenaacuterio criado intensifica-se com o processo de
mundializaccedilatildeo36
e sob essa oacutetica embora os direitos humanos tenham se tornado oponiacuteveis aos
Estados perfazendo princiacutepios de direito incluiacutedos nas Constituiccedilotildees Estatais no
entendimento dos tribunais supranacionais e em instrumentos normativos internacionais os
corolaacuterios do processo de mundializaccedilatildeo satildeo os direitos econocircmicos que predominam nas
preocupaccedilotildees do jaacute consolidado direito comunitaacuterio europeu
Enquanto os direitos humanos foram concebidos sob o prisma de uma universalidade e
com a finalidade de proteger o ldquoirredutiacutevel humanordquo37
os direitos econocircmicos satildeo os motores
da mundializaccedilatildeo sendo que isso somado agrave desestabilizaccedilatildeo do tempo e agrave desestatizaccedilatildeo do
Estado gera no processo de mundializaccedilatildeo uma aparente desordem normativa com a
proliferaccedilatildeo de normas de modo anaacuterquico38
Em funccedilatildeo disso eacute viaacutevel dizer que o continente europeu serve de base e eacute capaz de
traduzir importantes eventos para explicar fenocircmenos que hoje satildeo salientes na esfera juriacutedica
Mireille Delmas-Marty39
sugere que vivemos sob a eacutegide de espaccedilos ldquodesestatizadosrdquo tempos
ldquodesestabilizadosrdquo e uma ordem ldquodeslegalizadardquo No sentido atual da paisagem juriacutedica
afirmar que o Estado eacute a uacutenica fonte de Direito eacute assumir uma atitude de exclusatildeo de todos os
demais espaccedilos normativos
Como eacute possiacutevel observar na Europa convivem em um mesmo espaccedilo normas
provenientes de fontes estatais claacutessicas normas advindas de instituiccedilotildees supranacionais e
regras provenientes de entes internacionais na formaccedilatildeo de um verdadeiro mosaico juriacutedico
O monopoacutelio do Estado como produtor do direito deixa de ser imperativo frente agrave
internacionalizaccedilatildeo crescente das fontes juriacutedicas De modo concomitante e corroborando
36
Na obra ldquoTrecircs Desafios para um Direito Mundialrdquo Mirelle Delmas-Marty observa as particularidades dos
termos globalizaccedilatildeo mundializaccedilatildeo e universalidade quais sejam ldquoA mundializaccedilatildeo remete agrave difusatildeo espacial
de um produto de uma teacutecnica ou de uma ideia A universalidade implica um compartilhar de sentidosrdquo Em
outra passagem disserta ldquoDifusatildeo espacial de um lado compartilhar os sentidos de outra estas duas foacutermulas
descrevem muito bem a diferenccedila que separam os dois fenocircmenos que eu denominarei globalizaccedilatildeo para a
economia e universalizaccedilatildeo para os direitos do homem guardando assim o termo mundializaccedilatildeo uma
neutralidade que ele jamais perderaacute caso natildeo se resigne rapidamente ao primado da economia sobre os Direitos
do Homemrdquo DELMAS-MARTY Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr
Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b p 08-09 37
Ibid p48 38
FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos
teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013 39
DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47
24
com a teoria do Estado em Rede de Castells eacute possiacutevel observar um processo de
descentralizaccedilatildeo espacial com o deslocamento de fontes do centro para periferias40
Da mesma forma os tempos estatildeo desestabilizados Segundo Delmas41
em comparaccedilatildeo
aos votos claacutessicos de perpetuidade da lei eacute possiacutevel hoje encontrar fontes temporaacuterias e
evolutivas do direito O espaccedilo europeu se constitui como uma aacuterea privilegiada dessas fontes
evolutivas42
Sob o aspecto da ldquopequena Europardquo as regras de direito comunitaacuterio impotildeem um
resultado que deve ser atingido o que pela falta de meios juriacutedicos incentiva os Estados a
adaptar seus textos a dados econocircmicos
Isso tudo faz emergir a noccedilatildeo de assincronia43
do direito ou seja diferentes
velocidades em diferentes espaccedilos Nesse sentido haacute no espaccedilo europeu uma diferenccedila de
velocidade dos processos de integraccedilatildeo das normas internacionais (ou supranacionais) de
direito do comeacutercio em comparaccedilatildeo com as normas ambientais ou relativas aos direitos
humanos O proacuteprio processo evolutivo de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais
sob o panorama da ldquopequena Europardquo demonstra desde os primoacuterdios da criaccedilatildeo da
Comunidade Europeia uma ausecircncia de sincronia em relaccedilatildeo agraves duas esferas do direito A
evoluccedilatildeo dos direitos humanos eacute lenta quando comparada com a celeridade da integraccedilatildeo das
normas de direito comercial e econocircmico em um mundo de economia globalizada
Pode-se entatildeo afirmar que natildeo soacute na Europa como tambeacutem na sociedade
internacional o tempo das relaccedilotildees comerciais e por conseguinte o tempo da integraccedilatildeo do
direito do comeacutercio eacute o tempo do software da fluidez da velocidade da luz Enquanto isso o
tempo das relaccedilotildees humanas da eacutetica da solidariedade e da integraccedilatildeo do direito dos direitos
humanos segue o tempo do hardware do denso do apego ao territoacuterio e agraves localidades44
Por fim estaacute-se tambeacutem frente a uma ordem ldquodeslegalizadardquo uma vez que dentre os
reflexos das vicissitudes na seara juriacutedica eacute possiacutevel destacar um ruptura com a noccedilatildeo de
40
Tal fenocircmeno eacute descrito por Mireille Delmas-Marty como ldquodescentralizaccedilatildeordquo Esta envolve o deslocamento de
fontes do centro do Estado para coletividades territoriais Todavia tal fenocircmeno natildeo se confunde com uma mera
desconcentraccedilatildeo de poderes que eacute destinada a conferir maior eficaacutecia agraves estruturas centrais do Estado A
descentralizaccedilatildeo conforme refere a autora confia ao representante local da coletividade territorial certos poderes
de decisatildeo fazendo transparecer uma autonomia local para impor certas regras juriacutedicas Como exemplo
podem-se destacar as comissotildees locais de eacutetica como ocorre em uma deontologia profissional como a Ordem
dos Advogados As regras disciplinares desta profissatildeo guardam um caraacuteter misto sendo de natureza local e
nacional privada e puacuteblica Ibid 2004ap55 41
Ibid 2004ap47 42
Segundo Delmas falar de fontes evolutivas significa renunciar ao passado do costume e ao futuro das leis para
situar as fontes de direito no presente por natureza instaacutevel Ibid 2004ap65 43
Id 2006 p 114 44
SALDANHA Jacircnia Marial Lopes BRUM Maacutercio Morais MELLO Rafaela da Cruz A Assincronia do
Direito e o Caso Araguaia Uma anaacutelise da Decisatildeo do Supremo Tribunal Federal Brasileiro na ADPF 153 e do
Julgamento do Caso Gomes Lund e Outros vs Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos In Andreacute
Karam Trindade Angela Araujo da Silveira Espindola (Org) Direitos Fundamentais e Espaccedilo Puacuteblico 1ed
Passo Fundo - RS Editora IMED 2011 v 2 p 37-61
25
identidade entre direito e lei45
O processo de internacionalizaccedilatildeo deixa comum aos sistemas
de commun law e de civil law o papel do juiz na geraccedilatildeo do direito ou seja na interaccedilatildeo entre
texto normativo e sua interpretaccedilatildeo de modo que a jurisprudecircncia e o diaacutelogo entre os
diferentes tribunais serve para ambos os sistemas como um importante balizador para
consolidaccedilatildeo de entendimentos e de princiacutepios
Diante desse cenaacuterio juriacutedico global proveniente do processo de internacionalizaccedilatildeo -
e especiacutefico no caso da Europa ndash de desestatizaccedilatildeo de ruptura com paradigmas e com a loacutegica
binaacuteria de interpretar o direito eacute possiacutevel concordar com a premissa de Mireille Delmas-
Marty46
de que a paisagem juriacutedica apresenta um panorama de proliferaccedilatildeo constante de
normas e de entendimentos jurisprudenciais que em um primeiro momento podem levar a
uma noccedilatildeo de desordem e anarquia
Conveacutem perceber que a nova paisagem juriacutedica para a qual a Europa eacute um verdadeiro
laboratoacuterio47
eacute composta por formas mais complexas como piracircmides inacabadas
descontiacutenuas compostas por aneacuteis normativos como uma guirlanda no entanto natildeo
especificamente se liga agrave anarquia Pelo contraacuterio a retirada de marcos e o deslocamento de
linhas natildeo significa desordem e essa aparecircncia de caos favorece ao pluralismo
Por isso Delmas-Marty48
atesta que a internacionalizaccedilatildeo do direito apresenta um
grande paradoxo ordenar o plural Embora estejamos semanticamente diante de vernaacuteculos
opostos visto que a proposta eacute colocar em ordem aquilo que naturalmente eacute muacuteltiplo e plural
sem reduzir sua identidade a primeira consideraccedilatildeo que deve ser feita eacute a de que o tiacutepico
modelo kelseniano de loacutegica juriacutedica natildeo mais se aplica ao cenaacuterio em que o Direito se insere
atualmente em razatildeo da multiplicidade e do dinamismo existente no processo de
mundializaccedilatildeo
Para ir da desordem agrave ordem eacute necessaacuterio fortalecer as correlaccedilotildees da formaccedilatildeo
juriacutedica trazendo estabilidade agrave presenccedila de divergecircncias atraveacutes de uma aproximaccedilatildeo entre
ordens juriacutedicas por meio de um jogo de referecircncias cruzadas com o intuito de ordenar a
multiplicidade Essa aproximaccedilatildeo poreacutem natildeo pode ser concebida senatildeo em relaccedilatildeo a uma
referecircncia comum e neste campo a utilidade dos instrumentos protetivos de direitos humanos
traz a coerecircncia de conjunto capaz de indicar uma direccedilatildeo a seguir um norte para a criaccedilatildeo de
um direito comum cujo pluralismo eacute ordenado
45 DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47 46
Id 2006 47
VARELLA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do direito Direito Internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Livre Docecircncia em Direito Internacional Faculdade de
Direito da Universidade de Satildeo Paulo (USP) Satildeo Paulo 2012 Acesso 14 out 2014 48
Ibid 2006 p 10
26
Obviamente o direito comum almejado eacute pluralista tendo a razatildeo como instrumento
de justificaccedilatildeo e de diaacutelogo O pluralismo eacute justificado pelo intuito de harmonizar e conjugar
as particularidades religiosas poliacuteticas culturais de cada Estado ou comunidade evitando a
sobreposiccedilatildeo de uma ordem sobre outra ou a assimilaccedilatildeo e exclusatildeo Em razatildeo disso o
direito comum pluralista pretende construir um ldquoDireito dos Direitosrdquo a partir do ideal de
universalizaccedilatildeo dos direitos humanos sendo que a finalidade eacute a de aproximar ou harmonizar
ndash e natildeo unificar - os diferentes sistemas juriacutedicos sob a perspectiva de respeito ao ldquoirredutiacutevel
humanordquo49
Impossiacutevel a criaccedilatildeo de normas e regras comuns a todos os povos justamente pelo
fato de que sempre algumas normas advindas de culturas especiacuteficas se sobressairatildeo sobre
outras na criaccedilatildeo de uma hegemonia negativa O direito comum portanto inserido na oacutetica
de um direito mundial pluralista eacute aquele acessiacutevel a todos e comum aos diversos Estados
sem que haja o abandono de identidades Justamente em funccedilatildeo disso o alicerce para a sua
criaccedilatildeo eacute a aproximaccedilatildeo dos sistemas juriacutedicos tendo por base os direitos humanos que
carregam a caracteriacutestica da universalidade a qual adveacutem do compartilhamento de sentidos e
do enriquecimento pela troca
Neste sentido em que consistem esses direitos humanos que satildeo os alicerces para a
criaccedilatildeo de um direito comum Eacute possiacutevel afirmar que a mera previsatildeo constitucional ou em
tratados de direitos jaacute asseguram a sua proteccedilatildeo Como lidar com questotildees concernentes agraves
pretensotildees universalistas e as particularidades do relativismo cultural nas diferentes
sociedades europeias
Narciso Baez50
traz reflexotildees importantes acerca desse tema Segundo ele em meados
do seacuteculo XVII pensou-se que a positivaccedilatildeo dos direitos humanos seria instrumento suficiente
para garantir o seu respeito Essa noccedilatildeo adentrou a contemporaneidade com a filosofia de
Hans Kelsen de que as normas positivadas e inseridas nos ordenamentos juriacutedicos eram
obrigatoacuterias por serem legitimadas por uma norma juriacutedica superior que tinha um fim em si
mesma
Obviamente o seacuteculo XX mostrou que a mera inserccedilatildeo legal da dignidade da pessoa
humana ndash que eacute o elemento cerne dos direitos humanos ndash em um sistema positivo de direito e
dissociada de valores morais natildeo seria suficiente para evitar eventuais violaccedilotildees desses
49
Ibid 2006 p 54 50
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos
humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da
UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em
httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014
27
direitos Sob esse panorama e seguindo a corrente eacutetica51
de fundamentaccedilatildeo dos direitos
humanos pode-se afirmar que estes satildeo direitos de fora da ordem positiva que tecircm em seu
bojo componentes morais sociais poliacuteticos e ateacute econocircmicos que salvaguardam condiccedilotildees
miacutenimas para a garantia da dignidade da pessoa humana Em sua dimensatildeo baacutesica portanto
satildeo direitos inatos pautados em valores morais e conferidos aos indiviacuteduos pelo simples fato
de estes serem humanos
Logo para a construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos exige-
se o fortalecimento desses em suas dimensotildees baacutesicas Eacute neste sentido que Delmas52
se refere
ao miacutenimo eacutetico universal e ao irredutiacutevel humano ou seja elementos que todos os indiviacuteduos
apresentam em comum mesmo em diferentes culturas
As duas estruturas baacutesicas dos direitos humanos satildeo portanto os valores morais e a
dignidade humana53
Em relaccedilatildeo aos primeiros infere-se que a origem dos direitos humanos
natildeo eacute legal vez que estes satildeo reconhecidos aos indiviacuteduos pelo simples fato de serem
humanos O ordenamento juriacutedico tem a mera funccedilatildeo de reconhecer tais direitos e transformaacute-
los em normas a fim de obter efetividade Jaacute a dignidade humana eacute o bem maior dentro dos
direitos humanos constituindo uma qualidade universal intriacutenseca irrenunciaacutevel e
inalienaacutevel inerente a todos os seres humanos e que se encontra acima das especificidades
culturais
Neste vieacutes a universalidade de tais direitos que eacute requisito indispensaacutevel para a
criaccedilatildeo de um direito comum natildeo eacute marcada pela criaccedilatildeo de instrumentos internacionais
positivos de proteccedilatildeo dos direitos humanos Isso porque embora tenha se conseguido a
universalizaccedilatildeo da adesatildeo dos Estados como eacute o caso da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos da ONU de 1948 ou mesmo da CEDH do sistema regional europeu ainda haacute
resistecircncias agrave aceitaccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo em algumas culturas que alegam a necessidade de
relativizaccedilatildeo desses direitos para adequaccedilatildeo agraves realidades nacionais54
Logo para a construccedilatildeo de uma verdadeira universalidade eacute necessaacuterio interpretar os
direitos humanos sob uma oacutetica interdisciplinar Finnis55
nesse aspecto afirma que os direitos
humanos constituem uma categoria que busca consagrar a dignidade humana sendo esta um
atributo de todas as pessoas independentemente de crenccedila ou cultura Nesse aspecto
51
Id 2007 p 13-35 52
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b 53
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Direitos humanos na globalizaccedilatildeo In BAEZ Narciso
Leandro Xavier BARRETO Vicente (Org) Direitos humanos em evoluccedilatildeo Joaccedilaba Ed Unoesc 2007 p
13-35 54
Id 2009 p77-99 55
FINNIS John Ley natural e derechos naturales Buenos Aires AbeledoPerrot 2000
28
vislumbra-se necessaacuterio a fim de identificar quais satildeo os valores baacutesicos e inderrogaacuteveis a
todos os humanos a construccedilatildeo de valores universais atraveacutes do diaacutelogo e do cruzamento de
diferentes culturas com diferentes valores Isso facilita a construccedilatildeo de uma cultura
cosmopolita baseada em uma identificaccedilatildeo em que prevaleccedila a dignidade da pessoa humana
acima dos relativismos
As diversidades culturais satildeo provenientes de elementos externos56
da diferenccedila de
ambientes naturais mas mesmo assim todas as pessoas ainda que inseridas em
especificidades culturais distintas ainda manteacutem atributos comuns Eacute por essa loacutegica que
permanece atual a premissa de Kant de que no atual estaacutegio da humanidade os povos
atingiram um grau de desenvolvimento que os permitem fazer parte de uma comunidade
cosmopolita57
Por isso a violaccedilatildeo de um direito humano em um ponto do planeta repercute e
pode ser sentida em todos os outros
Pertinente ainda lembrar que a universalizaccedilatildeo natildeo significa a imposiccedilatildeo ou a
uniformizaccedilatildeo de uma cultura sobre as outras Pelo contraacuterio deve-se buscar uma raiz
comum qual seja um conjunto de valores miacutenimos universais capazes de dialogar com
diferentes culturas garantindo o respeito e a preservaccedilatildeo da vida humana em qualquer lugar
Ainda sob essa oacutetica eacute possiacutevel afirmar que a noccedilatildeo de direito comum de Delmas
aproxima-se do ideal de direito cosmopoliacutetico em Kant58
Ao perceber o aumento da
participaccedilatildeo dos povos na Terra Kant vislumbra a ideia de uma comunidade mundial
alicerccedilada sob as bases de um direito cosmopoliacutetico a fim de garantir a paz perpeacutetua Diante
da dicotomia entre praacuteticas culturais e direitos humanos a base do cosmopolitismo kantiano eacute
a busca de criteacuterios loacutegico-racionais que sejam comuns a todas as culturas
Nesse espectro surgem entatildeo os direitos humanos como nuacutecleo moral-juriacutedico do
direito cosmopoliacutetico vez que a moralidade miacutenima universal se baseia em trecircs pilares a)
humanidade comum b) ameaccedilas compartilhadas e c) obrigaccedilotildees miacutenimas Logo a
fundamentaccedilatildeo moral eacute a base dos direitos humanos uma vez que nela encontram-se as
exigecircncias imprescindiacuteveis para a vida de um indiviacuteduo Apesar das diferenccedilas sociais e
culturais entre os seres humanos algumas necessidades e capacidades satildeo comuns a todos59
56
PAREKH Bhikhu Pluralist universalism and human rights In SMITH Rhona K M ANKER Cristien van
den The essentials of human rights London Oxford University Press 2005 57
KANT Immanuel Para a paz perpeacutetua Traduccedilatildeo Baacuterbara Kristen - Rianxo Instituto Galego de Estudos de
Seguranccedila Internacional e da Paz 2006 58
Ibid 2006 p 107-108 59
BARRETO Vicente de Paulo Direito Cosmopoliacutetico e Direitos Humanos In Espaccedilo Juriacutedico Journal of
Law N 2 Vol 11 2010 Disponiacutevel em
httpeditoraunoescedubrindexphpespacojuridicoarticleview19491017 Acesso 30 out 2014
29
Assim como a concepccedilatildeo de direitos humanos natildeo pode mais ser concebida como o
era na eacutepoca de Kelsen o panorama em que o Direito de um modo geral se insere hoje
tambeacutem natildeo pode mais ser concebido conforme a loacutegica claacutessica kelseniana em que a
constituiccedilatildeo estatal encontra-se no topo de uma estrutura piramidal sendo hierarquicamente
seguida pela legislaccedilatildeo infraconstitucional Os rearranjos da mundializaccedilatildeo e a consequente
internacionalizaccedilatildeo do Direito fazem com que novas estruturas permeiem o atual cenaacuterio
juriacutedico mundial
Seja uma concepccedilatildeo de trapeacutezio cujos veacutertices superiores satildeo ocupados em igual
niacutevel pelas constituiccedilotildees estatais e pelos tratados ou convenccedilotildees internacionais protetivos dos
direitos humanos como eacute a visatildeo de Canotilho seguida por Flaacutevia Piovensan60
seja uma
visatildeo de nuvens fluidas e descontiacutenuas com um direito de sistemas interativos complexos
marcados por geometria de piracircmides inacabadas e aneacuteis normativos como guirlandas
defendida por Delmas-Marty61
demonstram que a internacionalizaccedilatildeo traz tentativas de
recomposiccedilatildeo de um pluralismo que deveraacute ser suficientemente ordenado
Em razatildeo disso razoaacutevel frente agrave mudanccedila paradigmaacutetica trazida pela mundializaccedilatildeo
pensar em um conjunto ordenado para a desordem uma vez que a aparente anarquia que
existe favorece ao pluralismo Para se chegar a um direito comum pluralista tendo por base os
direitos humanos deve-se buscar a harmonizaccedilatildeo entre estes e os direitos econocircmicos com
respeito agraves particularidades religiosas e culturais e com a superaccedilatildeo dos perigos de uma
uniformizaccedilatildeo hegemocircnica tendente agrave globalizaccedilatildeo econocircmica
Nesse novo paradigma o ideaacuterio de ordem ldquodeslegalizadardquo anteriormente referido
toma corpo uma vez que a sobrevalorizaccedilatildeo da lei e das grandes codificaccedilotildees perde espaccedilo
havendo em contrapartida a crescente incorporaccedilatildeo dos precedentes (certa ruptura de
fronteiras entre common law e civil law) e dos princiacutepios como espeacutecie de coacutedigo cultural do
processo de interpretaccedilatildeo e criaccedilatildeo do direito62
A internacionalizaccedilatildeo do Direito reflete portanto uma nova realidade de um Direito
de sistemas complexos fluidos descontiacutenuos e interativos os quais levam agrave mutaccedilatildeo da
proacutepria concepccedilatildeo tradicional de ordem juriacutedica que natildeo eacute mais fechada dentro de si mesma e
sim sofre influecircncia de outras A tradicional piracircmide kelseniana eacute desconstruiacuteda
60
PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e diaacutelogo entre jurisdiccedilotildees In Revista Brasileira de Direito
Constitucional ndash RBCD n19 ndash janjul 2012 61
DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio
de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b 62
FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos
teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013
30
gradativamente dando lugar a novas geometrias cuja hierarquia natildeo eacute tatildeo riacutegida mas nem por
isso deixa de ser complexa
No topo encontram-se as constituiccedilotildees juntamente com elementos do Direito
Internacional (jus cogens tratados relativos o direito internacional dos direitos humanos) e do
direito comunitaacuterio europeu No corpo do que seria a antiga piracircmide kelseniana encontra-se
o crescimento e a consolidaccedilatildeo de um direito jurisprudencial atraveacutes de um jogo de
referecircncias reciacuteprocas em que um sistema observa o outro mas natildeo haacute um centro ao lado das
normas produzidas no legislativo (a intensa produccedilatildeo jurisprudencial para os hard cases
culmina em adiccedilatildeo de conteuacutedos advindos de ldquooutros direitosrdquo) e a base passa a ser composta
por decretos e regulamentos que resultam de administraccedilotildees policecircntricas corroborando para
a crenccedila de que o processo de internacionalizaccedilatildeo do direito vem acompanhado de
descentralizaccedilatildeo e privatizaccedilatildeo de fontes do Direito63
Diante deste quadro Delmas64
apresenta trecircs espeacutecies de processo de interaccedilatildeo para
se chegar a um direito comum coordenaccedilatildeo por entrecruzamento harmonizaccedilatildeo e unificaccedilatildeo
Destaca-se antes de discorrer brevemente sobre esses processos que o direito comum natildeo
tem a pretensatildeo de unificar o Direito no texto pois isso seria uma tarefa praticamente utoacutepica
A ideia de Delmas objetiva na realidade a exploraccedilatildeo da pluralidade como potencial poder
de integraccedilatildeo vez que as redes dinacircmicas e as estruturas vetorizadas pelos direitos humanos
presentes nas novas geometrias da ordem mundial se pautam no reconhecimento do outro em
uma espeacutecie de alteridade65
A coordenaccedilatildeo por entrecruzamento caracteriza-se por ser um processo horizontal em
que a autoridade das decisotildees seraacute reforccedilada pelo jogo de referecircncias cruzadas de uma
jurisdiccedilatildeo agrave outra Essa eacute uma fase transitoacuteria na construccedilatildeo de uma verdadeira ordem juriacutedica
mundial em que a internormatividade e a interpretaccedilatildeo cruzada permitem a formaccedilatildeo de no
miacutenimo uma comunidade de juiacutezes Em funccedilatildeo disso em acircmbito global percebem-se traccedilos
da coordenaccedilatildeo por entrecruzamento nos diaacutelogos entre cortes e tribunais nas mais diferentes
ordens No espaccedilo europeu a coordenaccedilatildeo eacute percebida da mesma forma atraveacutes dos diaacutelogos
entre as cortes nacionais e os tribunais da ldquopequena Europardquo e da ldquogrande Europardquo
respectivamente Tribunal de Luxemburgo e de Estrasburgo
Interessante notar conforme jaacute foi demonstrado que foram os diaacutelogos entre as cortes
nacionais dos diversos Estados membros da entatildeo Comunidade Europeia e posterior Uniatildeo
63
Ibid 2013 p20 64
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006 65
LOPES Carla Patriacutecia Frade Nogueira Internacionalizaccedilatildeo do Direito e pluralismo juriacutedico limites de
cooperaccedilatildeo no diaacutelogo de juiacutezes In Revista de Direito Internacional da Uniceub Vol 9 n4 2012
31
Europeia que auxiliaram no processo de consolidaccedilatildeo do entendimento de primazia das
normas comunitaacuterias ao lado da proteccedilatildeo integral aos direitos fundamentais previstos nas
constituiccedilotildees estatais Isso culminou conforme se asseverou anteriormente na disposiccedilatildeo do
Tratado de Lisboa de que a Uniatildeo Europeia natildeo soacute se submete agraves tradiccedilotildees e regras
constitucionais em mateacuteria de direitos fundamentais como adere agrave Convenccedilatildeo Europeia dos
Direitos do Homem
Se o primeiro processo de interaccedilatildeo eacute a coordenaccedilatildeo far-se-aacute de imediato a anaacutelise do
uacuteltimo processo a unificaccedilatildeo visto que o eacute no processo intermediaacuterio ndash a harmonizaccedilatildeo ndash que
se desenvolve o foco do presente estudo A unificaccedilatildeo seria do ponto de vista formal o
processo perfeito por unir ordens juriacutedicas regionais sob um mesmo modelo hieraacuterquico e
coerente das ordens nacionais tradicionais Entretanto sob o enfoque empiacuterico essa perfeiccedilatildeo
estaacute longe de ser garantida vez que a unificaccedilatildeo consiste na transferecircncia pura e simples do
regramento juriacutedico de um paiacutes para outro em uma espeacutecie de verticalizaccedilatildeo ordenada que
pode gerar a dominaccedilatildeo hegemocircnica de uma ordem sobre outra sem portanto respeito agrave
pluralidade
O processo intermediaacuterio de harmonizaccedilatildeo por sua vez tende a aproximar os sistemas
com um propoacutesito coordenativo poreacutem sem a intenccedilatildeo unificadora Tal processo limita-se a
uma integraccedilatildeo imperfeita cuja chave eacute a preservaccedilatildeo das margens nacionais de apreciaccedilatildeo
De modo diferente da coordenaccedilatildeo que eacute marcada pela horizontalidade da comunicaccedilatildeo entre
conjuntos juriacutedicos a harmonizaccedilatildeo instaura uma relaccedilatildeo do tipo vertical que implica o
reconhecimento de algumas hierarquias entre por exemplo direito internacional e nacional
direito supranacional e nacional dentre outras formas Todavia a inversatildeo destas hierarquias
e o reconhecimento muacutetuo fazem parte do movimento de harmonizaccedilatildeo
As margens nacionais de apreciaccedilatildeo satildeo as grandes novidades desse processo de
harmonizaccedilatildeo vez que elas funcionam em uma dinacircmica centriacutefuga e envolvem tanto a
obrigaccedilatildeo de conformidade em relaccedilatildeo agraves normas internacionais das quais determinado paiacutes eacute
signataacuterio quanto agrave apreciaccedilatildeo soberana dos Estados sendo delineada por princiacutepios
comuns66
A resistecircncia dos direitos internos e os avanccedilos do processo de harmonizaccedilatildeo satildeo
portanto as condiccedilotildees de possibilidade para a aplicaccedilatildeo da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
(MNA)
66
SALDANHA Jacircnia Maria Lopes MELLO Rafaela da Cruz Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e
Diaacutelogos Transjurisdicionais uma anaacutelise da postura do Supremo Tribunal Federal Brasileiro In Conselho
Nacional de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito - CONPEDI (Org) Direito Internacional dos Direitos
Humanos I XXIII EdFlorianoacutepolis CONPEDI 2014 v I p 368-394
32
Deste modo imperioso reconhecer que em um continente plural como eacute o europeu
com diversos paiacuteses com aspectos linguiacutesticos culturais religiosos e poliacuteticos a figura da
MNA apresenta-se como uma importante chave para o desenvolvimento e consolidaccedilatildeo de
um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos sendo uma ferramenta relevante
para o estabelecimento de um pluralismo ordenado uma vez que as pluralidades e
peculiaridades culturais e religiosas de cada Estado satildeo respeitadas
Neste sentido portanto a Europa pode ser vista novamente como um laboratoacuterio de
experiecircncias e o surgimento da MNA possui hoje um importante papel sobretudo dentro do
continente europeu Utilizada tanto pelos Tribunais de Luxemburgo e Estrasburgo a MNA
surgiu pela primeira vez na jurisprudecircncia do TEDH
Embora existam relatos do uso da MNA pelo Tribunal de Luxemburgo para permitir
que os conceitos comunitaacuterios sejam interpretados de modo flexiacutevel segundo as
especificidades nacionais e servindo como uma importante vaacutelvula de escape para as tensotildees
nacionais mais fortes neste trabalho far-se-aacute a limitaccedilatildeo da utilizaccedilatildeo da MNA pelo Tribunal
Europeu de Direitos do Homem com o intuito de analisar quais satildeo os entraves e as
possibilidades do uso de tal ferramenta pra a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de um direito comum
para a ldquogrande Europardquo tendo como base os direitos humanos
33
2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU
A noccedilatildeo de margem encontra-se no coraccedilatildeo dos sistemas de Direito uma vez que o
direito interno jaacute prevecirc a possibilidade de uma margem de interpretaccedilatildeo aos juiacutezes em relaccedilatildeo
agraves demandas que lhes satildeo apresentadas Todavia a internacionalizaccedilatildeo impulsiona ao
acreacutescimo do termo ldquonacionalrdquo a essa margem no sentido de permitir o reconhecimento da
diversidade dos sistemas juriacutedicos e a possibilidade de um direito comum
Nesse sentido no presente capiacutetulo far-se-aacute uma abordagem acerca da histoacuteria dessa
ferramenta criada pelo TEDH bem como o conceito e as criacuteticas trazidas por estudiosos da
doutrina da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) (21) Por conseguinte atraveacutes de uma
anaacutelise jurisprudencial se tentaraacute comprovar que a margem a despeito de opiniotildees contraacuterias
acerca da ausecircncia de paracircmetros para sua aplicaccedilatildeo pelo TEDH constitui-se como um
instrumento relevante para a construccedilatildeo de um direito comum europeu tendo como base
luminosa os direitos humanos (22)
21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem
Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu
Consoante fora anteriormente aludido a noccedilatildeo de margem encontra-se dentro dos
sistemas de direito Por isso em um primeiro momento aponta-se a margem dentro do direito
interno como ferramenta capaz de auxiliar o juiz enquanto receptor da norma a interpretar
determinado caso concreto em uma espeacutecie de coacutedigo cultural que determina o senso da
norma67
Nesse sentido a origem dessa margem de interpretaccedilatildeo adveacutem do direito
administrativo de diversos Estados europeus Na Franccedila a margem eacute conhecida como ldquomarge
67
DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation
du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit
compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780
34
drsquoappreacutecciationrdquo na Alemanha eacute vista como ldquoErmessensspielraumrdquo e na Itaacutelia ldquomarge de
discrizionalitaacuterdquo68
Em acircmbito interno portanto caracteriza-se por ser uma deferecircncia que
combina aspectos processuais e hermenecircuticos no sentido de conferir uma reserva de
apreciaccedilatildeo ao administrador para decidir acerca da conveniecircncia e oportunidade em relaccedilatildeo
aos atos administrativos
O processo de internacionalizaccedilatildeo estaacutegio supremo da globalizaccedilatildeo69
no acircmbito do
Direito se desenvolve a ponto de transformar o campo de uma disciplina de modo que
consoante jaacute fora exaustivamente exposto a seara juriacutedica natildeo se limita mais agrave relaccedilatildeo entre
Estados nem somente se combina com os direitos internos Logo o pluralismo pode ser visto
como uma palavra de ordem na paisagem juriacutedica atual e por isso a noccedilatildeo de margem ganha
o adjetivo ldquonacionalrdquo e passa a ser um elemento de tentativa de aproximaccedilatildeo com a finalidade
de atingir um direito comum com bases humanistas
Logo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) teria a finalidade de proceder a uma
espeacutecie de siacutentese entre os anseios de unidade juriacutedica e o desejo de separaccedilatildeo proveniente de
uma autonomia estatal A margem portanto sob o vieacutes da internacionalizaccedilatildeo corresponderia
ao caminho do meio entre o pressuposto de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o
relativismo ou os particularismos culturais de cada Estado
No contexto europeu em que tanto sob o vieacutes comunitaacuterio quanto sob a perspectiva do
sistema regional os Estados apresentam pluralidades significativas em relaccedilatildeo agrave religiatildeo agrave
cultura agrave poliacutetica dentre outros campos a figura da MNA serve como um importante
instrumento para aproximar o universal e o relativo70
Dessa maneira teria a funccedilatildeo de no
processo de construccedilatildeo de um direito comum apresentar como horizonte a universalidade dos
direitos humanos mas sem perder de foco os relativismos culturais que formam a identidade
das mais diferentes sociedades
Niacutetido portanto que o caminho para a construccedilatildeo de um ldquocomumrdquo em mateacuteria de
direitos humanos relaciona-se natildeo soacute com a proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua esfera eacutetica
e miacutenima como tambeacutem com a preservaccedilatildeo da pluralidade Como instrumento do processo de
harmonizaccedilatildeo a margem carrega em seu acircmago a noccedilatildeo de convergecircncia em torno de
princiacutepios comuns mas garantindo o respeito a uma espeacutecie de direito agrave divergecircncia uma vez
68
ITZCOVITCH Giulio One None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations The Lautsi Case
In Human Rights Law Review Oxford Journals 2013 Disponiacutevel em
httphrlroxfordjournalsorgcontent132toc Acesso 04 nov 2014 69
SANTOS Milton Teacutecnica Espaccedilo Tempo Globalizaccedilatildeo e meio teacutecnico-cientiacutefico-informacional 5ordf ed
Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2013 p 45 70
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b
35
que se garante a cada Estado a particularidade de lidar com questotildees atinentes agraves suas
diferenccedilas
Deste modo o Tribunal de Estrasburgo consoante fora dito anteriormente se utiliza
pela primeira vez do recurso agrave MNA no caso Lawless vs Irlanda71
Na discussatildeo cerne deste
conflito estava a possibilidade de prisatildeo provisoacuteria no caso dos atentados terroristas
relacionados ao grupo extremista IRA (Irish Republic Army) Mais especificamente o
cidadatildeo irlandecircs Gerard Richard Lawless ex-membro do IRA foi preso em julho de 1957 no
momento em que estava prestes a viajar da Irlanda agrave Gratilde-Bretanha Neste ato foi detido sob
especiais poderes de detenccedilatildeo indeterminada sem julgamento sob alegaccedilotildees de ofensas contra
o Estado irlandecircs
Lawless fazendo o uso da prerrogativa de peticcedilatildeo individual demandou perante a
Corte Europeia de Direitos do Homem alegando violaccedilatildeo pelo Estado Irlandecircs dos artigos 56
e 7 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem mas especificamente direitos de
liberdade seguranccedila julgamento justo e o princiacutepio de proibiccedilatildeo de puniccedilatildeo sem lei anterior
que defina um delito
No julgamento do caso em 1961 o Tribunal de Estrasburgo pela primeira vez fez
alusatildeo mesmo que de modo natildeo explicito agrave possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo
ao deixar ao Estado Irlandecircs margem para decidir fundamentando-se nas prerrogativas do
artigo 1572
da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Tal norma da Convenccedilatildeo alude agrave
possibilidade de derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade com a prerrogativa de que em
caso de guerra ou outro perigo puacuteblico que ameace a vida da naccedilatildeo a parte aderente agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem pode tomar providecircncias que derroguem as
obrigaccedilotildees previstas no tratado na estrita medida em que exigir a situaccedilatildeo
71
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57518itemid[001-57518] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lawless vs Irlanda Sentenccedila de 01 de julho de 1961 Acesso
05 nov 2014 72
Artigo 15 Derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade 1 Em caso de guerra ou de outro perigo puacuteblico que
ameace a vida da naccedilatildeo qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providecircncias que derroguem as obrigaccedilotildees
previstas na presente Convenccedilatildeo na estrita medida em que o exigir a situaccedilatildeo e em que tais providecircncias natildeo
estejam em contradiccedilatildeo com as outras obrigaccedilotildees decorrentes do direito internacional 2 A disposiccedilatildeo
precedente natildeo autoriza nenhuma derrogaccedilatildeo ao artigo 2deg salvo quanto ao caso de morte resultante de atos
liacutecitos de guerra nem aos artigos 3deg 4deg (paraacutegrafo 1) e 7deg 3 Qualquer Alta Parte Contratante que exercer este
direito de derrogaccedilatildeo manteraacute completamente informado o Secretaacuterio Geral do Conselho da Europa das
providecircncias tomadas e dos motivos que as provocaram Deveraacute igualmente informar o Secretaacuterio - Geral do
Conselho da Europa da data em que essas disposiccedilotildees tiverem deixado de estar em vigor e da data em que as da
Convenccedilatildeo voltarem a ter plena aplicaccedilatildeo CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS
DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014
36
Logo aplicando o referido artigo 15 da Convenccedilatildeo a decisatildeo do Tribunal de
Estrasburgo foi de no caso proposto asseverar que os fatos apurados natildeo revelam uma
violaccedilatildeo por parte do Governo irlandecircs de suas obrigaccedilotildees ao abrigo da Convenccedilatildeo Europeia
para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais Em razatildeo disso de a
motivaccedilatildeo do Tribunal para proferir a decisatildeo ter partido de uma prerrogativa da proacutepria
Convenccedilatildeo Europeia alguns autores73
natildeo fazem alusatildeo a este caso como o primeiro em que
houve concessatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo para Estado
Embora haja uma referecircncia tiacutemida agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso exposto
anteriormente eacute no caso linguiacutestico belga74
que se percebe uma manifestaccedilatildeo mais concreta
da Corte de Estrasburgo em relaccedilatildeo agrave deferecircncia de julgamento aos Estados precisando
alguns dos fundamentos da doutrina da MNA No caso belga julgado em 1968 pais que
falavam francecircs questionaram o sistema educacional da Beacutelgica que dividia o paiacutes em quatro
regiotildees linguiacutesticas distintas
O Tribunal de Luxemburgo aceitou uma margem de apreciaccedilatildeo conferida agraves partes em
funccedilatildeo de que os Estados possuiacuteam discricionariedade em relaccedilatildeo agrave regulamentaccedilatildeo do direito
agrave educaccedilatildeo A Corte argumentou que essa necessidade de concessatildeo de uma deferecircncia ou de
um limite de discricionariedade ao Estado era proveniente da natureza do proacuteprio direito
discutido (regulamentaccedilatildeo do sistema educacional) de modo que a regulamentaccedilatildeo do direito
agrave educaccedilatildeo poderia variar de acordo com o local e com o tempo consoante as necessidades e
os recursos da comunidade e dos indiviacuteduos
Ainda eacute possiacutevel destacar nesse caso a vinculaccedilatildeo da noccedilatildeo de margem de apreciaccedilatildeo
ao princiacutepio de subsidiariedade dos tribunais internacionais em relaccedilatildeo agraves cortes nacionais
Por isso o Tribunal manifestou-se asseverando que natildeo desejava substituir as autoridades
nacionais pois se assim o fizesse perderia a caracteriacutestica de mecanismo internacional de
garantia da ordem instaurada pela Convenccedilatildeo
73
KRATOCHVIL Jan The inflation of the margin of appreciation by european court of human rights In
Netherlands Quarterly of Human Rights Vol 293 2011 p 324-357 Disponiacutevel em ww corteidhorcr
tablas r26992pdf Acesso 01 nov 2014
VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um
equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em
httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 74
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httpwww9euskadineteuskara_araubideaLegedialegeakgaztelaneuropas23b001pdf CORTE EUROPEIA
DE DIREITOS HUMANOS Caso linguiacutestico belga Sentenccedila de 23 de julho de 1968 Acesso 05 nov 2014
37
Essa subsidiariedade conduz agrave MNA duas noccedilotildees75
uma noccedilatildeo teacutecnica e outra
poliacutetica Na noccedilatildeo teacutecnica a razatildeo para sua existecircncia relaciona-se com a imprecisatildeo de
algumas normas que conferem certa liberdade ao juiz internacional No campo poliacutetico a
relaccedilatildeo se evidencia pela sensibilidade dos Estados em relaccedilatildeo a temas polecircmicos
Sob essa oacutetica e embora esse natildeo seja o foco do presente trabalho pode-se afirmar que
a MNA eacute uma figuram importante tanto para o horizonte de criaccedilatildeo de um direito comum
europeu como para a consolidaccedilatildeo do direito comunitaacuterio europeu Isso porque este uacuteltimo
embora tenha sido baseado em um ideal federalista funda-se na realidade em um modelo de
governanccedila supranacional em que a MNA foi importada pelo Tribunal de Luxemburgo a fim
de ser uma vaacutelvula de escape para tensotildees fortes em acircmbito comunitaacuterio76
O TJUE deste modo permite que os conflitos comunitaacuterios sejam interpretados de
maneira flexiacutevel conforme especificidades nacionais Cada Estado pode atribuir seu proacuteprio
significado a expressotildees ou textos legais de interpretaccedilatildeo ampla devendo-se contudo
vincular aos princiacutepios e conceitos juriacutedico-legais do direito comunitaacuterio
No campo de construccedilatildeo de um direito comum europeu que tem como terreno o
sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos tal premissa natildeo eacute diferente Embora em
alguns casos o TEDH opte pela concessatildeo da margem de deferecircncia essa soacute pode ser aplicada
pelo Estado se este observar os princiacutepios que regem o instrumento legal base da Corte qual
seja a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) Deste modo o Estado natildeo fica
desobrigado do cumprimento da Convenccedilatildeo pois em tese apenas existiraacute margem para
pontos sensiacuteveis desta os quais permitem interpretaccedilotildees diferenciadas de acordo com os
particularismos nacionais e os desacordos culturais
Nesse sentido conforme se observou pelos casos citados com ecircnfase para o caso
Lawless vs Irlanda uma primeira aplicaccedilatildeo da doutrina da margem vinculou-se ao processo
de sedimentaccedilatildeo do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos vez que tal
caso foi um dos primeiros a ser julgado pelo Tribunal de Estrasburgo aleacutem de conforme fora
dito ter sido o primeiro no acircmbito da criaccedilatildeo e uso da MNA Em razatildeo desse contexto a
utilizaccedilatildeo do instrumento em questatildeo deu-se em funccedilatildeo de uma demanda que envolvia
questatildeo de seguranccedila interna de um paiacutes e por isso a aplicaccedilatildeo da deferecircncia de julgamento agrave
Irlanda daacute-se tambeacutem como uma teacutecnica poliacutetica para evitar tensotildees entre esfera internacional
75
DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation
du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit
compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780 76
VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade
de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014
38
e nacional (esta ainda arraigada ao conceito claacutessico de soberania) no acircmbito de um sistema
que tinha sido criado recentemente
Sob tal vieacutes pode-se recorrer agrave explicaccedilatildeo de Marcelo Varella77
de que a margem
deve ser aplicada para temas polecircmicos em que abusos exegeacuteticos por parte do tribunal de
cariz internacional podem levar agrave perda de legitimidade deste Contudo com o
desenvolvimento da teoria da MNA tanto por doutrinadores como pela proacutepria jurisprudecircncia
do tribunal que a criou percebe-se que o seu uso em grande medida relaciona-se com o
embate entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo nacional em mateacuteria de
desacordos culturais
Natildeo obstante a existecircncia de criacuteticas sobre a aplicaccedilatildeo praacutetica atual da MNA pelo
TEDH o que seraacute objeto de anaacutelise na sequencia do presente trabalho eacute com a figura da
deferecircncia da margem nacional que se torna possiacutevel um pluralismo de justaposiccedilatildeo78
que
tolera a coexistecircncia de sistemas particularmente diferentes Somente a possibilidade de
acoplamento do adjetivo nacional ao substantivo margem ou seja uma transferecircncia de
conceito desse substantivo para outra esfera que natildeo agrave interna de cada paiacutes jaacute demonstra que
uma ruptura com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito jaacute iniciou e ainda estaacute em curso
A ruptura com a concepccedilatildeo tradicional unificada e estritamente hierarquizada de
ordem juriacutedica leva a uma ruptura epistemoloacutegica com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito
Isso permite natildeo soacute a existecircncia e aplicaccedilatildeo de uma margem nacional de apreciaccedilatildeo como
demonstra a possibilidade de concretizaccedilatildeo do ideal de um direito comum que por ser
pluralista natildeo pode ser projetado conforme o modelo tradicional e nem encontra campo para
isso em funccedilatildeo do novo mosaico juriacutedico existente sobretudo na Europa
Logo eacute possiacutevel afirmar que a margem a que se refere esse trabalho natildeo deixa de ser
um reconhecimento jurisprudencial dessa mudanccedila de ares trazida pelas novas configuraccedilotildees
e estruturas juriacutedicas Isso porque novas instituiccedilotildees emergem em meio de um caos juriacutedico
que natildeo passa despercebido pelas cortes internacionais Prova disso eacute que a MNA natildeo eacute
mencionada somente pelo TEDH Ainda que de modo muito tiacutemido e em pequena medida eacute
possiacutevel o destaque de citaccedilatildeo (e aplicaccedilatildeo) da referida doutrina pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos79
Embora o continente latino americano seja tatildeo ou mais plural e diversificado que o
europeu e que o uso da margem como instrumento de siacutentese entre relativo e universal seja
77
Ibid 2012 p 143 78
DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 757 79
POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema
interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012
39
teoricamente indicado para sedimentar as bases de construccedilatildeo de um direito comum pluralista
a aplicaccedilatildeo do instituto em solo americano ainda natildeo ocorre de modo significativo Sob esse
vieacutes o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Seacutergio Garcia Ramirez80
asseverou
que a margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute uma ferramenta e um princiacutepio europeu de relativismo
relativo agrave execuccedilatildeo que natildeo eacute visto com simpatia pela Corte maacutexima do sistema regional
americano de direitos humanos Isso em funccedilatildeo natildeo soacute do histoacuterico de demandas que
chegaram ao julgamento da Corte Interamericana ndash em grande parte envolvendo violaccedilotildees de
direitos humanos perpetradas pelo Estado durante os periacuteodos de ascensatildeo de autoritarismos e
ditaduras na Ameacuterica Latina ndash como tambeacutem em razatildeo das democracias latino-americanas
ainda estarem em fase de consolidaccedilatildeo
Deste modo em razatildeo da ausecircncia ateacute entatildeo de casos envolvendo desacordos
culturais e das recentes reinserccedilotildees ou inserccedilotildees democraacuteticas de paiacuteses do continente
americano temia-se que eventual aplicaccedilatildeo de MNA poderia ser compreendida pelos Estados
como um salvo-conduto para que houvesse violaccedilatildeo de direitos humanos pelos paiacuteses A
cautela e a percepccedilatildeo de paisagens diferentes entre os territoacuterios separados pelo Atlacircntico
fizeram e fazem com que ainda hoje a doutrina da margem tenha pouca ou quase nenhuma
aplicaccedilatildeo na Ameacuterica
Deste modo pode-se afirmar que a internacionalizaccedilatildeo do direito - e seus reflexos na
Europa - eacute a responsaacutevel pela criaccedilatildeo de um espaccedilo para o desenvolvimento da doutrina da
margem nacional de apreciaccedilatildeo Nesse sentido embora a criaccedilatildeo tenha sido jurisprudencial
por parte do TEDH com aplicaccedilatildeo em alguns casos pelo proacuteprio Tribunal de Luxemburgo eacute
importante avaliar de que modo a doutrina conceitua o referido instituto
A posiccedilatildeo adotada por este trabalho eacute a de Mireille Delmas-Marty81
que salienta em
suas obras a origem nacional da margem nacional ainda como uma margem de interpretaccedilatildeo
capaz de conferir um pluralismo de valores do tipo meta juriacutedico em uma espeacutecie de
deferecircncia para apreciaccedilatildeo do juiz receptor de determinada norma Todavia a margem
relativa agrave internacionalizaccedilatildeo liga-se ao reconhecimento da diversidade de sistemas juriacutedicos
os quais possuem algumas caracteriacutesticas peculiares ligadas agraves identidades do Estado em que
se encontram
80
Tal posicionamento de Seacutergio Garciacutea Ramirez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema Internacional de
Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de 19 e 20 de agosto
de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado ndash da Pontifiacutecia
Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS 81
DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 762
40
Em razatildeo disso para a autora a noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo aleacutem de ser
uma siacutentese entre o universal e o relativo eacute uma chave do pluralismo ordenado Desse modo
sua construccedilatildeo assemelha-se de um lado agrave expressatildeo de uma dinacircmica centriacutefuga ou seja
uma resistecircncia dos Estados agrave integraccedilatildeo e o apego agrave noccedilatildeo claacutessica de soberania e de outro
lado sendo ela limitada por princiacutepios comuns estabelece o miacutenimo de compatibilidade
voltando-se ao centro em uma dinacircmica centriacutepeta
Haacute portanto um movimento duplo que por vezes traduz as resistecircncias dos direitos
nacionais por vezes os avanccedilos rumo agrave harmonizaccedilatildeo do direito comum em mateacuteria de
direitos humanos Eacute justamente essa capacidade de oscilaccedilatildeo que permite os ajustamentos
com vistas a compatibilizar o interno com o comum com o intuito nem de criar uma
hegemonia do universal e nem de tornar inaplicaacutevel o direito comum em razatildeo das
particularidades Desta forma Delmas percebe a margem como uma teacutecnica juriacutedica presente
no acircmbito do fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo do direito e que permite o reconhecimento da
diversidade entre os sistemas juriacutedicos82
Benvenisti83
por sua vez visualiza no uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo uma
espeacutecie de latitude que cada sociedade tem na resoluccedilatildeo de conflitos inerentes entre os
direitos individuais e os interesses nacionais ou entre diferentes convicccedilotildees morais Por
conseguinte alude que a doutrina da margem consoante inclusive fora abordado
anteriormente neste trabalho respondeu inicialmente a preocupaccedilotildees de governos nacionais
de que as poliacuteticas internacionais pudessem comprometer a seguranccedila nacional Isso entatildeo
explicaria a invocaccedilatildeo da margem no caso Lawless vs Irlanda por exemplo
Com a evoluccedilatildeo da jurisprudecircncia o uso desse instrumento passou a ser aplicado por
outras razotildees como gestatildeo de recursos discricionariedade em relaccedilatildeo a questotildees
concernentes agrave deliberaccedilatildeo acerca de sistemas poliacuteticos educacionais entre outros ateacute passar
a ser utilizada em temas relativos aos desacordos culturais Ainda segundo Bevenisti84
a
utilizaccedilatildeo da margem se justifica em alguns casos e em algumas mateacuterias ndash para o autor por
exemplo a aplicaccedilatildeo da margem nacional natildeo se justifica quando em questatildeo se encontram o
direito de minorias - sendo que o uso ampliado ou desmedido pode gerar uma espeacutecie de
deslegitimaccedilatildeo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos
82
Ibid 2000 p 760 83
BENVENISTI Eyal Margin of apreciation consensus and universal standards In International Law and
Politics Vol 31843 1999 pp 843-854 Disponiacutevel em httpwwwpict-
pctiorgpublicationsPICT_articlesJILPBenvenistipdfp 853 Acesso 05 nov 2014 84
Ibid 1999 p 846
41
Para Poblete amp Alvarado85
a margem nacional de apreciaccedilatildeo liga-se agrave noccedilatildeo de fins e
limites da jurisdiccedilatildeo internacional ou supranacional em mateacuteria de direitos humanos Eles
reconhecem que a doutrina da margem concede aos Estados signataacuterios de convenccedilotildees
internacionais liberdade para apreciar as circunstacircncias materiais que exigem aplicaccedilatildeo de
medidas excepcionais em situaccedilatildeo de emergecircncia como eacute o caso das prerrogativas do artigo
15 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de derrogaccedilatildeo em caso de necessidade
Outrossim ainda segundo os mencionados autores a margem possibilita aos Estados
liberdade para limitar direitos reconhecidos em tratados internacionais quando outros direitos
exigem respeito ou assim exigem os interesses da comunidade Ainda serviria para definir os
conteuacutedo dos direitos delimitar como eles satildeo aplicados no plano interno e definir o modo
como seratildeo cumpridas resoluccedilotildees de um oacutergatildeo internacional de supervisatildeo de um tratado ou
convenccedilatildeo Dessa maneira tais autores identificam a doutrina da MNA como uma
metodologia de que se servem os tribunais internacionais para difundir os direitos humanos
previstos nos tratados internacionais bem como o direito do comeacutercio ndash a margem tambeacutem eacute
aplicada pela Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio (OMC)
Vila86
por sua vez percebe na doutrina da marem nacional de apreciaccedilatildeo uma espeacutecie
de ldquodeferecircnciardquo praticada pelo Tribunal de Estrasburgo em relaccedilatildeo aos Estados signataacuterios da
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Isso pelo fato de que o sistema de proteccedilatildeo dos
diretos humanos na Europa eacute resultado de uma divisatildeo de trabalho entre os Estados e a Corte
em que os primeiros satildeo responsaacuteveis primaacuterios desta proteccedilatildeo e a Corte possui um caraacuteter
subsidiaacuterio atuando em acircmbitos sensiacuteveis como o da moralidade e da religiatildeo em que natildeo haacute
consenso entre os Estados
Nesse mesmo sentido se situa o pensamento de Roca87
que afirma que a doutrina da
margem nacional de apreciaccedilatildeo ocupa um lugar de destaque na jurisprudecircncia do Tribunal
Europeu de Direitos Humanos e eacute necessaacuteria para refletir uma realidade evidente qual seja a
pluralidade cultural dos Estados que fazem parte do Conselho da Europa notaacutevel em um
pluralismo de base territorial sobre o qual assenta uma cultura comum europeia de alguns
miacutenimos
85
POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema
interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012 p5 86
VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um
equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em
httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 87
ROCA JavierGarciacutea La muy discrecional doctrina del margen de apreciacioacuten nacional seguacuten el Tribunal
Europeo de Derechos Humanos Soberaniacutea e Integracioacuten In UNED Teoriacutea y Realidad Constitucional N
202007 p 117-143 Disponiacutevel em httpe-spaciounedes revistasuned indexphp TRC article vie 6778
Acesso 02 nov 2014
42
Da mesma forma considera o autor que os princiacutepios da proporcionalidade e da
subsidiariedade satildeo imanentes agrave noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo visto que os
Estados possuem certa margem de discricionariedade na aplicaccedilatildeo e no cumprimento de
obrigaccedilotildees impostas pela Convenccedilatildeo bem como na ponderaccedilatildeo de interesses mais
complexos Se houver excesso por parte dos Estados no uso dessa margem haacute violaccedilatildeo do
princiacutepio da proporcionalidade e abre-se espaccedilo para a intervenccedilatildeo do oacutergatildeo jurisdicional
internacional sob as bases do princiacutepio da subsidiariedade
Eacute importante sob essa oacutetica lembrar que embora o diferencial da Corte Europeia de
Direitos Humanos seja o de permitir a peticcedilatildeo individual de qualquer sujeito que denuncie
uma violaccedilatildeo de seus direitos baacutesicos assim como outros tribunais internacionais tem a regra
da exigecircncia do esgotamento das vias internas de acesso agrave justiccedila para que a demanda seja
recebida pelo TEDH Se natildeo houve satisfaccedilatildeo do pleito por parte do Estado ou se a reparaccedilatildeo
obtida se revelara inidocircnea para uma proteccedilatildeo adequada ao direito violado entatildeo agrave Corte
Europeia eacute permitido revisar a decisatildeo nacional ou substituiacute-la
Mahorney88
em seus estudos assevera que a margem funciona como uma espeacutecie de
divisatildeo de jurisprudecircncias uma vez que traccedila uma linha divisoacuteria entre o que deve decidir
cada comunidade nacional e as questotildees que tecircm relevacircncia para necessitar uma soluccedilatildeo
homogecircnea ou seja as que demandam uma decisatildeo que harmonize a regulaccedilatildeo do direito e
suas garantias na comunidade internacional independentemente das diferenccedilas de tradiccedilotildees
ou culturas
Contreras89
afirma que os tratados regionais de direitos humanos embora contenham
escopos de universalidade em relaccedilatildeo a esses direitos satildeo acompanhados pela possibilidade
de peculiaridades geograacuteficas na execuccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos direitos do homem As cortes
internacionais tecircm a dificuldade de conciliar ou justificar a falta de conciliaccedilatildeo entre
diferenccedilas morais e normativas de cada regiatildeo Em razatildeo disso uma das criaccedilotildees doutrinaacuterias
mais importantes eacute a da margem nacional de apreciaccedilatildeo sendo esta para o autor um criteacuterio
interpretativo desenvolvido tanto como deferecircncia aos Estados para que possam regular o
conteuacutedo dos direitos e suas restriccedilotildees e para distribuir os poderes e niacuteveis de decisotildees
tomadas entre as autoridades domeacutesticas e internacionais
88
MAHORNEY Paul Marvellous richness diversity or individual cultural relativism In Human Rights Law
Journal Vol 19 nuacutem 1 30 de abril de 1998 p 1 89
CONTRERAS Pablo National Discretion and International Deference in the Restriction of Human Rights A
Comparison Between the Jurisprudence of the European and the Inter-American Court of Human Rights In
Northwestern Journal of International Human Rights Vol 11 2012 Disponiacutevel em
httpscholarlycommonslawnorthwesterneducgiviewcontentcgiarticle=1155ampcontext=njihr Acesso 01 nov
2014
43
Visiacutevel portanto que na doutrina natildeo haacute um contexto exato em relaccedilatildeo a essa figura
criada e aplicada na jurisprudecircncia do TEDH Enquanto para alguns estudiosos ela se
configura como uma doutrina para outros eacute um criteacuterio interpretativo ou hermenecircutico usado
pelos tribunais internacionais no sentido de revisar a decisatildeo de um Estado ou conceder
deferecircncia a este para julgar conforme o direito interno coadunado com os princiacutepios miacutenimos
existentes nos tratados internacionais de direitos humanos
Natildeo obstante a divergecircncia de conceituaccedilatildeo no campo teoacuterico analisar-se-aacute no
proacuteximo capiacutetulo alguns casos emblemaacuteticos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de apreciaccedilatildeo
pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos mais diferentes tema com o intuito de
responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel afirmar que do modo como eacute aplicada a
doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo pela Corte Europeia de Direitos do Homem
temos uma efetiva contribuiccedilatildeo para o processo de harmonizaccedilatildeo entre universal e relativo e
construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos
Embora a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo tenha nascido da tentativa de
produccedilatildeo de uma siacutentese entre o universal e o relativo no espaccedilo do sistema regional europeu
de proteccedilatildeo dos direitos humanos sua aplicaccedilatildeo praacutetica sobretudo pelo TEDH natildeo eacute imune a
criacuteticas Cumpre a esse capiacutetulo realizar notas acerca da aplicaccedilatildeo praacutetica da margem
nacional de apreciaccedilatildeo com o intuito de verificar se ela efetivamente contribui ou eacute capaz de
contribuir para a construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
Conforme afirmam Brum et Saldanha90
a MNA ao ser compreendida e utilizada como
uma forma de autocontrole por meio do qual o oacutergatildeo jurisdicional internacional evita o
enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas poliacutetica pode
representar um risco de fragilizaccedilatildeo do direito internacional dos direitos humanos caso seu
uso se torne indiscriminado sem criteacuterios claros e limites precisos Desta maneira seu uso em
vez de conduzir ao caminho de ordenaccedilatildeo do muacuteltiplo e de mundializaccedilatildeo dos direitos
90
BRUM Maacutercio Morais SALDANHA Jacircnia Maria Lopes A margem nacional de apreciaccedilatildeo e sua
(in)aplicaccedilatildeo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em mateacuteria de anistia Uma figura hermenecircutica a
serviccedilo do pluralismo ordenado In Anuario Mexicano de Derecho Internacional 2015(No prelo para
publicaccedilatildeo)
44
humanos levaria ao rumo contraacuterio da fragmentaccedilatildeo e reforccedilo da velha noccedilatildeo de soberania
marcada pela ausecircncia de compromisso dos Estados com os marcos protetivos miacutenimos do
direito internacional
Neste vieacutes portanto dentro ainda de um panorama geral de anaacutelise da postura do
Tribunal de Estrasburgo um dos primeiros pontos de criacutetica se relaciona ao enfraquecimento
da credibilidade do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos Na visatildeo de
alguns doutrinadores a postura da Corte Europeia na aplicaccedilatildeo irrestrita e sem limitaccedilotildees ou
uma sistematizaccedilatildeo teacutecnica em relaccedilatildeo aos casos em que deve ou natildeo ser aplicada pode gerar
um sentimento de descrenccedila na legitimidade e na eficaacutecia das decisotildees tomadas pelo oacutergatildeo
jurisdicional internacional do Conselho da Europa
Para alguns estudiosos o modo como a margem eacute aplicada reflete uma postura de
evitar o enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas
poliacuteticas Aleacutem de uma fragilizaccedilatildeo do sistema internacional de proteccedilatildeo aos direitos humanos
o uso da margem sem limites definidos pode levar ao reforccedilo da noccedilatildeo claacutessica de soberania
em que o compromisso dos Estados com os instrumentos normativos de direito internacional
era mitigado
No campo de aplicaccedilatildeo a casos praacuteticos eacute possiacutevel conforme assevera Roca91
visualizar as imprecisotildees praacuteticas e teoacutericas do uso da margem o que leva a dois resultados o
primeiro eacute a necessidade de criaccedilatildeo de esforccedilos com urgecircncia para melhor edificar e criar
paracircmetros para a aplicaccedilatildeo da ferramenta bem como que o demandante ou qualquer
observador perante a Corte natildeo saber com suficiente seguranccedila juriacutedica quando o Tribunal
de Estrasburgo vai usar a margem nem quais seratildeo os possiacuteveis resultados desse uso
Ainda segundo o autor a margem eacute um instrumento impreciso e de geometria
variaacutevel todavia eacute consenso entre os doutrinadores que a ferramenta natildeo eacute uma carta branca
aos Estados para fazerem o que quiserem sendo necessaacuteria depuraccedilatildeo teoacuterica para tornar o
instrumento mais preciso Seu uso impotildee como jaacute foi dito autocontenccedilatildeo por parte da Corte
tendo em vista que sua funccedilatildeo segundo o princiacutepio da subsidiariedade eacute somente de impor
estandartes miacutenimos comuns em mateacuteria de direitos humanos Entretanto o niacutevel de proteccedilatildeo
dos direitos dos direitos e das diversas foacutermulas para concretizaacute-los natildeo satildeo homogecircneos
diante de naccedilotildees com tradiccedilotildees juriacutedicas tatildeo diversas
Desta maneira no campo jurisprudencial com a finalidade de responder ao
questionamento feito no capiacutetulo anterior utilizar-se-aacute de modo conjunto as classificaccedilotildees das
91
ROCA op cit 125
45
decisotildees da Corte Europeia dos Direitos do Homem feitas por Contreras e por Roca Para o
primeiro doutrinador92
eacute possiacutevel dividir os casos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de
apreciaccedilatildeo pelo Tribunal de Estrasburgo em trecircs grandes grupos
O primeiro grupo abarca casos envolvendo direitos fundamentais e direitos poliacuteticos
dentre os quais se destacam a proibiccedilatildeo da tortura ou a liberdade de expressatildeo e associaccedilatildeo
Nesse primeiro grupo no que tange aos direitos fundamentais haacute rigorosa supervisatildeo por
parte do Tribunal Europeu negando qualquer margem nacional de apreciaccedilatildeo aos Estados
Ainda dentro deste conjunto no que concerne aos discursos poliacuteticos ou direito de partidos
poliacuteticos eacute por vezes concedida uma margem reduzida agraves autoridades domeacutesticas para
decisatildeo ou execuccedilatildeo de uma decisatildeo
O segundo grupo por sua vez relaciona-se aos direitos de propriedade em que a
Corte concede grande margem de deferecircncia aos Estados Isso porque o TEDH reconhece em
princiacutepio que as autoridades nacionais estatildeo melhor situadas do que o juiz internacional no
que tange a apreciaccedilatildeo acerca do melhor interesse de uma comunidade em relaccedilatildeo a poliacuteticas
envolvendo direitos de propriedade
Por fim o terceiro grupo eacute o mais complexo para a apreciaccedilatildeo do tipo de margem
concedida pelo Tribunal de Estrasburgo uma vez que conteacutem temas que natildeo apresentam
consenso por parte do Tribunal Deste modo neste grupo ficam evidentes as complexidades e
as vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis da MNA Casos como os de liberdade religiosa liberdade de
discurso direitos dos homossexuais dentre outros temas latentes e relevantes na paisagem
juriacutedica social e cultural europeia
Do mesmo modo Roca93
divide a margem nacional de apreciaccedilatildeo em trecircs ciacuterculos
concecircntricos tendo como base a natureza dos direitos cuja tutela eacute pleiteada junto ao oacutergatildeo
jurisdicional internacional do sistema europeu O primeiro ciacuterculo de Roca relaciona-se com o
segundo grupo de Contreras vez que trata dos direitos de propriedade que teriam uma
margem de deferecircncia ampla e um controle pouco intenso por parte da Corte Esse ciacuterculo
seria o maior e englobaria os demais
No ciacuterculo menor estariam os direitos vistos como absolutos pelo Tribunal Europeu
Dentre esses se destacam o direito agrave vida ou os direitos democraacuteticos que apresentam uma
margem de apreciaccedilatildeo pouco extensa juntamente com um controle restrito por parte da Corte
Europeia Este ciacuterculo identifica-se com o primeiro grupo anteriormente mencionado visto
92
CONTRERAS op cit p 35 93
ROCA op cit p 134
46
que trabalha com noccedilotildees de direitos fundamentais e poliacuteticos essenciais e miacutenimos para todos
os paiacuteses europeus
Por fim no espaccedilo intermediaacuterio entre esses dois ciacuterculos encontra-se uma esfera
meacutedia que relacionando-se com o terceiro grupo definido por Contreras contempla todos os
outros direitos em que alguma vez o Tribunal de Estrasburgo mencionou ou aplicou a margem
nacional de apreciaccedilatildeo Eacute justamente nesse ciacuterculo que devem ser desenvolvidos os
paracircmetros para guiar o uso da ferramenta pela Corte no intuito de reduzir a inseguranccedila
juriacutedica ocasionada pelo uso sem uma sistematizaccedilatildeo de criteacuterios
Eacute pertinente em um primeiro momento destacar que conforme ambos os
doutrinadores demonstram quando se mencionam direitos fundamentais ou vinculados agrave
princiacutepios democraacuteticos inaplicaacutevel eacute o uso da margem pela Corte ou se for feito eacute de forma
absolutamente restrita No caso dos direitos fundamentais interessante relembrar Baez94
que
ao buscar o conceito de direitos humanos concluiu que nenhuma fonte normativa existente
tanto em sistemas internacionais quanto nacionais ou regionais trazem a definiccedilatildeo de direitos
humanos Pelo contraacuterio soacute os exemplificam
Nesse sentido observou Baez95
que embora natildeo exista uma definiccedilatildeo precisa de
direitos humanos existem elementos baacutesicos que fazem parte desses e o elemento que eacute
citado em todos os instrumentos normativos sobre o tema eacute o de dignidade da pessoa humana
Os direitos humanos somente existem para realizaccedilatildeo e proteccedilatildeo da dignidade humana poreacutem
o conceito de dignidade eacute de tatildeo difiacutecil conceituaccedilatildeo quanto o conceito de direitos humanos
O autor conclui que a dignidade possui duas dimensotildees a dimensatildeo baacutesica a qual
corresponde aos limites miacutenimos e fundamentais para a existecircncia humana impedindo a
noccedilatildeo de coisificaccedilatildeo do ser Se houver portanto violaccedilatildeo agrave dimensatildeo baacutesica da dignidade da
pessoa humana haacute tambeacutem violaccedilatildeo dos direitos humanos A outra dimensatildeo eacute a cultural vez
que envolve o conjunto de valores que cada sociedade desenvolve
A primeira dimensatildeo refere-se agrave universalidade e a segunda que depende de fatores
culturais permite que os direitos humanos sejam morfologicamente assimeacutetricos Isso natildeo
deixa de se relacionar com o que Delmas-Marty fala acerca dos direitos humanos
inderrogaacuteveis ou seja que natildeo podem sofrer a incidecircncia de qualquer tipo de margem de
94
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos
humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da
UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em
httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014 95
Tal posicionamento de Narciso Leandro Xavier Baez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema
Internacional de Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de
19 e 20 de agosto de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado
ndash da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS
47
apreciaccedilatildeo Estes possuem a caracteriacutestica do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano
ou seja vinculam-se agrave noccedilatildeo da dimensatildeo baacutesica da dignidade da pessoa humana
Neste vieacutes eacute possiacutevel dizer que no que diz respeito aos direitos fundamentais a Corte
de certa forma apresenta certa relaccedilatildeo com as doutrinas apresentadas uma vez que em casos
em que existam registros de violaccedilotildees aos direitos humanos inderrogaacuteveis quais sejam os
que tem como cerne a dignidade humana baacutesica a Corte natildeo permite qualquer espeacutecie de
margem nacional de apreciaccedilatildeo Vejamos por exemplo o caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila96
julgado em 2006 O demandante perante o Tribunal de Estrasburgo foi um terrorista
venezuelano conhecido na deacutecada de 1970 condenado pelo Estado Francecircs agrave prisatildeo perpeacutetua
pelo assassinato em 1974 dois inspetores da poliacutecia francesa e um antigo companheiro
terrorista libanecircs
Saacutenchez recorreu agrave Corte Europeia arguindo violaccedilotildees do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo
Europeia dos Direitos do Homem (proibiccedilatildeo da tortura e tratamentos humanos degradantes) e
do artigo 13 do mesmo diploma legal (direito a um recurso efetivo) Embora no julgamento
tenha ficado decidido que natildeo houve violaccedilatildeo ao artigo 3ordm97
o posicionamento da Corte
permite asseverar que natildeo haacute margem nacional de deferecircncia aos Estados quando o assunto
for violaccedilatildeo de direitos humanos ou fundamentais inderrogaacuteveis ou cujo nuacutecleo central for a
dignidade baacutesica da pessoa humana Nesse sentido a Corte pontuou que mesmo nas
circunstacircncias mais difiacuteceis como a luta contra o terrorismo ou o crime organizado a
Convenccedilatildeo proiacutebe em termos absolutos a tortura ou tratamentos inumanos ou degradantes
Igualmente natildeo confere o Tribunal margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso de
violaccedilatildeo de direitos humanos nas condiccedilotildees degradantes das prisotildees de muitos paiacuteses do Leste
Europeu O caso Kalashnikov vs Ruacutessia98
julgado em 15 de julho de 2002 cujo fundamento
foi repetido em muitos outros casos envolvendo condiccedilotildees humanas degradantes nas prisotildees
apresenta a consideraccedilatildeo de que deficientes condiccedilotildees objetivas e estruturais de cumprimento
de pena podem constituir uma violaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo Europeia
96
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-
1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila Sentenccedila
de 04 de julho de 2006 Acesso 05 nov 2014 97
Artigo 3ordm Proibiccedilatildeo da tortura Ningueacutem pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos desumanos
ou degradantes CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS
LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 98
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-
1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Kalashnikov vs Ruacutessia Sentenccedila de 15
de julho de 2002 Acesso 05 nov 2014
48
Ainda pode-se destacar o caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria99
em que novamente o motivo
que serve de base para o pedido de julgamento do Tribunal de Estrasburgo eacute a violaccedilatildeo do
artigo 3ordf da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de que ningueacutem poderaacute ser
submetido a torturas nem a penas ou tratamentos humanos degradantes O caso em comento
referiu-se agrave prisatildeo do senhor Borislav Gutsanov membro do Partido Comunista preso pela
poliacutecia da Bulgaacuteria em sua casa na frente de seus filhos e de sua esposa durante as
investigaccedilotildees de esquemas de grupos criminosos Segundo o relato das partes demandantes
Gustsanovi foi rendido em sua casa por volta das seis horas da manhatilde forccedilado a se ajoelhar e
algemado em frente a seus filhos menores de idade
A decisatildeo da Corte foi a de considerar que houve violaccedilatildeo do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo
uma vez que se mostrou desnecessaacuterio o ato dos policiais e natildeo condizente com os princiacutepios
da proporcionalidade e com as exigecircncias de garantia de direitos fundamentais de um Estado
Democraacutetico de Direito Isso porque o demandante natildeo teria oferecido resistecircncia em sua
prisatildeo de modo que algemaacute-lo diante de sua famiacutelia representou uma espeacutecie de tratamento
humano degradante
Casos como os acima previstos mostram um padratildeo doutrinaacuterio e jurisprudencial
semelhante vez que natildeo se encontram referecircncias expressas a qualquer margem nacional de
apreciaccedilatildeo para as autoridades nacionais O TEDH determina se as provas colhidas satildeo
suficientes ou natildeo para provar o real risco de tortura ou de tratamento humano e
degradante100
Logo pelo fato de que a natureza dos direitos envolvidos nesse caso eacute considerada
como fundamental de imediato eliminam-se as possibilidades de deferecircncia aos Estados Tal
compreensatildeo eacute o que faz o uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo ser extremamente reduzido
no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos Isso porque ateacute hoje diferentemente do Tribunal de Estrasburgo a Corte
Interamericana teve como maioria de demandas apresentadas as envolvendo delitos
praticados pelos Estados Americanos durante as ditaduras militares ou civil militares em que
casos de tortura e desaparecimento forccedilados eram julgados ou seja casos envolvendo a
violaccedilatildeo de direitos fundamentais ou humanos em sua perspectiva eacutetica de dignidade humana
e natildeo cultural
99
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-126982itemid[001-126982] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria Sentenccedila de 15 de outubro de 2013
Acesso 05 nov 2014 100
CONTRERAS op cit p 41
49
Nesse aspecto visiacutevel que quando se tratam de possiacuteveis violaccedilotildees de direitos
humanos inderrogaacuteveis previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos
a anaacutelise feita pelo Tribunal de Estrasburgo eacute de revisatildeo minuciosa da sentenccedila proferida no
paiacutes de origem da demanda bem como a possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute
extremamente reduzida para natildeo falar inexistente No caso de direitos democraacuteticos a
deferecircncia quando concedida pela Corte possui um limite miacutenimo e consoante o princiacutepio da
proporcionalidade soacute eacute concedida se a restriccedilatildeo eacute necessaacuteria e condizente com uma sociedade
democraacutetica
Nos direitos democraacuteticos referidos abarca-se a participaccedilatildeo poliacutetica atraveacutes das
possibilidades de liberdade de associaccedilatildeo ou de discurso poliacutetico Neste campo dos direitos de
participaccedilatildeo poliacutetica em sociedades democraacuteticas a margem concedida pelo Tribunal de
Estrasburgo consoante se afirmou eacute reduzida e sujeita a um controle rigoroso por parte do
oacutergatildeo jurisdicional internacional
Destaca-se o caso Lingens vs Austria101
que por mais que tenha sido julgado na
deacutecada de 1980 pela Corte Europeia eacute emblemaacutetico em relaccedilatildeo ao posicionamento do
tribunal internacional acerca da liberdade de expressatildeo Nesse caso durante o periacuteodo anterior
agraves eleiccedilotildees na Aacuteustria o jornalista Lingens publicou dois artigos polecircmicos sobre os
candidatos incluindo em um desses artigos a informaccedilatildeo de que o entatildeo presidente do
Partido Liberal Nacional da Aacuteustria teria ligaccedilotildees no passado com o nazismo e com a SS
Contra o jornalista foi instaurado um processo penal e ao fim da instruccedilatildeo criminal
este fora condenado pelo delito de difamaccedilatildeo conforme as regras do direito penal austriacuteaco
Esgotadas as vias internas de recurso o jornalista demandou perante a Corte Europeia
alegando que houve por parte do Estado violaccedilatildeo do artigo 10 da Convenccedilatildeo Europeia
havendo censura em seu direito de expressar-se livremente O Estado por sua vez nas razotildees
apresentadas perante o tribunal internacional justificou a condenaccedilatildeo na convicccedilatildeo de
proteccedilatildeo da honra dos direitos de outrem
Frente a este embate o Tribunal de Estrasburgo reconheceu uma margem miacutenima de
deferecircncia agraves autoridades domeacutesticas no que concerne aos oacutergatildeos locais na avaliaccedilatildeo de uma
necessidade social imperiosa que justificaria a interferecircncia na liberdade de expressatildeo de
Lingens Entretanto ressaltou que essa deferecircncia seria seguida por uma riacutegida supervisatildeo
101
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lingens vs Austria Sentenccedila de 8 de julho de 1986 Acesso
05 nov 2014
50
internacional uma vez estar se tratando de direitos fundamentais para o bom funcionamento
de uma sociedade democraacutetica
Ainda nesse sentido o TEDH arguiu que a liberdade de debate poliacutetico eacute cerne da
democracia e considerar que qualquer ofensa ou notiacutecia acerca de uma pessoa puacuteblica seria
sempre difamaccedilatildeo poderia impedir a imprensa na realizaccedilatildeo de sua tarefa de fornecedora de
informaccedilotildees Deste modo aplicando de forma conjunta os princiacutepios da proporcionalidade e
da subsidiariedade o Tribunal de Estrasburgo decidiu que a condenaccedilatildeo fora desproporcional
ao objetivo legiacutetimo perseguido e constituiu uma violaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo no
acircmbito da Convenccedilatildeo Europeia
Tambeacutem merece anaacutelise o caso July and Sarl Libeacuteration vs France102
cuja sentenccedila
foi proferida em 2008 Neste caso o jornal francecircs Libeacuteration divulgou uma reportagem a
respeito das investigaccedilotildees da morte do juiz Bernard Borrel que em um primeiro momento
havia sido dada como suiciacutedio mas apoacutes a reabertura das investigaccedilotildees houve surgimento de
indiacutecios de morte por encomenda Apoacutes a divulgaccedilatildeo da reportagem contendo informaccedilotildees
acerca da participaccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos na morte do magistrado o diretor do jornal
Senhor July foi processado criminalmente pelo crime de difamaccedilatildeo e condenado pelo governo
francecircs
O TEDH em sua manifestaccedilatildeo asseverou que o caso em questatildeo trazia niacutetida
interferecircncia de autoridades puacuteblicas na liberdade de expressatildeo e essa interferecircncia caso natildeo
siga os requisitos do artigo 10103
da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos representa
clara violaccedilatildeo do direito de liberdade de expressatildeo Nessa situaccedilatildeo ainda a Corte faz uso de
uma triacuteade de requisitos descritos por Contreras104
para a concessatildeo da margem a) prescriccedilatildeo
legal - verificar se a restriccedilatildeo realizada pela autoridade domeacutestica foi autorizada ou pelo
102
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-85084itemid[001-85084] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso July and Sarl Libeacuteration vs France Sentenccedila de 14 de
fevereiro de 2008 Acesso 05 nov 2014 103
Artigo 10 Liberdade de expressatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de expressatildeo Este direito
compreende a liberdade de opiniatildeo e a liberdade de receber ou de transmitir informaccedilotildees ou ideias sem que
possa haver ingerecircncia de quaisquer autoridades puacuteblicas e sem consideraccedilotildees de fronteiras O presente artigo
natildeo impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusatildeo de cinematografia ou de televisatildeo a um
regime de autorizaccedilatildeo preacutevia 2 O exerciacutecio desta liberdades porquanto implica deveres e responsabilidades
pode ser submetido a certas formalidades condiccedilotildees restriccedilotildees ou sanccedilotildees previstas pela lei que constituam
providecircncias necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a integridade territorial ou a
seguranccedila puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral a proteccedilatildeo da
honra ou dos direitos de outrem para impedir a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees confidenciais ou para garantir a
autoridade e a imparcialidade do poder judicial CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS
DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 104
CONTRERAS op cit p 34
51
menos executada em conformidade com a lei b) objetivo legiacutetimo c) se a medida foi
necessaacuteria em uma sociedade democraacutetica
No caso pode ser feito o destaque para o trecho da sentenccedila em que analisando a
necessidade da medida de investigaccedilatildeo do crime de difamaccedilatildeo a Corte arguiu que a tarefa do
tribunal internacional no exerciacutecio de sua competecircncia de fiscalizaccedilatildeo natildeo eacute de tomar o lugar
das autoridades competentes mas sim rever as decisotildees que porventura violarem preceitos
previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem quando entregues ao poder de
apreciaccedilatildeo do Estado Deve entatildeo a Corte agrave luz do caso como um todo avaliar se a medida
tomada pelo Estado foi proporcional ao objetivo legiacutetimo perseguido e se os motivos
indicados pelas autoridades nacionais satildeo suficientes e relevantes Por tais motivos no caso
em questatildeo o TEDH declarou que houve violaccedilatildeo por parte do Estado Francecircs do direito de
liberdade de expressatildeo devendo este arcar com uma indenizaccedilatildeo agraves partes prejudicadas
Ainda dentro dessa esfera de atuaccedilatildeo mais precisamente no que concerne ao direito
democraacutetico de livre reuniatildeo e associaccedilatildeo previsto no artigo 11105
da Convenccedilatildeo Europeia o
destaque pode ser dado aos casos do Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia106
julgado em 2005 e Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia107
julgado em 2006 O primeiro deles
trata da questatildeo de dissoluccedilatildeo do Partido Comunista da Turquia ordenado pelo Tribunal
Constitucional do paiacutes sob as razotildees de que era incompatiacutevel com as obrigaccedilotildees
constitucionais e convencionais do Estado
Ao apreciar tal caso a Corte alegou que os partidos poliacuteticos satildeo estruturas essenciais
para o bom e justo funcionamento da democracia Embora natildeo negue certa margem de
deferecircncia aos Estados para que dissolvam partidos poliacuteticos que poderiam tentar minar a
estrutura constitucional do Estado tal decisatildeo se executada pode sofrer revisatildeo se natildeo
105
Artigo 11 Liberdade de reuniatildeo e de associaccedilatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo
paciacutefica e agrave liberdade de associaccedilatildeo incluindo o direito de com outrem fundar e filiar-se em sindicatos para a
defesa dos seus interesses 2 O exerciacutecio deste direito soacute pode ser objeto de restriccedilotildees que sendo previstas na
lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a seguranccedila
puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral ou a proteccedilatildeo dos direitos
e das liberdades de terceiros O presente artigo natildeo proiacutebe que sejam impostas restriccedilotildees legiacutetimas ao exerciacutecio
destes direitos aos membros das forccedilas armadas da poliacutecia ou da administraccedilatildeo do Estado CONVENCcedilAtildeO
EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS
1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 106
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia
Sentenccedila de 2005 Acesso 05 nov 2014 107
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia Sentenccedila de 15 de
julho de 2006 Acesso 05 nov 2014
52
adequar-se agraves previsotildees da Convenccedilatildeo Europeia Logo o Tribunal embora tenha feito a
ressalva de que podem os Estados dissolver partidos poliacuteticos na situaccedilatildeo afirmou que houve
violaccedilatildeo dos direitos de liberdade de associaccedilatildeo visto que natildeo havia qualquer indiacutecio de que
o partido por ter ideal comunista poderia colocar em risco a estrutura do Estado
Da mesma forma o caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia que envolve o direito
de liberdade sindical Na situaccedilatildeo o Governo turco justifica o fechamento de sindicatos com
base em previsotildees da legislaccedilatildeo trabalhista interna a qual natildeo permite que funcionaacuterios criem
sindicatos A Corte na anaacutelise da situaccedilatildeo tambeacutem asseverou que houve violaccedilatildeo do artigo
11 mesmo que neste existam ressalvas em relaccedilatildeo agrave liberdade de associaccedilatildeo de membros das
Forccedilas Armadas da Poliacutecia e da Administraccedilatildeo do Estado Contudo essas limitaccedilotildees devem
ser interpretadas pelos Estados dentro da sua margem de apreciaccedilatildeo de maneira restrita
Se esses casos expostos ilustram exemplos de margem nacional de apreciaccedilatildeo
reduzida ou inexistente o polo oposto envolve os direitos concernentes agrave propriedade para os
quais a Corte Europeia possui entendimento de que a margem de deferecircncia agraves autoridades
domeacutesticas deve ser maior e mais elaacutestica bem como a supervisatildeo por parte do Tribunal
Internacional deve ser menor e relativizada Isso porque as autoridades nacionais em uma
concepccedilatildeo semelhante agrave de juiz natural no processo estariam mais bem situadas que o juiz
internacional para avaliar qual eacute o interesse geral de uma comunidade nessa seara108
A proteccedilatildeo internacional dos direitos de propriedade encontra-se no artigo 1ordm109
do
Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo de Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades
Fundamentais Jaacute na previsatildeo normativa encontra-se a prerrogativa de que qualquer pessoa
singular ou coletiva tem direito ao respeito de seus bens natildeo podendo haver privaccedilatildeo da
propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica ou por condiccedilotildees previstas em lei Desta maneira
as demandas soacute seratildeo revistas pela Corte caso implicarem violaccedilatildeo expliacutecita a esse artigo
Segundo Roca110
a jurisprudecircncia internacional definiu que a previsatildeo normativa
anteriormente destacada segue trecircs criteacuterios em primeiro lugar deve ser respeitado o direito
ao respeito e gozo paciacutefico dos bens dos indiviacuteduos Na sequecircncia a segunda regra
108
CONTRERAS op cit p 40 109
Artigo 1 Proteccedilatildeo da propriedade Qualquer pessoa singular ou coletiva tem direito ao respeito dos seus bens
Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas
pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo
do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso
dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees
ou de multas CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS
LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 110
ROCA op cit p 127
53
compreende uma garantia contra a privaccedilatildeo ilegal ou seja somente poderaacute haver
expropriaccedilatildeo ou privaccedilatildeo da propriedade em casos de utilidade puacuteblica e de acordo com
condiccedilotildees legalmente previstas Por fim o terceiro paracircmetro eacute a possibilidade de o Estado
estabelecer restriccedilotildees ao direito de propriedade tendo por base a prevalecircncia do interesse
puacuteblico sobre o privado
Logo sob a base desses criteacuterios e de alguns casos jaacute julgados pelo oacutergatildeo jurisdicional
internacional eacute possiacutevel asseverar que a margem de apreciaccedilatildeo concedida aos paiacuteses eacute larga
quando se estaacute diante dos direitos de propriedade No caso Back vs Finlacircndia111
de 2004 que
trata de noccedilotildees de utilidade puacuteblica em casos de expropriaccedilatildeo haacute o reforccedilo da noccedilatildeo de
subsidiariedade da Corte Europeia com o entendimento de que esta deve respeitar as decisotildees
das autoridades nacionais soacute sendo possiacutevel e viaacutevel a intervenccedilatildeo se o juiacutezo for
manifestamente desprovido de bases racionais
Por fim poreacutem natildeo menos importante aborda-se o uacuteltimo grupo de jurisprudecircncias da
Corte Europeia de Direitos Humanos que pode ser enquadrado no que Roca determina como
ciacuterculo mediano vez que conteacutem temas em que o posicionamento do Tribunal de Estrasburgo
em relaccedilatildeo agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute oscilante Eacute nesse grupo que pode ser
visualizada toda a complexidade da margem e suas vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis em casos
semelhantes envolvendo por exemplo liberdade religiosa direito de homossexuais e
transexuais e outros temas
Justamente nesse ciacuterculo que natildeo apresenta por parte dos doutrinadores jaacute referidos no
capiacutetulo anterior um criteacuterio de unificaccedilatildeo se apresenta o embate entre o universalismo de
alguns direitos previstos nos marcos normativos internacionais de direitos humanos ndash com
destaque para a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos ndash e o relativismo relativo a noccedilotildees
religiosas e culturais que compotildeem a identidade dos diferentes povos europeus
Nesse aspecto no que tange agrave liberdade religiosa a qual eacute prevista pelo artigo 9ordm112
da
CEDH temos duas decisotildees emblemaacuteticas do Tribunal de Estrasburgo o caso Lautsi vs
111
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-114486itemid[001-114486] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Back vs Finlacircndia Sentenccedila de 13 de novembro de 2002
Acesso 05 nov 2014 112
Artigo 9 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de pensamento de consciecircncia e de religiatildeo este direito
implica a liberdade de mudar de religiatildeo ou de crenccedila assim como a liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou a
sua crenccedila individual ou coletivamente em puacuteblico e em privado por meio do culto do ensino de praacuteticas e da
celebraccedilatildeo de ritos 2 A liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou convicccedilotildees individual ou coletivamente natildeo
pode ser objeto de outras restriccedilotildees senatildeo as que previstas na lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa
sociedade democraacutetica agrave seguranccedila puacuteblica agrave proteccedilatildeo da ordem da sauacutede e moral puacuteblicas ou agrave proteccedilatildeo dos
direitos e liberdades de outrem CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO
54
Itaacutelia113
julgado em 2011 e o caso Leyla Sahin vs Turquia114
julgado em 2005 Isso porque
nesses casos respectivamente o TEDH referendou as normas que impotildeem a presenccedila de
crucifixos nas escolas puacuteblicas italianas e natildeo opocircs objeccedilotildees a restriccedilotildees estatais concernentes
ao uso do veacuteu islacircmico no contexto educativo
No primeiro caso o TEDH retificou a decisatildeo da Corte Constitucional Italiana que
em 2009 havia estabelecido por unanimidade que a norma italiana a qual impunha desde a
deacutecada de 1920 a presenccedila de crucifixo nas paredes de escolas puacuteblicas havia violado o direito
da senhora Lautsi a educar seus filhos conforme suas convicccedilotildees laicas e liberdade religiosa
Portanto o Tribunal italiano argumentou que a manutenccedilatildeo de um siacutembolo religioso em salas
de aula de uma escola puacuteblica poderia perturbar emocionalmente os estudantes que natildeo
professassem religiatildeo alguma a ter a percepccedilatildeo de que o contexto educativo estava marcado
pela religiatildeo
Para retificar tal sentenccedila o TEDH argumentou por uma valoraccedilatildeo abstrata de
compatibilidade entre a norma italiana que permitia o uso de crucifixos nas escolas puacuteblicas e
os direitos convencionais sendo que a margem nacional de apreciaccedilatildeo foi aplicada para essa
valoraccedilatildeo da norma italiana Em primeiro lugar o Tribunal Europeu matizou quais satildeo as
exigecircncias convencionais de neutralidade religiosa na educaccedilatildeo indicando que se proiacutebe o
proselitismo ou a adoccedilatildeo no marco educativo de algo compatiacutevel com o estabelecimento de
o ensino obrigatoacuterio de uma religiatildeo ou a imposiccedilatildeo de uma religiatildeo no ensino puacuteblico
O crucifixo no entendimento do TEDH eacute um siacutembolo religioso passivo cuja
influecircncia natildeo se compara a que exercem a educaccedilatildeo religiosa ou a participaccedilatildeo em atividades
religiosas Logo a percepccedilatildeo subjetiva de que o crucifixo supotildee uma ausecircncia de respeito ao
direito de liberdade religiosa natildeo basta para considerar que tenha havido uma violaccedilatildeo agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Para o TEDH portanto sempre que natildeo exista
a pretensatildeo de doutrinar o Estado goza de margem de deferecircncia para decidir sobre a
permanecircncia dos crucifixos em sala de aula
HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 113
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-104040itemid[001-104040] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lautsi vs Italia Sentenccedila de 18 de marccedilo de 2011 Acesso 05
nov 2014 114
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-70956itemid[001-70956] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Leyla Sahin vs Turquia Sentenccedila de 10 de novembro de
2005 Acesso 05 nov 2014
55
No caso Leyla Sahin de proibiccedilatildeo do uso do veacuteu islacircmico por uma jovem no recinto
de sua universidade para o TEDH os Estados tecircm autonomia para limitar o uso do veacuteu em
locais como escolas puacuteblicas ou universidades Para referendar essa restriccedilatildeo agrave liberdade
religiosa o Tribunal Europeu admitiu o uso da margem de apreciaccedilatildeo por parte do Estado em
razatildeo da ausecircncia de um consenso europeu sobre a mateacuteria somado agrave ideia de que as
autoridades nacionais podem lidar melhor com o assunto por estarem mais perto das
realidades nacionais do que o oacutergatildeo jurisdicional internacional
Para o TEDH desta forma a opccedilatildeo poliacutetica de um Estado pelo laicizismo pode
justificar restriccedilotildees agrave liberdade religiosa e exigir sacrifiacutecios aos indiviacuteduos em prol da
harmonia religiosa do paiacutes Embora portanto haja restriccedilatildeo da liberdade individual religiosa
no caso em questatildeo a proibiccedilatildeo natildeo viola a CEDH
A aplicaccedilatildeo dos princiacutepios da subsidiariedade e da proporcionalidade bem como a
falta de consenso na Europa acerca de questotildees como as apresentadas marcaram o
posicionamento do TEDH na concessatildeo de margem de deferecircncia aos Estados no que
concerne agrave liberdade religiosa A grande criacutetica contudo reside na falta de criteacuterios
especiacuteficos e de clareza no uso da ferramenta
Neste uacuteltimo grupo portanto vislumbra-se o que Kratochivil115
menciona como
ldquomedida misteriosardquo ou seja natildeo existem paracircmetros ou criteacuterios especiacuteficos para a aplicaccedilatildeo
da margem Pelo contraacuterio haacute falta de clareza e de limites demonstrando que a banalizaccedilatildeo
do uso da MNA liquidifica sua substacircncia e pode gerar inseguranccedila juriacutedica aos litigantes
Sob essa oacutetica no campo de direitos inderrogaacuteveis como eacute o caso dos direitos que compotildeem
esse uacuteltimo grupo a consideraccedilatildeo de Vila116
merece destaque
Segundo a autora nesse campo que envolve relativismos culturais a postura do TEDH
varia entre a adoccedilatildeo de uma versatildeo voluntarista de MNA ou a adoccedilatildeo de uma versatildeo
racionalista A primeira se centra no direito de que o Tribunal de Estrasburgo eacute um oacutergatildeo
internacional e assume uma visatildeo normativa e natildeo meramente temporal ou procedimental
acerca do princiacutepio da subsidiariedade Por isso o TEDH reconhece que sua legitimidade
poliacutetica eacute meramente derivada e outorga uma presunccedilatildeo em favor do Estado evitando realizar
uma valoraccedilatildeo independente de compatibilidade entre as medidas impugnadas e o convecircnio
Esta presunccedilatildeo soacute eacute rompida quando haacute razotildees fortes para concluir que o Estado extrapolou o
exerciacutecio de sua autonomia Sob a oacutetica desta concepccedilatildeo fatores como a falta de consenso
115
KRATOCHVIL op cit p 330 116
VILA op cit p 10
56
europeu ou a ideia de que os Estados situam-se em um local melhor apropriado para decidir
adquirem importacircncia por razotildees de legitimidade institucional
Entretanto a oacutetica racionalizada de MNA percebe a ferramenta como um resultado de
efetuar um balanccedilo entre os valores que estatildeo em jogo na proteccedilatildeo dos direitos convencionais
mais do que uma presunccedilatildeo de partida em favor do Estado O TEDH centra-se em examinar
se a medida estatal impugnada consegue alcanccedilar um balanccedilo equitativo entre direitos
individuais e valores democraacuteticos A finalidade natildeo eacute justificar a deferecircncia mas reconhecer
de modo equilibrado os valores democraacuteticos no seio da CEDH
Sobretudo neste uacuteltimo grupo analisado ao qual aqui somente satildeo trazidos casos em
relaccedilatildeo agrave liberdade religiosa (artigo 9ordm da CEDH) concentram-se as criacuteticas em relaccedilatildeo agrave
falta de paracircmetros do TEDH para deferir ou natildeo uma margem de apreciaccedilatildeo aos Estados
Essa variabilidade eacute por alguns117
definida como um ponto negativo de falta de definiccedilatildeo de
criteacuterios o que pode levar a uma margem larga ou a uma margem estreita A primeira poderia
conduzir ao processo de fragmentaccedilatildeo do espaccedilo europeu enquanto a segunda poderia forccedilar
a integraccedilatildeo sob o domiacutenio de uma concepccedilatildeo moderna de direitos humanos pautada pelo
liberalismo e individualismo
Deste modo duas respostas podem ser concedidas agrave pergunta cerne deste trabalho a
margem constitui-se em um instrumento eficaz no processo de construccedilatildeo de um direito
comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa uma vez que sob a perspectiva eacutetica
destes direitos o TEDH preza pela preservaccedilatildeo do irredutiacutevel humano e dos direitos
inderrogaacuteveis e absolutos da pessoa humana Prova disso eacute a ausecircncia ou a miacutenima margem
que eacute concedida para casos envolvendo tortura ou tratamentos humanos degradantes ou
violaccedilatildeo de direitos democraacuteticos
No entanto a ausecircncia de paracircmetros e de criteacuterios por parte do Tribunal de
Estrasburgo (ausecircncia constatada por diversos doutrinadores trazidos ao longo deste trabalho
e exemplificada de modo sinteacutetico atraveacutes da anaacutelise de casos emblemaacuteticos envolvendo
liberdade religiosa) no julgamento de direitos humanos quando vinculados a questotildees
culturais demonstram que no campo praacutetico ainda haacute muito para avanccedilar no processo de
siacutentese entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo dos direitos culturais
117
BRUM et SALDANHA Op cit
57
CONCLUSAtildeO
Slavoj Zizek118
certa vez afirmou que o papel do filoacutesofo natildeo eacute o de propor iniciativas
capazes de mudar o mundo ou as situaccedilotildees em curso mas de observar e interpretar a realidade
que eacute posta A pretensatildeo deste trabalho natildeo difere da conceituaccedilatildeo de filoacutesofo por Zizek Isso
porque em nenhum momento busca-se apresentar alternativas fortes para resolver problemas
postos mas sim almeja-se observar sob um amplo espectro os reflexos da mundializaccedilatildeo
dentro do Direito e de modo especiacutefico como atua o Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem no que concerne agrave aplicaccedilatildeo da figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
Aos mais observadores da realidade que se apresenta eacute impossiacutevel negar que na atual
conjuntura da sociedade informacional a proliferaccedilatildeo exacerbada e anaacuterquica de normas e
instituiccedilotildees juriacutedicas gera uma sensaccedilatildeo de caos e de desordem que clama por uma ordenaccedilatildeo
Embora esse verdadeiro mosaico em que se transformou o Direito na atualidade possa ser
vislumbrado em acircmbito global uma anaacutelise mais apurada de uma parte do todo em
especiacutefico da Europa se mostra pertinente para avaliar as possibilidades de construccedilatildeo de um
pluralismo ordenado
A base possiacutevel desse pluralismo ordenado invariavelmente eacute um direito comum cujo
alicerce se encontra nos direitos humanos No contexto europeu de convivecircncia simultacircnea
de uma ldquopequena Europardquo e de uma ldquogrande Europardquo embora o direito comunitaacuterio jaacute tenha
se consolidado sendo um modelo sui generis para todo o globo ainda eacute preciso avanccedilar no
acircmbito da ldquogrande Europardquo ou do sistema regional europeu dos direitos do homem para a
criaccedilatildeo de um direito comum
Nesse sentido parece indiscutiacutevel que a base de um direito comum europeu seja
alicerccedilada na proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua dimensatildeo moral miacutenima ou no que
Delmas denomina de miacutenimo eacutetico universal e irredutiacutevel humano Logo a universalizaccedilatildeo
almejada natildeo tem como objetivo impor referecircncias de uma cultura sobre as demais e sim o
diaacutelogo entre as diferentes particularidades existentes no seio das diversas sociedades que
convivem na Europa a fim de encontrar o que haacute de valores comuns em todas elas
Todavia por mais que a premissa seja de faacutecil compreensatildeo os embates entre
universalismos e relativismos culturais estatildeo na ordem do dia na agenda do Tribunal de
Estrasburgo de modo que um dos temais mais debatidos atualmente no continente se refere
118
ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo Boitempo 2008
58
ao uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo por este tribunal a fim de conferir deferecircncia aos
Estados em algumas mateacuterias para decidir acerca de questotildees sensiacuteveis
O objetivo do presente trabalho foi o de analisar essa ferramenta hermenecircutica de
origem europeia sob a oacutetica de caos juriacutedico anteriormente apresentado De acordo com o que
fora apurado e estudado chegou-se a conclusatildeo de que o uso dessa doutrina contribui ainda
que de modo tiacutemido para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema europeu
Isso porque quando se tratam de temas concernentes agrave tortura a tratamentos humanos
degradantes a penas desproporcionais ou ainda a direitos democraacuteticos a Corte opta por
definir um entendimento que deve ser aplicado em todos os paiacuteses independentemente de
especificidades culturais Estariacuteamos proacuteximos portanto de uma definiccedilatildeo de direitos
humanos inderrogaacuteveis ou de um miacutenimo eacutetico universal proposto por Delmas e jaacute idealizado
por Kant em sua premissa de direito cosmopoliacutetico
No que tange ao restante dos direitos humanos em uma dimensatildeo cultural pode-se
dizer que a teoria da margem traduz uma ideia de que estaacute eacute capaz de harmonizar o
universalismo dos direitos humanos e o pluralismo advindo das diversidades culturais e
religiosas dos paiacuteses europeus Entretanto consoante a anaacutelise de posiccedilotildees doutrinaacuterias acerca
da utilizaccedilatildeo praacutetica do instituto pelo Tribunal de Estrasburgo bem como o embate
paradigmaacutetico de julgados envolvendo liberdade religiosa parece inevitaacutevel a conclusatildeo de
que como meacutetodo de harmonizaccedilatildeo entre plural e universal o oacutergatildeo jurisdicional
internacional do sistema europeu ainda tem muito a evoluir sobretudo na definiccedilatildeo de
paracircmetros e criteacuterios para servir de norte baacutesico em relaccedilatildeo aos mais diversos casos
59
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Boitempo 2008
3
AGRADECIMENTOS
Primeiramente meu principal agradecimento eacute a Deus que durante todo o periacuteodo de
elaboraccedilatildeo deste singelo trabalho garantiu-me forccedilas para superar todos os obstaacuteculos e
coragem para enfrentar todos os meus temores
Agrave minha estimada orientadora Professora Jacircnia pelos anos de trabalho que
desenvolvemos juntas e pelos ensinamentos conferidos durante todo este tempo Sem sobra de
duacutevida satildeo verdadeiros mestres e humanistas como a senhora os responsaacuteveis por fazer a
diferenccedila natildeo soacute na vida de alguns alunos como no mundo
Agrave minha matildee Marilene pelo apoio constante durante o periacuteodo de elaboraccedilatildeo deste
trabalho Muito obrigada pelo amor incondicional por confiar no meu potencial e me
incentivar a dar o melhor de mim em tudo
Ao meu irmatildeo Otaacutevio pelo carinho pela fraternidade e por ter parado inuacutemeras vezes
qualquer um de seus afazeres para escutar minhas anguacutestias ou meus ensaios de ideias para
este trabalho
Ao meu querido amigo Maacutercio pela parceria acadecircmica que deu iniacutecio a uma bela
amizade Obrigada pelas indagaccedilotildees constantes e por sempre me incentivar a ter uma postura
de inquietude em relaccedilatildeo ao mundo
Agrave Bruna pela amizade pelo apoio e pelo consolo nos momentos difiacuteceis Obrigada por
ter tornado especial cada um dos dias vividos dentro e fora da UFSM seja no Brasil ou aleacutem-
mar Agrave Tieli pela amizade e pela maneira leve e espontacircnea com que me ensinou a ver a vida
durante esses anos de graduaccedilatildeo
Por fim a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formaccedilatildeo deixo
aqui registrado o meu agradecimento
4
ldquoOs povos da terra participam em vaacuterios graus de uma comunidade
universal que se desenvolveu a ponto de que a violaccedilatildeo do direito
cometida em um lugar do mundo repercute em todos os demais
A ideia de um direito cosmopolita natildeo eacute portanto fantaacutestica ou
exagerada eacute um complemento necessaacuterio ao coacutedigo natildeo escrito
do Direito poliacutetico e internacional transformando-o num direito
universal da humanidade Somente nessas condiccedilotildees podemos
congratular-nos de estar continuamente avanccedilando em direccedilatildeo a
uma paz perpeacutetuardquo
(Immanuel Kant)
5
RESUMO
Monografia de Graduaccedilatildeo
Curso de Direito
Universidade Federal de Santa Maria
INTERNACIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO E CAMINHOS
PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU ANAacuteLISE DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO
Autora Rafaela da Cruz Mello
Orientadora Jacircnia Maria Lopes Saldanha
Data e Local da Defesa Santa Maria 28 de novembro de 2014
A evoluccedilatildeo da sociedade industrial para a sociedade informacional ocasiona mudanccedilas
significativas nas estruturas juriacutedicas Afirma-se que hoje a seara juriacutedica se assemelha a um
mosaico no qual um verdadeiro caos aparente se instala em razatildeo da multiplicidade de regras
e instituiccedilotildees de hierarquias diversas Nesse contexto o continente europeu pode ser
considerado como um verdadeiro laboratoacuterio de estudos uma vez que em um mesmo
territoacuterio convivem a ldquopequena Europardquo marcada pelo jaacute consolidado direito comunitaacuterio e a
ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos Sob esse panorama de
anaacutelise do espaccedilo europeu eacute que se propotildee o presente trabalho a analisar a possibilidade de
construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa analisando
como forma de viabilizar tal projeto a figura hermenecircutica da Margem Nacional de
Apreciaccedilatildeo Utiliza-se o meacutetodo dedutivo de abordagem e o meacutetodo de procedimento
monograacutefico e para melhor trabalhar com o tema divide-se o trabalho em duas grandes
partes a primeira analisa a evoluccedilatildeo dos direitos humanos nas duas esferas do espaccedilo
europeu para na sequecircncia trabalhar especificamente com a contribuiccedilatildeo das novas
geometrias juriacutedicas do processo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos bem como da
margem nacional de apreciaccedilatildeo para construir as bases de um direito comum europeu
pluralista Na sequencia aborda-se unicamente o instituto da margem nacional com a
finalidade de averiguar se o modo como o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem aplica a
ferramenta efetivamente contribui para a criaccedilatildeo desse direito comum bem como se
possibilita a harmonizaccedilatildeo entre o universalismo dos direitos do homem e o relativismo das
pluralidades e particularismos culturais
Palavras-chave Europa universalismo relativismo direito comum margem nacional de
apreciaccedilatildeo
6
ABSTRACT
Graduation Monografh
Law School
Federal University of Santa Maria
INTERNATIONALIZATION LAW AND WAYS FOR THE
CONSTRUCTION OF A COMMON EUROPEAN LAW
ANALISYS OF MARGIN OF APPRECIATION
Author Rafaela da Cruz Mello
Adviser Jacircnia Maria Lopes Saldanha
Date and Place of the Defense Santa Maria November 28 2014
The evolution of industrial society to the information society brings about significant changes
in the legal structures It is said that today the legal harvest resembles a mosaic in which a
real apparent chaos ensues because of the multiplicity of rules and various hierarchies of
institutions In this context the European continent can be considered as a true laboratory
studies since in the same territory live the little Europe marked by already established
Community law and the big Europe regional rights protection system humans Under this
scenario analysis of the European area do you propose this study to examine the possibility of
building a common law on human rights in Europe analyzing in order to facilitate such a
project hermeneutics figure of the National Assessment Bank We use the deductive method
of approach and the monographic method and procedure to better work with the theme the
work is divided into two main part the first analyzes the evolution of human rights in the two
spheres of Europe for in sequence work specifically with the contribution of the new legal
geometries the process of universalization of human rights and the national margin of
appreciation to build the foundations of a pluralistic European common law In sequence
addresses solely the Institute of National bank in order to ascertain whether how the
European Court of Human Rights applies to effectively contributes tool for the creation of this
common law and if possible harmonization between universalism of human rights and
cultural relativism of plurality and particularism
Keywords Europe universalism relativism common law national margin of appreciation
7
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 8
1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM
DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS 11
11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave
criaccedilatildeo de um direito comum 11
12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias
juriacutedicas a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da
figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo 20
2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU 33
21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem
Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu 33
22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos 43
CONCLUSAtildeO 57
REFEREcircNCIAS 59
8
INTRODUCcedilAtildeO
No iniacutecio do seacuteculo XX Hans Kelsen1 em ldquoTeoria Pura do Direitordquo defendeu a tese de
que para entender a ciecircncia juriacutedica era necessaacuterio observaacute-la de modo dissociado de outras
ciecircncias O autor propocircs a compreensatildeo do direito a partir da famosa piracircmide kelseniana a
norma fundamental ndash a Constituiccedilatildeo ndash estaria no topo da piracircmide e seria capaz de dotar de
validade o restante do ordenamento juriacutedico Abaixo desta norma fundamental estariam as
demais leis e regras do direito sendo que tal formulaccedilatildeo estagnada e sistemaacutetica da ordem
juriacutedica adequava-se aos anseios de organizaccedilatildeo de uma sociedade industrial
Todavia por trabalhar com conflitos sociais o direito natildeo fica alheio agraves vicissitudes
do seacuteculo XX sendo que a Europa apresenta-se como um importante laboratoacuterio de
observaccedilatildeo de mudanccedilas Apoacutes a Segunda Guerra Mundial emergem na sociedade poacutes-
industrial e posteriormente informacional novas estruturas juriacutedicas que natildeo mais satildeo
capazes de se adequar agrave inflexiacutevel loacutegica hieraacuterquica kelseniana Estamos na era do que
Losano2denomina de ldquodireito turbulentordquo que se move se agita e muda de modo veloz assim
como a sociedade que o cerca embora natildeo tatildeo rapidamente quanto esta sociedade
Em razatildeo disso novas geometrias satildeo criadas para tentar explicar o panorama juriacutedico
da sociedade atual Na Europa por exemplo em que temos convivendo sistemas juriacutedicos de
origens e de ordens diversas ndash sistema internacional nacional supranacional ndash autores
determinam que se vive o tempo do Estado em Rede3ou dos aneacuteis disformes com a
proximidade de guirlandas4 ocasionando ao mais despercebido leitor da realidade um
sentimento de caos juriacutedico
Nesse sentido eacute possiacutevel destacar o pensamento de Mireille Delmas-Marty5 que
revoluciona o pensamento de Kelsen Segundo ela essa falta de sistematizaccedilatildeo
aparentemente anaacuterquica eacute solo feacutertil para a construccedilatildeo de um direito comum pluralista em
1 KELSEN Hans Teoria Pura do Direito Traduccedilatildeo de Joatildeo Baptista Machado Satildeo Paulo Martins Fontes
1996 2 LOSANO Mario G Modelos teoacutericos inclusive na praacutetica da piracircmide agrave rede Novos paradigmas nas
relaccedilotildees entre direitos nacionais e normativas supraestatais Revista do Instituto dos Advogados do Estado de
Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 08 n16 p 264-284 2005 3 CASTELLS Manuel Para o Estado-Rede globalizaccedilatildeo econocircmica e instituiccedilotildees poliacuteticas na era da
informaccedilatildeo In PEREIRA Luiz Carlos Bresser WILHEIM Jorge SOLA Lourdes (Org) Sociedade e Estado
em transformaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora UNESP Brasiacutelia ENAP 1999a p164 4 DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006
5 Id 2004a
9
mateacuteria de direitos humanos A sociedade em tempos de globalizaccedilatildeo precisa resistir ao
processo de desumanizaccedilatildeo e de coisificaccedilatildeo do homem de modo que a base para a
construccedilatildeo desse direito comum pluralista devem ser os direitos humanos
Sob a oacutetica europeia que seraacute aqui analisada por ser um importante referencial para os
estudos das mudanccedilas sociais e juriacutedicas dos seacuteculos XX e XXI de que direitos humanos
referimo-nos para ser a base de um direito comum Em um continente tatildeo muacuteltiplo e plural
como realizar o diaacutelogo positivo entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo
das diferentes culturas
Sob esta oacutetica emerge a figura central desse estudo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
(MNA) bem como sua contribuiccedilatildeo para a construccedilatildeo de um direito comum e para a
harmonizaccedilatildeo entre universalismo e relativismo no contexto da Europa Este recurso
hermenecircutico denominado Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo trata-se de uma construccedilatildeo
jurisprudencial criada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante tambeacutem
referido como Tribunal de Estrasburgo) com a finalidade de conferir algum espaccedilo de
deferecircncia para que os tribunais nacionais dos Estados possam decidir algumas questotildees
consoante suas particularidades locais
Embora esta seja a teoria sob a qual se alicerccedila o instituto almeja-se neste trabalho
responder os seguintes questionamentos a doutrina da MNA aplicada pelo Tribunal Europeu
dos Direitos Humanos contribui para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema
europeu de proteccedilatildeo dos direitos do homem Em sua aplicaccedilatildeo praacutetica a margem se mostra
como um recurso eficaz para harmonizar o universalismo dos direitos humanos e o pluralismo
advindo das diversidades culturais e religiosas dos diferentes paiacuteses que fazem parte do
Conselho da Europa
Para responder tal questionamento utilizou-se o meacutetodo dedutivo como meacutetodo de
abordagem e o meacutetodo monograacutefico de procedimento atraveacutes da leitura e fichamento das
diferentes construccedilotildees teoacutericas e doutrinaacuterias sobre o tema bem como anaacutelise de alguns
julgamentos paradigmaacuteticos do Tribunal de Estrasburgo Para melhor compreensatildeo da
complexidade do tema trabalhado dividiu-se esta monografia em duas grandes partes a parte
1 se ocupa da paisagem europeia no poacutes-Segunda Guerra Mundial com a criaccedilatildeo da ldquopequena
Europardquo do direito comunitaacuterio e da ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos
direitos humanos avaliando em ambos os cenaacuterios de que modo se deu a preocupaccedilatildeo com a
temaacutetica dos direitos humanos ou fundamentais (11)
Por conseguinte no intuito de aprofundar o estudo sobre a possibilidade de criaccedilatildeo de
um direito comum no contexto da ldquogrande Europardquo buscou-se uma anaacutelise das novas
10
geometrias da paisagem juriacutedica e do tipo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos que se
procura dentro desse cenaacuterio avaliando por conseguinte o surgimento da figura da MNA
(12) A parte 2 por sua vez objetiva a anaacutelise pura do instituto da Margem Nacional de
Apreciaccedilatildeo averiguando o histoacuterico de sua criaccedilatildeo e as definiccedilotildees acerca de seu conceito
(21) para na sequecircncia avaliar a partir da anaacutelise de alguns julgamentos paradigmaacuteticos do
Tribunal de Estrasburgo se tal ferramenta hermenecircutica se demonstra eficaz no processo de
harmonizaccedilatildeo das tensotildees entre universalismo e relativismos e se pode ser relevante no
processo de criaccedilatildeo de um direito comum cuja base satildeo os direitos humanos (22)
11
1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM
DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS
O seacuteculo XX trouxe mudanccedilas significativas para os mais diversos segmentos da vida
social e o direito natildeo ficou alheio agraves vicissitudes decorrentes do poacutes-Segunda Guerra Mundial
O continente europeu sobretudo passa a ser o cenaacuterio de revoluccedilotildees na estrutura juriacutedica ateacute
entatildeo conhecida com o surgimento praticamente concomitante de instituiccedilotildees supranacionais
e internacionais para aleacutem das nacionais
Neste vieacutes uma das preocupaccedilotildees primordiais do poacutes-guerra foi a de garantir a tutela
dos direitos humanos mesmo diante das mudanccedilas latentes no cenaacuterio juriacutedico Desta feita
deparamo-nos com duas esferas dentro do cenaacuterio europeu a ldquopequena Europardquo que origina
um direito comunitaacuterio europeu o qual mesmo tendo se ocupado com questotildees relativas agrave
economia e agrave integraccedilatildeo regional desenvolve a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais
atraveacutes do diaacutelogo jurisprudencial entre cortes de naturezas distintas e a ldquogrande Europardquo do
sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos espaccedilo haacutebil e possiacutevel para ser base de
criaccedilatildeo de um direito comum (11) Da evoluccedilatildeo de um campo ao outro a premissas de
universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo buscam
legitimar e consolidar a criaccedilatildeo desse direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
(12)
11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave
criaccedilatildeo de um direito comum
O historiador britacircnico Eric Hobsbawn6 talvez tenha encontrado a melhor adjetivaccedilatildeo
para o seacuteculo XX a ldquoEra dos Extremosrdquo Nas palavras do proacuteprio autor ldquoNatildeo sabemos o que
6 HOBSBAWN Eric A era dos extremos o breve seacuteculo XX 1941-1991 Satildeo Paulo Companhia das Letras
1995
12
viraacute a seguir nem como seraacute o segundo milecircnio embora possamos ter a certeza de que ele
teraacute sido moldado pelo Breve Seacuteculo XXrdquo7
Nesse sentido a Segunda Guerra Mundial representa o marco crucial natildeo soacute para a
preocupaccedilatildeo global em relaccedilatildeo aos direitos humanos8 com a criaccedilatildeo e fortalecimento de uma
grande quantidade de instrumentos normativos responsaacuteveis por sua tutela em acircmbito
mundial como tambeacutem para o surgimento de uma nova Europa Apoacutes o teacutermino da guerra
que teve como palco principal de seus acontecimentos o continente europeu diversos paiacuteses
se encontravam em uma situaccedilatildeo de caos politico fragmentaccedilatildeo e enfraquecimento
econocircmico aleacutem do perigo iminente de eclosatildeo de uma nova disputa de proporccedilotildees mundiais
advinda da dicotomia entre capitalismo e socialismo na entatildeo incipiente Guerra Fria
Eacute nesse contexto que emerge a ideia de criaccedilatildeo de um espaccedilo comum europeu
consubstanciado atraveacutes da integraccedilatildeo regional entre os paiacuteses do continente Ainda no inicio
do seacuteculo XX eacute possiacutevel destacar a ocorrecircncia de propostas relativamente concretas para a
integraccedilatildeo europeia como eacute o caso da proposta do francecircs Aristides Briand em 1929 de
criaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia sob a oacutetica de uma federaccedilatildeo ou seja fundada sob uma
noccedilatildeo de uniatildeo o que implica o respeito agrave soberania9 Todavia a crise econocircmica mundial a
ascensatildeo de nacionalismos na Europa e por fim a eclosatildeo da segunda grande guerra
obstaculizaram a adesatildeo a essa proposta
O cenaacuterio do poacutes-guerra de desintegraccedilatildeo social e miseacuteria econocircmica em grande parte
dos paiacuteses envolvidos gerou a instalaccedilatildeo do Congresso da Europa em Haia nas datas de 7 a
11 de maio de 1948 no qual houve a criaccedilatildeo do ldquoMovimento Europeurdquo No referido
congresso duas correntes foram estabelecidas as quais impulsionaram o surgimento da
ldquopequena Europardquo10
e da ldquogrande Europardquo respectivamente a Europa dos federalistas e a
7 Ibid p14
8 Pode-se nesse sentido destacar a descriccedilatildeo de Valeacuterio Mazzuoli de que desde a Segunda Guerra Mundial em
decorrecircncia dos horrores e atrocidades cometidos durante esse periacuteodo em que muitas vidas eram consideradas
como nuacutemeros e valiam tatildeo pouco os direitos humanos passaram a constituir um dos principais temas do Direito
Internacional contemporacircneo A normatividade internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos foi conquistada
por meio de lutas histoacuterias contiacutenuas e incessantes e consubstanciada em diversos tratados concluiacutedos com esse
propoacutesito tendo sido fruto de um lento e gradual processo de internacionalizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo desses
mesmos direitos o qual fora intensificado com o fim da Segunda Guerra Mundial MAZZUOLI Valeacuterio de
Oliveira Curso de Direito Internacional Puacuteblico 5 ed Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 811 9 SILVA Karine de Sousa Uniatildeo Europeia antecedentes e evoluccedilatildeo histoacuterica In SILVA Karine de Souza
COSTA Rogeacuterio Santos da(Org) Organizaccedilotildees Internacionais de Integraccedilatildeo Regional Uniatildeo Europeia
Mercosul e UNASUL Florianoacutepolis Ed Da UFSC Fundaccedilatildeo Boiteux 2013 p 54 10
Doravante por ldquopequena Europardquo estar-se-aacute referindo aos paiacuteses participantes da Uniatildeo Europeia sujeitos
portanto agraves decisotildees das instituiccedilotildees da Uniatildeo dentre as quais se destaca o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo
Europeia ldquoGrande Europardquo por sua vez refere-se aos paiacuteses que aderiram ao Conselho da Europa que hoje
somam um total de 47 (quarenta e sete) membros e que se submetem agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal Europeu de
Direitos Humanos PRINO Carla Sofia Abreu Relaccedilotildees entre TJUE e TEDH no contexto de adesatildeo da UE agrave
13
Europa dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental11
Os primeiros defendiam uma
integraccedilatildeo mais profunda entre os paiacuteses com transferecircncia de parcela de soberania dos
Estados para uma instituiccedilatildeo com poderes supranacionais sendo esta a base para a criaccedilatildeo da
Comunidade Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) Os segundos por sua vez se opunham agrave
cessatildeo de direitos soberanos impulsionando com seus ideais a criaccedilatildeo em 1949 do
Conselho da Europa com sede em Estrasburgo
Natildeo obstante essa divisatildeo surgida no Congresso da Europa eacute possiacutevel afirmar que a
base de construccedilatildeo da atual Uniatildeo Europeia deu-se com a criaccedilatildeo da Comunidade Europeia
do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) movida pelos ideais integracionistas do francecircs Jean Monnet
Contratado no poacutes-guerra para participar do Plano de Modernizaccedilatildeo e Equipamento da
Franccedila Monnet tinha medo de que o Plano Marshall norte-americano de empreacutestimo de
dinheiro para a reconstruccedilatildeo da Europa pudesse gerar uma diacutevida eterna aos paiacuteses do
continente com os Estados Unidos e para escapar disso via como uacutenica soluccedilatildeo a promoccedilatildeo
de um esforccedilo comum dos Estados atraveacutes de projetos de integraccedilatildeo regional
Por isso redigindo o texto da Declaraccedilatildeo de Schuman de 1950 Monet propagava a
ideia de integraccedilatildeo como meio de assegurar a paz e reerguer a poliacutetica e a economia dos
paiacuteses que foram destruiacutedos pela guerra Nesse sentido sua ideia foi a partir de uma ideologia
pacifista de influecircncia kantiana neutralizar a rivalidade franco-alematilde atraveacutes de uma espeacutecie
de mercado comum com a criaccedilatildeo de uma organizaccedilatildeo internacional com caraacuteter
supranacional que seria responsaacutevel pela gestatildeo dos recursos naturais da regiatildeo do Sarre e do
Ruhr os quais seriam colocados a serviccedilo da paz e natildeo da guerra12
A proposta integracionista daquele que eacute considerado o arquiteto do projeto de
integraccedilatildeo europeia era de retirar da matildeo dos Estados a capacidade de gestatildeo dos recursos
energeacuteticos que movimentavam a induacutestria beacutelica e da guerra Desta forma uma autoridade
internacional mais especificamente uma organizaccedilatildeo internacional setorial seria criada com
um status supranacional para gerenciar e administrar a produccedilatildeo de carvatildeo e de accedilo
funcionando atraveacutes da delegaccedilatildeo de parcelas da soberania estatal em questotildees especiacuteficas
Assim em 1951 com a assinatura do Tratado de Paris criou-se a Comunidade
Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) com a participaccedilatildeo inicial de seis paiacuteses Franccedila
Alemanha Itaacutelia Beacutelgica Holanda e Luxemburgo Posteriormente em 1957 com o Tratado
CEDH Debater a Europa Nuacutemero 4 JaneiroJunho 2011 Disponiacutevel em httpwwweurope-direct-
aveiroaevaeudebatereuropa Acesso 10 out 2014 11
SILVA Karine de Sousa De Paris a Lisboa sessenta anos de integraccedilatildeo europeia In SILVA Karine de
Souza Mercosul e Uniatildeo Europeia O Estado da arte dos processos de integraccedilatildeo regional Florianoacutepolis
Editora Modelo 2010 p 35 12
Ibid p 60
14
de Roma a Comunidade Econocircmica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia para a
Energia Atocircmica (CEEA ou Euratom) foram criadas consolidando-se deste modo as trecircs
comunidades que fizerem emergir o direito comunitaacuterio no seio da Europa Foi contudo
somente em 1992 com o Tratado de Maastrich ou Tratado da Uniatildeo Europeia que nasceu a
Uniatildeo Europeia propriamente dita consagrada em trecircs pilares baacutesicos as comunidades que
inicialmente lhe deram base a colaboraccedilatildeo em mateacuteria de poliacutetica exterior e seguranccedila
comum e a cooperaccedilatildeo no acircmbito judicial e policial em mateacuteria penal13
Visiacutevel deste modo que o que impulsionou a criaccedilatildeo de um direito comunitaacuterio
europeu foi a necessidade de reorganizaccedilatildeo do continente apoacutes 1945 e o fortalecimento
econocircmico de antigas potecircncias rivais como foi o caso da Franccedila e da Alemanha Ocorre que
de modo concomitante ao crescimento dos ideais dos federalistas a segunda corrente oriunda
do Congresso da Europa de 1949 dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental tambeacutem
cresceu e se tornou visiacutevel vez que possuiacutea como objetivo a realizaccedilatildeo de uma uniatildeo mais
estreita entre seus membros de modo a salvaguardar os ideais e princiacutepios que satildeo seu
patrimocircnio comum e favorecer seu progresso social e econocircmico
O Conselho da Europa surgido em 1949 portanto configura-se como outra
organizaccedilatildeo internacional surgida na Europa do poacutes-guerra tendo como base a consolidaccedilatildeo
sob o principio da cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses e natildeo o federalismo que implica cessatildeo de
parcelas da soberania Seu propoacutesito eacute o de defesa dos direitos humanos desenvolvimento
democraacutetico e estabilidade poliacutetico-social na Europa sendo chamado de ldquogrande Europardquo por
desde o iniacutecio contar com mais adesotildees de paiacuteses em relaccedilatildeo agrave CECA Eacute justamente dentro
desse Conselho que surge o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em 1959
oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa e
responsaacutevel pela tutela dos direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem
(CEDH) de 1950
A eclosatildeo desses dois movimentos marca o iniacutecio de uma verdadeira revoluccedilatildeo dentro
da compreensatildeo do direito Se antes no continente europeu era possiacutevel vislumbrar a
existecircncia em grande medida e tatildeo somente de tribunais nacionais cuja competecircncia era
exercida dentro de determinado Estado sob a eacutegide de sua soberania o cenaacuterio altera-se e daacute
espaccedilo para a existecircncia natildeo soacute de tribunais nacionais como tambeacutem de tribunais
supranacionais e internacionais
13
Ibidem p 77
15
No caso do direito comunitaacuterio sua criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de
instituiccedilotildees que fortaleccedilam o sistema supranacional Em funccedilatildeo disso dentre os mais diversos
oacutergatildeos criados pelos sucessivos tratados comunitaacuterios pode-se destacar o Tribunal de Justiccedila
da Uniatildeo Europeia (TJUE) ou Tribunal de Luxemburgo
Este criado pelo Tratado de Paris de 1951 e adotado pelo Tratado de Roma de 1957
tem a finalidade de assegurar o cumprimento do direito comunitaacuterio e a interpretaccedilatildeo e
aplicaccedilatildeo dos Tratados dentro a vida da comunidade14
Submetem-se agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal
atualmente os vinte e oito15
paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e ao longo dos anos
ele se desenvolveu como uma importante instituiccedilatildeo capaz de contribuir ao desenvolvimento
da comunidade atraveacutes de consolidaccedilotildees jurisprudenciais e da conversatildeo dos tratados
constitutivos da comunidade em verdadeiras constituiccedilotildees materiais
Embora a preocupaccedilatildeo com os direitos humanos no cenaacuterio da ldquopequena Europardquo natildeo
tenha sido uma caracteriacutestica inicial dos tratados constitutivos das comunidades europeias o
diaacutelogo do Tribunal de Luxemburgo com os tribunais nacionais de alguns Estados europeus
traz agrave tona esse tema bem como se caracteriza por ser o grande responsaacutevel pela consolidaccedilatildeo
de princiacutepios baacutesicos do direito comunitaacuterio como eacute o caso da supremacia das normas
comunitaacuterias Neste vieacutes importante destaque deve ser feito ao caso CostaENEL16
de 1964
que marcou o surgimento da noccedilatildeo de supremacia das normas da comunidade europeia
O objeto de tal caso fora uma lei italiana de nacionalizaccedilatildeo da energia eleacutetrica
declarada incompatiacutevel com o Tratado da Comunidade Econocircmica Europeia Em sede de
reenvio prejudicial o Tribunal Constitucional Italiano enviou a questatildeo ao Tribunal de Justiccedila
da Uniatildeo Europeia o qual reconheceu que ao instituir uma comunidade de duraccedilatildeo ilimitada
com caraacuteter sui generis e poderes resultantes de delegaccedilatildeo de parcela da soberania os paiacuteses
limitariam seus direitos soberanos em prol de um conjunto de normas aplicaacutevel natildeo soacute agrave
comunidade como a todos os seus Estados membros17
14
OLIVEIRA Odete Maria de Uniatildeo Europeia processos de integraccedilatildeo e mutaccedilatildeo 1ordfed 3ordf tir Curitiba
Juruaacute 2003 15
Os vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia satildeo Alemanha Aacuteustria Beacutelgica Bulgaacuteria Chipre
Croaacutecia Dinamarca Eslovaacutequia Eslovecircnia Espanha Estocircnia Finlacircndia Franccedila Greacutecia Hungria Irlanda Itaacutelia
Letocircnia Lituacircnia Luxemburgo Malta Paiacuteses Baixos Polocircnia Portugal Reino Unido Repuacuteblica Checa
Romecircnia Sueacutecia Dados disponiacuteveis no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeuropaeuabout-
eucountriesmember-countriesindex_pthtm Acesso 01 nov 2014 16
O acoacuterdatildeo do referido caso encontra-se disponiacutevel na iacutentegra no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeur-
lexeuropaeulegal-contentPTTXTPDFuri=CELEX61964CJ0006ampfrom=EN Acesso 02 out 2014 17
FARENZENA Sueacutelen Costa versus ENEL ndash O primado do Direito Comunitaacuterio e a mudanccedila de paradigma o
Estado em rede europeu Revista da SJRJ Vol 19 nordm34 Rio de Janeiro 2012 Disponiacutevel em
httpwww4jfrjjusbrseerindexphprevista_sjrjarticleviewFile338296 Acesso 01 out 2014
16
Neste sentido determinou o Tribunal de Luxemburgo que a forccedila executiva do direito
comunitaacuterio natildeo poderia variar de um espaccedilo para outro ao sabor das legislaccedilotildees internas
Impossiacutevel portanto um Estado fazer prevalecer sobre uma ordem juriacutedica aceita sob o pilar
da reciprocidade e da cessatildeo de parcela de direitos soberanos uma medida unilateral anterior
ou posterior que lhe pode opor
Natildeo obstante tal decisatildeo a ideia de supremacia das normas comunitaacuterias por si soacute
natildeo foi adotada de modo paciacutefico por todos os tribunais constitucionais dos paiacuteses sujeitos agrave
jurisdiccedilatildeo do Tribunal de Luxemburgo Em funccedilatildeo disso houve a percepccedilatildeo por parte dos
juiacutezes do TJUE de que seria necessaacuterio acoplar agrave ideia de supremacia das normas
comunitaacuterias um discurso dotado de legitimidade que envolvesse princiacutepios e ideais comuns
natildeo soacute para a comunidade como para os Estados membros Esse discurso portanto seria o
discurso dos direitos fundamentais18
Ateacute o surgimento de algumas tensotildees entre os posicionamentos dos tribunais nacionais
e as decisotildees do TJUE havia certa resistecircncia por parte deste uacuteltimo em lidar com questotildees
concernentes aos direitos humanos ou fundamentais Isto porque o motivo que levou agrave criaccedilatildeo
das Comunidades Europeias e a posterior Uniatildeo Europeia foi predominantemente econocircmico
tanto eacute que os tratados iniciais das Comunidades Europeias natildeo trazem elementos que refiram
explicitamente a preocupaccedilatildeo com direitos humanos ou fundamentais19
Entretanto consoante
fora asseverado a supremacia das normas comunitaacuterias somente conseguiria se afirmar e se
consolidar caso fosse acoplada ao tema da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais
Neste sentido a deacutecada de 1960 pode ser vista como um importante marco para o
TJUE Casos como o Stauder (1969) e o Internationale Handelsgesellschaft20
(1970)
18
GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional
algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em
httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014 19
Pertinente o destaque da concepccedilatildeo de Gilmar Mendes e Geroge Rodrigo Bandeira Galindo sobre este tema
Segundo eles os instrumentos que instituiacuteram as comunidades europeias natildeo se referem de maneira expliacutecita agrave
proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais e haacute razotildees para isso A primeira delas reside no fato de que a
proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa deveria ser transferida para outra organizaccedilatildeo internacional no caso o
Conselho da Europa que foi uma instituiccedilatildeo fundamental para a elaboraccedilatildeo da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos
do Homem de 1950 Outra razatildeo sustenta-se na ideia de que a inclusatildeo imediata de um cataacutelogo de direitos
fundamentais nos tratados instituidores das Comunidades Europeias geraria conflitos entre as consolidadas
constituiccedilotildees estatais e o entatildeo incipiente direito comunitaacuterio Por fim outra razatildeo apontada eacute traduzida no fato
de que os Estados eram temerosos de que a imediata inclusatildeo de temas de direitos fundamentais ou humanos nos
tratados instituidores das Comunidades pudesse ampliar as competecircncias de prerrogativas de instituiccedilotildees receacutem-
criadas Ibidem p03
De qualquer forma houve no processo de germinaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia nos moldes em que hoje
conhecemos a predominacircncia de ideias economicistas e de integraccedilatildeo regional com base na aproximaccedilatildeo de
ideais produtivos e de mercado A preocupaccedilatildeo com a tutela de direitos humanos ou fundamentais surge atraveacutes
dos diaacutelogos espontacircneos entre as cortes constitucionais e o Tribunal de Luxemburgo 20
Neste caso o raciociacutenio da corte faz clara alusatildeo agrave vinculaccedilatildeo entre primazia do direito comunitaacuterio e a
proteccedilatildeo dos direitos fundamentais por parte das instituiccedilotildees comunitaacuterias Os pontos 3 e 4 do julgamento do
17
consolidaram o entendimento do Tribunal de Luxemburgo de que os direitos fundamentais
fazem parte dos princiacutepios gerais do direito comunitaacuterio Conflitos positivos de competecircncias
entre tribunais nacionais e o tribunal supranacional instituiacutedo no acircmbito da comunidade
marcaram os diaacutelogos iniciais para a estimulaccedilatildeo da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais em
acircmbito comunitaacuterio
Como continuidade deste diaacutelogo eacute pertinente destacar o caso Nold (1974) no qual o
Tribunal de Luxemburgo reconheceu como pauta geral para o direito comunitaacuterio europeu o
predomiacutenio dos direitos fundamentais Com isso mais uma vez reafirmou-se a ideia de que o
direito comunitaacuterio tem supremacia sobre as disposiccedilotildees legais nacionais mas que de toda a
sorte deve se adaptar a uma base comum de valores como os determinados por exemplo
pela Convenccedilatildeo Europeia de Direito do Homem
Por isso fala-se que este caso fixa um terceiro elemento no nuacutecleo de salvaguarda dos
direitos fundamentais aleacutem das tradiccedilotildees constitucionais comuns e dos direitos fundamentais
garantidos nas Constituiccedilotildees dos Estados os instrumentos internacionais relativos agrave proteccedilatildeo
dos direitos humanos passam a ser uma importante fonte de inspiraccedilatildeo para a proteccedilatildeo de
direitos em acircmbito comunitaacuterio Em funccedilatildeo disso inclusive em 1975 o TJUE pela primeira
vez recorreu agrave Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem no caso Rutili21
Apesar de tal decisatildeo do caso Nold o emblemaacutetico caso Solange levou agrave confirmaccedilatildeo
e consolidaccedilatildeo da vigecircncia dos direitos fundamentais no acircmbito da Comunidade Neste caso
em 1974 o Tribunal Constitucional alematildeo determinou que enquanto a Comunidade natildeo
dispusesse de um sistema de proteccedilatildeo de direitos comparaacutevel ou equiparado agrave Lei
Fundamental de Bonn ou seja enquanto natildeo houvesse um cataacutelogo de direitos fundamentais
aplicaacuteveis agrave Comunidade Europeia as instituiccedilotildees comunitaacuterias seriam ineficazes no que
concerne agrave proteccedilatildeo desses direitos22
TJUE respectivamente determinam que 3 A validade de uma medida comunitaacuteria ou de seus efeitos em um
Estado membro natildeo podem ser afetadas por alegaccedilotildees de que ela contraria direitos fundamentais tal como
formuladas pela Constituiccedilatildeo do Estado ou princiacutepios de uma estrutura constitucional nacional() 4() o
respeito pelos direitos fundamentais forma uma parte integral dos princiacutepios gerais de direito protegidos pela
Corte de Justiccedila A proteccedilatildeo de tais direitos enquanto inspirada pelas tradiccedilotildees constitucionais comuns aos
Estados membros deve ser assegurada no acircmbito da estrutura e dos objetivos da Comunidaderdquo Ibidem p4 21
O caso Rutilli caracteriza-se por ser a primeira referecircncia jurisprudencial feita pelo Tribunal de Luxemburgo agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem ou seja a utilizaccedilatildeo por parte de um tribunal supranacional de um
marco normativo essencial natildeo para o direito comunitaacuterio mas para o sistema regional de proteccedilatildeo aos direitos
humanos Nesse caso o Tribunal de Luxemburgo afirmou que as normas de direito comunitaacuterio natildeo era mais do
que uma manifestaccedilatildeo de princiacutepios gerais de direito consagrados na Convenccedilatildeo 22
GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional
algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em
httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014
18
Como resultado de tal caso natildeo soacute o Tribunal de Luxemburgo passou a consolidar um
entendimento jurisprudencial favoraacutevel ao respeito e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais
como demais instituiccedilotildees da entatildeo Comunidade Europeia assim agiram Em funccedilatildeo disso diz-
se que o principal resultado do caso Solange foi uma resoluccedilatildeo conjunta datada de 5 de abril
de 1977 entre Parlamento Europeu Conselho Europeu e Comissatildeo Europeia denominada
ldquoDeclaraccedilatildeo Conjunta sobre Direitos Fundamentaisrdquo23
Nesta ressaltou-se a necessidade do
respeito em acircmbito comunitaacuterio dos direitos fundamentais consagrados pelas tradiccedilotildees
constitucionais dos Estados membros e pela Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos
Os direitos fundamentais atraveacutes desse diaacutelogo jurisprudencial entre as cortes de
esperas diferentes (supranacional e nacionais) apareceram de modo progressivo no direito
comunitaacuterio europeu tornando-se paracircmetros de validade das normas da Uniatildeo Qualquer
norma seja comunitaacuteria seja nacional que contrariasse os direitos fundamentais seria
considerada invaacutelida
A tendecircncia jurisprudencial do TJUE de vincular a noccedilatildeo de supremacia das normas
comunitaacuterias com a proteccedilatildeo aos direitos fundamentais acabou por refletir no Tratado de
Maastricht de 1992 Tambeacutem chamado de Tratado da Uniatildeo Europeia este documento em
seu artigo F nuacutemero 2 determina que a Uniatildeo respeite os direitos fundamentais tal como os
garante a Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem24
Na esteira da inclusatildeo da proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em tratados o Tratado de
Lisboa de 2007 aleacutem de estabelecer personalidade juriacutedica agrave Uniatildeo Europeia25
determina que
a esta aderiraacute agrave Convenccedilatildeo Europeia para a proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e das Liberdades
Fundamentais sendo que a adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas
nos tratados26
23
XAVIER Ana Isabel Os Direitos Fundamentais no ldquodiaacutelogo europeurdquo de Nice a Lisboa In Debater a
Europa n 9 julhodezembro 2013 Disponiacutevel em httpeurope-direct-
aveiroaevaeudebatereuropaimagesn9axavierpdf Acesso em 03 out 2014 24
Artigo F n 2 ldquoA Uniatildeo respeitaraacute os direitos fundamentais tal como os garante a Convenccedilatildeo Europeia de
Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais assinada em Roma em 4 de novembro de
1950 e tal como resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-membros enquanto princiacutepios
gerais do direito comunitaacuteriordquo TRATADO DE MAASTRICHT 1992 Disponiacutevel em httpeuropaeueu-
lawdecision-makingtreatiespdftreaty_on_european_uniontreaty_on_european_union_ptpdf Acesso 15 out
2014 25
O artigo 46-A do Tratado de Lisboa determina que ldquoA Uniatildeo tem personalidade juriacutedicardquo TRATADO DE
LISBOA 2007 Disponiacutevel em httpeur-lexeuropaeulegal-
contentPTTXTPDFuri=OJC2007306FULLampfrom=PT Acesso 16 out 2014 26
O artigo 6ordf do Tratado de Lisboa determina que ldquo1 A Uniatildeo reconhece os direitos as liberdades e os
princiacutepios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da Uniatildeo Europeia de 7 de Dezembro de 2000 com
as adaptaccedilotildees que lhe foram introduzidas em 12 de Dezembro de 2007 em Estrasburgo e que tem o mesmo
valor juriacutedico que os Tratados De forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competecircncias da Uniatildeo tal
como definidas nos Tratados Os direitos as liberdades e os princiacutepios consagrados na Carta devem ser
interpretados de acordo com as disposiccedilotildees gerais constantes do Tiacutetulo VII da Carta que regem a sua
19
Mesmo que o ideal de Constituiccedilatildeo para a Uniatildeo Europeia natildeo tenha sido aprovado
pelos Estados membros as regras de supremacia das normas comunitaacuterias e de proteccedilatildeo aos
direitos fundamentais consagrados natildeo soacute nas Constituiccedilotildees como nas proacuteprias tradiccedilotildees
constitucionais dos Estados regem as decisotildees do Tribunal supranacional que existe no
continente Por isso mesmo que a preocupaccedilatildeo inicial da ldquopequena Europardquo tenha sido a
integraccedilatildeo econocircmica dos paiacuteses devastados pela guerra para que pudessem voltar a ser
competitivos internacionalmente ao longo do tempo sentiu-se a necessidade de trazer para
dentro do direito comunitaacuterio noccedilotildees acerca dos direitos fundamentais e humanos de modo
que hoje estes se encontram tutelados por instrumentos e oacutergatildeos supranacionais especiacuteficos
Ocorre que conforme se mencionou no iniacutecio deste subcapiacutetulo o cenaacuterio europeu
pode ser vislumbrado sob duas oacuteticas distintas desde o Congresso da Europa a oacutetica
federalista que impulsiona a criaccedilatildeo da Uniatildeo Europeia e de um direito comunitaacuterio europeu
e o vieacutes da cooperaccedilatildeo internacional marcado pela criaccedilatildeo do Conselho da Europa e de um
sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos o qual exige o pensamento acerca
da possibilidade da construccedilatildeo de um direito comum europeu
Nesse aspecto acerca do conceito de comum eacute pertinente remontar agraves premissas de
Dardot et Laval27
Para os autores o comum do direito segundo uma loacutegica de interpretaccedilatildeo
neoliberal natildeo seraacute outro que o direito de propriedade dos contratos e do lucro Eacute justamente
contra esse tipo de concepccedilatildeo trazido pelos efeitos nefastos da globalizaccedilatildeo que se invoca a
defesa e a reabilitaccedilatildeo do conceito de comum que deve ser entendido sob uma loacutegica de bases
uniacutessonas em mateacuteria de direitos humanos
Em razatildeo disso eacute no acircmbito da ldquogrande Europardquo ou seja do sistema regional europeu
de proteccedilatildeo dos direitos do homem que se vislumbram bases para a criaccedilatildeo de um direito
comum cuja premissa eacute a busca do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano28
Deste
modo no panorama apresentado se vislumbra de modo claro que embora existam regras
princiacutepios e instituiccedilotildees para reger o direito comunitaacuterio europeu (regras previstas nos
tratados da Uniatildeo Europeia e pacificadas pelo ativismo do TJUE) na ldquopequena Europardquo em
interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo e tendo na devida conta as anotaccedilotildees a que a Carta faz referecircncia que indicam as fontes
dessas disposiccedilotildees 2 A Uniatildeo adere agrave Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais Essa adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas nos Tratados3
Do direito da Uniatildeo fazem parte enquanto princiacutepios gerais os direitos fundamentais tal como os garante a
Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como
resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-Membrosrdquo Ibid 2007 27
DARDOT Pierre LAVAL Cristian COMMUN essai sur la revolutiona au XXeme siegravecle Paris La
deacutecouverte 2014 p 287 28
DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio
de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b
20
mateacuteria de direitos humanos e no acircmbito de um processo de globalizaccedilatildeo eacute preciso avanccedilar
na compreensatildeo do espaccedilo europeu para no acircmbito do sistema regional consolidar as bases
para a criaccedilatildeo de um direito comum
12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias juriacutedicas
a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da figura da
Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
O Congresso da Europa sob o aspecto juriacutedico dividiu o continente em blocos
autocircnomos dentro de um sistema multicecircntrico Nesse sentido Mireille Delmas-Marty29
assevera que natildeo existe uma unidade juriacutedica chamada Europa ou sequer uma visatildeo uacutenica e
preestabelecida do continente
Pelo contraacuterio existe uma Europa feita de instituiccedilotildees juriacutedicas diversas cada uma
com regras e princiacutepios especiacuteficos Neste sentido de um lado tem-se a ldquopequena Europardquo
composta pelos vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e que possui um ideal
primordialmente econocircmico com os objetivos de livre circulaccedilatildeo de pessoas e de
mercadorias bem como de instituiccedilatildeo de uma moeda uacutenica sob a perspectiva de abertura de
fronteira entre os paiacuteses Sob este ideal desenvolve-se a base para o direito comunitaacuterio que
possui como instituiccedilatildeo juriacutedica maacutexima o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo Europeia (TJUE)
com caraacuteter supranacional
Na Europa dos ldquoVinte e Oitordquo portanto sob o ideal integracionista surge o chamado
direito comunitaacuterio europeu o qual atraveacutes de direito originaacuterio (tratados constitutivos) e
direito derivado (normas emanadas de oacutergatildeos de competecircncia legislativa da Uniatildeo) forma o
sistema juriacutedico-poliacutetico e juriacutedico-econocircmico da Uniatildeo Europeia A peculiaridade desta nova
ordem formada eacute a de natildeo querer unificar a ordem juriacutedica dos paiacuteses europeus mas de
uniformizar em algumas mateacuterias as normas do bloco criado Justamente por isso a
supranacionalidade intriacutenseca ao direito comunitaacuterio natildeo se confunde com o direito
internacional
Sob as bases de interesses econocircmicos tem-se o objetivo de chegar a uma integraccedilatildeo
nas aacutereas concernentes agrave poliacutetica cultura dentre outras sob uma relaccedilatildeo de integraccedilatildeo entre o
29
Id 2004a p47
21
ordenamento juriacutedico comunitaacuterio e o ordenamento interno de cada Estado Sem sombra de
duacutevidas a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais se insere nessas relaccedilotildees mas com o
intuito de fortalecer o ideal de supremacia das normas comunitaacuterias Em funccedilatildeo de tal
premissa tem-se a necessidade de preservar o estaacutegio alcanccedilado pelo processo de integraccedilatildeo e
por isso um ordenamento juriacutedico comunitaacuterio eacute formado Entretanto eacute preciso avanccedilar no
processo de tutela dos direitos humanos em um contexto tatildeo plural como o europeu
Deste modo de outro lado tem-se a ldquogrande Europardquo criada pelo Conselho da Europa
perfazendo uma cooperaccedilatildeo poliacutetica que hoje abriga quarenta e sete membros30
signataacuterios da
Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais
(CEDH) O oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do Conselho da Europa eacute o Tribunal Europeu dos Direitos
do Homem (TEDH) sediado em Estrasburgo e para o qual podem demandar tanto Estados
quanto indiviacuteduos viacutetimas de violaccedilotildees de direitos humanos reconhecidos pela convenccedilatildeo
Neste sentido o paraacutegrafo 3ordm31
do Preacircmbulo da CEDH de 1950 assevera que a
finalidade principal do Conselho da Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre seus
membros e que um dos meios para alcanccedilar esta finalidade eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais sendo tais direitos vistos como um meio
para uma progressiva integraccedilatildeo dos europeus Antes mesmo disso o Estatuto do Conselho da
Europa de 1949 havia asseverado que a finalidade da instituiccedilatildeo era criar uma organizaccedilatildeo
que levasse os paiacuteses do continente a uma associaccedilatildeo cuja base fosse a unidade entre seus
membros privilegiando ideais e princiacutepios comuns aos diferentes Estados
Essa configuraccedilatildeo surgida na segunda metade do seacuteculo XX produz alteraccedilotildees
significativas na conceituaccedilatildeo de alguns institutos juriacutedicos e poliacuteticos como eacute o caso do
Estado da soberania dentre outros Nesse sentido o cenaacuterio Europeu pode ser enxergado
como proacuteximo da noccedilatildeo de Estado em Rede proposto por Manuel Castells32
Em um mesmo
espaccedilo territorial a autoridade passa a ser partilhada ao longo de uma rede de instituiccedilotildees O
30
Os 47 paiacuteses que fazem parte do Conselho da Europa satildeo Beacutelgica Dinamarca Franccedila Irlanda Itaacutelia
Luxemburgo Paiacuteses Baixos Noruega Sueacutecia Reino Unido Greacutecia Turquia Islacircndia Alemanha Ocidental
Aacuteustria Chipre Suiacuteccedila Malta Portugal Espanha Liechtenstein Satildeo Marino Finlacircndia Hungria Polocircnia
Bulgaacuteria Estocircnia Lituacircnia Eslovecircnia Repuacuteblica Checa Eslovaacutequia Romecircnia Andorra Letocircnia Albacircnia
Moldaacutevia Macedocircnia Ucracircnia Ruacutessia Croaacutecia Geoacutergia Armecircnia Azerbaijatildeo Boacutesnia e Herzegovina Seacutervia
Mocircnaco Montenegro Disponiacutevel em
httpwwwcoeintptAboutCoemediainterfacepublicationscoe_dh_ptpdf Acesso 08 out 2014 31
O terceiro paraacutegrafo do preacircmbulo da CEDH dispotildee que ldquoConsiderando que a finalidade do Conselho da
Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre os seus Membros e que um dos meios de alcanccedilar essa finalidade
eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento dos direitos do homem e das liberdades fundamentais ()rdquo CONVENCcedilAtildeO
EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS
1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso em 08 out 2014 32
CASTELLS Manuel A era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura A sociedade em rede Vol 1 5
ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999b
22
Estado-naccedilatildeo claacutessico relaciona-se com instituiccedilotildees supranacionais e a rede formada possui
noacutes diversos e natildeo um centro uacutenico sendo que esses noacutes podem apresentar tamanhos distintos
e estar ligados por relaccedilotildees assimeacutetricas
Essas redes e seus noacutes portanto representam formas de poder paralelas e
complementares que satildeo autocircnomas uma em relaccedilatildeo agraves outras O espaccedilo europeu marcado
por um jaacute consolidado direito comunitaacuterio e por uma estrutura supranacional sui generis
tornou-se um verdadeiro campo de concorrecircncia convergecircncia justaposiccedilatildeo e conflito de
vaacuterias constituiccedilotildees e poderes constituintes em um mesmo espaccedilo poliacutetico levando a uma
pluralidade de ordenamentos e de normatividades
A supranacionalidade desenvolvida assemelha-se desta forma a um Estado em Rede
em funccedilatildeo de um novo paradigma de governanccedila estabelecido em diferentes niacuteveis com
diferentes noacutes de diferentes dimensotildees e com relaccedilotildees internacionais assimeacutetricas O Estado-
Naccedilatildeo claacutessico se articula cotidianamente na tomada de decisotildees com instituiccedilotildees
supranacionais de diferentes tipos e em acircmbitos distintos33
Em uma mesma organizaccedilatildeo
complexa temos entatildeo as caracteriacutesticas da descentralizaccedilatildeo e da coordenaccedilatildeo sobretudo no
aspecto normativo sendo que a crise do Estado-naccedilatildeo o desenvolvimento das instituiccedilotildees
supranacionais e a transferecircncia das atribuiccedilotildees e iniciativas aos acircmbitos regionais e locais satildeo
caracteriacutesticas que funcionam como base para o desenvolvimento do Estado em Rede
Nesse acircmbito ainda eacute possiacutevel acrescentar a definiccedilatildeo de Marcelo Varella34
de que a
Uniatildeo Europeia caracteriza-se por ser uma instituiccedilatildeo sui generis natildeo soacute pelo seu modo de
constituiccedilatildeo como por seus efeitos no campo juriacutedico-normativo Desta maneira o bloco
europeu dos vinte e oito inserido no contexto de um sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos
humanos (ldquopequena Europardquo inserida na ldquogrande Europardquo) marca a caracteriacutestica de uma
superaccedilatildeo da tiacutepica forma de visatildeo linear e hieraacuterquica do direito tradicional em favor da
construccedilatildeo de um direito em camadas ou em diferentes niacuteveis ou ainda em redes
Essa concepccedilatildeo de Castells utilizada aqui para ilustrar as relaccedilotildees na Uniatildeo Europeia
comunica-se com a noccedilatildeo de Mireille Delmas-Marty35
de um pluralismo que deve ser
ordenado Na Europa como um todo em acircmbito juriacutedico a coexistecircncia de normas das mais
diversas fontes e de tribunais nas mais diferentes escalas faz emergir uma noccedilatildeo de caos
33
Id 1999a p164 34
VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade
de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014 p145 35
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006
23
juriacutedico que precisa ser ordenado Em razatildeo disso pertinente a busca por um direito comum
com ecircnfase em um direito comum em mateacuteria de direitos humanos
Interessante notar que esse cenaacuterio criado intensifica-se com o processo de
mundializaccedilatildeo36
e sob essa oacutetica embora os direitos humanos tenham se tornado oponiacuteveis aos
Estados perfazendo princiacutepios de direito incluiacutedos nas Constituiccedilotildees Estatais no
entendimento dos tribunais supranacionais e em instrumentos normativos internacionais os
corolaacuterios do processo de mundializaccedilatildeo satildeo os direitos econocircmicos que predominam nas
preocupaccedilotildees do jaacute consolidado direito comunitaacuterio europeu
Enquanto os direitos humanos foram concebidos sob o prisma de uma universalidade e
com a finalidade de proteger o ldquoirredutiacutevel humanordquo37
os direitos econocircmicos satildeo os motores
da mundializaccedilatildeo sendo que isso somado agrave desestabilizaccedilatildeo do tempo e agrave desestatizaccedilatildeo do
Estado gera no processo de mundializaccedilatildeo uma aparente desordem normativa com a
proliferaccedilatildeo de normas de modo anaacuterquico38
Em funccedilatildeo disso eacute viaacutevel dizer que o continente europeu serve de base e eacute capaz de
traduzir importantes eventos para explicar fenocircmenos que hoje satildeo salientes na esfera juriacutedica
Mireille Delmas-Marty39
sugere que vivemos sob a eacutegide de espaccedilos ldquodesestatizadosrdquo tempos
ldquodesestabilizadosrdquo e uma ordem ldquodeslegalizadardquo No sentido atual da paisagem juriacutedica
afirmar que o Estado eacute a uacutenica fonte de Direito eacute assumir uma atitude de exclusatildeo de todos os
demais espaccedilos normativos
Como eacute possiacutevel observar na Europa convivem em um mesmo espaccedilo normas
provenientes de fontes estatais claacutessicas normas advindas de instituiccedilotildees supranacionais e
regras provenientes de entes internacionais na formaccedilatildeo de um verdadeiro mosaico juriacutedico
O monopoacutelio do Estado como produtor do direito deixa de ser imperativo frente agrave
internacionalizaccedilatildeo crescente das fontes juriacutedicas De modo concomitante e corroborando
36
Na obra ldquoTrecircs Desafios para um Direito Mundialrdquo Mirelle Delmas-Marty observa as particularidades dos
termos globalizaccedilatildeo mundializaccedilatildeo e universalidade quais sejam ldquoA mundializaccedilatildeo remete agrave difusatildeo espacial
de um produto de uma teacutecnica ou de uma ideia A universalidade implica um compartilhar de sentidosrdquo Em
outra passagem disserta ldquoDifusatildeo espacial de um lado compartilhar os sentidos de outra estas duas foacutermulas
descrevem muito bem a diferenccedila que separam os dois fenocircmenos que eu denominarei globalizaccedilatildeo para a
economia e universalizaccedilatildeo para os direitos do homem guardando assim o termo mundializaccedilatildeo uma
neutralidade que ele jamais perderaacute caso natildeo se resigne rapidamente ao primado da economia sobre os Direitos
do Homemrdquo DELMAS-MARTY Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr
Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b p 08-09 37
Ibid p48 38
FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos
teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013 39
DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47
24
com a teoria do Estado em Rede de Castells eacute possiacutevel observar um processo de
descentralizaccedilatildeo espacial com o deslocamento de fontes do centro para periferias40
Da mesma forma os tempos estatildeo desestabilizados Segundo Delmas41
em comparaccedilatildeo
aos votos claacutessicos de perpetuidade da lei eacute possiacutevel hoje encontrar fontes temporaacuterias e
evolutivas do direito O espaccedilo europeu se constitui como uma aacuterea privilegiada dessas fontes
evolutivas42
Sob o aspecto da ldquopequena Europardquo as regras de direito comunitaacuterio impotildeem um
resultado que deve ser atingido o que pela falta de meios juriacutedicos incentiva os Estados a
adaptar seus textos a dados econocircmicos
Isso tudo faz emergir a noccedilatildeo de assincronia43
do direito ou seja diferentes
velocidades em diferentes espaccedilos Nesse sentido haacute no espaccedilo europeu uma diferenccedila de
velocidade dos processos de integraccedilatildeo das normas internacionais (ou supranacionais) de
direito do comeacutercio em comparaccedilatildeo com as normas ambientais ou relativas aos direitos
humanos O proacuteprio processo evolutivo de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais
sob o panorama da ldquopequena Europardquo demonstra desde os primoacuterdios da criaccedilatildeo da
Comunidade Europeia uma ausecircncia de sincronia em relaccedilatildeo agraves duas esferas do direito A
evoluccedilatildeo dos direitos humanos eacute lenta quando comparada com a celeridade da integraccedilatildeo das
normas de direito comercial e econocircmico em um mundo de economia globalizada
Pode-se entatildeo afirmar que natildeo soacute na Europa como tambeacutem na sociedade
internacional o tempo das relaccedilotildees comerciais e por conseguinte o tempo da integraccedilatildeo do
direito do comeacutercio eacute o tempo do software da fluidez da velocidade da luz Enquanto isso o
tempo das relaccedilotildees humanas da eacutetica da solidariedade e da integraccedilatildeo do direito dos direitos
humanos segue o tempo do hardware do denso do apego ao territoacuterio e agraves localidades44
Por fim estaacute-se tambeacutem frente a uma ordem ldquodeslegalizadardquo uma vez que dentre os
reflexos das vicissitudes na seara juriacutedica eacute possiacutevel destacar um ruptura com a noccedilatildeo de
40
Tal fenocircmeno eacute descrito por Mireille Delmas-Marty como ldquodescentralizaccedilatildeordquo Esta envolve o deslocamento de
fontes do centro do Estado para coletividades territoriais Todavia tal fenocircmeno natildeo se confunde com uma mera
desconcentraccedilatildeo de poderes que eacute destinada a conferir maior eficaacutecia agraves estruturas centrais do Estado A
descentralizaccedilatildeo conforme refere a autora confia ao representante local da coletividade territorial certos poderes
de decisatildeo fazendo transparecer uma autonomia local para impor certas regras juriacutedicas Como exemplo
podem-se destacar as comissotildees locais de eacutetica como ocorre em uma deontologia profissional como a Ordem
dos Advogados As regras disciplinares desta profissatildeo guardam um caraacuteter misto sendo de natureza local e
nacional privada e puacuteblica Ibid 2004ap55 41
Ibid 2004ap47 42
Segundo Delmas falar de fontes evolutivas significa renunciar ao passado do costume e ao futuro das leis para
situar as fontes de direito no presente por natureza instaacutevel Ibid 2004ap65 43
Id 2006 p 114 44
SALDANHA Jacircnia Marial Lopes BRUM Maacutercio Morais MELLO Rafaela da Cruz A Assincronia do
Direito e o Caso Araguaia Uma anaacutelise da Decisatildeo do Supremo Tribunal Federal Brasileiro na ADPF 153 e do
Julgamento do Caso Gomes Lund e Outros vs Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos In Andreacute
Karam Trindade Angela Araujo da Silveira Espindola (Org) Direitos Fundamentais e Espaccedilo Puacuteblico 1ed
Passo Fundo - RS Editora IMED 2011 v 2 p 37-61
25
identidade entre direito e lei45
O processo de internacionalizaccedilatildeo deixa comum aos sistemas
de commun law e de civil law o papel do juiz na geraccedilatildeo do direito ou seja na interaccedilatildeo entre
texto normativo e sua interpretaccedilatildeo de modo que a jurisprudecircncia e o diaacutelogo entre os
diferentes tribunais serve para ambos os sistemas como um importante balizador para
consolidaccedilatildeo de entendimentos e de princiacutepios
Diante desse cenaacuterio juriacutedico global proveniente do processo de internacionalizaccedilatildeo -
e especiacutefico no caso da Europa ndash de desestatizaccedilatildeo de ruptura com paradigmas e com a loacutegica
binaacuteria de interpretar o direito eacute possiacutevel concordar com a premissa de Mireille Delmas-
Marty46
de que a paisagem juriacutedica apresenta um panorama de proliferaccedilatildeo constante de
normas e de entendimentos jurisprudenciais que em um primeiro momento podem levar a
uma noccedilatildeo de desordem e anarquia
Conveacutem perceber que a nova paisagem juriacutedica para a qual a Europa eacute um verdadeiro
laboratoacuterio47
eacute composta por formas mais complexas como piracircmides inacabadas
descontiacutenuas compostas por aneacuteis normativos como uma guirlanda no entanto natildeo
especificamente se liga agrave anarquia Pelo contraacuterio a retirada de marcos e o deslocamento de
linhas natildeo significa desordem e essa aparecircncia de caos favorece ao pluralismo
Por isso Delmas-Marty48
atesta que a internacionalizaccedilatildeo do direito apresenta um
grande paradoxo ordenar o plural Embora estejamos semanticamente diante de vernaacuteculos
opostos visto que a proposta eacute colocar em ordem aquilo que naturalmente eacute muacuteltiplo e plural
sem reduzir sua identidade a primeira consideraccedilatildeo que deve ser feita eacute a de que o tiacutepico
modelo kelseniano de loacutegica juriacutedica natildeo mais se aplica ao cenaacuterio em que o Direito se insere
atualmente em razatildeo da multiplicidade e do dinamismo existente no processo de
mundializaccedilatildeo
Para ir da desordem agrave ordem eacute necessaacuterio fortalecer as correlaccedilotildees da formaccedilatildeo
juriacutedica trazendo estabilidade agrave presenccedila de divergecircncias atraveacutes de uma aproximaccedilatildeo entre
ordens juriacutedicas por meio de um jogo de referecircncias cruzadas com o intuito de ordenar a
multiplicidade Essa aproximaccedilatildeo poreacutem natildeo pode ser concebida senatildeo em relaccedilatildeo a uma
referecircncia comum e neste campo a utilidade dos instrumentos protetivos de direitos humanos
traz a coerecircncia de conjunto capaz de indicar uma direccedilatildeo a seguir um norte para a criaccedilatildeo de
um direito comum cujo pluralismo eacute ordenado
45 DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47 46
Id 2006 47
VARELLA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do direito Direito Internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Livre Docecircncia em Direito Internacional Faculdade de
Direito da Universidade de Satildeo Paulo (USP) Satildeo Paulo 2012 Acesso 14 out 2014 48
Ibid 2006 p 10
26
Obviamente o direito comum almejado eacute pluralista tendo a razatildeo como instrumento
de justificaccedilatildeo e de diaacutelogo O pluralismo eacute justificado pelo intuito de harmonizar e conjugar
as particularidades religiosas poliacuteticas culturais de cada Estado ou comunidade evitando a
sobreposiccedilatildeo de uma ordem sobre outra ou a assimilaccedilatildeo e exclusatildeo Em razatildeo disso o
direito comum pluralista pretende construir um ldquoDireito dos Direitosrdquo a partir do ideal de
universalizaccedilatildeo dos direitos humanos sendo que a finalidade eacute a de aproximar ou harmonizar
ndash e natildeo unificar - os diferentes sistemas juriacutedicos sob a perspectiva de respeito ao ldquoirredutiacutevel
humanordquo49
Impossiacutevel a criaccedilatildeo de normas e regras comuns a todos os povos justamente pelo
fato de que sempre algumas normas advindas de culturas especiacuteficas se sobressairatildeo sobre
outras na criaccedilatildeo de uma hegemonia negativa O direito comum portanto inserido na oacutetica
de um direito mundial pluralista eacute aquele acessiacutevel a todos e comum aos diversos Estados
sem que haja o abandono de identidades Justamente em funccedilatildeo disso o alicerce para a sua
criaccedilatildeo eacute a aproximaccedilatildeo dos sistemas juriacutedicos tendo por base os direitos humanos que
carregam a caracteriacutestica da universalidade a qual adveacutem do compartilhamento de sentidos e
do enriquecimento pela troca
Neste sentido em que consistem esses direitos humanos que satildeo os alicerces para a
criaccedilatildeo de um direito comum Eacute possiacutevel afirmar que a mera previsatildeo constitucional ou em
tratados de direitos jaacute asseguram a sua proteccedilatildeo Como lidar com questotildees concernentes agraves
pretensotildees universalistas e as particularidades do relativismo cultural nas diferentes
sociedades europeias
Narciso Baez50
traz reflexotildees importantes acerca desse tema Segundo ele em meados
do seacuteculo XVII pensou-se que a positivaccedilatildeo dos direitos humanos seria instrumento suficiente
para garantir o seu respeito Essa noccedilatildeo adentrou a contemporaneidade com a filosofia de
Hans Kelsen de que as normas positivadas e inseridas nos ordenamentos juriacutedicos eram
obrigatoacuterias por serem legitimadas por uma norma juriacutedica superior que tinha um fim em si
mesma
Obviamente o seacuteculo XX mostrou que a mera inserccedilatildeo legal da dignidade da pessoa
humana ndash que eacute o elemento cerne dos direitos humanos ndash em um sistema positivo de direito e
dissociada de valores morais natildeo seria suficiente para evitar eventuais violaccedilotildees desses
49
Ibid 2006 p 54 50
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos
humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da
UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em
httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014
27
direitos Sob esse panorama e seguindo a corrente eacutetica51
de fundamentaccedilatildeo dos direitos
humanos pode-se afirmar que estes satildeo direitos de fora da ordem positiva que tecircm em seu
bojo componentes morais sociais poliacuteticos e ateacute econocircmicos que salvaguardam condiccedilotildees
miacutenimas para a garantia da dignidade da pessoa humana Em sua dimensatildeo baacutesica portanto
satildeo direitos inatos pautados em valores morais e conferidos aos indiviacuteduos pelo simples fato
de estes serem humanos
Logo para a construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos exige-
se o fortalecimento desses em suas dimensotildees baacutesicas Eacute neste sentido que Delmas52
se refere
ao miacutenimo eacutetico universal e ao irredutiacutevel humano ou seja elementos que todos os indiviacuteduos
apresentam em comum mesmo em diferentes culturas
As duas estruturas baacutesicas dos direitos humanos satildeo portanto os valores morais e a
dignidade humana53
Em relaccedilatildeo aos primeiros infere-se que a origem dos direitos humanos
natildeo eacute legal vez que estes satildeo reconhecidos aos indiviacuteduos pelo simples fato de serem
humanos O ordenamento juriacutedico tem a mera funccedilatildeo de reconhecer tais direitos e transformaacute-
los em normas a fim de obter efetividade Jaacute a dignidade humana eacute o bem maior dentro dos
direitos humanos constituindo uma qualidade universal intriacutenseca irrenunciaacutevel e
inalienaacutevel inerente a todos os seres humanos e que se encontra acima das especificidades
culturais
Neste vieacutes a universalidade de tais direitos que eacute requisito indispensaacutevel para a
criaccedilatildeo de um direito comum natildeo eacute marcada pela criaccedilatildeo de instrumentos internacionais
positivos de proteccedilatildeo dos direitos humanos Isso porque embora tenha se conseguido a
universalizaccedilatildeo da adesatildeo dos Estados como eacute o caso da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos da ONU de 1948 ou mesmo da CEDH do sistema regional europeu ainda haacute
resistecircncias agrave aceitaccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo em algumas culturas que alegam a necessidade de
relativizaccedilatildeo desses direitos para adequaccedilatildeo agraves realidades nacionais54
Logo para a construccedilatildeo de uma verdadeira universalidade eacute necessaacuterio interpretar os
direitos humanos sob uma oacutetica interdisciplinar Finnis55
nesse aspecto afirma que os direitos
humanos constituem uma categoria que busca consagrar a dignidade humana sendo esta um
atributo de todas as pessoas independentemente de crenccedila ou cultura Nesse aspecto
51
Id 2007 p 13-35 52
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b 53
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Direitos humanos na globalizaccedilatildeo In BAEZ Narciso
Leandro Xavier BARRETO Vicente (Org) Direitos humanos em evoluccedilatildeo Joaccedilaba Ed Unoesc 2007 p
13-35 54
Id 2009 p77-99 55
FINNIS John Ley natural e derechos naturales Buenos Aires AbeledoPerrot 2000
28
vislumbra-se necessaacuterio a fim de identificar quais satildeo os valores baacutesicos e inderrogaacuteveis a
todos os humanos a construccedilatildeo de valores universais atraveacutes do diaacutelogo e do cruzamento de
diferentes culturas com diferentes valores Isso facilita a construccedilatildeo de uma cultura
cosmopolita baseada em uma identificaccedilatildeo em que prevaleccedila a dignidade da pessoa humana
acima dos relativismos
As diversidades culturais satildeo provenientes de elementos externos56
da diferenccedila de
ambientes naturais mas mesmo assim todas as pessoas ainda que inseridas em
especificidades culturais distintas ainda manteacutem atributos comuns Eacute por essa loacutegica que
permanece atual a premissa de Kant de que no atual estaacutegio da humanidade os povos
atingiram um grau de desenvolvimento que os permitem fazer parte de uma comunidade
cosmopolita57
Por isso a violaccedilatildeo de um direito humano em um ponto do planeta repercute e
pode ser sentida em todos os outros
Pertinente ainda lembrar que a universalizaccedilatildeo natildeo significa a imposiccedilatildeo ou a
uniformizaccedilatildeo de uma cultura sobre as outras Pelo contraacuterio deve-se buscar uma raiz
comum qual seja um conjunto de valores miacutenimos universais capazes de dialogar com
diferentes culturas garantindo o respeito e a preservaccedilatildeo da vida humana em qualquer lugar
Ainda sob essa oacutetica eacute possiacutevel afirmar que a noccedilatildeo de direito comum de Delmas
aproxima-se do ideal de direito cosmopoliacutetico em Kant58
Ao perceber o aumento da
participaccedilatildeo dos povos na Terra Kant vislumbra a ideia de uma comunidade mundial
alicerccedilada sob as bases de um direito cosmopoliacutetico a fim de garantir a paz perpeacutetua Diante
da dicotomia entre praacuteticas culturais e direitos humanos a base do cosmopolitismo kantiano eacute
a busca de criteacuterios loacutegico-racionais que sejam comuns a todas as culturas
Nesse espectro surgem entatildeo os direitos humanos como nuacutecleo moral-juriacutedico do
direito cosmopoliacutetico vez que a moralidade miacutenima universal se baseia em trecircs pilares a)
humanidade comum b) ameaccedilas compartilhadas e c) obrigaccedilotildees miacutenimas Logo a
fundamentaccedilatildeo moral eacute a base dos direitos humanos uma vez que nela encontram-se as
exigecircncias imprescindiacuteveis para a vida de um indiviacuteduo Apesar das diferenccedilas sociais e
culturais entre os seres humanos algumas necessidades e capacidades satildeo comuns a todos59
56
PAREKH Bhikhu Pluralist universalism and human rights In SMITH Rhona K M ANKER Cristien van
den The essentials of human rights London Oxford University Press 2005 57
KANT Immanuel Para a paz perpeacutetua Traduccedilatildeo Baacuterbara Kristen - Rianxo Instituto Galego de Estudos de
Seguranccedila Internacional e da Paz 2006 58
Ibid 2006 p 107-108 59
BARRETO Vicente de Paulo Direito Cosmopoliacutetico e Direitos Humanos In Espaccedilo Juriacutedico Journal of
Law N 2 Vol 11 2010 Disponiacutevel em
httpeditoraunoescedubrindexphpespacojuridicoarticleview19491017 Acesso 30 out 2014
29
Assim como a concepccedilatildeo de direitos humanos natildeo pode mais ser concebida como o
era na eacutepoca de Kelsen o panorama em que o Direito de um modo geral se insere hoje
tambeacutem natildeo pode mais ser concebido conforme a loacutegica claacutessica kelseniana em que a
constituiccedilatildeo estatal encontra-se no topo de uma estrutura piramidal sendo hierarquicamente
seguida pela legislaccedilatildeo infraconstitucional Os rearranjos da mundializaccedilatildeo e a consequente
internacionalizaccedilatildeo do Direito fazem com que novas estruturas permeiem o atual cenaacuterio
juriacutedico mundial
Seja uma concepccedilatildeo de trapeacutezio cujos veacutertices superiores satildeo ocupados em igual
niacutevel pelas constituiccedilotildees estatais e pelos tratados ou convenccedilotildees internacionais protetivos dos
direitos humanos como eacute a visatildeo de Canotilho seguida por Flaacutevia Piovensan60
seja uma
visatildeo de nuvens fluidas e descontiacutenuas com um direito de sistemas interativos complexos
marcados por geometria de piracircmides inacabadas e aneacuteis normativos como guirlandas
defendida por Delmas-Marty61
demonstram que a internacionalizaccedilatildeo traz tentativas de
recomposiccedilatildeo de um pluralismo que deveraacute ser suficientemente ordenado
Em razatildeo disso razoaacutevel frente agrave mudanccedila paradigmaacutetica trazida pela mundializaccedilatildeo
pensar em um conjunto ordenado para a desordem uma vez que a aparente anarquia que
existe favorece ao pluralismo Para se chegar a um direito comum pluralista tendo por base os
direitos humanos deve-se buscar a harmonizaccedilatildeo entre estes e os direitos econocircmicos com
respeito agraves particularidades religiosas e culturais e com a superaccedilatildeo dos perigos de uma
uniformizaccedilatildeo hegemocircnica tendente agrave globalizaccedilatildeo econocircmica
Nesse novo paradigma o ideaacuterio de ordem ldquodeslegalizadardquo anteriormente referido
toma corpo uma vez que a sobrevalorizaccedilatildeo da lei e das grandes codificaccedilotildees perde espaccedilo
havendo em contrapartida a crescente incorporaccedilatildeo dos precedentes (certa ruptura de
fronteiras entre common law e civil law) e dos princiacutepios como espeacutecie de coacutedigo cultural do
processo de interpretaccedilatildeo e criaccedilatildeo do direito62
A internacionalizaccedilatildeo do Direito reflete portanto uma nova realidade de um Direito
de sistemas complexos fluidos descontiacutenuos e interativos os quais levam agrave mutaccedilatildeo da
proacutepria concepccedilatildeo tradicional de ordem juriacutedica que natildeo eacute mais fechada dentro de si mesma e
sim sofre influecircncia de outras A tradicional piracircmide kelseniana eacute desconstruiacuteda
60
PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e diaacutelogo entre jurisdiccedilotildees In Revista Brasileira de Direito
Constitucional ndash RBCD n19 ndash janjul 2012 61
DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio
de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b 62
FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos
teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013
30
gradativamente dando lugar a novas geometrias cuja hierarquia natildeo eacute tatildeo riacutegida mas nem por
isso deixa de ser complexa
No topo encontram-se as constituiccedilotildees juntamente com elementos do Direito
Internacional (jus cogens tratados relativos o direito internacional dos direitos humanos) e do
direito comunitaacuterio europeu No corpo do que seria a antiga piracircmide kelseniana encontra-se
o crescimento e a consolidaccedilatildeo de um direito jurisprudencial atraveacutes de um jogo de
referecircncias reciacuteprocas em que um sistema observa o outro mas natildeo haacute um centro ao lado das
normas produzidas no legislativo (a intensa produccedilatildeo jurisprudencial para os hard cases
culmina em adiccedilatildeo de conteuacutedos advindos de ldquooutros direitosrdquo) e a base passa a ser composta
por decretos e regulamentos que resultam de administraccedilotildees policecircntricas corroborando para
a crenccedila de que o processo de internacionalizaccedilatildeo do direito vem acompanhado de
descentralizaccedilatildeo e privatizaccedilatildeo de fontes do Direito63
Diante deste quadro Delmas64
apresenta trecircs espeacutecies de processo de interaccedilatildeo para
se chegar a um direito comum coordenaccedilatildeo por entrecruzamento harmonizaccedilatildeo e unificaccedilatildeo
Destaca-se antes de discorrer brevemente sobre esses processos que o direito comum natildeo
tem a pretensatildeo de unificar o Direito no texto pois isso seria uma tarefa praticamente utoacutepica
A ideia de Delmas objetiva na realidade a exploraccedilatildeo da pluralidade como potencial poder
de integraccedilatildeo vez que as redes dinacircmicas e as estruturas vetorizadas pelos direitos humanos
presentes nas novas geometrias da ordem mundial se pautam no reconhecimento do outro em
uma espeacutecie de alteridade65
A coordenaccedilatildeo por entrecruzamento caracteriza-se por ser um processo horizontal em
que a autoridade das decisotildees seraacute reforccedilada pelo jogo de referecircncias cruzadas de uma
jurisdiccedilatildeo agrave outra Essa eacute uma fase transitoacuteria na construccedilatildeo de uma verdadeira ordem juriacutedica
mundial em que a internormatividade e a interpretaccedilatildeo cruzada permitem a formaccedilatildeo de no
miacutenimo uma comunidade de juiacutezes Em funccedilatildeo disso em acircmbito global percebem-se traccedilos
da coordenaccedilatildeo por entrecruzamento nos diaacutelogos entre cortes e tribunais nas mais diferentes
ordens No espaccedilo europeu a coordenaccedilatildeo eacute percebida da mesma forma atraveacutes dos diaacutelogos
entre as cortes nacionais e os tribunais da ldquopequena Europardquo e da ldquogrande Europardquo
respectivamente Tribunal de Luxemburgo e de Estrasburgo
Interessante notar conforme jaacute foi demonstrado que foram os diaacutelogos entre as cortes
nacionais dos diversos Estados membros da entatildeo Comunidade Europeia e posterior Uniatildeo
63
Ibid 2013 p20 64
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006 65
LOPES Carla Patriacutecia Frade Nogueira Internacionalizaccedilatildeo do Direito e pluralismo juriacutedico limites de
cooperaccedilatildeo no diaacutelogo de juiacutezes In Revista de Direito Internacional da Uniceub Vol 9 n4 2012
31
Europeia que auxiliaram no processo de consolidaccedilatildeo do entendimento de primazia das
normas comunitaacuterias ao lado da proteccedilatildeo integral aos direitos fundamentais previstos nas
constituiccedilotildees estatais Isso culminou conforme se asseverou anteriormente na disposiccedilatildeo do
Tratado de Lisboa de que a Uniatildeo Europeia natildeo soacute se submete agraves tradiccedilotildees e regras
constitucionais em mateacuteria de direitos fundamentais como adere agrave Convenccedilatildeo Europeia dos
Direitos do Homem
Se o primeiro processo de interaccedilatildeo eacute a coordenaccedilatildeo far-se-aacute de imediato a anaacutelise do
uacuteltimo processo a unificaccedilatildeo visto que o eacute no processo intermediaacuterio ndash a harmonizaccedilatildeo ndash que
se desenvolve o foco do presente estudo A unificaccedilatildeo seria do ponto de vista formal o
processo perfeito por unir ordens juriacutedicas regionais sob um mesmo modelo hieraacuterquico e
coerente das ordens nacionais tradicionais Entretanto sob o enfoque empiacuterico essa perfeiccedilatildeo
estaacute longe de ser garantida vez que a unificaccedilatildeo consiste na transferecircncia pura e simples do
regramento juriacutedico de um paiacutes para outro em uma espeacutecie de verticalizaccedilatildeo ordenada que
pode gerar a dominaccedilatildeo hegemocircnica de uma ordem sobre outra sem portanto respeito agrave
pluralidade
O processo intermediaacuterio de harmonizaccedilatildeo por sua vez tende a aproximar os sistemas
com um propoacutesito coordenativo poreacutem sem a intenccedilatildeo unificadora Tal processo limita-se a
uma integraccedilatildeo imperfeita cuja chave eacute a preservaccedilatildeo das margens nacionais de apreciaccedilatildeo
De modo diferente da coordenaccedilatildeo que eacute marcada pela horizontalidade da comunicaccedilatildeo entre
conjuntos juriacutedicos a harmonizaccedilatildeo instaura uma relaccedilatildeo do tipo vertical que implica o
reconhecimento de algumas hierarquias entre por exemplo direito internacional e nacional
direito supranacional e nacional dentre outras formas Todavia a inversatildeo destas hierarquias
e o reconhecimento muacutetuo fazem parte do movimento de harmonizaccedilatildeo
As margens nacionais de apreciaccedilatildeo satildeo as grandes novidades desse processo de
harmonizaccedilatildeo vez que elas funcionam em uma dinacircmica centriacutefuga e envolvem tanto a
obrigaccedilatildeo de conformidade em relaccedilatildeo agraves normas internacionais das quais determinado paiacutes eacute
signataacuterio quanto agrave apreciaccedilatildeo soberana dos Estados sendo delineada por princiacutepios
comuns66
A resistecircncia dos direitos internos e os avanccedilos do processo de harmonizaccedilatildeo satildeo
portanto as condiccedilotildees de possibilidade para a aplicaccedilatildeo da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
(MNA)
66
SALDANHA Jacircnia Maria Lopes MELLO Rafaela da Cruz Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e
Diaacutelogos Transjurisdicionais uma anaacutelise da postura do Supremo Tribunal Federal Brasileiro In Conselho
Nacional de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito - CONPEDI (Org) Direito Internacional dos Direitos
Humanos I XXIII EdFlorianoacutepolis CONPEDI 2014 v I p 368-394
32
Deste modo imperioso reconhecer que em um continente plural como eacute o europeu
com diversos paiacuteses com aspectos linguiacutesticos culturais religiosos e poliacuteticos a figura da
MNA apresenta-se como uma importante chave para o desenvolvimento e consolidaccedilatildeo de
um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos sendo uma ferramenta relevante
para o estabelecimento de um pluralismo ordenado uma vez que as pluralidades e
peculiaridades culturais e religiosas de cada Estado satildeo respeitadas
Neste sentido portanto a Europa pode ser vista novamente como um laboratoacuterio de
experiecircncias e o surgimento da MNA possui hoje um importante papel sobretudo dentro do
continente europeu Utilizada tanto pelos Tribunais de Luxemburgo e Estrasburgo a MNA
surgiu pela primeira vez na jurisprudecircncia do TEDH
Embora existam relatos do uso da MNA pelo Tribunal de Luxemburgo para permitir
que os conceitos comunitaacuterios sejam interpretados de modo flexiacutevel segundo as
especificidades nacionais e servindo como uma importante vaacutelvula de escape para as tensotildees
nacionais mais fortes neste trabalho far-se-aacute a limitaccedilatildeo da utilizaccedilatildeo da MNA pelo Tribunal
Europeu de Direitos do Homem com o intuito de analisar quais satildeo os entraves e as
possibilidades do uso de tal ferramenta pra a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de um direito comum
para a ldquogrande Europardquo tendo como base os direitos humanos
33
2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU
A noccedilatildeo de margem encontra-se no coraccedilatildeo dos sistemas de Direito uma vez que o
direito interno jaacute prevecirc a possibilidade de uma margem de interpretaccedilatildeo aos juiacutezes em relaccedilatildeo
agraves demandas que lhes satildeo apresentadas Todavia a internacionalizaccedilatildeo impulsiona ao
acreacutescimo do termo ldquonacionalrdquo a essa margem no sentido de permitir o reconhecimento da
diversidade dos sistemas juriacutedicos e a possibilidade de um direito comum
Nesse sentido no presente capiacutetulo far-se-aacute uma abordagem acerca da histoacuteria dessa
ferramenta criada pelo TEDH bem como o conceito e as criacuteticas trazidas por estudiosos da
doutrina da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) (21) Por conseguinte atraveacutes de uma
anaacutelise jurisprudencial se tentaraacute comprovar que a margem a despeito de opiniotildees contraacuterias
acerca da ausecircncia de paracircmetros para sua aplicaccedilatildeo pelo TEDH constitui-se como um
instrumento relevante para a construccedilatildeo de um direito comum europeu tendo como base
luminosa os direitos humanos (22)
21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem
Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu
Consoante fora anteriormente aludido a noccedilatildeo de margem encontra-se dentro dos
sistemas de direito Por isso em um primeiro momento aponta-se a margem dentro do direito
interno como ferramenta capaz de auxiliar o juiz enquanto receptor da norma a interpretar
determinado caso concreto em uma espeacutecie de coacutedigo cultural que determina o senso da
norma67
Nesse sentido a origem dessa margem de interpretaccedilatildeo adveacutem do direito
administrativo de diversos Estados europeus Na Franccedila a margem eacute conhecida como ldquomarge
67
DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation
du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit
compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780
34
drsquoappreacutecciationrdquo na Alemanha eacute vista como ldquoErmessensspielraumrdquo e na Itaacutelia ldquomarge de
discrizionalitaacuterdquo68
Em acircmbito interno portanto caracteriza-se por ser uma deferecircncia que
combina aspectos processuais e hermenecircuticos no sentido de conferir uma reserva de
apreciaccedilatildeo ao administrador para decidir acerca da conveniecircncia e oportunidade em relaccedilatildeo
aos atos administrativos
O processo de internacionalizaccedilatildeo estaacutegio supremo da globalizaccedilatildeo69
no acircmbito do
Direito se desenvolve a ponto de transformar o campo de uma disciplina de modo que
consoante jaacute fora exaustivamente exposto a seara juriacutedica natildeo se limita mais agrave relaccedilatildeo entre
Estados nem somente se combina com os direitos internos Logo o pluralismo pode ser visto
como uma palavra de ordem na paisagem juriacutedica atual e por isso a noccedilatildeo de margem ganha
o adjetivo ldquonacionalrdquo e passa a ser um elemento de tentativa de aproximaccedilatildeo com a finalidade
de atingir um direito comum com bases humanistas
Logo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) teria a finalidade de proceder a uma
espeacutecie de siacutentese entre os anseios de unidade juriacutedica e o desejo de separaccedilatildeo proveniente de
uma autonomia estatal A margem portanto sob o vieacutes da internacionalizaccedilatildeo corresponderia
ao caminho do meio entre o pressuposto de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o
relativismo ou os particularismos culturais de cada Estado
No contexto europeu em que tanto sob o vieacutes comunitaacuterio quanto sob a perspectiva do
sistema regional os Estados apresentam pluralidades significativas em relaccedilatildeo agrave religiatildeo agrave
cultura agrave poliacutetica dentre outros campos a figura da MNA serve como um importante
instrumento para aproximar o universal e o relativo70
Dessa maneira teria a funccedilatildeo de no
processo de construccedilatildeo de um direito comum apresentar como horizonte a universalidade dos
direitos humanos mas sem perder de foco os relativismos culturais que formam a identidade
das mais diferentes sociedades
Niacutetido portanto que o caminho para a construccedilatildeo de um ldquocomumrdquo em mateacuteria de
direitos humanos relaciona-se natildeo soacute com a proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua esfera eacutetica
e miacutenima como tambeacutem com a preservaccedilatildeo da pluralidade Como instrumento do processo de
harmonizaccedilatildeo a margem carrega em seu acircmago a noccedilatildeo de convergecircncia em torno de
princiacutepios comuns mas garantindo o respeito a uma espeacutecie de direito agrave divergecircncia uma vez
68
ITZCOVITCH Giulio One None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations The Lautsi Case
In Human Rights Law Review Oxford Journals 2013 Disponiacutevel em
httphrlroxfordjournalsorgcontent132toc Acesso 04 nov 2014 69
SANTOS Milton Teacutecnica Espaccedilo Tempo Globalizaccedilatildeo e meio teacutecnico-cientiacutefico-informacional 5ordf ed
Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2013 p 45 70
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b
35
que se garante a cada Estado a particularidade de lidar com questotildees atinentes agraves suas
diferenccedilas
Deste modo o Tribunal de Estrasburgo consoante fora dito anteriormente se utiliza
pela primeira vez do recurso agrave MNA no caso Lawless vs Irlanda71
Na discussatildeo cerne deste
conflito estava a possibilidade de prisatildeo provisoacuteria no caso dos atentados terroristas
relacionados ao grupo extremista IRA (Irish Republic Army) Mais especificamente o
cidadatildeo irlandecircs Gerard Richard Lawless ex-membro do IRA foi preso em julho de 1957 no
momento em que estava prestes a viajar da Irlanda agrave Gratilde-Bretanha Neste ato foi detido sob
especiais poderes de detenccedilatildeo indeterminada sem julgamento sob alegaccedilotildees de ofensas contra
o Estado irlandecircs
Lawless fazendo o uso da prerrogativa de peticcedilatildeo individual demandou perante a
Corte Europeia de Direitos do Homem alegando violaccedilatildeo pelo Estado Irlandecircs dos artigos 56
e 7 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem mas especificamente direitos de
liberdade seguranccedila julgamento justo e o princiacutepio de proibiccedilatildeo de puniccedilatildeo sem lei anterior
que defina um delito
No julgamento do caso em 1961 o Tribunal de Estrasburgo pela primeira vez fez
alusatildeo mesmo que de modo natildeo explicito agrave possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo
ao deixar ao Estado Irlandecircs margem para decidir fundamentando-se nas prerrogativas do
artigo 1572
da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Tal norma da Convenccedilatildeo alude agrave
possibilidade de derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade com a prerrogativa de que em
caso de guerra ou outro perigo puacuteblico que ameace a vida da naccedilatildeo a parte aderente agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem pode tomar providecircncias que derroguem as
obrigaccedilotildees previstas no tratado na estrita medida em que exigir a situaccedilatildeo
71
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57518itemid[001-57518] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lawless vs Irlanda Sentenccedila de 01 de julho de 1961 Acesso
05 nov 2014 72
Artigo 15 Derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade 1 Em caso de guerra ou de outro perigo puacuteblico que
ameace a vida da naccedilatildeo qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providecircncias que derroguem as obrigaccedilotildees
previstas na presente Convenccedilatildeo na estrita medida em que o exigir a situaccedilatildeo e em que tais providecircncias natildeo
estejam em contradiccedilatildeo com as outras obrigaccedilotildees decorrentes do direito internacional 2 A disposiccedilatildeo
precedente natildeo autoriza nenhuma derrogaccedilatildeo ao artigo 2deg salvo quanto ao caso de morte resultante de atos
liacutecitos de guerra nem aos artigos 3deg 4deg (paraacutegrafo 1) e 7deg 3 Qualquer Alta Parte Contratante que exercer este
direito de derrogaccedilatildeo manteraacute completamente informado o Secretaacuterio Geral do Conselho da Europa das
providecircncias tomadas e dos motivos que as provocaram Deveraacute igualmente informar o Secretaacuterio - Geral do
Conselho da Europa da data em que essas disposiccedilotildees tiverem deixado de estar em vigor e da data em que as da
Convenccedilatildeo voltarem a ter plena aplicaccedilatildeo CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS
DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014
36
Logo aplicando o referido artigo 15 da Convenccedilatildeo a decisatildeo do Tribunal de
Estrasburgo foi de no caso proposto asseverar que os fatos apurados natildeo revelam uma
violaccedilatildeo por parte do Governo irlandecircs de suas obrigaccedilotildees ao abrigo da Convenccedilatildeo Europeia
para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais Em razatildeo disso de a
motivaccedilatildeo do Tribunal para proferir a decisatildeo ter partido de uma prerrogativa da proacutepria
Convenccedilatildeo Europeia alguns autores73
natildeo fazem alusatildeo a este caso como o primeiro em que
houve concessatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo para Estado
Embora haja uma referecircncia tiacutemida agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso exposto
anteriormente eacute no caso linguiacutestico belga74
que se percebe uma manifestaccedilatildeo mais concreta
da Corte de Estrasburgo em relaccedilatildeo agrave deferecircncia de julgamento aos Estados precisando
alguns dos fundamentos da doutrina da MNA No caso belga julgado em 1968 pais que
falavam francecircs questionaram o sistema educacional da Beacutelgica que dividia o paiacutes em quatro
regiotildees linguiacutesticas distintas
O Tribunal de Luxemburgo aceitou uma margem de apreciaccedilatildeo conferida agraves partes em
funccedilatildeo de que os Estados possuiacuteam discricionariedade em relaccedilatildeo agrave regulamentaccedilatildeo do direito
agrave educaccedilatildeo A Corte argumentou que essa necessidade de concessatildeo de uma deferecircncia ou de
um limite de discricionariedade ao Estado era proveniente da natureza do proacuteprio direito
discutido (regulamentaccedilatildeo do sistema educacional) de modo que a regulamentaccedilatildeo do direito
agrave educaccedilatildeo poderia variar de acordo com o local e com o tempo consoante as necessidades e
os recursos da comunidade e dos indiviacuteduos
Ainda eacute possiacutevel destacar nesse caso a vinculaccedilatildeo da noccedilatildeo de margem de apreciaccedilatildeo
ao princiacutepio de subsidiariedade dos tribunais internacionais em relaccedilatildeo agraves cortes nacionais
Por isso o Tribunal manifestou-se asseverando que natildeo desejava substituir as autoridades
nacionais pois se assim o fizesse perderia a caracteriacutestica de mecanismo internacional de
garantia da ordem instaurada pela Convenccedilatildeo
73
KRATOCHVIL Jan The inflation of the margin of appreciation by european court of human rights In
Netherlands Quarterly of Human Rights Vol 293 2011 p 324-357 Disponiacutevel em ww corteidhorcr
tablas r26992pdf Acesso 01 nov 2014
VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um
equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em
httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 74
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httpwww9euskadineteuskara_araubideaLegedialegeakgaztelaneuropas23b001pdf CORTE EUROPEIA
DE DIREITOS HUMANOS Caso linguiacutestico belga Sentenccedila de 23 de julho de 1968 Acesso 05 nov 2014
37
Essa subsidiariedade conduz agrave MNA duas noccedilotildees75
uma noccedilatildeo teacutecnica e outra
poliacutetica Na noccedilatildeo teacutecnica a razatildeo para sua existecircncia relaciona-se com a imprecisatildeo de
algumas normas que conferem certa liberdade ao juiz internacional No campo poliacutetico a
relaccedilatildeo se evidencia pela sensibilidade dos Estados em relaccedilatildeo a temas polecircmicos
Sob essa oacutetica e embora esse natildeo seja o foco do presente trabalho pode-se afirmar que
a MNA eacute uma figuram importante tanto para o horizonte de criaccedilatildeo de um direito comum
europeu como para a consolidaccedilatildeo do direito comunitaacuterio europeu Isso porque este uacuteltimo
embora tenha sido baseado em um ideal federalista funda-se na realidade em um modelo de
governanccedila supranacional em que a MNA foi importada pelo Tribunal de Luxemburgo a fim
de ser uma vaacutelvula de escape para tensotildees fortes em acircmbito comunitaacuterio76
O TJUE deste modo permite que os conflitos comunitaacuterios sejam interpretados de
maneira flexiacutevel conforme especificidades nacionais Cada Estado pode atribuir seu proacuteprio
significado a expressotildees ou textos legais de interpretaccedilatildeo ampla devendo-se contudo
vincular aos princiacutepios e conceitos juriacutedico-legais do direito comunitaacuterio
No campo de construccedilatildeo de um direito comum europeu que tem como terreno o
sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos tal premissa natildeo eacute diferente Embora em
alguns casos o TEDH opte pela concessatildeo da margem de deferecircncia essa soacute pode ser aplicada
pelo Estado se este observar os princiacutepios que regem o instrumento legal base da Corte qual
seja a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) Deste modo o Estado natildeo fica
desobrigado do cumprimento da Convenccedilatildeo pois em tese apenas existiraacute margem para
pontos sensiacuteveis desta os quais permitem interpretaccedilotildees diferenciadas de acordo com os
particularismos nacionais e os desacordos culturais
Nesse sentido conforme se observou pelos casos citados com ecircnfase para o caso
Lawless vs Irlanda uma primeira aplicaccedilatildeo da doutrina da margem vinculou-se ao processo
de sedimentaccedilatildeo do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos vez que tal
caso foi um dos primeiros a ser julgado pelo Tribunal de Estrasburgo aleacutem de conforme fora
dito ter sido o primeiro no acircmbito da criaccedilatildeo e uso da MNA Em razatildeo desse contexto a
utilizaccedilatildeo do instrumento em questatildeo deu-se em funccedilatildeo de uma demanda que envolvia
questatildeo de seguranccedila interna de um paiacutes e por isso a aplicaccedilatildeo da deferecircncia de julgamento agrave
Irlanda daacute-se tambeacutem como uma teacutecnica poliacutetica para evitar tensotildees entre esfera internacional
75
DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation
du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit
compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780 76
VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade
de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014
38
e nacional (esta ainda arraigada ao conceito claacutessico de soberania) no acircmbito de um sistema
que tinha sido criado recentemente
Sob tal vieacutes pode-se recorrer agrave explicaccedilatildeo de Marcelo Varella77
de que a margem
deve ser aplicada para temas polecircmicos em que abusos exegeacuteticos por parte do tribunal de
cariz internacional podem levar agrave perda de legitimidade deste Contudo com o
desenvolvimento da teoria da MNA tanto por doutrinadores como pela proacutepria jurisprudecircncia
do tribunal que a criou percebe-se que o seu uso em grande medida relaciona-se com o
embate entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo nacional em mateacuteria de
desacordos culturais
Natildeo obstante a existecircncia de criacuteticas sobre a aplicaccedilatildeo praacutetica atual da MNA pelo
TEDH o que seraacute objeto de anaacutelise na sequencia do presente trabalho eacute com a figura da
deferecircncia da margem nacional que se torna possiacutevel um pluralismo de justaposiccedilatildeo78
que
tolera a coexistecircncia de sistemas particularmente diferentes Somente a possibilidade de
acoplamento do adjetivo nacional ao substantivo margem ou seja uma transferecircncia de
conceito desse substantivo para outra esfera que natildeo agrave interna de cada paiacutes jaacute demonstra que
uma ruptura com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito jaacute iniciou e ainda estaacute em curso
A ruptura com a concepccedilatildeo tradicional unificada e estritamente hierarquizada de
ordem juriacutedica leva a uma ruptura epistemoloacutegica com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito
Isso permite natildeo soacute a existecircncia e aplicaccedilatildeo de uma margem nacional de apreciaccedilatildeo como
demonstra a possibilidade de concretizaccedilatildeo do ideal de um direito comum que por ser
pluralista natildeo pode ser projetado conforme o modelo tradicional e nem encontra campo para
isso em funccedilatildeo do novo mosaico juriacutedico existente sobretudo na Europa
Logo eacute possiacutevel afirmar que a margem a que se refere esse trabalho natildeo deixa de ser
um reconhecimento jurisprudencial dessa mudanccedila de ares trazida pelas novas configuraccedilotildees
e estruturas juriacutedicas Isso porque novas instituiccedilotildees emergem em meio de um caos juriacutedico
que natildeo passa despercebido pelas cortes internacionais Prova disso eacute que a MNA natildeo eacute
mencionada somente pelo TEDH Ainda que de modo muito tiacutemido e em pequena medida eacute
possiacutevel o destaque de citaccedilatildeo (e aplicaccedilatildeo) da referida doutrina pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos79
Embora o continente latino americano seja tatildeo ou mais plural e diversificado que o
europeu e que o uso da margem como instrumento de siacutentese entre relativo e universal seja
77
Ibid 2012 p 143 78
DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 757 79
POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema
interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012
39
teoricamente indicado para sedimentar as bases de construccedilatildeo de um direito comum pluralista
a aplicaccedilatildeo do instituto em solo americano ainda natildeo ocorre de modo significativo Sob esse
vieacutes o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Seacutergio Garcia Ramirez80
asseverou
que a margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute uma ferramenta e um princiacutepio europeu de relativismo
relativo agrave execuccedilatildeo que natildeo eacute visto com simpatia pela Corte maacutexima do sistema regional
americano de direitos humanos Isso em funccedilatildeo natildeo soacute do histoacuterico de demandas que
chegaram ao julgamento da Corte Interamericana ndash em grande parte envolvendo violaccedilotildees de
direitos humanos perpetradas pelo Estado durante os periacuteodos de ascensatildeo de autoritarismos e
ditaduras na Ameacuterica Latina ndash como tambeacutem em razatildeo das democracias latino-americanas
ainda estarem em fase de consolidaccedilatildeo
Deste modo em razatildeo da ausecircncia ateacute entatildeo de casos envolvendo desacordos
culturais e das recentes reinserccedilotildees ou inserccedilotildees democraacuteticas de paiacuteses do continente
americano temia-se que eventual aplicaccedilatildeo de MNA poderia ser compreendida pelos Estados
como um salvo-conduto para que houvesse violaccedilatildeo de direitos humanos pelos paiacuteses A
cautela e a percepccedilatildeo de paisagens diferentes entre os territoacuterios separados pelo Atlacircntico
fizeram e fazem com que ainda hoje a doutrina da margem tenha pouca ou quase nenhuma
aplicaccedilatildeo na Ameacuterica
Deste modo pode-se afirmar que a internacionalizaccedilatildeo do direito - e seus reflexos na
Europa - eacute a responsaacutevel pela criaccedilatildeo de um espaccedilo para o desenvolvimento da doutrina da
margem nacional de apreciaccedilatildeo Nesse sentido embora a criaccedilatildeo tenha sido jurisprudencial
por parte do TEDH com aplicaccedilatildeo em alguns casos pelo proacuteprio Tribunal de Luxemburgo eacute
importante avaliar de que modo a doutrina conceitua o referido instituto
A posiccedilatildeo adotada por este trabalho eacute a de Mireille Delmas-Marty81
que salienta em
suas obras a origem nacional da margem nacional ainda como uma margem de interpretaccedilatildeo
capaz de conferir um pluralismo de valores do tipo meta juriacutedico em uma espeacutecie de
deferecircncia para apreciaccedilatildeo do juiz receptor de determinada norma Todavia a margem
relativa agrave internacionalizaccedilatildeo liga-se ao reconhecimento da diversidade de sistemas juriacutedicos
os quais possuem algumas caracteriacutesticas peculiares ligadas agraves identidades do Estado em que
se encontram
80
Tal posicionamento de Seacutergio Garciacutea Ramirez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema Internacional de
Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de 19 e 20 de agosto
de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado ndash da Pontifiacutecia
Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS 81
DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 762
40
Em razatildeo disso para a autora a noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo aleacutem de ser
uma siacutentese entre o universal e o relativo eacute uma chave do pluralismo ordenado Desse modo
sua construccedilatildeo assemelha-se de um lado agrave expressatildeo de uma dinacircmica centriacutefuga ou seja
uma resistecircncia dos Estados agrave integraccedilatildeo e o apego agrave noccedilatildeo claacutessica de soberania e de outro
lado sendo ela limitada por princiacutepios comuns estabelece o miacutenimo de compatibilidade
voltando-se ao centro em uma dinacircmica centriacutepeta
Haacute portanto um movimento duplo que por vezes traduz as resistecircncias dos direitos
nacionais por vezes os avanccedilos rumo agrave harmonizaccedilatildeo do direito comum em mateacuteria de
direitos humanos Eacute justamente essa capacidade de oscilaccedilatildeo que permite os ajustamentos
com vistas a compatibilizar o interno com o comum com o intuito nem de criar uma
hegemonia do universal e nem de tornar inaplicaacutevel o direito comum em razatildeo das
particularidades Desta forma Delmas percebe a margem como uma teacutecnica juriacutedica presente
no acircmbito do fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo do direito e que permite o reconhecimento da
diversidade entre os sistemas juriacutedicos82
Benvenisti83
por sua vez visualiza no uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo uma
espeacutecie de latitude que cada sociedade tem na resoluccedilatildeo de conflitos inerentes entre os
direitos individuais e os interesses nacionais ou entre diferentes convicccedilotildees morais Por
conseguinte alude que a doutrina da margem consoante inclusive fora abordado
anteriormente neste trabalho respondeu inicialmente a preocupaccedilotildees de governos nacionais
de que as poliacuteticas internacionais pudessem comprometer a seguranccedila nacional Isso entatildeo
explicaria a invocaccedilatildeo da margem no caso Lawless vs Irlanda por exemplo
Com a evoluccedilatildeo da jurisprudecircncia o uso desse instrumento passou a ser aplicado por
outras razotildees como gestatildeo de recursos discricionariedade em relaccedilatildeo a questotildees
concernentes agrave deliberaccedilatildeo acerca de sistemas poliacuteticos educacionais entre outros ateacute passar
a ser utilizada em temas relativos aos desacordos culturais Ainda segundo Bevenisti84
a
utilizaccedilatildeo da margem se justifica em alguns casos e em algumas mateacuterias ndash para o autor por
exemplo a aplicaccedilatildeo da margem nacional natildeo se justifica quando em questatildeo se encontram o
direito de minorias - sendo que o uso ampliado ou desmedido pode gerar uma espeacutecie de
deslegitimaccedilatildeo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos
82
Ibid 2000 p 760 83
BENVENISTI Eyal Margin of apreciation consensus and universal standards In International Law and
Politics Vol 31843 1999 pp 843-854 Disponiacutevel em httpwwwpict-
pctiorgpublicationsPICT_articlesJILPBenvenistipdfp 853 Acesso 05 nov 2014 84
Ibid 1999 p 846
41
Para Poblete amp Alvarado85
a margem nacional de apreciaccedilatildeo liga-se agrave noccedilatildeo de fins e
limites da jurisdiccedilatildeo internacional ou supranacional em mateacuteria de direitos humanos Eles
reconhecem que a doutrina da margem concede aos Estados signataacuterios de convenccedilotildees
internacionais liberdade para apreciar as circunstacircncias materiais que exigem aplicaccedilatildeo de
medidas excepcionais em situaccedilatildeo de emergecircncia como eacute o caso das prerrogativas do artigo
15 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de derrogaccedilatildeo em caso de necessidade
Outrossim ainda segundo os mencionados autores a margem possibilita aos Estados
liberdade para limitar direitos reconhecidos em tratados internacionais quando outros direitos
exigem respeito ou assim exigem os interesses da comunidade Ainda serviria para definir os
conteuacutedo dos direitos delimitar como eles satildeo aplicados no plano interno e definir o modo
como seratildeo cumpridas resoluccedilotildees de um oacutergatildeo internacional de supervisatildeo de um tratado ou
convenccedilatildeo Dessa maneira tais autores identificam a doutrina da MNA como uma
metodologia de que se servem os tribunais internacionais para difundir os direitos humanos
previstos nos tratados internacionais bem como o direito do comeacutercio ndash a margem tambeacutem eacute
aplicada pela Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio (OMC)
Vila86
por sua vez percebe na doutrina da marem nacional de apreciaccedilatildeo uma espeacutecie
de ldquodeferecircnciardquo praticada pelo Tribunal de Estrasburgo em relaccedilatildeo aos Estados signataacuterios da
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Isso pelo fato de que o sistema de proteccedilatildeo dos
diretos humanos na Europa eacute resultado de uma divisatildeo de trabalho entre os Estados e a Corte
em que os primeiros satildeo responsaacuteveis primaacuterios desta proteccedilatildeo e a Corte possui um caraacuteter
subsidiaacuterio atuando em acircmbitos sensiacuteveis como o da moralidade e da religiatildeo em que natildeo haacute
consenso entre os Estados
Nesse mesmo sentido se situa o pensamento de Roca87
que afirma que a doutrina da
margem nacional de apreciaccedilatildeo ocupa um lugar de destaque na jurisprudecircncia do Tribunal
Europeu de Direitos Humanos e eacute necessaacuteria para refletir uma realidade evidente qual seja a
pluralidade cultural dos Estados que fazem parte do Conselho da Europa notaacutevel em um
pluralismo de base territorial sobre o qual assenta uma cultura comum europeia de alguns
miacutenimos
85
POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema
interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012 p5 86
VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um
equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em
httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 87
ROCA JavierGarciacutea La muy discrecional doctrina del margen de apreciacioacuten nacional seguacuten el Tribunal
Europeo de Derechos Humanos Soberaniacutea e Integracioacuten In UNED Teoriacutea y Realidad Constitucional N
202007 p 117-143 Disponiacutevel em httpe-spaciounedes revistasuned indexphp TRC article vie 6778
Acesso 02 nov 2014
42
Da mesma forma considera o autor que os princiacutepios da proporcionalidade e da
subsidiariedade satildeo imanentes agrave noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo visto que os
Estados possuem certa margem de discricionariedade na aplicaccedilatildeo e no cumprimento de
obrigaccedilotildees impostas pela Convenccedilatildeo bem como na ponderaccedilatildeo de interesses mais
complexos Se houver excesso por parte dos Estados no uso dessa margem haacute violaccedilatildeo do
princiacutepio da proporcionalidade e abre-se espaccedilo para a intervenccedilatildeo do oacutergatildeo jurisdicional
internacional sob as bases do princiacutepio da subsidiariedade
Eacute importante sob essa oacutetica lembrar que embora o diferencial da Corte Europeia de
Direitos Humanos seja o de permitir a peticcedilatildeo individual de qualquer sujeito que denuncie
uma violaccedilatildeo de seus direitos baacutesicos assim como outros tribunais internacionais tem a regra
da exigecircncia do esgotamento das vias internas de acesso agrave justiccedila para que a demanda seja
recebida pelo TEDH Se natildeo houve satisfaccedilatildeo do pleito por parte do Estado ou se a reparaccedilatildeo
obtida se revelara inidocircnea para uma proteccedilatildeo adequada ao direito violado entatildeo agrave Corte
Europeia eacute permitido revisar a decisatildeo nacional ou substituiacute-la
Mahorney88
em seus estudos assevera que a margem funciona como uma espeacutecie de
divisatildeo de jurisprudecircncias uma vez que traccedila uma linha divisoacuteria entre o que deve decidir
cada comunidade nacional e as questotildees que tecircm relevacircncia para necessitar uma soluccedilatildeo
homogecircnea ou seja as que demandam uma decisatildeo que harmonize a regulaccedilatildeo do direito e
suas garantias na comunidade internacional independentemente das diferenccedilas de tradiccedilotildees
ou culturas
Contreras89
afirma que os tratados regionais de direitos humanos embora contenham
escopos de universalidade em relaccedilatildeo a esses direitos satildeo acompanhados pela possibilidade
de peculiaridades geograacuteficas na execuccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos direitos do homem As cortes
internacionais tecircm a dificuldade de conciliar ou justificar a falta de conciliaccedilatildeo entre
diferenccedilas morais e normativas de cada regiatildeo Em razatildeo disso uma das criaccedilotildees doutrinaacuterias
mais importantes eacute a da margem nacional de apreciaccedilatildeo sendo esta para o autor um criteacuterio
interpretativo desenvolvido tanto como deferecircncia aos Estados para que possam regular o
conteuacutedo dos direitos e suas restriccedilotildees e para distribuir os poderes e niacuteveis de decisotildees
tomadas entre as autoridades domeacutesticas e internacionais
88
MAHORNEY Paul Marvellous richness diversity or individual cultural relativism In Human Rights Law
Journal Vol 19 nuacutem 1 30 de abril de 1998 p 1 89
CONTRERAS Pablo National Discretion and International Deference in the Restriction of Human Rights A
Comparison Between the Jurisprudence of the European and the Inter-American Court of Human Rights In
Northwestern Journal of International Human Rights Vol 11 2012 Disponiacutevel em
httpscholarlycommonslawnorthwesterneducgiviewcontentcgiarticle=1155ampcontext=njihr Acesso 01 nov
2014
43
Visiacutevel portanto que na doutrina natildeo haacute um contexto exato em relaccedilatildeo a essa figura
criada e aplicada na jurisprudecircncia do TEDH Enquanto para alguns estudiosos ela se
configura como uma doutrina para outros eacute um criteacuterio interpretativo ou hermenecircutico usado
pelos tribunais internacionais no sentido de revisar a decisatildeo de um Estado ou conceder
deferecircncia a este para julgar conforme o direito interno coadunado com os princiacutepios miacutenimos
existentes nos tratados internacionais de direitos humanos
Natildeo obstante a divergecircncia de conceituaccedilatildeo no campo teoacuterico analisar-se-aacute no
proacuteximo capiacutetulo alguns casos emblemaacuteticos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de apreciaccedilatildeo
pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos mais diferentes tema com o intuito de
responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel afirmar que do modo como eacute aplicada a
doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo pela Corte Europeia de Direitos do Homem
temos uma efetiva contribuiccedilatildeo para o processo de harmonizaccedilatildeo entre universal e relativo e
construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos
Embora a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo tenha nascido da tentativa de
produccedilatildeo de uma siacutentese entre o universal e o relativo no espaccedilo do sistema regional europeu
de proteccedilatildeo dos direitos humanos sua aplicaccedilatildeo praacutetica sobretudo pelo TEDH natildeo eacute imune a
criacuteticas Cumpre a esse capiacutetulo realizar notas acerca da aplicaccedilatildeo praacutetica da margem
nacional de apreciaccedilatildeo com o intuito de verificar se ela efetivamente contribui ou eacute capaz de
contribuir para a construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
Conforme afirmam Brum et Saldanha90
a MNA ao ser compreendida e utilizada como
uma forma de autocontrole por meio do qual o oacutergatildeo jurisdicional internacional evita o
enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas poliacutetica pode
representar um risco de fragilizaccedilatildeo do direito internacional dos direitos humanos caso seu
uso se torne indiscriminado sem criteacuterios claros e limites precisos Desta maneira seu uso em
vez de conduzir ao caminho de ordenaccedilatildeo do muacuteltiplo e de mundializaccedilatildeo dos direitos
90
BRUM Maacutercio Morais SALDANHA Jacircnia Maria Lopes A margem nacional de apreciaccedilatildeo e sua
(in)aplicaccedilatildeo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em mateacuteria de anistia Uma figura hermenecircutica a
serviccedilo do pluralismo ordenado In Anuario Mexicano de Derecho Internacional 2015(No prelo para
publicaccedilatildeo)
44
humanos levaria ao rumo contraacuterio da fragmentaccedilatildeo e reforccedilo da velha noccedilatildeo de soberania
marcada pela ausecircncia de compromisso dos Estados com os marcos protetivos miacutenimos do
direito internacional
Neste vieacutes portanto dentro ainda de um panorama geral de anaacutelise da postura do
Tribunal de Estrasburgo um dos primeiros pontos de criacutetica se relaciona ao enfraquecimento
da credibilidade do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos Na visatildeo de
alguns doutrinadores a postura da Corte Europeia na aplicaccedilatildeo irrestrita e sem limitaccedilotildees ou
uma sistematizaccedilatildeo teacutecnica em relaccedilatildeo aos casos em que deve ou natildeo ser aplicada pode gerar
um sentimento de descrenccedila na legitimidade e na eficaacutecia das decisotildees tomadas pelo oacutergatildeo
jurisdicional internacional do Conselho da Europa
Para alguns estudiosos o modo como a margem eacute aplicada reflete uma postura de
evitar o enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas
poliacuteticas Aleacutem de uma fragilizaccedilatildeo do sistema internacional de proteccedilatildeo aos direitos humanos
o uso da margem sem limites definidos pode levar ao reforccedilo da noccedilatildeo claacutessica de soberania
em que o compromisso dos Estados com os instrumentos normativos de direito internacional
era mitigado
No campo de aplicaccedilatildeo a casos praacuteticos eacute possiacutevel conforme assevera Roca91
visualizar as imprecisotildees praacuteticas e teoacutericas do uso da margem o que leva a dois resultados o
primeiro eacute a necessidade de criaccedilatildeo de esforccedilos com urgecircncia para melhor edificar e criar
paracircmetros para a aplicaccedilatildeo da ferramenta bem como que o demandante ou qualquer
observador perante a Corte natildeo saber com suficiente seguranccedila juriacutedica quando o Tribunal
de Estrasburgo vai usar a margem nem quais seratildeo os possiacuteveis resultados desse uso
Ainda segundo o autor a margem eacute um instrumento impreciso e de geometria
variaacutevel todavia eacute consenso entre os doutrinadores que a ferramenta natildeo eacute uma carta branca
aos Estados para fazerem o que quiserem sendo necessaacuteria depuraccedilatildeo teoacuterica para tornar o
instrumento mais preciso Seu uso impotildee como jaacute foi dito autocontenccedilatildeo por parte da Corte
tendo em vista que sua funccedilatildeo segundo o princiacutepio da subsidiariedade eacute somente de impor
estandartes miacutenimos comuns em mateacuteria de direitos humanos Entretanto o niacutevel de proteccedilatildeo
dos direitos dos direitos e das diversas foacutermulas para concretizaacute-los natildeo satildeo homogecircneos
diante de naccedilotildees com tradiccedilotildees juriacutedicas tatildeo diversas
Desta maneira no campo jurisprudencial com a finalidade de responder ao
questionamento feito no capiacutetulo anterior utilizar-se-aacute de modo conjunto as classificaccedilotildees das
91
ROCA op cit 125
45
decisotildees da Corte Europeia dos Direitos do Homem feitas por Contreras e por Roca Para o
primeiro doutrinador92
eacute possiacutevel dividir os casos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de
apreciaccedilatildeo pelo Tribunal de Estrasburgo em trecircs grandes grupos
O primeiro grupo abarca casos envolvendo direitos fundamentais e direitos poliacuteticos
dentre os quais se destacam a proibiccedilatildeo da tortura ou a liberdade de expressatildeo e associaccedilatildeo
Nesse primeiro grupo no que tange aos direitos fundamentais haacute rigorosa supervisatildeo por
parte do Tribunal Europeu negando qualquer margem nacional de apreciaccedilatildeo aos Estados
Ainda dentro deste conjunto no que concerne aos discursos poliacuteticos ou direito de partidos
poliacuteticos eacute por vezes concedida uma margem reduzida agraves autoridades domeacutesticas para
decisatildeo ou execuccedilatildeo de uma decisatildeo
O segundo grupo por sua vez relaciona-se aos direitos de propriedade em que a
Corte concede grande margem de deferecircncia aos Estados Isso porque o TEDH reconhece em
princiacutepio que as autoridades nacionais estatildeo melhor situadas do que o juiz internacional no
que tange a apreciaccedilatildeo acerca do melhor interesse de uma comunidade em relaccedilatildeo a poliacuteticas
envolvendo direitos de propriedade
Por fim o terceiro grupo eacute o mais complexo para a apreciaccedilatildeo do tipo de margem
concedida pelo Tribunal de Estrasburgo uma vez que conteacutem temas que natildeo apresentam
consenso por parte do Tribunal Deste modo neste grupo ficam evidentes as complexidades e
as vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis da MNA Casos como os de liberdade religiosa liberdade de
discurso direitos dos homossexuais dentre outros temas latentes e relevantes na paisagem
juriacutedica social e cultural europeia
Do mesmo modo Roca93
divide a margem nacional de apreciaccedilatildeo em trecircs ciacuterculos
concecircntricos tendo como base a natureza dos direitos cuja tutela eacute pleiteada junto ao oacutergatildeo
jurisdicional internacional do sistema europeu O primeiro ciacuterculo de Roca relaciona-se com o
segundo grupo de Contreras vez que trata dos direitos de propriedade que teriam uma
margem de deferecircncia ampla e um controle pouco intenso por parte da Corte Esse ciacuterculo
seria o maior e englobaria os demais
No ciacuterculo menor estariam os direitos vistos como absolutos pelo Tribunal Europeu
Dentre esses se destacam o direito agrave vida ou os direitos democraacuteticos que apresentam uma
margem de apreciaccedilatildeo pouco extensa juntamente com um controle restrito por parte da Corte
Europeia Este ciacuterculo identifica-se com o primeiro grupo anteriormente mencionado visto
92
CONTRERAS op cit p 35 93
ROCA op cit p 134
46
que trabalha com noccedilotildees de direitos fundamentais e poliacuteticos essenciais e miacutenimos para todos
os paiacuteses europeus
Por fim no espaccedilo intermediaacuterio entre esses dois ciacuterculos encontra-se uma esfera
meacutedia que relacionando-se com o terceiro grupo definido por Contreras contempla todos os
outros direitos em que alguma vez o Tribunal de Estrasburgo mencionou ou aplicou a margem
nacional de apreciaccedilatildeo Eacute justamente nesse ciacuterculo que devem ser desenvolvidos os
paracircmetros para guiar o uso da ferramenta pela Corte no intuito de reduzir a inseguranccedila
juriacutedica ocasionada pelo uso sem uma sistematizaccedilatildeo de criteacuterios
Eacute pertinente em um primeiro momento destacar que conforme ambos os
doutrinadores demonstram quando se mencionam direitos fundamentais ou vinculados agrave
princiacutepios democraacuteticos inaplicaacutevel eacute o uso da margem pela Corte ou se for feito eacute de forma
absolutamente restrita No caso dos direitos fundamentais interessante relembrar Baez94
que
ao buscar o conceito de direitos humanos concluiu que nenhuma fonte normativa existente
tanto em sistemas internacionais quanto nacionais ou regionais trazem a definiccedilatildeo de direitos
humanos Pelo contraacuterio soacute os exemplificam
Nesse sentido observou Baez95
que embora natildeo exista uma definiccedilatildeo precisa de
direitos humanos existem elementos baacutesicos que fazem parte desses e o elemento que eacute
citado em todos os instrumentos normativos sobre o tema eacute o de dignidade da pessoa humana
Os direitos humanos somente existem para realizaccedilatildeo e proteccedilatildeo da dignidade humana poreacutem
o conceito de dignidade eacute de tatildeo difiacutecil conceituaccedilatildeo quanto o conceito de direitos humanos
O autor conclui que a dignidade possui duas dimensotildees a dimensatildeo baacutesica a qual
corresponde aos limites miacutenimos e fundamentais para a existecircncia humana impedindo a
noccedilatildeo de coisificaccedilatildeo do ser Se houver portanto violaccedilatildeo agrave dimensatildeo baacutesica da dignidade da
pessoa humana haacute tambeacutem violaccedilatildeo dos direitos humanos A outra dimensatildeo eacute a cultural vez
que envolve o conjunto de valores que cada sociedade desenvolve
A primeira dimensatildeo refere-se agrave universalidade e a segunda que depende de fatores
culturais permite que os direitos humanos sejam morfologicamente assimeacutetricos Isso natildeo
deixa de se relacionar com o que Delmas-Marty fala acerca dos direitos humanos
inderrogaacuteveis ou seja que natildeo podem sofrer a incidecircncia de qualquer tipo de margem de
94
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos
humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da
UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em
httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014 95
Tal posicionamento de Narciso Leandro Xavier Baez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema
Internacional de Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de
19 e 20 de agosto de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado
ndash da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS
47
apreciaccedilatildeo Estes possuem a caracteriacutestica do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano
ou seja vinculam-se agrave noccedilatildeo da dimensatildeo baacutesica da dignidade da pessoa humana
Neste vieacutes eacute possiacutevel dizer que no que diz respeito aos direitos fundamentais a Corte
de certa forma apresenta certa relaccedilatildeo com as doutrinas apresentadas uma vez que em casos
em que existam registros de violaccedilotildees aos direitos humanos inderrogaacuteveis quais sejam os
que tem como cerne a dignidade humana baacutesica a Corte natildeo permite qualquer espeacutecie de
margem nacional de apreciaccedilatildeo Vejamos por exemplo o caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila96
julgado em 2006 O demandante perante o Tribunal de Estrasburgo foi um terrorista
venezuelano conhecido na deacutecada de 1970 condenado pelo Estado Francecircs agrave prisatildeo perpeacutetua
pelo assassinato em 1974 dois inspetores da poliacutecia francesa e um antigo companheiro
terrorista libanecircs
Saacutenchez recorreu agrave Corte Europeia arguindo violaccedilotildees do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo
Europeia dos Direitos do Homem (proibiccedilatildeo da tortura e tratamentos humanos degradantes) e
do artigo 13 do mesmo diploma legal (direito a um recurso efetivo) Embora no julgamento
tenha ficado decidido que natildeo houve violaccedilatildeo ao artigo 3ordm97
o posicionamento da Corte
permite asseverar que natildeo haacute margem nacional de deferecircncia aos Estados quando o assunto
for violaccedilatildeo de direitos humanos ou fundamentais inderrogaacuteveis ou cujo nuacutecleo central for a
dignidade baacutesica da pessoa humana Nesse sentido a Corte pontuou que mesmo nas
circunstacircncias mais difiacuteceis como a luta contra o terrorismo ou o crime organizado a
Convenccedilatildeo proiacutebe em termos absolutos a tortura ou tratamentos inumanos ou degradantes
Igualmente natildeo confere o Tribunal margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso de
violaccedilatildeo de direitos humanos nas condiccedilotildees degradantes das prisotildees de muitos paiacuteses do Leste
Europeu O caso Kalashnikov vs Ruacutessia98
julgado em 15 de julho de 2002 cujo fundamento
foi repetido em muitos outros casos envolvendo condiccedilotildees humanas degradantes nas prisotildees
apresenta a consideraccedilatildeo de que deficientes condiccedilotildees objetivas e estruturais de cumprimento
de pena podem constituir uma violaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo Europeia
96
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-
1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila Sentenccedila
de 04 de julho de 2006 Acesso 05 nov 2014 97
Artigo 3ordm Proibiccedilatildeo da tortura Ningueacutem pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos desumanos
ou degradantes CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS
LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 98
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-
1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Kalashnikov vs Ruacutessia Sentenccedila de 15
de julho de 2002 Acesso 05 nov 2014
48
Ainda pode-se destacar o caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria99
em que novamente o motivo
que serve de base para o pedido de julgamento do Tribunal de Estrasburgo eacute a violaccedilatildeo do
artigo 3ordf da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de que ningueacutem poderaacute ser
submetido a torturas nem a penas ou tratamentos humanos degradantes O caso em comento
referiu-se agrave prisatildeo do senhor Borislav Gutsanov membro do Partido Comunista preso pela
poliacutecia da Bulgaacuteria em sua casa na frente de seus filhos e de sua esposa durante as
investigaccedilotildees de esquemas de grupos criminosos Segundo o relato das partes demandantes
Gustsanovi foi rendido em sua casa por volta das seis horas da manhatilde forccedilado a se ajoelhar e
algemado em frente a seus filhos menores de idade
A decisatildeo da Corte foi a de considerar que houve violaccedilatildeo do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo
uma vez que se mostrou desnecessaacuterio o ato dos policiais e natildeo condizente com os princiacutepios
da proporcionalidade e com as exigecircncias de garantia de direitos fundamentais de um Estado
Democraacutetico de Direito Isso porque o demandante natildeo teria oferecido resistecircncia em sua
prisatildeo de modo que algemaacute-lo diante de sua famiacutelia representou uma espeacutecie de tratamento
humano degradante
Casos como os acima previstos mostram um padratildeo doutrinaacuterio e jurisprudencial
semelhante vez que natildeo se encontram referecircncias expressas a qualquer margem nacional de
apreciaccedilatildeo para as autoridades nacionais O TEDH determina se as provas colhidas satildeo
suficientes ou natildeo para provar o real risco de tortura ou de tratamento humano e
degradante100
Logo pelo fato de que a natureza dos direitos envolvidos nesse caso eacute considerada
como fundamental de imediato eliminam-se as possibilidades de deferecircncia aos Estados Tal
compreensatildeo eacute o que faz o uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo ser extremamente reduzido
no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos Isso porque ateacute hoje diferentemente do Tribunal de Estrasburgo a Corte
Interamericana teve como maioria de demandas apresentadas as envolvendo delitos
praticados pelos Estados Americanos durante as ditaduras militares ou civil militares em que
casos de tortura e desaparecimento forccedilados eram julgados ou seja casos envolvendo a
violaccedilatildeo de direitos fundamentais ou humanos em sua perspectiva eacutetica de dignidade humana
e natildeo cultural
99
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-126982itemid[001-126982] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria Sentenccedila de 15 de outubro de 2013
Acesso 05 nov 2014 100
CONTRERAS op cit p 41
49
Nesse aspecto visiacutevel que quando se tratam de possiacuteveis violaccedilotildees de direitos
humanos inderrogaacuteveis previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos
a anaacutelise feita pelo Tribunal de Estrasburgo eacute de revisatildeo minuciosa da sentenccedila proferida no
paiacutes de origem da demanda bem como a possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute
extremamente reduzida para natildeo falar inexistente No caso de direitos democraacuteticos a
deferecircncia quando concedida pela Corte possui um limite miacutenimo e consoante o princiacutepio da
proporcionalidade soacute eacute concedida se a restriccedilatildeo eacute necessaacuteria e condizente com uma sociedade
democraacutetica
Nos direitos democraacuteticos referidos abarca-se a participaccedilatildeo poliacutetica atraveacutes das
possibilidades de liberdade de associaccedilatildeo ou de discurso poliacutetico Neste campo dos direitos de
participaccedilatildeo poliacutetica em sociedades democraacuteticas a margem concedida pelo Tribunal de
Estrasburgo consoante se afirmou eacute reduzida e sujeita a um controle rigoroso por parte do
oacutergatildeo jurisdicional internacional
Destaca-se o caso Lingens vs Austria101
que por mais que tenha sido julgado na
deacutecada de 1980 pela Corte Europeia eacute emblemaacutetico em relaccedilatildeo ao posicionamento do
tribunal internacional acerca da liberdade de expressatildeo Nesse caso durante o periacuteodo anterior
agraves eleiccedilotildees na Aacuteustria o jornalista Lingens publicou dois artigos polecircmicos sobre os
candidatos incluindo em um desses artigos a informaccedilatildeo de que o entatildeo presidente do
Partido Liberal Nacional da Aacuteustria teria ligaccedilotildees no passado com o nazismo e com a SS
Contra o jornalista foi instaurado um processo penal e ao fim da instruccedilatildeo criminal
este fora condenado pelo delito de difamaccedilatildeo conforme as regras do direito penal austriacuteaco
Esgotadas as vias internas de recurso o jornalista demandou perante a Corte Europeia
alegando que houve por parte do Estado violaccedilatildeo do artigo 10 da Convenccedilatildeo Europeia
havendo censura em seu direito de expressar-se livremente O Estado por sua vez nas razotildees
apresentadas perante o tribunal internacional justificou a condenaccedilatildeo na convicccedilatildeo de
proteccedilatildeo da honra dos direitos de outrem
Frente a este embate o Tribunal de Estrasburgo reconheceu uma margem miacutenima de
deferecircncia agraves autoridades domeacutesticas no que concerne aos oacutergatildeos locais na avaliaccedilatildeo de uma
necessidade social imperiosa que justificaria a interferecircncia na liberdade de expressatildeo de
Lingens Entretanto ressaltou que essa deferecircncia seria seguida por uma riacutegida supervisatildeo
101
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lingens vs Austria Sentenccedila de 8 de julho de 1986 Acesso
05 nov 2014
50
internacional uma vez estar se tratando de direitos fundamentais para o bom funcionamento
de uma sociedade democraacutetica
Ainda nesse sentido o TEDH arguiu que a liberdade de debate poliacutetico eacute cerne da
democracia e considerar que qualquer ofensa ou notiacutecia acerca de uma pessoa puacuteblica seria
sempre difamaccedilatildeo poderia impedir a imprensa na realizaccedilatildeo de sua tarefa de fornecedora de
informaccedilotildees Deste modo aplicando de forma conjunta os princiacutepios da proporcionalidade e
da subsidiariedade o Tribunal de Estrasburgo decidiu que a condenaccedilatildeo fora desproporcional
ao objetivo legiacutetimo perseguido e constituiu uma violaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo no
acircmbito da Convenccedilatildeo Europeia
Tambeacutem merece anaacutelise o caso July and Sarl Libeacuteration vs France102
cuja sentenccedila
foi proferida em 2008 Neste caso o jornal francecircs Libeacuteration divulgou uma reportagem a
respeito das investigaccedilotildees da morte do juiz Bernard Borrel que em um primeiro momento
havia sido dada como suiciacutedio mas apoacutes a reabertura das investigaccedilotildees houve surgimento de
indiacutecios de morte por encomenda Apoacutes a divulgaccedilatildeo da reportagem contendo informaccedilotildees
acerca da participaccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos na morte do magistrado o diretor do jornal
Senhor July foi processado criminalmente pelo crime de difamaccedilatildeo e condenado pelo governo
francecircs
O TEDH em sua manifestaccedilatildeo asseverou que o caso em questatildeo trazia niacutetida
interferecircncia de autoridades puacuteblicas na liberdade de expressatildeo e essa interferecircncia caso natildeo
siga os requisitos do artigo 10103
da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos representa
clara violaccedilatildeo do direito de liberdade de expressatildeo Nessa situaccedilatildeo ainda a Corte faz uso de
uma triacuteade de requisitos descritos por Contreras104
para a concessatildeo da margem a) prescriccedilatildeo
legal - verificar se a restriccedilatildeo realizada pela autoridade domeacutestica foi autorizada ou pelo
102
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-85084itemid[001-85084] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso July and Sarl Libeacuteration vs France Sentenccedila de 14 de
fevereiro de 2008 Acesso 05 nov 2014 103
Artigo 10 Liberdade de expressatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de expressatildeo Este direito
compreende a liberdade de opiniatildeo e a liberdade de receber ou de transmitir informaccedilotildees ou ideias sem que
possa haver ingerecircncia de quaisquer autoridades puacuteblicas e sem consideraccedilotildees de fronteiras O presente artigo
natildeo impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusatildeo de cinematografia ou de televisatildeo a um
regime de autorizaccedilatildeo preacutevia 2 O exerciacutecio desta liberdades porquanto implica deveres e responsabilidades
pode ser submetido a certas formalidades condiccedilotildees restriccedilotildees ou sanccedilotildees previstas pela lei que constituam
providecircncias necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a integridade territorial ou a
seguranccedila puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral a proteccedilatildeo da
honra ou dos direitos de outrem para impedir a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees confidenciais ou para garantir a
autoridade e a imparcialidade do poder judicial CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS
DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 104
CONTRERAS op cit p 34
51
menos executada em conformidade com a lei b) objetivo legiacutetimo c) se a medida foi
necessaacuteria em uma sociedade democraacutetica
No caso pode ser feito o destaque para o trecho da sentenccedila em que analisando a
necessidade da medida de investigaccedilatildeo do crime de difamaccedilatildeo a Corte arguiu que a tarefa do
tribunal internacional no exerciacutecio de sua competecircncia de fiscalizaccedilatildeo natildeo eacute de tomar o lugar
das autoridades competentes mas sim rever as decisotildees que porventura violarem preceitos
previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem quando entregues ao poder de
apreciaccedilatildeo do Estado Deve entatildeo a Corte agrave luz do caso como um todo avaliar se a medida
tomada pelo Estado foi proporcional ao objetivo legiacutetimo perseguido e se os motivos
indicados pelas autoridades nacionais satildeo suficientes e relevantes Por tais motivos no caso
em questatildeo o TEDH declarou que houve violaccedilatildeo por parte do Estado Francecircs do direito de
liberdade de expressatildeo devendo este arcar com uma indenizaccedilatildeo agraves partes prejudicadas
Ainda dentro dessa esfera de atuaccedilatildeo mais precisamente no que concerne ao direito
democraacutetico de livre reuniatildeo e associaccedilatildeo previsto no artigo 11105
da Convenccedilatildeo Europeia o
destaque pode ser dado aos casos do Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia106
julgado em 2005 e Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia107
julgado em 2006 O primeiro deles
trata da questatildeo de dissoluccedilatildeo do Partido Comunista da Turquia ordenado pelo Tribunal
Constitucional do paiacutes sob as razotildees de que era incompatiacutevel com as obrigaccedilotildees
constitucionais e convencionais do Estado
Ao apreciar tal caso a Corte alegou que os partidos poliacuteticos satildeo estruturas essenciais
para o bom e justo funcionamento da democracia Embora natildeo negue certa margem de
deferecircncia aos Estados para que dissolvam partidos poliacuteticos que poderiam tentar minar a
estrutura constitucional do Estado tal decisatildeo se executada pode sofrer revisatildeo se natildeo
105
Artigo 11 Liberdade de reuniatildeo e de associaccedilatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo
paciacutefica e agrave liberdade de associaccedilatildeo incluindo o direito de com outrem fundar e filiar-se em sindicatos para a
defesa dos seus interesses 2 O exerciacutecio deste direito soacute pode ser objeto de restriccedilotildees que sendo previstas na
lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a seguranccedila
puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral ou a proteccedilatildeo dos direitos
e das liberdades de terceiros O presente artigo natildeo proiacutebe que sejam impostas restriccedilotildees legiacutetimas ao exerciacutecio
destes direitos aos membros das forccedilas armadas da poliacutecia ou da administraccedilatildeo do Estado CONVENCcedilAtildeO
EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS
1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 106
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia
Sentenccedila de 2005 Acesso 05 nov 2014 107
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia Sentenccedila de 15 de
julho de 2006 Acesso 05 nov 2014
52
adequar-se agraves previsotildees da Convenccedilatildeo Europeia Logo o Tribunal embora tenha feito a
ressalva de que podem os Estados dissolver partidos poliacuteticos na situaccedilatildeo afirmou que houve
violaccedilatildeo dos direitos de liberdade de associaccedilatildeo visto que natildeo havia qualquer indiacutecio de que
o partido por ter ideal comunista poderia colocar em risco a estrutura do Estado
Da mesma forma o caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia que envolve o direito
de liberdade sindical Na situaccedilatildeo o Governo turco justifica o fechamento de sindicatos com
base em previsotildees da legislaccedilatildeo trabalhista interna a qual natildeo permite que funcionaacuterios criem
sindicatos A Corte na anaacutelise da situaccedilatildeo tambeacutem asseverou que houve violaccedilatildeo do artigo
11 mesmo que neste existam ressalvas em relaccedilatildeo agrave liberdade de associaccedilatildeo de membros das
Forccedilas Armadas da Poliacutecia e da Administraccedilatildeo do Estado Contudo essas limitaccedilotildees devem
ser interpretadas pelos Estados dentro da sua margem de apreciaccedilatildeo de maneira restrita
Se esses casos expostos ilustram exemplos de margem nacional de apreciaccedilatildeo
reduzida ou inexistente o polo oposto envolve os direitos concernentes agrave propriedade para os
quais a Corte Europeia possui entendimento de que a margem de deferecircncia agraves autoridades
domeacutesticas deve ser maior e mais elaacutestica bem como a supervisatildeo por parte do Tribunal
Internacional deve ser menor e relativizada Isso porque as autoridades nacionais em uma
concepccedilatildeo semelhante agrave de juiz natural no processo estariam mais bem situadas que o juiz
internacional para avaliar qual eacute o interesse geral de uma comunidade nessa seara108
A proteccedilatildeo internacional dos direitos de propriedade encontra-se no artigo 1ordm109
do
Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo de Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades
Fundamentais Jaacute na previsatildeo normativa encontra-se a prerrogativa de que qualquer pessoa
singular ou coletiva tem direito ao respeito de seus bens natildeo podendo haver privaccedilatildeo da
propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica ou por condiccedilotildees previstas em lei Desta maneira
as demandas soacute seratildeo revistas pela Corte caso implicarem violaccedilatildeo expliacutecita a esse artigo
Segundo Roca110
a jurisprudecircncia internacional definiu que a previsatildeo normativa
anteriormente destacada segue trecircs criteacuterios em primeiro lugar deve ser respeitado o direito
ao respeito e gozo paciacutefico dos bens dos indiviacuteduos Na sequecircncia a segunda regra
108
CONTRERAS op cit p 40 109
Artigo 1 Proteccedilatildeo da propriedade Qualquer pessoa singular ou coletiva tem direito ao respeito dos seus bens
Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas
pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo
do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso
dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees
ou de multas CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS
LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 110
ROCA op cit p 127
53
compreende uma garantia contra a privaccedilatildeo ilegal ou seja somente poderaacute haver
expropriaccedilatildeo ou privaccedilatildeo da propriedade em casos de utilidade puacuteblica e de acordo com
condiccedilotildees legalmente previstas Por fim o terceiro paracircmetro eacute a possibilidade de o Estado
estabelecer restriccedilotildees ao direito de propriedade tendo por base a prevalecircncia do interesse
puacuteblico sobre o privado
Logo sob a base desses criteacuterios e de alguns casos jaacute julgados pelo oacutergatildeo jurisdicional
internacional eacute possiacutevel asseverar que a margem de apreciaccedilatildeo concedida aos paiacuteses eacute larga
quando se estaacute diante dos direitos de propriedade No caso Back vs Finlacircndia111
de 2004 que
trata de noccedilotildees de utilidade puacuteblica em casos de expropriaccedilatildeo haacute o reforccedilo da noccedilatildeo de
subsidiariedade da Corte Europeia com o entendimento de que esta deve respeitar as decisotildees
das autoridades nacionais soacute sendo possiacutevel e viaacutevel a intervenccedilatildeo se o juiacutezo for
manifestamente desprovido de bases racionais
Por fim poreacutem natildeo menos importante aborda-se o uacuteltimo grupo de jurisprudecircncias da
Corte Europeia de Direitos Humanos que pode ser enquadrado no que Roca determina como
ciacuterculo mediano vez que conteacutem temas em que o posicionamento do Tribunal de Estrasburgo
em relaccedilatildeo agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute oscilante Eacute nesse grupo que pode ser
visualizada toda a complexidade da margem e suas vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis em casos
semelhantes envolvendo por exemplo liberdade religiosa direito de homossexuais e
transexuais e outros temas
Justamente nesse ciacuterculo que natildeo apresenta por parte dos doutrinadores jaacute referidos no
capiacutetulo anterior um criteacuterio de unificaccedilatildeo se apresenta o embate entre o universalismo de
alguns direitos previstos nos marcos normativos internacionais de direitos humanos ndash com
destaque para a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos ndash e o relativismo relativo a noccedilotildees
religiosas e culturais que compotildeem a identidade dos diferentes povos europeus
Nesse aspecto no que tange agrave liberdade religiosa a qual eacute prevista pelo artigo 9ordm112
da
CEDH temos duas decisotildees emblemaacuteticas do Tribunal de Estrasburgo o caso Lautsi vs
111
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-114486itemid[001-114486] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Back vs Finlacircndia Sentenccedila de 13 de novembro de 2002
Acesso 05 nov 2014 112
Artigo 9 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de pensamento de consciecircncia e de religiatildeo este direito
implica a liberdade de mudar de religiatildeo ou de crenccedila assim como a liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou a
sua crenccedila individual ou coletivamente em puacuteblico e em privado por meio do culto do ensino de praacuteticas e da
celebraccedilatildeo de ritos 2 A liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou convicccedilotildees individual ou coletivamente natildeo
pode ser objeto de outras restriccedilotildees senatildeo as que previstas na lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa
sociedade democraacutetica agrave seguranccedila puacuteblica agrave proteccedilatildeo da ordem da sauacutede e moral puacuteblicas ou agrave proteccedilatildeo dos
direitos e liberdades de outrem CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO
54
Itaacutelia113
julgado em 2011 e o caso Leyla Sahin vs Turquia114
julgado em 2005 Isso porque
nesses casos respectivamente o TEDH referendou as normas que impotildeem a presenccedila de
crucifixos nas escolas puacuteblicas italianas e natildeo opocircs objeccedilotildees a restriccedilotildees estatais concernentes
ao uso do veacuteu islacircmico no contexto educativo
No primeiro caso o TEDH retificou a decisatildeo da Corte Constitucional Italiana que
em 2009 havia estabelecido por unanimidade que a norma italiana a qual impunha desde a
deacutecada de 1920 a presenccedila de crucifixo nas paredes de escolas puacuteblicas havia violado o direito
da senhora Lautsi a educar seus filhos conforme suas convicccedilotildees laicas e liberdade religiosa
Portanto o Tribunal italiano argumentou que a manutenccedilatildeo de um siacutembolo religioso em salas
de aula de uma escola puacuteblica poderia perturbar emocionalmente os estudantes que natildeo
professassem religiatildeo alguma a ter a percepccedilatildeo de que o contexto educativo estava marcado
pela religiatildeo
Para retificar tal sentenccedila o TEDH argumentou por uma valoraccedilatildeo abstrata de
compatibilidade entre a norma italiana que permitia o uso de crucifixos nas escolas puacuteblicas e
os direitos convencionais sendo que a margem nacional de apreciaccedilatildeo foi aplicada para essa
valoraccedilatildeo da norma italiana Em primeiro lugar o Tribunal Europeu matizou quais satildeo as
exigecircncias convencionais de neutralidade religiosa na educaccedilatildeo indicando que se proiacutebe o
proselitismo ou a adoccedilatildeo no marco educativo de algo compatiacutevel com o estabelecimento de
o ensino obrigatoacuterio de uma religiatildeo ou a imposiccedilatildeo de uma religiatildeo no ensino puacuteblico
O crucifixo no entendimento do TEDH eacute um siacutembolo religioso passivo cuja
influecircncia natildeo se compara a que exercem a educaccedilatildeo religiosa ou a participaccedilatildeo em atividades
religiosas Logo a percepccedilatildeo subjetiva de que o crucifixo supotildee uma ausecircncia de respeito ao
direito de liberdade religiosa natildeo basta para considerar que tenha havido uma violaccedilatildeo agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Para o TEDH portanto sempre que natildeo exista
a pretensatildeo de doutrinar o Estado goza de margem de deferecircncia para decidir sobre a
permanecircncia dos crucifixos em sala de aula
HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 113
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-104040itemid[001-104040] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lautsi vs Italia Sentenccedila de 18 de marccedilo de 2011 Acesso 05
nov 2014 114
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-70956itemid[001-70956] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Leyla Sahin vs Turquia Sentenccedila de 10 de novembro de
2005 Acesso 05 nov 2014
55
No caso Leyla Sahin de proibiccedilatildeo do uso do veacuteu islacircmico por uma jovem no recinto
de sua universidade para o TEDH os Estados tecircm autonomia para limitar o uso do veacuteu em
locais como escolas puacuteblicas ou universidades Para referendar essa restriccedilatildeo agrave liberdade
religiosa o Tribunal Europeu admitiu o uso da margem de apreciaccedilatildeo por parte do Estado em
razatildeo da ausecircncia de um consenso europeu sobre a mateacuteria somado agrave ideia de que as
autoridades nacionais podem lidar melhor com o assunto por estarem mais perto das
realidades nacionais do que o oacutergatildeo jurisdicional internacional
Para o TEDH desta forma a opccedilatildeo poliacutetica de um Estado pelo laicizismo pode
justificar restriccedilotildees agrave liberdade religiosa e exigir sacrifiacutecios aos indiviacuteduos em prol da
harmonia religiosa do paiacutes Embora portanto haja restriccedilatildeo da liberdade individual religiosa
no caso em questatildeo a proibiccedilatildeo natildeo viola a CEDH
A aplicaccedilatildeo dos princiacutepios da subsidiariedade e da proporcionalidade bem como a
falta de consenso na Europa acerca de questotildees como as apresentadas marcaram o
posicionamento do TEDH na concessatildeo de margem de deferecircncia aos Estados no que
concerne agrave liberdade religiosa A grande criacutetica contudo reside na falta de criteacuterios
especiacuteficos e de clareza no uso da ferramenta
Neste uacuteltimo grupo portanto vislumbra-se o que Kratochivil115
menciona como
ldquomedida misteriosardquo ou seja natildeo existem paracircmetros ou criteacuterios especiacuteficos para a aplicaccedilatildeo
da margem Pelo contraacuterio haacute falta de clareza e de limites demonstrando que a banalizaccedilatildeo
do uso da MNA liquidifica sua substacircncia e pode gerar inseguranccedila juriacutedica aos litigantes
Sob essa oacutetica no campo de direitos inderrogaacuteveis como eacute o caso dos direitos que compotildeem
esse uacuteltimo grupo a consideraccedilatildeo de Vila116
merece destaque
Segundo a autora nesse campo que envolve relativismos culturais a postura do TEDH
varia entre a adoccedilatildeo de uma versatildeo voluntarista de MNA ou a adoccedilatildeo de uma versatildeo
racionalista A primeira se centra no direito de que o Tribunal de Estrasburgo eacute um oacutergatildeo
internacional e assume uma visatildeo normativa e natildeo meramente temporal ou procedimental
acerca do princiacutepio da subsidiariedade Por isso o TEDH reconhece que sua legitimidade
poliacutetica eacute meramente derivada e outorga uma presunccedilatildeo em favor do Estado evitando realizar
uma valoraccedilatildeo independente de compatibilidade entre as medidas impugnadas e o convecircnio
Esta presunccedilatildeo soacute eacute rompida quando haacute razotildees fortes para concluir que o Estado extrapolou o
exerciacutecio de sua autonomia Sob a oacutetica desta concepccedilatildeo fatores como a falta de consenso
115
KRATOCHVIL op cit p 330 116
VILA op cit p 10
56
europeu ou a ideia de que os Estados situam-se em um local melhor apropriado para decidir
adquirem importacircncia por razotildees de legitimidade institucional
Entretanto a oacutetica racionalizada de MNA percebe a ferramenta como um resultado de
efetuar um balanccedilo entre os valores que estatildeo em jogo na proteccedilatildeo dos direitos convencionais
mais do que uma presunccedilatildeo de partida em favor do Estado O TEDH centra-se em examinar
se a medida estatal impugnada consegue alcanccedilar um balanccedilo equitativo entre direitos
individuais e valores democraacuteticos A finalidade natildeo eacute justificar a deferecircncia mas reconhecer
de modo equilibrado os valores democraacuteticos no seio da CEDH
Sobretudo neste uacuteltimo grupo analisado ao qual aqui somente satildeo trazidos casos em
relaccedilatildeo agrave liberdade religiosa (artigo 9ordm da CEDH) concentram-se as criacuteticas em relaccedilatildeo agrave
falta de paracircmetros do TEDH para deferir ou natildeo uma margem de apreciaccedilatildeo aos Estados
Essa variabilidade eacute por alguns117
definida como um ponto negativo de falta de definiccedilatildeo de
criteacuterios o que pode levar a uma margem larga ou a uma margem estreita A primeira poderia
conduzir ao processo de fragmentaccedilatildeo do espaccedilo europeu enquanto a segunda poderia forccedilar
a integraccedilatildeo sob o domiacutenio de uma concepccedilatildeo moderna de direitos humanos pautada pelo
liberalismo e individualismo
Deste modo duas respostas podem ser concedidas agrave pergunta cerne deste trabalho a
margem constitui-se em um instrumento eficaz no processo de construccedilatildeo de um direito
comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa uma vez que sob a perspectiva eacutetica
destes direitos o TEDH preza pela preservaccedilatildeo do irredutiacutevel humano e dos direitos
inderrogaacuteveis e absolutos da pessoa humana Prova disso eacute a ausecircncia ou a miacutenima margem
que eacute concedida para casos envolvendo tortura ou tratamentos humanos degradantes ou
violaccedilatildeo de direitos democraacuteticos
No entanto a ausecircncia de paracircmetros e de criteacuterios por parte do Tribunal de
Estrasburgo (ausecircncia constatada por diversos doutrinadores trazidos ao longo deste trabalho
e exemplificada de modo sinteacutetico atraveacutes da anaacutelise de casos emblemaacuteticos envolvendo
liberdade religiosa) no julgamento de direitos humanos quando vinculados a questotildees
culturais demonstram que no campo praacutetico ainda haacute muito para avanccedilar no processo de
siacutentese entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo dos direitos culturais
117
BRUM et SALDANHA Op cit
57
CONCLUSAtildeO
Slavoj Zizek118
certa vez afirmou que o papel do filoacutesofo natildeo eacute o de propor iniciativas
capazes de mudar o mundo ou as situaccedilotildees em curso mas de observar e interpretar a realidade
que eacute posta A pretensatildeo deste trabalho natildeo difere da conceituaccedilatildeo de filoacutesofo por Zizek Isso
porque em nenhum momento busca-se apresentar alternativas fortes para resolver problemas
postos mas sim almeja-se observar sob um amplo espectro os reflexos da mundializaccedilatildeo
dentro do Direito e de modo especiacutefico como atua o Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem no que concerne agrave aplicaccedilatildeo da figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
Aos mais observadores da realidade que se apresenta eacute impossiacutevel negar que na atual
conjuntura da sociedade informacional a proliferaccedilatildeo exacerbada e anaacuterquica de normas e
instituiccedilotildees juriacutedicas gera uma sensaccedilatildeo de caos e de desordem que clama por uma ordenaccedilatildeo
Embora esse verdadeiro mosaico em que se transformou o Direito na atualidade possa ser
vislumbrado em acircmbito global uma anaacutelise mais apurada de uma parte do todo em
especiacutefico da Europa se mostra pertinente para avaliar as possibilidades de construccedilatildeo de um
pluralismo ordenado
A base possiacutevel desse pluralismo ordenado invariavelmente eacute um direito comum cujo
alicerce se encontra nos direitos humanos No contexto europeu de convivecircncia simultacircnea
de uma ldquopequena Europardquo e de uma ldquogrande Europardquo embora o direito comunitaacuterio jaacute tenha
se consolidado sendo um modelo sui generis para todo o globo ainda eacute preciso avanccedilar no
acircmbito da ldquogrande Europardquo ou do sistema regional europeu dos direitos do homem para a
criaccedilatildeo de um direito comum
Nesse sentido parece indiscutiacutevel que a base de um direito comum europeu seja
alicerccedilada na proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua dimensatildeo moral miacutenima ou no que
Delmas denomina de miacutenimo eacutetico universal e irredutiacutevel humano Logo a universalizaccedilatildeo
almejada natildeo tem como objetivo impor referecircncias de uma cultura sobre as demais e sim o
diaacutelogo entre as diferentes particularidades existentes no seio das diversas sociedades que
convivem na Europa a fim de encontrar o que haacute de valores comuns em todas elas
Todavia por mais que a premissa seja de faacutecil compreensatildeo os embates entre
universalismos e relativismos culturais estatildeo na ordem do dia na agenda do Tribunal de
Estrasburgo de modo que um dos temais mais debatidos atualmente no continente se refere
118
ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo Boitempo 2008
58
ao uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo por este tribunal a fim de conferir deferecircncia aos
Estados em algumas mateacuterias para decidir acerca de questotildees sensiacuteveis
O objetivo do presente trabalho foi o de analisar essa ferramenta hermenecircutica de
origem europeia sob a oacutetica de caos juriacutedico anteriormente apresentado De acordo com o que
fora apurado e estudado chegou-se a conclusatildeo de que o uso dessa doutrina contribui ainda
que de modo tiacutemido para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema europeu
Isso porque quando se tratam de temas concernentes agrave tortura a tratamentos humanos
degradantes a penas desproporcionais ou ainda a direitos democraacuteticos a Corte opta por
definir um entendimento que deve ser aplicado em todos os paiacuteses independentemente de
especificidades culturais Estariacuteamos proacuteximos portanto de uma definiccedilatildeo de direitos
humanos inderrogaacuteveis ou de um miacutenimo eacutetico universal proposto por Delmas e jaacute idealizado
por Kant em sua premissa de direito cosmopoliacutetico
No que tange ao restante dos direitos humanos em uma dimensatildeo cultural pode-se
dizer que a teoria da margem traduz uma ideia de que estaacute eacute capaz de harmonizar o
universalismo dos direitos humanos e o pluralismo advindo das diversidades culturais e
religiosas dos paiacuteses europeus Entretanto consoante a anaacutelise de posiccedilotildees doutrinaacuterias acerca
da utilizaccedilatildeo praacutetica do instituto pelo Tribunal de Estrasburgo bem como o embate
paradigmaacutetico de julgados envolvendo liberdade religiosa parece inevitaacutevel a conclusatildeo de
que como meacutetodo de harmonizaccedilatildeo entre plural e universal o oacutergatildeo jurisdicional
internacional do sistema europeu ainda tem muito a evoluir sobretudo na definiccedilatildeo de
paracircmetros e criteacuterios para servir de norte baacutesico em relaccedilatildeo aos mais diversos casos
59
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4
ldquoOs povos da terra participam em vaacuterios graus de uma comunidade
universal que se desenvolveu a ponto de que a violaccedilatildeo do direito
cometida em um lugar do mundo repercute em todos os demais
A ideia de um direito cosmopolita natildeo eacute portanto fantaacutestica ou
exagerada eacute um complemento necessaacuterio ao coacutedigo natildeo escrito
do Direito poliacutetico e internacional transformando-o num direito
universal da humanidade Somente nessas condiccedilotildees podemos
congratular-nos de estar continuamente avanccedilando em direccedilatildeo a
uma paz perpeacutetuardquo
(Immanuel Kant)
5
RESUMO
Monografia de Graduaccedilatildeo
Curso de Direito
Universidade Federal de Santa Maria
INTERNACIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO E CAMINHOS
PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU ANAacuteLISE DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO
Autora Rafaela da Cruz Mello
Orientadora Jacircnia Maria Lopes Saldanha
Data e Local da Defesa Santa Maria 28 de novembro de 2014
A evoluccedilatildeo da sociedade industrial para a sociedade informacional ocasiona mudanccedilas
significativas nas estruturas juriacutedicas Afirma-se que hoje a seara juriacutedica se assemelha a um
mosaico no qual um verdadeiro caos aparente se instala em razatildeo da multiplicidade de regras
e instituiccedilotildees de hierarquias diversas Nesse contexto o continente europeu pode ser
considerado como um verdadeiro laboratoacuterio de estudos uma vez que em um mesmo
territoacuterio convivem a ldquopequena Europardquo marcada pelo jaacute consolidado direito comunitaacuterio e a
ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos Sob esse panorama de
anaacutelise do espaccedilo europeu eacute que se propotildee o presente trabalho a analisar a possibilidade de
construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa analisando
como forma de viabilizar tal projeto a figura hermenecircutica da Margem Nacional de
Apreciaccedilatildeo Utiliza-se o meacutetodo dedutivo de abordagem e o meacutetodo de procedimento
monograacutefico e para melhor trabalhar com o tema divide-se o trabalho em duas grandes
partes a primeira analisa a evoluccedilatildeo dos direitos humanos nas duas esferas do espaccedilo
europeu para na sequecircncia trabalhar especificamente com a contribuiccedilatildeo das novas
geometrias juriacutedicas do processo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos bem como da
margem nacional de apreciaccedilatildeo para construir as bases de um direito comum europeu
pluralista Na sequencia aborda-se unicamente o instituto da margem nacional com a
finalidade de averiguar se o modo como o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem aplica a
ferramenta efetivamente contribui para a criaccedilatildeo desse direito comum bem como se
possibilita a harmonizaccedilatildeo entre o universalismo dos direitos do homem e o relativismo das
pluralidades e particularismos culturais
Palavras-chave Europa universalismo relativismo direito comum margem nacional de
apreciaccedilatildeo
6
ABSTRACT
Graduation Monografh
Law School
Federal University of Santa Maria
INTERNATIONALIZATION LAW AND WAYS FOR THE
CONSTRUCTION OF A COMMON EUROPEAN LAW
ANALISYS OF MARGIN OF APPRECIATION
Author Rafaela da Cruz Mello
Adviser Jacircnia Maria Lopes Saldanha
Date and Place of the Defense Santa Maria November 28 2014
The evolution of industrial society to the information society brings about significant changes
in the legal structures It is said that today the legal harvest resembles a mosaic in which a
real apparent chaos ensues because of the multiplicity of rules and various hierarchies of
institutions In this context the European continent can be considered as a true laboratory
studies since in the same territory live the little Europe marked by already established
Community law and the big Europe regional rights protection system humans Under this
scenario analysis of the European area do you propose this study to examine the possibility of
building a common law on human rights in Europe analyzing in order to facilitate such a
project hermeneutics figure of the National Assessment Bank We use the deductive method
of approach and the monographic method and procedure to better work with the theme the
work is divided into two main part the first analyzes the evolution of human rights in the two
spheres of Europe for in sequence work specifically with the contribution of the new legal
geometries the process of universalization of human rights and the national margin of
appreciation to build the foundations of a pluralistic European common law In sequence
addresses solely the Institute of National bank in order to ascertain whether how the
European Court of Human Rights applies to effectively contributes tool for the creation of this
common law and if possible harmonization between universalism of human rights and
cultural relativism of plurality and particularism
Keywords Europe universalism relativism common law national margin of appreciation
7
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 8
1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM
DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS 11
11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave
criaccedilatildeo de um direito comum 11
12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias
juriacutedicas a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da
figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo 20
2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU 33
21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem
Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu 33
22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos 43
CONCLUSAtildeO 57
REFEREcircNCIAS 59
8
INTRODUCcedilAtildeO
No iniacutecio do seacuteculo XX Hans Kelsen1 em ldquoTeoria Pura do Direitordquo defendeu a tese de
que para entender a ciecircncia juriacutedica era necessaacuterio observaacute-la de modo dissociado de outras
ciecircncias O autor propocircs a compreensatildeo do direito a partir da famosa piracircmide kelseniana a
norma fundamental ndash a Constituiccedilatildeo ndash estaria no topo da piracircmide e seria capaz de dotar de
validade o restante do ordenamento juriacutedico Abaixo desta norma fundamental estariam as
demais leis e regras do direito sendo que tal formulaccedilatildeo estagnada e sistemaacutetica da ordem
juriacutedica adequava-se aos anseios de organizaccedilatildeo de uma sociedade industrial
Todavia por trabalhar com conflitos sociais o direito natildeo fica alheio agraves vicissitudes
do seacuteculo XX sendo que a Europa apresenta-se como um importante laboratoacuterio de
observaccedilatildeo de mudanccedilas Apoacutes a Segunda Guerra Mundial emergem na sociedade poacutes-
industrial e posteriormente informacional novas estruturas juriacutedicas que natildeo mais satildeo
capazes de se adequar agrave inflexiacutevel loacutegica hieraacuterquica kelseniana Estamos na era do que
Losano2denomina de ldquodireito turbulentordquo que se move se agita e muda de modo veloz assim
como a sociedade que o cerca embora natildeo tatildeo rapidamente quanto esta sociedade
Em razatildeo disso novas geometrias satildeo criadas para tentar explicar o panorama juriacutedico
da sociedade atual Na Europa por exemplo em que temos convivendo sistemas juriacutedicos de
origens e de ordens diversas ndash sistema internacional nacional supranacional ndash autores
determinam que se vive o tempo do Estado em Rede3ou dos aneacuteis disformes com a
proximidade de guirlandas4 ocasionando ao mais despercebido leitor da realidade um
sentimento de caos juriacutedico
Nesse sentido eacute possiacutevel destacar o pensamento de Mireille Delmas-Marty5 que
revoluciona o pensamento de Kelsen Segundo ela essa falta de sistematizaccedilatildeo
aparentemente anaacuterquica eacute solo feacutertil para a construccedilatildeo de um direito comum pluralista em
1 KELSEN Hans Teoria Pura do Direito Traduccedilatildeo de Joatildeo Baptista Machado Satildeo Paulo Martins Fontes
1996 2 LOSANO Mario G Modelos teoacutericos inclusive na praacutetica da piracircmide agrave rede Novos paradigmas nas
relaccedilotildees entre direitos nacionais e normativas supraestatais Revista do Instituto dos Advogados do Estado de
Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 08 n16 p 264-284 2005 3 CASTELLS Manuel Para o Estado-Rede globalizaccedilatildeo econocircmica e instituiccedilotildees poliacuteticas na era da
informaccedilatildeo In PEREIRA Luiz Carlos Bresser WILHEIM Jorge SOLA Lourdes (Org) Sociedade e Estado
em transformaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora UNESP Brasiacutelia ENAP 1999a p164 4 DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006
5 Id 2004a
9
mateacuteria de direitos humanos A sociedade em tempos de globalizaccedilatildeo precisa resistir ao
processo de desumanizaccedilatildeo e de coisificaccedilatildeo do homem de modo que a base para a
construccedilatildeo desse direito comum pluralista devem ser os direitos humanos
Sob a oacutetica europeia que seraacute aqui analisada por ser um importante referencial para os
estudos das mudanccedilas sociais e juriacutedicas dos seacuteculos XX e XXI de que direitos humanos
referimo-nos para ser a base de um direito comum Em um continente tatildeo muacuteltiplo e plural
como realizar o diaacutelogo positivo entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo
das diferentes culturas
Sob esta oacutetica emerge a figura central desse estudo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
(MNA) bem como sua contribuiccedilatildeo para a construccedilatildeo de um direito comum e para a
harmonizaccedilatildeo entre universalismo e relativismo no contexto da Europa Este recurso
hermenecircutico denominado Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo trata-se de uma construccedilatildeo
jurisprudencial criada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante tambeacutem
referido como Tribunal de Estrasburgo) com a finalidade de conferir algum espaccedilo de
deferecircncia para que os tribunais nacionais dos Estados possam decidir algumas questotildees
consoante suas particularidades locais
Embora esta seja a teoria sob a qual se alicerccedila o instituto almeja-se neste trabalho
responder os seguintes questionamentos a doutrina da MNA aplicada pelo Tribunal Europeu
dos Direitos Humanos contribui para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema
europeu de proteccedilatildeo dos direitos do homem Em sua aplicaccedilatildeo praacutetica a margem se mostra
como um recurso eficaz para harmonizar o universalismo dos direitos humanos e o pluralismo
advindo das diversidades culturais e religiosas dos diferentes paiacuteses que fazem parte do
Conselho da Europa
Para responder tal questionamento utilizou-se o meacutetodo dedutivo como meacutetodo de
abordagem e o meacutetodo monograacutefico de procedimento atraveacutes da leitura e fichamento das
diferentes construccedilotildees teoacutericas e doutrinaacuterias sobre o tema bem como anaacutelise de alguns
julgamentos paradigmaacuteticos do Tribunal de Estrasburgo Para melhor compreensatildeo da
complexidade do tema trabalhado dividiu-se esta monografia em duas grandes partes a parte
1 se ocupa da paisagem europeia no poacutes-Segunda Guerra Mundial com a criaccedilatildeo da ldquopequena
Europardquo do direito comunitaacuterio e da ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos
direitos humanos avaliando em ambos os cenaacuterios de que modo se deu a preocupaccedilatildeo com a
temaacutetica dos direitos humanos ou fundamentais (11)
Por conseguinte no intuito de aprofundar o estudo sobre a possibilidade de criaccedilatildeo de
um direito comum no contexto da ldquogrande Europardquo buscou-se uma anaacutelise das novas
10
geometrias da paisagem juriacutedica e do tipo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos que se
procura dentro desse cenaacuterio avaliando por conseguinte o surgimento da figura da MNA
(12) A parte 2 por sua vez objetiva a anaacutelise pura do instituto da Margem Nacional de
Apreciaccedilatildeo averiguando o histoacuterico de sua criaccedilatildeo e as definiccedilotildees acerca de seu conceito
(21) para na sequecircncia avaliar a partir da anaacutelise de alguns julgamentos paradigmaacuteticos do
Tribunal de Estrasburgo se tal ferramenta hermenecircutica se demonstra eficaz no processo de
harmonizaccedilatildeo das tensotildees entre universalismo e relativismos e se pode ser relevante no
processo de criaccedilatildeo de um direito comum cuja base satildeo os direitos humanos (22)
11
1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM
DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS
O seacuteculo XX trouxe mudanccedilas significativas para os mais diversos segmentos da vida
social e o direito natildeo ficou alheio agraves vicissitudes decorrentes do poacutes-Segunda Guerra Mundial
O continente europeu sobretudo passa a ser o cenaacuterio de revoluccedilotildees na estrutura juriacutedica ateacute
entatildeo conhecida com o surgimento praticamente concomitante de instituiccedilotildees supranacionais
e internacionais para aleacutem das nacionais
Neste vieacutes uma das preocupaccedilotildees primordiais do poacutes-guerra foi a de garantir a tutela
dos direitos humanos mesmo diante das mudanccedilas latentes no cenaacuterio juriacutedico Desta feita
deparamo-nos com duas esferas dentro do cenaacuterio europeu a ldquopequena Europardquo que origina
um direito comunitaacuterio europeu o qual mesmo tendo se ocupado com questotildees relativas agrave
economia e agrave integraccedilatildeo regional desenvolve a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais
atraveacutes do diaacutelogo jurisprudencial entre cortes de naturezas distintas e a ldquogrande Europardquo do
sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos espaccedilo haacutebil e possiacutevel para ser base de
criaccedilatildeo de um direito comum (11) Da evoluccedilatildeo de um campo ao outro a premissas de
universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo buscam
legitimar e consolidar a criaccedilatildeo desse direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
(12)
11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave
criaccedilatildeo de um direito comum
O historiador britacircnico Eric Hobsbawn6 talvez tenha encontrado a melhor adjetivaccedilatildeo
para o seacuteculo XX a ldquoEra dos Extremosrdquo Nas palavras do proacuteprio autor ldquoNatildeo sabemos o que
6 HOBSBAWN Eric A era dos extremos o breve seacuteculo XX 1941-1991 Satildeo Paulo Companhia das Letras
1995
12
viraacute a seguir nem como seraacute o segundo milecircnio embora possamos ter a certeza de que ele
teraacute sido moldado pelo Breve Seacuteculo XXrdquo7
Nesse sentido a Segunda Guerra Mundial representa o marco crucial natildeo soacute para a
preocupaccedilatildeo global em relaccedilatildeo aos direitos humanos8 com a criaccedilatildeo e fortalecimento de uma
grande quantidade de instrumentos normativos responsaacuteveis por sua tutela em acircmbito
mundial como tambeacutem para o surgimento de uma nova Europa Apoacutes o teacutermino da guerra
que teve como palco principal de seus acontecimentos o continente europeu diversos paiacuteses
se encontravam em uma situaccedilatildeo de caos politico fragmentaccedilatildeo e enfraquecimento
econocircmico aleacutem do perigo iminente de eclosatildeo de uma nova disputa de proporccedilotildees mundiais
advinda da dicotomia entre capitalismo e socialismo na entatildeo incipiente Guerra Fria
Eacute nesse contexto que emerge a ideia de criaccedilatildeo de um espaccedilo comum europeu
consubstanciado atraveacutes da integraccedilatildeo regional entre os paiacuteses do continente Ainda no inicio
do seacuteculo XX eacute possiacutevel destacar a ocorrecircncia de propostas relativamente concretas para a
integraccedilatildeo europeia como eacute o caso da proposta do francecircs Aristides Briand em 1929 de
criaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia sob a oacutetica de uma federaccedilatildeo ou seja fundada sob uma
noccedilatildeo de uniatildeo o que implica o respeito agrave soberania9 Todavia a crise econocircmica mundial a
ascensatildeo de nacionalismos na Europa e por fim a eclosatildeo da segunda grande guerra
obstaculizaram a adesatildeo a essa proposta
O cenaacuterio do poacutes-guerra de desintegraccedilatildeo social e miseacuteria econocircmica em grande parte
dos paiacuteses envolvidos gerou a instalaccedilatildeo do Congresso da Europa em Haia nas datas de 7 a
11 de maio de 1948 no qual houve a criaccedilatildeo do ldquoMovimento Europeurdquo No referido
congresso duas correntes foram estabelecidas as quais impulsionaram o surgimento da
ldquopequena Europardquo10
e da ldquogrande Europardquo respectivamente a Europa dos federalistas e a
7 Ibid p14
8 Pode-se nesse sentido destacar a descriccedilatildeo de Valeacuterio Mazzuoli de que desde a Segunda Guerra Mundial em
decorrecircncia dos horrores e atrocidades cometidos durante esse periacuteodo em que muitas vidas eram consideradas
como nuacutemeros e valiam tatildeo pouco os direitos humanos passaram a constituir um dos principais temas do Direito
Internacional contemporacircneo A normatividade internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos foi conquistada
por meio de lutas histoacuterias contiacutenuas e incessantes e consubstanciada em diversos tratados concluiacutedos com esse
propoacutesito tendo sido fruto de um lento e gradual processo de internacionalizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo desses
mesmos direitos o qual fora intensificado com o fim da Segunda Guerra Mundial MAZZUOLI Valeacuterio de
Oliveira Curso de Direito Internacional Puacuteblico 5 ed Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 811 9 SILVA Karine de Sousa Uniatildeo Europeia antecedentes e evoluccedilatildeo histoacuterica In SILVA Karine de Souza
COSTA Rogeacuterio Santos da(Org) Organizaccedilotildees Internacionais de Integraccedilatildeo Regional Uniatildeo Europeia
Mercosul e UNASUL Florianoacutepolis Ed Da UFSC Fundaccedilatildeo Boiteux 2013 p 54 10
Doravante por ldquopequena Europardquo estar-se-aacute referindo aos paiacuteses participantes da Uniatildeo Europeia sujeitos
portanto agraves decisotildees das instituiccedilotildees da Uniatildeo dentre as quais se destaca o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo
Europeia ldquoGrande Europardquo por sua vez refere-se aos paiacuteses que aderiram ao Conselho da Europa que hoje
somam um total de 47 (quarenta e sete) membros e que se submetem agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal Europeu de
Direitos Humanos PRINO Carla Sofia Abreu Relaccedilotildees entre TJUE e TEDH no contexto de adesatildeo da UE agrave
13
Europa dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental11
Os primeiros defendiam uma
integraccedilatildeo mais profunda entre os paiacuteses com transferecircncia de parcela de soberania dos
Estados para uma instituiccedilatildeo com poderes supranacionais sendo esta a base para a criaccedilatildeo da
Comunidade Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) Os segundos por sua vez se opunham agrave
cessatildeo de direitos soberanos impulsionando com seus ideais a criaccedilatildeo em 1949 do
Conselho da Europa com sede em Estrasburgo
Natildeo obstante essa divisatildeo surgida no Congresso da Europa eacute possiacutevel afirmar que a
base de construccedilatildeo da atual Uniatildeo Europeia deu-se com a criaccedilatildeo da Comunidade Europeia
do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) movida pelos ideais integracionistas do francecircs Jean Monnet
Contratado no poacutes-guerra para participar do Plano de Modernizaccedilatildeo e Equipamento da
Franccedila Monnet tinha medo de que o Plano Marshall norte-americano de empreacutestimo de
dinheiro para a reconstruccedilatildeo da Europa pudesse gerar uma diacutevida eterna aos paiacuteses do
continente com os Estados Unidos e para escapar disso via como uacutenica soluccedilatildeo a promoccedilatildeo
de um esforccedilo comum dos Estados atraveacutes de projetos de integraccedilatildeo regional
Por isso redigindo o texto da Declaraccedilatildeo de Schuman de 1950 Monet propagava a
ideia de integraccedilatildeo como meio de assegurar a paz e reerguer a poliacutetica e a economia dos
paiacuteses que foram destruiacutedos pela guerra Nesse sentido sua ideia foi a partir de uma ideologia
pacifista de influecircncia kantiana neutralizar a rivalidade franco-alematilde atraveacutes de uma espeacutecie
de mercado comum com a criaccedilatildeo de uma organizaccedilatildeo internacional com caraacuteter
supranacional que seria responsaacutevel pela gestatildeo dos recursos naturais da regiatildeo do Sarre e do
Ruhr os quais seriam colocados a serviccedilo da paz e natildeo da guerra12
A proposta integracionista daquele que eacute considerado o arquiteto do projeto de
integraccedilatildeo europeia era de retirar da matildeo dos Estados a capacidade de gestatildeo dos recursos
energeacuteticos que movimentavam a induacutestria beacutelica e da guerra Desta forma uma autoridade
internacional mais especificamente uma organizaccedilatildeo internacional setorial seria criada com
um status supranacional para gerenciar e administrar a produccedilatildeo de carvatildeo e de accedilo
funcionando atraveacutes da delegaccedilatildeo de parcelas da soberania estatal em questotildees especiacuteficas
Assim em 1951 com a assinatura do Tratado de Paris criou-se a Comunidade
Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) com a participaccedilatildeo inicial de seis paiacuteses Franccedila
Alemanha Itaacutelia Beacutelgica Holanda e Luxemburgo Posteriormente em 1957 com o Tratado
CEDH Debater a Europa Nuacutemero 4 JaneiroJunho 2011 Disponiacutevel em httpwwweurope-direct-
aveiroaevaeudebatereuropa Acesso 10 out 2014 11
SILVA Karine de Sousa De Paris a Lisboa sessenta anos de integraccedilatildeo europeia In SILVA Karine de
Souza Mercosul e Uniatildeo Europeia O Estado da arte dos processos de integraccedilatildeo regional Florianoacutepolis
Editora Modelo 2010 p 35 12
Ibid p 60
14
de Roma a Comunidade Econocircmica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia para a
Energia Atocircmica (CEEA ou Euratom) foram criadas consolidando-se deste modo as trecircs
comunidades que fizerem emergir o direito comunitaacuterio no seio da Europa Foi contudo
somente em 1992 com o Tratado de Maastrich ou Tratado da Uniatildeo Europeia que nasceu a
Uniatildeo Europeia propriamente dita consagrada em trecircs pilares baacutesicos as comunidades que
inicialmente lhe deram base a colaboraccedilatildeo em mateacuteria de poliacutetica exterior e seguranccedila
comum e a cooperaccedilatildeo no acircmbito judicial e policial em mateacuteria penal13
Visiacutevel deste modo que o que impulsionou a criaccedilatildeo de um direito comunitaacuterio
europeu foi a necessidade de reorganizaccedilatildeo do continente apoacutes 1945 e o fortalecimento
econocircmico de antigas potecircncias rivais como foi o caso da Franccedila e da Alemanha Ocorre que
de modo concomitante ao crescimento dos ideais dos federalistas a segunda corrente oriunda
do Congresso da Europa de 1949 dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental tambeacutem
cresceu e se tornou visiacutevel vez que possuiacutea como objetivo a realizaccedilatildeo de uma uniatildeo mais
estreita entre seus membros de modo a salvaguardar os ideais e princiacutepios que satildeo seu
patrimocircnio comum e favorecer seu progresso social e econocircmico
O Conselho da Europa surgido em 1949 portanto configura-se como outra
organizaccedilatildeo internacional surgida na Europa do poacutes-guerra tendo como base a consolidaccedilatildeo
sob o principio da cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses e natildeo o federalismo que implica cessatildeo de
parcelas da soberania Seu propoacutesito eacute o de defesa dos direitos humanos desenvolvimento
democraacutetico e estabilidade poliacutetico-social na Europa sendo chamado de ldquogrande Europardquo por
desde o iniacutecio contar com mais adesotildees de paiacuteses em relaccedilatildeo agrave CECA Eacute justamente dentro
desse Conselho que surge o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em 1959
oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa e
responsaacutevel pela tutela dos direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem
(CEDH) de 1950
A eclosatildeo desses dois movimentos marca o iniacutecio de uma verdadeira revoluccedilatildeo dentro
da compreensatildeo do direito Se antes no continente europeu era possiacutevel vislumbrar a
existecircncia em grande medida e tatildeo somente de tribunais nacionais cuja competecircncia era
exercida dentro de determinado Estado sob a eacutegide de sua soberania o cenaacuterio altera-se e daacute
espaccedilo para a existecircncia natildeo soacute de tribunais nacionais como tambeacutem de tribunais
supranacionais e internacionais
13
Ibidem p 77
15
No caso do direito comunitaacuterio sua criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de
instituiccedilotildees que fortaleccedilam o sistema supranacional Em funccedilatildeo disso dentre os mais diversos
oacutergatildeos criados pelos sucessivos tratados comunitaacuterios pode-se destacar o Tribunal de Justiccedila
da Uniatildeo Europeia (TJUE) ou Tribunal de Luxemburgo
Este criado pelo Tratado de Paris de 1951 e adotado pelo Tratado de Roma de 1957
tem a finalidade de assegurar o cumprimento do direito comunitaacuterio e a interpretaccedilatildeo e
aplicaccedilatildeo dos Tratados dentro a vida da comunidade14
Submetem-se agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal
atualmente os vinte e oito15
paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e ao longo dos anos
ele se desenvolveu como uma importante instituiccedilatildeo capaz de contribuir ao desenvolvimento
da comunidade atraveacutes de consolidaccedilotildees jurisprudenciais e da conversatildeo dos tratados
constitutivos da comunidade em verdadeiras constituiccedilotildees materiais
Embora a preocupaccedilatildeo com os direitos humanos no cenaacuterio da ldquopequena Europardquo natildeo
tenha sido uma caracteriacutestica inicial dos tratados constitutivos das comunidades europeias o
diaacutelogo do Tribunal de Luxemburgo com os tribunais nacionais de alguns Estados europeus
traz agrave tona esse tema bem como se caracteriza por ser o grande responsaacutevel pela consolidaccedilatildeo
de princiacutepios baacutesicos do direito comunitaacuterio como eacute o caso da supremacia das normas
comunitaacuterias Neste vieacutes importante destaque deve ser feito ao caso CostaENEL16
de 1964
que marcou o surgimento da noccedilatildeo de supremacia das normas da comunidade europeia
O objeto de tal caso fora uma lei italiana de nacionalizaccedilatildeo da energia eleacutetrica
declarada incompatiacutevel com o Tratado da Comunidade Econocircmica Europeia Em sede de
reenvio prejudicial o Tribunal Constitucional Italiano enviou a questatildeo ao Tribunal de Justiccedila
da Uniatildeo Europeia o qual reconheceu que ao instituir uma comunidade de duraccedilatildeo ilimitada
com caraacuteter sui generis e poderes resultantes de delegaccedilatildeo de parcela da soberania os paiacuteses
limitariam seus direitos soberanos em prol de um conjunto de normas aplicaacutevel natildeo soacute agrave
comunidade como a todos os seus Estados membros17
14
OLIVEIRA Odete Maria de Uniatildeo Europeia processos de integraccedilatildeo e mutaccedilatildeo 1ordfed 3ordf tir Curitiba
Juruaacute 2003 15
Os vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia satildeo Alemanha Aacuteustria Beacutelgica Bulgaacuteria Chipre
Croaacutecia Dinamarca Eslovaacutequia Eslovecircnia Espanha Estocircnia Finlacircndia Franccedila Greacutecia Hungria Irlanda Itaacutelia
Letocircnia Lituacircnia Luxemburgo Malta Paiacuteses Baixos Polocircnia Portugal Reino Unido Repuacuteblica Checa
Romecircnia Sueacutecia Dados disponiacuteveis no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeuropaeuabout-
eucountriesmember-countriesindex_pthtm Acesso 01 nov 2014 16
O acoacuterdatildeo do referido caso encontra-se disponiacutevel na iacutentegra no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeur-
lexeuropaeulegal-contentPTTXTPDFuri=CELEX61964CJ0006ampfrom=EN Acesso 02 out 2014 17
FARENZENA Sueacutelen Costa versus ENEL ndash O primado do Direito Comunitaacuterio e a mudanccedila de paradigma o
Estado em rede europeu Revista da SJRJ Vol 19 nordm34 Rio de Janeiro 2012 Disponiacutevel em
httpwww4jfrjjusbrseerindexphprevista_sjrjarticleviewFile338296 Acesso 01 out 2014
16
Neste sentido determinou o Tribunal de Luxemburgo que a forccedila executiva do direito
comunitaacuterio natildeo poderia variar de um espaccedilo para outro ao sabor das legislaccedilotildees internas
Impossiacutevel portanto um Estado fazer prevalecer sobre uma ordem juriacutedica aceita sob o pilar
da reciprocidade e da cessatildeo de parcela de direitos soberanos uma medida unilateral anterior
ou posterior que lhe pode opor
Natildeo obstante tal decisatildeo a ideia de supremacia das normas comunitaacuterias por si soacute
natildeo foi adotada de modo paciacutefico por todos os tribunais constitucionais dos paiacuteses sujeitos agrave
jurisdiccedilatildeo do Tribunal de Luxemburgo Em funccedilatildeo disso houve a percepccedilatildeo por parte dos
juiacutezes do TJUE de que seria necessaacuterio acoplar agrave ideia de supremacia das normas
comunitaacuterias um discurso dotado de legitimidade que envolvesse princiacutepios e ideais comuns
natildeo soacute para a comunidade como para os Estados membros Esse discurso portanto seria o
discurso dos direitos fundamentais18
Ateacute o surgimento de algumas tensotildees entre os posicionamentos dos tribunais nacionais
e as decisotildees do TJUE havia certa resistecircncia por parte deste uacuteltimo em lidar com questotildees
concernentes aos direitos humanos ou fundamentais Isto porque o motivo que levou agrave criaccedilatildeo
das Comunidades Europeias e a posterior Uniatildeo Europeia foi predominantemente econocircmico
tanto eacute que os tratados iniciais das Comunidades Europeias natildeo trazem elementos que refiram
explicitamente a preocupaccedilatildeo com direitos humanos ou fundamentais19
Entretanto consoante
fora asseverado a supremacia das normas comunitaacuterias somente conseguiria se afirmar e se
consolidar caso fosse acoplada ao tema da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais
Neste sentido a deacutecada de 1960 pode ser vista como um importante marco para o
TJUE Casos como o Stauder (1969) e o Internationale Handelsgesellschaft20
(1970)
18
GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional
algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em
httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014 19
Pertinente o destaque da concepccedilatildeo de Gilmar Mendes e Geroge Rodrigo Bandeira Galindo sobre este tema
Segundo eles os instrumentos que instituiacuteram as comunidades europeias natildeo se referem de maneira expliacutecita agrave
proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais e haacute razotildees para isso A primeira delas reside no fato de que a
proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa deveria ser transferida para outra organizaccedilatildeo internacional no caso o
Conselho da Europa que foi uma instituiccedilatildeo fundamental para a elaboraccedilatildeo da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos
do Homem de 1950 Outra razatildeo sustenta-se na ideia de que a inclusatildeo imediata de um cataacutelogo de direitos
fundamentais nos tratados instituidores das Comunidades Europeias geraria conflitos entre as consolidadas
constituiccedilotildees estatais e o entatildeo incipiente direito comunitaacuterio Por fim outra razatildeo apontada eacute traduzida no fato
de que os Estados eram temerosos de que a imediata inclusatildeo de temas de direitos fundamentais ou humanos nos
tratados instituidores das Comunidades pudesse ampliar as competecircncias de prerrogativas de instituiccedilotildees receacutem-
criadas Ibidem p03
De qualquer forma houve no processo de germinaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia nos moldes em que hoje
conhecemos a predominacircncia de ideias economicistas e de integraccedilatildeo regional com base na aproximaccedilatildeo de
ideais produtivos e de mercado A preocupaccedilatildeo com a tutela de direitos humanos ou fundamentais surge atraveacutes
dos diaacutelogos espontacircneos entre as cortes constitucionais e o Tribunal de Luxemburgo 20
Neste caso o raciociacutenio da corte faz clara alusatildeo agrave vinculaccedilatildeo entre primazia do direito comunitaacuterio e a
proteccedilatildeo dos direitos fundamentais por parte das instituiccedilotildees comunitaacuterias Os pontos 3 e 4 do julgamento do
17
consolidaram o entendimento do Tribunal de Luxemburgo de que os direitos fundamentais
fazem parte dos princiacutepios gerais do direito comunitaacuterio Conflitos positivos de competecircncias
entre tribunais nacionais e o tribunal supranacional instituiacutedo no acircmbito da comunidade
marcaram os diaacutelogos iniciais para a estimulaccedilatildeo da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais em
acircmbito comunitaacuterio
Como continuidade deste diaacutelogo eacute pertinente destacar o caso Nold (1974) no qual o
Tribunal de Luxemburgo reconheceu como pauta geral para o direito comunitaacuterio europeu o
predomiacutenio dos direitos fundamentais Com isso mais uma vez reafirmou-se a ideia de que o
direito comunitaacuterio tem supremacia sobre as disposiccedilotildees legais nacionais mas que de toda a
sorte deve se adaptar a uma base comum de valores como os determinados por exemplo
pela Convenccedilatildeo Europeia de Direito do Homem
Por isso fala-se que este caso fixa um terceiro elemento no nuacutecleo de salvaguarda dos
direitos fundamentais aleacutem das tradiccedilotildees constitucionais comuns e dos direitos fundamentais
garantidos nas Constituiccedilotildees dos Estados os instrumentos internacionais relativos agrave proteccedilatildeo
dos direitos humanos passam a ser uma importante fonte de inspiraccedilatildeo para a proteccedilatildeo de
direitos em acircmbito comunitaacuterio Em funccedilatildeo disso inclusive em 1975 o TJUE pela primeira
vez recorreu agrave Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem no caso Rutili21
Apesar de tal decisatildeo do caso Nold o emblemaacutetico caso Solange levou agrave confirmaccedilatildeo
e consolidaccedilatildeo da vigecircncia dos direitos fundamentais no acircmbito da Comunidade Neste caso
em 1974 o Tribunal Constitucional alematildeo determinou que enquanto a Comunidade natildeo
dispusesse de um sistema de proteccedilatildeo de direitos comparaacutevel ou equiparado agrave Lei
Fundamental de Bonn ou seja enquanto natildeo houvesse um cataacutelogo de direitos fundamentais
aplicaacuteveis agrave Comunidade Europeia as instituiccedilotildees comunitaacuterias seriam ineficazes no que
concerne agrave proteccedilatildeo desses direitos22
TJUE respectivamente determinam que 3 A validade de uma medida comunitaacuteria ou de seus efeitos em um
Estado membro natildeo podem ser afetadas por alegaccedilotildees de que ela contraria direitos fundamentais tal como
formuladas pela Constituiccedilatildeo do Estado ou princiacutepios de uma estrutura constitucional nacional() 4() o
respeito pelos direitos fundamentais forma uma parte integral dos princiacutepios gerais de direito protegidos pela
Corte de Justiccedila A proteccedilatildeo de tais direitos enquanto inspirada pelas tradiccedilotildees constitucionais comuns aos
Estados membros deve ser assegurada no acircmbito da estrutura e dos objetivos da Comunidaderdquo Ibidem p4 21
O caso Rutilli caracteriza-se por ser a primeira referecircncia jurisprudencial feita pelo Tribunal de Luxemburgo agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem ou seja a utilizaccedilatildeo por parte de um tribunal supranacional de um
marco normativo essencial natildeo para o direito comunitaacuterio mas para o sistema regional de proteccedilatildeo aos direitos
humanos Nesse caso o Tribunal de Luxemburgo afirmou que as normas de direito comunitaacuterio natildeo era mais do
que uma manifestaccedilatildeo de princiacutepios gerais de direito consagrados na Convenccedilatildeo 22
GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional
algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em
httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014
18
Como resultado de tal caso natildeo soacute o Tribunal de Luxemburgo passou a consolidar um
entendimento jurisprudencial favoraacutevel ao respeito e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais
como demais instituiccedilotildees da entatildeo Comunidade Europeia assim agiram Em funccedilatildeo disso diz-
se que o principal resultado do caso Solange foi uma resoluccedilatildeo conjunta datada de 5 de abril
de 1977 entre Parlamento Europeu Conselho Europeu e Comissatildeo Europeia denominada
ldquoDeclaraccedilatildeo Conjunta sobre Direitos Fundamentaisrdquo23
Nesta ressaltou-se a necessidade do
respeito em acircmbito comunitaacuterio dos direitos fundamentais consagrados pelas tradiccedilotildees
constitucionais dos Estados membros e pela Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos
Os direitos fundamentais atraveacutes desse diaacutelogo jurisprudencial entre as cortes de
esperas diferentes (supranacional e nacionais) apareceram de modo progressivo no direito
comunitaacuterio europeu tornando-se paracircmetros de validade das normas da Uniatildeo Qualquer
norma seja comunitaacuteria seja nacional que contrariasse os direitos fundamentais seria
considerada invaacutelida
A tendecircncia jurisprudencial do TJUE de vincular a noccedilatildeo de supremacia das normas
comunitaacuterias com a proteccedilatildeo aos direitos fundamentais acabou por refletir no Tratado de
Maastricht de 1992 Tambeacutem chamado de Tratado da Uniatildeo Europeia este documento em
seu artigo F nuacutemero 2 determina que a Uniatildeo respeite os direitos fundamentais tal como os
garante a Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem24
Na esteira da inclusatildeo da proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em tratados o Tratado de
Lisboa de 2007 aleacutem de estabelecer personalidade juriacutedica agrave Uniatildeo Europeia25
determina que
a esta aderiraacute agrave Convenccedilatildeo Europeia para a proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e das Liberdades
Fundamentais sendo que a adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas
nos tratados26
23
XAVIER Ana Isabel Os Direitos Fundamentais no ldquodiaacutelogo europeurdquo de Nice a Lisboa In Debater a
Europa n 9 julhodezembro 2013 Disponiacutevel em httpeurope-direct-
aveiroaevaeudebatereuropaimagesn9axavierpdf Acesso em 03 out 2014 24
Artigo F n 2 ldquoA Uniatildeo respeitaraacute os direitos fundamentais tal como os garante a Convenccedilatildeo Europeia de
Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais assinada em Roma em 4 de novembro de
1950 e tal como resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-membros enquanto princiacutepios
gerais do direito comunitaacuteriordquo TRATADO DE MAASTRICHT 1992 Disponiacutevel em httpeuropaeueu-
lawdecision-makingtreatiespdftreaty_on_european_uniontreaty_on_european_union_ptpdf Acesso 15 out
2014 25
O artigo 46-A do Tratado de Lisboa determina que ldquoA Uniatildeo tem personalidade juriacutedicardquo TRATADO DE
LISBOA 2007 Disponiacutevel em httpeur-lexeuropaeulegal-
contentPTTXTPDFuri=OJC2007306FULLampfrom=PT Acesso 16 out 2014 26
O artigo 6ordf do Tratado de Lisboa determina que ldquo1 A Uniatildeo reconhece os direitos as liberdades e os
princiacutepios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da Uniatildeo Europeia de 7 de Dezembro de 2000 com
as adaptaccedilotildees que lhe foram introduzidas em 12 de Dezembro de 2007 em Estrasburgo e que tem o mesmo
valor juriacutedico que os Tratados De forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competecircncias da Uniatildeo tal
como definidas nos Tratados Os direitos as liberdades e os princiacutepios consagrados na Carta devem ser
interpretados de acordo com as disposiccedilotildees gerais constantes do Tiacutetulo VII da Carta que regem a sua
19
Mesmo que o ideal de Constituiccedilatildeo para a Uniatildeo Europeia natildeo tenha sido aprovado
pelos Estados membros as regras de supremacia das normas comunitaacuterias e de proteccedilatildeo aos
direitos fundamentais consagrados natildeo soacute nas Constituiccedilotildees como nas proacuteprias tradiccedilotildees
constitucionais dos Estados regem as decisotildees do Tribunal supranacional que existe no
continente Por isso mesmo que a preocupaccedilatildeo inicial da ldquopequena Europardquo tenha sido a
integraccedilatildeo econocircmica dos paiacuteses devastados pela guerra para que pudessem voltar a ser
competitivos internacionalmente ao longo do tempo sentiu-se a necessidade de trazer para
dentro do direito comunitaacuterio noccedilotildees acerca dos direitos fundamentais e humanos de modo
que hoje estes se encontram tutelados por instrumentos e oacutergatildeos supranacionais especiacuteficos
Ocorre que conforme se mencionou no iniacutecio deste subcapiacutetulo o cenaacuterio europeu
pode ser vislumbrado sob duas oacuteticas distintas desde o Congresso da Europa a oacutetica
federalista que impulsiona a criaccedilatildeo da Uniatildeo Europeia e de um direito comunitaacuterio europeu
e o vieacutes da cooperaccedilatildeo internacional marcado pela criaccedilatildeo do Conselho da Europa e de um
sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos o qual exige o pensamento acerca
da possibilidade da construccedilatildeo de um direito comum europeu
Nesse aspecto acerca do conceito de comum eacute pertinente remontar agraves premissas de
Dardot et Laval27
Para os autores o comum do direito segundo uma loacutegica de interpretaccedilatildeo
neoliberal natildeo seraacute outro que o direito de propriedade dos contratos e do lucro Eacute justamente
contra esse tipo de concepccedilatildeo trazido pelos efeitos nefastos da globalizaccedilatildeo que se invoca a
defesa e a reabilitaccedilatildeo do conceito de comum que deve ser entendido sob uma loacutegica de bases
uniacutessonas em mateacuteria de direitos humanos
Em razatildeo disso eacute no acircmbito da ldquogrande Europardquo ou seja do sistema regional europeu
de proteccedilatildeo dos direitos do homem que se vislumbram bases para a criaccedilatildeo de um direito
comum cuja premissa eacute a busca do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano28
Deste
modo no panorama apresentado se vislumbra de modo claro que embora existam regras
princiacutepios e instituiccedilotildees para reger o direito comunitaacuterio europeu (regras previstas nos
tratados da Uniatildeo Europeia e pacificadas pelo ativismo do TJUE) na ldquopequena Europardquo em
interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo e tendo na devida conta as anotaccedilotildees a que a Carta faz referecircncia que indicam as fontes
dessas disposiccedilotildees 2 A Uniatildeo adere agrave Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais Essa adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas nos Tratados3
Do direito da Uniatildeo fazem parte enquanto princiacutepios gerais os direitos fundamentais tal como os garante a
Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como
resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-Membrosrdquo Ibid 2007 27
DARDOT Pierre LAVAL Cristian COMMUN essai sur la revolutiona au XXeme siegravecle Paris La
deacutecouverte 2014 p 287 28
DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio
de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b
20
mateacuteria de direitos humanos e no acircmbito de um processo de globalizaccedilatildeo eacute preciso avanccedilar
na compreensatildeo do espaccedilo europeu para no acircmbito do sistema regional consolidar as bases
para a criaccedilatildeo de um direito comum
12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias juriacutedicas
a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da figura da
Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
O Congresso da Europa sob o aspecto juriacutedico dividiu o continente em blocos
autocircnomos dentro de um sistema multicecircntrico Nesse sentido Mireille Delmas-Marty29
assevera que natildeo existe uma unidade juriacutedica chamada Europa ou sequer uma visatildeo uacutenica e
preestabelecida do continente
Pelo contraacuterio existe uma Europa feita de instituiccedilotildees juriacutedicas diversas cada uma
com regras e princiacutepios especiacuteficos Neste sentido de um lado tem-se a ldquopequena Europardquo
composta pelos vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e que possui um ideal
primordialmente econocircmico com os objetivos de livre circulaccedilatildeo de pessoas e de
mercadorias bem como de instituiccedilatildeo de uma moeda uacutenica sob a perspectiva de abertura de
fronteira entre os paiacuteses Sob este ideal desenvolve-se a base para o direito comunitaacuterio que
possui como instituiccedilatildeo juriacutedica maacutexima o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo Europeia (TJUE)
com caraacuteter supranacional
Na Europa dos ldquoVinte e Oitordquo portanto sob o ideal integracionista surge o chamado
direito comunitaacuterio europeu o qual atraveacutes de direito originaacuterio (tratados constitutivos) e
direito derivado (normas emanadas de oacutergatildeos de competecircncia legislativa da Uniatildeo) forma o
sistema juriacutedico-poliacutetico e juriacutedico-econocircmico da Uniatildeo Europeia A peculiaridade desta nova
ordem formada eacute a de natildeo querer unificar a ordem juriacutedica dos paiacuteses europeus mas de
uniformizar em algumas mateacuterias as normas do bloco criado Justamente por isso a
supranacionalidade intriacutenseca ao direito comunitaacuterio natildeo se confunde com o direito
internacional
Sob as bases de interesses econocircmicos tem-se o objetivo de chegar a uma integraccedilatildeo
nas aacutereas concernentes agrave poliacutetica cultura dentre outras sob uma relaccedilatildeo de integraccedilatildeo entre o
29
Id 2004a p47
21
ordenamento juriacutedico comunitaacuterio e o ordenamento interno de cada Estado Sem sombra de
duacutevidas a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais se insere nessas relaccedilotildees mas com o
intuito de fortalecer o ideal de supremacia das normas comunitaacuterias Em funccedilatildeo de tal
premissa tem-se a necessidade de preservar o estaacutegio alcanccedilado pelo processo de integraccedilatildeo e
por isso um ordenamento juriacutedico comunitaacuterio eacute formado Entretanto eacute preciso avanccedilar no
processo de tutela dos direitos humanos em um contexto tatildeo plural como o europeu
Deste modo de outro lado tem-se a ldquogrande Europardquo criada pelo Conselho da Europa
perfazendo uma cooperaccedilatildeo poliacutetica que hoje abriga quarenta e sete membros30
signataacuterios da
Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais
(CEDH) O oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do Conselho da Europa eacute o Tribunal Europeu dos Direitos
do Homem (TEDH) sediado em Estrasburgo e para o qual podem demandar tanto Estados
quanto indiviacuteduos viacutetimas de violaccedilotildees de direitos humanos reconhecidos pela convenccedilatildeo
Neste sentido o paraacutegrafo 3ordm31
do Preacircmbulo da CEDH de 1950 assevera que a
finalidade principal do Conselho da Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre seus
membros e que um dos meios para alcanccedilar esta finalidade eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais sendo tais direitos vistos como um meio
para uma progressiva integraccedilatildeo dos europeus Antes mesmo disso o Estatuto do Conselho da
Europa de 1949 havia asseverado que a finalidade da instituiccedilatildeo era criar uma organizaccedilatildeo
que levasse os paiacuteses do continente a uma associaccedilatildeo cuja base fosse a unidade entre seus
membros privilegiando ideais e princiacutepios comuns aos diferentes Estados
Essa configuraccedilatildeo surgida na segunda metade do seacuteculo XX produz alteraccedilotildees
significativas na conceituaccedilatildeo de alguns institutos juriacutedicos e poliacuteticos como eacute o caso do
Estado da soberania dentre outros Nesse sentido o cenaacuterio Europeu pode ser enxergado
como proacuteximo da noccedilatildeo de Estado em Rede proposto por Manuel Castells32
Em um mesmo
espaccedilo territorial a autoridade passa a ser partilhada ao longo de uma rede de instituiccedilotildees O
30
Os 47 paiacuteses que fazem parte do Conselho da Europa satildeo Beacutelgica Dinamarca Franccedila Irlanda Itaacutelia
Luxemburgo Paiacuteses Baixos Noruega Sueacutecia Reino Unido Greacutecia Turquia Islacircndia Alemanha Ocidental
Aacuteustria Chipre Suiacuteccedila Malta Portugal Espanha Liechtenstein Satildeo Marino Finlacircndia Hungria Polocircnia
Bulgaacuteria Estocircnia Lituacircnia Eslovecircnia Repuacuteblica Checa Eslovaacutequia Romecircnia Andorra Letocircnia Albacircnia
Moldaacutevia Macedocircnia Ucracircnia Ruacutessia Croaacutecia Geoacutergia Armecircnia Azerbaijatildeo Boacutesnia e Herzegovina Seacutervia
Mocircnaco Montenegro Disponiacutevel em
httpwwwcoeintptAboutCoemediainterfacepublicationscoe_dh_ptpdf Acesso 08 out 2014 31
O terceiro paraacutegrafo do preacircmbulo da CEDH dispotildee que ldquoConsiderando que a finalidade do Conselho da
Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre os seus Membros e que um dos meios de alcanccedilar essa finalidade
eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento dos direitos do homem e das liberdades fundamentais ()rdquo CONVENCcedilAtildeO
EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS
1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso em 08 out 2014 32
CASTELLS Manuel A era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura A sociedade em rede Vol 1 5
ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999b
22
Estado-naccedilatildeo claacutessico relaciona-se com instituiccedilotildees supranacionais e a rede formada possui
noacutes diversos e natildeo um centro uacutenico sendo que esses noacutes podem apresentar tamanhos distintos
e estar ligados por relaccedilotildees assimeacutetricas
Essas redes e seus noacutes portanto representam formas de poder paralelas e
complementares que satildeo autocircnomas uma em relaccedilatildeo agraves outras O espaccedilo europeu marcado
por um jaacute consolidado direito comunitaacuterio e por uma estrutura supranacional sui generis
tornou-se um verdadeiro campo de concorrecircncia convergecircncia justaposiccedilatildeo e conflito de
vaacuterias constituiccedilotildees e poderes constituintes em um mesmo espaccedilo poliacutetico levando a uma
pluralidade de ordenamentos e de normatividades
A supranacionalidade desenvolvida assemelha-se desta forma a um Estado em Rede
em funccedilatildeo de um novo paradigma de governanccedila estabelecido em diferentes niacuteveis com
diferentes noacutes de diferentes dimensotildees e com relaccedilotildees internacionais assimeacutetricas O Estado-
Naccedilatildeo claacutessico se articula cotidianamente na tomada de decisotildees com instituiccedilotildees
supranacionais de diferentes tipos e em acircmbitos distintos33
Em uma mesma organizaccedilatildeo
complexa temos entatildeo as caracteriacutesticas da descentralizaccedilatildeo e da coordenaccedilatildeo sobretudo no
aspecto normativo sendo que a crise do Estado-naccedilatildeo o desenvolvimento das instituiccedilotildees
supranacionais e a transferecircncia das atribuiccedilotildees e iniciativas aos acircmbitos regionais e locais satildeo
caracteriacutesticas que funcionam como base para o desenvolvimento do Estado em Rede
Nesse acircmbito ainda eacute possiacutevel acrescentar a definiccedilatildeo de Marcelo Varella34
de que a
Uniatildeo Europeia caracteriza-se por ser uma instituiccedilatildeo sui generis natildeo soacute pelo seu modo de
constituiccedilatildeo como por seus efeitos no campo juriacutedico-normativo Desta maneira o bloco
europeu dos vinte e oito inserido no contexto de um sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos
humanos (ldquopequena Europardquo inserida na ldquogrande Europardquo) marca a caracteriacutestica de uma
superaccedilatildeo da tiacutepica forma de visatildeo linear e hieraacuterquica do direito tradicional em favor da
construccedilatildeo de um direito em camadas ou em diferentes niacuteveis ou ainda em redes
Essa concepccedilatildeo de Castells utilizada aqui para ilustrar as relaccedilotildees na Uniatildeo Europeia
comunica-se com a noccedilatildeo de Mireille Delmas-Marty35
de um pluralismo que deve ser
ordenado Na Europa como um todo em acircmbito juriacutedico a coexistecircncia de normas das mais
diversas fontes e de tribunais nas mais diferentes escalas faz emergir uma noccedilatildeo de caos
33
Id 1999a p164 34
VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade
de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014 p145 35
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006
23
juriacutedico que precisa ser ordenado Em razatildeo disso pertinente a busca por um direito comum
com ecircnfase em um direito comum em mateacuteria de direitos humanos
Interessante notar que esse cenaacuterio criado intensifica-se com o processo de
mundializaccedilatildeo36
e sob essa oacutetica embora os direitos humanos tenham se tornado oponiacuteveis aos
Estados perfazendo princiacutepios de direito incluiacutedos nas Constituiccedilotildees Estatais no
entendimento dos tribunais supranacionais e em instrumentos normativos internacionais os
corolaacuterios do processo de mundializaccedilatildeo satildeo os direitos econocircmicos que predominam nas
preocupaccedilotildees do jaacute consolidado direito comunitaacuterio europeu
Enquanto os direitos humanos foram concebidos sob o prisma de uma universalidade e
com a finalidade de proteger o ldquoirredutiacutevel humanordquo37
os direitos econocircmicos satildeo os motores
da mundializaccedilatildeo sendo que isso somado agrave desestabilizaccedilatildeo do tempo e agrave desestatizaccedilatildeo do
Estado gera no processo de mundializaccedilatildeo uma aparente desordem normativa com a
proliferaccedilatildeo de normas de modo anaacuterquico38
Em funccedilatildeo disso eacute viaacutevel dizer que o continente europeu serve de base e eacute capaz de
traduzir importantes eventos para explicar fenocircmenos que hoje satildeo salientes na esfera juriacutedica
Mireille Delmas-Marty39
sugere que vivemos sob a eacutegide de espaccedilos ldquodesestatizadosrdquo tempos
ldquodesestabilizadosrdquo e uma ordem ldquodeslegalizadardquo No sentido atual da paisagem juriacutedica
afirmar que o Estado eacute a uacutenica fonte de Direito eacute assumir uma atitude de exclusatildeo de todos os
demais espaccedilos normativos
Como eacute possiacutevel observar na Europa convivem em um mesmo espaccedilo normas
provenientes de fontes estatais claacutessicas normas advindas de instituiccedilotildees supranacionais e
regras provenientes de entes internacionais na formaccedilatildeo de um verdadeiro mosaico juriacutedico
O monopoacutelio do Estado como produtor do direito deixa de ser imperativo frente agrave
internacionalizaccedilatildeo crescente das fontes juriacutedicas De modo concomitante e corroborando
36
Na obra ldquoTrecircs Desafios para um Direito Mundialrdquo Mirelle Delmas-Marty observa as particularidades dos
termos globalizaccedilatildeo mundializaccedilatildeo e universalidade quais sejam ldquoA mundializaccedilatildeo remete agrave difusatildeo espacial
de um produto de uma teacutecnica ou de uma ideia A universalidade implica um compartilhar de sentidosrdquo Em
outra passagem disserta ldquoDifusatildeo espacial de um lado compartilhar os sentidos de outra estas duas foacutermulas
descrevem muito bem a diferenccedila que separam os dois fenocircmenos que eu denominarei globalizaccedilatildeo para a
economia e universalizaccedilatildeo para os direitos do homem guardando assim o termo mundializaccedilatildeo uma
neutralidade que ele jamais perderaacute caso natildeo se resigne rapidamente ao primado da economia sobre os Direitos
do Homemrdquo DELMAS-MARTY Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr
Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b p 08-09 37
Ibid p48 38
FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos
teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013 39
DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47
24
com a teoria do Estado em Rede de Castells eacute possiacutevel observar um processo de
descentralizaccedilatildeo espacial com o deslocamento de fontes do centro para periferias40
Da mesma forma os tempos estatildeo desestabilizados Segundo Delmas41
em comparaccedilatildeo
aos votos claacutessicos de perpetuidade da lei eacute possiacutevel hoje encontrar fontes temporaacuterias e
evolutivas do direito O espaccedilo europeu se constitui como uma aacuterea privilegiada dessas fontes
evolutivas42
Sob o aspecto da ldquopequena Europardquo as regras de direito comunitaacuterio impotildeem um
resultado que deve ser atingido o que pela falta de meios juriacutedicos incentiva os Estados a
adaptar seus textos a dados econocircmicos
Isso tudo faz emergir a noccedilatildeo de assincronia43
do direito ou seja diferentes
velocidades em diferentes espaccedilos Nesse sentido haacute no espaccedilo europeu uma diferenccedila de
velocidade dos processos de integraccedilatildeo das normas internacionais (ou supranacionais) de
direito do comeacutercio em comparaccedilatildeo com as normas ambientais ou relativas aos direitos
humanos O proacuteprio processo evolutivo de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais
sob o panorama da ldquopequena Europardquo demonstra desde os primoacuterdios da criaccedilatildeo da
Comunidade Europeia uma ausecircncia de sincronia em relaccedilatildeo agraves duas esferas do direito A
evoluccedilatildeo dos direitos humanos eacute lenta quando comparada com a celeridade da integraccedilatildeo das
normas de direito comercial e econocircmico em um mundo de economia globalizada
Pode-se entatildeo afirmar que natildeo soacute na Europa como tambeacutem na sociedade
internacional o tempo das relaccedilotildees comerciais e por conseguinte o tempo da integraccedilatildeo do
direito do comeacutercio eacute o tempo do software da fluidez da velocidade da luz Enquanto isso o
tempo das relaccedilotildees humanas da eacutetica da solidariedade e da integraccedilatildeo do direito dos direitos
humanos segue o tempo do hardware do denso do apego ao territoacuterio e agraves localidades44
Por fim estaacute-se tambeacutem frente a uma ordem ldquodeslegalizadardquo uma vez que dentre os
reflexos das vicissitudes na seara juriacutedica eacute possiacutevel destacar um ruptura com a noccedilatildeo de
40
Tal fenocircmeno eacute descrito por Mireille Delmas-Marty como ldquodescentralizaccedilatildeordquo Esta envolve o deslocamento de
fontes do centro do Estado para coletividades territoriais Todavia tal fenocircmeno natildeo se confunde com uma mera
desconcentraccedilatildeo de poderes que eacute destinada a conferir maior eficaacutecia agraves estruturas centrais do Estado A
descentralizaccedilatildeo conforme refere a autora confia ao representante local da coletividade territorial certos poderes
de decisatildeo fazendo transparecer uma autonomia local para impor certas regras juriacutedicas Como exemplo
podem-se destacar as comissotildees locais de eacutetica como ocorre em uma deontologia profissional como a Ordem
dos Advogados As regras disciplinares desta profissatildeo guardam um caraacuteter misto sendo de natureza local e
nacional privada e puacuteblica Ibid 2004ap55 41
Ibid 2004ap47 42
Segundo Delmas falar de fontes evolutivas significa renunciar ao passado do costume e ao futuro das leis para
situar as fontes de direito no presente por natureza instaacutevel Ibid 2004ap65 43
Id 2006 p 114 44
SALDANHA Jacircnia Marial Lopes BRUM Maacutercio Morais MELLO Rafaela da Cruz A Assincronia do
Direito e o Caso Araguaia Uma anaacutelise da Decisatildeo do Supremo Tribunal Federal Brasileiro na ADPF 153 e do
Julgamento do Caso Gomes Lund e Outros vs Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos In Andreacute
Karam Trindade Angela Araujo da Silveira Espindola (Org) Direitos Fundamentais e Espaccedilo Puacuteblico 1ed
Passo Fundo - RS Editora IMED 2011 v 2 p 37-61
25
identidade entre direito e lei45
O processo de internacionalizaccedilatildeo deixa comum aos sistemas
de commun law e de civil law o papel do juiz na geraccedilatildeo do direito ou seja na interaccedilatildeo entre
texto normativo e sua interpretaccedilatildeo de modo que a jurisprudecircncia e o diaacutelogo entre os
diferentes tribunais serve para ambos os sistemas como um importante balizador para
consolidaccedilatildeo de entendimentos e de princiacutepios
Diante desse cenaacuterio juriacutedico global proveniente do processo de internacionalizaccedilatildeo -
e especiacutefico no caso da Europa ndash de desestatizaccedilatildeo de ruptura com paradigmas e com a loacutegica
binaacuteria de interpretar o direito eacute possiacutevel concordar com a premissa de Mireille Delmas-
Marty46
de que a paisagem juriacutedica apresenta um panorama de proliferaccedilatildeo constante de
normas e de entendimentos jurisprudenciais que em um primeiro momento podem levar a
uma noccedilatildeo de desordem e anarquia
Conveacutem perceber que a nova paisagem juriacutedica para a qual a Europa eacute um verdadeiro
laboratoacuterio47
eacute composta por formas mais complexas como piracircmides inacabadas
descontiacutenuas compostas por aneacuteis normativos como uma guirlanda no entanto natildeo
especificamente se liga agrave anarquia Pelo contraacuterio a retirada de marcos e o deslocamento de
linhas natildeo significa desordem e essa aparecircncia de caos favorece ao pluralismo
Por isso Delmas-Marty48
atesta que a internacionalizaccedilatildeo do direito apresenta um
grande paradoxo ordenar o plural Embora estejamos semanticamente diante de vernaacuteculos
opostos visto que a proposta eacute colocar em ordem aquilo que naturalmente eacute muacuteltiplo e plural
sem reduzir sua identidade a primeira consideraccedilatildeo que deve ser feita eacute a de que o tiacutepico
modelo kelseniano de loacutegica juriacutedica natildeo mais se aplica ao cenaacuterio em que o Direito se insere
atualmente em razatildeo da multiplicidade e do dinamismo existente no processo de
mundializaccedilatildeo
Para ir da desordem agrave ordem eacute necessaacuterio fortalecer as correlaccedilotildees da formaccedilatildeo
juriacutedica trazendo estabilidade agrave presenccedila de divergecircncias atraveacutes de uma aproximaccedilatildeo entre
ordens juriacutedicas por meio de um jogo de referecircncias cruzadas com o intuito de ordenar a
multiplicidade Essa aproximaccedilatildeo poreacutem natildeo pode ser concebida senatildeo em relaccedilatildeo a uma
referecircncia comum e neste campo a utilidade dos instrumentos protetivos de direitos humanos
traz a coerecircncia de conjunto capaz de indicar uma direccedilatildeo a seguir um norte para a criaccedilatildeo de
um direito comum cujo pluralismo eacute ordenado
45 DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47 46
Id 2006 47
VARELLA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do direito Direito Internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Livre Docecircncia em Direito Internacional Faculdade de
Direito da Universidade de Satildeo Paulo (USP) Satildeo Paulo 2012 Acesso 14 out 2014 48
Ibid 2006 p 10
26
Obviamente o direito comum almejado eacute pluralista tendo a razatildeo como instrumento
de justificaccedilatildeo e de diaacutelogo O pluralismo eacute justificado pelo intuito de harmonizar e conjugar
as particularidades religiosas poliacuteticas culturais de cada Estado ou comunidade evitando a
sobreposiccedilatildeo de uma ordem sobre outra ou a assimilaccedilatildeo e exclusatildeo Em razatildeo disso o
direito comum pluralista pretende construir um ldquoDireito dos Direitosrdquo a partir do ideal de
universalizaccedilatildeo dos direitos humanos sendo que a finalidade eacute a de aproximar ou harmonizar
ndash e natildeo unificar - os diferentes sistemas juriacutedicos sob a perspectiva de respeito ao ldquoirredutiacutevel
humanordquo49
Impossiacutevel a criaccedilatildeo de normas e regras comuns a todos os povos justamente pelo
fato de que sempre algumas normas advindas de culturas especiacuteficas se sobressairatildeo sobre
outras na criaccedilatildeo de uma hegemonia negativa O direito comum portanto inserido na oacutetica
de um direito mundial pluralista eacute aquele acessiacutevel a todos e comum aos diversos Estados
sem que haja o abandono de identidades Justamente em funccedilatildeo disso o alicerce para a sua
criaccedilatildeo eacute a aproximaccedilatildeo dos sistemas juriacutedicos tendo por base os direitos humanos que
carregam a caracteriacutestica da universalidade a qual adveacutem do compartilhamento de sentidos e
do enriquecimento pela troca
Neste sentido em que consistem esses direitos humanos que satildeo os alicerces para a
criaccedilatildeo de um direito comum Eacute possiacutevel afirmar que a mera previsatildeo constitucional ou em
tratados de direitos jaacute asseguram a sua proteccedilatildeo Como lidar com questotildees concernentes agraves
pretensotildees universalistas e as particularidades do relativismo cultural nas diferentes
sociedades europeias
Narciso Baez50
traz reflexotildees importantes acerca desse tema Segundo ele em meados
do seacuteculo XVII pensou-se que a positivaccedilatildeo dos direitos humanos seria instrumento suficiente
para garantir o seu respeito Essa noccedilatildeo adentrou a contemporaneidade com a filosofia de
Hans Kelsen de que as normas positivadas e inseridas nos ordenamentos juriacutedicos eram
obrigatoacuterias por serem legitimadas por uma norma juriacutedica superior que tinha um fim em si
mesma
Obviamente o seacuteculo XX mostrou que a mera inserccedilatildeo legal da dignidade da pessoa
humana ndash que eacute o elemento cerne dos direitos humanos ndash em um sistema positivo de direito e
dissociada de valores morais natildeo seria suficiente para evitar eventuais violaccedilotildees desses
49
Ibid 2006 p 54 50
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos
humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da
UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em
httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014
27
direitos Sob esse panorama e seguindo a corrente eacutetica51
de fundamentaccedilatildeo dos direitos
humanos pode-se afirmar que estes satildeo direitos de fora da ordem positiva que tecircm em seu
bojo componentes morais sociais poliacuteticos e ateacute econocircmicos que salvaguardam condiccedilotildees
miacutenimas para a garantia da dignidade da pessoa humana Em sua dimensatildeo baacutesica portanto
satildeo direitos inatos pautados em valores morais e conferidos aos indiviacuteduos pelo simples fato
de estes serem humanos
Logo para a construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos exige-
se o fortalecimento desses em suas dimensotildees baacutesicas Eacute neste sentido que Delmas52
se refere
ao miacutenimo eacutetico universal e ao irredutiacutevel humano ou seja elementos que todos os indiviacuteduos
apresentam em comum mesmo em diferentes culturas
As duas estruturas baacutesicas dos direitos humanos satildeo portanto os valores morais e a
dignidade humana53
Em relaccedilatildeo aos primeiros infere-se que a origem dos direitos humanos
natildeo eacute legal vez que estes satildeo reconhecidos aos indiviacuteduos pelo simples fato de serem
humanos O ordenamento juriacutedico tem a mera funccedilatildeo de reconhecer tais direitos e transformaacute-
los em normas a fim de obter efetividade Jaacute a dignidade humana eacute o bem maior dentro dos
direitos humanos constituindo uma qualidade universal intriacutenseca irrenunciaacutevel e
inalienaacutevel inerente a todos os seres humanos e que se encontra acima das especificidades
culturais
Neste vieacutes a universalidade de tais direitos que eacute requisito indispensaacutevel para a
criaccedilatildeo de um direito comum natildeo eacute marcada pela criaccedilatildeo de instrumentos internacionais
positivos de proteccedilatildeo dos direitos humanos Isso porque embora tenha se conseguido a
universalizaccedilatildeo da adesatildeo dos Estados como eacute o caso da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos da ONU de 1948 ou mesmo da CEDH do sistema regional europeu ainda haacute
resistecircncias agrave aceitaccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo em algumas culturas que alegam a necessidade de
relativizaccedilatildeo desses direitos para adequaccedilatildeo agraves realidades nacionais54
Logo para a construccedilatildeo de uma verdadeira universalidade eacute necessaacuterio interpretar os
direitos humanos sob uma oacutetica interdisciplinar Finnis55
nesse aspecto afirma que os direitos
humanos constituem uma categoria que busca consagrar a dignidade humana sendo esta um
atributo de todas as pessoas independentemente de crenccedila ou cultura Nesse aspecto
51
Id 2007 p 13-35 52
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b 53
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Direitos humanos na globalizaccedilatildeo In BAEZ Narciso
Leandro Xavier BARRETO Vicente (Org) Direitos humanos em evoluccedilatildeo Joaccedilaba Ed Unoesc 2007 p
13-35 54
Id 2009 p77-99 55
FINNIS John Ley natural e derechos naturales Buenos Aires AbeledoPerrot 2000
28
vislumbra-se necessaacuterio a fim de identificar quais satildeo os valores baacutesicos e inderrogaacuteveis a
todos os humanos a construccedilatildeo de valores universais atraveacutes do diaacutelogo e do cruzamento de
diferentes culturas com diferentes valores Isso facilita a construccedilatildeo de uma cultura
cosmopolita baseada em uma identificaccedilatildeo em que prevaleccedila a dignidade da pessoa humana
acima dos relativismos
As diversidades culturais satildeo provenientes de elementos externos56
da diferenccedila de
ambientes naturais mas mesmo assim todas as pessoas ainda que inseridas em
especificidades culturais distintas ainda manteacutem atributos comuns Eacute por essa loacutegica que
permanece atual a premissa de Kant de que no atual estaacutegio da humanidade os povos
atingiram um grau de desenvolvimento que os permitem fazer parte de uma comunidade
cosmopolita57
Por isso a violaccedilatildeo de um direito humano em um ponto do planeta repercute e
pode ser sentida em todos os outros
Pertinente ainda lembrar que a universalizaccedilatildeo natildeo significa a imposiccedilatildeo ou a
uniformizaccedilatildeo de uma cultura sobre as outras Pelo contraacuterio deve-se buscar uma raiz
comum qual seja um conjunto de valores miacutenimos universais capazes de dialogar com
diferentes culturas garantindo o respeito e a preservaccedilatildeo da vida humana em qualquer lugar
Ainda sob essa oacutetica eacute possiacutevel afirmar que a noccedilatildeo de direito comum de Delmas
aproxima-se do ideal de direito cosmopoliacutetico em Kant58
Ao perceber o aumento da
participaccedilatildeo dos povos na Terra Kant vislumbra a ideia de uma comunidade mundial
alicerccedilada sob as bases de um direito cosmopoliacutetico a fim de garantir a paz perpeacutetua Diante
da dicotomia entre praacuteticas culturais e direitos humanos a base do cosmopolitismo kantiano eacute
a busca de criteacuterios loacutegico-racionais que sejam comuns a todas as culturas
Nesse espectro surgem entatildeo os direitos humanos como nuacutecleo moral-juriacutedico do
direito cosmopoliacutetico vez que a moralidade miacutenima universal se baseia em trecircs pilares a)
humanidade comum b) ameaccedilas compartilhadas e c) obrigaccedilotildees miacutenimas Logo a
fundamentaccedilatildeo moral eacute a base dos direitos humanos uma vez que nela encontram-se as
exigecircncias imprescindiacuteveis para a vida de um indiviacuteduo Apesar das diferenccedilas sociais e
culturais entre os seres humanos algumas necessidades e capacidades satildeo comuns a todos59
56
PAREKH Bhikhu Pluralist universalism and human rights In SMITH Rhona K M ANKER Cristien van
den The essentials of human rights London Oxford University Press 2005 57
KANT Immanuel Para a paz perpeacutetua Traduccedilatildeo Baacuterbara Kristen - Rianxo Instituto Galego de Estudos de
Seguranccedila Internacional e da Paz 2006 58
Ibid 2006 p 107-108 59
BARRETO Vicente de Paulo Direito Cosmopoliacutetico e Direitos Humanos In Espaccedilo Juriacutedico Journal of
Law N 2 Vol 11 2010 Disponiacutevel em
httpeditoraunoescedubrindexphpespacojuridicoarticleview19491017 Acesso 30 out 2014
29
Assim como a concepccedilatildeo de direitos humanos natildeo pode mais ser concebida como o
era na eacutepoca de Kelsen o panorama em que o Direito de um modo geral se insere hoje
tambeacutem natildeo pode mais ser concebido conforme a loacutegica claacutessica kelseniana em que a
constituiccedilatildeo estatal encontra-se no topo de uma estrutura piramidal sendo hierarquicamente
seguida pela legislaccedilatildeo infraconstitucional Os rearranjos da mundializaccedilatildeo e a consequente
internacionalizaccedilatildeo do Direito fazem com que novas estruturas permeiem o atual cenaacuterio
juriacutedico mundial
Seja uma concepccedilatildeo de trapeacutezio cujos veacutertices superiores satildeo ocupados em igual
niacutevel pelas constituiccedilotildees estatais e pelos tratados ou convenccedilotildees internacionais protetivos dos
direitos humanos como eacute a visatildeo de Canotilho seguida por Flaacutevia Piovensan60
seja uma
visatildeo de nuvens fluidas e descontiacutenuas com um direito de sistemas interativos complexos
marcados por geometria de piracircmides inacabadas e aneacuteis normativos como guirlandas
defendida por Delmas-Marty61
demonstram que a internacionalizaccedilatildeo traz tentativas de
recomposiccedilatildeo de um pluralismo que deveraacute ser suficientemente ordenado
Em razatildeo disso razoaacutevel frente agrave mudanccedila paradigmaacutetica trazida pela mundializaccedilatildeo
pensar em um conjunto ordenado para a desordem uma vez que a aparente anarquia que
existe favorece ao pluralismo Para se chegar a um direito comum pluralista tendo por base os
direitos humanos deve-se buscar a harmonizaccedilatildeo entre estes e os direitos econocircmicos com
respeito agraves particularidades religiosas e culturais e com a superaccedilatildeo dos perigos de uma
uniformizaccedilatildeo hegemocircnica tendente agrave globalizaccedilatildeo econocircmica
Nesse novo paradigma o ideaacuterio de ordem ldquodeslegalizadardquo anteriormente referido
toma corpo uma vez que a sobrevalorizaccedilatildeo da lei e das grandes codificaccedilotildees perde espaccedilo
havendo em contrapartida a crescente incorporaccedilatildeo dos precedentes (certa ruptura de
fronteiras entre common law e civil law) e dos princiacutepios como espeacutecie de coacutedigo cultural do
processo de interpretaccedilatildeo e criaccedilatildeo do direito62
A internacionalizaccedilatildeo do Direito reflete portanto uma nova realidade de um Direito
de sistemas complexos fluidos descontiacutenuos e interativos os quais levam agrave mutaccedilatildeo da
proacutepria concepccedilatildeo tradicional de ordem juriacutedica que natildeo eacute mais fechada dentro de si mesma e
sim sofre influecircncia de outras A tradicional piracircmide kelseniana eacute desconstruiacuteda
60
PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e diaacutelogo entre jurisdiccedilotildees In Revista Brasileira de Direito
Constitucional ndash RBCD n19 ndash janjul 2012 61
DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio
de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b 62
FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos
teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013
30
gradativamente dando lugar a novas geometrias cuja hierarquia natildeo eacute tatildeo riacutegida mas nem por
isso deixa de ser complexa
No topo encontram-se as constituiccedilotildees juntamente com elementos do Direito
Internacional (jus cogens tratados relativos o direito internacional dos direitos humanos) e do
direito comunitaacuterio europeu No corpo do que seria a antiga piracircmide kelseniana encontra-se
o crescimento e a consolidaccedilatildeo de um direito jurisprudencial atraveacutes de um jogo de
referecircncias reciacuteprocas em que um sistema observa o outro mas natildeo haacute um centro ao lado das
normas produzidas no legislativo (a intensa produccedilatildeo jurisprudencial para os hard cases
culmina em adiccedilatildeo de conteuacutedos advindos de ldquooutros direitosrdquo) e a base passa a ser composta
por decretos e regulamentos que resultam de administraccedilotildees policecircntricas corroborando para
a crenccedila de que o processo de internacionalizaccedilatildeo do direito vem acompanhado de
descentralizaccedilatildeo e privatizaccedilatildeo de fontes do Direito63
Diante deste quadro Delmas64
apresenta trecircs espeacutecies de processo de interaccedilatildeo para
se chegar a um direito comum coordenaccedilatildeo por entrecruzamento harmonizaccedilatildeo e unificaccedilatildeo
Destaca-se antes de discorrer brevemente sobre esses processos que o direito comum natildeo
tem a pretensatildeo de unificar o Direito no texto pois isso seria uma tarefa praticamente utoacutepica
A ideia de Delmas objetiva na realidade a exploraccedilatildeo da pluralidade como potencial poder
de integraccedilatildeo vez que as redes dinacircmicas e as estruturas vetorizadas pelos direitos humanos
presentes nas novas geometrias da ordem mundial se pautam no reconhecimento do outro em
uma espeacutecie de alteridade65
A coordenaccedilatildeo por entrecruzamento caracteriza-se por ser um processo horizontal em
que a autoridade das decisotildees seraacute reforccedilada pelo jogo de referecircncias cruzadas de uma
jurisdiccedilatildeo agrave outra Essa eacute uma fase transitoacuteria na construccedilatildeo de uma verdadeira ordem juriacutedica
mundial em que a internormatividade e a interpretaccedilatildeo cruzada permitem a formaccedilatildeo de no
miacutenimo uma comunidade de juiacutezes Em funccedilatildeo disso em acircmbito global percebem-se traccedilos
da coordenaccedilatildeo por entrecruzamento nos diaacutelogos entre cortes e tribunais nas mais diferentes
ordens No espaccedilo europeu a coordenaccedilatildeo eacute percebida da mesma forma atraveacutes dos diaacutelogos
entre as cortes nacionais e os tribunais da ldquopequena Europardquo e da ldquogrande Europardquo
respectivamente Tribunal de Luxemburgo e de Estrasburgo
Interessante notar conforme jaacute foi demonstrado que foram os diaacutelogos entre as cortes
nacionais dos diversos Estados membros da entatildeo Comunidade Europeia e posterior Uniatildeo
63
Ibid 2013 p20 64
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006 65
LOPES Carla Patriacutecia Frade Nogueira Internacionalizaccedilatildeo do Direito e pluralismo juriacutedico limites de
cooperaccedilatildeo no diaacutelogo de juiacutezes In Revista de Direito Internacional da Uniceub Vol 9 n4 2012
31
Europeia que auxiliaram no processo de consolidaccedilatildeo do entendimento de primazia das
normas comunitaacuterias ao lado da proteccedilatildeo integral aos direitos fundamentais previstos nas
constituiccedilotildees estatais Isso culminou conforme se asseverou anteriormente na disposiccedilatildeo do
Tratado de Lisboa de que a Uniatildeo Europeia natildeo soacute se submete agraves tradiccedilotildees e regras
constitucionais em mateacuteria de direitos fundamentais como adere agrave Convenccedilatildeo Europeia dos
Direitos do Homem
Se o primeiro processo de interaccedilatildeo eacute a coordenaccedilatildeo far-se-aacute de imediato a anaacutelise do
uacuteltimo processo a unificaccedilatildeo visto que o eacute no processo intermediaacuterio ndash a harmonizaccedilatildeo ndash que
se desenvolve o foco do presente estudo A unificaccedilatildeo seria do ponto de vista formal o
processo perfeito por unir ordens juriacutedicas regionais sob um mesmo modelo hieraacuterquico e
coerente das ordens nacionais tradicionais Entretanto sob o enfoque empiacuterico essa perfeiccedilatildeo
estaacute longe de ser garantida vez que a unificaccedilatildeo consiste na transferecircncia pura e simples do
regramento juriacutedico de um paiacutes para outro em uma espeacutecie de verticalizaccedilatildeo ordenada que
pode gerar a dominaccedilatildeo hegemocircnica de uma ordem sobre outra sem portanto respeito agrave
pluralidade
O processo intermediaacuterio de harmonizaccedilatildeo por sua vez tende a aproximar os sistemas
com um propoacutesito coordenativo poreacutem sem a intenccedilatildeo unificadora Tal processo limita-se a
uma integraccedilatildeo imperfeita cuja chave eacute a preservaccedilatildeo das margens nacionais de apreciaccedilatildeo
De modo diferente da coordenaccedilatildeo que eacute marcada pela horizontalidade da comunicaccedilatildeo entre
conjuntos juriacutedicos a harmonizaccedilatildeo instaura uma relaccedilatildeo do tipo vertical que implica o
reconhecimento de algumas hierarquias entre por exemplo direito internacional e nacional
direito supranacional e nacional dentre outras formas Todavia a inversatildeo destas hierarquias
e o reconhecimento muacutetuo fazem parte do movimento de harmonizaccedilatildeo
As margens nacionais de apreciaccedilatildeo satildeo as grandes novidades desse processo de
harmonizaccedilatildeo vez que elas funcionam em uma dinacircmica centriacutefuga e envolvem tanto a
obrigaccedilatildeo de conformidade em relaccedilatildeo agraves normas internacionais das quais determinado paiacutes eacute
signataacuterio quanto agrave apreciaccedilatildeo soberana dos Estados sendo delineada por princiacutepios
comuns66
A resistecircncia dos direitos internos e os avanccedilos do processo de harmonizaccedilatildeo satildeo
portanto as condiccedilotildees de possibilidade para a aplicaccedilatildeo da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
(MNA)
66
SALDANHA Jacircnia Maria Lopes MELLO Rafaela da Cruz Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e
Diaacutelogos Transjurisdicionais uma anaacutelise da postura do Supremo Tribunal Federal Brasileiro In Conselho
Nacional de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito - CONPEDI (Org) Direito Internacional dos Direitos
Humanos I XXIII EdFlorianoacutepolis CONPEDI 2014 v I p 368-394
32
Deste modo imperioso reconhecer que em um continente plural como eacute o europeu
com diversos paiacuteses com aspectos linguiacutesticos culturais religiosos e poliacuteticos a figura da
MNA apresenta-se como uma importante chave para o desenvolvimento e consolidaccedilatildeo de
um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos sendo uma ferramenta relevante
para o estabelecimento de um pluralismo ordenado uma vez que as pluralidades e
peculiaridades culturais e religiosas de cada Estado satildeo respeitadas
Neste sentido portanto a Europa pode ser vista novamente como um laboratoacuterio de
experiecircncias e o surgimento da MNA possui hoje um importante papel sobretudo dentro do
continente europeu Utilizada tanto pelos Tribunais de Luxemburgo e Estrasburgo a MNA
surgiu pela primeira vez na jurisprudecircncia do TEDH
Embora existam relatos do uso da MNA pelo Tribunal de Luxemburgo para permitir
que os conceitos comunitaacuterios sejam interpretados de modo flexiacutevel segundo as
especificidades nacionais e servindo como uma importante vaacutelvula de escape para as tensotildees
nacionais mais fortes neste trabalho far-se-aacute a limitaccedilatildeo da utilizaccedilatildeo da MNA pelo Tribunal
Europeu de Direitos do Homem com o intuito de analisar quais satildeo os entraves e as
possibilidades do uso de tal ferramenta pra a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de um direito comum
para a ldquogrande Europardquo tendo como base os direitos humanos
33
2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU
A noccedilatildeo de margem encontra-se no coraccedilatildeo dos sistemas de Direito uma vez que o
direito interno jaacute prevecirc a possibilidade de uma margem de interpretaccedilatildeo aos juiacutezes em relaccedilatildeo
agraves demandas que lhes satildeo apresentadas Todavia a internacionalizaccedilatildeo impulsiona ao
acreacutescimo do termo ldquonacionalrdquo a essa margem no sentido de permitir o reconhecimento da
diversidade dos sistemas juriacutedicos e a possibilidade de um direito comum
Nesse sentido no presente capiacutetulo far-se-aacute uma abordagem acerca da histoacuteria dessa
ferramenta criada pelo TEDH bem como o conceito e as criacuteticas trazidas por estudiosos da
doutrina da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) (21) Por conseguinte atraveacutes de uma
anaacutelise jurisprudencial se tentaraacute comprovar que a margem a despeito de opiniotildees contraacuterias
acerca da ausecircncia de paracircmetros para sua aplicaccedilatildeo pelo TEDH constitui-se como um
instrumento relevante para a construccedilatildeo de um direito comum europeu tendo como base
luminosa os direitos humanos (22)
21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem
Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu
Consoante fora anteriormente aludido a noccedilatildeo de margem encontra-se dentro dos
sistemas de direito Por isso em um primeiro momento aponta-se a margem dentro do direito
interno como ferramenta capaz de auxiliar o juiz enquanto receptor da norma a interpretar
determinado caso concreto em uma espeacutecie de coacutedigo cultural que determina o senso da
norma67
Nesse sentido a origem dessa margem de interpretaccedilatildeo adveacutem do direito
administrativo de diversos Estados europeus Na Franccedila a margem eacute conhecida como ldquomarge
67
DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation
du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit
compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780
34
drsquoappreacutecciationrdquo na Alemanha eacute vista como ldquoErmessensspielraumrdquo e na Itaacutelia ldquomarge de
discrizionalitaacuterdquo68
Em acircmbito interno portanto caracteriza-se por ser uma deferecircncia que
combina aspectos processuais e hermenecircuticos no sentido de conferir uma reserva de
apreciaccedilatildeo ao administrador para decidir acerca da conveniecircncia e oportunidade em relaccedilatildeo
aos atos administrativos
O processo de internacionalizaccedilatildeo estaacutegio supremo da globalizaccedilatildeo69
no acircmbito do
Direito se desenvolve a ponto de transformar o campo de uma disciplina de modo que
consoante jaacute fora exaustivamente exposto a seara juriacutedica natildeo se limita mais agrave relaccedilatildeo entre
Estados nem somente se combina com os direitos internos Logo o pluralismo pode ser visto
como uma palavra de ordem na paisagem juriacutedica atual e por isso a noccedilatildeo de margem ganha
o adjetivo ldquonacionalrdquo e passa a ser um elemento de tentativa de aproximaccedilatildeo com a finalidade
de atingir um direito comum com bases humanistas
Logo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) teria a finalidade de proceder a uma
espeacutecie de siacutentese entre os anseios de unidade juriacutedica e o desejo de separaccedilatildeo proveniente de
uma autonomia estatal A margem portanto sob o vieacutes da internacionalizaccedilatildeo corresponderia
ao caminho do meio entre o pressuposto de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o
relativismo ou os particularismos culturais de cada Estado
No contexto europeu em que tanto sob o vieacutes comunitaacuterio quanto sob a perspectiva do
sistema regional os Estados apresentam pluralidades significativas em relaccedilatildeo agrave religiatildeo agrave
cultura agrave poliacutetica dentre outros campos a figura da MNA serve como um importante
instrumento para aproximar o universal e o relativo70
Dessa maneira teria a funccedilatildeo de no
processo de construccedilatildeo de um direito comum apresentar como horizonte a universalidade dos
direitos humanos mas sem perder de foco os relativismos culturais que formam a identidade
das mais diferentes sociedades
Niacutetido portanto que o caminho para a construccedilatildeo de um ldquocomumrdquo em mateacuteria de
direitos humanos relaciona-se natildeo soacute com a proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua esfera eacutetica
e miacutenima como tambeacutem com a preservaccedilatildeo da pluralidade Como instrumento do processo de
harmonizaccedilatildeo a margem carrega em seu acircmago a noccedilatildeo de convergecircncia em torno de
princiacutepios comuns mas garantindo o respeito a uma espeacutecie de direito agrave divergecircncia uma vez
68
ITZCOVITCH Giulio One None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations The Lautsi Case
In Human Rights Law Review Oxford Journals 2013 Disponiacutevel em
httphrlroxfordjournalsorgcontent132toc Acesso 04 nov 2014 69
SANTOS Milton Teacutecnica Espaccedilo Tempo Globalizaccedilatildeo e meio teacutecnico-cientiacutefico-informacional 5ordf ed
Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2013 p 45 70
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b
35
que se garante a cada Estado a particularidade de lidar com questotildees atinentes agraves suas
diferenccedilas
Deste modo o Tribunal de Estrasburgo consoante fora dito anteriormente se utiliza
pela primeira vez do recurso agrave MNA no caso Lawless vs Irlanda71
Na discussatildeo cerne deste
conflito estava a possibilidade de prisatildeo provisoacuteria no caso dos atentados terroristas
relacionados ao grupo extremista IRA (Irish Republic Army) Mais especificamente o
cidadatildeo irlandecircs Gerard Richard Lawless ex-membro do IRA foi preso em julho de 1957 no
momento em que estava prestes a viajar da Irlanda agrave Gratilde-Bretanha Neste ato foi detido sob
especiais poderes de detenccedilatildeo indeterminada sem julgamento sob alegaccedilotildees de ofensas contra
o Estado irlandecircs
Lawless fazendo o uso da prerrogativa de peticcedilatildeo individual demandou perante a
Corte Europeia de Direitos do Homem alegando violaccedilatildeo pelo Estado Irlandecircs dos artigos 56
e 7 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem mas especificamente direitos de
liberdade seguranccedila julgamento justo e o princiacutepio de proibiccedilatildeo de puniccedilatildeo sem lei anterior
que defina um delito
No julgamento do caso em 1961 o Tribunal de Estrasburgo pela primeira vez fez
alusatildeo mesmo que de modo natildeo explicito agrave possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo
ao deixar ao Estado Irlandecircs margem para decidir fundamentando-se nas prerrogativas do
artigo 1572
da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Tal norma da Convenccedilatildeo alude agrave
possibilidade de derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade com a prerrogativa de que em
caso de guerra ou outro perigo puacuteblico que ameace a vida da naccedilatildeo a parte aderente agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem pode tomar providecircncias que derroguem as
obrigaccedilotildees previstas no tratado na estrita medida em que exigir a situaccedilatildeo
71
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57518itemid[001-57518] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lawless vs Irlanda Sentenccedila de 01 de julho de 1961 Acesso
05 nov 2014 72
Artigo 15 Derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade 1 Em caso de guerra ou de outro perigo puacuteblico que
ameace a vida da naccedilatildeo qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providecircncias que derroguem as obrigaccedilotildees
previstas na presente Convenccedilatildeo na estrita medida em que o exigir a situaccedilatildeo e em que tais providecircncias natildeo
estejam em contradiccedilatildeo com as outras obrigaccedilotildees decorrentes do direito internacional 2 A disposiccedilatildeo
precedente natildeo autoriza nenhuma derrogaccedilatildeo ao artigo 2deg salvo quanto ao caso de morte resultante de atos
liacutecitos de guerra nem aos artigos 3deg 4deg (paraacutegrafo 1) e 7deg 3 Qualquer Alta Parte Contratante que exercer este
direito de derrogaccedilatildeo manteraacute completamente informado o Secretaacuterio Geral do Conselho da Europa das
providecircncias tomadas e dos motivos que as provocaram Deveraacute igualmente informar o Secretaacuterio - Geral do
Conselho da Europa da data em que essas disposiccedilotildees tiverem deixado de estar em vigor e da data em que as da
Convenccedilatildeo voltarem a ter plena aplicaccedilatildeo CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS
DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014
36
Logo aplicando o referido artigo 15 da Convenccedilatildeo a decisatildeo do Tribunal de
Estrasburgo foi de no caso proposto asseverar que os fatos apurados natildeo revelam uma
violaccedilatildeo por parte do Governo irlandecircs de suas obrigaccedilotildees ao abrigo da Convenccedilatildeo Europeia
para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais Em razatildeo disso de a
motivaccedilatildeo do Tribunal para proferir a decisatildeo ter partido de uma prerrogativa da proacutepria
Convenccedilatildeo Europeia alguns autores73
natildeo fazem alusatildeo a este caso como o primeiro em que
houve concessatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo para Estado
Embora haja uma referecircncia tiacutemida agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso exposto
anteriormente eacute no caso linguiacutestico belga74
que se percebe uma manifestaccedilatildeo mais concreta
da Corte de Estrasburgo em relaccedilatildeo agrave deferecircncia de julgamento aos Estados precisando
alguns dos fundamentos da doutrina da MNA No caso belga julgado em 1968 pais que
falavam francecircs questionaram o sistema educacional da Beacutelgica que dividia o paiacutes em quatro
regiotildees linguiacutesticas distintas
O Tribunal de Luxemburgo aceitou uma margem de apreciaccedilatildeo conferida agraves partes em
funccedilatildeo de que os Estados possuiacuteam discricionariedade em relaccedilatildeo agrave regulamentaccedilatildeo do direito
agrave educaccedilatildeo A Corte argumentou que essa necessidade de concessatildeo de uma deferecircncia ou de
um limite de discricionariedade ao Estado era proveniente da natureza do proacuteprio direito
discutido (regulamentaccedilatildeo do sistema educacional) de modo que a regulamentaccedilatildeo do direito
agrave educaccedilatildeo poderia variar de acordo com o local e com o tempo consoante as necessidades e
os recursos da comunidade e dos indiviacuteduos
Ainda eacute possiacutevel destacar nesse caso a vinculaccedilatildeo da noccedilatildeo de margem de apreciaccedilatildeo
ao princiacutepio de subsidiariedade dos tribunais internacionais em relaccedilatildeo agraves cortes nacionais
Por isso o Tribunal manifestou-se asseverando que natildeo desejava substituir as autoridades
nacionais pois se assim o fizesse perderia a caracteriacutestica de mecanismo internacional de
garantia da ordem instaurada pela Convenccedilatildeo
73
KRATOCHVIL Jan The inflation of the margin of appreciation by european court of human rights In
Netherlands Quarterly of Human Rights Vol 293 2011 p 324-357 Disponiacutevel em ww corteidhorcr
tablas r26992pdf Acesso 01 nov 2014
VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um
equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em
httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 74
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httpwww9euskadineteuskara_araubideaLegedialegeakgaztelaneuropas23b001pdf CORTE EUROPEIA
DE DIREITOS HUMANOS Caso linguiacutestico belga Sentenccedila de 23 de julho de 1968 Acesso 05 nov 2014
37
Essa subsidiariedade conduz agrave MNA duas noccedilotildees75
uma noccedilatildeo teacutecnica e outra
poliacutetica Na noccedilatildeo teacutecnica a razatildeo para sua existecircncia relaciona-se com a imprecisatildeo de
algumas normas que conferem certa liberdade ao juiz internacional No campo poliacutetico a
relaccedilatildeo se evidencia pela sensibilidade dos Estados em relaccedilatildeo a temas polecircmicos
Sob essa oacutetica e embora esse natildeo seja o foco do presente trabalho pode-se afirmar que
a MNA eacute uma figuram importante tanto para o horizonte de criaccedilatildeo de um direito comum
europeu como para a consolidaccedilatildeo do direito comunitaacuterio europeu Isso porque este uacuteltimo
embora tenha sido baseado em um ideal federalista funda-se na realidade em um modelo de
governanccedila supranacional em que a MNA foi importada pelo Tribunal de Luxemburgo a fim
de ser uma vaacutelvula de escape para tensotildees fortes em acircmbito comunitaacuterio76
O TJUE deste modo permite que os conflitos comunitaacuterios sejam interpretados de
maneira flexiacutevel conforme especificidades nacionais Cada Estado pode atribuir seu proacuteprio
significado a expressotildees ou textos legais de interpretaccedilatildeo ampla devendo-se contudo
vincular aos princiacutepios e conceitos juriacutedico-legais do direito comunitaacuterio
No campo de construccedilatildeo de um direito comum europeu que tem como terreno o
sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos tal premissa natildeo eacute diferente Embora em
alguns casos o TEDH opte pela concessatildeo da margem de deferecircncia essa soacute pode ser aplicada
pelo Estado se este observar os princiacutepios que regem o instrumento legal base da Corte qual
seja a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) Deste modo o Estado natildeo fica
desobrigado do cumprimento da Convenccedilatildeo pois em tese apenas existiraacute margem para
pontos sensiacuteveis desta os quais permitem interpretaccedilotildees diferenciadas de acordo com os
particularismos nacionais e os desacordos culturais
Nesse sentido conforme se observou pelos casos citados com ecircnfase para o caso
Lawless vs Irlanda uma primeira aplicaccedilatildeo da doutrina da margem vinculou-se ao processo
de sedimentaccedilatildeo do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos vez que tal
caso foi um dos primeiros a ser julgado pelo Tribunal de Estrasburgo aleacutem de conforme fora
dito ter sido o primeiro no acircmbito da criaccedilatildeo e uso da MNA Em razatildeo desse contexto a
utilizaccedilatildeo do instrumento em questatildeo deu-se em funccedilatildeo de uma demanda que envolvia
questatildeo de seguranccedila interna de um paiacutes e por isso a aplicaccedilatildeo da deferecircncia de julgamento agrave
Irlanda daacute-se tambeacutem como uma teacutecnica poliacutetica para evitar tensotildees entre esfera internacional
75
DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation
du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit
compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780 76
VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade
de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014
38
e nacional (esta ainda arraigada ao conceito claacutessico de soberania) no acircmbito de um sistema
que tinha sido criado recentemente
Sob tal vieacutes pode-se recorrer agrave explicaccedilatildeo de Marcelo Varella77
de que a margem
deve ser aplicada para temas polecircmicos em que abusos exegeacuteticos por parte do tribunal de
cariz internacional podem levar agrave perda de legitimidade deste Contudo com o
desenvolvimento da teoria da MNA tanto por doutrinadores como pela proacutepria jurisprudecircncia
do tribunal que a criou percebe-se que o seu uso em grande medida relaciona-se com o
embate entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo nacional em mateacuteria de
desacordos culturais
Natildeo obstante a existecircncia de criacuteticas sobre a aplicaccedilatildeo praacutetica atual da MNA pelo
TEDH o que seraacute objeto de anaacutelise na sequencia do presente trabalho eacute com a figura da
deferecircncia da margem nacional que se torna possiacutevel um pluralismo de justaposiccedilatildeo78
que
tolera a coexistecircncia de sistemas particularmente diferentes Somente a possibilidade de
acoplamento do adjetivo nacional ao substantivo margem ou seja uma transferecircncia de
conceito desse substantivo para outra esfera que natildeo agrave interna de cada paiacutes jaacute demonstra que
uma ruptura com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito jaacute iniciou e ainda estaacute em curso
A ruptura com a concepccedilatildeo tradicional unificada e estritamente hierarquizada de
ordem juriacutedica leva a uma ruptura epistemoloacutegica com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito
Isso permite natildeo soacute a existecircncia e aplicaccedilatildeo de uma margem nacional de apreciaccedilatildeo como
demonstra a possibilidade de concretizaccedilatildeo do ideal de um direito comum que por ser
pluralista natildeo pode ser projetado conforme o modelo tradicional e nem encontra campo para
isso em funccedilatildeo do novo mosaico juriacutedico existente sobretudo na Europa
Logo eacute possiacutevel afirmar que a margem a que se refere esse trabalho natildeo deixa de ser
um reconhecimento jurisprudencial dessa mudanccedila de ares trazida pelas novas configuraccedilotildees
e estruturas juriacutedicas Isso porque novas instituiccedilotildees emergem em meio de um caos juriacutedico
que natildeo passa despercebido pelas cortes internacionais Prova disso eacute que a MNA natildeo eacute
mencionada somente pelo TEDH Ainda que de modo muito tiacutemido e em pequena medida eacute
possiacutevel o destaque de citaccedilatildeo (e aplicaccedilatildeo) da referida doutrina pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos79
Embora o continente latino americano seja tatildeo ou mais plural e diversificado que o
europeu e que o uso da margem como instrumento de siacutentese entre relativo e universal seja
77
Ibid 2012 p 143 78
DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 757 79
POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema
interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012
39
teoricamente indicado para sedimentar as bases de construccedilatildeo de um direito comum pluralista
a aplicaccedilatildeo do instituto em solo americano ainda natildeo ocorre de modo significativo Sob esse
vieacutes o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Seacutergio Garcia Ramirez80
asseverou
que a margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute uma ferramenta e um princiacutepio europeu de relativismo
relativo agrave execuccedilatildeo que natildeo eacute visto com simpatia pela Corte maacutexima do sistema regional
americano de direitos humanos Isso em funccedilatildeo natildeo soacute do histoacuterico de demandas que
chegaram ao julgamento da Corte Interamericana ndash em grande parte envolvendo violaccedilotildees de
direitos humanos perpetradas pelo Estado durante os periacuteodos de ascensatildeo de autoritarismos e
ditaduras na Ameacuterica Latina ndash como tambeacutem em razatildeo das democracias latino-americanas
ainda estarem em fase de consolidaccedilatildeo
Deste modo em razatildeo da ausecircncia ateacute entatildeo de casos envolvendo desacordos
culturais e das recentes reinserccedilotildees ou inserccedilotildees democraacuteticas de paiacuteses do continente
americano temia-se que eventual aplicaccedilatildeo de MNA poderia ser compreendida pelos Estados
como um salvo-conduto para que houvesse violaccedilatildeo de direitos humanos pelos paiacuteses A
cautela e a percepccedilatildeo de paisagens diferentes entre os territoacuterios separados pelo Atlacircntico
fizeram e fazem com que ainda hoje a doutrina da margem tenha pouca ou quase nenhuma
aplicaccedilatildeo na Ameacuterica
Deste modo pode-se afirmar que a internacionalizaccedilatildeo do direito - e seus reflexos na
Europa - eacute a responsaacutevel pela criaccedilatildeo de um espaccedilo para o desenvolvimento da doutrina da
margem nacional de apreciaccedilatildeo Nesse sentido embora a criaccedilatildeo tenha sido jurisprudencial
por parte do TEDH com aplicaccedilatildeo em alguns casos pelo proacuteprio Tribunal de Luxemburgo eacute
importante avaliar de que modo a doutrina conceitua o referido instituto
A posiccedilatildeo adotada por este trabalho eacute a de Mireille Delmas-Marty81
que salienta em
suas obras a origem nacional da margem nacional ainda como uma margem de interpretaccedilatildeo
capaz de conferir um pluralismo de valores do tipo meta juriacutedico em uma espeacutecie de
deferecircncia para apreciaccedilatildeo do juiz receptor de determinada norma Todavia a margem
relativa agrave internacionalizaccedilatildeo liga-se ao reconhecimento da diversidade de sistemas juriacutedicos
os quais possuem algumas caracteriacutesticas peculiares ligadas agraves identidades do Estado em que
se encontram
80
Tal posicionamento de Seacutergio Garciacutea Ramirez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema Internacional de
Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de 19 e 20 de agosto
de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado ndash da Pontifiacutecia
Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS 81
DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 762
40
Em razatildeo disso para a autora a noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo aleacutem de ser
uma siacutentese entre o universal e o relativo eacute uma chave do pluralismo ordenado Desse modo
sua construccedilatildeo assemelha-se de um lado agrave expressatildeo de uma dinacircmica centriacutefuga ou seja
uma resistecircncia dos Estados agrave integraccedilatildeo e o apego agrave noccedilatildeo claacutessica de soberania e de outro
lado sendo ela limitada por princiacutepios comuns estabelece o miacutenimo de compatibilidade
voltando-se ao centro em uma dinacircmica centriacutepeta
Haacute portanto um movimento duplo que por vezes traduz as resistecircncias dos direitos
nacionais por vezes os avanccedilos rumo agrave harmonizaccedilatildeo do direito comum em mateacuteria de
direitos humanos Eacute justamente essa capacidade de oscilaccedilatildeo que permite os ajustamentos
com vistas a compatibilizar o interno com o comum com o intuito nem de criar uma
hegemonia do universal e nem de tornar inaplicaacutevel o direito comum em razatildeo das
particularidades Desta forma Delmas percebe a margem como uma teacutecnica juriacutedica presente
no acircmbito do fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo do direito e que permite o reconhecimento da
diversidade entre os sistemas juriacutedicos82
Benvenisti83
por sua vez visualiza no uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo uma
espeacutecie de latitude que cada sociedade tem na resoluccedilatildeo de conflitos inerentes entre os
direitos individuais e os interesses nacionais ou entre diferentes convicccedilotildees morais Por
conseguinte alude que a doutrina da margem consoante inclusive fora abordado
anteriormente neste trabalho respondeu inicialmente a preocupaccedilotildees de governos nacionais
de que as poliacuteticas internacionais pudessem comprometer a seguranccedila nacional Isso entatildeo
explicaria a invocaccedilatildeo da margem no caso Lawless vs Irlanda por exemplo
Com a evoluccedilatildeo da jurisprudecircncia o uso desse instrumento passou a ser aplicado por
outras razotildees como gestatildeo de recursos discricionariedade em relaccedilatildeo a questotildees
concernentes agrave deliberaccedilatildeo acerca de sistemas poliacuteticos educacionais entre outros ateacute passar
a ser utilizada em temas relativos aos desacordos culturais Ainda segundo Bevenisti84
a
utilizaccedilatildeo da margem se justifica em alguns casos e em algumas mateacuterias ndash para o autor por
exemplo a aplicaccedilatildeo da margem nacional natildeo se justifica quando em questatildeo se encontram o
direito de minorias - sendo que o uso ampliado ou desmedido pode gerar uma espeacutecie de
deslegitimaccedilatildeo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos
82
Ibid 2000 p 760 83
BENVENISTI Eyal Margin of apreciation consensus and universal standards In International Law and
Politics Vol 31843 1999 pp 843-854 Disponiacutevel em httpwwwpict-
pctiorgpublicationsPICT_articlesJILPBenvenistipdfp 853 Acesso 05 nov 2014 84
Ibid 1999 p 846
41
Para Poblete amp Alvarado85
a margem nacional de apreciaccedilatildeo liga-se agrave noccedilatildeo de fins e
limites da jurisdiccedilatildeo internacional ou supranacional em mateacuteria de direitos humanos Eles
reconhecem que a doutrina da margem concede aos Estados signataacuterios de convenccedilotildees
internacionais liberdade para apreciar as circunstacircncias materiais que exigem aplicaccedilatildeo de
medidas excepcionais em situaccedilatildeo de emergecircncia como eacute o caso das prerrogativas do artigo
15 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de derrogaccedilatildeo em caso de necessidade
Outrossim ainda segundo os mencionados autores a margem possibilita aos Estados
liberdade para limitar direitos reconhecidos em tratados internacionais quando outros direitos
exigem respeito ou assim exigem os interesses da comunidade Ainda serviria para definir os
conteuacutedo dos direitos delimitar como eles satildeo aplicados no plano interno e definir o modo
como seratildeo cumpridas resoluccedilotildees de um oacutergatildeo internacional de supervisatildeo de um tratado ou
convenccedilatildeo Dessa maneira tais autores identificam a doutrina da MNA como uma
metodologia de que se servem os tribunais internacionais para difundir os direitos humanos
previstos nos tratados internacionais bem como o direito do comeacutercio ndash a margem tambeacutem eacute
aplicada pela Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio (OMC)
Vila86
por sua vez percebe na doutrina da marem nacional de apreciaccedilatildeo uma espeacutecie
de ldquodeferecircnciardquo praticada pelo Tribunal de Estrasburgo em relaccedilatildeo aos Estados signataacuterios da
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Isso pelo fato de que o sistema de proteccedilatildeo dos
diretos humanos na Europa eacute resultado de uma divisatildeo de trabalho entre os Estados e a Corte
em que os primeiros satildeo responsaacuteveis primaacuterios desta proteccedilatildeo e a Corte possui um caraacuteter
subsidiaacuterio atuando em acircmbitos sensiacuteveis como o da moralidade e da religiatildeo em que natildeo haacute
consenso entre os Estados
Nesse mesmo sentido se situa o pensamento de Roca87
que afirma que a doutrina da
margem nacional de apreciaccedilatildeo ocupa um lugar de destaque na jurisprudecircncia do Tribunal
Europeu de Direitos Humanos e eacute necessaacuteria para refletir uma realidade evidente qual seja a
pluralidade cultural dos Estados que fazem parte do Conselho da Europa notaacutevel em um
pluralismo de base territorial sobre o qual assenta uma cultura comum europeia de alguns
miacutenimos
85
POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema
interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012 p5 86
VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um
equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em
httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 87
ROCA JavierGarciacutea La muy discrecional doctrina del margen de apreciacioacuten nacional seguacuten el Tribunal
Europeo de Derechos Humanos Soberaniacutea e Integracioacuten In UNED Teoriacutea y Realidad Constitucional N
202007 p 117-143 Disponiacutevel em httpe-spaciounedes revistasuned indexphp TRC article vie 6778
Acesso 02 nov 2014
42
Da mesma forma considera o autor que os princiacutepios da proporcionalidade e da
subsidiariedade satildeo imanentes agrave noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo visto que os
Estados possuem certa margem de discricionariedade na aplicaccedilatildeo e no cumprimento de
obrigaccedilotildees impostas pela Convenccedilatildeo bem como na ponderaccedilatildeo de interesses mais
complexos Se houver excesso por parte dos Estados no uso dessa margem haacute violaccedilatildeo do
princiacutepio da proporcionalidade e abre-se espaccedilo para a intervenccedilatildeo do oacutergatildeo jurisdicional
internacional sob as bases do princiacutepio da subsidiariedade
Eacute importante sob essa oacutetica lembrar que embora o diferencial da Corte Europeia de
Direitos Humanos seja o de permitir a peticcedilatildeo individual de qualquer sujeito que denuncie
uma violaccedilatildeo de seus direitos baacutesicos assim como outros tribunais internacionais tem a regra
da exigecircncia do esgotamento das vias internas de acesso agrave justiccedila para que a demanda seja
recebida pelo TEDH Se natildeo houve satisfaccedilatildeo do pleito por parte do Estado ou se a reparaccedilatildeo
obtida se revelara inidocircnea para uma proteccedilatildeo adequada ao direito violado entatildeo agrave Corte
Europeia eacute permitido revisar a decisatildeo nacional ou substituiacute-la
Mahorney88
em seus estudos assevera que a margem funciona como uma espeacutecie de
divisatildeo de jurisprudecircncias uma vez que traccedila uma linha divisoacuteria entre o que deve decidir
cada comunidade nacional e as questotildees que tecircm relevacircncia para necessitar uma soluccedilatildeo
homogecircnea ou seja as que demandam uma decisatildeo que harmonize a regulaccedilatildeo do direito e
suas garantias na comunidade internacional independentemente das diferenccedilas de tradiccedilotildees
ou culturas
Contreras89
afirma que os tratados regionais de direitos humanos embora contenham
escopos de universalidade em relaccedilatildeo a esses direitos satildeo acompanhados pela possibilidade
de peculiaridades geograacuteficas na execuccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos direitos do homem As cortes
internacionais tecircm a dificuldade de conciliar ou justificar a falta de conciliaccedilatildeo entre
diferenccedilas morais e normativas de cada regiatildeo Em razatildeo disso uma das criaccedilotildees doutrinaacuterias
mais importantes eacute a da margem nacional de apreciaccedilatildeo sendo esta para o autor um criteacuterio
interpretativo desenvolvido tanto como deferecircncia aos Estados para que possam regular o
conteuacutedo dos direitos e suas restriccedilotildees e para distribuir os poderes e niacuteveis de decisotildees
tomadas entre as autoridades domeacutesticas e internacionais
88
MAHORNEY Paul Marvellous richness diversity or individual cultural relativism In Human Rights Law
Journal Vol 19 nuacutem 1 30 de abril de 1998 p 1 89
CONTRERAS Pablo National Discretion and International Deference in the Restriction of Human Rights A
Comparison Between the Jurisprudence of the European and the Inter-American Court of Human Rights In
Northwestern Journal of International Human Rights Vol 11 2012 Disponiacutevel em
httpscholarlycommonslawnorthwesterneducgiviewcontentcgiarticle=1155ampcontext=njihr Acesso 01 nov
2014
43
Visiacutevel portanto que na doutrina natildeo haacute um contexto exato em relaccedilatildeo a essa figura
criada e aplicada na jurisprudecircncia do TEDH Enquanto para alguns estudiosos ela se
configura como uma doutrina para outros eacute um criteacuterio interpretativo ou hermenecircutico usado
pelos tribunais internacionais no sentido de revisar a decisatildeo de um Estado ou conceder
deferecircncia a este para julgar conforme o direito interno coadunado com os princiacutepios miacutenimos
existentes nos tratados internacionais de direitos humanos
Natildeo obstante a divergecircncia de conceituaccedilatildeo no campo teoacuterico analisar-se-aacute no
proacuteximo capiacutetulo alguns casos emblemaacuteticos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de apreciaccedilatildeo
pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos mais diferentes tema com o intuito de
responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel afirmar que do modo como eacute aplicada a
doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo pela Corte Europeia de Direitos do Homem
temos uma efetiva contribuiccedilatildeo para o processo de harmonizaccedilatildeo entre universal e relativo e
construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos
Embora a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo tenha nascido da tentativa de
produccedilatildeo de uma siacutentese entre o universal e o relativo no espaccedilo do sistema regional europeu
de proteccedilatildeo dos direitos humanos sua aplicaccedilatildeo praacutetica sobretudo pelo TEDH natildeo eacute imune a
criacuteticas Cumpre a esse capiacutetulo realizar notas acerca da aplicaccedilatildeo praacutetica da margem
nacional de apreciaccedilatildeo com o intuito de verificar se ela efetivamente contribui ou eacute capaz de
contribuir para a construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
Conforme afirmam Brum et Saldanha90
a MNA ao ser compreendida e utilizada como
uma forma de autocontrole por meio do qual o oacutergatildeo jurisdicional internacional evita o
enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas poliacutetica pode
representar um risco de fragilizaccedilatildeo do direito internacional dos direitos humanos caso seu
uso se torne indiscriminado sem criteacuterios claros e limites precisos Desta maneira seu uso em
vez de conduzir ao caminho de ordenaccedilatildeo do muacuteltiplo e de mundializaccedilatildeo dos direitos
90
BRUM Maacutercio Morais SALDANHA Jacircnia Maria Lopes A margem nacional de apreciaccedilatildeo e sua
(in)aplicaccedilatildeo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em mateacuteria de anistia Uma figura hermenecircutica a
serviccedilo do pluralismo ordenado In Anuario Mexicano de Derecho Internacional 2015(No prelo para
publicaccedilatildeo)
44
humanos levaria ao rumo contraacuterio da fragmentaccedilatildeo e reforccedilo da velha noccedilatildeo de soberania
marcada pela ausecircncia de compromisso dos Estados com os marcos protetivos miacutenimos do
direito internacional
Neste vieacutes portanto dentro ainda de um panorama geral de anaacutelise da postura do
Tribunal de Estrasburgo um dos primeiros pontos de criacutetica se relaciona ao enfraquecimento
da credibilidade do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos Na visatildeo de
alguns doutrinadores a postura da Corte Europeia na aplicaccedilatildeo irrestrita e sem limitaccedilotildees ou
uma sistematizaccedilatildeo teacutecnica em relaccedilatildeo aos casos em que deve ou natildeo ser aplicada pode gerar
um sentimento de descrenccedila na legitimidade e na eficaacutecia das decisotildees tomadas pelo oacutergatildeo
jurisdicional internacional do Conselho da Europa
Para alguns estudiosos o modo como a margem eacute aplicada reflete uma postura de
evitar o enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas
poliacuteticas Aleacutem de uma fragilizaccedilatildeo do sistema internacional de proteccedilatildeo aos direitos humanos
o uso da margem sem limites definidos pode levar ao reforccedilo da noccedilatildeo claacutessica de soberania
em que o compromisso dos Estados com os instrumentos normativos de direito internacional
era mitigado
No campo de aplicaccedilatildeo a casos praacuteticos eacute possiacutevel conforme assevera Roca91
visualizar as imprecisotildees praacuteticas e teoacutericas do uso da margem o que leva a dois resultados o
primeiro eacute a necessidade de criaccedilatildeo de esforccedilos com urgecircncia para melhor edificar e criar
paracircmetros para a aplicaccedilatildeo da ferramenta bem como que o demandante ou qualquer
observador perante a Corte natildeo saber com suficiente seguranccedila juriacutedica quando o Tribunal
de Estrasburgo vai usar a margem nem quais seratildeo os possiacuteveis resultados desse uso
Ainda segundo o autor a margem eacute um instrumento impreciso e de geometria
variaacutevel todavia eacute consenso entre os doutrinadores que a ferramenta natildeo eacute uma carta branca
aos Estados para fazerem o que quiserem sendo necessaacuteria depuraccedilatildeo teoacuterica para tornar o
instrumento mais preciso Seu uso impotildee como jaacute foi dito autocontenccedilatildeo por parte da Corte
tendo em vista que sua funccedilatildeo segundo o princiacutepio da subsidiariedade eacute somente de impor
estandartes miacutenimos comuns em mateacuteria de direitos humanos Entretanto o niacutevel de proteccedilatildeo
dos direitos dos direitos e das diversas foacutermulas para concretizaacute-los natildeo satildeo homogecircneos
diante de naccedilotildees com tradiccedilotildees juriacutedicas tatildeo diversas
Desta maneira no campo jurisprudencial com a finalidade de responder ao
questionamento feito no capiacutetulo anterior utilizar-se-aacute de modo conjunto as classificaccedilotildees das
91
ROCA op cit 125
45
decisotildees da Corte Europeia dos Direitos do Homem feitas por Contreras e por Roca Para o
primeiro doutrinador92
eacute possiacutevel dividir os casos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de
apreciaccedilatildeo pelo Tribunal de Estrasburgo em trecircs grandes grupos
O primeiro grupo abarca casos envolvendo direitos fundamentais e direitos poliacuteticos
dentre os quais se destacam a proibiccedilatildeo da tortura ou a liberdade de expressatildeo e associaccedilatildeo
Nesse primeiro grupo no que tange aos direitos fundamentais haacute rigorosa supervisatildeo por
parte do Tribunal Europeu negando qualquer margem nacional de apreciaccedilatildeo aos Estados
Ainda dentro deste conjunto no que concerne aos discursos poliacuteticos ou direito de partidos
poliacuteticos eacute por vezes concedida uma margem reduzida agraves autoridades domeacutesticas para
decisatildeo ou execuccedilatildeo de uma decisatildeo
O segundo grupo por sua vez relaciona-se aos direitos de propriedade em que a
Corte concede grande margem de deferecircncia aos Estados Isso porque o TEDH reconhece em
princiacutepio que as autoridades nacionais estatildeo melhor situadas do que o juiz internacional no
que tange a apreciaccedilatildeo acerca do melhor interesse de uma comunidade em relaccedilatildeo a poliacuteticas
envolvendo direitos de propriedade
Por fim o terceiro grupo eacute o mais complexo para a apreciaccedilatildeo do tipo de margem
concedida pelo Tribunal de Estrasburgo uma vez que conteacutem temas que natildeo apresentam
consenso por parte do Tribunal Deste modo neste grupo ficam evidentes as complexidades e
as vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis da MNA Casos como os de liberdade religiosa liberdade de
discurso direitos dos homossexuais dentre outros temas latentes e relevantes na paisagem
juriacutedica social e cultural europeia
Do mesmo modo Roca93
divide a margem nacional de apreciaccedilatildeo em trecircs ciacuterculos
concecircntricos tendo como base a natureza dos direitos cuja tutela eacute pleiteada junto ao oacutergatildeo
jurisdicional internacional do sistema europeu O primeiro ciacuterculo de Roca relaciona-se com o
segundo grupo de Contreras vez que trata dos direitos de propriedade que teriam uma
margem de deferecircncia ampla e um controle pouco intenso por parte da Corte Esse ciacuterculo
seria o maior e englobaria os demais
No ciacuterculo menor estariam os direitos vistos como absolutos pelo Tribunal Europeu
Dentre esses se destacam o direito agrave vida ou os direitos democraacuteticos que apresentam uma
margem de apreciaccedilatildeo pouco extensa juntamente com um controle restrito por parte da Corte
Europeia Este ciacuterculo identifica-se com o primeiro grupo anteriormente mencionado visto
92
CONTRERAS op cit p 35 93
ROCA op cit p 134
46
que trabalha com noccedilotildees de direitos fundamentais e poliacuteticos essenciais e miacutenimos para todos
os paiacuteses europeus
Por fim no espaccedilo intermediaacuterio entre esses dois ciacuterculos encontra-se uma esfera
meacutedia que relacionando-se com o terceiro grupo definido por Contreras contempla todos os
outros direitos em que alguma vez o Tribunal de Estrasburgo mencionou ou aplicou a margem
nacional de apreciaccedilatildeo Eacute justamente nesse ciacuterculo que devem ser desenvolvidos os
paracircmetros para guiar o uso da ferramenta pela Corte no intuito de reduzir a inseguranccedila
juriacutedica ocasionada pelo uso sem uma sistematizaccedilatildeo de criteacuterios
Eacute pertinente em um primeiro momento destacar que conforme ambos os
doutrinadores demonstram quando se mencionam direitos fundamentais ou vinculados agrave
princiacutepios democraacuteticos inaplicaacutevel eacute o uso da margem pela Corte ou se for feito eacute de forma
absolutamente restrita No caso dos direitos fundamentais interessante relembrar Baez94
que
ao buscar o conceito de direitos humanos concluiu que nenhuma fonte normativa existente
tanto em sistemas internacionais quanto nacionais ou regionais trazem a definiccedilatildeo de direitos
humanos Pelo contraacuterio soacute os exemplificam
Nesse sentido observou Baez95
que embora natildeo exista uma definiccedilatildeo precisa de
direitos humanos existem elementos baacutesicos que fazem parte desses e o elemento que eacute
citado em todos os instrumentos normativos sobre o tema eacute o de dignidade da pessoa humana
Os direitos humanos somente existem para realizaccedilatildeo e proteccedilatildeo da dignidade humana poreacutem
o conceito de dignidade eacute de tatildeo difiacutecil conceituaccedilatildeo quanto o conceito de direitos humanos
O autor conclui que a dignidade possui duas dimensotildees a dimensatildeo baacutesica a qual
corresponde aos limites miacutenimos e fundamentais para a existecircncia humana impedindo a
noccedilatildeo de coisificaccedilatildeo do ser Se houver portanto violaccedilatildeo agrave dimensatildeo baacutesica da dignidade da
pessoa humana haacute tambeacutem violaccedilatildeo dos direitos humanos A outra dimensatildeo eacute a cultural vez
que envolve o conjunto de valores que cada sociedade desenvolve
A primeira dimensatildeo refere-se agrave universalidade e a segunda que depende de fatores
culturais permite que os direitos humanos sejam morfologicamente assimeacutetricos Isso natildeo
deixa de se relacionar com o que Delmas-Marty fala acerca dos direitos humanos
inderrogaacuteveis ou seja que natildeo podem sofrer a incidecircncia de qualquer tipo de margem de
94
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos
humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da
UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em
httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014 95
Tal posicionamento de Narciso Leandro Xavier Baez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema
Internacional de Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de
19 e 20 de agosto de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado
ndash da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS
47
apreciaccedilatildeo Estes possuem a caracteriacutestica do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano
ou seja vinculam-se agrave noccedilatildeo da dimensatildeo baacutesica da dignidade da pessoa humana
Neste vieacutes eacute possiacutevel dizer que no que diz respeito aos direitos fundamentais a Corte
de certa forma apresenta certa relaccedilatildeo com as doutrinas apresentadas uma vez que em casos
em que existam registros de violaccedilotildees aos direitos humanos inderrogaacuteveis quais sejam os
que tem como cerne a dignidade humana baacutesica a Corte natildeo permite qualquer espeacutecie de
margem nacional de apreciaccedilatildeo Vejamos por exemplo o caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila96
julgado em 2006 O demandante perante o Tribunal de Estrasburgo foi um terrorista
venezuelano conhecido na deacutecada de 1970 condenado pelo Estado Francecircs agrave prisatildeo perpeacutetua
pelo assassinato em 1974 dois inspetores da poliacutecia francesa e um antigo companheiro
terrorista libanecircs
Saacutenchez recorreu agrave Corte Europeia arguindo violaccedilotildees do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo
Europeia dos Direitos do Homem (proibiccedilatildeo da tortura e tratamentos humanos degradantes) e
do artigo 13 do mesmo diploma legal (direito a um recurso efetivo) Embora no julgamento
tenha ficado decidido que natildeo houve violaccedilatildeo ao artigo 3ordm97
o posicionamento da Corte
permite asseverar que natildeo haacute margem nacional de deferecircncia aos Estados quando o assunto
for violaccedilatildeo de direitos humanos ou fundamentais inderrogaacuteveis ou cujo nuacutecleo central for a
dignidade baacutesica da pessoa humana Nesse sentido a Corte pontuou que mesmo nas
circunstacircncias mais difiacuteceis como a luta contra o terrorismo ou o crime organizado a
Convenccedilatildeo proiacutebe em termos absolutos a tortura ou tratamentos inumanos ou degradantes
Igualmente natildeo confere o Tribunal margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso de
violaccedilatildeo de direitos humanos nas condiccedilotildees degradantes das prisotildees de muitos paiacuteses do Leste
Europeu O caso Kalashnikov vs Ruacutessia98
julgado em 15 de julho de 2002 cujo fundamento
foi repetido em muitos outros casos envolvendo condiccedilotildees humanas degradantes nas prisotildees
apresenta a consideraccedilatildeo de que deficientes condiccedilotildees objetivas e estruturais de cumprimento
de pena podem constituir uma violaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo Europeia
96
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-
1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila Sentenccedila
de 04 de julho de 2006 Acesso 05 nov 2014 97
Artigo 3ordm Proibiccedilatildeo da tortura Ningueacutem pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos desumanos
ou degradantes CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS
LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 98
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-
1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Kalashnikov vs Ruacutessia Sentenccedila de 15
de julho de 2002 Acesso 05 nov 2014
48
Ainda pode-se destacar o caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria99
em que novamente o motivo
que serve de base para o pedido de julgamento do Tribunal de Estrasburgo eacute a violaccedilatildeo do
artigo 3ordf da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de que ningueacutem poderaacute ser
submetido a torturas nem a penas ou tratamentos humanos degradantes O caso em comento
referiu-se agrave prisatildeo do senhor Borislav Gutsanov membro do Partido Comunista preso pela
poliacutecia da Bulgaacuteria em sua casa na frente de seus filhos e de sua esposa durante as
investigaccedilotildees de esquemas de grupos criminosos Segundo o relato das partes demandantes
Gustsanovi foi rendido em sua casa por volta das seis horas da manhatilde forccedilado a se ajoelhar e
algemado em frente a seus filhos menores de idade
A decisatildeo da Corte foi a de considerar que houve violaccedilatildeo do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo
uma vez que se mostrou desnecessaacuterio o ato dos policiais e natildeo condizente com os princiacutepios
da proporcionalidade e com as exigecircncias de garantia de direitos fundamentais de um Estado
Democraacutetico de Direito Isso porque o demandante natildeo teria oferecido resistecircncia em sua
prisatildeo de modo que algemaacute-lo diante de sua famiacutelia representou uma espeacutecie de tratamento
humano degradante
Casos como os acima previstos mostram um padratildeo doutrinaacuterio e jurisprudencial
semelhante vez que natildeo se encontram referecircncias expressas a qualquer margem nacional de
apreciaccedilatildeo para as autoridades nacionais O TEDH determina se as provas colhidas satildeo
suficientes ou natildeo para provar o real risco de tortura ou de tratamento humano e
degradante100
Logo pelo fato de que a natureza dos direitos envolvidos nesse caso eacute considerada
como fundamental de imediato eliminam-se as possibilidades de deferecircncia aos Estados Tal
compreensatildeo eacute o que faz o uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo ser extremamente reduzido
no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos Isso porque ateacute hoje diferentemente do Tribunal de Estrasburgo a Corte
Interamericana teve como maioria de demandas apresentadas as envolvendo delitos
praticados pelos Estados Americanos durante as ditaduras militares ou civil militares em que
casos de tortura e desaparecimento forccedilados eram julgados ou seja casos envolvendo a
violaccedilatildeo de direitos fundamentais ou humanos em sua perspectiva eacutetica de dignidade humana
e natildeo cultural
99
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-126982itemid[001-126982] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria Sentenccedila de 15 de outubro de 2013
Acesso 05 nov 2014 100
CONTRERAS op cit p 41
49
Nesse aspecto visiacutevel que quando se tratam de possiacuteveis violaccedilotildees de direitos
humanos inderrogaacuteveis previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos
a anaacutelise feita pelo Tribunal de Estrasburgo eacute de revisatildeo minuciosa da sentenccedila proferida no
paiacutes de origem da demanda bem como a possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute
extremamente reduzida para natildeo falar inexistente No caso de direitos democraacuteticos a
deferecircncia quando concedida pela Corte possui um limite miacutenimo e consoante o princiacutepio da
proporcionalidade soacute eacute concedida se a restriccedilatildeo eacute necessaacuteria e condizente com uma sociedade
democraacutetica
Nos direitos democraacuteticos referidos abarca-se a participaccedilatildeo poliacutetica atraveacutes das
possibilidades de liberdade de associaccedilatildeo ou de discurso poliacutetico Neste campo dos direitos de
participaccedilatildeo poliacutetica em sociedades democraacuteticas a margem concedida pelo Tribunal de
Estrasburgo consoante se afirmou eacute reduzida e sujeita a um controle rigoroso por parte do
oacutergatildeo jurisdicional internacional
Destaca-se o caso Lingens vs Austria101
que por mais que tenha sido julgado na
deacutecada de 1980 pela Corte Europeia eacute emblemaacutetico em relaccedilatildeo ao posicionamento do
tribunal internacional acerca da liberdade de expressatildeo Nesse caso durante o periacuteodo anterior
agraves eleiccedilotildees na Aacuteustria o jornalista Lingens publicou dois artigos polecircmicos sobre os
candidatos incluindo em um desses artigos a informaccedilatildeo de que o entatildeo presidente do
Partido Liberal Nacional da Aacuteustria teria ligaccedilotildees no passado com o nazismo e com a SS
Contra o jornalista foi instaurado um processo penal e ao fim da instruccedilatildeo criminal
este fora condenado pelo delito de difamaccedilatildeo conforme as regras do direito penal austriacuteaco
Esgotadas as vias internas de recurso o jornalista demandou perante a Corte Europeia
alegando que houve por parte do Estado violaccedilatildeo do artigo 10 da Convenccedilatildeo Europeia
havendo censura em seu direito de expressar-se livremente O Estado por sua vez nas razotildees
apresentadas perante o tribunal internacional justificou a condenaccedilatildeo na convicccedilatildeo de
proteccedilatildeo da honra dos direitos de outrem
Frente a este embate o Tribunal de Estrasburgo reconheceu uma margem miacutenima de
deferecircncia agraves autoridades domeacutesticas no que concerne aos oacutergatildeos locais na avaliaccedilatildeo de uma
necessidade social imperiosa que justificaria a interferecircncia na liberdade de expressatildeo de
Lingens Entretanto ressaltou que essa deferecircncia seria seguida por uma riacutegida supervisatildeo
101
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lingens vs Austria Sentenccedila de 8 de julho de 1986 Acesso
05 nov 2014
50
internacional uma vez estar se tratando de direitos fundamentais para o bom funcionamento
de uma sociedade democraacutetica
Ainda nesse sentido o TEDH arguiu que a liberdade de debate poliacutetico eacute cerne da
democracia e considerar que qualquer ofensa ou notiacutecia acerca de uma pessoa puacuteblica seria
sempre difamaccedilatildeo poderia impedir a imprensa na realizaccedilatildeo de sua tarefa de fornecedora de
informaccedilotildees Deste modo aplicando de forma conjunta os princiacutepios da proporcionalidade e
da subsidiariedade o Tribunal de Estrasburgo decidiu que a condenaccedilatildeo fora desproporcional
ao objetivo legiacutetimo perseguido e constituiu uma violaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo no
acircmbito da Convenccedilatildeo Europeia
Tambeacutem merece anaacutelise o caso July and Sarl Libeacuteration vs France102
cuja sentenccedila
foi proferida em 2008 Neste caso o jornal francecircs Libeacuteration divulgou uma reportagem a
respeito das investigaccedilotildees da morte do juiz Bernard Borrel que em um primeiro momento
havia sido dada como suiciacutedio mas apoacutes a reabertura das investigaccedilotildees houve surgimento de
indiacutecios de morte por encomenda Apoacutes a divulgaccedilatildeo da reportagem contendo informaccedilotildees
acerca da participaccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos na morte do magistrado o diretor do jornal
Senhor July foi processado criminalmente pelo crime de difamaccedilatildeo e condenado pelo governo
francecircs
O TEDH em sua manifestaccedilatildeo asseverou que o caso em questatildeo trazia niacutetida
interferecircncia de autoridades puacuteblicas na liberdade de expressatildeo e essa interferecircncia caso natildeo
siga os requisitos do artigo 10103
da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos representa
clara violaccedilatildeo do direito de liberdade de expressatildeo Nessa situaccedilatildeo ainda a Corte faz uso de
uma triacuteade de requisitos descritos por Contreras104
para a concessatildeo da margem a) prescriccedilatildeo
legal - verificar se a restriccedilatildeo realizada pela autoridade domeacutestica foi autorizada ou pelo
102
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-85084itemid[001-85084] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso July and Sarl Libeacuteration vs France Sentenccedila de 14 de
fevereiro de 2008 Acesso 05 nov 2014 103
Artigo 10 Liberdade de expressatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de expressatildeo Este direito
compreende a liberdade de opiniatildeo e a liberdade de receber ou de transmitir informaccedilotildees ou ideias sem que
possa haver ingerecircncia de quaisquer autoridades puacuteblicas e sem consideraccedilotildees de fronteiras O presente artigo
natildeo impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusatildeo de cinematografia ou de televisatildeo a um
regime de autorizaccedilatildeo preacutevia 2 O exerciacutecio desta liberdades porquanto implica deveres e responsabilidades
pode ser submetido a certas formalidades condiccedilotildees restriccedilotildees ou sanccedilotildees previstas pela lei que constituam
providecircncias necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a integridade territorial ou a
seguranccedila puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral a proteccedilatildeo da
honra ou dos direitos de outrem para impedir a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees confidenciais ou para garantir a
autoridade e a imparcialidade do poder judicial CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS
DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 104
CONTRERAS op cit p 34
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menos executada em conformidade com a lei b) objetivo legiacutetimo c) se a medida foi
necessaacuteria em uma sociedade democraacutetica
No caso pode ser feito o destaque para o trecho da sentenccedila em que analisando a
necessidade da medida de investigaccedilatildeo do crime de difamaccedilatildeo a Corte arguiu que a tarefa do
tribunal internacional no exerciacutecio de sua competecircncia de fiscalizaccedilatildeo natildeo eacute de tomar o lugar
das autoridades competentes mas sim rever as decisotildees que porventura violarem preceitos
previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem quando entregues ao poder de
apreciaccedilatildeo do Estado Deve entatildeo a Corte agrave luz do caso como um todo avaliar se a medida
tomada pelo Estado foi proporcional ao objetivo legiacutetimo perseguido e se os motivos
indicados pelas autoridades nacionais satildeo suficientes e relevantes Por tais motivos no caso
em questatildeo o TEDH declarou que houve violaccedilatildeo por parte do Estado Francecircs do direito de
liberdade de expressatildeo devendo este arcar com uma indenizaccedilatildeo agraves partes prejudicadas
Ainda dentro dessa esfera de atuaccedilatildeo mais precisamente no que concerne ao direito
democraacutetico de livre reuniatildeo e associaccedilatildeo previsto no artigo 11105
da Convenccedilatildeo Europeia o
destaque pode ser dado aos casos do Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia106
julgado em 2005 e Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia107
julgado em 2006 O primeiro deles
trata da questatildeo de dissoluccedilatildeo do Partido Comunista da Turquia ordenado pelo Tribunal
Constitucional do paiacutes sob as razotildees de que era incompatiacutevel com as obrigaccedilotildees
constitucionais e convencionais do Estado
Ao apreciar tal caso a Corte alegou que os partidos poliacuteticos satildeo estruturas essenciais
para o bom e justo funcionamento da democracia Embora natildeo negue certa margem de
deferecircncia aos Estados para que dissolvam partidos poliacuteticos que poderiam tentar minar a
estrutura constitucional do Estado tal decisatildeo se executada pode sofrer revisatildeo se natildeo
105
Artigo 11 Liberdade de reuniatildeo e de associaccedilatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo
paciacutefica e agrave liberdade de associaccedilatildeo incluindo o direito de com outrem fundar e filiar-se em sindicatos para a
defesa dos seus interesses 2 O exerciacutecio deste direito soacute pode ser objeto de restriccedilotildees que sendo previstas na
lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a seguranccedila
puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral ou a proteccedilatildeo dos direitos
e das liberdades de terceiros O presente artigo natildeo proiacutebe que sejam impostas restriccedilotildees legiacutetimas ao exerciacutecio
destes direitos aos membros das forccedilas armadas da poliacutecia ou da administraccedilatildeo do Estado CONVENCcedilAtildeO
EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS
1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 106
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia
Sentenccedila de 2005 Acesso 05 nov 2014 107
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia Sentenccedila de 15 de
julho de 2006 Acesso 05 nov 2014
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adequar-se agraves previsotildees da Convenccedilatildeo Europeia Logo o Tribunal embora tenha feito a
ressalva de que podem os Estados dissolver partidos poliacuteticos na situaccedilatildeo afirmou que houve
violaccedilatildeo dos direitos de liberdade de associaccedilatildeo visto que natildeo havia qualquer indiacutecio de que
o partido por ter ideal comunista poderia colocar em risco a estrutura do Estado
Da mesma forma o caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia que envolve o direito
de liberdade sindical Na situaccedilatildeo o Governo turco justifica o fechamento de sindicatos com
base em previsotildees da legislaccedilatildeo trabalhista interna a qual natildeo permite que funcionaacuterios criem
sindicatos A Corte na anaacutelise da situaccedilatildeo tambeacutem asseverou que houve violaccedilatildeo do artigo
11 mesmo que neste existam ressalvas em relaccedilatildeo agrave liberdade de associaccedilatildeo de membros das
Forccedilas Armadas da Poliacutecia e da Administraccedilatildeo do Estado Contudo essas limitaccedilotildees devem
ser interpretadas pelos Estados dentro da sua margem de apreciaccedilatildeo de maneira restrita
Se esses casos expostos ilustram exemplos de margem nacional de apreciaccedilatildeo
reduzida ou inexistente o polo oposto envolve os direitos concernentes agrave propriedade para os
quais a Corte Europeia possui entendimento de que a margem de deferecircncia agraves autoridades
domeacutesticas deve ser maior e mais elaacutestica bem como a supervisatildeo por parte do Tribunal
Internacional deve ser menor e relativizada Isso porque as autoridades nacionais em uma
concepccedilatildeo semelhante agrave de juiz natural no processo estariam mais bem situadas que o juiz
internacional para avaliar qual eacute o interesse geral de uma comunidade nessa seara108
A proteccedilatildeo internacional dos direitos de propriedade encontra-se no artigo 1ordm109
do
Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo de Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades
Fundamentais Jaacute na previsatildeo normativa encontra-se a prerrogativa de que qualquer pessoa
singular ou coletiva tem direito ao respeito de seus bens natildeo podendo haver privaccedilatildeo da
propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica ou por condiccedilotildees previstas em lei Desta maneira
as demandas soacute seratildeo revistas pela Corte caso implicarem violaccedilatildeo expliacutecita a esse artigo
Segundo Roca110
a jurisprudecircncia internacional definiu que a previsatildeo normativa
anteriormente destacada segue trecircs criteacuterios em primeiro lugar deve ser respeitado o direito
ao respeito e gozo paciacutefico dos bens dos indiviacuteduos Na sequecircncia a segunda regra
108
CONTRERAS op cit p 40 109
Artigo 1 Proteccedilatildeo da propriedade Qualquer pessoa singular ou coletiva tem direito ao respeito dos seus bens
Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas
pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo
do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso
dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees
ou de multas CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS
LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 110
ROCA op cit p 127
53
compreende uma garantia contra a privaccedilatildeo ilegal ou seja somente poderaacute haver
expropriaccedilatildeo ou privaccedilatildeo da propriedade em casos de utilidade puacuteblica e de acordo com
condiccedilotildees legalmente previstas Por fim o terceiro paracircmetro eacute a possibilidade de o Estado
estabelecer restriccedilotildees ao direito de propriedade tendo por base a prevalecircncia do interesse
puacuteblico sobre o privado
Logo sob a base desses criteacuterios e de alguns casos jaacute julgados pelo oacutergatildeo jurisdicional
internacional eacute possiacutevel asseverar que a margem de apreciaccedilatildeo concedida aos paiacuteses eacute larga
quando se estaacute diante dos direitos de propriedade No caso Back vs Finlacircndia111
de 2004 que
trata de noccedilotildees de utilidade puacuteblica em casos de expropriaccedilatildeo haacute o reforccedilo da noccedilatildeo de
subsidiariedade da Corte Europeia com o entendimento de que esta deve respeitar as decisotildees
das autoridades nacionais soacute sendo possiacutevel e viaacutevel a intervenccedilatildeo se o juiacutezo for
manifestamente desprovido de bases racionais
Por fim poreacutem natildeo menos importante aborda-se o uacuteltimo grupo de jurisprudecircncias da
Corte Europeia de Direitos Humanos que pode ser enquadrado no que Roca determina como
ciacuterculo mediano vez que conteacutem temas em que o posicionamento do Tribunal de Estrasburgo
em relaccedilatildeo agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute oscilante Eacute nesse grupo que pode ser
visualizada toda a complexidade da margem e suas vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis em casos
semelhantes envolvendo por exemplo liberdade religiosa direito de homossexuais e
transexuais e outros temas
Justamente nesse ciacuterculo que natildeo apresenta por parte dos doutrinadores jaacute referidos no
capiacutetulo anterior um criteacuterio de unificaccedilatildeo se apresenta o embate entre o universalismo de
alguns direitos previstos nos marcos normativos internacionais de direitos humanos ndash com
destaque para a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos ndash e o relativismo relativo a noccedilotildees
religiosas e culturais que compotildeem a identidade dos diferentes povos europeus
Nesse aspecto no que tange agrave liberdade religiosa a qual eacute prevista pelo artigo 9ordm112
da
CEDH temos duas decisotildees emblemaacuteticas do Tribunal de Estrasburgo o caso Lautsi vs
111
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-114486itemid[001-114486] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Back vs Finlacircndia Sentenccedila de 13 de novembro de 2002
Acesso 05 nov 2014 112
Artigo 9 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de pensamento de consciecircncia e de religiatildeo este direito
implica a liberdade de mudar de religiatildeo ou de crenccedila assim como a liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou a
sua crenccedila individual ou coletivamente em puacuteblico e em privado por meio do culto do ensino de praacuteticas e da
celebraccedilatildeo de ritos 2 A liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou convicccedilotildees individual ou coletivamente natildeo
pode ser objeto de outras restriccedilotildees senatildeo as que previstas na lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa
sociedade democraacutetica agrave seguranccedila puacuteblica agrave proteccedilatildeo da ordem da sauacutede e moral puacuteblicas ou agrave proteccedilatildeo dos
direitos e liberdades de outrem CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO
54
Itaacutelia113
julgado em 2011 e o caso Leyla Sahin vs Turquia114
julgado em 2005 Isso porque
nesses casos respectivamente o TEDH referendou as normas que impotildeem a presenccedila de
crucifixos nas escolas puacuteblicas italianas e natildeo opocircs objeccedilotildees a restriccedilotildees estatais concernentes
ao uso do veacuteu islacircmico no contexto educativo
No primeiro caso o TEDH retificou a decisatildeo da Corte Constitucional Italiana que
em 2009 havia estabelecido por unanimidade que a norma italiana a qual impunha desde a
deacutecada de 1920 a presenccedila de crucifixo nas paredes de escolas puacuteblicas havia violado o direito
da senhora Lautsi a educar seus filhos conforme suas convicccedilotildees laicas e liberdade religiosa
Portanto o Tribunal italiano argumentou que a manutenccedilatildeo de um siacutembolo religioso em salas
de aula de uma escola puacuteblica poderia perturbar emocionalmente os estudantes que natildeo
professassem religiatildeo alguma a ter a percepccedilatildeo de que o contexto educativo estava marcado
pela religiatildeo
Para retificar tal sentenccedila o TEDH argumentou por uma valoraccedilatildeo abstrata de
compatibilidade entre a norma italiana que permitia o uso de crucifixos nas escolas puacuteblicas e
os direitos convencionais sendo que a margem nacional de apreciaccedilatildeo foi aplicada para essa
valoraccedilatildeo da norma italiana Em primeiro lugar o Tribunal Europeu matizou quais satildeo as
exigecircncias convencionais de neutralidade religiosa na educaccedilatildeo indicando que se proiacutebe o
proselitismo ou a adoccedilatildeo no marco educativo de algo compatiacutevel com o estabelecimento de
o ensino obrigatoacuterio de uma religiatildeo ou a imposiccedilatildeo de uma religiatildeo no ensino puacuteblico
O crucifixo no entendimento do TEDH eacute um siacutembolo religioso passivo cuja
influecircncia natildeo se compara a que exercem a educaccedilatildeo religiosa ou a participaccedilatildeo em atividades
religiosas Logo a percepccedilatildeo subjetiva de que o crucifixo supotildee uma ausecircncia de respeito ao
direito de liberdade religiosa natildeo basta para considerar que tenha havido uma violaccedilatildeo agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Para o TEDH portanto sempre que natildeo exista
a pretensatildeo de doutrinar o Estado goza de margem de deferecircncia para decidir sobre a
permanecircncia dos crucifixos em sala de aula
HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 113
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-104040itemid[001-104040] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lautsi vs Italia Sentenccedila de 18 de marccedilo de 2011 Acesso 05
nov 2014 114
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-70956itemid[001-70956] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Leyla Sahin vs Turquia Sentenccedila de 10 de novembro de
2005 Acesso 05 nov 2014
55
No caso Leyla Sahin de proibiccedilatildeo do uso do veacuteu islacircmico por uma jovem no recinto
de sua universidade para o TEDH os Estados tecircm autonomia para limitar o uso do veacuteu em
locais como escolas puacuteblicas ou universidades Para referendar essa restriccedilatildeo agrave liberdade
religiosa o Tribunal Europeu admitiu o uso da margem de apreciaccedilatildeo por parte do Estado em
razatildeo da ausecircncia de um consenso europeu sobre a mateacuteria somado agrave ideia de que as
autoridades nacionais podem lidar melhor com o assunto por estarem mais perto das
realidades nacionais do que o oacutergatildeo jurisdicional internacional
Para o TEDH desta forma a opccedilatildeo poliacutetica de um Estado pelo laicizismo pode
justificar restriccedilotildees agrave liberdade religiosa e exigir sacrifiacutecios aos indiviacuteduos em prol da
harmonia religiosa do paiacutes Embora portanto haja restriccedilatildeo da liberdade individual religiosa
no caso em questatildeo a proibiccedilatildeo natildeo viola a CEDH
A aplicaccedilatildeo dos princiacutepios da subsidiariedade e da proporcionalidade bem como a
falta de consenso na Europa acerca de questotildees como as apresentadas marcaram o
posicionamento do TEDH na concessatildeo de margem de deferecircncia aos Estados no que
concerne agrave liberdade religiosa A grande criacutetica contudo reside na falta de criteacuterios
especiacuteficos e de clareza no uso da ferramenta
Neste uacuteltimo grupo portanto vislumbra-se o que Kratochivil115
menciona como
ldquomedida misteriosardquo ou seja natildeo existem paracircmetros ou criteacuterios especiacuteficos para a aplicaccedilatildeo
da margem Pelo contraacuterio haacute falta de clareza e de limites demonstrando que a banalizaccedilatildeo
do uso da MNA liquidifica sua substacircncia e pode gerar inseguranccedila juriacutedica aos litigantes
Sob essa oacutetica no campo de direitos inderrogaacuteveis como eacute o caso dos direitos que compotildeem
esse uacuteltimo grupo a consideraccedilatildeo de Vila116
merece destaque
Segundo a autora nesse campo que envolve relativismos culturais a postura do TEDH
varia entre a adoccedilatildeo de uma versatildeo voluntarista de MNA ou a adoccedilatildeo de uma versatildeo
racionalista A primeira se centra no direito de que o Tribunal de Estrasburgo eacute um oacutergatildeo
internacional e assume uma visatildeo normativa e natildeo meramente temporal ou procedimental
acerca do princiacutepio da subsidiariedade Por isso o TEDH reconhece que sua legitimidade
poliacutetica eacute meramente derivada e outorga uma presunccedilatildeo em favor do Estado evitando realizar
uma valoraccedilatildeo independente de compatibilidade entre as medidas impugnadas e o convecircnio
Esta presunccedilatildeo soacute eacute rompida quando haacute razotildees fortes para concluir que o Estado extrapolou o
exerciacutecio de sua autonomia Sob a oacutetica desta concepccedilatildeo fatores como a falta de consenso
115
KRATOCHVIL op cit p 330 116
VILA op cit p 10
56
europeu ou a ideia de que os Estados situam-se em um local melhor apropriado para decidir
adquirem importacircncia por razotildees de legitimidade institucional
Entretanto a oacutetica racionalizada de MNA percebe a ferramenta como um resultado de
efetuar um balanccedilo entre os valores que estatildeo em jogo na proteccedilatildeo dos direitos convencionais
mais do que uma presunccedilatildeo de partida em favor do Estado O TEDH centra-se em examinar
se a medida estatal impugnada consegue alcanccedilar um balanccedilo equitativo entre direitos
individuais e valores democraacuteticos A finalidade natildeo eacute justificar a deferecircncia mas reconhecer
de modo equilibrado os valores democraacuteticos no seio da CEDH
Sobretudo neste uacuteltimo grupo analisado ao qual aqui somente satildeo trazidos casos em
relaccedilatildeo agrave liberdade religiosa (artigo 9ordm da CEDH) concentram-se as criacuteticas em relaccedilatildeo agrave
falta de paracircmetros do TEDH para deferir ou natildeo uma margem de apreciaccedilatildeo aos Estados
Essa variabilidade eacute por alguns117
definida como um ponto negativo de falta de definiccedilatildeo de
criteacuterios o que pode levar a uma margem larga ou a uma margem estreita A primeira poderia
conduzir ao processo de fragmentaccedilatildeo do espaccedilo europeu enquanto a segunda poderia forccedilar
a integraccedilatildeo sob o domiacutenio de uma concepccedilatildeo moderna de direitos humanos pautada pelo
liberalismo e individualismo
Deste modo duas respostas podem ser concedidas agrave pergunta cerne deste trabalho a
margem constitui-se em um instrumento eficaz no processo de construccedilatildeo de um direito
comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa uma vez que sob a perspectiva eacutetica
destes direitos o TEDH preza pela preservaccedilatildeo do irredutiacutevel humano e dos direitos
inderrogaacuteveis e absolutos da pessoa humana Prova disso eacute a ausecircncia ou a miacutenima margem
que eacute concedida para casos envolvendo tortura ou tratamentos humanos degradantes ou
violaccedilatildeo de direitos democraacuteticos
No entanto a ausecircncia de paracircmetros e de criteacuterios por parte do Tribunal de
Estrasburgo (ausecircncia constatada por diversos doutrinadores trazidos ao longo deste trabalho
e exemplificada de modo sinteacutetico atraveacutes da anaacutelise de casos emblemaacuteticos envolvendo
liberdade religiosa) no julgamento de direitos humanos quando vinculados a questotildees
culturais demonstram que no campo praacutetico ainda haacute muito para avanccedilar no processo de
siacutentese entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo dos direitos culturais
117
BRUM et SALDANHA Op cit
57
CONCLUSAtildeO
Slavoj Zizek118
certa vez afirmou que o papel do filoacutesofo natildeo eacute o de propor iniciativas
capazes de mudar o mundo ou as situaccedilotildees em curso mas de observar e interpretar a realidade
que eacute posta A pretensatildeo deste trabalho natildeo difere da conceituaccedilatildeo de filoacutesofo por Zizek Isso
porque em nenhum momento busca-se apresentar alternativas fortes para resolver problemas
postos mas sim almeja-se observar sob um amplo espectro os reflexos da mundializaccedilatildeo
dentro do Direito e de modo especiacutefico como atua o Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem no que concerne agrave aplicaccedilatildeo da figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
Aos mais observadores da realidade que se apresenta eacute impossiacutevel negar que na atual
conjuntura da sociedade informacional a proliferaccedilatildeo exacerbada e anaacuterquica de normas e
instituiccedilotildees juriacutedicas gera uma sensaccedilatildeo de caos e de desordem que clama por uma ordenaccedilatildeo
Embora esse verdadeiro mosaico em que se transformou o Direito na atualidade possa ser
vislumbrado em acircmbito global uma anaacutelise mais apurada de uma parte do todo em
especiacutefico da Europa se mostra pertinente para avaliar as possibilidades de construccedilatildeo de um
pluralismo ordenado
A base possiacutevel desse pluralismo ordenado invariavelmente eacute um direito comum cujo
alicerce se encontra nos direitos humanos No contexto europeu de convivecircncia simultacircnea
de uma ldquopequena Europardquo e de uma ldquogrande Europardquo embora o direito comunitaacuterio jaacute tenha
se consolidado sendo um modelo sui generis para todo o globo ainda eacute preciso avanccedilar no
acircmbito da ldquogrande Europardquo ou do sistema regional europeu dos direitos do homem para a
criaccedilatildeo de um direito comum
Nesse sentido parece indiscutiacutevel que a base de um direito comum europeu seja
alicerccedilada na proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua dimensatildeo moral miacutenima ou no que
Delmas denomina de miacutenimo eacutetico universal e irredutiacutevel humano Logo a universalizaccedilatildeo
almejada natildeo tem como objetivo impor referecircncias de uma cultura sobre as demais e sim o
diaacutelogo entre as diferentes particularidades existentes no seio das diversas sociedades que
convivem na Europa a fim de encontrar o que haacute de valores comuns em todas elas
Todavia por mais que a premissa seja de faacutecil compreensatildeo os embates entre
universalismos e relativismos culturais estatildeo na ordem do dia na agenda do Tribunal de
Estrasburgo de modo que um dos temais mais debatidos atualmente no continente se refere
118
ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo Boitempo 2008
58
ao uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo por este tribunal a fim de conferir deferecircncia aos
Estados em algumas mateacuterias para decidir acerca de questotildees sensiacuteveis
O objetivo do presente trabalho foi o de analisar essa ferramenta hermenecircutica de
origem europeia sob a oacutetica de caos juriacutedico anteriormente apresentado De acordo com o que
fora apurado e estudado chegou-se a conclusatildeo de que o uso dessa doutrina contribui ainda
que de modo tiacutemido para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema europeu
Isso porque quando se tratam de temas concernentes agrave tortura a tratamentos humanos
degradantes a penas desproporcionais ou ainda a direitos democraacuteticos a Corte opta por
definir um entendimento que deve ser aplicado em todos os paiacuteses independentemente de
especificidades culturais Estariacuteamos proacuteximos portanto de uma definiccedilatildeo de direitos
humanos inderrogaacuteveis ou de um miacutenimo eacutetico universal proposto por Delmas e jaacute idealizado
por Kant em sua premissa de direito cosmopoliacutetico
No que tange ao restante dos direitos humanos em uma dimensatildeo cultural pode-se
dizer que a teoria da margem traduz uma ideia de que estaacute eacute capaz de harmonizar o
universalismo dos direitos humanos e o pluralismo advindo das diversidades culturais e
religiosas dos paiacuteses europeus Entretanto consoante a anaacutelise de posiccedilotildees doutrinaacuterias acerca
da utilizaccedilatildeo praacutetica do instituto pelo Tribunal de Estrasburgo bem como o embate
paradigmaacutetico de julgados envolvendo liberdade religiosa parece inevitaacutevel a conclusatildeo de
que como meacutetodo de harmonizaccedilatildeo entre plural e universal o oacutergatildeo jurisdicional
internacional do sistema europeu ainda tem muito a evoluir sobretudo na definiccedilatildeo de
paracircmetros e criteacuterios para servir de norte baacutesico em relaccedilatildeo aos mais diversos casos
59
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5
RESUMO
Monografia de Graduaccedilatildeo
Curso de Direito
Universidade Federal de Santa Maria
INTERNACIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO E CAMINHOS
PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU ANAacuteLISE DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO
Autora Rafaela da Cruz Mello
Orientadora Jacircnia Maria Lopes Saldanha
Data e Local da Defesa Santa Maria 28 de novembro de 2014
A evoluccedilatildeo da sociedade industrial para a sociedade informacional ocasiona mudanccedilas
significativas nas estruturas juriacutedicas Afirma-se que hoje a seara juriacutedica se assemelha a um
mosaico no qual um verdadeiro caos aparente se instala em razatildeo da multiplicidade de regras
e instituiccedilotildees de hierarquias diversas Nesse contexto o continente europeu pode ser
considerado como um verdadeiro laboratoacuterio de estudos uma vez que em um mesmo
territoacuterio convivem a ldquopequena Europardquo marcada pelo jaacute consolidado direito comunitaacuterio e a
ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos Sob esse panorama de
anaacutelise do espaccedilo europeu eacute que se propotildee o presente trabalho a analisar a possibilidade de
construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa analisando
como forma de viabilizar tal projeto a figura hermenecircutica da Margem Nacional de
Apreciaccedilatildeo Utiliza-se o meacutetodo dedutivo de abordagem e o meacutetodo de procedimento
monograacutefico e para melhor trabalhar com o tema divide-se o trabalho em duas grandes
partes a primeira analisa a evoluccedilatildeo dos direitos humanos nas duas esferas do espaccedilo
europeu para na sequecircncia trabalhar especificamente com a contribuiccedilatildeo das novas
geometrias juriacutedicas do processo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos bem como da
margem nacional de apreciaccedilatildeo para construir as bases de um direito comum europeu
pluralista Na sequencia aborda-se unicamente o instituto da margem nacional com a
finalidade de averiguar se o modo como o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem aplica a
ferramenta efetivamente contribui para a criaccedilatildeo desse direito comum bem como se
possibilita a harmonizaccedilatildeo entre o universalismo dos direitos do homem e o relativismo das
pluralidades e particularismos culturais
Palavras-chave Europa universalismo relativismo direito comum margem nacional de
apreciaccedilatildeo
6
ABSTRACT
Graduation Monografh
Law School
Federal University of Santa Maria
INTERNATIONALIZATION LAW AND WAYS FOR THE
CONSTRUCTION OF A COMMON EUROPEAN LAW
ANALISYS OF MARGIN OF APPRECIATION
Author Rafaela da Cruz Mello
Adviser Jacircnia Maria Lopes Saldanha
Date and Place of the Defense Santa Maria November 28 2014
The evolution of industrial society to the information society brings about significant changes
in the legal structures It is said that today the legal harvest resembles a mosaic in which a
real apparent chaos ensues because of the multiplicity of rules and various hierarchies of
institutions In this context the European continent can be considered as a true laboratory
studies since in the same territory live the little Europe marked by already established
Community law and the big Europe regional rights protection system humans Under this
scenario analysis of the European area do you propose this study to examine the possibility of
building a common law on human rights in Europe analyzing in order to facilitate such a
project hermeneutics figure of the National Assessment Bank We use the deductive method
of approach and the monographic method and procedure to better work with the theme the
work is divided into two main part the first analyzes the evolution of human rights in the two
spheres of Europe for in sequence work specifically with the contribution of the new legal
geometries the process of universalization of human rights and the national margin of
appreciation to build the foundations of a pluralistic European common law In sequence
addresses solely the Institute of National bank in order to ascertain whether how the
European Court of Human Rights applies to effectively contributes tool for the creation of this
common law and if possible harmonization between universalism of human rights and
cultural relativism of plurality and particularism
Keywords Europe universalism relativism common law national margin of appreciation
7
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 8
1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM
DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS 11
11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave
criaccedilatildeo de um direito comum 11
12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias
juriacutedicas a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da
figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo 20
2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU 33
21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem
Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu 33
22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos 43
CONCLUSAtildeO 57
REFEREcircNCIAS 59
8
INTRODUCcedilAtildeO
No iniacutecio do seacuteculo XX Hans Kelsen1 em ldquoTeoria Pura do Direitordquo defendeu a tese de
que para entender a ciecircncia juriacutedica era necessaacuterio observaacute-la de modo dissociado de outras
ciecircncias O autor propocircs a compreensatildeo do direito a partir da famosa piracircmide kelseniana a
norma fundamental ndash a Constituiccedilatildeo ndash estaria no topo da piracircmide e seria capaz de dotar de
validade o restante do ordenamento juriacutedico Abaixo desta norma fundamental estariam as
demais leis e regras do direito sendo que tal formulaccedilatildeo estagnada e sistemaacutetica da ordem
juriacutedica adequava-se aos anseios de organizaccedilatildeo de uma sociedade industrial
Todavia por trabalhar com conflitos sociais o direito natildeo fica alheio agraves vicissitudes
do seacuteculo XX sendo que a Europa apresenta-se como um importante laboratoacuterio de
observaccedilatildeo de mudanccedilas Apoacutes a Segunda Guerra Mundial emergem na sociedade poacutes-
industrial e posteriormente informacional novas estruturas juriacutedicas que natildeo mais satildeo
capazes de se adequar agrave inflexiacutevel loacutegica hieraacuterquica kelseniana Estamos na era do que
Losano2denomina de ldquodireito turbulentordquo que se move se agita e muda de modo veloz assim
como a sociedade que o cerca embora natildeo tatildeo rapidamente quanto esta sociedade
Em razatildeo disso novas geometrias satildeo criadas para tentar explicar o panorama juriacutedico
da sociedade atual Na Europa por exemplo em que temos convivendo sistemas juriacutedicos de
origens e de ordens diversas ndash sistema internacional nacional supranacional ndash autores
determinam que se vive o tempo do Estado em Rede3ou dos aneacuteis disformes com a
proximidade de guirlandas4 ocasionando ao mais despercebido leitor da realidade um
sentimento de caos juriacutedico
Nesse sentido eacute possiacutevel destacar o pensamento de Mireille Delmas-Marty5 que
revoluciona o pensamento de Kelsen Segundo ela essa falta de sistematizaccedilatildeo
aparentemente anaacuterquica eacute solo feacutertil para a construccedilatildeo de um direito comum pluralista em
1 KELSEN Hans Teoria Pura do Direito Traduccedilatildeo de Joatildeo Baptista Machado Satildeo Paulo Martins Fontes
1996 2 LOSANO Mario G Modelos teoacutericos inclusive na praacutetica da piracircmide agrave rede Novos paradigmas nas
relaccedilotildees entre direitos nacionais e normativas supraestatais Revista do Instituto dos Advogados do Estado de
Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 08 n16 p 264-284 2005 3 CASTELLS Manuel Para o Estado-Rede globalizaccedilatildeo econocircmica e instituiccedilotildees poliacuteticas na era da
informaccedilatildeo In PEREIRA Luiz Carlos Bresser WILHEIM Jorge SOLA Lourdes (Org) Sociedade e Estado
em transformaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora UNESP Brasiacutelia ENAP 1999a p164 4 DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006
5 Id 2004a
9
mateacuteria de direitos humanos A sociedade em tempos de globalizaccedilatildeo precisa resistir ao
processo de desumanizaccedilatildeo e de coisificaccedilatildeo do homem de modo que a base para a
construccedilatildeo desse direito comum pluralista devem ser os direitos humanos
Sob a oacutetica europeia que seraacute aqui analisada por ser um importante referencial para os
estudos das mudanccedilas sociais e juriacutedicas dos seacuteculos XX e XXI de que direitos humanos
referimo-nos para ser a base de um direito comum Em um continente tatildeo muacuteltiplo e plural
como realizar o diaacutelogo positivo entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo
das diferentes culturas
Sob esta oacutetica emerge a figura central desse estudo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
(MNA) bem como sua contribuiccedilatildeo para a construccedilatildeo de um direito comum e para a
harmonizaccedilatildeo entre universalismo e relativismo no contexto da Europa Este recurso
hermenecircutico denominado Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo trata-se de uma construccedilatildeo
jurisprudencial criada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante tambeacutem
referido como Tribunal de Estrasburgo) com a finalidade de conferir algum espaccedilo de
deferecircncia para que os tribunais nacionais dos Estados possam decidir algumas questotildees
consoante suas particularidades locais
Embora esta seja a teoria sob a qual se alicerccedila o instituto almeja-se neste trabalho
responder os seguintes questionamentos a doutrina da MNA aplicada pelo Tribunal Europeu
dos Direitos Humanos contribui para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema
europeu de proteccedilatildeo dos direitos do homem Em sua aplicaccedilatildeo praacutetica a margem se mostra
como um recurso eficaz para harmonizar o universalismo dos direitos humanos e o pluralismo
advindo das diversidades culturais e religiosas dos diferentes paiacuteses que fazem parte do
Conselho da Europa
Para responder tal questionamento utilizou-se o meacutetodo dedutivo como meacutetodo de
abordagem e o meacutetodo monograacutefico de procedimento atraveacutes da leitura e fichamento das
diferentes construccedilotildees teoacutericas e doutrinaacuterias sobre o tema bem como anaacutelise de alguns
julgamentos paradigmaacuteticos do Tribunal de Estrasburgo Para melhor compreensatildeo da
complexidade do tema trabalhado dividiu-se esta monografia em duas grandes partes a parte
1 se ocupa da paisagem europeia no poacutes-Segunda Guerra Mundial com a criaccedilatildeo da ldquopequena
Europardquo do direito comunitaacuterio e da ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos
direitos humanos avaliando em ambos os cenaacuterios de que modo se deu a preocupaccedilatildeo com a
temaacutetica dos direitos humanos ou fundamentais (11)
Por conseguinte no intuito de aprofundar o estudo sobre a possibilidade de criaccedilatildeo de
um direito comum no contexto da ldquogrande Europardquo buscou-se uma anaacutelise das novas
10
geometrias da paisagem juriacutedica e do tipo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos que se
procura dentro desse cenaacuterio avaliando por conseguinte o surgimento da figura da MNA
(12) A parte 2 por sua vez objetiva a anaacutelise pura do instituto da Margem Nacional de
Apreciaccedilatildeo averiguando o histoacuterico de sua criaccedilatildeo e as definiccedilotildees acerca de seu conceito
(21) para na sequecircncia avaliar a partir da anaacutelise de alguns julgamentos paradigmaacuteticos do
Tribunal de Estrasburgo se tal ferramenta hermenecircutica se demonstra eficaz no processo de
harmonizaccedilatildeo das tensotildees entre universalismo e relativismos e se pode ser relevante no
processo de criaccedilatildeo de um direito comum cuja base satildeo os direitos humanos (22)
11
1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM
DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS
O seacuteculo XX trouxe mudanccedilas significativas para os mais diversos segmentos da vida
social e o direito natildeo ficou alheio agraves vicissitudes decorrentes do poacutes-Segunda Guerra Mundial
O continente europeu sobretudo passa a ser o cenaacuterio de revoluccedilotildees na estrutura juriacutedica ateacute
entatildeo conhecida com o surgimento praticamente concomitante de instituiccedilotildees supranacionais
e internacionais para aleacutem das nacionais
Neste vieacutes uma das preocupaccedilotildees primordiais do poacutes-guerra foi a de garantir a tutela
dos direitos humanos mesmo diante das mudanccedilas latentes no cenaacuterio juriacutedico Desta feita
deparamo-nos com duas esferas dentro do cenaacuterio europeu a ldquopequena Europardquo que origina
um direito comunitaacuterio europeu o qual mesmo tendo se ocupado com questotildees relativas agrave
economia e agrave integraccedilatildeo regional desenvolve a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais
atraveacutes do diaacutelogo jurisprudencial entre cortes de naturezas distintas e a ldquogrande Europardquo do
sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos espaccedilo haacutebil e possiacutevel para ser base de
criaccedilatildeo de um direito comum (11) Da evoluccedilatildeo de um campo ao outro a premissas de
universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo buscam
legitimar e consolidar a criaccedilatildeo desse direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
(12)
11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave
criaccedilatildeo de um direito comum
O historiador britacircnico Eric Hobsbawn6 talvez tenha encontrado a melhor adjetivaccedilatildeo
para o seacuteculo XX a ldquoEra dos Extremosrdquo Nas palavras do proacuteprio autor ldquoNatildeo sabemos o que
6 HOBSBAWN Eric A era dos extremos o breve seacuteculo XX 1941-1991 Satildeo Paulo Companhia das Letras
1995
12
viraacute a seguir nem como seraacute o segundo milecircnio embora possamos ter a certeza de que ele
teraacute sido moldado pelo Breve Seacuteculo XXrdquo7
Nesse sentido a Segunda Guerra Mundial representa o marco crucial natildeo soacute para a
preocupaccedilatildeo global em relaccedilatildeo aos direitos humanos8 com a criaccedilatildeo e fortalecimento de uma
grande quantidade de instrumentos normativos responsaacuteveis por sua tutela em acircmbito
mundial como tambeacutem para o surgimento de uma nova Europa Apoacutes o teacutermino da guerra
que teve como palco principal de seus acontecimentos o continente europeu diversos paiacuteses
se encontravam em uma situaccedilatildeo de caos politico fragmentaccedilatildeo e enfraquecimento
econocircmico aleacutem do perigo iminente de eclosatildeo de uma nova disputa de proporccedilotildees mundiais
advinda da dicotomia entre capitalismo e socialismo na entatildeo incipiente Guerra Fria
Eacute nesse contexto que emerge a ideia de criaccedilatildeo de um espaccedilo comum europeu
consubstanciado atraveacutes da integraccedilatildeo regional entre os paiacuteses do continente Ainda no inicio
do seacuteculo XX eacute possiacutevel destacar a ocorrecircncia de propostas relativamente concretas para a
integraccedilatildeo europeia como eacute o caso da proposta do francecircs Aristides Briand em 1929 de
criaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia sob a oacutetica de uma federaccedilatildeo ou seja fundada sob uma
noccedilatildeo de uniatildeo o que implica o respeito agrave soberania9 Todavia a crise econocircmica mundial a
ascensatildeo de nacionalismos na Europa e por fim a eclosatildeo da segunda grande guerra
obstaculizaram a adesatildeo a essa proposta
O cenaacuterio do poacutes-guerra de desintegraccedilatildeo social e miseacuteria econocircmica em grande parte
dos paiacuteses envolvidos gerou a instalaccedilatildeo do Congresso da Europa em Haia nas datas de 7 a
11 de maio de 1948 no qual houve a criaccedilatildeo do ldquoMovimento Europeurdquo No referido
congresso duas correntes foram estabelecidas as quais impulsionaram o surgimento da
ldquopequena Europardquo10
e da ldquogrande Europardquo respectivamente a Europa dos federalistas e a
7 Ibid p14
8 Pode-se nesse sentido destacar a descriccedilatildeo de Valeacuterio Mazzuoli de que desde a Segunda Guerra Mundial em
decorrecircncia dos horrores e atrocidades cometidos durante esse periacuteodo em que muitas vidas eram consideradas
como nuacutemeros e valiam tatildeo pouco os direitos humanos passaram a constituir um dos principais temas do Direito
Internacional contemporacircneo A normatividade internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos foi conquistada
por meio de lutas histoacuterias contiacutenuas e incessantes e consubstanciada em diversos tratados concluiacutedos com esse
propoacutesito tendo sido fruto de um lento e gradual processo de internacionalizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo desses
mesmos direitos o qual fora intensificado com o fim da Segunda Guerra Mundial MAZZUOLI Valeacuterio de
Oliveira Curso de Direito Internacional Puacuteblico 5 ed Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 811 9 SILVA Karine de Sousa Uniatildeo Europeia antecedentes e evoluccedilatildeo histoacuterica In SILVA Karine de Souza
COSTA Rogeacuterio Santos da(Org) Organizaccedilotildees Internacionais de Integraccedilatildeo Regional Uniatildeo Europeia
Mercosul e UNASUL Florianoacutepolis Ed Da UFSC Fundaccedilatildeo Boiteux 2013 p 54 10
Doravante por ldquopequena Europardquo estar-se-aacute referindo aos paiacuteses participantes da Uniatildeo Europeia sujeitos
portanto agraves decisotildees das instituiccedilotildees da Uniatildeo dentre as quais se destaca o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo
Europeia ldquoGrande Europardquo por sua vez refere-se aos paiacuteses que aderiram ao Conselho da Europa que hoje
somam um total de 47 (quarenta e sete) membros e que se submetem agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal Europeu de
Direitos Humanos PRINO Carla Sofia Abreu Relaccedilotildees entre TJUE e TEDH no contexto de adesatildeo da UE agrave
13
Europa dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental11
Os primeiros defendiam uma
integraccedilatildeo mais profunda entre os paiacuteses com transferecircncia de parcela de soberania dos
Estados para uma instituiccedilatildeo com poderes supranacionais sendo esta a base para a criaccedilatildeo da
Comunidade Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) Os segundos por sua vez se opunham agrave
cessatildeo de direitos soberanos impulsionando com seus ideais a criaccedilatildeo em 1949 do
Conselho da Europa com sede em Estrasburgo
Natildeo obstante essa divisatildeo surgida no Congresso da Europa eacute possiacutevel afirmar que a
base de construccedilatildeo da atual Uniatildeo Europeia deu-se com a criaccedilatildeo da Comunidade Europeia
do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) movida pelos ideais integracionistas do francecircs Jean Monnet
Contratado no poacutes-guerra para participar do Plano de Modernizaccedilatildeo e Equipamento da
Franccedila Monnet tinha medo de que o Plano Marshall norte-americano de empreacutestimo de
dinheiro para a reconstruccedilatildeo da Europa pudesse gerar uma diacutevida eterna aos paiacuteses do
continente com os Estados Unidos e para escapar disso via como uacutenica soluccedilatildeo a promoccedilatildeo
de um esforccedilo comum dos Estados atraveacutes de projetos de integraccedilatildeo regional
Por isso redigindo o texto da Declaraccedilatildeo de Schuman de 1950 Monet propagava a
ideia de integraccedilatildeo como meio de assegurar a paz e reerguer a poliacutetica e a economia dos
paiacuteses que foram destruiacutedos pela guerra Nesse sentido sua ideia foi a partir de uma ideologia
pacifista de influecircncia kantiana neutralizar a rivalidade franco-alematilde atraveacutes de uma espeacutecie
de mercado comum com a criaccedilatildeo de uma organizaccedilatildeo internacional com caraacuteter
supranacional que seria responsaacutevel pela gestatildeo dos recursos naturais da regiatildeo do Sarre e do
Ruhr os quais seriam colocados a serviccedilo da paz e natildeo da guerra12
A proposta integracionista daquele que eacute considerado o arquiteto do projeto de
integraccedilatildeo europeia era de retirar da matildeo dos Estados a capacidade de gestatildeo dos recursos
energeacuteticos que movimentavam a induacutestria beacutelica e da guerra Desta forma uma autoridade
internacional mais especificamente uma organizaccedilatildeo internacional setorial seria criada com
um status supranacional para gerenciar e administrar a produccedilatildeo de carvatildeo e de accedilo
funcionando atraveacutes da delegaccedilatildeo de parcelas da soberania estatal em questotildees especiacuteficas
Assim em 1951 com a assinatura do Tratado de Paris criou-se a Comunidade
Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) com a participaccedilatildeo inicial de seis paiacuteses Franccedila
Alemanha Itaacutelia Beacutelgica Holanda e Luxemburgo Posteriormente em 1957 com o Tratado
CEDH Debater a Europa Nuacutemero 4 JaneiroJunho 2011 Disponiacutevel em httpwwweurope-direct-
aveiroaevaeudebatereuropa Acesso 10 out 2014 11
SILVA Karine de Sousa De Paris a Lisboa sessenta anos de integraccedilatildeo europeia In SILVA Karine de
Souza Mercosul e Uniatildeo Europeia O Estado da arte dos processos de integraccedilatildeo regional Florianoacutepolis
Editora Modelo 2010 p 35 12
Ibid p 60
14
de Roma a Comunidade Econocircmica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia para a
Energia Atocircmica (CEEA ou Euratom) foram criadas consolidando-se deste modo as trecircs
comunidades que fizerem emergir o direito comunitaacuterio no seio da Europa Foi contudo
somente em 1992 com o Tratado de Maastrich ou Tratado da Uniatildeo Europeia que nasceu a
Uniatildeo Europeia propriamente dita consagrada em trecircs pilares baacutesicos as comunidades que
inicialmente lhe deram base a colaboraccedilatildeo em mateacuteria de poliacutetica exterior e seguranccedila
comum e a cooperaccedilatildeo no acircmbito judicial e policial em mateacuteria penal13
Visiacutevel deste modo que o que impulsionou a criaccedilatildeo de um direito comunitaacuterio
europeu foi a necessidade de reorganizaccedilatildeo do continente apoacutes 1945 e o fortalecimento
econocircmico de antigas potecircncias rivais como foi o caso da Franccedila e da Alemanha Ocorre que
de modo concomitante ao crescimento dos ideais dos federalistas a segunda corrente oriunda
do Congresso da Europa de 1949 dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental tambeacutem
cresceu e se tornou visiacutevel vez que possuiacutea como objetivo a realizaccedilatildeo de uma uniatildeo mais
estreita entre seus membros de modo a salvaguardar os ideais e princiacutepios que satildeo seu
patrimocircnio comum e favorecer seu progresso social e econocircmico
O Conselho da Europa surgido em 1949 portanto configura-se como outra
organizaccedilatildeo internacional surgida na Europa do poacutes-guerra tendo como base a consolidaccedilatildeo
sob o principio da cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses e natildeo o federalismo que implica cessatildeo de
parcelas da soberania Seu propoacutesito eacute o de defesa dos direitos humanos desenvolvimento
democraacutetico e estabilidade poliacutetico-social na Europa sendo chamado de ldquogrande Europardquo por
desde o iniacutecio contar com mais adesotildees de paiacuteses em relaccedilatildeo agrave CECA Eacute justamente dentro
desse Conselho que surge o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em 1959
oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa e
responsaacutevel pela tutela dos direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem
(CEDH) de 1950
A eclosatildeo desses dois movimentos marca o iniacutecio de uma verdadeira revoluccedilatildeo dentro
da compreensatildeo do direito Se antes no continente europeu era possiacutevel vislumbrar a
existecircncia em grande medida e tatildeo somente de tribunais nacionais cuja competecircncia era
exercida dentro de determinado Estado sob a eacutegide de sua soberania o cenaacuterio altera-se e daacute
espaccedilo para a existecircncia natildeo soacute de tribunais nacionais como tambeacutem de tribunais
supranacionais e internacionais
13
Ibidem p 77
15
No caso do direito comunitaacuterio sua criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de
instituiccedilotildees que fortaleccedilam o sistema supranacional Em funccedilatildeo disso dentre os mais diversos
oacutergatildeos criados pelos sucessivos tratados comunitaacuterios pode-se destacar o Tribunal de Justiccedila
da Uniatildeo Europeia (TJUE) ou Tribunal de Luxemburgo
Este criado pelo Tratado de Paris de 1951 e adotado pelo Tratado de Roma de 1957
tem a finalidade de assegurar o cumprimento do direito comunitaacuterio e a interpretaccedilatildeo e
aplicaccedilatildeo dos Tratados dentro a vida da comunidade14
Submetem-se agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal
atualmente os vinte e oito15
paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e ao longo dos anos
ele se desenvolveu como uma importante instituiccedilatildeo capaz de contribuir ao desenvolvimento
da comunidade atraveacutes de consolidaccedilotildees jurisprudenciais e da conversatildeo dos tratados
constitutivos da comunidade em verdadeiras constituiccedilotildees materiais
Embora a preocupaccedilatildeo com os direitos humanos no cenaacuterio da ldquopequena Europardquo natildeo
tenha sido uma caracteriacutestica inicial dos tratados constitutivos das comunidades europeias o
diaacutelogo do Tribunal de Luxemburgo com os tribunais nacionais de alguns Estados europeus
traz agrave tona esse tema bem como se caracteriza por ser o grande responsaacutevel pela consolidaccedilatildeo
de princiacutepios baacutesicos do direito comunitaacuterio como eacute o caso da supremacia das normas
comunitaacuterias Neste vieacutes importante destaque deve ser feito ao caso CostaENEL16
de 1964
que marcou o surgimento da noccedilatildeo de supremacia das normas da comunidade europeia
O objeto de tal caso fora uma lei italiana de nacionalizaccedilatildeo da energia eleacutetrica
declarada incompatiacutevel com o Tratado da Comunidade Econocircmica Europeia Em sede de
reenvio prejudicial o Tribunal Constitucional Italiano enviou a questatildeo ao Tribunal de Justiccedila
da Uniatildeo Europeia o qual reconheceu que ao instituir uma comunidade de duraccedilatildeo ilimitada
com caraacuteter sui generis e poderes resultantes de delegaccedilatildeo de parcela da soberania os paiacuteses
limitariam seus direitos soberanos em prol de um conjunto de normas aplicaacutevel natildeo soacute agrave
comunidade como a todos os seus Estados membros17
14
OLIVEIRA Odete Maria de Uniatildeo Europeia processos de integraccedilatildeo e mutaccedilatildeo 1ordfed 3ordf tir Curitiba
Juruaacute 2003 15
Os vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia satildeo Alemanha Aacuteustria Beacutelgica Bulgaacuteria Chipre
Croaacutecia Dinamarca Eslovaacutequia Eslovecircnia Espanha Estocircnia Finlacircndia Franccedila Greacutecia Hungria Irlanda Itaacutelia
Letocircnia Lituacircnia Luxemburgo Malta Paiacuteses Baixos Polocircnia Portugal Reino Unido Repuacuteblica Checa
Romecircnia Sueacutecia Dados disponiacuteveis no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeuropaeuabout-
eucountriesmember-countriesindex_pthtm Acesso 01 nov 2014 16
O acoacuterdatildeo do referido caso encontra-se disponiacutevel na iacutentegra no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeur-
lexeuropaeulegal-contentPTTXTPDFuri=CELEX61964CJ0006ampfrom=EN Acesso 02 out 2014 17
FARENZENA Sueacutelen Costa versus ENEL ndash O primado do Direito Comunitaacuterio e a mudanccedila de paradigma o
Estado em rede europeu Revista da SJRJ Vol 19 nordm34 Rio de Janeiro 2012 Disponiacutevel em
httpwww4jfrjjusbrseerindexphprevista_sjrjarticleviewFile338296 Acesso 01 out 2014
16
Neste sentido determinou o Tribunal de Luxemburgo que a forccedila executiva do direito
comunitaacuterio natildeo poderia variar de um espaccedilo para outro ao sabor das legislaccedilotildees internas
Impossiacutevel portanto um Estado fazer prevalecer sobre uma ordem juriacutedica aceita sob o pilar
da reciprocidade e da cessatildeo de parcela de direitos soberanos uma medida unilateral anterior
ou posterior que lhe pode opor
Natildeo obstante tal decisatildeo a ideia de supremacia das normas comunitaacuterias por si soacute
natildeo foi adotada de modo paciacutefico por todos os tribunais constitucionais dos paiacuteses sujeitos agrave
jurisdiccedilatildeo do Tribunal de Luxemburgo Em funccedilatildeo disso houve a percepccedilatildeo por parte dos
juiacutezes do TJUE de que seria necessaacuterio acoplar agrave ideia de supremacia das normas
comunitaacuterias um discurso dotado de legitimidade que envolvesse princiacutepios e ideais comuns
natildeo soacute para a comunidade como para os Estados membros Esse discurso portanto seria o
discurso dos direitos fundamentais18
Ateacute o surgimento de algumas tensotildees entre os posicionamentos dos tribunais nacionais
e as decisotildees do TJUE havia certa resistecircncia por parte deste uacuteltimo em lidar com questotildees
concernentes aos direitos humanos ou fundamentais Isto porque o motivo que levou agrave criaccedilatildeo
das Comunidades Europeias e a posterior Uniatildeo Europeia foi predominantemente econocircmico
tanto eacute que os tratados iniciais das Comunidades Europeias natildeo trazem elementos que refiram
explicitamente a preocupaccedilatildeo com direitos humanos ou fundamentais19
Entretanto consoante
fora asseverado a supremacia das normas comunitaacuterias somente conseguiria se afirmar e se
consolidar caso fosse acoplada ao tema da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais
Neste sentido a deacutecada de 1960 pode ser vista como um importante marco para o
TJUE Casos como o Stauder (1969) e o Internationale Handelsgesellschaft20
(1970)
18
GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional
algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em
httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014 19
Pertinente o destaque da concepccedilatildeo de Gilmar Mendes e Geroge Rodrigo Bandeira Galindo sobre este tema
Segundo eles os instrumentos que instituiacuteram as comunidades europeias natildeo se referem de maneira expliacutecita agrave
proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais e haacute razotildees para isso A primeira delas reside no fato de que a
proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa deveria ser transferida para outra organizaccedilatildeo internacional no caso o
Conselho da Europa que foi uma instituiccedilatildeo fundamental para a elaboraccedilatildeo da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos
do Homem de 1950 Outra razatildeo sustenta-se na ideia de que a inclusatildeo imediata de um cataacutelogo de direitos
fundamentais nos tratados instituidores das Comunidades Europeias geraria conflitos entre as consolidadas
constituiccedilotildees estatais e o entatildeo incipiente direito comunitaacuterio Por fim outra razatildeo apontada eacute traduzida no fato
de que os Estados eram temerosos de que a imediata inclusatildeo de temas de direitos fundamentais ou humanos nos
tratados instituidores das Comunidades pudesse ampliar as competecircncias de prerrogativas de instituiccedilotildees receacutem-
criadas Ibidem p03
De qualquer forma houve no processo de germinaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia nos moldes em que hoje
conhecemos a predominacircncia de ideias economicistas e de integraccedilatildeo regional com base na aproximaccedilatildeo de
ideais produtivos e de mercado A preocupaccedilatildeo com a tutela de direitos humanos ou fundamentais surge atraveacutes
dos diaacutelogos espontacircneos entre as cortes constitucionais e o Tribunal de Luxemburgo 20
Neste caso o raciociacutenio da corte faz clara alusatildeo agrave vinculaccedilatildeo entre primazia do direito comunitaacuterio e a
proteccedilatildeo dos direitos fundamentais por parte das instituiccedilotildees comunitaacuterias Os pontos 3 e 4 do julgamento do
17
consolidaram o entendimento do Tribunal de Luxemburgo de que os direitos fundamentais
fazem parte dos princiacutepios gerais do direito comunitaacuterio Conflitos positivos de competecircncias
entre tribunais nacionais e o tribunal supranacional instituiacutedo no acircmbito da comunidade
marcaram os diaacutelogos iniciais para a estimulaccedilatildeo da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais em
acircmbito comunitaacuterio
Como continuidade deste diaacutelogo eacute pertinente destacar o caso Nold (1974) no qual o
Tribunal de Luxemburgo reconheceu como pauta geral para o direito comunitaacuterio europeu o
predomiacutenio dos direitos fundamentais Com isso mais uma vez reafirmou-se a ideia de que o
direito comunitaacuterio tem supremacia sobre as disposiccedilotildees legais nacionais mas que de toda a
sorte deve se adaptar a uma base comum de valores como os determinados por exemplo
pela Convenccedilatildeo Europeia de Direito do Homem
Por isso fala-se que este caso fixa um terceiro elemento no nuacutecleo de salvaguarda dos
direitos fundamentais aleacutem das tradiccedilotildees constitucionais comuns e dos direitos fundamentais
garantidos nas Constituiccedilotildees dos Estados os instrumentos internacionais relativos agrave proteccedilatildeo
dos direitos humanos passam a ser uma importante fonte de inspiraccedilatildeo para a proteccedilatildeo de
direitos em acircmbito comunitaacuterio Em funccedilatildeo disso inclusive em 1975 o TJUE pela primeira
vez recorreu agrave Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem no caso Rutili21
Apesar de tal decisatildeo do caso Nold o emblemaacutetico caso Solange levou agrave confirmaccedilatildeo
e consolidaccedilatildeo da vigecircncia dos direitos fundamentais no acircmbito da Comunidade Neste caso
em 1974 o Tribunal Constitucional alematildeo determinou que enquanto a Comunidade natildeo
dispusesse de um sistema de proteccedilatildeo de direitos comparaacutevel ou equiparado agrave Lei
Fundamental de Bonn ou seja enquanto natildeo houvesse um cataacutelogo de direitos fundamentais
aplicaacuteveis agrave Comunidade Europeia as instituiccedilotildees comunitaacuterias seriam ineficazes no que
concerne agrave proteccedilatildeo desses direitos22
TJUE respectivamente determinam que 3 A validade de uma medida comunitaacuteria ou de seus efeitos em um
Estado membro natildeo podem ser afetadas por alegaccedilotildees de que ela contraria direitos fundamentais tal como
formuladas pela Constituiccedilatildeo do Estado ou princiacutepios de uma estrutura constitucional nacional() 4() o
respeito pelos direitos fundamentais forma uma parte integral dos princiacutepios gerais de direito protegidos pela
Corte de Justiccedila A proteccedilatildeo de tais direitos enquanto inspirada pelas tradiccedilotildees constitucionais comuns aos
Estados membros deve ser assegurada no acircmbito da estrutura e dos objetivos da Comunidaderdquo Ibidem p4 21
O caso Rutilli caracteriza-se por ser a primeira referecircncia jurisprudencial feita pelo Tribunal de Luxemburgo agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem ou seja a utilizaccedilatildeo por parte de um tribunal supranacional de um
marco normativo essencial natildeo para o direito comunitaacuterio mas para o sistema regional de proteccedilatildeo aos direitos
humanos Nesse caso o Tribunal de Luxemburgo afirmou que as normas de direito comunitaacuterio natildeo era mais do
que uma manifestaccedilatildeo de princiacutepios gerais de direito consagrados na Convenccedilatildeo 22
GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional
algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em
httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014
18
Como resultado de tal caso natildeo soacute o Tribunal de Luxemburgo passou a consolidar um
entendimento jurisprudencial favoraacutevel ao respeito e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais
como demais instituiccedilotildees da entatildeo Comunidade Europeia assim agiram Em funccedilatildeo disso diz-
se que o principal resultado do caso Solange foi uma resoluccedilatildeo conjunta datada de 5 de abril
de 1977 entre Parlamento Europeu Conselho Europeu e Comissatildeo Europeia denominada
ldquoDeclaraccedilatildeo Conjunta sobre Direitos Fundamentaisrdquo23
Nesta ressaltou-se a necessidade do
respeito em acircmbito comunitaacuterio dos direitos fundamentais consagrados pelas tradiccedilotildees
constitucionais dos Estados membros e pela Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos
Os direitos fundamentais atraveacutes desse diaacutelogo jurisprudencial entre as cortes de
esperas diferentes (supranacional e nacionais) apareceram de modo progressivo no direito
comunitaacuterio europeu tornando-se paracircmetros de validade das normas da Uniatildeo Qualquer
norma seja comunitaacuteria seja nacional que contrariasse os direitos fundamentais seria
considerada invaacutelida
A tendecircncia jurisprudencial do TJUE de vincular a noccedilatildeo de supremacia das normas
comunitaacuterias com a proteccedilatildeo aos direitos fundamentais acabou por refletir no Tratado de
Maastricht de 1992 Tambeacutem chamado de Tratado da Uniatildeo Europeia este documento em
seu artigo F nuacutemero 2 determina que a Uniatildeo respeite os direitos fundamentais tal como os
garante a Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem24
Na esteira da inclusatildeo da proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em tratados o Tratado de
Lisboa de 2007 aleacutem de estabelecer personalidade juriacutedica agrave Uniatildeo Europeia25
determina que
a esta aderiraacute agrave Convenccedilatildeo Europeia para a proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e das Liberdades
Fundamentais sendo que a adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas
nos tratados26
23
XAVIER Ana Isabel Os Direitos Fundamentais no ldquodiaacutelogo europeurdquo de Nice a Lisboa In Debater a
Europa n 9 julhodezembro 2013 Disponiacutevel em httpeurope-direct-
aveiroaevaeudebatereuropaimagesn9axavierpdf Acesso em 03 out 2014 24
Artigo F n 2 ldquoA Uniatildeo respeitaraacute os direitos fundamentais tal como os garante a Convenccedilatildeo Europeia de
Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais assinada em Roma em 4 de novembro de
1950 e tal como resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-membros enquanto princiacutepios
gerais do direito comunitaacuteriordquo TRATADO DE MAASTRICHT 1992 Disponiacutevel em httpeuropaeueu-
lawdecision-makingtreatiespdftreaty_on_european_uniontreaty_on_european_union_ptpdf Acesso 15 out
2014 25
O artigo 46-A do Tratado de Lisboa determina que ldquoA Uniatildeo tem personalidade juriacutedicardquo TRATADO DE
LISBOA 2007 Disponiacutevel em httpeur-lexeuropaeulegal-
contentPTTXTPDFuri=OJC2007306FULLampfrom=PT Acesso 16 out 2014 26
O artigo 6ordf do Tratado de Lisboa determina que ldquo1 A Uniatildeo reconhece os direitos as liberdades e os
princiacutepios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da Uniatildeo Europeia de 7 de Dezembro de 2000 com
as adaptaccedilotildees que lhe foram introduzidas em 12 de Dezembro de 2007 em Estrasburgo e que tem o mesmo
valor juriacutedico que os Tratados De forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competecircncias da Uniatildeo tal
como definidas nos Tratados Os direitos as liberdades e os princiacutepios consagrados na Carta devem ser
interpretados de acordo com as disposiccedilotildees gerais constantes do Tiacutetulo VII da Carta que regem a sua
19
Mesmo que o ideal de Constituiccedilatildeo para a Uniatildeo Europeia natildeo tenha sido aprovado
pelos Estados membros as regras de supremacia das normas comunitaacuterias e de proteccedilatildeo aos
direitos fundamentais consagrados natildeo soacute nas Constituiccedilotildees como nas proacuteprias tradiccedilotildees
constitucionais dos Estados regem as decisotildees do Tribunal supranacional que existe no
continente Por isso mesmo que a preocupaccedilatildeo inicial da ldquopequena Europardquo tenha sido a
integraccedilatildeo econocircmica dos paiacuteses devastados pela guerra para que pudessem voltar a ser
competitivos internacionalmente ao longo do tempo sentiu-se a necessidade de trazer para
dentro do direito comunitaacuterio noccedilotildees acerca dos direitos fundamentais e humanos de modo
que hoje estes se encontram tutelados por instrumentos e oacutergatildeos supranacionais especiacuteficos
Ocorre que conforme se mencionou no iniacutecio deste subcapiacutetulo o cenaacuterio europeu
pode ser vislumbrado sob duas oacuteticas distintas desde o Congresso da Europa a oacutetica
federalista que impulsiona a criaccedilatildeo da Uniatildeo Europeia e de um direito comunitaacuterio europeu
e o vieacutes da cooperaccedilatildeo internacional marcado pela criaccedilatildeo do Conselho da Europa e de um
sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos o qual exige o pensamento acerca
da possibilidade da construccedilatildeo de um direito comum europeu
Nesse aspecto acerca do conceito de comum eacute pertinente remontar agraves premissas de
Dardot et Laval27
Para os autores o comum do direito segundo uma loacutegica de interpretaccedilatildeo
neoliberal natildeo seraacute outro que o direito de propriedade dos contratos e do lucro Eacute justamente
contra esse tipo de concepccedilatildeo trazido pelos efeitos nefastos da globalizaccedilatildeo que se invoca a
defesa e a reabilitaccedilatildeo do conceito de comum que deve ser entendido sob uma loacutegica de bases
uniacutessonas em mateacuteria de direitos humanos
Em razatildeo disso eacute no acircmbito da ldquogrande Europardquo ou seja do sistema regional europeu
de proteccedilatildeo dos direitos do homem que se vislumbram bases para a criaccedilatildeo de um direito
comum cuja premissa eacute a busca do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano28
Deste
modo no panorama apresentado se vislumbra de modo claro que embora existam regras
princiacutepios e instituiccedilotildees para reger o direito comunitaacuterio europeu (regras previstas nos
tratados da Uniatildeo Europeia e pacificadas pelo ativismo do TJUE) na ldquopequena Europardquo em
interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo e tendo na devida conta as anotaccedilotildees a que a Carta faz referecircncia que indicam as fontes
dessas disposiccedilotildees 2 A Uniatildeo adere agrave Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais Essa adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas nos Tratados3
Do direito da Uniatildeo fazem parte enquanto princiacutepios gerais os direitos fundamentais tal como os garante a
Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como
resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-Membrosrdquo Ibid 2007 27
DARDOT Pierre LAVAL Cristian COMMUN essai sur la revolutiona au XXeme siegravecle Paris La
deacutecouverte 2014 p 287 28
DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio
de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b
20
mateacuteria de direitos humanos e no acircmbito de um processo de globalizaccedilatildeo eacute preciso avanccedilar
na compreensatildeo do espaccedilo europeu para no acircmbito do sistema regional consolidar as bases
para a criaccedilatildeo de um direito comum
12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias juriacutedicas
a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da figura da
Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
O Congresso da Europa sob o aspecto juriacutedico dividiu o continente em blocos
autocircnomos dentro de um sistema multicecircntrico Nesse sentido Mireille Delmas-Marty29
assevera que natildeo existe uma unidade juriacutedica chamada Europa ou sequer uma visatildeo uacutenica e
preestabelecida do continente
Pelo contraacuterio existe uma Europa feita de instituiccedilotildees juriacutedicas diversas cada uma
com regras e princiacutepios especiacuteficos Neste sentido de um lado tem-se a ldquopequena Europardquo
composta pelos vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e que possui um ideal
primordialmente econocircmico com os objetivos de livre circulaccedilatildeo de pessoas e de
mercadorias bem como de instituiccedilatildeo de uma moeda uacutenica sob a perspectiva de abertura de
fronteira entre os paiacuteses Sob este ideal desenvolve-se a base para o direito comunitaacuterio que
possui como instituiccedilatildeo juriacutedica maacutexima o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo Europeia (TJUE)
com caraacuteter supranacional
Na Europa dos ldquoVinte e Oitordquo portanto sob o ideal integracionista surge o chamado
direito comunitaacuterio europeu o qual atraveacutes de direito originaacuterio (tratados constitutivos) e
direito derivado (normas emanadas de oacutergatildeos de competecircncia legislativa da Uniatildeo) forma o
sistema juriacutedico-poliacutetico e juriacutedico-econocircmico da Uniatildeo Europeia A peculiaridade desta nova
ordem formada eacute a de natildeo querer unificar a ordem juriacutedica dos paiacuteses europeus mas de
uniformizar em algumas mateacuterias as normas do bloco criado Justamente por isso a
supranacionalidade intriacutenseca ao direito comunitaacuterio natildeo se confunde com o direito
internacional
Sob as bases de interesses econocircmicos tem-se o objetivo de chegar a uma integraccedilatildeo
nas aacutereas concernentes agrave poliacutetica cultura dentre outras sob uma relaccedilatildeo de integraccedilatildeo entre o
29
Id 2004a p47
21
ordenamento juriacutedico comunitaacuterio e o ordenamento interno de cada Estado Sem sombra de
duacutevidas a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais se insere nessas relaccedilotildees mas com o
intuito de fortalecer o ideal de supremacia das normas comunitaacuterias Em funccedilatildeo de tal
premissa tem-se a necessidade de preservar o estaacutegio alcanccedilado pelo processo de integraccedilatildeo e
por isso um ordenamento juriacutedico comunitaacuterio eacute formado Entretanto eacute preciso avanccedilar no
processo de tutela dos direitos humanos em um contexto tatildeo plural como o europeu
Deste modo de outro lado tem-se a ldquogrande Europardquo criada pelo Conselho da Europa
perfazendo uma cooperaccedilatildeo poliacutetica que hoje abriga quarenta e sete membros30
signataacuterios da
Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais
(CEDH) O oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do Conselho da Europa eacute o Tribunal Europeu dos Direitos
do Homem (TEDH) sediado em Estrasburgo e para o qual podem demandar tanto Estados
quanto indiviacuteduos viacutetimas de violaccedilotildees de direitos humanos reconhecidos pela convenccedilatildeo
Neste sentido o paraacutegrafo 3ordm31
do Preacircmbulo da CEDH de 1950 assevera que a
finalidade principal do Conselho da Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre seus
membros e que um dos meios para alcanccedilar esta finalidade eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais sendo tais direitos vistos como um meio
para uma progressiva integraccedilatildeo dos europeus Antes mesmo disso o Estatuto do Conselho da
Europa de 1949 havia asseverado que a finalidade da instituiccedilatildeo era criar uma organizaccedilatildeo
que levasse os paiacuteses do continente a uma associaccedilatildeo cuja base fosse a unidade entre seus
membros privilegiando ideais e princiacutepios comuns aos diferentes Estados
Essa configuraccedilatildeo surgida na segunda metade do seacuteculo XX produz alteraccedilotildees
significativas na conceituaccedilatildeo de alguns institutos juriacutedicos e poliacuteticos como eacute o caso do
Estado da soberania dentre outros Nesse sentido o cenaacuterio Europeu pode ser enxergado
como proacuteximo da noccedilatildeo de Estado em Rede proposto por Manuel Castells32
Em um mesmo
espaccedilo territorial a autoridade passa a ser partilhada ao longo de uma rede de instituiccedilotildees O
30
Os 47 paiacuteses que fazem parte do Conselho da Europa satildeo Beacutelgica Dinamarca Franccedila Irlanda Itaacutelia
Luxemburgo Paiacuteses Baixos Noruega Sueacutecia Reino Unido Greacutecia Turquia Islacircndia Alemanha Ocidental
Aacuteustria Chipre Suiacuteccedila Malta Portugal Espanha Liechtenstein Satildeo Marino Finlacircndia Hungria Polocircnia
Bulgaacuteria Estocircnia Lituacircnia Eslovecircnia Repuacuteblica Checa Eslovaacutequia Romecircnia Andorra Letocircnia Albacircnia
Moldaacutevia Macedocircnia Ucracircnia Ruacutessia Croaacutecia Geoacutergia Armecircnia Azerbaijatildeo Boacutesnia e Herzegovina Seacutervia
Mocircnaco Montenegro Disponiacutevel em
httpwwwcoeintptAboutCoemediainterfacepublicationscoe_dh_ptpdf Acesso 08 out 2014 31
O terceiro paraacutegrafo do preacircmbulo da CEDH dispotildee que ldquoConsiderando que a finalidade do Conselho da
Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre os seus Membros e que um dos meios de alcanccedilar essa finalidade
eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento dos direitos do homem e das liberdades fundamentais ()rdquo CONVENCcedilAtildeO
EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS
1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso em 08 out 2014 32
CASTELLS Manuel A era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura A sociedade em rede Vol 1 5
ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999b
22
Estado-naccedilatildeo claacutessico relaciona-se com instituiccedilotildees supranacionais e a rede formada possui
noacutes diversos e natildeo um centro uacutenico sendo que esses noacutes podem apresentar tamanhos distintos
e estar ligados por relaccedilotildees assimeacutetricas
Essas redes e seus noacutes portanto representam formas de poder paralelas e
complementares que satildeo autocircnomas uma em relaccedilatildeo agraves outras O espaccedilo europeu marcado
por um jaacute consolidado direito comunitaacuterio e por uma estrutura supranacional sui generis
tornou-se um verdadeiro campo de concorrecircncia convergecircncia justaposiccedilatildeo e conflito de
vaacuterias constituiccedilotildees e poderes constituintes em um mesmo espaccedilo poliacutetico levando a uma
pluralidade de ordenamentos e de normatividades
A supranacionalidade desenvolvida assemelha-se desta forma a um Estado em Rede
em funccedilatildeo de um novo paradigma de governanccedila estabelecido em diferentes niacuteveis com
diferentes noacutes de diferentes dimensotildees e com relaccedilotildees internacionais assimeacutetricas O Estado-
Naccedilatildeo claacutessico se articula cotidianamente na tomada de decisotildees com instituiccedilotildees
supranacionais de diferentes tipos e em acircmbitos distintos33
Em uma mesma organizaccedilatildeo
complexa temos entatildeo as caracteriacutesticas da descentralizaccedilatildeo e da coordenaccedilatildeo sobretudo no
aspecto normativo sendo que a crise do Estado-naccedilatildeo o desenvolvimento das instituiccedilotildees
supranacionais e a transferecircncia das atribuiccedilotildees e iniciativas aos acircmbitos regionais e locais satildeo
caracteriacutesticas que funcionam como base para o desenvolvimento do Estado em Rede
Nesse acircmbito ainda eacute possiacutevel acrescentar a definiccedilatildeo de Marcelo Varella34
de que a
Uniatildeo Europeia caracteriza-se por ser uma instituiccedilatildeo sui generis natildeo soacute pelo seu modo de
constituiccedilatildeo como por seus efeitos no campo juriacutedico-normativo Desta maneira o bloco
europeu dos vinte e oito inserido no contexto de um sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos
humanos (ldquopequena Europardquo inserida na ldquogrande Europardquo) marca a caracteriacutestica de uma
superaccedilatildeo da tiacutepica forma de visatildeo linear e hieraacuterquica do direito tradicional em favor da
construccedilatildeo de um direito em camadas ou em diferentes niacuteveis ou ainda em redes
Essa concepccedilatildeo de Castells utilizada aqui para ilustrar as relaccedilotildees na Uniatildeo Europeia
comunica-se com a noccedilatildeo de Mireille Delmas-Marty35
de um pluralismo que deve ser
ordenado Na Europa como um todo em acircmbito juriacutedico a coexistecircncia de normas das mais
diversas fontes e de tribunais nas mais diferentes escalas faz emergir uma noccedilatildeo de caos
33
Id 1999a p164 34
VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade
de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014 p145 35
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006
23
juriacutedico que precisa ser ordenado Em razatildeo disso pertinente a busca por um direito comum
com ecircnfase em um direito comum em mateacuteria de direitos humanos
Interessante notar que esse cenaacuterio criado intensifica-se com o processo de
mundializaccedilatildeo36
e sob essa oacutetica embora os direitos humanos tenham se tornado oponiacuteveis aos
Estados perfazendo princiacutepios de direito incluiacutedos nas Constituiccedilotildees Estatais no
entendimento dos tribunais supranacionais e em instrumentos normativos internacionais os
corolaacuterios do processo de mundializaccedilatildeo satildeo os direitos econocircmicos que predominam nas
preocupaccedilotildees do jaacute consolidado direito comunitaacuterio europeu
Enquanto os direitos humanos foram concebidos sob o prisma de uma universalidade e
com a finalidade de proteger o ldquoirredutiacutevel humanordquo37
os direitos econocircmicos satildeo os motores
da mundializaccedilatildeo sendo que isso somado agrave desestabilizaccedilatildeo do tempo e agrave desestatizaccedilatildeo do
Estado gera no processo de mundializaccedilatildeo uma aparente desordem normativa com a
proliferaccedilatildeo de normas de modo anaacuterquico38
Em funccedilatildeo disso eacute viaacutevel dizer que o continente europeu serve de base e eacute capaz de
traduzir importantes eventos para explicar fenocircmenos que hoje satildeo salientes na esfera juriacutedica
Mireille Delmas-Marty39
sugere que vivemos sob a eacutegide de espaccedilos ldquodesestatizadosrdquo tempos
ldquodesestabilizadosrdquo e uma ordem ldquodeslegalizadardquo No sentido atual da paisagem juriacutedica
afirmar que o Estado eacute a uacutenica fonte de Direito eacute assumir uma atitude de exclusatildeo de todos os
demais espaccedilos normativos
Como eacute possiacutevel observar na Europa convivem em um mesmo espaccedilo normas
provenientes de fontes estatais claacutessicas normas advindas de instituiccedilotildees supranacionais e
regras provenientes de entes internacionais na formaccedilatildeo de um verdadeiro mosaico juriacutedico
O monopoacutelio do Estado como produtor do direito deixa de ser imperativo frente agrave
internacionalizaccedilatildeo crescente das fontes juriacutedicas De modo concomitante e corroborando
36
Na obra ldquoTrecircs Desafios para um Direito Mundialrdquo Mirelle Delmas-Marty observa as particularidades dos
termos globalizaccedilatildeo mundializaccedilatildeo e universalidade quais sejam ldquoA mundializaccedilatildeo remete agrave difusatildeo espacial
de um produto de uma teacutecnica ou de uma ideia A universalidade implica um compartilhar de sentidosrdquo Em
outra passagem disserta ldquoDifusatildeo espacial de um lado compartilhar os sentidos de outra estas duas foacutermulas
descrevem muito bem a diferenccedila que separam os dois fenocircmenos que eu denominarei globalizaccedilatildeo para a
economia e universalizaccedilatildeo para os direitos do homem guardando assim o termo mundializaccedilatildeo uma
neutralidade que ele jamais perderaacute caso natildeo se resigne rapidamente ao primado da economia sobre os Direitos
do Homemrdquo DELMAS-MARTY Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr
Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b p 08-09 37
Ibid p48 38
FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos
teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013 39
DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47
24
com a teoria do Estado em Rede de Castells eacute possiacutevel observar um processo de
descentralizaccedilatildeo espacial com o deslocamento de fontes do centro para periferias40
Da mesma forma os tempos estatildeo desestabilizados Segundo Delmas41
em comparaccedilatildeo
aos votos claacutessicos de perpetuidade da lei eacute possiacutevel hoje encontrar fontes temporaacuterias e
evolutivas do direito O espaccedilo europeu se constitui como uma aacuterea privilegiada dessas fontes
evolutivas42
Sob o aspecto da ldquopequena Europardquo as regras de direito comunitaacuterio impotildeem um
resultado que deve ser atingido o que pela falta de meios juriacutedicos incentiva os Estados a
adaptar seus textos a dados econocircmicos
Isso tudo faz emergir a noccedilatildeo de assincronia43
do direito ou seja diferentes
velocidades em diferentes espaccedilos Nesse sentido haacute no espaccedilo europeu uma diferenccedila de
velocidade dos processos de integraccedilatildeo das normas internacionais (ou supranacionais) de
direito do comeacutercio em comparaccedilatildeo com as normas ambientais ou relativas aos direitos
humanos O proacuteprio processo evolutivo de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais
sob o panorama da ldquopequena Europardquo demonstra desde os primoacuterdios da criaccedilatildeo da
Comunidade Europeia uma ausecircncia de sincronia em relaccedilatildeo agraves duas esferas do direito A
evoluccedilatildeo dos direitos humanos eacute lenta quando comparada com a celeridade da integraccedilatildeo das
normas de direito comercial e econocircmico em um mundo de economia globalizada
Pode-se entatildeo afirmar que natildeo soacute na Europa como tambeacutem na sociedade
internacional o tempo das relaccedilotildees comerciais e por conseguinte o tempo da integraccedilatildeo do
direito do comeacutercio eacute o tempo do software da fluidez da velocidade da luz Enquanto isso o
tempo das relaccedilotildees humanas da eacutetica da solidariedade e da integraccedilatildeo do direito dos direitos
humanos segue o tempo do hardware do denso do apego ao territoacuterio e agraves localidades44
Por fim estaacute-se tambeacutem frente a uma ordem ldquodeslegalizadardquo uma vez que dentre os
reflexos das vicissitudes na seara juriacutedica eacute possiacutevel destacar um ruptura com a noccedilatildeo de
40
Tal fenocircmeno eacute descrito por Mireille Delmas-Marty como ldquodescentralizaccedilatildeordquo Esta envolve o deslocamento de
fontes do centro do Estado para coletividades territoriais Todavia tal fenocircmeno natildeo se confunde com uma mera
desconcentraccedilatildeo de poderes que eacute destinada a conferir maior eficaacutecia agraves estruturas centrais do Estado A
descentralizaccedilatildeo conforme refere a autora confia ao representante local da coletividade territorial certos poderes
de decisatildeo fazendo transparecer uma autonomia local para impor certas regras juriacutedicas Como exemplo
podem-se destacar as comissotildees locais de eacutetica como ocorre em uma deontologia profissional como a Ordem
dos Advogados As regras disciplinares desta profissatildeo guardam um caraacuteter misto sendo de natureza local e
nacional privada e puacuteblica Ibid 2004ap55 41
Ibid 2004ap47 42
Segundo Delmas falar de fontes evolutivas significa renunciar ao passado do costume e ao futuro das leis para
situar as fontes de direito no presente por natureza instaacutevel Ibid 2004ap65 43
Id 2006 p 114 44
SALDANHA Jacircnia Marial Lopes BRUM Maacutercio Morais MELLO Rafaela da Cruz A Assincronia do
Direito e o Caso Araguaia Uma anaacutelise da Decisatildeo do Supremo Tribunal Federal Brasileiro na ADPF 153 e do
Julgamento do Caso Gomes Lund e Outros vs Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos In Andreacute
Karam Trindade Angela Araujo da Silveira Espindola (Org) Direitos Fundamentais e Espaccedilo Puacuteblico 1ed
Passo Fundo - RS Editora IMED 2011 v 2 p 37-61
25
identidade entre direito e lei45
O processo de internacionalizaccedilatildeo deixa comum aos sistemas
de commun law e de civil law o papel do juiz na geraccedilatildeo do direito ou seja na interaccedilatildeo entre
texto normativo e sua interpretaccedilatildeo de modo que a jurisprudecircncia e o diaacutelogo entre os
diferentes tribunais serve para ambos os sistemas como um importante balizador para
consolidaccedilatildeo de entendimentos e de princiacutepios
Diante desse cenaacuterio juriacutedico global proveniente do processo de internacionalizaccedilatildeo -
e especiacutefico no caso da Europa ndash de desestatizaccedilatildeo de ruptura com paradigmas e com a loacutegica
binaacuteria de interpretar o direito eacute possiacutevel concordar com a premissa de Mireille Delmas-
Marty46
de que a paisagem juriacutedica apresenta um panorama de proliferaccedilatildeo constante de
normas e de entendimentos jurisprudenciais que em um primeiro momento podem levar a
uma noccedilatildeo de desordem e anarquia
Conveacutem perceber que a nova paisagem juriacutedica para a qual a Europa eacute um verdadeiro
laboratoacuterio47
eacute composta por formas mais complexas como piracircmides inacabadas
descontiacutenuas compostas por aneacuteis normativos como uma guirlanda no entanto natildeo
especificamente se liga agrave anarquia Pelo contraacuterio a retirada de marcos e o deslocamento de
linhas natildeo significa desordem e essa aparecircncia de caos favorece ao pluralismo
Por isso Delmas-Marty48
atesta que a internacionalizaccedilatildeo do direito apresenta um
grande paradoxo ordenar o plural Embora estejamos semanticamente diante de vernaacuteculos
opostos visto que a proposta eacute colocar em ordem aquilo que naturalmente eacute muacuteltiplo e plural
sem reduzir sua identidade a primeira consideraccedilatildeo que deve ser feita eacute a de que o tiacutepico
modelo kelseniano de loacutegica juriacutedica natildeo mais se aplica ao cenaacuterio em que o Direito se insere
atualmente em razatildeo da multiplicidade e do dinamismo existente no processo de
mundializaccedilatildeo
Para ir da desordem agrave ordem eacute necessaacuterio fortalecer as correlaccedilotildees da formaccedilatildeo
juriacutedica trazendo estabilidade agrave presenccedila de divergecircncias atraveacutes de uma aproximaccedilatildeo entre
ordens juriacutedicas por meio de um jogo de referecircncias cruzadas com o intuito de ordenar a
multiplicidade Essa aproximaccedilatildeo poreacutem natildeo pode ser concebida senatildeo em relaccedilatildeo a uma
referecircncia comum e neste campo a utilidade dos instrumentos protetivos de direitos humanos
traz a coerecircncia de conjunto capaz de indicar uma direccedilatildeo a seguir um norte para a criaccedilatildeo de
um direito comum cujo pluralismo eacute ordenado
45 DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47 46
Id 2006 47
VARELLA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do direito Direito Internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Livre Docecircncia em Direito Internacional Faculdade de
Direito da Universidade de Satildeo Paulo (USP) Satildeo Paulo 2012 Acesso 14 out 2014 48
Ibid 2006 p 10
26
Obviamente o direito comum almejado eacute pluralista tendo a razatildeo como instrumento
de justificaccedilatildeo e de diaacutelogo O pluralismo eacute justificado pelo intuito de harmonizar e conjugar
as particularidades religiosas poliacuteticas culturais de cada Estado ou comunidade evitando a
sobreposiccedilatildeo de uma ordem sobre outra ou a assimilaccedilatildeo e exclusatildeo Em razatildeo disso o
direito comum pluralista pretende construir um ldquoDireito dos Direitosrdquo a partir do ideal de
universalizaccedilatildeo dos direitos humanos sendo que a finalidade eacute a de aproximar ou harmonizar
ndash e natildeo unificar - os diferentes sistemas juriacutedicos sob a perspectiva de respeito ao ldquoirredutiacutevel
humanordquo49
Impossiacutevel a criaccedilatildeo de normas e regras comuns a todos os povos justamente pelo
fato de que sempre algumas normas advindas de culturas especiacuteficas se sobressairatildeo sobre
outras na criaccedilatildeo de uma hegemonia negativa O direito comum portanto inserido na oacutetica
de um direito mundial pluralista eacute aquele acessiacutevel a todos e comum aos diversos Estados
sem que haja o abandono de identidades Justamente em funccedilatildeo disso o alicerce para a sua
criaccedilatildeo eacute a aproximaccedilatildeo dos sistemas juriacutedicos tendo por base os direitos humanos que
carregam a caracteriacutestica da universalidade a qual adveacutem do compartilhamento de sentidos e
do enriquecimento pela troca
Neste sentido em que consistem esses direitos humanos que satildeo os alicerces para a
criaccedilatildeo de um direito comum Eacute possiacutevel afirmar que a mera previsatildeo constitucional ou em
tratados de direitos jaacute asseguram a sua proteccedilatildeo Como lidar com questotildees concernentes agraves
pretensotildees universalistas e as particularidades do relativismo cultural nas diferentes
sociedades europeias
Narciso Baez50
traz reflexotildees importantes acerca desse tema Segundo ele em meados
do seacuteculo XVII pensou-se que a positivaccedilatildeo dos direitos humanos seria instrumento suficiente
para garantir o seu respeito Essa noccedilatildeo adentrou a contemporaneidade com a filosofia de
Hans Kelsen de que as normas positivadas e inseridas nos ordenamentos juriacutedicos eram
obrigatoacuterias por serem legitimadas por uma norma juriacutedica superior que tinha um fim em si
mesma
Obviamente o seacuteculo XX mostrou que a mera inserccedilatildeo legal da dignidade da pessoa
humana ndash que eacute o elemento cerne dos direitos humanos ndash em um sistema positivo de direito e
dissociada de valores morais natildeo seria suficiente para evitar eventuais violaccedilotildees desses
49
Ibid 2006 p 54 50
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos
humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da
UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em
httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014
27
direitos Sob esse panorama e seguindo a corrente eacutetica51
de fundamentaccedilatildeo dos direitos
humanos pode-se afirmar que estes satildeo direitos de fora da ordem positiva que tecircm em seu
bojo componentes morais sociais poliacuteticos e ateacute econocircmicos que salvaguardam condiccedilotildees
miacutenimas para a garantia da dignidade da pessoa humana Em sua dimensatildeo baacutesica portanto
satildeo direitos inatos pautados em valores morais e conferidos aos indiviacuteduos pelo simples fato
de estes serem humanos
Logo para a construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos exige-
se o fortalecimento desses em suas dimensotildees baacutesicas Eacute neste sentido que Delmas52
se refere
ao miacutenimo eacutetico universal e ao irredutiacutevel humano ou seja elementos que todos os indiviacuteduos
apresentam em comum mesmo em diferentes culturas
As duas estruturas baacutesicas dos direitos humanos satildeo portanto os valores morais e a
dignidade humana53
Em relaccedilatildeo aos primeiros infere-se que a origem dos direitos humanos
natildeo eacute legal vez que estes satildeo reconhecidos aos indiviacuteduos pelo simples fato de serem
humanos O ordenamento juriacutedico tem a mera funccedilatildeo de reconhecer tais direitos e transformaacute-
los em normas a fim de obter efetividade Jaacute a dignidade humana eacute o bem maior dentro dos
direitos humanos constituindo uma qualidade universal intriacutenseca irrenunciaacutevel e
inalienaacutevel inerente a todos os seres humanos e que se encontra acima das especificidades
culturais
Neste vieacutes a universalidade de tais direitos que eacute requisito indispensaacutevel para a
criaccedilatildeo de um direito comum natildeo eacute marcada pela criaccedilatildeo de instrumentos internacionais
positivos de proteccedilatildeo dos direitos humanos Isso porque embora tenha se conseguido a
universalizaccedilatildeo da adesatildeo dos Estados como eacute o caso da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos da ONU de 1948 ou mesmo da CEDH do sistema regional europeu ainda haacute
resistecircncias agrave aceitaccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo em algumas culturas que alegam a necessidade de
relativizaccedilatildeo desses direitos para adequaccedilatildeo agraves realidades nacionais54
Logo para a construccedilatildeo de uma verdadeira universalidade eacute necessaacuterio interpretar os
direitos humanos sob uma oacutetica interdisciplinar Finnis55
nesse aspecto afirma que os direitos
humanos constituem uma categoria que busca consagrar a dignidade humana sendo esta um
atributo de todas as pessoas independentemente de crenccedila ou cultura Nesse aspecto
51
Id 2007 p 13-35 52
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b 53
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Direitos humanos na globalizaccedilatildeo In BAEZ Narciso
Leandro Xavier BARRETO Vicente (Org) Direitos humanos em evoluccedilatildeo Joaccedilaba Ed Unoesc 2007 p
13-35 54
Id 2009 p77-99 55
FINNIS John Ley natural e derechos naturales Buenos Aires AbeledoPerrot 2000
28
vislumbra-se necessaacuterio a fim de identificar quais satildeo os valores baacutesicos e inderrogaacuteveis a
todos os humanos a construccedilatildeo de valores universais atraveacutes do diaacutelogo e do cruzamento de
diferentes culturas com diferentes valores Isso facilita a construccedilatildeo de uma cultura
cosmopolita baseada em uma identificaccedilatildeo em que prevaleccedila a dignidade da pessoa humana
acima dos relativismos
As diversidades culturais satildeo provenientes de elementos externos56
da diferenccedila de
ambientes naturais mas mesmo assim todas as pessoas ainda que inseridas em
especificidades culturais distintas ainda manteacutem atributos comuns Eacute por essa loacutegica que
permanece atual a premissa de Kant de que no atual estaacutegio da humanidade os povos
atingiram um grau de desenvolvimento que os permitem fazer parte de uma comunidade
cosmopolita57
Por isso a violaccedilatildeo de um direito humano em um ponto do planeta repercute e
pode ser sentida em todos os outros
Pertinente ainda lembrar que a universalizaccedilatildeo natildeo significa a imposiccedilatildeo ou a
uniformizaccedilatildeo de uma cultura sobre as outras Pelo contraacuterio deve-se buscar uma raiz
comum qual seja um conjunto de valores miacutenimos universais capazes de dialogar com
diferentes culturas garantindo o respeito e a preservaccedilatildeo da vida humana em qualquer lugar
Ainda sob essa oacutetica eacute possiacutevel afirmar que a noccedilatildeo de direito comum de Delmas
aproxima-se do ideal de direito cosmopoliacutetico em Kant58
Ao perceber o aumento da
participaccedilatildeo dos povos na Terra Kant vislumbra a ideia de uma comunidade mundial
alicerccedilada sob as bases de um direito cosmopoliacutetico a fim de garantir a paz perpeacutetua Diante
da dicotomia entre praacuteticas culturais e direitos humanos a base do cosmopolitismo kantiano eacute
a busca de criteacuterios loacutegico-racionais que sejam comuns a todas as culturas
Nesse espectro surgem entatildeo os direitos humanos como nuacutecleo moral-juriacutedico do
direito cosmopoliacutetico vez que a moralidade miacutenima universal se baseia em trecircs pilares a)
humanidade comum b) ameaccedilas compartilhadas e c) obrigaccedilotildees miacutenimas Logo a
fundamentaccedilatildeo moral eacute a base dos direitos humanos uma vez que nela encontram-se as
exigecircncias imprescindiacuteveis para a vida de um indiviacuteduo Apesar das diferenccedilas sociais e
culturais entre os seres humanos algumas necessidades e capacidades satildeo comuns a todos59
56
PAREKH Bhikhu Pluralist universalism and human rights In SMITH Rhona K M ANKER Cristien van
den The essentials of human rights London Oxford University Press 2005 57
KANT Immanuel Para a paz perpeacutetua Traduccedilatildeo Baacuterbara Kristen - Rianxo Instituto Galego de Estudos de
Seguranccedila Internacional e da Paz 2006 58
Ibid 2006 p 107-108 59
BARRETO Vicente de Paulo Direito Cosmopoliacutetico e Direitos Humanos In Espaccedilo Juriacutedico Journal of
Law N 2 Vol 11 2010 Disponiacutevel em
httpeditoraunoescedubrindexphpespacojuridicoarticleview19491017 Acesso 30 out 2014
29
Assim como a concepccedilatildeo de direitos humanos natildeo pode mais ser concebida como o
era na eacutepoca de Kelsen o panorama em que o Direito de um modo geral se insere hoje
tambeacutem natildeo pode mais ser concebido conforme a loacutegica claacutessica kelseniana em que a
constituiccedilatildeo estatal encontra-se no topo de uma estrutura piramidal sendo hierarquicamente
seguida pela legislaccedilatildeo infraconstitucional Os rearranjos da mundializaccedilatildeo e a consequente
internacionalizaccedilatildeo do Direito fazem com que novas estruturas permeiem o atual cenaacuterio
juriacutedico mundial
Seja uma concepccedilatildeo de trapeacutezio cujos veacutertices superiores satildeo ocupados em igual
niacutevel pelas constituiccedilotildees estatais e pelos tratados ou convenccedilotildees internacionais protetivos dos
direitos humanos como eacute a visatildeo de Canotilho seguida por Flaacutevia Piovensan60
seja uma
visatildeo de nuvens fluidas e descontiacutenuas com um direito de sistemas interativos complexos
marcados por geometria de piracircmides inacabadas e aneacuteis normativos como guirlandas
defendida por Delmas-Marty61
demonstram que a internacionalizaccedilatildeo traz tentativas de
recomposiccedilatildeo de um pluralismo que deveraacute ser suficientemente ordenado
Em razatildeo disso razoaacutevel frente agrave mudanccedila paradigmaacutetica trazida pela mundializaccedilatildeo
pensar em um conjunto ordenado para a desordem uma vez que a aparente anarquia que
existe favorece ao pluralismo Para se chegar a um direito comum pluralista tendo por base os
direitos humanos deve-se buscar a harmonizaccedilatildeo entre estes e os direitos econocircmicos com
respeito agraves particularidades religiosas e culturais e com a superaccedilatildeo dos perigos de uma
uniformizaccedilatildeo hegemocircnica tendente agrave globalizaccedilatildeo econocircmica
Nesse novo paradigma o ideaacuterio de ordem ldquodeslegalizadardquo anteriormente referido
toma corpo uma vez que a sobrevalorizaccedilatildeo da lei e das grandes codificaccedilotildees perde espaccedilo
havendo em contrapartida a crescente incorporaccedilatildeo dos precedentes (certa ruptura de
fronteiras entre common law e civil law) e dos princiacutepios como espeacutecie de coacutedigo cultural do
processo de interpretaccedilatildeo e criaccedilatildeo do direito62
A internacionalizaccedilatildeo do Direito reflete portanto uma nova realidade de um Direito
de sistemas complexos fluidos descontiacutenuos e interativos os quais levam agrave mutaccedilatildeo da
proacutepria concepccedilatildeo tradicional de ordem juriacutedica que natildeo eacute mais fechada dentro de si mesma e
sim sofre influecircncia de outras A tradicional piracircmide kelseniana eacute desconstruiacuteda
60
PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e diaacutelogo entre jurisdiccedilotildees In Revista Brasileira de Direito
Constitucional ndash RBCD n19 ndash janjul 2012 61
DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio
de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b 62
FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos
teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013
30
gradativamente dando lugar a novas geometrias cuja hierarquia natildeo eacute tatildeo riacutegida mas nem por
isso deixa de ser complexa
No topo encontram-se as constituiccedilotildees juntamente com elementos do Direito
Internacional (jus cogens tratados relativos o direito internacional dos direitos humanos) e do
direito comunitaacuterio europeu No corpo do que seria a antiga piracircmide kelseniana encontra-se
o crescimento e a consolidaccedilatildeo de um direito jurisprudencial atraveacutes de um jogo de
referecircncias reciacuteprocas em que um sistema observa o outro mas natildeo haacute um centro ao lado das
normas produzidas no legislativo (a intensa produccedilatildeo jurisprudencial para os hard cases
culmina em adiccedilatildeo de conteuacutedos advindos de ldquooutros direitosrdquo) e a base passa a ser composta
por decretos e regulamentos que resultam de administraccedilotildees policecircntricas corroborando para
a crenccedila de que o processo de internacionalizaccedilatildeo do direito vem acompanhado de
descentralizaccedilatildeo e privatizaccedilatildeo de fontes do Direito63
Diante deste quadro Delmas64
apresenta trecircs espeacutecies de processo de interaccedilatildeo para
se chegar a um direito comum coordenaccedilatildeo por entrecruzamento harmonizaccedilatildeo e unificaccedilatildeo
Destaca-se antes de discorrer brevemente sobre esses processos que o direito comum natildeo
tem a pretensatildeo de unificar o Direito no texto pois isso seria uma tarefa praticamente utoacutepica
A ideia de Delmas objetiva na realidade a exploraccedilatildeo da pluralidade como potencial poder
de integraccedilatildeo vez que as redes dinacircmicas e as estruturas vetorizadas pelos direitos humanos
presentes nas novas geometrias da ordem mundial se pautam no reconhecimento do outro em
uma espeacutecie de alteridade65
A coordenaccedilatildeo por entrecruzamento caracteriza-se por ser um processo horizontal em
que a autoridade das decisotildees seraacute reforccedilada pelo jogo de referecircncias cruzadas de uma
jurisdiccedilatildeo agrave outra Essa eacute uma fase transitoacuteria na construccedilatildeo de uma verdadeira ordem juriacutedica
mundial em que a internormatividade e a interpretaccedilatildeo cruzada permitem a formaccedilatildeo de no
miacutenimo uma comunidade de juiacutezes Em funccedilatildeo disso em acircmbito global percebem-se traccedilos
da coordenaccedilatildeo por entrecruzamento nos diaacutelogos entre cortes e tribunais nas mais diferentes
ordens No espaccedilo europeu a coordenaccedilatildeo eacute percebida da mesma forma atraveacutes dos diaacutelogos
entre as cortes nacionais e os tribunais da ldquopequena Europardquo e da ldquogrande Europardquo
respectivamente Tribunal de Luxemburgo e de Estrasburgo
Interessante notar conforme jaacute foi demonstrado que foram os diaacutelogos entre as cortes
nacionais dos diversos Estados membros da entatildeo Comunidade Europeia e posterior Uniatildeo
63
Ibid 2013 p20 64
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006 65
LOPES Carla Patriacutecia Frade Nogueira Internacionalizaccedilatildeo do Direito e pluralismo juriacutedico limites de
cooperaccedilatildeo no diaacutelogo de juiacutezes In Revista de Direito Internacional da Uniceub Vol 9 n4 2012
31
Europeia que auxiliaram no processo de consolidaccedilatildeo do entendimento de primazia das
normas comunitaacuterias ao lado da proteccedilatildeo integral aos direitos fundamentais previstos nas
constituiccedilotildees estatais Isso culminou conforme se asseverou anteriormente na disposiccedilatildeo do
Tratado de Lisboa de que a Uniatildeo Europeia natildeo soacute se submete agraves tradiccedilotildees e regras
constitucionais em mateacuteria de direitos fundamentais como adere agrave Convenccedilatildeo Europeia dos
Direitos do Homem
Se o primeiro processo de interaccedilatildeo eacute a coordenaccedilatildeo far-se-aacute de imediato a anaacutelise do
uacuteltimo processo a unificaccedilatildeo visto que o eacute no processo intermediaacuterio ndash a harmonizaccedilatildeo ndash que
se desenvolve o foco do presente estudo A unificaccedilatildeo seria do ponto de vista formal o
processo perfeito por unir ordens juriacutedicas regionais sob um mesmo modelo hieraacuterquico e
coerente das ordens nacionais tradicionais Entretanto sob o enfoque empiacuterico essa perfeiccedilatildeo
estaacute longe de ser garantida vez que a unificaccedilatildeo consiste na transferecircncia pura e simples do
regramento juriacutedico de um paiacutes para outro em uma espeacutecie de verticalizaccedilatildeo ordenada que
pode gerar a dominaccedilatildeo hegemocircnica de uma ordem sobre outra sem portanto respeito agrave
pluralidade
O processo intermediaacuterio de harmonizaccedilatildeo por sua vez tende a aproximar os sistemas
com um propoacutesito coordenativo poreacutem sem a intenccedilatildeo unificadora Tal processo limita-se a
uma integraccedilatildeo imperfeita cuja chave eacute a preservaccedilatildeo das margens nacionais de apreciaccedilatildeo
De modo diferente da coordenaccedilatildeo que eacute marcada pela horizontalidade da comunicaccedilatildeo entre
conjuntos juriacutedicos a harmonizaccedilatildeo instaura uma relaccedilatildeo do tipo vertical que implica o
reconhecimento de algumas hierarquias entre por exemplo direito internacional e nacional
direito supranacional e nacional dentre outras formas Todavia a inversatildeo destas hierarquias
e o reconhecimento muacutetuo fazem parte do movimento de harmonizaccedilatildeo
As margens nacionais de apreciaccedilatildeo satildeo as grandes novidades desse processo de
harmonizaccedilatildeo vez que elas funcionam em uma dinacircmica centriacutefuga e envolvem tanto a
obrigaccedilatildeo de conformidade em relaccedilatildeo agraves normas internacionais das quais determinado paiacutes eacute
signataacuterio quanto agrave apreciaccedilatildeo soberana dos Estados sendo delineada por princiacutepios
comuns66
A resistecircncia dos direitos internos e os avanccedilos do processo de harmonizaccedilatildeo satildeo
portanto as condiccedilotildees de possibilidade para a aplicaccedilatildeo da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
(MNA)
66
SALDANHA Jacircnia Maria Lopes MELLO Rafaela da Cruz Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e
Diaacutelogos Transjurisdicionais uma anaacutelise da postura do Supremo Tribunal Federal Brasileiro In Conselho
Nacional de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito - CONPEDI (Org) Direito Internacional dos Direitos
Humanos I XXIII EdFlorianoacutepolis CONPEDI 2014 v I p 368-394
32
Deste modo imperioso reconhecer que em um continente plural como eacute o europeu
com diversos paiacuteses com aspectos linguiacutesticos culturais religiosos e poliacuteticos a figura da
MNA apresenta-se como uma importante chave para o desenvolvimento e consolidaccedilatildeo de
um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos sendo uma ferramenta relevante
para o estabelecimento de um pluralismo ordenado uma vez que as pluralidades e
peculiaridades culturais e religiosas de cada Estado satildeo respeitadas
Neste sentido portanto a Europa pode ser vista novamente como um laboratoacuterio de
experiecircncias e o surgimento da MNA possui hoje um importante papel sobretudo dentro do
continente europeu Utilizada tanto pelos Tribunais de Luxemburgo e Estrasburgo a MNA
surgiu pela primeira vez na jurisprudecircncia do TEDH
Embora existam relatos do uso da MNA pelo Tribunal de Luxemburgo para permitir
que os conceitos comunitaacuterios sejam interpretados de modo flexiacutevel segundo as
especificidades nacionais e servindo como uma importante vaacutelvula de escape para as tensotildees
nacionais mais fortes neste trabalho far-se-aacute a limitaccedilatildeo da utilizaccedilatildeo da MNA pelo Tribunal
Europeu de Direitos do Homem com o intuito de analisar quais satildeo os entraves e as
possibilidades do uso de tal ferramenta pra a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de um direito comum
para a ldquogrande Europardquo tendo como base os direitos humanos
33
2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU
A noccedilatildeo de margem encontra-se no coraccedilatildeo dos sistemas de Direito uma vez que o
direito interno jaacute prevecirc a possibilidade de uma margem de interpretaccedilatildeo aos juiacutezes em relaccedilatildeo
agraves demandas que lhes satildeo apresentadas Todavia a internacionalizaccedilatildeo impulsiona ao
acreacutescimo do termo ldquonacionalrdquo a essa margem no sentido de permitir o reconhecimento da
diversidade dos sistemas juriacutedicos e a possibilidade de um direito comum
Nesse sentido no presente capiacutetulo far-se-aacute uma abordagem acerca da histoacuteria dessa
ferramenta criada pelo TEDH bem como o conceito e as criacuteticas trazidas por estudiosos da
doutrina da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) (21) Por conseguinte atraveacutes de uma
anaacutelise jurisprudencial se tentaraacute comprovar que a margem a despeito de opiniotildees contraacuterias
acerca da ausecircncia de paracircmetros para sua aplicaccedilatildeo pelo TEDH constitui-se como um
instrumento relevante para a construccedilatildeo de um direito comum europeu tendo como base
luminosa os direitos humanos (22)
21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem
Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu
Consoante fora anteriormente aludido a noccedilatildeo de margem encontra-se dentro dos
sistemas de direito Por isso em um primeiro momento aponta-se a margem dentro do direito
interno como ferramenta capaz de auxiliar o juiz enquanto receptor da norma a interpretar
determinado caso concreto em uma espeacutecie de coacutedigo cultural que determina o senso da
norma67
Nesse sentido a origem dessa margem de interpretaccedilatildeo adveacutem do direito
administrativo de diversos Estados europeus Na Franccedila a margem eacute conhecida como ldquomarge
67
DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation
du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit
compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780
34
drsquoappreacutecciationrdquo na Alemanha eacute vista como ldquoErmessensspielraumrdquo e na Itaacutelia ldquomarge de
discrizionalitaacuterdquo68
Em acircmbito interno portanto caracteriza-se por ser uma deferecircncia que
combina aspectos processuais e hermenecircuticos no sentido de conferir uma reserva de
apreciaccedilatildeo ao administrador para decidir acerca da conveniecircncia e oportunidade em relaccedilatildeo
aos atos administrativos
O processo de internacionalizaccedilatildeo estaacutegio supremo da globalizaccedilatildeo69
no acircmbito do
Direito se desenvolve a ponto de transformar o campo de uma disciplina de modo que
consoante jaacute fora exaustivamente exposto a seara juriacutedica natildeo se limita mais agrave relaccedilatildeo entre
Estados nem somente se combina com os direitos internos Logo o pluralismo pode ser visto
como uma palavra de ordem na paisagem juriacutedica atual e por isso a noccedilatildeo de margem ganha
o adjetivo ldquonacionalrdquo e passa a ser um elemento de tentativa de aproximaccedilatildeo com a finalidade
de atingir um direito comum com bases humanistas
Logo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) teria a finalidade de proceder a uma
espeacutecie de siacutentese entre os anseios de unidade juriacutedica e o desejo de separaccedilatildeo proveniente de
uma autonomia estatal A margem portanto sob o vieacutes da internacionalizaccedilatildeo corresponderia
ao caminho do meio entre o pressuposto de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o
relativismo ou os particularismos culturais de cada Estado
No contexto europeu em que tanto sob o vieacutes comunitaacuterio quanto sob a perspectiva do
sistema regional os Estados apresentam pluralidades significativas em relaccedilatildeo agrave religiatildeo agrave
cultura agrave poliacutetica dentre outros campos a figura da MNA serve como um importante
instrumento para aproximar o universal e o relativo70
Dessa maneira teria a funccedilatildeo de no
processo de construccedilatildeo de um direito comum apresentar como horizonte a universalidade dos
direitos humanos mas sem perder de foco os relativismos culturais que formam a identidade
das mais diferentes sociedades
Niacutetido portanto que o caminho para a construccedilatildeo de um ldquocomumrdquo em mateacuteria de
direitos humanos relaciona-se natildeo soacute com a proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua esfera eacutetica
e miacutenima como tambeacutem com a preservaccedilatildeo da pluralidade Como instrumento do processo de
harmonizaccedilatildeo a margem carrega em seu acircmago a noccedilatildeo de convergecircncia em torno de
princiacutepios comuns mas garantindo o respeito a uma espeacutecie de direito agrave divergecircncia uma vez
68
ITZCOVITCH Giulio One None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations The Lautsi Case
In Human Rights Law Review Oxford Journals 2013 Disponiacutevel em
httphrlroxfordjournalsorgcontent132toc Acesso 04 nov 2014 69
SANTOS Milton Teacutecnica Espaccedilo Tempo Globalizaccedilatildeo e meio teacutecnico-cientiacutefico-informacional 5ordf ed
Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2013 p 45 70
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b
35
que se garante a cada Estado a particularidade de lidar com questotildees atinentes agraves suas
diferenccedilas
Deste modo o Tribunal de Estrasburgo consoante fora dito anteriormente se utiliza
pela primeira vez do recurso agrave MNA no caso Lawless vs Irlanda71
Na discussatildeo cerne deste
conflito estava a possibilidade de prisatildeo provisoacuteria no caso dos atentados terroristas
relacionados ao grupo extremista IRA (Irish Republic Army) Mais especificamente o
cidadatildeo irlandecircs Gerard Richard Lawless ex-membro do IRA foi preso em julho de 1957 no
momento em que estava prestes a viajar da Irlanda agrave Gratilde-Bretanha Neste ato foi detido sob
especiais poderes de detenccedilatildeo indeterminada sem julgamento sob alegaccedilotildees de ofensas contra
o Estado irlandecircs
Lawless fazendo o uso da prerrogativa de peticcedilatildeo individual demandou perante a
Corte Europeia de Direitos do Homem alegando violaccedilatildeo pelo Estado Irlandecircs dos artigos 56
e 7 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem mas especificamente direitos de
liberdade seguranccedila julgamento justo e o princiacutepio de proibiccedilatildeo de puniccedilatildeo sem lei anterior
que defina um delito
No julgamento do caso em 1961 o Tribunal de Estrasburgo pela primeira vez fez
alusatildeo mesmo que de modo natildeo explicito agrave possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo
ao deixar ao Estado Irlandecircs margem para decidir fundamentando-se nas prerrogativas do
artigo 1572
da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Tal norma da Convenccedilatildeo alude agrave
possibilidade de derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade com a prerrogativa de que em
caso de guerra ou outro perigo puacuteblico que ameace a vida da naccedilatildeo a parte aderente agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem pode tomar providecircncias que derroguem as
obrigaccedilotildees previstas no tratado na estrita medida em que exigir a situaccedilatildeo
71
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57518itemid[001-57518] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lawless vs Irlanda Sentenccedila de 01 de julho de 1961 Acesso
05 nov 2014 72
Artigo 15 Derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade 1 Em caso de guerra ou de outro perigo puacuteblico que
ameace a vida da naccedilatildeo qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providecircncias que derroguem as obrigaccedilotildees
previstas na presente Convenccedilatildeo na estrita medida em que o exigir a situaccedilatildeo e em que tais providecircncias natildeo
estejam em contradiccedilatildeo com as outras obrigaccedilotildees decorrentes do direito internacional 2 A disposiccedilatildeo
precedente natildeo autoriza nenhuma derrogaccedilatildeo ao artigo 2deg salvo quanto ao caso de morte resultante de atos
liacutecitos de guerra nem aos artigos 3deg 4deg (paraacutegrafo 1) e 7deg 3 Qualquer Alta Parte Contratante que exercer este
direito de derrogaccedilatildeo manteraacute completamente informado o Secretaacuterio Geral do Conselho da Europa das
providecircncias tomadas e dos motivos que as provocaram Deveraacute igualmente informar o Secretaacuterio - Geral do
Conselho da Europa da data em que essas disposiccedilotildees tiverem deixado de estar em vigor e da data em que as da
Convenccedilatildeo voltarem a ter plena aplicaccedilatildeo CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS
DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014
36
Logo aplicando o referido artigo 15 da Convenccedilatildeo a decisatildeo do Tribunal de
Estrasburgo foi de no caso proposto asseverar que os fatos apurados natildeo revelam uma
violaccedilatildeo por parte do Governo irlandecircs de suas obrigaccedilotildees ao abrigo da Convenccedilatildeo Europeia
para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais Em razatildeo disso de a
motivaccedilatildeo do Tribunal para proferir a decisatildeo ter partido de uma prerrogativa da proacutepria
Convenccedilatildeo Europeia alguns autores73
natildeo fazem alusatildeo a este caso como o primeiro em que
houve concessatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo para Estado
Embora haja uma referecircncia tiacutemida agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso exposto
anteriormente eacute no caso linguiacutestico belga74
que se percebe uma manifestaccedilatildeo mais concreta
da Corte de Estrasburgo em relaccedilatildeo agrave deferecircncia de julgamento aos Estados precisando
alguns dos fundamentos da doutrina da MNA No caso belga julgado em 1968 pais que
falavam francecircs questionaram o sistema educacional da Beacutelgica que dividia o paiacutes em quatro
regiotildees linguiacutesticas distintas
O Tribunal de Luxemburgo aceitou uma margem de apreciaccedilatildeo conferida agraves partes em
funccedilatildeo de que os Estados possuiacuteam discricionariedade em relaccedilatildeo agrave regulamentaccedilatildeo do direito
agrave educaccedilatildeo A Corte argumentou que essa necessidade de concessatildeo de uma deferecircncia ou de
um limite de discricionariedade ao Estado era proveniente da natureza do proacuteprio direito
discutido (regulamentaccedilatildeo do sistema educacional) de modo que a regulamentaccedilatildeo do direito
agrave educaccedilatildeo poderia variar de acordo com o local e com o tempo consoante as necessidades e
os recursos da comunidade e dos indiviacuteduos
Ainda eacute possiacutevel destacar nesse caso a vinculaccedilatildeo da noccedilatildeo de margem de apreciaccedilatildeo
ao princiacutepio de subsidiariedade dos tribunais internacionais em relaccedilatildeo agraves cortes nacionais
Por isso o Tribunal manifestou-se asseverando que natildeo desejava substituir as autoridades
nacionais pois se assim o fizesse perderia a caracteriacutestica de mecanismo internacional de
garantia da ordem instaurada pela Convenccedilatildeo
73
KRATOCHVIL Jan The inflation of the margin of appreciation by european court of human rights In
Netherlands Quarterly of Human Rights Vol 293 2011 p 324-357 Disponiacutevel em ww corteidhorcr
tablas r26992pdf Acesso 01 nov 2014
VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um
equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em
httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 74
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httpwww9euskadineteuskara_araubideaLegedialegeakgaztelaneuropas23b001pdf CORTE EUROPEIA
DE DIREITOS HUMANOS Caso linguiacutestico belga Sentenccedila de 23 de julho de 1968 Acesso 05 nov 2014
37
Essa subsidiariedade conduz agrave MNA duas noccedilotildees75
uma noccedilatildeo teacutecnica e outra
poliacutetica Na noccedilatildeo teacutecnica a razatildeo para sua existecircncia relaciona-se com a imprecisatildeo de
algumas normas que conferem certa liberdade ao juiz internacional No campo poliacutetico a
relaccedilatildeo se evidencia pela sensibilidade dos Estados em relaccedilatildeo a temas polecircmicos
Sob essa oacutetica e embora esse natildeo seja o foco do presente trabalho pode-se afirmar que
a MNA eacute uma figuram importante tanto para o horizonte de criaccedilatildeo de um direito comum
europeu como para a consolidaccedilatildeo do direito comunitaacuterio europeu Isso porque este uacuteltimo
embora tenha sido baseado em um ideal federalista funda-se na realidade em um modelo de
governanccedila supranacional em que a MNA foi importada pelo Tribunal de Luxemburgo a fim
de ser uma vaacutelvula de escape para tensotildees fortes em acircmbito comunitaacuterio76
O TJUE deste modo permite que os conflitos comunitaacuterios sejam interpretados de
maneira flexiacutevel conforme especificidades nacionais Cada Estado pode atribuir seu proacuteprio
significado a expressotildees ou textos legais de interpretaccedilatildeo ampla devendo-se contudo
vincular aos princiacutepios e conceitos juriacutedico-legais do direito comunitaacuterio
No campo de construccedilatildeo de um direito comum europeu que tem como terreno o
sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos tal premissa natildeo eacute diferente Embora em
alguns casos o TEDH opte pela concessatildeo da margem de deferecircncia essa soacute pode ser aplicada
pelo Estado se este observar os princiacutepios que regem o instrumento legal base da Corte qual
seja a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) Deste modo o Estado natildeo fica
desobrigado do cumprimento da Convenccedilatildeo pois em tese apenas existiraacute margem para
pontos sensiacuteveis desta os quais permitem interpretaccedilotildees diferenciadas de acordo com os
particularismos nacionais e os desacordos culturais
Nesse sentido conforme se observou pelos casos citados com ecircnfase para o caso
Lawless vs Irlanda uma primeira aplicaccedilatildeo da doutrina da margem vinculou-se ao processo
de sedimentaccedilatildeo do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos vez que tal
caso foi um dos primeiros a ser julgado pelo Tribunal de Estrasburgo aleacutem de conforme fora
dito ter sido o primeiro no acircmbito da criaccedilatildeo e uso da MNA Em razatildeo desse contexto a
utilizaccedilatildeo do instrumento em questatildeo deu-se em funccedilatildeo de uma demanda que envolvia
questatildeo de seguranccedila interna de um paiacutes e por isso a aplicaccedilatildeo da deferecircncia de julgamento agrave
Irlanda daacute-se tambeacutem como uma teacutecnica poliacutetica para evitar tensotildees entre esfera internacional
75
DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation
du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit
compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780 76
VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade
de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014
38
e nacional (esta ainda arraigada ao conceito claacutessico de soberania) no acircmbito de um sistema
que tinha sido criado recentemente
Sob tal vieacutes pode-se recorrer agrave explicaccedilatildeo de Marcelo Varella77
de que a margem
deve ser aplicada para temas polecircmicos em que abusos exegeacuteticos por parte do tribunal de
cariz internacional podem levar agrave perda de legitimidade deste Contudo com o
desenvolvimento da teoria da MNA tanto por doutrinadores como pela proacutepria jurisprudecircncia
do tribunal que a criou percebe-se que o seu uso em grande medida relaciona-se com o
embate entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo nacional em mateacuteria de
desacordos culturais
Natildeo obstante a existecircncia de criacuteticas sobre a aplicaccedilatildeo praacutetica atual da MNA pelo
TEDH o que seraacute objeto de anaacutelise na sequencia do presente trabalho eacute com a figura da
deferecircncia da margem nacional que se torna possiacutevel um pluralismo de justaposiccedilatildeo78
que
tolera a coexistecircncia de sistemas particularmente diferentes Somente a possibilidade de
acoplamento do adjetivo nacional ao substantivo margem ou seja uma transferecircncia de
conceito desse substantivo para outra esfera que natildeo agrave interna de cada paiacutes jaacute demonstra que
uma ruptura com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito jaacute iniciou e ainda estaacute em curso
A ruptura com a concepccedilatildeo tradicional unificada e estritamente hierarquizada de
ordem juriacutedica leva a uma ruptura epistemoloacutegica com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito
Isso permite natildeo soacute a existecircncia e aplicaccedilatildeo de uma margem nacional de apreciaccedilatildeo como
demonstra a possibilidade de concretizaccedilatildeo do ideal de um direito comum que por ser
pluralista natildeo pode ser projetado conforme o modelo tradicional e nem encontra campo para
isso em funccedilatildeo do novo mosaico juriacutedico existente sobretudo na Europa
Logo eacute possiacutevel afirmar que a margem a que se refere esse trabalho natildeo deixa de ser
um reconhecimento jurisprudencial dessa mudanccedila de ares trazida pelas novas configuraccedilotildees
e estruturas juriacutedicas Isso porque novas instituiccedilotildees emergem em meio de um caos juriacutedico
que natildeo passa despercebido pelas cortes internacionais Prova disso eacute que a MNA natildeo eacute
mencionada somente pelo TEDH Ainda que de modo muito tiacutemido e em pequena medida eacute
possiacutevel o destaque de citaccedilatildeo (e aplicaccedilatildeo) da referida doutrina pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos79
Embora o continente latino americano seja tatildeo ou mais plural e diversificado que o
europeu e que o uso da margem como instrumento de siacutentese entre relativo e universal seja
77
Ibid 2012 p 143 78
DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 757 79
POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema
interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012
39
teoricamente indicado para sedimentar as bases de construccedilatildeo de um direito comum pluralista
a aplicaccedilatildeo do instituto em solo americano ainda natildeo ocorre de modo significativo Sob esse
vieacutes o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Seacutergio Garcia Ramirez80
asseverou
que a margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute uma ferramenta e um princiacutepio europeu de relativismo
relativo agrave execuccedilatildeo que natildeo eacute visto com simpatia pela Corte maacutexima do sistema regional
americano de direitos humanos Isso em funccedilatildeo natildeo soacute do histoacuterico de demandas que
chegaram ao julgamento da Corte Interamericana ndash em grande parte envolvendo violaccedilotildees de
direitos humanos perpetradas pelo Estado durante os periacuteodos de ascensatildeo de autoritarismos e
ditaduras na Ameacuterica Latina ndash como tambeacutem em razatildeo das democracias latino-americanas
ainda estarem em fase de consolidaccedilatildeo
Deste modo em razatildeo da ausecircncia ateacute entatildeo de casos envolvendo desacordos
culturais e das recentes reinserccedilotildees ou inserccedilotildees democraacuteticas de paiacuteses do continente
americano temia-se que eventual aplicaccedilatildeo de MNA poderia ser compreendida pelos Estados
como um salvo-conduto para que houvesse violaccedilatildeo de direitos humanos pelos paiacuteses A
cautela e a percepccedilatildeo de paisagens diferentes entre os territoacuterios separados pelo Atlacircntico
fizeram e fazem com que ainda hoje a doutrina da margem tenha pouca ou quase nenhuma
aplicaccedilatildeo na Ameacuterica
Deste modo pode-se afirmar que a internacionalizaccedilatildeo do direito - e seus reflexos na
Europa - eacute a responsaacutevel pela criaccedilatildeo de um espaccedilo para o desenvolvimento da doutrina da
margem nacional de apreciaccedilatildeo Nesse sentido embora a criaccedilatildeo tenha sido jurisprudencial
por parte do TEDH com aplicaccedilatildeo em alguns casos pelo proacuteprio Tribunal de Luxemburgo eacute
importante avaliar de que modo a doutrina conceitua o referido instituto
A posiccedilatildeo adotada por este trabalho eacute a de Mireille Delmas-Marty81
que salienta em
suas obras a origem nacional da margem nacional ainda como uma margem de interpretaccedilatildeo
capaz de conferir um pluralismo de valores do tipo meta juriacutedico em uma espeacutecie de
deferecircncia para apreciaccedilatildeo do juiz receptor de determinada norma Todavia a margem
relativa agrave internacionalizaccedilatildeo liga-se ao reconhecimento da diversidade de sistemas juriacutedicos
os quais possuem algumas caracteriacutesticas peculiares ligadas agraves identidades do Estado em que
se encontram
80
Tal posicionamento de Seacutergio Garciacutea Ramirez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema Internacional de
Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de 19 e 20 de agosto
de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado ndash da Pontifiacutecia
Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS 81
DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 762
40
Em razatildeo disso para a autora a noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo aleacutem de ser
uma siacutentese entre o universal e o relativo eacute uma chave do pluralismo ordenado Desse modo
sua construccedilatildeo assemelha-se de um lado agrave expressatildeo de uma dinacircmica centriacutefuga ou seja
uma resistecircncia dos Estados agrave integraccedilatildeo e o apego agrave noccedilatildeo claacutessica de soberania e de outro
lado sendo ela limitada por princiacutepios comuns estabelece o miacutenimo de compatibilidade
voltando-se ao centro em uma dinacircmica centriacutepeta
Haacute portanto um movimento duplo que por vezes traduz as resistecircncias dos direitos
nacionais por vezes os avanccedilos rumo agrave harmonizaccedilatildeo do direito comum em mateacuteria de
direitos humanos Eacute justamente essa capacidade de oscilaccedilatildeo que permite os ajustamentos
com vistas a compatibilizar o interno com o comum com o intuito nem de criar uma
hegemonia do universal e nem de tornar inaplicaacutevel o direito comum em razatildeo das
particularidades Desta forma Delmas percebe a margem como uma teacutecnica juriacutedica presente
no acircmbito do fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo do direito e que permite o reconhecimento da
diversidade entre os sistemas juriacutedicos82
Benvenisti83
por sua vez visualiza no uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo uma
espeacutecie de latitude que cada sociedade tem na resoluccedilatildeo de conflitos inerentes entre os
direitos individuais e os interesses nacionais ou entre diferentes convicccedilotildees morais Por
conseguinte alude que a doutrina da margem consoante inclusive fora abordado
anteriormente neste trabalho respondeu inicialmente a preocupaccedilotildees de governos nacionais
de que as poliacuteticas internacionais pudessem comprometer a seguranccedila nacional Isso entatildeo
explicaria a invocaccedilatildeo da margem no caso Lawless vs Irlanda por exemplo
Com a evoluccedilatildeo da jurisprudecircncia o uso desse instrumento passou a ser aplicado por
outras razotildees como gestatildeo de recursos discricionariedade em relaccedilatildeo a questotildees
concernentes agrave deliberaccedilatildeo acerca de sistemas poliacuteticos educacionais entre outros ateacute passar
a ser utilizada em temas relativos aos desacordos culturais Ainda segundo Bevenisti84
a
utilizaccedilatildeo da margem se justifica em alguns casos e em algumas mateacuterias ndash para o autor por
exemplo a aplicaccedilatildeo da margem nacional natildeo se justifica quando em questatildeo se encontram o
direito de minorias - sendo que o uso ampliado ou desmedido pode gerar uma espeacutecie de
deslegitimaccedilatildeo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos
82
Ibid 2000 p 760 83
BENVENISTI Eyal Margin of apreciation consensus and universal standards In International Law and
Politics Vol 31843 1999 pp 843-854 Disponiacutevel em httpwwwpict-
pctiorgpublicationsPICT_articlesJILPBenvenistipdfp 853 Acesso 05 nov 2014 84
Ibid 1999 p 846
41
Para Poblete amp Alvarado85
a margem nacional de apreciaccedilatildeo liga-se agrave noccedilatildeo de fins e
limites da jurisdiccedilatildeo internacional ou supranacional em mateacuteria de direitos humanos Eles
reconhecem que a doutrina da margem concede aos Estados signataacuterios de convenccedilotildees
internacionais liberdade para apreciar as circunstacircncias materiais que exigem aplicaccedilatildeo de
medidas excepcionais em situaccedilatildeo de emergecircncia como eacute o caso das prerrogativas do artigo
15 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de derrogaccedilatildeo em caso de necessidade
Outrossim ainda segundo os mencionados autores a margem possibilita aos Estados
liberdade para limitar direitos reconhecidos em tratados internacionais quando outros direitos
exigem respeito ou assim exigem os interesses da comunidade Ainda serviria para definir os
conteuacutedo dos direitos delimitar como eles satildeo aplicados no plano interno e definir o modo
como seratildeo cumpridas resoluccedilotildees de um oacutergatildeo internacional de supervisatildeo de um tratado ou
convenccedilatildeo Dessa maneira tais autores identificam a doutrina da MNA como uma
metodologia de que se servem os tribunais internacionais para difundir os direitos humanos
previstos nos tratados internacionais bem como o direito do comeacutercio ndash a margem tambeacutem eacute
aplicada pela Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio (OMC)
Vila86
por sua vez percebe na doutrina da marem nacional de apreciaccedilatildeo uma espeacutecie
de ldquodeferecircnciardquo praticada pelo Tribunal de Estrasburgo em relaccedilatildeo aos Estados signataacuterios da
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Isso pelo fato de que o sistema de proteccedilatildeo dos
diretos humanos na Europa eacute resultado de uma divisatildeo de trabalho entre os Estados e a Corte
em que os primeiros satildeo responsaacuteveis primaacuterios desta proteccedilatildeo e a Corte possui um caraacuteter
subsidiaacuterio atuando em acircmbitos sensiacuteveis como o da moralidade e da religiatildeo em que natildeo haacute
consenso entre os Estados
Nesse mesmo sentido se situa o pensamento de Roca87
que afirma que a doutrina da
margem nacional de apreciaccedilatildeo ocupa um lugar de destaque na jurisprudecircncia do Tribunal
Europeu de Direitos Humanos e eacute necessaacuteria para refletir uma realidade evidente qual seja a
pluralidade cultural dos Estados que fazem parte do Conselho da Europa notaacutevel em um
pluralismo de base territorial sobre o qual assenta uma cultura comum europeia de alguns
miacutenimos
85
POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema
interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012 p5 86
VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um
equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em
httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 87
ROCA JavierGarciacutea La muy discrecional doctrina del margen de apreciacioacuten nacional seguacuten el Tribunal
Europeo de Derechos Humanos Soberaniacutea e Integracioacuten In UNED Teoriacutea y Realidad Constitucional N
202007 p 117-143 Disponiacutevel em httpe-spaciounedes revistasuned indexphp TRC article vie 6778
Acesso 02 nov 2014
42
Da mesma forma considera o autor que os princiacutepios da proporcionalidade e da
subsidiariedade satildeo imanentes agrave noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo visto que os
Estados possuem certa margem de discricionariedade na aplicaccedilatildeo e no cumprimento de
obrigaccedilotildees impostas pela Convenccedilatildeo bem como na ponderaccedilatildeo de interesses mais
complexos Se houver excesso por parte dos Estados no uso dessa margem haacute violaccedilatildeo do
princiacutepio da proporcionalidade e abre-se espaccedilo para a intervenccedilatildeo do oacutergatildeo jurisdicional
internacional sob as bases do princiacutepio da subsidiariedade
Eacute importante sob essa oacutetica lembrar que embora o diferencial da Corte Europeia de
Direitos Humanos seja o de permitir a peticcedilatildeo individual de qualquer sujeito que denuncie
uma violaccedilatildeo de seus direitos baacutesicos assim como outros tribunais internacionais tem a regra
da exigecircncia do esgotamento das vias internas de acesso agrave justiccedila para que a demanda seja
recebida pelo TEDH Se natildeo houve satisfaccedilatildeo do pleito por parte do Estado ou se a reparaccedilatildeo
obtida se revelara inidocircnea para uma proteccedilatildeo adequada ao direito violado entatildeo agrave Corte
Europeia eacute permitido revisar a decisatildeo nacional ou substituiacute-la
Mahorney88
em seus estudos assevera que a margem funciona como uma espeacutecie de
divisatildeo de jurisprudecircncias uma vez que traccedila uma linha divisoacuteria entre o que deve decidir
cada comunidade nacional e as questotildees que tecircm relevacircncia para necessitar uma soluccedilatildeo
homogecircnea ou seja as que demandam uma decisatildeo que harmonize a regulaccedilatildeo do direito e
suas garantias na comunidade internacional independentemente das diferenccedilas de tradiccedilotildees
ou culturas
Contreras89
afirma que os tratados regionais de direitos humanos embora contenham
escopos de universalidade em relaccedilatildeo a esses direitos satildeo acompanhados pela possibilidade
de peculiaridades geograacuteficas na execuccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos direitos do homem As cortes
internacionais tecircm a dificuldade de conciliar ou justificar a falta de conciliaccedilatildeo entre
diferenccedilas morais e normativas de cada regiatildeo Em razatildeo disso uma das criaccedilotildees doutrinaacuterias
mais importantes eacute a da margem nacional de apreciaccedilatildeo sendo esta para o autor um criteacuterio
interpretativo desenvolvido tanto como deferecircncia aos Estados para que possam regular o
conteuacutedo dos direitos e suas restriccedilotildees e para distribuir os poderes e niacuteveis de decisotildees
tomadas entre as autoridades domeacutesticas e internacionais
88
MAHORNEY Paul Marvellous richness diversity or individual cultural relativism In Human Rights Law
Journal Vol 19 nuacutem 1 30 de abril de 1998 p 1 89
CONTRERAS Pablo National Discretion and International Deference in the Restriction of Human Rights A
Comparison Between the Jurisprudence of the European and the Inter-American Court of Human Rights In
Northwestern Journal of International Human Rights Vol 11 2012 Disponiacutevel em
httpscholarlycommonslawnorthwesterneducgiviewcontentcgiarticle=1155ampcontext=njihr Acesso 01 nov
2014
43
Visiacutevel portanto que na doutrina natildeo haacute um contexto exato em relaccedilatildeo a essa figura
criada e aplicada na jurisprudecircncia do TEDH Enquanto para alguns estudiosos ela se
configura como uma doutrina para outros eacute um criteacuterio interpretativo ou hermenecircutico usado
pelos tribunais internacionais no sentido de revisar a decisatildeo de um Estado ou conceder
deferecircncia a este para julgar conforme o direito interno coadunado com os princiacutepios miacutenimos
existentes nos tratados internacionais de direitos humanos
Natildeo obstante a divergecircncia de conceituaccedilatildeo no campo teoacuterico analisar-se-aacute no
proacuteximo capiacutetulo alguns casos emblemaacuteticos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de apreciaccedilatildeo
pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos mais diferentes tema com o intuito de
responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel afirmar que do modo como eacute aplicada a
doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo pela Corte Europeia de Direitos do Homem
temos uma efetiva contribuiccedilatildeo para o processo de harmonizaccedilatildeo entre universal e relativo e
construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos
Embora a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo tenha nascido da tentativa de
produccedilatildeo de uma siacutentese entre o universal e o relativo no espaccedilo do sistema regional europeu
de proteccedilatildeo dos direitos humanos sua aplicaccedilatildeo praacutetica sobretudo pelo TEDH natildeo eacute imune a
criacuteticas Cumpre a esse capiacutetulo realizar notas acerca da aplicaccedilatildeo praacutetica da margem
nacional de apreciaccedilatildeo com o intuito de verificar se ela efetivamente contribui ou eacute capaz de
contribuir para a construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
Conforme afirmam Brum et Saldanha90
a MNA ao ser compreendida e utilizada como
uma forma de autocontrole por meio do qual o oacutergatildeo jurisdicional internacional evita o
enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas poliacutetica pode
representar um risco de fragilizaccedilatildeo do direito internacional dos direitos humanos caso seu
uso se torne indiscriminado sem criteacuterios claros e limites precisos Desta maneira seu uso em
vez de conduzir ao caminho de ordenaccedilatildeo do muacuteltiplo e de mundializaccedilatildeo dos direitos
90
BRUM Maacutercio Morais SALDANHA Jacircnia Maria Lopes A margem nacional de apreciaccedilatildeo e sua
(in)aplicaccedilatildeo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em mateacuteria de anistia Uma figura hermenecircutica a
serviccedilo do pluralismo ordenado In Anuario Mexicano de Derecho Internacional 2015(No prelo para
publicaccedilatildeo)
44
humanos levaria ao rumo contraacuterio da fragmentaccedilatildeo e reforccedilo da velha noccedilatildeo de soberania
marcada pela ausecircncia de compromisso dos Estados com os marcos protetivos miacutenimos do
direito internacional
Neste vieacutes portanto dentro ainda de um panorama geral de anaacutelise da postura do
Tribunal de Estrasburgo um dos primeiros pontos de criacutetica se relaciona ao enfraquecimento
da credibilidade do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos Na visatildeo de
alguns doutrinadores a postura da Corte Europeia na aplicaccedilatildeo irrestrita e sem limitaccedilotildees ou
uma sistematizaccedilatildeo teacutecnica em relaccedilatildeo aos casos em que deve ou natildeo ser aplicada pode gerar
um sentimento de descrenccedila na legitimidade e na eficaacutecia das decisotildees tomadas pelo oacutergatildeo
jurisdicional internacional do Conselho da Europa
Para alguns estudiosos o modo como a margem eacute aplicada reflete uma postura de
evitar o enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas
poliacuteticas Aleacutem de uma fragilizaccedilatildeo do sistema internacional de proteccedilatildeo aos direitos humanos
o uso da margem sem limites definidos pode levar ao reforccedilo da noccedilatildeo claacutessica de soberania
em que o compromisso dos Estados com os instrumentos normativos de direito internacional
era mitigado
No campo de aplicaccedilatildeo a casos praacuteticos eacute possiacutevel conforme assevera Roca91
visualizar as imprecisotildees praacuteticas e teoacutericas do uso da margem o que leva a dois resultados o
primeiro eacute a necessidade de criaccedilatildeo de esforccedilos com urgecircncia para melhor edificar e criar
paracircmetros para a aplicaccedilatildeo da ferramenta bem como que o demandante ou qualquer
observador perante a Corte natildeo saber com suficiente seguranccedila juriacutedica quando o Tribunal
de Estrasburgo vai usar a margem nem quais seratildeo os possiacuteveis resultados desse uso
Ainda segundo o autor a margem eacute um instrumento impreciso e de geometria
variaacutevel todavia eacute consenso entre os doutrinadores que a ferramenta natildeo eacute uma carta branca
aos Estados para fazerem o que quiserem sendo necessaacuteria depuraccedilatildeo teoacuterica para tornar o
instrumento mais preciso Seu uso impotildee como jaacute foi dito autocontenccedilatildeo por parte da Corte
tendo em vista que sua funccedilatildeo segundo o princiacutepio da subsidiariedade eacute somente de impor
estandartes miacutenimos comuns em mateacuteria de direitos humanos Entretanto o niacutevel de proteccedilatildeo
dos direitos dos direitos e das diversas foacutermulas para concretizaacute-los natildeo satildeo homogecircneos
diante de naccedilotildees com tradiccedilotildees juriacutedicas tatildeo diversas
Desta maneira no campo jurisprudencial com a finalidade de responder ao
questionamento feito no capiacutetulo anterior utilizar-se-aacute de modo conjunto as classificaccedilotildees das
91
ROCA op cit 125
45
decisotildees da Corte Europeia dos Direitos do Homem feitas por Contreras e por Roca Para o
primeiro doutrinador92
eacute possiacutevel dividir os casos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de
apreciaccedilatildeo pelo Tribunal de Estrasburgo em trecircs grandes grupos
O primeiro grupo abarca casos envolvendo direitos fundamentais e direitos poliacuteticos
dentre os quais se destacam a proibiccedilatildeo da tortura ou a liberdade de expressatildeo e associaccedilatildeo
Nesse primeiro grupo no que tange aos direitos fundamentais haacute rigorosa supervisatildeo por
parte do Tribunal Europeu negando qualquer margem nacional de apreciaccedilatildeo aos Estados
Ainda dentro deste conjunto no que concerne aos discursos poliacuteticos ou direito de partidos
poliacuteticos eacute por vezes concedida uma margem reduzida agraves autoridades domeacutesticas para
decisatildeo ou execuccedilatildeo de uma decisatildeo
O segundo grupo por sua vez relaciona-se aos direitos de propriedade em que a
Corte concede grande margem de deferecircncia aos Estados Isso porque o TEDH reconhece em
princiacutepio que as autoridades nacionais estatildeo melhor situadas do que o juiz internacional no
que tange a apreciaccedilatildeo acerca do melhor interesse de uma comunidade em relaccedilatildeo a poliacuteticas
envolvendo direitos de propriedade
Por fim o terceiro grupo eacute o mais complexo para a apreciaccedilatildeo do tipo de margem
concedida pelo Tribunal de Estrasburgo uma vez que conteacutem temas que natildeo apresentam
consenso por parte do Tribunal Deste modo neste grupo ficam evidentes as complexidades e
as vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis da MNA Casos como os de liberdade religiosa liberdade de
discurso direitos dos homossexuais dentre outros temas latentes e relevantes na paisagem
juriacutedica social e cultural europeia
Do mesmo modo Roca93
divide a margem nacional de apreciaccedilatildeo em trecircs ciacuterculos
concecircntricos tendo como base a natureza dos direitos cuja tutela eacute pleiteada junto ao oacutergatildeo
jurisdicional internacional do sistema europeu O primeiro ciacuterculo de Roca relaciona-se com o
segundo grupo de Contreras vez que trata dos direitos de propriedade que teriam uma
margem de deferecircncia ampla e um controle pouco intenso por parte da Corte Esse ciacuterculo
seria o maior e englobaria os demais
No ciacuterculo menor estariam os direitos vistos como absolutos pelo Tribunal Europeu
Dentre esses se destacam o direito agrave vida ou os direitos democraacuteticos que apresentam uma
margem de apreciaccedilatildeo pouco extensa juntamente com um controle restrito por parte da Corte
Europeia Este ciacuterculo identifica-se com o primeiro grupo anteriormente mencionado visto
92
CONTRERAS op cit p 35 93
ROCA op cit p 134
46
que trabalha com noccedilotildees de direitos fundamentais e poliacuteticos essenciais e miacutenimos para todos
os paiacuteses europeus
Por fim no espaccedilo intermediaacuterio entre esses dois ciacuterculos encontra-se uma esfera
meacutedia que relacionando-se com o terceiro grupo definido por Contreras contempla todos os
outros direitos em que alguma vez o Tribunal de Estrasburgo mencionou ou aplicou a margem
nacional de apreciaccedilatildeo Eacute justamente nesse ciacuterculo que devem ser desenvolvidos os
paracircmetros para guiar o uso da ferramenta pela Corte no intuito de reduzir a inseguranccedila
juriacutedica ocasionada pelo uso sem uma sistematizaccedilatildeo de criteacuterios
Eacute pertinente em um primeiro momento destacar que conforme ambos os
doutrinadores demonstram quando se mencionam direitos fundamentais ou vinculados agrave
princiacutepios democraacuteticos inaplicaacutevel eacute o uso da margem pela Corte ou se for feito eacute de forma
absolutamente restrita No caso dos direitos fundamentais interessante relembrar Baez94
que
ao buscar o conceito de direitos humanos concluiu que nenhuma fonte normativa existente
tanto em sistemas internacionais quanto nacionais ou regionais trazem a definiccedilatildeo de direitos
humanos Pelo contraacuterio soacute os exemplificam
Nesse sentido observou Baez95
que embora natildeo exista uma definiccedilatildeo precisa de
direitos humanos existem elementos baacutesicos que fazem parte desses e o elemento que eacute
citado em todos os instrumentos normativos sobre o tema eacute o de dignidade da pessoa humana
Os direitos humanos somente existem para realizaccedilatildeo e proteccedilatildeo da dignidade humana poreacutem
o conceito de dignidade eacute de tatildeo difiacutecil conceituaccedilatildeo quanto o conceito de direitos humanos
O autor conclui que a dignidade possui duas dimensotildees a dimensatildeo baacutesica a qual
corresponde aos limites miacutenimos e fundamentais para a existecircncia humana impedindo a
noccedilatildeo de coisificaccedilatildeo do ser Se houver portanto violaccedilatildeo agrave dimensatildeo baacutesica da dignidade da
pessoa humana haacute tambeacutem violaccedilatildeo dos direitos humanos A outra dimensatildeo eacute a cultural vez
que envolve o conjunto de valores que cada sociedade desenvolve
A primeira dimensatildeo refere-se agrave universalidade e a segunda que depende de fatores
culturais permite que os direitos humanos sejam morfologicamente assimeacutetricos Isso natildeo
deixa de se relacionar com o que Delmas-Marty fala acerca dos direitos humanos
inderrogaacuteveis ou seja que natildeo podem sofrer a incidecircncia de qualquer tipo de margem de
94
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos
humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da
UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em
httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014 95
Tal posicionamento de Narciso Leandro Xavier Baez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema
Internacional de Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de
19 e 20 de agosto de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado
ndash da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS
47
apreciaccedilatildeo Estes possuem a caracteriacutestica do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano
ou seja vinculam-se agrave noccedilatildeo da dimensatildeo baacutesica da dignidade da pessoa humana
Neste vieacutes eacute possiacutevel dizer que no que diz respeito aos direitos fundamentais a Corte
de certa forma apresenta certa relaccedilatildeo com as doutrinas apresentadas uma vez que em casos
em que existam registros de violaccedilotildees aos direitos humanos inderrogaacuteveis quais sejam os
que tem como cerne a dignidade humana baacutesica a Corte natildeo permite qualquer espeacutecie de
margem nacional de apreciaccedilatildeo Vejamos por exemplo o caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila96
julgado em 2006 O demandante perante o Tribunal de Estrasburgo foi um terrorista
venezuelano conhecido na deacutecada de 1970 condenado pelo Estado Francecircs agrave prisatildeo perpeacutetua
pelo assassinato em 1974 dois inspetores da poliacutecia francesa e um antigo companheiro
terrorista libanecircs
Saacutenchez recorreu agrave Corte Europeia arguindo violaccedilotildees do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo
Europeia dos Direitos do Homem (proibiccedilatildeo da tortura e tratamentos humanos degradantes) e
do artigo 13 do mesmo diploma legal (direito a um recurso efetivo) Embora no julgamento
tenha ficado decidido que natildeo houve violaccedilatildeo ao artigo 3ordm97
o posicionamento da Corte
permite asseverar que natildeo haacute margem nacional de deferecircncia aos Estados quando o assunto
for violaccedilatildeo de direitos humanos ou fundamentais inderrogaacuteveis ou cujo nuacutecleo central for a
dignidade baacutesica da pessoa humana Nesse sentido a Corte pontuou que mesmo nas
circunstacircncias mais difiacuteceis como a luta contra o terrorismo ou o crime organizado a
Convenccedilatildeo proiacutebe em termos absolutos a tortura ou tratamentos inumanos ou degradantes
Igualmente natildeo confere o Tribunal margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso de
violaccedilatildeo de direitos humanos nas condiccedilotildees degradantes das prisotildees de muitos paiacuteses do Leste
Europeu O caso Kalashnikov vs Ruacutessia98
julgado em 15 de julho de 2002 cujo fundamento
foi repetido em muitos outros casos envolvendo condiccedilotildees humanas degradantes nas prisotildees
apresenta a consideraccedilatildeo de que deficientes condiccedilotildees objetivas e estruturais de cumprimento
de pena podem constituir uma violaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo Europeia
96
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-
1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila Sentenccedila
de 04 de julho de 2006 Acesso 05 nov 2014 97
Artigo 3ordm Proibiccedilatildeo da tortura Ningueacutem pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos desumanos
ou degradantes CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS
LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 98
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-
1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Kalashnikov vs Ruacutessia Sentenccedila de 15
de julho de 2002 Acesso 05 nov 2014
48
Ainda pode-se destacar o caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria99
em que novamente o motivo
que serve de base para o pedido de julgamento do Tribunal de Estrasburgo eacute a violaccedilatildeo do
artigo 3ordf da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de que ningueacutem poderaacute ser
submetido a torturas nem a penas ou tratamentos humanos degradantes O caso em comento
referiu-se agrave prisatildeo do senhor Borislav Gutsanov membro do Partido Comunista preso pela
poliacutecia da Bulgaacuteria em sua casa na frente de seus filhos e de sua esposa durante as
investigaccedilotildees de esquemas de grupos criminosos Segundo o relato das partes demandantes
Gustsanovi foi rendido em sua casa por volta das seis horas da manhatilde forccedilado a se ajoelhar e
algemado em frente a seus filhos menores de idade
A decisatildeo da Corte foi a de considerar que houve violaccedilatildeo do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo
uma vez que se mostrou desnecessaacuterio o ato dos policiais e natildeo condizente com os princiacutepios
da proporcionalidade e com as exigecircncias de garantia de direitos fundamentais de um Estado
Democraacutetico de Direito Isso porque o demandante natildeo teria oferecido resistecircncia em sua
prisatildeo de modo que algemaacute-lo diante de sua famiacutelia representou uma espeacutecie de tratamento
humano degradante
Casos como os acima previstos mostram um padratildeo doutrinaacuterio e jurisprudencial
semelhante vez que natildeo se encontram referecircncias expressas a qualquer margem nacional de
apreciaccedilatildeo para as autoridades nacionais O TEDH determina se as provas colhidas satildeo
suficientes ou natildeo para provar o real risco de tortura ou de tratamento humano e
degradante100
Logo pelo fato de que a natureza dos direitos envolvidos nesse caso eacute considerada
como fundamental de imediato eliminam-se as possibilidades de deferecircncia aos Estados Tal
compreensatildeo eacute o que faz o uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo ser extremamente reduzido
no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos Isso porque ateacute hoje diferentemente do Tribunal de Estrasburgo a Corte
Interamericana teve como maioria de demandas apresentadas as envolvendo delitos
praticados pelos Estados Americanos durante as ditaduras militares ou civil militares em que
casos de tortura e desaparecimento forccedilados eram julgados ou seja casos envolvendo a
violaccedilatildeo de direitos fundamentais ou humanos em sua perspectiva eacutetica de dignidade humana
e natildeo cultural
99
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-126982itemid[001-126982] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria Sentenccedila de 15 de outubro de 2013
Acesso 05 nov 2014 100
CONTRERAS op cit p 41
49
Nesse aspecto visiacutevel que quando se tratam de possiacuteveis violaccedilotildees de direitos
humanos inderrogaacuteveis previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos
a anaacutelise feita pelo Tribunal de Estrasburgo eacute de revisatildeo minuciosa da sentenccedila proferida no
paiacutes de origem da demanda bem como a possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute
extremamente reduzida para natildeo falar inexistente No caso de direitos democraacuteticos a
deferecircncia quando concedida pela Corte possui um limite miacutenimo e consoante o princiacutepio da
proporcionalidade soacute eacute concedida se a restriccedilatildeo eacute necessaacuteria e condizente com uma sociedade
democraacutetica
Nos direitos democraacuteticos referidos abarca-se a participaccedilatildeo poliacutetica atraveacutes das
possibilidades de liberdade de associaccedilatildeo ou de discurso poliacutetico Neste campo dos direitos de
participaccedilatildeo poliacutetica em sociedades democraacuteticas a margem concedida pelo Tribunal de
Estrasburgo consoante se afirmou eacute reduzida e sujeita a um controle rigoroso por parte do
oacutergatildeo jurisdicional internacional
Destaca-se o caso Lingens vs Austria101
que por mais que tenha sido julgado na
deacutecada de 1980 pela Corte Europeia eacute emblemaacutetico em relaccedilatildeo ao posicionamento do
tribunal internacional acerca da liberdade de expressatildeo Nesse caso durante o periacuteodo anterior
agraves eleiccedilotildees na Aacuteustria o jornalista Lingens publicou dois artigos polecircmicos sobre os
candidatos incluindo em um desses artigos a informaccedilatildeo de que o entatildeo presidente do
Partido Liberal Nacional da Aacuteustria teria ligaccedilotildees no passado com o nazismo e com a SS
Contra o jornalista foi instaurado um processo penal e ao fim da instruccedilatildeo criminal
este fora condenado pelo delito de difamaccedilatildeo conforme as regras do direito penal austriacuteaco
Esgotadas as vias internas de recurso o jornalista demandou perante a Corte Europeia
alegando que houve por parte do Estado violaccedilatildeo do artigo 10 da Convenccedilatildeo Europeia
havendo censura em seu direito de expressar-se livremente O Estado por sua vez nas razotildees
apresentadas perante o tribunal internacional justificou a condenaccedilatildeo na convicccedilatildeo de
proteccedilatildeo da honra dos direitos de outrem
Frente a este embate o Tribunal de Estrasburgo reconheceu uma margem miacutenima de
deferecircncia agraves autoridades domeacutesticas no que concerne aos oacutergatildeos locais na avaliaccedilatildeo de uma
necessidade social imperiosa que justificaria a interferecircncia na liberdade de expressatildeo de
Lingens Entretanto ressaltou que essa deferecircncia seria seguida por uma riacutegida supervisatildeo
101
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lingens vs Austria Sentenccedila de 8 de julho de 1986 Acesso
05 nov 2014
50
internacional uma vez estar se tratando de direitos fundamentais para o bom funcionamento
de uma sociedade democraacutetica
Ainda nesse sentido o TEDH arguiu que a liberdade de debate poliacutetico eacute cerne da
democracia e considerar que qualquer ofensa ou notiacutecia acerca de uma pessoa puacuteblica seria
sempre difamaccedilatildeo poderia impedir a imprensa na realizaccedilatildeo de sua tarefa de fornecedora de
informaccedilotildees Deste modo aplicando de forma conjunta os princiacutepios da proporcionalidade e
da subsidiariedade o Tribunal de Estrasburgo decidiu que a condenaccedilatildeo fora desproporcional
ao objetivo legiacutetimo perseguido e constituiu uma violaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo no
acircmbito da Convenccedilatildeo Europeia
Tambeacutem merece anaacutelise o caso July and Sarl Libeacuteration vs France102
cuja sentenccedila
foi proferida em 2008 Neste caso o jornal francecircs Libeacuteration divulgou uma reportagem a
respeito das investigaccedilotildees da morte do juiz Bernard Borrel que em um primeiro momento
havia sido dada como suiciacutedio mas apoacutes a reabertura das investigaccedilotildees houve surgimento de
indiacutecios de morte por encomenda Apoacutes a divulgaccedilatildeo da reportagem contendo informaccedilotildees
acerca da participaccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos na morte do magistrado o diretor do jornal
Senhor July foi processado criminalmente pelo crime de difamaccedilatildeo e condenado pelo governo
francecircs
O TEDH em sua manifestaccedilatildeo asseverou que o caso em questatildeo trazia niacutetida
interferecircncia de autoridades puacuteblicas na liberdade de expressatildeo e essa interferecircncia caso natildeo
siga os requisitos do artigo 10103
da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos representa
clara violaccedilatildeo do direito de liberdade de expressatildeo Nessa situaccedilatildeo ainda a Corte faz uso de
uma triacuteade de requisitos descritos por Contreras104
para a concessatildeo da margem a) prescriccedilatildeo
legal - verificar se a restriccedilatildeo realizada pela autoridade domeacutestica foi autorizada ou pelo
102
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-85084itemid[001-85084] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso July and Sarl Libeacuteration vs France Sentenccedila de 14 de
fevereiro de 2008 Acesso 05 nov 2014 103
Artigo 10 Liberdade de expressatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de expressatildeo Este direito
compreende a liberdade de opiniatildeo e a liberdade de receber ou de transmitir informaccedilotildees ou ideias sem que
possa haver ingerecircncia de quaisquer autoridades puacuteblicas e sem consideraccedilotildees de fronteiras O presente artigo
natildeo impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusatildeo de cinematografia ou de televisatildeo a um
regime de autorizaccedilatildeo preacutevia 2 O exerciacutecio desta liberdades porquanto implica deveres e responsabilidades
pode ser submetido a certas formalidades condiccedilotildees restriccedilotildees ou sanccedilotildees previstas pela lei que constituam
providecircncias necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a integridade territorial ou a
seguranccedila puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral a proteccedilatildeo da
honra ou dos direitos de outrem para impedir a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees confidenciais ou para garantir a
autoridade e a imparcialidade do poder judicial CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS
DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 104
CONTRERAS op cit p 34
51
menos executada em conformidade com a lei b) objetivo legiacutetimo c) se a medida foi
necessaacuteria em uma sociedade democraacutetica
No caso pode ser feito o destaque para o trecho da sentenccedila em que analisando a
necessidade da medida de investigaccedilatildeo do crime de difamaccedilatildeo a Corte arguiu que a tarefa do
tribunal internacional no exerciacutecio de sua competecircncia de fiscalizaccedilatildeo natildeo eacute de tomar o lugar
das autoridades competentes mas sim rever as decisotildees que porventura violarem preceitos
previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem quando entregues ao poder de
apreciaccedilatildeo do Estado Deve entatildeo a Corte agrave luz do caso como um todo avaliar se a medida
tomada pelo Estado foi proporcional ao objetivo legiacutetimo perseguido e se os motivos
indicados pelas autoridades nacionais satildeo suficientes e relevantes Por tais motivos no caso
em questatildeo o TEDH declarou que houve violaccedilatildeo por parte do Estado Francecircs do direito de
liberdade de expressatildeo devendo este arcar com uma indenizaccedilatildeo agraves partes prejudicadas
Ainda dentro dessa esfera de atuaccedilatildeo mais precisamente no que concerne ao direito
democraacutetico de livre reuniatildeo e associaccedilatildeo previsto no artigo 11105
da Convenccedilatildeo Europeia o
destaque pode ser dado aos casos do Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia106
julgado em 2005 e Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia107
julgado em 2006 O primeiro deles
trata da questatildeo de dissoluccedilatildeo do Partido Comunista da Turquia ordenado pelo Tribunal
Constitucional do paiacutes sob as razotildees de que era incompatiacutevel com as obrigaccedilotildees
constitucionais e convencionais do Estado
Ao apreciar tal caso a Corte alegou que os partidos poliacuteticos satildeo estruturas essenciais
para o bom e justo funcionamento da democracia Embora natildeo negue certa margem de
deferecircncia aos Estados para que dissolvam partidos poliacuteticos que poderiam tentar minar a
estrutura constitucional do Estado tal decisatildeo se executada pode sofrer revisatildeo se natildeo
105
Artigo 11 Liberdade de reuniatildeo e de associaccedilatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo
paciacutefica e agrave liberdade de associaccedilatildeo incluindo o direito de com outrem fundar e filiar-se em sindicatos para a
defesa dos seus interesses 2 O exerciacutecio deste direito soacute pode ser objeto de restriccedilotildees que sendo previstas na
lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a seguranccedila
puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral ou a proteccedilatildeo dos direitos
e das liberdades de terceiros O presente artigo natildeo proiacutebe que sejam impostas restriccedilotildees legiacutetimas ao exerciacutecio
destes direitos aos membros das forccedilas armadas da poliacutecia ou da administraccedilatildeo do Estado CONVENCcedilAtildeO
EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS
1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 106
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia
Sentenccedila de 2005 Acesso 05 nov 2014 107
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia Sentenccedila de 15 de
julho de 2006 Acesso 05 nov 2014
52
adequar-se agraves previsotildees da Convenccedilatildeo Europeia Logo o Tribunal embora tenha feito a
ressalva de que podem os Estados dissolver partidos poliacuteticos na situaccedilatildeo afirmou que houve
violaccedilatildeo dos direitos de liberdade de associaccedilatildeo visto que natildeo havia qualquer indiacutecio de que
o partido por ter ideal comunista poderia colocar em risco a estrutura do Estado
Da mesma forma o caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia que envolve o direito
de liberdade sindical Na situaccedilatildeo o Governo turco justifica o fechamento de sindicatos com
base em previsotildees da legislaccedilatildeo trabalhista interna a qual natildeo permite que funcionaacuterios criem
sindicatos A Corte na anaacutelise da situaccedilatildeo tambeacutem asseverou que houve violaccedilatildeo do artigo
11 mesmo que neste existam ressalvas em relaccedilatildeo agrave liberdade de associaccedilatildeo de membros das
Forccedilas Armadas da Poliacutecia e da Administraccedilatildeo do Estado Contudo essas limitaccedilotildees devem
ser interpretadas pelos Estados dentro da sua margem de apreciaccedilatildeo de maneira restrita
Se esses casos expostos ilustram exemplos de margem nacional de apreciaccedilatildeo
reduzida ou inexistente o polo oposto envolve os direitos concernentes agrave propriedade para os
quais a Corte Europeia possui entendimento de que a margem de deferecircncia agraves autoridades
domeacutesticas deve ser maior e mais elaacutestica bem como a supervisatildeo por parte do Tribunal
Internacional deve ser menor e relativizada Isso porque as autoridades nacionais em uma
concepccedilatildeo semelhante agrave de juiz natural no processo estariam mais bem situadas que o juiz
internacional para avaliar qual eacute o interesse geral de uma comunidade nessa seara108
A proteccedilatildeo internacional dos direitos de propriedade encontra-se no artigo 1ordm109
do
Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo de Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades
Fundamentais Jaacute na previsatildeo normativa encontra-se a prerrogativa de que qualquer pessoa
singular ou coletiva tem direito ao respeito de seus bens natildeo podendo haver privaccedilatildeo da
propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica ou por condiccedilotildees previstas em lei Desta maneira
as demandas soacute seratildeo revistas pela Corte caso implicarem violaccedilatildeo expliacutecita a esse artigo
Segundo Roca110
a jurisprudecircncia internacional definiu que a previsatildeo normativa
anteriormente destacada segue trecircs criteacuterios em primeiro lugar deve ser respeitado o direito
ao respeito e gozo paciacutefico dos bens dos indiviacuteduos Na sequecircncia a segunda regra
108
CONTRERAS op cit p 40 109
Artigo 1 Proteccedilatildeo da propriedade Qualquer pessoa singular ou coletiva tem direito ao respeito dos seus bens
Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas
pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo
do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso
dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees
ou de multas CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS
LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 110
ROCA op cit p 127
53
compreende uma garantia contra a privaccedilatildeo ilegal ou seja somente poderaacute haver
expropriaccedilatildeo ou privaccedilatildeo da propriedade em casos de utilidade puacuteblica e de acordo com
condiccedilotildees legalmente previstas Por fim o terceiro paracircmetro eacute a possibilidade de o Estado
estabelecer restriccedilotildees ao direito de propriedade tendo por base a prevalecircncia do interesse
puacuteblico sobre o privado
Logo sob a base desses criteacuterios e de alguns casos jaacute julgados pelo oacutergatildeo jurisdicional
internacional eacute possiacutevel asseverar que a margem de apreciaccedilatildeo concedida aos paiacuteses eacute larga
quando se estaacute diante dos direitos de propriedade No caso Back vs Finlacircndia111
de 2004 que
trata de noccedilotildees de utilidade puacuteblica em casos de expropriaccedilatildeo haacute o reforccedilo da noccedilatildeo de
subsidiariedade da Corte Europeia com o entendimento de que esta deve respeitar as decisotildees
das autoridades nacionais soacute sendo possiacutevel e viaacutevel a intervenccedilatildeo se o juiacutezo for
manifestamente desprovido de bases racionais
Por fim poreacutem natildeo menos importante aborda-se o uacuteltimo grupo de jurisprudecircncias da
Corte Europeia de Direitos Humanos que pode ser enquadrado no que Roca determina como
ciacuterculo mediano vez que conteacutem temas em que o posicionamento do Tribunal de Estrasburgo
em relaccedilatildeo agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute oscilante Eacute nesse grupo que pode ser
visualizada toda a complexidade da margem e suas vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis em casos
semelhantes envolvendo por exemplo liberdade religiosa direito de homossexuais e
transexuais e outros temas
Justamente nesse ciacuterculo que natildeo apresenta por parte dos doutrinadores jaacute referidos no
capiacutetulo anterior um criteacuterio de unificaccedilatildeo se apresenta o embate entre o universalismo de
alguns direitos previstos nos marcos normativos internacionais de direitos humanos ndash com
destaque para a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos ndash e o relativismo relativo a noccedilotildees
religiosas e culturais que compotildeem a identidade dos diferentes povos europeus
Nesse aspecto no que tange agrave liberdade religiosa a qual eacute prevista pelo artigo 9ordm112
da
CEDH temos duas decisotildees emblemaacuteticas do Tribunal de Estrasburgo o caso Lautsi vs
111
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-114486itemid[001-114486] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Back vs Finlacircndia Sentenccedila de 13 de novembro de 2002
Acesso 05 nov 2014 112
Artigo 9 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de pensamento de consciecircncia e de religiatildeo este direito
implica a liberdade de mudar de religiatildeo ou de crenccedila assim como a liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou a
sua crenccedila individual ou coletivamente em puacuteblico e em privado por meio do culto do ensino de praacuteticas e da
celebraccedilatildeo de ritos 2 A liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou convicccedilotildees individual ou coletivamente natildeo
pode ser objeto de outras restriccedilotildees senatildeo as que previstas na lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa
sociedade democraacutetica agrave seguranccedila puacuteblica agrave proteccedilatildeo da ordem da sauacutede e moral puacuteblicas ou agrave proteccedilatildeo dos
direitos e liberdades de outrem CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO
54
Itaacutelia113
julgado em 2011 e o caso Leyla Sahin vs Turquia114
julgado em 2005 Isso porque
nesses casos respectivamente o TEDH referendou as normas que impotildeem a presenccedila de
crucifixos nas escolas puacuteblicas italianas e natildeo opocircs objeccedilotildees a restriccedilotildees estatais concernentes
ao uso do veacuteu islacircmico no contexto educativo
No primeiro caso o TEDH retificou a decisatildeo da Corte Constitucional Italiana que
em 2009 havia estabelecido por unanimidade que a norma italiana a qual impunha desde a
deacutecada de 1920 a presenccedila de crucifixo nas paredes de escolas puacuteblicas havia violado o direito
da senhora Lautsi a educar seus filhos conforme suas convicccedilotildees laicas e liberdade religiosa
Portanto o Tribunal italiano argumentou que a manutenccedilatildeo de um siacutembolo religioso em salas
de aula de uma escola puacuteblica poderia perturbar emocionalmente os estudantes que natildeo
professassem religiatildeo alguma a ter a percepccedilatildeo de que o contexto educativo estava marcado
pela religiatildeo
Para retificar tal sentenccedila o TEDH argumentou por uma valoraccedilatildeo abstrata de
compatibilidade entre a norma italiana que permitia o uso de crucifixos nas escolas puacuteblicas e
os direitos convencionais sendo que a margem nacional de apreciaccedilatildeo foi aplicada para essa
valoraccedilatildeo da norma italiana Em primeiro lugar o Tribunal Europeu matizou quais satildeo as
exigecircncias convencionais de neutralidade religiosa na educaccedilatildeo indicando que se proiacutebe o
proselitismo ou a adoccedilatildeo no marco educativo de algo compatiacutevel com o estabelecimento de
o ensino obrigatoacuterio de uma religiatildeo ou a imposiccedilatildeo de uma religiatildeo no ensino puacuteblico
O crucifixo no entendimento do TEDH eacute um siacutembolo religioso passivo cuja
influecircncia natildeo se compara a que exercem a educaccedilatildeo religiosa ou a participaccedilatildeo em atividades
religiosas Logo a percepccedilatildeo subjetiva de que o crucifixo supotildee uma ausecircncia de respeito ao
direito de liberdade religiosa natildeo basta para considerar que tenha havido uma violaccedilatildeo agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Para o TEDH portanto sempre que natildeo exista
a pretensatildeo de doutrinar o Estado goza de margem de deferecircncia para decidir sobre a
permanecircncia dos crucifixos em sala de aula
HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 113
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-104040itemid[001-104040] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lautsi vs Italia Sentenccedila de 18 de marccedilo de 2011 Acesso 05
nov 2014 114
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-70956itemid[001-70956] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Leyla Sahin vs Turquia Sentenccedila de 10 de novembro de
2005 Acesso 05 nov 2014
55
No caso Leyla Sahin de proibiccedilatildeo do uso do veacuteu islacircmico por uma jovem no recinto
de sua universidade para o TEDH os Estados tecircm autonomia para limitar o uso do veacuteu em
locais como escolas puacuteblicas ou universidades Para referendar essa restriccedilatildeo agrave liberdade
religiosa o Tribunal Europeu admitiu o uso da margem de apreciaccedilatildeo por parte do Estado em
razatildeo da ausecircncia de um consenso europeu sobre a mateacuteria somado agrave ideia de que as
autoridades nacionais podem lidar melhor com o assunto por estarem mais perto das
realidades nacionais do que o oacutergatildeo jurisdicional internacional
Para o TEDH desta forma a opccedilatildeo poliacutetica de um Estado pelo laicizismo pode
justificar restriccedilotildees agrave liberdade religiosa e exigir sacrifiacutecios aos indiviacuteduos em prol da
harmonia religiosa do paiacutes Embora portanto haja restriccedilatildeo da liberdade individual religiosa
no caso em questatildeo a proibiccedilatildeo natildeo viola a CEDH
A aplicaccedilatildeo dos princiacutepios da subsidiariedade e da proporcionalidade bem como a
falta de consenso na Europa acerca de questotildees como as apresentadas marcaram o
posicionamento do TEDH na concessatildeo de margem de deferecircncia aos Estados no que
concerne agrave liberdade religiosa A grande criacutetica contudo reside na falta de criteacuterios
especiacuteficos e de clareza no uso da ferramenta
Neste uacuteltimo grupo portanto vislumbra-se o que Kratochivil115
menciona como
ldquomedida misteriosardquo ou seja natildeo existem paracircmetros ou criteacuterios especiacuteficos para a aplicaccedilatildeo
da margem Pelo contraacuterio haacute falta de clareza e de limites demonstrando que a banalizaccedilatildeo
do uso da MNA liquidifica sua substacircncia e pode gerar inseguranccedila juriacutedica aos litigantes
Sob essa oacutetica no campo de direitos inderrogaacuteveis como eacute o caso dos direitos que compotildeem
esse uacuteltimo grupo a consideraccedilatildeo de Vila116
merece destaque
Segundo a autora nesse campo que envolve relativismos culturais a postura do TEDH
varia entre a adoccedilatildeo de uma versatildeo voluntarista de MNA ou a adoccedilatildeo de uma versatildeo
racionalista A primeira se centra no direito de que o Tribunal de Estrasburgo eacute um oacutergatildeo
internacional e assume uma visatildeo normativa e natildeo meramente temporal ou procedimental
acerca do princiacutepio da subsidiariedade Por isso o TEDH reconhece que sua legitimidade
poliacutetica eacute meramente derivada e outorga uma presunccedilatildeo em favor do Estado evitando realizar
uma valoraccedilatildeo independente de compatibilidade entre as medidas impugnadas e o convecircnio
Esta presunccedilatildeo soacute eacute rompida quando haacute razotildees fortes para concluir que o Estado extrapolou o
exerciacutecio de sua autonomia Sob a oacutetica desta concepccedilatildeo fatores como a falta de consenso
115
KRATOCHVIL op cit p 330 116
VILA op cit p 10
56
europeu ou a ideia de que os Estados situam-se em um local melhor apropriado para decidir
adquirem importacircncia por razotildees de legitimidade institucional
Entretanto a oacutetica racionalizada de MNA percebe a ferramenta como um resultado de
efetuar um balanccedilo entre os valores que estatildeo em jogo na proteccedilatildeo dos direitos convencionais
mais do que uma presunccedilatildeo de partida em favor do Estado O TEDH centra-se em examinar
se a medida estatal impugnada consegue alcanccedilar um balanccedilo equitativo entre direitos
individuais e valores democraacuteticos A finalidade natildeo eacute justificar a deferecircncia mas reconhecer
de modo equilibrado os valores democraacuteticos no seio da CEDH
Sobretudo neste uacuteltimo grupo analisado ao qual aqui somente satildeo trazidos casos em
relaccedilatildeo agrave liberdade religiosa (artigo 9ordm da CEDH) concentram-se as criacuteticas em relaccedilatildeo agrave
falta de paracircmetros do TEDH para deferir ou natildeo uma margem de apreciaccedilatildeo aos Estados
Essa variabilidade eacute por alguns117
definida como um ponto negativo de falta de definiccedilatildeo de
criteacuterios o que pode levar a uma margem larga ou a uma margem estreita A primeira poderia
conduzir ao processo de fragmentaccedilatildeo do espaccedilo europeu enquanto a segunda poderia forccedilar
a integraccedilatildeo sob o domiacutenio de uma concepccedilatildeo moderna de direitos humanos pautada pelo
liberalismo e individualismo
Deste modo duas respostas podem ser concedidas agrave pergunta cerne deste trabalho a
margem constitui-se em um instrumento eficaz no processo de construccedilatildeo de um direito
comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa uma vez que sob a perspectiva eacutetica
destes direitos o TEDH preza pela preservaccedilatildeo do irredutiacutevel humano e dos direitos
inderrogaacuteveis e absolutos da pessoa humana Prova disso eacute a ausecircncia ou a miacutenima margem
que eacute concedida para casos envolvendo tortura ou tratamentos humanos degradantes ou
violaccedilatildeo de direitos democraacuteticos
No entanto a ausecircncia de paracircmetros e de criteacuterios por parte do Tribunal de
Estrasburgo (ausecircncia constatada por diversos doutrinadores trazidos ao longo deste trabalho
e exemplificada de modo sinteacutetico atraveacutes da anaacutelise de casos emblemaacuteticos envolvendo
liberdade religiosa) no julgamento de direitos humanos quando vinculados a questotildees
culturais demonstram que no campo praacutetico ainda haacute muito para avanccedilar no processo de
siacutentese entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo dos direitos culturais
117
BRUM et SALDANHA Op cit
57
CONCLUSAtildeO
Slavoj Zizek118
certa vez afirmou que o papel do filoacutesofo natildeo eacute o de propor iniciativas
capazes de mudar o mundo ou as situaccedilotildees em curso mas de observar e interpretar a realidade
que eacute posta A pretensatildeo deste trabalho natildeo difere da conceituaccedilatildeo de filoacutesofo por Zizek Isso
porque em nenhum momento busca-se apresentar alternativas fortes para resolver problemas
postos mas sim almeja-se observar sob um amplo espectro os reflexos da mundializaccedilatildeo
dentro do Direito e de modo especiacutefico como atua o Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem no que concerne agrave aplicaccedilatildeo da figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
Aos mais observadores da realidade que se apresenta eacute impossiacutevel negar que na atual
conjuntura da sociedade informacional a proliferaccedilatildeo exacerbada e anaacuterquica de normas e
instituiccedilotildees juriacutedicas gera uma sensaccedilatildeo de caos e de desordem que clama por uma ordenaccedilatildeo
Embora esse verdadeiro mosaico em que se transformou o Direito na atualidade possa ser
vislumbrado em acircmbito global uma anaacutelise mais apurada de uma parte do todo em
especiacutefico da Europa se mostra pertinente para avaliar as possibilidades de construccedilatildeo de um
pluralismo ordenado
A base possiacutevel desse pluralismo ordenado invariavelmente eacute um direito comum cujo
alicerce se encontra nos direitos humanos No contexto europeu de convivecircncia simultacircnea
de uma ldquopequena Europardquo e de uma ldquogrande Europardquo embora o direito comunitaacuterio jaacute tenha
se consolidado sendo um modelo sui generis para todo o globo ainda eacute preciso avanccedilar no
acircmbito da ldquogrande Europardquo ou do sistema regional europeu dos direitos do homem para a
criaccedilatildeo de um direito comum
Nesse sentido parece indiscutiacutevel que a base de um direito comum europeu seja
alicerccedilada na proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua dimensatildeo moral miacutenima ou no que
Delmas denomina de miacutenimo eacutetico universal e irredutiacutevel humano Logo a universalizaccedilatildeo
almejada natildeo tem como objetivo impor referecircncias de uma cultura sobre as demais e sim o
diaacutelogo entre as diferentes particularidades existentes no seio das diversas sociedades que
convivem na Europa a fim de encontrar o que haacute de valores comuns em todas elas
Todavia por mais que a premissa seja de faacutecil compreensatildeo os embates entre
universalismos e relativismos culturais estatildeo na ordem do dia na agenda do Tribunal de
Estrasburgo de modo que um dos temais mais debatidos atualmente no continente se refere
118
ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo Boitempo 2008
58
ao uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo por este tribunal a fim de conferir deferecircncia aos
Estados em algumas mateacuterias para decidir acerca de questotildees sensiacuteveis
O objetivo do presente trabalho foi o de analisar essa ferramenta hermenecircutica de
origem europeia sob a oacutetica de caos juriacutedico anteriormente apresentado De acordo com o que
fora apurado e estudado chegou-se a conclusatildeo de que o uso dessa doutrina contribui ainda
que de modo tiacutemido para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema europeu
Isso porque quando se tratam de temas concernentes agrave tortura a tratamentos humanos
degradantes a penas desproporcionais ou ainda a direitos democraacuteticos a Corte opta por
definir um entendimento que deve ser aplicado em todos os paiacuteses independentemente de
especificidades culturais Estariacuteamos proacuteximos portanto de uma definiccedilatildeo de direitos
humanos inderrogaacuteveis ou de um miacutenimo eacutetico universal proposto por Delmas e jaacute idealizado
por Kant em sua premissa de direito cosmopoliacutetico
No que tange ao restante dos direitos humanos em uma dimensatildeo cultural pode-se
dizer que a teoria da margem traduz uma ideia de que estaacute eacute capaz de harmonizar o
universalismo dos direitos humanos e o pluralismo advindo das diversidades culturais e
religiosas dos paiacuteses europeus Entretanto consoante a anaacutelise de posiccedilotildees doutrinaacuterias acerca
da utilizaccedilatildeo praacutetica do instituto pelo Tribunal de Estrasburgo bem como o embate
paradigmaacutetico de julgados envolvendo liberdade religiosa parece inevitaacutevel a conclusatildeo de
que como meacutetodo de harmonizaccedilatildeo entre plural e universal o oacutergatildeo jurisdicional
internacional do sistema europeu ainda tem muito a evoluir sobretudo na definiccedilatildeo de
paracircmetros e criteacuterios para servir de norte baacutesico em relaccedilatildeo aos mais diversos casos
59
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6
ABSTRACT
Graduation Monografh
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Federal University of Santa Maria
INTERNATIONALIZATION LAW AND WAYS FOR THE
CONSTRUCTION OF A COMMON EUROPEAN LAW
ANALISYS OF MARGIN OF APPRECIATION
Author Rafaela da Cruz Mello
Adviser Jacircnia Maria Lopes Saldanha
Date and Place of the Defense Santa Maria November 28 2014
The evolution of industrial society to the information society brings about significant changes
in the legal structures It is said that today the legal harvest resembles a mosaic in which a
real apparent chaos ensues because of the multiplicity of rules and various hierarchies of
institutions In this context the European continent can be considered as a true laboratory
studies since in the same territory live the little Europe marked by already established
Community law and the big Europe regional rights protection system humans Under this
scenario analysis of the European area do you propose this study to examine the possibility of
building a common law on human rights in Europe analyzing in order to facilitate such a
project hermeneutics figure of the National Assessment Bank We use the deductive method
of approach and the monographic method and procedure to better work with the theme the
work is divided into two main part the first analyzes the evolution of human rights in the two
spheres of Europe for in sequence work specifically with the contribution of the new legal
geometries the process of universalization of human rights and the national margin of
appreciation to build the foundations of a pluralistic European common law In sequence
addresses solely the Institute of National bank in order to ascertain whether how the
European Court of Human Rights applies to effectively contributes tool for the creation of this
common law and if possible harmonization between universalism of human rights and
cultural relativism of plurality and particularism
Keywords Europe universalism relativism common law national margin of appreciation
7
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 8
1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM
DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS 11
11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave
criaccedilatildeo de um direito comum 11
12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias
juriacutedicas a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da
figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo 20
2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU 33
21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem
Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu 33
22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos 43
CONCLUSAtildeO 57
REFEREcircNCIAS 59
8
INTRODUCcedilAtildeO
No iniacutecio do seacuteculo XX Hans Kelsen1 em ldquoTeoria Pura do Direitordquo defendeu a tese de
que para entender a ciecircncia juriacutedica era necessaacuterio observaacute-la de modo dissociado de outras
ciecircncias O autor propocircs a compreensatildeo do direito a partir da famosa piracircmide kelseniana a
norma fundamental ndash a Constituiccedilatildeo ndash estaria no topo da piracircmide e seria capaz de dotar de
validade o restante do ordenamento juriacutedico Abaixo desta norma fundamental estariam as
demais leis e regras do direito sendo que tal formulaccedilatildeo estagnada e sistemaacutetica da ordem
juriacutedica adequava-se aos anseios de organizaccedilatildeo de uma sociedade industrial
Todavia por trabalhar com conflitos sociais o direito natildeo fica alheio agraves vicissitudes
do seacuteculo XX sendo que a Europa apresenta-se como um importante laboratoacuterio de
observaccedilatildeo de mudanccedilas Apoacutes a Segunda Guerra Mundial emergem na sociedade poacutes-
industrial e posteriormente informacional novas estruturas juriacutedicas que natildeo mais satildeo
capazes de se adequar agrave inflexiacutevel loacutegica hieraacuterquica kelseniana Estamos na era do que
Losano2denomina de ldquodireito turbulentordquo que se move se agita e muda de modo veloz assim
como a sociedade que o cerca embora natildeo tatildeo rapidamente quanto esta sociedade
Em razatildeo disso novas geometrias satildeo criadas para tentar explicar o panorama juriacutedico
da sociedade atual Na Europa por exemplo em que temos convivendo sistemas juriacutedicos de
origens e de ordens diversas ndash sistema internacional nacional supranacional ndash autores
determinam que se vive o tempo do Estado em Rede3ou dos aneacuteis disformes com a
proximidade de guirlandas4 ocasionando ao mais despercebido leitor da realidade um
sentimento de caos juriacutedico
Nesse sentido eacute possiacutevel destacar o pensamento de Mireille Delmas-Marty5 que
revoluciona o pensamento de Kelsen Segundo ela essa falta de sistematizaccedilatildeo
aparentemente anaacuterquica eacute solo feacutertil para a construccedilatildeo de um direito comum pluralista em
1 KELSEN Hans Teoria Pura do Direito Traduccedilatildeo de Joatildeo Baptista Machado Satildeo Paulo Martins Fontes
1996 2 LOSANO Mario G Modelos teoacutericos inclusive na praacutetica da piracircmide agrave rede Novos paradigmas nas
relaccedilotildees entre direitos nacionais e normativas supraestatais Revista do Instituto dos Advogados do Estado de
Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 08 n16 p 264-284 2005 3 CASTELLS Manuel Para o Estado-Rede globalizaccedilatildeo econocircmica e instituiccedilotildees poliacuteticas na era da
informaccedilatildeo In PEREIRA Luiz Carlos Bresser WILHEIM Jorge SOLA Lourdes (Org) Sociedade e Estado
em transformaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora UNESP Brasiacutelia ENAP 1999a p164 4 DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006
5 Id 2004a
9
mateacuteria de direitos humanos A sociedade em tempos de globalizaccedilatildeo precisa resistir ao
processo de desumanizaccedilatildeo e de coisificaccedilatildeo do homem de modo que a base para a
construccedilatildeo desse direito comum pluralista devem ser os direitos humanos
Sob a oacutetica europeia que seraacute aqui analisada por ser um importante referencial para os
estudos das mudanccedilas sociais e juriacutedicas dos seacuteculos XX e XXI de que direitos humanos
referimo-nos para ser a base de um direito comum Em um continente tatildeo muacuteltiplo e plural
como realizar o diaacutelogo positivo entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo
das diferentes culturas
Sob esta oacutetica emerge a figura central desse estudo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
(MNA) bem como sua contribuiccedilatildeo para a construccedilatildeo de um direito comum e para a
harmonizaccedilatildeo entre universalismo e relativismo no contexto da Europa Este recurso
hermenecircutico denominado Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo trata-se de uma construccedilatildeo
jurisprudencial criada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante tambeacutem
referido como Tribunal de Estrasburgo) com a finalidade de conferir algum espaccedilo de
deferecircncia para que os tribunais nacionais dos Estados possam decidir algumas questotildees
consoante suas particularidades locais
Embora esta seja a teoria sob a qual se alicerccedila o instituto almeja-se neste trabalho
responder os seguintes questionamentos a doutrina da MNA aplicada pelo Tribunal Europeu
dos Direitos Humanos contribui para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema
europeu de proteccedilatildeo dos direitos do homem Em sua aplicaccedilatildeo praacutetica a margem se mostra
como um recurso eficaz para harmonizar o universalismo dos direitos humanos e o pluralismo
advindo das diversidades culturais e religiosas dos diferentes paiacuteses que fazem parte do
Conselho da Europa
Para responder tal questionamento utilizou-se o meacutetodo dedutivo como meacutetodo de
abordagem e o meacutetodo monograacutefico de procedimento atraveacutes da leitura e fichamento das
diferentes construccedilotildees teoacutericas e doutrinaacuterias sobre o tema bem como anaacutelise de alguns
julgamentos paradigmaacuteticos do Tribunal de Estrasburgo Para melhor compreensatildeo da
complexidade do tema trabalhado dividiu-se esta monografia em duas grandes partes a parte
1 se ocupa da paisagem europeia no poacutes-Segunda Guerra Mundial com a criaccedilatildeo da ldquopequena
Europardquo do direito comunitaacuterio e da ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos
direitos humanos avaliando em ambos os cenaacuterios de que modo se deu a preocupaccedilatildeo com a
temaacutetica dos direitos humanos ou fundamentais (11)
Por conseguinte no intuito de aprofundar o estudo sobre a possibilidade de criaccedilatildeo de
um direito comum no contexto da ldquogrande Europardquo buscou-se uma anaacutelise das novas
10
geometrias da paisagem juriacutedica e do tipo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos que se
procura dentro desse cenaacuterio avaliando por conseguinte o surgimento da figura da MNA
(12) A parte 2 por sua vez objetiva a anaacutelise pura do instituto da Margem Nacional de
Apreciaccedilatildeo averiguando o histoacuterico de sua criaccedilatildeo e as definiccedilotildees acerca de seu conceito
(21) para na sequecircncia avaliar a partir da anaacutelise de alguns julgamentos paradigmaacuteticos do
Tribunal de Estrasburgo se tal ferramenta hermenecircutica se demonstra eficaz no processo de
harmonizaccedilatildeo das tensotildees entre universalismo e relativismos e se pode ser relevante no
processo de criaccedilatildeo de um direito comum cuja base satildeo os direitos humanos (22)
11
1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM
DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS
O seacuteculo XX trouxe mudanccedilas significativas para os mais diversos segmentos da vida
social e o direito natildeo ficou alheio agraves vicissitudes decorrentes do poacutes-Segunda Guerra Mundial
O continente europeu sobretudo passa a ser o cenaacuterio de revoluccedilotildees na estrutura juriacutedica ateacute
entatildeo conhecida com o surgimento praticamente concomitante de instituiccedilotildees supranacionais
e internacionais para aleacutem das nacionais
Neste vieacutes uma das preocupaccedilotildees primordiais do poacutes-guerra foi a de garantir a tutela
dos direitos humanos mesmo diante das mudanccedilas latentes no cenaacuterio juriacutedico Desta feita
deparamo-nos com duas esferas dentro do cenaacuterio europeu a ldquopequena Europardquo que origina
um direito comunitaacuterio europeu o qual mesmo tendo se ocupado com questotildees relativas agrave
economia e agrave integraccedilatildeo regional desenvolve a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais
atraveacutes do diaacutelogo jurisprudencial entre cortes de naturezas distintas e a ldquogrande Europardquo do
sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos espaccedilo haacutebil e possiacutevel para ser base de
criaccedilatildeo de um direito comum (11) Da evoluccedilatildeo de um campo ao outro a premissas de
universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo buscam
legitimar e consolidar a criaccedilatildeo desse direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
(12)
11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave
criaccedilatildeo de um direito comum
O historiador britacircnico Eric Hobsbawn6 talvez tenha encontrado a melhor adjetivaccedilatildeo
para o seacuteculo XX a ldquoEra dos Extremosrdquo Nas palavras do proacuteprio autor ldquoNatildeo sabemos o que
6 HOBSBAWN Eric A era dos extremos o breve seacuteculo XX 1941-1991 Satildeo Paulo Companhia das Letras
1995
12
viraacute a seguir nem como seraacute o segundo milecircnio embora possamos ter a certeza de que ele
teraacute sido moldado pelo Breve Seacuteculo XXrdquo7
Nesse sentido a Segunda Guerra Mundial representa o marco crucial natildeo soacute para a
preocupaccedilatildeo global em relaccedilatildeo aos direitos humanos8 com a criaccedilatildeo e fortalecimento de uma
grande quantidade de instrumentos normativos responsaacuteveis por sua tutela em acircmbito
mundial como tambeacutem para o surgimento de uma nova Europa Apoacutes o teacutermino da guerra
que teve como palco principal de seus acontecimentos o continente europeu diversos paiacuteses
se encontravam em uma situaccedilatildeo de caos politico fragmentaccedilatildeo e enfraquecimento
econocircmico aleacutem do perigo iminente de eclosatildeo de uma nova disputa de proporccedilotildees mundiais
advinda da dicotomia entre capitalismo e socialismo na entatildeo incipiente Guerra Fria
Eacute nesse contexto que emerge a ideia de criaccedilatildeo de um espaccedilo comum europeu
consubstanciado atraveacutes da integraccedilatildeo regional entre os paiacuteses do continente Ainda no inicio
do seacuteculo XX eacute possiacutevel destacar a ocorrecircncia de propostas relativamente concretas para a
integraccedilatildeo europeia como eacute o caso da proposta do francecircs Aristides Briand em 1929 de
criaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia sob a oacutetica de uma federaccedilatildeo ou seja fundada sob uma
noccedilatildeo de uniatildeo o que implica o respeito agrave soberania9 Todavia a crise econocircmica mundial a
ascensatildeo de nacionalismos na Europa e por fim a eclosatildeo da segunda grande guerra
obstaculizaram a adesatildeo a essa proposta
O cenaacuterio do poacutes-guerra de desintegraccedilatildeo social e miseacuteria econocircmica em grande parte
dos paiacuteses envolvidos gerou a instalaccedilatildeo do Congresso da Europa em Haia nas datas de 7 a
11 de maio de 1948 no qual houve a criaccedilatildeo do ldquoMovimento Europeurdquo No referido
congresso duas correntes foram estabelecidas as quais impulsionaram o surgimento da
ldquopequena Europardquo10
e da ldquogrande Europardquo respectivamente a Europa dos federalistas e a
7 Ibid p14
8 Pode-se nesse sentido destacar a descriccedilatildeo de Valeacuterio Mazzuoli de que desde a Segunda Guerra Mundial em
decorrecircncia dos horrores e atrocidades cometidos durante esse periacuteodo em que muitas vidas eram consideradas
como nuacutemeros e valiam tatildeo pouco os direitos humanos passaram a constituir um dos principais temas do Direito
Internacional contemporacircneo A normatividade internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos foi conquistada
por meio de lutas histoacuterias contiacutenuas e incessantes e consubstanciada em diversos tratados concluiacutedos com esse
propoacutesito tendo sido fruto de um lento e gradual processo de internacionalizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo desses
mesmos direitos o qual fora intensificado com o fim da Segunda Guerra Mundial MAZZUOLI Valeacuterio de
Oliveira Curso de Direito Internacional Puacuteblico 5 ed Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 811 9 SILVA Karine de Sousa Uniatildeo Europeia antecedentes e evoluccedilatildeo histoacuterica In SILVA Karine de Souza
COSTA Rogeacuterio Santos da(Org) Organizaccedilotildees Internacionais de Integraccedilatildeo Regional Uniatildeo Europeia
Mercosul e UNASUL Florianoacutepolis Ed Da UFSC Fundaccedilatildeo Boiteux 2013 p 54 10
Doravante por ldquopequena Europardquo estar-se-aacute referindo aos paiacuteses participantes da Uniatildeo Europeia sujeitos
portanto agraves decisotildees das instituiccedilotildees da Uniatildeo dentre as quais se destaca o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo
Europeia ldquoGrande Europardquo por sua vez refere-se aos paiacuteses que aderiram ao Conselho da Europa que hoje
somam um total de 47 (quarenta e sete) membros e que se submetem agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal Europeu de
Direitos Humanos PRINO Carla Sofia Abreu Relaccedilotildees entre TJUE e TEDH no contexto de adesatildeo da UE agrave
13
Europa dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental11
Os primeiros defendiam uma
integraccedilatildeo mais profunda entre os paiacuteses com transferecircncia de parcela de soberania dos
Estados para uma instituiccedilatildeo com poderes supranacionais sendo esta a base para a criaccedilatildeo da
Comunidade Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) Os segundos por sua vez se opunham agrave
cessatildeo de direitos soberanos impulsionando com seus ideais a criaccedilatildeo em 1949 do
Conselho da Europa com sede em Estrasburgo
Natildeo obstante essa divisatildeo surgida no Congresso da Europa eacute possiacutevel afirmar que a
base de construccedilatildeo da atual Uniatildeo Europeia deu-se com a criaccedilatildeo da Comunidade Europeia
do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) movida pelos ideais integracionistas do francecircs Jean Monnet
Contratado no poacutes-guerra para participar do Plano de Modernizaccedilatildeo e Equipamento da
Franccedila Monnet tinha medo de que o Plano Marshall norte-americano de empreacutestimo de
dinheiro para a reconstruccedilatildeo da Europa pudesse gerar uma diacutevida eterna aos paiacuteses do
continente com os Estados Unidos e para escapar disso via como uacutenica soluccedilatildeo a promoccedilatildeo
de um esforccedilo comum dos Estados atraveacutes de projetos de integraccedilatildeo regional
Por isso redigindo o texto da Declaraccedilatildeo de Schuman de 1950 Monet propagava a
ideia de integraccedilatildeo como meio de assegurar a paz e reerguer a poliacutetica e a economia dos
paiacuteses que foram destruiacutedos pela guerra Nesse sentido sua ideia foi a partir de uma ideologia
pacifista de influecircncia kantiana neutralizar a rivalidade franco-alematilde atraveacutes de uma espeacutecie
de mercado comum com a criaccedilatildeo de uma organizaccedilatildeo internacional com caraacuteter
supranacional que seria responsaacutevel pela gestatildeo dos recursos naturais da regiatildeo do Sarre e do
Ruhr os quais seriam colocados a serviccedilo da paz e natildeo da guerra12
A proposta integracionista daquele que eacute considerado o arquiteto do projeto de
integraccedilatildeo europeia era de retirar da matildeo dos Estados a capacidade de gestatildeo dos recursos
energeacuteticos que movimentavam a induacutestria beacutelica e da guerra Desta forma uma autoridade
internacional mais especificamente uma organizaccedilatildeo internacional setorial seria criada com
um status supranacional para gerenciar e administrar a produccedilatildeo de carvatildeo e de accedilo
funcionando atraveacutes da delegaccedilatildeo de parcelas da soberania estatal em questotildees especiacuteficas
Assim em 1951 com a assinatura do Tratado de Paris criou-se a Comunidade
Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) com a participaccedilatildeo inicial de seis paiacuteses Franccedila
Alemanha Itaacutelia Beacutelgica Holanda e Luxemburgo Posteriormente em 1957 com o Tratado
CEDH Debater a Europa Nuacutemero 4 JaneiroJunho 2011 Disponiacutevel em httpwwweurope-direct-
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Editora Modelo 2010 p 35 12
Ibid p 60
14
de Roma a Comunidade Econocircmica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia para a
Energia Atocircmica (CEEA ou Euratom) foram criadas consolidando-se deste modo as trecircs
comunidades que fizerem emergir o direito comunitaacuterio no seio da Europa Foi contudo
somente em 1992 com o Tratado de Maastrich ou Tratado da Uniatildeo Europeia que nasceu a
Uniatildeo Europeia propriamente dita consagrada em trecircs pilares baacutesicos as comunidades que
inicialmente lhe deram base a colaboraccedilatildeo em mateacuteria de poliacutetica exterior e seguranccedila
comum e a cooperaccedilatildeo no acircmbito judicial e policial em mateacuteria penal13
Visiacutevel deste modo que o que impulsionou a criaccedilatildeo de um direito comunitaacuterio
europeu foi a necessidade de reorganizaccedilatildeo do continente apoacutes 1945 e o fortalecimento
econocircmico de antigas potecircncias rivais como foi o caso da Franccedila e da Alemanha Ocorre que
de modo concomitante ao crescimento dos ideais dos federalistas a segunda corrente oriunda
do Congresso da Europa de 1949 dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental tambeacutem
cresceu e se tornou visiacutevel vez que possuiacutea como objetivo a realizaccedilatildeo de uma uniatildeo mais
estreita entre seus membros de modo a salvaguardar os ideais e princiacutepios que satildeo seu
patrimocircnio comum e favorecer seu progresso social e econocircmico
O Conselho da Europa surgido em 1949 portanto configura-se como outra
organizaccedilatildeo internacional surgida na Europa do poacutes-guerra tendo como base a consolidaccedilatildeo
sob o principio da cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses e natildeo o federalismo que implica cessatildeo de
parcelas da soberania Seu propoacutesito eacute o de defesa dos direitos humanos desenvolvimento
democraacutetico e estabilidade poliacutetico-social na Europa sendo chamado de ldquogrande Europardquo por
desde o iniacutecio contar com mais adesotildees de paiacuteses em relaccedilatildeo agrave CECA Eacute justamente dentro
desse Conselho que surge o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em 1959
oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa e
responsaacutevel pela tutela dos direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem
(CEDH) de 1950
A eclosatildeo desses dois movimentos marca o iniacutecio de uma verdadeira revoluccedilatildeo dentro
da compreensatildeo do direito Se antes no continente europeu era possiacutevel vislumbrar a
existecircncia em grande medida e tatildeo somente de tribunais nacionais cuja competecircncia era
exercida dentro de determinado Estado sob a eacutegide de sua soberania o cenaacuterio altera-se e daacute
espaccedilo para a existecircncia natildeo soacute de tribunais nacionais como tambeacutem de tribunais
supranacionais e internacionais
13
Ibidem p 77
15
No caso do direito comunitaacuterio sua criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de
instituiccedilotildees que fortaleccedilam o sistema supranacional Em funccedilatildeo disso dentre os mais diversos
oacutergatildeos criados pelos sucessivos tratados comunitaacuterios pode-se destacar o Tribunal de Justiccedila
da Uniatildeo Europeia (TJUE) ou Tribunal de Luxemburgo
Este criado pelo Tratado de Paris de 1951 e adotado pelo Tratado de Roma de 1957
tem a finalidade de assegurar o cumprimento do direito comunitaacuterio e a interpretaccedilatildeo e
aplicaccedilatildeo dos Tratados dentro a vida da comunidade14
Submetem-se agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal
atualmente os vinte e oito15
paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e ao longo dos anos
ele se desenvolveu como uma importante instituiccedilatildeo capaz de contribuir ao desenvolvimento
da comunidade atraveacutes de consolidaccedilotildees jurisprudenciais e da conversatildeo dos tratados
constitutivos da comunidade em verdadeiras constituiccedilotildees materiais
Embora a preocupaccedilatildeo com os direitos humanos no cenaacuterio da ldquopequena Europardquo natildeo
tenha sido uma caracteriacutestica inicial dos tratados constitutivos das comunidades europeias o
diaacutelogo do Tribunal de Luxemburgo com os tribunais nacionais de alguns Estados europeus
traz agrave tona esse tema bem como se caracteriza por ser o grande responsaacutevel pela consolidaccedilatildeo
de princiacutepios baacutesicos do direito comunitaacuterio como eacute o caso da supremacia das normas
comunitaacuterias Neste vieacutes importante destaque deve ser feito ao caso CostaENEL16
de 1964
que marcou o surgimento da noccedilatildeo de supremacia das normas da comunidade europeia
O objeto de tal caso fora uma lei italiana de nacionalizaccedilatildeo da energia eleacutetrica
declarada incompatiacutevel com o Tratado da Comunidade Econocircmica Europeia Em sede de
reenvio prejudicial o Tribunal Constitucional Italiano enviou a questatildeo ao Tribunal de Justiccedila
da Uniatildeo Europeia o qual reconheceu que ao instituir uma comunidade de duraccedilatildeo ilimitada
com caraacuteter sui generis e poderes resultantes de delegaccedilatildeo de parcela da soberania os paiacuteses
limitariam seus direitos soberanos em prol de um conjunto de normas aplicaacutevel natildeo soacute agrave
comunidade como a todos os seus Estados membros17
14
OLIVEIRA Odete Maria de Uniatildeo Europeia processos de integraccedilatildeo e mutaccedilatildeo 1ordfed 3ordf tir Curitiba
Juruaacute 2003 15
Os vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia satildeo Alemanha Aacuteustria Beacutelgica Bulgaacuteria Chipre
Croaacutecia Dinamarca Eslovaacutequia Eslovecircnia Espanha Estocircnia Finlacircndia Franccedila Greacutecia Hungria Irlanda Itaacutelia
Letocircnia Lituacircnia Luxemburgo Malta Paiacuteses Baixos Polocircnia Portugal Reino Unido Repuacuteblica Checa
Romecircnia Sueacutecia Dados disponiacuteveis no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeuropaeuabout-
eucountriesmember-countriesindex_pthtm Acesso 01 nov 2014 16
O acoacuterdatildeo do referido caso encontra-se disponiacutevel na iacutentegra no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeur-
lexeuropaeulegal-contentPTTXTPDFuri=CELEX61964CJ0006ampfrom=EN Acesso 02 out 2014 17
FARENZENA Sueacutelen Costa versus ENEL ndash O primado do Direito Comunitaacuterio e a mudanccedila de paradigma o
Estado em rede europeu Revista da SJRJ Vol 19 nordm34 Rio de Janeiro 2012 Disponiacutevel em
httpwww4jfrjjusbrseerindexphprevista_sjrjarticleviewFile338296 Acesso 01 out 2014
16
Neste sentido determinou o Tribunal de Luxemburgo que a forccedila executiva do direito
comunitaacuterio natildeo poderia variar de um espaccedilo para outro ao sabor das legislaccedilotildees internas
Impossiacutevel portanto um Estado fazer prevalecer sobre uma ordem juriacutedica aceita sob o pilar
da reciprocidade e da cessatildeo de parcela de direitos soberanos uma medida unilateral anterior
ou posterior que lhe pode opor
Natildeo obstante tal decisatildeo a ideia de supremacia das normas comunitaacuterias por si soacute
natildeo foi adotada de modo paciacutefico por todos os tribunais constitucionais dos paiacuteses sujeitos agrave
jurisdiccedilatildeo do Tribunal de Luxemburgo Em funccedilatildeo disso houve a percepccedilatildeo por parte dos
juiacutezes do TJUE de que seria necessaacuterio acoplar agrave ideia de supremacia das normas
comunitaacuterias um discurso dotado de legitimidade que envolvesse princiacutepios e ideais comuns
natildeo soacute para a comunidade como para os Estados membros Esse discurso portanto seria o
discurso dos direitos fundamentais18
Ateacute o surgimento de algumas tensotildees entre os posicionamentos dos tribunais nacionais
e as decisotildees do TJUE havia certa resistecircncia por parte deste uacuteltimo em lidar com questotildees
concernentes aos direitos humanos ou fundamentais Isto porque o motivo que levou agrave criaccedilatildeo
das Comunidades Europeias e a posterior Uniatildeo Europeia foi predominantemente econocircmico
tanto eacute que os tratados iniciais das Comunidades Europeias natildeo trazem elementos que refiram
explicitamente a preocupaccedilatildeo com direitos humanos ou fundamentais19
Entretanto consoante
fora asseverado a supremacia das normas comunitaacuterias somente conseguiria se afirmar e se
consolidar caso fosse acoplada ao tema da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais
Neste sentido a deacutecada de 1960 pode ser vista como um importante marco para o
TJUE Casos como o Stauder (1969) e o Internationale Handelsgesellschaft20
(1970)
18
GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional
algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em
httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014 19
Pertinente o destaque da concepccedilatildeo de Gilmar Mendes e Geroge Rodrigo Bandeira Galindo sobre este tema
Segundo eles os instrumentos que instituiacuteram as comunidades europeias natildeo se referem de maneira expliacutecita agrave
proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais e haacute razotildees para isso A primeira delas reside no fato de que a
proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa deveria ser transferida para outra organizaccedilatildeo internacional no caso o
Conselho da Europa que foi uma instituiccedilatildeo fundamental para a elaboraccedilatildeo da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos
do Homem de 1950 Outra razatildeo sustenta-se na ideia de que a inclusatildeo imediata de um cataacutelogo de direitos
fundamentais nos tratados instituidores das Comunidades Europeias geraria conflitos entre as consolidadas
constituiccedilotildees estatais e o entatildeo incipiente direito comunitaacuterio Por fim outra razatildeo apontada eacute traduzida no fato
de que os Estados eram temerosos de que a imediata inclusatildeo de temas de direitos fundamentais ou humanos nos
tratados instituidores das Comunidades pudesse ampliar as competecircncias de prerrogativas de instituiccedilotildees receacutem-
criadas Ibidem p03
De qualquer forma houve no processo de germinaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia nos moldes em que hoje
conhecemos a predominacircncia de ideias economicistas e de integraccedilatildeo regional com base na aproximaccedilatildeo de
ideais produtivos e de mercado A preocupaccedilatildeo com a tutela de direitos humanos ou fundamentais surge atraveacutes
dos diaacutelogos espontacircneos entre as cortes constitucionais e o Tribunal de Luxemburgo 20
Neste caso o raciociacutenio da corte faz clara alusatildeo agrave vinculaccedilatildeo entre primazia do direito comunitaacuterio e a
proteccedilatildeo dos direitos fundamentais por parte das instituiccedilotildees comunitaacuterias Os pontos 3 e 4 do julgamento do
17
consolidaram o entendimento do Tribunal de Luxemburgo de que os direitos fundamentais
fazem parte dos princiacutepios gerais do direito comunitaacuterio Conflitos positivos de competecircncias
entre tribunais nacionais e o tribunal supranacional instituiacutedo no acircmbito da comunidade
marcaram os diaacutelogos iniciais para a estimulaccedilatildeo da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais em
acircmbito comunitaacuterio
Como continuidade deste diaacutelogo eacute pertinente destacar o caso Nold (1974) no qual o
Tribunal de Luxemburgo reconheceu como pauta geral para o direito comunitaacuterio europeu o
predomiacutenio dos direitos fundamentais Com isso mais uma vez reafirmou-se a ideia de que o
direito comunitaacuterio tem supremacia sobre as disposiccedilotildees legais nacionais mas que de toda a
sorte deve se adaptar a uma base comum de valores como os determinados por exemplo
pela Convenccedilatildeo Europeia de Direito do Homem
Por isso fala-se que este caso fixa um terceiro elemento no nuacutecleo de salvaguarda dos
direitos fundamentais aleacutem das tradiccedilotildees constitucionais comuns e dos direitos fundamentais
garantidos nas Constituiccedilotildees dos Estados os instrumentos internacionais relativos agrave proteccedilatildeo
dos direitos humanos passam a ser uma importante fonte de inspiraccedilatildeo para a proteccedilatildeo de
direitos em acircmbito comunitaacuterio Em funccedilatildeo disso inclusive em 1975 o TJUE pela primeira
vez recorreu agrave Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem no caso Rutili21
Apesar de tal decisatildeo do caso Nold o emblemaacutetico caso Solange levou agrave confirmaccedilatildeo
e consolidaccedilatildeo da vigecircncia dos direitos fundamentais no acircmbito da Comunidade Neste caso
em 1974 o Tribunal Constitucional alematildeo determinou que enquanto a Comunidade natildeo
dispusesse de um sistema de proteccedilatildeo de direitos comparaacutevel ou equiparado agrave Lei
Fundamental de Bonn ou seja enquanto natildeo houvesse um cataacutelogo de direitos fundamentais
aplicaacuteveis agrave Comunidade Europeia as instituiccedilotildees comunitaacuterias seriam ineficazes no que
concerne agrave proteccedilatildeo desses direitos22
TJUE respectivamente determinam que 3 A validade de uma medida comunitaacuteria ou de seus efeitos em um
Estado membro natildeo podem ser afetadas por alegaccedilotildees de que ela contraria direitos fundamentais tal como
formuladas pela Constituiccedilatildeo do Estado ou princiacutepios de uma estrutura constitucional nacional() 4() o
respeito pelos direitos fundamentais forma uma parte integral dos princiacutepios gerais de direito protegidos pela
Corte de Justiccedila A proteccedilatildeo de tais direitos enquanto inspirada pelas tradiccedilotildees constitucionais comuns aos
Estados membros deve ser assegurada no acircmbito da estrutura e dos objetivos da Comunidaderdquo Ibidem p4 21
O caso Rutilli caracteriza-se por ser a primeira referecircncia jurisprudencial feita pelo Tribunal de Luxemburgo agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem ou seja a utilizaccedilatildeo por parte de um tribunal supranacional de um
marco normativo essencial natildeo para o direito comunitaacuterio mas para o sistema regional de proteccedilatildeo aos direitos
humanos Nesse caso o Tribunal de Luxemburgo afirmou que as normas de direito comunitaacuterio natildeo era mais do
que uma manifestaccedilatildeo de princiacutepios gerais de direito consagrados na Convenccedilatildeo 22
GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional
algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em
httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014
18
Como resultado de tal caso natildeo soacute o Tribunal de Luxemburgo passou a consolidar um
entendimento jurisprudencial favoraacutevel ao respeito e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais
como demais instituiccedilotildees da entatildeo Comunidade Europeia assim agiram Em funccedilatildeo disso diz-
se que o principal resultado do caso Solange foi uma resoluccedilatildeo conjunta datada de 5 de abril
de 1977 entre Parlamento Europeu Conselho Europeu e Comissatildeo Europeia denominada
ldquoDeclaraccedilatildeo Conjunta sobre Direitos Fundamentaisrdquo23
Nesta ressaltou-se a necessidade do
respeito em acircmbito comunitaacuterio dos direitos fundamentais consagrados pelas tradiccedilotildees
constitucionais dos Estados membros e pela Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos
Os direitos fundamentais atraveacutes desse diaacutelogo jurisprudencial entre as cortes de
esperas diferentes (supranacional e nacionais) apareceram de modo progressivo no direito
comunitaacuterio europeu tornando-se paracircmetros de validade das normas da Uniatildeo Qualquer
norma seja comunitaacuteria seja nacional que contrariasse os direitos fundamentais seria
considerada invaacutelida
A tendecircncia jurisprudencial do TJUE de vincular a noccedilatildeo de supremacia das normas
comunitaacuterias com a proteccedilatildeo aos direitos fundamentais acabou por refletir no Tratado de
Maastricht de 1992 Tambeacutem chamado de Tratado da Uniatildeo Europeia este documento em
seu artigo F nuacutemero 2 determina que a Uniatildeo respeite os direitos fundamentais tal como os
garante a Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem24
Na esteira da inclusatildeo da proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em tratados o Tratado de
Lisboa de 2007 aleacutem de estabelecer personalidade juriacutedica agrave Uniatildeo Europeia25
determina que
a esta aderiraacute agrave Convenccedilatildeo Europeia para a proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e das Liberdades
Fundamentais sendo que a adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas
nos tratados26
23
XAVIER Ana Isabel Os Direitos Fundamentais no ldquodiaacutelogo europeurdquo de Nice a Lisboa In Debater a
Europa n 9 julhodezembro 2013 Disponiacutevel em httpeurope-direct-
aveiroaevaeudebatereuropaimagesn9axavierpdf Acesso em 03 out 2014 24
Artigo F n 2 ldquoA Uniatildeo respeitaraacute os direitos fundamentais tal como os garante a Convenccedilatildeo Europeia de
Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais assinada em Roma em 4 de novembro de
1950 e tal como resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-membros enquanto princiacutepios
gerais do direito comunitaacuteriordquo TRATADO DE MAASTRICHT 1992 Disponiacutevel em httpeuropaeueu-
lawdecision-makingtreatiespdftreaty_on_european_uniontreaty_on_european_union_ptpdf Acesso 15 out
2014 25
O artigo 46-A do Tratado de Lisboa determina que ldquoA Uniatildeo tem personalidade juriacutedicardquo TRATADO DE
LISBOA 2007 Disponiacutevel em httpeur-lexeuropaeulegal-
contentPTTXTPDFuri=OJC2007306FULLampfrom=PT Acesso 16 out 2014 26
O artigo 6ordf do Tratado de Lisboa determina que ldquo1 A Uniatildeo reconhece os direitos as liberdades e os
princiacutepios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da Uniatildeo Europeia de 7 de Dezembro de 2000 com
as adaptaccedilotildees que lhe foram introduzidas em 12 de Dezembro de 2007 em Estrasburgo e que tem o mesmo
valor juriacutedico que os Tratados De forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competecircncias da Uniatildeo tal
como definidas nos Tratados Os direitos as liberdades e os princiacutepios consagrados na Carta devem ser
interpretados de acordo com as disposiccedilotildees gerais constantes do Tiacutetulo VII da Carta que regem a sua
19
Mesmo que o ideal de Constituiccedilatildeo para a Uniatildeo Europeia natildeo tenha sido aprovado
pelos Estados membros as regras de supremacia das normas comunitaacuterias e de proteccedilatildeo aos
direitos fundamentais consagrados natildeo soacute nas Constituiccedilotildees como nas proacuteprias tradiccedilotildees
constitucionais dos Estados regem as decisotildees do Tribunal supranacional que existe no
continente Por isso mesmo que a preocupaccedilatildeo inicial da ldquopequena Europardquo tenha sido a
integraccedilatildeo econocircmica dos paiacuteses devastados pela guerra para que pudessem voltar a ser
competitivos internacionalmente ao longo do tempo sentiu-se a necessidade de trazer para
dentro do direito comunitaacuterio noccedilotildees acerca dos direitos fundamentais e humanos de modo
que hoje estes se encontram tutelados por instrumentos e oacutergatildeos supranacionais especiacuteficos
Ocorre que conforme se mencionou no iniacutecio deste subcapiacutetulo o cenaacuterio europeu
pode ser vislumbrado sob duas oacuteticas distintas desde o Congresso da Europa a oacutetica
federalista que impulsiona a criaccedilatildeo da Uniatildeo Europeia e de um direito comunitaacuterio europeu
e o vieacutes da cooperaccedilatildeo internacional marcado pela criaccedilatildeo do Conselho da Europa e de um
sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos o qual exige o pensamento acerca
da possibilidade da construccedilatildeo de um direito comum europeu
Nesse aspecto acerca do conceito de comum eacute pertinente remontar agraves premissas de
Dardot et Laval27
Para os autores o comum do direito segundo uma loacutegica de interpretaccedilatildeo
neoliberal natildeo seraacute outro que o direito de propriedade dos contratos e do lucro Eacute justamente
contra esse tipo de concepccedilatildeo trazido pelos efeitos nefastos da globalizaccedilatildeo que se invoca a
defesa e a reabilitaccedilatildeo do conceito de comum que deve ser entendido sob uma loacutegica de bases
uniacutessonas em mateacuteria de direitos humanos
Em razatildeo disso eacute no acircmbito da ldquogrande Europardquo ou seja do sistema regional europeu
de proteccedilatildeo dos direitos do homem que se vislumbram bases para a criaccedilatildeo de um direito
comum cuja premissa eacute a busca do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano28
Deste
modo no panorama apresentado se vislumbra de modo claro que embora existam regras
princiacutepios e instituiccedilotildees para reger o direito comunitaacuterio europeu (regras previstas nos
tratados da Uniatildeo Europeia e pacificadas pelo ativismo do TJUE) na ldquopequena Europardquo em
interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo e tendo na devida conta as anotaccedilotildees a que a Carta faz referecircncia que indicam as fontes
dessas disposiccedilotildees 2 A Uniatildeo adere agrave Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais Essa adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas nos Tratados3
Do direito da Uniatildeo fazem parte enquanto princiacutepios gerais os direitos fundamentais tal como os garante a
Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como
resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-Membrosrdquo Ibid 2007 27
DARDOT Pierre LAVAL Cristian COMMUN essai sur la revolutiona au XXeme siegravecle Paris La
deacutecouverte 2014 p 287 28
DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio
de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b
20
mateacuteria de direitos humanos e no acircmbito de um processo de globalizaccedilatildeo eacute preciso avanccedilar
na compreensatildeo do espaccedilo europeu para no acircmbito do sistema regional consolidar as bases
para a criaccedilatildeo de um direito comum
12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias juriacutedicas
a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da figura da
Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
O Congresso da Europa sob o aspecto juriacutedico dividiu o continente em blocos
autocircnomos dentro de um sistema multicecircntrico Nesse sentido Mireille Delmas-Marty29
assevera que natildeo existe uma unidade juriacutedica chamada Europa ou sequer uma visatildeo uacutenica e
preestabelecida do continente
Pelo contraacuterio existe uma Europa feita de instituiccedilotildees juriacutedicas diversas cada uma
com regras e princiacutepios especiacuteficos Neste sentido de um lado tem-se a ldquopequena Europardquo
composta pelos vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e que possui um ideal
primordialmente econocircmico com os objetivos de livre circulaccedilatildeo de pessoas e de
mercadorias bem como de instituiccedilatildeo de uma moeda uacutenica sob a perspectiva de abertura de
fronteira entre os paiacuteses Sob este ideal desenvolve-se a base para o direito comunitaacuterio que
possui como instituiccedilatildeo juriacutedica maacutexima o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo Europeia (TJUE)
com caraacuteter supranacional
Na Europa dos ldquoVinte e Oitordquo portanto sob o ideal integracionista surge o chamado
direito comunitaacuterio europeu o qual atraveacutes de direito originaacuterio (tratados constitutivos) e
direito derivado (normas emanadas de oacutergatildeos de competecircncia legislativa da Uniatildeo) forma o
sistema juriacutedico-poliacutetico e juriacutedico-econocircmico da Uniatildeo Europeia A peculiaridade desta nova
ordem formada eacute a de natildeo querer unificar a ordem juriacutedica dos paiacuteses europeus mas de
uniformizar em algumas mateacuterias as normas do bloco criado Justamente por isso a
supranacionalidade intriacutenseca ao direito comunitaacuterio natildeo se confunde com o direito
internacional
Sob as bases de interesses econocircmicos tem-se o objetivo de chegar a uma integraccedilatildeo
nas aacutereas concernentes agrave poliacutetica cultura dentre outras sob uma relaccedilatildeo de integraccedilatildeo entre o
29
Id 2004a p47
21
ordenamento juriacutedico comunitaacuterio e o ordenamento interno de cada Estado Sem sombra de
duacutevidas a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais se insere nessas relaccedilotildees mas com o
intuito de fortalecer o ideal de supremacia das normas comunitaacuterias Em funccedilatildeo de tal
premissa tem-se a necessidade de preservar o estaacutegio alcanccedilado pelo processo de integraccedilatildeo e
por isso um ordenamento juriacutedico comunitaacuterio eacute formado Entretanto eacute preciso avanccedilar no
processo de tutela dos direitos humanos em um contexto tatildeo plural como o europeu
Deste modo de outro lado tem-se a ldquogrande Europardquo criada pelo Conselho da Europa
perfazendo uma cooperaccedilatildeo poliacutetica que hoje abriga quarenta e sete membros30
signataacuterios da
Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais
(CEDH) O oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do Conselho da Europa eacute o Tribunal Europeu dos Direitos
do Homem (TEDH) sediado em Estrasburgo e para o qual podem demandar tanto Estados
quanto indiviacuteduos viacutetimas de violaccedilotildees de direitos humanos reconhecidos pela convenccedilatildeo
Neste sentido o paraacutegrafo 3ordm31
do Preacircmbulo da CEDH de 1950 assevera que a
finalidade principal do Conselho da Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre seus
membros e que um dos meios para alcanccedilar esta finalidade eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais sendo tais direitos vistos como um meio
para uma progressiva integraccedilatildeo dos europeus Antes mesmo disso o Estatuto do Conselho da
Europa de 1949 havia asseverado que a finalidade da instituiccedilatildeo era criar uma organizaccedilatildeo
que levasse os paiacuteses do continente a uma associaccedilatildeo cuja base fosse a unidade entre seus
membros privilegiando ideais e princiacutepios comuns aos diferentes Estados
Essa configuraccedilatildeo surgida na segunda metade do seacuteculo XX produz alteraccedilotildees
significativas na conceituaccedilatildeo de alguns institutos juriacutedicos e poliacuteticos como eacute o caso do
Estado da soberania dentre outros Nesse sentido o cenaacuterio Europeu pode ser enxergado
como proacuteximo da noccedilatildeo de Estado em Rede proposto por Manuel Castells32
Em um mesmo
espaccedilo territorial a autoridade passa a ser partilhada ao longo de uma rede de instituiccedilotildees O
30
Os 47 paiacuteses que fazem parte do Conselho da Europa satildeo Beacutelgica Dinamarca Franccedila Irlanda Itaacutelia
Luxemburgo Paiacuteses Baixos Noruega Sueacutecia Reino Unido Greacutecia Turquia Islacircndia Alemanha Ocidental
Aacuteustria Chipre Suiacuteccedila Malta Portugal Espanha Liechtenstein Satildeo Marino Finlacircndia Hungria Polocircnia
Bulgaacuteria Estocircnia Lituacircnia Eslovecircnia Repuacuteblica Checa Eslovaacutequia Romecircnia Andorra Letocircnia Albacircnia
Moldaacutevia Macedocircnia Ucracircnia Ruacutessia Croaacutecia Geoacutergia Armecircnia Azerbaijatildeo Boacutesnia e Herzegovina Seacutervia
Mocircnaco Montenegro Disponiacutevel em
httpwwwcoeintptAboutCoemediainterfacepublicationscoe_dh_ptpdf Acesso 08 out 2014 31
O terceiro paraacutegrafo do preacircmbulo da CEDH dispotildee que ldquoConsiderando que a finalidade do Conselho da
Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre os seus Membros e que um dos meios de alcanccedilar essa finalidade
eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento dos direitos do homem e das liberdades fundamentais ()rdquo CONVENCcedilAtildeO
EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS
1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso em 08 out 2014 32
CASTELLS Manuel A era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura A sociedade em rede Vol 1 5
ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999b
22
Estado-naccedilatildeo claacutessico relaciona-se com instituiccedilotildees supranacionais e a rede formada possui
noacutes diversos e natildeo um centro uacutenico sendo que esses noacutes podem apresentar tamanhos distintos
e estar ligados por relaccedilotildees assimeacutetricas
Essas redes e seus noacutes portanto representam formas de poder paralelas e
complementares que satildeo autocircnomas uma em relaccedilatildeo agraves outras O espaccedilo europeu marcado
por um jaacute consolidado direito comunitaacuterio e por uma estrutura supranacional sui generis
tornou-se um verdadeiro campo de concorrecircncia convergecircncia justaposiccedilatildeo e conflito de
vaacuterias constituiccedilotildees e poderes constituintes em um mesmo espaccedilo poliacutetico levando a uma
pluralidade de ordenamentos e de normatividades
A supranacionalidade desenvolvida assemelha-se desta forma a um Estado em Rede
em funccedilatildeo de um novo paradigma de governanccedila estabelecido em diferentes niacuteveis com
diferentes noacutes de diferentes dimensotildees e com relaccedilotildees internacionais assimeacutetricas O Estado-
Naccedilatildeo claacutessico se articula cotidianamente na tomada de decisotildees com instituiccedilotildees
supranacionais de diferentes tipos e em acircmbitos distintos33
Em uma mesma organizaccedilatildeo
complexa temos entatildeo as caracteriacutesticas da descentralizaccedilatildeo e da coordenaccedilatildeo sobretudo no
aspecto normativo sendo que a crise do Estado-naccedilatildeo o desenvolvimento das instituiccedilotildees
supranacionais e a transferecircncia das atribuiccedilotildees e iniciativas aos acircmbitos regionais e locais satildeo
caracteriacutesticas que funcionam como base para o desenvolvimento do Estado em Rede
Nesse acircmbito ainda eacute possiacutevel acrescentar a definiccedilatildeo de Marcelo Varella34
de que a
Uniatildeo Europeia caracteriza-se por ser uma instituiccedilatildeo sui generis natildeo soacute pelo seu modo de
constituiccedilatildeo como por seus efeitos no campo juriacutedico-normativo Desta maneira o bloco
europeu dos vinte e oito inserido no contexto de um sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos
humanos (ldquopequena Europardquo inserida na ldquogrande Europardquo) marca a caracteriacutestica de uma
superaccedilatildeo da tiacutepica forma de visatildeo linear e hieraacuterquica do direito tradicional em favor da
construccedilatildeo de um direito em camadas ou em diferentes niacuteveis ou ainda em redes
Essa concepccedilatildeo de Castells utilizada aqui para ilustrar as relaccedilotildees na Uniatildeo Europeia
comunica-se com a noccedilatildeo de Mireille Delmas-Marty35
de um pluralismo que deve ser
ordenado Na Europa como um todo em acircmbito juriacutedico a coexistecircncia de normas das mais
diversas fontes e de tribunais nas mais diferentes escalas faz emergir uma noccedilatildeo de caos
33
Id 1999a p164 34
VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade
de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014 p145 35
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006
23
juriacutedico que precisa ser ordenado Em razatildeo disso pertinente a busca por um direito comum
com ecircnfase em um direito comum em mateacuteria de direitos humanos
Interessante notar que esse cenaacuterio criado intensifica-se com o processo de
mundializaccedilatildeo36
e sob essa oacutetica embora os direitos humanos tenham se tornado oponiacuteveis aos
Estados perfazendo princiacutepios de direito incluiacutedos nas Constituiccedilotildees Estatais no
entendimento dos tribunais supranacionais e em instrumentos normativos internacionais os
corolaacuterios do processo de mundializaccedilatildeo satildeo os direitos econocircmicos que predominam nas
preocupaccedilotildees do jaacute consolidado direito comunitaacuterio europeu
Enquanto os direitos humanos foram concebidos sob o prisma de uma universalidade e
com a finalidade de proteger o ldquoirredutiacutevel humanordquo37
os direitos econocircmicos satildeo os motores
da mundializaccedilatildeo sendo que isso somado agrave desestabilizaccedilatildeo do tempo e agrave desestatizaccedilatildeo do
Estado gera no processo de mundializaccedilatildeo uma aparente desordem normativa com a
proliferaccedilatildeo de normas de modo anaacuterquico38
Em funccedilatildeo disso eacute viaacutevel dizer que o continente europeu serve de base e eacute capaz de
traduzir importantes eventos para explicar fenocircmenos que hoje satildeo salientes na esfera juriacutedica
Mireille Delmas-Marty39
sugere que vivemos sob a eacutegide de espaccedilos ldquodesestatizadosrdquo tempos
ldquodesestabilizadosrdquo e uma ordem ldquodeslegalizadardquo No sentido atual da paisagem juriacutedica
afirmar que o Estado eacute a uacutenica fonte de Direito eacute assumir uma atitude de exclusatildeo de todos os
demais espaccedilos normativos
Como eacute possiacutevel observar na Europa convivem em um mesmo espaccedilo normas
provenientes de fontes estatais claacutessicas normas advindas de instituiccedilotildees supranacionais e
regras provenientes de entes internacionais na formaccedilatildeo de um verdadeiro mosaico juriacutedico
O monopoacutelio do Estado como produtor do direito deixa de ser imperativo frente agrave
internacionalizaccedilatildeo crescente das fontes juriacutedicas De modo concomitante e corroborando
36
Na obra ldquoTrecircs Desafios para um Direito Mundialrdquo Mirelle Delmas-Marty observa as particularidades dos
termos globalizaccedilatildeo mundializaccedilatildeo e universalidade quais sejam ldquoA mundializaccedilatildeo remete agrave difusatildeo espacial
de um produto de uma teacutecnica ou de uma ideia A universalidade implica um compartilhar de sentidosrdquo Em
outra passagem disserta ldquoDifusatildeo espacial de um lado compartilhar os sentidos de outra estas duas foacutermulas
descrevem muito bem a diferenccedila que separam os dois fenocircmenos que eu denominarei globalizaccedilatildeo para a
economia e universalizaccedilatildeo para os direitos do homem guardando assim o termo mundializaccedilatildeo uma
neutralidade que ele jamais perderaacute caso natildeo se resigne rapidamente ao primado da economia sobre os Direitos
do Homemrdquo DELMAS-MARTY Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr
Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b p 08-09 37
Ibid p48 38
FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos
teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013 39
DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47
24
com a teoria do Estado em Rede de Castells eacute possiacutevel observar um processo de
descentralizaccedilatildeo espacial com o deslocamento de fontes do centro para periferias40
Da mesma forma os tempos estatildeo desestabilizados Segundo Delmas41
em comparaccedilatildeo
aos votos claacutessicos de perpetuidade da lei eacute possiacutevel hoje encontrar fontes temporaacuterias e
evolutivas do direito O espaccedilo europeu se constitui como uma aacuterea privilegiada dessas fontes
evolutivas42
Sob o aspecto da ldquopequena Europardquo as regras de direito comunitaacuterio impotildeem um
resultado que deve ser atingido o que pela falta de meios juriacutedicos incentiva os Estados a
adaptar seus textos a dados econocircmicos
Isso tudo faz emergir a noccedilatildeo de assincronia43
do direito ou seja diferentes
velocidades em diferentes espaccedilos Nesse sentido haacute no espaccedilo europeu uma diferenccedila de
velocidade dos processos de integraccedilatildeo das normas internacionais (ou supranacionais) de
direito do comeacutercio em comparaccedilatildeo com as normas ambientais ou relativas aos direitos
humanos O proacuteprio processo evolutivo de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais
sob o panorama da ldquopequena Europardquo demonstra desde os primoacuterdios da criaccedilatildeo da
Comunidade Europeia uma ausecircncia de sincronia em relaccedilatildeo agraves duas esferas do direito A
evoluccedilatildeo dos direitos humanos eacute lenta quando comparada com a celeridade da integraccedilatildeo das
normas de direito comercial e econocircmico em um mundo de economia globalizada
Pode-se entatildeo afirmar que natildeo soacute na Europa como tambeacutem na sociedade
internacional o tempo das relaccedilotildees comerciais e por conseguinte o tempo da integraccedilatildeo do
direito do comeacutercio eacute o tempo do software da fluidez da velocidade da luz Enquanto isso o
tempo das relaccedilotildees humanas da eacutetica da solidariedade e da integraccedilatildeo do direito dos direitos
humanos segue o tempo do hardware do denso do apego ao territoacuterio e agraves localidades44
Por fim estaacute-se tambeacutem frente a uma ordem ldquodeslegalizadardquo uma vez que dentre os
reflexos das vicissitudes na seara juriacutedica eacute possiacutevel destacar um ruptura com a noccedilatildeo de
40
Tal fenocircmeno eacute descrito por Mireille Delmas-Marty como ldquodescentralizaccedilatildeordquo Esta envolve o deslocamento de
fontes do centro do Estado para coletividades territoriais Todavia tal fenocircmeno natildeo se confunde com uma mera
desconcentraccedilatildeo de poderes que eacute destinada a conferir maior eficaacutecia agraves estruturas centrais do Estado A
descentralizaccedilatildeo conforme refere a autora confia ao representante local da coletividade territorial certos poderes
de decisatildeo fazendo transparecer uma autonomia local para impor certas regras juriacutedicas Como exemplo
podem-se destacar as comissotildees locais de eacutetica como ocorre em uma deontologia profissional como a Ordem
dos Advogados As regras disciplinares desta profissatildeo guardam um caraacuteter misto sendo de natureza local e
nacional privada e puacuteblica Ibid 2004ap55 41
Ibid 2004ap47 42
Segundo Delmas falar de fontes evolutivas significa renunciar ao passado do costume e ao futuro das leis para
situar as fontes de direito no presente por natureza instaacutevel Ibid 2004ap65 43
Id 2006 p 114 44
SALDANHA Jacircnia Marial Lopes BRUM Maacutercio Morais MELLO Rafaela da Cruz A Assincronia do
Direito e o Caso Araguaia Uma anaacutelise da Decisatildeo do Supremo Tribunal Federal Brasileiro na ADPF 153 e do
Julgamento do Caso Gomes Lund e Outros vs Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos In Andreacute
Karam Trindade Angela Araujo da Silveira Espindola (Org) Direitos Fundamentais e Espaccedilo Puacuteblico 1ed
Passo Fundo - RS Editora IMED 2011 v 2 p 37-61
25
identidade entre direito e lei45
O processo de internacionalizaccedilatildeo deixa comum aos sistemas
de commun law e de civil law o papel do juiz na geraccedilatildeo do direito ou seja na interaccedilatildeo entre
texto normativo e sua interpretaccedilatildeo de modo que a jurisprudecircncia e o diaacutelogo entre os
diferentes tribunais serve para ambos os sistemas como um importante balizador para
consolidaccedilatildeo de entendimentos e de princiacutepios
Diante desse cenaacuterio juriacutedico global proveniente do processo de internacionalizaccedilatildeo -
e especiacutefico no caso da Europa ndash de desestatizaccedilatildeo de ruptura com paradigmas e com a loacutegica
binaacuteria de interpretar o direito eacute possiacutevel concordar com a premissa de Mireille Delmas-
Marty46
de que a paisagem juriacutedica apresenta um panorama de proliferaccedilatildeo constante de
normas e de entendimentos jurisprudenciais que em um primeiro momento podem levar a
uma noccedilatildeo de desordem e anarquia
Conveacutem perceber que a nova paisagem juriacutedica para a qual a Europa eacute um verdadeiro
laboratoacuterio47
eacute composta por formas mais complexas como piracircmides inacabadas
descontiacutenuas compostas por aneacuteis normativos como uma guirlanda no entanto natildeo
especificamente se liga agrave anarquia Pelo contraacuterio a retirada de marcos e o deslocamento de
linhas natildeo significa desordem e essa aparecircncia de caos favorece ao pluralismo
Por isso Delmas-Marty48
atesta que a internacionalizaccedilatildeo do direito apresenta um
grande paradoxo ordenar o plural Embora estejamos semanticamente diante de vernaacuteculos
opostos visto que a proposta eacute colocar em ordem aquilo que naturalmente eacute muacuteltiplo e plural
sem reduzir sua identidade a primeira consideraccedilatildeo que deve ser feita eacute a de que o tiacutepico
modelo kelseniano de loacutegica juriacutedica natildeo mais se aplica ao cenaacuterio em que o Direito se insere
atualmente em razatildeo da multiplicidade e do dinamismo existente no processo de
mundializaccedilatildeo
Para ir da desordem agrave ordem eacute necessaacuterio fortalecer as correlaccedilotildees da formaccedilatildeo
juriacutedica trazendo estabilidade agrave presenccedila de divergecircncias atraveacutes de uma aproximaccedilatildeo entre
ordens juriacutedicas por meio de um jogo de referecircncias cruzadas com o intuito de ordenar a
multiplicidade Essa aproximaccedilatildeo poreacutem natildeo pode ser concebida senatildeo em relaccedilatildeo a uma
referecircncia comum e neste campo a utilidade dos instrumentos protetivos de direitos humanos
traz a coerecircncia de conjunto capaz de indicar uma direccedilatildeo a seguir um norte para a criaccedilatildeo de
um direito comum cujo pluralismo eacute ordenado
45 DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47 46
Id 2006 47
VARELLA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do direito Direito Internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Livre Docecircncia em Direito Internacional Faculdade de
Direito da Universidade de Satildeo Paulo (USP) Satildeo Paulo 2012 Acesso 14 out 2014 48
Ibid 2006 p 10
26
Obviamente o direito comum almejado eacute pluralista tendo a razatildeo como instrumento
de justificaccedilatildeo e de diaacutelogo O pluralismo eacute justificado pelo intuito de harmonizar e conjugar
as particularidades religiosas poliacuteticas culturais de cada Estado ou comunidade evitando a
sobreposiccedilatildeo de uma ordem sobre outra ou a assimilaccedilatildeo e exclusatildeo Em razatildeo disso o
direito comum pluralista pretende construir um ldquoDireito dos Direitosrdquo a partir do ideal de
universalizaccedilatildeo dos direitos humanos sendo que a finalidade eacute a de aproximar ou harmonizar
ndash e natildeo unificar - os diferentes sistemas juriacutedicos sob a perspectiva de respeito ao ldquoirredutiacutevel
humanordquo49
Impossiacutevel a criaccedilatildeo de normas e regras comuns a todos os povos justamente pelo
fato de que sempre algumas normas advindas de culturas especiacuteficas se sobressairatildeo sobre
outras na criaccedilatildeo de uma hegemonia negativa O direito comum portanto inserido na oacutetica
de um direito mundial pluralista eacute aquele acessiacutevel a todos e comum aos diversos Estados
sem que haja o abandono de identidades Justamente em funccedilatildeo disso o alicerce para a sua
criaccedilatildeo eacute a aproximaccedilatildeo dos sistemas juriacutedicos tendo por base os direitos humanos que
carregam a caracteriacutestica da universalidade a qual adveacutem do compartilhamento de sentidos e
do enriquecimento pela troca
Neste sentido em que consistem esses direitos humanos que satildeo os alicerces para a
criaccedilatildeo de um direito comum Eacute possiacutevel afirmar que a mera previsatildeo constitucional ou em
tratados de direitos jaacute asseguram a sua proteccedilatildeo Como lidar com questotildees concernentes agraves
pretensotildees universalistas e as particularidades do relativismo cultural nas diferentes
sociedades europeias
Narciso Baez50
traz reflexotildees importantes acerca desse tema Segundo ele em meados
do seacuteculo XVII pensou-se que a positivaccedilatildeo dos direitos humanos seria instrumento suficiente
para garantir o seu respeito Essa noccedilatildeo adentrou a contemporaneidade com a filosofia de
Hans Kelsen de que as normas positivadas e inseridas nos ordenamentos juriacutedicos eram
obrigatoacuterias por serem legitimadas por uma norma juriacutedica superior que tinha um fim em si
mesma
Obviamente o seacuteculo XX mostrou que a mera inserccedilatildeo legal da dignidade da pessoa
humana ndash que eacute o elemento cerne dos direitos humanos ndash em um sistema positivo de direito e
dissociada de valores morais natildeo seria suficiente para evitar eventuais violaccedilotildees desses
49
Ibid 2006 p 54 50
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos
humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da
UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em
httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014
27
direitos Sob esse panorama e seguindo a corrente eacutetica51
de fundamentaccedilatildeo dos direitos
humanos pode-se afirmar que estes satildeo direitos de fora da ordem positiva que tecircm em seu
bojo componentes morais sociais poliacuteticos e ateacute econocircmicos que salvaguardam condiccedilotildees
miacutenimas para a garantia da dignidade da pessoa humana Em sua dimensatildeo baacutesica portanto
satildeo direitos inatos pautados em valores morais e conferidos aos indiviacuteduos pelo simples fato
de estes serem humanos
Logo para a construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos exige-
se o fortalecimento desses em suas dimensotildees baacutesicas Eacute neste sentido que Delmas52
se refere
ao miacutenimo eacutetico universal e ao irredutiacutevel humano ou seja elementos que todos os indiviacuteduos
apresentam em comum mesmo em diferentes culturas
As duas estruturas baacutesicas dos direitos humanos satildeo portanto os valores morais e a
dignidade humana53
Em relaccedilatildeo aos primeiros infere-se que a origem dos direitos humanos
natildeo eacute legal vez que estes satildeo reconhecidos aos indiviacuteduos pelo simples fato de serem
humanos O ordenamento juriacutedico tem a mera funccedilatildeo de reconhecer tais direitos e transformaacute-
los em normas a fim de obter efetividade Jaacute a dignidade humana eacute o bem maior dentro dos
direitos humanos constituindo uma qualidade universal intriacutenseca irrenunciaacutevel e
inalienaacutevel inerente a todos os seres humanos e que se encontra acima das especificidades
culturais
Neste vieacutes a universalidade de tais direitos que eacute requisito indispensaacutevel para a
criaccedilatildeo de um direito comum natildeo eacute marcada pela criaccedilatildeo de instrumentos internacionais
positivos de proteccedilatildeo dos direitos humanos Isso porque embora tenha se conseguido a
universalizaccedilatildeo da adesatildeo dos Estados como eacute o caso da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos da ONU de 1948 ou mesmo da CEDH do sistema regional europeu ainda haacute
resistecircncias agrave aceitaccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo em algumas culturas que alegam a necessidade de
relativizaccedilatildeo desses direitos para adequaccedilatildeo agraves realidades nacionais54
Logo para a construccedilatildeo de uma verdadeira universalidade eacute necessaacuterio interpretar os
direitos humanos sob uma oacutetica interdisciplinar Finnis55
nesse aspecto afirma que os direitos
humanos constituem uma categoria que busca consagrar a dignidade humana sendo esta um
atributo de todas as pessoas independentemente de crenccedila ou cultura Nesse aspecto
51
Id 2007 p 13-35 52
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b 53
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Direitos humanos na globalizaccedilatildeo In BAEZ Narciso
Leandro Xavier BARRETO Vicente (Org) Direitos humanos em evoluccedilatildeo Joaccedilaba Ed Unoesc 2007 p
13-35 54
Id 2009 p77-99 55
FINNIS John Ley natural e derechos naturales Buenos Aires AbeledoPerrot 2000
28
vislumbra-se necessaacuterio a fim de identificar quais satildeo os valores baacutesicos e inderrogaacuteveis a
todos os humanos a construccedilatildeo de valores universais atraveacutes do diaacutelogo e do cruzamento de
diferentes culturas com diferentes valores Isso facilita a construccedilatildeo de uma cultura
cosmopolita baseada em uma identificaccedilatildeo em que prevaleccedila a dignidade da pessoa humana
acima dos relativismos
As diversidades culturais satildeo provenientes de elementos externos56
da diferenccedila de
ambientes naturais mas mesmo assim todas as pessoas ainda que inseridas em
especificidades culturais distintas ainda manteacutem atributos comuns Eacute por essa loacutegica que
permanece atual a premissa de Kant de que no atual estaacutegio da humanidade os povos
atingiram um grau de desenvolvimento que os permitem fazer parte de uma comunidade
cosmopolita57
Por isso a violaccedilatildeo de um direito humano em um ponto do planeta repercute e
pode ser sentida em todos os outros
Pertinente ainda lembrar que a universalizaccedilatildeo natildeo significa a imposiccedilatildeo ou a
uniformizaccedilatildeo de uma cultura sobre as outras Pelo contraacuterio deve-se buscar uma raiz
comum qual seja um conjunto de valores miacutenimos universais capazes de dialogar com
diferentes culturas garantindo o respeito e a preservaccedilatildeo da vida humana em qualquer lugar
Ainda sob essa oacutetica eacute possiacutevel afirmar que a noccedilatildeo de direito comum de Delmas
aproxima-se do ideal de direito cosmopoliacutetico em Kant58
Ao perceber o aumento da
participaccedilatildeo dos povos na Terra Kant vislumbra a ideia de uma comunidade mundial
alicerccedilada sob as bases de um direito cosmopoliacutetico a fim de garantir a paz perpeacutetua Diante
da dicotomia entre praacuteticas culturais e direitos humanos a base do cosmopolitismo kantiano eacute
a busca de criteacuterios loacutegico-racionais que sejam comuns a todas as culturas
Nesse espectro surgem entatildeo os direitos humanos como nuacutecleo moral-juriacutedico do
direito cosmopoliacutetico vez que a moralidade miacutenima universal se baseia em trecircs pilares a)
humanidade comum b) ameaccedilas compartilhadas e c) obrigaccedilotildees miacutenimas Logo a
fundamentaccedilatildeo moral eacute a base dos direitos humanos uma vez que nela encontram-se as
exigecircncias imprescindiacuteveis para a vida de um indiviacuteduo Apesar das diferenccedilas sociais e
culturais entre os seres humanos algumas necessidades e capacidades satildeo comuns a todos59
56
PAREKH Bhikhu Pluralist universalism and human rights In SMITH Rhona K M ANKER Cristien van
den The essentials of human rights London Oxford University Press 2005 57
KANT Immanuel Para a paz perpeacutetua Traduccedilatildeo Baacuterbara Kristen - Rianxo Instituto Galego de Estudos de
Seguranccedila Internacional e da Paz 2006 58
Ibid 2006 p 107-108 59
BARRETO Vicente de Paulo Direito Cosmopoliacutetico e Direitos Humanos In Espaccedilo Juriacutedico Journal of
Law N 2 Vol 11 2010 Disponiacutevel em
httpeditoraunoescedubrindexphpespacojuridicoarticleview19491017 Acesso 30 out 2014
29
Assim como a concepccedilatildeo de direitos humanos natildeo pode mais ser concebida como o
era na eacutepoca de Kelsen o panorama em que o Direito de um modo geral se insere hoje
tambeacutem natildeo pode mais ser concebido conforme a loacutegica claacutessica kelseniana em que a
constituiccedilatildeo estatal encontra-se no topo de uma estrutura piramidal sendo hierarquicamente
seguida pela legislaccedilatildeo infraconstitucional Os rearranjos da mundializaccedilatildeo e a consequente
internacionalizaccedilatildeo do Direito fazem com que novas estruturas permeiem o atual cenaacuterio
juriacutedico mundial
Seja uma concepccedilatildeo de trapeacutezio cujos veacutertices superiores satildeo ocupados em igual
niacutevel pelas constituiccedilotildees estatais e pelos tratados ou convenccedilotildees internacionais protetivos dos
direitos humanos como eacute a visatildeo de Canotilho seguida por Flaacutevia Piovensan60
seja uma
visatildeo de nuvens fluidas e descontiacutenuas com um direito de sistemas interativos complexos
marcados por geometria de piracircmides inacabadas e aneacuteis normativos como guirlandas
defendida por Delmas-Marty61
demonstram que a internacionalizaccedilatildeo traz tentativas de
recomposiccedilatildeo de um pluralismo que deveraacute ser suficientemente ordenado
Em razatildeo disso razoaacutevel frente agrave mudanccedila paradigmaacutetica trazida pela mundializaccedilatildeo
pensar em um conjunto ordenado para a desordem uma vez que a aparente anarquia que
existe favorece ao pluralismo Para se chegar a um direito comum pluralista tendo por base os
direitos humanos deve-se buscar a harmonizaccedilatildeo entre estes e os direitos econocircmicos com
respeito agraves particularidades religiosas e culturais e com a superaccedilatildeo dos perigos de uma
uniformizaccedilatildeo hegemocircnica tendente agrave globalizaccedilatildeo econocircmica
Nesse novo paradigma o ideaacuterio de ordem ldquodeslegalizadardquo anteriormente referido
toma corpo uma vez que a sobrevalorizaccedilatildeo da lei e das grandes codificaccedilotildees perde espaccedilo
havendo em contrapartida a crescente incorporaccedilatildeo dos precedentes (certa ruptura de
fronteiras entre common law e civil law) e dos princiacutepios como espeacutecie de coacutedigo cultural do
processo de interpretaccedilatildeo e criaccedilatildeo do direito62
A internacionalizaccedilatildeo do Direito reflete portanto uma nova realidade de um Direito
de sistemas complexos fluidos descontiacutenuos e interativos os quais levam agrave mutaccedilatildeo da
proacutepria concepccedilatildeo tradicional de ordem juriacutedica que natildeo eacute mais fechada dentro de si mesma e
sim sofre influecircncia de outras A tradicional piracircmide kelseniana eacute desconstruiacuteda
60
PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e diaacutelogo entre jurisdiccedilotildees In Revista Brasileira de Direito
Constitucional ndash RBCD n19 ndash janjul 2012 61
DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio
de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b 62
FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos
teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013
30
gradativamente dando lugar a novas geometrias cuja hierarquia natildeo eacute tatildeo riacutegida mas nem por
isso deixa de ser complexa
No topo encontram-se as constituiccedilotildees juntamente com elementos do Direito
Internacional (jus cogens tratados relativos o direito internacional dos direitos humanos) e do
direito comunitaacuterio europeu No corpo do que seria a antiga piracircmide kelseniana encontra-se
o crescimento e a consolidaccedilatildeo de um direito jurisprudencial atraveacutes de um jogo de
referecircncias reciacuteprocas em que um sistema observa o outro mas natildeo haacute um centro ao lado das
normas produzidas no legislativo (a intensa produccedilatildeo jurisprudencial para os hard cases
culmina em adiccedilatildeo de conteuacutedos advindos de ldquooutros direitosrdquo) e a base passa a ser composta
por decretos e regulamentos que resultam de administraccedilotildees policecircntricas corroborando para
a crenccedila de que o processo de internacionalizaccedilatildeo do direito vem acompanhado de
descentralizaccedilatildeo e privatizaccedilatildeo de fontes do Direito63
Diante deste quadro Delmas64
apresenta trecircs espeacutecies de processo de interaccedilatildeo para
se chegar a um direito comum coordenaccedilatildeo por entrecruzamento harmonizaccedilatildeo e unificaccedilatildeo
Destaca-se antes de discorrer brevemente sobre esses processos que o direito comum natildeo
tem a pretensatildeo de unificar o Direito no texto pois isso seria uma tarefa praticamente utoacutepica
A ideia de Delmas objetiva na realidade a exploraccedilatildeo da pluralidade como potencial poder
de integraccedilatildeo vez que as redes dinacircmicas e as estruturas vetorizadas pelos direitos humanos
presentes nas novas geometrias da ordem mundial se pautam no reconhecimento do outro em
uma espeacutecie de alteridade65
A coordenaccedilatildeo por entrecruzamento caracteriza-se por ser um processo horizontal em
que a autoridade das decisotildees seraacute reforccedilada pelo jogo de referecircncias cruzadas de uma
jurisdiccedilatildeo agrave outra Essa eacute uma fase transitoacuteria na construccedilatildeo de uma verdadeira ordem juriacutedica
mundial em que a internormatividade e a interpretaccedilatildeo cruzada permitem a formaccedilatildeo de no
miacutenimo uma comunidade de juiacutezes Em funccedilatildeo disso em acircmbito global percebem-se traccedilos
da coordenaccedilatildeo por entrecruzamento nos diaacutelogos entre cortes e tribunais nas mais diferentes
ordens No espaccedilo europeu a coordenaccedilatildeo eacute percebida da mesma forma atraveacutes dos diaacutelogos
entre as cortes nacionais e os tribunais da ldquopequena Europardquo e da ldquogrande Europardquo
respectivamente Tribunal de Luxemburgo e de Estrasburgo
Interessante notar conforme jaacute foi demonstrado que foram os diaacutelogos entre as cortes
nacionais dos diversos Estados membros da entatildeo Comunidade Europeia e posterior Uniatildeo
63
Ibid 2013 p20 64
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006 65
LOPES Carla Patriacutecia Frade Nogueira Internacionalizaccedilatildeo do Direito e pluralismo juriacutedico limites de
cooperaccedilatildeo no diaacutelogo de juiacutezes In Revista de Direito Internacional da Uniceub Vol 9 n4 2012
31
Europeia que auxiliaram no processo de consolidaccedilatildeo do entendimento de primazia das
normas comunitaacuterias ao lado da proteccedilatildeo integral aos direitos fundamentais previstos nas
constituiccedilotildees estatais Isso culminou conforme se asseverou anteriormente na disposiccedilatildeo do
Tratado de Lisboa de que a Uniatildeo Europeia natildeo soacute se submete agraves tradiccedilotildees e regras
constitucionais em mateacuteria de direitos fundamentais como adere agrave Convenccedilatildeo Europeia dos
Direitos do Homem
Se o primeiro processo de interaccedilatildeo eacute a coordenaccedilatildeo far-se-aacute de imediato a anaacutelise do
uacuteltimo processo a unificaccedilatildeo visto que o eacute no processo intermediaacuterio ndash a harmonizaccedilatildeo ndash que
se desenvolve o foco do presente estudo A unificaccedilatildeo seria do ponto de vista formal o
processo perfeito por unir ordens juriacutedicas regionais sob um mesmo modelo hieraacuterquico e
coerente das ordens nacionais tradicionais Entretanto sob o enfoque empiacuterico essa perfeiccedilatildeo
estaacute longe de ser garantida vez que a unificaccedilatildeo consiste na transferecircncia pura e simples do
regramento juriacutedico de um paiacutes para outro em uma espeacutecie de verticalizaccedilatildeo ordenada que
pode gerar a dominaccedilatildeo hegemocircnica de uma ordem sobre outra sem portanto respeito agrave
pluralidade
O processo intermediaacuterio de harmonizaccedilatildeo por sua vez tende a aproximar os sistemas
com um propoacutesito coordenativo poreacutem sem a intenccedilatildeo unificadora Tal processo limita-se a
uma integraccedilatildeo imperfeita cuja chave eacute a preservaccedilatildeo das margens nacionais de apreciaccedilatildeo
De modo diferente da coordenaccedilatildeo que eacute marcada pela horizontalidade da comunicaccedilatildeo entre
conjuntos juriacutedicos a harmonizaccedilatildeo instaura uma relaccedilatildeo do tipo vertical que implica o
reconhecimento de algumas hierarquias entre por exemplo direito internacional e nacional
direito supranacional e nacional dentre outras formas Todavia a inversatildeo destas hierarquias
e o reconhecimento muacutetuo fazem parte do movimento de harmonizaccedilatildeo
As margens nacionais de apreciaccedilatildeo satildeo as grandes novidades desse processo de
harmonizaccedilatildeo vez que elas funcionam em uma dinacircmica centriacutefuga e envolvem tanto a
obrigaccedilatildeo de conformidade em relaccedilatildeo agraves normas internacionais das quais determinado paiacutes eacute
signataacuterio quanto agrave apreciaccedilatildeo soberana dos Estados sendo delineada por princiacutepios
comuns66
A resistecircncia dos direitos internos e os avanccedilos do processo de harmonizaccedilatildeo satildeo
portanto as condiccedilotildees de possibilidade para a aplicaccedilatildeo da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
(MNA)
66
SALDANHA Jacircnia Maria Lopes MELLO Rafaela da Cruz Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e
Diaacutelogos Transjurisdicionais uma anaacutelise da postura do Supremo Tribunal Federal Brasileiro In Conselho
Nacional de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito - CONPEDI (Org) Direito Internacional dos Direitos
Humanos I XXIII EdFlorianoacutepolis CONPEDI 2014 v I p 368-394
32
Deste modo imperioso reconhecer que em um continente plural como eacute o europeu
com diversos paiacuteses com aspectos linguiacutesticos culturais religiosos e poliacuteticos a figura da
MNA apresenta-se como uma importante chave para o desenvolvimento e consolidaccedilatildeo de
um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos sendo uma ferramenta relevante
para o estabelecimento de um pluralismo ordenado uma vez que as pluralidades e
peculiaridades culturais e religiosas de cada Estado satildeo respeitadas
Neste sentido portanto a Europa pode ser vista novamente como um laboratoacuterio de
experiecircncias e o surgimento da MNA possui hoje um importante papel sobretudo dentro do
continente europeu Utilizada tanto pelos Tribunais de Luxemburgo e Estrasburgo a MNA
surgiu pela primeira vez na jurisprudecircncia do TEDH
Embora existam relatos do uso da MNA pelo Tribunal de Luxemburgo para permitir
que os conceitos comunitaacuterios sejam interpretados de modo flexiacutevel segundo as
especificidades nacionais e servindo como uma importante vaacutelvula de escape para as tensotildees
nacionais mais fortes neste trabalho far-se-aacute a limitaccedilatildeo da utilizaccedilatildeo da MNA pelo Tribunal
Europeu de Direitos do Homem com o intuito de analisar quais satildeo os entraves e as
possibilidades do uso de tal ferramenta pra a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de um direito comum
para a ldquogrande Europardquo tendo como base os direitos humanos
33
2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU
A noccedilatildeo de margem encontra-se no coraccedilatildeo dos sistemas de Direito uma vez que o
direito interno jaacute prevecirc a possibilidade de uma margem de interpretaccedilatildeo aos juiacutezes em relaccedilatildeo
agraves demandas que lhes satildeo apresentadas Todavia a internacionalizaccedilatildeo impulsiona ao
acreacutescimo do termo ldquonacionalrdquo a essa margem no sentido de permitir o reconhecimento da
diversidade dos sistemas juriacutedicos e a possibilidade de um direito comum
Nesse sentido no presente capiacutetulo far-se-aacute uma abordagem acerca da histoacuteria dessa
ferramenta criada pelo TEDH bem como o conceito e as criacuteticas trazidas por estudiosos da
doutrina da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) (21) Por conseguinte atraveacutes de uma
anaacutelise jurisprudencial se tentaraacute comprovar que a margem a despeito de opiniotildees contraacuterias
acerca da ausecircncia de paracircmetros para sua aplicaccedilatildeo pelo TEDH constitui-se como um
instrumento relevante para a construccedilatildeo de um direito comum europeu tendo como base
luminosa os direitos humanos (22)
21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem
Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu
Consoante fora anteriormente aludido a noccedilatildeo de margem encontra-se dentro dos
sistemas de direito Por isso em um primeiro momento aponta-se a margem dentro do direito
interno como ferramenta capaz de auxiliar o juiz enquanto receptor da norma a interpretar
determinado caso concreto em uma espeacutecie de coacutedigo cultural que determina o senso da
norma67
Nesse sentido a origem dessa margem de interpretaccedilatildeo adveacutem do direito
administrativo de diversos Estados europeus Na Franccedila a margem eacute conhecida como ldquomarge
67
DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation
du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit
compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780
34
drsquoappreacutecciationrdquo na Alemanha eacute vista como ldquoErmessensspielraumrdquo e na Itaacutelia ldquomarge de
discrizionalitaacuterdquo68
Em acircmbito interno portanto caracteriza-se por ser uma deferecircncia que
combina aspectos processuais e hermenecircuticos no sentido de conferir uma reserva de
apreciaccedilatildeo ao administrador para decidir acerca da conveniecircncia e oportunidade em relaccedilatildeo
aos atos administrativos
O processo de internacionalizaccedilatildeo estaacutegio supremo da globalizaccedilatildeo69
no acircmbito do
Direito se desenvolve a ponto de transformar o campo de uma disciplina de modo que
consoante jaacute fora exaustivamente exposto a seara juriacutedica natildeo se limita mais agrave relaccedilatildeo entre
Estados nem somente se combina com os direitos internos Logo o pluralismo pode ser visto
como uma palavra de ordem na paisagem juriacutedica atual e por isso a noccedilatildeo de margem ganha
o adjetivo ldquonacionalrdquo e passa a ser um elemento de tentativa de aproximaccedilatildeo com a finalidade
de atingir um direito comum com bases humanistas
Logo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) teria a finalidade de proceder a uma
espeacutecie de siacutentese entre os anseios de unidade juriacutedica e o desejo de separaccedilatildeo proveniente de
uma autonomia estatal A margem portanto sob o vieacutes da internacionalizaccedilatildeo corresponderia
ao caminho do meio entre o pressuposto de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o
relativismo ou os particularismos culturais de cada Estado
No contexto europeu em que tanto sob o vieacutes comunitaacuterio quanto sob a perspectiva do
sistema regional os Estados apresentam pluralidades significativas em relaccedilatildeo agrave religiatildeo agrave
cultura agrave poliacutetica dentre outros campos a figura da MNA serve como um importante
instrumento para aproximar o universal e o relativo70
Dessa maneira teria a funccedilatildeo de no
processo de construccedilatildeo de um direito comum apresentar como horizonte a universalidade dos
direitos humanos mas sem perder de foco os relativismos culturais que formam a identidade
das mais diferentes sociedades
Niacutetido portanto que o caminho para a construccedilatildeo de um ldquocomumrdquo em mateacuteria de
direitos humanos relaciona-se natildeo soacute com a proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua esfera eacutetica
e miacutenima como tambeacutem com a preservaccedilatildeo da pluralidade Como instrumento do processo de
harmonizaccedilatildeo a margem carrega em seu acircmago a noccedilatildeo de convergecircncia em torno de
princiacutepios comuns mas garantindo o respeito a uma espeacutecie de direito agrave divergecircncia uma vez
68
ITZCOVITCH Giulio One None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations The Lautsi Case
In Human Rights Law Review Oxford Journals 2013 Disponiacutevel em
httphrlroxfordjournalsorgcontent132toc Acesso 04 nov 2014 69
SANTOS Milton Teacutecnica Espaccedilo Tempo Globalizaccedilatildeo e meio teacutecnico-cientiacutefico-informacional 5ordf ed
Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2013 p 45 70
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b
35
que se garante a cada Estado a particularidade de lidar com questotildees atinentes agraves suas
diferenccedilas
Deste modo o Tribunal de Estrasburgo consoante fora dito anteriormente se utiliza
pela primeira vez do recurso agrave MNA no caso Lawless vs Irlanda71
Na discussatildeo cerne deste
conflito estava a possibilidade de prisatildeo provisoacuteria no caso dos atentados terroristas
relacionados ao grupo extremista IRA (Irish Republic Army) Mais especificamente o
cidadatildeo irlandecircs Gerard Richard Lawless ex-membro do IRA foi preso em julho de 1957 no
momento em que estava prestes a viajar da Irlanda agrave Gratilde-Bretanha Neste ato foi detido sob
especiais poderes de detenccedilatildeo indeterminada sem julgamento sob alegaccedilotildees de ofensas contra
o Estado irlandecircs
Lawless fazendo o uso da prerrogativa de peticcedilatildeo individual demandou perante a
Corte Europeia de Direitos do Homem alegando violaccedilatildeo pelo Estado Irlandecircs dos artigos 56
e 7 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem mas especificamente direitos de
liberdade seguranccedila julgamento justo e o princiacutepio de proibiccedilatildeo de puniccedilatildeo sem lei anterior
que defina um delito
No julgamento do caso em 1961 o Tribunal de Estrasburgo pela primeira vez fez
alusatildeo mesmo que de modo natildeo explicito agrave possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo
ao deixar ao Estado Irlandecircs margem para decidir fundamentando-se nas prerrogativas do
artigo 1572
da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Tal norma da Convenccedilatildeo alude agrave
possibilidade de derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade com a prerrogativa de que em
caso de guerra ou outro perigo puacuteblico que ameace a vida da naccedilatildeo a parte aderente agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem pode tomar providecircncias que derroguem as
obrigaccedilotildees previstas no tratado na estrita medida em que exigir a situaccedilatildeo
71
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57518itemid[001-57518] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lawless vs Irlanda Sentenccedila de 01 de julho de 1961 Acesso
05 nov 2014 72
Artigo 15 Derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade 1 Em caso de guerra ou de outro perigo puacuteblico que
ameace a vida da naccedilatildeo qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providecircncias que derroguem as obrigaccedilotildees
previstas na presente Convenccedilatildeo na estrita medida em que o exigir a situaccedilatildeo e em que tais providecircncias natildeo
estejam em contradiccedilatildeo com as outras obrigaccedilotildees decorrentes do direito internacional 2 A disposiccedilatildeo
precedente natildeo autoriza nenhuma derrogaccedilatildeo ao artigo 2deg salvo quanto ao caso de morte resultante de atos
liacutecitos de guerra nem aos artigos 3deg 4deg (paraacutegrafo 1) e 7deg 3 Qualquer Alta Parte Contratante que exercer este
direito de derrogaccedilatildeo manteraacute completamente informado o Secretaacuterio Geral do Conselho da Europa das
providecircncias tomadas e dos motivos que as provocaram Deveraacute igualmente informar o Secretaacuterio - Geral do
Conselho da Europa da data em que essas disposiccedilotildees tiverem deixado de estar em vigor e da data em que as da
Convenccedilatildeo voltarem a ter plena aplicaccedilatildeo CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS
DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014
36
Logo aplicando o referido artigo 15 da Convenccedilatildeo a decisatildeo do Tribunal de
Estrasburgo foi de no caso proposto asseverar que os fatos apurados natildeo revelam uma
violaccedilatildeo por parte do Governo irlandecircs de suas obrigaccedilotildees ao abrigo da Convenccedilatildeo Europeia
para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais Em razatildeo disso de a
motivaccedilatildeo do Tribunal para proferir a decisatildeo ter partido de uma prerrogativa da proacutepria
Convenccedilatildeo Europeia alguns autores73
natildeo fazem alusatildeo a este caso como o primeiro em que
houve concessatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo para Estado
Embora haja uma referecircncia tiacutemida agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso exposto
anteriormente eacute no caso linguiacutestico belga74
que se percebe uma manifestaccedilatildeo mais concreta
da Corte de Estrasburgo em relaccedilatildeo agrave deferecircncia de julgamento aos Estados precisando
alguns dos fundamentos da doutrina da MNA No caso belga julgado em 1968 pais que
falavam francecircs questionaram o sistema educacional da Beacutelgica que dividia o paiacutes em quatro
regiotildees linguiacutesticas distintas
O Tribunal de Luxemburgo aceitou uma margem de apreciaccedilatildeo conferida agraves partes em
funccedilatildeo de que os Estados possuiacuteam discricionariedade em relaccedilatildeo agrave regulamentaccedilatildeo do direito
agrave educaccedilatildeo A Corte argumentou que essa necessidade de concessatildeo de uma deferecircncia ou de
um limite de discricionariedade ao Estado era proveniente da natureza do proacuteprio direito
discutido (regulamentaccedilatildeo do sistema educacional) de modo que a regulamentaccedilatildeo do direito
agrave educaccedilatildeo poderia variar de acordo com o local e com o tempo consoante as necessidades e
os recursos da comunidade e dos indiviacuteduos
Ainda eacute possiacutevel destacar nesse caso a vinculaccedilatildeo da noccedilatildeo de margem de apreciaccedilatildeo
ao princiacutepio de subsidiariedade dos tribunais internacionais em relaccedilatildeo agraves cortes nacionais
Por isso o Tribunal manifestou-se asseverando que natildeo desejava substituir as autoridades
nacionais pois se assim o fizesse perderia a caracteriacutestica de mecanismo internacional de
garantia da ordem instaurada pela Convenccedilatildeo
73
KRATOCHVIL Jan The inflation of the margin of appreciation by european court of human rights In
Netherlands Quarterly of Human Rights Vol 293 2011 p 324-357 Disponiacutevel em ww corteidhorcr
tablas r26992pdf Acesso 01 nov 2014
VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um
equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em
httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 74
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httpwww9euskadineteuskara_araubideaLegedialegeakgaztelaneuropas23b001pdf CORTE EUROPEIA
DE DIREITOS HUMANOS Caso linguiacutestico belga Sentenccedila de 23 de julho de 1968 Acesso 05 nov 2014
37
Essa subsidiariedade conduz agrave MNA duas noccedilotildees75
uma noccedilatildeo teacutecnica e outra
poliacutetica Na noccedilatildeo teacutecnica a razatildeo para sua existecircncia relaciona-se com a imprecisatildeo de
algumas normas que conferem certa liberdade ao juiz internacional No campo poliacutetico a
relaccedilatildeo se evidencia pela sensibilidade dos Estados em relaccedilatildeo a temas polecircmicos
Sob essa oacutetica e embora esse natildeo seja o foco do presente trabalho pode-se afirmar que
a MNA eacute uma figuram importante tanto para o horizonte de criaccedilatildeo de um direito comum
europeu como para a consolidaccedilatildeo do direito comunitaacuterio europeu Isso porque este uacuteltimo
embora tenha sido baseado em um ideal federalista funda-se na realidade em um modelo de
governanccedila supranacional em que a MNA foi importada pelo Tribunal de Luxemburgo a fim
de ser uma vaacutelvula de escape para tensotildees fortes em acircmbito comunitaacuterio76
O TJUE deste modo permite que os conflitos comunitaacuterios sejam interpretados de
maneira flexiacutevel conforme especificidades nacionais Cada Estado pode atribuir seu proacuteprio
significado a expressotildees ou textos legais de interpretaccedilatildeo ampla devendo-se contudo
vincular aos princiacutepios e conceitos juriacutedico-legais do direito comunitaacuterio
No campo de construccedilatildeo de um direito comum europeu que tem como terreno o
sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos tal premissa natildeo eacute diferente Embora em
alguns casos o TEDH opte pela concessatildeo da margem de deferecircncia essa soacute pode ser aplicada
pelo Estado se este observar os princiacutepios que regem o instrumento legal base da Corte qual
seja a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) Deste modo o Estado natildeo fica
desobrigado do cumprimento da Convenccedilatildeo pois em tese apenas existiraacute margem para
pontos sensiacuteveis desta os quais permitem interpretaccedilotildees diferenciadas de acordo com os
particularismos nacionais e os desacordos culturais
Nesse sentido conforme se observou pelos casos citados com ecircnfase para o caso
Lawless vs Irlanda uma primeira aplicaccedilatildeo da doutrina da margem vinculou-se ao processo
de sedimentaccedilatildeo do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos vez que tal
caso foi um dos primeiros a ser julgado pelo Tribunal de Estrasburgo aleacutem de conforme fora
dito ter sido o primeiro no acircmbito da criaccedilatildeo e uso da MNA Em razatildeo desse contexto a
utilizaccedilatildeo do instrumento em questatildeo deu-se em funccedilatildeo de uma demanda que envolvia
questatildeo de seguranccedila interna de um paiacutes e por isso a aplicaccedilatildeo da deferecircncia de julgamento agrave
Irlanda daacute-se tambeacutem como uma teacutecnica poliacutetica para evitar tensotildees entre esfera internacional
75
DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation
du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit
compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780 76
VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade
de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014
38
e nacional (esta ainda arraigada ao conceito claacutessico de soberania) no acircmbito de um sistema
que tinha sido criado recentemente
Sob tal vieacutes pode-se recorrer agrave explicaccedilatildeo de Marcelo Varella77
de que a margem
deve ser aplicada para temas polecircmicos em que abusos exegeacuteticos por parte do tribunal de
cariz internacional podem levar agrave perda de legitimidade deste Contudo com o
desenvolvimento da teoria da MNA tanto por doutrinadores como pela proacutepria jurisprudecircncia
do tribunal que a criou percebe-se que o seu uso em grande medida relaciona-se com o
embate entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo nacional em mateacuteria de
desacordos culturais
Natildeo obstante a existecircncia de criacuteticas sobre a aplicaccedilatildeo praacutetica atual da MNA pelo
TEDH o que seraacute objeto de anaacutelise na sequencia do presente trabalho eacute com a figura da
deferecircncia da margem nacional que se torna possiacutevel um pluralismo de justaposiccedilatildeo78
que
tolera a coexistecircncia de sistemas particularmente diferentes Somente a possibilidade de
acoplamento do adjetivo nacional ao substantivo margem ou seja uma transferecircncia de
conceito desse substantivo para outra esfera que natildeo agrave interna de cada paiacutes jaacute demonstra que
uma ruptura com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito jaacute iniciou e ainda estaacute em curso
A ruptura com a concepccedilatildeo tradicional unificada e estritamente hierarquizada de
ordem juriacutedica leva a uma ruptura epistemoloacutegica com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito
Isso permite natildeo soacute a existecircncia e aplicaccedilatildeo de uma margem nacional de apreciaccedilatildeo como
demonstra a possibilidade de concretizaccedilatildeo do ideal de um direito comum que por ser
pluralista natildeo pode ser projetado conforme o modelo tradicional e nem encontra campo para
isso em funccedilatildeo do novo mosaico juriacutedico existente sobretudo na Europa
Logo eacute possiacutevel afirmar que a margem a que se refere esse trabalho natildeo deixa de ser
um reconhecimento jurisprudencial dessa mudanccedila de ares trazida pelas novas configuraccedilotildees
e estruturas juriacutedicas Isso porque novas instituiccedilotildees emergem em meio de um caos juriacutedico
que natildeo passa despercebido pelas cortes internacionais Prova disso eacute que a MNA natildeo eacute
mencionada somente pelo TEDH Ainda que de modo muito tiacutemido e em pequena medida eacute
possiacutevel o destaque de citaccedilatildeo (e aplicaccedilatildeo) da referida doutrina pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos79
Embora o continente latino americano seja tatildeo ou mais plural e diversificado que o
europeu e que o uso da margem como instrumento de siacutentese entre relativo e universal seja
77
Ibid 2012 p 143 78
DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 757 79
POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema
interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012
39
teoricamente indicado para sedimentar as bases de construccedilatildeo de um direito comum pluralista
a aplicaccedilatildeo do instituto em solo americano ainda natildeo ocorre de modo significativo Sob esse
vieacutes o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Seacutergio Garcia Ramirez80
asseverou
que a margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute uma ferramenta e um princiacutepio europeu de relativismo
relativo agrave execuccedilatildeo que natildeo eacute visto com simpatia pela Corte maacutexima do sistema regional
americano de direitos humanos Isso em funccedilatildeo natildeo soacute do histoacuterico de demandas que
chegaram ao julgamento da Corte Interamericana ndash em grande parte envolvendo violaccedilotildees de
direitos humanos perpetradas pelo Estado durante os periacuteodos de ascensatildeo de autoritarismos e
ditaduras na Ameacuterica Latina ndash como tambeacutem em razatildeo das democracias latino-americanas
ainda estarem em fase de consolidaccedilatildeo
Deste modo em razatildeo da ausecircncia ateacute entatildeo de casos envolvendo desacordos
culturais e das recentes reinserccedilotildees ou inserccedilotildees democraacuteticas de paiacuteses do continente
americano temia-se que eventual aplicaccedilatildeo de MNA poderia ser compreendida pelos Estados
como um salvo-conduto para que houvesse violaccedilatildeo de direitos humanos pelos paiacuteses A
cautela e a percepccedilatildeo de paisagens diferentes entre os territoacuterios separados pelo Atlacircntico
fizeram e fazem com que ainda hoje a doutrina da margem tenha pouca ou quase nenhuma
aplicaccedilatildeo na Ameacuterica
Deste modo pode-se afirmar que a internacionalizaccedilatildeo do direito - e seus reflexos na
Europa - eacute a responsaacutevel pela criaccedilatildeo de um espaccedilo para o desenvolvimento da doutrina da
margem nacional de apreciaccedilatildeo Nesse sentido embora a criaccedilatildeo tenha sido jurisprudencial
por parte do TEDH com aplicaccedilatildeo em alguns casos pelo proacuteprio Tribunal de Luxemburgo eacute
importante avaliar de que modo a doutrina conceitua o referido instituto
A posiccedilatildeo adotada por este trabalho eacute a de Mireille Delmas-Marty81
que salienta em
suas obras a origem nacional da margem nacional ainda como uma margem de interpretaccedilatildeo
capaz de conferir um pluralismo de valores do tipo meta juriacutedico em uma espeacutecie de
deferecircncia para apreciaccedilatildeo do juiz receptor de determinada norma Todavia a margem
relativa agrave internacionalizaccedilatildeo liga-se ao reconhecimento da diversidade de sistemas juriacutedicos
os quais possuem algumas caracteriacutesticas peculiares ligadas agraves identidades do Estado em que
se encontram
80
Tal posicionamento de Seacutergio Garciacutea Ramirez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema Internacional de
Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de 19 e 20 de agosto
de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado ndash da Pontifiacutecia
Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS 81
DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 762
40
Em razatildeo disso para a autora a noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo aleacutem de ser
uma siacutentese entre o universal e o relativo eacute uma chave do pluralismo ordenado Desse modo
sua construccedilatildeo assemelha-se de um lado agrave expressatildeo de uma dinacircmica centriacutefuga ou seja
uma resistecircncia dos Estados agrave integraccedilatildeo e o apego agrave noccedilatildeo claacutessica de soberania e de outro
lado sendo ela limitada por princiacutepios comuns estabelece o miacutenimo de compatibilidade
voltando-se ao centro em uma dinacircmica centriacutepeta
Haacute portanto um movimento duplo que por vezes traduz as resistecircncias dos direitos
nacionais por vezes os avanccedilos rumo agrave harmonizaccedilatildeo do direito comum em mateacuteria de
direitos humanos Eacute justamente essa capacidade de oscilaccedilatildeo que permite os ajustamentos
com vistas a compatibilizar o interno com o comum com o intuito nem de criar uma
hegemonia do universal e nem de tornar inaplicaacutevel o direito comum em razatildeo das
particularidades Desta forma Delmas percebe a margem como uma teacutecnica juriacutedica presente
no acircmbito do fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo do direito e que permite o reconhecimento da
diversidade entre os sistemas juriacutedicos82
Benvenisti83
por sua vez visualiza no uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo uma
espeacutecie de latitude que cada sociedade tem na resoluccedilatildeo de conflitos inerentes entre os
direitos individuais e os interesses nacionais ou entre diferentes convicccedilotildees morais Por
conseguinte alude que a doutrina da margem consoante inclusive fora abordado
anteriormente neste trabalho respondeu inicialmente a preocupaccedilotildees de governos nacionais
de que as poliacuteticas internacionais pudessem comprometer a seguranccedila nacional Isso entatildeo
explicaria a invocaccedilatildeo da margem no caso Lawless vs Irlanda por exemplo
Com a evoluccedilatildeo da jurisprudecircncia o uso desse instrumento passou a ser aplicado por
outras razotildees como gestatildeo de recursos discricionariedade em relaccedilatildeo a questotildees
concernentes agrave deliberaccedilatildeo acerca de sistemas poliacuteticos educacionais entre outros ateacute passar
a ser utilizada em temas relativos aos desacordos culturais Ainda segundo Bevenisti84
a
utilizaccedilatildeo da margem se justifica em alguns casos e em algumas mateacuterias ndash para o autor por
exemplo a aplicaccedilatildeo da margem nacional natildeo se justifica quando em questatildeo se encontram o
direito de minorias - sendo que o uso ampliado ou desmedido pode gerar uma espeacutecie de
deslegitimaccedilatildeo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos
82
Ibid 2000 p 760 83
BENVENISTI Eyal Margin of apreciation consensus and universal standards In International Law and
Politics Vol 31843 1999 pp 843-854 Disponiacutevel em httpwwwpict-
pctiorgpublicationsPICT_articlesJILPBenvenistipdfp 853 Acesso 05 nov 2014 84
Ibid 1999 p 846
41
Para Poblete amp Alvarado85
a margem nacional de apreciaccedilatildeo liga-se agrave noccedilatildeo de fins e
limites da jurisdiccedilatildeo internacional ou supranacional em mateacuteria de direitos humanos Eles
reconhecem que a doutrina da margem concede aos Estados signataacuterios de convenccedilotildees
internacionais liberdade para apreciar as circunstacircncias materiais que exigem aplicaccedilatildeo de
medidas excepcionais em situaccedilatildeo de emergecircncia como eacute o caso das prerrogativas do artigo
15 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de derrogaccedilatildeo em caso de necessidade
Outrossim ainda segundo os mencionados autores a margem possibilita aos Estados
liberdade para limitar direitos reconhecidos em tratados internacionais quando outros direitos
exigem respeito ou assim exigem os interesses da comunidade Ainda serviria para definir os
conteuacutedo dos direitos delimitar como eles satildeo aplicados no plano interno e definir o modo
como seratildeo cumpridas resoluccedilotildees de um oacutergatildeo internacional de supervisatildeo de um tratado ou
convenccedilatildeo Dessa maneira tais autores identificam a doutrina da MNA como uma
metodologia de que se servem os tribunais internacionais para difundir os direitos humanos
previstos nos tratados internacionais bem como o direito do comeacutercio ndash a margem tambeacutem eacute
aplicada pela Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio (OMC)
Vila86
por sua vez percebe na doutrina da marem nacional de apreciaccedilatildeo uma espeacutecie
de ldquodeferecircnciardquo praticada pelo Tribunal de Estrasburgo em relaccedilatildeo aos Estados signataacuterios da
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Isso pelo fato de que o sistema de proteccedilatildeo dos
diretos humanos na Europa eacute resultado de uma divisatildeo de trabalho entre os Estados e a Corte
em que os primeiros satildeo responsaacuteveis primaacuterios desta proteccedilatildeo e a Corte possui um caraacuteter
subsidiaacuterio atuando em acircmbitos sensiacuteveis como o da moralidade e da religiatildeo em que natildeo haacute
consenso entre os Estados
Nesse mesmo sentido se situa o pensamento de Roca87
que afirma que a doutrina da
margem nacional de apreciaccedilatildeo ocupa um lugar de destaque na jurisprudecircncia do Tribunal
Europeu de Direitos Humanos e eacute necessaacuteria para refletir uma realidade evidente qual seja a
pluralidade cultural dos Estados que fazem parte do Conselho da Europa notaacutevel em um
pluralismo de base territorial sobre o qual assenta uma cultura comum europeia de alguns
miacutenimos
85
POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema
interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012 p5 86
VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um
equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em
httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 87
ROCA JavierGarciacutea La muy discrecional doctrina del margen de apreciacioacuten nacional seguacuten el Tribunal
Europeo de Derechos Humanos Soberaniacutea e Integracioacuten In UNED Teoriacutea y Realidad Constitucional N
202007 p 117-143 Disponiacutevel em httpe-spaciounedes revistasuned indexphp TRC article vie 6778
Acesso 02 nov 2014
42
Da mesma forma considera o autor que os princiacutepios da proporcionalidade e da
subsidiariedade satildeo imanentes agrave noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo visto que os
Estados possuem certa margem de discricionariedade na aplicaccedilatildeo e no cumprimento de
obrigaccedilotildees impostas pela Convenccedilatildeo bem como na ponderaccedilatildeo de interesses mais
complexos Se houver excesso por parte dos Estados no uso dessa margem haacute violaccedilatildeo do
princiacutepio da proporcionalidade e abre-se espaccedilo para a intervenccedilatildeo do oacutergatildeo jurisdicional
internacional sob as bases do princiacutepio da subsidiariedade
Eacute importante sob essa oacutetica lembrar que embora o diferencial da Corte Europeia de
Direitos Humanos seja o de permitir a peticcedilatildeo individual de qualquer sujeito que denuncie
uma violaccedilatildeo de seus direitos baacutesicos assim como outros tribunais internacionais tem a regra
da exigecircncia do esgotamento das vias internas de acesso agrave justiccedila para que a demanda seja
recebida pelo TEDH Se natildeo houve satisfaccedilatildeo do pleito por parte do Estado ou se a reparaccedilatildeo
obtida se revelara inidocircnea para uma proteccedilatildeo adequada ao direito violado entatildeo agrave Corte
Europeia eacute permitido revisar a decisatildeo nacional ou substituiacute-la
Mahorney88
em seus estudos assevera que a margem funciona como uma espeacutecie de
divisatildeo de jurisprudecircncias uma vez que traccedila uma linha divisoacuteria entre o que deve decidir
cada comunidade nacional e as questotildees que tecircm relevacircncia para necessitar uma soluccedilatildeo
homogecircnea ou seja as que demandam uma decisatildeo que harmonize a regulaccedilatildeo do direito e
suas garantias na comunidade internacional independentemente das diferenccedilas de tradiccedilotildees
ou culturas
Contreras89
afirma que os tratados regionais de direitos humanos embora contenham
escopos de universalidade em relaccedilatildeo a esses direitos satildeo acompanhados pela possibilidade
de peculiaridades geograacuteficas na execuccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos direitos do homem As cortes
internacionais tecircm a dificuldade de conciliar ou justificar a falta de conciliaccedilatildeo entre
diferenccedilas morais e normativas de cada regiatildeo Em razatildeo disso uma das criaccedilotildees doutrinaacuterias
mais importantes eacute a da margem nacional de apreciaccedilatildeo sendo esta para o autor um criteacuterio
interpretativo desenvolvido tanto como deferecircncia aos Estados para que possam regular o
conteuacutedo dos direitos e suas restriccedilotildees e para distribuir os poderes e niacuteveis de decisotildees
tomadas entre as autoridades domeacutesticas e internacionais
88
MAHORNEY Paul Marvellous richness diversity or individual cultural relativism In Human Rights Law
Journal Vol 19 nuacutem 1 30 de abril de 1998 p 1 89
CONTRERAS Pablo National Discretion and International Deference in the Restriction of Human Rights A
Comparison Between the Jurisprudence of the European and the Inter-American Court of Human Rights In
Northwestern Journal of International Human Rights Vol 11 2012 Disponiacutevel em
httpscholarlycommonslawnorthwesterneducgiviewcontentcgiarticle=1155ampcontext=njihr Acesso 01 nov
2014
43
Visiacutevel portanto que na doutrina natildeo haacute um contexto exato em relaccedilatildeo a essa figura
criada e aplicada na jurisprudecircncia do TEDH Enquanto para alguns estudiosos ela se
configura como uma doutrina para outros eacute um criteacuterio interpretativo ou hermenecircutico usado
pelos tribunais internacionais no sentido de revisar a decisatildeo de um Estado ou conceder
deferecircncia a este para julgar conforme o direito interno coadunado com os princiacutepios miacutenimos
existentes nos tratados internacionais de direitos humanos
Natildeo obstante a divergecircncia de conceituaccedilatildeo no campo teoacuterico analisar-se-aacute no
proacuteximo capiacutetulo alguns casos emblemaacuteticos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de apreciaccedilatildeo
pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos mais diferentes tema com o intuito de
responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel afirmar que do modo como eacute aplicada a
doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo pela Corte Europeia de Direitos do Homem
temos uma efetiva contribuiccedilatildeo para o processo de harmonizaccedilatildeo entre universal e relativo e
construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos
Embora a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo tenha nascido da tentativa de
produccedilatildeo de uma siacutentese entre o universal e o relativo no espaccedilo do sistema regional europeu
de proteccedilatildeo dos direitos humanos sua aplicaccedilatildeo praacutetica sobretudo pelo TEDH natildeo eacute imune a
criacuteticas Cumpre a esse capiacutetulo realizar notas acerca da aplicaccedilatildeo praacutetica da margem
nacional de apreciaccedilatildeo com o intuito de verificar se ela efetivamente contribui ou eacute capaz de
contribuir para a construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
Conforme afirmam Brum et Saldanha90
a MNA ao ser compreendida e utilizada como
uma forma de autocontrole por meio do qual o oacutergatildeo jurisdicional internacional evita o
enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas poliacutetica pode
representar um risco de fragilizaccedilatildeo do direito internacional dos direitos humanos caso seu
uso se torne indiscriminado sem criteacuterios claros e limites precisos Desta maneira seu uso em
vez de conduzir ao caminho de ordenaccedilatildeo do muacuteltiplo e de mundializaccedilatildeo dos direitos
90
BRUM Maacutercio Morais SALDANHA Jacircnia Maria Lopes A margem nacional de apreciaccedilatildeo e sua
(in)aplicaccedilatildeo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em mateacuteria de anistia Uma figura hermenecircutica a
serviccedilo do pluralismo ordenado In Anuario Mexicano de Derecho Internacional 2015(No prelo para
publicaccedilatildeo)
44
humanos levaria ao rumo contraacuterio da fragmentaccedilatildeo e reforccedilo da velha noccedilatildeo de soberania
marcada pela ausecircncia de compromisso dos Estados com os marcos protetivos miacutenimos do
direito internacional
Neste vieacutes portanto dentro ainda de um panorama geral de anaacutelise da postura do
Tribunal de Estrasburgo um dos primeiros pontos de criacutetica se relaciona ao enfraquecimento
da credibilidade do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos Na visatildeo de
alguns doutrinadores a postura da Corte Europeia na aplicaccedilatildeo irrestrita e sem limitaccedilotildees ou
uma sistematizaccedilatildeo teacutecnica em relaccedilatildeo aos casos em que deve ou natildeo ser aplicada pode gerar
um sentimento de descrenccedila na legitimidade e na eficaacutecia das decisotildees tomadas pelo oacutergatildeo
jurisdicional internacional do Conselho da Europa
Para alguns estudiosos o modo como a margem eacute aplicada reflete uma postura de
evitar o enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas
poliacuteticas Aleacutem de uma fragilizaccedilatildeo do sistema internacional de proteccedilatildeo aos direitos humanos
o uso da margem sem limites definidos pode levar ao reforccedilo da noccedilatildeo claacutessica de soberania
em que o compromisso dos Estados com os instrumentos normativos de direito internacional
era mitigado
No campo de aplicaccedilatildeo a casos praacuteticos eacute possiacutevel conforme assevera Roca91
visualizar as imprecisotildees praacuteticas e teoacutericas do uso da margem o que leva a dois resultados o
primeiro eacute a necessidade de criaccedilatildeo de esforccedilos com urgecircncia para melhor edificar e criar
paracircmetros para a aplicaccedilatildeo da ferramenta bem como que o demandante ou qualquer
observador perante a Corte natildeo saber com suficiente seguranccedila juriacutedica quando o Tribunal
de Estrasburgo vai usar a margem nem quais seratildeo os possiacuteveis resultados desse uso
Ainda segundo o autor a margem eacute um instrumento impreciso e de geometria
variaacutevel todavia eacute consenso entre os doutrinadores que a ferramenta natildeo eacute uma carta branca
aos Estados para fazerem o que quiserem sendo necessaacuteria depuraccedilatildeo teoacuterica para tornar o
instrumento mais preciso Seu uso impotildee como jaacute foi dito autocontenccedilatildeo por parte da Corte
tendo em vista que sua funccedilatildeo segundo o princiacutepio da subsidiariedade eacute somente de impor
estandartes miacutenimos comuns em mateacuteria de direitos humanos Entretanto o niacutevel de proteccedilatildeo
dos direitos dos direitos e das diversas foacutermulas para concretizaacute-los natildeo satildeo homogecircneos
diante de naccedilotildees com tradiccedilotildees juriacutedicas tatildeo diversas
Desta maneira no campo jurisprudencial com a finalidade de responder ao
questionamento feito no capiacutetulo anterior utilizar-se-aacute de modo conjunto as classificaccedilotildees das
91
ROCA op cit 125
45
decisotildees da Corte Europeia dos Direitos do Homem feitas por Contreras e por Roca Para o
primeiro doutrinador92
eacute possiacutevel dividir os casos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de
apreciaccedilatildeo pelo Tribunal de Estrasburgo em trecircs grandes grupos
O primeiro grupo abarca casos envolvendo direitos fundamentais e direitos poliacuteticos
dentre os quais se destacam a proibiccedilatildeo da tortura ou a liberdade de expressatildeo e associaccedilatildeo
Nesse primeiro grupo no que tange aos direitos fundamentais haacute rigorosa supervisatildeo por
parte do Tribunal Europeu negando qualquer margem nacional de apreciaccedilatildeo aos Estados
Ainda dentro deste conjunto no que concerne aos discursos poliacuteticos ou direito de partidos
poliacuteticos eacute por vezes concedida uma margem reduzida agraves autoridades domeacutesticas para
decisatildeo ou execuccedilatildeo de uma decisatildeo
O segundo grupo por sua vez relaciona-se aos direitos de propriedade em que a
Corte concede grande margem de deferecircncia aos Estados Isso porque o TEDH reconhece em
princiacutepio que as autoridades nacionais estatildeo melhor situadas do que o juiz internacional no
que tange a apreciaccedilatildeo acerca do melhor interesse de uma comunidade em relaccedilatildeo a poliacuteticas
envolvendo direitos de propriedade
Por fim o terceiro grupo eacute o mais complexo para a apreciaccedilatildeo do tipo de margem
concedida pelo Tribunal de Estrasburgo uma vez que conteacutem temas que natildeo apresentam
consenso por parte do Tribunal Deste modo neste grupo ficam evidentes as complexidades e
as vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis da MNA Casos como os de liberdade religiosa liberdade de
discurso direitos dos homossexuais dentre outros temas latentes e relevantes na paisagem
juriacutedica social e cultural europeia
Do mesmo modo Roca93
divide a margem nacional de apreciaccedilatildeo em trecircs ciacuterculos
concecircntricos tendo como base a natureza dos direitos cuja tutela eacute pleiteada junto ao oacutergatildeo
jurisdicional internacional do sistema europeu O primeiro ciacuterculo de Roca relaciona-se com o
segundo grupo de Contreras vez que trata dos direitos de propriedade que teriam uma
margem de deferecircncia ampla e um controle pouco intenso por parte da Corte Esse ciacuterculo
seria o maior e englobaria os demais
No ciacuterculo menor estariam os direitos vistos como absolutos pelo Tribunal Europeu
Dentre esses se destacam o direito agrave vida ou os direitos democraacuteticos que apresentam uma
margem de apreciaccedilatildeo pouco extensa juntamente com um controle restrito por parte da Corte
Europeia Este ciacuterculo identifica-se com o primeiro grupo anteriormente mencionado visto
92
CONTRERAS op cit p 35 93
ROCA op cit p 134
46
que trabalha com noccedilotildees de direitos fundamentais e poliacuteticos essenciais e miacutenimos para todos
os paiacuteses europeus
Por fim no espaccedilo intermediaacuterio entre esses dois ciacuterculos encontra-se uma esfera
meacutedia que relacionando-se com o terceiro grupo definido por Contreras contempla todos os
outros direitos em que alguma vez o Tribunal de Estrasburgo mencionou ou aplicou a margem
nacional de apreciaccedilatildeo Eacute justamente nesse ciacuterculo que devem ser desenvolvidos os
paracircmetros para guiar o uso da ferramenta pela Corte no intuito de reduzir a inseguranccedila
juriacutedica ocasionada pelo uso sem uma sistematizaccedilatildeo de criteacuterios
Eacute pertinente em um primeiro momento destacar que conforme ambos os
doutrinadores demonstram quando se mencionam direitos fundamentais ou vinculados agrave
princiacutepios democraacuteticos inaplicaacutevel eacute o uso da margem pela Corte ou se for feito eacute de forma
absolutamente restrita No caso dos direitos fundamentais interessante relembrar Baez94
que
ao buscar o conceito de direitos humanos concluiu que nenhuma fonte normativa existente
tanto em sistemas internacionais quanto nacionais ou regionais trazem a definiccedilatildeo de direitos
humanos Pelo contraacuterio soacute os exemplificam
Nesse sentido observou Baez95
que embora natildeo exista uma definiccedilatildeo precisa de
direitos humanos existem elementos baacutesicos que fazem parte desses e o elemento que eacute
citado em todos os instrumentos normativos sobre o tema eacute o de dignidade da pessoa humana
Os direitos humanos somente existem para realizaccedilatildeo e proteccedilatildeo da dignidade humana poreacutem
o conceito de dignidade eacute de tatildeo difiacutecil conceituaccedilatildeo quanto o conceito de direitos humanos
O autor conclui que a dignidade possui duas dimensotildees a dimensatildeo baacutesica a qual
corresponde aos limites miacutenimos e fundamentais para a existecircncia humana impedindo a
noccedilatildeo de coisificaccedilatildeo do ser Se houver portanto violaccedilatildeo agrave dimensatildeo baacutesica da dignidade da
pessoa humana haacute tambeacutem violaccedilatildeo dos direitos humanos A outra dimensatildeo eacute a cultural vez
que envolve o conjunto de valores que cada sociedade desenvolve
A primeira dimensatildeo refere-se agrave universalidade e a segunda que depende de fatores
culturais permite que os direitos humanos sejam morfologicamente assimeacutetricos Isso natildeo
deixa de se relacionar com o que Delmas-Marty fala acerca dos direitos humanos
inderrogaacuteveis ou seja que natildeo podem sofrer a incidecircncia de qualquer tipo de margem de
94
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos
humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da
UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em
httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014 95
Tal posicionamento de Narciso Leandro Xavier Baez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema
Internacional de Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de
19 e 20 de agosto de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado
ndash da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS
47
apreciaccedilatildeo Estes possuem a caracteriacutestica do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano
ou seja vinculam-se agrave noccedilatildeo da dimensatildeo baacutesica da dignidade da pessoa humana
Neste vieacutes eacute possiacutevel dizer que no que diz respeito aos direitos fundamentais a Corte
de certa forma apresenta certa relaccedilatildeo com as doutrinas apresentadas uma vez que em casos
em que existam registros de violaccedilotildees aos direitos humanos inderrogaacuteveis quais sejam os
que tem como cerne a dignidade humana baacutesica a Corte natildeo permite qualquer espeacutecie de
margem nacional de apreciaccedilatildeo Vejamos por exemplo o caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila96
julgado em 2006 O demandante perante o Tribunal de Estrasburgo foi um terrorista
venezuelano conhecido na deacutecada de 1970 condenado pelo Estado Francecircs agrave prisatildeo perpeacutetua
pelo assassinato em 1974 dois inspetores da poliacutecia francesa e um antigo companheiro
terrorista libanecircs
Saacutenchez recorreu agrave Corte Europeia arguindo violaccedilotildees do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo
Europeia dos Direitos do Homem (proibiccedilatildeo da tortura e tratamentos humanos degradantes) e
do artigo 13 do mesmo diploma legal (direito a um recurso efetivo) Embora no julgamento
tenha ficado decidido que natildeo houve violaccedilatildeo ao artigo 3ordm97
o posicionamento da Corte
permite asseverar que natildeo haacute margem nacional de deferecircncia aos Estados quando o assunto
for violaccedilatildeo de direitos humanos ou fundamentais inderrogaacuteveis ou cujo nuacutecleo central for a
dignidade baacutesica da pessoa humana Nesse sentido a Corte pontuou que mesmo nas
circunstacircncias mais difiacuteceis como a luta contra o terrorismo ou o crime organizado a
Convenccedilatildeo proiacutebe em termos absolutos a tortura ou tratamentos inumanos ou degradantes
Igualmente natildeo confere o Tribunal margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso de
violaccedilatildeo de direitos humanos nas condiccedilotildees degradantes das prisotildees de muitos paiacuteses do Leste
Europeu O caso Kalashnikov vs Ruacutessia98
julgado em 15 de julho de 2002 cujo fundamento
foi repetido em muitos outros casos envolvendo condiccedilotildees humanas degradantes nas prisotildees
apresenta a consideraccedilatildeo de que deficientes condiccedilotildees objetivas e estruturais de cumprimento
de pena podem constituir uma violaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo Europeia
96
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-
1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila Sentenccedila
de 04 de julho de 2006 Acesso 05 nov 2014 97
Artigo 3ordm Proibiccedilatildeo da tortura Ningueacutem pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos desumanos
ou degradantes CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS
LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 98
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-
1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Kalashnikov vs Ruacutessia Sentenccedila de 15
de julho de 2002 Acesso 05 nov 2014
48
Ainda pode-se destacar o caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria99
em que novamente o motivo
que serve de base para o pedido de julgamento do Tribunal de Estrasburgo eacute a violaccedilatildeo do
artigo 3ordf da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de que ningueacutem poderaacute ser
submetido a torturas nem a penas ou tratamentos humanos degradantes O caso em comento
referiu-se agrave prisatildeo do senhor Borislav Gutsanov membro do Partido Comunista preso pela
poliacutecia da Bulgaacuteria em sua casa na frente de seus filhos e de sua esposa durante as
investigaccedilotildees de esquemas de grupos criminosos Segundo o relato das partes demandantes
Gustsanovi foi rendido em sua casa por volta das seis horas da manhatilde forccedilado a se ajoelhar e
algemado em frente a seus filhos menores de idade
A decisatildeo da Corte foi a de considerar que houve violaccedilatildeo do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo
uma vez que se mostrou desnecessaacuterio o ato dos policiais e natildeo condizente com os princiacutepios
da proporcionalidade e com as exigecircncias de garantia de direitos fundamentais de um Estado
Democraacutetico de Direito Isso porque o demandante natildeo teria oferecido resistecircncia em sua
prisatildeo de modo que algemaacute-lo diante de sua famiacutelia representou uma espeacutecie de tratamento
humano degradante
Casos como os acima previstos mostram um padratildeo doutrinaacuterio e jurisprudencial
semelhante vez que natildeo se encontram referecircncias expressas a qualquer margem nacional de
apreciaccedilatildeo para as autoridades nacionais O TEDH determina se as provas colhidas satildeo
suficientes ou natildeo para provar o real risco de tortura ou de tratamento humano e
degradante100
Logo pelo fato de que a natureza dos direitos envolvidos nesse caso eacute considerada
como fundamental de imediato eliminam-se as possibilidades de deferecircncia aos Estados Tal
compreensatildeo eacute o que faz o uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo ser extremamente reduzido
no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos Isso porque ateacute hoje diferentemente do Tribunal de Estrasburgo a Corte
Interamericana teve como maioria de demandas apresentadas as envolvendo delitos
praticados pelos Estados Americanos durante as ditaduras militares ou civil militares em que
casos de tortura e desaparecimento forccedilados eram julgados ou seja casos envolvendo a
violaccedilatildeo de direitos fundamentais ou humanos em sua perspectiva eacutetica de dignidade humana
e natildeo cultural
99
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-126982itemid[001-126982] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria Sentenccedila de 15 de outubro de 2013
Acesso 05 nov 2014 100
CONTRERAS op cit p 41
49
Nesse aspecto visiacutevel que quando se tratam de possiacuteveis violaccedilotildees de direitos
humanos inderrogaacuteveis previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos
a anaacutelise feita pelo Tribunal de Estrasburgo eacute de revisatildeo minuciosa da sentenccedila proferida no
paiacutes de origem da demanda bem como a possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute
extremamente reduzida para natildeo falar inexistente No caso de direitos democraacuteticos a
deferecircncia quando concedida pela Corte possui um limite miacutenimo e consoante o princiacutepio da
proporcionalidade soacute eacute concedida se a restriccedilatildeo eacute necessaacuteria e condizente com uma sociedade
democraacutetica
Nos direitos democraacuteticos referidos abarca-se a participaccedilatildeo poliacutetica atraveacutes das
possibilidades de liberdade de associaccedilatildeo ou de discurso poliacutetico Neste campo dos direitos de
participaccedilatildeo poliacutetica em sociedades democraacuteticas a margem concedida pelo Tribunal de
Estrasburgo consoante se afirmou eacute reduzida e sujeita a um controle rigoroso por parte do
oacutergatildeo jurisdicional internacional
Destaca-se o caso Lingens vs Austria101
que por mais que tenha sido julgado na
deacutecada de 1980 pela Corte Europeia eacute emblemaacutetico em relaccedilatildeo ao posicionamento do
tribunal internacional acerca da liberdade de expressatildeo Nesse caso durante o periacuteodo anterior
agraves eleiccedilotildees na Aacuteustria o jornalista Lingens publicou dois artigos polecircmicos sobre os
candidatos incluindo em um desses artigos a informaccedilatildeo de que o entatildeo presidente do
Partido Liberal Nacional da Aacuteustria teria ligaccedilotildees no passado com o nazismo e com a SS
Contra o jornalista foi instaurado um processo penal e ao fim da instruccedilatildeo criminal
este fora condenado pelo delito de difamaccedilatildeo conforme as regras do direito penal austriacuteaco
Esgotadas as vias internas de recurso o jornalista demandou perante a Corte Europeia
alegando que houve por parte do Estado violaccedilatildeo do artigo 10 da Convenccedilatildeo Europeia
havendo censura em seu direito de expressar-se livremente O Estado por sua vez nas razotildees
apresentadas perante o tribunal internacional justificou a condenaccedilatildeo na convicccedilatildeo de
proteccedilatildeo da honra dos direitos de outrem
Frente a este embate o Tribunal de Estrasburgo reconheceu uma margem miacutenima de
deferecircncia agraves autoridades domeacutesticas no que concerne aos oacutergatildeos locais na avaliaccedilatildeo de uma
necessidade social imperiosa que justificaria a interferecircncia na liberdade de expressatildeo de
Lingens Entretanto ressaltou que essa deferecircncia seria seguida por uma riacutegida supervisatildeo
101
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lingens vs Austria Sentenccedila de 8 de julho de 1986 Acesso
05 nov 2014
50
internacional uma vez estar se tratando de direitos fundamentais para o bom funcionamento
de uma sociedade democraacutetica
Ainda nesse sentido o TEDH arguiu que a liberdade de debate poliacutetico eacute cerne da
democracia e considerar que qualquer ofensa ou notiacutecia acerca de uma pessoa puacuteblica seria
sempre difamaccedilatildeo poderia impedir a imprensa na realizaccedilatildeo de sua tarefa de fornecedora de
informaccedilotildees Deste modo aplicando de forma conjunta os princiacutepios da proporcionalidade e
da subsidiariedade o Tribunal de Estrasburgo decidiu que a condenaccedilatildeo fora desproporcional
ao objetivo legiacutetimo perseguido e constituiu uma violaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo no
acircmbito da Convenccedilatildeo Europeia
Tambeacutem merece anaacutelise o caso July and Sarl Libeacuteration vs France102
cuja sentenccedila
foi proferida em 2008 Neste caso o jornal francecircs Libeacuteration divulgou uma reportagem a
respeito das investigaccedilotildees da morte do juiz Bernard Borrel que em um primeiro momento
havia sido dada como suiciacutedio mas apoacutes a reabertura das investigaccedilotildees houve surgimento de
indiacutecios de morte por encomenda Apoacutes a divulgaccedilatildeo da reportagem contendo informaccedilotildees
acerca da participaccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos na morte do magistrado o diretor do jornal
Senhor July foi processado criminalmente pelo crime de difamaccedilatildeo e condenado pelo governo
francecircs
O TEDH em sua manifestaccedilatildeo asseverou que o caso em questatildeo trazia niacutetida
interferecircncia de autoridades puacuteblicas na liberdade de expressatildeo e essa interferecircncia caso natildeo
siga os requisitos do artigo 10103
da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos representa
clara violaccedilatildeo do direito de liberdade de expressatildeo Nessa situaccedilatildeo ainda a Corte faz uso de
uma triacuteade de requisitos descritos por Contreras104
para a concessatildeo da margem a) prescriccedilatildeo
legal - verificar se a restriccedilatildeo realizada pela autoridade domeacutestica foi autorizada ou pelo
102
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-85084itemid[001-85084] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso July and Sarl Libeacuteration vs France Sentenccedila de 14 de
fevereiro de 2008 Acesso 05 nov 2014 103
Artigo 10 Liberdade de expressatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de expressatildeo Este direito
compreende a liberdade de opiniatildeo e a liberdade de receber ou de transmitir informaccedilotildees ou ideias sem que
possa haver ingerecircncia de quaisquer autoridades puacuteblicas e sem consideraccedilotildees de fronteiras O presente artigo
natildeo impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusatildeo de cinematografia ou de televisatildeo a um
regime de autorizaccedilatildeo preacutevia 2 O exerciacutecio desta liberdades porquanto implica deveres e responsabilidades
pode ser submetido a certas formalidades condiccedilotildees restriccedilotildees ou sanccedilotildees previstas pela lei que constituam
providecircncias necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a integridade territorial ou a
seguranccedila puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral a proteccedilatildeo da
honra ou dos direitos de outrem para impedir a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees confidenciais ou para garantir a
autoridade e a imparcialidade do poder judicial CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS
DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 104
CONTRERAS op cit p 34
51
menos executada em conformidade com a lei b) objetivo legiacutetimo c) se a medida foi
necessaacuteria em uma sociedade democraacutetica
No caso pode ser feito o destaque para o trecho da sentenccedila em que analisando a
necessidade da medida de investigaccedilatildeo do crime de difamaccedilatildeo a Corte arguiu que a tarefa do
tribunal internacional no exerciacutecio de sua competecircncia de fiscalizaccedilatildeo natildeo eacute de tomar o lugar
das autoridades competentes mas sim rever as decisotildees que porventura violarem preceitos
previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem quando entregues ao poder de
apreciaccedilatildeo do Estado Deve entatildeo a Corte agrave luz do caso como um todo avaliar se a medida
tomada pelo Estado foi proporcional ao objetivo legiacutetimo perseguido e se os motivos
indicados pelas autoridades nacionais satildeo suficientes e relevantes Por tais motivos no caso
em questatildeo o TEDH declarou que houve violaccedilatildeo por parte do Estado Francecircs do direito de
liberdade de expressatildeo devendo este arcar com uma indenizaccedilatildeo agraves partes prejudicadas
Ainda dentro dessa esfera de atuaccedilatildeo mais precisamente no que concerne ao direito
democraacutetico de livre reuniatildeo e associaccedilatildeo previsto no artigo 11105
da Convenccedilatildeo Europeia o
destaque pode ser dado aos casos do Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia106
julgado em 2005 e Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia107
julgado em 2006 O primeiro deles
trata da questatildeo de dissoluccedilatildeo do Partido Comunista da Turquia ordenado pelo Tribunal
Constitucional do paiacutes sob as razotildees de que era incompatiacutevel com as obrigaccedilotildees
constitucionais e convencionais do Estado
Ao apreciar tal caso a Corte alegou que os partidos poliacuteticos satildeo estruturas essenciais
para o bom e justo funcionamento da democracia Embora natildeo negue certa margem de
deferecircncia aos Estados para que dissolvam partidos poliacuteticos que poderiam tentar minar a
estrutura constitucional do Estado tal decisatildeo se executada pode sofrer revisatildeo se natildeo
105
Artigo 11 Liberdade de reuniatildeo e de associaccedilatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo
paciacutefica e agrave liberdade de associaccedilatildeo incluindo o direito de com outrem fundar e filiar-se em sindicatos para a
defesa dos seus interesses 2 O exerciacutecio deste direito soacute pode ser objeto de restriccedilotildees que sendo previstas na
lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a seguranccedila
puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral ou a proteccedilatildeo dos direitos
e das liberdades de terceiros O presente artigo natildeo proiacutebe que sejam impostas restriccedilotildees legiacutetimas ao exerciacutecio
destes direitos aos membros das forccedilas armadas da poliacutecia ou da administraccedilatildeo do Estado CONVENCcedilAtildeO
EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS
1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 106
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia
Sentenccedila de 2005 Acesso 05 nov 2014 107
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia Sentenccedila de 15 de
julho de 2006 Acesso 05 nov 2014
52
adequar-se agraves previsotildees da Convenccedilatildeo Europeia Logo o Tribunal embora tenha feito a
ressalva de que podem os Estados dissolver partidos poliacuteticos na situaccedilatildeo afirmou que houve
violaccedilatildeo dos direitos de liberdade de associaccedilatildeo visto que natildeo havia qualquer indiacutecio de que
o partido por ter ideal comunista poderia colocar em risco a estrutura do Estado
Da mesma forma o caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia que envolve o direito
de liberdade sindical Na situaccedilatildeo o Governo turco justifica o fechamento de sindicatos com
base em previsotildees da legislaccedilatildeo trabalhista interna a qual natildeo permite que funcionaacuterios criem
sindicatos A Corte na anaacutelise da situaccedilatildeo tambeacutem asseverou que houve violaccedilatildeo do artigo
11 mesmo que neste existam ressalvas em relaccedilatildeo agrave liberdade de associaccedilatildeo de membros das
Forccedilas Armadas da Poliacutecia e da Administraccedilatildeo do Estado Contudo essas limitaccedilotildees devem
ser interpretadas pelos Estados dentro da sua margem de apreciaccedilatildeo de maneira restrita
Se esses casos expostos ilustram exemplos de margem nacional de apreciaccedilatildeo
reduzida ou inexistente o polo oposto envolve os direitos concernentes agrave propriedade para os
quais a Corte Europeia possui entendimento de que a margem de deferecircncia agraves autoridades
domeacutesticas deve ser maior e mais elaacutestica bem como a supervisatildeo por parte do Tribunal
Internacional deve ser menor e relativizada Isso porque as autoridades nacionais em uma
concepccedilatildeo semelhante agrave de juiz natural no processo estariam mais bem situadas que o juiz
internacional para avaliar qual eacute o interesse geral de uma comunidade nessa seara108
A proteccedilatildeo internacional dos direitos de propriedade encontra-se no artigo 1ordm109
do
Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo de Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades
Fundamentais Jaacute na previsatildeo normativa encontra-se a prerrogativa de que qualquer pessoa
singular ou coletiva tem direito ao respeito de seus bens natildeo podendo haver privaccedilatildeo da
propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica ou por condiccedilotildees previstas em lei Desta maneira
as demandas soacute seratildeo revistas pela Corte caso implicarem violaccedilatildeo expliacutecita a esse artigo
Segundo Roca110
a jurisprudecircncia internacional definiu que a previsatildeo normativa
anteriormente destacada segue trecircs criteacuterios em primeiro lugar deve ser respeitado o direito
ao respeito e gozo paciacutefico dos bens dos indiviacuteduos Na sequecircncia a segunda regra
108
CONTRERAS op cit p 40 109
Artigo 1 Proteccedilatildeo da propriedade Qualquer pessoa singular ou coletiva tem direito ao respeito dos seus bens
Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas
pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo
do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso
dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees
ou de multas CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS
LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 110
ROCA op cit p 127
53
compreende uma garantia contra a privaccedilatildeo ilegal ou seja somente poderaacute haver
expropriaccedilatildeo ou privaccedilatildeo da propriedade em casos de utilidade puacuteblica e de acordo com
condiccedilotildees legalmente previstas Por fim o terceiro paracircmetro eacute a possibilidade de o Estado
estabelecer restriccedilotildees ao direito de propriedade tendo por base a prevalecircncia do interesse
puacuteblico sobre o privado
Logo sob a base desses criteacuterios e de alguns casos jaacute julgados pelo oacutergatildeo jurisdicional
internacional eacute possiacutevel asseverar que a margem de apreciaccedilatildeo concedida aos paiacuteses eacute larga
quando se estaacute diante dos direitos de propriedade No caso Back vs Finlacircndia111
de 2004 que
trata de noccedilotildees de utilidade puacuteblica em casos de expropriaccedilatildeo haacute o reforccedilo da noccedilatildeo de
subsidiariedade da Corte Europeia com o entendimento de que esta deve respeitar as decisotildees
das autoridades nacionais soacute sendo possiacutevel e viaacutevel a intervenccedilatildeo se o juiacutezo for
manifestamente desprovido de bases racionais
Por fim poreacutem natildeo menos importante aborda-se o uacuteltimo grupo de jurisprudecircncias da
Corte Europeia de Direitos Humanos que pode ser enquadrado no que Roca determina como
ciacuterculo mediano vez que conteacutem temas em que o posicionamento do Tribunal de Estrasburgo
em relaccedilatildeo agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute oscilante Eacute nesse grupo que pode ser
visualizada toda a complexidade da margem e suas vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis em casos
semelhantes envolvendo por exemplo liberdade religiosa direito de homossexuais e
transexuais e outros temas
Justamente nesse ciacuterculo que natildeo apresenta por parte dos doutrinadores jaacute referidos no
capiacutetulo anterior um criteacuterio de unificaccedilatildeo se apresenta o embate entre o universalismo de
alguns direitos previstos nos marcos normativos internacionais de direitos humanos ndash com
destaque para a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos ndash e o relativismo relativo a noccedilotildees
religiosas e culturais que compotildeem a identidade dos diferentes povos europeus
Nesse aspecto no que tange agrave liberdade religiosa a qual eacute prevista pelo artigo 9ordm112
da
CEDH temos duas decisotildees emblemaacuteticas do Tribunal de Estrasburgo o caso Lautsi vs
111
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-114486itemid[001-114486] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Back vs Finlacircndia Sentenccedila de 13 de novembro de 2002
Acesso 05 nov 2014 112
Artigo 9 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de pensamento de consciecircncia e de religiatildeo este direito
implica a liberdade de mudar de religiatildeo ou de crenccedila assim como a liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou a
sua crenccedila individual ou coletivamente em puacuteblico e em privado por meio do culto do ensino de praacuteticas e da
celebraccedilatildeo de ritos 2 A liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou convicccedilotildees individual ou coletivamente natildeo
pode ser objeto de outras restriccedilotildees senatildeo as que previstas na lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa
sociedade democraacutetica agrave seguranccedila puacuteblica agrave proteccedilatildeo da ordem da sauacutede e moral puacuteblicas ou agrave proteccedilatildeo dos
direitos e liberdades de outrem CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO
54
Itaacutelia113
julgado em 2011 e o caso Leyla Sahin vs Turquia114
julgado em 2005 Isso porque
nesses casos respectivamente o TEDH referendou as normas que impotildeem a presenccedila de
crucifixos nas escolas puacuteblicas italianas e natildeo opocircs objeccedilotildees a restriccedilotildees estatais concernentes
ao uso do veacuteu islacircmico no contexto educativo
No primeiro caso o TEDH retificou a decisatildeo da Corte Constitucional Italiana que
em 2009 havia estabelecido por unanimidade que a norma italiana a qual impunha desde a
deacutecada de 1920 a presenccedila de crucifixo nas paredes de escolas puacuteblicas havia violado o direito
da senhora Lautsi a educar seus filhos conforme suas convicccedilotildees laicas e liberdade religiosa
Portanto o Tribunal italiano argumentou que a manutenccedilatildeo de um siacutembolo religioso em salas
de aula de uma escola puacuteblica poderia perturbar emocionalmente os estudantes que natildeo
professassem religiatildeo alguma a ter a percepccedilatildeo de que o contexto educativo estava marcado
pela religiatildeo
Para retificar tal sentenccedila o TEDH argumentou por uma valoraccedilatildeo abstrata de
compatibilidade entre a norma italiana que permitia o uso de crucifixos nas escolas puacuteblicas e
os direitos convencionais sendo que a margem nacional de apreciaccedilatildeo foi aplicada para essa
valoraccedilatildeo da norma italiana Em primeiro lugar o Tribunal Europeu matizou quais satildeo as
exigecircncias convencionais de neutralidade religiosa na educaccedilatildeo indicando que se proiacutebe o
proselitismo ou a adoccedilatildeo no marco educativo de algo compatiacutevel com o estabelecimento de
o ensino obrigatoacuterio de uma religiatildeo ou a imposiccedilatildeo de uma religiatildeo no ensino puacuteblico
O crucifixo no entendimento do TEDH eacute um siacutembolo religioso passivo cuja
influecircncia natildeo se compara a que exercem a educaccedilatildeo religiosa ou a participaccedilatildeo em atividades
religiosas Logo a percepccedilatildeo subjetiva de que o crucifixo supotildee uma ausecircncia de respeito ao
direito de liberdade religiosa natildeo basta para considerar que tenha havido uma violaccedilatildeo agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Para o TEDH portanto sempre que natildeo exista
a pretensatildeo de doutrinar o Estado goza de margem de deferecircncia para decidir sobre a
permanecircncia dos crucifixos em sala de aula
HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 113
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
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EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lautsi vs Italia Sentenccedila de 18 de marccedilo de 2011 Acesso 05
nov 2014 114
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-70956itemid[001-70956] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Leyla Sahin vs Turquia Sentenccedila de 10 de novembro de
2005 Acesso 05 nov 2014
55
No caso Leyla Sahin de proibiccedilatildeo do uso do veacuteu islacircmico por uma jovem no recinto
de sua universidade para o TEDH os Estados tecircm autonomia para limitar o uso do veacuteu em
locais como escolas puacuteblicas ou universidades Para referendar essa restriccedilatildeo agrave liberdade
religiosa o Tribunal Europeu admitiu o uso da margem de apreciaccedilatildeo por parte do Estado em
razatildeo da ausecircncia de um consenso europeu sobre a mateacuteria somado agrave ideia de que as
autoridades nacionais podem lidar melhor com o assunto por estarem mais perto das
realidades nacionais do que o oacutergatildeo jurisdicional internacional
Para o TEDH desta forma a opccedilatildeo poliacutetica de um Estado pelo laicizismo pode
justificar restriccedilotildees agrave liberdade religiosa e exigir sacrifiacutecios aos indiviacuteduos em prol da
harmonia religiosa do paiacutes Embora portanto haja restriccedilatildeo da liberdade individual religiosa
no caso em questatildeo a proibiccedilatildeo natildeo viola a CEDH
A aplicaccedilatildeo dos princiacutepios da subsidiariedade e da proporcionalidade bem como a
falta de consenso na Europa acerca de questotildees como as apresentadas marcaram o
posicionamento do TEDH na concessatildeo de margem de deferecircncia aos Estados no que
concerne agrave liberdade religiosa A grande criacutetica contudo reside na falta de criteacuterios
especiacuteficos e de clareza no uso da ferramenta
Neste uacuteltimo grupo portanto vislumbra-se o que Kratochivil115
menciona como
ldquomedida misteriosardquo ou seja natildeo existem paracircmetros ou criteacuterios especiacuteficos para a aplicaccedilatildeo
da margem Pelo contraacuterio haacute falta de clareza e de limites demonstrando que a banalizaccedilatildeo
do uso da MNA liquidifica sua substacircncia e pode gerar inseguranccedila juriacutedica aos litigantes
Sob essa oacutetica no campo de direitos inderrogaacuteveis como eacute o caso dos direitos que compotildeem
esse uacuteltimo grupo a consideraccedilatildeo de Vila116
merece destaque
Segundo a autora nesse campo que envolve relativismos culturais a postura do TEDH
varia entre a adoccedilatildeo de uma versatildeo voluntarista de MNA ou a adoccedilatildeo de uma versatildeo
racionalista A primeira se centra no direito de que o Tribunal de Estrasburgo eacute um oacutergatildeo
internacional e assume uma visatildeo normativa e natildeo meramente temporal ou procedimental
acerca do princiacutepio da subsidiariedade Por isso o TEDH reconhece que sua legitimidade
poliacutetica eacute meramente derivada e outorga uma presunccedilatildeo em favor do Estado evitando realizar
uma valoraccedilatildeo independente de compatibilidade entre as medidas impugnadas e o convecircnio
Esta presunccedilatildeo soacute eacute rompida quando haacute razotildees fortes para concluir que o Estado extrapolou o
exerciacutecio de sua autonomia Sob a oacutetica desta concepccedilatildeo fatores como a falta de consenso
115
KRATOCHVIL op cit p 330 116
VILA op cit p 10
56
europeu ou a ideia de que os Estados situam-se em um local melhor apropriado para decidir
adquirem importacircncia por razotildees de legitimidade institucional
Entretanto a oacutetica racionalizada de MNA percebe a ferramenta como um resultado de
efetuar um balanccedilo entre os valores que estatildeo em jogo na proteccedilatildeo dos direitos convencionais
mais do que uma presunccedilatildeo de partida em favor do Estado O TEDH centra-se em examinar
se a medida estatal impugnada consegue alcanccedilar um balanccedilo equitativo entre direitos
individuais e valores democraacuteticos A finalidade natildeo eacute justificar a deferecircncia mas reconhecer
de modo equilibrado os valores democraacuteticos no seio da CEDH
Sobretudo neste uacuteltimo grupo analisado ao qual aqui somente satildeo trazidos casos em
relaccedilatildeo agrave liberdade religiosa (artigo 9ordm da CEDH) concentram-se as criacuteticas em relaccedilatildeo agrave
falta de paracircmetros do TEDH para deferir ou natildeo uma margem de apreciaccedilatildeo aos Estados
Essa variabilidade eacute por alguns117
definida como um ponto negativo de falta de definiccedilatildeo de
criteacuterios o que pode levar a uma margem larga ou a uma margem estreita A primeira poderia
conduzir ao processo de fragmentaccedilatildeo do espaccedilo europeu enquanto a segunda poderia forccedilar
a integraccedilatildeo sob o domiacutenio de uma concepccedilatildeo moderna de direitos humanos pautada pelo
liberalismo e individualismo
Deste modo duas respostas podem ser concedidas agrave pergunta cerne deste trabalho a
margem constitui-se em um instrumento eficaz no processo de construccedilatildeo de um direito
comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa uma vez que sob a perspectiva eacutetica
destes direitos o TEDH preza pela preservaccedilatildeo do irredutiacutevel humano e dos direitos
inderrogaacuteveis e absolutos da pessoa humana Prova disso eacute a ausecircncia ou a miacutenima margem
que eacute concedida para casos envolvendo tortura ou tratamentos humanos degradantes ou
violaccedilatildeo de direitos democraacuteticos
No entanto a ausecircncia de paracircmetros e de criteacuterios por parte do Tribunal de
Estrasburgo (ausecircncia constatada por diversos doutrinadores trazidos ao longo deste trabalho
e exemplificada de modo sinteacutetico atraveacutes da anaacutelise de casos emblemaacuteticos envolvendo
liberdade religiosa) no julgamento de direitos humanos quando vinculados a questotildees
culturais demonstram que no campo praacutetico ainda haacute muito para avanccedilar no processo de
siacutentese entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo dos direitos culturais
117
BRUM et SALDANHA Op cit
57
CONCLUSAtildeO
Slavoj Zizek118
certa vez afirmou que o papel do filoacutesofo natildeo eacute o de propor iniciativas
capazes de mudar o mundo ou as situaccedilotildees em curso mas de observar e interpretar a realidade
que eacute posta A pretensatildeo deste trabalho natildeo difere da conceituaccedilatildeo de filoacutesofo por Zizek Isso
porque em nenhum momento busca-se apresentar alternativas fortes para resolver problemas
postos mas sim almeja-se observar sob um amplo espectro os reflexos da mundializaccedilatildeo
dentro do Direito e de modo especiacutefico como atua o Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem no que concerne agrave aplicaccedilatildeo da figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
Aos mais observadores da realidade que se apresenta eacute impossiacutevel negar que na atual
conjuntura da sociedade informacional a proliferaccedilatildeo exacerbada e anaacuterquica de normas e
instituiccedilotildees juriacutedicas gera uma sensaccedilatildeo de caos e de desordem que clama por uma ordenaccedilatildeo
Embora esse verdadeiro mosaico em que se transformou o Direito na atualidade possa ser
vislumbrado em acircmbito global uma anaacutelise mais apurada de uma parte do todo em
especiacutefico da Europa se mostra pertinente para avaliar as possibilidades de construccedilatildeo de um
pluralismo ordenado
A base possiacutevel desse pluralismo ordenado invariavelmente eacute um direito comum cujo
alicerce se encontra nos direitos humanos No contexto europeu de convivecircncia simultacircnea
de uma ldquopequena Europardquo e de uma ldquogrande Europardquo embora o direito comunitaacuterio jaacute tenha
se consolidado sendo um modelo sui generis para todo o globo ainda eacute preciso avanccedilar no
acircmbito da ldquogrande Europardquo ou do sistema regional europeu dos direitos do homem para a
criaccedilatildeo de um direito comum
Nesse sentido parece indiscutiacutevel que a base de um direito comum europeu seja
alicerccedilada na proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua dimensatildeo moral miacutenima ou no que
Delmas denomina de miacutenimo eacutetico universal e irredutiacutevel humano Logo a universalizaccedilatildeo
almejada natildeo tem como objetivo impor referecircncias de uma cultura sobre as demais e sim o
diaacutelogo entre as diferentes particularidades existentes no seio das diversas sociedades que
convivem na Europa a fim de encontrar o que haacute de valores comuns em todas elas
Todavia por mais que a premissa seja de faacutecil compreensatildeo os embates entre
universalismos e relativismos culturais estatildeo na ordem do dia na agenda do Tribunal de
Estrasburgo de modo que um dos temais mais debatidos atualmente no continente se refere
118
ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo Boitempo 2008
58
ao uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo por este tribunal a fim de conferir deferecircncia aos
Estados em algumas mateacuterias para decidir acerca de questotildees sensiacuteveis
O objetivo do presente trabalho foi o de analisar essa ferramenta hermenecircutica de
origem europeia sob a oacutetica de caos juriacutedico anteriormente apresentado De acordo com o que
fora apurado e estudado chegou-se a conclusatildeo de que o uso dessa doutrina contribui ainda
que de modo tiacutemido para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema europeu
Isso porque quando se tratam de temas concernentes agrave tortura a tratamentos humanos
degradantes a penas desproporcionais ou ainda a direitos democraacuteticos a Corte opta por
definir um entendimento que deve ser aplicado em todos os paiacuteses independentemente de
especificidades culturais Estariacuteamos proacuteximos portanto de uma definiccedilatildeo de direitos
humanos inderrogaacuteveis ou de um miacutenimo eacutetico universal proposto por Delmas e jaacute idealizado
por Kant em sua premissa de direito cosmopoliacutetico
No que tange ao restante dos direitos humanos em uma dimensatildeo cultural pode-se
dizer que a teoria da margem traduz uma ideia de que estaacute eacute capaz de harmonizar o
universalismo dos direitos humanos e o pluralismo advindo das diversidades culturais e
religiosas dos paiacuteses europeus Entretanto consoante a anaacutelise de posiccedilotildees doutrinaacuterias acerca
da utilizaccedilatildeo praacutetica do instituto pelo Tribunal de Estrasburgo bem como o embate
paradigmaacutetico de julgados envolvendo liberdade religiosa parece inevitaacutevel a conclusatildeo de
que como meacutetodo de harmonizaccedilatildeo entre plural e universal o oacutergatildeo jurisdicional
internacional do sistema europeu ainda tem muito a evoluir sobretudo na definiccedilatildeo de
paracircmetros e criteacuterios para servir de norte baacutesico em relaccedilatildeo aos mais diversos casos
59
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7
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 8
1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM
DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS 11
11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave
criaccedilatildeo de um direito comum 11
12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias
juriacutedicas a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da
figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo 20
2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU 33
21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem
Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu 33
22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos 43
CONCLUSAtildeO 57
REFEREcircNCIAS 59
8
INTRODUCcedilAtildeO
No iniacutecio do seacuteculo XX Hans Kelsen1 em ldquoTeoria Pura do Direitordquo defendeu a tese de
que para entender a ciecircncia juriacutedica era necessaacuterio observaacute-la de modo dissociado de outras
ciecircncias O autor propocircs a compreensatildeo do direito a partir da famosa piracircmide kelseniana a
norma fundamental ndash a Constituiccedilatildeo ndash estaria no topo da piracircmide e seria capaz de dotar de
validade o restante do ordenamento juriacutedico Abaixo desta norma fundamental estariam as
demais leis e regras do direito sendo que tal formulaccedilatildeo estagnada e sistemaacutetica da ordem
juriacutedica adequava-se aos anseios de organizaccedilatildeo de uma sociedade industrial
Todavia por trabalhar com conflitos sociais o direito natildeo fica alheio agraves vicissitudes
do seacuteculo XX sendo que a Europa apresenta-se como um importante laboratoacuterio de
observaccedilatildeo de mudanccedilas Apoacutes a Segunda Guerra Mundial emergem na sociedade poacutes-
industrial e posteriormente informacional novas estruturas juriacutedicas que natildeo mais satildeo
capazes de se adequar agrave inflexiacutevel loacutegica hieraacuterquica kelseniana Estamos na era do que
Losano2denomina de ldquodireito turbulentordquo que se move se agita e muda de modo veloz assim
como a sociedade que o cerca embora natildeo tatildeo rapidamente quanto esta sociedade
Em razatildeo disso novas geometrias satildeo criadas para tentar explicar o panorama juriacutedico
da sociedade atual Na Europa por exemplo em que temos convivendo sistemas juriacutedicos de
origens e de ordens diversas ndash sistema internacional nacional supranacional ndash autores
determinam que se vive o tempo do Estado em Rede3ou dos aneacuteis disformes com a
proximidade de guirlandas4 ocasionando ao mais despercebido leitor da realidade um
sentimento de caos juriacutedico
Nesse sentido eacute possiacutevel destacar o pensamento de Mireille Delmas-Marty5 que
revoluciona o pensamento de Kelsen Segundo ela essa falta de sistematizaccedilatildeo
aparentemente anaacuterquica eacute solo feacutertil para a construccedilatildeo de um direito comum pluralista em
1 KELSEN Hans Teoria Pura do Direito Traduccedilatildeo de Joatildeo Baptista Machado Satildeo Paulo Martins Fontes
1996 2 LOSANO Mario G Modelos teoacutericos inclusive na praacutetica da piracircmide agrave rede Novos paradigmas nas
relaccedilotildees entre direitos nacionais e normativas supraestatais Revista do Instituto dos Advogados do Estado de
Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 08 n16 p 264-284 2005 3 CASTELLS Manuel Para o Estado-Rede globalizaccedilatildeo econocircmica e instituiccedilotildees poliacuteticas na era da
informaccedilatildeo In PEREIRA Luiz Carlos Bresser WILHEIM Jorge SOLA Lourdes (Org) Sociedade e Estado
em transformaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora UNESP Brasiacutelia ENAP 1999a p164 4 DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006
5 Id 2004a
9
mateacuteria de direitos humanos A sociedade em tempos de globalizaccedilatildeo precisa resistir ao
processo de desumanizaccedilatildeo e de coisificaccedilatildeo do homem de modo que a base para a
construccedilatildeo desse direito comum pluralista devem ser os direitos humanos
Sob a oacutetica europeia que seraacute aqui analisada por ser um importante referencial para os
estudos das mudanccedilas sociais e juriacutedicas dos seacuteculos XX e XXI de que direitos humanos
referimo-nos para ser a base de um direito comum Em um continente tatildeo muacuteltiplo e plural
como realizar o diaacutelogo positivo entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo
das diferentes culturas
Sob esta oacutetica emerge a figura central desse estudo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
(MNA) bem como sua contribuiccedilatildeo para a construccedilatildeo de um direito comum e para a
harmonizaccedilatildeo entre universalismo e relativismo no contexto da Europa Este recurso
hermenecircutico denominado Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo trata-se de uma construccedilatildeo
jurisprudencial criada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante tambeacutem
referido como Tribunal de Estrasburgo) com a finalidade de conferir algum espaccedilo de
deferecircncia para que os tribunais nacionais dos Estados possam decidir algumas questotildees
consoante suas particularidades locais
Embora esta seja a teoria sob a qual se alicerccedila o instituto almeja-se neste trabalho
responder os seguintes questionamentos a doutrina da MNA aplicada pelo Tribunal Europeu
dos Direitos Humanos contribui para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema
europeu de proteccedilatildeo dos direitos do homem Em sua aplicaccedilatildeo praacutetica a margem se mostra
como um recurso eficaz para harmonizar o universalismo dos direitos humanos e o pluralismo
advindo das diversidades culturais e religiosas dos diferentes paiacuteses que fazem parte do
Conselho da Europa
Para responder tal questionamento utilizou-se o meacutetodo dedutivo como meacutetodo de
abordagem e o meacutetodo monograacutefico de procedimento atraveacutes da leitura e fichamento das
diferentes construccedilotildees teoacutericas e doutrinaacuterias sobre o tema bem como anaacutelise de alguns
julgamentos paradigmaacuteticos do Tribunal de Estrasburgo Para melhor compreensatildeo da
complexidade do tema trabalhado dividiu-se esta monografia em duas grandes partes a parte
1 se ocupa da paisagem europeia no poacutes-Segunda Guerra Mundial com a criaccedilatildeo da ldquopequena
Europardquo do direito comunitaacuterio e da ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos
direitos humanos avaliando em ambos os cenaacuterios de que modo se deu a preocupaccedilatildeo com a
temaacutetica dos direitos humanos ou fundamentais (11)
Por conseguinte no intuito de aprofundar o estudo sobre a possibilidade de criaccedilatildeo de
um direito comum no contexto da ldquogrande Europardquo buscou-se uma anaacutelise das novas
10
geometrias da paisagem juriacutedica e do tipo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos que se
procura dentro desse cenaacuterio avaliando por conseguinte o surgimento da figura da MNA
(12) A parte 2 por sua vez objetiva a anaacutelise pura do instituto da Margem Nacional de
Apreciaccedilatildeo averiguando o histoacuterico de sua criaccedilatildeo e as definiccedilotildees acerca de seu conceito
(21) para na sequecircncia avaliar a partir da anaacutelise de alguns julgamentos paradigmaacuteticos do
Tribunal de Estrasburgo se tal ferramenta hermenecircutica se demonstra eficaz no processo de
harmonizaccedilatildeo das tensotildees entre universalismo e relativismos e se pode ser relevante no
processo de criaccedilatildeo de um direito comum cuja base satildeo os direitos humanos (22)
11
1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM
DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS
O seacuteculo XX trouxe mudanccedilas significativas para os mais diversos segmentos da vida
social e o direito natildeo ficou alheio agraves vicissitudes decorrentes do poacutes-Segunda Guerra Mundial
O continente europeu sobretudo passa a ser o cenaacuterio de revoluccedilotildees na estrutura juriacutedica ateacute
entatildeo conhecida com o surgimento praticamente concomitante de instituiccedilotildees supranacionais
e internacionais para aleacutem das nacionais
Neste vieacutes uma das preocupaccedilotildees primordiais do poacutes-guerra foi a de garantir a tutela
dos direitos humanos mesmo diante das mudanccedilas latentes no cenaacuterio juriacutedico Desta feita
deparamo-nos com duas esferas dentro do cenaacuterio europeu a ldquopequena Europardquo que origina
um direito comunitaacuterio europeu o qual mesmo tendo se ocupado com questotildees relativas agrave
economia e agrave integraccedilatildeo regional desenvolve a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais
atraveacutes do diaacutelogo jurisprudencial entre cortes de naturezas distintas e a ldquogrande Europardquo do
sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos espaccedilo haacutebil e possiacutevel para ser base de
criaccedilatildeo de um direito comum (11) Da evoluccedilatildeo de um campo ao outro a premissas de
universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo buscam
legitimar e consolidar a criaccedilatildeo desse direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
(12)
11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave
criaccedilatildeo de um direito comum
O historiador britacircnico Eric Hobsbawn6 talvez tenha encontrado a melhor adjetivaccedilatildeo
para o seacuteculo XX a ldquoEra dos Extremosrdquo Nas palavras do proacuteprio autor ldquoNatildeo sabemos o que
6 HOBSBAWN Eric A era dos extremos o breve seacuteculo XX 1941-1991 Satildeo Paulo Companhia das Letras
1995
12
viraacute a seguir nem como seraacute o segundo milecircnio embora possamos ter a certeza de que ele
teraacute sido moldado pelo Breve Seacuteculo XXrdquo7
Nesse sentido a Segunda Guerra Mundial representa o marco crucial natildeo soacute para a
preocupaccedilatildeo global em relaccedilatildeo aos direitos humanos8 com a criaccedilatildeo e fortalecimento de uma
grande quantidade de instrumentos normativos responsaacuteveis por sua tutela em acircmbito
mundial como tambeacutem para o surgimento de uma nova Europa Apoacutes o teacutermino da guerra
que teve como palco principal de seus acontecimentos o continente europeu diversos paiacuteses
se encontravam em uma situaccedilatildeo de caos politico fragmentaccedilatildeo e enfraquecimento
econocircmico aleacutem do perigo iminente de eclosatildeo de uma nova disputa de proporccedilotildees mundiais
advinda da dicotomia entre capitalismo e socialismo na entatildeo incipiente Guerra Fria
Eacute nesse contexto que emerge a ideia de criaccedilatildeo de um espaccedilo comum europeu
consubstanciado atraveacutes da integraccedilatildeo regional entre os paiacuteses do continente Ainda no inicio
do seacuteculo XX eacute possiacutevel destacar a ocorrecircncia de propostas relativamente concretas para a
integraccedilatildeo europeia como eacute o caso da proposta do francecircs Aristides Briand em 1929 de
criaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia sob a oacutetica de uma federaccedilatildeo ou seja fundada sob uma
noccedilatildeo de uniatildeo o que implica o respeito agrave soberania9 Todavia a crise econocircmica mundial a
ascensatildeo de nacionalismos na Europa e por fim a eclosatildeo da segunda grande guerra
obstaculizaram a adesatildeo a essa proposta
O cenaacuterio do poacutes-guerra de desintegraccedilatildeo social e miseacuteria econocircmica em grande parte
dos paiacuteses envolvidos gerou a instalaccedilatildeo do Congresso da Europa em Haia nas datas de 7 a
11 de maio de 1948 no qual houve a criaccedilatildeo do ldquoMovimento Europeurdquo No referido
congresso duas correntes foram estabelecidas as quais impulsionaram o surgimento da
ldquopequena Europardquo10
e da ldquogrande Europardquo respectivamente a Europa dos federalistas e a
7 Ibid p14
8 Pode-se nesse sentido destacar a descriccedilatildeo de Valeacuterio Mazzuoli de que desde a Segunda Guerra Mundial em
decorrecircncia dos horrores e atrocidades cometidos durante esse periacuteodo em que muitas vidas eram consideradas
como nuacutemeros e valiam tatildeo pouco os direitos humanos passaram a constituir um dos principais temas do Direito
Internacional contemporacircneo A normatividade internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos foi conquistada
por meio de lutas histoacuterias contiacutenuas e incessantes e consubstanciada em diversos tratados concluiacutedos com esse
propoacutesito tendo sido fruto de um lento e gradual processo de internacionalizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo desses
mesmos direitos o qual fora intensificado com o fim da Segunda Guerra Mundial MAZZUOLI Valeacuterio de
Oliveira Curso de Direito Internacional Puacuteblico 5 ed Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 811 9 SILVA Karine de Sousa Uniatildeo Europeia antecedentes e evoluccedilatildeo histoacuterica In SILVA Karine de Souza
COSTA Rogeacuterio Santos da(Org) Organizaccedilotildees Internacionais de Integraccedilatildeo Regional Uniatildeo Europeia
Mercosul e UNASUL Florianoacutepolis Ed Da UFSC Fundaccedilatildeo Boiteux 2013 p 54 10
Doravante por ldquopequena Europardquo estar-se-aacute referindo aos paiacuteses participantes da Uniatildeo Europeia sujeitos
portanto agraves decisotildees das instituiccedilotildees da Uniatildeo dentre as quais se destaca o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo
Europeia ldquoGrande Europardquo por sua vez refere-se aos paiacuteses que aderiram ao Conselho da Europa que hoje
somam um total de 47 (quarenta e sete) membros e que se submetem agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal Europeu de
Direitos Humanos PRINO Carla Sofia Abreu Relaccedilotildees entre TJUE e TEDH no contexto de adesatildeo da UE agrave
13
Europa dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental11
Os primeiros defendiam uma
integraccedilatildeo mais profunda entre os paiacuteses com transferecircncia de parcela de soberania dos
Estados para uma instituiccedilatildeo com poderes supranacionais sendo esta a base para a criaccedilatildeo da
Comunidade Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) Os segundos por sua vez se opunham agrave
cessatildeo de direitos soberanos impulsionando com seus ideais a criaccedilatildeo em 1949 do
Conselho da Europa com sede em Estrasburgo
Natildeo obstante essa divisatildeo surgida no Congresso da Europa eacute possiacutevel afirmar que a
base de construccedilatildeo da atual Uniatildeo Europeia deu-se com a criaccedilatildeo da Comunidade Europeia
do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) movida pelos ideais integracionistas do francecircs Jean Monnet
Contratado no poacutes-guerra para participar do Plano de Modernizaccedilatildeo e Equipamento da
Franccedila Monnet tinha medo de que o Plano Marshall norte-americano de empreacutestimo de
dinheiro para a reconstruccedilatildeo da Europa pudesse gerar uma diacutevida eterna aos paiacuteses do
continente com os Estados Unidos e para escapar disso via como uacutenica soluccedilatildeo a promoccedilatildeo
de um esforccedilo comum dos Estados atraveacutes de projetos de integraccedilatildeo regional
Por isso redigindo o texto da Declaraccedilatildeo de Schuman de 1950 Monet propagava a
ideia de integraccedilatildeo como meio de assegurar a paz e reerguer a poliacutetica e a economia dos
paiacuteses que foram destruiacutedos pela guerra Nesse sentido sua ideia foi a partir de uma ideologia
pacifista de influecircncia kantiana neutralizar a rivalidade franco-alematilde atraveacutes de uma espeacutecie
de mercado comum com a criaccedilatildeo de uma organizaccedilatildeo internacional com caraacuteter
supranacional que seria responsaacutevel pela gestatildeo dos recursos naturais da regiatildeo do Sarre e do
Ruhr os quais seriam colocados a serviccedilo da paz e natildeo da guerra12
A proposta integracionista daquele que eacute considerado o arquiteto do projeto de
integraccedilatildeo europeia era de retirar da matildeo dos Estados a capacidade de gestatildeo dos recursos
energeacuteticos que movimentavam a induacutestria beacutelica e da guerra Desta forma uma autoridade
internacional mais especificamente uma organizaccedilatildeo internacional setorial seria criada com
um status supranacional para gerenciar e administrar a produccedilatildeo de carvatildeo e de accedilo
funcionando atraveacutes da delegaccedilatildeo de parcelas da soberania estatal em questotildees especiacuteficas
Assim em 1951 com a assinatura do Tratado de Paris criou-se a Comunidade
Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) com a participaccedilatildeo inicial de seis paiacuteses Franccedila
Alemanha Itaacutelia Beacutelgica Holanda e Luxemburgo Posteriormente em 1957 com o Tratado
CEDH Debater a Europa Nuacutemero 4 JaneiroJunho 2011 Disponiacutevel em httpwwweurope-direct-
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Souza Mercosul e Uniatildeo Europeia O Estado da arte dos processos de integraccedilatildeo regional Florianoacutepolis
Editora Modelo 2010 p 35 12
Ibid p 60
14
de Roma a Comunidade Econocircmica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia para a
Energia Atocircmica (CEEA ou Euratom) foram criadas consolidando-se deste modo as trecircs
comunidades que fizerem emergir o direito comunitaacuterio no seio da Europa Foi contudo
somente em 1992 com o Tratado de Maastrich ou Tratado da Uniatildeo Europeia que nasceu a
Uniatildeo Europeia propriamente dita consagrada em trecircs pilares baacutesicos as comunidades que
inicialmente lhe deram base a colaboraccedilatildeo em mateacuteria de poliacutetica exterior e seguranccedila
comum e a cooperaccedilatildeo no acircmbito judicial e policial em mateacuteria penal13
Visiacutevel deste modo que o que impulsionou a criaccedilatildeo de um direito comunitaacuterio
europeu foi a necessidade de reorganizaccedilatildeo do continente apoacutes 1945 e o fortalecimento
econocircmico de antigas potecircncias rivais como foi o caso da Franccedila e da Alemanha Ocorre que
de modo concomitante ao crescimento dos ideais dos federalistas a segunda corrente oriunda
do Congresso da Europa de 1949 dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental tambeacutem
cresceu e se tornou visiacutevel vez que possuiacutea como objetivo a realizaccedilatildeo de uma uniatildeo mais
estreita entre seus membros de modo a salvaguardar os ideais e princiacutepios que satildeo seu
patrimocircnio comum e favorecer seu progresso social e econocircmico
O Conselho da Europa surgido em 1949 portanto configura-se como outra
organizaccedilatildeo internacional surgida na Europa do poacutes-guerra tendo como base a consolidaccedilatildeo
sob o principio da cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses e natildeo o federalismo que implica cessatildeo de
parcelas da soberania Seu propoacutesito eacute o de defesa dos direitos humanos desenvolvimento
democraacutetico e estabilidade poliacutetico-social na Europa sendo chamado de ldquogrande Europardquo por
desde o iniacutecio contar com mais adesotildees de paiacuteses em relaccedilatildeo agrave CECA Eacute justamente dentro
desse Conselho que surge o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em 1959
oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa e
responsaacutevel pela tutela dos direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem
(CEDH) de 1950
A eclosatildeo desses dois movimentos marca o iniacutecio de uma verdadeira revoluccedilatildeo dentro
da compreensatildeo do direito Se antes no continente europeu era possiacutevel vislumbrar a
existecircncia em grande medida e tatildeo somente de tribunais nacionais cuja competecircncia era
exercida dentro de determinado Estado sob a eacutegide de sua soberania o cenaacuterio altera-se e daacute
espaccedilo para a existecircncia natildeo soacute de tribunais nacionais como tambeacutem de tribunais
supranacionais e internacionais
13
Ibidem p 77
15
No caso do direito comunitaacuterio sua criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de
instituiccedilotildees que fortaleccedilam o sistema supranacional Em funccedilatildeo disso dentre os mais diversos
oacutergatildeos criados pelos sucessivos tratados comunitaacuterios pode-se destacar o Tribunal de Justiccedila
da Uniatildeo Europeia (TJUE) ou Tribunal de Luxemburgo
Este criado pelo Tratado de Paris de 1951 e adotado pelo Tratado de Roma de 1957
tem a finalidade de assegurar o cumprimento do direito comunitaacuterio e a interpretaccedilatildeo e
aplicaccedilatildeo dos Tratados dentro a vida da comunidade14
Submetem-se agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal
atualmente os vinte e oito15
paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e ao longo dos anos
ele se desenvolveu como uma importante instituiccedilatildeo capaz de contribuir ao desenvolvimento
da comunidade atraveacutes de consolidaccedilotildees jurisprudenciais e da conversatildeo dos tratados
constitutivos da comunidade em verdadeiras constituiccedilotildees materiais
Embora a preocupaccedilatildeo com os direitos humanos no cenaacuterio da ldquopequena Europardquo natildeo
tenha sido uma caracteriacutestica inicial dos tratados constitutivos das comunidades europeias o
diaacutelogo do Tribunal de Luxemburgo com os tribunais nacionais de alguns Estados europeus
traz agrave tona esse tema bem como se caracteriza por ser o grande responsaacutevel pela consolidaccedilatildeo
de princiacutepios baacutesicos do direito comunitaacuterio como eacute o caso da supremacia das normas
comunitaacuterias Neste vieacutes importante destaque deve ser feito ao caso CostaENEL16
de 1964
que marcou o surgimento da noccedilatildeo de supremacia das normas da comunidade europeia
O objeto de tal caso fora uma lei italiana de nacionalizaccedilatildeo da energia eleacutetrica
declarada incompatiacutevel com o Tratado da Comunidade Econocircmica Europeia Em sede de
reenvio prejudicial o Tribunal Constitucional Italiano enviou a questatildeo ao Tribunal de Justiccedila
da Uniatildeo Europeia o qual reconheceu que ao instituir uma comunidade de duraccedilatildeo ilimitada
com caraacuteter sui generis e poderes resultantes de delegaccedilatildeo de parcela da soberania os paiacuteses
limitariam seus direitos soberanos em prol de um conjunto de normas aplicaacutevel natildeo soacute agrave
comunidade como a todos os seus Estados membros17
14
OLIVEIRA Odete Maria de Uniatildeo Europeia processos de integraccedilatildeo e mutaccedilatildeo 1ordfed 3ordf tir Curitiba
Juruaacute 2003 15
Os vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia satildeo Alemanha Aacuteustria Beacutelgica Bulgaacuteria Chipre
Croaacutecia Dinamarca Eslovaacutequia Eslovecircnia Espanha Estocircnia Finlacircndia Franccedila Greacutecia Hungria Irlanda Itaacutelia
Letocircnia Lituacircnia Luxemburgo Malta Paiacuteses Baixos Polocircnia Portugal Reino Unido Repuacuteblica Checa
Romecircnia Sueacutecia Dados disponiacuteveis no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeuropaeuabout-
eucountriesmember-countriesindex_pthtm Acesso 01 nov 2014 16
O acoacuterdatildeo do referido caso encontra-se disponiacutevel na iacutentegra no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeur-
lexeuropaeulegal-contentPTTXTPDFuri=CELEX61964CJ0006ampfrom=EN Acesso 02 out 2014 17
FARENZENA Sueacutelen Costa versus ENEL ndash O primado do Direito Comunitaacuterio e a mudanccedila de paradigma o
Estado em rede europeu Revista da SJRJ Vol 19 nordm34 Rio de Janeiro 2012 Disponiacutevel em
httpwww4jfrjjusbrseerindexphprevista_sjrjarticleviewFile338296 Acesso 01 out 2014
16
Neste sentido determinou o Tribunal de Luxemburgo que a forccedila executiva do direito
comunitaacuterio natildeo poderia variar de um espaccedilo para outro ao sabor das legislaccedilotildees internas
Impossiacutevel portanto um Estado fazer prevalecer sobre uma ordem juriacutedica aceita sob o pilar
da reciprocidade e da cessatildeo de parcela de direitos soberanos uma medida unilateral anterior
ou posterior que lhe pode opor
Natildeo obstante tal decisatildeo a ideia de supremacia das normas comunitaacuterias por si soacute
natildeo foi adotada de modo paciacutefico por todos os tribunais constitucionais dos paiacuteses sujeitos agrave
jurisdiccedilatildeo do Tribunal de Luxemburgo Em funccedilatildeo disso houve a percepccedilatildeo por parte dos
juiacutezes do TJUE de que seria necessaacuterio acoplar agrave ideia de supremacia das normas
comunitaacuterias um discurso dotado de legitimidade que envolvesse princiacutepios e ideais comuns
natildeo soacute para a comunidade como para os Estados membros Esse discurso portanto seria o
discurso dos direitos fundamentais18
Ateacute o surgimento de algumas tensotildees entre os posicionamentos dos tribunais nacionais
e as decisotildees do TJUE havia certa resistecircncia por parte deste uacuteltimo em lidar com questotildees
concernentes aos direitos humanos ou fundamentais Isto porque o motivo que levou agrave criaccedilatildeo
das Comunidades Europeias e a posterior Uniatildeo Europeia foi predominantemente econocircmico
tanto eacute que os tratados iniciais das Comunidades Europeias natildeo trazem elementos que refiram
explicitamente a preocupaccedilatildeo com direitos humanos ou fundamentais19
Entretanto consoante
fora asseverado a supremacia das normas comunitaacuterias somente conseguiria se afirmar e se
consolidar caso fosse acoplada ao tema da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais
Neste sentido a deacutecada de 1960 pode ser vista como um importante marco para o
TJUE Casos como o Stauder (1969) e o Internationale Handelsgesellschaft20
(1970)
18
GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional
algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em
httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014 19
Pertinente o destaque da concepccedilatildeo de Gilmar Mendes e Geroge Rodrigo Bandeira Galindo sobre este tema
Segundo eles os instrumentos que instituiacuteram as comunidades europeias natildeo se referem de maneira expliacutecita agrave
proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais e haacute razotildees para isso A primeira delas reside no fato de que a
proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa deveria ser transferida para outra organizaccedilatildeo internacional no caso o
Conselho da Europa que foi uma instituiccedilatildeo fundamental para a elaboraccedilatildeo da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos
do Homem de 1950 Outra razatildeo sustenta-se na ideia de que a inclusatildeo imediata de um cataacutelogo de direitos
fundamentais nos tratados instituidores das Comunidades Europeias geraria conflitos entre as consolidadas
constituiccedilotildees estatais e o entatildeo incipiente direito comunitaacuterio Por fim outra razatildeo apontada eacute traduzida no fato
de que os Estados eram temerosos de que a imediata inclusatildeo de temas de direitos fundamentais ou humanos nos
tratados instituidores das Comunidades pudesse ampliar as competecircncias de prerrogativas de instituiccedilotildees receacutem-
criadas Ibidem p03
De qualquer forma houve no processo de germinaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia nos moldes em que hoje
conhecemos a predominacircncia de ideias economicistas e de integraccedilatildeo regional com base na aproximaccedilatildeo de
ideais produtivos e de mercado A preocupaccedilatildeo com a tutela de direitos humanos ou fundamentais surge atraveacutes
dos diaacutelogos espontacircneos entre as cortes constitucionais e o Tribunal de Luxemburgo 20
Neste caso o raciociacutenio da corte faz clara alusatildeo agrave vinculaccedilatildeo entre primazia do direito comunitaacuterio e a
proteccedilatildeo dos direitos fundamentais por parte das instituiccedilotildees comunitaacuterias Os pontos 3 e 4 do julgamento do
17
consolidaram o entendimento do Tribunal de Luxemburgo de que os direitos fundamentais
fazem parte dos princiacutepios gerais do direito comunitaacuterio Conflitos positivos de competecircncias
entre tribunais nacionais e o tribunal supranacional instituiacutedo no acircmbito da comunidade
marcaram os diaacutelogos iniciais para a estimulaccedilatildeo da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais em
acircmbito comunitaacuterio
Como continuidade deste diaacutelogo eacute pertinente destacar o caso Nold (1974) no qual o
Tribunal de Luxemburgo reconheceu como pauta geral para o direito comunitaacuterio europeu o
predomiacutenio dos direitos fundamentais Com isso mais uma vez reafirmou-se a ideia de que o
direito comunitaacuterio tem supremacia sobre as disposiccedilotildees legais nacionais mas que de toda a
sorte deve se adaptar a uma base comum de valores como os determinados por exemplo
pela Convenccedilatildeo Europeia de Direito do Homem
Por isso fala-se que este caso fixa um terceiro elemento no nuacutecleo de salvaguarda dos
direitos fundamentais aleacutem das tradiccedilotildees constitucionais comuns e dos direitos fundamentais
garantidos nas Constituiccedilotildees dos Estados os instrumentos internacionais relativos agrave proteccedilatildeo
dos direitos humanos passam a ser uma importante fonte de inspiraccedilatildeo para a proteccedilatildeo de
direitos em acircmbito comunitaacuterio Em funccedilatildeo disso inclusive em 1975 o TJUE pela primeira
vez recorreu agrave Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem no caso Rutili21
Apesar de tal decisatildeo do caso Nold o emblemaacutetico caso Solange levou agrave confirmaccedilatildeo
e consolidaccedilatildeo da vigecircncia dos direitos fundamentais no acircmbito da Comunidade Neste caso
em 1974 o Tribunal Constitucional alematildeo determinou que enquanto a Comunidade natildeo
dispusesse de um sistema de proteccedilatildeo de direitos comparaacutevel ou equiparado agrave Lei
Fundamental de Bonn ou seja enquanto natildeo houvesse um cataacutelogo de direitos fundamentais
aplicaacuteveis agrave Comunidade Europeia as instituiccedilotildees comunitaacuterias seriam ineficazes no que
concerne agrave proteccedilatildeo desses direitos22
TJUE respectivamente determinam que 3 A validade de uma medida comunitaacuteria ou de seus efeitos em um
Estado membro natildeo podem ser afetadas por alegaccedilotildees de que ela contraria direitos fundamentais tal como
formuladas pela Constituiccedilatildeo do Estado ou princiacutepios de uma estrutura constitucional nacional() 4() o
respeito pelos direitos fundamentais forma uma parte integral dos princiacutepios gerais de direito protegidos pela
Corte de Justiccedila A proteccedilatildeo de tais direitos enquanto inspirada pelas tradiccedilotildees constitucionais comuns aos
Estados membros deve ser assegurada no acircmbito da estrutura e dos objetivos da Comunidaderdquo Ibidem p4 21
O caso Rutilli caracteriza-se por ser a primeira referecircncia jurisprudencial feita pelo Tribunal de Luxemburgo agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem ou seja a utilizaccedilatildeo por parte de um tribunal supranacional de um
marco normativo essencial natildeo para o direito comunitaacuterio mas para o sistema regional de proteccedilatildeo aos direitos
humanos Nesse caso o Tribunal de Luxemburgo afirmou que as normas de direito comunitaacuterio natildeo era mais do
que uma manifestaccedilatildeo de princiacutepios gerais de direito consagrados na Convenccedilatildeo 22
GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional
algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em
httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014
18
Como resultado de tal caso natildeo soacute o Tribunal de Luxemburgo passou a consolidar um
entendimento jurisprudencial favoraacutevel ao respeito e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais
como demais instituiccedilotildees da entatildeo Comunidade Europeia assim agiram Em funccedilatildeo disso diz-
se que o principal resultado do caso Solange foi uma resoluccedilatildeo conjunta datada de 5 de abril
de 1977 entre Parlamento Europeu Conselho Europeu e Comissatildeo Europeia denominada
ldquoDeclaraccedilatildeo Conjunta sobre Direitos Fundamentaisrdquo23
Nesta ressaltou-se a necessidade do
respeito em acircmbito comunitaacuterio dos direitos fundamentais consagrados pelas tradiccedilotildees
constitucionais dos Estados membros e pela Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos
Os direitos fundamentais atraveacutes desse diaacutelogo jurisprudencial entre as cortes de
esperas diferentes (supranacional e nacionais) apareceram de modo progressivo no direito
comunitaacuterio europeu tornando-se paracircmetros de validade das normas da Uniatildeo Qualquer
norma seja comunitaacuteria seja nacional que contrariasse os direitos fundamentais seria
considerada invaacutelida
A tendecircncia jurisprudencial do TJUE de vincular a noccedilatildeo de supremacia das normas
comunitaacuterias com a proteccedilatildeo aos direitos fundamentais acabou por refletir no Tratado de
Maastricht de 1992 Tambeacutem chamado de Tratado da Uniatildeo Europeia este documento em
seu artigo F nuacutemero 2 determina que a Uniatildeo respeite os direitos fundamentais tal como os
garante a Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem24
Na esteira da inclusatildeo da proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em tratados o Tratado de
Lisboa de 2007 aleacutem de estabelecer personalidade juriacutedica agrave Uniatildeo Europeia25
determina que
a esta aderiraacute agrave Convenccedilatildeo Europeia para a proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e das Liberdades
Fundamentais sendo que a adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas
nos tratados26
23
XAVIER Ana Isabel Os Direitos Fundamentais no ldquodiaacutelogo europeurdquo de Nice a Lisboa In Debater a
Europa n 9 julhodezembro 2013 Disponiacutevel em httpeurope-direct-
aveiroaevaeudebatereuropaimagesn9axavierpdf Acesso em 03 out 2014 24
Artigo F n 2 ldquoA Uniatildeo respeitaraacute os direitos fundamentais tal como os garante a Convenccedilatildeo Europeia de
Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais assinada em Roma em 4 de novembro de
1950 e tal como resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-membros enquanto princiacutepios
gerais do direito comunitaacuteriordquo TRATADO DE MAASTRICHT 1992 Disponiacutevel em httpeuropaeueu-
lawdecision-makingtreatiespdftreaty_on_european_uniontreaty_on_european_union_ptpdf Acesso 15 out
2014 25
O artigo 46-A do Tratado de Lisboa determina que ldquoA Uniatildeo tem personalidade juriacutedicardquo TRATADO DE
LISBOA 2007 Disponiacutevel em httpeur-lexeuropaeulegal-
contentPTTXTPDFuri=OJC2007306FULLampfrom=PT Acesso 16 out 2014 26
O artigo 6ordf do Tratado de Lisboa determina que ldquo1 A Uniatildeo reconhece os direitos as liberdades e os
princiacutepios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da Uniatildeo Europeia de 7 de Dezembro de 2000 com
as adaptaccedilotildees que lhe foram introduzidas em 12 de Dezembro de 2007 em Estrasburgo e que tem o mesmo
valor juriacutedico que os Tratados De forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competecircncias da Uniatildeo tal
como definidas nos Tratados Os direitos as liberdades e os princiacutepios consagrados na Carta devem ser
interpretados de acordo com as disposiccedilotildees gerais constantes do Tiacutetulo VII da Carta que regem a sua
19
Mesmo que o ideal de Constituiccedilatildeo para a Uniatildeo Europeia natildeo tenha sido aprovado
pelos Estados membros as regras de supremacia das normas comunitaacuterias e de proteccedilatildeo aos
direitos fundamentais consagrados natildeo soacute nas Constituiccedilotildees como nas proacuteprias tradiccedilotildees
constitucionais dos Estados regem as decisotildees do Tribunal supranacional que existe no
continente Por isso mesmo que a preocupaccedilatildeo inicial da ldquopequena Europardquo tenha sido a
integraccedilatildeo econocircmica dos paiacuteses devastados pela guerra para que pudessem voltar a ser
competitivos internacionalmente ao longo do tempo sentiu-se a necessidade de trazer para
dentro do direito comunitaacuterio noccedilotildees acerca dos direitos fundamentais e humanos de modo
que hoje estes se encontram tutelados por instrumentos e oacutergatildeos supranacionais especiacuteficos
Ocorre que conforme se mencionou no iniacutecio deste subcapiacutetulo o cenaacuterio europeu
pode ser vislumbrado sob duas oacuteticas distintas desde o Congresso da Europa a oacutetica
federalista que impulsiona a criaccedilatildeo da Uniatildeo Europeia e de um direito comunitaacuterio europeu
e o vieacutes da cooperaccedilatildeo internacional marcado pela criaccedilatildeo do Conselho da Europa e de um
sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos o qual exige o pensamento acerca
da possibilidade da construccedilatildeo de um direito comum europeu
Nesse aspecto acerca do conceito de comum eacute pertinente remontar agraves premissas de
Dardot et Laval27
Para os autores o comum do direito segundo uma loacutegica de interpretaccedilatildeo
neoliberal natildeo seraacute outro que o direito de propriedade dos contratos e do lucro Eacute justamente
contra esse tipo de concepccedilatildeo trazido pelos efeitos nefastos da globalizaccedilatildeo que se invoca a
defesa e a reabilitaccedilatildeo do conceito de comum que deve ser entendido sob uma loacutegica de bases
uniacutessonas em mateacuteria de direitos humanos
Em razatildeo disso eacute no acircmbito da ldquogrande Europardquo ou seja do sistema regional europeu
de proteccedilatildeo dos direitos do homem que se vislumbram bases para a criaccedilatildeo de um direito
comum cuja premissa eacute a busca do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano28
Deste
modo no panorama apresentado se vislumbra de modo claro que embora existam regras
princiacutepios e instituiccedilotildees para reger o direito comunitaacuterio europeu (regras previstas nos
tratados da Uniatildeo Europeia e pacificadas pelo ativismo do TJUE) na ldquopequena Europardquo em
interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo e tendo na devida conta as anotaccedilotildees a que a Carta faz referecircncia que indicam as fontes
dessas disposiccedilotildees 2 A Uniatildeo adere agrave Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais Essa adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas nos Tratados3
Do direito da Uniatildeo fazem parte enquanto princiacutepios gerais os direitos fundamentais tal como os garante a
Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como
resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-Membrosrdquo Ibid 2007 27
DARDOT Pierre LAVAL Cristian COMMUN essai sur la revolutiona au XXeme siegravecle Paris La
deacutecouverte 2014 p 287 28
DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio
de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b
20
mateacuteria de direitos humanos e no acircmbito de um processo de globalizaccedilatildeo eacute preciso avanccedilar
na compreensatildeo do espaccedilo europeu para no acircmbito do sistema regional consolidar as bases
para a criaccedilatildeo de um direito comum
12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias juriacutedicas
a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da figura da
Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
O Congresso da Europa sob o aspecto juriacutedico dividiu o continente em blocos
autocircnomos dentro de um sistema multicecircntrico Nesse sentido Mireille Delmas-Marty29
assevera que natildeo existe uma unidade juriacutedica chamada Europa ou sequer uma visatildeo uacutenica e
preestabelecida do continente
Pelo contraacuterio existe uma Europa feita de instituiccedilotildees juriacutedicas diversas cada uma
com regras e princiacutepios especiacuteficos Neste sentido de um lado tem-se a ldquopequena Europardquo
composta pelos vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e que possui um ideal
primordialmente econocircmico com os objetivos de livre circulaccedilatildeo de pessoas e de
mercadorias bem como de instituiccedilatildeo de uma moeda uacutenica sob a perspectiva de abertura de
fronteira entre os paiacuteses Sob este ideal desenvolve-se a base para o direito comunitaacuterio que
possui como instituiccedilatildeo juriacutedica maacutexima o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo Europeia (TJUE)
com caraacuteter supranacional
Na Europa dos ldquoVinte e Oitordquo portanto sob o ideal integracionista surge o chamado
direito comunitaacuterio europeu o qual atraveacutes de direito originaacuterio (tratados constitutivos) e
direito derivado (normas emanadas de oacutergatildeos de competecircncia legislativa da Uniatildeo) forma o
sistema juriacutedico-poliacutetico e juriacutedico-econocircmico da Uniatildeo Europeia A peculiaridade desta nova
ordem formada eacute a de natildeo querer unificar a ordem juriacutedica dos paiacuteses europeus mas de
uniformizar em algumas mateacuterias as normas do bloco criado Justamente por isso a
supranacionalidade intriacutenseca ao direito comunitaacuterio natildeo se confunde com o direito
internacional
Sob as bases de interesses econocircmicos tem-se o objetivo de chegar a uma integraccedilatildeo
nas aacutereas concernentes agrave poliacutetica cultura dentre outras sob uma relaccedilatildeo de integraccedilatildeo entre o
29
Id 2004a p47
21
ordenamento juriacutedico comunitaacuterio e o ordenamento interno de cada Estado Sem sombra de
duacutevidas a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais se insere nessas relaccedilotildees mas com o
intuito de fortalecer o ideal de supremacia das normas comunitaacuterias Em funccedilatildeo de tal
premissa tem-se a necessidade de preservar o estaacutegio alcanccedilado pelo processo de integraccedilatildeo e
por isso um ordenamento juriacutedico comunitaacuterio eacute formado Entretanto eacute preciso avanccedilar no
processo de tutela dos direitos humanos em um contexto tatildeo plural como o europeu
Deste modo de outro lado tem-se a ldquogrande Europardquo criada pelo Conselho da Europa
perfazendo uma cooperaccedilatildeo poliacutetica que hoje abriga quarenta e sete membros30
signataacuterios da
Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais
(CEDH) O oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do Conselho da Europa eacute o Tribunal Europeu dos Direitos
do Homem (TEDH) sediado em Estrasburgo e para o qual podem demandar tanto Estados
quanto indiviacuteduos viacutetimas de violaccedilotildees de direitos humanos reconhecidos pela convenccedilatildeo
Neste sentido o paraacutegrafo 3ordm31
do Preacircmbulo da CEDH de 1950 assevera que a
finalidade principal do Conselho da Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre seus
membros e que um dos meios para alcanccedilar esta finalidade eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais sendo tais direitos vistos como um meio
para uma progressiva integraccedilatildeo dos europeus Antes mesmo disso o Estatuto do Conselho da
Europa de 1949 havia asseverado que a finalidade da instituiccedilatildeo era criar uma organizaccedilatildeo
que levasse os paiacuteses do continente a uma associaccedilatildeo cuja base fosse a unidade entre seus
membros privilegiando ideais e princiacutepios comuns aos diferentes Estados
Essa configuraccedilatildeo surgida na segunda metade do seacuteculo XX produz alteraccedilotildees
significativas na conceituaccedilatildeo de alguns institutos juriacutedicos e poliacuteticos como eacute o caso do
Estado da soberania dentre outros Nesse sentido o cenaacuterio Europeu pode ser enxergado
como proacuteximo da noccedilatildeo de Estado em Rede proposto por Manuel Castells32
Em um mesmo
espaccedilo territorial a autoridade passa a ser partilhada ao longo de uma rede de instituiccedilotildees O
30
Os 47 paiacuteses que fazem parte do Conselho da Europa satildeo Beacutelgica Dinamarca Franccedila Irlanda Itaacutelia
Luxemburgo Paiacuteses Baixos Noruega Sueacutecia Reino Unido Greacutecia Turquia Islacircndia Alemanha Ocidental
Aacuteustria Chipre Suiacuteccedila Malta Portugal Espanha Liechtenstein Satildeo Marino Finlacircndia Hungria Polocircnia
Bulgaacuteria Estocircnia Lituacircnia Eslovecircnia Repuacuteblica Checa Eslovaacutequia Romecircnia Andorra Letocircnia Albacircnia
Moldaacutevia Macedocircnia Ucracircnia Ruacutessia Croaacutecia Geoacutergia Armecircnia Azerbaijatildeo Boacutesnia e Herzegovina Seacutervia
Mocircnaco Montenegro Disponiacutevel em
httpwwwcoeintptAboutCoemediainterfacepublicationscoe_dh_ptpdf Acesso 08 out 2014 31
O terceiro paraacutegrafo do preacircmbulo da CEDH dispotildee que ldquoConsiderando que a finalidade do Conselho da
Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre os seus Membros e que um dos meios de alcanccedilar essa finalidade
eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento dos direitos do homem e das liberdades fundamentais ()rdquo CONVENCcedilAtildeO
EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS
1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso em 08 out 2014 32
CASTELLS Manuel A era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura A sociedade em rede Vol 1 5
ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999b
22
Estado-naccedilatildeo claacutessico relaciona-se com instituiccedilotildees supranacionais e a rede formada possui
noacutes diversos e natildeo um centro uacutenico sendo que esses noacutes podem apresentar tamanhos distintos
e estar ligados por relaccedilotildees assimeacutetricas
Essas redes e seus noacutes portanto representam formas de poder paralelas e
complementares que satildeo autocircnomas uma em relaccedilatildeo agraves outras O espaccedilo europeu marcado
por um jaacute consolidado direito comunitaacuterio e por uma estrutura supranacional sui generis
tornou-se um verdadeiro campo de concorrecircncia convergecircncia justaposiccedilatildeo e conflito de
vaacuterias constituiccedilotildees e poderes constituintes em um mesmo espaccedilo poliacutetico levando a uma
pluralidade de ordenamentos e de normatividades
A supranacionalidade desenvolvida assemelha-se desta forma a um Estado em Rede
em funccedilatildeo de um novo paradigma de governanccedila estabelecido em diferentes niacuteveis com
diferentes noacutes de diferentes dimensotildees e com relaccedilotildees internacionais assimeacutetricas O Estado-
Naccedilatildeo claacutessico se articula cotidianamente na tomada de decisotildees com instituiccedilotildees
supranacionais de diferentes tipos e em acircmbitos distintos33
Em uma mesma organizaccedilatildeo
complexa temos entatildeo as caracteriacutesticas da descentralizaccedilatildeo e da coordenaccedilatildeo sobretudo no
aspecto normativo sendo que a crise do Estado-naccedilatildeo o desenvolvimento das instituiccedilotildees
supranacionais e a transferecircncia das atribuiccedilotildees e iniciativas aos acircmbitos regionais e locais satildeo
caracteriacutesticas que funcionam como base para o desenvolvimento do Estado em Rede
Nesse acircmbito ainda eacute possiacutevel acrescentar a definiccedilatildeo de Marcelo Varella34
de que a
Uniatildeo Europeia caracteriza-se por ser uma instituiccedilatildeo sui generis natildeo soacute pelo seu modo de
constituiccedilatildeo como por seus efeitos no campo juriacutedico-normativo Desta maneira o bloco
europeu dos vinte e oito inserido no contexto de um sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos
humanos (ldquopequena Europardquo inserida na ldquogrande Europardquo) marca a caracteriacutestica de uma
superaccedilatildeo da tiacutepica forma de visatildeo linear e hieraacuterquica do direito tradicional em favor da
construccedilatildeo de um direito em camadas ou em diferentes niacuteveis ou ainda em redes
Essa concepccedilatildeo de Castells utilizada aqui para ilustrar as relaccedilotildees na Uniatildeo Europeia
comunica-se com a noccedilatildeo de Mireille Delmas-Marty35
de um pluralismo que deve ser
ordenado Na Europa como um todo em acircmbito juriacutedico a coexistecircncia de normas das mais
diversas fontes e de tribunais nas mais diferentes escalas faz emergir uma noccedilatildeo de caos
33
Id 1999a p164 34
VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade
de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014 p145 35
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006
23
juriacutedico que precisa ser ordenado Em razatildeo disso pertinente a busca por um direito comum
com ecircnfase em um direito comum em mateacuteria de direitos humanos
Interessante notar que esse cenaacuterio criado intensifica-se com o processo de
mundializaccedilatildeo36
e sob essa oacutetica embora os direitos humanos tenham se tornado oponiacuteveis aos
Estados perfazendo princiacutepios de direito incluiacutedos nas Constituiccedilotildees Estatais no
entendimento dos tribunais supranacionais e em instrumentos normativos internacionais os
corolaacuterios do processo de mundializaccedilatildeo satildeo os direitos econocircmicos que predominam nas
preocupaccedilotildees do jaacute consolidado direito comunitaacuterio europeu
Enquanto os direitos humanos foram concebidos sob o prisma de uma universalidade e
com a finalidade de proteger o ldquoirredutiacutevel humanordquo37
os direitos econocircmicos satildeo os motores
da mundializaccedilatildeo sendo que isso somado agrave desestabilizaccedilatildeo do tempo e agrave desestatizaccedilatildeo do
Estado gera no processo de mundializaccedilatildeo uma aparente desordem normativa com a
proliferaccedilatildeo de normas de modo anaacuterquico38
Em funccedilatildeo disso eacute viaacutevel dizer que o continente europeu serve de base e eacute capaz de
traduzir importantes eventos para explicar fenocircmenos que hoje satildeo salientes na esfera juriacutedica
Mireille Delmas-Marty39
sugere que vivemos sob a eacutegide de espaccedilos ldquodesestatizadosrdquo tempos
ldquodesestabilizadosrdquo e uma ordem ldquodeslegalizadardquo No sentido atual da paisagem juriacutedica
afirmar que o Estado eacute a uacutenica fonte de Direito eacute assumir uma atitude de exclusatildeo de todos os
demais espaccedilos normativos
Como eacute possiacutevel observar na Europa convivem em um mesmo espaccedilo normas
provenientes de fontes estatais claacutessicas normas advindas de instituiccedilotildees supranacionais e
regras provenientes de entes internacionais na formaccedilatildeo de um verdadeiro mosaico juriacutedico
O monopoacutelio do Estado como produtor do direito deixa de ser imperativo frente agrave
internacionalizaccedilatildeo crescente das fontes juriacutedicas De modo concomitante e corroborando
36
Na obra ldquoTrecircs Desafios para um Direito Mundialrdquo Mirelle Delmas-Marty observa as particularidades dos
termos globalizaccedilatildeo mundializaccedilatildeo e universalidade quais sejam ldquoA mundializaccedilatildeo remete agrave difusatildeo espacial
de um produto de uma teacutecnica ou de uma ideia A universalidade implica um compartilhar de sentidosrdquo Em
outra passagem disserta ldquoDifusatildeo espacial de um lado compartilhar os sentidos de outra estas duas foacutermulas
descrevem muito bem a diferenccedila que separam os dois fenocircmenos que eu denominarei globalizaccedilatildeo para a
economia e universalizaccedilatildeo para os direitos do homem guardando assim o termo mundializaccedilatildeo uma
neutralidade que ele jamais perderaacute caso natildeo se resigne rapidamente ao primado da economia sobre os Direitos
do Homemrdquo DELMAS-MARTY Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr
Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b p 08-09 37
Ibid p48 38
FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos
teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013 39
DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47
24
com a teoria do Estado em Rede de Castells eacute possiacutevel observar um processo de
descentralizaccedilatildeo espacial com o deslocamento de fontes do centro para periferias40
Da mesma forma os tempos estatildeo desestabilizados Segundo Delmas41
em comparaccedilatildeo
aos votos claacutessicos de perpetuidade da lei eacute possiacutevel hoje encontrar fontes temporaacuterias e
evolutivas do direito O espaccedilo europeu se constitui como uma aacuterea privilegiada dessas fontes
evolutivas42
Sob o aspecto da ldquopequena Europardquo as regras de direito comunitaacuterio impotildeem um
resultado que deve ser atingido o que pela falta de meios juriacutedicos incentiva os Estados a
adaptar seus textos a dados econocircmicos
Isso tudo faz emergir a noccedilatildeo de assincronia43
do direito ou seja diferentes
velocidades em diferentes espaccedilos Nesse sentido haacute no espaccedilo europeu uma diferenccedila de
velocidade dos processos de integraccedilatildeo das normas internacionais (ou supranacionais) de
direito do comeacutercio em comparaccedilatildeo com as normas ambientais ou relativas aos direitos
humanos O proacuteprio processo evolutivo de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais
sob o panorama da ldquopequena Europardquo demonstra desde os primoacuterdios da criaccedilatildeo da
Comunidade Europeia uma ausecircncia de sincronia em relaccedilatildeo agraves duas esferas do direito A
evoluccedilatildeo dos direitos humanos eacute lenta quando comparada com a celeridade da integraccedilatildeo das
normas de direito comercial e econocircmico em um mundo de economia globalizada
Pode-se entatildeo afirmar que natildeo soacute na Europa como tambeacutem na sociedade
internacional o tempo das relaccedilotildees comerciais e por conseguinte o tempo da integraccedilatildeo do
direito do comeacutercio eacute o tempo do software da fluidez da velocidade da luz Enquanto isso o
tempo das relaccedilotildees humanas da eacutetica da solidariedade e da integraccedilatildeo do direito dos direitos
humanos segue o tempo do hardware do denso do apego ao territoacuterio e agraves localidades44
Por fim estaacute-se tambeacutem frente a uma ordem ldquodeslegalizadardquo uma vez que dentre os
reflexos das vicissitudes na seara juriacutedica eacute possiacutevel destacar um ruptura com a noccedilatildeo de
40
Tal fenocircmeno eacute descrito por Mireille Delmas-Marty como ldquodescentralizaccedilatildeordquo Esta envolve o deslocamento de
fontes do centro do Estado para coletividades territoriais Todavia tal fenocircmeno natildeo se confunde com uma mera
desconcentraccedilatildeo de poderes que eacute destinada a conferir maior eficaacutecia agraves estruturas centrais do Estado A
descentralizaccedilatildeo conforme refere a autora confia ao representante local da coletividade territorial certos poderes
de decisatildeo fazendo transparecer uma autonomia local para impor certas regras juriacutedicas Como exemplo
podem-se destacar as comissotildees locais de eacutetica como ocorre em uma deontologia profissional como a Ordem
dos Advogados As regras disciplinares desta profissatildeo guardam um caraacuteter misto sendo de natureza local e
nacional privada e puacuteblica Ibid 2004ap55 41
Ibid 2004ap47 42
Segundo Delmas falar de fontes evolutivas significa renunciar ao passado do costume e ao futuro das leis para
situar as fontes de direito no presente por natureza instaacutevel Ibid 2004ap65 43
Id 2006 p 114 44
SALDANHA Jacircnia Marial Lopes BRUM Maacutercio Morais MELLO Rafaela da Cruz A Assincronia do
Direito e o Caso Araguaia Uma anaacutelise da Decisatildeo do Supremo Tribunal Federal Brasileiro na ADPF 153 e do
Julgamento do Caso Gomes Lund e Outros vs Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos In Andreacute
Karam Trindade Angela Araujo da Silveira Espindola (Org) Direitos Fundamentais e Espaccedilo Puacuteblico 1ed
Passo Fundo - RS Editora IMED 2011 v 2 p 37-61
25
identidade entre direito e lei45
O processo de internacionalizaccedilatildeo deixa comum aos sistemas
de commun law e de civil law o papel do juiz na geraccedilatildeo do direito ou seja na interaccedilatildeo entre
texto normativo e sua interpretaccedilatildeo de modo que a jurisprudecircncia e o diaacutelogo entre os
diferentes tribunais serve para ambos os sistemas como um importante balizador para
consolidaccedilatildeo de entendimentos e de princiacutepios
Diante desse cenaacuterio juriacutedico global proveniente do processo de internacionalizaccedilatildeo -
e especiacutefico no caso da Europa ndash de desestatizaccedilatildeo de ruptura com paradigmas e com a loacutegica
binaacuteria de interpretar o direito eacute possiacutevel concordar com a premissa de Mireille Delmas-
Marty46
de que a paisagem juriacutedica apresenta um panorama de proliferaccedilatildeo constante de
normas e de entendimentos jurisprudenciais que em um primeiro momento podem levar a
uma noccedilatildeo de desordem e anarquia
Conveacutem perceber que a nova paisagem juriacutedica para a qual a Europa eacute um verdadeiro
laboratoacuterio47
eacute composta por formas mais complexas como piracircmides inacabadas
descontiacutenuas compostas por aneacuteis normativos como uma guirlanda no entanto natildeo
especificamente se liga agrave anarquia Pelo contraacuterio a retirada de marcos e o deslocamento de
linhas natildeo significa desordem e essa aparecircncia de caos favorece ao pluralismo
Por isso Delmas-Marty48
atesta que a internacionalizaccedilatildeo do direito apresenta um
grande paradoxo ordenar o plural Embora estejamos semanticamente diante de vernaacuteculos
opostos visto que a proposta eacute colocar em ordem aquilo que naturalmente eacute muacuteltiplo e plural
sem reduzir sua identidade a primeira consideraccedilatildeo que deve ser feita eacute a de que o tiacutepico
modelo kelseniano de loacutegica juriacutedica natildeo mais se aplica ao cenaacuterio em que o Direito se insere
atualmente em razatildeo da multiplicidade e do dinamismo existente no processo de
mundializaccedilatildeo
Para ir da desordem agrave ordem eacute necessaacuterio fortalecer as correlaccedilotildees da formaccedilatildeo
juriacutedica trazendo estabilidade agrave presenccedila de divergecircncias atraveacutes de uma aproximaccedilatildeo entre
ordens juriacutedicas por meio de um jogo de referecircncias cruzadas com o intuito de ordenar a
multiplicidade Essa aproximaccedilatildeo poreacutem natildeo pode ser concebida senatildeo em relaccedilatildeo a uma
referecircncia comum e neste campo a utilidade dos instrumentos protetivos de direitos humanos
traz a coerecircncia de conjunto capaz de indicar uma direccedilatildeo a seguir um norte para a criaccedilatildeo de
um direito comum cujo pluralismo eacute ordenado
45 DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47 46
Id 2006 47
VARELLA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do direito Direito Internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Livre Docecircncia em Direito Internacional Faculdade de
Direito da Universidade de Satildeo Paulo (USP) Satildeo Paulo 2012 Acesso 14 out 2014 48
Ibid 2006 p 10
26
Obviamente o direito comum almejado eacute pluralista tendo a razatildeo como instrumento
de justificaccedilatildeo e de diaacutelogo O pluralismo eacute justificado pelo intuito de harmonizar e conjugar
as particularidades religiosas poliacuteticas culturais de cada Estado ou comunidade evitando a
sobreposiccedilatildeo de uma ordem sobre outra ou a assimilaccedilatildeo e exclusatildeo Em razatildeo disso o
direito comum pluralista pretende construir um ldquoDireito dos Direitosrdquo a partir do ideal de
universalizaccedilatildeo dos direitos humanos sendo que a finalidade eacute a de aproximar ou harmonizar
ndash e natildeo unificar - os diferentes sistemas juriacutedicos sob a perspectiva de respeito ao ldquoirredutiacutevel
humanordquo49
Impossiacutevel a criaccedilatildeo de normas e regras comuns a todos os povos justamente pelo
fato de que sempre algumas normas advindas de culturas especiacuteficas se sobressairatildeo sobre
outras na criaccedilatildeo de uma hegemonia negativa O direito comum portanto inserido na oacutetica
de um direito mundial pluralista eacute aquele acessiacutevel a todos e comum aos diversos Estados
sem que haja o abandono de identidades Justamente em funccedilatildeo disso o alicerce para a sua
criaccedilatildeo eacute a aproximaccedilatildeo dos sistemas juriacutedicos tendo por base os direitos humanos que
carregam a caracteriacutestica da universalidade a qual adveacutem do compartilhamento de sentidos e
do enriquecimento pela troca
Neste sentido em que consistem esses direitos humanos que satildeo os alicerces para a
criaccedilatildeo de um direito comum Eacute possiacutevel afirmar que a mera previsatildeo constitucional ou em
tratados de direitos jaacute asseguram a sua proteccedilatildeo Como lidar com questotildees concernentes agraves
pretensotildees universalistas e as particularidades do relativismo cultural nas diferentes
sociedades europeias
Narciso Baez50
traz reflexotildees importantes acerca desse tema Segundo ele em meados
do seacuteculo XVII pensou-se que a positivaccedilatildeo dos direitos humanos seria instrumento suficiente
para garantir o seu respeito Essa noccedilatildeo adentrou a contemporaneidade com a filosofia de
Hans Kelsen de que as normas positivadas e inseridas nos ordenamentos juriacutedicos eram
obrigatoacuterias por serem legitimadas por uma norma juriacutedica superior que tinha um fim em si
mesma
Obviamente o seacuteculo XX mostrou que a mera inserccedilatildeo legal da dignidade da pessoa
humana ndash que eacute o elemento cerne dos direitos humanos ndash em um sistema positivo de direito e
dissociada de valores morais natildeo seria suficiente para evitar eventuais violaccedilotildees desses
49
Ibid 2006 p 54 50
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos
humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da
UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em
httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014
27
direitos Sob esse panorama e seguindo a corrente eacutetica51
de fundamentaccedilatildeo dos direitos
humanos pode-se afirmar que estes satildeo direitos de fora da ordem positiva que tecircm em seu
bojo componentes morais sociais poliacuteticos e ateacute econocircmicos que salvaguardam condiccedilotildees
miacutenimas para a garantia da dignidade da pessoa humana Em sua dimensatildeo baacutesica portanto
satildeo direitos inatos pautados em valores morais e conferidos aos indiviacuteduos pelo simples fato
de estes serem humanos
Logo para a construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos exige-
se o fortalecimento desses em suas dimensotildees baacutesicas Eacute neste sentido que Delmas52
se refere
ao miacutenimo eacutetico universal e ao irredutiacutevel humano ou seja elementos que todos os indiviacuteduos
apresentam em comum mesmo em diferentes culturas
As duas estruturas baacutesicas dos direitos humanos satildeo portanto os valores morais e a
dignidade humana53
Em relaccedilatildeo aos primeiros infere-se que a origem dos direitos humanos
natildeo eacute legal vez que estes satildeo reconhecidos aos indiviacuteduos pelo simples fato de serem
humanos O ordenamento juriacutedico tem a mera funccedilatildeo de reconhecer tais direitos e transformaacute-
los em normas a fim de obter efetividade Jaacute a dignidade humana eacute o bem maior dentro dos
direitos humanos constituindo uma qualidade universal intriacutenseca irrenunciaacutevel e
inalienaacutevel inerente a todos os seres humanos e que se encontra acima das especificidades
culturais
Neste vieacutes a universalidade de tais direitos que eacute requisito indispensaacutevel para a
criaccedilatildeo de um direito comum natildeo eacute marcada pela criaccedilatildeo de instrumentos internacionais
positivos de proteccedilatildeo dos direitos humanos Isso porque embora tenha se conseguido a
universalizaccedilatildeo da adesatildeo dos Estados como eacute o caso da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos da ONU de 1948 ou mesmo da CEDH do sistema regional europeu ainda haacute
resistecircncias agrave aceitaccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo em algumas culturas que alegam a necessidade de
relativizaccedilatildeo desses direitos para adequaccedilatildeo agraves realidades nacionais54
Logo para a construccedilatildeo de uma verdadeira universalidade eacute necessaacuterio interpretar os
direitos humanos sob uma oacutetica interdisciplinar Finnis55
nesse aspecto afirma que os direitos
humanos constituem uma categoria que busca consagrar a dignidade humana sendo esta um
atributo de todas as pessoas independentemente de crenccedila ou cultura Nesse aspecto
51
Id 2007 p 13-35 52
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b 53
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Direitos humanos na globalizaccedilatildeo In BAEZ Narciso
Leandro Xavier BARRETO Vicente (Org) Direitos humanos em evoluccedilatildeo Joaccedilaba Ed Unoesc 2007 p
13-35 54
Id 2009 p77-99 55
FINNIS John Ley natural e derechos naturales Buenos Aires AbeledoPerrot 2000
28
vislumbra-se necessaacuterio a fim de identificar quais satildeo os valores baacutesicos e inderrogaacuteveis a
todos os humanos a construccedilatildeo de valores universais atraveacutes do diaacutelogo e do cruzamento de
diferentes culturas com diferentes valores Isso facilita a construccedilatildeo de uma cultura
cosmopolita baseada em uma identificaccedilatildeo em que prevaleccedila a dignidade da pessoa humana
acima dos relativismos
As diversidades culturais satildeo provenientes de elementos externos56
da diferenccedila de
ambientes naturais mas mesmo assim todas as pessoas ainda que inseridas em
especificidades culturais distintas ainda manteacutem atributos comuns Eacute por essa loacutegica que
permanece atual a premissa de Kant de que no atual estaacutegio da humanidade os povos
atingiram um grau de desenvolvimento que os permitem fazer parte de uma comunidade
cosmopolita57
Por isso a violaccedilatildeo de um direito humano em um ponto do planeta repercute e
pode ser sentida em todos os outros
Pertinente ainda lembrar que a universalizaccedilatildeo natildeo significa a imposiccedilatildeo ou a
uniformizaccedilatildeo de uma cultura sobre as outras Pelo contraacuterio deve-se buscar uma raiz
comum qual seja um conjunto de valores miacutenimos universais capazes de dialogar com
diferentes culturas garantindo o respeito e a preservaccedilatildeo da vida humana em qualquer lugar
Ainda sob essa oacutetica eacute possiacutevel afirmar que a noccedilatildeo de direito comum de Delmas
aproxima-se do ideal de direito cosmopoliacutetico em Kant58
Ao perceber o aumento da
participaccedilatildeo dos povos na Terra Kant vislumbra a ideia de uma comunidade mundial
alicerccedilada sob as bases de um direito cosmopoliacutetico a fim de garantir a paz perpeacutetua Diante
da dicotomia entre praacuteticas culturais e direitos humanos a base do cosmopolitismo kantiano eacute
a busca de criteacuterios loacutegico-racionais que sejam comuns a todas as culturas
Nesse espectro surgem entatildeo os direitos humanos como nuacutecleo moral-juriacutedico do
direito cosmopoliacutetico vez que a moralidade miacutenima universal se baseia em trecircs pilares a)
humanidade comum b) ameaccedilas compartilhadas e c) obrigaccedilotildees miacutenimas Logo a
fundamentaccedilatildeo moral eacute a base dos direitos humanos uma vez que nela encontram-se as
exigecircncias imprescindiacuteveis para a vida de um indiviacuteduo Apesar das diferenccedilas sociais e
culturais entre os seres humanos algumas necessidades e capacidades satildeo comuns a todos59
56
PAREKH Bhikhu Pluralist universalism and human rights In SMITH Rhona K M ANKER Cristien van
den The essentials of human rights London Oxford University Press 2005 57
KANT Immanuel Para a paz perpeacutetua Traduccedilatildeo Baacuterbara Kristen - Rianxo Instituto Galego de Estudos de
Seguranccedila Internacional e da Paz 2006 58
Ibid 2006 p 107-108 59
BARRETO Vicente de Paulo Direito Cosmopoliacutetico e Direitos Humanos In Espaccedilo Juriacutedico Journal of
Law N 2 Vol 11 2010 Disponiacutevel em
httpeditoraunoescedubrindexphpespacojuridicoarticleview19491017 Acesso 30 out 2014
29
Assim como a concepccedilatildeo de direitos humanos natildeo pode mais ser concebida como o
era na eacutepoca de Kelsen o panorama em que o Direito de um modo geral se insere hoje
tambeacutem natildeo pode mais ser concebido conforme a loacutegica claacutessica kelseniana em que a
constituiccedilatildeo estatal encontra-se no topo de uma estrutura piramidal sendo hierarquicamente
seguida pela legislaccedilatildeo infraconstitucional Os rearranjos da mundializaccedilatildeo e a consequente
internacionalizaccedilatildeo do Direito fazem com que novas estruturas permeiem o atual cenaacuterio
juriacutedico mundial
Seja uma concepccedilatildeo de trapeacutezio cujos veacutertices superiores satildeo ocupados em igual
niacutevel pelas constituiccedilotildees estatais e pelos tratados ou convenccedilotildees internacionais protetivos dos
direitos humanos como eacute a visatildeo de Canotilho seguida por Flaacutevia Piovensan60
seja uma
visatildeo de nuvens fluidas e descontiacutenuas com um direito de sistemas interativos complexos
marcados por geometria de piracircmides inacabadas e aneacuteis normativos como guirlandas
defendida por Delmas-Marty61
demonstram que a internacionalizaccedilatildeo traz tentativas de
recomposiccedilatildeo de um pluralismo que deveraacute ser suficientemente ordenado
Em razatildeo disso razoaacutevel frente agrave mudanccedila paradigmaacutetica trazida pela mundializaccedilatildeo
pensar em um conjunto ordenado para a desordem uma vez que a aparente anarquia que
existe favorece ao pluralismo Para se chegar a um direito comum pluralista tendo por base os
direitos humanos deve-se buscar a harmonizaccedilatildeo entre estes e os direitos econocircmicos com
respeito agraves particularidades religiosas e culturais e com a superaccedilatildeo dos perigos de uma
uniformizaccedilatildeo hegemocircnica tendente agrave globalizaccedilatildeo econocircmica
Nesse novo paradigma o ideaacuterio de ordem ldquodeslegalizadardquo anteriormente referido
toma corpo uma vez que a sobrevalorizaccedilatildeo da lei e das grandes codificaccedilotildees perde espaccedilo
havendo em contrapartida a crescente incorporaccedilatildeo dos precedentes (certa ruptura de
fronteiras entre common law e civil law) e dos princiacutepios como espeacutecie de coacutedigo cultural do
processo de interpretaccedilatildeo e criaccedilatildeo do direito62
A internacionalizaccedilatildeo do Direito reflete portanto uma nova realidade de um Direito
de sistemas complexos fluidos descontiacutenuos e interativos os quais levam agrave mutaccedilatildeo da
proacutepria concepccedilatildeo tradicional de ordem juriacutedica que natildeo eacute mais fechada dentro de si mesma e
sim sofre influecircncia de outras A tradicional piracircmide kelseniana eacute desconstruiacuteda
60
PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e diaacutelogo entre jurisdiccedilotildees In Revista Brasileira de Direito
Constitucional ndash RBCD n19 ndash janjul 2012 61
DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio
de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b 62
FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos
teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013
30
gradativamente dando lugar a novas geometrias cuja hierarquia natildeo eacute tatildeo riacutegida mas nem por
isso deixa de ser complexa
No topo encontram-se as constituiccedilotildees juntamente com elementos do Direito
Internacional (jus cogens tratados relativos o direito internacional dos direitos humanos) e do
direito comunitaacuterio europeu No corpo do que seria a antiga piracircmide kelseniana encontra-se
o crescimento e a consolidaccedilatildeo de um direito jurisprudencial atraveacutes de um jogo de
referecircncias reciacuteprocas em que um sistema observa o outro mas natildeo haacute um centro ao lado das
normas produzidas no legislativo (a intensa produccedilatildeo jurisprudencial para os hard cases
culmina em adiccedilatildeo de conteuacutedos advindos de ldquooutros direitosrdquo) e a base passa a ser composta
por decretos e regulamentos que resultam de administraccedilotildees policecircntricas corroborando para
a crenccedila de que o processo de internacionalizaccedilatildeo do direito vem acompanhado de
descentralizaccedilatildeo e privatizaccedilatildeo de fontes do Direito63
Diante deste quadro Delmas64
apresenta trecircs espeacutecies de processo de interaccedilatildeo para
se chegar a um direito comum coordenaccedilatildeo por entrecruzamento harmonizaccedilatildeo e unificaccedilatildeo
Destaca-se antes de discorrer brevemente sobre esses processos que o direito comum natildeo
tem a pretensatildeo de unificar o Direito no texto pois isso seria uma tarefa praticamente utoacutepica
A ideia de Delmas objetiva na realidade a exploraccedilatildeo da pluralidade como potencial poder
de integraccedilatildeo vez que as redes dinacircmicas e as estruturas vetorizadas pelos direitos humanos
presentes nas novas geometrias da ordem mundial se pautam no reconhecimento do outro em
uma espeacutecie de alteridade65
A coordenaccedilatildeo por entrecruzamento caracteriza-se por ser um processo horizontal em
que a autoridade das decisotildees seraacute reforccedilada pelo jogo de referecircncias cruzadas de uma
jurisdiccedilatildeo agrave outra Essa eacute uma fase transitoacuteria na construccedilatildeo de uma verdadeira ordem juriacutedica
mundial em que a internormatividade e a interpretaccedilatildeo cruzada permitem a formaccedilatildeo de no
miacutenimo uma comunidade de juiacutezes Em funccedilatildeo disso em acircmbito global percebem-se traccedilos
da coordenaccedilatildeo por entrecruzamento nos diaacutelogos entre cortes e tribunais nas mais diferentes
ordens No espaccedilo europeu a coordenaccedilatildeo eacute percebida da mesma forma atraveacutes dos diaacutelogos
entre as cortes nacionais e os tribunais da ldquopequena Europardquo e da ldquogrande Europardquo
respectivamente Tribunal de Luxemburgo e de Estrasburgo
Interessante notar conforme jaacute foi demonstrado que foram os diaacutelogos entre as cortes
nacionais dos diversos Estados membros da entatildeo Comunidade Europeia e posterior Uniatildeo
63
Ibid 2013 p20 64
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006 65
LOPES Carla Patriacutecia Frade Nogueira Internacionalizaccedilatildeo do Direito e pluralismo juriacutedico limites de
cooperaccedilatildeo no diaacutelogo de juiacutezes In Revista de Direito Internacional da Uniceub Vol 9 n4 2012
31
Europeia que auxiliaram no processo de consolidaccedilatildeo do entendimento de primazia das
normas comunitaacuterias ao lado da proteccedilatildeo integral aos direitos fundamentais previstos nas
constituiccedilotildees estatais Isso culminou conforme se asseverou anteriormente na disposiccedilatildeo do
Tratado de Lisboa de que a Uniatildeo Europeia natildeo soacute se submete agraves tradiccedilotildees e regras
constitucionais em mateacuteria de direitos fundamentais como adere agrave Convenccedilatildeo Europeia dos
Direitos do Homem
Se o primeiro processo de interaccedilatildeo eacute a coordenaccedilatildeo far-se-aacute de imediato a anaacutelise do
uacuteltimo processo a unificaccedilatildeo visto que o eacute no processo intermediaacuterio ndash a harmonizaccedilatildeo ndash que
se desenvolve o foco do presente estudo A unificaccedilatildeo seria do ponto de vista formal o
processo perfeito por unir ordens juriacutedicas regionais sob um mesmo modelo hieraacuterquico e
coerente das ordens nacionais tradicionais Entretanto sob o enfoque empiacuterico essa perfeiccedilatildeo
estaacute longe de ser garantida vez que a unificaccedilatildeo consiste na transferecircncia pura e simples do
regramento juriacutedico de um paiacutes para outro em uma espeacutecie de verticalizaccedilatildeo ordenada que
pode gerar a dominaccedilatildeo hegemocircnica de uma ordem sobre outra sem portanto respeito agrave
pluralidade
O processo intermediaacuterio de harmonizaccedilatildeo por sua vez tende a aproximar os sistemas
com um propoacutesito coordenativo poreacutem sem a intenccedilatildeo unificadora Tal processo limita-se a
uma integraccedilatildeo imperfeita cuja chave eacute a preservaccedilatildeo das margens nacionais de apreciaccedilatildeo
De modo diferente da coordenaccedilatildeo que eacute marcada pela horizontalidade da comunicaccedilatildeo entre
conjuntos juriacutedicos a harmonizaccedilatildeo instaura uma relaccedilatildeo do tipo vertical que implica o
reconhecimento de algumas hierarquias entre por exemplo direito internacional e nacional
direito supranacional e nacional dentre outras formas Todavia a inversatildeo destas hierarquias
e o reconhecimento muacutetuo fazem parte do movimento de harmonizaccedilatildeo
As margens nacionais de apreciaccedilatildeo satildeo as grandes novidades desse processo de
harmonizaccedilatildeo vez que elas funcionam em uma dinacircmica centriacutefuga e envolvem tanto a
obrigaccedilatildeo de conformidade em relaccedilatildeo agraves normas internacionais das quais determinado paiacutes eacute
signataacuterio quanto agrave apreciaccedilatildeo soberana dos Estados sendo delineada por princiacutepios
comuns66
A resistecircncia dos direitos internos e os avanccedilos do processo de harmonizaccedilatildeo satildeo
portanto as condiccedilotildees de possibilidade para a aplicaccedilatildeo da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
(MNA)
66
SALDANHA Jacircnia Maria Lopes MELLO Rafaela da Cruz Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e
Diaacutelogos Transjurisdicionais uma anaacutelise da postura do Supremo Tribunal Federal Brasileiro In Conselho
Nacional de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito - CONPEDI (Org) Direito Internacional dos Direitos
Humanos I XXIII EdFlorianoacutepolis CONPEDI 2014 v I p 368-394
32
Deste modo imperioso reconhecer que em um continente plural como eacute o europeu
com diversos paiacuteses com aspectos linguiacutesticos culturais religiosos e poliacuteticos a figura da
MNA apresenta-se como uma importante chave para o desenvolvimento e consolidaccedilatildeo de
um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos sendo uma ferramenta relevante
para o estabelecimento de um pluralismo ordenado uma vez que as pluralidades e
peculiaridades culturais e religiosas de cada Estado satildeo respeitadas
Neste sentido portanto a Europa pode ser vista novamente como um laboratoacuterio de
experiecircncias e o surgimento da MNA possui hoje um importante papel sobretudo dentro do
continente europeu Utilizada tanto pelos Tribunais de Luxemburgo e Estrasburgo a MNA
surgiu pela primeira vez na jurisprudecircncia do TEDH
Embora existam relatos do uso da MNA pelo Tribunal de Luxemburgo para permitir
que os conceitos comunitaacuterios sejam interpretados de modo flexiacutevel segundo as
especificidades nacionais e servindo como uma importante vaacutelvula de escape para as tensotildees
nacionais mais fortes neste trabalho far-se-aacute a limitaccedilatildeo da utilizaccedilatildeo da MNA pelo Tribunal
Europeu de Direitos do Homem com o intuito de analisar quais satildeo os entraves e as
possibilidades do uso de tal ferramenta pra a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de um direito comum
para a ldquogrande Europardquo tendo como base os direitos humanos
33
2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU
A noccedilatildeo de margem encontra-se no coraccedilatildeo dos sistemas de Direito uma vez que o
direito interno jaacute prevecirc a possibilidade de uma margem de interpretaccedilatildeo aos juiacutezes em relaccedilatildeo
agraves demandas que lhes satildeo apresentadas Todavia a internacionalizaccedilatildeo impulsiona ao
acreacutescimo do termo ldquonacionalrdquo a essa margem no sentido de permitir o reconhecimento da
diversidade dos sistemas juriacutedicos e a possibilidade de um direito comum
Nesse sentido no presente capiacutetulo far-se-aacute uma abordagem acerca da histoacuteria dessa
ferramenta criada pelo TEDH bem como o conceito e as criacuteticas trazidas por estudiosos da
doutrina da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) (21) Por conseguinte atraveacutes de uma
anaacutelise jurisprudencial se tentaraacute comprovar que a margem a despeito de opiniotildees contraacuterias
acerca da ausecircncia de paracircmetros para sua aplicaccedilatildeo pelo TEDH constitui-se como um
instrumento relevante para a construccedilatildeo de um direito comum europeu tendo como base
luminosa os direitos humanos (22)
21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem
Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu
Consoante fora anteriormente aludido a noccedilatildeo de margem encontra-se dentro dos
sistemas de direito Por isso em um primeiro momento aponta-se a margem dentro do direito
interno como ferramenta capaz de auxiliar o juiz enquanto receptor da norma a interpretar
determinado caso concreto em uma espeacutecie de coacutedigo cultural que determina o senso da
norma67
Nesse sentido a origem dessa margem de interpretaccedilatildeo adveacutem do direito
administrativo de diversos Estados europeus Na Franccedila a margem eacute conhecida como ldquomarge
67
DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation
du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit
compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780
34
drsquoappreacutecciationrdquo na Alemanha eacute vista como ldquoErmessensspielraumrdquo e na Itaacutelia ldquomarge de
discrizionalitaacuterdquo68
Em acircmbito interno portanto caracteriza-se por ser uma deferecircncia que
combina aspectos processuais e hermenecircuticos no sentido de conferir uma reserva de
apreciaccedilatildeo ao administrador para decidir acerca da conveniecircncia e oportunidade em relaccedilatildeo
aos atos administrativos
O processo de internacionalizaccedilatildeo estaacutegio supremo da globalizaccedilatildeo69
no acircmbito do
Direito se desenvolve a ponto de transformar o campo de uma disciplina de modo que
consoante jaacute fora exaustivamente exposto a seara juriacutedica natildeo se limita mais agrave relaccedilatildeo entre
Estados nem somente se combina com os direitos internos Logo o pluralismo pode ser visto
como uma palavra de ordem na paisagem juriacutedica atual e por isso a noccedilatildeo de margem ganha
o adjetivo ldquonacionalrdquo e passa a ser um elemento de tentativa de aproximaccedilatildeo com a finalidade
de atingir um direito comum com bases humanistas
Logo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) teria a finalidade de proceder a uma
espeacutecie de siacutentese entre os anseios de unidade juriacutedica e o desejo de separaccedilatildeo proveniente de
uma autonomia estatal A margem portanto sob o vieacutes da internacionalizaccedilatildeo corresponderia
ao caminho do meio entre o pressuposto de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o
relativismo ou os particularismos culturais de cada Estado
No contexto europeu em que tanto sob o vieacutes comunitaacuterio quanto sob a perspectiva do
sistema regional os Estados apresentam pluralidades significativas em relaccedilatildeo agrave religiatildeo agrave
cultura agrave poliacutetica dentre outros campos a figura da MNA serve como um importante
instrumento para aproximar o universal e o relativo70
Dessa maneira teria a funccedilatildeo de no
processo de construccedilatildeo de um direito comum apresentar como horizonte a universalidade dos
direitos humanos mas sem perder de foco os relativismos culturais que formam a identidade
das mais diferentes sociedades
Niacutetido portanto que o caminho para a construccedilatildeo de um ldquocomumrdquo em mateacuteria de
direitos humanos relaciona-se natildeo soacute com a proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua esfera eacutetica
e miacutenima como tambeacutem com a preservaccedilatildeo da pluralidade Como instrumento do processo de
harmonizaccedilatildeo a margem carrega em seu acircmago a noccedilatildeo de convergecircncia em torno de
princiacutepios comuns mas garantindo o respeito a uma espeacutecie de direito agrave divergecircncia uma vez
68
ITZCOVITCH Giulio One None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations The Lautsi Case
In Human Rights Law Review Oxford Journals 2013 Disponiacutevel em
httphrlroxfordjournalsorgcontent132toc Acesso 04 nov 2014 69
SANTOS Milton Teacutecnica Espaccedilo Tempo Globalizaccedilatildeo e meio teacutecnico-cientiacutefico-informacional 5ordf ed
Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2013 p 45 70
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b
35
que se garante a cada Estado a particularidade de lidar com questotildees atinentes agraves suas
diferenccedilas
Deste modo o Tribunal de Estrasburgo consoante fora dito anteriormente se utiliza
pela primeira vez do recurso agrave MNA no caso Lawless vs Irlanda71
Na discussatildeo cerne deste
conflito estava a possibilidade de prisatildeo provisoacuteria no caso dos atentados terroristas
relacionados ao grupo extremista IRA (Irish Republic Army) Mais especificamente o
cidadatildeo irlandecircs Gerard Richard Lawless ex-membro do IRA foi preso em julho de 1957 no
momento em que estava prestes a viajar da Irlanda agrave Gratilde-Bretanha Neste ato foi detido sob
especiais poderes de detenccedilatildeo indeterminada sem julgamento sob alegaccedilotildees de ofensas contra
o Estado irlandecircs
Lawless fazendo o uso da prerrogativa de peticcedilatildeo individual demandou perante a
Corte Europeia de Direitos do Homem alegando violaccedilatildeo pelo Estado Irlandecircs dos artigos 56
e 7 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem mas especificamente direitos de
liberdade seguranccedila julgamento justo e o princiacutepio de proibiccedilatildeo de puniccedilatildeo sem lei anterior
que defina um delito
No julgamento do caso em 1961 o Tribunal de Estrasburgo pela primeira vez fez
alusatildeo mesmo que de modo natildeo explicito agrave possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo
ao deixar ao Estado Irlandecircs margem para decidir fundamentando-se nas prerrogativas do
artigo 1572
da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Tal norma da Convenccedilatildeo alude agrave
possibilidade de derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade com a prerrogativa de que em
caso de guerra ou outro perigo puacuteblico que ameace a vida da naccedilatildeo a parte aderente agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem pode tomar providecircncias que derroguem as
obrigaccedilotildees previstas no tratado na estrita medida em que exigir a situaccedilatildeo
71
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57518itemid[001-57518] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lawless vs Irlanda Sentenccedila de 01 de julho de 1961 Acesso
05 nov 2014 72
Artigo 15 Derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade 1 Em caso de guerra ou de outro perigo puacuteblico que
ameace a vida da naccedilatildeo qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providecircncias que derroguem as obrigaccedilotildees
previstas na presente Convenccedilatildeo na estrita medida em que o exigir a situaccedilatildeo e em que tais providecircncias natildeo
estejam em contradiccedilatildeo com as outras obrigaccedilotildees decorrentes do direito internacional 2 A disposiccedilatildeo
precedente natildeo autoriza nenhuma derrogaccedilatildeo ao artigo 2deg salvo quanto ao caso de morte resultante de atos
liacutecitos de guerra nem aos artigos 3deg 4deg (paraacutegrafo 1) e 7deg 3 Qualquer Alta Parte Contratante que exercer este
direito de derrogaccedilatildeo manteraacute completamente informado o Secretaacuterio Geral do Conselho da Europa das
providecircncias tomadas e dos motivos que as provocaram Deveraacute igualmente informar o Secretaacuterio - Geral do
Conselho da Europa da data em que essas disposiccedilotildees tiverem deixado de estar em vigor e da data em que as da
Convenccedilatildeo voltarem a ter plena aplicaccedilatildeo CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS
DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014
36
Logo aplicando o referido artigo 15 da Convenccedilatildeo a decisatildeo do Tribunal de
Estrasburgo foi de no caso proposto asseverar que os fatos apurados natildeo revelam uma
violaccedilatildeo por parte do Governo irlandecircs de suas obrigaccedilotildees ao abrigo da Convenccedilatildeo Europeia
para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais Em razatildeo disso de a
motivaccedilatildeo do Tribunal para proferir a decisatildeo ter partido de uma prerrogativa da proacutepria
Convenccedilatildeo Europeia alguns autores73
natildeo fazem alusatildeo a este caso como o primeiro em que
houve concessatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo para Estado
Embora haja uma referecircncia tiacutemida agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso exposto
anteriormente eacute no caso linguiacutestico belga74
que se percebe uma manifestaccedilatildeo mais concreta
da Corte de Estrasburgo em relaccedilatildeo agrave deferecircncia de julgamento aos Estados precisando
alguns dos fundamentos da doutrina da MNA No caso belga julgado em 1968 pais que
falavam francecircs questionaram o sistema educacional da Beacutelgica que dividia o paiacutes em quatro
regiotildees linguiacutesticas distintas
O Tribunal de Luxemburgo aceitou uma margem de apreciaccedilatildeo conferida agraves partes em
funccedilatildeo de que os Estados possuiacuteam discricionariedade em relaccedilatildeo agrave regulamentaccedilatildeo do direito
agrave educaccedilatildeo A Corte argumentou que essa necessidade de concessatildeo de uma deferecircncia ou de
um limite de discricionariedade ao Estado era proveniente da natureza do proacuteprio direito
discutido (regulamentaccedilatildeo do sistema educacional) de modo que a regulamentaccedilatildeo do direito
agrave educaccedilatildeo poderia variar de acordo com o local e com o tempo consoante as necessidades e
os recursos da comunidade e dos indiviacuteduos
Ainda eacute possiacutevel destacar nesse caso a vinculaccedilatildeo da noccedilatildeo de margem de apreciaccedilatildeo
ao princiacutepio de subsidiariedade dos tribunais internacionais em relaccedilatildeo agraves cortes nacionais
Por isso o Tribunal manifestou-se asseverando que natildeo desejava substituir as autoridades
nacionais pois se assim o fizesse perderia a caracteriacutestica de mecanismo internacional de
garantia da ordem instaurada pela Convenccedilatildeo
73
KRATOCHVIL Jan The inflation of the margin of appreciation by european court of human rights In
Netherlands Quarterly of Human Rights Vol 293 2011 p 324-357 Disponiacutevel em ww corteidhorcr
tablas r26992pdf Acesso 01 nov 2014
VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um
equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em
httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 74
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httpwww9euskadineteuskara_araubideaLegedialegeakgaztelaneuropas23b001pdf CORTE EUROPEIA
DE DIREITOS HUMANOS Caso linguiacutestico belga Sentenccedila de 23 de julho de 1968 Acesso 05 nov 2014
37
Essa subsidiariedade conduz agrave MNA duas noccedilotildees75
uma noccedilatildeo teacutecnica e outra
poliacutetica Na noccedilatildeo teacutecnica a razatildeo para sua existecircncia relaciona-se com a imprecisatildeo de
algumas normas que conferem certa liberdade ao juiz internacional No campo poliacutetico a
relaccedilatildeo se evidencia pela sensibilidade dos Estados em relaccedilatildeo a temas polecircmicos
Sob essa oacutetica e embora esse natildeo seja o foco do presente trabalho pode-se afirmar que
a MNA eacute uma figuram importante tanto para o horizonte de criaccedilatildeo de um direito comum
europeu como para a consolidaccedilatildeo do direito comunitaacuterio europeu Isso porque este uacuteltimo
embora tenha sido baseado em um ideal federalista funda-se na realidade em um modelo de
governanccedila supranacional em que a MNA foi importada pelo Tribunal de Luxemburgo a fim
de ser uma vaacutelvula de escape para tensotildees fortes em acircmbito comunitaacuterio76
O TJUE deste modo permite que os conflitos comunitaacuterios sejam interpretados de
maneira flexiacutevel conforme especificidades nacionais Cada Estado pode atribuir seu proacuteprio
significado a expressotildees ou textos legais de interpretaccedilatildeo ampla devendo-se contudo
vincular aos princiacutepios e conceitos juriacutedico-legais do direito comunitaacuterio
No campo de construccedilatildeo de um direito comum europeu que tem como terreno o
sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos tal premissa natildeo eacute diferente Embora em
alguns casos o TEDH opte pela concessatildeo da margem de deferecircncia essa soacute pode ser aplicada
pelo Estado se este observar os princiacutepios que regem o instrumento legal base da Corte qual
seja a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) Deste modo o Estado natildeo fica
desobrigado do cumprimento da Convenccedilatildeo pois em tese apenas existiraacute margem para
pontos sensiacuteveis desta os quais permitem interpretaccedilotildees diferenciadas de acordo com os
particularismos nacionais e os desacordos culturais
Nesse sentido conforme se observou pelos casos citados com ecircnfase para o caso
Lawless vs Irlanda uma primeira aplicaccedilatildeo da doutrina da margem vinculou-se ao processo
de sedimentaccedilatildeo do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos vez que tal
caso foi um dos primeiros a ser julgado pelo Tribunal de Estrasburgo aleacutem de conforme fora
dito ter sido o primeiro no acircmbito da criaccedilatildeo e uso da MNA Em razatildeo desse contexto a
utilizaccedilatildeo do instrumento em questatildeo deu-se em funccedilatildeo de uma demanda que envolvia
questatildeo de seguranccedila interna de um paiacutes e por isso a aplicaccedilatildeo da deferecircncia de julgamento agrave
Irlanda daacute-se tambeacutem como uma teacutecnica poliacutetica para evitar tensotildees entre esfera internacional
75
DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation
du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit
compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780 76
VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade
de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014
38
e nacional (esta ainda arraigada ao conceito claacutessico de soberania) no acircmbito de um sistema
que tinha sido criado recentemente
Sob tal vieacutes pode-se recorrer agrave explicaccedilatildeo de Marcelo Varella77
de que a margem
deve ser aplicada para temas polecircmicos em que abusos exegeacuteticos por parte do tribunal de
cariz internacional podem levar agrave perda de legitimidade deste Contudo com o
desenvolvimento da teoria da MNA tanto por doutrinadores como pela proacutepria jurisprudecircncia
do tribunal que a criou percebe-se que o seu uso em grande medida relaciona-se com o
embate entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo nacional em mateacuteria de
desacordos culturais
Natildeo obstante a existecircncia de criacuteticas sobre a aplicaccedilatildeo praacutetica atual da MNA pelo
TEDH o que seraacute objeto de anaacutelise na sequencia do presente trabalho eacute com a figura da
deferecircncia da margem nacional que se torna possiacutevel um pluralismo de justaposiccedilatildeo78
que
tolera a coexistecircncia de sistemas particularmente diferentes Somente a possibilidade de
acoplamento do adjetivo nacional ao substantivo margem ou seja uma transferecircncia de
conceito desse substantivo para outra esfera que natildeo agrave interna de cada paiacutes jaacute demonstra que
uma ruptura com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito jaacute iniciou e ainda estaacute em curso
A ruptura com a concepccedilatildeo tradicional unificada e estritamente hierarquizada de
ordem juriacutedica leva a uma ruptura epistemoloacutegica com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito
Isso permite natildeo soacute a existecircncia e aplicaccedilatildeo de uma margem nacional de apreciaccedilatildeo como
demonstra a possibilidade de concretizaccedilatildeo do ideal de um direito comum que por ser
pluralista natildeo pode ser projetado conforme o modelo tradicional e nem encontra campo para
isso em funccedilatildeo do novo mosaico juriacutedico existente sobretudo na Europa
Logo eacute possiacutevel afirmar que a margem a que se refere esse trabalho natildeo deixa de ser
um reconhecimento jurisprudencial dessa mudanccedila de ares trazida pelas novas configuraccedilotildees
e estruturas juriacutedicas Isso porque novas instituiccedilotildees emergem em meio de um caos juriacutedico
que natildeo passa despercebido pelas cortes internacionais Prova disso eacute que a MNA natildeo eacute
mencionada somente pelo TEDH Ainda que de modo muito tiacutemido e em pequena medida eacute
possiacutevel o destaque de citaccedilatildeo (e aplicaccedilatildeo) da referida doutrina pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos79
Embora o continente latino americano seja tatildeo ou mais plural e diversificado que o
europeu e que o uso da margem como instrumento de siacutentese entre relativo e universal seja
77
Ibid 2012 p 143 78
DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 757 79
POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema
interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012
39
teoricamente indicado para sedimentar as bases de construccedilatildeo de um direito comum pluralista
a aplicaccedilatildeo do instituto em solo americano ainda natildeo ocorre de modo significativo Sob esse
vieacutes o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Seacutergio Garcia Ramirez80
asseverou
que a margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute uma ferramenta e um princiacutepio europeu de relativismo
relativo agrave execuccedilatildeo que natildeo eacute visto com simpatia pela Corte maacutexima do sistema regional
americano de direitos humanos Isso em funccedilatildeo natildeo soacute do histoacuterico de demandas que
chegaram ao julgamento da Corte Interamericana ndash em grande parte envolvendo violaccedilotildees de
direitos humanos perpetradas pelo Estado durante os periacuteodos de ascensatildeo de autoritarismos e
ditaduras na Ameacuterica Latina ndash como tambeacutem em razatildeo das democracias latino-americanas
ainda estarem em fase de consolidaccedilatildeo
Deste modo em razatildeo da ausecircncia ateacute entatildeo de casos envolvendo desacordos
culturais e das recentes reinserccedilotildees ou inserccedilotildees democraacuteticas de paiacuteses do continente
americano temia-se que eventual aplicaccedilatildeo de MNA poderia ser compreendida pelos Estados
como um salvo-conduto para que houvesse violaccedilatildeo de direitos humanos pelos paiacuteses A
cautela e a percepccedilatildeo de paisagens diferentes entre os territoacuterios separados pelo Atlacircntico
fizeram e fazem com que ainda hoje a doutrina da margem tenha pouca ou quase nenhuma
aplicaccedilatildeo na Ameacuterica
Deste modo pode-se afirmar que a internacionalizaccedilatildeo do direito - e seus reflexos na
Europa - eacute a responsaacutevel pela criaccedilatildeo de um espaccedilo para o desenvolvimento da doutrina da
margem nacional de apreciaccedilatildeo Nesse sentido embora a criaccedilatildeo tenha sido jurisprudencial
por parte do TEDH com aplicaccedilatildeo em alguns casos pelo proacuteprio Tribunal de Luxemburgo eacute
importante avaliar de que modo a doutrina conceitua o referido instituto
A posiccedilatildeo adotada por este trabalho eacute a de Mireille Delmas-Marty81
que salienta em
suas obras a origem nacional da margem nacional ainda como uma margem de interpretaccedilatildeo
capaz de conferir um pluralismo de valores do tipo meta juriacutedico em uma espeacutecie de
deferecircncia para apreciaccedilatildeo do juiz receptor de determinada norma Todavia a margem
relativa agrave internacionalizaccedilatildeo liga-se ao reconhecimento da diversidade de sistemas juriacutedicos
os quais possuem algumas caracteriacutesticas peculiares ligadas agraves identidades do Estado em que
se encontram
80
Tal posicionamento de Seacutergio Garciacutea Ramirez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema Internacional de
Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de 19 e 20 de agosto
de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado ndash da Pontifiacutecia
Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS 81
DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 762
40
Em razatildeo disso para a autora a noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo aleacutem de ser
uma siacutentese entre o universal e o relativo eacute uma chave do pluralismo ordenado Desse modo
sua construccedilatildeo assemelha-se de um lado agrave expressatildeo de uma dinacircmica centriacutefuga ou seja
uma resistecircncia dos Estados agrave integraccedilatildeo e o apego agrave noccedilatildeo claacutessica de soberania e de outro
lado sendo ela limitada por princiacutepios comuns estabelece o miacutenimo de compatibilidade
voltando-se ao centro em uma dinacircmica centriacutepeta
Haacute portanto um movimento duplo que por vezes traduz as resistecircncias dos direitos
nacionais por vezes os avanccedilos rumo agrave harmonizaccedilatildeo do direito comum em mateacuteria de
direitos humanos Eacute justamente essa capacidade de oscilaccedilatildeo que permite os ajustamentos
com vistas a compatibilizar o interno com o comum com o intuito nem de criar uma
hegemonia do universal e nem de tornar inaplicaacutevel o direito comum em razatildeo das
particularidades Desta forma Delmas percebe a margem como uma teacutecnica juriacutedica presente
no acircmbito do fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo do direito e que permite o reconhecimento da
diversidade entre os sistemas juriacutedicos82
Benvenisti83
por sua vez visualiza no uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo uma
espeacutecie de latitude que cada sociedade tem na resoluccedilatildeo de conflitos inerentes entre os
direitos individuais e os interesses nacionais ou entre diferentes convicccedilotildees morais Por
conseguinte alude que a doutrina da margem consoante inclusive fora abordado
anteriormente neste trabalho respondeu inicialmente a preocupaccedilotildees de governos nacionais
de que as poliacuteticas internacionais pudessem comprometer a seguranccedila nacional Isso entatildeo
explicaria a invocaccedilatildeo da margem no caso Lawless vs Irlanda por exemplo
Com a evoluccedilatildeo da jurisprudecircncia o uso desse instrumento passou a ser aplicado por
outras razotildees como gestatildeo de recursos discricionariedade em relaccedilatildeo a questotildees
concernentes agrave deliberaccedilatildeo acerca de sistemas poliacuteticos educacionais entre outros ateacute passar
a ser utilizada em temas relativos aos desacordos culturais Ainda segundo Bevenisti84
a
utilizaccedilatildeo da margem se justifica em alguns casos e em algumas mateacuterias ndash para o autor por
exemplo a aplicaccedilatildeo da margem nacional natildeo se justifica quando em questatildeo se encontram o
direito de minorias - sendo que o uso ampliado ou desmedido pode gerar uma espeacutecie de
deslegitimaccedilatildeo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos
82
Ibid 2000 p 760 83
BENVENISTI Eyal Margin of apreciation consensus and universal standards In International Law and
Politics Vol 31843 1999 pp 843-854 Disponiacutevel em httpwwwpict-
pctiorgpublicationsPICT_articlesJILPBenvenistipdfp 853 Acesso 05 nov 2014 84
Ibid 1999 p 846
41
Para Poblete amp Alvarado85
a margem nacional de apreciaccedilatildeo liga-se agrave noccedilatildeo de fins e
limites da jurisdiccedilatildeo internacional ou supranacional em mateacuteria de direitos humanos Eles
reconhecem que a doutrina da margem concede aos Estados signataacuterios de convenccedilotildees
internacionais liberdade para apreciar as circunstacircncias materiais que exigem aplicaccedilatildeo de
medidas excepcionais em situaccedilatildeo de emergecircncia como eacute o caso das prerrogativas do artigo
15 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de derrogaccedilatildeo em caso de necessidade
Outrossim ainda segundo os mencionados autores a margem possibilita aos Estados
liberdade para limitar direitos reconhecidos em tratados internacionais quando outros direitos
exigem respeito ou assim exigem os interesses da comunidade Ainda serviria para definir os
conteuacutedo dos direitos delimitar como eles satildeo aplicados no plano interno e definir o modo
como seratildeo cumpridas resoluccedilotildees de um oacutergatildeo internacional de supervisatildeo de um tratado ou
convenccedilatildeo Dessa maneira tais autores identificam a doutrina da MNA como uma
metodologia de que se servem os tribunais internacionais para difundir os direitos humanos
previstos nos tratados internacionais bem como o direito do comeacutercio ndash a margem tambeacutem eacute
aplicada pela Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio (OMC)
Vila86
por sua vez percebe na doutrina da marem nacional de apreciaccedilatildeo uma espeacutecie
de ldquodeferecircnciardquo praticada pelo Tribunal de Estrasburgo em relaccedilatildeo aos Estados signataacuterios da
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Isso pelo fato de que o sistema de proteccedilatildeo dos
diretos humanos na Europa eacute resultado de uma divisatildeo de trabalho entre os Estados e a Corte
em que os primeiros satildeo responsaacuteveis primaacuterios desta proteccedilatildeo e a Corte possui um caraacuteter
subsidiaacuterio atuando em acircmbitos sensiacuteveis como o da moralidade e da religiatildeo em que natildeo haacute
consenso entre os Estados
Nesse mesmo sentido se situa o pensamento de Roca87
que afirma que a doutrina da
margem nacional de apreciaccedilatildeo ocupa um lugar de destaque na jurisprudecircncia do Tribunal
Europeu de Direitos Humanos e eacute necessaacuteria para refletir uma realidade evidente qual seja a
pluralidade cultural dos Estados que fazem parte do Conselho da Europa notaacutevel em um
pluralismo de base territorial sobre o qual assenta uma cultura comum europeia de alguns
miacutenimos
85
POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema
interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012 p5 86
VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um
equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em
httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 87
ROCA JavierGarciacutea La muy discrecional doctrina del margen de apreciacioacuten nacional seguacuten el Tribunal
Europeo de Derechos Humanos Soberaniacutea e Integracioacuten In UNED Teoriacutea y Realidad Constitucional N
202007 p 117-143 Disponiacutevel em httpe-spaciounedes revistasuned indexphp TRC article vie 6778
Acesso 02 nov 2014
42
Da mesma forma considera o autor que os princiacutepios da proporcionalidade e da
subsidiariedade satildeo imanentes agrave noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo visto que os
Estados possuem certa margem de discricionariedade na aplicaccedilatildeo e no cumprimento de
obrigaccedilotildees impostas pela Convenccedilatildeo bem como na ponderaccedilatildeo de interesses mais
complexos Se houver excesso por parte dos Estados no uso dessa margem haacute violaccedilatildeo do
princiacutepio da proporcionalidade e abre-se espaccedilo para a intervenccedilatildeo do oacutergatildeo jurisdicional
internacional sob as bases do princiacutepio da subsidiariedade
Eacute importante sob essa oacutetica lembrar que embora o diferencial da Corte Europeia de
Direitos Humanos seja o de permitir a peticcedilatildeo individual de qualquer sujeito que denuncie
uma violaccedilatildeo de seus direitos baacutesicos assim como outros tribunais internacionais tem a regra
da exigecircncia do esgotamento das vias internas de acesso agrave justiccedila para que a demanda seja
recebida pelo TEDH Se natildeo houve satisfaccedilatildeo do pleito por parte do Estado ou se a reparaccedilatildeo
obtida se revelara inidocircnea para uma proteccedilatildeo adequada ao direito violado entatildeo agrave Corte
Europeia eacute permitido revisar a decisatildeo nacional ou substituiacute-la
Mahorney88
em seus estudos assevera que a margem funciona como uma espeacutecie de
divisatildeo de jurisprudecircncias uma vez que traccedila uma linha divisoacuteria entre o que deve decidir
cada comunidade nacional e as questotildees que tecircm relevacircncia para necessitar uma soluccedilatildeo
homogecircnea ou seja as que demandam uma decisatildeo que harmonize a regulaccedilatildeo do direito e
suas garantias na comunidade internacional independentemente das diferenccedilas de tradiccedilotildees
ou culturas
Contreras89
afirma que os tratados regionais de direitos humanos embora contenham
escopos de universalidade em relaccedilatildeo a esses direitos satildeo acompanhados pela possibilidade
de peculiaridades geograacuteficas na execuccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos direitos do homem As cortes
internacionais tecircm a dificuldade de conciliar ou justificar a falta de conciliaccedilatildeo entre
diferenccedilas morais e normativas de cada regiatildeo Em razatildeo disso uma das criaccedilotildees doutrinaacuterias
mais importantes eacute a da margem nacional de apreciaccedilatildeo sendo esta para o autor um criteacuterio
interpretativo desenvolvido tanto como deferecircncia aos Estados para que possam regular o
conteuacutedo dos direitos e suas restriccedilotildees e para distribuir os poderes e niacuteveis de decisotildees
tomadas entre as autoridades domeacutesticas e internacionais
88
MAHORNEY Paul Marvellous richness diversity or individual cultural relativism In Human Rights Law
Journal Vol 19 nuacutem 1 30 de abril de 1998 p 1 89
CONTRERAS Pablo National Discretion and International Deference in the Restriction of Human Rights A
Comparison Between the Jurisprudence of the European and the Inter-American Court of Human Rights In
Northwestern Journal of International Human Rights Vol 11 2012 Disponiacutevel em
httpscholarlycommonslawnorthwesterneducgiviewcontentcgiarticle=1155ampcontext=njihr Acesso 01 nov
2014
43
Visiacutevel portanto que na doutrina natildeo haacute um contexto exato em relaccedilatildeo a essa figura
criada e aplicada na jurisprudecircncia do TEDH Enquanto para alguns estudiosos ela se
configura como uma doutrina para outros eacute um criteacuterio interpretativo ou hermenecircutico usado
pelos tribunais internacionais no sentido de revisar a decisatildeo de um Estado ou conceder
deferecircncia a este para julgar conforme o direito interno coadunado com os princiacutepios miacutenimos
existentes nos tratados internacionais de direitos humanos
Natildeo obstante a divergecircncia de conceituaccedilatildeo no campo teoacuterico analisar-se-aacute no
proacuteximo capiacutetulo alguns casos emblemaacuteticos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de apreciaccedilatildeo
pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos mais diferentes tema com o intuito de
responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel afirmar que do modo como eacute aplicada a
doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo pela Corte Europeia de Direitos do Homem
temos uma efetiva contribuiccedilatildeo para o processo de harmonizaccedilatildeo entre universal e relativo e
construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos
Embora a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo tenha nascido da tentativa de
produccedilatildeo de uma siacutentese entre o universal e o relativo no espaccedilo do sistema regional europeu
de proteccedilatildeo dos direitos humanos sua aplicaccedilatildeo praacutetica sobretudo pelo TEDH natildeo eacute imune a
criacuteticas Cumpre a esse capiacutetulo realizar notas acerca da aplicaccedilatildeo praacutetica da margem
nacional de apreciaccedilatildeo com o intuito de verificar se ela efetivamente contribui ou eacute capaz de
contribuir para a construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
Conforme afirmam Brum et Saldanha90
a MNA ao ser compreendida e utilizada como
uma forma de autocontrole por meio do qual o oacutergatildeo jurisdicional internacional evita o
enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas poliacutetica pode
representar um risco de fragilizaccedilatildeo do direito internacional dos direitos humanos caso seu
uso se torne indiscriminado sem criteacuterios claros e limites precisos Desta maneira seu uso em
vez de conduzir ao caminho de ordenaccedilatildeo do muacuteltiplo e de mundializaccedilatildeo dos direitos
90
BRUM Maacutercio Morais SALDANHA Jacircnia Maria Lopes A margem nacional de apreciaccedilatildeo e sua
(in)aplicaccedilatildeo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em mateacuteria de anistia Uma figura hermenecircutica a
serviccedilo do pluralismo ordenado In Anuario Mexicano de Derecho Internacional 2015(No prelo para
publicaccedilatildeo)
44
humanos levaria ao rumo contraacuterio da fragmentaccedilatildeo e reforccedilo da velha noccedilatildeo de soberania
marcada pela ausecircncia de compromisso dos Estados com os marcos protetivos miacutenimos do
direito internacional
Neste vieacutes portanto dentro ainda de um panorama geral de anaacutelise da postura do
Tribunal de Estrasburgo um dos primeiros pontos de criacutetica se relaciona ao enfraquecimento
da credibilidade do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos Na visatildeo de
alguns doutrinadores a postura da Corte Europeia na aplicaccedilatildeo irrestrita e sem limitaccedilotildees ou
uma sistematizaccedilatildeo teacutecnica em relaccedilatildeo aos casos em que deve ou natildeo ser aplicada pode gerar
um sentimento de descrenccedila na legitimidade e na eficaacutecia das decisotildees tomadas pelo oacutergatildeo
jurisdicional internacional do Conselho da Europa
Para alguns estudiosos o modo como a margem eacute aplicada reflete uma postura de
evitar o enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas
poliacuteticas Aleacutem de uma fragilizaccedilatildeo do sistema internacional de proteccedilatildeo aos direitos humanos
o uso da margem sem limites definidos pode levar ao reforccedilo da noccedilatildeo claacutessica de soberania
em que o compromisso dos Estados com os instrumentos normativos de direito internacional
era mitigado
No campo de aplicaccedilatildeo a casos praacuteticos eacute possiacutevel conforme assevera Roca91
visualizar as imprecisotildees praacuteticas e teoacutericas do uso da margem o que leva a dois resultados o
primeiro eacute a necessidade de criaccedilatildeo de esforccedilos com urgecircncia para melhor edificar e criar
paracircmetros para a aplicaccedilatildeo da ferramenta bem como que o demandante ou qualquer
observador perante a Corte natildeo saber com suficiente seguranccedila juriacutedica quando o Tribunal
de Estrasburgo vai usar a margem nem quais seratildeo os possiacuteveis resultados desse uso
Ainda segundo o autor a margem eacute um instrumento impreciso e de geometria
variaacutevel todavia eacute consenso entre os doutrinadores que a ferramenta natildeo eacute uma carta branca
aos Estados para fazerem o que quiserem sendo necessaacuteria depuraccedilatildeo teoacuterica para tornar o
instrumento mais preciso Seu uso impotildee como jaacute foi dito autocontenccedilatildeo por parte da Corte
tendo em vista que sua funccedilatildeo segundo o princiacutepio da subsidiariedade eacute somente de impor
estandartes miacutenimos comuns em mateacuteria de direitos humanos Entretanto o niacutevel de proteccedilatildeo
dos direitos dos direitos e das diversas foacutermulas para concretizaacute-los natildeo satildeo homogecircneos
diante de naccedilotildees com tradiccedilotildees juriacutedicas tatildeo diversas
Desta maneira no campo jurisprudencial com a finalidade de responder ao
questionamento feito no capiacutetulo anterior utilizar-se-aacute de modo conjunto as classificaccedilotildees das
91
ROCA op cit 125
45
decisotildees da Corte Europeia dos Direitos do Homem feitas por Contreras e por Roca Para o
primeiro doutrinador92
eacute possiacutevel dividir os casos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de
apreciaccedilatildeo pelo Tribunal de Estrasburgo em trecircs grandes grupos
O primeiro grupo abarca casos envolvendo direitos fundamentais e direitos poliacuteticos
dentre os quais se destacam a proibiccedilatildeo da tortura ou a liberdade de expressatildeo e associaccedilatildeo
Nesse primeiro grupo no que tange aos direitos fundamentais haacute rigorosa supervisatildeo por
parte do Tribunal Europeu negando qualquer margem nacional de apreciaccedilatildeo aos Estados
Ainda dentro deste conjunto no que concerne aos discursos poliacuteticos ou direito de partidos
poliacuteticos eacute por vezes concedida uma margem reduzida agraves autoridades domeacutesticas para
decisatildeo ou execuccedilatildeo de uma decisatildeo
O segundo grupo por sua vez relaciona-se aos direitos de propriedade em que a
Corte concede grande margem de deferecircncia aos Estados Isso porque o TEDH reconhece em
princiacutepio que as autoridades nacionais estatildeo melhor situadas do que o juiz internacional no
que tange a apreciaccedilatildeo acerca do melhor interesse de uma comunidade em relaccedilatildeo a poliacuteticas
envolvendo direitos de propriedade
Por fim o terceiro grupo eacute o mais complexo para a apreciaccedilatildeo do tipo de margem
concedida pelo Tribunal de Estrasburgo uma vez que conteacutem temas que natildeo apresentam
consenso por parte do Tribunal Deste modo neste grupo ficam evidentes as complexidades e
as vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis da MNA Casos como os de liberdade religiosa liberdade de
discurso direitos dos homossexuais dentre outros temas latentes e relevantes na paisagem
juriacutedica social e cultural europeia
Do mesmo modo Roca93
divide a margem nacional de apreciaccedilatildeo em trecircs ciacuterculos
concecircntricos tendo como base a natureza dos direitos cuja tutela eacute pleiteada junto ao oacutergatildeo
jurisdicional internacional do sistema europeu O primeiro ciacuterculo de Roca relaciona-se com o
segundo grupo de Contreras vez que trata dos direitos de propriedade que teriam uma
margem de deferecircncia ampla e um controle pouco intenso por parte da Corte Esse ciacuterculo
seria o maior e englobaria os demais
No ciacuterculo menor estariam os direitos vistos como absolutos pelo Tribunal Europeu
Dentre esses se destacam o direito agrave vida ou os direitos democraacuteticos que apresentam uma
margem de apreciaccedilatildeo pouco extensa juntamente com um controle restrito por parte da Corte
Europeia Este ciacuterculo identifica-se com o primeiro grupo anteriormente mencionado visto
92
CONTRERAS op cit p 35 93
ROCA op cit p 134
46
que trabalha com noccedilotildees de direitos fundamentais e poliacuteticos essenciais e miacutenimos para todos
os paiacuteses europeus
Por fim no espaccedilo intermediaacuterio entre esses dois ciacuterculos encontra-se uma esfera
meacutedia que relacionando-se com o terceiro grupo definido por Contreras contempla todos os
outros direitos em que alguma vez o Tribunal de Estrasburgo mencionou ou aplicou a margem
nacional de apreciaccedilatildeo Eacute justamente nesse ciacuterculo que devem ser desenvolvidos os
paracircmetros para guiar o uso da ferramenta pela Corte no intuito de reduzir a inseguranccedila
juriacutedica ocasionada pelo uso sem uma sistematizaccedilatildeo de criteacuterios
Eacute pertinente em um primeiro momento destacar que conforme ambos os
doutrinadores demonstram quando se mencionam direitos fundamentais ou vinculados agrave
princiacutepios democraacuteticos inaplicaacutevel eacute o uso da margem pela Corte ou se for feito eacute de forma
absolutamente restrita No caso dos direitos fundamentais interessante relembrar Baez94
que
ao buscar o conceito de direitos humanos concluiu que nenhuma fonte normativa existente
tanto em sistemas internacionais quanto nacionais ou regionais trazem a definiccedilatildeo de direitos
humanos Pelo contraacuterio soacute os exemplificam
Nesse sentido observou Baez95
que embora natildeo exista uma definiccedilatildeo precisa de
direitos humanos existem elementos baacutesicos que fazem parte desses e o elemento que eacute
citado em todos os instrumentos normativos sobre o tema eacute o de dignidade da pessoa humana
Os direitos humanos somente existem para realizaccedilatildeo e proteccedilatildeo da dignidade humana poreacutem
o conceito de dignidade eacute de tatildeo difiacutecil conceituaccedilatildeo quanto o conceito de direitos humanos
O autor conclui que a dignidade possui duas dimensotildees a dimensatildeo baacutesica a qual
corresponde aos limites miacutenimos e fundamentais para a existecircncia humana impedindo a
noccedilatildeo de coisificaccedilatildeo do ser Se houver portanto violaccedilatildeo agrave dimensatildeo baacutesica da dignidade da
pessoa humana haacute tambeacutem violaccedilatildeo dos direitos humanos A outra dimensatildeo eacute a cultural vez
que envolve o conjunto de valores que cada sociedade desenvolve
A primeira dimensatildeo refere-se agrave universalidade e a segunda que depende de fatores
culturais permite que os direitos humanos sejam morfologicamente assimeacutetricos Isso natildeo
deixa de se relacionar com o que Delmas-Marty fala acerca dos direitos humanos
inderrogaacuteveis ou seja que natildeo podem sofrer a incidecircncia de qualquer tipo de margem de
94
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos
humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da
UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em
httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014 95
Tal posicionamento de Narciso Leandro Xavier Baez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema
Internacional de Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de
19 e 20 de agosto de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado
ndash da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS
47
apreciaccedilatildeo Estes possuem a caracteriacutestica do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano
ou seja vinculam-se agrave noccedilatildeo da dimensatildeo baacutesica da dignidade da pessoa humana
Neste vieacutes eacute possiacutevel dizer que no que diz respeito aos direitos fundamentais a Corte
de certa forma apresenta certa relaccedilatildeo com as doutrinas apresentadas uma vez que em casos
em que existam registros de violaccedilotildees aos direitos humanos inderrogaacuteveis quais sejam os
que tem como cerne a dignidade humana baacutesica a Corte natildeo permite qualquer espeacutecie de
margem nacional de apreciaccedilatildeo Vejamos por exemplo o caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila96
julgado em 2006 O demandante perante o Tribunal de Estrasburgo foi um terrorista
venezuelano conhecido na deacutecada de 1970 condenado pelo Estado Francecircs agrave prisatildeo perpeacutetua
pelo assassinato em 1974 dois inspetores da poliacutecia francesa e um antigo companheiro
terrorista libanecircs
Saacutenchez recorreu agrave Corte Europeia arguindo violaccedilotildees do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo
Europeia dos Direitos do Homem (proibiccedilatildeo da tortura e tratamentos humanos degradantes) e
do artigo 13 do mesmo diploma legal (direito a um recurso efetivo) Embora no julgamento
tenha ficado decidido que natildeo houve violaccedilatildeo ao artigo 3ordm97
o posicionamento da Corte
permite asseverar que natildeo haacute margem nacional de deferecircncia aos Estados quando o assunto
for violaccedilatildeo de direitos humanos ou fundamentais inderrogaacuteveis ou cujo nuacutecleo central for a
dignidade baacutesica da pessoa humana Nesse sentido a Corte pontuou que mesmo nas
circunstacircncias mais difiacuteceis como a luta contra o terrorismo ou o crime organizado a
Convenccedilatildeo proiacutebe em termos absolutos a tortura ou tratamentos inumanos ou degradantes
Igualmente natildeo confere o Tribunal margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso de
violaccedilatildeo de direitos humanos nas condiccedilotildees degradantes das prisotildees de muitos paiacuteses do Leste
Europeu O caso Kalashnikov vs Ruacutessia98
julgado em 15 de julho de 2002 cujo fundamento
foi repetido em muitos outros casos envolvendo condiccedilotildees humanas degradantes nas prisotildees
apresenta a consideraccedilatildeo de que deficientes condiccedilotildees objetivas e estruturais de cumprimento
de pena podem constituir uma violaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo Europeia
96
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-
1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila Sentenccedila
de 04 de julho de 2006 Acesso 05 nov 2014 97
Artigo 3ordm Proibiccedilatildeo da tortura Ningueacutem pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos desumanos
ou degradantes CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS
LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 98
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-
1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Kalashnikov vs Ruacutessia Sentenccedila de 15
de julho de 2002 Acesso 05 nov 2014
48
Ainda pode-se destacar o caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria99
em que novamente o motivo
que serve de base para o pedido de julgamento do Tribunal de Estrasburgo eacute a violaccedilatildeo do
artigo 3ordf da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de que ningueacutem poderaacute ser
submetido a torturas nem a penas ou tratamentos humanos degradantes O caso em comento
referiu-se agrave prisatildeo do senhor Borislav Gutsanov membro do Partido Comunista preso pela
poliacutecia da Bulgaacuteria em sua casa na frente de seus filhos e de sua esposa durante as
investigaccedilotildees de esquemas de grupos criminosos Segundo o relato das partes demandantes
Gustsanovi foi rendido em sua casa por volta das seis horas da manhatilde forccedilado a se ajoelhar e
algemado em frente a seus filhos menores de idade
A decisatildeo da Corte foi a de considerar que houve violaccedilatildeo do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo
uma vez que se mostrou desnecessaacuterio o ato dos policiais e natildeo condizente com os princiacutepios
da proporcionalidade e com as exigecircncias de garantia de direitos fundamentais de um Estado
Democraacutetico de Direito Isso porque o demandante natildeo teria oferecido resistecircncia em sua
prisatildeo de modo que algemaacute-lo diante de sua famiacutelia representou uma espeacutecie de tratamento
humano degradante
Casos como os acima previstos mostram um padratildeo doutrinaacuterio e jurisprudencial
semelhante vez que natildeo se encontram referecircncias expressas a qualquer margem nacional de
apreciaccedilatildeo para as autoridades nacionais O TEDH determina se as provas colhidas satildeo
suficientes ou natildeo para provar o real risco de tortura ou de tratamento humano e
degradante100
Logo pelo fato de que a natureza dos direitos envolvidos nesse caso eacute considerada
como fundamental de imediato eliminam-se as possibilidades de deferecircncia aos Estados Tal
compreensatildeo eacute o que faz o uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo ser extremamente reduzido
no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos Isso porque ateacute hoje diferentemente do Tribunal de Estrasburgo a Corte
Interamericana teve como maioria de demandas apresentadas as envolvendo delitos
praticados pelos Estados Americanos durante as ditaduras militares ou civil militares em que
casos de tortura e desaparecimento forccedilados eram julgados ou seja casos envolvendo a
violaccedilatildeo de direitos fundamentais ou humanos em sua perspectiva eacutetica de dignidade humana
e natildeo cultural
99
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-126982itemid[001-126982] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria Sentenccedila de 15 de outubro de 2013
Acesso 05 nov 2014 100
CONTRERAS op cit p 41
49
Nesse aspecto visiacutevel que quando se tratam de possiacuteveis violaccedilotildees de direitos
humanos inderrogaacuteveis previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos
a anaacutelise feita pelo Tribunal de Estrasburgo eacute de revisatildeo minuciosa da sentenccedila proferida no
paiacutes de origem da demanda bem como a possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute
extremamente reduzida para natildeo falar inexistente No caso de direitos democraacuteticos a
deferecircncia quando concedida pela Corte possui um limite miacutenimo e consoante o princiacutepio da
proporcionalidade soacute eacute concedida se a restriccedilatildeo eacute necessaacuteria e condizente com uma sociedade
democraacutetica
Nos direitos democraacuteticos referidos abarca-se a participaccedilatildeo poliacutetica atraveacutes das
possibilidades de liberdade de associaccedilatildeo ou de discurso poliacutetico Neste campo dos direitos de
participaccedilatildeo poliacutetica em sociedades democraacuteticas a margem concedida pelo Tribunal de
Estrasburgo consoante se afirmou eacute reduzida e sujeita a um controle rigoroso por parte do
oacutergatildeo jurisdicional internacional
Destaca-se o caso Lingens vs Austria101
que por mais que tenha sido julgado na
deacutecada de 1980 pela Corte Europeia eacute emblemaacutetico em relaccedilatildeo ao posicionamento do
tribunal internacional acerca da liberdade de expressatildeo Nesse caso durante o periacuteodo anterior
agraves eleiccedilotildees na Aacuteustria o jornalista Lingens publicou dois artigos polecircmicos sobre os
candidatos incluindo em um desses artigos a informaccedilatildeo de que o entatildeo presidente do
Partido Liberal Nacional da Aacuteustria teria ligaccedilotildees no passado com o nazismo e com a SS
Contra o jornalista foi instaurado um processo penal e ao fim da instruccedilatildeo criminal
este fora condenado pelo delito de difamaccedilatildeo conforme as regras do direito penal austriacuteaco
Esgotadas as vias internas de recurso o jornalista demandou perante a Corte Europeia
alegando que houve por parte do Estado violaccedilatildeo do artigo 10 da Convenccedilatildeo Europeia
havendo censura em seu direito de expressar-se livremente O Estado por sua vez nas razotildees
apresentadas perante o tribunal internacional justificou a condenaccedilatildeo na convicccedilatildeo de
proteccedilatildeo da honra dos direitos de outrem
Frente a este embate o Tribunal de Estrasburgo reconheceu uma margem miacutenima de
deferecircncia agraves autoridades domeacutesticas no que concerne aos oacutergatildeos locais na avaliaccedilatildeo de uma
necessidade social imperiosa que justificaria a interferecircncia na liberdade de expressatildeo de
Lingens Entretanto ressaltou que essa deferecircncia seria seguida por uma riacutegida supervisatildeo
101
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lingens vs Austria Sentenccedila de 8 de julho de 1986 Acesso
05 nov 2014
50
internacional uma vez estar se tratando de direitos fundamentais para o bom funcionamento
de uma sociedade democraacutetica
Ainda nesse sentido o TEDH arguiu que a liberdade de debate poliacutetico eacute cerne da
democracia e considerar que qualquer ofensa ou notiacutecia acerca de uma pessoa puacuteblica seria
sempre difamaccedilatildeo poderia impedir a imprensa na realizaccedilatildeo de sua tarefa de fornecedora de
informaccedilotildees Deste modo aplicando de forma conjunta os princiacutepios da proporcionalidade e
da subsidiariedade o Tribunal de Estrasburgo decidiu que a condenaccedilatildeo fora desproporcional
ao objetivo legiacutetimo perseguido e constituiu uma violaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo no
acircmbito da Convenccedilatildeo Europeia
Tambeacutem merece anaacutelise o caso July and Sarl Libeacuteration vs France102
cuja sentenccedila
foi proferida em 2008 Neste caso o jornal francecircs Libeacuteration divulgou uma reportagem a
respeito das investigaccedilotildees da morte do juiz Bernard Borrel que em um primeiro momento
havia sido dada como suiciacutedio mas apoacutes a reabertura das investigaccedilotildees houve surgimento de
indiacutecios de morte por encomenda Apoacutes a divulgaccedilatildeo da reportagem contendo informaccedilotildees
acerca da participaccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos na morte do magistrado o diretor do jornal
Senhor July foi processado criminalmente pelo crime de difamaccedilatildeo e condenado pelo governo
francecircs
O TEDH em sua manifestaccedilatildeo asseverou que o caso em questatildeo trazia niacutetida
interferecircncia de autoridades puacuteblicas na liberdade de expressatildeo e essa interferecircncia caso natildeo
siga os requisitos do artigo 10103
da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos representa
clara violaccedilatildeo do direito de liberdade de expressatildeo Nessa situaccedilatildeo ainda a Corte faz uso de
uma triacuteade de requisitos descritos por Contreras104
para a concessatildeo da margem a) prescriccedilatildeo
legal - verificar se a restriccedilatildeo realizada pela autoridade domeacutestica foi autorizada ou pelo
102
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-85084itemid[001-85084] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso July and Sarl Libeacuteration vs France Sentenccedila de 14 de
fevereiro de 2008 Acesso 05 nov 2014 103
Artigo 10 Liberdade de expressatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de expressatildeo Este direito
compreende a liberdade de opiniatildeo e a liberdade de receber ou de transmitir informaccedilotildees ou ideias sem que
possa haver ingerecircncia de quaisquer autoridades puacuteblicas e sem consideraccedilotildees de fronteiras O presente artigo
natildeo impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusatildeo de cinematografia ou de televisatildeo a um
regime de autorizaccedilatildeo preacutevia 2 O exerciacutecio desta liberdades porquanto implica deveres e responsabilidades
pode ser submetido a certas formalidades condiccedilotildees restriccedilotildees ou sanccedilotildees previstas pela lei que constituam
providecircncias necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a integridade territorial ou a
seguranccedila puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral a proteccedilatildeo da
honra ou dos direitos de outrem para impedir a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees confidenciais ou para garantir a
autoridade e a imparcialidade do poder judicial CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS
DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 104
CONTRERAS op cit p 34
51
menos executada em conformidade com a lei b) objetivo legiacutetimo c) se a medida foi
necessaacuteria em uma sociedade democraacutetica
No caso pode ser feito o destaque para o trecho da sentenccedila em que analisando a
necessidade da medida de investigaccedilatildeo do crime de difamaccedilatildeo a Corte arguiu que a tarefa do
tribunal internacional no exerciacutecio de sua competecircncia de fiscalizaccedilatildeo natildeo eacute de tomar o lugar
das autoridades competentes mas sim rever as decisotildees que porventura violarem preceitos
previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem quando entregues ao poder de
apreciaccedilatildeo do Estado Deve entatildeo a Corte agrave luz do caso como um todo avaliar se a medida
tomada pelo Estado foi proporcional ao objetivo legiacutetimo perseguido e se os motivos
indicados pelas autoridades nacionais satildeo suficientes e relevantes Por tais motivos no caso
em questatildeo o TEDH declarou que houve violaccedilatildeo por parte do Estado Francecircs do direito de
liberdade de expressatildeo devendo este arcar com uma indenizaccedilatildeo agraves partes prejudicadas
Ainda dentro dessa esfera de atuaccedilatildeo mais precisamente no que concerne ao direito
democraacutetico de livre reuniatildeo e associaccedilatildeo previsto no artigo 11105
da Convenccedilatildeo Europeia o
destaque pode ser dado aos casos do Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia106
julgado em 2005 e Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia107
julgado em 2006 O primeiro deles
trata da questatildeo de dissoluccedilatildeo do Partido Comunista da Turquia ordenado pelo Tribunal
Constitucional do paiacutes sob as razotildees de que era incompatiacutevel com as obrigaccedilotildees
constitucionais e convencionais do Estado
Ao apreciar tal caso a Corte alegou que os partidos poliacuteticos satildeo estruturas essenciais
para o bom e justo funcionamento da democracia Embora natildeo negue certa margem de
deferecircncia aos Estados para que dissolvam partidos poliacuteticos que poderiam tentar minar a
estrutura constitucional do Estado tal decisatildeo se executada pode sofrer revisatildeo se natildeo
105
Artigo 11 Liberdade de reuniatildeo e de associaccedilatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo
paciacutefica e agrave liberdade de associaccedilatildeo incluindo o direito de com outrem fundar e filiar-se em sindicatos para a
defesa dos seus interesses 2 O exerciacutecio deste direito soacute pode ser objeto de restriccedilotildees que sendo previstas na
lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a seguranccedila
puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral ou a proteccedilatildeo dos direitos
e das liberdades de terceiros O presente artigo natildeo proiacutebe que sejam impostas restriccedilotildees legiacutetimas ao exerciacutecio
destes direitos aos membros das forccedilas armadas da poliacutecia ou da administraccedilatildeo do Estado CONVENCcedilAtildeO
EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS
1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 106
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia
Sentenccedila de 2005 Acesso 05 nov 2014 107
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia Sentenccedila de 15 de
julho de 2006 Acesso 05 nov 2014
52
adequar-se agraves previsotildees da Convenccedilatildeo Europeia Logo o Tribunal embora tenha feito a
ressalva de que podem os Estados dissolver partidos poliacuteticos na situaccedilatildeo afirmou que houve
violaccedilatildeo dos direitos de liberdade de associaccedilatildeo visto que natildeo havia qualquer indiacutecio de que
o partido por ter ideal comunista poderia colocar em risco a estrutura do Estado
Da mesma forma o caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia que envolve o direito
de liberdade sindical Na situaccedilatildeo o Governo turco justifica o fechamento de sindicatos com
base em previsotildees da legislaccedilatildeo trabalhista interna a qual natildeo permite que funcionaacuterios criem
sindicatos A Corte na anaacutelise da situaccedilatildeo tambeacutem asseverou que houve violaccedilatildeo do artigo
11 mesmo que neste existam ressalvas em relaccedilatildeo agrave liberdade de associaccedilatildeo de membros das
Forccedilas Armadas da Poliacutecia e da Administraccedilatildeo do Estado Contudo essas limitaccedilotildees devem
ser interpretadas pelos Estados dentro da sua margem de apreciaccedilatildeo de maneira restrita
Se esses casos expostos ilustram exemplos de margem nacional de apreciaccedilatildeo
reduzida ou inexistente o polo oposto envolve os direitos concernentes agrave propriedade para os
quais a Corte Europeia possui entendimento de que a margem de deferecircncia agraves autoridades
domeacutesticas deve ser maior e mais elaacutestica bem como a supervisatildeo por parte do Tribunal
Internacional deve ser menor e relativizada Isso porque as autoridades nacionais em uma
concepccedilatildeo semelhante agrave de juiz natural no processo estariam mais bem situadas que o juiz
internacional para avaliar qual eacute o interesse geral de uma comunidade nessa seara108
A proteccedilatildeo internacional dos direitos de propriedade encontra-se no artigo 1ordm109
do
Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo de Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades
Fundamentais Jaacute na previsatildeo normativa encontra-se a prerrogativa de que qualquer pessoa
singular ou coletiva tem direito ao respeito de seus bens natildeo podendo haver privaccedilatildeo da
propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica ou por condiccedilotildees previstas em lei Desta maneira
as demandas soacute seratildeo revistas pela Corte caso implicarem violaccedilatildeo expliacutecita a esse artigo
Segundo Roca110
a jurisprudecircncia internacional definiu que a previsatildeo normativa
anteriormente destacada segue trecircs criteacuterios em primeiro lugar deve ser respeitado o direito
ao respeito e gozo paciacutefico dos bens dos indiviacuteduos Na sequecircncia a segunda regra
108
CONTRERAS op cit p 40 109
Artigo 1 Proteccedilatildeo da propriedade Qualquer pessoa singular ou coletiva tem direito ao respeito dos seus bens
Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas
pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo
do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso
dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees
ou de multas CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS
LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 110
ROCA op cit p 127
53
compreende uma garantia contra a privaccedilatildeo ilegal ou seja somente poderaacute haver
expropriaccedilatildeo ou privaccedilatildeo da propriedade em casos de utilidade puacuteblica e de acordo com
condiccedilotildees legalmente previstas Por fim o terceiro paracircmetro eacute a possibilidade de o Estado
estabelecer restriccedilotildees ao direito de propriedade tendo por base a prevalecircncia do interesse
puacuteblico sobre o privado
Logo sob a base desses criteacuterios e de alguns casos jaacute julgados pelo oacutergatildeo jurisdicional
internacional eacute possiacutevel asseverar que a margem de apreciaccedilatildeo concedida aos paiacuteses eacute larga
quando se estaacute diante dos direitos de propriedade No caso Back vs Finlacircndia111
de 2004 que
trata de noccedilotildees de utilidade puacuteblica em casos de expropriaccedilatildeo haacute o reforccedilo da noccedilatildeo de
subsidiariedade da Corte Europeia com o entendimento de que esta deve respeitar as decisotildees
das autoridades nacionais soacute sendo possiacutevel e viaacutevel a intervenccedilatildeo se o juiacutezo for
manifestamente desprovido de bases racionais
Por fim poreacutem natildeo menos importante aborda-se o uacuteltimo grupo de jurisprudecircncias da
Corte Europeia de Direitos Humanos que pode ser enquadrado no que Roca determina como
ciacuterculo mediano vez que conteacutem temas em que o posicionamento do Tribunal de Estrasburgo
em relaccedilatildeo agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute oscilante Eacute nesse grupo que pode ser
visualizada toda a complexidade da margem e suas vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis em casos
semelhantes envolvendo por exemplo liberdade religiosa direito de homossexuais e
transexuais e outros temas
Justamente nesse ciacuterculo que natildeo apresenta por parte dos doutrinadores jaacute referidos no
capiacutetulo anterior um criteacuterio de unificaccedilatildeo se apresenta o embate entre o universalismo de
alguns direitos previstos nos marcos normativos internacionais de direitos humanos ndash com
destaque para a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos ndash e o relativismo relativo a noccedilotildees
religiosas e culturais que compotildeem a identidade dos diferentes povos europeus
Nesse aspecto no que tange agrave liberdade religiosa a qual eacute prevista pelo artigo 9ordm112
da
CEDH temos duas decisotildees emblemaacuteticas do Tribunal de Estrasburgo o caso Lautsi vs
111
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-114486itemid[001-114486] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Back vs Finlacircndia Sentenccedila de 13 de novembro de 2002
Acesso 05 nov 2014 112
Artigo 9 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de pensamento de consciecircncia e de religiatildeo este direito
implica a liberdade de mudar de religiatildeo ou de crenccedila assim como a liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou a
sua crenccedila individual ou coletivamente em puacuteblico e em privado por meio do culto do ensino de praacuteticas e da
celebraccedilatildeo de ritos 2 A liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou convicccedilotildees individual ou coletivamente natildeo
pode ser objeto de outras restriccedilotildees senatildeo as que previstas na lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa
sociedade democraacutetica agrave seguranccedila puacuteblica agrave proteccedilatildeo da ordem da sauacutede e moral puacuteblicas ou agrave proteccedilatildeo dos
direitos e liberdades de outrem CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO
54
Itaacutelia113
julgado em 2011 e o caso Leyla Sahin vs Turquia114
julgado em 2005 Isso porque
nesses casos respectivamente o TEDH referendou as normas que impotildeem a presenccedila de
crucifixos nas escolas puacuteblicas italianas e natildeo opocircs objeccedilotildees a restriccedilotildees estatais concernentes
ao uso do veacuteu islacircmico no contexto educativo
No primeiro caso o TEDH retificou a decisatildeo da Corte Constitucional Italiana que
em 2009 havia estabelecido por unanimidade que a norma italiana a qual impunha desde a
deacutecada de 1920 a presenccedila de crucifixo nas paredes de escolas puacuteblicas havia violado o direito
da senhora Lautsi a educar seus filhos conforme suas convicccedilotildees laicas e liberdade religiosa
Portanto o Tribunal italiano argumentou que a manutenccedilatildeo de um siacutembolo religioso em salas
de aula de uma escola puacuteblica poderia perturbar emocionalmente os estudantes que natildeo
professassem religiatildeo alguma a ter a percepccedilatildeo de que o contexto educativo estava marcado
pela religiatildeo
Para retificar tal sentenccedila o TEDH argumentou por uma valoraccedilatildeo abstrata de
compatibilidade entre a norma italiana que permitia o uso de crucifixos nas escolas puacuteblicas e
os direitos convencionais sendo que a margem nacional de apreciaccedilatildeo foi aplicada para essa
valoraccedilatildeo da norma italiana Em primeiro lugar o Tribunal Europeu matizou quais satildeo as
exigecircncias convencionais de neutralidade religiosa na educaccedilatildeo indicando que se proiacutebe o
proselitismo ou a adoccedilatildeo no marco educativo de algo compatiacutevel com o estabelecimento de
o ensino obrigatoacuterio de uma religiatildeo ou a imposiccedilatildeo de uma religiatildeo no ensino puacuteblico
O crucifixo no entendimento do TEDH eacute um siacutembolo religioso passivo cuja
influecircncia natildeo se compara a que exercem a educaccedilatildeo religiosa ou a participaccedilatildeo em atividades
religiosas Logo a percepccedilatildeo subjetiva de que o crucifixo supotildee uma ausecircncia de respeito ao
direito de liberdade religiosa natildeo basta para considerar que tenha havido uma violaccedilatildeo agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Para o TEDH portanto sempre que natildeo exista
a pretensatildeo de doutrinar o Estado goza de margem de deferecircncia para decidir sobre a
permanecircncia dos crucifixos em sala de aula
HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 113
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-104040itemid[001-104040] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lautsi vs Italia Sentenccedila de 18 de marccedilo de 2011 Acesso 05
nov 2014 114
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-70956itemid[001-70956] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Leyla Sahin vs Turquia Sentenccedila de 10 de novembro de
2005 Acesso 05 nov 2014
55
No caso Leyla Sahin de proibiccedilatildeo do uso do veacuteu islacircmico por uma jovem no recinto
de sua universidade para o TEDH os Estados tecircm autonomia para limitar o uso do veacuteu em
locais como escolas puacuteblicas ou universidades Para referendar essa restriccedilatildeo agrave liberdade
religiosa o Tribunal Europeu admitiu o uso da margem de apreciaccedilatildeo por parte do Estado em
razatildeo da ausecircncia de um consenso europeu sobre a mateacuteria somado agrave ideia de que as
autoridades nacionais podem lidar melhor com o assunto por estarem mais perto das
realidades nacionais do que o oacutergatildeo jurisdicional internacional
Para o TEDH desta forma a opccedilatildeo poliacutetica de um Estado pelo laicizismo pode
justificar restriccedilotildees agrave liberdade religiosa e exigir sacrifiacutecios aos indiviacuteduos em prol da
harmonia religiosa do paiacutes Embora portanto haja restriccedilatildeo da liberdade individual religiosa
no caso em questatildeo a proibiccedilatildeo natildeo viola a CEDH
A aplicaccedilatildeo dos princiacutepios da subsidiariedade e da proporcionalidade bem como a
falta de consenso na Europa acerca de questotildees como as apresentadas marcaram o
posicionamento do TEDH na concessatildeo de margem de deferecircncia aos Estados no que
concerne agrave liberdade religiosa A grande criacutetica contudo reside na falta de criteacuterios
especiacuteficos e de clareza no uso da ferramenta
Neste uacuteltimo grupo portanto vislumbra-se o que Kratochivil115
menciona como
ldquomedida misteriosardquo ou seja natildeo existem paracircmetros ou criteacuterios especiacuteficos para a aplicaccedilatildeo
da margem Pelo contraacuterio haacute falta de clareza e de limites demonstrando que a banalizaccedilatildeo
do uso da MNA liquidifica sua substacircncia e pode gerar inseguranccedila juriacutedica aos litigantes
Sob essa oacutetica no campo de direitos inderrogaacuteveis como eacute o caso dos direitos que compotildeem
esse uacuteltimo grupo a consideraccedilatildeo de Vila116
merece destaque
Segundo a autora nesse campo que envolve relativismos culturais a postura do TEDH
varia entre a adoccedilatildeo de uma versatildeo voluntarista de MNA ou a adoccedilatildeo de uma versatildeo
racionalista A primeira se centra no direito de que o Tribunal de Estrasburgo eacute um oacutergatildeo
internacional e assume uma visatildeo normativa e natildeo meramente temporal ou procedimental
acerca do princiacutepio da subsidiariedade Por isso o TEDH reconhece que sua legitimidade
poliacutetica eacute meramente derivada e outorga uma presunccedilatildeo em favor do Estado evitando realizar
uma valoraccedilatildeo independente de compatibilidade entre as medidas impugnadas e o convecircnio
Esta presunccedilatildeo soacute eacute rompida quando haacute razotildees fortes para concluir que o Estado extrapolou o
exerciacutecio de sua autonomia Sob a oacutetica desta concepccedilatildeo fatores como a falta de consenso
115
KRATOCHVIL op cit p 330 116
VILA op cit p 10
56
europeu ou a ideia de que os Estados situam-se em um local melhor apropriado para decidir
adquirem importacircncia por razotildees de legitimidade institucional
Entretanto a oacutetica racionalizada de MNA percebe a ferramenta como um resultado de
efetuar um balanccedilo entre os valores que estatildeo em jogo na proteccedilatildeo dos direitos convencionais
mais do que uma presunccedilatildeo de partida em favor do Estado O TEDH centra-se em examinar
se a medida estatal impugnada consegue alcanccedilar um balanccedilo equitativo entre direitos
individuais e valores democraacuteticos A finalidade natildeo eacute justificar a deferecircncia mas reconhecer
de modo equilibrado os valores democraacuteticos no seio da CEDH
Sobretudo neste uacuteltimo grupo analisado ao qual aqui somente satildeo trazidos casos em
relaccedilatildeo agrave liberdade religiosa (artigo 9ordm da CEDH) concentram-se as criacuteticas em relaccedilatildeo agrave
falta de paracircmetros do TEDH para deferir ou natildeo uma margem de apreciaccedilatildeo aos Estados
Essa variabilidade eacute por alguns117
definida como um ponto negativo de falta de definiccedilatildeo de
criteacuterios o que pode levar a uma margem larga ou a uma margem estreita A primeira poderia
conduzir ao processo de fragmentaccedilatildeo do espaccedilo europeu enquanto a segunda poderia forccedilar
a integraccedilatildeo sob o domiacutenio de uma concepccedilatildeo moderna de direitos humanos pautada pelo
liberalismo e individualismo
Deste modo duas respostas podem ser concedidas agrave pergunta cerne deste trabalho a
margem constitui-se em um instrumento eficaz no processo de construccedilatildeo de um direito
comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa uma vez que sob a perspectiva eacutetica
destes direitos o TEDH preza pela preservaccedilatildeo do irredutiacutevel humano e dos direitos
inderrogaacuteveis e absolutos da pessoa humana Prova disso eacute a ausecircncia ou a miacutenima margem
que eacute concedida para casos envolvendo tortura ou tratamentos humanos degradantes ou
violaccedilatildeo de direitos democraacuteticos
No entanto a ausecircncia de paracircmetros e de criteacuterios por parte do Tribunal de
Estrasburgo (ausecircncia constatada por diversos doutrinadores trazidos ao longo deste trabalho
e exemplificada de modo sinteacutetico atraveacutes da anaacutelise de casos emblemaacuteticos envolvendo
liberdade religiosa) no julgamento de direitos humanos quando vinculados a questotildees
culturais demonstram que no campo praacutetico ainda haacute muito para avanccedilar no processo de
siacutentese entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo dos direitos culturais
117
BRUM et SALDANHA Op cit
57
CONCLUSAtildeO
Slavoj Zizek118
certa vez afirmou que o papel do filoacutesofo natildeo eacute o de propor iniciativas
capazes de mudar o mundo ou as situaccedilotildees em curso mas de observar e interpretar a realidade
que eacute posta A pretensatildeo deste trabalho natildeo difere da conceituaccedilatildeo de filoacutesofo por Zizek Isso
porque em nenhum momento busca-se apresentar alternativas fortes para resolver problemas
postos mas sim almeja-se observar sob um amplo espectro os reflexos da mundializaccedilatildeo
dentro do Direito e de modo especiacutefico como atua o Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem no que concerne agrave aplicaccedilatildeo da figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
Aos mais observadores da realidade que se apresenta eacute impossiacutevel negar que na atual
conjuntura da sociedade informacional a proliferaccedilatildeo exacerbada e anaacuterquica de normas e
instituiccedilotildees juriacutedicas gera uma sensaccedilatildeo de caos e de desordem que clama por uma ordenaccedilatildeo
Embora esse verdadeiro mosaico em que se transformou o Direito na atualidade possa ser
vislumbrado em acircmbito global uma anaacutelise mais apurada de uma parte do todo em
especiacutefico da Europa se mostra pertinente para avaliar as possibilidades de construccedilatildeo de um
pluralismo ordenado
A base possiacutevel desse pluralismo ordenado invariavelmente eacute um direito comum cujo
alicerce se encontra nos direitos humanos No contexto europeu de convivecircncia simultacircnea
de uma ldquopequena Europardquo e de uma ldquogrande Europardquo embora o direito comunitaacuterio jaacute tenha
se consolidado sendo um modelo sui generis para todo o globo ainda eacute preciso avanccedilar no
acircmbito da ldquogrande Europardquo ou do sistema regional europeu dos direitos do homem para a
criaccedilatildeo de um direito comum
Nesse sentido parece indiscutiacutevel que a base de um direito comum europeu seja
alicerccedilada na proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua dimensatildeo moral miacutenima ou no que
Delmas denomina de miacutenimo eacutetico universal e irredutiacutevel humano Logo a universalizaccedilatildeo
almejada natildeo tem como objetivo impor referecircncias de uma cultura sobre as demais e sim o
diaacutelogo entre as diferentes particularidades existentes no seio das diversas sociedades que
convivem na Europa a fim de encontrar o que haacute de valores comuns em todas elas
Todavia por mais que a premissa seja de faacutecil compreensatildeo os embates entre
universalismos e relativismos culturais estatildeo na ordem do dia na agenda do Tribunal de
Estrasburgo de modo que um dos temais mais debatidos atualmente no continente se refere
118
ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo Boitempo 2008
58
ao uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo por este tribunal a fim de conferir deferecircncia aos
Estados em algumas mateacuterias para decidir acerca de questotildees sensiacuteveis
O objetivo do presente trabalho foi o de analisar essa ferramenta hermenecircutica de
origem europeia sob a oacutetica de caos juriacutedico anteriormente apresentado De acordo com o que
fora apurado e estudado chegou-se a conclusatildeo de que o uso dessa doutrina contribui ainda
que de modo tiacutemido para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema europeu
Isso porque quando se tratam de temas concernentes agrave tortura a tratamentos humanos
degradantes a penas desproporcionais ou ainda a direitos democraacuteticos a Corte opta por
definir um entendimento que deve ser aplicado em todos os paiacuteses independentemente de
especificidades culturais Estariacuteamos proacuteximos portanto de uma definiccedilatildeo de direitos
humanos inderrogaacuteveis ou de um miacutenimo eacutetico universal proposto por Delmas e jaacute idealizado
por Kant em sua premissa de direito cosmopoliacutetico
No que tange ao restante dos direitos humanos em uma dimensatildeo cultural pode-se
dizer que a teoria da margem traduz uma ideia de que estaacute eacute capaz de harmonizar o
universalismo dos direitos humanos e o pluralismo advindo das diversidades culturais e
religiosas dos paiacuteses europeus Entretanto consoante a anaacutelise de posiccedilotildees doutrinaacuterias acerca
da utilizaccedilatildeo praacutetica do instituto pelo Tribunal de Estrasburgo bem como o embate
paradigmaacutetico de julgados envolvendo liberdade religiosa parece inevitaacutevel a conclusatildeo de
que como meacutetodo de harmonizaccedilatildeo entre plural e universal o oacutergatildeo jurisdicional
internacional do sistema europeu ainda tem muito a evoluir sobretudo na definiccedilatildeo de
paracircmetros e criteacuterios para servir de norte baacutesico em relaccedilatildeo aos mais diversos casos
59
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ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo
Boitempo 2008
8
INTRODUCcedilAtildeO
No iniacutecio do seacuteculo XX Hans Kelsen1 em ldquoTeoria Pura do Direitordquo defendeu a tese de
que para entender a ciecircncia juriacutedica era necessaacuterio observaacute-la de modo dissociado de outras
ciecircncias O autor propocircs a compreensatildeo do direito a partir da famosa piracircmide kelseniana a
norma fundamental ndash a Constituiccedilatildeo ndash estaria no topo da piracircmide e seria capaz de dotar de
validade o restante do ordenamento juriacutedico Abaixo desta norma fundamental estariam as
demais leis e regras do direito sendo que tal formulaccedilatildeo estagnada e sistemaacutetica da ordem
juriacutedica adequava-se aos anseios de organizaccedilatildeo de uma sociedade industrial
Todavia por trabalhar com conflitos sociais o direito natildeo fica alheio agraves vicissitudes
do seacuteculo XX sendo que a Europa apresenta-se como um importante laboratoacuterio de
observaccedilatildeo de mudanccedilas Apoacutes a Segunda Guerra Mundial emergem na sociedade poacutes-
industrial e posteriormente informacional novas estruturas juriacutedicas que natildeo mais satildeo
capazes de se adequar agrave inflexiacutevel loacutegica hieraacuterquica kelseniana Estamos na era do que
Losano2denomina de ldquodireito turbulentordquo que se move se agita e muda de modo veloz assim
como a sociedade que o cerca embora natildeo tatildeo rapidamente quanto esta sociedade
Em razatildeo disso novas geometrias satildeo criadas para tentar explicar o panorama juriacutedico
da sociedade atual Na Europa por exemplo em que temos convivendo sistemas juriacutedicos de
origens e de ordens diversas ndash sistema internacional nacional supranacional ndash autores
determinam que se vive o tempo do Estado em Rede3ou dos aneacuteis disformes com a
proximidade de guirlandas4 ocasionando ao mais despercebido leitor da realidade um
sentimento de caos juriacutedico
Nesse sentido eacute possiacutevel destacar o pensamento de Mireille Delmas-Marty5 que
revoluciona o pensamento de Kelsen Segundo ela essa falta de sistematizaccedilatildeo
aparentemente anaacuterquica eacute solo feacutertil para a construccedilatildeo de um direito comum pluralista em
1 KELSEN Hans Teoria Pura do Direito Traduccedilatildeo de Joatildeo Baptista Machado Satildeo Paulo Martins Fontes
1996 2 LOSANO Mario G Modelos teoacutericos inclusive na praacutetica da piracircmide agrave rede Novos paradigmas nas
relaccedilotildees entre direitos nacionais e normativas supraestatais Revista do Instituto dos Advogados do Estado de
Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 08 n16 p 264-284 2005 3 CASTELLS Manuel Para o Estado-Rede globalizaccedilatildeo econocircmica e instituiccedilotildees poliacuteticas na era da
informaccedilatildeo In PEREIRA Luiz Carlos Bresser WILHEIM Jorge SOLA Lourdes (Org) Sociedade e Estado
em transformaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora UNESP Brasiacutelia ENAP 1999a p164 4 DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006
5 Id 2004a
9
mateacuteria de direitos humanos A sociedade em tempos de globalizaccedilatildeo precisa resistir ao
processo de desumanizaccedilatildeo e de coisificaccedilatildeo do homem de modo que a base para a
construccedilatildeo desse direito comum pluralista devem ser os direitos humanos
Sob a oacutetica europeia que seraacute aqui analisada por ser um importante referencial para os
estudos das mudanccedilas sociais e juriacutedicas dos seacuteculos XX e XXI de que direitos humanos
referimo-nos para ser a base de um direito comum Em um continente tatildeo muacuteltiplo e plural
como realizar o diaacutelogo positivo entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo
das diferentes culturas
Sob esta oacutetica emerge a figura central desse estudo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
(MNA) bem como sua contribuiccedilatildeo para a construccedilatildeo de um direito comum e para a
harmonizaccedilatildeo entre universalismo e relativismo no contexto da Europa Este recurso
hermenecircutico denominado Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo trata-se de uma construccedilatildeo
jurisprudencial criada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante tambeacutem
referido como Tribunal de Estrasburgo) com a finalidade de conferir algum espaccedilo de
deferecircncia para que os tribunais nacionais dos Estados possam decidir algumas questotildees
consoante suas particularidades locais
Embora esta seja a teoria sob a qual se alicerccedila o instituto almeja-se neste trabalho
responder os seguintes questionamentos a doutrina da MNA aplicada pelo Tribunal Europeu
dos Direitos Humanos contribui para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema
europeu de proteccedilatildeo dos direitos do homem Em sua aplicaccedilatildeo praacutetica a margem se mostra
como um recurso eficaz para harmonizar o universalismo dos direitos humanos e o pluralismo
advindo das diversidades culturais e religiosas dos diferentes paiacuteses que fazem parte do
Conselho da Europa
Para responder tal questionamento utilizou-se o meacutetodo dedutivo como meacutetodo de
abordagem e o meacutetodo monograacutefico de procedimento atraveacutes da leitura e fichamento das
diferentes construccedilotildees teoacutericas e doutrinaacuterias sobre o tema bem como anaacutelise de alguns
julgamentos paradigmaacuteticos do Tribunal de Estrasburgo Para melhor compreensatildeo da
complexidade do tema trabalhado dividiu-se esta monografia em duas grandes partes a parte
1 se ocupa da paisagem europeia no poacutes-Segunda Guerra Mundial com a criaccedilatildeo da ldquopequena
Europardquo do direito comunitaacuterio e da ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos
direitos humanos avaliando em ambos os cenaacuterios de que modo se deu a preocupaccedilatildeo com a
temaacutetica dos direitos humanos ou fundamentais (11)
Por conseguinte no intuito de aprofundar o estudo sobre a possibilidade de criaccedilatildeo de
um direito comum no contexto da ldquogrande Europardquo buscou-se uma anaacutelise das novas
10
geometrias da paisagem juriacutedica e do tipo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos que se
procura dentro desse cenaacuterio avaliando por conseguinte o surgimento da figura da MNA
(12) A parte 2 por sua vez objetiva a anaacutelise pura do instituto da Margem Nacional de
Apreciaccedilatildeo averiguando o histoacuterico de sua criaccedilatildeo e as definiccedilotildees acerca de seu conceito
(21) para na sequecircncia avaliar a partir da anaacutelise de alguns julgamentos paradigmaacuteticos do
Tribunal de Estrasburgo se tal ferramenta hermenecircutica se demonstra eficaz no processo de
harmonizaccedilatildeo das tensotildees entre universalismo e relativismos e se pode ser relevante no
processo de criaccedilatildeo de um direito comum cuja base satildeo os direitos humanos (22)
11
1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM
DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS
O seacuteculo XX trouxe mudanccedilas significativas para os mais diversos segmentos da vida
social e o direito natildeo ficou alheio agraves vicissitudes decorrentes do poacutes-Segunda Guerra Mundial
O continente europeu sobretudo passa a ser o cenaacuterio de revoluccedilotildees na estrutura juriacutedica ateacute
entatildeo conhecida com o surgimento praticamente concomitante de instituiccedilotildees supranacionais
e internacionais para aleacutem das nacionais
Neste vieacutes uma das preocupaccedilotildees primordiais do poacutes-guerra foi a de garantir a tutela
dos direitos humanos mesmo diante das mudanccedilas latentes no cenaacuterio juriacutedico Desta feita
deparamo-nos com duas esferas dentro do cenaacuterio europeu a ldquopequena Europardquo que origina
um direito comunitaacuterio europeu o qual mesmo tendo se ocupado com questotildees relativas agrave
economia e agrave integraccedilatildeo regional desenvolve a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais
atraveacutes do diaacutelogo jurisprudencial entre cortes de naturezas distintas e a ldquogrande Europardquo do
sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos espaccedilo haacutebil e possiacutevel para ser base de
criaccedilatildeo de um direito comum (11) Da evoluccedilatildeo de um campo ao outro a premissas de
universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo buscam
legitimar e consolidar a criaccedilatildeo desse direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
(12)
11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave
criaccedilatildeo de um direito comum
O historiador britacircnico Eric Hobsbawn6 talvez tenha encontrado a melhor adjetivaccedilatildeo
para o seacuteculo XX a ldquoEra dos Extremosrdquo Nas palavras do proacuteprio autor ldquoNatildeo sabemos o que
6 HOBSBAWN Eric A era dos extremos o breve seacuteculo XX 1941-1991 Satildeo Paulo Companhia das Letras
1995
12
viraacute a seguir nem como seraacute o segundo milecircnio embora possamos ter a certeza de que ele
teraacute sido moldado pelo Breve Seacuteculo XXrdquo7
Nesse sentido a Segunda Guerra Mundial representa o marco crucial natildeo soacute para a
preocupaccedilatildeo global em relaccedilatildeo aos direitos humanos8 com a criaccedilatildeo e fortalecimento de uma
grande quantidade de instrumentos normativos responsaacuteveis por sua tutela em acircmbito
mundial como tambeacutem para o surgimento de uma nova Europa Apoacutes o teacutermino da guerra
que teve como palco principal de seus acontecimentos o continente europeu diversos paiacuteses
se encontravam em uma situaccedilatildeo de caos politico fragmentaccedilatildeo e enfraquecimento
econocircmico aleacutem do perigo iminente de eclosatildeo de uma nova disputa de proporccedilotildees mundiais
advinda da dicotomia entre capitalismo e socialismo na entatildeo incipiente Guerra Fria
Eacute nesse contexto que emerge a ideia de criaccedilatildeo de um espaccedilo comum europeu
consubstanciado atraveacutes da integraccedilatildeo regional entre os paiacuteses do continente Ainda no inicio
do seacuteculo XX eacute possiacutevel destacar a ocorrecircncia de propostas relativamente concretas para a
integraccedilatildeo europeia como eacute o caso da proposta do francecircs Aristides Briand em 1929 de
criaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia sob a oacutetica de uma federaccedilatildeo ou seja fundada sob uma
noccedilatildeo de uniatildeo o que implica o respeito agrave soberania9 Todavia a crise econocircmica mundial a
ascensatildeo de nacionalismos na Europa e por fim a eclosatildeo da segunda grande guerra
obstaculizaram a adesatildeo a essa proposta
O cenaacuterio do poacutes-guerra de desintegraccedilatildeo social e miseacuteria econocircmica em grande parte
dos paiacuteses envolvidos gerou a instalaccedilatildeo do Congresso da Europa em Haia nas datas de 7 a
11 de maio de 1948 no qual houve a criaccedilatildeo do ldquoMovimento Europeurdquo No referido
congresso duas correntes foram estabelecidas as quais impulsionaram o surgimento da
ldquopequena Europardquo10
e da ldquogrande Europardquo respectivamente a Europa dos federalistas e a
7 Ibid p14
8 Pode-se nesse sentido destacar a descriccedilatildeo de Valeacuterio Mazzuoli de que desde a Segunda Guerra Mundial em
decorrecircncia dos horrores e atrocidades cometidos durante esse periacuteodo em que muitas vidas eram consideradas
como nuacutemeros e valiam tatildeo pouco os direitos humanos passaram a constituir um dos principais temas do Direito
Internacional contemporacircneo A normatividade internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos foi conquistada
por meio de lutas histoacuterias contiacutenuas e incessantes e consubstanciada em diversos tratados concluiacutedos com esse
propoacutesito tendo sido fruto de um lento e gradual processo de internacionalizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo desses
mesmos direitos o qual fora intensificado com o fim da Segunda Guerra Mundial MAZZUOLI Valeacuterio de
Oliveira Curso de Direito Internacional Puacuteblico 5 ed Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 811 9 SILVA Karine de Sousa Uniatildeo Europeia antecedentes e evoluccedilatildeo histoacuterica In SILVA Karine de Souza
COSTA Rogeacuterio Santos da(Org) Organizaccedilotildees Internacionais de Integraccedilatildeo Regional Uniatildeo Europeia
Mercosul e UNASUL Florianoacutepolis Ed Da UFSC Fundaccedilatildeo Boiteux 2013 p 54 10
Doravante por ldquopequena Europardquo estar-se-aacute referindo aos paiacuteses participantes da Uniatildeo Europeia sujeitos
portanto agraves decisotildees das instituiccedilotildees da Uniatildeo dentre as quais se destaca o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo
Europeia ldquoGrande Europardquo por sua vez refere-se aos paiacuteses que aderiram ao Conselho da Europa que hoje
somam um total de 47 (quarenta e sete) membros e que se submetem agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal Europeu de
Direitos Humanos PRINO Carla Sofia Abreu Relaccedilotildees entre TJUE e TEDH no contexto de adesatildeo da UE agrave
13
Europa dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental11
Os primeiros defendiam uma
integraccedilatildeo mais profunda entre os paiacuteses com transferecircncia de parcela de soberania dos
Estados para uma instituiccedilatildeo com poderes supranacionais sendo esta a base para a criaccedilatildeo da
Comunidade Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) Os segundos por sua vez se opunham agrave
cessatildeo de direitos soberanos impulsionando com seus ideais a criaccedilatildeo em 1949 do
Conselho da Europa com sede em Estrasburgo
Natildeo obstante essa divisatildeo surgida no Congresso da Europa eacute possiacutevel afirmar que a
base de construccedilatildeo da atual Uniatildeo Europeia deu-se com a criaccedilatildeo da Comunidade Europeia
do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) movida pelos ideais integracionistas do francecircs Jean Monnet
Contratado no poacutes-guerra para participar do Plano de Modernizaccedilatildeo e Equipamento da
Franccedila Monnet tinha medo de que o Plano Marshall norte-americano de empreacutestimo de
dinheiro para a reconstruccedilatildeo da Europa pudesse gerar uma diacutevida eterna aos paiacuteses do
continente com os Estados Unidos e para escapar disso via como uacutenica soluccedilatildeo a promoccedilatildeo
de um esforccedilo comum dos Estados atraveacutes de projetos de integraccedilatildeo regional
Por isso redigindo o texto da Declaraccedilatildeo de Schuman de 1950 Monet propagava a
ideia de integraccedilatildeo como meio de assegurar a paz e reerguer a poliacutetica e a economia dos
paiacuteses que foram destruiacutedos pela guerra Nesse sentido sua ideia foi a partir de uma ideologia
pacifista de influecircncia kantiana neutralizar a rivalidade franco-alematilde atraveacutes de uma espeacutecie
de mercado comum com a criaccedilatildeo de uma organizaccedilatildeo internacional com caraacuteter
supranacional que seria responsaacutevel pela gestatildeo dos recursos naturais da regiatildeo do Sarre e do
Ruhr os quais seriam colocados a serviccedilo da paz e natildeo da guerra12
A proposta integracionista daquele que eacute considerado o arquiteto do projeto de
integraccedilatildeo europeia era de retirar da matildeo dos Estados a capacidade de gestatildeo dos recursos
energeacuteticos que movimentavam a induacutestria beacutelica e da guerra Desta forma uma autoridade
internacional mais especificamente uma organizaccedilatildeo internacional setorial seria criada com
um status supranacional para gerenciar e administrar a produccedilatildeo de carvatildeo e de accedilo
funcionando atraveacutes da delegaccedilatildeo de parcelas da soberania estatal em questotildees especiacuteficas
Assim em 1951 com a assinatura do Tratado de Paris criou-se a Comunidade
Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) com a participaccedilatildeo inicial de seis paiacuteses Franccedila
Alemanha Itaacutelia Beacutelgica Holanda e Luxemburgo Posteriormente em 1957 com o Tratado
CEDH Debater a Europa Nuacutemero 4 JaneiroJunho 2011 Disponiacutevel em httpwwweurope-direct-
aveiroaevaeudebatereuropa Acesso 10 out 2014 11
SILVA Karine de Sousa De Paris a Lisboa sessenta anos de integraccedilatildeo europeia In SILVA Karine de
Souza Mercosul e Uniatildeo Europeia O Estado da arte dos processos de integraccedilatildeo regional Florianoacutepolis
Editora Modelo 2010 p 35 12
Ibid p 60
14
de Roma a Comunidade Econocircmica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia para a
Energia Atocircmica (CEEA ou Euratom) foram criadas consolidando-se deste modo as trecircs
comunidades que fizerem emergir o direito comunitaacuterio no seio da Europa Foi contudo
somente em 1992 com o Tratado de Maastrich ou Tratado da Uniatildeo Europeia que nasceu a
Uniatildeo Europeia propriamente dita consagrada em trecircs pilares baacutesicos as comunidades que
inicialmente lhe deram base a colaboraccedilatildeo em mateacuteria de poliacutetica exterior e seguranccedila
comum e a cooperaccedilatildeo no acircmbito judicial e policial em mateacuteria penal13
Visiacutevel deste modo que o que impulsionou a criaccedilatildeo de um direito comunitaacuterio
europeu foi a necessidade de reorganizaccedilatildeo do continente apoacutes 1945 e o fortalecimento
econocircmico de antigas potecircncias rivais como foi o caso da Franccedila e da Alemanha Ocorre que
de modo concomitante ao crescimento dos ideais dos federalistas a segunda corrente oriunda
do Congresso da Europa de 1949 dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental tambeacutem
cresceu e se tornou visiacutevel vez que possuiacutea como objetivo a realizaccedilatildeo de uma uniatildeo mais
estreita entre seus membros de modo a salvaguardar os ideais e princiacutepios que satildeo seu
patrimocircnio comum e favorecer seu progresso social e econocircmico
O Conselho da Europa surgido em 1949 portanto configura-se como outra
organizaccedilatildeo internacional surgida na Europa do poacutes-guerra tendo como base a consolidaccedilatildeo
sob o principio da cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses e natildeo o federalismo que implica cessatildeo de
parcelas da soberania Seu propoacutesito eacute o de defesa dos direitos humanos desenvolvimento
democraacutetico e estabilidade poliacutetico-social na Europa sendo chamado de ldquogrande Europardquo por
desde o iniacutecio contar com mais adesotildees de paiacuteses em relaccedilatildeo agrave CECA Eacute justamente dentro
desse Conselho que surge o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em 1959
oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa e
responsaacutevel pela tutela dos direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem
(CEDH) de 1950
A eclosatildeo desses dois movimentos marca o iniacutecio de uma verdadeira revoluccedilatildeo dentro
da compreensatildeo do direito Se antes no continente europeu era possiacutevel vislumbrar a
existecircncia em grande medida e tatildeo somente de tribunais nacionais cuja competecircncia era
exercida dentro de determinado Estado sob a eacutegide de sua soberania o cenaacuterio altera-se e daacute
espaccedilo para a existecircncia natildeo soacute de tribunais nacionais como tambeacutem de tribunais
supranacionais e internacionais
13
Ibidem p 77
15
No caso do direito comunitaacuterio sua criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de
instituiccedilotildees que fortaleccedilam o sistema supranacional Em funccedilatildeo disso dentre os mais diversos
oacutergatildeos criados pelos sucessivos tratados comunitaacuterios pode-se destacar o Tribunal de Justiccedila
da Uniatildeo Europeia (TJUE) ou Tribunal de Luxemburgo
Este criado pelo Tratado de Paris de 1951 e adotado pelo Tratado de Roma de 1957
tem a finalidade de assegurar o cumprimento do direito comunitaacuterio e a interpretaccedilatildeo e
aplicaccedilatildeo dos Tratados dentro a vida da comunidade14
Submetem-se agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal
atualmente os vinte e oito15
paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e ao longo dos anos
ele se desenvolveu como uma importante instituiccedilatildeo capaz de contribuir ao desenvolvimento
da comunidade atraveacutes de consolidaccedilotildees jurisprudenciais e da conversatildeo dos tratados
constitutivos da comunidade em verdadeiras constituiccedilotildees materiais
Embora a preocupaccedilatildeo com os direitos humanos no cenaacuterio da ldquopequena Europardquo natildeo
tenha sido uma caracteriacutestica inicial dos tratados constitutivos das comunidades europeias o
diaacutelogo do Tribunal de Luxemburgo com os tribunais nacionais de alguns Estados europeus
traz agrave tona esse tema bem como se caracteriza por ser o grande responsaacutevel pela consolidaccedilatildeo
de princiacutepios baacutesicos do direito comunitaacuterio como eacute o caso da supremacia das normas
comunitaacuterias Neste vieacutes importante destaque deve ser feito ao caso CostaENEL16
de 1964
que marcou o surgimento da noccedilatildeo de supremacia das normas da comunidade europeia
O objeto de tal caso fora uma lei italiana de nacionalizaccedilatildeo da energia eleacutetrica
declarada incompatiacutevel com o Tratado da Comunidade Econocircmica Europeia Em sede de
reenvio prejudicial o Tribunal Constitucional Italiano enviou a questatildeo ao Tribunal de Justiccedila
da Uniatildeo Europeia o qual reconheceu que ao instituir uma comunidade de duraccedilatildeo ilimitada
com caraacuteter sui generis e poderes resultantes de delegaccedilatildeo de parcela da soberania os paiacuteses
limitariam seus direitos soberanos em prol de um conjunto de normas aplicaacutevel natildeo soacute agrave
comunidade como a todos os seus Estados membros17
14
OLIVEIRA Odete Maria de Uniatildeo Europeia processos de integraccedilatildeo e mutaccedilatildeo 1ordfed 3ordf tir Curitiba
Juruaacute 2003 15
Os vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia satildeo Alemanha Aacuteustria Beacutelgica Bulgaacuteria Chipre
Croaacutecia Dinamarca Eslovaacutequia Eslovecircnia Espanha Estocircnia Finlacircndia Franccedila Greacutecia Hungria Irlanda Itaacutelia
Letocircnia Lituacircnia Luxemburgo Malta Paiacuteses Baixos Polocircnia Portugal Reino Unido Repuacuteblica Checa
Romecircnia Sueacutecia Dados disponiacuteveis no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeuropaeuabout-
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httpwww4jfrjjusbrseerindexphprevista_sjrjarticleviewFile338296 Acesso 01 out 2014
16
Neste sentido determinou o Tribunal de Luxemburgo que a forccedila executiva do direito
comunitaacuterio natildeo poderia variar de um espaccedilo para outro ao sabor das legislaccedilotildees internas
Impossiacutevel portanto um Estado fazer prevalecer sobre uma ordem juriacutedica aceita sob o pilar
da reciprocidade e da cessatildeo de parcela de direitos soberanos uma medida unilateral anterior
ou posterior que lhe pode opor
Natildeo obstante tal decisatildeo a ideia de supremacia das normas comunitaacuterias por si soacute
natildeo foi adotada de modo paciacutefico por todos os tribunais constitucionais dos paiacuteses sujeitos agrave
jurisdiccedilatildeo do Tribunal de Luxemburgo Em funccedilatildeo disso houve a percepccedilatildeo por parte dos
juiacutezes do TJUE de que seria necessaacuterio acoplar agrave ideia de supremacia das normas
comunitaacuterias um discurso dotado de legitimidade que envolvesse princiacutepios e ideais comuns
natildeo soacute para a comunidade como para os Estados membros Esse discurso portanto seria o
discurso dos direitos fundamentais18
Ateacute o surgimento de algumas tensotildees entre os posicionamentos dos tribunais nacionais
e as decisotildees do TJUE havia certa resistecircncia por parte deste uacuteltimo em lidar com questotildees
concernentes aos direitos humanos ou fundamentais Isto porque o motivo que levou agrave criaccedilatildeo
das Comunidades Europeias e a posterior Uniatildeo Europeia foi predominantemente econocircmico
tanto eacute que os tratados iniciais das Comunidades Europeias natildeo trazem elementos que refiram
explicitamente a preocupaccedilatildeo com direitos humanos ou fundamentais19
Entretanto consoante
fora asseverado a supremacia das normas comunitaacuterias somente conseguiria se afirmar e se
consolidar caso fosse acoplada ao tema da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais
Neste sentido a deacutecada de 1960 pode ser vista como um importante marco para o
TJUE Casos como o Stauder (1969) e o Internationale Handelsgesellschaft20
(1970)
18
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algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em
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Pertinente o destaque da concepccedilatildeo de Gilmar Mendes e Geroge Rodrigo Bandeira Galindo sobre este tema
Segundo eles os instrumentos que instituiacuteram as comunidades europeias natildeo se referem de maneira expliacutecita agrave
proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais e haacute razotildees para isso A primeira delas reside no fato de que a
proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa deveria ser transferida para outra organizaccedilatildeo internacional no caso o
Conselho da Europa que foi uma instituiccedilatildeo fundamental para a elaboraccedilatildeo da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos
do Homem de 1950 Outra razatildeo sustenta-se na ideia de que a inclusatildeo imediata de um cataacutelogo de direitos
fundamentais nos tratados instituidores das Comunidades Europeias geraria conflitos entre as consolidadas
constituiccedilotildees estatais e o entatildeo incipiente direito comunitaacuterio Por fim outra razatildeo apontada eacute traduzida no fato
de que os Estados eram temerosos de que a imediata inclusatildeo de temas de direitos fundamentais ou humanos nos
tratados instituidores das Comunidades pudesse ampliar as competecircncias de prerrogativas de instituiccedilotildees receacutem-
criadas Ibidem p03
De qualquer forma houve no processo de germinaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia nos moldes em que hoje
conhecemos a predominacircncia de ideias economicistas e de integraccedilatildeo regional com base na aproximaccedilatildeo de
ideais produtivos e de mercado A preocupaccedilatildeo com a tutela de direitos humanos ou fundamentais surge atraveacutes
dos diaacutelogos espontacircneos entre as cortes constitucionais e o Tribunal de Luxemburgo 20
Neste caso o raciociacutenio da corte faz clara alusatildeo agrave vinculaccedilatildeo entre primazia do direito comunitaacuterio e a
proteccedilatildeo dos direitos fundamentais por parte das instituiccedilotildees comunitaacuterias Os pontos 3 e 4 do julgamento do
17
consolidaram o entendimento do Tribunal de Luxemburgo de que os direitos fundamentais
fazem parte dos princiacutepios gerais do direito comunitaacuterio Conflitos positivos de competecircncias
entre tribunais nacionais e o tribunal supranacional instituiacutedo no acircmbito da comunidade
marcaram os diaacutelogos iniciais para a estimulaccedilatildeo da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais em
acircmbito comunitaacuterio
Como continuidade deste diaacutelogo eacute pertinente destacar o caso Nold (1974) no qual o
Tribunal de Luxemburgo reconheceu como pauta geral para o direito comunitaacuterio europeu o
predomiacutenio dos direitos fundamentais Com isso mais uma vez reafirmou-se a ideia de que o
direito comunitaacuterio tem supremacia sobre as disposiccedilotildees legais nacionais mas que de toda a
sorte deve se adaptar a uma base comum de valores como os determinados por exemplo
pela Convenccedilatildeo Europeia de Direito do Homem
Por isso fala-se que este caso fixa um terceiro elemento no nuacutecleo de salvaguarda dos
direitos fundamentais aleacutem das tradiccedilotildees constitucionais comuns e dos direitos fundamentais
garantidos nas Constituiccedilotildees dos Estados os instrumentos internacionais relativos agrave proteccedilatildeo
dos direitos humanos passam a ser uma importante fonte de inspiraccedilatildeo para a proteccedilatildeo de
direitos em acircmbito comunitaacuterio Em funccedilatildeo disso inclusive em 1975 o TJUE pela primeira
vez recorreu agrave Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem no caso Rutili21
Apesar de tal decisatildeo do caso Nold o emblemaacutetico caso Solange levou agrave confirmaccedilatildeo
e consolidaccedilatildeo da vigecircncia dos direitos fundamentais no acircmbito da Comunidade Neste caso
em 1974 o Tribunal Constitucional alematildeo determinou que enquanto a Comunidade natildeo
dispusesse de um sistema de proteccedilatildeo de direitos comparaacutevel ou equiparado agrave Lei
Fundamental de Bonn ou seja enquanto natildeo houvesse um cataacutelogo de direitos fundamentais
aplicaacuteveis agrave Comunidade Europeia as instituiccedilotildees comunitaacuterias seriam ineficazes no que
concerne agrave proteccedilatildeo desses direitos22
TJUE respectivamente determinam que 3 A validade de uma medida comunitaacuteria ou de seus efeitos em um
Estado membro natildeo podem ser afetadas por alegaccedilotildees de que ela contraria direitos fundamentais tal como
formuladas pela Constituiccedilatildeo do Estado ou princiacutepios de uma estrutura constitucional nacional() 4() o
respeito pelos direitos fundamentais forma uma parte integral dos princiacutepios gerais de direito protegidos pela
Corte de Justiccedila A proteccedilatildeo de tais direitos enquanto inspirada pelas tradiccedilotildees constitucionais comuns aos
Estados membros deve ser assegurada no acircmbito da estrutura e dos objetivos da Comunidaderdquo Ibidem p4 21
O caso Rutilli caracteriza-se por ser a primeira referecircncia jurisprudencial feita pelo Tribunal de Luxemburgo agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem ou seja a utilizaccedilatildeo por parte de um tribunal supranacional de um
marco normativo essencial natildeo para o direito comunitaacuterio mas para o sistema regional de proteccedilatildeo aos direitos
humanos Nesse caso o Tribunal de Luxemburgo afirmou que as normas de direito comunitaacuterio natildeo era mais do
que uma manifestaccedilatildeo de princiacutepios gerais de direito consagrados na Convenccedilatildeo 22
GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional
algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em
httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014
18
Como resultado de tal caso natildeo soacute o Tribunal de Luxemburgo passou a consolidar um
entendimento jurisprudencial favoraacutevel ao respeito e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais
como demais instituiccedilotildees da entatildeo Comunidade Europeia assim agiram Em funccedilatildeo disso diz-
se que o principal resultado do caso Solange foi uma resoluccedilatildeo conjunta datada de 5 de abril
de 1977 entre Parlamento Europeu Conselho Europeu e Comissatildeo Europeia denominada
ldquoDeclaraccedilatildeo Conjunta sobre Direitos Fundamentaisrdquo23
Nesta ressaltou-se a necessidade do
respeito em acircmbito comunitaacuterio dos direitos fundamentais consagrados pelas tradiccedilotildees
constitucionais dos Estados membros e pela Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos
Os direitos fundamentais atraveacutes desse diaacutelogo jurisprudencial entre as cortes de
esperas diferentes (supranacional e nacionais) apareceram de modo progressivo no direito
comunitaacuterio europeu tornando-se paracircmetros de validade das normas da Uniatildeo Qualquer
norma seja comunitaacuteria seja nacional que contrariasse os direitos fundamentais seria
considerada invaacutelida
A tendecircncia jurisprudencial do TJUE de vincular a noccedilatildeo de supremacia das normas
comunitaacuterias com a proteccedilatildeo aos direitos fundamentais acabou por refletir no Tratado de
Maastricht de 1992 Tambeacutem chamado de Tratado da Uniatildeo Europeia este documento em
seu artigo F nuacutemero 2 determina que a Uniatildeo respeite os direitos fundamentais tal como os
garante a Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem24
Na esteira da inclusatildeo da proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em tratados o Tratado de
Lisboa de 2007 aleacutem de estabelecer personalidade juriacutedica agrave Uniatildeo Europeia25
determina que
a esta aderiraacute agrave Convenccedilatildeo Europeia para a proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e das Liberdades
Fundamentais sendo que a adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas
nos tratados26
23
XAVIER Ana Isabel Os Direitos Fundamentais no ldquodiaacutelogo europeurdquo de Nice a Lisboa In Debater a
Europa n 9 julhodezembro 2013 Disponiacutevel em httpeurope-direct-
aveiroaevaeudebatereuropaimagesn9axavierpdf Acesso em 03 out 2014 24
Artigo F n 2 ldquoA Uniatildeo respeitaraacute os direitos fundamentais tal como os garante a Convenccedilatildeo Europeia de
Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais assinada em Roma em 4 de novembro de
1950 e tal como resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-membros enquanto princiacutepios
gerais do direito comunitaacuteriordquo TRATADO DE MAASTRICHT 1992 Disponiacutevel em httpeuropaeueu-
lawdecision-makingtreatiespdftreaty_on_european_uniontreaty_on_european_union_ptpdf Acesso 15 out
2014 25
O artigo 46-A do Tratado de Lisboa determina que ldquoA Uniatildeo tem personalidade juriacutedicardquo TRATADO DE
LISBOA 2007 Disponiacutevel em httpeur-lexeuropaeulegal-
contentPTTXTPDFuri=OJC2007306FULLampfrom=PT Acesso 16 out 2014 26
O artigo 6ordf do Tratado de Lisboa determina que ldquo1 A Uniatildeo reconhece os direitos as liberdades e os
princiacutepios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da Uniatildeo Europeia de 7 de Dezembro de 2000 com
as adaptaccedilotildees que lhe foram introduzidas em 12 de Dezembro de 2007 em Estrasburgo e que tem o mesmo
valor juriacutedico que os Tratados De forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competecircncias da Uniatildeo tal
como definidas nos Tratados Os direitos as liberdades e os princiacutepios consagrados na Carta devem ser
interpretados de acordo com as disposiccedilotildees gerais constantes do Tiacutetulo VII da Carta que regem a sua
19
Mesmo que o ideal de Constituiccedilatildeo para a Uniatildeo Europeia natildeo tenha sido aprovado
pelos Estados membros as regras de supremacia das normas comunitaacuterias e de proteccedilatildeo aos
direitos fundamentais consagrados natildeo soacute nas Constituiccedilotildees como nas proacuteprias tradiccedilotildees
constitucionais dos Estados regem as decisotildees do Tribunal supranacional que existe no
continente Por isso mesmo que a preocupaccedilatildeo inicial da ldquopequena Europardquo tenha sido a
integraccedilatildeo econocircmica dos paiacuteses devastados pela guerra para que pudessem voltar a ser
competitivos internacionalmente ao longo do tempo sentiu-se a necessidade de trazer para
dentro do direito comunitaacuterio noccedilotildees acerca dos direitos fundamentais e humanos de modo
que hoje estes se encontram tutelados por instrumentos e oacutergatildeos supranacionais especiacuteficos
Ocorre que conforme se mencionou no iniacutecio deste subcapiacutetulo o cenaacuterio europeu
pode ser vislumbrado sob duas oacuteticas distintas desde o Congresso da Europa a oacutetica
federalista que impulsiona a criaccedilatildeo da Uniatildeo Europeia e de um direito comunitaacuterio europeu
e o vieacutes da cooperaccedilatildeo internacional marcado pela criaccedilatildeo do Conselho da Europa e de um
sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos o qual exige o pensamento acerca
da possibilidade da construccedilatildeo de um direito comum europeu
Nesse aspecto acerca do conceito de comum eacute pertinente remontar agraves premissas de
Dardot et Laval27
Para os autores o comum do direito segundo uma loacutegica de interpretaccedilatildeo
neoliberal natildeo seraacute outro que o direito de propriedade dos contratos e do lucro Eacute justamente
contra esse tipo de concepccedilatildeo trazido pelos efeitos nefastos da globalizaccedilatildeo que se invoca a
defesa e a reabilitaccedilatildeo do conceito de comum que deve ser entendido sob uma loacutegica de bases
uniacutessonas em mateacuteria de direitos humanos
Em razatildeo disso eacute no acircmbito da ldquogrande Europardquo ou seja do sistema regional europeu
de proteccedilatildeo dos direitos do homem que se vislumbram bases para a criaccedilatildeo de um direito
comum cuja premissa eacute a busca do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano28
Deste
modo no panorama apresentado se vislumbra de modo claro que embora existam regras
princiacutepios e instituiccedilotildees para reger o direito comunitaacuterio europeu (regras previstas nos
tratados da Uniatildeo Europeia e pacificadas pelo ativismo do TJUE) na ldquopequena Europardquo em
interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo e tendo na devida conta as anotaccedilotildees a que a Carta faz referecircncia que indicam as fontes
dessas disposiccedilotildees 2 A Uniatildeo adere agrave Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais Essa adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas nos Tratados3
Do direito da Uniatildeo fazem parte enquanto princiacutepios gerais os direitos fundamentais tal como os garante a
Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como
resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-Membrosrdquo Ibid 2007 27
DARDOT Pierre LAVAL Cristian COMMUN essai sur la revolutiona au XXeme siegravecle Paris La
deacutecouverte 2014 p 287 28
DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio
de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b
20
mateacuteria de direitos humanos e no acircmbito de um processo de globalizaccedilatildeo eacute preciso avanccedilar
na compreensatildeo do espaccedilo europeu para no acircmbito do sistema regional consolidar as bases
para a criaccedilatildeo de um direito comum
12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias juriacutedicas
a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da figura da
Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
O Congresso da Europa sob o aspecto juriacutedico dividiu o continente em blocos
autocircnomos dentro de um sistema multicecircntrico Nesse sentido Mireille Delmas-Marty29
assevera que natildeo existe uma unidade juriacutedica chamada Europa ou sequer uma visatildeo uacutenica e
preestabelecida do continente
Pelo contraacuterio existe uma Europa feita de instituiccedilotildees juriacutedicas diversas cada uma
com regras e princiacutepios especiacuteficos Neste sentido de um lado tem-se a ldquopequena Europardquo
composta pelos vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e que possui um ideal
primordialmente econocircmico com os objetivos de livre circulaccedilatildeo de pessoas e de
mercadorias bem como de instituiccedilatildeo de uma moeda uacutenica sob a perspectiva de abertura de
fronteira entre os paiacuteses Sob este ideal desenvolve-se a base para o direito comunitaacuterio que
possui como instituiccedilatildeo juriacutedica maacutexima o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo Europeia (TJUE)
com caraacuteter supranacional
Na Europa dos ldquoVinte e Oitordquo portanto sob o ideal integracionista surge o chamado
direito comunitaacuterio europeu o qual atraveacutes de direito originaacuterio (tratados constitutivos) e
direito derivado (normas emanadas de oacutergatildeos de competecircncia legislativa da Uniatildeo) forma o
sistema juriacutedico-poliacutetico e juriacutedico-econocircmico da Uniatildeo Europeia A peculiaridade desta nova
ordem formada eacute a de natildeo querer unificar a ordem juriacutedica dos paiacuteses europeus mas de
uniformizar em algumas mateacuterias as normas do bloco criado Justamente por isso a
supranacionalidade intriacutenseca ao direito comunitaacuterio natildeo se confunde com o direito
internacional
Sob as bases de interesses econocircmicos tem-se o objetivo de chegar a uma integraccedilatildeo
nas aacutereas concernentes agrave poliacutetica cultura dentre outras sob uma relaccedilatildeo de integraccedilatildeo entre o
29
Id 2004a p47
21
ordenamento juriacutedico comunitaacuterio e o ordenamento interno de cada Estado Sem sombra de
duacutevidas a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais se insere nessas relaccedilotildees mas com o
intuito de fortalecer o ideal de supremacia das normas comunitaacuterias Em funccedilatildeo de tal
premissa tem-se a necessidade de preservar o estaacutegio alcanccedilado pelo processo de integraccedilatildeo e
por isso um ordenamento juriacutedico comunitaacuterio eacute formado Entretanto eacute preciso avanccedilar no
processo de tutela dos direitos humanos em um contexto tatildeo plural como o europeu
Deste modo de outro lado tem-se a ldquogrande Europardquo criada pelo Conselho da Europa
perfazendo uma cooperaccedilatildeo poliacutetica que hoje abriga quarenta e sete membros30
signataacuterios da
Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais
(CEDH) O oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do Conselho da Europa eacute o Tribunal Europeu dos Direitos
do Homem (TEDH) sediado em Estrasburgo e para o qual podem demandar tanto Estados
quanto indiviacuteduos viacutetimas de violaccedilotildees de direitos humanos reconhecidos pela convenccedilatildeo
Neste sentido o paraacutegrafo 3ordm31
do Preacircmbulo da CEDH de 1950 assevera que a
finalidade principal do Conselho da Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre seus
membros e que um dos meios para alcanccedilar esta finalidade eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais sendo tais direitos vistos como um meio
para uma progressiva integraccedilatildeo dos europeus Antes mesmo disso o Estatuto do Conselho da
Europa de 1949 havia asseverado que a finalidade da instituiccedilatildeo era criar uma organizaccedilatildeo
que levasse os paiacuteses do continente a uma associaccedilatildeo cuja base fosse a unidade entre seus
membros privilegiando ideais e princiacutepios comuns aos diferentes Estados
Essa configuraccedilatildeo surgida na segunda metade do seacuteculo XX produz alteraccedilotildees
significativas na conceituaccedilatildeo de alguns institutos juriacutedicos e poliacuteticos como eacute o caso do
Estado da soberania dentre outros Nesse sentido o cenaacuterio Europeu pode ser enxergado
como proacuteximo da noccedilatildeo de Estado em Rede proposto por Manuel Castells32
Em um mesmo
espaccedilo territorial a autoridade passa a ser partilhada ao longo de uma rede de instituiccedilotildees O
30
Os 47 paiacuteses que fazem parte do Conselho da Europa satildeo Beacutelgica Dinamarca Franccedila Irlanda Itaacutelia
Luxemburgo Paiacuteses Baixos Noruega Sueacutecia Reino Unido Greacutecia Turquia Islacircndia Alemanha Ocidental
Aacuteustria Chipre Suiacuteccedila Malta Portugal Espanha Liechtenstein Satildeo Marino Finlacircndia Hungria Polocircnia
Bulgaacuteria Estocircnia Lituacircnia Eslovecircnia Repuacuteblica Checa Eslovaacutequia Romecircnia Andorra Letocircnia Albacircnia
Moldaacutevia Macedocircnia Ucracircnia Ruacutessia Croaacutecia Geoacutergia Armecircnia Azerbaijatildeo Boacutesnia e Herzegovina Seacutervia
Mocircnaco Montenegro Disponiacutevel em
httpwwwcoeintptAboutCoemediainterfacepublicationscoe_dh_ptpdf Acesso 08 out 2014 31
O terceiro paraacutegrafo do preacircmbulo da CEDH dispotildee que ldquoConsiderando que a finalidade do Conselho da
Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre os seus Membros e que um dos meios de alcanccedilar essa finalidade
eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento dos direitos do homem e das liberdades fundamentais ()rdquo CONVENCcedilAtildeO
EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS
1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso em 08 out 2014 32
CASTELLS Manuel A era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura A sociedade em rede Vol 1 5
ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999b
22
Estado-naccedilatildeo claacutessico relaciona-se com instituiccedilotildees supranacionais e a rede formada possui
noacutes diversos e natildeo um centro uacutenico sendo que esses noacutes podem apresentar tamanhos distintos
e estar ligados por relaccedilotildees assimeacutetricas
Essas redes e seus noacutes portanto representam formas de poder paralelas e
complementares que satildeo autocircnomas uma em relaccedilatildeo agraves outras O espaccedilo europeu marcado
por um jaacute consolidado direito comunitaacuterio e por uma estrutura supranacional sui generis
tornou-se um verdadeiro campo de concorrecircncia convergecircncia justaposiccedilatildeo e conflito de
vaacuterias constituiccedilotildees e poderes constituintes em um mesmo espaccedilo poliacutetico levando a uma
pluralidade de ordenamentos e de normatividades
A supranacionalidade desenvolvida assemelha-se desta forma a um Estado em Rede
em funccedilatildeo de um novo paradigma de governanccedila estabelecido em diferentes niacuteveis com
diferentes noacutes de diferentes dimensotildees e com relaccedilotildees internacionais assimeacutetricas O Estado-
Naccedilatildeo claacutessico se articula cotidianamente na tomada de decisotildees com instituiccedilotildees
supranacionais de diferentes tipos e em acircmbitos distintos33
Em uma mesma organizaccedilatildeo
complexa temos entatildeo as caracteriacutesticas da descentralizaccedilatildeo e da coordenaccedilatildeo sobretudo no
aspecto normativo sendo que a crise do Estado-naccedilatildeo o desenvolvimento das instituiccedilotildees
supranacionais e a transferecircncia das atribuiccedilotildees e iniciativas aos acircmbitos regionais e locais satildeo
caracteriacutesticas que funcionam como base para o desenvolvimento do Estado em Rede
Nesse acircmbito ainda eacute possiacutevel acrescentar a definiccedilatildeo de Marcelo Varella34
de que a
Uniatildeo Europeia caracteriza-se por ser uma instituiccedilatildeo sui generis natildeo soacute pelo seu modo de
constituiccedilatildeo como por seus efeitos no campo juriacutedico-normativo Desta maneira o bloco
europeu dos vinte e oito inserido no contexto de um sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos
humanos (ldquopequena Europardquo inserida na ldquogrande Europardquo) marca a caracteriacutestica de uma
superaccedilatildeo da tiacutepica forma de visatildeo linear e hieraacuterquica do direito tradicional em favor da
construccedilatildeo de um direito em camadas ou em diferentes niacuteveis ou ainda em redes
Essa concepccedilatildeo de Castells utilizada aqui para ilustrar as relaccedilotildees na Uniatildeo Europeia
comunica-se com a noccedilatildeo de Mireille Delmas-Marty35
de um pluralismo que deve ser
ordenado Na Europa como um todo em acircmbito juriacutedico a coexistecircncia de normas das mais
diversas fontes e de tribunais nas mais diferentes escalas faz emergir uma noccedilatildeo de caos
33
Id 1999a p164 34
VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade
de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014 p145 35
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006
23
juriacutedico que precisa ser ordenado Em razatildeo disso pertinente a busca por um direito comum
com ecircnfase em um direito comum em mateacuteria de direitos humanos
Interessante notar que esse cenaacuterio criado intensifica-se com o processo de
mundializaccedilatildeo36
e sob essa oacutetica embora os direitos humanos tenham se tornado oponiacuteveis aos
Estados perfazendo princiacutepios de direito incluiacutedos nas Constituiccedilotildees Estatais no
entendimento dos tribunais supranacionais e em instrumentos normativos internacionais os
corolaacuterios do processo de mundializaccedilatildeo satildeo os direitos econocircmicos que predominam nas
preocupaccedilotildees do jaacute consolidado direito comunitaacuterio europeu
Enquanto os direitos humanos foram concebidos sob o prisma de uma universalidade e
com a finalidade de proteger o ldquoirredutiacutevel humanordquo37
os direitos econocircmicos satildeo os motores
da mundializaccedilatildeo sendo que isso somado agrave desestabilizaccedilatildeo do tempo e agrave desestatizaccedilatildeo do
Estado gera no processo de mundializaccedilatildeo uma aparente desordem normativa com a
proliferaccedilatildeo de normas de modo anaacuterquico38
Em funccedilatildeo disso eacute viaacutevel dizer que o continente europeu serve de base e eacute capaz de
traduzir importantes eventos para explicar fenocircmenos que hoje satildeo salientes na esfera juriacutedica
Mireille Delmas-Marty39
sugere que vivemos sob a eacutegide de espaccedilos ldquodesestatizadosrdquo tempos
ldquodesestabilizadosrdquo e uma ordem ldquodeslegalizadardquo No sentido atual da paisagem juriacutedica
afirmar que o Estado eacute a uacutenica fonte de Direito eacute assumir uma atitude de exclusatildeo de todos os
demais espaccedilos normativos
Como eacute possiacutevel observar na Europa convivem em um mesmo espaccedilo normas
provenientes de fontes estatais claacutessicas normas advindas de instituiccedilotildees supranacionais e
regras provenientes de entes internacionais na formaccedilatildeo de um verdadeiro mosaico juriacutedico
O monopoacutelio do Estado como produtor do direito deixa de ser imperativo frente agrave
internacionalizaccedilatildeo crescente das fontes juriacutedicas De modo concomitante e corroborando
36
Na obra ldquoTrecircs Desafios para um Direito Mundialrdquo Mirelle Delmas-Marty observa as particularidades dos
termos globalizaccedilatildeo mundializaccedilatildeo e universalidade quais sejam ldquoA mundializaccedilatildeo remete agrave difusatildeo espacial
de um produto de uma teacutecnica ou de uma ideia A universalidade implica um compartilhar de sentidosrdquo Em
outra passagem disserta ldquoDifusatildeo espacial de um lado compartilhar os sentidos de outra estas duas foacutermulas
descrevem muito bem a diferenccedila que separam os dois fenocircmenos que eu denominarei globalizaccedilatildeo para a
economia e universalizaccedilatildeo para os direitos do homem guardando assim o termo mundializaccedilatildeo uma
neutralidade que ele jamais perderaacute caso natildeo se resigne rapidamente ao primado da economia sobre os Direitos
do Homemrdquo DELMAS-MARTY Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr
Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b p 08-09 37
Ibid p48 38
FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos
teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013 39
DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47
24
com a teoria do Estado em Rede de Castells eacute possiacutevel observar um processo de
descentralizaccedilatildeo espacial com o deslocamento de fontes do centro para periferias40
Da mesma forma os tempos estatildeo desestabilizados Segundo Delmas41
em comparaccedilatildeo
aos votos claacutessicos de perpetuidade da lei eacute possiacutevel hoje encontrar fontes temporaacuterias e
evolutivas do direito O espaccedilo europeu se constitui como uma aacuterea privilegiada dessas fontes
evolutivas42
Sob o aspecto da ldquopequena Europardquo as regras de direito comunitaacuterio impotildeem um
resultado que deve ser atingido o que pela falta de meios juriacutedicos incentiva os Estados a
adaptar seus textos a dados econocircmicos
Isso tudo faz emergir a noccedilatildeo de assincronia43
do direito ou seja diferentes
velocidades em diferentes espaccedilos Nesse sentido haacute no espaccedilo europeu uma diferenccedila de
velocidade dos processos de integraccedilatildeo das normas internacionais (ou supranacionais) de
direito do comeacutercio em comparaccedilatildeo com as normas ambientais ou relativas aos direitos
humanos O proacuteprio processo evolutivo de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais
sob o panorama da ldquopequena Europardquo demonstra desde os primoacuterdios da criaccedilatildeo da
Comunidade Europeia uma ausecircncia de sincronia em relaccedilatildeo agraves duas esferas do direito A
evoluccedilatildeo dos direitos humanos eacute lenta quando comparada com a celeridade da integraccedilatildeo das
normas de direito comercial e econocircmico em um mundo de economia globalizada
Pode-se entatildeo afirmar que natildeo soacute na Europa como tambeacutem na sociedade
internacional o tempo das relaccedilotildees comerciais e por conseguinte o tempo da integraccedilatildeo do
direito do comeacutercio eacute o tempo do software da fluidez da velocidade da luz Enquanto isso o
tempo das relaccedilotildees humanas da eacutetica da solidariedade e da integraccedilatildeo do direito dos direitos
humanos segue o tempo do hardware do denso do apego ao territoacuterio e agraves localidades44
Por fim estaacute-se tambeacutem frente a uma ordem ldquodeslegalizadardquo uma vez que dentre os
reflexos das vicissitudes na seara juriacutedica eacute possiacutevel destacar um ruptura com a noccedilatildeo de
40
Tal fenocircmeno eacute descrito por Mireille Delmas-Marty como ldquodescentralizaccedilatildeordquo Esta envolve o deslocamento de
fontes do centro do Estado para coletividades territoriais Todavia tal fenocircmeno natildeo se confunde com uma mera
desconcentraccedilatildeo de poderes que eacute destinada a conferir maior eficaacutecia agraves estruturas centrais do Estado A
descentralizaccedilatildeo conforme refere a autora confia ao representante local da coletividade territorial certos poderes
de decisatildeo fazendo transparecer uma autonomia local para impor certas regras juriacutedicas Como exemplo
podem-se destacar as comissotildees locais de eacutetica como ocorre em uma deontologia profissional como a Ordem
dos Advogados As regras disciplinares desta profissatildeo guardam um caraacuteter misto sendo de natureza local e
nacional privada e puacuteblica Ibid 2004ap55 41
Ibid 2004ap47 42
Segundo Delmas falar de fontes evolutivas significa renunciar ao passado do costume e ao futuro das leis para
situar as fontes de direito no presente por natureza instaacutevel Ibid 2004ap65 43
Id 2006 p 114 44
SALDANHA Jacircnia Marial Lopes BRUM Maacutercio Morais MELLO Rafaela da Cruz A Assincronia do
Direito e o Caso Araguaia Uma anaacutelise da Decisatildeo do Supremo Tribunal Federal Brasileiro na ADPF 153 e do
Julgamento do Caso Gomes Lund e Outros vs Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos In Andreacute
Karam Trindade Angela Araujo da Silveira Espindola (Org) Direitos Fundamentais e Espaccedilo Puacuteblico 1ed
Passo Fundo - RS Editora IMED 2011 v 2 p 37-61
25
identidade entre direito e lei45
O processo de internacionalizaccedilatildeo deixa comum aos sistemas
de commun law e de civil law o papel do juiz na geraccedilatildeo do direito ou seja na interaccedilatildeo entre
texto normativo e sua interpretaccedilatildeo de modo que a jurisprudecircncia e o diaacutelogo entre os
diferentes tribunais serve para ambos os sistemas como um importante balizador para
consolidaccedilatildeo de entendimentos e de princiacutepios
Diante desse cenaacuterio juriacutedico global proveniente do processo de internacionalizaccedilatildeo -
e especiacutefico no caso da Europa ndash de desestatizaccedilatildeo de ruptura com paradigmas e com a loacutegica
binaacuteria de interpretar o direito eacute possiacutevel concordar com a premissa de Mireille Delmas-
Marty46
de que a paisagem juriacutedica apresenta um panorama de proliferaccedilatildeo constante de
normas e de entendimentos jurisprudenciais que em um primeiro momento podem levar a
uma noccedilatildeo de desordem e anarquia
Conveacutem perceber que a nova paisagem juriacutedica para a qual a Europa eacute um verdadeiro
laboratoacuterio47
eacute composta por formas mais complexas como piracircmides inacabadas
descontiacutenuas compostas por aneacuteis normativos como uma guirlanda no entanto natildeo
especificamente se liga agrave anarquia Pelo contraacuterio a retirada de marcos e o deslocamento de
linhas natildeo significa desordem e essa aparecircncia de caos favorece ao pluralismo
Por isso Delmas-Marty48
atesta que a internacionalizaccedilatildeo do direito apresenta um
grande paradoxo ordenar o plural Embora estejamos semanticamente diante de vernaacuteculos
opostos visto que a proposta eacute colocar em ordem aquilo que naturalmente eacute muacuteltiplo e plural
sem reduzir sua identidade a primeira consideraccedilatildeo que deve ser feita eacute a de que o tiacutepico
modelo kelseniano de loacutegica juriacutedica natildeo mais se aplica ao cenaacuterio em que o Direito se insere
atualmente em razatildeo da multiplicidade e do dinamismo existente no processo de
mundializaccedilatildeo
Para ir da desordem agrave ordem eacute necessaacuterio fortalecer as correlaccedilotildees da formaccedilatildeo
juriacutedica trazendo estabilidade agrave presenccedila de divergecircncias atraveacutes de uma aproximaccedilatildeo entre
ordens juriacutedicas por meio de um jogo de referecircncias cruzadas com o intuito de ordenar a
multiplicidade Essa aproximaccedilatildeo poreacutem natildeo pode ser concebida senatildeo em relaccedilatildeo a uma
referecircncia comum e neste campo a utilidade dos instrumentos protetivos de direitos humanos
traz a coerecircncia de conjunto capaz de indicar uma direccedilatildeo a seguir um norte para a criaccedilatildeo de
um direito comum cujo pluralismo eacute ordenado
45 DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47 46
Id 2006 47
VARELLA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do direito Direito Internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Livre Docecircncia em Direito Internacional Faculdade de
Direito da Universidade de Satildeo Paulo (USP) Satildeo Paulo 2012 Acesso 14 out 2014 48
Ibid 2006 p 10
26
Obviamente o direito comum almejado eacute pluralista tendo a razatildeo como instrumento
de justificaccedilatildeo e de diaacutelogo O pluralismo eacute justificado pelo intuito de harmonizar e conjugar
as particularidades religiosas poliacuteticas culturais de cada Estado ou comunidade evitando a
sobreposiccedilatildeo de uma ordem sobre outra ou a assimilaccedilatildeo e exclusatildeo Em razatildeo disso o
direito comum pluralista pretende construir um ldquoDireito dos Direitosrdquo a partir do ideal de
universalizaccedilatildeo dos direitos humanos sendo que a finalidade eacute a de aproximar ou harmonizar
ndash e natildeo unificar - os diferentes sistemas juriacutedicos sob a perspectiva de respeito ao ldquoirredutiacutevel
humanordquo49
Impossiacutevel a criaccedilatildeo de normas e regras comuns a todos os povos justamente pelo
fato de que sempre algumas normas advindas de culturas especiacuteficas se sobressairatildeo sobre
outras na criaccedilatildeo de uma hegemonia negativa O direito comum portanto inserido na oacutetica
de um direito mundial pluralista eacute aquele acessiacutevel a todos e comum aos diversos Estados
sem que haja o abandono de identidades Justamente em funccedilatildeo disso o alicerce para a sua
criaccedilatildeo eacute a aproximaccedilatildeo dos sistemas juriacutedicos tendo por base os direitos humanos que
carregam a caracteriacutestica da universalidade a qual adveacutem do compartilhamento de sentidos e
do enriquecimento pela troca
Neste sentido em que consistem esses direitos humanos que satildeo os alicerces para a
criaccedilatildeo de um direito comum Eacute possiacutevel afirmar que a mera previsatildeo constitucional ou em
tratados de direitos jaacute asseguram a sua proteccedilatildeo Como lidar com questotildees concernentes agraves
pretensotildees universalistas e as particularidades do relativismo cultural nas diferentes
sociedades europeias
Narciso Baez50
traz reflexotildees importantes acerca desse tema Segundo ele em meados
do seacuteculo XVII pensou-se que a positivaccedilatildeo dos direitos humanos seria instrumento suficiente
para garantir o seu respeito Essa noccedilatildeo adentrou a contemporaneidade com a filosofia de
Hans Kelsen de que as normas positivadas e inseridas nos ordenamentos juriacutedicos eram
obrigatoacuterias por serem legitimadas por uma norma juriacutedica superior que tinha um fim em si
mesma
Obviamente o seacuteculo XX mostrou que a mera inserccedilatildeo legal da dignidade da pessoa
humana ndash que eacute o elemento cerne dos direitos humanos ndash em um sistema positivo de direito e
dissociada de valores morais natildeo seria suficiente para evitar eventuais violaccedilotildees desses
49
Ibid 2006 p 54 50
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos
humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da
UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em
httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014
27
direitos Sob esse panorama e seguindo a corrente eacutetica51
de fundamentaccedilatildeo dos direitos
humanos pode-se afirmar que estes satildeo direitos de fora da ordem positiva que tecircm em seu
bojo componentes morais sociais poliacuteticos e ateacute econocircmicos que salvaguardam condiccedilotildees
miacutenimas para a garantia da dignidade da pessoa humana Em sua dimensatildeo baacutesica portanto
satildeo direitos inatos pautados em valores morais e conferidos aos indiviacuteduos pelo simples fato
de estes serem humanos
Logo para a construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos exige-
se o fortalecimento desses em suas dimensotildees baacutesicas Eacute neste sentido que Delmas52
se refere
ao miacutenimo eacutetico universal e ao irredutiacutevel humano ou seja elementos que todos os indiviacuteduos
apresentam em comum mesmo em diferentes culturas
As duas estruturas baacutesicas dos direitos humanos satildeo portanto os valores morais e a
dignidade humana53
Em relaccedilatildeo aos primeiros infere-se que a origem dos direitos humanos
natildeo eacute legal vez que estes satildeo reconhecidos aos indiviacuteduos pelo simples fato de serem
humanos O ordenamento juriacutedico tem a mera funccedilatildeo de reconhecer tais direitos e transformaacute-
los em normas a fim de obter efetividade Jaacute a dignidade humana eacute o bem maior dentro dos
direitos humanos constituindo uma qualidade universal intriacutenseca irrenunciaacutevel e
inalienaacutevel inerente a todos os seres humanos e que se encontra acima das especificidades
culturais
Neste vieacutes a universalidade de tais direitos que eacute requisito indispensaacutevel para a
criaccedilatildeo de um direito comum natildeo eacute marcada pela criaccedilatildeo de instrumentos internacionais
positivos de proteccedilatildeo dos direitos humanos Isso porque embora tenha se conseguido a
universalizaccedilatildeo da adesatildeo dos Estados como eacute o caso da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos da ONU de 1948 ou mesmo da CEDH do sistema regional europeu ainda haacute
resistecircncias agrave aceitaccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo em algumas culturas que alegam a necessidade de
relativizaccedilatildeo desses direitos para adequaccedilatildeo agraves realidades nacionais54
Logo para a construccedilatildeo de uma verdadeira universalidade eacute necessaacuterio interpretar os
direitos humanos sob uma oacutetica interdisciplinar Finnis55
nesse aspecto afirma que os direitos
humanos constituem uma categoria que busca consagrar a dignidade humana sendo esta um
atributo de todas as pessoas independentemente de crenccedila ou cultura Nesse aspecto
51
Id 2007 p 13-35 52
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b 53
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Direitos humanos na globalizaccedilatildeo In BAEZ Narciso
Leandro Xavier BARRETO Vicente (Org) Direitos humanos em evoluccedilatildeo Joaccedilaba Ed Unoesc 2007 p
13-35 54
Id 2009 p77-99 55
FINNIS John Ley natural e derechos naturales Buenos Aires AbeledoPerrot 2000
28
vislumbra-se necessaacuterio a fim de identificar quais satildeo os valores baacutesicos e inderrogaacuteveis a
todos os humanos a construccedilatildeo de valores universais atraveacutes do diaacutelogo e do cruzamento de
diferentes culturas com diferentes valores Isso facilita a construccedilatildeo de uma cultura
cosmopolita baseada em uma identificaccedilatildeo em que prevaleccedila a dignidade da pessoa humana
acima dos relativismos
As diversidades culturais satildeo provenientes de elementos externos56
da diferenccedila de
ambientes naturais mas mesmo assim todas as pessoas ainda que inseridas em
especificidades culturais distintas ainda manteacutem atributos comuns Eacute por essa loacutegica que
permanece atual a premissa de Kant de que no atual estaacutegio da humanidade os povos
atingiram um grau de desenvolvimento que os permitem fazer parte de uma comunidade
cosmopolita57
Por isso a violaccedilatildeo de um direito humano em um ponto do planeta repercute e
pode ser sentida em todos os outros
Pertinente ainda lembrar que a universalizaccedilatildeo natildeo significa a imposiccedilatildeo ou a
uniformizaccedilatildeo de uma cultura sobre as outras Pelo contraacuterio deve-se buscar uma raiz
comum qual seja um conjunto de valores miacutenimos universais capazes de dialogar com
diferentes culturas garantindo o respeito e a preservaccedilatildeo da vida humana em qualquer lugar
Ainda sob essa oacutetica eacute possiacutevel afirmar que a noccedilatildeo de direito comum de Delmas
aproxima-se do ideal de direito cosmopoliacutetico em Kant58
Ao perceber o aumento da
participaccedilatildeo dos povos na Terra Kant vislumbra a ideia de uma comunidade mundial
alicerccedilada sob as bases de um direito cosmopoliacutetico a fim de garantir a paz perpeacutetua Diante
da dicotomia entre praacuteticas culturais e direitos humanos a base do cosmopolitismo kantiano eacute
a busca de criteacuterios loacutegico-racionais que sejam comuns a todas as culturas
Nesse espectro surgem entatildeo os direitos humanos como nuacutecleo moral-juriacutedico do
direito cosmopoliacutetico vez que a moralidade miacutenima universal se baseia em trecircs pilares a)
humanidade comum b) ameaccedilas compartilhadas e c) obrigaccedilotildees miacutenimas Logo a
fundamentaccedilatildeo moral eacute a base dos direitos humanos uma vez que nela encontram-se as
exigecircncias imprescindiacuteveis para a vida de um indiviacuteduo Apesar das diferenccedilas sociais e
culturais entre os seres humanos algumas necessidades e capacidades satildeo comuns a todos59
56
PAREKH Bhikhu Pluralist universalism and human rights In SMITH Rhona K M ANKER Cristien van
den The essentials of human rights London Oxford University Press 2005 57
KANT Immanuel Para a paz perpeacutetua Traduccedilatildeo Baacuterbara Kristen - Rianxo Instituto Galego de Estudos de
Seguranccedila Internacional e da Paz 2006 58
Ibid 2006 p 107-108 59
BARRETO Vicente de Paulo Direito Cosmopoliacutetico e Direitos Humanos In Espaccedilo Juriacutedico Journal of
Law N 2 Vol 11 2010 Disponiacutevel em
httpeditoraunoescedubrindexphpespacojuridicoarticleview19491017 Acesso 30 out 2014
29
Assim como a concepccedilatildeo de direitos humanos natildeo pode mais ser concebida como o
era na eacutepoca de Kelsen o panorama em que o Direito de um modo geral se insere hoje
tambeacutem natildeo pode mais ser concebido conforme a loacutegica claacutessica kelseniana em que a
constituiccedilatildeo estatal encontra-se no topo de uma estrutura piramidal sendo hierarquicamente
seguida pela legislaccedilatildeo infraconstitucional Os rearranjos da mundializaccedilatildeo e a consequente
internacionalizaccedilatildeo do Direito fazem com que novas estruturas permeiem o atual cenaacuterio
juriacutedico mundial
Seja uma concepccedilatildeo de trapeacutezio cujos veacutertices superiores satildeo ocupados em igual
niacutevel pelas constituiccedilotildees estatais e pelos tratados ou convenccedilotildees internacionais protetivos dos
direitos humanos como eacute a visatildeo de Canotilho seguida por Flaacutevia Piovensan60
seja uma
visatildeo de nuvens fluidas e descontiacutenuas com um direito de sistemas interativos complexos
marcados por geometria de piracircmides inacabadas e aneacuteis normativos como guirlandas
defendida por Delmas-Marty61
demonstram que a internacionalizaccedilatildeo traz tentativas de
recomposiccedilatildeo de um pluralismo que deveraacute ser suficientemente ordenado
Em razatildeo disso razoaacutevel frente agrave mudanccedila paradigmaacutetica trazida pela mundializaccedilatildeo
pensar em um conjunto ordenado para a desordem uma vez que a aparente anarquia que
existe favorece ao pluralismo Para se chegar a um direito comum pluralista tendo por base os
direitos humanos deve-se buscar a harmonizaccedilatildeo entre estes e os direitos econocircmicos com
respeito agraves particularidades religiosas e culturais e com a superaccedilatildeo dos perigos de uma
uniformizaccedilatildeo hegemocircnica tendente agrave globalizaccedilatildeo econocircmica
Nesse novo paradigma o ideaacuterio de ordem ldquodeslegalizadardquo anteriormente referido
toma corpo uma vez que a sobrevalorizaccedilatildeo da lei e das grandes codificaccedilotildees perde espaccedilo
havendo em contrapartida a crescente incorporaccedilatildeo dos precedentes (certa ruptura de
fronteiras entre common law e civil law) e dos princiacutepios como espeacutecie de coacutedigo cultural do
processo de interpretaccedilatildeo e criaccedilatildeo do direito62
A internacionalizaccedilatildeo do Direito reflete portanto uma nova realidade de um Direito
de sistemas complexos fluidos descontiacutenuos e interativos os quais levam agrave mutaccedilatildeo da
proacutepria concepccedilatildeo tradicional de ordem juriacutedica que natildeo eacute mais fechada dentro de si mesma e
sim sofre influecircncia de outras A tradicional piracircmide kelseniana eacute desconstruiacuteda
60
PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e diaacutelogo entre jurisdiccedilotildees In Revista Brasileira de Direito
Constitucional ndash RBCD n19 ndash janjul 2012 61
DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio
de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b 62
FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos
teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013
30
gradativamente dando lugar a novas geometrias cuja hierarquia natildeo eacute tatildeo riacutegida mas nem por
isso deixa de ser complexa
No topo encontram-se as constituiccedilotildees juntamente com elementos do Direito
Internacional (jus cogens tratados relativos o direito internacional dos direitos humanos) e do
direito comunitaacuterio europeu No corpo do que seria a antiga piracircmide kelseniana encontra-se
o crescimento e a consolidaccedilatildeo de um direito jurisprudencial atraveacutes de um jogo de
referecircncias reciacuteprocas em que um sistema observa o outro mas natildeo haacute um centro ao lado das
normas produzidas no legislativo (a intensa produccedilatildeo jurisprudencial para os hard cases
culmina em adiccedilatildeo de conteuacutedos advindos de ldquooutros direitosrdquo) e a base passa a ser composta
por decretos e regulamentos que resultam de administraccedilotildees policecircntricas corroborando para
a crenccedila de que o processo de internacionalizaccedilatildeo do direito vem acompanhado de
descentralizaccedilatildeo e privatizaccedilatildeo de fontes do Direito63
Diante deste quadro Delmas64
apresenta trecircs espeacutecies de processo de interaccedilatildeo para
se chegar a um direito comum coordenaccedilatildeo por entrecruzamento harmonizaccedilatildeo e unificaccedilatildeo
Destaca-se antes de discorrer brevemente sobre esses processos que o direito comum natildeo
tem a pretensatildeo de unificar o Direito no texto pois isso seria uma tarefa praticamente utoacutepica
A ideia de Delmas objetiva na realidade a exploraccedilatildeo da pluralidade como potencial poder
de integraccedilatildeo vez que as redes dinacircmicas e as estruturas vetorizadas pelos direitos humanos
presentes nas novas geometrias da ordem mundial se pautam no reconhecimento do outro em
uma espeacutecie de alteridade65
A coordenaccedilatildeo por entrecruzamento caracteriza-se por ser um processo horizontal em
que a autoridade das decisotildees seraacute reforccedilada pelo jogo de referecircncias cruzadas de uma
jurisdiccedilatildeo agrave outra Essa eacute uma fase transitoacuteria na construccedilatildeo de uma verdadeira ordem juriacutedica
mundial em que a internormatividade e a interpretaccedilatildeo cruzada permitem a formaccedilatildeo de no
miacutenimo uma comunidade de juiacutezes Em funccedilatildeo disso em acircmbito global percebem-se traccedilos
da coordenaccedilatildeo por entrecruzamento nos diaacutelogos entre cortes e tribunais nas mais diferentes
ordens No espaccedilo europeu a coordenaccedilatildeo eacute percebida da mesma forma atraveacutes dos diaacutelogos
entre as cortes nacionais e os tribunais da ldquopequena Europardquo e da ldquogrande Europardquo
respectivamente Tribunal de Luxemburgo e de Estrasburgo
Interessante notar conforme jaacute foi demonstrado que foram os diaacutelogos entre as cortes
nacionais dos diversos Estados membros da entatildeo Comunidade Europeia e posterior Uniatildeo
63
Ibid 2013 p20 64
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006 65
LOPES Carla Patriacutecia Frade Nogueira Internacionalizaccedilatildeo do Direito e pluralismo juriacutedico limites de
cooperaccedilatildeo no diaacutelogo de juiacutezes In Revista de Direito Internacional da Uniceub Vol 9 n4 2012
31
Europeia que auxiliaram no processo de consolidaccedilatildeo do entendimento de primazia das
normas comunitaacuterias ao lado da proteccedilatildeo integral aos direitos fundamentais previstos nas
constituiccedilotildees estatais Isso culminou conforme se asseverou anteriormente na disposiccedilatildeo do
Tratado de Lisboa de que a Uniatildeo Europeia natildeo soacute se submete agraves tradiccedilotildees e regras
constitucionais em mateacuteria de direitos fundamentais como adere agrave Convenccedilatildeo Europeia dos
Direitos do Homem
Se o primeiro processo de interaccedilatildeo eacute a coordenaccedilatildeo far-se-aacute de imediato a anaacutelise do
uacuteltimo processo a unificaccedilatildeo visto que o eacute no processo intermediaacuterio ndash a harmonizaccedilatildeo ndash que
se desenvolve o foco do presente estudo A unificaccedilatildeo seria do ponto de vista formal o
processo perfeito por unir ordens juriacutedicas regionais sob um mesmo modelo hieraacuterquico e
coerente das ordens nacionais tradicionais Entretanto sob o enfoque empiacuterico essa perfeiccedilatildeo
estaacute longe de ser garantida vez que a unificaccedilatildeo consiste na transferecircncia pura e simples do
regramento juriacutedico de um paiacutes para outro em uma espeacutecie de verticalizaccedilatildeo ordenada que
pode gerar a dominaccedilatildeo hegemocircnica de uma ordem sobre outra sem portanto respeito agrave
pluralidade
O processo intermediaacuterio de harmonizaccedilatildeo por sua vez tende a aproximar os sistemas
com um propoacutesito coordenativo poreacutem sem a intenccedilatildeo unificadora Tal processo limita-se a
uma integraccedilatildeo imperfeita cuja chave eacute a preservaccedilatildeo das margens nacionais de apreciaccedilatildeo
De modo diferente da coordenaccedilatildeo que eacute marcada pela horizontalidade da comunicaccedilatildeo entre
conjuntos juriacutedicos a harmonizaccedilatildeo instaura uma relaccedilatildeo do tipo vertical que implica o
reconhecimento de algumas hierarquias entre por exemplo direito internacional e nacional
direito supranacional e nacional dentre outras formas Todavia a inversatildeo destas hierarquias
e o reconhecimento muacutetuo fazem parte do movimento de harmonizaccedilatildeo
As margens nacionais de apreciaccedilatildeo satildeo as grandes novidades desse processo de
harmonizaccedilatildeo vez que elas funcionam em uma dinacircmica centriacutefuga e envolvem tanto a
obrigaccedilatildeo de conformidade em relaccedilatildeo agraves normas internacionais das quais determinado paiacutes eacute
signataacuterio quanto agrave apreciaccedilatildeo soberana dos Estados sendo delineada por princiacutepios
comuns66
A resistecircncia dos direitos internos e os avanccedilos do processo de harmonizaccedilatildeo satildeo
portanto as condiccedilotildees de possibilidade para a aplicaccedilatildeo da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
(MNA)
66
SALDANHA Jacircnia Maria Lopes MELLO Rafaela da Cruz Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e
Diaacutelogos Transjurisdicionais uma anaacutelise da postura do Supremo Tribunal Federal Brasileiro In Conselho
Nacional de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito - CONPEDI (Org) Direito Internacional dos Direitos
Humanos I XXIII EdFlorianoacutepolis CONPEDI 2014 v I p 368-394
32
Deste modo imperioso reconhecer que em um continente plural como eacute o europeu
com diversos paiacuteses com aspectos linguiacutesticos culturais religiosos e poliacuteticos a figura da
MNA apresenta-se como uma importante chave para o desenvolvimento e consolidaccedilatildeo de
um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos sendo uma ferramenta relevante
para o estabelecimento de um pluralismo ordenado uma vez que as pluralidades e
peculiaridades culturais e religiosas de cada Estado satildeo respeitadas
Neste sentido portanto a Europa pode ser vista novamente como um laboratoacuterio de
experiecircncias e o surgimento da MNA possui hoje um importante papel sobretudo dentro do
continente europeu Utilizada tanto pelos Tribunais de Luxemburgo e Estrasburgo a MNA
surgiu pela primeira vez na jurisprudecircncia do TEDH
Embora existam relatos do uso da MNA pelo Tribunal de Luxemburgo para permitir
que os conceitos comunitaacuterios sejam interpretados de modo flexiacutevel segundo as
especificidades nacionais e servindo como uma importante vaacutelvula de escape para as tensotildees
nacionais mais fortes neste trabalho far-se-aacute a limitaccedilatildeo da utilizaccedilatildeo da MNA pelo Tribunal
Europeu de Direitos do Homem com o intuito de analisar quais satildeo os entraves e as
possibilidades do uso de tal ferramenta pra a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de um direito comum
para a ldquogrande Europardquo tendo como base os direitos humanos
33
2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU
A noccedilatildeo de margem encontra-se no coraccedilatildeo dos sistemas de Direito uma vez que o
direito interno jaacute prevecirc a possibilidade de uma margem de interpretaccedilatildeo aos juiacutezes em relaccedilatildeo
agraves demandas que lhes satildeo apresentadas Todavia a internacionalizaccedilatildeo impulsiona ao
acreacutescimo do termo ldquonacionalrdquo a essa margem no sentido de permitir o reconhecimento da
diversidade dos sistemas juriacutedicos e a possibilidade de um direito comum
Nesse sentido no presente capiacutetulo far-se-aacute uma abordagem acerca da histoacuteria dessa
ferramenta criada pelo TEDH bem como o conceito e as criacuteticas trazidas por estudiosos da
doutrina da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) (21) Por conseguinte atraveacutes de uma
anaacutelise jurisprudencial se tentaraacute comprovar que a margem a despeito de opiniotildees contraacuterias
acerca da ausecircncia de paracircmetros para sua aplicaccedilatildeo pelo TEDH constitui-se como um
instrumento relevante para a construccedilatildeo de um direito comum europeu tendo como base
luminosa os direitos humanos (22)
21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem
Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu
Consoante fora anteriormente aludido a noccedilatildeo de margem encontra-se dentro dos
sistemas de direito Por isso em um primeiro momento aponta-se a margem dentro do direito
interno como ferramenta capaz de auxiliar o juiz enquanto receptor da norma a interpretar
determinado caso concreto em uma espeacutecie de coacutedigo cultural que determina o senso da
norma67
Nesse sentido a origem dessa margem de interpretaccedilatildeo adveacutem do direito
administrativo de diversos Estados europeus Na Franccedila a margem eacute conhecida como ldquomarge
67
DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation
du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit
compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780
34
drsquoappreacutecciationrdquo na Alemanha eacute vista como ldquoErmessensspielraumrdquo e na Itaacutelia ldquomarge de
discrizionalitaacuterdquo68
Em acircmbito interno portanto caracteriza-se por ser uma deferecircncia que
combina aspectos processuais e hermenecircuticos no sentido de conferir uma reserva de
apreciaccedilatildeo ao administrador para decidir acerca da conveniecircncia e oportunidade em relaccedilatildeo
aos atos administrativos
O processo de internacionalizaccedilatildeo estaacutegio supremo da globalizaccedilatildeo69
no acircmbito do
Direito se desenvolve a ponto de transformar o campo de uma disciplina de modo que
consoante jaacute fora exaustivamente exposto a seara juriacutedica natildeo se limita mais agrave relaccedilatildeo entre
Estados nem somente se combina com os direitos internos Logo o pluralismo pode ser visto
como uma palavra de ordem na paisagem juriacutedica atual e por isso a noccedilatildeo de margem ganha
o adjetivo ldquonacionalrdquo e passa a ser um elemento de tentativa de aproximaccedilatildeo com a finalidade
de atingir um direito comum com bases humanistas
Logo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) teria a finalidade de proceder a uma
espeacutecie de siacutentese entre os anseios de unidade juriacutedica e o desejo de separaccedilatildeo proveniente de
uma autonomia estatal A margem portanto sob o vieacutes da internacionalizaccedilatildeo corresponderia
ao caminho do meio entre o pressuposto de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o
relativismo ou os particularismos culturais de cada Estado
No contexto europeu em que tanto sob o vieacutes comunitaacuterio quanto sob a perspectiva do
sistema regional os Estados apresentam pluralidades significativas em relaccedilatildeo agrave religiatildeo agrave
cultura agrave poliacutetica dentre outros campos a figura da MNA serve como um importante
instrumento para aproximar o universal e o relativo70
Dessa maneira teria a funccedilatildeo de no
processo de construccedilatildeo de um direito comum apresentar como horizonte a universalidade dos
direitos humanos mas sem perder de foco os relativismos culturais que formam a identidade
das mais diferentes sociedades
Niacutetido portanto que o caminho para a construccedilatildeo de um ldquocomumrdquo em mateacuteria de
direitos humanos relaciona-se natildeo soacute com a proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua esfera eacutetica
e miacutenima como tambeacutem com a preservaccedilatildeo da pluralidade Como instrumento do processo de
harmonizaccedilatildeo a margem carrega em seu acircmago a noccedilatildeo de convergecircncia em torno de
princiacutepios comuns mas garantindo o respeito a uma espeacutecie de direito agrave divergecircncia uma vez
68
ITZCOVITCH Giulio One None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations The Lautsi Case
In Human Rights Law Review Oxford Journals 2013 Disponiacutevel em
httphrlroxfordjournalsorgcontent132toc Acesso 04 nov 2014 69
SANTOS Milton Teacutecnica Espaccedilo Tempo Globalizaccedilatildeo e meio teacutecnico-cientiacutefico-informacional 5ordf ed
Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2013 p 45 70
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b
35
que se garante a cada Estado a particularidade de lidar com questotildees atinentes agraves suas
diferenccedilas
Deste modo o Tribunal de Estrasburgo consoante fora dito anteriormente se utiliza
pela primeira vez do recurso agrave MNA no caso Lawless vs Irlanda71
Na discussatildeo cerne deste
conflito estava a possibilidade de prisatildeo provisoacuteria no caso dos atentados terroristas
relacionados ao grupo extremista IRA (Irish Republic Army) Mais especificamente o
cidadatildeo irlandecircs Gerard Richard Lawless ex-membro do IRA foi preso em julho de 1957 no
momento em que estava prestes a viajar da Irlanda agrave Gratilde-Bretanha Neste ato foi detido sob
especiais poderes de detenccedilatildeo indeterminada sem julgamento sob alegaccedilotildees de ofensas contra
o Estado irlandecircs
Lawless fazendo o uso da prerrogativa de peticcedilatildeo individual demandou perante a
Corte Europeia de Direitos do Homem alegando violaccedilatildeo pelo Estado Irlandecircs dos artigos 56
e 7 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem mas especificamente direitos de
liberdade seguranccedila julgamento justo e o princiacutepio de proibiccedilatildeo de puniccedilatildeo sem lei anterior
que defina um delito
No julgamento do caso em 1961 o Tribunal de Estrasburgo pela primeira vez fez
alusatildeo mesmo que de modo natildeo explicito agrave possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo
ao deixar ao Estado Irlandecircs margem para decidir fundamentando-se nas prerrogativas do
artigo 1572
da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Tal norma da Convenccedilatildeo alude agrave
possibilidade de derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade com a prerrogativa de que em
caso de guerra ou outro perigo puacuteblico que ameace a vida da naccedilatildeo a parte aderente agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem pode tomar providecircncias que derroguem as
obrigaccedilotildees previstas no tratado na estrita medida em que exigir a situaccedilatildeo
71
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57518itemid[001-57518] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lawless vs Irlanda Sentenccedila de 01 de julho de 1961 Acesso
05 nov 2014 72
Artigo 15 Derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade 1 Em caso de guerra ou de outro perigo puacuteblico que
ameace a vida da naccedilatildeo qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providecircncias que derroguem as obrigaccedilotildees
previstas na presente Convenccedilatildeo na estrita medida em que o exigir a situaccedilatildeo e em que tais providecircncias natildeo
estejam em contradiccedilatildeo com as outras obrigaccedilotildees decorrentes do direito internacional 2 A disposiccedilatildeo
precedente natildeo autoriza nenhuma derrogaccedilatildeo ao artigo 2deg salvo quanto ao caso de morte resultante de atos
liacutecitos de guerra nem aos artigos 3deg 4deg (paraacutegrafo 1) e 7deg 3 Qualquer Alta Parte Contratante que exercer este
direito de derrogaccedilatildeo manteraacute completamente informado o Secretaacuterio Geral do Conselho da Europa das
providecircncias tomadas e dos motivos que as provocaram Deveraacute igualmente informar o Secretaacuterio - Geral do
Conselho da Europa da data em que essas disposiccedilotildees tiverem deixado de estar em vigor e da data em que as da
Convenccedilatildeo voltarem a ter plena aplicaccedilatildeo CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS
DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014
36
Logo aplicando o referido artigo 15 da Convenccedilatildeo a decisatildeo do Tribunal de
Estrasburgo foi de no caso proposto asseverar que os fatos apurados natildeo revelam uma
violaccedilatildeo por parte do Governo irlandecircs de suas obrigaccedilotildees ao abrigo da Convenccedilatildeo Europeia
para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais Em razatildeo disso de a
motivaccedilatildeo do Tribunal para proferir a decisatildeo ter partido de uma prerrogativa da proacutepria
Convenccedilatildeo Europeia alguns autores73
natildeo fazem alusatildeo a este caso como o primeiro em que
houve concessatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo para Estado
Embora haja uma referecircncia tiacutemida agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso exposto
anteriormente eacute no caso linguiacutestico belga74
que se percebe uma manifestaccedilatildeo mais concreta
da Corte de Estrasburgo em relaccedilatildeo agrave deferecircncia de julgamento aos Estados precisando
alguns dos fundamentos da doutrina da MNA No caso belga julgado em 1968 pais que
falavam francecircs questionaram o sistema educacional da Beacutelgica que dividia o paiacutes em quatro
regiotildees linguiacutesticas distintas
O Tribunal de Luxemburgo aceitou uma margem de apreciaccedilatildeo conferida agraves partes em
funccedilatildeo de que os Estados possuiacuteam discricionariedade em relaccedilatildeo agrave regulamentaccedilatildeo do direito
agrave educaccedilatildeo A Corte argumentou que essa necessidade de concessatildeo de uma deferecircncia ou de
um limite de discricionariedade ao Estado era proveniente da natureza do proacuteprio direito
discutido (regulamentaccedilatildeo do sistema educacional) de modo que a regulamentaccedilatildeo do direito
agrave educaccedilatildeo poderia variar de acordo com o local e com o tempo consoante as necessidades e
os recursos da comunidade e dos indiviacuteduos
Ainda eacute possiacutevel destacar nesse caso a vinculaccedilatildeo da noccedilatildeo de margem de apreciaccedilatildeo
ao princiacutepio de subsidiariedade dos tribunais internacionais em relaccedilatildeo agraves cortes nacionais
Por isso o Tribunal manifestou-se asseverando que natildeo desejava substituir as autoridades
nacionais pois se assim o fizesse perderia a caracteriacutestica de mecanismo internacional de
garantia da ordem instaurada pela Convenccedilatildeo
73
KRATOCHVIL Jan The inflation of the margin of appreciation by european court of human rights In
Netherlands Quarterly of Human Rights Vol 293 2011 p 324-357 Disponiacutevel em ww corteidhorcr
tablas r26992pdf Acesso 01 nov 2014
VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um
equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em
httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 74
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httpwww9euskadineteuskara_araubideaLegedialegeakgaztelaneuropas23b001pdf CORTE EUROPEIA
DE DIREITOS HUMANOS Caso linguiacutestico belga Sentenccedila de 23 de julho de 1968 Acesso 05 nov 2014
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Essa subsidiariedade conduz agrave MNA duas noccedilotildees75
uma noccedilatildeo teacutecnica e outra
poliacutetica Na noccedilatildeo teacutecnica a razatildeo para sua existecircncia relaciona-se com a imprecisatildeo de
algumas normas que conferem certa liberdade ao juiz internacional No campo poliacutetico a
relaccedilatildeo se evidencia pela sensibilidade dos Estados em relaccedilatildeo a temas polecircmicos
Sob essa oacutetica e embora esse natildeo seja o foco do presente trabalho pode-se afirmar que
a MNA eacute uma figuram importante tanto para o horizonte de criaccedilatildeo de um direito comum
europeu como para a consolidaccedilatildeo do direito comunitaacuterio europeu Isso porque este uacuteltimo
embora tenha sido baseado em um ideal federalista funda-se na realidade em um modelo de
governanccedila supranacional em que a MNA foi importada pelo Tribunal de Luxemburgo a fim
de ser uma vaacutelvula de escape para tensotildees fortes em acircmbito comunitaacuterio76
O TJUE deste modo permite que os conflitos comunitaacuterios sejam interpretados de
maneira flexiacutevel conforme especificidades nacionais Cada Estado pode atribuir seu proacuteprio
significado a expressotildees ou textos legais de interpretaccedilatildeo ampla devendo-se contudo
vincular aos princiacutepios e conceitos juriacutedico-legais do direito comunitaacuterio
No campo de construccedilatildeo de um direito comum europeu que tem como terreno o
sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos tal premissa natildeo eacute diferente Embora em
alguns casos o TEDH opte pela concessatildeo da margem de deferecircncia essa soacute pode ser aplicada
pelo Estado se este observar os princiacutepios que regem o instrumento legal base da Corte qual
seja a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) Deste modo o Estado natildeo fica
desobrigado do cumprimento da Convenccedilatildeo pois em tese apenas existiraacute margem para
pontos sensiacuteveis desta os quais permitem interpretaccedilotildees diferenciadas de acordo com os
particularismos nacionais e os desacordos culturais
Nesse sentido conforme se observou pelos casos citados com ecircnfase para o caso
Lawless vs Irlanda uma primeira aplicaccedilatildeo da doutrina da margem vinculou-se ao processo
de sedimentaccedilatildeo do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos vez que tal
caso foi um dos primeiros a ser julgado pelo Tribunal de Estrasburgo aleacutem de conforme fora
dito ter sido o primeiro no acircmbito da criaccedilatildeo e uso da MNA Em razatildeo desse contexto a
utilizaccedilatildeo do instrumento em questatildeo deu-se em funccedilatildeo de uma demanda que envolvia
questatildeo de seguranccedila interna de um paiacutes e por isso a aplicaccedilatildeo da deferecircncia de julgamento agrave
Irlanda daacute-se tambeacutem como uma teacutecnica poliacutetica para evitar tensotildees entre esfera internacional
75
DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation
du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit
compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780 76
VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade
de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014
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e nacional (esta ainda arraigada ao conceito claacutessico de soberania) no acircmbito de um sistema
que tinha sido criado recentemente
Sob tal vieacutes pode-se recorrer agrave explicaccedilatildeo de Marcelo Varella77
de que a margem
deve ser aplicada para temas polecircmicos em que abusos exegeacuteticos por parte do tribunal de
cariz internacional podem levar agrave perda de legitimidade deste Contudo com o
desenvolvimento da teoria da MNA tanto por doutrinadores como pela proacutepria jurisprudecircncia
do tribunal que a criou percebe-se que o seu uso em grande medida relaciona-se com o
embate entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo nacional em mateacuteria de
desacordos culturais
Natildeo obstante a existecircncia de criacuteticas sobre a aplicaccedilatildeo praacutetica atual da MNA pelo
TEDH o que seraacute objeto de anaacutelise na sequencia do presente trabalho eacute com a figura da
deferecircncia da margem nacional que se torna possiacutevel um pluralismo de justaposiccedilatildeo78
que
tolera a coexistecircncia de sistemas particularmente diferentes Somente a possibilidade de
acoplamento do adjetivo nacional ao substantivo margem ou seja uma transferecircncia de
conceito desse substantivo para outra esfera que natildeo agrave interna de cada paiacutes jaacute demonstra que
uma ruptura com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito jaacute iniciou e ainda estaacute em curso
A ruptura com a concepccedilatildeo tradicional unificada e estritamente hierarquizada de
ordem juriacutedica leva a uma ruptura epistemoloacutegica com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito
Isso permite natildeo soacute a existecircncia e aplicaccedilatildeo de uma margem nacional de apreciaccedilatildeo como
demonstra a possibilidade de concretizaccedilatildeo do ideal de um direito comum que por ser
pluralista natildeo pode ser projetado conforme o modelo tradicional e nem encontra campo para
isso em funccedilatildeo do novo mosaico juriacutedico existente sobretudo na Europa
Logo eacute possiacutevel afirmar que a margem a que se refere esse trabalho natildeo deixa de ser
um reconhecimento jurisprudencial dessa mudanccedila de ares trazida pelas novas configuraccedilotildees
e estruturas juriacutedicas Isso porque novas instituiccedilotildees emergem em meio de um caos juriacutedico
que natildeo passa despercebido pelas cortes internacionais Prova disso eacute que a MNA natildeo eacute
mencionada somente pelo TEDH Ainda que de modo muito tiacutemido e em pequena medida eacute
possiacutevel o destaque de citaccedilatildeo (e aplicaccedilatildeo) da referida doutrina pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos79
Embora o continente latino americano seja tatildeo ou mais plural e diversificado que o
europeu e que o uso da margem como instrumento de siacutentese entre relativo e universal seja
77
Ibid 2012 p 143 78
DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 757 79
POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema
interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012
39
teoricamente indicado para sedimentar as bases de construccedilatildeo de um direito comum pluralista
a aplicaccedilatildeo do instituto em solo americano ainda natildeo ocorre de modo significativo Sob esse
vieacutes o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Seacutergio Garcia Ramirez80
asseverou
que a margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute uma ferramenta e um princiacutepio europeu de relativismo
relativo agrave execuccedilatildeo que natildeo eacute visto com simpatia pela Corte maacutexima do sistema regional
americano de direitos humanos Isso em funccedilatildeo natildeo soacute do histoacuterico de demandas que
chegaram ao julgamento da Corte Interamericana ndash em grande parte envolvendo violaccedilotildees de
direitos humanos perpetradas pelo Estado durante os periacuteodos de ascensatildeo de autoritarismos e
ditaduras na Ameacuterica Latina ndash como tambeacutem em razatildeo das democracias latino-americanas
ainda estarem em fase de consolidaccedilatildeo
Deste modo em razatildeo da ausecircncia ateacute entatildeo de casos envolvendo desacordos
culturais e das recentes reinserccedilotildees ou inserccedilotildees democraacuteticas de paiacuteses do continente
americano temia-se que eventual aplicaccedilatildeo de MNA poderia ser compreendida pelos Estados
como um salvo-conduto para que houvesse violaccedilatildeo de direitos humanos pelos paiacuteses A
cautela e a percepccedilatildeo de paisagens diferentes entre os territoacuterios separados pelo Atlacircntico
fizeram e fazem com que ainda hoje a doutrina da margem tenha pouca ou quase nenhuma
aplicaccedilatildeo na Ameacuterica
Deste modo pode-se afirmar que a internacionalizaccedilatildeo do direito - e seus reflexos na
Europa - eacute a responsaacutevel pela criaccedilatildeo de um espaccedilo para o desenvolvimento da doutrina da
margem nacional de apreciaccedilatildeo Nesse sentido embora a criaccedilatildeo tenha sido jurisprudencial
por parte do TEDH com aplicaccedilatildeo em alguns casos pelo proacuteprio Tribunal de Luxemburgo eacute
importante avaliar de que modo a doutrina conceitua o referido instituto
A posiccedilatildeo adotada por este trabalho eacute a de Mireille Delmas-Marty81
que salienta em
suas obras a origem nacional da margem nacional ainda como uma margem de interpretaccedilatildeo
capaz de conferir um pluralismo de valores do tipo meta juriacutedico em uma espeacutecie de
deferecircncia para apreciaccedilatildeo do juiz receptor de determinada norma Todavia a margem
relativa agrave internacionalizaccedilatildeo liga-se ao reconhecimento da diversidade de sistemas juriacutedicos
os quais possuem algumas caracteriacutesticas peculiares ligadas agraves identidades do Estado em que
se encontram
80
Tal posicionamento de Seacutergio Garciacutea Ramirez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema Internacional de
Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de 19 e 20 de agosto
de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado ndash da Pontifiacutecia
Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS 81
DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 762
40
Em razatildeo disso para a autora a noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo aleacutem de ser
uma siacutentese entre o universal e o relativo eacute uma chave do pluralismo ordenado Desse modo
sua construccedilatildeo assemelha-se de um lado agrave expressatildeo de uma dinacircmica centriacutefuga ou seja
uma resistecircncia dos Estados agrave integraccedilatildeo e o apego agrave noccedilatildeo claacutessica de soberania e de outro
lado sendo ela limitada por princiacutepios comuns estabelece o miacutenimo de compatibilidade
voltando-se ao centro em uma dinacircmica centriacutepeta
Haacute portanto um movimento duplo que por vezes traduz as resistecircncias dos direitos
nacionais por vezes os avanccedilos rumo agrave harmonizaccedilatildeo do direito comum em mateacuteria de
direitos humanos Eacute justamente essa capacidade de oscilaccedilatildeo que permite os ajustamentos
com vistas a compatibilizar o interno com o comum com o intuito nem de criar uma
hegemonia do universal e nem de tornar inaplicaacutevel o direito comum em razatildeo das
particularidades Desta forma Delmas percebe a margem como uma teacutecnica juriacutedica presente
no acircmbito do fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo do direito e que permite o reconhecimento da
diversidade entre os sistemas juriacutedicos82
Benvenisti83
por sua vez visualiza no uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo uma
espeacutecie de latitude que cada sociedade tem na resoluccedilatildeo de conflitos inerentes entre os
direitos individuais e os interesses nacionais ou entre diferentes convicccedilotildees morais Por
conseguinte alude que a doutrina da margem consoante inclusive fora abordado
anteriormente neste trabalho respondeu inicialmente a preocupaccedilotildees de governos nacionais
de que as poliacuteticas internacionais pudessem comprometer a seguranccedila nacional Isso entatildeo
explicaria a invocaccedilatildeo da margem no caso Lawless vs Irlanda por exemplo
Com a evoluccedilatildeo da jurisprudecircncia o uso desse instrumento passou a ser aplicado por
outras razotildees como gestatildeo de recursos discricionariedade em relaccedilatildeo a questotildees
concernentes agrave deliberaccedilatildeo acerca de sistemas poliacuteticos educacionais entre outros ateacute passar
a ser utilizada em temas relativos aos desacordos culturais Ainda segundo Bevenisti84
a
utilizaccedilatildeo da margem se justifica em alguns casos e em algumas mateacuterias ndash para o autor por
exemplo a aplicaccedilatildeo da margem nacional natildeo se justifica quando em questatildeo se encontram o
direito de minorias - sendo que o uso ampliado ou desmedido pode gerar uma espeacutecie de
deslegitimaccedilatildeo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos
82
Ibid 2000 p 760 83
BENVENISTI Eyal Margin of apreciation consensus and universal standards In International Law and
Politics Vol 31843 1999 pp 843-854 Disponiacutevel em httpwwwpict-
pctiorgpublicationsPICT_articlesJILPBenvenistipdfp 853 Acesso 05 nov 2014 84
Ibid 1999 p 846
41
Para Poblete amp Alvarado85
a margem nacional de apreciaccedilatildeo liga-se agrave noccedilatildeo de fins e
limites da jurisdiccedilatildeo internacional ou supranacional em mateacuteria de direitos humanos Eles
reconhecem que a doutrina da margem concede aos Estados signataacuterios de convenccedilotildees
internacionais liberdade para apreciar as circunstacircncias materiais que exigem aplicaccedilatildeo de
medidas excepcionais em situaccedilatildeo de emergecircncia como eacute o caso das prerrogativas do artigo
15 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de derrogaccedilatildeo em caso de necessidade
Outrossim ainda segundo os mencionados autores a margem possibilita aos Estados
liberdade para limitar direitos reconhecidos em tratados internacionais quando outros direitos
exigem respeito ou assim exigem os interesses da comunidade Ainda serviria para definir os
conteuacutedo dos direitos delimitar como eles satildeo aplicados no plano interno e definir o modo
como seratildeo cumpridas resoluccedilotildees de um oacutergatildeo internacional de supervisatildeo de um tratado ou
convenccedilatildeo Dessa maneira tais autores identificam a doutrina da MNA como uma
metodologia de que se servem os tribunais internacionais para difundir os direitos humanos
previstos nos tratados internacionais bem como o direito do comeacutercio ndash a margem tambeacutem eacute
aplicada pela Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio (OMC)
Vila86
por sua vez percebe na doutrina da marem nacional de apreciaccedilatildeo uma espeacutecie
de ldquodeferecircnciardquo praticada pelo Tribunal de Estrasburgo em relaccedilatildeo aos Estados signataacuterios da
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Isso pelo fato de que o sistema de proteccedilatildeo dos
diretos humanos na Europa eacute resultado de uma divisatildeo de trabalho entre os Estados e a Corte
em que os primeiros satildeo responsaacuteveis primaacuterios desta proteccedilatildeo e a Corte possui um caraacuteter
subsidiaacuterio atuando em acircmbitos sensiacuteveis como o da moralidade e da religiatildeo em que natildeo haacute
consenso entre os Estados
Nesse mesmo sentido se situa o pensamento de Roca87
que afirma que a doutrina da
margem nacional de apreciaccedilatildeo ocupa um lugar de destaque na jurisprudecircncia do Tribunal
Europeu de Direitos Humanos e eacute necessaacuteria para refletir uma realidade evidente qual seja a
pluralidade cultural dos Estados que fazem parte do Conselho da Europa notaacutevel em um
pluralismo de base territorial sobre o qual assenta uma cultura comum europeia de alguns
miacutenimos
85
POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema
interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012 p5 86
VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um
equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em
httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 87
ROCA JavierGarciacutea La muy discrecional doctrina del margen de apreciacioacuten nacional seguacuten el Tribunal
Europeo de Derechos Humanos Soberaniacutea e Integracioacuten In UNED Teoriacutea y Realidad Constitucional N
202007 p 117-143 Disponiacutevel em httpe-spaciounedes revistasuned indexphp TRC article vie 6778
Acesso 02 nov 2014
42
Da mesma forma considera o autor que os princiacutepios da proporcionalidade e da
subsidiariedade satildeo imanentes agrave noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo visto que os
Estados possuem certa margem de discricionariedade na aplicaccedilatildeo e no cumprimento de
obrigaccedilotildees impostas pela Convenccedilatildeo bem como na ponderaccedilatildeo de interesses mais
complexos Se houver excesso por parte dos Estados no uso dessa margem haacute violaccedilatildeo do
princiacutepio da proporcionalidade e abre-se espaccedilo para a intervenccedilatildeo do oacutergatildeo jurisdicional
internacional sob as bases do princiacutepio da subsidiariedade
Eacute importante sob essa oacutetica lembrar que embora o diferencial da Corte Europeia de
Direitos Humanos seja o de permitir a peticcedilatildeo individual de qualquer sujeito que denuncie
uma violaccedilatildeo de seus direitos baacutesicos assim como outros tribunais internacionais tem a regra
da exigecircncia do esgotamento das vias internas de acesso agrave justiccedila para que a demanda seja
recebida pelo TEDH Se natildeo houve satisfaccedilatildeo do pleito por parte do Estado ou se a reparaccedilatildeo
obtida se revelara inidocircnea para uma proteccedilatildeo adequada ao direito violado entatildeo agrave Corte
Europeia eacute permitido revisar a decisatildeo nacional ou substituiacute-la
Mahorney88
em seus estudos assevera que a margem funciona como uma espeacutecie de
divisatildeo de jurisprudecircncias uma vez que traccedila uma linha divisoacuteria entre o que deve decidir
cada comunidade nacional e as questotildees que tecircm relevacircncia para necessitar uma soluccedilatildeo
homogecircnea ou seja as que demandam uma decisatildeo que harmonize a regulaccedilatildeo do direito e
suas garantias na comunidade internacional independentemente das diferenccedilas de tradiccedilotildees
ou culturas
Contreras89
afirma que os tratados regionais de direitos humanos embora contenham
escopos de universalidade em relaccedilatildeo a esses direitos satildeo acompanhados pela possibilidade
de peculiaridades geograacuteficas na execuccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos direitos do homem As cortes
internacionais tecircm a dificuldade de conciliar ou justificar a falta de conciliaccedilatildeo entre
diferenccedilas morais e normativas de cada regiatildeo Em razatildeo disso uma das criaccedilotildees doutrinaacuterias
mais importantes eacute a da margem nacional de apreciaccedilatildeo sendo esta para o autor um criteacuterio
interpretativo desenvolvido tanto como deferecircncia aos Estados para que possam regular o
conteuacutedo dos direitos e suas restriccedilotildees e para distribuir os poderes e niacuteveis de decisotildees
tomadas entre as autoridades domeacutesticas e internacionais
88
MAHORNEY Paul Marvellous richness diversity or individual cultural relativism In Human Rights Law
Journal Vol 19 nuacutem 1 30 de abril de 1998 p 1 89
CONTRERAS Pablo National Discretion and International Deference in the Restriction of Human Rights A
Comparison Between the Jurisprudence of the European and the Inter-American Court of Human Rights In
Northwestern Journal of International Human Rights Vol 11 2012 Disponiacutevel em
httpscholarlycommonslawnorthwesterneducgiviewcontentcgiarticle=1155ampcontext=njihr Acesso 01 nov
2014
43
Visiacutevel portanto que na doutrina natildeo haacute um contexto exato em relaccedilatildeo a essa figura
criada e aplicada na jurisprudecircncia do TEDH Enquanto para alguns estudiosos ela se
configura como uma doutrina para outros eacute um criteacuterio interpretativo ou hermenecircutico usado
pelos tribunais internacionais no sentido de revisar a decisatildeo de um Estado ou conceder
deferecircncia a este para julgar conforme o direito interno coadunado com os princiacutepios miacutenimos
existentes nos tratados internacionais de direitos humanos
Natildeo obstante a divergecircncia de conceituaccedilatildeo no campo teoacuterico analisar-se-aacute no
proacuteximo capiacutetulo alguns casos emblemaacuteticos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de apreciaccedilatildeo
pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos mais diferentes tema com o intuito de
responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel afirmar que do modo como eacute aplicada a
doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo pela Corte Europeia de Direitos do Homem
temos uma efetiva contribuiccedilatildeo para o processo de harmonizaccedilatildeo entre universal e relativo e
construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos
Embora a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo tenha nascido da tentativa de
produccedilatildeo de uma siacutentese entre o universal e o relativo no espaccedilo do sistema regional europeu
de proteccedilatildeo dos direitos humanos sua aplicaccedilatildeo praacutetica sobretudo pelo TEDH natildeo eacute imune a
criacuteticas Cumpre a esse capiacutetulo realizar notas acerca da aplicaccedilatildeo praacutetica da margem
nacional de apreciaccedilatildeo com o intuito de verificar se ela efetivamente contribui ou eacute capaz de
contribuir para a construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
Conforme afirmam Brum et Saldanha90
a MNA ao ser compreendida e utilizada como
uma forma de autocontrole por meio do qual o oacutergatildeo jurisdicional internacional evita o
enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas poliacutetica pode
representar um risco de fragilizaccedilatildeo do direito internacional dos direitos humanos caso seu
uso se torne indiscriminado sem criteacuterios claros e limites precisos Desta maneira seu uso em
vez de conduzir ao caminho de ordenaccedilatildeo do muacuteltiplo e de mundializaccedilatildeo dos direitos
90
BRUM Maacutercio Morais SALDANHA Jacircnia Maria Lopes A margem nacional de apreciaccedilatildeo e sua
(in)aplicaccedilatildeo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em mateacuteria de anistia Uma figura hermenecircutica a
serviccedilo do pluralismo ordenado In Anuario Mexicano de Derecho Internacional 2015(No prelo para
publicaccedilatildeo)
44
humanos levaria ao rumo contraacuterio da fragmentaccedilatildeo e reforccedilo da velha noccedilatildeo de soberania
marcada pela ausecircncia de compromisso dos Estados com os marcos protetivos miacutenimos do
direito internacional
Neste vieacutes portanto dentro ainda de um panorama geral de anaacutelise da postura do
Tribunal de Estrasburgo um dos primeiros pontos de criacutetica se relaciona ao enfraquecimento
da credibilidade do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos Na visatildeo de
alguns doutrinadores a postura da Corte Europeia na aplicaccedilatildeo irrestrita e sem limitaccedilotildees ou
uma sistematizaccedilatildeo teacutecnica em relaccedilatildeo aos casos em que deve ou natildeo ser aplicada pode gerar
um sentimento de descrenccedila na legitimidade e na eficaacutecia das decisotildees tomadas pelo oacutergatildeo
jurisdicional internacional do Conselho da Europa
Para alguns estudiosos o modo como a margem eacute aplicada reflete uma postura de
evitar o enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas
poliacuteticas Aleacutem de uma fragilizaccedilatildeo do sistema internacional de proteccedilatildeo aos direitos humanos
o uso da margem sem limites definidos pode levar ao reforccedilo da noccedilatildeo claacutessica de soberania
em que o compromisso dos Estados com os instrumentos normativos de direito internacional
era mitigado
No campo de aplicaccedilatildeo a casos praacuteticos eacute possiacutevel conforme assevera Roca91
visualizar as imprecisotildees praacuteticas e teoacutericas do uso da margem o que leva a dois resultados o
primeiro eacute a necessidade de criaccedilatildeo de esforccedilos com urgecircncia para melhor edificar e criar
paracircmetros para a aplicaccedilatildeo da ferramenta bem como que o demandante ou qualquer
observador perante a Corte natildeo saber com suficiente seguranccedila juriacutedica quando o Tribunal
de Estrasburgo vai usar a margem nem quais seratildeo os possiacuteveis resultados desse uso
Ainda segundo o autor a margem eacute um instrumento impreciso e de geometria
variaacutevel todavia eacute consenso entre os doutrinadores que a ferramenta natildeo eacute uma carta branca
aos Estados para fazerem o que quiserem sendo necessaacuteria depuraccedilatildeo teoacuterica para tornar o
instrumento mais preciso Seu uso impotildee como jaacute foi dito autocontenccedilatildeo por parte da Corte
tendo em vista que sua funccedilatildeo segundo o princiacutepio da subsidiariedade eacute somente de impor
estandartes miacutenimos comuns em mateacuteria de direitos humanos Entretanto o niacutevel de proteccedilatildeo
dos direitos dos direitos e das diversas foacutermulas para concretizaacute-los natildeo satildeo homogecircneos
diante de naccedilotildees com tradiccedilotildees juriacutedicas tatildeo diversas
Desta maneira no campo jurisprudencial com a finalidade de responder ao
questionamento feito no capiacutetulo anterior utilizar-se-aacute de modo conjunto as classificaccedilotildees das
91
ROCA op cit 125
45
decisotildees da Corte Europeia dos Direitos do Homem feitas por Contreras e por Roca Para o
primeiro doutrinador92
eacute possiacutevel dividir os casos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de
apreciaccedilatildeo pelo Tribunal de Estrasburgo em trecircs grandes grupos
O primeiro grupo abarca casos envolvendo direitos fundamentais e direitos poliacuteticos
dentre os quais se destacam a proibiccedilatildeo da tortura ou a liberdade de expressatildeo e associaccedilatildeo
Nesse primeiro grupo no que tange aos direitos fundamentais haacute rigorosa supervisatildeo por
parte do Tribunal Europeu negando qualquer margem nacional de apreciaccedilatildeo aos Estados
Ainda dentro deste conjunto no que concerne aos discursos poliacuteticos ou direito de partidos
poliacuteticos eacute por vezes concedida uma margem reduzida agraves autoridades domeacutesticas para
decisatildeo ou execuccedilatildeo de uma decisatildeo
O segundo grupo por sua vez relaciona-se aos direitos de propriedade em que a
Corte concede grande margem de deferecircncia aos Estados Isso porque o TEDH reconhece em
princiacutepio que as autoridades nacionais estatildeo melhor situadas do que o juiz internacional no
que tange a apreciaccedilatildeo acerca do melhor interesse de uma comunidade em relaccedilatildeo a poliacuteticas
envolvendo direitos de propriedade
Por fim o terceiro grupo eacute o mais complexo para a apreciaccedilatildeo do tipo de margem
concedida pelo Tribunal de Estrasburgo uma vez que conteacutem temas que natildeo apresentam
consenso por parte do Tribunal Deste modo neste grupo ficam evidentes as complexidades e
as vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis da MNA Casos como os de liberdade religiosa liberdade de
discurso direitos dos homossexuais dentre outros temas latentes e relevantes na paisagem
juriacutedica social e cultural europeia
Do mesmo modo Roca93
divide a margem nacional de apreciaccedilatildeo em trecircs ciacuterculos
concecircntricos tendo como base a natureza dos direitos cuja tutela eacute pleiteada junto ao oacutergatildeo
jurisdicional internacional do sistema europeu O primeiro ciacuterculo de Roca relaciona-se com o
segundo grupo de Contreras vez que trata dos direitos de propriedade que teriam uma
margem de deferecircncia ampla e um controle pouco intenso por parte da Corte Esse ciacuterculo
seria o maior e englobaria os demais
No ciacuterculo menor estariam os direitos vistos como absolutos pelo Tribunal Europeu
Dentre esses se destacam o direito agrave vida ou os direitos democraacuteticos que apresentam uma
margem de apreciaccedilatildeo pouco extensa juntamente com um controle restrito por parte da Corte
Europeia Este ciacuterculo identifica-se com o primeiro grupo anteriormente mencionado visto
92
CONTRERAS op cit p 35 93
ROCA op cit p 134
46
que trabalha com noccedilotildees de direitos fundamentais e poliacuteticos essenciais e miacutenimos para todos
os paiacuteses europeus
Por fim no espaccedilo intermediaacuterio entre esses dois ciacuterculos encontra-se uma esfera
meacutedia que relacionando-se com o terceiro grupo definido por Contreras contempla todos os
outros direitos em que alguma vez o Tribunal de Estrasburgo mencionou ou aplicou a margem
nacional de apreciaccedilatildeo Eacute justamente nesse ciacuterculo que devem ser desenvolvidos os
paracircmetros para guiar o uso da ferramenta pela Corte no intuito de reduzir a inseguranccedila
juriacutedica ocasionada pelo uso sem uma sistematizaccedilatildeo de criteacuterios
Eacute pertinente em um primeiro momento destacar que conforme ambos os
doutrinadores demonstram quando se mencionam direitos fundamentais ou vinculados agrave
princiacutepios democraacuteticos inaplicaacutevel eacute o uso da margem pela Corte ou se for feito eacute de forma
absolutamente restrita No caso dos direitos fundamentais interessante relembrar Baez94
que
ao buscar o conceito de direitos humanos concluiu que nenhuma fonte normativa existente
tanto em sistemas internacionais quanto nacionais ou regionais trazem a definiccedilatildeo de direitos
humanos Pelo contraacuterio soacute os exemplificam
Nesse sentido observou Baez95
que embora natildeo exista uma definiccedilatildeo precisa de
direitos humanos existem elementos baacutesicos que fazem parte desses e o elemento que eacute
citado em todos os instrumentos normativos sobre o tema eacute o de dignidade da pessoa humana
Os direitos humanos somente existem para realizaccedilatildeo e proteccedilatildeo da dignidade humana poreacutem
o conceito de dignidade eacute de tatildeo difiacutecil conceituaccedilatildeo quanto o conceito de direitos humanos
O autor conclui que a dignidade possui duas dimensotildees a dimensatildeo baacutesica a qual
corresponde aos limites miacutenimos e fundamentais para a existecircncia humana impedindo a
noccedilatildeo de coisificaccedilatildeo do ser Se houver portanto violaccedilatildeo agrave dimensatildeo baacutesica da dignidade da
pessoa humana haacute tambeacutem violaccedilatildeo dos direitos humanos A outra dimensatildeo eacute a cultural vez
que envolve o conjunto de valores que cada sociedade desenvolve
A primeira dimensatildeo refere-se agrave universalidade e a segunda que depende de fatores
culturais permite que os direitos humanos sejam morfologicamente assimeacutetricos Isso natildeo
deixa de se relacionar com o que Delmas-Marty fala acerca dos direitos humanos
inderrogaacuteveis ou seja que natildeo podem sofrer a incidecircncia de qualquer tipo de margem de
94
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos
humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da
UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em
httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014 95
Tal posicionamento de Narciso Leandro Xavier Baez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema
Internacional de Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de
19 e 20 de agosto de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado
ndash da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS
47
apreciaccedilatildeo Estes possuem a caracteriacutestica do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano
ou seja vinculam-se agrave noccedilatildeo da dimensatildeo baacutesica da dignidade da pessoa humana
Neste vieacutes eacute possiacutevel dizer que no que diz respeito aos direitos fundamentais a Corte
de certa forma apresenta certa relaccedilatildeo com as doutrinas apresentadas uma vez que em casos
em que existam registros de violaccedilotildees aos direitos humanos inderrogaacuteveis quais sejam os
que tem como cerne a dignidade humana baacutesica a Corte natildeo permite qualquer espeacutecie de
margem nacional de apreciaccedilatildeo Vejamos por exemplo o caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila96
julgado em 2006 O demandante perante o Tribunal de Estrasburgo foi um terrorista
venezuelano conhecido na deacutecada de 1970 condenado pelo Estado Francecircs agrave prisatildeo perpeacutetua
pelo assassinato em 1974 dois inspetores da poliacutecia francesa e um antigo companheiro
terrorista libanecircs
Saacutenchez recorreu agrave Corte Europeia arguindo violaccedilotildees do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo
Europeia dos Direitos do Homem (proibiccedilatildeo da tortura e tratamentos humanos degradantes) e
do artigo 13 do mesmo diploma legal (direito a um recurso efetivo) Embora no julgamento
tenha ficado decidido que natildeo houve violaccedilatildeo ao artigo 3ordm97
o posicionamento da Corte
permite asseverar que natildeo haacute margem nacional de deferecircncia aos Estados quando o assunto
for violaccedilatildeo de direitos humanos ou fundamentais inderrogaacuteveis ou cujo nuacutecleo central for a
dignidade baacutesica da pessoa humana Nesse sentido a Corte pontuou que mesmo nas
circunstacircncias mais difiacuteceis como a luta contra o terrorismo ou o crime organizado a
Convenccedilatildeo proiacutebe em termos absolutos a tortura ou tratamentos inumanos ou degradantes
Igualmente natildeo confere o Tribunal margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso de
violaccedilatildeo de direitos humanos nas condiccedilotildees degradantes das prisotildees de muitos paiacuteses do Leste
Europeu O caso Kalashnikov vs Ruacutessia98
julgado em 15 de julho de 2002 cujo fundamento
foi repetido em muitos outros casos envolvendo condiccedilotildees humanas degradantes nas prisotildees
apresenta a consideraccedilatildeo de que deficientes condiccedilotildees objetivas e estruturais de cumprimento
de pena podem constituir uma violaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo Europeia
96
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-
1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila Sentenccedila
de 04 de julho de 2006 Acesso 05 nov 2014 97
Artigo 3ordm Proibiccedilatildeo da tortura Ningueacutem pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos desumanos
ou degradantes CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS
LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 98
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-
1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Kalashnikov vs Ruacutessia Sentenccedila de 15
de julho de 2002 Acesso 05 nov 2014
48
Ainda pode-se destacar o caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria99
em que novamente o motivo
que serve de base para o pedido de julgamento do Tribunal de Estrasburgo eacute a violaccedilatildeo do
artigo 3ordf da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de que ningueacutem poderaacute ser
submetido a torturas nem a penas ou tratamentos humanos degradantes O caso em comento
referiu-se agrave prisatildeo do senhor Borislav Gutsanov membro do Partido Comunista preso pela
poliacutecia da Bulgaacuteria em sua casa na frente de seus filhos e de sua esposa durante as
investigaccedilotildees de esquemas de grupos criminosos Segundo o relato das partes demandantes
Gustsanovi foi rendido em sua casa por volta das seis horas da manhatilde forccedilado a se ajoelhar e
algemado em frente a seus filhos menores de idade
A decisatildeo da Corte foi a de considerar que houve violaccedilatildeo do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo
uma vez que se mostrou desnecessaacuterio o ato dos policiais e natildeo condizente com os princiacutepios
da proporcionalidade e com as exigecircncias de garantia de direitos fundamentais de um Estado
Democraacutetico de Direito Isso porque o demandante natildeo teria oferecido resistecircncia em sua
prisatildeo de modo que algemaacute-lo diante de sua famiacutelia representou uma espeacutecie de tratamento
humano degradante
Casos como os acima previstos mostram um padratildeo doutrinaacuterio e jurisprudencial
semelhante vez que natildeo se encontram referecircncias expressas a qualquer margem nacional de
apreciaccedilatildeo para as autoridades nacionais O TEDH determina se as provas colhidas satildeo
suficientes ou natildeo para provar o real risco de tortura ou de tratamento humano e
degradante100
Logo pelo fato de que a natureza dos direitos envolvidos nesse caso eacute considerada
como fundamental de imediato eliminam-se as possibilidades de deferecircncia aos Estados Tal
compreensatildeo eacute o que faz o uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo ser extremamente reduzido
no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos Isso porque ateacute hoje diferentemente do Tribunal de Estrasburgo a Corte
Interamericana teve como maioria de demandas apresentadas as envolvendo delitos
praticados pelos Estados Americanos durante as ditaduras militares ou civil militares em que
casos de tortura e desaparecimento forccedilados eram julgados ou seja casos envolvendo a
violaccedilatildeo de direitos fundamentais ou humanos em sua perspectiva eacutetica de dignidade humana
e natildeo cultural
99
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-126982itemid[001-126982] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria Sentenccedila de 15 de outubro de 2013
Acesso 05 nov 2014 100
CONTRERAS op cit p 41
49
Nesse aspecto visiacutevel que quando se tratam de possiacuteveis violaccedilotildees de direitos
humanos inderrogaacuteveis previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos
a anaacutelise feita pelo Tribunal de Estrasburgo eacute de revisatildeo minuciosa da sentenccedila proferida no
paiacutes de origem da demanda bem como a possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute
extremamente reduzida para natildeo falar inexistente No caso de direitos democraacuteticos a
deferecircncia quando concedida pela Corte possui um limite miacutenimo e consoante o princiacutepio da
proporcionalidade soacute eacute concedida se a restriccedilatildeo eacute necessaacuteria e condizente com uma sociedade
democraacutetica
Nos direitos democraacuteticos referidos abarca-se a participaccedilatildeo poliacutetica atraveacutes das
possibilidades de liberdade de associaccedilatildeo ou de discurso poliacutetico Neste campo dos direitos de
participaccedilatildeo poliacutetica em sociedades democraacuteticas a margem concedida pelo Tribunal de
Estrasburgo consoante se afirmou eacute reduzida e sujeita a um controle rigoroso por parte do
oacutergatildeo jurisdicional internacional
Destaca-se o caso Lingens vs Austria101
que por mais que tenha sido julgado na
deacutecada de 1980 pela Corte Europeia eacute emblemaacutetico em relaccedilatildeo ao posicionamento do
tribunal internacional acerca da liberdade de expressatildeo Nesse caso durante o periacuteodo anterior
agraves eleiccedilotildees na Aacuteustria o jornalista Lingens publicou dois artigos polecircmicos sobre os
candidatos incluindo em um desses artigos a informaccedilatildeo de que o entatildeo presidente do
Partido Liberal Nacional da Aacuteustria teria ligaccedilotildees no passado com o nazismo e com a SS
Contra o jornalista foi instaurado um processo penal e ao fim da instruccedilatildeo criminal
este fora condenado pelo delito de difamaccedilatildeo conforme as regras do direito penal austriacuteaco
Esgotadas as vias internas de recurso o jornalista demandou perante a Corte Europeia
alegando que houve por parte do Estado violaccedilatildeo do artigo 10 da Convenccedilatildeo Europeia
havendo censura em seu direito de expressar-se livremente O Estado por sua vez nas razotildees
apresentadas perante o tribunal internacional justificou a condenaccedilatildeo na convicccedilatildeo de
proteccedilatildeo da honra dos direitos de outrem
Frente a este embate o Tribunal de Estrasburgo reconheceu uma margem miacutenima de
deferecircncia agraves autoridades domeacutesticas no que concerne aos oacutergatildeos locais na avaliaccedilatildeo de uma
necessidade social imperiosa que justificaria a interferecircncia na liberdade de expressatildeo de
Lingens Entretanto ressaltou que essa deferecircncia seria seguida por uma riacutegida supervisatildeo
101
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lingens vs Austria Sentenccedila de 8 de julho de 1986 Acesso
05 nov 2014
50
internacional uma vez estar se tratando de direitos fundamentais para o bom funcionamento
de uma sociedade democraacutetica
Ainda nesse sentido o TEDH arguiu que a liberdade de debate poliacutetico eacute cerne da
democracia e considerar que qualquer ofensa ou notiacutecia acerca de uma pessoa puacuteblica seria
sempre difamaccedilatildeo poderia impedir a imprensa na realizaccedilatildeo de sua tarefa de fornecedora de
informaccedilotildees Deste modo aplicando de forma conjunta os princiacutepios da proporcionalidade e
da subsidiariedade o Tribunal de Estrasburgo decidiu que a condenaccedilatildeo fora desproporcional
ao objetivo legiacutetimo perseguido e constituiu uma violaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo no
acircmbito da Convenccedilatildeo Europeia
Tambeacutem merece anaacutelise o caso July and Sarl Libeacuteration vs France102
cuja sentenccedila
foi proferida em 2008 Neste caso o jornal francecircs Libeacuteration divulgou uma reportagem a
respeito das investigaccedilotildees da morte do juiz Bernard Borrel que em um primeiro momento
havia sido dada como suiciacutedio mas apoacutes a reabertura das investigaccedilotildees houve surgimento de
indiacutecios de morte por encomenda Apoacutes a divulgaccedilatildeo da reportagem contendo informaccedilotildees
acerca da participaccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos na morte do magistrado o diretor do jornal
Senhor July foi processado criminalmente pelo crime de difamaccedilatildeo e condenado pelo governo
francecircs
O TEDH em sua manifestaccedilatildeo asseverou que o caso em questatildeo trazia niacutetida
interferecircncia de autoridades puacuteblicas na liberdade de expressatildeo e essa interferecircncia caso natildeo
siga os requisitos do artigo 10103
da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos representa
clara violaccedilatildeo do direito de liberdade de expressatildeo Nessa situaccedilatildeo ainda a Corte faz uso de
uma triacuteade de requisitos descritos por Contreras104
para a concessatildeo da margem a) prescriccedilatildeo
legal - verificar se a restriccedilatildeo realizada pela autoridade domeacutestica foi autorizada ou pelo
102
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-85084itemid[001-85084] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso July and Sarl Libeacuteration vs France Sentenccedila de 14 de
fevereiro de 2008 Acesso 05 nov 2014 103
Artigo 10 Liberdade de expressatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de expressatildeo Este direito
compreende a liberdade de opiniatildeo e a liberdade de receber ou de transmitir informaccedilotildees ou ideias sem que
possa haver ingerecircncia de quaisquer autoridades puacuteblicas e sem consideraccedilotildees de fronteiras O presente artigo
natildeo impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusatildeo de cinematografia ou de televisatildeo a um
regime de autorizaccedilatildeo preacutevia 2 O exerciacutecio desta liberdades porquanto implica deveres e responsabilidades
pode ser submetido a certas formalidades condiccedilotildees restriccedilotildees ou sanccedilotildees previstas pela lei que constituam
providecircncias necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a integridade territorial ou a
seguranccedila puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral a proteccedilatildeo da
honra ou dos direitos de outrem para impedir a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees confidenciais ou para garantir a
autoridade e a imparcialidade do poder judicial CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS
DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 104
CONTRERAS op cit p 34
51
menos executada em conformidade com a lei b) objetivo legiacutetimo c) se a medida foi
necessaacuteria em uma sociedade democraacutetica
No caso pode ser feito o destaque para o trecho da sentenccedila em que analisando a
necessidade da medida de investigaccedilatildeo do crime de difamaccedilatildeo a Corte arguiu que a tarefa do
tribunal internacional no exerciacutecio de sua competecircncia de fiscalizaccedilatildeo natildeo eacute de tomar o lugar
das autoridades competentes mas sim rever as decisotildees que porventura violarem preceitos
previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem quando entregues ao poder de
apreciaccedilatildeo do Estado Deve entatildeo a Corte agrave luz do caso como um todo avaliar se a medida
tomada pelo Estado foi proporcional ao objetivo legiacutetimo perseguido e se os motivos
indicados pelas autoridades nacionais satildeo suficientes e relevantes Por tais motivos no caso
em questatildeo o TEDH declarou que houve violaccedilatildeo por parte do Estado Francecircs do direito de
liberdade de expressatildeo devendo este arcar com uma indenizaccedilatildeo agraves partes prejudicadas
Ainda dentro dessa esfera de atuaccedilatildeo mais precisamente no que concerne ao direito
democraacutetico de livre reuniatildeo e associaccedilatildeo previsto no artigo 11105
da Convenccedilatildeo Europeia o
destaque pode ser dado aos casos do Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia106
julgado em 2005 e Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia107
julgado em 2006 O primeiro deles
trata da questatildeo de dissoluccedilatildeo do Partido Comunista da Turquia ordenado pelo Tribunal
Constitucional do paiacutes sob as razotildees de que era incompatiacutevel com as obrigaccedilotildees
constitucionais e convencionais do Estado
Ao apreciar tal caso a Corte alegou que os partidos poliacuteticos satildeo estruturas essenciais
para o bom e justo funcionamento da democracia Embora natildeo negue certa margem de
deferecircncia aos Estados para que dissolvam partidos poliacuteticos que poderiam tentar minar a
estrutura constitucional do Estado tal decisatildeo se executada pode sofrer revisatildeo se natildeo
105
Artigo 11 Liberdade de reuniatildeo e de associaccedilatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo
paciacutefica e agrave liberdade de associaccedilatildeo incluindo o direito de com outrem fundar e filiar-se em sindicatos para a
defesa dos seus interesses 2 O exerciacutecio deste direito soacute pode ser objeto de restriccedilotildees que sendo previstas na
lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a seguranccedila
puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral ou a proteccedilatildeo dos direitos
e das liberdades de terceiros O presente artigo natildeo proiacutebe que sejam impostas restriccedilotildees legiacutetimas ao exerciacutecio
destes direitos aos membros das forccedilas armadas da poliacutecia ou da administraccedilatildeo do Estado CONVENCcedilAtildeO
EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS
1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 106
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia
Sentenccedila de 2005 Acesso 05 nov 2014 107
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia Sentenccedila de 15 de
julho de 2006 Acesso 05 nov 2014
52
adequar-se agraves previsotildees da Convenccedilatildeo Europeia Logo o Tribunal embora tenha feito a
ressalva de que podem os Estados dissolver partidos poliacuteticos na situaccedilatildeo afirmou que houve
violaccedilatildeo dos direitos de liberdade de associaccedilatildeo visto que natildeo havia qualquer indiacutecio de que
o partido por ter ideal comunista poderia colocar em risco a estrutura do Estado
Da mesma forma o caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia que envolve o direito
de liberdade sindical Na situaccedilatildeo o Governo turco justifica o fechamento de sindicatos com
base em previsotildees da legislaccedilatildeo trabalhista interna a qual natildeo permite que funcionaacuterios criem
sindicatos A Corte na anaacutelise da situaccedilatildeo tambeacutem asseverou que houve violaccedilatildeo do artigo
11 mesmo que neste existam ressalvas em relaccedilatildeo agrave liberdade de associaccedilatildeo de membros das
Forccedilas Armadas da Poliacutecia e da Administraccedilatildeo do Estado Contudo essas limitaccedilotildees devem
ser interpretadas pelos Estados dentro da sua margem de apreciaccedilatildeo de maneira restrita
Se esses casos expostos ilustram exemplos de margem nacional de apreciaccedilatildeo
reduzida ou inexistente o polo oposto envolve os direitos concernentes agrave propriedade para os
quais a Corte Europeia possui entendimento de que a margem de deferecircncia agraves autoridades
domeacutesticas deve ser maior e mais elaacutestica bem como a supervisatildeo por parte do Tribunal
Internacional deve ser menor e relativizada Isso porque as autoridades nacionais em uma
concepccedilatildeo semelhante agrave de juiz natural no processo estariam mais bem situadas que o juiz
internacional para avaliar qual eacute o interesse geral de uma comunidade nessa seara108
A proteccedilatildeo internacional dos direitos de propriedade encontra-se no artigo 1ordm109
do
Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo de Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades
Fundamentais Jaacute na previsatildeo normativa encontra-se a prerrogativa de que qualquer pessoa
singular ou coletiva tem direito ao respeito de seus bens natildeo podendo haver privaccedilatildeo da
propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica ou por condiccedilotildees previstas em lei Desta maneira
as demandas soacute seratildeo revistas pela Corte caso implicarem violaccedilatildeo expliacutecita a esse artigo
Segundo Roca110
a jurisprudecircncia internacional definiu que a previsatildeo normativa
anteriormente destacada segue trecircs criteacuterios em primeiro lugar deve ser respeitado o direito
ao respeito e gozo paciacutefico dos bens dos indiviacuteduos Na sequecircncia a segunda regra
108
CONTRERAS op cit p 40 109
Artigo 1 Proteccedilatildeo da propriedade Qualquer pessoa singular ou coletiva tem direito ao respeito dos seus bens
Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas
pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo
do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso
dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees
ou de multas CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS
LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 110
ROCA op cit p 127
53
compreende uma garantia contra a privaccedilatildeo ilegal ou seja somente poderaacute haver
expropriaccedilatildeo ou privaccedilatildeo da propriedade em casos de utilidade puacuteblica e de acordo com
condiccedilotildees legalmente previstas Por fim o terceiro paracircmetro eacute a possibilidade de o Estado
estabelecer restriccedilotildees ao direito de propriedade tendo por base a prevalecircncia do interesse
puacuteblico sobre o privado
Logo sob a base desses criteacuterios e de alguns casos jaacute julgados pelo oacutergatildeo jurisdicional
internacional eacute possiacutevel asseverar que a margem de apreciaccedilatildeo concedida aos paiacuteses eacute larga
quando se estaacute diante dos direitos de propriedade No caso Back vs Finlacircndia111
de 2004 que
trata de noccedilotildees de utilidade puacuteblica em casos de expropriaccedilatildeo haacute o reforccedilo da noccedilatildeo de
subsidiariedade da Corte Europeia com o entendimento de que esta deve respeitar as decisotildees
das autoridades nacionais soacute sendo possiacutevel e viaacutevel a intervenccedilatildeo se o juiacutezo for
manifestamente desprovido de bases racionais
Por fim poreacutem natildeo menos importante aborda-se o uacuteltimo grupo de jurisprudecircncias da
Corte Europeia de Direitos Humanos que pode ser enquadrado no que Roca determina como
ciacuterculo mediano vez que conteacutem temas em que o posicionamento do Tribunal de Estrasburgo
em relaccedilatildeo agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute oscilante Eacute nesse grupo que pode ser
visualizada toda a complexidade da margem e suas vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis em casos
semelhantes envolvendo por exemplo liberdade religiosa direito de homossexuais e
transexuais e outros temas
Justamente nesse ciacuterculo que natildeo apresenta por parte dos doutrinadores jaacute referidos no
capiacutetulo anterior um criteacuterio de unificaccedilatildeo se apresenta o embate entre o universalismo de
alguns direitos previstos nos marcos normativos internacionais de direitos humanos ndash com
destaque para a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos ndash e o relativismo relativo a noccedilotildees
religiosas e culturais que compotildeem a identidade dos diferentes povos europeus
Nesse aspecto no que tange agrave liberdade religiosa a qual eacute prevista pelo artigo 9ordm112
da
CEDH temos duas decisotildees emblemaacuteticas do Tribunal de Estrasburgo o caso Lautsi vs
111
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-114486itemid[001-114486] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Back vs Finlacircndia Sentenccedila de 13 de novembro de 2002
Acesso 05 nov 2014 112
Artigo 9 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de pensamento de consciecircncia e de religiatildeo este direito
implica a liberdade de mudar de religiatildeo ou de crenccedila assim como a liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou a
sua crenccedila individual ou coletivamente em puacuteblico e em privado por meio do culto do ensino de praacuteticas e da
celebraccedilatildeo de ritos 2 A liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou convicccedilotildees individual ou coletivamente natildeo
pode ser objeto de outras restriccedilotildees senatildeo as que previstas na lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa
sociedade democraacutetica agrave seguranccedila puacuteblica agrave proteccedilatildeo da ordem da sauacutede e moral puacuteblicas ou agrave proteccedilatildeo dos
direitos e liberdades de outrem CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO
54
Itaacutelia113
julgado em 2011 e o caso Leyla Sahin vs Turquia114
julgado em 2005 Isso porque
nesses casos respectivamente o TEDH referendou as normas que impotildeem a presenccedila de
crucifixos nas escolas puacuteblicas italianas e natildeo opocircs objeccedilotildees a restriccedilotildees estatais concernentes
ao uso do veacuteu islacircmico no contexto educativo
No primeiro caso o TEDH retificou a decisatildeo da Corte Constitucional Italiana que
em 2009 havia estabelecido por unanimidade que a norma italiana a qual impunha desde a
deacutecada de 1920 a presenccedila de crucifixo nas paredes de escolas puacuteblicas havia violado o direito
da senhora Lautsi a educar seus filhos conforme suas convicccedilotildees laicas e liberdade religiosa
Portanto o Tribunal italiano argumentou que a manutenccedilatildeo de um siacutembolo religioso em salas
de aula de uma escola puacuteblica poderia perturbar emocionalmente os estudantes que natildeo
professassem religiatildeo alguma a ter a percepccedilatildeo de que o contexto educativo estava marcado
pela religiatildeo
Para retificar tal sentenccedila o TEDH argumentou por uma valoraccedilatildeo abstrata de
compatibilidade entre a norma italiana que permitia o uso de crucifixos nas escolas puacuteblicas e
os direitos convencionais sendo que a margem nacional de apreciaccedilatildeo foi aplicada para essa
valoraccedilatildeo da norma italiana Em primeiro lugar o Tribunal Europeu matizou quais satildeo as
exigecircncias convencionais de neutralidade religiosa na educaccedilatildeo indicando que se proiacutebe o
proselitismo ou a adoccedilatildeo no marco educativo de algo compatiacutevel com o estabelecimento de
o ensino obrigatoacuterio de uma religiatildeo ou a imposiccedilatildeo de uma religiatildeo no ensino puacuteblico
O crucifixo no entendimento do TEDH eacute um siacutembolo religioso passivo cuja
influecircncia natildeo se compara a que exercem a educaccedilatildeo religiosa ou a participaccedilatildeo em atividades
religiosas Logo a percepccedilatildeo subjetiva de que o crucifixo supotildee uma ausecircncia de respeito ao
direito de liberdade religiosa natildeo basta para considerar que tenha havido uma violaccedilatildeo agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Para o TEDH portanto sempre que natildeo exista
a pretensatildeo de doutrinar o Estado goza de margem de deferecircncia para decidir sobre a
permanecircncia dos crucifixos em sala de aula
HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
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EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Leyla Sahin vs Turquia Sentenccedila de 10 de novembro de
2005 Acesso 05 nov 2014
55
No caso Leyla Sahin de proibiccedilatildeo do uso do veacuteu islacircmico por uma jovem no recinto
de sua universidade para o TEDH os Estados tecircm autonomia para limitar o uso do veacuteu em
locais como escolas puacuteblicas ou universidades Para referendar essa restriccedilatildeo agrave liberdade
religiosa o Tribunal Europeu admitiu o uso da margem de apreciaccedilatildeo por parte do Estado em
razatildeo da ausecircncia de um consenso europeu sobre a mateacuteria somado agrave ideia de que as
autoridades nacionais podem lidar melhor com o assunto por estarem mais perto das
realidades nacionais do que o oacutergatildeo jurisdicional internacional
Para o TEDH desta forma a opccedilatildeo poliacutetica de um Estado pelo laicizismo pode
justificar restriccedilotildees agrave liberdade religiosa e exigir sacrifiacutecios aos indiviacuteduos em prol da
harmonia religiosa do paiacutes Embora portanto haja restriccedilatildeo da liberdade individual religiosa
no caso em questatildeo a proibiccedilatildeo natildeo viola a CEDH
A aplicaccedilatildeo dos princiacutepios da subsidiariedade e da proporcionalidade bem como a
falta de consenso na Europa acerca de questotildees como as apresentadas marcaram o
posicionamento do TEDH na concessatildeo de margem de deferecircncia aos Estados no que
concerne agrave liberdade religiosa A grande criacutetica contudo reside na falta de criteacuterios
especiacuteficos e de clareza no uso da ferramenta
Neste uacuteltimo grupo portanto vislumbra-se o que Kratochivil115
menciona como
ldquomedida misteriosardquo ou seja natildeo existem paracircmetros ou criteacuterios especiacuteficos para a aplicaccedilatildeo
da margem Pelo contraacuterio haacute falta de clareza e de limites demonstrando que a banalizaccedilatildeo
do uso da MNA liquidifica sua substacircncia e pode gerar inseguranccedila juriacutedica aos litigantes
Sob essa oacutetica no campo de direitos inderrogaacuteveis como eacute o caso dos direitos que compotildeem
esse uacuteltimo grupo a consideraccedilatildeo de Vila116
merece destaque
Segundo a autora nesse campo que envolve relativismos culturais a postura do TEDH
varia entre a adoccedilatildeo de uma versatildeo voluntarista de MNA ou a adoccedilatildeo de uma versatildeo
racionalista A primeira se centra no direito de que o Tribunal de Estrasburgo eacute um oacutergatildeo
internacional e assume uma visatildeo normativa e natildeo meramente temporal ou procedimental
acerca do princiacutepio da subsidiariedade Por isso o TEDH reconhece que sua legitimidade
poliacutetica eacute meramente derivada e outorga uma presunccedilatildeo em favor do Estado evitando realizar
uma valoraccedilatildeo independente de compatibilidade entre as medidas impugnadas e o convecircnio
Esta presunccedilatildeo soacute eacute rompida quando haacute razotildees fortes para concluir que o Estado extrapolou o
exerciacutecio de sua autonomia Sob a oacutetica desta concepccedilatildeo fatores como a falta de consenso
115
KRATOCHVIL op cit p 330 116
VILA op cit p 10
56
europeu ou a ideia de que os Estados situam-se em um local melhor apropriado para decidir
adquirem importacircncia por razotildees de legitimidade institucional
Entretanto a oacutetica racionalizada de MNA percebe a ferramenta como um resultado de
efetuar um balanccedilo entre os valores que estatildeo em jogo na proteccedilatildeo dos direitos convencionais
mais do que uma presunccedilatildeo de partida em favor do Estado O TEDH centra-se em examinar
se a medida estatal impugnada consegue alcanccedilar um balanccedilo equitativo entre direitos
individuais e valores democraacuteticos A finalidade natildeo eacute justificar a deferecircncia mas reconhecer
de modo equilibrado os valores democraacuteticos no seio da CEDH
Sobretudo neste uacuteltimo grupo analisado ao qual aqui somente satildeo trazidos casos em
relaccedilatildeo agrave liberdade religiosa (artigo 9ordm da CEDH) concentram-se as criacuteticas em relaccedilatildeo agrave
falta de paracircmetros do TEDH para deferir ou natildeo uma margem de apreciaccedilatildeo aos Estados
Essa variabilidade eacute por alguns117
definida como um ponto negativo de falta de definiccedilatildeo de
criteacuterios o que pode levar a uma margem larga ou a uma margem estreita A primeira poderia
conduzir ao processo de fragmentaccedilatildeo do espaccedilo europeu enquanto a segunda poderia forccedilar
a integraccedilatildeo sob o domiacutenio de uma concepccedilatildeo moderna de direitos humanos pautada pelo
liberalismo e individualismo
Deste modo duas respostas podem ser concedidas agrave pergunta cerne deste trabalho a
margem constitui-se em um instrumento eficaz no processo de construccedilatildeo de um direito
comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa uma vez que sob a perspectiva eacutetica
destes direitos o TEDH preza pela preservaccedilatildeo do irredutiacutevel humano e dos direitos
inderrogaacuteveis e absolutos da pessoa humana Prova disso eacute a ausecircncia ou a miacutenima margem
que eacute concedida para casos envolvendo tortura ou tratamentos humanos degradantes ou
violaccedilatildeo de direitos democraacuteticos
No entanto a ausecircncia de paracircmetros e de criteacuterios por parte do Tribunal de
Estrasburgo (ausecircncia constatada por diversos doutrinadores trazidos ao longo deste trabalho
e exemplificada de modo sinteacutetico atraveacutes da anaacutelise de casos emblemaacuteticos envolvendo
liberdade religiosa) no julgamento de direitos humanos quando vinculados a questotildees
culturais demonstram que no campo praacutetico ainda haacute muito para avanccedilar no processo de
siacutentese entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo dos direitos culturais
117
BRUM et SALDANHA Op cit
57
CONCLUSAtildeO
Slavoj Zizek118
certa vez afirmou que o papel do filoacutesofo natildeo eacute o de propor iniciativas
capazes de mudar o mundo ou as situaccedilotildees em curso mas de observar e interpretar a realidade
que eacute posta A pretensatildeo deste trabalho natildeo difere da conceituaccedilatildeo de filoacutesofo por Zizek Isso
porque em nenhum momento busca-se apresentar alternativas fortes para resolver problemas
postos mas sim almeja-se observar sob um amplo espectro os reflexos da mundializaccedilatildeo
dentro do Direito e de modo especiacutefico como atua o Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem no que concerne agrave aplicaccedilatildeo da figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
Aos mais observadores da realidade que se apresenta eacute impossiacutevel negar que na atual
conjuntura da sociedade informacional a proliferaccedilatildeo exacerbada e anaacuterquica de normas e
instituiccedilotildees juriacutedicas gera uma sensaccedilatildeo de caos e de desordem que clama por uma ordenaccedilatildeo
Embora esse verdadeiro mosaico em que se transformou o Direito na atualidade possa ser
vislumbrado em acircmbito global uma anaacutelise mais apurada de uma parte do todo em
especiacutefico da Europa se mostra pertinente para avaliar as possibilidades de construccedilatildeo de um
pluralismo ordenado
A base possiacutevel desse pluralismo ordenado invariavelmente eacute um direito comum cujo
alicerce se encontra nos direitos humanos No contexto europeu de convivecircncia simultacircnea
de uma ldquopequena Europardquo e de uma ldquogrande Europardquo embora o direito comunitaacuterio jaacute tenha
se consolidado sendo um modelo sui generis para todo o globo ainda eacute preciso avanccedilar no
acircmbito da ldquogrande Europardquo ou do sistema regional europeu dos direitos do homem para a
criaccedilatildeo de um direito comum
Nesse sentido parece indiscutiacutevel que a base de um direito comum europeu seja
alicerccedilada na proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua dimensatildeo moral miacutenima ou no que
Delmas denomina de miacutenimo eacutetico universal e irredutiacutevel humano Logo a universalizaccedilatildeo
almejada natildeo tem como objetivo impor referecircncias de uma cultura sobre as demais e sim o
diaacutelogo entre as diferentes particularidades existentes no seio das diversas sociedades que
convivem na Europa a fim de encontrar o que haacute de valores comuns em todas elas
Todavia por mais que a premissa seja de faacutecil compreensatildeo os embates entre
universalismos e relativismos culturais estatildeo na ordem do dia na agenda do Tribunal de
Estrasburgo de modo que um dos temais mais debatidos atualmente no continente se refere
118
ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo Boitempo 2008
58
ao uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo por este tribunal a fim de conferir deferecircncia aos
Estados em algumas mateacuterias para decidir acerca de questotildees sensiacuteveis
O objetivo do presente trabalho foi o de analisar essa ferramenta hermenecircutica de
origem europeia sob a oacutetica de caos juriacutedico anteriormente apresentado De acordo com o que
fora apurado e estudado chegou-se a conclusatildeo de que o uso dessa doutrina contribui ainda
que de modo tiacutemido para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema europeu
Isso porque quando se tratam de temas concernentes agrave tortura a tratamentos humanos
degradantes a penas desproporcionais ou ainda a direitos democraacuteticos a Corte opta por
definir um entendimento que deve ser aplicado em todos os paiacuteses independentemente de
especificidades culturais Estariacuteamos proacuteximos portanto de uma definiccedilatildeo de direitos
humanos inderrogaacuteveis ou de um miacutenimo eacutetico universal proposto por Delmas e jaacute idealizado
por Kant em sua premissa de direito cosmopoliacutetico
No que tange ao restante dos direitos humanos em uma dimensatildeo cultural pode-se
dizer que a teoria da margem traduz uma ideia de que estaacute eacute capaz de harmonizar o
universalismo dos direitos humanos e o pluralismo advindo das diversidades culturais e
religiosas dos paiacuteses europeus Entretanto consoante a anaacutelise de posiccedilotildees doutrinaacuterias acerca
da utilizaccedilatildeo praacutetica do instituto pelo Tribunal de Estrasburgo bem como o embate
paradigmaacutetico de julgados envolvendo liberdade religiosa parece inevitaacutevel a conclusatildeo de
que como meacutetodo de harmonizaccedilatildeo entre plural e universal o oacutergatildeo jurisdicional
internacional do sistema europeu ainda tem muito a evoluir sobretudo na definiccedilatildeo de
paracircmetros e criteacuterios para servir de norte baacutesico em relaccedilatildeo aos mais diversos casos
59
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construccedilatildeo desse direito comum pluralista devem ser os direitos humanos
Sob a oacutetica europeia que seraacute aqui analisada por ser um importante referencial para os
estudos das mudanccedilas sociais e juriacutedicas dos seacuteculos XX e XXI de que direitos humanos
referimo-nos para ser a base de um direito comum Em um continente tatildeo muacuteltiplo e plural
como realizar o diaacutelogo positivo entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo
das diferentes culturas
Sob esta oacutetica emerge a figura central desse estudo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
(MNA) bem como sua contribuiccedilatildeo para a construccedilatildeo de um direito comum e para a
harmonizaccedilatildeo entre universalismo e relativismo no contexto da Europa Este recurso
hermenecircutico denominado Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo trata-se de uma construccedilatildeo
jurisprudencial criada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante tambeacutem
referido como Tribunal de Estrasburgo) com a finalidade de conferir algum espaccedilo de
deferecircncia para que os tribunais nacionais dos Estados possam decidir algumas questotildees
consoante suas particularidades locais
Embora esta seja a teoria sob a qual se alicerccedila o instituto almeja-se neste trabalho
responder os seguintes questionamentos a doutrina da MNA aplicada pelo Tribunal Europeu
dos Direitos Humanos contribui para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema
europeu de proteccedilatildeo dos direitos do homem Em sua aplicaccedilatildeo praacutetica a margem se mostra
como um recurso eficaz para harmonizar o universalismo dos direitos humanos e o pluralismo
advindo das diversidades culturais e religiosas dos diferentes paiacuteses que fazem parte do
Conselho da Europa
Para responder tal questionamento utilizou-se o meacutetodo dedutivo como meacutetodo de
abordagem e o meacutetodo monograacutefico de procedimento atraveacutes da leitura e fichamento das
diferentes construccedilotildees teoacutericas e doutrinaacuterias sobre o tema bem como anaacutelise de alguns
julgamentos paradigmaacuteticos do Tribunal de Estrasburgo Para melhor compreensatildeo da
complexidade do tema trabalhado dividiu-se esta monografia em duas grandes partes a parte
1 se ocupa da paisagem europeia no poacutes-Segunda Guerra Mundial com a criaccedilatildeo da ldquopequena
Europardquo do direito comunitaacuterio e da ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos
direitos humanos avaliando em ambos os cenaacuterios de que modo se deu a preocupaccedilatildeo com a
temaacutetica dos direitos humanos ou fundamentais (11)
Por conseguinte no intuito de aprofundar o estudo sobre a possibilidade de criaccedilatildeo de
um direito comum no contexto da ldquogrande Europardquo buscou-se uma anaacutelise das novas
10
geometrias da paisagem juriacutedica e do tipo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos que se
procura dentro desse cenaacuterio avaliando por conseguinte o surgimento da figura da MNA
(12) A parte 2 por sua vez objetiva a anaacutelise pura do instituto da Margem Nacional de
Apreciaccedilatildeo averiguando o histoacuterico de sua criaccedilatildeo e as definiccedilotildees acerca de seu conceito
(21) para na sequecircncia avaliar a partir da anaacutelise de alguns julgamentos paradigmaacuteticos do
Tribunal de Estrasburgo se tal ferramenta hermenecircutica se demonstra eficaz no processo de
harmonizaccedilatildeo das tensotildees entre universalismo e relativismos e se pode ser relevante no
processo de criaccedilatildeo de um direito comum cuja base satildeo os direitos humanos (22)
11
1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM
DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS
O seacuteculo XX trouxe mudanccedilas significativas para os mais diversos segmentos da vida
social e o direito natildeo ficou alheio agraves vicissitudes decorrentes do poacutes-Segunda Guerra Mundial
O continente europeu sobretudo passa a ser o cenaacuterio de revoluccedilotildees na estrutura juriacutedica ateacute
entatildeo conhecida com o surgimento praticamente concomitante de instituiccedilotildees supranacionais
e internacionais para aleacutem das nacionais
Neste vieacutes uma das preocupaccedilotildees primordiais do poacutes-guerra foi a de garantir a tutela
dos direitos humanos mesmo diante das mudanccedilas latentes no cenaacuterio juriacutedico Desta feita
deparamo-nos com duas esferas dentro do cenaacuterio europeu a ldquopequena Europardquo que origina
um direito comunitaacuterio europeu o qual mesmo tendo se ocupado com questotildees relativas agrave
economia e agrave integraccedilatildeo regional desenvolve a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais
atraveacutes do diaacutelogo jurisprudencial entre cortes de naturezas distintas e a ldquogrande Europardquo do
sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos espaccedilo haacutebil e possiacutevel para ser base de
criaccedilatildeo de um direito comum (11) Da evoluccedilatildeo de um campo ao outro a premissas de
universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo buscam
legitimar e consolidar a criaccedilatildeo desse direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
(12)
11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave
criaccedilatildeo de um direito comum
O historiador britacircnico Eric Hobsbawn6 talvez tenha encontrado a melhor adjetivaccedilatildeo
para o seacuteculo XX a ldquoEra dos Extremosrdquo Nas palavras do proacuteprio autor ldquoNatildeo sabemos o que
6 HOBSBAWN Eric A era dos extremos o breve seacuteculo XX 1941-1991 Satildeo Paulo Companhia das Letras
1995
12
viraacute a seguir nem como seraacute o segundo milecircnio embora possamos ter a certeza de que ele
teraacute sido moldado pelo Breve Seacuteculo XXrdquo7
Nesse sentido a Segunda Guerra Mundial representa o marco crucial natildeo soacute para a
preocupaccedilatildeo global em relaccedilatildeo aos direitos humanos8 com a criaccedilatildeo e fortalecimento de uma
grande quantidade de instrumentos normativos responsaacuteveis por sua tutela em acircmbito
mundial como tambeacutem para o surgimento de uma nova Europa Apoacutes o teacutermino da guerra
que teve como palco principal de seus acontecimentos o continente europeu diversos paiacuteses
se encontravam em uma situaccedilatildeo de caos politico fragmentaccedilatildeo e enfraquecimento
econocircmico aleacutem do perigo iminente de eclosatildeo de uma nova disputa de proporccedilotildees mundiais
advinda da dicotomia entre capitalismo e socialismo na entatildeo incipiente Guerra Fria
Eacute nesse contexto que emerge a ideia de criaccedilatildeo de um espaccedilo comum europeu
consubstanciado atraveacutes da integraccedilatildeo regional entre os paiacuteses do continente Ainda no inicio
do seacuteculo XX eacute possiacutevel destacar a ocorrecircncia de propostas relativamente concretas para a
integraccedilatildeo europeia como eacute o caso da proposta do francecircs Aristides Briand em 1929 de
criaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia sob a oacutetica de uma federaccedilatildeo ou seja fundada sob uma
noccedilatildeo de uniatildeo o que implica o respeito agrave soberania9 Todavia a crise econocircmica mundial a
ascensatildeo de nacionalismos na Europa e por fim a eclosatildeo da segunda grande guerra
obstaculizaram a adesatildeo a essa proposta
O cenaacuterio do poacutes-guerra de desintegraccedilatildeo social e miseacuteria econocircmica em grande parte
dos paiacuteses envolvidos gerou a instalaccedilatildeo do Congresso da Europa em Haia nas datas de 7 a
11 de maio de 1948 no qual houve a criaccedilatildeo do ldquoMovimento Europeurdquo No referido
congresso duas correntes foram estabelecidas as quais impulsionaram o surgimento da
ldquopequena Europardquo10
e da ldquogrande Europardquo respectivamente a Europa dos federalistas e a
7 Ibid p14
8 Pode-se nesse sentido destacar a descriccedilatildeo de Valeacuterio Mazzuoli de que desde a Segunda Guerra Mundial em
decorrecircncia dos horrores e atrocidades cometidos durante esse periacuteodo em que muitas vidas eram consideradas
como nuacutemeros e valiam tatildeo pouco os direitos humanos passaram a constituir um dos principais temas do Direito
Internacional contemporacircneo A normatividade internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos foi conquistada
por meio de lutas histoacuterias contiacutenuas e incessantes e consubstanciada em diversos tratados concluiacutedos com esse
propoacutesito tendo sido fruto de um lento e gradual processo de internacionalizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo desses
mesmos direitos o qual fora intensificado com o fim da Segunda Guerra Mundial MAZZUOLI Valeacuterio de
Oliveira Curso de Direito Internacional Puacuteblico 5 ed Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 811 9 SILVA Karine de Sousa Uniatildeo Europeia antecedentes e evoluccedilatildeo histoacuterica In SILVA Karine de Souza
COSTA Rogeacuterio Santos da(Org) Organizaccedilotildees Internacionais de Integraccedilatildeo Regional Uniatildeo Europeia
Mercosul e UNASUL Florianoacutepolis Ed Da UFSC Fundaccedilatildeo Boiteux 2013 p 54 10
Doravante por ldquopequena Europardquo estar-se-aacute referindo aos paiacuteses participantes da Uniatildeo Europeia sujeitos
portanto agraves decisotildees das instituiccedilotildees da Uniatildeo dentre as quais se destaca o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo
Europeia ldquoGrande Europardquo por sua vez refere-se aos paiacuteses que aderiram ao Conselho da Europa que hoje
somam um total de 47 (quarenta e sete) membros e que se submetem agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal Europeu de
Direitos Humanos PRINO Carla Sofia Abreu Relaccedilotildees entre TJUE e TEDH no contexto de adesatildeo da UE agrave
13
Europa dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental11
Os primeiros defendiam uma
integraccedilatildeo mais profunda entre os paiacuteses com transferecircncia de parcela de soberania dos
Estados para uma instituiccedilatildeo com poderes supranacionais sendo esta a base para a criaccedilatildeo da
Comunidade Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) Os segundos por sua vez se opunham agrave
cessatildeo de direitos soberanos impulsionando com seus ideais a criaccedilatildeo em 1949 do
Conselho da Europa com sede em Estrasburgo
Natildeo obstante essa divisatildeo surgida no Congresso da Europa eacute possiacutevel afirmar que a
base de construccedilatildeo da atual Uniatildeo Europeia deu-se com a criaccedilatildeo da Comunidade Europeia
do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) movida pelos ideais integracionistas do francecircs Jean Monnet
Contratado no poacutes-guerra para participar do Plano de Modernizaccedilatildeo e Equipamento da
Franccedila Monnet tinha medo de que o Plano Marshall norte-americano de empreacutestimo de
dinheiro para a reconstruccedilatildeo da Europa pudesse gerar uma diacutevida eterna aos paiacuteses do
continente com os Estados Unidos e para escapar disso via como uacutenica soluccedilatildeo a promoccedilatildeo
de um esforccedilo comum dos Estados atraveacutes de projetos de integraccedilatildeo regional
Por isso redigindo o texto da Declaraccedilatildeo de Schuman de 1950 Monet propagava a
ideia de integraccedilatildeo como meio de assegurar a paz e reerguer a poliacutetica e a economia dos
paiacuteses que foram destruiacutedos pela guerra Nesse sentido sua ideia foi a partir de uma ideologia
pacifista de influecircncia kantiana neutralizar a rivalidade franco-alematilde atraveacutes de uma espeacutecie
de mercado comum com a criaccedilatildeo de uma organizaccedilatildeo internacional com caraacuteter
supranacional que seria responsaacutevel pela gestatildeo dos recursos naturais da regiatildeo do Sarre e do
Ruhr os quais seriam colocados a serviccedilo da paz e natildeo da guerra12
A proposta integracionista daquele que eacute considerado o arquiteto do projeto de
integraccedilatildeo europeia era de retirar da matildeo dos Estados a capacidade de gestatildeo dos recursos
energeacuteticos que movimentavam a induacutestria beacutelica e da guerra Desta forma uma autoridade
internacional mais especificamente uma organizaccedilatildeo internacional setorial seria criada com
um status supranacional para gerenciar e administrar a produccedilatildeo de carvatildeo e de accedilo
funcionando atraveacutes da delegaccedilatildeo de parcelas da soberania estatal em questotildees especiacuteficas
Assim em 1951 com a assinatura do Tratado de Paris criou-se a Comunidade
Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) com a participaccedilatildeo inicial de seis paiacuteses Franccedila
Alemanha Itaacutelia Beacutelgica Holanda e Luxemburgo Posteriormente em 1957 com o Tratado
CEDH Debater a Europa Nuacutemero 4 JaneiroJunho 2011 Disponiacutevel em httpwwweurope-direct-
aveiroaevaeudebatereuropa Acesso 10 out 2014 11
SILVA Karine de Sousa De Paris a Lisboa sessenta anos de integraccedilatildeo europeia In SILVA Karine de
Souza Mercosul e Uniatildeo Europeia O Estado da arte dos processos de integraccedilatildeo regional Florianoacutepolis
Editora Modelo 2010 p 35 12
Ibid p 60
14
de Roma a Comunidade Econocircmica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia para a
Energia Atocircmica (CEEA ou Euratom) foram criadas consolidando-se deste modo as trecircs
comunidades que fizerem emergir o direito comunitaacuterio no seio da Europa Foi contudo
somente em 1992 com o Tratado de Maastrich ou Tratado da Uniatildeo Europeia que nasceu a
Uniatildeo Europeia propriamente dita consagrada em trecircs pilares baacutesicos as comunidades que
inicialmente lhe deram base a colaboraccedilatildeo em mateacuteria de poliacutetica exterior e seguranccedila
comum e a cooperaccedilatildeo no acircmbito judicial e policial em mateacuteria penal13
Visiacutevel deste modo que o que impulsionou a criaccedilatildeo de um direito comunitaacuterio
europeu foi a necessidade de reorganizaccedilatildeo do continente apoacutes 1945 e o fortalecimento
econocircmico de antigas potecircncias rivais como foi o caso da Franccedila e da Alemanha Ocorre que
de modo concomitante ao crescimento dos ideais dos federalistas a segunda corrente oriunda
do Congresso da Europa de 1949 dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental tambeacutem
cresceu e se tornou visiacutevel vez que possuiacutea como objetivo a realizaccedilatildeo de uma uniatildeo mais
estreita entre seus membros de modo a salvaguardar os ideais e princiacutepios que satildeo seu
patrimocircnio comum e favorecer seu progresso social e econocircmico
O Conselho da Europa surgido em 1949 portanto configura-se como outra
organizaccedilatildeo internacional surgida na Europa do poacutes-guerra tendo como base a consolidaccedilatildeo
sob o principio da cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses e natildeo o federalismo que implica cessatildeo de
parcelas da soberania Seu propoacutesito eacute o de defesa dos direitos humanos desenvolvimento
democraacutetico e estabilidade poliacutetico-social na Europa sendo chamado de ldquogrande Europardquo por
desde o iniacutecio contar com mais adesotildees de paiacuteses em relaccedilatildeo agrave CECA Eacute justamente dentro
desse Conselho que surge o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em 1959
oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa e
responsaacutevel pela tutela dos direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem
(CEDH) de 1950
A eclosatildeo desses dois movimentos marca o iniacutecio de uma verdadeira revoluccedilatildeo dentro
da compreensatildeo do direito Se antes no continente europeu era possiacutevel vislumbrar a
existecircncia em grande medida e tatildeo somente de tribunais nacionais cuja competecircncia era
exercida dentro de determinado Estado sob a eacutegide de sua soberania o cenaacuterio altera-se e daacute
espaccedilo para a existecircncia natildeo soacute de tribunais nacionais como tambeacutem de tribunais
supranacionais e internacionais
13
Ibidem p 77
15
No caso do direito comunitaacuterio sua criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de
instituiccedilotildees que fortaleccedilam o sistema supranacional Em funccedilatildeo disso dentre os mais diversos
oacutergatildeos criados pelos sucessivos tratados comunitaacuterios pode-se destacar o Tribunal de Justiccedila
da Uniatildeo Europeia (TJUE) ou Tribunal de Luxemburgo
Este criado pelo Tratado de Paris de 1951 e adotado pelo Tratado de Roma de 1957
tem a finalidade de assegurar o cumprimento do direito comunitaacuterio e a interpretaccedilatildeo e
aplicaccedilatildeo dos Tratados dentro a vida da comunidade14
Submetem-se agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal
atualmente os vinte e oito15
paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e ao longo dos anos
ele se desenvolveu como uma importante instituiccedilatildeo capaz de contribuir ao desenvolvimento
da comunidade atraveacutes de consolidaccedilotildees jurisprudenciais e da conversatildeo dos tratados
constitutivos da comunidade em verdadeiras constituiccedilotildees materiais
Embora a preocupaccedilatildeo com os direitos humanos no cenaacuterio da ldquopequena Europardquo natildeo
tenha sido uma caracteriacutestica inicial dos tratados constitutivos das comunidades europeias o
diaacutelogo do Tribunal de Luxemburgo com os tribunais nacionais de alguns Estados europeus
traz agrave tona esse tema bem como se caracteriza por ser o grande responsaacutevel pela consolidaccedilatildeo
de princiacutepios baacutesicos do direito comunitaacuterio como eacute o caso da supremacia das normas
comunitaacuterias Neste vieacutes importante destaque deve ser feito ao caso CostaENEL16
de 1964
que marcou o surgimento da noccedilatildeo de supremacia das normas da comunidade europeia
O objeto de tal caso fora uma lei italiana de nacionalizaccedilatildeo da energia eleacutetrica
declarada incompatiacutevel com o Tratado da Comunidade Econocircmica Europeia Em sede de
reenvio prejudicial o Tribunal Constitucional Italiano enviou a questatildeo ao Tribunal de Justiccedila
da Uniatildeo Europeia o qual reconheceu que ao instituir uma comunidade de duraccedilatildeo ilimitada
com caraacuteter sui generis e poderes resultantes de delegaccedilatildeo de parcela da soberania os paiacuteses
limitariam seus direitos soberanos em prol de um conjunto de normas aplicaacutevel natildeo soacute agrave
comunidade como a todos os seus Estados membros17
14
OLIVEIRA Odete Maria de Uniatildeo Europeia processos de integraccedilatildeo e mutaccedilatildeo 1ordfed 3ordf tir Curitiba
Juruaacute 2003 15
Os vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia satildeo Alemanha Aacuteustria Beacutelgica Bulgaacuteria Chipre
Croaacutecia Dinamarca Eslovaacutequia Eslovecircnia Espanha Estocircnia Finlacircndia Franccedila Greacutecia Hungria Irlanda Itaacutelia
Letocircnia Lituacircnia Luxemburgo Malta Paiacuteses Baixos Polocircnia Portugal Reino Unido Repuacuteblica Checa
Romecircnia Sueacutecia Dados disponiacuteveis no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeuropaeuabout-
eucountriesmember-countriesindex_pthtm Acesso 01 nov 2014 16
O acoacuterdatildeo do referido caso encontra-se disponiacutevel na iacutentegra no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeur-
lexeuropaeulegal-contentPTTXTPDFuri=CELEX61964CJ0006ampfrom=EN Acesso 02 out 2014 17
FARENZENA Sueacutelen Costa versus ENEL ndash O primado do Direito Comunitaacuterio e a mudanccedila de paradigma o
Estado em rede europeu Revista da SJRJ Vol 19 nordm34 Rio de Janeiro 2012 Disponiacutevel em
httpwww4jfrjjusbrseerindexphprevista_sjrjarticleviewFile338296 Acesso 01 out 2014
16
Neste sentido determinou o Tribunal de Luxemburgo que a forccedila executiva do direito
comunitaacuterio natildeo poderia variar de um espaccedilo para outro ao sabor das legislaccedilotildees internas
Impossiacutevel portanto um Estado fazer prevalecer sobre uma ordem juriacutedica aceita sob o pilar
da reciprocidade e da cessatildeo de parcela de direitos soberanos uma medida unilateral anterior
ou posterior que lhe pode opor
Natildeo obstante tal decisatildeo a ideia de supremacia das normas comunitaacuterias por si soacute
natildeo foi adotada de modo paciacutefico por todos os tribunais constitucionais dos paiacuteses sujeitos agrave
jurisdiccedilatildeo do Tribunal de Luxemburgo Em funccedilatildeo disso houve a percepccedilatildeo por parte dos
juiacutezes do TJUE de que seria necessaacuterio acoplar agrave ideia de supremacia das normas
comunitaacuterias um discurso dotado de legitimidade que envolvesse princiacutepios e ideais comuns
natildeo soacute para a comunidade como para os Estados membros Esse discurso portanto seria o
discurso dos direitos fundamentais18
Ateacute o surgimento de algumas tensotildees entre os posicionamentos dos tribunais nacionais
e as decisotildees do TJUE havia certa resistecircncia por parte deste uacuteltimo em lidar com questotildees
concernentes aos direitos humanos ou fundamentais Isto porque o motivo que levou agrave criaccedilatildeo
das Comunidades Europeias e a posterior Uniatildeo Europeia foi predominantemente econocircmico
tanto eacute que os tratados iniciais das Comunidades Europeias natildeo trazem elementos que refiram
explicitamente a preocupaccedilatildeo com direitos humanos ou fundamentais19
Entretanto consoante
fora asseverado a supremacia das normas comunitaacuterias somente conseguiria se afirmar e se
consolidar caso fosse acoplada ao tema da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais
Neste sentido a deacutecada de 1960 pode ser vista como um importante marco para o
TJUE Casos como o Stauder (1969) e o Internationale Handelsgesellschaft20
(1970)
18
GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional
algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em
httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014 19
Pertinente o destaque da concepccedilatildeo de Gilmar Mendes e Geroge Rodrigo Bandeira Galindo sobre este tema
Segundo eles os instrumentos que instituiacuteram as comunidades europeias natildeo se referem de maneira expliacutecita agrave
proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais e haacute razotildees para isso A primeira delas reside no fato de que a
proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa deveria ser transferida para outra organizaccedilatildeo internacional no caso o
Conselho da Europa que foi uma instituiccedilatildeo fundamental para a elaboraccedilatildeo da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos
do Homem de 1950 Outra razatildeo sustenta-se na ideia de que a inclusatildeo imediata de um cataacutelogo de direitos
fundamentais nos tratados instituidores das Comunidades Europeias geraria conflitos entre as consolidadas
constituiccedilotildees estatais e o entatildeo incipiente direito comunitaacuterio Por fim outra razatildeo apontada eacute traduzida no fato
de que os Estados eram temerosos de que a imediata inclusatildeo de temas de direitos fundamentais ou humanos nos
tratados instituidores das Comunidades pudesse ampliar as competecircncias de prerrogativas de instituiccedilotildees receacutem-
criadas Ibidem p03
De qualquer forma houve no processo de germinaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia nos moldes em que hoje
conhecemos a predominacircncia de ideias economicistas e de integraccedilatildeo regional com base na aproximaccedilatildeo de
ideais produtivos e de mercado A preocupaccedilatildeo com a tutela de direitos humanos ou fundamentais surge atraveacutes
dos diaacutelogos espontacircneos entre as cortes constitucionais e o Tribunal de Luxemburgo 20
Neste caso o raciociacutenio da corte faz clara alusatildeo agrave vinculaccedilatildeo entre primazia do direito comunitaacuterio e a
proteccedilatildeo dos direitos fundamentais por parte das instituiccedilotildees comunitaacuterias Os pontos 3 e 4 do julgamento do
17
consolidaram o entendimento do Tribunal de Luxemburgo de que os direitos fundamentais
fazem parte dos princiacutepios gerais do direito comunitaacuterio Conflitos positivos de competecircncias
entre tribunais nacionais e o tribunal supranacional instituiacutedo no acircmbito da comunidade
marcaram os diaacutelogos iniciais para a estimulaccedilatildeo da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais em
acircmbito comunitaacuterio
Como continuidade deste diaacutelogo eacute pertinente destacar o caso Nold (1974) no qual o
Tribunal de Luxemburgo reconheceu como pauta geral para o direito comunitaacuterio europeu o
predomiacutenio dos direitos fundamentais Com isso mais uma vez reafirmou-se a ideia de que o
direito comunitaacuterio tem supremacia sobre as disposiccedilotildees legais nacionais mas que de toda a
sorte deve se adaptar a uma base comum de valores como os determinados por exemplo
pela Convenccedilatildeo Europeia de Direito do Homem
Por isso fala-se que este caso fixa um terceiro elemento no nuacutecleo de salvaguarda dos
direitos fundamentais aleacutem das tradiccedilotildees constitucionais comuns e dos direitos fundamentais
garantidos nas Constituiccedilotildees dos Estados os instrumentos internacionais relativos agrave proteccedilatildeo
dos direitos humanos passam a ser uma importante fonte de inspiraccedilatildeo para a proteccedilatildeo de
direitos em acircmbito comunitaacuterio Em funccedilatildeo disso inclusive em 1975 o TJUE pela primeira
vez recorreu agrave Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem no caso Rutili21
Apesar de tal decisatildeo do caso Nold o emblemaacutetico caso Solange levou agrave confirmaccedilatildeo
e consolidaccedilatildeo da vigecircncia dos direitos fundamentais no acircmbito da Comunidade Neste caso
em 1974 o Tribunal Constitucional alematildeo determinou que enquanto a Comunidade natildeo
dispusesse de um sistema de proteccedilatildeo de direitos comparaacutevel ou equiparado agrave Lei
Fundamental de Bonn ou seja enquanto natildeo houvesse um cataacutelogo de direitos fundamentais
aplicaacuteveis agrave Comunidade Europeia as instituiccedilotildees comunitaacuterias seriam ineficazes no que
concerne agrave proteccedilatildeo desses direitos22
TJUE respectivamente determinam que 3 A validade de uma medida comunitaacuteria ou de seus efeitos em um
Estado membro natildeo podem ser afetadas por alegaccedilotildees de que ela contraria direitos fundamentais tal como
formuladas pela Constituiccedilatildeo do Estado ou princiacutepios de uma estrutura constitucional nacional() 4() o
respeito pelos direitos fundamentais forma uma parte integral dos princiacutepios gerais de direito protegidos pela
Corte de Justiccedila A proteccedilatildeo de tais direitos enquanto inspirada pelas tradiccedilotildees constitucionais comuns aos
Estados membros deve ser assegurada no acircmbito da estrutura e dos objetivos da Comunidaderdquo Ibidem p4 21
O caso Rutilli caracteriza-se por ser a primeira referecircncia jurisprudencial feita pelo Tribunal de Luxemburgo agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem ou seja a utilizaccedilatildeo por parte de um tribunal supranacional de um
marco normativo essencial natildeo para o direito comunitaacuterio mas para o sistema regional de proteccedilatildeo aos direitos
humanos Nesse caso o Tribunal de Luxemburgo afirmou que as normas de direito comunitaacuterio natildeo era mais do
que uma manifestaccedilatildeo de princiacutepios gerais de direito consagrados na Convenccedilatildeo 22
GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional
algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em
httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014
18
Como resultado de tal caso natildeo soacute o Tribunal de Luxemburgo passou a consolidar um
entendimento jurisprudencial favoraacutevel ao respeito e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais
como demais instituiccedilotildees da entatildeo Comunidade Europeia assim agiram Em funccedilatildeo disso diz-
se que o principal resultado do caso Solange foi uma resoluccedilatildeo conjunta datada de 5 de abril
de 1977 entre Parlamento Europeu Conselho Europeu e Comissatildeo Europeia denominada
ldquoDeclaraccedilatildeo Conjunta sobre Direitos Fundamentaisrdquo23
Nesta ressaltou-se a necessidade do
respeito em acircmbito comunitaacuterio dos direitos fundamentais consagrados pelas tradiccedilotildees
constitucionais dos Estados membros e pela Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos
Os direitos fundamentais atraveacutes desse diaacutelogo jurisprudencial entre as cortes de
esperas diferentes (supranacional e nacionais) apareceram de modo progressivo no direito
comunitaacuterio europeu tornando-se paracircmetros de validade das normas da Uniatildeo Qualquer
norma seja comunitaacuteria seja nacional que contrariasse os direitos fundamentais seria
considerada invaacutelida
A tendecircncia jurisprudencial do TJUE de vincular a noccedilatildeo de supremacia das normas
comunitaacuterias com a proteccedilatildeo aos direitos fundamentais acabou por refletir no Tratado de
Maastricht de 1992 Tambeacutem chamado de Tratado da Uniatildeo Europeia este documento em
seu artigo F nuacutemero 2 determina que a Uniatildeo respeite os direitos fundamentais tal como os
garante a Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem24
Na esteira da inclusatildeo da proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em tratados o Tratado de
Lisboa de 2007 aleacutem de estabelecer personalidade juriacutedica agrave Uniatildeo Europeia25
determina que
a esta aderiraacute agrave Convenccedilatildeo Europeia para a proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e das Liberdades
Fundamentais sendo que a adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas
nos tratados26
23
XAVIER Ana Isabel Os Direitos Fundamentais no ldquodiaacutelogo europeurdquo de Nice a Lisboa In Debater a
Europa n 9 julhodezembro 2013 Disponiacutevel em httpeurope-direct-
aveiroaevaeudebatereuropaimagesn9axavierpdf Acesso em 03 out 2014 24
Artigo F n 2 ldquoA Uniatildeo respeitaraacute os direitos fundamentais tal como os garante a Convenccedilatildeo Europeia de
Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais assinada em Roma em 4 de novembro de
1950 e tal como resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-membros enquanto princiacutepios
gerais do direito comunitaacuteriordquo TRATADO DE MAASTRICHT 1992 Disponiacutevel em httpeuropaeueu-
lawdecision-makingtreatiespdftreaty_on_european_uniontreaty_on_european_union_ptpdf Acesso 15 out
2014 25
O artigo 46-A do Tratado de Lisboa determina que ldquoA Uniatildeo tem personalidade juriacutedicardquo TRATADO DE
LISBOA 2007 Disponiacutevel em httpeur-lexeuropaeulegal-
contentPTTXTPDFuri=OJC2007306FULLampfrom=PT Acesso 16 out 2014 26
O artigo 6ordf do Tratado de Lisboa determina que ldquo1 A Uniatildeo reconhece os direitos as liberdades e os
princiacutepios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da Uniatildeo Europeia de 7 de Dezembro de 2000 com
as adaptaccedilotildees que lhe foram introduzidas em 12 de Dezembro de 2007 em Estrasburgo e que tem o mesmo
valor juriacutedico que os Tratados De forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competecircncias da Uniatildeo tal
como definidas nos Tratados Os direitos as liberdades e os princiacutepios consagrados na Carta devem ser
interpretados de acordo com as disposiccedilotildees gerais constantes do Tiacutetulo VII da Carta que regem a sua
19
Mesmo que o ideal de Constituiccedilatildeo para a Uniatildeo Europeia natildeo tenha sido aprovado
pelos Estados membros as regras de supremacia das normas comunitaacuterias e de proteccedilatildeo aos
direitos fundamentais consagrados natildeo soacute nas Constituiccedilotildees como nas proacuteprias tradiccedilotildees
constitucionais dos Estados regem as decisotildees do Tribunal supranacional que existe no
continente Por isso mesmo que a preocupaccedilatildeo inicial da ldquopequena Europardquo tenha sido a
integraccedilatildeo econocircmica dos paiacuteses devastados pela guerra para que pudessem voltar a ser
competitivos internacionalmente ao longo do tempo sentiu-se a necessidade de trazer para
dentro do direito comunitaacuterio noccedilotildees acerca dos direitos fundamentais e humanos de modo
que hoje estes se encontram tutelados por instrumentos e oacutergatildeos supranacionais especiacuteficos
Ocorre que conforme se mencionou no iniacutecio deste subcapiacutetulo o cenaacuterio europeu
pode ser vislumbrado sob duas oacuteticas distintas desde o Congresso da Europa a oacutetica
federalista que impulsiona a criaccedilatildeo da Uniatildeo Europeia e de um direito comunitaacuterio europeu
e o vieacutes da cooperaccedilatildeo internacional marcado pela criaccedilatildeo do Conselho da Europa e de um
sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos o qual exige o pensamento acerca
da possibilidade da construccedilatildeo de um direito comum europeu
Nesse aspecto acerca do conceito de comum eacute pertinente remontar agraves premissas de
Dardot et Laval27
Para os autores o comum do direito segundo uma loacutegica de interpretaccedilatildeo
neoliberal natildeo seraacute outro que o direito de propriedade dos contratos e do lucro Eacute justamente
contra esse tipo de concepccedilatildeo trazido pelos efeitos nefastos da globalizaccedilatildeo que se invoca a
defesa e a reabilitaccedilatildeo do conceito de comum que deve ser entendido sob uma loacutegica de bases
uniacutessonas em mateacuteria de direitos humanos
Em razatildeo disso eacute no acircmbito da ldquogrande Europardquo ou seja do sistema regional europeu
de proteccedilatildeo dos direitos do homem que se vislumbram bases para a criaccedilatildeo de um direito
comum cuja premissa eacute a busca do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano28
Deste
modo no panorama apresentado se vislumbra de modo claro que embora existam regras
princiacutepios e instituiccedilotildees para reger o direito comunitaacuterio europeu (regras previstas nos
tratados da Uniatildeo Europeia e pacificadas pelo ativismo do TJUE) na ldquopequena Europardquo em
interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo e tendo na devida conta as anotaccedilotildees a que a Carta faz referecircncia que indicam as fontes
dessas disposiccedilotildees 2 A Uniatildeo adere agrave Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais Essa adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas nos Tratados3
Do direito da Uniatildeo fazem parte enquanto princiacutepios gerais os direitos fundamentais tal como os garante a
Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como
resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-Membrosrdquo Ibid 2007 27
DARDOT Pierre LAVAL Cristian COMMUN essai sur la revolutiona au XXeme siegravecle Paris La
deacutecouverte 2014 p 287 28
DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio
de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b
20
mateacuteria de direitos humanos e no acircmbito de um processo de globalizaccedilatildeo eacute preciso avanccedilar
na compreensatildeo do espaccedilo europeu para no acircmbito do sistema regional consolidar as bases
para a criaccedilatildeo de um direito comum
12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias juriacutedicas
a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da figura da
Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
O Congresso da Europa sob o aspecto juriacutedico dividiu o continente em blocos
autocircnomos dentro de um sistema multicecircntrico Nesse sentido Mireille Delmas-Marty29
assevera que natildeo existe uma unidade juriacutedica chamada Europa ou sequer uma visatildeo uacutenica e
preestabelecida do continente
Pelo contraacuterio existe uma Europa feita de instituiccedilotildees juriacutedicas diversas cada uma
com regras e princiacutepios especiacuteficos Neste sentido de um lado tem-se a ldquopequena Europardquo
composta pelos vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e que possui um ideal
primordialmente econocircmico com os objetivos de livre circulaccedilatildeo de pessoas e de
mercadorias bem como de instituiccedilatildeo de uma moeda uacutenica sob a perspectiva de abertura de
fronteira entre os paiacuteses Sob este ideal desenvolve-se a base para o direito comunitaacuterio que
possui como instituiccedilatildeo juriacutedica maacutexima o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo Europeia (TJUE)
com caraacuteter supranacional
Na Europa dos ldquoVinte e Oitordquo portanto sob o ideal integracionista surge o chamado
direito comunitaacuterio europeu o qual atraveacutes de direito originaacuterio (tratados constitutivos) e
direito derivado (normas emanadas de oacutergatildeos de competecircncia legislativa da Uniatildeo) forma o
sistema juriacutedico-poliacutetico e juriacutedico-econocircmico da Uniatildeo Europeia A peculiaridade desta nova
ordem formada eacute a de natildeo querer unificar a ordem juriacutedica dos paiacuteses europeus mas de
uniformizar em algumas mateacuterias as normas do bloco criado Justamente por isso a
supranacionalidade intriacutenseca ao direito comunitaacuterio natildeo se confunde com o direito
internacional
Sob as bases de interesses econocircmicos tem-se o objetivo de chegar a uma integraccedilatildeo
nas aacutereas concernentes agrave poliacutetica cultura dentre outras sob uma relaccedilatildeo de integraccedilatildeo entre o
29
Id 2004a p47
21
ordenamento juriacutedico comunitaacuterio e o ordenamento interno de cada Estado Sem sombra de
duacutevidas a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais se insere nessas relaccedilotildees mas com o
intuito de fortalecer o ideal de supremacia das normas comunitaacuterias Em funccedilatildeo de tal
premissa tem-se a necessidade de preservar o estaacutegio alcanccedilado pelo processo de integraccedilatildeo e
por isso um ordenamento juriacutedico comunitaacuterio eacute formado Entretanto eacute preciso avanccedilar no
processo de tutela dos direitos humanos em um contexto tatildeo plural como o europeu
Deste modo de outro lado tem-se a ldquogrande Europardquo criada pelo Conselho da Europa
perfazendo uma cooperaccedilatildeo poliacutetica que hoje abriga quarenta e sete membros30
signataacuterios da
Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais
(CEDH) O oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do Conselho da Europa eacute o Tribunal Europeu dos Direitos
do Homem (TEDH) sediado em Estrasburgo e para o qual podem demandar tanto Estados
quanto indiviacuteduos viacutetimas de violaccedilotildees de direitos humanos reconhecidos pela convenccedilatildeo
Neste sentido o paraacutegrafo 3ordm31
do Preacircmbulo da CEDH de 1950 assevera que a
finalidade principal do Conselho da Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre seus
membros e que um dos meios para alcanccedilar esta finalidade eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais sendo tais direitos vistos como um meio
para uma progressiva integraccedilatildeo dos europeus Antes mesmo disso o Estatuto do Conselho da
Europa de 1949 havia asseverado que a finalidade da instituiccedilatildeo era criar uma organizaccedilatildeo
que levasse os paiacuteses do continente a uma associaccedilatildeo cuja base fosse a unidade entre seus
membros privilegiando ideais e princiacutepios comuns aos diferentes Estados
Essa configuraccedilatildeo surgida na segunda metade do seacuteculo XX produz alteraccedilotildees
significativas na conceituaccedilatildeo de alguns institutos juriacutedicos e poliacuteticos como eacute o caso do
Estado da soberania dentre outros Nesse sentido o cenaacuterio Europeu pode ser enxergado
como proacuteximo da noccedilatildeo de Estado em Rede proposto por Manuel Castells32
Em um mesmo
espaccedilo territorial a autoridade passa a ser partilhada ao longo de uma rede de instituiccedilotildees O
30
Os 47 paiacuteses que fazem parte do Conselho da Europa satildeo Beacutelgica Dinamarca Franccedila Irlanda Itaacutelia
Luxemburgo Paiacuteses Baixos Noruega Sueacutecia Reino Unido Greacutecia Turquia Islacircndia Alemanha Ocidental
Aacuteustria Chipre Suiacuteccedila Malta Portugal Espanha Liechtenstein Satildeo Marino Finlacircndia Hungria Polocircnia
Bulgaacuteria Estocircnia Lituacircnia Eslovecircnia Repuacuteblica Checa Eslovaacutequia Romecircnia Andorra Letocircnia Albacircnia
Moldaacutevia Macedocircnia Ucracircnia Ruacutessia Croaacutecia Geoacutergia Armecircnia Azerbaijatildeo Boacutesnia e Herzegovina Seacutervia
Mocircnaco Montenegro Disponiacutevel em
httpwwwcoeintptAboutCoemediainterfacepublicationscoe_dh_ptpdf Acesso 08 out 2014 31
O terceiro paraacutegrafo do preacircmbulo da CEDH dispotildee que ldquoConsiderando que a finalidade do Conselho da
Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre os seus Membros e que um dos meios de alcanccedilar essa finalidade
eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento dos direitos do homem e das liberdades fundamentais ()rdquo CONVENCcedilAtildeO
EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS
1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso em 08 out 2014 32
CASTELLS Manuel A era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura A sociedade em rede Vol 1 5
ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999b
22
Estado-naccedilatildeo claacutessico relaciona-se com instituiccedilotildees supranacionais e a rede formada possui
noacutes diversos e natildeo um centro uacutenico sendo que esses noacutes podem apresentar tamanhos distintos
e estar ligados por relaccedilotildees assimeacutetricas
Essas redes e seus noacutes portanto representam formas de poder paralelas e
complementares que satildeo autocircnomas uma em relaccedilatildeo agraves outras O espaccedilo europeu marcado
por um jaacute consolidado direito comunitaacuterio e por uma estrutura supranacional sui generis
tornou-se um verdadeiro campo de concorrecircncia convergecircncia justaposiccedilatildeo e conflito de
vaacuterias constituiccedilotildees e poderes constituintes em um mesmo espaccedilo poliacutetico levando a uma
pluralidade de ordenamentos e de normatividades
A supranacionalidade desenvolvida assemelha-se desta forma a um Estado em Rede
em funccedilatildeo de um novo paradigma de governanccedila estabelecido em diferentes niacuteveis com
diferentes noacutes de diferentes dimensotildees e com relaccedilotildees internacionais assimeacutetricas O Estado-
Naccedilatildeo claacutessico se articula cotidianamente na tomada de decisotildees com instituiccedilotildees
supranacionais de diferentes tipos e em acircmbitos distintos33
Em uma mesma organizaccedilatildeo
complexa temos entatildeo as caracteriacutesticas da descentralizaccedilatildeo e da coordenaccedilatildeo sobretudo no
aspecto normativo sendo que a crise do Estado-naccedilatildeo o desenvolvimento das instituiccedilotildees
supranacionais e a transferecircncia das atribuiccedilotildees e iniciativas aos acircmbitos regionais e locais satildeo
caracteriacutesticas que funcionam como base para o desenvolvimento do Estado em Rede
Nesse acircmbito ainda eacute possiacutevel acrescentar a definiccedilatildeo de Marcelo Varella34
de que a
Uniatildeo Europeia caracteriza-se por ser uma instituiccedilatildeo sui generis natildeo soacute pelo seu modo de
constituiccedilatildeo como por seus efeitos no campo juriacutedico-normativo Desta maneira o bloco
europeu dos vinte e oito inserido no contexto de um sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos
humanos (ldquopequena Europardquo inserida na ldquogrande Europardquo) marca a caracteriacutestica de uma
superaccedilatildeo da tiacutepica forma de visatildeo linear e hieraacuterquica do direito tradicional em favor da
construccedilatildeo de um direito em camadas ou em diferentes niacuteveis ou ainda em redes
Essa concepccedilatildeo de Castells utilizada aqui para ilustrar as relaccedilotildees na Uniatildeo Europeia
comunica-se com a noccedilatildeo de Mireille Delmas-Marty35
de um pluralismo que deve ser
ordenado Na Europa como um todo em acircmbito juriacutedico a coexistecircncia de normas das mais
diversas fontes e de tribunais nas mais diferentes escalas faz emergir uma noccedilatildeo de caos
33
Id 1999a p164 34
VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade
de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014 p145 35
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006
23
juriacutedico que precisa ser ordenado Em razatildeo disso pertinente a busca por um direito comum
com ecircnfase em um direito comum em mateacuteria de direitos humanos
Interessante notar que esse cenaacuterio criado intensifica-se com o processo de
mundializaccedilatildeo36
e sob essa oacutetica embora os direitos humanos tenham se tornado oponiacuteveis aos
Estados perfazendo princiacutepios de direito incluiacutedos nas Constituiccedilotildees Estatais no
entendimento dos tribunais supranacionais e em instrumentos normativos internacionais os
corolaacuterios do processo de mundializaccedilatildeo satildeo os direitos econocircmicos que predominam nas
preocupaccedilotildees do jaacute consolidado direito comunitaacuterio europeu
Enquanto os direitos humanos foram concebidos sob o prisma de uma universalidade e
com a finalidade de proteger o ldquoirredutiacutevel humanordquo37
os direitos econocircmicos satildeo os motores
da mundializaccedilatildeo sendo que isso somado agrave desestabilizaccedilatildeo do tempo e agrave desestatizaccedilatildeo do
Estado gera no processo de mundializaccedilatildeo uma aparente desordem normativa com a
proliferaccedilatildeo de normas de modo anaacuterquico38
Em funccedilatildeo disso eacute viaacutevel dizer que o continente europeu serve de base e eacute capaz de
traduzir importantes eventos para explicar fenocircmenos que hoje satildeo salientes na esfera juriacutedica
Mireille Delmas-Marty39
sugere que vivemos sob a eacutegide de espaccedilos ldquodesestatizadosrdquo tempos
ldquodesestabilizadosrdquo e uma ordem ldquodeslegalizadardquo No sentido atual da paisagem juriacutedica
afirmar que o Estado eacute a uacutenica fonte de Direito eacute assumir uma atitude de exclusatildeo de todos os
demais espaccedilos normativos
Como eacute possiacutevel observar na Europa convivem em um mesmo espaccedilo normas
provenientes de fontes estatais claacutessicas normas advindas de instituiccedilotildees supranacionais e
regras provenientes de entes internacionais na formaccedilatildeo de um verdadeiro mosaico juriacutedico
O monopoacutelio do Estado como produtor do direito deixa de ser imperativo frente agrave
internacionalizaccedilatildeo crescente das fontes juriacutedicas De modo concomitante e corroborando
36
Na obra ldquoTrecircs Desafios para um Direito Mundialrdquo Mirelle Delmas-Marty observa as particularidades dos
termos globalizaccedilatildeo mundializaccedilatildeo e universalidade quais sejam ldquoA mundializaccedilatildeo remete agrave difusatildeo espacial
de um produto de uma teacutecnica ou de uma ideia A universalidade implica um compartilhar de sentidosrdquo Em
outra passagem disserta ldquoDifusatildeo espacial de um lado compartilhar os sentidos de outra estas duas foacutermulas
descrevem muito bem a diferenccedila que separam os dois fenocircmenos que eu denominarei globalizaccedilatildeo para a
economia e universalizaccedilatildeo para os direitos do homem guardando assim o termo mundializaccedilatildeo uma
neutralidade que ele jamais perderaacute caso natildeo se resigne rapidamente ao primado da economia sobre os Direitos
do Homemrdquo DELMAS-MARTY Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr
Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b p 08-09 37
Ibid p48 38
FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos
teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013 39
DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47
24
com a teoria do Estado em Rede de Castells eacute possiacutevel observar um processo de
descentralizaccedilatildeo espacial com o deslocamento de fontes do centro para periferias40
Da mesma forma os tempos estatildeo desestabilizados Segundo Delmas41
em comparaccedilatildeo
aos votos claacutessicos de perpetuidade da lei eacute possiacutevel hoje encontrar fontes temporaacuterias e
evolutivas do direito O espaccedilo europeu se constitui como uma aacuterea privilegiada dessas fontes
evolutivas42
Sob o aspecto da ldquopequena Europardquo as regras de direito comunitaacuterio impotildeem um
resultado que deve ser atingido o que pela falta de meios juriacutedicos incentiva os Estados a
adaptar seus textos a dados econocircmicos
Isso tudo faz emergir a noccedilatildeo de assincronia43
do direito ou seja diferentes
velocidades em diferentes espaccedilos Nesse sentido haacute no espaccedilo europeu uma diferenccedila de
velocidade dos processos de integraccedilatildeo das normas internacionais (ou supranacionais) de
direito do comeacutercio em comparaccedilatildeo com as normas ambientais ou relativas aos direitos
humanos O proacuteprio processo evolutivo de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais
sob o panorama da ldquopequena Europardquo demonstra desde os primoacuterdios da criaccedilatildeo da
Comunidade Europeia uma ausecircncia de sincronia em relaccedilatildeo agraves duas esferas do direito A
evoluccedilatildeo dos direitos humanos eacute lenta quando comparada com a celeridade da integraccedilatildeo das
normas de direito comercial e econocircmico em um mundo de economia globalizada
Pode-se entatildeo afirmar que natildeo soacute na Europa como tambeacutem na sociedade
internacional o tempo das relaccedilotildees comerciais e por conseguinte o tempo da integraccedilatildeo do
direito do comeacutercio eacute o tempo do software da fluidez da velocidade da luz Enquanto isso o
tempo das relaccedilotildees humanas da eacutetica da solidariedade e da integraccedilatildeo do direito dos direitos
humanos segue o tempo do hardware do denso do apego ao territoacuterio e agraves localidades44
Por fim estaacute-se tambeacutem frente a uma ordem ldquodeslegalizadardquo uma vez que dentre os
reflexos das vicissitudes na seara juriacutedica eacute possiacutevel destacar um ruptura com a noccedilatildeo de
40
Tal fenocircmeno eacute descrito por Mireille Delmas-Marty como ldquodescentralizaccedilatildeordquo Esta envolve o deslocamento de
fontes do centro do Estado para coletividades territoriais Todavia tal fenocircmeno natildeo se confunde com uma mera
desconcentraccedilatildeo de poderes que eacute destinada a conferir maior eficaacutecia agraves estruturas centrais do Estado A
descentralizaccedilatildeo conforme refere a autora confia ao representante local da coletividade territorial certos poderes
de decisatildeo fazendo transparecer uma autonomia local para impor certas regras juriacutedicas Como exemplo
podem-se destacar as comissotildees locais de eacutetica como ocorre em uma deontologia profissional como a Ordem
dos Advogados As regras disciplinares desta profissatildeo guardam um caraacuteter misto sendo de natureza local e
nacional privada e puacuteblica Ibid 2004ap55 41
Ibid 2004ap47 42
Segundo Delmas falar de fontes evolutivas significa renunciar ao passado do costume e ao futuro das leis para
situar as fontes de direito no presente por natureza instaacutevel Ibid 2004ap65 43
Id 2006 p 114 44
SALDANHA Jacircnia Marial Lopes BRUM Maacutercio Morais MELLO Rafaela da Cruz A Assincronia do
Direito e o Caso Araguaia Uma anaacutelise da Decisatildeo do Supremo Tribunal Federal Brasileiro na ADPF 153 e do
Julgamento do Caso Gomes Lund e Outros vs Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos In Andreacute
Karam Trindade Angela Araujo da Silveira Espindola (Org) Direitos Fundamentais e Espaccedilo Puacuteblico 1ed
Passo Fundo - RS Editora IMED 2011 v 2 p 37-61
25
identidade entre direito e lei45
O processo de internacionalizaccedilatildeo deixa comum aos sistemas
de commun law e de civil law o papel do juiz na geraccedilatildeo do direito ou seja na interaccedilatildeo entre
texto normativo e sua interpretaccedilatildeo de modo que a jurisprudecircncia e o diaacutelogo entre os
diferentes tribunais serve para ambos os sistemas como um importante balizador para
consolidaccedilatildeo de entendimentos e de princiacutepios
Diante desse cenaacuterio juriacutedico global proveniente do processo de internacionalizaccedilatildeo -
e especiacutefico no caso da Europa ndash de desestatizaccedilatildeo de ruptura com paradigmas e com a loacutegica
binaacuteria de interpretar o direito eacute possiacutevel concordar com a premissa de Mireille Delmas-
Marty46
de que a paisagem juriacutedica apresenta um panorama de proliferaccedilatildeo constante de
normas e de entendimentos jurisprudenciais que em um primeiro momento podem levar a
uma noccedilatildeo de desordem e anarquia
Conveacutem perceber que a nova paisagem juriacutedica para a qual a Europa eacute um verdadeiro
laboratoacuterio47
eacute composta por formas mais complexas como piracircmides inacabadas
descontiacutenuas compostas por aneacuteis normativos como uma guirlanda no entanto natildeo
especificamente se liga agrave anarquia Pelo contraacuterio a retirada de marcos e o deslocamento de
linhas natildeo significa desordem e essa aparecircncia de caos favorece ao pluralismo
Por isso Delmas-Marty48
atesta que a internacionalizaccedilatildeo do direito apresenta um
grande paradoxo ordenar o plural Embora estejamos semanticamente diante de vernaacuteculos
opostos visto que a proposta eacute colocar em ordem aquilo que naturalmente eacute muacuteltiplo e plural
sem reduzir sua identidade a primeira consideraccedilatildeo que deve ser feita eacute a de que o tiacutepico
modelo kelseniano de loacutegica juriacutedica natildeo mais se aplica ao cenaacuterio em que o Direito se insere
atualmente em razatildeo da multiplicidade e do dinamismo existente no processo de
mundializaccedilatildeo
Para ir da desordem agrave ordem eacute necessaacuterio fortalecer as correlaccedilotildees da formaccedilatildeo
juriacutedica trazendo estabilidade agrave presenccedila de divergecircncias atraveacutes de uma aproximaccedilatildeo entre
ordens juriacutedicas por meio de um jogo de referecircncias cruzadas com o intuito de ordenar a
multiplicidade Essa aproximaccedilatildeo poreacutem natildeo pode ser concebida senatildeo em relaccedilatildeo a uma
referecircncia comum e neste campo a utilidade dos instrumentos protetivos de direitos humanos
traz a coerecircncia de conjunto capaz de indicar uma direccedilatildeo a seguir um norte para a criaccedilatildeo de
um direito comum cujo pluralismo eacute ordenado
45 DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47 46
Id 2006 47
VARELLA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do direito Direito Internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Livre Docecircncia em Direito Internacional Faculdade de
Direito da Universidade de Satildeo Paulo (USP) Satildeo Paulo 2012 Acesso 14 out 2014 48
Ibid 2006 p 10
26
Obviamente o direito comum almejado eacute pluralista tendo a razatildeo como instrumento
de justificaccedilatildeo e de diaacutelogo O pluralismo eacute justificado pelo intuito de harmonizar e conjugar
as particularidades religiosas poliacuteticas culturais de cada Estado ou comunidade evitando a
sobreposiccedilatildeo de uma ordem sobre outra ou a assimilaccedilatildeo e exclusatildeo Em razatildeo disso o
direito comum pluralista pretende construir um ldquoDireito dos Direitosrdquo a partir do ideal de
universalizaccedilatildeo dos direitos humanos sendo que a finalidade eacute a de aproximar ou harmonizar
ndash e natildeo unificar - os diferentes sistemas juriacutedicos sob a perspectiva de respeito ao ldquoirredutiacutevel
humanordquo49
Impossiacutevel a criaccedilatildeo de normas e regras comuns a todos os povos justamente pelo
fato de que sempre algumas normas advindas de culturas especiacuteficas se sobressairatildeo sobre
outras na criaccedilatildeo de uma hegemonia negativa O direito comum portanto inserido na oacutetica
de um direito mundial pluralista eacute aquele acessiacutevel a todos e comum aos diversos Estados
sem que haja o abandono de identidades Justamente em funccedilatildeo disso o alicerce para a sua
criaccedilatildeo eacute a aproximaccedilatildeo dos sistemas juriacutedicos tendo por base os direitos humanos que
carregam a caracteriacutestica da universalidade a qual adveacutem do compartilhamento de sentidos e
do enriquecimento pela troca
Neste sentido em que consistem esses direitos humanos que satildeo os alicerces para a
criaccedilatildeo de um direito comum Eacute possiacutevel afirmar que a mera previsatildeo constitucional ou em
tratados de direitos jaacute asseguram a sua proteccedilatildeo Como lidar com questotildees concernentes agraves
pretensotildees universalistas e as particularidades do relativismo cultural nas diferentes
sociedades europeias
Narciso Baez50
traz reflexotildees importantes acerca desse tema Segundo ele em meados
do seacuteculo XVII pensou-se que a positivaccedilatildeo dos direitos humanos seria instrumento suficiente
para garantir o seu respeito Essa noccedilatildeo adentrou a contemporaneidade com a filosofia de
Hans Kelsen de que as normas positivadas e inseridas nos ordenamentos juriacutedicos eram
obrigatoacuterias por serem legitimadas por uma norma juriacutedica superior que tinha um fim em si
mesma
Obviamente o seacuteculo XX mostrou que a mera inserccedilatildeo legal da dignidade da pessoa
humana ndash que eacute o elemento cerne dos direitos humanos ndash em um sistema positivo de direito e
dissociada de valores morais natildeo seria suficiente para evitar eventuais violaccedilotildees desses
49
Ibid 2006 p 54 50
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos
humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da
UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em
httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014
27
direitos Sob esse panorama e seguindo a corrente eacutetica51
de fundamentaccedilatildeo dos direitos
humanos pode-se afirmar que estes satildeo direitos de fora da ordem positiva que tecircm em seu
bojo componentes morais sociais poliacuteticos e ateacute econocircmicos que salvaguardam condiccedilotildees
miacutenimas para a garantia da dignidade da pessoa humana Em sua dimensatildeo baacutesica portanto
satildeo direitos inatos pautados em valores morais e conferidos aos indiviacuteduos pelo simples fato
de estes serem humanos
Logo para a construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos exige-
se o fortalecimento desses em suas dimensotildees baacutesicas Eacute neste sentido que Delmas52
se refere
ao miacutenimo eacutetico universal e ao irredutiacutevel humano ou seja elementos que todos os indiviacuteduos
apresentam em comum mesmo em diferentes culturas
As duas estruturas baacutesicas dos direitos humanos satildeo portanto os valores morais e a
dignidade humana53
Em relaccedilatildeo aos primeiros infere-se que a origem dos direitos humanos
natildeo eacute legal vez que estes satildeo reconhecidos aos indiviacuteduos pelo simples fato de serem
humanos O ordenamento juriacutedico tem a mera funccedilatildeo de reconhecer tais direitos e transformaacute-
los em normas a fim de obter efetividade Jaacute a dignidade humana eacute o bem maior dentro dos
direitos humanos constituindo uma qualidade universal intriacutenseca irrenunciaacutevel e
inalienaacutevel inerente a todos os seres humanos e que se encontra acima das especificidades
culturais
Neste vieacutes a universalidade de tais direitos que eacute requisito indispensaacutevel para a
criaccedilatildeo de um direito comum natildeo eacute marcada pela criaccedilatildeo de instrumentos internacionais
positivos de proteccedilatildeo dos direitos humanos Isso porque embora tenha se conseguido a
universalizaccedilatildeo da adesatildeo dos Estados como eacute o caso da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos da ONU de 1948 ou mesmo da CEDH do sistema regional europeu ainda haacute
resistecircncias agrave aceitaccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo em algumas culturas que alegam a necessidade de
relativizaccedilatildeo desses direitos para adequaccedilatildeo agraves realidades nacionais54
Logo para a construccedilatildeo de uma verdadeira universalidade eacute necessaacuterio interpretar os
direitos humanos sob uma oacutetica interdisciplinar Finnis55
nesse aspecto afirma que os direitos
humanos constituem uma categoria que busca consagrar a dignidade humana sendo esta um
atributo de todas as pessoas independentemente de crenccedila ou cultura Nesse aspecto
51
Id 2007 p 13-35 52
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b 53
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Direitos humanos na globalizaccedilatildeo In BAEZ Narciso
Leandro Xavier BARRETO Vicente (Org) Direitos humanos em evoluccedilatildeo Joaccedilaba Ed Unoesc 2007 p
13-35 54
Id 2009 p77-99 55
FINNIS John Ley natural e derechos naturales Buenos Aires AbeledoPerrot 2000
28
vislumbra-se necessaacuterio a fim de identificar quais satildeo os valores baacutesicos e inderrogaacuteveis a
todos os humanos a construccedilatildeo de valores universais atraveacutes do diaacutelogo e do cruzamento de
diferentes culturas com diferentes valores Isso facilita a construccedilatildeo de uma cultura
cosmopolita baseada em uma identificaccedilatildeo em que prevaleccedila a dignidade da pessoa humana
acima dos relativismos
As diversidades culturais satildeo provenientes de elementos externos56
da diferenccedila de
ambientes naturais mas mesmo assim todas as pessoas ainda que inseridas em
especificidades culturais distintas ainda manteacutem atributos comuns Eacute por essa loacutegica que
permanece atual a premissa de Kant de que no atual estaacutegio da humanidade os povos
atingiram um grau de desenvolvimento que os permitem fazer parte de uma comunidade
cosmopolita57
Por isso a violaccedilatildeo de um direito humano em um ponto do planeta repercute e
pode ser sentida em todos os outros
Pertinente ainda lembrar que a universalizaccedilatildeo natildeo significa a imposiccedilatildeo ou a
uniformizaccedilatildeo de uma cultura sobre as outras Pelo contraacuterio deve-se buscar uma raiz
comum qual seja um conjunto de valores miacutenimos universais capazes de dialogar com
diferentes culturas garantindo o respeito e a preservaccedilatildeo da vida humana em qualquer lugar
Ainda sob essa oacutetica eacute possiacutevel afirmar que a noccedilatildeo de direito comum de Delmas
aproxima-se do ideal de direito cosmopoliacutetico em Kant58
Ao perceber o aumento da
participaccedilatildeo dos povos na Terra Kant vislumbra a ideia de uma comunidade mundial
alicerccedilada sob as bases de um direito cosmopoliacutetico a fim de garantir a paz perpeacutetua Diante
da dicotomia entre praacuteticas culturais e direitos humanos a base do cosmopolitismo kantiano eacute
a busca de criteacuterios loacutegico-racionais que sejam comuns a todas as culturas
Nesse espectro surgem entatildeo os direitos humanos como nuacutecleo moral-juriacutedico do
direito cosmopoliacutetico vez que a moralidade miacutenima universal se baseia em trecircs pilares a)
humanidade comum b) ameaccedilas compartilhadas e c) obrigaccedilotildees miacutenimas Logo a
fundamentaccedilatildeo moral eacute a base dos direitos humanos uma vez que nela encontram-se as
exigecircncias imprescindiacuteveis para a vida de um indiviacuteduo Apesar das diferenccedilas sociais e
culturais entre os seres humanos algumas necessidades e capacidades satildeo comuns a todos59
56
PAREKH Bhikhu Pluralist universalism and human rights In SMITH Rhona K M ANKER Cristien van
den The essentials of human rights London Oxford University Press 2005 57
KANT Immanuel Para a paz perpeacutetua Traduccedilatildeo Baacuterbara Kristen - Rianxo Instituto Galego de Estudos de
Seguranccedila Internacional e da Paz 2006 58
Ibid 2006 p 107-108 59
BARRETO Vicente de Paulo Direito Cosmopoliacutetico e Direitos Humanos In Espaccedilo Juriacutedico Journal of
Law N 2 Vol 11 2010 Disponiacutevel em
httpeditoraunoescedubrindexphpespacojuridicoarticleview19491017 Acesso 30 out 2014
29
Assim como a concepccedilatildeo de direitos humanos natildeo pode mais ser concebida como o
era na eacutepoca de Kelsen o panorama em que o Direito de um modo geral se insere hoje
tambeacutem natildeo pode mais ser concebido conforme a loacutegica claacutessica kelseniana em que a
constituiccedilatildeo estatal encontra-se no topo de uma estrutura piramidal sendo hierarquicamente
seguida pela legislaccedilatildeo infraconstitucional Os rearranjos da mundializaccedilatildeo e a consequente
internacionalizaccedilatildeo do Direito fazem com que novas estruturas permeiem o atual cenaacuterio
juriacutedico mundial
Seja uma concepccedilatildeo de trapeacutezio cujos veacutertices superiores satildeo ocupados em igual
niacutevel pelas constituiccedilotildees estatais e pelos tratados ou convenccedilotildees internacionais protetivos dos
direitos humanos como eacute a visatildeo de Canotilho seguida por Flaacutevia Piovensan60
seja uma
visatildeo de nuvens fluidas e descontiacutenuas com um direito de sistemas interativos complexos
marcados por geometria de piracircmides inacabadas e aneacuteis normativos como guirlandas
defendida por Delmas-Marty61
demonstram que a internacionalizaccedilatildeo traz tentativas de
recomposiccedilatildeo de um pluralismo que deveraacute ser suficientemente ordenado
Em razatildeo disso razoaacutevel frente agrave mudanccedila paradigmaacutetica trazida pela mundializaccedilatildeo
pensar em um conjunto ordenado para a desordem uma vez que a aparente anarquia que
existe favorece ao pluralismo Para se chegar a um direito comum pluralista tendo por base os
direitos humanos deve-se buscar a harmonizaccedilatildeo entre estes e os direitos econocircmicos com
respeito agraves particularidades religiosas e culturais e com a superaccedilatildeo dos perigos de uma
uniformizaccedilatildeo hegemocircnica tendente agrave globalizaccedilatildeo econocircmica
Nesse novo paradigma o ideaacuterio de ordem ldquodeslegalizadardquo anteriormente referido
toma corpo uma vez que a sobrevalorizaccedilatildeo da lei e das grandes codificaccedilotildees perde espaccedilo
havendo em contrapartida a crescente incorporaccedilatildeo dos precedentes (certa ruptura de
fronteiras entre common law e civil law) e dos princiacutepios como espeacutecie de coacutedigo cultural do
processo de interpretaccedilatildeo e criaccedilatildeo do direito62
A internacionalizaccedilatildeo do Direito reflete portanto uma nova realidade de um Direito
de sistemas complexos fluidos descontiacutenuos e interativos os quais levam agrave mutaccedilatildeo da
proacutepria concepccedilatildeo tradicional de ordem juriacutedica que natildeo eacute mais fechada dentro de si mesma e
sim sofre influecircncia de outras A tradicional piracircmide kelseniana eacute desconstruiacuteda
60
PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e diaacutelogo entre jurisdiccedilotildees In Revista Brasileira de Direito
Constitucional ndash RBCD n19 ndash janjul 2012 61
DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio
de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b 62
FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos
teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013
30
gradativamente dando lugar a novas geometrias cuja hierarquia natildeo eacute tatildeo riacutegida mas nem por
isso deixa de ser complexa
No topo encontram-se as constituiccedilotildees juntamente com elementos do Direito
Internacional (jus cogens tratados relativos o direito internacional dos direitos humanos) e do
direito comunitaacuterio europeu No corpo do que seria a antiga piracircmide kelseniana encontra-se
o crescimento e a consolidaccedilatildeo de um direito jurisprudencial atraveacutes de um jogo de
referecircncias reciacuteprocas em que um sistema observa o outro mas natildeo haacute um centro ao lado das
normas produzidas no legislativo (a intensa produccedilatildeo jurisprudencial para os hard cases
culmina em adiccedilatildeo de conteuacutedos advindos de ldquooutros direitosrdquo) e a base passa a ser composta
por decretos e regulamentos que resultam de administraccedilotildees policecircntricas corroborando para
a crenccedila de que o processo de internacionalizaccedilatildeo do direito vem acompanhado de
descentralizaccedilatildeo e privatizaccedilatildeo de fontes do Direito63
Diante deste quadro Delmas64
apresenta trecircs espeacutecies de processo de interaccedilatildeo para
se chegar a um direito comum coordenaccedilatildeo por entrecruzamento harmonizaccedilatildeo e unificaccedilatildeo
Destaca-se antes de discorrer brevemente sobre esses processos que o direito comum natildeo
tem a pretensatildeo de unificar o Direito no texto pois isso seria uma tarefa praticamente utoacutepica
A ideia de Delmas objetiva na realidade a exploraccedilatildeo da pluralidade como potencial poder
de integraccedilatildeo vez que as redes dinacircmicas e as estruturas vetorizadas pelos direitos humanos
presentes nas novas geometrias da ordem mundial se pautam no reconhecimento do outro em
uma espeacutecie de alteridade65
A coordenaccedilatildeo por entrecruzamento caracteriza-se por ser um processo horizontal em
que a autoridade das decisotildees seraacute reforccedilada pelo jogo de referecircncias cruzadas de uma
jurisdiccedilatildeo agrave outra Essa eacute uma fase transitoacuteria na construccedilatildeo de uma verdadeira ordem juriacutedica
mundial em que a internormatividade e a interpretaccedilatildeo cruzada permitem a formaccedilatildeo de no
miacutenimo uma comunidade de juiacutezes Em funccedilatildeo disso em acircmbito global percebem-se traccedilos
da coordenaccedilatildeo por entrecruzamento nos diaacutelogos entre cortes e tribunais nas mais diferentes
ordens No espaccedilo europeu a coordenaccedilatildeo eacute percebida da mesma forma atraveacutes dos diaacutelogos
entre as cortes nacionais e os tribunais da ldquopequena Europardquo e da ldquogrande Europardquo
respectivamente Tribunal de Luxemburgo e de Estrasburgo
Interessante notar conforme jaacute foi demonstrado que foram os diaacutelogos entre as cortes
nacionais dos diversos Estados membros da entatildeo Comunidade Europeia e posterior Uniatildeo
63
Ibid 2013 p20 64
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006 65
LOPES Carla Patriacutecia Frade Nogueira Internacionalizaccedilatildeo do Direito e pluralismo juriacutedico limites de
cooperaccedilatildeo no diaacutelogo de juiacutezes In Revista de Direito Internacional da Uniceub Vol 9 n4 2012
31
Europeia que auxiliaram no processo de consolidaccedilatildeo do entendimento de primazia das
normas comunitaacuterias ao lado da proteccedilatildeo integral aos direitos fundamentais previstos nas
constituiccedilotildees estatais Isso culminou conforme se asseverou anteriormente na disposiccedilatildeo do
Tratado de Lisboa de que a Uniatildeo Europeia natildeo soacute se submete agraves tradiccedilotildees e regras
constitucionais em mateacuteria de direitos fundamentais como adere agrave Convenccedilatildeo Europeia dos
Direitos do Homem
Se o primeiro processo de interaccedilatildeo eacute a coordenaccedilatildeo far-se-aacute de imediato a anaacutelise do
uacuteltimo processo a unificaccedilatildeo visto que o eacute no processo intermediaacuterio ndash a harmonizaccedilatildeo ndash que
se desenvolve o foco do presente estudo A unificaccedilatildeo seria do ponto de vista formal o
processo perfeito por unir ordens juriacutedicas regionais sob um mesmo modelo hieraacuterquico e
coerente das ordens nacionais tradicionais Entretanto sob o enfoque empiacuterico essa perfeiccedilatildeo
estaacute longe de ser garantida vez que a unificaccedilatildeo consiste na transferecircncia pura e simples do
regramento juriacutedico de um paiacutes para outro em uma espeacutecie de verticalizaccedilatildeo ordenada que
pode gerar a dominaccedilatildeo hegemocircnica de uma ordem sobre outra sem portanto respeito agrave
pluralidade
O processo intermediaacuterio de harmonizaccedilatildeo por sua vez tende a aproximar os sistemas
com um propoacutesito coordenativo poreacutem sem a intenccedilatildeo unificadora Tal processo limita-se a
uma integraccedilatildeo imperfeita cuja chave eacute a preservaccedilatildeo das margens nacionais de apreciaccedilatildeo
De modo diferente da coordenaccedilatildeo que eacute marcada pela horizontalidade da comunicaccedilatildeo entre
conjuntos juriacutedicos a harmonizaccedilatildeo instaura uma relaccedilatildeo do tipo vertical que implica o
reconhecimento de algumas hierarquias entre por exemplo direito internacional e nacional
direito supranacional e nacional dentre outras formas Todavia a inversatildeo destas hierarquias
e o reconhecimento muacutetuo fazem parte do movimento de harmonizaccedilatildeo
As margens nacionais de apreciaccedilatildeo satildeo as grandes novidades desse processo de
harmonizaccedilatildeo vez que elas funcionam em uma dinacircmica centriacutefuga e envolvem tanto a
obrigaccedilatildeo de conformidade em relaccedilatildeo agraves normas internacionais das quais determinado paiacutes eacute
signataacuterio quanto agrave apreciaccedilatildeo soberana dos Estados sendo delineada por princiacutepios
comuns66
A resistecircncia dos direitos internos e os avanccedilos do processo de harmonizaccedilatildeo satildeo
portanto as condiccedilotildees de possibilidade para a aplicaccedilatildeo da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
(MNA)
66
SALDANHA Jacircnia Maria Lopes MELLO Rafaela da Cruz Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e
Diaacutelogos Transjurisdicionais uma anaacutelise da postura do Supremo Tribunal Federal Brasileiro In Conselho
Nacional de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito - CONPEDI (Org) Direito Internacional dos Direitos
Humanos I XXIII EdFlorianoacutepolis CONPEDI 2014 v I p 368-394
32
Deste modo imperioso reconhecer que em um continente plural como eacute o europeu
com diversos paiacuteses com aspectos linguiacutesticos culturais religiosos e poliacuteticos a figura da
MNA apresenta-se como uma importante chave para o desenvolvimento e consolidaccedilatildeo de
um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos sendo uma ferramenta relevante
para o estabelecimento de um pluralismo ordenado uma vez que as pluralidades e
peculiaridades culturais e religiosas de cada Estado satildeo respeitadas
Neste sentido portanto a Europa pode ser vista novamente como um laboratoacuterio de
experiecircncias e o surgimento da MNA possui hoje um importante papel sobretudo dentro do
continente europeu Utilizada tanto pelos Tribunais de Luxemburgo e Estrasburgo a MNA
surgiu pela primeira vez na jurisprudecircncia do TEDH
Embora existam relatos do uso da MNA pelo Tribunal de Luxemburgo para permitir
que os conceitos comunitaacuterios sejam interpretados de modo flexiacutevel segundo as
especificidades nacionais e servindo como uma importante vaacutelvula de escape para as tensotildees
nacionais mais fortes neste trabalho far-se-aacute a limitaccedilatildeo da utilizaccedilatildeo da MNA pelo Tribunal
Europeu de Direitos do Homem com o intuito de analisar quais satildeo os entraves e as
possibilidades do uso de tal ferramenta pra a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de um direito comum
para a ldquogrande Europardquo tendo como base os direitos humanos
33
2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU
A noccedilatildeo de margem encontra-se no coraccedilatildeo dos sistemas de Direito uma vez que o
direito interno jaacute prevecirc a possibilidade de uma margem de interpretaccedilatildeo aos juiacutezes em relaccedilatildeo
agraves demandas que lhes satildeo apresentadas Todavia a internacionalizaccedilatildeo impulsiona ao
acreacutescimo do termo ldquonacionalrdquo a essa margem no sentido de permitir o reconhecimento da
diversidade dos sistemas juriacutedicos e a possibilidade de um direito comum
Nesse sentido no presente capiacutetulo far-se-aacute uma abordagem acerca da histoacuteria dessa
ferramenta criada pelo TEDH bem como o conceito e as criacuteticas trazidas por estudiosos da
doutrina da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) (21) Por conseguinte atraveacutes de uma
anaacutelise jurisprudencial se tentaraacute comprovar que a margem a despeito de opiniotildees contraacuterias
acerca da ausecircncia de paracircmetros para sua aplicaccedilatildeo pelo TEDH constitui-se como um
instrumento relevante para a construccedilatildeo de um direito comum europeu tendo como base
luminosa os direitos humanos (22)
21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem
Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu
Consoante fora anteriormente aludido a noccedilatildeo de margem encontra-se dentro dos
sistemas de direito Por isso em um primeiro momento aponta-se a margem dentro do direito
interno como ferramenta capaz de auxiliar o juiz enquanto receptor da norma a interpretar
determinado caso concreto em uma espeacutecie de coacutedigo cultural que determina o senso da
norma67
Nesse sentido a origem dessa margem de interpretaccedilatildeo adveacutem do direito
administrativo de diversos Estados europeus Na Franccedila a margem eacute conhecida como ldquomarge
67
DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation
du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit
compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780
34
drsquoappreacutecciationrdquo na Alemanha eacute vista como ldquoErmessensspielraumrdquo e na Itaacutelia ldquomarge de
discrizionalitaacuterdquo68
Em acircmbito interno portanto caracteriza-se por ser uma deferecircncia que
combina aspectos processuais e hermenecircuticos no sentido de conferir uma reserva de
apreciaccedilatildeo ao administrador para decidir acerca da conveniecircncia e oportunidade em relaccedilatildeo
aos atos administrativos
O processo de internacionalizaccedilatildeo estaacutegio supremo da globalizaccedilatildeo69
no acircmbito do
Direito se desenvolve a ponto de transformar o campo de uma disciplina de modo que
consoante jaacute fora exaustivamente exposto a seara juriacutedica natildeo se limita mais agrave relaccedilatildeo entre
Estados nem somente se combina com os direitos internos Logo o pluralismo pode ser visto
como uma palavra de ordem na paisagem juriacutedica atual e por isso a noccedilatildeo de margem ganha
o adjetivo ldquonacionalrdquo e passa a ser um elemento de tentativa de aproximaccedilatildeo com a finalidade
de atingir um direito comum com bases humanistas
Logo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) teria a finalidade de proceder a uma
espeacutecie de siacutentese entre os anseios de unidade juriacutedica e o desejo de separaccedilatildeo proveniente de
uma autonomia estatal A margem portanto sob o vieacutes da internacionalizaccedilatildeo corresponderia
ao caminho do meio entre o pressuposto de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o
relativismo ou os particularismos culturais de cada Estado
No contexto europeu em que tanto sob o vieacutes comunitaacuterio quanto sob a perspectiva do
sistema regional os Estados apresentam pluralidades significativas em relaccedilatildeo agrave religiatildeo agrave
cultura agrave poliacutetica dentre outros campos a figura da MNA serve como um importante
instrumento para aproximar o universal e o relativo70
Dessa maneira teria a funccedilatildeo de no
processo de construccedilatildeo de um direito comum apresentar como horizonte a universalidade dos
direitos humanos mas sem perder de foco os relativismos culturais que formam a identidade
das mais diferentes sociedades
Niacutetido portanto que o caminho para a construccedilatildeo de um ldquocomumrdquo em mateacuteria de
direitos humanos relaciona-se natildeo soacute com a proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua esfera eacutetica
e miacutenima como tambeacutem com a preservaccedilatildeo da pluralidade Como instrumento do processo de
harmonizaccedilatildeo a margem carrega em seu acircmago a noccedilatildeo de convergecircncia em torno de
princiacutepios comuns mas garantindo o respeito a uma espeacutecie de direito agrave divergecircncia uma vez
68
ITZCOVITCH Giulio One None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations The Lautsi Case
In Human Rights Law Review Oxford Journals 2013 Disponiacutevel em
httphrlroxfordjournalsorgcontent132toc Acesso 04 nov 2014 69
SANTOS Milton Teacutecnica Espaccedilo Tempo Globalizaccedilatildeo e meio teacutecnico-cientiacutefico-informacional 5ordf ed
Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2013 p 45 70
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b
35
que se garante a cada Estado a particularidade de lidar com questotildees atinentes agraves suas
diferenccedilas
Deste modo o Tribunal de Estrasburgo consoante fora dito anteriormente se utiliza
pela primeira vez do recurso agrave MNA no caso Lawless vs Irlanda71
Na discussatildeo cerne deste
conflito estava a possibilidade de prisatildeo provisoacuteria no caso dos atentados terroristas
relacionados ao grupo extremista IRA (Irish Republic Army) Mais especificamente o
cidadatildeo irlandecircs Gerard Richard Lawless ex-membro do IRA foi preso em julho de 1957 no
momento em que estava prestes a viajar da Irlanda agrave Gratilde-Bretanha Neste ato foi detido sob
especiais poderes de detenccedilatildeo indeterminada sem julgamento sob alegaccedilotildees de ofensas contra
o Estado irlandecircs
Lawless fazendo o uso da prerrogativa de peticcedilatildeo individual demandou perante a
Corte Europeia de Direitos do Homem alegando violaccedilatildeo pelo Estado Irlandecircs dos artigos 56
e 7 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem mas especificamente direitos de
liberdade seguranccedila julgamento justo e o princiacutepio de proibiccedilatildeo de puniccedilatildeo sem lei anterior
que defina um delito
No julgamento do caso em 1961 o Tribunal de Estrasburgo pela primeira vez fez
alusatildeo mesmo que de modo natildeo explicito agrave possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo
ao deixar ao Estado Irlandecircs margem para decidir fundamentando-se nas prerrogativas do
artigo 1572
da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Tal norma da Convenccedilatildeo alude agrave
possibilidade de derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade com a prerrogativa de que em
caso de guerra ou outro perigo puacuteblico que ameace a vida da naccedilatildeo a parte aderente agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem pode tomar providecircncias que derroguem as
obrigaccedilotildees previstas no tratado na estrita medida em que exigir a situaccedilatildeo
71
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57518itemid[001-57518] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lawless vs Irlanda Sentenccedila de 01 de julho de 1961 Acesso
05 nov 2014 72
Artigo 15 Derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade 1 Em caso de guerra ou de outro perigo puacuteblico que
ameace a vida da naccedilatildeo qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providecircncias que derroguem as obrigaccedilotildees
previstas na presente Convenccedilatildeo na estrita medida em que o exigir a situaccedilatildeo e em que tais providecircncias natildeo
estejam em contradiccedilatildeo com as outras obrigaccedilotildees decorrentes do direito internacional 2 A disposiccedilatildeo
precedente natildeo autoriza nenhuma derrogaccedilatildeo ao artigo 2deg salvo quanto ao caso de morte resultante de atos
liacutecitos de guerra nem aos artigos 3deg 4deg (paraacutegrafo 1) e 7deg 3 Qualquer Alta Parte Contratante que exercer este
direito de derrogaccedilatildeo manteraacute completamente informado o Secretaacuterio Geral do Conselho da Europa das
providecircncias tomadas e dos motivos que as provocaram Deveraacute igualmente informar o Secretaacuterio - Geral do
Conselho da Europa da data em que essas disposiccedilotildees tiverem deixado de estar em vigor e da data em que as da
Convenccedilatildeo voltarem a ter plena aplicaccedilatildeo CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS
DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014
36
Logo aplicando o referido artigo 15 da Convenccedilatildeo a decisatildeo do Tribunal de
Estrasburgo foi de no caso proposto asseverar que os fatos apurados natildeo revelam uma
violaccedilatildeo por parte do Governo irlandecircs de suas obrigaccedilotildees ao abrigo da Convenccedilatildeo Europeia
para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais Em razatildeo disso de a
motivaccedilatildeo do Tribunal para proferir a decisatildeo ter partido de uma prerrogativa da proacutepria
Convenccedilatildeo Europeia alguns autores73
natildeo fazem alusatildeo a este caso como o primeiro em que
houve concessatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo para Estado
Embora haja uma referecircncia tiacutemida agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso exposto
anteriormente eacute no caso linguiacutestico belga74
que se percebe uma manifestaccedilatildeo mais concreta
da Corte de Estrasburgo em relaccedilatildeo agrave deferecircncia de julgamento aos Estados precisando
alguns dos fundamentos da doutrina da MNA No caso belga julgado em 1968 pais que
falavam francecircs questionaram o sistema educacional da Beacutelgica que dividia o paiacutes em quatro
regiotildees linguiacutesticas distintas
O Tribunal de Luxemburgo aceitou uma margem de apreciaccedilatildeo conferida agraves partes em
funccedilatildeo de que os Estados possuiacuteam discricionariedade em relaccedilatildeo agrave regulamentaccedilatildeo do direito
agrave educaccedilatildeo A Corte argumentou que essa necessidade de concessatildeo de uma deferecircncia ou de
um limite de discricionariedade ao Estado era proveniente da natureza do proacuteprio direito
discutido (regulamentaccedilatildeo do sistema educacional) de modo que a regulamentaccedilatildeo do direito
agrave educaccedilatildeo poderia variar de acordo com o local e com o tempo consoante as necessidades e
os recursos da comunidade e dos indiviacuteduos
Ainda eacute possiacutevel destacar nesse caso a vinculaccedilatildeo da noccedilatildeo de margem de apreciaccedilatildeo
ao princiacutepio de subsidiariedade dos tribunais internacionais em relaccedilatildeo agraves cortes nacionais
Por isso o Tribunal manifestou-se asseverando que natildeo desejava substituir as autoridades
nacionais pois se assim o fizesse perderia a caracteriacutestica de mecanismo internacional de
garantia da ordem instaurada pela Convenccedilatildeo
73
KRATOCHVIL Jan The inflation of the margin of appreciation by european court of human rights In
Netherlands Quarterly of Human Rights Vol 293 2011 p 324-357 Disponiacutevel em ww corteidhorcr
tablas r26992pdf Acesso 01 nov 2014
VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um
equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em
httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 74
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httpwww9euskadineteuskara_araubideaLegedialegeakgaztelaneuropas23b001pdf CORTE EUROPEIA
DE DIREITOS HUMANOS Caso linguiacutestico belga Sentenccedila de 23 de julho de 1968 Acesso 05 nov 2014
37
Essa subsidiariedade conduz agrave MNA duas noccedilotildees75
uma noccedilatildeo teacutecnica e outra
poliacutetica Na noccedilatildeo teacutecnica a razatildeo para sua existecircncia relaciona-se com a imprecisatildeo de
algumas normas que conferem certa liberdade ao juiz internacional No campo poliacutetico a
relaccedilatildeo se evidencia pela sensibilidade dos Estados em relaccedilatildeo a temas polecircmicos
Sob essa oacutetica e embora esse natildeo seja o foco do presente trabalho pode-se afirmar que
a MNA eacute uma figuram importante tanto para o horizonte de criaccedilatildeo de um direito comum
europeu como para a consolidaccedilatildeo do direito comunitaacuterio europeu Isso porque este uacuteltimo
embora tenha sido baseado em um ideal federalista funda-se na realidade em um modelo de
governanccedila supranacional em que a MNA foi importada pelo Tribunal de Luxemburgo a fim
de ser uma vaacutelvula de escape para tensotildees fortes em acircmbito comunitaacuterio76
O TJUE deste modo permite que os conflitos comunitaacuterios sejam interpretados de
maneira flexiacutevel conforme especificidades nacionais Cada Estado pode atribuir seu proacuteprio
significado a expressotildees ou textos legais de interpretaccedilatildeo ampla devendo-se contudo
vincular aos princiacutepios e conceitos juriacutedico-legais do direito comunitaacuterio
No campo de construccedilatildeo de um direito comum europeu que tem como terreno o
sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos tal premissa natildeo eacute diferente Embora em
alguns casos o TEDH opte pela concessatildeo da margem de deferecircncia essa soacute pode ser aplicada
pelo Estado se este observar os princiacutepios que regem o instrumento legal base da Corte qual
seja a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) Deste modo o Estado natildeo fica
desobrigado do cumprimento da Convenccedilatildeo pois em tese apenas existiraacute margem para
pontos sensiacuteveis desta os quais permitem interpretaccedilotildees diferenciadas de acordo com os
particularismos nacionais e os desacordos culturais
Nesse sentido conforme se observou pelos casos citados com ecircnfase para o caso
Lawless vs Irlanda uma primeira aplicaccedilatildeo da doutrina da margem vinculou-se ao processo
de sedimentaccedilatildeo do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos vez que tal
caso foi um dos primeiros a ser julgado pelo Tribunal de Estrasburgo aleacutem de conforme fora
dito ter sido o primeiro no acircmbito da criaccedilatildeo e uso da MNA Em razatildeo desse contexto a
utilizaccedilatildeo do instrumento em questatildeo deu-se em funccedilatildeo de uma demanda que envolvia
questatildeo de seguranccedila interna de um paiacutes e por isso a aplicaccedilatildeo da deferecircncia de julgamento agrave
Irlanda daacute-se tambeacutem como uma teacutecnica poliacutetica para evitar tensotildees entre esfera internacional
75
DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation
du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit
compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780 76
VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade
de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014
38
e nacional (esta ainda arraigada ao conceito claacutessico de soberania) no acircmbito de um sistema
que tinha sido criado recentemente
Sob tal vieacutes pode-se recorrer agrave explicaccedilatildeo de Marcelo Varella77
de que a margem
deve ser aplicada para temas polecircmicos em que abusos exegeacuteticos por parte do tribunal de
cariz internacional podem levar agrave perda de legitimidade deste Contudo com o
desenvolvimento da teoria da MNA tanto por doutrinadores como pela proacutepria jurisprudecircncia
do tribunal que a criou percebe-se que o seu uso em grande medida relaciona-se com o
embate entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo nacional em mateacuteria de
desacordos culturais
Natildeo obstante a existecircncia de criacuteticas sobre a aplicaccedilatildeo praacutetica atual da MNA pelo
TEDH o que seraacute objeto de anaacutelise na sequencia do presente trabalho eacute com a figura da
deferecircncia da margem nacional que se torna possiacutevel um pluralismo de justaposiccedilatildeo78
que
tolera a coexistecircncia de sistemas particularmente diferentes Somente a possibilidade de
acoplamento do adjetivo nacional ao substantivo margem ou seja uma transferecircncia de
conceito desse substantivo para outra esfera que natildeo agrave interna de cada paiacutes jaacute demonstra que
uma ruptura com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito jaacute iniciou e ainda estaacute em curso
A ruptura com a concepccedilatildeo tradicional unificada e estritamente hierarquizada de
ordem juriacutedica leva a uma ruptura epistemoloacutegica com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito
Isso permite natildeo soacute a existecircncia e aplicaccedilatildeo de uma margem nacional de apreciaccedilatildeo como
demonstra a possibilidade de concretizaccedilatildeo do ideal de um direito comum que por ser
pluralista natildeo pode ser projetado conforme o modelo tradicional e nem encontra campo para
isso em funccedilatildeo do novo mosaico juriacutedico existente sobretudo na Europa
Logo eacute possiacutevel afirmar que a margem a que se refere esse trabalho natildeo deixa de ser
um reconhecimento jurisprudencial dessa mudanccedila de ares trazida pelas novas configuraccedilotildees
e estruturas juriacutedicas Isso porque novas instituiccedilotildees emergem em meio de um caos juriacutedico
que natildeo passa despercebido pelas cortes internacionais Prova disso eacute que a MNA natildeo eacute
mencionada somente pelo TEDH Ainda que de modo muito tiacutemido e em pequena medida eacute
possiacutevel o destaque de citaccedilatildeo (e aplicaccedilatildeo) da referida doutrina pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos79
Embora o continente latino americano seja tatildeo ou mais plural e diversificado que o
europeu e que o uso da margem como instrumento de siacutentese entre relativo e universal seja
77
Ibid 2012 p 143 78
DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 757 79
POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema
interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012
39
teoricamente indicado para sedimentar as bases de construccedilatildeo de um direito comum pluralista
a aplicaccedilatildeo do instituto em solo americano ainda natildeo ocorre de modo significativo Sob esse
vieacutes o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Seacutergio Garcia Ramirez80
asseverou
que a margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute uma ferramenta e um princiacutepio europeu de relativismo
relativo agrave execuccedilatildeo que natildeo eacute visto com simpatia pela Corte maacutexima do sistema regional
americano de direitos humanos Isso em funccedilatildeo natildeo soacute do histoacuterico de demandas que
chegaram ao julgamento da Corte Interamericana ndash em grande parte envolvendo violaccedilotildees de
direitos humanos perpetradas pelo Estado durante os periacuteodos de ascensatildeo de autoritarismos e
ditaduras na Ameacuterica Latina ndash como tambeacutem em razatildeo das democracias latino-americanas
ainda estarem em fase de consolidaccedilatildeo
Deste modo em razatildeo da ausecircncia ateacute entatildeo de casos envolvendo desacordos
culturais e das recentes reinserccedilotildees ou inserccedilotildees democraacuteticas de paiacuteses do continente
americano temia-se que eventual aplicaccedilatildeo de MNA poderia ser compreendida pelos Estados
como um salvo-conduto para que houvesse violaccedilatildeo de direitos humanos pelos paiacuteses A
cautela e a percepccedilatildeo de paisagens diferentes entre os territoacuterios separados pelo Atlacircntico
fizeram e fazem com que ainda hoje a doutrina da margem tenha pouca ou quase nenhuma
aplicaccedilatildeo na Ameacuterica
Deste modo pode-se afirmar que a internacionalizaccedilatildeo do direito - e seus reflexos na
Europa - eacute a responsaacutevel pela criaccedilatildeo de um espaccedilo para o desenvolvimento da doutrina da
margem nacional de apreciaccedilatildeo Nesse sentido embora a criaccedilatildeo tenha sido jurisprudencial
por parte do TEDH com aplicaccedilatildeo em alguns casos pelo proacuteprio Tribunal de Luxemburgo eacute
importante avaliar de que modo a doutrina conceitua o referido instituto
A posiccedilatildeo adotada por este trabalho eacute a de Mireille Delmas-Marty81
que salienta em
suas obras a origem nacional da margem nacional ainda como uma margem de interpretaccedilatildeo
capaz de conferir um pluralismo de valores do tipo meta juriacutedico em uma espeacutecie de
deferecircncia para apreciaccedilatildeo do juiz receptor de determinada norma Todavia a margem
relativa agrave internacionalizaccedilatildeo liga-se ao reconhecimento da diversidade de sistemas juriacutedicos
os quais possuem algumas caracteriacutesticas peculiares ligadas agraves identidades do Estado em que
se encontram
80
Tal posicionamento de Seacutergio Garciacutea Ramirez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema Internacional de
Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de 19 e 20 de agosto
de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado ndash da Pontifiacutecia
Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS 81
DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 762
40
Em razatildeo disso para a autora a noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo aleacutem de ser
uma siacutentese entre o universal e o relativo eacute uma chave do pluralismo ordenado Desse modo
sua construccedilatildeo assemelha-se de um lado agrave expressatildeo de uma dinacircmica centriacutefuga ou seja
uma resistecircncia dos Estados agrave integraccedilatildeo e o apego agrave noccedilatildeo claacutessica de soberania e de outro
lado sendo ela limitada por princiacutepios comuns estabelece o miacutenimo de compatibilidade
voltando-se ao centro em uma dinacircmica centriacutepeta
Haacute portanto um movimento duplo que por vezes traduz as resistecircncias dos direitos
nacionais por vezes os avanccedilos rumo agrave harmonizaccedilatildeo do direito comum em mateacuteria de
direitos humanos Eacute justamente essa capacidade de oscilaccedilatildeo que permite os ajustamentos
com vistas a compatibilizar o interno com o comum com o intuito nem de criar uma
hegemonia do universal e nem de tornar inaplicaacutevel o direito comum em razatildeo das
particularidades Desta forma Delmas percebe a margem como uma teacutecnica juriacutedica presente
no acircmbito do fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo do direito e que permite o reconhecimento da
diversidade entre os sistemas juriacutedicos82
Benvenisti83
por sua vez visualiza no uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo uma
espeacutecie de latitude que cada sociedade tem na resoluccedilatildeo de conflitos inerentes entre os
direitos individuais e os interesses nacionais ou entre diferentes convicccedilotildees morais Por
conseguinte alude que a doutrina da margem consoante inclusive fora abordado
anteriormente neste trabalho respondeu inicialmente a preocupaccedilotildees de governos nacionais
de que as poliacuteticas internacionais pudessem comprometer a seguranccedila nacional Isso entatildeo
explicaria a invocaccedilatildeo da margem no caso Lawless vs Irlanda por exemplo
Com a evoluccedilatildeo da jurisprudecircncia o uso desse instrumento passou a ser aplicado por
outras razotildees como gestatildeo de recursos discricionariedade em relaccedilatildeo a questotildees
concernentes agrave deliberaccedilatildeo acerca de sistemas poliacuteticos educacionais entre outros ateacute passar
a ser utilizada em temas relativos aos desacordos culturais Ainda segundo Bevenisti84
a
utilizaccedilatildeo da margem se justifica em alguns casos e em algumas mateacuterias ndash para o autor por
exemplo a aplicaccedilatildeo da margem nacional natildeo se justifica quando em questatildeo se encontram o
direito de minorias - sendo que o uso ampliado ou desmedido pode gerar uma espeacutecie de
deslegitimaccedilatildeo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos
82
Ibid 2000 p 760 83
BENVENISTI Eyal Margin of apreciation consensus and universal standards In International Law and
Politics Vol 31843 1999 pp 843-854 Disponiacutevel em httpwwwpict-
pctiorgpublicationsPICT_articlesJILPBenvenistipdfp 853 Acesso 05 nov 2014 84
Ibid 1999 p 846
41
Para Poblete amp Alvarado85
a margem nacional de apreciaccedilatildeo liga-se agrave noccedilatildeo de fins e
limites da jurisdiccedilatildeo internacional ou supranacional em mateacuteria de direitos humanos Eles
reconhecem que a doutrina da margem concede aos Estados signataacuterios de convenccedilotildees
internacionais liberdade para apreciar as circunstacircncias materiais que exigem aplicaccedilatildeo de
medidas excepcionais em situaccedilatildeo de emergecircncia como eacute o caso das prerrogativas do artigo
15 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de derrogaccedilatildeo em caso de necessidade
Outrossim ainda segundo os mencionados autores a margem possibilita aos Estados
liberdade para limitar direitos reconhecidos em tratados internacionais quando outros direitos
exigem respeito ou assim exigem os interesses da comunidade Ainda serviria para definir os
conteuacutedo dos direitos delimitar como eles satildeo aplicados no plano interno e definir o modo
como seratildeo cumpridas resoluccedilotildees de um oacutergatildeo internacional de supervisatildeo de um tratado ou
convenccedilatildeo Dessa maneira tais autores identificam a doutrina da MNA como uma
metodologia de que se servem os tribunais internacionais para difundir os direitos humanos
previstos nos tratados internacionais bem como o direito do comeacutercio ndash a margem tambeacutem eacute
aplicada pela Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio (OMC)
Vila86
por sua vez percebe na doutrina da marem nacional de apreciaccedilatildeo uma espeacutecie
de ldquodeferecircnciardquo praticada pelo Tribunal de Estrasburgo em relaccedilatildeo aos Estados signataacuterios da
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Isso pelo fato de que o sistema de proteccedilatildeo dos
diretos humanos na Europa eacute resultado de uma divisatildeo de trabalho entre os Estados e a Corte
em que os primeiros satildeo responsaacuteveis primaacuterios desta proteccedilatildeo e a Corte possui um caraacuteter
subsidiaacuterio atuando em acircmbitos sensiacuteveis como o da moralidade e da religiatildeo em que natildeo haacute
consenso entre os Estados
Nesse mesmo sentido se situa o pensamento de Roca87
que afirma que a doutrina da
margem nacional de apreciaccedilatildeo ocupa um lugar de destaque na jurisprudecircncia do Tribunal
Europeu de Direitos Humanos e eacute necessaacuteria para refletir uma realidade evidente qual seja a
pluralidade cultural dos Estados que fazem parte do Conselho da Europa notaacutevel em um
pluralismo de base territorial sobre o qual assenta uma cultura comum europeia de alguns
miacutenimos
85
POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema
interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012 p5 86
VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um
equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em
httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 87
ROCA JavierGarciacutea La muy discrecional doctrina del margen de apreciacioacuten nacional seguacuten el Tribunal
Europeo de Derechos Humanos Soberaniacutea e Integracioacuten In UNED Teoriacutea y Realidad Constitucional N
202007 p 117-143 Disponiacutevel em httpe-spaciounedes revistasuned indexphp TRC article vie 6778
Acesso 02 nov 2014
42
Da mesma forma considera o autor que os princiacutepios da proporcionalidade e da
subsidiariedade satildeo imanentes agrave noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo visto que os
Estados possuem certa margem de discricionariedade na aplicaccedilatildeo e no cumprimento de
obrigaccedilotildees impostas pela Convenccedilatildeo bem como na ponderaccedilatildeo de interesses mais
complexos Se houver excesso por parte dos Estados no uso dessa margem haacute violaccedilatildeo do
princiacutepio da proporcionalidade e abre-se espaccedilo para a intervenccedilatildeo do oacutergatildeo jurisdicional
internacional sob as bases do princiacutepio da subsidiariedade
Eacute importante sob essa oacutetica lembrar que embora o diferencial da Corte Europeia de
Direitos Humanos seja o de permitir a peticcedilatildeo individual de qualquer sujeito que denuncie
uma violaccedilatildeo de seus direitos baacutesicos assim como outros tribunais internacionais tem a regra
da exigecircncia do esgotamento das vias internas de acesso agrave justiccedila para que a demanda seja
recebida pelo TEDH Se natildeo houve satisfaccedilatildeo do pleito por parte do Estado ou se a reparaccedilatildeo
obtida se revelara inidocircnea para uma proteccedilatildeo adequada ao direito violado entatildeo agrave Corte
Europeia eacute permitido revisar a decisatildeo nacional ou substituiacute-la
Mahorney88
em seus estudos assevera que a margem funciona como uma espeacutecie de
divisatildeo de jurisprudecircncias uma vez que traccedila uma linha divisoacuteria entre o que deve decidir
cada comunidade nacional e as questotildees que tecircm relevacircncia para necessitar uma soluccedilatildeo
homogecircnea ou seja as que demandam uma decisatildeo que harmonize a regulaccedilatildeo do direito e
suas garantias na comunidade internacional independentemente das diferenccedilas de tradiccedilotildees
ou culturas
Contreras89
afirma que os tratados regionais de direitos humanos embora contenham
escopos de universalidade em relaccedilatildeo a esses direitos satildeo acompanhados pela possibilidade
de peculiaridades geograacuteficas na execuccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos direitos do homem As cortes
internacionais tecircm a dificuldade de conciliar ou justificar a falta de conciliaccedilatildeo entre
diferenccedilas morais e normativas de cada regiatildeo Em razatildeo disso uma das criaccedilotildees doutrinaacuterias
mais importantes eacute a da margem nacional de apreciaccedilatildeo sendo esta para o autor um criteacuterio
interpretativo desenvolvido tanto como deferecircncia aos Estados para que possam regular o
conteuacutedo dos direitos e suas restriccedilotildees e para distribuir os poderes e niacuteveis de decisotildees
tomadas entre as autoridades domeacutesticas e internacionais
88
MAHORNEY Paul Marvellous richness diversity or individual cultural relativism In Human Rights Law
Journal Vol 19 nuacutem 1 30 de abril de 1998 p 1 89
CONTRERAS Pablo National Discretion and International Deference in the Restriction of Human Rights A
Comparison Between the Jurisprudence of the European and the Inter-American Court of Human Rights In
Northwestern Journal of International Human Rights Vol 11 2012 Disponiacutevel em
httpscholarlycommonslawnorthwesterneducgiviewcontentcgiarticle=1155ampcontext=njihr Acesso 01 nov
2014
43
Visiacutevel portanto que na doutrina natildeo haacute um contexto exato em relaccedilatildeo a essa figura
criada e aplicada na jurisprudecircncia do TEDH Enquanto para alguns estudiosos ela se
configura como uma doutrina para outros eacute um criteacuterio interpretativo ou hermenecircutico usado
pelos tribunais internacionais no sentido de revisar a decisatildeo de um Estado ou conceder
deferecircncia a este para julgar conforme o direito interno coadunado com os princiacutepios miacutenimos
existentes nos tratados internacionais de direitos humanos
Natildeo obstante a divergecircncia de conceituaccedilatildeo no campo teoacuterico analisar-se-aacute no
proacuteximo capiacutetulo alguns casos emblemaacuteticos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de apreciaccedilatildeo
pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos mais diferentes tema com o intuito de
responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel afirmar que do modo como eacute aplicada a
doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo pela Corte Europeia de Direitos do Homem
temos uma efetiva contribuiccedilatildeo para o processo de harmonizaccedilatildeo entre universal e relativo e
construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos
Embora a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo tenha nascido da tentativa de
produccedilatildeo de uma siacutentese entre o universal e o relativo no espaccedilo do sistema regional europeu
de proteccedilatildeo dos direitos humanos sua aplicaccedilatildeo praacutetica sobretudo pelo TEDH natildeo eacute imune a
criacuteticas Cumpre a esse capiacutetulo realizar notas acerca da aplicaccedilatildeo praacutetica da margem
nacional de apreciaccedilatildeo com o intuito de verificar se ela efetivamente contribui ou eacute capaz de
contribuir para a construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
Conforme afirmam Brum et Saldanha90
a MNA ao ser compreendida e utilizada como
uma forma de autocontrole por meio do qual o oacutergatildeo jurisdicional internacional evita o
enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas poliacutetica pode
representar um risco de fragilizaccedilatildeo do direito internacional dos direitos humanos caso seu
uso se torne indiscriminado sem criteacuterios claros e limites precisos Desta maneira seu uso em
vez de conduzir ao caminho de ordenaccedilatildeo do muacuteltiplo e de mundializaccedilatildeo dos direitos
90
BRUM Maacutercio Morais SALDANHA Jacircnia Maria Lopes A margem nacional de apreciaccedilatildeo e sua
(in)aplicaccedilatildeo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em mateacuteria de anistia Uma figura hermenecircutica a
serviccedilo do pluralismo ordenado In Anuario Mexicano de Derecho Internacional 2015(No prelo para
publicaccedilatildeo)
44
humanos levaria ao rumo contraacuterio da fragmentaccedilatildeo e reforccedilo da velha noccedilatildeo de soberania
marcada pela ausecircncia de compromisso dos Estados com os marcos protetivos miacutenimos do
direito internacional
Neste vieacutes portanto dentro ainda de um panorama geral de anaacutelise da postura do
Tribunal de Estrasburgo um dos primeiros pontos de criacutetica se relaciona ao enfraquecimento
da credibilidade do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos Na visatildeo de
alguns doutrinadores a postura da Corte Europeia na aplicaccedilatildeo irrestrita e sem limitaccedilotildees ou
uma sistematizaccedilatildeo teacutecnica em relaccedilatildeo aos casos em que deve ou natildeo ser aplicada pode gerar
um sentimento de descrenccedila na legitimidade e na eficaacutecia das decisotildees tomadas pelo oacutergatildeo
jurisdicional internacional do Conselho da Europa
Para alguns estudiosos o modo como a margem eacute aplicada reflete uma postura de
evitar o enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas
poliacuteticas Aleacutem de uma fragilizaccedilatildeo do sistema internacional de proteccedilatildeo aos direitos humanos
o uso da margem sem limites definidos pode levar ao reforccedilo da noccedilatildeo claacutessica de soberania
em que o compromisso dos Estados com os instrumentos normativos de direito internacional
era mitigado
No campo de aplicaccedilatildeo a casos praacuteticos eacute possiacutevel conforme assevera Roca91
visualizar as imprecisotildees praacuteticas e teoacutericas do uso da margem o que leva a dois resultados o
primeiro eacute a necessidade de criaccedilatildeo de esforccedilos com urgecircncia para melhor edificar e criar
paracircmetros para a aplicaccedilatildeo da ferramenta bem como que o demandante ou qualquer
observador perante a Corte natildeo saber com suficiente seguranccedila juriacutedica quando o Tribunal
de Estrasburgo vai usar a margem nem quais seratildeo os possiacuteveis resultados desse uso
Ainda segundo o autor a margem eacute um instrumento impreciso e de geometria
variaacutevel todavia eacute consenso entre os doutrinadores que a ferramenta natildeo eacute uma carta branca
aos Estados para fazerem o que quiserem sendo necessaacuteria depuraccedilatildeo teoacuterica para tornar o
instrumento mais preciso Seu uso impotildee como jaacute foi dito autocontenccedilatildeo por parte da Corte
tendo em vista que sua funccedilatildeo segundo o princiacutepio da subsidiariedade eacute somente de impor
estandartes miacutenimos comuns em mateacuteria de direitos humanos Entretanto o niacutevel de proteccedilatildeo
dos direitos dos direitos e das diversas foacutermulas para concretizaacute-los natildeo satildeo homogecircneos
diante de naccedilotildees com tradiccedilotildees juriacutedicas tatildeo diversas
Desta maneira no campo jurisprudencial com a finalidade de responder ao
questionamento feito no capiacutetulo anterior utilizar-se-aacute de modo conjunto as classificaccedilotildees das
91
ROCA op cit 125
45
decisotildees da Corte Europeia dos Direitos do Homem feitas por Contreras e por Roca Para o
primeiro doutrinador92
eacute possiacutevel dividir os casos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de
apreciaccedilatildeo pelo Tribunal de Estrasburgo em trecircs grandes grupos
O primeiro grupo abarca casos envolvendo direitos fundamentais e direitos poliacuteticos
dentre os quais se destacam a proibiccedilatildeo da tortura ou a liberdade de expressatildeo e associaccedilatildeo
Nesse primeiro grupo no que tange aos direitos fundamentais haacute rigorosa supervisatildeo por
parte do Tribunal Europeu negando qualquer margem nacional de apreciaccedilatildeo aos Estados
Ainda dentro deste conjunto no que concerne aos discursos poliacuteticos ou direito de partidos
poliacuteticos eacute por vezes concedida uma margem reduzida agraves autoridades domeacutesticas para
decisatildeo ou execuccedilatildeo de uma decisatildeo
O segundo grupo por sua vez relaciona-se aos direitos de propriedade em que a
Corte concede grande margem de deferecircncia aos Estados Isso porque o TEDH reconhece em
princiacutepio que as autoridades nacionais estatildeo melhor situadas do que o juiz internacional no
que tange a apreciaccedilatildeo acerca do melhor interesse de uma comunidade em relaccedilatildeo a poliacuteticas
envolvendo direitos de propriedade
Por fim o terceiro grupo eacute o mais complexo para a apreciaccedilatildeo do tipo de margem
concedida pelo Tribunal de Estrasburgo uma vez que conteacutem temas que natildeo apresentam
consenso por parte do Tribunal Deste modo neste grupo ficam evidentes as complexidades e
as vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis da MNA Casos como os de liberdade religiosa liberdade de
discurso direitos dos homossexuais dentre outros temas latentes e relevantes na paisagem
juriacutedica social e cultural europeia
Do mesmo modo Roca93
divide a margem nacional de apreciaccedilatildeo em trecircs ciacuterculos
concecircntricos tendo como base a natureza dos direitos cuja tutela eacute pleiteada junto ao oacutergatildeo
jurisdicional internacional do sistema europeu O primeiro ciacuterculo de Roca relaciona-se com o
segundo grupo de Contreras vez que trata dos direitos de propriedade que teriam uma
margem de deferecircncia ampla e um controle pouco intenso por parte da Corte Esse ciacuterculo
seria o maior e englobaria os demais
No ciacuterculo menor estariam os direitos vistos como absolutos pelo Tribunal Europeu
Dentre esses se destacam o direito agrave vida ou os direitos democraacuteticos que apresentam uma
margem de apreciaccedilatildeo pouco extensa juntamente com um controle restrito por parte da Corte
Europeia Este ciacuterculo identifica-se com o primeiro grupo anteriormente mencionado visto
92
CONTRERAS op cit p 35 93
ROCA op cit p 134
46
que trabalha com noccedilotildees de direitos fundamentais e poliacuteticos essenciais e miacutenimos para todos
os paiacuteses europeus
Por fim no espaccedilo intermediaacuterio entre esses dois ciacuterculos encontra-se uma esfera
meacutedia que relacionando-se com o terceiro grupo definido por Contreras contempla todos os
outros direitos em que alguma vez o Tribunal de Estrasburgo mencionou ou aplicou a margem
nacional de apreciaccedilatildeo Eacute justamente nesse ciacuterculo que devem ser desenvolvidos os
paracircmetros para guiar o uso da ferramenta pela Corte no intuito de reduzir a inseguranccedila
juriacutedica ocasionada pelo uso sem uma sistematizaccedilatildeo de criteacuterios
Eacute pertinente em um primeiro momento destacar que conforme ambos os
doutrinadores demonstram quando se mencionam direitos fundamentais ou vinculados agrave
princiacutepios democraacuteticos inaplicaacutevel eacute o uso da margem pela Corte ou se for feito eacute de forma
absolutamente restrita No caso dos direitos fundamentais interessante relembrar Baez94
que
ao buscar o conceito de direitos humanos concluiu que nenhuma fonte normativa existente
tanto em sistemas internacionais quanto nacionais ou regionais trazem a definiccedilatildeo de direitos
humanos Pelo contraacuterio soacute os exemplificam
Nesse sentido observou Baez95
que embora natildeo exista uma definiccedilatildeo precisa de
direitos humanos existem elementos baacutesicos que fazem parte desses e o elemento que eacute
citado em todos os instrumentos normativos sobre o tema eacute o de dignidade da pessoa humana
Os direitos humanos somente existem para realizaccedilatildeo e proteccedilatildeo da dignidade humana poreacutem
o conceito de dignidade eacute de tatildeo difiacutecil conceituaccedilatildeo quanto o conceito de direitos humanos
O autor conclui que a dignidade possui duas dimensotildees a dimensatildeo baacutesica a qual
corresponde aos limites miacutenimos e fundamentais para a existecircncia humana impedindo a
noccedilatildeo de coisificaccedilatildeo do ser Se houver portanto violaccedilatildeo agrave dimensatildeo baacutesica da dignidade da
pessoa humana haacute tambeacutem violaccedilatildeo dos direitos humanos A outra dimensatildeo eacute a cultural vez
que envolve o conjunto de valores que cada sociedade desenvolve
A primeira dimensatildeo refere-se agrave universalidade e a segunda que depende de fatores
culturais permite que os direitos humanos sejam morfologicamente assimeacutetricos Isso natildeo
deixa de se relacionar com o que Delmas-Marty fala acerca dos direitos humanos
inderrogaacuteveis ou seja que natildeo podem sofrer a incidecircncia de qualquer tipo de margem de
94
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos
humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da
UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em
httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014 95
Tal posicionamento de Narciso Leandro Xavier Baez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema
Internacional de Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de
19 e 20 de agosto de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado
ndash da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS
47
apreciaccedilatildeo Estes possuem a caracteriacutestica do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano
ou seja vinculam-se agrave noccedilatildeo da dimensatildeo baacutesica da dignidade da pessoa humana
Neste vieacutes eacute possiacutevel dizer que no que diz respeito aos direitos fundamentais a Corte
de certa forma apresenta certa relaccedilatildeo com as doutrinas apresentadas uma vez que em casos
em que existam registros de violaccedilotildees aos direitos humanos inderrogaacuteveis quais sejam os
que tem como cerne a dignidade humana baacutesica a Corte natildeo permite qualquer espeacutecie de
margem nacional de apreciaccedilatildeo Vejamos por exemplo o caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila96
julgado em 2006 O demandante perante o Tribunal de Estrasburgo foi um terrorista
venezuelano conhecido na deacutecada de 1970 condenado pelo Estado Francecircs agrave prisatildeo perpeacutetua
pelo assassinato em 1974 dois inspetores da poliacutecia francesa e um antigo companheiro
terrorista libanecircs
Saacutenchez recorreu agrave Corte Europeia arguindo violaccedilotildees do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo
Europeia dos Direitos do Homem (proibiccedilatildeo da tortura e tratamentos humanos degradantes) e
do artigo 13 do mesmo diploma legal (direito a um recurso efetivo) Embora no julgamento
tenha ficado decidido que natildeo houve violaccedilatildeo ao artigo 3ordm97
o posicionamento da Corte
permite asseverar que natildeo haacute margem nacional de deferecircncia aos Estados quando o assunto
for violaccedilatildeo de direitos humanos ou fundamentais inderrogaacuteveis ou cujo nuacutecleo central for a
dignidade baacutesica da pessoa humana Nesse sentido a Corte pontuou que mesmo nas
circunstacircncias mais difiacuteceis como a luta contra o terrorismo ou o crime organizado a
Convenccedilatildeo proiacutebe em termos absolutos a tortura ou tratamentos inumanos ou degradantes
Igualmente natildeo confere o Tribunal margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso de
violaccedilatildeo de direitos humanos nas condiccedilotildees degradantes das prisotildees de muitos paiacuteses do Leste
Europeu O caso Kalashnikov vs Ruacutessia98
julgado em 15 de julho de 2002 cujo fundamento
foi repetido em muitos outros casos envolvendo condiccedilotildees humanas degradantes nas prisotildees
apresenta a consideraccedilatildeo de que deficientes condiccedilotildees objetivas e estruturais de cumprimento
de pena podem constituir uma violaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo Europeia
96
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-
1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila Sentenccedila
de 04 de julho de 2006 Acesso 05 nov 2014 97
Artigo 3ordm Proibiccedilatildeo da tortura Ningueacutem pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos desumanos
ou degradantes CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS
LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 98
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-
1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Kalashnikov vs Ruacutessia Sentenccedila de 15
de julho de 2002 Acesso 05 nov 2014
48
Ainda pode-se destacar o caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria99
em que novamente o motivo
que serve de base para o pedido de julgamento do Tribunal de Estrasburgo eacute a violaccedilatildeo do
artigo 3ordf da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de que ningueacutem poderaacute ser
submetido a torturas nem a penas ou tratamentos humanos degradantes O caso em comento
referiu-se agrave prisatildeo do senhor Borislav Gutsanov membro do Partido Comunista preso pela
poliacutecia da Bulgaacuteria em sua casa na frente de seus filhos e de sua esposa durante as
investigaccedilotildees de esquemas de grupos criminosos Segundo o relato das partes demandantes
Gustsanovi foi rendido em sua casa por volta das seis horas da manhatilde forccedilado a se ajoelhar e
algemado em frente a seus filhos menores de idade
A decisatildeo da Corte foi a de considerar que houve violaccedilatildeo do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo
uma vez que se mostrou desnecessaacuterio o ato dos policiais e natildeo condizente com os princiacutepios
da proporcionalidade e com as exigecircncias de garantia de direitos fundamentais de um Estado
Democraacutetico de Direito Isso porque o demandante natildeo teria oferecido resistecircncia em sua
prisatildeo de modo que algemaacute-lo diante de sua famiacutelia representou uma espeacutecie de tratamento
humano degradante
Casos como os acima previstos mostram um padratildeo doutrinaacuterio e jurisprudencial
semelhante vez que natildeo se encontram referecircncias expressas a qualquer margem nacional de
apreciaccedilatildeo para as autoridades nacionais O TEDH determina se as provas colhidas satildeo
suficientes ou natildeo para provar o real risco de tortura ou de tratamento humano e
degradante100
Logo pelo fato de que a natureza dos direitos envolvidos nesse caso eacute considerada
como fundamental de imediato eliminam-se as possibilidades de deferecircncia aos Estados Tal
compreensatildeo eacute o que faz o uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo ser extremamente reduzido
no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos Isso porque ateacute hoje diferentemente do Tribunal de Estrasburgo a Corte
Interamericana teve como maioria de demandas apresentadas as envolvendo delitos
praticados pelos Estados Americanos durante as ditaduras militares ou civil militares em que
casos de tortura e desaparecimento forccedilados eram julgados ou seja casos envolvendo a
violaccedilatildeo de direitos fundamentais ou humanos em sua perspectiva eacutetica de dignidade humana
e natildeo cultural
99
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-126982itemid[001-126982] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria Sentenccedila de 15 de outubro de 2013
Acesso 05 nov 2014 100
CONTRERAS op cit p 41
49
Nesse aspecto visiacutevel que quando se tratam de possiacuteveis violaccedilotildees de direitos
humanos inderrogaacuteveis previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos
a anaacutelise feita pelo Tribunal de Estrasburgo eacute de revisatildeo minuciosa da sentenccedila proferida no
paiacutes de origem da demanda bem como a possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute
extremamente reduzida para natildeo falar inexistente No caso de direitos democraacuteticos a
deferecircncia quando concedida pela Corte possui um limite miacutenimo e consoante o princiacutepio da
proporcionalidade soacute eacute concedida se a restriccedilatildeo eacute necessaacuteria e condizente com uma sociedade
democraacutetica
Nos direitos democraacuteticos referidos abarca-se a participaccedilatildeo poliacutetica atraveacutes das
possibilidades de liberdade de associaccedilatildeo ou de discurso poliacutetico Neste campo dos direitos de
participaccedilatildeo poliacutetica em sociedades democraacuteticas a margem concedida pelo Tribunal de
Estrasburgo consoante se afirmou eacute reduzida e sujeita a um controle rigoroso por parte do
oacutergatildeo jurisdicional internacional
Destaca-se o caso Lingens vs Austria101
que por mais que tenha sido julgado na
deacutecada de 1980 pela Corte Europeia eacute emblemaacutetico em relaccedilatildeo ao posicionamento do
tribunal internacional acerca da liberdade de expressatildeo Nesse caso durante o periacuteodo anterior
agraves eleiccedilotildees na Aacuteustria o jornalista Lingens publicou dois artigos polecircmicos sobre os
candidatos incluindo em um desses artigos a informaccedilatildeo de que o entatildeo presidente do
Partido Liberal Nacional da Aacuteustria teria ligaccedilotildees no passado com o nazismo e com a SS
Contra o jornalista foi instaurado um processo penal e ao fim da instruccedilatildeo criminal
este fora condenado pelo delito de difamaccedilatildeo conforme as regras do direito penal austriacuteaco
Esgotadas as vias internas de recurso o jornalista demandou perante a Corte Europeia
alegando que houve por parte do Estado violaccedilatildeo do artigo 10 da Convenccedilatildeo Europeia
havendo censura em seu direito de expressar-se livremente O Estado por sua vez nas razotildees
apresentadas perante o tribunal internacional justificou a condenaccedilatildeo na convicccedilatildeo de
proteccedilatildeo da honra dos direitos de outrem
Frente a este embate o Tribunal de Estrasburgo reconheceu uma margem miacutenima de
deferecircncia agraves autoridades domeacutesticas no que concerne aos oacutergatildeos locais na avaliaccedilatildeo de uma
necessidade social imperiosa que justificaria a interferecircncia na liberdade de expressatildeo de
Lingens Entretanto ressaltou que essa deferecircncia seria seguida por uma riacutegida supervisatildeo
101
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lingens vs Austria Sentenccedila de 8 de julho de 1986 Acesso
05 nov 2014
50
internacional uma vez estar se tratando de direitos fundamentais para o bom funcionamento
de uma sociedade democraacutetica
Ainda nesse sentido o TEDH arguiu que a liberdade de debate poliacutetico eacute cerne da
democracia e considerar que qualquer ofensa ou notiacutecia acerca de uma pessoa puacuteblica seria
sempre difamaccedilatildeo poderia impedir a imprensa na realizaccedilatildeo de sua tarefa de fornecedora de
informaccedilotildees Deste modo aplicando de forma conjunta os princiacutepios da proporcionalidade e
da subsidiariedade o Tribunal de Estrasburgo decidiu que a condenaccedilatildeo fora desproporcional
ao objetivo legiacutetimo perseguido e constituiu uma violaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo no
acircmbito da Convenccedilatildeo Europeia
Tambeacutem merece anaacutelise o caso July and Sarl Libeacuteration vs France102
cuja sentenccedila
foi proferida em 2008 Neste caso o jornal francecircs Libeacuteration divulgou uma reportagem a
respeito das investigaccedilotildees da morte do juiz Bernard Borrel que em um primeiro momento
havia sido dada como suiciacutedio mas apoacutes a reabertura das investigaccedilotildees houve surgimento de
indiacutecios de morte por encomenda Apoacutes a divulgaccedilatildeo da reportagem contendo informaccedilotildees
acerca da participaccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos na morte do magistrado o diretor do jornal
Senhor July foi processado criminalmente pelo crime de difamaccedilatildeo e condenado pelo governo
francecircs
O TEDH em sua manifestaccedilatildeo asseverou que o caso em questatildeo trazia niacutetida
interferecircncia de autoridades puacuteblicas na liberdade de expressatildeo e essa interferecircncia caso natildeo
siga os requisitos do artigo 10103
da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos representa
clara violaccedilatildeo do direito de liberdade de expressatildeo Nessa situaccedilatildeo ainda a Corte faz uso de
uma triacuteade de requisitos descritos por Contreras104
para a concessatildeo da margem a) prescriccedilatildeo
legal - verificar se a restriccedilatildeo realizada pela autoridade domeacutestica foi autorizada ou pelo
102
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-85084itemid[001-85084] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso July and Sarl Libeacuteration vs France Sentenccedila de 14 de
fevereiro de 2008 Acesso 05 nov 2014 103
Artigo 10 Liberdade de expressatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de expressatildeo Este direito
compreende a liberdade de opiniatildeo e a liberdade de receber ou de transmitir informaccedilotildees ou ideias sem que
possa haver ingerecircncia de quaisquer autoridades puacuteblicas e sem consideraccedilotildees de fronteiras O presente artigo
natildeo impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusatildeo de cinematografia ou de televisatildeo a um
regime de autorizaccedilatildeo preacutevia 2 O exerciacutecio desta liberdades porquanto implica deveres e responsabilidades
pode ser submetido a certas formalidades condiccedilotildees restriccedilotildees ou sanccedilotildees previstas pela lei que constituam
providecircncias necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a integridade territorial ou a
seguranccedila puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral a proteccedilatildeo da
honra ou dos direitos de outrem para impedir a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees confidenciais ou para garantir a
autoridade e a imparcialidade do poder judicial CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS
DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 104
CONTRERAS op cit p 34
51
menos executada em conformidade com a lei b) objetivo legiacutetimo c) se a medida foi
necessaacuteria em uma sociedade democraacutetica
No caso pode ser feito o destaque para o trecho da sentenccedila em que analisando a
necessidade da medida de investigaccedilatildeo do crime de difamaccedilatildeo a Corte arguiu que a tarefa do
tribunal internacional no exerciacutecio de sua competecircncia de fiscalizaccedilatildeo natildeo eacute de tomar o lugar
das autoridades competentes mas sim rever as decisotildees que porventura violarem preceitos
previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem quando entregues ao poder de
apreciaccedilatildeo do Estado Deve entatildeo a Corte agrave luz do caso como um todo avaliar se a medida
tomada pelo Estado foi proporcional ao objetivo legiacutetimo perseguido e se os motivos
indicados pelas autoridades nacionais satildeo suficientes e relevantes Por tais motivos no caso
em questatildeo o TEDH declarou que houve violaccedilatildeo por parte do Estado Francecircs do direito de
liberdade de expressatildeo devendo este arcar com uma indenizaccedilatildeo agraves partes prejudicadas
Ainda dentro dessa esfera de atuaccedilatildeo mais precisamente no que concerne ao direito
democraacutetico de livre reuniatildeo e associaccedilatildeo previsto no artigo 11105
da Convenccedilatildeo Europeia o
destaque pode ser dado aos casos do Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia106
julgado em 2005 e Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia107
julgado em 2006 O primeiro deles
trata da questatildeo de dissoluccedilatildeo do Partido Comunista da Turquia ordenado pelo Tribunal
Constitucional do paiacutes sob as razotildees de que era incompatiacutevel com as obrigaccedilotildees
constitucionais e convencionais do Estado
Ao apreciar tal caso a Corte alegou que os partidos poliacuteticos satildeo estruturas essenciais
para o bom e justo funcionamento da democracia Embora natildeo negue certa margem de
deferecircncia aos Estados para que dissolvam partidos poliacuteticos que poderiam tentar minar a
estrutura constitucional do Estado tal decisatildeo se executada pode sofrer revisatildeo se natildeo
105
Artigo 11 Liberdade de reuniatildeo e de associaccedilatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo
paciacutefica e agrave liberdade de associaccedilatildeo incluindo o direito de com outrem fundar e filiar-se em sindicatos para a
defesa dos seus interesses 2 O exerciacutecio deste direito soacute pode ser objeto de restriccedilotildees que sendo previstas na
lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a seguranccedila
puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral ou a proteccedilatildeo dos direitos
e das liberdades de terceiros O presente artigo natildeo proiacutebe que sejam impostas restriccedilotildees legiacutetimas ao exerciacutecio
destes direitos aos membros das forccedilas armadas da poliacutecia ou da administraccedilatildeo do Estado CONVENCcedilAtildeO
EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS
1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 106
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia
Sentenccedila de 2005 Acesso 05 nov 2014 107
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia Sentenccedila de 15 de
julho de 2006 Acesso 05 nov 2014
52
adequar-se agraves previsotildees da Convenccedilatildeo Europeia Logo o Tribunal embora tenha feito a
ressalva de que podem os Estados dissolver partidos poliacuteticos na situaccedilatildeo afirmou que houve
violaccedilatildeo dos direitos de liberdade de associaccedilatildeo visto que natildeo havia qualquer indiacutecio de que
o partido por ter ideal comunista poderia colocar em risco a estrutura do Estado
Da mesma forma o caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia que envolve o direito
de liberdade sindical Na situaccedilatildeo o Governo turco justifica o fechamento de sindicatos com
base em previsotildees da legislaccedilatildeo trabalhista interna a qual natildeo permite que funcionaacuterios criem
sindicatos A Corte na anaacutelise da situaccedilatildeo tambeacutem asseverou que houve violaccedilatildeo do artigo
11 mesmo que neste existam ressalvas em relaccedilatildeo agrave liberdade de associaccedilatildeo de membros das
Forccedilas Armadas da Poliacutecia e da Administraccedilatildeo do Estado Contudo essas limitaccedilotildees devem
ser interpretadas pelos Estados dentro da sua margem de apreciaccedilatildeo de maneira restrita
Se esses casos expostos ilustram exemplos de margem nacional de apreciaccedilatildeo
reduzida ou inexistente o polo oposto envolve os direitos concernentes agrave propriedade para os
quais a Corte Europeia possui entendimento de que a margem de deferecircncia agraves autoridades
domeacutesticas deve ser maior e mais elaacutestica bem como a supervisatildeo por parte do Tribunal
Internacional deve ser menor e relativizada Isso porque as autoridades nacionais em uma
concepccedilatildeo semelhante agrave de juiz natural no processo estariam mais bem situadas que o juiz
internacional para avaliar qual eacute o interesse geral de uma comunidade nessa seara108
A proteccedilatildeo internacional dos direitos de propriedade encontra-se no artigo 1ordm109
do
Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo de Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades
Fundamentais Jaacute na previsatildeo normativa encontra-se a prerrogativa de que qualquer pessoa
singular ou coletiva tem direito ao respeito de seus bens natildeo podendo haver privaccedilatildeo da
propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica ou por condiccedilotildees previstas em lei Desta maneira
as demandas soacute seratildeo revistas pela Corte caso implicarem violaccedilatildeo expliacutecita a esse artigo
Segundo Roca110
a jurisprudecircncia internacional definiu que a previsatildeo normativa
anteriormente destacada segue trecircs criteacuterios em primeiro lugar deve ser respeitado o direito
ao respeito e gozo paciacutefico dos bens dos indiviacuteduos Na sequecircncia a segunda regra
108
CONTRERAS op cit p 40 109
Artigo 1 Proteccedilatildeo da propriedade Qualquer pessoa singular ou coletiva tem direito ao respeito dos seus bens
Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas
pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo
do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso
dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees
ou de multas CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS
LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 110
ROCA op cit p 127
53
compreende uma garantia contra a privaccedilatildeo ilegal ou seja somente poderaacute haver
expropriaccedilatildeo ou privaccedilatildeo da propriedade em casos de utilidade puacuteblica e de acordo com
condiccedilotildees legalmente previstas Por fim o terceiro paracircmetro eacute a possibilidade de o Estado
estabelecer restriccedilotildees ao direito de propriedade tendo por base a prevalecircncia do interesse
puacuteblico sobre o privado
Logo sob a base desses criteacuterios e de alguns casos jaacute julgados pelo oacutergatildeo jurisdicional
internacional eacute possiacutevel asseverar que a margem de apreciaccedilatildeo concedida aos paiacuteses eacute larga
quando se estaacute diante dos direitos de propriedade No caso Back vs Finlacircndia111
de 2004 que
trata de noccedilotildees de utilidade puacuteblica em casos de expropriaccedilatildeo haacute o reforccedilo da noccedilatildeo de
subsidiariedade da Corte Europeia com o entendimento de que esta deve respeitar as decisotildees
das autoridades nacionais soacute sendo possiacutevel e viaacutevel a intervenccedilatildeo se o juiacutezo for
manifestamente desprovido de bases racionais
Por fim poreacutem natildeo menos importante aborda-se o uacuteltimo grupo de jurisprudecircncias da
Corte Europeia de Direitos Humanos que pode ser enquadrado no que Roca determina como
ciacuterculo mediano vez que conteacutem temas em que o posicionamento do Tribunal de Estrasburgo
em relaccedilatildeo agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute oscilante Eacute nesse grupo que pode ser
visualizada toda a complexidade da margem e suas vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis em casos
semelhantes envolvendo por exemplo liberdade religiosa direito de homossexuais e
transexuais e outros temas
Justamente nesse ciacuterculo que natildeo apresenta por parte dos doutrinadores jaacute referidos no
capiacutetulo anterior um criteacuterio de unificaccedilatildeo se apresenta o embate entre o universalismo de
alguns direitos previstos nos marcos normativos internacionais de direitos humanos ndash com
destaque para a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos ndash e o relativismo relativo a noccedilotildees
religiosas e culturais que compotildeem a identidade dos diferentes povos europeus
Nesse aspecto no que tange agrave liberdade religiosa a qual eacute prevista pelo artigo 9ordm112
da
CEDH temos duas decisotildees emblemaacuteticas do Tribunal de Estrasburgo o caso Lautsi vs
111
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-114486itemid[001-114486] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Back vs Finlacircndia Sentenccedila de 13 de novembro de 2002
Acesso 05 nov 2014 112
Artigo 9 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de pensamento de consciecircncia e de religiatildeo este direito
implica a liberdade de mudar de religiatildeo ou de crenccedila assim como a liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou a
sua crenccedila individual ou coletivamente em puacuteblico e em privado por meio do culto do ensino de praacuteticas e da
celebraccedilatildeo de ritos 2 A liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou convicccedilotildees individual ou coletivamente natildeo
pode ser objeto de outras restriccedilotildees senatildeo as que previstas na lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa
sociedade democraacutetica agrave seguranccedila puacuteblica agrave proteccedilatildeo da ordem da sauacutede e moral puacuteblicas ou agrave proteccedilatildeo dos
direitos e liberdades de outrem CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO
54
Itaacutelia113
julgado em 2011 e o caso Leyla Sahin vs Turquia114
julgado em 2005 Isso porque
nesses casos respectivamente o TEDH referendou as normas que impotildeem a presenccedila de
crucifixos nas escolas puacuteblicas italianas e natildeo opocircs objeccedilotildees a restriccedilotildees estatais concernentes
ao uso do veacuteu islacircmico no contexto educativo
No primeiro caso o TEDH retificou a decisatildeo da Corte Constitucional Italiana que
em 2009 havia estabelecido por unanimidade que a norma italiana a qual impunha desde a
deacutecada de 1920 a presenccedila de crucifixo nas paredes de escolas puacuteblicas havia violado o direito
da senhora Lautsi a educar seus filhos conforme suas convicccedilotildees laicas e liberdade religiosa
Portanto o Tribunal italiano argumentou que a manutenccedilatildeo de um siacutembolo religioso em salas
de aula de uma escola puacuteblica poderia perturbar emocionalmente os estudantes que natildeo
professassem religiatildeo alguma a ter a percepccedilatildeo de que o contexto educativo estava marcado
pela religiatildeo
Para retificar tal sentenccedila o TEDH argumentou por uma valoraccedilatildeo abstrata de
compatibilidade entre a norma italiana que permitia o uso de crucifixos nas escolas puacuteblicas e
os direitos convencionais sendo que a margem nacional de apreciaccedilatildeo foi aplicada para essa
valoraccedilatildeo da norma italiana Em primeiro lugar o Tribunal Europeu matizou quais satildeo as
exigecircncias convencionais de neutralidade religiosa na educaccedilatildeo indicando que se proiacutebe o
proselitismo ou a adoccedilatildeo no marco educativo de algo compatiacutevel com o estabelecimento de
o ensino obrigatoacuterio de uma religiatildeo ou a imposiccedilatildeo de uma religiatildeo no ensino puacuteblico
O crucifixo no entendimento do TEDH eacute um siacutembolo religioso passivo cuja
influecircncia natildeo se compara a que exercem a educaccedilatildeo religiosa ou a participaccedilatildeo em atividades
religiosas Logo a percepccedilatildeo subjetiva de que o crucifixo supotildee uma ausecircncia de respeito ao
direito de liberdade religiosa natildeo basta para considerar que tenha havido uma violaccedilatildeo agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Para o TEDH portanto sempre que natildeo exista
a pretensatildeo de doutrinar o Estado goza de margem de deferecircncia para decidir sobre a
permanecircncia dos crucifixos em sala de aula
HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 113
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-104040itemid[001-104040] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lautsi vs Italia Sentenccedila de 18 de marccedilo de 2011 Acesso 05
nov 2014 114
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-70956itemid[001-70956] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Leyla Sahin vs Turquia Sentenccedila de 10 de novembro de
2005 Acesso 05 nov 2014
55
No caso Leyla Sahin de proibiccedilatildeo do uso do veacuteu islacircmico por uma jovem no recinto
de sua universidade para o TEDH os Estados tecircm autonomia para limitar o uso do veacuteu em
locais como escolas puacuteblicas ou universidades Para referendar essa restriccedilatildeo agrave liberdade
religiosa o Tribunal Europeu admitiu o uso da margem de apreciaccedilatildeo por parte do Estado em
razatildeo da ausecircncia de um consenso europeu sobre a mateacuteria somado agrave ideia de que as
autoridades nacionais podem lidar melhor com o assunto por estarem mais perto das
realidades nacionais do que o oacutergatildeo jurisdicional internacional
Para o TEDH desta forma a opccedilatildeo poliacutetica de um Estado pelo laicizismo pode
justificar restriccedilotildees agrave liberdade religiosa e exigir sacrifiacutecios aos indiviacuteduos em prol da
harmonia religiosa do paiacutes Embora portanto haja restriccedilatildeo da liberdade individual religiosa
no caso em questatildeo a proibiccedilatildeo natildeo viola a CEDH
A aplicaccedilatildeo dos princiacutepios da subsidiariedade e da proporcionalidade bem como a
falta de consenso na Europa acerca de questotildees como as apresentadas marcaram o
posicionamento do TEDH na concessatildeo de margem de deferecircncia aos Estados no que
concerne agrave liberdade religiosa A grande criacutetica contudo reside na falta de criteacuterios
especiacuteficos e de clareza no uso da ferramenta
Neste uacuteltimo grupo portanto vislumbra-se o que Kratochivil115
menciona como
ldquomedida misteriosardquo ou seja natildeo existem paracircmetros ou criteacuterios especiacuteficos para a aplicaccedilatildeo
da margem Pelo contraacuterio haacute falta de clareza e de limites demonstrando que a banalizaccedilatildeo
do uso da MNA liquidifica sua substacircncia e pode gerar inseguranccedila juriacutedica aos litigantes
Sob essa oacutetica no campo de direitos inderrogaacuteveis como eacute o caso dos direitos que compotildeem
esse uacuteltimo grupo a consideraccedilatildeo de Vila116
merece destaque
Segundo a autora nesse campo que envolve relativismos culturais a postura do TEDH
varia entre a adoccedilatildeo de uma versatildeo voluntarista de MNA ou a adoccedilatildeo de uma versatildeo
racionalista A primeira se centra no direito de que o Tribunal de Estrasburgo eacute um oacutergatildeo
internacional e assume uma visatildeo normativa e natildeo meramente temporal ou procedimental
acerca do princiacutepio da subsidiariedade Por isso o TEDH reconhece que sua legitimidade
poliacutetica eacute meramente derivada e outorga uma presunccedilatildeo em favor do Estado evitando realizar
uma valoraccedilatildeo independente de compatibilidade entre as medidas impugnadas e o convecircnio
Esta presunccedilatildeo soacute eacute rompida quando haacute razotildees fortes para concluir que o Estado extrapolou o
exerciacutecio de sua autonomia Sob a oacutetica desta concepccedilatildeo fatores como a falta de consenso
115
KRATOCHVIL op cit p 330 116
VILA op cit p 10
56
europeu ou a ideia de que os Estados situam-se em um local melhor apropriado para decidir
adquirem importacircncia por razotildees de legitimidade institucional
Entretanto a oacutetica racionalizada de MNA percebe a ferramenta como um resultado de
efetuar um balanccedilo entre os valores que estatildeo em jogo na proteccedilatildeo dos direitos convencionais
mais do que uma presunccedilatildeo de partida em favor do Estado O TEDH centra-se em examinar
se a medida estatal impugnada consegue alcanccedilar um balanccedilo equitativo entre direitos
individuais e valores democraacuteticos A finalidade natildeo eacute justificar a deferecircncia mas reconhecer
de modo equilibrado os valores democraacuteticos no seio da CEDH
Sobretudo neste uacuteltimo grupo analisado ao qual aqui somente satildeo trazidos casos em
relaccedilatildeo agrave liberdade religiosa (artigo 9ordm da CEDH) concentram-se as criacuteticas em relaccedilatildeo agrave
falta de paracircmetros do TEDH para deferir ou natildeo uma margem de apreciaccedilatildeo aos Estados
Essa variabilidade eacute por alguns117
definida como um ponto negativo de falta de definiccedilatildeo de
criteacuterios o que pode levar a uma margem larga ou a uma margem estreita A primeira poderia
conduzir ao processo de fragmentaccedilatildeo do espaccedilo europeu enquanto a segunda poderia forccedilar
a integraccedilatildeo sob o domiacutenio de uma concepccedilatildeo moderna de direitos humanos pautada pelo
liberalismo e individualismo
Deste modo duas respostas podem ser concedidas agrave pergunta cerne deste trabalho a
margem constitui-se em um instrumento eficaz no processo de construccedilatildeo de um direito
comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa uma vez que sob a perspectiva eacutetica
destes direitos o TEDH preza pela preservaccedilatildeo do irredutiacutevel humano e dos direitos
inderrogaacuteveis e absolutos da pessoa humana Prova disso eacute a ausecircncia ou a miacutenima margem
que eacute concedida para casos envolvendo tortura ou tratamentos humanos degradantes ou
violaccedilatildeo de direitos democraacuteticos
No entanto a ausecircncia de paracircmetros e de criteacuterios por parte do Tribunal de
Estrasburgo (ausecircncia constatada por diversos doutrinadores trazidos ao longo deste trabalho
e exemplificada de modo sinteacutetico atraveacutes da anaacutelise de casos emblemaacuteticos envolvendo
liberdade religiosa) no julgamento de direitos humanos quando vinculados a questotildees
culturais demonstram que no campo praacutetico ainda haacute muito para avanccedilar no processo de
siacutentese entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo dos direitos culturais
117
BRUM et SALDANHA Op cit
57
CONCLUSAtildeO
Slavoj Zizek118
certa vez afirmou que o papel do filoacutesofo natildeo eacute o de propor iniciativas
capazes de mudar o mundo ou as situaccedilotildees em curso mas de observar e interpretar a realidade
que eacute posta A pretensatildeo deste trabalho natildeo difere da conceituaccedilatildeo de filoacutesofo por Zizek Isso
porque em nenhum momento busca-se apresentar alternativas fortes para resolver problemas
postos mas sim almeja-se observar sob um amplo espectro os reflexos da mundializaccedilatildeo
dentro do Direito e de modo especiacutefico como atua o Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem no que concerne agrave aplicaccedilatildeo da figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
Aos mais observadores da realidade que se apresenta eacute impossiacutevel negar que na atual
conjuntura da sociedade informacional a proliferaccedilatildeo exacerbada e anaacuterquica de normas e
instituiccedilotildees juriacutedicas gera uma sensaccedilatildeo de caos e de desordem que clama por uma ordenaccedilatildeo
Embora esse verdadeiro mosaico em que se transformou o Direito na atualidade possa ser
vislumbrado em acircmbito global uma anaacutelise mais apurada de uma parte do todo em
especiacutefico da Europa se mostra pertinente para avaliar as possibilidades de construccedilatildeo de um
pluralismo ordenado
A base possiacutevel desse pluralismo ordenado invariavelmente eacute um direito comum cujo
alicerce se encontra nos direitos humanos No contexto europeu de convivecircncia simultacircnea
de uma ldquopequena Europardquo e de uma ldquogrande Europardquo embora o direito comunitaacuterio jaacute tenha
se consolidado sendo um modelo sui generis para todo o globo ainda eacute preciso avanccedilar no
acircmbito da ldquogrande Europardquo ou do sistema regional europeu dos direitos do homem para a
criaccedilatildeo de um direito comum
Nesse sentido parece indiscutiacutevel que a base de um direito comum europeu seja
alicerccedilada na proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua dimensatildeo moral miacutenima ou no que
Delmas denomina de miacutenimo eacutetico universal e irredutiacutevel humano Logo a universalizaccedilatildeo
almejada natildeo tem como objetivo impor referecircncias de uma cultura sobre as demais e sim o
diaacutelogo entre as diferentes particularidades existentes no seio das diversas sociedades que
convivem na Europa a fim de encontrar o que haacute de valores comuns em todas elas
Todavia por mais que a premissa seja de faacutecil compreensatildeo os embates entre
universalismos e relativismos culturais estatildeo na ordem do dia na agenda do Tribunal de
Estrasburgo de modo que um dos temais mais debatidos atualmente no continente se refere
118
ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo Boitempo 2008
58
ao uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo por este tribunal a fim de conferir deferecircncia aos
Estados em algumas mateacuterias para decidir acerca de questotildees sensiacuteveis
O objetivo do presente trabalho foi o de analisar essa ferramenta hermenecircutica de
origem europeia sob a oacutetica de caos juriacutedico anteriormente apresentado De acordo com o que
fora apurado e estudado chegou-se a conclusatildeo de que o uso dessa doutrina contribui ainda
que de modo tiacutemido para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema europeu
Isso porque quando se tratam de temas concernentes agrave tortura a tratamentos humanos
degradantes a penas desproporcionais ou ainda a direitos democraacuteticos a Corte opta por
definir um entendimento que deve ser aplicado em todos os paiacuteses independentemente de
especificidades culturais Estariacuteamos proacuteximos portanto de uma definiccedilatildeo de direitos
humanos inderrogaacuteveis ou de um miacutenimo eacutetico universal proposto por Delmas e jaacute idealizado
por Kant em sua premissa de direito cosmopoliacutetico
No que tange ao restante dos direitos humanos em uma dimensatildeo cultural pode-se
dizer que a teoria da margem traduz uma ideia de que estaacute eacute capaz de harmonizar o
universalismo dos direitos humanos e o pluralismo advindo das diversidades culturais e
religiosas dos paiacuteses europeus Entretanto consoante a anaacutelise de posiccedilotildees doutrinaacuterias acerca
da utilizaccedilatildeo praacutetica do instituto pelo Tribunal de Estrasburgo bem como o embate
paradigmaacutetico de julgados envolvendo liberdade religiosa parece inevitaacutevel a conclusatildeo de
que como meacutetodo de harmonizaccedilatildeo entre plural e universal o oacutergatildeo jurisdicional
internacional do sistema europeu ainda tem muito a evoluir sobretudo na definiccedilatildeo de
paracircmetros e criteacuterios para servir de norte baacutesico em relaccedilatildeo aos mais diversos casos
59
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ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo
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10
geometrias da paisagem juriacutedica e do tipo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos que se
procura dentro desse cenaacuterio avaliando por conseguinte o surgimento da figura da MNA
(12) A parte 2 por sua vez objetiva a anaacutelise pura do instituto da Margem Nacional de
Apreciaccedilatildeo averiguando o histoacuterico de sua criaccedilatildeo e as definiccedilotildees acerca de seu conceito
(21) para na sequecircncia avaliar a partir da anaacutelise de alguns julgamentos paradigmaacuteticos do
Tribunal de Estrasburgo se tal ferramenta hermenecircutica se demonstra eficaz no processo de
harmonizaccedilatildeo das tensotildees entre universalismo e relativismos e se pode ser relevante no
processo de criaccedilatildeo de um direito comum cuja base satildeo os direitos humanos (22)
11
1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM
DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS
O seacuteculo XX trouxe mudanccedilas significativas para os mais diversos segmentos da vida
social e o direito natildeo ficou alheio agraves vicissitudes decorrentes do poacutes-Segunda Guerra Mundial
O continente europeu sobretudo passa a ser o cenaacuterio de revoluccedilotildees na estrutura juriacutedica ateacute
entatildeo conhecida com o surgimento praticamente concomitante de instituiccedilotildees supranacionais
e internacionais para aleacutem das nacionais
Neste vieacutes uma das preocupaccedilotildees primordiais do poacutes-guerra foi a de garantir a tutela
dos direitos humanos mesmo diante das mudanccedilas latentes no cenaacuterio juriacutedico Desta feita
deparamo-nos com duas esferas dentro do cenaacuterio europeu a ldquopequena Europardquo que origina
um direito comunitaacuterio europeu o qual mesmo tendo se ocupado com questotildees relativas agrave
economia e agrave integraccedilatildeo regional desenvolve a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais
atraveacutes do diaacutelogo jurisprudencial entre cortes de naturezas distintas e a ldquogrande Europardquo do
sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos espaccedilo haacutebil e possiacutevel para ser base de
criaccedilatildeo de um direito comum (11) Da evoluccedilatildeo de um campo ao outro a premissas de
universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo buscam
legitimar e consolidar a criaccedilatildeo desse direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
(12)
11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave
criaccedilatildeo de um direito comum
O historiador britacircnico Eric Hobsbawn6 talvez tenha encontrado a melhor adjetivaccedilatildeo
para o seacuteculo XX a ldquoEra dos Extremosrdquo Nas palavras do proacuteprio autor ldquoNatildeo sabemos o que
6 HOBSBAWN Eric A era dos extremos o breve seacuteculo XX 1941-1991 Satildeo Paulo Companhia das Letras
1995
12
viraacute a seguir nem como seraacute o segundo milecircnio embora possamos ter a certeza de que ele
teraacute sido moldado pelo Breve Seacuteculo XXrdquo7
Nesse sentido a Segunda Guerra Mundial representa o marco crucial natildeo soacute para a
preocupaccedilatildeo global em relaccedilatildeo aos direitos humanos8 com a criaccedilatildeo e fortalecimento de uma
grande quantidade de instrumentos normativos responsaacuteveis por sua tutela em acircmbito
mundial como tambeacutem para o surgimento de uma nova Europa Apoacutes o teacutermino da guerra
que teve como palco principal de seus acontecimentos o continente europeu diversos paiacuteses
se encontravam em uma situaccedilatildeo de caos politico fragmentaccedilatildeo e enfraquecimento
econocircmico aleacutem do perigo iminente de eclosatildeo de uma nova disputa de proporccedilotildees mundiais
advinda da dicotomia entre capitalismo e socialismo na entatildeo incipiente Guerra Fria
Eacute nesse contexto que emerge a ideia de criaccedilatildeo de um espaccedilo comum europeu
consubstanciado atraveacutes da integraccedilatildeo regional entre os paiacuteses do continente Ainda no inicio
do seacuteculo XX eacute possiacutevel destacar a ocorrecircncia de propostas relativamente concretas para a
integraccedilatildeo europeia como eacute o caso da proposta do francecircs Aristides Briand em 1929 de
criaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia sob a oacutetica de uma federaccedilatildeo ou seja fundada sob uma
noccedilatildeo de uniatildeo o que implica o respeito agrave soberania9 Todavia a crise econocircmica mundial a
ascensatildeo de nacionalismos na Europa e por fim a eclosatildeo da segunda grande guerra
obstaculizaram a adesatildeo a essa proposta
O cenaacuterio do poacutes-guerra de desintegraccedilatildeo social e miseacuteria econocircmica em grande parte
dos paiacuteses envolvidos gerou a instalaccedilatildeo do Congresso da Europa em Haia nas datas de 7 a
11 de maio de 1948 no qual houve a criaccedilatildeo do ldquoMovimento Europeurdquo No referido
congresso duas correntes foram estabelecidas as quais impulsionaram o surgimento da
ldquopequena Europardquo10
e da ldquogrande Europardquo respectivamente a Europa dos federalistas e a
7 Ibid p14
8 Pode-se nesse sentido destacar a descriccedilatildeo de Valeacuterio Mazzuoli de que desde a Segunda Guerra Mundial em
decorrecircncia dos horrores e atrocidades cometidos durante esse periacuteodo em que muitas vidas eram consideradas
como nuacutemeros e valiam tatildeo pouco os direitos humanos passaram a constituir um dos principais temas do Direito
Internacional contemporacircneo A normatividade internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos foi conquistada
por meio de lutas histoacuterias contiacutenuas e incessantes e consubstanciada em diversos tratados concluiacutedos com esse
propoacutesito tendo sido fruto de um lento e gradual processo de internacionalizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo desses
mesmos direitos o qual fora intensificado com o fim da Segunda Guerra Mundial MAZZUOLI Valeacuterio de
Oliveira Curso de Direito Internacional Puacuteblico 5 ed Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 811 9 SILVA Karine de Sousa Uniatildeo Europeia antecedentes e evoluccedilatildeo histoacuterica In SILVA Karine de Souza
COSTA Rogeacuterio Santos da(Org) Organizaccedilotildees Internacionais de Integraccedilatildeo Regional Uniatildeo Europeia
Mercosul e UNASUL Florianoacutepolis Ed Da UFSC Fundaccedilatildeo Boiteux 2013 p 54 10
Doravante por ldquopequena Europardquo estar-se-aacute referindo aos paiacuteses participantes da Uniatildeo Europeia sujeitos
portanto agraves decisotildees das instituiccedilotildees da Uniatildeo dentre as quais se destaca o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo
Europeia ldquoGrande Europardquo por sua vez refere-se aos paiacuteses que aderiram ao Conselho da Europa que hoje
somam um total de 47 (quarenta e sete) membros e que se submetem agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal Europeu de
Direitos Humanos PRINO Carla Sofia Abreu Relaccedilotildees entre TJUE e TEDH no contexto de adesatildeo da UE agrave
13
Europa dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental11
Os primeiros defendiam uma
integraccedilatildeo mais profunda entre os paiacuteses com transferecircncia de parcela de soberania dos
Estados para uma instituiccedilatildeo com poderes supranacionais sendo esta a base para a criaccedilatildeo da
Comunidade Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) Os segundos por sua vez se opunham agrave
cessatildeo de direitos soberanos impulsionando com seus ideais a criaccedilatildeo em 1949 do
Conselho da Europa com sede em Estrasburgo
Natildeo obstante essa divisatildeo surgida no Congresso da Europa eacute possiacutevel afirmar que a
base de construccedilatildeo da atual Uniatildeo Europeia deu-se com a criaccedilatildeo da Comunidade Europeia
do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) movida pelos ideais integracionistas do francecircs Jean Monnet
Contratado no poacutes-guerra para participar do Plano de Modernizaccedilatildeo e Equipamento da
Franccedila Monnet tinha medo de que o Plano Marshall norte-americano de empreacutestimo de
dinheiro para a reconstruccedilatildeo da Europa pudesse gerar uma diacutevida eterna aos paiacuteses do
continente com os Estados Unidos e para escapar disso via como uacutenica soluccedilatildeo a promoccedilatildeo
de um esforccedilo comum dos Estados atraveacutes de projetos de integraccedilatildeo regional
Por isso redigindo o texto da Declaraccedilatildeo de Schuman de 1950 Monet propagava a
ideia de integraccedilatildeo como meio de assegurar a paz e reerguer a poliacutetica e a economia dos
paiacuteses que foram destruiacutedos pela guerra Nesse sentido sua ideia foi a partir de uma ideologia
pacifista de influecircncia kantiana neutralizar a rivalidade franco-alematilde atraveacutes de uma espeacutecie
de mercado comum com a criaccedilatildeo de uma organizaccedilatildeo internacional com caraacuteter
supranacional que seria responsaacutevel pela gestatildeo dos recursos naturais da regiatildeo do Sarre e do
Ruhr os quais seriam colocados a serviccedilo da paz e natildeo da guerra12
A proposta integracionista daquele que eacute considerado o arquiteto do projeto de
integraccedilatildeo europeia era de retirar da matildeo dos Estados a capacidade de gestatildeo dos recursos
energeacuteticos que movimentavam a induacutestria beacutelica e da guerra Desta forma uma autoridade
internacional mais especificamente uma organizaccedilatildeo internacional setorial seria criada com
um status supranacional para gerenciar e administrar a produccedilatildeo de carvatildeo e de accedilo
funcionando atraveacutes da delegaccedilatildeo de parcelas da soberania estatal em questotildees especiacuteficas
Assim em 1951 com a assinatura do Tratado de Paris criou-se a Comunidade
Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) com a participaccedilatildeo inicial de seis paiacuteses Franccedila
Alemanha Itaacutelia Beacutelgica Holanda e Luxemburgo Posteriormente em 1957 com o Tratado
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Editora Modelo 2010 p 35 12
Ibid p 60
14
de Roma a Comunidade Econocircmica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia para a
Energia Atocircmica (CEEA ou Euratom) foram criadas consolidando-se deste modo as trecircs
comunidades que fizerem emergir o direito comunitaacuterio no seio da Europa Foi contudo
somente em 1992 com o Tratado de Maastrich ou Tratado da Uniatildeo Europeia que nasceu a
Uniatildeo Europeia propriamente dita consagrada em trecircs pilares baacutesicos as comunidades que
inicialmente lhe deram base a colaboraccedilatildeo em mateacuteria de poliacutetica exterior e seguranccedila
comum e a cooperaccedilatildeo no acircmbito judicial e policial em mateacuteria penal13
Visiacutevel deste modo que o que impulsionou a criaccedilatildeo de um direito comunitaacuterio
europeu foi a necessidade de reorganizaccedilatildeo do continente apoacutes 1945 e o fortalecimento
econocircmico de antigas potecircncias rivais como foi o caso da Franccedila e da Alemanha Ocorre que
de modo concomitante ao crescimento dos ideais dos federalistas a segunda corrente oriunda
do Congresso da Europa de 1949 dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental tambeacutem
cresceu e se tornou visiacutevel vez que possuiacutea como objetivo a realizaccedilatildeo de uma uniatildeo mais
estreita entre seus membros de modo a salvaguardar os ideais e princiacutepios que satildeo seu
patrimocircnio comum e favorecer seu progresso social e econocircmico
O Conselho da Europa surgido em 1949 portanto configura-se como outra
organizaccedilatildeo internacional surgida na Europa do poacutes-guerra tendo como base a consolidaccedilatildeo
sob o principio da cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses e natildeo o federalismo que implica cessatildeo de
parcelas da soberania Seu propoacutesito eacute o de defesa dos direitos humanos desenvolvimento
democraacutetico e estabilidade poliacutetico-social na Europa sendo chamado de ldquogrande Europardquo por
desde o iniacutecio contar com mais adesotildees de paiacuteses em relaccedilatildeo agrave CECA Eacute justamente dentro
desse Conselho que surge o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em 1959
oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa e
responsaacutevel pela tutela dos direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem
(CEDH) de 1950
A eclosatildeo desses dois movimentos marca o iniacutecio de uma verdadeira revoluccedilatildeo dentro
da compreensatildeo do direito Se antes no continente europeu era possiacutevel vislumbrar a
existecircncia em grande medida e tatildeo somente de tribunais nacionais cuja competecircncia era
exercida dentro de determinado Estado sob a eacutegide de sua soberania o cenaacuterio altera-se e daacute
espaccedilo para a existecircncia natildeo soacute de tribunais nacionais como tambeacutem de tribunais
supranacionais e internacionais
13
Ibidem p 77
15
No caso do direito comunitaacuterio sua criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de
instituiccedilotildees que fortaleccedilam o sistema supranacional Em funccedilatildeo disso dentre os mais diversos
oacutergatildeos criados pelos sucessivos tratados comunitaacuterios pode-se destacar o Tribunal de Justiccedila
da Uniatildeo Europeia (TJUE) ou Tribunal de Luxemburgo
Este criado pelo Tratado de Paris de 1951 e adotado pelo Tratado de Roma de 1957
tem a finalidade de assegurar o cumprimento do direito comunitaacuterio e a interpretaccedilatildeo e
aplicaccedilatildeo dos Tratados dentro a vida da comunidade14
Submetem-se agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal
atualmente os vinte e oito15
paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e ao longo dos anos
ele se desenvolveu como uma importante instituiccedilatildeo capaz de contribuir ao desenvolvimento
da comunidade atraveacutes de consolidaccedilotildees jurisprudenciais e da conversatildeo dos tratados
constitutivos da comunidade em verdadeiras constituiccedilotildees materiais
Embora a preocupaccedilatildeo com os direitos humanos no cenaacuterio da ldquopequena Europardquo natildeo
tenha sido uma caracteriacutestica inicial dos tratados constitutivos das comunidades europeias o
diaacutelogo do Tribunal de Luxemburgo com os tribunais nacionais de alguns Estados europeus
traz agrave tona esse tema bem como se caracteriza por ser o grande responsaacutevel pela consolidaccedilatildeo
de princiacutepios baacutesicos do direito comunitaacuterio como eacute o caso da supremacia das normas
comunitaacuterias Neste vieacutes importante destaque deve ser feito ao caso CostaENEL16
de 1964
que marcou o surgimento da noccedilatildeo de supremacia das normas da comunidade europeia
O objeto de tal caso fora uma lei italiana de nacionalizaccedilatildeo da energia eleacutetrica
declarada incompatiacutevel com o Tratado da Comunidade Econocircmica Europeia Em sede de
reenvio prejudicial o Tribunal Constitucional Italiano enviou a questatildeo ao Tribunal de Justiccedila
da Uniatildeo Europeia o qual reconheceu que ao instituir uma comunidade de duraccedilatildeo ilimitada
com caraacuteter sui generis e poderes resultantes de delegaccedilatildeo de parcela da soberania os paiacuteses
limitariam seus direitos soberanos em prol de um conjunto de normas aplicaacutevel natildeo soacute agrave
comunidade como a todos os seus Estados membros17
14
OLIVEIRA Odete Maria de Uniatildeo Europeia processos de integraccedilatildeo e mutaccedilatildeo 1ordfed 3ordf tir Curitiba
Juruaacute 2003 15
Os vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia satildeo Alemanha Aacuteustria Beacutelgica Bulgaacuteria Chipre
Croaacutecia Dinamarca Eslovaacutequia Eslovecircnia Espanha Estocircnia Finlacircndia Franccedila Greacutecia Hungria Irlanda Itaacutelia
Letocircnia Lituacircnia Luxemburgo Malta Paiacuteses Baixos Polocircnia Portugal Reino Unido Repuacuteblica Checa
Romecircnia Sueacutecia Dados disponiacuteveis no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeuropaeuabout-
eucountriesmember-countriesindex_pthtm Acesso 01 nov 2014 16
O acoacuterdatildeo do referido caso encontra-se disponiacutevel na iacutentegra no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeur-
lexeuropaeulegal-contentPTTXTPDFuri=CELEX61964CJ0006ampfrom=EN Acesso 02 out 2014 17
FARENZENA Sueacutelen Costa versus ENEL ndash O primado do Direito Comunitaacuterio e a mudanccedila de paradigma o
Estado em rede europeu Revista da SJRJ Vol 19 nordm34 Rio de Janeiro 2012 Disponiacutevel em
httpwww4jfrjjusbrseerindexphprevista_sjrjarticleviewFile338296 Acesso 01 out 2014
16
Neste sentido determinou o Tribunal de Luxemburgo que a forccedila executiva do direito
comunitaacuterio natildeo poderia variar de um espaccedilo para outro ao sabor das legislaccedilotildees internas
Impossiacutevel portanto um Estado fazer prevalecer sobre uma ordem juriacutedica aceita sob o pilar
da reciprocidade e da cessatildeo de parcela de direitos soberanos uma medida unilateral anterior
ou posterior que lhe pode opor
Natildeo obstante tal decisatildeo a ideia de supremacia das normas comunitaacuterias por si soacute
natildeo foi adotada de modo paciacutefico por todos os tribunais constitucionais dos paiacuteses sujeitos agrave
jurisdiccedilatildeo do Tribunal de Luxemburgo Em funccedilatildeo disso houve a percepccedilatildeo por parte dos
juiacutezes do TJUE de que seria necessaacuterio acoplar agrave ideia de supremacia das normas
comunitaacuterias um discurso dotado de legitimidade que envolvesse princiacutepios e ideais comuns
natildeo soacute para a comunidade como para os Estados membros Esse discurso portanto seria o
discurso dos direitos fundamentais18
Ateacute o surgimento de algumas tensotildees entre os posicionamentos dos tribunais nacionais
e as decisotildees do TJUE havia certa resistecircncia por parte deste uacuteltimo em lidar com questotildees
concernentes aos direitos humanos ou fundamentais Isto porque o motivo que levou agrave criaccedilatildeo
das Comunidades Europeias e a posterior Uniatildeo Europeia foi predominantemente econocircmico
tanto eacute que os tratados iniciais das Comunidades Europeias natildeo trazem elementos que refiram
explicitamente a preocupaccedilatildeo com direitos humanos ou fundamentais19
Entretanto consoante
fora asseverado a supremacia das normas comunitaacuterias somente conseguiria se afirmar e se
consolidar caso fosse acoplada ao tema da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais
Neste sentido a deacutecada de 1960 pode ser vista como um importante marco para o
TJUE Casos como o Stauder (1969) e o Internationale Handelsgesellschaft20
(1970)
18
GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional
algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em
httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014 19
Pertinente o destaque da concepccedilatildeo de Gilmar Mendes e Geroge Rodrigo Bandeira Galindo sobre este tema
Segundo eles os instrumentos que instituiacuteram as comunidades europeias natildeo se referem de maneira expliacutecita agrave
proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais e haacute razotildees para isso A primeira delas reside no fato de que a
proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa deveria ser transferida para outra organizaccedilatildeo internacional no caso o
Conselho da Europa que foi uma instituiccedilatildeo fundamental para a elaboraccedilatildeo da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos
do Homem de 1950 Outra razatildeo sustenta-se na ideia de que a inclusatildeo imediata de um cataacutelogo de direitos
fundamentais nos tratados instituidores das Comunidades Europeias geraria conflitos entre as consolidadas
constituiccedilotildees estatais e o entatildeo incipiente direito comunitaacuterio Por fim outra razatildeo apontada eacute traduzida no fato
de que os Estados eram temerosos de que a imediata inclusatildeo de temas de direitos fundamentais ou humanos nos
tratados instituidores das Comunidades pudesse ampliar as competecircncias de prerrogativas de instituiccedilotildees receacutem-
criadas Ibidem p03
De qualquer forma houve no processo de germinaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia nos moldes em que hoje
conhecemos a predominacircncia de ideias economicistas e de integraccedilatildeo regional com base na aproximaccedilatildeo de
ideais produtivos e de mercado A preocupaccedilatildeo com a tutela de direitos humanos ou fundamentais surge atraveacutes
dos diaacutelogos espontacircneos entre as cortes constitucionais e o Tribunal de Luxemburgo 20
Neste caso o raciociacutenio da corte faz clara alusatildeo agrave vinculaccedilatildeo entre primazia do direito comunitaacuterio e a
proteccedilatildeo dos direitos fundamentais por parte das instituiccedilotildees comunitaacuterias Os pontos 3 e 4 do julgamento do
17
consolidaram o entendimento do Tribunal de Luxemburgo de que os direitos fundamentais
fazem parte dos princiacutepios gerais do direito comunitaacuterio Conflitos positivos de competecircncias
entre tribunais nacionais e o tribunal supranacional instituiacutedo no acircmbito da comunidade
marcaram os diaacutelogos iniciais para a estimulaccedilatildeo da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais em
acircmbito comunitaacuterio
Como continuidade deste diaacutelogo eacute pertinente destacar o caso Nold (1974) no qual o
Tribunal de Luxemburgo reconheceu como pauta geral para o direito comunitaacuterio europeu o
predomiacutenio dos direitos fundamentais Com isso mais uma vez reafirmou-se a ideia de que o
direito comunitaacuterio tem supremacia sobre as disposiccedilotildees legais nacionais mas que de toda a
sorte deve se adaptar a uma base comum de valores como os determinados por exemplo
pela Convenccedilatildeo Europeia de Direito do Homem
Por isso fala-se que este caso fixa um terceiro elemento no nuacutecleo de salvaguarda dos
direitos fundamentais aleacutem das tradiccedilotildees constitucionais comuns e dos direitos fundamentais
garantidos nas Constituiccedilotildees dos Estados os instrumentos internacionais relativos agrave proteccedilatildeo
dos direitos humanos passam a ser uma importante fonte de inspiraccedilatildeo para a proteccedilatildeo de
direitos em acircmbito comunitaacuterio Em funccedilatildeo disso inclusive em 1975 o TJUE pela primeira
vez recorreu agrave Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem no caso Rutili21
Apesar de tal decisatildeo do caso Nold o emblemaacutetico caso Solange levou agrave confirmaccedilatildeo
e consolidaccedilatildeo da vigecircncia dos direitos fundamentais no acircmbito da Comunidade Neste caso
em 1974 o Tribunal Constitucional alematildeo determinou que enquanto a Comunidade natildeo
dispusesse de um sistema de proteccedilatildeo de direitos comparaacutevel ou equiparado agrave Lei
Fundamental de Bonn ou seja enquanto natildeo houvesse um cataacutelogo de direitos fundamentais
aplicaacuteveis agrave Comunidade Europeia as instituiccedilotildees comunitaacuterias seriam ineficazes no que
concerne agrave proteccedilatildeo desses direitos22
TJUE respectivamente determinam que 3 A validade de uma medida comunitaacuteria ou de seus efeitos em um
Estado membro natildeo podem ser afetadas por alegaccedilotildees de que ela contraria direitos fundamentais tal como
formuladas pela Constituiccedilatildeo do Estado ou princiacutepios de uma estrutura constitucional nacional() 4() o
respeito pelos direitos fundamentais forma uma parte integral dos princiacutepios gerais de direito protegidos pela
Corte de Justiccedila A proteccedilatildeo de tais direitos enquanto inspirada pelas tradiccedilotildees constitucionais comuns aos
Estados membros deve ser assegurada no acircmbito da estrutura e dos objetivos da Comunidaderdquo Ibidem p4 21
O caso Rutilli caracteriza-se por ser a primeira referecircncia jurisprudencial feita pelo Tribunal de Luxemburgo agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem ou seja a utilizaccedilatildeo por parte de um tribunal supranacional de um
marco normativo essencial natildeo para o direito comunitaacuterio mas para o sistema regional de proteccedilatildeo aos direitos
humanos Nesse caso o Tribunal de Luxemburgo afirmou que as normas de direito comunitaacuterio natildeo era mais do
que uma manifestaccedilatildeo de princiacutepios gerais de direito consagrados na Convenccedilatildeo 22
GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional
algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em
httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014
18
Como resultado de tal caso natildeo soacute o Tribunal de Luxemburgo passou a consolidar um
entendimento jurisprudencial favoraacutevel ao respeito e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais
como demais instituiccedilotildees da entatildeo Comunidade Europeia assim agiram Em funccedilatildeo disso diz-
se que o principal resultado do caso Solange foi uma resoluccedilatildeo conjunta datada de 5 de abril
de 1977 entre Parlamento Europeu Conselho Europeu e Comissatildeo Europeia denominada
ldquoDeclaraccedilatildeo Conjunta sobre Direitos Fundamentaisrdquo23
Nesta ressaltou-se a necessidade do
respeito em acircmbito comunitaacuterio dos direitos fundamentais consagrados pelas tradiccedilotildees
constitucionais dos Estados membros e pela Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos
Os direitos fundamentais atraveacutes desse diaacutelogo jurisprudencial entre as cortes de
esperas diferentes (supranacional e nacionais) apareceram de modo progressivo no direito
comunitaacuterio europeu tornando-se paracircmetros de validade das normas da Uniatildeo Qualquer
norma seja comunitaacuteria seja nacional que contrariasse os direitos fundamentais seria
considerada invaacutelida
A tendecircncia jurisprudencial do TJUE de vincular a noccedilatildeo de supremacia das normas
comunitaacuterias com a proteccedilatildeo aos direitos fundamentais acabou por refletir no Tratado de
Maastricht de 1992 Tambeacutem chamado de Tratado da Uniatildeo Europeia este documento em
seu artigo F nuacutemero 2 determina que a Uniatildeo respeite os direitos fundamentais tal como os
garante a Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem24
Na esteira da inclusatildeo da proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em tratados o Tratado de
Lisboa de 2007 aleacutem de estabelecer personalidade juriacutedica agrave Uniatildeo Europeia25
determina que
a esta aderiraacute agrave Convenccedilatildeo Europeia para a proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e das Liberdades
Fundamentais sendo que a adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas
nos tratados26
23
XAVIER Ana Isabel Os Direitos Fundamentais no ldquodiaacutelogo europeurdquo de Nice a Lisboa In Debater a
Europa n 9 julhodezembro 2013 Disponiacutevel em httpeurope-direct-
aveiroaevaeudebatereuropaimagesn9axavierpdf Acesso em 03 out 2014 24
Artigo F n 2 ldquoA Uniatildeo respeitaraacute os direitos fundamentais tal como os garante a Convenccedilatildeo Europeia de
Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais assinada em Roma em 4 de novembro de
1950 e tal como resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-membros enquanto princiacutepios
gerais do direito comunitaacuteriordquo TRATADO DE MAASTRICHT 1992 Disponiacutevel em httpeuropaeueu-
lawdecision-makingtreatiespdftreaty_on_european_uniontreaty_on_european_union_ptpdf Acesso 15 out
2014 25
O artigo 46-A do Tratado de Lisboa determina que ldquoA Uniatildeo tem personalidade juriacutedicardquo TRATADO DE
LISBOA 2007 Disponiacutevel em httpeur-lexeuropaeulegal-
contentPTTXTPDFuri=OJC2007306FULLampfrom=PT Acesso 16 out 2014 26
O artigo 6ordf do Tratado de Lisboa determina que ldquo1 A Uniatildeo reconhece os direitos as liberdades e os
princiacutepios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da Uniatildeo Europeia de 7 de Dezembro de 2000 com
as adaptaccedilotildees que lhe foram introduzidas em 12 de Dezembro de 2007 em Estrasburgo e que tem o mesmo
valor juriacutedico que os Tratados De forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competecircncias da Uniatildeo tal
como definidas nos Tratados Os direitos as liberdades e os princiacutepios consagrados na Carta devem ser
interpretados de acordo com as disposiccedilotildees gerais constantes do Tiacutetulo VII da Carta que regem a sua
19
Mesmo que o ideal de Constituiccedilatildeo para a Uniatildeo Europeia natildeo tenha sido aprovado
pelos Estados membros as regras de supremacia das normas comunitaacuterias e de proteccedilatildeo aos
direitos fundamentais consagrados natildeo soacute nas Constituiccedilotildees como nas proacuteprias tradiccedilotildees
constitucionais dos Estados regem as decisotildees do Tribunal supranacional que existe no
continente Por isso mesmo que a preocupaccedilatildeo inicial da ldquopequena Europardquo tenha sido a
integraccedilatildeo econocircmica dos paiacuteses devastados pela guerra para que pudessem voltar a ser
competitivos internacionalmente ao longo do tempo sentiu-se a necessidade de trazer para
dentro do direito comunitaacuterio noccedilotildees acerca dos direitos fundamentais e humanos de modo
que hoje estes se encontram tutelados por instrumentos e oacutergatildeos supranacionais especiacuteficos
Ocorre que conforme se mencionou no iniacutecio deste subcapiacutetulo o cenaacuterio europeu
pode ser vislumbrado sob duas oacuteticas distintas desde o Congresso da Europa a oacutetica
federalista que impulsiona a criaccedilatildeo da Uniatildeo Europeia e de um direito comunitaacuterio europeu
e o vieacutes da cooperaccedilatildeo internacional marcado pela criaccedilatildeo do Conselho da Europa e de um
sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos o qual exige o pensamento acerca
da possibilidade da construccedilatildeo de um direito comum europeu
Nesse aspecto acerca do conceito de comum eacute pertinente remontar agraves premissas de
Dardot et Laval27
Para os autores o comum do direito segundo uma loacutegica de interpretaccedilatildeo
neoliberal natildeo seraacute outro que o direito de propriedade dos contratos e do lucro Eacute justamente
contra esse tipo de concepccedilatildeo trazido pelos efeitos nefastos da globalizaccedilatildeo que se invoca a
defesa e a reabilitaccedilatildeo do conceito de comum que deve ser entendido sob uma loacutegica de bases
uniacutessonas em mateacuteria de direitos humanos
Em razatildeo disso eacute no acircmbito da ldquogrande Europardquo ou seja do sistema regional europeu
de proteccedilatildeo dos direitos do homem que se vislumbram bases para a criaccedilatildeo de um direito
comum cuja premissa eacute a busca do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano28
Deste
modo no panorama apresentado se vislumbra de modo claro que embora existam regras
princiacutepios e instituiccedilotildees para reger o direito comunitaacuterio europeu (regras previstas nos
tratados da Uniatildeo Europeia e pacificadas pelo ativismo do TJUE) na ldquopequena Europardquo em
interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo e tendo na devida conta as anotaccedilotildees a que a Carta faz referecircncia que indicam as fontes
dessas disposiccedilotildees 2 A Uniatildeo adere agrave Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais Essa adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas nos Tratados3
Do direito da Uniatildeo fazem parte enquanto princiacutepios gerais os direitos fundamentais tal como os garante a
Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como
resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-Membrosrdquo Ibid 2007 27
DARDOT Pierre LAVAL Cristian COMMUN essai sur la revolutiona au XXeme siegravecle Paris La
deacutecouverte 2014 p 287 28
DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio
de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b
20
mateacuteria de direitos humanos e no acircmbito de um processo de globalizaccedilatildeo eacute preciso avanccedilar
na compreensatildeo do espaccedilo europeu para no acircmbito do sistema regional consolidar as bases
para a criaccedilatildeo de um direito comum
12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias juriacutedicas
a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da figura da
Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
O Congresso da Europa sob o aspecto juriacutedico dividiu o continente em blocos
autocircnomos dentro de um sistema multicecircntrico Nesse sentido Mireille Delmas-Marty29
assevera que natildeo existe uma unidade juriacutedica chamada Europa ou sequer uma visatildeo uacutenica e
preestabelecida do continente
Pelo contraacuterio existe uma Europa feita de instituiccedilotildees juriacutedicas diversas cada uma
com regras e princiacutepios especiacuteficos Neste sentido de um lado tem-se a ldquopequena Europardquo
composta pelos vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e que possui um ideal
primordialmente econocircmico com os objetivos de livre circulaccedilatildeo de pessoas e de
mercadorias bem como de instituiccedilatildeo de uma moeda uacutenica sob a perspectiva de abertura de
fronteira entre os paiacuteses Sob este ideal desenvolve-se a base para o direito comunitaacuterio que
possui como instituiccedilatildeo juriacutedica maacutexima o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo Europeia (TJUE)
com caraacuteter supranacional
Na Europa dos ldquoVinte e Oitordquo portanto sob o ideal integracionista surge o chamado
direito comunitaacuterio europeu o qual atraveacutes de direito originaacuterio (tratados constitutivos) e
direito derivado (normas emanadas de oacutergatildeos de competecircncia legislativa da Uniatildeo) forma o
sistema juriacutedico-poliacutetico e juriacutedico-econocircmico da Uniatildeo Europeia A peculiaridade desta nova
ordem formada eacute a de natildeo querer unificar a ordem juriacutedica dos paiacuteses europeus mas de
uniformizar em algumas mateacuterias as normas do bloco criado Justamente por isso a
supranacionalidade intriacutenseca ao direito comunitaacuterio natildeo se confunde com o direito
internacional
Sob as bases de interesses econocircmicos tem-se o objetivo de chegar a uma integraccedilatildeo
nas aacutereas concernentes agrave poliacutetica cultura dentre outras sob uma relaccedilatildeo de integraccedilatildeo entre o
29
Id 2004a p47
21
ordenamento juriacutedico comunitaacuterio e o ordenamento interno de cada Estado Sem sombra de
duacutevidas a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais se insere nessas relaccedilotildees mas com o
intuito de fortalecer o ideal de supremacia das normas comunitaacuterias Em funccedilatildeo de tal
premissa tem-se a necessidade de preservar o estaacutegio alcanccedilado pelo processo de integraccedilatildeo e
por isso um ordenamento juriacutedico comunitaacuterio eacute formado Entretanto eacute preciso avanccedilar no
processo de tutela dos direitos humanos em um contexto tatildeo plural como o europeu
Deste modo de outro lado tem-se a ldquogrande Europardquo criada pelo Conselho da Europa
perfazendo uma cooperaccedilatildeo poliacutetica que hoje abriga quarenta e sete membros30
signataacuterios da
Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais
(CEDH) O oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do Conselho da Europa eacute o Tribunal Europeu dos Direitos
do Homem (TEDH) sediado em Estrasburgo e para o qual podem demandar tanto Estados
quanto indiviacuteduos viacutetimas de violaccedilotildees de direitos humanos reconhecidos pela convenccedilatildeo
Neste sentido o paraacutegrafo 3ordm31
do Preacircmbulo da CEDH de 1950 assevera que a
finalidade principal do Conselho da Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre seus
membros e que um dos meios para alcanccedilar esta finalidade eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais sendo tais direitos vistos como um meio
para uma progressiva integraccedilatildeo dos europeus Antes mesmo disso o Estatuto do Conselho da
Europa de 1949 havia asseverado que a finalidade da instituiccedilatildeo era criar uma organizaccedilatildeo
que levasse os paiacuteses do continente a uma associaccedilatildeo cuja base fosse a unidade entre seus
membros privilegiando ideais e princiacutepios comuns aos diferentes Estados
Essa configuraccedilatildeo surgida na segunda metade do seacuteculo XX produz alteraccedilotildees
significativas na conceituaccedilatildeo de alguns institutos juriacutedicos e poliacuteticos como eacute o caso do
Estado da soberania dentre outros Nesse sentido o cenaacuterio Europeu pode ser enxergado
como proacuteximo da noccedilatildeo de Estado em Rede proposto por Manuel Castells32
Em um mesmo
espaccedilo territorial a autoridade passa a ser partilhada ao longo de uma rede de instituiccedilotildees O
30
Os 47 paiacuteses que fazem parte do Conselho da Europa satildeo Beacutelgica Dinamarca Franccedila Irlanda Itaacutelia
Luxemburgo Paiacuteses Baixos Noruega Sueacutecia Reino Unido Greacutecia Turquia Islacircndia Alemanha Ocidental
Aacuteustria Chipre Suiacuteccedila Malta Portugal Espanha Liechtenstein Satildeo Marino Finlacircndia Hungria Polocircnia
Bulgaacuteria Estocircnia Lituacircnia Eslovecircnia Repuacuteblica Checa Eslovaacutequia Romecircnia Andorra Letocircnia Albacircnia
Moldaacutevia Macedocircnia Ucracircnia Ruacutessia Croaacutecia Geoacutergia Armecircnia Azerbaijatildeo Boacutesnia e Herzegovina Seacutervia
Mocircnaco Montenegro Disponiacutevel em
httpwwwcoeintptAboutCoemediainterfacepublicationscoe_dh_ptpdf Acesso 08 out 2014 31
O terceiro paraacutegrafo do preacircmbulo da CEDH dispotildee que ldquoConsiderando que a finalidade do Conselho da
Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre os seus Membros e que um dos meios de alcanccedilar essa finalidade
eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento dos direitos do homem e das liberdades fundamentais ()rdquo CONVENCcedilAtildeO
EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS
1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso em 08 out 2014 32
CASTELLS Manuel A era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura A sociedade em rede Vol 1 5
ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999b
22
Estado-naccedilatildeo claacutessico relaciona-se com instituiccedilotildees supranacionais e a rede formada possui
noacutes diversos e natildeo um centro uacutenico sendo que esses noacutes podem apresentar tamanhos distintos
e estar ligados por relaccedilotildees assimeacutetricas
Essas redes e seus noacutes portanto representam formas de poder paralelas e
complementares que satildeo autocircnomas uma em relaccedilatildeo agraves outras O espaccedilo europeu marcado
por um jaacute consolidado direito comunitaacuterio e por uma estrutura supranacional sui generis
tornou-se um verdadeiro campo de concorrecircncia convergecircncia justaposiccedilatildeo e conflito de
vaacuterias constituiccedilotildees e poderes constituintes em um mesmo espaccedilo poliacutetico levando a uma
pluralidade de ordenamentos e de normatividades
A supranacionalidade desenvolvida assemelha-se desta forma a um Estado em Rede
em funccedilatildeo de um novo paradigma de governanccedila estabelecido em diferentes niacuteveis com
diferentes noacutes de diferentes dimensotildees e com relaccedilotildees internacionais assimeacutetricas O Estado-
Naccedilatildeo claacutessico se articula cotidianamente na tomada de decisotildees com instituiccedilotildees
supranacionais de diferentes tipos e em acircmbitos distintos33
Em uma mesma organizaccedilatildeo
complexa temos entatildeo as caracteriacutesticas da descentralizaccedilatildeo e da coordenaccedilatildeo sobretudo no
aspecto normativo sendo que a crise do Estado-naccedilatildeo o desenvolvimento das instituiccedilotildees
supranacionais e a transferecircncia das atribuiccedilotildees e iniciativas aos acircmbitos regionais e locais satildeo
caracteriacutesticas que funcionam como base para o desenvolvimento do Estado em Rede
Nesse acircmbito ainda eacute possiacutevel acrescentar a definiccedilatildeo de Marcelo Varella34
de que a
Uniatildeo Europeia caracteriza-se por ser uma instituiccedilatildeo sui generis natildeo soacute pelo seu modo de
constituiccedilatildeo como por seus efeitos no campo juriacutedico-normativo Desta maneira o bloco
europeu dos vinte e oito inserido no contexto de um sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos
humanos (ldquopequena Europardquo inserida na ldquogrande Europardquo) marca a caracteriacutestica de uma
superaccedilatildeo da tiacutepica forma de visatildeo linear e hieraacuterquica do direito tradicional em favor da
construccedilatildeo de um direito em camadas ou em diferentes niacuteveis ou ainda em redes
Essa concepccedilatildeo de Castells utilizada aqui para ilustrar as relaccedilotildees na Uniatildeo Europeia
comunica-se com a noccedilatildeo de Mireille Delmas-Marty35
de um pluralismo que deve ser
ordenado Na Europa como um todo em acircmbito juriacutedico a coexistecircncia de normas das mais
diversas fontes e de tribunais nas mais diferentes escalas faz emergir uma noccedilatildeo de caos
33
Id 1999a p164 34
VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade
de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014 p145 35
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006
23
juriacutedico que precisa ser ordenado Em razatildeo disso pertinente a busca por um direito comum
com ecircnfase em um direito comum em mateacuteria de direitos humanos
Interessante notar que esse cenaacuterio criado intensifica-se com o processo de
mundializaccedilatildeo36
e sob essa oacutetica embora os direitos humanos tenham se tornado oponiacuteveis aos
Estados perfazendo princiacutepios de direito incluiacutedos nas Constituiccedilotildees Estatais no
entendimento dos tribunais supranacionais e em instrumentos normativos internacionais os
corolaacuterios do processo de mundializaccedilatildeo satildeo os direitos econocircmicos que predominam nas
preocupaccedilotildees do jaacute consolidado direito comunitaacuterio europeu
Enquanto os direitos humanos foram concebidos sob o prisma de uma universalidade e
com a finalidade de proteger o ldquoirredutiacutevel humanordquo37
os direitos econocircmicos satildeo os motores
da mundializaccedilatildeo sendo que isso somado agrave desestabilizaccedilatildeo do tempo e agrave desestatizaccedilatildeo do
Estado gera no processo de mundializaccedilatildeo uma aparente desordem normativa com a
proliferaccedilatildeo de normas de modo anaacuterquico38
Em funccedilatildeo disso eacute viaacutevel dizer que o continente europeu serve de base e eacute capaz de
traduzir importantes eventos para explicar fenocircmenos que hoje satildeo salientes na esfera juriacutedica
Mireille Delmas-Marty39
sugere que vivemos sob a eacutegide de espaccedilos ldquodesestatizadosrdquo tempos
ldquodesestabilizadosrdquo e uma ordem ldquodeslegalizadardquo No sentido atual da paisagem juriacutedica
afirmar que o Estado eacute a uacutenica fonte de Direito eacute assumir uma atitude de exclusatildeo de todos os
demais espaccedilos normativos
Como eacute possiacutevel observar na Europa convivem em um mesmo espaccedilo normas
provenientes de fontes estatais claacutessicas normas advindas de instituiccedilotildees supranacionais e
regras provenientes de entes internacionais na formaccedilatildeo de um verdadeiro mosaico juriacutedico
O monopoacutelio do Estado como produtor do direito deixa de ser imperativo frente agrave
internacionalizaccedilatildeo crescente das fontes juriacutedicas De modo concomitante e corroborando
36
Na obra ldquoTrecircs Desafios para um Direito Mundialrdquo Mirelle Delmas-Marty observa as particularidades dos
termos globalizaccedilatildeo mundializaccedilatildeo e universalidade quais sejam ldquoA mundializaccedilatildeo remete agrave difusatildeo espacial
de um produto de uma teacutecnica ou de uma ideia A universalidade implica um compartilhar de sentidosrdquo Em
outra passagem disserta ldquoDifusatildeo espacial de um lado compartilhar os sentidos de outra estas duas foacutermulas
descrevem muito bem a diferenccedila que separam os dois fenocircmenos que eu denominarei globalizaccedilatildeo para a
economia e universalizaccedilatildeo para os direitos do homem guardando assim o termo mundializaccedilatildeo uma
neutralidade que ele jamais perderaacute caso natildeo se resigne rapidamente ao primado da economia sobre os Direitos
do Homemrdquo DELMAS-MARTY Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr
Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b p 08-09 37
Ibid p48 38
FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos
teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013 39
DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47
24
com a teoria do Estado em Rede de Castells eacute possiacutevel observar um processo de
descentralizaccedilatildeo espacial com o deslocamento de fontes do centro para periferias40
Da mesma forma os tempos estatildeo desestabilizados Segundo Delmas41
em comparaccedilatildeo
aos votos claacutessicos de perpetuidade da lei eacute possiacutevel hoje encontrar fontes temporaacuterias e
evolutivas do direito O espaccedilo europeu se constitui como uma aacuterea privilegiada dessas fontes
evolutivas42
Sob o aspecto da ldquopequena Europardquo as regras de direito comunitaacuterio impotildeem um
resultado que deve ser atingido o que pela falta de meios juriacutedicos incentiva os Estados a
adaptar seus textos a dados econocircmicos
Isso tudo faz emergir a noccedilatildeo de assincronia43
do direito ou seja diferentes
velocidades em diferentes espaccedilos Nesse sentido haacute no espaccedilo europeu uma diferenccedila de
velocidade dos processos de integraccedilatildeo das normas internacionais (ou supranacionais) de
direito do comeacutercio em comparaccedilatildeo com as normas ambientais ou relativas aos direitos
humanos O proacuteprio processo evolutivo de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais
sob o panorama da ldquopequena Europardquo demonstra desde os primoacuterdios da criaccedilatildeo da
Comunidade Europeia uma ausecircncia de sincronia em relaccedilatildeo agraves duas esferas do direito A
evoluccedilatildeo dos direitos humanos eacute lenta quando comparada com a celeridade da integraccedilatildeo das
normas de direito comercial e econocircmico em um mundo de economia globalizada
Pode-se entatildeo afirmar que natildeo soacute na Europa como tambeacutem na sociedade
internacional o tempo das relaccedilotildees comerciais e por conseguinte o tempo da integraccedilatildeo do
direito do comeacutercio eacute o tempo do software da fluidez da velocidade da luz Enquanto isso o
tempo das relaccedilotildees humanas da eacutetica da solidariedade e da integraccedilatildeo do direito dos direitos
humanos segue o tempo do hardware do denso do apego ao territoacuterio e agraves localidades44
Por fim estaacute-se tambeacutem frente a uma ordem ldquodeslegalizadardquo uma vez que dentre os
reflexos das vicissitudes na seara juriacutedica eacute possiacutevel destacar um ruptura com a noccedilatildeo de
40
Tal fenocircmeno eacute descrito por Mireille Delmas-Marty como ldquodescentralizaccedilatildeordquo Esta envolve o deslocamento de
fontes do centro do Estado para coletividades territoriais Todavia tal fenocircmeno natildeo se confunde com uma mera
desconcentraccedilatildeo de poderes que eacute destinada a conferir maior eficaacutecia agraves estruturas centrais do Estado A
descentralizaccedilatildeo conforme refere a autora confia ao representante local da coletividade territorial certos poderes
de decisatildeo fazendo transparecer uma autonomia local para impor certas regras juriacutedicas Como exemplo
podem-se destacar as comissotildees locais de eacutetica como ocorre em uma deontologia profissional como a Ordem
dos Advogados As regras disciplinares desta profissatildeo guardam um caraacuteter misto sendo de natureza local e
nacional privada e puacuteblica Ibid 2004ap55 41
Ibid 2004ap47 42
Segundo Delmas falar de fontes evolutivas significa renunciar ao passado do costume e ao futuro das leis para
situar as fontes de direito no presente por natureza instaacutevel Ibid 2004ap65 43
Id 2006 p 114 44
SALDANHA Jacircnia Marial Lopes BRUM Maacutercio Morais MELLO Rafaela da Cruz A Assincronia do
Direito e o Caso Araguaia Uma anaacutelise da Decisatildeo do Supremo Tribunal Federal Brasileiro na ADPF 153 e do
Julgamento do Caso Gomes Lund e Outros vs Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos In Andreacute
Karam Trindade Angela Araujo da Silveira Espindola (Org) Direitos Fundamentais e Espaccedilo Puacuteblico 1ed
Passo Fundo - RS Editora IMED 2011 v 2 p 37-61
25
identidade entre direito e lei45
O processo de internacionalizaccedilatildeo deixa comum aos sistemas
de commun law e de civil law o papel do juiz na geraccedilatildeo do direito ou seja na interaccedilatildeo entre
texto normativo e sua interpretaccedilatildeo de modo que a jurisprudecircncia e o diaacutelogo entre os
diferentes tribunais serve para ambos os sistemas como um importante balizador para
consolidaccedilatildeo de entendimentos e de princiacutepios
Diante desse cenaacuterio juriacutedico global proveniente do processo de internacionalizaccedilatildeo -
e especiacutefico no caso da Europa ndash de desestatizaccedilatildeo de ruptura com paradigmas e com a loacutegica
binaacuteria de interpretar o direito eacute possiacutevel concordar com a premissa de Mireille Delmas-
Marty46
de que a paisagem juriacutedica apresenta um panorama de proliferaccedilatildeo constante de
normas e de entendimentos jurisprudenciais que em um primeiro momento podem levar a
uma noccedilatildeo de desordem e anarquia
Conveacutem perceber que a nova paisagem juriacutedica para a qual a Europa eacute um verdadeiro
laboratoacuterio47
eacute composta por formas mais complexas como piracircmides inacabadas
descontiacutenuas compostas por aneacuteis normativos como uma guirlanda no entanto natildeo
especificamente se liga agrave anarquia Pelo contraacuterio a retirada de marcos e o deslocamento de
linhas natildeo significa desordem e essa aparecircncia de caos favorece ao pluralismo
Por isso Delmas-Marty48
atesta que a internacionalizaccedilatildeo do direito apresenta um
grande paradoxo ordenar o plural Embora estejamos semanticamente diante de vernaacuteculos
opostos visto que a proposta eacute colocar em ordem aquilo que naturalmente eacute muacuteltiplo e plural
sem reduzir sua identidade a primeira consideraccedilatildeo que deve ser feita eacute a de que o tiacutepico
modelo kelseniano de loacutegica juriacutedica natildeo mais se aplica ao cenaacuterio em que o Direito se insere
atualmente em razatildeo da multiplicidade e do dinamismo existente no processo de
mundializaccedilatildeo
Para ir da desordem agrave ordem eacute necessaacuterio fortalecer as correlaccedilotildees da formaccedilatildeo
juriacutedica trazendo estabilidade agrave presenccedila de divergecircncias atraveacutes de uma aproximaccedilatildeo entre
ordens juriacutedicas por meio de um jogo de referecircncias cruzadas com o intuito de ordenar a
multiplicidade Essa aproximaccedilatildeo poreacutem natildeo pode ser concebida senatildeo em relaccedilatildeo a uma
referecircncia comum e neste campo a utilidade dos instrumentos protetivos de direitos humanos
traz a coerecircncia de conjunto capaz de indicar uma direccedilatildeo a seguir um norte para a criaccedilatildeo de
um direito comum cujo pluralismo eacute ordenado
45 DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47 46
Id 2006 47
VARELLA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do direito Direito Internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Livre Docecircncia em Direito Internacional Faculdade de
Direito da Universidade de Satildeo Paulo (USP) Satildeo Paulo 2012 Acesso 14 out 2014 48
Ibid 2006 p 10
26
Obviamente o direito comum almejado eacute pluralista tendo a razatildeo como instrumento
de justificaccedilatildeo e de diaacutelogo O pluralismo eacute justificado pelo intuito de harmonizar e conjugar
as particularidades religiosas poliacuteticas culturais de cada Estado ou comunidade evitando a
sobreposiccedilatildeo de uma ordem sobre outra ou a assimilaccedilatildeo e exclusatildeo Em razatildeo disso o
direito comum pluralista pretende construir um ldquoDireito dos Direitosrdquo a partir do ideal de
universalizaccedilatildeo dos direitos humanos sendo que a finalidade eacute a de aproximar ou harmonizar
ndash e natildeo unificar - os diferentes sistemas juriacutedicos sob a perspectiva de respeito ao ldquoirredutiacutevel
humanordquo49
Impossiacutevel a criaccedilatildeo de normas e regras comuns a todos os povos justamente pelo
fato de que sempre algumas normas advindas de culturas especiacuteficas se sobressairatildeo sobre
outras na criaccedilatildeo de uma hegemonia negativa O direito comum portanto inserido na oacutetica
de um direito mundial pluralista eacute aquele acessiacutevel a todos e comum aos diversos Estados
sem que haja o abandono de identidades Justamente em funccedilatildeo disso o alicerce para a sua
criaccedilatildeo eacute a aproximaccedilatildeo dos sistemas juriacutedicos tendo por base os direitos humanos que
carregam a caracteriacutestica da universalidade a qual adveacutem do compartilhamento de sentidos e
do enriquecimento pela troca
Neste sentido em que consistem esses direitos humanos que satildeo os alicerces para a
criaccedilatildeo de um direito comum Eacute possiacutevel afirmar que a mera previsatildeo constitucional ou em
tratados de direitos jaacute asseguram a sua proteccedilatildeo Como lidar com questotildees concernentes agraves
pretensotildees universalistas e as particularidades do relativismo cultural nas diferentes
sociedades europeias
Narciso Baez50
traz reflexotildees importantes acerca desse tema Segundo ele em meados
do seacuteculo XVII pensou-se que a positivaccedilatildeo dos direitos humanos seria instrumento suficiente
para garantir o seu respeito Essa noccedilatildeo adentrou a contemporaneidade com a filosofia de
Hans Kelsen de que as normas positivadas e inseridas nos ordenamentos juriacutedicos eram
obrigatoacuterias por serem legitimadas por uma norma juriacutedica superior que tinha um fim em si
mesma
Obviamente o seacuteculo XX mostrou que a mera inserccedilatildeo legal da dignidade da pessoa
humana ndash que eacute o elemento cerne dos direitos humanos ndash em um sistema positivo de direito e
dissociada de valores morais natildeo seria suficiente para evitar eventuais violaccedilotildees desses
49
Ibid 2006 p 54 50
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos
humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da
UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em
httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014
27
direitos Sob esse panorama e seguindo a corrente eacutetica51
de fundamentaccedilatildeo dos direitos
humanos pode-se afirmar que estes satildeo direitos de fora da ordem positiva que tecircm em seu
bojo componentes morais sociais poliacuteticos e ateacute econocircmicos que salvaguardam condiccedilotildees
miacutenimas para a garantia da dignidade da pessoa humana Em sua dimensatildeo baacutesica portanto
satildeo direitos inatos pautados em valores morais e conferidos aos indiviacuteduos pelo simples fato
de estes serem humanos
Logo para a construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos exige-
se o fortalecimento desses em suas dimensotildees baacutesicas Eacute neste sentido que Delmas52
se refere
ao miacutenimo eacutetico universal e ao irredutiacutevel humano ou seja elementos que todos os indiviacuteduos
apresentam em comum mesmo em diferentes culturas
As duas estruturas baacutesicas dos direitos humanos satildeo portanto os valores morais e a
dignidade humana53
Em relaccedilatildeo aos primeiros infere-se que a origem dos direitos humanos
natildeo eacute legal vez que estes satildeo reconhecidos aos indiviacuteduos pelo simples fato de serem
humanos O ordenamento juriacutedico tem a mera funccedilatildeo de reconhecer tais direitos e transformaacute-
los em normas a fim de obter efetividade Jaacute a dignidade humana eacute o bem maior dentro dos
direitos humanos constituindo uma qualidade universal intriacutenseca irrenunciaacutevel e
inalienaacutevel inerente a todos os seres humanos e que se encontra acima das especificidades
culturais
Neste vieacutes a universalidade de tais direitos que eacute requisito indispensaacutevel para a
criaccedilatildeo de um direito comum natildeo eacute marcada pela criaccedilatildeo de instrumentos internacionais
positivos de proteccedilatildeo dos direitos humanos Isso porque embora tenha se conseguido a
universalizaccedilatildeo da adesatildeo dos Estados como eacute o caso da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos da ONU de 1948 ou mesmo da CEDH do sistema regional europeu ainda haacute
resistecircncias agrave aceitaccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo em algumas culturas que alegam a necessidade de
relativizaccedilatildeo desses direitos para adequaccedilatildeo agraves realidades nacionais54
Logo para a construccedilatildeo de uma verdadeira universalidade eacute necessaacuterio interpretar os
direitos humanos sob uma oacutetica interdisciplinar Finnis55
nesse aspecto afirma que os direitos
humanos constituem uma categoria que busca consagrar a dignidade humana sendo esta um
atributo de todas as pessoas independentemente de crenccedila ou cultura Nesse aspecto
51
Id 2007 p 13-35 52
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b 53
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Direitos humanos na globalizaccedilatildeo In BAEZ Narciso
Leandro Xavier BARRETO Vicente (Org) Direitos humanos em evoluccedilatildeo Joaccedilaba Ed Unoesc 2007 p
13-35 54
Id 2009 p77-99 55
FINNIS John Ley natural e derechos naturales Buenos Aires AbeledoPerrot 2000
28
vislumbra-se necessaacuterio a fim de identificar quais satildeo os valores baacutesicos e inderrogaacuteveis a
todos os humanos a construccedilatildeo de valores universais atraveacutes do diaacutelogo e do cruzamento de
diferentes culturas com diferentes valores Isso facilita a construccedilatildeo de uma cultura
cosmopolita baseada em uma identificaccedilatildeo em que prevaleccedila a dignidade da pessoa humana
acima dos relativismos
As diversidades culturais satildeo provenientes de elementos externos56
da diferenccedila de
ambientes naturais mas mesmo assim todas as pessoas ainda que inseridas em
especificidades culturais distintas ainda manteacutem atributos comuns Eacute por essa loacutegica que
permanece atual a premissa de Kant de que no atual estaacutegio da humanidade os povos
atingiram um grau de desenvolvimento que os permitem fazer parte de uma comunidade
cosmopolita57
Por isso a violaccedilatildeo de um direito humano em um ponto do planeta repercute e
pode ser sentida em todos os outros
Pertinente ainda lembrar que a universalizaccedilatildeo natildeo significa a imposiccedilatildeo ou a
uniformizaccedilatildeo de uma cultura sobre as outras Pelo contraacuterio deve-se buscar uma raiz
comum qual seja um conjunto de valores miacutenimos universais capazes de dialogar com
diferentes culturas garantindo o respeito e a preservaccedilatildeo da vida humana em qualquer lugar
Ainda sob essa oacutetica eacute possiacutevel afirmar que a noccedilatildeo de direito comum de Delmas
aproxima-se do ideal de direito cosmopoliacutetico em Kant58
Ao perceber o aumento da
participaccedilatildeo dos povos na Terra Kant vislumbra a ideia de uma comunidade mundial
alicerccedilada sob as bases de um direito cosmopoliacutetico a fim de garantir a paz perpeacutetua Diante
da dicotomia entre praacuteticas culturais e direitos humanos a base do cosmopolitismo kantiano eacute
a busca de criteacuterios loacutegico-racionais que sejam comuns a todas as culturas
Nesse espectro surgem entatildeo os direitos humanos como nuacutecleo moral-juriacutedico do
direito cosmopoliacutetico vez que a moralidade miacutenima universal se baseia em trecircs pilares a)
humanidade comum b) ameaccedilas compartilhadas e c) obrigaccedilotildees miacutenimas Logo a
fundamentaccedilatildeo moral eacute a base dos direitos humanos uma vez que nela encontram-se as
exigecircncias imprescindiacuteveis para a vida de um indiviacuteduo Apesar das diferenccedilas sociais e
culturais entre os seres humanos algumas necessidades e capacidades satildeo comuns a todos59
56
PAREKH Bhikhu Pluralist universalism and human rights In SMITH Rhona K M ANKER Cristien van
den The essentials of human rights London Oxford University Press 2005 57
KANT Immanuel Para a paz perpeacutetua Traduccedilatildeo Baacuterbara Kristen - Rianxo Instituto Galego de Estudos de
Seguranccedila Internacional e da Paz 2006 58
Ibid 2006 p 107-108 59
BARRETO Vicente de Paulo Direito Cosmopoliacutetico e Direitos Humanos In Espaccedilo Juriacutedico Journal of
Law N 2 Vol 11 2010 Disponiacutevel em
httpeditoraunoescedubrindexphpespacojuridicoarticleview19491017 Acesso 30 out 2014
29
Assim como a concepccedilatildeo de direitos humanos natildeo pode mais ser concebida como o
era na eacutepoca de Kelsen o panorama em que o Direito de um modo geral se insere hoje
tambeacutem natildeo pode mais ser concebido conforme a loacutegica claacutessica kelseniana em que a
constituiccedilatildeo estatal encontra-se no topo de uma estrutura piramidal sendo hierarquicamente
seguida pela legislaccedilatildeo infraconstitucional Os rearranjos da mundializaccedilatildeo e a consequente
internacionalizaccedilatildeo do Direito fazem com que novas estruturas permeiem o atual cenaacuterio
juriacutedico mundial
Seja uma concepccedilatildeo de trapeacutezio cujos veacutertices superiores satildeo ocupados em igual
niacutevel pelas constituiccedilotildees estatais e pelos tratados ou convenccedilotildees internacionais protetivos dos
direitos humanos como eacute a visatildeo de Canotilho seguida por Flaacutevia Piovensan60
seja uma
visatildeo de nuvens fluidas e descontiacutenuas com um direito de sistemas interativos complexos
marcados por geometria de piracircmides inacabadas e aneacuteis normativos como guirlandas
defendida por Delmas-Marty61
demonstram que a internacionalizaccedilatildeo traz tentativas de
recomposiccedilatildeo de um pluralismo que deveraacute ser suficientemente ordenado
Em razatildeo disso razoaacutevel frente agrave mudanccedila paradigmaacutetica trazida pela mundializaccedilatildeo
pensar em um conjunto ordenado para a desordem uma vez que a aparente anarquia que
existe favorece ao pluralismo Para se chegar a um direito comum pluralista tendo por base os
direitos humanos deve-se buscar a harmonizaccedilatildeo entre estes e os direitos econocircmicos com
respeito agraves particularidades religiosas e culturais e com a superaccedilatildeo dos perigos de uma
uniformizaccedilatildeo hegemocircnica tendente agrave globalizaccedilatildeo econocircmica
Nesse novo paradigma o ideaacuterio de ordem ldquodeslegalizadardquo anteriormente referido
toma corpo uma vez que a sobrevalorizaccedilatildeo da lei e das grandes codificaccedilotildees perde espaccedilo
havendo em contrapartida a crescente incorporaccedilatildeo dos precedentes (certa ruptura de
fronteiras entre common law e civil law) e dos princiacutepios como espeacutecie de coacutedigo cultural do
processo de interpretaccedilatildeo e criaccedilatildeo do direito62
A internacionalizaccedilatildeo do Direito reflete portanto uma nova realidade de um Direito
de sistemas complexos fluidos descontiacutenuos e interativos os quais levam agrave mutaccedilatildeo da
proacutepria concepccedilatildeo tradicional de ordem juriacutedica que natildeo eacute mais fechada dentro de si mesma e
sim sofre influecircncia de outras A tradicional piracircmide kelseniana eacute desconstruiacuteda
60
PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e diaacutelogo entre jurisdiccedilotildees In Revista Brasileira de Direito
Constitucional ndash RBCD n19 ndash janjul 2012 61
DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio
de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b 62
FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos
teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013
30
gradativamente dando lugar a novas geometrias cuja hierarquia natildeo eacute tatildeo riacutegida mas nem por
isso deixa de ser complexa
No topo encontram-se as constituiccedilotildees juntamente com elementos do Direito
Internacional (jus cogens tratados relativos o direito internacional dos direitos humanos) e do
direito comunitaacuterio europeu No corpo do que seria a antiga piracircmide kelseniana encontra-se
o crescimento e a consolidaccedilatildeo de um direito jurisprudencial atraveacutes de um jogo de
referecircncias reciacuteprocas em que um sistema observa o outro mas natildeo haacute um centro ao lado das
normas produzidas no legislativo (a intensa produccedilatildeo jurisprudencial para os hard cases
culmina em adiccedilatildeo de conteuacutedos advindos de ldquooutros direitosrdquo) e a base passa a ser composta
por decretos e regulamentos que resultam de administraccedilotildees policecircntricas corroborando para
a crenccedila de que o processo de internacionalizaccedilatildeo do direito vem acompanhado de
descentralizaccedilatildeo e privatizaccedilatildeo de fontes do Direito63
Diante deste quadro Delmas64
apresenta trecircs espeacutecies de processo de interaccedilatildeo para
se chegar a um direito comum coordenaccedilatildeo por entrecruzamento harmonizaccedilatildeo e unificaccedilatildeo
Destaca-se antes de discorrer brevemente sobre esses processos que o direito comum natildeo
tem a pretensatildeo de unificar o Direito no texto pois isso seria uma tarefa praticamente utoacutepica
A ideia de Delmas objetiva na realidade a exploraccedilatildeo da pluralidade como potencial poder
de integraccedilatildeo vez que as redes dinacircmicas e as estruturas vetorizadas pelos direitos humanos
presentes nas novas geometrias da ordem mundial se pautam no reconhecimento do outro em
uma espeacutecie de alteridade65
A coordenaccedilatildeo por entrecruzamento caracteriza-se por ser um processo horizontal em
que a autoridade das decisotildees seraacute reforccedilada pelo jogo de referecircncias cruzadas de uma
jurisdiccedilatildeo agrave outra Essa eacute uma fase transitoacuteria na construccedilatildeo de uma verdadeira ordem juriacutedica
mundial em que a internormatividade e a interpretaccedilatildeo cruzada permitem a formaccedilatildeo de no
miacutenimo uma comunidade de juiacutezes Em funccedilatildeo disso em acircmbito global percebem-se traccedilos
da coordenaccedilatildeo por entrecruzamento nos diaacutelogos entre cortes e tribunais nas mais diferentes
ordens No espaccedilo europeu a coordenaccedilatildeo eacute percebida da mesma forma atraveacutes dos diaacutelogos
entre as cortes nacionais e os tribunais da ldquopequena Europardquo e da ldquogrande Europardquo
respectivamente Tribunal de Luxemburgo e de Estrasburgo
Interessante notar conforme jaacute foi demonstrado que foram os diaacutelogos entre as cortes
nacionais dos diversos Estados membros da entatildeo Comunidade Europeia e posterior Uniatildeo
63
Ibid 2013 p20 64
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006 65
LOPES Carla Patriacutecia Frade Nogueira Internacionalizaccedilatildeo do Direito e pluralismo juriacutedico limites de
cooperaccedilatildeo no diaacutelogo de juiacutezes In Revista de Direito Internacional da Uniceub Vol 9 n4 2012
31
Europeia que auxiliaram no processo de consolidaccedilatildeo do entendimento de primazia das
normas comunitaacuterias ao lado da proteccedilatildeo integral aos direitos fundamentais previstos nas
constituiccedilotildees estatais Isso culminou conforme se asseverou anteriormente na disposiccedilatildeo do
Tratado de Lisboa de que a Uniatildeo Europeia natildeo soacute se submete agraves tradiccedilotildees e regras
constitucionais em mateacuteria de direitos fundamentais como adere agrave Convenccedilatildeo Europeia dos
Direitos do Homem
Se o primeiro processo de interaccedilatildeo eacute a coordenaccedilatildeo far-se-aacute de imediato a anaacutelise do
uacuteltimo processo a unificaccedilatildeo visto que o eacute no processo intermediaacuterio ndash a harmonizaccedilatildeo ndash que
se desenvolve o foco do presente estudo A unificaccedilatildeo seria do ponto de vista formal o
processo perfeito por unir ordens juriacutedicas regionais sob um mesmo modelo hieraacuterquico e
coerente das ordens nacionais tradicionais Entretanto sob o enfoque empiacuterico essa perfeiccedilatildeo
estaacute longe de ser garantida vez que a unificaccedilatildeo consiste na transferecircncia pura e simples do
regramento juriacutedico de um paiacutes para outro em uma espeacutecie de verticalizaccedilatildeo ordenada que
pode gerar a dominaccedilatildeo hegemocircnica de uma ordem sobre outra sem portanto respeito agrave
pluralidade
O processo intermediaacuterio de harmonizaccedilatildeo por sua vez tende a aproximar os sistemas
com um propoacutesito coordenativo poreacutem sem a intenccedilatildeo unificadora Tal processo limita-se a
uma integraccedilatildeo imperfeita cuja chave eacute a preservaccedilatildeo das margens nacionais de apreciaccedilatildeo
De modo diferente da coordenaccedilatildeo que eacute marcada pela horizontalidade da comunicaccedilatildeo entre
conjuntos juriacutedicos a harmonizaccedilatildeo instaura uma relaccedilatildeo do tipo vertical que implica o
reconhecimento de algumas hierarquias entre por exemplo direito internacional e nacional
direito supranacional e nacional dentre outras formas Todavia a inversatildeo destas hierarquias
e o reconhecimento muacutetuo fazem parte do movimento de harmonizaccedilatildeo
As margens nacionais de apreciaccedilatildeo satildeo as grandes novidades desse processo de
harmonizaccedilatildeo vez que elas funcionam em uma dinacircmica centriacutefuga e envolvem tanto a
obrigaccedilatildeo de conformidade em relaccedilatildeo agraves normas internacionais das quais determinado paiacutes eacute
signataacuterio quanto agrave apreciaccedilatildeo soberana dos Estados sendo delineada por princiacutepios
comuns66
A resistecircncia dos direitos internos e os avanccedilos do processo de harmonizaccedilatildeo satildeo
portanto as condiccedilotildees de possibilidade para a aplicaccedilatildeo da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
(MNA)
66
SALDANHA Jacircnia Maria Lopes MELLO Rafaela da Cruz Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e
Diaacutelogos Transjurisdicionais uma anaacutelise da postura do Supremo Tribunal Federal Brasileiro In Conselho
Nacional de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito - CONPEDI (Org) Direito Internacional dos Direitos
Humanos I XXIII EdFlorianoacutepolis CONPEDI 2014 v I p 368-394
32
Deste modo imperioso reconhecer que em um continente plural como eacute o europeu
com diversos paiacuteses com aspectos linguiacutesticos culturais religiosos e poliacuteticos a figura da
MNA apresenta-se como uma importante chave para o desenvolvimento e consolidaccedilatildeo de
um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos sendo uma ferramenta relevante
para o estabelecimento de um pluralismo ordenado uma vez que as pluralidades e
peculiaridades culturais e religiosas de cada Estado satildeo respeitadas
Neste sentido portanto a Europa pode ser vista novamente como um laboratoacuterio de
experiecircncias e o surgimento da MNA possui hoje um importante papel sobretudo dentro do
continente europeu Utilizada tanto pelos Tribunais de Luxemburgo e Estrasburgo a MNA
surgiu pela primeira vez na jurisprudecircncia do TEDH
Embora existam relatos do uso da MNA pelo Tribunal de Luxemburgo para permitir
que os conceitos comunitaacuterios sejam interpretados de modo flexiacutevel segundo as
especificidades nacionais e servindo como uma importante vaacutelvula de escape para as tensotildees
nacionais mais fortes neste trabalho far-se-aacute a limitaccedilatildeo da utilizaccedilatildeo da MNA pelo Tribunal
Europeu de Direitos do Homem com o intuito de analisar quais satildeo os entraves e as
possibilidades do uso de tal ferramenta pra a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de um direito comum
para a ldquogrande Europardquo tendo como base os direitos humanos
33
2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE
APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM
EUROPEU
A noccedilatildeo de margem encontra-se no coraccedilatildeo dos sistemas de Direito uma vez que o
direito interno jaacute prevecirc a possibilidade de uma margem de interpretaccedilatildeo aos juiacutezes em relaccedilatildeo
agraves demandas que lhes satildeo apresentadas Todavia a internacionalizaccedilatildeo impulsiona ao
acreacutescimo do termo ldquonacionalrdquo a essa margem no sentido de permitir o reconhecimento da
diversidade dos sistemas juriacutedicos e a possibilidade de um direito comum
Nesse sentido no presente capiacutetulo far-se-aacute uma abordagem acerca da histoacuteria dessa
ferramenta criada pelo TEDH bem como o conceito e as criacuteticas trazidas por estudiosos da
doutrina da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) (21) Por conseguinte atraveacutes de uma
anaacutelise jurisprudencial se tentaraacute comprovar que a margem a despeito de opiniotildees contraacuterias
acerca da ausecircncia de paracircmetros para sua aplicaccedilatildeo pelo TEDH constitui-se como um
instrumento relevante para a construccedilatildeo de um direito comum europeu tendo como base
luminosa os direitos humanos (22)
21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem
Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu
Consoante fora anteriormente aludido a noccedilatildeo de margem encontra-se dentro dos
sistemas de direito Por isso em um primeiro momento aponta-se a margem dentro do direito
interno como ferramenta capaz de auxiliar o juiz enquanto receptor da norma a interpretar
determinado caso concreto em uma espeacutecie de coacutedigo cultural que determina o senso da
norma67
Nesse sentido a origem dessa margem de interpretaccedilatildeo adveacutem do direito
administrativo de diversos Estados europeus Na Franccedila a margem eacute conhecida como ldquomarge
67
DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation
du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit
compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780
34
drsquoappreacutecciationrdquo na Alemanha eacute vista como ldquoErmessensspielraumrdquo e na Itaacutelia ldquomarge de
discrizionalitaacuterdquo68
Em acircmbito interno portanto caracteriza-se por ser uma deferecircncia que
combina aspectos processuais e hermenecircuticos no sentido de conferir uma reserva de
apreciaccedilatildeo ao administrador para decidir acerca da conveniecircncia e oportunidade em relaccedilatildeo
aos atos administrativos
O processo de internacionalizaccedilatildeo estaacutegio supremo da globalizaccedilatildeo69
no acircmbito do
Direito se desenvolve a ponto de transformar o campo de uma disciplina de modo que
consoante jaacute fora exaustivamente exposto a seara juriacutedica natildeo se limita mais agrave relaccedilatildeo entre
Estados nem somente se combina com os direitos internos Logo o pluralismo pode ser visto
como uma palavra de ordem na paisagem juriacutedica atual e por isso a noccedilatildeo de margem ganha
o adjetivo ldquonacionalrdquo e passa a ser um elemento de tentativa de aproximaccedilatildeo com a finalidade
de atingir um direito comum com bases humanistas
Logo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) teria a finalidade de proceder a uma
espeacutecie de siacutentese entre os anseios de unidade juriacutedica e o desejo de separaccedilatildeo proveniente de
uma autonomia estatal A margem portanto sob o vieacutes da internacionalizaccedilatildeo corresponderia
ao caminho do meio entre o pressuposto de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o
relativismo ou os particularismos culturais de cada Estado
No contexto europeu em que tanto sob o vieacutes comunitaacuterio quanto sob a perspectiva do
sistema regional os Estados apresentam pluralidades significativas em relaccedilatildeo agrave religiatildeo agrave
cultura agrave poliacutetica dentre outros campos a figura da MNA serve como um importante
instrumento para aproximar o universal e o relativo70
Dessa maneira teria a funccedilatildeo de no
processo de construccedilatildeo de um direito comum apresentar como horizonte a universalidade dos
direitos humanos mas sem perder de foco os relativismos culturais que formam a identidade
das mais diferentes sociedades
Niacutetido portanto que o caminho para a construccedilatildeo de um ldquocomumrdquo em mateacuteria de
direitos humanos relaciona-se natildeo soacute com a proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua esfera eacutetica
e miacutenima como tambeacutem com a preservaccedilatildeo da pluralidade Como instrumento do processo de
harmonizaccedilatildeo a margem carrega em seu acircmago a noccedilatildeo de convergecircncia em torno de
princiacutepios comuns mas garantindo o respeito a uma espeacutecie de direito agrave divergecircncia uma vez
68
ITZCOVITCH Giulio One None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations The Lautsi Case
In Human Rights Law Review Oxford Journals 2013 Disponiacutevel em
httphrlroxfordjournalsorgcontent132toc Acesso 04 nov 2014 69
SANTOS Milton Teacutecnica Espaccedilo Tempo Globalizaccedilatildeo e meio teacutecnico-cientiacutefico-informacional 5ordf ed
Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2013 p 45 70
DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b
35
que se garante a cada Estado a particularidade de lidar com questotildees atinentes agraves suas
diferenccedilas
Deste modo o Tribunal de Estrasburgo consoante fora dito anteriormente se utiliza
pela primeira vez do recurso agrave MNA no caso Lawless vs Irlanda71
Na discussatildeo cerne deste
conflito estava a possibilidade de prisatildeo provisoacuteria no caso dos atentados terroristas
relacionados ao grupo extremista IRA (Irish Republic Army) Mais especificamente o
cidadatildeo irlandecircs Gerard Richard Lawless ex-membro do IRA foi preso em julho de 1957 no
momento em que estava prestes a viajar da Irlanda agrave Gratilde-Bretanha Neste ato foi detido sob
especiais poderes de detenccedilatildeo indeterminada sem julgamento sob alegaccedilotildees de ofensas contra
o Estado irlandecircs
Lawless fazendo o uso da prerrogativa de peticcedilatildeo individual demandou perante a
Corte Europeia de Direitos do Homem alegando violaccedilatildeo pelo Estado Irlandecircs dos artigos 56
e 7 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem mas especificamente direitos de
liberdade seguranccedila julgamento justo e o princiacutepio de proibiccedilatildeo de puniccedilatildeo sem lei anterior
que defina um delito
No julgamento do caso em 1961 o Tribunal de Estrasburgo pela primeira vez fez
alusatildeo mesmo que de modo natildeo explicito agrave possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo
ao deixar ao Estado Irlandecircs margem para decidir fundamentando-se nas prerrogativas do
artigo 1572
da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Tal norma da Convenccedilatildeo alude agrave
possibilidade de derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade com a prerrogativa de que em
caso de guerra ou outro perigo puacuteblico que ameace a vida da naccedilatildeo a parte aderente agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem pode tomar providecircncias que derroguem as
obrigaccedilotildees previstas no tratado na estrita medida em que exigir a situaccedilatildeo
71
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57518itemid[001-57518] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lawless vs Irlanda Sentenccedila de 01 de julho de 1961 Acesso
05 nov 2014 72
Artigo 15 Derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade 1 Em caso de guerra ou de outro perigo puacuteblico que
ameace a vida da naccedilatildeo qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providecircncias que derroguem as obrigaccedilotildees
previstas na presente Convenccedilatildeo na estrita medida em que o exigir a situaccedilatildeo e em que tais providecircncias natildeo
estejam em contradiccedilatildeo com as outras obrigaccedilotildees decorrentes do direito internacional 2 A disposiccedilatildeo
precedente natildeo autoriza nenhuma derrogaccedilatildeo ao artigo 2deg salvo quanto ao caso de morte resultante de atos
liacutecitos de guerra nem aos artigos 3deg 4deg (paraacutegrafo 1) e 7deg 3 Qualquer Alta Parte Contratante que exercer este
direito de derrogaccedilatildeo manteraacute completamente informado o Secretaacuterio Geral do Conselho da Europa das
providecircncias tomadas e dos motivos que as provocaram Deveraacute igualmente informar o Secretaacuterio - Geral do
Conselho da Europa da data em que essas disposiccedilotildees tiverem deixado de estar em vigor e da data em que as da
Convenccedilatildeo voltarem a ter plena aplicaccedilatildeo CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS
DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014
36
Logo aplicando o referido artigo 15 da Convenccedilatildeo a decisatildeo do Tribunal de
Estrasburgo foi de no caso proposto asseverar que os fatos apurados natildeo revelam uma
violaccedilatildeo por parte do Governo irlandecircs de suas obrigaccedilotildees ao abrigo da Convenccedilatildeo Europeia
para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais Em razatildeo disso de a
motivaccedilatildeo do Tribunal para proferir a decisatildeo ter partido de uma prerrogativa da proacutepria
Convenccedilatildeo Europeia alguns autores73
natildeo fazem alusatildeo a este caso como o primeiro em que
houve concessatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo para Estado
Embora haja uma referecircncia tiacutemida agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso exposto
anteriormente eacute no caso linguiacutestico belga74
que se percebe uma manifestaccedilatildeo mais concreta
da Corte de Estrasburgo em relaccedilatildeo agrave deferecircncia de julgamento aos Estados precisando
alguns dos fundamentos da doutrina da MNA No caso belga julgado em 1968 pais que
falavam francecircs questionaram o sistema educacional da Beacutelgica que dividia o paiacutes em quatro
regiotildees linguiacutesticas distintas
O Tribunal de Luxemburgo aceitou uma margem de apreciaccedilatildeo conferida agraves partes em
funccedilatildeo de que os Estados possuiacuteam discricionariedade em relaccedilatildeo agrave regulamentaccedilatildeo do direito
agrave educaccedilatildeo A Corte argumentou que essa necessidade de concessatildeo de uma deferecircncia ou de
um limite de discricionariedade ao Estado era proveniente da natureza do proacuteprio direito
discutido (regulamentaccedilatildeo do sistema educacional) de modo que a regulamentaccedilatildeo do direito
agrave educaccedilatildeo poderia variar de acordo com o local e com o tempo consoante as necessidades e
os recursos da comunidade e dos indiviacuteduos
Ainda eacute possiacutevel destacar nesse caso a vinculaccedilatildeo da noccedilatildeo de margem de apreciaccedilatildeo
ao princiacutepio de subsidiariedade dos tribunais internacionais em relaccedilatildeo agraves cortes nacionais
Por isso o Tribunal manifestou-se asseverando que natildeo desejava substituir as autoridades
nacionais pois se assim o fizesse perderia a caracteriacutestica de mecanismo internacional de
garantia da ordem instaurada pela Convenccedilatildeo
73
KRATOCHVIL Jan The inflation of the margin of appreciation by european court of human rights In
Netherlands Quarterly of Human Rights Vol 293 2011 p 324-357 Disponiacutevel em ww corteidhorcr
tablas r26992pdf Acesso 01 nov 2014
VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um
equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em
httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 74
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httpwww9euskadineteuskara_araubideaLegedialegeakgaztelaneuropas23b001pdf CORTE EUROPEIA
DE DIREITOS HUMANOS Caso linguiacutestico belga Sentenccedila de 23 de julho de 1968 Acesso 05 nov 2014
37
Essa subsidiariedade conduz agrave MNA duas noccedilotildees75
uma noccedilatildeo teacutecnica e outra
poliacutetica Na noccedilatildeo teacutecnica a razatildeo para sua existecircncia relaciona-se com a imprecisatildeo de
algumas normas que conferem certa liberdade ao juiz internacional No campo poliacutetico a
relaccedilatildeo se evidencia pela sensibilidade dos Estados em relaccedilatildeo a temas polecircmicos
Sob essa oacutetica e embora esse natildeo seja o foco do presente trabalho pode-se afirmar que
a MNA eacute uma figuram importante tanto para o horizonte de criaccedilatildeo de um direito comum
europeu como para a consolidaccedilatildeo do direito comunitaacuterio europeu Isso porque este uacuteltimo
embora tenha sido baseado em um ideal federalista funda-se na realidade em um modelo de
governanccedila supranacional em que a MNA foi importada pelo Tribunal de Luxemburgo a fim
de ser uma vaacutelvula de escape para tensotildees fortes em acircmbito comunitaacuterio76
O TJUE deste modo permite que os conflitos comunitaacuterios sejam interpretados de
maneira flexiacutevel conforme especificidades nacionais Cada Estado pode atribuir seu proacuteprio
significado a expressotildees ou textos legais de interpretaccedilatildeo ampla devendo-se contudo
vincular aos princiacutepios e conceitos juriacutedico-legais do direito comunitaacuterio
No campo de construccedilatildeo de um direito comum europeu que tem como terreno o
sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos tal premissa natildeo eacute diferente Embora em
alguns casos o TEDH opte pela concessatildeo da margem de deferecircncia essa soacute pode ser aplicada
pelo Estado se este observar os princiacutepios que regem o instrumento legal base da Corte qual
seja a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) Deste modo o Estado natildeo fica
desobrigado do cumprimento da Convenccedilatildeo pois em tese apenas existiraacute margem para
pontos sensiacuteveis desta os quais permitem interpretaccedilotildees diferenciadas de acordo com os
particularismos nacionais e os desacordos culturais
Nesse sentido conforme se observou pelos casos citados com ecircnfase para o caso
Lawless vs Irlanda uma primeira aplicaccedilatildeo da doutrina da margem vinculou-se ao processo
de sedimentaccedilatildeo do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos vez que tal
caso foi um dos primeiros a ser julgado pelo Tribunal de Estrasburgo aleacutem de conforme fora
dito ter sido o primeiro no acircmbito da criaccedilatildeo e uso da MNA Em razatildeo desse contexto a
utilizaccedilatildeo do instrumento em questatildeo deu-se em funccedilatildeo de uma demanda que envolvia
questatildeo de seguranccedila interna de um paiacutes e por isso a aplicaccedilatildeo da deferecircncia de julgamento agrave
Irlanda daacute-se tambeacutem como uma teacutecnica poliacutetica para evitar tensotildees entre esfera internacional
75
DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation
du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit
compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780 76
VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade
2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade
de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014
38
e nacional (esta ainda arraigada ao conceito claacutessico de soberania) no acircmbito de um sistema
que tinha sido criado recentemente
Sob tal vieacutes pode-se recorrer agrave explicaccedilatildeo de Marcelo Varella77
de que a margem
deve ser aplicada para temas polecircmicos em que abusos exegeacuteticos por parte do tribunal de
cariz internacional podem levar agrave perda de legitimidade deste Contudo com o
desenvolvimento da teoria da MNA tanto por doutrinadores como pela proacutepria jurisprudecircncia
do tribunal que a criou percebe-se que o seu uso em grande medida relaciona-se com o
embate entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo nacional em mateacuteria de
desacordos culturais
Natildeo obstante a existecircncia de criacuteticas sobre a aplicaccedilatildeo praacutetica atual da MNA pelo
TEDH o que seraacute objeto de anaacutelise na sequencia do presente trabalho eacute com a figura da
deferecircncia da margem nacional que se torna possiacutevel um pluralismo de justaposiccedilatildeo78
que
tolera a coexistecircncia de sistemas particularmente diferentes Somente a possibilidade de
acoplamento do adjetivo nacional ao substantivo margem ou seja uma transferecircncia de
conceito desse substantivo para outra esfera que natildeo agrave interna de cada paiacutes jaacute demonstra que
uma ruptura com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito jaacute iniciou e ainda estaacute em curso
A ruptura com a concepccedilatildeo tradicional unificada e estritamente hierarquizada de
ordem juriacutedica leva a uma ruptura epistemoloacutegica com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito
Isso permite natildeo soacute a existecircncia e aplicaccedilatildeo de uma margem nacional de apreciaccedilatildeo como
demonstra a possibilidade de concretizaccedilatildeo do ideal de um direito comum que por ser
pluralista natildeo pode ser projetado conforme o modelo tradicional e nem encontra campo para
isso em funccedilatildeo do novo mosaico juriacutedico existente sobretudo na Europa
Logo eacute possiacutevel afirmar que a margem a que se refere esse trabalho natildeo deixa de ser
um reconhecimento jurisprudencial dessa mudanccedila de ares trazida pelas novas configuraccedilotildees
e estruturas juriacutedicas Isso porque novas instituiccedilotildees emergem em meio de um caos juriacutedico
que natildeo passa despercebido pelas cortes internacionais Prova disso eacute que a MNA natildeo eacute
mencionada somente pelo TEDH Ainda que de modo muito tiacutemido e em pequena medida eacute
possiacutevel o destaque de citaccedilatildeo (e aplicaccedilatildeo) da referida doutrina pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos79
Embora o continente latino americano seja tatildeo ou mais plural e diversificado que o
europeu e que o uso da margem como instrumento de siacutentese entre relativo e universal seja
77
Ibid 2012 p 143 78
DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 757 79
POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema
interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012
39
teoricamente indicado para sedimentar as bases de construccedilatildeo de um direito comum pluralista
a aplicaccedilatildeo do instituto em solo americano ainda natildeo ocorre de modo significativo Sob esse
vieacutes o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Seacutergio Garcia Ramirez80
asseverou
que a margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute uma ferramenta e um princiacutepio europeu de relativismo
relativo agrave execuccedilatildeo que natildeo eacute visto com simpatia pela Corte maacutexima do sistema regional
americano de direitos humanos Isso em funccedilatildeo natildeo soacute do histoacuterico de demandas que
chegaram ao julgamento da Corte Interamericana ndash em grande parte envolvendo violaccedilotildees de
direitos humanos perpetradas pelo Estado durante os periacuteodos de ascensatildeo de autoritarismos e
ditaduras na Ameacuterica Latina ndash como tambeacutem em razatildeo das democracias latino-americanas
ainda estarem em fase de consolidaccedilatildeo
Deste modo em razatildeo da ausecircncia ateacute entatildeo de casos envolvendo desacordos
culturais e das recentes reinserccedilotildees ou inserccedilotildees democraacuteticas de paiacuteses do continente
americano temia-se que eventual aplicaccedilatildeo de MNA poderia ser compreendida pelos Estados
como um salvo-conduto para que houvesse violaccedilatildeo de direitos humanos pelos paiacuteses A
cautela e a percepccedilatildeo de paisagens diferentes entre os territoacuterios separados pelo Atlacircntico
fizeram e fazem com que ainda hoje a doutrina da margem tenha pouca ou quase nenhuma
aplicaccedilatildeo na Ameacuterica
Deste modo pode-se afirmar que a internacionalizaccedilatildeo do direito - e seus reflexos na
Europa - eacute a responsaacutevel pela criaccedilatildeo de um espaccedilo para o desenvolvimento da doutrina da
margem nacional de apreciaccedilatildeo Nesse sentido embora a criaccedilatildeo tenha sido jurisprudencial
por parte do TEDH com aplicaccedilatildeo em alguns casos pelo proacuteprio Tribunal de Luxemburgo eacute
importante avaliar de que modo a doutrina conceitua o referido instituto
A posiccedilatildeo adotada por este trabalho eacute a de Mireille Delmas-Marty81
que salienta em
suas obras a origem nacional da margem nacional ainda como uma margem de interpretaccedilatildeo
capaz de conferir um pluralismo de valores do tipo meta juriacutedico em uma espeacutecie de
deferecircncia para apreciaccedilatildeo do juiz receptor de determinada norma Todavia a margem
relativa agrave internacionalizaccedilatildeo liga-se ao reconhecimento da diversidade de sistemas juriacutedicos
os quais possuem algumas caracteriacutesticas peculiares ligadas agraves identidades do Estado em que
se encontram
80
Tal posicionamento de Seacutergio Garciacutea Ramirez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema Internacional de
Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de 19 e 20 de agosto
de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado ndash da Pontifiacutecia
Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS 81
DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 762
40
Em razatildeo disso para a autora a noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo aleacutem de ser
uma siacutentese entre o universal e o relativo eacute uma chave do pluralismo ordenado Desse modo
sua construccedilatildeo assemelha-se de um lado agrave expressatildeo de uma dinacircmica centriacutefuga ou seja
uma resistecircncia dos Estados agrave integraccedilatildeo e o apego agrave noccedilatildeo claacutessica de soberania e de outro
lado sendo ela limitada por princiacutepios comuns estabelece o miacutenimo de compatibilidade
voltando-se ao centro em uma dinacircmica centriacutepeta
Haacute portanto um movimento duplo que por vezes traduz as resistecircncias dos direitos
nacionais por vezes os avanccedilos rumo agrave harmonizaccedilatildeo do direito comum em mateacuteria de
direitos humanos Eacute justamente essa capacidade de oscilaccedilatildeo que permite os ajustamentos
com vistas a compatibilizar o interno com o comum com o intuito nem de criar uma
hegemonia do universal e nem de tornar inaplicaacutevel o direito comum em razatildeo das
particularidades Desta forma Delmas percebe a margem como uma teacutecnica juriacutedica presente
no acircmbito do fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo do direito e que permite o reconhecimento da
diversidade entre os sistemas juriacutedicos82
Benvenisti83
por sua vez visualiza no uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo uma
espeacutecie de latitude que cada sociedade tem na resoluccedilatildeo de conflitos inerentes entre os
direitos individuais e os interesses nacionais ou entre diferentes convicccedilotildees morais Por
conseguinte alude que a doutrina da margem consoante inclusive fora abordado
anteriormente neste trabalho respondeu inicialmente a preocupaccedilotildees de governos nacionais
de que as poliacuteticas internacionais pudessem comprometer a seguranccedila nacional Isso entatildeo
explicaria a invocaccedilatildeo da margem no caso Lawless vs Irlanda por exemplo
Com a evoluccedilatildeo da jurisprudecircncia o uso desse instrumento passou a ser aplicado por
outras razotildees como gestatildeo de recursos discricionariedade em relaccedilatildeo a questotildees
concernentes agrave deliberaccedilatildeo acerca de sistemas poliacuteticos educacionais entre outros ateacute passar
a ser utilizada em temas relativos aos desacordos culturais Ainda segundo Bevenisti84
a
utilizaccedilatildeo da margem se justifica em alguns casos e em algumas mateacuterias ndash para o autor por
exemplo a aplicaccedilatildeo da margem nacional natildeo se justifica quando em questatildeo se encontram o
direito de minorias - sendo que o uso ampliado ou desmedido pode gerar uma espeacutecie de
deslegitimaccedilatildeo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos
82
Ibid 2000 p 760 83
BENVENISTI Eyal Margin of apreciation consensus and universal standards In International Law and
Politics Vol 31843 1999 pp 843-854 Disponiacutevel em httpwwwpict-
pctiorgpublicationsPICT_articlesJILPBenvenistipdfp 853 Acesso 05 nov 2014 84
Ibid 1999 p 846
41
Para Poblete amp Alvarado85
a margem nacional de apreciaccedilatildeo liga-se agrave noccedilatildeo de fins e
limites da jurisdiccedilatildeo internacional ou supranacional em mateacuteria de direitos humanos Eles
reconhecem que a doutrina da margem concede aos Estados signataacuterios de convenccedilotildees
internacionais liberdade para apreciar as circunstacircncias materiais que exigem aplicaccedilatildeo de
medidas excepcionais em situaccedilatildeo de emergecircncia como eacute o caso das prerrogativas do artigo
15 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de derrogaccedilatildeo em caso de necessidade
Outrossim ainda segundo os mencionados autores a margem possibilita aos Estados
liberdade para limitar direitos reconhecidos em tratados internacionais quando outros direitos
exigem respeito ou assim exigem os interesses da comunidade Ainda serviria para definir os
conteuacutedo dos direitos delimitar como eles satildeo aplicados no plano interno e definir o modo
como seratildeo cumpridas resoluccedilotildees de um oacutergatildeo internacional de supervisatildeo de um tratado ou
convenccedilatildeo Dessa maneira tais autores identificam a doutrina da MNA como uma
metodologia de que se servem os tribunais internacionais para difundir os direitos humanos
previstos nos tratados internacionais bem como o direito do comeacutercio ndash a margem tambeacutem eacute
aplicada pela Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio (OMC)
Vila86
por sua vez percebe na doutrina da marem nacional de apreciaccedilatildeo uma espeacutecie
de ldquodeferecircnciardquo praticada pelo Tribunal de Estrasburgo em relaccedilatildeo aos Estados signataacuterios da
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Isso pelo fato de que o sistema de proteccedilatildeo dos
diretos humanos na Europa eacute resultado de uma divisatildeo de trabalho entre os Estados e a Corte
em que os primeiros satildeo responsaacuteveis primaacuterios desta proteccedilatildeo e a Corte possui um caraacuteter
subsidiaacuterio atuando em acircmbitos sensiacuteveis como o da moralidade e da religiatildeo em que natildeo haacute
consenso entre os Estados
Nesse mesmo sentido se situa o pensamento de Roca87
que afirma que a doutrina da
margem nacional de apreciaccedilatildeo ocupa um lugar de destaque na jurisprudecircncia do Tribunal
Europeu de Direitos Humanos e eacute necessaacuteria para refletir uma realidade evidente qual seja a
pluralidade cultural dos Estados que fazem parte do Conselho da Europa notaacutevel em um
pluralismo de base territorial sobre o qual assenta uma cultura comum europeia de alguns
miacutenimos
85
POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema
interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012 p5 86
VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um
equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em
httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 87
ROCA JavierGarciacutea La muy discrecional doctrina del margen de apreciacioacuten nacional seguacuten el Tribunal
Europeo de Derechos Humanos Soberaniacutea e Integracioacuten In UNED Teoriacutea y Realidad Constitucional N
202007 p 117-143 Disponiacutevel em httpe-spaciounedes revistasuned indexphp TRC article vie 6778
Acesso 02 nov 2014
42
Da mesma forma considera o autor que os princiacutepios da proporcionalidade e da
subsidiariedade satildeo imanentes agrave noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo visto que os
Estados possuem certa margem de discricionariedade na aplicaccedilatildeo e no cumprimento de
obrigaccedilotildees impostas pela Convenccedilatildeo bem como na ponderaccedilatildeo de interesses mais
complexos Se houver excesso por parte dos Estados no uso dessa margem haacute violaccedilatildeo do
princiacutepio da proporcionalidade e abre-se espaccedilo para a intervenccedilatildeo do oacutergatildeo jurisdicional
internacional sob as bases do princiacutepio da subsidiariedade
Eacute importante sob essa oacutetica lembrar que embora o diferencial da Corte Europeia de
Direitos Humanos seja o de permitir a peticcedilatildeo individual de qualquer sujeito que denuncie
uma violaccedilatildeo de seus direitos baacutesicos assim como outros tribunais internacionais tem a regra
da exigecircncia do esgotamento das vias internas de acesso agrave justiccedila para que a demanda seja
recebida pelo TEDH Se natildeo houve satisfaccedilatildeo do pleito por parte do Estado ou se a reparaccedilatildeo
obtida se revelara inidocircnea para uma proteccedilatildeo adequada ao direito violado entatildeo agrave Corte
Europeia eacute permitido revisar a decisatildeo nacional ou substituiacute-la
Mahorney88
em seus estudos assevera que a margem funciona como uma espeacutecie de
divisatildeo de jurisprudecircncias uma vez que traccedila uma linha divisoacuteria entre o que deve decidir
cada comunidade nacional e as questotildees que tecircm relevacircncia para necessitar uma soluccedilatildeo
homogecircnea ou seja as que demandam uma decisatildeo que harmonize a regulaccedilatildeo do direito e
suas garantias na comunidade internacional independentemente das diferenccedilas de tradiccedilotildees
ou culturas
Contreras89
afirma que os tratados regionais de direitos humanos embora contenham
escopos de universalidade em relaccedilatildeo a esses direitos satildeo acompanhados pela possibilidade
de peculiaridades geograacuteficas na execuccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos direitos do homem As cortes
internacionais tecircm a dificuldade de conciliar ou justificar a falta de conciliaccedilatildeo entre
diferenccedilas morais e normativas de cada regiatildeo Em razatildeo disso uma das criaccedilotildees doutrinaacuterias
mais importantes eacute a da margem nacional de apreciaccedilatildeo sendo esta para o autor um criteacuterio
interpretativo desenvolvido tanto como deferecircncia aos Estados para que possam regular o
conteuacutedo dos direitos e suas restriccedilotildees e para distribuir os poderes e niacuteveis de decisotildees
tomadas entre as autoridades domeacutesticas e internacionais
88
MAHORNEY Paul Marvellous richness diversity or individual cultural relativism In Human Rights Law
Journal Vol 19 nuacutem 1 30 de abril de 1998 p 1 89
CONTRERAS Pablo National Discretion and International Deference in the Restriction of Human Rights A
Comparison Between the Jurisprudence of the European and the Inter-American Court of Human Rights In
Northwestern Journal of International Human Rights Vol 11 2012 Disponiacutevel em
httpscholarlycommonslawnorthwesterneducgiviewcontentcgiarticle=1155ampcontext=njihr Acesso 01 nov
2014
43
Visiacutevel portanto que na doutrina natildeo haacute um contexto exato em relaccedilatildeo a essa figura
criada e aplicada na jurisprudecircncia do TEDH Enquanto para alguns estudiosos ela se
configura como uma doutrina para outros eacute um criteacuterio interpretativo ou hermenecircutico usado
pelos tribunais internacionais no sentido de revisar a decisatildeo de um Estado ou conceder
deferecircncia a este para julgar conforme o direito interno coadunado com os princiacutepios miacutenimos
existentes nos tratados internacionais de direitos humanos
Natildeo obstante a divergecircncia de conceituaccedilatildeo no campo teoacuterico analisar-se-aacute no
proacuteximo capiacutetulo alguns casos emblemaacuteticos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de apreciaccedilatildeo
pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos mais diferentes tema com o intuito de
responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel afirmar que do modo como eacute aplicada a
doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo pela Corte Europeia de Direitos do Homem
temos uma efetiva contribuiccedilatildeo para o processo de harmonizaccedilatildeo entre universal e relativo e
construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos
Embora a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo tenha nascido da tentativa de
produccedilatildeo de uma siacutentese entre o universal e o relativo no espaccedilo do sistema regional europeu
de proteccedilatildeo dos direitos humanos sua aplicaccedilatildeo praacutetica sobretudo pelo TEDH natildeo eacute imune a
criacuteticas Cumpre a esse capiacutetulo realizar notas acerca da aplicaccedilatildeo praacutetica da margem
nacional de apreciaccedilatildeo com o intuito de verificar se ela efetivamente contribui ou eacute capaz de
contribuir para a construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos
Conforme afirmam Brum et Saldanha90
a MNA ao ser compreendida e utilizada como
uma forma de autocontrole por meio do qual o oacutergatildeo jurisdicional internacional evita o
enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas poliacutetica pode
representar um risco de fragilizaccedilatildeo do direito internacional dos direitos humanos caso seu
uso se torne indiscriminado sem criteacuterios claros e limites precisos Desta maneira seu uso em
vez de conduzir ao caminho de ordenaccedilatildeo do muacuteltiplo e de mundializaccedilatildeo dos direitos
90
BRUM Maacutercio Morais SALDANHA Jacircnia Maria Lopes A margem nacional de apreciaccedilatildeo e sua
(in)aplicaccedilatildeo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em mateacuteria de anistia Uma figura hermenecircutica a
serviccedilo do pluralismo ordenado In Anuario Mexicano de Derecho Internacional 2015(No prelo para
publicaccedilatildeo)
44
humanos levaria ao rumo contraacuterio da fragmentaccedilatildeo e reforccedilo da velha noccedilatildeo de soberania
marcada pela ausecircncia de compromisso dos Estados com os marcos protetivos miacutenimos do
direito internacional
Neste vieacutes portanto dentro ainda de um panorama geral de anaacutelise da postura do
Tribunal de Estrasburgo um dos primeiros pontos de criacutetica se relaciona ao enfraquecimento
da credibilidade do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos Na visatildeo de
alguns doutrinadores a postura da Corte Europeia na aplicaccedilatildeo irrestrita e sem limitaccedilotildees ou
uma sistematizaccedilatildeo teacutecnica em relaccedilatildeo aos casos em que deve ou natildeo ser aplicada pode gerar
um sentimento de descrenccedila na legitimidade e na eficaacutecia das decisotildees tomadas pelo oacutergatildeo
jurisdicional internacional do Conselho da Europa
Para alguns estudiosos o modo como a margem eacute aplicada reflete uma postura de
evitar o enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas
poliacuteticas Aleacutem de uma fragilizaccedilatildeo do sistema internacional de proteccedilatildeo aos direitos humanos
o uso da margem sem limites definidos pode levar ao reforccedilo da noccedilatildeo claacutessica de soberania
em que o compromisso dos Estados com os instrumentos normativos de direito internacional
era mitigado
No campo de aplicaccedilatildeo a casos praacuteticos eacute possiacutevel conforme assevera Roca91
visualizar as imprecisotildees praacuteticas e teoacutericas do uso da margem o que leva a dois resultados o
primeiro eacute a necessidade de criaccedilatildeo de esforccedilos com urgecircncia para melhor edificar e criar
paracircmetros para a aplicaccedilatildeo da ferramenta bem como que o demandante ou qualquer
observador perante a Corte natildeo saber com suficiente seguranccedila juriacutedica quando o Tribunal
de Estrasburgo vai usar a margem nem quais seratildeo os possiacuteveis resultados desse uso
Ainda segundo o autor a margem eacute um instrumento impreciso e de geometria
variaacutevel todavia eacute consenso entre os doutrinadores que a ferramenta natildeo eacute uma carta branca
aos Estados para fazerem o que quiserem sendo necessaacuteria depuraccedilatildeo teoacuterica para tornar o
instrumento mais preciso Seu uso impotildee como jaacute foi dito autocontenccedilatildeo por parte da Corte
tendo em vista que sua funccedilatildeo segundo o princiacutepio da subsidiariedade eacute somente de impor
estandartes miacutenimos comuns em mateacuteria de direitos humanos Entretanto o niacutevel de proteccedilatildeo
dos direitos dos direitos e das diversas foacutermulas para concretizaacute-los natildeo satildeo homogecircneos
diante de naccedilotildees com tradiccedilotildees juriacutedicas tatildeo diversas
Desta maneira no campo jurisprudencial com a finalidade de responder ao
questionamento feito no capiacutetulo anterior utilizar-se-aacute de modo conjunto as classificaccedilotildees das
91
ROCA op cit 125
45
decisotildees da Corte Europeia dos Direitos do Homem feitas por Contreras e por Roca Para o
primeiro doutrinador92
eacute possiacutevel dividir os casos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de
apreciaccedilatildeo pelo Tribunal de Estrasburgo em trecircs grandes grupos
O primeiro grupo abarca casos envolvendo direitos fundamentais e direitos poliacuteticos
dentre os quais se destacam a proibiccedilatildeo da tortura ou a liberdade de expressatildeo e associaccedilatildeo
Nesse primeiro grupo no que tange aos direitos fundamentais haacute rigorosa supervisatildeo por
parte do Tribunal Europeu negando qualquer margem nacional de apreciaccedilatildeo aos Estados
Ainda dentro deste conjunto no que concerne aos discursos poliacuteticos ou direito de partidos
poliacuteticos eacute por vezes concedida uma margem reduzida agraves autoridades domeacutesticas para
decisatildeo ou execuccedilatildeo de uma decisatildeo
O segundo grupo por sua vez relaciona-se aos direitos de propriedade em que a
Corte concede grande margem de deferecircncia aos Estados Isso porque o TEDH reconhece em
princiacutepio que as autoridades nacionais estatildeo melhor situadas do que o juiz internacional no
que tange a apreciaccedilatildeo acerca do melhor interesse de uma comunidade em relaccedilatildeo a poliacuteticas
envolvendo direitos de propriedade
Por fim o terceiro grupo eacute o mais complexo para a apreciaccedilatildeo do tipo de margem
concedida pelo Tribunal de Estrasburgo uma vez que conteacutem temas que natildeo apresentam
consenso por parte do Tribunal Deste modo neste grupo ficam evidentes as complexidades e
as vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis da MNA Casos como os de liberdade religiosa liberdade de
discurso direitos dos homossexuais dentre outros temas latentes e relevantes na paisagem
juriacutedica social e cultural europeia
Do mesmo modo Roca93
divide a margem nacional de apreciaccedilatildeo em trecircs ciacuterculos
concecircntricos tendo como base a natureza dos direitos cuja tutela eacute pleiteada junto ao oacutergatildeo
jurisdicional internacional do sistema europeu O primeiro ciacuterculo de Roca relaciona-se com o
segundo grupo de Contreras vez que trata dos direitos de propriedade que teriam uma
margem de deferecircncia ampla e um controle pouco intenso por parte da Corte Esse ciacuterculo
seria o maior e englobaria os demais
No ciacuterculo menor estariam os direitos vistos como absolutos pelo Tribunal Europeu
Dentre esses se destacam o direito agrave vida ou os direitos democraacuteticos que apresentam uma
margem de apreciaccedilatildeo pouco extensa juntamente com um controle restrito por parte da Corte
Europeia Este ciacuterculo identifica-se com o primeiro grupo anteriormente mencionado visto
92
CONTRERAS op cit p 35 93
ROCA op cit p 134
46
que trabalha com noccedilotildees de direitos fundamentais e poliacuteticos essenciais e miacutenimos para todos
os paiacuteses europeus
Por fim no espaccedilo intermediaacuterio entre esses dois ciacuterculos encontra-se uma esfera
meacutedia que relacionando-se com o terceiro grupo definido por Contreras contempla todos os
outros direitos em que alguma vez o Tribunal de Estrasburgo mencionou ou aplicou a margem
nacional de apreciaccedilatildeo Eacute justamente nesse ciacuterculo que devem ser desenvolvidos os
paracircmetros para guiar o uso da ferramenta pela Corte no intuito de reduzir a inseguranccedila
juriacutedica ocasionada pelo uso sem uma sistematizaccedilatildeo de criteacuterios
Eacute pertinente em um primeiro momento destacar que conforme ambos os
doutrinadores demonstram quando se mencionam direitos fundamentais ou vinculados agrave
princiacutepios democraacuteticos inaplicaacutevel eacute o uso da margem pela Corte ou se for feito eacute de forma
absolutamente restrita No caso dos direitos fundamentais interessante relembrar Baez94
que
ao buscar o conceito de direitos humanos concluiu que nenhuma fonte normativa existente
tanto em sistemas internacionais quanto nacionais ou regionais trazem a definiccedilatildeo de direitos
humanos Pelo contraacuterio soacute os exemplificam
Nesse sentido observou Baez95
que embora natildeo exista uma definiccedilatildeo precisa de
direitos humanos existem elementos baacutesicos que fazem parte desses e o elemento que eacute
citado em todos os instrumentos normativos sobre o tema eacute o de dignidade da pessoa humana
Os direitos humanos somente existem para realizaccedilatildeo e proteccedilatildeo da dignidade humana poreacutem
o conceito de dignidade eacute de tatildeo difiacutecil conceituaccedilatildeo quanto o conceito de direitos humanos
O autor conclui que a dignidade possui duas dimensotildees a dimensatildeo baacutesica a qual
corresponde aos limites miacutenimos e fundamentais para a existecircncia humana impedindo a
noccedilatildeo de coisificaccedilatildeo do ser Se houver portanto violaccedilatildeo agrave dimensatildeo baacutesica da dignidade da
pessoa humana haacute tambeacutem violaccedilatildeo dos direitos humanos A outra dimensatildeo eacute a cultural vez
que envolve o conjunto de valores que cada sociedade desenvolve
A primeira dimensatildeo refere-se agrave universalidade e a segunda que depende de fatores
culturais permite que os direitos humanos sejam morfologicamente assimeacutetricos Isso natildeo
deixa de se relacionar com o que Delmas-Marty fala acerca dos direitos humanos
inderrogaacuteveis ou seja que natildeo podem sofrer a incidecircncia de qualquer tipo de margem de
94
BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos
humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da
UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em
httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014 95
Tal posicionamento de Narciso Leandro Xavier Baez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema
Internacional de Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de
19 e 20 de agosto de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado
ndash da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS
47
apreciaccedilatildeo Estes possuem a caracteriacutestica do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano
ou seja vinculam-se agrave noccedilatildeo da dimensatildeo baacutesica da dignidade da pessoa humana
Neste vieacutes eacute possiacutevel dizer que no que diz respeito aos direitos fundamentais a Corte
de certa forma apresenta certa relaccedilatildeo com as doutrinas apresentadas uma vez que em casos
em que existam registros de violaccedilotildees aos direitos humanos inderrogaacuteveis quais sejam os
que tem como cerne a dignidade humana baacutesica a Corte natildeo permite qualquer espeacutecie de
margem nacional de apreciaccedilatildeo Vejamos por exemplo o caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila96
julgado em 2006 O demandante perante o Tribunal de Estrasburgo foi um terrorista
venezuelano conhecido na deacutecada de 1970 condenado pelo Estado Francecircs agrave prisatildeo perpeacutetua
pelo assassinato em 1974 dois inspetores da poliacutecia francesa e um antigo companheiro
terrorista libanecircs
Saacutenchez recorreu agrave Corte Europeia arguindo violaccedilotildees do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo
Europeia dos Direitos do Homem (proibiccedilatildeo da tortura e tratamentos humanos degradantes) e
do artigo 13 do mesmo diploma legal (direito a um recurso efetivo) Embora no julgamento
tenha ficado decidido que natildeo houve violaccedilatildeo ao artigo 3ordm97
o posicionamento da Corte
permite asseverar que natildeo haacute margem nacional de deferecircncia aos Estados quando o assunto
for violaccedilatildeo de direitos humanos ou fundamentais inderrogaacuteveis ou cujo nuacutecleo central for a
dignidade baacutesica da pessoa humana Nesse sentido a Corte pontuou que mesmo nas
circunstacircncias mais difiacuteceis como a luta contra o terrorismo ou o crime organizado a
Convenccedilatildeo proiacutebe em termos absolutos a tortura ou tratamentos inumanos ou degradantes
Igualmente natildeo confere o Tribunal margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso de
violaccedilatildeo de direitos humanos nas condiccedilotildees degradantes das prisotildees de muitos paiacuteses do Leste
Europeu O caso Kalashnikov vs Ruacutessia98
julgado em 15 de julho de 2002 cujo fundamento
foi repetido em muitos outros casos envolvendo condiccedilotildees humanas degradantes nas prisotildees
apresenta a consideraccedilatildeo de que deficientes condiccedilotildees objetivas e estruturais de cumprimento
de pena podem constituir uma violaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo Europeia
96
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-
1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila Sentenccedila
de 04 de julho de 2006 Acesso 05 nov 2014 97
Artigo 3ordm Proibiccedilatildeo da tortura Ningueacutem pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos desumanos
ou degradantes CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS
LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 98
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-
1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Kalashnikov vs Ruacutessia Sentenccedila de 15
de julho de 2002 Acesso 05 nov 2014
48
Ainda pode-se destacar o caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria99
em que novamente o motivo
que serve de base para o pedido de julgamento do Tribunal de Estrasburgo eacute a violaccedilatildeo do
artigo 3ordf da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de que ningueacutem poderaacute ser
submetido a torturas nem a penas ou tratamentos humanos degradantes O caso em comento
referiu-se agrave prisatildeo do senhor Borislav Gutsanov membro do Partido Comunista preso pela
poliacutecia da Bulgaacuteria em sua casa na frente de seus filhos e de sua esposa durante as
investigaccedilotildees de esquemas de grupos criminosos Segundo o relato das partes demandantes
Gustsanovi foi rendido em sua casa por volta das seis horas da manhatilde forccedilado a se ajoelhar e
algemado em frente a seus filhos menores de idade
A decisatildeo da Corte foi a de considerar que houve violaccedilatildeo do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo
uma vez que se mostrou desnecessaacuterio o ato dos policiais e natildeo condizente com os princiacutepios
da proporcionalidade e com as exigecircncias de garantia de direitos fundamentais de um Estado
Democraacutetico de Direito Isso porque o demandante natildeo teria oferecido resistecircncia em sua
prisatildeo de modo que algemaacute-lo diante de sua famiacutelia representou uma espeacutecie de tratamento
humano degradante
Casos como os acima previstos mostram um padratildeo doutrinaacuterio e jurisprudencial
semelhante vez que natildeo se encontram referecircncias expressas a qualquer margem nacional de
apreciaccedilatildeo para as autoridades nacionais O TEDH determina se as provas colhidas satildeo
suficientes ou natildeo para provar o real risco de tortura ou de tratamento humano e
degradante100
Logo pelo fato de que a natureza dos direitos envolvidos nesse caso eacute considerada
como fundamental de imediato eliminam-se as possibilidades de deferecircncia aos Estados Tal
compreensatildeo eacute o que faz o uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo ser extremamente reduzido
no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos Isso porque ateacute hoje diferentemente do Tribunal de Estrasburgo a Corte
Interamericana teve como maioria de demandas apresentadas as envolvendo delitos
praticados pelos Estados Americanos durante as ditaduras militares ou civil militares em que
casos de tortura e desaparecimento forccedilados eram julgados ou seja casos envolvendo a
violaccedilatildeo de direitos fundamentais ou humanos em sua perspectiva eacutetica de dignidade humana
e natildeo cultural
99
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-126982itemid[001-126982] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria Sentenccedila de 15 de outubro de 2013
Acesso 05 nov 2014 100
CONTRERAS op cit p 41
49
Nesse aspecto visiacutevel que quando se tratam de possiacuteveis violaccedilotildees de direitos
humanos inderrogaacuteveis previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos
a anaacutelise feita pelo Tribunal de Estrasburgo eacute de revisatildeo minuciosa da sentenccedila proferida no
paiacutes de origem da demanda bem como a possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute
extremamente reduzida para natildeo falar inexistente No caso de direitos democraacuteticos a
deferecircncia quando concedida pela Corte possui um limite miacutenimo e consoante o princiacutepio da
proporcionalidade soacute eacute concedida se a restriccedilatildeo eacute necessaacuteria e condizente com uma sociedade
democraacutetica
Nos direitos democraacuteticos referidos abarca-se a participaccedilatildeo poliacutetica atraveacutes das
possibilidades de liberdade de associaccedilatildeo ou de discurso poliacutetico Neste campo dos direitos de
participaccedilatildeo poliacutetica em sociedades democraacuteticas a margem concedida pelo Tribunal de
Estrasburgo consoante se afirmou eacute reduzida e sujeita a um controle rigoroso por parte do
oacutergatildeo jurisdicional internacional
Destaca-se o caso Lingens vs Austria101
que por mais que tenha sido julgado na
deacutecada de 1980 pela Corte Europeia eacute emblemaacutetico em relaccedilatildeo ao posicionamento do
tribunal internacional acerca da liberdade de expressatildeo Nesse caso durante o periacuteodo anterior
agraves eleiccedilotildees na Aacuteustria o jornalista Lingens publicou dois artigos polecircmicos sobre os
candidatos incluindo em um desses artigos a informaccedilatildeo de que o entatildeo presidente do
Partido Liberal Nacional da Aacuteustria teria ligaccedilotildees no passado com o nazismo e com a SS
Contra o jornalista foi instaurado um processo penal e ao fim da instruccedilatildeo criminal
este fora condenado pelo delito de difamaccedilatildeo conforme as regras do direito penal austriacuteaco
Esgotadas as vias internas de recurso o jornalista demandou perante a Corte Europeia
alegando que houve por parte do Estado violaccedilatildeo do artigo 10 da Convenccedilatildeo Europeia
havendo censura em seu direito de expressar-se livremente O Estado por sua vez nas razotildees
apresentadas perante o tribunal internacional justificou a condenaccedilatildeo na convicccedilatildeo de
proteccedilatildeo da honra dos direitos de outrem
Frente a este embate o Tribunal de Estrasburgo reconheceu uma margem miacutenima de
deferecircncia agraves autoridades domeacutesticas no que concerne aos oacutergatildeos locais na avaliaccedilatildeo de uma
necessidade social imperiosa que justificaria a interferecircncia na liberdade de expressatildeo de
Lingens Entretanto ressaltou que essa deferecircncia seria seguida por uma riacutegida supervisatildeo
101
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lingens vs Austria Sentenccedila de 8 de julho de 1986 Acesso
05 nov 2014
50
internacional uma vez estar se tratando de direitos fundamentais para o bom funcionamento
de uma sociedade democraacutetica
Ainda nesse sentido o TEDH arguiu que a liberdade de debate poliacutetico eacute cerne da
democracia e considerar que qualquer ofensa ou notiacutecia acerca de uma pessoa puacuteblica seria
sempre difamaccedilatildeo poderia impedir a imprensa na realizaccedilatildeo de sua tarefa de fornecedora de
informaccedilotildees Deste modo aplicando de forma conjunta os princiacutepios da proporcionalidade e
da subsidiariedade o Tribunal de Estrasburgo decidiu que a condenaccedilatildeo fora desproporcional
ao objetivo legiacutetimo perseguido e constituiu uma violaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo no
acircmbito da Convenccedilatildeo Europeia
Tambeacutem merece anaacutelise o caso July and Sarl Libeacuteration vs France102
cuja sentenccedila
foi proferida em 2008 Neste caso o jornal francecircs Libeacuteration divulgou uma reportagem a
respeito das investigaccedilotildees da morte do juiz Bernard Borrel que em um primeiro momento
havia sido dada como suiciacutedio mas apoacutes a reabertura das investigaccedilotildees houve surgimento de
indiacutecios de morte por encomenda Apoacutes a divulgaccedilatildeo da reportagem contendo informaccedilotildees
acerca da participaccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos na morte do magistrado o diretor do jornal
Senhor July foi processado criminalmente pelo crime de difamaccedilatildeo e condenado pelo governo
francecircs
O TEDH em sua manifestaccedilatildeo asseverou que o caso em questatildeo trazia niacutetida
interferecircncia de autoridades puacuteblicas na liberdade de expressatildeo e essa interferecircncia caso natildeo
siga os requisitos do artigo 10103
da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos representa
clara violaccedilatildeo do direito de liberdade de expressatildeo Nessa situaccedilatildeo ainda a Corte faz uso de
uma triacuteade de requisitos descritos por Contreras104
para a concessatildeo da margem a) prescriccedilatildeo
legal - verificar se a restriccedilatildeo realizada pela autoridade domeacutestica foi autorizada ou pelo
102
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-85084itemid[001-85084] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso July and Sarl Libeacuteration vs France Sentenccedila de 14 de
fevereiro de 2008 Acesso 05 nov 2014 103
Artigo 10 Liberdade de expressatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de expressatildeo Este direito
compreende a liberdade de opiniatildeo e a liberdade de receber ou de transmitir informaccedilotildees ou ideias sem que
possa haver ingerecircncia de quaisquer autoridades puacuteblicas e sem consideraccedilotildees de fronteiras O presente artigo
natildeo impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusatildeo de cinematografia ou de televisatildeo a um
regime de autorizaccedilatildeo preacutevia 2 O exerciacutecio desta liberdades porquanto implica deveres e responsabilidades
pode ser submetido a certas formalidades condiccedilotildees restriccedilotildees ou sanccedilotildees previstas pela lei que constituam
providecircncias necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a integridade territorial ou a
seguranccedila puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral a proteccedilatildeo da
honra ou dos direitos de outrem para impedir a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees confidenciais ou para garantir a
autoridade e a imparcialidade do poder judicial CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS
DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 104
CONTRERAS op cit p 34
51
menos executada em conformidade com a lei b) objetivo legiacutetimo c) se a medida foi
necessaacuteria em uma sociedade democraacutetica
No caso pode ser feito o destaque para o trecho da sentenccedila em que analisando a
necessidade da medida de investigaccedilatildeo do crime de difamaccedilatildeo a Corte arguiu que a tarefa do
tribunal internacional no exerciacutecio de sua competecircncia de fiscalizaccedilatildeo natildeo eacute de tomar o lugar
das autoridades competentes mas sim rever as decisotildees que porventura violarem preceitos
previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem quando entregues ao poder de
apreciaccedilatildeo do Estado Deve entatildeo a Corte agrave luz do caso como um todo avaliar se a medida
tomada pelo Estado foi proporcional ao objetivo legiacutetimo perseguido e se os motivos
indicados pelas autoridades nacionais satildeo suficientes e relevantes Por tais motivos no caso
em questatildeo o TEDH declarou que houve violaccedilatildeo por parte do Estado Francecircs do direito de
liberdade de expressatildeo devendo este arcar com uma indenizaccedilatildeo agraves partes prejudicadas
Ainda dentro dessa esfera de atuaccedilatildeo mais precisamente no que concerne ao direito
democraacutetico de livre reuniatildeo e associaccedilatildeo previsto no artigo 11105
da Convenccedilatildeo Europeia o
destaque pode ser dado aos casos do Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia106
julgado em 2005 e Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia107
julgado em 2006 O primeiro deles
trata da questatildeo de dissoluccedilatildeo do Partido Comunista da Turquia ordenado pelo Tribunal
Constitucional do paiacutes sob as razotildees de que era incompatiacutevel com as obrigaccedilotildees
constitucionais e convencionais do Estado
Ao apreciar tal caso a Corte alegou que os partidos poliacuteticos satildeo estruturas essenciais
para o bom e justo funcionamento da democracia Embora natildeo negue certa margem de
deferecircncia aos Estados para que dissolvam partidos poliacuteticos que poderiam tentar minar a
estrutura constitucional do Estado tal decisatildeo se executada pode sofrer revisatildeo se natildeo
105
Artigo 11 Liberdade de reuniatildeo e de associaccedilatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo
paciacutefica e agrave liberdade de associaccedilatildeo incluindo o direito de com outrem fundar e filiar-se em sindicatos para a
defesa dos seus interesses 2 O exerciacutecio deste direito soacute pode ser objeto de restriccedilotildees que sendo previstas na
lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a seguranccedila
puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral ou a proteccedilatildeo dos direitos
e das liberdades de terceiros O presente artigo natildeo proiacutebe que sejam impostas restriccedilotildees legiacutetimas ao exerciacutecio
destes direitos aos membros das forccedilas armadas da poliacutecia ou da administraccedilatildeo do Estado CONVENCcedilAtildeO
EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS
1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 106
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia
Sentenccedila de 2005 Acesso 05 nov 2014 107
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia Sentenccedila de 15 de
julho de 2006 Acesso 05 nov 2014
52
adequar-se agraves previsotildees da Convenccedilatildeo Europeia Logo o Tribunal embora tenha feito a
ressalva de que podem os Estados dissolver partidos poliacuteticos na situaccedilatildeo afirmou que houve
violaccedilatildeo dos direitos de liberdade de associaccedilatildeo visto que natildeo havia qualquer indiacutecio de que
o partido por ter ideal comunista poderia colocar em risco a estrutura do Estado
Da mesma forma o caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia que envolve o direito
de liberdade sindical Na situaccedilatildeo o Governo turco justifica o fechamento de sindicatos com
base em previsotildees da legislaccedilatildeo trabalhista interna a qual natildeo permite que funcionaacuterios criem
sindicatos A Corte na anaacutelise da situaccedilatildeo tambeacutem asseverou que houve violaccedilatildeo do artigo
11 mesmo que neste existam ressalvas em relaccedilatildeo agrave liberdade de associaccedilatildeo de membros das
Forccedilas Armadas da Poliacutecia e da Administraccedilatildeo do Estado Contudo essas limitaccedilotildees devem
ser interpretadas pelos Estados dentro da sua margem de apreciaccedilatildeo de maneira restrita
Se esses casos expostos ilustram exemplos de margem nacional de apreciaccedilatildeo
reduzida ou inexistente o polo oposto envolve os direitos concernentes agrave propriedade para os
quais a Corte Europeia possui entendimento de que a margem de deferecircncia agraves autoridades
domeacutesticas deve ser maior e mais elaacutestica bem como a supervisatildeo por parte do Tribunal
Internacional deve ser menor e relativizada Isso porque as autoridades nacionais em uma
concepccedilatildeo semelhante agrave de juiz natural no processo estariam mais bem situadas que o juiz
internacional para avaliar qual eacute o interesse geral de uma comunidade nessa seara108
A proteccedilatildeo internacional dos direitos de propriedade encontra-se no artigo 1ordm109
do
Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo de Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades
Fundamentais Jaacute na previsatildeo normativa encontra-se a prerrogativa de que qualquer pessoa
singular ou coletiva tem direito ao respeito de seus bens natildeo podendo haver privaccedilatildeo da
propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica ou por condiccedilotildees previstas em lei Desta maneira
as demandas soacute seratildeo revistas pela Corte caso implicarem violaccedilatildeo expliacutecita a esse artigo
Segundo Roca110
a jurisprudecircncia internacional definiu que a previsatildeo normativa
anteriormente destacada segue trecircs criteacuterios em primeiro lugar deve ser respeitado o direito
ao respeito e gozo paciacutefico dos bens dos indiviacuteduos Na sequecircncia a segunda regra
108
CONTRERAS op cit p 40 109
Artigo 1 Proteccedilatildeo da propriedade Qualquer pessoa singular ou coletiva tem direito ao respeito dos seus bens
Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas
pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo
do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso
dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees
ou de multas CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS
LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 110
ROCA op cit p 127
53
compreende uma garantia contra a privaccedilatildeo ilegal ou seja somente poderaacute haver
expropriaccedilatildeo ou privaccedilatildeo da propriedade em casos de utilidade puacuteblica e de acordo com
condiccedilotildees legalmente previstas Por fim o terceiro paracircmetro eacute a possibilidade de o Estado
estabelecer restriccedilotildees ao direito de propriedade tendo por base a prevalecircncia do interesse
puacuteblico sobre o privado
Logo sob a base desses criteacuterios e de alguns casos jaacute julgados pelo oacutergatildeo jurisdicional
internacional eacute possiacutevel asseverar que a margem de apreciaccedilatildeo concedida aos paiacuteses eacute larga
quando se estaacute diante dos direitos de propriedade No caso Back vs Finlacircndia111
de 2004 que
trata de noccedilotildees de utilidade puacuteblica em casos de expropriaccedilatildeo haacute o reforccedilo da noccedilatildeo de
subsidiariedade da Corte Europeia com o entendimento de que esta deve respeitar as decisotildees
das autoridades nacionais soacute sendo possiacutevel e viaacutevel a intervenccedilatildeo se o juiacutezo for
manifestamente desprovido de bases racionais
Por fim poreacutem natildeo menos importante aborda-se o uacuteltimo grupo de jurisprudecircncias da
Corte Europeia de Direitos Humanos que pode ser enquadrado no que Roca determina como
ciacuterculo mediano vez que conteacutem temas em que o posicionamento do Tribunal de Estrasburgo
em relaccedilatildeo agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute oscilante Eacute nesse grupo que pode ser
visualizada toda a complexidade da margem e suas vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis em casos
semelhantes envolvendo por exemplo liberdade religiosa direito de homossexuais e
transexuais e outros temas
Justamente nesse ciacuterculo que natildeo apresenta por parte dos doutrinadores jaacute referidos no
capiacutetulo anterior um criteacuterio de unificaccedilatildeo se apresenta o embate entre o universalismo de
alguns direitos previstos nos marcos normativos internacionais de direitos humanos ndash com
destaque para a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos ndash e o relativismo relativo a noccedilotildees
religiosas e culturais que compotildeem a identidade dos diferentes povos europeus
Nesse aspecto no que tange agrave liberdade religiosa a qual eacute prevista pelo artigo 9ordm112
da
CEDH temos duas decisotildees emblemaacuteticas do Tribunal de Estrasburgo o caso Lautsi vs
111
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-114486itemid[001-114486] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Back vs Finlacircndia Sentenccedila de 13 de novembro de 2002
Acesso 05 nov 2014 112
Artigo 9 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de pensamento de consciecircncia e de religiatildeo este direito
implica a liberdade de mudar de religiatildeo ou de crenccedila assim como a liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou a
sua crenccedila individual ou coletivamente em puacuteblico e em privado por meio do culto do ensino de praacuteticas e da
celebraccedilatildeo de ritos 2 A liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou convicccedilotildees individual ou coletivamente natildeo
pode ser objeto de outras restriccedilotildees senatildeo as que previstas na lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa
sociedade democraacutetica agrave seguranccedila puacuteblica agrave proteccedilatildeo da ordem da sauacutede e moral puacuteblicas ou agrave proteccedilatildeo dos
direitos e liberdades de outrem CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO
54
Itaacutelia113
julgado em 2011 e o caso Leyla Sahin vs Turquia114
julgado em 2005 Isso porque
nesses casos respectivamente o TEDH referendou as normas que impotildeem a presenccedila de
crucifixos nas escolas puacuteblicas italianas e natildeo opocircs objeccedilotildees a restriccedilotildees estatais concernentes
ao uso do veacuteu islacircmico no contexto educativo
No primeiro caso o TEDH retificou a decisatildeo da Corte Constitucional Italiana que
em 2009 havia estabelecido por unanimidade que a norma italiana a qual impunha desde a
deacutecada de 1920 a presenccedila de crucifixo nas paredes de escolas puacuteblicas havia violado o direito
da senhora Lautsi a educar seus filhos conforme suas convicccedilotildees laicas e liberdade religiosa
Portanto o Tribunal italiano argumentou que a manutenccedilatildeo de um siacutembolo religioso em salas
de aula de uma escola puacuteblica poderia perturbar emocionalmente os estudantes que natildeo
professassem religiatildeo alguma a ter a percepccedilatildeo de que o contexto educativo estava marcado
pela religiatildeo
Para retificar tal sentenccedila o TEDH argumentou por uma valoraccedilatildeo abstrata de
compatibilidade entre a norma italiana que permitia o uso de crucifixos nas escolas puacuteblicas e
os direitos convencionais sendo que a margem nacional de apreciaccedilatildeo foi aplicada para essa
valoraccedilatildeo da norma italiana Em primeiro lugar o Tribunal Europeu matizou quais satildeo as
exigecircncias convencionais de neutralidade religiosa na educaccedilatildeo indicando que se proiacutebe o
proselitismo ou a adoccedilatildeo no marco educativo de algo compatiacutevel com o estabelecimento de
o ensino obrigatoacuterio de uma religiatildeo ou a imposiccedilatildeo de uma religiatildeo no ensino puacuteblico
O crucifixo no entendimento do TEDH eacute um siacutembolo religioso passivo cuja
influecircncia natildeo se compara a que exercem a educaccedilatildeo religiosa ou a participaccedilatildeo em atividades
religiosas Logo a percepccedilatildeo subjetiva de que o crucifixo supotildee uma ausecircncia de respeito ao
direito de liberdade religiosa natildeo basta para considerar que tenha havido uma violaccedilatildeo agrave
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Para o TEDH portanto sempre que natildeo exista
a pretensatildeo de doutrinar o Estado goza de margem de deferecircncia para decidir sobre a
permanecircncia dos crucifixos em sala de aula
HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em
httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 113
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
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EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lautsi vs Italia Sentenccedila de 18 de marccedilo de 2011 Acesso 05
nov 2014 114
O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico
httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-70956itemid[001-70956] CORTE
EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Leyla Sahin vs Turquia Sentenccedila de 10 de novembro de
2005 Acesso 05 nov 2014
55
No caso Leyla Sahin de proibiccedilatildeo do uso do veacuteu islacircmico por uma jovem no recinto
de sua universidade para o TEDH os Estados tecircm autonomia para limitar o uso do veacuteu em
locais como escolas puacuteblicas ou universidades Para referendar essa restriccedilatildeo agrave liberdade
religiosa o Tribunal Europeu admitiu o uso da margem de apreciaccedilatildeo por parte do Estado em
razatildeo da ausecircncia de um consenso europeu sobre a mateacuteria somado agrave ideia de que as
autoridades nacionais podem lidar melhor com o assunto por estarem mais perto das
realidades nacionais do que o oacutergatildeo jurisdicional internacional
Para o TEDH desta forma a opccedilatildeo poliacutetica de um Estado pelo laicizismo pode
justificar restriccedilotildees agrave liberdade religiosa e exigir sacrifiacutecios aos indiviacuteduos em prol da
harmonia religiosa do paiacutes Embora portanto haja restriccedilatildeo da liberdade individual religiosa
no caso em questatildeo a proibiccedilatildeo natildeo viola a CEDH
A aplicaccedilatildeo dos princiacutepios da subsidiariedade e da proporcionalidade bem como a
falta de consenso na Europa acerca de questotildees como as apresentadas marcaram o
posicionamento do TEDH na concessatildeo de margem de deferecircncia aos Estados no que
concerne agrave liberdade religiosa A grande criacutetica contudo reside na falta de criteacuterios
especiacuteficos e de clareza no uso da ferramenta
Neste uacuteltimo grupo portanto vislumbra-se o que Kratochivil115
menciona como
ldquomedida misteriosardquo ou seja natildeo existem paracircmetros ou criteacuterios especiacuteficos para a aplicaccedilatildeo
da margem Pelo contraacuterio haacute falta de clareza e de limites demonstrando que a banalizaccedilatildeo
do uso da MNA liquidifica sua substacircncia e pode gerar inseguranccedila juriacutedica aos litigantes
Sob essa oacutetica no campo de direitos inderrogaacuteveis como eacute o caso dos direitos que compotildeem
esse uacuteltimo grupo a consideraccedilatildeo de Vila116
merece destaque
Segundo a autora nesse campo que envolve relativismos culturais a postura do TEDH
varia entre a adoccedilatildeo de uma versatildeo voluntarista de MNA ou a adoccedilatildeo de uma versatildeo
racionalista A primeira se centra no direito de que o Tribunal de Estrasburgo eacute um oacutergatildeo
internacional e assume uma visatildeo normativa e natildeo meramente temporal ou procedimental
acerca do princiacutepio da subsidiariedade Por isso o TEDH reconhece que sua legitimidade
poliacutetica eacute meramente derivada e outorga uma presunccedilatildeo em favor do Estado evitando realizar
uma valoraccedilatildeo independente de compatibilidade entre as medidas impugnadas e o convecircnio
Esta presunccedilatildeo soacute eacute rompida quando haacute razotildees fortes para concluir que o Estado extrapolou o
exerciacutecio de sua autonomia Sob a oacutetica desta concepccedilatildeo fatores como a falta de consenso
115
KRATOCHVIL op cit p 330 116
VILA op cit p 10
56
europeu ou a ideia de que os Estados situam-se em um local melhor apropriado para decidir
adquirem importacircncia por razotildees de legitimidade institucional
Entretanto a oacutetica racionalizada de MNA percebe a ferramenta como um resultado de
efetuar um balanccedilo entre os valores que estatildeo em jogo na proteccedilatildeo dos direitos convencionais
mais do que uma presunccedilatildeo de partida em favor do Estado O TEDH centra-se em examinar
se a medida estatal impugnada consegue alcanccedilar um balanccedilo equitativo entre direitos
individuais e valores democraacuteticos A finalidade natildeo eacute justificar a deferecircncia mas reconhecer
de modo equilibrado os valores democraacuteticos no seio da CEDH
Sobretudo neste uacuteltimo grupo analisado ao qual aqui somente satildeo trazidos casos em
relaccedilatildeo agrave liberdade religiosa (artigo 9ordm da CEDH) concentram-se as criacuteticas em relaccedilatildeo agrave
falta de paracircmetros do TEDH para deferir ou natildeo uma margem de apreciaccedilatildeo aos Estados
Essa variabilidade eacute por alguns117
definida como um ponto negativo de falta de definiccedilatildeo de
criteacuterios o que pode levar a uma margem larga ou a uma margem estreita A primeira poderia
conduzir ao processo de fragmentaccedilatildeo do espaccedilo europeu enquanto a segunda poderia forccedilar
a integraccedilatildeo sob o domiacutenio de uma concepccedilatildeo moderna de direitos humanos pautada pelo
liberalismo e individualismo
Deste modo duas respostas podem ser concedidas agrave pergunta cerne deste trabalho a
margem constitui-se em um instrumento eficaz no processo de construccedilatildeo de um direito
comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa uma vez que sob a perspectiva eacutetica
destes direitos o TEDH preza pela preservaccedilatildeo do irredutiacutevel humano e dos direitos
inderrogaacuteveis e absolutos da pessoa humana Prova disso eacute a ausecircncia ou a miacutenima margem
que eacute concedida para casos envolvendo tortura ou tratamentos humanos degradantes ou
violaccedilatildeo de direitos democraacuteticos
No entanto a ausecircncia de paracircmetros e de criteacuterios por parte do Tribunal de
Estrasburgo (ausecircncia constatada por diversos doutrinadores trazidos ao longo deste trabalho
e exemplificada de modo sinteacutetico atraveacutes da anaacutelise de casos emblemaacuteticos envolvendo
liberdade religiosa) no julgamento de direitos humanos quando vinculados a questotildees
culturais demonstram que no campo praacutetico ainda haacute muito para avanccedilar no processo de
siacutentese entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo dos direitos culturais
117
BRUM et SALDANHA Op cit
57
CONCLUSAtildeO
Slavoj Zizek118
certa vez afirmou que o papel do filoacutesofo natildeo eacute o de propor iniciativas
capazes de mudar o mundo ou as situaccedilotildees em curso mas de observar e interpretar a realidade
que eacute posta A pretensatildeo deste trabalho natildeo difere da conceituaccedilatildeo de filoacutesofo por Zizek Isso
porque em nenhum momento busca-se apresentar alternativas fortes para resolver problemas
postos mas sim almeja-se observar sob um amplo espectro os reflexos da mundializaccedilatildeo
dentro do Direito e de modo especiacutefico como atua o Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem no que concerne agrave aplicaccedilatildeo da figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo
Aos mais observadores da realidade que se apresenta eacute impossiacutevel negar que na atual
conjuntura da sociedade informacional a proliferaccedilatildeo exacerbada e anaacuterquica de normas e
instituiccedilotildees juriacutedicas gera uma sensaccedilatildeo de caos e de desordem que clama por uma ordenaccedilatildeo
Embora esse verdadeiro mosaico em que se transformou o Direito na atualidade possa ser
vislumbrado em acircmbito global uma anaacutelise mais apurada de uma parte do todo em
especiacutefico da Europa se mostra pertinente para avaliar as possibilidades de construccedilatildeo de um
pluralismo ordenado
A base possiacutevel desse pluralismo ordenado invariavelmente eacute um direito comum cujo
alicerce se encontra nos direitos humanos No contexto europeu de convivecircncia simultacircnea
de uma ldquopequena Europardquo e de uma ldquogrande Europardquo embora o direito comunitaacuterio jaacute tenha
se consolidado sendo um modelo sui generis para todo o globo ainda eacute preciso avanccedilar no
acircmbito da ldquogrande Europardquo ou do sistema regional europeu dos direitos do homem para a
criaccedilatildeo de um direito comum
Nesse sentido parece indiscutiacutevel que a base de um direito comum europeu seja
alicerccedilada na proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua dimensatildeo moral miacutenima ou no que
Delmas denomina de miacutenimo eacutetico universal e irredutiacutevel humano Logo a universalizaccedilatildeo
almejada natildeo tem como objetivo impor referecircncias de uma cultura sobre as demais e sim o
diaacutelogo entre as diferentes particularidades existentes no seio das diversas sociedades que
convivem na Europa a fim de encontrar o que haacute de valores comuns em todas elas
Todavia por mais que a premissa seja de faacutecil compreensatildeo os embates entre
universalismos e relativismos culturais estatildeo na ordem do dia na agenda do Tribunal de
Estrasburgo de modo que um dos temais mais debatidos atualmente no continente se refere
118
ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo Boitempo 2008
58
ao uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo por este tribunal a fim de conferir deferecircncia aos
Estados em algumas mateacuterias para decidir acerca de questotildees sensiacuteveis
O objetivo do presente trabalho foi o de analisar essa ferramenta hermenecircutica de
origem europeia sob a oacutetica de caos juriacutedico anteriormente apresentado De acordo com o que
fora apurado e estudado chegou-se a conclusatildeo de que o uso dessa doutrina contribui ainda
que de modo tiacutemido para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema europeu
Isso porque quando se tratam de temas concernentes agrave tortura a tratamentos humanos
degradantes a penas desproporcionais ou ainda a direitos democraacuteticos a Corte opta por
definir um entendimento que deve ser aplicado em todos os paiacuteses independentemente de
especificidades culturais Estariacuteamos proacuteximos portanto de uma definiccedilatildeo de direitos
humanos inderrogaacuteveis ou de um miacutenimo eacutetico universal proposto por Delmas e jaacute idealizado
por Kant em sua premissa de direito cosmopoliacutetico
No que tange ao restante dos direitos humanos em uma dimensatildeo cultural pode-se
dizer que a teoria da margem traduz uma ideia de que estaacute eacute capaz de harmonizar o
universalismo dos direitos humanos e o pluralismo advindo das diversidades culturais e
religiosas dos paiacuteses europeus Entretanto consoante a anaacutelise de posiccedilotildees doutrinaacuterias acerca
da utilizaccedilatildeo praacutetica do instituto pelo Tribunal de Estrasburgo bem como o embate
paradigmaacutetico de julgados envolvendo liberdade religiosa parece inevitaacutevel a conclusatildeo de
que como meacutetodo de harmonizaccedilatildeo entre plural e universal o oacutergatildeo jurisdicional
internacional do sistema europeu ainda tem muito a evoluir sobretudo na definiccedilatildeo de
paracircmetros e criteacuterios para servir de norte baacutesico em relaccedilatildeo aos mais diversos casos
59
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