internacionalizaÇÃo do direito e caminhos para a

64
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS CURSO DE DIREITO INTERNACIONALIZAÇÃO DO DIREITO E CAMINHOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UM DIREITO COMUM EUROPEU: ANÁLISE DA MARGEM NACIONAL DE APRECIAÇÃO MONOGRAFIA DE GRADUAÇÃO Rafaela da Cruz Mello Santa Maria, RS, Brasil 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE CIEcircNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

CURSO DE DIREITO

INTERNACIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO E

CAMINHOS PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM DIREITO

COMUM EUROPEU ANAacuteLISE DA MARGEM

NACIONAL DE APRECIACcedilAtildeO

MONOGRAFIA DE GRADUACcedilAtildeO

Rafaela da Cruz Mello

Santa Maria RS Brasil

2014

1

INTERNACIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO E CAMINHOS

PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU ANAacuteLISE DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO

Rafaela da Cruz Mello

Monografia apresentada agrave disciplina de Monografia II do Curso de Direito da

Universidade Federal de Santa Maria (UFSMRS) como requisito parcial para

obtenccedilatildeo do grau de

Bacharel em Direito

Orientadora Jacircnia Maria Lopes Saldanha

Santa Maria RS Brasil

2014

2

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE CIEcircNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

CURSO DE DIREITO

A Comissatildeo Avaliadora abaixo assinada

aprova a Monografia

INTERNACIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO E CAMINHOS PARA A

CONSTRUCcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM EUROPEU ANAacuteLISE DA

MARGEM NACIONAL DE APRECIACcedilAtildeO

Elaborada por

Rafaela da Cruz Mello

como requisito parcial para obtenccedilatildeo do grau de

Bacharel em Direito

COMISSAtildeO EXAMINADORA

Profordf Drordf Jacircnia Maria Lopes Saldanha

(PresidenteOrientadora)

Profordf Drordf Valeacuteria Ribas do Nascimento

(Universidade Federal de Santa Maria)

Prof Sadi Flocircres Machado

(Faculdade de Direito de Santa Maria)

Santa Maria 28 de novembro de 2014

3

AGRADECIMENTOS

Primeiramente meu principal agradecimento eacute a Deus que durante todo o periacuteodo de

elaboraccedilatildeo deste singelo trabalho garantiu-me forccedilas para superar todos os obstaacuteculos e

coragem para enfrentar todos os meus temores

Agrave minha estimada orientadora Professora Jacircnia pelos anos de trabalho que

desenvolvemos juntas e pelos ensinamentos conferidos durante todo este tempo Sem sobra de

duacutevida satildeo verdadeiros mestres e humanistas como a senhora os responsaacuteveis por fazer a

diferenccedila natildeo soacute na vida de alguns alunos como no mundo

Agrave minha matildee Marilene pelo apoio constante durante o periacuteodo de elaboraccedilatildeo deste

trabalho Muito obrigada pelo amor incondicional por confiar no meu potencial e me

incentivar a dar o melhor de mim em tudo

Ao meu irmatildeo Otaacutevio pelo carinho pela fraternidade e por ter parado inuacutemeras vezes

qualquer um de seus afazeres para escutar minhas anguacutestias ou meus ensaios de ideias para

este trabalho

Ao meu querido amigo Maacutercio pela parceria acadecircmica que deu iniacutecio a uma bela

amizade Obrigada pelas indagaccedilotildees constantes e por sempre me incentivar a ter uma postura

de inquietude em relaccedilatildeo ao mundo

Agrave Bruna pela amizade pelo apoio e pelo consolo nos momentos difiacuteceis Obrigada por

ter tornado especial cada um dos dias vividos dentro e fora da UFSM seja no Brasil ou aleacutem-

mar Agrave Tieli pela amizade e pela maneira leve e espontacircnea com que me ensinou a ver a vida

durante esses anos de graduaccedilatildeo

Por fim a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formaccedilatildeo deixo

aqui registrado o meu agradecimento

4

ldquoOs povos da terra participam em vaacuterios graus de uma comunidade

universal que se desenvolveu a ponto de que a violaccedilatildeo do direito

cometida em um lugar do mundo repercute em todos os demais

A ideia de um direito cosmopolita natildeo eacute portanto fantaacutestica ou

exagerada eacute um complemento necessaacuterio ao coacutedigo natildeo escrito

do Direito poliacutetico e internacional transformando-o num direito

universal da humanidade Somente nessas condiccedilotildees podemos

congratular-nos de estar continuamente avanccedilando em direccedilatildeo a

uma paz perpeacutetuardquo

(Immanuel Kant)

5

RESUMO

Monografia de Graduaccedilatildeo

Curso de Direito

Universidade Federal de Santa Maria

INTERNACIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO E CAMINHOS

PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU ANAacuteLISE DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO

Autora Rafaela da Cruz Mello

Orientadora Jacircnia Maria Lopes Saldanha

Data e Local da Defesa Santa Maria 28 de novembro de 2014

A evoluccedilatildeo da sociedade industrial para a sociedade informacional ocasiona mudanccedilas

significativas nas estruturas juriacutedicas Afirma-se que hoje a seara juriacutedica se assemelha a um

mosaico no qual um verdadeiro caos aparente se instala em razatildeo da multiplicidade de regras

e instituiccedilotildees de hierarquias diversas Nesse contexto o continente europeu pode ser

considerado como um verdadeiro laboratoacuterio de estudos uma vez que em um mesmo

territoacuterio convivem a ldquopequena Europardquo marcada pelo jaacute consolidado direito comunitaacuterio e a

ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos Sob esse panorama de

anaacutelise do espaccedilo europeu eacute que se propotildee o presente trabalho a analisar a possibilidade de

construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa analisando

como forma de viabilizar tal projeto a figura hermenecircutica da Margem Nacional de

Apreciaccedilatildeo Utiliza-se o meacutetodo dedutivo de abordagem e o meacutetodo de procedimento

monograacutefico e para melhor trabalhar com o tema divide-se o trabalho em duas grandes

partes a primeira analisa a evoluccedilatildeo dos direitos humanos nas duas esferas do espaccedilo

europeu para na sequecircncia trabalhar especificamente com a contribuiccedilatildeo das novas

geometrias juriacutedicas do processo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos bem como da

margem nacional de apreciaccedilatildeo para construir as bases de um direito comum europeu

pluralista Na sequencia aborda-se unicamente o instituto da margem nacional com a

finalidade de averiguar se o modo como o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem aplica a

ferramenta efetivamente contribui para a criaccedilatildeo desse direito comum bem como se

possibilita a harmonizaccedilatildeo entre o universalismo dos direitos do homem e o relativismo das

pluralidades e particularismos culturais

Palavras-chave Europa universalismo relativismo direito comum margem nacional de

apreciaccedilatildeo

6

ABSTRACT

Graduation Monografh

Law School

Federal University of Santa Maria

INTERNATIONALIZATION LAW AND WAYS FOR THE

CONSTRUCTION OF A COMMON EUROPEAN LAW

ANALISYS OF MARGIN OF APPRECIATION

Author Rafaela da Cruz Mello

Adviser Jacircnia Maria Lopes Saldanha

Date and Place of the Defense Santa Maria November 28 2014

The evolution of industrial society to the information society brings about significant changes

in the legal structures It is said that today the legal harvest resembles a mosaic in which a

real apparent chaos ensues because of the multiplicity of rules and various hierarchies of

institutions In this context the European continent can be considered as a true laboratory

studies since in the same territory live the little Europe marked by already established

Community law and the big Europe regional rights protection system humans Under this

scenario analysis of the European area do you propose this study to examine the possibility of

building a common law on human rights in Europe analyzing in order to facilitate such a

project hermeneutics figure of the National Assessment Bank We use the deductive method

of approach and the monographic method and procedure to better work with the theme the

work is divided into two main part the first analyzes the evolution of human rights in the two

spheres of Europe for in sequence work specifically with the contribution of the new legal

geometries the process of universalization of human rights and the national margin of

appreciation to build the foundations of a pluralistic European common law In sequence

addresses solely the Institute of National bank in order to ascertain whether how the

European Court of Human Rights applies to effectively contributes tool for the creation of this

common law and if possible harmonization between universalism of human rights and

cultural relativism of plurality and particularism

Keywords Europe universalism relativism common law national margin of appreciation

7

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 8

1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM

DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS 11

11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave

criaccedilatildeo de um direito comum 11

12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias

juriacutedicas a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da

figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo 20

2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU 33

21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem

Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu 33

22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos 43

CONCLUSAtildeO 57

REFEREcircNCIAS 59

8

INTRODUCcedilAtildeO

No iniacutecio do seacuteculo XX Hans Kelsen1 em ldquoTeoria Pura do Direitordquo defendeu a tese de

que para entender a ciecircncia juriacutedica era necessaacuterio observaacute-la de modo dissociado de outras

ciecircncias O autor propocircs a compreensatildeo do direito a partir da famosa piracircmide kelseniana a

norma fundamental ndash a Constituiccedilatildeo ndash estaria no topo da piracircmide e seria capaz de dotar de

validade o restante do ordenamento juriacutedico Abaixo desta norma fundamental estariam as

demais leis e regras do direito sendo que tal formulaccedilatildeo estagnada e sistemaacutetica da ordem

juriacutedica adequava-se aos anseios de organizaccedilatildeo de uma sociedade industrial

Todavia por trabalhar com conflitos sociais o direito natildeo fica alheio agraves vicissitudes

do seacuteculo XX sendo que a Europa apresenta-se como um importante laboratoacuterio de

observaccedilatildeo de mudanccedilas Apoacutes a Segunda Guerra Mundial emergem na sociedade poacutes-

industrial e posteriormente informacional novas estruturas juriacutedicas que natildeo mais satildeo

capazes de se adequar agrave inflexiacutevel loacutegica hieraacuterquica kelseniana Estamos na era do que

Losano2denomina de ldquodireito turbulentordquo que se move se agita e muda de modo veloz assim

como a sociedade que o cerca embora natildeo tatildeo rapidamente quanto esta sociedade

Em razatildeo disso novas geometrias satildeo criadas para tentar explicar o panorama juriacutedico

da sociedade atual Na Europa por exemplo em que temos convivendo sistemas juriacutedicos de

origens e de ordens diversas ndash sistema internacional nacional supranacional ndash autores

determinam que se vive o tempo do Estado em Rede3ou dos aneacuteis disformes com a

proximidade de guirlandas4 ocasionando ao mais despercebido leitor da realidade um

sentimento de caos juriacutedico

Nesse sentido eacute possiacutevel destacar o pensamento de Mireille Delmas-Marty5 que

revoluciona o pensamento de Kelsen Segundo ela essa falta de sistematizaccedilatildeo

aparentemente anaacuterquica eacute solo feacutertil para a construccedilatildeo de um direito comum pluralista em

1 KELSEN Hans Teoria Pura do Direito Traduccedilatildeo de Joatildeo Baptista Machado Satildeo Paulo Martins Fontes

1996 2 LOSANO Mario G Modelos teoacutericos inclusive na praacutetica da piracircmide agrave rede Novos paradigmas nas

relaccedilotildees entre direitos nacionais e normativas supraestatais Revista do Instituto dos Advogados do Estado de

Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 08 n16 p 264-284 2005 3 CASTELLS Manuel Para o Estado-Rede globalizaccedilatildeo econocircmica e instituiccedilotildees poliacuteticas na era da

informaccedilatildeo In PEREIRA Luiz Carlos Bresser WILHEIM Jorge SOLA Lourdes (Org) Sociedade e Estado

em transformaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora UNESP Brasiacutelia ENAP 1999a p164 4 DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006

5 Id 2004a

9

mateacuteria de direitos humanos A sociedade em tempos de globalizaccedilatildeo precisa resistir ao

processo de desumanizaccedilatildeo e de coisificaccedilatildeo do homem de modo que a base para a

construccedilatildeo desse direito comum pluralista devem ser os direitos humanos

Sob a oacutetica europeia que seraacute aqui analisada por ser um importante referencial para os

estudos das mudanccedilas sociais e juriacutedicas dos seacuteculos XX e XXI de que direitos humanos

referimo-nos para ser a base de um direito comum Em um continente tatildeo muacuteltiplo e plural

como realizar o diaacutelogo positivo entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo

das diferentes culturas

Sob esta oacutetica emerge a figura central desse estudo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

(MNA) bem como sua contribuiccedilatildeo para a construccedilatildeo de um direito comum e para a

harmonizaccedilatildeo entre universalismo e relativismo no contexto da Europa Este recurso

hermenecircutico denominado Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo trata-se de uma construccedilatildeo

jurisprudencial criada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante tambeacutem

referido como Tribunal de Estrasburgo) com a finalidade de conferir algum espaccedilo de

deferecircncia para que os tribunais nacionais dos Estados possam decidir algumas questotildees

consoante suas particularidades locais

Embora esta seja a teoria sob a qual se alicerccedila o instituto almeja-se neste trabalho

responder os seguintes questionamentos a doutrina da MNA aplicada pelo Tribunal Europeu

dos Direitos Humanos contribui para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema

europeu de proteccedilatildeo dos direitos do homem Em sua aplicaccedilatildeo praacutetica a margem se mostra

como um recurso eficaz para harmonizar o universalismo dos direitos humanos e o pluralismo

advindo das diversidades culturais e religiosas dos diferentes paiacuteses que fazem parte do

Conselho da Europa

Para responder tal questionamento utilizou-se o meacutetodo dedutivo como meacutetodo de

abordagem e o meacutetodo monograacutefico de procedimento atraveacutes da leitura e fichamento das

diferentes construccedilotildees teoacutericas e doutrinaacuterias sobre o tema bem como anaacutelise de alguns

julgamentos paradigmaacuteticos do Tribunal de Estrasburgo Para melhor compreensatildeo da

complexidade do tema trabalhado dividiu-se esta monografia em duas grandes partes a parte

1 se ocupa da paisagem europeia no poacutes-Segunda Guerra Mundial com a criaccedilatildeo da ldquopequena

Europardquo do direito comunitaacuterio e da ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos

direitos humanos avaliando em ambos os cenaacuterios de que modo se deu a preocupaccedilatildeo com a

temaacutetica dos direitos humanos ou fundamentais (11)

Por conseguinte no intuito de aprofundar o estudo sobre a possibilidade de criaccedilatildeo de

um direito comum no contexto da ldquogrande Europardquo buscou-se uma anaacutelise das novas

10

geometrias da paisagem juriacutedica e do tipo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos que se

procura dentro desse cenaacuterio avaliando por conseguinte o surgimento da figura da MNA

(12) A parte 2 por sua vez objetiva a anaacutelise pura do instituto da Margem Nacional de

Apreciaccedilatildeo averiguando o histoacuterico de sua criaccedilatildeo e as definiccedilotildees acerca de seu conceito

(21) para na sequecircncia avaliar a partir da anaacutelise de alguns julgamentos paradigmaacuteticos do

Tribunal de Estrasburgo se tal ferramenta hermenecircutica se demonstra eficaz no processo de

harmonizaccedilatildeo das tensotildees entre universalismo e relativismos e se pode ser relevante no

processo de criaccedilatildeo de um direito comum cuja base satildeo os direitos humanos (22)

11

1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM

DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS

O seacuteculo XX trouxe mudanccedilas significativas para os mais diversos segmentos da vida

social e o direito natildeo ficou alheio agraves vicissitudes decorrentes do poacutes-Segunda Guerra Mundial

O continente europeu sobretudo passa a ser o cenaacuterio de revoluccedilotildees na estrutura juriacutedica ateacute

entatildeo conhecida com o surgimento praticamente concomitante de instituiccedilotildees supranacionais

e internacionais para aleacutem das nacionais

Neste vieacutes uma das preocupaccedilotildees primordiais do poacutes-guerra foi a de garantir a tutela

dos direitos humanos mesmo diante das mudanccedilas latentes no cenaacuterio juriacutedico Desta feita

deparamo-nos com duas esferas dentro do cenaacuterio europeu a ldquopequena Europardquo que origina

um direito comunitaacuterio europeu o qual mesmo tendo se ocupado com questotildees relativas agrave

economia e agrave integraccedilatildeo regional desenvolve a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais

atraveacutes do diaacutelogo jurisprudencial entre cortes de naturezas distintas e a ldquogrande Europardquo do

sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos espaccedilo haacutebil e possiacutevel para ser base de

criaccedilatildeo de um direito comum (11) Da evoluccedilatildeo de um campo ao outro a premissas de

universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo buscam

legitimar e consolidar a criaccedilatildeo desse direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

(12)

11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave

criaccedilatildeo de um direito comum

O historiador britacircnico Eric Hobsbawn6 talvez tenha encontrado a melhor adjetivaccedilatildeo

para o seacuteculo XX a ldquoEra dos Extremosrdquo Nas palavras do proacuteprio autor ldquoNatildeo sabemos o que

6 HOBSBAWN Eric A era dos extremos o breve seacuteculo XX 1941-1991 Satildeo Paulo Companhia das Letras

1995

12

viraacute a seguir nem como seraacute o segundo milecircnio embora possamos ter a certeza de que ele

teraacute sido moldado pelo Breve Seacuteculo XXrdquo7

Nesse sentido a Segunda Guerra Mundial representa o marco crucial natildeo soacute para a

preocupaccedilatildeo global em relaccedilatildeo aos direitos humanos8 com a criaccedilatildeo e fortalecimento de uma

grande quantidade de instrumentos normativos responsaacuteveis por sua tutela em acircmbito

mundial como tambeacutem para o surgimento de uma nova Europa Apoacutes o teacutermino da guerra

que teve como palco principal de seus acontecimentos o continente europeu diversos paiacuteses

se encontravam em uma situaccedilatildeo de caos politico fragmentaccedilatildeo e enfraquecimento

econocircmico aleacutem do perigo iminente de eclosatildeo de uma nova disputa de proporccedilotildees mundiais

advinda da dicotomia entre capitalismo e socialismo na entatildeo incipiente Guerra Fria

Eacute nesse contexto que emerge a ideia de criaccedilatildeo de um espaccedilo comum europeu

consubstanciado atraveacutes da integraccedilatildeo regional entre os paiacuteses do continente Ainda no inicio

do seacuteculo XX eacute possiacutevel destacar a ocorrecircncia de propostas relativamente concretas para a

integraccedilatildeo europeia como eacute o caso da proposta do francecircs Aristides Briand em 1929 de

criaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia sob a oacutetica de uma federaccedilatildeo ou seja fundada sob uma

noccedilatildeo de uniatildeo o que implica o respeito agrave soberania9 Todavia a crise econocircmica mundial a

ascensatildeo de nacionalismos na Europa e por fim a eclosatildeo da segunda grande guerra

obstaculizaram a adesatildeo a essa proposta

O cenaacuterio do poacutes-guerra de desintegraccedilatildeo social e miseacuteria econocircmica em grande parte

dos paiacuteses envolvidos gerou a instalaccedilatildeo do Congresso da Europa em Haia nas datas de 7 a

11 de maio de 1948 no qual houve a criaccedilatildeo do ldquoMovimento Europeurdquo No referido

congresso duas correntes foram estabelecidas as quais impulsionaram o surgimento da

ldquopequena Europardquo10

e da ldquogrande Europardquo respectivamente a Europa dos federalistas e a

7 Ibid p14

8 Pode-se nesse sentido destacar a descriccedilatildeo de Valeacuterio Mazzuoli de que desde a Segunda Guerra Mundial em

decorrecircncia dos horrores e atrocidades cometidos durante esse periacuteodo em que muitas vidas eram consideradas

como nuacutemeros e valiam tatildeo pouco os direitos humanos passaram a constituir um dos principais temas do Direito

Internacional contemporacircneo A normatividade internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos foi conquistada

por meio de lutas histoacuterias contiacutenuas e incessantes e consubstanciada em diversos tratados concluiacutedos com esse

propoacutesito tendo sido fruto de um lento e gradual processo de internacionalizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo desses

mesmos direitos o qual fora intensificado com o fim da Segunda Guerra Mundial MAZZUOLI Valeacuterio de

Oliveira Curso de Direito Internacional Puacuteblico 5 ed Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 811 9 SILVA Karine de Sousa Uniatildeo Europeia antecedentes e evoluccedilatildeo histoacuterica In SILVA Karine de Souza

COSTA Rogeacuterio Santos da(Org) Organizaccedilotildees Internacionais de Integraccedilatildeo Regional Uniatildeo Europeia

Mercosul e UNASUL Florianoacutepolis Ed Da UFSC Fundaccedilatildeo Boiteux 2013 p 54 10

Doravante por ldquopequena Europardquo estar-se-aacute referindo aos paiacuteses participantes da Uniatildeo Europeia sujeitos

portanto agraves decisotildees das instituiccedilotildees da Uniatildeo dentre as quais se destaca o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo

Europeia ldquoGrande Europardquo por sua vez refere-se aos paiacuteses que aderiram ao Conselho da Europa que hoje

somam um total de 47 (quarenta e sete) membros e que se submetem agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal Europeu de

Direitos Humanos PRINO Carla Sofia Abreu Relaccedilotildees entre TJUE e TEDH no contexto de adesatildeo da UE agrave

13

Europa dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental11

Os primeiros defendiam uma

integraccedilatildeo mais profunda entre os paiacuteses com transferecircncia de parcela de soberania dos

Estados para uma instituiccedilatildeo com poderes supranacionais sendo esta a base para a criaccedilatildeo da

Comunidade Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) Os segundos por sua vez se opunham agrave

cessatildeo de direitos soberanos impulsionando com seus ideais a criaccedilatildeo em 1949 do

Conselho da Europa com sede em Estrasburgo

Natildeo obstante essa divisatildeo surgida no Congresso da Europa eacute possiacutevel afirmar que a

base de construccedilatildeo da atual Uniatildeo Europeia deu-se com a criaccedilatildeo da Comunidade Europeia

do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) movida pelos ideais integracionistas do francecircs Jean Monnet

Contratado no poacutes-guerra para participar do Plano de Modernizaccedilatildeo e Equipamento da

Franccedila Monnet tinha medo de que o Plano Marshall norte-americano de empreacutestimo de

dinheiro para a reconstruccedilatildeo da Europa pudesse gerar uma diacutevida eterna aos paiacuteses do

continente com os Estados Unidos e para escapar disso via como uacutenica soluccedilatildeo a promoccedilatildeo

de um esforccedilo comum dos Estados atraveacutes de projetos de integraccedilatildeo regional

Por isso redigindo o texto da Declaraccedilatildeo de Schuman de 1950 Monet propagava a

ideia de integraccedilatildeo como meio de assegurar a paz e reerguer a poliacutetica e a economia dos

paiacuteses que foram destruiacutedos pela guerra Nesse sentido sua ideia foi a partir de uma ideologia

pacifista de influecircncia kantiana neutralizar a rivalidade franco-alematilde atraveacutes de uma espeacutecie

de mercado comum com a criaccedilatildeo de uma organizaccedilatildeo internacional com caraacuteter

supranacional que seria responsaacutevel pela gestatildeo dos recursos naturais da regiatildeo do Sarre e do

Ruhr os quais seriam colocados a serviccedilo da paz e natildeo da guerra12

A proposta integracionista daquele que eacute considerado o arquiteto do projeto de

integraccedilatildeo europeia era de retirar da matildeo dos Estados a capacidade de gestatildeo dos recursos

energeacuteticos que movimentavam a induacutestria beacutelica e da guerra Desta forma uma autoridade

internacional mais especificamente uma organizaccedilatildeo internacional setorial seria criada com

um status supranacional para gerenciar e administrar a produccedilatildeo de carvatildeo e de accedilo

funcionando atraveacutes da delegaccedilatildeo de parcelas da soberania estatal em questotildees especiacuteficas

Assim em 1951 com a assinatura do Tratado de Paris criou-se a Comunidade

Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) com a participaccedilatildeo inicial de seis paiacuteses Franccedila

Alemanha Itaacutelia Beacutelgica Holanda e Luxemburgo Posteriormente em 1957 com o Tratado

CEDH Debater a Europa Nuacutemero 4 JaneiroJunho 2011 Disponiacutevel em httpwwweurope-direct-

aveiroaevaeudebatereuropa Acesso 10 out 2014 11

SILVA Karine de Sousa De Paris a Lisboa sessenta anos de integraccedilatildeo europeia In SILVA Karine de

Souza Mercosul e Uniatildeo Europeia O Estado da arte dos processos de integraccedilatildeo regional Florianoacutepolis

Editora Modelo 2010 p 35 12

Ibid p 60

14

de Roma a Comunidade Econocircmica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia para a

Energia Atocircmica (CEEA ou Euratom) foram criadas consolidando-se deste modo as trecircs

comunidades que fizerem emergir o direito comunitaacuterio no seio da Europa Foi contudo

somente em 1992 com o Tratado de Maastrich ou Tratado da Uniatildeo Europeia que nasceu a

Uniatildeo Europeia propriamente dita consagrada em trecircs pilares baacutesicos as comunidades que

inicialmente lhe deram base a colaboraccedilatildeo em mateacuteria de poliacutetica exterior e seguranccedila

comum e a cooperaccedilatildeo no acircmbito judicial e policial em mateacuteria penal13

Visiacutevel deste modo que o que impulsionou a criaccedilatildeo de um direito comunitaacuterio

europeu foi a necessidade de reorganizaccedilatildeo do continente apoacutes 1945 e o fortalecimento

econocircmico de antigas potecircncias rivais como foi o caso da Franccedila e da Alemanha Ocorre que

de modo concomitante ao crescimento dos ideais dos federalistas a segunda corrente oriunda

do Congresso da Europa de 1949 dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental tambeacutem

cresceu e se tornou visiacutevel vez que possuiacutea como objetivo a realizaccedilatildeo de uma uniatildeo mais

estreita entre seus membros de modo a salvaguardar os ideais e princiacutepios que satildeo seu

patrimocircnio comum e favorecer seu progresso social e econocircmico

O Conselho da Europa surgido em 1949 portanto configura-se como outra

organizaccedilatildeo internacional surgida na Europa do poacutes-guerra tendo como base a consolidaccedilatildeo

sob o principio da cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses e natildeo o federalismo que implica cessatildeo de

parcelas da soberania Seu propoacutesito eacute o de defesa dos direitos humanos desenvolvimento

democraacutetico e estabilidade poliacutetico-social na Europa sendo chamado de ldquogrande Europardquo por

desde o iniacutecio contar com mais adesotildees de paiacuteses em relaccedilatildeo agrave CECA Eacute justamente dentro

desse Conselho que surge o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em 1959

oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa e

responsaacutevel pela tutela dos direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

(CEDH) de 1950

A eclosatildeo desses dois movimentos marca o iniacutecio de uma verdadeira revoluccedilatildeo dentro

da compreensatildeo do direito Se antes no continente europeu era possiacutevel vislumbrar a

existecircncia em grande medida e tatildeo somente de tribunais nacionais cuja competecircncia era

exercida dentro de determinado Estado sob a eacutegide de sua soberania o cenaacuterio altera-se e daacute

espaccedilo para a existecircncia natildeo soacute de tribunais nacionais como tambeacutem de tribunais

supranacionais e internacionais

13

Ibidem p 77

15

No caso do direito comunitaacuterio sua criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de

instituiccedilotildees que fortaleccedilam o sistema supranacional Em funccedilatildeo disso dentre os mais diversos

oacutergatildeos criados pelos sucessivos tratados comunitaacuterios pode-se destacar o Tribunal de Justiccedila

da Uniatildeo Europeia (TJUE) ou Tribunal de Luxemburgo

Este criado pelo Tratado de Paris de 1951 e adotado pelo Tratado de Roma de 1957

tem a finalidade de assegurar o cumprimento do direito comunitaacuterio e a interpretaccedilatildeo e

aplicaccedilatildeo dos Tratados dentro a vida da comunidade14

Submetem-se agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal

atualmente os vinte e oito15

paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e ao longo dos anos

ele se desenvolveu como uma importante instituiccedilatildeo capaz de contribuir ao desenvolvimento

da comunidade atraveacutes de consolidaccedilotildees jurisprudenciais e da conversatildeo dos tratados

constitutivos da comunidade em verdadeiras constituiccedilotildees materiais

Embora a preocupaccedilatildeo com os direitos humanos no cenaacuterio da ldquopequena Europardquo natildeo

tenha sido uma caracteriacutestica inicial dos tratados constitutivos das comunidades europeias o

diaacutelogo do Tribunal de Luxemburgo com os tribunais nacionais de alguns Estados europeus

traz agrave tona esse tema bem como se caracteriza por ser o grande responsaacutevel pela consolidaccedilatildeo

de princiacutepios baacutesicos do direito comunitaacuterio como eacute o caso da supremacia das normas

comunitaacuterias Neste vieacutes importante destaque deve ser feito ao caso CostaENEL16

de 1964

que marcou o surgimento da noccedilatildeo de supremacia das normas da comunidade europeia

O objeto de tal caso fora uma lei italiana de nacionalizaccedilatildeo da energia eleacutetrica

declarada incompatiacutevel com o Tratado da Comunidade Econocircmica Europeia Em sede de

reenvio prejudicial o Tribunal Constitucional Italiano enviou a questatildeo ao Tribunal de Justiccedila

da Uniatildeo Europeia o qual reconheceu que ao instituir uma comunidade de duraccedilatildeo ilimitada

com caraacuteter sui generis e poderes resultantes de delegaccedilatildeo de parcela da soberania os paiacuteses

limitariam seus direitos soberanos em prol de um conjunto de normas aplicaacutevel natildeo soacute agrave

comunidade como a todos os seus Estados membros17

14

OLIVEIRA Odete Maria de Uniatildeo Europeia processos de integraccedilatildeo e mutaccedilatildeo 1ordfed 3ordf tir Curitiba

Juruaacute 2003 15

Os vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia satildeo Alemanha Aacuteustria Beacutelgica Bulgaacuteria Chipre

Croaacutecia Dinamarca Eslovaacutequia Eslovecircnia Espanha Estocircnia Finlacircndia Franccedila Greacutecia Hungria Irlanda Itaacutelia

Letocircnia Lituacircnia Luxemburgo Malta Paiacuteses Baixos Polocircnia Portugal Reino Unido Repuacuteblica Checa

Romecircnia Sueacutecia Dados disponiacuteveis no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeuropaeuabout-

eucountriesmember-countriesindex_pthtm Acesso 01 nov 2014 16

O acoacuterdatildeo do referido caso encontra-se disponiacutevel na iacutentegra no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeur-

lexeuropaeulegal-contentPTTXTPDFuri=CELEX61964CJ0006ampfrom=EN Acesso 02 out 2014 17

FARENZENA Sueacutelen Costa versus ENEL ndash O primado do Direito Comunitaacuterio e a mudanccedila de paradigma o

Estado em rede europeu Revista da SJRJ Vol 19 nordm34 Rio de Janeiro 2012 Disponiacutevel em

httpwww4jfrjjusbrseerindexphprevista_sjrjarticleviewFile338296 Acesso 01 out 2014

16

Neste sentido determinou o Tribunal de Luxemburgo que a forccedila executiva do direito

comunitaacuterio natildeo poderia variar de um espaccedilo para outro ao sabor das legislaccedilotildees internas

Impossiacutevel portanto um Estado fazer prevalecer sobre uma ordem juriacutedica aceita sob o pilar

da reciprocidade e da cessatildeo de parcela de direitos soberanos uma medida unilateral anterior

ou posterior que lhe pode opor

Natildeo obstante tal decisatildeo a ideia de supremacia das normas comunitaacuterias por si soacute

natildeo foi adotada de modo paciacutefico por todos os tribunais constitucionais dos paiacuteses sujeitos agrave

jurisdiccedilatildeo do Tribunal de Luxemburgo Em funccedilatildeo disso houve a percepccedilatildeo por parte dos

juiacutezes do TJUE de que seria necessaacuterio acoplar agrave ideia de supremacia das normas

comunitaacuterias um discurso dotado de legitimidade que envolvesse princiacutepios e ideais comuns

natildeo soacute para a comunidade como para os Estados membros Esse discurso portanto seria o

discurso dos direitos fundamentais18

Ateacute o surgimento de algumas tensotildees entre os posicionamentos dos tribunais nacionais

e as decisotildees do TJUE havia certa resistecircncia por parte deste uacuteltimo em lidar com questotildees

concernentes aos direitos humanos ou fundamentais Isto porque o motivo que levou agrave criaccedilatildeo

das Comunidades Europeias e a posterior Uniatildeo Europeia foi predominantemente econocircmico

tanto eacute que os tratados iniciais das Comunidades Europeias natildeo trazem elementos que refiram

explicitamente a preocupaccedilatildeo com direitos humanos ou fundamentais19

Entretanto consoante

fora asseverado a supremacia das normas comunitaacuterias somente conseguiria se afirmar e se

consolidar caso fosse acoplada ao tema da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais

Neste sentido a deacutecada de 1960 pode ser vista como um importante marco para o

TJUE Casos como o Stauder (1969) e o Internationale Handelsgesellschaft20

(1970)

18

GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional

algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em

httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014 19

Pertinente o destaque da concepccedilatildeo de Gilmar Mendes e Geroge Rodrigo Bandeira Galindo sobre este tema

Segundo eles os instrumentos que instituiacuteram as comunidades europeias natildeo se referem de maneira expliacutecita agrave

proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais e haacute razotildees para isso A primeira delas reside no fato de que a

proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa deveria ser transferida para outra organizaccedilatildeo internacional no caso o

Conselho da Europa que foi uma instituiccedilatildeo fundamental para a elaboraccedilatildeo da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos

do Homem de 1950 Outra razatildeo sustenta-se na ideia de que a inclusatildeo imediata de um cataacutelogo de direitos

fundamentais nos tratados instituidores das Comunidades Europeias geraria conflitos entre as consolidadas

constituiccedilotildees estatais e o entatildeo incipiente direito comunitaacuterio Por fim outra razatildeo apontada eacute traduzida no fato

de que os Estados eram temerosos de que a imediata inclusatildeo de temas de direitos fundamentais ou humanos nos

tratados instituidores das Comunidades pudesse ampliar as competecircncias de prerrogativas de instituiccedilotildees receacutem-

criadas Ibidem p03

De qualquer forma houve no processo de germinaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia nos moldes em que hoje

conhecemos a predominacircncia de ideias economicistas e de integraccedilatildeo regional com base na aproximaccedilatildeo de

ideais produtivos e de mercado A preocupaccedilatildeo com a tutela de direitos humanos ou fundamentais surge atraveacutes

dos diaacutelogos espontacircneos entre as cortes constitucionais e o Tribunal de Luxemburgo 20

Neste caso o raciociacutenio da corte faz clara alusatildeo agrave vinculaccedilatildeo entre primazia do direito comunitaacuterio e a

proteccedilatildeo dos direitos fundamentais por parte das instituiccedilotildees comunitaacuterias Os pontos 3 e 4 do julgamento do

17

consolidaram o entendimento do Tribunal de Luxemburgo de que os direitos fundamentais

fazem parte dos princiacutepios gerais do direito comunitaacuterio Conflitos positivos de competecircncias

entre tribunais nacionais e o tribunal supranacional instituiacutedo no acircmbito da comunidade

marcaram os diaacutelogos iniciais para a estimulaccedilatildeo da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais em

acircmbito comunitaacuterio

Como continuidade deste diaacutelogo eacute pertinente destacar o caso Nold (1974) no qual o

Tribunal de Luxemburgo reconheceu como pauta geral para o direito comunitaacuterio europeu o

predomiacutenio dos direitos fundamentais Com isso mais uma vez reafirmou-se a ideia de que o

direito comunitaacuterio tem supremacia sobre as disposiccedilotildees legais nacionais mas que de toda a

sorte deve se adaptar a uma base comum de valores como os determinados por exemplo

pela Convenccedilatildeo Europeia de Direito do Homem

Por isso fala-se que este caso fixa um terceiro elemento no nuacutecleo de salvaguarda dos

direitos fundamentais aleacutem das tradiccedilotildees constitucionais comuns e dos direitos fundamentais

garantidos nas Constituiccedilotildees dos Estados os instrumentos internacionais relativos agrave proteccedilatildeo

dos direitos humanos passam a ser uma importante fonte de inspiraccedilatildeo para a proteccedilatildeo de

direitos em acircmbito comunitaacuterio Em funccedilatildeo disso inclusive em 1975 o TJUE pela primeira

vez recorreu agrave Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem no caso Rutili21

Apesar de tal decisatildeo do caso Nold o emblemaacutetico caso Solange levou agrave confirmaccedilatildeo

e consolidaccedilatildeo da vigecircncia dos direitos fundamentais no acircmbito da Comunidade Neste caso

em 1974 o Tribunal Constitucional alematildeo determinou que enquanto a Comunidade natildeo

dispusesse de um sistema de proteccedilatildeo de direitos comparaacutevel ou equiparado agrave Lei

Fundamental de Bonn ou seja enquanto natildeo houvesse um cataacutelogo de direitos fundamentais

aplicaacuteveis agrave Comunidade Europeia as instituiccedilotildees comunitaacuterias seriam ineficazes no que

concerne agrave proteccedilatildeo desses direitos22

TJUE respectivamente determinam que 3 A validade de uma medida comunitaacuteria ou de seus efeitos em um

Estado membro natildeo podem ser afetadas por alegaccedilotildees de que ela contraria direitos fundamentais tal como

formuladas pela Constituiccedilatildeo do Estado ou princiacutepios de uma estrutura constitucional nacional() 4() o

respeito pelos direitos fundamentais forma uma parte integral dos princiacutepios gerais de direito protegidos pela

Corte de Justiccedila A proteccedilatildeo de tais direitos enquanto inspirada pelas tradiccedilotildees constitucionais comuns aos

Estados membros deve ser assegurada no acircmbito da estrutura e dos objetivos da Comunidaderdquo Ibidem p4 21

O caso Rutilli caracteriza-se por ser a primeira referecircncia jurisprudencial feita pelo Tribunal de Luxemburgo agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem ou seja a utilizaccedilatildeo por parte de um tribunal supranacional de um

marco normativo essencial natildeo para o direito comunitaacuterio mas para o sistema regional de proteccedilatildeo aos direitos

humanos Nesse caso o Tribunal de Luxemburgo afirmou que as normas de direito comunitaacuterio natildeo era mais do

que uma manifestaccedilatildeo de princiacutepios gerais de direito consagrados na Convenccedilatildeo 22

GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional

algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em

httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014

18

Como resultado de tal caso natildeo soacute o Tribunal de Luxemburgo passou a consolidar um

entendimento jurisprudencial favoraacutevel ao respeito e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais

como demais instituiccedilotildees da entatildeo Comunidade Europeia assim agiram Em funccedilatildeo disso diz-

se que o principal resultado do caso Solange foi uma resoluccedilatildeo conjunta datada de 5 de abril

de 1977 entre Parlamento Europeu Conselho Europeu e Comissatildeo Europeia denominada

ldquoDeclaraccedilatildeo Conjunta sobre Direitos Fundamentaisrdquo23

Nesta ressaltou-se a necessidade do

respeito em acircmbito comunitaacuterio dos direitos fundamentais consagrados pelas tradiccedilotildees

constitucionais dos Estados membros e pela Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos

Os direitos fundamentais atraveacutes desse diaacutelogo jurisprudencial entre as cortes de

esperas diferentes (supranacional e nacionais) apareceram de modo progressivo no direito

comunitaacuterio europeu tornando-se paracircmetros de validade das normas da Uniatildeo Qualquer

norma seja comunitaacuteria seja nacional que contrariasse os direitos fundamentais seria

considerada invaacutelida

A tendecircncia jurisprudencial do TJUE de vincular a noccedilatildeo de supremacia das normas

comunitaacuterias com a proteccedilatildeo aos direitos fundamentais acabou por refletir no Tratado de

Maastricht de 1992 Tambeacutem chamado de Tratado da Uniatildeo Europeia este documento em

seu artigo F nuacutemero 2 determina que a Uniatildeo respeite os direitos fundamentais tal como os

garante a Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem24

Na esteira da inclusatildeo da proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em tratados o Tratado de

Lisboa de 2007 aleacutem de estabelecer personalidade juriacutedica agrave Uniatildeo Europeia25

determina que

a esta aderiraacute agrave Convenccedilatildeo Europeia para a proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e das Liberdades

Fundamentais sendo que a adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas

nos tratados26

23

XAVIER Ana Isabel Os Direitos Fundamentais no ldquodiaacutelogo europeurdquo de Nice a Lisboa In Debater a

Europa n 9 julhodezembro 2013 Disponiacutevel em httpeurope-direct-

aveiroaevaeudebatereuropaimagesn9axavierpdf Acesso em 03 out 2014 24

Artigo F n 2 ldquoA Uniatildeo respeitaraacute os direitos fundamentais tal como os garante a Convenccedilatildeo Europeia de

Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais assinada em Roma em 4 de novembro de

1950 e tal como resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-membros enquanto princiacutepios

gerais do direito comunitaacuteriordquo TRATADO DE MAASTRICHT 1992 Disponiacutevel em httpeuropaeueu-

lawdecision-makingtreatiespdftreaty_on_european_uniontreaty_on_european_union_ptpdf Acesso 15 out

2014 25

O artigo 46-A do Tratado de Lisboa determina que ldquoA Uniatildeo tem personalidade juriacutedicardquo TRATADO DE

LISBOA 2007 Disponiacutevel em httpeur-lexeuropaeulegal-

contentPTTXTPDFuri=OJC2007306FULLampfrom=PT Acesso 16 out 2014 26

O artigo 6ordf do Tratado de Lisboa determina que ldquo1 A Uniatildeo reconhece os direitos as liberdades e os

princiacutepios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da Uniatildeo Europeia de 7 de Dezembro de 2000 com

as adaptaccedilotildees que lhe foram introduzidas em 12 de Dezembro de 2007 em Estrasburgo e que tem o mesmo

valor juriacutedico que os Tratados De forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competecircncias da Uniatildeo tal

como definidas nos Tratados Os direitos as liberdades e os princiacutepios consagrados na Carta devem ser

interpretados de acordo com as disposiccedilotildees gerais constantes do Tiacutetulo VII da Carta que regem a sua

19

Mesmo que o ideal de Constituiccedilatildeo para a Uniatildeo Europeia natildeo tenha sido aprovado

pelos Estados membros as regras de supremacia das normas comunitaacuterias e de proteccedilatildeo aos

direitos fundamentais consagrados natildeo soacute nas Constituiccedilotildees como nas proacuteprias tradiccedilotildees

constitucionais dos Estados regem as decisotildees do Tribunal supranacional que existe no

continente Por isso mesmo que a preocupaccedilatildeo inicial da ldquopequena Europardquo tenha sido a

integraccedilatildeo econocircmica dos paiacuteses devastados pela guerra para que pudessem voltar a ser

competitivos internacionalmente ao longo do tempo sentiu-se a necessidade de trazer para

dentro do direito comunitaacuterio noccedilotildees acerca dos direitos fundamentais e humanos de modo

que hoje estes se encontram tutelados por instrumentos e oacutergatildeos supranacionais especiacuteficos

Ocorre que conforme se mencionou no iniacutecio deste subcapiacutetulo o cenaacuterio europeu

pode ser vislumbrado sob duas oacuteticas distintas desde o Congresso da Europa a oacutetica

federalista que impulsiona a criaccedilatildeo da Uniatildeo Europeia e de um direito comunitaacuterio europeu

e o vieacutes da cooperaccedilatildeo internacional marcado pela criaccedilatildeo do Conselho da Europa e de um

sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos o qual exige o pensamento acerca

da possibilidade da construccedilatildeo de um direito comum europeu

Nesse aspecto acerca do conceito de comum eacute pertinente remontar agraves premissas de

Dardot et Laval27

Para os autores o comum do direito segundo uma loacutegica de interpretaccedilatildeo

neoliberal natildeo seraacute outro que o direito de propriedade dos contratos e do lucro Eacute justamente

contra esse tipo de concepccedilatildeo trazido pelos efeitos nefastos da globalizaccedilatildeo que se invoca a

defesa e a reabilitaccedilatildeo do conceito de comum que deve ser entendido sob uma loacutegica de bases

uniacutessonas em mateacuteria de direitos humanos

Em razatildeo disso eacute no acircmbito da ldquogrande Europardquo ou seja do sistema regional europeu

de proteccedilatildeo dos direitos do homem que se vislumbram bases para a criaccedilatildeo de um direito

comum cuja premissa eacute a busca do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano28

Deste

modo no panorama apresentado se vislumbra de modo claro que embora existam regras

princiacutepios e instituiccedilotildees para reger o direito comunitaacuterio europeu (regras previstas nos

tratados da Uniatildeo Europeia e pacificadas pelo ativismo do TJUE) na ldquopequena Europardquo em

interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo e tendo na devida conta as anotaccedilotildees a que a Carta faz referecircncia que indicam as fontes

dessas disposiccedilotildees 2 A Uniatildeo adere agrave Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das

Liberdades Fundamentais Essa adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas nos Tratados3

Do direito da Uniatildeo fazem parte enquanto princiacutepios gerais os direitos fundamentais tal como os garante a

Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como

resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-Membrosrdquo Ibid 2007 27

DARDOT Pierre LAVAL Cristian COMMUN essai sur la revolutiona au XXeme siegravecle Paris La

deacutecouverte 2014 p 287 28

DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio

de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b

20

mateacuteria de direitos humanos e no acircmbito de um processo de globalizaccedilatildeo eacute preciso avanccedilar

na compreensatildeo do espaccedilo europeu para no acircmbito do sistema regional consolidar as bases

para a criaccedilatildeo de um direito comum

12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias juriacutedicas

a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da figura da

Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

O Congresso da Europa sob o aspecto juriacutedico dividiu o continente em blocos

autocircnomos dentro de um sistema multicecircntrico Nesse sentido Mireille Delmas-Marty29

assevera que natildeo existe uma unidade juriacutedica chamada Europa ou sequer uma visatildeo uacutenica e

preestabelecida do continente

Pelo contraacuterio existe uma Europa feita de instituiccedilotildees juriacutedicas diversas cada uma

com regras e princiacutepios especiacuteficos Neste sentido de um lado tem-se a ldquopequena Europardquo

composta pelos vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e que possui um ideal

primordialmente econocircmico com os objetivos de livre circulaccedilatildeo de pessoas e de

mercadorias bem como de instituiccedilatildeo de uma moeda uacutenica sob a perspectiva de abertura de

fronteira entre os paiacuteses Sob este ideal desenvolve-se a base para o direito comunitaacuterio que

possui como instituiccedilatildeo juriacutedica maacutexima o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo Europeia (TJUE)

com caraacuteter supranacional

Na Europa dos ldquoVinte e Oitordquo portanto sob o ideal integracionista surge o chamado

direito comunitaacuterio europeu o qual atraveacutes de direito originaacuterio (tratados constitutivos) e

direito derivado (normas emanadas de oacutergatildeos de competecircncia legislativa da Uniatildeo) forma o

sistema juriacutedico-poliacutetico e juriacutedico-econocircmico da Uniatildeo Europeia A peculiaridade desta nova

ordem formada eacute a de natildeo querer unificar a ordem juriacutedica dos paiacuteses europeus mas de

uniformizar em algumas mateacuterias as normas do bloco criado Justamente por isso a

supranacionalidade intriacutenseca ao direito comunitaacuterio natildeo se confunde com o direito

internacional

Sob as bases de interesses econocircmicos tem-se o objetivo de chegar a uma integraccedilatildeo

nas aacutereas concernentes agrave poliacutetica cultura dentre outras sob uma relaccedilatildeo de integraccedilatildeo entre o

29

Id 2004a p47

21

ordenamento juriacutedico comunitaacuterio e o ordenamento interno de cada Estado Sem sombra de

duacutevidas a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais se insere nessas relaccedilotildees mas com o

intuito de fortalecer o ideal de supremacia das normas comunitaacuterias Em funccedilatildeo de tal

premissa tem-se a necessidade de preservar o estaacutegio alcanccedilado pelo processo de integraccedilatildeo e

por isso um ordenamento juriacutedico comunitaacuterio eacute formado Entretanto eacute preciso avanccedilar no

processo de tutela dos direitos humanos em um contexto tatildeo plural como o europeu

Deste modo de outro lado tem-se a ldquogrande Europardquo criada pelo Conselho da Europa

perfazendo uma cooperaccedilatildeo poliacutetica que hoje abriga quarenta e sete membros30

signataacuterios da

Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

(CEDH) O oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do Conselho da Europa eacute o Tribunal Europeu dos Direitos

do Homem (TEDH) sediado em Estrasburgo e para o qual podem demandar tanto Estados

quanto indiviacuteduos viacutetimas de violaccedilotildees de direitos humanos reconhecidos pela convenccedilatildeo

Neste sentido o paraacutegrafo 3ordm31

do Preacircmbulo da CEDH de 1950 assevera que a

finalidade principal do Conselho da Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre seus

membros e que um dos meios para alcanccedilar esta finalidade eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento

dos direitos humanos e das liberdades fundamentais sendo tais direitos vistos como um meio

para uma progressiva integraccedilatildeo dos europeus Antes mesmo disso o Estatuto do Conselho da

Europa de 1949 havia asseverado que a finalidade da instituiccedilatildeo era criar uma organizaccedilatildeo

que levasse os paiacuteses do continente a uma associaccedilatildeo cuja base fosse a unidade entre seus

membros privilegiando ideais e princiacutepios comuns aos diferentes Estados

Essa configuraccedilatildeo surgida na segunda metade do seacuteculo XX produz alteraccedilotildees

significativas na conceituaccedilatildeo de alguns institutos juriacutedicos e poliacuteticos como eacute o caso do

Estado da soberania dentre outros Nesse sentido o cenaacuterio Europeu pode ser enxergado

como proacuteximo da noccedilatildeo de Estado em Rede proposto por Manuel Castells32

Em um mesmo

espaccedilo territorial a autoridade passa a ser partilhada ao longo de uma rede de instituiccedilotildees O

30

Os 47 paiacuteses que fazem parte do Conselho da Europa satildeo Beacutelgica Dinamarca Franccedila Irlanda Itaacutelia

Luxemburgo Paiacuteses Baixos Noruega Sueacutecia Reino Unido Greacutecia Turquia Islacircndia Alemanha Ocidental

Aacuteustria Chipre Suiacuteccedila Malta Portugal Espanha Liechtenstein Satildeo Marino Finlacircndia Hungria Polocircnia

Bulgaacuteria Estocircnia Lituacircnia Eslovecircnia Repuacuteblica Checa Eslovaacutequia Romecircnia Andorra Letocircnia Albacircnia

Moldaacutevia Macedocircnia Ucracircnia Ruacutessia Croaacutecia Geoacutergia Armecircnia Azerbaijatildeo Boacutesnia e Herzegovina Seacutervia

Mocircnaco Montenegro Disponiacutevel em

httpwwwcoeintptAboutCoemediainterfacepublicationscoe_dh_ptpdf Acesso 08 out 2014 31

O terceiro paraacutegrafo do preacircmbulo da CEDH dispotildee que ldquoConsiderando que a finalidade do Conselho da

Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre os seus Membros e que um dos meios de alcanccedilar essa finalidade

eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento dos direitos do homem e das liberdades fundamentais ()rdquo CONVENCcedilAtildeO

EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS

1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso em 08 out 2014 32

CASTELLS Manuel A era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura A sociedade em rede Vol 1 5

ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999b

22

Estado-naccedilatildeo claacutessico relaciona-se com instituiccedilotildees supranacionais e a rede formada possui

noacutes diversos e natildeo um centro uacutenico sendo que esses noacutes podem apresentar tamanhos distintos

e estar ligados por relaccedilotildees assimeacutetricas

Essas redes e seus noacutes portanto representam formas de poder paralelas e

complementares que satildeo autocircnomas uma em relaccedilatildeo agraves outras O espaccedilo europeu marcado

por um jaacute consolidado direito comunitaacuterio e por uma estrutura supranacional sui generis

tornou-se um verdadeiro campo de concorrecircncia convergecircncia justaposiccedilatildeo e conflito de

vaacuterias constituiccedilotildees e poderes constituintes em um mesmo espaccedilo poliacutetico levando a uma

pluralidade de ordenamentos e de normatividades

A supranacionalidade desenvolvida assemelha-se desta forma a um Estado em Rede

em funccedilatildeo de um novo paradigma de governanccedila estabelecido em diferentes niacuteveis com

diferentes noacutes de diferentes dimensotildees e com relaccedilotildees internacionais assimeacutetricas O Estado-

Naccedilatildeo claacutessico se articula cotidianamente na tomada de decisotildees com instituiccedilotildees

supranacionais de diferentes tipos e em acircmbitos distintos33

Em uma mesma organizaccedilatildeo

complexa temos entatildeo as caracteriacutesticas da descentralizaccedilatildeo e da coordenaccedilatildeo sobretudo no

aspecto normativo sendo que a crise do Estado-naccedilatildeo o desenvolvimento das instituiccedilotildees

supranacionais e a transferecircncia das atribuiccedilotildees e iniciativas aos acircmbitos regionais e locais satildeo

caracteriacutesticas que funcionam como base para o desenvolvimento do Estado em Rede

Nesse acircmbito ainda eacute possiacutevel acrescentar a definiccedilatildeo de Marcelo Varella34

de que a

Uniatildeo Europeia caracteriza-se por ser uma instituiccedilatildeo sui generis natildeo soacute pelo seu modo de

constituiccedilatildeo como por seus efeitos no campo juriacutedico-normativo Desta maneira o bloco

europeu dos vinte e oito inserido no contexto de um sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos

humanos (ldquopequena Europardquo inserida na ldquogrande Europardquo) marca a caracteriacutestica de uma

superaccedilatildeo da tiacutepica forma de visatildeo linear e hieraacuterquica do direito tradicional em favor da

construccedilatildeo de um direito em camadas ou em diferentes niacuteveis ou ainda em redes

Essa concepccedilatildeo de Castells utilizada aqui para ilustrar as relaccedilotildees na Uniatildeo Europeia

comunica-se com a noccedilatildeo de Mireille Delmas-Marty35

de um pluralismo que deve ser

ordenado Na Europa como um todo em acircmbito juriacutedico a coexistecircncia de normas das mais

diversas fontes e de tribunais nas mais diferentes escalas faz emergir uma noccedilatildeo de caos

33

Id 1999a p164 34

VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade

de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014 p145 35

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006

23

juriacutedico que precisa ser ordenado Em razatildeo disso pertinente a busca por um direito comum

com ecircnfase em um direito comum em mateacuteria de direitos humanos

Interessante notar que esse cenaacuterio criado intensifica-se com o processo de

mundializaccedilatildeo36

e sob essa oacutetica embora os direitos humanos tenham se tornado oponiacuteveis aos

Estados perfazendo princiacutepios de direito incluiacutedos nas Constituiccedilotildees Estatais no

entendimento dos tribunais supranacionais e em instrumentos normativos internacionais os

corolaacuterios do processo de mundializaccedilatildeo satildeo os direitos econocircmicos que predominam nas

preocupaccedilotildees do jaacute consolidado direito comunitaacuterio europeu

Enquanto os direitos humanos foram concebidos sob o prisma de uma universalidade e

com a finalidade de proteger o ldquoirredutiacutevel humanordquo37

os direitos econocircmicos satildeo os motores

da mundializaccedilatildeo sendo que isso somado agrave desestabilizaccedilatildeo do tempo e agrave desestatizaccedilatildeo do

Estado gera no processo de mundializaccedilatildeo uma aparente desordem normativa com a

proliferaccedilatildeo de normas de modo anaacuterquico38

Em funccedilatildeo disso eacute viaacutevel dizer que o continente europeu serve de base e eacute capaz de

traduzir importantes eventos para explicar fenocircmenos que hoje satildeo salientes na esfera juriacutedica

Mireille Delmas-Marty39

sugere que vivemos sob a eacutegide de espaccedilos ldquodesestatizadosrdquo tempos

ldquodesestabilizadosrdquo e uma ordem ldquodeslegalizadardquo No sentido atual da paisagem juriacutedica

afirmar que o Estado eacute a uacutenica fonte de Direito eacute assumir uma atitude de exclusatildeo de todos os

demais espaccedilos normativos

Como eacute possiacutevel observar na Europa convivem em um mesmo espaccedilo normas

provenientes de fontes estatais claacutessicas normas advindas de instituiccedilotildees supranacionais e

regras provenientes de entes internacionais na formaccedilatildeo de um verdadeiro mosaico juriacutedico

O monopoacutelio do Estado como produtor do direito deixa de ser imperativo frente agrave

internacionalizaccedilatildeo crescente das fontes juriacutedicas De modo concomitante e corroborando

36

Na obra ldquoTrecircs Desafios para um Direito Mundialrdquo Mirelle Delmas-Marty observa as particularidades dos

termos globalizaccedilatildeo mundializaccedilatildeo e universalidade quais sejam ldquoA mundializaccedilatildeo remete agrave difusatildeo espacial

de um produto de uma teacutecnica ou de uma ideia A universalidade implica um compartilhar de sentidosrdquo Em

outra passagem disserta ldquoDifusatildeo espacial de um lado compartilhar os sentidos de outra estas duas foacutermulas

descrevem muito bem a diferenccedila que separam os dois fenocircmenos que eu denominarei globalizaccedilatildeo para a

economia e universalizaccedilatildeo para os direitos do homem guardando assim o termo mundializaccedilatildeo uma

neutralidade que ele jamais perderaacute caso natildeo se resigne rapidamente ao primado da economia sobre os Direitos

do Homemrdquo DELMAS-MARTY Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr

Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b p 08-09 37

Ibid p48 38

FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos

teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013 39

DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47

24

com a teoria do Estado em Rede de Castells eacute possiacutevel observar um processo de

descentralizaccedilatildeo espacial com o deslocamento de fontes do centro para periferias40

Da mesma forma os tempos estatildeo desestabilizados Segundo Delmas41

em comparaccedilatildeo

aos votos claacutessicos de perpetuidade da lei eacute possiacutevel hoje encontrar fontes temporaacuterias e

evolutivas do direito O espaccedilo europeu se constitui como uma aacuterea privilegiada dessas fontes

evolutivas42

Sob o aspecto da ldquopequena Europardquo as regras de direito comunitaacuterio impotildeem um

resultado que deve ser atingido o que pela falta de meios juriacutedicos incentiva os Estados a

adaptar seus textos a dados econocircmicos

Isso tudo faz emergir a noccedilatildeo de assincronia43

do direito ou seja diferentes

velocidades em diferentes espaccedilos Nesse sentido haacute no espaccedilo europeu uma diferenccedila de

velocidade dos processos de integraccedilatildeo das normas internacionais (ou supranacionais) de

direito do comeacutercio em comparaccedilatildeo com as normas ambientais ou relativas aos direitos

humanos O proacuteprio processo evolutivo de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais

sob o panorama da ldquopequena Europardquo demonstra desde os primoacuterdios da criaccedilatildeo da

Comunidade Europeia uma ausecircncia de sincronia em relaccedilatildeo agraves duas esferas do direito A

evoluccedilatildeo dos direitos humanos eacute lenta quando comparada com a celeridade da integraccedilatildeo das

normas de direito comercial e econocircmico em um mundo de economia globalizada

Pode-se entatildeo afirmar que natildeo soacute na Europa como tambeacutem na sociedade

internacional o tempo das relaccedilotildees comerciais e por conseguinte o tempo da integraccedilatildeo do

direito do comeacutercio eacute o tempo do software da fluidez da velocidade da luz Enquanto isso o

tempo das relaccedilotildees humanas da eacutetica da solidariedade e da integraccedilatildeo do direito dos direitos

humanos segue o tempo do hardware do denso do apego ao territoacuterio e agraves localidades44

Por fim estaacute-se tambeacutem frente a uma ordem ldquodeslegalizadardquo uma vez que dentre os

reflexos das vicissitudes na seara juriacutedica eacute possiacutevel destacar um ruptura com a noccedilatildeo de

40

Tal fenocircmeno eacute descrito por Mireille Delmas-Marty como ldquodescentralizaccedilatildeordquo Esta envolve o deslocamento de

fontes do centro do Estado para coletividades territoriais Todavia tal fenocircmeno natildeo se confunde com uma mera

desconcentraccedilatildeo de poderes que eacute destinada a conferir maior eficaacutecia agraves estruturas centrais do Estado A

descentralizaccedilatildeo conforme refere a autora confia ao representante local da coletividade territorial certos poderes

de decisatildeo fazendo transparecer uma autonomia local para impor certas regras juriacutedicas Como exemplo

podem-se destacar as comissotildees locais de eacutetica como ocorre em uma deontologia profissional como a Ordem

dos Advogados As regras disciplinares desta profissatildeo guardam um caraacuteter misto sendo de natureza local e

nacional privada e puacuteblica Ibid 2004ap55 41

Ibid 2004ap47 42

Segundo Delmas falar de fontes evolutivas significa renunciar ao passado do costume e ao futuro das leis para

situar as fontes de direito no presente por natureza instaacutevel Ibid 2004ap65 43

Id 2006 p 114 44

SALDANHA Jacircnia Marial Lopes BRUM Maacutercio Morais MELLO Rafaela da Cruz A Assincronia do

Direito e o Caso Araguaia Uma anaacutelise da Decisatildeo do Supremo Tribunal Federal Brasileiro na ADPF 153 e do

Julgamento do Caso Gomes Lund e Outros vs Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos In Andreacute

Karam Trindade Angela Araujo da Silveira Espindola (Org) Direitos Fundamentais e Espaccedilo Puacuteblico 1ed

Passo Fundo - RS Editora IMED 2011 v 2 p 37-61

25

identidade entre direito e lei45

O processo de internacionalizaccedilatildeo deixa comum aos sistemas

de commun law e de civil law o papel do juiz na geraccedilatildeo do direito ou seja na interaccedilatildeo entre

texto normativo e sua interpretaccedilatildeo de modo que a jurisprudecircncia e o diaacutelogo entre os

diferentes tribunais serve para ambos os sistemas como um importante balizador para

consolidaccedilatildeo de entendimentos e de princiacutepios

Diante desse cenaacuterio juriacutedico global proveniente do processo de internacionalizaccedilatildeo -

e especiacutefico no caso da Europa ndash de desestatizaccedilatildeo de ruptura com paradigmas e com a loacutegica

binaacuteria de interpretar o direito eacute possiacutevel concordar com a premissa de Mireille Delmas-

Marty46

de que a paisagem juriacutedica apresenta um panorama de proliferaccedilatildeo constante de

normas e de entendimentos jurisprudenciais que em um primeiro momento podem levar a

uma noccedilatildeo de desordem e anarquia

Conveacutem perceber que a nova paisagem juriacutedica para a qual a Europa eacute um verdadeiro

laboratoacuterio47

eacute composta por formas mais complexas como piracircmides inacabadas

descontiacutenuas compostas por aneacuteis normativos como uma guirlanda no entanto natildeo

especificamente se liga agrave anarquia Pelo contraacuterio a retirada de marcos e o deslocamento de

linhas natildeo significa desordem e essa aparecircncia de caos favorece ao pluralismo

Por isso Delmas-Marty48

atesta que a internacionalizaccedilatildeo do direito apresenta um

grande paradoxo ordenar o plural Embora estejamos semanticamente diante de vernaacuteculos

opostos visto que a proposta eacute colocar em ordem aquilo que naturalmente eacute muacuteltiplo e plural

sem reduzir sua identidade a primeira consideraccedilatildeo que deve ser feita eacute a de que o tiacutepico

modelo kelseniano de loacutegica juriacutedica natildeo mais se aplica ao cenaacuterio em que o Direito se insere

atualmente em razatildeo da multiplicidade e do dinamismo existente no processo de

mundializaccedilatildeo

Para ir da desordem agrave ordem eacute necessaacuterio fortalecer as correlaccedilotildees da formaccedilatildeo

juriacutedica trazendo estabilidade agrave presenccedila de divergecircncias atraveacutes de uma aproximaccedilatildeo entre

ordens juriacutedicas por meio de um jogo de referecircncias cruzadas com o intuito de ordenar a

multiplicidade Essa aproximaccedilatildeo poreacutem natildeo pode ser concebida senatildeo em relaccedilatildeo a uma

referecircncia comum e neste campo a utilidade dos instrumentos protetivos de direitos humanos

traz a coerecircncia de conjunto capaz de indicar uma direccedilatildeo a seguir um norte para a criaccedilatildeo de

um direito comum cujo pluralismo eacute ordenado

45 DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47 46

Id 2006 47

VARELLA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do direito Direito Internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Livre Docecircncia em Direito Internacional Faculdade de

Direito da Universidade de Satildeo Paulo (USP) Satildeo Paulo 2012 Acesso 14 out 2014 48

Ibid 2006 p 10

26

Obviamente o direito comum almejado eacute pluralista tendo a razatildeo como instrumento

de justificaccedilatildeo e de diaacutelogo O pluralismo eacute justificado pelo intuito de harmonizar e conjugar

as particularidades religiosas poliacuteticas culturais de cada Estado ou comunidade evitando a

sobreposiccedilatildeo de uma ordem sobre outra ou a assimilaccedilatildeo e exclusatildeo Em razatildeo disso o

direito comum pluralista pretende construir um ldquoDireito dos Direitosrdquo a partir do ideal de

universalizaccedilatildeo dos direitos humanos sendo que a finalidade eacute a de aproximar ou harmonizar

ndash e natildeo unificar - os diferentes sistemas juriacutedicos sob a perspectiva de respeito ao ldquoirredutiacutevel

humanordquo49

Impossiacutevel a criaccedilatildeo de normas e regras comuns a todos os povos justamente pelo

fato de que sempre algumas normas advindas de culturas especiacuteficas se sobressairatildeo sobre

outras na criaccedilatildeo de uma hegemonia negativa O direito comum portanto inserido na oacutetica

de um direito mundial pluralista eacute aquele acessiacutevel a todos e comum aos diversos Estados

sem que haja o abandono de identidades Justamente em funccedilatildeo disso o alicerce para a sua

criaccedilatildeo eacute a aproximaccedilatildeo dos sistemas juriacutedicos tendo por base os direitos humanos que

carregam a caracteriacutestica da universalidade a qual adveacutem do compartilhamento de sentidos e

do enriquecimento pela troca

Neste sentido em que consistem esses direitos humanos que satildeo os alicerces para a

criaccedilatildeo de um direito comum Eacute possiacutevel afirmar que a mera previsatildeo constitucional ou em

tratados de direitos jaacute asseguram a sua proteccedilatildeo Como lidar com questotildees concernentes agraves

pretensotildees universalistas e as particularidades do relativismo cultural nas diferentes

sociedades europeias

Narciso Baez50

traz reflexotildees importantes acerca desse tema Segundo ele em meados

do seacuteculo XVII pensou-se que a positivaccedilatildeo dos direitos humanos seria instrumento suficiente

para garantir o seu respeito Essa noccedilatildeo adentrou a contemporaneidade com a filosofia de

Hans Kelsen de que as normas positivadas e inseridas nos ordenamentos juriacutedicos eram

obrigatoacuterias por serem legitimadas por uma norma juriacutedica superior que tinha um fim em si

mesma

Obviamente o seacuteculo XX mostrou que a mera inserccedilatildeo legal da dignidade da pessoa

humana ndash que eacute o elemento cerne dos direitos humanos ndash em um sistema positivo de direito e

dissociada de valores morais natildeo seria suficiente para evitar eventuais violaccedilotildees desses

49

Ibid 2006 p 54 50

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos

humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da

UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em

httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014

27

direitos Sob esse panorama e seguindo a corrente eacutetica51

de fundamentaccedilatildeo dos direitos

humanos pode-se afirmar que estes satildeo direitos de fora da ordem positiva que tecircm em seu

bojo componentes morais sociais poliacuteticos e ateacute econocircmicos que salvaguardam condiccedilotildees

miacutenimas para a garantia da dignidade da pessoa humana Em sua dimensatildeo baacutesica portanto

satildeo direitos inatos pautados em valores morais e conferidos aos indiviacuteduos pelo simples fato

de estes serem humanos

Logo para a construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos exige-

se o fortalecimento desses em suas dimensotildees baacutesicas Eacute neste sentido que Delmas52

se refere

ao miacutenimo eacutetico universal e ao irredutiacutevel humano ou seja elementos que todos os indiviacuteduos

apresentam em comum mesmo em diferentes culturas

As duas estruturas baacutesicas dos direitos humanos satildeo portanto os valores morais e a

dignidade humana53

Em relaccedilatildeo aos primeiros infere-se que a origem dos direitos humanos

natildeo eacute legal vez que estes satildeo reconhecidos aos indiviacuteduos pelo simples fato de serem

humanos O ordenamento juriacutedico tem a mera funccedilatildeo de reconhecer tais direitos e transformaacute-

los em normas a fim de obter efetividade Jaacute a dignidade humana eacute o bem maior dentro dos

direitos humanos constituindo uma qualidade universal intriacutenseca irrenunciaacutevel e

inalienaacutevel inerente a todos os seres humanos e que se encontra acima das especificidades

culturais

Neste vieacutes a universalidade de tais direitos que eacute requisito indispensaacutevel para a

criaccedilatildeo de um direito comum natildeo eacute marcada pela criaccedilatildeo de instrumentos internacionais

positivos de proteccedilatildeo dos direitos humanos Isso porque embora tenha se conseguido a

universalizaccedilatildeo da adesatildeo dos Estados como eacute o caso da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos da ONU de 1948 ou mesmo da CEDH do sistema regional europeu ainda haacute

resistecircncias agrave aceitaccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo em algumas culturas que alegam a necessidade de

relativizaccedilatildeo desses direitos para adequaccedilatildeo agraves realidades nacionais54

Logo para a construccedilatildeo de uma verdadeira universalidade eacute necessaacuterio interpretar os

direitos humanos sob uma oacutetica interdisciplinar Finnis55

nesse aspecto afirma que os direitos

humanos constituem uma categoria que busca consagrar a dignidade humana sendo esta um

atributo de todas as pessoas independentemente de crenccedila ou cultura Nesse aspecto

51

Id 2007 p 13-35 52

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b 53

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Direitos humanos na globalizaccedilatildeo In BAEZ Narciso

Leandro Xavier BARRETO Vicente (Org) Direitos humanos em evoluccedilatildeo Joaccedilaba Ed Unoesc 2007 p

13-35 54

Id 2009 p77-99 55

FINNIS John Ley natural e derechos naturales Buenos Aires AbeledoPerrot 2000

28

vislumbra-se necessaacuterio a fim de identificar quais satildeo os valores baacutesicos e inderrogaacuteveis a

todos os humanos a construccedilatildeo de valores universais atraveacutes do diaacutelogo e do cruzamento de

diferentes culturas com diferentes valores Isso facilita a construccedilatildeo de uma cultura

cosmopolita baseada em uma identificaccedilatildeo em que prevaleccedila a dignidade da pessoa humana

acima dos relativismos

As diversidades culturais satildeo provenientes de elementos externos56

da diferenccedila de

ambientes naturais mas mesmo assim todas as pessoas ainda que inseridas em

especificidades culturais distintas ainda manteacutem atributos comuns Eacute por essa loacutegica que

permanece atual a premissa de Kant de que no atual estaacutegio da humanidade os povos

atingiram um grau de desenvolvimento que os permitem fazer parte de uma comunidade

cosmopolita57

Por isso a violaccedilatildeo de um direito humano em um ponto do planeta repercute e

pode ser sentida em todos os outros

Pertinente ainda lembrar que a universalizaccedilatildeo natildeo significa a imposiccedilatildeo ou a

uniformizaccedilatildeo de uma cultura sobre as outras Pelo contraacuterio deve-se buscar uma raiz

comum qual seja um conjunto de valores miacutenimos universais capazes de dialogar com

diferentes culturas garantindo o respeito e a preservaccedilatildeo da vida humana em qualquer lugar

Ainda sob essa oacutetica eacute possiacutevel afirmar que a noccedilatildeo de direito comum de Delmas

aproxima-se do ideal de direito cosmopoliacutetico em Kant58

Ao perceber o aumento da

participaccedilatildeo dos povos na Terra Kant vislumbra a ideia de uma comunidade mundial

alicerccedilada sob as bases de um direito cosmopoliacutetico a fim de garantir a paz perpeacutetua Diante

da dicotomia entre praacuteticas culturais e direitos humanos a base do cosmopolitismo kantiano eacute

a busca de criteacuterios loacutegico-racionais que sejam comuns a todas as culturas

Nesse espectro surgem entatildeo os direitos humanos como nuacutecleo moral-juriacutedico do

direito cosmopoliacutetico vez que a moralidade miacutenima universal se baseia em trecircs pilares a)

humanidade comum b) ameaccedilas compartilhadas e c) obrigaccedilotildees miacutenimas Logo a

fundamentaccedilatildeo moral eacute a base dos direitos humanos uma vez que nela encontram-se as

exigecircncias imprescindiacuteveis para a vida de um indiviacuteduo Apesar das diferenccedilas sociais e

culturais entre os seres humanos algumas necessidades e capacidades satildeo comuns a todos59

56

PAREKH Bhikhu Pluralist universalism and human rights In SMITH Rhona K M ANKER Cristien van

den The essentials of human rights London Oxford University Press 2005 57

KANT Immanuel Para a paz perpeacutetua Traduccedilatildeo Baacuterbara Kristen - Rianxo Instituto Galego de Estudos de

Seguranccedila Internacional e da Paz 2006 58

Ibid 2006 p 107-108 59

BARRETO Vicente de Paulo Direito Cosmopoliacutetico e Direitos Humanos In Espaccedilo Juriacutedico Journal of

Law N 2 Vol 11 2010 Disponiacutevel em

httpeditoraunoescedubrindexphpespacojuridicoarticleview19491017 Acesso 30 out 2014

29

Assim como a concepccedilatildeo de direitos humanos natildeo pode mais ser concebida como o

era na eacutepoca de Kelsen o panorama em que o Direito de um modo geral se insere hoje

tambeacutem natildeo pode mais ser concebido conforme a loacutegica claacutessica kelseniana em que a

constituiccedilatildeo estatal encontra-se no topo de uma estrutura piramidal sendo hierarquicamente

seguida pela legislaccedilatildeo infraconstitucional Os rearranjos da mundializaccedilatildeo e a consequente

internacionalizaccedilatildeo do Direito fazem com que novas estruturas permeiem o atual cenaacuterio

juriacutedico mundial

Seja uma concepccedilatildeo de trapeacutezio cujos veacutertices superiores satildeo ocupados em igual

niacutevel pelas constituiccedilotildees estatais e pelos tratados ou convenccedilotildees internacionais protetivos dos

direitos humanos como eacute a visatildeo de Canotilho seguida por Flaacutevia Piovensan60

seja uma

visatildeo de nuvens fluidas e descontiacutenuas com um direito de sistemas interativos complexos

marcados por geometria de piracircmides inacabadas e aneacuteis normativos como guirlandas

defendida por Delmas-Marty61

demonstram que a internacionalizaccedilatildeo traz tentativas de

recomposiccedilatildeo de um pluralismo que deveraacute ser suficientemente ordenado

Em razatildeo disso razoaacutevel frente agrave mudanccedila paradigmaacutetica trazida pela mundializaccedilatildeo

pensar em um conjunto ordenado para a desordem uma vez que a aparente anarquia que

existe favorece ao pluralismo Para se chegar a um direito comum pluralista tendo por base os

direitos humanos deve-se buscar a harmonizaccedilatildeo entre estes e os direitos econocircmicos com

respeito agraves particularidades religiosas e culturais e com a superaccedilatildeo dos perigos de uma

uniformizaccedilatildeo hegemocircnica tendente agrave globalizaccedilatildeo econocircmica

Nesse novo paradigma o ideaacuterio de ordem ldquodeslegalizadardquo anteriormente referido

toma corpo uma vez que a sobrevalorizaccedilatildeo da lei e das grandes codificaccedilotildees perde espaccedilo

havendo em contrapartida a crescente incorporaccedilatildeo dos precedentes (certa ruptura de

fronteiras entre common law e civil law) e dos princiacutepios como espeacutecie de coacutedigo cultural do

processo de interpretaccedilatildeo e criaccedilatildeo do direito62

A internacionalizaccedilatildeo do Direito reflete portanto uma nova realidade de um Direito

de sistemas complexos fluidos descontiacutenuos e interativos os quais levam agrave mutaccedilatildeo da

proacutepria concepccedilatildeo tradicional de ordem juriacutedica que natildeo eacute mais fechada dentro de si mesma e

sim sofre influecircncia de outras A tradicional piracircmide kelseniana eacute desconstruiacuteda

60

PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e diaacutelogo entre jurisdiccedilotildees In Revista Brasileira de Direito

Constitucional ndash RBCD n19 ndash janjul 2012 61

DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio

de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b 62

FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos

teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013

30

gradativamente dando lugar a novas geometrias cuja hierarquia natildeo eacute tatildeo riacutegida mas nem por

isso deixa de ser complexa

No topo encontram-se as constituiccedilotildees juntamente com elementos do Direito

Internacional (jus cogens tratados relativos o direito internacional dos direitos humanos) e do

direito comunitaacuterio europeu No corpo do que seria a antiga piracircmide kelseniana encontra-se

o crescimento e a consolidaccedilatildeo de um direito jurisprudencial atraveacutes de um jogo de

referecircncias reciacuteprocas em que um sistema observa o outro mas natildeo haacute um centro ao lado das

normas produzidas no legislativo (a intensa produccedilatildeo jurisprudencial para os hard cases

culmina em adiccedilatildeo de conteuacutedos advindos de ldquooutros direitosrdquo) e a base passa a ser composta

por decretos e regulamentos que resultam de administraccedilotildees policecircntricas corroborando para

a crenccedila de que o processo de internacionalizaccedilatildeo do direito vem acompanhado de

descentralizaccedilatildeo e privatizaccedilatildeo de fontes do Direito63

Diante deste quadro Delmas64

apresenta trecircs espeacutecies de processo de interaccedilatildeo para

se chegar a um direito comum coordenaccedilatildeo por entrecruzamento harmonizaccedilatildeo e unificaccedilatildeo

Destaca-se antes de discorrer brevemente sobre esses processos que o direito comum natildeo

tem a pretensatildeo de unificar o Direito no texto pois isso seria uma tarefa praticamente utoacutepica

A ideia de Delmas objetiva na realidade a exploraccedilatildeo da pluralidade como potencial poder

de integraccedilatildeo vez que as redes dinacircmicas e as estruturas vetorizadas pelos direitos humanos

presentes nas novas geometrias da ordem mundial se pautam no reconhecimento do outro em

uma espeacutecie de alteridade65

A coordenaccedilatildeo por entrecruzamento caracteriza-se por ser um processo horizontal em

que a autoridade das decisotildees seraacute reforccedilada pelo jogo de referecircncias cruzadas de uma

jurisdiccedilatildeo agrave outra Essa eacute uma fase transitoacuteria na construccedilatildeo de uma verdadeira ordem juriacutedica

mundial em que a internormatividade e a interpretaccedilatildeo cruzada permitem a formaccedilatildeo de no

miacutenimo uma comunidade de juiacutezes Em funccedilatildeo disso em acircmbito global percebem-se traccedilos

da coordenaccedilatildeo por entrecruzamento nos diaacutelogos entre cortes e tribunais nas mais diferentes

ordens No espaccedilo europeu a coordenaccedilatildeo eacute percebida da mesma forma atraveacutes dos diaacutelogos

entre as cortes nacionais e os tribunais da ldquopequena Europardquo e da ldquogrande Europardquo

respectivamente Tribunal de Luxemburgo e de Estrasburgo

Interessante notar conforme jaacute foi demonstrado que foram os diaacutelogos entre as cortes

nacionais dos diversos Estados membros da entatildeo Comunidade Europeia e posterior Uniatildeo

63

Ibid 2013 p20 64

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006 65

LOPES Carla Patriacutecia Frade Nogueira Internacionalizaccedilatildeo do Direito e pluralismo juriacutedico limites de

cooperaccedilatildeo no diaacutelogo de juiacutezes In Revista de Direito Internacional da Uniceub Vol 9 n4 2012

31

Europeia que auxiliaram no processo de consolidaccedilatildeo do entendimento de primazia das

normas comunitaacuterias ao lado da proteccedilatildeo integral aos direitos fundamentais previstos nas

constituiccedilotildees estatais Isso culminou conforme se asseverou anteriormente na disposiccedilatildeo do

Tratado de Lisboa de que a Uniatildeo Europeia natildeo soacute se submete agraves tradiccedilotildees e regras

constitucionais em mateacuteria de direitos fundamentais como adere agrave Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem

Se o primeiro processo de interaccedilatildeo eacute a coordenaccedilatildeo far-se-aacute de imediato a anaacutelise do

uacuteltimo processo a unificaccedilatildeo visto que o eacute no processo intermediaacuterio ndash a harmonizaccedilatildeo ndash que

se desenvolve o foco do presente estudo A unificaccedilatildeo seria do ponto de vista formal o

processo perfeito por unir ordens juriacutedicas regionais sob um mesmo modelo hieraacuterquico e

coerente das ordens nacionais tradicionais Entretanto sob o enfoque empiacuterico essa perfeiccedilatildeo

estaacute longe de ser garantida vez que a unificaccedilatildeo consiste na transferecircncia pura e simples do

regramento juriacutedico de um paiacutes para outro em uma espeacutecie de verticalizaccedilatildeo ordenada que

pode gerar a dominaccedilatildeo hegemocircnica de uma ordem sobre outra sem portanto respeito agrave

pluralidade

O processo intermediaacuterio de harmonizaccedilatildeo por sua vez tende a aproximar os sistemas

com um propoacutesito coordenativo poreacutem sem a intenccedilatildeo unificadora Tal processo limita-se a

uma integraccedilatildeo imperfeita cuja chave eacute a preservaccedilatildeo das margens nacionais de apreciaccedilatildeo

De modo diferente da coordenaccedilatildeo que eacute marcada pela horizontalidade da comunicaccedilatildeo entre

conjuntos juriacutedicos a harmonizaccedilatildeo instaura uma relaccedilatildeo do tipo vertical que implica o

reconhecimento de algumas hierarquias entre por exemplo direito internacional e nacional

direito supranacional e nacional dentre outras formas Todavia a inversatildeo destas hierarquias

e o reconhecimento muacutetuo fazem parte do movimento de harmonizaccedilatildeo

As margens nacionais de apreciaccedilatildeo satildeo as grandes novidades desse processo de

harmonizaccedilatildeo vez que elas funcionam em uma dinacircmica centriacutefuga e envolvem tanto a

obrigaccedilatildeo de conformidade em relaccedilatildeo agraves normas internacionais das quais determinado paiacutes eacute

signataacuterio quanto agrave apreciaccedilatildeo soberana dos Estados sendo delineada por princiacutepios

comuns66

A resistecircncia dos direitos internos e os avanccedilos do processo de harmonizaccedilatildeo satildeo

portanto as condiccedilotildees de possibilidade para a aplicaccedilatildeo da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

(MNA)

66

SALDANHA Jacircnia Maria Lopes MELLO Rafaela da Cruz Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e

Diaacutelogos Transjurisdicionais uma anaacutelise da postura do Supremo Tribunal Federal Brasileiro In Conselho

Nacional de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito - CONPEDI (Org) Direito Internacional dos Direitos

Humanos I XXIII EdFlorianoacutepolis CONPEDI 2014 v I p 368-394

32

Deste modo imperioso reconhecer que em um continente plural como eacute o europeu

com diversos paiacuteses com aspectos linguiacutesticos culturais religiosos e poliacuteticos a figura da

MNA apresenta-se como uma importante chave para o desenvolvimento e consolidaccedilatildeo de

um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos sendo uma ferramenta relevante

para o estabelecimento de um pluralismo ordenado uma vez que as pluralidades e

peculiaridades culturais e religiosas de cada Estado satildeo respeitadas

Neste sentido portanto a Europa pode ser vista novamente como um laboratoacuterio de

experiecircncias e o surgimento da MNA possui hoje um importante papel sobretudo dentro do

continente europeu Utilizada tanto pelos Tribunais de Luxemburgo e Estrasburgo a MNA

surgiu pela primeira vez na jurisprudecircncia do TEDH

Embora existam relatos do uso da MNA pelo Tribunal de Luxemburgo para permitir

que os conceitos comunitaacuterios sejam interpretados de modo flexiacutevel segundo as

especificidades nacionais e servindo como uma importante vaacutelvula de escape para as tensotildees

nacionais mais fortes neste trabalho far-se-aacute a limitaccedilatildeo da utilizaccedilatildeo da MNA pelo Tribunal

Europeu de Direitos do Homem com o intuito de analisar quais satildeo os entraves e as

possibilidades do uso de tal ferramenta pra a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de um direito comum

para a ldquogrande Europardquo tendo como base os direitos humanos

33

2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU

A noccedilatildeo de margem encontra-se no coraccedilatildeo dos sistemas de Direito uma vez que o

direito interno jaacute prevecirc a possibilidade de uma margem de interpretaccedilatildeo aos juiacutezes em relaccedilatildeo

agraves demandas que lhes satildeo apresentadas Todavia a internacionalizaccedilatildeo impulsiona ao

acreacutescimo do termo ldquonacionalrdquo a essa margem no sentido de permitir o reconhecimento da

diversidade dos sistemas juriacutedicos e a possibilidade de um direito comum

Nesse sentido no presente capiacutetulo far-se-aacute uma abordagem acerca da histoacuteria dessa

ferramenta criada pelo TEDH bem como o conceito e as criacuteticas trazidas por estudiosos da

doutrina da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) (21) Por conseguinte atraveacutes de uma

anaacutelise jurisprudencial se tentaraacute comprovar que a margem a despeito de opiniotildees contraacuterias

acerca da ausecircncia de paracircmetros para sua aplicaccedilatildeo pelo TEDH constitui-se como um

instrumento relevante para a construccedilatildeo de um direito comum europeu tendo como base

luminosa os direitos humanos (22)

21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem

Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu

Consoante fora anteriormente aludido a noccedilatildeo de margem encontra-se dentro dos

sistemas de direito Por isso em um primeiro momento aponta-se a margem dentro do direito

interno como ferramenta capaz de auxiliar o juiz enquanto receptor da norma a interpretar

determinado caso concreto em uma espeacutecie de coacutedigo cultural que determina o senso da

norma67

Nesse sentido a origem dessa margem de interpretaccedilatildeo adveacutem do direito

administrativo de diversos Estados europeus Na Franccedila a margem eacute conhecida como ldquomarge

67

DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation

du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit

compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780

34

drsquoappreacutecciationrdquo na Alemanha eacute vista como ldquoErmessensspielraumrdquo e na Itaacutelia ldquomarge de

discrizionalitaacuterdquo68

Em acircmbito interno portanto caracteriza-se por ser uma deferecircncia que

combina aspectos processuais e hermenecircuticos no sentido de conferir uma reserva de

apreciaccedilatildeo ao administrador para decidir acerca da conveniecircncia e oportunidade em relaccedilatildeo

aos atos administrativos

O processo de internacionalizaccedilatildeo estaacutegio supremo da globalizaccedilatildeo69

no acircmbito do

Direito se desenvolve a ponto de transformar o campo de uma disciplina de modo que

consoante jaacute fora exaustivamente exposto a seara juriacutedica natildeo se limita mais agrave relaccedilatildeo entre

Estados nem somente se combina com os direitos internos Logo o pluralismo pode ser visto

como uma palavra de ordem na paisagem juriacutedica atual e por isso a noccedilatildeo de margem ganha

o adjetivo ldquonacionalrdquo e passa a ser um elemento de tentativa de aproximaccedilatildeo com a finalidade

de atingir um direito comum com bases humanistas

Logo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) teria a finalidade de proceder a uma

espeacutecie de siacutentese entre os anseios de unidade juriacutedica e o desejo de separaccedilatildeo proveniente de

uma autonomia estatal A margem portanto sob o vieacutes da internacionalizaccedilatildeo corresponderia

ao caminho do meio entre o pressuposto de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o

relativismo ou os particularismos culturais de cada Estado

No contexto europeu em que tanto sob o vieacutes comunitaacuterio quanto sob a perspectiva do

sistema regional os Estados apresentam pluralidades significativas em relaccedilatildeo agrave religiatildeo agrave

cultura agrave poliacutetica dentre outros campos a figura da MNA serve como um importante

instrumento para aproximar o universal e o relativo70

Dessa maneira teria a funccedilatildeo de no

processo de construccedilatildeo de um direito comum apresentar como horizonte a universalidade dos

direitos humanos mas sem perder de foco os relativismos culturais que formam a identidade

das mais diferentes sociedades

Niacutetido portanto que o caminho para a construccedilatildeo de um ldquocomumrdquo em mateacuteria de

direitos humanos relaciona-se natildeo soacute com a proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua esfera eacutetica

e miacutenima como tambeacutem com a preservaccedilatildeo da pluralidade Como instrumento do processo de

harmonizaccedilatildeo a margem carrega em seu acircmago a noccedilatildeo de convergecircncia em torno de

princiacutepios comuns mas garantindo o respeito a uma espeacutecie de direito agrave divergecircncia uma vez

68

ITZCOVITCH Giulio One None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations The Lautsi Case

In Human Rights Law Review Oxford Journals 2013 Disponiacutevel em

httphrlroxfordjournalsorgcontent132toc Acesso 04 nov 2014 69

SANTOS Milton Teacutecnica Espaccedilo Tempo Globalizaccedilatildeo e meio teacutecnico-cientiacutefico-informacional 5ordf ed

Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2013 p 45 70

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b

35

que se garante a cada Estado a particularidade de lidar com questotildees atinentes agraves suas

diferenccedilas

Deste modo o Tribunal de Estrasburgo consoante fora dito anteriormente se utiliza

pela primeira vez do recurso agrave MNA no caso Lawless vs Irlanda71

Na discussatildeo cerne deste

conflito estava a possibilidade de prisatildeo provisoacuteria no caso dos atentados terroristas

relacionados ao grupo extremista IRA (Irish Republic Army) Mais especificamente o

cidadatildeo irlandecircs Gerard Richard Lawless ex-membro do IRA foi preso em julho de 1957 no

momento em que estava prestes a viajar da Irlanda agrave Gratilde-Bretanha Neste ato foi detido sob

especiais poderes de detenccedilatildeo indeterminada sem julgamento sob alegaccedilotildees de ofensas contra

o Estado irlandecircs

Lawless fazendo o uso da prerrogativa de peticcedilatildeo individual demandou perante a

Corte Europeia de Direitos do Homem alegando violaccedilatildeo pelo Estado Irlandecircs dos artigos 56

e 7 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem mas especificamente direitos de

liberdade seguranccedila julgamento justo e o princiacutepio de proibiccedilatildeo de puniccedilatildeo sem lei anterior

que defina um delito

No julgamento do caso em 1961 o Tribunal de Estrasburgo pela primeira vez fez

alusatildeo mesmo que de modo natildeo explicito agrave possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo

ao deixar ao Estado Irlandecircs margem para decidir fundamentando-se nas prerrogativas do

artigo 1572

da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Tal norma da Convenccedilatildeo alude agrave

possibilidade de derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade com a prerrogativa de que em

caso de guerra ou outro perigo puacuteblico que ameace a vida da naccedilatildeo a parte aderente agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem pode tomar providecircncias que derroguem as

obrigaccedilotildees previstas no tratado na estrita medida em que exigir a situaccedilatildeo

71

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57518itemid[001-57518] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lawless vs Irlanda Sentenccedila de 01 de julho de 1961 Acesso

05 nov 2014 72

Artigo 15 Derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade 1 Em caso de guerra ou de outro perigo puacuteblico que

ameace a vida da naccedilatildeo qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providecircncias que derroguem as obrigaccedilotildees

previstas na presente Convenccedilatildeo na estrita medida em que o exigir a situaccedilatildeo e em que tais providecircncias natildeo

estejam em contradiccedilatildeo com as outras obrigaccedilotildees decorrentes do direito internacional 2 A disposiccedilatildeo

precedente natildeo autoriza nenhuma derrogaccedilatildeo ao artigo 2deg salvo quanto ao caso de morte resultante de atos

liacutecitos de guerra nem aos artigos 3deg 4deg (paraacutegrafo 1) e 7deg 3 Qualquer Alta Parte Contratante que exercer este

direito de derrogaccedilatildeo manteraacute completamente informado o Secretaacuterio Geral do Conselho da Europa das

providecircncias tomadas e dos motivos que as provocaram Deveraacute igualmente informar o Secretaacuterio - Geral do

Conselho da Europa da data em que essas disposiccedilotildees tiverem deixado de estar em vigor e da data em que as da

Convenccedilatildeo voltarem a ter plena aplicaccedilatildeo CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS

DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014

36

Logo aplicando o referido artigo 15 da Convenccedilatildeo a decisatildeo do Tribunal de

Estrasburgo foi de no caso proposto asseverar que os fatos apurados natildeo revelam uma

violaccedilatildeo por parte do Governo irlandecircs de suas obrigaccedilotildees ao abrigo da Convenccedilatildeo Europeia

para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais Em razatildeo disso de a

motivaccedilatildeo do Tribunal para proferir a decisatildeo ter partido de uma prerrogativa da proacutepria

Convenccedilatildeo Europeia alguns autores73

natildeo fazem alusatildeo a este caso como o primeiro em que

houve concessatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo para Estado

Embora haja uma referecircncia tiacutemida agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso exposto

anteriormente eacute no caso linguiacutestico belga74

que se percebe uma manifestaccedilatildeo mais concreta

da Corte de Estrasburgo em relaccedilatildeo agrave deferecircncia de julgamento aos Estados precisando

alguns dos fundamentos da doutrina da MNA No caso belga julgado em 1968 pais que

falavam francecircs questionaram o sistema educacional da Beacutelgica que dividia o paiacutes em quatro

regiotildees linguiacutesticas distintas

O Tribunal de Luxemburgo aceitou uma margem de apreciaccedilatildeo conferida agraves partes em

funccedilatildeo de que os Estados possuiacuteam discricionariedade em relaccedilatildeo agrave regulamentaccedilatildeo do direito

agrave educaccedilatildeo A Corte argumentou que essa necessidade de concessatildeo de uma deferecircncia ou de

um limite de discricionariedade ao Estado era proveniente da natureza do proacuteprio direito

discutido (regulamentaccedilatildeo do sistema educacional) de modo que a regulamentaccedilatildeo do direito

agrave educaccedilatildeo poderia variar de acordo com o local e com o tempo consoante as necessidades e

os recursos da comunidade e dos indiviacuteduos

Ainda eacute possiacutevel destacar nesse caso a vinculaccedilatildeo da noccedilatildeo de margem de apreciaccedilatildeo

ao princiacutepio de subsidiariedade dos tribunais internacionais em relaccedilatildeo agraves cortes nacionais

Por isso o Tribunal manifestou-se asseverando que natildeo desejava substituir as autoridades

nacionais pois se assim o fizesse perderia a caracteriacutestica de mecanismo internacional de

garantia da ordem instaurada pela Convenccedilatildeo

73

KRATOCHVIL Jan The inflation of the margin of appreciation by european court of human rights In

Netherlands Quarterly of Human Rights Vol 293 2011 p 324-357 Disponiacutevel em ww corteidhorcr

tablas r26992pdf Acesso 01 nov 2014

VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um

equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em

httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 74

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httpwww9euskadineteuskara_araubideaLegedialegeakgaztelaneuropas23b001pdf CORTE EUROPEIA

DE DIREITOS HUMANOS Caso linguiacutestico belga Sentenccedila de 23 de julho de 1968 Acesso 05 nov 2014

37

Essa subsidiariedade conduz agrave MNA duas noccedilotildees75

uma noccedilatildeo teacutecnica e outra

poliacutetica Na noccedilatildeo teacutecnica a razatildeo para sua existecircncia relaciona-se com a imprecisatildeo de

algumas normas que conferem certa liberdade ao juiz internacional No campo poliacutetico a

relaccedilatildeo se evidencia pela sensibilidade dos Estados em relaccedilatildeo a temas polecircmicos

Sob essa oacutetica e embora esse natildeo seja o foco do presente trabalho pode-se afirmar que

a MNA eacute uma figuram importante tanto para o horizonte de criaccedilatildeo de um direito comum

europeu como para a consolidaccedilatildeo do direito comunitaacuterio europeu Isso porque este uacuteltimo

embora tenha sido baseado em um ideal federalista funda-se na realidade em um modelo de

governanccedila supranacional em que a MNA foi importada pelo Tribunal de Luxemburgo a fim

de ser uma vaacutelvula de escape para tensotildees fortes em acircmbito comunitaacuterio76

O TJUE deste modo permite que os conflitos comunitaacuterios sejam interpretados de

maneira flexiacutevel conforme especificidades nacionais Cada Estado pode atribuir seu proacuteprio

significado a expressotildees ou textos legais de interpretaccedilatildeo ampla devendo-se contudo

vincular aos princiacutepios e conceitos juriacutedico-legais do direito comunitaacuterio

No campo de construccedilatildeo de um direito comum europeu que tem como terreno o

sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos tal premissa natildeo eacute diferente Embora em

alguns casos o TEDH opte pela concessatildeo da margem de deferecircncia essa soacute pode ser aplicada

pelo Estado se este observar os princiacutepios que regem o instrumento legal base da Corte qual

seja a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) Deste modo o Estado natildeo fica

desobrigado do cumprimento da Convenccedilatildeo pois em tese apenas existiraacute margem para

pontos sensiacuteveis desta os quais permitem interpretaccedilotildees diferenciadas de acordo com os

particularismos nacionais e os desacordos culturais

Nesse sentido conforme se observou pelos casos citados com ecircnfase para o caso

Lawless vs Irlanda uma primeira aplicaccedilatildeo da doutrina da margem vinculou-se ao processo

de sedimentaccedilatildeo do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos vez que tal

caso foi um dos primeiros a ser julgado pelo Tribunal de Estrasburgo aleacutem de conforme fora

dito ter sido o primeiro no acircmbito da criaccedilatildeo e uso da MNA Em razatildeo desse contexto a

utilizaccedilatildeo do instrumento em questatildeo deu-se em funccedilatildeo de uma demanda que envolvia

questatildeo de seguranccedila interna de um paiacutes e por isso a aplicaccedilatildeo da deferecircncia de julgamento agrave

Irlanda daacute-se tambeacutem como uma teacutecnica poliacutetica para evitar tensotildees entre esfera internacional

75

DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation

du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit

compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780 76

VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade

de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014

38

e nacional (esta ainda arraigada ao conceito claacutessico de soberania) no acircmbito de um sistema

que tinha sido criado recentemente

Sob tal vieacutes pode-se recorrer agrave explicaccedilatildeo de Marcelo Varella77

de que a margem

deve ser aplicada para temas polecircmicos em que abusos exegeacuteticos por parte do tribunal de

cariz internacional podem levar agrave perda de legitimidade deste Contudo com o

desenvolvimento da teoria da MNA tanto por doutrinadores como pela proacutepria jurisprudecircncia

do tribunal que a criou percebe-se que o seu uso em grande medida relaciona-se com o

embate entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo nacional em mateacuteria de

desacordos culturais

Natildeo obstante a existecircncia de criacuteticas sobre a aplicaccedilatildeo praacutetica atual da MNA pelo

TEDH o que seraacute objeto de anaacutelise na sequencia do presente trabalho eacute com a figura da

deferecircncia da margem nacional que se torna possiacutevel um pluralismo de justaposiccedilatildeo78

que

tolera a coexistecircncia de sistemas particularmente diferentes Somente a possibilidade de

acoplamento do adjetivo nacional ao substantivo margem ou seja uma transferecircncia de

conceito desse substantivo para outra esfera que natildeo agrave interna de cada paiacutes jaacute demonstra que

uma ruptura com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito jaacute iniciou e ainda estaacute em curso

A ruptura com a concepccedilatildeo tradicional unificada e estritamente hierarquizada de

ordem juriacutedica leva a uma ruptura epistemoloacutegica com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito

Isso permite natildeo soacute a existecircncia e aplicaccedilatildeo de uma margem nacional de apreciaccedilatildeo como

demonstra a possibilidade de concretizaccedilatildeo do ideal de um direito comum que por ser

pluralista natildeo pode ser projetado conforme o modelo tradicional e nem encontra campo para

isso em funccedilatildeo do novo mosaico juriacutedico existente sobretudo na Europa

Logo eacute possiacutevel afirmar que a margem a que se refere esse trabalho natildeo deixa de ser

um reconhecimento jurisprudencial dessa mudanccedila de ares trazida pelas novas configuraccedilotildees

e estruturas juriacutedicas Isso porque novas instituiccedilotildees emergem em meio de um caos juriacutedico

que natildeo passa despercebido pelas cortes internacionais Prova disso eacute que a MNA natildeo eacute

mencionada somente pelo TEDH Ainda que de modo muito tiacutemido e em pequena medida eacute

possiacutevel o destaque de citaccedilatildeo (e aplicaccedilatildeo) da referida doutrina pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos79

Embora o continente latino americano seja tatildeo ou mais plural e diversificado que o

europeu e que o uso da margem como instrumento de siacutentese entre relativo e universal seja

77

Ibid 2012 p 143 78

DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 757 79

POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema

interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012

39

teoricamente indicado para sedimentar as bases de construccedilatildeo de um direito comum pluralista

a aplicaccedilatildeo do instituto em solo americano ainda natildeo ocorre de modo significativo Sob esse

vieacutes o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Seacutergio Garcia Ramirez80

asseverou

que a margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute uma ferramenta e um princiacutepio europeu de relativismo

relativo agrave execuccedilatildeo que natildeo eacute visto com simpatia pela Corte maacutexima do sistema regional

americano de direitos humanos Isso em funccedilatildeo natildeo soacute do histoacuterico de demandas que

chegaram ao julgamento da Corte Interamericana ndash em grande parte envolvendo violaccedilotildees de

direitos humanos perpetradas pelo Estado durante os periacuteodos de ascensatildeo de autoritarismos e

ditaduras na Ameacuterica Latina ndash como tambeacutem em razatildeo das democracias latino-americanas

ainda estarem em fase de consolidaccedilatildeo

Deste modo em razatildeo da ausecircncia ateacute entatildeo de casos envolvendo desacordos

culturais e das recentes reinserccedilotildees ou inserccedilotildees democraacuteticas de paiacuteses do continente

americano temia-se que eventual aplicaccedilatildeo de MNA poderia ser compreendida pelos Estados

como um salvo-conduto para que houvesse violaccedilatildeo de direitos humanos pelos paiacuteses A

cautela e a percepccedilatildeo de paisagens diferentes entre os territoacuterios separados pelo Atlacircntico

fizeram e fazem com que ainda hoje a doutrina da margem tenha pouca ou quase nenhuma

aplicaccedilatildeo na Ameacuterica

Deste modo pode-se afirmar que a internacionalizaccedilatildeo do direito - e seus reflexos na

Europa - eacute a responsaacutevel pela criaccedilatildeo de um espaccedilo para o desenvolvimento da doutrina da

margem nacional de apreciaccedilatildeo Nesse sentido embora a criaccedilatildeo tenha sido jurisprudencial

por parte do TEDH com aplicaccedilatildeo em alguns casos pelo proacuteprio Tribunal de Luxemburgo eacute

importante avaliar de que modo a doutrina conceitua o referido instituto

A posiccedilatildeo adotada por este trabalho eacute a de Mireille Delmas-Marty81

que salienta em

suas obras a origem nacional da margem nacional ainda como uma margem de interpretaccedilatildeo

capaz de conferir um pluralismo de valores do tipo meta juriacutedico em uma espeacutecie de

deferecircncia para apreciaccedilatildeo do juiz receptor de determinada norma Todavia a margem

relativa agrave internacionalizaccedilatildeo liga-se ao reconhecimento da diversidade de sistemas juriacutedicos

os quais possuem algumas caracteriacutesticas peculiares ligadas agraves identidades do Estado em que

se encontram

80

Tal posicionamento de Seacutergio Garciacutea Ramirez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema Internacional de

Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de 19 e 20 de agosto

de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado ndash da Pontifiacutecia

Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS 81

DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 762

40

Em razatildeo disso para a autora a noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo aleacutem de ser

uma siacutentese entre o universal e o relativo eacute uma chave do pluralismo ordenado Desse modo

sua construccedilatildeo assemelha-se de um lado agrave expressatildeo de uma dinacircmica centriacutefuga ou seja

uma resistecircncia dos Estados agrave integraccedilatildeo e o apego agrave noccedilatildeo claacutessica de soberania e de outro

lado sendo ela limitada por princiacutepios comuns estabelece o miacutenimo de compatibilidade

voltando-se ao centro em uma dinacircmica centriacutepeta

Haacute portanto um movimento duplo que por vezes traduz as resistecircncias dos direitos

nacionais por vezes os avanccedilos rumo agrave harmonizaccedilatildeo do direito comum em mateacuteria de

direitos humanos Eacute justamente essa capacidade de oscilaccedilatildeo que permite os ajustamentos

com vistas a compatibilizar o interno com o comum com o intuito nem de criar uma

hegemonia do universal e nem de tornar inaplicaacutevel o direito comum em razatildeo das

particularidades Desta forma Delmas percebe a margem como uma teacutecnica juriacutedica presente

no acircmbito do fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo do direito e que permite o reconhecimento da

diversidade entre os sistemas juriacutedicos82

Benvenisti83

por sua vez visualiza no uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo uma

espeacutecie de latitude que cada sociedade tem na resoluccedilatildeo de conflitos inerentes entre os

direitos individuais e os interesses nacionais ou entre diferentes convicccedilotildees morais Por

conseguinte alude que a doutrina da margem consoante inclusive fora abordado

anteriormente neste trabalho respondeu inicialmente a preocupaccedilotildees de governos nacionais

de que as poliacuteticas internacionais pudessem comprometer a seguranccedila nacional Isso entatildeo

explicaria a invocaccedilatildeo da margem no caso Lawless vs Irlanda por exemplo

Com a evoluccedilatildeo da jurisprudecircncia o uso desse instrumento passou a ser aplicado por

outras razotildees como gestatildeo de recursos discricionariedade em relaccedilatildeo a questotildees

concernentes agrave deliberaccedilatildeo acerca de sistemas poliacuteticos educacionais entre outros ateacute passar

a ser utilizada em temas relativos aos desacordos culturais Ainda segundo Bevenisti84

a

utilizaccedilatildeo da margem se justifica em alguns casos e em algumas mateacuterias ndash para o autor por

exemplo a aplicaccedilatildeo da margem nacional natildeo se justifica quando em questatildeo se encontram o

direito de minorias - sendo que o uso ampliado ou desmedido pode gerar uma espeacutecie de

deslegitimaccedilatildeo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos

82

Ibid 2000 p 760 83

BENVENISTI Eyal Margin of apreciation consensus and universal standards In International Law and

Politics Vol 31843 1999 pp 843-854 Disponiacutevel em httpwwwpict-

pctiorgpublicationsPICT_articlesJILPBenvenistipdfp 853 Acesso 05 nov 2014 84

Ibid 1999 p 846

41

Para Poblete amp Alvarado85

a margem nacional de apreciaccedilatildeo liga-se agrave noccedilatildeo de fins e

limites da jurisdiccedilatildeo internacional ou supranacional em mateacuteria de direitos humanos Eles

reconhecem que a doutrina da margem concede aos Estados signataacuterios de convenccedilotildees

internacionais liberdade para apreciar as circunstacircncias materiais que exigem aplicaccedilatildeo de

medidas excepcionais em situaccedilatildeo de emergecircncia como eacute o caso das prerrogativas do artigo

15 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de derrogaccedilatildeo em caso de necessidade

Outrossim ainda segundo os mencionados autores a margem possibilita aos Estados

liberdade para limitar direitos reconhecidos em tratados internacionais quando outros direitos

exigem respeito ou assim exigem os interesses da comunidade Ainda serviria para definir os

conteuacutedo dos direitos delimitar como eles satildeo aplicados no plano interno e definir o modo

como seratildeo cumpridas resoluccedilotildees de um oacutergatildeo internacional de supervisatildeo de um tratado ou

convenccedilatildeo Dessa maneira tais autores identificam a doutrina da MNA como uma

metodologia de que se servem os tribunais internacionais para difundir os direitos humanos

previstos nos tratados internacionais bem como o direito do comeacutercio ndash a margem tambeacutem eacute

aplicada pela Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio (OMC)

Vila86

por sua vez percebe na doutrina da marem nacional de apreciaccedilatildeo uma espeacutecie

de ldquodeferecircnciardquo praticada pelo Tribunal de Estrasburgo em relaccedilatildeo aos Estados signataacuterios da

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Isso pelo fato de que o sistema de proteccedilatildeo dos

diretos humanos na Europa eacute resultado de uma divisatildeo de trabalho entre os Estados e a Corte

em que os primeiros satildeo responsaacuteveis primaacuterios desta proteccedilatildeo e a Corte possui um caraacuteter

subsidiaacuterio atuando em acircmbitos sensiacuteveis como o da moralidade e da religiatildeo em que natildeo haacute

consenso entre os Estados

Nesse mesmo sentido se situa o pensamento de Roca87

que afirma que a doutrina da

margem nacional de apreciaccedilatildeo ocupa um lugar de destaque na jurisprudecircncia do Tribunal

Europeu de Direitos Humanos e eacute necessaacuteria para refletir uma realidade evidente qual seja a

pluralidade cultural dos Estados que fazem parte do Conselho da Europa notaacutevel em um

pluralismo de base territorial sobre o qual assenta uma cultura comum europeia de alguns

miacutenimos

85

POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema

interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012 p5 86

VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um

equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em

httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 87

ROCA JavierGarciacutea La muy discrecional doctrina del margen de apreciacioacuten nacional seguacuten el Tribunal

Europeo de Derechos Humanos Soberaniacutea e Integracioacuten In UNED Teoriacutea y Realidad Constitucional N

202007 p 117-143 Disponiacutevel em httpe-spaciounedes revistasuned indexphp TRC article vie 6778

Acesso 02 nov 2014

42

Da mesma forma considera o autor que os princiacutepios da proporcionalidade e da

subsidiariedade satildeo imanentes agrave noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo visto que os

Estados possuem certa margem de discricionariedade na aplicaccedilatildeo e no cumprimento de

obrigaccedilotildees impostas pela Convenccedilatildeo bem como na ponderaccedilatildeo de interesses mais

complexos Se houver excesso por parte dos Estados no uso dessa margem haacute violaccedilatildeo do

princiacutepio da proporcionalidade e abre-se espaccedilo para a intervenccedilatildeo do oacutergatildeo jurisdicional

internacional sob as bases do princiacutepio da subsidiariedade

Eacute importante sob essa oacutetica lembrar que embora o diferencial da Corte Europeia de

Direitos Humanos seja o de permitir a peticcedilatildeo individual de qualquer sujeito que denuncie

uma violaccedilatildeo de seus direitos baacutesicos assim como outros tribunais internacionais tem a regra

da exigecircncia do esgotamento das vias internas de acesso agrave justiccedila para que a demanda seja

recebida pelo TEDH Se natildeo houve satisfaccedilatildeo do pleito por parte do Estado ou se a reparaccedilatildeo

obtida se revelara inidocircnea para uma proteccedilatildeo adequada ao direito violado entatildeo agrave Corte

Europeia eacute permitido revisar a decisatildeo nacional ou substituiacute-la

Mahorney88

em seus estudos assevera que a margem funciona como uma espeacutecie de

divisatildeo de jurisprudecircncias uma vez que traccedila uma linha divisoacuteria entre o que deve decidir

cada comunidade nacional e as questotildees que tecircm relevacircncia para necessitar uma soluccedilatildeo

homogecircnea ou seja as que demandam uma decisatildeo que harmonize a regulaccedilatildeo do direito e

suas garantias na comunidade internacional independentemente das diferenccedilas de tradiccedilotildees

ou culturas

Contreras89

afirma que os tratados regionais de direitos humanos embora contenham

escopos de universalidade em relaccedilatildeo a esses direitos satildeo acompanhados pela possibilidade

de peculiaridades geograacuteficas na execuccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos direitos do homem As cortes

internacionais tecircm a dificuldade de conciliar ou justificar a falta de conciliaccedilatildeo entre

diferenccedilas morais e normativas de cada regiatildeo Em razatildeo disso uma das criaccedilotildees doutrinaacuterias

mais importantes eacute a da margem nacional de apreciaccedilatildeo sendo esta para o autor um criteacuterio

interpretativo desenvolvido tanto como deferecircncia aos Estados para que possam regular o

conteuacutedo dos direitos e suas restriccedilotildees e para distribuir os poderes e niacuteveis de decisotildees

tomadas entre as autoridades domeacutesticas e internacionais

88

MAHORNEY Paul Marvellous richness diversity or individual cultural relativism In Human Rights Law

Journal Vol 19 nuacutem 1 30 de abril de 1998 p 1 89

CONTRERAS Pablo National Discretion and International Deference in the Restriction of Human Rights A

Comparison Between the Jurisprudence of the European and the Inter-American Court of Human Rights In

Northwestern Journal of International Human Rights Vol 11 2012 Disponiacutevel em

httpscholarlycommonslawnorthwesterneducgiviewcontentcgiarticle=1155ampcontext=njihr Acesso 01 nov

2014

43

Visiacutevel portanto que na doutrina natildeo haacute um contexto exato em relaccedilatildeo a essa figura

criada e aplicada na jurisprudecircncia do TEDH Enquanto para alguns estudiosos ela se

configura como uma doutrina para outros eacute um criteacuterio interpretativo ou hermenecircutico usado

pelos tribunais internacionais no sentido de revisar a decisatildeo de um Estado ou conceder

deferecircncia a este para julgar conforme o direito interno coadunado com os princiacutepios miacutenimos

existentes nos tratados internacionais de direitos humanos

Natildeo obstante a divergecircncia de conceituaccedilatildeo no campo teoacuterico analisar-se-aacute no

proacuteximo capiacutetulo alguns casos emblemaacuteticos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de apreciaccedilatildeo

pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos mais diferentes tema com o intuito de

responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel afirmar que do modo como eacute aplicada a

doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo pela Corte Europeia de Direitos do Homem

temos uma efetiva contribuiccedilatildeo para o processo de harmonizaccedilatildeo entre universal e relativo e

construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos

Embora a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo tenha nascido da tentativa de

produccedilatildeo de uma siacutentese entre o universal e o relativo no espaccedilo do sistema regional europeu

de proteccedilatildeo dos direitos humanos sua aplicaccedilatildeo praacutetica sobretudo pelo TEDH natildeo eacute imune a

criacuteticas Cumpre a esse capiacutetulo realizar notas acerca da aplicaccedilatildeo praacutetica da margem

nacional de apreciaccedilatildeo com o intuito de verificar se ela efetivamente contribui ou eacute capaz de

contribuir para a construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

Conforme afirmam Brum et Saldanha90

a MNA ao ser compreendida e utilizada como

uma forma de autocontrole por meio do qual o oacutergatildeo jurisdicional internacional evita o

enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas poliacutetica pode

representar um risco de fragilizaccedilatildeo do direito internacional dos direitos humanos caso seu

uso se torne indiscriminado sem criteacuterios claros e limites precisos Desta maneira seu uso em

vez de conduzir ao caminho de ordenaccedilatildeo do muacuteltiplo e de mundializaccedilatildeo dos direitos

90

BRUM Maacutercio Morais SALDANHA Jacircnia Maria Lopes A margem nacional de apreciaccedilatildeo e sua

(in)aplicaccedilatildeo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em mateacuteria de anistia Uma figura hermenecircutica a

serviccedilo do pluralismo ordenado In Anuario Mexicano de Derecho Internacional 2015(No prelo para

publicaccedilatildeo)

44

humanos levaria ao rumo contraacuterio da fragmentaccedilatildeo e reforccedilo da velha noccedilatildeo de soberania

marcada pela ausecircncia de compromisso dos Estados com os marcos protetivos miacutenimos do

direito internacional

Neste vieacutes portanto dentro ainda de um panorama geral de anaacutelise da postura do

Tribunal de Estrasburgo um dos primeiros pontos de criacutetica se relaciona ao enfraquecimento

da credibilidade do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos Na visatildeo de

alguns doutrinadores a postura da Corte Europeia na aplicaccedilatildeo irrestrita e sem limitaccedilotildees ou

uma sistematizaccedilatildeo teacutecnica em relaccedilatildeo aos casos em que deve ou natildeo ser aplicada pode gerar

um sentimento de descrenccedila na legitimidade e na eficaacutecia das decisotildees tomadas pelo oacutergatildeo

jurisdicional internacional do Conselho da Europa

Para alguns estudiosos o modo como a margem eacute aplicada reflete uma postura de

evitar o enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas

poliacuteticas Aleacutem de uma fragilizaccedilatildeo do sistema internacional de proteccedilatildeo aos direitos humanos

o uso da margem sem limites definidos pode levar ao reforccedilo da noccedilatildeo claacutessica de soberania

em que o compromisso dos Estados com os instrumentos normativos de direito internacional

era mitigado

No campo de aplicaccedilatildeo a casos praacuteticos eacute possiacutevel conforme assevera Roca91

visualizar as imprecisotildees praacuteticas e teoacutericas do uso da margem o que leva a dois resultados o

primeiro eacute a necessidade de criaccedilatildeo de esforccedilos com urgecircncia para melhor edificar e criar

paracircmetros para a aplicaccedilatildeo da ferramenta bem como que o demandante ou qualquer

observador perante a Corte natildeo saber com suficiente seguranccedila juriacutedica quando o Tribunal

de Estrasburgo vai usar a margem nem quais seratildeo os possiacuteveis resultados desse uso

Ainda segundo o autor a margem eacute um instrumento impreciso e de geometria

variaacutevel todavia eacute consenso entre os doutrinadores que a ferramenta natildeo eacute uma carta branca

aos Estados para fazerem o que quiserem sendo necessaacuteria depuraccedilatildeo teoacuterica para tornar o

instrumento mais preciso Seu uso impotildee como jaacute foi dito autocontenccedilatildeo por parte da Corte

tendo em vista que sua funccedilatildeo segundo o princiacutepio da subsidiariedade eacute somente de impor

estandartes miacutenimos comuns em mateacuteria de direitos humanos Entretanto o niacutevel de proteccedilatildeo

dos direitos dos direitos e das diversas foacutermulas para concretizaacute-los natildeo satildeo homogecircneos

diante de naccedilotildees com tradiccedilotildees juriacutedicas tatildeo diversas

Desta maneira no campo jurisprudencial com a finalidade de responder ao

questionamento feito no capiacutetulo anterior utilizar-se-aacute de modo conjunto as classificaccedilotildees das

91

ROCA op cit 125

45

decisotildees da Corte Europeia dos Direitos do Homem feitas por Contreras e por Roca Para o

primeiro doutrinador92

eacute possiacutevel dividir os casos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de

apreciaccedilatildeo pelo Tribunal de Estrasburgo em trecircs grandes grupos

O primeiro grupo abarca casos envolvendo direitos fundamentais e direitos poliacuteticos

dentre os quais se destacam a proibiccedilatildeo da tortura ou a liberdade de expressatildeo e associaccedilatildeo

Nesse primeiro grupo no que tange aos direitos fundamentais haacute rigorosa supervisatildeo por

parte do Tribunal Europeu negando qualquer margem nacional de apreciaccedilatildeo aos Estados

Ainda dentro deste conjunto no que concerne aos discursos poliacuteticos ou direito de partidos

poliacuteticos eacute por vezes concedida uma margem reduzida agraves autoridades domeacutesticas para

decisatildeo ou execuccedilatildeo de uma decisatildeo

O segundo grupo por sua vez relaciona-se aos direitos de propriedade em que a

Corte concede grande margem de deferecircncia aos Estados Isso porque o TEDH reconhece em

princiacutepio que as autoridades nacionais estatildeo melhor situadas do que o juiz internacional no

que tange a apreciaccedilatildeo acerca do melhor interesse de uma comunidade em relaccedilatildeo a poliacuteticas

envolvendo direitos de propriedade

Por fim o terceiro grupo eacute o mais complexo para a apreciaccedilatildeo do tipo de margem

concedida pelo Tribunal de Estrasburgo uma vez que conteacutem temas que natildeo apresentam

consenso por parte do Tribunal Deste modo neste grupo ficam evidentes as complexidades e

as vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis da MNA Casos como os de liberdade religiosa liberdade de

discurso direitos dos homossexuais dentre outros temas latentes e relevantes na paisagem

juriacutedica social e cultural europeia

Do mesmo modo Roca93

divide a margem nacional de apreciaccedilatildeo em trecircs ciacuterculos

concecircntricos tendo como base a natureza dos direitos cuja tutela eacute pleiteada junto ao oacutergatildeo

jurisdicional internacional do sistema europeu O primeiro ciacuterculo de Roca relaciona-se com o

segundo grupo de Contreras vez que trata dos direitos de propriedade que teriam uma

margem de deferecircncia ampla e um controle pouco intenso por parte da Corte Esse ciacuterculo

seria o maior e englobaria os demais

No ciacuterculo menor estariam os direitos vistos como absolutos pelo Tribunal Europeu

Dentre esses se destacam o direito agrave vida ou os direitos democraacuteticos que apresentam uma

margem de apreciaccedilatildeo pouco extensa juntamente com um controle restrito por parte da Corte

Europeia Este ciacuterculo identifica-se com o primeiro grupo anteriormente mencionado visto

92

CONTRERAS op cit p 35 93

ROCA op cit p 134

46

que trabalha com noccedilotildees de direitos fundamentais e poliacuteticos essenciais e miacutenimos para todos

os paiacuteses europeus

Por fim no espaccedilo intermediaacuterio entre esses dois ciacuterculos encontra-se uma esfera

meacutedia que relacionando-se com o terceiro grupo definido por Contreras contempla todos os

outros direitos em que alguma vez o Tribunal de Estrasburgo mencionou ou aplicou a margem

nacional de apreciaccedilatildeo Eacute justamente nesse ciacuterculo que devem ser desenvolvidos os

paracircmetros para guiar o uso da ferramenta pela Corte no intuito de reduzir a inseguranccedila

juriacutedica ocasionada pelo uso sem uma sistematizaccedilatildeo de criteacuterios

Eacute pertinente em um primeiro momento destacar que conforme ambos os

doutrinadores demonstram quando se mencionam direitos fundamentais ou vinculados agrave

princiacutepios democraacuteticos inaplicaacutevel eacute o uso da margem pela Corte ou se for feito eacute de forma

absolutamente restrita No caso dos direitos fundamentais interessante relembrar Baez94

que

ao buscar o conceito de direitos humanos concluiu que nenhuma fonte normativa existente

tanto em sistemas internacionais quanto nacionais ou regionais trazem a definiccedilatildeo de direitos

humanos Pelo contraacuterio soacute os exemplificam

Nesse sentido observou Baez95

que embora natildeo exista uma definiccedilatildeo precisa de

direitos humanos existem elementos baacutesicos que fazem parte desses e o elemento que eacute

citado em todos os instrumentos normativos sobre o tema eacute o de dignidade da pessoa humana

Os direitos humanos somente existem para realizaccedilatildeo e proteccedilatildeo da dignidade humana poreacutem

o conceito de dignidade eacute de tatildeo difiacutecil conceituaccedilatildeo quanto o conceito de direitos humanos

O autor conclui que a dignidade possui duas dimensotildees a dimensatildeo baacutesica a qual

corresponde aos limites miacutenimos e fundamentais para a existecircncia humana impedindo a

noccedilatildeo de coisificaccedilatildeo do ser Se houver portanto violaccedilatildeo agrave dimensatildeo baacutesica da dignidade da

pessoa humana haacute tambeacutem violaccedilatildeo dos direitos humanos A outra dimensatildeo eacute a cultural vez

que envolve o conjunto de valores que cada sociedade desenvolve

A primeira dimensatildeo refere-se agrave universalidade e a segunda que depende de fatores

culturais permite que os direitos humanos sejam morfologicamente assimeacutetricos Isso natildeo

deixa de se relacionar com o que Delmas-Marty fala acerca dos direitos humanos

inderrogaacuteveis ou seja que natildeo podem sofrer a incidecircncia de qualquer tipo de margem de

94

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos

humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da

UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em

httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014 95

Tal posicionamento de Narciso Leandro Xavier Baez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema

Internacional de Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de

19 e 20 de agosto de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado

ndash da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS

47

apreciaccedilatildeo Estes possuem a caracteriacutestica do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano

ou seja vinculam-se agrave noccedilatildeo da dimensatildeo baacutesica da dignidade da pessoa humana

Neste vieacutes eacute possiacutevel dizer que no que diz respeito aos direitos fundamentais a Corte

de certa forma apresenta certa relaccedilatildeo com as doutrinas apresentadas uma vez que em casos

em que existam registros de violaccedilotildees aos direitos humanos inderrogaacuteveis quais sejam os

que tem como cerne a dignidade humana baacutesica a Corte natildeo permite qualquer espeacutecie de

margem nacional de apreciaccedilatildeo Vejamos por exemplo o caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila96

julgado em 2006 O demandante perante o Tribunal de Estrasburgo foi um terrorista

venezuelano conhecido na deacutecada de 1970 condenado pelo Estado Francecircs agrave prisatildeo perpeacutetua

pelo assassinato em 1974 dois inspetores da poliacutecia francesa e um antigo companheiro

terrorista libanecircs

Saacutenchez recorreu agrave Corte Europeia arguindo violaccedilotildees do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo

Europeia dos Direitos do Homem (proibiccedilatildeo da tortura e tratamentos humanos degradantes) e

do artigo 13 do mesmo diploma legal (direito a um recurso efetivo) Embora no julgamento

tenha ficado decidido que natildeo houve violaccedilatildeo ao artigo 3ordm97

o posicionamento da Corte

permite asseverar que natildeo haacute margem nacional de deferecircncia aos Estados quando o assunto

for violaccedilatildeo de direitos humanos ou fundamentais inderrogaacuteveis ou cujo nuacutecleo central for a

dignidade baacutesica da pessoa humana Nesse sentido a Corte pontuou que mesmo nas

circunstacircncias mais difiacuteceis como a luta contra o terrorismo ou o crime organizado a

Convenccedilatildeo proiacutebe em termos absolutos a tortura ou tratamentos inumanos ou degradantes

Igualmente natildeo confere o Tribunal margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso de

violaccedilatildeo de direitos humanos nas condiccedilotildees degradantes das prisotildees de muitos paiacuteses do Leste

Europeu O caso Kalashnikov vs Ruacutessia98

julgado em 15 de julho de 2002 cujo fundamento

foi repetido em muitos outros casos envolvendo condiccedilotildees humanas degradantes nas prisotildees

apresenta a consideraccedilatildeo de que deficientes condiccedilotildees objetivas e estruturais de cumprimento

de pena podem constituir uma violaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo Europeia

96

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-

1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila Sentenccedila

de 04 de julho de 2006 Acesso 05 nov 2014 97

Artigo 3ordm Proibiccedilatildeo da tortura Ningueacutem pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos desumanos

ou degradantes CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS

LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 98

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-

1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Kalashnikov vs Ruacutessia Sentenccedila de 15

de julho de 2002 Acesso 05 nov 2014

48

Ainda pode-se destacar o caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria99

em que novamente o motivo

que serve de base para o pedido de julgamento do Tribunal de Estrasburgo eacute a violaccedilatildeo do

artigo 3ordf da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de que ningueacutem poderaacute ser

submetido a torturas nem a penas ou tratamentos humanos degradantes O caso em comento

referiu-se agrave prisatildeo do senhor Borislav Gutsanov membro do Partido Comunista preso pela

poliacutecia da Bulgaacuteria em sua casa na frente de seus filhos e de sua esposa durante as

investigaccedilotildees de esquemas de grupos criminosos Segundo o relato das partes demandantes

Gustsanovi foi rendido em sua casa por volta das seis horas da manhatilde forccedilado a se ajoelhar e

algemado em frente a seus filhos menores de idade

A decisatildeo da Corte foi a de considerar que houve violaccedilatildeo do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo

uma vez que se mostrou desnecessaacuterio o ato dos policiais e natildeo condizente com os princiacutepios

da proporcionalidade e com as exigecircncias de garantia de direitos fundamentais de um Estado

Democraacutetico de Direito Isso porque o demandante natildeo teria oferecido resistecircncia em sua

prisatildeo de modo que algemaacute-lo diante de sua famiacutelia representou uma espeacutecie de tratamento

humano degradante

Casos como os acima previstos mostram um padratildeo doutrinaacuterio e jurisprudencial

semelhante vez que natildeo se encontram referecircncias expressas a qualquer margem nacional de

apreciaccedilatildeo para as autoridades nacionais O TEDH determina se as provas colhidas satildeo

suficientes ou natildeo para provar o real risco de tortura ou de tratamento humano e

degradante100

Logo pelo fato de que a natureza dos direitos envolvidos nesse caso eacute considerada

como fundamental de imediato eliminam-se as possibilidades de deferecircncia aos Estados Tal

compreensatildeo eacute o que faz o uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo ser extremamente reduzido

no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos Isso porque ateacute hoje diferentemente do Tribunal de Estrasburgo a Corte

Interamericana teve como maioria de demandas apresentadas as envolvendo delitos

praticados pelos Estados Americanos durante as ditaduras militares ou civil militares em que

casos de tortura e desaparecimento forccedilados eram julgados ou seja casos envolvendo a

violaccedilatildeo de direitos fundamentais ou humanos em sua perspectiva eacutetica de dignidade humana

e natildeo cultural

99

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-126982itemid[001-126982] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria Sentenccedila de 15 de outubro de 2013

Acesso 05 nov 2014 100

CONTRERAS op cit p 41

49

Nesse aspecto visiacutevel que quando se tratam de possiacuteveis violaccedilotildees de direitos

humanos inderrogaacuteveis previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos

a anaacutelise feita pelo Tribunal de Estrasburgo eacute de revisatildeo minuciosa da sentenccedila proferida no

paiacutes de origem da demanda bem como a possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute

extremamente reduzida para natildeo falar inexistente No caso de direitos democraacuteticos a

deferecircncia quando concedida pela Corte possui um limite miacutenimo e consoante o princiacutepio da

proporcionalidade soacute eacute concedida se a restriccedilatildeo eacute necessaacuteria e condizente com uma sociedade

democraacutetica

Nos direitos democraacuteticos referidos abarca-se a participaccedilatildeo poliacutetica atraveacutes das

possibilidades de liberdade de associaccedilatildeo ou de discurso poliacutetico Neste campo dos direitos de

participaccedilatildeo poliacutetica em sociedades democraacuteticas a margem concedida pelo Tribunal de

Estrasburgo consoante se afirmou eacute reduzida e sujeita a um controle rigoroso por parte do

oacutergatildeo jurisdicional internacional

Destaca-se o caso Lingens vs Austria101

que por mais que tenha sido julgado na

deacutecada de 1980 pela Corte Europeia eacute emblemaacutetico em relaccedilatildeo ao posicionamento do

tribunal internacional acerca da liberdade de expressatildeo Nesse caso durante o periacuteodo anterior

agraves eleiccedilotildees na Aacuteustria o jornalista Lingens publicou dois artigos polecircmicos sobre os

candidatos incluindo em um desses artigos a informaccedilatildeo de que o entatildeo presidente do

Partido Liberal Nacional da Aacuteustria teria ligaccedilotildees no passado com o nazismo e com a SS

Contra o jornalista foi instaurado um processo penal e ao fim da instruccedilatildeo criminal

este fora condenado pelo delito de difamaccedilatildeo conforme as regras do direito penal austriacuteaco

Esgotadas as vias internas de recurso o jornalista demandou perante a Corte Europeia

alegando que houve por parte do Estado violaccedilatildeo do artigo 10 da Convenccedilatildeo Europeia

havendo censura em seu direito de expressar-se livremente O Estado por sua vez nas razotildees

apresentadas perante o tribunal internacional justificou a condenaccedilatildeo na convicccedilatildeo de

proteccedilatildeo da honra dos direitos de outrem

Frente a este embate o Tribunal de Estrasburgo reconheceu uma margem miacutenima de

deferecircncia agraves autoridades domeacutesticas no que concerne aos oacutergatildeos locais na avaliaccedilatildeo de uma

necessidade social imperiosa que justificaria a interferecircncia na liberdade de expressatildeo de

Lingens Entretanto ressaltou que essa deferecircncia seria seguida por uma riacutegida supervisatildeo

101

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lingens vs Austria Sentenccedila de 8 de julho de 1986 Acesso

05 nov 2014

50

internacional uma vez estar se tratando de direitos fundamentais para o bom funcionamento

de uma sociedade democraacutetica

Ainda nesse sentido o TEDH arguiu que a liberdade de debate poliacutetico eacute cerne da

democracia e considerar que qualquer ofensa ou notiacutecia acerca de uma pessoa puacuteblica seria

sempre difamaccedilatildeo poderia impedir a imprensa na realizaccedilatildeo de sua tarefa de fornecedora de

informaccedilotildees Deste modo aplicando de forma conjunta os princiacutepios da proporcionalidade e

da subsidiariedade o Tribunal de Estrasburgo decidiu que a condenaccedilatildeo fora desproporcional

ao objetivo legiacutetimo perseguido e constituiu uma violaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo no

acircmbito da Convenccedilatildeo Europeia

Tambeacutem merece anaacutelise o caso July and Sarl Libeacuteration vs France102

cuja sentenccedila

foi proferida em 2008 Neste caso o jornal francecircs Libeacuteration divulgou uma reportagem a

respeito das investigaccedilotildees da morte do juiz Bernard Borrel que em um primeiro momento

havia sido dada como suiciacutedio mas apoacutes a reabertura das investigaccedilotildees houve surgimento de

indiacutecios de morte por encomenda Apoacutes a divulgaccedilatildeo da reportagem contendo informaccedilotildees

acerca da participaccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos na morte do magistrado o diretor do jornal

Senhor July foi processado criminalmente pelo crime de difamaccedilatildeo e condenado pelo governo

francecircs

O TEDH em sua manifestaccedilatildeo asseverou que o caso em questatildeo trazia niacutetida

interferecircncia de autoridades puacuteblicas na liberdade de expressatildeo e essa interferecircncia caso natildeo

siga os requisitos do artigo 10103

da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos representa

clara violaccedilatildeo do direito de liberdade de expressatildeo Nessa situaccedilatildeo ainda a Corte faz uso de

uma triacuteade de requisitos descritos por Contreras104

para a concessatildeo da margem a) prescriccedilatildeo

legal - verificar se a restriccedilatildeo realizada pela autoridade domeacutestica foi autorizada ou pelo

102

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-85084itemid[001-85084] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso July and Sarl Libeacuteration vs France Sentenccedila de 14 de

fevereiro de 2008 Acesso 05 nov 2014 103

Artigo 10 Liberdade de expressatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de expressatildeo Este direito

compreende a liberdade de opiniatildeo e a liberdade de receber ou de transmitir informaccedilotildees ou ideias sem que

possa haver ingerecircncia de quaisquer autoridades puacuteblicas e sem consideraccedilotildees de fronteiras O presente artigo

natildeo impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusatildeo de cinematografia ou de televisatildeo a um

regime de autorizaccedilatildeo preacutevia 2 O exerciacutecio desta liberdades porquanto implica deveres e responsabilidades

pode ser submetido a certas formalidades condiccedilotildees restriccedilotildees ou sanccedilotildees previstas pela lei que constituam

providecircncias necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a integridade territorial ou a

seguranccedila puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral a proteccedilatildeo da

honra ou dos direitos de outrem para impedir a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees confidenciais ou para garantir a

autoridade e a imparcialidade do poder judicial CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS

DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 104

CONTRERAS op cit p 34

51

menos executada em conformidade com a lei b) objetivo legiacutetimo c) se a medida foi

necessaacuteria em uma sociedade democraacutetica

No caso pode ser feito o destaque para o trecho da sentenccedila em que analisando a

necessidade da medida de investigaccedilatildeo do crime de difamaccedilatildeo a Corte arguiu que a tarefa do

tribunal internacional no exerciacutecio de sua competecircncia de fiscalizaccedilatildeo natildeo eacute de tomar o lugar

das autoridades competentes mas sim rever as decisotildees que porventura violarem preceitos

previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem quando entregues ao poder de

apreciaccedilatildeo do Estado Deve entatildeo a Corte agrave luz do caso como um todo avaliar se a medida

tomada pelo Estado foi proporcional ao objetivo legiacutetimo perseguido e se os motivos

indicados pelas autoridades nacionais satildeo suficientes e relevantes Por tais motivos no caso

em questatildeo o TEDH declarou que houve violaccedilatildeo por parte do Estado Francecircs do direito de

liberdade de expressatildeo devendo este arcar com uma indenizaccedilatildeo agraves partes prejudicadas

Ainda dentro dessa esfera de atuaccedilatildeo mais precisamente no que concerne ao direito

democraacutetico de livre reuniatildeo e associaccedilatildeo previsto no artigo 11105

da Convenccedilatildeo Europeia o

destaque pode ser dado aos casos do Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia106

julgado em 2005 e Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia107

julgado em 2006 O primeiro deles

trata da questatildeo de dissoluccedilatildeo do Partido Comunista da Turquia ordenado pelo Tribunal

Constitucional do paiacutes sob as razotildees de que era incompatiacutevel com as obrigaccedilotildees

constitucionais e convencionais do Estado

Ao apreciar tal caso a Corte alegou que os partidos poliacuteticos satildeo estruturas essenciais

para o bom e justo funcionamento da democracia Embora natildeo negue certa margem de

deferecircncia aos Estados para que dissolvam partidos poliacuteticos que poderiam tentar minar a

estrutura constitucional do Estado tal decisatildeo se executada pode sofrer revisatildeo se natildeo

105

Artigo 11 Liberdade de reuniatildeo e de associaccedilatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo

paciacutefica e agrave liberdade de associaccedilatildeo incluindo o direito de com outrem fundar e filiar-se em sindicatos para a

defesa dos seus interesses 2 O exerciacutecio deste direito soacute pode ser objeto de restriccedilotildees que sendo previstas na

lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a seguranccedila

puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral ou a proteccedilatildeo dos direitos

e das liberdades de terceiros O presente artigo natildeo proiacutebe que sejam impostas restriccedilotildees legiacutetimas ao exerciacutecio

destes direitos aos membros das forccedilas armadas da poliacutecia ou da administraccedilatildeo do Estado CONVENCcedilAtildeO

EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS

1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 106

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia

Sentenccedila de 2005 Acesso 05 nov 2014 107

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia Sentenccedila de 15 de

julho de 2006 Acesso 05 nov 2014

52

adequar-se agraves previsotildees da Convenccedilatildeo Europeia Logo o Tribunal embora tenha feito a

ressalva de que podem os Estados dissolver partidos poliacuteticos na situaccedilatildeo afirmou que houve

violaccedilatildeo dos direitos de liberdade de associaccedilatildeo visto que natildeo havia qualquer indiacutecio de que

o partido por ter ideal comunista poderia colocar em risco a estrutura do Estado

Da mesma forma o caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia que envolve o direito

de liberdade sindical Na situaccedilatildeo o Governo turco justifica o fechamento de sindicatos com

base em previsotildees da legislaccedilatildeo trabalhista interna a qual natildeo permite que funcionaacuterios criem

sindicatos A Corte na anaacutelise da situaccedilatildeo tambeacutem asseverou que houve violaccedilatildeo do artigo

11 mesmo que neste existam ressalvas em relaccedilatildeo agrave liberdade de associaccedilatildeo de membros das

Forccedilas Armadas da Poliacutecia e da Administraccedilatildeo do Estado Contudo essas limitaccedilotildees devem

ser interpretadas pelos Estados dentro da sua margem de apreciaccedilatildeo de maneira restrita

Se esses casos expostos ilustram exemplos de margem nacional de apreciaccedilatildeo

reduzida ou inexistente o polo oposto envolve os direitos concernentes agrave propriedade para os

quais a Corte Europeia possui entendimento de que a margem de deferecircncia agraves autoridades

domeacutesticas deve ser maior e mais elaacutestica bem como a supervisatildeo por parte do Tribunal

Internacional deve ser menor e relativizada Isso porque as autoridades nacionais em uma

concepccedilatildeo semelhante agrave de juiz natural no processo estariam mais bem situadas que o juiz

internacional para avaliar qual eacute o interesse geral de uma comunidade nessa seara108

A proteccedilatildeo internacional dos direitos de propriedade encontra-se no artigo 1ordm109

do

Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo de Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades

Fundamentais Jaacute na previsatildeo normativa encontra-se a prerrogativa de que qualquer pessoa

singular ou coletiva tem direito ao respeito de seus bens natildeo podendo haver privaccedilatildeo da

propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica ou por condiccedilotildees previstas em lei Desta maneira

as demandas soacute seratildeo revistas pela Corte caso implicarem violaccedilatildeo expliacutecita a esse artigo

Segundo Roca110

a jurisprudecircncia internacional definiu que a previsatildeo normativa

anteriormente destacada segue trecircs criteacuterios em primeiro lugar deve ser respeitado o direito

ao respeito e gozo paciacutefico dos bens dos indiviacuteduos Na sequecircncia a segunda regra

108

CONTRERAS op cit p 40 109

Artigo 1 Proteccedilatildeo da propriedade Qualquer pessoa singular ou coletiva tem direito ao respeito dos seus bens

Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas

pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo

do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso

dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees

ou de multas CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS

LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 110

ROCA op cit p 127

53

compreende uma garantia contra a privaccedilatildeo ilegal ou seja somente poderaacute haver

expropriaccedilatildeo ou privaccedilatildeo da propriedade em casos de utilidade puacuteblica e de acordo com

condiccedilotildees legalmente previstas Por fim o terceiro paracircmetro eacute a possibilidade de o Estado

estabelecer restriccedilotildees ao direito de propriedade tendo por base a prevalecircncia do interesse

puacuteblico sobre o privado

Logo sob a base desses criteacuterios e de alguns casos jaacute julgados pelo oacutergatildeo jurisdicional

internacional eacute possiacutevel asseverar que a margem de apreciaccedilatildeo concedida aos paiacuteses eacute larga

quando se estaacute diante dos direitos de propriedade No caso Back vs Finlacircndia111

de 2004 que

trata de noccedilotildees de utilidade puacuteblica em casos de expropriaccedilatildeo haacute o reforccedilo da noccedilatildeo de

subsidiariedade da Corte Europeia com o entendimento de que esta deve respeitar as decisotildees

das autoridades nacionais soacute sendo possiacutevel e viaacutevel a intervenccedilatildeo se o juiacutezo for

manifestamente desprovido de bases racionais

Por fim poreacutem natildeo menos importante aborda-se o uacuteltimo grupo de jurisprudecircncias da

Corte Europeia de Direitos Humanos que pode ser enquadrado no que Roca determina como

ciacuterculo mediano vez que conteacutem temas em que o posicionamento do Tribunal de Estrasburgo

em relaccedilatildeo agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute oscilante Eacute nesse grupo que pode ser

visualizada toda a complexidade da margem e suas vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis em casos

semelhantes envolvendo por exemplo liberdade religiosa direito de homossexuais e

transexuais e outros temas

Justamente nesse ciacuterculo que natildeo apresenta por parte dos doutrinadores jaacute referidos no

capiacutetulo anterior um criteacuterio de unificaccedilatildeo se apresenta o embate entre o universalismo de

alguns direitos previstos nos marcos normativos internacionais de direitos humanos ndash com

destaque para a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos ndash e o relativismo relativo a noccedilotildees

religiosas e culturais que compotildeem a identidade dos diferentes povos europeus

Nesse aspecto no que tange agrave liberdade religiosa a qual eacute prevista pelo artigo 9ordm112

da

CEDH temos duas decisotildees emblemaacuteticas do Tribunal de Estrasburgo o caso Lautsi vs

111

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-114486itemid[001-114486] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Back vs Finlacircndia Sentenccedila de 13 de novembro de 2002

Acesso 05 nov 2014 112

Artigo 9 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de pensamento de consciecircncia e de religiatildeo este direito

implica a liberdade de mudar de religiatildeo ou de crenccedila assim como a liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou a

sua crenccedila individual ou coletivamente em puacuteblico e em privado por meio do culto do ensino de praacuteticas e da

celebraccedilatildeo de ritos 2 A liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou convicccedilotildees individual ou coletivamente natildeo

pode ser objeto de outras restriccedilotildees senatildeo as que previstas na lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa

sociedade democraacutetica agrave seguranccedila puacuteblica agrave proteccedilatildeo da ordem da sauacutede e moral puacuteblicas ou agrave proteccedilatildeo dos

direitos e liberdades de outrem CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO

54

Itaacutelia113

julgado em 2011 e o caso Leyla Sahin vs Turquia114

julgado em 2005 Isso porque

nesses casos respectivamente o TEDH referendou as normas que impotildeem a presenccedila de

crucifixos nas escolas puacuteblicas italianas e natildeo opocircs objeccedilotildees a restriccedilotildees estatais concernentes

ao uso do veacuteu islacircmico no contexto educativo

No primeiro caso o TEDH retificou a decisatildeo da Corte Constitucional Italiana que

em 2009 havia estabelecido por unanimidade que a norma italiana a qual impunha desde a

deacutecada de 1920 a presenccedila de crucifixo nas paredes de escolas puacuteblicas havia violado o direito

da senhora Lautsi a educar seus filhos conforme suas convicccedilotildees laicas e liberdade religiosa

Portanto o Tribunal italiano argumentou que a manutenccedilatildeo de um siacutembolo religioso em salas

de aula de uma escola puacuteblica poderia perturbar emocionalmente os estudantes que natildeo

professassem religiatildeo alguma a ter a percepccedilatildeo de que o contexto educativo estava marcado

pela religiatildeo

Para retificar tal sentenccedila o TEDH argumentou por uma valoraccedilatildeo abstrata de

compatibilidade entre a norma italiana que permitia o uso de crucifixos nas escolas puacuteblicas e

os direitos convencionais sendo que a margem nacional de apreciaccedilatildeo foi aplicada para essa

valoraccedilatildeo da norma italiana Em primeiro lugar o Tribunal Europeu matizou quais satildeo as

exigecircncias convencionais de neutralidade religiosa na educaccedilatildeo indicando que se proiacutebe o

proselitismo ou a adoccedilatildeo no marco educativo de algo compatiacutevel com o estabelecimento de

o ensino obrigatoacuterio de uma religiatildeo ou a imposiccedilatildeo de uma religiatildeo no ensino puacuteblico

O crucifixo no entendimento do TEDH eacute um siacutembolo religioso passivo cuja

influecircncia natildeo se compara a que exercem a educaccedilatildeo religiosa ou a participaccedilatildeo em atividades

religiosas Logo a percepccedilatildeo subjetiva de que o crucifixo supotildee uma ausecircncia de respeito ao

direito de liberdade religiosa natildeo basta para considerar que tenha havido uma violaccedilatildeo agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Para o TEDH portanto sempre que natildeo exista

a pretensatildeo de doutrinar o Estado goza de margem de deferecircncia para decidir sobre a

permanecircncia dos crucifixos em sala de aula

HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 113

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-104040itemid[001-104040] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lautsi vs Italia Sentenccedila de 18 de marccedilo de 2011 Acesso 05

nov 2014 114

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-70956itemid[001-70956] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Leyla Sahin vs Turquia Sentenccedila de 10 de novembro de

2005 Acesso 05 nov 2014

55

No caso Leyla Sahin de proibiccedilatildeo do uso do veacuteu islacircmico por uma jovem no recinto

de sua universidade para o TEDH os Estados tecircm autonomia para limitar o uso do veacuteu em

locais como escolas puacuteblicas ou universidades Para referendar essa restriccedilatildeo agrave liberdade

religiosa o Tribunal Europeu admitiu o uso da margem de apreciaccedilatildeo por parte do Estado em

razatildeo da ausecircncia de um consenso europeu sobre a mateacuteria somado agrave ideia de que as

autoridades nacionais podem lidar melhor com o assunto por estarem mais perto das

realidades nacionais do que o oacutergatildeo jurisdicional internacional

Para o TEDH desta forma a opccedilatildeo poliacutetica de um Estado pelo laicizismo pode

justificar restriccedilotildees agrave liberdade religiosa e exigir sacrifiacutecios aos indiviacuteduos em prol da

harmonia religiosa do paiacutes Embora portanto haja restriccedilatildeo da liberdade individual religiosa

no caso em questatildeo a proibiccedilatildeo natildeo viola a CEDH

A aplicaccedilatildeo dos princiacutepios da subsidiariedade e da proporcionalidade bem como a

falta de consenso na Europa acerca de questotildees como as apresentadas marcaram o

posicionamento do TEDH na concessatildeo de margem de deferecircncia aos Estados no que

concerne agrave liberdade religiosa A grande criacutetica contudo reside na falta de criteacuterios

especiacuteficos e de clareza no uso da ferramenta

Neste uacuteltimo grupo portanto vislumbra-se o que Kratochivil115

menciona como

ldquomedida misteriosardquo ou seja natildeo existem paracircmetros ou criteacuterios especiacuteficos para a aplicaccedilatildeo

da margem Pelo contraacuterio haacute falta de clareza e de limites demonstrando que a banalizaccedilatildeo

do uso da MNA liquidifica sua substacircncia e pode gerar inseguranccedila juriacutedica aos litigantes

Sob essa oacutetica no campo de direitos inderrogaacuteveis como eacute o caso dos direitos que compotildeem

esse uacuteltimo grupo a consideraccedilatildeo de Vila116

merece destaque

Segundo a autora nesse campo que envolve relativismos culturais a postura do TEDH

varia entre a adoccedilatildeo de uma versatildeo voluntarista de MNA ou a adoccedilatildeo de uma versatildeo

racionalista A primeira se centra no direito de que o Tribunal de Estrasburgo eacute um oacutergatildeo

internacional e assume uma visatildeo normativa e natildeo meramente temporal ou procedimental

acerca do princiacutepio da subsidiariedade Por isso o TEDH reconhece que sua legitimidade

poliacutetica eacute meramente derivada e outorga uma presunccedilatildeo em favor do Estado evitando realizar

uma valoraccedilatildeo independente de compatibilidade entre as medidas impugnadas e o convecircnio

Esta presunccedilatildeo soacute eacute rompida quando haacute razotildees fortes para concluir que o Estado extrapolou o

exerciacutecio de sua autonomia Sob a oacutetica desta concepccedilatildeo fatores como a falta de consenso

115

KRATOCHVIL op cit p 330 116

VILA op cit p 10

56

europeu ou a ideia de que os Estados situam-se em um local melhor apropriado para decidir

adquirem importacircncia por razotildees de legitimidade institucional

Entretanto a oacutetica racionalizada de MNA percebe a ferramenta como um resultado de

efetuar um balanccedilo entre os valores que estatildeo em jogo na proteccedilatildeo dos direitos convencionais

mais do que uma presunccedilatildeo de partida em favor do Estado O TEDH centra-se em examinar

se a medida estatal impugnada consegue alcanccedilar um balanccedilo equitativo entre direitos

individuais e valores democraacuteticos A finalidade natildeo eacute justificar a deferecircncia mas reconhecer

de modo equilibrado os valores democraacuteticos no seio da CEDH

Sobretudo neste uacuteltimo grupo analisado ao qual aqui somente satildeo trazidos casos em

relaccedilatildeo agrave liberdade religiosa (artigo 9ordm da CEDH) concentram-se as criacuteticas em relaccedilatildeo agrave

falta de paracircmetros do TEDH para deferir ou natildeo uma margem de apreciaccedilatildeo aos Estados

Essa variabilidade eacute por alguns117

definida como um ponto negativo de falta de definiccedilatildeo de

criteacuterios o que pode levar a uma margem larga ou a uma margem estreita A primeira poderia

conduzir ao processo de fragmentaccedilatildeo do espaccedilo europeu enquanto a segunda poderia forccedilar

a integraccedilatildeo sob o domiacutenio de uma concepccedilatildeo moderna de direitos humanos pautada pelo

liberalismo e individualismo

Deste modo duas respostas podem ser concedidas agrave pergunta cerne deste trabalho a

margem constitui-se em um instrumento eficaz no processo de construccedilatildeo de um direito

comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa uma vez que sob a perspectiva eacutetica

destes direitos o TEDH preza pela preservaccedilatildeo do irredutiacutevel humano e dos direitos

inderrogaacuteveis e absolutos da pessoa humana Prova disso eacute a ausecircncia ou a miacutenima margem

que eacute concedida para casos envolvendo tortura ou tratamentos humanos degradantes ou

violaccedilatildeo de direitos democraacuteticos

No entanto a ausecircncia de paracircmetros e de criteacuterios por parte do Tribunal de

Estrasburgo (ausecircncia constatada por diversos doutrinadores trazidos ao longo deste trabalho

e exemplificada de modo sinteacutetico atraveacutes da anaacutelise de casos emblemaacuteticos envolvendo

liberdade religiosa) no julgamento de direitos humanos quando vinculados a questotildees

culturais demonstram que no campo praacutetico ainda haacute muito para avanccedilar no processo de

siacutentese entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo dos direitos culturais

117

BRUM et SALDANHA Op cit

57

CONCLUSAtildeO

Slavoj Zizek118

certa vez afirmou que o papel do filoacutesofo natildeo eacute o de propor iniciativas

capazes de mudar o mundo ou as situaccedilotildees em curso mas de observar e interpretar a realidade

que eacute posta A pretensatildeo deste trabalho natildeo difere da conceituaccedilatildeo de filoacutesofo por Zizek Isso

porque em nenhum momento busca-se apresentar alternativas fortes para resolver problemas

postos mas sim almeja-se observar sob um amplo espectro os reflexos da mundializaccedilatildeo

dentro do Direito e de modo especiacutefico como atua o Tribunal Europeu dos Direitos do

Homem no que concerne agrave aplicaccedilatildeo da figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

Aos mais observadores da realidade que se apresenta eacute impossiacutevel negar que na atual

conjuntura da sociedade informacional a proliferaccedilatildeo exacerbada e anaacuterquica de normas e

instituiccedilotildees juriacutedicas gera uma sensaccedilatildeo de caos e de desordem que clama por uma ordenaccedilatildeo

Embora esse verdadeiro mosaico em que se transformou o Direito na atualidade possa ser

vislumbrado em acircmbito global uma anaacutelise mais apurada de uma parte do todo em

especiacutefico da Europa se mostra pertinente para avaliar as possibilidades de construccedilatildeo de um

pluralismo ordenado

A base possiacutevel desse pluralismo ordenado invariavelmente eacute um direito comum cujo

alicerce se encontra nos direitos humanos No contexto europeu de convivecircncia simultacircnea

de uma ldquopequena Europardquo e de uma ldquogrande Europardquo embora o direito comunitaacuterio jaacute tenha

se consolidado sendo um modelo sui generis para todo o globo ainda eacute preciso avanccedilar no

acircmbito da ldquogrande Europardquo ou do sistema regional europeu dos direitos do homem para a

criaccedilatildeo de um direito comum

Nesse sentido parece indiscutiacutevel que a base de um direito comum europeu seja

alicerccedilada na proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua dimensatildeo moral miacutenima ou no que

Delmas denomina de miacutenimo eacutetico universal e irredutiacutevel humano Logo a universalizaccedilatildeo

almejada natildeo tem como objetivo impor referecircncias de uma cultura sobre as demais e sim o

diaacutelogo entre as diferentes particularidades existentes no seio das diversas sociedades que

convivem na Europa a fim de encontrar o que haacute de valores comuns em todas elas

Todavia por mais que a premissa seja de faacutecil compreensatildeo os embates entre

universalismos e relativismos culturais estatildeo na ordem do dia na agenda do Tribunal de

Estrasburgo de modo que um dos temais mais debatidos atualmente no continente se refere

118

ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo Boitempo 2008

58

ao uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo por este tribunal a fim de conferir deferecircncia aos

Estados em algumas mateacuterias para decidir acerca de questotildees sensiacuteveis

O objetivo do presente trabalho foi o de analisar essa ferramenta hermenecircutica de

origem europeia sob a oacutetica de caos juriacutedico anteriormente apresentado De acordo com o que

fora apurado e estudado chegou-se a conclusatildeo de que o uso dessa doutrina contribui ainda

que de modo tiacutemido para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema europeu

Isso porque quando se tratam de temas concernentes agrave tortura a tratamentos humanos

degradantes a penas desproporcionais ou ainda a direitos democraacuteticos a Corte opta por

definir um entendimento que deve ser aplicado em todos os paiacuteses independentemente de

especificidades culturais Estariacuteamos proacuteximos portanto de uma definiccedilatildeo de direitos

humanos inderrogaacuteveis ou de um miacutenimo eacutetico universal proposto por Delmas e jaacute idealizado

por Kant em sua premissa de direito cosmopoliacutetico

No que tange ao restante dos direitos humanos em uma dimensatildeo cultural pode-se

dizer que a teoria da margem traduz uma ideia de que estaacute eacute capaz de harmonizar o

universalismo dos direitos humanos e o pluralismo advindo das diversidades culturais e

religiosas dos paiacuteses europeus Entretanto consoante a anaacutelise de posiccedilotildees doutrinaacuterias acerca

da utilizaccedilatildeo praacutetica do instituto pelo Tribunal de Estrasburgo bem como o embate

paradigmaacutetico de julgados envolvendo liberdade religiosa parece inevitaacutevel a conclusatildeo de

que como meacutetodo de harmonizaccedilatildeo entre plural e universal o oacutergatildeo jurisdicional

internacional do sistema europeu ainda tem muito a evoluir sobretudo na definiccedilatildeo de

paracircmetros e criteacuterios para servir de norte baacutesico em relaccedilatildeo aos mais diversos casos

59

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ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo

Boitempo 2008

1

INTERNACIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO E CAMINHOS

PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU ANAacuteLISE DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO

Rafaela da Cruz Mello

Monografia apresentada agrave disciplina de Monografia II do Curso de Direito da

Universidade Federal de Santa Maria (UFSMRS) como requisito parcial para

obtenccedilatildeo do grau de

Bacharel em Direito

Orientadora Jacircnia Maria Lopes Saldanha

Santa Maria RS Brasil

2014

2

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE CIEcircNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

CURSO DE DIREITO

A Comissatildeo Avaliadora abaixo assinada

aprova a Monografia

INTERNACIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO E CAMINHOS PARA A

CONSTRUCcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM EUROPEU ANAacuteLISE DA

MARGEM NACIONAL DE APRECIACcedilAtildeO

Elaborada por

Rafaela da Cruz Mello

como requisito parcial para obtenccedilatildeo do grau de

Bacharel em Direito

COMISSAtildeO EXAMINADORA

Profordf Drordf Jacircnia Maria Lopes Saldanha

(PresidenteOrientadora)

Profordf Drordf Valeacuteria Ribas do Nascimento

(Universidade Federal de Santa Maria)

Prof Sadi Flocircres Machado

(Faculdade de Direito de Santa Maria)

Santa Maria 28 de novembro de 2014

3

AGRADECIMENTOS

Primeiramente meu principal agradecimento eacute a Deus que durante todo o periacuteodo de

elaboraccedilatildeo deste singelo trabalho garantiu-me forccedilas para superar todos os obstaacuteculos e

coragem para enfrentar todos os meus temores

Agrave minha estimada orientadora Professora Jacircnia pelos anos de trabalho que

desenvolvemos juntas e pelos ensinamentos conferidos durante todo este tempo Sem sobra de

duacutevida satildeo verdadeiros mestres e humanistas como a senhora os responsaacuteveis por fazer a

diferenccedila natildeo soacute na vida de alguns alunos como no mundo

Agrave minha matildee Marilene pelo apoio constante durante o periacuteodo de elaboraccedilatildeo deste

trabalho Muito obrigada pelo amor incondicional por confiar no meu potencial e me

incentivar a dar o melhor de mim em tudo

Ao meu irmatildeo Otaacutevio pelo carinho pela fraternidade e por ter parado inuacutemeras vezes

qualquer um de seus afazeres para escutar minhas anguacutestias ou meus ensaios de ideias para

este trabalho

Ao meu querido amigo Maacutercio pela parceria acadecircmica que deu iniacutecio a uma bela

amizade Obrigada pelas indagaccedilotildees constantes e por sempre me incentivar a ter uma postura

de inquietude em relaccedilatildeo ao mundo

Agrave Bruna pela amizade pelo apoio e pelo consolo nos momentos difiacuteceis Obrigada por

ter tornado especial cada um dos dias vividos dentro e fora da UFSM seja no Brasil ou aleacutem-

mar Agrave Tieli pela amizade e pela maneira leve e espontacircnea com que me ensinou a ver a vida

durante esses anos de graduaccedilatildeo

Por fim a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formaccedilatildeo deixo

aqui registrado o meu agradecimento

4

ldquoOs povos da terra participam em vaacuterios graus de uma comunidade

universal que se desenvolveu a ponto de que a violaccedilatildeo do direito

cometida em um lugar do mundo repercute em todos os demais

A ideia de um direito cosmopolita natildeo eacute portanto fantaacutestica ou

exagerada eacute um complemento necessaacuterio ao coacutedigo natildeo escrito

do Direito poliacutetico e internacional transformando-o num direito

universal da humanidade Somente nessas condiccedilotildees podemos

congratular-nos de estar continuamente avanccedilando em direccedilatildeo a

uma paz perpeacutetuardquo

(Immanuel Kant)

5

RESUMO

Monografia de Graduaccedilatildeo

Curso de Direito

Universidade Federal de Santa Maria

INTERNACIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO E CAMINHOS

PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU ANAacuteLISE DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO

Autora Rafaela da Cruz Mello

Orientadora Jacircnia Maria Lopes Saldanha

Data e Local da Defesa Santa Maria 28 de novembro de 2014

A evoluccedilatildeo da sociedade industrial para a sociedade informacional ocasiona mudanccedilas

significativas nas estruturas juriacutedicas Afirma-se que hoje a seara juriacutedica se assemelha a um

mosaico no qual um verdadeiro caos aparente se instala em razatildeo da multiplicidade de regras

e instituiccedilotildees de hierarquias diversas Nesse contexto o continente europeu pode ser

considerado como um verdadeiro laboratoacuterio de estudos uma vez que em um mesmo

territoacuterio convivem a ldquopequena Europardquo marcada pelo jaacute consolidado direito comunitaacuterio e a

ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos Sob esse panorama de

anaacutelise do espaccedilo europeu eacute que se propotildee o presente trabalho a analisar a possibilidade de

construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa analisando

como forma de viabilizar tal projeto a figura hermenecircutica da Margem Nacional de

Apreciaccedilatildeo Utiliza-se o meacutetodo dedutivo de abordagem e o meacutetodo de procedimento

monograacutefico e para melhor trabalhar com o tema divide-se o trabalho em duas grandes

partes a primeira analisa a evoluccedilatildeo dos direitos humanos nas duas esferas do espaccedilo

europeu para na sequecircncia trabalhar especificamente com a contribuiccedilatildeo das novas

geometrias juriacutedicas do processo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos bem como da

margem nacional de apreciaccedilatildeo para construir as bases de um direito comum europeu

pluralista Na sequencia aborda-se unicamente o instituto da margem nacional com a

finalidade de averiguar se o modo como o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem aplica a

ferramenta efetivamente contribui para a criaccedilatildeo desse direito comum bem como se

possibilita a harmonizaccedilatildeo entre o universalismo dos direitos do homem e o relativismo das

pluralidades e particularismos culturais

Palavras-chave Europa universalismo relativismo direito comum margem nacional de

apreciaccedilatildeo

6

ABSTRACT

Graduation Monografh

Law School

Federal University of Santa Maria

INTERNATIONALIZATION LAW AND WAYS FOR THE

CONSTRUCTION OF A COMMON EUROPEAN LAW

ANALISYS OF MARGIN OF APPRECIATION

Author Rafaela da Cruz Mello

Adviser Jacircnia Maria Lopes Saldanha

Date and Place of the Defense Santa Maria November 28 2014

The evolution of industrial society to the information society brings about significant changes

in the legal structures It is said that today the legal harvest resembles a mosaic in which a

real apparent chaos ensues because of the multiplicity of rules and various hierarchies of

institutions In this context the European continent can be considered as a true laboratory

studies since in the same territory live the little Europe marked by already established

Community law and the big Europe regional rights protection system humans Under this

scenario analysis of the European area do you propose this study to examine the possibility of

building a common law on human rights in Europe analyzing in order to facilitate such a

project hermeneutics figure of the National Assessment Bank We use the deductive method

of approach and the monographic method and procedure to better work with the theme the

work is divided into two main part the first analyzes the evolution of human rights in the two

spheres of Europe for in sequence work specifically with the contribution of the new legal

geometries the process of universalization of human rights and the national margin of

appreciation to build the foundations of a pluralistic European common law In sequence

addresses solely the Institute of National bank in order to ascertain whether how the

European Court of Human Rights applies to effectively contributes tool for the creation of this

common law and if possible harmonization between universalism of human rights and

cultural relativism of plurality and particularism

Keywords Europe universalism relativism common law national margin of appreciation

7

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 8

1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM

DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS 11

11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave

criaccedilatildeo de um direito comum 11

12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias

juriacutedicas a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da

figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo 20

2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU 33

21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem

Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu 33

22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos 43

CONCLUSAtildeO 57

REFEREcircNCIAS 59

8

INTRODUCcedilAtildeO

No iniacutecio do seacuteculo XX Hans Kelsen1 em ldquoTeoria Pura do Direitordquo defendeu a tese de

que para entender a ciecircncia juriacutedica era necessaacuterio observaacute-la de modo dissociado de outras

ciecircncias O autor propocircs a compreensatildeo do direito a partir da famosa piracircmide kelseniana a

norma fundamental ndash a Constituiccedilatildeo ndash estaria no topo da piracircmide e seria capaz de dotar de

validade o restante do ordenamento juriacutedico Abaixo desta norma fundamental estariam as

demais leis e regras do direito sendo que tal formulaccedilatildeo estagnada e sistemaacutetica da ordem

juriacutedica adequava-se aos anseios de organizaccedilatildeo de uma sociedade industrial

Todavia por trabalhar com conflitos sociais o direito natildeo fica alheio agraves vicissitudes

do seacuteculo XX sendo que a Europa apresenta-se como um importante laboratoacuterio de

observaccedilatildeo de mudanccedilas Apoacutes a Segunda Guerra Mundial emergem na sociedade poacutes-

industrial e posteriormente informacional novas estruturas juriacutedicas que natildeo mais satildeo

capazes de se adequar agrave inflexiacutevel loacutegica hieraacuterquica kelseniana Estamos na era do que

Losano2denomina de ldquodireito turbulentordquo que se move se agita e muda de modo veloz assim

como a sociedade que o cerca embora natildeo tatildeo rapidamente quanto esta sociedade

Em razatildeo disso novas geometrias satildeo criadas para tentar explicar o panorama juriacutedico

da sociedade atual Na Europa por exemplo em que temos convivendo sistemas juriacutedicos de

origens e de ordens diversas ndash sistema internacional nacional supranacional ndash autores

determinam que se vive o tempo do Estado em Rede3ou dos aneacuteis disformes com a

proximidade de guirlandas4 ocasionando ao mais despercebido leitor da realidade um

sentimento de caos juriacutedico

Nesse sentido eacute possiacutevel destacar o pensamento de Mireille Delmas-Marty5 que

revoluciona o pensamento de Kelsen Segundo ela essa falta de sistematizaccedilatildeo

aparentemente anaacuterquica eacute solo feacutertil para a construccedilatildeo de um direito comum pluralista em

1 KELSEN Hans Teoria Pura do Direito Traduccedilatildeo de Joatildeo Baptista Machado Satildeo Paulo Martins Fontes

1996 2 LOSANO Mario G Modelos teoacutericos inclusive na praacutetica da piracircmide agrave rede Novos paradigmas nas

relaccedilotildees entre direitos nacionais e normativas supraestatais Revista do Instituto dos Advogados do Estado de

Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 08 n16 p 264-284 2005 3 CASTELLS Manuel Para o Estado-Rede globalizaccedilatildeo econocircmica e instituiccedilotildees poliacuteticas na era da

informaccedilatildeo In PEREIRA Luiz Carlos Bresser WILHEIM Jorge SOLA Lourdes (Org) Sociedade e Estado

em transformaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora UNESP Brasiacutelia ENAP 1999a p164 4 DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006

5 Id 2004a

9

mateacuteria de direitos humanos A sociedade em tempos de globalizaccedilatildeo precisa resistir ao

processo de desumanizaccedilatildeo e de coisificaccedilatildeo do homem de modo que a base para a

construccedilatildeo desse direito comum pluralista devem ser os direitos humanos

Sob a oacutetica europeia que seraacute aqui analisada por ser um importante referencial para os

estudos das mudanccedilas sociais e juriacutedicas dos seacuteculos XX e XXI de que direitos humanos

referimo-nos para ser a base de um direito comum Em um continente tatildeo muacuteltiplo e plural

como realizar o diaacutelogo positivo entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo

das diferentes culturas

Sob esta oacutetica emerge a figura central desse estudo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

(MNA) bem como sua contribuiccedilatildeo para a construccedilatildeo de um direito comum e para a

harmonizaccedilatildeo entre universalismo e relativismo no contexto da Europa Este recurso

hermenecircutico denominado Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo trata-se de uma construccedilatildeo

jurisprudencial criada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante tambeacutem

referido como Tribunal de Estrasburgo) com a finalidade de conferir algum espaccedilo de

deferecircncia para que os tribunais nacionais dos Estados possam decidir algumas questotildees

consoante suas particularidades locais

Embora esta seja a teoria sob a qual se alicerccedila o instituto almeja-se neste trabalho

responder os seguintes questionamentos a doutrina da MNA aplicada pelo Tribunal Europeu

dos Direitos Humanos contribui para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema

europeu de proteccedilatildeo dos direitos do homem Em sua aplicaccedilatildeo praacutetica a margem se mostra

como um recurso eficaz para harmonizar o universalismo dos direitos humanos e o pluralismo

advindo das diversidades culturais e religiosas dos diferentes paiacuteses que fazem parte do

Conselho da Europa

Para responder tal questionamento utilizou-se o meacutetodo dedutivo como meacutetodo de

abordagem e o meacutetodo monograacutefico de procedimento atraveacutes da leitura e fichamento das

diferentes construccedilotildees teoacutericas e doutrinaacuterias sobre o tema bem como anaacutelise de alguns

julgamentos paradigmaacuteticos do Tribunal de Estrasburgo Para melhor compreensatildeo da

complexidade do tema trabalhado dividiu-se esta monografia em duas grandes partes a parte

1 se ocupa da paisagem europeia no poacutes-Segunda Guerra Mundial com a criaccedilatildeo da ldquopequena

Europardquo do direito comunitaacuterio e da ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos

direitos humanos avaliando em ambos os cenaacuterios de que modo se deu a preocupaccedilatildeo com a

temaacutetica dos direitos humanos ou fundamentais (11)

Por conseguinte no intuito de aprofundar o estudo sobre a possibilidade de criaccedilatildeo de

um direito comum no contexto da ldquogrande Europardquo buscou-se uma anaacutelise das novas

10

geometrias da paisagem juriacutedica e do tipo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos que se

procura dentro desse cenaacuterio avaliando por conseguinte o surgimento da figura da MNA

(12) A parte 2 por sua vez objetiva a anaacutelise pura do instituto da Margem Nacional de

Apreciaccedilatildeo averiguando o histoacuterico de sua criaccedilatildeo e as definiccedilotildees acerca de seu conceito

(21) para na sequecircncia avaliar a partir da anaacutelise de alguns julgamentos paradigmaacuteticos do

Tribunal de Estrasburgo se tal ferramenta hermenecircutica se demonstra eficaz no processo de

harmonizaccedilatildeo das tensotildees entre universalismo e relativismos e se pode ser relevante no

processo de criaccedilatildeo de um direito comum cuja base satildeo os direitos humanos (22)

11

1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM

DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS

O seacuteculo XX trouxe mudanccedilas significativas para os mais diversos segmentos da vida

social e o direito natildeo ficou alheio agraves vicissitudes decorrentes do poacutes-Segunda Guerra Mundial

O continente europeu sobretudo passa a ser o cenaacuterio de revoluccedilotildees na estrutura juriacutedica ateacute

entatildeo conhecida com o surgimento praticamente concomitante de instituiccedilotildees supranacionais

e internacionais para aleacutem das nacionais

Neste vieacutes uma das preocupaccedilotildees primordiais do poacutes-guerra foi a de garantir a tutela

dos direitos humanos mesmo diante das mudanccedilas latentes no cenaacuterio juriacutedico Desta feita

deparamo-nos com duas esferas dentro do cenaacuterio europeu a ldquopequena Europardquo que origina

um direito comunitaacuterio europeu o qual mesmo tendo se ocupado com questotildees relativas agrave

economia e agrave integraccedilatildeo regional desenvolve a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais

atraveacutes do diaacutelogo jurisprudencial entre cortes de naturezas distintas e a ldquogrande Europardquo do

sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos espaccedilo haacutebil e possiacutevel para ser base de

criaccedilatildeo de um direito comum (11) Da evoluccedilatildeo de um campo ao outro a premissas de

universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo buscam

legitimar e consolidar a criaccedilatildeo desse direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

(12)

11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave

criaccedilatildeo de um direito comum

O historiador britacircnico Eric Hobsbawn6 talvez tenha encontrado a melhor adjetivaccedilatildeo

para o seacuteculo XX a ldquoEra dos Extremosrdquo Nas palavras do proacuteprio autor ldquoNatildeo sabemos o que

6 HOBSBAWN Eric A era dos extremos o breve seacuteculo XX 1941-1991 Satildeo Paulo Companhia das Letras

1995

12

viraacute a seguir nem como seraacute o segundo milecircnio embora possamos ter a certeza de que ele

teraacute sido moldado pelo Breve Seacuteculo XXrdquo7

Nesse sentido a Segunda Guerra Mundial representa o marco crucial natildeo soacute para a

preocupaccedilatildeo global em relaccedilatildeo aos direitos humanos8 com a criaccedilatildeo e fortalecimento de uma

grande quantidade de instrumentos normativos responsaacuteveis por sua tutela em acircmbito

mundial como tambeacutem para o surgimento de uma nova Europa Apoacutes o teacutermino da guerra

que teve como palco principal de seus acontecimentos o continente europeu diversos paiacuteses

se encontravam em uma situaccedilatildeo de caos politico fragmentaccedilatildeo e enfraquecimento

econocircmico aleacutem do perigo iminente de eclosatildeo de uma nova disputa de proporccedilotildees mundiais

advinda da dicotomia entre capitalismo e socialismo na entatildeo incipiente Guerra Fria

Eacute nesse contexto que emerge a ideia de criaccedilatildeo de um espaccedilo comum europeu

consubstanciado atraveacutes da integraccedilatildeo regional entre os paiacuteses do continente Ainda no inicio

do seacuteculo XX eacute possiacutevel destacar a ocorrecircncia de propostas relativamente concretas para a

integraccedilatildeo europeia como eacute o caso da proposta do francecircs Aristides Briand em 1929 de

criaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia sob a oacutetica de uma federaccedilatildeo ou seja fundada sob uma

noccedilatildeo de uniatildeo o que implica o respeito agrave soberania9 Todavia a crise econocircmica mundial a

ascensatildeo de nacionalismos na Europa e por fim a eclosatildeo da segunda grande guerra

obstaculizaram a adesatildeo a essa proposta

O cenaacuterio do poacutes-guerra de desintegraccedilatildeo social e miseacuteria econocircmica em grande parte

dos paiacuteses envolvidos gerou a instalaccedilatildeo do Congresso da Europa em Haia nas datas de 7 a

11 de maio de 1948 no qual houve a criaccedilatildeo do ldquoMovimento Europeurdquo No referido

congresso duas correntes foram estabelecidas as quais impulsionaram o surgimento da

ldquopequena Europardquo10

e da ldquogrande Europardquo respectivamente a Europa dos federalistas e a

7 Ibid p14

8 Pode-se nesse sentido destacar a descriccedilatildeo de Valeacuterio Mazzuoli de que desde a Segunda Guerra Mundial em

decorrecircncia dos horrores e atrocidades cometidos durante esse periacuteodo em que muitas vidas eram consideradas

como nuacutemeros e valiam tatildeo pouco os direitos humanos passaram a constituir um dos principais temas do Direito

Internacional contemporacircneo A normatividade internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos foi conquistada

por meio de lutas histoacuterias contiacutenuas e incessantes e consubstanciada em diversos tratados concluiacutedos com esse

propoacutesito tendo sido fruto de um lento e gradual processo de internacionalizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo desses

mesmos direitos o qual fora intensificado com o fim da Segunda Guerra Mundial MAZZUOLI Valeacuterio de

Oliveira Curso de Direito Internacional Puacuteblico 5 ed Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 811 9 SILVA Karine de Sousa Uniatildeo Europeia antecedentes e evoluccedilatildeo histoacuterica In SILVA Karine de Souza

COSTA Rogeacuterio Santos da(Org) Organizaccedilotildees Internacionais de Integraccedilatildeo Regional Uniatildeo Europeia

Mercosul e UNASUL Florianoacutepolis Ed Da UFSC Fundaccedilatildeo Boiteux 2013 p 54 10

Doravante por ldquopequena Europardquo estar-se-aacute referindo aos paiacuteses participantes da Uniatildeo Europeia sujeitos

portanto agraves decisotildees das instituiccedilotildees da Uniatildeo dentre as quais se destaca o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo

Europeia ldquoGrande Europardquo por sua vez refere-se aos paiacuteses que aderiram ao Conselho da Europa que hoje

somam um total de 47 (quarenta e sete) membros e que se submetem agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal Europeu de

Direitos Humanos PRINO Carla Sofia Abreu Relaccedilotildees entre TJUE e TEDH no contexto de adesatildeo da UE agrave

13

Europa dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental11

Os primeiros defendiam uma

integraccedilatildeo mais profunda entre os paiacuteses com transferecircncia de parcela de soberania dos

Estados para uma instituiccedilatildeo com poderes supranacionais sendo esta a base para a criaccedilatildeo da

Comunidade Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) Os segundos por sua vez se opunham agrave

cessatildeo de direitos soberanos impulsionando com seus ideais a criaccedilatildeo em 1949 do

Conselho da Europa com sede em Estrasburgo

Natildeo obstante essa divisatildeo surgida no Congresso da Europa eacute possiacutevel afirmar que a

base de construccedilatildeo da atual Uniatildeo Europeia deu-se com a criaccedilatildeo da Comunidade Europeia

do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) movida pelos ideais integracionistas do francecircs Jean Monnet

Contratado no poacutes-guerra para participar do Plano de Modernizaccedilatildeo e Equipamento da

Franccedila Monnet tinha medo de que o Plano Marshall norte-americano de empreacutestimo de

dinheiro para a reconstruccedilatildeo da Europa pudesse gerar uma diacutevida eterna aos paiacuteses do

continente com os Estados Unidos e para escapar disso via como uacutenica soluccedilatildeo a promoccedilatildeo

de um esforccedilo comum dos Estados atraveacutes de projetos de integraccedilatildeo regional

Por isso redigindo o texto da Declaraccedilatildeo de Schuman de 1950 Monet propagava a

ideia de integraccedilatildeo como meio de assegurar a paz e reerguer a poliacutetica e a economia dos

paiacuteses que foram destruiacutedos pela guerra Nesse sentido sua ideia foi a partir de uma ideologia

pacifista de influecircncia kantiana neutralizar a rivalidade franco-alematilde atraveacutes de uma espeacutecie

de mercado comum com a criaccedilatildeo de uma organizaccedilatildeo internacional com caraacuteter

supranacional que seria responsaacutevel pela gestatildeo dos recursos naturais da regiatildeo do Sarre e do

Ruhr os quais seriam colocados a serviccedilo da paz e natildeo da guerra12

A proposta integracionista daquele que eacute considerado o arquiteto do projeto de

integraccedilatildeo europeia era de retirar da matildeo dos Estados a capacidade de gestatildeo dos recursos

energeacuteticos que movimentavam a induacutestria beacutelica e da guerra Desta forma uma autoridade

internacional mais especificamente uma organizaccedilatildeo internacional setorial seria criada com

um status supranacional para gerenciar e administrar a produccedilatildeo de carvatildeo e de accedilo

funcionando atraveacutes da delegaccedilatildeo de parcelas da soberania estatal em questotildees especiacuteficas

Assim em 1951 com a assinatura do Tratado de Paris criou-se a Comunidade

Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) com a participaccedilatildeo inicial de seis paiacuteses Franccedila

Alemanha Itaacutelia Beacutelgica Holanda e Luxemburgo Posteriormente em 1957 com o Tratado

CEDH Debater a Europa Nuacutemero 4 JaneiroJunho 2011 Disponiacutevel em httpwwweurope-direct-

aveiroaevaeudebatereuropa Acesso 10 out 2014 11

SILVA Karine de Sousa De Paris a Lisboa sessenta anos de integraccedilatildeo europeia In SILVA Karine de

Souza Mercosul e Uniatildeo Europeia O Estado da arte dos processos de integraccedilatildeo regional Florianoacutepolis

Editora Modelo 2010 p 35 12

Ibid p 60

14

de Roma a Comunidade Econocircmica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia para a

Energia Atocircmica (CEEA ou Euratom) foram criadas consolidando-se deste modo as trecircs

comunidades que fizerem emergir o direito comunitaacuterio no seio da Europa Foi contudo

somente em 1992 com o Tratado de Maastrich ou Tratado da Uniatildeo Europeia que nasceu a

Uniatildeo Europeia propriamente dita consagrada em trecircs pilares baacutesicos as comunidades que

inicialmente lhe deram base a colaboraccedilatildeo em mateacuteria de poliacutetica exterior e seguranccedila

comum e a cooperaccedilatildeo no acircmbito judicial e policial em mateacuteria penal13

Visiacutevel deste modo que o que impulsionou a criaccedilatildeo de um direito comunitaacuterio

europeu foi a necessidade de reorganizaccedilatildeo do continente apoacutes 1945 e o fortalecimento

econocircmico de antigas potecircncias rivais como foi o caso da Franccedila e da Alemanha Ocorre que

de modo concomitante ao crescimento dos ideais dos federalistas a segunda corrente oriunda

do Congresso da Europa de 1949 dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental tambeacutem

cresceu e se tornou visiacutevel vez que possuiacutea como objetivo a realizaccedilatildeo de uma uniatildeo mais

estreita entre seus membros de modo a salvaguardar os ideais e princiacutepios que satildeo seu

patrimocircnio comum e favorecer seu progresso social e econocircmico

O Conselho da Europa surgido em 1949 portanto configura-se como outra

organizaccedilatildeo internacional surgida na Europa do poacutes-guerra tendo como base a consolidaccedilatildeo

sob o principio da cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses e natildeo o federalismo que implica cessatildeo de

parcelas da soberania Seu propoacutesito eacute o de defesa dos direitos humanos desenvolvimento

democraacutetico e estabilidade poliacutetico-social na Europa sendo chamado de ldquogrande Europardquo por

desde o iniacutecio contar com mais adesotildees de paiacuteses em relaccedilatildeo agrave CECA Eacute justamente dentro

desse Conselho que surge o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em 1959

oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa e

responsaacutevel pela tutela dos direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

(CEDH) de 1950

A eclosatildeo desses dois movimentos marca o iniacutecio de uma verdadeira revoluccedilatildeo dentro

da compreensatildeo do direito Se antes no continente europeu era possiacutevel vislumbrar a

existecircncia em grande medida e tatildeo somente de tribunais nacionais cuja competecircncia era

exercida dentro de determinado Estado sob a eacutegide de sua soberania o cenaacuterio altera-se e daacute

espaccedilo para a existecircncia natildeo soacute de tribunais nacionais como tambeacutem de tribunais

supranacionais e internacionais

13

Ibidem p 77

15

No caso do direito comunitaacuterio sua criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de

instituiccedilotildees que fortaleccedilam o sistema supranacional Em funccedilatildeo disso dentre os mais diversos

oacutergatildeos criados pelos sucessivos tratados comunitaacuterios pode-se destacar o Tribunal de Justiccedila

da Uniatildeo Europeia (TJUE) ou Tribunal de Luxemburgo

Este criado pelo Tratado de Paris de 1951 e adotado pelo Tratado de Roma de 1957

tem a finalidade de assegurar o cumprimento do direito comunitaacuterio e a interpretaccedilatildeo e

aplicaccedilatildeo dos Tratados dentro a vida da comunidade14

Submetem-se agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal

atualmente os vinte e oito15

paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e ao longo dos anos

ele se desenvolveu como uma importante instituiccedilatildeo capaz de contribuir ao desenvolvimento

da comunidade atraveacutes de consolidaccedilotildees jurisprudenciais e da conversatildeo dos tratados

constitutivos da comunidade em verdadeiras constituiccedilotildees materiais

Embora a preocupaccedilatildeo com os direitos humanos no cenaacuterio da ldquopequena Europardquo natildeo

tenha sido uma caracteriacutestica inicial dos tratados constitutivos das comunidades europeias o

diaacutelogo do Tribunal de Luxemburgo com os tribunais nacionais de alguns Estados europeus

traz agrave tona esse tema bem como se caracteriza por ser o grande responsaacutevel pela consolidaccedilatildeo

de princiacutepios baacutesicos do direito comunitaacuterio como eacute o caso da supremacia das normas

comunitaacuterias Neste vieacutes importante destaque deve ser feito ao caso CostaENEL16

de 1964

que marcou o surgimento da noccedilatildeo de supremacia das normas da comunidade europeia

O objeto de tal caso fora uma lei italiana de nacionalizaccedilatildeo da energia eleacutetrica

declarada incompatiacutevel com o Tratado da Comunidade Econocircmica Europeia Em sede de

reenvio prejudicial o Tribunal Constitucional Italiano enviou a questatildeo ao Tribunal de Justiccedila

da Uniatildeo Europeia o qual reconheceu que ao instituir uma comunidade de duraccedilatildeo ilimitada

com caraacuteter sui generis e poderes resultantes de delegaccedilatildeo de parcela da soberania os paiacuteses

limitariam seus direitos soberanos em prol de um conjunto de normas aplicaacutevel natildeo soacute agrave

comunidade como a todos os seus Estados membros17

14

OLIVEIRA Odete Maria de Uniatildeo Europeia processos de integraccedilatildeo e mutaccedilatildeo 1ordfed 3ordf tir Curitiba

Juruaacute 2003 15

Os vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia satildeo Alemanha Aacuteustria Beacutelgica Bulgaacuteria Chipre

Croaacutecia Dinamarca Eslovaacutequia Eslovecircnia Espanha Estocircnia Finlacircndia Franccedila Greacutecia Hungria Irlanda Itaacutelia

Letocircnia Lituacircnia Luxemburgo Malta Paiacuteses Baixos Polocircnia Portugal Reino Unido Repuacuteblica Checa

Romecircnia Sueacutecia Dados disponiacuteveis no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeuropaeuabout-

eucountriesmember-countriesindex_pthtm Acesso 01 nov 2014 16

O acoacuterdatildeo do referido caso encontra-se disponiacutevel na iacutentegra no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeur-

lexeuropaeulegal-contentPTTXTPDFuri=CELEX61964CJ0006ampfrom=EN Acesso 02 out 2014 17

FARENZENA Sueacutelen Costa versus ENEL ndash O primado do Direito Comunitaacuterio e a mudanccedila de paradigma o

Estado em rede europeu Revista da SJRJ Vol 19 nordm34 Rio de Janeiro 2012 Disponiacutevel em

httpwww4jfrjjusbrseerindexphprevista_sjrjarticleviewFile338296 Acesso 01 out 2014

16

Neste sentido determinou o Tribunal de Luxemburgo que a forccedila executiva do direito

comunitaacuterio natildeo poderia variar de um espaccedilo para outro ao sabor das legislaccedilotildees internas

Impossiacutevel portanto um Estado fazer prevalecer sobre uma ordem juriacutedica aceita sob o pilar

da reciprocidade e da cessatildeo de parcela de direitos soberanos uma medida unilateral anterior

ou posterior que lhe pode opor

Natildeo obstante tal decisatildeo a ideia de supremacia das normas comunitaacuterias por si soacute

natildeo foi adotada de modo paciacutefico por todos os tribunais constitucionais dos paiacuteses sujeitos agrave

jurisdiccedilatildeo do Tribunal de Luxemburgo Em funccedilatildeo disso houve a percepccedilatildeo por parte dos

juiacutezes do TJUE de que seria necessaacuterio acoplar agrave ideia de supremacia das normas

comunitaacuterias um discurso dotado de legitimidade que envolvesse princiacutepios e ideais comuns

natildeo soacute para a comunidade como para os Estados membros Esse discurso portanto seria o

discurso dos direitos fundamentais18

Ateacute o surgimento de algumas tensotildees entre os posicionamentos dos tribunais nacionais

e as decisotildees do TJUE havia certa resistecircncia por parte deste uacuteltimo em lidar com questotildees

concernentes aos direitos humanos ou fundamentais Isto porque o motivo que levou agrave criaccedilatildeo

das Comunidades Europeias e a posterior Uniatildeo Europeia foi predominantemente econocircmico

tanto eacute que os tratados iniciais das Comunidades Europeias natildeo trazem elementos que refiram

explicitamente a preocupaccedilatildeo com direitos humanos ou fundamentais19

Entretanto consoante

fora asseverado a supremacia das normas comunitaacuterias somente conseguiria se afirmar e se

consolidar caso fosse acoplada ao tema da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais

Neste sentido a deacutecada de 1960 pode ser vista como um importante marco para o

TJUE Casos como o Stauder (1969) e o Internationale Handelsgesellschaft20

(1970)

18

GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional

algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em

httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014 19

Pertinente o destaque da concepccedilatildeo de Gilmar Mendes e Geroge Rodrigo Bandeira Galindo sobre este tema

Segundo eles os instrumentos que instituiacuteram as comunidades europeias natildeo se referem de maneira expliacutecita agrave

proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais e haacute razotildees para isso A primeira delas reside no fato de que a

proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa deveria ser transferida para outra organizaccedilatildeo internacional no caso o

Conselho da Europa que foi uma instituiccedilatildeo fundamental para a elaboraccedilatildeo da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos

do Homem de 1950 Outra razatildeo sustenta-se na ideia de que a inclusatildeo imediata de um cataacutelogo de direitos

fundamentais nos tratados instituidores das Comunidades Europeias geraria conflitos entre as consolidadas

constituiccedilotildees estatais e o entatildeo incipiente direito comunitaacuterio Por fim outra razatildeo apontada eacute traduzida no fato

de que os Estados eram temerosos de que a imediata inclusatildeo de temas de direitos fundamentais ou humanos nos

tratados instituidores das Comunidades pudesse ampliar as competecircncias de prerrogativas de instituiccedilotildees receacutem-

criadas Ibidem p03

De qualquer forma houve no processo de germinaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia nos moldes em que hoje

conhecemos a predominacircncia de ideias economicistas e de integraccedilatildeo regional com base na aproximaccedilatildeo de

ideais produtivos e de mercado A preocupaccedilatildeo com a tutela de direitos humanos ou fundamentais surge atraveacutes

dos diaacutelogos espontacircneos entre as cortes constitucionais e o Tribunal de Luxemburgo 20

Neste caso o raciociacutenio da corte faz clara alusatildeo agrave vinculaccedilatildeo entre primazia do direito comunitaacuterio e a

proteccedilatildeo dos direitos fundamentais por parte das instituiccedilotildees comunitaacuterias Os pontos 3 e 4 do julgamento do

17

consolidaram o entendimento do Tribunal de Luxemburgo de que os direitos fundamentais

fazem parte dos princiacutepios gerais do direito comunitaacuterio Conflitos positivos de competecircncias

entre tribunais nacionais e o tribunal supranacional instituiacutedo no acircmbito da comunidade

marcaram os diaacutelogos iniciais para a estimulaccedilatildeo da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais em

acircmbito comunitaacuterio

Como continuidade deste diaacutelogo eacute pertinente destacar o caso Nold (1974) no qual o

Tribunal de Luxemburgo reconheceu como pauta geral para o direito comunitaacuterio europeu o

predomiacutenio dos direitos fundamentais Com isso mais uma vez reafirmou-se a ideia de que o

direito comunitaacuterio tem supremacia sobre as disposiccedilotildees legais nacionais mas que de toda a

sorte deve se adaptar a uma base comum de valores como os determinados por exemplo

pela Convenccedilatildeo Europeia de Direito do Homem

Por isso fala-se que este caso fixa um terceiro elemento no nuacutecleo de salvaguarda dos

direitos fundamentais aleacutem das tradiccedilotildees constitucionais comuns e dos direitos fundamentais

garantidos nas Constituiccedilotildees dos Estados os instrumentos internacionais relativos agrave proteccedilatildeo

dos direitos humanos passam a ser uma importante fonte de inspiraccedilatildeo para a proteccedilatildeo de

direitos em acircmbito comunitaacuterio Em funccedilatildeo disso inclusive em 1975 o TJUE pela primeira

vez recorreu agrave Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem no caso Rutili21

Apesar de tal decisatildeo do caso Nold o emblemaacutetico caso Solange levou agrave confirmaccedilatildeo

e consolidaccedilatildeo da vigecircncia dos direitos fundamentais no acircmbito da Comunidade Neste caso

em 1974 o Tribunal Constitucional alematildeo determinou que enquanto a Comunidade natildeo

dispusesse de um sistema de proteccedilatildeo de direitos comparaacutevel ou equiparado agrave Lei

Fundamental de Bonn ou seja enquanto natildeo houvesse um cataacutelogo de direitos fundamentais

aplicaacuteveis agrave Comunidade Europeia as instituiccedilotildees comunitaacuterias seriam ineficazes no que

concerne agrave proteccedilatildeo desses direitos22

TJUE respectivamente determinam que 3 A validade de uma medida comunitaacuteria ou de seus efeitos em um

Estado membro natildeo podem ser afetadas por alegaccedilotildees de que ela contraria direitos fundamentais tal como

formuladas pela Constituiccedilatildeo do Estado ou princiacutepios de uma estrutura constitucional nacional() 4() o

respeito pelos direitos fundamentais forma uma parte integral dos princiacutepios gerais de direito protegidos pela

Corte de Justiccedila A proteccedilatildeo de tais direitos enquanto inspirada pelas tradiccedilotildees constitucionais comuns aos

Estados membros deve ser assegurada no acircmbito da estrutura e dos objetivos da Comunidaderdquo Ibidem p4 21

O caso Rutilli caracteriza-se por ser a primeira referecircncia jurisprudencial feita pelo Tribunal de Luxemburgo agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem ou seja a utilizaccedilatildeo por parte de um tribunal supranacional de um

marco normativo essencial natildeo para o direito comunitaacuterio mas para o sistema regional de proteccedilatildeo aos direitos

humanos Nesse caso o Tribunal de Luxemburgo afirmou que as normas de direito comunitaacuterio natildeo era mais do

que uma manifestaccedilatildeo de princiacutepios gerais de direito consagrados na Convenccedilatildeo 22

GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional

algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em

httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014

18

Como resultado de tal caso natildeo soacute o Tribunal de Luxemburgo passou a consolidar um

entendimento jurisprudencial favoraacutevel ao respeito e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais

como demais instituiccedilotildees da entatildeo Comunidade Europeia assim agiram Em funccedilatildeo disso diz-

se que o principal resultado do caso Solange foi uma resoluccedilatildeo conjunta datada de 5 de abril

de 1977 entre Parlamento Europeu Conselho Europeu e Comissatildeo Europeia denominada

ldquoDeclaraccedilatildeo Conjunta sobre Direitos Fundamentaisrdquo23

Nesta ressaltou-se a necessidade do

respeito em acircmbito comunitaacuterio dos direitos fundamentais consagrados pelas tradiccedilotildees

constitucionais dos Estados membros e pela Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos

Os direitos fundamentais atraveacutes desse diaacutelogo jurisprudencial entre as cortes de

esperas diferentes (supranacional e nacionais) apareceram de modo progressivo no direito

comunitaacuterio europeu tornando-se paracircmetros de validade das normas da Uniatildeo Qualquer

norma seja comunitaacuteria seja nacional que contrariasse os direitos fundamentais seria

considerada invaacutelida

A tendecircncia jurisprudencial do TJUE de vincular a noccedilatildeo de supremacia das normas

comunitaacuterias com a proteccedilatildeo aos direitos fundamentais acabou por refletir no Tratado de

Maastricht de 1992 Tambeacutem chamado de Tratado da Uniatildeo Europeia este documento em

seu artigo F nuacutemero 2 determina que a Uniatildeo respeite os direitos fundamentais tal como os

garante a Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem24

Na esteira da inclusatildeo da proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em tratados o Tratado de

Lisboa de 2007 aleacutem de estabelecer personalidade juriacutedica agrave Uniatildeo Europeia25

determina que

a esta aderiraacute agrave Convenccedilatildeo Europeia para a proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e das Liberdades

Fundamentais sendo que a adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas

nos tratados26

23

XAVIER Ana Isabel Os Direitos Fundamentais no ldquodiaacutelogo europeurdquo de Nice a Lisboa In Debater a

Europa n 9 julhodezembro 2013 Disponiacutevel em httpeurope-direct-

aveiroaevaeudebatereuropaimagesn9axavierpdf Acesso em 03 out 2014 24

Artigo F n 2 ldquoA Uniatildeo respeitaraacute os direitos fundamentais tal como os garante a Convenccedilatildeo Europeia de

Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais assinada em Roma em 4 de novembro de

1950 e tal como resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-membros enquanto princiacutepios

gerais do direito comunitaacuteriordquo TRATADO DE MAASTRICHT 1992 Disponiacutevel em httpeuropaeueu-

lawdecision-makingtreatiespdftreaty_on_european_uniontreaty_on_european_union_ptpdf Acesso 15 out

2014 25

O artigo 46-A do Tratado de Lisboa determina que ldquoA Uniatildeo tem personalidade juriacutedicardquo TRATADO DE

LISBOA 2007 Disponiacutevel em httpeur-lexeuropaeulegal-

contentPTTXTPDFuri=OJC2007306FULLampfrom=PT Acesso 16 out 2014 26

O artigo 6ordf do Tratado de Lisboa determina que ldquo1 A Uniatildeo reconhece os direitos as liberdades e os

princiacutepios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da Uniatildeo Europeia de 7 de Dezembro de 2000 com

as adaptaccedilotildees que lhe foram introduzidas em 12 de Dezembro de 2007 em Estrasburgo e que tem o mesmo

valor juriacutedico que os Tratados De forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competecircncias da Uniatildeo tal

como definidas nos Tratados Os direitos as liberdades e os princiacutepios consagrados na Carta devem ser

interpretados de acordo com as disposiccedilotildees gerais constantes do Tiacutetulo VII da Carta que regem a sua

19

Mesmo que o ideal de Constituiccedilatildeo para a Uniatildeo Europeia natildeo tenha sido aprovado

pelos Estados membros as regras de supremacia das normas comunitaacuterias e de proteccedilatildeo aos

direitos fundamentais consagrados natildeo soacute nas Constituiccedilotildees como nas proacuteprias tradiccedilotildees

constitucionais dos Estados regem as decisotildees do Tribunal supranacional que existe no

continente Por isso mesmo que a preocupaccedilatildeo inicial da ldquopequena Europardquo tenha sido a

integraccedilatildeo econocircmica dos paiacuteses devastados pela guerra para que pudessem voltar a ser

competitivos internacionalmente ao longo do tempo sentiu-se a necessidade de trazer para

dentro do direito comunitaacuterio noccedilotildees acerca dos direitos fundamentais e humanos de modo

que hoje estes se encontram tutelados por instrumentos e oacutergatildeos supranacionais especiacuteficos

Ocorre que conforme se mencionou no iniacutecio deste subcapiacutetulo o cenaacuterio europeu

pode ser vislumbrado sob duas oacuteticas distintas desde o Congresso da Europa a oacutetica

federalista que impulsiona a criaccedilatildeo da Uniatildeo Europeia e de um direito comunitaacuterio europeu

e o vieacutes da cooperaccedilatildeo internacional marcado pela criaccedilatildeo do Conselho da Europa e de um

sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos o qual exige o pensamento acerca

da possibilidade da construccedilatildeo de um direito comum europeu

Nesse aspecto acerca do conceito de comum eacute pertinente remontar agraves premissas de

Dardot et Laval27

Para os autores o comum do direito segundo uma loacutegica de interpretaccedilatildeo

neoliberal natildeo seraacute outro que o direito de propriedade dos contratos e do lucro Eacute justamente

contra esse tipo de concepccedilatildeo trazido pelos efeitos nefastos da globalizaccedilatildeo que se invoca a

defesa e a reabilitaccedilatildeo do conceito de comum que deve ser entendido sob uma loacutegica de bases

uniacutessonas em mateacuteria de direitos humanos

Em razatildeo disso eacute no acircmbito da ldquogrande Europardquo ou seja do sistema regional europeu

de proteccedilatildeo dos direitos do homem que se vislumbram bases para a criaccedilatildeo de um direito

comum cuja premissa eacute a busca do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano28

Deste

modo no panorama apresentado se vislumbra de modo claro que embora existam regras

princiacutepios e instituiccedilotildees para reger o direito comunitaacuterio europeu (regras previstas nos

tratados da Uniatildeo Europeia e pacificadas pelo ativismo do TJUE) na ldquopequena Europardquo em

interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo e tendo na devida conta as anotaccedilotildees a que a Carta faz referecircncia que indicam as fontes

dessas disposiccedilotildees 2 A Uniatildeo adere agrave Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das

Liberdades Fundamentais Essa adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas nos Tratados3

Do direito da Uniatildeo fazem parte enquanto princiacutepios gerais os direitos fundamentais tal como os garante a

Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como

resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-Membrosrdquo Ibid 2007 27

DARDOT Pierre LAVAL Cristian COMMUN essai sur la revolutiona au XXeme siegravecle Paris La

deacutecouverte 2014 p 287 28

DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio

de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b

20

mateacuteria de direitos humanos e no acircmbito de um processo de globalizaccedilatildeo eacute preciso avanccedilar

na compreensatildeo do espaccedilo europeu para no acircmbito do sistema regional consolidar as bases

para a criaccedilatildeo de um direito comum

12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias juriacutedicas

a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da figura da

Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

O Congresso da Europa sob o aspecto juriacutedico dividiu o continente em blocos

autocircnomos dentro de um sistema multicecircntrico Nesse sentido Mireille Delmas-Marty29

assevera que natildeo existe uma unidade juriacutedica chamada Europa ou sequer uma visatildeo uacutenica e

preestabelecida do continente

Pelo contraacuterio existe uma Europa feita de instituiccedilotildees juriacutedicas diversas cada uma

com regras e princiacutepios especiacuteficos Neste sentido de um lado tem-se a ldquopequena Europardquo

composta pelos vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e que possui um ideal

primordialmente econocircmico com os objetivos de livre circulaccedilatildeo de pessoas e de

mercadorias bem como de instituiccedilatildeo de uma moeda uacutenica sob a perspectiva de abertura de

fronteira entre os paiacuteses Sob este ideal desenvolve-se a base para o direito comunitaacuterio que

possui como instituiccedilatildeo juriacutedica maacutexima o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo Europeia (TJUE)

com caraacuteter supranacional

Na Europa dos ldquoVinte e Oitordquo portanto sob o ideal integracionista surge o chamado

direito comunitaacuterio europeu o qual atraveacutes de direito originaacuterio (tratados constitutivos) e

direito derivado (normas emanadas de oacutergatildeos de competecircncia legislativa da Uniatildeo) forma o

sistema juriacutedico-poliacutetico e juriacutedico-econocircmico da Uniatildeo Europeia A peculiaridade desta nova

ordem formada eacute a de natildeo querer unificar a ordem juriacutedica dos paiacuteses europeus mas de

uniformizar em algumas mateacuterias as normas do bloco criado Justamente por isso a

supranacionalidade intriacutenseca ao direito comunitaacuterio natildeo se confunde com o direito

internacional

Sob as bases de interesses econocircmicos tem-se o objetivo de chegar a uma integraccedilatildeo

nas aacutereas concernentes agrave poliacutetica cultura dentre outras sob uma relaccedilatildeo de integraccedilatildeo entre o

29

Id 2004a p47

21

ordenamento juriacutedico comunitaacuterio e o ordenamento interno de cada Estado Sem sombra de

duacutevidas a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais se insere nessas relaccedilotildees mas com o

intuito de fortalecer o ideal de supremacia das normas comunitaacuterias Em funccedilatildeo de tal

premissa tem-se a necessidade de preservar o estaacutegio alcanccedilado pelo processo de integraccedilatildeo e

por isso um ordenamento juriacutedico comunitaacuterio eacute formado Entretanto eacute preciso avanccedilar no

processo de tutela dos direitos humanos em um contexto tatildeo plural como o europeu

Deste modo de outro lado tem-se a ldquogrande Europardquo criada pelo Conselho da Europa

perfazendo uma cooperaccedilatildeo poliacutetica que hoje abriga quarenta e sete membros30

signataacuterios da

Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

(CEDH) O oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do Conselho da Europa eacute o Tribunal Europeu dos Direitos

do Homem (TEDH) sediado em Estrasburgo e para o qual podem demandar tanto Estados

quanto indiviacuteduos viacutetimas de violaccedilotildees de direitos humanos reconhecidos pela convenccedilatildeo

Neste sentido o paraacutegrafo 3ordm31

do Preacircmbulo da CEDH de 1950 assevera que a

finalidade principal do Conselho da Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre seus

membros e que um dos meios para alcanccedilar esta finalidade eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento

dos direitos humanos e das liberdades fundamentais sendo tais direitos vistos como um meio

para uma progressiva integraccedilatildeo dos europeus Antes mesmo disso o Estatuto do Conselho da

Europa de 1949 havia asseverado que a finalidade da instituiccedilatildeo era criar uma organizaccedilatildeo

que levasse os paiacuteses do continente a uma associaccedilatildeo cuja base fosse a unidade entre seus

membros privilegiando ideais e princiacutepios comuns aos diferentes Estados

Essa configuraccedilatildeo surgida na segunda metade do seacuteculo XX produz alteraccedilotildees

significativas na conceituaccedilatildeo de alguns institutos juriacutedicos e poliacuteticos como eacute o caso do

Estado da soberania dentre outros Nesse sentido o cenaacuterio Europeu pode ser enxergado

como proacuteximo da noccedilatildeo de Estado em Rede proposto por Manuel Castells32

Em um mesmo

espaccedilo territorial a autoridade passa a ser partilhada ao longo de uma rede de instituiccedilotildees O

30

Os 47 paiacuteses que fazem parte do Conselho da Europa satildeo Beacutelgica Dinamarca Franccedila Irlanda Itaacutelia

Luxemburgo Paiacuteses Baixos Noruega Sueacutecia Reino Unido Greacutecia Turquia Islacircndia Alemanha Ocidental

Aacuteustria Chipre Suiacuteccedila Malta Portugal Espanha Liechtenstein Satildeo Marino Finlacircndia Hungria Polocircnia

Bulgaacuteria Estocircnia Lituacircnia Eslovecircnia Repuacuteblica Checa Eslovaacutequia Romecircnia Andorra Letocircnia Albacircnia

Moldaacutevia Macedocircnia Ucracircnia Ruacutessia Croaacutecia Geoacutergia Armecircnia Azerbaijatildeo Boacutesnia e Herzegovina Seacutervia

Mocircnaco Montenegro Disponiacutevel em

httpwwwcoeintptAboutCoemediainterfacepublicationscoe_dh_ptpdf Acesso 08 out 2014 31

O terceiro paraacutegrafo do preacircmbulo da CEDH dispotildee que ldquoConsiderando que a finalidade do Conselho da

Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre os seus Membros e que um dos meios de alcanccedilar essa finalidade

eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento dos direitos do homem e das liberdades fundamentais ()rdquo CONVENCcedilAtildeO

EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS

1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso em 08 out 2014 32

CASTELLS Manuel A era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura A sociedade em rede Vol 1 5

ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999b

22

Estado-naccedilatildeo claacutessico relaciona-se com instituiccedilotildees supranacionais e a rede formada possui

noacutes diversos e natildeo um centro uacutenico sendo que esses noacutes podem apresentar tamanhos distintos

e estar ligados por relaccedilotildees assimeacutetricas

Essas redes e seus noacutes portanto representam formas de poder paralelas e

complementares que satildeo autocircnomas uma em relaccedilatildeo agraves outras O espaccedilo europeu marcado

por um jaacute consolidado direito comunitaacuterio e por uma estrutura supranacional sui generis

tornou-se um verdadeiro campo de concorrecircncia convergecircncia justaposiccedilatildeo e conflito de

vaacuterias constituiccedilotildees e poderes constituintes em um mesmo espaccedilo poliacutetico levando a uma

pluralidade de ordenamentos e de normatividades

A supranacionalidade desenvolvida assemelha-se desta forma a um Estado em Rede

em funccedilatildeo de um novo paradigma de governanccedila estabelecido em diferentes niacuteveis com

diferentes noacutes de diferentes dimensotildees e com relaccedilotildees internacionais assimeacutetricas O Estado-

Naccedilatildeo claacutessico se articula cotidianamente na tomada de decisotildees com instituiccedilotildees

supranacionais de diferentes tipos e em acircmbitos distintos33

Em uma mesma organizaccedilatildeo

complexa temos entatildeo as caracteriacutesticas da descentralizaccedilatildeo e da coordenaccedilatildeo sobretudo no

aspecto normativo sendo que a crise do Estado-naccedilatildeo o desenvolvimento das instituiccedilotildees

supranacionais e a transferecircncia das atribuiccedilotildees e iniciativas aos acircmbitos regionais e locais satildeo

caracteriacutesticas que funcionam como base para o desenvolvimento do Estado em Rede

Nesse acircmbito ainda eacute possiacutevel acrescentar a definiccedilatildeo de Marcelo Varella34

de que a

Uniatildeo Europeia caracteriza-se por ser uma instituiccedilatildeo sui generis natildeo soacute pelo seu modo de

constituiccedilatildeo como por seus efeitos no campo juriacutedico-normativo Desta maneira o bloco

europeu dos vinte e oito inserido no contexto de um sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos

humanos (ldquopequena Europardquo inserida na ldquogrande Europardquo) marca a caracteriacutestica de uma

superaccedilatildeo da tiacutepica forma de visatildeo linear e hieraacuterquica do direito tradicional em favor da

construccedilatildeo de um direito em camadas ou em diferentes niacuteveis ou ainda em redes

Essa concepccedilatildeo de Castells utilizada aqui para ilustrar as relaccedilotildees na Uniatildeo Europeia

comunica-se com a noccedilatildeo de Mireille Delmas-Marty35

de um pluralismo que deve ser

ordenado Na Europa como um todo em acircmbito juriacutedico a coexistecircncia de normas das mais

diversas fontes e de tribunais nas mais diferentes escalas faz emergir uma noccedilatildeo de caos

33

Id 1999a p164 34

VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade

de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014 p145 35

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006

23

juriacutedico que precisa ser ordenado Em razatildeo disso pertinente a busca por um direito comum

com ecircnfase em um direito comum em mateacuteria de direitos humanos

Interessante notar que esse cenaacuterio criado intensifica-se com o processo de

mundializaccedilatildeo36

e sob essa oacutetica embora os direitos humanos tenham se tornado oponiacuteveis aos

Estados perfazendo princiacutepios de direito incluiacutedos nas Constituiccedilotildees Estatais no

entendimento dos tribunais supranacionais e em instrumentos normativos internacionais os

corolaacuterios do processo de mundializaccedilatildeo satildeo os direitos econocircmicos que predominam nas

preocupaccedilotildees do jaacute consolidado direito comunitaacuterio europeu

Enquanto os direitos humanos foram concebidos sob o prisma de uma universalidade e

com a finalidade de proteger o ldquoirredutiacutevel humanordquo37

os direitos econocircmicos satildeo os motores

da mundializaccedilatildeo sendo que isso somado agrave desestabilizaccedilatildeo do tempo e agrave desestatizaccedilatildeo do

Estado gera no processo de mundializaccedilatildeo uma aparente desordem normativa com a

proliferaccedilatildeo de normas de modo anaacuterquico38

Em funccedilatildeo disso eacute viaacutevel dizer que o continente europeu serve de base e eacute capaz de

traduzir importantes eventos para explicar fenocircmenos que hoje satildeo salientes na esfera juriacutedica

Mireille Delmas-Marty39

sugere que vivemos sob a eacutegide de espaccedilos ldquodesestatizadosrdquo tempos

ldquodesestabilizadosrdquo e uma ordem ldquodeslegalizadardquo No sentido atual da paisagem juriacutedica

afirmar que o Estado eacute a uacutenica fonte de Direito eacute assumir uma atitude de exclusatildeo de todos os

demais espaccedilos normativos

Como eacute possiacutevel observar na Europa convivem em um mesmo espaccedilo normas

provenientes de fontes estatais claacutessicas normas advindas de instituiccedilotildees supranacionais e

regras provenientes de entes internacionais na formaccedilatildeo de um verdadeiro mosaico juriacutedico

O monopoacutelio do Estado como produtor do direito deixa de ser imperativo frente agrave

internacionalizaccedilatildeo crescente das fontes juriacutedicas De modo concomitante e corroborando

36

Na obra ldquoTrecircs Desafios para um Direito Mundialrdquo Mirelle Delmas-Marty observa as particularidades dos

termos globalizaccedilatildeo mundializaccedilatildeo e universalidade quais sejam ldquoA mundializaccedilatildeo remete agrave difusatildeo espacial

de um produto de uma teacutecnica ou de uma ideia A universalidade implica um compartilhar de sentidosrdquo Em

outra passagem disserta ldquoDifusatildeo espacial de um lado compartilhar os sentidos de outra estas duas foacutermulas

descrevem muito bem a diferenccedila que separam os dois fenocircmenos que eu denominarei globalizaccedilatildeo para a

economia e universalizaccedilatildeo para os direitos do homem guardando assim o termo mundializaccedilatildeo uma

neutralidade que ele jamais perderaacute caso natildeo se resigne rapidamente ao primado da economia sobre os Direitos

do Homemrdquo DELMAS-MARTY Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr

Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b p 08-09 37

Ibid p48 38

FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos

teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013 39

DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47

24

com a teoria do Estado em Rede de Castells eacute possiacutevel observar um processo de

descentralizaccedilatildeo espacial com o deslocamento de fontes do centro para periferias40

Da mesma forma os tempos estatildeo desestabilizados Segundo Delmas41

em comparaccedilatildeo

aos votos claacutessicos de perpetuidade da lei eacute possiacutevel hoje encontrar fontes temporaacuterias e

evolutivas do direito O espaccedilo europeu se constitui como uma aacuterea privilegiada dessas fontes

evolutivas42

Sob o aspecto da ldquopequena Europardquo as regras de direito comunitaacuterio impotildeem um

resultado que deve ser atingido o que pela falta de meios juriacutedicos incentiva os Estados a

adaptar seus textos a dados econocircmicos

Isso tudo faz emergir a noccedilatildeo de assincronia43

do direito ou seja diferentes

velocidades em diferentes espaccedilos Nesse sentido haacute no espaccedilo europeu uma diferenccedila de

velocidade dos processos de integraccedilatildeo das normas internacionais (ou supranacionais) de

direito do comeacutercio em comparaccedilatildeo com as normas ambientais ou relativas aos direitos

humanos O proacuteprio processo evolutivo de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais

sob o panorama da ldquopequena Europardquo demonstra desde os primoacuterdios da criaccedilatildeo da

Comunidade Europeia uma ausecircncia de sincronia em relaccedilatildeo agraves duas esferas do direito A

evoluccedilatildeo dos direitos humanos eacute lenta quando comparada com a celeridade da integraccedilatildeo das

normas de direito comercial e econocircmico em um mundo de economia globalizada

Pode-se entatildeo afirmar que natildeo soacute na Europa como tambeacutem na sociedade

internacional o tempo das relaccedilotildees comerciais e por conseguinte o tempo da integraccedilatildeo do

direito do comeacutercio eacute o tempo do software da fluidez da velocidade da luz Enquanto isso o

tempo das relaccedilotildees humanas da eacutetica da solidariedade e da integraccedilatildeo do direito dos direitos

humanos segue o tempo do hardware do denso do apego ao territoacuterio e agraves localidades44

Por fim estaacute-se tambeacutem frente a uma ordem ldquodeslegalizadardquo uma vez que dentre os

reflexos das vicissitudes na seara juriacutedica eacute possiacutevel destacar um ruptura com a noccedilatildeo de

40

Tal fenocircmeno eacute descrito por Mireille Delmas-Marty como ldquodescentralizaccedilatildeordquo Esta envolve o deslocamento de

fontes do centro do Estado para coletividades territoriais Todavia tal fenocircmeno natildeo se confunde com uma mera

desconcentraccedilatildeo de poderes que eacute destinada a conferir maior eficaacutecia agraves estruturas centrais do Estado A

descentralizaccedilatildeo conforme refere a autora confia ao representante local da coletividade territorial certos poderes

de decisatildeo fazendo transparecer uma autonomia local para impor certas regras juriacutedicas Como exemplo

podem-se destacar as comissotildees locais de eacutetica como ocorre em uma deontologia profissional como a Ordem

dos Advogados As regras disciplinares desta profissatildeo guardam um caraacuteter misto sendo de natureza local e

nacional privada e puacuteblica Ibid 2004ap55 41

Ibid 2004ap47 42

Segundo Delmas falar de fontes evolutivas significa renunciar ao passado do costume e ao futuro das leis para

situar as fontes de direito no presente por natureza instaacutevel Ibid 2004ap65 43

Id 2006 p 114 44

SALDANHA Jacircnia Marial Lopes BRUM Maacutercio Morais MELLO Rafaela da Cruz A Assincronia do

Direito e o Caso Araguaia Uma anaacutelise da Decisatildeo do Supremo Tribunal Federal Brasileiro na ADPF 153 e do

Julgamento do Caso Gomes Lund e Outros vs Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos In Andreacute

Karam Trindade Angela Araujo da Silveira Espindola (Org) Direitos Fundamentais e Espaccedilo Puacuteblico 1ed

Passo Fundo - RS Editora IMED 2011 v 2 p 37-61

25

identidade entre direito e lei45

O processo de internacionalizaccedilatildeo deixa comum aos sistemas

de commun law e de civil law o papel do juiz na geraccedilatildeo do direito ou seja na interaccedilatildeo entre

texto normativo e sua interpretaccedilatildeo de modo que a jurisprudecircncia e o diaacutelogo entre os

diferentes tribunais serve para ambos os sistemas como um importante balizador para

consolidaccedilatildeo de entendimentos e de princiacutepios

Diante desse cenaacuterio juriacutedico global proveniente do processo de internacionalizaccedilatildeo -

e especiacutefico no caso da Europa ndash de desestatizaccedilatildeo de ruptura com paradigmas e com a loacutegica

binaacuteria de interpretar o direito eacute possiacutevel concordar com a premissa de Mireille Delmas-

Marty46

de que a paisagem juriacutedica apresenta um panorama de proliferaccedilatildeo constante de

normas e de entendimentos jurisprudenciais que em um primeiro momento podem levar a

uma noccedilatildeo de desordem e anarquia

Conveacutem perceber que a nova paisagem juriacutedica para a qual a Europa eacute um verdadeiro

laboratoacuterio47

eacute composta por formas mais complexas como piracircmides inacabadas

descontiacutenuas compostas por aneacuteis normativos como uma guirlanda no entanto natildeo

especificamente se liga agrave anarquia Pelo contraacuterio a retirada de marcos e o deslocamento de

linhas natildeo significa desordem e essa aparecircncia de caos favorece ao pluralismo

Por isso Delmas-Marty48

atesta que a internacionalizaccedilatildeo do direito apresenta um

grande paradoxo ordenar o plural Embora estejamos semanticamente diante de vernaacuteculos

opostos visto que a proposta eacute colocar em ordem aquilo que naturalmente eacute muacuteltiplo e plural

sem reduzir sua identidade a primeira consideraccedilatildeo que deve ser feita eacute a de que o tiacutepico

modelo kelseniano de loacutegica juriacutedica natildeo mais se aplica ao cenaacuterio em que o Direito se insere

atualmente em razatildeo da multiplicidade e do dinamismo existente no processo de

mundializaccedilatildeo

Para ir da desordem agrave ordem eacute necessaacuterio fortalecer as correlaccedilotildees da formaccedilatildeo

juriacutedica trazendo estabilidade agrave presenccedila de divergecircncias atraveacutes de uma aproximaccedilatildeo entre

ordens juriacutedicas por meio de um jogo de referecircncias cruzadas com o intuito de ordenar a

multiplicidade Essa aproximaccedilatildeo poreacutem natildeo pode ser concebida senatildeo em relaccedilatildeo a uma

referecircncia comum e neste campo a utilidade dos instrumentos protetivos de direitos humanos

traz a coerecircncia de conjunto capaz de indicar uma direccedilatildeo a seguir um norte para a criaccedilatildeo de

um direito comum cujo pluralismo eacute ordenado

45 DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47 46

Id 2006 47

VARELLA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do direito Direito Internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Livre Docecircncia em Direito Internacional Faculdade de

Direito da Universidade de Satildeo Paulo (USP) Satildeo Paulo 2012 Acesso 14 out 2014 48

Ibid 2006 p 10

26

Obviamente o direito comum almejado eacute pluralista tendo a razatildeo como instrumento

de justificaccedilatildeo e de diaacutelogo O pluralismo eacute justificado pelo intuito de harmonizar e conjugar

as particularidades religiosas poliacuteticas culturais de cada Estado ou comunidade evitando a

sobreposiccedilatildeo de uma ordem sobre outra ou a assimilaccedilatildeo e exclusatildeo Em razatildeo disso o

direito comum pluralista pretende construir um ldquoDireito dos Direitosrdquo a partir do ideal de

universalizaccedilatildeo dos direitos humanos sendo que a finalidade eacute a de aproximar ou harmonizar

ndash e natildeo unificar - os diferentes sistemas juriacutedicos sob a perspectiva de respeito ao ldquoirredutiacutevel

humanordquo49

Impossiacutevel a criaccedilatildeo de normas e regras comuns a todos os povos justamente pelo

fato de que sempre algumas normas advindas de culturas especiacuteficas se sobressairatildeo sobre

outras na criaccedilatildeo de uma hegemonia negativa O direito comum portanto inserido na oacutetica

de um direito mundial pluralista eacute aquele acessiacutevel a todos e comum aos diversos Estados

sem que haja o abandono de identidades Justamente em funccedilatildeo disso o alicerce para a sua

criaccedilatildeo eacute a aproximaccedilatildeo dos sistemas juriacutedicos tendo por base os direitos humanos que

carregam a caracteriacutestica da universalidade a qual adveacutem do compartilhamento de sentidos e

do enriquecimento pela troca

Neste sentido em que consistem esses direitos humanos que satildeo os alicerces para a

criaccedilatildeo de um direito comum Eacute possiacutevel afirmar que a mera previsatildeo constitucional ou em

tratados de direitos jaacute asseguram a sua proteccedilatildeo Como lidar com questotildees concernentes agraves

pretensotildees universalistas e as particularidades do relativismo cultural nas diferentes

sociedades europeias

Narciso Baez50

traz reflexotildees importantes acerca desse tema Segundo ele em meados

do seacuteculo XVII pensou-se que a positivaccedilatildeo dos direitos humanos seria instrumento suficiente

para garantir o seu respeito Essa noccedilatildeo adentrou a contemporaneidade com a filosofia de

Hans Kelsen de que as normas positivadas e inseridas nos ordenamentos juriacutedicos eram

obrigatoacuterias por serem legitimadas por uma norma juriacutedica superior que tinha um fim em si

mesma

Obviamente o seacuteculo XX mostrou que a mera inserccedilatildeo legal da dignidade da pessoa

humana ndash que eacute o elemento cerne dos direitos humanos ndash em um sistema positivo de direito e

dissociada de valores morais natildeo seria suficiente para evitar eventuais violaccedilotildees desses

49

Ibid 2006 p 54 50

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos

humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da

UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em

httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014

27

direitos Sob esse panorama e seguindo a corrente eacutetica51

de fundamentaccedilatildeo dos direitos

humanos pode-se afirmar que estes satildeo direitos de fora da ordem positiva que tecircm em seu

bojo componentes morais sociais poliacuteticos e ateacute econocircmicos que salvaguardam condiccedilotildees

miacutenimas para a garantia da dignidade da pessoa humana Em sua dimensatildeo baacutesica portanto

satildeo direitos inatos pautados em valores morais e conferidos aos indiviacuteduos pelo simples fato

de estes serem humanos

Logo para a construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos exige-

se o fortalecimento desses em suas dimensotildees baacutesicas Eacute neste sentido que Delmas52

se refere

ao miacutenimo eacutetico universal e ao irredutiacutevel humano ou seja elementos que todos os indiviacuteduos

apresentam em comum mesmo em diferentes culturas

As duas estruturas baacutesicas dos direitos humanos satildeo portanto os valores morais e a

dignidade humana53

Em relaccedilatildeo aos primeiros infere-se que a origem dos direitos humanos

natildeo eacute legal vez que estes satildeo reconhecidos aos indiviacuteduos pelo simples fato de serem

humanos O ordenamento juriacutedico tem a mera funccedilatildeo de reconhecer tais direitos e transformaacute-

los em normas a fim de obter efetividade Jaacute a dignidade humana eacute o bem maior dentro dos

direitos humanos constituindo uma qualidade universal intriacutenseca irrenunciaacutevel e

inalienaacutevel inerente a todos os seres humanos e que se encontra acima das especificidades

culturais

Neste vieacutes a universalidade de tais direitos que eacute requisito indispensaacutevel para a

criaccedilatildeo de um direito comum natildeo eacute marcada pela criaccedilatildeo de instrumentos internacionais

positivos de proteccedilatildeo dos direitos humanos Isso porque embora tenha se conseguido a

universalizaccedilatildeo da adesatildeo dos Estados como eacute o caso da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos da ONU de 1948 ou mesmo da CEDH do sistema regional europeu ainda haacute

resistecircncias agrave aceitaccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo em algumas culturas que alegam a necessidade de

relativizaccedilatildeo desses direitos para adequaccedilatildeo agraves realidades nacionais54

Logo para a construccedilatildeo de uma verdadeira universalidade eacute necessaacuterio interpretar os

direitos humanos sob uma oacutetica interdisciplinar Finnis55

nesse aspecto afirma que os direitos

humanos constituem uma categoria que busca consagrar a dignidade humana sendo esta um

atributo de todas as pessoas independentemente de crenccedila ou cultura Nesse aspecto

51

Id 2007 p 13-35 52

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b 53

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Direitos humanos na globalizaccedilatildeo In BAEZ Narciso

Leandro Xavier BARRETO Vicente (Org) Direitos humanos em evoluccedilatildeo Joaccedilaba Ed Unoesc 2007 p

13-35 54

Id 2009 p77-99 55

FINNIS John Ley natural e derechos naturales Buenos Aires AbeledoPerrot 2000

28

vislumbra-se necessaacuterio a fim de identificar quais satildeo os valores baacutesicos e inderrogaacuteveis a

todos os humanos a construccedilatildeo de valores universais atraveacutes do diaacutelogo e do cruzamento de

diferentes culturas com diferentes valores Isso facilita a construccedilatildeo de uma cultura

cosmopolita baseada em uma identificaccedilatildeo em que prevaleccedila a dignidade da pessoa humana

acima dos relativismos

As diversidades culturais satildeo provenientes de elementos externos56

da diferenccedila de

ambientes naturais mas mesmo assim todas as pessoas ainda que inseridas em

especificidades culturais distintas ainda manteacutem atributos comuns Eacute por essa loacutegica que

permanece atual a premissa de Kant de que no atual estaacutegio da humanidade os povos

atingiram um grau de desenvolvimento que os permitem fazer parte de uma comunidade

cosmopolita57

Por isso a violaccedilatildeo de um direito humano em um ponto do planeta repercute e

pode ser sentida em todos os outros

Pertinente ainda lembrar que a universalizaccedilatildeo natildeo significa a imposiccedilatildeo ou a

uniformizaccedilatildeo de uma cultura sobre as outras Pelo contraacuterio deve-se buscar uma raiz

comum qual seja um conjunto de valores miacutenimos universais capazes de dialogar com

diferentes culturas garantindo o respeito e a preservaccedilatildeo da vida humana em qualquer lugar

Ainda sob essa oacutetica eacute possiacutevel afirmar que a noccedilatildeo de direito comum de Delmas

aproxima-se do ideal de direito cosmopoliacutetico em Kant58

Ao perceber o aumento da

participaccedilatildeo dos povos na Terra Kant vislumbra a ideia de uma comunidade mundial

alicerccedilada sob as bases de um direito cosmopoliacutetico a fim de garantir a paz perpeacutetua Diante

da dicotomia entre praacuteticas culturais e direitos humanos a base do cosmopolitismo kantiano eacute

a busca de criteacuterios loacutegico-racionais que sejam comuns a todas as culturas

Nesse espectro surgem entatildeo os direitos humanos como nuacutecleo moral-juriacutedico do

direito cosmopoliacutetico vez que a moralidade miacutenima universal se baseia em trecircs pilares a)

humanidade comum b) ameaccedilas compartilhadas e c) obrigaccedilotildees miacutenimas Logo a

fundamentaccedilatildeo moral eacute a base dos direitos humanos uma vez que nela encontram-se as

exigecircncias imprescindiacuteveis para a vida de um indiviacuteduo Apesar das diferenccedilas sociais e

culturais entre os seres humanos algumas necessidades e capacidades satildeo comuns a todos59

56

PAREKH Bhikhu Pluralist universalism and human rights In SMITH Rhona K M ANKER Cristien van

den The essentials of human rights London Oxford University Press 2005 57

KANT Immanuel Para a paz perpeacutetua Traduccedilatildeo Baacuterbara Kristen - Rianxo Instituto Galego de Estudos de

Seguranccedila Internacional e da Paz 2006 58

Ibid 2006 p 107-108 59

BARRETO Vicente de Paulo Direito Cosmopoliacutetico e Direitos Humanos In Espaccedilo Juriacutedico Journal of

Law N 2 Vol 11 2010 Disponiacutevel em

httpeditoraunoescedubrindexphpespacojuridicoarticleview19491017 Acesso 30 out 2014

29

Assim como a concepccedilatildeo de direitos humanos natildeo pode mais ser concebida como o

era na eacutepoca de Kelsen o panorama em que o Direito de um modo geral se insere hoje

tambeacutem natildeo pode mais ser concebido conforme a loacutegica claacutessica kelseniana em que a

constituiccedilatildeo estatal encontra-se no topo de uma estrutura piramidal sendo hierarquicamente

seguida pela legislaccedilatildeo infraconstitucional Os rearranjos da mundializaccedilatildeo e a consequente

internacionalizaccedilatildeo do Direito fazem com que novas estruturas permeiem o atual cenaacuterio

juriacutedico mundial

Seja uma concepccedilatildeo de trapeacutezio cujos veacutertices superiores satildeo ocupados em igual

niacutevel pelas constituiccedilotildees estatais e pelos tratados ou convenccedilotildees internacionais protetivos dos

direitos humanos como eacute a visatildeo de Canotilho seguida por Flaacutevia Piovensan60

seja uma

visatildeo de nuvens fluidas e descontiacutenuas com um direito de sistemas interativos complexos

marcados por geometria de piracircmides inacabadas e aneacuteis normativos como guirlandas

defendida por Delmas-Marty61

demonstram que a internacionalizaccedilatildeo traz tentativas de

recomposiccedilatildeo de um pluralismo que deveraacute ser suficientemente ordenado

Em razatildeo disso razoaacutevel frente agrave mudanccedila paradigmaacutetica trazida pela mundializaccedilatildeo

pensar em um conjunto ordenado para a desordem uma vez que a aparente anarquia que

existe favorece ao pluralismo Para se chegar a um direito comum pluralista tendo por base os

direitos humanos deve-se buscar a harmonizaccedilatildeo entre estes e os direitos econocircmicos com

respeito agraves particularidades religiosas e culturais e com a superaccedilatildeo dos perigos de uma

uniformizaccedilatildeo hegemocircnica tendente agrave globalizaccedilatildeo econocircmica

Nesse novo paradigma o ideaacuterio de ordem ldquodeslegalizadardquo anteriormente referido

toma corpo uma vez que a sobrevalorizaccedilatildeo da lei e das grandes codificaccedilotildees perde espaccedilo

havendo em contrapartida a crescente incorporaccedilatildeo dos precedentes (certa ruptura de

fronteiras entre common law e civil law) e dos princiacutepios como espeacutecie de coacutedigo cultural do

processo de interpretaccedilatildeo e criaccedilatildeo do direito62

A internacionalizaccedilatildeo do Direito reflete portanto uma nova realidade de um Direito

de sistemas complexos fluidos descontiacutenuos e interativos os quais levam agrave mutaccedilatildeo da

proacutepria concepccedilatildeo tradicional de ordem juriacutedica que natildeo eacute mais fechada dentro de si mesma e

sim sofre influecircncia de outras A tradicional piracircmide kelseniana eacute desconstruiacuteda

60

PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e diaacutelogo entre jurisdiccedilotildees In Revista Brasileira de Direito

Constitucional ndash RBCD n19 ndash janjul 2012 61

DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio

de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b 62

FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos

teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013

30

gradativamente dando lugar a novas geometrias cuja hierarquia natildeo eacute tatildeo riacutegida mas nem por

isso deixa de ser complexa

No topo encontram-se as constituiccedilotildees juntamente com elementos do Direito

Internacional (jus cogens tratados relativos o direito internacional dos direitos humanos) e do

direito comunitaacuterio europeu No corpo do que seria a antiga piracircmide kelseniana encontra-se

o crescimento e a consolidaccedilatildeo de um direito jurisprudencial atraveacutes de um jogo de

referecircncias reciacuteprocas em que um sistema observa o outro mas natildeo haacute um centro ao lado das

normas produzidas no legislativo (a intensa produccedilatildeo jurisprudencial para os hard cases

culmina em adiccedilatildeo de conteuacutedos advindos de ldquooutros direitosrdquo) e a base passa a ser composta

por decretos e regulamentos que resultam de administraccedilotildees policecircntricas corroborando para

a crenccedila de que o processo de internacionalizaccedilatildeo do direito vem acompanhado de

descentralizaccedilatildeo e privatizaccedilatildeo de fontes do Direito63

Diante deste quadro Delmas64

apresenta trecircs espeacutecies de processo de interaccedilatildeo para

se chegar a um direito comum coordenaccedilatildeo por entrecruzamento harmonizaccedilatildeo e unificaccedilatildeo

Destaca-se antes de discorrer brevemente sobre esses processos que o direito comum natildeo

tem a pretensatildeo de unificar o Direito no texto pois isso seria uma tarefa praticamente utoacutepica

A ideia de Delmas objetiva na realidade a exploraccedilatildeo da pluralidade como potencial poder

de integraccedilatildeo vez que as redes dinacircmicas e as estruturas vetorizadas pelos direitos humanos

presentes nas novas geometrias da ordem mundial se pautam no reconhecimento do outro em

uma espeacutecie de alteridade65

A coordenaccedilatildeo por entrecruzamento caracteriza-se por ser um processo horizontal em

que a autoridade das decisotildees seraacute reforccedilada pelo jogo de referecircncias cruzadas de uma

jurisdiccedilatildeo agrave outra Essa eacute uma fase transitoacuteria na construccedilatildeo de uma verdadeira ordem juriacutedica

mundial em que a internormatividade e a interpretaccedilatildeo cruzada permitem a formaccedilatildeo de no

miacutenimo uma comunidade de juiacutezes Em funccedilatildeo disso em acircmbito global percebem-se traccedilos

da coordenaccedilatildeo por entrecruzamento nos diaacutelogos entre cortes e tribunais nas mais diferentes

ordens No espaccedilo europeu a coordenaccedilatildeo eacute percebida da mesma forma atraveacutes dos diaacutelogos

entre as cortes nacionais e os tribunais da ldquopequena Europardquo e da ldquogrande Europardquo

respectivamente Tribunal de Luxemburgo e de Estrasburgo

Interessante notar conforme jaacute foi demonstrado que foram os diaacutelogos entre as cortes

nacionais dos diversos Estados membros da entatildeo Comunidade Europeia e posterior Uniatildeo

63

Ibid 2013 p20 64

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006 65

LOPES Carla Patriacutecia Frade Nogueira Internacionalizaccedilatildeo do Direito e pluralismo juriacutedico limites de

cooperaccedilatildeo no diaacutelogo de juiacutezes In Revista de Direito Internacional da Uniceub Vol 9 n4 2012

31

Europeia que auxiliaram no processo de consolidaccedilatildeo do entendimento de primazia das

normas comunitaacuterias ao lado da proteccedilatildeo integral aos direitos fundamentais previstos nas

constituiccedilotildees estatais Isso culminou conforme se asseverou anteriormente na disposiccedilatildeo do

Tratado de Lisboa de que a Uniatildeo Europeia natildeo soacute se submete agraves tradiccedilotildees e regras

constitucionais em mateacuteria de direitos fundamentais como adere agrave Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem

Se o primeiro processo de interaccedilatildeo eacute a coordenaccedilatildeo far-se-aacute de imediato a anaacutelise do

uacuteltimo processo a unificaccedilatildeo visto que o eacute no processo intermediaacuterio ndash a harmonizaccedilatildeo ndash que

se desenvolve o foco do presente estudo A unificaccedilatildeo seria do ponto de vista formal o

processo perfeito por unir ordens juriacutedicas regionais sob um mesmo modelo hieraacuterquico e

coerente das ordens nacionais tradicionais Entretanto sob o enfoque empiacuterico essa perfeiccedilatildeo

estaacute longe de ser garantida vez que a unificaccedilatildeo consiste na transferecircncia pura e simples do

regramento juriacutedico de um paiacutes para outro em uma espeacutecie de verticalizaccedilatildeo ordenada que

pode gerar a dominaccedilatildeo hegemocircnica de uma ordem sobre outra sem portanto respeito agrave

pluralidade

O processo intermediaacuterio de harmonizaccedilatildeo por sua vez tende a aproximar os sistemas

com um propoacutesito coordenativo poreacutem sem a intenccedilatildeo unificadora Tal processo limita-se a

uma integraccedilatildeo imperfeita cuja chave eacute a preservaccedilatildeo das margens nacionais de apreciaccedilatildeo

De modo diferente da coordenaccedilatildeo que eacute marcada pela horizontalidade da comunicaccedilatildeo entre

conjuntos juriacutedicos a harmonizaccedilatildeo instaura uma relaccedilatildeo do tipo vertical que implica o

reconhecimento de algumas hierarquias entre por exemplo direito internacional e nacional

direito supranacional e nacional dentre outras formas Todavia a inversatildeo destas hierarquias

e o reconhecimento muacutetuo fazem parte do movimento de harmonizaccedilatildeo

As margens nacionais de apreciaccedilatildeo satildeo as grandes novidades desse processo de

harmonizaccedilatildeo vez que elas funcionam em uma dinacircmica centriacutefuga e envolvem tanto a

obrigaccedilatildeo de conformidade em relaccedilatildeo agraves normas internacionais das quais determinado paiacutes eacute

signataacuterio quanto agrave apreciaccedilatildeo soberana dos Estados sendo delineada por princiacutepios

comuns66

A resistecircncia dos direitos internos e os avanccedilos do processo de harmonizaccedilatildeo satildeo

portanto as condiccedilotildees de possibilidade para a aplicaccedilatildeo da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

(MNA)

66

SALDANHA Jacircnia Maria Lopes MELLO Rafaela da Cruz Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e

Diaacutelogos Transjurisdicionais uma anaacutelise da postura do Supremo Tribunal Federal Brasileiro In Conselho

Nacional de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito - CONPEDI (Org) Direito Internacional dos Direitos

Humanos I XXIII EdFlorianoacutepolis CONPEDI 2014 v I p 368-394

32

Deste modo imperioso reconhecer que em um continente plural como eacute o europeu

com diversos paiacuteses com aspectos linguiacutesticos culturais religiosos e poliacuteticos a figura da

MNA apresenta-se como uma importante chave para o desenvolvimento e consolidaccedilatildeo de

um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos sendo uma ferramenta relevante

para o estabelecimento de um pluralismo ordenado uma vez que as pluralidades e

peculiaridades culturais e religiosas de cada Estado satildeo respeitadas

Neste sentido portanto a Europa pode ser vista novamente como um laboratoacuterio de

experiecircncias e o surgimento da MNA possui hoje um importante papel sobretudo dentro do

continente europeu Utilizada tanto pelos Tribunais de Luxemburgo e Estrasburgo a MNA

surgiu pela primeira vez na jurisprudecircncia do TEDH

Embora existam relatos do uso da MNA pelo Tribunal de Luxemburgo para permitir

que os conceitos comunitaacuterios sejam interpretados de modo flexiacutevel segundo as

especificidades nacionais e servindo como uma importante vaacutelvula de escape para as tensotildees

nacionais mais fortes neste trabalho far-se-aacute a limitaccedilatildeo da utilizaccedilatildeo da MNA pelo Tribunal

Europeu de Direitos do Homem com o intuito de analisar quais satildeo os entraves e as

possibilidades do uso de tal ferramenta pra a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de um direito comum

para a ldquogrande Europardquo tendo como base os direitos humanos

33

2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU

A noccedilatildeo de margem encontra-se no coraccedilatildeo dos sistemas de Direito uma vez que o

direito interno jaacute prevecirc a possibilidade de uma margem de interpretaccedilatildeo aos juiacutezes em relaccedilatildeo

agraves demandas que lhes satildeo apresentadas Todavia a internacionalizaccedilatildeo impulsiona ao

acreacutescimo do termo ldquonacionalrdquo a essa margem no sentido de permitir o reconhecimento da

diversidade dos sistemas juriacutedicos e a possibilidade de um direito comum

Nesse sentido no presente capiacutetulo far-se-aacute uma abordagem acerca da histoacuteria dessa

ferramenta criada pelo TEDH bem como o conceito e as criacuteticas trazidas por estudiosos da

doutrina da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) (21) Por conseguinte atraveacutes de uma

anaacutelise jurisprudencial se tentaraacute comprovar que a margem a despeito de opiniotildees contraacuterias

acerca da ausecircncia de paracircmetros para sua aplicaccedilatildeo pelo TEDH constitui-se como um

instrumento relevante para a construccedilatildeo de um direito comum europeu tendo como base

luminosa os direitos humanos (22)

21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem

Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu

Consoante fora anteriormente aludido a noccedilatildeo de margem encontra-se dentro dos

sistemas de direito Por isso em um primeiro momento aponta-se a margem dentro do direito

interno como ferramenta capaz de auxiliar o juiz enquanto receptor da norma a interpretar

determinado caso concreto em uma espeacutecie de coacutedigo cultural que determina o senso da

norma67

Nesse sentido a origem dessa margem de interpretaccedilatildeo adveacutem do direito

administrativo de diversos Estados europeus Na Franccedila a margem eacute conhecida como ldquomarge

67

DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation

du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit

compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780

34

drsquoappreacutecciationrdquo na Alemanha eacute vista como ldquoErmessensspielraumrdquo e na Itaacutelia ldquomarge de

discrizionalitaacuterdquo68

Em acircmbito interno portanto caracteriza-se por ser uma deferecircncia que

combina aspectos processuais e hermenecircuticos no sentido de conferir uma reserva de

apreciaccedilatildeo ao administrador para decidir acerca da conveniecircncia e oportunidade em relaccedilatildeo

aos atos administrativos

O processo de internacionalizaccedilatildeo estaacutegio supremo da globalizaccedilatildeo69

no acircmbito do

Direito se desenvolve a ponto de transformar o campo de uma disciplina de modo que

consoante jaacute fora exaustivamente exposto a seara juriacutedica natildeo se limita mais agrave relaccedilatildeo entre

Estados nem somente se combina com os direitos internos Logo o pluralismo pode ser visto

como uma palavra de ordem na paisagem juriacutedica atual e por isso a noccedilatildeo de margem ganha

o adjetivo ldquonacionalrdquo e passa a ser um elemento de tentativa de aproximaccedilatildeo com a finalidade

de atingir um direito comum com bases humanistas

Logo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) teria a finalidade de proceder a uma

espeacutecie de siacutentese entre os anseios de unidade juriacutedica e o desejo de separaccedilatildeo proveniente de

uma autonomia estatal A margem portanto sob o vieacutes da internacionalizaccedilatildeo corresponderia

ao caminho do meio entre o pressuposto de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o

relativismo ou os particularismos culturais de cada Estado

No contexto europeu em que tanto sob o vieacutes comunitaacuterio quanto sob a perspectiva do

sistema regional os Estados apresentam pluralidades significativas em relaccedilatildeo agrave religiatildeo agrave

cultura agrave poliacutetica dentre outros campos a figura da MNA serve como um importante

instrumento para aproximar o universal e o relativo70

Dessa maneira teria a funccedilatildeo de no

processo de construccedilatildeo de um direito comum apresentar como horizonte a universalidade dos

direitos humanos mas sem perder de foco os relativismos culturais que formam a identidade

das mais diferentes sociedades

Niacutetido portanto que o caminho para a construccedilatildeo de um ldquocomumrdquo em mateacuteria de

direitos humanos relaciona-se natildeo soacute com a proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua esfera eacutetica

e miacutenima como tambeacutem com a preservaccedilatildeo da pluralidade Como instrumento do processo de

harmonizaccedilatildeo a margem carrega em seu acircmago a noccedilatildeo de convergecircncia em torno de

princiacutepios comuns mas garantindo o respeito a uma espeacutecie de direito agrave divergecircncia uma vez

68

ITZCOVITCH Giulio One None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations The Lautsi Case

In Human Rights Law Review Oxford Journals 2013 Disponiacutevel em

httphrlroxfordjournalsorgcontent132toc Acesso 04 nov 2014 69

SANTOS Milton Teacutecnica Espaccedilo Tempo Globalizaccedilatildeo e meio teacutecnico-cientiacutefico-informacional 5ordf ed

Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2013 p 45 70

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b

35

que se garante a cada Estado a particularidade de lidar com questotildees atinentes agraves suas

diferenccedilas

Deste modo o Tribunal de Estrasburgo consoante fora dito anteriormente se utiliza

pela primeira vez do recurso agrave MNA no caso Lawless vs Irlanda71

Na discussatildeo cerne deste

conflito estava a possibilidade de prisatildeo provisoacuteria no caso dos atentados terroristas

relacionados ao grupo extremista IRA (Irish Republic Army) Mais especificamente o

cidadatildeo irlandecircs Gerard Richard Lawless ex-membro do IRA foi preso em julho de 1957 no

momento em que estava prestes a viajar da Irlanda agrave Gratilde-Bretanha Neste ato foi detido sob

especiais poderes de detenccedilatildeo indeterminada sem julgamento sob alegaccedilotildees de ofensas contra

o Estado irlandecircs

Lawless fazendo o uso da prerrogativa de peticcedilatildeo individual demandou perante a

Corte Europeia de Direitos do Homem alegando violaccedilatildeo pelo Estado Irlandecircs dos artigos 56

e 7 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem mas especificamente direitos de

liberdade seguranccedila julgamento justo e o princiacutepio de proibiccedilatildeo de puniccedilatildeo sem lei anterior

que defina um delito

No julgamento do caso em 1961 o Tribunal de Estrasburgo pela primeira vez fez

alusatildeo mesmo que de modo natildeo explicito agrave possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo

ao deixar ao Estado Irlandecircs margem para decidir fundamentando-se nas prerrogativas do

artigo 1572

da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Tal norma da Convenccedilatildeo alude agrave

possibilidade de derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade com a prerrogativa de que em

caso de guerra ou outro perigo puacuteblico que ameace a vida da naccedilatildeo a parte aderente agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem pode tomar providecircncias que derroguem as

obrigaccedilotildees previstas no tratado na estrita medida em que exigir a situaccedilatildeo

71

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57518itemid[001-57518] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lawless vs Irlanda Sentenccedila de 01 de julho de 1961 Acesso

05 nov 2014 72

Artigo 15 Derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade 1 Em caso de guerra ou de outro perigo puacuteblico que

ameace a vida da naccedilatildeo qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providecircncias que derroguem as obrigaccedilotildees

previstas na presente Convenccedilatildeo na estrita medida em que o exigir a situaccedilatildeo e em que tais providecircncias natildeo

estejam em contradiccedilatildeo com as outras obrigaccedilotildees decorrentes do direito internacional 2 A disposiccedilatildeo

precedente natildeo autoriza nenhuma derrogaccedilatildeo ao artigo 2deg salvo quanto ao caso de morte resultante de atos

liacutecitos de guerra nem aos artigos 3deg 4deg (paraacutegrafo 1) e 7deg 3 Qualquer Alta Parte Contratante que exercer este

direito de derrogaccedilatildeo manteraacute completamente informado o Secretaacuterio Geral do Conselho da Europa das

providecircncias tomadas e dos motivos que as provocaram Deveraacute igualmente informar o Secretaacuterio - Geral do

Conselho da Europa da data em que essas disposiccedilotildees tiverem deixado de estar em vigor e da data em que as da

Convenccedilatildeo voltarem a ter plena aplicaccedilatildeo CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS

DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014

36

Logo aplicando o referido artigo 15 da Convenccedilatildeo a decisatildeo do Tribunal de

Estrasburgo foi de no caso proposto asseverar que os fatos apurados natildeo revelam uma

violaccedilatildeo por parte do Governo irlandecircs de suas obrigaccedilotildees ao abrigo da Convenccedilatildeo Europeia

para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais Em razatildeo disso de a

motivaccedilatildeo do Tribunal para proferir a decisatildeo ter partido de uma prerrogativa da proacutepria

Convenccedilatildeo Europeia alguns autores73

natildeo fazem alusatildeo a este caso como o primeiro em que

houve concessatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo para Estado

Embora haja uma referecircncia tiacutemida agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso exposto

anteriormente eacute no caso linguiacutestico belga74

que se percebe uma manifestaccedilatildeo mais concreta

da Corte de Estrasburgo em relaccedilatildeo agrave deferecircncia de julgamento aos Estados precisando

alguns dos fundamentos da doutrina da MNA No caso belga julgado em 1968 pais que

falavam francecircs questionaram o sistema educacional da Beacutelgica que dividia o paiacutes em quatro

regiotildees linguiacutesticas distintas

O Tribunal de Luxemburgo aceitou uma margem de apreciaccedilatildeo conferida agraves partes em

funccedilatildeo de que os Estados possuiacuteam discricionariedade em relaccedilatildeo agrave regulamentaccedilatildeo do direito

agrave educaccedilatildeo A Corte argumentou que essa necessidade de concessatildeo de uma deferecircncia ou de

um limite de discricionariedade ao Estado era proveniente da natureza do proacuteprio direito

discutido (regulamentaccedilatildeo do sistema educacional) de modo que a regulamentaccedilatildeo do direito

agrave educaccedilatildeo poderia variar de acordo com o local e com o tempo consoante as necessidades e

os recursos da comunidade e dos indiviacuteduos

Ainda eacute possiacutevel destacar nesse caso a vinculaccedilatildeo da noccedilatildeo de margem de apreciaccedilatildeo

ao princiacutepio de subsidiariedade dos tribunais internacionais em relaccedilatildeo agraves cortes nacionais

Por isso o Tribunal manifestou-se asseverando que natildeo desejava substituir as autoridades

nacionais pois se assim o fizesse perderia a caracteriacutestica de mecanismo internacional de

garantia da ordem instaurada pela Convenccedilatildeo

73

KRATOCHVIL Jan The inflation of the margin of appreciation by european court of human rights In

Netherlands Quarterly of Human Rights Vol 293 2011 p 324-357 Disponiacutevel em ww corteidhorcr

tablas r26992pdf Acesso 01 nov 2014

VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um

equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em

httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 74

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httpwww9euskadineteuskara_araubideaLegedialegeakgaztelaneuropas23b001pdf CORTE EUROPEIA

DE DIREITOS HUMANOS Caso linguiacutestico belga Sentenccedila de 23 de julho de 1968 Acesso 05 nov 2014

37

Essa subsidiariedade conduz agrave MNA duas noccedilotildees75

uma noccedilatildeo teacutecnica e outra

poliacutetica Na noccedilatildeo teacutecnica a razatildeo para sua existecircncia relaciona-se com a imprecisatildeo de

algumas normas que conferem certa liberdade ao juiz internacional No campo poliacutetico a

relaccedilatildeo se evidencia pela sensibilidade dos Estados em relaccedilatildeo a temas polecircmicos

Sob essa oacutetica e embora esse natildeo seja o foco do presente trabalho pode-se afirmar que

a MNA eacute uma figuram importante tanto para o horizonte de criaccedilatildeo de um direito comum

europeu como para a consolidaccedilatildeo do direito comunitaacuterio europeu Isso porque este uacuteltimo

embora tenha sido baseado em um ideal federalista funda-se na realidade em um modelo de

governanccedila supranacional em que a MNA foi importada pelo Tribunal de Luxemburgo a fim

de ser uma vaacutelvula de escape para tensotildees fortes em acircmbito comunitaacuterio76

O TJUE deste modo permite que os conflitos comunitaacuterios sejam interpretados de

maneira flexiacutevel conforme especificidades nacionais Cada Estado pode atribuir seu proacuteprio

significado a expressotildees ou textos legais de interpretaccedilatildeo ampla devendo-se contudo

vincular aos princiacutepios e conceitos juriacutedico-legais do direito comunitaacuterio

No campo de construccedilatildeo de um direito comum europeu que tem como terreno o

sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos tal premissa natildeo eacute diferente Embora em

alguns casos o TEDH opte pela concessatildeo da margem de deferecircncia essa soacute pode ser aplicada

pelo Estado se este observar os princiacutepios que regem o instrumento legal base da Corte qual

seja a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) Deste modo o Estado natildeo fica

desobrigado do cumprimento da Convenccedilatildeo pois em tese apenas existiraacute margem para

pontos sensiacuteveis desta os quais permitem interpretaccedilotildees diferenciadas de acordo com os

particularismos nacionais e os desacordos culturais

Nesse sentido conforme se observou pelos casos citados com ecircnfase para o caso

Lawless vs Irlanda uma primeira aplicaccedilatildeo da doutrina da margem vinculou-se ao processo

de sedimentaccedilatildeo do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos vez que tal

caso foi um dos primeiros a ser julgado pelo Tribunal de Estrasburgo aleacutem de conforme fora

dito ter sido o primeiro no acircmbito da criaccedilatildeo e uso da MNA Em razatildeo desse contexto a

utilizaccedilatildeo do instrumento em questatildeo deu-se em funccedilatildeo de uma demanda que envolvia

questatildeo de seguranccedila interna de um paiacutes e por isso a aplicaccedilatildeo da deferecircncia de julgamento agrave

Irlanda daacute-se tambeacutem como uma teacutecnica poliacutetica para evitar tensotildees entre esfera internacional

75

DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation

du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit

compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780 76

VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade

de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014

38

e nacional (esta ainda arraigada ao conceito claacutessico de soberania) no acircmbito de um sistema

que tinha sido criado recentemente

Sob tal vieacutes pode-se recorrer agrave explicaccedilatildeo de Marcelo Varella77

de que a margem

deve ser aplicada para temas polecircmicos em que abusos exegeacuteticos por parte do tribunal de

cariz internacional podem levar agrave perda de legitimidade deste Contudo com o

desenvolvimento da teoria da MNA tanto por doutrinadores como pela proacutepria jurisprudecircncia

do tribunal que a criou percebe-se que o seu uso em grande medida relaciona-se com o

embate entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo nacional em mateacuteria de

desacordos culturais

Natildeo obstante a existecircncia de criacuteticas sobre a aplicaccedilatildeo praacutetica atual da MNA pelo

TEDH o que seraacute objeto de anaacutelise na sequencia do presente trabalho eacute com a figura da

deferecircncia da margem nacional que se torna possiacutevel um pluralismo de justaposiccedilatildeo78

que

tolera a coexistecircncia de sistemas particularmente diferentes Somente a possibilidade de

acoplamento do adjetivo nacional ao substantivo margem ou seja uma transferecircncia de

conceito desse substantivo para outra esfera que natildeo agrave interna de cada paiacutes jaacute demonstra que

uma ruptura com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito jaacute iniciou e ainda estaacute em curso

A ruptura com a concepccedilatildeo tradicional unificada e estritamente hierarquizada de

ordem juriacutedica leva a uma ruptura epistemoloacutegica com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito

Isso permite natildeo soacute a existecircncia e aplicaccedilatildeo de uma margem nacional de apreciaccedilatildeo como

demonstra a possibilidade de concretizaccedilatildeo do ideal de um direito comum que por ser

pluralista natildeo pode ser projetado conforme o modelo tradicional e nem encontra campo para

isso em funccedilatildeo do novo mosaico juriacutedico existente sobretudo na Europa

Logo eacute possiacutevel afirmar que a margem a que se refere esse trabalho natildeo deixa de ser

um reconhecimento jurisprudencial dessa mudanccedila de ares trazida pelas novas configuraccedilotildees

e estruturas juriacutedicas Isso porque novas instituiccedilotildees emergem em meio de um caos juriacutedico

que natildeo passa despercebido pelas cortes internacionais Prova disso eacute que a MNA natildeo eacute

mencionada somente pelo TEDH Ainda que de modo muito tiacutemido e em pequena medida eacute

possiacutevel o destaque de citaccedilatildeo (e aplicaccedilatildeo) da referida doutrina pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos79

Embora o continente latino americano seja tatildeo ou mais plural e diversificado que o

europeu e que o uso da margem como instrumento de siacutentese entre relativo e universal seja

77

Ibid 2012 p 143 78

DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 757 79

POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema

interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012

39

teoricamente indicado para sedimentar as bases de construccedilatildeo de um direito comum pluralista

a aplicaccedilatildeo do instituto em solo americano ainda natildeo ocorre de modo significativo Sob esse

vieacutes o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Seacutergio Garcia Ramirez80

asseverou

que a margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute uma ferramenta e um princiacutepio europeu de relativismo

relativo agrave execuccedilatildeo que natildeo eacute visto com simpatia pela Corte maacutexima do sistema regional

americano de direitos humanos Isso em funccedilatildeo natildeo soacute do histoacuterico de demandas que

chegaram ao julgamento da Corte Interamericana ndash em grande parte envolvendo violaccedilotildees de

direitos humanos perpetradas pelo Estado durante os periacuteodos de ascensatildeo de autoritarismos e

ditaduras na Ameacuterica Latina ndash como tambeacutem em razatildeo das democracias latino-americanas

ainda estarem em fase de consolidaccedilatildeo

Deste modo em razatildeo da ausecircncia ateacute entatildeo de casos envolvendo desacordos

culturais e das recentes reinserccedilotildees ou inserccedilotildees democraacuteticas de paiacuteses do continente

americano temia-se que eventual aplicaccedilatildeo de MNA poderia ser compreendida pelos Estados

como um salvo-conduto para que houvesse violaccedilatildeo de direitos humanos pelos paiacuteses A

cautela e a percepccedilatildeo de paisagens diferentes entre os territoacuterios separados pelo Atlacircntico

fizeram e fazem com que ainda hoje a doutrina da margem tenha pouca ou quase nenhuma

aplicaccedilatildeo na Ameacuterica

Deste modo pode-se afirmar que a internacionalizaccedilatildeo do direito - e seus reflexos na

Europa - eacute a responsaacutevel pela criaccedilatildeo de um espaccedilo para o desenvolvimento da doutrina da

margem nacional de apreciaccedilatildeo Nesse sentido embora a criaccedilatildeo tenha sido jurisprudencial

por parte do TEDH com aplicaccedilatildeo em alguns casos pelo proacuteprio Tribunal de Luxemburgo eacute

importante avaliar de que modo a doutrina conceitua o referido instituto

A posiccedilatildeo adotada por este trabalho eacute a de Mireille Delmas-Marty81

que salienta em

suas obras a origem nacional da margem nacional ainda como uma margem de interpretaccedilatildeo

capaz de conferir um pluralismo de valores do tipo meta juriacutedico em uma espeacutecie de

deferecircncia para apreciaccedilatildeo do juiz receptor de determinada norma Todavia a margem

relativa agrave internacionalizaccedilatildeo liga-se ao reconhecimento da diversidade de sistemas juriacutedicos

os quais possuem algumas caracteriacutesticas peculiares ligadas agraves identidades do Estado em que

se encontram

80

Tal posicionamento de Seacutergio Garciacutea Ramirez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema Internacional de

Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de 19 e 20 de agosto

de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado ndash da Pontifiacutecia

Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS 81

DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 762

40

Em razatildeo disso para a autora a noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo aleacutem de ser

uma siacutentese entre o universal e o relativo eacute uma chave do pluralismo ordenado Desse modo

sua construccedilatildeo assemelha-se de um lado agrave expressatildeo de uma dinacircmica centriacutefuga ou seja

uma resistecircncia dos Estados agrave integraccedilatildeo e o apego agrave noccedilatildeo claacutessica de soberania e de outro

lado sendo ela limitada por princiacutepios comuns estabelece o miacutenimo de compatibilidade

voltando-se ao centro em uma dinacircmica centriacutepeta

Haacute portanto um movimento duplo que por vezes traduz as resistecircncias dos direitos

nacionais por vezes os avanccedilos rumo agrave harmonizaccedilatildeo do direito comum em mateacuteria de

direitos humanos Eacute justamente essa capacidade de oscilaccedilatildeo que permite os ajustamentos

com vistas a compatibilizar o interno com o comum com o intuito nem de criar uma

hegemonia do universal e nem de tornar inaplicaacutevel o direito comum em razatildeo das

particularidades Desta forma Delmas percebe a margem como uma teacutecnica juriacutedica presente

no acircmbito do fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo do direito e que permite o reconhecimento da

diversidade entre os sistemas juriacutedicos82

Benvenisti83

por sua vez visualiza no uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo uma

espeacutecie de latitude que cada sociedade tem na resoluccedilatildeo de conflitos inerentes entre os

direitos individuais e os interesses nacionais ou entre diferentes convicccedilotildees morais Por

conseguinte alude que a doutrina da margem consoante inclusive fora abordado

anteriormente neste trabalho respondeu inicialmente a preocupaccedilotildees de governos nacionais

de que as poliacuteticas internacionais pudessem comprometer a seguranccedila nacional Isso entatildeo

explicaria a invocaccedilatildeo da margem no caso Lawless vs Irlanda por exemplo

Com a evoluccedilatildeo da jurisprudecircncia o uso desse instrumento passou a ser aplicado por

outras razotildees como gestatildeo de recursos discricionariedade em relaccedilatildeo a questotildees

concernentes agrave deliberaccedilatildeo acerca de sistemas poliacuteticos educacionais entre outros ateacute passar

a ser utilizada em temas relativos aos desacordos culturais Ainda segundo Bevenisti84

a

utilizaccedilatildeo da margem se justifica em alguns casos e em algumas mateacuterias ndash para o autor por

exemplo a aplicaccedilatildeo da margem nacional natildeo se justifica quando em questatildeo se encontram o

direito de minorias - sendo que o uso ampliado ou desmedido pode gerar uma espeacutecie de

deslegitimaccedilatildeo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos

82

Ibid 2000 p 760 83

BENVENISTI Eyal Margin of apreciation consensus and universal standards In International Law and

Politics Vol 31843 1999 pp 843-854 Disponiacutevel em httpwwwpict-

pctiorgpublicationsPICT_articlesJILPBenvenistipdfp 853 Acesso 05 nov 2014 84

Ibid 1999 p 846

41

Para Poblete amp Alvarado85

a margem nacional de apreciaccedilatildeo liga-se agrave noccedilatildeo de fins e

limites da jurisdiccedilatildeo internacional ou supranacional em mateacuteria de direitos humanos Eles

reconhecem que a doutrina da margem concede aos Estados signataacuterios de convenccedilotildees

internacionais liberdade para apreciar as circunstacircncias materiais que exigem aplicaccedilatildeo de

medidas excepcionais em situaccedilatildeo de emergecircncia como eacute o caso das prerrogativas do artigo

15 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de derrogaccedilatildeo em caso de necessidade

Outrossim ainda segundo os mencionados autores a margem possibilita aos Estados

liberdade para limitar direitos reconhecidos em tratados internacionais quando outros direitos

exigem respeito ou assim exigem os interesses da comunidade Ainda serviria para definir os

conteuacutedo dos direitos delimitar como eles satildeo aplicados no plano interno e definir o modo

como seratildeo cumpridas resoluccedilotildees de um oacutergatildeo internacional de supervisatildeo de um tratado ou

convenccedilatildeo Dessa maneira tais autores identificam a doutrina da MNA como uma

metodologia de que se servem os tribunais internacionais para difundir os direitos humanos

previstos nos tratados internacionais bem como o direito do comeacutercio ndash a margem tambeacutem eacute

aplicada pela Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio (OMC)

Vila86

por sua vez percebe na doutrina da marem nacional de apreciaccedilatildeo uma espeacutecie

de ldquodeferecircnciardquo praticada pelo Tribunal de Estrasburgo em relaccedilatildeo aos Estados signataacuterios da

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Isso pelo fato de que o sistema de proteccedilatildeo dos

diretos humanos na Europa eacute resultado de uma divisatildeo de trabalho entre os Estados e a Corte

em que os primeiros satildeo responsaacuteveis primaacuterios desta proteccedilatildeo e a Corte possui um caraacuteter

subsidiaacuterio atuando em acircmbitos sensiacuteveis como o da moralidade e da religiatildeo em que natildeo haacute

consenso entre os Estados

Nesse mesmo sentido se situa o pensamento de Roca87

que afirma que a doutrina da

margem nacional de apreciaccedilatildeo ocupa um lugar de destaque na jurisprudecircncia do Tribunal

Europeu de Direitos Humanos e eacute necessaacuteria para refletir uma realidade evidente qual seja a

pluralidade cultural dos Estados que fazem parte do Conselho da Europa notaacutevel em um

pluralismo de base territorial sobre o qual assenta uma cultura comum europeia de alguns

miacutenimos

85

POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema

interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012 p5 86

VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um

equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em

httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 87

ROCA JavierGarciacutea La muy discrecional doctrina del margen de apreciacioacuten nacional seguacuten el Tribunal

Europeo de Derechos Humanos Soberaniacutea e Integracioacuten In UNED Teoriacutea y Realidad Constitucional N

202007 p 117-143 Disponiacutevel em httpe-spaciounedes revistasuned indexphp TRC article vie 6778

Acesso 02 nov 2014

42

Da mesma forma considera o autor que os princiacutepios da proporcionalidade e da

subsidiariedade satildeo imanentes agrave noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo visto que os

Estados possuem certa margem de discricionariedade na aplicaccedilatildeo e no cumprimento de

obrigaccedilotildees impostas pela Convenccedilatildeo bem como na ponderaccedilatildeo de interesses mais

complexos Se houver excesso por parte dos Estados no uso dessa margem haacute violaccedilatildeo do

princiacutepio da proporcionalidade e abre-se espaccedilo para a intervenccedilatildeo do oacutergatildeo jurisdicional

internacional sob as bases do princiacutepio da subsidiariedade

Eacute importante sob essa oacutetica lembrar que embora o diferencial da Corte Europeia de

Direitos Humanos seja o de permitir a peticcedilatildeo individual de qualquer sujeito que denuncie

uma violaccedilatildeo de seus direitos baacutesicos assim como outros tribunais internacionais tem a regra

da exigecircncia do esgotamento das vias internas de acesso agrave justiccedila para que a demanda seja

recebida pelo TEDH Se natildeo houve satisfaccedilatildeo do pleito por parte do Estado ou se a reparaccedilatildeo

obtida se revelara inidocircnea para uma proteccedilatildeo adequada ao direito violado entatildeo agrave Corte

Europeia eacute permitido revisar a decisatildeo nacional ou substituiacute-la

Mahorney88

em seus estudos assevera que a margem funciona como uma espeacutecie de

divisatildeo de jurisprudecircncias uma vez que traccedila uma linha divisoacuteria entre o que deve decidir

cada comunidade nacional e as questotildees que tecircm relevacircncia para necessitar uma soluccedilatildeo

homogecircnea ou seja as que demandam uma decisatildeo que harmonize a regulaccedilatildeo do direito e

suas garantias na comunidade internacional independentemente das diferenccedilas de tradiccedilotildees

ou culturas

Contreras89

afirma que os tratados regionais de direitos humanos embora contenham

escopos de universalidade em relaccedilatildeo a esses direitos satildeo acompanhados pela possibilidade

de peculiaridades geograacuteficas na execuccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos direitos do homem As cortes

internacionais tecircm a dificuldade de conciliar ou justificar a falta de conciliaccedilatildeo entre

diferenccedilas morais e normativas de cada regiatildeo Em razatildeo disso uma das criaccedilotildees doutrinaacuterias

mais importantes eacute a da margem nacional de apreciaccedilatildeo sendo esta para o autor um criteacuterio

interpretativo desenvolvido tanto como deferecircncia aos Estados para que possam regular o

conteuacutedo dos direitos e suas restriccedilotildees e para distribuir os poderes e niacuteveis de decisotildees

tomadas entre as autoridades domeacutesticas e internacionais

88

MAHORNEY Paul Marvellous richness diversity or individual cultural relativism In Human Rights Law

Journal Vol 19 nuacutem 1 30 de abril de 1998 p 1 89

CONTRERAS Pablo National Discretion and International Deference in the Restriction of Human Rights A

Comparison Between the Jurisprudence of the European and the Inter-American Court of Human Rights In

Northwestern Journal of International Human Rights Vol 11 2012 Disponiacutevel em

httpscholarlycommonslawnorthwesterneducgiviewcontentcgiarticle=1155ampcontext=njihr Acesso 01 nov

2014

43

Visiacutevel portanto que na doutrina natildeo haacute um contexto exato em relaccedilatildeo a essa figura

criada e aplicada na jurisprudecircncia do TEDH Enquanto para alguns estudiosos ela se

configura como uma doutrina para outros eacute um criteacuterio interpretativo ou hermenecircutico usado

pelos tribunais internacionais no sentido de revisar a decisatildeo de um Estado ou conceder

deferecircncia a este para julgar conforme o direito interno coadunado com os princiacutepios miacutenimos

existentes nos tratados internacionais de direitos humanos

Natildeo obstante a divergecircncia de conceituaccedilatildeo no campo teoacuterico analisar-se-aacute no

proacuteximo capiacutetulo alguns casos emblemaacuteticos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de apreciaccedilatildeo

pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos mais diferentes tema com o intuito de

responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel afirmar que do modo como eacute aplicada a

doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo pela Corte Europeia de Direitos do Homem

temos uma efetiva contribuiccedilatildeo para o processo de harmonizaccedilatildeo entre universal e relativo e

construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos

Embora a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo tenha nascido da tentativa de

produccedilatildeo de uma siacutentese entre o universal e o relativo no espaccedilo do sistema regional europeu

de proteccedilatildeo dos direitos humanos sua aplicaccedilatildeo praacutetica sobretudo pelo TEDH natildeo eacute imune a

criacuteticas Cumpre a esse capiacutetulo realizar notas acerca da aplicaccedilatildeo praacutetica da margem

nacional de apreciaccedilatildeo com o intuito de verificar se ela efetivamente contribui ou eacute capaz de

contribuir para a construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

Conforme afirmam Brum et Saldanha90

a MNA ao ser compreendida e utilizada como

uma forma de autocontrole por meio do qual o oacutergatildeo jurisdicional internacional evita o

enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas poliacutetica pode

representar um risco de fragilizaccedilatildeo do direito internacional dos direitos humanos caso seu

uso se torne indiscriminado sem criteacuterios claros e limites precisos Desta maneira seu uso em

vez de conduzir ao caminho de ordenaccedilatildeo do muacuteltiplo e de mundializaccedilatildeo dos direitos

90

BRUM Maacutercio Morais SALDANHA Jacircnia Maria Lopes A margem nacional de apreciaccedilatildeo e sua

(in)aplicaccedilatildeo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em mateacuteria de anistia Uma figura hermenecircutica a

serviccedilo do pluralismo ordenado In Anuario Mexicano de Derecho Internacional 2015(No prelo para

publicaccedilatildeo)

44

humanos levaria ao rumo contraacuterio da fragmentaccedilatildeo e reforccedilo da velha noccedilatildeo de soberania

marcada pela ausecircncia de compromisso dos Estados com os marcos protetivos miacutenimos do

direito internacional

Neste vieacutes portanto dentro ainda de um panorama geral de anaacutelise da postura do

Tribunal de Estrasburgo um dos primeiros pontos de criacutetica se relaciona ao enfraquecimento

da credibilidade do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos Na visatildeo de

alguns doutrinadores a postura da Corte Europeia na aplicaccedilatildeo irrestrita e sem limitaccedilotildees ou

uma sistematizaccedilatildeo teacutecnica em relaccedilatildeo aos casos em que deve ou natildeo ser aplicada pode gerar

um sentimento de descrenccedila na legitimidade e na eficaacutecia das decisotildees tomadas pelo oacutergatildeo

jurisdicional internacional do Conselho da Europa

Para alguns estudiosos o modo como a margem eacute aplicada reflete uma postura de

evitar o enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas

poliacuteticas Aleacutem de uma fragilizaccedilatildeo do sistema internacional de proteccedilatildeo aos direitos humanos

o uso da margem sem limites definidos pode levar ao reforccedilo da noccedilatildeo claacutessica de soberania

em que o compromisso dos Estados com os instrumentos normativos de direito internacional

era mitigado

No campo de aplicaccedilatildeo a casos praacuteticos eacute possiacutevel conforme assevera Roca91

visualizar as imprecisotildees praacuteticas e teoacutericas do uso da margem o que leva a dois resultados o

primeiro eacute a necessidade de criaccedilatildeo de esforccedilos com urgecircncia para melhor edificar e criar

paracircmetros para a aplicaccedilatildeo da ferramenta bem como que o demandante ou qualquer

observador perante a Corte natildeo saber com suficiente seguranccedila juriacutedica quando o Tribunal

de Estrasburgo vai usar a margem nem quais seratildeo os possiacuteveis resultados desse uso

Ainda segundo o autor a margem eacute um instrumento impreciso e de geometria

variaacutevel todavia eacute consenso entre os doutrinadores que a ferramenta natildeo eacute uma carta branca

aos Estados para fazerem o que quiserem sendo necessaacuteria depuraccedilatildeo teoacuterica para tornar o

instrumento mais preciso Seu uso impotildee como jaacute foi dito autocontenccedilatildeo por parte da Corte

tendo em vista que sua funccedilatildeo segundo o princiacutepio da subsidiariedade eacute somente de impor

estandartes miacutenimos comuns em mateacuteria de direitos humanos Entretanto o niacutevel de proteccedilatildeo

dos direitos dos direitos e das diversas foacutermulas para concretizaacute-los natildeo satildeo homogecircneos

diante de naccedilotildees com tradiccedilotildees juriacutedicas tatildeo diversas

Desta maneira no campo jurisprudencial com a finalidade de responder ao

questionamento feito no capiacutetulo anterior utilizar-se-aacute de modo conjunto as classificaccedilotildees das

91

ROCA op cit 125

45

decisotildees da Corte Europeia dos Direitos do Homem feitas por Contreras e por Roca Para o

primeiro doutrinador92

eacute possiacutevel dividir os casos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de

apreciaccedilatildeo pelo Tribunal de Estrasburgo em trecircs grandes grupos

O primeiro grupo abarca casos envolvendo direitos fundamentais e direitos poliacuteticos

dentre os quais se destacam a proibiccedilatildeo da tortura ou a liberdade de expressatildeo e associaccedilatildeo

Nesse primeiro grupo no que tange aos direitos fundamentais haacute rigorosa supervisatildeo por

parte do Tribunal Europeu negando qualquer margem nacional de apreciaccedilatildeo aos Estados

Ainda dentro deste conjunto no que concerne aos discursos poliacuteticos ou direito de partidos

poliacuteticos eacute por vezes concedida uma margem reduzida agraves autoridades domeacutesticas para

decisatildeo ou execuccedilatildeo de uma decisatildeo

O segundo grupo por sua vez relaciona-se aos direitos de propriedade em que a

Corte concede grande margem de deferecircncia aos Estados Isso porque o TEDH reconhece em

princiacutepio que as autoridades nacionais estatildeo melhor situadas do que o juiz internacional no

que tange a apreciaccedilatildeo acerca do melhor interesse de uma comunidade em relaccedilatildeo a poliacuteticas

envolvendo direitos de propriedade

Por fim o terceiro grupo eacute o mais complexo para a apreciaccedilatildeo do tipo de margem

concedida pelo Tribunal de Estrasburgo uma vez que conteacutem temas que natildeo apresentam

consenso por parte do Tribunal Deste modo neste grupo ficam evidentes as complexidades e

as vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis da MNA Casos como os de liberdade religiosa liberdade de

discurso direitos dos homossexuais dentre outros temas latentes e relevantes na paisagem

juriacutedica social e cultural europeia

Do mesmo modo Roca93

divide a margem nacional de apreciaccedilatildeo em trecircs ciacuterculos

concecircntricos tendo como base a natureza dos direitos cuja tutela eacute pleiteada junto ao oacutergatildeo

jurisdicional internacional do sistema europeu O primeiro ciacuterculo de Roca relaciona-se com o

segundo grupo de Contreras vez que trata dos direitos de propriedade que teriam uma

margem de deferecircncia ampla e um controle pouco intenso por parte da Corte Esse ciacuterculo

seria o maior e englobaria os demais

No ciacuterculo menor estariam os direitos vistos como absolutos pelo Tribunal Europeu

Dentre esses se destacam o direito agrave vida ou os direitos democraacuteticos que apresentam uma

margem de apreciaccedilatildeo pouco extensa juntamente com um controle restrito por parte da Corte

Europeia Este ciacuterculo identifica-se com o primeiro grupo anteriormente mencionado visto

92

CONTRERAS op cit p 35 93

ROCA op cit p 134

46

que trabalha com noccedilotildees de direitos fundamentais e poliacuteticos essenciais e miacutenimos para todos

os paiacuteses europeus

Por fim no espaccedilo intermediaacuterio entre esses dois ciacuterculos encontra-se uma esfera

meacutedia que relacionando-se com o terceiro grupo definido por Contreras contempla todos os

outros direitos em que alguma vez o Tribunal de Estrasburgo mencionou ou aplicou a margem

nacional de apreciaccedilatildeo Eacute justamente nesse ciacuterculo que devem ser desenvolvidos os

paracircmetros para guiar o uso da ferramenta pela Corte no intuito de reduzir a inseguranccedila

juriacutedica ocasionada pelo uso sem uma sistematizaccedilatildeo de criteacuterios

Eacute pertinente em um primeiro momento destacar que conforme ambos os

doutrinadores demonstram quando se mencionam direitos fundamentais ou vinculados agrave

princiacutepios democraacuteticos inaplicaacutevel eacute o uso da margem pela Corte ou se for feito eacute de forma

absolutamente restrita No caso dos direitos fundamentais interessante relembrar Baez94

que

ao buscar o conceito de direitos humanos concluiu que nenhuma fonte normativa existente

tanto em sistemas internacionais quanto nacionais ou regionais trazem a definiccedilatildeo de direitos

humanos Pelo contraacuterio soacute os exemplificam

Nesse sentido observou Baez95

que embora natildeo exista uma definiccedilatildeo precisa de

direitos humanos existem elementos baacutesicos que fazem parte desses e o elemento que eacute

citado em todos os instrumentos normativos sobre o tema eacute o de dignidade da pessoa humana

Os direitos humanos somente existem para realizaccedilatildeo e proteccedilatildeo da dignidade humana poreacutem

o conceito de dignidade eacute de tatildeo difiacutecil conceituaccedilatildeo quanto o conceito de direitos humanos

O autor conclui que a dignidade possui duas dimensotildees a dimensatildeo baacutesica a qual

corresponde aos limites miacutenimos e fundamentais para a existecircncia humana impedindo a

noccedilatildeo de coisificaccedilatildeo do ser Se houver portanto violaccedilatildeo agrave dimensatildeo baacutesica da dignidade da

pessoa humana haacute tambeacutem violaccedilatildeo dos direitos humanos A outra dimensatildeo eacute a cultural vez

que envolve o conjunto de valores que cada sociedade desenvolve

A primeira dimensatildeo refere-se agrave universalidade e a segunda que depende de fatores

culturais permite que os direitos humanos sejam morfologicamente assimeacutetricos Isso natildeo

deixa de se relacionar com o que Delmas-Marty fala acerca dos direitos humanos

inderrogaacuteveis ou seja que natildeo podem sofrer a incidecircncia de qualquer tipo de margem de

94

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos

humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da

UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em

httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014 95

Tal posicionamento de Narciso Leandro Xavier Baez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema

Internacional de Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de

19 e 20 de agosto de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado

ndash da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS

47

apreciaccedilatildeo Estes possuem a caracteriacutestica do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano

ou seja vinculam-se agrave noccedilatildeo da dimensatildeo baacutesica da dignidade da pessoa humana

Neste vieacutes eacute possiacutevel dizer que no que diz respeito aos direitos fundamentais a Corte

de certa forma apresenta certa relaccedilatildeo com as doutrinas apresentadas uma vez que em casos

em que existam registros de violaccedilotildees aos direitos humanos inderrogaacuteveis quais sejam os

que tem como cerne a dignidade humana baacutesica a Corte natildeo permite qualquer espeacutecie de

margem nacional de apreciaccedilatildeo Vejamos por exemplo o caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila96

julgado em 2006 O demandante perante o Tribunal de Estrasburgo foi um terrorista

venezuelano conhecido na deacutecada de 1970 condenado pelo Estado Francecircs agrave prisatildeo perpeacutetua

pelo assassinato em 1974 dois inspetores da poliacutecia francesa e um antigo companheiro

terrorista libanecircs

Saacutenchez recorreu agrave Corte Europeia arguindo violaccedilotildees do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo

Europeia dos Direitos do Homem (proibiccedilatildeo da tortura e tratamentos humanos degradantes) e

do artigo 13 do mesmo diploma legal (direito a um recurso efetivo) Embora no julgamento

tenha ficado decidido que natildeo houve violaccedilatildeo ao artigo 3ordm97

o posicionamento da Corte

permite asseverar que natildeo haacute margem nacional de deferecircncia aos Estados quando o assunto

for violaccedilatildeo de direitos humanos ou fundamentais inderrogaacuteveis ou cujo nuacutecleo central for a

dignidade baacutesica da pessoa humana Nesse sentido a Corte pontuou que mesmo nas

circunstacircncias mais difiacuteceis como a luta contra o terrorismo ou o crime organizado a

Convenccedilatildeo proiacutebe em termos absolutos a tortura ou tratamentos inumanos ou degradantes

Igualmente natildeo confere o Tribunal margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso de

violaccedilatildeo de direitos humanos nas condiccedilotildees degradantes das prisotildees de muitos paiacuteses do Leste

Europeu O caso Kalashnikov vs Ruacutessia98

julgado em 15 de julho de 2002 cujo fundamento

foi repetido em muitos outros casos envolvendo condiccedilotildees humanas degradantes nas prisotildees

apresenta a consideraccedilatildeo de que deficientes condiccedilotildees objetivas e estruturais de cumprimento

de pena podem constituir uma violaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo Europeia

96

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-

1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila Sentenccedila

de 04 de julho de 2006 Acesso 05 nov 2014 97

Artigo 3ordm Proibiccedilatildeo da tortura Ningueacutem pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos desumanos

ou degradantes CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS

LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 98

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-

1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Kalashnikov vs Ruacutessia Sentenccedila de 15

de julho de 2002 Acesso 05 nov 2014

48

Ainda pode-se destacar o caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria99

em que novamente o motivo

que serve de base para o pedido de julgamento do Tribunal de Estrasburgo eacute a violaccedilatildeo do

artigo 3ordf da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de que ningueacutem poderaacute ser

submetido a torturas nem a penas ou tratamentos humanos degradantes O caso em comento

referiu-se agrave prisatildeo do senhor Borislav Gutsanov membro do Partido Comunista preso pela

poliacutecia da Bulgaacuteria em sua casa na frente de seus filhos e de sua esposa durante as

investigaccedilotildees de esquemas de grupos criminosos Segundo o relato das partes demandantes

Gustsanovi foi rendido em sua casa por volta das seis horas da manhatilde forccedilado a se ajoelhar e

algemado em frente a seus filhos menores de idade

A decisatildeo da Corte foi a de considerar que houve violaccedilatildeo do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo

uma vez que se mostrou desnecessaacuterio o ato dos policiais e natildeo condizente com os princiacutepios

da proporcionalidade e com as exigecircncias de garantia de direitos fundamentais de um Estado

Democraacutetico de Direito Isso porque o demandante natildeo teria oferecido resistecircncia em sua

prisatildeo de modo que algemaacute-lo diante de sua famiacutelia representou uma espeacutecie de tratamento

humano degradante

Casos como os acima previstos mostram um padratildeo doutrinaacuterio e jurisprudencial

semelhante vez que natildeo se encontram referecircncias expressas a qualquer margem nacional de

apreciaccedilatildeo para as autoridades nacionais O TEDH determina se as provas colhidas satildeo

suficientes ou natildeo para provar o real risco de tortura ou de tratamento humano e

degradante100

Logo pelo fato de que a natureza dos direitos envolvidos nesse caso eacute considerada

como fundamental de imediato eliminam-se as possibilidades de deferecircncia aos Estados Tal

compreensatildeo eacute o que faz o uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo ser extremamente reduzido

no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos Isso porque ateacute hoje diferentemente do Tribunal de Estrasburgo a Corte

Interamericana teve como maioria de demandas apresentadas as envolvendo delitos

praticados pelos Estados Americanos durante as ditaduras militares ou civil militares em que

casos de tortura e desaparecimento forccedilados eram julgados ou seja casos envolvendo a

violaccedilatildeo de direitos fundamentais ou humanos em sua perspectiva eacutetica de dignidade humana

e natildeo cultural

99

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-126982itemid[001-126982] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria Sentenccedila de 15 de outubro de 2013

Acesso 05 nov 2014 100

CONTRERAS op cit p 41

49

Nesse aspecto visiacutevel que quando se tratam de possiacuteveis violaccedilotildees de direitos

humanos inderrogaacuteveis previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos

a anaacutelise feita pelo Tribunal de Estrasburgo eacute de revisatildeo minuciosa da sentenccedila proferida no

paiacutes de origem da demanda bem como a possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute

extremamente reduzida para natildeo falar inexistente No caso de direitos democraacuteticos a

deferecircncia quando concedida pela Corte possui um limite miacutenimo e consoante o princiacutepio da

proporcionalidade soacute eacute concedida se a restriccedilatildeo eacute necessaacuteria e condizente com uma sociedade

democraacutetica

Nos direitos democraacuteticos referidos abarca-se a participaccedilatildeo poliacutetica atraveacutes das

possibilidades de liberdade de associaccedilatildeo ou de discurso poliacutetico Neste campo dos direitos de

participaccedilatildeo poliacutetica em sociedades democraacuteticas a margem concedida pelo Tribunal de

Estrasburgo consoante se afirmou eacute reduzida e sujeita a um controle rigoroso por parte do

oacutergatildeo jurisdicional internacional

Destaca-se o caso Lingens vs Austria101

que por mais que tenha sido julgado na

deacutecada de 1980 pela Corte Europeia eacute emblemaacutetico em relaccedilatildeo ao posicionamento do

tribunal internacional acerca da liberdade de expressatildeo Nesse caso durante o periacuteodo anterior

agraves eleiccedilotildees na Aacuteustria o jornalista Lingens publicou dois artigos polecircmicos sobre os

candidatos incluindo em um desses artigos a informaccedilatildeo de que o entatildeo presidente do

Partido Liberal Nacional da Aacuteustria teria ligaccedilotildees no passado com o nazismo e com a SS

Contra o jornalista foi instaurado um processo penal e ao fim da instruccedilatildeo criminal

este fora condenado pelo delito de difamaccedilatildeo conforme as regras do direito penal austriacuteaco

Esgotadas as vias internas de recurso o jornalista demandou perante a Corte Europeia

alegando que houve por parte do Estado violaccedilatildeo do artigo 10 da Convenccedilatildeo Europeia

havendo censura em seu direito de expressar-se livremente O Estado por sua vez nas razotildees

apresentadas perante o tribunal internacional justificou a condenaccedilatildeo na convicccedilatildeo de

proteccedilatildeo da honra dos direitos de outrem

Frente a este embate o Tribunal de Estrasburgo reconheceu uma margem miacutenima de

deferecircncia agraves autoridades domeacutesticas no que concerne aos oacutergatildeos locais na avaliaccedilatildeo de uma

necessidade social imperiosa que justificaria a interferecircncia na liberdade de expressatildeo de

Lingens Entretanto ressaltou que essa deferecircncia seria seguida por uma riacutegida supervisatildeo

101

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lingens vs Austria Sentenccedila de 8 de julho de 1986 Acesso

05 nov 2014

50

internacional uma vez estar se tratando de direitos fundamentais para o bom funcionamento

de uma sociedade democraacutetica

Ainda nesse sentido o TEDH arguiu que a liberdade de debate poliacutetico eacute cerne da

democracia e considerar que qualquer ofensa ou notiacutecia acerca de uma pessoa puacuteblica seria

sempre difamaccedilatildeo poderia impedir a imprensa na realizaccedilatildeo de sua tarefa de fornecedora de

informaccedilotildees Deste modo aplicando de forma conjunta os princiacutepios da proporcionalidade e

da subsidiariedade o Tribunal de Estrasburgo decidiu que a condenaccedilatildeo fora desproporcional

ao objetivo legiacutetimo perseguido e constituiu uma violaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo no

acircmbito da Convenccedilatildeo Europeia

Tambeacutem merece anaacutelise o caso July and Sarl Libeacuteration vs France102

cuja sentenccedila

foi proferida em 2008 Neste caso o jornal francecircs Libeacuteration divulgou uma reportagem a

respeito das investigaccedilotildees da morte do juiz Bernard Borrel que em um primeiro momento

havia sido dada como suiciacutedio mas apoacutes a reabertura das investigaccedilotildees houve surgimento de

indiacutecios de morte por encomenda Apoacutes a divulgaccedilatildeo da reportagem contendo informaccedilotildees

acerca da participaccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos na morte do magistrado o diretor do jornal

Senhor July foi processado criminalmente pelo crime de difamaccedilatildeo e condenado pelo governo

francecircs

O TEDH em sua manifestaccedilatildeo asseverou que o caso em questatildeo trazia niacutetida

interferecircncia de autoridades puacuteblicas na liberdade de expressatildeo e essa interferecircncia caso natildeo

siga os requisitos do artigo 10103

da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos representa

clara violaccedilatildeo do direito de liberdade de expressatildeo Nessa situaccedilatildeo ainda a Corte faz uso de

uma triacuteade de requisitos descritos por Contreras104

para a concessatildeo da margem a) prescriccedilatildeo

legal - verificar se a restriccedilatildeo realizada pela autoridade domeacutestica foi autorizada ou pelo

102

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-85084itemid[001-85084] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso July and Sarl Libeacuteration vs France Sentenccedila de 14 de

fevereiro de 2008 Acesso 05 nov 2014 103

Artigo 10 Liberdade de expressatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de expressatildeo Este direito

compreende a liberdade de opiniatildeo e a liberdade de receber ou de transmitir informaccedilotildees ou ideias sem que

possa haver ingerecircncia de quaisquer autoridades puacuteblicas e sem consideraccedilotildees de fronteiras O presente artigo

natildeo impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusatildeo de cinematografia ou de televisatildeo a um

regime de autorizaccedilatildeo preacutevia 2 O exerciacutecio desta liberdades porquanto implica deveres e responsabilidades

pode ser submetido a certas formalidades condiccedilotildees restriccedilotildees ou sanccedilotildees previstas pela lei que constituam

providecircncias necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a integridade territorial ou a

seguranccedila puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral a proteccedilatildeo da

honra ou dos direitos de outrem para impedir a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees confidenciais ou para garantir a

autoridade e a imparcialidade do poder judicial CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS

DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 104

CONTRERAS op cit p 34

51

menos executada em conformidade com a lei b) objetivo legiacutetimo c) se a medida foi

necessaacuteria em uma sociedade democraacutetica

No caso pode ser feito o destaque para o trecho da sentenccedila em que analisando a

necessidade da medida de investigaccedilatildeo do crime de difamaccedilatildeo a Corte arguiu que a tarefa do

tribunal internacional no exerciacutecio de sua competecircncia de fiscalizaccedilatildeo natildeo eacute de tomar o lugar

das autoridades competentes mas sim rever as decisotildees que porventura violarem preceitos

previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem quando entregues ao poder de

apreciaccedilatildeo do Estado Deve entatildeo a Corte agrave luz do caso como um todo avaliar se a medida

tomada pelo Estado foi proporcional ao objetivo legiacutetimo perseguido e se os motivos

indicados pelas autoridades nacionais satildeo suficientes e relevantes Por tais motivos no caso

em questatildeo o TEDH declarou que houve violaccedilatildeo por parte do Estado Francecircs do direito de

liberdade de expressatildeo devendo este arcar com uma indenizaccedilatildeo agraves partes prejudicadas

Ainda dentro dessa esfera de atuaccedilatildeo mais precisamente no que concerne ao direito

democraacutetico de livre reuniatildeo e associaccedilatildeo previsto no artigo 11105

da Convenccedilatildeo Europeia o

destaque pode ser dado aos casos do Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia106

julgado em 2005 e Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia107

julgado em 2006 O primeiro deles

trata da questatildeo de dissoluccedilatildeo do Partido Comunista da Turquia ordenado pelo Tribunal

Constitucional do paiacutes sob as razotildees de que era incompatiacutevel com as obrigaccedilotildees

constitucionais e convencionais do Estado

Ao apreciar tal caso a Corte alegou que os partidos poliacuteticos satildeo estruturas essenciais

para o bom e justo funcionamento da democracia Embora natildeo negue certa margem de

deferecircncia aos Estados para que dissolvam partidos poliacuteticos que poderiam tentar minar a

estrutura constitucional do Estado tal decisatildeo se executada pode sofrer revisatildeo se natildeo

105

Artigo 11 Liberdade de reuniatildeo e de associaccedilatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo

paciacutefica e agrave liberdade de associaccedilatildeo incluindo o direito de com outrem fundar e filiar-se em sindicatos para a

defesa dos seus interesses 2 O exerciacutecio deste direito soacute pode ser objeto de restriccedilotildees que sendo previstas na

lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a seguranccedila

puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral ou a proteccedilatildeo dos direitos

e das liberdades de terceiros O presente artigo natildeo proiacutebe que sejam impostas restriccedilotildees legiacutetimas ao exerciacutecio

destes direitos aos membros das forccedilas armadas da poliacutecia ou da administraccedilatildeo do Estado CONVENCcedilAtildeO

EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS

1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 106

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia

Sentenccedila de 2005 Acesso 05 nov 2014 107

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia Sentenccedila de 15 de

julho de 2006 Acesso 05 nov 2014

52

adequar-se agraves previsotildees da Convenccedilatildeo Europeia Logo o Tribunal embora tenha feito a

ressalva de que podem os Estados dissolver partidos poliacuteticos na situaccedilatildeo afirmou que houve

violaccedilatildeo dos direitos de liberdade de associaccedilatildeo visto que natildeo havia qualquer indiacutecio de que

o partido por ter ideal comunista poderia colocar em risco a estrutura do Estado

Da mesma forma o caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia que envolve o direito

de liberdade sindical Na situaccedilatildeo o Governo turco justifica o fechamento de sindicatos com

base em previsotildees da legislaccedilatildeo trabalhista interna a qual natildeo permite que funcionaacuterios criem

sindicatos A Corte na anaacutelise da situaccedilatildeo tambeacutem asseverou que houve violaccedilatildeo do artigo

11 mesmo que neste existam ressalvas em relaccedilatildeo agrave liberdade de associaccedilatildeo de membros das

Forccedilas Armadas da Poliacutecia e da Administraccedilatildeo do Estado Contudo essas limitaccedilotildees devem

ser interpretadas pelos Estados dentro da sua margem de apreciaccedilatildeo de maneira restrita

Se esses casos expostos ilustram exemplos de margem nacional de apreciaccedilatildeo

reduzida ou inexistente o polo oposto envolve os direitos concernentes agrave propriedade para os

quais a Corte Europeia possui entendimento de que a margem de deferecircncia agraves autoridades

domeacutesticas deve ser maior e mais elaacutestica bem como a supervisatildeo por parte do Tribunal

Internacional deve ser menor e relativizada Isso porque as autoridades nacionais em uma

concepccedilatildeo semelhante agrave de juiz natural no processo estariam mais bem situadas que o juiz

internacional para avaliar qual eacute o interesse geral de uma comunidade nessa seara108

A proteccedilatildeo internacional dos direitos de propriedade encontra-se no artigo 1ordm109

do

Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo de Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades

Fundamentais Jaacute na previsatildeo normativa encontra-se a prerrogativa de que qualquer pessoa

singular ou coletiva tem direito ao respeito de seus bens natildeo podendo haver privaccedilatildeo da

propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica ou por condiccedilotildees previstas em lei Desta maneira

as demandas soacute seratildeo revistas pela Corte caso implicarem violaccedilatildeo expliacutecita a esse artigo

Segundo Roca110

a jurisprudecircncia internacional definiu que a previsatildeo normativa

anteriormente destacada segue trecircs criteacuterios em primeiro lugar deve ser respeitado o direito

ao respeito e gozo paciacutefico dos bens dos indiviacuteduos Na sequecircncia a segunda regra

108

CONTRERAS op cit p 40 109

Artigo 1 Proteccedilatildeo da propriedade Qualquer pessoa singular ou coletiva tem direito ao respeito dos seus bens

Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas

pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo

do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso

dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees

ou de multas CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS

LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 110

ROCA op cit p 127

53

compreende uma garantia contra a privaccedilatildeo ilegal ou seja somente poderaacute haver

expropriaccedilatildeo ou privaccedilatildeo da propriedade em casos de utilidade puacuteblica e de acordo com

condiccedilotildees legalmente previstas Por fim o terceiro paracircmetro eacute a possibilidade de o Estado

estabelecer restriccedilotildees ao direito de propriedade tendo por base a prevalecircncia do interesse

puacuteblico sobre o privado

Logo sob a base desses criteacuterios e de alguns casos jaacute julgados pelo oacutergatildeo jurisdicional

internacional eacute possiacutevel asseverar que a margem de apreciaccedilatildeo concedida aos paiacuteses eacute larga

quando se estaacute diante dos direitos de propriedade No caso Back vs Finlacircndia111

de 2004 que

trata de noccedilotildees de utilidade puacuteblica em casos de expropriaccedilatildeo haacute o reforccedilo da noccedilatildeo de

subsidiariedade da Corte Europeia com o entendimento de que esta deve respeitar as decisotildees

das autoridades nacionais soacute sendo possiacutevel e viaacutevel a intervenccedilatildeo se o juiacutezo for

manifestamente desprovido de bases racionais

Por fim poreacutem natildeo menos importante aborda-se o uacuteltimo grupo de jurisprudecircncias da

Corte Europeia de Direitos Humanos que pode ser enquadrado no que Roca determina como

ciacuterculo mediano vez que conteacutem temas em que o posicionamento do Tribunal de Estrasburgo

em relaccedilatildeo agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute oscilante Eacute nesse grupo que pode ser

visualizada toda a complexidade da margem e suas vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis em casos

semelhantes envolvendo por exemplo liberdade religiosa direito de homossexuais e

transexuais e outros temas

Justamente nesse ciacuterculo que natildeo apresenta por parte dos doutrinadores jaacute referidos no

capiacutetulo anterior um criteacuterio de unificaccedilatildeo se apresenta o embate entre o universalismo de

alguns direitos previstos nos marcos normativos internacionais de direitos humanos ndash com

destaque para a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos ndash e o relativismo relativo a noccedilotildees

religiosas e culturais que compotildeem a identidade dos diferentes povos europeus

Nesse aspecto no que tange agrave liberdade religiosa a qual eacute prevista pelo artigo 9ordm112

da

CEDH temos duas decisotildees emblemaacuteticas do Tribunal de Estrasburgo o caso Lautsi vs

111

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-114486itemid[001-114486] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Back vs Finlacircndia Sentenccedila de 13 de novembro de 2002

Acesso 05 nov 2014 112

Artigo 9 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de pensamento de consciecircncia e de religiatildeo este direito

implica a liberdade de mudar de religiatildeo ou de crenccedila assim como a liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou a

sua crenccedila individual ou coletivamente em puacuteblico e em privado por meio do culto do ensino de praacuteticas e da

celebraccedilatildeo de ritos 2 A liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou convicccedilotildees individual ou coletivamente natildeo

pode ser objeto de outras restriccedilotildees senatildeo as que previstas na lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa

sociedade democraacutetica agrave seguranccedila puacuteblica agrave proteccedilatildeo da ordem da sauacutede e moral puacuteblicas ou agrave proteccedilatildeo dos

direitos e liberdades de outrem CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO

54

Itaacutelia113

julgado em 2011 e o caso Leyla Sahin vs Turquia114

julgado em 2005 Isso porque

nesses casos respectivamente o TEDH referendou as normas que impotildeem a presenccedila de

crucifixos nas escolas puacuteblicas italianas e natildeo opocircs objeccedilotildees a restriccedilotildees estatais concernentes

ao uso do veacuteu islacircmico no contexto educativo

No primeiro caso o TEDH retificou a decisatildeo da Corte Constitucional Italiana que

em 2009 havia estabelecido por unanimidade que a norma italiana a qual impunha desde a

deacutecada de 1920 a presenccedila de crucifixo nas paredes de escolas puacuteblicas havia violado o direito

da senhora Lautsi a educar seus filhos conforme suas convicccedilotildees laicas e liberdade religiosa

Portanto o Tribunal italiano argumentou que a manutenccedilatildeo de um siacutembolo religioso em salas

de aula de uma escola puacuteblica poderia perturbar emocionalmente os estudantes que natildeo

professassem religiatildeo alguma a ter a percepccedilatildeo de que o contexto educativo estava marcado

pela religiatildeo

Para retificar tal sentenccedila o TEDH argumentou por uma valoraccedilatildeo abstrata de

compatibilidade entre a norma italiana que permitia o uso de crucifixos nas escolas puacuteblicas e

os direitos convencionais sendo que a margem nacional de apreciaccedilatildeo foi aplicada para essa

valoraccedilatildeo da norma italiana Em primeiro lugar o Tribunal Europeu matizou quais satildeo as

exigecircncias convencionais de neutralidade religiosa na educaccedilatildeo indicando que se proiacutebe o

proselitismo ou a adoccedilatildeo no marco educativo de algo compatiacutevel com o estabelecimento de

o ensino obrigatoacuterio de uma religiatildeo ou a imposiccedilatildeo de uma religiatildeo no ensino puacuteblico

O crucifixo no entendimento do TEDH eacute um siacutembolo religioso passivo cuja

influecircncia natildeo se compara a que exercem a educaccedilatildeo religiosa ou a participaccedilatildeo em atividades

religiosas Logo a percepccedilatildeo subjetiva de que o crucifixo supotildee uma ausecircncia de respeito ao

direito de liberdade religiosa natildeo basta para considerar que tenha havido uma violaccedilatildeo agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Para o TEDH portanto sempre que natildeo exista

a pretensatildeo de doutrinar o Estado goza de margem de deferecircncia para decidir sobre a

permanecircncia dos crucifixos em sala de aula

HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 113

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-104040itemid[001-104040] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lautsi vs Italia Sentenccedila de 18 de marccedilo de 2011 Acesso 05

nov 2014 114

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-70956itemid[001-70956] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Leyla Sahin vs Turquia Sentenccedila de 10 de novembro de

2005 Acesso 05 nov 2014

55

No caso Leyla Sahin de proibiccedilatildeo do uso do veacuteu islacircmico por uma jovem no recinto

de sua universidade para o TEDH os Estados tecircm autonomia para limitar o uso do veacuteu em

locais como escolas puacuteblicas ou universidades Para referendar essa restriccedilatildeo agrave liberdade

religiosa o Tribunal Europeu admitiu o uso da margem de apreciaccedilatildeo por parte do Estado em

razatildeo da ausecircncia de um consenso europeu sobre a mateacuteria somado agrave ideia de que as

autoridades nacionais podem lidar melhor com o assunto por estarem mais perto das

realidades nacionais do que o oacutergatildeo jurisdicional internacional

Para o TEDH desta forma a opccedilatildeo poliacutetica de um Estado pelo laicizismo pode

justificar restriccedilotildees agrave liberdade religiosa e exigir sacrifiacutecios aos indiviacuteduos em prol da

harmonia religiosa do paiacutes Embora portanto haja restriccedilatildeo da liberdade individual religiosa

no caso em questatildeo a proibiccedilatildeo natildeo viola a CEDH

A aplicaccedilatildeo dos princiacutepios da subsidiariedade e da proporcionalidade bem como a

falta de consenso na Europa acerca de questotildees como as apresentadas marcaram o

posicionamento do TEDH na concessatildeo de margem de deferecircncia aos Estados no que

concerne agrave liberdade religiosa A grande criacutetica contudo reside na falta de criteacuterios

especiacuteficos e de clareza no uso da ferramenta

Neste uacuteltimo grupo portanto vislumbra-se o que Kratochivil115

menciona como

ldquomedida misteriosardquo ou seja natildeo existem paracircmetros ou criteacuterios especiacuteficos para a aplicaccedilatildeo

da margem Pelo contraacuterio haacute falta de clareza e de limites demonstrando que a banalizaccedilatildeo

do uso da MNA liquidifica sua substacircncia e pode gerar inseguranccedila juriacutedica aos litigantes

Sob essa oacutetica no campo de direitos inderrogaacuteveis como eacute o caso dos direitos que compotildeem

esse uacuteltimo grupo a consideraccedilatildeo de Vila116

merece destaque

Segundo a autora nesse campo que envolve relativismos culturais a postura do TEDH

varia entre a adoccedilatildeo de uma versatildeo voluntarista de MNA ou a adoccedilatildeo de uma versatildeo

racionalista A primeira se centra no direito de que o Tribunal de Estrasburgo eacute um oacutergatildeo

internacional e assume uma visatildeo normativa e natildeo meramente temporal ou procedimental

acerca do princiacutepio da subsidiariedade Por isso o TEDH reconhece que sua legitimidade

poliacutetica eacute meramente derivada e outorga uma presunccedilatildeo em favor do Estado evitando realizar

uma valoraccedilatildeo independente de compatibilidade entre as medidas impugnadas e o convecircnio

Esta presunccedilatildeo soacute eacute rompida quando haacute razotildees fortes para concluir que o Estado extrapolou o

exerciacutecio de sua autonomia Sob a oacutetica desta concepccedilatildeo fatores como a falta de consenso

115

KRATOCHVIL op cit p 330 116

VILA op cit p 10

56

europeu ou a ideia de que os Estados situam-se em um local melhor apropriado para decidir

adquirem importacircncia por razotildees de legitimidade institucional

Entretanto a oacutetica racionalizada de MNA percebe a ferramenta como um resultado de

efetuar um balanccedilo entre os valores que estatildeo em jogo na proteccedilatildeo dos direitos convencionais

mais do que uma presunccedilatildeo de partida em favor do Estado O TEDH centra-se em examinar

se a medida estatal impugnada consegue alcanccedilar um balanccedilo equitativo entre direitos

individuais e valores democraacuteticos A finalidade natildeo eacute justificar a deferecircncia mas reconhecer

de modo equilibrado os valores democraacuteticos no seio da CEDH

Sobretudo neste uacuteltimo grupo analisado ao qual aqui somente satildeo trazidos casos em

relaccedilatildeo agrave liberdade religiosa (artigo 9ordm da CEDH) concentram-se as criacuteticas em relaccedilatildeo agrave

falta de paracircmetros do TEDH para deferir ou natildeo uma margem de apreciaccedilatildeo aos Estados

Essa variabilidade eacute por alguns117

definida como um ponto negativo de falta de definiccedilatildeo de

criteacuterios o que pode levar a uma margem larga ou a uma margem estreita A primeira poderia

conduzir ao processo de fragmentaccedilatildeo do espaccedilo europeu enquanto a segunda poderia forccedilar

a integraccedilatildeo sob o domiacutenio de uma concepccedilatildeo moderna de direitos humanos pautada pelo

liberalismo e individualismo

Deste modo duas respostas podem ser concedidas agrave pergunta cerne deste trabalho a

margem constitui-se em um instrumento eficaz no processo de construccedilatildeo de um direito

comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa uma vez que sob a perspectiva eacutetica

destes direitos o TEDH preza pela preservaccedilatildeo do irredutiacutevel humano e dos direitos

inderrogaacuteveis e absolutos da pessoa humana Prova disso eacute a ausecircncia ou a miacutenima margem

que eacute concedida para casos envolvendo tortura ou tratamentos humanos degradantes ou

violaccedilatildeo de direitos democraacuteticos

No entanto a ausecircncia de paracircmetros e de criteacuterios por parte do Tribunal de

Estrasburgo (ausecircncia constatada por diversos doutrinadores trazidos ao longo deste trabalho

e exemplificada de modo sinteacutetico atraveacutes da anaacutelise de casos emblemaacuteticos envolvendo

liberdade religiosa) no julgamento de direitos humanos quando vinculados a questotildees

culturais demonstram que no campo praacutetico ainda haacute muito para avanccedilar no processo de

siacutentese entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo dos direitos culturais

117

BRUM et SALDANHA Op cit

57

CONCLUSAtildeO

Slavoj Zizek118

certa vez afirmou que o papel do filoacutesofo natildeo eacute o de propor iniciativas

capazes de mudar o mundo ou as situaccedilotildees em curso mas de observar e interpretar a realidade

que eacute posta A pretensatildeo deste trabalho natildeo difere da conceituaccedilatildeo de filoacutesofo por Zizek Isso

porque em nenhum momento busca-se apresentar alternativas fortes para resolver problemas

postos mas sim almeja-se observar sob um amplo espectro os reflexos da mundializaccedilatildeo

dentro do Direito e de modo especiacutefico como atua o Tribunal Europeu dos Direitos do

Homem no que concerne agrave aplicaccedilatildeo da figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

Aos mais observadores da realidade que se apresenta eacute impossiacutevel negar que na atual

conjuntura da sociedade informacional a proliferaccedilatildeo exacerbada e anaacuterquica de normas e

instituiccedilotildees juriacutedicas gera uma sensaccedilatildeo de caos e de desordem que clama por uma ordenaccedilatildeo

Embora esse verdadeiro mosaico em que se transformou o Direito na atualidade possa ser

vislumbrado em acircmbito global uma anaacutelise mais apurada de uma parte do todo em

especiacutefico da Europa se mostra pertinente para avaliar as possibilidades de construccedilatildeo de um

pluralismo ordenado

A base possiacutevel desse pluralismo ordenado invariavelmente eacute um direito comum cujo

alicerce se encontra nos direitos humanos No contexto europeu de convivecircncia simultacircnea

de uma ldquopequena Europardquo e de uma ldquogrande Europardquo embora o direito comunitaacuterio jaacute tenha

se consolidado sendo um modelo sui generis para todo o globo ainda eacute preciso avanccedilar no

acircmbito da ldquogrande Europardquo ou do sistema regional europeu dos direitos do homem para a

criaccedilatildeo de um direito comum

Nesse sentido parece indiscutiacutevel que a base de um direito comum europeu seja

alicerccedilada na proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua dimensatildeo moral miacutenima ou no que

Delmas denomina de miacutenimo eacutetico universal e irredutiacutevel humano Logo a universalizaccedilatildeo

almejada natildeo tem como objetivo impor referecircncias de uma cultura sobre as demais e sim o

diaacutelogo entre as diferentes particularidades existentes no seio das diversas sociedades que

convivem na Europa a fim de encontrar o que haacute de valores comuns em todas elas

Todavia por mais que a premissa seja de faacutecil compreensatildeo os embates entre

universalismos e relativismos culturais estatildeo na ordem do dia na agenda do Tribunal de

Estrasburgo de modo que um dos temais mais debatidos atualmente no continente se refere

118

ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo Boitempo 2008

58

ao uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo por este tribunal a fim de conferir deferecircncia aos

Estados em algumas mateacuterias para decidir acerca de questotildees sensiacuteveis

O objetivo do presente trabalho foi o de analisar essa ferramenta hermenecircutica de

origem europeia sob a oacutetica de caos juriacutedico anteriormente apresentado De acordo com o que

fora apurado e estudado chegou-se a conclusatildeo de que o uso dessa doutrina contribui ainda

que de modo tiacutemido para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema europeu

Isso porque quando se tratam de temas concernentes agrave tortura a tratamentos humanos

degradantes a penas desproporcionais ou ainda a direitos democraacuteticos a Corte opta por

definir um entendimento que deve ser aplicado em todos os paiacuteses independentemente de

especificidades culturais Estariacuteamos proacuteximos portanto de uma definiccedilatildeo de direitos

humanos inderrogaacuteveis ou de um miacutenimo eacutetico universal proposto por Delmas e jaacute idealizado

por Kant em sua premissa de direito cosmopoliacutetico

No que tange ao restante dos direitos humanos em uma dimensatildeo cultural pode-se

dizer que a teoria da margem traduz uma ideia de que estaacute eacute capaz de harmonizar o

universalismo dos direitos humanos e o pluralismo advindo das diversidades culturais e

religiosas dos paiacuteses europeus Entretanto consoante a anaacutelise de posiccedilotildees doutrinaacuterias acerca

da utilizaccedilatildeo praacutetica do instituto pelo Tribunal de Estrasburgo bem como o embate

paradigmaacutetico de julgados envolvendo liberdade religiosa parece inevitaacutevel a conclusatildeo de

que como meacutetodo de harmonizaccedilatildeo entre plural e universal o oacutergatildeo jurisdicional

internacional do sistema europeu ainda tem muito a evoluir sobretudo na definiccedilatildeo de

paracircmetros e criteacuterios para servir de norte baacutesico em relaccedilatildeo aos mais diversos casos

59

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ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo

Boitempo 2008

2

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE CIEcircNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

CURSO DE DIREITO

A Comissatildeo Avaliadora abaixo assinada

aprova a Monografia

INTERNACIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO E CAMINHOS PARA A

CONSTRUCcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM EUROPEU ANAacuteLISE DA

MARGEM NACIONAL DE APRECIACcedilAtildeO

Elaborada por

Rafaela da Cruz Mello

como requisito parcial para obtenccedilatildeo do grau de

Bacharel em Direito

COMISSAtildeO EXAMINADORA

Profordf Drordf Jacircnia Maria Lopes Saldanha

(PresidenteOrientadora)

Profordf Drordf Valeacuteria Ribas do Nascimento

(Universidade Federal de Santa Maria)

Prof Sadi Flocircres Machado

(Faculdade de Direito de Santa Maria)

Santa Maria 28 de novembro de 2014

3

AGRADECIMENTOS

Primeiramente meu principal agradecimento eacute a Deus que durante todo o periacuteodo de

elaboraccedilatildeo deste singelo trabalho garantiu-me forccedilas para superar todos os obstaacuteculos e

coragem para enfrentar todos os meus temores

Agrave minha estimada orientadora Professora Jacircnia pelos anos de trabalho que

desenvolvemos juntas e pelos ensinamentos conferidos durante todo este tempo Sem sobra de

duacutevida satildeo verdadeiros mestres e humanistas como a senhora os responsaacuteveis por fazer a

diferenccedila natildeo soacute na vida de alguns alunos como no mundo

Agrave minha matildee Marilene pelo apoio constante durante o periacuteodo de elaboraccedilatildeo deste

trabalho Muito obrigada pelo amor incondicional por confiar no meu potencial e me

incentivar a dar o melhor de mim em tudo

Ao meu irmatildeo Otaacutevio pelo carinho pela fraternidade e por ter parado inuacutemeras vezes

qualquer um de seus afazeres para escutar minhas anguacutestias ou meus ensaios de ideias para

este trabalho

Ao meu querido amigo Maacutercio pela parceria acadecircmica que deu iniacutecio a uma bela

amizade Obrigada pelas indagaccedilotildees constantes e por sempre me incentivar a ter uma postura

de inquietude em relaccedilatildeo ao mundo

Agrave Bruna pela amizade pelo apoio e pelo consolo nos momentos difiacuteceis Obrigada por

ter tornado especial cada um dos dias vividos dentro e fora da UFSM seja no Brasil ou aleacutem-

mar Agrave Tieli pela amizade e pela maneira leve e espontacircnea com que me ensinou a ver a vida

durante esses anos de graduaccedilatildeo

Por fim a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formaccedilatildeo deixo

aqui registrado o meu agradecimento

4

ldquoOs povos da terra participam em vaacuterios graus de uma comunidade

universal que se desenvolveu a ponto de que a violaccedilatildeo do direito

cometida em um lugar do mundo repercute em todos os demais

A ideia de um direito cosmopolita natildeo eacute portanto fantaacutestica ou

exagerada eacute um complemento necessaacuterio ao coacutedigo natildeo escrito

do Direito poliacutetico e internacional transformando-o num direito

universal da humanidade Somente nessas condiccedilotildees podemos

congratular-nos de estar continuamente avanccedilando em direccedilatildeo a

uma paz perpeacutetuardquo

(Immanuel Kant)

5

RESUMO

Monografia de Graduaccedilatildeo

Curso de Direito

Universidade Federal de Santa Maria

INTERNACIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO E CAMINHOS

PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU ANAacuteLISE DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO

Autora Rafaela da Cruz Mello

Orientadora Jacircnia Maria Lopes Saldanha

Data e Local da Defesa Santa Maria 28 de novembro de 2014

A evoluccedilatildeo da sociedade industrial para a sociedade informacional ocasiona mudanccedilas

significativas nas estruturas juriacutedicas Afirma-se que hoje a seara juriacutedica se assemelha a um

mosaico no qual um verdadeiro caos aparente se instala em razatildeo da multiplicidade de regras

e instituiccedilotildees de hierarquias diversas Nesse contexto o continente europeu pode ser

considerado como um verdadeiro laboratoacuterio de estudos uma vez que em um mesmo

territoacuterio convivem a ldquopequena Europardquo marcada pelo jaacute consolidado direito comunitaacuterio e a

ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos Sob esse panorama de

anaacutelise do espaccedilo europeu eacute que se propotildee o presente trabalho a analisar a possibilidade de

construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa analisando

como forma de viabilizar tal projeto a figura hermenecircutica da Margem Nacional de

Apreciaccedilatildeo Utiliza-se o meacutetodo dedutivo de abordagem e o meacutetodo de procedimento

monograacutefico e para melhor trabalhar com o tema divide-se o trabalho em duas grandes

partes a primeira analisa a evoluccedilatildeo dos direitos humanos nas duas esferas do espaccedilo

europeu para na sequecircncia trabalhar especificamente com a contribuiccedilatildeo das novas

geometrias juriacutedicas do processo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos bem como da

margem nacional de apreciaccedilatildeo para construir as bases de um direito comum europeu

pluralista Na sequencia aborda-se unicamente o instituto da margem nacional com a

finalidade de averiguar se o modo como o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem aplica a

ferramenta efetivamente contribui para a criaccedilatildeo desse direito comum bem como se

possibilita a harmonizaccedilatildeo entre o universalismo dos direitos do homem e o relativismo das

pluralidades e particularismos culturais

Palavras-chave Europa universalismo relativismo direito comum margem nacional de

apreciaccedilatildeo

6

ABSTRACT

Graduation Monografh

Law School

Federal University of Santa Maria

INTERNATIONALIZATION LAW AND WAYS FOR THE

CONSTRUCTION OF A COMMON EUROPEAN LAW

ANALISYS OF MARGIN OF APPRECIATION

Author Rafaela da Cruz Mello

Adviser Jacircnia Maria Lopes Saldanha

Date and Place of the Defense Santa Maria November 28 2014

The evolution of industrial society to the information society brings about significant changes

in the legal structures It is said that today the legal harvest resembles a mosaic in which a

real apparent chaos ensues because of the multiplicity of rules and various hierarchies of

institutions In this context the European continent can be considered as a true laboratory

studies since in the same territory live the little Europe marked by already established

Community law and the big Europe regional rights protection system humans Under this

scenario analysis of the European area do you propose this study to examine the possibility of

building a common law on human rights in Europe analyzing in order to facilitate such a

project hermeneutics figure of the National Assessment Bank We use the deductive method

of approach and the monographic method and procedure to better work with the theme the

work is divided into two main part the first analyzes the evolution of human rights in the two

spheres of Europe for in sequence work specifically with the contribution of the new legal

geometries the process of universalization of human rights and the national margin of

appreciation to build the foundations of a pluralistic European common law In sequence

addresses solely the Institute of National bank in order to ascertain whether how the

European Court of Human Rights applies to effectively contributes tool for the creation of this

common law and if possible harmonization between universalism of human rights and

cultural relativism of plurality and particularism

Keywords Europe universalism relativism common law national margin of appreciation

7

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 8

1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM

DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS 11

11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave

criaccedilatildeo de um direito comum 11

12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias

juriacutedicas a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da

figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo 20

2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU 33

21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem

Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu 33

22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos 43

CONCLUSAtildeO 57

REFEREcircNCIAS 59

8

INTRODUCcedilAtildeO

No iniacutecio do seacuteculo XX Hans Kelsen1 em ldquoTeoria Pura do Direitordquo defendeu a tese de

que para entender a ciecircncia juriacutedica era necessaacuterio observaacute-la de modo dissociado de outras

ciecircncias O autor propocircs a compreensatildeo do direito a partir da famosa piracircmide kelseniana a

norma fundamental ndash a Constituiccedilatildeo ndash estaria no topo da piracircmide e seria capaz de dotar de

validade o restante do ordenamento juriacutedico Abaixo desta norma fundamental estariam as

demais leis e regras do direito sendo que tal formulaccedilatildeo estagnada e sistemaacutetica da ordem

juriacutedica adequava-se aos anseios de organizaccedilatildeo de uma sociedade industrial

Todavia por trabalhar com conflitos sociais o direito natildeo fica alheio agraves vicissitudes

do seacuteculo XX sendo que a Europa apresenta-se como um importante laboratoacuterio de

observaccedilatildeo de mudanccedilas Apoacutes a Segunda Guerra Mundial emergem na sociedade poacutes-

industrial e posteriormente informacional novas estruturas juriacutedicas que natildeo mais satildeo

capazes de se adequar agrave inflexiacutevel loacutegica hieraacuterquica kelseniana Estamos na era do que

Losano2denomina de ldquodireito turbulentordquo que se move se agita e muda de modo veloz assim

como a sociedade que o cerca embora natildeo tatildeo rapidamente quanto esta sociedade

Em razatildeo disso novas geometrias satildeo criadas para tentar explicar o panorama juriacutedico

da sociedade atual Na Europa por exemplo em que temos convivendo sistemas juriacutedicos de

origens e de ordens diversas ndash sistema internacional nacional supranacional ndash autores

determinam que se vive o tempo do Estado em Rede3ou dos aneacuteis disformes com a

proximidade de guirlandas4 ocasionando ao mais despercebido leitor da realidade um

sentimento de caos juriacutedico

Nesse sentido eacute possiacutevel destacar o pensamento de Mireille Delmas-Marty5 que

revoluciona o pensamento de Kelsen Segundo ela essa falta de sistematizaccedilatildeo

aparentemente anaacuterquica eacute solo feacutertil para a construccedilatildeo de um direito comum pluralista em

1 KELSEN Hans Teoria Pura do Direito Traduccedilatildeo de Joatildeo Baptista Machado Satildeo Paulo Martins Fontes

1996 2 LOSANO Mario G Modelos teoacutericos inclusive na praacutetica da piracircmide agrave rede Novos paradigmas nas

relaccedilotildees entre direitos nacionais e normativas supraestatais Revista do Instituto dos Advogados do Estado de

Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 08 n16 p 264-284 2005 3 CASTELLS Manuel Para o Estado-Rede globalizaccedilatildeo econocircmica e instituiccedilotildees poliacuteticas na era da

informaccedilatildeo In PEREIRA Luiz Carlos Bresser WILHEIM Jorge SOLA Lourdes (Org) Sociedade e Estado

em transformaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora UNESP Brasiacutelia ENAP 1999a p164 4 DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006

5 Id 2004a

9

mateacuteria de direitos humanos A sociedade em tempos de globalizaccedilatildeo precisa resistir ao

processo de desumanizaccedilatildeo e de coisificaccedilatildeo do homem de modo que a base para a

construccedilatildeo desse direito comum pluralista devem ser os direitos humanos

Sob a oacutetica europeia que seraacute aqui analisada por ser um importante referencial para os

estudos das mudanccedilas sociais e juriacutedicas dos seacuteculos XX e XXI de que direitos humanos

referimo-nos para ser a base de um direito comum Em um continente tatildeo muacuteltiplo e plural

como realizar o diaacutelogo positivo entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo

das diferentes culturas

Sob esta oacutetica emerge a figura central desse estudo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

(MNA) bem como sua contribuiccedilatildeo para a construccedilatildeo de um direito comum e para a

harmonizaccedilatildeo entre universalismo e relativismo no contexto da Europa Este recurso

hermenecircutico denominado Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo trata-se de uma construccedilatildeo

jurisprudencial criada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante tambeacutem

referido como Tribunal de Estrasburgo) com a finalidade de conferir algum espaccedilo de

deferecircncia para que os tribunais nacionais dos Estados possam decidir algumas questotildees

consoante suas particularidades locais

Embora esta seja a teoria sob a qual se alicerccedila o instituto almeja-se neste trabalho

responder os seguintes questionamentos a doutrina da MNA aplicada pelo Tribunal Europeu

dos Direitos Humanos contribui para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema

europeu de proteccedilatildeo dos direitos do homem Em sua aplicaccedilatildeo praacutetica a margem se mostra

como um recurso eficaz para harmonizar o universalismo dos direitos humanos e o pluralismo

advindo das diversidades culturais e religiosas dos diferentes paiacuteses que fazem parte do

Conselho da Europa

Para responder tal questionamento utilizou-se o meacutetodo dedutivo como meacutetodo de

abordagem e o meacutetodo monograacutefico de procedimento atraveacutes da leitura e fichamento das

diferentes construccedilotildees teoacutericas e doutrinaacuterias sobre o tema bem como anaacutelise de alguns

julgamentos paradigmaacuteticos do Tribunal de Estrasburgo Para melhor compreensatildeo da

complexidade do tema trabalhado dividiu-se esta monografia em duas grandes partes a parte

1 se ocupa da paisagem europeia no poacutes-Segunda Guerra Mundial com a criaccedilatildeo da ldquopequena

Europardquo do direito comunitaacuterio e da ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos

direitos humanos avaliando em ambos os cenaacuterios de que modo se deu a preocupaccedilatildeo com a

temaacutetica dos direitos humanos ou fundamentais (11)

Por conseguinte no intuito de aprofundar o estudo sobre a possibilidade de criaccedilatildeo de

um direito comum no contexto da ldquogrande Europardquo buscou-se uma anaacutelise das novas

10

geometrias da paisagem juriacutedica e do tipo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos que se

procura dentro desse cenaacuterio avaliando por conseguinte o surgimento da figura da MNA

(12) A parte 2 por sua vez objetiva a anaacutelise pura do instituto da Margem Nacional de

Apreciaccedilatildeo averiguando o histoacuterico de sua criaccedilatildeo e as definiccedilotildees acerca de seu conceito

(21) para na sequecircncia avaliar a partir da anaacutelise de alguns julgamentos paradigmaacuteticos do

Tribunal de Estrasburgo se tal ferramenta hermenecircutica se demonstra eficaz no processo de

harmonizaccedilatildeo das tensotildees entre universalismo e relativismos e se pode ser relevante no

processo de criaccedilatildeo de um direito comum cuja base satildeo os direitos humanos (22)

11

1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM

DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS

O seacuteculo XX trouxe mudanccedilas significativas para os mais diversos segmentos da vida

social e o direito natildeo ficou alheio agraves vicissitudes decorrentes do poacutes-Segunda Guerra Mundial

O continente europeu sobretudo passa a ser o cenaacuterio de revoluccedilotildees na estrutura juriacutedica ateacute

entatildeo conhecida com o surgimento praticamente concomitante de instituiccedilotildees supranacionais

e internacionais para aleacutem das nacionais

Neste vieacutes uma das preocupaccedilotildees primordiais do poacutes-guerra foi a de garantir a tutela

dos direitos humanos mesmo diante das mudanccedilas latentes no cenaacuterio juriacutedico Desta feita

deparamo-nos com duas esferas dentro do cenaacuterio europeu a ldquopequena Europardquo que origina

um direito comunitaacuterio europeu o qual mesmo tendo se ocupado com questotildees relativas agrave

economia e agrave integraccedilatildeo regional desenvolve a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais

atraveacutes do diaacutelogo jurisprudencial entre cortes de naturezas distintas e a ldquogrande Europardquo do

sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos espaccedilo haacutebil e possiacutevel para ser base de

criaccedilatildeo de um direito comum (11) Da evoluccedilatildeo de um campo ao outro a premissas de

universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo buscam

legitimar e consolidar a criaccedilatildeo desse direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

(12)

11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave

criaccedilatildeo de um direito comum

O historiador britacircnico Eric Hobsbawn6 talvez tenha encontrado a melhor adjetivaccedilatildeo

para o seacuteculo XX a ldquoEra dos Extremosrdquo Nas palavras do proacuteprio autor ldquoNatildeo sabemos o que

6 HOBSBAWN Eric A era dos extremos o breve seacuteculo XX 1941-1991 Satildeo Paulo Companhia das Letras

1995

12

viraacute a seguir nem como seraacute o segundo milecircnio embora possamos ter a certeza de que ele

teraacute sido moldado pelo Breve Seacuteculo XXrdquo7

Nesse sentido a Segunda Guerra Mundial representa o marco crucial natildeo soacute para a

preocupaccedilatildeo global em relaccedilatildeo aos direitos humanos8 com a criaccedilatildeo e fortalecimento de uma

grande quantidade de instrumentos normativos responsaacuteveis por sua tutela em acircmbito

mundial como tambeacutem para o surgimento de uma nova Europa Apoacutes o teacutermino da guerra

que teve como palco principal de seus acontecimentos o continente europeu diversos paiacuteses

se encontravam em uma situaccedilatildeo de caos politico fragmentaccedilatildeo e enfraquecimento

econocircmico aleacutem do perigo iminente de eclosatildeo de uma nova disputa de proporccedilotildees mundiais

advinda da dicotomia entre capitalismo e socialismo na entatildeo incipiente Guerra Fria

Eacute nesse contexto que emerge a ideia de criaccedilatildeo de um espaccedilo comum europeu

consubstanciado atraveacutes da integraccedilatildeo regional entre os paiacuteses do continente Ainda no inicio

do seacuteculo XX eacute possiacutevel destacar a ocorrecircncia de propostas relativamente concretas para a

integraccedilatildeo europeia como eacute o caso da proposta do francecircs Aristides Briand em 1929 de

criaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia sob a oacutetica de uma federaccedilatildeo ou seja fundada sob uma

noccedilatildeo de uniatildeo o que implica o respeito agrave soberania9 Todavia a crise econocircmica mundial a

ascensatildeo de nacionalismos na Europa e por fim a eclosatildeo da segunda grande guerra

obstaculizaram a adesatildeo a essa proposta

O cenaacuterio do poacutes-guerra de desintegraccedilatildeo social e miseacuteria econocircmica em grande parte

dos paiacuteses envolvidos gerou a instalaccedilatildeo do Congresso da Europa em Haia nas datas de 7 a

11 de maio de 1948 no qual houve a criaccedilatildeo do ldquoMovimento Europeurdquo No referido

congresso duas correntes foram estabelecidas as quais impulsionaram o surgimento da

ldquopequena Europardquo10

e da ldquogrande Europardquo respectivamente a Europa dos federalistas e a

7 Ibid p14

8 Pode-se nesse sentido destacar a descriccedilatildeo de Valeacuterio Mazzuoli de que desde a Segunda Guerra Mundial em

decorrecircncia dos horrores e atrocidades cometidos durante esse periacuteodo em que muitas vidas eram consideradas

como nuacutemeros e valiam tatildeo pouco os direitos humanos passaram a constituir um dos principais temas do Direito

Internacional contemporacircneo A normatividade internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos foi conquistada

por meio de lutas histoacuterias contiacutenuas e incessantes e consubstanciada em diversos tratados concluiacutedos com esse

propoacutesito tendo sido fruto de um lento e gradual processo de internacionalizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo desses

mesmos direitos o qual fora intensificado com o fim da Segunda Guerra Mundial MAZZUOLI Valeacuterio de

Oliveira Curso de Direito Internacional Puacuteblico 5 ed Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 811 9 SILVA Karine de Sousa Uniatildeo Europeia antecedentes e evoluccedilatildeo histoacuterica In SILVA Karine de Souza

COSTA Rogeacuterio Santos da(Org) Organizaccedilotildees Internacionais de Integraccedilatildeo Regional Uniatildeo Europeia

Mercosul e UNASUL Florianoacutepolis Ed Da UFSC Fundaccedilatildeo Boiteux 2013 p 54 10

Doravante por ldquopequena Europardquo estar-se-aacute referindo aos paiacuteses participantes da Uniatildeo Europeia sujeitos

portanto agraves decisotildees das instituiccedilotildees da Uniatildeo dentre as quais se destaca o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo

Europeia ldquoGrande Europardquo por sua vez refere-se aos paiacuteses que aderiram ao Conselho da Europa que hoje

somam um total de 47 (quarenta e sete) membros e que se submetem agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal Europeu de

Direitos Humanos PRINO Carla Sofia Abreu Relaccedilotildees entre TJUE e TEDH no contexto de adesatildeo da UE agrave

13

Europa dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental11

Os primeiros defendiam uma

integraccedilatildeo mais profunda entre os paiacuteses com transferecircncia de parcela de soberania dos

Estados para uma instituiccedilatildeo com poderes supranacionais sendo esta a base para a criaccedilatildeo da

Comunidade Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) Os segundos por sua vez se opunham agrave

cessatildeo de direitos soberanos impulsionando com seus ideais a criaccedilatildeo em 1949 do

Conselho da Europa com sede em Estrasburgo

Natildeo obstante essa divisatildeo surgida no Congresso da Europa eacute possiacutevel afirmar que a

base de construccedilatildeo da atual Uniatildeo Europeia deu-se com a criaccedilatildeo da Comunidade Europeia

do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) movida pelos ideais integracionistas do francecircs Jean Monnet

Contratado no poacutes-guerra para participar do Plano de Modernizaccedilatildeo e Equipamento da

Franccedila Monnet tinha medo de que o Plano Marshall norte-americano de empreacutestimo de

dinheiro para a reconstruccedilatildeo da Europa pudesse gerar uma diacutevida eterna aos paiacuteses do

continente com os Estados Unidos e para escapar disso via como uacutenica soluccedilatildeo a promoccedilatildeo

de um esforccedilo comum dos Estados atraveacutes de projetos de integraccedilatildeo regional

Por isso redigindo o texto da Declaraccedilatildeo de Schuman de 1950 Monet propagava a

ideia de integraccedilatildeo como meio de assegurar a paz e reerguer a poliacutetica e a economia dos

paiacuteses que foram destruiacutedos pela guerra Nesse sentido sua ideia foi a partir de uma ideologia

pacifista de influecircncia kantiana neutralizar a rivalidade franco-alematilde atraveacutes de uma espeacutecie

de mercado comum com a criaccedilatildeo de uma organizaccedilatildeo internacional com caraacuteter

supranacional que seria responsaacutevel pela gestatildeo dos recursos naturais da regiatildeo do Sarre e do

Ruhr os quais seriam colocados a serviccedilo da paz e natildeo da guerra12

A proposta integracionista daquele que eacute considerado o arquiteto do projeto de

integraccedilatildeo europeia era de retirar da matildeo dos Estados a capacidade de gestatildeo dos recursos

energeacuteticos que movimentavam a induacutestria beacutelica e da guerra Desta forma uma autoridade

internacional mais especificamente uma organizaccedilatildeo internacional setorial seria criada com

um status supranacional para gerenciar e administrar a produccedilatildeo de carvatildeo e de accedilo

funcionando atraveacutes da delegaccedilatildeo de parcelas da soberania estatal em questotildees especiacuteficas

Assim em 1951 com a assinatura do Tratado de Paris criou-se a Comunidade

Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) com a participaccedilatildeo inicial de seis paiacuteses Franccedila

Alemanha Itaacutelia Beacutelgica Holanda e Luxemburgo Posteriormente em 1957 com o Tratado

CEDH Debater a Europa Nuacutemero 4 JaneiroJunho 2011 Disponiacutevel em httpwwweurope-direct-

aveiroaevaeudebatereuropa Acesso 10 out 2014 11

SILVA Karine de Sousa De Paris a Lisboa sessenta anos de integraccedilatildeo europeia In SILVA Karine de

Souza Mercosul e Uniatildeo Europeia O Estado da arte dos processos de integraccedilatildeo regional Florianoacutepolis

Editora Modelo 2010 p 35 12

Ibid p 60

14

de Roma a Comunidade Econocircmica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia para a

Energia Atocircmica (CEEA ou Euratom) foram criadas consolidando-se deste modo as trecircs

comunidades que fizerem emergir o direito comunitaacuterio no seio da Europa Foi contudo

somente em 1992 com o Tratado de Maastrich ou Tratado da Uniatildeo Europeia que nasceu a

Uniatildeo Europeia propriamente dita consagrada em trecircs pilares baacutesicos as comunidades que

inicialmente lhe deram base a colaboraccedilatildeo em mateacuteria de poliacutetica exterior e seguranccedila

comum e a cooperaccedilatildeo no acircmbito judicial e policial em mateacuteria penal13

Visiacutevel deste modo que o que impulsionou a criaccedilatildeo de um direito comunitaacuterio

europeu foi a necessidade de reorganizaccedilatildeo do continente apoacutes 1945 e o fortalecimento

econocircmico de antigas potecircncias rivais como foi o caso da Franccedila e da Alemanha Ocorre que

de modo concomitante ao crescimento dos ideais dos federalistas a segunda corrente oriunda

do Congresso da Europa de 1949 dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental tambeacutem

cresceu e se tornou visiacutevel vez que possuiacutea como objetivo a realizaccedilatildeo de uma uniatildeo mais

estreita entre seus membros de modo a salvaguardar os ideais e princiacutepios que satildeo seu

patrimocircnio comum e favorecer seu progresso social e econocircmico

O Conselho da Europa surgido em 1949 portanto configura-se como outra

organizaccedilatildeo internacional surgida na Europa do poacutes-guerra tendo como base a consolidaccedilatildeo

sob o principio da cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses e natildeo o federalismo que implica cessatildeo de

parcelas da soberania Seu propoacutesito eacute o de defesa dos direitos humanos desenvolvimento

democraacutetico e estabilidade poliacutetico-social na Europa sendo chamado de ldquogrande Europardquo por

desde o iniacutecio contar com mais adesotildees de paiacuteses em relaccedilatildeo agrave CECA Eacute justamente dentro

desse Conselho que surge o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em 1959

oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa e

responsaacutevel pela tutela dos direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

(CEDH) de 1950

A eclosatildeo desses dois movimentos marca o iniacutecio de uma verdadeira revoluccedilatildeo dentro

da compreensatildeo do direito Se antes no continente europeu era possiacutevel vislumbrar a

existecircncia em grande medida e tatildeo somente de tribunais nacionais cuja competecircncia era

exercida dentro de determinado Estado sob a eacutegide de sua soberania o cenaacuterio altera-se e daacute

espaccedilo para a existecircncia natildeo soacute de tribunais nacionais como tambeacutem de tribunais

supranacionais e internacionais

13

Ibidem p 77

15

No caso do direito comunitaacuterio sua criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de

instituiccedilotildees que fortaleccedilam o sistema supranacional Em funccedilatildeo disso dentre os mais diversos

oacutergatildeos criados pelos sucessivos tratados comunitaacuterios pode-se destacar o Tribunal de Justiccedila

da Uniatildeo Europeia (TJUE) ou Tribunal de Luxemburgo

Este criado pelo Tratado de Paris de 1951 e adotado pelo Tratado de Roma de 1957

tem a finalidade de assegurar o cumprimento do direito comunitaacuterio e a interpretaccedilatildeo e

aplicaccedilatildeo dos Tratados dentro a vida da comunidade14

Submetem-se agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal

atualmente os vinte e oito15

paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e ao longo dos anos

ele se desenvolveu como uma importante instituiccedilatildeo capaz de contribuir ao desenvolvimento

da comunidade atraveacutes de consolidaccedilotildees jurisprudenciais e da conversatildeo dos tratados

constitutivos da comunidade em verdadeiras constituiccedilotildees materiais

Embora a preocupaccedilatildeo com os direitos humanos no cenaacuterio da ldquopequena Europardquo natildeo

tenha sido uma caracteriacutestica inicial dos tratados constitutivos das comunidades europeias o

diaacutelogo do Tribunal de Luxemburgo com os tribunais nacionais de alguns Estados europeus

traz agrave tona esse tema bem como se caracteriza por ser o grande responsaacutevel pela consolidaccedilatildeo

de princiacutepios baacutesicos do direito comunitaacuterio como eacute o caso da supremacia das normas

comunitaacuterias Neste vieacutes importante destaque deve ser feito ao caso CostaENEL16

de 1964

que marcou o surgimento da noccedilatildeo de supremacia das normas da comunidade europeia

O objeto de tal caso fora uma lei italiana de nacionalizaccedilatildeo da energia eleacutetrica

declarada incompatiacutevel com o Tratado da Comunidade Econocircmica Europeia Em sede de

reenvio prejudicial o Tribunal Constitucional Italiano enviou a questatildeo ao Tribunal de Justiccedila

da Uniatildeo Europeia o qual reconheceu que ao instituir uma comunidade de duraccedilatildeo ilimitada

com caraacuteter sui generis e poderes resultantes de delegaccedilatildeo de parcela da soberania os paiacuteses

limitariam seus direitos soberanos em prol de um conjunto de normas aplicaacutevel natildeo soacute agrave

comunidade como a todos os seus Estados membros17

14

OLIVEIRA Odete Maria de Uniatildeo Europeia processos de integraccedilatildeo e mutaccedilatildeo 1ordfed 3ordf tir Curitiba

Juruaacute 2003 15

Os vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia satildeo Alemanha Aacuteustria Beacutelgica Bulgaacuteria Chipre

Croaacutecia Dinamarca Eslovaacutequia Eslovecircnia Espanha Estocircnia Finlacircndia Franccedila Greacutecia Hungria Irlanda Itaacutelia

Letocircnia Lituacircnia Luxemburgo Malta Paiacuteses Baixos Polocircnia Portugal Reino Unido Repuacuteblica Checa

Romecircnia Sueacutecia Dados disponiacuteveis no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeuropaeuabout-

eucountriesmember-countriesindex_pthtm Acesso 01 nov 2014 16

O acoacuterdatildeo do referido caso encontra-se disponiacutevel na iacutentegra no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeur-

lexeuropaeulegal-contentPTTXTPDFuri=CELEX61964CJ0006ampfrom=EN Acesso 02 out 2014 17

FARENZENA Sueacutelen Costa versus ENEL ndash O primado do Direito Comunitaacuterio e a mudanccedila de paradigma o

Estado em rede europeu Revista da SJRJ Vol 19 nordm34 Rio de Janeiro 2012 Disponiacutevel em

httpwww4jfrjjusbrseerindexphprevista_sjrjarticleviewFile338296 Acesso 01 out 2014

16

Neste sentido determinou o Tribunal de Luxemburgo que a forccedila executiva do direito

comunitaacuterio natildeo poderia variar de um espaccedilo para outro ao sabor das legislaccedilotildees internas

Impossiacutevel portanto um Estado fazer prevalecer sobre uma ordem juriacutedica aceita sob o pilar

da reciprocidade e da cessatildeo de parcela de direitos soberanos uma medida unilateral anterior

ou posterior que lhe pode opor

Natildeo obstante tal decisatildeo a ideia de supremacia das normas comunitaacuterias por si soacute

natildeo foi adotada de modo paciacutefico por todos os tribunais constitucionais dos paiacuteses sujeitos agrave

jurisdiccedilatildeo do Tribunal de Luxemburgo Em funccedilatildeo disso houve a percepccedilatildeo por parte dos

juiacutezes do TJUE de que seria necessaacuterio acoplar agrave ideia de supremacia das normas

comunitaacuterias um discurso dotado de legitimidade que envolvesse princiacutepios e ideais comuns

natildeo soacute para a comunidade como para os Estados membros Esse discurso portanto seria o

discurso dos direitos fundamentais18

Ateacute o surgimento de algumas tensotildees entre os posicionamentos dos tribunais nacionais

e as decisotildees do TJUE havia certa resistecircncia por parte deste uacuteltimo em lidar com questotildees

concernentes aos direitos humanos ou fundamentais Isto porque o motivo que levou agrave criaccedilatildeo

das Comunidades Europeias e a posterior Uniatildeo Europeia foi predominantemente econocircmico

tanto eacute que os tratados iniciais das Comunidades Europeias natildeo trazem elementos que refiram

explicitamente a preocupaccedilatildeo com direitos humanos ou fundamentais19

Entretanto consoante

fora asseverado a supremacia das normas comunitaacuterias somente conseguiria se afirmar e se

consolidar caso fosse acoplada ao tema da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais

Neste sentido a deacutecada de 1960 pode ser vista como um importante marco para o

TJUE Casos como o Stauder (1969) e o Internationale Handelsgesellschaft20

(1970)

18

GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional

algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em

httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014 19

Pertinente o destaque da concepccedilatildeo de Gilmar Mendes e Geroge Rodrigo Bandeira Galindo sobre este tema

Segundo eles os instrumentos que instituiacuteram as comunidades europeias natildeo se referem de maneira expliacutecita agrave

proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais e haacute razotildees para isso A primeira delas reside no fato de que a

proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa deveria ser transferida para outra organizaccedilatildeo internacional no caso o

Conselho da Europa que foi uma instituiccedilatildeo fundamental para a elaboraccedilatildeo da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos

do Homem de 1950 Outra razatildeo sustenta-se na ideia de que a inclusatildeo imediata de um cataacutelogo de direitos

fundamentais nos tratados instituidores das Comunidades Europeias geraria conflitos entre as consolidadas

constituiccedilotildees estatais e o entatildeo incipiente direito comunitaacuterio Por fim outra razatildeo apontada eacute traduzida no fato

de que os Estados eram temerosos de que a imediata inclusatildeo de temas de direitos fundamentais ou humanos nos

tratados instituidores das Comunidades pudesse ampliar as competecircncias de prerrogativas de instituiccedilotildees receacutem-

criadas Ibidem p03

De qualquer forma houve no processo de germinaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia nos moldes em que hoje

conhecemos a predominacircncia de ideias economicistas e de integraccedilatildeo regional com base na aproximaccedilatildeo de

ideais produtivos e de mercado A preocupaccedilatildeo com a tutela de direitos humanos ou fundamentais surge atraveacutes

dos diaacutelogos espontacircneos entre as cortes constitucionais e o Tribunal de Luxemburgo 20

Neste caso o raciociacutenio da corte faz clara alusatildeo agrave vinculaccedilatildeo entre primazia do direito comunitaacuterio e a

proteccedilatildeo dos direitos fundamentais por parte das instituiccedilotildees comunitaacuterias Os pontos 3 e 4 do julgamento do

17

consolidaram o entendimento do Tribunal de Luxemburgo de que os direitos fundamentais

fazem parte dos princiacutepios gerais do direito comunitaacuterio Conflitos positivos de competecircncias

entre tribunais nacionais e o tribunal supranacional instituiacutedo no acircmbito da comunidade

marcaram os diaacutelogos iniciais para a estimulaccedilatildeo da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais em

acircmbito comunitaacuterio

Como continuidade deste diaacutelogo eacute pertinente destacar o caso Nold (1974) no qual o

Tribunal de Luxemburgo reconheceu como pauta geral para o direito comunitaacuterio europeu o

predomiacutenio dos direitos fundamentais Com isso mais uma vez reafirmou-se a ideia de que o

direito comunitaacuterio tem supremacia sobre as disposiccedilotildees legais nacionais mas que de toda a

sorte deve se adaptar a uma base comum de valores como os determinados por exemplo

pela Convenccedilatildeo Europeia de Direito do Homem

Por isso fala-se que este caso fixa um terceiro elemento no nuacutecleo de salvaguarda dos

direitos fundamentais aleacutem das tradiccedilotildees constitucionais comuns e dos direitos fundamentais

garantidos nas Constituiccedilotildees dos Estados os instrumentos internacionais relativos agrave proteccedilatildeo

dos direitos humanos passam a ser uma importante fonte de inspiraccedilatildeo para a proteccedilatildeo de

direitos em acircmbito comunitaacuterio Em funccedilatildeo disso inclusive em 1975 o TJUE pela primeira

vez recorreu agrave Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem no caso Rutili21

Apesar de tal decisatildeo do caso Nold o emblemaacutetico caso Solange levou agrave confirmaccedilatildeo

e consolidaccedilatildeo da vigecircncia dos direitos fundamentais no acircmbito da Comunidade Neste caso

em 1974 o Tribunal Constitucional alematildeo determinou que enquanto a Comunidade natildeo

dispusesse de um sistema de proteccedilatildeo de direitos comparaacutevel ou equiparado agrave Lei

Fundamental de Bonn ou seja enquanto natildeo houvesse um cataacutelogo de direitos fundamentais

aplicaacuteveis agrave Comunidade Europeia as instituiccedilotildees comunitaacuterias seriam ineficazes no que

concerne agrave proteccedilatildeo desses direitos22

TJUE respectivamente determinam que 3 A validade de uma medida comunitaacuteria ou de seus efeitos em um

Estado membro natildeo podem ser afetadas por alegaccedilotildees de que ela contraria direitos fundamentais tal como

formuladas pela Constituiccedilatildeo do Estado ou princiacutepios de uma estrutura constitucional nacional() 4() o

respeito pelos direitos fundamentais forma uma parte integral dos princiacutepios gerais de direito protegidos pela

Corte de Justiccedila A proteccedilatildeo de tais direitos enquanto inspirada pelas tradiccedilotildees constitucionais comuns aos

Estados membros deve ser assegurada no acircmbito da estrutura e dos objetivos da Comunidaderdquo Ibidem p4 21

O caso Rutilli caracteriza-se por ser a primeira referecircncia jurisprudencial feita pelo Tribunal de Luxemburgo agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem ou seja a utilizaccedilatildeo por parte de um tribunal supranacional de um

marco normativo essencial natildeo para o direito comunitaacuterio mas para o sistema regional de proteccedilatildeo aos direitos

humanos Nesse caso o Tribunal de Luxemburgo afirmou que as normas de direito comunitaacuterio natildeo era mais do

que uma manifestaccedilatildeo de princiacutepios gerais de direito consagrados na Convenccedilatildeo 22

GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional

algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em

httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014

18

Como resultado de tal caso natildeo soacute o Tribunal de Luxemburgo passou a consolidar um

entendimento jurisprudencial favoraacutevel ao respeito e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais

como demais instituiccedilotildees da entatildeo Comunidade Europeia assim agiram Em funccedilatildeo disso diz-

se que o principal resultado do caso Solange foi uma resoluccedilatildeo conjunta datada de 5 de abril

de 1977 entre Parlamento Europeu Conselho Europeu e Comissatildeo Europeia denominada

ldquoDeclaraccedilatildeo Conjunta sobre Direitos Fundamentaisrdquo23

Nesta ressaltou-se a necessidade do

respeito em acircmbito comunitaacuterio dos direitos fundamentais consagrados pelas tradiccedilotildees

constitucionais dos Estados membros e pela Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos

Os direitos fundamentais atraveacutes desse diaacutelogo jurisprudencial entre as cortes de

esperas diferentes (supranacional e nacionais) apareceram de modo progressivo no direito

comunitaacuterio europeu tornando-se paracircmetros de validade das normas da Uniatildeo Qualquer

norma seja comunitaacuteria seja nacional que contrariasse os direitos fundamentais seria

considerada invaacutelida

A tendecircncia jurisprudencial do TJUE de vincular a noccedilatildeo de supremacia das normas

comunitaacuterias com a proteccedilatildeo aos direitos fundamentais acabou por refletir no Tratado de

Maastricht de 1992 Tambeacutem chamado de Tratado da Uniatildeo Europeia este documento em

seu artigo F nuacutemero 2 determina que a Uniatildeo respeite os direitos fundamentais tal como os

garante a Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem24

Na esteira da inclusatildeo da proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em tratados o Tratado de

Lisboa de 2007 aleacutem de estabelecer personalidade juriacutedica agrave Uniatildeo Europeia25

determina que

a esta aderiraacute agrave Convenccedilatildeo Europeia para a proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e das Liberdades

Fundamentais sendo que a adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas

nos tratados26

23

XAVIER Ana Isabel Os Direitos Fundamentais no ldquodiaacutelogo europeurdquo de Nice a Lisboa In Debater a

Europa n 9 julhodezembro 2013 Disponiacutevel em httpeurope-direct-

aveiroaevaeudebatereuropaimagesn9axavierpdf Acesso em 03 out 2014 24

Artigo F n 2 ldquoA Uniatildeo respeitaraacute os direitos fundamentais tal como os garante a Convenccedilatildeo Europeia de

Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais assinada em Roma em 4 de novembro de

1950 e tal como resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-membros enquanto princiacutepios

gerais do direito comunitaacuteriordquo TRATADO DE MAASTRICHT 1992 Disponiacutevel em httpeuropaeueu-

lawdecision-makingtreatiespdftreaty_on_european_uniontreaty_on_european_union_ptpdf Acesso 15 out

2014 25

O artigo 46-A do Tratado de Lisboa determina que ldquoA Uniatildeo tem personalidade juriacutedicardquo TRATADO DE

LISBOA 2007 Disponiacutevel em httpeur-lexeuropaeulegal-

contentPTTXTPDFuri=OJC2007306FULLampfrom=PT Acesso 16 out 2014 26

O artigo 6ordf do Tratado de Lisboa determina que ldquo1 A Uniatildeo reconhece os direitos as liberdades e os

princiacutepios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da Uniatildeo Europeia de 7 de Dezembro de 2000 com

as adaptaccedilotildees que lhe foram introduzidas em 12 de Dezembro de 2007 em Estrasburgo e que tem o mesmo

valor juriacutedico que os Tratados De forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competecircncias da Uniatildeo tal

como definidas nos Tratados Os direitos as liberdades e os princiacutepios consagrados na Carta devem ser

interpretados de acordo com as disposiccedilotildees gerais constantes do Tiacutetulo VII da Carta que regem a sua

19

Mesmo que o ideal de Constituiccedilatildeo para a Uniatildeo Europeia natildeo tenha sido aprovado

pelos Estados membros as regras de supremacia das normas comunitaacuterias e de proteccedilatildeo aos

direitos fundamentais consagrados natildeo soacute nas Constituiccedilotildees como nas proacuteprias tradiccedilotildees

constitucionais dos Estados regem as decisotildees do Tribunal supranacional que existe no

continente Por isso mesmo que a preocupaccedilatildeo inicial da ldquopequena Europardquo tenha sido a

integraccedilatildeo econocircmica dos paiacuteses devastados pela guerra para que pudessem voltar a ser

competitivos internacionalmente ao longo do tempo sentiu-se a necessidade de trazer para

dentro do direito comunitaacuterio noccedilotildees acerca dos direitos fundamentais e humanos de modo

que hoje estes se encontram tutelados por instrumentos e oacutergatildeos supranacionais especiacuteficos

Ocorre que conforme se mencionou no iniacutecio deste subcapiacutetulo o cenaacuterio europeu

pode ser vislumbrado sob duas oacuteticas distintas desde o Congresso da Europa a oacutetica

federalista que impulsiona a criaccedilatildeo da Uniatildeo Europeia e de um direito comunitaacuterio europeu

e o vieacutes da cooperaccedilatildeo internacional marcado pela criaccedilatildeo do Conselho da Europa e de um

sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos o qual exige o pensamento acerca

da possibilidade da construccedilatildeo de um direito comum europeu

Nesse aspecto acerca do conceito de comum eacute pertinente remontar agraves premissas de

Dardot et Laval27

Para os autores o comum do direito segundo uma loacutegica de interpretaccedilatildeo

neoliberal natildeo seraacute outro que o direito de propriedade dos contratos e do lucro Eacute justamente

contra esse tipo de concepccedilatildeo trazido pelos efeitos nefastos da globalizaccedilatildeo que se invoca a

defesa e a reabilitaccedilatildeo do conceito de comum que deve ser entendido sob uma loacutegica de bases

uniacutessonas em mateacuteria de direitos humanos

Em razatildeo disso eacute no acircmbito da ldquogrande Europardquo ou seja do sistema regional europeu

de proteccedilatildeo dos direitos do homem que se vislumbram bases para a criaccedilatildeo de um direito

comum cuja premissa eacute a busca do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano28

Deste

modo no panorama apresentado se vislumbra de modo claro que embora existam regras

princiacutepios e instituiccedilotildees para reger o direito comunitaacuterio europeu (regras previstas nos

tratados da Uniatildeo Europeia e pacificadas pelo ativismo do TJUE) na ldquopequena Europardquo em

interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo e tendo na devida conta as anotaccedilotildees a que a Carta faz referecircncia que indicam as fontes

dessas disposiccedilotildees 2 A Uniatildeo adere agrave Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das

Liberdades Fundamentais Essa adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas nos Tratados3

Do direito da Uniatildeo fazem parte enquanto princiacutepios gerais os direitos fundamentais tal como os garante a

Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como

resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-Membrosrdquo Ibid 2007 27

DARDOT Pierre LAVAL Cristian COMMUN essai sur la revolutiona au XXeme siegravecle Paris La

deacutecouverte 2014 p 287 28

DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio

de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b

20

mateacuteria de direitos humanos e no acircmbito de um processo de globalizaccedilatildeo eacute preciso avanccedilar

na compreensatildeo do espaccedilo europeu para no acircmbito do sistema regional consolidar as bases

para a criaccedilatildeo de um direito comum

12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias juriacutedicas

a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da figura da

Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

O Congresso da Europa sob o aspecto juriacutedico dividiu o continente em blocos

autocircnomos dentro de um sistema multicecircntrico Nesse sentido Mireille Delmas-Marty29

assevera que natildeo existe uma unidade juriacutedica chamada Europa ou sequer uma visatildeo uacutenica e

preestabelecida do continente

Pelo contraacuterio existe uma Europa feita de instituiccedilotildees juriacutedicas diversas cada uma

com regras e princiacutepios especiacuteficos Neste sentido de um lado tem-se a ldquopequena Europardquo

composta pelos vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e que possui um ideal

primordialmente econocircmico com os objetivos de livre circulaccedilatildeo de pessoas e de

mercadorias bem como de instituiccedilatildeo de uma moeda uacutenica sob a perspectiva de abertura de

fronteira entre os paiacuteses Sob este ideal desenvolve-se a base para o direito comunitaacuterio que

possui como instituiccedilatildeo juriacutedica maacutexima o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo Europeia (TJUE)

com caraacuteter supranacional

Na Europa dos ldquoVinte e Oitordquo portanto sob o ideal integracionista surge o chamado

direito comunitaacuterio europeu o qual atraveacutes de direito originaacuterio (tratados constitutivos) e

direito derivado (normas emanadas de oacutergatildeos de competecircncia legislativa da Uniatildeo) forma o

sistema juriacutedico-poliacutetico e juriacutedico-econocircmico da Uniatildeo Europeia A peculiaridade desta nova

ordem formada eacute a de natildeo querer unificar a ordem juriacutedica dos paiacuteses europeus mas de

uniformizar em algumas mateacuterias as normas do bloco criado Justamente por isso a

supranacionalidade intriacutenseca ao direito comunitaacuterio natildeo se confunde com o direito

internacional

Sob as bases de interesses econocircmicos tem-se o objetivo de chegar a uma integraccedilatildeo

nas aacutereas concernentes agrave poliacutetica cultura dentre outras sob uma relaccedilatildeo de integraccedilatildeo entre o

29

Id 2004a p47

21

ordenamento juriacutedico comunitaacuterio e o ordenamento interno de cada Estado Sem sombra de

duacutevidas a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais se insere nessas relaccedilotildees mas com o

intuito de fortalecer o ideal de supremacia das normas comunitaacuterias Em funccedilatildeo de tal

premissa tem-se a necessidade de preservar o estaacutegio alcanccedilado pelo processo de integraccedilatildeo e

por isso um ordenamento juriacutedico comunitaacuterio eacute formado Entretanto eacute preciso avanccedilar no

processo de tutela dos direitos humanos em um contexto tatildeo plural como o europeu

Deste modo de outro lado tem-se a ldquogrande Europardquo criada pelo Conselho da Europa

perfazendo uma cooperaccedilatildeo poliacutetica que hoje abriga quarenta e sete membros30

signataacuterios da

Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

(CEDH) O oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do Conselho da Europa eacute o Tribunal Europeu dos Direitos

do Homem (TEDH) sediado em Estrasburgo e para o qual podem demandar tanto Estados

quanto indiviacuteduos viacutetimas de violaccedilotildees de direitos humanos reconhecidos pela convenccedilatildeo

Neste sentido o paraacutegrafo 3ordm31

do Preacircmbulo da CEDH de 1950 assevera que a

finalidade principal do Conselho da Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre seus

membros e que um dos meios para alcanccedilar esta finalidade eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento

dos direitos humanos e das liberdades fundamentais sendo tais direitos vistos como um meio

para uma progressiva integraccedilatildeo dos europeus Antes mesmo disso o Estatuto do Conselho da

Europa de 1949 havia asseverado que a finalidade da instituiccedilatildeo era criar uma organizaccedilatildeo

que levasse os paiacuteses do continente a uma associaccedilatildeo cuja base fosse a unidade entre seus

membros privilegiando ideais e princiacutepios comuns aos diferentes Estados

Essa configuraccedilatildeo surgida na segunda metade do seacuteculo XX produz alteraccedilotildees

significativas na conceituaccedilatildeo de alguns institutos juriacutedicos e poliacuteticos como eacute o caso do

Estado da soberania dentre outros Nesse sentido o cenaacuterio Europeu pode ser enxergado

como proacuteximo da noccedilatildeo de Estado em Rede proposto por Manuel Castells32

Em um mesmo

espaccedilo territorial a autoridade passa a ser partilhada ao longo de uma rede de instituiccedilotildees O

30

Os 47 paiacuteses que fazem parte do Conselho da Europa satildeo Beacutelgica Dinamarca Franccedila Irlanda Itaacutelia

Luxemburgo Paiacuteses Baixos Noruega Sueacutecia Reino Unido Greacutecia Turquia Islacircndia Alemanha Ocidental

Aacuteustria Chipre Suiacuteccedila Malta Portugal Espanha Liechtenstein Satildeo Marino Finlacircndia Hungria Polocircnia

Bulgaacuteria Estocircnia Lituacircnia Eslovecircnia Repuacuteblica Checa Eslovaacutequia Romecircnia Andorra Letocircnia Albacircnia

Moldaacutevia Macedocircnia Ucracircnia Ruacutessia Croaacutecia Geoacutergia Armecircnia Azerbaijatildeo Boacutesnia e Herzegovina Seacutervia

Mocircnaco Montenegro Disponiacutevel em

httpwwwcoeintptAboutCoemediainterfacepublicationscoe_dh_ptpdf Acesso 08 out 2014 31

O terceiro paraacutegrafo do preacircmbulo da CEDH dispotildee que ldquoConsiderando que a finalidade do Conselho da

Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre os seus Membros e que um dos meios de alcanccedilar essa finalidade

eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento dos direitos do homem e das liberdades fundamentais ()rdquo CONVENCcedilAtildeO

EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS

1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso em 08 out 2014 32

CASTELLS Manuel A era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura A sociedade em rede Vol 1 5

ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999b

22

Estado-naccedilatildeo claacutessico relaciona-se com instituiccedilotildees supranacionais e a rede formada possui

noacutes diversos e natildeo um centro uacutenico sendo que esses noacutes podem apresentar tamanhos distintos

e estar ligados por relaccedilotildees assimeacutetricas

Essas redes e seus noacutes portanto representam formas de poder paralelas e

complementares que satildeo autocircnomas uma em relaccedilatildeo agraves outras O espaccedilo europeu marcado

por um jaacute consolidado direito comunitaacuterio e por uma estrutura supranacional sui generis

tornou-se um verdadeiro campo de concorrecircncia convergecircncia justaposiccedilatildeo e conflito de

vaacuterias constituiccedilotildees e poderes constituintes em um mesmo espaccedilo poliacutetico levando a uma

pluralidade de ordenamentos e de normatividades

A supranacionalidade desenvolvida assemelha-se desta forma a um Estado em Rede

em funccedilatildeo de um novo paradigma de governanccedila estabelecido em diferentes niacuteveis com

diferentes noacutes de diferentes dimensotildees e com relaccedilotildees internacionais assimeacutetricas O Estado-

Naccedilatildeo claacutessico se articula cotidianamente na tomada de decisotildees com instituiccedilotildees

supranacionais de diferentes tipos e em acircmbitos distintos33

Em uma mesma organizaccedilatildeo

complexa temos entatildeo as caracteriacutesticas da descentralizaccedilatildeo e da coordenaccedilatildeo sobretudo no

aspecto normativo sendo que a crise do Estado-naccedilatildeo o desenvolvimento das instituiccedilotildees

supranacionais e a transferecircncia das atribuiccedilotildees e iniciativas aos acircmbitos regionais e locais satildeo

caracteriacutesticas que funcionam como base para o desenvolvimento do Estado em Rede

Nesse acircmbito ainda eacute possiacutevel acrescentar a definiccedilatildeo de Marcelo Varella34

de que a

Uniatildeo Europeia caracteriza-se por ser uma instituiccedilatildeo sui generis natildeo soacute pelo seu modo de

constituiccedilatildeo como por seus efeitos no campo juriacutedico-normativo Desta maneira o bloco

europeu dos vinte e oito inserido no contexto de um sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos

humanos (ldquopequena Europardquo inserida na ldquogrande Europardquo) marca a caracteriacutestica de uma

superaccedilatildeo da tiacutepica forma de visatildeo linear e hieraacuterquica do direito tradicional em favor da

construccedilatildeo de um direito em camadas ou em diferentes niacuteveis ou ainda em redes

Essa concepccedilatildeo de Castells utilizada aqui para ilustrar as relaccedilotildees na Uniatildeo Europeia

comunica-se com a noccedilatildeo de Mireille Delmas-Marty35

de um pluralismo que deve ser

ordenado Na Europa como um todo em acircmbito juriacutedico a coexistecircncia de normas das mais

diversas fontes e de tribunais nas mais diferentes escalas faz emergir uma noccedilatildeo de caos

33

Id 1999a p164 34

VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade

de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014 p145 35

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006

23

juriacutedico que precisa ser ordenado Em razatildeo disso pertinente a busca por um direito comum

com ecircnfase em um direito comum em mateacuteria de direitos humanos

Interessante notar que esse cenaacuterio criado intensifica-se com o processo de

mundializaccedilatildeo36

e sob essa oacutetica embora os direitos humanos tenham se tornado oponiacuteveis aos

Estados perfazendo princiacutepios de direito incluiacutedos nas Constituiccedilotildees Estatais no

entendimento dos tribunais supranacionais e em instrumentos normativos internacionais os

corolaacuterios do processo de mundializaccedilatildeo satildeo os direitos econocircmicos que predominam nas

preocupaccedilotildees do jaacute consolidado direito comunitaacuterio europeu

Enquanto os direitos humanos foram concebidos sob o prisma de uma universalidade e

com a finalidade de proteger o ldquoirredutiacutevel humanordquo37

os direitos econocircmicos satildeo os motores

da mundializaccedilatildeo sendo que isso somado agrave desestabilizaccedilatildeo do tempo e agrave desestatizaccedilatildeo do

Estado gera no processo de mundializaccedilatildeo uma aparente desordem normativa com a

proliferaccedilatildeo de normas de modo anaacuterquico38

Em funccedilatildeo disso eacute viaacutevel dizer que o continente europeu serve de base e eacute capaz de

traduzir importantes eventos para explicar fenocircmenos que hoje satildeo salientes na esfera juriacutedica

Mireille Delmas-Marty39

sugere que vivemos sob a eacutegide de espaccedilos ldquodesestatizadosrdquo tempos

ldquodesestabilizadosrdquo e uma ordem ldquodeslegalizadardquo No sentido atual da paisagem juriacutedica

afirmar que o Estado eacute a uacutenica fonte de Direito eacute assumir uma atitude de exclusatildeo de todos os

demais espaccedilos normativos

Como eacute possiacutevel observar na Europa convivem em um mesmo espaccedilo normas

provenientes de fontes estatais claacutessicas normas advindas de instituiccedilotildees supranacionais e

regras provenientes de entes internacionais na formaccedilatildeo de um verdadeiro mosaico juriacutedico

O monopoacutelio do Estado como produtor do direito deixa de ser imperativo frente agrave

internacionalizaccedilatildeo crescente das fontes juriacutedicas De modo concomitante e corroborando

36

Na obra ldquoTrecircs Desafios para um Direito Mundialrdquo Mirelle Delmas-Marty observa as particularidades dos

termos globalizaccedilatildeo mundializaccedilatildeo e universalidade quais sejam ldquoA mundializaccedilatildeo remete agrave difusatildeo espacial

de um produto de uma teacutecnica ou de uma ideia A universalidade implica um compartilhar de sentidosrdquo Em

outra passagem disserta ldquoDifusatildeo espacial de um lado compartilhar os sentidos de outra estas duas foacutermulas

descrevem muito bem a diferenccedila que separam os dois fenocircmenos que eu denominarei globalizaccedilatildeo para a

economia e universalizaccedilatildeo para os direitos do homem guardando assim o termo mundializaccedilatildeo uma

neutralidade que ele jamais perderaacute caso natildeo se resigne rapidamente ao primado da economia sobre os Direitos

do Homemrdquo DELMAS-MARTY Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr

Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b p 08-09 37

Ibid p48 38

FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos

teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013 39

DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47

24

com a teoria do Estado em Rede de Castells eacute possiacutevel observar um processo de

descentralizaccedilatildeo espacial com o deslocamento de fontes do centro para periferias40

Da mesma forma os tempos estatildeo desestabilizados Segundo Delmas41

em comparaccedilatildeo

aos votos claacutessicos de perpetuidade da lei eacute possiacutevel hoje encontrar fontes temporaacuterias e

evolutivas do direito O espaccedilo europeu se constitui como uma aacuterea privilegiada dessas fontes

evolutivas42

Sob o aspecto da ldquopequena Europardquo as regras de direito comunitaacuterio impotildeem um

resultado que deve ser atingido o que pela falta de meios juriacutedicos incentiva os Estados a

adaptar seus textos a dados econocircmicos

Isso tudo faz emergir a noccedilatildeo de assincronia43

do direito ou seja diferentes

velocidades em diferentes espaccedilos Nesse sentido haacute no espaccedilo europeu uma diferenccedila de

velocidade dos processos de integraccedilatildeo das normas internacionais (ou supranacionais) de

direito do comeacutercio em comparaccedilatildeo com as normas ambientais ou relativas aos direitos

humanos O proacuteprio processo evolutivo de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais

sob o panorama da ldquopequena Europardquo demonstra desde os primoacuterdios da criaccedilatildeo da

Comunidade Europeia uma ausecircncia de sincronia em relaccedilatildeo agraves duas esferas do direito A

evoluccedilatildeo dos direitos humanos eacute lenta quando comparada com a celeridade da integraccedilatildeo das

normas de direito comercial e econocircmico em um mundo de economia globalizada

Pode-se entatildeo afirmar que natildeo soacute na Europa como tambeacutem na sociedade

internacional o tempo das relaccedilotildees comerciais e por conseguinte o tempo da integraccedilatildeo do

direito do comeacutercio eacute o tempo do software da fluidez da velocidade da luz Enquanto isso o

tempo das relaccedilotildees humanas da eacutetica da solidariedade e da integraccedilatildeo do direito dos direitos

humanos segue o tempo do hardware do denso do apego ao territoacuterio e agraves localidades44

Por fim estaacute-se tambeacutem frente a uma ordem ldquodeslegalizadardquo uma vez que dentre os

reflexos das vicissitudes na seara juriacutedica eacute possiacutevel destacar um ruptura com a noccedilatildeo de

40

Tal fenocircmeno eacute descrito por Mireille Delmas-Marty como ldquodescentralizaccedilatildeordquo Esta envolve o deslocamento de

fontes do centro do Estado para coletividades territoriais Todavia tal fenocircmeno natildeo se confunde com uma mera

desconcentraccedilatildeo de poderes que eacute destinada a conferir maior eficaacutecia agraves estruturas centrais do Estado A

descentralizaccedilatildeo conforme refere a autora confia ao representante local da coletividade territorial certos poderes

de decisatildeo fazendo transparecer uma autonomia local para impor certas regras juriacutedicas Como exemplo

podem-se destacar as comissotildees locais de eacutetica como ocorre em uma deontologia profissional como a Ordem

dos Advogados As regras disciplinares desta profissatildeo guardam um caraacuteter misto sendo de natureza local e

nacional privada e puacuteblica Ibid 2004ap55 41

Ibid 2004ap47 42

Segundo Delmas falar de fontes evolutivas significa renunciar ao passado do costume e ao futuro das leis para

situar as fontes de direito no presente por natureza instaacutevel Ibid 2004ap65 43

Id 2006 p 114 44

SALDANHA Jacircnia Marial Lopes BRUM Maacutercio Morais MELLO Rafaela da Cruz A Assincronia do

Direito e o Caso Araguaia Uma anaacutelise da Decisatildeo do Supremo Tribunal Federal Brasileiro na ADPF 153 e do

Julgamento do Caso Gomes Lund e Outros vs Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos In Andreacute

Karam Trindade Angela Araujo da Silveira Espindola (Org) Direitos Fundamentais e Espaccedilo Puacuteblico 1ed

Passo Fundo - RS Editora IMED 2011 v 2 p 37-61

25

identidade entre direito e lei45

O processo de internacionalizaccedilatildeo deixa comum aos sistemas

de commun law e de civil law o papel do juiz na geraccedilatildeo do direito ou seja na interaccedilatildeo entre

texto normativo e sua interpretaccedilatildeo de modo que a jurisprudecircncia e o diaacutelogo entre os

diferentes tribunais serve para ambos os sistemas como um importante balizador para

consolidaccedilatildeo de entendimentos e de princiacutepios

Diante desse cenaacuterio juriacutedico global proveniente do processo de internacionalizaccedilatildeo -

e especiacutefico no caso da Europa ndash de desestatizaccedilatildeo de ruptura com paradigmas e com a loacutegica

binaacuteria de interpretar o direito eacute possiacutevel concordar com a premissa de Mireille Delmas-

Marty46

de que a paisagem juriacutedica apresenta um panorama de proliferaccedilatildeo constante de

normas e de entendimentos jurisprudenciais que em um primeiro momento podem levar a

uma noccedilatildeo de desordem e anarquia

Conveacutem perceber que a nova paisagem juriacutedica para a qual a Europa eacute um verdadeiro

laboratoacuterio47

eacute composta por formas mais complexas como piracircmides inacabadas

descontiacutenuas compostas por aneacuteis normativos como uma guirlanda no entanto natildeo

especificamente se liga agrave anarquia Pelo contraacuterio a retirada de marcos e o deslocamento de

linhas natildeo significa desordem e essa aparecircncia de caos favorece ao pluralismo

Por isso Delmas-Marty48

atesta que a internacionalizaccedilatildeo do direito apresenta um

grande paradoxo ordenar o plural Embora estejamos semanticamente diante de vernaacuteculos

opostos visto que a proposta eacute colocar em ordem aquilo que naturalmente eacute muacuteltiplo e plural

sem reduzir sua identidade a primeira consideraccedilatildeo que deve ser feita eacute a de que o tiacutepico

modelo kelseniano de loacutegica juriacutedica natildeo mais se aplica ao cenaacuterio em que o Direito se insere

atualmente em razatildeo da multiplicidade e do dinamismo existente no processo de

mundializaccedilatildeo

Para ir da desordem agrave ordem eacute necessaacuterio fortalecer as correlaccedilotildees da formaccedilatildeo

juriacutedica trazendo estabilidade agrave presenccedila de divergecircncias atraveacutes de uma aproximaccedilatildeo entre

ordens juriacutedicas por meio de um jogo de referecircncias cruzadas com o intuito de ordenar a

multiplicidade Essa aproximaccedilatildeo poreacutem natildeo pode ser concebida senatildeo em relaccedilatildeo a uma

referecircncia comum e neste campo a utilidade dos instrumentos protetivos de direitos humanos

traz a coerecircncia de conjunto capaz de indicar uma direccedilatildeo a seguir um norte para a criaccedilatildeo de

um direito comum cujo pluralismo eacute ordenado

45 DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47 46

Id 2006 47

VARELLA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do direito Direito Internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Livre Docecircncia em Direito Internacional Faculdade de

Direito da Universidade de Satildeo Paulo (USP) Satildeo Paulo 2012 Acesso 14 out 2014 48

Ibid 2006 p 10

26

Obviamente o direito comum almejado eacute pluralista tendo a razatildeo como instrumento

de justificaccedilatildeo e de diaacutelogo O pluralismo eacute justificado pelo intuito de harmonizar e conjugar

as particularidades religiosas poliacuteticas culturais de cada Estado ou comunidade evitando a

sobreposiccedilatildeo de uma ordem sobre outra ou a assimilaccedilatildeo e exclusatildeo Em razatildeo disso o

direito comum pluralista pretende construir um ldquoDireito dos Direitosrdquo a partir do ideal de

universalizaccedilatildeo dos direitos humanos sendo que a finalidade eacute a de aproximar ou harmonizar

ndash e natildeo unificar - os diferentes sistemas juriacutedicos sob a perspectiva de respeito ao ldquoirredutiacutevel

humanordquo49

Impossiacutevel a criaccedilatildeo de normas e regras comuns a todos os povos justamente pelo

fato de que sempre algumas normas advindas de culturas especiacuteficas se sobressairatildeo sobre

outras na criaccedilatildeo de uma hegemonia negativa O direito comum portanto inserido na oacutetica

de um direito mundial pluralista eacute aquele acessiacutevel a todos e comum aos diversos Estados

sem que haja o abandono de identidades Justamente em funccedilatildeo disso o alicerce para a sua

criaccedilatildeo eacute a aproximaccedilatildeo dos sistemas juriacutedicos tendo por base os direitos humanos que

carregam a caracteriacutestica da universalidade a qual adveacutem do compartilhamento de sentidos e

do enriquecimento pela troca

Neste sentido em que consistem esses direitos humanos que satildeo os alicerces para a

criaccedilatildeo de um direito comum Eacute possiacutevel afirmar que a mera previsatildeo constitucional ou em

tratados de direitos jaacute asseguram a sua proteccedilatildeo Como lidar com questotildees concernentes agraves

pretensotildees universalistas e as particularidades do relativismo cultural nas diferentes

sociedades europeias

Narciso Baez50

traz reflexotildees importantes acerca desse tema Segundo ele em meados

do seacuteculo XVII pensou-se que a positivaccedilatildeo dos direitos humanos seria instrumento suficiente

para garantir o seu respeito Essa noccedilatildeo adentrou a contemporaneidade com a filosofia de

Hans Kelsen de que as normas positivadas e inseridas nos ordenamentos juriacutedicos eram

obrigatoacuterias por serem legitimadas por uma norma juriacutedica superior que tinha um fim em si

mesma

Obviamente o seacuteculo XX mostrou que a mera inserccedilatildeo legal da dignidade da pessoa

humana ndash que eacute o elemento cerne dos direitos humanos ndash em um sistema positivo de direito e

dissociada de valores morais natildeo seria suficiente para evitar eventuais violaccedilotildees desses

49

Ibid 2006 p 54 50

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos

humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da

UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em

httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014

27

direitos Sob esse panorama e seguindo a corrente eacutetica51

de fundamentaccedilatildeo dos direitos

humanos pode-se afirmar que estes satildeo direitos de fora da ordem positiva que tecircm em seu

bojo componentes morais sociais poliacuteticos e ateacute econocircmicos que salvaguardam condiccedilotildees

miacutenimas para a garantia da dignidade da pessoa humana Em sua dimensatildeo baacutesica portanto

satildeo direitos inatos pautados em valores morais e conferidos aos indiviacuteduos pelo simples fato

de estes serem humanos

Logo para a construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos exige-

se o fortalecimento desses em suas dimensotildees baacutesicas Eacute neste sentido que Delmas52

se refere

ao miacutenimo eacutetico universal e ao irredutiacutevel humano ou seja elementos que todos os indiviacuteduos

apresentam em comum mesmo em diferentes culturas

As duas estruturas baacutesicas dos direitos humanos satildeo portanto os valores morais e a

dignidade humana53

Em relaccedilatildeo aos primeiros infere-se que a origem dos direitos humanos

natildeo eacute legal vez que estes satildeo reconhecidos aos indiviacuteduos pelo simples fato de serem

humanos O ordenamento juriacutedico tem a mera funccedilatildeo de reconhecer tais direitos e transformaacute-

los em normas a fim de obter efetividade Jaacute a dignidade humana eacute o bem maior dentro dos

direitos humanos constituindo uma qualidade universal intriacutenseca irrenunciaacutevel e

inalienaacutevel inerente a todos os seres humanos e que se encontra acima das especificidades

culturais

Neste vieacutes a universalidade de tais direitos que eacute requisito indispensaacutevel para a

criaccedilatildeo de um direito comum natildeo eacute marcada pela criaccedilatildeo de instrumentos internacionais

positivos de proteccedilatildeo dos direitos humanos Isso porque embora tenha se conseguido a

universalizaccedilatildeo da adesatildeo dos Estados como eacute o caso da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos da ONU de 1948 ou mesmo da CEDH do sistema regional europeu ainda haacute

resistecircncias agrave aceitaccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo em algumas culturas que alegam a necessidade de

relativizaccedilatildeo desses direitos para adequaccedilatildeo agraves realidades nacionais54

Logo para a construccedilatildeo de uma verdadeira universalidade eacute necessaacuterio interpretar os

direitos humanos sob uma oacutetica interdisciplinar Finnis55

nesse aspecto afirma que os direitos

humanos constituem uma categoria que busca consagrar a dignidade humana sendo esta um

atributo de todas as pessoas independentemente de crenccedila ou cultura Nesse aspecto

51

Id 2007 p 13-35 52

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b 53

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Direitos humanos na globalizaccedilatildeo In BAEZ Narciso

Leandro Xavier BARRETO Vicente (Org) Direitos humanos em evoluccedilatildeo Joaccedilaba Ed Unoesc 2007 p

13-35 54

Id 2009 p77-99 55

FINNIS John Ley natural e derechos naturales Buenos Aires AbeledoPerrot 2000

28

vislumbra-se necessaacuterio a fim de identificar quais satildeo os valores baacutesicos e inderrogaacuteveis a

todos os humanos a construccedilatildeo de valores universais atraveacutes do diaacutelogo e do cruzamento de

diferentes culturas com diferentes valores Isso facilita a construccedilatildeo de uma cultura

cosmopolita baseada em uma identificaccedilatildeo em que prevaleccedila a dignidade da pessoa humana

acima dos relativismos

As diversidades culturais satildeo provenientes de elementos externos56

da diferenccedila de

ambientes naturais mas mesmo assim todas as pessoas ainda que inseridas em

especificidades culturais distintas ainda manteacutem atributos comuns Eacute por essa loacutegica que

permanece atual a premissa de Kant de que no atual estaacutegio da humanidade os povos

atingiram um grau de desenvolvimento que os permitem fazer parte de uma comunidade

cosmopolita57

Por isso a violaccedilatildeo de um direito humano em um ponto do planeta repercute e

pode ser sentida em todos os outros

Pertinente ainda lembrar que a universalizaccedilatildeo natildeo significa a imposiccedilatildeo ou a

uniformizaccedilatildeo de uma cultura sobre as outras Pelo contraacuterio deve-se buscar uma raiz

comum qual seja um conjunto de valores miacutenimos universais capazes de dialogar com

diferentes culturas garantindo o respeito e a preservaccedilatildeo da vida humana em qualquer lugar

Ainda sob essa oacutetica eacute possiacutevel afirmar que a noccedilatildeo de direito comum de Delmas

aproxima-se do ideal de direito cosmopoliacutetico em Kant58

Ao perceber o aumento da

participaccedilatildeo dos povos na Terra Kant vislumbra a ideia de uma comunidade mundial

alicerccedilada sob as bases de um direito cosmopoliacutetico a fim de garantir a paz perpeacutetua Diante

da dicotomia entre praacuteticas culturais e direitos humanos a base do cosmopolitismo kantiano eacute

a busca de criteacuterios loacutegico-racionais que sejam comuns a todas as culturas

Nesse espectro surgem entatildeo os direitos humanos como nuacutecleo moral-juriacutedico do

direito cosmopoliacutetico vez que a moralidade miacutenima universal se baseia em trecircs pilares a)

humanidade comum b) ameaccedilas compartilhadas e c) obrigaccedilotildees miacutenimas Logo a

fundamentaccedilatildeo moral eacute a base dos direitos humanos uma vez que nela encontram-se as

exigecircncias imprescindiacuteveis para a vida de um indiviacuteduo Apesar das diferenccedilas sociais e

culturais entre os seres humanos algumas necessidades e capacidades satildeo comuns a todos59

56

PAREKH Bhikhu Pluralist universalism and human rights In SMITH Rhona K M ANKER Cristien van

den The essentials of human rights London Oxford University Press 2005 57

KANT Immanuel Para a paz perpeacutetua Traduccedilatildeo Baacuterbara Kristen - Rianxo Instituto Galego de Estudos de

Seguranccedila Internacional e da Paz 2006 58

Ibid 2006 p 107-108 59

BARRETO Vicente de Paulo Direito Cosmopoliacutetico e Direitos Humanos In Espaccedilo Juriacutedico Journal of

Law N 2 Vol 11 2010 Disponiacutevel em

httpeditoraunoescedubrindexphpespacojuridicoarticleview19491017 Acesso 30 out 2014

29

Assim como a concepccedilatildeo de direitos humanos natildeo pode mais ser concebida como o

era na eacutepoca de Kelsen o panorama em que o Direito de um modo geral se insere hoje

tambeacutem natildeo pode mais ser concebido conforme a loacutegica claacutessica kelseniana em que a

constituiccedilatildeo estatal encontra-se no topo de uma estrutura piramidal sendo hierarquicamente

seguida pela legislaccedilatildeo infraconstitucional Os rearranjos da mundializaccedilatildeo e a consequente

internacionalizaccedilatildeo do Direito fazem com que novas estruturas permeiem o atual cenaacuterio

juriacutedico mundial

Seja uma concepccedilatildeo de trapeacutezio cujos veacutertices superiores satildeo ocupados em igual

niacutevel pelas constituiccedilotildees estatais e pelos tratados ou convenccedilotildees internacionais protetivos dos

direitos humanos como eacute a visatildeo de Canotilho seguida por Flaacutevia Piovensan60

seja uma

visatildeo de nuvens fluidas e descontiacutenuas com um direito de sistemas interativos complexos

marcados por geometria de piracircmides inacabadas e aneacuteis normativos como guirlandas

defendida por Delmas-Marty61

demonstram que a internacionalizaccedilatildeo traz tentativas de

recomposiccedilatildeo de um pluralismo que deveraacute ser suficientemente ordenado

Em razatildeo disso razoaacutevel frente agrave mudanccedila paradigmaacutetica trazida pela mundializaccedilatildeo

pensar em um conjunto ordenado para a desordem uma vez que a aparente anarquia que

existe favorece ao pluralismo Para se chegar a um direito comum pluralista tendo por base os

direitos humanos deve-se buscar a harmonizaccedilatildeo entre estes e os direitos econocircmicos com

respeito agraves particularidades religiosas e culturais e com a superaccedilatildeo dos perigos de uma

uniformizaccedilatildeo hegemocircnica tendente agrave globalizaccedilatildeo econocircmica

Nesse novo paradigma o ideaacuterio de ordem ldquodeslegalizadardquo anteriormente referido

toma corpo uma vez que a sobrevalorizaccedilatildeo da lei e das grandes codificaccedilotildees perde espaccedilo

havendo em contrapartida a crescente incorporaccedilatildeo dos precedentes (certa ruptura de

fronteiras entre common law e civil law) e dos princiacutepios como espeacutecie de coacutedigo cultural do

processo de interpretaccedilatildeo e criaccedilatildeo do direito62

A internacionalizaccedilatildeo do Direito reflete portanto uma nova realidade de um Direito

de sistemas complexos fluidos descontiacutenuos e interativos os quais levam agrave mutaccedilatildeo da

proacutepria concepccedilatildeo tradicional de ordem juriacutedica que natildeo eacute mais fechada dentro de si mesma e

sim sofre influecircncia de outras A tradicional piracircmide kelseniana eacute desconstruiacuteda

60

PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e diaacutelogo entre jurisdiccedilotildees In Revista Brasileira de Direito

Constitucional ndash RBCD n19 ndash janjul 2012 61

DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio

de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b 62

FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos

teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013

30

gradativamente dando lugar a novas geometrias cuja hierarquia natildeo eacute tatildeo riacutegida mas nem por

isso deixa de ser complexa

No topo encontram-se as constituiccedilotildees juntamente com elementos do Direito

Internacional (jus cogens tratados relativos o direito internacional dos direitos humanos) e do

direito comunitaacuterio europeu No corpo do que seria a antiga piracircmide kelseniana encontra-se

o crescimento e a consolidaccedilatildeo de um direito jurisprudencial atraveacutes de um jogo de

referecircncias reciacuteprocas em que um sistema observa o outro mas natildeo haacute um centro ao lado das

normas produzidas no legislativo (a intensa produccedilatildeo jurisprudencial para os hard cases

culmina em adiccedilatildeo de conteuacutedos advindos de ldquooutros direitosrdquo) e a base passa a ser composta

por decretos e regulamentos que resultam de administraccedilotildees policecircntricas corroborando para

a crenccedila de que o processo de internacionalizaccedilatildeo do direito vem acompanhado de

descentralizaccedilatildeo e privatizaccedilatildeo de fontes do Direito63

Diante deste quadro Delmas64

apresenta trecircs espeacutecies de processo de interaccedilatildeo para

se chegar a um direito comum coordenaccedilatildeo por entrecruzamento harmonizaccedilatildeo e unificaccedilatildeo

Destaca-se antes de discorrer brevemente sobre esses processos que o direito comum natildeo

tem a pretensatildeo de unificar o Direito no texto pois isso seria uma tarefa praticamente utoacutepica

A ideia de Delmas objetiva na realidade a exploraccedilatildeo da pluralidade como potencial poder

de integraccedilatildeo vez que as redes dinacircmicas e as estruturas vetorizadas pelos direitos humanos

presentes nas novas geometrias da ordem mundial se pautam no reconhecimento do outro em

uma espeacutecie de alteridade65

A coordenaccedilatildeo por entrecruzamento caracteriza-se por ser um processo horizontal em

que a autoridade das decisotildees seraacute reforccedilada pelo jogo de referecircncias cruzadas de uma

jurisdiccedilatildeo agrave outra Essa eacute uma fase transitoacuteria na construccedilatildeo de uma verdadeira ordem juriacutedica

mundial em que a internormatividade e a interpretaccedilatildeo cruzada permitem a formaccedilatildeo de no

miacutenimo uma comunidade de juiacutezes Em funccedilatildeo disso em acircmbito global percebem-se traccedilos

da coordenaccedilatildeo por entrecruzamento nos diaacutelogos entre cortes e tribunais nas mais diferentes

ordens No espaccedilo europeu a coordenaccedilatildeo eacute percebida da mesma forma atraveacutes dos diaacutelogos

entre as cortes nacionais e os tribunais da ldquopequena Europardquo e da ldquogrande Europardquo

respectivamente Tribunal de Luxemburgo e de Estrasburgo

Interessante notar conforme jaacute foi demonstrado que foram os diaacutelogos entre as cortes

nacionais dos diversos Estados membros da entatildeo Comunidade Europeia e posterior Uniatildeo

63

Ibid 2013 p20 64

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006 65

LOPES Carla Patriacutecia Frade Nogueira Internacionalizaccedilatildeo do Direito e pluralismo juriacutedico limites de

cooperaccedilatildeo no diaacutelogo de juiacutezes In Revista de Direito Internacional da Uniceub Vol 9 n4 2012

31

Europeia que auxiliaram no processo de consolidaccedilatildeo do entendimento de primazia das

normas comunitaacuterias ao lado da proteccedilatildeo integral aos direitos fundamentais previstos nas

constituiccedilotildees estatais Isso culminou conforme se asseverou anteriormente na disposiccedilatildeo do

Tratado de Lisboa de que a Uniatildeo Europeia natildeo soacute se submete agraves tradiccedilotildees e regras

constitucionais em mateacuteria de direitos fundamentais como adere agrave Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem

Se o primeiro processo de interaccedilatildeo eacute a coordenaccedilatildeo far-se-aacute de imediato a anaacutelise do

uacuteltimo processo a unificaccedilatildeo visto que o eacute no processo intermediaacuterio ndash a harmonizaccedilatildeo ndash que

se desenvolve o foco do presente estudo A unificaccedilatildeo seria do ponto de vista formal o

processo perfeito por unir ordens juriacutedicas regionais sob um mesmo modelo hieraacuterquico e

coerente das ordens nacionais tradicionais Entretanto sob o enfoque empiacuterico essa perfeiccedilatildeo

estaacute longe de ser garantida vez que a unificaccedilatildeo consiste na transferecircncia pura e simples do

regramento juriacutedico de um paiacutes para outro em uma espeacutecie de verticalizaccedilatildeo ordenada que

pode gerar a dominaccedilatildeo hegemocircnica de uma ordem sobre outra sem portanto respeito agrave

pluralidade

O processo intermediaacuterio de harmonizaccedilatildeo por sua vez tende a aproximar os sistemas

com um propoacutesito coordenativo poreacutem sem a intenccedilatildeo unificadora Tal processo limita-se a

uma integraccedilatildeo imperfeita cuja chave eacute a preservaccedilatildeo das margens nacionais de apreciaccedilatildeo

De modo diferente da coordenaccedilatildeo que eacute marcada pela horizontalidade da comunicaccedilatildeo entre

conjuntos juriacutedicos a harmonizaccedilatildeo instaura uma relaccedilatildeo do tipo vertical que implica o

reconhecimento de algumas hierarquias entre por exemplo direito internacional e nacional

direito supranacional e nacional dentre outras formas Todavia a inversatildeo destas hierarquias

e o reconhecimento muacutetuo fazem parte do movimento de harmonizaccedilatildeo

As margens nacionais de apreciaccedilatildeo satildeo as grandes novidades desse processo de

harmonizaccedilatildeo vez que elas funcionam em uma dinacircmica centriacutefuga e envolvem tanto a

obrigaccedilatildeo de conformidade em relaccedilatildeo agraves normas internacionais das quais determinado paiacutes eacute

signataacuterio quanto agrave apreciaccedilatildeo soberana dos Estados sendo delineada por princiacutepios

comuns66

A resistecircncia dos direitos internos e os avanccedilos do processo de harmonizaccedilatildeo satildeo

portanto as condiccedilotildees de possibilidade para a aplicaccedilatildeo da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

(MNA)

66

SALDANHA Jacircnia Maria Lopes MELLO Rafaela da Cruz Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e

Diaacutelogos Transjurisdicionais uma anaacutelise da postura do Supremo Tribunal Federal Brasileiro In Conselho

Nacional de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito - CONPEDI (Org) Direito Internacional dos Direitos

Humanos I XXIII EdFlorianoacutepolis CONPEDI 2014 v I p 368-394

32

Deste modo imperioso reconhecer que em um continente plural como eacute o europeu

com diversos paiacuteses com aspectos linguiacutesticos culturais religiosos e poliacuteticos a figura da

MNA apresenta-se como uma importante chave para o desenvolvimento e consolidaccedilatildeo de

um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos sendo uma ferramenta relevante

para o estabelecimento de um pluralismo ordenado uma vez que as pluralidades e

peculiaridades culturais e religiosas de cada Estado satildeo respeitadas

Neste sentido portanto a Europa pode ser vista novamente como um laboratoacuterio de

experiecircncias e o surgimento da MNA possui hoje um importante papel sobretudo dentro do

continente europeu Utilizada tanto pelos Tribunais de Luxemburgo e Estrasburgo a MNA

surgiu pela primeira vez na jurisprudecircncia do TEDH

Embora existam relatos do uso da MNA pelo Tribunal de Luxemburgo para permitir

que os conceitos comunitaacuterios sejam interpretados de modo flexiacutevel segundo as

especificidades nacionais e servindo como uma importante vaacutelvula de escape para as tensotildees

nacionais mais fortes neste trabalho far-se-aacute a limitaccedilatildeo da utilizaccedilatildeo da MNA pelo Tribunal

Europeu de Direitos do Homem com o intuito de analisar quais satildeo os entraves e as

possibilidades do uso de tal ferramenta pra a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de um direito comum

para a ldquogrande Europardquo tendo como base os direitos humanos

33

2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU

A noccedilatildeo de margem encontra-se no coraccedilatildeo dos sistemas de Direito uma vez que o

direito interno jaacute prevecirc a possibilidade de uma margem de interpretaccedilatildeo aos juiacutezes em relaccedilatildeo

agraves demandas que lhes satildeo apresentadas Todavia a internacionalizaccedilatildeo impulsiona ao

acreacutescimo do termo ldquonacionalrdquo a essa margem no sentido de permitir o reconhecimento da

diversidade dos sistemas juriacutedicos e a possibilidade de um direito comum

Nesse sentido no presente capiacutetulo far-se-aacute uma abordagem acerca da histoacuteria dessa

ferramenta criada pelo TEDH bem como o conceito e as criacuteticas trazidas por estudiosos da

doutrina da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) (21) Por conseguinte atraveacutes de uma

anaacutelise jurisprudencial se tentaraacute comprovar que a margem a despeito de opiniotildees contraacuterias

acerca da ausecircncia de paracircmetros para sua aplicaccedilatildeo pelo TEDH constitui-se como um

instrumento relevante para a construccedilatildeo de um direito comum europeu tendo como base

luminosa os direitos humanos (22)

21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem

Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu

Consoante fora anteriormente aludido a noccedilatildeo de margem encontra-se dentro dos

sistemas de direito Por isso em um primeiro momento aponta-se a margem dentro do direito

interno como ferramenta capaz de auxiliar o juiz enquanto receptor da norma a interpretar

determinado caso concreto em uma espeacutecie de coacutedigo cultural que determina o senso da

norma67

Nesse sentido a origem dessa margem de interpretaccedilatildeo adveacutem do direito

administrativo de diversos Estados europeus Na Franccedila a margem eacute conhecida como ldquomarge

67

DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation

du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit

compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780

34

drsquoappreacutecciationrdquo na Alemanha eacute vista como ldquoErmessensspielraumrdquo e na Itaacutelia ldquomarge de

discrizionalitaacuterdquo68

Em acircmbito interno portanto caracteriza-se por ser uma deferecircncia que

combina aspectos processuais e hermenecircuticos no sentido de conferir uma reserva de

apreciaccedilatildeo ao administrador para decidir acerca da conveniecircncia e oportunidade em relaccedilatildeo

aos atos administrativos

O processo de internacionalizaccedilatildeo estaacutegio supremo da globalizaccedilatildeo69

no acircmbito do

Direito se desenvolve a ponto de transformar o campo de uma disciplina de modo que

consoante jaacute fora exaustivamente exposto a seara juriacutedica natildeo se limita mais agrave relaccedilatildeo entre

Estados nem somente se combina com os direitos internos Logo o pluralismo pode ser visto

como uma palavra de ordem na paisagem juriacutedica atual e por isso a noccedilatildeo de margem ganha

o adjetivo ldquonacionalrdquo e passa a ser um elemento de tentativa de aproximaccedilatildeo com a finalidade

de atingir um direito comum com bases humanistas

Logo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) teria a finalidade de proceder a uma

espeacutecie de siacutentese entre os anseios de unidade juriacutedica e o desejo de separaccedilatildeo proveniente de

uma autonomia estatal A margem portanto sob o vieacutes da internacionalizaccedilatildeo corresponderia

ao caminho do meio entre o pressuposto de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o

relativismo ou os particularismos culturais de cada Estado

No contexto europeu em que tanto sob o vieacutes comunitaacuterio quanto sob a perspectiva do

sistema regional os Estados apresentam pluralidades significativas em relaccedilatildeo agrave religiatildeo agrave

cultura agrave poliacutetica dentre outros campos a figura da MNA serve como um importante

instrumento para aproximar o universal e o relativo70

Dessa maneira teria a funccedilatildeo de no

processo de construccedilatildeo de um direito comum apresentar como horizonte a universalidade dos

direitos humanos mas sem perder de foco os relativismos culturais que formam a identidade

das mais diferentes sociedades

Niacutetido portanto que o caminho para a construccedilatildeo de um ldquocomumrdquo em mateacuteria de

direitos humanos relaciona-se natildeo soacute com a proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua esfera eacutetica

e miacutenima como tambeacutem com a preservaccedilatildeo da pluralidade Como instrumento do processo de

harmonizaccedilatildeo a margem carrega em seu acircmago a noccedilatildeo de convergecircncia em torno de

princiacutepios comuns mas garantindo o respeito a uma espeacutecie de direito agrave divergecircncia uma vez

68

ITZCOVITCH Giulio One None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations The Lautsi Case

In Human Rights Law Review Oxford Journals 2013 Disponiacutevel em

httphrlroxfordjournalsorgcontent132toc Acesso 04 nov 2014 69

SANTOS Milton Teacutecnica Espaccedilo Tempo Globalizaccedilatildeo e meio teacutecnico-cientiacutefico-informacional 5ordf ed

Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2013 p 45 70

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b

35

que se garante a cada Estado a particularidade de lidar com questotildees atinentes agraves suas

diferenccedilas

Deste modo o Tribunal de Estrasburgo consoante fora dito anteriormente se utiliza

pela primeira vez do recurso agrave MNA no caso Lawless vs Irlanda71

Na discussatildeo cerne deste

conflito estava a possibilidade de prisatildeo provisoacuteria no caso dos atentados terroristas

relacionados ao grupo extremista IRA (Irish Republic Army) Mais especificamente o

cidadatildeo irlandecircs Gerard Richard Lawless ex-membro do IRA foi preso em julho de 1957 no

momento em que estava prestes a viajar da Irlanda agrave Gratilde-Bretanha Neste ato foi detido sob

especiais poderes de detenccedilatildeo indeterminada sem julgamento sob alegaccedilotildees de ofensas contra

o Estado irlandecircs

Lawless fazendo o uso da prerrogativa de peticcedilatildeo individual demandou perante a

Corte Europeia de Direitos do Homem alegando violaccedilatildeo pelo Estado Irlandecircs dos artigos 56

e 7 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem mas especificamente direitos de

liberdade seguranccedila julgamento justo e o princiacutepio de proibiccedilatildeo de puniccedilatildeo sem lei anterior

que defina um delito

No julgamento do caso em 1961 o Tribunal de Estrasburgo pela primeira vez fez

alusatildeo mesmo que de modo natildeo explicito agrave possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo

ao deixar ao Estado Irlandecircs margem para decidir fundamentando-se nas prerrogativas do

artigo 1572

da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Tal norma da Convenccedilatildeo alude agrave

possibilidade de derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade com a prerrogativa de que em

caso de guerra ou outro perigo puacuteblico que ameace a vida da naccedilatildeo a parte aderente agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem pode tomar providecircncias que derroguem as

obrigaccedilotildees previstas no tratado na estrita medida em que exigir a situaccedilatildeo

71

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57518itemid[001-57518] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lawless vs Irlanda Sentenccedila de 01 de julho de 1961 Acesso

05 nov 2014 72

Artigo 15 Derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade 1 Em caso de guerra ou de outro perigo puacuteblico que

ameace a vida da naccedilatildeo qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providecircncias que derroguem as obrigaccedilotildees

previstas na presente Convenccedilatildeo na estrita medida em que o exigir a situaccedilatildeo e em que tais providecircncias natildeo

estejam em contradiccedilatildeo com as outras obrigaccedilotildees decorrentes do direito internacional 2 A disposiccedilatildeo

precedente natildeo autoriza nenhuma derrogaccedilatildeo ao artigo 2deg salvo quanto ao caso de morte resultante de atos

liacutecitos de guerra nem aos artigos 3deg 4deg (paraacutegrafo 1) e 7deg 3 Qualquer Alta Parte Contratante que exercer este

direito de derrogaccedilatildeo manteraacute completamente informado o Secretaacuterio Geral do Conselho da Europa das

providecircncias tomadas e dos motivos que as provocaram Deveraacute igualmente informar o Secretaacuterio - Geral do

Conselho da Europa da data em que essas disposiccedilotildees tiverem deixado de estar em vigor e da data em que as da

Convenccedilatildeo voltarem a ter plena aplicaccedilatildeo CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS

DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014

36

Logo aplicando o referido artigo 15 da Convenccedilatildeo a decisatildeo do Tribunal de

Estrasburgo foi de no caso proposto asseverar que os fatos apurados natildeo revelam uma

violaccedilatildeo por parte do Governo irlandecircs de suas obrigaccedilotildees ao abrigo da Convenccedilatildeo Europeia

para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais Em razatildeo disso de a

motivaccedilatildeo do Tribunal para proferir a decisatildeo ter partido de uma prerrogativa da proacutepria

Convenccedilatildeo Europeia alguns autores73

natildeo fazem alusatildeo a este caso como o primeiro em que

houve concessatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo para Estado

Embora haja uma referecircncia tiacutemida agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso exposto

anteriormente eacute no caso linguiacutestico belga74

que se percebe uma manifestaccedilatildeo mais concreta

da Corte de Estrasburgo em relaccedilatildeo agrave deferecircncia de julgamento aos Estados precisando

alguns dos fundamentos da doutrina da MNA No caso belga julgado em 1968 pais que

falavam francecircs questionaram o sistema educacional da Beacutelgica que dividia o paiacutes em quatro

regiotildees linguiacutesticas distintas

O Tribunal de Luxemburgo aceitou uma margem de apreciaccedilatildeo conferida agraves partes em

funccedilatildeo de que os Estados possuiacuteam discricionariedade em relaccedilatildeo agrave regulamentaccedilatildeo do direito

agrave educaccedilatildeo A Corte argumentou que essa necessidade de concessatildeo de uma deferecircncia ou de

um limite de discricionariedade ao Estado era proveniente da natureza do proacuteprio direito

discutido (regulamentaccedilatildeo do sistema educacional) de modo que a regulamentaccedilatildeo do direito

agrave educaccedilatildeo poderia variar de acordo com o local e com o tempo consoante as necessidades e

os recursos da comunidade e dos indiviacuteduos

Ainda eacute possiacutevel destacar nesse caso a vinculaccedilatildeo da noccedilatildeo de margem de apreciaccedilatildeo

ao princiacutepio de subsidiariedade dos tribunais internacionais em relaccedilatildeo agraves cortes nacionais

Por isso o Tribunal manifestou-se asseverando que natildeo desejava substituir as autoridades

nacionais pois se assim o fizesse perderia a caracteriacutestica de mecanismo internacional de

garantia da ordem instaurada pela Convenccedilatildeo

73

KRATOCHVIL Jan The inflation of the margin of appreciation by european court of human rights In

Netherlands Quarterly of Human Rights Vol 293 2011 p 324-357 Disponiacutevel em ww corteidhorcr

tablas r26992pdf Acesso 01 nov 2014

VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um

equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em

httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 74

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httpwww9euskadineteuskara_araubideaLegedialegeakgaztelaneuropas23b001pdf CORTE EUROPEIA

DE DIREITOS HUMANOS Caso linguiacutestico belga Sentenccedila de 23 de julho de 1968 Acesso 05 nov 2014

37

Essa subsidiariedade conduz agrave MNA duas noccedilotildees75

uma noccedilatildeo teacutecnica e outra

poliacutetica Na noccedilatildeo teacutecnica a razatildeo para sua existecircncia relaciona-se com a imprecisatildeo de

algumas normas que conferem certa liberdade ao juiz internacional No campo poliacutetico a

relaccedilatildeo se evidencia pela sensibilidade dos Estados em relaccedilatildeo a temas polecircmicos

Sob essa oacutetica e embora esse natildeo seja o foco do presente trabalho pode-se afirmar que

a MNA eacute uma figuram importante tanto para o horizonte de criaccedilatildeo de um direito comum

europeu como para a consolidaccedilatildeo do direito comunitaacuterio europeu Isso porque este uacuteltimo

embora tenha sido baseado em um ideal federalista funda-se na realidade em um modelo de

governanccedila supranacional em que a MNA foi importada pelo Tribunal de Luxemburgo a fim

de ser uma vaacutelvula de escape para tensotildees fortes em acircmbito comunitaacuterio76

O TJUE deste modo permite que os conflitos comunitaacuterios sejam interpretados de

maneira flexiacutevel conforme especificidades nacionais Cada Estado pode atribuir seu proacuteprio

significado a expressotildees ou textos legais de interpretaccedilatildeo ampla devendo-se contudo

vincular aos princiacutepios e conceitos juriacutedico-legais do direito comunitaacuterio

No campo de construccedilatildeo de um direito comum europeu que tem como terreno o

sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos tal premissa natildeo eacute diferente Embora em

alguns casos o TEDH opte pela concessatildeo da margem de deferecircncia essa soacute pode ser aplicada

pelo Estado se este observar os princiacutepios que regem o instrumento legal base da Corte qual

seja a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) Deste modo o Estado natildeo fica

desobrigado do cumprimento da Convenccedilatildeo pois em tese apenas existiraacute margem para

pontos sensiacuteveis desta os quais permitem interpretaccedilotildees diferenciadas de acordo com os

particularismos nacionais e os desacordos culturais

Nesse sentido conforme se observou pelos casos citados com ecircnfase para o caso

Lawless vs Irlanda uma primeira aplicaccedilatildeo da doutrina da margem vinculou-se ao processo

de sedimentaccedilatildeo do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos vez que tal

caso foi um dos primeiros a ser julgado pelo Tribunal de Estrasburgo aleacutem de conforme fora

dito ter sido o primeiro no acircmbito da criaccedilatildeo e uso da MNA Em razatildeo desse contexto a

utilizaccedilatildeo do instrumento em questatildeo deu-se em funccedilatildeo de uma demanda que envolvia

questatildeo de seguranccedila interna de um paiacutes e por isso a aplicaccedilatildeo da deferecircncia de julgamento agrave

Irlanda daacute-se tambeacutem como uma teacutecnica poliacutetica para evitar tensotildees entre esfera internacional

75

DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation

du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit

compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780 76

VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade

de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014

38

e nacional (esta ainda arraigada ao conceito claacutessico de soberania) no acircmbito de um sistema

que tinha sido criado recentemente

Sob tal vieacutes pode-se recorrer agrave explicaccedilatildeo de Marcelo Varella77

de que a margem

deve ser aplicada para temas polecircmicos em que abusos exegeacuteticos por parte do tribunal de

cariz internacional podem levar agrave perda de legitimidade deste Contudo com o

desenvolvimento da teoria da MNA tanto por doutrinadores como pela proacutepria jurisprudecircncia

do tribunal que a criou percebe-se que o seu uso em grande medida relaciona-se com o

embate entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo nacional em mateacuteria de

desacordos culturais

Natildeo obstante a existecircncia de criacuteticas sobre a aplicaccedilatildeo praacutetica atual da MNA pelo

TEDH o que seraacute objeto de anaacutelise na sequencia do presente trabalho eacute com a figura da

deferecircncia da margem nacional que se torna possiacutevel um pluralismo de justaposiccedilatildeo78

que

tolera a coexistecircncia de sistemas particularmente diferentes Somente a possibilidade de

acoplamento do adjetivo nacional ao substantivo margem ou seja uma transferecircncia de

conceito desse substantivo para outra esfera que natildeo agrave interna de cada paiacutes jaacute demonstra que

uma ruptura com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito jaacute iniciou e ainda estaacute em curso

A ruptura com a concepccedilatildeo tradicional unificada e estritamente hierarquizada de

ordem juriacutedica leva a uma ruptura epistemoloacutegica com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito

Isso permite natildeo soacute a existecircncia e aplicaccedilatildeo de uma margem nacional de apreciaccedilatildeo como

demonstra a possibilidade de concretizaccedilatildeo do ideal de um direito comum que por ser

pluralista natildeo pode ser projetado conforme o modelo tradicional e nem encontra campo para

isso em funccedilatildeo do novo mosaico juriacutedico existente sobretudo na Europa

Logo eacute possiacutevel afirmar que a margem a que se refere esse trabalho natildeo deixa de ser

um reconhecimento jurisprudencial dessa mudanccedila de ares trazida pelas novas configuraccedilotildees

e estruturas juriacutedicas Isso porque novas instituiccedilotildees emergem em meio de um caos juriacutedico

que natildeo passa despercebido pelas cortes internacionais Prova disso eacute que a MNA natildeo eacute

mencionada somente pelo TEDH Ainda que de modo muito tiacutemido e em pequena medida eacute

possiacutevel o destaque de citaccedilatildeo (e aplicaccedilatildeo) da referida doutrina pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos79

Embora o continente latino americano seja tatildeo ou mais plural e diversificado que o

europeu e que o uso da margem como instrumento de siacutentese entre relativo e universal seja

77

Ibid 2012 p 143 78

DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 757 79

POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema

interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012

39

teoricamente indicado para sedimentar as bases de construccedilatildeo de um direito comum pluralista

a aplicaccedilatildeo do instituto em solo americano ainda natildeo ocorre de modo significativo Sob esse

vieacutes o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Seacutergio Garcia Ramirez80

asseverou

que a margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute uma ferramenta e um princiacutepio europeu de relativismo

relativo agrave execuccedilatildeo que natildeo eacute visto com simpatia pela Corte maacutexima do sistema regional

americano de direitos humanos Isso em funccedilatildeo natildeo soacute do histoacuterico de demandas que

chegaram ao julgamento da Corte Interamericana ndash em grande parte envolvendo violaccedilotildees de

direitos humanos perpetradas pelo Estado durante os periacuteodos de ascensatildeo de autoritarismos e

ditaduras na Ameacuterica Latina ndash como tambeacutem em razatildeo das democracias latino-americanas

ainda estarem em fase de consolidaccedilatildeo

Deste modo em razatildeo da ausecircncia ateacute entatildeo de casos envolvendo desacordos

culturais e das recentes reinserccedilotildees ou inserccedilotildees democraacuteticas de paiacuteses do continente

americano temia-se que eventual aplicaccedilatildeo de MNA poderia ser compreendida pelos Estados

como um salvo-conduto para que houvesse violaccedilatildeo de direitos humanos pelos paiacuteses A

cautela e a percepccedilatildeo de paisagens diferentes entre os territoacuterios separados pelo Atlacircntico

fizeram e fazem com que ainda hoje a doutrina da margem tenha pouca ou quase nenhuma

aplicaccedilatildeo na Ameacuterica

Deste modo pode-se afirmar que a internacionalizaccedilatildeo do direito - e seus reflexos na

Europa - eacute a responsaacutevel pela criaccedilatildeo de um espaccedilo para o desenvolvimento da doutrina da

margem nacional de apreciaccedilatildeo Nesse sentido embora a criaccedilatildeo tenha sido jurisprudencial

por parte do TEDH com aplicaccedilatildeo em alguns casos pelo proacuteprio Tribunal de Luxemburgo eacute

importante avaliar de que modo a doutrina conceitua o referido instituto

A posiccedilatildeo adotada por este trabalho eacute a de Mireille Delmas-Marty81

que salienta em

suas obras a origem nacional da margem nacional ainda como uma margem de interpretaccedilatildeo

capaz de conferir um pluralismo de valores do tipo meta juriacutedico em uma espeacutecie de

deferecircncia para apreciaccedilatildeo do juiz receptor de determinada norma Todavia a margem

relativa agrave internacionalizaccedilatildeo liga-se ao reconhecimento da diversidade de sistemas juriacutedicos

os quais possuem algumas caracteriacutesticas peculiares ligadas agraves identidades do Estado em que

se encontram

80

Tal posicionamento de Seacutergio Garciacutea Ramirez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema Internacional de

Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de 19 e 20 de agosto

de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado ndash da Pontifiacutecia

Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS 81

DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 762

40

Em razatildeo disso para a autora a noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo aleacutem de ser

uma siacutentese entre o universal e o relativo eacute uma chave do pluralismo ordenado Desse modo

sua construccedilatildeo assemelha-se de um lado agrave expressatildeo de uma dinacircmica centriacutefuga ou seja

uma resistecircncia dos Estados agrave integraccedilatildeo e o apego agrave noccedilatildeo claacutessica de soberania e de outro

lado sendo ela limitada por princiacutepios comuns estabelece o miacutenimo de compatibilidade

voltando-se ao centro em uma dinacircmica centriacutepeta

Haacute portanto um movimento duplo que por vezes traduz as resistecircncias dos direitos

nacionais por vezes os avanccedilos rumo agrave harmonizaccedilatildeo do direito comum em mateacuteria de

direitos humanos Eacute justamente essa capacidade de oscilaccedilatildeo que permite os ajustamentos

com vistas a compatibilizar o interno com o comum com o intuito nem de criar uma

hegemonia do universal e nem de tornar inaplicaacutevel o direito comum em razatildeo das

particularidades Desta forma Delmas percebe a margem como uma teacutecnica juriacutedica presente

no acircmbito do fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo do direito e que permite o reconhecimento da

diversidade entre os sistemas juriacutedicos82

Benvenisti83

por sua vez visualiza no uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo uma

espeacutecie de latitude que cada sociedade tem na resoluccedilatildeo de conflitos inerentes entre os

direitos individuais e os interesses nacionais ou entre diferentes convicccedilotildees morais Por

conseguinte alude que a doutrina da margem consoante inclusive fora abordado

anteriormente neste trabalho respondeu inicialmente a preocupaccedilotildees de governos nacionais

de que as poliacuteticas internacionais pudessem comprometer a seguranccedila nacional Isso entatildeo

explicaria a invocaccedilatildeo da margem no caso Lawless vs Irlanda por exemplo

Com a evoluccedilatildeo da jurisprudecircncia o uso desse instrumento passou a ser aplicado por

outras razotildees como gestatildeo de recursos discricionariedade em relaccedilatildeo a questotildees

concernentes agrave deliberaccedilatildeo acerca de sistemas poliacuteticos educacionais entre outros ateacute passar

a ser utilizada em temas relativos aos desacordos culturais Ainda segundo Bevenisti84

a

utilizaccedilatildeo da margem se justifica em alguns casos e em algumas mateacuterias ndash para o autor por

exemplo a aplicaccedilatildeo da margem nacional natildeo se justifica quando em questatildeo se encontram o

direito de minorias - sendo que o uso ampliado ou desmedido pode gerar uma espeacutecie de

deslegitimaccedilatildeo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos

82

Ibid 2000 p 760 83

BENVENISTI Eyal Margin of apreciation consensus and universal standards In International Law and

Politics Vol 31843 1999 pp 843-854 Disponiacutevel em httpwwwpict-

pctiorgpublicationsPICT_articlesJILPBenvenistipdfp 853 Acesso 05 nov 2014 84

Ibid 1999 p 846

41

Para Poblete amp Alvarado85

a margem nacional de apreciaccedilatildeo liga-se agrave noccedilatildeo de fins e

limites da jurisdiccedilatildeo internacional ou supranacional em mateacuteria de direitos humanos Eles

reconhecem que a doutrina da margem concede aos Estados signataacuterios de convenccedilotildees

internacionais liberdade para apreciar as circunstacircncias materiais que exigem aplicaccedilatildeo de

medidas excepcionais em situaccedilatildeo de emergecircncia como eacute o caso das prerrogativas do artigo

15 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de derrogaccedilatildeo em caso de necessidade

Outrossim ainda segundo os mencionados autores a margem possibilita aos Estados

liberdade para limitar direitos reconhecidos em tratados internacionais quando outros direitos

exigem respeito ou assim exigem os interesses da comunidade Ainda serviria para definir os

conteuacutedo dos direitos delimitar como eles satildeo aplicados no plano interno e definir o modo

como seratildeo cumpridas resoluccedilotildees de um oacutergatildeo internacional de supervisatildeo de um tratado ou

convenccedilatildeo Dessa maneira tais autores identificam a doutrina da MNA como uma

metodologia de que se servem os tribunais internacionais para difundir os direitos humanos

previstos nos tratados internacionais bem como o direito do comeacutercio ndash a margem tambeacutem eacute

aplicada pela Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio (OMC)

Vila86

por sua vez percebe na doutrina da marem nacional de apreciaccedilatildeo uma espeacutecie

de ldquodeferecircnciardquo praticada pelo Tribunal de Estrasburgo em relaccedilatildeo aos Estados signataacuterios da

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Isso pelo fato de que o sistema de proteccedilatildeo dos

diretos humanos na Europa eacute resultado de uma divisatildeo de trabalho entre os Estados e a Corte

em que os primeiros satildeo responsaacuteveis primaacuterios desta proteccedilatildeo e a Corte possui um caraacuteter

subsidiaacuterio atuando em acircmbitos sensiacuteveis como o da moralidade e da religiatildeo em que natildeo haacute

consenso entre os Estados

Nesse mesmo sentido se situa o pensamento de Roca87

que afirma que a doutrina da

margem nacional de apreciaccedilatildeo ocupa um lugar de destaque na jurisprudecircncia do Tribunal

Europeu de Direitos Humanos e eacute necessaacuteria para refletir uma realidade evidente qual seja a

pluralidade cultural dos Estados que fazem parte do Conselho da Europa notaacutevel em um

pluralismo de base territorial sobre o qual assenta uma cultura comum europeia de alguns

miacutenimos

85

POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema

interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012 p5 86

VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um

equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em

httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 87

ROCA JavierGarciacutea La muy discrecional doctrina del margen de apreciacioacuten nacional seguacuten el Tribunal

Europeo de Derechos Humanos Soberaniacutea e Integracioacuten In UNED Teoriacutea y Realidad Constitucional N

202007 p 117-143 Disponiacutevel em httpe-spaciounedes revistasuned indexphp TRC article vie 6778

Acesso 02 nov 2014

42

Da mesma forma considera o autor que os princiacutepios da proporcionalidade e da

subsidiariedade satildeo imanentes agrave noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo visto que os

Estados possuem certa margem de discricionariedade na aplicaccedilatildeo e no cumprimento de

obrigaccedilotildees impostas pela Convenccedilatildeo bem como na ponderaccedilatildeo de interesses mais

complexos Se houver excesso por parte dos Estados no uso dessa margem haacute violaccedilatildeo do

princiacutepio da proporcionalidade e abre-se espaccedilo para a intervenccedilatildeo do oacutergatildeo jurisdicional

internacional sob as bases do princiacutepio da subsidiariedade

Eacute importante sob essa oacutetica lembrar que embora o diferencial da Corte Europeia de

Direitos Humanos seja o de permitir a peticcedilatildeo individual de qualquer sujeito que denuncie

uma violaccedilatildeo de seus direitos baacutesicos assim como outros tribunais internacionais tem a regra

da exigecircncia do esgotamento das vias internas de acesso agrave justiccedila para que a demanda seja

recebida pelo TEDH Se natildeo houve satisfaccedilatildeo do pleito por parte do Estado ou se a reparaccedilatildeo

obtida se revelara inidocircnea para uma proteccedilatildeo adequada ao direito violado entatildeo agrave Corte

Europeia eacute permitido revisar a decisatildeo nacional ou substituiacute-la

Mahorney88

em seus estudos assevera que a margem funciona como uma espeacutecie de

divisatildeo de jurisprudecircncias uma vez que traccedila uma linha divisoacuteria entre o que deve decidir

cada comunidade nacional e as questotildees que tecircm relevacircncia para necessitar uma soluccedilatildeo

homogecircnea ou seja as que demandam uma decisatildeo que harmonize a regulaccedilatildeo do direito e

suas garantias na comunidade internacional independentemente das diferenccedilas de tradiccedilotildees

ou culturas

Contreras89

afirma que os tratados regionais de direitos humanos embora contenham

escopos de universalidade em relaccedilatildeo a esses direitos satildeo acompanhados pela possibilidade

de peculiaridades geograacuteficas na execuccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos direitos do homem As cortes

internacionais tecircm a dificuldade de conciliar ou justificar a falta de conciliaccedilatildeo entre

diferenccedilas morais e normativas de cada regiatildeo Em razatildeo disso uma das criaccedilotildees doutrinaacuterias

mais importantes eacute a da margem nacional de apreciaccedilatildeo sendo esta para o autor um criteacuterio

interpretativo desenvolvido tanto como deferecircncia aos Estados para que possam regular o

conteuacutedo dos direitos e suas restriccedilotildees e para distribuir os poderes e niacuteveis de decisotildees

tomadas entre as autoridades domeacutesticas e internacionais

88

MAHORNEY Paul Marvellous richness diversity or individual cultural relativism In Human Rights Law

Journal Vol 19 nuacutem 1 30 de abril de 1998 p 1 89

CONTRERAS Pablo National Discretion and International Deference in the Restriction of Human Rights A

Comparison Between the Jurisprudence of the European and the Inter-American Court of Human Rights In

Northwestern Journal of International Human Rights Vol 11 2012 Disponiacutevel em

httpscholarlycommonslawnorthwesterneducgiviewcontentcgiarticle=1155ampcontext=njihr Acesso 01 nov

2014

43

Visiacutevel portanto que na doutrina natildeo haacute um contexto exato em relaccedilatildeo a essa figura

criada e aplicada na jurisprudecircncia do TEDH Enquanto para alguns estudiosos ela se

configura como uma doutrina para outros eacute um criteacuterio interpretativo ou hermenecircutico usado

pelos tribunais internacionais no sentido de revisar a decisatildeo de um Estado ou conceder

deferecircncia a este para julgar conforme o direito interno coadunado com os princiacutepios miacutenimos

existentes nos tratados internacionais de direitos humanos

Natildeo obstante a divergecircncia de conceituaccedilatildeo no campo teoacuterico analisar-se-aacute no

proacuteximo capiacutetulo alguns casos emblemaacuteticos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de apreciaccedilatildeo

pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos mais diferentes tema com o intuito de

responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel afirmar que do modo como eacute aplicada a

doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo pela Corte Europeia de Direitos do Homem

temos uma efetiva contribuiccedilatildeo para o processo de harmonizaccedilatildeo entre universal e relativo e

construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos

Embora a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo tenha nascido da tentativa de

produccedilatildeo de uma siacutentese entre o universal e o relativo no espaccedilo do sistema regional europeu

de proteccedilatildeo dos direitos humanos sua aplicaccedilatildeo praacutetica sobretudo pelo TEDH natildeo eacute imune a

criacuteticas Cumpre a esse capiacutetulo realizar notas acerca da aplicaccedilatildeo praacutetica da margem

nacional de apreciaccedilatildeo com o intuito de verificar se ela efetivamente contribui ou eacute capaz de

contribuir para a construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

Conforme afirmam Brum et Saldanha90

a MNA ao ser compreendida e utilizada como

uma forma de autocontrole por meio do qual o oacutergatildeo jurisdicional internacional evita o

enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas poliacutetica pode

representar um risco de fragilizaccedilatildeo do direito internacional dos direitos humanos caso seu

uso se torne indiscriminado sem criteacuterios claros e limites precisos Desta maneira seu uso em

vez de conduzir ao caminho de ordenaccedilatildeo do muacuteltiplo e de mundializaccedilatildeo dos direitos

90

BRUM Maacutercio Morais SALDANHA Jacircnia Maria Lopes A margem nacional de apreciaccedilatildeo e sua

(in)aplicaccedilatildeo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em mateacuteria de anistia Uma figura hermenecircutica a

serviccedilo do pluralismo ordenado In Anuario Mexicano de Derecho Internacional 2015(No prelo para

publicaccedilatildeo)

44

humanos levaria ao rumo contraacuterio da fragmentaccedilatildeo e reforccedilo da velha noccedilatildeo de soberania

marcada pela ausecircncia de compromisso dos Estados com os marcos protetivos miacutenimos do

direito internacional

Neste vieacutes portanto dentro ainda de um panorama geral de anaacutelise da postura do

Tribunal de Estrasburgo um dos primeiros pontos de criacutetica se relaciona ao enfraquecimento

da credibilidade do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos Na visatildeo de

alguns doutrinadores a postura da Corte Europeia na aplicaccedilatildeo irrestrita e sem limitaccedilotildees ou

uma sistematizaccedilatildeo teacutecnica em relaccedilatildeo aos casos em que deve ou natildeo ser aplicada pode gerar

um sentimento de descrenccedila na legitimidade e na eficaacutecia das decisotildees tomadas pelo oacutergatildeo

jurisdicional internacional do Conselho da Europa

Para alguns estudiosos o modo como a margem eacute aplicada reflete uma postura de

evitar o enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas

poliacuteticas Aleacutem de uma fragilizaccedilatildeo do sistema internacional de proteccedilatildeo aos direitos humanos

o uso da margem sem limites definidos pode levar ao reforccedilo da noccedilatildeo claacutessica de soberania

em que o compromisso dos Estados com os instrumentos normativos de direito internacional

era mitigado

No campo de aplicaccedilatildeo a casos praacuteticos eacute possiacutevel conforme assevera Roca91

visualizar as imprecisotildees praacuteticas e teoacutericas do uso da margem o que leva a dois resultados o

primeiro eacute a necessidade de criaccedilatildeo de esforccedilos com urgecircncia para melhor edificar e criar

paracircmetros para a aplicaccedilatildeo da ferramenta bem como que o demandante ou qualquer

observador perante a Corte natildeo saber com suficiente seguranccedila juriacutedica quando o Tribunal

de Estrasburgo vai usar a margem nem quais seratildeo os possiacuteveis resultados desse uso

Ainda segundo o autor a margem eacute um instrumento impreciso e de geometria

variaacutevel todavia eacute consenso entre os doutrinadores que a ferramenta natildeo eacute uma carta branca

aos Estados para fazerem o que quiserem sendo necessaacuteria depuraccedilatildeo teoacuterica para tornar o

instrumento mais preciso Seu uso impotildee como jaacute foi dito autocontenccedilatildeo por parte da Corte

tendo em vista que sua funccedilatildeo segundo o princiacutepio da subsidiariedade eacute somente de impor

estandartes miacutenimos comuns em mateacuteria de direitos humanos Entretanto o niacutevel de proteccedilatildeo

dos direitos dos direitos e das diversas foacutermulas para concretizaacute-los natildeo satildeo homogecircneos

diante de naccedilotildees com tradiccedilotildees juriacutedicas tatildeo diversas

Desta maneira no campo jurisprudencial com a finalidade de responder ao

questionamento feito no capiacutetulo anterior utilizar-se-aacute de modo conjunto as classificaccedilotildees das

91

ROCA op cit 125

45

decisotildees da Corte Europeia dos Direitos do Homem feitas por Contreras e por Roca Para o

primeiro doutrinador92

eacute possiacutevel dividir os casos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de

apreciaccedilatildeo pelo Tribunal de Estrasburgo em trecircs grandes grupos

O primeiro grupo abarca casos envolvendo direitos fundamentais e direitos poliacuteticos

dentre os quais se destacam a proibiccedilatildeo da tortura ou a liberdade de expressatildeo e associaccedilatildeo

Nesse primeiro grupo no que tange aos direitos fundamentais haacute rigorosa supervisatildeo por

parte do Tribunal Europeu negando qualquer margem nacional de apreciaccedilatildeo aos Estados

Ainda dentro deste conjunto no que concerne aos discursos poliacuteticos ou direito de partidos

poliacuteticos eacute por vezes concedida uma margem reduzida agraves autoridades domeacutesticas para

decisatildeo ou execuccedilatildeo de uma decisatildeo

O segundo grupo por sua vez relaciona-se aos direitos de propriedade em que a

Corte concede grande margem de deferecircncia aos Estados Isso porque o TEDH reconhece em

princiacutepio que as autoridades nacionais estatildeo melhor situadas do que o juiz internacional no

que tange a apreciaccedilatildeo acerca do melhor interesse de uma comunidade em relaccedilatildeo a poliacuteticas

envolvendo direitos de propriedade

Por fim o terceiro grupo eacute o mais complexo para a apreciaccedilatildeo do tipo de margem

concedida pelo Tribunal de Estrasburgo uma vez que conteacutem temas que natildeo apresentam

consenso por parte do Tribunal Deste modo neste grupo ficam evidentes as complexidades e

as vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis da MNA Casos como os de liberdade religiosa liberdade de

discurso direitos dos homossexuais dentre outros temas latentes e relevantes na paisagem

juriacutedica social e cultural europeia

Do mesmo modo Roca93

divide a margem nacional de apreciaccedilatildeo em trecircs ciacuterculos

concecircntricos tendo como base a natureza dos direitos cuja tutela eacute pleiteada junto ao oacutergatildeo

jurisdicional internacional do sistema europeu O primeiro ciacuterculo de Roca relaciona-se com o

segundo grupo de Contreras vez que trata dos direitos de propriedade que teriam uma

margem de deferecircncia ampla e um controle pouco intenso por parte da Corte Esse ciacuterculo

seria o maior e englobaria os demais

No ciacuterculo menor estariam os direitos vistos como absolutos pelo Tribunal Europeu

Dentre esses se destacam o direito agrave vida ou os direitos democraacuteticos que apresentam uma

margem de apreciaccedilatildeo pouco extensa juntamente com um controle restrito por parte da Corte

Europeia Este ciacuterculo identifica-se com o primeiro grupo anteriormente mencionado visto

92

CONTRERAS op cit p 35 93

ROCA op cit p 134

46

que trabalha com noccedilotildees de direitos fundamentais e poliacuteticos essenciais e miacutenimos para todos

os paiacuteses europeus

Por fim no espaccedilo intermediaacuterio entre esses dois ciacuterculos encontra-se uma esfera

meacutedia que relacionando-se com o terceiro grupo definido por Contreras contempla todos os

outros direitos em que alguma vez o Tribunal de Estrasburgo mencionou ou aplicou a margem

nacional de apreciaccedilatildeo Eacute justamente nesse ciacuterculo que devem ser desenvolvidos os

paracircmetros para guiar o uso da ferramenta pela Corte no intuito de reduzir a inseguranccedila

juriacutedica ocasionada pelo uso sem uma sistematizaccedilatildeo de criteacuterios

Eacute pertinente em um primeiro momento destacar que conforme ambos os

doutrinadores demonstram quando se mencionam direitos fundamentais ou vinculados agrave

princiacutepios democraacuteticos inaplicaacutevel eacute o uso da margem pela Corte ou se for feito eacute de forma

absolutamente restrita No caso dos direitos fundamentais interessante relembrar Baez94

que

ao buscar o conceito de direitos humanos concluiu que nenhuma fonte normativa existente

tanto em sistemas internacionais quanto nacionais ou regionais trazem a definiccedilatildeo de direitos

humanos Pelo contraacuterio soacute os exemplificam

Nesse sentido observou Baez95

que embora natildeo exista uma definiccedilatildeo precisa de

direitos humanos existem elementos baacutesicos que fazem parte desses e o elemento que eacute

citado em todos os instrumentos normativos sobre o tema eacute o de dignidade da pessoa humana

Os direitos humanos somente existem para realizaccedilatildeo e proteccedilatildeo da dignidade humana poreacutem

o conceito de dignidade eacute de tatildeo difiacutecil conceituaccedilatildeo quanto o conceito de direitos humanos

O autor conclui que a dignidade possui duas dimensotildees a dimensatildeo baacutesica a qual

corresponde aos limites miacutenimos e fundamentais para a existecircncia humana impedindo a

noccedilatildeo de coisificaccedilatildeo do ser Se houver portanto violaccedilatildeo agrave dimensatildeo baacutesica da dignidade da

pessoa humana haacute tambeacutem violaccedilatildeo dos direitos humanos A outra dimensatildeo eacute a cultural vez

que envolve o conjunto de valores que cada sociedade desenvolve

A primeira dimensatildeo refere-se agrave universalidade e a segunda que depende de fatores

culturais permite que os direitos humanos sejam morfologicamente assimeacutetricos Isso natildeo

deixa de se relacionar com o que Delmas-Marty fala acerca dos direitos humanos

inderrogaacuteveis ou seja que natildeo podem sofrer a incidecircncia de qualquer tipo de margem de

94

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos

humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da

UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em

httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014 95

Tal posicionamento de Narciso Leandro Xavier Baez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema

Internacional de Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de

19 e 20 de agosto de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado

ndash da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS

47

apreciaccedilatildeo Estes possuem a caracteriacutestica do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano

ou seja vinculam-se agrave noccedilatildeo da dimensatildeo baacutesica da dignidade da pessoa humana

Neste vieacutes eacute possiacutevel dizer que no que diz respeito aos direitos fundamentais a Corte

de certa forma apresenta certa relaccedilatildeo com as doutrinas apresentadas uma vez que em casos

em que existam registros de violaccedilotildees aos direitos humanos inderrogaacuteveis quais sejam os

que tem como cerne a dignidade humana baacutesica a Corte natildeo permite qualquer espeacutecie de

margem nacional de apreciaccedilatildeo Vejamos por exemplo o caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila96

julgado em 2006 O demandante perante o Tribunal de Estrasburgo foi um terrorista

venezuelano conhecido na deacutecada de 1970 condenado pelo Estado Francecircs agrave prisatildeo perpeacutetua

pelo assassinato em 1974 dois inspetores da poliacutecia francesa e um antigo companheiro

terrorista libanecircs

Saacutenchez recorreu agrave Corte Europeia arguindo violaccedilotildees do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo

Europeia dos Direitos do Homem (proibiccedilatildeo da tortura e tratamentos humanos degradantes) e

do artigo 13 do mesmo diploma legal (direito a um recurso efetivo) Embora no julgamento

tenha ficado decidido que natildeo houve violaccedilatildeo ao artigo 3ordm97

o posicionamento da Corte

permite asseverar que natildeo haacute margem nacional de deferecircncia aos Estados quando o assunto

for violaccedilatildeo de direitos humanos ou fundamentais inderrogaacuteveis ou cujo nuacutecleo central for a

dignidade baacutesica da pessoa humana Nesse sentido a Corte pontuou que mesmo nas

circunstacircncias mais difiacuteceis como a luta contra o terrorismo ou o crime organizado a

Convenccedilatildeo proiacutebe em termos absolutos a tortura ou tratamentos inumanos ou degradantes

Igualmente natildeo confere o Tribunal margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso de

violaccedilatildeo de direitos humanos nas condiccedilotildees degradantes das prisotildees de muitos paiacuteses do Leste

Europeu O caso Kalashnikov vs Ruacutessia98

julgado em 15 de julho de 2002 cujo fundamento

foi repetido em muitos outros casos envolvendo condiccedilotildees humanas degradantes nas prisotildees

apresenta a consideraccedilatildeo de que deficientes condiccedilotildees objetivas e estruturais de cumprimento

de pena podem constituir uma violaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo Europeia

96

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-

1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila Sentenccedila

de 04 de julho de 2006 Acesso 05 nov 2014 97

Artigo 3ordm Proibiccedilatildeo da tortura Ningueacutem pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos desumanos

ou degradantes CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS

LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 98

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-

1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Kalashnikov vs Ruacutessia Sentenccedila de 15

de julho de 2002 Acesso 05 nov 2014

48

Ainda pode-se destacar o caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria99

em que novamente o motivo

que serve de base para o pedido de julgamento do Tribunal de Estrasburgo eacute a violaccedilatildeo do

artigo 3ordf da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de que ningueacutem poderaacute ser

submetido a torturas nem a penas ou tratamentos humanos degradantes O caso em comento

referiu-se agrave prisatildeo do senhor Borislav Gutsanov membro do Partido Comunista preso pela

poliacutecia da Bulgaacuteria em sua casa na frente de seus filhos e de sua esposa durante as

investigaccedilotildees de esquemas de grupos criminosos Segundo o relato das partes demandantes

Gustsanovi foi rendido em sua casa por volta das seis horas da manhatilde forccedilado a se ajoelhar e

algemado em frente a seus filhos menores de idade

A decisatildeo da Corte foi a de considerar que houve violaccedilatildeo do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo

uma vez que se mostrou desnecessaacuterio o ato dos policiais e natildeo condizente com os princiacutepios

da proporcionalidade e com as exigecircncias de garantia de direitos fundamentais de um Estado

Democraacutetico de Direito Isso porque o demandante natildeo teria oferecido resistecircncia em sua

prisatildeo de modo que algemaacute-lo diante de sua famiacutelia representou uma espeacutecie de tratamento

humano degradante

Casos como os acima previstos mostram um padratildeo doutrinaacuterio e jurisprudencial

semelhante vez que natildeo se encontram referecircncias expressas a qualquer margem nacional de

apreciaccedilatildeo para as autoridades nacionais O TEDH determina se as provas colhidas satildeo

suficientes ou natildeo para provar o real risco de tortura ou de tratamento humano e

degradante100

Logo pelo fato de que a natureza dos direitos envolvidos nesse caso eacute considerada

como fundamental de imediato eliminam-se as possibilidades de deferecircncia aos Estados Tal

compreensatildeo eacute o que faz o uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo ser extremamente reduzido

no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos Isso porque ateacute hoje diferentemente do Tribunal de Estrasburgo a Corte

Interamericana teve como maioria de demandas apresentadas as envolvendo delitos

praticados pelos Estados Americanos durante as ditaduras militares ou civil militares em que

casos de tortura e desaparecimento forccedilados eram julgados ou seja casos envolvendo a

violaccedilatildeo de direitos fundamentais ou humanos em sua perspectiva eacutetica de dignidade humana

e natildeo cultural

99

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-126982itemid[001-126982] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria Sentenccedila de 15 de outubro de 2013

Acesso 05 nov 2014 100

CONTRERAS op cit p 41

49

Nesse aspecto visiacutevel que quando se tratam de possiacuteveis violaccedilotildees de direitos

humanos inderrogaacuteveis previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos

a anaacutelise feita pelo Tribunal de Estrasburgo eacute de revisatildeo minuciosa da sentenccedila proferida no

paiacutes de origem da demanda bem como a possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute

extremamente reduzida para natildeo falar inexistente No caso de direitos democraacuteticos a

deferecircncia quando concedida pela Corte possui um limite miacutenimo e consoante o princiacutepio da

proporcionalidade soacute eacute concedida se a restriccedilatildeo eacute necessaacuteria e condizente com uma sociedade

democraacutetica

Nos direitos democraacuteticos referidos abarca-se a participaccedilatildeo poliacutetica atraveacutes das

possibilidades de liberdade de associaccedilatildeo ou de discurso poliacutetico Neste campo dos direitos de

participaccedilatildeo poliacutetica em sociedades democraacuteticas a margem concedida pelo Tribunal de

Estrasburgo consoante se afirmou eacute reduzida e sujeita a um controle rigoroso por parte do

oacutergatildeo jurisdicional internacional

Destaca-se o caso Lingens vs Austria101

que por mais que tenha sido julgado na

deacutecada de 1980 pela Corte Europeia eacute emblemaacutetico em relaccedilatildeo ao posicionamento do

tribunal internacional acerca da liberdade de expressatildeo Nesse caso durante o periacuteodo anterior

agraves eleiccedilotildees na Aacuteustria o jornalista Lingens publicou dois artigos polecircmicos sobre os

candidatos incluindo em um desses artigos a informaccedilatildeo de que o entatildeo presidente do

Partido Liberal Nacional da Aacuteustria teria ligaccedilotildees no passado com o nazismo e com a SS

Contra o jornalista foi instaurado um processo penal e ao fim da instruccedilatildeo criminal

este fora condenado pelo delito de difamaccedilatildeo conforme as regras do direito penal austriacuteaco

Esgotadas as vias internas de recurso o jornalista demandou perante a Corte Europeia

alegando que houve por parte do Estado violaccedilatildeo do artigo 10 da Convenccedilatildeo Europeia

havendo censura em seu direito de expressar-se livremente O Estado por sua vez nas razotildees

apresentadas perante o tribunal internacional justificou a condenaccedilatildeo na convicccedilatildeo de

proteccedilatildeo da honra dos direitos de outrem

Frente a este embate o Tribunal de Estrasburgo reconheceu uma margem miacutenima de

deferecircncia agraves autoridades domeacutesticas no que concerne aos oacutergatildeos locais na avaliaccedilatildeo de uma

necessidade social imperiosa que justificaria a interferecircncia na liberdade de expressatildeo de

Lingens Entretanto ressaltou que essa deferecircncia seria seguida por uma riacutegida supervisatildeo

101

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lingens vs Austria Sentenccedila de 8 de julho de 1986 Acesso

05 nov 2014

50

internacional uma vez estar se tratando de direitos fundamentais para o bom funcionamento

de uma sociedade democraacutetica

Ainda nesse sentido o TEDH arguiu que a liberdade de debate poliacutetico eacute cerne da

democracia e considerar que qualquer ofensa ou notiacutecia acerca de uma pessoa puacuteblica seria

sempre difamaccedilatildeo poderia impedir a imprensa na realizaccedilatildeo de sua tarefa de fornecedora de

informaccedilotildees Deste modo aplicando de forma conjunta os princiacutepios da proporcionalidade e

da subsidiariedade o Tribunal de Estrasburgo decidiu que a condenaccedilatildeo fora desproporcional

ao objetivo legiacutetimo perseguido e constituiu uma violaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo no

acircmbito da Convenccedilatildeo Europeia

Tambeacutem merece anaacutelise o caso July and Sarl Libeacuteration vs France102

cuja sentenccedila

foi proferida em 2008 Neste caso o jornal francecircs Libeacuteration divulgou uma reportagem a

respeito das investigaccedilotildees da morte do juiz Bernard Borrel que em um primeiro momento

havia sido dada como suiciacutedio mas apoacutes a reabertura das investigaccedilotildees houve surgimento de

indiacutecios de morte por encomenda Apoacutes a divulgaccedilatildeo da reportagem contendo informaccedilotildees

acerca da participaccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos na morte do magistrado o diretor do jornal

Senhor July foi processado criminalmente pelo crime de difamaccedilatildeo e condenado pelo governo

francecircs

O TEDH em sua manifestaccedilatildeo asseverou que o caso em questatildeo trazia niacutetida

interferecircncia de autoridades puacuteblicas na liberdade de expressatildeo e essa interferecircncia caso natildeo

siga os requisitos do artigo 10103

da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos representa

clara violaccedilatildeo do direito de liberdade de expressatildeo Nessa situaccedilatildeo ainda a Corte faz uso de

uma triacuteade de requisitos descritos por Contreras104

para a concessatildeo da margem a) prescriccedilatildeo

legal - verificar se a restriccedilatildeo realizada pela autoridade domeacutestica foi autorizada ou pelo

102

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-85084itemid[001-85084] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso July and Sarl Libeacuteration vs France Sentenccedila de 14 de

fevereiro de 2008 Acesso 05 nov 2014 103

Artigo 10 Liberdade de expressatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de expressatildeo Este direito

compreende a liberdade de opiniatildeo e a liberdade de receber ou de transmitir informaccedilotildees ou ideias sem que

possa haver ingerecircncia de quaisquer autoridades puacuteblicas e sem consideraccedilotildees de fronteiras O presente artigo

natildeo impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusatildeo de cinematografia ou de televisatildeo a um

regime de autorizaccedilatildeo preacutevia 2 O exerciacutecio desta liberdades porquanto implica deveres e responsabilidades

pode ser submetido a certas formalidades condiccedilotildees restriccedilotildees ou sanccedilotildees previstas pela lei que constituam

providecircncias necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a integridade territorial ou a

seguranccedila puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral a proteccedilatildeo da

honra ou dos direitos de outrem para impedir a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees confidenciais ou para garantir a

autoridade e a imparcialidade do poder judicial CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS

DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 104

CONTRERAS op cit p 34

51

menos executada em conformidade com a lei b) objetivo legiacutetimo c) se a medida foi

necessaacuteria em uma sociedade democraacutetica

No caso pode ser feito o destaque para o trecho da sentenccedila em que analisando a

necessidade da medida de investigaccedilatildeo do crime de difamaccedilatildeo a Corte arguiu que a tarefa do

tribunal internacional no exerciacutecio de sua competecircncia de fiscalizaccedilatildeo natildeo eacute de tomar o lugar

das autoridades competentes mas sim rever as decisotildees que porventura violarem preceitos

previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem quando entregues ao poder de

apreciaccedilatildeo do Estado Deve entatildeo a Corte agrave luz do caso como um todo avaliar se a medida

tomada pelo Estado foi proporcional ao objetivo legiacutetimo perseguido e se os motivos

indicados pelas autoridades nacionais satildeo suficientes e relevantes Por tais motivos no caso

em questatildeo o TEDH declarou que houve violaccedilatildeo por parte do Estado Francecircs do direito de

liberdade de expressatildeo devendo este arcar com uma indenizaccedilatildeo agraves partes prejudicadas

Ainda dentro dessa esfera de atuaccedilatildeo mais precisamente no que concerne ao direito

democraacutetico de livre reuniatildeo e associaccedilatildeo previsto no artigo 11105

da Convenccedilatildeo Europeia o

destaque pode ser dado aos casos do Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia106

julgado em 2005 e Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia107

julgado em 2006 O primeiro deles

trata da questatildeo de dissoluccedilatildeo do Partido Comunista da Turquia ordenado pelo Tribunal

Constitucional do paiacutes sob as razotildees de que era incompatiacutevel com as obrigaccedilotildees

constitucionais e convencionais do Estado

Ao apreciar tal caso a Corte alegou que os partidos poliacuteticos satildeo estruturas essenciais

para o bom e justo funcionamento da democracia Embora natildeo negue certa margem de

deferecircncia aos Estados para que dissolvam partidos poliacuteticos que poderiam tentar minar a

estrutura constitucional do Estado tal decisatildeo se executada pode sofrer revisatildeo se natildeo

105

Artigo 11 Liberdade de reuniatildeo e de associaccedilatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo

paciacutefica e agrave liberdade de associaccedilatildeo incluindo o direito de com outrem fundar e filiar-se em sindicatos para a

defesa dos seus interesses 2 O exerciacutecio deste direito soacute pode ser objeto de restriccedilotildees que sendo previstas na

lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a seguranccedila

puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral ou a proteccedilatildeo dos direitos

e das liberdades de terceiros O presente artigo natildeo proiacutebe que sejam impostas restriccedilotildees legiacutetimas ao exerciacutecio

destes direitos aos membros das forccedilas armadas da poliacutecia ou da administraccedilatildeo do Estado CONVENCcedilAtildeO

EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS

1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 106

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia

Sentenccedila de 2005 Acesso 05 nov 2014 107

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia Sentenccedila de 15 de

julho de 2006 Acesso 05 nov 2014

52

adequar-se agraves previsotildees da Convenccedilatildeo Europeia Logo o Tribunal embora tenha feito a

ressalva de que podem os Estados dissolver partidos poliacuteticos na situaccedilatildeo afirmou que houve

violaccedilatildeo dos direitos de liberdade de associaccedilatildeo visto que natildeo havia qualquer indiacutecio de que

o partido por ter ideal comunista poderia colocar em risco a estrutura do Estado

Da mesma forma o caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia que envolve o direito

de liberdade sindical Na situaccedilatildeo o Governo turco justifica o fechamento de sindicatos com

base em previsotildees da legislaccedilatildeo trabalhista interna a qual natildeo permite que funcionaacuterios criem

sindicatos A Corte na anaacutelise da situaccedilatildeo tambeacutem asseverou que houve violaccedilatildeo do artigo

11 mesmo que neste existam ressalvas em relaccedilatildeo agrave liberdade de associaccedilatildeo de membros das

Forccedilas Armadas da Poliacutecia e da Administraccedilatildeo do Estado Contudo essas limitaccedilotildees devem

ser interpretadas pelos Estados dentro da sua margem de apreciaccedilatildeo de maneira restrita

Se esses casos expostos ilustram exemplos de margem nacional de apreciaccedilatildeo

reduzida ou inexistente o polo oposto envolve os direitos concernentes agrave propriedade para os

quais a Corte Europeia possui entendimento de que a margem de deferecircncia agraves autoridades

domeacutesticas deve ser maior e mais elaacutestica bem como a supervisatildeo por parte do Tribunal

Internacional deve ser menor e relativizada Isso porque as autoridades nacionais em uma

concepccedilatildeo semelhante agrave de juiz natural no processo estariam mais bem situadas que o juiz

internacional para avaliar qual eacute o interesse geral de uma comunidade nessa seara108

A proteccedilatildeo internacional dos direitos de propriedade encontra-se no artigo 1ordm109

do

Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo de Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades

Fundamentais Jaacute na previsatildeo normativa encontra-se a prerrogativa de que qualquer pessoa

singular ou coletiva tem direito ao respeito de seus bens natildeo podendo haver privaccedilatildeo da

propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica ou por condiccedilotildees previstas em lei Desta maneira

as demandas soacute seratildeo revistas pela Corte caso implicarem violaccedilatildeo expliacutecita a esse artigo

Segundo Roca110

a jurisprudecircncia internacional definiu que a previsatildeo normativa

anteriormente destacada segue trecircs criteacuterios em primeiro lugar deve ser respeitado o direito

ao respeito e gozo paciacutefico dos bens dos indiviacuteduos Na sequecircncia a segunda regra

108

CONTRERAS op cit p 40 109

Artigo 1 Proteccedilatildeo da propriedade Qualquer pessoa singular ou coletiva tem direito ao respeito dos seus bens

Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas

pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo

do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso

dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees

ou de multas CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS

LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 110

ROCA op cit p 127

53

compreende uma garantia contra a privaccedilatildeo ilegal ou seja somente poderaacute haver

expropriaccedilatildeo ou privaccedilatildeo da propriedade em casos de utilidade puacuteblica e de acordo com

condiccedilotildees legalmente previstas Por fim o terceiro paracircmetro eacute a possibilidade de o Estado

estabelecer restriccedilotildees ao direito de propriedade tendo por base a prevalecircncia do interesse

puacuteblico sobre o privado

Logo sob a base desses criteacuterios e de alguns casos jaacute julgados pelo oacutergatildeo jurisdicional

internacional eacute possiacutevel asseverar que a margem de apreciaccedilatildeo concedida aos paiacuteses eacute larga

quando se estaacute diante dos direitos de propriedade No caso Back vs Finlacircndia111

de 2004 que

trata de noccedilotildees de utilidade puacuteblica em casos de expropriaccedilatildeo haacute o reforccedilo da noccedilatildeo de

subsidiariedade da Corte Europeia com o entendimento de que esta deve respeitar as decisotildees

das autoridades nacionais soacute sendo possiacutevel e viaacutevel a intervenccedilatildeo se o juiacutezo for

manifestamente desprovido de bases racionais

Por fim poreacutem natildeo menos importante aborda-se o uacuteltimo grupo de jurisprudecircncias da

Corte Europeia de Direitos Humanos que pode ser enquadrado no que Roca determina como

ciacuterculo mediano vez que conteacutem temas em que o posicionamento do Tribunal de Estrasburgo

em relaccedilatildeo agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute oscilante Eacute nesse grupo que pode ser

visualizada toda a complexidade da margem e suas vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis em casos

semelhantes envolvendo por exemplo liberdade religiosa direito de homossexuais e

transexuais e outros temas

Justamente nesse ciacuterculo que natildeo apresenta por parte dos doutrinadores jaacute referidos no

capiacutetulo anterior um criteacuterio de unificaccedilatildeo se apresenta o embate entre o universalismo de

alguns direitos previstos nos marcos normativos internacionais de direitos humanos ndash com

destaque para a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos ndash e o relativismo relativo a noccedilotildees

religiosas e culturais que compotildeem a identidade dos diferentes povos europeus

Nesse aspecto no que tange agrave liberdade religiosa a qual eacute prevista pelo artigo 9ordm112

da

CEDH temos duas decisotildees emblemaacuteticas do Tribunal de Estrasburgo o caso Lautsi vs

111

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-114486itemid[001-114486] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Back vs Finlacircndia Sentenccedila de 13 de novembro de 2002

Acesso 05 nov 2014 112

Artigo 9 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de pensamento de consciecircncia e de religiatildeo este direito

implica a liberdade de mudar de religiatildeo ou de crenccedila assim como a liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou a

sua crenccedila individual ou coletivamente em puacuteblico e em privado por meio do culto do ensino de praacuteticas e da

celebraccedilatildeo de ritos 2 A liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou convicccedilotildees individual ou coletivamente natildeo

pode ser objeto de outras restriccedilotildees senatildeo as que previstas na lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa

sociedade democraacutetica agrave seguranccedila puacuteblica agrave proteccedilatildeo da ordem da sauacutede e moral puacuteblicas ou agrave proteccedilatildeo dos

direitos e liberdades de outrem CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO

54

Itaacutelia113

julgado em 2011 e o caso Leyla Sahin vs Turquia114

julgado em 2005 Isso porque

nesses casos respectivamente o TEDH referendou as normas que impotildeem a presenccedila de

crucifixos nas escolas puacuteblicas italianas e natildeo opocircs objeccedilotildees a restriccedilotildees estatais concernentes

ao uso do veacuteu islacircmico no contexto educativo

No primeiro caso o TEDH retificou a decisatildeo da Corte Constitucional Italiana que

em 2009 havia estabelecido por unanimidade que a norma italiana a qual impunha desde a

deacutecada de 1920 a presenccedila de crucifixo nas paredes de escolas puacuteblicas havia violado o direito

da senhora Lautsi a educar seus filhos conforme suas convicccedilotildees laicas e liberdade religiosa

Portanto o Tribunal italiano argumentou que a manutenccedilatildeo de um siacutembolo religioso em salas

de aula de uma escola puacuteblica poderia perturbar emocionalmente os estudantes que natildeo

professassem religiatildeo alguma a ter a percepccedilatildeo de que o contexto educativo estava marcado

pela religiatildeo

Para retificar tal sentenccedila o TEDH argumentou por uma valoraccedilatildeo abstrata de

compatibilidade entre a norma italiana que permitia o uso de crucifixos nas escolas puacuteblicas e

os direitos convencionais sendo que a margem nacional de apreciaccedilatildeo foi aplicada para essa

valoraccedilatildeo da norma italiana Em primeiro lugar o Tribunal Europeu matizou quais satildeo as

exigecircncias convencionais de neutralidade religiosa na educaccedilatildeo indicando que se proiacutebe o

proselitismo ou a adoccedilatildeo no marco educativo de algo compatiacutevel com o estabelecimento de

o ensino obrigatoacuterio de uma religiatildeo ou a imposiccedilatildeo de uma religiatildeo no ensino puacuteblico

O crucifixo no entendimento do TEDH eacute um siacutembolo religioso passivo cuja

influecircncia natildeo se compara a que exercem a educaccedilatildeo religiosa ou a participaccedilatildeo em atividades

religiosas Logo a percepccedilatildeo subjetiva de que o crucifixo supotildee uma ausecircncia de respeito ao

direito de liberdade religiosa natildeo basta para considerar que tenha havido uma violaccedilatildeo agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Para o TEDH portanto sempre que natildeo exista

a pretensatildeo de doutrinar o Estado goza de margem de deferecircncia para decidir sobre a

permanecircncia dos crucifixos em sala de aula

HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 113

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-104040itemid[001-104040] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lautsi vs Italia Sentenccedila de 18 de marccedilo de 2011 Acesso 05

nov 2014 114

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-70956itemid[001-70956] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Leyla Sahin vs Turquia Sentenccedila de 10 de novembro de

2005 Acesso 05 nov 2014

55

No caso Leyla Sahin de proibiccedilatildeo do uso do veacuteu islacircmico por uma jovem no recinto

de sua universidade para o TEDH os Estados tecircm autonomia para limitar o uso do veacuteu em

locais como escolas puacuteblicas ou universidades Para referendar essa restriccedilatildeo agrave liberdade

religiosa o Tribunal Europeu admitiu o uso da margem de apreciaccedilatildeo por parte do Estado em

razatildeo da ausecircncia de um consenso europeu sobre a mateacuteria somado agrave ideia de que as

autoridades nacionais podem lidar melhor com o assunto por estarem mais perto das

realidades nacionais do que o oacutergatildeo jurisdicional internacional

Para o TEDH desta forma a opccedilatildeo poliacutetica de um Estado pelo laicizismo pode

justificar restriccedilotildees agrave liberdade religiosa e exigir sacrifiacutecios aos indiviacuteduos em prol da

harmonia religiosa do paiacutes Embora portanto haja restriccedilatildeo da liberdade individual religiosa

no caso em questatildeo a proibiccedilatildeo natildeo viola a CEDH

A aplicaccedilatildeo dos princiacutepios da subsidiariedade e da proporcionalidade bem como a

falta de consenso na Europa acerca de questotildees como as apresentadas marcaram o

posicionamento do TEDH na concessatildeo de margem de deferecircncia aos Estados no que

concerne agrave liberdade religiosa A grande criacutetica contudo reside na falta de criteacuterios

especiacuteficos e de clareza no uso da ferramenta

Neste uacuteltimo grupo portanto vislumbra-se o que Kratochivil115

menciona como

ldquomedida misteriosardquo ou seja natildeo existem paracircmetros ou criteacuterios especiacuteficos para a aplicaccedilatildeo

da margem Pelo contraacuterio haacute falta de clareza e de limites demonstrando que a banalizaccedilatildeo

do uso da MNA liquidifica sua substacircncia e pode gerar inseguranccedila juriacutedica aos litigantes

Sob essa oacutetica no campo de direitos inderrogaacuteveis como eacute o caso dos direitos que compotildeem

esse uacuteltimo grupo a consideraccedilatildeo de Vila116

merece destaque

Segundo a autora nesse campo que envolve relativismos culturais a postura do TEDH

varia entre a adoccedilatildeo de uma versatildeo voluntarista de MNA ou a adoccedilatildeo de uma versatildeo

racionalista A primeira se centra no direito de que o Tribunal de Estrasburgo eacute um oacutergatildeo

internacional e assume uma visatildeo normativa e natildeo meramente temporal ou procedimental

acerca do princiacutepio da subsidiariedade Por isso o TEDH reconhece que sua legitimidade

poliacutetica eacute meramente derivada e outorga uma presunccedilatildeo em favor do Estado evitando realizar

uma valoraccedilatildeo independente de compatibilidade entre as medidas impugnadas e o convecircnio

Esta presunccedilatildeo soacute eacute rompida quando haacute razotildees fortes para concluir que o Estado extrapolou o

exerciacutecio de sua autonomia Sob a oacutetica desta concepccedilatildeo fatores como a falta de consenso

115

KRATOCHVIL op cit p 330 116

VILA op cit p 10

56

europeu ou a ideia de que os Estados situam-se em um local melhor apropriado para decidir

adquirem importacircncia por razotildees de legitimidade institucional

Entretanto a oacutetica racionalizada de MNA percebe a ferramenta como um resultado de

efetuar um balanccedilo entre os valores que estatildeo em jogo na proteccedilatildeo dos direitos convencionais

mais do que uma presunccedilatildeo de partida em favor do Estado O TEDH centra-se em examinar

se a medida estatal impugnada consegue alcanccedilar um balanccedilo equitativo entre direitos

individuais e valores democraacuteticos A finalidade natildeo eacute justificar a deferecircncia mas reconhecer

de modo equilibrado os valores democraacuteticos no seio da CEDH

Sobretudo neste uacuteltimo grupo analisado ao qual aqui somente satildeo trazidos casos em

relaccedilatildeo agrave liberdade religiosa (artigo 9ordm da CEDH) concentram-se as criacuteticas em relaccedilatildeo agrave

falta de paracircmetros do TEDH para deferir ou natildeo uma margem de apreciaccedilatildeo aos Estados

Essa variabilidade eacute por alguns117

definida como um ponto negativo de falta de definiccedilatildeo de

criteacuterios o que pode levar a uma margem larga ou a uma margem estreita A primeira poderia

conduzir ao processo de fragmentaccedilatildeo do espaccedilo europeu enquanto a segunda poderia forccedilar

a integraccedilatildeo sob o domiacutenio de uma concepccedilatildeo moderna de direitos humanos pautada pelo

liberalismo e individualismo

Deste modo duas respostas podem ser concedidas agrave pergunta cerne deste trabalho a

margem constitui-se em um instrumento eficaz no processo de construccedilatildeo de um direito

comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa uma vez que sob a perspectiva eacutetica

destes direitos o TEDH preza pela preservaccedilatildeo do irredutiacutevel humano e dos direitos

inderrogaacuteveis e absolutos da pessoa humana Prova disso eacute a ausecircncia ou a miacutenima margem

que eacute concedida para casos envolvendo tortura ou tratamentos humanos degradantes ou

violaccedilatildeo de direitos democraacuteticos

No entanto a ausecircncia de paracircmetros e de criteacuterios por parte do Tribunal de

Estrasburgo (ausecircncia constatada por diversos doutrinadores trazidos ao longo deste trabalho

e exemplificada de modo sinteacutetico atraveacutes da anaacutelise de casos emblemaacuteticos envolvendo

liberdade religiosa) no julgamento de direitos humanos quando vinculados a questotildees

culturais demonstram que no campo praacutetico ainda haacute muito para avanccedilar no processo de

siacutentese entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo dos direitos culturais

117

BRUM et SALDANHA Op cit

57

CONCLUSAtildeO

Slavoj Zizek118

certa vez afirmou que o papel do filoacutesofo natildeo eacute o de propor iniciativas

capazes de mudar o mundo ou as situaccedilotildees em curso mas de observar e interpretar a realidade

que eacute posta A pretensatildeo deste trabalho natildeo difere da conceituaccedilatildeo de filoacutesofo por Zizek Isso

porque em nenhum momento busca-se apresentar alternativas fortes para resolver problemas

postos mas sim almeja-se observar sob um amplo espectro os reflexos da mundializaccedilatildeo

dentro do Direito e de modo especiacutefico como atua o Tribunal Europeu dos Direitos do

Homem no que concerne agrave aplicaccedilatildeo da figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

Aos mais observadores da realidade que se apresenta eacute impossiacutevel negar que na atual

conjuntura da sociedade informacional a proliferaccedilatildeo exacerbada e anaacuterquica de normas e

instituiccedilotildees juriacutedicas gera uma sensaccedilatildeo de caos e de desordem que clama por uma ordenaccedilatildeo

Embora esse verdadeiro mosaico em que se transformou o Direito na atualidade possa ser

vislumbrado em acircmbito global uma anaacutelise mais apurada de uma parte do todo em

especiacutefico da Europa se mostra pertinente para avaliar as possibilidades de construccedilatildeo de um

pluralismo ordenado

A base possiacutevel desse pluralismo ordenado invariavelmente eacute um direito comum cujo

alicerce se encontra nos direitos humanos No contexto europeu de convivecircncia simultacircnea

de uma ldquopequena Europardquo e de uma ldquogrande Europardquo embora o direito comunitaacuterio jaacute tenha

se consolidado sendo um modelo sui generis para todo o globo ainda eacute preciso avanccedilar no

acircmbito da ldquogrande Europardquo ou do sistema regional europeu dos direitos do homem para a

criaccedilatildeo de um direito comum

Nesse sentido parece indiscutiacutevel que a base de um direito comum europeu seja

alicerccedilada na proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua dimensatildeo moral miacutenima ou no que

Delmas denomina de miacutenimo eacutetico universal e irredutiacutevel humano Logo a universalizaccedilatildeo

almejada natildeo tem como objetivo impor referecircncias de uma cultura sobre as demais e sim o

diaacutelogo entre as diferentes particularidades existentes no seio das diversas sociedades que

convivem na Europa a fim de encontrar o que haacute de valores comuns em todas elas

Todavia por mais que a premissa seja de faacutecil compreensatildeo os embates entre

universalismos e relativismos culturais estatildeo na ordem do dia na agenda do Tribunal de

Estrasburgo de modo que um dos temais mais debatidos atualmente no continente se refere

118

ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo Boitempo 2008

58

ao uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo por este tribunal a fim de conferir deferecircncia aos

Estados em algumas mateacuterias para decidir acerca de questotildees sensiacuteveis

O objetivo do presente trabalho foi o de analisar essa ferramenta hermenecircutica de

origem europeia sob a oacutetica de caos juriacutedico anteriormente apresentado De acordo com o que

fora apurado e estudado chegou-se a conclusatildeo de que o uso dessa doutrina contribui ainda

que de modo tiacutemido para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema europeu

Isso porque quando se tratam de temas concernentes agrave tortura a tratamentos humanos

degradantes a penas desproporcionais ou ainda a direitos democraacuteticos a Corte opta por

definir um entendimento que deve ser aplicado em todos os paiacuteses independentemente de

especificidades culturais Estariacuteamos proacuteximos portanto de uma definiccedilatildeo de direitos

humanos inderrogaacuteveis ou de um miacutenimo eacutetico universal proposto por Delmas e jaacute idealizado

por Kant em sua premissa de direito cosmopoliacutetico

No que tange ao restante dos direitos humanos em uma dimensatildeo cultural pode-se

dizer que a teoria da margem traduz uma ideia de que estaacute eacute capaz de harmonizar o

universalismo dos direitos humanos e o pluralismo advindo das diversidades culturais e

religiosas dos paiacuteses europeus Entretanto consoante a anaacutelise de posiccedilotildees doutrinaacuterias acerca

da utilizaccedilatildeo praacutetica do instituto pelo Tribunal de Estrasburgo bem como o embate

paradigmaacutetico de julgados envolvendo liberdade religiosa parece inevitaacutevel a conclusatildeo de

que como meacutetodo de harmonizaccedilatildeo entre plural e universal o oacutergatildeo jurisdicional

internacional do sistema europeu ainda tem muito a evoluir sobretudo na definiccedilatildeo de

paracircmetros e criteacuterios para servir de norte baacutesico em relaccedilatildeo aos mais diversos casos

59

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ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo

Boitempo 2008

3

AGRADECIMENTOS

Primeiramente meu principal agradecimento eacute a Deus que durante todo o periacuteodo de

elaboraccedilatildeo deste singelo trabalho garantiu-me forccedilas para superar todos os obstaacuteculos e

coragem para enfrentar todos os meus temores

Agrave minha estimada orientadora Professora Jacircnia pelos anos de trabalho que

desenvolvemos juntas e pelos ensinamentos conferidos durante todo este tempo Sem sobra de

duacutevida satildeo verdadeiros mestres e humanistas como a senhora os responsaacuteveis por fazer a

diferenccedila natildeo soacute na vida de alguns alunos como no mundo

Agrave minha matildee Marilene pelo apoio constante durante o periacuteodo de elaboraccedilatildeo deste

trabalho Muito obrigada pelo amor incondicional por confiar no meu potencial e me

incentivar a dar o melhor de mim em tudo

Ao meu irmatildeo Otaacutevio pelo carinho pela fraternidade e por ter parado inuacutemeras vezes

qualquer um de seus afazeres para escutar minhas anguacutestias ou meus ensaios de ideias para

este trabalho

Ao meu querido amigo Maacutercio pela parceria acadecircmica que deu iniacutecio a uma bela

amizade Obrigada pelas indagaccedilotildees constantes e por sempre me incentivar a ter uma postura

de inquietude em relaccedilatildeo ao mundo

Agrave Bruna pela amizade pelo apoio e pelo consolo nos momentos difiacuteceis Obrigada por

ter tornado especial cada um dos dias vividos dentro e fora da UFSM seja no Brasil ou aleacutem-

mar Agrave Tieli pela amizade e pela maneira leve e espontacircnea com que me ensinou a ver a vida

durante esses anos de graduaccedilatildeo

Por fim a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formaccedilatildeo deixo

aqui registrado o meu agradecimento

4

ldquoOs povos da terra participam em vaacuterios graus de uma comunidade

universal que se desenvolveu a ponto de que a violaccedilatildeo do direito

cometida em um lugar do mundo repercute em todos os demais

A ideia de um direito cosmopolita natildeo eacute portanto fantaacutestica ou

exagerada eacute um complemento necessaacuterio ao coacutedigo natildeo escrito

do Direito poliacutetico e internacional transformando-o num direito

universal da humanidade Somente nessas condiccedilotildees podemos

congratular-nos de estar continuamente avanccedilando em direccedilatildeo a

uma paz perpeacutetuardquo

(Immanuel Kant)

5

RESUMO

Monografia de Graduaccedilatildeo

Curso de Direito

Universidade Federal de Santa Maria

INTERNACIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO E CAMINHOS

PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU ANAacuteLISE DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO

Autora Rafaela da Cruz Mello

Orientadora Jacircnia Maria Lopes Saldanha

Data e Local da Defesa Santa Maria 28 de novembro de 2014

A evoluccedilatildeo da sociedade industrial para a sociedade informacional ocasiona mudanccedilas

significativas nas estruturas juriacutedicas Afirma-se que hoje a seara juriacutedica se assemelha a um

mosaico no qual um verdadeiro caos aparente se instala em razatildeo da multiplicidade de regras

e instituiccedilotildees de hierarquias diversas Nesse contexto o continente europeu pode ser

considerado como um verdadeiro laboratoacuterio de estudos uma vez que em um mesmo

territoacuterio convivem a ldquopequena Europardquo marcada pelo jaacute consolidado direito comunitaacuterio e a

ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos Sob esse panorama de

anaacutelise do espaccedilo europeu eacute que se propotildee o presente trabalho a analisar a possibilidade de

construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa analisando

como forma de viabilizar tal projeto a figura hermenecircutica da Margem Nacional de

Apreciaccedilatildeo Utiliza-se o meacutetodo dedutivo de abordagem e o meacutetodo de procedimento

monograacutefico e para melhor trabalhar com o tema divide-se o trabalho em duas grandes

partes a primeira analisa a evoluccedilatildeo dos direitos humanos nas duas esferas do espaccedilo

europeu para na sequecircncia trabalhar especificamente com a contribuiccedilatildeo das novas

geometrias juriacutedicas do processo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos bem como da

margem nacional de apreciaccedilatildeo para construir as bases de um direito comum europeu

pluralista Na sequencia aborda-se unicamente o instituto da margem nacional com a

finalidade de averiguar se o modo como o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem aplica a

ferramenta efetivamente contribui para a criaccedilatildeo desse direito comum bem como se

possibilita a harmonizaccedilatildeo entre o universalismo dos direitos do homem e o relativismo das

pluralidades e particularismos culturais

Palavras-chave Europa universalismo relativismo direito comum margem nacional de

apreciaccedilatildeo

6

ABSTRACT

Graduation Monografh

Law School

Federal University of Santa Maria

INTERNATIONALIZATION LAW AND WAYS FOR THE

CONSTRUCTION OF A COMMON EUROPEAN LAW

ANALISYS OF MARGIN OF APPRECIATION

Author Rafaela da Cruz Mello

Adviser Jacircnia Maria Lopes Saldanha

Date and Place of the Defense Santa Maria November 28 2014

The evolution of industrial society to the information society brings about significant changes

in the legal structures It is said that today the legal harvest resembles a mosaic in which a

real apparent chaos ensues because of the multiplicity of rules and various hierarchies of

institutions In this context the European continent can be considered as a true laboratory

studies since in the same territory live the little Europe marked by already established

Community law and the big Europe regional rights protection system humans Under this

scenario analysis of the European area do you propose this study to examine the possibility of

building a common law on human rights in Europe analyzing in order to facilitate such a

project hermeneutics figure of the National Assessment Bank We use the deductive method

of approach and the monographic method and procedure to better work with the theme the

work is divided into two main part the first analyzes the evolution of human rights in the two

spheres of Europe for in sequence work specifically with the contribution of the new legal

geometries the process of universalization of human rights and the national margin of

appreciation to build the foundations of a pluralistic European common law In sequence

addresses solely the Institute of National bank in order to ascertain whether how the

European Court of Human Rights applies to effectively contributes tool for the creation of this

common law and if possible harmonization between universalism of human rights and

cultural relativism of plurality and particularism

Keywords Europe universalism relativism common law national margin of appreciation

7

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 8

1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM

DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS 11

11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave

criaccedilatildeo de um direito comum 11

12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias

juriacutedicas a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da

figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo 20

2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU 33

21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem

Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu 33

22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos 43

CONCLUSAtildeO 57

REFEREcircNCIAS 59

8

INTRODUCcedilAtildeO

No iniacutecio do seacuteculo XX Hans Kelsen1 em ldquoTeoria Pura do Direitordquo defendeu a tese de

que para entender a ciecircncia juriacutedica era necessaacuterio observaacute-la de modo dissociado de outras

ciecircncias O autor propocircs a compreensatildeo do direito a partir da famosa piracircmide kelseniana a

norma fundamental ndash a Constituiccedilatildeo ndash estaria no topo da piracircmide e seria capaz de dotar de

validade o restante do ordenamento juriacutedico Abaixo desta norma fundamental estariam as

demais leis e regras do direito sendo que tal formulaccedilatildeo estagnada e sistemaacutetica da ordem

juriacutedica adequava-se aos anseios de organizaccedilatildeo de uma sociedade industrial

Todavia por trabalhar com conflitos sociais o direito natildeo fica alheio agraves vicissitudes

do seacuteculo XX sendo que a Europa apresenta-se como um importante laboratoacuterio de

observaccedilatildeo de mudanccedilas Apoacutes a Segunda Guerra Mundial emergem na sociedade poacutes-

industrial e posteriormente informacional novas estruturas juriacutedicas que natildeo mais satildeo

capazes de se adequar agrave inflexiacutevel loacutegica hieraacuterquica kelseniana Estamos na era do que

Losano2denomina de ldquodireito turbulentordquo que se move se agita e muda de modo veloz assim

como a sociedade que o cerca embora natildeo tatildeo rapidamente quanto esta sociedade

Em razatildeo disso novas geometrias satildeo criadas para tentar explicar o panorama juriacutedico

da sociedade atual Na Europa por exemplo em que temos convivendo sistemas juriacutedicos de

origens e de ordens diversas ndash sistema internacional nacional supranacional ndash autores

determinam que se vive o tempo do Estado em Rede3ou dos aneacuteis disformes com a

proximidade de guirlandas4 ocasionando ao mais despercebido leitor da realidade um

sentimento de caos juriacutedico

Nesse sentido eacute possiacutevel destacar o pensamento de Mireille Delmas-Marty5 que

revoluciona o pensamento de Kelsen Segundo ela essa falta de sistematizaccedilatildeo

aparentemente anaacuterquica eacute solo feacutertil para a construccedilatildeo de um direito comum pluralista em

1 KELSEN Hans Teoria Pura do Direito Traduccedilatildeo de Joatildeo Baptista Machado Satildeo Paulo Martins Fontes

1996 2 LOSANO Mario G Modelos teoacutericos inclusive na praacutetica da piracircmide agrave rede Novos paradigmas nas

relaccedilotildees entre direitos nacionais e normativas supraestatais Revista do Instituto dos Advogados do Estado de

Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 08 n16 p 264-284 2005 3 CASTELLS Manuel Para o Estado-Rede globalizaccedilatildeo econocircmica e instituiccedilotildees poliacuteticas na era da

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em transformaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora UNESP Brasiacutelia ENAP 1999a p164 4 DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006

5 Id 2004a

9

mateacuteria de direitos humanos A sociedade em tempos de globalizaccedilatildeo precisa resistir ao

processo de desumanizaccedilatildeo e de coisificaccedilatildeo do homem de modo que a base para a

construccedilatildeo desse direito comum pluralista devem ser os direitos humanos

Sob a oacutetica europeia que seraacute aqui analisada por ser um importante referencial para os

estudos das mudanccedilas sociais e juriacutedicas dos seacuteculos XX e XXI de que direitos humanos

referimo-nos para ser a base de um direito comum Em um continente tatildeo muacuteltiplo e plural

como realizar o diaacutelogo positivo entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo

das diferentes culturas

Sob esta oacutetica emerge a figura central desse estudo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

(MNA) bem como sua contribuiccedilatildeo para a construccedilatildeo de um direito comum e para a

harmonizaccedilatildeo entre universalismo e relativismo no contexto da Europa Este recurso

hermenecircutico denominado Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo trata-se de uma construccedilatildeo

jurisprudencial criada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante tambeacutem

referido como Tribunal de Estrasburgo) com a finalidade de conferir algum espaccedilo de

deferecircncia para que os tribunais nacionais dos Estados possam decidir algumas questotildees

consoante suas particularidades locais

Embora esta seja a teoria sob a qual se alicerccedila o instituto almeja-se neste trabalho

responder os seguintes questionamentos a doutrina da MNA aplicada pelo Tribunal Europeu

dos Direitos Humanos contribui para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema

europeu de proteccedilatildeo dos direitos do homem Em sua aplicaccedilatildeo praacutetica a margem se mostra

como um recurso eficaz para harmonizar o universalismo dos direitos humanos e o pluralismo

advindo das diversidades culturais e religiosas dos diferentes paiacuteses que fazem parte do

Conselho da Europa

Para responder tal questionamento utilizou-se o meacutetodo dedutivo como meacutetodo de

abordagem e o meacutetodo monograacutefico de procedimento atraveacutes da leitura e fichamento das

diferentes construccedilotildees teoacutericas e doutrinaacuterias sobre o tema bem como anaacutelise de alguns

julgamentos paradigmaacuteticos do Tribunal de Estrasburgo Para melhor compreensatildeo da

complexidade do tema trabalhado dividiu-se esta monografia em duas grandes partes a parte

1 se ocupa da paisagem europeia no poacutes-Segunda Guerra Mundial com a criaccedilatildeo da ldquopequena

Europardquo do direito comunitaacuterio e da ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos

direitos humanos avaliando em ambos os cenaacuterios de que modo se deu a preocupaccedilatildeo com a

temaacutetica dos direitos humanos ou fundamentais (11)

Por conseguinte no intuito de aprofundar o estudo sobre a possibilidade de criaccedilatildeo de

um direito comum no contexto da ldquogrande Europardquo buscou-se uma anaacutelise das novas

10

geometrias da paisagem juriacutedica e do tipo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos que se

procura dentro desse cenaacuterio avaliando por conseguinte o surgimento da figura da MNA

(12) A parte 2 por sua vez objetiva a anaacutelise pura do instituto da Margem Nacional de

Apreciaccedilatildeo averiguando o histoacuterico de sua criaccedilatildeo e as definiccedilotildees acerca de seu conceito

(21) para na sequecircncia avaliar a partir da anaacutelise de alguns julgamentos paradigmaacuteticos do

Tribunal de Estrasburgo se tal ferramenta hermenecircutica se demonstra eficaz no processo de

harmonizaccedilatildeo das tensotildees entre universalismo e relativismos e se pode ser relevante no

processo de criaccedilatildeo de um direito comum cuja base satildeo os direitos humanos (22)

11

1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM

DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS

O seacuteculo XX trouxe mudanccedilas significativas para os mais diversos segmentos da vida

social e o direito natildeo ficou alheio agraves vicissitudes decorrentes do poacutes-Segunda Guerra Mundial

O continente europeu sobretudo passa a ser o cenaacuterio de revoluccedilotildees na estrutura juriacutedica ateacute

entatildeo conhecida com o surgimento praticamente concomitante de instituiccedilotildees supranacionais

e internacionais para aleacutem das nacionais

Neste vieacutes uma das preocupaccedilotildees primordiais do poacutes-guerra foi a de garantir a tutela

dos direitos humanos mesmo diante das mudanccedilas latentes no cenaacuterio juriacutedico Desta feita

deparamo-nos com duas esferas dentro do cenaacuterio europeu a ldquopequena Europardquo que origina

um direito comunitaacuterio europeu o qual mesmo tendo se ocupado com questotildees relativas agrave

economia e agrave integraccedilatildeo regional desenvolve a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais

atraveacutes do diaacutelogo jurisprudencial entre cortes de naturezas distintas e a ldquogrande Europardquo do

sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos espaccedilo haacutebil e possiacutevel para ser base de

criaccedilatildeo de um direito comum (11) Da evoluccedilatildeo de um campo ao outro a premissas de

universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo buscam

legitimar e consolidar a criaccedilatildeo desse direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

(12)

11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave

criaccedilatildeo de um direito comum

O historiador britacircnico Eric Hobsbawn6 talvez tenha encontrado a melhor adjetivaccedilatildeo

para o seacuteculo XX a ldquoEra dos Extremosrdquo Nas palavras do proacuteprio autor ldquoNatildeo sabemos o que

6 HOBSBAWN Eric A era dos extremos o breve seacuteculo XX 1941-1991 Satildeo Paulo Companhia das Letras

1995

12

viraacute a seguir nem como seraacute o segundo milecircnio embora possamos ter a certeza de que ele

teraacute sido moldado pelo Breve Seacuteculo XXrdquo7

Nesse sentido a Segunda Guerra Mundial representa o marco crucial natildeo soacute para a

preocupaccedilatildeo global em relaccedilatildeo aos direitos humanos8 com a criaccedilatildeo e fortalecimento de uma

grande quantidade de instrumentos normativos responsaacuteveis por sua tutela em acircmbito

mundial como tambeacutem para o surgimento de uma nova Europa Apoacutes o teacutermino da guerra

que teve como palco principal de seus acontecimentos o continente europeu diversos paiacuteses

se encontravam em uma situaccedilatildeo de caos politico fragmentaccedilatildeo e enfraquecimento

econocircmico aleacutem do perigo iminente de eclosatildeo de uma nova disputa de proporccedilotildees mundiais

advinda da dicotomia entre capitalismo e socialismo na entatildeo incipiente Guerra Fria

Eacute nesse contexto que emerge a ideia de criaccedilatildeo de um espaccedilo comum europeu

consubstanciado atraveacutes da integraccedilatildeo regional entre os paiacuteses do continente Ainda no inicio

do seacuteculo XX eacute possiacutevel destacar a ocorrecircncia de propostas relativamente concretas para a

integraccedilatildeo europeia como eacute o caso da proposta do francecircs Aristides Briand em 1929 de

criaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia sob a oacutetica de uma federaccedilatildeo ou seja fundada sob uma

noccedilatildeo de uniatildeo o que implica o respeito agrave soberania9 Todavia a crise econocircmica mundial a

ascensatildeo de nacionalismos na Europa e por fim a eclosatildeo da segunda grande guerra

obstaculizaram a adesatildeo a essa proposta

O cenaacuterio do poacutes-guerra de desintegraccedilatildeo social e miseacuteria econocircmica em grande parte

dos paiacuteses envolvidos gerou a instalaccedilatildeo do Congresso da Europa em Haia nas datas de 7 a

11 de maio de 1948 no qual houve a criaccedilatildeo do ldquoMovimento Europeurdquo No referido

congresso duas correntes foram estabelecidas as quais impulsionaram o surgimento da

ldquopequena Europardquo10

e da ldquogrande Europardquo respectivamente a Europa dos federalistas e a

7 Ibid p14

8 Pode-se nesse sentido destacar a descriccedilatildeo de Valeacuterio Mazzuoli de que desde a Segunda Guerra Mundial em

decorrecircncia dos horrores e atrocidades cometidos durante esse periacuteodo em que muitas vidas eram consideradas

como nuacutemeros e valiam tatildeo pouco os direitos humanos passaram a constituir um dos principais temas do Direito

Internacional contemporacircneo A normatividade internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos foi conquistada

por meio de lutas histoacuterias contiacutenuas e incessantes e consubstanciada em diversos tratados concluiacutedos com esse

propoacutesito tendo sido fruto de um lento e gradual processo de internacionalizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo desses

mesmos direitos o qual fora intensificado com o fim da Segunda Guerra Mundial MAZZUOLI Valeacuterio de

Oliveira Curso de Direito Internacional Puacuteblico 5 ed Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 811 9 SILVA Karine de Sousa Uniatildeo Europeia antecedentes e evoluccedilatildeo histoacuterica In SILVA Karine de Souza

COSTA Rogeacuterio Santos da(Org) Organizaccedilotildees Internacionais de Integraccedilatildeo Regional Uniatildeo Europeia

Mercosul e UNASUL Florianoacutepolis Ed Da UFSC Fundaccedilatildeo Boiteux 2013 p 54 10

Doravante por ldquopequena Europardquo estar-se-aacute referindo aos paiacuteses participantes da Uniatildeo Europeia sujeitos

portanto agraves decisotildees das instituiccedilotildees da Uniatildeo dentre as quais se destaca o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo

Europeia ldquoGrande Europardquo por sua vez refere-se aos paiacuteses que aderiram ao Conselho da Europa que hoje

somam um total de 47 (quarenta e sete) membros e que se submetem agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal Europeu de

Direitos Humanos PRINO Carla Sofia Abreu Relaccedilotildees entre TJUE e TEDH no contexto de adesatildeo da UE agrave

13

Europa dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental11

Os primeiros defendiam uma

integraccedilatildeo mais profunda entre os paiacuteses com transferecircncia de parcela de soberania dos

Estados para uma instituiccedilatildeo com poderes supranacionais sendo esta a base para a criaccedilatildeo da

Comunidade Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) Os segundos por sua vez se opunham agrave

cessatildeo de direitos soberanos impulsionando com seus ideais a criaccedilatildeo em 1949 do

Conselho da Europa com sede em Estrasburgo

Natildeo obstante essa divisatildeo surgida no Congresso da Europa eacute possiacutevel afirmar que a

base de construccedilatildeo da atual Uniatildeo Europeia deu-se com a criaccedilatildeo da Comunidade Europeia

do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) movida pelos ideais integracionistas do francecircs Jean Monnet

Contratado no poacutes-guerra para participar do Plano de Modernizaccedilatildeo e Equipamento da

Franccedila Monnet tinha medo de que o Plano Marshall norte-americano de empreacutestimo de

dinheiro para a reconstruccedilatildeo da Europa pudesse gerar uma diacutevida eterna aos paiacuteses do

continente com os Estados Unidos e para escapar disso via como uacutenica soluccedilatildeo a promoccedilatildeo

de um esforccedilo comum dos Estados atraveacutes de projetos de integraccedilatildeo regional

Por isso redigindo o texto da Declaraccedilatildeo de Schuman de 1950 Monet propagava a

ideia de integraccedilatildeo como meio de assegurar a paz e reerguer a poliacutetica e a economia dos

paiacuteses que foram destruiacutedos pela guerra Nesse sentido sua ideia foi a partir de uma ideologia

pacifista de influecircncia kantiana neutralizar a rivalidade franco-alematilde atraveacutes de uma espeacutecie

de mercado comum com a criaccedilatildeo de uma organizaccedilatildeo internacional com caraacuteter

supranacional que seria responsaacutevel pela gestatildeo dos recursos naturais da regiatildeo do Sarre e do

Ruhr os quais seriam colocados a serviccedilo da paz e natildeo da guerra12

A proposta integracionista daquele que eacute considerado o arquiteto do projeto de

integraccedilatildeo europeia era de retirar da matildeo dos Estados a capacidade de gestatildeo dos recursos

energeacuteticos que movimentavam a induacutestria beacutelica e da guerra Desta forma uma autoridade

internacional mais especificamente uma organizaccedilatildeo internacional setorial seria criada com

um status supranacional para gerenciar e administrar a produccedilatildeo de carvatildeo e de accedilo

funcionando atraveacutes da delegaccedilatildeo de parcelas da soberania estatal em questotildees especiacuteficas

Assim em 1951 com a assinatura do Tratado de Paris criou-se a Comunidade

Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) com a participaccedilatildeo inicial de seis paiacuteses Franccedila

Alemanha Itaacutelia Beacutelgica Holanda e Luxemburgo Posteriormente em 1957 com o Tratado

CEDH Debater a Europa Nuacutemero 4 JaneiroJunho 2011 Disponiacutevel em httpwwweurope-direct-

aveiroaevaeudebatereuropa Acesso 10 out 2014 11

SILVA Karine de Sousa De Paris a Lisboa sessenta anos de integraccedilatildeo europeia In SILVA Karine de

Souza Mercosul e Uniatildeo Europeia O Estado da arte dos processos de integraccedilatildeo regional Florianoacutepolis

Editora Modelo 2010 p 35 12

Ibid p 60

14

de Roma a Comunidade Econocircmica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia para a

Energia Atocircmica (CEEA ou Euratom) foram criadas consolidando-se deste modo as trecircs

comunidades que fizerem emergir o direito comunitaacuterio no seio da Europa Foi contudo

somente em 1992 com o Tratado de Maastrich ou Tratado da Uniatildeo Europeia que nasceu a

Uniatildeo Europeia propriamente dita consagrada em trecircs pilares baacutesicos as comunidades que

inicialmente lhe deram base a colaboraccedilatildeo em mateacuteria de poliacutetica exterior e seguranccedila

comum e a cooperaccedilatildeo no acircmbito judicial e policial em mateacuteria penal13

Visiacutevel deste modo que o que impulsionou a criaccedilatildeo de um direito comunitaacuterio

europeu foi a necessidade de reorganizaccedilatildeo do continente apoacutes 1945 e o fortalecimento

econocircmico de antigas potecircncias rivais como foi o caso da Franccedila e da Alemanha Ocorre que

de modo concomitante ao crescimento dos ideais dos federalistas a segunda corrente oriunda

do Congresso da Europa de 1949 dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental tambeacutem

cresceu e se tornou visiacutevel vez que possuiacutea como objetivo a realizaccedilatildeo de uma uniatildeo mais

estreita entre seus membros de modo a salvaguardar os ideais e princiacutepios que satildeo seu

patrimocircnio comum e favorecer seu progresso social e econocircmico

O Conselho da Europa surgido em 1949 portanto configura-se como outra

organizaccedilatildeo internacional surgida na Europa do poacutes-guerra tendo como base a consolidaccedilatildeo

sob o principio da cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses e natildeo o federalismo que implica cessatildeo de

parcelas da soberania Seu propoacutesito eacute o de defesa dos direitos humanos desenvolvimento

democraacutetico e estabilidade poliacutetico-social na Europa sendo chamado de ldquogrande Europardquo por

desde o iniacutecio contar com mais adesotildees de paiacuteses em relaccedilatildeo agrave CECA Eacute justamente dentro

desse Conselho que surge o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em 1959

oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa e

responsaacutevel pela tutela dos direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

(CEDH) de 1950

A eclosatildeo desses dois movimentos marca o iniacutecio de uma verdadeira revoluccedilatildeo dentro

da compreensatildeo do direito Se antes no continente europeu era possiacutevel vislumbrar a

existecircncia em grande medida e tatildeo somente de tribunais nacionais cuja competecircncia era

exercida dentro de determinado Estado sob a eacutegide de sua soberania o cenaacuterio altera-se e daacute

espaccedilo para a existecircncia natildeo soacute de tribunais nacionais como tambeacutem de tribunais

supranacionais e internacionais

13

Ibidem p 77

15

No caso do direito comunitaacuterio sua criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de

instituiccedilotildees que fortaleccedilam o sistema supranacional Em funccedilatildeo disso dentre os mais diversos

oacutergatildeos criados pelos sucessivos tratados comunitaacuterios pode-se destacar o Tribunal de Justiccedila

da Uniatildeo Europeia (TJUE) ou Tribunal de Luxemburgo

Este criado pelo Tratado de Paris de 1951 e adotado pelo Tratado de Roma de 1957

tem a finalidade de assegurar o cumprimento do direito comunitaacuterio e a interpretaccedilatildeo e

aplicaccedilatildeo dos Tratados dentro a vida da comunidade14

Submetem-se agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal

atualmente os vinte e oito15

paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e ao longo dos anos

ele se desenvolveu como uma importante instituiccedilatildeo capaz de contribuir ao desenvolvimento

da comunidade atraveacutes de consolidaccedilotildees jurisprudenciais e da conversatildeo dos tratados

constitutivos da comunidade em verdadeiras constituiccedilotildees materiais

Embora a preocupaccedilatildeo com os direitos humanos no cenaacuterio da ldquopequena Europardquo natildeo

tenha sido uma caracteriacutestica inicial dos tratados constitutivos das comunidades europeias o

diaacutelogo do Tribunal de Luxemburgo com os tribunais nacionais de alguns Estados europeus

traz agrave tona esse tema bem como se caracteriza por ser o grande responsaacutevel pela consolidaccedilatildeo

de princiacutepios baacutesicos do direito comunitaacuterio como eacute o caso da supremacia das normas

comunitaacuterias Neste vieacutes importante destaque deve ser feito ao caso CostaENEL16

de 1964

que marcou o surgimento da noccedilatildeo de supremacia das normas da comunidade europeia

O objeto de tal caso fora uma lei italiana de nacionalizaccedilatildeo da energia eleacutetrica

declarada incompatiacutevel com o Tratado da Comunidade Econocircmica Europeia Em sede de

reenvio prejudicial o Tribunal Constitucional Italiano enviou a questatildeo ao Tribunal de Justiccedila

da Uniatildeo Europeia o qual reconheceu que ao instituir uma comunidade de duraccedilatildeo ilimitada

com caraacuteter sui generis e poderes resultantes de delegaccedilatildeo de parcela da soberania os paiacuteses

limitariam seus direitos soberanos em prol de um conjunto de normas aplicaacutevel natildeo soacute agrave

comunidade como a todos os seus Estados membros17

14

OLIVEIRA Odete Maria de Uniatildeo Europeia processos de integraccedilatildeo e mutaccedilatildeo 1ordfed 3ordf tir Curitiba

Juruaacute 2003 15

Os vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia satildeo Alemanha Aacuteustria Beacutelgica Bulgaacuteria Chipre

Croaacutecia Dinamarca Eslovaacutequia Eslovecircnia Espanha Estocircnia Finlacircndia Franccedila Greacutecia Hungria Irlanda Itaacutelia

Letocircnia Lituacircnia Luxemburgo Malta Paiacuteses Baixos Polocircnia Portugal Reino Unido Repuacuteblica Checa

Romecircnia Sueacutecia Dados disponiacuteveis no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeuropaeuabout-

eucountriesmember-countriesindex_pthtm Acesso 01 nov 2014 16

O acoacuterdatildeo do referido caso encontra-se disponiacutevel na iacutentegra no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeur-

lexeuropaeulegal-contentPTTXTPDFuri=CELEX61964CJ0006ampfrom=EN Acesso 02 out 2014 17

FARENZENA Sueacutelen Costa versus ENEL ndash O primado do Direito Comunitaacuterio e a mudanccedila de paradigma o

Estado em rede europeu Revista da SJRJ Vol 19 nordm34 Rio de Janeiro 2012 Disponiacutevel em

httpwww4jfrjjusbrseerindexphprevista_sjrjarticleviewFile338296 Acesso 01 out 2014

16

Neste sentido determinou o Tribunal de Luxemburgo que a forccedila executiva do direito

comunitaacuterio natildeo poderia variar de um espaccedilo para outro ao sabor das legislaccedilotildees internas

Impossiacutevel portanto um Estado fazer prevalecer sobre uma ordem juriacutedica aceita sob o pilar

da reciprocidade e da cessatildeo de parcela de direitos soberanos uma medida unilateral anterior

ou posterior que lhe pode opor

Natildeo obstante tal decisatildeo a ideia de supremacia das normas comunitaacuterias por si soacute

natildeo foi adotada de modo paciacutefico por todos os tribunais constitucionais dos paiacuteses sujeitos agrave

jurisdiccedilatildeo do Tribunal de Luxemburgo Em funccedilatildeo disso houve a percepccedilatildeo por parte dos

juiacutezes do TJUE de que seria necessaacuterio acoplar agrave ideia de supremacia das normas

comunitaacuterias um discurso dotado de legitimidade que envolvesse princiacutepios e ideais comuns

natildeo soacute para a comunidade como para os Estados membros Esse discurso portanto seria o

discurso dos direitos fundamentais18

Ateacute o surgimento de algumas tensotildees entre os posicionamentos dos tribunais nacionais

e as decisotildees do TJUE havia certa resistecircncia por parte deste uacuteltimo em lidar com questotildees

concernentes aos direitos humanos ou fundamentais Isto porque o motivo que levou agrave criaccedilatildeo

das Comunidades Europeias e a posterior Uniatildeo Europeia foi predominantemente econocircmico

tanto eacute que os tratados iniciais das Comunidades Europeias natildeo trazem elementos que refiram

explicitamente a preocupaccedilatildeo com direitos humanos ou fundamentais19

Entretanto consoante

fora asseverado a supremacia das normas comunitaacuterias somente conseguiria se afirmar e se

consolidar caso fosse acoplada ao tema da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais

Neste sentido a deacutecada de 1960 pode ser vista como um importante marco para o

TJUE Casos como o Stauder (1969) e o Internationale Handelsgesellschaft20

(1970)

18

GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional

algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em

httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014 19

Pertinente o destaque da concepccedilatildeo de Gilmar Mendes e Geroge Rodrigo Bandeira Galindo sobre este tema

Segundo eles os instrumentos que instituiacuteram as comunidades europeias natildeo se referem de maneira expliacutecita agrave

proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais e haacute razotildees para isso A primeira delas reside no fato de que a

proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa deveria ser transferida para outra organizaccedilatildeo internacional no caso o

Conselho da Europa que foi uma instituiccedilatildeo fundamental para a elaboraccedilatildeo da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos

do Homem de 1950 Outra razatildeo sustenta-se na ideia de que a inclusatildeo imediata de um cataacutelogo de direitos

fundamentais nos tratados instituidores das Comunidades Europeias geraria conflitos entre as consolidadas

constituiccedilotildees estatais e o entatildeo incipiente direito comunitaacuterio Por fim outra razatildeo apontada eacute traduzida no fato

de que os Estados eram temerosos de que a imediata inclusatildeo de temas de direitos fundamentais ou humanos nos

tratados instituidores das Comunidades pudesse ampliar as competecircncias de prerrogativas de instituiccedilotildees receacutem-

criadas Ibidem p03

De qualquer forma houve no processo de germinaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia nos moldes em que hoje

conhecemos a predominacircncia de ideias economicistas e de integraccedilatildeo regional com base na aproximaccedilatildeo de

ideais produtivos e de mercado A preocupaccedilatildeo com a tutela de direitos humanos ou fundamentais surge atraveacutes

dos diaacutelogos espontacircneos entre as cortes constitucionais e o Tribunal de Luxemburgo 20

Neste caso o raciociacutenio da corte faz clara alusatildeo agrave vinculaccedilatildeo entre primazia do direito comunitaacuterio e a

proteccedilatildeo dos direitos fundamentais por parte das instituiccedilotildees comunitaacuterias Os pontos 3 e 4 do julgamento do

17

consolidaram o entendimento do Tribunal de Luxemburgo de que os direitos fundamentais

fazem parte dos princiacutepios gerais do direito comunitaacuterio Conflitos positivos de competecircncias

entre tribunais nacionais e o tribunal supranacional instituiacutedo no acircmbito da comunidade

marcaram os diaacutelogos iniciais para a estimulaccedilatildeo da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais em

acircmbito comunitaacuterio

Como continuidade deste diaacutelogo eacute pertinente destacar o caso Nold (1974) no qual o

Tribunal de Luxemburgo reconheceu como pauta geral para o direito comunitaacuterio europeu o

predomiacutenio dos direitos fundamentais Com isso mais uma vez reafirmou-se a ideia de que o

direito comunitaacuterio tem supremacia sobre as disposiccedilotildees legais nacionais mas que de toda a

sorte deve se adaptar a uma base comum de valores como os determinados por exemplo

pela Convenccedilatildeo Europeia de Direito do Homem

Por isso fala-se que este caso fixa um terceiro elemento no nuacutecleo de salvaguarda dos

direitos fundamentais aleacutem das tradiccedilotildees constitucionais comuns e dos direitos fundamentais

garantidos nas Constituiccedilotildees dos Estados os instrumentos internacionais relativos agrave proteccedilatildeo

dos direitos humanos passam a ser uma importante fonte de inspiraccedilatildeo para a proteccedilatildeo de

direitos em acircmbito comunitaacuterio Em funccedilatildeo disso inclusive em 1975 o TJUE pela primeira

vez recorreu agrave Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem no caso Rutili21

Apesar de tal decisatildeo do caso Nold o emblemaacutetico caso Solange levou agrave confirmaccedilatildeo

e consolidaccedilatildeo da vigecircncia dos direitos fundamentais no acircmbito da Comunidade Neste caso

em 1974 o Tribunal Constitucional alematildeo determinou que enquanto a Comunidade natildeo

dispusesse de um sistema de proteccedilatildeo de direitos comparaacutevel ou equiparado agrave Lei

Fundamental de Bonn ou seja enquanto natildeo houvesse um cataacutelogo de direitos fundamentais

aplicaacuteveis agrave Comunidade Europeia as instituiccedilotildees comunitaacuterias seriam ineficazes no que

concerne agrave proteccedilatildeo desses direitos22

TJUE respectivamente determinam que 3 A validade de uma medida comunitaacuteria ou de seus efeitos em um

Estado membro natildeo podem ser afetadas por alegaccedilotildees de que ela contraria direitos fundamentais tal como

formuladas pela Constituiccedilatildeo do Estado ou princiacutepios de uma estrutura constitucional nacional() 4() o

respeito pelos direitos fundamentais forma uma parte integral dos princiacutepios gerais de direito protegidos pela

Corte de Justiccedila A proteccedilatildeo de tais direitos enquanto inspirada pelas tradiccedilotildees constitucionais comuns aos

Estados membros deve ser assegurada no acircmbito da estrutura e dos objetivos da Comunidaderdquo Ibidem p4 21

O caso Rutilli caracteriza-se por ser a primeira referecircncia jurisprudencial feita pelo Tribunal de Luxemburgo agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem ou seja a utilizaccedilatildeo por parte de um tribunal supranacional de um

marco normativo essencial natildeo para o direito comunitaacuterio mas para o sistema regional de proteccedilatildeo aos direitos

humanos Nesse caso o Tribunal de Luxemburgo afirmou que as normas de direito comunitaacuterio natildeo era mais do

que uma manifestaccedilatildeo de princiacutepios gerais de direito consagrados na Convenccedilatildeo 22

GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional

algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em

httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014

18

Como resultado de tal caso natildeo soacute o Tribunal de Luxemburgo passou a consolidar um

entendimento jurisprudencial favoraacutevel ao respeito e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais

como demais instituiccedilotildees da entatildeo Comunidade Europeia assim agiram Em funccedilatildeo disso diz-

se que o principal resultado do caso Solange foi uma resoluccedilatildeo conjunta datada de 5 de abril

de 1977 entre Parlamento Europeu Conselho Europeu e Comissatildeo Europeia denominada

ldquoDeclaraccedilatildeo Conjunta sobre Direitos Fundamentaisrdquo23

Nesta ressaltou-se a necessidade do

respeito em acircmbito comunitaacuterio dos direitos fundamentais consagrados pelas tradiccedilotildees

constitucionais dos Estados membros e pela Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos

Os direitos fundamentais atraveacutes desse diaacutelogo jurisprudencial entre as cortes de

esperas diferentes (supranacional e nacionais) apareceram de modo progressivo no direito

comunitaacuterio europeu tornando-se paracircmetros de validade das normas da Uniatildeo Qualquer

norma seja comunitaacuteria seja nacional que contrariasse os direitos fundamentais seria

considerada invaacutelida

A tendecircncia jurisprudencial do TJUE de vincular a noccedilatildeo de supremacia das normas

comunitaacuterias com a proteccedilatildeo aos direitos fundamentais acabou por refletir no Tratado de

Maastricht de 1992 Tambeacutem chamado de Tratado da Uniatildeo Europeia este documento em

seu artigo F nuacutemero 2 determina que a Uniatildeo respeite os direitos fundamentais tal como os

garante a Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem24

Na esteira da inclusatildeo da proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em tratados o Tratado de

Lisboa de 2007 aleacutem de estabelecer personalidade juriacutedica agrave Uniatildeo Europeia25

determina que

a esta aderiraacute agrave Convenccedilatildeo Europeia para a proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e das Liberdades

Fundamentais sendo que a adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas

nos tratados26

23

XAVIER Ana Isabel Os Direitos Fundamentais no ldquodiaacutelogo europeurdquo de Nice a Lisboa In Debater a

Europa n 9 julhodezembro 2013 Disponiacutevel em httpeurope-direct-

aveiroaevaeudebatereuropaimagesn9axavierpdf Acesso em 03 out 2014 24

Artigo F n 2 ldquoA Uniatildeo respeitaraacute os direitos fundamentais tal como os garante a Convenccedilatildeo Europeia de

Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais assinada em Roma em 4 de novembro de

1950 e tal como resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-membros enquanto princiacutepios

gerais do direito comunitaacuteriordquo TRATADO DE MAASTRICHT 1992 Disponiacutevel em httpeuropaeueu-

lawdecision-makingtreatiespdftreaty_on_european_uniontreaty_on_european_union_ptpdf Acesso 15 out

2014 25

O artigo 46-A do Tratado de Lisboa determina que ldquoA Uniatildeo tem personalidade juriacutedicardquo TRATADO DE

LISBOA 2007 Disponiacutevel em httpeur-lexeuropaeulegal-

contentPTTXTPDFuri=OJC2007306FULLampfrom=PT Acesso 16 out 2014 26

O artigo 6ordf do Tratado de Lisboa determina que ldquo1 A Uniatildeo reconhece os direitos as liberdades e os

princiacutepios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da Uniatildeo Europeia de 7 de Dezembro de 2000 com

as adaptaccedilotildees que lhe foram introduzidas em 12 de Dezembro de 2007 em Estrasburgo e que tem o mesmo

valor juriacutedico que os Tratados De forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competecircncias da Uniatildeo tal

como definidas nos Tratados Os direitos as liberdades e os princiacutepios consagrados na Carta devem ser

interpretados de acordo com as disposiccedilotildees gerais constantes do Tiacutetulo VII da Carta que regem a sua

19

Mesmo que o ideal de Constituiccedilatildeo para a Uniatildeo Europeia natildeo tenha sido aprovado

pelos Estados membros as regras de supremacia das normas comunitaacuterias e de proteccedilatildeo aos

direitos fundamentais consagrados natildeo soacute nas Constituiccedilotildees como nas proacuteprias tradiccedilotildees

constitucionais dos Estados regem as decisotildees do Tribunal supranacional que existe no

continente Por isso mesmo que a preocupaccedilatildeo inicial da ldquopequena Europardquo tenha sido a

integraccedilatildeo econocircmica dos paiacuteses devastados pela guerra para que pudessem voltar a ser

competitivos internacionalmente ao longo do tempo sentiu-se a necessidade de trazer para

dentro do direito comunitaacuterio noccedilotildees acerca dos direitos fundamentais e humanos de modo

que hoje estes se encontram tutelados por instrumentos e oacutergatildeos supranacionais especiacuteficos

Ocorre que conforme se mencionou no iniacutecio deste subcapiacutetulo o cenaacuterio europeu

pode ser vislumbrado sob duas oacuteticas distintas desde o Congresso da Europa a oacutetica

federalista que impulsiona a criaccedilatildeo da Uniatildeo Europeia e de um direito comunitaacuterio europeu

e o vieacutes da cooperaccedilatildeo internacional marcado pela criaccedilatildeo do Conselho da Europa e de um

sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos o qual exige o pensamento acerca

da possibilidade da construccedilatildeo de um direito comum europeu

Nesse aspecto acerca do conceito de comum eacute pertinente remontar agraves premissas de

Dardot et Laval27

Para os autores o comum do direito segundo uma loacutegica de interpretaccedilatildeo

neoliberal natildeo seraacute outro que o direito de propriedade dos contratos e do lucro Eacute justamente

contra esse tipo de concepccedilatildeo trazido pelos efeitos nefastos da globalizaccedilatildeo que se invoca a

defesa e a reabilitaccedilatildeo do conceito de comum que deve ser entendido sob uma loacutegica de bases

uniacutessonas em mateacuteria de direitos humanos

Em razatildeo disso eacute no acircmbito da ldquogrande Europardquo ou seja do sistema regional europeu

de proteccedilatildeo dos direitos do homem que se vislumbram bases para a criaccedilatildeo de um direito

comum cuja premissa eacute a busca do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano28

Deste

modo no panorama apresentado se vislumbra de modo claro que embora existam regras

princiacutepios e instituiccedilotildees para reger o direito comunitaacuterio europeu (regras previstas nos

tratados da Uniatildeo Europeia e pacificadas pelo ativismo do TJUE) na ldquopequena Europardquo em

interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo e tendo na devida conta as anotaccedilotildees a que a Carta faz referecircncia que indicam as fontes

dessas disposiccedilotildees 2 A Uniatildeo adere agrave Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das

Liberdades Fundamentais Essa adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas nos Tratados3

Do direito da Uniatildeo fazem parte enquanto princiacutepios gerais os direitos fundamentais tal como os garante a

Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como

resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-Membrosrdquo Ibid 2007 27

DARDOT Pierre LAVAL Cristian COMMUN essai sur la revolutiona au XXeme siegravecle Paris La

deacutecouverte 2014 p 287 28

DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio

de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b

20

mateacuteria de direitos humanos e no acircmbito de um processo de globalizaccedilatildeo eacute preciso avanccedilar

na compreensatildeo do espaccedilo europeu para no acircmbito do sistema regional consolidar as bases

para a criaccedilatildeo de um direito comum

12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias juriacutedicas

a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da figura da

Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

O Congresso da Europa sob o aspecto juriacutedico dividiu o continente em blocos

autocircnomos dentro de um sistema multicecircntrico Nesse sentido Mireille Delmas-Marty29

assevera que natildeo existe uma unidade juriacutedica chamada Europa ou sequer uma visatildeo uacutenica e

preestabelecida do continente

Pelo contraacuterio existe uma Europa feita de instituiccedilotildees juriacutedicas diversas cada uma

com regras e princiacutepios especiacuteficos Neste sentido de um lado tem-se a ldquopequena Europardquo

composta pelos vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e que possui um ideal

primordialmente econocircmico com os objetivos de livre circulaccedilatildeo de pessoas e de

mercadorias bem como de instituiccedilatildeo de uma moeda uacutenica sob a perspectiva de abertura de

fronteira entre os paiacuteses Sob este ideal desenvolve-se a base para o direito comunitaacuterio que

possui como instituiccedilatildeo juriacutedica maacutexima o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo Europeia (TJUE)

com caraacuteter supranacional

Na Europa dos ldquoVinte e Oitordquo portanto sob o ideal integracionista surge o chamado

direito comunitaacuterio europeu o qual atraveacutes de direito originaacuterio (tratados constitutivos) e

direito derivado (normas emanadas de oacutergatildeos de competecircncia legislativa da Uniatildeo) forma o

sistema juriacutedico-poliacutetico e juriacutedico-econocircmico da Uniatildeo Europeia A peculiaridade desta nova

ordem formada eacute a de natildeo querer unificar a ordem juriacutedica dos paiacuteses europeus mas de

uniformizar em algumas mateacuterias as normas do bloco criado Justamente por isso a

supranacionalidade intriacutenseca ao direito comunitaacuterio natildeo se confunde com o direito

internacional

Sob as bases de interesses econocircmicos tem-se o objetivo de chegar a uma integraccedilatildeo

nas aacutereas concernentes agrave poliacutetica cultura dentre outras sob uma relaccedilatildeo de integraccedilatildeo entre o

29

Id 2004a p47

21

ordenamento juriacutedico comunitaacuterio e o ordenamento interno de cada Estado Sem sombra de

duacutevidas a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais se insere nessas relaccedilotildees mas com o

intuito de fortalecer o ideal de supremacia das normas comunitaacuterias Em funccedilatildeo de tal

premissa tem-se a necessidade de preservar o estaacutegio alcanccedilado pelo processo de integraccedilatildeo e

por isso um ordenamento juriacutedico comunitaacuterio eacute formado Entretanto eacute preciso avanccedilar no

processo de tutela dos direitos humanos em um contexto tatildeo plural como o europeu

Deste modo de outro lado tem-se a ldquogrande Europardquo criada pelo Conselho da Europa

perfazendo uma cooperaccedilatildeo poliacutetica que hoje abriga quarenta e sete membros30

signataacuterios da

Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

(CEDH) O oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do Conselho da Europa eacute o Tribunal Europeu dos Direitos

do Homem (TEDH) sediado em Estrasburgo e para o qual podem demandar tanto Estados

quanto indiviacuteduos viacutetimas de violaccedilotildees de direitos humanos reconhecidos pela convenccedilatildeo

Neste sentido o paraacutegrafo 3ordm31

do Preacircmbulo da CEDH de 1950 assevera que a

finalidade principal do Conselho da Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre seus

membros e que um dos meios para alcanccedilar esta finalidade eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento

dos direitos humanos e das liberdades fundamentais sendo tais direitos vistos como um meio

para uma progressiva integraccedilatildeo dos europeus Antes mesmo disso o Estatuto do Conselho da

Europa de 1949 havia asseverado que a finalidade da instituiccedilatildeo era criar uma organizaccedilatildeo

que levasse os paiacuteses do continente a uma associaccedilatildeo cuja base fosse a unidade entre seus

membros privilegiando ideais e princiacutepios comuns aos diferentes Estados

Essa configuraccedilatildeo surgida na segunda metade do seacuteculo XX produz alteraccedilotildees

significativas na conceituaccedilatildeo de alguns institutos juriacutedicos e poliacuteticos como eacute o caso do

Estado da soberania dentre outros Nesse sentido o cenaacuterio Europeu pode ser enxergado

como proacuteximo da noccedilatildeo de Estado em Rede proposto por Manuel Castells32

Em um mesmo

espaccedilo territorial a autoridade passa a ser partilhada ao longo de uma rede de instituiccedilotildees O

30

Os 47 paiacuteses que fazem parte do Conselho da Europa satildeo Beacutelgica Dinamarca Franccedila Irlanda Itaacutelia

Luxemburgo Paiacuteses Baixos Noruega Sueacutecia Reino Unido Greacutecia Turquia Islacircndia Alemanha Ocidental

Aacuteustria Chipre Suiacuteccedila Malta Portugal Espanha Liechtenstein Satildeo Marino Finlacircndia Hungria Polocircnia

Bulgaacuteria Estocircnia Lituacircnia Eslovecircnia Repuacuteblica Checa Eslovaacutequia Romecircnia Andorra Letocircnia Albacircnia

Moldaacutevia Macedocircnia Ucracircnia Ruacutessia Croaacutecia Geoacutergia Armecircnia Azerbaijatildeo Boacutesnia e Herzegovina Seacutervia

Mocircnaco Montenegro Disponiacutevel em

httpwwwcoeintptAboutCoemediainterfacepublicationscoe_dh_ptpdf Acesso 08 out 2014 31

O terceiro paraacutegrafo do preacircmbulo da CEDH dispotildee que ldquoConsiderando que a finalidade do Conselho da

Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre os seus Membros e que um dos meios de alcanccedilar essa finalidade

eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento dos direitos do homem e das liberdades fundamentais ()rdquo CONVENCcedilAtildeO

EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS

1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso em 08 out 2014 32

CASTELLS Manuel A era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura A sociedade em rede Vol 1 5

ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999b

22

Estado-naccedilatildeo claacutessico relaciona-se com instituiccedilotildees supranacionais e a rede formada possui

noacutes diversos e natildeo um centro uacutenico sendo que esses noacutes podem apresentar tamanhos distintos

e estar ligados por relaccedilotildees assimeacutetricas

Essas redes e seus noacutes portanto representam formas de poder paralelas e

complementares que satildeo autocircnomas uma em relaccedilatildeo agraves outras O espaccedilo europeu marcado

por um jaacute consolidado direito comunitaacuterio e por uma estrutura supranacional sui generis

tornou-se um verdadeiro campo de concorrecircncia convergecircncia justaposiccedilatildeo e conflito de

vaacuterias constituiccedilotildees e poderes constituintes em um mesmo espaccedilo poliacutetico levando a uma

pluralidade de ordenamentos e de normatividades

A supranacionalidade desenvolvida assemelha-se desta forma a um Estado em Rede

em funccedilatildeo de um novo paradigma de governanccedila estabelecido em diferentes niacuteveis com

diferentes noacutes de diferentes dimensotildees e com relaccedilotildees internacionais assimeacutetricas O Estado-

Naccedilatildeo claacutessico se articula cotidianamente na tomada de decisotildees com instituiccedilotildees

supranacionais de diferentes tipos e em acircmbitos distintos33

Em uma mesma organizaccedilatildeo

complexa temos entatildeo as caracteriacutesticas da descentralizaccedilatildeo e da coordenaccedilatildeo sobretudo no

aspecto normativo sendo que a crise do Estado-naccedilatildeo o desenvolvimento das instituiccedilotildees

supranacionais e a transferecircncia das atribuiccedilotildees e iniciativas aos acircmbitos regionais e locais satildeo

caracteriacutesticas que funcionam como base para o desenvolvimento do Estado em Rede

Nesse acircmbito ainda eacute possiacutevel acrescentar a definiccedilatildeo de Marcelo Varella34

de que a

Uniatildeo Europeia caracteriza-se por ser uma instituiccedilatildeo sui generis natildeo soacute pelo seu modo de

constituiccedilatildeo como por seus efeitos no campo juriacutedico-normativo Desta maneira o bloco

europeu dos vinte e oito inserido no contexto de um sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos

humanos (ldquopequena Europardquo inserida na ldquogrande Europardquo) marca a caracteriacutestica de uma

superaccedilatildeo da tiacutepica forma de visatildeo linear e hieraacuterquica do direito tradicional em favor da

construccedilatildeo de um direito em camadas ou em diferentes niacuteveis ou ainda em redes

Essa concepccedilatildeo de Castells utilizada aqui para ilustrar as relaccedilotildees na Uniatildeo Europeia

comunica-se com a noccedilatildeo de Mireille Delmas-Marty35

de um pluralismo que deve ser

ordenado Na Europa como um todo em acircmbito juriacutedico a coexistecircncia de normas das mais

diversas fontes e de tribunais nas mais diferentes escalas faz emergir uma noccedilatildeo de caos

33

Id 1999a p164 34

VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade

de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014 p145 35

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006

23

juriacutedico que precisa ser ordenado Em razatildeo disso pertinente a busca por um direito comum

com ecircnfase em um direito comum em mateacuteria de direitos humanos

Interessante notar que esse cenaacuterio criado intensifica-se com o processo de

mundializaccedilatildeo36

e sob essa oacutetica embora os direitos humanos tenham se tornado oponiacuteveis aos

Estados perfazendo princiacutepios de direito incluiacutedos nas Constituiccedilotildees Estatais no

entendimento dos tribunais supranacionais e em instrumentos normativos internacionais os

corolaacuterios do processo de mundializaccedilatildeo satildeo os direitos econocircmicos que predominam nas

preocupaccedilotildees do jaacute consolidado direito comunitaacuterio europeu

Enquanto os direitos humanos foram concebidos sob o prisma de uma universalidade e

com a finalidade de proteger o ldquoirredutiacutevel humanordquo37

os direitos econocircmicos satildeo os motores

da mundializaccedilatildeo sendo que isso somado agrave desestabilizaccedilatildeo do tempo e agrave desestatizaccedilatildeo do

Estado gera no processo de mundializaccedilatildeo uma aparente desordem normativa com a

proliferaccedilatildeo de normas de modo anaacuterquico38

Em funccedilatildeo disso eacute viaacutevel dizer que o continente europeu serve de base e eacute capaz de

traduzir importantes eventos para explicar fenocircmenos que hoje satildeo salientes na esfera juriacutedica

Mireille Delmas-Marty39

sugere que vivemos sob a eacutegide de espaccedilos ldquodesestatizadosrdquo tempos

ldquodesestabilizadosrdquo e uma ordem ldquodeslegalizadardquo No sentido atual da paisagem juriacutedica

afirmar que o Estado eacute a uacutenica fonte de Direito eacute assumir uma atitude de exclusatildeo de todos os

demais espaccedilos normativos

Como eacute possiacutevel observar na Europa convivem em um mesmo espaccedilo normas

provenientes de fontes estatais claacutessicas normas advindas de instituiccedilotildees supranacionais e

regras provenientes de entes internacionais na formaccedilatildeo de um verdadeiro mosaico juriacutedico

O monopoacutelio do Estado como produtor do direito deixa de ser imperativo frente agrave

internacionalizaccedilatildeo crescente das fontes juriacutedicas De modo concomitante e corroborando

36

Na obra ldquoTrecircs Desafios para um Direito Mundialrdquo Mirelle Delmas-Marty observa as particularidades dos

termos globalizaccedilatildeo mundializaccedilatildeo e universalidade quais sejam ldquoA mundializaccedilatildeo remete agrave difusatildeo espacial

de um produto de uma teacutecnica ou de uma ideia A universalidade implica um compartilhar de sentidosrdquo Em

outra passagem disserta ldquoDifusatildeo espacial de um lado compartilhar os sentidos de outra estas duas foacutermulas

descrevem muito bem a diferenccedila que separam os dois fenocircmenos que eu denominarei globalizaccedilatildeo para a

economia e universalizaccedilatildeo para os direitos do homem guardando assim o termo mundializaccedilatildeo uma

neutralidade que ele jamais perderaacute caso natildeo se resigne rapidamente ao primado da economia sobre os Direitos

do Homemrdquo DELMAS-MARTY Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr

Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b p 08-09 37

Ibid p48 38

FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos

teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013 39

DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47

24

com a teoria do Estado em Rede de Castells eacute possiacutevel observar um processo de

descentralizaccedilatildeo espacial com o deslocamento de fontes do centro para periferias40

Da mesma forma os tempos estatildeo desestabilizados Segundo Delmas41

em comparaccedilatildeo

aos votos claacutessicos de perpetuidade da lei eacute possiacutevel hoje encontrar fontes temporaacuterias e

evolutivas do direito O espaccedilo europeu se constitui como uma aacuterea privilegiada dessas fontes

evolutivas42

Sob o aspecto da ldquopequena Europardquo as regras de direito comunitaacuterio impotildeem um

resultado que deve ser atingido o que pela falta de meios juriacutedicos incentiva os Estados a

adaptar seus textos a dados econocircmicos

Isso tudo faz emergir a noccedilatildeo de assincronia43

do direito ou seja diferentes

velocidades em diferentes espaccedilos Nesse sentido haacute no espaccedilo europeu uma diferenccedila de

velocidade dos processos de integraccedilatildeo das normas internacionais (ou supranacionais) de

direito do comeacutercio em comparaccedilatildeo com as normas ambientais ou relativas aos direitos

humanos O proacuteprio processo evolutivo de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais

sob o panorama da ldquopequena Europardquo demonstra desde os primoacuterdios da criaccedilatildeo da

Comunidade Europeia uma ausecircncia de sincronia em relaccedilatildeo agraves duas esferas do direito A

evoluccedilatildeo dos direitos humanos eacute lenta quando comparada com a celeridade da integraccedilatildeo das

normas de direito comercial e econocircmico em um mundo de economia globalizada

Pode-se entatildeo afirmar que natildeo soacute na Europa como tambeacutem na sociedade

internacional o tempo das relaccedilotildees comerciais e por conseguinte o tempo da integraccedilatildeo do

direito do comeacutercio eacute o tempo do software da fluidez da velocidade da luz Enquanto isso o

tempo das relaccedilotildees humanas da eacutetica da solidariedade e da integraccedilatildeo do direito dos direitos

humanos segue o tempo do hardware do denso do apego ao territoacuterio e agraves localidades44

Por fim estaacute-se tambeacutem frente a uma ordem ldquodeslegalizadardquo uma vez que dentre os

reflexos das vicissitudes na seara juriacutedica eacute possiacutevel destacar um ruptura com a noccedilatildeo de

40

Tal fenocircmeno eacute descrito por Mireille Delmas-Marty como ldquodescentralizaccedilatildeordquo Esta envolve o deslocamento de

fontes do centro do Estado para coletividades territoriais Todavia tal fenocircmeno natildeo se confunde com uma mera

desconcentraccedilatildeo de poderes que eacute destinada a conferir maior eficaacutecia agraves estruturas centrais do Estado A

descentralizaccedilatildeo conforme refere a autora confia ao representante local da coletividade territorial certos poderes

de decisatildeo fazendo transparecer uma autonomia local para impor certas regras juriacutedicas Como exemplo

podem-se destacar as comissotildees locais de eacutetica como ocorre em uma deontologia profissional como a Ordem

dos Advogados As regras disciplinares desta profissatildeo guardam um caraacuteter misto sendo de natureza local e

nacional privada e puacuteblica Ibid 2004ap55 41

Ibid 2004ap47 42

Segundo Delmas falar de fontes evolutivas significa renunciar ao passado do costume e ao futuro das leis para

situar as fontes de direito no presente por natureza instaacutevel Ibid 2004ap65 43

Id 2006 p 114 44

SALDANHA Jacircnia Marial Lopes BRUM Maacutercio Morais MELLO Rafaela da Cruz A Assincronia do

Direito e o Caso Araguaia Uma anaacutelise da Decisatildeo do Supremo Tribunal Federal Brasileiro na ADPF 153 e do

Julgamento do Caso Gomes Lund e Outros vs Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos In Andreacute

Karam Trindade Angela Araujo da Silveira Espindola (Org) Direitos Fundamentais e Espaccedilo Puacuteblico 1ed

Passo Fundo - RS Editora IMED 2011 v 2 p 37-61

25

identidade entre direito e lei45

O processo de internacionalizaccedilatildeo deixa comum aos sistemas

de commun law e de civil law o papel do juiz na geraccedilatildeo do direito ou seja na interaccedilatildeo entre

texto normativo e sua interpretaccedilatildeo de modo que a jurisprudecircncia e o diaacutelogo entre os

diferentes tribunais serve para ambos os sistemas como um importante balizador para

consolidaccedilatildeo de entendimentos e de princiacutepios

Diante desse cenaacuterio juriacutedico global proveniente do processo de internacionalizaccedilatildeo -

e especiacutefico no caso da Europa ndash de desestatizaccedilatildeo de ruptura com paradigmas e com a loacutegica

binaacuteria de interpretar o direito eacute possiacutevel concordar com a premissa de Mireille Delmas-

Marty46

de que a paisagem juriacutedica apresenta um panorama de proliferaccedilatildeo constante de

normas e de entendimentos jurisprudenciais que em um primeiro momento podem levar a

uma noccedilatildeo de desordem e anarquia

Conveacutem perceber que a nova paisagem juriacutedica para a qual a Europa eacute um verdadeiro

laboratoacuterio47

eacute composta por formas mais complexas como piracircmides inacabadas

descontiacutenuas compostas por aneacuteis normativos como uma guirlanda no entanto natildeo

especificamente se liga agrave anarquia Pelo contraacuterio a retirada de marcos e o deslocamento de

linhas natildeo significa desordem e essa aparecircncia de caos favorece ao pluralismo

Por isso Delmas-Marty48

atesta que a internacionalizaccedilatildeo do direito apresenta um

grande paradoxo ordenar o plural Embora estejamos semanticamente diante de vernaacuteculos

opostos visto que a proposta eacute colocar em ordem aquilo que naturalmente eacute muacuteltiplo e plural

sem reduzir sua identidade a primeira consideraccedilatildeo que deve ser feita eacute a de que o tiacutepico

modelo kelseniano de loacutegica juriacutedica natildeo mais se aplica ao cenaacuterio em que o Direito se insere

atualmente em razatildeo da multiplicidade e do dinamismo existente no processo de

mundializaccedilatildeo

Para ir da desordem agrave ordem eacute necessaacuterio fortalecer as correlaccedilotildees da formaccedilatildeo

juriacutedica trazendo estabilidade agrave presenccedila de divergecircncias atraveacutes de uma aproximaccedilatildeo entre

ordens juriacutedicas por meio de um jogo de referecircncias cruzadas com o intuito de ordenar a

multiplicidade Essa aproximaccedilatildeo poreacutem natildeo pode ser concebida senatildeo em relaccedilatildeo a uma

referecircncia comum e neste campo a utilidade dos instrumentos protetivos de direitos humanos

traz a coerecircncia de conjunto capaz de indicar uma direccedilatildeo a seguir um norte para a criaccedilatildeo de

um direito comum cujo pluralismo eacute ordenado

45 DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47 46

Id 2006 47

VARELLA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do direito Direito Internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Livre Docecircncia em Direito Internacional Faculdade de

Direito da Universidade de Satildeo Paulo (USP) Satildeo Paulo 2012 Acesso 14 out 2014 48

Ibid 2006 p 10

26

Obviamente o direito comum almejado eacute pluralista tendo a razatildeo como instrumento

de justificaccedilatildeo e de diaacutelogo O pluralismo eacute justificado pelo intuito de harmonizar e conjugar

as particularidades religiosas poliacuteticas culturais de cada Estado ou comunidade evitando a

sobreposiccedilatildeo de uma ordem sobre outra ou a assimilaccedilatildeo e exclusatildeo Em razatildeo disso o

direito comum pluralista pretende construir um ldquoDireito dos Direitosrdquo a partir do ideal de

universalizaccedilatildeo dos direitos humanos sendo que a finalidade eacute a de aproximar ou harmonizar

ndash e natildeo unificar - os diferentes sistemas juriacutedicos sob a perspectiva de respeito ao ldquoirredutiacutevel

humanordquo49

Impossiacutevel a criaccedilatildeo de normas e regras comuns a todos os povos justamente pelo

fato de que sempre algumas normas advindas de culturas especiacuteficas se sobressairatildeo sobre

outras na criaccedilatildeo de uma hegemonia negativa O direito comum portanto inserido na oacutetica

de um direito mundial pluralista eacute aquele acessiacutevel a todos e comum aos diversos Estados

sem que haja o abandono de identidades Justamente em funccedilatildeo disso o alicerce para a sua

criaccedilatildeo eacute a aproximaccedilatildeo dos sistemas juriacutedicos tendo por base os direitos humanos que

carregam a caracteriacutestica da universalidade a qual adveacutem do compartilhamento de sentidos e

do enriquecimento pela troca

Neste sentido em que consistem esses direitos humanos que satildeo os alicerces para a

criaccedilatildeo de um direito comum Eacute possiacutevel afirmar que a mera previsatildeo constitucional ou em

tratados de direitos jaacute asseguram a sua proteccedilatildeo Como lidar com questotildees concernentes agraves

pretensotildees universalistas e as particularidades do relativismo cultural nas diferentes

sociedades europeias

Narciso Baez50

traz reflexotildees importantes acerca desse tema Segundo ele em meados

do seacuteculo XVII pensou-se que a positivaccedilatildeo dos direitos humanos seria instrumento suficiente

para garantir o seu respeito Essa noccedilatildeo adentrou a contemporaneidade com a filosofia de

Hans Kelsen de que as normas positivadas e inseridas nos ordenamentos juriacutedicos eram

obrigatoacuterias por serem legitimadas por uma norma juriacutedica superior que tinha um fim em si

mesma

Obviamente o seacuteculo XX mostrou que a mera inserccedilatildeo legal da dignidade da pessoa

humana ndash que eacute o elemento cerne dos direitos humanos ndash em um sistema positivo de direito e

dissociada de valores morais natildeo seria suficiente para evitar eventuais violaccedilotildees desses

49

Ibid 2006 p 54 50

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos

humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da

UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em

httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014

27

direitos Sob esse panorama e seguindo a corrente eacutetica51

de fundamentaccedilatildeo dos direitos

humanos pode-se afirmar que estes satildeo direitos de fora da ordem positiva que tecircm em seu

bojo componentes morais sociais poliacuteticos e ateacute econocircmicos que salvaguardam condiccedilotildees

miacutenimas para a garantia da dignidade da pessoa humana Em sua dimensatildeo baacutesica portanto

satildeo direitos inatos pautados em valores morais e conferidos aos indiviacuteduos pelo simples fato

de estes serem humanos

Logo para a construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos exige-

se o fortalecimento desses em suas dimensotildees baacutesicas Eacute neste sentido que Delmas52

se refere

ao miacutenimo eacutetico universal e ao irredutiacutevel humano ou seja elementos que todos os indiviacuteduos

apresentam em comum mesmo em diferentes culturas

As duas estruturas baacutesicas dos direitos humanos satildeo portanto os valores morais e a

dignidade humana53

Em relaccedilatildeo aos primeiros infere-se que a origem dos direitos humanos

natildeo eacute legal vez que estes satildeo reconhecidos aos indiviacuteduos pelo simples fato de serem

humanos O ordenamento juriacutedico tem a mera funccedilatildeo de reconhecer tais direitos e transformaacute-

los em normas a fim de obter efetividade Jaacute a dignidade humana eacute o bem maior dentro dos

direitos humanos constituindo uma qualidade universal intriacutenseca irrenunciaacutevel e

inalienaacutevel inerente a todos os seres humanos e que se encontra acima das especificidades

culturais

Neste vieacutes a universalidade de tais direitos que eacute requisito indispensaacutevel para a

criaccedilatildeo de um direito comum natildeo eacute marcada pela criaccedilatildeo de instrumentos internacionais

positivos de proteccedilatildeo dos direitos humanos Isso porque embora tenha se conseguido a

universalizaccedilatildeo da adesatildeo dos Estados como eacute o caso da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos da ONU de 1948 ou mesmo da CEDH do sistema regional europeu ainda haacute

resistecircncias agrave aceitaccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo em algumas culturas que alegam a necessidade de

relativizaccedilatildeo desses direitos para adequaccedilatildeo agraves realidades nacionais54

Logo para a construccedilatildeo de uma verdadeira universalidade eacute necessaacuterio interpretar os

direitos humanos sob uma oacutetica interdisciplinar Finnis55

nesse aspecto afirma que os direitos

humanos constituem uma categoria que busca consagrar a dignidade humana sendo esta um

atributo de todas as pessoas independentemente de crenccedila ou cultura Nesse aspecto

51

Id 2007 p 13-35 52

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b 53

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Direitos humanos na globalizaccedilatildeo In BAEZ Narciso

Leandro Xavier BARRETO Vicente (Org) Direitos humanos em evoluccedilatildeo Joaccedilaba Ed Unoesc 2007 p

13-35 54

Id 2009 p77-99 55

FINNIS John Ley natural e derechos naturales Buenos Aires AbeledoPerrot 2000

28

vislumbra-se necessaacuterio a fim de identificar quais satildeo os valores baacutesicos e inderrogaacuteveis a

todos os humanos a construccedilatildeo de valores universais atraveacutes do diaacutelogo e do cruzamento de

diferentes culturas com diferentes valores Isso facilita a construccedilatildeo de uma cultura

cosmopolita baseada em uma identificaccedilatildeo em que prevaleccedila a dignidade da pessoa humana

acima dos relativismos

As diversidades culturais satildeo provenientes de elementos externos56

da diferenccedila de

ambientes naturais mas mesmo assim todas as pessoas ainda que inseridas em

especificidades culturais distintas ainda manteacutem atributos comuns Eacute por essa loacutegica que

permanece atual a premissa de Kant de que no atual estaacutegio da humanidade os povos

atingiram um grau de desenvolvimento que os permitem fazer parte de uma comunidade

cosmopolita57

Por isso a violaccedilatildeo de um direito humano em um ponto do planeta repercute e

pode ser sentida em todos os outros

Pertinente ainda lembrar que a universalizaccedilatildeo natildeo significa a imposiccedilatildeo ou a

uniformizaccedilatildeo de uma cultura sobre as outras Pelo contraacuterio deve-se buscar uma raiz

comum qual seja um conjunto de valores miacutenimos universais capazes de dialogar com

diferentes culturas garantindo o respeito e a preservaccedilatildeo da vida humana em qualquer lugar

Ainda sob essa oacutetica eacute possiacutevel afirmar que a noccedilatildeo de direito comum de Delmas

aproxima-se do ideal de direito cosmopoliacutetico em Kant58

Ao perceber o aumento da

participaccedilatildeo dos povos na Terra Kant vislumbra a ideia de uma comunidade mundial

alicerccedilada sob as bases de um direito cosmopoliacutetico a fim de garantir a paz perpeacutetua Diante

da dicotomia entre praacuteticas culturais e direitos humanos a base do cosmopolitismo kantiano eacute

a busca de criteacuterios loacutegico-racionais que sejam comuns a todas as culturas

Nesse espectro surgem entatildeo os direitos humanos como nuacutecleo moral-juriacutedico do

direito cosmopoliacutetico vez que a moralidade miacutenima universal se baseia em trecircs pilares a)

humanidade comum b) ameaccedilas compartilhadas e c) obrigaccedilotildees miacutenimas Logo a

fundamentaccedilatildeo moral eacute a base dos direitos humanos uma vez que nela encontram-se as

exigecircncias imprescindiacuteveis para a vida de um indiviacuteduo Apesar das diferenccedilas sociais e

culturais entre os seres humanos algumas necessidades e capacidades satildeo comuns a todos59

56

PAREKH Bhikhu Pluralist universalism and human rights In SMITH Rhona K M ANKER Cristien van

den The essentials of human rights London Oxford University Press 2005 57

KANT Immanuel Para a paz perpeacutetua Traduccedilatildeo Baacuterbara Kristen - Rianxo Instituto Galego de Estudos de

Seguranccedila Internacional e da Paz 2006 58

Ibid 2006 p 107-108 59

BARRETO Vicente de Paulo Direito Cosmopoliacutetico e Direitos Humanos In Espaccedilo Juriacutedico Journal of

Law N 2 Vol 11 2010 Disponiacutevel em

httpeditoraunoescedubrindexphpespacojuridicoarticleview19491017 Acesso 30 out 2014

29

Assim como a concepccedilatildeo de direitos humanos natildeo pode mais ser concebida como o

era na eacutepoca de Kelsen o panorama em que o Direito de um modo geral se insere hoje

tambeacutem natildeo pode mais ser concebido conforme a loacutegica claacutessica kelseniana em que a

constituiccedilatildeo estatal encontra-se no topo de uma estrutura piramidal sendo hierarquicamente

seguida pela legislaccedilatildeo infraconstitucional Os rearranjos da mundializaccedilatildeo e a consequente

internacionalizaccedilatildeo do Direito fazem com que novas estruturas permeiem o atual cenaacuterio

juriacutedico mundial

Seja uma concepccedilatildeo de trapeacutezio cujos veacutertices superiores satildeo ocupados em igual

niacutevel pelas constituiccedilotildees estatais e pelos tratados ou convenccedilotildees internacionais protetivos dos

direitos humanos como eacute a visatildeo de Canotilho seguida por Flaacutevia Piovensan60

seja uma

visatildeo de nuvens fluidas e descontiacutenuas com um direito de sistemas interativos complexos

marcados por geometria de piracircmides inacabadas e aneacuteis normativos como guirlandas

defendida por Delmas-Marty61

demonstram que a internacionalizaccedilatildeo traz tentativas de

recomposiccedilatildeo de um pluralismo que deveraacute ser suficientemente ordenado

Em razatildeo disso razoaacutevel frente agrave mudanccedila paradigmaacutetica trazida pela mundializaccedilatildeo

pensar em um conjunto ordenado para a desordem uma vez que a aparente anarquia que

existe favorece ao pluralismo Para se chegar a um direito comum pluralista tendo por base os

direitos humanos deve-se buscar a harmonizaccedilatildeo entre estes e os direitos econocircmicos com

respeito agraves particularidades religiosas e culturais e com a superaccedilatildeo dos perigos de uma

uniformizaccedilatildeo hegemocircnica tendente agrave globalizaccedilatildeo econocircmica

Nesse novo paradigma o ideaacuterio de ordem ldquodeslegalizadardquo anteriormente referido

toma corpo uma vez que a sobrevalorizaccedilatildeo da lei e das grandes codificaccedilotildees perde espaccedilo

havendo em contrapartida a crescente incorporaccedilatildeo dos precedentes (certa ruptura de

fronteiras entre common law e civil law) e dos princiacutepios como espeacutecie de coacutedigo cultural do

processo de interpretaccedilatildeo e criaccedilatildeo do direito62

A internacionalizaccedilatildeo do Direito reflete portanto uma nova realidade de um Direito

de sistemas complexos fluidos descontiacutenuos e interativos os quais levam agrave mutaccedilatildeo da

proacutepria concepccedilatildeo tradicional de ordem juriacutedica que natildeo eacute mais fechada dentro de si mesma e

sim sofre influecircncia de outras A tradicional piracircmide kelseniana eacute desconstruiacuteda

60

PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e diaacutelogo entre jurisdiccedilotildees In Revista Brasileira de Direito

Constitucional ndash RBCD n19 ndash janjul 2012 61

DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio

de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b 62

FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos

teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013

30

gradativamente dando lugar a novas geometrias cuja hierarquia natildeo eacute tatildeo riacutegida mas nem por

isso deixa de ser complexa

No topo encontram-se as constituiccedilotildees juntamente com elementos do Direito

Internacional (jus cogens tratados relativos o direito internacional dos direitos humanos) e do

direito comunitaacuterio europeu No corpo do que seria a antiga piracircmide kelseniana encontra-se

o crescimento e a consolidaccedilatildeo de um direito jurisprudencial atraveacutes de um jogo de

referecircncias reciacuteprocas em que um sistema observa o outro mas natildeo haacute um centro ao lado das

normas produzidas no legislativo (a intensa produccedilatildeo jurisprudencial para os hard cases

culmina em adiccedilatildeo de conteuacutedos advindos de ldquooutros direitosrdquo) e a base passa a ser composta

por decretos e regulamentos que resultam de administraccedilotildees policecircntricas corroborando para

a crenccedila de que o processo de internacionalizaccedilatildeo do direito vem acompanhado de

descentralizaccedilatildeo e privatizaccedilatildeo de fontes do Direito63

Diante deste quadro Delmas64

apresenta trecircs espeacutecies de processo de interaccedilatildeo para

se chegar a um direito comum coordenaccedilatildeo por entrecruzamento harmonizaccedilatildeo e unificaccedilatildeo

Destaca-se antes de discorrer brevemente sobre esses processos que o direito comum natildeo

tem a pretensatildeo de unificar o Direito no texto pois isso seria uma tarefa praticamente utoacutepica

A ideia de Delmas objetiva na realidade a exploraccedilatildeo da pluralidade como potencial poder

de integraccedilatildeo vez que as redes dinacircmicas e as estruturas vetorizadas pelos direitos humanos

presentes nas novas geometrias da ordem mundial se pautam no reconhecimento do outro em

uma espeacutecie de alteridade65

A coordenaccedilatildeo por entrecruzamento caracteriza-se por ser um processo horizontal em

que a autoridade das decisotildees seraacute reforccedilada pelo jogo de referecircncias cruzadas de uma

jurisdiccedilatildeo agrave outra Essa eacute uma fase transitoacuteria na construccedilatildeo de uma verdadeira ordem juriacutedica

mundial em que a internormatividade e a interpretaccedilatildeo cruzada permitem a formaccedilatildeo de no

miacutenimo uma comunidade de juiacutezes Em funccedilatildeo disso em acircmbito global percebem-se traccedilos

da coordenaccedilatildeo por entrecruzamento nos diaacutelogos entre cortes e tribunais nas mais diferentes

ordens No espaccedilo europeu a coordenaccedilatildeo eacute percebida da mesma forma atraveacutes dos diaacutelogos

entre as cortes nacionais e os tribunais da ldquopequena Europardquo e da ldquogrande Europardquo

respectivamente Tribunal de Luxemburgo e de Estrasburgo

Interessante notar conforme jaacute foi demonstrado que foram os diaacutelogos entre as cortes

nacionais dos diversos Estados membros da entatildeo Comunidade Europeia e posterior Uniatildeo

63

Ibid 2013 p20 64

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006 65

LOPES Carla Patriacutecia Frade Nogueira Internacionalizaccedilatildeo do Direito e pluralismo juriacutedico limites de

cooperaccedilatildeo no diaacutelogo de juiacutezes In Revista de Direito Internacional da Uniceub Vol 9 n4 2012

31

Europeia que auxiliaram no processo de consolidaccedilatildeo do entendimento de primazia das

normas comunitaacuterias ao lado da proteccedilatildeo integral aos direitos fundamentais previstos nas

constituiccedilotildees estatais Isso culminou conforme se asseverou anteriormente na disposiccedilatildeo do

Tratado de Lisboa de que a Uniatildeo Europeia natildeo soacute se submete agraves tradiccedilotildees e regras

constitucionais em mateacuteria de direitos fundamentais como adere agrave Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem

Se o primeiro processo de interaccedilatildeo eacute a coordenaccedilatildeo far-se-aacute de imediato a anaacutelise do

uacuteltimo processo a unificaccedilatildeo visto que o eacute no processo intermediaacuterio ndash a harmonizaccedilatildeo ndash que

se desenvolve o foco do presente estudo A unificaccedilatildeo seria do ponto de vista formal o

processo perfeito por unir ordens juriacutedicas regionais sob um mesmo modelo hieraacuterquico e

coerente das ordens nacionais tradicionais Entretanto sob o enfoque empiacuterico essa perfeiccedilatildeo

estaacute longe de ser garantida vez que a unificaccedilatildeo consiste na transferecircncia pura e simples do

regramento juriacutedico de um paiacutes para outro em uma espeacutecie de verticalizaccedilatildeo ordenada que

pode gerar a dominaccedilatildeo hegemocircnica de uma ordem sobre outra sem portanto respeito agrave

pluralidade

O processo intermediaacuterio de harmonizaccedilatildeo por sua vez tende a aproximar os sistemas

com um propoacutesito coordenativo poreacutem sem a intenccedilatildeo unificadora Tal processo limita-se a

uma integraccedilatildeo imperfeita cuja chave eacute a preservaccedilatildeo das margens nacionais de apreciaccedilatildeo

De modo diferente da coordenaccedilatildeo que eacute marcada pela horizontalidade da comunicaccedilatildeo entre

conjuntos juriacutedicos a harmonizaccedilatildeo instaura uma relaccedilatildeo do tipo vertical que implica o

reconhecimento de algumas hierarquias entre por exemplo direito internacional e nacional

direito supranacional e nacional dentre outras formas Todavia a inversatildeo destas hierarquias

e o reconhecimento muacutetuo fazem parte do movimento de harmonizaccedilatildeo

As margens nacionais de apreciaccedilatildeo satildeo as grandes novidades desse processo de

harmonizaccedilatildeo vez que elas funcionam em uma dinacircmica centriacutefuga e envolvem tanto a

obrigaccedilatildeo de conformidade em relaccedilatildeo agraves normas internacionais das quais determinado paiacutes eacute

signataacuterio quanto agrave apreciaccedilatildeo soberana dos Estados sendo delineada por princiacutepios

comuns66

A resistecircncia dos direitos internos e os avanccedilos do processo de harmonizaccedilatildeo satildeo

portanto as condiccedilotildees de possibilidade para a aplicaccedilatildeo da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

(MNA)

66

SALDANHA Jacircnia Maria Lopes MELLO Rafaela da Cruz Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e

Diaacutelogos Transjurisdicionais uma anaacutelise da postura do Supremo Tribunal Federal Brasileiro In Conselho

Nacional de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito - CONPEDI (Org) Direito Internacional dos Direitos

Humanos I XXIII EdFlorianoacutepolis CONPEDI 2014 v I p 368-394

32

Deste modo imperioso reconhecer que em um continente plural como eacute o europeu

com diversos paiacuteses com aspectos linguiacutesticos culturais religiosos e poliacuteticos a figura da

MNA apresenta-se como uma importante chave para o desenvolvimento e consolidaccedilatildeo de

um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos sendo uma ferramenta relevante

para o estabelecimento de um pluralismo ordenado uma vez que as pluralidades e

peculiaridades culturais e religiosas de cada Estado satildeo respeitadas

Neste sentido portanto a Europa pode ser vista novamente como um laboratoacuterio de

experiecircncias e o surgimento da MNA possui hoje um importante papel sobretudo dentro do

continente europeu Utilizada tanto pelos Tribunais de Luxemburgo e Estrasburgo a MNA

surgiu pela primeira vez na jurisprudecircncia do TEDH

Embora existam relatos do uso da MNA pelo Tribunal de Luxemburgo para permitir

que os conceitos comunitaacuterios sejam interpretados de modo flexiacutevel segundo as

especificidades nacionais e servindo como uma importante vaacutelvula de escape para as tensotildees

nacionais mais fortes neste trabalho far-se-aacute a limitaccedilatildeo da utilizaccedilatildeo da MNA pelo Tribunal

Europeu de Direitos do Homem com o intuito de analisar quais satildeo os entraves e as

possibilidades do uso de tal ferramenta pra a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de um direito comum

para a ldquogrande Europardquo tendo como base os direitos humanos

33

2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU

A noccedilatildeo de margem encontra-se no coraccedilatildeo dos sistemas de Direito uma vez que o

direito interno jaacute prevecirc a possibilidade de uma margem de interpretaccedilatildeo aos juiacutezes em relaccedilatildeo

agraves demandas que lhes satildeo apresentadas Todavia a internacionalizaccedilatildeo impulsiona ao

acreacutescimo do termo ldquonacionalrdquo a essa margem no sentido de permitir o reconhecimento da

diversidade dos sistemas juriacutedicos e a possibilidade de um direito comum

Nesse sentido no presente capiacutetulo far-se-aacute uma abordagem acerca da histoacuteria dessa

ferramenta criada pelo TEDH bem como o conceito e as criacuteticas trazidas por estudiosos da

doutrina da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) (21) Por conseguinte atraveacutes de uma

anaacutelise jurisprudencial se tentaraacute comprovar que a margem a despeito de opiniotildees contraacuterias

acerca da ausecircncia de paracircmetros para sua aplicaccedilatildeo pelo TEDH constitui-se como um

instrumento relevante para a construccedilatildeo de um direito comum europeu tendo como base

luminosa os direitos humanos (22)

21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem

Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu

Consoante fora anteriormente aludido a noccedilatildeo de margem encontra-se dentro dos

sistemas de direito Por isso em um primeiro momento aponta-se a margem dentro do direito

interno como ferramenta capaz de auxiliar o juiz enquanto receptor da norma a interpretar

determinado caso concreto em uma espeacutecie de coacutedigo cultural que determina o senso da

norma67

Nesse sentido a origem dessa margem de interpretaccedilatildeo adveacutem do direito

administrativo de diversos Estados europeus Na Franccedila a margem eacute conhecida como ldquomarge

67

DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation

du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit

compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780

34

drsquoappreacutecciationrdquo na Alemanha eacute vista como ldquoErmessensspielraumrdquo e na Itaacutelia ldquomarge de

discrizionalitaacuterdquo68

Em acircmbito interno portanto caracteriza-se por ser uma deferecircncia que

combina aspectos processuais e hermenecircuticos no sentido de conferir uma reserva de

apreciaccedilatildeo ao administrador para decidir acerca da conveniecircncia e oportunidade em relaccedilatildeo

aos atos administrativos

O processo de internacionalizaccedilatildeo estaacutegio supremo da globalizaccedilatildeo69

no acircmbito do

Direito se desenvolve a ponto de transformar o campo de uma disciplina de modo que

consoante jaacute fora exaustivamente exposto a seara juriacutedica natildeo se limita mais agrave relaccedilatildeo entre

Estados nem somente se combina com os direitos internos Logo o pluralismo pode ser visto

como uma palavra de ordem na paisagem juriacutedica atual e por isso a noccedilatildeo de margem ganha

o adjetivo ldquonacionalrdquo e passa a ser um elemento de tentativa de aproximaccedilatildeo com a finalidade

de atingir um direito comum com bases humanistas

Logo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) teria a finalidade de proceder a uma

espeacutecie de siacutentese entre os anseios de unidade juriacutedica e o desejo de separaccedilatildeo proveniente de

uma autonomia estatal A margem portanto sob o vieacutes da internacionalizaccedilatildeo corresponderia

ao caminho do meio entre o pressuposto de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o

relativismo ou os particularismos culturais de cada Estado

No contexto europeu em que tanto sob o vieacutes comunitaacuterio quanto sob a perspectiva do

sistema regional os Estados apresentam pluralidades significativas em relaccedilatildeo agrave religiatildeo agrave

cultura agrave poliacutetica dentre outros campos a figura da MNA serve como um importante

instrumento para aproximar o universal e o relativo70

Dessa maneira teria a funccedilatildeo de no

processo de construccedilatildeo de um direito comum apresentar como horizonte a universalidade dos

direitos humanos mas sem perder de foco os relativismos culturais que formam a identidade

das mais diferentes sociedades

Niacutetido portanto que o caminho para a construccedilatildeo de um ldquocomumrdquo em mateacuteria de

direitos humanos relaciona-se natildeo soacute com a proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua esfera eacutetica

e miacutenima como tambeacutem com a preservaccedilatildeo da pluralidade Como instrumento do processo de

harmonizaccedilatildeo a margem carrega em seu acircmago a noccedilatildeo de convergecircncia em torno de

princiacutepios comuns mas garantindo o respeito a uma espeacutecie de direito agrave divergecircncia uma vez

68

ITZCOVITCH Giulio One None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations The Lautsi Case

In Human Rights Law Review Oxford Journals 2013 Disponiacutevel em

httphrlroxfordjournalsorgcontent132toc Acesso 04 nov 2014 69

SANTOS Milton Teacutecnica Espaccedilo Tempo Globalizaccedilatildeo e meio teacutecnico-cientiacutefico-informacional 5ordf ed

Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2013 p 45 70

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b

35

que se garante a cada Estado a particularidade de lidar com questotildees atinentes agraves suas

diferenccedilas

Deste modo o Tribunal de Estrasburgo consoante fora dito anteriormente se utiliza

pela primeira vez do recurso agrave MNA no caso Lawless vs Irlanda71

Na discussatildeo cerne deste

conflito estava a possibilidade de prisatildeo provisoacuteria no caso dos atentados terroristas

relacionados ao grupo extremista IRA (Irish Republic Army) Mais especificamente o

cidadatildeo irlandecircs Gerard Richard Lawless ex-membro do IRA foi preso em julho de 1957 no

momento em que estava prestes a viajar da Irlanda agrave Gratilde-Bretanha Neste ato foi detido sob

especiais poderes de detenccedilatildeo indeterminada sem julgamento sob alegaccedilotildees de ofensas contra

o Estado irlandecircs

Lawless fazendo o uso da prerrogativa de peticcedilatildeo individual demandou perante a

Corte Europeia de Direitos do Homem alegando violaccedilatildeo pelo Estado Irlandecircs dos artigos 56

e 7 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem mas especificamente direitos de

liberdade seguranccedila julgamento justo e o princiacutepio de proibiccedilatildeo de puniccedilatildeo sem lei anterior

que defina um delito

No julgamento do caso em 1961 o Tribunal de Estrasburgo pela primeira vez fez

alusatildeo mesmo que de modo natildeo explicito agrave possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo

ao deixar ao Estado Irlandecircs margem para decidir fundamentando-se nas prerrogativas do

artigo 1572

da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Tal norma da Convenccedilatildeo alude agrave

possibilidade de derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade com a prerrogativa de que em

caso de guerra ou outro perigo puacuteblico que ameace a vida da naccedilatildeo a parte aderente agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem pode tomar providecircncias que derroguem as

obrigaccedilotildees previstas no tratado na estrita medida em que exigir a situaccedilatildeo

71

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57518itemid[001-57518] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lawless vs Irlanda Sentenccedila de 01 de julho de 1961 Acesso

05 nov 2014 72

Artigo 15 Derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade 1 Em caso de guerra ou de outro perigo puacuteblico que

ameace a vida da naccedilatildeo qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providecircncias que derroguem as obrigaccedilotildees

previstas na presente Convenccedilatildeo na estrita medida em que o exigir a situaccedilatildeo e em que tais providecircncias natildeo

estejam em contradiccedilatildeo com as outras obrigaccedilotildees decorrentes do direito internacional 2 A disposiccedilatildeo

precedente natildeo autoriza nenhuma derrogaccedilatildeo ao artigo 2deg salvo quanto ao caso de morte resultante de atos

liacutecitos de guerra nem aos artigos 3deg 4deg (paraacutegrafo 1) e 7deg 3 Qualquer Alta Parte Contratante que exercer este

direito de derrogaccedilatildeo manteraacute completamente informado o Secretaacuterio Geral do Conselho da Europa das

providecircncias tomadas e dos motivos que as provocaram Deveraacute igualmente informar o Secretaacuterio - Geral do

Conselho da Europa da data em que essas disposiccedilotildees tiverem deixado de estar em vigor e da data em que as da

Convenccedilatildeo voltarem a ter plena aplicaccedilatildeo CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS

DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014

36

Logo aplicando o referido artigo 15 da Convenccedilatildeo a decisatildeo do Tribunal de

Estrasburgo foi de no caso proposto asseverar que os fatos apurados natildeo revelam uma

violaccedilatildeo por parte do Governo irlandecircs de suas obrigaccedilotildees ao abrigo da Convenccedilatildeo Europeia

para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais Em razatildeo disso de a

motivaccedilatildeo do Tribunal para proferir a decisatildeo ter partido de uma prerrogativa da proacutepria

Convenccedilatildeo Europeia alguns autores73

natildeo fazem alusatildeo a este caso como o primeiro em que

houve concessatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo para Estado

Embora haja uma referecircncia tiacutemida agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso exposto

anteriormente eacute no caso linguiacutestico belga74

que se percebe uma manifestaccedilatildeo mais concreta

da Corte de Estrasburgo em relaccedilatildeo agrave deferecircncia de julgamento aos Estados precisando

alguns dos fundamentos da doutrina da MNA No caso belga julgado em 1968 pais que

falavam francecircs questionaram o sistema educacional da Beacutelgica que dividia o paiacutes em quatro

regiotildees linguiacutesticas distintas

O Tribunal de Luxemburgo aceitou uma margem de apreciaccedilatildeo conferida agraves partes em

funccedilatildeo de que os Estados possuiacuteam discricionariedade em relaccedilatildeo agrave regulamentaccedilatildeo do direito

agrave educaccedilatildeo A Corte argumentou que essa necessidade de concessatildeo de uma deferecircncia ou de

um limite de discricionariedade ao Estado era proveniente da natureza do proacuteprio direito

discutido (regulamentaccedilatildeo do sistema educacional) de modo que a regulamentaccedilatildeo do direito

agrave educaccedilatildeo poderia variar de acordo com o local e com o tempo consoante as necessidades e

os recursos da comunidade e dos indiviacuteduos

Ainda eacute possiacutevel destacar nesse caso a vinculaccedilatildeo da noccedilatildeo de margem de apreciaccedilatildeo

ao princiacutepio de subsidiariedade dos tribunais internacionais em relaccedilatildeo agraves cortes nacionais

Por isso o Tribunal manifestou-se asseverando que natildeo desejava substituir as autoridades

nacionais pois se assim o fizesse perderia a caracteriacutestica de mecanismo internacional de

garantia da ordem instaurada pela Convenccedilatildeo

73

KRATOCHVIL Jan The inflation of the margin of appreciation by european court of human rights In

Netherlands Quarterly of Human Rights Vol 293 2011 p 324-357 Disponiacutevel em ww corteidhorcr

tablas r26992pdf Acesso 01 nov 2014

VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um

equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em

httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 74

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httpwww9euskadineteuskara_araubideaLegedialegeakgaztelaneuropas23b001pdf CORTE EUROPEIA

DE DIREITOS HUMANOS Caso linguiacutestico belga Sentenccedila de 23 de julho de 1968 Acesso 05 nov 2014

37

Essa subsidiariedade conduz agrave MNA duas noccedilotildees75

uma noccedilatildeo teacutecnica e outra

poliacutetica Na noccedilatildeo teacutecnica a razatildeo para sua existecircncia relaciona-se com a imprecisatildeo de

algumas normas que conferem certa liberdade ao juiz internacional No campo poliacutetico a

relaccedilatildeo se evidencia pela sensibilidade dos Estados em relaccedilatildeo a temas polecircmicos

Sob essa oacutetica e embora esse natildeo seja o foco do presente trabalho pode-se afirmar que

a MNA eacute uma figuram importante tanto para o horizonte de criaccedilatildeo de um direito comum

europeu como para a consolidaccedilatildeo do direito comunitaacuterio europeu Isso porque este uacuteltimo

embora tenha sido baseado em um ideal federalista funda-se na realidade em um modelo de

governanccedila supranacional em que a MNA foi importada pelo Tribunal de Luxemburgo a fim

de ser uma vaacutelvula de escape para tensotildees fortes em acircmbito comunitaacuterio76

O TJUE deste modo permite que os conflitos comunitaacuterios sejam interpretados de

maneira flexiacutevel conforme especificidades nacionais Cada Estado pode atribuir seu proacuteprio

significado a expressotildees ou textos legais de interpretaccedilatildeo ampla devendo-se contudo

vincular aos princiacutepios e conceitos juriacutedico-legais do direito comunitaacuterio

No campo de construccedilatildeo de um direito comum europeu que tem como terreno o

sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos tal premissa natildeo eacute diferente Embora em

alguns casos o TEDH opte pela concessatildeo da margem de deferecircncia essa soacute pode ser aplicada

pelo Estado se este observar os princiacutepios que regem o instrumento legal base da Corte qual

seja a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) Deste modo o Estado natildeo fica

desobrigado do cumprimento da Convenccedilatildeo pois em tese apenas existiraacute margem para

pontos sensiacuteveis desta os quais permitem interpretaccedilotildees diferenciadas de acordo com os

particularismos nacionais e os desacordos culturais

Nesse sentido conforme se observou pelos casos citados com ecircnfase para o caso

Lawless vs Irlanda uma primeira aplicaccedilatildeo da doutrina da margem vinculou-se ao processo

de sedimentaccedilatildeo do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos vez que tal

caso foi um dos primeiros a ser julgado pelo Tribunal de Estrasburgo aleacutem de conforme fora

dito ter sido o primeiro no acircmbito da criaccedilatildeo e uso da MNA Em razatildeo desse contexto a

utilizaccedilatildeo do instrumento em questatildeo deu-se em funccedilatildeo de uma demanda que envolvia

questatildeo de seguranccedila interna de um paiacutes e por isso a aplicaccedilatildeo da deferecircncia de julgamento agrave

Irlanda daacute-se tambeacutem como uma teacutecnica poliacutetica para evitar tensotildees entre esfera internacional

75

DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation

du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit

compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780 76

VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade

de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014

38

e nacional (esta ainda arraigada ao conceito claacutessico de soberania) no acircmbito de um sistema

que tinha sido criado recentemente

Sob tal vieacutes pode-se recorrer agrave explicaccedilatildeo de Marcelo Varella77

de que a margem

deve ser aplicada para temas polecircmicos em que abusos exegeacuteticos por parte do tribunal de

cariz internacional podem levar agrave perda de legitimidade deste Contudo com o

desenvolvimento da teoria da MNA tanto por doutrinadores como pela proacutepria jurisprudecircncia

do tribunal que a criou percebe-se que o seu uso em grande medida relaciona-se com o

embate entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo nacional em mateacuteria de

desacordos culturais

Natildeo obstante a existecircncia de criacuteticas sobre a aplicaccedilatildeo praacutetica atual da MNA pelo

TEDH o que seraacute objeto de anaacutelise na sequencia do presente trabalho eacute com a figura da

deferecircncia da margem nacional que se torna possiacutevel um pluralismo de justaposiccedilatildeo78

que

tolera a coexistecircncia de sistemas particularmente diferentes Somente a possibilidade de

acoplamento do adjetivo nacional ao substantivo margem ou seja uma transferecircncia de

conceito desse substantivo para outra esfera que natildeo agrave interna de cada paiacutes jaacute demonstra que

uma ruptura com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito jaacute iniciou e ainda estaacute em curso

A ruptura com a concepccedilatildeo tradicional unificada e estritamente hierarquizada de

ordem juriacutedica leva a uma ruptura epistemoloacutegica com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito

Isso permite natildeo soacute a existecircncia e aplicaccedilatildeo de uma margem nacional de apreciaccedilatildeo como

demonstra a possibilidade de concretizaccedilatildeo do ideal de um direito comum que por ser

pluralista natildeo pode ser projetado conforme o modelo tradicional e nem encontra campo para

isso em funccedilatildeo do novo mosaico juriacutedico existente sobretudo na Europa

Logo eacute possiacutevel afirmar que a margem a que se refere esse trabalho natildeo deixa de ser

um reconhecimento jurisprudencial dessa mudanccedila de ares trazida pelas novas configuraccedilotildees

e estruturas juriacutedicas Isso porque novas instituiccedilotildees emergem em meio de um caos juriacutedico

que natildeo passa despercebido pelas cortes internacionais Prova disso eacute que a MNA natildeo eacute

mencionada somente pelo TEDH Ainda que de modo muito tiacutemido e em pequena medida eacute

possiacutevel o destaque de citaccedilatildeo (e aplicaccedilatildeo) da referida doutrina pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos79

Embora o continente latino americano seja tatildeo ou mais plural e diversificado que o

europeu e que o uso da margem como instrumento de siacutentese entre relativo e universal seja

77

Ibid 2012 p 143 78

DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 757 79

POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema

interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012

39

teoricamente indicado para sedimentar as bases de construccedilatildeo de um direito comum pluralista

a aplicaccedilatildeo do instituto em solo americano ainda natildeo ocorre de modo significativo Sob esse

vieacutes o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Seacutergio Garcia Ramirez80

asseverou

que a margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute uma ferramenta e um princiacutepio europeu de relativismo

relativo agrave execuccedilatildeo que natildeo eacute visto com simpatia pela Corte maacutexima do sistema regional

americano de direitos humanos Isso em funccedilatildeo natildeo soacute do histoacuterico de demandas que

chegaram ao julgamento da Corte Interamericana ndash em grande parte envolvendo violaccedilotildees de

direitos humanos perpetradas pelo Estado durante os periacuteodos de ascensatildeo de autoritarismos e

ditaduras na Ameacuterica Latina ndash como tambeacutem em razatildeo das democracias latino-americanas

ainda estarem em fase de consolidaccedilatildeo

Deste modo em razatildeo da ausecircncia ateacute entatildeo de casos envolvendo desacordos

culturais e das recentes reinserccedilotildees ou inserccedilotildees democraacuteticas de paiacuteses do continente

americano temia-se que eventual aplicaccedilatildeo de MNA poderia ser compreendida pelos Estados

como um salvo-conduto para que houvesse violaccedilatildeo de direitos humanos pelos paiacuteses A

cautela e a percepccedilatildeo de paisagens diferentes entre os territoacuterios separados pelo Atlacircntico

fizeram e fazem com que ainda hoje a doutrina da margem tenha pouca ou quase nenhuma

aplicaccedilatildeo na Ameacuterica

Deste modo pode-se afirmar que a internacionalizaccedilatildeo do direito - e seus reflexos na

Europa - eacute a responsaacutevel pela criaccedilatildeo de um espaccedilo para o desenvolvimento da doutrina da

margem nacional de apreciaccedilatildeo Nesse sentido embora a criaccedilatildeo tenha sido jurisprudencial

por parte do TEDH com aplicaccedilatildeo em alguns casos pelo proacuteprio Tribunal de Luxemburgo eacute

importante avaliar de que modo a doutrina conceitua o referido instituto

A posiccedilatildeo adotada por este trabalho eacute a de Mireille Delmas-Marty81

que salienta em

suas obras a origem nacional da margem nacional ainda como uma margem de interpretaccedilatildeo

capaz de conferir um pluralismo de valores do tipo meta juriacutedico em uma espeacutecie de

deferecircncia para apreciaccedilatildeo do juiz receptor de determinada norma Todavia a margem

relativa agrave internacionalizaccedilatildeo liga-se ao reconhecimento da diversidade de sistemas juriacutedicos

os quais possuem algumas caracteriacutesticas peculiares ligadas agraves identidades do Estado em que

se encontram

80

Tal posicionamento de Seacutergio Garciacutea Ramirez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema Internacional de

Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de 19 e 20 de agosto

de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado ndash da Pontifiacutecia

Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS 81

DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 762

40

Em razatildeo disso para a autora a noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo aleacutem de ser

uma siacutentese entre o universal e o relativo eacute uma chave do pluralismo ordenado Desse modo

sua construccedilatildeo assemelha-se de um lado agrave expressatildeo de uma dinacircmica centriacutefuga ou seja

uma resistecircncia dos Estados agrave integraccedilatildeo e o apego agrave noccedilatildeo claacutessica de soberania e de outro

lado sendo ela limitada por princiacutepios comuns estabelece o miacutenimo de compatibilidade

voltando-se ao centro em uma dinacircmica centriacutepeta

Haacute portanto um movimento duplo que por vezes traduz as resistecircncias dos direitos

nacionais por vezes os avanccedilos rumo agrave harmonizaccedilatildeo do direito comum em mateacuteria de

direitos humanos Eacute justamente essa capacidade de oscilaccedilatildeo que permite os ajustamentos

com vistas a compatibilizar o interno com o comum com o intuito nem de criar uma

hegemonia do universal e nem de tornar inaplicaacutevel o direito comum em razatildeo das

particularidades Desta forma Delmas percebe a margem como uma teacutecnica juriacutedica presente

no acircmbito do fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo do direito e que permite o reconhecimento da

diversidade entre os sistemas juriacutedicos82

Benvenisti83

por sua vez visualiza no uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo uma

espeacutecie de latitude que cada sociedade tem na resoluccedilatildeo de conflitos inerentes entre os

direitos individuais e os interesses nacionais ou entre diferentes convicccedilotildees morais Por

conseguinte alude que a doutrina da margem consoante inclusive fora abordado

anteriormente neste trabalho respondeu inicialmente a preocupaccedilotildees de governos nacionais

de que as poliacuteticas internacionais pudessem comprometer a seguranccedila nacional Isso entatildeo

explicaria a invocaccedilatildeo da margem no caso Lawless vs Irlanda por exemplo

Com a evoluccedilatildeo da jurisprudecircncia o uso desse instrumento passou a ser aplicado por

outras razotildees como gestatildeo de recursos discricionariedade em relaccedilatildeo a questotildees

concernentes agrave deliberaccedilatildeo acerca de sistemas poliacuteticos educacionais entre outros ateacute passar

a ser utilizada em temas relativos aos desacordos culturais Ainda segundo Bevenisti84

a

utilizaccedilatildeo da margem se justifica em alguns casos e em algumas mateacuterias ndash para o autor por

exemplo a aplicaccedilatildeo da margem nacional natildeo se justifica quando em questatildeo se encontram o

direito de minorias - sendo que o uso ampliado ou desmedido pode gerar uma espeacutecie de

deslegitimaccedilatildeo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos

82

Ibid 2000 p 760 83

BENVENISTI Eyal Margin of apreciation consensus and universal standards In International Law and

Politics Vol 31843 1999 pp 843-854 Disponiacutevel em httpwwwpict-

pctiorgpublicationsPICT_articlesJILPBenvenistipdfp 853 Acesso 05 nov 2014 84

Ibid 1999 p 846

41

Para Poblete amp Alvarado85

a margem nacional de apreciaccedilatildeo liga-se agrave noccedilatildeo de fins e

limites da jurisdiccedilatildeo internacional ou supranacional em mateacuteria de direitos humanos Eles

reconhecem que a doutrina da margem concede aos Estados signataacuterios de convenccedilotildees

internacionais liberdade para apreciar as circunstacircncias materiais que exigem aplicaccedilatildeo de

medidas excepcionais em situaccedilatildeo de emergecircncia como eacute o caso das prerrogativas do artigo

15 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de derrogaccedilatildeo em caso de necessidade

Outrossim ainda segundo os mencionados autores a margem possibilita aos Estados

liberdade para limitar direitos reconhecidos em tratados internacionais quando outros direitos

exigem respeito ou assim exigem os interesses da comunidade Ainda serviria para definir os

conteuacutedo dos direitos delimitar como eles satildeo aplicados no plano interno e definir o modo

como seratildeo cumpridas resoluccedilotildees de um oacutergatildeo internacional de supervisatildeo de um tratado ou

convenccedilatildeo Dessa maneira tais autores identificam a doutrina da MNA como uma

metodologia de que se servem os tribunais internacionais para difundir os direitos humanos

previstos nos tratados internacionais bem como o direito do comeacutercio ndash a margem tambeacutem eacute

aplicada pela Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio (OMC)

Vila86

por sua vez percebe na doutrina da marem nacional de apreciaccedilatildeo uma espeacutecie

de ldquodeferecircnciardquo praticada pelo Tribunal de Estrasburgo em relaccedilatildeo aos Estados signataacuterios da

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Isso pelo fato de que o sistema de proteccedilatildeo dos

diretos humanos na Europa eacute resultado de uma divisatildeo de trabalho entre os Estados e a Corte

em que os primeiros satildeo responsaacuteveis primaacuterios desta proteccedilatildeo e a Corte possui um caraacuteter

subsidiaacuterio atuando em acircmbitos sensiacuteveis como o da moralidade e da religiatildeo em que natildeo haacute

consenso entre os Estados

Nesse mesmo sentido se situa o pensamento de Roca87

que afirma que a doutrina da

margem nacional de apreciaccedilatildeo ocupa um lugar de destaque na jurisprudecircncia do Tribunal

Europeu de Direitos Humanos e eacute necessaacuteria para refletir uma realidade evidente qual seja a

pluralidade cultural dos Estados que fazem parte do Conselho da Europa notaacutevel em um

pluralismo de base territorial sobre o qual assenta uma cultura comum europeia de alguns

miacutenimos

85

POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema

interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012 p5 86

VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um

equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em

httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 87

ROCA JavierGarciacutea La muy discrecional doctrina del margen de apreciacioacuten nacional seguacuten el Tribunal

Europeo de Derechos Humanos Soberaniacutea e Integracioacuten In UNED Teoriacutea y Realidad Constitucional N

202007 p 117-143 Disponiacutevel em httpe-spaciounedes revistasuned indexphp TRC article vie 6778

Acesso 02 nov 2014

42

Da mesma forma considera o autor que os princiacutepios da proporcionalidade e da

subsidiariedade satildeo imanentes agrave noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo visto que os

Estados possuem certa margem de discricionariedade na aplicaccedilatildeo e no cumprimento de

obrigaccedilotildees impostas pela Convenccedilatildeo bem como na ponderaccedilatildeo de interesses mais

complexos Se houver excesso por parte dos Estados no uso dessa margem haacute violaccedilatildeo do

princiacutepio da proporcionalidade e abre-se espaccedilo para a intervenccedilatildeo do oacutergatildeo jurisdicional

internacional sob as bases do princiacutepio da subsidiariedade

Eacute importante sob essa oacutetica lembrar que embora o diferencial da Corte Europeia de

Direitos Humanos seja o de permitir a peticcedilatildeo individual de qualquer sujeito que denuncie

uma violaccedilatildeo de seus direitos baacutesicos assim como outros tribunais internacionais tem a regra

da exigecircncia do esgotamento das vias internas de acesso agrave justiccedila para que a demanda seja

recebida pelo TEDH Se natildeo houve satisfaccedilatildeo do pleito por parte do Estado ou se a reparaccedilatildeo

obtida se revelara inidocircnea para uma proteccedilatildeo adequada ao direito violado entatildeo agrave Corte

Europeia eacute permitido revisar a decisatildeo nacional ou substituiacute-la

Mahorney88

em seus estudos assevera que a margem funciona como uma espeacutecie de

divisatildeo de jurisprudecircncias uma vez que traccedila uma linha divisoacuteria entre o que deve decidir

cada comunidade nacional e as questotildees que tecircm relevacircncia para necessitar uma soluccedilatildeo

homogecircnea ou seja as que demandam uma decisatildeo que harmonize a regulaccedilatildeo do direito e

suas garantias na comunidade internacional independentemente das diferenccedilas de tradiccedilotildees

ou culturas

Contreras89

afirma que os tratados regionais de direitos humanos embora contenham

escopos de universalidade em relaccedilatildeo a esses direitos satildeo acompanhados pela possibilidade

de peculiaridades geograacuteficas na execuccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos direitos do homem As cortes

internacionais tecircm a dificuldade de conciliar ou justificar a falta de conciliaccedilatildeo entre

diferenccedilas morais e normativas de cada regiatildeo Em razatildeo disso uma das criaccedilotildees doutrinaacuterias

mais importantes eacute a da margem nacional de apreciaccedilatildeo sendo esta para o autor um criteacuterio

interpretativo desenvolvido tanto como deferecircncia aos Estados para que possam regular o

conteuacutedo dos direitos e suas restriccedilotildees e para distribuir os poderes e niacuteveis de decisotildees

tomadas entre as autoridades domeacutesticas e internacionais

88

MAHORNEY Paul Marvellous richness diversity or individual cultural relativism In Human Rights Law

Journal Vol 19 nuacutem 1 30 de abril de 1998 p 1 89

CONTRERAS Pablo National Discretion and International Deference in the Restriction of Human Rights A

Comparison Between the Jurisprudence of the European and the Inter-American Court of Human Rights In

Northwestern Journal of International Human Rights Vol 11 2012 Disponiacutevel em

httpscholarlycommonslawnorthwesterneducgiviewcontentcgiarticle=1155ampcontext=njihr Acesso 01 nov

2014

43

Visiacutevel portanto que na doutrina natildeo haacute um contexto exato em relaccedilatildeo a essa figura

criada e aplicada na jurisprudecircncia do TEDH Enquanto para alguns estudiosos ela se

configura como uma doutrina para outros eacute um criteacuterio interpretativo ou hermenecircutico usado

pelos tribunais internacionais no sentido de revisar a decisatildeo de um Estado ou conceder

deferecircncia a este para julgar conforme o direito interno coadunado com os princiacutepios miacutenimos

existentes nos tratados internacionais de direitos humanos

Natildeo obstante a divergecircncia de conceituaccedilatildeo no campo teoacuterico analisar-se-aacute no

proacuteximo capiacutetulo alguns casos emblemaacuteticos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de apreciaccedilatildeo

pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos mais diferentes tema com o intuito de

responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel afirmar que do modo como eacute aplicada a

doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo pela Corte Europeia de Direitos do Homem

temos uma efetiva contribuiccedilatildeo para o processo de harmonizaccedilatildeo entre universal e relativo e

construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos

Embora a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo tenha nascido da tentativa de

produccedilatildeo de uma siacutentese entre o universal e o relativo no espaccedilo do sistema regional europeu

de proteccedilatildeo dos direitos humanos sua aplicaccedilatildeo praacutetica sobretudo pelo TEDH natildeo eacute imune a

criacuteticas Cumpre a esse capiacutetulo realizar notas acerca da aplicaccedilatildeo praacutetica da margem

nacional de apreciaccedilatildeo com o intuito de verificar se ela efetivamente contribui ou eacute capaz de

contribuir para a construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

Conforme afirmam Brum et Saldanha90

a MNA ao ser compreendida e utilizada como

uma forma de autocontrole por meio do qual o oacutergatildeo jurisdicional internacional evita o

enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas poliacutetica pode

representar um risco de fragilizaccedilatildeo do direito internacional dos direitos humanos caso seu

uso se torne indiscriminado sem criteacuterios claros e limites precisos Desta maneira seu uso em

vez de conduzir ao caminho de ordenaccedilatildeo do muacuteltiplo e de mundializaccedilatildeo dos direitos

90

BRUM Maacutercio Morais SALDANHA Jacircnia Maria Lopes A margem nacional de apreciaccedilatildeo e sua

(in)aplicaccedilatildeo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em mateacuteria de anistia Uma figura hermenecircutica a

serviccedilo do pluralismo ordenado In Anuario Mexicano de Derecho Internacional 2015(No prelo para

publicaccedilatildeo)

44

humanos levaria ao rumo contraacuterio da fragmentaccedilatildeo e reforccedilo da velha noccedilatildeo de soberania

marcada pela ausecircncia de compromisso dos Estados com os marcos protetivos miacutenimos do

direito internacional

Neste vieacutes portanto dentro ainda de um panorama geral de anaacutelise da postura do

Tribunal de Estrasburgo um dos primeiros pontos de criacutetica se relaciona ao enfraquecimento

da credibilidade do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos Na visatildeo de

alguns doutrinadores a postura da Corte Europeia na aplicaccedilatildeo irrestrita e sem limitaccedilotildees ou

uma sistematizaccedilatildeo teacutecnica em relaccedilatildeo aos casos em que deve ou natildeo ser aplicada pode gerar

um sentimento de descrenccedila na legitimidade e na eficaacutecia das decisotildees tomadas pelo oacutergatildeo

jurisdicional internacional do Conselho da Europa

Para alguns estudiosos o modo como a margem eacute aplicada reflete uma postura de

evitar o enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas

poliacuteticas Aleacutem de uma fragilizaccedilatildeo do sistema internacional de proteccedilatildeo aos direitos humanos

o uso da margem sem limites definidos pode levar ao reforccedilo da noccedilatildeo claacutessica de soberania

em que o compromisso dos Estados com os instrumentos normativos de direito internacional

era mitigado

No campo de aplicaccedilatildeo a casos praacuteticos eacute possiacutevel conforme assevera Roca91

visualizar as imprecisotildees praacuteticas e teoacutericas do uso da margem o que leva a dois resultados o

primeiro eacute a necessidade de criaccedilatildeo de esforccedilos com urgecircncia para melhor edificar e criar

paracircmetros para a aplicaccedilatildeo da ferramenta bem como que o demandante ou qualquer

observador perante a Corte natildeo saber com suficiente seguranccedila juriacutedica quando o Tribunal

de Estrasburgo vai usar a margem nem quais seratildeo os possiacuteveis resultados desse uso

Ainda segundo o autor a margem eacute um instrumento impreciso e de geometria

variaacutevel todavia eacute consenso entre os doutrinadores que a ferramenta natildeo eacute uma carta branca

aos Estados para fazerem o que quiserem sendo necessaacuteria depuraccedilatildeo teoacuterica para tornar o

instrumento mais preciso Seu uso impotildee como jaacute foi dito autocontenccedilatildeo por parte da Corte

tendo em vista que sua funccedilatildeo segundo o princiacutepio da subsidiariedade eacute somente de impor

estandartes miacutenimos comuns em mateacuteria de direitos humanos Entretanto o niacutevel de proteccedilatildeo

dos direitos dos direitos e das diversas foacutermulas para concretizaacute-los natildeo satildeo homogecircneos

diante de naccedilotildees com tradiccedilotildees juriacutedicas tatildeo diversas

Desta maneira no campo jurisprudencial com a finalidade de responder ao

questionamento feito no capiacutetulo anterior utilizar-se-aacute de modo conjunto as classificaccedilotildees das

91

ROCA op cit 125

45

decisotildees da Corte Europeia dos Direitos do Homem feitas por Contreras e por Roca Para o

primeiro doutrinador92

eacute possiacutevel dividir os casos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de

apreciaccedilatildeo pelo Tribunal de Estrasburgo em trecircs grandes grupos

O primeiro grupo abarca casos envolvendo direitos fundamentais e direitos poliacuteticos

dentre os quais se destacam a proibiccedilatildeo da tortura ou a liberdade de expressatildeo e associaccedilatildeo

Nesse primeiro grupo no que tange aos direitos fundamentais haacute rigorosa supervisatildeo por

parte do Tribunal Europeu negando qualquer margem nacional de apreciaccedilatildeo aos Estados

Ainda dentro deste conjunto no que concerne aos discursos poliacuteticos ou direito de partidos

poliacuteticos eacute por vezes concedida uma margem reduzida agraves autoridades domeacutesticas para

decisatildeo ou execuccedilatildeo de uma decisatildeo

O segundo grupo por sua vez relaciona-se aos direitos de propriedade em que a

Corte concede grande margem de deferecircncia aos Estados Isso porque o TEDH reconhece em

princiacutepio que as autoridades nacionais estatildeo melhor situadas do que o juiz internacional no

que tange a apreciaccedilatildeo acerca do melhor interesse de uma comunidade em relaccedilatildeo a poliacuteticas

envolvendo direitos de propriedade

Por fim o terceiro grupo eacute o mais complexo para a apreciaccedilatildeo do tipo de margem

concedida pelo Tribunal de Estrasburgo uma vez que conteacutem temas que natildeo apresentam

consenso por parte do Tribunal Deste modo neste grupo ficam evidentes as complexidades e

as vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis da MNA Casos como os de liberdade religiosa liberdade de

discurso direitos dos homossexuais dentre outros temas latentes e relevantes na paisagem

juriacutedica social e cultural europeia

Do mesmo modo Roca93

divide a margem nacional de apreciaccedilatildeo em trecircs ciacuterculos

concecircntricos tendo como base a natureza dos direitos cuja tutela eacute pleiteada junto ao oacutergatildeo

jurisdicional internacional do sistema europeu O primeiro ciacuterculo de Roca relaciona-se com o

segundo grupo de Contreras vez que trata dos direitos de propriedade que teriam uma

margem de deferecircncia ampla e um controle pouco intenso por parte da Corte Esse ciacuterculo

seria o maior e englobaria os demais

No ciacuterculo menor estariam os direitos vistos como absolutos pelo Tribunal Europeu

Dentre esses se destacam o direito agrave vida ou os direitos democraacuteticos que apresentam uma

margem de apreciaccedilatildeo pouco extensa juntamente com um controle restrito por parte da Corte

Europeia Este ciacuterculo identifica-se com o primeiro grupo anteriormente mencionado visto

92

CONTRERAS op cit p 35 93

ROCA op cit p 134

46

que trabalha com noccedilotildees de direitos fundamentais e poliacuteticos essenciais e miacutenimos para todos

os paiacuteses europeus

Por fim no espaccedilo intermediaacuterio entre esses dois ciacuterculos encontra-se uma esfera

meacutedia que relacionando-se com o terceiro grupo definido por Contreras contempla todos os

outros direitos em que alguma vez o Tribunal de Estrasburgo mencionou ou aplicou a margem

nacional de apreciaccedilatildeo Eacute justamente nesse ciacuterculo que devem ser desenvolvidos os

paracircmetros para guiar o uso da ferramenta pela Corte no intuito de reduzir a inseguranccedila

juriacutedica ocasionada pelo uso sem uma sistematizaccedilatildeo de criteacuterios

Eacute pertinente em um primeiro momento destacar que conforme ambos os

doutrinadores demonstram quando se mencionam direitos fundamentais ou vinculados agrave

princiacutepios democraacuteticos inaplicaacutevel eacute o uso da margem pela Corte ou se for feito eacute de forma

absolutamente restrita No caso dos direitos fundamentais interessante relembrar Baez94

que

ao buscar o conceito de direitos humanos concluiu que nenhuma fonte normativa existente

tanto em sistemas internacionais quanto nacionais ou regionais trazem a definiccedilatildeo de direitos

humanos Pelo contraacuterio soacute os exemplificam

Nesse sentido observou Baez95

que embora natildeo exista uma definiccedilatildeo precisa de

direitos humanos existem elementos baacutesicos que fazem parte desses e o elemento que eacute

citado em todos os instrumentos normativos sobre o tema eacute o de dignidade da pessoa humana

Os direitos humanos somente existem para realizaccedilatildeo e proteccedilatildeo da dignidade humana poreacutem

o conceito de dignidade eacute de tatildeo difiacutecil conceituaccedilatildeo quanto o conceito de direitos humanos

O autor conclui que a dignidade possui duas dimensotildees a dimensatildeo baacutesica a qual

corresponde aos limites miacutenimos e fundamentais para a existecircncia humana impedindo a

noccedilatildeo de coisificaccedilatildeo do ser Se houver portanto violaccedilatildeo agrave dimensatildeo baacutesica da dignidade da

pessoa humana haacute tambeacutem violaccedilatildeo dos direitos humanos A outra dimensatildeo eacute a cultural vez

que envolve o conjunto de valores que cada sociedade desenvolve

A primeira dimensatildeo refere-se agrave universalidade e a segunda que depende de fatores

culturais permite que os direitos humanos sejam morfologicamente assimeacutetricos Isso natildeo

deixa de se relacionar com o que Delmas-Marty fala acerca dos direitos humanos

inderrogaacuteveis ou seja que natildeo podem sofrer a incidecircncia de qualquer tipo de margem de

94

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos

humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da

UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em

httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014 95

Tal posicionamento de Narciso Leandro Xavier Baez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema

Internacional de Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de

19 e 20 de agosto de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado

ndash da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS

47

apreciaccedilatildeo Estes possuem a caracteriacutestica do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano

ou seja vinculam-se agrave noccedilatildeo da dimensatildeo baacutesica da dignidade da pessoa humana

Neste vieacutes eacute possiacutevel dizer que no que diz respeito aos direitos fundamentais a Corte

de certa forma apresenta certa relaccedilatildeo com as doutrinas apresentadas uma vez que em casos

em que existam registros de violaccedilotildees aos direitos humanos inderrogaacuteveis quais sejam os

que tem como cerne a dignidade humana baacutesica a Corte natildeo permite qualquer espeacutecie de

margem nacional de apreciaccedilatildeo Vejamos por exemplo o caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila96

julgado em 2006 O demandante perante o Tribunal de Estrasburgo foi um terrorista

venezuelano conhecido na deacutecada de 1970 condenado pelo Estado Francecircs agrave prisatildeo perpeacutetua

pelo assassinato em 1974 dois inspetores da poliacutecia francesa e um antigo companheiro

terrorista libanecircs

Saacutenchez recorreu agrave Corte Europeia arguindo violaccedilotildees do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo

Europeia dos Direitos do Homem (proibiccedilatildeo da tortura e tratamentos humanos degradantes) e

do artigo 13 do mesmo diploma legal (direito a um recurso efetivo) Embora no julgamento

tenha ficado decidido que natildeo houve violaccedilatildeo ao artigo 3ordm97

o posicionamento da Corte

permite asseverar que natildeo haacute margem nacional de deferecircncia aos Estados quando o assunto

for violaccedilatildeo de direitos humanos ou fundamentais inderrogaacuteveis ou cujo nuacutecleo central for a

dignidade baacutesica da pessoa humana Nesse sentido a Corte pontuou que mesmo nas

circunstacircncias mais difiacuteceis como a luta contra o terrorismo ou o crime organizado a

Convenccedilatildeo proiacutebe em termos absolutos a tortura ou tratamentos inumanos ou degradantes

Igualmente natildeo confere o Tribunal margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso de

violaccedilatildeo de direitos humanos nas condiccedilotildees degradantes das prisotildees de muitos paiacuteses do Leste

Europeu O caso Kalashnikov vs Ruacutessia98

julgado em 15 de julho de 2002 cujo fundamento

foi repetido em muitos outros casos envolvendo condiccedilotildees humanas degradantes nas prisotildees

apresenta a consideraccedilatildeo de que deficientes condiccedilotildees objetivas e estruturais de cumprimento

de pena podem constituir uma violaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo Europeia

96

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-

1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila Sentenccedila

de 04 de julho de 2006 Acesso 05 nov 2014 97

Artigo 3ordm Proibiccedilatildeo da tortura Ningueacutem pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos desumanos

ou degradantes CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS

LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 98

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-

1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Kalashnikov vs Ruacutessia Sentenccedila de 15

de julho de 2002 Acesso 05 nov 2014

48

Ainda pode-se destacar o caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria99

em que novamente o motivo

que serve de base para o pedido de julgamento do Tribunal de Estrasburgo eacute a violaccedilatildeo do

artigo 3ordf da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de que ningueacutem poderaacute ser

submetido a torturas nem a penas ou tratamentos humanos degradantes O caso em comento

referiu-se agrave prisatildeo do senhor Borislav Gutsanov membro do Partido Comunista preso pela

poliacutecia da Bulgaacuteria em sua casa na frente de seus filhos e de sua esposa durante as

investigaccedilotildees de esquemas de grupos criminosos Segundo o relato das partes demandantes

Gustsanovi foi rendido em sua casa por volta das seis horas da manhatilde forccedilado a se ajoelhar e

algemado em frente a seus filhos menores de idade

A decisatildeo da Corte foi a de considerar que houve violaccedilatildeo do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo

uma vez que se mostrou desnecessaacuterio o ato dos policiais e natildeo condizente com os princiacutepios

da proporcionalidade e com as exigecircncias de garantia de direitos fundamentais de um Estado

Democraacutetico de Direito Isso porque o demandante natildeo teria oferecido resistecircncia em sua

prisatildeo de modo que algemaacute-lo diante de sua famiacutelia representou uma espeacutecie de tratamento

humano degradante

Casos como os acima previstos mostram um padratildeo doutrinaacuterio e jurisprudencial

semelhante vez que natildeo se encontram referecircncias expressas a qualquer margem nacional de

apreciaccedilatildeo para as autoridades nacionais O TEDH determina se as provas colhidas satildeo

suficientes ou natildeo para provar o real risco de tortura ou de tratamento humano e

degradante100

Logo pelo fato de que a natureza dos direitos envolvidos nesse caso eacute considerada

como fundamental de imediato eliminam-se as possibilidades de deferecircncia aos Estados Tal

compreensatildeo eacute o que faz o uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo ser extremamente reduzido

no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos Isso porque ateacute hoje diferentemente do Tribunal de Estrasburgo a Corte

Interamericana teve como maioria de demandas apresentadas as envolvendo delitos

praticados pelos Estados Americanos durante as ditaduras militares ou civil militares em que

casos de tortura e desaparecimento forccedilados eram julgados ou seja casos envolvendo a

violaccedilatildeo de direitos fundamentais ou humanos em sua perspectiva eacutetica de dignidade humana

e natildeo cultural

99

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-126982itemid[001-126982] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria Sentenccedila de 15 de outubro de 2013

Acesso 05 nov 2014 100

CONTRERAS op cit p 41

49

Nesse aspecto visiacutevel que quando se tratam de possiacuteveis violaccedilotildees de direitos

humanos inderrogaacuteveis previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos

a anaacutelise feita pelo Tribunal de Estrasburgo eacute de revisatildeo minuciosa da sentenccedila proferida no

paiacutes de origem da demanda bem como a possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute

extremamente reduzida para natildeo falar inexistente No caso de direitos democraacuteticos a

deferecircncia quando concedida pela Corte possui um limite miacutenimo e consoante o princiacutepio da

proporcionalidade soacute eacute concedida se a restriccedilatildeo eacute necessaacuteria e condizente com uma sociedade

democraacutetica

Nos direitos democraacuteticos referidos abarca-se a participaccedilatildeo poliacutetica atraveacutes das

possibilidades de liberdade de associaccedilatildeo ou de discurso poliacutetico Neste campo dos direitos de

participaccedilatildeo poliacutetica em sociedades democraacuteticas a margem concedida pelo Tribunal de

Estrasburgo consoante se afirmou eacute reduzida e sujeita a um controle rigoroso por parte do

oacutergatildeo jurisdicional internacional

Destaca-se o caso Lingens vs Austria101

que por mais que tenha sido julgado na

deacutecada de 1980 pela Corte Europeia eacute emblemaacutetico em relaccedilatildeo ao posicionamento do

tribunal internacional acerca da liberdade de expressatildeo Nesse caso durante o periacuteodo anterior

agraves eleiccedilotildees na Aacuteustria o jornalista Lingens publicou dois artigos polecircmicos sobre os

candidatos incluindo em um desses artigos a informaccedilatildeo de que o entatildeo presidente do

Partido Liberal Nacional da Aacuteustria teria ligaccedilotildees no passado com o nazismo e com a SS

Contra o jornalista foi instaurado um processo penal e ao fim da instruccedilatildeo criminal

este fora condenado pelo delito de difamaccedilatildeo conforme as regras do direito penal austriacuteaco

Esgotadas as vias internas de recurso o jornalista demandou perante a Corte Europeia

alegando que houve por parte do Estado violaccedilatildeo do artigo 10 da Convenccedilatildeo Europeia

havendo censura em seu direito de expressar-se livremente O Estado por sua vez nas razotildees

apresentadas perante o tribunal internacional justificou a condenaccedilatildeo na convicccedilatildeo de

proteccedilatildeo da honra dos direitos de outrem

Frente a este embate o Tribunal de Estrasburgo reconheceu uma margem miacutenima de

deferecircncia agraves autoridades domeacutesticas no que concerne aos oacutergatildeos locais na avaliaccedilatildeo de uma

necessidade social imperiosa que justificaria a interferecircncia na liberdade de expressatildeo de

Lingens Entretanto ressaltou que essa deferecircncia seria seguida por uma riacutegida supervisatildeo

101

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lingens vs Austria Sentenccedila de 8 de julho de 1986 Acesso

05 nov 2014

50

internacional uma vez estar se tratando de direitos fundamentais para o bom funcionamento

de uma sociedade democraacutetica

Ainda nesse sentido o TEDH arguiu que a liberdade de debate poliacutetico eacute cerne da

democracia e considerar que qualquer ofensa ou notiacutecia acerca de uma pessoa puacuteblica seria

sempre difamaccedilatildeo poderia impedir a imprensa na realizaccedilatildeo de sua tarefa de fornecedora de

informaccedilotildees Deste modo aplicando de forma conjunta os princiacutepios da proporcionalidade e

da subsidiariedade o Tribunal de Estrasburgo decidiu que a condenaccedilatildeo fora desproporcional

ao objetivo legiacutetimo perseguido e constituiu uma violaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo no

acircmbito da Convenccedilatildeo Europeia

Tambeacutem merece anaacutelise o caso July and Sarl Libeacuteration vs France102

cuja sentenccedila

foi proferida em 2008 Neste caso o jornal francecircs Libeacuteration divulgou uma reportagem a

respeito das investigaccedilotildees da morte do juiz Bernard Borrel que em um primeiro momento

havia sido dada como suiciacutedio mas apoacutes a reabertura das investigaccedilotildees houve surgimento de

indiacutecios de morte por encomenda Apoacutes a divulgaccedilatildeo da reportagem contendo informaccedilotildees

acerca da participaccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos na morte do magistrado o diretor do jornal

Senhor July foi processado criminalmente pelo crime de difamaccedilatildeo e condenado pelo governo

francecircs

O TEDH em sua manifestaccedilatildeo asseverou que o caso em questatildeo trazia niacutetida

interferecircncia de autoridades puacuteblicas na liberdade de expressatildeo e essa interferecircncia caso natildeo

siga os requisitos do artigo 10103

da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos representa

clara violaccedilatildeo do direito de liberdade de expressatildeo Nessa situaccedilatildeo ainda a Corte faz uso de

uma triacuteade de requisitos descritos por Contreras104

para a concessatildeo da margem a) prescriccedilatildeo

legal - verificar se a restriccedilatildeo realizada pela autoridade domeacutestica foi autorizada ou pelo

102

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-85084itemid[001-85084] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso July and Sarl Libeacuteration vs France Sentenccedila de 14 de

fevereiro de 2008 Acesso 05 nov 2014 103

Artigo 10 Liberdade de expressatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de expressatildeo Este direito

compreende a liberdade de opiniatildeo e a liberdade de receber ou de transmitir informaccedilotildees ou ideias sem que

possa haver ingerecircncia de quaisquer autoridades puacuteblicas e sem consideraccedilotildees de fronteiras O presente artigo

natildeo impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusatildeo de cinematografia ou de televisatildeo a um

regime de autorizaccedilatildeo preacutevia 2 O exerciacutecio desta liberdades porquanto implica deveres e responsabilidades

pode ser submetido a certas formalidades condiccedilotildees restriccedilotildees ou sanccedilotildees previstas pela lei que constituam

providecircncias necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a integridade territorial ou a

seguranccedila puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral a proteccedilatildeo da

honra ou dos direitos de outrem para impedir a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees confidenciais ou para garantir a

autoridade e a imparcialidade do poder judicial CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS

DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 104

CONTRERAS op cit p 34

51

menos executada em conformidade com a lei b) objetivo legiacutetimo c) se a medida foi

necessaacuteria em uma sociedade democraacutetica

No caso pode ser feito o destaque para o trecho da sentenccedila em que analisando a

necessidade da medida de investigaccedilatildeo do crime de difamaccedilatildeo a Corte arguiu que a tarefa do

tribunal internacional no exerciacutecio de sua competecircncia de fiscalizaccedilatildeo natildeo eacute de tomar o lugar

das autoridades competentes mas sim rever as decisotildees que porventura violarem preceitos

previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem quando entregues ao poder de

apreciaccedilatildeo do Estado Deve entatildeo a Corte agrave luz do caso como um todo avaliar se a medida

tomada pelo Estado foi proporcional ao objetivo legiacutetimo perseguido e se os motivos

indicados pelas autoridades nacionais satildeo suficientes e relevantes Por tais motivos no caso

em questatildeo o TEDH declarou que houve violaccedilatildeo por parte do Estado Francecircs do direito de

liberdade de expressatildeo devendo este arcar com uma indenizaccedilatildeo agraves partes prejudicadas

Ainda dentro dessa esfera de atuaccedilatildeo mais precisamente no que concerne ao direito

democraacutetico de livre reuniatildeo e associaccedilatildeo previsto no artigo 11105

da Convenccedilatildeo Europeia o

destaque pode ser dado aos casos do Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia106

julgado em 2005 e Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia107

julgado em 2006 O primeiro deles

trata da questatildeo de dissoluccedilatildeo do Partido Comunista da Turquia ordenado pelo Tribunal

Constitucional do paiacutes sob as razotildees de que era incompatiacutevel com as obrigaccedilotildees

constitucionais e convencionais do Estado

Ao apreciar tal caso a Corte alegou que os partidos poliacuteticos satildeo estruturas essenciais

para o bom e justo funcionamento da democracia Embora natildeo negue certa margem de

deferecircncia aos Estados para que dissolvam partidos poliacuteticos que poderiam tentar minar a

estrutura constitucional do Estado tal decisatildeo se executada pode sofrer revisatildeo se natildeo

105

Artigo 11 Liberdade de reuniatildeo e de associaccedilatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo

paciacutefica e agrave liberdade de associaccedilatildeo incluindo o direito de com outrem fundar e filiar-se em sindicatos para a

defesa dos seus interesses 2 O exerciacutecio deste direito soacute pode ser objeto de restriccedilotildees que sendo previstas na

lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a seguranccedila

puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral ou a proteccedilatildeo dos direitos

e das liberdades de terceiros O presente artigo natildeo proiacutebe que sejam impostas restriccedilotildees legiacutetimas ao exerciacutecio

destes direitos aos membros das forccedilas armadas da poliacutecia ou da administraccedilatildeo do Estado CONVENCcedilAtildeO

EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS

1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 106

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia

Sentenccedila de 2005 Acesso 05 nov 2014 107

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia Sentenccedila de 15 de

julho de 2006 Acesso 05 nov 2014

52

adequar-se agraves previsotildees da Convenccedilatildeo Europeia Logo o Tribunal embora tenha feito a

ressalva de que podem os Estados dissolver partidos poliacuteticos na situaccedilatildeo afirmou que houve

violaccedilatildeo dos direitos de liberdade de associaccedilatildeo visto que natildeo havia qualquer indiacutecio de que

o partido por ter ideal comunista poderia colocar em risco a estrutura do Estado

Da mesma forma o caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia que envolve o direito

de liberdade sindical Na situaccedilatildeo o Governo turco justifica o fechamento de sindicatos com

base em previsotildees da legislaccedilatildeo trabalhista interna a qual natildeo permite que funcionaacuterios criem

sindicatos A Corte na anaacutelise da situaccedilatildeo tambeacutem asseverou que houve violaccedilatildeo do artigo

11 mesmo que neste existam ressalvas em relaccedilatildeo agrave liberdade de associaccedilatildeo de membros das

Forccedilas Armadas da Poliacutecia e da Administraccedilatildeo do Estado Contudo essas limitaccedilotildees devem

ser interpretadas pelos Estados dentro da sua margem de apreciaccedilatildeo de maneira restrita

Se esses casos expostos ilustram exemplos de margem nacional de apreciaccedilatildeo

reduzida ou inexistente o polo oposto envolve os direitos concernentes agrave propriedade para os

quais a Corte Europeia possui entendimento de que a margem de deferecircncia agraves autoridades

domeacutesticas deve ser maior e mais elaacutestica bem como a supervisatildeo por parte do Tribunal

Internacional deve ser menor e relativizada Isso porque as autoridades nacionais em uma

concepccedilatildeo semelhante agrave de juiz natural no processo estariam mais bem situadas que o juiz

internacional para avaliar qual eacute o interesse geral de uma comunidade nessa seara108

A proteccedilatildeo internacional dos direitos de propriedade encontra-se no artigo 1ordm109

do

Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo de Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades

Fundamentais Jaacute na previsatildeo normativa encontra-se a prerrogativa de que qualquer pessoa

singular ou coletiva tem direito ao respeito de seus bens natildeo podendo haver privaccedilatildeo da

propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica ou por condiccedilotildees previstas em lei Desta maneira

as demandas soacute seratildeo revistas pela Corte caso implicarem violaccedilatildeo expliacutecita a esse artigo

Segundo Roca110

a jurisprudecircncia internacional definiu que a previsatildeo normativa

anteriormente destacada segue trecircs criteacuterios em primeiro lugar deve ser respeitado o direito

ao respeito e gozo paciacutefico dos bens dos indiviacuteduos Na sequecircncia a segunda regra

108

CONTRERAS op cit p 40 109

Artigo 1 Proteccedilatildeo da propriedade Qualquer pessoa singular ou coletiva tem direito ao respeito dos seus bens

Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas

pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo

do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso

dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees

ou de multas CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS

LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 110

ROCA op cit p 127

53

compreende uma garantia contra a privaccedilatildeo ilegal ou seja somente poderaacute haver

expropriaccedilatildeo ou privaccedilatildeo da propriedade em casos de utilidade puacuteblica e de acordo com

condiccedilotildees legalmente previstas Por fim o terceiro paracircmetro eacute a possibilidade de o Estado

estabelecer restriccedilotildees ao direito de propriedade tendo por base a prevalecircncia do interesse

puacuteblico sobre o privado

Logo sob a base desses criteacuterios e de alguns casos jaacute julgados pelo oacutergatildeo jurisdicional

internacional eacute possiacutevel asseverar que a margem de apreciaccedilatildeo concedida aos paiacuteses eacute larga

quando se estaacute diante dos direitos de propriedade No caso Back vs Finlacircndia111

de 2004 que

trata de noccedilotildees de utilidade puacuteblica em casos de expropriaccedilatildeo haacute o reforccedilo da noccedilatildeo de

subsidiariedade da Corte Europeia com o entendimento de que esta deve respeitar as decisotildees

das autoridades nacionais soacute sendo possiacutevel e viaacutevel a intervenccedilatildeo se o juiacutezo for

manifestamente desprovido de bases racionais

Por fim poreacutem natildeo menos importante aborda-se o uacuteltimo grupo de jurisprudecircncias da

Corte Europeia de Direitos Humanos que pode ser enquadrado no que Roca determina como

ciacuterculo mediano vez que conteacutem temas em que o posicionamento do Tribunal de Estrasburgo

em relaccedilatildeo agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute oscilante Eacute nesse grupo que pode ser

visualizada toda a complexidade da margem e suas vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis em casos

semelhantes envolvendo por exemplo liberdade religiosa direito de homossexuais e

transexuais e outros temas

Justamente nesse ciacuterculo que natildeo apresenta por parte dos doutrinadores jaacute referidos no

capiacutetulo anterior um criteacuterio de unificaccedilatildeo se apresenta o embate entre o universalismo de

alguns direitos previstos nos marcos normativos internacionais de direitos humanos ndash com

destaque para a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos ndash e o relativismo relativo a noccedilotildees

religiosas e culturais que compotildeem a identidade dos diferentes povos europeus

Nesse aspecto no que tange agrave liberdade religiosa a qual eacute prevista pelo artigo 9ordm112

da

CEDH temos duas decisotildees emblemaacuteticas do Tribunal de Estrasburgo o caso Lautsi vs

111

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-114486itemid[001-114486] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Back vs Finlacircndia Sentenccedila de 13 de novembro de 2002

Acesso 05 nov 2014 112

Artigo 9 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de pensamento de consciecircncia e de religiatildeo este direito

implica a liberdade de mudar de religiatildeo ou de crenccedila assim como a liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou a

sua crenccedila individual ou coletivamente em puacuteblico e em privado por meio do culto do ensino de praacuteticas e da

celebraccedilatildeo de ritos 2 A liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou convicccedilotildees individual ou coletivamente natildeo

pode ser objeto de outras restriccedilotildees senatildeo as que previstas na lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa

sociedade democraacutetica agrave seguranccedila puacuteblica agrave proteccedilatildeo da ordem da sauacutede e moral puacuteblicas ou agrave proteccedilatildeo dos

direitos e liberdades de outrem CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO

54

Itaacutelia113

julgado em 2011 e o caso Leyla Sahin vs Turquia114

julgado em 2005 Isso porque

nesses casos respectivamente o TEDH referendou as normas que impotildeem a presenccedila de

crucifixos nas escolas puacuteblicas italianas e natildeo opocircs objeccedilotildees a restriccedilotildees estatais concernentes

ao uso do veacuteu islacircmico no contexto educativo

No primeiro caso o TEDH retificou a decisatildeo da Corte Constitucional Italiana que

em 2009 havia estabelecido por unanimidade que a norma italiana a qual impunha desde a

deacutecada de 1920 a presenccedila de crucifixo nas paredes de escolas puacuteblicas havia violado o direito

da senhora Lautsi a educar seus filhos conforme suas convicccedilotildees laicas e liberdade religiosa

Portanto o Tribunal italiano argumentou que a manutenccedilatildeo de um siacutembolo religioso em salas

de aula de uma escola puacuteblica poderia perturbar emocionalmente os estudantes que natildeo

professassem religiatildeo alguma a ter a percepccedilatildeo de que o contexto educativo estava marcado

pela religiatildeo

Para retificar tal sentenccedila o TEDH argumentou por uma valoraccedilatildeo abstrata de

compatibilidade entre a norma italiana que permitia o uso de crucifixos nas escolas puacuteblicas e

os direitos convencionais sendo que a margem nacional de apreciaccedilatildeo foi aplicada para essa

valoraccedilatildeo da norma italiana Em primeiro lugar o Tribunal Europeu matizou quais satildeo as

exigecircncias convencionais de neutralidade religiosa na educaccedilatildeo indicando que se proiacutebe o

proselitismo ou a adoccedilatildeo no marco educativo de algo compatiacutevel com o estabelecimento de

o ensino obrigatoacuterio de uma religiatildeo ou a imposiccedilatildeo de uma religiatildeo no ensino puacuteblico

O crucifixo no entendimento do TEDH eacute um siacutembolo religioso passivo cuja

influecircncia natildeo se compara a que exercem a educaccedilatildeo religiosa ou a participaccedilatildeo em atividades

religiosas Logo a percepccedilatildeo subjetiva de que o crucifixo supotildee uma ausecircncia de respeito ao

direito de liberdade religiosa natildeo basta para considerar que tenha havido uma violaccedilatildeo agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Para o TEDH portanto sempre que natildeo exista

a pretensatildeo de doutrinar o Estado goza de margem de deferecircncia para decidir sobre a

permanecircncia dos crucifixos em sala de aula

HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 113

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-104040itemid[001-104040] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lautsi vs Italia Sentenccedila de 18 de marccedilo de 2011 Acesso 05

nov 2014 114

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-70956itemid[001-70956] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Leyla Sahin vs Turquia Sentenccedila de 10 de novembro de

2005 Acesso 05 nov 2014

55

No caso Leyla Sahin de proibiccedilatildeo do uso do veacuteu islacircmico por uma jovem no recinto

de sua universidade para o TEDH os Estados tecircm autonomia para limitar o uso do veacuteu em

locais como escolas puacuteblicas ou universidades Para referendar essa restriccedilatildeo agrave liberdade

religiosa o Tribunal Europeu admitiu o uso da margem de apreciaccedilatildeo por parte do Estado em

razatildeo da ausecircncia de um consenso europeu sobre a mateacuteria somado agrave ideia de que as

autoridades nacionais podem lidar melhor com o assunto por estarem mais perto das

realidades nacionais do que o oacutergatildeo jurisdicional internacional

Para o TEDH desta forma a opccedilatildeo poliacutetica de um Estado pelo laicizismo pode

justificar restriccedilotildees agrave liberdade religiosa e exigir sacrifiacutecios aos indiviacuteduos em prol da

harmonia religiosa do paiacutes Embora portanto haja restriccedilatildeo da liberdade individual religiosa

no caso em questatildeo a proibiccedilatildeo natildeo viola a CEDH

A aplicaccedilatildeo dos princiacutepios da subsidiariedade e da proporcionalidade bem como a

falta de consenso na Europa acerca de questotildees como as apresentadas marcaram o

posicionamento do TEDH na concessatildeo de margem de deferecircncia aos Estados no que

concerne agrave liberdade religiosa A grande criacutetica contudo reside na falta de criteacuterios

especiacuteficos e de clareza no uso da ferramenta

Neste uacuteltimo grupo portanto vislumbra-se o que Kratochivil115

menciona como

ldquomedida misteriosardquo ou seja natildeo existem paracircmetros ou criteacuterios especiacuteficos para a aplicaccedilatildeo

da margem Pelo contraacuterio haacute falta de clareza e de limites demonstrando que a banalizaccedilatildeo

do uso da MNA liquidifica sua substacircncia e pode gerar inseguranccedila juriacutedica aos litigantes

Sob essa oacutetica no campo de direitos inderrogaacuteveis como eacute o caso dos direitos que compotildeem

esse uacuteltimo grupo a consideraccedilatildeo de Vila116

merece destaque

Segundo a autora nesse campo que envolve relativismos culturais a postura do TEDH

varia entre a adoccedilatildeo de uma versatildeo voluntarista de MNA ou a adoccedilatildeo de uma versatildeo

racionalista A primeira se centra no direito de que o Tribunal de Estrasburgo eacute um oacutergatildeo

internacional e assume uma visatildeo normativa e natildeo meramente temporal ou procedimental

acerca do princiacutepio da subsidiariedade Por isso o TEDH reconhece que sua legitimidade

poliacutetica eacute meramente derivada e outorga uma presunccedilatildeo em favor do Estado evitando realizar

uma valoraccedilatildeo independente de compatibilidade entre as medidas impugnadas e o convecircnio

Esta presunccedilatildeo soacute eacute rompida quando haacute razotildees fortes para concluir que o Estado extrapolou o

exerciacutecio de sua autonomia Sob a oacutetica desta concepccedilatildeo fatores como a falta de consenso

115

KRATOCHVIL op cit p 330 116

VILA op cit p 10

56

europeu ou a ideia de que os Estados situam-se em um local melhor apropriado para decidir

adquirem importacircncia por razotildees de legitimidade institucional

Entretanto a oacutetica racionalizada de MNA percebe a ferramenta como um resultado de

efetuar um balanccedilo entre os valores que estatildeo em jogo na proteccedilatildeo dos direitos convencionais

mais do que uma presunccedilatildeo de partida em favor do Estado O TEDH centra-se em examinar

se a medida estatal impugnada consegue alcanccedilar um balanccedilo equitativo entre direitos

individuais e valores democraacuteticos A finalidade natildeo eacute justificar a deferecircncia mas reconhecer

de modo equilibrado os valores democraacuteticos no seio da CEDH

Sobretudo neste uacuteltimo grupo analisado ao qual aqui somente satildeo trazidos casos em

relaccedilatildeo agrave liberdade religiosa (artigo 9ordm da CEDH) concentram-se as criacuteticas em relaccedilatildeo agrave

falta de paracircmetros do TEDH para deferir ou natildeo uma margem de apreciaccedilatildeo aos Estados

Essa variabilidade eacute por alguns117

definida como um ponto negativo de falta de definiccedilatildeo de

criteacuterios o que pode levar a uma margem larga ou a uma margem estreita A primeira poderia

conduzir ao processo de fragmentaccedilatildeo do espaccedilo europeu enquanto a segunda poderia forccedilar

a integraccedilatildeo sob o domiacutenio de uma concepccedilatildeo moderna de direitos humanos pautada pelo

liberalismo e individualismo

Deste modo duas respostas podem ser concedidas agrave pergunta cerne deste trabalho a

margem constitui-se em um instrumento eficaz no processo de construccedilatildeo de um direito

comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa uma vez que sob a perspectiva eacutetica

destes direitos o TEDH preza pela preservaccedilatildeo do irredutiacutevel humano e dos direitos

inderrogaacuteveis e absolutos da pessoa humana Prova disso eacute a ausecircncia ou a miacutenima margem

que eacute concedida para casos envolvendo tortura ou tratamentos humanos degradantes ou

violaccedilatildeo de direitos democraacuteticos

No entanto a ausecircncia de paracircmetros e de criteacuterios por parte do Tribunal de

Estrasburgo (ausecircncia constatada por diversos doutrinadores trazidos ao longo deste trabalho

e exemplificada de modo sinteacutetico atraveacutes da anaacutelise de casos emblemaacuteticos envolvendo

liberdade religiosa) no julgamento de direitos humanos quando vinculados a questotildees

culturais demonstram que no campo praacutetico ainda haacute muito para avanccedilar no processo de

siacutentese entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo dos direitos culturais

117

BRUM et SALDANHA Op cit

57

CONCLUSAtildeO

Slavoj Zizek118

certa vez afirmou que o papel do filoacutesofo natildeo eacute o de propor iniciativas

capazes de mudar o mundo ou as situaccedilotildees em curso mas de observar e interpretar a realidade

que eacute posta A pretensatildeo deste trabalho natildeo difere da conceituaccedilatildeo de filoacutesofo por Zizek Isso

porque em nenhum momento busca-se apresentar alternativas fortes para resolver problemas

postos mas sim almeja-se observar sob um amplo espectro os reflexos da mundializaccedilatildeo

dentro do Direito e de modo especiacutefico como atua o Tribunal Europeu dos Direitos do

Homem no que concerne agrave aplicaccedilatildeo da figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

Aos mais observadores da realidade que se apresenta eacute impossiacutevel negar que na atual

conjuntura da sociedade informacional a proliferaccedilatildeo exacerbada e anaacuterquica de normas e

instituiccedilotildees juriacutedicas gera uma sensaccedilatildeo de caos e de desordem que clama por uma ordenaccedilatildeo

Embora esse verdadeiro mosaico em que se transformou o Direito na atualidade possa ser

vislumbrado em acircmbito global uma anaacutelise mais apurada de uma parte do todo em

especiacutefico da Europa se mostra pertinente para avaliar as possibilidades de construccedilatildeo de um

pluralismo ordenado

A base possiacutevel desse pluralismo ordenado invariavelmente eacute um direito comum cujo

alicerce se encontra nos direitos humanos No contexto europeu de convivecircncia simultacircnea

de uma ldquopequena Europardquo e de uma ldquogrande Europardquo embora o direito comunitaacuterio jaacute tenha

se consolidado sendo um modelo sui generis para todo o globo ainda eacute preciso avanccedilar no

acircmbito da ldquogrande Europardquo ou do sistema regional europeu dos direitos do homem para a

criaccedilatildeo de um direito comum

Nesse sentido parece indiscutiacutevel que a base de um direito comum europeu seja

alicerccedilada na proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua dimensatildeo moral miacutenima ou no que

Delmas denomina de miacutenimo eacutetico universal e irredutiacutevel humano Logo a universalizaccedilatildeo

almejada natildeo tem como objetivo impor referecircncias de uma cultura sobre as demais e sim o

diaacutelogo entre as diferentes particularidades existentes no seio das diversas sociedades que

convivem na Europa a fim de encontrar o que haacute de valores comuns em todas elas

Todavia por mais que a premissa seja de faacutecil compreensatildeo os embates entre

universalismos e relativismos culturais estatildeo na ordem do dia na agenda do Tribunal de

Estrasburgo de modo que um dos temais mais debatidos atualmente no continente se refere

118

ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo Boitempo 2008

58

ao uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo por este tribunal a fim de conferir deferecircncia aos

Estados em algumas mateacuterias para decidir acerca de questotildees sensiacuteveis

O objetivo do presente trabalho foi o de analisar essa ferramenta hermenecircutica de

origem europeia sob a oacutetica de caos juriacutedico anteriormente apresentado De acordo com o que

fora apurado e estudado chegou-se a conclusatildeo de que o uso dessa doutrina contribui ainda

que de modo tiacutemido para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema europeu

Isso porque quando se tratam de temas concernentes agrave tortura a tratamentos humanos

degradantes a penas desproporcionais ou ainda a direitos democraacuteticos a Corte opta por

definir um entendimento que deve ser aplicado em todos os paiacuteses independentemente de

especificidades culturais Estariacuteamos proacuteximos portanto de uma definiccedilatildeo de direitos

humanos inderrogaacuteveis ou de um miacutenimo eacutetico universal proposto por Delmas e jaacute idealizado

por Kant em sua premissa de direito cosmopoliacutetico

No que tange ao restante dos direitos humanos em uma dimensatildeo cultural pode-se

dizer que a teoria da margem traduz uma ideia de que estaacute eacute capaz de harmonizar o

universalismo dos direitos humanos e o pluralismo advindo das diversidades culturais e

religiosas dos paiacuteses europeus Entretanto consoante a anaacutelise de posiccedilotildees doutrinaacuterias acerca

da utilizaccedilatildeo praacutetica do instituto pelo Tribunal de Estrasburgo bem como o embate

paradigmaacutetico de julgados envolvendo liberdade religiosa parece inevitaacutevel a conclusatildeo de

que como meacutetodo de harmonizaccedilatildeo entre plural e universal o oacutergatildeo jurisdicional

internacional do sistema europeu ainda tem muito a evoluir sobretudo na definiccedilatildeo de

paracircmetros e criteacuterios para servir de norte baacutesico em relaccedilatildeo aos mais diversos casos

59

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ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo

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4

ldquoOs povos da terra participam em vaacuterios graus de uma comunidade

universal que se desenvolveu a ponto de que a violaccedilatildeo do direito

cometida em um lugar do mundo repercute em todos os demais

A ideia de um direito cosmopolita natildeo eacute portanto fantaacutestica ou

exagerada eacute um complemento necessaacuterio ao coacutedigo natildeo escrito

do Direito poliacutetico e internacional transformando-o num direito

universal da humanidade Somente nessas condiccedilotildees podemos

congratular-nos de estar continuamente avanccedilando em direccedilatildeo a

uma paz perpeacutetuardquo

(Immanuel Kant)

5

RESUMO

Monografia de Graduaccedilatildeo

Curso de Direito

Universidade Federal de Santa Maria

INTERNACIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO E CAMINHOS

PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU ANAacuteLISE DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO

Autora Rafaela da Cruz Mello

Orientadora Jacircnia Maria Lopes Saldanha

Data e Local da Defesa Santa Maria 28 de novembro de 2014

A evoluccedilatildeo da sociedade industrial para a sociedade informacional ocasiona mudanccedilas

significativas nas estruturas juriacutedicas Afirma-se que hoje a seara juriacutedica se assemelha a um

mosaico no qual um verdadeiro caos aparente se instala em razatildeo da multiplicidade de regras

e instituiccedilotildees de hierarquias diversas Nesse contexto o continente europeu pode ser

considerado como um verdadeiro laboratoacuterio de estudos uma vez que em um mesmo

territoacuterio convivem a ldquopequena Europardquo marcada pelo jaacute consolidado direito comunitaacuterio e a

ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos Sob esse panorama de

anaacutelise do espaccedilo europeu eacute que se propotildee o presente trabalho a analisar a possibilidade de

construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa analisando

como forma de viabilizar tal projeto a figura hermenecircutica da Margem Nacional de

Apreciaccedilatildeo Utiliza-se o meacutetodo dedutivo de abordagem e o meacutetodo de procedimento

monograacutefico e para melhor trabalhar com o tema divide-se o trabalho em duas grandes

partes a primeira analisa a evoluccedilatildeo dos direitos humanos nas duas esferas do espaccedilo

europeu para na sequecircncia trabalhar especificamente com a contribuiccedilatildeo das novas

geometrias juriacutedicas do processo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos bem como da

margem nacional de apreciaccedilatildeo para construir as bases de um direito comum europeu

pluralista Na sequencia aborda-se unicamente o instituto da margem nacional com a

finalidade de averiguar se o modo como o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem aplica a

ferramenta efetivamente contribui para a criaccedilatildeo desse direito comum bem como se

possibilita a harmonizaccedilatildeo entre o universalismo dos direitos do homem e o relativismo das

pluralidades e particularismos culturais

Palavras-chave Europa universalismo relativismo direito comum margem nacional de

apreciaccedilatildeo

6

ABSTRACT

Graduation Monografh

Law School

Federal University of Santa Maria

INTERNATIONALIZATION LAW AND WAYS FOR THE

CONSTRUCTION OF A COMMON EUROPEAN LAW

ANALISYS OF MARGIN OF APPRECIATION

Author Rafaela da Cruz Mello

Adviser Jacircnia Maria Lopes Saldanha

Date and Place of the Defense Santa Maria November 28 2014

The evolution of industrial society to the information society brings about significant changes

in the legal structures It is said that today the legal harvest resembles a mosaic in which a

real apparent chaos ensues because of the multiplicity of rules and various hierarchies of

institutions In this context the European continent can be considered as a true laboratory

studies since in the same territory live the little Europe marked by already established

Community law and the big Europe regional rights protection system humans Under this

scenario analysis of the European area do you propose this study to examine the possibility of

building a common law on human rights in Europe analyzing in order to facilitate such a

project hermeneutics figure of the National Assessment Bank We use the deductive method

of approach and the monographic method and procedure to better work with the theme the

work is divided into two main part the first analyzes the evolution of human rights in the two

spheres of Europe for in sequence work specifically with the contribution of the new legal

geometries the process of universalization of human rights and the national margin of

appreciation to build the foundations of a pluralistic European common law In sequence

addresses solely the Institute of National bank in order to ascertain whether how the

European Court of Human Rights applies to effectively contributes tool for the creation of this

common law and if possible harmonization between universalism of human rights and

cultural relativism of plurality and particularism

Keywords Europe universalism relativism common law national margin of appreciation

7

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 8

1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM

DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS 11

11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave

criaccedilatildeo de um direito comum 11

12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias

juriacutedicas a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da

figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo 20

2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU 33

21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem

Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu 33

22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos 43

CONCLUSAtildeO 57

REFEREcircNCIAS 59

8

INTRODUCcedilAtildeO

No iniacutecio do seacuteculo XX Hans Kelsen1 em ldquoTeoria Pura do Direitordquo defendeu a tese de

que para entender a ciecircncia juriacutedica era necessaacuterio observaacute-la de modo dissociado de outras

ciecircncias O autor propocircs a compreensatildeo do direito a partir da famosa piracircmide kelseniana a

norma fundamental ndash a Constituiccedilatildeo ndash estaria no topo da piracircmide e seria capaz de dotar de

validade o restante do ordenamento juriacutedico Abaixo desta norma fundamental estariam as

demais leis e regras do direito sendo que tal formulaccedilatildeo estagnada e sistemaacutetica da ordem

juriacutedica adequava-se aos anseios de organizaccedilatildeo de uma sociedade industrial

Todavia por trabalhar com conflitos sociais o direito natildeo fica alheio agraves vicissitudes

do seacuteculo XX sendo que a Europa apresenta-se como um importante laboratoacuterio de

observaccedilatildeo de mudanccedilas Apoacutes a Segunda Guerra Mundial emergem na sociedade poacutes-

industrial e posteriormente informacional novas estruturas juriacutedicas que natildeo mais satildeo

capazes de se adequar agrave inflexiacutevel loacutegica hieraacuterquica kelseniana Estamos na era do que

Losano2denomina de ldquodireito turbulentordquo que se move se agita e muda de modo veloz assim

como a sociedade que o cerca embora natildeo tatildeo rapidamente quanto esta sociedade

Em razatildeo disso novas geometrias satildeo criadas para tentar explicar o panorama juriacutedico

da sociedade atual Na Europa por exemplo em que temos convivendo sistemas juriacutedicos de

origens e de ordens diversas ndash sistema internacional nacional supranacional ndash autores

determinam que se vive o tempo do Estado em Rede3ou dos aneacuteis disformes com a

proximidade de guirlandas4 ocasionando ao mais despercebido leitor da realidade um

sentimento de caos juriacutedico

Nesse sentido eacute possiacutevel destacar o pensamento de Mireille Delmas-Marty5 que

revoluciona o pensamento de Kelsen Segundo ela essa falta de sistematizaccedilatildeo

aparentemente anaacuterquica eacute solo feacutertil para a construccedilatildeo de um direito comum pluralista em

1 KELSEN Hans Teoria Pura do Direito Traduccedilatildeo de Joatildeo Baptista Machado Satildeo Paulo Martins Fontes

1996 2 LOSANO Mario G Modelos teoacutericos inclusive na praacutetica da piracircmide agrave rede Novos paradigmas nas

relaccedilotildees entre direitos nacionais e normativas supraestatais Revista do Instituto dos Advogados do Estado de

Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 08 n16 p 264-284 2005 3 CASTELLS Manuel Para o Estado-Rede globalizaccedilatildeo econocircmica e instituiccedilotildees poliacuteticas na era da

informaccedilatildeo In PEREIRA Luiz Carlos Bresser WILHEIM Jorge SOLA Lourdes (Org) Sociedade e Estado

em transformaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora UNESP Brasiacutelia ENAP 1999a p164 4 DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006

5 Id 2004a

9

mateacuteria de direitos humanos A sociedade em tempos de globalizaccedilatildeo precisa resistir ao

processo de desumanizaccedilatildeo e de coisificaccedilatildeo do homem de modo que a base para a

construccedilatildeo desse direito comum pluralista devem ser os direitos humanos

Sob a oacutetica europeia que seraacute aqui analisada por ser um importante referencial para os

estudos das mudanccedilas sociais e juriacutedicas dos seacuteculos XX e XXI de que direitos humanos

referimo-nos para ser a base de um direito comum Em um continente tatildeo muacuteltiplo e plural

como realizar o diaacutelogo positivo entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo

das diferentes culturas

Sob esta oacutetica emerge a figura central desse estudo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

(MNA) bem como sua contribuiccedilatildeo para a construccedilatildeo de um direito comum e para a

harmonizaccedilatildeo entre universalismo e relativismo no contexto da Europa Este recurso

hermenecircutico denominado Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo trata-se de uma construccedilatildeo

jurisprudencial criada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante tambeacutem

referido como Tribunal de Estrasburgo) com a finalidade de conferir algum espaccedilo de

deferecircncia para que os tribunais nacionais dos Estados possam decidir algumas questotildees

consoante suas particularidades locais

Embora esta seja a teoria sob a qual se alicerccedila o instituto almeja-se neste trabalho

responder os seguintes questionamentos a doutrina da MNA aplicada pelo Tribunal Europeu

dos Direitos Humanos contribui para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema

europeu de proteccedilatildeo dos direitos do homem Em sua aplicaccedilatildeo praacutetica a margem se mostra

como um recurso eficaz para harmonizar o universalismo dos direitos humanos e o pluralismo

advindo das diversidades culturais e religiosas dos diferentes paiacuteses que fazem parte do

Conselho da Europa

Para responder tal questionamento utilizou-se o meacutetodo dedutivo como meacutetodo de

abordagem e o meacutetodo monograacutefico de procedimento atraveacutes da leitura e fichamento das

diferentes construccedilotildees teoacutericas e doutrinaacuterias sobre o tema bem como anaacutelise de alguns

julgamentos paradigmaacuteticos do Tribunal de Estrasburgo Para melhor compreensatildeo da

complexidade do tema trabalhado dividiu-se esta monografia em duas grandes partes a parte

1 se ocupa da paisagem europeia no poacutes-Segunda Guerra Mundial com a criaccedilatildeo da ldquopequena

Europardquo do direito comunitaacuterio e da ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos

direitos humanos avaliando em ambos os cenaacuterios de que modo se deu a preocupaccedilatildeo com a

temaacutetica dos direitos humanos ou fundamentais (11)

Por conseguinte no intuito de aprofundar o estudo sobre a possibilidade de criaccedilatildeo de

um direito comum no contexto da ldquogrande Europardquo buscou-se uma anaacutelise das novas

10

geometrias da paisagem juriacutedica e do tipo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos que se

procura dentro desse cenaacuterio avaliando por conseguinte o surgimento da figura da MNA

(12) A parte 2 por sua vez objetiva a anaacutelise pura do instituto da Margem Nacional de

Apreciaccedilatildeo averiguando o histoacuterico de sua criaccedilatildeo e as definiccedilotildees acerca de seu conceito

(21) para na sequecircncia avaliar a partir da anaacutelise de alguns julgamentos paradigmaacuteticos do

Tribunal de Estrasburgo se tal ferramenta hermenecircutica se demonstra eficaz no processo de

harmonizaccedilatildeo das tensotildees entre universalismo e relativismos e se pode ser relevante no

processo de criaccedilatildeo de um direito comum cuja base satildeo os direitos humanos (22)

11

1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM

DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS

O seacuteculo XX trouxe mudanccedilas significativas para os mais diversos segmentos da vida

social e o direito natildeo ficou alheio agraves vicissitudes decorrentes do poacutes-Segunda Guerra Mundial

O continente europeu sobretudo passa a ser o cenaacuterio de revoluccedilotildees na estrutura juriacutedica ateacute

entatildeo conhecida com o surgimento praticamente concomitante de instituiccedilotildees supranacionais

e internacionais para aleacutem das nacionais

Neste vieacutes uma das preocupaccedilotildees primordiais do poacutes-guerra foi a de garantir a tutela

dos direitos humanos mesmo diante das mudanccedilas latentes no cenaacuterio juriacutedico Desta feita

deparamo-nos com duas esferas dentro do cenaacuterio europeu a ldquopequena Europardquo que origina

um direito comunitaacuterio europeu o qual mesmo tendo se ocupado com questotildees relativas agrave

economia e agrave integraccedilatildeo regional desenvolve a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais

atraveacutes do diaacutelogo jurisprudencial entre cortes de naturezas distintas e a ldquogrande Europardquo do

sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos espaccedilo haacutebil e possiacutevel para ser base de

criaccedilatildeo de um direito comum (11) Da evoluccedilatildeo de um campo ao outro a premissas de

universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo buscam

legitimar e consolidar a criaccedilatildeo desse direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

(12)

11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave

criaccedilatildeo de um direito comum

O historiador britacircnico Eric Hobsbawn6 talvez tenha encontrado a melhor adjetivaccedilatildeo

para o seacuteculo XX a ldquoEra dos Extremosrdquo Nas palavras do proacuteprio autor ldquoNatildeo sabemos o que

6 HOBSBAWN Eric A era dos extremos o breve seacuteculo XX 1941-1991 Satildeo Paulo Companhia das Letras

1995

12

viraacute a seguir nem como seraacute o segundo milecircnio embora possamos ter a certeza de que ele

teraacute sido moldado pelo Breve Seacuteculo XXrdquo7

Nesse sentido a Segunda Guerra Mundial representa o marco crucial natildeo soacute para a

preocupaccedilatildeo global em relaccedilatildeo aos direitos humanos8 com a criaccedilatildeo e fortalecimento de uma

grande quantidade de instrumentos normativos responsaacuteveis por sua tutela em acircmbito

mundial como tambeacutem para o surgimento de uma nova Europa Apoacutes o teacutermino da guerra

que teve como palco principal de seus acontecimentos o continente europeu diversos paiacuteses

se encontravam em uma situaccedilatildeo de caos politico fragmentaccedilatildeo e enfraquecimento

econocircmico aleacutem do perigo iminente de eclosatildeo de uma nova disputa de proporccedilotildees mundiais

advinda da dicotomia entre capitalismo e socialismo na entatildeo incipiente Guerra Fria

Eacute nesse contexto que emerge a ideia de criaccedilatildeo de um espaccedilo comum europeu

consubstanciado atraveacutes da integraccedilatildeo regional entre os paiacuteses do continente Ainda no inicio

do seacuteculo XX eacute possiacutevel destacar a ocorrecircncia de propostas relativamente concretas para a

integraccedilatildeo europeia como eacute o caso da proposta do francecircs Aristides Briand em 1929 de

criaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia sob a oacutetica de uma federaccedilatildeo ou seja fundada sob uma

noccedilatildeo de uniatildeo o que implica o respeito agrave soberania9 Todavia a crise econocircmica mundial a

ascensatildeo de nacionalismos na Europa e por fim a eclosatildeo da segunda grande guerra

obstaculizaram a adesatildeo a essa proposta

O cenaacuterio do poacutes-guerra de desintegraccedilatildeo social e miseacuteria econocircmica em grande parte

dos paiacuteses envolvidos gerou a instalaccedilatildeo do Congresso da Europa em Haia nas datas de 7 a

11 de maio de 1948 no qual houve a criaccedilatildeo do ldquoMovimento Europeurdquo No referido

congresso duas correntes foram estabelecidas as quais impulsionaram o surgimento da

ldquopequena Europardquo10

e da ldquogrande Europardquo respectivamente a Europa dos federalistas e a

7 Ibid p14

8 Pode-se nesse sentido destacar a descriccedilatildeo de Valeacuterio Mazzuoli de que desde a Segunda Guerra Mundial em

decorrecircncia dos horrores e atrocidades cometidos durante esse periacuteodo em que muitas vidas eram consideradas

como nuacutemeros e valiam tatildeo pouco os direitos humanos passaram a constituir um dos principais temas do Direito

Internacional contemporacircneo A normatividade internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos foi conquistada

por meio de lutas histoacuterias contiacutenuas e incessantes e consubstanciada em diversos tratados concluiacutedos com esse

propoacutesito tendo sido fruto de um lento e gradual processo de internacionalizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo desses

mesmos direitos o qual fora intensificado com o fim da Segunda Guerra Mundial MAZZUOLI Valeacuterio de

Oliveira Curso de Direito Internacional Puacuteblico 5 ed Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 811 9 SILVA Karine de Sousa Uniatildeo Europeia antecedentes e evoluccedilatildeo histoacuterica In SILVA Karine de Souza

COSTA Rogeacuterio Santos da(Org) Organizaccedilotildees Internacionais de Integraccedilatildeo Regional Uniatildeo Europeia

Mercosul e UNASUL Florianoacutepolis Ed Da UFSC Fundaccedilatildeo Boiteux 2013 p 54 10

Doravante por ldquopequena Europardquo estar-se-aacute referindo aos paiacuteses participantes da Uniatildeo Europeia sujeitos

portanto agraves decisotildees das instituiccedilotildees da Uniatildeo dentre as quais se destaca o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo

Europeia ldquoGrande Europardquo por sua vez refere-se aos paiacuteses que aderiram ao Conselho da Europa que hoje

somam um total de 47 (quarenta e sete) membros e que se submetem agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal Europeu de

Direitos Humanos PRINO Carla Sofia Abreu Relaccedilotildees entre TJUE e TEDH no contexto de adesatildeo da UE agrave

13

Europa dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental11

Os primeiros defendiam uma

integraccedilatildeo mais profunda entre os paiacuteses com transferecircncia de parcela de soberania dos

Estados para uma instituiccedilatildeo com poderes supranacionais sendo esta a base para a criaccedilatildeo da

Comunidade Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) Os segundos por sua vez se opunham agrave

cessatildeo de direitos soberanos impulsionando com seus ideais a criaccedilatildeo em 1949 do

Conselho da Europa com sede em Estrasburgo

Natildeo obstante essa divisatildeo surgida no Congresso da Europa eacute possiacutevel afirmar que a

base de construccedilatildeo da atual Uniatildeo Europeia deu-se com a criaccedilatildeo da Comunidade Europeia

do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) movida pelos ideais integracionistas do francecircs Jean Monnet

Contratado no poacutes-guerra para participar do Plano de Modernizaccedilatildeo e Equipamento da

Franccedila Monnet tinha medo de que o Plano Marshall norte-americano de empreacutestimo de

dinheiro para a reconstruccedilatildeo da Europa pudesse gerar uma diacutevida eterna aos paiacuteses do

continente com os Estados Unidos e para escapar disso via como uacutenica soluccedilatildeo a promoccedilatildeo

de um esforccedilo comum dos Estados atraveacutes de projetos de integraccedilatildeo regional

Por isso redigindo o texto da Declaraccedilatildeo de Schuman de 1950 Monet propagava a

ideia de integraccedilatildeo como meio de assegurar a paz e reerguer a poliacutetica e a economia dos

paiacuteses que foram destruiacutedos pela guerra Nesse sentido sua ideia foi a partir de uma ideologia

pacifista de influecircncia kantiana neutralizar a rivalidade franco-alematilde atraveacutes de uma espeacutecie

de mercado comum com a criaccedilatildeo de uma organizaccedilatildeo internacional com caraacuteter

supranacional que seria responsaacutevel pela gestatildeo dos recursos naturais da regiatildeo do Sarre e do

Ruhr os quais seriam colocados a serviccedilo da paz e natildeo da guerra12

A proposta integracionista daquele que eacute considerado o arquiteto do projeto de

integraccedilatildeo europeia era de retirar da matildeo dos Estados a capacidade de gestatildeo dos recursos

energeacuteticos que movimentavam a induacutestria beacutelica e da guerra Desta forma uma autoridade

internacional mais especificamente uma organizaccedilatildeo internacional setorial seria criada com

um status supranacional para gerenciar e administrar a produccedilatildeo de carvatildeo e de accedilo

funcionando atraveacutes da delegaccedilatildeo de parcelas da soberania estatal em questotildees especiacuteficas

Assim em 1951 com a assinatura do Tratado de Paris criou-se a Comunidade

Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) com a participaccedilatildeo inicial de seis paiacuteses Franccedila

Alemanha Itaacutelia Beacutelgica Holanda e Luxemburgo Posteriormente em 1957 com o Tratado

CEDH Debater a Europa Nuacutemero 4 JaneiroJunho 2011 Disponiacutevel em httpwwweurope-direct-

aveiroaevaeudebatereuropa Acesso 10 out 2014 11

SILVA Karine de Sousa De Paris a Lisboa sessenta anos de integraccedilatildeo europeia In SILVA Karine de

Souza Mercosul e Uniatildeo Europeia O Estado da arte dos processos de integraccedilatildeo regional Florianoacutepolis

Editora Modelo 2010 p 35 12

Ibid p 60

14

de Roma a Comunidade Econocircmica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia para a

Energia Atocircmica (CEEA ou Euratom) foram criadas consolidando-se deste modo as trecircs

comunidades que fizerem emergir o direito comunitaacuterio no seio da Europa Foi contudo

somente em 1992 com o Tratado de Maastrich ou Tratado da Uniatildeo Europeia que nasceu a

Uniatildeo Europeia propriamente dita consagrada em trecircs pilares baacutesicos as comunidades que

inicialmente lhe deram base a colaboraccedilatildeo em mateacuteria de poliacutetica exterior e seguranccedila

comum e a cooperaccedilatildeo no acircmbito judicial e policial em mateacuteria penal13

Visiacutevel deste modo que o que impulsionou a criaccedilatildeo de um direito comunitaacuterio

europeu foi a necessidade de reorganizaccedilatildeo do continente apoacutes 1945 e o fortalecimento

econocircmico de antigas potecircncias rivais como foi o caso da Franccedila e da Alemanha Ocorre que

de modo concomitante ao crescimento dos ideais dos federalistas a segunda corrente oriunda

do Congresso da Europa de 1949 dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental tambeacutem

cresceu e se tornou visiacutevel vez que possuiacutea como objetivo a realizaccedilatildeo de uma uniatildeo mais

estreita entre seus membros de modo a salvaguardar os ideais e princiacutepios que satildeo seu

patrimocircnio comum e favorecer seu progresso social e econocircmico

O Conselho da Europa surgido em 1949 portanto configura-se como outra

organizaccedilatildeo internacional surgida na Europa do poacutes-guerra tendo como base a consolidaccedilatildeo

sob o principio da cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses e natildeo o federalismo que implica cessatildeo de

parcelas da soberania Seu propoacutesito eacute o de defesa dos direitos humanos desenvolvimento

democraacutetico e estabilidade poliacutetico-social na Europa sendo chamado de ldquogrande Europardquo por

desde o iniacutecio contar com mais adesotildees de paiacuteses em relaccedilatildeo agrave CECA Eacute justamente dentro

desse Conselho que surge o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em 1959

oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa e

responsaacutevel pela tutela dos direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

(CEDH) de 1950

A eclosatildeo desses dois movimentos marca o iniacutecio de uma verdadeira revoluccedilatildeo dentro

da compreensatildeo do direito Se antes no continente europeu era possiacutevel vislumbrar a

existecircncia em grande medida e tatildeo somente de tribunais nacionais cuja competecircncia era

exercida dentro de determinado Estado sob a eacutegide de sua soberania o cenaacuterio altera-se e daacute

espaccedilo para a existecircncia natildeo soacute de tribunais nacionais como tambeacutem de tribunais

supranacionais e internacionais

13

Ibidem p 77

15

No caso do direito comunitaacuterio sua criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de

instituiccedilotildees que fortaleccedilam o sistema supranacional Em funccedilatildeo disso dentre os mais diversos

oacutergatildeos criados pelos sucessivos tratados comunitaacuterios pode-se destacar o Tribunal de Justiccedila

da Uniatildeo Europeia (TJUE) ou Tribunal de Luxemburgo

Este criado pelo Tratado de Paris de 1951 e adotado pelo Tratado de Roma de 1957

tem a finalidade de assegurar o cumprimento do direito comunitaacuterio e a interpretaccedilatildeo e

aplicaccedilatildeo dos Tratados dentro a vida da comunidade14

Submetem-se agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal

atualmente os vinte e oito15

paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e ao longo dos anos

ele se desenvolveu como uma importante instituiccedilatildeo capaz de contribuir ao desenvolvimento

da comunidade atraveacutes de consolidaccedilotildees jurisprudenciais e da conversatildeo dos tratados

constitutivos da comunidade em verdadeiras constituiccedilotildees materiais

Embora a preocupaccedilatildeo com os direitos humanos no cenaacuterio da ldquopequena Europardquo natildeo

tenha sido uma caracteriacutestica inicial dos tratados constitutivos das comunidades europeias o

diaacutelogo do Tribunal de Luxemburgo com os tribunais nacionais de alguns Estados europeus

traz agrave tona esse tema bem como se caracteriza por ser o grande responsaacutevel pela consolidaccedilatildeo

de princiacutepios baacutesicos do direito comunitaacuterio como eacute o caso da supremacia das normas

comunitaacuterias Neste vieacutes importante destaque deve ser feito ao caso CostaENEL16

de 1964

que marcou o surgimento da noccedilatildeo de supremacia das normas da comunidade europeia

O objeto de tal caso fora uma lei italiana de nacionalizaccedilatildeo da energia eleacutetrica

declarada incompatiacutevel com o Tratado da Comunidade Econocircmica Europeia Em sede de

reenvio prejudicial o Tribunal Constitucional Italiano enviou a questatildeo ao Tribunal de Justiccedila

da Uniatildeo Europeia o qual reconheceu que ao instituir uma comunidade de duraccedilatildeo ilimitada

com caraacuteter sui generis e poderes resultantes de delegaccedilatildeo de parcela da soberania os paiacuteses

limitariam seus direitos soberanos em prol de um conjunto de normas aplicaacutevel natildeo soacute agrave

comunidade como a todos os seus Estados membros17

14

OLIVEIRA Odete Maria de Uniatildeo Europeia processos de integraccedilatildeo e mutaccedilatildeo 1ordfed 3ordf tir Curitiba

Juruaacute 2003 15

Os vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia satildeo Alemanha Aacuteustria Beacutelgica Bulgaacuteria Chipre

Croaacutecia Dinamarca Eslovaacutequia Eslovecircnia Espanha Estocircnia Finlacircndia Franccedila Greacutecia Hungria Irlanda Itaacutelia

Letocircnia Lituacircnia Luxemburgo Malta Paiacuteses Baixos Polocircnia Portugal Reino Unido Repuacuteblica Checa

Romecircnia Sueacutecia Dados disponiacuteveis no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeuropaeuabout-

eucountriesmember-countriesindex_pthtm Acesso 01 nov 2014 16

O acoacuterdatildeo do referido caso encontra-se disponiacutevel na iacutentegra no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeur-

lexeuropaeulegal-contentPTTXTPDFuri=CELEX61964CJ0006ampfrom=EN Acesso 02 out 2014 17

FARENZENA Sueacutelen Costa versus ENEL ndash O primado do Direito Comunitaacuterio e a mudanccedila de paradigma o

Estado em rede europeu Revista da SJRJ Vol 19 nordm34 Rio de Janeiro 2012 Disponiacutevel em

httpwww4jfrjjusbrseerindexphprevista_sjrjarticleviewFile338296 Acesso 01 out 2014

16

Neste sentido determinou o Tribunal de Luxemburgo que a forccedila executiva do direito

comunitaacuterio natildeo poderia variar de um espaccedilo para outro ao sabor das legislaccedilotildees internas

Impossiacutevel portanto um Estado fazer prevalecer sobre uma ordem juriacutedica aceita sob o pilar

da reciprocidade e da cessatildeo de parcela de direitos soberanos uma medida unilateral anterior

ou posterior que lhe pode opor

Natildeo obstante tal decisatildeo a ideia de supremacia das normas comunitaacuterias por si soacute

natildeo foi adotada de modo paciacutefico por todos os tribunais constitucionais dos paiacuteses sujeitos agrave

jurisdiccedilatildeo do Tribunal de Luxemburgo Em funccedilatildeo disso houve a percepccedilatildeo por parte dos

juiacutezes do TJUE de que seria necessaacuterio acoplar agrave ideia de supremacia das normas

comunitaacuterias um discurso dotado de legitimidade que envolvesse princiacutepios e ideais comuns

natildeo soacute para a comunidade como para os Estados membros Esse discurso portanto seria o

discurso dos direitos fundamentais18

Ateacute o surgimento de algumas tensotildees entre os posicionamentos dos tribunais nacionais

e as decisotildees do TJUE havia certa resistecircncia por parte deste uacuteltimo em lidar com questotildees

concernentes aos direitos humanos ou fundamentais Isto porque o motivo que levou agrave criaccedilatildeo

das Comunidades Europeias e a posterior Uniatildeo Europeia foi predominantemente econocircmico

tanto eacute que os tratados iniciais das Comunidades Europeias natildeo trazem elementos que refiram

explicitamente a preocupaccedilatildeo com direitos humanos ou fundamentais19

Entretanto consoante

fora asseverado a supremacia das normas comunitaacuterias somente conseguiria se afirmar e se

consolidar caso fosse acoplada ao tema da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais

Neste sentido a deacutecada de 1960 pode ser vista como um importante marco para o

TJUE Casos como o Stauder (1969) e o Internationale Handelsgesellschaft20

(1970)

18

GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional

algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em

httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014 19

Pertinente o destaque da concepccedilatildeo de Gilmar Mendes e Geroge Rodrigo Bandeira Galindo sobre este tema

Segundo eles os instrumentos que instituiacuteram as comunidades europeias natildeo se referem de maneira expliacutecita agrave

proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais e haacute razotildees para isso A primeira delas reside no fato de que a

proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa deveria ser transferida para outra organizaccedilatildeo internacional no caso o

Conselho da Europa que foi uma instituiccedilatildeo fundamental para a elaboraccedilatildeo da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos

do Homem de 1950 Outra razatildeo sustenta-se na ideia de que a inclusatildeo imediata de um cataacutelogo de direitos

fundamentais nos tratados instituidores das Comunidades Europeias geraria conflitos entre as consolidadas

constituiccedilotildees estatais e o entatildeo incipiente direito comunitaacuterio Por fim outra razatildeo apontada eacute traduzida no fato

de que os Estados eram temerosos de que a imediata inclusatildeo de temas de direitos fundamentais ou humanos nos

tratados instituidores das Comunidades pudesse ampliar as competecircncias de prerrogativas de instituiccedilotildees receacutem-

criadas Ibidem p03

De qualquer forma houve no processo de germinaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia nos moldes em que hoje

conhecemos a predominacircncia de ideias economicistas e de integraccedilatildeo regional com base na aproximaccedilatildeo de

ideais produtivos e de mercado A preocupaccedilatildeo com a tutela de direitos humanos ou fundamentais surge atraveacutes

dos diaacutelogos espontacircneos entre as cortes constitucionais e o Tribunal de Luxemburgo 20

Neste caso o raciociacutenio da corte faz clara alusatildeo agrave vinculaccedilatildeo entre primazia do direito comunitaacuterio e a

proteccedilatildeo dos direitos fundamentais por parte das instituiccedilotildees comunitaacuterias Os pontos 3 e 4 do julgamento do

17

consolidaram o entendimento do Tribunal de Luxemburgo de que os direitos fundamentais

fazem parte dos princiacutepios gerais do direito comunitaacuterio Conflitos positivos de competecircncias

entre tribunais nacionais e o tribunal supranacional instituiacutedo no acircmbito da comunidade

marcaram os diaacutelogos iniciais para a estimulaccedilatildeo da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais em

acircmbito comunitaacuterio

Como continuidade deste diaacutelogo eacute pertinente destacar o caso Nold (1974) no qual o

Tribunal de Luxemburgo reconheceu como pauta geral para o direito comunitaacuterio europeu o

predomiacutenio dos direitos fundamentais Com isso mais uma vez reafirmou-se a ideia de que o

direito comunitaacuterio tem supremacia sobre as disposiccedilotildees legais nacionais mas que de toda a

sorte deve se adaptar a uma base comum de valores como os determinados por exemplo

pela Convenccedilatildeo Europeia de Direito do Homem

Por isso fala-se que este caso fixa um terceiro elemento no nuacutecleo de salvaguarda dos

direitos fundamentais aleacutem das tradiccedilotildees constitucionais comuns e dos direitos fundamentais

garantidos nas Constituiccedilotildees dos Estados os instrumentos internacionais relativos agrave proteccedilatildeo

dos direitos humanos passam a ser uma importante fonte de inspiraccedilatildeo para a proteccedilatildeo de

direitos em acircmbito comunitaacuterio Em funccedilatildeo disso inclusive em 1975 o TJUE pela primeira

vez recorreu agrave Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem no caso Rutili21

Apesar de tal decisatildeo do caso Nold o emblemaacutetico caso Solange levou agrave confirmaccedilatildeo

e consolidaccedilatildeo da vigecircncia dos direitos fundamentais no acircmbito da Comunidade Neste caso

em 1974 o Tribunal Constitucional alematildeo determinou que enquanto a Comunidade natildeo

dispusesse de um sistema de proteccedilatildeo de direitos comparaacutevel ou equiparado agrave Lei

Fundamental de Bonn ou seja enquanto natildeo houvesse um cataacutelogo de direitos fundamentais

aplicaacuteveis agrave Comunidade Europeia as instituiccedilotildees comunitaacuterias seriam ineficazes no que

concerne agrave proteccedilatildeo desses direitos22

TJUE respectivamente determinam que 3 A validade de uma medida comunitaacuteria ou de seus efeitos em um

Estado membro natildeo podem ser afetadas por alegaccedilotildees de que ela contraria direitos fundamentais tal como

formuladas pela Constituiccedilatildeo do Estado ou princiacutepios de uma estrutura constitucional nacional() 4() o

respeito pelos direitos fundamentais forma uma parte integral dos princiacutepios gerais de direito protegidos pela

Corte de Justiccedila A proteccedilatildeo de tais direitos enquanto inspirada pelas tradiccedilotildees constitucionais comuns aos

Estados membros deve ser assegurada no acircmbito da estrutura e dos objetivos da Comunidaderdquo Ibidem p4 21

O caso Rutilli caracteriza-se por ser a primeira referecircncia jurisprudencial feita pelo Tribunal de Luxemburgo agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem ou seja a utilizaccedilatildeo por parte de um tribunal supranacional de um

marco normativo essencial natildeo para o direito comunitaacuterio mas para o sistema regional de proteccedilatildeo aos direitos

humanos Nesse caso o Tribunal de Luxemburgo afirmou que as normas de direito comunitaacuterio natildeo era mais do

que uma manifestaccedilatildeo de princiacutepios gerais de direito consagrados na Convenccedilatildeo 22

GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional

algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em

httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014

18

Como resultado de tal caso natildeo soacute o Tribunal de Luxemburgo passou a consolidar um

entendimento jurisprudencial favoraacutevel ao respeito e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais

como demais instituiccedilotildees da entatildeo Comunidade Europeia assim agiram Em funccedilatildeo disso diz-

se que o principal resultado do caso Solange foi uma resoluccedilatildeo conjunta datada de 5 de abril

de 1977 entre Parlamento Europeu Conselho Europeu e Comissatildeo Europeia denominada

ldquoDeclaraccedilatildeo Conjunta sobre Direitos Fundamentaisrdquo23

Nesta ressaltou-se a necessidade do

respeito em acircmbito comunitaacuterio dos direitos fundamentais consagrados pelas tradiccedilotildees

constitucionais dos Estados membros e pela Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos

Os direitos fundamentais atraveacutes desse diaacutelogo jurisprudencial entre as cortes de

esperas diferentes (supranacional e nacionais) apareceram de modo progressivo no direito

comunitaacuterio europeu tornando-se paracircmetros de validade das normas da Uniatildeo Qualquer

norma seja comunitaacuteria seja nacional que contrariasse os direitos fundamentais seria

considerada invaacutelida

A tendecircncia jurisprudencial do TJUE de vincular a noccedilatildeo de supremacia das normas

comunitaacuterias com a proteccedilatildeo aos direitos fundamentais acabou por refletir no Tratado de

Maastricht de 1992 Tambeacutem chamado de Tratado da Uniatildeo Europeia este documento em

seu artigo F nuacutemero 2 determina que a Uniatildeo respeite os direitos fundamentais tal como os

garante a Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem24

Na esteira da inclusatildeo da proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em tratados o Tratado de

Lisboa de 2007 aleacutem de estabelecer personalidade juriacutedica agrave Uniatildeo Europeia25

determina que

a esta aderiraacute agrave Convenccedilatildeo Europeia para a proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e das Liberdades

Fundamentais sendo que a adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas

nos tratados26

23

XAVIER Ana Isabel Os Direitos Fundamentais no ldquodiaacutelogo europeurdquo de Nice a Lisboa In Debater a

Europa n 9 julhodezembro 2013 Disponiacutevel em httpeurope-direct-

aveiroaevaeudebatereuropaimagesn9axavierpdf Acesso em 03 out 2014 24

Artigo F n 2 ldquoA Uniatildeo respeitaraacute os direitos fundamentais tal como os garante a Convenccedilatildeo Europeia de

Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais assinada em Roma em 4 de novembro de

1950 e tal como resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-membros enquanto princiacutepios

gerais do direito comunitaacuteriordquo TRATADO DE MAASTRICHT 1992 Disponiacutevel em httpeuropaeueu-

lawdecision-makingtreatiespdftreaty_on_european_uniontreaty_on_european_union_ptpdf Acesso 15 out

2014 25

O artigo 46-A do Tratado de Lisboa determina que ldquoA Uniatildeo tem personalidade juriacutedicardquo TRATADO DE

LISBOA 2007 Disponiacutevel em httpeur-lexeuropaeulegal-

contentPTTXTPDFuri=OJC2007306FULLampfrom=PT Acesso 16 out 2014 26

O artigo 6ordf do Tratado de Lisboa determina que ldquo1 A Uniatildeo reconhece os direitos as liberdades e os

princiacutepios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da Uniatildeo Europeia de 7 de Dezembro de 2000 com

as adaptaccedilotildees que lhe foram introduzidas em 12 de Dezembro de 2007 em Estrasburgo e que tem o mesmo

valor juriacutedico que os Tratados De forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competecircncias da Uniatildeo tal

como definidas nos Tratados Os direitos as liberdades e os princiacutepios consagrados na Carta devem ser

interpretados de acordo com as disposiccedilotildees gerais constantes do Tiacutetulo VII da Carta que regem a sua

19

Mesmo que o ideal de Constituiccedilatildeo para a Uniatildeo Europeia natildeo tenha sido aprovado

pelos Estados membros as regras de supremacia das normas comunitaacuterias e de proteccedilatildeo aos

direitos fundamentais consagrados natildeo soacute nas Constituiccedilotildees como nas proacuteprias tradiccedilotildees

constitucionais dos Estados regem as decisotildees do Tribunal supranacional que existe no

continente Por isso mesmo que a preocupaccedilatildeo inicial da ldquopequena Europardquo tenha sido a

integraccedilatildeo econocircmica dos paiacuteses devastados pela guerra para que pudessem voltar a ser

competitivos internacionalmente ao longo do tempo sentiu-se a necessidade de trazer para

dentro do direito comunitaacuterio noccedilotildees acerca dos direitos fundamentais e humanos de modo

que hoje estes se encontram tutelados por instrumentos e oacutergatildeos supranacionais especiacuteficos

Ocorre que conforme se mencionou no iniacutecio deste subcapiacutetulo o cenaacuterio europeu

pode ser vislumbrado sob duas oacuteticas distintas desde o Congresso da Europa a oacutetica

federalista que impulsiona a criaccedilatildeo da Uniatildeo Europeia e de um direito comunitaacuterio europeu

e o vieacutes da cooperaccedilatildeo internacional marcado pela criaccedilatildeo do Conselho da Europa e de um

sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos o qual exige o pensamento acerca

da possibilidade da construccedilatildeo de um direito comum europeu

Nesse aspecto acerca do conceito de comum eacute pertinente remontar agraves premissas de

Dardot et Laval27

Para os autores o comum do direito segundo uma loacutegica de interpretaccedilatildeo

neoliberal natildeo seraacute outro que o direito de propriedade dos contratos e do lucro Eacute justamente

contra esse tipo de concepccedilatildeo trazido pelos efeitos nefastos da globalizaccedilatildeo que se invoca a

defesa e a reabilitaccedilatildeo do conceito de comum que deve ser entendido sob uma loacutegica de bases

uniacutessonas em mateacuteria de direitos humanos

Em razatildeo disso eacute no acircmbito da ldquogrande Europardquo ou seja do sistema regional europeu

de proteccedilatildeo dos direitos do homem que se vislumbram bases para a criaccedilatildeo de um direito

comum cuja premissa eacute a busca do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano28

Deste

modo no panorama apresentado se vislumbra de modo claro que embora existam regras

princiacutepios e instituiccedilotildees para reger o direito comunitaacuterio europeu (regras previstas nos

tratados da Uniatildeo Europeia e pacificadas pelo ativismo do TJUE) na ldquopequena Europardquo em

interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo e tendo na devida conta as anotaccedilotildees a que a Carta faz referecircncia que indicam as fontes

dessas disposiccedilotildees 2 A Uniatildeo adere agrave Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das

Liberdades Fundamentais Essa adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas nos Tratados3

Do direito da Uniatildeo fazem parte enquanto princiacutepios gerais os direitos fundamentais tal como os garante a

Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como

resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-Membrosrdquo Ibid 2007 27

DARDOT Pierre LAVAL Cristian COMMUN essai sur la revolutiona au XXeme siegravecle Paris La

deacutecouverte 2014 p 287 28

DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio

de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b

20

mateacuteria de direitos humanos e no acircmbito de um processo de globalizaccedilatildeo eacute preciso avanccedilar

na compreensatildeo do espaccedilo europeu para no acircmbito do sistema regional consolidar as bases

para a criaccedilatildeo de um direito comum

12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias juriacutedicas

a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da figura da

Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

O Congresso da Europa sob o aspecto juriacutedico dividiu o continente em blocos

autocircnomos dentro de um sistema multicecircntrico Nesse sentido Mireille Delmas-Marty29

assevera que natildeo existe uma unidade juriacutedica chamada Europa ou sequer uma visatildeo uacutenica e

preestabelecida do continente

Pelo contraacuterio existe uma Europa feita de instituiccedilotildees juriacutedicas diversas cada uma

com regras e princiacutepios especiacuteficos Neste sentido de um lado tem-se a ldquopequena Europardquo

composta pelos vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e que possui um ideal

primordialmente econocircmico com os objetivos de livre circulaccedilatildeo de pessoas e de

mercadorias bem como de instituiccedilatildeo de uma moeda uacutenica sob a perspectiva de abertura de

fronteira entre os paiacuteses Sob este ideal desenvolve-se a base para o direito comunitaacuterio que

possui como instituiccedilatildeo juriacutedica maacutexima o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo Europeia (TJUE)

com caraacuteter supranacional

Na Europa dos ldquoVinte e Oitordquo portanto sob o ideal integracionista surge o chamado

direito comunitaacuterio europeu o qual atraveacutes de direito originaacuterio (tratados constitutivos) e

direito derivado (normas emanadas de oacutergatildeos de competecircncia legislativa da Uniatildeo) forma o

sistema juriacutedico-poliacutetico e juriacutedico-econocircmico da Uniatildeo Europeia A peculiaridade desta nova

ordem formada eacute a de natildeo querer unificar a ordem juriacutedica dos paiacuteses europeus mas de

uniformizar em algumas mateacuterias as normas do bloco criado Justamente por isso a

supranacionalidade intriacutenseca ao direito comunitaacuterio natildeo se confunde com o direito

internacional

Sob as bases de interesses econocircmicos tem-se o objetivo de chegar a uma integraccedilatildeo

nas aacutereas concernentes agrave poliacutetica cultura dentre outras sob uma relaccedilatildeo de integraccedilatildeo entre o

29

Id 2004a p47

21

ordenamento juriacutedico comunitaacuterio e o ordenamento interno de cada Estado Sem sombra de

duacutevidas a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais se insere nessas relaccedilotildees mas com o

intuito de fortalecer o ideal de supremacia das normas comunitaacuterias Em funccedilatildeo de tal

premissa tem-se a necessidade de preservar o estaacutegio alcanccedilado pelo processo de integraccedilatildeo e

por isso um ordenamento juriacutedico comunitaacuterio eacute formado Entretanto eacute preciso avanccedilar no

processo de tutela dos direitos humanos em um contexto tatildeo plural como o europeu

Deste modo de outro lado tem-se a ldquogrande Europardquo criada pelo Conselho da Europa

perfazendo uma cooperaccedilatildeo poliacutetica que hoje abriga quarenta e sete membros30

signataacuterios da

Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

(CEDH) O oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do Conselho da Europa eacute o Tribunal Europeu dos Direitos

do Homem (TEDH) sediado em Estrasburgo e para o qual podem demandar tanto Estados

quanto indiviacuteduos viacutetimas de violaccedilotildees de direitos humanos reconhecidos pela convenccedilatildeo

Neste sentido o paraacutegrafo 3ordm31

do Preacircmbulo da CEDH de 1950 assevera que a

finalidade principal do Conselho da Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre seus

membros e que um dos meios para alcanccedilar esta finalidade eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento

dos direitos humanos e das liberdades fundamentais sendo tais direitos vistos como um meio

para uma progressiva integraccedilatildeo dos europeus Antes mesmo disso o Estatuto do Conselho da

Europa de 1949 havia asseverado que a finalidade da instituiccedilatildeo era criar uma organizaccedilatildeo

que levasse os paiacuteses do continente a uma associaccedilatildeo cuja base fosse a unidade entre seus

membros privilegiando ideais e princiacutepios comuns aos diferentes Estados

Essa configuraccedilatildeo surgida na segunda metade do seacuteculo XX produz alteraccedilotildees

significativas na conceituaccedilatildeo de alguns institutos juriacutedicos e poliacuteticos como eacute o caso do

Estado da soberania dentre outros Nesse sentido o cenaacuterio Europeu pode ser enxergado

como proacuteximo da noccedilatildeo de Estado em Rede proposto por Manuel Castells32

Em um mesmo

espaccedilo territorial a autoridade passa a ser partilhada ao longo de uma rede de instituiccedilotildees O

30

Os 47 paiacuteses que fazem parte do Conselho da Europa satildeo Beacutelgica Dinamarca Franccedila Irlanda Itaacutelia

Luxemburgo Paiacuteses Baixos Noruega Sueacutecia Reino Unido Greacutecia Turquia Islacircndia Alemanha Ocidental

Aacuteustria Chipre Suiacuteccedila Malta Portugal Espanha Liechtenstein Satildeo Marino Finlacircndia Hungria Polocircnia

Bulgaacuteria Estocircnia Lituacircnia Eslovecircnia Repuacuteblica Checa Eslovaacutequia Romecircnia Andorra Letocircnia Albacircnia

Moldaacutevia Macedocircnia Ucracircnia Ruacutessia Croaacutecia Geoacutergia Armecircnia Azerbaijatildeo Boacutesnia e Herzegovina Seacutervia

Mocircnaco Montenegro Disponiacutevel em

httpwwwcoeintptAboutCoemediainterfacepublicationscoe_dh_ptpdf Acesso 08 out 2014 31

O terceiro paraacutegrafo do preacircmbulo da CEDH dispotildee que ldquoConsiderando que a finalidade do Conselho da

Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre os seus Membros e que um dos meios de alcanccedilar essa finalidade

eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento dos direitos do homem e das liberdades fundamentais ()rdquo CONVENCcedilAtildeO

EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS

1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso em 08 out 2014 32

CASTELLS Manuel A era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura A sociedade em rede Vol 1 5

ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999b

22

Estado-naccedilatildeo claacutessico relaciona-se com instituiccedilotildees supranacionais e a rede formada possui

noacutes diversos e natildeo um centro uacutenico sendo que esses noacutes podem apresentar tamanhos distintos

e estar ligados por relaccedilotildees assimeacutetricas

Essas redes e seus noacutes portanto representam formas de poder paralelas e

complementares que satildeo autocircnomas uma em relaccedilatildeo agraves outras O espaccedilo europeu marcado

por um jaacute consolidado direito comunitaacuterio e por uma estrutura supranacional sui generis

tornou-se um verdadeiro campo de concorrecircncia convergecircncia justaposiccedilatildeo e conflito de

vaacuterias constituiccedilotildees e poderes constituintes em um mesmo espaccedilo poliacutetico levando a uma

pluralidade de ordenamentos e de normatividades

A supranacionalidade desenvolvida assemelha-se desta forma a um Estado em Rede

em funccedilatildeo de um novo paradigma de governanccedila estabelecido em diferentes niacuteveis com

diferentes noacutes de diferentes dimensotildees e com relaccedilotildees internacionais assimeacutetricas O Estado-

Naccedilatildeo claacutessico se articula cotidianamente na tomada de decisotildees com instituiccedilotildees

supranacionais de diferentes tipos e em acircmbitos distintos33

Em uma mesma organizaccedilatildeo

complexa temos entatildeo as caracteriacutesticas da descentralizaccedilatildeo e da coordenaccedilatildeo sobretudo no

aspecto normativo sendo que a crise do Estado-naccedilatildeo o desenvolvimento das instituiccedilotildees

supranacionais e a transferecircncia das atribuiccedilotildees e iniciativas aos acircmbitos regionais e locais satildeo

caracteriacutesticas que funcionam como base para o desenvolvimento do Estado em Rede

Nesse acircmbito ainda eacute possiacutevel acrescentar a definiccedilatildeo de Marcelo Varella34

de que a

Uniatildeo Europeia caracteriza-se por ser uma instituiccedilatildeo sui generis natildeo soacute pelo seu modo de

constituiccedilatildeo como por seus efeitos no campo juriacutedico-normativo Desta maneira o bloco

europeu dos vinte e oito inserido no contexto de um sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos

humanos (ldquopequena Europardquo inserida na ldquogrande Europardquo) marca a caracteriacutestica de uma

superaccedilatildeo da tiacutepica forma de visatildeo linear e hieraacuterquica do direito tradicional em favor da

construccedilatildeo de um direito em camadas ou em diferentes niacuteveis ou ainda em redes

Essa concepccedilatildeo de Castells utilizada aqui para ilustrar as relaccedilotildees na Uniatildeo Europeia

comunica-se com a noccedilatildeo de Mireille Delmas-Marty35

de um pluralismo que deve ser

ordenado Na Europa como um todo em acircmbito juriacutedico a coexistecircncia de normas das mais

diversas fontes e de tribunais nas mais diferentes escalas faz emergir uma noccedilatildeo de caos

33

Id 1999a p164 34

VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade

de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014 p145 35

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006

23

juriacutedico que precisa ser ordenado Em razatildeo disso pertinente a busca por um direito comum

com ecircnfase em um direito comum em mateacuteria de direitos humanos

Interessante notar que esse cenaacuterio criado intensifica-se com o processo de

mundializaccedilatildeo36

e sob essa oacutetica embora os direitos humanos tenham se tornado oponiacuteveis aos

Estados perfazendo princiacutepios de direito incluiacutedos nas Constituiccedilotildees Estatais no

entendimento dos tribunais supranacionais e em instrumentos normativos internacionais os

corolaacuterios do processo de mundializaccedilatildeo satildeo os direitos econocircmicos que predominam nas

preocupaccedilotildees do jaacute consolidado direito comunitaacuterio europeu

Enquanto os direitos humanos foram concebidos sob o prisma de uma universalidade e

com a finalidade de proteger o ldquoirredutiacutevel humanordquo37

os direitos econocircmicos satildeo os motores

da mundializaccedilatildeo sendo que isso somado agrave desestabilizaccedilatildeo do tempo e agrave desestatizaccedilatildeo do

Estado gera no processo de mundializaccedilatildeo uma aparente desordem normativa com a

proliferaccedilatildeo de normas de modo anaacuterquico38

Em funccedilatildeo disso eacute viaacutevel dizer que o continente europeu serve de base e eacute capaz de

traduzir importantes eventos para explicar fenocircmenos que hoje satildeo salientes na esfera juriacutedica

Mireille Delmas-Marty39

sugere que vivemos sob a eacutegide de espaccedilos ldquodesestatizadosrdquo tempos

ldquodesestabilizadosrdquo e uma ordem ldquodeslegalizadardquo No sentido atual da paisagem juriacutedica

afirmar que o Estado eacute a uacutenica fonte de Direito eacute assumir uma atitude de exclusatildeo de todos os

demais espaccedilos normativos

Como eacute possiacutevel observar na Europa convivem em um mesmo espaccedilo normas

provenientes de fontes estatais claacutessicas normas advindas de instituiccedilotildees supranacionais e

regras provenientes de entes internacionais na formaccedilatildeo de um verdadeiro mosaico juriacutedico

O monopoacutelio do Estado como produtor do direito deixa de ser imperativo frente agrave

internacionalizaccedilatildeo crescente das fontes juriacutedicas De modo concomitante e corroborando

36

Na obra ldquoTrecircs Desafios para um Direito Mundialrdquo Mirelle Delmas-Marty observa as particularidades dos

termos globalizaccedilatildeo mundializaccedilatildeo e universalidade quais sejam ldquoA mundializaccedilatildeo remete agrave difusatildeo espacial

de um produto de uma teacutecnica ou de uma ideia A universalidade implica um compartilhar de sentidosrdquo Em

outra passagem disserta ldquoDifusatildeo espacial de um lado compartilhar os sentidos de outra estas duas foacutermulas

descrevem muito bem a diferenccedila que separam os dois fenocircmenos que eu denominarei globalizaccedilatildeo para a

economia e universalizaccedilatildeo para os direitos do homem guardando assim o termo mundializaccedilatildeo uma

neutralidade que ele jamais perderaacute caso natildeo se resigne rapidamente ao primado da economia sobre os Direitos

do Homemrdquo DELMAS-MARTY Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr

Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b p 08-09 37

Ibid p48 38

FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos

teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013 39

DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47

24

com a teoria do Estado em Rede de Castells eacute possiacutevel observar um processo de

descentralizaccedilatildeo espacial com o deslocamento de fontes do centro para periferias40

Da mesma forma os tempos estatildeo desestabilizados Segundo Delmas41

em comparaccedilatildeo

aos votos claacutessicos de perpetuidade da lei eacute possiacutevel hoje encontrar fontes temporaacuterias e

evolutivas do direito O espaccedilo europeu se constitui como uma aacuterea privilegiada dessas fontes

evolutivas42

Sob o aspecto da ldquopequena Europardquo as regras de direito comunitaacuterio impotildeem um

resultado que deve ser atingido o que pela falta de meios juriacutedicos incentiva os Estados a

adaptar seus textos a dados econocircmicos

Isso tudo faz emergir a noccedilatildeo de assincronia43

do direito ou seja diferentes

velocidades em diferentes espaccedilos Nesse sentido haacute no espaccedilo europeu uma diferenccedila de

velocidade dos processos de integraccedilatildeo das normas internacionais (ou supranacionais) de

direito do comeacutercio em comparaccedilatildeo com as normas ambientais ou relativas aos direitos

humanos O proacuteprio processo evolutivo de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais

sob o panorama da ldquopequena Europardquo demonstra desde os primoacuterdios da criaccedilatildeo da

Comunidade Europeia uma ausecircncia de sincronia em relaccedilatildeo agraves duas esferas do direito A

evoluccedilatildeo dos direitos humanos eacute lenta quando comparada com a celeridade da integraccedilatildeo das

normas de direito comercial e econocircmico em um mundo de economia globalizada

Pode-se entatildeo afirmar que natildeo soacute na Europa como tambeacutem na sociedade

internacional o tempo das relaccedilotildees comerciais e por conseguinte o tempo da integraccedilatildeo do

direito do comeacutercio eacute o tempo do software da fluidez da velocidade da luz Enquanto isso o

tempo das relaccedilotildees humanas da eacutetica da solidariedade e da integraccedilatildeo do direito dos direitos

humanos segue o tempo do hardware do denso do apego ao territoacuterio e agraves localidades44

Por fim estaacute-se tambeacutem frente a uma ordem ldquodeslegalizadardquo uma vez que dentre os

reflexos das vicissitudes na seara juriacutedica eacute possiacutevel destacar um ruptura com a noccedilatildeo de

40

Tal fenocircmeno eacute descrito por Mireille Delmas-Marty como ldquodescentralizaccedilatildeordquo Esta envolve o deslocamento de

fontes do centro do Estado para coletividades territoriais Todavia tal fenocircmeno natildeo se confunde com uma mera

desconcentraccedilatildeo de poderes que eacute destinada a conferir maior eficaacutecia agraves estruturas centrais do Estado A

descentralizaccedilatildeo conforme refere a autora confia ao representante local da coletividade territorial certos poderes

de decisatildeo fazendo transparecer uma autonomia local para impor certas regras juriacutedicas Como exemplo

podem-se destacar as comissotildees locais de eacutetica como ocorre em uma deontologia profissional como a Ordem

dos Advogados As regras disciplinares desta profissatildeo guardam um caraacuteter misto sendo de natureza local e

nacional privada e puacuteblica Ibid 2004ap55 41

Ibid 2004ap47 42

Segundo Delmas falar de fontes evolutivas significa renunciar ao passado do costume e ao futuro das leis para

situar as fontes de direito no presente por natureza instaacutevel Ibid 2004ap65 43

Id 2006 p 114 44

SALDANHA Jacircnia Marial Lopes BRUM Maacutercio Morais MELLO Rafaela da Cruz A Assincronia do

Direito e o Caso Araguaia Uma anaacutelise da Decisatildeo do Supremo Tribunal Federal Brasileiro na ADPF 153 e do

Julgamento do Caso Gomes Lund e Outros vs Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos In Andreacute

Karam Trindade Angela Araujo da Silveira Espindola (Org) Direitos Fundamentais e Espaccedilo Puacuteblico 1ed

Passo Fundo - RS Editora IMED 2011 v 2 p 37-61

25

identidade entre direito e lei45

O processo de internacionalizaccedilatildeo deixa comum aos sistemas

de commun law e de civil law o papel do juiz na geraccedilatildeo do direito ou seja na interaccedilatildeo entre

texto normativo e sua interpretaccedilatildeo de modo que a jurisprudecircncia e o diaacutelogo entre os

diferentes tribunais serve para ambos os sistemas como um importante balizador para

consolidaccedilatildeo de entendimentos e de princiacutepios

Diante desse cenaacuterio juriacutedico global proveniente do processo de internacionalizaccedilatildeo -

e especiacutefico no caso da Europa ndash de desestatizaccedilatildeo de ruptura com paradigmas e com a loacutegica

binaacuteria de interpretar o direito eacute possiacutevel concordar com a premissa de Mireille Delmas-

Marty46

de que a paisagem juriacutedica apresenta um panorama de proliferaccedilatildeo constante de

normas e de entendimentos jurisprudenciais que em um primeiro momento podem levar a

uma noccedilatildeo de desordem e anarquia

Conveacutem perceber que a nova paisagem juriacutedica para a qual a Europa eacute um verdadeiro

laboratoacuterio47

eacute composta por formas mais complexas como piracircmides inacabadas

descontiacutenuas compostas por aneacuteis normativos como uma guirlanda no entanto natildeo

especificamente se liga agrave anarquia Pelo contraacuterio a retirada de marcos e o deslocamento de

linhas natildeo significa desordem e essa aparecircncia de caos favorece ao pluralismo

Por isso Delmas-Marty48

atesta que a internacionalizaccedilatildeo do direito apresenta um

grande paradoxo ordenar o plural Embora estejamos semanticamente diante de vernaacuteculos

opostos visto que a proposta eacute colocar em ordem aquilo que naturalmente eacute muacuteltiplo e plural

sem reduzir sua identidade a primeira consideraccedilatildeo que deve ser feita eacute a de que o tiacutepico

modelo kelseniano de loacutegica juriacutedica natildeo mais se aplica ao cenaacuterio em que o Direito se insere

atualmente em razatildeo da multiplicidade e do dinamismo existente no processo de

mundializaccedilatildeo

Para ir da desordem agrave ordem eacute necessaacuterio fortalecer as correlaccedilotildees da formaccedilatildeo

juriacutedica trazendo estabilidade agrave presenccedila de divergecircncias atraveacutes de uma aproximaccedilatildeo entre

ordens juriacutedicas por meio de um jogo de referecircncias cruzadas com o intuito de ordenar a

multiplicidade Essa aproximaccedilatildeo poreacutem natildeo pode ser concebida senatildeo em relaccedilatildeo a uma

referecircncia comum e neste campo a utilidade dos instrumentos protetivos de direitos humanos

traz a coerecircncia de conjunto capaz de indicar uma direccedilatildeo a seguir um norte para a criaccedilatildeo de

um direito comum cujo pluralismo eacute ordenado

45 DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47 46

Id 2006 47

VARELLA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do direito Direito Internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Livre Docecircncia em Direito Internacional Faculdade de

Direito da Universidade de Satildeo Paulo (USP) Satildeo Paulo 2012 Acesso 14 out 2014 48

Ibid 2006 p 10

26

Obviamente o direito comum almejado eacute pluralista tendo a razatildeo como instrumento

de justificaccedilatildeo e de diaacutelogo O pluralismo eacute justificado pelo intuito de harmonizar e conjugar

as particularidades religiosas poliacuteticas culturais de cada Estado ou comunidade evitando a

sobreposiccedilatildeo de uma ordem sobre outra ou a assimilaccedilatildeo e exclusatildeo Em razatildeo disso o

direito comum pluralista pretende construir um ldquoDireito dos Direitosrdquo a partir do ideal de

universalizaccedilatildeo dos direitos humanos sendo que a finalidade eacute a de aproximar ou harmonizar

ndash e natildeo unificar - os diferentes sistemas juriacutedicos sob a perspectiva de respeito ao ldquoirredutiacutevel

humanordquo49

Impossiacutevel a criaccedilatildeo de normas e regras comuns a todos os povos justamente pelo

fato de que sempre algumas normas advindas de culturas especiacuteficas se sobressairatildeo sobre

outras na criaccedilatildeo de uma hegemonia negativa O direito comum portanto inserido na oacutetica

de um direito mundial pluralista eacute aquele acessiacutevel a todos e comum aos diversos Estados

sem que haja o abandono de identidades Justamente em funccedilatildeo disso o alicerce para a sua

criaccedilatildeo eacute a aproximaccedilatildeo dos sistemas juriacutedicos tendo por base os direitos humanos que

carregam a caracteriacutestica da universalidade a qual adveacutem do compartilhamento de sentidos e

do enriquecimento pela troca

Neste sentido em que consistem esses direitos humanos que satildeo os alicerces para a

criaccedilatildeo de um direito comum Eacute possiacutevel afirmar que a mera previsatildeo constitucional ou em

tratados de direitos jaacute asseguram a sua proteccedilatildeo Como lidar com questotildees concernentes agraves

pretensotildees universalistas e as particularidades do relativismo cultural nas diferentes

sociedades europeias

Narciso Baez50

traz reflexotildees importantes acerca desse tema Segundo ele em meados

do seacuteculo XVII pensou-se que a positivaccedilatildeo dos direitos humanos seria instrumento suficiente

para garantir o seu respeito Essa noccedilatildeo adentrou a contemporaneidade com a filosofia de

Hans Kelsen de que as normas positivadas e inseridas nos ordenamentos juriacutedicos eram

obrigatoacuterias por serem legitimadas por uma norma juriacutedica superior que tinha um fim em si

mesma

Obviamente o seacuteculo XX mostrou que a mera inserccedilatildeo legal da dignidade da pessoa

humana ndash que eacute o elemento cerne dos direitos humanos ndash em um sistema positivo de direito e

dissociada de valores morais natildeo seria suficiente para evitar eventuais violaccedilotildees desses

49

Ibid 2006 p 54 50

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos

humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da

UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em

httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014

27

direitos Sob esse panorama e seguindo a corrente eacutetica51

de fundamentaccedilatildeo dos direitos

humanos pode-se afirmar que estes satildeo direitos de fora da ordem positiva que tecircm em seu

bojo componentes morais sociais poliacuteticos e ateacute econocircmicos que salvaguardam condiccedilotildees

miacutenimas para a garantia da dignidade da pessoa humana Em sua dimensatildeo baacutesica portanto

satildeo direitos inatos pautados em valores morais e conferidos aos indiviacuteduos pelo simples fato

de estes serem humanos

Logo para a construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos exige-

se o fortalecimento desses em suas dimensotildees baacutesicas Eacute neste sentido que Delmas52

se refere

ao miacutenimo eacutetico universal e ao irredutiacutevel humano ou seja elementos que todos os indiviacuteduos

apresentam em comum mesmo em diferentes culturas

As duas estruturas baacutesicas dos direitos humanos satildeo portanto os valores morais e a

dignidade humana53

Em relaccedilatildeo aos primeiros infere-se que a origem dos direitos humanos

natildeo eacute legal vez que estes satildeo reconhecidos aos indiviacuteduos pelo simples fato de serem

humanos O ordenamento juriacutedico tem a mera funccedilatildeo de reconhecer tais direitos e transformaacute-

los em normas a fim de obter efetividade Jaacute a dignidade humana eacute o bem maior dentro dos

direitos humanos constituindo uma qualidade universal intriacutenseca irrenunciaacutevel e

inalienaacutevel inerente a todos os seres humanos e que se encontra acima das especificidades

culturais

Neste vieacutes a universalidade de tais direitos que eacute requisito indispensaacutevel para a

criaccedilatildeo de um direito comum natildeo eacute marcada pela criaccedilatildeo de instrumentos internacionais

positivos de proteccedilatildeo dos direitos humanos Isso porque embora tenha se conseguido a

universalizaccedilatildeo da adesatildeo dos Estados como eacute o caso da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos da ONU de 1948 ou mesmo da CEDH do sistema regional europeu ainda haacute

resistecircncias agrave aceitaccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo em algumas culturas que alegam a necessidade de

relativizaccedilatildeo desses direitos para adequaccedilatildeo agraves realidades nacionais54

Logo para a construccedilatildeo de uma verdadeira universalidade eacute necessaacuterio interpretar os

direitos humanos sob uma oacutetica interdisciplinar Finnis55

nesse aspecto afirma que os direitos

humanos constituem uma categoria que busca consagrar a dignidade humana sendo esta um

atributo de todas as pessoas independentemente de crenccedila ou cultura Nesse aspecto

51

Id 2007 p 13-35 52

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b 53

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Direitos humanos na globalizaccedilatildeo In BAEZ Narciso

Leandro Xavier BARRETO Vicente (Org) Direitos humanos em evoluccedilatildeo Joaccedilaba Ed Unoesc 2007 p

13-35 54

Id 2009 p77-99 55

FINNIS John Ley natural e derechos naturales Buenos Aires AbeledoPerrot 2000

28

vislumbra-se necessaacuterio a fim de identificar quais satildeo os valores baacutesicos e inderrogaacuteveis a

todos os humanos a construccedilatildeo de valores universais atraveacutes do diaacutelogo e do cruzamento de

diferentes culturas com diferentes valores Isso facilita a construccedilatildeo de uma cultura

cosmopolita baseada em uma identificaccedilatildeo em que prevaleccedila a dignidade da pessoa humana

acima dos relativismos

As diversidades culturais satildeo provenientes de elementos externos56

da diferenccedila de

ambientes naturais mas mesmo assim todas as pessoas ainda que inseridas em

especificidades culturais distintas ainda manteacutem atributos comuns Eacute por essa loacutegica que

permanece atual a premissa de Kant de que no atual estaacutegio da humanidade os povos

atingiram um grau de desenvolvimento que os permitem fazer parte de uma comunidade

cosmopolita57

Por isso a violaccedilatildeo de um direito humano em um ponto do planeta repercute e

pode ser sentida em todos os outros

Pertinente ainda lembrar que a universalizaccedilatildeo natildeo significa a imposiccedilatildeo ou a

uniformizaccedilatildeo de uma cultura sobre as outras Pelo contraacuterio deve-se buscar uma raiz

comum qual seja um conjunto de valores miacutenimos universais capazes de dialogar com

diferentes culturas garantindo o respeito e a preservaccedilatildeo da vida humana em qualquer lugar

Ainda sob essa oacutetica eacute possiacutevel afirmar que a noccedilatildeo de direito comum de Delmas

aproxima-se do ideal de direito cosmopoliacutetico em Kant58

Ao perceber o aumento da

participaccedilatildeo dos povos na Terra Kant vislumbra a ideia de uma comunidade mundial

alicerccedilada sob as bases de um direito cosmopoliacutetico a fim de garantir a paz perpeacutetua Diante

da dicotomia entre praacuteticas culturais e direitos humanos a base do cosmopolitismo kantiano eacute

a busca de criteacuterios loacutegico-racionais que sejam comuns a todas as culturas

Nesse espectro surgem entatildeo os direitos humanos como nuacutecleo moral-juriacutedico do

direito cosmopoliacutetico vez que a moralidade miacutenima universal se baseia em trecircs pilares a)

humanidade comum b) ameaccedilas compartilhadas e c) obrigaccedilotildees miacutenimas Logo a

fundamentaccedilatildeo moral eacute a base dos direitos humanos uma vez que nela encontram-se as

exigecircncias imprescindiacuteveis para a vida de um indiviacuteduo Apesar das diferenccedilas sociais e

culturais entre os seres humanos algumas necessidades e capacidades satildeo comuns a todos59

56

PAREKH Bhikhu Pluralist universalism and human rights In SMITH Rhona K M ANKER Cristien van

den The essentials of human rights London Oxford University Press 2005 57

KANT Immanuel Para a paz perpeacutetua Traduccedilatildeo Baacuterbara Kristen - Rianxo Instituto Galego de Estudos de

Seguranccedila Internacional e da Paz 2006 58

Ibid 2006 p 107-108 59

BARRETO Vicente de Paulo Direito Cosmopoliacutetico e Direitos Humanos In Espaccedilo Juriacutedico Journal of

Law N 2 Vol 11 2010 Disponiacutevel em

httpeditoraunoescedubrindexphpespacojuridicoarticleview19491017 Acesso 30 out 2014

29

Assim como a concepccedilatildeo de direitos humanos natildeo pode mais ser concebida como o

era na eacutepoca de Kelsen o panorama em que o Direito de um modo geral se insere hoje

tambeacutem natildeo pode mais ser concebido conforme a loacutegica claacutessica kelseniana em que a

constituiccedilatildeo estatal encontra-se no topo de uma estrutura piramidal sendo hierarquicamente

seguida pela legislaccedilatildeo infraconstitucional Os rearranjos da mundializaccedilatildeo e a consequente

internacionalizaccedilatildeo do Direito fazem com que novas estruturas permeiem o atual cenaacuterio

juriacutedico mundial

Seja uma concepccedilatildeo de trapeacutezio cujos veacutertices superiores satildeo ocupados em igual

niacutevel pelas constituiccedilotildees estatais e pelos tratados ou convenccedilotildees internacionais protetivos dos

direitos humanos como eacute a visatildeo de Canotilho seguida por Flaacutevia Piovensan60

seja uma

visatildeo de nuvens fluidas e descontiacutenuas com um direito de sistemas interativos complexos

marcados por geometria de piracircmides inacabadas e aneacuteis normativos como guirlandas

defendida por Delmas-Marty61

demonstram que a internacionalizaccedilatildeo traz tentativas de

recomposiccedilatildeo de um pluralismo que deveraacute ser suficientemente ordenado

Em razatildeo disso razoaacutevel frente agrave mudanccedila paradigmaacutetica trazida pela mundializaccedilatildeo

pensar em um conjunto ordenado para a desordem uma vez que a aparente anarquia que

existe favorece ao pluralismo Para se chegar a um direito comum pluralista tendo por base os

direitos humanos deve-se buscar a harmonizaccedilatildeo entre estes e os direitos econocircmicos com

respeito agraves particularidades religiosas e culturais e com a superaccedilatildeo dos perigos de uma

uniformizaccedilatildeo hegemocircnica tendente agrave globalizaccedilatildeo econocircmica

Nesse novo paradigma o ideaacuterio de ordem ldquodeslegalizadardquo anteriormente referido

toma corpo uma vez que a sobrevalorizaccedilatildeo da lei e das grandes codificaccedilotildees perde espaccedilo

havendo em contrapartida a crescente incorporaccedilatildeo dos precedentes (certa ruptura de

fronteiras entre common law e civil law) e dos princiacutepios como espeacutecie de coacutedigo cultural do

processo de interpretaccedilatildeo e criaccedilatildeo do direito62

A internacionalizaccedilatildeo do Direito reflete portanto uma nova realidade de um Direito

de sistemas complexos fluidos descontiacutenuos e interativos os quais levam agrave mutaccedilatildeo da

proacutepria concepccedilatildeo tradicional de ordem juriacutedica que natildeo eacute mais fechada dentro de si mesma e

sim sofre influecircncia de outras A tradicional piracircmide kelseniana eacute desconstruiacuteda

60

PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e diaacutelogo entre jurisdiccedilotildees In Revista Brasileira de Direito

Constitucional ndash RBCD n19 ndash janjul 2012 61

DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio

de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b 62

FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos

teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013

30

gradativamente dando lugar a novas geometrias cuja hierarquia natildeo eacute tatildeo riacutegida mas nem por

isso deixa de ser complexa

No topo encontram-se as constituiccedilotildees juntamente com elementos do Direito

Internacional (jus cogens tratados relativos o direito internacional dos direitos humanos) e do

direito comunitaacuterio europeu No corpo do que seria a antiga piracircmide kelseniana encontra-se

o crescimento e a consolidaccedilatildeo de um direito jurisprudencial atraveacutes de um jogo de

referecircncias reciacuteprocas em que um sistema observa o outro mas natildeo haacute um centro ao lado das

normas produzidas no legislativo (a intensa produccedilatildeo jurisprudencial para os hard cases

culmina em adiccedilatildeo de conteuacutedos advindos de ldquooutros direitosrdquo) e a base passa a ser composta

por decretos e regulamentos que resultam de administraccedilotildees policecircntricas corroborando para

a crenccedila de que o processo de internacionalizaccedilatildeo do direito vem acompanhado de

descentralizaccedilatildeo e privatizaccedilatildeo de fontes do Direito63

Diante deste quadro Delmas64

apresenta trecircs espeacutecies de processo de interaccedilatildeo para

se chegar a um direito comum coordenaccedilatildeo por entrecruzamento harmonizaccedilatildeo e unificaccedilatildeo

Destaca-se antes de discorrer brevemente sobre esses processos que o direito comum natildeo

tem a pretensatildeo de unificar o Direito no texto pois isso seria uma tarefa praticamente utoacutepica

A ideia de Delmas objetiva na realidade a exploraccedilatildeo da pluralidade como potencial poder

de integraccedilatildeo vez que as redes dinacircmicas e as estruturas vetorizadas pelos direitos humanos

presentes nas novas geometrias da ordem mundial se pautam no reconhecimento do outro em

uma espeacutecie de alteridade65

A coordenaccedilatildeo por entrecruzamento caracteriza-se por ser um processo horizontal em

que a autoridade das decisotildees seraacute reforccedilada pelo jogo de referecircncias cruzadas de uma

jurisdiccedilatildeo agrave outra Essa eacute uma fase transitoacuteria na construccedilatildeo de uma verdadeira ordem juriacutedica

mundial em que a internormatividade e a interpretaccedilatildeo cruzada permitem a formaccedilatildeo de no

miacutenimo uma comunidade de juiacutezes Em funccedilatildeo disso em acircmbito global percebem-se traccedilos

da coordenaccedilatildeo por entrecruzamento nos diaacutelogos entre cortes e tribunais nas mais diferentes

ordens No espaccedilo europeu a coordenaccedilatildeo eacute percebida da mesma forma atraveacutes dos diaacutelogos

entre as cortes nacionais e os tribunais da ldquopequena Europardquo e da ldquogrande Europardquo

respectivamente Tribunal de Luxemburgo e de Estrasburgo

Interessante notar conforme jaacute foi demonstrado que foram os diaacutelogos entre as cortes

nacionais dos diversos Estados membros da entatildeo Comunidade Europeia e posterior Uniatildeo

63

Ibid 2013 p20 64

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006 65

LOPES Carla Patriacutecia Frade Nogueira Internacionalizaccedilatildeo do Direito e pluralismo juriacutedico limites de

cooperaccedilatildeo no diaacutelogo de juiacutezes In Revista de Direito Internacional da Uniceub Vol 9 n4 2012

31

Europeia que auxiliaram no processo de consolidaccedilatildeo do entendimento de primazia das

normas comunitaacuterias ao lado da proteccedilatildeo integral aos direitos fundamentais previstos nas

constituiccedilotildees estatais Isso culminou conforme se asseverou anteriormente na disposiccedilatildeo do

Tratado de Lisboa de que a Uniatildeo Europeia natildeo soacute se submete agraves tradiccedilotildees e regras

constitucionais em mateacuteria de direitos fundamentais como adere agrave Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem

Se o primeiro processo de interaccedilatildeo eacute a coordenaccedilatildeo far-se-aacute de imediato a anaacutelise do

uacuteltimo processo a unificaccedilatildeo visto que o eacute no processo intermediaacuterio ndash a harmonizaccedilatildeo ndash que

se desenvolve o foco do presente estudo A unificaccedilatildeo seria do ponto de vista formal o

processo perfeito por unir ordens juriacutedicas regionais sob um mesmo modelo hieraacuterquico e

coerente das ordens nacionais tradicionais Entretanto sob o enfoque empiacuterico essa perfeiccedilatildeo

estaacute longe de ser garantida vez que a unificaccedilatildeo consiste na transferecircncia pura e simples do

regramento juriacutedico de um paiacutes para outro em uma espeacutecie de verticalizaccedilatildeo ordenada que

pode gerar a dominaccedilatildeo hegemocircnica de uma ordem sobre outra sem portanto respeito agrave

pluralidade

O processo intermediaacuterio de harmonizaccedilatildeo por sua vez tende a aproximar os sistemas

com um propoacutesito coordenativo poreacutem sem a intenccedilatildeo unificadora Tal processo limita-se a

uma integraccedilatildeo imperfeita cuja chave eacute a preservaccedilatildeo das margens nacionais de apreciaccedilatildeo

De modo diferente da coordenaccedilatildeo que eacute marcada pela horizontalidade da comunicaccedilatildeo entre

conjuntos juriacutedicos a harmonizaccedilatildeo instaura uma relaccedilatildeo do tipo vertical que implica o

reconhecimento de algumas hierarquias entre por exemplo direito internacional e nacional

direito supranacional e nacional dentre outras formas Todavia a inversatildeo destas hierarquias

e o reconhecimento muacutetuo fazem parte do movimento de harmonizaccedilatildeo

As margens nacionais de apreciaccedilatildeo satildeo as grandes novidades desse processo de

harmonizaccedilatildeo vez que elas funcionam em uma dinacircmica centriacutefuga e envolvem tanto a

obrigaccedilatildeo de conformidade em relaccedilatildeo agraves normas internacionais das quais determinado paiacutes eacute

signataacuterio quanto agrave apreciaccedilatildeo soberana dos Estados sendo delineada por princiacutepios

comuns66

A resistecircncia dos direitos internos e os avanccedilos do processo de harmonizaccedilatildeo satildeo

portanto as condiccedilotildees de possibilidade para a aplicaccedilatildeo da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

(MNA)

66

SALDANHA Jacircnia Maria Lopes MELLO Rafaela da Cruz Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e

Diaacutelogos Transjurisdicionais uma anaacutelise da postura do Supremo Tribunal Federal Brasileiro In Conselho

Nacional de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito - CONPEDI (Org) Direito Internacional dos Direitos

Humanos I XXIII EdFlorianoacutepolis CONPEDI 2014 v I p 368-394

32

Deste modo imperioso reconhecer que em um continente plural como eacute o europeu

com diversos paiacuteses com aspectos linguiacutesticos culturais religiosos e poliacuteticos a figura da

MNA apresenta-se como uma importante chave para o desenvolvimento e consolidaccedilatildeo de

um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos sendo uma ferramenta relevante

para o estabelecimento de um pluralismo ordenado uma vez que as pluralidades e

peculiaridades culturais e religiosas de cada Estado satildeo respeitadas

Neste sentido portanto a Europa pode ser vista novamente como um laboratoacuterio de

experiecircncias e o surgimento da MNA possui hoje um importante papel sobretudo dentro do

continente europeu Utilizada tanto pelos Tribunais de Luxemburgo e Estrasburgo a MNA

surgiu pela primeira vez na jurisprudecircncia do TEDH

Embora existam relatos do uso da MNA pelo Tribunal de Luxemburgo para permitir

que os conceitos comunitaacuterios sejam interpretados de modo flexiacutevel segundo as

especificidades nacionais e servindo como uma importante vaacutelvula de escape para as tensotildees

nacionais mais fortes neste trabalho far-se-aacute a limitaccedilatildeo da utilizaccedilatildeo da MNA pelo Tribunal

Europeu de Direitos do Homem com o intuito de analisar quais satildeo os entraves e as

possibilidades do uso de tal ferramenta pra a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de um direito comum

para a ldquogrande Europardquo tendo como base os direitos humanos

33

2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU

A noccedilatildeo de margem encontra-se no coraccedilatildeo dos sistemas de Direito uma vez que o

direito interno jaacute prevecirc a possibilidade de uma margem de interpretaccedilatildeo aos juiacutezes em relaccedilatildeo

agraves demandas que lhes satildeo apresentadas Todavia a internacionalizaccedilatildeo impulsiona ao

acreacutescimo do termo ldquonacionalrdquo a essa margem no sentido de permitir o reconhecimento da

diversidade dos sistemas juriacutedicos e a possibilidade de um direito comum

Nesse sentido no presente capiacutetulo far-se-aacute uma abordagem acerca da histoacuteria dessa

ferramenta criada pelo TEDH bem como o conceito e as criacuteticas trazidas por estudiosos da

doutrina da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) (21) Por conseguinte atraveacutes de uma

anaacutelise jurisprudencial se tentaraacute comprovar que a margem a despeito de opiniotildees contraacuterias

acerca da ausecircncia de paracircmetros para sua aplicaccedilatildeo pelo TEDH constitui-se como um

instrumento relevante para a construccedilatildeo de um direito comum europeu tendo como base

luminosa os direitos humanos (22)

21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem

Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu

Consoante fora anteriormente aludido a noccedilatildeo de margem encontra-se dentro dos

sistemas de direito Por isso em um primeiro momento aponta-se a margem dentro do direito

interno como ferramenta capaz de auxiliar o juiz enquanto receptor da norma a interpretar

determinado caso concreto em uma espeacutecie de coacutedigo cultural que determina o senso da

norma67

Nesse sentido a origem dessa margem de interpretaccedilatildeo adveacutem do direito

administrativo de diversos Estados europeus Na Franccedila a margem eacute conhecida como ldquomarge

67

DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation

du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit

compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780

34

drsquoappreacutecciationrdquo na Alemanha eacute vista como ldquoErmessensspielraumrdquo e na Itaacutelia ldquomarge de

discrizionalitaacuterdquo68

Em acircmbito interno portanto caracteriza-se por ser uma deferecircncia que

combina aspectos processuais e hermenecircuticos no sentido de conferir uma reserva de

apreciaccedilatildeo ao administrador para decidir acerca da conveniecircncia e oportunidade em relaccedilatildeo

aos atos administrativos

O processo de internacionalizaccedilatildeo estaacutegio supremo da globalizaccedilatildeo69

no acircmbito do

Direito se desenvolve a ponto de transformar o campo de uma disciplina de modo que

consoante jaacute fora exaustivamente exposto a seara juriacutedica natildeo se limita mais agrave relaccedilatildeo entre

Estados nem somente se combina com os direitos internos Logo o pluralismo pode ser visto

como uma palavra de ordem na paisagem juriacutedica atual e por isso a noccedilatildeo de margem ganha

o adjetivo ldquonacionalrdquo e passa a ser um elemento de tentativa de aproximaccedilatildeo com a finalidade

de atingir um direito comum com bases humanistas

Logo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) teria a finalidade de proceder a uma

espeacutecie de siacutentese entre os anseios de unidade juriacutedica e o desejo de separaccedilatildeo proveniente de

uma autonomia estatal A margem portanto sob o vieacutes da internacionalizaccedilatildeo corresponderia

ao caminho do meio entre o pressuposto de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o

relativismo ou os particularismos culturais de cada Estado

No contexto europeu em que tanto sob o vieacutes comunitaacuterio quanto sob a perspectiva do

sistema regional os Estados apresentam pluralidades significativas em relaccedilatildeo agrave religiatildeo agrave

cultura agrave poliacutetica dentre outros campos a figura da MNA serve como um importante

instrumento para aproximar o universal e o relativo70

Dessa maneira teria a funccedilatildeo de no

processo de construccedilatildeo de um direito comum apresentar como horizonte a universalidade dos

direitos humanos mas sem perder de foco os relativismos culturais que formam a identidade

das mais diferentes sociedades

Niacutetido portanto que o caminho para a construccedilatildeo de um ldquocomumrdquo em mateacuteria de

direitos humanos relaciona-se natildeo soacute com a proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua esfera eacutetica

e miacutenima como tambeacutem com a preservaccedilatildeo da pluralidade Como instrumento do processo de

harmonizaccedilatildeo a margem carrega em seu acircmago a noccedilatildeo de convergecircncia em torno de

princiacutepios comuns mas garantindo o respeito a uma espeacutecie de direito agrave divergecircncia uma vez

68

ITZCOVITCH Giulio One None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations The Lautsi Case

In Human Rights Law Review Oxford Journals 2013 Disponiacutevel em

httphrlroxfordjournalsorgcontent132toc Acesso 04 nov 2014 69

SANTOS Milton Teacutecnica Espaccedilo Tempo Globalizaccedilatildeo e meio teacutecnico-cientiacutefico-informacional 5ordf ed

Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2013 p 45 70

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b

35

que se garante a cada Estado a particularidade de lidar com questotildees atinentes agraves suas

diferenccedilas

Deste modo o Tribunal de Estrasburgo consoante fora dito anteriormente se utiliza

pela primeira vez do recurso agrave MNA no caso Lawless vs Irlanda71

Na discussatildeo cerne deste

conflito estava a possibilidade de prisatildeo provisoacuteria no caso dos atentados terroristas

relacionados ao grupo extremista IRA (Irish Republic Army) Mais especificamente o

cidadatildeo irlandecircs Gerard Richard Lawless ex-membro do IRA foi preso em julho de 1957 no

momento em que estava prestes a viajar da Irlanda agrave Gratilde-Bretanha Neste ato foi detido sob

especiais poderes de detenccedilatildeo indeterminada sem julgamento sob alegaccedilotildees de ofensas contra

o Estado irlandecircs

Lawless fazendo o uso da prerrogativa de peticcedilatildeo individual demandou perante a

Corte Europeia de Direitos do Homem alegando violaccedilatildeo pelo Estado Irlandecircs dos artigos 56

e 7 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem mas especificamente direitos de

liberdade seguranccedila julgamento justo e o princiacutepio de proibiccedilatildeo de puniccedilatildeo sem lei anterior

que defina um delito

No julgamento do caso em 1961 o Tribunal de Estrasburgo pela primeira vez fez

alusatildeo mesmo que de modo natildeo explicito agrave possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo

ao deixar ao Estado Irlandecircs margem para decidir fundamentando-se nas prerrogativas do

artigo 1572

da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Tal norma da Convenccedilatildeo alude agrave

possibilidade de derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade com a prerrogativa de que em

caso de guerra ou outro perigo puacuteblico que ameace a vida da naccedilatildeo a parte aderente agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem pode tomar providecircncias que derroguem as

obrigaccedilotildees previstas no tratado na estrita medida em que exigir a situaccedilatildeo

71

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57518itemid[001-57518] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lawless vs Irlanda Sentenccedila de 01 de julho de 1961 Acesso

05 nov 2014 72

Artigo 15 Derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade 1 Em caso de guerra ou de outro perigo puacuteblico que

ameace a vida da naccedilatildeo qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providecircncias que derroguem as obrigaccedilotildees

previstas na presente Convenccedilatildeo na estrita medida em que o exigir a situaccedilatildeo e em que tais providecircncias natildeo

estejam em contradiccedilatildeo com as outras obrigaccedilotildees decorrentes do direito internacional 2 A disposiccedilatildeo

precedente natildeo autoriza nenhuma derrogaccedilatildeo ao artigo 2deg salvo quanto ao caso de morte resultante de atos

liacutecitos de guerra nem aos artigos 3deg 4deg (paraacutegrafo 1) e 7deg 3 Qualquer Alta Parte Contratante que exercer este

direito de derrogaccedilatildeo manteraacute completamente informado o Secretaacuterio Geral do Conselho da Europa das

providecircncias tomadas e dos motivos que as provocaram Deveraacute igualmente informar o Secretaacuterio - Geral do

Conselho da Europa da data em que essas disposiccedilotildees tiverem deixado de estar em vigor e da data em que as da

Convenccedilatildeo voltarem a ter plena aplicaccedilatildeo CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS

DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014

36

Logo aplicando o referido artigo 15 da Convenccedilatildeo a decisatildeo do Tribunal de

Estrasburgo foi de no caso proposto asseverar que os fatos apurados natildeo revelam uma

violaccedilatildeo por parte do Governo irlandecircs de suas obrigaccedilotildees ao abrigo da Convenccedilatildeo Europeia

para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais Em razatildeo disso de a

motivaccedilatildeo do Tribunal para proferir a decisatildeo ter partido de uma prerrogativa da proacutepria

Convenccedilatildeo Europeia alguns autores73

natildeo fazem alusatildeo a este caso como o primeiro em que

houve concessatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo para Estado

Embora haja uma referecircncia tiacutemida agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso exposto

anteriormente eacute no caso linguiacutestico belga74

que se percebe uma manifestaccedilatildeo mais concreta

da Corte de Estrasburgo em relaccedilatildeo agrave deferecircncia de julgamento aos Estados precisando

alguns dos fundamentos da doutrina da MNA No caso belga julgado em 1968 pais que

falavam francecircs questionaram o sistema educacional da Beacutelgica que dividia o paiacutes em quatro

regiotildees linguiacutesticas distintas

O Tribunal de Luxemburgo aceitou uma margem de apreciaccedilatildeo conferida agraves partes em

funccedilatildeo de que os Estados possuiacuteam discricionariedade em relaccedilatildeo agrave regulamentaccedilatildeo do direito

agrave educaccedilatildeo A Corte argumentou que essa necessidade de concessatildeo de uma deferecircncia ou de

um limite de discricionariedade ao Estado era proveniente da natureza do proacuteprio direito

discutido (regulamentaccedilatildeo do sistema educacional) de modo que a regulamentaccedilatildeo do direito

agrave educaccedilatildeo poderia variar de acordo com o local e com o tempo consoante as necessidades e

os recursos da comunidade e dos indiviacuteduos

Ainda eacute possiacutevel destacar nesse caso a vinculaccedilatildeo da noccedilatildeo de margem de apreciaccedilatildeo

ao princiacutepio de subsidiariedade dos tribunais internacionais em relaccedilatildeo agraves cortes nacionais

Por isso o Tribunal manifestou-se asseverando que natildeo desejava substituir as autoridades

nacionais pois se assim o fizesse perderia a caracteriacutestica de mecanismo internacional de

garantia da ordem instaurada pela Convenccedilatildeo

73

KRATOCHVIL Jan The inflation of the margin of appreciation by european court of human rights In

Netherlands Quarterly of Human Rights Vol 293 2011 p 324-357 Disponiacutevel em ww corteidhorcr

tablas r26992pdf Acesso 01 nov 2014

VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um

equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em

httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 74

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httpwww9euskadineteuskara_araubideaLegedialegeakgaztelaneuropas23b001pdf CORTE EUROPEIA

DE DIREITOS HUMANOS Caso linguiacutestico belga Sentenccedila de 23 de julho de 1968 Acesso 05 nov 2014

37

Essa subsidiariedade conduz agrave MNA duas noccedilotildees75

uma noccedilatildeo teacutecnica e outra

poliacutetica Na noccedilatildeo teacutecnica a razatildeo para sua existecircncia relaciona-se com a imprecisatildeo de

algumas normas que conferem certa liberdade ao juiz internacional No campo poliacutetico a

relaccedilatildeo se evidencia pela sensibilidade dos Estados em relaccedilatildeo a temas polecircmicos

Sob essa oacutetica e embora esse natildeo seja o foco do presente trabalho pode-se afirmar que

a MNA eacute uma figuram importante tanto para o horizonte de criaccedilatildeo de um direito comum

europeu como para a consolidaccedilatildeo do direito comunitaacuterio europeu Isso porque este uacuteltimo

embora tenha sido baseado em um ideal federalista funda-se na realidade em um modelo de

governanccedila supranacional em que a MNA foi importada pelo Tribunal de Luxemburgo a fim

de ser uma vaacutelvula de escape para tensotildees fortes em acircmbito comunitaacuterio76

O TJUE deste modo permite que os conflitos comunitaacuterios sejam interpretados de

maneira flexiacutevel conforme especificidades nacionais Cada Estado pode atribuir seu proacuteprio

significado a expressotildees ou textos legais de interpretaccedilatildeo ampla devendo-se contudo

vincular aos princiacutepios e conceitos juriacutedico-legais do direito comunitaacuterio

No campo de construccedilatildeo de um direito comum europeu que tem como terreno o

sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos tal premissa natildeo eacute diferente Embora em

alguns casos o TEDH opte pela concessatildeo da margem de deferecircncia essa soacute pode ser aplicada

pelo Estado se este observar os princiacutepios que regem o instrumento legal base da Corte qual

seja a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) Deste modo o Estado natildeo fica

desobrigado do cumprimento da Convenccedilatildeo pois em tese apenas existiraacute margem para

pontos sensiacuteveis desta os quais permitem interpretaccedilotildees diferenciadas de acordo com os

particularismos nacionais e os desacordos culturais

Nesse sentido conforme se observou pelos casos citados com ecircnfase para o caso

Lawless vs Irlanda uma primeira aplicaccedilatildeo da doutrina da margem vinculou-se ao processo

de sedimentaccedilatildeo do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos vez que tal

caso foi um dos primeiros a ser julgado pelo Tribunal de Estrasburgo aleacutem de conforme fora

dito ter sido o primeiro no acircmbito da criaccedilatildeo e uso da MNA Em razatildeo desse contexto a

utilizaccedilatildeo do instrumento em questatildeo deu-se em funccedilatildeo de uma demanda que envolvia

questatildeo de seguranccedila interna de um paiacutes e por isso a aplicaccedilatildeo da deferecircncia de julgamento agrave

Irlanda daacute-se tambeacutem como uma teacutecnica poliacutetica para evitar tensotildees entre esfera internacional

75

DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation

du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit

compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780 76

VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade

de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014

38

e nacional (esta ainda arraigada ao conceito claacutessico de soberania) no acircmbito de um sistema

que tinha sido criado recentemente

Sob tal vieacutes pode-se recorrer agrave explicaccedilatildeo de Marcelo Varella77

de que a margem

deve ser aplicada para temas polecircmicos em que abusos exegeacuteticos por parte do tribunal de

cariz internacional podem levar agrave perda de legitimidade deste Contudo com o

desenvolvimento da teoria da MNA tanto por doutrinadores como pela proacutepria jurisprudecircncia

do tribunal que a criou percebe-se que o seu uso em grande medida relaciona-se com o

embate entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo nacional em mateacuteria de

desacordos culturais

Natildeo obstante a existecircncia de criacuteticas sobre a aplicaccedilatildeo praacutetica atual da MNA pelo

TEDH o que seraacute objeto de anaacutelise na sequencia do presente trabalho eacute com a figura da

deferecircncia da margem nacional que se torna possiacutevel um pluralismo de justaposiccedilatildeo78

que

tolera a coexistecircncia de sistemas particularmente diferentes Somente a possibilidade de

acoplamento do adjetivo nacional ao substantivo margem ou seja uma transferecircncia de

conceito desse substantivo para outra esfera que natildeo agrave interna de cada paiacutes jaacute demonstra que

uma ruptura com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito jaacute iniciou e ainda estaacute em curso

A ruptura com a concepccedilatildeo tradicional unificada e estritamente hierarquizada de

ordem juriacutedica leva a uma ruptura epistemoloacutegica com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito

Isso permite natildeo soacute a existecircncia e aplicaccedilatildeo de uma margem nacional de apreciaccedilatildeo como

demonstra a possibilidade de concretizaccedilatildeo do ideal de um direito comum que por ser

pluralista natildeo pode ser projetado conforme o modelo tradicional e nem encontra campo para

isso em funccedilatildeo do novo mosaico juriacutedico existente sobretudo na Europa

Logo eacute possiacutevel afirmar que a margem a que se refere esse trabalho natildeo deixa de ser

um reconhecimento jurisprudencial dessa mudanccedila de ares trazida pelas novas configuraccedilotildees

e estruturas juriacutedicas Isso porque novas instituiccedilotildees emergem em meio de um caos juriacutedico

que natildeo passa despercebido pelas cortes internacionais Prova disso eacute que a MNA natildeo eacute

mencionada somente pelo TEDH Ainda que de modo muito tiacutemido e em pequena medida eacute

possiacutevel o destaque de citaccedilatildeo (e aplicaccedilatildeo) da referida doutrina pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos79

Embora o continente latino americano seja tatildeo ou mais plural e diversificado que o

europeu e que o uso da margem como instrumento de siacutentese entre relativo e universal seja

77

Ibid 2012 p 143 78

DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 757 79

POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema

interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012

39

teoricamente indicado para sedimentar as bases de construccedilatildeo de um direito comum pluralista

a aplicaccedilatildeo do instituto em solo americano ainda natildeo ocorre de modo significativo Sob esse

vieacutes o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Seacutergio Garcia Ramirez80

asseverou

que a margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute uma ferramenta e um princiacutepio europeu de relativismo

relativo agrave execuccedilatildeo que natildeo eacute visto com simpatia pela Corte maacutexima do sistema regional

americano de direitos humanos Isso em funccedilatildeo natildeo soacute do histoacuterico de demandas que

chegaram ao julgamento da Corte Interamericana ndash em grande parte envolvendo violaccedilotildees de

direitos humanos perpetradas pelo Estado durante os periacuteodos de ascensatildeo de autoritarismos e

ditaduras na Ameacuterica Latina ndash como tambeacutem em razatildeo das democracias latino-americanas

ainda estarem em fase de consolidaccedilatildeo

Deste modo em razatildeo da ausecircncia ateacute entatildeo de casos envolvendo desacordos

culturais e das recentes reinserccedilotildees ou inserccedilotildees democraacuteticas de paiacuteses do continente

americano temia-se que eventual aplicaccedilatildeo de MNA poderia ser compreendida pelos Estados

como um salvo-conduto para que houvesse violaccedilatildeo de direitos humanos pelos paiacuteses A

cautela e a percepccedilatildeo de paisagens diferentes entre os territoacuterios separados pelo Atlacircntico

fizeram e fazem com que ainda hoje a doutrina da margem tenha pouca ou quase nenhuma

aplicaccedilatildeo na Ameacuterica

Deste modo pode-se afirmar que a internacionalizaccedilatildeo do direito - e seus reflexos na

Europa - eacute a responsaacutevel pela criaccedilatildeo de um espaccedilo para o desenvolvimento da doutrina da

margem nacional de apreciaccedilatildeo Nesse sentido embora a criaccedilatildeo tenha sido jurisprudencial

por parte do TEDH com aplicaccedilatildeo em alguns casos pelo proacuteprio Tribunal de Luxemburgo eacute

importante avaliar de que modo a doutrina conceitua o referido instituto

A posiccedilatildeo adotada por este trabalho eacute a de Mireille Delmas-Marty81

que salienta em

suas obras a origem nacional da margem nacional ainda como uma margem de interpretaccedilatildeo

capaz de conferir um pluralismo de valores do tipo meta juriacutedico em uma espeacutecie de

deferecircncia para apreciaccedilatildeo do juiz receptor de determinada norma Todavia a margem

relativa agrave internacionalizaccedilatildeo liga-se ao reconhecimento da diversidade de sistemas juriacutedicos

os quais possuem algumas caracteriacutesticas peculiares ligadas agraves identidades do Estado em que

se encontram

80

Tal posicionamento de Seacutergio Garciacutea Ramirez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema Internacional de

Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de 19 e 20 de agosto

de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado ndash da Pontifiacutecia

Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS 81

DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 762

40

Em razatildeo disso para a autora a noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo aleacutem de ser

uma siacutentese entre o universal e o relativo eacute uma chave do pluralismo ordenado Desse modo

sua construccedilatildeo assemelha-se de um lado agrave expressatildeo de uma dinacircmica centriacutefuga ou seja

uma resistecircncia dos Estados agrave integraccedilatildeo e o apego agrave noccedilatildeo claacutessica de soberania e de outro

lado sendo ela limitada por princiacutepios comuns estabelece o miacutenimo de compatibilidade

voltando-se ao centro em uma dinacircmica centriacutepeta

Haacute portanto um movimento duplo que por vezes traduz as resistecircncias dos direitos

nacionais por vezes os avanccedilos rumo agrave harmonizaccedilatildeo do direito comum em mateacuteria de

direitos humanos Eacute justamente essa capacidade de oscilaccedilatildeo que permite os ajustamentos

com vistas a compatibilizar o interno com o comum com o intuito nem de criar uma

hegemonia do universal e nem de tornar inaplicaacutevel o direito comum em razatildeo das

particularidades Desta forma Delmas percebe a margem como uma teacutecnica juriacutedica presente

no acircmbito do fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo do direito e que permite o reconhecimento da

diversidade entre os sistemas juriacutedicos82

Benvenisti83

por sua vez visualiza no uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo uma

espeacutecie de latitude que cada sociedade tem na resoluccedilatildeo de conflitos inerentes entre os

direitos individuais e os interesses nacionais ou entre diferentes convicccedilotildees morais Por

conseguinte alude que a doutrina da margem consoante inclusive fora abordado

anteriormente neste trabalho respondeu inicialmente a preocupaccedilotildees de governos nacionais

de que as poliacuteticas internacionais pudessem comprometer a seguranccedila nacional Isso entatildeo

explicaria a invocaccedilatildeo da margem no caso Lawless vs Irlanda por exemplo

Com a evoluccedilatildeo da jurisprudecircncia o uso desse instrumento passou a ser aplicado por

outras razotildees como gestatildeo de recursos discricionariedade em relaccedilatildeo a questotildees

concernentes agrave deliberaccedilatildeo acerca de sistemas poliacuteticos educacionais entre outros ateacute passar

a ser utilizada em temas relativos aos desacordos culturais Ainda segundo Bevenisti84

a

utilizaccedilatildeo da margem se justifica em alguns casos e em algumas mateacuterias ndash para o autor por

exemplo a aplicaccedilatildeo da margem nacional natildeo se justifica quando em questatildeo se encontram o

direito de minorias - sendo que o uso ampliado ou desmedido pode gerar uma espeacutecie de

deslegitimaccedilatildeo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos

82

Ibid 2000 p 760 83

BENVENISTI Eyal Margin of apreciation consensus and universal standards In International Law and

Politics Vol 31843 1999 pp 843-854 Disponiacutevel em httpwwwpict-

pctiorgpublicationsPICT_articlesJILPBenvenistipdfp 853 Acesso 05 nov 2014 84

Ibid 1999 p 846

41

Para Poblete amp Alvarado85

a margem nacional de apreciaccedilatildeo liga-se agrave noccedilatildeo de fins e

limites da jurisdiccedilatildeo internacional ou supranacional em mateacuteria de direitos humanos Eles

reconhecem que a doutrina da margem concede aos Estados signataacuterios de convenccedilotildees

internacionais liberdade para apreciar as circunstacircncias materiais que exigem aplicaccedilatildeo de

medidas excepcionais em situaccedilatildeo de emergecircncia como eacute o caso das prerrogativas do artigo

15 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de derrogaccedilatildeo em caso de necessidade

Outrossim ainda segundo os mencionados autores a margem possibilita aos Estados

liberdade para limitar direitos reconhecidos em tratados internacionais quando outros direitos

exigem respeito ou assim exigem os interesses da comunidade Ainda serviria para definir os

conteuacutedo dos direitos delimitar como eles satildeo aplicados no plano interno e definir o modo

como seratildeo cumpridas resoluccedilotildees de um oacutergatildeo internacional de supervisatildeo de um tratado ou

convenccedilatildeo Dessa maneira tais autores identificam a doutrina da MNA como uma

metodologia de que se servem os tribunais internacionais para difundir os direitos humanos

previstos nos tratados internacionais bem como o direito do comeacutercio ndash a margem tambeacutem eacute

aplicada pela Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio (OMC)

Vila86

por sua vez percebe na doutrina da marem nacional de apreciaccedilatildeo uma espeacutecie

de ldquodeferecircnciardquo praticada pelo Tribunal de Estrasburgo em relaccedilatildeo aos Estados signataacuterios da

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Isso pelo fato de que o sistema de proteccedilatildeo dos

diretos humanos na Europa eacute resultado de uma divisatildeo de trabalho entre os Estados e a Corte

em que os primeiros satildeo responsaacuteveis primaacuterios desta proteccedilatildeo e a Corte possui um caraacuteter

subsidiaacuterio atuando em acircmbitos sensiacuteveis como o da moralidade e da religiatildeo em que natildeo haacute

consenso entre os Estados

Nesse mesmo sentido se situa o pensamento de Roca87

que afirma que a doutrina da

margem nacional de apreciaccedilatildeo ocupa um lugar de destaque na jurisprudecircncia do Tribunal

Europeu de Direitos Humanos e eacute necessaacuteria para refletir uma realidade evidente qual seja a

pluralidade cultural dos Estados que fazem parte do Conselho da Europa notaacutevel em um

pluralismo de base territorial sobre o qual assenta uma cultura comum europeia de alguns

miacutenimos

85

POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema

interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012 p5 86

VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um

equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em

httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 87

ROCA JavierGarciacutea La muy discrecional doctrina del margen de apreciacioacuten nacional seguacuten el Tribunal

Europeo de Derechos Humanos Soberaniacutea e Integracioacuten In UNED Teoriacutea y Realidad Constitucional N

202007 p 117-143 Disponiacutevel em httpe-spaciounedes revistasuned indexphp TRC article vie 6778

Acesso 02 nov 2014

42

Da mesma forma considera o autor que os princiacutepios da proporcionalidade e da

subsidiariedade satildeo imanentes agrave noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo visto que os

Estados possuem certa margem de discricionariedade na aplicaccedilatildeo e no cumprimento de

obrigaccedilotildees impostas pela Convenccedilatildeo bem como na ponderaccedilatildeo de interesses mais

complexos Se houver excesso por parte dos Estados no uso dessa margem haacute violaccedilatildeo do

princiacutepio da proporcionalidade e abre-se espaccedilo para a intervenccedilatildeo do oacutergatildeo jurisdicional

internacional sob as bases do princiacutepio da subsidiariedade

Eacute importante sob essa oacutetica lembrar que embora o diferencial da Corte Europeia de

Direitos Humanos seja o de permitir a peticcedilatildeo individual de qualquer sujeito que denuncie

uma violaccedilatildeo de seus direitos baacutesicos assim como outros tribunais internacionais tem a regra

da exigecircncia do esgotamento das vias internas de acesso agrave justiccedila para que a demanda seja

recebida pelo TEDH Se natildeo houve satisfaccedilatildeo do pleito por parte do Estado ou se a reparaccedilatildeo

obtida se revelara inidocircnea para uma proteccedilatildeo adequada ao direito violado entatildeo agrave Corte

Europeia eacute permitido revisar a decisatildeo nacional ou substituiacute-la

Mahorney88

em seus estudos assevera que a margem funciona como uma espeacutecie de

divisatildeo de jurisprudecircncias uma vez que traccedila uma linha divisoacuteria entre o que deve decidir

cada comunidade nacional e as questotildees que tecircm relevacircncia para necessitar uma soluccedilatildeo

homogecircnea ou seja as que demandam uma decisatildeo que harmonize a regulaccedilatildeo do direito e

suas garantias na comunidade internacional independentemente das diferenccedilas de tradiccedilotildees

ou culturas

Contreras89

afirma que os tratados regionais de direitos humanos embora contenham

escopos de universalidade em relaccedilatildeo a esses direitos satildeo acompanhados pela possibilidade

de peculiaridades geograacuteficas na execuccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos direitos do homem As cortes

internacionais tecircm a dificuldade de conciliar ou justificar a falta de conciliaccedilatildeo entre

diferenccedilas morais e normativas de cada regiatildeo Em razatildeo disso uma das criaccedilotildees doutrinaacuterias

mais importantes eacute a da margem nacional de apreciaccedilatildeo sendo esta para o autor um criteacuterio

interpretativo desenvolvido tanto como deferecircncia aos Estados para que possam regular o

conteuacutedo dos direitos e suas restriccedilotildees e para distribuir os poderes e niacuteveis de decisotildees

tomadas entre as autoridades domeacutesticas e internacionais

88

MAHORNEY Paul Marvellous richness diversity or individual cultural relativism In Human Rights Law

Journal Vol 19 nuacutem 1 30 de abril de 1998 p 1 89

CONTRERAS Pablo National Discretion and International Deference in the Restriction of Human Rights A

Comparison Between the Jurisprudence of the European and the Inter-American Court of Human Rights In

Northwestern Journal of International Human Rights Vol 11 2012 Disponiacutevel em

httpscholarlycommonslawnorthwesterneducgiviewcontentcgiarticle=1155ampcontext=njihr Acesso 01 nov

2014

43

Visiacutevel portanto que na doutrina natildeo haacute um contexto exato em relaccedilatildeo a essa figura

criada e aplicada na jurisprudecircncia do TEDH Enquanto para alguns estudiosos ela se

configura como uma doutrina para outros eacute um criteacuterio interpretativo ou hermenecircutico usado

pelos tribunais internacionais no sentido de revisar a decisatildeo de um Estado ou conceder

deferecircncia a este para julgar conforme o direito interno coadunado com os princiacutepios miacutenimos

existentes nos tratados internacionais de direitos humanos

Natildeo obstante a divergecircncia de conceituaccedilatildeo no campo teoacuterico analisar-se-aacute no

proacuteximo capiacutetulo alguns casos emblemaacuteticos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de apreciaccedilatildeo

pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos mais diferentes tema com o intuito de

responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel afirmar que do modo como eacute aplicada a

doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo pela Corte Europeia de Direitos do Homem

temos uma efetiva contribuiccedilatildeo para o processo de harmonizaccedilatildeo entre universal e relativo e

construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos

Embora a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo tenha nascido da tentativa de

produccedilatildeo de uma siacutentese entre o universal e o relativo no espaccedilo do sistema regional europeu

de proteccedilatildeo dos direitos humanos sua aplicaccedilatildeo praacutetica sobretudo pelo TEDH natildeo eacute imune a

criacuteticas Cumpre a esse capiacutetulo realizar notas acerca da aplicaccedilatildeo praacutetica da margem

nacional de apreciaccedilatildeo com o intuito de verificar se ela efetivamente contribui ou eacute capaz de

contribuir para a construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

Conforme afirmam Brum et Saldanha90

a MNA ao ser compreendida e utilizada como

uma forma de autocontrole por meio do qual o oacutergatildeo jurisdicional internacional evita o

enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas poliacutetica pode

representar um risco de fragilizaccedilatildeo do direito internacional dos direitos humanos caso seu

uso se torne indiscriminado sem criteacuterios claros e limites precisos Desta maneira seu uso em

vez de conduzir ao caminho de ordenaccedilatildeo do muacuteltiplo e de mundializaccedilatildeo dos direitos

90

BRUM Maacutercio Morais SALDANHA Jacircnia Maria Lopes A margem nacional de apreciaccedilatildeo e sua

(in)aplicaccedilatildeo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em mateacuteria de anistia Uma figura hermenecircutica a

serviccedilo do pluralismo ordenado In Anuario Mexicano de Derecho Internacional 2015(No prelo para

publicaccedilatildeo)

44

humanos levaria ao rumo contraacuterio da fragmentaccedilatildeo e reforccedilo da velha noccedilatildeo de soberania

marcada pela ausecircncia de compromisso dos Estados com os marcos protetivos miacutenimos do

direito internacional

Neste vieacutes portanto dentro ainda de um panorama geral de anaacutelise da postura do

Tribunal de Estrasburgo um dos primeiros pontos de criacutetica se relaciona ao enfraquecimento

da credibilidade do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos Na visatildeo de

alguns doutrinadores a postura da Corte Europeia na aplicaccedilatildeo irrestrita e sem limitaccedilotildees ou

uma sistematizaccedilatildeo teacutecnica em relaccedilatildeo aos casos em que deve ou natildeo ser aplicada pode gerar

um sentimento de descrenccedila na legitimidade e na eficaacutecia das decisotildees tomadas pelo oacutergatildeo

jurisdicional internacional do Conselho da Europa

Para alguns estudiosos o modo como a margem eacute aplicada reflete uma postura de

evitar o enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas

poliacuteticas Aleacutem de uma fragilizaccedilatildeo do sistema internacional de proteccedilatildeo aos direitos humanos

o uso da margem sem limites definidos pode levar ao reforccedilo da noccedilatildeo claacutessica de soberania

em que o compromisso dos Estados com os instrumentos normativos de direito internacional

era mitigado

No campo de aplicaccedilatildeo a casos praacuteticos eacute possiacutevel conforme assevera Roca91

visualizar as imprecisotildees praacuteticas e teoacutericas do uso da margem o que leva a dois resultados o

primeiro eacute a necessidade de criaccedilatildeo de esforccedilos com urgecircncia para melhor edificar e criar

paracircmetros para a aplicaccedilatildeo da ferramenta bem como que o demandante ou qualquer

observador perante a Corte natildeo saber com suficiente seguranccedila juriacutedica quando o Tribunal

de Estrasburgo vai usar a margem nem quais seratildeo os possiacuteveis resultados desse uso

Ainda segundo o autor a margem eacute um instrumento impreciso e de geometria

variaacutevel todavia eacute consenso entre os doutrinadores que a ferramenta natildeo eacute uma carta branca

aos Estados para fazerem o que quiserem sendo necessaacuteria depuraccedilatildeo teoacuterica para tornar o

instrumento mais preciso Seu uso impotildee como jaacute foi dito autocontenccedilatildeo por parte da Corte

tendo em vista que sua funccedilatildeo segundo o princiacutepio da subsidiariedade eacute somente de impor

estandartes miacutenimos comuns em mateacuteria de direitos humanos Entretanto o niacutevel de proteccedilatildeo

dos direitos dos direitos e das diversas foacutermulas para concretizaacute-los natildeo satildeo homogecircneos

diante de naccedilotildees com tradiccedilotildees juriacutedicas tatildeo diversas

Desta maneira no campo jurisprudencial com a finalidade de responder ao

questionamento feito no capiacutetulo anterior utilizar-se-aacute de modo conjunto as classificaccedilotildees das

91

ROCA op cit 125

45

decisotildees da Corte Europeia dos Direitos do Homem feitas por Contreras e por Roca Para o

primeiro doutrinador92

eacute possiacutevel dividir os casos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de

apreciaccedilatildeo pelo Tribunal de Estrasburgo em trecircs grandes grupos

O primeiro grupo abarca casos envolvendo direitos fundamentais e direitos poliacuteticos

dentre os quais se destacam a proibiccedilatildeo da tortura ou a liberdade de expressatildeo e associaccedilatildeo

Nesse primeiro grupo no que tange aos direitos fundamentais haacute rigorosa supervisatildeo por

parte do Tribunal Europeu negando qualquer margem nacional de apreciaccedilatildeo aos Estados

Ainda dentro deste conjunto no que concerne aos discursos poliacuteticos ou direito de partidos

poliacuteticos eacute por vezes concedida uma margem reduzida agraves autoridades domeacutesticas para

decisatildeo ou execuccedilatildeo de uma decisatildeo

O segundo grupo por sua vez relaciona-se aos direitos de propriedade em que a

Corte concede grande margem de deferecircncia aos Estados Isso porque o TEDH reconhece em

princiacutepio que as autoridades nacionais estatildeo melhor situadas do que o juiz internacional no

que tange a apreciaccedilatildeo acerca do melhor interesse de uma comunidade em relaccedilatildeo a poliacuteticas

envolvendo direitos de propriedade

Por fim o terceiro grupo eacute o mais complexo para a apreciaccedilatildeo do tipo de margem

concedida pelo Tribunal de Estrasburgo uma vez que conteacutem temas que natildeo apresentam

consenso por parte do Tribunal Deste modo neste grupo ficam evidentes as complexidades e

as vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis da MNA Casos como os de liberdade religiosa liberdade de

discurso direitos dos homossexuais dentre outros temas latentes e relevantes na paisagem

juriacutedica social e cultural europeia

Do mesmo modo Roca93

divide a margem nacional de apreciaccedilatildeo em trecircs ciacuterculos

concecircntricos tendo como base a natureza dos direitos cuja tutela eacute pleiteada junto ao oacutergatildeo

jurisdicional internacional do sistema europeu O primeiro ciacuterculo de Roca relaciona-se com o

segundo grupo de Contreras vez que trata dos direitos de propriedade que teriam uma

margem de deferecircncia ampla e um controle pouco intenso por parte da Corte Esse ciacuterculo

seria o maior e englobaria os demais

No ciacuterculo menor estariam os direitos vistos como absolutos pelo Tribunal Europeu

Dentre esses se destacam o direito agrave vida ou os direitos democraacuteticos que apresentam uma

margem de apreciaccedilatildeo pouco extensa juntamente com um controle restrito por parte da Corte

Europeia Este ciacuterculo identifica-se com o primeiro grupo anteriormente mencionado visto

92

CONTRERAS op cit p 35 93

ROCA op cit p 134

46

que trabalha com noccedilotildees de direitos fundamentais e poliacuteticos essenciais e miacutenimos para todos

os paiacuteses europeus

Por fim no espaccedilo intermediaacuterio entre esses dois ciacuterculos encontra-se uma esfera

meacutedia que relacionando-se com o terceiro grupo definido por Contreras contempla todos os

outros direitos em que alguma vez o Tribunal de Estrasburgo mencionou ou aplicou a margem

nacional de apreciaccedilatildeo Eacute justamente nesse ciacuterculo que devem ser desenvolvidos os

paracircmetros para guiar o uso da ferramenta pela Corte no intuito de reduzir a inseguranccedila

juriacutedica ocasionada pelo uso sem uma sistematizaccedilatildeo de criteacuterios

Eacute pertinente em um primeiro momento destacar que conforme ambos os

doutrinadores demonstram quando se mencionam direitos fundamentais ou vinculados agrave

princiacutepios democraacuteticos inaplicaacutevel eacute o uso da margem pela Corte ou se for feito eacute de forma

absolutamente restrita No caso dos direitos fundamentais interessante relembrar Baez94

que

ao buscar o conceito de direitos humanos concluiu que nenhuma fonte normativa existente

tanto em sistemas internacionais quanto nacionais ou regionais trazem a definiccedilatildeo de direitos

humanos Pelo contraacuterio soacute os exemplificam

Nesse sentido observou Baez95

que embora natildeo exista uma definiccedilatildeo precisa de

direitos humanos existem elementos baacutesicos que fazem parte desses e o elemento que eacute

citado em todos os instrumentos normativos sobre o tema eacute o de dignidade da pessoa humana

Os direitos humanos somente existem para realizaccedilatildeo e proteccedilatildeo da dignidade humana poreacutem

o conceito de dignidade eacute de tatildeo difiacutecil conceituaccedilatildeo quanto o conceito de direitos humanos

O autor conclui que a dignidade possui duas dimensotildees a dimensatildeo baacutesica a qual

corresponde aos limites miacutenimos e fundamentais para a existecircncia humana impedindo a

noccedilatildeo de coisificaccedilatildeo do ser Se houver portanto violaccedilatildeo agrave dimensatildeo baacutesica da dignidade da

pessoa humana haacute tambeacutem violaccedilatildeo dos direitos humanos A outra dimensatildeo eacute a cultural vez

que envolve o conjunto de valores que cada sociedade desenvolve

A primeira dimensatildeo refere-se agrave universalidade e a segunda que depende de fatores

culturais permite que os direitos humanos sejam morfologicamente assimeacutetricos Isso natildeo

deixa de se relacionar com o que Delmas-Marty fala acerca dos direitos humanos

inderrogaacuteveis ou seja que natildeo podem sofrer a incidecircncia de qualquer tipo de margem de

94

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos

humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da

UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em

httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014 95

Tal posicionamento de Narciso Leandro Xavier Baez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema

Internacional de Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de

19 e 20 de agosto de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado

ndash da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS

47

apreciaccedilatildeo Estes possuem a caracteriacutestica do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano

ou seja vinculam-se agrave noccedilatildeo da dimensatildeo baacutesica da dignidade da pessoa humana

Neste vieacutes eacute possiacutevel dizer que no que diz respeito aos direitos fundamentais a Corte

de certa forma apresenta certa relaccedilatildeo com as doutrinas apresentadas uma vez que em casos

em que existam registros de violaccedilotildees aos direitos humanos inderrogaacuteveis quais sejam os

que tem como cerne a dignidade humana baacutesica a Corte natildeo permite qualquer espeacutecie de

margem nacional de apreciaccedilatildeo Vejamos por exemplo o caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila96

julgado em 2006 O demandante perante o Tribunal de Estrasburgo foi um terrorista

venezuelano conhecido na deacutecada de 1970 condenado pelo Estado Francecircs agrave prisatildeo perpeacutetua

pelo assassinato em 1974 dois inspetores da poliacutecia francesa e um antigo companheiro

terrorista libanecircs

Saacutenchez recorreu agrave Corte Europeia arguindo violaccedilotildees do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo

Europeia dos Direitos do Homem (proibiccedilatildeo da tortura e tratamentos humanos degradantes) e

do artigo 13 do mesmo diploma legal (direito a um recurso efetivo) Embora no julgamento

tenha ficado decidido que natildeo houve violaccedilatildeo ao artigo 3ordm97

o posicionamento da Corte

permite asseverar que natildeo haacute margem nacional de deferecircncia aos Estados quando o assunto

for violaccedilatildeo de direitos humanos ou fundamentais inderrogaacuteveis ou cujo nuacutecleo central for a

dignidade baacutesica da pessoa humana Nesse sentido a Corte pontuou que mesmo nas

circunstacircncias mais difiacuteceis como a luta contra o terrorismo ou o crime organizado a

Convenccedilatildeo proiacutebe em termos absolutos a tortura ou tratamentos inumanos ou degradantes

Igualmente natildeo confere o Tribunal margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso de

violaccedilatildeo de direitos humanos nas condiccedilotildees degradantes das prisotildees de muitos paiacuteses do Leste

Europeu O caso Kalashnikov vs Ruacutessia98

julgado em 15 de julho de 2002 cujo fundamento

foi repetido em muitos outros casos envolvendo condiccedilotildees humanas degradantes nas prisotildees

apresenta a consideraccedilatildeo de que deficientes condiccedilotildees objetivas e estruturais de cumprimento

de pena podem constituir uma violaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo Europeia

96

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-

1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila Sentenccedila

de 04 de julho de 2006 Acesso 05 nov 2014 97

Artigo 3ordm Proibiccedilatildeo da tortura Ningueacutem pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos desumanos

ou degradantes CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS

LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 98

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-

1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Kalashnikov vs Ruacutessia Sentenccedila de 15

de julho de 2002 Acesso 05 nov 2014

48

Ainda pode-se destacar o caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria99

em que novamente o motivo

que serve de base para o pedido de julgamento do Tribunal de Estrasburgo eacute a violaccedilatildeo do

artigo 3ordf da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de que ningueacutem poderaacute ser

submetido a torturas nem a penas ou tratamentos humanos degradantes O caso em comento

referiu-se agrave prisatildeo do senhor Borislav Gutsanov membro do Partido Comunista preso pela

poliacutecia da Bulgaacuteria em sua casa na frente de seus filhos e de sua esposa durante as

investigaccedilotildees de esquemas de grupos criminosos Segundo o relato das partes demandantes

Gustsanovi foi rendido em sua casa por volta das seis horas da manhatilde forccedilado a se ajoelhar e

algemado em frente a seus filhos menores de idade

A decisatildeo da Corte foi a de considerar que houve violaccedilatildeo do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo

uma vez que se mostrou desnecessaacuterio o ato dos policiais e natildeo condizente com os princiacutepios

da proporcionalidade e com as exigecircncias de garantia de direitos fundamentais de um Estado

Democraacutetico de Direito Isso porque o demandante natildeo teria oferecido resistecircncia em sua

prisatildeo de modo que algemaacute-lo diante de sua famiacutelia representou uma espeacutecie de tratamento

humano degradante

Casos como os acima previstos mostram um padratildeo doutrinaacuterio e jurisprudencial

semelhante vez que natildeo se encontram referecircncias expressas a qualquer margem nacional de

apreciaccedilatildeo para as autoridades nacionais O TEDH determina se as provas colhidas satildeo

suficientes ou natildeo para provar o real risco de tortura ou de tratamento humano e

degradante100

Logo pelo fato de que a natureza dos direitos envolvidos nesse caso eacute considerada

como fundamental de imediato eliminam-se as possibilidades de deferecircncia aos Estados Tal

compreensatildeo eacute o que faz o uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo ser extremamente reduzido

no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos Isso porque ateacute hoje diferentemente do Tribunal de Estrasburgo a Corte

Interamericana teve como maioria de demandas apresentadas as envolvendo delitos

praticados pelos Estados Americanos durante as ditaduras militares ou civil militares em que

casos de tortura e desaparecimento forccedilados eram julgados ou seja casos envolvendo a

violaccedilatildeo de direitos fundamentais ou humanos em sua perspectiva eacutetica de dignidade humana

e natildeo cultural

99

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-126982itemid[001-126982] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria Sentenccedila de 15 de outubro de 2013

Acesso 05 nov 2014 100

CONTRERAS op cit p 41

49

Nesse aspecto visiacutevel que quando se tratam de possiacuteveis violaccedilotildees de direitos

humanos inderrogaacuteveis previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos

a anaacutelise feita pelo Tribunal de Estrasburgo eacute de revisatildeo minuciosa da sentenccedila proferida no

paiacutes de origem da demanda bem como a possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute

extremamente reduzida para natildeo falar inexistente No caso de direitos democraacuteticos a

deferecircncia quando concedida pela Corte possui um limite miacutenimo e consoante o princiacutepio da

proporcionalidade soacute eacute concedida se a restriccedilatildeo eacute necessaacuteria e condizente com uma sociedade

democraacutetica

Nos direitos democraacuteticos referidos abarca-se a participaccedilatildeo poliacutetica atraveacutes das

possibilidades de liberdade de associaccedilatildeo ou de discurso poliacutetico Neste campo dos direitos de

participaccedilatildeo poliacutetica em sociedades democraacuteticas a margem concedida pelo Tribunal de

Estrasburgo consoante se afirmou eacute reduzida e sujeita a um controle rigoroso por parte do

oacutergatildeo jurisdicional internacional

Destaca-se o caso Lingens vs Austria101

que por mais que tenha sido julgado na

deacutecada de 1980 pela Corte Europeia eacute emblemaacutetico em relaccedilatildeo ao posicionamento do

tribunal internacional acerca da liberdade de expressatildeo Nesse caso durante o periacuteodo anterior

agraves eleiccedilotildees na Aacuteustria o jornalista Lingens publicou dois artigos polecircmicos sobre os

candidatos incluindo em um desses artigos a informaccedilatildeo de que o entatildeo presidente do

Partido Liberal Nacional da Aacuteustria teria ligaccedilotildees no passado com o nazismo e com a SS

Contra o jornalista foi instaurado um processo penal e ao fim da instruccedilatildeo criminal

este fora condenado pelo delito de difamaccedilatildeo conforme as regras do direito penal austriacuteaco

Esgotadas as vias internas de recurso o jornalista demandou perante a Corte Europeia

alegando que houve por parte do Estado violaccedilatildeo do artigo 10 da Convenccedilatildeo Europeia

havendo censura em seu direito de expressar-se livremente O Estado por sua vez nas razotildees

apresentadas perante o tribunal internacional justificou a condenaccedilatildeo na convicccedilatildeo de

proteccedilatildeo da honra dos direitos de outrem

Frente a este embate o Tribunal de Estrasburgo reconheceu uma margem miacutenima de

deferecircncia agraves autoridades domeacutesticas no que concerne aos oacutergatildeos locais na avaliaccedilatildeo de uma

necessidade social imperiosa que justificaria a interferecircncia na liberdade de expressatildeo de

Lingens Entretanto ressaltou que essa deferecircncia seria seguida por uma riacutegida supervisatildeo

101

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lingens vs Austria Sentenccedila de 8 de julho de 1986 Acesso

05 nov 2014

50

internacional uma vez estar se tratando de direitos fundamentais para o bom funcionamento

de uma sociedade democraacutetica

Ainda nesse sentido o TEDH arguiu que a liberdade de debate poliacutetico eacute cerne da

democracia e considerar que qualquer ofensa ou notiacutecia acerca de uma pessoa puacuteblica seria

sempre difamaccedilatildeo poderia impedir a imprensa na realizaccedilatildeo de sua tarefa de fornecedora de

informaccedilotildees Deste modo aplicando de forma conjunta os princiacutepios da proporcionalidade e

da subsidiariedade o Tribunal de Estrasburgo decidiu que a condenaccedilatildeo fora desproporcional

ao objetivo legiacutetimo perseguido e constituiu uma violaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo no

acircmbito da Convenccedilatildeo Europeia

Tambeacutem merece anaacutelise o caso July and Sarl Libeacuteration vs France102

cuja sentenccedila

foi proferida em 2008 Neste caso o jornal francecircs Libeacuteration divulgou uma reportagem a

respeito das investigaccedilotildees da morte do juiz Bernard Borrel que em um primeiro momento

havia sido dada como suiciacutedio mas apoacutes a reabertura das investigaccedilotildees houve surgimento de

indiacutecios de morte por encomenda Apoacutes a divulgaccedilatildeo da reportagem contendo informaccedilotildees

acerca da participaccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos na morte do magistrado o diretor do jornal

Senhor July foi processado criminalmente pelo crime de difamaccedilatildeo e condenado pelo governo

francecircs

O TEDH em sua manifestaccedilatildeo asseverou que o caso em questatildeo trazia niacutetida

interferecircncia de autoridades puacuteblicas na liberdade de expressatildeo e essa interferecircncia caso natildeo

siga os requisitos do artigo 10103

da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos representa

clara violaccedilatildeo do direito de liberdade de expressatildeo Nessa situaccedilatildeo ainda a Corte faz uso de

uma triacuteade de requisitos descritos por Contreras104

para a concessatildeo da margem a) prescriccedilatildeo

legal - verificar se a restriccedilatildeo realizada pela autoridade domeacutestica foi autorizada ou pelo

102

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-85084itemid[001-85084] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso July and Sarl Libeacuteration vs France Sentenccedila de 14 de

fevereiro de 2008 Acesso 05 nov 2014 103

Artigo 10 Liberdade de expressatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de expressatildeo Este direito

compreende a liberdade de opiniatildeo e a liberdade de receber ou de transmitir informaccedilotildees ou ideias sem que

possa haver ingerecircncia de quaisquer autoridades puacuteblicas e sem consideraccedilotildees de fronteiras O presente artigo

natildeo impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusatildeo de cinematografia ou de televisatildeo a um

regime de autorizaccedilatildeo preacutevia 2 O exerciacutecio desta liberdades porquanto implica deveres e responsabilidades

pode ser submetido a certas formalidades condiccedilotildees restriccedilotildees ou sanccedilotildees previstas pela lei que constituam

providecircncias necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a integridade territorial ou a

seguranccedila puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral a proteccedilatildeo da

honra ou dos direitos de outrem para impedir a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees confidenciais ou para garantir a

autoridade e a imparcialidade do poder judicial CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS

DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 104

CONTRERAS op cit p 34

51

menos executada em conformidade com a lei b) objetivo legiacutetimo c) se a medida foi

necessaacuteria em uma sociedade democraacutetica

No caso pode ser feito o destaque para o trecho da sentenccedila em que analisando a

necessidade da medida de investigaccedilatildeo do crime de difamaccedilatildeo a Corte arguiu que a tarefa do

tribunal internacional no exerciacutecio de sua competecircncia de fiscalizaccedilatildeo natildeo eacute de tomar o lugar

das autoridades competentes mas sim rever as decisotildees que porventura violarem preceitos

previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem quando entregues ao poder de

apreciaccedilatildeo do Estado Deve entatildeo a Corte agrave luz do caso como um todo avaliar se a medida

tomada pelo Estado foi proporcional ao objetivo legiacutetimo perseguido e se os motivos

indicados pelas autoridades nacionais satildeo suficientes e relevantes Por tais motivos no caso

em questatildeo o TEDH declarou que houve violaccedilatildeo por parte do Estado Francecircs do direito de

liberdade de expressatildeo devendo este arcar com uma indenizaccedilatildeo agraves partes prejudicadas

Ainda dentro dessa esfera de atuaccedilatildeo mais precisamente no que concerne ao direito

democraacutetico de livre reuniatildeo e associaccedilatildeo previsto no artigo 11105

da Convenccedilatildeo Europeia o

destaque pode ser dado aos casos do Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia106

julgado em 2005 e Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia107

julgado em 2006 O primeiro deles

trata da questatildeo de dissoluccedilatildeo do Partido Comunista da Turquia ordenado pelo Tribunal

Constitucional do paiacutes sob as razotildees de que era incompatiacutevel com as obrigaccedilotildees

constitucionais e convencionais do Estado

Ao apreciar tal caso a Corte alegou que os partidos poliacuteticos satildeo estruturas essenciais

para o bom e justo funcionamento da democracia Embora natildeo negue certa margem de

deferecircncia aos Estados para que dissolvam partidos poliacuteticos que poderiam tentar minar a

estrutura constitucional do Estado tal decisatildeo se executada pode sofrer revisatildeo se natildeo

105

Artigo 11 Liberdade de reuniatildeo e de associaccedilatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo

paciacutefica e agrave liberdade de associaccedilatildeo incluindo o direito de com outrem fundar e filiar-se em sindicatos para a

defesa dos seus interesses 2 O exerciacutecio deste direito soacute pode ser objeto de restriccedilotildees que sendo previstas na

lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a seguranccedila

puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral ou a proteccedilatildeo dos direitos

e das liberdades de terceiros O presente artigo natildeo proiacutebe que sejam impostas restriccedilotildees legiacutetimas ao exerciacutecio

destes direitos aos membros das forccedilas armadas da poliacutecia ou da administraccedilatildeo do Estado CONVENCcedilAtildeO

EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS

1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 106

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia

Sentenccedila de 2005 Acesso 05 nov 2014 107

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia Sentenccedila de 15 de

julho de 2006 Acesso 05 nov 2014

52

adequar-se agraves previsotildees da Convenccedilatildeo Europeia Logo o Tribunal embora tenha feito a

ressalva de que podem os Estados dissolver partidos poliacuteticos na situaccedilatildeo afirmou que houve

violaccedilatildeo dos direitos de liberdade de associaccedilatildeo visto que natildeo havia qualquer indiacutecio de que

o partido por ter ideal comunista poderia colocar em risco a estrutura do Estado

Da mesma forma o caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia que envolve o direito

de liberdade sindical Na situaccedilatildeo o Governo turco justifica o fechamento de sindicatos com

base em previsotildees da legislaccedilatildeo trabalhista interna a qual natildeo permite que funcionaacuterios criem

sindicatos A Corte na anaacutelise da situaccedilatildeo tambeacutem asseverou que houve violaccedilatildeo do artigo

11 mesmo que neste existam ressalvas em relaccedilatildeo agrave liberdade de associaccedilatildeo de membros das

Forccedilas Armadas da Poliacutecia e da Administraccedilatildeo do Estado Contudo essas limitaccedilotildees devem

ser interpretadas pelos Estados dentro da sua margem de apreciaccedilatildeo de maneira restrita

Se esses casos expostos ilustram exemplos de margem nacional de apreciaccedilatildeo

reduzida ou inexistente o polo oposto envolve os direitos concernentes agrave propriedade para os

quais a Corte Europeia possui entendimento de que a margem de deferecircncia agraves autoridades

domeacutesticas deve ser maior e mais elaacutestica bem como a supervisatildeo por parte do Tribunal

Internacional deve ser menor e relativizada Isso porque as autoridades nacionais em uma

concepccedilatildeo semelhante agrave de juiz natural no processo estariam mais bem situadas que o juiz

internacional para avaliar qual eacute o interesse geral de uma comunidade nessa seara108

A proteccedilatildeo internacional dos direitos de propriedade encontra-se no artigo 1ordm109

do

Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo de Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades

Fundamentais Jaacute na previsatildeo normativa encontra-se a prerrogativa de que qualquer pessoa

singular ou coletiva tem direito ao respeito de seus bens natildeo podendo haver privaccedilatildeo da

propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica ou por condiccedilotildees previstas em lei Desta maneira

as demandas soacute seratildeo revistas pela Corte caso implicarem violaccedilatildeo expliacutecita a esse artigo

Segundo Roca110

a jurisprudecircncia internacional definiu que a previsatildeo normativa

anteriormente destacada segue trecircs criteacuterios em primeiro lugar deve ser respeitado o direito

ao respeito e gozo paciacutefico dos bens dos indiviacuteduos Na sequecircncia a segunda regra

108

CONTRERAS op cit p 40 109

Artigo 1 Proteccedilatildeo da propriedade Qualquer pessoa singular ou coletiva tem direito ao respeito dos seus bens

Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas

pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo

do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso

dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees

ou de multas CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS

LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 110

ROCA op cit p 127

53

compreende uma garantia contra a privaccedilatildeo ilegal ou seja somente poderaacute haver

expropriaccedilatildeo ou privaccedilatildeo da propriedade em casos de utilidade puacuteblica e de acordo com

condiccedilotildees legalmente previstas Por fim o terceiro paracircmetro eacute a possibilidade de o Estado

estabelecer restriccedilotildees ao direito de propriedade tendo por base a prevalecircncia do interesse

puacuteblico sobre o privado

Logo sob a base desses criteacuterios e de alguns casos jaacute julgados pelo oacutergatildeo jurisdicional

internacional eacute possiacutevel asseverar que a margem de apreciaccedilatildeo concedida aos paiacuteses eacute larga

quando se estaacute diante dos direitos de propriedade No caso Back vs Finlacircndia111

de 2004 que

trata de noccedilotildees de utilidade puacuteblica em casos de expropriaccedilatildeo haacute o reforccedilo da noccedilatildeo de

subsidiariedade da Corte Europeia com o entendimento de que esta deve respeitar as decisotildees

das autoridades nacionais soacute sendo possiacutevel e viaacutevel a intervenccedilatildeo se o juiacutezo for

manifestamente desprovido de bases racionais

Por fim poreacutem natildeo menos importante aborda-se o uacuteltimo grupo de jurisprudecircncias da

Corte Europeia de Direitos Humanos que pode ser enquadrado no que Roca determina como

ciacuterculo mediano vez que conteacutem temas em que o posicionamento do Tribunal de Estrasburgo

em relaccedilatildeo agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute oscilante Eacute nesse grupo que pode ser

visualizada toda a complexidade da margem e suas vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis em casos

semelhantes envolvendo por exemplo liberdade religiosa direito de homossexuais e

transexuais e outros temas

Justamente nesse ciacuterculo que natildeo apresenta por parte dos doutrinadores jaacute referidos no

capiacutetulo anterior um criteacuterio de unificaccedilatildeo se apresenta o embate entre o universalismo de

alguns direitos previstos nos marcos normativos internacionais de direitos humanos ndash com

destaque para a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos ndash e o relativismo relativo a noccedilotildees

religiosas e culturais que compotildeem a identidade dos diferentes povos europeus

Nesse aspecto no que tange agrave liberdade religiosa a qual eacute prevista pelo artigo 9ordm112

da

CEDH temos duas decisotildees emblemaacuteticas do Tribunal de Estrasburgo o caso Lautsi vs

111

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-114486itemid[001-114486] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Back vs Finlacircndia Sentenccedila de 13 de novembro de 2002

Acesso 05 nov 2014 112

Artigo 9 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de pensamento de consciecircncia e de religiatildeo este direito

implica a liberdade de mudar de religiatildeo ou de crenccedila assim como a liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou a

sua crenccedila individual ou coletivamente em puacuteblico e em privado por meio do culto do ensino de praacuteticas e da

celebraccedilatildeo de ritos 2 A liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou convicccedilotildees individual ou coletivamente natildeo

pode ser objeto de outras restriccedilotildees senatildeo as que previstas na lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa

sociedade democraacutetica agrave seguranccedila puacuteblica agrave proteccedilatildeo da ordem da sauacutede e moral puacuteblicas ou agrave proteccedilatildeo dos

direitos e liberdades de outrem CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO

54

Itaacutelia113

julgado em 2011 e o caso Leyla Sahin vs Turquia114

julgado em 2005 Isso porque

nesses casos respectivamente o TEDH referendou as normas que impotildeem a presenccedila de

crucifixos nas escolas puacuteblicas italianas e natildeo opocircs objeccedilotildees a restriccedilotildees estatais concernentes

ao uso do veacuteu islacircmico no contexto educativo

No primeiro caso o TEDH retificou a decisatildeo da Corte Constitucional Italiana que

em 2009 havia estabelecido por unanimidade que a norma italiana a qual impunha desde a

deacutecada de 1920 a presenccedila de crucifixo nas paredes de escolas puacuteblicas havia violado o direito

da senhora Lautsi a educar seus filhos conforme suas convicccedilotildees laicas e liberdade religiosa

Portanto o Tribunal italiano argumentou que a manutenccedilatildeo de um siacutembolo religioso em salas

de aula de uma escola puacuteblica poderia perturbar emocionalmente os estudantes que natildeo

professassem religiatildeo alguma a ter a percepccedilatildeo de que o contexto educativo estava marcado

pela religiatildeo

Para retificar tal sentenccedila o TEDH argumentou por uma valoraccedilatildeo abstrata de

compatibilidade entre a norma italiana que permitia o uso de crucifixos nas escolas puacuteblicas e

os direitos convencionais sendo que a margem nacional de apreciaccedilatildeo foi aplicada para essa

valoraccedilatildeo da norma italiana Em primeiro lugar o Tribunal Europeu matizou quais satildeo as

exigecircncias convencionais de neutralidade religiosa na educaccedilatildeo indicando que se proiacutebe o

proselitismo ou a adoccedilatildeo no marco educativo de algo compatiacutevel com o estabelecimento de

o ensino obrigatoacuterio de uma religiatildeo ou a imposiccedilatildeo de uma religiatildeo no ensino puacuteblico

O crucifixo no entendimento do TEDH eacute um siacutembolo religioso passivo cuja

influecircncia natildeo se compara a que exercem a educaccedilatildeo religiosa ou a participaccedilatildeo em atividades

religiosas Logo a percepccedilatildeo subjetiva de que o crucifixo supotildee uma ausecircncia de respeito ao

direito de liberdade religiosa natildeo basta para considerar que tenha havido uma violaccedilatildeo agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Para o TEDH portanto sempre que natildeo exista

a pretensatildeo de doutrinar o Estado goza de margem de deferecircncia para decidir sobre a

permanecircncia dos crucifixos em sala de aula

HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 113

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-104040itemid[001-104040] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lautsi vs Italia Sentenccedila de 18 de marccedilo de 2011 Acesso 05

nov 2014 114

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-70956itemid[001-70956] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Leyla Sahin vs Turquia Sentenccedila de 10 de novembro de

2005 Acesso 05 nov 2014

55

No caso Leyla Sahin de proibiccedilatildeo do uso do veacuteu islacircmico por uma jovem no recinto

de sua universidade para o TEDH os Estados tecircm autonomia para limitar o uso do veacuteu em

locais como escolas puacuteblicas ou universidades Para referendar essa restriccedilatildeo agrave liberdade

religiosa o Tribunal Europeu admitiu o uso da margem de apreciaccedilatildeo por parte do Estado em

razatildeo da ausecircncia de um consenso europeu sobre a mateacuteria somado agrave ideia de que as

autoridades nacionais podem lidar melhor com o assunto por estarem mais perto das

realidades nacionais do que o oacutergatildeo jurisdicional internacional

Para o TEDH desta forma a opccedilatildeo poliacutetica de um Estado pelo laicizismo pode

justificar restriccedilotildees agrave liberdade religiosa e exigir sacrifiacutecios aos indiviacuteduos em prol da

harmonia religiosa do paiacutes Embora portanto haja restriccedilatildeo da liberdade individual religiosa

no caso em questatildeo a proibiccedilatildeo natildeo viola a CEDH

A aplicaccedilatildeo dos princiacutepios da subsidiariedade e da proporcionalidade bem como a

falta de consenso na Europa acerca de questotildees como as apresentadas marcaram o

posicionamento do TEDH na concessatildeo de margem de deferecircncia aos Estados no que

concerne agrave liberdade religiosa A grande criacutetica contudo reside na falta de criteacuterios

especiacuteficos e de clareza no uso da ferramenta

Neste uacuteltimo grupo portanto vislumbra-se o que Kratochivil115

menciona como

ldquomedida misteriosardquo ou seja natildeo existem paracircmetros ou criteacuterios especiacuteficos para a aplicaccedilatildeo

da margem Pelo contraacuterio haacute falta de clareza e de limites demonstrando que a banalizaccedilatildeo

do uso da MNA liquidifica sua substacircncia e pode gerar inseguranccedila juriacutedica aos litigantes

Sob essa oacutetica no campo de direitos inderrogaacuteveis como eacute o caso dos direitos que compotildeem

esse uacuteltimo grupo a consideraccedilatildeo de Vila116

merece destaque

Segundo a autora nesse campo que envolve relativismos culturais a postura do TEDH

varia entre a adoccedilatildeo de uma versatildeo voluntarista de MNA ou a adoccedilatildeo de uma versatildeo

racionalista A primeira se centra no direito de que o Tribunal de Estrasburgo eacute um oacutergatildeo

internacional e assume uma visatildeo normativa e natildeo meramente temporal ou procedimental

acerca do princiacutepio da subsidiariedade Por isso o TEDH reconhece que sua legitimidade

poliacutetica eacute meramente derivada e outorga uma presunccedilatildeo em favor do Estado evitando realizar

uma valoraccedilatildeo independente de compatibilidade entre as medidas impugnadas e o convecircnio

Esta presunccedilatildeo soacute eacute rompida quando haacute razotildees fortes para concluir que o Estado extrapolou o

exerciacutecio de sua autonomia Sob a oacutetica desta concepccedilatildeo fatores como a falta de consenso

115

KRATOCHVIL op cit p 330 116

VILA op cit p 10

56

europeu ou a ideia de que os Estados situam-se em um local melhor apropriado para decidir

adquirem importacircncia por razotildees de legitimidade institucional

Entretanto a oacutetica racionalizada de MNA percebe a ferramenta como um resultado de

efetuar um balanccedilo entre os valores que estatildeo em jogo na proteccedilatildeo dos direitos convencionais

mais do que uma presunccedilatildeo de partida em favor do Estado O TEDH centra-se em examinar

se a medida estatal impugnada consegue alcanccedilar um balanccedilo equitativo entre direitos

individuais e valores democraacuteticos A finalidade natildeo eacute justificar a deferecircncia mas reconhecer

de modo equilibrado os valores democraacuteticos no seio da CEDH

Sobretudo neste uacuteltimo grupo analisado ao qual aqui somente satildeo trazidos casos em

relaccedilatildeo agrave liberdade religiosa (artigo 9ordm da CEDH) concentram-se as criacuteticas em relaccedilatildeo agrave

falta de paracircmetros do TEDH para deferir ou natildeo uma margem de apreciaccedilatildeo aos Estados

Essa variabilidade eacute por alguns117

definida como um ponto negativo de falta de definiccedilatildeo de

criteacuterios o que pode levar a uma margem larga ou a uma margem estreita A primeira poderia

conduzir ao processo de fragmentaccedilatildeo do espaccedilo europeu enquanto a segunda poderia forccedilar

a integraccedilatildeo sob o domiacutenio de uma concepccedilatildeo moderna de direitos humanos pautada pelo

liberalismo e individualismo

Deste modo duas respostas podem ser concedidas agrave pergunta cerne deste trabalho a

margem constitui-se em um instrumento eficaz no processo de construccedilatildeo de um direito

comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa uma vez que sob a perspectiva eacutetica

destes direitos o TEDH preza pela preservaccedilatildeo do irredutiacutevel humano e dos direitos

inderrogaacuteveis e absolutos da pessoa humana Prova disso eacute a ausecircncia ou a miacutenima margem

que eacute concedida para casos envolvendo tortura ou tratamentos humanos degradantes ou

violaccedilatildeo de direitos democraacuteticos

No entanto a ausecircncia de paracircmetros e de criteacuterios por parte do Tribunal de

Estrasburgo (ausecircncia constatada por diversos doutrinadores trazidos ao longo deste trabalho

e exemplificada de modo sinteacutetico atraveacutes da anaacutelise de casos emblemaacuteticos envolvendo

liberdade religiosa) no julgamento de direitos humanos quando vinculados a questotildees

culturais demonstram que no campo praacutetico ainda haacute muito para avanccedilar no processo de

siacutentese entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo dos direitos culturais

117

BRUM et SALDANHA Op cit

57

CONCLUSAtildeO

Slavoj Zizek118

certa vez afirmou que o papel do filoacutesofo natildeo eacute o de propor iniciativas

capazes de mudar o mundo ou as situaccedilotildees em curso mas de observar e interpretar a realidade

que eacute posta A pretensatildeo deste trabalho natildeo difere da conceituaccedilatildeo de filoacutesofo por Zizek Isso

porque em nenhum momento busca-se apresentar alternativas fortes para resolver problemas

postos mas sim almeja-se observar sob um amplo espectro os reflexos da mundializaccedilatildeo

dentro do Direito e de modo especiacutefico como atua o Tribunal Europeu dos Direitos do

Homem no que concerne agrave aplicaccedilatildeo da figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

Aos mais observadores da realidade que se apresenta eacute impossiacutevel negar que na atual

conjuntura da sociedade informacional a proliferaccedilatildeo exacerbada e anaacuterquica de normas e

instituiccedilotildees juriacutedicas gera uma sensaccedilatildeo de caos e de desordem que clama por uma ordenaccedilatildeo

Embora esse verdadeiro mosaico em que se transformou o Direito na atualidade possa ser

vislumbrado em acircmbito global uma anaacutelise mais apurada de uma parte do todo em

especiacutefico da Europa se mostra pertinente para avaliar as possibilidades de construccedilatildeo de um

pluralismo ordenado

A base possiacutevel desse pluralismo ordenado invariavelmente eacute um direito comum cujo

alicerce se encontra nos direitos humanos No contexto europeu de convivecircncia simultacircnea

de uma ldquopequena Europardquo e de uma ldquogrande Europardquo embora o direito comunitaacuterio jaacute tenha

se consolidado sendo um modelo sui generis para todo o globo ainda eacute preciso avanccedilar no

acircmbito da ldquogrande Europardquo ou do sistema regional europeu dos direitos do homem para a

criaccedilatildeo de um direito comum

Nesse sentido parece indiscutiacutevel que a base de um direito comum europeu seja

alicerccedilada na proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua dimensatildeo moral miacutenima ou no que

Delmas denomina de miacutenimo eacutetico universal e irredutiacutevel humano Logo a universalizaccedilatildeo

almejada natildeo tem como objetivo impor referecircncias de uma cultura sobre as demais e sim o

diaacutelogo entre as diferentes particularidades existentes no seio das diversas sociedades que

convivem na Europa a fim de encontrar o que haacute de valores comuns em todas elas

Todavia por mais que a premissa seja de faacutecil compreensatildeo os embates entre

universalismos e relativismos culturais estatildeo na ordem do dia na agenda do Tribunal de

Estrasburgo de modo que um dos temais mais debatidos atualmente no continente se refere

118

ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo Boitempo 2008

58

ao uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo por este tribunal a fim de conferir deferecircncia aos

Estados em algumas mateacuterias para decidir acerca de questotildees sensiacuteveis

O objetivo do presente trabalho foi o de analisar essa ferramenta hermenecircutica de

origem europeia sob a oacutetica de caos juriacutedico anteriormente apresentado De acordo com o que

fora apurado e estudado chegou-se a conclusatildeo de que o uso dessa doutrina contribui ainda

que de modo tiacutemido para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema europeu

Isso porque quando se tratam de temas concernentes agrave tortura a tratamentos humanos

degradantes a penas desproporcionais ou ainda a direitos democraacuteticos a Corte opta por

definir um entendimento que deve ser aplicado em todos os paiacuteses independentemente de

especificidades culturais Estariacuteamos proacuteximos portanto de uma definiccedilatildeo de direitos

humanos inderrogaacuteveis ou de um miacutenimo eacutetico universal proposto por Delmas e jaacute idealizado

por Kant em sua premissa de direito cosmopoliacutetico

No que tange ao restante dos direitos humanos em uma dimensatildeo cultural pode-se

dizer que a teoria da margem traduz uma ideia de que estaacute eacute capaz de harmonizar o

universalismo dos direitos humanos e o pluralismo advindo das diversidades culturais e

religiosas dos paiacuteses europeus Entretanto consoante a anaacutelise de posiccedilotildees doutrinaacuterias acerca

da utilizaccedilatildeo praacutetica do instituto pelo Tribunal de Estrasburgo bem como o embate

paradigmaacutetico de julgados envolvendo liberdade religiosa parece inevitaacutevel a conclusatildeo de

que como meacutetodo de harmonizaccedilatildeo entre plural e universal o oacutergatildeo jurisdicional

internacional do sistema europeu ainda tem muito a evoluir sobretudo na definiccedilatildeo de

paracircmetros e criteacuterios para servir de norte baacutesico em relaccedilatildeo aos mais diversos casos

59

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RESUMO

Monografia de Graduaccedilatildeo

Curso de Direito

Universidade Federal de Santa Maria

INTERNACIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO E CAMINHOS

PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU ANAacuteLISE DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO

Autora Rafaela da Cruz Mello

Orientadora Jacircnia Maria Lopes Saldanha

Data e Local da Defesa Santa Maria 28 de novembro de 2014

A evoluccedilatildeo da sociedade industrial para a sociedade informacional ocasiona mudanccedilas

significativas nas estruturas juriacutedicas Afirma-se que hoje a seara juriacutedica se assemelha a um

mosaico no qual um verdadeiro caos aparente se instala em razatildeo da multiplicidade de regras

e instituiccedilotildees de hierarquias diversas Nesse contexto o continente europeu pode ser

considerado como um verdadeiro laboratoacuterio de estudos uma vez que em um mesmo

territoacuterio convivem a ldquopequena Europardquo marcada pelo jaacute consolidado direito comunitaacuterio e a

ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos Sob esse panorama de

anaacutelise do espaccedilo europeu eacute que se propotildee o presente trabalho a analisar a possibilidade de

construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa analisando

como forma de viabilizar tal projeto a figura hermenecircutica da Margem Nacional de

Apreciaccedilatildeo Utiliza-se o meacutetodo dedutivo de abordagem e o meacutetodo de procedimento

monograacutefico e para melhor trabalhar com o tema divide-se o trabalho em duas grandes

partes a primeira analisa a evoluccedilatildeo dos direitos humanos nas duas esferas do espaccedilo

europeu para na sequecircncia trabalhar especificamente com a contribuiccedilatildeo das novas

geometrias juriacutedicas do processo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos bem como da

margem nacional de apreciaccedilatildeo para construir as bases de um direito comum europeu

pluralista Na sequencia aborda-se unicamente o instituto da margem nacional com a

finalidade de averiguar se o modo como o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem aplica a

ferramenta efetivamente contribui para a criaccedilatildeo desse direito comum bem como se

possibilita a harmonizaccedilatildeo entre o universalismo dos direitos do homem e o relativismo das

pluralidades e particularismos culturais

Palavras-chave Europa universalismo relativismo direito comum margem nacional de

apreciaccedilatildeo

6

ABSTRACT

Graduation Monografh

Law School

Federal University of Santa Maria

INTERNATIONALIZATION LAW AND WAYS FOR THE

CONSTRUCTION OF A COMMON EUROPEAN LAW

ANALISYS OF MARGIN OF APPRECIATION

Author Rafaela da Cruz Mello

Adviser Jacircnia Maria Lopes Saldanha

Date and Place of the Defense Santa Maria November 28 2014

The evolution of industrial society to the information society brings about significant changes

in the legal structures It is said that today the legal harvest resembles a mosaic in which a

real apparent chaos ensues because of the multiplicity of rules and various hierarchies of

institutions In this context the European continent can be considered as a true laboratory

studies since in the same territory live the little Europe marked by already established

Community law and the big Europe regional rights protection system humans Under this

scenario analysis of the European area do you propose this study to examine the possibility of

building a common law on human rights in Europe analyzing in order to facilitate such a

project hermeneutics figure of the National Assessment Bank We use the deductive method

of approach and the monographic method and procedure to better work with the theme the

work is divided into two main part the first analyzes the evolution of human rights in the two

spheres of Europe for in sequence work specifically with the contribution of the new legal

geometries the process of universalization of human rights and the national margin of

appreciation to build the foundations of a pluralistic European common law In sequence

addresses solely the Institute of National bank in order to ascertain whether how the

European Court of Human Rights applies to effectively contributes tool for the creation of this

common law and if possible harmonization between universalism of human rights and

cultural relativism of plurality and particularism

Keywords Europe universalism relativism common law national margin of appreciation

7

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 8

1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM

DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS 11

11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave

criaccedilatildeo de um direito comum 11

12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias

juriacutedicas a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da

figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo 20

2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU 33

21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem

Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu 33

22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos 43

CONCLUSAtildeO 57

REFEREcircNCIAS 59

8

INTRODUCcedilAtildeO

No iniacutecio do seacuteculo XX Hans Kelsen1 em ldquoTeoria Pura do Direitordquo defendeu a tese de

que para entender a ciecircncia juriacutedica era necessaacuterio observaacute-la de modo dissociado de outras

ciecircncias O autor propocircs a compreensatildeo do direito a partir da famosa piracircmide kelseniana a

norma fundamental ndash a Constituiccedilatildeo ndash estaria no topo da piracircmide e seria capaz de dotar de

validade o restante do ordenamento juriacutedico Abaixo desta norma fundamental estariam as

demais leis e regras do direito sendo que tal formulaccedilatildeo estagnada e sistemaacutetica da ordem

juriacutedica adequava-se aos anseios de organizaccedilatildeo de uma sociedade industrial

Todavia por trabalhar com conflitos sociais o direito natildeo fica alheio agraves vicissitudes

do seacuteculo XX sendo que a Europa apresenta-se como um importante laboratoacuterio de

observaccedilatildeo de mudanccedilas Apoacutes a Segunda Guerra Mundial emergem na sociedade poacutes-

industrial e posteriormente informacional novas estruturas juriacutedicas que natildeo mais satildeo

capazes de se adequar agrave inflexiacutevel loacutegica hieraacuterquica kelseniana Estamos na era do que

Losano2denomina de ldquodireito turbulentordquo que se move se agita e muda de modo veloz assim

como a sociedade que o cerca embora natildeo tatildeo rapidamente quanto esta sociedade

Em razatildeo disso novas geometrias satildeo criadas para tentar explicar o panorama juriacutedico

da sociedade atual Na Europa por exemplo em que temos convivendo sistemas juriacutedicos de

origens e de ordens diversas ndash sistema internacional nacional supranacional ndash autores

determinam que se vive o tempo do Estado em Rede3ou dos aneacuteis disformes com a

proximidade de guirlandas4 ocasionando ao mais despercebido leitor da realidade um

sentimento de caos juriacutedico

Nesse sentido eacute possiacutevel destacar o pensamento de Mireille Delmas-Marty5 que

revoluciona o pensamento de Kelsen Segundo ela essa falta de sistematizaccedilatildeo

aparentemente anaacuterquica eacute solo feacutertil para a construccedilatildeo de um direito comum pluralista em

1 KELSEN Hans Teoria Pura do Direito Traduccedilatildeo de Joatildeo Baptista Machado Satildeo Paulo Martins Fontes

1996 2 LOSANO Mario G Modelos teoacutericos inclusive na praacutetica da piracircmide agrave rede Novos paradigmas nas

relaccedilotildees entre direitos nacionais e normativas supraestatais Revista do Instituto dos Advogados do Estado de

Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 08 n16 p 264-284 2005 3 CASTELLS Manuel Para o Estado-Rede globalizaccedilatildeo econocircmica e instituiccedilotildees poliacuteticas na era da

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5 Id 2004a

9

mateacuteria de direitos humanos A sociedade em tempos de globalizaccedilatildeo precisa resistir ao

processo de desumanizaccedilatildeo e de coisificaccedilatildeo do homem de modo que a base para a

construccedilatildeo desse direito comum pluralista devem ser os direitos humanos

Sob a oacutetica europeia que seraacute aqui analisada por ser um importante referencial para os

estudos das mudanccedilas sociais e juriacutedicas dos seacuteculos XX e XXI de que direitos humanos

referimo-nos para ser a base de um direito comum Em um continente tatildeo muacuteltiplo e plural

como realizar o diaacutelogo positivo entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo

das diferentes culturas

Sob esta oacutetica emerge a figura central desse estudo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

(MNA) bem como sua contribuiccedilatildeo para a construccedilatildeo de um direito comum e para a

harmonizaccedilatildeo entre universalismo e relativismo no contexto da Europa Este recurso

hermenecircutico denominado Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo trata-se de uma construccedilatildeo

jurisprudencial criada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante tambeacutem

referido como Tribunal de Estrasburgo) com a finalidade de conferir algum espaccedilo de

deferecircncia para que os tribunais nacionais dos Estados possam decidir algumas questotildees

consoante suas particularidades locais

Embora esta seja a teoria sob a qual se alicerccedila o instituto almeja-se neste trabalho

responder os seguintes questionamentos a doutrina da MNA aplicada pelo Tribunal Europeu

dos Direitos Humanos contribui para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema

europeu de proteccedilatildeo dos direitos do homem Em sua aplicaccedilatildeo praacutetica a margem se mostra

como um recurso eficaz para harmonizar o universalismo dos direitos humanos e o pluralismo

advindo das diversidades culturais e religiosas dos diferentes paiacuteses que fazem parte do

Conselho da Europa

Para responder tal questionamento utilizou-se o meacutetodo dedutivo como meacutetodo de

abordagem e o meacutetodo monograacutefico de procedimento atraveacutes da leitura e fichamento das

diferentes construccedilotildees teoacutericas e doutrinaacuterias sobre o tema bem como anaacutelise de alguns

julgamentos paradigmaacuteticos do Tribunal de Estrasburgo Para melhor compreensatildeo da

complexidade do tema trabalhado dividiu-se esta monografia em duas grandes partes a parte

1 se ocupa da paisagem europeia no poacutes-Segunda Guerra Mundial com a criaccedilatildeo da ldquopequena

Europardquo do direito comunitaacuterio e da ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos

direitos humanos avaliando em ambos os cenaacuterios de que modo se deu a preocupaccedilatildeo com a

temaacutetica dos direitos humanos ou fundamentais (11)

Por conseguinte no intuito de aprofundar o estudo sobre a possibilidade de criaccedilatildeo de

um direito comum no contexto da ldquogrande Europardquo buscou-se uma anaacutelise das novas

10

geometrias da paisagem juriacutedica e do tipo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos que se

procura dentro desse cenaacuterio avaliando por conseguinte o surgimento da figura da MNA

(12) A parte 2 por sua vez objetiva a anaacutelise pura do instituto da Margem Nacional de

Apreciaccedilatildeo averiguando o histoacuterico de sua criaccedilatildeo e as definiccedilotildees acerca de seu conceito

(21) para na sequecircncia avaliar a partir da anaacutelise de alguns julgamentos paradigmaacuteticos do

Tribunal de Estrasburgo se tal ferramenta hermenecircutica se demonstra eficaz no processo de

harmonizaccedilatildeo das tensotildees entre universalismo e relativismos e se pode ser relevante no

processo de criaccedilatildeo de um direito comum cuja base satildeo os direitos humanos (22)

11

1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM

DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS

O seacuteculo XX trouxe mudanccedilas significativas para os mais diversos segmentos da vida

social e o direito natildeo ficou alheio agraves vicissitudes decorrentes do poacutes-Segunda Guerra Mundial

O continente europeu sobretudo passa a ser o cenaacuterio de revoluccedilotildees na estrutura juriacutedica ateacute

entatildeo conhecida com o surgimento praticamente concomitante de instituiccedilotildees supranacionais

e internacionais para aleacutem das nacionais

Neste vieacutes uma das preocupaccedilotildees primordiais do poacutes-guerra foi a de garantir a tutela

dos direitos humanos mesmo diante das mudanccedilas latentes no cenaacuterio juriacutedico Desta feita

deparamo-nos com duas esferas dentro do cenaacuterio europeu a ldquopequena Europardquo que origina

um direito comunitaacuterio europeu o qual mesmo tendo se ocupado com questotildees relativas agrave

economia e agrave integraccedilatildeo regional desenvolve a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais

atraveacutes do diaacutelogo jurisprudencial entre cortes de naturezas distintas e a ldquogrande Europardquo do

sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos espaccedilo haacutebil e possiacutevel para ser base de

criaccedilatildeo de um direito comum (11) Da evoluccedilatildeo de um campo ao outro a premissas de

universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo buscam

legitimar e consolidar a criaccedilatildeo desse direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

(12)

11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave

criaccedilatildeo de um direito comum

O historiador britacircnico Eric Hobsbawn6 talvez tenha encontrado a melhor adjetivaccedilatildeo

para o seacuteculo XX a ldquoEra dos Extremosrdquo Nas palavras do proacuteprio autor ldquoNatildeo sabemos o que

6 HOBSBAWN Eric A era dos extremos o breve seacuteculo XX 1941-1991 Satildeo Paulo Companhia das Letras

1995

12

viraacute a seguir nem como seraacute o segundo milecircnio embora possamos ter a certeza de que ele

teraacute sido moldado pelo Breve Seacuteculo XXrdquo7

Nesse sentido a Segunda Guerra Mundial representa o marco crucial natildeo soacute para a

preocupaccedilatildeo global em relaccedilatildeo aos direitos humanos8 com a criaccedilatildeo e fortalecimento de uma

grande quantidade de instrumentos normativos responsaacuteveis por sua tutela em acircmbito

mundial como tambeacutem para o surgimento de uma nova Europa Apoacutes o teacutermino da guerra

que teve como palco principal de seus acontecimentos o continente europeu diversos paiacuteses

se encontravam em uma situaccedilatildeo de caos politico fragmentaccedilatildeo e enfraquecimento

econocircmico aleacutem do perigo iminente de eclosatildeo de uma nova disputa de proporccedilotildees mundiais

advinda da dicotomia entre capitalismo e socialismo na entatildeo incipiente Guerra Fria

Eacute nesse contexto que emerge a ideia de criaccedilatildeo de um espaccedilo comum europeu

consubstanciado atraveacutes da integraccedilatildeo regional entre os paiacuteses do continente Ainda no inicio

do seacuteculo XX eacute possiacutevel destacar a ocorrecircncia de propostas relativamente concretas para a

integraccedilatildeo europeia como eacute o caso da proposta do francecircs Aristides Briand em 1929 de

criaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia sob a oacutetica de uma federaccedilatildeo ou seja fundada sob uma

noccedilatildeo de uniatildeo o que implica o respeito agrave soberania9 Todavia a crise econocircmica mundial a

ascensatildeo de nacionalismos na Europa e por fim a eclosatildeo da segunda grande guerra

obstaculizaram a adesatildeo a essa proposta

O cenaacuterio do poacutes-guerra de desintegraccedilatildeo social e miseacuteria econocircmica em grande parte

dos paiacuteses envolvidos gerou a instalaccedilatildeo do Congresso da Europa em Haia nas datas de 7 a

11 de maio de 1948 no qual houve a criaccedilatildeo do ldquoMovimento Europeurdquo No referido

congresso duas correntes foram estabelecidas as quais impulsionaram o surgimento da

ldquopequena Europardquo10

e da ldquogrande Europardquo respectivamente a Europa dos federalistas e a

7 Ibid p14

8 Pode-se nesse sentido destacar a descriccedilatildeo de Valeacuterio Mazzuoli de que desde a Segunda Guerra Mundial em

decorrecircncia dos horrores e atrocidades cometidos durante esse periacuteodo em que muitas vidas eram consideradas

como nuacutemeros e valiam tatildeo pouco os direitos humanos passaram a constituir um dos principais temas do Direito

Internacional contemporacircneo A normatividade internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos foi conquistada

por meio de lutas histoacuterias contiacutenuas e incessantes e consubstanciada em diversos tratados concluiacutedos com esse

propoacutesito tendo sido fruto de um lento e gradual processo de internacionalizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo desses

mesmos direitos o qual fora intensificado com o fim da Segunda Guerra Mundial MAZZUOLI Valeacuterio de

Oliveira Curso de Direito Internacional Puacuteblico 5 ed Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 811 9 SILVA Karine de Sousa Uniatildeo Europeia antecedentes e evoluccedilatildeo histoacuterica In SILVA Karine de Souza

COSTA Rogeacuterio Santos da(Org) Organizaccedilotildees Internacionais de Integraccedilatildeo Regional Uniatildeo Europeia

Mercosul e UNASUL Florianoacutepolis Ed Da UFSC Fundaccedilatildeo Boiteux 2013 p 54 10

Doravante por ldquopequena Europardquo estar-se-aacute referindo aos paiacuteses participantes da Uniatildeo Europeia sujeitos

portanto agraves decisotildees das instituiccedilotildees da Uniatildeo dentre as quais se destaca o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo

Europeia ldquoGrande Europardquo por sua vez refere-se aos paiacuteses que aderiram ao Conselho da Europa que hoje

somam um total de 47 (quarenta e sete) membros e que se submetem agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal Europeu de

Direitos Humanos PRINO Carla Sofia Abreu Relaccedilotildees entre TJUE e TEDH no contexto de adesatildeo da UE agrave

13

Europa dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental11

Os primeiros defendiam uma

integraccedilatildeo mais profunda entre os paiacuteses com transferecircncia de parcela de soberania dos

Estados para uma instituiccedilatildeo com poderes supranacionais sendo esta a base para a criaccedilatildeo da

Comunidade Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) Os segundos por sua vez se opunham agrave

cessatildeo de direitos soberanos impulsionando com seus ideais a criaccedilatildeo em 1949 do

Conselho da Europa com sede em Estrasburgo

Natildeo obstante essa divisatildeo surgida no Congresso da Europa eacute possiacutevel afirmar que a

base de construccedilatildeo da atual Uniatildeo Europeia deu-se com a criaccedilatildeo da Comunidade Europeia

do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) movida pelos ideais integracionistas do francecircs Jean Monnet

Contratado no poacutes-guerra para participar do Plano de Modernizaccedilatildeo e Equipamento da

Franccedila Monnet tinha medo de que o Plano Marshall norte-americano de empreacutestimo de

dinheiro para a reconstruccedilatildeo da Europa pudesse gerar uma diacutevida eterna aos paiacuteses do

continente com os Estados Unidos e para escapar disso via como uacutenica soluccedilatildeo a promoccedilatildeo

de um esforccedilo comum dos Estados atraveacutes de projetos de integraccedilatildeo regional

Por isso redigindo o texto da Declaraccedilatildeo de Schuman de 1950 Monet propagava a

ideia de integraccedilatildeo como meio de assegurar a paz e reerguer a poliacutetica e a economia dos

paiacuteses que foram destruiacutedos pela guerra Nesse sentido sua ideia foi a partir de uma ideologia

pacifista de influecircncia kantiana neutralizar a rivalidade franco-alematilde atraveacutes de uma espeacutecie

de mercado comum com a criaccedilatildeo de uma organizaccedilatildeo internacional com caraacuteter

supranacional que seria responsaacutevel pela gestatildeo dos recursos naturais da regiatildeo do Sarre e do

Ruhr os quais seriam colocados a serviccedilo da paz e natildeo da guerra12

A proposta integracionista daquele que eacute considerado o arquiteto do projeto de

integraccedilatildeo europeia era de retirar da matildeo dos Estados a capacidade de gestatildeo dos recursos

energeacuteticos que movimentavam a induacutestria beacutelica e da guerra Desta forma uma autoridade

internacional mais especificamente uma organizaccedilatildeo internacional setorial seria criada com

um status supranacional para gerenciar e administrar a produccedilatildeo de carvatildeo e de accedilo

funcionando atraveacutes da delegaccedilatildeo de parcelas da soberania estatal em questotildees especiacuteficas

Assim em 1951 com a assinatura do Tratado de Paris criou-se a Comunidade

Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) com a participaccedilatildeo inicial de seis paiacuteses Franccedila

Alemanha Itaacutelia Beacutelgica Holanda e Luxemburgo Posteriormente em 1957 com o Tratado

CEDH Debater a Europa Nuacutemero 4 JaneiroJunho 2011 Disponiacutevel em httpwwweurope-direct-

aveiroaevaeudebatereuropa Acesso 10 out 2014 11

SILVA Karine de Sousa De Paris a Lisboa sessenta anos de integraccedilatildeo europeia In SILVA Karine de

Souza Mercosul e Uniatildeo Europeia O Estado da arte dos processos de integraccedilatildeo regional Florianoacutepolis

Editora Modelo 2010 p 35 12

Ibid p 60

14

de Roma a Comunidade Econocircmica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia para a

Energia Atocircmica (CEEA ou Euratom) foram criadas consolidando-se deste modo as trecircs

comunidades que fizerem emergir o direito comunitaacuterio no seio da Europa Foi contudo

somente em 1992 com o Tratado de Maastrich ou Tratado da Uniatildeo Europeia que nasceu a

Uniatildeo Europeia propriamente dita consagrada em trecircs pilares baacutesicos as comunidades que

inicialmente lhe deram base a colaboraccedilatildeo em mateacuteria de poliacutetica exterior e seguranccedila

comum e a cooperaccedilatildeo no acircmbito judicial e policial em mateacuteria penal13

Visiacutevel deste modo que o que impulsionou a criaccedilatildeo de um direito comunitaacuterio

europeu foi a necessidade de reorganizaccedilatildeo do continente apoacutes 1945 e o fortalecimento

econocircmico de antigas potecircncias rivais como foi o caso da Franccedila e da Alemanha Ocorre que

de modo concomitante ao crescimento dos ideais dos federalistas a segunda corrente oriunda

do Congresso da Europa de 1949 dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental tambeacutem

cresceu e se tornou visiacutevel vez que possuiacutea como objetivo a realizaccedilatildeo de uma uniatildeo mais

estreita entre seus membros de modo a salvaguardar os ideais e princiacutepios que satildeo seu

patrimocircnio comum e favorecer seu progresso social e econocircmico

O Conselho da Europa surgido em 1949 portanto configura-se como outra

organizaccedilatildeo internacional surgida na Europa do poacutes-guerra tendo como base a consolidaccedilatildeo

sob o principio da cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses e natildeo o federalismo que implica cessatildeo de

parcelas da soberania Seu propoacutesito eacute o de defesa dos direitos humanos desenvolvimento

democraacutetico e estabilidade poliacutetico-social na Europa sendo chamado de ldquogrande Europardquo por

desde o iniacutecio contar com mais adesotildees de paiacuteses em relaccedilatildeo agrave CECA Eacute justamente dentro

desse Conselho que surge o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em 1959

oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa e

responsaacutevel pela tutela dos direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

(CEDH) de 1950

A eclosatildeo desses dois movimentos marca o iniacutecio de uma verdadeira revoluccedilatildeo dentro

da compreensatildeo do direito Se antes no continente europeu era possiacutevel vislumbrar a

existecircncia em grande medida e tatildeo somente de tribunais nacionais cuja competecircncia era

exercida dentro de determinado Estado sob a eacutegide de sua soberania o cenaacuterio altera-se e daacute

espaccedilo para a existecircncia natildeo soacute de tribunais nacionais como tambeacutem de tribunais

supranacionais e internacionais

13

Ibidem p 77

15

No caso do direito comunitaacuterio sua criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de

instituiccedilotildees que fortaleccedilam o sistema supranacional Em funccedilatildeo disso dentre os mais diversos

oacutergatildeos criados pelos sucessivos tratados comunitaacuterios pode-se destacar o Tribunal de Justiccedila

da Uniatildeo Europeia (TJUE) ou Tribunal de Luxemburgo

Este criado pelo Tratado de Paris de 1951 e adotado pelo Tratado de Roma de 1957

tem a finalidade de assegurar o cumprimento do direito comunitaacuterio e a interpretaccedilatildeo e

aplicaccedilatildeo dos Tratados dentro a vida da comunidade14

Submetem-se agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal

atualmente os vinte e oito15

paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e ao longo dos anos

ele se desenvolveu como uma importante instituiccedilatildeo capaz de contribuir ao desenvolvimento

da comunidade atraveacutes de consolidaccedilotildees jurisprudenciais e da conversatildeo dos tratados

constitutivos da comunidade em verdadeiras constituiccedilotildees materiais

Embora a preocupaccedilatildeo com os direitos humanos no cenaacuterio da ldquopequena Europardquo natildeo

tenha sido uma caracteriacutestica inicial dos tratados constitutivos das comunidades europeias o

diaacutelogo do Tribunal de Luxemburgo com os tribunais nacionais de alguns Estados europeus

traz agrave tona esse tema bem como se caracteriza por ser o grande responsaacutevel pela consolidaccedilatildeo

de princiacutepios baacutesicos do direito comunitaacuterio como eacute o caso da supremacia das normas

comunitaacuterias Neste vieacutes importante destaque deve ser feito ao caso CostaENEL16

de 1964

que marcou o surgimento da noccedilatildeo de supremacia das normas da comunidade europeia

O objeto de tal caso fora uma lei italiana de nacionalizaccedilatildeo da energia eleacutetrica

declarada incompatiacutevel com o Tratado da Comunidade Econocircmica Europeia Em sede de

reenvio prejudicial o Tribunal Constitucional Italiano enviou a questatildeo ao Tribunal de Justiccedila

da Uniatildeo Europeia o qual reconheceu que ao instituir uma comunidade de duraccedilatildeo ilimitada

com caraacuteter sui generis e poderes resultantes de delegaccedilatildeo de parcela da soberania os paiacuteses

limitariam seus direitos soberanos em prol de um conjunto de normas aplicaacutevel natildeo soacute agrave

comunidade como a todos os seus Estados membros17

14

OLIVEIRA Odete Maria de Uniatildeo Europeia processos de integraccedilatildeo e mutaccedilatildeo 1ordfed 3ordf tir Curitiba

Juruaacute 2003 15

Os vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia satildeo Alemanha Aacuteustria Beacutelgica Bulgaacuteria Chipre

Croaacutecia Dinamarca Eslovaacutequia Eslovecircnia Espanha Estocircnia Finlacircndia Franccedila Greacutecia Hungria Irlanda Itaacutelia

Letocircnia Lituacircnia Luxemburgo Malta Paiacuteses Baixos Polocircnia Portugal Reino Unido Repuacuteblica Checa

Romecircnia Sueacutecia Dados disponiacuteveis no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeuropaeuabout-

eucountriesmember-countriesindex_pthtm Acesso 01 nov 2014 16

O acoacuterdatildeo do referido caso encontra-se disponiacutevel na iacutentegra no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeur-

lexeuropaeulegal-contentPTTXTPDFuri=CELEX61964CJ0006ampfrom=EN Acesso 02 out 2014 17

FARENZENA Sueacutelen Costa versus ENEL ndash O primado do Direito Comunitaacuterio e a mudanccedila de paradigma o

Estado em rede europeu Revista da SJRJ Vol 19 nordm34 Rio de Janeiro 2012 Disponiacutevel em

httpwww4jfrjjusbrseerindexphprevista_sjrjarticleviewFile338296 Acesso 01 out 2014

16

Neste sentido determinou o Tribunal de Luxemburgo que a forccedila executiva do direito

comunitaacuterio natildeo poderia variar de um espaccedilo para outro ao sabor das legislaccedilotildees internas

Impossiacutevel portanto um Estado fazer prevalecer sobre uma ordem juriacutedica aceita sob o pilar

da reciprocidade e da cessatildeo de parcela de direitos soberanos uma medida unilateral anterior

ou posterior que lhe pode opor

Natildeo obstante tal decisatildeo a ideia de supremacia das normas comunitaacuterias por si soacute

natildeo foi adotada de modo paciacutefico por todos os tribunais constitucionais dos paiacuteses sujeitos agrave

jurisdiccedilatildeo do Tribunal de Luxemburgo Em funccedilatildeo disso houve a percepccedilatildeo por parte dos

juiacutezes do TJUE de que seria necessaacuterio acoplar agrave ideia de supremacia das normas

comunitaacuterias um discurso dotado de legitimidade que envolvesse princiacutepios e ideais comuns

natildeo soacute para a comunidade como para os Estados membros Esse discurso portanto seria o

discurso dos direitos fundamentais18

Ateacute o surgimento de algumas tensotildees entre os posicionamentos dos tribunais nacionais

e as decisotildees do TJUE havia certa resistecircncia por parte deste uacuteltimo em lidar com questotildees

concernentes aos direitos humanos ou fundamentais Isto porque o motivo que levou agrave criaccedilatildeo

das Comunidades Europeias e a posterior Uniatildeo Europeia foi predominantemente econocircmico

tanto eacute que os tratados iniciais das Comunidades Europeias natildeo trazem elementos que refiram

explicitamente a preocupaccedilatildeo com direitos humanos ou fundamentais19

Entretanto consoante

fora asseverado a supremacia das normas comunitaacuterias somente conseguiria se afirmar e se

consolidar caso fosse acoplada ao tema da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais

Neste sentido a deacutecada de 1960 pode ser vista como um importante marco para o

TJUE Casos como o Stauder (1969) e o Internationale Handelsgesellschaft20

(1970)

18

GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional

algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em

httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014 19

Pertinente o destaque da concepccedilatildeo de Gilmar Mendes e Geroge Rodrigo Bandeira Galindo sobre este tema

Segundo eles os instrumentos que instituiacuteram as comunidades europeias natildeo se referem de maneira expliacutecita agrave

proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais e haacute razotildees para isso A primeira delas reside no fato de que a

proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa deveria ser transferida para outra organizaccedilatildeo internacional no caso o

Conselho da Europa que foi uma instituiccedilatildeo fundamental para a elaboraccedilatildeo da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos

do Homem de 1950 Outra razatildeo sustenta-se na ideia de que a inclusatildeo imediata de um cataacutelogo de direitos

fundamentais nos tratados instituidores das Comunidades Europeias geraria conflitos entre as consolidadas

constituiccedilotildees estatais e o entatildeo incipiente direito comunitaacuterio Por fim outra razatildeo apontada eacute traduzida no fato

de que os Estados eram temerosos de que a imediata inclusatildeo de temas de direitos fundamentais ou humanos nos

tratados instituidores das Comunidades pudesse ampliar as competecircncias de prerrogativas de instituiccedilotildees receacutem-

criadas Ibidem p03

De qualquer forma houve no processo de germinaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia nos moldes em que hoje

conhecemos a predominacircncia de ideias economicistas e de integraccedilatildeo regional com base na aproximaccedilatildeo de

ideais produtivos e de mercado A preocupaccedilatildeo com a tutela de direitos humanos ou fundamentais surge atraveacutes

dos diaacutelogos espontacircneos entre as cortes constitucionais e o Tribunal de Luxemburgo 20

Neste caso o raciociacutenio da corte faz clara alusatildeo agrave vinculaccedilatildeo entre primazia do direito comunitaacuterio e a

proteccedilatildeo dos direitos fundamentais por parte das instituiccedilotildees comunitaacuterias Os pontos 3 e 4 do julgamento do

17

consolidaram o entendimento do Tribunal de Luxemburgo de que os direitos fundamentais

fazem parte dos princiacutepios gerais do direito comunitaacuterio Conflitos positivos de competecircncias

entre tribunais nacionais e o tribunal supranacional instituiacutedo no acircmbito da comunidade

marcaram os diaacutelogos iniciais para a estimulaccedilatildeo da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais em

acircmbito comunitaacuterio

Como continuidade deste diaacutelogo eacute pertinente destacar o caso Nold (1974) no qual o

Tribunal de Luxemburgo reconheceu como pauta geral para o direito comunitaacuterio europeu o

predomiacutenio dos direitos fundamentais Com isso mais uma vez reafirmou-se a ideia de que o

direito comunitaacuterio tem supremacia sobre as disposiccedilotildees legais nacionais mas que de toda a

sorte deve se adaptar a uma base comum de valores como os determinados por exemplo

pela Convenccedilatildeo Europeia de Direito do Homem

Por isso fala-se que este caso fixa um terceiro elemento no nuacutecleo de salvaguarda dos

direitos fundamentais aleacutem das tradiccedilotildees constitucionais comuns e dos direitos fundamentais

garantidos nas Constituiccedilotildees dos Estados os instrumentos internacionais relativos agrave proteccedilatildeo

dos direitos humanos passam a ser uma importante fonte de inspiraccedilatildeo para a proteccedilatildeo de

direitos em acircmbito comunitaacuterio Em funccedilatildeo disso inclusive em 1975 o TJUE pela primeira

vez recorreu agrave Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem no caso Rutili21

Apesar de tal decisatildeo do caso Nold o emblemaacutetico caso Solange levou agrave confirmaccedilatildeo

e consolidaccedilatildeo da vigecircncia dos direitos fundamentais no acircmbito da Comunidade Neste caso

em 1974 o Tribunal Constitucional alematildeo determinou que enquanto a Comunidade natildeo

dispusesse de um sistema de proteccedilatildeo de direitos comparaacutevel ou equiparado agrave Lei

Fundamental de Bonn ou seja enquanto natildeo houvesse um cataacutelogo de direitos fundamentais

aplicaacuteveis agrave Comunidade Europeia as instituiccedilotildees comunitaacuterias seriam ineficazes no que

concerne agrave proteccedilatildeo desses direitos22

TJUE respectivamente determinam que 3 A validade de uma medida comunitaacuteria ou de seus efeitos em um

Estado membro natildeo podem ser afetadas por alegaccedilotildees de que ela contraria direitos fundamentais tal como

formuladas pela Constituiccedilatildeo do Estado ou princiacutepios de uma estrutura constitucional nacional() 4() o

respeito pelos direitos fundamentais forma uma parte integral dos princiacutepios gerais de direito protegidos pela

Corte de Justiccedila A proteccedilatildeo de tais direitos enquanto inspirada pelas tradiccedilotildees constitucionais comuns aos

Estados membros deve ser assegurada no acircmbito da estrutura e dos objetivos da Comunidaderdquo Ibidem p4 21

O caso Rutilli caracteriza-se por ser a primeira referecircncia jurisprudencial feita pelo Tribunal de Luxemburgo agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem ou seja a utilizaccedilatildeo por parte de um tribunal supranacional de um

marco normativo essencial natildeo para o direito comunitaacuterio mas para o sistema regional de proteccedilatildeo aos direitos

humanos Nesse caso o Tribunal de Luxemburgo afirmou que as normas de direito comunitaacuterio natildeo era mais do

que uma manifestaccedilatildeo de princiacutepios gerais de direito consagrados na Convenccedilatildeo 22

GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional

algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em

httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014

18

Como resultado de tal caso natildeo soacute o Tribunal de Luxemburgo passou a consolidar um

entendimento jurisprudencial favoraacutevel ao respeito e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais

como demais instituiccedilotildees da entatildeo Comunidade Europeia assim agiram Em funccedilatildeo disso diz-

se que o principal resultado do caso Solange foi uma resoluccedilatildeo conjunta datada de 5 de abril

de 1977 entre Parlamento Europeu Conselho Europeu e Comissatildeo Europeia denominada

ldquoDeclaraccedilatildeo Conjunta sobre Direitos Fundamentaisrdquo23

Nesta ressaltou-se a necessidade do

respeito em acircmbito comunitaacuterio dos direitos fundamentais consagrados pelas tradiccedilotildees

constitucionais dos Estados membros e pela Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos

Os direitos fundamentais atraveacutes desse diaacutelogo jurisprudencial entre as cortes de

esperas diferentes (supranacional e nacionais) apareceram de modo progressivo no direito

comunitaacuterio europeu tornando-se paracircmetros de validade das normas da Uniatildeo Qualquer

norma seja comunitaacuteria seja nacional que contrariasse os direitos fundamentais seria

considerada invaacutelida

A tendecircncia jurisprudencial do TJUE de vincular a noccedilatildeo de supremacia das normas

comunitaacuterias com a proteccedilatildeo aos direitos fundamentais acabou por refletir no Tratado de

Maastricht de 1992 Tambeacutem chamado de Tratado da Uniatildeo Europeia este documento em

seu artigo F nuacutemero 2 determina que a Uniatildeo respeite os direitos fundamentais tal como os

garante a Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem24

Na esteira da inclusatildeo da proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em tratados o Tratado de

Lisboa de 2007 aleacutem de estabelecer personalidade juriacutedica agrave Uniatildeo Europeia25

determina que

a esta aderiraacute agrave Convenccedilatildeo Europeia para a proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e das Liberdades

Fundamentais sendo que a adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas

nos tratados26

23

XAVIER Ana Isabel Os Direitos Fundamentais no ldquodiaacutelogo europeurdquo de Nice a Lisboa In Debater a

Europa n 9 julhodezembro 2013 Disponiacutevel em httpeurope-direct-

aveiroaevaeudebatereuropaimagesn9axavierpdf Acesso em 03 out 2014 24

Artigo F n 2 ldquoA Uniatildeo respeitaraacute os direitos fundamentais tal como os garante a Convenccedilatildeo Europeia de

Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais assinada em Roma em 4 de novembro de

1950 e tal como resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-membros enquanto princiacutepios

gerais do direito comunitaacuteriordquo TRATADO DE MAASTRICHT 1992 Disponiacutevel em httpeuropaeueu-

lawdecision-makingtreatiespdftreaty_on_european_uniontreaty_on_european_union_ptpdf Acesso 15 out

2014 25

O artigo 46-A do Tratado de Lisboa determina que ldquoA Uniatildeo tem personalidade juriacutedicardquo TRATADO DE

LISBOA 2007 Disponiacutevel em httpeur-lexeuropaeulegal-

contentPTTXTPDFuri=OJC2007306FULLampfrom=PT Acesso 16 out 2014 26

O artigo 6ordf do Tratado de Lisboa determina que ldquo1 A Uniatildeo reconhece os direitos as liberdades e os

princiacutepios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da Uniatildeo Europeia de 7 de Dezembro de 2000 com

as adaptaccedilotildees que lhe foram introduzidas em 12 de Dezembro de 2007 em Estrasburgo e que tem o mesmo

valor juriacutedico que os Tratados De forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competecircncias da Uniatildeo tal

como definidas nos Tratados Os direitos as liberdades e os princiacutepios consagrados na Carta devem ser

interpretados de acordo com as disposiccedilotildees gerais constantes do Tiacutetulo VII da Carta que regem a sua

19

Mesmo que o ideal de Constituiccedilatildeo para a Uniatildeo Europeia natildeo tenha sido aprovado

pelos Estados membros as regras de supremacia das normas comunitaacuterias e de proteccedilatildeo aos

direitos fundamentais consagrados natildeo soacute nas Constituiccedilotildees como nas proacuteprias tradiccedilotildees

constitucionais dos Estados regem as decisotildees do Tribunal supranacional que existe no

continente Por isso mesmo que a preocupaccedilatildeo inicial da ldquopequena Europardquo tenha sido a

integraccedilatildeo econocircmica dos paiacuteses devastados pela guerra para que pudessem voltar a ser

competitivos internacionalmente ao longo do tempo sentiu-se a necessidade de trazer para

dentro do direito comunitaacuterio noccedilotildees acerca dos direitos fundamentais e humanos de modo

que hoje estes se encontram tutelados por instrumentos e oacutergatildeos supranacionais especiacuteficos

Ocorre que conforme se mencionou no iniacutecio deste subcapiacutetulo o cenaacuterio europeu

pode ser vislumbrado sob duas oacuteticas distintas desde o Congresso da Europa a oacutetica

federalista que impulsiona a criaccedilatildeo da Uniatildeo Europeia e de um direito comunitaacuterio europeu

e o vieacutes da cooperaccedilatildeo internacional marcado pela criaccedilatildeo do Conselho da Europa e de um

sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos o qual exige o pensamento acerca

da possibilidade da construccedilatildeo de um direito comum europeu

Nesse aspecto acerca do conceito de comum eacute pertinente remontar agraves premissas de

Dardot et Laval27

Para os autores o comum do direito segundo uma loacutegica de interpretaccedilatildeo

neoliberal natildeo seraacute outro que o direito de propriedade dos contratos e do lucro Eacute justamente

contra esse tipo de concepccedilatildeo trazido pelos efeitos nefastos da globalizaccedilatildeo que se invoca a

defesa e a reabilitaccedilatildeo do conceito de comum que deve ser entendido sob uma loacutegica de bases

uniacutessonas em mateacuteria de direitos humanos

Em razatildeo disso eacute no acircmbito da ldquogrande Europardquo ou seja do sistema regional europeu

de proteccedilatildeo dos direitos do homem que se vislumbram bases para a criaccedilatildeo de um direito

comum cuja premissa eacute a busca do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano28

Deste

modo no panorama apresentado se vislumbra de modo claro que embora existam regras

princiacutepios e instituiccedilotildees para reger o direito comunitaacuterio europeu (regras previstas nos

tratados da Uniatildeo Europeia e pacificadas pelo ativismo do TJUE) na ldquopequena Europardquo em

interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo e tendo na devida conta as anotaccedilotildees a que a Carta faz referecircncia que indicam as fontes

dessas disposiccedilotildees 2 A Uniatildeo adere agrave Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das

Liberdades Fundamentais Essa adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas nos Tratados3

Do direito da Uniatildeo fazem parte enquanto princiacutepios gerais os direitos fundamentais tal como os garante a

Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como

resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-Membrosrdquo Ibid 2007 27

DARDOT Pierre LAVAL Cristian COMMUN essai sur la revolutiona au XXeme siegravecle Paris La

deacutecouverte 2014 p 287 28

DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio

de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b

20

mateacuteria de direitos humanos e no acircmbito de um processo de globalizaccedilatildeo eacute preciso avanccedilar

na compreensatildeo do espaccedilo europeu para no acircmbito do sistema regional consolidar as bases

para a criaccedilatildeo de um direito comum

12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias juriacutedicas

a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da figura da

Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

O Congresso da Europa sob o aspecto juriacutedico dividiu o continente em blocos

autocircnomos dentro de um sistema multicecircntrico Nesse sentido Mireille Delmas-Marty29

assevera que natildeo existe uma unidade juriacutedica chamada Europa ou sequer uma visatildeo uacutenica e

preestabelecida do continente

Pelo contraacuterio existe uma Europa feita de instituiccedilotildees juriacutedicas diversas cada uma

com regras e princiacutepios especiacuteficos Neste sentido de um lado tem-se a ldquopequena Europardquo

composta pelos vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e que possui um ideal

primordialmente econocircmico com os objetivos de livre circulaccedilatildeo de pessoas e de

mercadorias bem como de instituiccedilatildeo de uma moeda uacutenica sob a perspectiva de abertura de

fronteira entre os paiacuteses Sob este ideal desenvolve-se a base para o direito comunitaacuterio que

possui como instituiccedilatildeo juriacutedica maacutexima o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo Europeia (TJUE)

com caraacuteter supranacional

Na Europa dos ldquoVinte e Oitordquo portanto sob o ideal integracionista surge o chamado

direito comunitaacuterio europeu o qual atraveacutes de direito originaacuterio (tratados constitutivos) e

direito derivado (normas emanadas de oacutergatildeos de competecircncia legislativa da Uniatildeo) forma o

sistema juriacutedico-poliacutetico e juriacutedico-econocircmico da Uniatildeo Europeia A peculiaridade desta nova

ordem formada eacute a de natildeo querer unificar a ordem juriacutedica dos paiacuteses europeus mas de

uniformizar em algumas mateacuterias as normas do bloco criado Justamente por isso a

supranacionalidade intriacutenseca ao direito comunitaacuterio natildeo se confunde com o direito

internacional

Sob as bases de interesses econocircmicos tem-se o objetivo de chegar a uma integraccedilatildeo

nas aacutereas concernentes agrave poliacutetica cultura dentre outras sob uma relaccedilatildeo de integraccedilatildeo entre o

29

Id 2004a p47

21

ordenamento juriacutedico comunitaacuterio e o ordenamento interno de cada Estado Sem sombra de

duacutevidas a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais se insere nessas relaccedilotildees mas com o

intuito de fortalecer o ideal de supremacia das normas comunitaacuterias Em funccedilatildeo de tal

premissa tem-se a necessidade de preservar o estaacutegio alcanccedilado pelo processo de integraccedilatildeo e

por isso um ordenamento juriacutedico comunitaacuterio eacute formado Entretanto eacute preciso avanccedilar no

processo de tutela dos direitos humanos em um contexto tatildeo plural como o europeu

Deste modo de outro lado tem-se a ldquogrande Europardquo criada pelo Conselho da Europa

perfazendo uma cooperaccedilatildeo poliacutetica que hoje abriga quarenta e sete membros30

signataacuterios da

Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

(CEDH) O oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do Conselho da Europa eacute o Tribunal Europeu dos Direitos

do Homem (TEDH) sediado em Estrasburgo e para o qual podem demandar tanto Estados

quanto indiviacuteduos viacutetimas de violaccedilotildees de direitos humanos reconhecidos pela convenccedilatildeo

Neste sentido o paraacutegrafo 3ordm31

do Preacircmbulo da CEDH de 1950 assevera que a

finalidade principal do Conselho da Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre seus

membros e que um dos meios para alcanccedilar esta finalidade eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento

dos direitos humanos e das liberdades fundamentais sendo tais direitos vistos como um meio

para uma progressiva integraccedilatildeo dos europeus Antes mesmo disso o Estatuto do Conselho da

Europa de 1949 havia asseverado que a finalidade da instituiccedilatildeo era criar uma organizaccedilatildeo

que levasse os paiacuteses do continente a uma associaccedilatildeo cuja base fosse a unidade entre seus

membros privilegiando ideais e princiacutepios comuns aos diferentes Estados

Essa configuraccedilatildeo surgida na segunda metade do seacuteculo XX produz alteraccedilotildees

significativas na conceituaccedilatildeo de alguns institutos juriacutedicos e poliacuteticos como eacute o caso do

Estado da soberania dentre outros Nesse sentido o cenaacuterio Europeu pode ser enxergado

como proacuteximo da noccedilatildeo de Estado em Rede proposto por Manuel Castells32

Em um mesmo

espaccedilo territorial a autoridade passa a ser partilhada ao longo de uma rede de instituiccedilotildees O

30

Os 47 paiacuteses que fazem parte do Conselho da Europa satildeo Beacutelgica Dinamarca Franccedila Irlanda Itaacutelia

Luxemburgo Paiacuteses Baixos Noruega Sueacutecia Reino Unido Greacutecia Turquia Islacircndia Alemanha Ocidental

Aacuteustria Chipre Suiacuteccedila Malta Portugal Espanha Liechtenstein Satildeo Marino Finlacircndia Hungria Polocircnia

Bulgaacuteria Estocircnia Lituacircnia Eslovecircnia Repuacuteblica Checa Eslovaacutequia Romecircnia Andorra Letocircnia Albacircnia

Moldaacutevia Macedocircnia Ucracircnia Ruacutessia Croaacutecia Geoacutergia Armecircnia Azerbaijatildeo Boacutesnia e Herzegovina Seacutervia

Mocircnaco Montenegro Disponiacutevel em

httpwwwcoeintptAboutCoemediainterfacepublicationscoe_dh_ptpdf Acesso 08 out 2014 31

O terceiro paraacutegrafo do preacircmbulo da CEDH dispotildee que ldquoConsiderando que a finalidade do Conselho da

Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre os seus Membros e que um dos meios de alcanccedilar essa finalidade

eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento dos direitos do homem e das liberdades fundamentais ()rdquo CONVENCcedilAtildeO

EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS

1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso em 08 out 2014 32

CASTELLS Manuel A era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura A sociedade em rede Vol 1 5

ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999b

22

Estado-naccedilatildeo claacutessico relaciona-se com instituiccedilotildees supranacionais e a rede formada possui

noacutes diversos e natildeo um centro uacutenico sendo que esses noacutes podem apresentar tamanhos distintos

e estar ligados por relaccedilotildees assimeacutetricas

Essas redes e seus noacutes portanto representam formas de poder paralelas e

complementares que satildeo autocircnomas uma em relaccedilatildeo agraves outras O espaccedilo europeu marcado

por um jaacute consolidado direito comunitaacuterio e por uma estrutura supranacional sui generis

tornou-se um verdadeiro campo de concorrecircncia convergecircncia justaposiccedilatildeo e conflito de

vaacuterias constituiccedilotildees e poderes constituintes em um mesmo espaccedilo poliacutetico levando a uma

pluralidade de ordenamentos e de normatividades

A supranacionalidade desenvolvida assemelha-se desta forma a um Estado em Rede

em funccedilatildeo de um novo paradigma de governanccedila estabelecido em diferentes niacuteveis com

diferentes noacutes de diferentes dimensotildees e com relaccedilotildees internacionais assimeacutetricas O Estado-

Naccedilatildeo claacutessico se articula cotidianamente na tomada de decisotildees com instituiccedilotildees

supranacionais de diferentes tipos e em acircmbitos distintos33

Em uma mesma organizaccedilatildeo

complexa temos entatildeo as caracteriacutesticas da descentralizaccedilatildeo e da coordenaccedilatildeo sobretudo no

aspecto normativo sendo que a crise do Estado-naccedilatildeo o desenvolvimento das instituiccedilotildees

supranacionais e a transferecircncia das atribuiccedilotildees e iniciativas aos acircmbitos regionais e locais satildeo

caracteriacutesticas que funcionam como base para o desenvolvimento do Estado em Rede

Nesse acircmbito ainda eacute possiacutevel acrescentar a definiccedilatildeo de Marcelo Varella34

de que a

Uniatildeo Europeia caracteriza-se por ser uma instituiccedilatildeo sui generis natildeo soacute pelo seu modo de

constituiccedilatildeo como por seus efeitos no campo juriacutedico-normativo Desta maneira o bloco

europeu dos vinte e oito inserido no contexto de um sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos

humanos (ldquopequena Europardquo inserida na ldquogrande Europardquo) marca a caracteriacutestica de uma

superaccedilatildeo da tiacutepica forma de visatildeo linear e hieraacuterquica do direito tradicional em favor da

construccedilatildeo de um direito em camadas ou em diferentes niacuteveis ou ainda em redes

Essa concepccedilatildeo de Castells utilizada aqui para ilustrar as relaccedilotildees na Uniatildeo Europeia

comunica-se com a noccedilatildeo de Mireille Delmas-Marty35

de um pluralismo que deve ser

ordenado Na Europa como um todo em acircmbito juriacutedico a coexistecircncia de normas das mais

diversas fontes e de tribunais nas mais diferentes escalas faz emergir uma noccedilatildeo de caos

33

Id 1999a p164 34

VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade

de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014 p145 35

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006

23

juriacutedico que precisa ser ordenado Em razatildeo disso pertinente a busca por um direito comum

com ecircnfase em um direito comum em mateacuteria de direitos humanos

Interessante notar que esse cenaacuterio criado intensifica-se com o processo de

mundializaccedilatildeo36

e sob essa oacutetica embora os direitos humanos tenham se tornado oponiacuteveis aos

Estados perfazendo princiacutepios de direito incluiacutedos nas Constituiccedilotildees Estatais no

entendimento dos tribunais supranacionais e em instrumentos normativos internacionais os

corolaacuterios do processo de mundializaccedilatildeo satildeo os direitos econocircmicos que predominam nas

preocupaccedilotildees do jaacute consolidado direito comunitaacuterio europeu

Enquanto os direitos humanos foram concebidos sob o prisma de uma universalidade e

com a finalidade de proteger o ldquoirredutiacutevel humanordquo37

os direitos econocircmicos satildeo os motores

da mundializaccedilatildeo sendo que isso somado agrave desestabilizaccedilatildeo do tempo e agrave desestatizaccedilatildeo do

Estado gera no processo de mundializaccedilatildeo uma aparente desordem normativa com a

proliferaccedilatildeo de normas de modo anaacuterquico38

Em funccedilatildeo disso eacute viaacutevel dizer que o continente europeu serve de base e eacute capaz de

traduzir importantes eventos para explicar fenocircmenos que hoje satildeo salientes na esfera juriacutedica

Mireille Delmas-Marty39

sugere que vivemos sob a eacutegide de espaccedilos ldquodesestatizadosrdquo tempos

ldquodesestabilizadosrdquo e uma ordem ldquodeslegalizadardquo No sentido atual da paisagem juriacutedica

afirmar que o Estado eacute a uacutenica fonte de Direito eacute assumir uma atitude de exclusatildeo de todos os

demais espaccedilos normativos

Como eacute possiacutevel observar na Europa convivem em um mesmo espaccedilo normas

provenientes de fontes estatais claacutessicas normas advindas de instituiccedilotildees supranacionais e

regras provenientes de entes internacionais na formaccedilatildeo de um verdadeiro mosaico juriacutedico

O monopoacutelio do Estado como produtor do direito deixa de ser imperativo frente agrave

internacionalizaccedilatildeo crescente das fontes juriacutedicas De modo concomitante e corroborando

36

Na obra ldquoTrecircs Desafios para um Direito Mundialrdquo Mirelle Delmas-Marty observa as particularidades dos

termos globalizaccedilatildeo mundializaccedilatildeo e universalidade quais sejam ldquoA mundializaccedilatildeo remete agrave difusatildeo espacial

de um produto de uma teacutecnica ou de uma ideia A universalidade implica um compartilhar de sentidosrdquo Em

outra passagem disserta ldquoDifusatildeo espacial de um lado compartilhar os sentidos de outra estas duas foacutermulas

descrevem muito bem a diferenccedila que separam os dois fenocircmenos que eu denominarei globalizaccedilatildeo para a

economia e universalizaccedilatildeo para os direitos do homem guardando assim o termo mundializaccedilatildeo uma

neutralidade que ele jamais perderaacute caso natildeo se resigne rapidamente ao primado da economia sobre os Direitos

do Homemrdquo DELMAS-MARTY Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr

Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b p 08-09 37

Ibid p48 38

FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos

teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013 39

DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47

24

com a teoria do Estado em Rede de Castells eacute possiacutevel observar um processo de

descentralizaccedilatildeo espacial com o deslocamento de fontes do centro para periferias40

Da mesma forma os tempos estatildeo desestabilizados Segundo Delmas41

em comparaccedilatildeo

aos votos claacutessicos de perpetuidade da lei eacute possiacutevel hoje encontrar fontes temporaacuterias e

evolutivas do direito O espaccedilo europeu se constitui como uma aacuterea privilegiada dessas fontes

evolutivas42

Sob o aspecto da ldquopequena Europardquo as regras de direito comunitaacuterio impotildeem um

resultado que deve ser atingido o que pela falta de meios juriacutedicos incentiva os Estados a

adaptar seus textos a dados econocircmicos

Isso tudo faz emergir a noccedilatildeo de assincronia43

do direito ou seja diferentes

velocidades em diferentes espaccedilos Nesse sentido haacute no espaccedilo europeu uma diferenccedila de

velocidade dos processos de integraccedilatildeo das normas internacionais (ou supranacionais) de

direito do comeacutercio em comparaccedilatildeo com as normas ambientais ou relativas aos direitos

humanos O proacuteprio processo evolutivo de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais

sob o panorama da ldquopequena Europardquo demonstra desde os primoacuterdios da criaccedilatildeo da

Comunidade Europeia uma ausecircncia de sincronia em relaccedilatildeo agraves duas esferas do direito A

evoluccedilatildeo dos direitos humanos eacute lenta quando comparada com a celeridade da integraccedilatildeo das

normas de direito comercial e econocircmico em um mundo de economia globalizada

Pode-se entatildeo afirmar que natildeo soacute na Europa como tambeacutem na sociedade

internacional o tempo das relaccedilotildees comerciais e por conseguinte o tempo da integraccedilatildeo do

direito do comeacutercio eacute o tempo do software da fluidez da velocidade da luz Enquanto isso o

tempo das relaccedilotildees humanas da eacutetica da solidariedade e da integraccedilatildeo do direito dos direitos

humanos segue o tempo do hardware do denso do apego ao territoacuterio e agraves localidades44

Por fim estaacute-se tambeacutem frente a uma ordem ldquodeslegalizadardquo uma vez que dentre os

reflexos das vicissitudes na seara juriacutedica eacute possiacutevel destacar um ruptura com a noccedilatildeo de

40

Tal fenocircmeno eacute descrito por Mireille Delmas-Marty como ldquodescentralizaccedilatildeordquo Esta envolve o deslocamento de

fontes do centro do Estado para coletividades territoriais Todavia tal fenocircmeno natildeo se confunde com uma mera

desconcentraccedilatildeo de poderes que eacute destinada a conferir maior eficaacutecia agraves estruturas centrais do Estado A

descentralizaccedilatildeo conforme refere a autora confia ao representante local da coletividade territorial certos poderes

de decisatildeo fazendo transparecer uma autonomia local para impor certas regras juriacutedicas Como exemplo

podem-se destacar as comissotildees locais de eacutetica como ocorre em uma deontologia profissional como a Ordem

dos Advogados As regras disciplinares desta profissatildeo guardam um caraacuteter misto sendo de natureza local e

nacional privada e puacuteblica Ibid 2004ap55 41

Ibid 2004ap47 42

Segundo Delmas falar de fontes evolutivas significa renunciar ao passado do costume e ao futuro das leis para

situar as fontes de direito no presente por natureza instaacutevel Ibid 2004ap65 43

Id 2006 p 114 44

SALDANHA Jacircnia Marial Lopes BRUM Maacutercio Morais MELLO Rafaela da Cruz A Assincronia do

Direito e o Caso Araguaia Uma anaacutelise da Decisatildeo do Supremo Tribunal Federal Brasileiro na ADPF 153 e do

Julgamento do Caso Gomes Lund e Outros vs Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos In Andreacute

Karam Trindade Angela Araujo da Silveira Espindola (Org) Direitos Fundamentais e Espaccedilo Puacuteblico 1ed

Passo Fundo - RS Editora IMED 2011 v 2 p 37-61

25

identidade entre direito e lei45

O processo de internacionalizaccedilatildeo deixa comum aos sistemas

de commun law e de civil law o papel do juiz na geraccedilatildeo do direito ou seja na interaccedilatildeo entre

texto normativo e sua interpretaccedilatildeo de modo que a jurisprudecircncia e o diaacutelogo entre os

diferentes tribunais serve para ambos os sistemas como um importante balizador para

consolidaccedilatildeo de entendimentos e de princiacutepios

Diante desse cenaacuterio juriacutedico global proveniente do processo de internacionalizaccedilatildeo -

e especiacutefico no caso da Europa ndash de desestatizaccedilatildeo de ruptura com paradigmas e com a loacutegica

binaacuteria de interpretar o direito eacute possiacutevel concordar com a premissa de Mireille Delmas-

Marty46

de que a paisagem juriacutedica apresenta um panorama de proliferaccedilatildeo constante de

normas e de entendimentos jurisprudenciais que em um primeiro momento podem levar a

uma noccedilatildeo de desordem e anarquia

Conveacutem perceber que a nova paisagem juriacutedica para a qual a Europa eacute um verdadeiro

laboratoacuterio47

eacute composta por formas mais complexas como piracircmides inacabadas

descontiacutenuas compostas por aneacuteis normativos como uma guirlanda no entanto natildeo

especificamente se liga agrave anarquia Pelo contraacuterio a retirada de marcos e o deslocamento de

linhas natildeo significa desordem e essa aparecircncia de caos favorece ao pluralismo

Por isso Delmas-Marty48

atesta que a internacionalizaccedilatildeo do direito apresenta um

grande paradoxo ordenar o plural Embora estejamos semanticamente diante de vernaacuteculos

opostos visto que a proposta eacute colocar em ordem aquilo que naturalmente eacute muacuteltiplo e plural

sem reduzir sua identidade a primeira consideraccedilatildeo que deve ser feita eacute a de que o tiacutepico

modelo kelseniano de loacutegica juriacutedica natildeo mais se aplica ao cenaacuterio em que o Direito se insere

atualmente em razatildeo da multiplicidade e do dinamismo existente no processo de

mundializaccedilatildeo

Para ir da desordem agrave ordem eacute necessaacuterio fortalecer as correlaccedilotildees da formaccedilatildeo

juriacutedica trazendo estabilidade agrave presenccedila de divergecircncias atraveacutes de uma aproximaccedilatildeo entre

ordens juriacutedicas por meio de um jogo de referecircncias cruzadas com o intuito de ordenar a

multiplicidade Essa aproximaccedilatildeo poreacutem natildeo pode ser concebida senatildeo em relaccedilatildeo a uma

referecircncia comum e neste campo a utilidade dos instrumentos protetivos de direitos humanos

traz a coerecircncia de conjunto capaz de indicar uma direccedilatildeo a seguir um norte para a criaccedilatildeo de

um direito comum cujo pluralismo eacute ordenado

45 DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47 46

Id 2006 47

VARELLA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do direito Direito Internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Livre Docecircncia em Direito Internacional Faculdade de

Direito da Universidade de Satildeo Paulo (USP) Satildeo Paulo 2012 Acesso 14 out 2014 48

Ibid 2006 p 10

26

Obviamente o direito comum almejado eacute pluralista tendo a razatildeo como instrumento

de justificaccedilatildeo e de diaacutelogo O pluralismo eacute justificado pelo intuito de harmonizar e conjugar

as particularidades religiosas poliacuteticas culturais de cada Estado ou comunidade evitando a

sobreposiccedilatildeo de uma ordem sobre outra ou a assimilaccedilatildeo e exclusatildeo Em razatildeo disso o

direito comum pluralista pretende construir um ldquoDireito dos Direitosrdquo a partir do ideal de

universalizaccedilatildeo dos direitos humanos sendo que a finalidade eacute a de aproximar ou harmonizar

ndash e natildeo unificar - os diferentes sistemas juriacutedicos sob a perspectiva de respeito ao ldquoirredutiacutevel

humanordquo49

Impossiacutevel a criaccedilatildeo de normas e regras comuns a todos os povos justamente pelo

fato de que sempre algumas normas advindas de culturas especiacuteficas se sobressairatildeo sobre

outras na criaccedilatildeo de uma hegemonia negativa O direito comum portanto inserido na oacutetica

de um direito mundial pluralista eacute aquele acessiacutevel a todos e comum aos diversos Estados

sem que haja o abandono de identidades Justamente em funccedilatildeo disso o alicerce para a sua

criaccedilatildeo eacute a aproximaccedilatildeo dos sistemas juriacutedicos tendo por base os direitos humanos que

carregam a caracteriacutestica da universalidade a qual adveacutem do compartilhamento de sentidos e

do enriquecimento pela troca

Neste sentido em que consistem esses direitos humanos que satildeo os alicerces para a

criaccedilatildeo de um direito comum Eacute possiacutevel afirmar que a mera previsatildeo constitucional ou em

tratados de direitos jaacute asseguram a sua proteccedilatildeo Como lidar com questotildees concernentes agraves

pretensotildees universalistas e as particularidades do relativismo cultural nas diferentes

sociedades europeias

Narciso Baez50

traz reflexotildees importantes acerca desse tema Segundo ele em meados

do seacuteculo XVII pensou-se que a positivaccedilatildeo dos direitos humanos seria instrumento suficiente

para garantir o seu respeito Essa noccedilatildeo adentrou a contemporaneidade com a filosofia de

Hans Kelsen de que as normas positivadas e inseridas nos ordenamentos juriacutedicos eram

obrigatoacuterias por serem legitimadas por uma norma juriacutedica superior que tinha um fim em si

mesma

Obviamente o seacuteculo XX mostrou que a mera inserccedilatildeo legal da dignidade da pessoa

humana ndash que eacute o elemento cerne dos direitos humanos ndash em um sistema positivo de direito e

dissociada de valores morais natildeo seria suficiente para evitar eventuais violaccedilotildees desses

49

Ibid 2006 p 54 50

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos

humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da

UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em

httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014

27

direitos Sob esse panorama e seguindo a corrente eacutetica51

de fundamentaccedilatildeo dos direitos

humanos pode-se afirmar que estes satildeo direitos de fora da ordem positiva que tecircm em seu

bojo componentes morais sociais poliacuteticos e ateacute econocircmicos que salvaguardam condiccedilotildees

miacutenimas para a garantia da dignidade da pessoa humana Em sua dimensatildeo baacutesica portanto

satildeo direitos inatos pautados em valores morais e conferidos aos indiviacuteduos pelo simples fato

de estes serem humanos

Logo para a construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos exige-

se o fortalecimento desses em suas dimensotildees baacutesicas Eacute neste sentido que Delmas52

se refere

ao miacutenimo eacutetico universal e ao irredutiacutevel humano ou seja elementos que todos os indiviacuteduos

apresentam em comum mesmo em diferentes culturas

As duas estruturas baacutesicas dos direitos humanos satildeo portanto os valores morais e a

dignidade humana53

Em relaccedilatildeo aos primeiros infere-se que a origem dos direitos humanos

natildeo eacute legal vez que estes satildeo reconhecidos aos indiviacuteduos pelo simples fato de serem

humanos O ordenamento juriacutedico tem a mera funccedilatildeo de reconhecer tais direitos e transformaacute-

los em normas a fim de obter efetividade Jaacute a dignidade humana eacute o bem maior dentro dos

direitos humanos constituindo uma qualidade universal intriacutenseca irrenunciaacutevel e

inalienaacutevel inerente a todos os seres humanos e que se encontra acima das especificidades

culturais

Neste vieacutes a universalidade de tais direitos que eacute requisito indispensaacutevel para a

criaccedilatildeo de um direito comum natildeo eacute marcada pela criaccedilatildeo de instrumentos internacionais

positivos de proteccedilatildeo dos direitos humanos Isso porque embora tenha se conseguido a

universalizaccedilatildeo da adesatildeo dos Estados como eacute o caso da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos da ONU de 1948 ou mesmo da CEDH do sistema regional europeu ainda haacute

resistecircncias agrave aceitaccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo em algumas culturas que alegam a necessidade de

relativizaccedilatildeo desses direitos para adequaccedilatildeo agraves realidades nacionais54

Logo para a construccedilatildeo de uma verdadeira universalidade eacute necessaacuterio interpretar os

direitos humanos sob uma oacutetica interdisciplinar Finnis55

nesse aspecto afirma que os direitos

humanos constituem uma categoria que busca consagrar a dignidade humana sendo esta um

atributo de todas as pessoas independentemente de crenccedila ou cultura Nesse aspecto

51

Id 2007 p 13-35 52

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b 53

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Direitos humanos na globalizaccedilatildeo In BAEZ Narciso

Leandro Xavier BARRETO Vicente (Org) Direitos humanos em evoluccedilatildeo Joaccedilaba Ed Unoesc 2007 p

13-35 54

Id 2009 p77-99 55

FINNIS John Ley natural e derechos naturales Buenos Aires AbeledoPerrot 2000

28

vislumbra-se necessaacuterio a fim de identificar quais satildeo os valores baacutesicos e inderrogaacuteveis a

todos os humanos a construccedilatildeo de valores universais atraveacutes do diaacutelogo e do cruzamento de

diferentes culturas com diferentes valores Isso facilita a construccedilatildeo de uma cultura

cosmopolita baseada em uma identificaccedilatildeo em que prevaleccedila a dignidade da pessoa humana

acima dos relativismos

As diversidades culturais satildeo provenientes de elementos externos56

da diferenccedila de

ambientes naturais mas mesmo assim todas as pessoas ainda que inseridas em

especificidades culturais distintas ainda manteacutem atributos comuns Eacute por essa loacutegica que

permanece atual a premissa de Kant de que no atual estaacutegio da humanidade os povos

atingiram um grau de desenvolvimento que os permitem fazer parte de uma comunidade

cosmopolita57

Por isso a violaccedilatildeo de um direito humano em um ponto do planeta repercute e

pode ser sentida em todos os outros

Pertinente ainda lembrar que a universalizaccedilatildeo natildeo significa a imposiccedilatildeo ou a

uniformizaccedilatildeo de uma cultura sobre as outras Pelo contraacuterio deve-se buscar uma raiz

comum qual seja um conjunto de valores miacutenimos universais capazes de dialogar com

diferentes culturas garantindo o respeito e a preservaccedilatildeo da vida humana em qualquer lugar

Ainda sob essa oacutetica eacute possiacutevel afirmar que a noccedilatildeo de direito comum de Delmas

aproxima-se do ideal de direito cosmopoliacutetico em Kant58

Ao perceber o aumento da

participaccedilatildeo dos povos na Terra Kant vislumbra a ideia de uma comunidade mundial

alicerccedilada sob as bases de um direito cosmopoliacutetico a fim de garantir a paz perpeacutetua Diante

da dicotomia entre praacuteticas culturais e direitos humanos a base do cosmopolitismo kantiano eacute

a busca de criteacuterios loacutegico-racionais que sejam comuns a todas as culturas

Nesse espectro surgem entatildeo os direitos humanos como nuacutecleo moral-juriacutedico do

direito cosmopoliacutetico vez que a moralidade miacutenima universal se baseia em trecircs pilares a)

humanidade comum b) ameaccedilas compartilhadas e c) obrigaccedilotildees miacutenimas Logo a

fundamentaccedilatildeo moral eacute a base dos direitos humanos uma vez que nela encontram-se as

exigecircncias imprescindiacuteveis para a vida de um indiviacuteduo Apesar das diferenccedilas sociais e

culturais entre os seres humanos algumas necessidades e capacidades satildeo comuns a todos59

56

PAREKH Bhikhu Pluralist universalism and human rights In SMITH Rhona K M ANKER Cristien van

den The essentials of human rights London Oxford University Press 2005 57

KANT Immanuel Para a paz perpeacutetua Traduccedilatildeo Baacuterbara Kristen - Rianxo Instituto Galego de Estudos de

Seguranccedila Internacional e da Paz 2006 58

Ibid 2006 p 107-108 59

BARRETO Vicente de Paulo Direito Cosmopoliacutetico e Direitos Humanos In Espaccedilo Juriacutedico Journal of

Law N 2 Vol 11 2010 Disponiacutevel em

httpeditoraunoescedubrindexphpespacojuridicoarticleview19491017 Acesso 30 out 2014

29

Assim como a concepccedilatildeo de direitos humanos natildeo pode mais ser concebida como o

era na eacutepoca de Kelsen o panorama em que o Direito de um modo geral se insere hoje

tambeacutem natildeo pode mais ser concebido conforme a loacutegica claacutessica kelseniana em que a

constituiccedilatildeo estatal encontra-se no topo de uma estrutura piramidal sendo hierarquicamente

seguida pela legislaccedilatildeo infraconstitucional Os rearranjos da mundializaccedilatildeo e a consequente

internacionalizaccedilatildeo do Direito fazem com que novas estruturas permeiem o atual cenaacuterio

juriacutedico mundial

Seja uma concepccedilatildeo de trapeacutezio cujos veacutertices superiores satildeo ocupados em igual

niacutevel pelas constituiccedilotildees estatais e pelos tratados ou convenccedilotildees internacionais protetivos dos

direitos humanos como eacute a visatildeo de Canotilho seguida por Flaacutevia Piovensan60

seja uma

visatildeo de nuvens fluidas e descontiacutenuas com um direito de sistemas interativos complexos

marcados por geometria de piracircmides inacabadas e aneacuteis normativos como guirlandas

defendida por Delmas-Marty61

demonstram que a internacionalizaccedilatildeo traz tentativas de

recomposiccedilatildeo de um pluralismo que deveraacute ser suficientemente ordenado

Em razatildeo disso razoaacutevel frente agrave mudanccedila paradigmaacutetica trazida pela mundializaccedilatildeo

pensar em um conjunto ordenado para a desordem uma vez que a aparente anarquia que

existe favorece ao pluralismo Para se chegar a um direito comum pluralista tendo por base os

direitos humanos deve-se buscar a harmonizaccedilatildeo entre estes e os direitos econocircmicos com

respeito agraves particularidades religiosas e culturais e com a superaccedilatildeo dos perigos de uma

uniformizaccedilatildeo hegemocircnica tendente agrave globalizaccedilatildeo econocircmica

Nesse novo paradigma o ideaacuterio de ordem ldquodeslegalizadardquo anteriormente referido

toma corpo uma vez que a sobrevalorizaccedilatildeo da lei e das grandes codificaccedilotildees perde espaccedilo

havendo em contrapartida a crescente incorporaccedilatildeo dos precedentes (certa ruptura de

fronteiras entre common law e civil law) e dos princiacutepios como espeacutecie de coacutedigo cultural do

processo de interpretaccedilatildeo e criaccedilatildeo do direito62

A internacionalizaccedilatildeo do Direito reflete portanto uma nova realidade de um Direito

de sistemas complexos fluidos descontiacutenuos e interativos os quais levam agrave mutaccedilatildeo da

proacutepria concepccedilatildeo tradicional de ordem juriacutedica que natildeo eacute mais fechada dentro de si mesma e

sim sofre influecircncia de outras A tradicional piracircmide kelseniana eacute desconstruiacuteda

60

PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e diaacutelogo entre jurisdiccedilotildees In Revista Brasileira de Direito

Constitucional ndash RBCD n19 ndash janjul 2012 61

DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio

de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b 62

FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos

teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013

30

gradativamente dando lugar a novas geometrias cuja hierarquia natildeo eacute tatildeo riacutegida mas nem por

isso deixa de ser complexa

No topo encontram-se as constituiccedilotildees juntamente com elementos do Direito

Internacional (jus cogens tratados relativos o direito internacional dos direitos humanos) e do

direito comunitaacuterio europeu No corpo do que seria a antiga piracircmide kelseniana encontra-se

o crescimento e a consolidaccedilatildeo de um direito jurisprudencial atraveacutes de um jogo de

referecircncias reciacuteprocas em que um sistema observa o outro mas natildeo haacute um centro ao lado das

normas produzidas no legislativo (a intensa produccedilatildeo jurisprudencial para os hard cases

culmina em adiccedilatildeo de conteuacutedos advindos de ldquooutros direitosrdquo) e a base passa a ser composta

por decretos e regulamentos que resultam de administraccedilotildees policecircntricas corroborando para

a crenccedila de que o processo de internacionalizaccedilatildeo do direito vem acompanhado de

descentralizaccedilatildeo e privatizaccedilatildeo de fontes do Direito63

Diante deste quadro Delmas64

apresenta trecircs espeacutecies de processo de interaccedilatildeo para

se chegar a um direito comum coordenaccedilatildeo por entrecruzamento harmonizaccedilatildeo e unificaccedilatildeo

Destaca-se antes de discorrer brevemente sobre esses processos que o direito comum natildeo

tem a pretensatildeo de unificar o Direito no texto pois isso seria uma tarefa praticamente utoacutepica

A ideia de Delmas objetiva na realidade a exploraccedilatildeo da pluralidade como potencial poder

de integraccedilatildeo vez que as redes dinacircmicas e as estruturas vetorizadas pelos direitos humanos

presentes nas novas geometrias da ordem mundial se pautam no reconhecimento do outro em

uma espeacutecie de alteridade65

A coordenaccedilatildeo por entrecruzamento caracteriza-se por ser um processo horizontal em

que a autoridade das decisotildees seraacute reforccedilada pelo jogo de referecircncias cruzadas de uma

jurisdiccedilatildeo agrave outra Essa eacute uma fase transitoacuteria na construccedilatildeo de uma verdadeira ordem juriacutedica

mundial em que a internormatividade e a interpretaccedilatildeo cruzada permitem a formaccedilatildeo de no

miacutenimo uma comunidade de juiacutezes Em funccedilatildeo disso em acircmbito global percebem-se traccedilos

da coordenaccedilatildeo por entrecruzamento nos diaacutelogos entre cortes e tribunais nas mais diferentes

ordens No espaccedilo europeu a coordenaccedilatildeo eacute percebida da mesma forma atraveacutes dos diaacutelogos

entre as cortes nacionais e os tribunais da ldquopequena Europardquo e da ldquogrande Europardquo

respectivamente Tribunal de Luxemburgo e de Estrasburgo

Interessante notar conforme jaacute foi demonstrado que foram os diaacutelogos entre as cortes

nacionais dos diversos Estados membros da entatildeo Comunidade Europeia e posterior Uniatildeo

63

Ibid 2013 p20 64

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006 65

LOPES Carla Patriacutecia Frade Nogueira Internacionalizaccedilatildeo do Direito e pluralismo juriacutedico limites de

cooperaccedilatildeo no diaacutelogo de juiacutezes In Revista de Direito Internacional da Uniceub Vol 9 n4 2012

31

Europeia que auxiliaram no processo de consolidaccedilatildeo do entendimento de primazia das

normas comunitaacuterias ao lado da proteccedilatildeo integral aos direitos fundamentais previstos nas

constituiccedilotildees estatais Isso culminou conforme se asseverou anteriormente na disposiccedilatildeo do

Tratado de Lisboa de que a Uniatildeo Europeia natildeo soacute se submete agraves tradiccedilotildees e regras

constitucionais em mateacuteria de direitos fundamentais como adere agrave Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem

Se o primeiro processo de interaccedilatildeo eacute a coordenaccedilatildeo far-se-aacute de imediato a anaacutelise do

uacuteltimo processo a unificaccedilatildeo visto que o eacute no processo intermediaacuterio ndash a harmonizaccedilatildeo ndash que

se desenvolve o foco do presente estudo A unificaccedilatildeo seria do ponto de vista formal o

processo perfeito por unir ordens juriacutedicas regionais sob um mesmo modelo hieraacuterquico e

coerente das ordens nacionais tradicionais Entretanto sob o enfoque empiacuterico essa perfeiccedilatildeo

estaacute longe de ser garantida vez que a unificaccedilatildeo consiste na transferecircncia pura e simples do

regramento juriacutedico de um paiacutes para outro em uma espeacutecie de verticalizaccedilatildeo ordenada que

pode gerar a dominaccedilatildeo hegemocircnica de uma ordem sobre outra sem portanto respeito agrave

pluralidade

O processo intermediaacuterio de harmonizaccedilatildeo por sua vez tende a aproximar os sistemas

com um propoacutesito coordenativo poreacutem sem a intenccedilatildeo unificadora Tal processo limita-se a

uma integraccedilatildeo imperfeita cuja chave eacute a preservaccedilatildeo das margens nacionais de apreciaccedilatildeo

De modo diferente da coordenaccedilatildeo que eacute marcada pela horizontalidade da comunicaccedilatildeo entre

conjuntos juriacutedicos a harmonizaccedilatildeo instaura uma relaccedilatildeo do tipo vertical que implica o

reconhecimento de algumas hierarquias entre por exemplo direito internacional e nacional

direito supranacional e nacional dentre outras formas Todavia a inversatildeo destas hierarquias

e o reconhecimento muacutetuo fazem parte do movimento de harmonizaccedilatildeo

As margens nacionais de apreciaccedilatildeo satildeo as grandes novidades desse processo de

harmonizaccedilatildeo vez que elas funcionam em uma dinacircmica centriacutefuga e envolvem tanto a

obrigaccedilatildeo de conformidade em relaccedilatildeo agraves normas internacionais das quais determinado paiacutes eacute

signataacuterio quanto agrave apreciaccedilatildeo soberana dos Estados sendo delineada por princiacutepios

comuns66

A resistecircncia dos direitos internos e os avanccedilos do processo de harmonizaccedilatildeo satildeo

portanto as condiccedilotildees de possibilidade para a aplicaccedilatildeo da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

(MNA)

66

SALDANHA Jacircnia Maria Lopes MELLO Rafaela da Cruz Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e

Diaacutelogos Transjurisdicionais uma anaacutelise da postura do Supremo Tribunal Federal Brasileiro In Conselho

Nacional de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito - CONPEDI (Org) Direito Internacional dos Direitos

Humanos I XXIII EdFlorianoacutepolis CONPEDI 2014 v I p 368-394

32

Deste modo imperioso reconhecer que em um continente plural como eacute o europeu

com diversos paiacuteses com aspectos linguiacutesticos culturais religiosos e poliacuteticos a figura da

MNA apresenta-se como uma importante chave para o desenvolvimento e consolidaccedilatildeo de

um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos sendo uma ferramenta relevante

para o estabelecimento de um pluralismo ordenado uma vez que as pluralidades e

peculiaridades culturais e religiosas de cada Estado satildeo respeitadas

Neste sentido portanto a Europa pode ser vista novamente como um laboratoacuterio de

experiecircncias e o surgimento da MNA possui hoje um importante papel sobretudo dentro do

continente europeu Utilizada tanto pelos Tribunais de Luxemburgo e Estrasburgo a MNA

surgiu pela primeira vez na jurisprudecircncia do TEDH

Embora existam relatos do uso da MNA pelo Tribunal de Luxemburgo para permitir

que os conceitos comunitaacuterios sejam interpretados de modo flexiacutevel segundo as

especificidades nacionais e servindo como uma importante vaacutelvula de escape para as tensotildees

nacionais mais fortes neste trabalho far-se-aacute a limitaccedilatildeo da utilizaccedilatildeo da MNA pelo Tribunal

Europeu de Direitos do Homem com o intuito de analisar quais satildeo os entraves e as

possibilidades do uso de tal ferramenta pra a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de um direito comum

para a ldquogrande Europardquo tendo como base os direitos humanos

33

2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU

A noccedilatildeo de margem encontra-se no coraccedilatildeo dos sistemas de Direito uma vez que o

direito interno jaacute prevecirc a possibilidade de uma margem de interpretaccedilatildeo aos juiacutezes em relaccedilatildeo

agraves demandas que lhes satildeo apresentadas Todavia a internacionalizaccedilatildeo impulsiona ao

acreacutescimo do termo ldquonacionalrdquo a essa margem no sentido de permitir o reconhecimento da

diversidade dos sistemas juriacutedicos e a possibilidade de um direito comum

Nesse sentido no presente capiacutetulo far-se-aacute uma abordagem acerca da histoacuteria dessa

ferramenta criada pelo TEDH bem como o conceito e as criacuteticas trazidas por estudiosos da

doutrina da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) (21) Por conseguinte atraveacutes de uma

anaacutelise jurisprudencial se tentaraacute comprovar que a margem a despeito de opiniotildees contraacuterias

acerca da ausecircncia de paracircmetros para sua aplicaccedilatildeo pelo TEDH constitui-se como um

instrumento relevante para a construccedilatildeo de um direito comum europeu tendo como base

luminosa os direitos humanos (22)

21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem

Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu

Consoante fora anteriormente aludido a noccedilatildeo de margem encontra-se dentro dos

sistemas de direito Por isso em um primeiro momento aponta-se a margem dentro do direito

interno como ferramenta capaz de auxiliar o juiz enquanto receptor da norma a interpretar

determinado caso concreto em uma espeacutecie de coacutedigo cultural que determina o senso da

norma67

Nesse sentido a origem dessa margem de interpretaccedilatildeo adveacutem do direito

administrativo de diversos Estados europeus Na Franccedila a margem eacute conhecida como ldquomarge

67

DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation

du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit

compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780

34

drsquoappreacutecciationrdquo na Alemanha eacute vista como ldquoErmessensspielraumrdquo e na Itaacutelia ldquomarge de

discrizionalitaacuterdquo68

Em acircmbito interno portanto caracteriza-se por ser uma deferecircncia que

combina aspectos processuais e hermenecircuticos no sentido de conferir uma reserva de

apreciaccedilatildeo ao administrador para decidir acerca da conveniecircncia e oportunidade em relaccedilatildeo

aos atos administrativos

O processo de internacionalizaccedilatildeo estaacutegio supremo da globalizaccedilatildeo69

no acircmbito do

Direito se desenvolve a ponto de transformar o campo de uma disciplina de modo que

consoante jaacute fora exaustivamente exposto a seara juriacutedica natildeo se limita mais agrave relaccedilatildeo entre

Estados nem somente se combina com os direitos internos Logo o pluralismo pode ser visto

como uma palavra de ordem na paisagem juriacutedica atual e por isso a noccedilatildeo de margem ganha

o adjetivo ldquonacionalrdquo e passa a ser um elemento de tentativa de aproximaccedilatildeo com a finalidade

de atingir um direito comum com bases humanistas

Logo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) teria a finalidade de proceder a uma

espeacutecie de siacutentese entre os anseios de unidade juriacutedica e o desejo de separaccedilatildeo proveniente de

uma autonomia estatal A margem portanto sob o vieacutes da internacionalizaccedilatildeo corresponderia

ao caminho do meio entre o pressuposto de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o

relativismo ou os particularismos culturais de cada Estado

No contexto europeu em que tanto sob o vieacutes comunitaacuterio quanto sob a perspectiva do

sistema regional os Estados apresentam pluralidades significativas em relaccedilatildeo agrave religiatildeo agrave

cultura agrave poliacutetica dentre outros campos a figura da MNA serve como um importante

instrumento para aproximar o universal e o relativo70

Dessa maneira teria a funccedilatildeo de no

processo de construccedilatildeo de um direito comum apresentar como horizonte a universalidade dos

direitos humanos mas sem perder de foco os relativismos culturais que formam a identidade

das mais diferentes sociedades

Niacutetido portanto que o caminho para a construccedilatildeo de um ldquocomumrdquo em mateacuteria de

direitos humanos relaciona-se natildeo soacute com a proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua esfera eacutetica

e miacutenima como tambeacutem com a preservaccedilatildeo da pluralidade Como instrumento do processo de

harmonizaccedilatildeo a margem carrega em seu acircmago a noccedilatildeo de convergecircncia em torno de

princiacutepios comuns mas garantindo o respeito a uma espeacutecie de direito agrave divergecircncia uma vez

68

ITZCOVITCH Giulio One None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations The Lautsi Case

In Human Rights Law Review Oxford Journals 2013 Disponiacutevel em

httphrlroxfordjournalsorgcontent132toc Acesso 04 nov 2014 69

SANTOS Milton Teacutecnica Espaccedilo Tempo Globalizaccedilatildeo e meio teacutecnico-cientiacutefico-informacional 5ordf ed

Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2013 p 45 70

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b

35

que se garante a cada Estado a particularidade de lidar com questotildees atinentes agraves suas

diferenccedilas

Deste modo o Tribunal de Estrasburgo consoante fora dito anteriormente se utiliza

pela primeira vez do recurso agrave MNA no caso Lawless vs Irlanda71

Na discussatildeo cerne deste

conflito estava a possibilidade de prisatildeo provisoacuteria no caso dos atentados terroristas

relacionados ao grupo extremista IRA (Irish Republic Army) Mais especificamente o

cidadatildeo irlandecircs Gerard Richard Lawless ex-membro do IRA foi preso em julho de 1957 no

momento em que estava prestes a viajar da Irlanda agrave Gratilde-Bretanha Neste ato foi detido sob

especiais poderes de detenccedilatildeo indeterminada sem julgamento sob alegaccedilotildees de ofensas contra

o Estado irlandecircs

Lawless fazendo o uso da prerrogativa de peticcedilatildeo individual demandou perante a

Corte Europeia de Direitos do Homem alegando violaccedilatildeo pelo Estado Irlandecircs dos artigos 56

e 7 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem mas especificamente direitos de

liberdade seguranccedila julgamento justo e o princiacutepio de proibiccedilatildeo de puniccedilatildeo sem lei anterior

que defina um delito

No julgamento do caso em 1961 o Tribunal de Estrasburgo pela primeira vez fez

alusatildeo mesmo que de modo natildeo explicito agrave possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo

ao deixar ao Estado Irlandecircs margem para decidir fundamentando-se nas prerrogativas do

artigo 1572

da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Tal norma da Convenccedilatildeo alude agrave

possibilidade de derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade com a prerrogativa de que em

caso de guerra ou outro perigo puacuteblico que ameace a vida da naccedilatildeo a parte aderente agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem pode tomar providecircncias que derroguem as

obrigaccedilotildees previstas no tratado na estrita medida em que exigir a situaccedilatildeo

71

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57518itemid[001-57518] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lawless vs Irlanda Sentenccedila de 01 de julho de 1961 Acesso

05 nov 2014 72

Artigo 15 Derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade 1 Em caso de guerra ou de outro perigo puacuteblico que

ameace a vida da naccedilatildeo qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providecircncias que derroguem as obrigaccedilotildees

previstas na presente Convenccedilatildeo na estrita medida em que o exigir a situaccedilatildeo e em que tais providecircncias natildeo

estejam em contradiccedilatildeo com as outras obrigaccedilotildees decorrentes do direito internacional 2 A disposiccedilatildeo

precedente natildeo autoriza nenhuma derrogaccedilatildeo ao artigo 2deg salvo quanto ao caso de morte resultante de atos

liacutecitos de guerra nem aos artigos 3deg 4deg (paraacutegrafo 1) e 7deg 3 Qualquer Alta Parte Contratante que exercer este

direito de derrogaccedilatildeo manteraacute completamente informado o Secretaacuterio Geral do Conselho da Europa das

providecircncias tomadas e dos motivos que as provocaram Deveraacute igualmente informar o Secretaacuterio - Geral do

Conselho da Europa da data em que essas disposiccedilotildees tiverem deixado de estar em vigor e da data em que as da

Convenccedilatildeo voltarem a ter plena aplicaccedilatildeo CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS

DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014

36

Logo aplicando o referido artigo 15 da Convenccedilatildeo a decisatildeo do Tribunal de

Estrasburgo foi de no caso proposto asseverar que os fatos apurados natildeo revelam uma

violaccedilatildeo por parte do Governo irlandecircs de suas obrigaccedilotildees ao abrigo da Convenccedilatildeo Europeia

para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais Em razatildeo disso de a

motivaccedilatildeo do Tribunal para proferir a decisatildeo ter partido de uma prerrogativa da proacutepria

Convenccedilatildeo Europeia alguns autores73

natildeo fazem alusatildeo a este caso como o primeiro em que

houve concessatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo para Estado

Embora haja uma referecircncia tiacutemida agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso exposto

anteriormente eacute no caso linguiacutestico belga74

que se percebe uma manifestaccedilatildeo mais concreta

da Corte de Estrasburgo em relaccedilatildeo agrave deferecircncia de julgamento aos Estados precisando

alguns dos fundamentos da doutrina da MNA No caso belga julgado em 1968 pais que

falavam francecircs questionaram o sistema educacional da Beacutelgica que dividia o paiacutes em quatro

regiotildees linguiacutesticas distintas

O Tribunal de Luxemburgo aceitou uma margem de apreciaccedilatildeo conferida agraves partes em

funccedilatildeo de que os Estados possuiacuteam discricionariedade em relaccedilatildeo agrave regulamentaccedilatildeo do direito

agrave educaccedilatildeo A Corte argumentou que essa necessidade de concessatildeo de uma deferecircncia ou de

um limite de discricionariedade ao Estado era proveniente da natureza do proacuteprio direito

discutido (regulamentaccedilatildeo do sistema educacional) de modo que a regulamentaccedilatildeo do direito

agrave educaccedilatildeo poderia variar de acordo com o local e com o tempo consoante as necessidades e

os recursos da comunidade e dos indiviacuteduos

Ainda eacute possiacutevel destacar nesse caso a vinculaccedilatildeo da noccedilatildeo de margem de apreciaccedilatildeo

ao princiacutepio de subsidiariedade dos tribunais internacionais em relaccedilatildeo agraves cortes nacionais

Por isso o Tribunal manifestou-se asseverando que natildeo desejava substituir as autoridades

nacionais pois se assim o fizesse perderia a caracteriacutestica de mecanismo internacional de

garantia da ordem instaurada pela Convenccedilatildeo

73

KRATOCHVIL Jan The inflation of the margin of appreciation by european court of human rights In

Netherlands Quarterly of Human Rights Vol 293 2011 p 324-357 Disponiacutevel em ww corteidhorcr

tablas r26992pdf Acesso 01 nov 2014

VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um

equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em

httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 74

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httpwww9euskadineteuskara_araubideaLegedialegeakgaztelaneuropas23b001pdf CORTE EUROPEIA

DE DIREITOS HUMANOS Caso linguiacutestico belga Sentenccedila de 23 de julho de 1968 Acesso 05 nov 2014

37

Essa subsidiariedade conduz agrave MNA duas noccedilotildees75

uma noccedilatildeo teacutecnica e outra

poliacutetica Na noccedilatildeo teacutecnica a razatildeo para sua existecircncia relaciona-se com a imprecisatildeo de

algumas normas que conferem certa liberdade ao juiz internacional No campo poliacutetico a

relaccedilatildeo se evidencia pela sensibilidade dos Estados em relaccedilatildeo a temas polecircmicos

Sob essa oacutetica e embora esse natildeo seja o foco do presente trabalho pode-se afirmar que

a MNA eacute uma figuram importante tanto para o horizonte de criaccedilatildeo de um direito comum

europeu como para a consolidaccedilatildeo do direito comunitaacuterio europeu Isso porque este uacuteltimo

embora tenha sido baseado em um ideal federalista funda-se na realidade em um modelo de

governanccedila supranacional em que a MNA foi importada pelo Tribunal de Luxemburgo a fim

de ser uma vaacutelvula de escape para tensotildees fortes em acircmbito comunitaacuterio76

O TJUE deste modo permite que os conflitos comunitaacuterios sejam interpretados de

maneira flexiacutevel conforme especificidades nacionais Cada Estado pode atribuir seu proacuteprio

significado a expressotildees ou textos legais de interpretaccedilatildeo ampla devendo-se contudo

vincular aos princiacutepios e conceitos juriacutedico-legais do direito comunitaacuterio

No campo de construccedilatildeo de um direito comum europeu que tem como terreno o

sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos tal premissa natildeo eacute diferente Embora em

alguns casos o TEDH opte pela concessatildeo da margem de deferecircncia essa soacute pode ser aplicada

pelo Estado se este observar os princiacutepios que regem o instrumento legal base da Corte qual

seja a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) Deste modo o Estado natildeo fica

desobrigado do cumprimento da Convenccedilatildeo pois em tese apenas existiraacute margem para

pontos sensiacuteveis desta os quais permitem interpretaccedilotildees diferenciadas de acordo com os

particularismos nacionais e os desacordos culturais

Nesse sentido conforme se observou pelos casos citados com ecircnfase para o caso

Lawless vs Irlanda uma primeira aplicaccedilatildeo da doutrina da margem vinculou-se ao processo

de sedimentaccedilatildeo do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos vez que tal

caso foi um dos primeiros a ser julgado pelo Tribunal de Estrasburgo aleacutem de conforme fora

dito ter sido o primeiro no acircmbito da criaccedilatildeo e uso da MNA Em razatildeo desse contexto a

utilizaccedilatildeo do instrumento em questatildeo deu-se em funccedilatildeo de uma demanda que envolvia

questatildeo de seguranccedila interna de um paiacutes e por isso a aplicaccedilatildeo da deferecircncia de julgamento agrave

Irlanda daacute-se tambeacutem como uma teacutecnica poliacutetica para evitar tensotildees entre esfera internacional

75

DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation

du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit

compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780 76

VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade

de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014

38

e nacional (esta ainda arraigada ao conceito claacutessico de soberania) no acircmbito de um sistema

que tinha sido criado recentemente

Sob tal vieacutes pode-se recorrer agrave explicaccedilatildeo de Marcelo Varella77

de que a margem

deve ser aplicada para temas polecircmicos em que abusos exegeacuteticos por parte do tribunal de

cariz internacional podem levar agrave perda de legitimidade deste Contudo com o

desenvolvimento da teoria da MNA tanto por doutrinadores como pela proacutepria jurisprudecircncia

do tribunal que a criou percebe-se que o seu uso em grande medida relaciona-se com o

embate entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo nacional em mateacuteria de

desacordos culturais

Natildeo obstante a existecircncia de criacuteticas sobre a aplicaccedilatildeo praacutetica atual da MNA pelo

TEDH o que seraacute objeto de anaacutelise na sequencia do presente trabalho eacute com a figura da

deferecircncia da margem nacional que se torna possiacutevel um pluralismo de justaposiccedilatildeo78

que

tolera a coexistecircncia de sistemas particularmente diferentes Somente a possibilidade de

acoplamento do adjetivo nacional ao substantivo margem ou seja uma transferecircncia de

conceito desse substantivo para outra esfera que natildeo agrave interna de cada paiacutes jaacute demonstra que

uma ruptura com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito jaacute iniciou e ainda estaacute em curso

A ruptura com a concepccedilatildeo tradicional unificada e estritamente hierarquizada de

ordem juriacutedica leva a uma ruptura epistemoloacutegica com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito

Isso permite natildeo soacute a existecircncia e aplicaccedilatildeo de uma margem nacional de apreciaccedilatildeo como

demonstra a possibilidade de concretizaccedilatildeo do ideal de um direito comum que por ser

pluralista natildeo pode ser projetado conforme o modelo tradicional e nem encontra campo para

isso em funccedilatildeo do novo mosaico juriacutedico existente sobretudo na Europa

Logo eacute possiacutevel afirmar que a margem a que se refere esse trabalho natildeo deixa de ser

um reconhecimento jurisprudencial dessa mudanccedila de ares trazida pelas novas configuraccedilotildees

e estruturas juriacutedicas Isso porque novas instituiccedilotildees emergem em meio de um caos juriacutedico

que natildeo passa despercebido pelas cortes internacionais Prova disso eacute que a MNA natildeo eacute

mencionada somente pelo TEDH Ainda que de modo muito tiacutemido e em pequena medida eacute

possiacutevel o destaque de citaccedilatildeo (e aplicaccedilatildeo) da referida doutrina pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos79

Embora o continente latino americano seja tatildeo ou mais plural e diversificado que o

europeu e que o uso da margem como instrumento de siacutentese entre relativo e universal seja

77

Ibid 2012 p 143 78

DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 757 79

POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema

interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012

39

teoricamente indicado para sedimentar as bases de construccedilatildeo de um direito comum pluralista

a aplicaccedilatildeo do instituto em solo americano ainda natildeo ocorre de modo significativo Sob esse

vieacutes o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Seacutergio Garcia Ramirez80

asseverou

que a margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute uma ferramenta e um princiacutepio europeu de relativismo

relativo agrave execuccedilatildeo que natildeo eacute visto com simpatia pela Corte maacutexima do sistema regional

americano de direitos humanos Isso em funccedilatildeo natildeo soacute do histoacuterico de demandas que

chegaram ao julgamento da Corte Interamericana ndash em grande parte envolvendo violaccedilotildees de

direitos humanos perpetradas pelo Estado durante os periacuteodos de ascensatildeo de autoritarismos e

ditaduras na Ameacuterica Latina ndash como tambeacutem em razatildeo das democracias latino-americanas

ainda estarem em fase de consolidaccedilatildeo

Deste modo em razatildeo da ausecircncia ateacute entatildeo de casos envolvendo desacordos

culturais e das recentes reinserccedilotildees ou inserccedilotildees democraacuteticas de paiacuteses do continente

americano temia-se que eventual aplicaccedilatildeo de MNA poderia ser compreendida pelos Estados

como um salvo-conduto para que houvesse violaccedilatildeo de direitos humanos pelos paiacuteses A

cautela e a percepccedilatildeo de paisagens diferentes entre os territoacuterios separados pelo Atlacircntico

fizeram e fazem com que ainda hoje a doutrina da margem tenha pouca ou quase nenhuma

aplicaccedilatildeo na Ameacuterica

Deste modo pode-se afirmar que a internacionalizaccedilatildeo do direito - e seus reflexos na

Europa - eacute a responsaacutevel pela criaccedilatildeo de um espaccedilo para o desenvolvimento da doutrina da

margem nacional de apreciaccedilatildeo Nesse sentido embora a criaccedilatildeo tenha sido jurisprudencial

por parte do TEDH com aplicaccedilatildeo em alguns casos pelo proacuteprio Tribunal de Luxemburgo eacute

importante avaliar de que modo a doutrina conceitua o referido instituto

A posiccedilatildeo adotada por este trabalho eacute a de Mireille Delmas-Marty81

que salienta em

suas obras a origem nacional da margem nacional ainda como uma margem de interpretaccedilatildeo

capaz de conferir um pluralismo de valores do tipo meta juriacutedico em uma espeacutecie de

deferecircncia para apreciaccedilatildeo do juiz receptor de determinada norma Todavia a margem

relativa agrave internacionalizaccedilatildeo liga-se ao reconhecimento da diversidade de sistemas juriacutedicos

os quais possuem algumas caracteriacutesticas peculiares ligadas agraves identidades do Estado em que

se encontram

80

Tal posicionamento de Seacutergio Garciacutea Ramirez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema Internacional de

Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de 19 e 20 de agosto

de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado ndash da Pontifiacutecia

Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS 81

DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 762

40

Em razatildeo disso para a autora a noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo aleacutem de ser

uma siacutentese entre o universal e o relativo eacute uma chave do pluralismo ordenado Desse modo

sua construccedilatildeo assemelha-se de um lado agrave expressatildeo de uma dinacircmica centriacutefuga ou seja

uma resistecircncia dos Estados agrave integraccedilatildeo e o apego agrave noccedilatildeo claacutessica de soberania e de outro

lado sendo ela limitada por princiacutepios comuns estabelece o miacutenimo de compatibilidade

voltando-se ao centro em uma dinacircmica centriacutepeta

Haacute portanto um movimento duplo que por vezes traduz as resistecircncias dos direitos

nacionais por vezes os avanccedilos rumo agrave harmonizaccedilatildeo do direito comum em mateacuteria de

direitos humanos Eacute justamente essa capacidade de oscilaccedilatildeo que permite os ajustamentos

com vistas a compatibilizar o interno com o comum com o intuito nem de criar uma

hegemonia do universal e nem de tornar inaplicaacutevel o direito comum em razatildeo das

particularidades Desta forma Delmas percebe a margem como uma teacutecnica juriacutedica presente

no acircmbito do fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo do direito e que permite o reconhecimento da

diversidade entre os sistemas juriacutedicos82

Benvenisti83

por sua vez visualiza no uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo uma

espeacutecie de latitude que cada sociedade tem na resoluccedilatildeo de conflitos inerentes entre os

direitos individuais e os interesses nacionais ou entre diferentes convicccedilotildees morais Por

conseguinte alude que a doutrina da margem consoante inclusive fora abordado

anteriormente neste trabalho respondeu inicialmente a preocupaccedilotildees de governos nacionais

de que as poliacuteticas internacionais pudessem comprometer a seguranccedila nacional Isso entatildeo

explicaria a invocaccedilatildeo da margem no caso Lawless vs Irlanda por exemplo

Com a evoluccedilatildeo da jurisprudecircncia o uso desse instrumento passou a ser aplicado por

outras razotildees como gestatildeo de recursos discricionariedade em relaccedilatildeo a questotildees

concernentes agrave deliberaccedilatildeo acerca de sistemas poliacuteticos educacionais entre outros ateacute passar

a ser utilizada em temas relativos aos desacordos culturais Ainda segundo Bevenisti84

a

utilizaccedilatildeo da margem se justifica em alguns casos e em algumas mateacuterias ndash para o autor por

exemplo a aplicaccedilatildeo da margem nacional natildeo se justifica quando em questatildeo se encontram o

direito de minorias - sendo que o uso ampliado ou desmedido pode gerar uma espeacutecie de

deslegitimaccedilatildeo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos

82

Ibid 2000 p 760 83

BENVENISTI Eyal Margin of apreciation consensus and universal standards In International Law and

Politics Vol 31843 1999 pp 843-854 Disponiacutevel em httpwwwpict-

pctiorgpublicationsPICT_articlesJILPBenvenistipdfp 853 Acesso 05 nov 2014 84

Ibid 1999 p 846

41

Para Poblete amp Alvarado85

a margem nacional de apreciaccedilatildeo liga-se agrave noccedilatildeo de fins e

limites da jurisdiccedilatildeo internacional ou supranacional em mateacuteria de direitos humanos Eles

reconhecem que a doutrina da margem concede aos Estados signataacuterios de convenccedilotildees

internacionais liberdade para apreciar as circunstacircncias materiais que exigem aplicaccedilatildeo de

medidas excepcionais em situaccedilatildeo de emergecircncia como eacute o caso das prerrogativas do artigo

15 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de derrogaccedilatildeo em caso de necessidade

Outrossim ainda segundo os mencionados autores a margem possibilita aos Estados

liberdade para limitar direitos reconhecidos em tratados internacionais quando outros direitos

exigem respeito ou assim exigem os interesses da comunidade Ainda serviria para definir os

conteuacutedo dos direitos delimitar como eles satildeo aplicados no plano interno e definir o modo

como seratildeo cumpridas resoluccedilotildees de um oacutergatildeo internacional de supervisatildeo de um tratado ou

convenccedilatildeo Dessa maneira tais autores identificam a doutrina da MNA como uma

metodologia de que se servem os tribunais internacionais para difundir os direitos humanos

previstos nos tratados internacionais bem como o direito do comeacutercio ndash a margem tambeacutem eacute

aplicada pela Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio (OMC)

Vila86

por sua vez percebe na doutrina da marem nacional de apreciaccedilatildeo uma espeacutecie

de ldquodeferecircnciardquo praticada pelo Tribunal de Estrasburgo em relaccedilatildeo aos Estados signataacuterios da

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Isso pelo fato de que o sistema de proteccedilatildeo dos

diretos humanos na Europa eacute resultado de uma divisatildeo de trabalho entre os Estados e a Corte

em que os primeiros satildeo responsaacuteveis primaacuterios desta proteccedilatildeo e a Corte possui um caraacuteter

subsidiaacuterio atuando em acircmbitos sensiacuteveis como o da moralidade e da religiatildeo em que natildeo haacute

consenso entre os Estados

Nesse mesmo sentido se situa o pensamento de Roca87

que afirma que a doutrina da

margem nacional de apreciaccedilatildeo ocupa um lugar de destaque na jurisprudecircncia do Tribunal

Europeu de Direitos Humanos e eacute necessaacuteria para refletir uma realidade evidente qual seja a

pluralidade cultural dos Estados que fazem parte do Conselho da Europa notaacutevel em um

pluralismo de base territorial sobre o qual assenta uma cultura comum europeia de alguns

miacutenimos

85

POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema

interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012 p5 86

VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um

equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em

httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 87

ROCA JavierGarciacutea La muy discrecional doctrina del margen de apreciacioacuten nacional seguacuten el Tribunal

Europeo de Derechos Humanos Soberaniacutea e Integracioacuten In UNED Teoriacutea y Realidad Constitucional N

202007 p 117-143 Disponiacutevel em httpe-spaciounedes revistasuned indexphp TRC article vie 6778

Acesso 02 nov 2014

42

Da mesma forma considera o autor que os princiacutepios da proporcionalidade e da

subsidiariedade satildeo imanentes agrave noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo visto que os

Estados possuem certa margem de discricionariedade na aplicaccedilatildeo e no cumprimento de

obrigaccedilotildees impostas pela Convenccedilatildeo bem como na ponderaccedilatildeo de interesses mais

complexos Se houver excesso por parte dos Estados no uso dessa margem haacute violaccedilatildeo do

princiacutepio da proporcionalidade e abre-se espaccedilo para a intervenccedilatildeo do oacutergatildeo jurisdicional

internacional sob as bases do princiacutepio da subsidiariedade

Eacute importante sob essa oacutetica lembrar que embora o diferencial da Corte Europeia de

Direitos Humanos seja o de permitir a peticcedilatildeo individual de qualquer sujeito que denuncie

uma violaccedilatildeo de seus direitos baacutesicos assim como outros tribunais internacionais tem a regra

da exigecircncia do esgotamento das vias internas de acesso agrave justiccedila para que a demanda seja

recebida pelo TEDH Se natildeo houve satisfaccedilatildeo do pleito por parte do Estado ou se a reparaccedilatildeo

obtida se revelara inidocircnea para uma proteccedilatildeo adequada ao direito violado entatildeo agrave Corte

Europeia eacute permitido revisar a decisatildeo nacional ou substituiacute-la

Mahorney88

em seus estudos assevera que a margem funciona como uma espeacutecie de

divisatildeo de jurisprudecircncias uma vez que traccedila uma linha divisoacuteria entre o que deve decidir

cada comunidade nacional e as questotildees que tecircm relevacircncia para necessitar uma soluccedilatildeo

homogecircnea ou seja as que demandam uma decisatildeo que harmonize a regulaccedilatildeo do direito e

suas garantias na comunidade internacional independentemente das diferenccedilas de tradiccedilotildees

ou culturas

Contreras89

afirma que os tratados regionais de direitos humanos embora contenham

escopos de universalidade em relaccedilatildeo a esses direitos satildeo acompanhados pela possibilidade

de peculiaridades geograacuteficas na execuccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos direitos do homem As cortes

internacionais tecircm a dificuldade de conciliar ou justificar a falta de conciliaccedilatildeo entre

diferenccedilas morais e normativas de cada regiatildeo Em razatildeo disso uma das criaccedilotildees doutrinaacuterias

mais importantes eacute a da margem nacional de apreciaccedilatildeo sendo esta para o autor um criteacuterio

interpretativo desenvolvido tanto como deferecircncia aos Estados para que possam regular o

conteuacutedo dos direitos e suas restriccedilotildees e para distribuir os poderes e niacuteveis de decisotildees

tomadas entre as autoridades domeacutesticas e internacionais

88

MAHORNEY Paul Marvellous richness diversity or individual cultural relativism In Human Rights Law

Journal Vol 19 nuacutem 1 30 de abril de 1998 p 1 89

CONTRERAS Pablo National Discretion and International Deference in the Restriction of Human Rights A

Comparison Between the Jurisprudence of the European and the Inter-American Court of Human Rights In

Northwestern Journal of International Human Rights Vol 11 2012 Disponiacutevel em

httpscholarlycommonslawnorthwesterneducgiviewcontentcgiarticle=1155ampcontext=njihr Acesso 01 nov

2014

43

Visiacutevel portanto que na doutrina natildeo haacute um contexto exato em relaccedilatildeo a essa figura

criada e aplicada na jurisprudecircncia do TEDH Enquanto para alguns estudiosos ela se

configura como uma doutrina para outros eacute um criteacuterio interpretativo ou hermenecircutico usado

pelos tribunais internacionais no sentido de revisar a decisatildeo de um Estado ou conceder

deferecircncia a este para julgar conforme o direito interno coadunado com os princiacutepios miacutenimos

existentes nos tratados internacionais de direitos humanos

Natildeo obstante a divergecircncia de conceituaccedilatildeo no campo teoacuterico analisar-se-aacute no

proacuteximo capiacutetulo alguns casos emblemaacuteticos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de apreciaccedilatildeo

pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos mais diferentes tema com o intuito de

responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel afirmar que do modo como eacute aplicada a

doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo pela Corte Europeia de Direitos do Homem

temos uma efetiva contribuiccedilatildeo para o processo de harmonizaccedilatildeo entre universal e relativo e

construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos

Embora a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo tenha nascido da tentativa de

produccedilatildeo de uma siacutentese entre o universal e o relativo no espaccedilo do sistema regional europeu

de proteccedilatildeo dos direitos humanos sua aplicaccedilatildeo praacutetica sobretudo pelo TEDH natildeo eacute imune a

criacuteticas Cumpre a esse capiacutetulo realizar notas acerca da aplicaccedilatildeo praacutetica da margem

nacional de apreciaccedilatildeo com o intuito de verificar se ela efetivamente contribui ou eacute capaz de

contribuir para a construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

Conforme afirmam Brum et Saldanha90

a MNA ao ser compreendida e utilizada como

uma forma de autocontrole por meio do qual o oacutergatildeo jurisdicional internacional evita o

enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas poliacutetica pode

representar um risco de fragilizaccedilatildeo do direito internacional dos direitos humanos caso seu

uso se torne indiscriminado sem criteacuterios claros e limites precisos Desta maneira seu uso em

vez de conduzir ao caminho de ordenaccedilatildeo do muacuteltiplo e de mundializaccedilatildeo dos direitos

90

BRUM Maacutercio Morais SALDANHA Jacircnia Maria Lopes A margem nacional de apreciaccedilatildeo e sua

(in)aplicaccedilatildeo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em mateacuteria de anistia Uma figura hermenecircutica a

serviccedilo do pluralismo ordenado In Anuario Mexicano de Derecho Internacional 2015(No prelo para

publicaccedilatildeo)

44

humanos levaria ao rumo contraacuterio da fragmentaccedilatildeo e reforccedilo da velha noccedilatildeo de soberania

marcada pela ausecircncia de compromisso dos Estados com os marcos protetivos miacutenimos do

direito internacional

Neste vieacutes portanto dentro ainda de um panorama geral de anaacutelise da postura do

Tribunal de Estrasburgo um dos primeiros pontos de criacutetica se relaciona ao enfraquecimento

da credibilidade do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos Na visatildeo de

alguns doutrinadores a postura da Corte Europeia na aplicaccedilatildeo irrestrita e sem limitaccedilotildees ou

uma sistematizaccedilatildeo teacutecnica em relaccedilatildeo aos casos em que deve ou natildeo ser aplicada pode gerar

um sentimento de descrenccedila na legitimidade e na eficaacutecia das decisotildees tomadas pelo oacutergatildeo

jurisdicional internacional do Conselho da Europa

Para alguns estudiosos o modo como a margem eacute aplicada reflete uma postura de

evitar o enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas

poliacuteticas Aleacutem de uma fragilizaccedilatildeo do sistema internacional de proteccedilatildeo aos direitos humanos

o uso da margem sem limites definidos pode levar ao reforccedilo da noccedilatildeo claacutessica de soberania

em que o compromisso dos Estados com os instrumentos normativos de direito internacional

era mitigado

No campo de aplicaccedilatildeo a casos praacuteticos eacute possiacutevel conforme assevera Roca91

visualizar as imprecisotildees praacuteticas e teoacutericas do uso da margem o que leva a dois resultados o

primeiro eacute a necessidade de criaccedilatildeo de esforccedilos com urgecircncia para melhor edificar e criar

paracircmetros para a aplicaccedilatildeo da ferramenta bem como que o demandante ou qualquer

observador perante a Corte natildeo saber com suficiente seguranccedila juriacutedica quando o Tribunal

de Estrasburgo vai usar a margem nem quais seratildeo os possiacuteveis resultados desse uso

Ainda segundo o autor a margem eacute um instrumento impreciso e de geometria

variaacutevel todavia eacute consenso entre os doutrinadores que a ferramenta natildeo eacute uma carta branca

aos Estados para fazerem o que quiserem sendo necessaacuteria depuraccedilatildeo teoacuterica para tornar o

instrumento mais preciso Seu uso impotildee como jaacute foi dito autocontenccedilatildeo por parte da Corte

tendo em vista que sua funccedilatildeo segundo o princiacutepio da subsidiariedade eacute somente de impor

estandartes miacutenimos comuns em mateacuteria de direitos humanos Entretanto o niacutevel de proteccedilatildeo

dos direitos dos direitos e das diversas foacutermulas para concretizaacute-los natildeo satildeo homogecircneos

diante de naccedilotildees com tradiccedilotildees juriacutedicas tatildeo diversas

Desta maneira no campo jurisprudencial com a finalidade de responder ao

questionamento feito no capiacutetulo anterior utilizar-se-aacute de modo conjunto as classificaccedilotildees das

91

ROCA op cit 125

45

decisotildees da Corte Europeia dos Direitos do Homem feitas por Contreras e por Roca Para o

primeiro doutrinador92

eacute possiacutevel dividir os casos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de

apreciaccedilatildeo pelo Tribunal de Estrasburgo em trecircs grandes grupos

O primeiro grupo abarca casos envolvendo direitos fundamentais e direitos poliacuteticos

dentre os quais se destacam a proibiccedilatildeo da tortura ou a liberdade de expressatildeo e associaccedilatildeo

Nesse primeiro grupo no que tange aos direitos fundamentais haacute rigorosa supervisatildeo por

parte do Tribunal Europeu negando qualquer margem nacional de apreciaccedilatildeo aos Estados

Ainda dentro deste conjunto no que concerne aos discursos poliacuteticos ou direito de partidos

poliacuteticos eacute por vezes concedida uma margem reduzida agraves autoridades domeacutesticas para

decisatildeo ou execuccedilatildeo de uma decisatildeo

O segundo grupo por sua vez relaciona-se aos direitos de propriedade em que a

Corte concede grande margem de deferecircncia aos Estados Isso porque o TEDH reconhece em

princiacutepio que as autoridades nacionais estatildeo melhor situadas do que o juiz internacional no

que tange a apreciaccedilatildeo acerca do melhor interesse de uma comunidade em relaccedilatildeo a poliacuteticas

envolvendo direitos de propriedade

Por fim o terceiro grupo eacute o mais complexo para a apreciaccedilatildeo do tipo de margem

concedida pelo Tribunal de Estrasburgo uma vez que conteacutem temas que natildeo apresentam

consenso por parte do Tribunal Deste modo neste grupo ficam evidentes as complexidades e

as vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis da MNA Casos como os de liberdade religiosa liberdade de

discurso direitos dos homossexuais dentre outros temas latentes e relevantes na paisagem

juriacutedica social e cultural europeia

Do mesmo modo Roca93

divide a margem nacional de apreciaccedilatildeo em trecircs ciacuterculos

concecircntricos tendo como base a natureza dos direitos cuja tutela eacute pleiteada junto ao oacutergatildeo

jurisdicional internacional do sistema europeu O primeiro ciacuterculo de Roca relaciona-se com o

segundo grupo de Contreras vez que trata dos direitos de propriedade que teriam uma

margem de deferecircncia ampla e um controle pouco intenso por parte da Corte Esse ciacuterculo

seria o maior e englobaria os demais

No ciacuterculo menor estariam os direitos vistos como absolutos pelo Tribunal Europeu

Dentre esses se destacam o direito agrave vida ou os direitos democraacuteticos que apresentam uma

margem de apreciaccedilatildeo pouco extensa juntamente com um controle restrito por parte da Corte

Europeia Este ciacuterculo identifica-se com o primeiro grupo anteriormente mencionado visto

92

CONTRERAS op cit p 35 93

ROCA op cit p 134

46

que trabalha com noccedilotildees de direitos fundamentais e poliacuteticos essenciais e miacutenimos para todos

os paiacuteses europeus

Por fim no espaccedilo intermediaacuterio entre esses dois ciacuterculos encontra-se uma esfera

meacutedia que relacionando-se com o terceiro grupo definido por Contreras contempla todos os

outros direitos em que alguma vez o Tribunal de Estrasburgo mencionou ou aplicou a margem

nacional de apreciaccedilatildeo Eacute justamente nesse ciacuterculo que devem ser desenvolvidos os

paracircmetros para guiar o uso da ferramenta pela Corte no intuito de reduzir a inseguranccedila

juriacutedica ocasionada pelo uso sem uma sistematizaccedilatildeo de criteacuterios

Eacute pertinente em um primeiro momento destacar que conforme ambos os

doutrinadores demonstram quando se mencionam direitos fundamentais ou vinculados agrave

princiacutepios democraacuteticos inaplicaacutevel eacute o uso da margem pela Corte ou se for feito eacute de forma

absolutamente restrita No caso dos direitos fundamentais interessante relembrar Baez94

que

ao buscar o conceito de direitos humanos concluiu que nenhuma fonte normativa existente

tanto em sistemas internacionais quanto nacionais ou regionais trazem a definiccedilatildeo de direitos

humanos Pelo contraacuterio soacute os exemplificam

Nesse sentido observou Baez95

que embora natildeo exista uma definiccedilatildeo precisa de

direitos humanos existem elementos baacutesicos que fazem parte desses e o elemento que eacute

citado em todos os instrumentos normativos sobre o tema eacute o de dignidade da pessoa humana

Os direitos humanos somente existem para realizaccedilatildeo e proteccedilatildeo da dignidade humana poreacutem

o conceito de dignidade eacute de tatildeo difiacutecil conceituaccedilatildeo quanto o conceito de direitos humanos

O autor conclui que a dignidade possui duas dimensotildees a dimensatildeo baacutesica a qual

corresponde aos limites miacutenimos e fundamentais para a existecircncia humana impedindo a

noccedilatildeo de coisificaccedilatildeo do ser Se houver portanto violaccedilatildeo agrave dimensatildeo baacutesica da dignidade da

pessoa humana haacute tambeacutem violaccedilatildeo dos direitos humanos A outra dimensatildeo eacute a cultural vez

que envolve o conjunto de valores que cada sociedade desenvolve

A primeira dimensatildeo refere-se agrave universalidade e a segunda que depende de fatores

culturais permite que os direitos humanos sejam morfologicamente assimeacutetricos Isso natildeo

deixa de se relacionar com o que Delmas-Marty fala acerca dos direitos humanos

inderrogaacuteveis ou seja que natildeo podem sofrer a incidecircncia de qualquer tipo de margem de

94

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos

humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da

UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em

httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014 95

Tal posicionamento de Narciso Leandro Xavier Baez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema

Internacional de Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de

19 e 20 de agosto de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado

ndash da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS

47

apreciaccedilatildeo Estes possuem a caracteriacutestica do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano

ou seja vinculam-se agrave noccedilatildeo da dimensatildeo baacutesica da dignidade da pessoa humana

Neste vieacutes eacute possiacutevel dizer que no que diz respeito aos direitos fundamentais a Corte

de certa forma apresenta certa relaccedilatildeo com as doutrinas apresentadas uma vez que em casos

em que existam registros de violaccedilotildees aos direitos humanos inderrogaacuteveis quais sejam os

que tem como cerne a dignidade humana baacutesica a Corte natildeo permite qualquer espeacutecie de

margem nacional de apreciaccedilatildeo Vejamos por exemplo o caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila96

julgado em 2006 O demandante perante o Tribunal de Estrasburgo foi um terrorista

venezuelano conhecido na deacutecada de 1970 condenado pelo Estado Francecircs agrave prisatildeo perpeacutetua

pelo assassinato em 1974 dois inspetores da poliacutecia francesa e um antigo companheiro

terrorista libanecircs

Saacutenchez recorreu agrave Corte Europeia arguindo violaccedilotildees do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo

Europeia dos Direitos do Homem (proibiccedilatildeo da tortura e tratamentos humanos degradantes) e

do artigo 13 do mesmo diploma legal (direito a um recurso efetivo) Embora no julgamento

tenha ficado decidido que natildeo houve violaccedilatildeo ao artigo 3ordm97

o posicionamento da Corte

permite asseverar que natildeo haacute margem nacional de deferecircncia aos Estados quando o assunto

for violaccedilatildeo de direitos humanos ou fundamentais inderrogaacuteveis ou cujo nuacutecleo central for a

dignidade baacutesica da pessoa humana Nesse sentido a Corte pontuou que mesmo nas

circunstacircncias mais difiacuteceis como a luta contra o terrorismo ou o crime organizado a

Convenccedilatildeo proiacutebe em termos absolutos a tortura ou tratamentos inumanos ou degradantes

Igualmente natildeo confere o Tribunal margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso de

violaccedilatildeo de direitos humanos nas condiccedilotildees degradantes das prisotildees de muitos paiacuteses do Leste

Europeu O caso Kalashnikov vs Ruacutessia98

julgado em 15 de julho de 2002 cujo fundamento

foi repetido em muitos outros casos envolvendo condiccedilotildees humanas degradantes nas prisotildees

apresenta a consideraccedilatildeo de que deficientes condiccedilotildees objetivas e estruturais de cumprimento

de pena podem constituir uma violaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo Europeia

96

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-

1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila Sentenccedila

de 04 de julho de 2006 Acesso 05 nov 2014 97

Artigo 3ordm Proibiccedilatildeo da tortura Ningueacutem pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos desumanos

ou degradantes CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS

LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 98

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-

1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Kalashnikov vs Ruacutessia Sentenccedila de 15

de julho de 2002 Acesso 05 nov 2014

48

Ainda pode-se destacar o caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria99

em que novamente o motivo

que serve de base para o pedido de julgamento do Tribunal de Estrasburgo eacute a violaccedilatildeo do

artigo 3ordf da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de que ningueacutem poderaacute ser

submetido a torturas nem a penas ou tratamentos humanos degradantes O caso em comento

referiu-se agrave prisatildeo do senhor Borislav Gutsanov membro do Partido Comunista preso pela

poliacutecia da Bulgaacuteria em sua casa na frente de seus filhos e de sua esposa durante as

investigaccedilotildees de esquemas de grupos criminosos Segundo o relato das partes demandantes

Gustsanovi foi rendido em sua casa por volta das seis horas da manhatilde forccedilado a se ajoelhar e

algemado em frente a seus filhos menores de idade

A decisatildeo da Corte foi a de considerar que houve violaccedilatildeo do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo

uma vez que se mostrou desnecessaacuterio o ato dos policiais e natildeo condizente com os princiacutepios

da proporcionalidade e com as exigecircncias de garantia de direitos fundamentais de um Estado

Democraacutetico de Direito Isso porque o demandante natildeo teria oferecido resistecircncia em sua

prisatildeo de modo que algemaacute-lo diante de sua famiacutelia representou uma espeacutecie de tratamento

humano degradante

Casos como os acima previstos mostram um padratildeo doutrinaacuterio e jurisprudencial

semelhante vez que natildeo se encontram referecircncias expressas a qualquer margem nacional de

apreciaccedilatildeo para as autoridades nacionais O TEDH determina se as provas colhidas satildeo

suficientes ou natildeo para provar o real risco de tortura ou de tratamento humano e

degradante100

Logo pelo fato de que a natureza dos direitos envolvidos nesse caso eacute considerada

como fundamental de imediato eliminam-se as possibilidades de deferecircncia aos Estados Tal

compreensatildeo eacute o que faz o uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo ser extremamente reduzido

no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos Isso porque ateacute hoje diferentemente do Tribunal de Estrasburgo a Corte

Interamericana teve como maioria de demandas apresentadas as envolvendo delitos

praticados pelos Estados Americanos durante as ditaduras militares ou civil militares em que

casos de tortura e desaparecimento forccedilados eram julgados ou seja casos envolvendo a

violaccedilatildeo de direitos fundamentais ou humanos em sua perspectiva eacutetica de dignidade humana

e natildeo cultural

99

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-126982itemid[001-126982] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria Sentenccedila de 15 de outubro de 2013

Acesso 05 nov 2014 100

CONTRERAS op cit p 41

49

Nesse aspecto visiacutevel que quando se tratam de possiacuteveis violaccedilotildees de direitos

humanos inderrogaacuteveis previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos

a anaacutelise feita pelo Tribunal de Estrasburgo eacute de revisatildeo minuciosa da sentenccedila proferida no

paiacutes de origem da demanda bem como a possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute

extremamente reduzida para natildeo falar inexistente No caso de direitos democraacuteticos a

deferecircncia quando concedida pela Corte possui um limite miacutenimo e consoante o princiacutepio da

proporcionalidade soacute eacute concedida se a restriccedilatildeo eacute necessaacuteria e condizente com uma sociedade

democraacutetica

Nos direitos democraacuteticos referidos abarca-se a participaccedilatildeo poliacutetica atraveacutes das

possibilidades de liberdade de associaccedilatildeo ou de discurso poliacutetico Neste campo dos direitos de

participaccedilatildeo poliacutetica em sociedades democraacuteticas a margem concedida pelo Tribunal de

Estrasburgo consoante se afirmou eacute reduzida e sujeita a um controle rigoroso por parte do

oacutergatildeo jurisdicional internacional

Destaca-se o caso Lingens vs Austria101

que por mais que tenha sido julgado na

deacutecada de 1980 pela Corte Europeia eacute emblemaacutetico em relaccedilatildeo ao posicionamento do

tribunal internacional acerca da liberdade de expressatildeo Nesse caso durante o periacuteodo anterior

agraves eleiccedilotildees na Aacuteustria o jornalista Lingens publicou dois artigos polecircmicos sobre os

candidatos incluindo em um desses artigos a informaccedilatildeo de que o entatildeo presidente do

Partido Liberal Nacional da Aacuteustria teria ligaccedilotildees no passado com o nazismo e com a SS

Contra o jornalista foi instaurado um processo penal e ao fim da instruccedilatildeo criminal

este fora condenado pelo delito de difamaccedilatildeo conforme as regras do direito penal austriacuteaco

Esgotadas as vias internas de recurso o jornalista demandou perante a Corte Europeia

alegando que houve por parte do Estado violaccedilatildeo do artigo 10 da Convenccedilatildeo Europeia

havendo censura em seu direito de expressar-se livremente O Estado por sua vez nas razotildees

apresentadas perante o tribunal internacional justificou a condenaccedilatildeo na convicccedilatildeo de

proteccedilatildeo da honra dos direitos de outrem

Frente a este embate o Tribunal de Estrasburgo reconheceu uma margem miacutenima de

deferecircncia agraves autoridades domeacutesticas no que concerne aos oacutergatildeos locais na avaliaccedilatildeo de uma

necessidade social imperiosa que justificaria a interferecircncia na liberdade de expressatildeo de

Lingens Entretanto ressaltou que essa deferecircncia seria seguida por uma riacutegida supervisatildeo

101

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lingens vs Austria Sentenccedila de 8 de julho de 1986 Acesso

05 nov 2014

50

internacional uma vez estar se tratando de direitos fundamentais para o bom funcionamento

de uma sociedade democraacutetica

Ainda nesse sentido o TEDH arguiu que a liberdade de debate poliacutetico eacute cerne da

democracia e considerar que qualquer ofensa ou notiacutecia acerca de uma pessoa puacuteblica seria

sempre difamaccedilatildeo poderia impedir a imprensa na realizaccedilatildeo de sua tarefa de fornecedora de

informaccedilotildees Deste modo aplicando de forma conjunta os princiacutepios da proporcionalidade e

da subsidiariedade o Tribunal de Estrasburgo decidiu que a condenaccedilatildeo fora desproporcional

ao objetivo legiacutetimo perseguido e constituiu uma violaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo no

acircmbito da Convenccedilatildeo Europeia

Tambeacutem merece anaacutelise o caso July and Sarl Libeacuteration vs France102

cuja sentenccedila

foi proferida em 2008 Neste caso o jornal francecircs Libeacuteration divulgou uma reportagem a

respeito das investigaccedilotildees da morte do juiz Bernard Borrel que em um primeiro momento

havia sido dada como suiciacutedio mas apoacutes a reabertura das investigaccedilotildees houve surgimento de

indiacutecios de morte por encomenda Apoacutes a divulgaccedilatildeo da reportagem contendo informaccedilotildees

acerca da participaccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos na morte do magistrado o diretor do jornal

Senhor July foi processado criminalmente pelo crime de difamaccedilatildeo e condenado pelo governo

francecircs

O TEDH em sua manifestaccedilatildeo asseverou que o caso em questatildeo trazia niacutetida

interferecircncia de autoridades puacuteblicas na liberdade de expressatildeo e essa interferecircncia caso natildeo

siga os requisitos do artigo 10103

da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos representa

clara violaccedilatildeo do direito de liberdade de expressatildeo Nessa situaccedilatildeo ainda a Corte faz uso de

uma triacuteade de requisitos descritos por Contreras104

para a concessatildeo da margem a) prescriccedilatildeo

legal - verificar se a restriccedilatildeo realizada pela autoridade domeacutestica foi autorizada ou pelo

102

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-85084itemid[001-85084] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso July and Sarl Libeacuteration vs France Sentenccedila de 14 de

fevereiro de 2008 Acesso 05 nov 2014 103

Artigo 10 Liberdade de expressatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de expressatildeo Este direito

compreende a liberdade de opiniatildeo e a liberdade de receber ou de transmitir informaccedilotildees ou ideias sem que

possa haver ingerecircncia de quaisquer autoridades puacuteblicas e sem consideraccedilotildees de fronteiras O presente artigo

natildeo impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusatildeo de cinematografia ou de televisatildeo a um

regime de autorizaccedilatildeo preacutevia 2 O exerciacutecio desta liberdades porquanto implica deveres e responsabilidades

pode ser submetido a certas formalidades condiccedilotildees restriccedilotildees ou sanccedilotildees previstas pela lei que constituam

providecircncias necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a integridade territorial ou a

seguranccedila puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral a proteccedilatildeo da

honra ou dos direitos de outrem para impedir a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees confidenciais ou para garantir a

autoridade e a imparcialidade do poder judicial CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS

DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 104

CONTRERAS op cit p 34

51

menos executada em conformidade com a lei b) objetivo legiacutetimo c) se a medida foi

necessaacuteria em uma sociedade democraacutetica

No caso pode ser feito o destaque para o trecho da sentenccedila em que analisando a

necessidade da medida de investigaccedilatildeo do crime de difamaccedilatildeo a Corte arguiu que a tarefa do

tribunal internacional no exerciacutecio de sua competecircncia de fiscalizaccedilatildeo natildeo eacute de tomar o lugar

das autoridades competentes mas sim rever as decisotildees que porventura violarem preceitos

previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem quando entregues ao poder de

apreciaccedilatildeo do Estado Deve entatildeo a Corte agrave luz do caso como um todo avaliar se a medida

tomada pelo Estado foi proporcional ao objetivo legiacutetimo perseguido e se os motivos

indicados pelas autoridades nacionais satildeo suficientes e relevantes Por tais motivos no caso

em questatildeo o TEDH declarou que houve violaccedilatildeo por parte do Estado Francecircs do direito de

liberdade de expressatildeo devendo este arcar com uma indenizaccedilatildeo agraves partes prejudicadas

Ainda dentro dessa esfera de atuaccedilatildeo mais precisamente no que concerne ao direito

democraacutetico de livre reuniatildeo e associaccedilatildeo previsto no artigo 11105

da Convenccedilatildeo Europeia o

destaque pode ser dado aos casos do Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia106

julgado em 2005 e Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia107

julgado em 2006 O primeiro deles

trata da questatildeo de dissoluccedilatildeo do Partido Comunista da Turquia ordenado pelo Tribunal

Constitucional do paiacutes sob as razotildees de que era incompatiacutevel com as obrigaccedilotildees

constitucionais e convencionais do Estado

Ao apreciar tal caso a Corte alegou que os partidos poliacuteticos satildeo estruturas essenciais

para o bom e justo funcionamento da democracia Embora natildeo negue certa margem de

deferecircncia aos Estados para que dissolvam partidos poliacuteticos que poderiam tentar minar a

estrutura constitucional do Estado tal decisatildeo se executada pode sofrer revisatildeo se natildeo

105

Artigo 11 Liberdade de reuniatildeo e de associaccedilatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo

paciacutefica e agrave liberdade de associaccedilatildeo incluindo o direito de com outrem fundar e filiar-se em sindicatos para a

defesa dos seus interesses 2 O exerciacutecio deste direito soacute pode ser objeto de restriccedilotildees que sendo previstas na

lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a seguranccedila

puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral ou a proteccedilatildeo dos direitos

e das liberdades de terceiros O presente artigo natildeo proiacutebe que sejam impostas restriccedilotildees legiacutetimas ao exerciacutecio

destes direitos aos membros das forccedilas armadas da poliacutecia ou da administraccedilatildeo do Estado CONVENCcedilAtildeO

EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS

1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 106

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia

Sentenccedila de 2005 Acesso 05 nov 2014 107

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia Sentenccedila de 15 de

julho de 2006 Acesso 05 nov 2014

52

adequar-se agraves previsotildees da Convenccedilatildeo Europeia Logo o Tribunal embora tenha feito a

ressalva de que podem os Estados dissolver partidos poliacuteticos na situaccedilatildeo afirmou que houve

violaccedilatildeo dos direitos de liberdade de associaccedilatildeo visto que natildeo havia qualquer indiacutecio de que

o partido por ter ideal comunista poderia colocar em risco a estrutura do Estado

Da mesma forma o caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia que envolve o direito

de liberdade sindical Na situaccedilatildeo o Governo turco justifica o fechamento de sindicatos com

base em previsotildees da legislaccedilatildeo trabalhista interna a qual natildeo permite que funcionaacuterios criem

sindicatos A Corte na anaacutelise da situaccedilatildeo tambeacutem asseverou que houve violaccedilatildeo do artigo

11 mesmo que neste existam ressalvas em relaccedilatildeo agrave liberdade de associaccedilatildeo de membros das

Forccedilas Armadas da Poliacutecia e da Administraccedilatildeo do Estado Contudo essas limitaccedilotildees devem

ser interpretadas pelos Estados dentro da sua margem de apreciaccedilatildeo de maneira restrita

Se esses casos expostos ilustram exemplos de margem nacional de apreciaccedilatildeo

reduzida ou inexistente o polo oposto envolve os direitos concernentes agrave propriedade para os

quais a Corte Europeia possui entendimento de que a margem de deferecircncia agraves autoridades

domeacutesticas deve ser maior e mais elaacutestica bem como a supervisatildeo por parte do Tribunal

Internacional deve ser menor e relativizada Isso porque as autoridades nacionais em uma

concepccedilatildeo semelhante agrave de juiz natural no processo estariam mais bem situadas que o juiz

internacional para avaliar qual eacute o interesse geral de uma comunidade nessa seara108

A proteccedilatildeo internacional dos direitos de propriedade encontra-se no artigo 1ordm109

do

Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo de Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades

Fundamentais Jaacute na previsatildeo normativa encontra-se a prerrogativa de que qualquer pessoa

singular ou coletiva tem direito ao respeito de seus bens natildeo podendo haver privaccedilatildeo da

propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica ou por condiccedilotildees previstas em lei Desta maneira

as demandas soacute seratildeo revistas pela Corte caso implicarem violaccedilatildeo expliacutecita a esse artigo

Segundo Roca110

a jurisprudecircncia internacional definiu que a previsatildeo normativa

anteriormente destacada segue trecircs criteacuterios em primeiro lugar deve ser respeitado o direito

ao respeito e gozo paciacutefico dos bens dos indiviacuteduos Na sequecircncia a segunda regra

108

CONTRERAS op cit p 40 109

Artigo 1 Proteccedilatildeo da propriedade Qualquer pessoa singular ou coletiva tem direito ao respeito dos seus bens

Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas

pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo

do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso

dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees

ou de multas CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS

LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 110

ROCA op cit p 127

53

compreende uma garantia contra a privaccedilatildeo ilegal ou seja somente poderaacute haver

expropriaccedilatildeo ou privaccedilatildeo da propriedade em casos de utilidade puacuteblica e de acordo com

condiccedilotildees legalmente previstas Por fim o terceiro paracircmetro eacute a possibilidade de o Estado

estabelecer restriccedilotildees ao direito de propriedade tendo por base a prevalecircncia do interesse

puacuteblico sobre o privado

Logo sob a base desses criteacuterios e de alguns casos jaacute julgados pelo oacutergatildeo jurisdicional

internacional eacute possiacutevel asseverar que a margem de apreciaccedilatildeo concedida aos paiacuteses eacute larga

quando se estaacute diante dos direitos de propriedade No caso Back vs Finlacircndia111

de 2004 que

trata de noccedilotildees de utilidade puacuteblica em casos de expropriaccedilatildeo haacute o reforccedilo da noccedilatildeo de

subsidiariedade da Corte Europeia com o entendimento de que esta deve respeitar as decisotildees

das autoridades nacionais soacute sendo possiacutevel e viaacutevel a intervenccedilatildeo se o juiacutezo for

manifestamente desprovido de bases racionais

Por fim poreacutem natildeo menos importante aborda-se o uacuteltimo grupo de jurisprudecircncias da

Corte Europeia de Direitos Humanos que pode ser enquadrado no que Roca determina como

ciacuterculo mediano vez que conteacutem temas em que o posicionamento do Tribunal de Estrasburgo

em relaccedilatildeo agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute oscilante Eacute nesse grupo que pode ser

visualizada toda a complexidade da margem e suas vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis em casos

semelhantes envolvendo por exemplo liberdade religiosa direito de homossexuais e

transexuais e outros temas

Justamente nesse ciacuterculo que natildeo apresenta por parte dos doutrinadores jaacute referidos no

capiacutetulo anterior um criteacuterio de unificaccedilatildeo se apresenta o embate entre o universalismo de

alguns direitos previstos nos marcos normativos internacionais de direitos humanos ndash com

destaque para a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos ndash e o relativismo relativo a noccedilotildees

religiosas e culturais que compotildeem a identidade dos diferentes povos europeus

Nesse aspecto no que tange agrave liberdade religiosa a qual eacute prevista pelo artigo 9ordm112

da

CEDH temos duas decisotildees emblemaacuteticas do Tribunal de Estrasburgo o caso Lautsi vs

111

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-114486itemid[001-114486] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Back vs Finlacircndia Sentenccedila de 13 de novembro de 2002

Acesso 05 nov 2014 112

Artigo 9 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de pensamento de consciecircncia e de religiatildeo este direito

implica a liberdade de mudar de religiatildeo ou de crenccedila assim como a liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou a

sua crenccedila individual ou coletivamente em puacuteblico e em privado por meio do culto do ensino de praacuteticas e da

celebraccedilatildeo de ritos 2 A liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou convicccedilotildees individual ou coletivamente natildeo

pode ser objeto de outras restriccedilotildees senatildeo as que previstas na lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa

sociedade democraacutetica agrave seguranccedila puacuteblica agrave proteccedilatildeo da ordem da sauacutede e moral puacuteblicas ou agrave proteccedilatildeo dos

direitos e liberdades de outrem CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO

54

Itaacutelia113

julgado em 2011 e o caso Leyla Sahin vs Turquia114

julgado em 2005 Isso porque

nesses casos respectivamente o TEDH referendou as normas que impotildeem a presenccedila de

crucifixos nas escolas puacuteblicas italianas e natildeo opocircs objeccedilotildees a restriccedilotildees estatais concernentes

ao uso do veacuteu islacircmico no contexto educativo

No primeiro caso o TEDH retificou a decisatildeo da Corte Constitucional Italiana que

em 2009 havia estabelecido por unanimidade que a norma italiana a qual impunha desde a

deacutecada de 1920 a presenccedila de crucifixo nas paredes de escolas puacuteblicas havia violado o direito

da senhora Lautsi a educar seus filhos conforme suas convicccedilotildees laicas e liberdade religiosa

Portanto o Tribunal italiano argumentou que a manutenccedilatildeo de um siacutembolo religioso em salas

de aula de uma escola puacuteblica poderia perturbar emocionalmente os estudantes que natildeo

professassem religiatildeo alguma a ter a percepccedilatildeo de que o contexto educativo estava marcado

pela religiatildeo

Para retificar tal sentenccedila o TEDH argumentou por uma valoraccedilatildeo abstrata de

compatibilidade entre a norma italiana que permitia o uso de crucifixos nas escolas puacuteblicas e

os direitos convencionais sendo que a margem nacional de apreciaccedilatildeo foi aplicada para essa

valoraccedilatildeo da norma italiana Em primeiro lugar o Tribunal Europeu matizou quais satildeo as

exigecircncias convencionais de neutralidade religiosa na educaccedilatildeo indicando que se proiacutebe o

proselitismo ou a adoccedilatildeo no marco educativo de algo compatiacutevel com o estabelecimento de

o ensino obrigatoacuterio de uma religiatildeo ou a imposiccedilatildeo de uma religiatildeo no ensino puacuteblico

O crucifixo no entendimento do TEDH eacute um siacutembolo religioso passivo cuja

influecircncia natildeo se compara a que exercem a educaccedilatildeo religiosa ou a participaccedilatildeo em atividades

religiosas Logo a percepccedilatildeo subjetiva de que o crucifixo supotildee uma ausecircncia de respeito ao

direito de liberdade religiosa natildeo basta para considerar que tenha havido uma violaccedilatildeo agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Para o TEDH portanto sempre que natildeo exista

a pretensatildeo de doutrinar o Estado goza de margem de deferecircncia para decidir sobre a

permanecircncia dos crucifixos em sala de aula

HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 113

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-104040itemid[001-104040] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lautsi vs Italia Sentenccedila de 18 de marccedilo de 2011 Acesso 05

nov 2014 114

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-70956itemid[001-70956] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Leyla Sahin vs Turquia Sentenccedila de 10 de novembro de

2005 Acesso 05 nov 2014

55

No caso Leyla Sahin de proibiccedilatildeo do uso do veacuteu islacircmico por uma jovem no recinto

de sua universidade para o TEDH os Estados tecircm autonomia para limitar o uso do veacuteu em

locais como escolas puacuteblicas ou universidades Para referendar essa restriccedilatildeo agrave liberdade

religiosa o Tribunal Europeu admitiu o uso da margem de apreciaccedilatildeo por parte do Estado em

razatildeo da ausecircncia de um consenso europeu sobre a mateacuteria somado agrave ideia de que as

autoridades nacionais podem lidar melhor com o assunto por estarem mais perto das

realidades nacionais do que o oacutergatildeo jurisdicional internacional

Para o TEDH desta forma a opccedilatildeo poliacutetica de um Estado pelo laicizismo pode

justificar restriccedilotildees agrave liberdade religiosa e exigir sacrifiacutecios aos indiviacuteduos em prol da

harmonia religiosa do paiacutes Embora portanto haja restriccedilatildeo da liberdade individual religiosa

no caso em questatildeo a proibiccedilatildeo natildeo viola a CEDH

A aplicaccedilatildeo dos princiacutepios da subsidiariedade e da proporcionalidade bem como a

falta de consenso na Europa acerca de questotildees como as apresentadas marcaram o

posicionamento do TEDH na concessatildeo de margem de deferecircncia aos Estados no que

concerne agrave liberdade religiosa A grande criacutetica contudo reside na falta de criteacuterios

especiacuteficos e de clareza no uso da ferramenta

Neste uacuteltimo grupo portanto vislumbra-se o que Kratochivil115

menciona como

ldquomedida misteriosardquo ou seja natildeo existem paracircmetros ou criteacuterios especiacuteficos para a aplicaccedilatildeo

da margem Pelo contraacuterio haacute falta de clareza e de limites demonstrando que a banalizaccedilatildeo

do uso da MNA liquidifica sua substacircncia e pode gerar inseguranccedila juriacutedica aos litigantes

Sob essa oacutetica no campo de direitos inderrogaacuteveis como eacute o caso dos direitos que compotildeem

esse uacuteltimo grupo a consideraccedilatildeo de Vila116

merece destaque

Segundo a autora nesse campo que envolve relativismos culturais a postura do TEDH

varia entre a adoccedilatildeo de uma versatildeo voluntarista de MNA ou a adoccedilatildeo de uma versatildeo

racionalista A primeira se centra no direito de que o Tribunal de Estrasburgo eacute um oacutergatildeo

internacional e assume uma visatildeo normativa e natildeo meramente temporal ou procedimental

acerca do princiacutepio da subsidiariedade Por isso o TEDH reconhece que sua legitimidade

poliacutetica eacute meramente derivada e outorga uma presunccedilatildeo em favor do Estado evitando realizar

uma valoraccedilatildeo independente de compatibilidade entre as medidas impugnadas e o convecircnio

Esta presunccedilatildeo soacute eacute rompida quando haacute razotildees fortes para concluir que o Estado extrapolou o

exerciacutecio de sua autonomia Sob a oacutetica desta concepccedilatildeo fatores como a falta de consenso

115

KRATOCHVIL op cit p 330 116

VILA op cit p 10

56

europeu ou a ideia de que os Estados situam-se em um local melhor apropriado para decidir

adquirem importacircncia por razotildees de legitimidade institucional

Entretanto a oacutetica racionalizada de MNA percebe a ferramenta como um resultado de

efetuar um balanccedilo entre os valores que estatildeo em jogo na proteccedilatildeo dos direitos convencionais

mais do que uma presunccedilatildeo de partida em favor do Estado O TEDH centra-se em examinar

se a medida estatal impugnada consegue alcanccedilar um balanccedilo equitativo entre direitos

individuais e valores democraacuteticos A finalidade natildeo eacute justificar a deferecircncia mas reconhecer

de modo equilibrado os valores democraacuteticos no seio da CEDH

Sobretudo neste uacuteltimo grupo analisado ao qual aqui somente satildeo trazidos casos em

relaccedilatildeo agrave liberdade religiosa (artigo 9ordm da CEDH) concentram-se as criacuteticas em relaccedilatildeo agrave

falta de paracircmetros do TEDH para deferir ou natildeo uma margem de apreciaccedilatildeo aos Estados

Essa variabilidade eacute por alguns117

definida como um ponto negativo de falta de definiccedilatildeo de

criteacuterios o que pode levar a uma margem larga ou a uma margem estreita A primeira poderia

conduzir ao processo de fragmentaccedilatildeo do espaccedilo europeu enquanto a segunda poderia forccedilar

a integraccedilatildeo sob o domiacutenio de uma concepccedilatildeo moderna de direitos humanos pautada pelo

liberalismo e individualismo

Deste modo duas respostas podem ser concedidas agrave pergunta cerne deste trabalho a

margem constitui-se em um instrumento eficaz no processo de construccedilatildeo de um direito

comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa uma vez que sob a perspectiva eacutetica

destes direitos o TEDH preza pela preservaccedilatildeo do irredutiacutevel humano e dos direitos

inderrogaacuteveis e absolutos da pessoa humana Prova disso eacute a ausecircncia ou a miacutenima margem

que eacute concedida para casos envolvendo tortura ou tratamentos humanos degradantes ou

violaccedilatildeo de direitos democraacuteticos

No entanto a ausecircncia de paracircmetros e de criteacuterios por parte do Tribunal de

Estrasburgo (ausecircncia constatada por diversos doutrinadores trazidos ao longo deste trabalho

e exemplificada de modo sinteacutetico atraveacutes da anaacutelise de casos emblemaacuteticos envolvendo

liberdade religiosa) no julgamento de direitos humanos quando vinculados a questotildees

culturais demonstram que no campo praacutetico ainda haacute muito para avanccedilar no processo de

siacutentese entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo dos direitos culturais

117

BRUM et SALDANHA Op cit

57

CONCLUSAtildeO

Slavoj Zizek118

certa vez afirmou que o papel do filoacutesofo natildeo eacute o de propor iniciativas

capazes de mudar o mundo ou as situaccedilotildees em curso mas de observar e interpretar a realidade

que eacute posta A pretensatildeo deste trabalho natildeo difere da conceituaccedilatildeo de filoacutesofo por Zizek Isso

porque em nenhum momento busca-se apresentar alternativas fortes para resolver problemas

postos mas sim almeja-se observar sob um amplo espectro os reflexos da mundializaccedilatildeo

dentro do Direito e de modo especiacutefico como atua o Tribunal Europeu dos Direitos do

Homem no que concerne agrave aplicaccedilatildeo da figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

Aos mais observadores da realidade que se apresenta eacute impossiacutevel negar que na atual

conjuntura da sociedade informacional a proliferaccedilatildeo exacerbada e anaacuterquica de normas e

instituiccedilotildees juriacutedicas gera uma sensaccedilatildeo de caos e de desordem que clama por uma ordenaccedilatildeo

Embora esse verdadeiro mosaico em que se transformou o Direito na atualidade possa ser

vislumbrado em acircmbito global uma anaacutelise mais apurada de uma parte do todo em

especiacutefico da Europa se mostra pertinente para avaliar as possibilidades de construccedilatildeo de um

pluralismo ordenado

A base possiacutevel desse pluralismo ordenado invariavelmente eacute um direito comum cujo

alicerce se encontra nos direitos humanos No contexto europeu de convivecircncia simultacircnea

de uma ldquopequena Europardquo e de uma ldquogrande Europardquo embora o direito comunitaacuterio jaacute tenha

se consolidado sendo um modelo sui generis para todo o globo ainda eacute preciso avanccedilar no

acircmbito da ldquogrande Europardquo ou do sistema regional europeu dos direitos do homem para a

criaccedilatildeo de um direito comum

Nesse sentido parece indiscutiacutevel que a base de um direito comum europeu seja

alicerccedilada na proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua dimensatildeo moral miacutenima ou no que

Delmas denomina de miacutenimo eacutetico universal e irredutiacutevel humano Logo a universalizaccedilatildeo

almejada natildeo tem como objetivo impor referecircncias de uma cultura sobre as demais e sim o

diaacutelogo entre as diferentes particularidades existentes no seio das diversas sociedades que

convivem na Europa a fim de encontrar o que haacute de valores comuns em todas elas

Todavia por mais que a premissa seja de faacutecil compreensatildeo os embates entre

universalismos e relativismos culturais estatildeo na ordem do dia na agenda do Tribunal de

Estrasburgo de modo que um dos temais mais debatidos atualmente no continente se refere

118

ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo Boitempo 2008

58

ao uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo por este tribunal a fim de conferir deferecircncia aos

Estados em algumas mateacuterias para decidir acerca de questotildees sensiacuteveis

O objetivo do presente trabalho foi o de analisar essa ferramenta hermenecircutica de

origem europeia sob a oacutetica de caos juriacutedico anteriormente apresentado De acordo com o que

fora apurado e estudado chegou-se a conclusatildeo de que o uso dessa doutrina contribui ainda

que de modo tiacutemido para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema europeu

Isso porque quando se tratam de temas concernentes agrave tortura a tratamentos humanos

degradantes a penas desproporcionais ou ainda a direitos democraacuteticos a Corte opta por

definir um entendimento que deve ser aplicado em todos os paiacuteses independentemente de

especificidades culturais Estariacuteamos proacuteximos portanto de uma definiccedilatildeo de direitos

humanos inderrogaacuteveis ou de um miacutenimo eacutetico universal proposto por Delmas e jaacute idealizado

por Kant em sua premissa de direito cosmopoliacutetico

No que tange ao restante dos direitos humanos em uma dimensatildeo cultural pode-se

dizer que a teoria da margem traduz uma ideia de que estaacute eacute capaz de harmonizar o

universalismo dos direitos humanos e o pluralismo advindo das diversidades culturais e

religiosas dos paiacuteses europeus Entretanto consoante a anaacutelise de posiccedilotildees doutrinaacuterias acerca

da utilizaccedilatildeo praacutetica do instituto pelo Tribunal de Estrasburgo bem como o embate

paradigmaacutetico de julgados envolvendo liberdade religiosa parece inevitaacutevel a conclusatildeo de

que como meacutetodo de harmonizaccedilatildeo entre plural e universal o oacutergatildeo jurisdicional

internacional do sistema europeu ainda tem muito a evoluir sobretudo na definiccedilatildeo de

paracircmetros e criteacuterios para servir de norte baacutesico em relaccedilatildeo aos mais diversos casos

59

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6

ABSTRACT

Graduation Monografh

Law School

Federal University of Santa Maria

INTERNATIONALIZATION LAW AND WAYS FOR THE

CONSTRUCTION OF A COMMON EUROPEAN LAW

ANALISYS OF MARGIN OF APPRECIATION

Author Rafaela da Cruz Mello

Adviser Jacircnia Maria Lopes Saldanha

Date and Place of the Defense Santa Maria November 28 2014

The evolution of industrial society to the information society brings about significant changes

in the legal structures It is said that today the legal harvest resembles a mosaic in which a

real apparent chaos ensues because of the multiplicity of rules and various hierarchies of

institutions In this context the European continent can be considered as a true laboratory

studies since in the same territory live the little Europe marked by already established

Community law and the big Europe regional rights protection system humans Under this

scenario analysis of the European area do you propose this study to examine the possibility of

building a common law on human rights in Europe analyzing in order to facilitate such a

project hermeneutics figure of the National Assessment Bank We use the deductive method

of approach and the monographic method and procedure to better work with the theme the

work is divided into two main part the first analyzes the evolution of human rights in the two

spheres of Europe for in sequence work specifically with the contribution of the new legal

geometries the process of universalization of human rights and the national margin of

appreciation to build the foundations of a pluralistic European common law In sequence

addresses solely the Institute of National bank in order to ascertain whether how the

European Court of Human Rights applies to effectively contributes tool for the creation of this

common law and if possible harmonization between universalism of human rights and

cultural relativism of plurality and particularism

Keywords Europe universalism relativism common law national margin of appreciation

7

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 8

1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM

DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS 11

11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave

criaccedilatildeo de um direito comum 11

12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias

juriacutedicas a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da

figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo 20

2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU 33

21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem

Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu 33

22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos 43

CONCLUSAtildeO 57

REFEREcircNCIAS 59

8

INTRODUCcedilAtildeO

No iniacutecio do seacuteculo XX Hans Kelsen1 em ldquoTeoria Pura do Direitordquo defendeu a tese de

que para entender a ciecircncia juriacutedica era necessaacuterio observaacute-la de modo dissociado de outras

ciecircncias O autor propocircs a compreensatildeo do direito a partir da famosa piracircmide kelseniana a

norma fundamental ndash a Constituiccedilatildeo ndash estaria no topo da piracircmide e seria capaz de dotar de

validade o restante do ordenamento juriacutedico Abaixo desta norma fundamental estariam as

demais leis e regras do direito sendo que tal formulaccedilatildeo estagnada e sistemaacutetica da ordem

juriacutedica adequava-se aos anseios de organizaccedilatildeo de uma sociedade industrial

Todavia por trabalhar com conflitos sociais o direito natildeo fica alheio agraves vicissitudes

do seacuteculo XX sendo que a Europa apresenta-se como um importante laboratoacuterio de

observaccedilatildeo de mudanccedilas Apoacutes a Segunda Guerra Mundial emergem na sociedade poacutes-

industrial e posteriormente informacional novas estruturas juriacutedicas que natildeo mais satildeo

capazes de se adequar agrave inflexiacutevel loacutegica hieraacuterquica kelseniana Estamos na era do que

Losano2denomina de ldquodireito turbulentordquo que se move se agita e muda de modo veloz assim

como a sociedade que o cerca embora natildeo tatildeo rapidamente quanto esta sociedade

Em razatildeo disso novas geometrias satildeo criadas para tentar explicar o panorama juriacutedico

da sociedade atual Na Europa por exemplo em que temos convivendo sistemas juriacutedicos de

origens e de ordens diversas ndash sistema internacional nacional supranacional ndash autores

determinam que se vive o tempo do Estado em Rede3ou dos aneacuteis disformes com a

proximidade de guirlandas4 ocasionando ao mais despercebido leitor da realidade um

sentimento de caos juriacutedico

Nesse sentido eacute possiacutevel destacar o pensamento de Mireille Delmas-Marty5 que

revoluciona o pensamento de Kelsen Segundo ela essa falta de sistematizaccedilatildeo

aparentemente anaacuterquica eacute solo feacutertil para a construccedilatildeo de um direito comum pluralista em

1 KELSEN Hans Teoria Pura do Direito Traduccedilatildeo de Joatildeo Baptista Machado Satildeo Paulo Martins Fontes

1996 2 LOSANO Mario G Modelos teoacutericos inclusive na praacutetica da piracircmide agrave rede Novos paradigmas nas

relaccedilotildees entre direitos nacionais e normativas supraestatais Revista do Instituto dos Advogados do Estado de

Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 08 n16 p 264-284 2005 3 CASTELLS Manuel Para o Estado-Rede globalizaccedilatildeo econocircmica e instituiccedilotildees poliacuteticas na era da

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em transformaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora UNESP Brasiacutelia ENAP 1999a p164 4 DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006

5 Id 2004a

9

mateacuteria de direitos humanos A sociedade em tempos de globalizaccedilatildeo precisa resistir ao

processo de desumanizaccedilatildeo e de coisificaccedilatildeo do homem de modo que a base para a

construccedilatildeo desse direito comum pluralista devem ser os direitos humanos

Sob a oacutetica europeia que seraacute aqui analisada por ser um importante referencial para os

estudos das mudanccedilas sociais e juriacutedicas dos seacuteculos XX e XXI de que direitos humanos

referimo-nos para ser a base de um direito comum Em um continente tatildeo muacuteltiplo e plural

como realizar o diaacutelogo positivo entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo

das diferentes culturas

Sob esta oacutetica emerge a figura central desse estudo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

(MNA) bem como sua contribuiccedilatildeo para a construccedilatildeo de um direito comum e para a

harmonizaccedilatildeo entre universalismo e relativismo no contexto da Europa Este recurso

hermenecircutico denominado Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo trata-se de uma construccedilatildeo

jurisprudencial criada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante tambeacutem

referido como Tribunal de Estrasburgo) com a finalidade de conferir algum espaccedilo de

deferecircncia para que os tribunais nacionais dos Estados possam decidir algumas questotildees

consoante suas particularidades locais

Embora esta seja a teoria sob a qual se alicerccedila o instituto almeja-se neste trabalho

responder os seguintes questionamentos a doutrina da MNA aplicada pelo Tribunal Europeu

dos Direitos Humanos contribui para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema

europeu de proteccedilatildeo dos direitos do homem Em sua aplicaccedilatildeo praacutetica a margem se mostra

como um recurso eficaz para harmonizar o universalismo dos direitos humanos e o pluralismo

advindo das diversidades culturais e religiosas dos diferentes paiacuteses que fazem parte do

Conselho da Europa

Para responder tal questionamento utilizou-se o meacutetodo dedutivo como meacutetodo de

abordagem e o meacutetodo monograacutefico de procedimento atraveacutes da leitura e fichamento das

diferentes construccedilotildees teoacutericas e doutrinaacuterias sobre o tema bem como anaacutelise de alguns

julgamentos paradigmaacuteticos do Tribunal de Estrasburgo Para melhor compreensatildeo da

complexidade do tema trabalhado dividiu-se esta monografia em duas grandes partes a parte

1 se ocupa da paisagem europeia no poacutes-Segunda Guerra Mundial com a criaccedilatildeo da ldquopequena

Europardquo do direito comunitaacuterio e da ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos

direitos humanos avaliando em ambos os cenaacuterios de que modo se deu a preocupaccedilatildeo com a

temaacutetica dos direitos humanos ou fundamentais (11)

Por conseguinte no intuito de aprofundar o estudo sobre a possibilidade de criaccedilatildeo de

um direito comum no contexto da ldquogrande Europardquo buscou-se uma anaacutelise das novas

10

geometrias da paisagem juriacutedica e do tipo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos que se

procura dentro desse cenaacuterio avaliando por conseguinte o surgimento da figura da MNA

(12) A parte 2 por sua vez objetiva a anaacutelise pura do instituto da Margem Nacional de

Apreciaccedilatildeo averiguando o histoacuterico de sua criaccedilatildeo e as definiccedilotildees acerca de seu conceito

(21) para na sequecircncia avaliar a partir da anaacutelise de alguns julgamentos paradigmaacuteticos do

Tribunal de Estrasburgo se tal ferramenta hermenecircutica se demonstra eficaz no processo de

harmonizaccedilatildeo das tensotildees entre universalismo e relativismos e se pode ser relevante no

processo de criaccedilatildeo de um direito comum cuja base satildeo os direitos humanos (22)

11

1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM

DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS

O seacuteculo XX trouxe mudanccedilas significativas para os mais diversos segmentos da vida

social e o direito natildeo ficou alheio agraves vicissitudes decorrentes do poacutes-Segunda Guerra Mundial

O continente europeu sobretudo passa a ser o cenaacuterio de revoluccedilotildees na estrutura juriacutedica ateacute

entatildeo conhecida com o surgimento praticamente concomitante de instituiccedilotildees supranacionais

e internacionais para aleacutem das nacionais

Neste vieacutes uma das preocupaccedilotildees primordiais do poacutes-guerra foi a de garantir a tutela

dos direitos humanos mesmo diante das mudanccedilas latentes no cenaacuterio juriacutedico Desta feita

deparamo-nos com duas esferas dentro do cenaacuterio europeu a ldquopequena Europardquo que origina

um direito comunitaacuterio europeu o qual mesmo tendo se ocupado com questotildees relativas agrave

economia e agrave integraccedilatildeo regional desenvolve a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais

atraveacutes do diaacutelogo jurisprudencial entre cortes de naturezas distintas e a ldquogrande Europardquo do

sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos espaccedilo haacutebil e possiacutevel para ser base de

criaccedilatildeo de um direito comum (11) Da evoluccedilatildeo de um campo ao outro a premissas de

universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo buscam

legitimar e consolidar a criaccedilatildeo desse direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

(12)

11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave

criaccedilatildeo de um direito comum

O historiador britacircnico Eric Hobsbawn6 talvez tenha encontrado a melhor adjetivaccedilatildeo

para o seacuteculo XX a ldquoEra dos Extremosrdquo Nas palavras do proacuteprio autor ldquoNatildeo sabemos o que

6 HOBSBAWN Eric A era dos extremos o breve seacuteculo XX 1941-1991 Satildeo Paulo Companhia das Letras

1995

12

viraacute a seguir nem como seraacute o segundo milecircnio embora possamos ter a certeza de que ele

teraacute sido moldado pelo Breve Seacuteculo XXrdquo7

Nesse sentido a Segunda Guerra Mundial representa o marco crucial natildeo soacute para a

preocupaccedilatildeo global em relaccedilatildeo aos direitos humanos8 com a criaccedilatildeo e fortalecimento de uma

grande quantidade de instrumentos normativos responsaacuteveis por sua tutela em acircmbito

mundial como tambeacutem para o surgimento de uma nova Europa Apoacutes o teacutermino da guerra

que teve como palco principal de seus acontecimentos o continente europeu diversos paiacuteses

se encontravam em uma situaccedilatildeo de caos politico fragmentaccedilatildeo e enfraquecimento

econocircmico aleacutem do perigo iminente de eclosatildeo de uma nova disputa de proporccedilotildees mundiais

advinda da dicotomia entre capitalismo e socialismo na entatildeo incipiente Guerra Fria

Eacute nesse contexto que emerge a ideia de criaccedilatildeo de um espaccedilo comum europeu

consubstanciado atraveacutes da integraccedilatildeo regional entre os paiacuteses do continente Ainda no inicio

do seacuteculo XX eacute possiacutevel destacar a ocorrecircncia de propostas relativamente concretas para a

integraccedilatildeo europeia como eacute o caso da proposta do francecircs Aristides Briand em 1929 de

criaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia sob a oacutetica de uma federaccedilatildeo ou seja fundada sob uma

noccedilatildeo de uniatildeo o que implica o respeito agrave soberania9 Todavia a crise econocircmica mundial a

ascensatildeo de nacionalismos na Europa e por fim a eclosatildeo da segunda grande guerra

obstaculizaram a adesatildeo a essa proposta

O cenaacuterio do poacutes-guerra de desintegraccedilatildeo social e miseacuteria econocircmica em grande parte

dos paiacuteses envolvidos gerou a instalaccedilatildeo do Congresso da Europa em Haia nas datas de 7 a

11 de maio de 1948 no qual houve a criaccedilatildeo do ldquoMovimento Europeurdquo No referido

congresso duas correntes foram estabelecidas as quais impulsionaram o surgimento da

ldquopequena Europardquo10

e da ldquogrande Europardquo respectivamente a Europa dos federalistas e a

7 Ibid p14

8 Pode-se nesse sentido destacar a descriccedilatildeo de Valeacuterio Mazzuoli de que desde a Segunda Guerra Mundial em

decorrecircncia dos horrores e atrocidades cometidos durante esse periacuteodo em que muitas vidas eram consideradas

como nuacutemeros e valiam tatildeo pouco os direitos humanos passaram a constituir um dos principais temas do Direito

Internacional contemporacircneo A normatividade internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos foi conquistada

por meio de lutas histoacuterias contiacutenuas e incessantes e consubstanciada em diversos tratados concluiacutedos com esse

propoacutesito tendo sido fruto de um lento e gradual processo de internacionalizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo desses

mesmos direitos o qual fora intensificado com o fim da Segunda Guerra Mundial MAZZUOLI Valeacuterio de

Oliveira Curso de Direito Internacional Puacuteblico 5 ed Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 811 9 SILVA Karine de Sousa Uniatildeo Europeia antecedentes e evoluccedilatildeo histoacuterica In SILVA Karine de Souza

COSTA Rogeacuterio Santos da(Org) Organizaccedilotildees Internacionais de Integraccedilatildeo Regional Uniatildeo Europeia

Mercosul e UNASUL Florianoacutepolis Ed Da UFSC Fundaccedilatildeo Boiteux 2013 p 54 10

Doravante por ldquopequena Europardquo estar-se-aacute referindo aos paiacuteses participantes da Uniatildeo Europeia sujeitos

portanto agraves decisotildees das instituiccedilotildees da Uniatildeo dentre as quais se destaca o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo

Europeia ldquoGrande Europardquo por sua vez refere-se aos paiacuteses que aderiram ao Conselho da Europa que hoje

somam um total de 47 (quarenta e sete) membros e que se submetem agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal Europeu de

Direitos Humanos PRINO Carla Sofia Abreu Relaccedilotildees entre TJUE e TEDH no contexto de adesatildeo da UE agrave

13

Europa dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental11

Os primeiros defendiam uma

integraccedilatildeo mais profunda entre os paiacuteses com transferecircncia de parcela de soberania dos

Estados para uma instituiccedilatildeo com poderes supranacionais sendo esta a base para a criaccedilatildeo da

Comunidade Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) Os segundos por sua vez se opunham agrave

cessatildeo de direitos soberanos impulsionando com seus ideais a criaccedilatildeo em 1949 do

Conselho da Europa com sede em Estrasburgo

Natildeo obstante essa divisatildeo surgida no Congresso da Europa eacute possiacutevel afirmar que a

base de construccedilatildeo da atual Uniatildeo Europeia deu-se com a criaccedilatildeo da Comunidade Europeia

do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) movida pelos ideais integracionistas do francecircs Jean Monnet

Contratado no poacutes-guerra para participar do Plano de Modernizaccedilatildeo e Equipamento da

Franccedila Monnet tinha medo de que o Plano Marshall norte-americano de empreacutestimo de

dinheiro para a reconstruccedilatildeo da Europa pudesse gerar uma diacutevida eterna aos paiacuteses do

continente com os Estados Unidos e para escapar disso via como uacutenica soluccedilatildeo a promoccedilatildeo

de um esforccedilo comum dos Estados atraveacutes de projetos de integraccedilatildeo regional

Por isso redigindo o texto da Declaraccedilatildeo de Schuman de 1950 Monet propagava a

ideia de integraccedilatildeo como meio de assegurar a paz e reerguer a poliacutetica e a economia dos

paiacuteses que foram destruiacutedos pela guerra Nesse sentido sua ideia foi a partir de uma ideologia

pacifista de influecircncia kantiana neutralizar a rivalidade franco-alematilde atraveacutes de uma espeacutecie

de mercado comum com a criaccedilatildeo de uma organizaccedilatildeo internacional com caraacuteter

supranacional que seria responsaacutevel pela gestatildeo dos recursos naturais da regiatildeo do Sarre e do

Ruhr os quais seriam colocados a serviccedilo da paz e natildeo da guerra12

A proposta integracionista daquele que eacute considerado o arquiteto do projeto de

integraccedilatildeo europeia era de retirar da matildeo dos Estados a capacidade de gestatildeo dos recursos

energeacuteticos que movimentavam a induacutestria beacutelica e da guerra Desta forma uma autoridade

internacional mais especificamente uma organizaccedilatildeo internacional setorial seria criada com

um status supranacional para gerenciar e administrar a produccedilatildeo de carvatildeo e de accedilo

funcionando atraveacutes da delegaccedilatildeo de parcelas da soberania estatal em questotildees especiacuteficas

Assim em 1951 com a assinatura do Tratado de Paris criou-se a Comunidade

Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) com a participaccedilatildeo inicial de seis paiacuteses Franccedila

Alemanha Itaacutelia Beacutelgica Holanda e Luxemburgo Posteriormente em 1957 com o Tratado

CEDH Debater a Europa Nuacutemero 4 JaneiroJunho 2011 Disponiacutevel em httpwwweurope-direct-

aveiroaevaeudebatereuropa Acesso 10 out 2014 11

SILVA Karine de Sousa De Paris a Lisboa sessenta anos de integraccedilatildeo europeia In SILVA Karine de

Souza Mercosul e Uniatildeo Europeia O Estado da arte dos processos de integraccedilatildeo regional Florianoacutepolis

Editora Modelo 2010 p 35 12

Ibid p 60

14

de Roma a Comunidade Econocircmica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia para a

Energia Atocircmica (CEEA ou Euratom) foram criadas consolidando-se deste modo as trecircs

comunidades que fizerem emergir o direito comunitaacuterio no seio da Europa Foi contudo

somente em 1992 com o Tratado de Maastrich ou Tratado da Uniatildeo Europeia que nasceu a

Uniatildeo Europeia propriamente dita consagrada em trecircs pilares baacutesicos as comunidades que

inicialmente lhe deram base a colaboraccedilatildeo em mateacuteria de poliacutetica exterior e seguranccedila

comum e a cooperaccedilatildeo no acircmbito judicial e policial em mateacuteria penal13

Visiacutevel deste modo que o que impulsionou a criaccedilatildeo de um direito comunitaacuterio

europeu foi a necessidade de reorganizaccedilatildeo do continente apoacutes 1945 e o fortalecimento

econocircmico de antigas potecircncias rivais como foi o caso da Franccedila e da Alemanha Ocorre que

de modo concomitante ao crescimento dos ideais dos federalistas a segunda corrente oriunda

do Congresso da Europa de 1949 dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental tambeacutem

cresceu e se tornou visiacutevel vez que possuiacutea como objetivo a realizaccedilatildeo de uma uniatildeo mais

estreita entre seus membros de modo a salvaguardar os ideais e princiacutepios que satildeo seu

patrimocircnio comum e favorecer seu progresso social e econocircmico

O Conselho da Europa surgido em 1949 portanto configura-se como outra

organizaccedilatildeo internacional surgida na Europa do poacutes-guerra tendo como base a consolidaccedilatildeo

sob o principio da cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses e natildeo o federalismo que implica cessatildeo de

parcelas da soberania Seu propoacutesito eacute o de defesa dos direitos humanos desenvolvimento

democraacutetico e estabilidade poliacutetico-social na Europa sendo chamado de ldquogrande Europardquo por

desde o iniacutecio contar com mais adesotildees de paiacuteses em relaccedilatildeo agrave CECA Eacute justamente dentro

desse Conselho que surge o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em 1959

oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa e

responsaacutevel pela tutela dos direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

(CEDH) de 1950

A eclosatildeo desses dois movimentos marca o iniacutecio de uma verdadeira revoluccedilatildeo dentro

da compreensatildeo do direito Se antes no continente europeu era possiacutevel vislumbrar a

existecircncia em grande medida e tatildeo somente de tribunais nacionais cuja competecircncia era

exercida dentro de determinado Estado sob a eacutegide de sua soberania o cenaacuterio altera-se e daacute

espaccedilo para a existecircncia natildeo soacute de tribunais nacionais como tambeacutem de tribunais

supranacionais e internacionais

13

Ibidem p 77

15

No caso do direito comunitaacuterio sua criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de

instituiccedilotildees que fortaleccedilam o sistema supranacional Em funccedilatildeo disso dentre os mais diversos

oacutergatildeos criados pelos sucessivos tratados comunitaacuterios pode-se destacar o Tribunal de Justiccedila

da Uniatildeo Europeia (TJUE) ou Tribunal de Luxemburgo

Este criado pelo Tratado de Paris de 1951 e adotado pelo Tratado de Roma de 1957

tem a finalidade de assegurar o cumprimento do direito comunitaacuterio e a interpretaccedilatildeo e

aplicaccedilatildeo dos Tratados dentro a vida da comunidade14

Submetem-se agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal

atualmente os vinte e oito15

paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e ao longo dos anos

ele se desenvolveu como uma importante instituiccedilatildeo capaz de contribuir ao desenvolvimento

da comunidade atraveacutes de consolidaccedilotildees jurisprudenciais e da conversatildeo dos tratados

constitutivos da comunidade em verdadeiras constituiccedilotildees materiais

Embora a preocupaccedilatildeo com os direitos humanos no cenaacuterio da ldquopequena Europardquo natildeo

tenha sido uma caracteriacutestica inicial dos tratados constitutivos das comunidades europeias o

diaacutelogo do Tribunal de Luxemburgo com os tribunais nacionais de alguns Estados europeus

traz agrave tona esse tema bem como se caracteriza por ser o grande responsaacutevel pela consolidaccedilatildeo

de princiacutepios baacutesicos do direito comunitaacuterio como eacute o caso da supremacia das normas

comunitaacuterias Neste vieacutes importante destaque deve ser feito ao caso CostaENEL16

de 1964

que marcou o surgimento da noccedilatildeo de supremacia das normas da comunidade europeia

O objeto de tal caso fora uma lei italiana de nacionalizaccedilatildeo da energia eleacutetrica

declarada incompatiacutevel com o Tratado da Comunidade Econocircmica Europeia Em sede de

reenvio prejudicial o Tribunal Constitucional Italiano enviou a questatildeo ao Tribunal de Justiccedila

da Uniatildeo Europeia o qual reconheceu que ao instituir uma comunidade de duraccedilatildeo ilimitada

com caraacuteter sui generis e poderes resultantes de delegaccedilatildeo de parcela da soberania os paiacuteses

limitariam seus direitos soberanos em prol de um conjunto de normas aplicaacutevel natildeo soacute agrave

comunidade como a todos os seus Estados membros17

14

OLIVEIRA Odete Maria de Uniatildeo Europeia processos de integraccedilatildeo e mutaccedilatildeo 1ordfed 3ordf tir Curitiba

Juruaacute 2003 15

Os vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia satildeo Alemanha Aacuteustria Beacutelgica Bulgaacuteria Chipre

Croaacutecia Dinamarca Eslovaacutequia Eslovecircnia Espanha Estocircnia Finlacircndia Franccedila Greacutecia Hungria Irlanda Itaacutelia

Letocircnia Lituacircnia Luxemburgo Malta Paiacuteses Baixos Polocircnia Portugal Reino Unido Repuacuteblica Checa

Romecircnia Sueacutecia Dados disponiacuteveis no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeuropaeuabout-

eucountriesmember-countriesindex_pthtm Acesso 01 nov 2014 16

O acoacuterdatildeo do referido caso encontra-se disponiacutevel na iacutentegra no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeur-

lexeuropaeulegal-contentPTTXTPDFuri=CELEX61964CJ0006ampfrom=EN Acesso 02 out 2014 17

FARENZENA Sueacutelen Costa versus ENEL ndash O primado do Direito Comunitaacuterio e a mudanccedila de paradigma o

Estado em rede europeu Revista da SJRJ Vol 19 nordm34 Rio de Janeiro 2012 Disponiacutevel em

httpwww4jfrjjusbrseerindexphprevista_sjrjarticleviewFile338296 Acesso 01 out 2014

16

Neste sentido determinou o Tribunal de Luxemburgo que a forccedila executiva do direito

comunitaacuterio natildeo poderia variar de um espaccedilo para outro ao sabor das legislaccedilotildees internas

Impossiacutevel portanto um Estado fazer prevalecer sobre uma ordem juriacutedica aceita sob o pilar

da reciprocidade e da cessatildeo de parcela de direitos soberanos uma medida unilateral anterior

ou posterior que lhe pode opor

Natildeo obstante tal decisatildeo a ideia de supremacia das normas comunitaacuterias por si soacute

natildeo foi adotada de modo paciacutefico por todos os tribunais constitucionais dos paiacuteses sujeitos agrave

jurisdiccedilatildeo do Tribunal de Luxemburgo Em funccedilatildeo disso houve a percepccedilatildeo por parte dos

juiacutezes do TJUE de que seria necessaacuterio acoplar agrave ideia de supremacia das normas

comunitaacuterias um discurso dotado de legitimidade que envolvesse princiacutepios e ideais comuns

natildeo soacute para a comunidade como para os Estados membros Esse discurso portanto seria o

discurso dos direitos fundamentais18

Ateacute o surgimento de algumas tensotildees entre os posicionamentos dos tribunais nacionais

e as decisotildees do TJUE havia certa resistecircncia por parte deste uacuteltimo em lidar com questotildees

concernentes aos direitos humanos ou fundamentais Isto porque o motivo que levou agrave criaccedilatildeo

das Comunidades Europeias e a posterior Uniatildeo Europeia foi predominantemente econocircmico

tanto eacute que os tratados iniciais das Comunidades Europeias natildeo trazem elementos que refiram

explicitamente a preocupaccedilatildeo com direitos humanos ou fundamentais19

Entretanto consoante

fora asseverado a supremacia das normas comunitaacuterias somente conseguiria se afirmar e se

consolidar caso fosse acoplada ao tema da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais

Neste sentido a deacutecada de 1960 pode ser vista como um importante marco para o

TJUE Casos como o Stauder (1969) e o Internationale Handelsgesellschaft20

(1970)

18

GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional

algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em

httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014 19

Pertinente o destaque da concepccedilatildeo de Gilmar Mendes e Geroge Rodrigo Bandeira Galindo sobre este tema

Segundo eles os instrumentos que instituiacuteram as comunidades europeias natildeo se referem de maneira expliacutecita agrave

proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais e haacute razotildees para isso A primeira delas reside no fato de que a

proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa deveria ser transferida para outra organizaccedilatildeo internacional no caso o

Conselho da Europa que foi uma instituiccedilatildeo fundamental para a elaboraccedilatildeo da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos

do Homem de 1950 Outra razatildeo sustenta-se na ideia de que a inclusatildeo imediata de um cataacutelogo de direitos

fundamentais nos tratados instituidores das Comunidades Europeias geraria conflitos entre as consolidadas

constituiccedilotildees estatais e o entatildeo incipiente direito comunitaacuterio Por fim outra razatildeo apontada eacute traduzida no fato

de que os Estados eram temerosos de que a imediata inclusatildeo de temas de direitos fundamentais ou humanos nos

tratados instituidores das Comunidades pudesse ampliar as competecircncias de prerrogativas de instituiccedilotildees receacutem-

criadas Ibidem p03

De qualquer forma houve no processo de germinaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia nos moldes em que hoje

conhecemos a predominacircncia de ideias economicistas e de integraccedilatildeo regional com base na aproximaccedilatildeo de

ideais produtivos e de mercado A preocupaccedilatildeo com a tutela de direitos humanos ou fundamentais surge atraveacutes

dos diaacutelogos espontacircneos entre as cortes constitucionais e o Tribunal de Luxemburgo 20

Neste caso o raciociacutenio da corte faz clara alusatildeo agrave vinculaccedilatildeo entre primazia do direito comunitaacuterio e a

proteccedilatildeo dos direitos fundamentais por parte das instituiccedilotildees comunitaacuterias Os pontos 3 e 4 do julgamento do

17

consolidaram o entendimento do Tribunal de Luxemburgo de que os direitos fundamentais

fazem parte dos princiacutepios gerais do direito comunitaacuterio Conflitos positivos de competecircncias

entre tribunais nacionais e o tribunal supranacional instituiacutedo no acircmbito da comunidade

marcaram os diaacutelogos iniciais para a estimulaccedilatildeo da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais em

acircmbito comunitaacuterio

Como continuidade deste diaacutelogo eacute pertinente destacar o caso Nold (1974) no qual o

Tribunal de Luxemburgo reconheceu como pauta geral para o direito comunitaacuterio europeu o

predomiacutenio dos direitos fundamentais Com isso mais uma vez reafirmou-se a ideia de que o

direito comunitaacuterio tem supremacia sobre as disposiccedilotildees legais nacionais mas que de toda a

sorte deve se adaptar a uma base comum de valores como os determinados por exemplo

pela Convenccedilatildeo Europeia de Direito do Homem

Por isso fala-se que este caso fixa um terceiro elemento no nuacutecleo de salvaguarda dos

direitos fundamentais aleacutem das tradiccedilotildees constitucionais comuns e dos direitos fundamentais

garantidos nas Constituiccedilotildees dos Estados os instrumentos internacionais relativos agrave proteccedilatildeo

dos direitos humanos passam a ser uma importante fonte de inspiraccedilatildeo para a proteccedilatildeo de

direitos em acircmbito comunitaacuterio Em funccedilatildeo disso inclusive em 1975 o TJUE pela primeira

vez recorreu agrave Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem no caso Rutili21

Apesar de tal decisatildeo do caso Nold o emblemaacutetico caso Solange levou agrave confirmaccedilatildeo

e consolidaccedilatildeo da vigecircncia dos direitos fundamentais no acircmbito da Comunidade Neste caso

em 1974 o Tribunal Constitucional alematildeo determinou que enquanto a Comunidade natildeo

dispusesse de um sistema de proteccedilatildeo de direitos comparaacutevel ou equiparado agrave Lei

Fundamental de Bonn ou seja enquanto natildeo houvesse um cataacutelogo de direitos fundamentais

aplicaacuteveis agrave Comunidade Europeia as instituiccedilotildees comunitaacuterias seriam ineficazes no que

concerne agrave proteccedilatildeo desses direitos22

TJUE respectivamente determinam que 3 A validade de uma medida comunitaacuteria ou de seus efeitos em um

Estado membro natildeo podem ser afetadas por alegaccedilotildees de que ela contraria direitos fundamentais tal como

formuladas pela Constituiccedilatildeo do Estado ou princiacutepios de uma estrutura constitucional nacional() 4() o

respeito pelos direitos fundamentais forma uma parte integral dos princiacutepios gerais de direito protegidos pela

Corte de Justiccedila A proteccedilatildeo de tais direitos enquanto inspirada pelas tradiccedilotildees constitucionais comuns aos

Estados membros deve ser assegurada no acircmbito da estrutura e dos objetivos da Comunidaderdquo Ibidem p4 21

O caso Rutilli caracteriza-se por ser a primeira referecircncia jurisprudencial feita pelo Tribunal de Luxemburgo agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem ou seja a utilizaccedilatildeo por parte de um tribunal supranacional de um

marco normativo essencial natildeo para o direito comunitaacuterio mas para o sistema regional de proteccedilatildeo aos direitos

humanos Nesse caso o Tribunal de Luxemburgo afirmou que as normas de direito comunitaacuterio natildeo era mais do

que uma manifestaccedilatildeo de princiacutepios gerais de direito consagrados na Convenccedilatildeo 22

GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional

algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em

httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014

18

Como resultado de tal caso natildeo soacute o Tribunal de Luxemburgo passou a consolidar um

entendimento jurisprudencial favoraacutevel ao respeito e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais

como demais instituiccedilotildees da entatildeo Comunidade Europeia assim agiram Em funccedilatildeo disso diz-

se que o principal resultado do caso Solange foi uma resoluccedilatildeo conjunta datada de 5 de abril

de 1977 entre Parlamento Europeu Conselho Europeu e Comissatildeo Europeia denominada

ldquoDeclaraccedilatildeo Conjunta sobre Direitos Fundamentaisrdquo23

Nesta ressaltou-se a necessidade do

respeito em acircmbito comunitaacuterio dos direitos fundamentais consagrados pelas tradiccedilotildees

constitucionais dos Estados membros e pela Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos

Os direitos fundamentais atraveacutes desse diaacutelogo jurisprudencial entre as cortes de

esperas diferentes (supranacional e nacionais) apareceram de modo progressivo no direito

comunitaacuterio europeu tornando-se paracircmetros de validade das normas da Uniatildeo Qualquer

norma seja comunitaacuteria seja nacional que contrariasse os direitos fundamentais seria

considerada invaacutelida

A tendecircncia jurisprudencial do TJUE de vincular a noccedilatildeo de supremacia das normas

comunitaacuterias com a proteccedilatildeo aos direitos fundamentais acabou por refletir no Tratado de

Maastricht de 1992 Tambeacutem chamado de Tratado da Uniatildeo Europeia este documento em

seu artigo F nuacutemero 2 determina que a Uniatildeo respeite os direitos fundamentais tal como os

garante a Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem24

Na esteira da inclusatildeo da proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em tratados o Tratado de

Lisboa de 2007 aleacutem de estabelecer personalidade juriacutedica agrave Uniatildeo Europeia25

determina que

a esta aderiraacute agrave Convenccedilatildeo Europeia para a proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e das Liberdades

Fundamentais sendo que a adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas

nos tratados26

23

XAVIER Ana Isabel Os Direitos Fundamentais no ldquodiaacutelogo europeurdquo de Nice a Lisboa In Debater a

Europa n 9 julhodezembro 2013 Disponiacutevel em httpeurope-direct-

aveiroaevaeudebatereuropaimagesn9axavierpdf Acesso em 03 out 2014 24

Artigo F n 2 ldquoA Uniatildeo respeitaraacute os direitos fundamentais tal como os garante a Convenccedilatildeo Europeia de

Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais assinada em Roma em 4 de novembro de

1950 e tal como resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-membros enquanto princiacutepios

gerais do direito comunitaacuteriordquo TRATADO DE MAASTRICHT 1992 Disponiacutevel em httpeuropaeueu-

lawdecision-makingtreatiespdftreaty_on_european_uniontreaty_on_european_union_ptpdf Acesso 15 out

2014 25

O artigo 46-A do Tratado de Lisboa determina que ldquoA Uniatildeo tem personalidade juriacutedicardquo TRATADO DE

LISBOA 2007 Disponiacutevel em httpeur-lexeuropaeulegal-

contentPTTXTPDFuri=OJC2007306FULLampfrom=PT Acesso 16 out 2014 26

O artigo 6ordf do Tratado de Lisboa determina que ldquo1 A Uniatildeo reconhece os direitos as liberdades e os

princiacutepios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da Uniatildeo Europeia de 7 de Dezembro de 2000 com

as adaptaccedilotildees que lhe foram introduzidas em 12 de Dezembro de 2007 em Estrasburgo e que tem o mesmo

valor juriacutedico que os Tratados De forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competecircncias da Uniatildeo tal

como definidas nos Tratados Os direitos as liberdades e os princiacutepios consagrados na Carta devem ser

interpretados de acordo com as disposiccedilotildees gerais constantes do Tiacutetulo VII da Carta que regem a sua

19

Mesmo que o ideal de Constituiccedilatildeo para a Uniatildeo Europeia natildeo tenha sido aprovado

pelos Estados membros as regras de supremacia das normas comunitaacuterias e de proteccedilatildeo aos

direitos fundamentais consagrados natildeo soacute nas Constituiccedilotildees como nas proacuteprias tradiccedilotildees

constitucionais dos Estados regem as decisotildees do Tribunal supranacional que existe no

continente Por isso mesmo que a preocupaccedilatildeo inicial da ldquopequena Europardquo tenha sido a

integraccedilatildeo econocircmica dos paiacuteses devastados pela guerra para que pudessem voltar a ser

competitivos internacionalmente ao longo do tempo sentiu-se a necessidade de trazer para

dentro do direito comunitaacuterio noccedilotildees acerca dos direitos fundamentais e humanos de modo

que hoje estes se encontram tutelados por instrumentos e oacutergatildeos supranacionais especiacuteficos

Ocorre que conforme se mencionou no iniacutecio deste subcapiacutetulo o cenaacuterio europeu

pode ser vislumbrado sob duas oacuteticas distintas desde o Congresso da Europa a oacutetica

federalista que impulsiona a criaccedilatildeo da Uniatildeo Europeia e de um direito comunitaacuterio europeu

e o vieacutes da cooperaccedilatildeo internacional marcado pela criaccedilatildeo do Conselho da Europa e de um

sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos o qual exige o pensamento acerca

da possibilidade da construccedilatildeo de um direito comum europeu

Nesse aspecto acerca do conceito de comum eacute pertinente remontar agraves premissas de

Dardot et Laval27

Para os autores o comum do direito segundo uma loacutegica de interpretaccedilatildeo

neoliberal natildeo seraacute outro que o direito de propriedade dos contratos e do lucro Eacute justamente

contra esse tipo de concepccedilatildeo trazido pelos efeitos nefastos da globalizaccedilatildeo que se invoca a

defesa e a reabilitaccedilatildeo do conceito de comum que deve ser entendido sob uma loacutegica de bases

uniacutessonas em mateacuteria de direitos humanos

Em razatildeo disso eacute no acircmbito da ldquogrande Europardquo ou seja do sistema regional europeu

de proteccedilatildeo dos direitos do homem que se vislumbram bases para a criaccedilatildeo de um direito

comum cuja premissa eacute a busca do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano28

Deste

modo no panorama apresentado se vislumbra de modo claro que embora existam regras

princiacutepios e instituiccedilotildees para reger o direito comunitaacuterio europeu (regras previstas nos

tratados da Uniatildeo Europeia e pacificadas pelo ativismo do TJUE) na ldquopequena Europardquo em

interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo e tendo na devida conta as anotaccedilotildees a que a Carta faz referecircncia que indicam as fontes

dessas disposiccedilotildees 2 A Uniatildeo adere agrave Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das

Liberdades Fundamentais Essa adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas nos Tratados3

Do direito da Uniatildeo fazem parte enquanto princiacutepios gerais os direitos fundamentais tal como os garante a

Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como

resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-Membrosrdquo Ibid 2007 27

DARDOT Pierre LAVAL Cristian COMMUN essai sur la revolutiona au XXeme siegravecle Paris La

deacutecouverte 2014 p 287 28

DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio

de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b

20

mateacuteria de direitos humanos e no acircmbito de um processo de globalizaccedilatildeo eacute preciso avanccedilar

na compreensatildeo do espaccedilo europeu para no acircmbito do sistema regional consolidar as bases

para a criaccedilatildeo de um direito comum

12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias juriacutedicas

a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da figura da

Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

O Congresso da Europa sob o aspecto juriacutedico dividiu o continente em blocos

autocircnomos dentro de um sistema multicecircntrico Nesse sentido Mireille Delmas-Marty29

assevera que natildeo existe uma unidade juriacutedica chamada Europa ou sequer uma visatildeo uacutenica e

preestabelecida do continente

Pelo contraacuterio existe uma Europa feita de instituiccedilotildees juriacutedicas diversas cada uma

com regras e princiacutepios especiacuteficos Neste sentido de um lado tem-se a ldquopequena Europardquo

composta pelos vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e que possui um ideal

primordialmente econocircmico com os objetivos de livre circulaccedilatildeo de pessoas e de

mercadorias bem como de instituiccedilatildeo de uma moeda uacutenica sob a perspectiva de abertura de

fronteira entre os paiacuteses Sob este ideal desenvolve-se a base para o direito comunitaacuterio que

possui como instituiccedilatildeo juriacutedica maacutexima o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo Europeia (TJUE)

com caraacuteter supranacional

Na Europa dos ldquoVinte e Oitordquo portanto sob o ideal integracionista surge o chamado

direito comunitaacuterio europeu o qual atraveacutes de direito originaacuterio (tratados constitutivos) e

direito derivado (normas emanadas de oacutergatildeos de competecircncia legislativa da Uniatildeo) forma o

sistema juriacutedico-poliacutetico e juriacutedico-econocircmico da Uniatildeo Europeia A peculiaridade desta nova

ordem formada eacute a de natildeo querer unificar a ordem juriacutedica dos paiacuteses europeus mas de

uniformizar em algumas mateacuterias as normas do bloco criado Justamente por isso a

supranacionalidade intriacutenseca ao direito comunitaacuterio natildeo se confunde com o direito

internacional

Sob as bases de interesses econocircmicos tem-se o objetivo de chegar a uma integraccedilatildeo

nas aacutereas concernentes agrave poliacutetica cultura dentre outras sob uma relaccedilatildeo de integraccedilatildeo entre o

29

Id 2004a p47

21

ordenamento juriacutedico comunitaacuterio e o ordenamento interno de cada Estado Sem sombra de

duacutevidas a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais se insere nessas relaccedilotildees mas com o

intuito de fortalecer o ideal de supremacia das normas comunitaacuterias Em funccedilatildeo de tal

premissa tem-se a necessidade de preservar o estaacutegio alcanccedilado pelo processo de integraccedilatildeo e

por isso um ordenamento juriacutedico comunitaacuterio eacute formado Entretanto eacute preciso avanccedilar no

processo de tutela dos direitos humanos em um contexto tatildeo plural como o europeu

Deste modo de outro lado tem-se a ldquogrande Europardquo criada pelo Conselho da Europa

perfazendo uma cooperaccedilatildeo poliacutetica que hoje abriga quarenta e sete membros30

signataacuterios da

Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

(CEDH) O oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do Conselho da Europa eacute o Tribunal Europeu dos Direitos

do Homem (TEDH) sediado em Estrasburgo e para o qual podem demandar tanto Estados

quanto indiviacuteduos viacutetimas de violaccedilotildees de direitos humanos reconhecidos pela convenccedilatildeo

Neste sentido o paraacutegrafo 3ordm31

do Preacircmbulo da CEDH de 1950 assevera que a

finalidade principal do Conselho da Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre seus

membros e que um dos meios para alcanccedilar esta finalidade eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento

dos direitos humanos e das liberdades fundamentais sendo tais direitos vistos como um meio

para uma progressiva integraccedilatildeo dos europeus Antes mesmo disso o Estatuto do Conselho da

Europa de 1949 havia asseverado que a finalidade da instituiccedilatildeo era criar uma organizaccedilatildeo

que levasse os paiacuteses do continente a uma associaccedilatildeo cuja base fosse a unidade entre seus

membros privilegiando ideais e princiacutepios comuns aos diferentes Estados

Essa configuraccedilatildeo surgida na segunda metade do seacuteculo XX produz alteraccedilotildees

significativas na conceituaccedilatildeo de alguns institutos juriacutedicos e poliacuteticos como eacute o caso do

Estado da soberania dentre outros Nesse sentido o cenaacuterio Europeu pode ser enxergado

como proacuteximo da noccedilatildeo de Estado em Rede proposto por Manuel Castells32

Em um mesmo

espaccedilo territorial a autoridade passa a ser partilhada ao longo de uma rede de instituiccedilotildees O

30

Os 47 paiacuteses que fazem parte do Conselho da Europa satildeo Beacutelgica Dinamarca Franccedila Irlanda Itaacutelia

Luxemburgo Paiacuteses Baixos Noruega Sueacutecia Reino Unido Greacutecia Turquia Islacircndia Alemanha Ocidental

Aacuteustria Chipre Suiacuteccedila Malta Portugal Espanha Liechtenstein Satildeo Marino Finlacircndia Hungria Polocircnia

Bulgaacuteria Estocircnia Lituacircnia Eslovecircnia Repuacuteblica Checa Eslovaacutequia Romecircnia Andorra Letocircnia Albacircnia

Moldaacutevia Macedocircnia Ucracircnia Ruacutessia Croaacutecia Geoacutergia Armecircnia Azerbaijatildeo Boacutesnia e Herzegovina Seacutervia

Mocircnaco Montenegro Disponiacutevel em

httpwwwcoeintptAboutCoemediainterfacepublicationscoe_dh_ptpdf Acesso 08 out 2014 31

O terceiro paraacutegrafo do preacircmbulo da CEDH dispotildee que ldquoConsiderando que a finalidade do Conselho da

Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre os seus Membros e que um dos meios de alcanccedilar essa finalidade

eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento dos direitos do homem e das liberdades fundamentais ()rdquo CONVENCcedilAtildeO

EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS

1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso em 08 out 2014 32

CASTELLS Manuel A era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura A sociedade em rede Vol 1 5

ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999b

22

Estado-naccedilatildeo claacutessico relaciona-se com instituiccedilotildees supranacionais e a rede formada possui

noacutes diversos e natildeo um centro uacutenico sendo que esses noacutes podem apresentar tamanhos distintos

e estar ligados por relaccedilotildees assimeacutetricas

Essas redes e seus noacutes portanto representam formas de poder paralelas e

complementares que satildeo autocircnomas uma em relaccedilatildeo agraves outras O espaccedilo europeu marcado

por um jaacute consolidado direito comunitaacuterio e por uma estrutura supranacional sui generis

tornou-se um verdadeiro campo de concorrecircncia convergecircncia justaposiccedilatildeo e conflito de

vaacuterias constituiccedilotildees e poderes constituintes em um mesmo espaccedilo poliacutetico levando a uma

pluralidade de ordenamentos e de normatividades

A supranacionalidade desenvolvida assemelha-se desta forma a um Estado em Rede

em funccedilatildeo de um novo paradigma de governanccedila estabelecido em diferentes niacuteveis com

diferentes noacutes de diferentes dimensotildees e com relaccedilotildees internacionais assimeacutetricas O Estado-

Naccedilatildeo claacutessico se articula cotidianamente na tomada de decisotildees com instituiccedilotildees

supranacionais de diferentes tipos e em acircmbitos distintos33

Em uma mesma organizaccedilatildeo

complexa temos entatildeo as caracteriacutesticas da descentralizaccedilatildeo e da coordenaccedilatildeo sobretudo no

aspecto normativo sendo que a crise do Estado-naccedilatildeo o desenvolvimento das instituiccedilotildees

supranacionais e a transferecircncia das atribuiccedilotildees e iniciativas aos acircmbitos regionais e locais satildeo

caracteriacutesticas que funcionam como base para o desenvolvimento do Estado em Rede

Nesse acircmbito ainda eacute possiacutevel acrescentar a definiccedilatildeo de Marcelo Varella34

de que a

Uniatildeo Europeia caracteriza-se por ser uma instituiccedilatildeo sui generis natildeo soacute pelo seu modo de

constituiccedilatildeo como por seus efeitos no campo juriacutedico-normativo Desta maneira o bloco

europeu dos vinte e oito inserido no contexto de um sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos

humanos (ldquopequena Europardquo inserida na ldquogrande Europardquo) marca a caracteriacutestica de uma

superaccedilatildeo da tiacutepica forma de visatildeo linear e hieraacuterquica do direito tradicional em favor da

construccedilatildeo de um direito em camadas ou em diferentes niacuteveis ou ainda em redes

Essa concepccedilatildeo de Castells utilizada aqui para ilustrar as relaccedilotildees na Uniatildeo Europeia

comunica-se com a noccedilatildeo de Mireille Delmas-Marty35

de um pluralismo que deve ser

ordenado Na Europa como um todo em acircmbito juriacutedico a coexistecircncia de normas das mais

diversas fontes e de tribunais nas mais diferentes escalas faz emergir uma noccedilatildeo de caos

33

Id 1999a p164 34

VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade

de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014 p145 35

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006

23

juriacutedico que precisa ser ordenado Em razatildeo disso pertinente a busca por um direito comum

com ecircnfase em um direito comum em mateacuteria de direitos humanos

Interessante notar que esse cenaacuterio criado intensifica-se com o processo de

mundializaccedilatildeo36

e sob essa oacutetica embora os direitos humanos tenham se tornado oponiacuteveis aos

Estados perfazendo princiacutepios de direito incluiacutedos nas Constituiccedilotildees Estatais no

entendimento dos tribunais supranacionais e em instrumentos normativos internacionais os

corolaacuterios do processo de mundializaccedilatildeo satildeo os direitos econocircmicos que predominam nas

preocupaccedilotildees do jaacute consolidado direito comunitaacuterio europeu

Enquanto os direitos humanos foram concebidos sob o prisma de uma universalidade e

com a finalidade de proteger o ldquoirredutiacutevel humanordquo37

os direitos econocircmicos satildeo os motores

da mundializaccedilatildeo sendo que isso somado agrave desestabilizaccedilatildeo do tempo e agrave desestatizaccedilatildeo do

Estado gera no processo de mundializaccedilatildeo uma aparente desordem normativa com a

proliferaccedilatildeo de normas de modo anaacuterquico38

Em funccedilatildeo disso eacute viaacutevel dizer que o continente europeu serve de base e eacute capaz de

traduzir importantes eventos para explicar fenocircmenos que hoje satildeo salientes na esfera juriacutedica

Mireille Delmas-Marty39

sugere que vivemos sob a eacutegide de espaccedilos ldquodesestatizadosrdquo tempos

ldquodesestabilizadosrdquo e uma ordem ldquodeslegalizadardquo No sentido atual da paisagem juriacutedica

afirmar que o Estado eacute a uacutenica fonte de Direito eacute assumir uma atitude de exclusatildeo de todos os

demais espaccedilos normativos

Como eacute possiacutevel observar na Europa convivem em um mesmo espaccedilo normas

provenientes de fontes estatais claacutessicas normas advindas de instituiccedilotildees supranacionais e

regras provenientes de entes internacionais na formaccedilatildeo de um verdadeiro mosaico juriacutedico

O monopoacutelio do Estado como produtor do direito deixa de ser imperativo frente agrave

internacionalizaccedilatildeo crescente das fontes juriacutedicas De modo concomitante e corroborando

36

Na obra ldquoTrecircs Desafios para um Direito Mundialrdquo Mirelle Delmas-Marty observa as particularidades dos

termos globalizaccedilatildeo mundializaccedilatildeo e universalidade quais sejam ldquoA mundializaccedilatildeo remete agrave difusatildeo espacial

de um produto de uma teacutecnica ou de uma ideia A universalidade implica um compartilhar de sentidosrdquo Em

outra passagem disserta ldquoDifusatildeo espacial de um lado compartilhar os sentidos de outra estas duas foacutermulas

descrevem muito bem a diferenccedila que separam os dois fenocircmenos que eu denominarei globalizaccedilatildeo para a

economia e universalizaccedilatildeo para os direitos do homem guardando assim o termo mundializaccedilatildeo uma

neutralidade que ele jamais perderaacute caso natildeo se resigne rapidamente ao primado da economia sobre os Direitos

do Homemrdquo DELMAS-MARTY Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr

Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b p 08-09 37

Ibid p48 38

FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos

teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013 39

DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47

24

com a teoria do Estado em Rede de Castells eacute possiacutevel observar um processo de

descentralizaccedilatildeo espacial com o deslocamento de fontes do centro para periferias40

Da mesma forma os tempos estatildeo desestabilizados Segundo Delmas41

em comparaccedilatildeo

aos votos claacutessicos de perpetuidade da lei eacute possiacutevel hoje encontrar fontes temporaacuterias e

evolutivas do direito O espaccedilo europeu se constitui como uma aacuterea privilegiada dessas fontes

evolutivas42

Sob o aspecto da ldquopequena Europardquo as regras de direito comunitaacuterio impotildeem um

resultado que deve ser atingido o que pela falta de meios juriacutedicos incentiva os Estados a

adaptar seus textos a dados econocircmicos

Isso tudo faz emergir a noccedilatildeo de assincronia43

do direito ou seja diferentes

velocidades em diferentes espaccedilos Nesse sentido haacute no espaccedilo europeu uma diferenccedila de

velocidade dos processos de integraccedilatildeo das normas internacionais (ou supranacionais) de

direito do comeacutercio em comparaccedilatildeo com as normas ambientais ou relativas aos direitos

humanos O proacuteprio processo evolutivo de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais

sob o panorama da ldquopequena Europardquo demonstra desde os primoacuterdios da criaccedilatildeo da

Comunidade Europeia uma ausecircncia de sincronia em relaccedilatildeo agraves duas esferas do direito A

evoluccedilatildeo dos direitos humanos eacute lenta quando comparada com a celeridade da integraccedilatildeo das

normas de direito comercial e econocircmico em um mundo de economia globalizada

Pode-se entatildeo afirmar que natildeo soacute na Europa como tambeacutem na sociedade

internacional o tempo das relaccedilotildees comerciais e por conseguinte o tempo da integraccedilatildeo do

direito do comeacutercio eacute o tempo do software da fluidez da velocidade da luz Enquanto isso o

tempo das relaccedilotildees humanas da eacutetica da solidariedade e da integraccedilatildeo do direito dos direitos

humanos segue o tempo do hardware do denso do apego ao territoacuterio e agraves localidades44

Por fim estaacute-se tambeacutem frente a uma ordem ldquodeslegalizadardquo uma vez que dentre os

reflexos das vicissitudes na seara juriacutedica eacute possiacutevel destacar um ruptura com a noccedilatildeo de

40

Tal fenocircmeno eacute descrito por Mireille Delmas-Marty como ldquodescentralizaccedilatildeordquo Esta envolve o deslocamento de

fontes do centro do Estado para coletividades territoriais Todavia tal fenocircmeno natildeo se confunde com uma mera

desconcentraccedilatildeo de poderes que eacute destinada a conferir maior eficaacutecia agraves estruturas centrais do Estado A

descentralizaccedilatildeo conforme refere a autora confia ao representante local da coletividade territorial certos poderes

de decisatildeo fazendo transparecer uma autonomia local para impor certas regras juriacutedicas Como exemplo

podem-se destacar as comissotildees locais de eacutetica como ocorre em uma deontologia profissional como a Ordem

dos Advogados As regras disciplinares desta profissatildeo guardam um caraacuteter misto sendo de natureza local e

nacional privada e puacuteblica Ibid 2004ap55 41

Ibid 2004ap47 42

Segundo Delmas falar de fontes evolutivas significa renunciar ao passado do costume e ao futuro das leis para

situar as fontes de direito no presente por natureza instaacutevel Ibid 2004ap65 43

Id 2006 p 114 44

SALDANHA Jacircnia Marial Lopes BRUM Maacutercio Morais MELLO Rafaela da Cruz A Assincronia do

Direito e o Caso Araguaia Uma anaacutelise da Decisatildeo do Supremo Tribunal Federal Brasileiro na ADPF 153 e do

Julgamento do Caso Gomes Lund e Outros vs Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos In Andreacute

Karam Trindade Angela Araujo da Silveira Espindola (Org) Direitos Fundamentais e Espaccedilo Puacuteblico 1ed

Passo Fundo - RS Editora IMED 2011 v 2 p 37-61

25

identidade entre direito e lei45

O processo de internacionalizaccedilatildeo deixa comum aos sistemas

de commun law e de civil law o papel do juiz na geraccedilatildeo do direito ou seja na interaccedilatildeo entre

texto normativo e sua interpretaccedilatildeo de modo que a jurisprudecircncia e o diaacutelogo entre os

diferentes tribunais serve para ambos os sistemas como um importante balizador para

consolidaccedilatildeo de entendimentos e de princiacutepios

Diante desse cenaacuterio juriacutedico global proveniente do processo de internacionalizaccedilatildeo -

e especiacutefico no caso da Europa ndash de desestatizaccedilatildeo de ruptura com paradigmas e com a loacutegica

binaacuteria de interpretar o direito eacute possiacutevel concordar com a premissa de Mireille Delmas-

Marty46

de que a paisagem juriacutedica apresenta um panorama de proliferaccedilatildeo constante de

normas e de entendimentos jurisprudenciais que em um primeiro momento podem levar a

uma noccedilatildeo de desordem e anarquia

Conveacutem perceber que a nova paisagem juriacutedica para a qual a Europa eacute um verdadeiro

laboratoacuterio47

eacute composta por formas mais complexas como piracircmides inacabadas

descontiacutenuas compostas por aneacuteis normativos como uma guirlanda no entanto natildeo

especificamente se liga agrave anarquia Pelo contraacuterio a retirada de marcos e o deslocamento de

linhas natildeo significa desordem e essa aparecircncia de caos favorece ao pluralismo

Por isso Delmas-Marty48

atesta que a internacionalizaccedilatildeo do direito apresenta um

grande paradoxo ordenar o plural Embora estejamos semanticamente diante de vernaacuteculos

opostos visto que a proposta eacute colocar em ordem aquilo que naturalmente eacute muacuteltiplo e plural

sem reduzir sua identidade a primeira consideraccedilatildeo que deve ser feita eacute a de que o tiacutepico

modelo kelseniano de loacutegica juriacutedica natildeo mais se aplica ao cenaacuterio em que o Direito se insere

atualmente em razatildeo da multiplicidade e do dinamismo existente no processo de

mundializaccedilatildeo

Para ir da desordem agrave ordem eacute necessaacuterio fortalecer as correlaccedilotildees da formaccedilatildeo

juriacutedica trazendo estabilidade agrave presenccedila de divergecircncias atraveacutes de uma aproximaccedilatildeo entre

ordens juriacutedicas por meio de um jogo de referecircncias cruzadas com o intuito de ordenar a

multiplicidade Essa aproximaccedilatildeo poreacutem natildeo pode ser concebida senatildeo em relaccedilatildeo a uma

referecircncia comum e neste campo a utilidade dos instrumentos protetivos de direitos humanos

traz a coerecircncia de conjunto capaz de indicar uma direccedilatildeo a seguir um norte para a criaccedilatildeo de

um direito comum cujo pluralismo eacute ordenado

45 DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47 46

Id 2006 47

VARELLA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do direito Direito Internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Livre Docecircncia em Direito Internacional Faculdade de

Direito da Universidade de Satildeo Paulo (USP) Satildeo Paulo 2012 Acesso 14 out 2014 48

Ibid 2006 p 10

26

Obviamente o direito comum almejado eacute pluralista tendo a razatildeo como instrumento

de justificaccedilatildeo e de diaacutelogo O pluralismo eacute justificado pelo intuito de harmonizar e conjugar

as particularidades religiosas poliacuteticas culturais de cada Estado ou comunidade evitando a

sobreposiccedilatildeo de uma ordem sobre outra ou a assimilaccedilatildeo e exclusatildeo Em razatildeo disso o

direito comum pluralista pretende construir um ldquoDireito dos Direitosrdquo a partir do ideal de

universalizaccedilatildeo dos direitos humanos sendo que a finalidade eacute a de aproximar ou harmonizar

ndash e natildeo unificar - os diferentes sistemas juriacutedicos sob a perspectiva de respeito ao ldquoirredutiacutevel

humanordquo49

Impossiacutevel a criaccedilatildeo de normas e regras comuns a todos os povos justamente pelo

fato de que sempre algumas normas advindas de culturas especiacuteficas se sobressairatildeo sobre

outras na criaccedilatildeo de uma hegemonia negativa O direito comum portanto inserido na oacutetica

de um direito mundial pluralista eacute aquele acessiacutevel a todos e comum aos diversos Estados

sem que haja o abandono de identidades Justamente em funccedilatildeo disso o alicerce para a sua

criaccedilatildeo eacute a aproximaccedilatildeo dos sistemas juriacutedicos tendo por base os direitos humanos que

carregam a caracteriacutestica da universalidade a qual adveacutem do compartilhamento de sentidos e

do enriquecimento pela troca

Neste sentido em que consistem esses direitos humanos que satildeo os alicerces para a

criaccedilatildeo de um direito comum Eacute possiacutevel afirmar que a mera previsatildeo constitucional ou em

tratados de direitos jaacute asseguram a sua proteccedilatildeo Como lidar com questotildees concernentes agraves

pretensotildees universalistas e as particularidades do relativismo cultural nas diferentes

sociedades europeias

Narciso Baez50

traz reflexotildees importantes acerca desse tema Segundo ele em meados

do seacuteculo XVII pensou-se que a positivaccedilatildeo dos direitos humanos seria instrumento suficiente

para garantir o seu respeito Essa noccedilatildeo adentrou a contemporaneidade com a filosofia de

Hans Kelsen de que as normas positivadas e inseridas nos ordenamentos juriacutedicos eram

obrigatoacuterias por serem legitimadas por uma norma juriacutedica superior que tinha um fim em si

mesma

Obviamente o seacuteculo XX mostrou que a mera inserccedilatildeo legal da dignidade da pessoa

humana ndash que eacute o elemento cerne dos direitos humanos ndash em um sistema positivo de direito e

dissociada de valores morais natildeo seria suficiente para evitar eventuais violaccedilotildees desses

49

Ibid 2006 p 54 50

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos

humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da

UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em

httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014

27

direitos Sob esse panorama e seguindo a corrente eacutetica51

de fundamentaccedilatildeo dos direitos

humanos pode-se afirmar que estes satildeo direitos de fora da ordem positiva que tecircm em seu

bojo componentes morais sociais poliacuteticos e ateacute econocircmicos que salvaguardam condiccedilotildees

miacutenimas para a garantia da dignidade da pessoa humana Em sua dimensatildeo baacutesica portanto

satildeo direitos inatos pautados em valores morais e conferidos aos indiviacuteduos pelo simples fato

de estes serem humanos

Logo para a construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos exige-

se o fortalecimento desses em suas dimensotildees baacutesicas Eacute neste sentido que Delmas52

se refere

ao miacutenimo eacutetico universal e ao irredutiacutevel humano ou seja elementos que todos os indiviacuteduos

apresentam em comum mesmo em diferentes culturas

As duas estruturas baacutesicas dos direitos humanos satildeo portanto os valores morais e a

dignidade humana53

Em relaccedilatildeo aos primeiros infere-se que a origem dos direitos humanos

natildeo eacute legal vez que estes satildeo reconhecidos aos indiviacuteduos pelo simples fato de serem

humanos O ordenamento juriacutedico tem a mera funccedilatildeo de reconhecer tais direitos e transformaacute-

los em normas a fim de obter efetividade Jaacute a dignidade humana eacute o bem maior dentro dos

direitos humanos constituindo uma qualidade universal intriacutenseca irrenunciaacutevel e

inalienaacutevel inerente a todos os seres humanos e que se encontra acima das especificidades

culturais

Neste vieacutes a universalidade de tais direitos que eacute requisito indispensaacutevel para a

criaccedilatildeo de um direito comum natildeo eacute marcada pela criaccedilatildeo de instrumentos internacionais

positivos de proteccedilatildeo dos direitos humanos Isso porque embora tenha se conseguido a

universalizaccedilatildeo da adesatildeo dos Estados como eacute o caso da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos da ONU de 1948 ou mesmo da CEDH do sistema regional europeu ainda haacute

resistecircncias agrave aceitaccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo em algumas culturas que alegam a necessidade de

relativizaccedilatildeo desses direitos para adequaccedilatildeo agraves realidades nacionais54

Logo para a construccedilatildeo de uma verdadeira universalidade eacute necessaacuterio interpretar os

direitos humanos sob uma oacutetica interdisciplinar Finnis55

nesse aspecto afirma que os direitos

humanos constituem uma categoria que busca consagrar a dignidade humana sendo esta um

atributo de todas as pessoas independentemente de crenccedila ou cultura Nesse aspecto

51

Id 2007 p 13-35 52

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b 53

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Direitos humanos na globalizaccedilatildeo In BAEZ Narciso

Leandro Xavier BARRETO Vicente (Org) Direitos humanos em evoluccedilatildeo Joaccedilaba Ed Unoesc 2007 p

13-35 54

Id 2009 p77-99 55

FINNIS John Ley natural e derechos naturales Buenos Aires AbeledoPerrot 2000

28

vislumbra-se necessaacuterio a fim de identificar quais satildeo os valores baacutesicos e inderrogaacuteveis a

todos os humanos a construccedilatildeo de valores universais atraveacutes do diaacutelogo e do cruzamento de

diferentes culturas com diferentes valores Isso facilita a construccedilatildeo de uma cultura

cosmopolita baseada em uma identificaccedilatildeo em que prevaleccedila a dignidade da pessoa humana

acima dos relativismos

As diversidades culturais satildeo provenientes de elementos externos56

da diferenccedila de

ambientes naturais mas mesmo assim todas as pessoas ainda que inseridas em

especificidades culturais distintas ainda manteacutem atributos comuns Eacute por essa loacutegica que

permanece atual a premissa de Kant de que no atual estaacutegio da humanidade os povos

atingiram um grau de desenvolvimento que os permitem fazer parte de uma comunidade

cosmopolita57

Por isso a violaccedilatildeo de um direito humano em um ponto do planeta repercute e

pode ser sentida em todos os outros

Pertinente ainda lembrar que a universalizaccedilatildeo natildeo significa a imposiccedilatildeo ou a

uniformizaccedilatildeo de uma cultura sobre as outras Pelo contraacuterio deve-se buscar uma raiz

comum qual seja um conjunto de valores miacutenimos universais capazes de dialogar com

diferentes culturas garantindo o respeito e a preservaccedilatildeo da vida humana em qualquer lugar

Ainda sob essa oacutetica eacute possiacutevel afirmar que a noccedilatildeo de direito comum de Delmas

aproxima-se do ideal de direito cosmopoliacutetico em Kant58

Ao perceber o aumento da

participaccedilatildeo dos povos na Terra Kant vislumbra a ideia de uma comunidade mundial

alicerccedilada sob as bases de um direito cosmopoliacutetico a fim de garantir a paz perpeacutetua Diante

da dicotomia entre praacuteticas culturais e direitos humanos a base do cosmopolitismo kantiano eacute

a busca de criteacuterios loacutegico-racionais que sejam comuns a todas as culturas

Nesse espectro surgem entatildeo os direitos humanos como nuacutecleo moral-juriacutedico do

direito cosmopoliacutetico vez que a moralidade miacutenima universal se baseia em trecircs pilares a)

humanidade comum b) ameaccedilas compartilhadas e c) obrigaccedilotildees miacutenimas Logo a

fundamentaccedilatildeo moral eacute a base dos direitos humanos uma vez que nela encontram-se as

exigecircncias imprescindiacuteveis para a vida de um indiviacuteduo Apesar das diferenccedilas sociais e

culturais entre os seres humanos algumas necessidades e capacidades satildeo comuns a todos59

56

PAREKH Bhikhu Pluralist universalism and human rights In SMITH Rhona K M ANKER Cristien van

den The essentials of human rights London Oxford University Press 2005 57

KANT Immanuel Para a paz perpeacutetua Traduccedilatildeo Baacuterbara Kristen - Rianxo Instituto Galego de Estudos de

Seguranccedila Internacional e da Paz 2006 58

Ibid 2006 p 107-108 59

BARRETO Vicente de Paulo Direito Cosmopoliacutetico e Direitos Humanos In Espaccedilo Juriacutedico Journal of

Law N 2 Vol 11 2010 Disponiacutevel em

httpeditoraunoescedubrindexphpespacojuridicoarticleview19491017 Acesso 30 out 2014

29

Assim como a concepccedilatildeo de direitos humanos natildeo pode mais ser concebida como o

era na eacutepoca de Kelsen o panorama em que o Direito de um modo geral se insere hoje

tambeacutem natildeo pode mais ser concebido conforme a loacutegica claacutessica kelseniana em que a

constituiccedilatildeo estatal encontra-se no topo de uma estrutura piramidal sendo hierarquicamente

seguida pela legislaccedilatildeo infraconstitucional Os rearranjos da mundializaccedilatildeo e a consequente

internacionalizaccedilatildeo do Direito fazem com que novas estruturas permeiem o atual cenaacuterio

juriacutedico mundial

Seja uma concepccedilatildeo de trapeacutezio cujos veacutertices superiores satildeo ocupados em igual

niacutevel pelas constituiccedilotildees estatais e pelos tratados ou convenccedilotildees internacionais protetivos dos

direitos humanos como eacute a visatildeo de Canotilho seguida por Flaacutevia Piovensan60

seja uma

visatildeo de nuvens fluidas e descontiacutenuas com um direito de sistemas interativos complexos

marcados por geometria de piracircmides inacabadas e aneacuteis normativos como guirlandas

defendida por Delmas-Marty61

demonstram que a internacionalizaccedilatildeo traz tentativas de

recomposiccedilatildeo de um pluralismo que deveraacute ser suficientemente ordenado

Em razatildeo disso razoaacutevel frente agrave mudanccedila paradigmaacutetica trazida pela mundializaccedilatildeo

pensar em um conjunto ordenado para a desordem uma vez que a aparente anarquia que

existe favorece ao pluralismo Para se chegar a um direito comum pluralista tendo por base os

direitos humanos deve-se buscar a harmonizaccedilatildeo entre estes e os direitos econocircmicos com

respeito agraves particularidades religiosas e culturais e com a superaccedilatildeo dos perigos de uma

uniformizaccedilatildeo hegemocircnica tendente agrave globalizaccedilatildeo econocircmica

Nesse novo paradigma o ideaacuterio de ordem ldquodeslegalizadardquo anteriormente referido

toma corpo uma vez que a sobrevalorizaccedilatildeo da lei e das grandes codificaccedilotildees perde espaccedilo

havendo em contrapartida a crescente incorporaccedilatildeo dos precedentes (certa ruptura de

fronteiras entre common law e civil law) e dos princiacutepios como espeacutecie de coacutedigo cultural do

processo de interpretaccedilatildeo e criaccedilatildeo do direito62

A internacionalizaccedilatildeo do Direito reflete portanto uma nova realidade de um Direito

de sistemas complexos fluidos descontiacutenuos e interativos os quais levam agrave mutaccedilatildeo da

proacutepria concepccedilatildeo tradicional de ordem juriacutedica que natildeo eacute mais fechada dentro de si mesma e

sim sofre influecircncia de outras A tradicional piracircmide kelseniana eacute desconstruiacuteda

60

PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e diaacutelogo entre jurisdiccedilotildees In Revista Brasileira de Direito

Constitucional ndash RBCD n19 ndash janjul 2012 61

DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio

de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b 62

FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos

teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013

30

gradativamente dando lugar a novas geometrias cuja hierarquia natildeo eacute tatildeo riacutegida mas nem por

isso deixa de ser complexa

No topo encontram-se as constituiccedilotildees juntamente com elementos do Direito

Internacional (jus cogens tratados relativos o direito internacional dos direitos humanos) e do

direito comunitaacuterio europeu No corpo do que seria a antiga piracircmide kelseniana encontra-se

o crescimento e a consolidaccedilatildeo de um direito jurisprudencial atraveacutes de um jogo de

referecircncias reciacuteprocas em que um sistema observa o outro mas natildeo haacute um centro ao lado das

normas produzidas no legislativo (a intensa produccedilatildeo jurisprudencial para os hard cases

culmina em adiccedilatildeo de conteuacutedos advindos de ldquooutros direitosrdquo) e a base passa a ser composta

por decretos e regulamentos que resultam de administraccedilotildees policecircntricas corroborando para

a crenccedila de que o processo de internacionalizaccedilatildeo do direito vem acompanhado de

descentralizaccedilatildeo e privatizaccedilatildeo de fontes do Direito63

Diante deste quadro Delmas64

apresenta trecircs espeacutecies de processo de interaccedilatildeo para

se chegar a um direito comum coordenaccedilatildeo por entrecruzamento harmonizaccedilatildeo e unificaccedilatildeo

Destaca-se antes de discorrer brevemente sobre esses processos que o direito comum natildeo

tem a pretensatildeo de unificar o Direito no texto pois isso seria uma tarefa praticamente utoacutepica

A ideia de Delmas objetiva na realidade a exploraccedilatildeo da pluralidade como potencial poder

de integraccedilatildeo vez que as redes dinacircmicas e as estruturas vetorizadas pelos direitos humanos

presentes nas novas geometrias da ordem mundial se pautam no reconhecimento do outro em

uma espeacutecie de alteridade65

A coordenaccedilatildeo por entrecruzamento caracteriza-se por ser um processo horizontal em

que a autoridade das decisotildees seraacute reforccedilada pelo jogo de referecircncias cruzadas de uma

jurisdiccedilatildeo agrave outra Essa eacute uma fase transitoacuteria na construccedilatildeo de uma verdadeira ordem juriacutedica

mundial em que a internormatividade e a interpretaccedilatildeo cruzada permitem a formaccedilatildeo de no

miacutenimo uma comunidade de juiacutezes Em funccedilatildeo disso em acircmbito global percebem-se traccedilos

da coordenaccedilatildeo por entrecruzamento nos diaacutelogos entre cortes e tribunais nas mais diferentes

ordens No espaccedilo europeu a coordenaccedilatildeo eacute percebida da mesma forma atraveacutes dos diaacutelogos

entre as cortes nacionais e os tribunais da ldquopequena Europardquo e da ldquogrande Europardquo

respectivamente Tribunal de Luxemburgo e de Estrasburgo

Interessante notar conforme jaacute foi demonstrado que foram os diaacutelogos entre as cortes

nacionais dos diversos Estados membros da entatildeo Comunidade Europeia e posterior Uniatildeo

63

Ibid 2013 p20 64

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006 65

LOPES Carla Patriacutecia Frade Nogueira Internacionalizaccedilatildeo do Direito e pluralismo juriacutedico limites de

cooperaccedilatildeo no diaacutelogo de juiacutezes In Revista de Direito Internacional da Uniceub Vol 9 n4 2012

31

Europeia que auxiliaram no processo de consolidaccedilatildeo do entendimento de primazia das

normas comunitaacuterias ao lado da proteccedilatildeo integral aos direitos fundamentais previstos nas

constituiccedilotildees estatais Isso culminou conforme se asseverou anteriormente na disposiccedilatildeo do

Tratado de Lisboa de que a Uniatildeo Europeia natildeo soacute se submete agraves tradiccedilotildees e regras

constitucionais em mateacuteria de direitos fundamentais como adere agrave Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem

Se o primeiro processo de interaccedilatildeo eacute a coordenaccedilatildeo far-se-aacute de imediato a anaacutelise do

uacuteltimo processo a unificaccedilatildeo visto que o eacute no processo intermediaacuterio ndash a harmonizaccedilatildeo ndash que

se desenvolve o foco do presente estudo A unificaccedilatildeo seria do ponto de vista formal o

processo perfeito por unir ordens juriacutedicas regionais sob um mesmo modelo hieraacuterquico e

coerente das ordens nacionais tradicionais Entretanto sob o enfoque empiacuterico essa perfeiccedilatildeo

estaacute longe de ser garantida vez que a unificaccedilatildeo consiste na transferecircncia pura e simples do

regramento juriacutedico de um paiacutes para outro em uma espeacutecie de verticalizaccedilatildeo ordenada que

pode gerar a dominaccedilatildeo hegemocircnica de uma ordem sobre outra sem portanto respeito agrave

pluralidade

O processo intermediaacuterio de harmonizaccedilatildeo por sua vez tende a aproximar os sistemas

com um propoacutesito coordenativo poreacutem sem a intenccedilatildeo unificadora Tal processo limita-se a

uma integraccedilatildeo imperfeita cuja chave eacute a preservaccedilatildeo das margens nacionais de apreciaccedilatildeo

De modo diferente da coordenaccedilatildeo que eacute marcada pela horizontalidade da comunicaccedilatildeo entre

conjuntos juriacutedicos a harmonizaccedilatildeo instaura uma relaccedilatildeo do tipo vertical que implica o

reconhecimento de algumas hierarquias entre por exemplo direito internacional e nacional

direito supranacional e nacional dentre outras formas Todavia a inversatildeo destas hierarquias

e o reconhecimento muacutetuo fazem parte do movimento de harmonizaccedilatildeo

As margens nacionais de apreciaccedilatildeo satildeo as grandes novidades desse processo de

harmonizaccedilatildeo vez que elas funcionam em uma dinacircmica centriacutefuga e envolvem tanto a

obrigaccedilatildeo de conformidade em relaccedilatildeo agraves normas internacionais das quais determinado paiacutes eacute

signataacuterio quanto agrave apreciaccedilatildeo soberana dos Estados sendo delineada por princiacutepios

comuns66

A resistecircncia dos direitos internos e os avanccedilos do processo de harmonizaccedilatildeo satildeo

portanto as condiccedilotildees de possibilidade para a aplicaccedilatildeo da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

(MNA)

66

SALDANHA Jacircnia Maria Lopes MELLO Rafaela da Cruz Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e

Diaacutelogos Transjurisdicionais uma anaacutelise da postura do Supremo Tribunal Federal Brasileiro In Conselho

Nacional de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito - CONPEDI (Org) Direito Internacional dos Direitos

Humanos I XXIII EdFlorianoacutepolis CONPEDI 2014 v I p 368-394

32

Deste modo imperioso reconhecer que em um continente plural como eacute o europeu

com diversos paiacuteses com aspectos linguiacutesticos culturais religiosos e poliacuteticos a figura da

MNA apresenta-se como uma importante chave para o desenvolvimento e consolidaccedilatildeo de

um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos sendo uma ferramenta relevante

para o estabelecimento de um pluralismo ordenado uma vez que as pluralidades e

peculiaridades culturais e religiosas de cada Estado satildeo respeitadas

Neste sentido portanto a Europa pode ser vista novamente como um laboratoacuterio de

experiecircncias e o surgimento da MNA possui hoje um importante papel sobretudo dentro do

continente europeu Utilizada tanto pelos Tribunais de Luxemburgo e Estrasburgo a MNA

surgiu pela primeira vez na jurisprudecircncia do TEDH

Embora existam relatos do uso da MNA pelo Tribunal de Luxemburgo para permitir

que os conceitos comunitaacuterios sejam interpretados de modo flexiacutevel segundo as

especificidades nacionais e servindo como uma importante vaacutelvula de escape para as tensotildees

nacionais mais fortes neste trabalho far-se-aacute a limitaccedilatildeo da utilizaccedilatildeo da MNA pelo Tribunal

Europeu de Direitos do Homem com o intuito de analisar quais satildeo os entraves e as

possibilidades do uso de tal ferramenta pra a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de um direito comum

para a ldquogrande Europardquo tendo como base os direitos humanos

33

2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU

A noccedilatildeo de margem encontra-se no coraccedilatildeo dos sistemas de Direito uma vez que o

direito interno jaacute prevecirc a possibilidade de uma margem de interpretaccedilatildeo aos juiacutezes em relaccedilatildeo

agraves demandas que lhes satildeo apresentadas Todavia a internacionalizaccedilatildeo impulsiona ao

acreacutescimo do termo ldquonacionalrdquo a essa margem no sentido de permitir o reconhecimento da

diversidade dos sistemas juriacutedicos e a possibilidade de um direito comum

Nesse sentido no presente capiacutetulo far-se-aacute uma abordagem acerca da histoacuteria dessa

ferramenta criada pelo TEDH bem como o conceito e as criacuteticas trazidas por estudiosos da

doutrina da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) (21) Por conseguinte atraveacutes de uma

anaacutelise jurisprudencial se tentaraacute comprovar que a margem a despeito de opiniotildees contraacuterias

acerca da ausecircncia de paracircmetros para sua aplicaccedilatildeo pelo TEDH constitui-se como um

instrumento relevante para a construccedilatildeo de um direito comum europeu tendo como base

luminosa os direitos humanos (22)

21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem

Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu

Consoante fora anteriormente aludido a noccedilatildeo de margem encontra-se dentro dos

sistemas de direito Por isso em um primeiro momento aponta-se a margem dentro do direito

interno como ferramenta capaz de auxiliar o juiz enquanto receptor da norma a interpretar

determinado caso concreto em uma espeacutecie de coacutedigo cultural que determina o senso da

norma67

Nesse sentido a origem dessa margem de interpretaccedilatildeo adveacutem do direito

administrativo de diversos Estados europeus Na Franccedila a margem eacute conhecida como ldquomarge

67

DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation

du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit

compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780

34

drsquoappreacutecciationrdquo na Alemanha eacute vista como ldquoErmessensspielraumrdquo e na Itaacutelia ldquomarge de

discrizionalitaacuterdquo68

Em acircmbito interno portanto caracteriza-se por ser uma deferecircncia que

combina aspectos processuais e hermenecircuticos no sentido de conferir uma reserva de

apreciaccedilatildeo ao administrador para decidir acerca da conveniecircncia e oportunidade em relaccedilatildeo

aos atos administrativos

O processo de internacionalizaccedilatildeo estaacutegio supremo da globalizaccedilatildeo69

no acircmbito do

Direito se desenvolve a ponto de transformar o campo de uma disciplina de modo que

consoante jaacute fora exaustivamente exposto a seara juriacutedica natildeo se limita mais agrave relaccedilatildeo entre

Estados nem somente se combina com os direitos internos Logo o pluralismo pode ser visto

como uma palavra de ordem na paisagem juriacutedica atual e por isso a noccedilatildeo de margem ganha

o adjetivo ldquonacionalrdquo e passa a ser um elemento de tentativa de aproximaccedilatildeo com a finalidade

de atingir um direito comum com bases humanistas

Logo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) teria a finalidade de proceder a uma

espeacutecie de siacutentese entre os anseios de unidade juriacutedica e o desejo de separaccedilatildeo proveniente de

uma autonomia estatal A margem portanto sob o vieacutes da internacionalizaccedilatildeo corresponderia

ao caminho do meio entre o pressuposto de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o

relativismo ou os particularismos culturais de cada Estado

No contexto europeu em que tanto sob o vieacutes comunitaacuterio quanto sob a perspectiva do

sistema regional os Estados apresentam pluralidades significativas em relaccedilatildeo agrave religiatildeo agrave

cultura agrave poliacutetica dentre outros campos a figura da MNA serve como um importante

instrumento para aproximar o universal e o relativo70

Dessa maneira teria a funccedilatildeo de no

processo de construccedilatildeo de um direito comum apresentar como horizonte a universalidade dos

direitos humanos mas sem perder de foco os relativismos culturais que formam a identidade

das mais diferentes sociedades

Niacutetido portanto que o caminho para a construccedilatildeo de um ldquocomumrdquo em mateacuteria de

direitos humanos relaciona-se natildeo soacute com a proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua esfera eacutetica

e miacutenima como tambeacutem com a preservaccedilatildeo da pluralidade Como instrumento do processo de

harmonizaccedilatildeo a margem carrega em seu acircmago a noccedilatildeo de convergecircncia em torno de

princiacutepios comuns mas garantindo o respeito a uma espeacutecie de direito agrave divergecircncia uma vez

68

ITZCOVITCH Giulio One None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations The Lautsi Case

In Human Rights Law Review Oxford Journals 2013 Disponiacutevel em

httphrlroxfordjournalsorgcontent132toc Acesso 04 nov 2014 69

SANTOS Milton Teacutecnica Espaccedilo Tempo Globalizaccedilatildeo e meio teacutecnico-cientiacutefico-informacional 5ordf ed

Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2013 p 45 70

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b

35

que se garante a cada Estado a particularidade de lidar com questotildees atinentes agraves suas

diferenccedilas

Deste modo o Tribunal de Estrasburgo consoante fora dito anteriormente se utiliza

pela primeira vez do recurso agrave MNA no caso Lawless vs Irlanda71

Na discussatildeo cerne deste

conflito estava a possibilidade de prisatildeo provisoacuteria no caso dos atentados terroristas

relacionados ao grupo extremista IRA (Irish Republic Army) Mais especificamente o

cidadatildeo irlandecircs Gerard Richard Lawless ex-membro do IRA foi preso em julho de 1957 no

momento em que estava prestes a viajar da Irlanda agrave Gratilde-Bretanha Neste ato foi detido sob

especiais poderes de detenccedilatildeo indeterminada sem julgamento sob alegaccedilotildees de ofensas contra

o Estado irlandecircs

Lawless fazendo o uso da prerrogativa de peticcedilatildeo individual demandou perante a

Corte Europeia de Direitos do Homem alegando violaccedilatildeo pelo Estado Irlandecircs dos artigos 56

e 7 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem mas especificamente direitos de

liberdade seguranccedila julgamento justo e o princiacutepio de proibiccedilatildeo de puniccedilatildeo sem lei anterior

que defina um delito

No julgamento do caso em 1961 o Tribunal de Estrasburgo pela primeira vez fez

alusatildeo mesmo que de modo natildeo explicito agrave possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo

ao deixar ao Estado Irlandecircs margem para decidir fundamentando-se nas prerrogativas do

artigo 1572

da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Tal norma da Convenccedilatildeo alude agrave

possibilidade de derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade com a prerrogativa de que em

caso de guerra ou outro perigo puacuteblico que ameace a vida da naccedilatildeo a parte aderente agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem pode tomar providecircncias que derroguem as

obrigaccedilotildees previstas no tratado na estrita medida em que exigir a situaccedilatildeo

71

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57518itemid[001-57518] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lawless vs Irlanda Sentenccedila de 01 de julho de 1961 Acesso

05 nov 2014 72

Artigo 15 Derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade 1 Em caso de guerra ou de outro perigo puacuteblico que

ameace a vida da naccedilatildeo qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providecircncias que derroguem as obrigaccedilotildees

previstas na presente Convenccedilatildeo na estrita medida em que o exigir a situaccedilatildeo e em que tais providecircncias natildeo

estejam em contradiccedilatildeo com as outras obrigaccedilotildees decorrentes do direito internacional 2 A disposiccedilatildeo

precedente natildeo autoriza nenhuma derrogaccedilatildeo ao artigo 2deg salvo quanto ao caso de morte resultante de atos

liacutecitos de guerra nem aos artigos 3deg 4deg (paraacutegrafo 1) e 7deg 3 Qualquer Alta Parte Contratante que exercer este

direito de derrogaccedilatildeo manteraacute completamente informado o Secretaacuterio Geral do Conselho da Europa das

providecircncias tomadas e dos motivos que as provocaram Deveraacute igualmente informar o Secretaacuterio - Geral do

Conselho da Europa da data em que essas disposiccedilotildees tiverem deixado de estar em vigor e da data em que as da

Convenccedilatildeo voltarem a ter plena aplicaccedilatildeo CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS

DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014

36

Logo aplicando o referido artigo 15 da Convenccedilatildeo a decisatildeo do Tribunal de

Estrasburgo foi de no caso proposto asseverar que os fatos apurados natildeo revelam uma

violaccedilatildeo por parte do Governo irlandecircs de suas obrigaccedilotildees ao abrigo da Convenccedilatildeo Europeia

para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais Em razatildeo disso de a

motivaccedilatildeo do Tribunal para proferir a decisatildeo ter partido de uma prerrogativa da proacutepria

Convenccedilatildeo Europeia alguns autores73

natildeo fazem alusatildeo a este caso como o primeiro em que

houve concessatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo para Estado

Embora haja uma referecircncia tiacutemida agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso exposto

anteriormente eacute no caso linguiacutestico belga74

que se percebe uma manifestaccedilatildeo mais concreta

da Corte de Estrasburgo em relaccedilatildeo agrave deferecircncia de julgamento aos Estados precisando

alguns dos fundamentos da doutrina da MNA No caso belga julgado em 1968 pais que

falavam francecircs questionaram o sistema educacional da Beacutelgica que dividia o paiacutes em quatro

regiotildees linguiacutesticas distintas

O Tribunal de Luxemburgo aceitou uma margem de apreciaccedilatildeo conferida agraves partes em

funccedilatildeo de que os Estados possuiacuteam discricionariedade em relaccedilatildeo agrave regulamentaccedilatildeo do direito

agrave educaccedilatildeo A Corte argumentou que essa necessidade de concessatildeo de uma deferecircncia ou de

um limite de discricionariedade ao Estado era proveniente da natureza do proacuteprio direito

discutido (regulamentaccedilatildeo do sistema educacional) de modo que a regulamentaccedilatildeo do direito

agrave educaccedilatildeo poderia variar de acordo com o local e com o tempo consoante as necessidades e

os recursos da comunidade e dos indiviacuteduos

Ainda eacute possiacutevel destacar nesse caso a vinculaccedilatildeo da noccedilatildeo de margem de apreciaccedilatildeo

ao princiacutepio de subsidiariedade dos tribunais internacionais em relaccedilatildeo agraves cortes nacionais

Por isso o Tribunal manifestou-se asseverando que natildeo desejava substituir as autoridades

nacionais pois se assim o fizesse perderia a caracteriacutestica de mecanismo internacional de

garantia da ordem instaurada pela Convenccedilatildeo

73

KRATOCHVIL Jan The inflation of the margin of appreciation by european court of human rights In

Netherlands Quarterly of Human Rights Vol 293 2011 p 324-357 Disponiacutevel em ww corteidhorcr

tablas r26992pdf Acesso 01 nov 2014

VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um

equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em

httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 74

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httpwww9euskadineteuskara_araubideaLegedialegeakgaztelaneuropas23b001pdf CORTE EUROPEIA

DE DIREITOS HUMANOS Caso linguiacutestico belga Sentenccedila de 23 de julho de 1968 Acesso 05 nov 2014

37

Essa subsidiariedade conduz agrave MNA duas noccedilotildees75

uma noccedilatildeo teacutecnica e outra

poliacutetica Na noccedilatildeo teacutecnica a razatildeo para sua existecircncia relaciona-se com a imprecisatildeo de

algumas normas que conferem certa liberdade ao juiz internacional No campo poliacutetico a

relaccedilatildeo se evidencia pela sensibilidade dos Estados em relaccedilatildeo a temas polecircmicos

Sob essa oacutetica e embora esse natildeo seja o foco do presente trabalho pode-se afirmar que

a MNA eacute uma figuram importante tanto para o horizonte de criaccedilatildeo de um direito comum

europeu como para a consolidaccedilatildeo do direito comunitaacuterio europeu Isso porque este uacuteltimo

embora tenha sido baseado em um ideal federalista funda-se na realidade em um modelo de

governanccedila supranacional em que a MNA foi importada pelo Tribunal de Luxemburgo a fim

de ser uma vaacutelvula de escape para tensotildees fortes em acircmbito comunitaacuterio76

O TJUE deste modo permite que os conflitos comunitaacuterios sejam interpretados de

maneira flexiacutevel conforme especificidades nacionais Cada Estado pode atribuir seu proacuteprio

significado a expressotildees ou textos legais de interpretaccedilatildeo ampla devendo-se contudo

vincular aos princiacutepios e conceitos juriacutedico-legais do direito comunitaacuterio

No campo de construccedilatildeo de um direito comum europeu que tem como terreno o

sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos tal premissa natildeo eacute diferente Embora em

alguns casos o TEDH opte pela concessatildeo da margem de deferecircncia essa soacute pode ser aplicada

pelo Estado se este observar os princiacutepios que regem o instrumento legal base da Corte qual

seja a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) Deste modo o Estado natildeo fica

desobrigado do cumprimento da Convenccedilatildeo pois em tese apenas existiraacute margem para

pontos sensiacuteveis desta os quais permitem interpretaccedilotildees diferenciadas de acordo com os

particularismos nacionais e os desacordos culturais

Nesse sentido conforme se observou pelos casos citados com ecircnfase para o caso

Lawless vs Irlanda uma primeira aplicaccedilatildeo da doutrina da margem vinculou-se ao processo

de sedimentaccedilatildeo do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos vez que tal

caso foi um dos primeiros a ser julgado pelo Tribunal de Estrasburgo aleacutem de conforme fora

dito ter sido o primeiro no acircmbito da criaccedilatildeo e uso da MNA Em razatildeo desse contexto a

utilizaccedilatildeo do instrumento em questatildeo deu-se em funccedilatildeo de uma demanda que envolvia

questatildeo de seguranccedila interna de um paiacutes e por isso a aplicaccedilatildeo da deferecircncia de julgamento agrave

Irlanda daacute-se tambeacutem como uma teacutecnica poliacutetica para evitar tensotildees entre esfera internacional

75

DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation

du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit

compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780 76

VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade

de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014

38

e nacional (esta ainda arraigada ao conceito claacutessico de soberania) no acircmbito de um sistema

que tinha sido criado recentemente

Sob tal vieacutes pode-se recorrer agrave explicaccedilatildeo de Marcelo Varella77

de que a margem

deve ser aplicada para temas polecircmicos em que abusos exegeacuteticos por parte do tribunal de

cariz internacional podem levar agrave perda de legitimidade deste Contudo com o

desenvolvimento da teoria da MNA tanto por doutrinadores como pela proacutepria jurisprudecircncia

do tribunal que a criou percebe-se que o seu uso em grande medida relaciona-se com o

embate entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo nacional em mateacuteria de

desacordos culturais

Natildeo obstante a existecircncia de criacuteticas sobre a aplicaccedilatildeo praacutetica atual da MNA pelo

TEDH o que seraacute objeto de anaacutelise na sequencia do presente trabalho eacute com a figura da

deferecircncia da margem nacional que se torna possiacutevel um pluralismo de justaposiccedilatildeo78

que

tolera a coexistecircncia de sistemas particularmente diferentes Somente a possibilidade de

acoplamento do adjetivo nacional ao substantivo margem ou seja uma transferecircncia de

conceito desse substantivo para outra esfera que natildeo agrave interna de cada paiacutes jaacute demonstra que

uma ruptura com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito jaacute iniciou e ainda estaacute em curso

A ruptura com a concepccedilatildeo tradicional unificada e estritamente hierarquizada de

ordem juriacutedica leva a uma ruptura epistemoloacutegica com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito

Isso permite natildeo soacute a existecircncia e aplicaccedilatildeo de uma margem nacional de apreciaccedilatildeo como

demonstra a possibilidade de concretizaccedilatildeo do ideal de um direito comum que por ser

pluralista natildeo pode ser projetado conforme o modelo tradicional e nem encontra campo para

isso em funccedilatildeo do novo mosaico juriacutedico existente sobretudo na Europa

Logo eacute possiacutevel afirmar que a margem a que se refere esse trabalho natildeo deixa de ser

um reconhecimento jurisprudencial dessa mudanccedila de ares trazida pelas novas configuraccedilotildees

e estruturas juriacutedicas Isso porque novas instituiccedilotildees emergem em meio de um caos juriacutedico

que natildeo passa despercebido pelas cortes internacionais Prova disso eacute que a MNA natildeo eacute

mencionada somente pelo TEDH Ainda que de modo muito tiacutemido e em pequena medida eacute

possiacutevel o destaque de citaccedilatildeo (e aplicaccedilatildeo) da referida doutrina pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos79

Embora o continente latino americano seja tatildeo ou mais plural e diversificado que o

europeu e que o uso da margem como instrumento de siacutentese entre relativo e universal seja

77

Ibid 2012 p 143 78

DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 757 79

POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema

interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012

39

teoricamente indicado para sedimentar as bases de construccedilatildeo de um direito comum pluralista

a aplicaccedilatildeo do instituto em solo americano ainda natildeo ocorre de modo significativo Sob esse

vieacutes o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Seacutergio Garcia Ramirez80

asseverou

que a margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute uma ferramenta e um princiacutepio europeu de relativismo

relativo agrave execuccedilatildeo que natildeo eacute visto com simpatia pela Corte maacutexima do sistema regional

americano de direitos humanos Isso em funccedilatildeo natildeo soacute do histoacuterico de demandas que

chegaram ao julgamento da Corte Interamericana ndash em grande parte envolvendo violaccedilotildees de

direitos humanos perpetradas pelo Estado durante os periacuteodos de ascensatildeo de autoritarismos e

ditaduras na Ameacuterica Latina ndash como tambeacutem em razatildeo das democracias latino-americanas

ainda estarem em fase de consolidaccedilatildeo

Deste modo em razatildeo da ausecircncia ateacute entatildeo de casos envolvendo desacordos

culturais e das recentes reinserccedilotildees ou inserccedilotildees democraacuteticas de paiacuteses do continente

americano temia-se que eventual aplicaccedilatildeo de MNA poderia ser compreendida pelos Estados

como um salvo-conduto para que houvesse violaccedilatildeo de direitos humanos pelos paiacuteses A

cautela e a percepccedilatildeo de paisagens diferentes entre os territoacuterios separados pelo Atlacircntico

fizeram e fazem com que ainda hoje a doutrina da margem tenha pouca ou quase nenhuma

aplicaccedilatildeo na Ameacuterica

Deste modo pode-se afirmar que a internacionalizaccedilatildeo do direito - e seus reflexos na

Europa - eacute a responsaacutevel pela criaccedilatildeo de um espaccedilo para o desenvolvimento da doutrina da

margem nacional de apreciaccedilatildeo Nesse sentido embora a criaccedilatildeo tenha sido jurisprudencial

por parte do TEDH com aplicaccedilatildeo em alguns casos pelo proacuteprio Tribunal de Luxemburgo eacute

importante avaliar de que modo a doutrina conceitua o referido instituto

A posiccedilatildeo adotada por este trabalho eacute a de Mireille Delmas-Marty81

que salienta em

suas obras a origem nacional da margem nacional ainda como uma margem de interpretaccedilatildeo

capaz de conferir um pluralismo de valores do tipo meta juriacutedico em uma espeacutecie de

deferecircncia para apreciaccedilatildeo do juiz receptor de determinada norma Todavia a margem

relativa agrave internacionalizaccedilatildeo liga-se ao reconhecimento da diversidade de sistemas juriacutedicos

os quais possuem algumas caracteriacutesticas peculiares ligadas agraves identidades do Estado em que

se encontram

80

Tal posicionamento de Seacutergio Garciacutea Ramirez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema Internacional de

Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de 19 e 20 de agosto

de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado ndash da Pontifiacutecia

Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS 81

DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 762

40

Em razatildeo disso para a autora a noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo aleacutem de ser

uma siacutentese entre o universal e o relativo eacute uma chave do pluralismo ordenado Desse modo

sua construccedilatildeo assemelha-se de um lado agrave expressatildeo de uma dinacircmica centriacutefuga ou seja

uma resistecircncia dos Estados agrave integraccedilatildeo e o apego agrave noccedilatildeo claacutessica de soberania e de outro

lado sendo ela limitada por princiacutepios comuns estabelece o miacutenimo de compatibilidade

voltando-se ao centro em uma dinacircmica centriacutepeta

Haacute portanto um movimento duplo que por vezes traduz as resistecircncias dos direitos

nacionais por vezes os avanccedilos rumo agrave harmonizaccedilatildeo do direito comum em mateacuteria de

direitos humanos Eacute justamente essa capacidade de oscilaccedilatildeo que permite os ajustamentos

com vistas a compatibilizar o interno com o comum com o intuito nem de criar uma

hegemonia do universal e nem de tornar inaplicaacutevel o direito comum em razatildeo das

particularidades Desta forma Delmas percebe a margem como uma teacutecnica juriacutedica presente

no acircmbito do fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo do direito e que permite o reconhecimento da

diversidade entre os sistemas juriacutedicos82

Benvenisti83

por sua vez visualiza no uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo uma

espeacutecie de latitude que cada sociedade tem na resoluccedilatildeo de conflitos inerentes entre os

direitos individuais e os interesses nacionais ou entre diferentes convicccedilotildees morais Por

conseguinte alude que a doutrina da margem consoante inclusive fora abordado

anteriormente neste trabalho respondeu inicialmente a preocupaccedilotildees de governos nacionais

de que as poliacuteticas internacionais pudessem comprometer a seguranccedila nacional Isso entatildeo

explicaria a invocaccedilatildeo da margem no caso Lawless vs Irlanda por exemplo

Com a evoluccedilatildeo da jurisprudecircncia o uso desse instrumento passou a ser aplicado por

outras razotildees como gestatildeo de recursos discricionariedade em relaccedilatildeo a questotildees

concernentes agrave deliberaccedilatildeo acerca de sistemas poliacuteticos educacionais entre outros ateacute passar

a ser utilizada em temas relativos aos desacordos culturais Ainda segundo Bevenisti84

a

utilizaccedilatildeo da margem se justifica em alguns casos e em algumas mateacuterias ndash para o autor por

exemplo a aplicaccedilatildeo da margem nacional natildeo se justifica quando em questatildeo se encontram o

direito de minorias - sendo que o uso ampliado ou desmedido pode gerar uma espeacutecie de

deslegitimaccedilatildeo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos

82

Ibid 2000 p 760 83

BENVENISTI Eyal Margin of apreciation consensus and universal standards In International Law and

Politics Vol 31843 1999 pp 843-854 Disponiacutevel em httpwwwpict-

pctiorgpublicationsPICT_articlesJILPBenvenistipdfp 853 Acesso 05 nov 2014 84

Ibid 1999 p 846

41

Para Poblete amp Alvarado85

a margem nacional de apreciaccedilatildeo liga-se agrave noccedilatildeo de fins e

limites da jurisdiccedilatildeo internacional ou supranacional em mateacuteria de direitos humanos Eles

reconhecem que a doutrina da margem concede aos Estados signataacuterios de convenccedilotildees

internacionais liberdade para apreciar as circunstacircncias materiais que exigem aplicaccedilatildeo de

medidas excepcionais em situaccedilatildeo de emergecircncia como eacute o caso das prerrogativas do artigo

15 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de derrogaccedilatildeo em caso de necessidade

Outrossim ainda segundo os mencionados autores a margem possibilita aos Estados

liberdade para limitar direitos reconhecidos em tratados internacionais quando outros direitos

exigem respeito ou assim exigem os interesses da comunidade Ainda serviria para definir os

conteuacutedo dos direitos delimitar como eles satildeo aplicados no plano interno e definir o modo

como seratildeo cumpridas resoluccedilotildees de um oacutergatildeo internacional de supervisatildeo de um tratado ou

convenccedilatildeo Dessa maneira tais autores identificam a doutrina da MNA como uma

metodologia de que se servem os tribunais internacionais para difundir os direitos humanos

previstos nos tratados internacionais bem como o direito do comeacutercio ndash a margem tambeacutem eacute

aplicada pela Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio (OMC)

Vila86

por sua vez percebe na doutrina da marem nacional de apreciaccedilatildeo uma espeacutecie

de ldquodeferecircnciardquo praticada pelo Tribunal de Estrasburgo em relaccedilatildeo aos Estados signataacuterios da

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Isso pelo fato de que o sistema de proteccedilatildeo dos

diretos humanos na Europa eacute resultado de uma divisatildeo de trabalho entre os Estados e a Corte

em que os primeiros satildeo responsaacuteveis primaacuterios desta proteccedilatildeo e a Corte possui um caraacuteter

subsidiaacuterio atuando em acircmbitos sensiacuteveis como o da moralidade e da religiatildeo em que natildeo haacute

consenso entre os Estados

Nesse mesmo sentido se situa o pensamento de Roca87

que afirma que a doutrina da

margem nacional de apreciaccedilatildeo ocupa um lugar de destaque na jurisprudecircncia do Tribunal

Europeu de Direitos Humanos e eacute necessaacuteria para refletir uma realidade evidente qual seja a

pluralidade cultural dos Estados que fazem parte do Conselho da Europa notaacutevel em um

pluralismo de base territorial sobre o qual assenta uma cultura comum europeia de alguns

miacutenimos

85

POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema

interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012 p5 86

VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um

equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em

httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 87

ROCA JavierGarciacutea La muy discrecional doctrina del margen de apreciacioacuten nacional seguacuten el Tribunal

Europeo de Derechos Humanos Soberaniacutea e Integracioacuten In UNED Teoriacutea y Realidad Constitucional N

202007 p 117-143 Disponiacutevel em httpe-spaciounedes revistasuned indexphp TRC article vie 6778

Acesso 02 nov 2014

42

Da mesma forma considera o autor que os princiacutepios da proporcionalidade e da

subsidiariedade satildeo imanentes agrave noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo visto que os

Estados possuem certa margem de discricionariedade na aplicaccedilatildeo e no cumprimento de

obrigaccedilotildees impostas pela Convenccedilatildeo bem como na ponderaccedilatildeo de interesses mais

complexos Se houver excesso por parte dos Estados no uso dessa margem haacute violaccedilatildeo do

princiacutepio da proporcionalidade e abre-se espaccedilo para a intervenccedilatildeo do oacutergatildeo jurisdicional

internacional sob as bases do princiacutepio da subsidiariedade

Eacute importante sob essa oacutetica lembrar que embora o diferencial da Corte Europeia de

Direitos Humanos seja o de permitir a peticcedilatildeo individual de qualquer sujeito que denuncie

uma violaccedilatildeo de seus direitos baacutesicos assim como outros tribunais internacionais tem a regra

da exigecircncia do esgotamento das vias internas de acesso agrave justiccedila para que a demanda seja

recebida pelo TEDH Se natildeo houve satisfaccedilatildeo do pleito por parte do Estado ou se a reparaccedilatildeo

obtida se revelara inidocircnea para uma proteccedilatildeo adequada ao direito violado entatildeo agrave Corte

Europeia eacute permitido revisar a decisatildeo nacional ou substituiacute-la

Mahorney88

em seus estudos assevera que a margem funciona como uma espeacutecie de

divisatildeo de jurisprudecircncias uma vez que traccedila uma linha divisoacuteria entre o que deve decidir

cada comunidade nacional e as questotildees que tecircm relevacircncia para necessitar uma soluccedilatildeo

homogecircnea ou seja as que demandam uma decisatildeo que harmonize a regulaccedilatildeo do direito e

suas garantias na comunidade internacional independentemente das diferenccedilas de tradiccedilotildees

ou culturas

Contreras89

afirma que os tratados regionais de direitos humanos embora contenham

escopos de universalidade em relaccedilatildeo a esses direitos satildeo acompanhados pela possibilidade

de peculiaridades geograacuteficas na execuccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos direitos do homem As cortes

internacionais tecircm a dificuldade de conciliar ou justificar a falta de conciliaccedilatildeo entre

diferenccedilas morais e normativas de cada regiatildeo Em razatildeo disso uma das criaccedilotildees doutrinaacuterias

mais importantes eacute a da margem nacional de apreciaccedilatildeo sendo esta para o autor um criteacuterio

interpretativo desenvolvido tanto como deferecircncia aos Estados para que possam regular o

conteuacutedo dos direitos e suas restriccedilotildees e para distribuir os poderes e niacuteveis de decisotildees

tomadas entre as autoridades domeacutesticas e internacionais

88

MAHORNEY Paul Marvellous richness diversity or individual cultural relativism In Human Rights Law

Journal Vol 19 nuacutem 1 30 de abril de 1998 p 1 89

CONTRERAS Pablo National Discretion and International Deference in the Restriction of Human Rights A

Comparison Between the Jurisprudence of the European and the Inter-American Court of Human Rights In

Northwestern Journal of International Human Rights Vol 11 2012 Disponiacutevel em

httpscholarlycommonslawnorthwesterneducgiviewcontentcgiarticle=1155ampcontext=njihr Acesso 01 nov

2014

43

Visiacutevel portanto que na doutrina natildeo haacute um contexto exato em relaccedilatildeo a essa figura

criada e aplicada na jurisprudecircncia do TEDH Enquanto para alguns estudiosos ela se

configura como uma doutrina para outros eacute um criteacuterio interpretativo ou hermenecircutico usado

pelos tribunais internacionais no sentido de revisar a decisatildeo de um Estado ou conceder

deferecircncia a este para julgar conforme o direito interno coadunado com os princiacutepios miacutenimos

existentes nos tratados internacionais de direitos humanos

Natildeo obstante a divergecircncia de conceituaccedilatildeo no campo teoacuterico analisar-se-aacute no

proacuteximo capiacutetulo alguns casos emblemaacuteticos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de apreciaccedilatildeo

pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos mais diferentes tema com o intuito de

responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel afirmar que do modo como eacute aplicada a

doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo pela Corte Europeia de Direitos do Homem

temos uma efetiva contribuiccedilatildeo para o processo de harmonizaccedilatildeo entre universal e relativo e

construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos

Embora a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo tenha nascido da tentativa de

produccedilatildeo de uma siacutentese entre o universal e o relativo no espaccedilo do sistema regional europeu

de proteccedilatildeo dos direitos humanos sua aplicaccedilatildeo praacutetica sobretudo pelo TEDH natildeo eacute imune a

criacuteticas Cumpre a esse capiacutetulo realizar notas acerca da aplicaccedilatildeo praacutetica da margem

nacional de apreciaccedilatildeo com o intuito de verificar se ela efetivamente contribui ou eacute capaz de

contribuir para a construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

Conforme afirmam Brum et Saldanha90

a MNA ao ser compreendida e utilizada como

uma forma de autocontrole por meio do qual o oacutergatildeo jurisdicional internacional evita o

enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas poliacutetica pode

representar um risco de fragilizaccedilatildeo do direito internacional dos direitos humanos caso seu

uso se torne indiscriminado sem criteacuterios claros e limites precisos Desta maneira seu uso em

vez de conduzir ao caminho de ordenaccedilatildeo do muacuteltiplo e de mundializaccedilatildeo dos direitos

90

BRUM Maacutercio Morais SALDANHA Jacircnia Maria Lopes A margem nacional de apreciaccedilatildeo e sua

(in)aplicaccedilatildeo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em mateacuteria de anistia Uma figura hermenecircutica a

serviccedilo do pluralismo ordenado In Anuario Mexicano de Derecho Internacional 2015(No prelo para

publicaccedilatildeo)

44

humanos levaria ao rumo contraacuterio da fragmentaccedilatildeo e reforccedilo da velha noccedilatildeo de soberania

marcada pela ausecircncia de compromisso dos Estados com os marcos protetivos miacutenimos do

direito internacional

Neste vieacutes portanto dentro ainda de um panorama geral de anaacutelise da postura do

Tribunal de Estrasburgo um dos primeiros pontos de criacutetica se relaciona ao enfraquecimento

da credibilidade do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos Na visatildeo de

alguns doutrinadores a postura da Corte Europeia na aplicaccedilatildeo irrestrita e sem limitaccedilotildees ou

uma sistematizaccedilatildeo teacutecnica em relaccedilatildeo aos casos em que deve ou natildeo ser aplicada pode gerar

um sentimento de descrenccedila na legitimidade e na eficaacutecia das decisotildees tomadas pelo oacutergatildeo

jurisdicional internacional do Conselho da Europa

Para alguns estudiosos o modo como a margem eacute aplicada reflete uma postura de

evitar o enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas

poliacuteticas Aleacutem de uma fragilizaccedilatildeo do sistema internacional de proteccedilatildeo aos direitos humanos

o uso da margem sem limites definidos pode levar ao reforccedilo da noccedilatildeo claacutessica de soberania

em que o compromisso dos Estados com os instrumentos normativos de direito internacional

era mitigado

No campo de aplicaccedilatildeo a casos praacuteticos eacute possiacutevel conforme assevera Roca91

visualizar as imprecisotildees praacuteticas e teoacutericas do uso da margem o que leva a dois resultados o

primeiro eacute a necessidade de criaccedilatildeo de esforccedilos com urgecircncia para melhor edificar e criar

paracircmetros para a aplicaccedilatildeo da ferramenta bem como que o demandante ou qualquer

observador perante a Corte natildeo saber com suficiente seguranccedila juriacutedica quando o Tribunal

de Estrasburgo vai usar a margem nem quais seratildeo os possiacuteveis resultados desse uso

Ainda segundo o autor a margem eacute um instrumento impreciso e de geometria

variaacutevel todavia eacute consenso entre os doutrinadores que a ferramenta natildeo eacute uma carta branca

aos Estados para fazerem o que quiserem sendo necessaacuteria depuraccedilatildeo teoacuterica para tornar o

instrumento mais preciso Seu uso impotildee como jaacute foi dito autocontenccedilatildeo por parte da Corte

tendo em vista que sua funccedilatildeo segundo o princiacutepio da subsidiariedade eacute somente de impor

estandartes miacutenimos comuns em mateacuteria de direitos humanos Entretanto o niacutevel de proteccedilatildeo

dos direitos dos direitos e das diversas foacutermulas para concretizaacute-los natildeo satildeo homogecircneos

diante de naccedilotildees com tradiccedilotildees juriacutedicas tatildeo diversas

Desta maneira no campo jurisprudencial com a finalidade de responder ao

questionamento feito no capiacutetulo anterior utilizar-se-aacute de modo conjunto as classificaccedilotildees das

91

ROCA op cit 125

45

decisotildees da Corte Europeia dos Direitos do Homem feitas por Contreras e por Roca Para o

primeiro doutrinador92

eacute possiacutevel dividir os casos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de

apreciaccedilatildeo pelo Tribunal de Estrasburgo em trecircs grandes grupos

O primeiro grupo abarca casos envolvendo direitos fundamentais e direitos poliacuteticos

dentre os quais se destacam a proibiccedilatildeo da tortura ou a liberdade de expressatildeo e associaccedilatildeo

Nesse primeiro grupo no que tange aos direitos fundamentais haacute rigorosa supervisatildeo por

parte do Tribunal Europeu negando qualquer margem nacional de apreciaccedilatildeo aos Estados

Ainda dentro deste conjunto no que concerne aos discursos poliacuteticos ou direito de partidos

poliacuteticos eacute por vezes concedida uma margem reduzida agraves autoridades domeacutesticas para

decisatildeo ou execuccedilatildeo de uma decisatildeo

O segundo grupo por sua vez relaciona-se aos direitos de propriedade em que a

Corte concede grande margem de deferecircncia aos Estados Isso porque o TEDH reconhece em

princiacutepio que as autoridades nacionais estatildeo melhor situadas do que o juiz internacional no

que tange a apreciaccedilatildeo acerca do melhor interesse de uma comunidade em relaccedilatildeo a poliacuteticas

envolvendo direitos de propriedade

Por fim o terceiro grupo eacute o mais complexo para a apreciaccedilatildeo do tipo de margem

concedida pelo Tribunal de Estrasburgo uma vez que conteacutem temas que natildeo apresentam

consenso por parte do Tribunal Deste modo neste grupo ficam evidentes as complexidades e

as vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis da MNA Casos como os de liberdade religiosa liberdade de

discurso direitos dos homossexuais dentre outros temas latentes e relevantes na paisagem

juriacutedica social e cultural europeia

Do mesmo modo Roca93

divide a margem nacional de apreciaccedilatildeo em trecircs ciacuterculos

concecircntricos tendo como base a natureza dos direitos cuja tutela eacute pleiteada junto ao oacutergatildeo

jurisdicional internacional do sistema europeu O primeiro ciacuterculo de Roca relaciona-se com o

segundo grupo de Contreras vez que trata dos direitos de propriedade que teriam uma

margem de deferecircncia ampla e um controle pouco intenso por parte da Corte Esse ciacuterculo

seria o maior e englobaria os demais

No ciacuterculo menor estariam os direitos vistos como absolutos pelo Tribunal Europeu

Dentre esses se destacam o direito agrave vida ou os direitos democraacuteticos que apresentam uma

margem de apreciaccedilatildeo pouco extensa juntamente com um controle restrito por parte da Corte

Europeia Este ciacuterculo identifica-se com o primeiro grupo anteriormente mencionado visto

92

CONTRERAS op cit p 35 93

ROCA op cit p 134

46

que trabalha com noccedilotildees de direitos fundamentais e poliacuteticos essenciais e miacutenimos para todos

os paiacuteses europeus

Por fim no espaccedilo intermediaacuterio entre esses dois ciacuterculos encontra-se uma esfera

meacutedia que relacionando-se com o terceiro grupo definido por Contreras contempla todos os

outros direitos em que alguma vez o Tribunal de Estrasburgo mencionou ou aplicou a margem

nacional de apreciaccedilatildeo Eacute justamente nesse ciacuterculo que devem ser desenvolvidos os

paracircmetros para guiar o uso da ferramenta pela Corte no intuito de reduzir a inseguranccedila

juriacutedica ocasionada pelo uso sem uma sistematizaccedilatildeo de criteacuterios

Eacute pertinente em um primeiro momento destacar que conforme ambos os

doutrinadores demonstram quando se mencionam direitos fundamentais ou vinculados agrave

princiacutepios democraacuteticos inaplicaacutevel eacute o uso da margem pela Corte ou se for feito eacute de forma

absolutamente restrita No caso dos direitos fundamentais interessante relembrar Baez94

que

ao buscar o conceito de direitos humanos concluiu que nenhuma fonte normativa existente

tanto em sistemas internacionais quanto nacionais ou regionais trazem a definiccedilatildeo de direitos

humanos Pelo contraacuterio soacute os exemplificam

Nesse sentido observou Baez95

que embora natildeo exista uma definiccedilatildeo precisa de

direitos humanos existem elementos baacutesicos que fazem parte desses e o elemento que eacute

citado em todos os instrumentos normativos sobre o tema eacute o de dignidade da pessoa humana

Os direitos humanos somente existem para realizaccedilatildeo e proteccedilatildeo da dignidade humana poreacutem

o conceito de dignidade eacute de tatildeo difiacutecil conceituaccedilatildeo quanto o conceito de direitos humanos

O autor conclui que a dignidade possui duas dimensotildees a dimensatildeo baacutesica a qual

corresponde aos limites miacutenimos e fundamentais para a existecircncia humana impedindo a

noccedilatildeo de coisificaccedilatildeo do ser Se houver portanto violaccedilatildeo agrave dimensatildeo baacutesica da dignidade da

pessoa humana haacute tambeacutem violaccedilatildeo dos direitos humanos A outra dimensatildeo eacute a cultural vez

que envolve o conjunto de valores que cada sociedade desenvolve

A primeira dimensatildeo refere-se agrave universalidade e a segunda que depende de fatores

culturais permite que os direitos humanos sejam morfologicamente assimeacutetricos Isso natildeo

deixa de se relacionar com o que Delmas-Marty fala acerca dos direitos humanos

inderrogaacuteveis ou seja que natildeo podem sofrer a incidecircncia de qualquer tipo de margem de

94

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos

humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da

UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em

httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014 95

Tal posicionamento de Narciso Leandro Xavier Baez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema

Internacional de Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de

19 e 20 de agosto de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado

ndash da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS

47

apreciaccedilatildeo Estes possuem a caracteriacutestica do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano

ou seja vinculam-se agrave noccedilatildeo da dimensatildeo baacutesica da dignidade da pessoa humana

Neste vieacutes eacute possiacutevel dizer que no que diz respeito aos direitos fundamentais a Corte

de certa forma apresenta certa relaccedilatildeo com as doutrinas apresentadas uma vez que em casos

em que existam registros de violaccedilotildees aos direitos humanos inderrogaacuteveis quais sejam os

que tem como cerne a dignidade humana baacutesica a Corte natildeo permite qualquer espeacutecie de

margem nacional de apreciaccedilatildeo Vejamos por exemplo o caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila96

julgado em 2006 O demandante perante o Tribunal de Estrasburgo foi um terrorista

venezuelano conhecido na deacutecada de 1970 condenado pelo Estado Francecircs agrave prisatildeo perpeacutetua

pelo assassinato em 1974 dois inspetores da poliacutecia francesa e um antigo companheiro

terrorista libanecircs

Saacutenchez recorreu agrave Corte Europeia arguindo violaccedilotildees do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo

Europeia dos Direitos do Homem (proibiccedilatildeo da tortura e tratamentos humanos degradantes) e

do artigo 13 do mesmo diploma legal (direito a um recurso efetivo) Embora no julgamento

tenha ficado decidido que natildeo houve violaccedilatildeo ao artigo 3ordm97

o posicionamento da Corte

permite asseverar que natildeo haacute margem nacional de deferecircncia aos Estados quando o assunto

for violaccedilatildeo de direitos humanos ou fundamentais inderrogaacuteveis ou cujo nuacutecleo central for a

dignidade baacutesica da pessoa humana Nesse sentido a Corte pontuou que mesmo nas

circunstacircncias mais difiacuteceis como a luta contra o terrorismo ou o crime organizado a

Convenccedilatildeo proiacutebe em termos absolutos a tortura ou tratamentos inumanos ou degradantes

Igualmente natildeo confere o Tribunal margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso de

violaccedilatildeo de direitos humanos nas condiccedilotildees degradantes das prisotildees de muitos paiacuteses do Leste

Europeu O caso Kalashnikov vs Ruacutessia98

julgado em 15 de julho de 2002 cujo fundamento

foi repetido em muitos outros casos envolvendo condiccedilotildees humanas degradantes nas prisotildees

apresenta a consideraccedilatildeo de que deficientes condiccedilotildees objetivas e estruturais de cumprimento

de pena podem constituir uma violaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo Europeia

96

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-

1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila Sentenccedila

de 04 de julho de 2006 Acesso 05 nov 2014 97

Artigo 3ordm Proibiccedilatildeo da tortura Ningueacutem pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos desumanos

ou degradantes CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS

LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 98

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-

1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Kalashnikov vs Ruacutessia Sentenccedila de 15

de julho de 2002 Acesso 05 nov 2014

48

Ainda pode-se destacar o caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria99

em que novamente o motivo

que serve de base para o pedido de julgamento do Tribunal de Estrasburgo eacute a violaccedilatildeo do

artigo 3ordf da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de que ningueacutem poderaacute ser

submetido a torturas nem a penas ou tratamentos humanos degradantes O caso em comento

referiu-se agrave prisatildeo do senhor Borislav Gutsanov membro do Partido Comunista preso pela

poliacutecia da Bulgaacuteria em sua casa na frente de seus filhos e de sua esposa durante as

investigaccedilotildees de esquemas de grupos criminosos Segundo o relato das partes demandantes

Gustsanovi foi rendido em sua casa por volta das seis horas da manhatilde forccedilado a se ajoelhar e

algemado em frente a seus filhos menores de idade

A decisatildeo da Corte foi a de considerar que houve violaccedilatildeo do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo

uma vez que se mostrou desnecessaacuterio o ato dos policiais e natildeo condizente com os princiacutepios

da proporcionalidade e com as exigecircncias de garantia de direitos fundamentais de um Estado

Democraacutetico de Direito Isso porque o demandante natildeo teria oferecido resistecircncia em sua

prisatildeo de modo que algemaacute-lo diante de sua famiacutelia representou uma espeacutecie de tratamento

humano degradante

Casos como os acima previstos mostram um padratildeo doutrinaacuterio e jurisprudencial

semelhante vez que natildeo se encontram referecircncias expressas a qualquer margem nacional de

apreciaccedilatildeo para as autoridades nacionais O TEDH determina se as provas colhidas satildeo

suficientes ou natildeo para provar o real risco de tortura ou de tratamento humano e

degradante100

Logo pelo fato de que a natureza dos direitos envolvidos nesse caso eacute considerada

como fundamental de imediato eliminam-se as possibilidades de deferecircncia aos Estados Tal

compreensatildeo eacute o que faz o uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo ser extremamente reduzido

no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos Isso porque ateacute hoje diferentemente do Tribunal de Estrasburgo a Corte

Interamericana teve como maioria de demandas apresentadas as envolvendo delitos

praticados pelos Estados Americanos durante as ditaduras militares ou civil militares em que

casos de tortura e desaparecimento forccedilados eram julgados ou seja casos envolvendo a

violaccedilatildeo de direitos fundamentais ou humanos em sua perspectiva eacutetica de dignidade humana

e natildeo cultural

99

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-126982itemid[001-126982] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria Sentenccedila de 15 de outubro de 2013

Acesso 05 nov 2014 100

CONTRERAS op cit p 41

49

Nesse aspecto visiacutevel que quando se tratam de possiacuteveis violaccedilotildees de direitos

humanos inderrogaacuteveis previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos

a anaacutelise feita pelo Tribunal de Estrasburgo eacute de revisatildeo minuciosa da sentenccedila proferida no

paiacutes de origem da demanda bem como a possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute

extremamente reduzida para natildeo falar inexistente No caso de direitos democraacuteticos a

deferecircncia quando concedida pela Corte possui um limite miacutenimo e consoante o princiacutepio da

proporcionalidade soacute eacute concedida se a restriccedilatildeo eacute necessaacuteria e condizente com uma sociedade

democraacutetica

Nos direitos democraacuteticos referidos abarca-se a participaccedilatildeo poliacutetica atraveacutes das

possibilidades de liberdade de associaccedilatildeo ou de discurso poliacutetico Neste campo dos direitos de

participaccedilatildeo poliacutetica em sociedades democraacuteticas a margem concedida pelo Tribunal de

Estrasburgo consoante se afirmou eacute reduzida e sujeita a um controle rigoroso por parte do

oacutergatildeo jurisdicional internacional

Destaca-se o caso Lingens vs Austria101

que por mais que tenha sido julgado na

deacutecada de 1980 pela Corte Europeia eacute emblemaacutetico em relaccedilatildeo ao posicionamento do

tribunal internacional acerca da liberdade de expressatildeo Nesse caso durante o periacuteodo anterior

agraves eleiccedilotildees na Aacuteustria o jornalista Lingens publicou dois artigos polecircmicos sobre os

candidatos incluindo em um desses artigos a informaccedilatildeo de que o entatildeo presidente do

Partido Liberal Nacional da Aacuteustria teria ligaccedilotildees no passado com o nazismo e com a SS

Contra o jornalista foi instaurado um processo penal e ao fim da instruccedilatildeo criminal

este fora condenado pelo delito de difamaccedilatildeo conforme as regras do direito penal austriacuteaco

Esgotadas as vias internas de recurso o jornalista demandou perante a Corte Europeia

alegando que houve por parte do Estado violaccedilatildeo do artigo 10 da Convenccedilatildeo Europeia

havendo censura em seu direito de expressar-se livremente O Estado por sua vez nas razotildees

apresentadas perante o tribunal internacional justificou a condenaccedilatildeo na convicccedilatildeo de

proteccedilatildeo da honra dos direitos de outrem

Frente a este embate o Tribunal de Estrasburgo reconheceu uma margem miacutenima de

deferecircncia agraves autoridades domeacutesticas no que concerne aos oacutergatildeos locais na avaliaccedilatildeo de uma

necessidade social imperiosa que justificaria a interferecircncia na liberdade de expressatildeo de

Lingens Entretanto ressaltou que essa deferecircncia seria seguida por uma riacutegida supervisatildeo

101

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lingens vs Austria Sentenccedila de 8 de julho de 1986 Acesso

05 nov 2014

50

internacional uma vez estar se tratando de direitos fundamentais para o bom funcionamento

de uma sociedade democraacutetica

Ainda nesse sentido o TEDH arguiu que a liberdade de debate poliacutetico eacute cerne da

democracia e considerar que qualquer ofensa ou notiacutecia acerca de uma pessoa puacuteblica seria

sempre difamaccedilatildeo poderia impedir a imprensa na realizaccedilatildeo de sua tarefa de fornecedora de

informaccedilotildees Deste modo aplicando de forma conjunta os princiacutepios da proporcionalidade e

da subsidiariedade o Tribunal de Estrasburgo decidiu que a condenaccedilatildeo fora desproporcional

ao objetivo legiacutetimo perseguido e constituiu uma violaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo no

acircmbito da Convenccedilatildeo Europeia

Tambeacutem merece anaacutelise o caso July and Sarl Libeacuteration vs France102

cuja sentenccedila

foi proferida em 2008 Neste caso o jornal francecircs Libeacuteration divulgou uma reportagem a

respeito das investigaccedilotildees da morte do juiz Bernard Borrel que em um primeiro momento

havia sido dada como suiciacutedio mas apoacutes a reabertura das investigaccedilotildees houve surgimento de

indiacutecios de morte por encomenda Apoacutes a divulgaccedilatildeo da reportagem contendo informaccedilotildees

acerca da participaccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos na morte do magistrado o diretor do jornal

Senhor July foi processado criminalmente pelo crime de difamaccedilatildeo e condenado pelo governo

francecircs

O TEDH em sua manifestaccedilatildeo asseverou que o caso em questatildeo trazia niacutetida

interferecircncia de autoridades puacuteblicas na liberdade de expressatildeo e essa interferecircncia caso natildeo

siga os requisitos do artigo 10103

da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos representa

clara violaccedilatildeo do direito de liberdade de expressatildeo Nessa situaccedilatildeo ainda a Corte faz uso de

uma triacuteade de requisitos descritos por Contreras104

para a concessatildeo da margem a) prescriccedilatildeo

legal - verificar se a restriccedilatildeo realizada pela autoridade domeacutestica foi autorizada ou pelo

102

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-85084itemid[001-85084] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso July and Sarl Libeacuteration vs France Sentenccedila de 14 de

fevereiro de 2008 Acesso 05 nov 2014 103

Artigo 10 Liberdade de expressatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de expressatildeo Este direito

compreende a liberdade de opiniatildeo e a liberdade de receber ou de transmitir informaccedilotildees ou ideias sem que

possa haver ingerecircncia de quaisquer autoridades puacuteblicas e sem consideraccedilotildees de fronteiras O presente artigo

natildeo impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusatildeo de cinematografia ou de televisatildeo a um

regime de autorizaccedilatildeo preacutevia 2 O exerciacutecio desta liberdades porquanto implica deveres e responsabilidades

pode ser submetido a certas formalidades condiccedilotildees restriccedilotildees ou sanccedilotildees previstas pela lei que constituam

providecircncias necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a integridade territorial ou a

seguranccedila puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral a proteccedilatildeo da

honra ou dos direitos de outrem para impedir a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees confidenciais ou para garantir a

autoridade e a imparcialidade do poder judicial CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS

DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 104

CONTRERAS op cit p 34

51

menos executada em conformidade com a lei b) objetivo legiacutetimo c) se a medida foi

necessaacuteria em uma sociedade democraacutetica

No caso pode ser feito o destaque para o trecho da sentenccedila em que analisando a

necessidade da medida de investigaccedilatildeo do crime de difamaccedilatildeo a Corte arguiu que a tarefa do

tribunal internacional no exerciacutecio de sua competecircncia de fiscalizaccedilatildeo natildeo eacute de tomar o lugar

das autoridades competentes mas sim rever as decisotildees que porventura violarem preceitos

previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem quando entregues ao poder de

apreciaccedilatildeo do Estado Deve entatildeo a Corte agrave luz do caso como um todo avaliar se a medida

tomada pelo Estado foi proporcional ao objetivo legiacutetimo perseguido e se os motivos

indicados pelas autoridades nacionais satildeo suficientes e relevantes Por tais motivos no caso

em questatildeo o TEDH declarou que houve violaccedilatildeo por parte do Estado Francecircs do direito de

liberdade de expressatildeo devendo este arcar com uma indenizaccedilatildeo agraves partes prejudicadas

Ainda dentro dessa esfera de atuaccedilatildeo mais precisamente no que concerne ao direito

democraacutetico de livre reuniatildeo e associaccedilatildeo previsto no artigo 11105

da Convenccedilatildeo Europeia o

destaque pode ser dado aos casos do Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia106

julgado em 2005 e Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia107

julgado em 2006 O primeiro deles

trata da questatildeo de dissoluccedilatildeo do Partido Comunista da Turquia ordenado pelo Tribunal

Constitucional do paiacutes sob as razotildees de que era incompatiacutevel com as obrigaccedilotildees

constitucionais e convencionais do Estado

Ao apreciar tal caso a Corte alegou que os partidos poliacuteticos satildeo estruturas essenciais

para o bom e justo funcionamento da democracia Embora natildeo negue certa margem de

deferecircncia aos Estados para que dissolvam partidos poliacuteticos que poderiam tentar minar a

estrutura constitucional do Estado tal decisatildeo se executada pode sofrer revisatildeo se natildeo

105

Artigo 11 Liberdade de reuniatildeo e de associaccedilatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo

paciacutefica e agrave liberdade de associaccedilatildeo incluindo o direito de com outrem fundar e filiar-se em sindicatos para a

defesa dos seus interesses 2 O exerciacutecio deste direito soacute pode ser objeto de restriccedilotildees que sendo previstas na

lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a seguranccedila

puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral ou a proteccedilatildeo dos direitos

e das liberdades de terceiros O presente artigo natildeo proiacutebe que sejam impostas restriccedilotildees legiacutetimas ao exerciacutecio

destes direitos aos membros das forccedilas armadas da poliacutecia ou da administraccedilatildeo do Estado CONVENCcedilAtildeO

EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS

1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 106

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia

Sentenccedila de 2005 Acesso 05 nov 2014 107

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia Sentenccedila de 15 de

julho de 2006 Acesso 05 nov 2014

52

adequar-se agraves previsotildees da Convenccedilatildeo Europeia Logo o Tribunal embora tenha feito a

ressalva de que podem os Estados dissolver partidos poliacuteticos na situaccedilatildeo afirmou que houve

violaccedilatildeo dos direitos de liberdade de associaccedilatildeo visto que natildeo havia qualquer indiacutecio de que

o partido por ter ideal comunista poderia colocar em risco a estrutura do Estado

Da mesma forma o caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia que envolve o direito

de liberdade sindical Na situaccedilatildeo o Governo turco justifica o fechamento de sindicatos com

base em previsotildees da legislaccedilatildeo trabalhista interna a qual natildeo permite que funcionaacuterios criem

sindicatos A Corte na anaacutelise da situaccedilatildeo tambeacutem asseverou que houve violaccedilatildeo do artigo

11 mesmo que neste existam ressalvas em relaccedilatildeo agrave liberdade de associaccedilatildeo de membros das

Forccedilas Armadas da Poliacutecia e da Administraccedilatildeo do Estado Contudo essas limitaccedilotildees devem

ser interpretadas pelos Estados dentro da sua margem de apreciaccedilatildeo de maneira restrita

Se esses casos expostos ilustram exemplos de margem nacional de apreciaccedilatildeo

reduzida ou inexistente o polo oposto envolve os direitos concernentes agrave propriedade para os

quais a Corte Europeia possui entendimento de que a margem de deferecircncia agraves autoridades

domeacutesticas deve ser maior e mais elaacutestica bem como a supervisatildeo por parte do Tribunal

Internacional deve ser menor e relativizada Isso porque as autoridades nacionais em uma

concepccedilatildeo semelhante agrave de juiz natural no processo estariam mais bem situadas que o juiz

internacional para avaliar qual eacute o interesse geral de uma comunidade nessa seara108

A proteccedilatildeo internacional dos direitos de propriedade encontra-se no artigo 1ordm109

do

Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo de Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades

Fundamentais Jaacute na previsatildeo normativa encontra-se a prerrogativa de que qualquer pessoa

singular ou coletiva tem direito ao respeito de seus bens natildeo podendo haver privaccedilatildeo da

propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica ou por condiccedilotildees previstas em lei Desta maneira

as demandas soacute seratildeo revistas pela Corte caso implicarem violaccedilatildeo expliacutecita a esse artigo

Segundo Roca110

a jurisprudecircncia internacional definiu que a previsatildeo normativa

anteriormente destacada segue trecircs criteacuterios em primeiro lugar deve ser respeitado o direito

ao respeito e gozo paciacutefico dos bens dos indiviacuteduos Na sequecircncia a segunda regra

108

CONTRERAS op cit p 40 109

Artigo 1 Proteccedilatildeo da propriedade Qualquer pessoa singular ou coletiva tem direito ao respeito dos seus bens

Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas

pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo

do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso

dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees

ou de multas CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS

LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 110

ROCA op cit p 127

53

compreende uma garantia contra a privaccedilatildeo ilegal ou seja somente poderaacute haver

expropriaccedilatildeo ou privaccedilatildeo da propriedade em casos de utilidade puacuteblica e de acordo com

condiccedilotildees legalmente previstas Por fim o terceiro paracircmetro eacute a possibilidade de o Estado

estabelecer restriccedilotildees ao direito de propriedade tendo por base a prevalecircncia do interesse

puacuteblico sobre o privado

Logo sob a base desses criteacuterios e de alguns casos jaacute julgados pelo oacutergatildeo jurisdicional

internacional eacute possiacutevel asseverar que a margem de apreciaccedilatildeo concedida aos paiacuteses eacute larga

quando se estaacute diante dos direitos de propriedade No caso Back vs Finlacircndia111

de 2004 que

trata de noccedilotildees de utilidade puacuteblica em casos de expropriaccedilatildeo haacute o reforccedilo da noccedilatildeo de

subsidiariedade da Corte Europeia com o entendimento de que esta deve respeitar as decisotildees

das autoridades nacionais soacute sendo possiacutevel e viaacutevel a intervenccedilatildeo se o juiacutezo for

manifestamente desprovido de bases racionais

Por fim poreacutem natildeo menos importante aborda-se o uacuteltimo grupo de jurisprudecircncias da

Corte Europeia de Direitos Humanos que pode ser enquadrado no que Roca determina como

ciacuterculo mediano vez que conteacutem temas em que o posicionamento do Tribunal de Estrasburgo

em relaccedilatildeo agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute oscilante Eacute nesse grupo que pode ser

visualizada toda a complexidade da margem e suas vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis em casos

semelhantes envolvendo por exemplo liberdade religiosa direito de homossexuais e

transexuais e outros temas

Justamente nesse ciacuterculo que natildeo apresenta por parte dos doutrinadores jaacute referidos no

capiacutetulo anterior um criteacuterio de unificaccedilatildeo se apresenta o embate entre o universalismo de

alguns direitos previstos nos marcos normativos internacionais de direitos humanos ndash com

destaque para a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos ndash e o relativismo relativo a noccedilotildees

religiosas e culturais que compotildeem a identidade dos diferentes povos europeus

Nesse aspecto no que tange agrave liberdade religiosa a qual eacute prevista pelo artigo 9ordm112

da

CEDH temos duas decisotildees emblemaacuteticas do Tribunal de Estrasburgo o caso Lautsi vs

111

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-114486itemid[001-114486] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Back vs Finlacircndia Sentenccedila de 13 de novembro de 2002

Acesso 05 nov 2014 112

Artigo 9 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de pensamento de consciecircncia e de religiatildeo este direito

implica a liberdade de mudar de religiatildeo ou de crenccedila assim como a liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou a

sua crenccedila individual ou coletivamente em puacuteblico e em privado por meio do culto do ensino de praacuteticas e da

celebraccedilatildeo de ritos 2 A liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou convicccedilotildees individual ou coletivamente natildeo

pode ser objeto de outras restriccedilotildees senatildeo as que previstas na lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa

sociedade democraacutetica agrave seguranccedila puacuteblica agrave proteccedilatildeo da ordem da sauacutede e moral puacuteblicas ou agrave proteccedilatildeo dos

direitos e liberdades de outrem CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO

54

Itaacutelia113

julgado em 2011 e o caso Leyla Sahin vs Turquia114

julgado em 2005 Isso porque

nesses casos respectivamente o TEDH referendou as normas que impotildeem a presenccedila de

crucifixos nas escolas puacuteblicas italianas e natildeo opocircs objeccedilotildees a restriccedilotildees estatais concernentes

ao uso do veacuteu islacircmico no contexto educativo

No primeiro caso o TEDH retificou a decisatildeo da Corte Constitucional Italiana que

em 2009 havia estabelecido por unanimidade que a norma italiana a qual impunha desde a

deacutecada de 1920 a presenccedila de crucifixo nas paredes de escolas puacuteblicas havia violado o direito

da senhora Lautsi a educar seus filhos conforme suas convicccedilotildees laicas e liberdade religiosa

Portanto o Tribunal italiano argumentou que a manutenccedilatildeo de um siacutembolo religioso em salas

de aula de uma escola puacuteblica poderia perturbar emocionalmente os estudantes que natildeo

professassem religiatildeo alguma a ter a percepccedilatildeo de que o contexto educativo estava marcado

pela religiatildeo

Para retificar tal sentenccedila o TEDH argumentou por uma valoraccedilatildeo abstrata de

compatibilidade entre a norma italiana que permitia o uso de crucifixos nas escolas puacuteblicas e

os direitos convencionais sendo que a margem nacional de apreciaccedilatildeo foi aplicada para essa

valoraccedilatildeo da norma italiana Em primeiro lugar o Tribunal Europeu matizou quais satildeo as

exigecircncias convencionais de neutralidade religiosa na educaccedilatildeo indicando que se proiacutebe o

proselitismo ou a adoccedilatildeo no marco educativo de algo compatiacutevel com o estabelecimento de

o ensino obrigatoacuterio de uma religiatildeo ou a imposiccedilatildeo de uma religiatildeo no ensino puacuteblico

O crucifixo no entendimento do TEDH eacute um siacutembolo religioso passivo cuja

influecircncia natildeo se compara a que exercem a educaccedilatildeo religiosa ou a participaccedilatildeo em atividades

religiosas Logo a percepccedilatildeo subjetiva de que o crucifixo supotildee uma ausecircncia de respeito ao

direito de liberdade religiosa natildeo basta para considerar que tenha havido uma violaccedilatildeo agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Para o TEDH portanto sempre que natildeo exista

a pretensatildeo de doutrinar o Estado goza de margem de deferecircncia para decidir sobre a

permanecircncia dos crucifixos em sala de aula

HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 113

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-104040itemid[001-104040] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lautsi vs Italia Sentenccedila de 18 de marccedilo de 2011 Acesso 05

nov 2014 114

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-70956itemid[001-70956] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Leyla Sahin vs Turquia Sentenccedila de 10 de novembro de

2005 Acesso 05 nov 2014

55

No caso Leyla Sahin de proibiccedilatildeo do uso do veacuteu islacircmico por uma jovem no recinto

de sua universidade para o TEDH os Estados tecircm autonomia para limitar o uso do veacuteu em

locais como escolas puacuteblicas ou universidades Para referendar essa restriccedilatildeo agrave liberdade

religiosa o Tribunal Europeu admitiu o uso da margem de apreciaccedilatildeo por parte do Estado em

razatildeo da ausecircncia de um consenso europeu sobre a mateacuteria somado agrave ideia de que as

autoridades nacionais podem lidar melhor com o assunto por estarem mais perto das

realidades nacionais do que o oacutergatildeo jurisdicional internacional

Para o TEDH desta forma a opccedilatildeo poliacutetica de um Estado pelo laicizismo pode

justificar restriccedilotildees agrave liberdade religiosa e exigir sacrifiacutecios aos indiviacuteduos em prol da

harmonia religiosa do paiacutes Embora portanto haja restriccedilatildeo da liberdade individual religiosa

no caso em questatildeo a proibiccedilatildeo natildeo viola a CEDH

A aplicaccedilatildeo dos princiacutepios da subsidiariedade e da proporcionalidade bem como a

falta de consenso na Europa acerca de questotildees como as apresentadas marcaram o

posicionamento do TEDH na concessatildeo de margem de deferecircncia aos Estados no que

concerne agrave liberdade religiosa A grande criacutetica contudo reside na falta de criteacuterios

especiacuteficos e de clareza no uso da ferramenta

Neste uacuteltimo grupo portanto vislumbra-se o que Kratochivil115

menciona como

ldquomedida misteriosardquo ou seja natildeo existem paracircmetros ou criteacuterios especiacuteficos para a aplicaccedilatildeo

da margem Pelo contraacuterio haacute falta de clareza e de limites demonstrando que a banalizaccedilatildeo

do uso da MNA liquidifica sua substacircncia e pode gerar inseguranccedila juriacutedica aos litigantes

Sob essa oacutetica no campo de direitos inderrogaacuteveis como eacute o caso dos direitos que compotildeem

esse uacuteltimo grupo a consideraccedilatildeo de Vila116

merece destaque

Segundo a autora nesse campo que envolve relativismos culturais a postura do TEDH

varia entre a adoccedilatildeo de uma versatildeo voluntarista de MNA ou a adoccedilatildeo de uma versatildeo

racionalista A primeira se centra no direito de que o Tribunal de Estrasburgo eacute um oacutergatildeo

internacional e assume uma visatildeo normativa e natildeo meramente temporal ou procedimental

acerca do princiacutepio da subsidiariedade Por isso o TEDH reconhece que sua legitimidade

poliacutetica eacute meramente derivada e outorga uma presunccedilatildeo em favor do Estado evitando realizar

uma valoraccedilatildeo independente de compatibilidade entre as medidas impugnadas e o convecircnio

Esta presunccedilatildeo soacute eacute rompida quando haacute razotildees fortes para concluir que o Estado extrapolou o

exerciacutecio de sua autonomia Sob a oacutetica desta concepccedilatildeo fatores como a falta de consenso

115

KRATOCHVIL op cit p 330 116

VILA op cit p 10

56

europeu ou a ideia de que os Estados situam-se em um local melhor apropriado para decidir

adquirem importacircncia por razotildees de legitimidade institucional

Entretanto a oacutetica racionalizada de MNA percebe a ferramenta como um resultado de

efetuar um balanccedilo entre os valores que estatildeo em jogo na proteccedilatildeo dos direitos convencionais

mais do que uma presunccedilatildeo de partida em favor do Estado O TEDH centra-se em examinar

se a medida estatal impugnada consegue alcanccedilar um balanccedilo equitativo entre direitos

individuais e valores democraacuteticos A finalidade natildeo eacute justificar a deferecircncia mas reconhecer

de modo equilibrado os valores democraacuteticos no seio da CEDH

Sobretudo neste uacuteltimo grupo analisado ao qual aqui somente satildeo trazidos casos em

relaccedilatildeo agrave liberdade religiosa (artigo 9ordm da CEDH) concentram-se as criacuteticas em relaccedilatildeo agrave

falta de paracircmetros do TEDH para deferir ou natildeo uma margem de apreciaccedilatildeo aos Estados

Essa variabilidade eacute por alguns117

definida como um ponto negativo de falta de definiccedilatildeo de

criteacuterios o que pode levar a uma margem larga ou a uma margem estreita A primeira poderia

conduzir ao processo de fragmentaccedilatildeo do espaccedilo europeu enquanto a segunda poderia forccedilar

a integraccedilatildeo sob o domiacutenio de uma concepccedilatildeo moderna de direitos humanos pautada pelo

liberalismo e individualismo

Deste modo duas respostas podem ser concedidas agrave pergunta cerne deste trabalho a

margem constitui-se em um instrumento eficaz no processo de construccedilatildeo de um direito

comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa uma vez que sob a perspectiva eacutetica

destes direitos o TEDH preza pela preservaccedilatildeo do irredutiacutevel humano e dos direitos

inderrogaacuteveis e absolutos da pessoa humana Prova disso eacute a ausecircncia ou a miacutenima margem

que eacute concedida para casos envolvendo tortura ou tratamentos humanos degradantes ou

violaccedilatildeo de direitos democraacuteticos

No entanto a ausecircncia de paracircmetros e de criteacuterios por parte do Tribunal de

Estrasburgo (ausecircncia constatada por diversos doutrinadores trazidos ao longo deste trabalho

e exemplificada de modo sinteacutetico atraveacutes da anaacutelise de casos emblemaacuteticos envolvendo

liberdade religiosa) no julgamento de direitos humanos quando vinculados a questotildees

culturais demonstram que no campo praacutetico ainda haacute muito para avanccedilar no processo de

siacutentese entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo dos direitos culturais

117

BRUM et SALDANHA Op cit

57

CONCLUSAtildeO

Slavoj Zizek118

certa vez afirmou que o papel do filoacutesofo natildeo eacute o de propor iniciativas

capazes de mudar o mundo ou as situaccedilotildees em curso mas de observar e interpretar a realidade

que eacute posta A pretensatildeo deste trabalho natildeo difere da conceituaccedilatildeo de filoacutesofo por Zizek Isso

porque em nenhum momento busca-se apresentar alternativas fortes para resolver problemas

postos mas sim almeja-se observar sob um amplo espectro os reflexos da mundializaccedilatildeo

dentro do Direito e de modo especiacutefico como atua o Tribunal Europeu dos Direitos do

Homem no que concerne agrave aplicaccedilatildeo da figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

Aos mais observadores da realidade que se apresenta eacute impossiacutevel negar que na atual

conjuntura da sociedade informacional a proliferaccedilatildeo exacerbada e anaacuterquica de normas e

instituiccedilotildees juriacutedicas gera uma sensaccedilatildeo de caos e de desordem que clama por uma ordenaccedilatildeo

Embora esse verdadeiro mosaico em que se transformou o Direito na atualidade possa ser

vislumbrado em acircmbito global uma anaacutelise mais apurada de uma parte do todo em

especiacutefico da Europa se mostra pertinente para avaliar as possibilidades de construccedilatildeo de um

pluralismo ordenado

A base possiacutevel desse pluralismo ordenado invariavelmente eacute um direito comum cujo

alicerce se encontra nos direitos humanos No contexto europeu de convivecircncia simultacircnea

de uma ldquopequena Europardquo e de uma ldquogrande Europardquo embora o direito comunitaacuterio jaacute tenha

se consolidado sendo um modelo sui generis para todo o globo ainda eacute preciso avanccedilar no

acircmbito da ldquogrande Europardquo ou do sistema regional europeu dos direitos do homem para a

criaccedilatildeo de um direito comum

Nesse sentido parece indiscutiacutevel que a base de um direito comum europeu seja

alicerccedilada na proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua dimensatildeo moral miacutenima ou no que

Delmas denomina de miacutenimo eacutetico universal e irredutiacutevel humano Logo a universalizaccedilatildeo

almejada natildeo tem como objetivo impor referecircncias de uma cultura sobre as demais e sim o

diaacutelogo entre as diferentes particularidades existentes no seio das diversas sociedades que

convivem na Europa a fim de encontrar o que haacute de valores comuns em todas elas

Todavia por mais que a premissa seja de faacutecil compreensatildeo os embates entre

universalismos e relativismos culturais estatildeo na ordem do dia na agenda do Tribunal de

Estrasburgo de modo que um dos temais mais debatidos atualmente no continente se refere

118

ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo Boitempo 2008

58

ao uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo por este tribunal a fim de conferir deferecircncia aos

Estados em algumas mateacuterias para decidir acerca de questotildees sensiacuteveis

O objetivo do presente trabalho foi o de analisar essa ferramenta hermenecircutica de

origem europeia sob a oacutetica de caos juriacutedico anteriormente apresentado De acordo com o que

fora apurado e estudado chegou-se a conclusatildeo de que o uso dessa doutrina contribui ainda

que de modo tiacutemido para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema europeu

Isso porque quando se tratam de temas concernentes agrave tortura a tratamentos humanos

degradantes a penas desproporcionais ou ainda a direitos democraacuteticos a Corte opta por

definir um entendimento que deve ser aplicado em todos os paiacuteses independentemente de

especificidades culturais Estariacuteamos proacuteximos portanto de uma definiccedilatildeo de direitos

humanos inderrogaacuteveis ou de um miacutenimo eacutetico universal proposto por Delmas e jaacute idealizado

por Kant em sua premissa de direito cosmopoliacutetico

No que tange ao restante dos direitos humanos em uma dimensatildeo cultural pode-se

dizer que a teoria da margem traduz uma ideia de que estaacute eacute capaz de harmonizar o

universalismo dos direitos humanos e o pluralismo advindo das diversidades culturais e

religiosas dos paiacuteses europeus Entretanto consoante a anaacutelise de posiccedilotildees doutrinaacuterias acerca

da utilizaccedilatildeo praacutetica do instituto pelo Tribunal de Estrasburgo bem como o embate

paradigmaacutetico de julgados envolvendo liberdade religiosa parece inevitaacutevel a conclusatildeo de

que como meacutetodo de harmonizaccedilatildeo entre plural e universal o oacutergatildeo jurisdicional

internacional do sistema europeu ainda tem muito a evoluir sobretudo na definiccedilatildeo de

paracircmetros e criteacuterios para servir de norte baacutesico em relaccedilatildeo aos mais diversos casos

59

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7

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 8

1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM

DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS 11

11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave

criaccedilatildeo de um direito comum 11

12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias

juriacutedicas a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da

figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo 20

2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU 33

21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem

Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu 33

22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos 43

CONCLUSAtildeO 57

REFEREcircNCIAS 59

8

INTRODUCcedilAtildeO

No iniacutecio do seacuteculo XX Hans Kelsen1 em ldquoTeoria Pura do Direitordquo defendeu a tese de

que para entender a ciecircncia juriacutedica era necessaacuterio observaacute-la de modo dissociado de outras

ciecircncias O autor propocircs a compreensatildeo do direito a partir da famosa piracircmide kelseniana a

norma fundamental ndash a Constituiccedilatildeo ndash estaria no topo da piracircmide e seria capaz de dotar de

validade o restante do ordenamento juriacutedico Abaixo desta norma fundamental estariam as

demais leis e regras do direito sendo que tal formulaccedilatildeo estagnada e sistemaacutetica da ordem

juriacutedica adequava-se aos anseios de organizaccedilatildeo de uma sociedade industrial

Todavia por trabalhar com conflitos sociais o direito natildeo fica alheio agraves vicissitudes

do seacuteculo XX sendo que a Europa apresenta-se como um importante laboratoacuterio de

observaccedilatildeo de mudanccedilas Apoacutes a Segunda Guerra Mundial emergem na sociedade poacutes-

industrial e posteriormente informacional novas estruturas juriacutedicas que natildeo mais satildeo

capazes de se adequar agrave inflexiacutevel loacutegica hieraacuterquica kelseniana Estamos na era do que

Losano2denomina de ldquodireito turbulentordquo que se move se agita e muda de modo veloz assim

como a sociedade que o cerca embora natildeo tatildeo rapidamente quanto esta sociedade

Em razatildeo disso novas geometrias satildeo criadas para tentar explicar o panorama juriacutedico

da sociedade atual Na Europa por exemplo em que temos convivendo sistemas juriacutedicos de

origens e de ordens diversas ndash sistema internacional nacional supranacional ndash autores

determinam que se vive o tempo do Estado em Rede3ou dos aneacuteis disformes com a

proximidade de guirlandas4 ocasionando ao mais despercebido leitor da realidade um

sentimento de caos juriacutedico

Nesse sentido eacute possiacutevel destacar o pensamento de Mireille Delmas-Marty5 que

revoluciona o pensamento de Kelsen Segundo ela essa falta de sistematizaccedilatildeo

aparentemente anaacuterquica eacute solo feacutertil para a construccedilatildeo de um direito comum pluralista em

1 KELSEN Hans Teoria Pura do Direito Traduccedilatildeo de Joatildeo Baptista Machado Satildeo Paulo Martins Fontes

1996 2 LOSANO Mario G Modelos teoacutericos inclusive na praacutetica da piracircmide agrave rede Novos paradigmas nas

relaccedilotildees entre direitos nacionais e normativas supraestatais Revista do Instituto dos Advogados do Estado de

Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 08 n16 p 264-284 2005 3 CASTELLS Manuel Para o Estado-Rede globalizaccedilatildeo econocircmica e instituiccedilotildees poliacuteticas na era da

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5 Id 2004a

9

mateacuteria de direitos humanos A sociedade em tempos de globalizaccedilatildeo precisa resistir ao

processo de desumanizaccedilatildeo e de coisificaccedilatildeo do homem de modo que a base para a

construccedilatildeo desse direito comum pluralista devem ser os direitos humanos

Sob a oacutetica europeia que seraacute aqui analisada por ser um importante referencial para os

estudos das mudanccedilas sociais e juriacutedicas dos seacuteculos XX e XXI de que direitos humanos

referimo-nos para ser a base de um direito comum Em um continente tatildeo muacuteltiplo e plural

como realizar o diaacutelogo positivo entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo

das diferentes culturas

Sob esta oacutetica emerge a figura central desse estudo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

(MNA) bem como sua contribuiccedilatildeo para a construccedilatildeo de um direito comum e para a

harmonizaccedilatildeo entre universalismo e relativismo no contexto da Europa Este recurso

hermenecircutico denominado Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo trata-se de uma construccedilatildeo

jurisprudencial criada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante tambeacutem

referido como Tribunal de Estrasburgo) com a finalidade de conferir algum espaccedilo de

deferecircncia para que os tribunais nacionais dos Estados possam decidir algumas questotildees

consoante suas particularidades locais

Embora esta seja a teoria sob a qual se alicerccedila o instituto almeja-se neste trabalho

responder os seguintes questionamentos a doutrina da MNA aplicada pelo Tribunal Europeu

dos Direitos Humanos contribui para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema

europeu de proteccedilatildeo dos direitos do homem Em sua aplicaccedilatildeo praacutetica a margem se mostra

como um recurso eficaz para harmonizar o universalismo dos direitos humanos e o pluralismo

advindo das diversidades culturais e religiosas dos diferentes paiacuteses que fazem parte do

Conselho da Europa

Para responder tal questionamento utilizou-se o meacutetodo dedutivo como meacutetodo de

abordagem e o meacutetodo monograacutefico de procedimento atraveacutes da leitura e fichamento das

diferentes construccedilotildees teoacutericas e doutrinaacuterias sobre o tema bem como anaacutelise de alguns

julgamentos paradigmaacuteticos do Tribunal de Estrasburgo Para melhor compreensatildeo da

complexidade do tema trabalhado dividiu-se esta monografia em duas grandes partes a parte

1 se ocupa da paisagem europeia no poacutes-Segunda Guerra Mundial com a criaccedilatildeo da ldquopequena

Europardquo do direito comunitaacuterio e da ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos

direitos humanos avaliando em ambos os cenaacuterios de que modo se deu a preocupaccedilatildeo com a

temaacutetica dos direitos humanos ou fundamentais (11)

Por conseguinte no intuito de aprofundar o estudo sobre a possibilidade de criaccedilatildeo de

um direito comum no contexto da ldquogrande Europardquo buscou-se uma anaacutelise das novas

10

geometrias da paisagem juriacutedica e do tipo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos que se

procura dentro desse cenaacuterio avaliando por conseguinte o surgimento da figura da MNA

(12) A parte 2 por sua vez objetiva a anaacutelise pura do instituto da Margem Nacional de

Apreciaccedilatildeo averiguando o histoacuterico de sua criaccedilatildeo e as definiccedilotildees acerca de seu conceito

(21) para na sequecircncia avaliar a partir da anaacutelise de alguns julgamentos paradigmaacuteticos do

Tribunal de Estrasburgo se tal ferramenta hermenecircutica se demonstra eficaz no processo de

harmonizaccedilatildeo das tensotildees entre universalismo e relativismos e se pode ser relevante no

processo de criaccedilatildeo de um direito comum cuja base satildeo os direitos humanos (22)

11

1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM

DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS

O seacuteculo XX trouxe mudanccedilas significativas para os mais diversos segmentos da vida

social e o direito natildeo ficou alheio agraves vicissitudes decorrentes do poacutes-Segunda Guerra Mundial

O continente europeu sobretudo passa a ser o cenaacuterio de revoluccedilotildees na estrutura juriacutedica ateacute

entatildeo conhecida com o surgimento praticamente concomitante de instituiccedilotildees supranacionais

e internacionais para aleacutem das nacionais

Neste vieacutes uma das preocupaccedilotildees primordiais do poacutes-guerra foi a de garantir a tutela

dos direitos humanos mesmo diante das mudanccedilas latentes no cenaacuterio juriacutedico Desta feita

deparamo-nos com duas esferas dentro do cenaacuterio europeu a ldquopequena Europardquo que origina

um direito comunitaacuterio europeu o qual mesmo tendo se ocupado com questotildees relativas agrave

economia e agrave integraccedilatildeo regional desenvolve a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais

atraveacutes do diaacutelogo jurisprudencial entre cortes de naturezas distintas e a ldquogrande Europardquo do

sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos espaccedilo haacutebil e possiacutevel para ser base de

criaccedilatildeo de um direito comum (11) Da evoluccedilatildeo de um campo ao outro a premissas de

universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo buscam

legitimar e consolidar a criaccedilatildeo desse direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

(12)

11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave

criaccedilatildeo de um direito comum

O historiador britacircnico Eric Hobsbawn6 talvez tenha encontrado a melhor adjetivaccedilatildeo

para o seacuteculo XX a ldquoEra dos Extremosrdquo Nas palavras do proacuteprio autor ldquoNatildeo sabemos o que

6 HOBSBAWN Eric A era dos extremos o breve seacuteculo XX 1941-1991 Satildeo Paulo Companhia das Letras

1995

12

viraacute a seguir nem como seraacute o segundo milecircnio embora possamos ter a certeza de que ele

teraacute sido moldado pelo Breve Seacuteculo XXrdquo7

Nesse sentido a Segunda Guerra Mundial representa o marco crucial natildeo soacute para a

preocupaccedilatildeo global em relaccedilatildeo aos direitos humanos8 com a criaccedilatildeo e fortalecimento de uma

grande quantidade de instrumentos normativos responsaacuteveis por sua tutela em acircmbito

mundial como tambeacutem para o surgimento de uma nova Europa Apoacutes o teacutermino da guerra

que teve como palco principal de seus acontecimentos o continente europeu diversos paiacuteses

se encontravam em uma situaccedilatildeo de caos politico fragmentaccedilatildeo e enfraquecimento

econocircmico aleacutem do perigo iminente de eclosatildeo de uma nova disputa de proporccedilotildees mundiais

advinda da dicotomia entre capitalismo e socialismo na entatildeo incipiente Guerra Fria

Eacute nesse contexto que emerge a ideia de criaccedilatildeo de um espaccedilo comum europeu

consubstanciado atraveacutes da integraccedilatildeo regional entre os paiacuteses do continente Ainda no inicio

do seacuteculo XX eacute possiacutevel destacar a ocorrecircncia de propostas relativamente concretas para a

integraccedilatildeo europeia como eacute o caso da proposta do francecircs Aristides Briand em 1929 de

criaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia sob a oacutetica de uma federaccedilatildeo ou seja fundada sob uma

noccedilatildeo de uniatildeo o que implica o respeito agrave soberania9 Todavia a crise econocircmica mundial a

ascensatildeo de nacionalismos na Europa e por fim a eclosatildeo da segunda grande guerra

obstaculizaram a adesatildeo a essa proposta

O cenaacuterio do poacutes-guerra de desintegraccedilatildeo social e miseacuteria econocircmica em grande parte

dos paiacuteses envolvidos gerou a instalaccedilatildeo do Congresso da Europa em Haia nas datas de 7 a

11 de maio de 1948 no qual houve a criaccedilatildeo do ldquoMovimento Europeurdquo No referido

congresso duas correntes foram estabelecidas as quais impulsionaram o surgimento da

ldquopequena Europardquo10

e da ldquogrande Europardquo respectivamente a Europa dos federalistas e a

7 Ibid p14

8 Pode-se nesse sentido destacar a descriccedilatildeo de Valeacuterio Mazzuoli de que desde a Segunda Guerra Mundial em

decorrecircncia dos horrores e atrocidades cometidos durante esse periacuteodo em que muitas vidas eram consideradas

como nuacutemeros e valiam tatildeo pouco os direitos humanos passaram a constituir um dos principais temas do Direito

Internacional contemporacircneo A normatividade internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos foi conquistada

por meio de lutas histoacuterias contiacutenuas e incessantes e consubstanciada em diversos tratados concluiacutedos com esse

propoacutesito tendo sido fruto de um lento e gradual processo de internacionalizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo desses

mesmos direitos o qual fora intensificado com o fim da Segunda Guerra Mundial MAZZUOLI Valeacuterio de

Oliveira Curso de Direito Internacional Puacuteblico 5 ed Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 811 9 SILVA Karine de Sousa Uniatildeo Europeia antecedentes e evoluccedilatildeo histoacuterica In SILVA Karine de Souza

COSTA Rogeacuterio Santos da(Org) Organizaccedilotildees Internacionais de Integraccedilatildeo Regional Uniatildeo Europeia

Mercosul e UNASUL Florianoacutepolis Ed Da UFSC Fundaccedilatildeo Boiteux 2013 p 54 10

Doravante por ldquopequena Europardquo estar-se-aacute referindo aos paiacuteses participantes da Uniatildeo Europeia sujeitos

portanto agraves decisotildees das instituiccedilotildees da Uniatildeo dentre as quais se destaca o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo

Europeia ldquoGrande Europardquo por sua vez refere-se aos paiacuteses que aderiram ao Conselho da Europa que hoje

somam um total de 47 (quarenta e sete) membros e que se submetem agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal Europeu de

Direitos Humanos PRINO Carla Sofia Abreu Relaccedilotildees entre TJUE e TEDH no contexto de adesatildeo da UE agrave

13

Europa dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental11

Os primeiros defendiam uma

integraccedilatildeo mais profunda entre os paiacuteses com transferecircncia de parcela de soberania dos

Estados para uma instituiccedilatildeo com poderes supranacionais sendo esta a base para a criaccedilatildeo da

Comunidade Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) Os segundos por sua vez se opunham agrave

cessatildeo de direitos soberanos impulsionando com seus ideais a criaccedilatildeo em 1949 do

Conselho da Europa com sede em Estrasburgo

Natildeo obstante essa divisatildeo surgida no Congresso da Europa eacute possiacutevel afirmar que a

base de construccedilatildeo da atual Uniatildeo Europeia deu-se com a criaccedilatildeo da Comunidade Europeia

do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) movida pelos ideais integracionistas do francecircs Jean Monnet

Contratado no poacutes-guerra para participar do Plano de Modernizaccedilatildeo e Equipamento da

Franccedila Monnet tinha medo de que o Plano Marshall norte-americano de empreacutestimo de

dinheiro para a reconstruccedilatildeo da Europa pudesse gerar uma diacutevida eterna aos paiacuteses do

continente com os Estados Unidos e para escapar disso via como uacutenica soluccedilatildeo a promoccedilatildeo

de um esforccedilo comum dos Estados atraveacutes de projetos de integraccedilatildeo regional

Por isso redigindo o texto da Declaraccedilatildeo de Schuman de 1950 Monet propagava a

ideia de integraccedilatildeo como meio de assegurar a paz e reerguer a poliacutetica e a economia dos

paiacuteses que foram destruiacutedos pela guerra Nesse sentido sua ideia foi a partir de uma ideologia

pacifista de influecircncia kantiana neutralizar a rivalidade franco-alematilde atraveacutes de uma espeacutecie

de mercado comum com a criaccedilatildeo de uma organizaccedilatildeo internacional com caraacuteter

supranacional que seria responsaacutevel pela gestatildeo dos recursos naturais da regiatildeo do Sarre e do

Ruhr os quais seriam colocados a serviccedilo da paz e natildeo da guerra12

A proposta integracionista daquele que eacute considerado o arquiteto do projeto de

integraccedilatildeo europeia era de retirar da matildeo dos Estados a capacidade de gestatildeo dos recursos

energeacuteticos que movimentavam a induacutestria beacutelica e da guerra Desta forma uma autoridade

internacional mais especificamente uma organizaccedilatildeo internacional setorial seria criada com

um status supranacional para gerenciar e administrar a produccedilatildeo de carvatildeo e de accedilo

funcionando atraveacutes da delegaccedilatildeo de parcelas da soberania estatal em questotildees especiacuteficas

Assim em 1951 com a assinatura do Tratado de Paris criou-se a Comunidade

Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) com a participaccedilatildeo inicial de seis paiacuteses Franccedila

Alemanha Itaacutelia Beacutelgica Holanda e Luxemburgo Posteriormente em 1957 com o Tratado

CEDH Debater a Europa Nuacutemero 4 JaneiroJunho 2011 Disponiacutevel em httpwwweurope-direct-

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Souza Mercosul e Uniatildeo Europeia O Estado da arte dos processos de integraccedilatildeo regional Florianoacutepolis

Editora Modelo 2010 p 35 12

Ibid p 60

14

de Roma a Comunidade Econocircmica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia para a

Energia Atocircmica (CEEA ou Euratom) foram criadas consolidando-se deste modo as trecircs

comunidades que fizerem emergir o direito comunitaacuterio no seio da Europa Foi contudo

somente em 1992 com o Tratado de Maastrich ou Tratado da Uniatildeo Europeia que nasceu a

Uniatildeo Europeia propriamente dita consagrada em trecircs pilares baacutesicos as comunidades que

inicialmente lhe deram base a colaboraccedilatildeo em mateacuteria de poliacutetica exterior e seguranccedila

comum e a cooperaccedilatildeo no acircmbito judicial e policial em mateacuteria penal13

Visiacutevel deste modo que o que impulsionou a criaccedilatildeo de um direito comunitaacuterio

europeu foi a necessidade de reorganizaccedilatildeo do continente apoacutes 1945 e o fortalecimento

econocircmico de antigas potecircncias rivais como foi o caso da Franccedila e da Alemanha Ocorre que

de modo concomitante ao crescimento dos ideais dos federalistas a segunda corrente oriunda

do Congresso da Europa de 1949 dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental tambeacutem

cresceu e se tornou visiacutevel vez que possuiacutea como objetivo a realizaccedilatildeo de uma uniatildeo mais

estreita entre seus membros de modo a salvaguardar os ideais e princiacutepios que satildeo seu

patrimocircnio comum e favorecer seu progresso social e econocircmico

O Conselho da Europa surgido em 1949 portanto configura-se como outra

organizaccedilatildeo internacional surgida na Europa do poacutes-guerra tendo como base a consolidaccedilatildeo

sob o principio da cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses e natildeo o federalismo que implica cessatildeo de

parcelas da soberania Seu propoacutesito eacute o de defesa dos direitos humanos desenvolvimento

democraacutetico e estabilidade poliacutetico-social na Europa sendo chamado de ldquogrande Europardquo por

desde o iniacutecio contar com mais adesotildees de paiacuteses em relaccedilatildeo agrave CECA Eacute justamente dentro

desse Conselho que surge o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em 1959

oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa e

responsaacutevel pela tutela dos direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

(CEDH) de 1950

A eclosatildeo desses dois movimentos marca o iniacutecio de uma verdadeira revoluccedilatildeo dentro

da compreensatildeo do direito Se antes no continente europeu era possiacutevel vislumbrar a

existecircncia em grande medida e tatildeo somente de tribunais nacionais cuja competecircncia era

exercida dentro de determinado Estado sob a eacutegide de sua soberania o cenaacuterio altera-se e daacute

espaccedilo para a existecircncia natildeo soacute de tribunais nacionais como tambeacutem de tribunais

supranacionais e internacionais

13

Ibidem p 77

15

No caso do direito comunitaacuterio sua criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de

instituiccedilotildees que fortaleccedilam o sistema supranacional Em funccedilatildeo disso dentre os mais diversos

oacutergatildeos criados pelos sucessivos tratados comunitaacuterios pode-se destacar o Tribunal de Justiccedila

da Uniatildeo Europeia (TJUE) ou Tribunal de Luxemburgo

Este criado pelo Tratado de Paris de 1951 e adotado pelo Tratado de Roma de 1957

tem a finalidade de assegurar o cumprimento do direito comunitaacuterio e a interpretaccedilatildeo e

aplicaccedilatildeo dos Tratados dentro a vida da comunidade14

Submetem-se agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal

atualmente os vinte e oito15

paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e ao longo dos anos

ele se desenvolveu como uma importante instituiccedilatildeo capaz de contribuir ao desenvolvimento

da comunidade atraveacutes de consolidaccedilotildees jurisprudenciais e da conversatildeo dos tratados

constitutivos da comunidade em verdadeiras constituiccedilotildees materiais

Embora a preocupaccedilatildeo com os direitos humanos no cenaacuterio da ldquopequena Europardquo natildeo

tenha sido uma caracteriacutestica inicial dos tratados constitutivos das comunidades europeias o

diaacutelogo do Tribunal de Luxemburgo com os tribunais nacionais de alguns Estados europeus

traz agrave tona esse tema bem como se caracteriza por ser o grande responsaacutevel pela consolidaccedilatildeo

de princiacutepios baacutesicos do direito comunitaacuterio como eacute o caso da supremacia das normas

comunitaacuterias Neste vieacutes importante destaque deve ser feito ao caso CostaENEL16

de 1964

que marcou o surgimento da noccedilatildeo de supremacia das normas da comunidade europeia

O objeto de tal caso fora uma lei italiana de nacionalizaccedilatildeo da energia eleacutetrica

declarada incompatiacutevel com o Tratado da Comunidade Econocircmica Europeia Em sede de

reenvio prejudicial o Tribunal Constitucional Italiano enviou a questatildeo ao Tribunal de Justiccedila

da Uniatildeo Europeia o qual reconheceu que ao instituir uma comunidade de duraccedilatildeo ilimitada

com caraacuteter sui generis e poderes resultantes de delegaccedilatildeo de parcela da soberania os paiacuteses

limitariam seus direitos soberanos em prol de um conjunto de normas aplicaacutevel natildeo soacute agrave

comunidade como a todos os seus Estados membros17

14

OLIVEIRA Odete Maria de Uniatildeo Europeia processos de integraccedilatildeo e mutaccedilatildeo 1ordfed 3ordf tir Curitiba

Juruaacute 2003 15

Os vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia satildeo Alemanha Aacuteustria Beacutelgica Bulgaacuteria Chipre

Croaacutecia Dinamarca Eslovaacutequia Eslovecircnia Espanha Estocircnia Finlacircndia Franccedila Greacutecia Hungria Irlanda Itaacutelia

Letocircnia Lituacircnia Luxemburgo Malta Paiacuteses Baixos Polocircnia Portugal Reino Unido Repuacuteblica Checa

Romecircnia Sueacutecia Dados disponiacuteveis no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeuropaeuabout-

eucountriesmember-countriesindex_pthtm Acesso 01 nov 2014 16

O acoacuterdatildeo do referido caso encontra-se disponiacutevel na iacutentegra no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeur-

lexeuropaeulegal-contentPTTXTPDFuri=CELEX61964CJ0006ampfrom=EN Acesso 02 out 2014 17

FARENZENA Sueacutelen Costa versus ENEL ndash O primado do Direito Comunitaacuterio e a mudanccedila de paradigma o

Estado em rede europeu Revista da SJRJ Vol 19 nordm34 Rio de Janeiro 2012 Disponiacutevel em

httpwww4jfrjjusbrseerindexphprevista_sjrjarticleviewFile338296 Acesso 01 out 2014

16

Neste sentido determinou o Tribunal de Luxemburgo que a forccedila executiva do direito

comunitaacuterio natildeo poderia variar de um espaccedilo para outro ao sabor das legislaccedilotildees internas

Impossiacutevel portanto um Estado fazer prevalecer sobre uma ordem juriacutedica aceita sob o pilar

da reciprocidade e da cessatildeo de parcela de direitos soberanos uma medida unilateral anterior

ou posterior que lhe pode opor

Natildeo obstante tal decisatildeo a ideia de supremacia das normas comunitaacuterias por si soacute

natildeo foi adotada de modo paciacutefico por todos os tribunais constitucionais dos paiacuteses sujeitos agrave

jurisdiccedilatildeo do Tribunal de Luxemburgo Em funccedilatildeo disso houve a percepccedilatildeo por parte dos

juiacutezes do TJUE de que seria necessaacuterio acoplar agrave ideia de supremacia das normas

comunitaacuterias um discurso dotado de legitimidade que envolvesse princiacutepios e ideais comuns

natildeo soacute para a comunidade como para os Estados membros Esse discurso portanto seria o

discurso dos direitos fundamentais18

Ateacute o surgimento de algumas tensotildees entre os posicionamentos dos tribunais nacionais

e as decisotildees do TJUE havia certa resistecircncia por parte deste uacuteltimo em lidar com questotildees

concernentes aos direitos humanos ou fundamentais Isto porque o motivo que levou agrave criaccedilatildeo

das Comunidades Europeias e a posterior Uniatildeo Europeia foi predominantemente econocircmico

tanto eacute que os tratados iniciais das Comunidades Europeias natildeo trazem elementos que refiram

explicitamente a preocupaccedilatildeo com direitos humanos ou fundamentais19

Entretanto consoante

fora asseverado a supremacia das normas comunitaacuterias somente conseguiria se afirmar e se

consolidar caso fosse acoplada ao tema da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais

Neste sentido a deacutecada de 1960 pode ser vista como um importante marco para o

TJUE Casos como o Stauder (1969) e o Internationale Handelsgesellschaft20

(1970)

18

GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional

algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em

httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014 19

Pertinente o destaque da concepccedilatildeo de Gilmar Mendes e Geroge Rodrigo Bandeira Galindo sobre este tema

Segundo eles os instrumentos que instituiacuteram as comunidades europeias natildeo se referem de maneira expliacutecita agrave

proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais e haacute razotildees para isso A primeira delas reside no fato de que a

proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa deveria ser transferida para outra organizaccedilatildeo internacional no caso o

Conselho da Europa que foi uma instituiccedilatildeo fundamental para a elaboraccedilatildeo da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos

do Homem de 1950 Outra razatildeo sustenta-se na ideia de que a inclusatildeo imediata de um cataacutelogo de direitos

fundamentais nos tratados instituidores das Comunidades Europeias geraria conflitos entre as consolidadas

constituiccedilotildees estatais e o entatildeo incipiente direito comunitaacuterio Por fim outra razatildeo apontada eacute traduzida no fato

de que os Estados eram temerosos de que a imediata inclusatildeo de temas de direitos fundamentais ou humanos nos

tratados instituidores das Comunidades pudesse ampliar as competecircncias de prerrogativas de instituiccedilotildees receacutem-

criadas Ibidem p03

De qualquer forma houve no processo de germinaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia nos moldes em que hoje

conhecemos a predominacircncia de ideias economicistas e de integraccedilatildeo regional com base na aproximaccedilatildeo de

ideais produtivos e de mercado A preocupaccedilatildeo com a tutela de direitos humanos ou fundamentais surge atraveacutes

dos diaacutelogos espontacircneos entre as cortes constitucionais e o Tribunal de Luxemburgo 20

Neste caso o raciociacutenio da corte faz clara alusatildeo agrave vinculaccedilatildeo entre primazia do direito comunitaacuterio e a

proteccedilatildeo dos direitos fundamentais por parte das instituiccedilotildees comunitaacuterias Os pontos 3 e 4 do julgamento do

17

consolidaram o entendimento do Tribunal de Luxemburgo de que os direitos fundamentais

fazem parte dos princiacutepios gerais do direito comunitaacuterio Conflitos positivos de competecircncias

entre tribunais nacionais e o tribunal supranacional instituiacutedo no acircmbito da comunidade

marcaram os diaacutelogos iniciais para a estimulaccedilatildeo da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais em

acircmbito comunitaacuterio

Como continuidade deste diaacutelogo eacute pertinente destacar o caso Nold (1974) no qual o

Tribunal de Luxemburgo reconheceu como pauta geral para o direito comunitaacuterio europeu o

predomiacutenio dos direitos fundamentais Com isso mais uma vez reafirmou-se a ideia de que o

direito comunitaacuterio tem supremacia sobre as disposiccedilotildees legais nacionais mas que de toda a

sorte deve se adaptar a uma base comum de valores como os determinados por exemplo

pela Convenccedilatildeo Europeia de Direito do Homem

Por isso fala-se que este caso fixa um terceiro elemento no nuacutecleo de salvaguarda dos

direitos fundamentais aleacutem das tradiccedilotildees constitucionais comuns e dos direitos fundamentais

garantidos nas Constituiccedilotildees dos Estados os instrumentos internacionais relativos agrave proteccedilatildeo

dos direitos humanos passam a ser uma importante fonte de inspiraccedilatildeo para a proteccedilatildeo de

direitos em acircmbito comunitaacuterio Em funccedilatildeo disso inclusive em 1975 o TJUE pela primeira

vez recorreu agrave Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem no caso Rutili21

Apesar de tal decisatildeo do caso Nold o emblemaacutetico caso Solange levou agrave confirmaccedilatildeo

e consolidaccedilatildeo da vigecircncia dos direitos fundamentais no acircmbito da Comunidade Neste caso

em 1974 o Tribunal Constitucional alematildeo determinou que enquanto a Comunidade natildeo

dispusesse de um sistema de proteccedilatildeo de direitos comparaacutevel ou equiparado agrave Lei

Fundamental de Bonn ou seja enquanto natildeo houvesse um cataacutelogo de direitos fundamentais

aplicaacuteveis agrave Comunidade Europeia as instituiccedilotildees comunitaacuterias seriam ineficazes no que

concerne agrave proteccedilatildeo desses direitos22

TJUE respectivamente determinam que 3 A validade de uma medida comunitaacuteria ou de seus efeitos em um

Estado membro natildeo podem ser afetadas por alegaccedilotildees de que ela contraria direitos fundamentais tal como

formuladas pela Constituiccedilatildeo do Estado ou princiacutepios de uma estrutura constitucional nacional() 4() o

respeito pelos direitos fundamentais forma uma parte integral dos princiacutepios gerais de direito protegidos pela

Corte de Justiccedila A proteccedilatildeo de tais direitos enquanto inspirada pelas tradiccedilotildees constitucionais comuns aos

Estados membros deve ser assegurada no acircmbito da estrutura e dos objetivos da Comunidaderdquo Ibidem p4 21

O caso Rutilli caracteriza-se por ser a primeira referecircncia jurisprudencial feita pelo Tribunal de Luxemburgo agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem ou seja a utilizaccedilatildeo por parte de um tribunal supranacional de um

marco normativo essencial natildeo para o direito comunitaacuterio mas para o sistema regional de proteccedilatildeo aos direitos

humanos Nesse caso o Tribunal de Luxemburgo afirmou que as normas de direito comunitaacuterio natildeo era mais do

que uma manifestaccedilatildeo de princiacutepios gerais de direito consagrados na Convenccedilatildeo 22

GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional

algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em

httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014

18

Como resultado de tal caso natildeo soacute o Tribunal de Luxemburgo passou a consolidar um

entendimento jurisprudencial favoraacutevel ao respeito e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais

como demais instituiccedilotildees da entatildeo Comunidade Europeia assim agiram Em funccedilatildeo disso diz-

se que o principal resultado do caso Solange foi uma resoluccedilatildeo conjunta datada de 5 de abril

de 1977 entre Parlamento Europeu Conselho Europeu e Comissatildeo Europeia denominada

ldquoDeclaraccedilatildeo Conjunta sobre Direitos Fundamentaisrdquo23

Nesta ressaltou-se a necessidade do

respeito em acircmbito comunitaacuterio dos direitos fundamentais consagrados pelas tradiccedilotildees

constitucionais dos Estados membros e pela Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos

Os direitos fundamentais atraveacutes desse diaacutelogo jurisprudencial entre as cortes de

esperas diferentes (supranacional e nacionais) apareceram de modo progressivo no direito

comunitaacuterio europeu tornando-se paracircmetros de validade das normas da Uniatildeo Qualquer

norma seja comunitaacuteria seja nacional que contrariasse os direitos fundamentais seria

considerada invaacutelida

A tendecircncia jurisprudencial do TJUE de vincular a noccedilatildeo de supremacia das normas

comunitaacuterias com a proteccedilatildeo aos direitos fundamentais acabou por refletir no Tratado de

Maastricht de 1992 Tambeacutem chamado de Tratado da Uniatildeo Europeia este documento em

seu artigo F nuacutemero 2 determina que a Uniatildeo respeite os direitos fundamentais tal como os

garante a Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem24

Na esteira da inclusatildeo da proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em tratados o Tratado de

Lisboa de 2007 aleacutem de estabelecer personalidade juriacutedica agrave Uniatildeo Europeia25

determina que

a esta aderiraacute agrave Convenccedilatildeo Europeia para a proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e das Liberdades

Fundamentais sendo que a adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas

nos tratados26

23

XAVIER Ana Isabel Os Direitos Fundamentais no ldquodiaacutelogo europeurdquo de Nice a Lisboa In Debater a

Europa n 9 julhodezembro 2013 Disponiacutevel em httpeurope-direct-

aveiroaevaeudebatereuropaimagesn9axavierpdf Acesso em 03 out 2014 24

Artigo F n 2 ldquoA Uniatildeo respeitaraacute os direitos fundamentais tal como os garante a Convenccedilatildeo Europeia de

Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais assinada em Roma em 4 de novembro de

1950 e tal como resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-membros enquanto princiacutepios

gerais do direito comunitaacuteriordquo TRATADO DE MAASTRICHT 1992 Disponiacutevel em httpeuropaeueu-

lawdecision-makingtreatiespdftreaty_on_european_uniontreaty_on_european_union_ptpdf Acesso 15 out

2014 25

O artigo 46-A do Tratado de Lisboa determina que ldquoA Uniatildeo tem personalidade juriacutedicardquo TRATADO DE

LISBOA 2007 Disponiacutevel em httpeur-lexeuropaeulegal-

contentPTTXTPDFuri=OJC2007306FULLampfrom=PT Acesso 16 out 2014 26

O artigo 6ordf do Tratado de Lisboa determina que ldquo1 A Uniatildeo reconhece os direitos as liberdades e os

princiacutepios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da Uniatildeo Europeia de 7 de Dezembro de 2000 com

as adaptaccedilotildees que lhe foram introduzidas em 12 de Dezembro de 2007 em Estrasburgo e que tem o mesmo

valor juriacutedico que os Tratados De forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competecircncias da Uniatildeo tal

como definidas nos Tratados Os direitos as liberdades e os princiacutepios consagrados na Carta devem ser

interpretados de acordo com as disposiccedilotildees gerais constantes do Tiacutetulo VII da Carta que regem a sua

19

Mesmo que o ideal de Constituiccedilatildeo para a Uniatildeo Europeia natildeo tenha sido aprovado

pelos Estados membros as regras de supremacia das normas comunitaacuterias e de proteccedilatildeo aos

direitos fundamentais consagrados natildeo soacute nas Constituiccedilotildees como nas proacuteprias tradiccedilotildees

constitucionais dos Estados regem as decisotildees do Tribunal supranacional que existe no

continente Por isso mesmo que a preocupaccedilatildeo inicial da ldquopequena Europardquo tenha sido a

integraccedilatildeo econocircmica dos paiacuteses devastados pela guerra para que pudessem voltar a ser

competitivos internacionalmente ao longo do tempo sentiu-se a necessidade de trazer para

dentro do direito comunitaacuterio noccedilotildees acerca dos direitos fundamentais e humanos de modo

que hoje estes se encontram tutelados por instrumentos e oacutergatildeos supranacionais especiacuteficos

Ocorre que conforme se mencionou no iniacutecio deste subcapiacutetulo o cenaacuterio europeu

pode ser vislumbrado sob duas oacuteticas distintas desde o Congresso da Europa a oacutetica

federalista que impulsiona a criaccedilatildeo da Uniatildeo Europeia e de um direito comunitaacuterio europeu

e o vieacutes da cooperaccedilatildeo internacional marcado pela criaccedilatildeo do Conselho da Europa e de um

sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos o qual exige o pensamento acerca

da possibilidade da construccedilatildeo de um direito comum europeu

Nesse aspecto acerca do conceito de comum eacute pertinente remontar agraves premissas de

Dardot et Laval27

Para os autores o comum do direito segundo uma loacutegica de interpretaccedilatildeo

neoliberal natildeo seraacute outro que o direito de propriedade dos contratos e do lucro Eacute justamente

contra esse tipo de concepccedilatildeo trazido pelos efeitos nefastos da globalizaccedilatildeo que se invoca a

defesa e a reabilitaccedilatildeo do conceito de comum que deve ser entendido sob uma loacutegica de bases

uniacutessonas em mateacuteria de direitos humanos

Em razatildeo disso eacute no acircmbito da ldquogrande Europardquo ou seja do sistema regional europeu

de proteccedilatildeo dos direitos do homem que se vislumbram bases para a criaccedilatildeo de um direito

comum cuja premissa eacute a busca do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano28

Deste

modo no panorama apresentado se vislumbra de modo claro que embora existam regras

princiacutepios e instituiccedilotildees para reger o direito comunitaacuterio europeu (regras previstas nos

tratados da Uniatildeo Europeia e pacificadas pelo ativismo do TJUE) na ldquopequena Europardquo em

interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo e tendo na devida conta as anotaccedilotildees a que a Carta faz referecircncia que indicam as fontes

dessas disposiccedilotildees 2 A Uniatildeo adere agrave Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das

Liberdades Fundamentais Essa adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas nos Tratados3

Do direito da Uniatildeo fazem parte enquanto princiacutepios gerais os direitos fundamentais tal como os garante a

Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como

resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-Membrosrdquo Ibid 2007 27

DARDOT Pierre LAVAL Cristian COMMUN essai sur la revolutiona au XXeme siegravecle Paris La

deacutecouverte 2014 p 287 28

DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio

de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b

20

mateacuteria de direitos humanos e no acircmbito de um processo de globalizaccedilatildeo eacute preciso avanccedilar

na compreensatildeo do espaccedilo europeu para no acircmbito do sistema regional consolidar as bases

para a criaccedilatildeo de um direito comum

12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias juriacutedicas

a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da figura da

Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

O Congresso da Europa sob o aspecto juriacutedico dividiu o continente em blocos

autocircnomos dentro de um sistema multicecircntrico Nesse sentido Mireille Delmas-Marty29

assevera que natildeo existe uma unidade juriacutedica chamada Europa ou sequer uma visatildeo uacutenica e

preestabelecida do continente

Pelo contraacuterio existe uma Europa feita de instituiccedilotildees juriacutedicas diversas cada uma

com regras e princiacutepios especiacuteficos Neste sentido de um lado tem-se a ldquopequena Europardquo

composta pelos vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e que possui um ideal

primordialmente econocircmico com os objetivos de livre circulaccedilatildeo de pessoas e de

mercadorias bem como de instituiccedilatildeo de uma moeda uacutenica sob a perspectiva de abertura de

fronteira entre os paiacuteses Sob este ideal desenvolve-se a base para o direito comunitaacuterio que

possui como instituiccedilatildeo juriacutedica maacutexima o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo Europeia (TJUE)

com caraacuteter supranacional

Na Europa dos ldquoVinte e Oitordquo portanto sob o ideal integracionista surge o chamado

direito comunitaacuterio europeu o qual atraveacutes de direito originaacuterio (tratados constitutivos) e

direito derivado (normas emanadas de oacutergatildeos de competecircncia legislativa da Uniatildeo) forma o

sistema juriacutedico-poliacutetico e juriacutedico-econocircmico da Uniatildeo Europeia A peculiaridade desta nova

ordem formada eacute a de natildeo querer unificar a ordem juriacutedica dos paiacuteses europeus mas de

uniformizar em algumas mateacuterias as normas do bloco criado Justamente por isso a

supranacionalidade intriacutenseca ao direito comunitaacuterio natildeo se confunde com o direito

internacional

Sob as bases de interesses econocircmicos tem-se o objetivo de chegar a uma integraccedilatildeo

nas aacutereas concernentes agrave poliacutetica cultura dentre outras sob uma relaccedilatildeo de integraccedilatildeo entre o

29

Id 2004a p47

21

ordenamento juriacutedico comunitaacuterio e o ordenamento interno de cada Estado Sem sombra de

duacutevidas a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais se insere nessas relaccedilotildees mas com o

intuito de fortalecer o ideal de supremacia das normas comunitaacuterias Em funccedilatildeo de tal

premissa tem-se a necessidade de preservar o estaacutegio alcanccedilado pelo processo de integraccedilatildeo e

por isso um ordenamento juriacutedico comunitaacuterio eacute formado Entretanto eacute preciso avanccedilar no

processo de tutela dos direitos humanos em um contexto tatildeo plural como o europeu

Deste modo de outro lado tem-se a ldquogrande Europardquo criada pelo Conselho da Europa

perfazendo uma cooperaccedilatildeo poliacutetica que hoje abriga quarenta e sete membros30

signataacuterios da

Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

(CEDH) O oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do Conselho da Europa eacute o Tribunal Europeu dos Direitos

do Homem (TEDH) sediado em Estrasburgo e para o qual podem demandar tanto Estados

quanto indiviacuteduos viacutetimas de violaccedilotildees de direitos humanos reconhecidos pela convenccedilatildeo

Neste sentido o paraacutegrafo 3ordm31

do Preacircmbulo da CEDH de 1950 assevera que a

finalidade principal do Conselho da Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre seus

membros e que um dos meios para alcanccedilar esta finalidade eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento

dos direitos humanos e das liberdades fundamentais sendo tais direitos vistos como um meio

para uma progressiva integraccedilatildeo dos europeus Antes mesmo disso o Estatuto do Conselho da

Europa de 1949 havia asseverado que a finalidade da instituiccedilatildeo era criar uma organizaccedilatildeo

que levasse os paiacuteses do continente a uma associaccedilatildeo cuja base fosse a unidade entre seus

membros privilegiando ideais e princiacutepios comuns aos diferentes Estados

Essa configuraccedilatildeo surgida na segunda metade do seacuteculo XX produz alteraccedilotildees

significativas na conceituaccedilatildeo de alguns institutos juriacutedicos e poliacuteticos como eacute o caso do

Estado da soberania dentre outros Nesse sentido o cenaacuterio Europeu pode ser enxergado

como proacuteximo da noccedilatildeo de Estado em Rede proposto por Manuel Castells32

Em um mesmo

espaccedilo territorial a autoridade passa a ser partilhada ao longo de uma rede de instituiccedilotildees O

30

Os 47 paiacuteses que fazem parte do Conselho da Europa satildeo Beacutelgica Dinamarca Franccedila Irlanda Itaacutelia

Luxemburgo Paiacuteses Baixos Noruega Sueacutecia Reino Unido Greacutecia Turquia Islacircndia Alemanha Ocidental

Aacuteustria Chipre Suiacuteccedila Malta Portugal Espanha Liechtenstein Satildeo Marino Finlacircndia Hungria Polocircnia

Bulgaacuteria Estocircnia Lituacircnia Eslovecircnia Repuacuteblica Checa Eslovaacutequia Romecircnia Andorra Letocircnia Albacircnia

Moldaacutevia Macedocircnia Ucracircnia Ruacutessia Croaacutecia Geoacutergia Armecircnia Azerbaijatildeo Boacutesnia e Herzegovina Seacutervia

Mocircnaco Montenegro Disponiacutevel em

httpwwwcoeintptAboutCoemediainterfacepublicationscoe_dh_ptpdf Acesso 08 out 2014 31

O terceiro paraacutegrafo do preacircmbulo da CEDH dispotildee que ldquoConsiderando que a finalidade do Conselho da

Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre os seus Membros e que um dos meios de alcanccedilar essa finalidade

eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento dos direitos do homem e das liberdades fundamentais ()rdquo CONVENCcedilAtildeO

EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS

1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso em 08 out 2014 32

CASTELLS Manuel A era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura A sociedade em rede Vol 1 5

ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999b

22

Estado-naccedilatildeo claacutessico relaciona-se com instituiccedilotildees supranacionais e a rede formada possui

noacutes diversos e natildeo um centro uacutenico sendo que esses noacutes podem apresentar tamanhos distintos

e estar ligados por relaccedilotildees assimeacutetricas

Essas redes e seus noacutes portanto representam formas de poder paralelas e

complementares que satildeo autocircnomas uma em relaccedilatildeo agraves outras O espaccedilo europeu marcado

por um jaacute consolidado direito comunitaacuterio e por uma estrutura supranacional sui generis

tornou-se um verdadeiro campo de concorrecircncia convergecircncia justaposiccedilatildeo e conflito de

vaacuterias constituiccedilotildees e poderes constituintes em um mesmo espaccedilo poliacutetico levando a uma

pluralidade de ordenamentos e de normatividades

A supranacionalidade desenvolvida assemelha-se desta forma a um Estado em Rede

em funccedilatildeo de um novo paradigma de governanccedila estabelecido em diferentes niacuteveis com

diferentes noacutes de diferentes dimensotildees e com relaccedilotildees internacionais assimeacutetricas O Estado-

Naccedilatildeo claacutessico se articula cotidianamente na tomada de decisotildees com instituiccedilotildees

supranacionais de diferentes tipos e em acircmbitos distintos33

Em uma mesma organizaccedilatildeo

complexa temos entatildeo as caracteriacutesticas da descentralizaccedilatildeo e da coordenaccedilatildeo sobretudo no

aspecto normativo sendo que a crise do Estado-naccedilatildeo o desenvolvimento das instituiccedilotildees

supranacionais e a transferecircncia das atribuiccedilotildees e iniciativas aos acircmbitos regionais e locais satildeo

caracteriacutesticas que funcionam como base para o desenvolvimento do Estado em Rede

Nesse acircmbito ainda eacute possiacutevel acrescentar a definiccedilatildeo de Marcelo Varella34

de que a

Uniatildeo Europeia caracteriza-se por ser uma instituiccedilatildeo sui generis natildeo soacute pelo seu modo de

constituiccedilatildeo como por seus efeitos no campo juriacutedico-normativo Desta maneira o bloco

europeu dos vinte e oito inserido no contexto de um sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos

humanos (ldquopequena Europardquo inserida na ldquogrande Europardquo) marca a caracteriacutestica de uma

superaccedilatildeo da tiacutepica forma de visatildeo linear e hieraacuterquica do direito tradicional em favor da

construccedilatildeo de um direito em camadas ou em diferentes niacuteveis ou ainda em redes

Essa concepccedilatildeo de Castells utilizada aqui para ilustrar as relaccedilotildees na Uniatildeo Europeia

comunica-se com a noccedilatildeo de Mireille Delmas-Marty35

de um pluralismo que deve ser

ordenado Na Europa como um todo em acircmbito juriacutedico a coexistecircncia de normas das mais

diversas fontes e de tribunais nas mais diferentes escalas faz emergir uma noccedilatildeo de caos

33

Id 1999a p164 34

VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade

de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014 p145 35

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006

23

juriacutedico que precisa ser ordenado Em razatildeo disso pertinente a busca por um direito comum

com ecircnfase em um direito comum em mateacuteria de direitos humanos

Interessante notar que esse cenaacuterio criado intensifica-se com o processo de

mundializaccedilatildeo36

e sob essa oacutetica embora os direitos humanos tenham se tornado oponiacuteveis aos

Estados perfazendo princiacutepios de direito incluiacutedos nas Constituiccedilotildees Estatais no

entendimento dos tribunais supranacionais e em instrumentos normativos internacionais os

corolaacuterios do processo de mundializaccedilatildeo satildeo os direitos econocircmicos que predominam nas

preocupaccedilotildees do jaacute consolidado direito comunitaacuterio europeu

Enquanto os direitos humanos foram concebidos sob o prisma de uma universalidade e

com a finalidade de proteger o ldquoirredutiacutevel humanordquo37

os direitos econocircmicos satildeo os motores

da mundializaccedilatildeo sendo que isso somado agrave desestabilizaccedilatildeo do tempo e agrave desestatizaccedilatildeo do

Estado gera no processo de mundializaccedilatildeo uma aparente desordem normativa com a

proliferaccedilatildeo de normas de modo anaacuterquico38

Em funccedilatildeo disso eacute viaacutevel dizer que o continente europeu serve de base e eacute capaz de

traduzir importantes eventos para explicar fenocircmenos que hoje satildeo salientes na esfera juriacutedica

Mireille Delmas-Marty39

sugere que vivemos sob a eacutegide de espaccedilos ldquodesestatizadosrdquo tempos

ldquodesestabilizadosrdquo e uma ordem ldquodeslegalizadardquo No sentido atual da paisagem juriacutedica

afirmar que o Estado eacute a uacutenica fonte de Direito eacute assumir uma atitude de exclusatildeo de todos os

demais espaccedilos normativos

Como eacute possiacutevel observar na Europa convivem em um mesmo espaccedilo normas

provenientes de fontes estatais claacutessicas normas advindas de instituiccedilotildees supranacionais e

regras provenientes de entes internacionais na formaccedilatildeo de um verdadeiro mosaico juriacutedico

O monopoacutelio do Estado como produtor do direito deixa de ser imperativo frente agrave

internacionalizaccedilatildeo crescente das fontes juriacutedicas De modo concomitante e corroborando

36

Na obra ldquoTrecircs Desafios para um Direito Mundialrdquo Mirelle Delmas-Marty observa as particularidades dos

termos globalizaccedilatildeo mundializaccedilatildeo e universalidade quais sejam ldquoA mundializaccedilatildeo remete agrave difusatildeo espacial

de um produto de uma teacutecnica ou de uma ideia A universalidade implica um compartilhar de sentidosrdquo Em

outra passagem disserta ldquoDifusatildeo espacial de um lado compartilhar os sentidos de outra estas duas foacutermulas

descrevem muito bem a diferenccedila que separam os dois fenocircmenos que eu denominarei globalizaccedilatildeo para a

economia e universalizaccedilatildeo para os direitos do homem guardando assim o termo mundializaccedilatildeo uma

neutralidade que ele jamais perderaacute caso natildeo se resigne rapidamente ao primado da economia sobre os Direitos

do Homemrdquo DELMAS-MARTY Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr

Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b p 08-09 37

Ibid p48 38

FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos

teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013 39

DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47

24

com a teoria do Estado em Rede de Castells eacute possiacutevel observar um processo de

descentralizaccedilatildeo espacial com o deslocamento de fontes do centro para periferias40

Da mesma forma os tempos estatildeo desestabilizados Segundo Delmas41

em comparaccedilatildeo

aos votos claacutessicos de perpetuidade da lei eacute possiacutevel hoje encontrar fontes temporaacuterias e

evolutivas do direito O espaccedilo europeu se constitui como uma aacuterea privilegiada dessas fontes

evolutivas42

Sob o aspecto da ldquopequena Europardquo as regras de direito comunitaacuterio impotildeem um

resultado que deve ser atingido o que pela falta de meios juriacutedicos incentiva os Estados a

adaptar seus textos a dados econocircmicos

Isso tudo faz emergir a noccedilatildeo de assincronia43

do direito ou seja diferentes

velocidades em diferentes espaccedilos Nesse sentido haacute no espaccedilo europeu uma diferenccedila de

velocidade dos processos de integraccedilatildeo das normas internacionais (ou supranacionais) de

direito do comeacutercio em comparaccedilatildeo com as normas ambientais ou relativas aos direitos

humanos O proacuteprio processo evolutivo de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais

sob o panorama da ldquopequena Europardquo demonstra desde os primoacuterdios da criaccedilatildeo da

Comunidade Europeia uma ausecircncia de sincronia em relaccedilatildeo agraves duas esferas do direito A

evoluccedilatildeo dos direitos humanos eacute lenta quando comparada com a celeridade da integraccedilatildeo das

normas de direito comercial e econocircmico em um mundo de economia globalizada

Pode-se entatildeo afirmar que natildeo soacute na Europa como tambeacutem na sociedade

internacional o tempo das relaccedilotildees comerciais e por conseguinte o tempo da integraccedilatildeo do

direito do comeacutercio eacute o tempo do software da fluidez da velocidade da luz Enquanto isso o

tempo das relaccedilotildees humanas da eacutetica da solidariedade e da integraccedilatildeo do direito dos direitos

humanos segue o tempo do hardware do denso do apego ao territoacuterio e agraves localidades44

Por fim estaacute-se tambeacutem frente a uma ordem ldquodeslegalizadardquo uma vez que dentre os

reflexos das vicissitudes na seara juriacutedica eacute possiacutevel destacar um ruptura com a noccedilatildeo de

40

Tal fenocircmeno eacute descrito por Mireille Delmas-Marty como ldquodescentralizaccedilatildeordquo Esta envolve o deslocamento de

fontes do centro do Estado para coletividades territoriais Todavia tal fenocircmeno natildeo se confunde com uma mera

desconcentraccedilatildeo de poderes que eacute destinada a conferir maior eficaacutecia agraves estruturas centrais do Estado A

descentralizaccedilatildeo conforme refere a autora confia ao representante local da coletividade territorial certos poderes

de decisatildeo fazendo transparecer uma autonomia local para impor certas regras juriacutedicas Como exemplo

podem-se destacar as comissotildees locais de eacutetica como ocorre em uma deontologia profissional como a Ordem

dos Advogados As regras disciplinares desta profissatildeo guardam um caraacuteter misto sendo de natureza local e

nacional privada e puacuteblica Ibid 2004ap55 41

Ibid 2004ap47 42

Segundo Delmas falar de fontes evolutivas significa renunciar ao passado do costume e ao futuro das leis para

situar as fontes de direito no presente por natureza instaacutevel Ibid 2004ap65 43

Id 2006 p 114 44

SALDANHA Jacircnia Marial Lopes BRUM Maacutercio Morais MELLO Rafaela da Cruz A Assincronia do

Direito e o Caso Araguaia Uma anaacutelise da Decisatildeo do Supremo Tribunal Federal Brasileiro na ADPF 153 e do

Julgamento do Caso Gomes Lund e Outros vs Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos In Andreacute

Karam Trindade Angela Araujo da Silveira Espindola (Org) Direitos Fundamentais e Espaccedilo Puacuteblico 1ed

Passo Fundo - RS Editora IMED 2011 v 2 p 37-61

25

identidade entre direito e lei45

O processo de internacionalizaccedilatildeo deixa comum aos sistemas

de commun law e de civil law o papel do juiz na geraccedilatildeo do direito ou seja na interaccedilatildeo entre

texto normativo e sua interpretaccedilatildeo de modo que a jurisprudecircncia e o diaacutelogo entre os

diferentes tribunais serve para ambos os sistemas como um importante balizador para

consolidaccedilatildeo de entendimentos e de princiacutepios

Diante desse cenaacuterio juriacutedico global proveniente do processo de internacionalizaccedilatildeo -

e especiacutefico no caso da Europa ndash de desestatizaccedilatildeo de ruptura com paradigmas e com a loacutegica

binaacuteria de interpretar o direito eacute possiacutevel concordar com a premissa de Mireille Delmas-

Marty46

de que a paisagem juriacutedica apresenta um panorama de proliferaccedilatildeo constante de

normas e de entendimentos jurisprudenciais que em um primeiro momento podem levar a

uma noccedilatildeo de desordem e anarquia

Conveacutem perceber que a nova paisagem juriacutedica para a qual a Europa eacute um verdadeiro

laboratoacuterio47

eacute composta por formas mais complexas como piracircmides inacabadas

descontiacutenuas compostas por aneacuteis normativos como uma guirlanda no entanto natildeo

especificamente se liga agrave anarquia Pelo contraacuterio a retirada de marcos e o deslocamento de

linhas natildeo significa desordem e essa aparecircncia de caos favorece ao pluralismo

Por isso Delmas-Marty48

atesta que a internacionalizaccedilatildeo do direito apresenta um

grande paradoxo ordenar o plural Embora estejamos semanticamente diante de vernaacuteculos

opostos visto que a proposta eacute colocar em ordem aquilo que naturalmente eacute muacuteltiplo e plural

sem reduzir sua identidade a primeira consideraccedilatildeo que deve ser feita eacute a de que o tiacutepico

modelo kelseniano de loacutegica juriacutedica natildeo mais se aplica ao cenaacuterio em que o Direito se insere

atualmente em razatildeo da multiplicidade e do dinamismo existente no processo de

mundializaccedilatildeo

Para ir da desordem agrave ordem eacute necessaacuterio fortalecer as correlaccedilotildees da formaccedilatildeo

juriacutedica trazendo estabilidade agrave presenccedila de divergecircncias atraveacutes de uma aproximaccedilatildeo entre

ordens juriacutedicas por meio de um jogo de referecircncias cruzadas com o intuito de ordenar a

multiplicidade Essa aproximaccedilatildeo poreacutem natildeo pode ser concebida senatildeo em relaccedilatildeo a uma

referecircncia comum e neste campo a utilidade dos instrumentos protetivos de direitos humanos

traz a coerecircncia de conjunto capaz de indicar uma direccedilatildeo a seguir um norte para a criaccedilatildeo de

um direito comum cujo pluralismo eacute ordenado

45 DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47 46

Id 2006 47

VARELLA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do direito Direito Internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Livre Docecircncia em Direito Internacional Faculdade de

Direito da Universidade de Satildeo Paulo (USP) Satildeo Paulo 2012 Acesso 14 out 2014 48

Ibid 2006 p 10

26

Obviamente o direito comum almejado eacute pluralista tendo a razatildeo como instrumento

de justificaccedilatildeo e de diaacutelogo O pluralismo eacute justificado pelo intuito de harmonizar e conjugar

as particularidades religiosas poliacuteticas culturais de cada Estado ou comunidade evitando a

sobreposiccedilatildeo de uma ordem sobre outra ou a assimilaccedilatildeo e exclusatildeo Em razatildeo disso o

direito comum pluralista pretende construir um ldquoDireito dos Direitosrdquo a partir do ideal de

universalizaccedilatildeo dos direitos humanos sendo que a finalidade eacute a de aproximar ou harmonizar

ndash e natildeo unificar - os diferentes sistemas juriacutedicos sob a perspectiva de respeito ao ldquoirredutiacutevel

humanordquo49

Impossiacutevel a criaccedilatildeo de normas e regras comuns a todos os povos justamente pelo

fato de que sempre algumas normas advindas de culturas especiacuteficas se sobressairatildeo sobre

outras na criaccedilatildeo de uma hegemonia negativa O direito comum portanto inserido na oacutetica

de um direito mundial pluralista eacute aquele acessiacutevel a todos e comum aos diversos Estados

sem que haja o abandono de identidades Justamente em funccedilatildeo disso o alicerce para a sua

criaccedilatildeo eacute a aproximaccedilatildeo dos sistemas juriacutedicos tendo por base os direitos humanos que

carregam a caracteriacutestica da universalidade a qual adveacutem do compartilhamento de sentidos e

do enriquecimento pela troca

Neste sentido em que consistem esses direitos humanos que satildeo os alicerces para a

criaccedilatildeo de um direito comum Eacute possiacutevel afirmar que a mera previsatildeo constitucional ou em

tratados de direitos jaacute asseguram a sua proteccedilatildeo Como lidar com questotildees concernentes agraves

pretensotildees universalistas e as particularidades do relativismo cultural nas diferentes

sociedades europeias

Narciso Baez50

traz reflexotildees importantes acerca desse tema Segundo ele em meados

do seacuteculo XVII pensou-se que a positivaccedilatildeo dos direitos humanos seria instrumento suficiente

para garantir o seu respeito Essa noccedilatildeo adentrou a contemporaneidade com a filosofia de

Hans Kelsen de que as normas positivadas e inseridas nos ordenamentos juriacutedicos eram

obrigatoacuterias por serem legitimadas por uma norma juriacutedica superior que tinha um fim em si

mesma

Obviamente o seacuteculo XX mostrou que a mera inserccedilatildeo legal da dignidade da pessoa

humana ndash que eacute o elemento cerne dos direitos humanos ndash em um sistema positivo de direito e

dissociada de valores morais natildeo seria suficiente para evitar eventuais violaccedilotildees desses

49

Ibid 2006 p 54 50

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos

humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da

UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em

httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014

27

direitos Sob esse panorama e seguindo a corrente eacutetica51

de fundamentaccedilatildeo dos direitos

humanos pode-se afirmar que estes satildeo direitos de fora da ordem positiva que tecircm em seu

bojo componentes morais sociais poliacuteticos e ateacute econocircmicos que salvaguardam condiccedilotildees

miacutenimas para a garantia da dignidade da pessoa humana Em sua dimensatildeo baacutesica portanto

satildeo direitos inatos pautados em valores morais e conferidos aos indiviacuteduos pelo simples fato

de estes serem humanos

Logo para a construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos exige-

se o fortalecimento desses em suas dimensotildees baacutesicas Eacute neste sentido que Delmas52

se refere

ao miacutenimo eacutetico universal e ao irredutiacutevel humano ou seja elementos que todos os indiviacuteduos

apresentam em comum mesmo em diferentes culturas

As duas estruturas baacutesicas dos direitos humanos satildeo portanto os valores morais e a

dignidade humana53

Em relaccedilatildeo aos primeiros infere-se que a origem dos direitos humanos

natildeo eacute legal vez que estes satildeo reconhecidos aos indiviacuteduos pelo simples fato de serem

humanos O ordenamento juriacutedico tem a mera funccedilatildeo de reconhecer tais direitos e transformaacute-

los em normas a fim de obter efetividade Jaacute a dignidade humana eacute o bem maior dentro dos

direitos humanos constituindo uma qualidade universal intriacutenseca irrenunciaacutevel e

inalienaacutevel inerente a todos os seres humanos e que se encontra acima das especificidades

culturais

Neste vieacutes a universalidade de tais direitos que eacute requisito indispensaacutevel para a

criaccedilatildeo de um direito comum natildeo eacute marcada pela criaccedilatildeo de instrumentos internacionais

positivos de proteccedilatildeo dos direitos humanos Isso porque embora tenha se conseguido a

universalizaccedilatildeo da adesatildeo dos Estados como eacute o caso da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos da ONU de 1948 ou mesmo da CEDH do sistema regional europeu ainda haacute

resistecircncias agrave aceitaccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo em algumas culturas que alegam a necessidade de

relativizaccedilatildeo desses direitos para adequaccedilatildeo agraves realidades nacionais54

Logo para a construccedilatildeo de uma verdadeira universalidade eacute necessaacuterio interpretar os

direitos humanos sob uma oacutetica interdisciplinar Finnis55

nesse aspecto afirma que os direitos

humanos constituem uma categoria que busca consagrar a dignidade humana sendo esta um

atributo de todas as pessoas independentemente de crenccedila ou cultura Nesse aspecto

51

Id 2007 p 13-35 52

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b 53

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Direitos humanos na globalizaccedilatildeo In BAEZ Narciso

Leandro Xavier BARRETO Vicente (Org) Direitos humanos em evoluccedilatildeo Joaccedilaba Ed Unoesc 2007 p

13-35 54

Id 2009 p77-99 55

FINNIS John Ley natural e derechos naturales Buenos Aires AbeledoPerrot 2000

28

vislumbra-se necessaacuterio a fim de identificar quais satildeo os valores baacutesicos e inderrogaacuteveis a

todos os humanos a construccedilatildeo de valores universais atraveacutes do diaacutelogo e do cruzamento de

diferentes culturas com diferentes valores Isso facilita a construccedilatildeo de uma cultura

cosmopolita baseada em uma identificaccedilatildeo em que prevaleccedila a dignidade da pessoa humana

acima dos relativismos

As diversidades culturais satildeo provenientes de elementos externos56

da diferenccedila de

ambientes naturais mas mesmo assim todas as pessoas ainda que inseridas em

especificidades culturais distintas ainda manteacutem atributos comuns Eacute por essa loacutegica que

permanece atual a premissa de Kant de que no atual estaacutegio da humanidade os povos

atingiram um grau de desenvolvimento que os permitem fazer parte de uma comunidade

cosmopolita57

Por isso a violaccedilatildeo de um direito humano em um ponto do planeta repercute e

pode ser sentida em todos os outros

Pertinente ainda lembrar que a universalizaccedilatildeo natildeo significa a imposiccedilatildeo ou a

uniformizaccedilatildeo de uma cultura sobre as outras Pelo contraacuterio deve-se buscar uma raiz

comum qual seja um conjunto de valores miacutenimos universais capazes de dialogar com

diferentes culturas garantindo o respeito e a preservaccedilatildeo da vida humana em qualquer lugar

Ainda sob essa oacutetica eacute possiacutevel afirmar que a noccedilatildeo de direito comum de Delmas

aproxima-se do ideal de direito cosmopoliacutetico em Kant58

Ao perceber o aumento da

participaccedilatildeo dos povos na Terra Kant vislumbra a ideia de uma comunidade mundial

alicerccedilada sob as bases de um direito cosmopoliacutetico a fim de garantir a paz perpeacutetua Diante

da dicotomia entre praacuteticas culturais e direitos humanos a base do cosmopolitismo kantiano eacute

a busca de criteacuterios loacutegico-racionais que sejam comuns a todas as culturas

Nesse espectro surgem entatildeo os direitos humanos como nuacutecleo moral-juriacutedico do

direito cosmopoliacutetico vez que a moralidade miacutenima universal se baseia em trecircs pilares a)

humanidade comum b) ameaccedilas compartilhadas e c) obrigaccedilotildees miacutenimas Logo a

fundamentaccedilatildeo moral eacute a base dos direitos humanos uma vez que nela encontram-se as

exigecircncias imprescindiacuteveis para a vida de um indiviacuteduo Apesar das diferenccedilas sociais e

culturais entre os seres humanos algumas necessidades e capacidades satildeo comuns a todos59

56

PAREKH Bhikhu Pluralist universalism and human rights In SMITH Rhona K M ANKER Cristien van

den The essentials of human rights London Oxford University Press 2005 57

KANT Immanuel Para a paz perpeacutetua Traduccedilatildeo Baacuterbara Kristen - Rianxo Instituto Galego de Estudos de

Seguranccedila Internacional e da Paz 2006 58

Ibid 2006 p 107-108 59

BARRETO Vicente de Paulo Direito Cosmopoliacutetico e Direitos Humanos In Espaccedilo Juriacutedico Journal of

Law N 2 Vol 11 2010 Disponiacutevel em

httpeditoraunoescedubrindexphpespacojuridicoarticleview19491017 Acesso 30 out 2014

29

Assim como a concepccedilatildeo de direitos humanos natildeo pode mais ser concebida como o

era na eacutepoca de Kelsen o panorama em que o Direito de um modo geral se insere hoje

tambeacutem natildeo pode mais ser concebido conforme a loacutegica claacutessica kelseniana em que a

constituiccedilatildeo estatal encontra-se no topo de uma estrutura piramidal sendo hierarquicamente

seguida pela legislaccedilatildeo infraconstitucional Os rearranjos da mundializaccedilatildeo e a consequente

internacionalizaccedilatildeo do Direito fazem com que novas estruturas permeiem o atual cenaacuterio

juriacutedico mundial

Seja uma concepccedilatildeo de trapeacutezio cujos veacutertices superiores satildeo ocupados em igual

niacutevel pelas constituiccedilotildees estatais e pelos tratados ou convenccedilotildees internacionais protetivos dos

direitos humanos como eacute a visatildeo de Canotilho seguida por Flaacutevia Piovensan60

seja uma

visatildeo de nuvens fluidas e descontiacutenuas com um direito de sistemas interativos complexos

marcados por geometria de piracircmides inacabadas e aneacuteis normativos como guirlandas

defendida por Delmas-Marty61

demonstram que a internacionalizaccedilatildeo traz tentativas de

recomposiccedilatildeo de um pluralismo que deveraacute ser suficientemente ordenado

Em razatildeo disso razoaacutevel frente agrave mudanccedila paradigmaacutetica trazida pela mundializaccedilatildeo

pensar em um conjunto ordenado para a desordem uma vez que a aparente anarquia que

existe favorece ao pluralismo Para se chegar a um direito comum pluralista tendo por base os

direitos humanos deve-se buscar a harmonizaccedilatildeo entre estes e os direitos econocircmicos com

respeito agraves particularidades religiosas e culturais e com a superaccedilatildeo dos perigos de uma

uniformizaccedilatildeo hegemocircnica tendente agrave globalizaccedilatildeo econocircmica

Nesse novo paradigma o ideaacuterio de ordem ldquodeslegalizadardquo anteriormente referido

toma corpo uma vez que a sobrevalorizaccedilatildeo da lei e das grandes codificaccedilotildees perde espaccedilo

havendo em contrapartida a crescente incorporaccedilatildeo dos precedentes (certa ruptura de

fronteiras entre common law e civil law) e dos princiacutepios como espeacutecie de coacutedigo cultural do

processo de interpretaccedilatildeo e criaccedilatildeo do direito62

A internacionalizaccedilatildeo do Direito reflete portanto uma nova realidade de um Direito

de sistemas complexos fluidos descontiacutenuos e interativos os quais levam agrave mutaccedilatildeo da

proacutepria concepccedilatildeo tradicional de ordem juriacutedica que natildeo eacute mais fechada dentro de si mesma e

sim sofre influecircncia de outras A tradicional piracircmide kelseniana eacute desconstruiacuteda

60

PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e diaacutelogo entre jurisdiccedilotildees In Revista Brasileira de Direito

Constitucional ndash RBCD n19 ndash janjul 2012 61

DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio

de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b 62

FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos

teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013

30

gradativamente dando lugar a novas geometrias cuja hierarquia natildeo eacute tatildeo riacutegida mas nem por

isso deixa de ser complexa

No topo encontram-se as constituiccedilotildees juntamente com elementos do Direito

Internacional (jus cogens tratados relativos o direito internacional dos direitos humanos) e do

direito comunitaacuterio europeu No corpo do que seria a antiga piracircmide kelseniana encontra-se

o crescimento e a consolidaccedilatildeo de um direito jurisprudencial atraveacutes de um jogo de

referecircncias reciacuteprocas em que um sistema observa o outro mas natildeo haacute um centro ao lado das

normas produzidas no legislativo (a intensa produccedilatildeo jurisprudencial para os hard cases

culmina em adiccedilatildeo de conteuacutedos advindos de ldquooutros direitosrdquo) e a base passa a ser composta

por decretos e regulamentos que resultam de administraccedilotildees policecircntricas corroborando para

a crenccedila de que o processo de internacionalizaccedilatildeo do direito vem acompanhado de

descentralizaccedilatildeo e privatizaccedilatildeo de fontes do Direito63

Diante deste quadro Delmas64

apresenta trecircs espeacutecies de processo de interaccedilatildeo para

se chegar a um direito comum coordenaccedilatildeo por entrecruzamento harmonizaccedilatildeo e unificaccedilatildeo

Destaca-se antes de discorrer brevemente sobre esses processos que o direito comum natildeo

tem a pretensatildeo de unificar o Direito no texto pois isso seria uma tarefa praticamente utoacutepica

A ideia de Delmas objetiva na realidade a exploraccedilatildeo da pluralidade como potencial poder

de integraccedilatildeo vez que as redes dinacircmicas e as estruturas vetorizadas pelos direitos humanos

presentes nas novas geometrias da ordem mundial se pautam no reconhecimento do outro em

uma espeacutecie de alteridade65

A coordenaccedilatildeo por entrecruzamento caracteriza-se por ser um processo horizontal em

que a autoridade das decisotildees seraacute reforccedilada pelo jogo de referecircncias cruzadas de uma

jurisdiccedilatildeo agrave outra Essa eacute uma fase transitoacuteria na construccedilatildeo de uma verdadeira ordem juriacutedica

mundial em que a internormatividade e a interpretaccedilatildeo cruzada permitem a formaccedilatildeo de no

miacutenimo uma comunidade de juiacutezes Em funccedilatildeo disso em acircmbito global percebem-se traccedilos

da coordenaccedilatildeo por entrecruzamento nos diaacutelogos entre cortes e tribunais nas mais diferentes

ordens No espaccedilo europeu a coordenaccedilatildeo eacute percebida da mesma forma atraveacutes dos diaacutelogos

entre as cortes nacionais e os tribunais da ldquopequena Europardquo e da ldquogrande Europardquo

respectivamente Tribunal de Luxemburgo e de Estrasburgo

Interessante notar conforme jaacute foi demonstrado que foram os diaacutelogos entre as cortes

nacionais dos diversos Estados membros da entatildeo Comunidade Europeia e posterior Uniatildeo

63

Ibid 2013 p20 64

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006 65

LOPES Carla Patriacutecia Frade Nogueira Internacionalizaccedilatildeo do Direito e pluralismo juriacutedico limites de

cooperaccedilatildeo no diaacutelogo de juiacutezes In Revista de Direito Internacional da Uniceub Vol 9 n4 2012

31

Europeia que auxiliaram no processo de consolidaccedilatildeo do entendimento de primazia das

normas comunitaacuterias ao lado da proteccedilatildeo integral aos direitos fundamentais previstos nas

constituiccedilotildees estatais Isso culminou conforme se asseverou anteriormente na disposiccedilatildeo do

Tratado de Lisboa de que a Uniatildeo Europeia natildeo soacute se submete agraves tradiccedilotildees e regras

constitucionais em mateacuteria de direitos fundamentais como adere agrave Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem

Se o primeiro processo de interaccedilatildeo eacute a coordenaccedilatildeo far-se-aacute de imediato a anaacutelise do

uacuteltimo processo a unificaccedilatildeo visto que o eacute no processo intermediaacuterio ndash a harmonizaccedilatildeo ndash que

se desenvolve o foco do presente estudo A unificaccedilatildeo seria do ponto de vista formal o

processo perfeito por unir ordens juriacutedicas regionais sob um mesmo modelo hieraacuterquico e

coerente das ordens nacionais tradicionais Entretanto sob o enfoque empiacuterico essa perfeiccedilatildeo

estaacute longe de ser garantida vez que a unificaccedilatildeo consiste na transferecircncia pura e simples do

regramento juriacutedico de um paiacutes para outro em uma espeacutecie de verticalizaccedilatildeo ordenada que

pode gerar a dominaccedilatildeo hegemocircnica de uma ordem sobre outra sem portanto respeito agrave

pluralidade

O processo intermediaacuterio de harmonizaccedilatildeo por sua vez tende a aproximar os sistemas

com um propoacutesito coordenativo poreacutem sem a intenccedilatildeo unificadora Tal processo limita-se a

uma integraccedilatildeo imperfeita cuja chave eacute a preservaccedilatildeo das margens nacionais de apreciaccedilatildeo

De modo diferente da coordenaccedilatildeo que eacute marcada pela horizontalidade da comunicaccedilatildeo entre

conjuntos juriacutedicos a harmonizaccedilatildeo instaura uma relaccedilatildeo do tipo vertical que implica o

reconhecimento de algumas hierarquias entre por exemplo direito internacional e nacional

direito supranacional e nacional dentre outras formas Todavia a inversatildeo destas hierarquias

e o reconhecimento muacutetuo fazem parte do movimento de harmonizaccedilatildeo

As margens nacionais de apreciaccedilatildeo satildeo as grandes novidades desse processo de

harmonizaccedilatildeo vez que elas funcionam em uma dinacircmica centriacutefuga e envolvem tanto a

obrigaccedilatildeo de conformidade em relaccedilatildeo agraves normas internacionais das quais determinado paiacutes eacute

signataacuterio quanto agrave apreciaccedilatildeo soberana dos Estados sendo delineada por princiacutepios

comuns66

A resistecircncia dos direitos internos e os avanccedilos do processo de harmonizaccedilatildeo satildeo

portanto as condiccedilotildees de possibilidade para a aplicaccedilatildeo da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

(MNA)

66

SALDANHA Jacircnia Maria Lopes MELLO Rafaela da Cruz Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e

Diaacutelogos Transjurisdicionais uma anaacutelise da postura do Supremo Tribunal Federal Brasileiro In Conselho

Nacional de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito - CONPEDI (Org) Direito Internacional dos Direitos

Humanos I XXIII EdFlorianoacutepolis CONPEDI 2014 v I p 368-394

32

Deste modo imperioso reconhecer que em um continente plural como eacute o europeu

com diversos paiacuteses com aspectos linguiacutesticos culturais religiosos e poliacuteticos a figura da

MNA apresenta-se como uma importante chave para o desenvolvimento e consolidaccedilatildeo de

um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos sendo uma ferramenta relevante

para o estabelecimento de um pluralismo ordenado uma vez que as pluralidades e

peculiaridades culturais e religiosas de cada Estado satildeo respeitadas

Neste sentido portanto a Europa pode ser vista novamente como um laboratoacuterio de

experiecircncias e o surgimento da MNA possui hoje um importante papel sobretudo dentro do

continente europeu Utilizada tanto pelos Tribunais de Luxemburgo e Estrasburgo a MNA

surgiu pela primeira vez na jurisprudecircncia do TEDH

Embora existam relatos do uso da MNA pelo Tribunal de Luxemburgo para permitir

que os conceitos comunitaacuterios sejam interpretados de modo flexiacutevel segundo as

especificidades nacionais e servindo como uma importante vaacutelvula de escape para as tensotildees

nacionais mais fortes neste trabalho far-se-aacute a limitaccedilatildeo da utilizaccedilatildeo da MNA pelo Tribunal

Europeu de Direitos do Homem com o intuito de analisar quais satildeo os entraves e as

possibilidades do uso de tal ferramenta pra a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de um direito comum

para a ldquogrande Europardquo tendo como base os direitos humanos

33

2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU

A noccedilatildeo de margem encontra-se no coraccedilatildeo dos sistemas de Direito uma vez que o

direito interno jaacute prevecirc a possibilidade de uma margem de interpretaccedilatildeo aos juiacutezes em relaccedilatildeo

agraves demandas que lhes satildeo apresentadas Todavia a internacionalizaccedilatildeo impulsiona ao

acreacutescimo do termo ldquonacionalrdquo a essa margem no sentido de permitir o reconhecimento da

diversidade dos sistemas juriacutedicos e a possibilidade de um direito comum

Nesse sentido no presente capiacutetulo far-se-aacute uma abordagem acerca da histoacuteria dessa

ferramenta criada pelo TEDH bem como o conceito e as criacuteticas trazidas por estudiosos da

doutrina da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) (21) Por conseguinte atraveacutes de uma

anaacutelise jurisprudencial se tentaraacute comprovar que a margem a despeito de opiniotildees contraacuterias

acerca da ausecircncia de paracircmetros para sua aplicaccedilatildeo pelo TEDH constitui-se como um

instrumento relevante para a construccedilatildeo de um direito comum europeu tendo como base

luminosa os direitos humanos (22)

21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem

Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu

Consoante fora anteriormente aludido a noccedilatildeo de margem encontra-se dentro dos

sistemas de direito Por isso em um primeiro momento aponta-se a margem dentro do direito

interno como ferramenta capaz de auxiliar o juiz enquanto receptor da norma a interpretar

determinado caso concreto em uma espeacutecie de coacutedigo cultural que determina o senso da

norma67

Nesse sentido a origem dessa margem de interpretaccedilatildeo adveacutem do direito

administrativo de diversos Estados europeus Na Franccedila a margem eacute conhecida como ldquomarge

67

DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation

du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit

compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780

34

drsquoappreacutecciationrdquo na Alemanha eacute vista como ldquoErmessensspielraumrdquo e na Itaacutelia ldquomarge de

discrizionalitaacuterdquo68

Em acircmbito interno portanto caracteriza-se por ser uma deferecircncia que

combina aspectos processuais e hermenecircuticos no sentido de conferir uma reserva de

apreciaccedilatildeo ao administrador para decidir acerca da conveniecircncia e oportunidade em relaccedilatildeo

aos atos administrativos

O processo de internacionalizaccedilatildeo estaacutegio supremo da globalizaccedilatildeo69

no acircmbito do

Direito se desenvolve a ponto de transformar o campo de uma disciplina de modo que

consoante jaacute fora exaustivamente exposto a seara juriacutedica natildeo se limita mais agrave relaccedilatildeo entre

Estados nem somente se combina com os direitos internos Logo o pluralismo pode ser visto

como uma palavra de ordem na paisagem juriacutedica atual e por isso a noccedilatildeo de margem ganha

o adjetivo ldquonacionalrdquo e passa a ser um elemento de tentativa de aproximaccedilatildeo com a finalidade

de atingir um direito comum com bases humanistas

Logo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) teria a finalidade de proceder a uma

espeacutecie de siacutentese entre os anseios de unidade juriacutedica e o desejo de separaccedilatildeo proveniente de

uma autonomia estatal A margem portanto sob o vieacutes da internacionalizaccedilatildeo corresponderia

ao caminho do meio entre o pressuposto de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o

relativismo ou os particularismos culturais de cada Estado

No contexto europeu em que tanto sob o vieacutes comunitaacuterio quanto sob a perspectiva do

sistema regional os Estados apresentam pluralidades significativas em relaccedilatildeo agrave religiatildeo agrave

cultura agrave poliacutetica dentre outros campos a figura da MNA serve como um importante

instrumento para aproximar o universal e o relativo70

Dessa maneira teria a funccedilatildeo de no

processo de construccedilatildeo de um direito comum apresentar como horizonte a universalidade dos

direitos humanos mas sem perder de foco os relativismos culturais que formam a identidade

das mais diferentes sociedades

Niacutetido portanto que o caminho para a construccedilatildeo de um ldquocomumrdquo em mateacuteria de

direitos humanos relaciona-se natildeo soacute com a proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua esfera eacutetica

e miacutenima como tambeacutem com a preservaccedilatildeo da pluralidade Como instrumento do processo de

harmonizaccedilatildeo a margem carrega em seu acircmago a noccedilatildeo de convergecircncia em torno de

princiacutepios comuns mas garantindo o respeito a uma espeacutecie de direito agrave divergecircncia uma vez

68

ITZCOVITCH Giulio One None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations The Lautsi Case

In Human Rights Law Review Oxford Journals 2013 Disponiacutevel em

httphrlroxfordjournalsorgcontent132toc Acesso 04 nov 2014 69

SANTOS Milton Teacutecnica Espaccedilo Tempo Globalizaccedilatildeo e meio teacutecnico-cientiacutefico-informacional 5ordf ed

Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2013 p 45 70

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b

35

que se garante a cada Estado a particularidade de lidar com questotildees atinentes agraves suas

diferenccedilas

Deste modo o Tribunal de Estrasburgo consoante fora dito anteriormente se utiliza

pela primeira vez do recurso agrave MNA no caso Lawless vs Irlanda71

Na discussatildeo cerne deste

conflito estava a possibilidade de prisatildeo provisoacuteria no caso dos atentados terroristas

relacionados ao grupo extremista IRA (Irish Republic Army) Mais especificamente o

cidadatildeo irlandecircs Gerard Richard Lawless ex-membro do IRA foi preso em julho de 1957 no

momento em que estava prestes a viajar da Irlanda agrave Gratilde-Bretanha Neste ato foi detido sob

especiais poderes de detenccedilatildeo indeterminada sem julgamento sob alegaccedilotildees de ofensas contra

o Estado irlandecircs

Lawless fazendo o uso da prerrogativa de peticcedilatildeo individual demandou perante a

Corte Europeia de Direitos do Homem alegando violaccedilatildeo pelo Estado Irlandecircs dos artigos 56

e 7 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem mas especificamente direitos de

liberdade seguranccedila julgamento justo e o princiacutepio de proibiccedilatildeo de puniccedilatildeo sem lei anterior

que defina um delito

No julgamento do caso em 1961 o Tribunal de Estrasburgo pela primeira vez fez

alusatildeo mesmo que de modo natildeo explicito agrave possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo

ao deixar ao Estado Irlandecircs margem para decidir fundamentando-se nas prerrogativas do

artigo 1572

da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Tal norma da Convenccedilatildeo alude agrave

possibilidade de derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade com a prerrogativa de que em

caso de guerra ou outro perigo puacuteblico que ameace a vida da naccedilatildeo a parte aderente agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem pode tomar providecircncias que derroguem as

obrigaccedilotildees previstas no tratado na estrita medida em que exigir a situaccedilatildeo

71

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57518itemid[001-57518] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lawless vs Irlanda Sentenccedila de 01 de julho de 1961 Acesso

05 nov 2014 72

Artigo 15 Derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade 1 Em caso de guerra ou de outro perigo puacuteblico que

ameace a vida da naccedilatildeo qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providecircncias que derroguem as obrigaccedilotildees

previstas na presente Convenccedilatildeo na estrita medida em que o exigir a situaccedilatildeo e em que tais providecircncias natildeo

estejam em contradiccedilatildeo com as outras obrigaccedilotildees decorrentes do direito internacional 2 A disposiccedilatildeo

precedente natildeo autoriza nenhuma derrogaccedilatildeo ao artigo 2deg salvo quanto ao caso de morte resultante de atos

liacutecitos de guerra nem aos artigos 3deg 4deg (paraacutegrafo 1) e 7deg 3 Qualquer Alta Parte Contratante que exercer este

direito de derrogaccedilatildeo manteraacute completamente informado o Secretaacuterio Geral do Conselho da Europa das

providecircncias tomadas e dos motivos que as provocaram Deveraacute igualmente informar o Secretaacuterio - Geral do

Conselho da Europa da data em que essas disposiccedilotildees tiverem deixado de estar em vigor e da data em que as da

Convenccedilatildeo voltarem a ter plena aplicaccedilatildeo CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS

DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014

36

Logo aplicando o referido artigo 15 da Convenccedilatildeo a decisatildeo do Tribunal de

Estrasburgo foi de no caso proposto asseverar que os fatos apurados natildeo revelam uma

violaccedilatildeo por parte do Governo irlandecircs de suas obrigaccedilotildees ao abrigo da Convenccedilatildeo Europeia

para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais Em razatildeo disso de a

motivaccedilatildeo do Tribunal para proferir a decisatildeo ter partido de uma prerrogativa da proacutepria

Convenccedilatildeo Europeia alguns autores73

natildeo fazem alusatildeo a este caso como o primeiro em que

houve concessatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo para Estado

Embora haja uma referecircncia tiacutemida agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso exposto

anteriormente eacute no caso linguiacutestico belga74

que se percebe uma manifestaccedilatildeo mais concreta

da Corte de Estrasburgo em relaccedilatildeo agrave deferecircncia de julgamento aos Estados precisando

alguns dos fundamentos da doutrina da MNA No caso belga julgado em 1968 pais que

falavam francecircs questionaram o sistema educacional da Beacutelgica que dividia o paiacutes em quatro

regiotildees linguiacutesticas distintas

O Tribunal de Luxemburgo aceitou uma margem de apreciaccedilatildeo conferida agraves partes em

funccedilatildeo de que os Estados possuiacuteam discricionariedade em relaccedilatildeo agrave regulamentaccedilatildeo do direito

agrave educaccedilatildeo A Corte argumentou que essa necessidade de concessatildeo de uma deferecircncia ou de

um limite de discricionariedade ao Estado era proveniente da natureza do proacuteprio direito

discutido (regulamentaccedilatildeo do sistema educacional) de modo que a regulamentaccedilatildeo do direito

agrave educaccedilatildeo poderia variar de acordo com o local e com o tempo consoante as necessidades e

os recursos da comunidade e dos indiviacuteduos

Ainda eacute possiacutevel destacar nesse caso a vinculaccedilatildeo da noccedilatildeo de margem de apreciaccedilatildeo

ao princiacutepio de subsidiariedade dos tribunais internacionais em relaccedilatildeo agraves cortes nacionais

Por isso o Tribunal manifestou-se asseverando que natildeo desejava substituir as autoridades

nacionais pois se assim o fizesse perderia a caracteriacutestica de mecanismo internacional de

garantia da ordem instaurada pela Convenccedilatildeo

73

KRATOCHVIL Jan The inflation of the margin of appreciation by european court of human rights In

Netherlands Quarterly of Human Rights Vol 293 2011 p 324-357 Disponiacutevel em ww corteidhorcr

tablas r26992pdf Acesso 01 nov 2014

VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um

equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em

httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 74

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httpwww9euskadineteuskara_araubideaLegedialegeakgaztelaneuropas23b001pdf CORTE EUROPEIA

DE DIREITOS HUMANOS Caso linguiacutestico belga Sentenccedila de 23 de julho de 1968 Acesso 05 nov 2014

37

Essa subsidiariedade conduz agrave MNA duas noccedilotildees75

uma noccedilatildeo teacutecnica e outra

poliacutetica Na noccedilatildeo teacutecnica a razatildeo para sua existecircncia relaciona-se com a imprecisatildeo de

algumas normas que conferem certa liberdade ao juiz internacional No campo poliacutetico a

relaccedilatildeo se evidencia pela sensibilidade dos Estados em relaccedilatildeo a temas polecircmicos

Sob essa oacutetica e embora esse natildeo seja o foco do presente trabalho pode-se afirmar que

a MNA eacute uma figuram importante tanto para o horizonte de criaccedilatildeo de um direito comum

europeu como para a consolidaccedilatildeo do direito comunitaacuterio europeu Isso porque este uacuteltimo

embora tenha sido baseado em um ideal federalista funda-se na realidade em um modelo de

governanccedila supranacional em que a MNA foi importada pelo Tribunal de Luxemburgo a fim

de ser uma vaacutelvula de escape para tensotildees fortes em acircmbito comunitaacuterio76

O TJUE deste modo permite que os conflitos comunitaacuterios sejam interpretados de

maneira flexiacutevel conforme especificidades nacionais Cada Estado pode atribuir seu proacuteprio

significado a expressotildees ou textos legais de interpretaccedilatildeo ampla devendo-se contudo

vincular aos princiacutepios e conceitos juriacutedico-legais do direito comunitaacuterio

No campo de construccedilatildeo de um direito comum europeu que tem como terreno o

sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos tal premissa natildeo eacute diferente Embora em

alguns casos o TEDH opte pela concessatildeo da margem de deferecircncia essa soacute pode ser aplicada

pelo Estado se este observar os princiacutepios que regem o instrumento legal base da Corte qual

seja a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) Deste modo o Estado natildeo fica

desobrigado do cumprimento da Convenccedilatildeo pois em tese apenas existiraacute margem para

pontos sensiacuteveis desta os quais permitem interpretaccedilotildees diferenciadas de acordo com os

particularismos nacionais e os desacordos culturais

Nesse sentido conforme se observou pelos casos citados com ecircnfase para o caso

Lawless vs Irlanda uma primeira aplicaccedilatildeo da doutrina da margem vinculou-se ao processo

de sedimentaccedilatildeo do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos vez que tal

caso foi um dos primeiros a ser julgado pelo Tribunal de Estrasburgo aleacutem de conforme fora

dito ter sido o primeiro no acircmbito da criaccedilatildeo e uso da MNA Em razatildeo desse contexto a

utilizaccedilatildeo do instrumento em questatildeo deu-se em funccedilatildeo de uma demanda que envolvia

questatildeo de seguranccedila interna de um paiacutes e por isso a aplicaccedilatildeo da deferecircncia de julgamento agrave

Irlanda daacute-se tambeacutem como uma teacutecnica poliacutetica para evitar tensotildees entre esfera internacional

75

DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation

du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit

compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780 76

VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade

de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014

38

e nacional (esta ainda arraigada ao conceito claacutessico de soberania) no acircmbito de um sistema

que tinha sido criado recentemente

Sob tal vieacutes pode-se recorrer agrave explicaccedilatildeo de Marcelo Varella77

de que a margem

deve ser aplicada para temas polecircmicos em que abusos exegeacuteticos por parte do tribunal de

cariz internacional podem levar agrave perda de legitimidade deste Contudo com o

desenvolvimento da teoria da MNA tanto por doutrinadores como pela proacutepria jurisprudecircncia

do tribunal que a criou percebe-se que o seu uso em grande medida relaciona-se com o

embate entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo nacional em mateacuteria de

desacordos culturais

Natildeo obstante a existecircncia de criacuteticas sobre a aplicaccedilatildeo praacutetica atual da MNA pelo

TEDH o que seraacute objeto de anaacutelise na sequencia do presente trabalho eacute com a figura da

deferecircncia da margem nacional que se torna possiacutevel um pluralismo de justaposiccedilatildeo78

que

tolera a coexistecircncia de sistemas particularmente diferentes Somente a possibilidade de

acoplamento do adjetivo nacional ao substantivo margem ou seja uma transferecircncia de

conceito desse substantivo para outra esfera que natildeo agrave interna de cada paiacutes jaacute demonstra que

uma ruptura com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito jaacute iniciou e ainda estaacute em curso

A ruptura com a concepccedilatildeo tradicional unificada e estritamente hierarquizada de

ordem juriacutedica leva a uma ruptura epistemoloacutegica com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito

Isso permite natildeo soacute a existecircncia e aplicaccedilatildeo de uma margem nacional de apreciaccedilatildeo como

demonstra a possibilidade de concretizaccedilatildeo do ideal de um direito comum que por ser

pluralista natildeo pode ser projetado conforme o modelo tradicional e nem encontra campo para

isso em funccedilatildeo do novo mosaico juriacutedico existente sobretudo na Europa

Logo eacute possiacutevel afirmar que a margem a que se refere esse trabalho natildeo deixa de ser

um reconhecimento jurisprudencial dessa mudanccedila de ares trazida pelas novas configuraccedilotildees

e estruturas juriacutedicas Isso porque novas instituiccedilotildees emergem em meio de um caos juriacutedico

que natildeo passa despercebido pelas cortes internacionais Prova disso eacute que a MNA natildeo eacute

mencionada somente pelo TEDH Ainda que de modo muito tiacutemido e em pequena medida eacute

possiacutevel o destaque de citaccedilatildeo (e aplicaccedilatildeo) da referida doutrina pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos79

Embora o continente latino americano seja tatildeo ou mais plural e diversificado que o

europeu e que o uso da margem como instrumento de siacutentese entre relativo e universal seja

77

Ibid 2012 p 143 78

DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 757 79

POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema

interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012

39

teoricamente indicado para sedimentar as bases de construccedilatildeo de um direito comum pluralista

a aplicaccedilatildeo do instituto em solo americano ainda natildeo ocorre de modo significativo Sob esse

vieacutes o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Seacutergio Garcia Ramirez80

asseverou

que a margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute uma ferramenta e um princiacutepio europeu de relativismo

relativo agrave execuccedilatildeo que natildeo eacute visto com simpatia pela Corte maacutexima do sistema regional

americano de direitos humanos Isso em funccedilatildeo natildeo soacute do histoacuterico de demandas que

chegaram ao julgamento da Corte Interamericana ndash em grande parte envolvendo violaccedilotildees de

direitos humanos perpetradas pelo Estado durante os periacuteodos de ascensatildeo de autoritarismos e

ditaduras na Ameacuterica Latina ndash como tambeacutem em razatildeo das democracias latino-americanas

ainda estarem em fase de consolidaccedilatildeo

Deste modo em razatildeo da ausecircncia ateacute entatildeo de casos envolvendo desacordos

culturais e das recentes reinserccedilotildees ou inserccedilotildees democraacuteticas de paiacuteses do continente

americano temia-se que eventual aplicaccedilatildeo de MNA poderia ser compreendida pelos Estados

como um salvo-conduto para que houvesse violaccedilatildeo de direitos humanos pelos paiacuteses A

cautela e a percepccedilatildeo de paisagens diferentes entre os territoacuterios separados pelo Atlacircntico

fizeram e fazem com que ainda hoje a doutrina da margem tenha pouca ou quase nenhuma

aplicaccedilatildeo na Ameacuterica

Deste modo pode-se afirmar que a internacionalizaccedilatildeo do direito - e seus reflexos na

Europa - eacute a responsaacutevel pela criaccedilatildeo de um espaccedilo para o desenvolvimento da doutrina da

margem nacional de apreciaccedilatildeo Nesse sentido embora a criaccedilatildeo tenha sido jurisprudencial

por parte do TEDH com aplicaccedilatildeo em alguns casos pelo proacuteprio Tribunal de Luxemburgo eacute

importante avaliar de que modo a doutrina conceitua o referido instituto

A posiccedilatildeo adotada por este trabalho eacute a de Mireille Delmas-Marty81

que salienta em

suas obras a origem nacional da margem nacional ainda como uma margem de interpretaccedilatildeo

capaz de conferir um pluralismo de valores do tipo meta juriacutedico em uma espeacutecie de

deferecircncia para apreciaccedilatildeo do juiz receptor de determinada norma Todavia a margem

relativa agrave internacionalizaccedilatildeo liga-se ao reconhecimento da diversidade de sistemas juriacutedicos

os quais possuem algumas caracteriacutesticas peculiares ligadas agraves identidades do Estado em que

se encontram

80

Tal posicionamento de Seacutergio Garciacutea Ramirez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema Internacional de

Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de 19 e 20 de agosto

de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado ndash da Pontifiacutecia

Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS 81

DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 762

40

Em razatildeo disso para a autora a noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo aleacutem de ser

uma siacutentese entre o universal e o relativo eacute uma chave do pluralismo ordenado Desse modo

sua construccedilatildeo assemelha-se de um lado agrave expressatildeo de uma dinacircmica centriacutefuga ou seja

uma resistecircncia dos Estados agrave integraccedilatildeo e o apego agrave noccedilatildeo claacutessica de soberania e de outro

lado sendo ela limitada por princiacutepios comuns estabelece o miacutenimo de compatibilidade

voltando-se ao centro em uma dinacircmica centriacutepeta

Haacute portanto um movimento duplo que por vezes traduz as resistecircncias dos direitos

nacionais por vezes os avanccedilos rumo agrave harmonizaccedilatildeo do direito comum em mateacuteria de

direitos humanos Eacute justamente essa capacidade de oscilaccedilatildeo que permite os ajustamentos

com vistas a compatibilizar o interno com o comum com o intuito nem de criar uma

hegemonia do universal e nem de tornar inaplicaacutevel o direito comum em razatildeo das

particularidades Desta forma Delmas percebe a margem como uma teacutecnica juriacutedica presente

no acircmbito do fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo do direito e que permite o reconhecimento da

diversidade entre os sistemas juriacutedicos82

Benvenisti83

por sua vez visualiza no uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo uma

espeacutecie de latitude que cada sociedade tem na resoluccedilatildeo de conflitos inerentes entre os

direitos individuais e os interesses nacionais ou entre diferentes convicccedilotildees morais Por

conseguinte alude que a doutrina da margem consoante inclusive fora abordado

anteriormente neste trabalho respondeu inicialmente a preocupaccedilotildees de governos nacionais

de que as poliacuteticas internacionais pudessem comprometer a seguranccedila nacional Isso entatildeo

explicaria a invocaccedilatildeo da margem no caso Lawless vs Irlanda por exemplo

Com a evoluccedilatildeo da jurisprudecircncia o uso desse instrumento passou a ser aplicado por

outras razotildees como gestatildeo de recursos discricionariedade em relaccedilatildeo a questotildees

concernentes agrave deliberaccedilatildeo acerca de sistemas poliacuteticos educacionais entre outros ateacute passar

a ser utilizada em temas relativos aos desacordos culturais Ainda segundo Bevenisti84

a

utilizaccedilatildeo da margem se justifica em alguns casos e em algumas mateacuterias ndash para o autor por

exemplo a aplicaccedilatildeo da margem nacional natildeo se justifica quando em questatildeo se encontram o

direito de minorias - sendo que o uso ampliado ou desmedido pode gerar uma espeacutecie de

deslegitimaccedilatildeo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos

82

Ibid 2000 p 760 83

BENVENISTI Eyal Margin of apreciation consensus and universal standards In International Law and

Politics Vol 31843 1999 pp 843-854 Disponiacutevel em httpwwwpict-

pctiorgpublicationsPICT_articlesJILPBenvenistipdfp 853 Acesso 05 nov 2014 84

Ibid 1999 p 846

41

Para Poblete amp Alvarado85

a margem nacional de apreciaccedilatildeo liga-se agrave noccedilatildeo de fins e

limites da jurisdiccedilatildeo internacional ou supranacional em mateacuteria de direitos humanos Eles

reconhecem que a doutrina da margem concede aos Estados signataacuterios de convenccedilotildees

internacionais liberdade para apreciar as circunstacircncias materiais que exigem aplicaccedilatildeo de

medidas excepcionais em situaccedilatildeo de emergecircncia como eacute o caso das prerrogativas do artigo

15 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de derrogaccedilatildeo em caso de necessidade

Outrossim ainda segundo os mencionados autores a margem possibilita aos Estados

liberdade para limitar direitos reconhecidos em tratados internacionais quando outros direitos

exigem respeito ou assim exigem os interesses da comunidade Ainda serviria para definir os

conteuacutedo dos direitos delimitar como eles satildeo aplicados no plano interno e definir o modo

como seratildeo cumpridas resoluccedilotildees de um oacutergatildeo internacional de supervisatildeo de um tratado ou

convenccedilatildeo Dessa maneira tais autores identificam a doutrina da MNA como uma

metodologia de que se servem os tribunais internacionais para difundir os direitos humanos

previstos nos tratados internacionais bem como o direito do comeacutercio ndash a margem tambeacutem eacute

aplicada pela Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio (OMC)

Vila86

por sua vez percebe na doutrina da marem nacional de apreciaccedilatildeo uma espeacutecie

de ldquodeferecircnciardquo praticada pelo Tribunal de Estrasburgo em relaccedilatildeo aos Estados signataacuterios da

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Isso pelo fato de que o sistema de proteccedilatildeo dos

diretos humanos na Europa eacute resultado de uma divisatildeo de trabalho entre os Estados e a Corte

em que os primeiros satildeo responsaacuteveis primaacuterios desta proteccedilatildeo e a Corte possui um caraacuteter

subsidiaacuterio atuando em acircmbitos sensiacuteveis como o da moralidade e da religiatildeo em que natildeo haacute

consenso entre os Estados

Nesse mesmo sentido se situa o pensamento de Roca87

que afirma que a doutrina da

margem nacional de apreciaccedilatildeo ocupa um lugar de destaque na jurisprudecircncia do Tribunal

Europeu de Direitos Humanos e eacute necessaacuteria para refletir uma realidade evidente qual seja a

pluralidade cultural dos Estados que fazem parte do Conselho da Europa notaacutevel em um

pluralismo de base territorial sobre o qual assenta uma cultura comum europeia de alguns

miacutenimos

85

POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema

interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012 p5 86

VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um

equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em

httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 87

ROCA JavierGarciacutea La muy discrecional doctrina del margen de apreciacioacuten nacional seguacuten el Tribunal

Europeo de Derechos Humanos Soberaniacutea e Integracioacuten In UNED Teoriacutea y Realidad Constitucional N

202007 p 117-143 Disponiacutevel em httpe-spaciounedes revistasuned indexphp TRC article vie 6778

Acesso 02 nov 2014

42

Da mesma forma considera o autor que os princiacutepios da proporcionalidade e da

subsidiariedade satildeo imanentes agrave noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo visto que os

Estados possuem certa margem de discricionariedade na aplicaccedilatildeo e no cumprimento de

obrigaccedilotildees impostas pela Convenccedilatildeo bem como na ponderaccedilatildeo de interesses mais

complexos Se houver excesso por parte dos Estados no uso dessa margem haacute violaccedilatildeo do

princiacutepio da proporcionalidade e abre-se espaccedilo para a intervenccedilatildeo do oacutergatildeo jurisdicional

internacional sob as bases do princiacutepio da subsidiariedade

Eacute importante sob essa oacutetica lembrar que embora o diferencial da Corte Europeia de

Direitos Humanos seja o de permitir a peticcedilatildeo individual de qualquer sujeito que denuncie

uma violaccedilatildeo de seus direitos baacutesicos assim como outros tribunais internacionais tem a regra

da exigecircncia do esgotamento das vias internas de acesso agrave justiccedila para que a demanda seja

recebida pelo TEDH Se natildeo houve satisfaccedilatildeo do pleito por parte do Estado ou se a reparaccedilatildeo

obtida se revelara inidocircnea para uma proteccedilatildeo adequada ao direito violado entatildeo agrave Corte

Europeia eacute permitido revisar a decisatildeo nacional ou substituiacute-la

Mahorney88

em seus estudos assevera que a margem funciona como uma espeacutecie de

divisatildeo de jurisprudecircncias uma vez que traccedila uma linha divisoacuteria entre o que deve decidir

cada comunidade nacional e as questotildees que tecircm relevacircncia para necessitar uma soluccedilatildeo

homogecircnea ou seja as que demandam uma decisatildeo que harmonize a regulaccedilatildeo do direito e

suas garantias na comunidade internacional independentemente das diferenccedilas de tradiccedilotildees

ou culturas

Contreras89

afirma que os tratados regionais de direitos humanos embora contenham

escopos de universalidade em relaccedilatildeo a esses direitos satildeo acompanhados pela possibilidade

de peculiaridades geograacuteficas na execuccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos direitos do homem As cortes

internacionais tecircm a dificuldade de conciliar ou justificar a falta de conciliaccedilatildeo entre

diferenccedilas morais e normativas de cada regiatildeo Em razatildeo disso uma das criaccedilotildees doutrinaacuterias

mais importantes eacute a da margem nacional de apreciaccedilatildeo sendo esta para o autor um criteacuterio

interpretativo desenvolvido tanto como deferecircncia aos Estados para que possam regular o

conteuacutedo dos direitos e suas restriccedilotildees e para distribuir os poderes e niacuteveis de decisotildees

tomadas entre as autoridades domeacutesticas e internacionais

88

MAHORNEY Paul Marvellous richness diversity or individual cultural relativism In Human Rights Law

Journal Vol 19 nuacutem 1 30 de abril de 1998 p 1 89

CONTRERAS Pablo National Discretion and International Deference in the Restriction of Human Rights A

Comparison Between the Jurisprudence of the European and the Inter-American Court of Human Rights In

Northwestern Journal of International Human Rights Vol 11 2012 Disponiacutevel em

httpscholarlycommonslawnorthwesterneducgiviewcontentcgiarticle=1155ampcontext=njihr Acesso 01 nov

2014

43

Visiacutevel portanto que na doutrina natildeo haacute um contexto exato em relaccedilatildeo a essa figura

criada e aplicada na jurisprudecircncia do TEDH Enquanto para alguns estudiosos ela se

configura como uma doutrina para outros eacute um criteacuterio interpretativo ou hermenecircutico usado

pelos tribunais internacionais no sentido de revisar a decisatildeo de um Estado ou conceder

deferecircncia a este para julgar conforme o direito interno coadunado com os princiacutepios miacutenimos

existentes nos tratados internacionais de direitos humanos

Natildeo obstante a divergecircncia de conceituaccedilatildeo no campo teoacuterico analisar-se-aacute no

proacuteximo capiacutetulo alguns casos emblemaacuteticos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de apreciaccedilatildeo

pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos mais diferentes tema com o intuito de

responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel afirmar que do modo como eacute aplicada a

doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo pela Corte Europeia de Direitos do Homem

temos uma efetiva contribuiccedilatildeo para o processo de harmonizaccedilatildeo entre universal e relativo e

construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos

Embora a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo tenha nascido da tentativa de

produccedilatildeo de uma siacutentese entre o universal e o relativo no espaccedilo do sistema regional europeu

de proteccedilatildeo dos direitos humanos sua aplicaccedilatildeo praacutetica sobretudo pelo TEDH natildeo eacute imune a

criacuteticas Cumpre a esse capiacutetulo realizar notas acerca da aplicaccedilatildeo praacutetica da margem

nacional de apreciaccedilatildeo com o intuito de verificar se ela efetivamente contribui ou eacute capaz de

contribuir para a construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

Conforme afirmam Brum et Saldanha90

a MNA ao ser compreendida e utilizada como

uma forma de autocontrole por meio do qual o oacutergatildeo jurisdicional internacional evita o

enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas poliacutetica pode

representar um risco de fragilizaccedilatildeo do direito internacional dos direitos humanos caso seu

uso se torne indiscriminado sem criteacuterios claros e limites precisos Desta maneira seu uso em

vez de conduzir ao caminho de ordenaccedilatildeo do muacuteltiplo e de mundializaccedilatildeo dos direitos

90

BRUM Maacutercio Morais SALDANHA Jacircnia Maria Lopes A margem nacional de apreciaccedilatildeo e sua

(in)aplicaccedilatildeo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em mateacuteria de anistia Uma figura hermenecircutica a

serviccedilo do pluralismo ordenado In Anuario Mexicano de Derecho Internacional 2015(No prelo para

publicaccedilatildeo)

44

humanos levaria ao rumo contraacuterio da fragmentaccedilatildeo e reforccedilo da velha noccedilatildeo de soberania

marcada pela ausecircncia de compromisso dos Estados com os marcos protetivos miacutenimos do

direito internacional

Neste vieacutes portanto dentro ainda de um panorama geral de anaacutelise da postura do

Tribunal de Estrasburgo um dos primeiros pontos de criacutetica se relaciona ao enfraquecimento

da credibilidade do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos Na visatildeo de

alguns doutrinadores a postura da Corte Europeia na aplicaccedilatildeo irrestrita e sem limitaccedilotildees ou

uma sistematizaccedilatildeo teacutecnica em relaccedilatildeo aos casos em que deve ou natildeo ser aplicada pode gerar

um sentimento de descrenccedila na legitimidade e na eficaacutecia das decisotildees tomadas pelo oacutergatildeo

jurisdicional internacional do Conselho da Europa

Para alguns estudiosos o modo como a margem eacute aplicada reflete uma postura de

evitar o enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas

poliacuteticas Aleacutem de uma fragilizaccedilatildeo do sistema internacional de proteccedilatildeo aos direitos humanos

o uso da margem sem limites definidos pode levar ao reforccedilo da noccedilatildeo claacutessica de soberania

em que o compromisso dos Estados com os instrumentos normativos de direito internacional

era mitigado

No campo de aplicaccedilatildeo a casos praacuteticos eacute possiacutevel conforme assevera Roca91

visualizar as imprecisotildees praacuteticas e teoacutericas do uso da margem o que leva a dois resultados o

primeiro eacute a necessidade de criaccedilatildeo de esforccedilos com urgecircncia para melhor edificar e criar

paracircmetros para a aplicaccedilatildeo da ferramenta bem como que o demandante ou qualquer

observador perante a Corte natildeo saber com suficiente seguranccedila juriacutedica quando o Tribunal

de Estrasburgo vai usar a margem nem quais seratildeo os possiacuteveis resultados desse uso

Ainda segundo o autor a margem eacute um instrumento impreciso e de geometria

variaacutevel todavia eacute consenso entre os doutrinadores que a ferramenta natildeo eacute uma carta branca

aos Estados para fazerem o que quiserem sendo necessaacuteria depuraccedilatildeo teoacuterica para tornar o

instrumento mais preciso Seu uso impotildee como jaacute foi dito autocontenccedilatildeo por parte da Corte

tendo em vista que sua funccedilatildeo segundo o princiacutepio da subsidiariedade eacute somente de impor

estandartes miacutenimos comuns em mateacuteria de direitos humanos Entretanto o niacutevel de proteccedilatildeo

dos direitos dos direitos e das diversas foacutermulas para concretizaacute-los natildeo satildeo homogecircneos

diante de naccedilotildees com tradiccedilotildees juriacutedicas tatildeo diversas

Desta maneira no campo jurisprudencial com a finalidade de responder ao

questionamento feito no capiacutetulo anterior utilizar-se-aacute de modo conjunto as classificaccedilotildees das

91

ROCA op cit 125

45

decisotildees da Corte Europeia dos Direitos do Homem feitas por Contreras e por Roca Para o

primeiro doutrinador92

eacute possiacutevel dividir os casos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de

apreciaccedilatildeo pelo Tribunal de Estrasburgo em trecircs grandes grupos

O primeiro grupo abarca casos envolvendo direitos fundamentais e direitos poliacuteticos

dentre os quais se destacam a proibiccedilatildeo da tortura ou a liberdade de expressatildeo e associaccedilatildeo

Nesse primeiro grupo no que tange aos direitos fundamentais haacute rigorosa supervisatildeo por

parte do Tribunal Europeu negando qualquer margem nacional de apreciaccedilatildeo aos Estados

Ainda dentro deste conjunto no que concerne aos discursos poliacuteticos ou direito de partidos

poliacuteticos eacute por vezes concedida uma margem reduzida agraves autoridades domeacutesticas para

decisatildeo ou execuccedilatildeo de uma decisatildeo

O segundo grupo por sua vez relaciona-se aos direitos de propriedade em que a

Corte concede grande margem de deferecircncia aos Estados Isso porque o TEDH reconhece em

princiacutepio que as autoridades nacionais estatildeo melhor situadas do que o juiz internacional no

que tange a apreciaccedilatildeo acerca do melhor interesse de uma comunidade em relaccedilatildeo a poliacuteticas

envolvendo direitos de propriedade

Por fim o terceiro grupo eacute o mais complexo para a apreciaccedilatildeo do tipo de margem

concedida pelo Tribunal de Estrasburgo uma vez que conteacutem temas que natildeo apresentam

consenso por parte do Tribunal Deste modo neste grupo ficam evidentes as complexidades e

as vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis da MNA Casos como os de liberdade religiosa liberdade de

discurso direitos dos homossexuais dentre outros temas latentes e relevantes na paisagem

juriacutedica social e cultural europeia

Do mesmo modo Roca93

divide a margem nacional de apreciaccedilatildeo em trecircs ciacuterculos

concecircntricos tendo como base a natureza dos direitos cuja tutela eacute pleiteada junto ao oacutergatildeo

jurisdicional internacional do sistema europeu O primeiro ciacuterculo de Roca relaciona-se com o

segundo grupo de Contreras vez que trata dos direitos de propriedade que teriam uma

margem de deferecircncia ampla e um controle pouco intenso por parte da Corte Esse ciacuterculo

seria o maior e englobaria os demais

No ciacuterculo menor estariam os direitos vistos como absolutos pelo Tribunal Europeu

Dentre esses se destacam o direito agrave vida ou os direitos democraacuteticos que apresentam uma

margem de apreciaccedilatildeo pouco extensa juntamente com um controle restrito por parte da Corte

Europeia Este ciacuterculo identifica-se com o primeiro grupo anteriormente mencionado visto

92

CONTRERAS op cit p 35 93

ROCA op cit p 134

46

que trabalha com noccedilotildees de direitos fundamentais e poliacuteticos essenciais e miacutenimos para todos

os paiacuteses europeus

Por fim no espaccedilo intermediaacuterio entre esses dois ciacuterculos encontra-se uma esfera

meacutedia que relacionando-se com o terceiro grupo definido por Contreras contempla todos os

outros direitos em que alguma vez o Tribunal de Estrasburgo mencionou ou aplicou a margem

nacional de apreciaccedilatildeo Eacute justamente nesse ciacuterculo que devem ser desenvolvidos os

paracircmetros para guiar o uso da ferramenta pela Corte no intuito de reduzir a inseguranccedila

juriacutedica ocasionada pelo uso sem uma sistematizaccedilatildeo de criteacuterios

Eacute pertinente em um primeiro momento destacar que conforme ambos os

doutrinadores demonstram quando se mencionam direitos fundamentais ou vinculados agrave

princiacutepios democraacuteticos inaplicaacutevel eacute o uso da margem pela Corte ou se for feito eacute de forma

absolutamente restrita No caso dos direitos fundamentais interessante relembrar Baez94

que

ao buscar o conceito de direitos humanos concluiu que nenhuma fonte normativa existente

tanto em sistemas internacionais quanto nacionais ou regionais trazem a definiccedilatildeo de direitos

humanos Pelo contraacuterio soacute os exemplificam

Nesse sentido observou Baez95

que embora natildeo exista uma definiccedilatildeo precisa de

direitos humanos existem elementos baacutesicos que fazem parte desses e o elemento que eacute

citado em todos os instrumentos normativos sobre o tema eacute o de dignidade da pessoa humana

Os direitos humanos somente existem para realizaccedilatildeo e proteccedilatildeo da dignidade humana poreacutem

o conceito de dignidade eacute de tatildeo difiacutecil conceituaccedilatildeo quanto o conceito de direitos humanos

O autor conclui que a dignidade possui duas dimensotildees a dimensatildeo baacutesica a qual

corresponde aos limites miacutenimos e fundamentais para a existecircncia humana impedindo a

noccedilatildeo de coisificaccedilatildeo do ser Se houver portanto violaccedilatildeo agrave dimensatildeo baacutesica da dignidade da

pessoa humana haacute tambeacutem violaccedilatildeo dos direitos humanos A outra dimensatildeo eacute a cultural vez

que envolve o conjunto de valores que cada sociedade desenvolve

A primeira dimensatildeo refere-se agrave universalidade e a segunda que depende de fatores

culturais permite que os direitos humanos sejam morfologicamente assimeacutetricos Isso natildeo

deixa de se relacionar com o que Delmas-Marty fala acerca dos direitos humanos

inderrogaacuteveis ou seja que natildeo podem sofrer a incidecircncia de qualquer tipo de margem de

94

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos

humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da

UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em

httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014 95

Tal posicionamento de Narciso Leandro Xavier Baez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema

Internacional de Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de

19 e 20 de agosto de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado

ndash da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS

47

apreciaccedilatildeo Estes possuem a caracteriacutestica do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano

ou seja vinculam-se agrave noccedilatildeo da dimensatildeo baacutesica da dignidade da pessoa humana

Neste vieacutes eacute possiacutevel dizer que no que diz respeito aos direitos fundamentais a Corte

de certa forma apresenta certa relaccedilatildeo com as doutrinas apresentadas uma vez que em casos

em que existam registros de violaccedilotildees aos direitos humanos inderrogaacuteveis quais sejam os

que tem como cerne a dignidade humana baacutesica a Corte natildeo permite qualquer espeacutecie de

margem nacional de apreciaccedilatildeo Vejamos por exemplo o caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila96

julgado em 2006 O demandante perante o Tribunal de Estrasburgo foi um terrorista

venezuelano conhecido na deacutecada de 1970 condenado pelo Estado Francecircs agrave prisatildeo perpeacutetua

pelo assassinato em 1974 dois inspetores da poliacutecia francesa e um antigo companheiro

terrorista libanecircs

Saacutenchez recorreu agrave Corte Europeia arguindo violaccedilotildees do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo

Europeia dos Direitos do Homem (proibiccedilatildeo da tortura e tratamentos humanos degradantes) e

do artigo 13 do mesmo diploma legal (direito a um recurso efetivo) Embora no julgamento

tenha ficado decidido que natildeo houve violaccedilatildeo ao artigo 3ordm97

o posicionamento da Corte

permite asseverar que natildeo haacute margem nacional de deferecircncia aos Estados quando o assunto

for violaccedilatildeo de direitos humanos ou fundamentais inderrogaacuteveis ou cujo nuacutecleo central for a

dignidade baacutesica da pessoa humana Nesse sentido a Corte pontuou que mesmo nas

circunstacircncias mais difiacuteceis como a luta contra o terrorismo ou o crime organizado a

Convenccedilatildeo proiacutebe em termos absolutos a tortura ou tratamentos inumanos ou degradantes

Igualmente natildeo confere o Tribunal margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso de

violaccedilatildeo de direitos humanos nas condiccedilotildees degradantes das prisotildees de muitos paiacuteses do Leste

Europeu O caso Kalashnikov vs Ruacutessia98

julgado em 15 de julho de 2002 cujo fundamento

foi repetido em muitos outros casos envolvendo condiccedilotildees humanas degradantes nas prisotildees

apresenta a consideraccedilatildeo de que deficientes condiccedilotildees objetivas e estruturais de cumprimento

de pena podem constituir uma violaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo Europeia

96

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-

1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila Sentenccedila

de 04 de julho de 2006 Acesso 05 nov 2014 97

Artigo 3ordm Proibiccedilatildeo da tortura Ningueacutem pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos desumanos

ou degradantes CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS

LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 98

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-

1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Kalashnikov vs Ruacutessia Sentenccedila de 15

de julho de 2002 Acesso 05 nov 2014

48

Ainda pode-se destacar o caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria99

em que novamente o motivo

que serve de base para o pedido de julgamento do Tribunal de Estrasburgo eacute a violaccedilatildeo do

artigo 3ordf da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de que ningueacutem poderaacute ser

submetido a torturas nem a penas ou tratamentos humanos degradantes O caso em comento

referiu-se agrave prisatildeo do senhor Borislav Gutsanov membro do Partido Comunista preso pela

poliacutecia da Bulgaacuteria em sua casa na frente de seus filhos e de sua esposa durante as

investigaccedilotildees de esquemas de grupos criminosos Segundo o relato das partes demandantes

Gustsanovi foi rendido em sua casa por volta das seis horas da manhatilde forccedilado a se ajoelhar e

algemado em frente a seus filhos menores de idade

A decisatildeo da Corte foi a de considerar que houve violaccedilatildeo do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo

uma vez que se mostrou desnecessaacuterio o ato dos policiais e natildeo condizente com os princiacutepios

da proporcionalidade e com as exigecircncias de garantia de direitos fundamentais de um Estado

Democraacutetico de Direito Isso porque o demandante natildeo teria oferecido resistecircncia em sua

prisatildeo de modo que algemaacute-lo diante de sua famiacutelia representou uma espeacutecie de tratamento

humano degradante

Casos como os acima previstos mostram um padratildeo doutrinaacuterio e jurisprudencial

semelhante vez que natildeo se encontram referecircncias expressas a qualquer margem nacional de

apreciaccedilatildeo para as autoridades nacionais O TEDH determina se as provas colhidas satildeo

suficientes ou natildeo para provar o real risco de tortura ou de tratamento humano e

degradante100

Logo pelo fato de que a natureza dos direitos envolvidos nesse caso eacute considerada

como fundamental de imediato eliminam-se as possibilidades de deferecircncia aos Estados Tal

compreensatildeo eacute o que faz o uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo ser extremamente reduzido

no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos Isso porque ateacute hoje diferentemente do Tribunal de Estrasburgo a Corte

Interamericana teve como maioria de demandas apresentadas as envolvendo delitos

praticados pelos Estados Americanos durante as ditaduras militares ou civil militares em que

casos de tortura e desaparecimento forccedilados eram julgados ou seja casos envolvendo a

violaccedilatildeo de direitos fundamentais ou humanos em sua perspectiva eacutetica de dignidade humana

e natildeo cultural

99

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-126982itemid[001-126982] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria Sentenccedila de 15 de outubro de 2013

Acesso 05 nov 2014 100

CONTRERAS op cit p 41

49

Nesse aspecto visiacutevel que quando se tratam de possiacuteveis violaccedilotildees de direitos

humanos inderrogaacuteveis previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos

a anaacutelise feita pelo Tribunal de Estrasburgo eacute de revisatildeo minuciosa da sentenccedila proferida no

paiacutes de origem da demanda bem como a possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute

extremamente reduzida para natildeo falar inexistente No caso de direitos democraacuteticos a

deferecircncia quando concedida pela Corte possui um limite miacutenimo e consoante o princiacutepio da

proporcionalidade soacute eacute concedida se a restriccedilatildeo eacute necessaacuteria e condizente com uma sociedade

democraacutetica

Nos direitos democraacuteticos referidos abarca-se a participaccedilatildeo poliacutetica atraveacutes das

possibilidades de liberdade de associaccedilatildeo ou de discurso poliacutetico Neste campo dos direitos de

participaccedilatildeo poliacutetica em sociedades democraacuteticas a margem concedida pelo Tribunal de

Estrasburgo consoante se afirmou eacute reduzida e sujeita a um controle rigoroso por parte do

oacutergatildeo jurisdicional internacional

Destaca-se o caso Lingens vs Austria101

que por mais que tenha sido julgado na

deacutecada de 1980 pela Corte Europeia eacute emblemaacutetico em relaccedilatildeo ao posicionamento do

tribunal internacional acerca da liberdade de expressatildeo Nesse caso durante o periacuteodo anterior

agraves eleiccedilotildees na Aacuteustria o jornalista Lingens publicou dois artigos polecircmicos sobre os

candidatos incluindo em um desses artigos a informaccedilatildeo de que o entatildeo presidente do

Partido Liberal Nacional da Aacuteustria teria ligaccedilotildees no passado com o nazismo e com a SS

Contra o jornalista foi instaurado um processo penal e ao fim da instruccedilatildeo criminal

este fora condenado pelo delito de difamaccedilatildeo conforme as regras do direito penal austriacuteaco

Esgotadas as vias internas de recurso o jornalista demandou perante a Corte Europeia

alegando que houve por parte do Estado violaccedilatildeo do artigo 10 da Convenccedilatildeo Europeia

havendo censura em seu direito de expressar-se livremente O Estado por sua vez nas razotildees

apresentadas perante o tribunal internacional justificou a condenaccedilatildeo na convicccedilatildeo de

proteccedilatildeo da honra dos direitos de outrem

Frente a este embate o Tribunal de Estrasburgo reconheceu uma margem miacutenima de

deferecircncia agraves autoridades domeacutesticas no que concerne aos oacutergatildeos locais na avaliaccedilatildeo de uma

necessidade social imperiosa que justificaria a interferecircncia na liberdade de expressatildeo de

Lingens Entretanto ressaltou que essa deferecircncia seria seguida por uma riacutegida supervisatildeo

101

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lingens vs Austria Sentenccedila de 8 de julho de 1986 Acesso

05 nov 2014

50

internacional uma vez estar se tratando de direitos fundamentais para o bom funcionamento

de uma sociedade democraacutetica

Ainda nesse sentido o TEDH arguiu que a liberdade de debate poliacutetico eacute cerne da

democracia e considerar que qualquer ofensa ou notiacutecia acerca de uma pessoa puacuteblica seria

sempre difamaccedilatildeo poderia impedir a imprensa na realizaccedilatildeo de sua tarefa de fornecedora de

informaccedilotildees Deste modo aplicando de forma conjunta os princiacutepios da proporcionalidade e

da subsidiariedade o Tribunal de Estrasburgo decidiu que a condenaccedilatildeo fora desproporcional

ao objetivo legiacutetimo perseguido e constituiu uma violaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo no

acircmbito da Convenccedilatildeo Europeia

Tambeacutem merece anaacutelise o caso July and Sarl Libeacuteration vs France102

cuja sentenccedila

foi proferida em 2008 Neste caso o jornal francecircs Libeacuteration divulgou uma reportagem a

respeito das investigaccedilotildees da morte do juiz Bernard Borrel que em um primeiro momento

havia sido dada como suiciacutedio mas apoacutes a reabertura das investigaccedilotildees houve surgimento de

indiacutecios de morte por encomenda Apoacutes a divulgaccedilatildeo da reportagem contendo informaccedilotildees

acerca da participaccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos na morte do magistrado o diretor do jornal

Senhor July foi processado criminalmente pelo crime de difamaccedilatildeo e condenado pelo governo

francecircs

O TEDH em sua manifestaccedilatildeo asseverou que o caso em questatildeo trazia niacutetida

interferecircncia de autoridades puacuteblicas na liberdade de expressatildeo e essa interferecircncia caso natildeo

siga os requisitos do artigo 10103

da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos representa

clara violaccedilatildeo do direito de liberdade de expressatildeo Nessa situaccedilatildeo ainda a Corte faz uso de

uma triacuteade de requisitos descritos por Contreras104

para a concessatildeo da margem a) prescriccedilatildeo

legal - verificar se a restriccedilatildeo realizada pela autoridade domeacutestica foi autorizada ou pelo

102

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-85084itemid[001-85084] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso July and Sarl Libeacuteration vs France Sentenccedila de 14 de

fevereiro de 2008 Acesso 05 nov 2014 103

Artigo 10 Liberdade de expressatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de expressatildeo Este direito

compreende a liberdade de opiniatildeo e a liberdade de receber ou de transmitir informaccedilotildees ou ideias sem que

possa haver ingerecircncia de quaisquer autoridades puacuteblicas e sem consideraccedilotildees de fronteiras O presente artigo

natildeo impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusatildeo de cinematografia ou de televisatildeo a um

regime de autorizaccedilatildeo preacutevia 2 O exerciacutecio desta liberdades porquanto implica deveres e responsabilidades

pode ser submetido a certas formalidades condiccedilotildees restriccedilotildees ou sanccedilotildees previstas pela lei que constituam

providecircncias necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a integridade territorial ou a

seguranccedila puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral a proteccedilatildeo da

honra ou dos direitos de outrem para impedir a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees confidenciais ou para garantir a

autoridade e a imparcialidade do poder judicial CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS

DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 104

CONTRERAS op cit p 34

51

menos executada em conformidade com a lei b) objetivo legiacutetimo c) se a medida foi

necessaacuteria em uma sociedade democraacutetica

No caso pode ser feito o destaque para o trecho da sentenccedila em que analisando a

necessidade da medida de investigaccedilatildeo do crime de difamaccedilatildeo a Corte arguiu que a tarefa do

tribunal internacional no exerciacutecio de sua competecircncia de fiscalizaccedilatildeo natildeo eacute de tomar o lugar

das autoridades competentes mas sim rever as decisotildees que porventura violarem preceitos

previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem quando entregues ao poder de

apreciaccedilatildeo do Estado Deve entatildeo a Corte agrave luz do caso como um todo avaliar se a medida

tomada pelo Estado foi proporcional ao objetivo legiacutetimo perseguido e se os motivos

indicados pelas autoridades nacionais satildeo suficientes e relevantes Por tais motivos no caso

em questatildeo o TEDH declarou que houve violaccedilatildeo por parte do Estado Francecircs do direito de

liberdade de expressatildeo devendo este arcar com uma indenizaccedilatildeo agraves partes prejudicadas

Ainda dentro dessa esfera de atuaccedilatildeo mais precisamente no que concerne ao direito

democraacutetico de livre reuniatildeo e associaccedilatildeo previsto no artigo 11105

da Convenccedilatildeo Europeia o

destaque pode ser dado aos casos do Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia106

julgado em 2005 e Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia107

julgado em 2006 O primeiro deles

trata da questatildeo de dissoluccedilatildeo do Partido Comunista da Turquia ordenado pelo Tribunal

Constitucional do paiacutes sob as razotildees de que era incompatiacutevel com as obrigaccedilotildees

constitucionais e convencionais do Estado

Ao apreciar tal caso a Corte alegou que os partidos poliacuteticos satildeo estruturas essenciais

para o bom e justo funcionamento da democracia Embora natildeo negue certa margem de

deferecircncia aos Estados para que dissolvam partidos poliacuteticos que poderiam tentar minar a

estrutura constitucional do Estado tal decisatildeo se executada pode sofrer revisatildeo se natildeo

105

Artigo 11 Liberdade de reuniatildeo e de associaccedilatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo

paciacutefica e agrave liberdade de associaccedilatildeo incluindo o direito de com outrem fundar e filiar-se em sindicatos para a

defesa dos seus interesses 2 O exerciacutecio deste direito soacute pode ser objeto de restriccedilotildees que sendo previstas na

lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a seguranccedila

puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral ou a proteccedilatildeo dos direitos

e das liberdades de terceiros O presente artigo natildeo proiacutebe que sejam impostas restriccedilotildees legiacutetimas ao exerciacutecio

destes direitos aos membros das forccedilas armadas da poliacutecia ou da administraccedilatildeo do Estado CONVENCcedilAtildeO

EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS

1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 106

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia

Sentenccedila de 2005 Acesso 05 nov 2014 107

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia Sentenccedila de 15 de

julho de 2006 Acesso 05 nov 2014

52

adequar-se agraves previsotildees da Convenccedilatildeo Europeia Logo o Tribunal embora tenha feito a

ressalva de que podem os Estados dissolver partidos poliacuteticos na situaccedilatildeo afirmou que houve

violaccedilatildeo dos direitos de liberdade de associaccedilatildeo visto que natildeo havia qualquer indiacutecio de que

o partido por ter ideal comunista poderia colocar em risco a estrutura do Estado

Da mesma forma o caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia que envolve o direito

de liberdade sindical Na situaccedilatildeo o Governo turco justifica o fechamento de sindicatos com

base em previsotildees da legislaccedilatildeo trabalhista interna a qual natildeo permite que funcionaacuterios criem

sindicatos A Corte na anaacutelise da situaccedilatildeo tambeacutem asseverou que houve violaccedilatildeo do artigo

11 mesmo que neste existam ressalvas em relaccedilatildeo agrave liberdade de associaccedilatildeo de membros das

Forccedilas Armadas da Poliacutecia e da Administraccedilatildeo do Estado Contudo essas limitaccedilotildees devem

ser interpretadas pelos Estados dentro da sua margem de apreciaccedilatildeo de maneira restrita

Se esses casos expostos ilustram exemplos de margem nacional de apreciaccedilatildeo

reduzida ou inexistente o polo oposto envolve os direitos concernentes agrave propriedade para os

quais a Corte Europeia possui entendimento de que a margem de deferecircncia agraves autoridades

domeacutesticas deve ser maior e mais elaacutestica bem como a supervisatildeo por parte do Tribunal

Internacional deve ser menor e relativizada Isso porque as autoridades nacionais em uma

concepccedilatildeo semelhante agrave de juiz natural no processo estariam mais bem situadas que o juiz

internacional para avaliar qual eacute o interesse geral de uma comunidade nessa seara108

A proteccedilatildeo internacional dos direitos de propriedade encontra-se no artigo 1ordm109

do

Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo de Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades

Fundamentais Jaacute na previsatildeo normativa encontra-se a prerrogativa de que qualquer pessoa

singular ou coletiva tem direito ao respeito de seus bens natildeo podendo haver privaccedilatildeo da

propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica ou por condiccedilotildees previstas em lei Desta maneira

as demandas soacute seratildeo revistas pela Corte caso implicarem violaccedilatildeo expliacutecita a esse artigo

Segundo Roca110

a jurisprudecircncia internacional definiu que a previsatildeo normativa

anteriormente destacada segue trecircs criteacuterios em primeiro lugar deve ser respeitado o direito

ao respeito e gozo paciacutefico dos bens dos indiviacuteduos Na sequecircncia a segunda regra

108

CONTRERAS op cit p 40 109

Artigo 1 Proteccedilatildeo da propriedade Qualquer pessoa singular ou coletiva tem direito ao respeito dos seus bens

Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas

pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo

do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso

dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees

ou de multas CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS

LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 110

ROCA op cit p 127

53

compreende uma garantia contra a privaccedilatildeo ilegal ou seja somente poderaacute haver

expropriaccedilatildeo ou privaccedilatildeo da propriedade em casos de utilidade puacuteblica e de acordo com

condiccedilotildees legalmente previstas Por fim o terceiro paracircmetro eacute a possibilidade de o Estado

estabelecer restriccedilotildees ao direito de propriedade tendo por base a prevalecircncia do interesse

puacuteblico sobre o privado

Logo sob a base desses criteacuterios e de alguns casos jaacute julgados pelo oacutergatildeo jurisdicional

internacional eacute possiacutevel asseverar que a margem de apreciaccedilatildeo concedida aos paiacuteses eacute larga

quando se estaacute diante dos direitos de propriedade No caso Back vs Finlacircndia111

de 2004 que

trata de noccedilotildees de utilidade puacuteblica em casos de expropriaccedilatildeo haacute o reforccedilo da noccedilatildeo de

subsidiariedade da Corte Europeia com o entendimento de que esta deve respeitar as decisotildees

das autoridades nacionais soacute sendo possiacutevel e viaacutevel a intervenccedilatildeo se o juiacutezo for

manifestamente desprovido de bases racionais

Por fim poreacutem natildeo menos importante aborda-se o uacuteltimo grupo de jurisprudecircncias da

Corte Europeia de Direitos Humanos que pode ser enquadrado no que Roca determina como

ciacuterculo mediano vez que conteacutem temas em que o posicionamento do Tribunal de Estrasburgo

em relaccedilatildeo agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute oscilante Eacute nesse grupo que pode ser

visualizada toda a complexidade da margem e suas vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis em casos

semelhantes envolvendo por exemplo liberdade religiosa direito de homossexuais e

transexuais e outros temas

Justamente nesse ciacuterculo que natildeo apresenta por parte dos doutrinadores jaacute referidos no

capiacutetulo anterior um criteacuterio de unificaccedilatildeo se apresenta o embate entre o universalismo de

alguns direitos previstos nos marcos normativos internacionais de direitos humanos ndash com

destaque para a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos ndash e o relativismo relativo a noccedilotildees

religiosas e culturais que compotildeem a identidade dos diferentes povos europeus

Nesse aspecto no que tange agrave liberdade religiosa a qual eacute prevista pelo artigo 9ordm112

da

CEDH temos duas decisotildees emblemaacuteticas do Tribunal de Estrasburgo o caso Lautsi vs

111

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-114486itemid[001-114486] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Back vs Finlacircndia Sentenccedila de 13 de novembro de 2002

Acesso 05 nov 2014 112

Artigo 9 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de pensamento de consciecircncia e de religiatildeo este direito

implica a liberdade de mudar de religiatildeo ou de crenccedila assim como a liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou a

sua crenccedila individual ou coletivamente em puacuteblico e em privado por meio do culto do ensino de praacuteticas e da

celebraccedilatildeo de ritos 2 A liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou convicccedilotildees individual ou coletivamente natildeo

pode ser objeto de outras restriccedilotildees senatildeo as que previstas na lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa

sociedade democraacutetica agrave seguranccedila puacuteblica agrave proteccedilatildeo da ordem da sauacutede e moral puacuteblicas ou agrave proteccedilatildeo dos

direitos e liberdades de outrem CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO

54

Itaacutelia113

julgado em 2011 e o caso Leyla Sahin vs Turquia114

julgado em 2005 Isso porque

nesses casos respectivamente o TEDH referendou as normas que impotildeem a presenccedila de

crucifixos nas escolas puacuteblicas italianas e natildeo opocircs objeccedilotildees a restriccedilotildees estatais concernentes

ao uso do veacuteu islacircmico no contexto educativo

No primeiro caso o TEDH retificou a decisatildeo da Corte Constitucional Italiana que

em 2009 havia estabelecido por unanimidade que a norma italiana a qual impunha desde a

deacutecada de 1920 a presenccedila de crucifixo nas paredes de escolas puacuteblicas havia violado o direito

da senhora Lautsi a educar seus filhos conforme suas convicccedilotildees laicas e liberdade religiosa

Portanto o Tribunal italiano argumentou que a manutenccedilatildeo de um siacutembolo religioso em salas

de aula de uma escola puacuteblica poderia perturbar emocionalmente os estudantes que natildeo

professassem religiatildeo alguma a ter a percepccedilatildeo de que o contexto educativo estava marcado

pela religiatildeo

Para retificar tal sentenccedila o TEDH argumentou por uma valoraccedilatildeo abstrata de

compatibilidade entre a norma italiana que permitia o uso de crucifixos nas escolas puacuteblicas e

os direitos convencionais sendo que a margem nacional de apreciaccedilatildeo foi aplicada para essa

valoraccedilatildeo da norma italiana Em primeiro lugar o Tribunal Europeu matizou quais satildeo as

exigecircncias convencionais de neutralidade religiosa na educaccedilatildeo indicando que se proiacutebe o

proselitismo ou a adoccedilatildeo no marco educativo de algo compatiacutevel com o estabelecimento de

o ensino obrigatoacuterio de uma religiatildeo ou a imposiccedilatildeo de uma religiatildeo no ensino puacuteblico

O crucifixo no entendimento do TEDH eacute um siacutembolo religioso passivo cuja

influecircncia natildeo se compara a que exercem a educaccedilatildeo religiosa ou a participaccedilatildeo em atividades

religiosas Logo a percepccedilatildeo subjetiva de que o crucifixo supotildee uma ausecircncia de respeito ao

direito de liberdade religiosa natildeo basta para considerar que tenha havido uma violaccedilatildeo agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Para o TEDH portanto sempre que natildeo exista

a pretensatildeo de doutrinar o Estado goza de margem de deferecircncia para decidir sobre a

permanecircncia dos crucifixos em sala de aula

HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 113

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-104040itemid[001-104040] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lautsi vs Italia Sentenccedila de 18 de marccedilo de 2011 Acesso 05

nov 2014 114

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-70956itemid[001-70956] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Leyla Sahin vs Turquia Sentenccedila de 10 de novembro de

2005 Acesso 05 nov 2014

55

No caso Leyla Sahin de proibiccedilatildeo do uso do veacuteu islacircmico por uma jovem no recinto

de sua universidade para o TEDH os Estados tecircm autonomia para limitar o uso do veacuteu em

locais como escolas puacuteblicas ou universidades Para referendar essa restriccedilatildeo agrave liberdade

religiosa o Tribunal Europeu admitiu o uso da margem de apreciaccedilatildeo por parte do Estado em

razatildeo da ausecircncia de um consenso europeu sobre a mateacuteria somado agrave ideia de que as

autoridades nacionais podem lidar melhor com o assunto por estarem mais perto das

realidades nacionais do que o oacutergatildeo jurisdicional internacional

Para o TEDH desta forma a opccedilatildeo poliacutetica de um Estado pelo laicizismo pode

justificar restriccedilotildees agrave liberdade religiosa e exigir sacrifiacutecios aos indiviacuteduos em prol da

harmonia religiosa do paiacutes Embora portanto haja restriccedilatildeo da liberdade individual religiosa

no caso em questatildeo a proibiccedilatildeo natildeo viola a CEDH

A aplicaccedilatildeo dos princiacutepios da subsidiariedade e da proporcionalidade bem como a

falta de consenso na Europa acerca de questotildees como as apresentadas marcaram o

posicionamento do TEDH na concessatildeo de margem de deferecircncia aos Estados no que

concerne agrave liberdade religiosa A grande criacutetica contudo reside na falta de criteacuterios

especiacuteficos e de clareza no uso da ferramenta

Neste uacuteltimo grupo portanto vislumbra-se o que Kratochivil115

menciona como

ldquomedida misteriosardquo ou seja natildeo existem paracircmetros ou criteacuterios especiacuteficos para a aplicaccedilatildeo

da margem Pelo contraacuterio haacute falta de clareza e de limites demonstrando que a banalizaccedilatildeo

do uso da MNA liquidifica sua substacircncia e pode gerar inseguranccedila juriacutedica aos litigantes

Sob essa oacutetica no campo de direitos inderrogaacuteveis como eacute o caso dos direitos que compotildeem

esse uacuteltimo grupo a consideraccedilatildeo de Vila116

merece destaque

Segundo a autora nesse campo que envolve relativismos culturais a postura do TEDH

varia entre a adoccedilatildeo de uma versatildeo voluntarista de MNA ou a adoccedilatildeo de uma versatildeo

racionalista A primeira se centra no direito de que o Tribunal de Estrasburgo eacute um oacutergatildeo

internacional e assume uma visatildeo normativa e natildeo meramente temporal ou procedimental

acerca do princiacutepio da subsidiariedade Por isso o TEDH reconhece que sua legitimidade

poliacutetica eacute meramente derivada e outorga uma presunccedilatildeo em favor do Estado evitando realizar

uma valoraccedilatildeo independente de compatibilidade entre as medidas impugnadas e o convecircnio

Esta presunccedilatildeo soacute eacute rompida quando haacute razotildees fortes para concluir que o Estado extrapolou o

exerciacutecio de sua autonomia Sob a oacutetica desta concepccedilatildeo fatores como a falta de consenso

115

KRATOCHVIL op cit p 330 116

VILA op cit p 10

56

europeu ou a ideia de que os Estados situam-se em um local melhor apropriado para decidir

adquirem importacircncia por razotildees de legitimidade institucional

Entretanto a oacutetica racionalizada de MNA percebe a ferramenta como um resultado de

efetuar um balanccedilo entre os valores que estatildeo em jogo na proteccedilatildeo dos direitos convencionais

mais do que uma presunccedilatildeo de partida em favor do Estado O TEDH centra-se em examinar

se a medida estatal impugnada consegue alcanccedilar um balanccedilo equitativo entre direitos

individuais e valores democraacuteticos A finalidade natildeo eacute justificar a deferecircncia mas reconhecer

de modo equilibrado os valores democraacuteticos no seio da CEDH

Sobretudo neste uacuteltimo grupo analisado ao qual aqui somente satildeo trazidos casos em

relaccedilatildeo agrave liberdade religiosa (artigo 9ordm da CEDH) concentram-se as criacuteticas em relaccedilatildeo agrave

falta de paracircmetros do TEDH para deferir ou natildeo uma margem de apreciaccedilatildeo aos Estados

Essa variabilidade eacute por alguns117

definida como um ponto negativo de falta de definiccedilatildeo de

criteacuterios o que pode levar a uma margem larga ou a uma margem estreita A primeira poderia

conduzir ao processo de fragmentaccedilatildeo do espaccedilo europeu enquanto a segunda poderia forccedilar

a integraccedilatildeo sob o domiacutenio de uma concepccedilatildeo moderna de direitos humanos pautada pelo

liberalismo e individualismo

Deste modo duas respostas podem ser concedidas agrave pergunta cerne deste trabalho a

margem constitui-se em um instrumento eficaz no processo de construccedilatildeo de um direito

comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa uma vez que sob a perspectiva eacutetica

destes direitos o TEDH preza pela preservaccedilatildeo do irredutiacutevel humano e dos direitos

inderrogaacuteveis e absolutos da pessoa humana Prova disso eacute a ausecircncia ou a miacutenima margem

que eacute concedida para casos envolvendo tortura ou tratamentos humanos degradantes ou

violaccedilatildeo de direitos democraacuteticos

No entanto a ausecircncia de paracircmetros e de criteacuterios por parte do Tribunal de

Estrasburgo (ausecircncia constatada por diversos doutrinadores trazidos ao longo deste trabalho

e exemplificada de modo sinteacutetico atraveacutes da anaacutelise de casos emblemaacuteticos envolvendo

liberdade religiosa) no julgamento de direitos humanos quando vinculados a questotildees

culturais demonstram que no campo praacutetico ainda haacute muito para avanccedilar no processo de

siacutentese entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo dos direitos culturais

117

BRUM et SALDANHA Op cit

57

CONCLUSAtildeO

Slavoj Zizek118

certa vez afirmou que o papel do filoacutesofo natildeo eacute o de propor iniciativas

capazes de mudar o mundo ou as situaccedilotildees em curso mas de observar e interpretar a realidade

que eacute posta A pretensatildeo deste trabalho natildeo difere da conceituaccedilatildeo de filoacutesofo por Zizek Isso

porque em nenhum momento busca-se apresentar alternativas fortes para resolver problemas

postos mas sim almeja-se observar sob um amplo espectro os reflexos da mundializaccedilatildeo

dentro do Direito e de modo especiacutefico como atua o Tribunal Europeu dos Direitos do

Homem no que concerne agrave aplicaccedilatildeo da figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

Aos mais observadores da realidade que se apresenta eacute impossiacutevel negar que na atual

conjuntura da sociedade informacional a proliferaccedilatildeo exacerbada e anaacuterquica de normas e

instituiccedilotildees juriacutedicas gera uma sensaccedilatildeo de caos e de desordem que clama por uma ordenaccedilatildeo

Embora esse verdadeiro mosaico em que se transformou o Direito na atualidade possa ser

vislumbrado em acircmbito global uma anaacutelise mais apurada de uma parte do todo em

especiacutefico da Europa se mostra pertinente para avaliar as possibilidades de construccedilatildeo de um

pluralismo ordenado

A base possiacutevel desse pluralismo ordenado invariavelmente eacute um direito comum cujo

alicerce se encontra nos direitos humanos No contexto europeu de convivecircncia simultacircnea

de uma ldquopequena Europardquo e de uma ldquogrande Europardquo embora o direito comunitaacuterio jaacute tenha

se consolidado sendo um modelo sui generis para todo o globo ainda eacute preciso avanccedilar no

acircmbito da ldquogrande Europardquo ou do sistema regional europeu dos direitos do homem para a

criaccedilatildeo de um direito comum

Nesse sentido parece indiscutiacutevel que a base de um direito comum europeu seja

alicerccedilada na proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua dimensatildeo moral miacutenima ou no que

Delmas denomina de miacutenimo eacutetico universal e irredutiacutevel humano Logo a universalizaccedilatildeo

almejada natildeo tem como objetivo impor referecircncias de uma cultura sobre as demais e sim o

diaacutelogo entre as diferentes particularidades existentes no seio das diversas sociedades que

convivem na Europa a fim de encontrar o que haacute de valores comuns em todas elas

Todavia por mais que a premissa seja de faacutecil compreensatildeo os embates entre

universalismos e relativismos culturais estatildeo na ordem do dia na agenda do Tribunal de

Estrasburgo de modo que um dos temais mais debatidos atualmente no continente se refere

118

ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo Boitempo 2008

58

ao uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo por este tribunal a fim de conferir deferecircncia aos

Estados em algumas mateacuterias para decidir acerca de questotildees sensiacuteveis

O objetivo do presente trabalho foi o de analisar essa ferramenta hermenecircutica de

origem europeia sob a oacutetica de caos juriacutedico anteriormente apresentado De acordo com o que

fora apurado e estudado chegou-se a conclusatildeo de que o uso dessa doutrina contribui ainda

que de modo tiacutemido para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema europeu

Isso porque quando se tratam de temas concernentes agrave tortura a tratamentos humanos

degradantes a penas desproporcionais ou ainda a direitos democraacuteticos a Corte opta por

definir um entendimento que deve ser aplicado em todos os paiacuteses independentemente de

especificidades culturais Estariacuteamos proacuteximos portanto de uma definiccedilatildeo de direitos

humanos inderrogaacuteveis ou de um miacutenimo eacutetico universal proposto por Delmas e jaacute idealizado

por Kant em sua premissa de direito cosmopoliacutetico

No que tange ao restante dos direitos humanos em uma dimensatildeo cultural pode-se

dizer que a teoria da margem traduz uma ideia de que estaacute eacute capaz de harmonizar o

universalismo dos direitos humanos e o pluralismo advindo das diversidades culturais e

religiosas dos paiacuteses europeus Entretanto consoante a anaacutelise de posiccedilotildees doutrinaacuterias acerca

da utilizaccedilatildeo praacutetica do instituto pelo Tribunal de Estrasburgo bem como o embate

paradigmaacutetico de julgados envolvendo liberdade religiosa parece inevitaacutevel a conclusatildeo de

que como meacutetodo de harmonizaccedilatildeo entre plural e universal o oacutergatildeo jurisdicional

internacional do sistema europeu ainda tem muito a evoluir sobretudo na definiccedilatildeo de

paracircmetros e criteacuterios para servir de norte baacutesico em relaccedilatildeo aos mais diversos casos

59

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ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo

Boitempo 2008

8

INTRODUCcedilAtildeO

No iniacutecio do seacuteculo XX Hans Kelsen1 em ldquoTeoria Pura do Direitordquo defendeu a tese de

que para entender a ciecircncia juriacutedica era necessaacuterio observaacute-la de modo dissociado de outras

ciecircncias O autor propocircs a compreensatildeo do direito a partir da famosa piracircmide kelseniana a

norma fundamental ndash a Constituiccedilatildeo ndash estaria no topo da piracircmide e seria capaz de dotar de

validade o restante do ordenamento juriacutedico Abaixo desta norma fundamental estariam as

demais leis e regras do direito sendo que tal formulaccedilatildeo estagnada e sistemaacutetica da ordem

juriacutedica adequava-se aos anseios de organizaccedilatildeo de uma sociedade industrial

Todavia por trabalhar com conflitos sociais o direito natildeo fica alheio agraves vicissitudes

do seacuteculo XX sendo que a Europa apresenta-se como um importante laboratoacuterio de

observaccedilatildeo de mudanccedilas Apoacutes a Segunda Guerra Mundial emergem na sociedade poacutes-

industrial e posteriormente informacional novas estruturas juriacutedicas que natildeo mais satildeo

capazes de se adequar agrave inflexiacutevel loacutegica hieraacuterquica kelseniana Estamos na era do que

Losano2denomina de ldquodireito turbulentordquo que se move se agita e muda de modo veloz assim

como a sociedade que o cerca embora natildeo tatildeo rapidamente quanto esta sociedade

Em razatildeo disso novas geometrias satildeo criadas para tentar explicar o panorama juriacutedico

da sociedade atual Na Europa por exemplo em que temos convivendo sistemas juriacutedicos de

origens e de ordens diversas ndash sistema internacional nacional supranacional ndash autores

determinam que se vive o tempo do Estado em Rede3ou dos aneacuteis disformes com a

proximidade de guirlandas4 ocasionando ao mais despercebido leitor da realidade um

sentimento de caos juriacutedico

Nesse sentido eacute possiacutevel destacar o pensamento de Mireille Delmas-Marty5 que

revoluciona o pensamento de Kelsen Segundo ela essa falta de sistematizaccedilatildeo

aparentemente anaacuterquica eacute solo feacutertil para a construccedilatildeo de um direito comum pluralista em

1 KELSEN Hans Teoria Pura do Direito Traduccedilatildeo de Joatildeo Baptista Machado Satildeo Paulo Martins Fontes

1996 2 LOSANO Mario G Modelos teoacutericos inclusive na praacutetica da piracircmide agrave rede Novos paradigmas nas

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5 Id 2004a

9

mateacuteria de direitos humanos A sociedade em tempos de globalizaccedilatildeo precisa resistir ao

processo de desumanizaccedilatildeo e de coisificaccedilatildeo do homem de modo que a base para a

construccedilatildeo desse direito comum pluralista devem ser os direitos humanos

Sob a oacutetica europeia que seraacute aqui analisada por ser um importante referencial para os

estudos das mudanccedilas sociais e juriacutedicas dos seacuteculos XX e XXI de que direitos humanos

referimo-nos para ser a base de um direito comum Em um continente tatildeo muacuteltiplo e plural

como realizar o diaacutelogo positivo entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo

das diferentes culturas

Sob esta oacutetica emerge a figura central desse estudo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

(MNA) bem como sua contribuiccedilatildeo para a construccedilatildeo de um direito comum e para a

harmonizaccedilatildeo entre universalismo e relativismo no contexto da Europa Este recurso

hermenecircutico denominado Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo trata-se de uma construccedilatildeo

jurisprudencial criada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante tambeacutem

referido como Tribunal de Estrasburgo) com a finalidade de conferir algum espaccedilo de

deferecircncia para que os tribunais nacionais dos Estados possam decidir algumas questotildees

consoante suas particularidades locais

Embora esta seja a teoria sob a qual se alicerccedila o instituto almeja-se neste trabalho

responder os seguintes questionamentos a doutrina da MNA aplicada pelo Tribunal Europeu

dos Direitos Humanos contribui para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema

europeu de proteccedilatildeo dos direitos do homem Em sua aplicaccedilatildeo praacutetica a margem se mostra

como um recurso eficaz para harmonizar o universalismo dos direitos humanos e o pluralismo

advindo das diversidades culturais e religiosas dos diferentes paiacuteses que fazem parte do

Conselho da Europa

Para responder tal questionamento utilizou-se o meacutetodo dedutivo como meacutetodo de

abordagem e o meacutetodo monograacutefico de procedimento atraveacutes da leitura e fichamento das

diferentes construccedilotildees teoacutericas e doutrinaacuterias sobre o tema bem como anaacutelise de alguns

julgamentos paradigmaacuteticos do Tribunal de Estrasburgo Para melhor compreensatildeo da

complexidade do tema trabalhado dividiu-se esta monografia em duas grandes partes a parte

1 se ocupa da paisagem europeia no poacutes-Segunda Guerra Mundial com a criaccedilatildeo da ldquopequena

Europardquo do direito comunitaacuterio e da ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos

direitos humanos avaliando em ambos os cenaacuterios de que modo se deu a preocupaccedilatildeo com a

temaacutetica dos direitos humanos ou fundamentais (11)

Por conseguinte no intuito de aprofundar o estudo sobre a possibilidade de criaccedilatildeo de

um direito comum no contexto da ldquogrande Europardquo buscou-se uma anaacutelise das novas

10

geometrias da paisagem juriacutedica e do tipo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos que se

procura dentro desse cenaacuterio avaliando por conseguinte o surgimento da figura da MNA

(12) A parte 2 por sua vez objetiva a anaacutelise pura do instituto da Margem Nacional de

Apreciaccedilatildeo averiguando o histoacuterico de sua criaccedilatildeo e as definiccedilotildees acerca de seu conceito

(21) para na sequecircncia avaliar a partir da anaacutelise de alguns julgamentos paradigmaacuteticos do

Tribunal de Estrasburgo se tal ferramenta hermenecircutica se demonstra eficaz no processo de

harmonizaccedilatildeo das tensotildees entre universalismo e relativismos e se pode ser relevante no

processo de criaccedilatildeo de um direito comum cuja base satildeo os direitos humanos (22)

11

1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM

DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS

O seacuteculo XX trouxe mudanccedilas significativas para os mais diversos segmentos da vida

social e o direito natildeo ficou alheio agraves vicissitudes decorrentes do poacutes-Segunda Guerra Mundial

O continente europeu sobretudo passa a ser o cenaacuterio de revoluccedilotildees na estrutura juriacutedica ateacute

entatildeo conhecida com o surgimento praticamente concomitante de instituiccedilotildees supranacionais

e internacionais para aleacutem das nacionais

Neste vieacutes uma das preocupaccedilotildees primordiais do poacutes-guerra foi a de garantir a tutela

dos direitos humanos mesmo diante das mudanccedilas latentes no cenaacuterio juriacutedico Desta feita

deparamo-nos com duas esferas dentro do cenaacuterio europeu a ldquopequena Europardquo que origina

um direito comunitaacuterio europeu o qual mesmo tendo se ocupado com questotildees relativas agrave

economia e agrave integraccedilatildeo regional desenvolve a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais

atraveacutes do diaacutelogo jurisprudencial entre cortes de naturezas distintas e a ldquogrande Europardquo do

sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos espaccedilo haacutebil e possiacutevel para ser base de

criaccedilatildeo de um direito comum (11) Da evoluccedilatildeo de um campo ao outro a premissas de

universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo buscam

legitimar e consolidar a criaccedilatildeo desse direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

(12)

11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave

criaccedilatildeo de um direito comum

O historiador britacircnico Eric Hobsbawn6 talvez tenha encontrado a melhor adjetivaccedilatildeo

para o seacuteculo XX a ldquoEra dos Extremosrdquo Nas palavras do proacuteprio autor ldquoNatildeo sabemos o que

6 HOBSBAWN Eric A era dos extremos o breve seacuteculo XX 1941-1991 Satildeo Paulo Companhia das Letras

1995

12

viraacute a seguir nem como seraacute o segundo milecircnio embora possamos ter a certeza de que ele

teraacute sido moldado pelo Breve Seacuteculo XXrdquo7

Nesse sentido a Segunda Guerra Mundial representa o marco crucial natildeo soacute para a

preocupaccedilatildeo global em relaccedilatildeo aos direitos humanos8 com a criaccedilatildeo e fortalecimento de uma

grande quantidade de instrumentos normativos responsaacuteveis por sua tutela em acircmbito

mundial como tambeacutem para o surgimento de uma nova Europa Apoacutes o teacutermino da guerra

que teve como palco principal de seus acontecimentos o continente europeu diversos paiacuteses

se encontravam em uma situaccedilatildeo de caos politico fragmentaccedilatildeo e enfraquecimento

econocircmico aleacutem do perigo iminente de eclosatildeo de uma nova disputa de proporccedilotildees mundiais

advinda da dicotomia entre capitalismo e socialismo na entatildeo incipiente Guerra Fria

Eacute nesse contexto que emerge a ideia de criaccedilatildeo de um espaccedilo comum europeu

consubstanciado atraveacutes da integraccedilatildeo regional entre os paiacuteses do continente Ainda no inicio

do seacuteculo XX eacute possiacutevel destacar a ocorrecircncia de propostas relativamente concretas para a

integraccedilatildeo europeia como eacute o caso da proposta do francecircs Aristides Briand em 1929 de

criaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia sob a oacutetica de uma federaccedilatildeo ou seja fundada sob uma

noccedilatildeo de uniatildeo o que implica o respeito agrave soberania9 Todavia a crise econocircmica mundial a

ascensatildeo de nacionalismos na Europa e por fim a eclosatildeo da segunda grande guerra

obstaculizaram a adesatildeo a essa proposta

O cenaacuterio do poacutes-guerra de desintegraccedilatildeo social e miseacuteria econocircmica em grande parte

dos paiacuteses envolvidos gerou a instalaccedilatildeo do Congresso da Europa em Haia nas datas de 7 a

11 de maio de 1948 no qual houve a criaccedilatildeo do ldquoMovimento Europeurdquo No referido

congresso duas correntes foram estabelecidas as quais impulsionaram o surgimento da

ldquopequena Europardquo10

e da ldquogrande Europardquo respectivamente a Europa dos federalistas e a

7 Ibid p14

8 Pode-se nesse sentido destacar a descriccedilatildeo de Valeacuterio Mazzuoli de que desde a Segunda Guerra Mundial em

decorrecircncia dos horrores e atrocidades cometidos durante esse periacuteodo em que muitas vidas eram consideradas

como nuacutemeros e valiam tatildeo pouco os direitos humanos passaram a constituir um dos principais temas do Direito

Internacional contemporacircneo A normatividade internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos foi conquistada

por meio de lutas histoacuterias contiacutenuas e incessantes e consubstanciada em diversos tratados concluiacutedos com esse

propoacutesito tendo sido fruto de um lento e gradual processo de internacionalizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo desses

mesmos direitos o qual fora intensificado com o fim da Segunda Guerra Mundial MAZZUOLI Valeacuterio de

Oliveira Curso de Direito Internacional Puacuteblico 5 ed Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 811 9 SILVA Karine de Sousa Uniatildeo Europeia antecedentes e evoluccedilatildeo histoacuterica In SILVA Karine de Souza

COSTA Rogeacuterio Santos da(Org) Organizaccedilotildees Internacionais de Integraccedilatildeo Regional Uniatildeo Europeia

Mercosul e UNASUL Florianoacutepolis Ed Da UFSC Fundaccedilatildeo Boiteux 2013 p 54 10

Doravante por ldquopequena Europardquo estar-se-aacute referindo aos paiacuteses participantes da Uniatildeo Europeia sujeitos

portanto agraves decisotildees das instituiccedilotildees da Uniatildeo dentre as quais se destaca o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo

Europeia ldquoGrande Europardquo por sua vez refere-se aos paiacuteses que aderiram ao Conselho da Europa que hoje

somam um total de 47 (quarenta e sete) membros e que se submetem agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal Europeu de

Direitos Humanos PRINO Carla Sofia Abreu Relaccedilotildees entre TJUE e TEDH no contexto de adesatildeo da UE agrave

13

Europa dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental11

Os primeiros defendiam uma

integraccedilatildeo mais profunda entre os paiacuteses com transferecircncia de parcela de soberania dos

Estados para uma instituiccedilatildeo com poderes supranacionais sendo esta a base para a criaccedilatildeo da

Comunidade Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) Os segundos por sua vez se opunham agrave

cessatildeo de direitos soberanos impulsionando com seus ideais a criaccedilatildeo em 1949 do

Conselho da Europa com sede em Estrasburgo

Natildeo obstante essa divisatildeo surgida no Congresso da Europa eacute possiacutevel afirmar que a

base de construccedilatildeo da atual Uniatildeo Europeia deu-se com a criaccedilatildeo da Comunidade Europeia

do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) movida pelos ideais integracionistas do francecircs Jean Monnet

Contratado no poacutes-guerra para participar do Plano de Modernizaccedilatildeo e Equipamento da

Franccedila Monnet tinha medo de que o Plano Marshall norte-americano de empreacutestimo de

dinheiro para a reconstruccedilatildeo da Europa pudesse gerar uma diacutevida eterna aos paiacuteses do

continente com os Estados Unidos e para escapar disso via como uacutenica soluccedilatildeo a promoccedilatildeo

de um esforccedilo comum dos Estados atraveacutes de projetos de integraccedilatildeo regional

Por isso redigindo o texto da Declaraccedilatildeo de Schuman de 1950 Monet propagava a

ideia de integraccedilatildeo como meio de assegurar a paz e reerguer a poliacutetica e a economia dos

paiacuteses que foram destruiacutedos pela guerra Nesse sentido sua ideia foi a partir de uma ideologia

pacifista de influecircncia kantiana neutralizar a rivalidade franco-alematilde atraveacutes de uma espeacutecie

de mercado comum com a criaccedilatildeo de uma organizaccedilatildeo internacional com caraacuteter

supranacional que seria responsaacutevel pela gestatildeo dos recursos naturais da regiatildeo do Sarre e do

Ruhr os quais seriam colocados a serviccedilo da paz e natildeo da guerra12

A proposta integracionista daquele que eacute considerado o arquiteto do projeto de

integraccedilatildeo europeia era de retirar da matildeo dos Estados a capacidade de gestatildeo dos recursos

energeacuteticos que movimentavam a induacutestria beacutelica e da guerra Desta forma uma autoridade

internacional mais especificamente uma organizaccedilatildeo internacional setorial seria criada com

um status supranacional para gerenciar e administrar a produccedilatildeo de carvatildeo e de accedilo

funcionando atraveacutes da delegaccedilatildeo de parcelas da soberania estatal em questotildees especiacuteficas

Assim em 1951 com a assinatura do Tratado de Paris criou-se a Comunidade

Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) com a participaccedilatildeo inicial de seis paiacuteses Franccedila

Alemanha Itaacutelia Beacutelgica Holanda e Luxemburgo Posteriormente em 1957 com o Tratado

CEDH Debater a Europa Nuacutemero 4 JaneiroJunho 2011 Disponiacutevel em httpwwweurope-direct-

aveiroaevaeudebatereuropa Acesso 10 out 2014 11

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Souza Mercosul e Uniatildeo Europeia O Estado da arte dos processos de integraccedilatildeo regional Florianoacutepolis

Editora Modelo 2010 p 35 12

Ibid p 60

14

de Roma a Comunidade Econocircmica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia para a

Energia Atocircmica (CEEA ou Euratom) foram criadas consolidando-se deste modo as trecircs

comunidades que fizerem emergir o direito comunitaacuterio no seio da Europa Foi contudo

somente em 1992 com o Tratado de Maastrich ou Tratado da Uniatildeo Europeia que nasceu a

Uniatildeo Europeia propriamente dita consagrada em trecircs pilares baacutesicos as comunidades que

inicialmente lhe deram base a colaboraccedilatildeo em mateacuteria de poliacutetica exterior e seguranccedila

comum e a cooperaccedilatildeo no acircmbito judicial e policial em mateacuteria penal13

Visiacutevel deste modo que o que impulsionou a criaccedilatildeo de um direito comunitaacuterio

europeu foi a necessidade de reorganizaccedilatildeo do continente apoacutes 1945 e o fortalecimento

econocircmico de antigas potecircncias rivais como foi o caso da Franccedila e da Alemanha Ocorre que

de modo concomitante ao crescimento dos ideais dos federalistas a segunda corrente oriunda

do Congresso da Europa de 1949 dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental tambeacutem

cresceu e se tornou visiacutevel vez que possuiacutea como objetivo a realizaccedilatildeo de uma uniatildeo mais

estreita entre seus membros de modo a salvaguardar os ideais e princiacutepios que satildeo seu

patrimocircnio comum e favorecer seu progresso social e econocircmico

O Conselho da Europa surgido em 1949 portanto configura-se como outra

organizaccedilatildeo internacional surgida na Europa do poacutes-guerra tendo como base a consolidaccedilatildeo

sob o principio da cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses e natildeo o federalismo que implica cessatildeo de

parcelas da soberania Seu propoacutesito eacute o de defesa dos direitos humanos desenvolvimento

democraacutetico e estabilidade poliacutetico-social na Europa sendo chamado de ldquogrande Europardquo por

desde o iniacutecio contar com mais adesotildees de paiacuteses em relaccedilatildeo agrave CECA Eacute justamente dentro

desse Conselho que surge o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em 1959

oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa e

responsaacutevel pela tutela dos direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

(CEDH) de 1950

A eclosatildeo desses dois movimentos marca o iniacutecio de uma verdadeira revoluccedilatildeo dentro

da compreensatildeo do direito Se antes no continente europeu era possiacutevel vislumbrar a

existecircncia em grande medida e tatildeo somente de tribunais nacionais cuja competecircncia era

exercida dentro de determinado Estado sob a eacutegide de sua soberania o cenaacuterio altera-se e daacute

espaccedilo para a existecircncia natildeo soacute de tribunais nacionais como tambeacutem de tribunais

supranacionais e internacionais

13

Ibidem p 77

15

No caso do direito comunitaacuterio sua criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de

instituiccedilotildees que fortaleccedilam o sistema supranacional Em funccedilatildeo disso dentre os mais diversos

oacutergatildeos criados pelos sucessivos tratados comunitaacuterios pode-se destacar o Tribunal de Justiccedila

da Uniatildeo Europeia (TJUE) ou Tribunal de Luxemburgo

Este criado pelo Tratado de Paris de 1951 e adotado pelo Tratado de Roma de 1957

tem a finalidade de assegurar o cumprimento do direito comunitaacuterio e a interpretaccedilatildeo e

aplicaccedilatildeo dos Tratados dentro a vida da comunidade14

Submetem-se agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal

atualmente os vinte e oito15

paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e ao longo dos anos

ele se desenvolveu como uma importante instituiccedilatildeo capaz de contribuir ao desenvolvimento

da comunidade atraveacutes de consolidaccedilotildees jurisprudenciais e da conversatildeo dos tratados

constitutivos da comunidade em verdadeiras constituiccedilotildees materiais

Embora a preocupaccedilatildeo com os direitos humanos no cenaacuterio da ldquopequena Europardquo natildeo

tenha sido uma caracteriacutestica inicial dos tratados constitutivos das comunidades europeias o

diaacutelogo do Tribunal de Luxemburgo com os tribunais nacionais de alguns Estados europeus

traz agrave tona esse tema bem como se caracteriza por ser o grande responsaacutevel pela consolidaccedilatildeo

de princiacutepios baacutesicos do direito comunitaacuterio como eacute o caso da supremacia das normas

comunitaacuterias Neste vieacutes importante destaque deve ser feito ao caso CostaENEL16

de 1964

que marcou o surgimento da noccedilatildeo de supremacia das normas da comunidade europeia

O objeto de tal caso fora uma lei italiana de nacionalizaccedilatildeo da energia eleacutetrica

declarada incompatiacutevel com o Tratado da Comunidade Econocircmica Europeia Em sede de

reenvio prejudicial o Tribunal Constitucional Italiano enviou a questatildeo ao Tribunal de Justiccedila

da Uniatildeo Europeia o qual reconheceu que ao instituir uma comunidade de duraccedilatildeo ilimitada

com caraacuteter sui generis e poderes resultantes de delegaccedilatildeo de parcela da soberania os paiacuteses

limitariam seus direitos soberanos em prol de um conjunto de normas aplicaacutevel natildeo soacute agrave

comunidade como a todos os seus Estados membros17

14

OLIVEIRA Odete Maria de Uniatildeo Europeia processos de integraccedilatildeo e mutaccedilatildeo 1ordfed 3ordf tir Curitiba

Juruaacute 2003 15

Os vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia satildeo Alemanha Aacuteustria Beacutelgica Bulgaacuteria Chipre

Croaacutecia Dinamarca Eslovaacutequia Eslovecircnia Espanha Estocircnia Finlacircndia Franccedila Greacutecia Hungria Irlanda Itaacutelia

Letocircnia Lituacircnia Luxemburgo Malta Paiacuteses Baixos Polocircnia Portugal Reino Unido Repuacuteblica Checa

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16

Neste sentido determinou o Tribunal de Luxemburgo que a forccedila executiva do direito

comunitaacuterio natildeo poderia variar de um espaccedilo para outro ao sabor das legislaccedilotildees internas

Impossiacutevel portanto um Estado fazer prevalecer sobre uma ordem juriacutedica aceita sob o pilar

da reciprocidade e da cessatildeo de parcela de direitos soberanos uma medida unilateral anterior

ou posterior que lhe pode opor

Natildeo obstante tal decisatildeo a ideia de supremacia das normas comunitaacuterias por si soacute

natildeo foi adotada de modo paciacutefico por todos os tribunais constitucionais dos paiacuteses sujeitos agrave

jurisdiccedilatildeo do Tribunal de Luxemburgo Em funccedilatildeo disso houve a percepccedilatildeo por parte dos

juiacutezes do TJUE de que seria necessaacuterio acoplar agrave ideia de supremacia das normas

comunitaacuterias um discurso dotado de legitimidade que envolvesse princiacutepios e ideais comuns

natildeo soacute para a comunidade como para os Estados membros Esse discurso portanto seria o

discurso dos direitos fundamentais18

Ateacute o surgimento de algumas tensotildees entre os posicionamentos dos tribunais nacionais

e as decisotildees do TJUE havia certa resistecircncia por parte deste uacuteltimo em lidar com questotildees

concernentes aos direitos humanos ou fundamentais Isto porque o motivo que levou agrave criaccedilatildeo

das Comunidades Europeias e a posterior Uniatildeo Europeia foi predominantemente econocircmico

tanto eacute que os tratados iniciais das Comunidades Europeias natildeo trazem elementos que refiram

explicitamente a preocupaccedilatildeo com direitos humanos ou fundamentais19

Entretanto consoante

fora asseverado a supremacia das normas comunitaacuterias somente conseguiria se afirmar e se

consolidar caso fosse acoplada ao tema da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais

Neste sentido a deacutecada de 1960 pode ser vista como um importante marco para o

TJUE Casos como o Stauder (1969) e o Internationale Handelsgesellschaft20

(1970)

18

GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional

algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em

httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014 19

Pertinente o destaque da concepccedilatildeo de Gilmar Mendes e Geroge Rodrigo Bandeira Galindo sobre este tema

Segundo eles os instrumentos que instituiacuteram as comunidades europeias natildeo se referem de maneira expliacutecita agrave

proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais e haacute razotildees para isso A primeira delas reside no fato de que a

proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa deveria ser transferida para outra organizaccedilatildeo internacional no caso o

Conselho da Europa que foi uma instituiccedilatildeo fundamental para a elaboraccedilatildeo da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos

do Homem de 1950 Outra razatildeo sustenta-se na ideia de que a inclusatildeo imediata de um cataacutelogo de direitos

fundamentais nos tratados instituidores das Comunidades Europeias geraria conflitos entre as consolidadas

constituiccedilotildees estatais e o entatildeo incipiente direito comunitaacuterio Por fim outra razatildeo apontada eacute traduzida no fato

de que os Estados eram temerosos de que a imediata inclusatildeo de temas de direitos fundamentais ou humanos nos

tratados instituidores das Comunidades pudesse ampliar as competecircncias de prerrogativas de instituiccedilotildees receacutem-

criadas Ibidem p03

De qualquer forma houve no processo de germinaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia nos moldes em que hoje

conhecemos a predominacircncia de ideias economicistas e de integraccedilatildeo regional com base na aproximaccedilatildeo de

ideais produtivos e de mercado A preocupaccedilatildeo com a tutela de direitos humanos ou fundamentais surge atraveacutes

dos diaacutelogos espontacircneos entre as cortes constitucionais e o Tribunal de Luxemburgo 20

Neste caso o raciociacutenio da corte faz clara alusatildeo agrave vinculaccedilatildeo entre primazia do direito comunitaacuterio e a

proteccedilatildeo dos direitos fundamentais por parte das instituiccedilotildees comunitaacuterias Os pontos 3 e 4 do julgamento do

17

consolidaram o entendimento do Tribunal de Luxemburgo de que os direitos fundamentais

fazem parte dos princiacutepios gerais do direito comunitaacuterio Conflitos positivos de competecircncias

entre tribunais nacionais e o tribunal supranacional instituiacutedo no acircmbito da comunidade

marcaram os diaacutelogos iniciais para a estimulaccedilatildeo da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais em

acircmbito comunitaacuterio

Como continuidade deste diaacutelogo eacute pertinente destacar o caso Nold (1974) no qual o

Tribunal de Luxemburgo reconheceu como pauta geral para o direito comunitaacuterio europeu o

predomiacutenio dos direitos fundamentais Com isso mais uma vez reafirmou-se a ideia de que o

direito comunitaacuterio tem supremacia sobre as disposiccedilotildees legais nacionais mas que de toda a

sorte deve se adaptar a uma base comum de valores como os determinados por exemplo

pela Convenccedilatildeo Europeia de Direito do Homem

Por isso fala-se que este caso fixa um terceiro elemento no nuacutecleo de salvaguarda dos

direitos fundamentais aleacutem das tradiccedilotildees constitucionais comuns e dos direitos fundamentais

garantidos nas Constituiccedilotildees dos Estados os instrumentos internacionais relativos agrave proteccedilatildeo

dos direitos humanos passam a ser uma importante fonte de inspiraccedilatildeo para a proteccedilatildeo de

direitos em acircmbito comunitaacuterio Em funccedilatildeo disso inclusive em 1975 o TJUE pela primeira

vez recorreu agrave Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem no caso Rutili21

Apesar de tal decisatildeo do caso Nold o emblemaacutetico caso Solange levou agrave confirmaccedilatildeo

e consolidaccedilatildeo da vigecircncia dos direitos fundamentais no acircmbito da Comunidade Neste caso

em 1974 o Tribunal Constitucional alematildeo determinou que enquanto a Comunidade natildeo

dispusesse de um sistema de proteccedilatildeo de direitos comparaacutevel ou equiparado agrave Lei

Fundamental de Bonn ou seja enquanto natildeo houvesse um cataacutelogo de direitos fundamentais

aplicaacuteveis agrave Comunidade Europeia as instituiccedilotildees comunitaacuterias seriam ineficazes no que

concerne agrave proteccedilatildeo desses direitos22

TJUE respectivamente determinam que 3 A validade de uma medida comunitaacuteria ou de seus efeitos em um

Estado membro natildeo podem ser afetadas por alegaccedilotildees de que ela contraria direitos fundamentais tal como

formuladas pela Constituiccedilatildeo do Estado ou princiacutepios de uma estrutura constitucional nacional() 4() o

respeito pelos direitos fundamentais forma uma parte integral dos princiacutepios gerais de direito protegidos pela

Corte de Justiccedila A proteccedilatildeo de tais direitos enquanto inspirada pelas tradiccedilotildees constitucionais comuns aos

Estados membros deve ser assegurada no acircmbito da estrutura e dos objetivos da Comunidaderdquo Ibidem p4 21

O caso Rutilli caracteriza-se por ser a primeira referecircncia jurisprudencial feita pelo Tribunal de Luxemburgo agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem ou seja a utilizaccedilatildeo por parte de um tribunal supranacional de um

marco normativo essencial natildeo para o direito comunitaacuterio mas para o sistema regional de proteccedilatildeo aos direitos

humanos Nesse caso o Tribunal de Luxemburgo afirmou que as normas de direito comunitaacuterio natildeo era mais do

que uma manifestaccedilatildeo de princiacutepios gerais de direito consagrados na Convenccedilatildeo 22

GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional

algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em

httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014

18

Como resultado de tal caso natildeo soacute o Tribunal de Luxemburgo passou a consolidar um

entendimento jurisprudencial favoraacutevel ao respeito e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais

como demais instituiccedilotildees da entatildeo Comunidade Europeia assim agiram Em funccedilatildeo disso diz-

se que o principal resultado do caso Solange foi uma resoluccedilatildeo conjunta datada de 5 de abril

de 1977 entre Parlamento Europeu Conselho Europeu e Comissatildeo Europeia denominada

ldquoDeclaraccedilatildeo Conjunta sobre Direitos Fundamentaisrdquo23

Nesta ressaltou-se a necessidade do

respeito em acircmbito comunitaacuterio dos direitos fundamentais consagrados pelas tradiccedilotildees

constitucionais dos Estados membros e pela Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos

Os direitos fundamentais atraveacutes desse diaacutelogo jurisprudencial entre as cortes de

esperas diferentes (supranacional e nacionais) apareceram de modo progressivo no direito

comunitaacuterio europeu tornando-se paracircmetros de validade das normas da Uniatildeo Qualquer

norma seja comunitaacuteria seja nacional que contrariasse os direitos fundamentais seria

considerada invaacutelida

A tendecircncia jurisprudencial do TJUE de vincular a noccedilatildeo de supremacia das normas

comunitaacuterias com a proteccedilatildeo aos direitos fundamentais acabou por refletir no Tratado de

Maastricht de 1992 Tambeacutem chamado de Tratado da Uniatildeo Europeia este documento em

seu artigo F nuacutemero 2 determina que a Uniatildeo respeite os direitos fundamentais tal como os

garante a Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem24

Na esteira da inclusatildeo da proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em tratados o Tratado de

Lisboa de 2007 aleacutem de estabelecer personalidade juriacutedica agrave Uniatildeo Europeia25

determina que

a esta aderiraacute agrave Convenccedilatildeo Europeia para a proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e das Liberdades

Fundamentais sendo que a adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas

nos tratados26

23

XAVIER Ana Isabel Os Direitos Fundamentais no ldquodiaacutelogo europeurdquo de Nice a Lisboa In Debater a

Europa n 9 julhodezembro 2013 Disponiacutevel em httpeurope-direct-

aveiroaevaeudebatereuropaimagesn9axavierpdf Acesso em 03 out 2014 24

Artigo F n 2 ldquoA Uniatildeo respeitaraacute os direitos fundamentais tal como os garante a Convenccedilatildeo Europeia de

Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais assinada em Roma em 4 de novembro de

1950 e tal como resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-membros enquanto princiacutepios

gerais do direito comunitaacuteriordquo TRATADO DE MAASTRICHT 1992 Disponiacutevel em httpeuropaeueu-

lawdecision-makingtreatiespdftreaty_on_european_uniontreaty_on_european_union_ptpdf Acesso 15 out

2014 25

O artigo 46-A do Tratado de Lisboa determina que ldquoA Uniatildeo tem personalidade juriacutedicardquo TRATADO DE

LISBOA 2007 Disponiacutevel em httpeur-lexeuropaeulegal-

contentPTTXTPDFuri=OJC2007306FULLampfrom=PT Acesso 16 out 2014 26

O artigo 6ordf do Tratado de Lisboa determina que ldquo1 A Uniatildeo reconhece os direitos as liberdades e os

princiacutepios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da Uniatildeo Europeia de 7 de Dezembro de 2000 com

as adaptaccedilotildees que lhe foram introduzidas em 12 de Dezembro de 2007 em Estrasburgo e que tem o mesmo

valor juriacutedico que os Tratados De forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competecircncias da Uniatildeo tal

como definidas nos Tratados Os direitos as liberdades e os princiacutepios consagrados na Carta devem ser

interpretados de acordo com as disposiccedilotildees gerais constantes do Tiacutetulo VII da Carta que regem a sua

19

Mesmo que o ideal de Constituiccedilatildeo para a Uniatildeo Europeia natildeo tenha sido aprovado

pelos Estados membros as regras de supremacia das normas comunitaacuterias e de proteccedilatildeo aos

direitos fundamentais consagrados natildeo soacute nas Constituiccedilotildees como nas proacuteprias tradiccedilotildees

constitucionais dos Estados regem as decisotildees do Tribunal supranacional que existe no

continente Por isso mesmo que a preocupaccedilatildeo inicial da ldquopequena Europardquo tenha sido a

integraccedilatildeo econocircmica dos paiacuteses devastados pela guerra para que pudessem voltar a ser

competitivos internacionalmente ao longo do tempo sentiu-se a necessidade de trazer para

dentro do direito comunitaacuterio noccedilotildees acerca dos direitos fundamentais e humanos de modo

que hoje estes se encontram tutelados por instrumentos e oacutergatildeos supranacionais especiacuteficos

Ocorre que conforme se mencionou no iniacutecio deste subcapiacutetulo o cenaacuterio europeu

pode ser vislumbrado sob duas oacuteticas distintas desde o Congresso da Europa a oacutetica

federalista que impulsiona a criaccedilatildeo da Uniatildeo Europeia e de um direito comunitaacuterio europeu

e o vieacutes da cooperaccedilatildeo internacional marcado pela criaccedilatildeo do Conselho da Europa e de um

sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos o qual exige o pensamento acerca

da possibilidade da construccedilatildeo de um direito comum europeu

Nesse aspecto acerca do conceito de comum eacute pertinente remontar agraves premissas de

Dardot et Laval27

Para os autores o comum do direito segundo uma loacutegica de interpretaccedilatildeo

neoliberal natildeo seraacute outro que o direito de propriedade dos contratos e do lucro Eacute justamente

contra esse tipo de concepccedilatildeo trazido pelos efeitos nefastos da globalizaccedilatildeo que se invoca a

defesa e a reabilitaccedilatildeo do conceito de comum que deve ser entendido sob uma loacutegica de bases

uniacutessonas em mateacuteria de direitos humanos

Em razatildeo disso eacute no acircmbito da ldquogrande Europardquo ou seja do sistema regional europeu

de proteccedilatildeo dos direitos do homem que se vislumbram bases para a criaccedilatildeo de um direito

comum cuja premissa eacute a busca do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano28

Deste

modo no panorama apresentado se vislumbra de modo claro que embora existam regras

princiacutepios e instituiccedilotildees para reger o direito comunitaacuterio europeu (regras previstas nos

tratados da Uniatildeo Europeia e pacificadas pelo ativismo do TJUE) na ldquopequena Europardquo em

interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo e tendo na devida conta as anotaccedilotildees a que a Carta faz referecircncia que indicam as fontes

dessas disposiccedilotildees 2 A Uniatildeo adere agrave Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das

Liberdades Fundamentais Essa adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas nos Tratados3

Do direito da Uniatildeo fazem parte enquanto princiacutepios gerais os direitos fundamentais tal como os garante a

Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como

resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-Membrosrdquo Ibid 2007 27

DARDOT Pierre LAVAL Cristian COMMUN essai sur la revolutiona au XXeme siegravecle Paris La

deacutecouverte 2014 p 287 28

DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio

de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b

20

mateacuteria de direitos humanos e no acircmbito de um processo de globalizaccedilatildeo eacute preciso avanccedilar

na compreensatildeo do espaccedilo europeu para no acircmbito do sistema regional consolidar as bases

para a criaccedilatildeo de um direito comum

12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias juriacutedicas

a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da figura da

Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

O Congresso da Europa sob o aspecto juriacutedico dividiu o continente em blocos

autocircnomos dentro de um sistema multicecircntrico Nesse sentido Mireille Delmas-Marty29

assevera que natildeo existe uma unidade juriacutedica chamada Europa ou sequer uma visatildeo uacutenica e

preestabelecida do continente

Pelo contraacuterio existe uma Europa feita de instituiccedilotildees juriacutedicas diversas cada uma

com regras e princiacutepios especiacuteficos Neste sentido de um lado tem-se a ldquopequena Europardquo

composta pelos vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e que possui um ideal

primordialmente econocircmico com os objetivos de livre circulaccedilatildeo de pessoas e de

mercadorias bem como de instituiccedilatildeo de uma moeda uacutenica sob a perspectiva de abertura de

fronteira entre os paiacuteses Sob este ideal desenvolve-se a base para o direito comunitaacuterio que

possui como instituiccedilatildeo juriacutedica maacutexima o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo Europeia (TJUE)

com caraacuteter supranacional

Na Europa dos ldquoVinte e Oitordquo portanto sob o ideal integracionista surge o chamado

direito comunitaacuterio europeu o qual atraveacutes de direito originaacuterio (tratados constitutivos) e

direito derivado (normas emanadas de oacutergatildeos de competecircncia legislativa da Uniatildeo) forma o

sistema juriacutedico-poliacutetico e juriacutedico-econocircmico da Uniatildeo Europeia A peculiaridade desta nova

ordem formada eacute a de natildeo querer unificar a ordem juriacutedica dos paiacuteses europeus mas de

uniformizar em algumas mateacuterias as normas do bloco criado Justamente por isso a

supranacionalidade intriacutenseca ao direito comunitaacuterio natildeo se confunde com o direito

internacional

Sob as bases de interesses econocircmicos tem-se o objetivo de chegar a uma integraccedilatildeo

nas aacutereas concernentes agrave poliacutetica cultura dentre outras sob uma relaccedilatildeo de integraccedilatildeo entre o

29

Id 2004a p47

21

ordenamento juriacutedico comunitaacuterio e o ordenamento interno de cada Estado Sem sombra de

duacutevidas a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais se insere nessas relaccedilotildees mas com o

intuito de fortalecer o ideal de supremacia das normas comunitaacuterias Em funccedilatildeo de tal

premissa tem-se a necessidade de preservar o estaacutegio alcanccedilado pelo processo de integraccedilatildeo e

por isso um ordenamento juriacutedico comunitaacuterio eacute formado Entretanto eacute preciso avanccedilar no

processo de tutela dos direitos humanos em um contexto tatildeo plural como o europeu

Deste modo de outro lado tem-se a ldquogrande Europardquo criada pelo Conselho da Europa

perfazendo uma cooperaccedilatildeo poliacutetica que hoje abriga quarenta e sete membros30

signataacuterios da

Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

(CEDH) O oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do Conselho da Europa eacute o Tribunal Europeu dos Direitos

do Homem (TEDH) sediado em Estrasburgo e para o qual podem demandar tanto Estados

quanto indiviacuteduos viacutetimas de violaccedilotildees de direitos humanos reconhecidos pela convenccedilatildeo

Neste sentido o paraacutegrafo 3ordm31

do Preacircmbulo da CEDH de 1950 assevera que a

finalidade principal do Conselho da Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre seus

membros e que um dos meios para alcanccedilar esta finalidade eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento

dos direitos humanos e das liberdades fundamentais sendo tais direitos vistos como um meio

para uma progressiva integraccedilatildeo dos europeus Antes mesmo disso o Estatuto do Conselho da

Europa de 1949 havia asseverado que a finalidade da instituiccedilatildeo era criar uma organizaccedilatildeo

que levasse os paiacuteses do continente a uma associaccedilatildeo cuja base fosse a unidade entre seus

membros privilegiando ideais e princiacutepios comuns aos diferentes Estados

Essa configuraccedilatildeo surgida na segunda metade do seacuteculo XX produz alteraccedilotildees

significativas na conceituaccedilatildeo de alguns institutos juriacutedicos e poliacuteticos como eacute o caso do

Estado da soberania dentre outros Nesse sentido o cenaacuterio Europeu pode ser enxergado

como proacuteximo da noccedilatildeo de Estado em Rede proposto por Manuel Castells32

Em um mesmo

espaccedilo territorial a autoridade passa a ser partilhada ao longo de uma rede de instituiccedilotildees O

30

Os 47 paiacuteses que fazem parte do Conselho da Europa satildeo Beacutelgica Dinamarca Franccedila Irlanda Itaacutelia

Luxemburgo Paiacuteses Baixos Noruega Sueacutecia Reino Unido Greacutecia Turquia Islacircndia Alemanha Ocidental

Aacuteustria Chipre Suiacuteccedila Malta Portugal Espanha Liechtenstein Satildeo Marino Finlacircndia Hungria Polocircnia

Bulgaacuteria Estocircnia Lituacircnia Eslovecircnia Repuacuteblica Checa Eslovaacutequia Romecircnia Andorra Letocircnia Albacircnia

Moldaacutevia Macedocircnia Ucracircnia Ruacutessia Croaacutecia Geoacutergia Armecircnia Azerbaijatildeo Boacutesnia e Herzegovina Seacutervia

Mocircnaco Montenegro Disponiacutevel em

httpwwwcoeintptAboutCoemediainterfacepublicationscoe_dh_ptpdf Acesso 08 out 2014 31

O terceiro paraacutegrafo do preacircmbulo da CEDH dispotildee que ldquoConsiderando que a finalidade do Conselho da

Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre os seus Membros e que um dos meios de alcanccedilar essa finalidade

eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento dos direitos do homem e das liberdades fundamentais ()rdquo CONVENCcedilAtildeO

EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS

1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso em 08 out 2014 32

CASTELLS Manuel A era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura A sociedade em rede Vol 1 5

ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999b

22

Estado-naccedilatildeo claacutessico relaciona-se com instituiccedilotildees supranacionais e a rede formada possui

noacutes diversos e natildeo um centro uacutenico sendo que esses noacutes podem apresentar tamanhos distintos

e estar ligados por relaccedilotildees assimeacutetricas

Essas redes e seus noacutes portanto representam formas de poder paralelas e

complementares que satildeo autocircnomas uma em relaccedilatildeo agraves outras O espaccedilo europeu marcado

por um jaacute consolidado direito comunitaacuterio e por uma estrutura supranacional sui generis

tornou-se um verdadeiro campo de concorrecircncia convergecircncia justaposiccedilatildeo e conflito de

vaacuterias constituiccedilotildees e poderes constituintes em um mesmo espaccedilo poliacutetico levando a uma

pluralidade de ordenamentos e de normatividades

A supranacionalidade desenvolvida assemelha-se desta forma a um Estado em Rede

em funccedilatildeo de um novo paradigma de governanccedila estabelecido em diferentes niacuteveis com

diferentes noacutes de diferentes dimensotildees e com relaccedilotildees internacionais assimeacutetricas O Estado-

Naccedilatildeo claacutessico se articula cotidianamente na tomada de decisotildees com instituiccedilotildees

supranacionais de diferentes tipos e em acircmbitos distintos33

Em uma mesma organizaccedilatildeo

complexa temos entatildeo as caracteriacutesticas da descentralizaccedilatildeo e da coordenaccedilatildeo sobretudo no

aspecto normativo sendo que a crise do Estado-naccedilatildeo o desenvolvimento das instituiccedilotildees

supranacionais e a transferecircncia das atribuiccedilotildees e iniciativas aos acircmbitos regionais e locais satildeo

caracteriacutesticas que funcionam como base para o desenvolvimento do Estado em Rede

Nesse acircmbito ainda eacute possiacutevel acrescentar a definiccedilatildeo de Marcelo Varella34

de que a

Uniatildeo Europeia caracteriza-se por ser uma instituiccedilatildeo sui generis natildeo soacute pelo seu modo de

constituiccedilatildeo como por seus efeitos no campo juriacutedico-normativo Desta maneira o bloco

europeu dos vinte e oito inserido no contexto de um sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos

humanos (ldquopequena Europardquo inserida na ldquogrande Europardquo) marca a caracteriacutestica de uma

superaccedilatildeo da tiacutepica forma de visatildeo linear e hieraacuterquica do direito tradicional em favor da

construccedilatildeo de um direito em camadas ou em diferentes niacuteveis ou ainda em redes

Essa concepccedilatildeo de Castells utilizada aqui para ilustrar as relaccedilotildees na Uniatildeo Europeia

comunica-se com a noccedilatildeo de Mireille Delmas-Marty35

de um pluralismo que deve ser

ordenado Na Europa como um todo em acircmbito juriacutedico a coexistecircncia de normas das mais

diversas fontes e de tribunais nas mais diferentes escalas faz emergir uma noccedilatildeo de caos

33

Id 1999a p164 34

VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade

de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014 p145 35

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006

23

juriacutedico que precisa ser ordenado Em razatildeo disso pertinente a busca por um direito comum

com ecircnfase em um direito comum em mateacuteria de direitos humanos

Interessante notar que esse cenaacuterio criado intensifica-se com o processo de

mundializaccedilatildeo36

e sob essa oacutetica embora os direitos humanos tenham se tornado oponiacuteveis aos

Estados perfazendo princiacutepios de direito incluiacutedos nas Constituiccedilotildees Estatais no

entendimento dos tribunais supranacionais e em instrumentos normativos internacionais os

corolaacuterios do processo de mundializaccedilatildeo satildeo os direitos econocircmicos que predominam nas

preocupaccedilotildees do jaacute consolidado direito comunitaacuterio europeu

Enquanto os direitos humanos foram concebidos sob o prisma de uma universalidade e

com a finalidade de proteger o ldquoirredutiacutevel humanordquo37

os direitos econocircmicos satildeo os motores

da mundializaccedilatildeo sendo que isso somado agrave desestabilizaccedilatildeo do tempo e agrave desestatizaccedilatildeo do

Estado gera no processo de mundializaccedilatildeo uma aparente desordem normativa com a

proliferaccedilatildeo de normas de modo anaacuterquico38

Em funccedilatildeo disso eacute viaacutevel dizer que o continente europeu serve de base e eacute capaz de

traduzir importantes eventos para explicar fenocircmenos que hoje satildeo salientes na esfera juriacutedica

Mireille Delmas-Marty39

sugere que vivemos sob a eacutegide de espaccedilos ldquodesestatizadosrdquo tempos

ldquodesestabilizadosrdquo e uma ordem ldquodeslegalizadardquo No sentido atual da paisagem juriacutedica

afirmar que o Estado eacute a uacutenica fonte de Direito eacute assumir uma atitude de exclusatildeo de todos os

demais espaccedilos normativos

Como eacute possiacutevel observar na Europa convivem em um mesmo espaccedilo normas

provenientes de fontes estatais claacutessicas normas advindas de instituiccedilotildees supranacionais e

regras provenientes de entes internacionais na formaccedilatildeo de um verdadeiro mosaico juriacutedico

O monopoacutelio do Estado como produtor do direito deixa de ser imperativo frente agrave

internacionalizaccedilatildeo crescente das fontes juriacutedicas De modo concomitante e corroborando

36

Na obra ldquoTrecircs Desafios para um Direito Mundialrdquo Mirelle Delmas-Marty observa as particularidades dos

termos globalizaccedilatildeo mundializaccedilatildeo e universalidade quais sejam ldquoA mundializaccedilatildeo remete agrave difusatildeo espacial

de um produto de uma teacutecnica ou de uma ideia A universalidade implica um compartilhar de sentidosrdquo Em

outra passagem disserta ldquoDifusatildeo espacial de um lado compartilhar os sentidos de outra estas duas foacutermulas

descrevem muito bem a diferenccedila que separam os dois fenocircmenos que eu denominarei globalizaccedilatildeo para a

economia e universalizaccedilatildeo para os direitos do homem guardando assim o termo mundializaccedilatildeo uma

neutralidade que ele jamais perderaacute caso natildeo se resigne rapidamente ao primado da economia sobre os Direitos

do Homemrdquo DELMAS-MARTY Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr

Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b p 08-09 37

Ibid p48 38

FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos

teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013 39

DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47

24

com a teoria do Estado em Rede de Castells eacute possiacutevel observar um processo de

descentralizaccedilatildeo espacial com o deslocamento de fontes do centro para periferias40

Da mesma forma os tempos estatildeo desestabilizados Segundo Delmas41

em comparaccedilatildeo

aos votos claacutessicos de perpetuidade da lei eacute possiacutevel hoje encontrar fontes temporaacuterias e

evolutivas do direito O espaccedilo europeu se constitui como uma aacuterea privilegiada dessas fontes

evolutivas42

Sob o aspecto da ldquopequena Europardquo as regras de direito comunitaacuterio impotildeem um

resultado que deve ser atingido o que pela falta de meios juriacutedicos incentiva os Estados a

adaptar seus textos a dados econocircmicos

Isso tudo faz emergir a noccedilatildeo de assincronia43

do direito ou seja diferentes

velocidades em diferentes espaccedilos Nesse sentido haacute no espaccedilo europeu uma diferenccedila de

velocidade dos processos de integraccedilatildeo das normas internacionais (ou supranacionais) de

direito do comeacutercio em comparaccedilatildeo com as normas ambientais ou relativas aos direitos

humanos O proacuteprio processo evolutivo de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais

sob o panorama da ldquopequena Europardquo demonstra desde os primoacuterdios da criaccedilatildeo da

Comunidade Europeia uma ausecircncia de sincronia em relaccedilatildeo agraves duas esferas do direito A

evoluccedilatildeo dos direitos humanos eacute lenta quando comparada com a celeridade da integraccedilatildeo das

normas de direito comercial e econocircmico em um mundo de economia globalizada

Pode-se entatildeo afirmar que natildeo soacute na Europa como tambeacutem na sociedade

internacional o tempo das relaccedilotildees comerciais e por conseguinte o tempo da integraccedilatildeo do

direito do comeacutercio eacute o tempo do software da fluidez da velocidade da luz Enquanto isso o

tempo das relaccedilotildees humanas da eacutetica da solidariedade e da integraccedilatildeo do direito dos direitos

humanos segue o tempo do hardware do denso do apego ao territoacuterio e agraves localidades44

Por fim estaacute-se tambeacutem frente a uma ordem ldquodeslegalizadardquo uma vez que dentre os

reflexos das vicissitudes na seara juriacutedica eacute possiacutevel destacar um ruptura com a noccedilatildeo de

40

Tal fenocircmeno eacute descrito por Mireille Delmas-Marty como ldquodescentralizaccedilatildeordquo Esta envolve o deslocamento de

fontes do centro do Estado para coletividades territoriais Todavia tal fenocircmeno natildeo se confunde com uma mera

desconcentraccedilatildeo de poderes que eacute destinada a conferir maior eficaacutecia agraves estruturas centrais do Estado A

descentralizaccedilatildeo conforme refere a autora confia ao representante local da coletividade territorial certos poderes

de decisatildeo fazendo transparecer uma autonomia local para impor certas regras juriacutedicas Como exemplo

podem-se destacar as comissotildees locais de eacutetica como ocorre em uma deontologia profissional como a Ordem

dos Advogados As regras disciplinares desta profissatildeo guardam um caraacuteter misto sendo de natureza local e

nacional privada e puacuteblica Ibid 2004ap55 41

Ibid 2004ap47 42

Segundo Delmas falar de fontes evolutivas significa renunciar ao passado do costume e ao futuro das leis para

situar as fontes de direito no presente por natureza instaacutevel Ibid 2004ap65 43

Id 2006 p 114 44

SALDANHA Jacircnia Marial Lopes BRUM Maacutercio Morais MELLO Rafaela da Cruz A Assincronia do

Direito e o Caso Araguaia Uma anaacutelise da Decisatildeo do Supremo Tribunal Federal Brasileiro na ADPF 153 e do

Julgamento do Caso Gomes Lund e Outros vs Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos In Andreacute

Karam Trindade Angela Araujo da Silveira Espindola (Org) Direitos Fundamentais e Espaccedilo Puacuteblico 1ed

Passo Fundo - RS Editora IMED 2011 v 2 p 37-61

25

identidade entre direito e lei45

O processo de internacionalizaccedilatildeo deixa comum aos sistemas

de commun law e de civil law o papel do juiz na geraccedilatildeo do direito ou seja na interaccedilatildeo entre

texto normativo e sua interpretaccedilatildeo de modo que a jurisprudecircncia e o diaacutelogo entre os

diferentes tribunais serve para ambos os sistemas como um importante balizador para

consolidaccedilatildeo de entendimentos e de princiacutepios

Diante desse cenaacuterio juriacutedico global proveniente do processo de internacionalizaccedilatildeo -

e especiacutefico no caso da Europa ndash de desestatizaccedilatildeo de ruptura com paradigmas e com a loacutegica

binaacuteria de interpretar o direito eacute possiacutevel concordar com a premissa de Mireille Delmas-

Marty46

de que a paisagem juriacutedica apresenta um panorama de proliferaccedilatildeo constante de

normas e de entendimentos jurisprudenciais que em um primeiro momento podem levar a

uma noccedilatildeo de desordem e anarquia

Conveacutem perceber que a nova paisagem juriacutedica para a qual a Europa eacute um verdadeiro

laboratoacuterio47

eacute composta por formas mais complexas como piracircmides inacabadas

descontiacutenuas compostas por aneacuteis normativos como uma guirlanda no entanto natildeo

especificamente se liga agrave anarquia Pelo contraacuterio a retirada de marcos e o deslocamento de

linhas natildeo significa desordem e essa aparecircncia de caos favorece ao pluralismo

Por isso Delmas-Marty48

atesta que a internacionalizaccedilatildeo do direito apresenta um

grande paradoxo ordenar o plural Embora estejamos semanticamente diante de vernaacuteculos

opostos visto que a proposta eacute colocar em ordem aquilo que naturalmente eacute muacuteltiplo e plural

sem reduzir sua identidade a primeira consideraccedilatildeo que deve ser feita eacute a de que o tiacutepico

modelo kelseniano de loacutegica juriacutedica natildeo mais se aplica ao cenaacuterio em que o Direito se insere

atualmente em razatildeo da multiplicidade e do dinamismo existente no processo de

mundializaccedilatildeo

Para ir da desordem agrave ordem eacute necessaacuterio fortalecer as correlaccedilotildees da formaccedilatildeo

juriacutedica trazendo estabilidade agrave presenccedila de divergecircncias atraveacutes de uma aproximaccedilatildeo entre

ordens juriacutedicas por meio de um jogo de referecircncias cruzadas com o intuito de ordenar a

multiplicidade Essa aproximaccedilatildeo poreacutem natildeo pode ser concebida senatildeo em relaccedilatildeo a uma

referecircncia comum e neste campo a utilidade dos instrumentos protetivos de direitos humanos

traz a coerecircncia de conjunto capaz de indicar uma direccedilatildeo a seguir um norte para a criaccedilatildeo de

um direito comum cujo pluralismo eacute ordenado

45 DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47 46

Id 2006 47

VARELLA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do direito Direito Internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Livre Docecircncia em Direito Internacional Faculdade de

Direito da Universidade de Satildeo Paulo (USP) Satildeo Paulo 2012 Acesso 14 out 2014 48

Ibid 2006 p 10

26

Obviamente o direito comum almejado eacute pluralista tendo a razatildeo como instrumento

de justificaccedilatildeo e de diaacutelogo O pluralismo eacute justificado pelo intuito de harmonizar e conjugar

as particularidades religiosas poliacuteticas culturais de cada Estado ou comunidade evitando a

sobreposiccedilatildeo de uma ordem sobre outra ou a assimilaccedilatildeo e exclusatildeo Em razatildeo disso o

direito comum pluralista pretende construir um ldquoDireito dos Direitosrdquo a partir do ideal de

universalizaccedilatildeo dos direitos humanos sendo que a finalidade eacute a de aproximar ou harmonizar

ndash e natildeo unificar - os diferentes sistemas juriacutedicos sob a perspectiva de respeito ao ldquoirredutiacutevel

humanordquo49

Impossiacutevel a criaccedilatildeo de normas e regras comuns a todos os povos justamente pelo

fato de que sempre algumas normas advindas de culturas especiacuteficas se sobressairatildeo sobre

outras na criaccedilatildeo de uma hegemonia negativa O direito comum portanto inserido na oacutetica

de um direito mundial pluralista eacute aquele acessiacutevel a todos e comum aos diversos Estados

sem que haja o abandono de identidades Justamente em funccedilatildeo disso o alicerce para a sua

criaccedilatildeo eacute a aproximaccedilatildeo dos sistemas juriacutedicos tendo por base os direitos humanos que

carregam a caracteriacutestica da universalidade a qual adveacutem do compartilhamento de sentidos e

do enriquecimento pela troca

Neste sentido em que consistem esses direitos humanos que satildeo os alicerces para a

criaccedilatildeo de um direito comum Eacute possiacutevel afirmar que a mera previsatildeo constitucional ou em

tratados de direitos jaacute asseguram a sua proteccedilatildeo Como lidar com questotildees concernentes agraves

pretensotildees universalistas e as particularidades do relativismo cultural nas diferentes

sociedades europeias

Narciso Baez50

traz reflexotildees importantes acerca desse tema Segundo ele em meados

do seacuteculo XVII pensou-se que a positivaccedilatildeo dos direitos humanos seria instrumento suficiente

para garantir o seu respeito Essa noccedilatildeo adentrou a contemporaneidade com a filosofia de

Hans Kelsen de que as normas positivadas e inseridas nos ordenamentos juriacutedicos eram

obrigatoacuterias por serem legitimadas por uma norma juriacutedica superior que tinha um fim em si

mesma

Obviamente o seacuteculo XX mostrou que a mera inserccedilatildeo legal da dignidade da pessoa

humana ndash que eacute o elemento cerne dos direitos humanos ndash em um sistema positivo de direito e

dissociada de valores morais natildeo seria suficiente para evitar eventuais violaccedilotildees desses

49

Ibid 2006 p 54 50

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos

humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da

UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em

httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014

27

direitos Sob esse panorama e seguindo a corrente eacutetica51

de fundamentaccedilatildeo dos direitos

humanos pode-se afirmar que estes satildeo direitos de fora da ordem positiva que tecircm em seu

bojo componentes morais sociais poliacuteticos e ateacute econocircmicos que salvaguardam condiccedilotildees

miacutenimas para a garantia da dignidade da pessoa humana Em sua dimensatildeo baacutesica portanto

satildeo direitos inatos pautados em valores morais e conferidos aos indiviacuteduos pelo simples fato

de estes serem humanos

Logo para a construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos exige-

se o fortalecimento desses em suas dimensotildees baacutesicas Eacute neste sentido que Delmas52

se refere

ao miacutenimo eacutetico universal e ao irredutiacutevel humano ou seja elementos que todos os indiviacuteduos

apresentam em comum mesmo em diferentes culturas

As duas estruturas baacutesicas dos direitos humanos satildeo portanto os valores morais e a

dignidade humana53

Em relaccedilatildeo aos primeiros infere-se que a origem dos direitos humanos

natildeo eacute legal vez que estes satildeo reconhecidos aos indiviacuteduos pelo simples fato de serem

humanos O ordenamento juriacutedico tem a mera funccedilatildeo de reconhecer tais direitos e transformaacute-

los em normas a fim de obter efetividade Jaacute a dignidade humana eacute o bem maior dentro dos

direitos humanos constituindo uma qualidade universal intriacutenseca irrenunciaacutevel e

inalienaacutevel inerente a todos os seres humanos e que se encontra acima das especificidades

culturais

Neste vieacutes a universalidade de tais direitos que eacute requisito indispensaacutevel para a

criaccedilatildeo de um direito comum natildeo eacute marcada pela criaccedilatildeo de instrumentos internacionais

positivos de proteccedilatildeo dos direitos humanos Isso porque embora tenha se conseguido a

universalizaccedilatildeo da adesatildeo dos Estados como eacute o caso da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos da ONU de 1948 ou mesmo da CEDH do sistema regional europeu ainda haacute

resistecircncias agrave aceitaccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo em algumas culturas que alegam a necessidade de

relativizaccedilatildeo desses direitos para adequaccedilatildeo agraves realidades nacionais54

Logo para a construccedilatildeo de uma verdadeira universalidade eacute necessaacuterio interpretar os

direitos humanos sob uma oacutetica interdisciplinar Finnis55

nesse aspecto afirma que os direitos

humanos constituem uma categoria que busca consagrar a dignidade humana sendo esta um

atributo de todas as pessoas independentemente de crenccedila ou cultura Nesse aspecto

51

Id 2007 p 13-35 52

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b 53

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Direitos humanos na globalizaccedilatildeo In BAEZ Narciso

Leandro Xavier BARRETO Vicente (Org) Direitos humanos em evoluccedilatildeo Joaccedilaba Ed Unoesc 2007 p

13-35 54

Id 2009 p77-99 55

FINNIS John Ley natural e derechos naturales Buenos Aires AbeledoPerrot 2000

28

vislumbra-se necessaacuterio a fim de identificar quais satildeo os valores baacutesicos e inderrogaacuteveis a

todos os humanos a construccedilatildeo de valores universais atraveacutes do diaacutelogo e do cruzamento de

diferentes culturas com diferentes valores Isso facilita a construccedilatildeo de uma cultura

cosmopolita baseada em uma identificaccedilatildeo em que prevaleccedila a dignidade da pessoa humana

acima dos relativismos

As diversidades culturais satildeo provenientes de elementos externos56

da diferenccedila de

ambientes naturais mas mesmo assim todas as pessoas ainda que inseridas em

especificidades culturais distintas ainda manteacutem atributos comuns Eacute por essa loacutegica que

permanece atual a premissa de Kant de que no atual estaacutegio da humanidade os povos

atingiram um grau de desenvolvimento que os permitem fazer parte de uma comunidade

cosmopolita57

Por isso a violaccedilatildeo de um direito humano em um ponto do planeta repercute e

pode ser sentida em todos os outros

Pertinente ainda lembrar que a universalizaccedilatildeo natildeo significa a imposiccedilatildeo ou a

uniformizaccedilatildeo de uma cultura sobre as outras Pelo contraacuterio deve-se buscar uma raiz

comum qual seja um conjunto de valores miacutenimos universais capazes de dialogar com

diferentes culturas garantindo o respeito e a preservaccedilatildeo da vida humana em qualquer lugar

Ainda sob essa oacutetica eacute possiacutevel afirmar que a noccedilatildeo de direito comum de Delmas

aproxima-se do ideal de direito cosmopoliacutetico em Kant58

Ao perceber o aumento da

participaccedilatildeo dos povos na Terra Kant vislumbra a ideia de uma comunidade mundial

alicerccedilada sob as bases de um direito cosmopoliacutetico a fim de garantir a paz perpeacutetua Diante

da dicotomia entre praacuteticas culturais e direitos humanos a base do cosmopolitismo kantiano eacute

a busca de criteacuterios loacutegico-racionais que sejam comuns a todas as culturas

Nesse espectro surgem entatildeo os direitos humanos como nuacutecleo moral-juriacutedico do

direito cosmopoliacutetico vez que a moralidade miacutenima universal se baseia em trecircs pilares a)

humanidade comum b) ameaccedilas compartilhadas e c) obrigaccedilotildees miacutenimas Logo a

fundamentaccedilatildeo moral eacute a base dos direitos humanos uma vez que nela encontram-se as

exigecircncias imprescindiacuteveis para a vida de um indiviacuteduo Apesar das diferenccedilas sociais e

culturais entre os seres humanos algumas necessidades e capacidades satildeo comuns a todos59

56

PAREKH Bhikhu Pluralist universalism and human rights In SMITH Rhona K M ANKER Cristien van

den The essentials of human rights London Oxford University Press 2005 57

KANT Immanuel Para a paz perpeacutetua Traduccedilatildeo Baacuterbara Kristen - Rianxo Instituto Galego de Estudos de

Seguranccedila Internacional e da Paz 2006 58

Ibid 2006 p 107-108 59

BARRETO Vicente de Paulo Direito Cosmopoliacutetico e Direitos Humanos In Espaccedilo Juriacutedico Journal of

Law N 2 Vol 11 2010 Disponiacutevel em

httpeditoraunoescedubrindexphpespacojuridicoarticleview19491017 Acesso 30 out 2014

29

Assim como a concepccedilatildeo de direitos humanos natildeo pode mais ser concebida como o

era na eacutepoca de Kelsen o panorama em que o Direito de um modo geral se insere hoje

tambeacutem natildeo pode mais ser concebido conforme a loacutegica claacutessica kelseniana em que a

constituiccedilatildeo estatal encontra-se no topo de uma estrutura piramidal sendo hierarquicamente

seguida pela legislaccedilatildeo infraconstitucional Os rearranjos da mundializaccedilatildeo e a consequente

internacionalizaccedilatildeo do Direito fazem com que novas estruturas permeiem o atual cenaacuterio

juriacutedico mundial

Seja uma concepccedilatildeo de trapeacutezio cujos veacutertices superiores satildeo ocupados em igual

niacutevel pelas constituiccedilotildees estatais e pelos tratados ou convenccedilotildees internacionais protetivos dos

direitos humanos como eacute a visatildeo de Canotilho seguida por Flaacutevia Piovensan60

seja uma

visatildeo de nuvens fluidas e descontiacutenuas com um direito de sistemas interativos complexos

marcados por geometria de piracircmides inacabadas e aneacuteis normativos como guirlandas

defendida por Delmas-Marty61

demonstram que a internacionalizaccedilatildeo traz tentativas de

recomposiccedilatildeo de um pluralismo que deveraacute ser suficientemente ordenado

Em razatildeo disso razoaacutevel frente agrave mudanccedila paradigmaacutetica trazida pela mundializaccedilatildeo

pensar em um conjunto ordenado para a desordem uma vez que a aparente anarquia que

existe favorece ao pluralismo Para se chegar a um direito comum pluralista tendo por base os

direitos humanos deve-se buscar a harmonizaccedilatildeo entre estes e os direitos econocircmicos com

respeito agraves particularidades religiosas e culturais e com a superaccedilatildeo dos perigos de uma

uniformizaccedilatildeo hegemocircnica tendente agrave globalizaccedilatildeo econocircmica

Nesse novo paradigma o ideaacuterio de ordem ldquodeslegalizadardquo anteriormente referido

toma corpo uma vez que a sobrevalorizaccedilatildeo da lei e das grandes codificaccedilotildees perde espaccedilo

havendo em contrapartida a crescente incorporaccedilatildeo dos precedentes (certa ruptura de

fronteiras entre common law e civil law) e dos princiacutepios como espeacutecie de coacutedigo cultural do

processo de interpretaccedilatildeo e criaccedilatildeo do direito62

A internacionalizaccedilatildeo do Direito reflete portanto uma nova realidade de um Direito

de sistemas complexos fluidos descontiacutenuos e interativos os quais levam agrave mutaccedilatildeo da

proacutepria concepccedilatildeo tradicional de ordem juriacutedica que natildeo eacute mais fechada dentro de si mesma e

sim sofre influecircncia de outras A tradicional piracircmide kelseniana eacute desconstruiacuteda

60

PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e diaacutelogo entre jurisdiccedilotildees In Revista Brasileira de Direito

Constitucional ndash RBCD n19 ndash janjul 2012 61

DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio

de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b 62

FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos

teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013

30

gradativamente dando lugar a novas geometrias cuja hierarquia natildeo eacute tatildeo riacutegida mas nem por

isso deixa de ser complexa

No topo encontram-se as constituiccedilotildees juntamente com elementos do Direito

Internacional (jus cogens tratados relativos o direito internacional dos direitos humanos) e do

direito comunitaacuterio europeu No corpo do que seria a antiga piracircmide kelseniana encontra-se

o crescimento e a consolidaccedilatildeo de um direito jurisprudencial atraveacutes de um jogo de

referecircncias reciacuteprocas em que um sistema observa o outro mas natildeo haacute um centro ao lado das

normas produzidas no legislativo (a intensa produccedilatildeo jurisprudencial para os hard cases

culmina em adiccedilatildeo de conteuacutedos advindos de ldquooutros direitosrdquo) e a base passa a ser composta

por decretos e regulamentos que resultam de administraccedilotildees policecircntricas corroborando para

a crenccedila de que o processo de internacionalizaccedilatildeo do direito vem acompanhado de

descentralizaccedilatildeo e privatizaccedilatildeo de fontes do Direito63

Diante deste quadro Delmas64

apresenta trecircs espeacutecies de processo de interaccedilatildeo para

se chegar a um direito comum coordenaccedilatildeo por entrecruzamento harmonizaccedilatildeo e unificaccedilatildeo

Destaca-se antes de discorrer brevemente sobre esses processos que o direito comum natildeo

tem a pretensatildeo de unificar o Direito no texto pois isso seria uma tarefa praticamente utoacutepica

A ideia de Delmas objetiva na realidade a exploraccedilatildeo da pluralidade como potencial poder

de integraccedilatildeo vez que as redes dinacircmicas e as estruturas vetorizadas pelos direitos humanos

presentes nas novas geometrias da ordem mundial se pautam no reconhecimento do outro em

uma espeacutecie de alteridade65

A coordenaccedilatildeo por entrecruzamento caracteriza-se por ser um processo horizontal em

que a autoridade das decisotildees seraacute reforccedilada pelo jogo de referecircncias cruzadas de uma

jurisdiccedilatildeo agrave outra Essa eacute uma fase transitoacuteria na construccedilatildeo de uma verdadeira ordem juriacutedica

mundial em que a internormatividade e a interpretaccedilatildeo cruzada permitem a formaccedilatildeo de no

miacutenimo uma comunidade de juiacutezes Em funccedilatildeo disso em acircmbito global percebem-se traccedilos

da coordenaccedilatildeo por entrecruzamento nos diaacutelogos entre cortes e tribunais nas mais diferentes

ordens No espaccedilo europeu a coordenaccedilatildeo eacute percebida da mesma forma atraveacutes dos diaacutelogos

entre as cortes nacionais e os tribunais da ldquopequena Europardquo e da ldquogrande Europardquo

respectivamente Tribunal de Luxemburgo e de Estrasburgo

Interessante notar conforme jaacute foi demonstrado que foram os diaacutelogos entre as cortes

nacionais dos diversos Estados membros da entatildeo Comunidade Europeia e posterior Uniatildeo

63

Ibid 2013 p20 64

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006 65

LOPES Carla Patriacutecia Frade Nogueira Internacionalizaccedilatildeo do Direito e pluralismo juriacutedico limites de

cooperaccedilatildeo no diaacutelogo de juiacutezes In Revista de Direito Internacional da Uniceub Vol 9 n4 2012

31

Europeia que auxiliaram no processo de consolidaccedilatildeo do entendimento de primazia das

normas comunitaacuterias ao lado da proteccedilatildeo integral aos direitos fundamentais previstos nas

constituiccedilotildees estatais Isso culminou conforme se asseverou anteriormente na disposiccedilatildeo do

Tratado de Lisboa de que a Uniatildeo Europeia natildeo soacute se submete agraves tradiccedilotildees e regras

constitucionais em mateacuteria de direitos fundamentais como adere agrave Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem

Se o primeiro processo de interaccedilatildeo eacute a coordenaccedilatildeo far-se-aacute de imediato a anaacutelise do

uacuteltimo processo a unificaccedilatildeo visto que o eacute no processo intermediaacuterio ndash a harmonizaccedilatildeo ndash que

se desenvolve o foco do presente estudo A unificaccedilatildeo seria do ponto de vista formal o

processo perfeito por unir ordens juriacutedicas regionais sob um mesmo modelo hieraacuterquico e

coerente das ordens nacionais tradicionais Entretanto sob o enfoque empiacuterico essa perfeiccedilatildeo

estaacute longe de ser garantida vez que a unificaccedilatildeo consiste na transferecircncia pura e simples do

regramento juriacutedico de um paiacutes para outro em uma espeacutecie de verticalizaccedilatildeo ordenada que

pode gerar a dominaccedilatildeo hegemocircnica de uma ordem sobre outra sem portanto respeito agrave

pluralidade

O processo intermediaacuterio de harmonizaccedilatildeo por sua vez tende a aproximar os sistemas

com um propoacutesito coordenativo poreacutem sem a intenccedilatildeo unificadora Tal processo limita-se a

uma integraccedilatildeo imperfeita cuja chave eacute a preservaccedilatildeo das margens nacionais de apreciaccedilatildeo

De modo diferente da coordenaccedilatildeo que eacute marcada pela horizontalidade da comunicaccedilatildeo entre

conjuntos juriacutedicos a harmonizaccedilatildeo instaura uma relaccedilatildeo do tipo vertical que implica o

reconhecimento de algumas hierarquias entre por exemplo direito internacional e nacional

direito supranacional e nacional dentre outras formas Todavia a inversatildeo destas hierarquias

e o reconhecimento muacutetuo fazem parte do movimento de harmonizaccedilatildeo

As margens nacionais de apreciaccedilatildeo satildeo as grandes novidades desse processo de

harmonizaccedilatildeo vez que elas funcionam em uma dinacircmica centriacutefuga e envolvem tanto a

obrigaccedilatildeo de conformidade em relaccedilatildeo agraves normas internacionais das quais determinado paiacutes eacute

signataacuterio quanto agrave apreciaccedilatildeo soberana dos Estados sendo delineada por princiacutepios

comuns66

A resistecircncia dos direitos internos e os avanccedilos do processo de harmonizaccedilatildeo satildeo

portanto as condiccedilotildees de possibilidade para a aplicaccedilatildeo da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

(MNA)

66

SALDANHA Jacircnia Maria Lopes MELLO Rafaela da Cruz Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e

Diaacutelogos Transjurisdicionais uma anaacutelise da postura do Supremo Tribunal Federal Brasileiro In Conselho

Nacional de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito - CONPEDI (Org) Direito Internacional dos Direitos

Humanos I XXIII EdFlorianoacutepolis CONPEDI 2014 v I p 368-394

32

Deste modo imperioso reconhecer que em um continente plural como eacute o europeu

com diversos paiacuteses com aspectos linguiacutesticos culturais religiosos e poliacuteticos a figura da

MNA apresenta-se como uma importante chave para o desenvolvimento e consolidaccedilatildeo de

um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos sendo uma ferramenta relevante

para o estabelecimento de um pluralismo ordenado uma vez que as pluralidades e

peculiaridades culturais e religiosas de cada Estado satildeo respeitadas

Neste sentido portanto a Europa pode ser vista novamente como um laboratoacuterio de

experiecircncias e o surgimento da MNA possui hoje um importante papel sobretudo dentro do

continente europeu Utilizada tanto pelos Tribunais de Luxemburgo e Estrasburgo a MNA

surgiu pela primeira vez na jurisprudecircncia do TEDH

Embora existam relatos do uso da MNA pelo Tribunal de Luxemburgo para permitir

que os conceitos comunitaacuterios sejam interpretados de modo flexiacutevel segundo as

especificidades nacionais e servindo como uma importante vaacutelvula de escape para as tensotildees

nacionais mais fortes neste trabalho far-se-aacute a limitaccedilatildeo da utilizaccedilatildeo da MNA pelo Tribunal

Europeu de Direitos do Homem com o intuito de analisar quais satildeo os entraves e as

possibilidades do uso de tal ferramenta pra a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de um direito comum

para a ldquogrande Europardquo tendo como base os direitos humanos

33

2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU

A noccedilatildeo de margem encontra-se no coraccedilatildeo dos sistemas de Direito uma vez que o

direito interno jaacute prevecirc a possibilidade de uma margem de interpretaccedilatildeo aos juiacutezes em relaccedilatildeo

agraves demandas que lhes satildeo apresentadas Todavia a internacionalizaccedilatildeo impulsiona ao

acreacutescimo do termo ldquonacionalrdquo a essa margem no sentido de permitir o reconhecimento da

diversidade dos sistemas juriacutedicos e a possibilidade de um direito comum

Nesse sentido no presente capiacutetulo far-se-aacute uma abordagem acerca da histoacuteria dessa

ferramenta criada pelo TEDH bem como o conceito e as criacuteticas trazidas por estudiosos da

doutrina da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) (21) Por conseguinte atraveacutes de uma

anaacutelise jurisprudencial se tentaraacute comprovar que a margem a despeito de opiniotildees contraacuterias

acerca da ausecircncia de paracircmetros para sua aplicaccedilatildeo pelo TEDH constitui-se como um

instrumento relevante para a construccedilatildeo de um direito comum europeu tendo como base

luminosa os direitos humanos (22)

21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem

Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu

Consoante fora anteriormente aludido a noccedilatildeo de margem encontra-se dentro dos

sistemas de direito Por isso em um primeiro momento aponta-se a margem dentro do direito

interno como ferramenta capaz de auxiliar o juiz enquanto receptor da norma a interpretar

determinado caso concreto em uma espeacutecie de coacutedigo cultural que determina o senso da

norma67

Nesse sentido a origem dessa margem de interpretaccedilatildeo adveacutem do direito

administrativo de diversos Estados europeus Na Franccedila a margem eacute conhecida como ldquomarge

67

DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation

du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit

compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780

34

drsquoappreacutecciationrdquo na Alemanha eacute vista como ldquoErmessensspielraumrdquo e na Itaacutelia ldquomarge de

discrizionalitaacuterdquo68

Em acircmbito interno portanto caracteriza-se por ser uma deferecircncia que

combina aspectos processuais e hermenecircuticos no sentido de conferir uma reserva de

apreciaccedilatildeo ao administrador para decidir acerca da conveniecircncia e oportunidade em relaccedilatildeo

aos atos administrativos

O processo de internacionalizaccedilatildeo estaacutegio supremo da globalizaccedilatildeo69

no acircmbito do

Direito se desenvolve a ponto de transformar o campo de uma disciplina de modo que

consoante jaacute fora exaustivamente exposto a seara juriacutedica natildeo se limita mais agrave relaccedilatildeo entre

Estados nem somente se combina com os direitos internos Logo o pluralismo pode ser visto

como uma palavra de ordem na paisagem juriacutedica atual e por isso a noccedilatildeo de margem ganha

o adjetivo ldquonacionalrdquo e passa a ser um elemento de tentativa de aproximaccedilatildeo com a finalidade

de atingir um direito comum com bases humanistas

Logo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) teria a finalidade de proceder a uma

espeacutecie de siacutentese entre os anseios de unidade juriacutedica e o desejo de separaccedilatildeo proveniente de

uma autonomia estatal A margem portanto sob o vieacutes da internacionalizaccedilatildeo corresponderia

ao caminho do meio entre o pressuposto de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o

relativismo ou os particularismos culturais de cada Estado

No contexto europeu em que tanto sob o vieacutes comunitaacuterio quanto sob a perspectiva do

sistema regional os Estados apresentam pluralidades significativas em relaccedilatildeo agrave religiatildeo agrave

cultura agrave poliacutetica dentre outros campos a figura da MNA serve como um importante

instrumento para aproximar o universal e o relativo70

Dessa maneira teria a funccedilatildeo de no

processo de construccedilatildeo de um direito comum apresentar como horizonte a universalidade dos

direitos humanos mas sem perder de foco os relativismos culturais que formam a identidade

das mais diferentes sociedades

Niacutetido portanto que o caminho para a construccedilatildeo de um ldquocomumrdquo em mateacuteria de

direitos humanos relaciona-se natildeo soacute com a proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua esfera eacutetica

e miacutenima como tambeacutem com a preservaccedilatildeo da pluralidade Como instrumento do processo de

harmonizaccedilatildeo a margem carrega em seu acircmago a noccedilatildeo de convergecircncia em torno de

princiacutepios comuns mas garantindo o respeito a uma espeacutecie de direito agrave divergecircncia uma vez

68

ITZCOVITCH Giulio One None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations The Lautsi Case

In Human Rights Law Review Oxford Journals 2013 Disponiacutevel em

httphrlroxfordjournalsorgcontent132toc Acesso 04 nov 2014 69

SANTOS Milton Teacutecnica Espaccedilo Tempo Globalizaccedilatildeo e meio teacutecnico-cientiacutefico-informacional 5ordf ed

Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2013 p 45 70

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b

35

que se garante a cada Estado a particularidade de lidar com questotildees atinentes agraves suas

diferenccedilas

Deste modo o Tribunal de Estrasburgo consoante fora dito anteriormente se utiliza

pela primeira vez do recurso agrave MNA no caso Lawless vs Irlanda71

Na discussatildeo cerne deste

conflito estava a possibilidade de prisatildeo provisoacuteria no caso dos atentados terroristas

relacionados ao grupo extremista IRA (Irish Republic Army) Mais especificamente o

cidadatildeo irlandecircs Gerard Richard Lawless ex-membro do IRA foi preso em julho de 1957 no

momento em que estava prestes a viajar da Irlanda agrave Gratilde-Bretanha Neste ato foi detido sob

especiais poderes de detenccedilatildeo indeterminada sem julgamento sob alegaccedilotildees de ofensas contra

o Estado irlandecircs

Lawless fazendo o uso da prerrogativa de peticcedilatildeo individual demandou perante a

Corte Europeia de Direitos do Homem alegando violaccedilatildeo pelo Estado Irlandecircs dos artigos 56

e 7 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem mas especificamente direitos de

liberdade seguranccedila julgamento justo e o princiacutepio de proibiccedilatildeo de puniccedilatildeo sem lei anterior

que defina um delito

No julgamento do caso em 1961 o Tribunal de Estrasburgo pela primeira vez fez

alusatildeo mesmo que de modo natildeo explicito agrave possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo

ao deixar ao Estado Irlandecircs margem para decidir fundamentando-se nas prerrogativas do

artigo 1572

da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Tal norma da Convenccedilatildeo alude agrave

possibilidade de derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade com a prerrogativa de que em

caso de guerra ou outro perigo puacuteblico que ameace a vida da naccedilatildeo a parte aderente agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem pode tomar providecircncias que derroguem as

obrigaccedilotildees previstas no tratado na estrita medida em que exigir a situaccedilatildeo

71

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57518itemid[001-57518] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lawless vs Irlanda Sentenccedila de 01 de julho de 1961 Acesso

05 nov 2014 72

Artigo 15 Derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade 1 Em caso de guerra ou de outro perigo puacuteblico que

ameace a vida da naccedilatildeo qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providecircncias que derroguem as obrigaccedilotildees

previstas na presente Convenccedilatildeo na estrita medida em que o exigir a situaccedilatildeo e em que tais providecircncias natildeo

estejam em contradiccedilatildeo com as outras obrigaccedilotildees decorrentes do direito internacional 2 A disposiccedilatildeo

precedente natildeo autoriza nenhuma derrogaccedilatildeo ao artigo 2deg salvo quanto ao caso de morte resultante de atos

liacutecitos de guerra nem aos artigos 3deg 4deg (paraacutegrafo 1) e 7deg 3 Qualquer Alta Parte Contratante que exercer este

direito de derrogaccedilatildeo manteraacute completamente informado o Secretaacuterio Geral do Conselho da Europa das

providecircncias tomadas e dos motivos que as provocaram Deveraacute igualmente informar o Secretaacuterio - Geral do

Conselho da Europa da data em que essas disposiccedilotildees tiverem deixado de estar em vigor e da data em que as da

Convenccedilatildeo voltarem a ter plena aplicaccedilatildeo CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS

DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014

36

Logo aplicando o referido artigo 15 da Convenccedilatildeo a decisatildeo do Tribunal de

Estrasburgo foi de no caso proposto asseverar que os fatos apurados natildeo revelam uma

violaccedilatildeo por parte do Governo irlandecircs de suas obrigaccedilotildees ao abrigo da Convenccedilatildeo Europeia

para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais Em razatildeo disso de a

motivaccedilatildeo do Tribunal para proferir a decisatildeo ter partido de uma prerrogativa da proacutepria

Convenccedilatildeo Europeia alguns autores73

natildeo fazem alusatildeo a este caso como o primeiro em que

houve concessatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo para Estado

Embora haja uma referecircncia tiacutemida agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso exposto

anteriormente eacute no caso linguiacutestico belga74

que se percebe uma manifestaccedilatildeo mais concreta

da Corte de Estrasburgo em relaccedilatildeo agrave deferecircncia de julgamento aos Estados precisando

alguns dos fundamentos da doutrina da MNA No caso belga julgado em 1968 pais que

falavam francecircs questionaram o sistema educacional da Beacutelgica que dividia o paiacutes em quatro

regiotildees linguiacutesticas distintas

O Tribunal de Luxemburgo aceitou uma margem de apreciaccedilatildeo conferida agraves partes em

funccedilatildeo de que os Estados possuiacuteam discricionariedade em relaccedilatildeo agrave regulamentaccedilatildeo do direito

agrave educaccedilatildeo A Corte argumentou que essa necessidade de concessatildeo de uma deferecircncia ou de

um limite de discricionariedade ao Estado era proveniente da natureza do proacuteprio direito

discutido (regulamentaccedilatildeo do sistema educacional) de modo que a regulamentaccedilatildeo do direito

agrave educaccedilatildeo poderia variar de acordo com o local e com o tempo consoante as necessidades e

os recursos da comunidade e dos indiviacuteduos

Ainda eacute possiacutevel destacar nesse caso a vinculaccedilatildeo da noccedilatildeo de margem de apreciaccedilatildeo

ao princiacutepio de subsidiariedade dos tribunais internacionais em relaccedilatildeo agraves cortes nacionais

Por isso o Tribunal manifestou-se asseverando que natildeo desejava substituir as autoridades

nacionais pois se assim o fizesse perderia a caracteriacutestica de mecanismo internacional de

garantia da ordem instaurada pela Convenccedilatildeo

73

KRATOCHVIL Jan The inflation of the margin of appreciation by european court of human rights In

Netherlands Quarterly of Human Rights Vol 293 2011 p 324-357 Disponiacutevel em ww corteidhorcr

tablas r26992pdf Acesso 01 nov 2014

VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um

equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em

httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 74

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httpwww9euskadineteuskara_araubideaLegedialegeakgaztelaneuropas23b001pdf CORTE EUROPEIA

DE DIREITOS HUMANOS Caso linguiacutestico belga Sentenccedila de 23 de julho de 1968 Acesso 05 nov 2014

37

Essa subsidiariedade conduz agrave MNA duas noccedilotildees75

uma noccedilatildeo teacutecnica e outra

poliacutetica Na noccedilatildeo teacutecnica a razatildeo para sua existecircncia relaciona-se com a imprecisatildeo de

algumas normas que conferem certa liberdade ao juiz internacional No campo poliacutetico a

relaccedilatildeo se evidencia pela sensibilidade dos Estados em relaccedilatildeo a temas polecircmicos

Sob essa oacutetica e embora esse natildeo seja o foco do presente trabalho pode-se afirmar que

a MNA eacute uma figuram importante tanto para o horizonte de criaccedilatildeo de um direito comum

europeu como para a consolidaccedilatildeo do direito comunitaacuterio europeu Isso porque este uacuteltimo

embora tenha sido baseado em um ideal federalista funda-se na realidade em um modelo de

governanccedila supranacional em que a MNA foi importada pelo Tribunal de Luxemburgo a fim

de ser uma vaacutelvula de escape para tensotildees fortes em acircmbito comunitaacuterio76

O TJUE deste modo permite que os conflitos comunitaacuterios sejam interpretados de

maneira flexiacutevel conforme especificidades nacionais Cada Estado pode atribuir seu proacuteprio

significado a expressotildees ou textos legais de interpretaccedilatildeo ampla devendo-se contudo

vincular aos princiacutepios e conceitos juriacutedico-legais do direito comunitaacuterio

No campo de construccedilatildeo de um direito comum europeu que tem como terreno o

sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos tal premissa natildeo eacute diferente Embora em

alguns casos o TEDH opte pela concessatildeo da margem de deferecircncia essa soacute pode ser aplicada

pelo Estado se este observar os princiacutepios que regem o instrumento legal base da Corte qual

seja a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) Deste modo o Estado natildeo fica

desobrigado do cumprimento da Convenccedilatildeo pois em tese apenas existiraacute margem para

pontos sensiacuteveis desta os quais permitem interpretaccedilotildees diferenciadas de acordo com os

particularismos nacionais e os desacordos culturais

Nesse sentido conforme se observou pelos casos citados com ecircnfase para o caso

Lawless vs Irlanda uma primeira aplicaccedilatildeo da doutrina da margem vinculou-se ao processo

de sedimentaccedilatildeo do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos vez que tal

caso foi um dos primeiros a ser julgado pelo Tribunal de Estrasburgo aleacutem de conforme fora

dito ter sido o primeiro no acircmbito da criaccedilatildeo e uso da MNA Em razatildeo desse contexto a

utilizaccedilatildeo do instrumento em questatildeo deu-se em funccedilatildeo de uma demanda que envolvia

questatildeo de seguranccedila interna de um paiacutes e por isso a aplicaccedilatildeo da deferecircncia de julgamento agrave

Irlanda daacute-se tambeacutem como uma teacutecnica poliacutetica para evitar tensotildees entre esfera internacional

75

DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation

du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit

compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780 76

VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade

de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014

38

e nacional (esta ainda arraigada ao conceito claacutessico de soberania) no acircmbito de um sistema

que tinha sido criado recentemente

Sob tal vieacutes pode-se recorrer agrave explicaccedilatildeo de Marcelo Varella77

de que a margem

deve ser aplicada para temas polecircmicos em que abusos exegeacuteticos por parte do tribunal de

cariz internacional podem levar agrave perda de legitimidade deste Contudo com o

desenvolvimento da teoria da MNA tanto por doutrinadores como pela proacutepria jurisprudecircncia

do tribunal que a criou percebe-se que o seu uso em grande medida relaciona-se com o

embate entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo nacional em mateacuteria de

desacordos culturais

Natildeo obstante a existecircncia de criacuteticas sobre a aplicaccedilatildeo praacutetica atual da MNA pelo

TEDH o que seraacute objeto de anaacutelise na sequencia do presente trabalho eacute com a figura da

deferecircncia da margem nacional que se torna possiacutevel um pluralismo de justaposiccedilatildeo78

que

tolera a coexistecircncia de sistemas particularmente diferentes Somente a possibilidade de

acoplamento do adjetivo nacional ao substantivo margem ou seja uma transferecircncia de

conceito desse substantivo para outra esfera que natildeo agrave interna de cada paiacutes jaacute demonstra que

uma ruptura com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito jaacute iniciou e ainda estaacute em curso

A ruptura com a concepccedilatildeo tradicional unificada e estritamente hierarquizada de

ordem juriacutedica leva a uma ruptura epistemoloacutegica com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito

Isso permite natildeo soacute a existecircncia e aplicaccedilatildeo de uma margem nacional de apreciaccedilatildeo como

demonstra a possibilidade de concretizaccedilatildeo do ideal de um direito comum que por ser

pluralista natildeo pode ser projetado conforme o modelo tradicional e nem encontra campo para

isso em funccedilatildeo do novo mosaico juriacutedico existente sobretudo na Europa

Logo eacute possiacutevel afirmar que a margem a que se refere esse trabalho natildeo deixa de ser

um reconhecimento jurisprudencial dessa mudanccedila de ares trazida pelas novas configuraccedilotildees

e estruturas juriacutedicas Isso porque novas instituiccedilotildees emergem em meio de um caos juriacutedico

que natildeo passa despercebido pelas cortes internacionais Prova disso eacute que a MNA natildeo eacute

mencionada somente pelo TEDH Ainda que de modo muito tiacutemido e em pequena medida eacute

possiacutevel o destaque de citaccedilatildeo (e aplicaccedilatildeo) da referida doutrina pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos79

Embora o continente latino americano seja tatildeo ou mais plural e diversificado que o

europeu e que o uso da margem como instrumento de siacutentese entre relativo e universal seja

77

Ibid 2012 p 143 78

DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 757 79

POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema

interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012

39

teoricamente indicado para sedimentar as bases de construccedilatildeo de um direito comum pluralista

a aplicaccedilatildeo do instituto em solo americano ainda natildeo ocorre de modo significativo Sob esse

vieacutes o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Seacutergio Garcia Ramirez80

asseverou

que a margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute uma ferramenta e um princiacutepio europeu de relativismo

relativo agrave execuccedilatildeo que natildeo eacute visto com simpatia pela Corte maacutexima do sistema regional

americano de direitos humanos Isso em funccedilatildeo natildeo soacute do histoacuterico de demandas que

chegaram ao julgamento da Corte Interamericana ndash em grande parte envolvendo violaccedilotildees de

direitos humanos perpetradas pelo Estado durante os periacuteodos de ascensatildeo de autoritarismos e

ditaduras na Ameacuterica Latina ndash como tambeacutem em razatildeo das democracias latino-americanas

ainda estarem em fase de consolidaccedilatildeo

Deste modo em razatildeo da ausecircncia ateacute entatildeo de casos envolvendo desacordos

culturais e das recentes reinserccedilotildees ou inserccedilotildees democraacuteticas de paiacuteses do continente

americano temia-se que eventual aplicaccedilatildeo de MNA poderia ser compreendida pelos Estados

como um salvo-conduto para que houvesse violaccedilatildeo de direitos humanos pelos paiacuteses A

cautela e a percepccedilatildeo de paisagens diferentes entre os territoacuterios separados pelo Atlacircntico

fizeram e fazem com que ainda hoje a doutrina da margem tenha pouca ou quase nenhuma

aplicaccedilatildeo na Ameacuterica

Deste modo pode-se afirmar que a internacionalizaccedilatildeo do direito - e seus reflexos na

Europa - eacute a responsaacutevel pela criaccedilatildeo de um espaccedilo para o desenvolvimento da doutrina da

margem nacional de apreciaccedilatildeo Nesse sentido embora a criaccedilatildeo tenha sido jurisprudencial

por parte do TEDH com aplicaccedilatildeo em alguns casos pelo proacuteprio Tribunal de Luxemburgo eacute

importante avaliar de que modo a doutrina conceitua o referido instituto

A posiccedilatildeo adotada por este trabalho eacute a de Mireille Delmas-Marty81

que salienta em

suas obras a origem nacional da margem nacional ainda como uma margem de interpretaccedilatildeo

capaz de conferir um pluralismo de valores do tipo meta juriacutedico em uma espeacutecie de

deferecircncia para apreciaccedilatildeo do juiz receptor de determinada norma Todavia a margem

relativa agrave internacionalizaccedilatildeo liga-se ao reconhecimento da diversidade de sistemas juriacutedicos

os quais possuem algumas caracteriacutesticas peculiares ligadas agraves identidades do Estado em que

se encontram

80

Tal posicionamento de Seacutergio Garciacutea Ramirez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema Internacional de

Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de 19 e 20 de agosto

de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado ndash da Pontifiacutecia

Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS 81

DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 762

40

Em razatildeo disso para a autora a noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo aleacutem de ser

uma siacutentese entre o universal e o relativo eacute uma chave do pluralismo ordenado Desse modo

sua construccedilatildeo assemelha-se de um lado agrave expressatildeo de uma dinacircmica centriacutefuga ou seja

uma resistecircncia dos Estados agrave integraccedilatildeo e o apego agrave noccedilatildeo claacutessica de soberania e de outro

lado sendo ela limitada por princiacutepios comuns estabelece o miacutenimo de compatibilidade

voltando-se ao centro em uma dinacircmica centriacutepeta

Haacute portanto um movimento duplo que por vezes traduz as resistecircncias dos direitos

nacionais por vezes os avanccedilos rumo agrave harmonizaccedilatildeo do direito comum em mateacuteria de

direitos humanos Eacute justamente essa capacidade de oscilaccedilatildeo que permite os ajustamentos

com vistas a compatibilizar o interno com o comum com o intuito nem de criar uma

hegemonia do universal e nem de tornar inaplicaacutevel o direito comum em razatildeo das

particularidades Desta forma Delmas percebe a margem como uma teacutecnica juriacutedica presente

no acircmbito do fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo do direito e que permite o reconhecimento da

diversidade entre os sistemas juriacutedicos82

Benvenisti83

por sua vez visualiza no uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo uma

espeacutecie de latitude que cada sociedade tem na resoluccedilatildeo de conflitos inerentes entre os

direitos individuais e os interesses nacionais ou entre diferentes convicccedilotildees morais Por

conseguinte alude que a doutrina da margem consoante inclusive fora abordado

anteriormente neste trabalho respondeu inicialmente a preocupaccedilotildees de governos nacionais

de que as poliacuteticas internacionais pudessem comprometer a seguranccedila nacional Isso entatildeo

explicaria a invocaccedilatildeo da margem no caso Lawless vs Irlanda por exemplo

Com a evoluccedilatildeo da jurisprudecircncia o uso desse instrumento passou a ser aplicado por

outras razotildees como gestatildeo de recursos discricionariedade em relaccedilatildeo a questotildees

concernentes agrave deliberaccedilatildeo acerca de sistemas poliacuteticos educacionais entre outros ateacute passar

a ser utilizada em temas relativos aos desacordos culturais Ainda segundo Bevenisti84

a

utilizaccedilatildeo da margem se justifica em alguns casos e em algumas mateacuterias ndash para o autor por

exemplo a aplicaccedilatildeo da margem nacional natildeo se justifica quando em questatildeo se encontram o

direito de minorias - sendo que o uso ampliado ou desmedido pode gerar uma espeacutecie de

deslegitimaccedilatildeo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos

82

Ibid 2000 p 760 83

BENVENISTI Eyal Margin of apreciation consensus and universal standards In International Law and

Politics Vol 31843 1999 pp 843-854 Disponiacutevel em httpwwwpict-

pctiorgpublicationsPICT_articlesJILPBenvenistipdfp 853 Acesso 05 nov 2014 84

Ibid 1999 p 846

41

Para Poblete amp Alvarado85

a margem nacional de apreciaccedilatildeo liga-se agrave noccedilatildeo de fins e

limites da jurisdiccedilatildeo internacional ou supranacional em mateacuteria de direitos humanos Eles

reconhecem que a doutrina da margem concede aos Estados signataacuterios de convenccedilotildees

internacionais liberdade para apreciar as circunstacircncias materiais que exigem aplicaccedilatildeo de

medidas excepcionais em situaccedilatildeo de emergecircncia como eacute o caso das prerrogativas do artigo

15 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de derrogaccedilatildeo em caso de necessidade

Outrossim ainda segundo os mencionados autores a margem possibilita aos Estados

liberdade para limitar direitos reconhecidos em tratados internacionais quando outros direitos

exigem respeito ou assim exigem os interesses da comunidade Ainda serviria para definir os

conteuacutedo dos direitos delimitar como eles satildeo aplicados no plano interno e definir o modo

como seratildeo cumpridas resoluccedilotildees de um oacutergatildeo internacional de supervisatildeo de um tratado ou

convenccedilatildeo Dessa maneira tais autores identificam a doutrina da MNA como uma

metodologia de que se servem os tribunais internacionais para difundir os direitos humanos

previstos nos tratados internacionais bem como o direito do comeacutercio ndash a margem tambeacutem eacute

aplicada pela Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio (OMC)

Vila86

por sua vez percebe na doutrina da marem nacional de apreciaccedilatildeo uma espeacutecie

de ldquodeferecircnciardquo praticada pelo Tribunal de Estrasburgo em relaccedilatildeo aos Estados signataacuterios da

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Isso pelo fato de que o sistema de proteccedilatildeo dos

diretos humanos na Europa eacute resultado de uma divisatildeo de trabalho entre os Estados e a Corte

em que os primeiros satildeo responsaacuteveis primaacuterios desta proteccedilatildeo e a Corte possui um caraacuteter

subsidiaacuterio atuando em acircmbitos sensiacuteveis como o da moralidade e da religiatildeo em que natildeo haacute

consenso entre os Estados

Nesse mesmo sentido se situa o pensamento de Roca87

que afirma que a doutrina da

margem nacional de apreciaccedilatildeo ocupa um lugar de destaque na jurisprudecircncia do Tribunal

Europeu de Direitos Humanos e eacute necessaacuteria para refletir uma realidade evidente qual seja a

pluralidade cultural dos Estados que fazem parte do Conselho da Europa notaacutevel em um

pluralismo de base territorial sobre o qual assenta uma cultura comum europeia de alguns

miacutenimos

85

POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema

interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012 p5 86

VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um

equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em

httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 87

ROCA JavierGarciacutea La muy discrecional doctrina del margen de apreciacioacuten nacional seguacuten el Tribunal

Europeo de Derechos Humanos Soberaniacutea e Integracioacuten In UNED Teoriacutea y Realidad Constitucional N

202007 p 117-143 Disponiacutevel em httpe-spaciounedes revistasuned indexphp TRC article vie 6778

Acesso 02 nov 2014

42

Da mesma forma considera o autor que os princiacutepios da proporcionalidade e da

subsidiariedade satildeo imanentes agrave noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo visto que os

Estados possuem certa margem de discricionariedade na aplicaccedilatildeo e no cumprimento de

obrigaccedilotildees impostas pela Convenccedilatildeo bem como na ponderaccedilatildeo de interesses mais

complexos Se houver excesso por parte dos Estados no uso dessa margem haacute violaccedilatildeo do

princiacutepio da proporcionalidade e abre-se espaccedilo para a intervenccedilatildeo do oacutergatildeo jurisdicional

internacional sob as bases do princiacutepio da subsidiariedade

Eacute importante sob essa oacutetica lembrar que embora o diferencial da Corte Europeia de

Direitos Humanos seja o de permitir a peticcedilatildeo individual de qualquer sujeito que denuncie

uma violaccedilatildeo de seus direitos baacutesicos assim como outros tribunais internacionais tem a regra

da exigecircncia do esgotamento das vias internas de acesso agrave justiccedila para que a demanda seja

recebida pelo TEDH Se natildeo houve satisfaccedilatildeo do pleito por parte do Estado ou se a reparaccedilatildeo

obtida se revelara inidocircnea para uma proteccedilatildeo adequada ao direito violado entatildeo agrave Corte

Europeia eacute permitido revisar a decisatildeo nacional ou substituiacute-la

Mahorney88

em seus estudos assevera que a margem funciona como uma espeacutecie de

divisatildeo de jurisprudecircncias uma vez que traccedila uma linha divisoacuteria entre o que deve decidir

cada comunidade nacional e as questotildees que tecircm relevacircncia para necessitar uma soluccedilatildeo

homogecircnea ou seja as que demandam uma decisatildeo que harmonize a regulaccedilatildeo do direito e

suas garantias na comunidade internacional independentemente das diferenccedilas de tradiccedilotildees

ou culturas

Contreras89

afirma que os tratados regionais de direitos humanos embora contenham

escopos de universalidade em relaccedilatildeo a esses direitos satildeo acompanhados pela possibilidade

de peculiaridades geograacuteficas na execuccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos direitos do homem As cortes

internacionais tecircm a dificuldade de conciliar ou justificar a falta de conciliaccedilatildeo entre

diferenccedilas morais e normativas de cada regiatildeo Em razatildeo disso uma das criaccedilotildees doutrinaacuterias

mais importantes eacute a da margem nacional de apreciaccedilatildeo sendo esta para o autor um criteacuterio

interpretativo desenvolvido tanto como deferecircncia aos Estados para que possam regular o

conteuacutedo dos direitos e suas restriccedilotildees e para distribuir os poderes e niacuteveis de decisotildees

tomadas entre as autoridades domeacutesticas e internacionais

88

MAHORNEY Paul Marvellous richness diversity or individual cultural relativism In Human Rights Law

Journal Vol 19 nuacutem 1 30 de abril de 1998 p 1 89

CONTRERAS Pablo National Discretion and International Deference in the Restriction of Human Rights A

Comparison Between the Jurisprudence of the European and the Inter-American Court of Human Rights In

Northwestern Journal of International Human Rights Vol 11 2012 Disponiacutevel em

httpscholarlycommonslawnorthwesterneducgiviewcontentcgiarticle=1155ampcontext=njihr Acesso 01 nov

2014

43

Visiacutevel portanto que na doutrina natildeo haacute um contexto exato em relaccedilatildeo a essa figura

criada e aplicada na jurisprudecircncia do TEDH Enquanto para alguns estudiosos ela se

configura como uma doutrina para outros eacute um criteacuterio interpretativo ou hermenecircutico usado

pelos tribunais internacionais no sentido de revisar a decisatildeo de um Estado ou conceder

deferecircncia a este para julgar conforme o direito interno coadunado com os princiacutepios miacutenimos

existentes nos tratados internacionais de direitos humanos

Natildeo obstante a divergecircncia de conceituaccedilatildeo no campo teoacuterico analisar-se-aacute no

proacuteximo capiacutetulo alguns casos emblemaacuteticos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de apreciaccedilatildeo

pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos mais diferentes tema com o intuito de

responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel afirmar que do modo como eacute aplicada a

doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo pela Corte Europeia de Direitos do Homem

temos uma efetiva contribuiccedilatildeo para o processo de harmonizaccedilatildeo entre universal e relativo e

construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos

Embora a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo tenha nascido da tentativa de

produccedilatildeo de uma siacutentese entre o universal e o relativo no espaccedilo do sistema regional europeu

de proteccedilatildeo dos direitos humanos sua aplicaccedilatildeo praacutetica sobretudo pelo TEDH natildeo eacute imune a

criacuteticas Cumpre a esse capiacutetulo realizar notas acerca da aplicaccedilatildeo praacutetica da margem

nacional de apreciaccedilatildeo com o intuito de verificar se ela efetivamente contribui ou eacute capaz de

contribuir para a construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

Conforme afirmam Brum et Saldanha90

a MNA ao ser compreendida e utilizada como

uma forma de autocontrole por meio do qual o oacutergatildeo jurisdicional internacional evita o

enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas poliacutetica pode

representar um risco de fragilizaccedilatildeo do direito internacional dos direitos humanos caso seu

uso se torne indiscriminado sem criteacuterios claros e limites precisos Desta maneira seu uso em

vez de conduzir ao caminho de ordenaccedilatildeo do muacuteltiplo e de mundializaccedilatildeo dos direitos

90

BRUM Maacutercio Morais SALDANHA Jacircnia Maria Lopes A margem nacional de apreciaccedilatildeo e sua

(in)aplicaccedilatildeo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em mateacuteria de anistia Uma figura hermenecircutica a

serviccedilo do pluralismo ordenado In Anuario Mexicano de Derecho Internacional 2015(No prelo para

publicaccedilatildeo)

44

humanos levaria ao rumo contraacuterio da fragmentaccedilatildeo e reforccedilo da velha noccedilatildeo de soberania

marcada pela ausecircncia de compromisso dos Estados com os marcos protetivos miacutenimos do

direito internacional

Neste vieacutes portanto dentro ainda de um panorama geral de anaacutelise da postura do

Tribunal de Estrasburgo um dos primeiros pontos de criacutetica se relaciona ao enfraquecimento

da credibilidade do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos Na visatildeo de

alguns doutrinadores a postura da Corte Europeia na aplicaccedilatildeo irrestrita e sem limitaccedilotildees ou

uma sistematizaccedilatildeo teacutecnica em relaccedilatildeo aos casos em que deve ou natildeo ser aplicada pode gerar

um sentimento de descrenccedila na legitimidade e na eficaacutecia das decisotildees tomadas pelo oacutergatildeo

jurisdicional internacional do Conselho da Europa

Para alguns estudiosos o modo como a margem eacute aplicada reflete uma postura de

evitar o enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas

poliacuteticas Aleacutem de uma fragilizaccedilatildeo do sistema internacional de proteccedilatildeo aos direitos humanos

o uso da margem sem limites definidos pode levar ao reforccedilo da noccedilatildeo claacutessica de soberania

em que o compromisso dos Estados com os instrumentos normativos de direito internacional

era mitigado

No campo de aplicaccedilatildeo a casos praacuteticos eacute possiacutevel conforme assevera Roca91

visualizar as imprecisotildees praacuteticas e teoacutericas do uso da margem o que leva a dois resultados o

primeiro eacute a necessidade de criaccedilatildeo de esforccedilos com urgecircncia para melhor edificar e criar

paracircmetros para a aplicaccedilatildeo da ferramenta bem como que o demandante ou qualquer

observador perante a Corte natildeo saber com suficiente seguranccedila juriacutedica quando o Tribunal

de Estrasburgo vai usar a margem nem quais seratildeo os possiacuteveis resultados desse uso

Ainda segundo o autor a margem eacute um instrumento impreciso e de geometria

variaacutevel todavia eacute consenso entre os doutrinadores que a ferramenta natildeo eacute uma carta branca

aos Estados para fazerem o que quiserem sendo necessaacuteria depuraccedilatildeo teoacuterica para tornar o

instrumento mais preciso Seu uso impotildee como jaacute foi dito autocontenccedilatildeo por parte da Corte

tendo em vista que sua funccedilatildeo segundo o princiacutepio da subsidiariedade eacute somente de impor

estandartes miacutenimos comuns em mateacuteria de direitos humanos Entretanto o niacutevel de proteccedilatildeo

dos direitos dos direitos e das diversas foacutermulas para concretizaacute-los natildeo satildeo homogecircneos

diante de naccedilotildees com tradiccedilotildees juriacutedicas tatildeo diversas

Desta maneira no campo jurisprudencial com a finalidade de responder ao

questionamento feito no capiacutetulo anterior utilizar-se-aacute de modo conjunto as classificaccedilotildees das

91

ROCA op cit 125

45

decisotildees da Corte Europeia dos Direitos do Homem feitas por Contreras e por Roca Para o

primeiro doutrinador92

eacute possiacutevel dividir os casos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de

apreciaccedilatildeo pelo Tribunal de Estrasburgo em trecircs grandes grupos

O primeiro grupo abarca casos envolvendo direitos fundamentais e direitos poliacuteticos

dentre os quais se destacam a proibiccedilatildeo da tortura ou a liberdade de expressatildeo e associaccedilatildeo

Nesse primeiro grupo no que tange aos direitos fundamentais haacute rigorosa supervisatildeo por

parte do Tribunal Europeu negando qualquer margem nacional de apreciaccedilatildeo aos Estados

Ainda dentro deste conjunto no que concerne aos discursos poliacuteticos ou direito de partidos

poliacuteticos eacute por vezes concedida uma margem reduzida agraves autoridades domeacutesticas para

decisatildeo ou execuccedilatildeo de uma decisatildeo

O segundo grupo por sua vez relaciona-se aos direitos de propriedade em que a

Corte concede grande margem de deferecircncia aos Estados Isso porque o TEDH reconhece em

princiacutepio que as autoridades nacionais estatildeo melhor situadas do que o juiz internacional no

que tange a apreciaccedilatildeo acerca do melhor interesse de uma comunidade em relaccedilatildeo a poliacuteticas

envolvendo direitos de propriedade

Por fim o terceiro grupo eacute o mais complexo para a apreciaccedilatildeo do tipo de margem

concedida pelo Tribunal de Estrasburgo uma vez que conteacutem temas que natildeo apresentam

consenso por parte do Tribunal Deste modo neste grupo ficam evidentes as complexidades e

as vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis da MNA Casos como os de liberdade religiosa liberdade de

discurso direitos dos homossexuais dentre outros temas latentes e relevantes na paisagem

juriacutedica social e cultural europeia

Do mesmo modo Roca93

divide a margem nacional de apreciaccedilatildeo em trecircs ciacuterculos

concecircntricos tendo como base a natureza dos direitos cuja tutela eacute pleiteada junto ao oacutergatildeo

jurisdicional internacional do sistema europeu O primeiro ciacuterculo de Roca relaciona-se com o

segundo grupo de Contreras vez que trata dos direitos de propriedade que teriam uma

margem de deferecircncia ampla e um controle pouco intenso por parte da Corte Esse ciacuterculo

seria o maior e englobaria os demais

No ciacuterculo menor estariam os direitos vistos como absolutos pelo Tribunal Europeu

Dentre esses se destacam o direito agrave vida ou os direitos democraacuteticos que apresentam uma

margem de apreciaccedilatildeo pouco extensa juntamente com um controle restrito por parte da Corte

Europeia Este ciacuterculo identifica-se com o primeiro grupo anteriormente mencionado visto

92

CONTRERAS op cit p 35 93

ROCA op cit p 134

46

que trabalha com noccedilotildees de direitos fundamentais e poliacuteticos essenciais e miacutenimos para todos

os paiacuteses europeus

Por fim no espaccedilo intermediaacuterio entre esses dois ciacuterculos encontra-se uma esfera

meacutedia que relacionando-se com o terceiro grupo definido por Contreras contempla todos os

outros direitos em que alguma vez o Tribunal de Estrasburgo mencionou ou aplicou a margem

nacional de apreciaccedilatildeo Eacute justamente nesse ciacuterculo que devem ser desenvolvidos os

paracircmetros para guiar o uso da ferramenta pela Corte no intuito de reduzir a inseguranccedila

juriacutedica ocasionada pelo uso sem uma sistematizaccedilatildeo de criteacuterios

Eacute pertinente em um primeiro momento destacar que conforme ambos os

doutrinadores demonstram quando se mencionam direitos fundamentais ou vinculados agrave

princiacutepios democraacuteticos inaplicaacutevel eacute o uso da margem pela Corte ou se for feito eacute de forma

absolutamente restrita No caso dos direitos fundamentais interessante relembrar Baez94

que

ao buscar o conceito de direitos humanos concluiu que nenhuma fonte normativa existente

tanto em sistemas internacionais quanto nacionais ou regionais trazem a definiccedilatildeo de direitos

humanos Pelo contraacuterio soacute os exemplificam

Nesse sentido observou Baez95

que embora natildeo exista uma definiccedilatildeo precisa de

direitos humanos existem elementos baacutesicos que fazem parte desses e o elemento que eacute

citado em todos os instrumentos normativos sobre o tema eacute o de dignidade da pessoa humana

Os direitos humanos somente existem para realizaccedilatildeo e proteccedilatildeo da dignidade humana poreacutem

o conceito de dignidade eacute de tatildeo difiacutecil conceituaccedilatildeo quanto o conceito de direitos humanos

O autor conclui que a dignidade possui duas dimensotildees a dimensatildeo baacutesica a qual

corresponde aos limites miacutenimos e fundamentais para a existecircncia humana impedindo a

noccedilatildeo de coisificaccedilatildeo do ser Se houver portanto violaccedilatildeo agrave dimensatildeo baacutesica da dignidade da

pessoa humana haacute tambeacutem violaccedilatildeo dos direitos humanos A outra dimensatildeo eacute a cultural vez

que envolve o conjunto de valores que cada sociedade desenvolve

A primeira dimensatildeo refere-se agrave universalidade e a segunda que depende de fatores

culturais permite que os direitos humanos sejam morfologicamente assimeacutetricos Isso natildeo

deixa de se relacionar com o que Delmas-Marty fala acerca dos direitos humanos

inderrogaacuteveis ou seja que natildeo podem sofrer a incidecircncia de qualquer tipo de margem de

94

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos

humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da

UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em

httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014 95

Tal posicionamento de Narciso Leandro Xavier Baez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema

Internacional de Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de

19 e 20 de agosto de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado

ndash da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS

47

apreciaccedilatildeo Estes possuem a caracteriacutestica do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano

ou seja vinculam-se agrave noccedilatildeo da dimensatildeo baacutesica da dignidade da pessoa humana

Neste vieacutes eacute possiacutevel dizer que no que diz respeito aos direitos fundamentais a Corte

de certa forma apresenta certa relaccedilatildeo com as doutrinas apresentadas uma vez que em casos

em que existam registros de violaccedilotildees aos direitos humanos inderrogaacuteveis quais sejam os

que tem como cerne a dignidade humana baacutesica a Corte natildeo permite qualquer espeacutecie de

margem nacional de apreciaccedilatildeo Vejamos por exemplo o caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila96

julgado em 2006 O demandante perante o Tribunal de Estrasburgo foi um terrorista

venezuelano conhecido na deacutecada de 1970 condenado pelo Estado Francecircs agrave prisatildeo perpeacutetua

pelo assassinato em 1974 dois inspetores da poliacutecia francesa e um antigo companheiro

terrorista libanecircs

Saacutenchez recorreu agrave Corte Europeia arguindo violaccedilotildees do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo

Europeia dos Direitos do Homem (proibiccedilatildeo da tortura e tratamentos humanos degradantes) e

do artigo 13 do mesmo diploma legal (direito a um recurso efetivo) Embora no julgamento

tenha ficado decidido que natildeo houve violaccedilatildeo ao artigo 3ordm97

o posicionamento da Corte

permite asseverar que natildeo haacute margem nacional de deferecircncia aos Estados quando o assunto

for violaccedilatildeo de direitos humanos ou fundamentais inderrogaacuteveis ou cujo nuacutecleo central for a

dignidade baacutesica da pessoa humana Nesse sentido a Corte pontuou que mesmo nas

circunstacircncias mais difiacuteceis como a luta contra o terrorismo ou o crime organizado a

Convenccedilatildeo proiacutebe em termos absolutos a tortura ou tratamentos inumanos ou degradantes

Igualmente natildeo confere o Tribunal margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso de

violaccedilatildeo de direitos humanos nas condiccedilotildees degradantes das prisotildees de muitos paiacuteses do Leste

Europeu O caso Kalashnikov vs Ruacutessia98

julgado em 15 de julho de 2002 cujo fundamento

foi repetido em muitos outros casos envolvendo condiccedilotildees humanas degradantes nas prisotildees

apresenta a consideraccedilatildeo de que deficientes condiccedilotildees objetivas e estruturais de cumprimento

de pena podem constituir uma violaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo Europeia

96

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-

1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila Sentenccedila

de 04 de julho de 2006 Acesso 05 nov 2014 97

Artigo 3ordm Proibiccedilatildeo da tortura Ningueacutem pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos desumanos

ou degradantes CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS

LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 98

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-

1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Kalashnikov vs Ruacutessia Sentenccedila de 15

de julho de 2002 Acesso 05 nov 2014

48

Ainda pode-se destacar o caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria99

em que novamente o motivo

que serve de base para o pedido de julgamento do Tribunal de Estrasburgo eacute a violaccedilatildeo do

artigo 3ordf da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de que ningueacutem poderaacute ser

submetido a torturas nem a penas ou tratamentos humanos degradantes O caso em comento

referiu-se agrave prisatildeo do senhor Borislav Gutsanov membro do Partido Comunista preso pela

poliacutecia da Bulgaacuteria em sua casa na frente de seus filhos e de sua esposa durante as

investigaccedilotildees de esquemas de grupos criminosos Segundo o relato das partes demandantes

Gustsanovi foi rendido em sua casa por volta das seis horas da manhatilde forccedilado a se ajoelhar e

algemado em frente a seus filhos menores de idade

A decisatildeo da Corte foi a de considerar que houve violaccedilatildeo do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo

uma vez que se mostrou desnecessaacuterio o ato dos policiais e natildeo condizente com os princiacutepios

da proporcionalidade e com as exigecircncias de garantia de direitos fundamentais de um Estado

Democraacutetico de Direito Isso porque o demandante natildeo teria oferecido resistecircncia em sua

prisatildeo de modo que algemaacute-lo diante de sua famiacutelia representou uma espeacutecie de tratamento

humano degradante

Casos como os acima previstos mostram um padratildeo doutrinaacuterio e jurisprudencial

semelhante vez que natildeo se encontram referecircncias expressas a qualquer margem nacional de

apreciaccedilatildeo para as autoridades nacionais O TEDH determina se as provas colhidas satildeo

suficientes ou natildeo para provar o real risco de tortura ou de tratamento humano e

degradante100

Logo pelo fato de que a natureza dos direitos envolvidos nesse caso eacute considerada

como fundamental de imediato eliminam-se as possibilidades de deferecircncia aos Estados Tal

compreensatildeo eacute o que faz o uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo ser extremamente reduzido

no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos Isso porque ateacute hoje diferentemente do Tribunal de Estrasburgo a Corte

Interamericana teve como maioria de demandas apresentadas as envolvendo delitos

praticados pelos Estados Americanos durante as ditaduras militares ou civil militares em que

casos de tortura e desaparecimento forccedilados eram julgados ou seja casos envolvendo a

violaccedilatildeo de direitos fundamentais ou humanos em sua perspectiva eacutetica de dignidade humana

e natildeo cultural

99

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-126982itemid[001-126982] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria Sentenccedila de 15 de outubro de 2013

Acesso 05 nov 2014 100

CONTRERAS op cit p 41

49

Nesse aspecto visiacutevel que quando se tratam de possiacuteveis violaccedilotildees de direitos

humanos inderrogaacuteveis previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos

a anaacutelise feita pelo Tribunal de Estrasburgo eacute de revisatildeo minuciosa da sentenccedila proferida no

paiacutes de origem da demanda bem como a possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute

extremamente reduzida para natildeo falar inexistente No caso de direitos democraacuteticos a

deferecircncia quando concedida pela Corte possui um limite miacutenimo e consoante o princiacutepio da

proporcionalidade soacute eacute concedida se a restriccedilatildeo eacute necessaacuteria e condizente com uma sociedade

democraacutetica

Nos direitos democraacuteticos referidos abarca-se a participaccedilatildeo poliacutetica atraveacutes das

possibilidades de liberdade de associaccedilatildeo ou de discurso poliacutetico Neste campo dos direitos de

participaccedilatildeo poliacutetica em sociedades democraacuteticas a margem concedida pelo Tribunal de

Estrasburgo consoante se afirmou eacute reduzida e sujeita a um controle rigoroso por parte do

oacutergatildeo jurisdicional internacional

Destaca-se o caso Lingens vs Austria101

que por mais que tenha sido julgado na

deacutecada de 1980 pela Corte Europeia eacute emblemaacutetico em relaccedilatildeo ao posicionamento do

tribunal internacional acerca da liberdade de expressatildeo Nesse caso durante o periacuteodo anterior

agraves eleiccedilotildees na Aacuteustria o jornalista Lingens publicou dois artigos polecircmicos sobre os

candidatos incluindo em um desses artigos a informaccedilatildeo de que o entatildeo presidente do

Partido Liberal Nacional da Aacuteustria teria ligaccedilotildees no passado com o nazismo e com a SS

Contra o jornalista foi instaurado um processo penal e ao fim da instruccedilatildeo criminal

este fora condenado pelo delito de difamaccedilatildeo conforme as regras do direito penal austriacuteaco

Esgotadas as vias internas de recurso o jornalista demandou perante a Corte Europeia

alegando que houve por parte do Estado violaccedilatildeo do artigo 10 da Convenccedilatildeo Europeia

havendo censura em seu direito de expressar-se livremente O Estado por sua vez nas razotildees

apresentadas perante o tribunal internacional justificou a condenaccedilatildeo na convicccedilatildeo de

proteccedilatildeo da honra dos direitos de outrem

Frente a este embate o Tribunal de Estrasburgo reconheceu uma margem miacutenima de

deferecircncia agraves autoridades domeacutesticas no que concerne aos oacutergatildeos locais na avaliaccedilatildeo de uma

necessidade social imperiosa que justificaria a interferecircncia na liberdade de expressatildeo de

Lingens Entretanto ressaltou que essa deferecircncia seria seguida por uma riacutegida supervisatildeo

101

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lingens vs Austria Sentenccedila de 8 de julho de 1986 Acesso

05 nov 2014

50

internacional uma vez estar se tratando de direitos fundamentais para o bom funcionamento

de uma sociedade democraacutetica

Ainda nesse sentido o TEDH arguiu que a liberdade de debate poliacutetico eacute cerne da

democracia e considerar que qualquer ofensa ou notiacutecia acerca de uma pessoa puacuteblica seria

sempre difamaccedilatildeo poderia impedir a imprensa na realizaccedilatildeo de sua tarefa de fornecedora de

informaccedilotildees Deste modo aplicando de forma conjunta os princiacutepios da proporcionalidade e

da subsidiariedade o Tribunal de Estrasburgo decidiu que a condenaccedilatildeo fora desproporcional

ao objetivo legiacutetimo perseguido e constituiu uma violaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo no

acircmbito da Convenccedilatildeo Europeia

Tambeacutem merece anaacutelise o caso July and Sarl Libeacuteration vs France102

cuja sentenccedila

foi proferida em 2008 Neste caso o jornal francecircs Libeacuteration divulgou uma reportagem a

respeito das investigaccedilotildees da morte do juiz Bernard Borrel que em um primeiro momento

havia sido dada como suiciacutedio mas apoacutes a reabertura das investigaccedilotildees houve surgimento de

indiacutecios de morte por encomenda Apoacutes a divulgaccedilatildeo da reportagem contendo informaccedilotildees

acerca da participaccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos na morte do magistrado o diretor do jornal

Senhor July foi processado criminalmente pelo crime de difamaccedilatildeo e condenado pelo governo

francecircs

O TEDH em sua manifestaccedilatildeo asseverou que o caso em questatildeo trazia niacutetida

interferecircncia de autoridades puacuteblicas na liberdade de expressatildeo e essa interferecircncia caso natildeo

siga os requisitos do artigo 10103

da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos representa

clara violaccedilatildeo do direito de liberdade de expressatildeo Nessa situaccedilatildeo ainda a Corte faz uso de

uma triacuteade de requisitos descritos por Contreras104

para a concessatildeo da margem a) prescriccedilatildeo

legal - verificar se a restriccedilatildeo realizada pela autoridade domeacutestica foi autorizada ou pelo

102

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-85084itemid[001-85084] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso July and Sarl Libeacuteration vs France Sentenccedila de 14 de

fevereiro de 2008 Acesso 05 nov 2014 103

Artigo 10 Liberdade de expressatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de expressatildeo Este direito

compreende a liberdade de opiniatildeo e a liberdade de receber ou de transmitir informaccedilotildees ou ideias sem que

possa haver ingerecircncia de quaisquer autoridades puacuteblicas e sem consideraccedilotildees de fronteiras O presente artigo

natildeo impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusatildeo de cinematografia ou de televisatildeo a um

regime de autorizaccedilatildeo preacutevia 2 O exerciacutecio desta liberdades porquanto implica deveres e responsabilidades

pode ser submetido a certas formalidades condiccedilotildees restriccedilotildees ou sanccedilotildees previstas pela lei que constituam

providecircncias necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a integridade territorial ou a

seguranccedila puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral a proteccedilatildeo da

honra ou dos direitos de outrem para impedir a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees confidenciais ou para garantir a

autoridade e a imparcialidade do poder judicial CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS

DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 104

CONTRERAS op cit p 34

51

menos executada em conformidade com a lei b) objetivo legiacutetimo c) se a medida foi

necessaacuteria em uma sociedade democraacutetica

No caso pode ser feito o destaque para o trecho da sentenccedila em que analisando a

necessidade da medida de investigaccedilatildeo do crime de difamaccedilatildeo a Corte arguiu que a tarefa do

tribunal internacional no exerciacutecio de sua competecircncia de fiscalizaccedilatildeo natildeo eacute de tomar o lugar

das autoridades competentes mas sim rever as decisotildees que porventura violarem preceitos

previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem quando entregues ao poder de

apreciaccedilatildeo do Estado Deve entatildeo a Corte agrave luz do caso como um todo avaliar se a medida

tomada pelo Estado foi proporcional ao objetivo legiacutetimo perseguido e se os motivos

indicados pelas autoridades nacionais satildeo suficientes e relevantes Por tais motivos no caso

em questatildeo o TEDH declarou que houve violaccedilatildeo por parte do Estado Francecircs do direito de

liberdade de expressatildeo devendo este arcar com uma indenizaccedilatildeo agraves partes prejudicadas

Ainda dentro dessa esfera de atuaccedilatildeo mais precisamente no que concerne ao direito

democraacutetico de livre reuniatildeo e associaccedilatildeo previsto no artigo 11105

da Convenccedilatildeo Europeia o

destaque pode ser dado aos casos do Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia106

julgado em 2005 e Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia107

julgado em 2006 O primeiro deles

trata da questatildeo de dissoluccedilatildeo do Partido Comunista da Turquia ordenado pelo Tribunal

Constitucional do paiacutes sob as razotildees de que era incompatiacutevel com as obrigaccedilotildees

constitucionais e convencionais do Estado

Ao apreciar tal caso a Corte alegou que os partidos poliacuteticos satildeo estruturas essenciais

para o bom e justo funcionamento da democracia Embora natildeo negue certa margem de

deferecircncia aos Estados para que dissolvam partidos poliacuteticos que poderiam tentar minar a

estrutura constitucional do Estado tal decisatildeo se executada pode sofrer revisatildeo se natildeo

105

Artigo 11 Liberdade de reuniatildeo e de associaccedilatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo

paciacutefica e agrave liberdade de associaccedilatildeo incluindo o direito de com outrem fundar e filiar-se em sindicatos para a

defesa dos seus interesses 2 O exerciacutecio deste direito soacute pode ser objeto de restriccedilotildees que sendo previstas na

lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a seguranccedila

puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral ou a proteccedilatildeo dos direitos

e das liberdades de terceiros O presente artigo natildeo proiacutebe que sejam impostas restriccedilotildees legiacutetimas ao exerciacutecio

destes direitos aos membros das forccedilas armadas da poliacutecia ou da administraccedilatildeo do Estado CONVENCcedilAtildeO

EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS

1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 106

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia

Sentenccedila de 2005 Acesso 05 nov 2014 107

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia Sentenccedila de 15 de

julho de 2006 Acesso 05 nov 2014

52

adequar-se agraves previsotildees da Convenccedilatildeo Europeia Logo o Tribunal embora tenha feito a

ressalva de que podem os Estados dissolver partidos poliacuteticos na situaccedilatildeo afirmou que houve

violaccedilatildeo dos direitos de liberdade de associaccedilatildeo visto que natildeo havia qualquer indiacutecio de que

o partido por ter ideal comunista poderia colocar em risco a estrutura do Estado

Da mesma forma o caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia que envolve o direito

de liberdade sindical Na situaccedilatildeo o Governo turco justifica o fechamento de sindicatos com

base em previsotildees da legislaccedilatildeo trabalhista interna a qual natildeo permite que funcionaacuterios criem

sindicatos A Corte na anaacutelise da situaccedilatildeo tambeacutem asseverou que houve violaccedilatildeo do artigo

11 mesmo que neste existam ressalvas em relaccedilatildeo agrave liberdade de associaccedilatildeo de membros das

Forccedilas Armadas da Poliacutecia e da Administraccedilatildeo do Estado Contudo essas limitaccedilotildees devem

ser interpretadas pelos Estados dentro da sua margem de apreciaccedilatildeo de maneira restrita

Se esses casos expostos ilustram exemplos de margem nacional de apreciaccedilatildeo

reduzida ou inexistente o polo oposto envolve os direitos concernentes agrave propriedade para os

quais a Corte Europeia possui entendimento de que a margem de deferecircncia agraves autoridades

domeacutesticas deve ser maior e mais elaacutestica bem como a supervisatildeo por parte do Tribunal

Internacional deve ser menor e relativizada Isso porque as autoridades nacionais em uma

concepccedilatildeo semelhante agrave de juiz natural no processo estariam mais bem situadas que o juiz

internacional para avaliar qual eacute o interesse geral de uma comunidade nessa seara108

A proteccedilatildeo internacional dos direitos de propriedade encontra-se no artigo 1ordm109

do

Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo de Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades

Fundamentais Jaacute na previsatildeo normativa encontra-se a prerrogativa de que qualquer pessoa

singular ou coletiva tem direito ao respeito de seus bens natildeo podendo haver privaccedilatildeo da

propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica ou por condiccedilotildees previstas em lei Desta maneira

as demandas soacute seratildeo revistas pela Corte caso implicarem violaccedilatildeo expliacutecita a esse artigo

Segundo Roca110

a jurisprudecircncia internacional definiu que a previsatildeo normativa

anteriormente destacada segue trecircs criteacuterios em primeiro lugar deve ser respeitado o direito

ao respeito e gozo paciacutefico dos bens dos indiviacuteduos Na sequecircncia a segunda regra

108

CONTRERAS op cit p 40 109

Artigo 1 Proteccedilatildeo da propriedade Qualquer pessoa singular ou coletiva tem direito ao respeito dos seus bens

Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas

pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo

do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso

dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees

ou de multas CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS

LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 110

ROCA op cit p 127

53

compreende uma garantia contra a privaccedilatildeo ilegal ou seja somente poderaacute haver

expropriaccedilatildeo ou privaccedilatildeo da propriedade em casos de utilidade puacuteblica e de acordo com

condiccedilotildees legalmente previstas Por fim o terceiro paracircmetro eacute a possibilidade de o Estado

estabelecer restriccedilotildees ao direito de propriedade tendo por base a prevalecircncia do interesse

puacuteblico sobre o privado

Logo sob a base desses criteacuterios e de alguns casos jaacute julgados pelo oacutergatildeo jurisdicional

internacional eacute possiacutevel asseverar que a margem de apreciaccedilatildeo concedida aos paiacuteses eacute larga

quando se estaacute diante dos direitos de propriedade No caso Back vs Finlacircndia111

de 2004 que

trata de noccedilotildees de utilidade puacuteblica em casos de expropriaccedilatildeo haacute o reforccedilo da noccedilatildeo de

subsidiariedade da Corte Europeia com o entendimento de que esta deve respeitar as decisotildees

das autoridades nacionais soacute sendo possiacutevel e viaacutevel a intervenccedilatildeo se o juiacutezo for

manifestamente desprovido de bases racionais

Por fim poreacutem natildeo menos importante aborda-se o uacuteltimo grupo de jurisprudecircncias da

Corte Europeia de Direitos Humanos que pode ser enquadrado no que Roca determina como

ciacuterculo mediano vez que conteacutem temas em que o posicionamento do Tribunal de Estrasburgo

em relaccedilatildeo agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute oscilante Eacute nesse grupo que pode ser

visualizada toda a complexidade da margem e suas vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis em casos

semelhantes envolvendo por exemplo liberdade religiosa direito de homossexuais e

transexuais e outros temas

Justamente nesse ciacuterculo que natildeo apresenta por parte dos doutrinadores jaacute referidos no

capiacutetulo anterior um criteacuterio de unificaccedilatildeo se apresenta o embate entre o universalismo de

alguns direitos previstos nos marcos normativos internacionais de direitos humanos ndash com

destaque para a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos ndash e o relativismo relativo a noccedilotildees

religiosas e culturais que compotildeem a identidade dos diferentes povos europeus

Nesse aspecto no que tange agrave liberdade religiosa a qual eacute prevista pelo artigo 9ordm112

da

CEDH temos duas decisotildees emblemaacuteticas do Tribunal de Estrasburgo o caso Lautsi vs

111

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-114486itemid[001-114486] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Back vs Finlacircndia Sentenccedila de 13 de novembro de 2002

Acesso 05 nov 2014 112

Artigo 9 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de pensamento de consciecircncia e de religiatildeo este direito

implica a liberdade de mudar de religiatildeo ou de crenccedila assim como a liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou a

sua crenccedila individual ou coletivamente em puacuteblico e em privado por meio do culto do ensino de praacuteticas e da

celebraccedilatildeo de ritos 2 A liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou convicccedilotildees individual ou coletivamente natildeo

pode ser objeto de outras restriccedilotildees senatildeo as que previstas na lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa

sociedade democraacutetica agrave seguranccedila puacuteblica agrave proteccedilatildeo da ordem da sauacutede e moral puacuteblicas ou agrave proteccedilatildeo dos

direitos e liberdades de outrem CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO

54

Itaacutelia113

julgado em 2011 e o caso Leyla Sahin vs Turquia114

julgado em 2005 Isso porque

nesses casos respectivamente o TEDH referendou as normas que impotildeem a presenccedila de

crucifixos nas escolas puacuteblicas italianas e natildeo opocircs objeccedilotildees a restriccedilotildees estatais concernentes

ao uso do veacuteu islacircmico no contexto educativo

No primeiro caso o TEDH retificou a decisatildeo da Corte Constitucional Italiana que

em 2009 havia estabelecido por unanimidade que a norma italiana a qual impunha desde a

deacutecada de 1920 a presenccedila de crucifixo nas paredes de escolas puacuteblicas havia violado o direito

da senhora Lautsi a educar seus filhos conforme suas convicccedilotildees laicas e liberdade religiosa

Portanto o Tribunal italiano argumentou que a manutenccedilatildeo de um siacutembolo religioso em salas

de aula de uma escola puacuteblica poderia perturbar emocionalmente os estudantes que natildeo

professassem religiatildeo alguma a ter a percepccedilatildeo de que o contexto educativo estava marcado

pela religiatildeo

Para retificar tal sentenccedila o TEDH argumentou por uma valoraccedilatildeo abstrata de

compatibilidade entre a norma italiana que permitia o uso de crucifixos nas escolas puacuteblicas e

os direitos convencionais sendo que a margem nacional de apreciaccedilatildeo foi aplicada para essa

valoraccedilatildeo da norma italiana Em primeiro lugar o Tribunal Europeu matizou quais satildeo as

exigecircncias convencionais de neutralidade religiosa na educaccedilatildeo indicando que se proiacutebe o

proselitismo ou a adoccedilatildeo no marco educativo de algo compatiacutevel com o estabelecimento de

o ensino obrigatoacuterio de uma religiatildeo ou a imposiccedilatildeo de uma religiatildeo no ensino puacuteblico

O crucifixo no entendimento do TEDH eacute um siacutembolo religioso passivo cuja

influecircncia natildeo se compara a que exercem a educaccedilatildeo religiosa ou a participaccedilatildeo em atividades

religiosas Logo a percepccedilatildeo subjetiva de que o crucifixo supotildee uma ausecircncia de respeito ao

direito de liberdade religiosa natildeo basta para considerar que tenha havido uma violaccedilatildeo agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Para o TEDH portanto sempre que natildeo exista

a pretensatildeo de doutrinar o Estado goza de margem de deferecircncia para decidir sobre a

permanecircncia dos crucifixos em sala de aula

HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 113

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-104040itemid[001-104040] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lautsi vs Italia Sentenccedila de 18 de marccedilo de 2011 Acesso 05

nov 2014 114

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-70956itemid[001-70956] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Leyla Sahin vs Turquia Sentenccedila de 10 de novembro de

2005 Acesso 05 nov 2014

55

No caso Leyla Sahin de proibiccedilatildeo do uso do veacuteu islacircmico por uma jovem no recinto

de sua universidade para o TEDH os Estados tecircm autonomia para limitar o uso do veacuteu em

locais como escolas puacuteblicas ou universidades Para referendar essa restriccedilatildeo agrave liberdade

religiosa o Tribunal Europeu admitiu o uso da margem de apreciaccedilatildeo por parte do Estado em

razatildeo da ausecircncia de um consenso europeu sobre a mateacuteria somado agrave ideia de que as

autoridades nacionais podem lidar melhor com o assunto por estarem mais perto das

realidades nacionais do que o oacutergatildeo jurisdicional internacional

Para o TEDH desta forma a opccedilatildeo poliacutetica de um Estado pelo laicizismo pode

justificar restriccedilotildees agrave liberdade religiosa e exigir sacrifiacutecios aos indiviacuteduos em prol da

harmonia religiosa do paiacutes Embora portanto haja restriccedilatildeo da liberdade individual religiosa

no caso em questatildeo a proibiccedilatildeo natildeo viola a CEDH

A aplicaccedilatildeo dos princiacutepios da subsidiariedade e da proporcionalidade bem como a

falta de consenso na Europa acerca de questotildees como as apresentadas marcaram o

posicionamento do TEDH na concessatildeo de margem de deferecircncia aos Estados no que

concerne agrave liberdade religiosa A grande criacutetica contudo reside na falta de criteacuterios

especiacuteficos e de clareza no uso da ferramenta

Neste uacuteltimo grupo portanto vislumbra-se o que Kratochivil115

menciona como

ldquomedida misteriosardquo ou seja natildeo existem paracircmetros ou criteacuterios especiacuteficos para a aplicaccedilatildeo

da margem Pelo contraacuterio haacute falta de clareza e de limites demonstrando que a banalizaccedilatildeo

do uso da MNA liquidifica sua substacircncia e pode gerar inseguranccedila juriacutedica aos litigantes

Sob essa oacutetica no campo de direitos inderrogaacuteveis como eacute o caso dos direitos que compotildeem

esse uacuteltimo grupo a consideraccedilatildeo de Vila116

merece destaque

Segundo a autora nesse campo que envolve relativismos culturais a postura do TEDH

varia entre a adoccedilatildeo de uma versatildeo voluntarista de MNA ou a adoccedilatildeo de uma versatildeo

racionalista A primeira se centra no direito de que o Tribunal de Estrasburgo eacute um oacutergatildeo

internacional e assume uma visatildeo normativa e natildeo meramente temporal ou procedimental

acerca do princiacutepio da subsidiariedade Por isso o TEDH reconhece que sua legitimidade

poliacutetica eacute meramente derivada e outorga uma presunccedilatildeo em favor do Estado evitando realizar

uma valoraccedilatildeo independente de compatibilidade entre as medidas impugnadas e o convecircnio

Esta presunccedilatildeo soacute eacute rompida quando haacute razotildees fortes para concluir que o Estado extrapolou o

exerciacutecio de sua autonomia Sob a oacutetica desta concepccedilatildeo fatores como a falta de consenso

115

KRATOCHVIL op cit p 330 116

VILA op cit p 10

56

europeu ou a ideia de que os Estados situam-se em um local melhor apropriado para decidir

adquirem importacircncia por razotildees de legitimidade institucional

Entretanto a oacutetica racionalizada de MNA percebe a ferramenta como um resultado de

efetuar um balanccedilo entre os valores que estatildeo em jogo na proteccedilatildeo dos direitos convencionais

mais do que uma presunccedilatildeo de partida em favor do Estado O TEDH centra-se em examinar

se a medida estatal impugnada consegue alcanccedilar um balanccedilo equitativo entre direitos

individuais e valores democraacuteticos A finalidade natildeo eacute justificar a deferecircncia mas reconhecer

de modo equilibrado os valores democraacuteticos no seio da CEDH

Sobretudo neste uacuteltimo grupo analisado ao qual aqui somente satildeo trazidos casos em

relaccedilatildeo agrave liberdade religiosa (artigo 9ordm da CEDH) concentram-se as criacuteticas em relaccedilatildeo agrave

falta de paracircmetros do TEDH para deferir ou natildeo uma margem de apreciaccedilatildeo aos Estados

Essa variabilidade eacute por alguns117

definida como um ponto negativo de falta de definiccedilatildeo de

criteacuterios o que pode levar a uma margem larga ou a uma margem estreita A primeira poderia

conduzir ao processo de fragmentaccedilatildeo do espaccedilo europeu enquanto a segunda poderia forccedilar

a integraccedilatildeo sob o domiacutenio de uma concepccedilatildeo moderna de direitos humanos pautada pelo

liberalismo e individualismo

Deste modo duas respostas podem ser concedidas agrave pergunta cerne deste trabalho a

margem constitui-se em um instrumento eficaz no processo de construccedilatildeo de um direito

comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa uma vez que sob a perspectiva eacutetica

destes direitos o TEDH preza pela preservaccedilatildeo do irredutiacutevel humano e dos direitos

inderrogaacuteveis e absolutos da pessoa humana Prova disso eacute a ausecircncia ou a miacutenima margem

que eacute concedida para casos envolvendo tortura ou tratamentos humanos degradantes ou

violaccedilatildeo de direitos democraacuteticos

No entanto a ausecircncia de paracircmetros e de criteacuterios por parte do Tribunal de

Estrasburgo (ausecircncia constatada por diversos doutrinadores trazidos ao longo deste trabalho

e exemplificada de modo sinteacutetico atraveacutes da anaacutelise de casos emblemaacuteticos envolvendo

liberdade religiosa) no julgamento de direitos humanos quando vinculados a questotildees

culturais demonstram que no campo praacutetico ainda haacute muito para avanccedilar no processo de

siacutentese entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo dos direitos culturais

117

BRUM et SALDANHA Op cit

57

CONCLUSAtildeO

Slavoj Zizek118

certa vez afirmou que o papel do filoacutesofo natildeo eacute o de propor iniciativas

capazes de mudar o mundo ou as situaccedilotildees em curso mas de observar e interpretar a realidade

que eacute posta A pretensatildeo deste trabalho natildeo difere da conceituaccedilatildeo de filoacutesofo por Zizek Isso

porque em nenhum momento busca-se apresentar alternativas fortes para resolver problemas

postos mas sim almeja-se observar sob um amplo espectro os reflexos da mundializaccedilatildeo

dentro do Direito e de modo especiacutefico como atua o Tribunal Europeu dos Direitos do

Homem no que concerne agrave aplicaccedilatildeo da figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

Aos mais observadores da realidade que se apresenta eacute impossiacutevel negar que na atual

conjuntura da sociedade informacional a proliferaccedilatildeo exacerbada e anaacuterquica de normas e

instituiccedilotildees juriacutedicas gera uma sensaccedilatildeo de caos e de desordem que clama por uma ordenaccedilatildeo

Embora esse verdadeiro mosaico em que se transformou o Direito na atualidade possa ser

vislumbrado em acircmbito global uma anaacutelise mais apurada de uma parte do todo em

especiacutefico da Europa se mostra pertinente para avaliar as possibilidades de construccedilatildeo de um

pluralismo ordenado

A base possiacutevel desse pluralismo ordenado invariavelmente eacute um direito comum cujo

alicerce se encontra nos direitos humanos No contexto europeu de convivecircncia simultacircnea

de uma ldquopequena Europardquo e de uma ldquogrande Europardquo embora o direito comunitaacuterio jaacute tenha

se consolidado sendo um modelo sui generis para todo o globo ainda eacute preciso avanccedilar no

acircmbito da ldquogrande Europardquo ou do sistema regional europeu dos direitos do homem para a

criaccedilatildeo de um direito comum

Nesse sentido parece indiscutiacutevel que a base de um direito comum europeu seja

alicerccedilada na proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua dimensatildeo moral miacutenima ou no que

Delmas denomina de miacutenimo eacutetico universal e irredutiacutevel humano Logo a universalizaccedilatildeo

almejada natildeo tem como objetivo impor referecircncias de uma cultura sobre as demais e sim o

diaacutelogo entre as diferentes particularidades existentes no seio das diversas sociedades que

convivem na Europa a fim de encontrar o que haacute de valores comuns em todas elas

Todavia por mais que a premissa seja de faacutecil compreensatildeo os embates entre

universalismos e relativismos culturais estatildeo na ordem do dia na agenda do Tribunal de

Estrasburgo de modo que um dos temais mais debatidos atualmente no continente se refere

118

ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo Boitempo 2008

58

ao uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo por este tribunal a fim de conferir deferecircncia aos

Estados em algumas mateacuterias para decidir acerca de questotildees sensiacuteveis

O objetivo do presente trabalho foi o de analisar essa ferramenta hermenecircutica de

origem europeia sob a oacutetica de caos juriacutedico anteriormente apresentado De acordo com o que

fora apurado e estudado chegou-se a conclusatildeo de que o uso dessa doutrina contribui ainda

que de modo tiacutemido para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema europeu

Isso porque quando se tratam de temas concernentes agrave tortura a tratamentos humanos

degradantes a penas desproporcionais ou ainda a direitos democraacuteticos a Corte opta por

definir um entendimento que deve ser aplicado em todos os paiacuteses independentemente de

especificidades culturais Estariacuteamos proacuteximos portanto de uma definiccedilatildeo de direitos

humanos inderrogaacuteveis ou de um miacutenimo eacutetico universal proposto por Delmas e jaacute idealizado

por Kant em sua premissa de direito cosmopoliacutetico

No que tange ao restante dos direitos humanos em uma dimensatildeo cultural pode-se

dizer que a teoria da margem traduz uma ideia de que estaacute eacute capaz de harmonizar o

universalismo dos direitos humanos e o pluralismo advindo das diversidades culturais e

religiosas dos paiacuteses europeus Entretanto consoante a anaacutelise de posiccedilotildees doutrinaacuterias acerca

da utilizaccedilatildeo praacutetica do instituto pelo Tribunal de Estrasburgo bem como o embate

paradigmaacutetico de julgados envolvendo liberdade religiosa parece inevitaacutevel a conclusatildeo de

que como meacutetodo de harmonizaccedilatildeo entre plural e universal o oacutergatildeo jurisdicional

internacional do sistema europeu ainda tem muito a evoluir sobretudo na definiccedilatildeo de

paracircmetros e criteacuterios para servir de norte baacutesico em relaccedilatildeo aos mais diversos casos

59

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processo de desumanizaccedilatildeo e de coisificaccedilatildeo do homem de modo que a base para a

construccedilatildeo desse direito comum pluralista devem ser os direitos humanos

Sob a oacutetica europeia que seraacute aqui analisada por ser um importante referencial para os

estudos das mudanccedilas sociais e juriacutedicas dos seacuteculos XX e XXI de que direitos humanos

referimo-nos para ser a base de um direito comum Em um continente tatildeo muacuteltiplo e plural

como realizar o diaacutelogo positivo entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo

das diferentes culturas

Sob esta oacutetica emerge a figura central desse estudo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

(MNA) bem como sua contribuiccedilatildeo para a construccedilatildeo de um direito comum e para a

harmonizaccedilatildeo entre universalismo e relativismo no contexto da Europa Este recurso

hermenecircutico denominado Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo trata-se de uma construccedilatildeo

jurisprudencial criada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante tambeacutem

referido como Tribunal de Estrasburgo) com a finalidade de conferir algum espaccedilo de

deferecircncia para que os tribunais nacionais dos Estados possam decidir algumas questotildees

consoante suas particularidades locais

Embora esta seja a teoria sob a qual se alicerccedila o instituto almeja-se neste trabalho

responder os seguintes questionamentos a doutrina da MNA aplicada pelo Tribunal Europeu

dos Direitos Humanos contribui para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema

europeu de proteccedilatildeo dos direitos do homem Em sua aplicaccedilatildeo praacutetica a margem se mostra

como um recurso eficaz para harmonizar o universalismo dos direitos humanos e o pluralismo

advindo das diversidades culturais e religiosas dos diferentes paiacuteses que fazem parte do

Conselho da Europa

Para responder tal questionamento utilizou-se o meacutetodo dedutivo como meacutetodo de

abordagem e o meacutetodo monograacutefico de procedimento atraveacutes da leitura e fichamento das

diferentes construccedilotildees teoacutericas e doutrinaacuterias sobre o tema bem como anaacutelise de alguns

julgamentos paradigmaacuteticos do Tribunal de Estrasburgo Para melhor compreensatildeo da

complexidade do tema trabalhado dividiu-se esta monografia em duas grandes partes a parte

1 se ocupa da paisagem europeia no poacutes-Segunda Guerra Mundial com a criaccedilatildeo da ldquopequena

Europardquo do direito comunitaacuterio e da ldquogrande Europardquo do sistema regional de proteccedilatildeo dos

direitos humanos avaliando em ambos os cenaacuterios de que modo se deu a preocupaccedilatildeo com a

temaacutetica dos direitos humanos ou fundamentais (11)

Por conseguinte no intuito de aprofundar o estudo sobre a possibilidade de criaccedilatildeo de

um direito comum no contexto da ldquogrande Europardquo buscou-se uma anaacutelise das novas

10

geometrias da paisagem juriacutedica e do tipo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos que se

procura dentro desse cenaacuterio avaliando por conseguinte o surgimento da figura da MNA

(12) A parte 2 por sua vez objetiva a anaacutelise pura do instituto da Margem Nacional de

Apreciaccedilatildeo averiguando o histoacuterico de sua criaccedilatildeo e as definiccedilotildees acerca de seu conceito

(21) para na sequecircncia avaliar a partir da anaacutelise de alguns julgamentos paradigmaacuteticos do

Tribunal de Estrasburgo se tal ferramenta hermenecircutica se demonstra eficaz no processo de

harmonizaccedilatildeo das tensotildees entre universalismo e relativismos e se pode ser relevante no

processo de criaccedilatildeo de um direito comum cuja base satildeo os direitos humanos (22)

11

1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM

DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS

O seacuteculo XX trouxe mudanccedilas significativas para os mais diversos segmentos da vida

social e o direito natildeo ficou alheio agraves vicissitudes decorrentes do poacutes-Segunda Guerra Mundial

O continente europeu sobretudo passa a ser o cenaacuterio de revoluccedilotildees na estrutura juriacutedica ateacute

entatildeo conhecida com o surgimento praticamente concomitante de instituiccedilotildees supranacionais

e internacionais para aleacutem das nacionais

Neste vieacutes uma das preocupaccedilotildees primordiais do poacutes-guerra foi a de garantir a tutela

dos direitos humanos mesmo diante das mudanccedilas latentes no cenaacuterio juriacutedico Desta feita

deparamo-nos com duas esferas dentro do cenaacuterio europeu a ldquopequena Europardquo que origina

um direito comunitaacuterio europeu o qual mesmo tendo se ocupado com questotildees relativas agrave

economia e agrave integraccedilatildeo regional desenvolve a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais

atraveacutes do diaacutelogo jurisprudencial entre cortes de naturezas distintas e a ldquogrande Europardquo do

sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos espaccedilo haacutebil e possiacutevel para ser base de

criaccedilatildeo de um direito comum (11) Da evoluccedilatildeo de um campo ao outro a premissas de

universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo buscam

legitimar e consolidar a criaccedilatildeo desse direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

(12)

11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave

criaccedilatildeo de um direito comum

O historiador britacircnico Eric Hobsbawn6 talvez tenha encontrado a melhor adjetivaccedilatildeo

para o seacuteculo XX a ldquoEra dos Extremosrdquo Nas palavras do proacuteprio autor ldquoNatildeo sabemos o que

6 HOBSBAWN Eric A era dos extremos o breve seacuteculo XX 1941-1991 Satildeo Paulo Companhia das Letras

1995

12

viraacute a seguir nem como seraacute o segundo milecircnio embora possamos ter a certeza de que ele

teraacute sido moldado pelo Breve Seacuteculo XXrdquo7

Nesse sentido a Segunda Guerra Mundial representa o marco crucial natildeo soacute para a

preocupaccedilatildeo global em relaccedilatildeo aos direitos humanos8 com a criaccedilatildeo e fortalecimento de uma

grande quantidade de instrumentos normativos responsaacuteveis por sua tutela em acircmbito

mundial como tambeacutem para o surgimento de uma nova Europa Apoacutes o teacutermino da guerra

que teve como palco principal de seus acontecimentos o continente europeu diversos paiacuteses

se encontravam em uma situaccedilatildeo de caos politico fragmentaccedilatildeo e enfraquecimento

econocircmico aleacutem do perigo iminente de eclosatildeo de uma nova disputa de proporccedilotildees mundiais

advinda da dicotomia entre capitalismo e socialismo na entatildeo incipiente Guerra Fria

Eacute nesse contexto que emerge a ideia de criaccedilatildeo de um espaccedilo comum europeu

consubstanciado atraveacutes da integraccedilatildeo regional entre os paiacuteses do continente Ainda no inicio

do seacuteculo XX eacute possiacutevel destacar a ocorrecircncia de propostas relativamente concretas para a

integraccedilatildeo europeia como eacute o caso da proposta do francecircs Aristides Briand em 1929 de

criaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia sob a oacutetica de uma federaccedilatildeo ou seja fundada sob uma

noccedilatildeo de uniatildeo o que implica o respeito agrave soberania9 Todavia a crise econocircmica mundial a

ascensatildeo de nacionalismos na Europa e por fim a eclosatildeo da segunda grande guerra

obstaculizaram a adesatildeo a essa proposta

O cenaacuterio do poacutes-guerra de desintegraccedilatildeo social e miseacuteria econocircmica em grande parte

dos paiacuteses envolvidos gerou a instalaccedilatildeo do Congresso da Europa em Haia nas datas de 7 a

11 de maio de 1948 no qual houve a criaccedilatildeo do ldquoMovimento Europeurdquo No referido

congresso duas correntes foram estabelecidas as quais impulsionaram o surgimento da

ldquopequena Europardquo10

e da ldquogrande Europardquo respectivamente a Europa dos federalistas e a

7 Ibid p14

8 Pode-se nesse sentido destacar a descriccedilatildeo de Valeacuterio Mazzuoli de que desde a Segunda Guerra Mundial em

decorrecircncia dos horrores e atrocidades cometidos durante esse periacuteodo em que muitas vidas eram consideradas

como nuacutemeros e valiam tatildeo pouco os direitos humanos passaram a constituir um dos principais temas do Direito

Internacional contemporacircneo A normatividade internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos foi conquistada

por meio de lutas histoacuterias contiacutenuas e incessantes e consubstanciada em diversos tratados concluiacutedos com esse

propoacutesito tendo sido fruto de um lento e gradual processo de internacionalizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo desses

mesmos direitos o qual fora intensificado com o fim da Segunda Guerra Mundial MAZZUOLI Valeacuterio de

Oliveira Curso de Direito Internacional Puacuteblico 5 ed Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 811 9 SILVA Karine de Sousa Uniatildeo Europeia antecedentes e evoluccedilatildeo histoacuterica In SILVA Karine de Souza

COSTA Rogeacuterio Santos da(Org) Organizaccedilotildees Internacionais de Integraccedilatildeo Regional Uniatildeo Europeia

Mercosul e UNASUL Florianoacutepolis Ed Da UFSC Fundaccedilatildeo Boiteux 2013 p 54 10

Doravante por ldquopequena Europardquo estar-se-aacute referindo aos paiacuteses participantes da Uniatildeo Europeia sujeitos

portanto agraves decisotildees das instituiccedilotildees da Uniatildeo dentre as quais se destaca o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo

Europeia ldquoGrande Europardquo por sua vez refere-se aos paiacuteses que aderiram ao Conselho da Europa que hoje

somam um total de 47 (quarenta e sete) membros e que se submetem agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal Europeu de

Direitos Humanos PRINO Carla Sofia Abreu Relaccedilotildees entre TJUE e TEDH no contexto de adesatildeo da UE agrave

13

Europa dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental11

Os primeiros defendiam uma

integraccedilatildeo mais profunda entre os paiacuteses com transferecircncia de parcela de soberania dos

Estados para uma instituiccedilatildeo com poderes supranacionais sendo esta a base para a criaccedilatildeo da

Comunidade Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) Os segundos por sua vez se opunham agrave

cessatildeo de direitos soberanos impulsionando com seus ideais a criaccedilatildeo em 1949 do

Conselho da Europa com sede em Estrasburgo

Natildeo obstante essa divisatildeo surgida no Congresso da Europa eacute possiacutevel afirmar que a

base de construccedilatildeo da atual Uniatildeo Europeia deu-se com a criaccedilatildeo da Comunidade Europeia

do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) movida pelos ideais integracionistas do francecircs Jean Monnet

Contratado no poacutes-guerra para participar do Plano de Modernizaccedilatildeo e Equipamento da

Franccedila Monnet tinha medo de que o Plano Marshall norte-americano de empreacutestimo de

dinheiro para a reconstruccedilatildeo da Europa pudesse gerar uma diacutevida eterna aos paiacuteses do

continente com os Estados Unidos e para escapar disso via como uacutenica soluccedilatildeo a promoccedilatildeo

de um esforccedilo comum dos Estados atraveacutes de projetos de integraccedilatildeo regional

Por isso redigindo o texto da Declaraccedilatildeo de Schuman de 1950 Monet propagava a

ideia de integraccedilatildeo como meio de assegurar a paz e reerguer a poliacutetica e a economia dos

paiacuteses que foram destruiacutedos pela guerra Nesse sentido sua ideia foi a partir de uma ideologia

pacifista de influecircncia kantiana neutralizar a rivalidade franco-alematilde atraveacutes de uma espeacutecie

de mercado comum com a criaccedilatildeo de uma organizaccedilatildeo internacional com caraacuteter

supranacional que seria responsaacutevel pela gestatildeo dos recursos naturais da regiatildeo do Sarre e do

Ruhr os quais seriam colocados a serviccedilo da paz e natildeo da guerra12

A proposta integracionista daquele que eacute considerado o arquiteto do projeto de

integraccedilatildeo europeia era de retirar da matildeo dos Estados a capacidade de gestatildeo dos recursos

energeacuteticos que movimentavam a induacutestria beacutelica e da guerra Desta forma uma autoridade

internacional mais especificamente uma organizaccedilatildeo internacional setorial seria criada com

um status supranacional para gerenciar e administrar a produccedilatildeo de carvatildeo e de accedilo

funcionando atraveacutes da delegaccedilatildeo de parcelas da soberania estatal em questotildees especiacuteficas

Assim em 1951 com a assinatura do Tratado de Paris criou-se a Comunidade

Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) com a participaccedilatildeo inicial de seis paiacuteses Franccedila

Alemanha Itaacutelia Beacutelgica Holanda e Luxemburgo Posteriormente em 1957 com o Tratado

CEDH Debater a Europa Nuacutemero 4 JaneiroJunho 2011 Disponiacutevel em httpwwweurope-direct-

aveiroaevaeudebatereuropa Acesso 10 out 2014 11

SILVA Karine de Sousa De Paris a Lisboa sessenta anos de integraccedilatildeo europeia In SILVA Karine de

Souza Mercosul e Uniatildeo Europeia O Estado da arte dos processos de integraccedilatildeo regional Florianoacutepolis

Editora Modelo 2010 p 35 12

Ibid p 60

14

de Roma a Comunidade Econocircmica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia para a

Energia Atocircmica (CEEA ou Euratom) foram criadas consolidando-se deste modo as trecircs

comunidades que fizerem emergir o direito comunitaacuterio no seio da Europa Foi contudo

somente em 1992 com o Tratado de Maastrich ou Tratado da Uniatildeo Europeia que nasceu a

Uniatildeo Europeia propriamente dita consagrada em trecircs pilares baacutesicos as comunidades que

inicialmente lhe deram base a colaboraccedilatildeo em mateacuteria de poliacutetica exterior e seguranccedila

comum e a cooperaccedilatildeo no acircmbito judicial e policial em mateacuteria penal13

Visiacutevel deste modo que o que impulsionou a criaccedilatildeo de um direito comunitaacuterio

europeu foi a necessidade de reorganizaccedilatildeo do continente apoacutes 1945 e o fortalecimento

econocircmico de antigas potecircncias rivais como foi o caso da Franccedila e da Alemanha Ocorre que

de modo concomitante ao crescimento dos ideais dos federalistas a segunda corrente oriunda

do Congresso da Europa de 1949 dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental tambeacutem

cresceu e se tornou visiacutevel vez que possuiacutea como objetivo a realizaccedilatildeo de uma uniatildeo mais

estreita entre seus membros de modo a salvaguardar os ideais e princiacutepios que satildeo seu

patrimocircnio comum e favorecer seu progresso social e econocircmico

O Conselho da Europa surgido em 1949 portanto configura-se como outra

organizaccedilatildeo internacional surgida na Europa do poacutes-guerra tendo como base a consolidaccedilatildeo

sob o principio da cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses e natildeo o federalismo que implica cessatildeo de

parcelas da soberania Seu propoacutesito eacute o de defesa dos direitos humanos desenvolvimento

democraacutetico e estabilidade poliacutetico-social na Europa sendo chamado de ldquogrande Europardquo por

desde o iniacutecio contar com mais adesotildees de paiacuteses em relaccedilatildeo agrave CECA Eacute justamente dentro

desse Conselho que surge o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em 1959

oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa e

responsaacutevel pela tutela dos direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

(CEDH) de 1950

A eclosatildeo desses dois movimentos marca o iniacutecio de uma verdadeira revoluccedilatildeo dentro

da compreensatildeo do direito Se antes no continente europeu era possiacutevel vislumbrar a

existecircncia em grande medida e tatildeo somente de tribunais nacionais cuja competecircncia era

exercida dentro de determinado Estado sob a eacutegide de sua soberania o cenaacuterio altera-se e daacute

espaccedilo para a existecircncia natildeo soacute de tribunais nacionais como tambeacutem de tribunais

supranacionais e internacionais

13

Ibidem p 77

15

No caso do direito comunitaacuterio sua criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de

instituiccedilotildees que fortaleccedilam o sistema supranacional Em funccedilatildeo disso dentre os mais diversos

oacutergatildeos criados pelos sucessivos tratados comunitaacuterios pode-se destacar o Tribunal de Justiccedila

da Uniatildeo Europeia (TJUE) ou Tribunal de Luxemburgo

Este criado pelo Tratado de Paris de 1951 e adotado pelo Tratado de Roma de 1957

tem a finalidade de assegurar o cumprimento do direito comunitaacuterio e a interpretaccedilatildeo e

aplicaccedilatildeo dos Tratados dentro a vida da comunidade14

Submetem-se agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal

atualmente os vinte e oito15

paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e ao longo dos anos

ele se desenvolveu como uma importante instituiccedilatildeo capaz de contribuir ao desenvolvimento

da comunidade atraveacutes de consolidaccedilotildees jurisprudenciais e da conversatildeo dos tratados

constitutivos da comunidade em verdadeiras constituiccedilotildees materiais

Embora a preocupaccedilatildeo com os direitos humanos no cenaacuterio da ldquopequena Europardquo natildeo

tenha sido uma caracteriacutestica inicial dos tratados constitutivos das comunidades europeias o

diaacutelogo do Tribunal de Luxemburgo com os tribunais nacionais de alguns Estados europeus

traz agrave tona esse tema bem como se caracteriza por ser o grande responsaacutevel pela consolidaccedilatildeo

de princiacutepios baacutesicos do direito comunitaacuterio como eacute o caso da supremacia das normas

comunitaacuterias Neste vieacutes importante destaque deve ser feito ao caso CostaENEL16

de 1964

que marcou o surgimento da noccedilatildeo de supremacia das normas da comunidade europeia

O objeto de tal caso fora uma lei italiana de nacionalizaccedilatildeo da energia eleacutetrica

declarada incompatiacutevel com o Tratado da Comunidade Econocircmica Europeia Em sede de

reenvio prejudicial o Tribunal Constitucional Italiano enviou a questatildeo ao Tribunal de Justiccedila

da Uniatildeo Europeia o qual reconheceu que ao instituir uma comunidade de duraccedilatildeo ilimitada

com caraacuteter sui generis e poderes resultantes de delegaccedilatildeo de parcela da soberania os paiacuteses

limitariam seus direitos soberanos em prol de um conjunto de normas aplicaacutevel natildeo soacute agrave

comunidade como a todos os seus Estados membros17

14

OLIVEIRA Odete Maria de Uniatildeo Europeia processos de integraccedilatildeo e mutaccedilatildeo 1ordfed 3ordf tir Curitiba

Juruaacute 2003 15

Os vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia satildeo Alemanha Aacuteustria Beacutelgica Bulgaacuteria Chipre

Croaacutecia Dinamarca Eslovaacutequia Eslovecircnia Espanha Estocircnia Finlacircndia Franccedila Greacutecia Hungria Irlanda Itaacutelia

Letocircnia Lituacircnia Luxemburgo Malta Paiacuteses Baixos Polocircnia Portugal Reino Unido Repuacuteblica Checa

Romecircnia Sueacutecia Dados disponiacuteveis no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeuropaeuabout-

eucountriesmember-countriesindex_pthtm Acesso 01 nov 2014 16

O acoacuterdatildeo do referido caso encontra-se disponiacutevel na iacutentegra no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeur-

lexeuropaeulegal-contentPTTXTPDFuri=CELEX61964CJ0006ampfrom=EN Acesso 02 out 2014 17

FARENZENA Sueacutelen Costa versus ENEL ndash O primado do Direito Comunitaacuterio e a mudanccedila de paradigma o

Estado em rede europeu Revista da SJRJ Vol 19 nordm34 Rio de Janeiro 2012 Disponiacutevel em

httpwww4jfrjjusbrseerindexphprevista_sjrjarticleviewFile338296 Acesso 01 out 2014

16

Neste sentido determinou o Tribunal de Luxemburgo que a forccedila executiva do direito

comunitaacuterio natildeo poderia variar de um espaccedilo para outro ao sabor das legislaccedilotildees internas

Impossiacutevel portanto um Estado fazer prevalecer sobre uma ordem juriacutedica aceita sob o pilar

da reciprocidade e da cessatildeo de parcela de direitos soberanos uma medida unilateral anterior

ou posterior que lhe pode opor

Natildeo obstante tal decisatildeo a ideia de supremacia das normas comunitaacuterias por si soacute

natildeo foi adotada de modo paciacutefico por todos os tribunais constitucionais dos paiacuteses sujeitos agrave

jurisdiccedilatildeo do Tribunal de Luxemburgo Em funccedilatildeo disso houve a percepccedilatildeo por parte dos

juiacutezes do TJUE de que seria necessaacuterio acoplar agrave ideia de supremacia das normas

comunitaacuterias um discurso dotado de legitimidade que envolvesse princiacutepios e ideais comuns

natildeo soacute para a comunidade como para os Estados membros Esse discurso portanto seria o

discurso dos direitos fundamentais18

Ateacute o surgimento de algumas tensotildees entre os posicionamentos dos tribunais nacionais

e as decisotildees do TJUE havia certa resistecircncia por parte deste uacuteltimo em lidar com questotildees

concernentes aos direitos humanos ou fundamentais Isto porque o motivo que levou agrave criaccedilatildeo

das Comunidades Europeias e a posterior Uniatildeo Europeia foi predominantemente econocircmico

tanto eacute que os tratados iniciais das Comunidades Europeias natildeo trazem elementos que refiram

explicitamente a preocupaccedilatildeo com direitos humanos ou fundamentais19

Entretanto consoante

fora asseverado a supremacia das normas comunitaacuterias somente conseguiria se afirmar e se

consolidar caso fosse acoplada ao tema da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais

Neste sentido a deacutecada de 1960 pode ser vista como um importante marco para o

TJUE Casos como o Stauder (1969) e o Internationale Handelsgesellschaft20

(1970)

18

GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional

algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em

httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014 19

Pertinente o destaque da concepccedilatildeo de Gilmar Mendes e Geroge Rodrigo Bandeira Galindo sobre este tema

Segundo eles os instrumentos que instituiacuteram as comunidades europeias natildeo se referem de maneira expliacutecita agrave

proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais e haacute razotildees para isso A primeira delas reside no fato de que a

proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa deveria ser transferida para outra organizaccedilatildeo internacional no caso o

Conselho da Europa que foi uma instituiccedilatildeo fundamental para a elaboraccedilatildeo da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos

do Homem de 1950 Outra razatildeo sustenta-se na ideia de que a inclusatildeo imediata de um cataacutelogo de direitos

fundamentais nos tratados instituidores das Comunidades Europeias geraria conflitos entre as consolidadas

constituiccedilotildees estatais e o entatildeo incipiente direito comunitaacuterio Por fim outra razatildeo apontada eacute traduzida no fato

de que os Estados eram temerosos de que a imediata inclusatildeo de temas de direitos fundamentais ou humanos nos

tratados instituidores das Comunidades pudesse ampliar as competecircncias de prerrogativas de instituiccedilotildees receacutem-

criadas Ibidem p03

De qualquer forma houve no processo de germinaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia nos moldes em que hoje

conhecemos a predominacircncia de ideias economicistas e de integraccedilatildeo regional com base na aproximaccedilatildeo de

ideais produtivos e de mercado A preocupaccedilatildeo com a tutela de direitos humanos ou fundamentais surge atraveacutes

dos diaacutelogos espontacircneos entre as cortes constitucionais e o Tribunal de Luxemburgo 20

Neste caso o raciociacutenio da corte faz clara alusatildeo agrave vinculaccedilatildeo entre primazia do direito comunitaacuterio e a

proteccedilatildeo dos direitos fundamentais por parte das instituiccedilotildees comunitaacuterias Os pontos 3 e 4 do julgamento do

17

consolidaram o entendimento do Tribunal de Luxemburgo de que os direitos fundamentais

fazem parte dos princiacutepios gerais do direito comunitaacuterio Conflitos positivos de competecircncias

entre tribunais nacionais e o tribunal supranacional instituiacutedo no acircmbito da comunidade

marcaram os diaacutelogos iniciais para a estimulaccedilatildeo da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais em

acircmbito comunitaacuterio

Como continuidade deste diaacutelogo eacute pertinente destacar o caso Nold (1974) no qual o

Tribunal de Luxemburgo reconheceu como pauta geral para o direito comunitaacuterio europeu o

predomiacutenio dos direitos fundamentais Com isso mais uma vez reafirmou-se a ideia de que o

direito comunitaacuterio tem supremacia sobre as disposiccedilotildees legais nacionais mas que de toda a

sorte deve se adaptar a uma base comum de valores como os determinados por exemplo

pela Convenccedilatildeo Europeia de Direito do Homem

Por isso fala-se que este caso fixa um terceiro elemento no nuacutecleo de salvaguarda dos

direitos fundamentais aleacutem das tradiccedilotildees constitucionais comuns e dos direitos fundamentais

garantidos nas Constituiccedilotildees dos Estados os instrumentos internacionais relativos agrave proteccedilatildeo

dos direitos humanos passam a ser uma importante fonte de inspiraccedilatildeo para a proteccedilatildeo de

direitos em acircmbito comunitaacuterio Em funccedilatildeo disso inclusive em 1975 o TJUE pela primeira

vez recorreu agrave Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem no caso Rutili21

Apesar de tal decisatildeo do caso Nold o emblemaacutetico caso Solange levou agrave confirmaccedilatildeo

e consolidaccedilatildeo da vigecircncia dos direitos fundamentais no acircmbito da Comunidade Neste caso

em 1974 o Tribunal Constitucional alematildeo determinou que enquanto a Comunidade natildeo

dispusesse de um sistema de proteccedilatildeo de direitos comparaacutevel ou equiparado agrave Lei

Fundamental de Bonn ou seja enquanto natildeo houvesse um cataacutelogo de direitos fundamentais

aplicaacuteveis agrave Comunidade Europeia as instituiccedilotildees comunitaacuterias seriam ineficazes no que

concerne agrave proteccedilatildeo desses direitos22

TJUE respectivamente determinam que 3 A validade de uma medida comunitaacuteria ou de seus efeitos em um

Estado membro natildeo podem ser afetadas por alegaccedilotildees de que ela contraria direitos fundamentais tal como

formuladas pela Constituiccedilatildeo do Estado ou princiacutepios de uma estrutura constitucional nacional() 4() o

respeito pelos direitos fundamentais forma uma parte integral dos princiacutepios gerais de direito protegidos pela

Corte de Justiccedila A proteccedilatildeo de tais direitos enquanto inspirada pelas tradiccedilotildees constitucionais comuns aos

Estados membros deve ser assegurada no acircmbito da estrutura e dos objetivos da Comunidaderdquo Ibidem p4 21

O caso Rutilli caracteriza-se por ser a primeira referecircncia jurisprudencial feita pelo Tribunal de Luxemburgo agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem ou seja a utilizaccedilatildeo por parte de um tribunal supranacional de um

marco normativo essencial natildeo para o direito comunitaacuterio mas para o sistema regional de proteccedilatildeo aos direitos

humanos Nesse caso o Tribunal de Luxemburgo afirmou que as normas de direito comunitaacuterio natildeo era mais do

que uma manifestaccedilatildeo de princiacutepios gerais de direito consagrados na Convenccedilatildeo 22

GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional

algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em

httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014

18

Como resultado de tal caso natildeo soacute o Tribunal de Luxemburgo passou a consolidar um

entendimento jurisprudencial favoraacutevel ao respeito e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais

como demais instituiccedilotildees da entatildeo Comunidade Europeia assim agiram Em funccedilatildeo disso diz-

se que o principal resultado do caso Solange foi uma resoluccedilatildeo conjunta datada de 5 de abril

de 1977 entre Parlamento Europeu Conselho Europeu e Comissatildeo Europeia denominada

ldquoDeclaraccedilatildeo Conjunta sobre Direitos Fundamentaisrdquo23

Nesta ressaltou-se a necessidade do

respeito em acircmbito comunitaacuterio dos direitos fundamentais consagrados pelas tradiccedilotildees

constitucionais dos Estados membros e pela Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos

Os direitos fundamentais atraveacutes desse diaacutelogo jurisprudencial entre as cortes de

esperas diferentes (supranacional e nacionais) apareceram de modo progressivo no direito

comunitaacuterio europeu tornando-se paracircmetros de validade das normas da Uniatildeo Qualquer

norma seja comunitaacuteria seja nacional que contrariasse os direitos fundamentais seria

considerada invaacutelida

A tendecircncia jurisprudencial do TJUE de vincular a noccedilatildeo de supremacia das normas

comunitaacuterias com a proteccedilatildeo aos direitos fundamentais acabou por refletir no Tratado de

Maastricht de 1992 Tambeacutem chamado de Tratado da Uniatildeo Europeia este documento em

seu artigo F nuacutemero 2 determina que a Uniatildeo respeite os direitos fundamentais tal como os

garante a Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem24

Na esteira da inclusatildeo da proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em tratados o Tratado de

Lisboa de 2007 aleacutem de estabelecer personalidade juriacutedica agrave Uniatildeo Europeia25

determina que

a esta aderiraacute agrave Convenccedilatildeo Europeia para a proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e das Liberdades

Fundamentais sendo que a adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas

nos tratados26

23

XAVIER Ana Isabel Os Direitos Fundamentais no ldquodiaacutelogo europeurdquo de Nice a Lisboa In Debater a

Europa n 9 julhodezembro 2013 Disponiacutevel em httpeurope-direct-

aveiroaevaeudebatereuropaimagesn9axavierpdf Acesso em 03 out 2014 24

Artigo F n 2 ldquoA Uniatildeo respeitaraacute os direitos fundamentais tal como os garante a Convenccedilatildeo Europeia de

Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais assinada em Roma em 4 de novembro de

1950 e tal como resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-membros enquanto princiacutepios

gerais do direito comunitaacuteriordquo TRATADO DE MAASTRICHT 1992 Disponiacutevel em httpeuropaeueu-

lawdecision-makingtreatiespdftreaty_on_european_uniontreaty_on_european_union_ptpdf Acesso 15 out

2014 25

O artigo 46-A do Tratado de Lisboa determina que ldquoA Uniatildeo tem personalidade juriacutedicardquo TRATADO DE

LISBOA 2007 Disponiacutevel em httpeur-lexeuropaeulegal-

contentPTTXTPDFuri=OJC2007306FULLampfrom=PT Acesso 16 out 2014 26

O artigo 6ordf do Tratado de Lisboa determina que ldquo1 A Uniatildeo reconhece os direitos as liberdades e os

princiacutepios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da Uniatildeo Europeia de 7 de Dezembro de 2000 com

as adaptaccedilotildees que lhe foram introduzidas em 12 de Dezembro de 2007 em Estrasburgo e que tem o mesmo

valor juriacutedico que os Tratados De forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competecircncias da Uniatildeo tal

como definidas nos Tratados Os direitos as liberdades e os princiacutepios consagrados na Carta devem ser

interpretados de acordo com as disposiccedilotildees gerais constantes do Tiacutetulo VII da Carta que regem a sua

19

Mesmo que o ideal de Constituiccedilatildeo para a Uniatildeo Europeia natildeo tenha sido aprovado

pelos Estados membros as regras de supremacia das normas comunitaacuterias e de proteccedilatildeo aos

direitos fundamentais consagrados natildeo soacute nas Constituiccedilotildees como nas proacuteprias tradiccedilotildees

constitucionais dos Estados regem as decisotildees do Tribunal supranacional que existe no

continente Por isso mesmo que a preocupaccedilatildeo inicial da ldquopequena Europardquo tenha sido a

integraccedilatildeo econocircmica dos paiacuteses devastados pela guerra para que pudessem voltar a ser

competitivos internacionalmente ao longo do tempo sentiu-se a necessidade de trazer para

dentro do direito comunitaacuterio noccedilotildees acerca dos direitos fundamentais e humanos de modo

que hoje estes se encontram tutelados por instrumentos e oacutergatildeos supranacionais especiacuteficos

Ocorre que conforme se mencionou no iniacutecio deste subcapiacutetulo o cenaacuterio europeu

pode ser vislumbrado sob duas oacuteticas distintas desde o Congresso da Europa a oacutetica

federalista que impulsiona a criaccedilatildeo da Uniatildeo Europeia e de um direito comunitaacuterio europeu

e o vieacutes da cooperaccedilatildeo internacional marcado pela criaccedilatildeo do Conselho da Europa e de um

sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos o qual exige o pensamento acerca

da possibilidade da construccedilatildeo de um direito comum europeu

Nesse aspecto acerca do conceito de comum eacute pertinente remontar agraves premissas de

Dardot et Laval27

Para os autores o comum do direito segundo uma loacutegica de interpretaccedilatildeo

neoliberal natildeo seraacute outro que o direito de propriedade dos contratos e do lucro Eacute justamente

contra esse tipo de concepccedilatildeo trazido pelos efeitos nefastos da globalizaccedilatildeo que se invoca a

defesa e a reabilitaccedilatildeo do conceito de comum que deve ser entendido sob uma loacutegica de bases

uniacutessonas em mateacuteria de direitos humanos

Em razatildeo disso eacute no acircmbito da ldquogrande Europardquo ou seja do sistema regional europeu

de proteccedilatildeo dos direitos do homem que se vislumbram bases para a criaccedilatildeo de um direito

comum cuja premissa eacute a busca do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano28

Deste

modo no panorama apresentado se vislumbra de modo claro que embora existam regras

princiacutepios e instituiccedilotildees para reger o direito comunitaacuterio europeu (regras previstas nos

tratados da Uniatildeo Europeia e pacificadas pelo ativismo do TJUE) na ldquopequena Europardquo em

interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo e tendo na devida conta as anotaccedilotildees a que a Carta faz referecircncia que indicam as fontes

dessas disposiccedilotildees 2 A Uniatildeo adere agrave Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das

Liberdades Fundamentais Essa adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas nos Tratados3

Do direito da Uniatildeo fazem parte enquanto princiacutepios gerais os direitos fundamentais tal como os garante a

Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como

resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-Membrosrdquo Ibid 2007 27

DARDOT Pierre LAVAL Cristian COMMUN essai sur la revolutiona au XXeme siegravecle Paris La

deacutecouverte 2014 p 287 28

DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio

de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b

20

mateacuteria de direitos humanos e no acircmbito de um processo de globalizaccedilatildeo eacute preciso avanccedilar

na compreensatildeo do espaccedilo europeu para no acircmbito do sistema regional consolidar as bases

para a criaccedilatildeo de um direito comum

12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias juriacutedicas

a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da figura da

Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

O Congresso da Europa sob o aspecto juriacutedico dividiu o continente em blocos

autocircnomos dentro de um sistema multicecircntrico Nesse sentido Mireille Delmas-Marty29

assevera que natildeo existe uma unidade juriacutedica chamada Europa ou sequer uma visatildeo uacutenica e

preestabelecida do continente

Pelo contraacuterio existe uma Europa feita de instituiccedilotildees juriacutedicas diversas cada uma

com regras e princiacutepios especiacuteficos Neste sentido de um lado tem-se a ldquopequena Europardquo

composta pelos vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e que possui um ideal

primordialmente econocircmico com os objetivos de livre circulaccedilatildeo de pessoas e de

mercadorias bem como de instituiccedilatildeo de uma moeda uacutenica sob a perspectiva de abertura de

fronteira entre os paiacuteses Sob este ideal desenvolve-se a base para o direito comunitaacuterio que

possui como instituiccedilatildeo juriacutedica maacutexima o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo Europeia (TJUE)

com caraacuteter supranacional

Na Europa dos ldquoVinte e Oitordquo portanto sob o ideal integracionista surge o chamado

direito comunitaacuterio europeu o qual atraveacutes de direito originaacuterio (tratados constitutivos) e

direito derivado (normas emanadas de oacutergatildeos de competecircncia legislativa da Uniatildeo) forma o

sistema juriacutedico-poliacutetico e juriacutedico-econocircmico da Uniatildeo Europeia A peculiaridade desta nova

ordem formada eacute a de natildeo querer unificar a ordem juriacutedica dos paiacuteses europeus mas de

uniformizar em algumas mateacuterias as normas do bloco criado Justamente por isso a

supranacionalidade intriacutenseca ao direito comunitaacuterio natildeo se confunde com o direito

internacional

Sob as bases de interesses econocircmicos tem-se o objetivo de chegar a uma integraccedilatildeo

nas aacutereas concernentes agrave poliacutetica cultura dentre outras sob uma relaccedilatildeo de integraccedilatildeo entre o

29

Id 2004a p47

21

ordenamento juriacutedico comunitaacuterio e o ordenamento interno de cada Estado Sem sombra de

duacutevidas a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais se insere nessas relaccedilotildees mas com o

intuito de fortalecer o ideal de supremacia das normas comunitaacuterias Em funccedilatildeo de tal

premissa tem-se a necessidade de preservar o estaacutegio alcanccedilado pelo processo de integraccedilatildeo e

por isso um ordenamento juriacutedico comunitaacuterio eacute formado Entretanto eacute preciso avanccedilar no

processo de tutela dos direitos humanos em um contexto tatildeo plural como o europeu

Deste modo de outro lado tem-se a ldquogrande Europardquo criada pelo Conselho da Europa

perfazendo uma cooperaccedilatildeo poliacutetica que hoje abriga quarenta e sete membros30

signataacuterios da

Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

(CEDH) O oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do Conselho da Europa eacute o Tribunal Europeu dos Direitos

do Homem (TEDH) sediado em Estrasburgo e para o qual podem demandar tanto Estados

quanto indiviacuteduos viacutetimas de violaccedilotildees de direitos humanos reconhecidos pela convenccedilatildeo

Neste sentido o paraacutegrafo 3ordm31

do Preacircmbulo da CEDH de 1950 assevera que a

finalidade principal do Conselho da Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre seus

membros e que um dos meios para alcanccedilar esta finalidade eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento

dos direitos humanos e das liberdades fundamentais sendo tais direitos vistos como um meio

para uma progressiva integraccedilatildeo dos europeus Antes mesmo disso o Estatuto do Conselho da

Europa de 1949 havia asseverado que a finalidade da instituiccedilatildeo era criar uma organizaccedilatildeo

que levasse os paiacuteses do continente a uma associaccedilatildeo cuja base fosse a unidade entre seus

membros privilegiando ideais e princiacutepios comuns aos diferentes Estados

Essa configuraccedilatildeo surgida na segunda metade do seacuteculo XX produz alteraccedilotildees

significativas na conceituaccedilatildeo de alguns institutos juriacutedicos e poliacuteticos como eacute o caso do

Estado da soberania dentre outros Nesse sentido o cenaacuterio Europeu pode ser enxergado

como proacuteximo da noccedilatildeo de Estado em Rede proposto por Manuel Castells32

Em um mesmo

espaccedilo territorial a autoridade passa a ser partilhada ao longo de uma rede de instituiccedilotildees O

30

Os 47 paiacuteses que fazem parte do Conselho da Europa satildeo Beacutelgica Dinamarca Franccedila Irlanda Itaacutelia

Luxemburgo Paiacuteses Baixos Noruega Sueacutecia Reino Unido Greacutecia Turquia Islacircndia Alemanha Ocidental

Aacuteustria Chipre Suiacuteccedila Malta Portugal Espanha Liechtenstein Satildeo Marino Finlacircndia Hungria Polocircnia

Bulgaacuteria Estocircnia Lituacircnia Eslovecircnia Repuacuteblica Checa Eslovaacutequia Romecircnia Andorra Letocircnia Albacircnia

Moldaacutevia Macedocircnia Ucracircnia Ruacutessia Croaacutecia Geoacutergia Armecircnia Azerbaijatildeo Boacutesnia e Herzegovina Seacutervia

Mocircnaco Montenegro Disponiacutevel em

httpwwwcoeintptAboutCoemediainterfacepublicationscoe_dh_ptpdf Acesso 08 out 2014 31

O terceiro paraacutegrafo do preacircmbulo da CEDH dispotildee que ldquoConsiderando que a finalidade do Conselho da

Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre os seus Membros e que um dos meios de alcanccedilar essa finalidade

eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento dos direitos do homem e das liberdades fundamentais ()rdquo CONVENCcedilAtildeO

EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS

1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso em 08 out 2014 32

CASTELLS Manuel A era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura A sociedade em rede Vol 1 5

ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999b

22

Estado-naccedilatildeo claacutessico relaciona-se com instituiccedilotildees supranacionais e a rede formada possui

noacutes diversos e natildeo um centro uacutenico sendo que esses noacutes podem apresentar tamanhos distintos

e estar ligados por relaccedilotildees assimeacutetricas

Essas redes e seus noacutes portanto representam formas de poder paralelas e

complementares que satildeo autocircnomas uma em relaccedilatildeo agraves outras O espaccedilo europeu marcado

por um jaacute consolidado direito comunitaacuterio e por uma estrutura supranacional sui generis

tornou-se um verdadeiro campo de concorrecircncia convergecircncia justaposiccedilatildeo e conflito de

vaacuterias constituiccedilotildees e poderes constituintes em um mesmo espaccedilo poliacutetico levando a uma

pluralidade de ordenamentos e de normatividades

A supranacionalidade desenvolvida assemelha-se desta forma a um Estado em Rede

em funccedilatildeo de um novo paradigma de governanccedila estabelecido em diferentes niacuteveis com

diferentes noacutes de diferentes dimensotildees e com relaccedilotildees internacionais assimeacutetricas O Estado-

Naccedilatildeo claacutessico se articula cotidianamente na tomada de decisotildees com instituiccedilotildees

supranacionais de diferentes tipos e em acircmbitos distintos33

Em uma mesma organizaccedilatildeo

complexa temos entatildeo as caracteriacutesticas da descentralizaccedilatildeo e da coordenaccedilatildeo sobretudo no

aspecto normativo sendo que a crise do Estado-naccedilatildeo o desenvolvimento das instituiccedilotildees

supranacionais e a transferecircncia das atribuiccedilotildees e iniciativas aos acircmbitos regionais e locais satildeo

caracteriacutesticas que funcionam como base para o desenvolvimento do Estado em Rede

Nesse acircmbito ainda eacute possiacutevel acrescentar a definiccedilatildeo de Marcelo Varella34

de que a

Uniatildeo Europeia caracteriza-se por ser uma instituiccedilatildeo sui generis natildeo soacute pelo seu modo de

constituiccedilatildeo como por seus efeitos no campo juriacutedico-normativo Desta maneira o bloco

europeu dos vinte e oito inserido no contexto de um sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos

humanos (ldquopequena Europardquo inserida na ldquogrande Europardquo) marca a caracteriacutestica de uma

superaccedilatildeo da tiacutepica forma de visatildeo linear e hieraacuterquica do direito tradicional em favor da

construccedilatildeo de um direito em camadas ou em diferentes niacuteveis ou ainda em redes

Essa concepccedilatildeo de Castells utilizada aqui para ilustrar as relaccedilotildees na Uniatildeo Europeia

comunica-se com a noccedilatildeo de Mireille Delmas-Marty35

de um pluralismo que deve ser

ordenado Na Europa como um todo em acircmbito juriacutedico a coexistecircncia de normas das mais

diversas fontes e de tribunais nas mais diferentes escalas faz emergir uma noccedilatildeo de caos

33

Id 1999a p164 34

VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade

de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014 p145 35

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006

23

juriacutedico que precisa ser ordenado Em razatildeo disso pertinente a busca por um direito comum

com ecircnfase em um direito comum em mateacuteria de direitos humanos

Interessante notar que esse cenaacuterio criado intensifica-se com o processo de

mundializaccedilatildeo36

e sob essa oacutetica embora os direitos humanos tenham se tornado oponiacuteveis aos

Estados perfazendo princiacutepios de direito incluiacutedos nas Constituiccedilotildees Estatais no

entendimento dos tribunais supranacionais e em instrumentos normativos internacionais os

corolaacuterios do processo de mundializaccedilatildeo satildeo os direitos econocircmicos que predominam nas

preocupaccedilotildees do jaacute consolidado direito comunitaacuterio europeu

Enquanto os direitos humanos foram concebidos sob o prisma de uma universalidade e

com a finalidade de proteger o ldquoirredutiacutevel humanordquo37

os direitos econocircmicos satildeo os motores

da mundializaccedilatildeo sendo que isso somado agrave desestabilizaccedilatildeo do tempo e agrave desestatizaccedilatildeo do

Estado gera no processo de mundializaccedilatildeo uma aparente desordem normativa com a

proliferaccedilatildeo de normas de modo anaacuterquico38

Em funccedilatildeo disso eacute viaacutevel dizer que o continente europeu serve de base e eacute capaz de

traduzir importantes eventos para explicar fenocircmenos que hoje satildeo salientes na esfera juriacutedica

Mireille Delmas-Marty39

sugere que vivemos sob a eacutegide de espaccedilos ldquodesestatizadosrdquo tempos

ldquodesestabilizadosrdquo e uma ordem ldquodeslegalizadardquo No sentido atual da paisagem juriacutedica

afirmar que o Estado eacute a uacutenica fonte de Direito eacute assumir uma atitude de exclusatildeo de todos os

demais espaccedilos normativos

Como eacute possiacutevel observar na Europa convivem em um mesmo espaccedilo normas

provenientes de fontes estatais claacutessicas normas advindas de instituiccedilotildees supranacionais e

regras provenientes de entes internacionais na formaccedilatildeo de um verdadeiro mosaico juriacutedico

O monopoacutelio do Estado como produtor do direito deixa de ser imperativo frente agrave

internacionalizaccedilatildeo crescente das fontes juriacutedicas De modo concomitante e corroborando

36

Na obra ldquoTrecircs Desafios para um Direito Mundialrdquo Mirelle Delmas-Marty observa as particularidades dos

termos globalizaccedilatildeo mundializaccedilatildeo e universalidade quais sejam ldquoA mundializaccedilatildeo remete agrave difusatildeo espacial

de um produto de uma teacutecnica ou de uma ideia A universalidade implica um compartilhar de sentidosrdquo Em

outra passagem disserta ldquoDifusatildeo espacial de um lado compartilhar os sentidos de outra estas duas foacutermulas

descrevem muito bem a diferenccedila que separam os dois fenocircmenos que eu denominarei globalizaccedilatildeo para a

economia e universalizaccedilatildeo para os direitos do homem guardando assim o termo mundializaccedilatildeo uma

neutralidade que ele jamais perderaacute caso natildeo se resigne rapidamente ao primado da economia sobre os Direitos

do Homemrdquo DELMAS-MARTY Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr

Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b p 08-09 37

Ibid p48 38

FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos

teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013 39

DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47

24

com a teoria do Estado em Rede de Castells eacute possiacutevel observar um processo de

descentralizaccedilatildeo espacial com o deslocamento de fontes do centro para periferias40

Da mesma forma os tempos estatildeo desestabilizados Segundo Delmas41

em comparaccedilatildeo

aos votos claacutessicos de perpetuidade da lei eacute possiacutevel hoje encontrar fontes temporaacuterias e

evolutivas do direito O espaccedilo europeu se constitui como uma aacuterea privilegiada dessas fontes

evolutivas42

Sob o aspecto da ldquopequena Europardquo as regras de direito comunitaacuterio impotildeem um

resultado que deve ser atingido o que pela falta de meios juriacutedicos incentiva os Estados a

adaptar seus textos a dados econocircmicos

Isso tudo faz emergir a noccedilatildeo de assincronia43

do direito ou seja diferentes

velocidades em diferentes espaccedilos Nesse sentido haacute no espaccedilo europeu uma diferenccedila de

velocidade dos processos de integraccedilatildeo das normas internacionais (ou supranacionais) de

direito do comeacutercio em comparaccedilatildeo com as normas ambientais ou relativas aos direitos

humanos O proacuteprio processo evolutivo de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais

sob o panorama da ldquopequena Europardquo demonstra desde os primoacuterdios da criaccedilatildeo da

Comunidade Europeia uma ausecircncia de sincronia em relaccedilatildeo agraves duas esferas do direito A

evoluccedilatildeo dos direitos humanos eacute lenta quando comparada com a celeridade da integraccedilatildeo das

normas de direito comercial e econocircmico em um mundo de economia globalizada

Pode-se entatildeo afirmar que natildeo soacute na Europa como tambeacutem na sociedade

internacional o tempo das relaccedilotildees comerciais e por conseguinte o tempo da integraccedilatildeo do

direito do comeacutercio eacute o tempo do software da fluidez da velocidade da luz Enquanto isso o

tempo das relaccedilotildees humanas da eacutetica da solidariedade e da integraccedilatildeo do direito dos direitos

humanos segue o tempo do hardware do denso do apego ao territoacuterio e agraves localidades44

Por fim estaacute-se tambeacutem frente a uma ordem ldquodeslegalizadardquo uma vez que dentre os

reflexos das vicissitudes na seara juriacutedica eacute possiacutevel destacar um ruptura com a noccedilatildeo de

40

Tal fenocircmeno eacute descrito por Mireille Delmas-Marty como ldquodescentralizaccedilatildeordquo Esta envolve o deslocamento de

fontes do centro do Estado para coletividades territoriais Todavia tal fenocircmeno natildeo se confunde com uma mera

desconcentraccedilatildeo de poderes que eacute destinada a conferir maior eficaacutecia agraves estruturas centrais do Estado A

descentralizaccedilatildeo conforme refere a autora confia ao representante local da coletividade territorial certos poderes

de decisatildeo fazendo transparecer uma autonomia local para impor certas regras juriacutedicas Como exemplo

podem-se destacar as comissotildees locais de eacutetica como ocorre em uma deontologia profissional como a Ordem

dos Advogados As regras disciplinares desta profissatildeo guardam um caraacuteter misto sendo de natureza local e

nacional privada e puacuteblica Ibid 2004ap55 41

Ibid 2004ap47 42

Segundo Delmas falar de fontes evolutivas significa renunciar ao passado do costume e ao futuro das leis para

situar as fontes de direito no presente por natureza instaacutevel Ibid 2004ap65 43

Id 2006 p 114 44

SALDANHA Jacircnia Marial Lopes BRUM Maacutercio Morais MELLO Rafaela da Cruz A Assincronia do

Direito e o Caso Araguaia Uma anaacutelise da Decisatildeo do Supremo Tribunal Federal Brasileiro na ADPF 153 e do

Julgamento do Caso Gomes Lund e Outros vs Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos In Andreacute

Karam Trindade Angela Araujo da Silveira Espindola (Org) Direitos Fundamentais e Espaccedilo Puacuteblico 1ed

Passo Fundo - RS Editora IMED 2011 v 2 p 37-61

25

identidade entre direito e lei45

O processo de internacionalizaccedilatildeo deixa comum aos sistemas

de commun law e de civil law o papel do juiz na geraccedilatildeo do direito ou seja na interaccedilatildeo entre

texto normativo e sua interpretaccedilatildeo de modo que a jurisprudecircncia e o diaacutelogo entre os

diferentes tribunais serve para ambos os sistemas como um importante balizador para

consolidaccedilatildeo de entendimentos e de princiacutepios

Diante desse cenaacuterio juriacutedico global proveniente do processo de internacionalizaccedilatildeo -

e especiacutefico no caso da Europa ndash de desestatizaccedilatildeo de ruptura com paradigmas e com a loacutegica

binaacuteria de interpretar o direito eacute possiacutevel concordar com a premissa de Mireille Delmas-

Marty46

de que a paisagem juriacutedica apresenta um panorama de proliferaccedilatildeo constante de

normas e de entendimentos jurisprudenciais que em um primeiro momento podem levar a

uma noccedilatildeo de desordem e anarquia

Conveacutem perceber que a nova paisagem juriacutedica para a qual a Europa eacute um verdadeiro

laboratoacuterio47

eacute composta por formas mais complexas como piracircmides inacabadas

descontiacutenuas compostas por aneacuteis normativos como uma guirlanda no entanto natildeo

especificamente se liga agrave anarquia Pelo contraacuterio a retirada de marcos e o deslocamento de

linhas natildeo significa desordem e essa aparecircncia de caos favorece ao pluralismo

Por isso Delmas-Marty48

atesta que a internacionalizaccedilatildeo do direito apresenta um

grande paradoxo ordenar o plural Embora estejamos semanticamente diante de vernaacuteculos

opostos visto que a proposta eacute colocar em ordem aquilo que naturalmente eacute muacuteltiplo e plural

sem reduzir sua identidade a primeira consideraccedilatildeo que deve ser feita eacute a de que o tiacutepico

modelo kelseniano de loacutegica juriacutedica natildeo mais se aplica ao cenaacuterio em que o Direito se insere

atualmente em razatildeo da multiplicidade e do dinamismo existente no processo de

mundializaccedilatildeo

Para ir da desordem agrave ordem eacute necessaacuterio fortalecer as correlaccedilotildees da formaccedilatildeo

juriacutedica trazendo estabilidade agrave presenccedila de divergecircncias atraveacutes de uma aproximaccedilatildeo entre

ordens juriacutedicas por meio de um jogo de referecircncias cruzadas com o intuito de ordenar a

multiplicidade Essa aproximaccedilatildeo poreacutem natildeo pode ser concebida senatildeo em relaccedilatildeo a uma

referecircncia comum e neste campo a utilidade dos instrumentos protetivos de direitos humanos

traz a coerecircncia de conjunto capaz de indicar uma direccedilatildeo a seguir um norte para a criaccedilatildeo de

um direito comum cujo pluralismo eacute ordenado

45 DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47 46

Id 2006 47

VARELLA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do direito Direito Internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Livre Docecircncia em Direito Internacional Faculdade de

Direito da Universidade de Satildeo Paulo (USP) Satildeo Paulo 2012 Acesso 14 out 2014 48

Ibid 2006 p 10

26

Obviamente o direito comum almejado eacute pluralista tendo a razatildeo como instrumento

de justificaccedilatildeo e de diaacutelogo O pluralismo eacute justificado pelo intuito de harmonizar e conjugar

as particularidades religiosas poliacuteticas culturais de cada Estado ou comunidade evitando a

sobreposiccedilatildeo de uma ordem sobre outra ou a assimilaccedilatildeo e exclusatildeo Em razatildeo disso o

direito comum pluralista pretende construir um ldquoDireito dos Direitosrdquo a partir do ideal de

universalizaccedilatildeo dos direitos humanos sendo que a finalidade eacute a de aproximar ou harmonizar

ndash e natildeo unificar - os diferentes sistemas juriacutedicos sob a perspectiva de respeito ao ldquoirredutiacutevel

humanordquo49

Impossiacutevel a criaccedilatildeo de normas e regras comuns a todos os povos justamente pelo

fato de que sempre algumas normas advindas de culturas especiacuteficas se sobressairatildeo sobre

outras na criaccedilatildeo de uma hegemonia negativa O direito comum portanto inserido na oacutetica

de um direito mundial pluralista eacute aquele acessiacutevel a todos e comum aos diversos Estados

sem que haja o abandono de identidades Justamente em funccedilatildeo disso o alicerce para a sua

criaccedilatildeo eacute a aproximaccedilatildeo dos sistemas juriacutedicos tendo por base os direitos humanos que

carregam a caracteriacutestica da universalidade a qual adveacutem do compartilhamento de sentidos e

do enriquecimento pela troca

Neste sentido em que consistem esses direitos humanos que satildeo os alicerces para a

criaccedilatildeo de um direito comum Eacute possiacutevel afirmar que a mera previsatildeo constitucional ou em

tratados de direitos jaacute asseguram a sua proteccedilatildeo Como lidar com questotildees concernentes agraves

pretensotildees universalistas e as particularidades do relativismo cultural nas diferentes

sociedades europeias

Narciso Baez50

traz reflexotildees importantes acerca desse tema Segundo ele em meados

do seacuteculo XVII pensou-se que a positivaccedilatildeo dos direitos humanos seria instrumento suficiente

para garantir o seu respeito Essa noccedilatildeo adentrou a contemporaneidade com a filosofia de

Hans Kelsen de que as normas positivadas e inseridas nos ordenamentos juriacutedicos eram

obrigatoacuterias por serem legitimadas por uma norma juriacutedica superior que tinha um fim em si

mesma

Obviamente o seacuteculo XX mostrou que a mera inserccedilatildeo legal da dignidade da pessoa

humana ndash que eacute o elemento cerne dos direitos humanos ndash em um sistema positivo de direito e

dissociada de valores morais natildeo seria suficiente para evitar eventuais violaccedilotildees desses

49

Ibid 2006 p 54 50

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos

humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da

UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em

httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014

27

direitos Sob esse panorama e seguindo a corrente eacutetica51

de fundamentaccedilatildeo dos direitos

humanos pode-se afirmar que estes satildeo direitos de fora da ordem positiva que tecircm em seu

bojo componentes morais sociais poliacuteticos e ateacute econocircmicos que salvaguardam condiccedilotildees

miacutenimas para a garantia da dignidade da pessoa humana Em sua dimensatildeo baacutesica portanto

satildeo direitos inatos pautados em valores morais e conferidos aos indiviacuteduos pelo simples fato

de estes serem humanos

Logo para a construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos exige-

se o fortalecimento desses em suas dimensotildees baacutesicas Eacute neste sentido que Delmas52

se refere

ao miacutenimo eacutetico universal e ao irredutiacutevel humano ou seja elementos que todos os indiviacuteduos

apresentam em comum mesmo em diferentes culturas

As duas estruturas baacutesicas dos direitos humanos satildeo portanto os valores morais e a

dignidade humana53

Em relaccedilatildeo aos primeiros infere-se que a origem dos direitos humanos

natildeo eacute legal vez que estes satildeo reconhecidos aos indiviacuteduos pelo simples fato de serem

humanos O ordenamento juriacutedico tem a mera funccedilatildeo de reconhecer tais direitos e transformaacute-

los em normas a fim de obter efetividade Jaacute a dignidade humana eacute o bem maior dentro dos

direitos humanos constituindo uma qualidade universal intriacutenseca irrenunciaacutevel e

inalienaacutevel inerente a todos os seres humanos e que se encontra acima das especificidades

culturais

Neste vieacutes a universalidade de tais direitos que eacute requisito indispensaacutevel para a

criaccedilatildeo de um direito comum natildeo eacute marcada pela criaccedilatildeo de instrumentos internacionais

positivos de proteccedilatildeo dos direitos humanos Isso porque embora tenha se conseguido a

universalizaccedilatildeo da adesatildeo dos Estados como eacute o caso da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos da ONU de 1948 ou mesmo da CEDH do sistema regional europeu ainda haacute

resistecircncias agrave aceitaccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo em algumas culturas que alegam a necessidade de

relativizaccedilatildeo desses direitos para adequaccedilatildeo agraves realidades nacionais54

Logo para a construccedilatildeo de uma verdadeira universalidade eacute necessaacuterio interpretar os

direitos humanos sob uma oacutetica interdisciplinar Finnis55

nesse aspecto afirma que os direitos

humanos constituem uma categoria que busca consagrar a dignidade humana sendo esta um

atributo de todas as pessoas independentemente de crenccedila ou cultura Nesse aspecto

51

Id 2007 p 13-35 52

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b 53

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Direitos humanos na globalizaccedilatildeo In BAEZ Narciso

Leandro Xavier BARRETO Vicente (Org) Direitos humanos em evoluccedilatildeo Joaccedilaba Ed Unoesc 2007 p

13-35 54

Id 2009 p77-99 55

FINNIS John Ley natural e derechos naturales Buenos Aires AbeledoPerrot 2000

28

vislumbra-se necessaacuterio a fim de identificar quais satildeo os valores baacutesicos e inderrogaacuteveis a

todos os humanos a construccedilatildeo de valores universais atraveacutes do diaacutelogo e do cruzamento de

diferentes culturas com diferentes valores Isso facilita a construccedilatildeo de uma cultura

cosmopolita baseada em uma identificaccedilatildeo em que prevaleccedila a dignidade da pessoa humana

acima dos relativismos

As diversidades culturais satildeo provenientes de elementos externos56

da diferenccedila de

ambientes naturais mas mesmo assim todas as pessoas ainda que inseridas em

especificidades culturais distintas ainda manteacutem atributos comuns Eacute por essa loacutegica que

permanece atual a premissa de Kant de que no atual estaacutegio da humanidade os povos

atingiram um grau de desenvolvimento que os permitem fazer parte de uma comunidade

cosmopolita57

Por isso a violaccedilatildeo de um direito humano em um ponto do planeta repercute e

pode ser sentida em todos os outros

Pertinente ainda lembrar que a universalizaccedilatildeo natildeo significa a imposiccedilatildeo ou a

uniformizaccedilatildeo de uma cultura sobre as outras Pelo contraacuterio deve-se buscar uma raiz

comum qual seja um conjunto de valores miacutenimos universais capazes de dialogar com

diferentes culturas garantindo o respeito e a preservaccedilatildeo da vida humana em qualquer lugar

Ainda sob essa oacutetica eacute possiacutevel afirmar que a noccedilatildeo de direito comum de Delmas

aproxima-se do ideal de direito cosmopoliacutetico em Kant58

Ao perceber o aumento da

participaccedilatildeo dos povos na Terra Kant vislumbra a ideia de uma comunidade mundial

alicerccedilada sob as bases de um direito cosmopoliacutetico a fim de garantir a paz perpeacutetua Diante

da dicotomia entre praacuteticas culturais e direitos humanos a base do cosmopolitismo kantiano eacute

a busca de criteacuterios loacutegico-racionais que sejam comuns a todas as culturas

Nesse espectro surgem entatildeo os direitos humanos como nuacutecleo moral-juriacutedico do

direito cosmopoliacutetico vez que a moralidade miacutenima universal se baseia em trecircs pilares a)

humanidade comum b) ameaccedilas compartilhadas e c) obrigaccedilotildees miacutenimas Logo a

fundamentaccedilatildeo moral eacute a base dos direitos humanos uma vez que nela encontram-se as

exigecircncias imprescindiacuteveis para a vida de um indiviacuteduo Apesar das diferenccedilas sociais e

culturais entre os seres humanos algumas necessidades e capacidades satildeo comuns a todos59

56

PAREKH Bhikhu Pluralist universalism and human rights In SMITH Rhona K M ANKER Cristien van

den The essentials of human rights London Oxford University Press 2005 57

KANT Immanuel Para a paz perpeacutetua Traduccedilatildeo Baacuterbara Kristen - Rianxo Instituto Galego de Estudos de

Seguranccedila Internacional e da Paz 2006 58

Ibid 2006 p 107-108 59

BARRETO Vicente de Paulo Direito Cosmopoliacutetico e Direitos Humanos In Espaccedilo Juriacutedico Journal of

Law N 2 Vol 11 2010 Disponiacutevel em

httpeditoraunoescedubrindexphpespacojuridicoarticleview19491017 Acesso 30 out 2014

29

Assim como a concepccedilatildeo de direitos humanos natildeo pode mais ser concebida como o

era na eacutepoca de Kelsen o panorama em que o Direito de um modo geral se insere hoje

tambeacutem natildeo pode mais ser concebido conforme a loacutegica claacutessica kelseniana em que a

constituiccedilatildeo estatal encontra-se no topo de uma estrutura piramidal sendo hierarquicamente

seguida pela legislaccedilatildeo infraconstitucional Os rearranjos da mundializaccedilatildeo e a consequente

internacionalizaccedilatildeo do Direito fazem com que novas estruturas permeiem o atual cenaacuterio

juriacutedico mundial

Seja uma concepccedilatildeo de trapeacutezio cujos veacutertices superiores satildeo ocupados em igual

niacutevel pelas constituiccedilotildees estatais e pelos tratados ou convenccedilotildees internacionais protetivos dos

direitos humanos como eacute a visatildeo de Canotilho seguida por Flaacutevia Piovensan60

seja uma

visatildeo de nuvens fluidas e descontiacutenuas com um direito de sistemas interativos complexos

marcados por geometria de piracircmides inacabadas e aneacuteis normativos como guirlandas

defendida por Delmas-Marty61

demonstram que a internacionalizaccedilatildeo traz tentativas de

recomposiccedilatildeo de um pluralismo que deveraacute ser suficientemente ordenado

Em razatildeo disso razoaacutevel frente agrave mudanccedila paradigmaacutetica trazida pela mundializaccedilatildeo

pensar em um conjunto ordenado para a desordem uma vez que a aparente anarquia que

existe favorece ao pluralismo Para se chegar a um direito comum pluralista tendo por base os

direitos humanos deve-se buscar a harmonizaccedilatildeo entre estes e os direitos econocircmicos com

respeito agraves particularidades religiosas e culturais e com a superaccedilatildeo dos perigos de uma

uniformizaccedilatildeo hegemocircnica tendente agrave globalizaccedilatildeo econocircmica

Nesse novo paradigma o ideaacuterio de ordem ldquodeslegalizadardquo anteriormente referido

toma corpo uma vez que a sobrevalorizaccedilatildeo da lei e das grandes codificaccedilotildees perde espaccedilo

havendo em contrapartida a crescente incorporaccedilatildeo dos precedentes (certa ruptura de

fronteiras entre common law e civil law) e dos princiacutepios como espeacutecie de coacutedigo cultural do

processo de interpretaccedilatildeo e criaccedilatildeo do direito62

A internacionalizaccedilatildeo do Direito reflete portanto uma nova realidade de um Direito

de sistemas complexos fluidos descontiacutenuos e interativos os quais levam agrave mutaccedilatildeo da

proacutepria concepccedilatildeo tradicional de ordem juriacutedica que natildeo eacute mais fechada dentro de si mesma e

sim sofre influecircncia de outras A tradicional piracircmide kelseniana eacute desconstruiacuteda

60

PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e diaacutelogo entre jurisdiccedilotildees In Revista Brasileira de Direito

Constitucional ndash RBCD n19 ndash janjul 2012 61

DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio

de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b 62

FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos

teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013

30

gradativamente dando lugar a novas geometrias cuja hierarquia natildeo eacute tatildeo riacutegida mas nem por

isso deixa de ser complexa

No topo encontram-se as constituiccedilotildees juntamente com elementos do Direito

Internacional (jus cogens tratados relativos o direito internacional dos direitos humanos) e do

direito comunitaacuterio europeu No corpo do que seria a antiga piracircmide kelseniana encontra-se

o crescimento e a consolidaccedilatildeo de um direito jurisprudencial atraveacutes de um jogo de

referecircncias reciacuteprocas em que um sistema observa o outro mas natildeo haacute um centro ao lado das

normas produzidas no legislativo (a intensa produccedilatildeo jurisprudencial para os hard cases

culmina em adiccedilatildeo de conteuacutedos advindos de ldquooutros direitosrdquo) e a base passa a ser composta

por decretos e regulamentos que resultam de administraccedilotildees policecircntricas corroborando para

a crenccedila de que o processo de internacionalizaccedilatildeo do direito vem acompanhado de

descentralizaccedilatildeo e privatizaccedilatildeo de fontes do Direito63

Diante deste quadro Delmas64

apresenta trecircs espeacutecies de processo de interaccedilatildeo para

se chegar a um direito comum coordenaccedilatildeo por entrecruzamento harmonizaccedilatildeo e unificaccedilatildeo

Destaca-se antes de discorrer brevemente sobre esses processos que o direito comum natildeo

tem a pretensatildeo de unificar o Direito no texto pois isso seria uma tarefa praticamente utoacutepica

A ideia de Delmas objetiva na realidade a exploraccedilatildeo da pluralidade como potencial poder

de integraccedilatildeo vez que as redes dinacircmicas e as estruturas vetorizadas pelos direitos humanos

presentes nas novas geometrias da ordem mundial se pautam no reconhecimento do outro em

uma espeacutecie de alteridade65

A coordenaccedilatildeo por entrecruzamento caracteriza-se por ser um processo horizontal em

que a autoridade das decisotildees seraacute reforccedilada pelo jogo de referecircncias cruzadas de uma

jurisdiccedilatildeo agrave outra Essa eacute uma fase transitoacuteria na construccedilatildeo de uma verdadeira ordem juriacutedica

mundial em que a internormatividade e a interpretaccedilatildeo cruzada permitem a formaccedilatildeo de no

miacutenimo uma comunidade de juiacutezes Em funccedilatildeo disso em acircmbito global percebem-se traccedilos

da coordenaccedilatildeo por entrecruzamento nos diaacutelogos entre cortes e tribunais nas mais diferentes

ordens No espaccedilo europeu a coordenaccedilatildeo eacute percebida da mesma forma atraveacutes dos diaacutelogos

entre as cortes nacionais e os tribunais da ldquopequena Europardquo e da ldquogrande Europardquo

respectivamente Tribunal de Luxemburgo e de Estrasburgo

Interessante notar conforme jaacute foi demonstrado que foram os diaacutelogos entre as cortes

nacionais dos diversos Estados membros da entatildeo Comunidade Europeia e posterior Uniatildeo

63

Ibid 2013 p20 64

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006 65

LOPES Carla Patriacutecia Frade Nogueira Internacionalizaccedilatildeo do Direito e pluralismo juriacutedico limites de

cooperaccedilatildeo no diaacutelogo de juiacutezes In Revista de Direito Internacional da Uniceub Vol 9 n4 2012

31

Europeia que auxiliaram no processo de consolidaccedilatildeo do entendimento de primazia das

normas comunitaacuterias ao lado da proteccedilatildeo integral aos direitos fundamentais previstos nas

constituiccedilotildees estatais Isso culminou conforme se asseverou anteriormente na disposiccedilatildeo do

Tratado de Lisboa de que a Uniatildeo Europeia natildeo soacute se submete agraves tradiccedilotildees e regras

constitucionais em mateacuteria de direitos fundamentais como adere agrave Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem

Se o primeiro processo de interaccedilatildeo eacute a coordenaccedilatildeo far-se-aacute de imediato a anaacutelise do

uacuteltimo processo a unificaccedilatildeo visto que o eacute no processo intermediaacuterio ndash a harmonizaccedilatildeo ndash que

se desenvolve o foco do presente estudo A unificaccedilatildeo seria do ponto de vista formal o

processo perfeito por unir ordens juriacutedicas regionais sob um mesmo modelo hieraacuterquico e

coerente das ordens nacionais tradicionais Entretanto sob o enfoque empiacuterico essa perfeiccedilatildeo

estaacute longe de ser garantida vez que a unificaccedilatildeo consiste na transferecircncia pura e simples do

regramento juriacutedico de um paiacutes para outro em uma espeacutecie de verticalizaccedilatildeo ordenada que

pode gerar a dominaccedilatildeo hegemocircnica de uma ordem sobre outra sem portanto respeito agrave

pluralidade

O processo intermediaacuterio de harmonizaccedilatildeo por sua vez tende a aproximar os sistemas

com um propoacutesito coordenativo poreacutem sem a intenccedilatildeo unificadora Tal processo limita-se a

uma integraccedilatildeo imperfeita cuja chave eacute a preservaccedilatildeo das margens nacionais de apreciaccedilatildeo

De modo diferente da coordenaccedilatildeo que eacute marcada pela horizontalidade da comunicaccedilatildeo entre

conjuntos juriacutedicos a harmonizaccedilatildeo instaura uma relaccedilatildeo do tipo vertical que implica o

reconhecimento de algumas hierarquias entre por exemplo direito internacional e nacional

direito supranacional e nacional dentre outras formas Todavia a inversatildeo destas hierarquias

e o reconhecimento muacutetuo fazem parte do movimento de harmonizaccedilatildeo

As margens nacionais de apreciaccedilatildeo satildeo as grandes novidades desse processo de

harmonizaccedilatildeo vez que elas funcionam em uma dinacircmica centriacutefuga e envolvem tanto a

obrigaccedilatildeo de conformidade em relaccedilatildeo agraves normas internacionais das quais determinado paiacutes eacute

signataacuterio quanto agrave apreciaccedilatildeo soberana dos Estados sendo delineada por princiacutepios

comuns66

A resistecircncia dos direitos internos e os avanccedilos do processo de harmonizaccedilatildeo satildeo

portanto as condiccedilotildees de possibilidade para a aplicaccedilatildeo da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

(MNA)

66

SALDANHA Jacircnia Maria Lopes MELLO Rafaela da Cruz Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e

Diaacutelogos Transjurisdicionais uma anaacutelise da postura do Supremo Tribunal Federal Brasileiro In Conselho

Nacional de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito - CONPEDI (Org) Direito Internacional dos Direitos

Humanos I XXIII EdFlorianoacutepolis CONPEDI 2014 v I p 368-394

32

Deste modo imperioso reconhecer que em um continente plural como eacute o europeu

com diversos paiacuteses com aspectos linguiacutesticos culturais religiosos e poliacuteticos a figura da

MNA apresenta-se como uma importante chave para o desenvolvimento e consolidaccedilatildeo de

um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos sendo uma ferramenta relevante

para o estabelecimento de um pluralismo ordenado uma vez que as pluralidades e

peculiaridades culturais e religiosas de cada Estado satildeo respeitadas

Neste sentido portanto a Europa pode ser vista novamente como um laboratoacuterio de

experiecircncias e o surgimento da MNA possui hoje um importante papel sobretudo dentro do

continente europeu Utilizada tanto pelos Tribunais de Luxemburgo e Estrasburgo a MNA

surgiu pela primeira vez na jurisprudecircncia do TEDH

Embora existam relatos do uso da MNA pelo Tribunal de Luxemburgo para permitir

que os conceitos comunitaacuterios sejam interpretados de modo flexiacutevel segundo as

especificidades nacionais e servindo como uma importante vaacutelvula de escape para as tensotildees

nacionais mais fortes neste trabalho far-se-aacute a limitaccedilatildeo da utilizaccedilatildeo da MNA pelo Tribunal

Europeu de Direitos do Homem com o intuito de analisar quais satildeo os entraves e as

possibilidades do uso de tal ferramenta pra a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de um direito comum

para a ldquogrande Europardquo tendo como base os direitos humanos

33

2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU

A noccedilatildeo de margem encontra-se no coraccedilatildeo dos sistemas de Direito uma vez que o

direito interno jaacute prevecirc a possibilidade de uma margem de interpretaccedilatildeo aos juiacutezes em relaccedilatildeo

agraves demandas que lhes satildeo apresentadas Todavia a internacionalizaccedilatildeo impulsiona ao

acreacutescimo do termo ldquonacionalrdquo a essa margem no sentido de permitir o reconhecimento da

diversidade dos sistemas juriacutedicos e a possibilidade de um direito comum

Nesse sentido no presente capiacutetulo far-se-aacute uma abordagem acerca da histoacuteria dessa

ferramenta criada pelo TEDH bem como o conceito e as criacuteticas trazidas por estudiosos da

doutrina da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) (21) Por conseguinte atraveacutes de uma

anaacutelise jurisprudencial se tentaraacute comprovar que a margem a despeito de opiniotildees contraacuterias

acerca da ausecircncia de paracircmetros para sua aplicaccedilatildeo pelo TEDH constitui-se como um

instrumento relevante para a construccedilatildeo de um direito comum europeu tendo como base

luminosa os direitos humanos (22)

21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem

Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu

Consoante fora anteriormente aludido a noccedilatildeo de margem encontra-se dentro dos

sistemas de direito Por isso em um primeiro momento aponta-se a margem dentro do direito

interno como ferramenta capaz de auxiliar o juiz enquanto receptor da norma a interpretar

determinado caso concreto em uma espeacutecie de coacutedigo cultural que determina o senso da

norma67

Nesse sentido a origem dessa margem de interpretaccedilatildeo adveacutem do direito

administrativo de diversos Estados europeus Na Franccedila a margem eacute conhecida como ldquomarge

67

DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation

du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit

compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780

34

drsquoappreacutecciationrdquo na Alemanha eacute vista como ldquoErmessensspielraumrdquo e na Itaacutelia ldquomarge de

discrizionalitaacuterdquo68

Em acircmbito interno portanto caracteriza-se por ser uma deferecircncia que

combina aspectos processuais e hermenecircuticos no sentido de conferir uma reserva de

apreciaccedilatildeo ao administrador para decidir acerca da conveniecircncia e oportunidade em relaccedilatildeo

aos atos administrativos

O processo de internacionalizaccedilatildeo estaacutegio supremo da globalizaccedilatildeo69

no acircmbito do

Direito se desenvolve a ponto de transformar o campo de uma disciplina de modo que

consoante jaacute fora exaustivamente exposto a seara juriacutedica natildeo se limita mais agrave relaccedilatildeo entre

Estados nem somente se combina com os direitos internos Logo o pluralismo pode ser visto

como uma palavra de ordem na paisagem juriacutedica atual e por isso a noccedilatildeo de margem ganha

o adjetivo ldquonacionalrdquo e passa a ser um elemento de tentativa de aproximaccedilatildeo com a finalidade

de atingir um direito comum com bases humanistas

Logo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) teria a finalidade de proceder a uma

espeacutecie de siacutentese entre os anseios de unidade juriacutedica e o desejo de separaccedilatildeo proveniente de

uma autonomia estatal A margem portanto sob o vieacutes da internacionalizaccedilatildeo corresponderia

ao caminho do meio entre o pressuposto de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o

relativismo ou os particularismos culturais de cada Estado

No contexto europeu em que tanto sob o vieacutes comunitaacuterio quanto sob a perspectiva do

sistema regional os Estados apresentam pluralidades significativas em relaccedilatildeo agrave religiatildeo agrave

cultura agrave poliacutetica dentre outros campos a figura da MNA serve como um importante

instrumento para aproximar o universal e o relativo70

Dessa maneira teria a funccedilatildeo de no

processo de construccedilatildeo de um direito comum apresentar como horizonte a universalidade dos

direitos humanos mas sem perder de foco os relativismos culturais que formam a identidade

das mais diferentes sociedades

Niacutetido portanto que o caminho para a construccedilatildeo de um ldquocomumrdquo em mateacuteria de

direitos humanos relaciona-se natildeo soacute com a proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua esfera eacutetica

e miacutenima como tambeacutem com a preservaccedilatildeo da pluralidade Como instrumento do processo de

harmonizaccedilatildeo a margem carrega em seu acircmago a noccedilatildeo de convergecircncia em torno de

princiacutepios comuns mas garantindo o respeito a uma espeacutecie de direito agrave divergecircncia uma vez

68

ITZCOVITCH Giulio One None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations The Lautsi Case

In Human Rights Law Review Oxford Journals 2013 Disponiacutevel em

httphrlroxfordjournalsorgcontent132toc Acesso 04 nov 2014 69

SANTOS Milton Teacutecnica Espaccedilo Tempo Globalizaccedilatildeo e meio teacutecnico-cientiacutefico-informacional 5ordf ed

Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2013 p 45 70

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b

35

que se garante a cada Estado a particularidade de lidar com questotildees atinentes agraves suas

diferenccedilas

Deste modo o Tribunal de Estrasburgo consoante fora dito anteriormente se utiliza

pela primeira vez do recurso agrave MNA no caso Lawless vs Irlanda71

Na discussatildeo cerne deste

conflito estava a possibilidade de prisatildeo provisoacuteria no caso dos atentados terroristas

relacionados ao grupo extremista IRA (Irish Republic Army) Mais especificamente o

cidadatildeo irlandecircs Gerard Richard Lawless ex-membro do IRA foi preso em julho de 1957 no

momento em que estava prestes a viajar da Irlanda agrave Gratilde-Bretanha Neste ato foi detido sob

especiais poderes de detenccedilatildeo indeterminada sem julgamento sob alegaccedilotildees de ofensas contra

o Estado irlandecircs

Lawless fazendo o uso da prerrogativa de peticcedilatildeo individual demandou perante a

Corte Europeia de Direitos do Homem alegando violaccedilatildeo pelo Estado Irlandecircs dos artigos 56

e 7 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem mas especificamente direitos de

liberdade seguranccedila julgamento justo e o princiacutepio de proibiccedilatildeo de puniccedilatildeo sem lei anterior

que defina um delito

No julgamento do caso em 1961 o Tribunal de Estrasburgo pela primeira vez fez

alusatildeo mesmo que de modo natildeo explicito agrave possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo

ao deixar ao Estado Irlandecircs margem para decidir fundamentando-se nas prerrogativas do

artigo 1572

da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Tal norma da Convenccedilatildeo alude agrave

possibilidade de derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade com a prerrogativa de que em

caso de guerra ou outro perigo puacuteblico que ameace a vida da naccedilatildeo a parte aderente agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem pode tomar providecircncias que derroguem as

obrigaccedilotildees previstas no tratado na estrita medida em que exigir a situaccedilatildeo

71

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57518itemid[001-57518] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lawless vs Irlanda Sentenccedila de 01 de julho de 1961 Acesso

05 nov 2014 72

Artigo 15 Derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade 1 Em caso de guerra ou de outro perigo puacuteblico que

ameace a vida da naccedilatildeo qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providecircncias que derroguem as obrigaccedilotildees

previstas na presente Convenccedilatildeo na estrita medida em que o exigir a situaccedilatildeo e em que tais providecircncias natildeo

estejam em contradiccedilatildeo com as outras obrigaccedilotildees decorrentes do direito internacional 2 A disposiccedilatildeo

precedente natildeo autoriza nenhuma derrogaccedilatildeo ao artigo 2deg salvo quanto ao caso de morte resultante de atos

liacutecitos de guerra nem aos artigos 3deg 4deg (paraacutegrafo 1) e 7deg 3 Qualquer Alta Parte Contratante que exercer este

direito de derrogaccedilatildeo manteraacute completamente informado o Secretaacuterio Geral do Conselho da Europa das

providecircncias tomadas e dos motivos que as provocaram Deveraacute igualmente informar o Secretaacuterio - Geral do

Conselho da Europa da data em que essas disposiccedilotildees tiverem deixado de estar em vigor e da data em que as da

Convenccedilatildeo voltarem a ter plena aplicaccedilatildeo CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS

DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014

36

Logo aplicando o referido artigo 15 da Convenccedilatildeo a decisatildeo do Tribunal de

Estrasburgo foi de no caso proposto asseverar que os fatos apurados natildeo revelam uma

violaccedilatildeo por parte do Governo irlandecircs de suas obrigaccedilotildees ao abrigo da Convenccedilatildeo Europeia

para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais Em razatildeo disso de a

motivaccedilatildeo do Tribunal para proferir a decisatildeo ter partido de uma prerrogativa da proacutepria

Convenccedilatildeo Europeia alguns autores73

natildeo fazem alusatildeo a este caso como o primeiro em que

houve concessatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo para Estado

Embora haja uma referecircncia tiacutemida agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso exposto

anteriormente eacute no caso linguiacutestico belga74

que se percebe uma manifestaccedilatildeo mais concreta

da Corte de Estrasburgo em relaccedilatildeo agrave deferecircncia de julgamento aos Estados precisando

alguns dos fundamentos da doutrina da MNA No caso belga julgado em 1968 pais que

falavam francecircs questionaram o sistema educacional da Beacutelgica que dividia o paiacutes em quatro

regiotildees linguiacutesticas distintas

O Tribunal de Luxemburgo aceitou uma margem de apreciaccedilatildeo conferida agraves partes em

funccedilatildeo de que os Estados possuiacuteam discricionariedade em relaccedilatildeo agrave regulamentaccedilatildeo do direito

agrave educaccedilatildeo A Corte argumentou que essa necessidade de concessatildeo de uma deferecircncia ou de

um limite de discricionariedade ao Estado era proveniente da natureza do proacuteprio direito

discutido (regulamentaccedilatildeo do sistema educacional) de modo que a regulamentaccedilatildeo do direito

agrave educaccedilatildeo poderia variar de acordo com o local e com o tempo consoante as necessidades e

os recursos da comunidade e dos indiviacuteduos

Ainda eacute possiacutevel destacar nesse caso a vinculaccedilatildeo da noccedilatildeo de margem de apreciaccedilatildeo

ao princiacutepio de subsidiariedade dos tribunais internacionais em relaccedilatildeo agraves cortes nacionais

Por isso o Tribunal manifestou-se asseverando que natildeo desejava substituir as autoridades

nacionais pois se assim o fizesse perderia a caracteriacutestica de mecanismo internacional de

garantia da ordem instaurada pela Convenccedilatildeo

73

KRATOCHVIL Jan The inflation of the margin of appreciation by european court of human rights In

Netherlands Quarterly of Human Rights Vol 293 2011 p 324-357 Disponiacutevel em ww corteidhorcr

tablas r26992pdf Acesso 01 nov 2014

VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um

equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em

httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 74

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httpwww9euskadineteuskara_araubideaLegedialegeakgaztelaneuropas23b001pdf CORTE EUROPEIA

DE DIREITOS HUMANOS Caso linguiacutestico belga Sentenccedila de 23 de julho de 1968 Acesso 05 nov 2014

37

Essa subsidiariedade conduz agrave MNA duas noccedilotildees75

uma noccedilatildeo teacutecnica e outra

poliacutetica Na noccedilatildeo teacutecnica a razatildeo para sua existecircncia relaciona-se com a imprecisatildeo de

algumas normas que conferem certa liberdade ao juiz internacional No campo poliacutetico a

relaccedilatildeo se evidencia pela sensibilidade dos Estados em relaccedilatildeo a temas polecircmicos

Sob essa oacutetica e embora esse natildeo seja o foco do presente trabalho pode-se afirmar que

a MNA eacute uma figuram importante tanto para o horizonte de criaccedilatildeo de um direito comum

europeu como para a consolidaccedilatildeo do direito comunitaacuterio europeu Isso porque este uacuteltimo

embora tenha sido baseado em um ideal federalista funda-se na realidade em um modelo de

governanccedila supranacional em que a MNA foi importada pelo Tribunal de Luxemburgo a fim

de ser uma vaacutelvula de escape para tensotildees fortes em acircmbito comunitaacuterio76

O TJUE deste modo permite que os conflitos comunitaacuterios sejam interpretados de

maneira flexiacutevel conforme especificidades nacionais Cada Estado pode atribuir seu proacuteprio

significado a expressotildees ou textos legais de interpretaccedilatildeo ampla devendo-se contudo

vincular aos princiacutepios e conceitos juriacutedico-legais do direito comunitaacuterio

No campo de construccedilatildeo de um direito comum europeu que tem como terreno o

sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos tal premissa natildeo eacute diferente Embora em

alguns casos o TEDH opte pela concessatildeo da margem de deferecircncia essa soacute pode ser aplicada

pelo Estado se este observar os princiacutepios que regem o instrumento legal base da Corte qual

seja a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) Deste modo o Estado natildeo fica

desobrigado do cumprimento da Convenccedilatildeo pois em tese apenas existiraacute margem para

pontos sensiacuteveis desta os quais permitem interpretaccedilotildees diferenciadas de acordo com os

particularismos nacionais e os desacordos culturais

Nesse sentido conforme se observou pelos casos citados com ecircnfase para o caso

Lawless vs Irlanda uma primeira aplicaccedilatildeo da doutrina da margem vinculou-se ao processo

de sedimentaccedilatildeo do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos vez que tal

caso foi um dos primeiros a ser julgado pelo Tribunal de Estrasburgo aleacutem de conforme fora

dito ter sido o primeiro no acircmbito da criaccedilatildeo e uso da MNA Em razatildeo desse contexto a

utilizaccedilatildeo do instrumento em questatildeo deu-se em funccedilatildeo de uma demanda que envolvia

questatildeo de seguranccedila interna de um paiacutes e por isso a aplicaccedilatildeo da deferecircncia de julgamento agrave

Irlanda daacute-se tambeacutem como uma teacutecnica poliacutetica para evitar tensotildees entre esfera internacional

75

DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation

du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit

compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780 76

VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade

de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014

38

e nacional (esta ainda arraigada ao conceito claacutessico de soberania) no acircmbito de um sistema

que tinha sido criado recentemente

Sob tal vieacutes pode-se recorrer agrave explicaccedilatildeo de Marcelo Varella77

de que a margem

deve ser aplicada para temas polecircmicos em que abusos exegeacuteticos por parte do tribunal de

cariz internacional podem levar agrave perda de legitimidade deste Contudo com o

desenvolvimento da teoria da MNA tanto por doutrinadores como pela proacutepria jurisprudecircncia

do tribunal que a criou percebe-se que o seu uso em grande medida relaciona-se com o

embate entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo nacional em mateacuteria de

desacordos culturais

Natildeo obstante a existecircncia de criacuteticas sobre a aplicaccedilatildeo praacutetica atual da MNA pelo

TEDH o que seraacute objeto de anaacutelise na sequencia do presente trabalho eacute com a figura da

deferecircncia da margem nacional que se torna possiacutevel um pluralismo de justaposiccedilatildeo78

que

tolera a coexistecircncia de sistemas particularmente diferentes Somente a possibilidade de

acoplamento do adjetivo nacional ao substantivo margem ou seja uma transferecircncia de

conceito desse substantivo para outra esfera que natildeo agrave interna de cada paiacutes jaacute demonstra que

uma ruptura com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito jaacute iniciou e ainda estaacute em curso

A ruptura com a concepccedilatildeo tradicional unificada e estritamente hierarquizada de

ordem juriacutedica leva a uma ruptura epistemoloacutegica com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito

Isso permite natildeo soacute a existecircncia e aplicaccedilatildeo de uma margem nacional de apreciaccedilatildeo como

demonstra a possibilidade de concretizaccedilatildeo do ideal de um direito comum que por ser

pluralista natildeo pode ser projetado conforme o modelo tradicional e nem encontra campo para

isso em funccedilatildeo do novo mosaico juriacutedico existente sobretudo na Europa

Logo eacute possiacutevel afirmar que a margem a que se refere esse trabalho natildeo deixa de ser

um reconhecimento jurisprudencial dessa mudanccedila de ares trazida pelas novas configuraccedilotildees

e estruturas juriacutedicas Isso porque novas instituiccedilotildees emergem em meio de um caos juriacutedico

que natildeo passa despercebido pelas cortes internacionais Prova disso eacute que a MNA natildeo eacute

mencionada somente pelo TEDH Ainda que de modo muito tiacutemido e em pequena medida eacute

possiacutevel o destaque de citaccedilatildeo (e aplicaccedilatildeo) da referida doutrina pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos79

Embora o continente latino americano seja tatildeo ou mais plural e diversificado que o

europeu e que o uso da margem como instrumento de siacutentese entre relativo e universal seja

77

Ibid 2012 p 143 78

DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 757 79

POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema

interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012

39

teoricamente indicado para sedimentar as bases de construccedilatildeo de um direito comum pluralista

a aplicaccedilatildeo do instituto em solo americano ainda natildeo ocorre de modo significativo Sob esse

vieacutes o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Seacutergio Garcia Ramirez80

asseverou

que a margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute uma ferramenta e um princiacutepio europeu de relativismo

relativo agrave execuccedilatildeo que natildeo eacute visto com simpatia pela Corte maacutexima do sistema regional

americano de direitos humanos Isso em funccedilatildeo natildeo soacute do histoacuterico de demandas que

chegaram ao julgamento da Corte Interamericana ndash em grande parte envolvendo violaccedilotildees de

direitos humanos perpetradas pelo Estado durante os periacuteodos de ascensatildeo de autoritarismos e

ditaduras na Ameacuterica Latina ndash como tambeacutem em razatildeo das democracias latino-americanas

ainda estarem em fase de consolidaccedilatildeo

Deste modo em razatildeo da ausecircncia ateacute entatildeo de casos envolvendo desacordos

culturais e das recentes reinserccedilotildees ou inserccedilotildees democraacuteticas de paiacuteses do continente

americano temia-se que eventual aplicaccedilatildeo de MNA poderia ser compreendida pelos Estados

como um salvo-conduto para que houvesse violaccedilatildeo de direitos humanos pelos paiacuteses A

cautela e a percepccedilatildeo de paisagens diferentes entre os territoacuterios separados pelo Atlacircntico

fizeram e fazem com que ainda hoje a doutrina da margem tenha pouca ou quase nenhuma

aplicaccedilatildeo na Ameacuterica

Deste modo pode-se afirmar que a internacionalizaccedilatildeo do direito - e seus reflexos na

Europa - eacute a responsaacutevel pela criaccedilatildeo de um espaccedilo para o desenvolvimento da doutrina da

margem nacional de apreciaccedilatildeo Nesse sentido embora a criaccedilatildeo tenha sido jurisprudencial

por parte do TEDH com aplicaccedilatildeo em alguns casos pelo proacuteprio Tribunal de Luxemburgo eacute

importante avaliar de que modo a doutrina conceitua o referido instituto

A posiccedilatildeo adotada por este trabalho eacute a de Mireille Delmas-Marty81

que salienta em

suas obras a origem nacional da margem nacional ainda como uma margem de interpretaccedilatildeo

capaz de conferir um pluralismo de valores do tipo meta juriacutedico em uma espeacutecie de

deferecircncia para apreciaccedilatildeo do juiz receptor de determinada norma Todavia a margem

relativa agrave internacionalizaccedilatildeo liga-se ao reconhecimento da diversidade de sistemas juriacutedicos

os quais possuem algumas caracteriacutesticas peculiares ligadas agraves identidades do Estado em que

se encontram

80

Tal posicionamento de Seacutergio Garciacutea Ramirez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema Internacional de

Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de 19 e 20 de agosto

de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado ndash da Pontifiacutecia

Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS 81

DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 762

40

Em razatildeo disso para a autora a noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo aleacutem de ser

uma siacutentese entre o universal e o relativo eacute uma chave do pluralismo ordenado Desse modo

sua construccedilatildeo assemelha-se de um lado agrave expressatildeo de uma dinacircmica centriacutefuga ou seja

uma resistecircncia dos Estados agrave integraccedilatildeo e o apego agrave noccedilatildeo claacutessica de soberania e de outro

lado sendo ela limitada por princiacutepios comuns estabelece o miacutenimo de compatibilidade

voltando-se ao centro em uma dinacircmica centriacutepeta

Haacute portanto um movimento duplo que por vezes traduz as resistecircncias dos direitos

nacionais por vezes os avanccedilos rumo agrave harmonizaccedilatildeo do direito comum em mateacuteria de

direitos humanos Eacute justamente essa capacidade de oscilaccedilatildeo que permite os ajustamentos

com vistas a compatibilizar o interno com o comum com o intuito nem de criar uma

hegemonia do universal e nem de tornar inaplicaacutevel o direito comum em razatildeo das

particularidades Desta forma Delmas percebe a margem como uma teacutecnica juriacutedica presente

no acircmbito do fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo do direito e que permite o reconhecimento da

diversidade entre os sistemas juriacutedicos82

Benvenisti83

por sua vez visualiza no uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo uma

espeacutecie de latitude que cada sociedade tem na resoluccedilatildeo de conflitos inerentes entre os

direitos individuais e os interesses nacionais ou entre diferentes convicccedilotildees morais Por

conseguinte alude que a doutrina da margem consoante inclusive fora abordado

anteriormente neste trabalho respondeu inicialmente a preocupaccedilotildees de governos nacionais

de que as poliacuteticas internacionais pudessem comprometer a seguranccedila nacional Isso entatildeo

explicaria a invocaccedilatildeo da margem no caso Lawless vs Irlanda por exemplo

Com a evoluccedilatildeo da jurisprudecircncia o uso desse instrumento passou a ser aplicado por

outras razotildees como gestatildeo de recursos discricionariedade em relaccedilatildeo a questotildees

concernentes agrave deliberaccedilatildeo acerca de sistemas poliacuteticos educacionais entre outros ateacute passar

a ser utilizada em temas relativos aos desacordos culturais Ainda segundo Bevenisti84

a

utilizaccedilatildeo da margem se justifica em alguns casos e em algumas mateacuterias ndash para o autor por

exemplo a aplicaccedilatildeo da margem nacional natildeo se justifica quando em questatildeo se encontram o

direito de minorias - sendo que o uso ampliado ou desmedido pode gerar uma espeacutecie de

deslegitimaccedilatildeo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos

82

Ibid 2000 p 760 83

BENVENISTI Eyal Margin of apreciation consensus and universal standards In International Law and

Politics Vol 31843 1999 pp 843-854 Disponiacutevel em httpwwwpict-

pctiorgpublicationsPICT_articlesJILPBenvenistipdfp 853 Acesso 05 nov 2014 84

Ibid 1999 p 846

41

Para Poblete amp Alvarado85

a margem nacional de apreciaccedilatildeo liga-se agrave noccedilatildeo de fins e

limites da jurisdiccedilatildeo internacional ou supranacional em mateacuteria de direitos humanos Eles

reconhecem que a doutrina da margem concede aos Estados signataacuterios de convenccedilotildees

internacionais liberdade para apreciar as circunstacircncias materiais que exigem aplicaccedilatildeo de

medidas excepcionais em situaccedilatildeo de emergecircncia como eacute o caso das prerrogativas do artigo

15 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de derrogaccedilatildeo em caso de necessidade

Outrossim ainda segundo os mencionados autores a margem possibilita aos Estados

liberdade para limitar direitos reconhecidos em tratados internacionais quando outros direitos

exigem respeito ou assim exigem os interesses da comunidade Ainda serviria para definir os

conteuacutedo dos direitos delimitar como eles satildeo aplicados no plano interno e definir o modo

como seratildeo cumpridas resoluccedilotildees de um oacutergatildeo internacional de supervisatildeo de um tratado ou

convenccedilatildeo Dessa maneira tais autores identificam a doutrina da MNA como uma

metodologia de que se servem os tribunais internacionais para difundir os direitos humanos

previstos nos tratados internacionais bem como o direito do comeacutercio ndash a margem tambeacutem eacute

aplicada pela Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio (OMC)

Vila86

por sua vez percebe na doutrina da marem nacional de apreciaccedilatildeo uma espeacutecie

de ldquodeferecircnciardquo praticada pelo Tribunal de Estrasburgo em relaccedilatildeo aos Estados signataacuterios da

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Isso pelo fato de que o sistema de proteccedilatildeo dos

diretos humanos na Europa eacute resultado de uma divisatildeo de trabalho entre os Estados e a Corte

em que os primeiros satildeo responsaacuteveis primaacuterios desta proteccedilatildeo e a Corte possui um caraacuteter

subsidiaacuterio atuando em acircmbitos sensiacuteveis como o da moralidade e da religiatildeo em que natildeo haacute

consenso entre os Estados

Nesse mesmo sentido se situa o pensamento de Roca87

que afirma que a doutrina da

margem nacional de apreciaccedilatildeo ocupa um lugar de destaque na jurisprudecircncia do Tribunal

Europeu de Direitos Humanos e eacute necessaacuteria para refletir uma realidade evidente qual seja a

pluralidade cultural dos Estados que fazem parte do Conselho da Europa notaacutevel em um

pluralismo de base territorial sobre o qual assenta uma cultura comum europeia de alguns

miacutenimos

85

POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema

interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012 p5 86

VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um

equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em

httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 87

ROCA JavierGarciacutea La muy discrecional doctrina del margen de apreciacioacuten nacional seguacuten el Tribunal

Europeo de Derechos Humanos Soberaniacutea e Integracioacuten In UNED Teoriacutea y Realidad Constitucional N

202007 p 117-143 Disponiacutevel em httpe-spaciounedes revistasuned indexphp TRC article vie 6778

Acesso 02 nov 2014

42

Da mesma forma considera o autor que os princiacutepios da proporcionalidade e da

subsidiariedade satildeo imanentes agrave noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo visto que os

Estados possuem certa margem de discricionariedade na aplicaccedilatildeo e no cumprimento de

obrigaccedilotildees impostas pela Convenccedilatildeo bem como na ponderaccedilatildeo de interesses mais

complexos Se houver excesso por parte dos Estados no uso dessa margem haacute violaccedilatildeo do

princiacutepio da proporcionalidade e abre-se espaccedilo para a intervenccedilatildeo do oacutergatildeo jurisdicional

internacional sob as bases do princiacutepio da subsidiariedade

Eacute importante sob essa oacutetica lembrar que embora o diferencial da Corte Europeia de

Direitos Humanos seja o de permitir a peticcedilatildeo individual de qualquer sujeito que denuncie

uma violaccedilatildeo de seus direitos baacutesicos assim como outros tribunais internacionais tem a regra

da exigecircncia do esgotamento das vias internas de acesso agrave justiccedila para que a demanda seja

recebida pelo TEDH Se natildeo houve satisfaccedilatildeo do pleito por parte do Estado ou se a reparaccedilatildeo

obtida se revelara inidocircnea para uma proteccedilatildeo adequada ao direito violado entatildeo agrave Corte

Europeia eacute permitido revisar a decisatildeo nacional ou substituiacute-la

Mahorney88

em seus estudos assevera que a margem funciona como uma espeacutecie de

divisatildeo de jurisprudecircncias uma vez que traccedila uma linha divisoacuteria entre o que deve decidir

cada comunidade nacional e as questotildees que tecircm relevacircncia para necessitar uma soluccedilatildeo

homogecircnea ou seja as que demandam uma decisatildeo que harmonize a regulaccedilatildeo do direito e

suas garantias na comunidade internacional independentemente das diferenccedilas de tradiccedilotildees

ou culturas

Contreras89

afirma que os tratados regionais de direitos humanos embora contenham

escopos de universalidade em relaccedilatildeo a esses direitos satildeo acompanhados pela possibilidade

de peculiaridades geograacuteficas na execuccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos direitos do homem As cortes

internacionais tecircm a dificuldade de conciliar ou justificar a falta de conciliaccedilatildeo entre

diferenccedilas morais e normativas de cada regiatildeo Em razatildeo disso uma das criaccedilotildees doutrinaacuterias

mais importantes eacute a da margem nacional de apreciaccedilatildeo sendo esta para o autor um criteacuterio

interpretativo desenvolvido tanto como deferecircncia aos Estados para que possam regular o

conteuacutedo dos direitos e suas restriccedilotildees e para distribuir os poderes e niacuteveis de decisotildees

tomadas entre as autoridades domeacutesticas e internacionais

88

MAHORNEY Paul Marvellous richness diversity or individual cultural relativism In Human Rights Law

Journal Vol 19 nuacutem 1 30 de abril de 1998 p 1 89

CONTRERAS Pablo National Discretion and International Deference in the Restriction of Human Rights A

Comparison Between the Jurisprudence of the European and the Inter-American Court of Human Rights In

Northwestern Journal of International Human Rights Vol 11 2012 Disponiacutevel em

httpscholarlycommonslawnorthwesterneducgiviewcontentcgiarticle=1155ampcontext=njihr Acesso 01 nov

2014

43

Visiacutevel portanto que na doutrina natildeo haacute um contexto exato em relaccedilatildeo a essa figura

criada e aplicada na jurisprudecircncia do TEDH Enquanto para alguns estudiosos ela se

configura como uma doutrina para outros eacute um criteacuterio interpretativo ou hermenecircutico usado

pelos tribunais internacionais no sentido de revisar a decisatildeo de um Estado ou conceder

deferecircncia a este para julgar conforme o direito interno coadunado com os princiacutepios miacutenimos

existentes nos tratados internacionais de direitos humanos

Natildeo obstante a divergecircncia de conceituaccedilatildeo no campo teoacuterico analisar-se-aacute no

proacuteximo capiacutetulo alguns casos emblemaacuteticos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de apreciaccedilatildeo

pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos mais diferentes tema com o intuito de

responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel afirmar que do modo como eacute aplicada a

doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo pela Corte Europeia de Direitos do Homem

temos uma efetiva contribuiccedilatildeo para o processo de harmonizaccedilatildeo entre universal e relativo e

construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos

Embora a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo tenha nascido da tentativa de

produccedilatildeo de uma siacutentese entre o universal e o relativo no espaccedilo do sistema regional europeu

de proteccedilatildeo dos direitos humanos sua aplicaccedilatildeo praacutetica sobretudo pelo TEDH natildeo eacute imune a

criacuteticas Cumpre a esse capiacutetulo realizar notas acerca da aplicaccedilatildeo praacutetica da margem

nacional de apreciaccedilatildeo com o intuito de verificar se ela efetivamente contribui ou eacute capaz de

contribuir para a construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

Conforme afirmam Brum et Saldanha90

a MNA ao ser compreendida e utilizada como

uma forma de autocontrole por meio do qual o oacutergatildeo jurisdicional internacional evita o

enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas poliacutetica pode

representar um risco de fragilizaccedilatildeo do direito internacional dos direitos humanos caso seu

uso se torne indiscriminado sem criteacuterios claros e limites precisos Desta maneira seu uso em

vez de conduzir ao caminho de ordenaccedilatildeo do muacuteltiplo e de mundializaccedilatildeo dos direitos

90

BRUM Maacutercio Morais SALDANHA Jacircnia Maria Lopes A margem nacional de apreciaccedilatildeo e sua

(in)aplicaccedilatildeo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em mateacuteria de anistia Uma figura hermenecircutica a

serviccedilo do pluralismo ordenado In Anuario Mexicano de Derecho Internacional 2015(No prelo para

publicaccedilatildeo)

44

humanos levaria ao rumo contraacuterio da fragmentaccedilatildeo e reforccedilo da velha noccedilatildeo de soberania

marcada pela ausecircncia de compromisso dos Estados com os marcos protetivos miacutenimos do

direito internacional

Neste vieacutes portanto dentro ainda de um panorama geral de anaacutelise da postura do

Tribunal de Estrasburgo um dos primeiros pontos de criacutetica se relaciona ao enfraquecimento

da credibilidade do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos Na visatildeo de

alguns doutrinadores a postura da Corte Europeia na aplicaccedilatildeo irrestrita e sem limitaccedilotildees ou

uma sistematizaccedilatildeo teacutecnica em relaccedilatildeo aos casos em que deve ou natildeo ser aplicada pode gerar

um sentimento de descrenccedila na legitimidade e na eficaacutecia das decisotildees tomadas pelo oacutergatildeo

jurisdicional internacional do Conselho da Europa

Para alguns estudiosos o modo como a margem eacute aplicada reflete uma postura de

evitar o enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas

poliacuteticas Aleacutem de uma fragilizaccedilatildeo do sistema internacional de proteccedilatildeo aos direitos humanos

o uso da margem sem limites definidos pode levar ao reforccedilo da noccedilatildeo claacutessica de soberania

em que o compromisso dos Estados com os instrumentos normativos de direito internacional

era mitigado

No campo de aplicaccedilatildeo a casos praacuteticos eacute possiacutevel conforme assevera Roca91

visualizar as imprecisotildees praacuteticas e teoacutericas do uso da margem o que leva a dois resultados o

primeiro eacute a necessidade de criaccedilatildeo de esforccedilos com urgecircncia para melhor edificar e criar

paracircmetros para a aplicaccedilatildeo da ferramenta bem como que o demandante ou qualquer

observador perante a Corte natildeo saber com suficiente seguranccedila juriacutedica quando o Tribunal

de Estrasburgo vai usar a margem nem quais seratildeo os possiacuteveis resultados desse uso

Ainda segundo o autor a margem eacute um instrumento impreciso e de geometria

variaacutevel todavia eacute consenso entre os doutrinadores que a ferramenta natildeo eacute uma carta branca

aos Estados para fazerem o que quiserem sendo necessaacuteria depuraccedilatildeo teoacuterica para tornar o

instrumento mais preciso Seu uso impotildee como jaacute foi dito autocontenccedilatildeo por parte da Corte

tendo em vista que sua funccedilatildeo segundo o princiacutepio da subsidiariedade eacute somente de impor

estandartes miacutenimos comuns em mateacuteria de direitos humanos Entretanto o niacutevel de proteccedilatildeo

dos direitos dos direitos e das diversas foacutermulas para concretizaacute-los natildeo satildeo homogecircneos

diante de naccedilotildees com tradiccedilotildees juriacutedicas tatildeo diversas

Desta maneira no campo jurisprudencial com a finalidade de responder ao

questionamento feito no capiacutetulo anterior utilizar-se-aacute de modo conjunto as classificaccedilotildees das

91

ROCA op cit 125

45

decisotildees da Corte Europeia dos Direitos do Homem feitas por Contreras e por Roca Para o

primeiro doutrinador92

eacute possiacutevel dividir os casos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de

apreciaccedilatildeo pelo Tribunal de Estrasburgo em trecircs grandes grupos

O primeiro grupo abarca casos envolvendo direitos fundamentais e direitos poliacuteticos

dentre os quais se destacam a proibiccedilatildeo da tortura ou a liberdade de expressatildeo e associaccedilatildeo

Nesse primeiro grupo no que tange aos direitos fundamentais haacute rigorosa supervisatildeo por

parte do Tribunal Europeu negando qualquer margem nacional de apreciaccedilatildeo aos Estados

Ainda dentro deste conjunto no que concerne aos discursos poliacuteticos ou direito de partidos

poliacuteticos eacute por vezes concedida uma margem reduzida agraves autoridades domeacutesticas para

decisatildeo ou execuccedilatildeo de uma decisatildeo

O segundo grupo por sua vez relaciona-se aos direitos de propriedade em que a

Corte concede grande margem de deferecircncia aos Estados Isso porque o TEDH reconhece em

princiacutepio que as autoridades nacionais estatildeo melhor situadas do que o juiz internacional no

que tange a apreciaccedilatildeo acerca do melhor interesse de uma comunidade em relaccedilatildeo a poliacuteticas

envolvendo direitos de propriedade

Por fim o terceiro grupo eacute o mais complexo para a apreciaccedilatildeo do tipo de margem

concedida pelo Tribunal de Estrasburgo uma vez que conteacutem temas que natildeo apresentam

consenso por parte do Tribunal Deste modo neste grupo ficam evidentes as complexidades e

as vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis da MNA Casos como os de liberdade religiosa liberdade de

discurso direitos dos homossexuais dentre outros temas latentes e relevantes na paisagem

juriacutedica social e cultural europeia

Do mesmo modo Roca93

divide a margem nacional de apreciaccedilatildeo em trecircs ciacuterculos

concecircntricos tendo como base a natureza dos direitos cuja tutela eacute pleiteada junto ao oacutergatildeo

jurisdicional internacional do sistema europeu O primeiro ciacuterculo de Roca relaciona-se com o

segundo grupo de Contreras vez que trata dos direitos de propriedade que teriam uma

margem de deferecircncia ampla e um controle pouco intenso por parte da Corte Esse ciacuterculo

seria o maior e englobaria os demais

No ciacuterculo menor estariam os direitos vistos como absolutos pelo Tribunal Europeu

Dentre esses se destacam o direito agrave vida ou os direitos democraacuteticos que apresentam uma

margem de apreciaccedilatildeo pouco extensa juntamente com um controle restrito por parte da Corte

Europeia Este ciacuterculo identifica-se com o primeiro grupo anteriormente mencionado visto

92

CONTRERAS op cit p 35 93

ROCA op cit p 134

46

que trabalha com noccedilotildees de direitos fundamentais e poliacuteticos essenciais e miacutenimos para todos

os paiacuteses europeus

Por fim no espaccedilo intermediaacuterio entre esses dois ciacuterculos encontra-se uma esfera

meacutedia que relacionando-se com o terceiro grupo definido por Contreras contempla todos os

outros direitos em que alguma vez o Tribunal de Estrasburgo mencionou ou aplicou a margem

nacional de apreciaccedilatildeo Eacute justamente nesse ciacuterculo que devem ser desenvolvidos os

paracircmetros para guiar o uso da ferramenta pela Corte no intuito de reduzir a inseguranccedila

juriacutedica ocasionada pelo uso sem uma sistematizaccedilatildeo de criteacuterios

Eacute pertinente em um primeiro momento destacar que conforme ambos os

doutrinadores demonstram quando se mencionam direitos fundamentais ou vinculados agrave

princiacutepios democraacuteticos inaplicaacutevel eacute o uso da margem pela Corte ou se for feito eacute de forma

absolutamente restrita No caso dos direitos fundamentais interessante relembrar Baez94

que

ao buscar o conceito de direitos humanos concluiu que nenhuma fonte normativa existente

tanto em sistemas internacionais quanto nacionais ou regionais trazem a definiccedilatildeo de direitos

humanos Pelo contraacuterio soacute os exemplificam

Nesse sentido observou Baez95

que embora natildeo exista uma definiccedilatildeo precisa de

direitos humanos existem elementos baacutesicos que fazem parte desses e o elemento que eacute

citado em todos os instrumentos normativos sobre o tema eacute o de dignidade da pessoa humana

Os direitos humanos somente existem para realizaccedilatildeo e proteccedilatildeo da dignidade humana poreacutem

o conceito de dignidade eacute de tatildeo difiacutecil conceituaccedilatildeo quanto o conceito de direitos humanos

O autor conclui que a dignidade possui duas dimensotildees a dimensatildeo baacutesica a qual

corresponde aos limites miacutenimos e fundamentais para a existecircncia humana impedindo a

noccedilatildeo de coisificaccedilatildeo do ser Se houver portanto violaccedilatildeo agrave dimensatildeo baacutesica da dignidade da

pessoa humana haacute tambeacutem violaccedilatildeo dos direitos humanos A outra dimensatildeo eacute a cultural vez

que envolve o conjunto de valores que cada sociedade desenvolve

A primeira dimensatildeo refere-se agrave universalidade e a segunda que depende de fatores

culturais permite que os direitos humanos sejam morfologicamente assimeacutetricos Isso natildeo

deixa de se relacionar com o que Delmas-Marty fala acerca dos direitos humanos

inderrogaacuteveis ou seja que natildeo podem sofrer a incidecircncia de qualquer tipo de margem de

94

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos

humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da

UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em

httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014 95

Tal posicionamento de Narciso Leandro Xavier Baez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema

Internacional de Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de

19 e 20 de agosto de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado

ndash da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS

47

apreciaccedilatildeo Estes possuem a caracteriacutestica do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano

ou seja vinculam-se agrave noccedilatildeo da dimensatildeo baacutesica da dignidade da pessoa humana

Neste vieacutes eacute possiacutevel dizer que no que diz respeito aos direitos fundamentais a Corte

de certa forma apresenta certa relaccedilatildeo com as doutrinas apresentadas uma vez que em casos

em que existam registros de violaccedilotildees aos direitos humanos inderrogaacuteveis quais sejam os

que tem como cerne a dignidade humana baacutesica a Corte natildeo permite qualquer espeacutecie de

margem nacional de apreciaccedilatildeo Vejamos por exemplo o caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila96

julgado em 2006 O demandante perante o Tribunal de Estrasburgo foi um terrorista

venezuelano conhecido na deacutecada de 1970 condenado pelo Estado Francecircs agrave prisatildeo perpeacutetua

pelo assassinato em 1974 dois inspetores da poliacutecia francesa e um antigo companheiro

terrorista libanecircs

Saacutenchez recorreu agrave Corte Europeia arguindo violaccedilotildees do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo

Europeia dos Direitos do Homem (proibiccedilatildeo da tortura e tratamentos humanos degradantes) e

do artigo 13 do mesmo diploma legal (direito a um recurso efetivo) Embora no julgamento

tenha ficado decidido que natildeo houve violaccedilatildeo ao artigo 3ordm97

o posicionamento da Corte

permite asseverar que natildeo haacute margem nacional de deferecircncia aos Estados quando o assunto

for violaccedilatildeo de direitos humanos ou fundamentais inderrogaacuteveis ou cujo nuacutecleo central for a

dignidade baacutesica da pessoa humana Nesse sentido a Corte pontuou que mesmo nas

circunstacircncias mais difiacuteceis como a luta contra o terrorismo ou o crime organizado a

Convenccedilatildeo proiacutebe em termos absolutos a tortura ou tratamentos inumanos ou degradantes

Igualmente natildeo confere o Tribunal margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso de

violaccedilatildeo de direitos humanos nas condiccedilotildees degradantes das prisotildees de muitos paiacuteses do Leste

Europeu O caso Kalashnikov vs Ruacutessia98

julgado em 15 de julho de 2002 cujo fundamento

foi repetido em muitos outros casos envolvendo condiccedilotildees humanas degradantes nas prisotildees

apresenta a consideraccedilatildeo de que deficientes condiccedilotildees objetivas e estruturais de cumprimento

de pena podem constituir uma violaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo Europeia

96

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-

1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila Sentenccedila

de 04 de julho de 2006 Acesso 05 nov 2014 97

Artigo 3ordm Proibiccedilatildeo da tortura Ningueacutem pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos desumanos

ou degradantes CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS

LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 98

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-

1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Kalashnikov vs Ruacutessia Sentenccedila de 15

de julho de 2002 Acesso 05 nov 2014

48

Ainda pode-se destacar o caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria99

em que novamente o motivo

que serve de base para o pedido de julgamento do Tribunal de Estrasburgo eacute a violaccedilatildeo do

artigo 3ordf da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de que ningueacutem poderaacute ser

submetido a torturas nem a penas ou tratamentos humanos degradantes O caso em comento

referiu-se agrave prisatildeo do senhor Borislav Gutsanov membro do Partido Comunista preso pela

poliacutecia da Bulgaacuteria em sua casa na frente de seus filhos e de sua esposa durante as

investigaccedilotildees de esquemas de grupos criminosos Segundo o relato das partes demandantes

Gustsanovi foi rendido em sua casa por volta das seis horas da manhatilde forccedilado a se ajoelhar e

algemado em frente a seus filhos menores de idade

A decisatildeo da Corte foi a de considerar que houve violaccedilatildeo do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo

uma vez que se mostrou desnecessaacuterio o ato dos policiais e natildeo condizente com os princiacutepios

da proporcionalidade e com as exigecircncias de garantia de direitos fundamentais de um Estado

Democraacutetico de Direito Isso porque o demandante natildeo teria oferecido resistecircncia em sua

prisatildeo de modo que algemaacute-lo diante de sua famiacutelia representou uma espeacutecie de tratamento

humano degradante

Casos como os acima previstos mostram um padratildeo doutrinaacuterio e jurisprudencial

semelhante vez que natildeo se encontram referecircncias expressas a qualquer margem nacional de

apreciaccedilatildeo para as autoridades nacionais O TEDH determina se as provas colhidas satildeo

suficientes ou natildeo para provar o real risco de tortura ou de tratamento humano e

degradante100

Logo pelo fato de que a natureza dos direitos envolvidos nesse caso eacute considerada

como fundamental de imediato eliminam-se as possibilidades de deferecircncia aos Estados Tal

compreensatildeo eacute o que faz o uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo ser extremamente reduzido

no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos Isso porque ateacute hoje diferentemente do Tribunal de Estrasburgo a Corte

Interamericana teve como maioria de demandas apresentadas as envolvendo delitos

praticados pelos Estados Americanos durante as ditaduras militares ou civil militares em que

casos de tortura e desaparecimento forccedilados eram julgados ou seja casos envolvendo a

violaccedilatildeo de direitos fundamentais ou humanos em sua perspectiva eacutetica de dignidade humana

e natildeo cultural

99

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-126982itemid[001-126982] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria Sentenccedila de 15 de outubro de 2013

Acesso 05 nov 2014 100

CONTRERAS op cit p 41

49

Nesse aspecto visiacutevel que quando se tratam de possiacuteveis violaccedilotildees de direitos

humanos inderrogaacuteveis previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos

a anaacutelise feita pelo Tribunal de Estrasburgo eacute de revisatildeo minuciosa da sentenccedila proferida no

paiacutes de origem da demanda bem como a possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute

extremamente reduzida para natildeo falar inexistente No caso de direitos democraacuteticos a

deferecircncia quando concedida pela Corte possui um limite miacutenimo e consoante o princiacutepio da

proporcionalidade soacute eacute concedida se a restriccedilatildeo eacute necessaacuteria e condizente com uma sociedade

democraacutetica

Nos direitos democraacuteticos referidos abarca-se a participaccedilatildeo poliacutetica atraveacutes das

possibilidades de liberdade de associaccedilatildeo ou de discurso poliacutetico Neste campo dos direitos de

participaccedilatildeo poliacutetica em sociedades democraacuteticas a margem concedida pelo Tribunal de

Estrasburgo consoante se afirmou eacute reduzida e sujeita a um controle rigoroso por parte do

oacutergatildeo jurisdicional internacional

Destaca-se o caso Lingens vs Austria101

que por mais que tenha sido julgado na

deacutecada de 1980 pela Corte Europeia eacute emblemaacutetico em relaccedilatildeo ao posicionamento do

tribunal internacional acerca da liberdade de expressatildeo Nesse caso durante o periacuteodo anterior

agraves eleiccedilotildees na Aacuteustria o jornalista Lingens publicou dois artigos polecircmicos sobre os

candidatos incluindo em um desses artigos a informaccedilatildeo de que o entatildeo presidente do

Partido Liberal Nacional da Aacuteustria teria ligaccedilotildees no passado com o nazismo e com a SS

Contra o jornalista foi instaurado um processo penal e ao fim da instruccedilatildeo criminal

este fora condenado pelo delito de difamaccedilatildeo conforme as regras do direito penal austriacuteaco

Esgotadas as vias internas de recurso o jornalista demandou perante a Corte Europeia

alegando que houve por parte do Estado violaccedilatildeo do artigo 10 da Convenccedilatildeo Europeia

havendo censura em seu direito de expressar-se livremente O Estado por sua vez nas razotildees

apresentadas perante o tribunal internacional justificou a condenaccedilatildeo na convicccedilatildeo de

proteccedilatildeo da honra dos direitos de outrem

Frente a este embate o Tribunal de Estrasburgo reconheceu uma margem miacutenima de

deferecircncia agraves autoridades domeacutesticas no que concerne aos oacutergatildeos locais na avaliaccedilatildeo de uma

necessidade social imperiosa que justificaria a interferecircncia na liberdade de expressatildeo de

Lingens Entretanto ressaltou que essa deferecircncia seria seguida por uma riacutegida supervisatildeo

101

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lingens vs Austria Sentenccedila de 8 de julho de 1986 Acesso

05 nov 2014

50

internacional uma vez estar se tratando de direitos fundamentais para o bom funcionamento

de uma sociedade democraacutetica

Ainda nesse sentido o TEDH arguiu que a liberdade de debate poliacutetico eacute cerne da

democracia e considerar que qualquer ofensa ou notiacutecia acerca de uma pessoa puacuteblica seria

sempre difamaccedilatildeo poderia impedir a imprensa na realizaccedilatildeo de sua tarefa de fornecedora de

informaccedilotildees Deste modo aplicando de forma conjunta os princiacutepios da proporcionalidade e

da subsidiariedade o Tribunal de Estrasburgo decidiu que a condenaccedilatildeo fora desproporcional

ao objetivo legiacutetimo perseguido e constituiu uma violaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo no

acircmbito da Convenccedilatildeo Europeia

Tambeacutem merece anaacutelise o caso July and Sarl Libeacuteration vs France102

cuja sentenccedila

foi proferida em 2008 Neste caso o jornal francecircs Libeacuteration divulgou uma reportagem a

respeito das investigaccedilotildees da morte do juiz Bernard Borrel que em um primeiro momento

havia sido dada como suiciacutedio mas apoacutes a reabertura das investigaccedilotildees houve surgimento de

indiacutecios de morte por encomenda Apoacutes a divulgaccedilatildeo da reportagem contendo informaccedilotildees

acerca da participaccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos na morte do magistrado o diretor do jornal

Senhor July foi processado criminalmente pelo crime de difamaccedilatildeo e condenado pelo governo

francecircs

O TEDH em sua manifestaccedilatildeo asseverou que o caso em questatildeo trazia niacutetida

interferecircncia de autoridades puacuteblicas na liberdade de expressatildeo e essa interferecircncia caso natildeo

siga os requisitos do artigo 10103

da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos representa

clara violaccedilatildeo do direito de liberdade de expressatildeo Nessa situaccedilatildeo ainda a Corte faz uso de

uma triacuteade de requisitos descritos por Contreras104

para a concessatildeo da margem a) prescriccedilatildeo

legal - verificar se a restriccedilatildeo realizada pela autoridade domeacutestica foi autorizada ou pelo

102

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-85084itemid[001-85084] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso July and Sarl Libeacuteration vs France Sentenccedila de 14 de

fevereiro de 2008 Acesso 05 nov 2014 103

Artigo 10 Liberdade de expressatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de expressatildeo Este direito

compreende a liberdade de opiniatildeo e a liberdade de receber ou de transmitir informaccedilotildees ou ideias sem que

possa haver ingerecircncia de quaisquer autoridades puacuteblicas e sem consideraccedilotildees de fronteiras O presente artigo

natildeo impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusatildeo de cinematografia ou de televisatildeo a um

regime de autorizaccedilatildeo preacutevia 2 O exerciacutecio desta liberdades porquanto implica deveres e responsabilidades

pode ser submetido a certas formalidades condiccedilotildees restriccedilotildees ou sanccedilotildees previstas pela lei que constituam

providecircncias necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a integridade territorial ou a

seguranccedila puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral a proteccedilatildeo da

honra ou dos direitos de outrem para impedir a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees confidenciais ou para garantir a

autoridade e a imparcialidade do poder judicial CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS

DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 104

CONTRERAS op cit p 34

51

menos executada em conformidade com a lei b) objetivo legiacutetimo c) se a medida foi

necessaacuteria em uma sociedade democraacutetica

No caso pode ser feito o destaque para o trecho da sentenccedila em que analisando a

necessidade da medida de investigaccedilatildeo do crime de difamaccedilatildeo a Corte arguiu que a tarefa do

tribunal internacional no exerciacutecio de sua competecircncia de fiscalizaccedilatildeo natildeo eacute de tomar o lugar

das autoridades competentes mas sim rever as decisotildees que porventura violarem preceitos

previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem quando entregues ao poder de

apreciaccedilatildeo do Estado Deve entatildeo a Corte agrave luz do caso como um todo avaliar se a medida

tomada pelo Estado foi proporcional ao objetivo legiacutetimo perseguido e se os motivos

indicados pelas autoridades nacionais satildeo suficientes e relevantes Por tais motivos no caso

em questatildeo o TEDH declarou que houve violaccedilatildeo por parte do Estado Francecircs do direito de

liberdade de expressatildeo devendo este arcar com uma indenizaccedilatildeo agraves partes prejudicadas

Ainda dentro dessa esfera de atuaccedilatildeo mais precisamente no que concerne ao direito

democraacutetico de livre reuniatildeo e associaccedilatildeo previsto no artigo 11105

da Convenccedilatildeo Europeia o

destaque pode ser dado aos casos do Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia106

julgado em 2005 e Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia107

julgado em 2006 O primeiro deles

trata da questatildeo de dissoluccedilatildeo do Partido Comunista da Turquia ordenado pelo Tribunal

Constitucional do paiacutes sob as razotildees de que era incompatiacutevel com as obrigaccedilotildees

constitucionais e convencionais do Estado

Ao apreciar tal caso a Corte alegou que os partidos poliacuteticos satildeo estruturas essenciais

para o bom e justo funcionamento da democracia Embora natildeo negue certa margem de

deferecircncia aos Estados para que dissolvam partidos poliacuteticos que poderiam tentar minar a

estrutura constitucional do Estado tal decisatildeo se executada pode sofrer revisatildeo se natildeo

105

Artigo 11 Liberdade de reuniatildeo e de associaccedilatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo

paciacutefica e agrave liberdade de associaccedilatildeo incluindo o direito de com outrem fundar e filiar-se em sindicatos para a

defesa dos seus interesses 2 O exerciacutecio deste direito soacute pode ser objeto de restriccedilotildees que sendo previstas na

lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a seguranccedila

puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral ou a proteccedilatildeo dos direitos

e das liberdades de terceiros O presente artigo natildeo proiacutebe que sejam impostas restriccedilotildees legiacutetimas ao exerciacutecio

destes direitos aos membros das forccedilas armadas da poliacutecia ou da administraccedilatildeo do Estado CONVENCcedilAtildeO

EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS

1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 106

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EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia

Sentenccedila de 2005 Acesso 05 nov 2014 107

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EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia Sentenccedila de 15 de

julho de 2006 Acesso 05 nov 2014

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adequar-se agraves previsotildees da Convenccedilatildeo Europeia Logo o Tribunal embora tenha feito a

ressalva de que podem os Estados dissolver partidos poliacuteticos na situaccedilatildeo afirmou que houve

violaccedilatildeo dos direitos de liberdade de associaccedilatildeo visto que natildeo havia qualquer indiacutecio de que

o partido por ter ideal comunista poderia colocar em risco a estrutura do Estado

Da mesma forma o caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia que envolve o direito

de liberdade sindical Na situaccedilatildeo o Governo turco justifica o fechamento de sindicatos com

base em previsotildees da legislaccedilatildeo trabalhista interna a qual natildeo permite que funcionaacuterios criem

sindicatos A Corte na anaacutelise da situaccedilatildeo tambeacutem asseverou que houve violaccedilatildeo do artigo

11 mesmo que neste existam ressalvas em relaccedilatildeo agrave liberdade de associaccedilatildeo de membros das

Forccedilas Armadas da Poliacutecia e da Administraccedilatildeo do Estado Contudo essas limitaccedilotildees devem

ser interpretadas pelos Estados dentro da sua margem de apreciaccedilatildeo de maneira restrita

Se esses casos expostos ilustram exemplos de margem nacional de apreciaccedilatildeo

reduzida ou inexistente o polo oposto envolve os direitos concernentes agrave propriedade para os

quais a Corte Europeia possui entendimento de que a margem de deferecircncia agraves autoridades

domeacutesticas deve ser maior e mais elaacutestica bem como a supervisatildeo por parte do Tribunal

Internacional deve ser menor e relativizada Isso porque as autoridades nacionais em uma

concepccedilatildeo semelhante agrave de juiz natural no processo estariam mais bem situadas que o juiz

internacional para avaliar qual eacute o interesse geral de uma comunidade nessa seara108

A proteccedilatildeo internacional dos direitos de propriedade encontra-se no artigo 1ordm109

do

Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo de Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades

Fundamentais Jaacute na previsatildeo normativa encontra-se a prerrogativa de que qualquer pessoa

singular ou coletiva tem direito ao respeito de seus bens natildeo podendo haver privaccedilatildeo da

propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica ou por condiccedilotildees previstas em lei Desta maneira

as demandas soacute seratildeo revistas pela Corte caso implicarem violaccedilatildeo expliacutecita a esse artigo

Segundo Roca110

a jurisprudecircncia internacional definiu que a previsatildeo normativa

anteriormente destacada segue trecircs criteacuterios em primeiro lugar deve ser respeitado o direito

ao respeito e gozo paciacutefico dos bens dos indiviacuteduos Na sequecircncia a segunda regra

108

CONTRERAS op cit p 40 109

Artigo 1 Proteccedilatildeo da propriedade Qualquer pessoa singular ou coletiva tem direito ao respeito dos seus bens

Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas

pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo

do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso

dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees

ou de multas CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS

LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 110

ROCA op cit p 127

53

compreende uma garantia contra a privaccedilatildeo ilegal ou seja somente poderaacute haver

expropriaccedilatildeo ou privaccedilatildeo da propriedade em casos de utilidade puacuteblica e de acordo com

condiccedilotildees legalmente previstas Por fim o terceiro paracircmetro eacute a possibilidade de o Estado

estabelecer restriccedilotildees ao direito de propriedade tendo por base a prevalecircncia do interesse

puacuteblico sobre o privado

Logo sob a base desses criteacuterios e de alguns casos jaacute julgados pelo oacutergatildeo jurisdicional

internacional eacute possiacutevel asseverar que a margem de apreciaccedilatildeo concedida aos paiacuteses eacute larga

quando se estaacute diante dos direitos de propriedade No caso Back vs Finlacircndia111

de 2004 que

trata de noccedilotildees de utilidade puacuteblica em casos de expropriaccedilatildeo haacute o reforccedilo da noccedilatildeo de

subsidiariedade da Corte Europeia com o entendimento de que esta deve respeitar as decisotildees

das autoridades nacionais soacute sendo possiacutevel e viaacutevel a intervenccedilatildeo se o juiacutezo for

manifestamente desprovido de bases racionais

Por fim poreacutem natildeo menos importante aborda-se o uacuteltimo grupo de jurisprudecircncias da

Corte Europeia de Direitos Humanos que pode ser enquadrado no que Roca determina como

ciacuterculo mediano vez que conteacutem temas em que o posicionamento do Tribunal de Estrasburgo

em relaccedilatildeo agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute oscilante Eacute nesse grupo que pode ser

visualizada toda a complexidade da margem e suas vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis em casos

semelhantes envolvendo por exemplo liberdade religiosa direito de homossexuais e

transexuais e outros temas

Justamente nesse ciacuterculo que natildeo apresenta por parte dos doutrinadores jaacute referidos no

capiacutetulo anterior um criteacuterio de unificaccedilatildeo se apresenta o embate entre o universalismo de

alguns direitos previstos nos marcos normativos internacionais de direitos humanos ndash com

destaque para a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos ndash e o relativismo relativo a noccedilotildees

religiosas e culturais que compotildeem a identidade dos diferentes povos europeus

Nesse aspecto no que tange agrave liberdade religiosa a qual eacute prevista pelo artigo 9ordm112

da

CEDH temos duas decisotildees emblemaacuteticas do Tribunal de Estrasburgo o caso Lautsi vs

111

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-114486itemid[001-114486] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Back vs Finlacircndia Sentenccedila de 13 de novembro de 2002

Acesso 05 nov 2014 112

Artigo 9 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de pensamento de consciecircncia e de religiatildeo este direito

implica a liberdade de mudar de religiatildeo ou de crenccedila assim como a liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou a

sua crenccedila individual ou coletivamente em puacuteblico e em privado por meio do culto do ensino de praacuteticas e da

celebraccedilatildeo de ritos 2 A liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou convicccedilotildees individual ou coletivamente natildeo

pode ser objeto de outras restriccedilotildees senatildeo as que previstas na lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa

sociedade democraacutetica agrave seguranccedila puacuteblica agrave proteccedilatildeo da ordem da sauacutede e moral puacuteblicas ou agrave proteccedilatildeo dos

direitos e liberdades de outrem CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO

54

Itaacutelia113

julgado em 2011 e o caso Leyla Sahin vs Turquia114

julgado em 2005 Isso porque

nesses casos respectivamente o TEDH referendou as normas que impotildeem a presenccedila de

crucifixos nas escolas puacuteblicas italianas e natildeo opocircs objeccedilotildees a restriccedilotildees estatais concernentes

ao uso do veacuteu islacircmico no contexto educativo

No primeiro caso o TEDH retificou a decisatildeo da Corte Constitucional Italiana que

em 2009 havia estabelecido por unanimidade que a norma italiana a qual impunha desde a

deacutecada de 1920 a presenccedila de crucifixo nas paredes de escolas puacuteblicas havia violado o direito

da senhora Lautsi a educar seus filhos conforme suas convicccedilotildees laicas e liberdade religiosa

Portanto o Tribunal italiano argumentou que a manutenccedilatildeo de um siacutembolo religioso em salas

de aula de uma escola puacuteblica poderia perturbar emocionalmente os estudantes que natildeo

professassem religiatildeo alguma a ter a percepccedilatildeo de que o contexto educativo estava marcado

pela religiatildeo

Para retificar tal sentenccedila o TEDH argumentou por uma valoraccedilatildeo abstrata de

compatibilidade entre a norma italiana que permitia o uso de crucifixos nas escolas puacuteblicas e

os direitos convencionais sendo que a margem nacional de apreciaccedilatildeo foi aplicada para essa

valoraccedilatildeo da norma italiana Em primeiro lugar o Tribunal Europeu matizou quais satildeo as

exigecircncias convencionais de neutralidade religiosa na educaccedilatildeo indicando que se proiacutebe o

proselitismo ou a adoccedilatildeo no marco educativo de algo compatiacutevel com o estabelecimento de

o ensino obrigatoacuterio de uma religiatildeo ou a imposiccedilatildeo de uma religiatildeo no ensino puacuteblico

O crucifixo no entendimento do TEDH eacute um siacutembolo religioso passivo cuja

influecircncia natildeo se compara a que exercem a educaccedilatildeo religiosa ou a participaccedilatildeo em atividades

religiosas Logo a percepccedilatildeo subjetiva de que o crucifixo supotildee uma ausecircncia de respeito ao

direito de liberdade religiosa natildeo basta para considerar que tenha havido uma violaccedilatildeo agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Para o TEDH portanto sempre que natildeo exista

a pretensatildeo de doutrinar o Estado goza de margem de deferecircncia para decidir sobre a

permanecircncia dos crucifixos em sala de aula

HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 113

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-104040itemid[001-104040] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lautsi vs Italia Sentenccedila de 18 de marccedilo de 2011 Acesso 05

nov 2014 114

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-70956itemid[001-70956] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Leyla Sahin vs Turquia Sentenccedila de 10 de novembro de

2005 Acesso 05 nov 2014

55

No caso Leyla Sahin de proibiccedilatildeo do uso do veacuteu islacircmico por uma jovem no recinto

de sua universidade para o TEDH os Estados tecircm autonomia para limitar o uso do veacuteu em

locais como escolas puacuteblicas ou universidades Para referendar essa restriccedilatildeo agrave liberdade

religiosa o Tribunal Europeu admitiu o uso da margem de apreciaccedilatildeo por parte do Estado em

razatildeo da ausecircncia de um consenso europeu sobre a mateacuteria somado agrave ideia de que as

autoridades nacionais podem lidar melhor com o assunto por estarem mais perto das

realidades nacionais do que o oacutergatildeo jurisdicional internacional

Para o TEDH desta forma a opccedilatildeo poliacutetica de um Estado pelo laicizismo pode

justificar restriccedilotildees agrave liberdade religiosa e exigir sacrifiacutecios aos indiviacuteduos em prol da

harmonia religiosa do paiacutes Embora portanto haja restriccedilatildeo da liberdade individual religiosa

no caso em questatildeo a proibiccedilatildeo natildeo viola a CEDH

A aplicaccedilatildeo dos princiacutepios da subsidiariedade e da proporcionalidade bem como a

falta de consenso na Europa acerca de questotildees como as apresentadas marcaram o

posicionamento do TEDH na concessatildeo de margem de deferecircncia aos Estados no que

concerne agrave liberdade religiosa A grande criacutetica contudo reside na falta de criteacuterios

especiacuteficos e de clareza no uso da ferramenta

Neste uacuteltimo grupo portanto vislumbra-se o que Kratochivil115

menciona como

ldquomedida misteriosardquo ou seja natildeo existem paracircmetros ou criteacuterios especiacuteficos para a aplicaccedilatildeo

da margem Pelo contraacuterio haacute falta de clareza e de limites demonstrando que a banalizaccedilatildeo

do uso da MNA liquidifica sua substacircncia e pode gerar inseguranccedila juriacutedica aos litigantes

Sob essa oacutetica no campo de direitos inderrogaacuteveis como eacute o caso dos direitos que compotildeem

esse uacuteltimo grupo a consideraccedilatildeo de Vila116

merece destaque

Segundo a autora nesse campo que envolve relativismos culturais a postura do TEDH

varia entre a adoccedilatildeo de uma versatildeo voluntarista de MNA ou a adoccedilatildeo de uma versatildeo

racionalista A primeira se centra no direito de que o Tribunal de Estrasburgo eacute um oacutergatildeo

internacional e assume uma visatildeo normativa e natildeo meramente temporal ou procedimental

acerca do princiacutepio da subsidiariedade Por isso o TEDH reconhece que sua legitimidade

poliacutetica eacute meramente derivada e outorga uma presunccedilatildeo em favor do Estado evitando realizar

uma valoraccedilatildeo independente de compatibilidade entre as medidas impugnadas e o convecircnio

Esta presunccedilatildeo soacute eacute rompida quando haacute razotildees fortes para concluir que o Estado extrapolou o

exerciacutecio de sua autonomia Sob a oacutetica desta concepccedilatildeo fatores como a falta de consenso

115

KRATOCHVIL op cit p 330 116

VILA op cit p 10

56

europeu ou a ideia de que os Estados situam-se em um local melhor apropriado para decidir

adquirem importacircncia por razotildees de legitimidade institucional

Entretanto a oacutetica racionalizada de MNA percebe a ferramenta como um resultado de

efetuar um balanccedilo entre os valores que estatildeo em jogo na proteccedilatildeo dos direitos convencionais

mais do que uma presunccedilatildeo de partida em favor do Estado O TEDH centra-se em examinar

se a medida estatal impugnada consegue alcanccedilar um balanccedilo equitativo entre direitos

individuais e valores democraacuteticos A finalidade natildeo eacute justificar a deferecircncia mas reconhecer

de modo equilibrado os valores democraacuteticos no seio da CEDH

Sobretudo neste uacuteltimo grupo analisado ao qual aqui somente satildeo trazidos casos em

relaccedilatildeo agrave liberdade religiosa (artigo 9ordm da CEDH) concentram-se as criacuteticas em relaccedilatildeo agrave

falta de paracircmetros do TEDH para deferir ou natildeo uma margem de apreciaccedilatildeo aos Estados

Essa variabilidade eacute por alguns117

definida como um ponto negativo de falta de definiccedilatildeo de

criteacuterios o que pode levar a uma margem larga ou a uma margem estreita A primeira poderia

conduzir ao processo de fragmentaccedilatildeo do espaccedilo europeu enquanto a segunda poderia forccedilar

a integraccedilatildeo sob o domiacutenio de uma concepccedilatildeo moderna de direitos humanos pautada pelo

liberalismo e individualismo

Deste modo duas respostas podem ser concedidas agrave pergunta cerne deste trabalho a

margem constitui-se em um instrumento eficaz no processo de construccedilatildeo de um direito

comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa uma vez que sob a perspectiva eacutetica

destes direitos o TEDH preza pela preservaccedilatildeo do irredutiacutevel humano e dos direitos

inderrogaacuteveis e absolutos da pessoa humana Prova disso eacute a ausecircncia ou a miacutenima margem

que eacute concedida para casos envolvendo tortura ou tratamentos humanos degradantes ou

violaccedilatildeo de direitos democraacuteticos

No entanto a ausecircncia de paracircmetros e de criteacuterios por parte do Tribunal de

Estrasburgo (ausecircncia constatada por diversos doutrinadores trazidos ao longo deste trabalho

e exemplificada de modo sinteacutetico atraveacutes da anaacutelise de casos emblemaacuteticos envolvendo

liberdade religiosa) no julgamento de direitos humanos quando vinculados a questotildees

culturais demonstram que no campo praacutetico ainda haacute muito para avanccedilar no processo de

siacutentese entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo dos direitos culturais

117

BRUM et SALDANHA Op cit

57

CONCLUSAtildeO

Slavoj Zizek118

certa vez afirmou que o papel do filoacutesofo natildeo eacute o de propor iniciativas

capazes de mudar o mundo ou as situaccedilotildees em curso mas de observar e interpretar a realidade

que eacute posta A pretensatildeo deste trabalho natildeo difere da conceituaccedilatildeo de filoacutesofo por Zizek Isso

porque em nenhum momento busca-se apresentar alternativas fortes para resolver problemas

postos mas sim almeja-se observar sob um amplo espectro os reflexos da mundializaccedilatildeo

dentro do Direito e de modo especiacutefico como atua o Tribunal Europeu dos Direitos do

Homem no que concerne agrave aplicaccedilatildeo da figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

Aos mais observadores da realidade que se apresenta eacute impossiacutevel negar que na atual

conjuntura da sociedade informacional a proliferaccedilatildeo exacerbada e anaacuterquica de normas e

instituiccedilotildees juriacutedicas gera uma sensaccedilatildeo de caos e de desordem que clama por uma ordenaccedilatildeo

Embora esse verdadeiro mosaico em que se transformou o Direito na atualidade possa ser

vislumbrado em acircmbito global uma anaacutelise mais apurada de uma parte do todo em

especiacutefico da Europa se mostra pertinente para avaliar as possibilidades de construccedilatildeo de um

pluralismo ordenado

A base possiacutevel desse pluralismo ordenado invariavelmente eacute um direito comum cujo

alicerce se encontra nos direitos humanos No contexto europeu de convivecircncia simultacircnea

de uma ldquopequena Europardquo e de uma ldquogrande Europardquo embora o direito comunitaacuterio jaacute tenha

se consolidado sendo um modelo sui generis para todo o globo ainda eacute preciso avanccedilar no

acircmbito da ldquogrande Europardquo ou do sistema regional europeu dos direitos do homem para a

criaccedilatildeo de um direito comum

Nesse sentido parece indiscutiacutevel que a base de um direito comum europeu seja

alicerccedilada na proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua dimensatildeo moral miacutenima ou no que

Delmas denomina de miacutenimo eacutetico universal e irredutiacutevel humano Logo a universalizaccedilatildeo

almejada natildeo tem como objetivo impor referecircncias de uma cultura sobre as demais e sim o

diaacutelogo entre as diferentes particularidades existentes no seio das diversas sociedades que

convivem na Europa a fim de encontrar o que haacute de valores comuns em todas elas

Todavia por mais que a premissa seja de faacutecil compreensatildeo os embates entre

universalismos e relativismos culturais estatildeo na ordem do dia na agenda do Tribunal de

Estrasburgo de modo que um dos temais mais debatidos atualmente no continente se refere

118

ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo Boitempo 2008

58

ao uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo por este tribunal a fim de conferir deferecircncia aos

Estados em algumas mateacuterias para decidir acerca de questotildees sensiacuteveis

O objetivo do presente trabalho foi o de analisar essa ferramenta hermenecircutica de

origem europeia sob a oacutetica de caos juriacutedico anteriormente apresentado De acordo com o que

fora apurado e estudado chegou-se a conclusatildeo de que o uso dessa doutrina contribui ainda

que de modo tiacutemido para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema europeu

Isso porque quando se tratam de temas concernentes agrave tortura a tratamentos humanos

degradantes a penas desproporcionais ou ainda a direitos democraacuteticos a Corte opta por

definir um entendimento que deve ser aplicado em todos os paiacuteses independentemente de

especificidades culturais Estariacuteamos proacuteximos portanto de uma definiccedilatildeo de direitos

humanos inderrogaacuteveis ou de um miacutenimo eacutetico universal proposto por Delmas e jaacute idealizado

por Kant em sua premissa de direito cosmopoliacutetico

No que tange ao restante dos direitos humanos em uma dimensatildeo cultural pode-se

dizer que a teoria da margem traduz uma ideia de que estaacute eacute capaz de harmonizar o

universalismo dos direitos humanos e o pluralismo advindo das diversidades culturais e

religiosas dos paiacuteses europeus Entretanto consoante a anaacutelise de posiccedilotildees doutrinaacuterias acerca

da utilizaccedilatildeo praacutetica do instituto pelo Tribunal de Estrasburgo bem como o embate

paradigmaacutetico de julgados envolvendo liberdade religiosa parece inevitaacutevel a conclusatildeo de

que como meacutetodo de harmonizaccedilatildeo entre plural e universal o oacutergatildeo jurisdicional

internacional do sistema europeu ainda tem muito a evoluir sobretudo na definiccedilatildeo de

paracircmetros e criteacuterios para servir de norte baacutesico em relaccedilatildeo aos mais diversos casos

59

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10

geometrias da paisagem juriacutedica e do tipo de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos que se

procura dentro desse cenaacuterio avaliando por conseguinte o surgimento da figura da MNA

(12) A parte 2 por sua vez objetiva a anaacutelise pura do instituto da Margem Nacional de

Apreciaccedilatildeo averiguando o histoacuterico de sua criaccedilatildeo e as definiccedilotildees acerca de seu conceito

(21) para na sequecircncia avaliar a partir da anaacutelise de alguns julgamentos paradigmaacuteticos do

Tribunal de Estrasburgo se tal ferramenta hermenecircutica se demonstra eficaz no processo de

harmonizaccedilatildeo das tensotildees entre universalismo e relativismos e se pode ser relevante no

processo de criaccedilatildeo de um direito comum cuja base satildeo os direitos humanos (22)

11

1 DIREITO COMUNITAacuteRIO EUROPEU E A CRIACcedilAtildeO DE UM

DIREITO COMUM EM MATEacuteRIAS DE DIREITOS HUMANOS

O seacuteculo XX trouxe mudanccedilas significativas para os mais diversos segmentos da vida

social e o direito natildeo ficou alheio agraves vicissitudes decorrentes do poacutes-Segunda Guerra Mundial

O continente europeu sobretudo passa a ser o cenaacuterio de revoluccedilotildees na estrutura juriacutedica ateacute

entatildeo conhecida com o surgimento praticamente concomitante de instituiccedilotildees supranacionais

e internacionais para aleacutem das nacionais

Neste vieacutes uma das preocupaccedilotildees primordiais do poacutes-guerra foi a de garantir a tutela

dos direitos humanos mesmo diante das mudanccedilas latentes no cenaacuterio juriacutedico Desta feita

deparamo-nos com duas esferas dentro do cenaacuterio europeu a ldquopequena Europardquo que origina

um direito comunitaacuterio europeu o qual mesmo tendo se ocupado com questotildees relativas agrave

economia e agrave integraccedilatildeo regional desenvolve a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais

atraveacutes do diaacutelogo jurisprudencial entre cortes de naturezas distintas e a ldquogrande Europardquo do

sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos espaccedilo haacutebil e possiacutevel para ser base de

criaccedilatildeo de um direito comum (11) Da evoluccedilatildeo de um campo ao outro a premissas de

universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo buscam

legitimar e consolidar a criaccedilatildeo desse direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

(12)

11 Direitos humanos no Espaccedilo europeu de um consolidado direito comunitaacuterio agrave

criaccedilatildeo de um direito comum

O historiador britacircnico Eric Hobsbawn6 talvez tenha encontrado a melhor adjetivaccedilatildeo

para o seacuteculo XX a ldquoEra dos Extremosrdquo Nas palavras do proacuteprio autor ldquoNatildeo sabemos o que

6 HOBSBAWN Eric A era dos extremos o breve seacuteculo XX 1941-1991 Satildeo Paulo Companhia das Letras

1995

12

viraacute a seguir nem como seraacute o segundo milecircnio embora possamos ter a certeza de que ele

teraacute sido moldado pelo Breve Seacuteculo XXrdquo7

Nesse sentido a Segunda Guerra Mundial representa o marco crucial natildeo soacute para a

preocupaccedilatildeo global em relaccedilatildeo aos direitos humanos8 com a criaccedilatildeo e fortalecimento de uma

grande quantidade de instrumentos normativos responsaacuteveis por sua tutela em acircmbito

mundial como tambeacutem para o surgimento de uma nova Europa Apoacutes o teacutermino da guerra

que teve como palco principal de seus acontecimentos o continente europeu diversos paiacuteses

se encontravam em uma situaccedilatildeo de caos politico fragmentaccedilatildeo e enfraquecimento

econocircmico aleacutem do perigo iminente de eclosatildeo de uma nova disputa de proporccedilotildees mundiais

advinda da dicotomia entre capitalismo e socialismo na entatildeo incipiente Guerra Fria

Eacute nesse contexto que emerge a ideia de criaccedilatildeo de um espaccedilo comum europeu

consubstanciado atraveacutes da integraccedilatildeo regional entre os paiacuteses do continente Ainda no inicio

do seacuteculo XX eacute possiacutevel destacar a ocorrecircncia de propostas relativamente concretas para a

integraccedilatildeo europeia como eacute o caso da proposta do francecircs Aristides Briand em 1929 de

criaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia sob a oacutetica de uma federaccedilatildeo ou seja fundada sob uma

noccedilatildeo de uniatildeo o que implica o respeito agrave soberania9 Todavia a crise econocircmica mundial a

ascensatildeo de nacionalismos na Europa e por fim a eclosatildeo da segunda grande guerra

obstaculizaram a adesatildeo a essa proposta

O cenaacuterio do poacutes-guerra de desintegraccedilatildeo social e miseacuteria econocircmica em grande parte

dos paiacuteses envolvidos gerou a instalaccedilatildeo do Congresso da Europa em Haia nas datas de 7 a

11 de maio de 1948 no qual houve a criaccedilatildeo do ldquoMovimento Europeurdquo No referido

congresso duas correntes foram estabelecidas as quais impulsionaram o surgimento da

ldquopequena Europardquo10

e da ldquogrande Europardquo respectivamente a Europa dos federalistas e a

7 Ibid p14

8 Pode-se nesse sentido destacar a descriccedilatildeo de Valeacuterio Mazzuoli de que desde a Segunda Guerra Mundial em

decorrecircncia dos horrores e atrocidades cometidos durante esse periacuteodo em que muitas vidas eram consideradas

como nuacutemeros e valiam tatildeo pouco os direitos humanos passaram a constituir um dos principais temas do Direito

Internacional contemporacircneo A normatividade internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos foi conquistada

por meio de lutas histoacuterias contiacutenuas e incessantes e consubstanciada em diversos tratados concluiacutedos com esse

propoacutesito tendo sido fruto de um lento e gradual processo de internacionalizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo desses

mesmos direitos o qual fora intensificado com o fim da Segunda Guerra Mundial MAZZUOLI Valeacuterio de

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Doravante por ldquopequena Europardquo estar-se-aacute referindo aos paiacuteses participantes da Uniatildeo Europeia sujeitos

portanto agraves decisotildees das instituiccedilotildees da Uniatildeo dentre as quais se destaca o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo

Europeia ldquoGrande Europardquo por sua vez refere-se aos paiacuteses que aderiram ao Conselho da Europa que hoje

somam um total de 47 (quarenta e sete) membros e que se submetem agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal Europeu de

Direitos Humanos PRINO Carla Sofia Abreu Relaccedilotildees entre TJUE e TEDH no contexto de adesatildeo da UE agrave

13

Europa dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental11

Os primeiros defendiam uma

integraccedilatildeo mais profunda entre os paiacuteses com transferecircncia de parcela de soberania dos

Estados para uma instituiccedilatildeo com poderes supranacionais sendo esta a base para a criaccedilatildeo da

Comunidade Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) Os segundos por sua vez se opunham agrave

cessatildeo de direitos soberanos impulsionando com seus ideais a criaccedilatildeo em 1949 do

Conselho da Europa com sede em Estrasburgo

Natildeo obstante essa divisatildeo surgida no Congresso da Europa eacute possiacutevel afirmar que a

base de construccedilatildeo da atual Uniatildeo Europeia deu-se com a criaccedilatildeo da Comunidade Europeia

do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) movida pelos ideais integracionistas do francecircs Jean Monnet

Contratado no poacutes-guerra para participar do Plano de Modernizaccedilatildeo e Equipamento da

Franccedila Monnet tinha medo de que o Plano Marshall norte-americano de empreacutestimo de

dinheiro para a reconstruccedilatildeo da Europa pudesse gerar uma diacutevida eterna aos paiacuteses do

continente com os Estados Unidos e para escapar disso via como uacutenica soluccedilatildeo a promoccedilatildeo

de um esforccedilo comum dos Estados atraveacutes de projetos de integraccedilatildeo regional

Por isso redigindo o texto da Declaraccedilatildeo de Schuman de 1950 Monet propagava a

ideia de integraccedilatildeo como meio de assegurar a paz e reerguer a poliacutetica e a economia dos

paiacuteses que foram destruiacutedos pela guerra Nesse sentido sua ideia foi a partir de uma ideologia

pacifista de influecircncia kantiana neutralizar a rivalidade franco-alematilde atraveacutes de uma espeacutecie

de mercado comum com a criaccedilatildeo de uma organizaccedilatildeo internacional com caraacuteter

supranacional que seria responsaacutevel pela gestatildeo dos recursos naturais da regiatildeo do Sarre e do

Ruhr os quais seriam colocados a serviccedilo da paz e natildeo da guerra12

A proposta integracionista daquele que eacute considerado o arquiteto do projeto de

integraccedilatildeo europeia era de retirar da matildeo dos Estados a capacidade de gestatildeo dos recursos

energeacuteticos que movimentavam a induacutestria beacutelica e da guerra Desta forma uma autoridade

internacional mais especificamente uma organizaccedilatildeo internacional setorial seria criada com

um status supranacional para gerenciar e administrar a produccedilatildeo de carvatildeo e de accedilo

funcionando atraveacutes da delegaccedilatildeo de parcelas da soberania estatal em questotildees especiacuteficas

Assim em 1951 com a assinatura do Tratado de Paris criou-se a Comunidade

Europeia do Carvatildeo e do Accedilo (CECA) com a participaccedilatildeo inicial de seis paiacuteses Franccedila

Alemanha Itaacutelia Beacutelgica Holanda e Luxemburgo Posteriormente em 1957 com o Tratado

CEDH Debater a Europa Nuacutemero 4 JaneiroJunho 2011 Disponiacutevel em httpwwweurope-direct-

aveiroaevaeudebatereuropa Acesso 10 out 2014 11

SILVA Karine de Sousa De Paris a Lisboa sessenta anos de integraccedilatildeo europeia In SILVA Karine de

Souza Mercosul e Uniatildeo Europeia O Estado da arte dos processos de integraccedilatildeo regional Florianoacutepolis

Editora Modelo 2010 p 35 12

Ibid p 60

14

de Roma a Comunidade Econocircmica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia para a

Energia Atocircmica (CEEA ou Euratom) foram criadas consolidando-se deste modo as trecircs

comunidades que fizerem emergir o direito comunitaacuterio no seio da Europa Foi contudo

somente em 1992 com o Tratado de Maastrich ou Tratado da Uniatildeo Europeia que nasceu a

Uniatildeo Europeia propriamente dita consagrada em trecircs pilares baacutesicos as comunidades que

inicialmente lhe deram base a colaboraccedilatildeo em mateacuteria de poliacutetica exterior e seguranccedila

comum e a cooperaccedilatildeo no acircmbito judicial e policial em mateacuteria penal13

Visiacutevel deste modo que o que impulsionou a criaccedilatildeo de um direito comunitaacuterio

europeu foi a necessidade de reorganizaccedilatildeo do continente apoacutes 1945 e o fortalecimento

econocircmico de antigas potecircncias rivais como foi o caso da Franccedila e da Alemanha Ocorre que

de modo concomitante ao crescimento dos ideais dos federalistas a segunda corrente oriunda

do Congresso da Europa de 1949 dos partidaacuterios da cooperaccedilatildeo intergovernamental tambeacutem

cresceu e se tornou visiacutevel vez que possuiacutea como objetivo a realizaccedilatildeo de uma uniatildeo mais

estreita entre seus membros de modo a salvaguardar os ideais e princiacutepios que satildeo seu

patrimocircnio comum e favorecer seu progresso social e econocircmico

O Conselho da Europa surgido em 1949 portanto configura-se como outra

organizaccedilatildeo internacional surgida na Europa do poacutes-guerra tendo como base a consolidaccedilatildeo

sob o principio da cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses e natildeo o federalismo que implica cessatildeo de

parcelas da soberania Seu propoacutesito eacute o de defesa dos direitos humanos desenvolvimento

democraacutetico e estabilidade poliacutetico-social na Europa sendo chamado de ldquogrande Europardquo por

desde o iniacutecio contar com mais adesotildees de paiacuteses em relaccedilatildeo agrave CECA Eacute justamente dentro

desse Conselho que surge o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em 1959

oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa e

responsaacutevel pela tutela dos direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

(CEDH) de 1950

A eclosatildeo desses dois movimentos marca o iniacutecio de uma verdadeira revoluccedilatildeo dentro

da compreensatildeo do direito Se antes no continente europeu era possiacutevel vislumbrar a

existecircncia em grande medida e tatildeo somente de tribunais nacionais cuja competecircncia era

exercida dentro de determinado Estado sob a eacutegide de sua soberania o cenaacuterio altera-se e daacute

espaccedilo para a existecircncia natildeo soacute de tribunais nacionais como tambeacutem de tribunais

supranacionais e internacionais

13

Ibidem p 77

15

No caso do direito comunitaacuterio sua criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de

instituiccedilotildees que fortaleccedilam o sistema supranacional Em funccedilatildeo disso dentre os mais diversos

oacutergatildeos criados pelos sucessivos tratados comunitaacuterios pode-se destacar o Tribunal de Justiccedila

da Uniatildeo Europeia (TJUE) ou Tribunal de Luxemburgo

Este criado pelo Tratado de Paris de 1951 e adotado pelo Tratado de Roma de 1957

tem a finalidade de assegurar o cumprimento do direito comunitaacuterio e a interpretaccedilatildeo e

aplicaccedilatildeo dos Tratados dentro a vida da comunidade14

Submetem-se agrave jurisdiccedilatildeo do Tribunal

atualmente os vinte e oito15

paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e ao longo dos anos

ele se desenvolveu como uma importante instituiccedilatildeo capaz de contribuir ao desenvolvimento

da comunidade atraveacutes de consolidaccedilotildees jurisprudenciais e da conversatildeo dos tratados

constitutivos da comunidade em verdadeiras constituiccedilotildees materiais

Embora a preocupaccedilatildeo com os direitos humanos no cenaacuterio da ldquopequena Europardquo natildeo

tenha sido uma caracteriacutestica inicial dos tratados constitutivos das comunidades europeias o

diaacutelogo do Tribunal de Luxemburgo com os tribunais nacionais de alguns Estados europeus

traz agrave tona esse tema bem como se caracteriza por ser o grande responsaacutevel pela consolidaccedilatildeo

de princiacutepios baacutesicos do direito comunitaacuterio como eacute o caso da supremacia das normas

comunitaacuterias Neste vieacutes importante destaque deve ser feito ao caso CostaENEL16

de 1964

que marcou o surgimento da noccedilatildeo de supremacia das normas da comunidade europeia

O objeto de tal caso fora uma lei italiana de nacionalizaccedilatildeo da energia eleacutetrica

declarada incompatiacutevel com o Tratado da Comunidade Econocircmica Europeia Em sede de

reenvio prejudicial o Tribunal Constitucional Italiano enviou a questatildeo ao Tribunal de Justiccedila

da Uniatildeo Europeia o qual reconheceu que ao instituir uma comunidade de duraccedilatildeo ilimitada

com caraacuteter sui generis e poderes resultantes de delegaccedilatildeo de parcela da soberania os paiacuteses

limitariam seus direitos soberanos em prol de um conjunto de normas aplicaacutevel natildeo soacute agrave

comunidade como a todos os seus Estados membros17

14

OLIVEIRA Odete Maria de Uniatildeo Europeia processos de integraccedilatildeo e mutaccedilatildeo 1ordfed 3ordf tir Curitiba

Juruaacute 2003 15

Os vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia satildeo Alemanha Aacuteustria Beacutelgica Bulgaacuteria Chipre

Croaacutecia Dinamarca Eslovaacutequia Eslovecircnia Espanha Estocircnia Finlacircndia Franccedila Greacutecia Hungria Irlanda Itaacutelia

Letocircnia Lituacircnia Luxemburgo Malta Paiacuteses Baixos Polocircnia Portugal Reino Unido Repuacuteblica Checa

Romecircnia Sueacutecia Dados disponiacuteveis no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeuropaeuabout-

eucountriesmember-countriesindex_pthtm Acesso 01 nov 2014 16

O acoacuterdatildeo do referido caso encontra-se disponiacutevel na iacutentegra no seguinte endereccedilo eletrocircnico httpeur-

lexeuropaeulegal-contentPTTXTPDFuri=CELEX61964CJ0006ampfrom=EN Acesso 02 out 2014 17

FARENZENA Sueacutelen Costa versus ENEL ndash O primado do Direito Comunitaacuterio e a mudanccedila de paradigma o

Estado em rede europeu Revista da SJRJ Vol 19 nordm34 Rio de Janeiro 2012 Disponiacutevel em

httpwww4jfrjjusbrseerindexphprevista_sjrjarticleviewFile338296 Acesso 01 out 2014

16

Neste sentido determinou o Tribunal de Luxemburgo que a forccedila executiva do direito

comunitaacuterio natildeo poderia variar de um espaccedilo para outro ao sabor das legislaccedilotildees internas

Impossiacutevel portanto um Estado fazer prevalecer sobre uma ordem juriacutedica aceita sob o pilar

da reciprocidade e da cessatildeo de parcela de direitos soberanos uma medida unilateral anterior

ou posterior que lhe pode opor

Natildeo obstante tal decisatildeo a ideia de supremacia das normas comunitaacuterias por si soacute

natildeo foi adotada de modo paciacutefico por todos os tribunais constitucionais dos paiacuteses sujeitos agrave

jurisdiccedilatildeo do Tribunal de Luxemburgo Em funccedilatildeo disso houve a percepccedilatildeo por parte dos

juiacutezes do TJUE de que seria necessaacuterio acoplar agrave ideia de supremacia das normas

comunitaacuterias um discurso dotado de legitimidade que envolvesse princiacutepios e ideais comuns

natildeo soacute para a comunidade como para os Estados membros Esse discurso portanto seria o

discurso dos direitos fundamentais18

Ateacute o surgimento de algumas tensotildees entre os posicionamentos dos tribunais nacionais

e as decisotildees do TJUE havia certa resistecircncia por parte deste uacuteltimo em lidar com questotildees

concernentes aos direitos humanos ou fundamentais Isto porque o motivo que levou agrave criaccedilatildeo

das Comunidades Europeias e a posterior Uniatildeo Europeia foi predominantemente econocircmico

tanto eacute que os tratados iniciais das Comunidades Europeias natildeo trazem elementos que refiram

explicitamente a preocupaccedilatildeo com direitos humanos ou fundamentais19

Entretanto consoante

fora asseverado a supremacia das normas comunitaacuterias somente conseguiria se afirmar e se

consolidar caso fosse acoplada ao tema da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais

Neste sentido a deacutecada de 1960 pode ser vista como um importante marco para o

TJUE Casos como o Stauder (1969) e o Internationale Handelsgesellschaft20

(1970)

18

GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional

algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em

httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014 19

Pertinente o destaque da concepccedilatildeo de Gilmar Mendes e Geroge Rodrigo Bandeira Galindo sobre este tema

Segundo eles os instrumentos que instituiacuteram as comunidades europeias natildeo se referem de maneira expliacutecita agrave

proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais e haacute razotildees para isso A primeira delas reside no fato de que a

proteccedilatildeo dos direitos humanos na Europa deveria ser transferida para outra organizaccedilatildeo internacional no caso o

Conselho da Europa que foi uma instituiccedilatildeo fundamental para a elaboraccedilatildeo da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos

do Homem de 1950 Outra razatildeo sustenta-se na ideia de que a inclusatildeo imediata de um cataacutelogo de direitos

fundamentais nos tratados instituidores das Comunidades Europeias geraria conflitos entre as consolidadas

constituiccedilotildees estatais e o entatildeo incipiente direito comunitaacuterio Por fim outra razatildeo apontada eacute traduzida no fato

de que os Estados eram temerosos de que a imediata inclusatildeo de temas de direitos fundamentais ou humanos nos

tratados instituidores das Comunidades pudesse ampliar as competecircncias de prerrogativas de instituiccedilotildees receacutem-

criadas Ibidem p03

De qualquer forma houve no processo de germinaccedilatildeo de uma Uniatildeo Europeia nos moldes em que hoje

conhecemos a predominacircncia de ideias economicistas e de integraccedilatildeo regional com base na aproximaccedilatildeo de

ideais produtivos e de mercado A preocupaccedilatildeo com a tutela de direitos humanos ou fundamentais surge atraveacutes

dos diaacutelogos espontacircneos entre as cortes constitucionais e o Tribunal de Luxemburgo 20

Neste caso o raciociacutenio da corte faz clara alusatildeo agrave vinculaccedilatildeo entre primazia do direito comunitaacuterio e a

proteccedilatildeo dos direitos fundamentais por parte das instituiccedilotildees comunitaacuterias Os pontos 3 e 4 do julgamento do

17

consolidaram o entendimento do Tribunal de Luxemburgo de que os direitos fundamentais

fazem parte dos princiacutepios gerais do direito comunitaacuterio Conflitos positivos de competecircncias

entre tribunais nacionais e o tribunal supranacional instituiacutedo no acircmbito da comunidade

marcaram os diaacutelogos iniciais para a estimulaccedilatildeo da proteccedilatildeo aos direitos fundamentais em

acircmbito comunitaacuterio

Como continuidade deste diaacutelogo eacute pertinente destacar o caso Nold (1974) no qual o

Tribunal de Luxemburgo reconheceu como pauta geral para o direito comunitaacuterio europeu o

predomiacutenio dos direitos fundamentais Com isso mais uma vez reafirmou-se a ideia de que o

direito comunitaacuterio tem supremacia sobre as disposiccedilotildees legais nacionais mas que de toda a

sorte deve se adaptar a uma base comum de valores como os determinados por exemplo

pela Convenccedilatildeo Europeia de Direito do Homem

Por isso fala-se que este caso fixa um terceiro elemento no nuacutecleo de salvaguarda dos

direitos fundamentais aleacutem das tradiccedilotildees constitucionais comuns e dos direitos fundamentais

garantidos nas Constituiccedilotildees dos Estados os instrumentos internacionais relativos agrave proteccedilatildeo

dos direitos humanos passam a ser uma importante fonte de inspiraccedilatildeo para a proteccedilatildeo de

direitos em acircmbito comunitaacuterio Em funccedilatildeo disso inclusive em 1975 o TJUE pela primeira

vez recorreu agrave Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem no caso Rutili21

Apesar de tal decisatildeo do caso Nold o emblemaacutetico caso Solange levou agrave confirmaccedilatildeo

e consolidaccedilatildeo da vigecircncia dos direitos fundamentais no acircmbito da Comunidade Neste caso

em 1974 o Tribunal Constitucional alematildeo determinou que enquanto a Comunidade natildeo

dispusesse de um sistema de proteccedilatildeo de direitos comparaacutevel ou equiparado agrave Lei

Fundamental de Bonn ou seja enquanto natildeo houvesse um cataacutelogo de direitos fundamentais

aplicaacuteveis agrave Comunidade Europeia as instituiccedilotildees comunitaacuterias seriam ineficazes no que

concerne agrave proteccedilatildeo desses direitos22

TJUE respectivamente determinam que 3 A validade de uma medida comunitaacuteria ou de seus efeitos em um

Estado membro natildeo podem ser afetadas por alegaccedilotildees de que ela contraria direitos fundamentais tal como

formuladas pela Constituiccedilatildeo do Estado ou princiacutepios de uma estrutura constitucional nacional() 4() o

respeito pelos direitos fundamentais forma uma parte integral dos princiacutepios gerais de direito protegidos pela

Corte de Justiccedila A proteccedilatildeo de tais direitos enquanto inspirada pelas tradiccedilotildees constitucionais comuns aos

Estados membros deve ser assegurada no acircmbito da estrutura e dos objetivos da Comunidaderdquo Ibidem p4 21

O caso Rutilli caracteriza-se por ser a primeira referecircncia jurisprudencial feita pelo Tribunal de Luxemburgo agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem ou seja a utilizaccedilatildeo por parte de um tribunal supranacional de um

marco normativo essencial natildeo para o direito comunitaacuterio mas para o sistema regional de proteccedilatildeo aos direitos

humanos Nesse caso o Tribunal de Luxemburgo afirmou que as normas de direito comunitaacuterio natildeo era mais do

que uma manifestaccedilatildeo de princiacutepios gerais de direito consagrados na Convenccedilatildeo 22

GALINDO George Rodrigo Bandeira MENDES Gilmar Ferreira Direitos humanos e integraccedilatildeo regional

algumas consideraccedilotildees sobre o aporte dos tribunais constitucionais Disponiacutevel em

httpwwwstfjusbrarquivocmssextoEncontroConteudoTextualanexoBrasilpdf Acesso 01 out 2014

18

Como resultado de tal caso natildeo soacute o Tribunal de Luxemburgo passou a consolidar um

entendimento jurisprudencial favoraacutevel ao respeito e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais

como demais instituiccedilotildees da entatildeo Comunidade Europeia assim agiram Em funccedilatildeo disso diz-

se que o principal resultado do caso Solange foi uma resoluccedilatildeo conjunta datada de 5 de abril

de 1977 entre Parlamento Europeu Conselho Europeu e Comissatildeo Europeia denominada

ldquoDeclaraccedilatildeo Conjunta sobre Direitos Fundamentaisrdquo23

Nesta ressaltou-se a necessidade do

respeito em acircmbito comunitaacuterio dos direitos fundamentais consagrados pelas tradiccedilotildees

constitucionais dos Estados membros e pela Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos

Os direitos fundamentais atraveacutes desse diaacutelogo jurisprudencial entre as cortes de

esperas diferentes (supranacional e nacionais) apareceram de modo progressivo no direito

comunitaacuterio europeu tornando-se paracircmetros de validade das normas da Uniatildeo Qualquer

norma seja comunitaacuteria seja nacional que contrariasse os direitos fundamentais seria

considerada invaacutelida

A tendecircncia jurisprudencial do TJUE de vincular a noccedilatildeo de supremacia das normas

comunitaacuterias com a proteccedilatildeo aos direitos fundamentais acabou por refletir no Tratado de

Maastricht de 1992 Tambeacutem chamado de Tratado da Uniatildeo Europeia este documento em

seu artigo F nuacutemero 2 determina que a Uniatildeo respeite os direitos fundamentais tal como os

garante a Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem24

Na esteira da inclusatildeo da proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em tratados o Tratado de

Lisboa de 2007 aleacutem de estabelecer personalidade juriacutedica agrave Uniatildeo Europeia25

determina que

a esta aderiraacute agrave Convenccedilatildeo Europeia para a proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e das Liberdades

Fundamentais sendo que a adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas

nos tratados26

23

XAVIER Ana Isabel Os Direitos Fundamentais no ldquodiaacutelogo europeurdquo de Nice a Lisboa In Debater a

Europa n 9 julhodezembro 2013 Disponiacutevel em httpeurope-direct-

aveiroaevaeudebatereuropaimagesn9axavierpdf Acesso em 03 out 2014 24

Artigo F n 2 ldquoA Uniatildeo respeitaraacute os direitos fundamentais tal como os garante a Convenccedilatildeo Europeia de

Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais assinada em Roma em 4 de novembro de

1950 e tal como resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-membros enquanto princiacutepios

gerais do direito comunitaacuteriordquo TRATADO DE MAASTRICHT 1992 Disponiacutevel em httpeuropaeueu-

lawdecision-makingtreatiespdftreaty_on_european_uniontreaty_on_european_union_ptpdf Acesso 15 out

2014 25

O artigo 46-A do Tratado de Lisboa determina que ldquoA Uniatildeo tem personalidade juriacutedicardquo TRATADO DE

LISBOA 2007 Disponiacutevel em httpeur-lexeuropaeulegal-

contentPTTXTPDFuri=OJC2007306FULLampfrom=PT Acesso 16 out 2014 26

O artigo 6ordf do Tratado de Lisboa determina que ldquo1 A Uniatildeo reconhece os direitos as liberdades e os

princiacutepios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da Uniatildeo Europeia de 7 de Dezembro de 2000 com

as adaptaccedilotildees que lhe foram introduzidas em 12 de Dezembro de 2007 em Estrasburgo e que tem o mesmo

valor juriacutedico que os Tratados De forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competecircncias da Uniatildeo tal

como definidas nos Tratados Os direitos as liberdades e os princiacutepios consagrados na Carta devem ser

interpretados de acordo com as disposiccedilotildees gerais constantes do Tiacutetulo VII da Carta que regem a sua

19

Mesmo que o ideal de Constituiccedilatildeo para a Uniatildeo Europeia natildeo tenha sido aprovado

pelos Estados membros as regras de supremacia das normas comunitaacuterias e de proteccedilatildeo aos

direitos fundamentais consagrados natildeo soacute nas Constituiccedilotildees como nas proacuteprias tradiccedilotildees

constitucionais dos Estados regem as decisotildees do Tribunal supranacional que existe no

continente Por isso mesmo que a preocupaccedilatildeo inicial da ldquopequena Europardquo tenha sido a

integraccedilatildeo econocircmica dos paiacuteses devastados pela guerra para que pudessem voltar a ser

competitivos internacionalmente ao longo do tempo sentiu-se a necessidade de trazer para

dentro do direito comunitaacuterio noccedilotildees acerca dos direitos fundamentais e humanos de modo

que hoje estes se encontram tutelados por instrumentos e oacutergatildeos supranacionais especiacuteficos

Ocorre que conforme se mencionou no iniacutecio deste subcapiacutetulo o cenaacuterio europeu

pode ser vislumbrado sob duas oacuteticas distintas desde o Congresso da Europa a oacutetica

federalista que impulsiona a criaccedilatildeo da Uniatildeo Europeia e de um direito comunitaacuterio europeu

e o vieacutes da cooperaccedilatildeo internacional marcado pela criaccedilatildeo do Conselho da Europa e de um

sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos o qual exige o pensamento acerca

da possibilidade da construccedilatildeo de um direito comum europeu

Nesse aspecto acerca do conceito de comum eacute pertinente remontar agraves premissas de

Dardot et Laval27

Para os autores o comum do direito segundo uma loacutegica de interpretaccedilatildeo

neoliberal natildeo seraacute outro que o direito de propriedade dos contratos e do lucro Eacute justamente

contra esse tipo de concepccedilatildeo trazido pelos efeitos nefastos da globalizaccedilatildeo que se invoca a

defesa e a reabilitaccedilatildeo do conceito de comum que deve ser entendido sob uma loacutegica de bases

uniacutessonas em mateacuteria de direitos humanos

Em razatildeo disso eacute no acircmbito da ldquogrande Europardquo ou seja do sistema regional europeu

de proteccedilatildeo dos direitos do homem que se vislumbram bases para a criaccedilatildeo de um direito

comum cuja premissa eacute a busca do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano28

Deste

modo no panorama apresentado se vislumbra de modo claro que embora existam regras

princiacutepios e instituiccedilotildees para reger o direito comunitaacuterio europeu (regras previstas nos

tratados da Uniatildeo Europeia e pacificadas pelo ativismo do TJUE) na ldquopequena Europardquo em

interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo e tendo na devida conta as anotaccedilotildees a que a Carta faz referecircncia que indicam as fontes

dessas disposiccedilotildees 2 A Uniatildeo adere agrave Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das

Liberdades Fundamentais Essa adesatildeo natildeo altera as competecircncias da Uniatildeo tal como definidas nos Tratados3

Do direito da Uniatildeo fazem parte enquanto princiacutepios gerais os direitos fundamentais tal como os garante a

Convenccedilatildeo Europeia para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como

resultam das tradiccedilotildees constitucionais comuns aos Estados-Membrosrdquo Ibid 2007 27

DARDOT Pierre LAVAL Cristian COMMUN essai sur la revolutiona au XXeme siegravecle Paris La

deacutecouverte 2014 p 287 28

DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio

de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b

20

mateacuteria de direitos humanos e no acircmbito de um processo de globalizaccedilatildeo eacute preciso avanccedilar

na compreensatildeo do espaccedilo europeu para no acircmbito do sistema regional consolidar as bases

para a criaccedilatildeo de um direito comum

12 As bases para a criaccedilatildeo de um Direito Comum Europeu novas geometrias juriacutedicas

a premissa de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o surgimento da figura da

Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

O Congresso da Europa sob o aspecto juriacutedico dividiu o continente em blocos

autocircnomos dentro de um sistema multicecircntrico Nesse sentido Mireille Delmas-Marty29

assevera que natildeo existe uma unidade juriacutedica chamada Europa ou sequer uma visatildeo uacutenica e

preestabelecida do continente

Pelo contraacuterio existe uma Europa feita de instituiccedilotildees juriacutedicas diversas cada uma

com regras e princiacutepios especiacuteficos Neste sentido de um lado tem-se a ldquopequena Europardquo

composta pelos vinte e oito paiacuteses que fazem parte da Uniatildeo Europeia e que possui um ideal

primordialmente econocircmico com os objetivos de livre circulaccedilatildeo de pessoas e de

mercadorias bem como de instituiccedilatildeo de uma moeda uacutenica sob a perspectiva de abertura de

fronteira entre os paiacuteses Sob este ideal desenvolve-se a base para o direito comunitaacuterio que

possui como instituiccedilatildeo juriacutedica maacutexima o Tribunal de Justiccedila da Uniatildeo Europeia (TJUE)

com caraacuteter supranacional

Na Europa dos ldquoVinte e Oitordquo portanto sob o ideal integracionista surge o chamado

direito comunitaacuterio europeu o qual atraveacutes de direito originaacuterio (tratados constitutivos) e

direito derivado (normas emanadas de oacutergatildeos de competecircncia legislativa da Uniatildeo) forma o

sistema juriacutedico-poliacutetico e juriacutedico-econocircmico da Uniatildeo Europeia A peculiaridade desta nova

ordem formada eacute a de natildeo querer unificar a ordem juriacutedica dos paiacuteses europeus mas de

uniformizar em algumas mateacuterias as normas do bloco criado Justamente por isso a

supranacionalidade intriacutenseca ao direito comunitaacuterio natildeo se confunde com o direito

internacional

Sob as bases de interesses econocircmicos tem-se o objetivo de chegar a uma integraccedilatildeo

nas aacutereas concernentes agrave poliacutetica cultura dentre outras sob uma relaccedilatildeo de integraccedilatildeo entre o

29

Id 2004a p47

21

ordenamento juriacutedico comunitaacuterio e o ordenamento interno de cada Estado Sem sombra de

duacutevidas a preocupaccedilatildeo com os direitos fundamentais se insere nessas relaccedilotildees mas com o

intuito de fortalecer o ideal de supremacia das normas comunitaacuterias Em funccedilatildeo de tal

premissa tem-se a necessidade de preservar o estaacutegio alcanccedilado pelo processo de integraccedilatildeo e

por isso um ordenamento juriacutedico comunitaacuterio eacute formado Entretanto eacute preciso avanccedilar no

processo de tutela dos direitos humanos em um contexto tatildeo plural como o europeu

Deste modo de outro lado tem-se a ldquogrande Europardquo criada pelo Conselho da Europa

perfazendo uma cooperaccedilatildeo poliacutetica que hoje abriga quarenta e sete membros30

signataacuterios da

Convenccedilatildeo Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

(CEDH) O oacutergatildeo juriacutedico maacuteximo do Conselho da Europa eacute o Tribunal Europeu dos Direitos

do Homem (TEDH) sediado em Estrasburgo e para o qual podem demandar tanto Estados

quanto indiviacuteduos viacutetimas de violaccedilotildees de direitos humanos reconhecidos pela convenccedilatildeo

Neste sentido o paraacutegrafo 3ordm31

do Preacircmbulo da CEDH de 1950 assevera que a

finalidade principal do Conselho da Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre seus

membros e que um dos meios para alcanccedilar esta finalidade eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento

dos direitos humanos e das liberdades fundamentais sendo tais direitos vistos como um meio

para uma progressiva integraccedilatildeo dos europeus Antes mesmo disso o Estatuto do Conselho da

Europa de 1949 havia asseverado que a finalidade da instituiccedilatildeo era criar uma organizaccedilatildeo

que levasse os paiacuteses do continente a uma associaccedilatildeo cuja base fosse a unidade entre seus

membros privilegiando ideais e princiacutepios comuns aos diferentes Estados

Essa configuraccedilatildeo surgida na segunda metade do seacuteculo XX produz alteraccedilotildees

significativas na conceituaccedilatildeo de alguns institutos juriacutedicos e poliacuteticos como eacute o caso do

Estado da soberania dentre outros Nesse sentido o cenaacuterio Europeu pode ser enxergado

como proacuteximo da noccedilatildeo de Estado em Rede proposto por Manuel Castells32

Em um mesmo

espaccedilo territorial a autoridade passa a ser partilhada ao longo de uma rede de instituiccedilotildees O

30

Os 47 paiacuteses que fazem parte do Conselho da Europa satildeo Beacutelgica Dinamarca Franccedila Irlanda Itaacutelia

Luxemburgo Paiacuteses Baixos Noruega Sueacutecia Reino Unido Greacutecia Turquia Islacircndia Alemanha Ocidental

Aacuteustria Chipre Suiacuteccedila Malta Portugal Espanha Liechtenstein Satildeo Marino Finlacircndia Hungria Polocircnia

Bulgaacuteria Estocircnia Lituacircnia Eslovecircnia Repuacuteblica Checa Eslovaacutequia Romecircnia Andorra Letocircnia Albacircnia

Moldaacutevia Macedocircnia Ucracircnia Ruacutessia Croaacutecia Geoacutergia Armecircnia Azerbaijatildeo Boacutesnia e Herzegovina Seacutervia

Mocircnaco Montenegro Disponiacutevel em

httpwwwcoeintptAboutCoemediainterfacepublicationscoe_dh_ptpdf Acesso 08 out 2014 31

O terceiro paraacutegrafo do preacircmbulo da CEDH dispotildee que ldquoConsiderando que a finalidade do Conselho da

Europa eacute realizar uma uniatildeo mais estreita entre os seus Membros e que um dos meios de alcanccedilar essa finalidade

eacute a proteccedilatildeo e o desenvolvimento dos direitos do homem e das liberdades fundamentais ()rdquo CONVENCcedilAtildeO

EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS

1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso em 08 out 2014 32

CASTELLS Manuel A era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura A sociedade em rede Vol 1 5

ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1999b

22

Estado-naccedilatildeo claacutessico relaciona-se com instituiccedilotildees supranacionais e a rede formada possui

noacutes diversos e natildeo um centro uacutenico sendo que esses noacutes podem apresentar tamanhos distintos

e estar ligados por relaccedilotildees assimeacutetricas

Essas redes e seus noacutes portanto representam formas de poder paralelas e

complementares que satildeo autocircnomas uma em relaccedilatildeo agraves outras O espaccedilo europeu marcado

por um jaacute consolidado direito comunitaacuterio e por uma estrutura supranacional sui generis

tornou-se um verdadeiro campo de concorrecircncia convergecircncia justaposiccedilatildeo e conflito de

vaacuterias constituiccedilotildees e poderes constituintes em um mesmo espaccedilo poliacutetico levando a uma

pluralidade de ordenamentos e de normatividades

A supranacionalidade desenvolvida assemelha-se desta forma a um Estado em Rede

em funccedilatildeo de um novo paradigma de governanccedila estabelecido em diferentes niacuteveis com

diferentes noacutes de diferentes dimensotildees e com relaccedilotildees internacionais assimeacutetricas O Estado-

Naccedilatildeo claacutessico se articula cotidianamente na tomada de decisotildees com instituiccedilotildees

supranacionais de diferentes tipos e em acircmbitos distintos33

Em uma mesma organizaccedilatildeo

complexa temos entatildeo as caracteriacutesticas da descentralizaccedilatildeo e da coordenaccedilatildeo sobretudo no

aspecto normativo sendo que a crise do Estado-naccedilatildeo o desenvolvimento das instituiccedilotildees

supranacionais e a transferecircncia das atribuiccedilotildees e iniciativas aos acircmbitos regionais e locais satildeo

caracteriacutesticas que funcionam como base para o desenvolvimento do Estado em Rede

Nesse acircmbito ainda eacute possiacutevel acrescentar a definiccedilatildeo de Marcelo Varella34

de que a

Uniatildeo Europeia caracteriza-se por ser uma instituiccedilatildeo sui generis natildeo soacute pelo seu modo de

constituiccedilatildeo como por seus efeitos no campo juriacutedico-normativo Desta maneira o bloco

europeu dos vinte e oito inserido no contexto de um sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos

humanos (ldquopequena Europardquo inserida na ldquogrande Europardquo) marca a caracteriacutestica de uma

superaccedilatildeo da tiacutepica forma de visatildeo linear e hieraacuterquica do direito tradicional em favor da

construccedilatildeo de um direito em camadas ou em diferentes niacuteveis ou ainda em redes

Essa concepccedilatildeo de Castells utilizada aqui para ilustrar as relaccedilotildees na Uniatildeo Europeia

comunica-se com a noccedilatildeo de Mireille Delmas-Marty35

de um pluralismo que deve ser

ordenado Na Europa como um todo em acircmbito juriacutedico a coexistecircncia de normas das mais

diversas fontes e de tribunais nas mais diferentes escalas faz emergir uma noccedilatildeo de caos

33

Id 1999a p164 34

VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade

de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014 p145 35

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006

23

juriacutedico que precisa ser ordenado Em razatildeo disso pertinente a busca por um direito comum

com ecircnfase em um direito comum em mateacuteria de direitos humanos

Interessante notar que esse cenaacuterio criado intensifica-se com o processo de

mundializaccedilatildeo36

e sob essa oacutetica embora os direitos humanos tenham se tornado oponiacuteveis aos

Estados perfazendo princiacutepios de direito incluiacutedos nas Constituiccedilotildees Estatais no

entendimento dos tribunais supranacionais e em instrumentos normativos internacionais os

corolaacuterios do processo de mundializaccedilatildeo satildeo os direitos econocircmicos que predominam nas

preocupaccedilotildees do jaacute consolidado direito comunitaacuterio europeu

Enquanto os direitos humanos foram concebidos sob o prisma de uma universalidade e

com a finalidade de proteger o ldquoirredutiacutevel humanordquo37

os direitos econocircmicos satildeo os motores

da mundializaccedilatildeo sendo que isso somado agrave desestabilizaccedilatildeo do tempo e agrave desestatizaccedilatildeo do

Estado gera no processo de mundializaccedilatildeo uma aparente desordem normativa com a

proliferaccedilatildeo de normas de modo anaacuterquico38

Em funccedilatildeo disso eacute viaacutevel dizer que o continente europeu serve de base e eacute capaz de

traduzir importantes eventos para explicar fenocircmenos que hoje satildeo salientes na esfera juriacutedica

Mireille Delmas-Marty39

sugere que vivemos sob a eacutegide de espaccedilos ldquodesestatizadosrdquo tempos

ldquodesestabilizadosrdquo e uma ordem ldquodeslegalizadardquo No sentido atual da paisagem juriacutedica

afirmar que o Estado eacute a uacutenica fonte de Direito eacute assumir uma atitude de exclusatildeo de todos os

demais espaccedilos normativos

Como eacute possiacutevel observar na Europa convivem em um mesmo espaccedilo normas

provenientes de fontes estatais claacutessicas normas advindas de instituiccedilotildees supranacionais e

regras provenientes de entes internacionais na formaccedilatildeo de um verdadeiro mosaico juriacutedico

O monopoacutelio do Estado como produtor do direito deixa de ser imperativo frente agrave

internacionalizaccedilatildeo crescente das fontes juriacutedicas De modo concomitante e corroborando

36

Na obra ldquoTrecircs Desafios para um Direito Mundialrdquo Mirelle Delmas-Marty observa as particularidades dos

termos globalizaccedilatildeo mundializaccedilatildeo e universalidade quais sejam ldquoA mundializaccedilatildeo remete agrave difusatildeo espacial

de um produto de uma teacutecnica ou de uma ideia A universalidade implica um compartilhar de sentidosrdquo Em

outra passagem disserta ldquoDifusatildeo espacial de um lado compartilhar os sentidos de outra estas duas foacutermulas

descrevem muito bem a diferenccedila que separam os dois fenocircmenos que eu denominarei globalizaccedilatildeo para a

economia e universalizaccedilatildeo para os direitos do homem guardando assim o termo mundializaccedilatildeo uma

neutralidade que ele jamais perderaacute caso natildeo se resigne rapidamente ao primado da economia sobre os Direitos

do Homemrdquo DELMAS-MARTY Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr

Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b p 08-09 37

Ibid p48 38

FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos

teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013 39

DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47

24

com a teoria do Estado em Rede de Castells eacute possiacutevel observar um processo de

descentralizaccedilatildeo espacial com o deslocamento de fontes do centro para periferias40

Da mesma forma os tempos estatildeo desestabilizados Segundo Delmas41

em comparaccedilatildeo

aos votos claacutessicos de perpetuidade da lei eacute possiacutevel hoje encontrar fontes temporaacuterias e

evolutivas do direito O espaccedilo europeu se constitui como uma aacuterea privilegiada dessas fontes

evolutivas42

Sob o aspecto da ldquopequena Europardquo as regras de direito comunitaacuterio impotildeem um

resultado que deve ser atingido o que pela falta de meios juriacutedicos incentiva os Estados a

adaptar seus textos a dados econocircmicos

Isso tudo faz emergir a noccedilatildeo de assincronia43

do direito ou seja diferentes

velocidades em diferentes espaccedilos Nesse sentido haacute no espaccedilo europeu uma diferenccedila de

velocidade dos processos de integraccedilatildeo das normas internacionais (ou supranacionais) de

direito do comeacutercio em comparaccedilatildeo com as normas ambientais ou relativas aos direitos

humanos O proacuteprio processo evolutivo de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou fundamentais

sob o panorama da ldquopequena Europardquo demonstra desde os primoacuterdios da criaccedilatildeo da

Comunidade Europeia uma ausecircncia de sincronia em relaccedilatildeo agraves duas esferas do direito A

evoluccedilatildeo dos direitos humanos eacute lenta quando comparada com a celeridade da integraccedilatildeo das

normas de direito comercial e econocircmico em um mundo de economia globalizada

Pode-se entatildeo afirmar que natildeo soacute na Europa como tambeacutem na sociedade

internacional o tempo das relaccedilotildees comerciais e por conseguinte o tempo da integraccedilatildeo do

direito do comeacutercio eacute o tempo do software da fluidez da velocidade da luz Enquanto isso o

tempo das relaccedilotildees humanas da eacutetica da solidariedade e da integraccedilatildeo do direito dos direitos

humanos segue o tempo do hardware do denso do apego ao territoacuterio e agraves localidades44

Por fim estaacute-se tambeacutem frente a uma ordem ldquodeslegalizadardquo uma vez que dentre os

reflexos das vicissitudes na seara juriacutedica eacute possiacutevel destacar um ruptura com a noccedilatildeo de

40

Tal fenocircmeno eacute descrito por Mireille Delmas-Marty como ldquodescentralizaccedilatildeordquo Esta envolve o deslocamento de

fontes do centro do Estado para coletividades territoriais Todavia tal fenocircmeno natildeo se confunde com uma mera

desconcentraccedilatildeo de poderes que eacute destinada a conferir maior eficaacutecia agraves estruturas centrais do Estado A

descentralizaccedilatildeo conforme refere a autora confia ao representante local da coletividade territorial certos poderes

de decisatildeo fazendo transparecer uma autonomia local para impor certas regras juriacutedicas Como exemplo

podem-se destacar as comissotildees locais de eacutetica como ocorre em uma deontologia profissional como a Ordem

dos Advogados As regras disciplinares desta profissatildeo guardam um caraacuteter misto sendo de natureza local e

nacional privada e puacuteblica Ibid 2004ap55 41

Ibid 2004ap47 42

Segundo Delmas falar de fontes evolutivas significa renunciar ao passado do costume e ao futuro das leis para

situar as fontes de direito no presente por natureza instaacutevel Ibid 2004ap65 43

Id 2006 p 114 44

SALDANHA Jacircnia Marial Lopes BRUM Maacutercio Morais MELLO Rafaela da Cruz A Assincronia do

Direito e o Caso Araguaia Uma anaacutelise da Decisatildeo do Supremo Tribunal Federal Brasileiro na ADPF 153 e do

Julgamento do Caso Gomes Lund e Outros vs Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos In Andreacute

Karam Trindade Angela Araujo da Silveira Espindola (Org) Direitos Fundamentais e Espaccedilo Puacuteblico 1ed

Passo Fundo - RS Editora IMED 2011 v 2 p 37-61

25

identidade entre direito e lei45

O processo de internacionalizaccedilatildeo deixa comum aos sistemas

de commun law e de civil law o papel do juiz na geraccedilatildeo do direito ou seja na interaccedilatildeo entre

texto normativo e sua interpretaccedilatildeo de modo que a jurisprudecircncia e o diaacutelogo entre os

diferentes tribunais serve para ambos os sistemas como um importante balizador para

consolidaccedilatildeo de entendimentos e de princiacutepios

Diante desse cenaacuterio juriacutedico global proveniente do processo de internacionalizaccedilatildeo -

e especiacutefico no caso da Europa ndash de desestatizaccedilatildeo de ruptura com paradigmas e com a loacutegica

binaacuteria de interpretar o direito eacute possiacutevel concordar com a premissa de Mireille Delmas-

Marty46

de que a paisagem juriacutedica apresenta um panorama de proliferaccedilatildeo constante de

normas e de entendimentos jurisprudenciais que em um primeiro momento podem levar a

uma noccedilatildeo de desordem e anarquia

Conveacutem perceber que a nova paisagem juriacutedica para a qual a Europa eacute um verdadeiro

laboratoacuterio47

eacute composta por formas mais complexas como piracircmides inacabadas

descontiacutenuas compostas por aneacuteis normativos como uma guirlanda no entanto natildeo

especificamente se liga agrave anarquia Pelo contraacuterio a retirada de marcos e o deslocamento de

linhas natildeo significa desordem e essa aparecircncia de caos favorece ao pluralismo

Por isso Delmas-Marty48

atesta que a internacionalizaccedilatildeo do direito apresenta um

grande paradoxo ordenar o plural Embora estejamos semanticamente diante de vernaacuteculos

opostos visto que a proposta eacute colocar em ordem aquilo que naturalmente eacute muacuteltiplo e plural

sem reduzir sua identidade a primeira consideraccedilatildeo que deve ser feita eacute a de que o tiacutepico

modelo kelseniano de loacutegica juriacutedica natildeo mais se aplica ao cenaacuterio em que o Direito se insere

atualmente em razatildeo da multiplicidade e do dinamismo existente no processo de

mundializaccedilatildeo

Para ir da desordem agrave ordem eacute necessaacuterio fortalecer as correlaccedilotildees da formaccedilatildeo

juriacutedica trazendo estabilidade agrave presenccedila de divergecircncias atraveacutes de uma aproximaccedilatildeo entre

ordens juriacutedicas por meio de um jogo de referecircncias cruzadas com o intuito de ordenar a

multiplicidade Essa aproximaccedilatildeo poreacutem natildeo pode ser concebida senatildeo em relaccedilatildeo a uma

referecircncia comum e neste campo a utilidade dos instrumentos protetivos de direitos humanos

traz a coerecircncia de conjunto capaz de indicar uma direccedilatildeo a seguir um norte para a criaccedilatildeo de

um direito comum cujo pluralismo eacute ordenado

45 DELMAS-MARTY Mireille Por um direito comum Satildeo Paulo Martins Fontes 2004ap47 46

Id 2006 47

VARELLA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do direito Direito Internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Livre Docecircncia em Direito Internacional Faculdade de

Direito da Universidade de Satildeo Paulo (USP) Satildeo Paulo 2012 Acesso 14 out 2014 48

Ibid 2006 p 10

26

Obviamente o direito comum almejado eacute pluralista tendo a razatildeo como instrumento

de justificaccedilatildeo e de diaacutelogo O pluralismo eacute justificado pelo intuito de harmonizar e conjugar

as particularidades religiosas poliacuteticas culturais de cada Estado ou comunidade evitando a

sobreposiccedilatildeo de uma ordem sobre outra ou a assimilaccedilatildeo e exclusatildeo Em razatildeo disso o

direito comum pluralista pretende construir um ldquoDireito dos Direitosrdquo a partir do ideal de

universalizaccedilatildeo dos direitos humanos sendo que a finalidade eacute a de aproximar ou harmonizar

ndash e natildeo unificar - os diferentes sistemas juriacutedicos sob a perspectiva de respeito ao ldquoirredutiacutevel

humanordquo49

Impossiacutevel a criaccedilatildeo de normas e regras comuns a todos os povos justamente pelo

fato de que sempre algumas normas advindas de culturas especiacuteficas se sobressairatildeo sobre

outras na criaccedilatildeo de uma hegemonia negativa O direito comum portanto inserido na oacutetica

de um direito mundial pluralista eacute aquele acessiacutevel a todos e comum aos diversos Estados

sem que haja o abandono de identidades Justamente em funccedilatildeo disso o alicerce para a sua

criaccedilatildeo eacute a aproximaccedilatildeo dos sistemas juriacutedicos tendo por base os direitos humanos que

carregam a caracteriacutestica da universalidade a qual adveacutem do compartilhamento de sentidos e

do enriquecimento pela troca

Neste sentido em que consistem esses direitos humanos que satildeo os alicerces para a

criaccedilatildeo de um direito comum Eacute possiacutevel afirmar que a mera previsatildeo constitucional ou em

tratados de direitos jaacute asseguram a sua proteccedilatildeo Como lidar com questotildees concernentes agraves

pretensotildees universalistas e as particularidades do relativismo cultural nas diferentes

sociedades europeias

Narciso Baez50

traz reflexotildees importantes acerca desse tema Segundo ele em meados

do seacuteculo XVII pensou-se que a positivaccedilatildeo dos direitos humanos seria instrumento suficiente

para garantir o seu respeito Essa noccedilatildeo adentrou a contemporaneidade com a filosofia de

Hans Kelsen de que as normas positivadas e inseridas nos ordenamentos juriacutedicos eram

obrigatoacuterias por serem legitimadas por uma norma juriacutedica superior que tinha um fim em si

mesma

Obviamente o seacuteculo XX mostrou que a mera inserccedilatildeo legal da dignidade da pessoa

humana ndash que eacute o elemento cerne dos direitos humanos ndash em um sistema positivo de direito e

dissociada de valores morais natildeo seria suficiente para evitar eventuais violaccedilotildees desses

49

Ibid 2006 p 54 50

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos

humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da

UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em

httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014

27

direitos Sob esse panorama e seguindo a corrente eacutetica51

de fundamentaccedilatildeo dos direitos

humanos pode-se afirmar que estes satildeo direitos de fora da ordem positiva que tecircm em seu

bojo componentes morais sociais poliacuteticos e ateacute econocircmicos que salvaguardam condiccedilotildees

miacutenimas para a garantia da dignidade da pessoa humana Em sua dimensatildeo baacutesica portanto

satildeo direitos inatos pautados em valores morais e conferidos aos indiviacuteduos pelo simples fato

de estes serem humanos

Logo para a construccedilatildeo de um direito comum em mateacuteria de direitos humanos exige-

se o fortalecimento desses em suas dimensotildees baacutesicas Eacute neste sentido que Delmas52

se refere

ao miacutenimo eacutetico universal e ao irredutiacutevel humano ou seja elementos que todos os indiviacuteduos

apresentam em comum mesmo em diferentes culturas

As duas estruturas baacutesicas dos direitos humanos satildeo portanto os valores morais e a

dignidade humana53

Em relaccedilatildeo aos primeiros infere-se que a origem dos direitos humanos

natildeo eacute legal vez que estes satildeo reconhecidos aos indiviacuteduos pelo simples fato de serem

humanos O ordenamento juriacutedico tem a mera funccedilatildeo de reconhecer tais direitos e transformaacute-

los em normas a fim de obter efetividade Jaacute a dignidade humana eacute o bem maior dentro dos

direitos humanos constituindo uma qualidade universal intriacutenseca irrenunciaacutevel e

inalienaacutevel inerente a todos os seres humanos e que se encontra acima das especificidades

culturais

Neste vieacutes a universalidade de tais direitos que eacute requisito indispensaacutevel para a

criaccedilatildeo de um direito comum natildeo eacute marcada pela criaccedilatildeo de instrumentos internacionais

positivos de proteccedilatildeo dos direitos humanos Isso porque embora tenha se conseguido a

universalizaccedilatildeo da adesatildeo dos Estados como eacute o caso da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos

Humanos da ONU de 1948 ou mesmo da CEDH do sistema regional europeu ainda haacute

resistecircncias agrave aceitaccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo em algumas culturas que alegam a necessidade de

relativizaccedilatildeo desses direitos para adequaccedilatildeo agraves realidades nacionais54

Logo para a construccedilatildeo de uma verdadeira universalidade eacute necessaacuterio interpretar os

direitos humanos sob uma oacutetica interdisciplinar Finnis55

nesse aspecto afirma que os direitos

humanos constituem uma categoria que busca consagrar a dignidade humana sendo esta um

atributo de todas as pessoas independentemente de crenccedila ou cultura Nesse aspecto

51

Id 2007 p 13-35 52

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b 53

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Direitos humanos na globalizaccedilatildeo In BAEZ Narciso

Leandro Xavier BARRETO Vicente (Org) Direitos humanos em evoluccedilatildeo Joaccedilaba Ed Unoesc 2007 p

13-35 54

Id 2009 p77-99 55

FINNIS John Ley natural e derechos naturales Buenos Aires AbeledoPerrot 2000

28

vislumbra-se necessaacuterio a fim de identificar quais satildeo os valores baacutesicos e inderrogaacuteveis a

todos os humanos a construccedilatildeo de valores universais atraveacutes do diaacutelogo e do cruzamento de

diferentes culturas com diferentes valores Isso facilita a construccedilatildeo de uma cultura

cosmopolita baseada em uma identificaccedilatildeo em que prevaleccedila a dignidade da pessoa humana

acima dos relativismos

As diversidades culturais satildeo provenientes de elementos externos56

da diferenccedila de

ambientes naturais mas mesmo assim todas as pessoas ainda que inseridas em

especificidades culturais distintas ainda manteacutem atributos comuns Eacute por essa loacutegica que

permanece atual a premissa de Kant de que no atual estaacutegio da humanidade os povos

atingiram um grau de desenvolvimento que os permitem fazer parte de uma comunidade

cosmopolita57

Por isso a violaccedilatildeo de um direito humano em um ponto do planeta repercute e

pode ser sentida em todos os outros

Pertinente ainda lembrar que a universalizaccedilatildeo natildeo significa a imposiccedilatildeo ou a

uniformizaccedilatildeo de uma cultura sobre as outras Pelo contraacuterio deve-se buscar uma raiz

comum qual seja um conjunto de valores miacutenimos universais capazes de dialogar com

diferentes culturas garantindo o respeito e a preservaccedilatildeo da vida humana em qualquer lugar

Ainda sob essa oacutetica eacute possiacutevel afirmar que a noccedilatildeo de direito comum de Delmas

aproxima-se do ideal de direito cosmopoliacutetico em Kant58

Ao perceber o aumento da

participaccedilatildeo dos povos na Terra Kant vislumbra a ideia de uma comunidade mundial

alicerccedilada sob as bases de um direito cosmopoliacutetico a fim de garantir a paz perpeacutetua Diante

da dicotomia entre praacuteticas culturais e direitos humanos a base do cosmopolitismo kantiano eacute

a busca de criteacuterios loacutegico-racionais que sejam comuns a todas as culturas

Nesse espectro surgem entatildeo os direitos humanos como nuacutecleo moral-juriacutedico do

direito cosmopoliacutetico vez que a moralidade miacutenima universal se baseia em trecircs pilares a)

humanidade comum b) ameaccedilas compartilhadas e c) obrigaccedilotildees miacutenimas Logo a

fundamentaccedilatildeo moral eacute a base dos direitos humanos uma vez que nela encontram-se as

exigecircncias imprescindiacuteveis para a vida de um indiviacuteduo Apesar das diferenccedilas sociais e

culturais entre os seres humanos algumas necessidades e capacidades satildeo comuns a todos59

56

PAREKH Bhikhu Pluralist universalism and human rights In SMITH Rhona K M ANKER Cristien van

den The essentials of human rights London Oxford University Press 2005 57

KANT Immanuel Para a paz perpeacutetua Traduccedilatildeo Baacuterbara Kristen - Rianxo Instituto Galego de Estudos de

Seguranccedila Internacional e da Paz 2006 58

Ibid 2006 p 107-108 59

BARRETO Vicente de Paulo Direito Cosmopoliacutetico e Direitos Humanos In Espaccedilo Juriacutedico Journal of

Law N 2 Vol 11 2010 Disponiacutevel em

httpeditoraunoescedubrindexphpespacojuridicoarticleview19491017 Acesso 30 out 2014

29

Assim como a concepccedilatildeo de direitos humanos natildeo pode mais ser concebida como o

era na eacutepoca de Kelsen o panorama em que o Direito de um modo geral se insere hoje

tambeacutem natildeo pode mais ser concebido conforme a loacutegica claacutessica kelseniana em que a

constituiccedilatildeo estatal encontra-se no topo de uma estrutura piramidal sendo hierarquicamente

seguida pela legislaccedilatildeo infraconstitucional Os rearranjos da mundializaccedilatildeo e a consequente

internacionalizaccedilatildeo do Direito fazem com que novas estruturas permeiem o atual cenaacuterio

juriacutedico mundial

Seja uma concepccedilatildeo de trapeacutezio cujos veacutertices superiores satildeo ocupados em igual

niacutevel pelas constituiccedilotildees estatais e pelos tratados ou convenccedilotildees internacionais protetivos dos

direitos humanos como eacute a visatildeo de Canotilho seguida por Flaacutevia Piovensan60

seja uma

visatildeo de nuvens fluidas e descontiacutenuas com um direito de sistemas interativos complexos

marcados por geometria de piracircmides inacabadas e aneacuteis normativos como guirlandas

defendida por Delmas-Marty61

demonstram que a internacionalizaccedilatildeo traz tentativas de

recomposiccedilatildeo de um pluralismo que deveraacute ser suficientemente ordenado

Em razatildeo disso razoaacutevel frente agrave mudanccedila paradigmaacutetica trazida pela mundializaccedilatildeo

pensar em um conjunto ordenado para a desordem uma vez que a aparente anarquia que

existe favorece ao pluralismo Para se chegar a um direito comum pluralista tendo por base os

direitos humanos deve-se buscar a harmonizaccedilatildeo entre estes e os direitos econocircmicos com

respeito agraves particularidades religiosas e culturais e com a superaccedilatildeo dos perigos de uma

uniformizaccedilatildeo hegemocircnica tendente agrave globalizaccedilatildeo econocircmica

Nesse novo paradigma o ideaacuterio de ordem ldquodeslegalizadardquo anteriormente referido

toma corpo uma vez que a sobrevalorizaccedilatildeo da lei e das grandes codificaccedilotildees perde espaccedilo

havendo em contrapartida a crescente incorporaccedilatildeo dos precedentes (certa ruptura de

fronteiras entre common law e civil law) e dos princiacutepios como espeacutecie de coacutedigo cultural do

processo de interpretaccedilatildeo e criaccedilatildeo do direito62

A internacionalizaccedilatildeo do Direito reflete portanto uma nova realidade de um Direito

de sistemas complexos fluidos descontiacutenuos e interativos os quais levam agrave mutaccedilatildeo da

proacutepria concepccedilatildeo tradicional de ordem juriacutedica que natildeo eacute mais fechada dentro de si mesma e

sim sofre influecircncia de outras A tradicional piracircmide kelseniana eacute desconstruiacuteda

60

PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e diaacutelogo entre jurisdiccedilotildees In Revista Brasileira de Direito

Constitucional ndash RBCD n19 ndash janjul 2012 61

DELMAS-MARTY Mireille Trecircs desafios para um direito mundial Traduccedilatildeo Fauzi Hassan Choukr Rio

de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2003b 62

FERREIRA Siddharta Legale Internacionalizaccedilatildeo do Direito reflexotildees criacuteticas sobre seus fundamentos

teoacutericos In Revista SJRJ Vol 20 n 37 2013

30

gradativamente dando lugar a novas geometrias cuja hierarquia natildeo eacute tatildeo riacutegida mas nem por

isso deixa de ser complexa

No topo encontram-se as constituiccedilotildees juntamente com elementos do Direito

Internacional (jus cogens tratados relativos o direito internacional dos direitos humanos) e do

direito comunitaacuterio europeu No corpo do que seria a antiga piracircmide kelseniana encontra-se

o crescimento e a consolidaccedilatildeo de um direito jurisprudencial atraveacutes de um jogo de

referecircncias reciacuteprocas em que um sistema observa o outro mas natildeo haacute um centro ao lado das

normas produzidas no legislativo (a intensa produccedilatildeo jurisprudencial para os hard cases

culmina em adiccedilatildeo de conteuacutedos advindos de ldquooutros direitosrdquo) e a base passa a ser composta

por decretos e regulamentos que resultam de administraccedilotildees policecircntricas corroborando para

a crenccedila de que o processo de internacionalizaccedilatildeo do direito vem acompanhado de

descentralizaccedilatildeo e privatizaccedilatildeo de fontes do Direito63

Diante deste quadro Delmas64

apresenta trecircs espeacutecies de processo de interaccedilatildeo para

se chegar a um direito comum coordenaccedilatildeo por entrecruzamento harmonizaccedilatildeo e unificaccedilatildeo

Destaca-se antes de discorrer brevemente sobre esses processos que o direito comum natildeo

tem a pretensatildeo de unificar o Direito no texto pois isso seria uma tarefa praticamente utoacutepica

A ideia de Delmas objetiva na realidade a exploraccedilatildeo da pluralidade como potencial poder

de integraccedilatildeo vez que as redes dinacircmicas e as estruturas vetorizadas pelos direitos humanos

presentes nas novas geometrias da ordem mundial se pautam no reconhecimento do outro em

uma espeacutecie de alteridade65

A coordenaccedilatildeo por entrecruzamento caracteriza-se por ser um processo horizontal em

que a autoridade das decisotildees seraacute reforccedilada pelo jogo de referecircncias cruzadas de uma

jurisdiccedilatildeo agrave outra Essa eacute uma fase transitoacuteria na construccedilatildeo de uma verdadeira ordem juriacutedica

mundial em que a internormatividade e a interpretaccedilatildeo cruzada permitem a formaccedilatildeo de no

miacutenimo uma comunidade de juiacutezes Em funccedilatildeo disso em acircmbito global percebem-se traccedilos

da coordenaccedilatildeo por entrecruzamento nos diaacutelogos entre cortes e tribunais nas mais diferentes

ordens No espaccedilo europeu a coordenaccedilatildeo eacute percebida da mesma forma atraveacutes dos diaacutelogos

entre as cortes nacionais e os tribunais da ldquopequena Europardquo e da ldquogrande Europardquo

respectivamente Tribunal de Luxemburgo e de Estrasburgo

Interessante notar conforme jaacute foi demonstrado que foram os diaacutelogos entre as cortes

nacionais dos diversos Estados membros da entatildeo Comunidade Europeia e posterior Uniatildeo

63

Ibid 2013 p20 64

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit (II) Le pluralism ordonneacute Paris Seuil 2006 65

LOPES Carla Patriacutecia Frade Nogueira Internacionalizaccedilatildeo do Direito e pluralismo juriacutedico limites de

cooperaccedilatildeo no diaacutelogo de juiacutezes In Revista de Direito Internacional da Uniceub Vol 9 n4 2012

31

Europeia que auxiliaram no processo de consolidaccedilatildeo do entendimento de primazia das

normas comunitaacuterias ao lado da proteccedilatildeo integral aos direitos fundamentais previstos nas

constituiccedilotildees estatais Isso culminou conforme se asseverou anteriormente na disposiccedilatildeo do

Tratado de Lisboa de que a Uniatildeo Europeia natildeo soacute se submete agraves tradiccedilotildees e regras

constitucionais em mateacuteria de direitos fundamentais como adere agrave Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem

Se o primeiro processo de interaccedilatildeo eacute a coordenaccedilatildeo far-se-aacute de imediato a anaacutelise do

uacuteltimo processo a unificaccedilatildeo visto que o eacute no processo intermediaacuterio ndash a harmonizaccedilatildeo ndash que

se desenvolve o foco do presente estudo A unificaccedilatildeo seria do ponto de vista formal o

processo perfeito por unir ordens juriacutedicas regionais sob um mesmo modelo hieraacuterquico e

coerente das ordens nacionais tradicionais Entretanto sob o enfoque empiacuterico essa perfeiccedilatildeo

estaacute longe de ser garantida vez que a unificaccedilatildeo consiste na transferecircncia pura e simples do

regramento juriacutedico de um paiacutes para outro em uma espeacutecie de verticalizaccedilatildeo ordenada que

pode gerar a dominaccedilatildeo hegemocircnica de uma ordem sobre outra sem portanto respeito agrave

pluralidade

O processo intermediaacuterio de harmonizaccedilatildeo por sua vez tende a aproximar os sistemas

com um propoacutesito coordenativo poreacutem sem a intenccedilatildeo unificadora Tal processo limita-se a

uma integraccedilatildeo imperfeita cuja chave eacute a preservaccedilatildeo das margens nacionais de apreciaccedilatildeo

De modo diferente da coordenaccedilatildeo que eacute marcada pela horizontalidade da comunicaccedilatildeo entre

conjuntos juriacutedicos a harmonizaccedilatildeo instaura uma relaccedilatildeo do tipo vertical que implica o

reconhecimento de algumas hierarquias entre por exemplo direito internacional e nacional

direito supranacional e nacional dentre outras formas Todavia a inversatildeo destas hierarquias

e o reconhecimento muacutetuo fazem parte do movimento de harmonizaccedilatildeo

As margens nacionais de apreciaccedilatildeo satildeo as grandes novidades desse processo de

harmonizaccedilatildeo vez que elas funcionam em uma dinacircmica centriacutefuga e envolvem tanto a

obrigaccedilatildeo de conformidade em relaccedilatildeo agraves normas internacionais das quais determinado paiacutes eacute

signataacuterio quanto agrave apreciaccedilatildeo soberana dos Estados sendo delineada por princiacutepios

comuns66

A resistecircncia dos direitos internos e os avanccedilos do processo de harmonizaccedilatildeo satildeo

portanto as condiccedilotildees de possibilidade para a aplicaccedilatildeo da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

(MNA)

66

SALDANHA Jacircnia Maria Lopes MELLO Rafaela da Cruz Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e

Diaacutelogos Transjurisdicionais uma anaacutelise da postura do Supremo Tribunal Federal Brasileiro In Conselho

Nacional de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito - CONPEDI (Org) Direito Internacional dos Direitos

Humanos I XXIII EdFlorianoacutepolis CONPEDI 2014 v I p 368-394

32

Deste modo imperioso reconhecer que em um continente plural como eacute o europeu

com diversos paiacuteses com aspectos linguiacutesticos culturais religiosos e poliacuteticos a figura da

MNA apresenta-se como uma importante chave para o desenvolvimento e consolidaccedilatildeo de

um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos sendo uma ferramenta relevante

para o estabelecimento de um pluralismo ordenado uma vez que as pluralidades e

peculiaridades culturais e religiosas de cada Estado satildeo respeitadas

Neste sentido portanto a Europa pode ser vista novamente como um laboratoacuterio de

experiecircncias e o surgimento da MNA possui hoje um importante papel sobretudo dentro do

continente europeu Utilizada tanto pelos Tribunais de Luxemburgo e Estrasburgo a MNA

surgiu pela primeira vez na jurisprudecircncia do TEDH

Embora existam relatos do uso da MNA pelo Tribunal de Luxemburgo para permitir

que os conceitos comunitaacuterios sejam interpretados de modo flexiacutevel segundo as

especificidades nacionais e servindo como uma importante vaacutelvula de escape para as tensotildees

nacionais mais fortes neste trabalho far-se-aacute a limitaccedilatildeo da utilizaccedilatildeo da MNA pelo Tribunal

Europeu de Direitos do Homem com o intuito de analisar quais satildeo os entraves e as

possibilidades do uso de tal ferramenta pra a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de um direito comum

para a ldquogrande Europardquo tendo como base os direitos humanos

33

2 ANAacuteLISE DA UTILIZACcedilAtildeO DA MARGEM NACIONAL DE

APRECIACcedilAtildeO PARA A CRIACcedilAtildeO DE UM DIREITO COMUM

EUROPEU

A noccedilatildeo de margem encontra-se no coraccedilatildeo dos sistemas de Direito uma vez que o

direito interno jaacute prevecirc a possibilidade de uma margem de interpretaccedilatildeo aos juiacutezes em relaccedilatildeo

agraves demandas que lhes satildeo apresentadas Todavia a internacionalizaccedilatildeo impulsiona ao

acreacutescimo do termo ldquonacionalrdquo a essa margem no sentido de permitir o reconhecimento da

diversidade dos sistemas juriacutedicos e a possibilidade de um direito comum

Nesse sentido no presente capiacutetulo far-se-aacute uma abordagem acerca da histoacuteria dessa

ferramenta criada pelo TEDH bem como o conceito e as criacuteticas trazidas por estudiosos da

doutrina da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) (21) Por conseguinte atraveacutes de uma

anaacutelise jurisprudencial se tentaraacute comprovar que a margem a despeito de opiniotildees contraacuterias

acerca da ausecircncia de paracircmetros para sua aplicaccedilatildeo pelo TEDH constitui-se como um

instrumento relevante para a construccedilatildeo de um direito comum europeu tendo como base

luminosa os direitos humanos (22)

21 Uma siacutentese entre o relativo e o universal Uma anaacutelise da proposta de Margem

Nacional de Apreciaccedilatildeo para a criaccedilatildeo de um direito comum europeu

Consoante fora anteriormente aludido a noccedilatildeo de margem encontra-se dentro dos

sistemas de direito Por isso em um primeiro momento aponta-se a margem dentro do direito

interno como ferramenta capaz de auxiliar o juiz enquanto receptor da norma a interpretar

determinado caso concreto em uma espeacutecie de coacutedigo cultural que determina o senso da

norma67

Nesse sentido a origem dessa margem de interpretaccedilatildeo adveacutem do direito

administrativo de diversos Estados europeus Na Franccedila a margem eacute conhecida como ldquomarge

67

DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation

du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit

compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780

34

drsquoappreacutecciationrdquo na Alemanha eacute vista como ldquoErmessensspielraumrdquo e na Itaacutelia ldquomarge de

discrizionalitaacuterdquo68

Em acircmbito interno portanto caracteriza-se por ser uma deferecircncia que

combina aspectos processuais e hermenecircuticos no sentido de conferir uma reserva de

apreciaccedilatildeo ao administrador para decidir acerca da conveniecircncia e oportunidade em relaccedilatildeo

aos atos administrativos

O processo de internacionalizaccedilatildeo estaacutegio supremo da globalizaccedilatildeo69

no acircmbito do

Direito se desenvolve a ponto de transformar o campo de uma disciplina de modo que

consoante jaacute fora exaustivamente exposto a seara juriacutedica natildeo se limita mais agrave relaccedilatildeo entre

Estados nem somente se combina com os direitos internos Logo o pluralismo pode ser visto

como uma palavra de ordem na paisagem juriacutedica atual e por isso a noccedilatildeo de margem ganha

o adjetivo ldquonacionalrdquo e passa a ser um elemento de tentativa de aproximaccedilatildeo com a finalidade

de atingir um direito comum com bases humanistas

Logo a Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo (MNA) teria a finalidade de proceder a uma

espeacutecie de siacutentese entre os anseios de unidade juriacutedica e o desejo de separaccedilatildeo proveniente de

uma autonomia estatal A margem portanto sob o vieacutes da internacionalizaccedilatildeo corresponderia

ao caminho do meio entre o pressuposto de universalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o

relativismo ou os particularismos culturais de cada Estado

No contexto europeu em que tanto sob o vieacutes comunitaacuterio quanto sob a perspectiva do

sistema regional os Estados apresentam pluralidades significativas em relaccedilatildeo agrave religiatildeo agrave

cultura agrave poliacutetica dentre outros campos a figura da MNA serve como um importante

instrumento para aproximar o universal e o relativo70

Dessa maneira teria a funccedilatildeo de no

processo de construccedilatildeo de um direito comum apresentar como horizonte a universalidade dos

direitos humanos mas sem perder de foco os relativismos culturais que formam a identidade

das mais diferentes sociedades

Niacutetido portanto que o caminho para a construccedilatildeo de um ldquocomumrdquo em mateacuteria de

direitos humanos relaciona-se natildeo soacute com a proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua esfera eacutetica

e miacutenima como tambeacutem com a preservaccedilatildeo da pluralidade Como instrumento do processo de

harmonizaccedilatildeo a margem carrega em seu acircmago a noccedilatildeo de convergecircncia em torno de

princiacutepios comuns mas garantindo o respeito a uma espeacutecie de direito agrave divergecircncia uma vez

68

ITZCOVITCH Giulio One None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations The Lautsi Case

In Human Rights Law Review Oxford Journals 2013 Disponiacutevel em

httphrlroxfordjournalsorgcontent132toc Acesso 04 nov 2014 69

SANTOS Milton Teacutecnica Espaccedilo Tempo Globalizaccedilatildeo e meio teacutecnico-cientiacutefico-informacional 5ordf ed

Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2013 p 45 70

DELMAS-MARTY Mireille Les forces imaginantes du droit Le relatif et lrsquouniversel Paris Seuil 2004b

35

que se garante a cada Estado a particularidade de lidar com questotildees atinentes agraves suas

diferenccedilas

Deste modo o Tribunal de Estrasburgo consoante fora dito anteriormente se utiliza

pela primeira vez do recurso agrave MNA no caso Lawless vs Irlanda71

Na discussatildeo cerne deste

conflito estava a possibilidade de prisatildeo provisoacuteria no caso dos atentados terroristas

relacionados ao grupo extremista IRA (Irish Republic Army) Mais especificamente o

cidadatildeo irlandecircs Gerard Richard Lawless ex-membro do IRA foi preso em julho de 1957 no

momento em que estava prestes a viajar da Irlanda agrave Gratilde-Bretanha Neste ato foi detido sob

especiais poderes de detenccedilatildeo indeterminada sem julgamento sob alegaccedilotildees de ofensas contra

o Estado irlandecircs

Lawless fazendo o uso da prerrogativa de peticcedilatildeo individual demandou perante a

Corte Europeia de Direitos do Homem alegando violaccedilatildeo pelo Estado Irlandecircs dos artigos 56

e 7 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem mas especificamente direitos de

liberdade seguranccedila julgamento justo e o princiacutepio de proibiccedilatildeo de puniccedilatildeo sem lei anterior

que defina um delito

No julgamento do caso em 1961 o Tribunal de Estrasburgo pela primeira vez fez

alusatildeo mesmo que de modo natildeo explicito agrave possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo

ao deixar ao Estado Irlandecircs margem para decidir fundamentando-se nas prerrogativas do

artigo 1572

da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Tal norma da Convenccedilatildeo alude agrave

possibilidade de derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade com a prerrogativa de que em

caso de guerra ou outro perigo puacuteblico que ameace a vida da naccedilatildeo a parte aderente agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem pode tomar providecircncias que derroguem as

obrigaccedilotildees previstas no tratado na estrita medida em que exigir a situaccedilatildeo

71

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57518itemid[001-57518] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lawless vs Irlanda Sentenccedila de 01 de julho de 1961 Acesso

05 nov 2014 72

Artigo 15 Derrogaccedilatildeo em caso de estado de necessidade 1 Em caso de guerra ou de outro perigo puacuteblico que

ameace a vida da naccedilatildeo qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providecircncias que derroguem as obrigaccedilotildees

previstas na presente Convenccedilatildeo na estrita medida em que o exigir a situaccedilatildeo e em que tais providecircncias natildeo

estejam em contradiccedilatildeo com as outras obrigaccedilotildees decorrentes do direito internacional 2 A disposiccedilatildeo

precedente natildeo autoriza nenhuma derrogaccedilatildeo ao artigo 2deg salvo quanto ao caso de morte resultante de atos

liacutecitos de guerra nem aos artigos 3deg 4deg (paraacutegrafo 1) e 7deg 3 Qualquer Alta Parte Contratante que exercer este

direito de derrogaccedilatildeo manteraacute completamente informado o Secretaacuterio Geral do Conselho da Europa das

providecircncias tomadas e dos motivos que as provocaram Deveraacute igualmente informar o Secretaacuterio - Geral do

Conselho da Europa da data em que essas disposiccedilotildees tiverem deixado de estar em vigor e da data em que as da

Convenccedilatildeo voltarem a ter plena aplicaccedilatildeo CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS

DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014

36

Logo aplicando o referido artigo 15 da Convenccedilatildeo a decisatildeo do Tribunal de

Estrasburgo foi de no caso proposto asseverar que os fatos apurados natildeo revelam uma

violaccedilatildeo por parte do Governo irlandecircs de suas obrigaccedilotildees ao abrigo da Convenccedilatildeo Europeia

para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais Em razatildeo disso de a

motivaccedilatildeo do Tribunal para proferir a decisatildeo ter partido de uma prerrogativa da proacutepria

Convenccedilatildeo Europeia alguns autores73

natildeo fazem alusatildeo a este caso como o primeiro em que

houve concessatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo para Estado

Embora haja uma referecircncia tiacutemida agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso exposto

anteriormente eacute no caso linguiacutestico belga74

que se percebe uma manifestaccedilatildeo mais concreta

da Corte de Estrasburgo em relaccedilatildeo agrave deferecircncia de julgamento aos Estados precisando

alguns dos fundamentos da doutrina da MNA No caso belga julgado em 1968 pais que

falavam francecircs questionaram o sistema educacional da Beacutelgica que dividia o paiacutes em quatro

regiotildees linguiacutesticas distintas

O Tribunal de Luxemburgo aceitou uma margem de apreciaccedilatildeo conferida agraves partes em

funccedilatildeo de que os Estados possuiacuteam discricionariedade em relaccedilatildeo agrave regulamentaccedilatildeo do direito

agrave educaccedilatildeo A Corte argumentou que essa necessidade de concessatildeo de uma deferecircncia ou de

um limite de discricionariedade ao Estado era proveniente da natureza do proacuteprio direito

discutido (regulamentaccedilatildeo do sistema educacional) de modo que a regulamentaccedilatildeo do direito

agrave educaccedilatildeo poderia variar de acordo com o local e com o tempo consoante as necessidades e

os recursos da comunidade e dos indiviacuteduos

Ainda eacute possiacutevel destacar nesse caso a vinculaccedilatildeo da noccedilatildeo de margem de apreciaccedilatildeo

ao princiacutepio de subsidiariedade dos tribunais internacionais em relaccedilatildeo agraves cortes nacionais

Por isso o Tribunal manifestou-se asseverando que natildeo desejava substituir as autoridades

nacionais pois se assim o fizesse perderia a caracteriacutestica de mecanismo internacional de

garantia da ordem instaurada pela Convenccedilatildeo

73

KRATOCHVIL Jan The inflation of the margin of appreciation by european court of human rights In

Netherlands Quarterly of Human Rights Vol 293 2011 p 324-357 Disponiacutevel em ww corteidhorcr

tablas r26992pdf Acesso 01 nov 2014

VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um

equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em

httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 74

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httpwww9euskadineteuskara_araubideaLegedialegeakgaztelaneuropas23b001pdf CORTE EUROPEIA

DE DIREITOS HUMANOS Caso linguiacutestico belga Sentenccedila de 23 de julho de 1968 Acesso 05 nov 2014

37

Essa subsidiariedade conduz agrave MNA duas noccedilotildees75

uma noccedilatildeo teacutecnica e outra

poliacutetica Na noccedilatildeo teacutecnica a razatildeo para sua existecircncia relaciona-se com a imprecisatildeo de

algumas normas que conferem certa liberdade ao juiz internacional No campo poliacutetico a

relaccedilatildeo se evidencia pela sensibilidade dos Estados em relaccedilatildeo a temas polecircmicos

Sob essa oacutetica e embora esse natildeo seja o foco do presente trabalho pode-se afirmar que

a MNA eacute uma figuram importante tanto para o horizonte de criaccedilatildeo de um direito comum

europeu como para a consolidaccedilatildeo do direito comunitaacuterio europeu Isso porque este uacuteltimo

embora tenha sido baseado em um ideal federalista funda-se na realidade em um modelo de

governanccedila supranacional em que a MNA foi importada pelo Tribunal de Luxemburgo a fim

de ser uma vaacutelvula de escape para tensotildees fortes em acircmbito comunitaacuterio76

O TJUE deste modo permite que os conflitos comunitaacuterios sejam interpretados de

maneira flexiacutevel conforme especificidades nacionais Cada Estado pode atribuir seu proacuteprio

significado a expressotildees ou textos legais de interpretaccedilatildeo ampla devendo-se contudo

vincular aos princiacutepios e conceitos juriacutedico-legais do direito comunitaacuterio

No campo de construccedilatildeo de um direito comum europeu que tem como terreno o

sistema europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos tal premissa natildeo eacute diferente Embora em

alguns casos o TEDH opte pela concessatildeo da margem de deferecircncia essa soacute pode ser aplicada

pelo Estado se este observar os princiacutepios que regem o instrumento legal base da Corte qual

seja a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) Deste modo o Estado natildeo fica

desobrigado do cumprimento da Convenccedilatildeo pois em tese apenas existiraacute margem para

pontos sensiacuteveis desta os quais permitem interpretaccedilotildees diferenciadas de acordo com os

particularismos nacionais e os desacordos culturais

Nesse sentido conforme se observou pelos casos citados com ecircnfase para o caso

Lawless vs Irlanda uma primeira aplicaccedilatildeo da doutrina da margem vinculou-se ao processo

de sedimentaccedilatildeo do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos vez que tal

caso foi um dos primeiros a ser julgado pelo Tribunal de Estrasburgo aleacutem de conforme fora

dito ter sido o primeiro no acircmbito da criaccedilatildeo e uso da MNA Em razatildeo desse contexto a

utilizaccedilatildeo do instrumento em questatildeo deu-se em funccedilatildeo de uma demanda que envolvia

questatildeo de seguranccedila interna de um paiacutes e por isso a aplicaccedilatildeo da deferecircncia de julgamento agrave

Irlanda daacute-se tambeacutem como uma teacutecnica poliacutetica para evitar tensotildees entre esfera internacional

75

DELMAS-MARTY Mireille IZORCHE Marie-Laure Marge nationale drsquoappreacuteciation et internationalisation

du droit Reacuteflexions sur la validiteacute formelle drsquoum droit commun pluraliste In Revue internationale de droit

compare Vol 52 Ndeg4 2000 p 753-780 76

VARELA Marcelo D Internacionalizaccedilatildeo do Direito Direito internacional globalizaccedilatildeo e complexidade

2012 606f Tese apresentada para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de livre docecircncia em Direito Internacional Universidade

de Satildeo Paulo (USP) 2012 Acesso 14 out 2014

38

e nacional (esta ainda arraigada ao conceito claacutessico de soberania) no acircmbito de um sistema

que tinha sido criado recentemente

Sob tal vieacutes pode-se recorrer agrave explicaccedilatildeo de Marcelo Varella77

de que a margem

deve ser aplicada para temas polecircmicos em que abusos exegeacuteticos por parte do tribunal de

cariz internacional podem levar agrave perda de legitimidade deste Contudo com o

desenvolvimento da teoria da MNA tanto por doutrinadores como pela proacutepria jurisprudecircncia

do tribunal que a criou percebe-se que o seu uso em grande medida relaciona-se com o

embate entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo nacional em mateacuteria de

desacordos culturais

Natildeo obstante a existecircncia de criacuteticas sobre a aplicaccedilatildeo praacutetica atual da MNA pelo

TEDH o que seraacute objeto de anaacutelise na sequencia do presente trabalho eacute com a figura da

deferecircncia da margem nacional que se torna possiacutevel um pluralismo de justaposiccedilatildeo78

que

tolera a coexistecircncia de sistemas particularmente diferentes Somente a possibilidade de

acoplamento do adjetivo nacional ao substantivo margem ou seja uma transferecircncia de

conceito desse substantivo para outra esfera que natildeo agrave interna de cada paiacutes jaacute demonstra que

uma ruptura com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito jaacute iniciou e ainda estaacute em curso

A ruptura com a concepccedilatildeo tradicional unificada e estritamente hierarquizada de

ordem juriacutedica leva a uma ruptura epistemoloacutegica com a loacutegica binaacuteria claacutessica do direito

Isso permite natildeo soacute a existecircncia e aplicaccedilatildeo de uma margem nacional de apreciaccedilatildeo como

demonstra a possibilidade de concretizaccedilatildeo do ideal de um direito comum que por ser

pluralista natildeo pode ser projetado conforme o modelo tradicional e nem encontra campo para

isso em funccedilatildeo do novo mosaico juriacutedico existente sobretudo na Europa

Logo eacute possiacutevel afirmar que a margem a que se refere esse trabalho natildeo deixa de ser

um reconhecimento jurisprudencial dessa mudanccedila de ares trazida pelas novas configuraccedilotildees

e estruturas juriacutedicas Isso porque novas instituiccedilotildees emergem em meio de um caos juriacutedico

que natildeo passa despercebido pelas cortes internacionais Prova disso eacute que a MNA natildeo eacute

mencionada somente pelo TEDH Ainda que de modo muito tiacutemido e em pequena medida eacute

possiacutevel o destaque de citaccedilatildeo (e aplicaccedilatildeo) da referida doutrina pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos79

Embora o continente latino americano seja tatildeo ou mais plural e diversificado que o

europeu e que o uso da margem como instrumento de siacutentese entre relativo e universal seja

77

Ibid 2012 p 143 78

DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 757 79

POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema

interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012

39

teoricamente indicado para sedimentar as bases de construccedilatildeo de um direito comum pluralista

a aplicaccedilatildeo do instituto em solo americano ainda natildeo ocorre de modo significativo Sob esse

vieacutes o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Seacutergio Garcia Ramirez80

asseverou

que a margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute uma ferramenta e um princiacutepio europeu de relativismo

relativo agrave execuccedilatildeo que natildeo eacute visto com simpatia pela Corte maacutexima do sistema regional

americano de direitos humanos Isso em funccedilatildeo natildeo soacute do histoacuterico de demandas que

chegaram ao julgamento da Corte Interamericana ndash em grande parte envolvendo violaccedilotildees de

direitos humanos perpetradas pelo Estado durante os periacuteodos de ascensatildeo de autoritarismos e

ditaduras na Ameacuterica Latina ndash como tambeacutem em razatildeo das democracias latino-americanas

ainda estarem em fase de consolidaccedilatildeo

Deste modo em razatildeo da ausecircncia ateacute entatildeo de casos envolvendo desacordos

culturais e das recentes reinserccedilotildees ou inserccedilotildees democraacuteticas de paiacuteses do continente

americano temia-se que eventual aplicaccedilatildeo de MNA poderia ser compreendida pelos Estados

como um salvo-conduto para que houvesse violaccedilatildeo de direitos humanos pelos paiacuteses A

cautela e a percepccedilatildeo de paisagens diferentes entre os territoacuterios separados pelo Atlacircntico

fizeram e fazem com que ainda hoje a doutrina da margem tenha pouca ou quase nenhuma

aplicaccedilatildeo na Ameacuterica

Deste modo pode-se afirmar que a internacionalizaccedilatildeo do direito - e seus reflexos na

Europa - eacute a responsaacutevel pela criaccedilatildeo de um espaccedilo para o desenvolvimento da doutrina da

margem nacional de apreciaccedilatildeo Nesse sentido embora a criaccedilatildeo tenha sido jurisprudencial

por parte do TEDH com aplicaccedilatildeo em alguns casos pelo proacuteprio Tribunal de Luxemburgo eacute

importante avaliar de que modo a doutrina conceitua o referido instituto

A posiccedilatildeo adotada por este trabalho eacute a de Mireille Delmas-Marty81

que salienta em

suas obras a origem nacional da margem nacional ainda como uma margem de interpretaccedilatildeo

capaz de conferir um pluralismo de valores do tipo meta juriacutedico em uma espeacutecie de

deferecircncia para apreciaccedilatildeo do juiz receptor de determinada norma Todavia a margem

relativa agrave internacionalizaccedilatildeo liga-se ao reconhecimento da diversidade de sistemas juriacutedicos

os quais possuem algumas caracteriacutesticas peculiares ligadas agraves identidades do Estado em que

se encontram

80

Tal posicionamento de Seacutergio Garciacutea Ramirez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema Internacional de

Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de 19 e 20 de agosto

de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado ndash da Pontifiacutecia

Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS 81

DELMAS-MARTY et IZORCHE Op cit p 762

40

Em razatildeo disso para a autora a noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo aleacutem de ser

uma siacutentese entre o universal e o relativo eacute uma chave do pluralismo ordenado Desse modo

sua construccedilatildeo assemelha-se de um lado agrave expressatildeo de uma dinacircmica centriacutefuga ou seja

uma resistecircncia dos Estados agrave integraccedilatildeo e o apego agrave noccedilatildeo claacutessica de soberania e de outro

lado sendo ela limitada por princiacutepios comuns estabelece o miacutenimo de compatibilidade

voltando-se ao centro em uma dinacircmica centriacutepeta

Haacute portanto um movimento duplo que por vezes traduz as resistecircncias dos direitos

nacionais por vezes os avanccedilos rumo agrave harmonizaccedilatildeo do direito comum em mateacuteria de

direitos humanos Eacute justamente essa capacidade de oscilaccedilatildeo que permite os ajustamentos

com vistas a compatibilizar o interno com o comum com o intuito nem de criar uma

hegemonia do universal e nem de tornar inaplicaacutevel o direito comum em razatildeo das

particularidades Desta forma Delmas percebe a margem como uma teacutecnica juriacutedica presente

no acircmbito do fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo do direito e que permite o reconhecimento da

diversidade entre os sistemas juriacutedicos82

Benvenisti83

por sua vez visualiza no uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo uma

espeacutecie de latitude que cada sociedade tem na resoluccedilatildeo de conflitos inerentes entre os

direitos individuais e os interesses nacionais ou entre diferentes convicccedilotildees morais Por

conseguinte alude que a doutrina da margem consoante inclusive fora abordado

anteriormente neste trabalho respondeu inicialmente a preocupaccedilotildees de governos nacionais

de que as poliacuteticas internacionais pudessem comprometer a seguranccedila nacional Isso entatildeo

explicaria a invocaccedilatildeo da margem no caso Lawless vs Irlanda por exemplo

Com a evoluccedilatildeo da jurisprudecircncia o uso desse instrumento passou a ser aplicado por

outras razotildees como gestatildeo de recursos discricionariedade em relaccedilatildeo a questotildees

concernentes agrave deliberaccedilatildeo acerca de sistemas poliacuteticos educacionais entre outros ateacute passar

a ser utilizada em temas relativos aos desacordos culturais Ainda segundo Bevenisti84

a

utilizaccedilatildeo da margem se justifica em alguns casos e em algumas mateacuterias ndash para o autor por

exemplo a aplicaccedilatildeo da margem nacional natildeo se justifica quando em questatildeo se encontram o

direito de minorias - sendo que o uso ampliado ou desmedido pode gerar uma espeacutecie de

deslegitimaccedilatildeo do sistema regional de proteccedilatildeo dos direitos humanos

82

Ibid 2000 p 760 83

BENVENISTI Eyal Margin of apreciation consensus and universal standards In International Law and

Politics Vol 31843 1999 pp 843-854 Disponiacutevel em httpwwwpict-

pctiorgpublicationsPICT_articlesJILPBenvenistipdfp 853 Acesso 05 nov 2014 84

Ibid 1999 p 846

41

Para Poblete amp Alvarado85

a margem nacional de apreciaccedilatildeo liga-se agrave noccedilatildeo de fins e

limites da jurisdiccedilatildeo internacional ou supranacional em mateacuteria de direitos humanos Eles

reconhecem que a doutrina da margem concede aos Estados signataacuterios de convenccedilotildees

internacionais liberdade para apreciar as circunstacircncias materiais que exigem aplicaccedilatildeo de

medidas excepcionais em situaccedilatildeo de emergecircncia como eacute o caso das prerrogativas do artigo

15 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de derrogaccedilatildeo em caso de necessidade

Outrossim ainda segundo os mencionados autores a margem possibilita aos Estados

liberdade para limitar direitos reconhecidos em tratados internacionais quando outros direitos

exigem respeito ou assim exigem os interesses da comunidade Ainda serviria para definir os

conteuacutedo dos direitos delimitar como eles satildeo aplicados no plano interno e definir o modo

como seratildeo cumpridas resoluccedilotildees de um oacutergatildeo internacional de supervisatildeo de um tratado ou

convenccedilatildeo Dessa maneira tais autores identificam a doutrina da MNA como uma

metodologia de que se servem os tribunais internacionais para difundir os direitos humanos

previstos nos tratados internacionais bem como o direito do comeacutercio ndash a margem tambeacutem eacute

aplicada pela Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio (OMC)

Vila86

por sua vez percebe na doutrina da marem nacional de apreciaccedilatildeo uma espeacutecie

de ldquodeferecircnciardquo praticada pelo Tribunal de Estrasburgo em relaccedilatildeo aos Estados signataacuterios da

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Isso pelo fato de que o sistema de proteccedilatildeo dos

diretos humanos na Europa eacute resultado de uma divisatildeo de trabalho entre os Estados e a Corte

em que os primeiros satildeo responsaacuteveis primaacuterios desta proteccedilatildeo e a Corte possui um caraacuteter

subsidiaacuterio atuando em acircmbitos sensiacuteveis como o da moralidade e da religiatildeo em que natildeo haacute

consenso entre os Estados

Nesse mesmo sentido se situa o pensamento de Roca87

que afirma que a doutrina da

margem nacional de apreciaccedilatildeo ocupa um lugar de destaque na jurisprudecircncia do Tribunal

Europeu de Direitos Humanos e eacute necessaacuteria para refletir uma realidade evidente qual seja a

pluralidade cultural dos Estados que fazem parte do Conselho da Europa notaacutevel em um

pluralismo de base territorial sobre o qual assenta uma cultura comum europeia de alguns

miacutenimos

85

POBLETE Manuel Nuacutentildeez ALVARADO Paola Andrea Acosta El margen de apreciacioacuten en el sistema

interamericano de derechos humanos proyecciones regionales e nacionales Meacutexico UNAM 2012 p5 86

VILA Marisa Iglesias Una doctrina del margen de apreciacioacuten estatal para el CEDH En busca de um

equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional 2013 Disponiacutevel em

httpwwwlawyaleedudocumentspdfselaSELA13_Iglesias_CV_Sp_20130314pdf Acesso 01 nov 2014 87

ROCA JavierGarciacutea La muy discrecional doctrina del margen de apreciacioacuten nacional seguacuten el Tribunal

Europeo de Derechos Humanos Soberaniacutea e Integracioacuten In UNED Teoriacutea y Realidad Constitucional N

202007 p 117-143 Disponiacutevel em httpe-spaciounedes revistasuned indexphp TRC article vie 6778

Acesso 02 nov 2014

42

Da mesma forma considera o autor que os princiacutepios da proporcionalidade e da

subsidiariedade satildeo imanentes agrave noccedilatildeo de margem nacional de apreciaccedilatildeo visto que os

Estados possuem certa margem de discricionariedade na aplicaccedilatildeo e no cumprimento de

obrigaccedilotildees impostas pela Convenccedilatildeo bem como na ponderaccedilatildeo de interesses mais

complexos Se houver excesso por parte dos Estados no uso dessa margem haacute violaccedilatildeo do

princiacutepio da proporcionalidade e abre-se espaccedilo para a intervenccedilatildeo do oacutergatildeo jurisdicional

internacional sob as bases do princiacutepio da subsidiariedade

Eacute importante sob essa oacutetica lembrar que embora o diferencial da Corte Europeia de

Direitos Humanos seja o de permitir a peticcedilatildeo individual de qualquer sujeito que denuncie

uma violaccedilatildeo de seus direitos baacutesicos assim como outros tribunais internacionais tem a regra

da exigecircncia do esgotamento das vias internas de acesso agrave justiccedila para que a demanda seja

recebida pelo TEDH Se natildeo houve satisfaccedilatildeo do pleito por parte do Estado ou se a reparaccedilatildeo

obtida se revelara inidocircnea para uma proteccedilatildeo adequada ao direito violado entatildeo agrave Corte

Europeia eacute permitido revisar a decisatildeo nacional ou substituiacute-la

Mahorney88

em seus estudos assevera que a margem funciona como uma espeacutecie de

divisatildeo de jurisprudecircncias uma vez que traccedila uma linha divisoacuteria entre o que deve decidir

cada comunidade nacional e as questotildees que tecircm relevacircncia para necessitar uma soluccedilatildeo

homogecircnea ou seja as que demandam uma decisatildeo que harmonize a regulaccedilatildeo do direito e

suas garantias na comunidade internacional independentemente das diferenccedilas de tradiccedilotildees

ou culturas

Contreras89

afirma que os tratados regionais de direitos humanos embora contenham

escopos de universalidade em relaccedilatildeo a esses direitos satildeo acompanhados pela possibilidade

de peculiaridades geograacuteficas na execuccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos direitos do homem As cortes

internacionais tecircm a dificuldade de conciliar ou justificar a falta de conciliaccedilatildeo entre

diferenccedilas morais e normativas de cada regiatildeo Em razatildeo disso uma das criaccedilotildees doutrinaacuterias

mais importantes eacute a da margem nacional de apreciaccedilatildeo sendo esta para o autor um criteacuterio

interpretativo desenvolvido tanto como deferecircncia aos Estados para que possam regular o

conteuacutedo dos direitos e suas restriccedilotildees e para distribuir os poderes e niacuteveis de decisotildees

tomadas entre as autoridades domeacutesticas e internacionais

88

MAHORNEY Paul Marvellous richness diversity or individual cultural relativism In Human Rights Law

Journal Vol 19 nuacutem 1 30 de abril de 1998 p 1 89

CONTRERAS Pablo National Discretion and International Deference in the Restriction of Human Rights A

Comparison Between the Jurisprudence of the European and the Inter-American Court of Human Rights In

Northwestern Journal of International Human Rights Vol 11 2012 Disponiacutevel em

httpscholarlycommonslawnorthwesterneducgiviewcontentcgiarticle=1155ampcontext=njihr Acesso 01 nov

2014

43

Visiacutevel portanto que na doutrina natildeo haacute um contexto exato em relaccedilatildeo a essa figura

criada e aplicada na jurisprudecircncia do TEDH Enquanto para alguns estudiosos ela se

configura como uma doutrina para outros eacute um criteacuterio interpretativo ou hermenecircutico usado

pelos tribunais internacionais no sentido de revisar a decisatildeo de um Estado ou conceder

deferecircncia a este para julgar conforme o direito interno coadunado com os princiacutepios miacutenimos

existentes nos tratados internacionais de direitos humanos

Natildeo obstante a divergecircncia de conceituaccedilatildeo no campo teoacuterico analisar-se-aacute no

proacuteximo capiacutetulo alguns casos emblemaacuteticos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de apreciaccedilatildeo

pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos mais diferentes tema com o intuito de

responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel afirmar que do modo como eacute aplicada a

doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo pela Corte Europeia de Direitos do Homem

temos uma efetiva contribuiccedilatildeo para o processo de harmonizaccedilatildeo entre universal e relativo e

construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

22 Assimetrias e entraves no uso da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo pelo Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos

Embora a doutrina da margem nacional de apreciaccedilatildeo tenha nascido da tentativa de

produccedilatildeo de uma siacutentese entre o universal e o relativo no espaccedilo do sistema regional europeu

de proteccedilatildeo dos direitos humanos sua aplicaccedilatildeo praacutetica sobretudo pelo TEDH natildeo eacute imune a

criacuteticas Cumpre a esse capiacutetulo realizar notas acerca da aplicaccedilatildeo praacutetica da margem

nacional de apreciaccedilatildeo com o intuito de verificar se ela efetivamente contribui ou eacute capaz de

contribuir para a construccedilatildeo de um direito comum europeu em mateacuteria de direitos humanos

Conforme afirmam Brum et Saldanha90

a MNA ao ser compreendida e utilizada como

uma forma de autocontrole por meio do qual o oacutergatildeo jurisdicional internacional evita o

enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas poliacutetica pode

representar um risco de fragilizaccedilatildeo do direito internacional dos direitos humanos caso seu

uso se torne indiscriminado sem criteacuterios claros e limites precisos Desta maneira seu uso em

vez de conduzir ao caminho de ordenaccedilatildeo do muacuteltiplo e de mundializaccedilatildeo dos direitos

90

BRUM Maacutercio Morais SALDANHA Jacircnia Maria Lopes A margem nacional de apreciaccedilatildeo e sua

(in)aplicaccedilatildeo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em mateacuteria de anistia Uma figura hermenecircutica a

serviccedilo do pluralismo ordenado In Anuario Mexicano de Derecho Internacional 2015(No prelo para

publicaccedilatildeo)

44

humanos levaria ao rumo contraacuterio da fragmentaccedilatildeo e reforccedilo da velha noccedilatildeo de soberania

marcada pela ausecircncia de compromisso dos Estados com os marcos protetivos miacutenimos do

direito internacional

Neste vieacutes portanto dentro ainda de um panorama geral de anaacutelise da postura do

Tribunal de Estrasburgo um dos primeiros pontos de criacutetica se relaciona ao enfraquecimento

da credibilidade do sistema regional europeu de proteccedilatildeo dos direitos humanos Na visatildeo de

alguns doutrinadores a postura da Corte Europeia na aplicaccedilatildeo irrestrita e sem limitaccedilotildees ou

uma sistematizaccedilatildeo teacutecnica em relaccedilatildeo aos casos em que deve ou natildeo ser aplicada pode gerar

um sentimento de descrenccedila na legitimidade e na eficaacutecia das decisotildees tomadas pelo oacutergatildeo

jurisdicional internacional do Conselho da Europa

Para alguns estudiosos o modo como a margem eacute aplicada reflete uma postura de

evitar o enfrentamento com poderes constituiacutedos e legitimados desde outras premissas

poliacuteticas Aleacutem de uma fragilizaccedilatildeo do sistema internacional de proteccedilatildeo aos direitos humanos

o uso da margem sem limites definidos pode levar ao reforccedilo da noccedilatildeo claacutessica de soberania

em que o compromisso dos Estados com os instrumentos normativos de direito internacional

era mitigado

No campo de aplicaccedilatildeo a casos praacuteticos eacute possiacutevel conforme assevera Roca91

visualizar as imprecisotildees praacuteticas e teoacutericas do uso da margem o que leva a dois resultados o

primeiro eacute a necessidade de criaccedilatildeo de esforccedilos com urgecircncia para melhor edificar e criar

paracircmetros para a aplicaccedilatildeo da ferramenta bem como que o demandante ou qualquer

observador perante a Corte natildeo saber com suficiente seguranccedila juriacutedica quando o Tribunal

de Estrasburgo vai usar a margem nem quais seratildeo os possiacuteveis resultados desse uso

Ainda segundo o autor a margem eacute um instrumento impreciso e de geometria

variaacutevel todavia eacute consenso entre os doutrinadores que a ferramenta natildeo eacute uma carta branca

aos Estados para fazerem o que quiserem sendo necessaacuteria depuraccedilatildeo teoacuterica para tornar o

instrumento mais preciso Seu uso impotildee como jaacute foi dito autocontenccedilatildeo por parte da Corte

tendo em vista que sua funccedilatildeo segundo o princiacutepio da subsidiariedade eacute somente de impor

estandartes miacutenimos comuns em mateacuteria de direitos humanos Entretanto o niacutevel de proteccedilatildeo

dos direitos dos direitos e das diversas foacutermulas para concretizaacute-los natildeo satildeo homogecircneos

diante de naccedilotildees com tradiccedilotildees juriacutedicas tatildeo diversas

Desta maneira no campo jurisprudencial com a finalidade de responder ao

questionamento feito no capiacutetulo anterior utilizar-se-aacute de modo conjunto as classificaccedilotildees das

91

ROCA op cit 125

45

decisotildees da Corte Europeia dos Direitos do Homem feitas por Contreras e por Roca Para o

primeiro doutrinador92

eacute possiacutevel dividir os casos de aplicaccedilatildeo da margem nacional de

apreciaccedilatildeo pelo Tribunal de Estrasburgo em trecircs grandes grupos

O primeiro grupo abarca casos envolvendo direitos fundamentais e direitos poliacuteticos

dentre os quais se destacam a proibiccedilatildeo da tortura ou a liberdade de expressatildeo e associaccedilatildeo

Nesse primeiro grupo no que tange aos direitos fundamentais haacute rigorosa supervisatildeo por

parte do Tribunal Europeu negando qualquer margem nacional de apreciaccedilatildeo aos Estados

Ainda dentro deste conjunto no que concerne aos discursos poliacuteticos ou direito de partidos

poliacuteticos eacute por vezes concedida uma margem reduzida agraves autoridades domeacutesticas para

decisatildeo ou execuccedilatildeo de uma decisatildeo

O segundo grupo por sua vez relaciona-se aos direitos de propriedade em que a

Corte concede grande margem de deferecircncia aos Estados Isso porque o TEDH reconhece em

princiacutepio que as autoridades nacionais estatildeo melhor situadas do que o juiz internacional no

que tange a apreciaccedilatildeo acerca do melhor interesse de uma comunidade em relaccedilatildeo a poliacuteticas

envolvendo direitos de propriedade

Por fim o terceiro grupo eacute o mais complexo para a apreciaccedilatildeo do tipo de margem

concedida pelo Tribunal de Estrasburgo uma vez que conteacutem temas que natildeo apresentam

consenso por parte do Tribunal Deste modo neste grupo ficam evidentes as complexidades e

as vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis da MNA Casos como os de liberdade religiosa liberdade de

discurso direitos dos homossexuais dentre outros temas latentes e relevantes na paisagem

juriacutedica social e cultural europeia

Do mesmo modo Roca93

divide a margem nacional de apreciaccedilatildeo em trecircs ciacuterculos

concecircntricos tendo como base a natureza dos direitos cuja tutela eacute pleiteada junto ao oacutergatildeo

jurisdicional internacional do sistema europeu O primeiro ciacuterculo de Roca relaciona-se com o

segundo grupo de Contreras vez que trata dos direitos de propriedade que teriam uma

margem de deferecircncia ampla e um controle pouco intenso por parte da Corte Esse ciacuterculo

seria o maior e englobaria os demais

No ciacuterculo menor estariam os direitos vistos como absolutos pelo Tribunal Europeu

Dentre esses se destacam o direito agrave vida ou os direitos democraacuteticos que apresentam uma

margem de apreciaccedilatildeo pouco extensa juntamente com um controle restrito por parte da Corte

Europeia Este ciacuterculo identifica-se com o primeiro grupo anteriormente mencionado visto

92

CONTRERAS op cit p 35 93

ROCA op cit p 134

46

que trabalha com noccedilotildees de direitos fundamentais e poliacuteticos essenciais e miacutenimos para todos

os paiacuteses europeus

Por fim no espaccedilo intermediaacuterio entre esses dois ciacuterculos encontra-se uma esfera

meacutedia que relacionando-se com o terceiro grupo definido por Contreras contempla todos os

outros direitos em que alguma vez o Tribunal de Estrasburgo mencionou ou aplicou a margem

nacional de apreciaccedilatildeo Eacute justamente nesse ciacuterculo que devem ser desenvolvidos os

paracircmetros para guiar o uso da ferramenta pela Corte no intuito de reduzir a inseguranccedila

juriacutedica ocasionada pelo uso sem uma sistematizaccedilatildeo de criteacuterios

Eacute pertinente em um primeiro momento destacar que conforme ambos os

doutrinadores demonstram quando se mencionam direitos fundamentais ou vinculados agrave

princiacutepios democraacuteticos inaplicaacutevel eacute o uso da margem pela Corte ou se for feito eacute de forma

absolutamente restrita No caso dos direitos fundamentais interessante relembrar Baez94

que

ao buscar o conceito de direitos humanos concluiu que nenhuma fonte normativa existente

tanto em sistemas internacionais quanto nacionais ou regionais trazem a definiccedilatildeo de direitos

humanos Pelo contraacuterio soacute os exemplificam

Nesse sentido observou Baez95

que embora natildeo exista uma definiccedilatildeo precisa de

direitos humanos existem elementos baacutesicos que fazem parte desses e o elemento que eacute

citado em todos os instrumentos normativos sobre o tema eacute o de dignidade da pessoa humana

Os direitos humanos somente existem para realizaccedilatildeo e proteccedilatildeo da dignidade humana poreacutem

o conceito de dignidade eacute de tatildeo difiacutecil conceituaccedilatildeo quanto o conceito de direitos humanos

O autor conclui que a dignidade possui duas dimensotildees a dimensatildeo baacutesica a qual

corresponde aos limites miacutenimos e fundamentais para a existecircncia humana impedindo a

noccedilatildeo de coisificaccedilatildeo do ser Se houver portanto violaccedilatildeo agrave dimensatildeo baacutesica da dignidade da

pessoa humana haacute tambeacutem violaccedilatildeo dos direitos humanos A outra dimensatildeo eacute a cultural vez

que envolve o conjunto de valores que cada sociedade desenvolve

A primeira dimensatildeo refere-se agrave universalidade e a segunda que depende de fatores

culturais permite que os direitos humanos sejam morfologicamente assimeacutetricos Isso natildeo

deixa de se relacionar com o que Delmas-Marty fala acerca dos direitos humanos

inderrogaacuteveis ou seja que natildeo podem sofrer a incidecircncia de qualquer tipo de margem de

94

BAEZ Narciso Leandro Xavier BARRETO Vicente Fundamentos teoacutericos de uma doutrina dos direitos

humanos universais Revista do Direito Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado e Doutorado da

UNISC Nordm 31 janeirojunho 2009 p77-99 Disponiacutevel em

httponlineuniscbrseerindexphpdireitoarticleview1176875 Acesso 01 nov 2014 95

Tal posicionamento de Narciso Leandro Xavier Baez foi constatado no evento intitulado ldquoSistema

Internacional de Reconhecimento e Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos e Fundamentaisrdquo realizado entre as datas de

19 e 20 de agosto de 2014 sob a organizaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito ndash Metrado e Doutorado

ndash da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS

47

apreciaccedilatildeo Estes possuem a caracteriacutestica do miacutenimo eacutetico universal e do irredutiacutevel humano

ou seja vinculam-se agrave noccedilatildeo da dimensatildeo baacutesica da dignidade da pessoa humana

Neste vieacutes eacute possiacutevel dizer que no que diz respeito aos direitos fundamentais a Corte

de certa forma apresenta certa relaccedilatildeo com as doutrinas apresentadas uma vez que em casos

em que existam registros de violaccedilotildees aos direitos humanos inderrogaacuteveis quais sejam os

que tem como cerne a dignidade humana baacutesica a Corte natildeo permite qualquer espeacutecie de

margem nacional de apreciaccedilatildeo Vejamos por exemplo o caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila96

julgado em 2006 O demandante perante o Tribunal de Estrasburgo foi um terrorista

venezuelano conhecido na deacutecada de 1970 condenado pelo Estado Francecircs agrave prisatildeo perpeacutetua

pelo assassinato em 1974 dois inspetores da poliacutecia francesa e um antigo companheiro

terrorista libanecircs

Saacutenchez recorreu agrave Corte Europeia arguindo violaccedilotildees do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo

Europeia dos Direitos do Homem (proibiccedilatildeo da tortura e tratamentos humanos degradantes) e

do artigo 13 do mesmo diploma legal (direito a um recurso efetivo) Embora no julgamento

tenha ficado decidido que natildeo houve violaccedilatildeo ao artigo 3ordm97

o posicionamento da Corte

permite asseverar que natildeo haacute margem nacional de deferecircncia aos Estados quando o assunto

for violaccedilatildeo de direitos humanos ou fundamentais inderrogaacuteveis ou cujo nuacutecleo central for a

dignidade baacutesica da pessoa humana Nesse sentido a Corte pontuou que mesmo nas

circunstacircncias mais difiacuteceis como a luta contra o terrorismo ou o crime organizado a

Convenccedilatildeo proiacutebe em termos absolutos a tortura ou tratamentos inumanos ou degradantes

Igualmente natildeo confere o Tribunal margem nacional de apreciaccedilatildeo no caso de

violaccedilatildeo de direitos humanos nas condiccedilotildees degradantes das prisotildees de muitos paiacuteses do Leste

Europeu O caso Kalashnikov vs Ruacutessia98

julgado em 15 de julho de 2002 cujo fundamento

foi repetido em muitos outros casos envolvendo condiccedilotildees humanas degradantes nas prisotildees

apresenta a consideraccedilatildeo de que deficientes condiccedilotildees objetivas e estruturais de cumprimento

de pena podem constituir uma violaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo Europeia

96

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-

1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Ramiacuterez Sanchez vs Franccedila Sentenccedila

de 04 de julho de 2006 Acesso 05 nov 2014 97

Artigo 3ordm Proibiccedilatildeo da tortura Ningueacutem pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos desumanos

ou degradantes CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS

LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 98

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsiteseng-presspagessearchaspxi=003-1719956-1803362itemid[003-1719956-

1803362] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Kalashnikov vs Ruacutessia Sentenccedila de 15

de julho de 2002 Acesso 05 nov 2014

48

Ainda pode-se destacar o caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria99

em que novamente o motivo

que serve de base para o pedido de julgamento do Tribunal de Estrasburgo eacute a violaccedilatildeo do

artigo 3ordf da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem de que ningueacutem poderaacute ser

submetido a torturas nem a penas ou tratamentos humanos degradantes O caso em comento

referiu-se agrave prisatildeo do senhor Borislav Gutsanov membro do Partido Comunista preso pela

poliacutecia da Bulgaacuteria em sua casa na frente de seus filhos e de sua esposa durante as

investigaccedilotildees de esquemas de grupos criminosos Segundo o relato das partes demandantes

Gustsanovi foi rendido em sua casa por volta das seis horas da manhatilde forccedilado a se ajoelhar e

algemado em frente a seus filhos menores de idade

A decisatildeo da Corte foi a de considerar que houve violaccedilatildeo do artigo 3ordm da Convenccedilatildeo

uma vez que se mostrou desnecessaacuterio o ato dos policiais e natildeo condizente com os princiacutepios

da proporcionalidade e com as exigecircncias de garantia de direitos fundamentais de um Estado

Democraacutetico de Direito Isso porque o demandante natildeo teria oferecido resistecircncia em sua

prisatildeo de modo que algemaacute-lo diante de sua famiacutelia representou uma espeacutecie de tratamento

humano degradante

Casos como os acima previstos mostram um padratildeo doutrinaacuterio e jurisprudencial

semelhante vez que natildeo se encontram referecircncias expressas a qualquer margem nacional de

apreciaccedilatildeo para as autoridades nacionais O TEDH determina se as provas colhidas satildeo

suficientes ou natildeo para provar o real risco de tortura ou de tratamento humano e

degradante100

Logo pelo fato de que a natureza dos direitos envolvidos nesse caso eacute considerada

como fundamental de imediato eliminam-se as possibilidades de deferecircncia aos Estados Tal

compreensatildeo eacute o que faz o uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo ser extremamente reduzido

no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos Isso porque ateacute hoje diferentemente do Tribunal de Estrasburgo a Corte

Interamericana teve como maioria de demandas apresentadas as envolvendo delitos

praticados pelos Estados Americanos durante as ditaduras militares ou civil militares em que

casos de tortura e desaparecimento forccedilados eram julgados ou seja casos envolvendo a

violaccedilatildeo de direitos fundamentais ou humanos em sua perspectiva eacutetica de dignidade humana

e natildeo cultural

99

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-126982itemid[001-126982] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Gutsanovi vs Bulgaacuteria Sentenccedila de 15 de outubro de 2013

Acesso 05 nov 2014 100

CONTRERAS op cit p 41

49

Nesse aspecto visiacutevel que quando se tratam de possiacuteveis violaccedilotildees de direitos

humanos inderrogaacuteveis previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Proteccedilatildeo dos Direitos Humanos

a anaacutelise feita pelo Tribunal de Estrasburgo eacute de revisatildeo minuciosa da sentenccedila proferida no

paiacutes de origem da demanda bem como a possibilidade de margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute

extremamente reduzida para natildeo falar inexistente No caso de direitos democraacuteticos a

deferecircncia quando concedida pela Corte possui um limite miacutenimo e consoante o princiacutepio da

proporcionalidade soacute eacute concedida se a restriccedilatildeo eacute necessaacuteria e condizente com uma sociedade

democraacutetica

Nos direitos democraacuteticos referidos abarca-se a participaccedilatildeo poliacutetica atraveacutes das

possibilidades de liberdade de associaccedilatildeo ou de discurso poliacutetico Neste campo dos direitos de

participaccedilatildeo poliacutetica em sociedades democraacuteticas a margem concedida pelo Tribunal de

Estrasburgo consoante se afirmou eacute reduzida e sujeita a um controle rigoroso por parte do

oacutergatildeo jurisdicional internacional

Destaca-se o caso Lingens vs Austria101

que por mais que tenha sido julgado na

deacutecada de 1980 pela Corte Europeia eacute emblemaacutetico em relaccedilatildeo ao posicionamento do

tribunal internacional acerca da liberdade de expressatildeo Nesse caso durante o periacuteodo anterior

agraves eleiccedilotildees na Aacuteustria o jornalista Lingens publicou dois artigos polecircmicos sobre os

candidatos incluindo em um desses artigos a informaccedilatildeo de que o entatildeo presidente do

Partido Liberal Nacional da Aacuteustria teria ligaccedilotildees no passado com o nazismo e com a SS

Contra o jornalista foi instaurado um processo penal e ao fim da instruccedilatildeo criminal

este fora condenado pelo delito de difamaccedilatildeo conforme as regras do direito penal austriacuteaco

Esgotadas as vias internas de recurso o jornalista demandou perante a Corte Europeia

alegando que houve por parte do Estado violaccedilatildeo do artigo 10 da Convenccedilatildeo Europeia

havendo censura em seu direito de expressar-se livremente O Estado por sua vez nas razotildees

apresentadas perante o tribunal internacional justificou a condenaccedilatildeo na convicccedilatildeo de

proteccedilatildeo da honra dos direitos de outrem

Frente a este embate o Tribunal de Estrasburgo reconheceu uma margem miacutenima de

deferecircncia agraves autoridades domeacutesticas no que concerne aos oacutergatildeos locais na avaliaccedilatildeo de uma

necessidade social imperiosa que justificaria a interferecircncia na liberdade de expressatildeo de

Lingens Entretanto ressaltou que essa deferecircncia seria seguida por uma riacutegida supervisatildeo

101

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lingens vs Austria Sentenccedila de 8 de julho de 1986 Acesso

05 nov 2014

50

internacional uma vez estar se tratando de direitos fundamentais para o bom funcionamento

de uma sociedade democraacutetica

Ainda nesse sentido o TEDH arguiu que a liberdade de debate poliacutetico eacute cerne da

democracia e considerar que qualquer ofensa ou notiacutecia acerca de uma pessoa puacuteblica seria

sempre difamaccedilatildeo poderia impedir a imprensa na realizaccedilatildeo de sua tarefa de fornecedora de

informaccedilotildees Deste modo aplicando de forma conjunta os princiacutepios da proporcionalidade e

da subsidiariedade o Tribunal de Estrasburgo decidiu que a condenaccedilatildeo fora desproporcional

ao objetivo legiacutetimo perseguido e constituiu uma violaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo no

acircmbito da Convenccedilatildeo Europeia

Tambeacutem merece anaacutelise o caso July and Sarl Libeacuteration vs France102

cuja sentenccedila

foi proferida em 2008 Neste caso o jornal francecircs Libeacuteration divulgou uma reportagem a

respeito das investigaccedilotildees da morte do juiz Bernard Borrel que em um primeiro momento

havia sido dada como suiciacutedio mas apoacutes a reabertura das investigaccedilotildees houve surgimento de

indiacutecios de morte por encomenda Apoacutes a divulgaccedilatildeo da reportagem contendo informaccedilotildees

acerca da participaccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos na morte do magistrado o diretor do jornal

Senhor July foi processado criminalmente pelo crime de difamaccedilatildeo e condenado pelo governo

francecircs

O TEDH em sua manifestaccedilatildeo asseverou que o caso em questatildeo trazia niacutetida

interferecircncia de autoridades puacuteblicas na liberdade de expressatildeo e essa interferecircncia caso natildeo

siga os requisitos do artigo 10103

da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos representa

clara violaccedilatildeo do direito de liberdade de expressatildeo Nessa situaccedilatildeo ainda a Corte faz uso de

uma triacuteade de requisitos descritos por Contreras104

para a concessatildeo da margem a) prescriccedilatildeo

legal - verificar se a restriccedilatildeo realizada pela autoridade domeacutestica foi autorizada ou pelo

102

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-85084itemid[001-85084] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso July and Sarl Libeacuteration vs France Sentenccedila de 14 de

fevereiro de 2008 Acesso 05 nov 2014 103

Artigo 10 Liberdade de expressatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de expressatildeo Este direito

compreende a liberdade de opiniatildeo e a liberdade de receber ou de transmitir informaccedilotildees ou ideias sem que

possa haver ingerecircncia de quaisquer autoridades puacuteblicas e sem consideraccedilotildees de fronteiras O presente artigo

natildeo impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusatildeo de cinematografia ou de televisatildeo a um

regime de autorizaccedilatildeo preacutevia 2 O exerciacutecio desta liberdades porquanto implica deveres e responsabilidades

pode ser submetido a certas formalidades condiccedilotildees restriccedilotildees ou sanccedilotildees previstas pela lei que constituam

providecircncias necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a integridade territorial ou a

seguranccedila puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral a proteccedilatildeo da

honra ou dos direitos de outrem para impedir a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees confidenciais ou para garantir a

autoridade e a imparcialidade do poder judicial CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS

DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 104

CONTRERAS op cit p 34

51

menos executada em conformidade com a lei b) objetivo legiacutetimo c) se a medida foi

necessaacuteria em uma sociedade democraacutetica

No caso pode ser feito o destaque para o trecho da sentenccedila em que analisando a

necessidade da medida de investigaccedilatildeo do crime de difamaccedilatildeo a Corte arguiu que a tarefa do

tribunal internacional no exerciacutecio de sua competecircncia de fiscalizaccedilatildeo natildeo eacute de tomar o lugar

das autoridades competentes mas sim rever as decisotildees que porventura violarem preceitos

previstos na Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem quando entregues ao poder de

apreciaccedilatildeo do Estado Deve entatildeo a Corte agrave luz do caso como um todo avaliar se a medida

tomada pelo Estado foi proporcional ao objetivo legiacutetimo perseguido e se os motivos

indicados pelas autoridades nacionais satildeo suficientes e relevantes Por tais motivos no caso

em questatildeo o TEDH declarou que houve violaccedilatildeo por parte do Estado Francecircs do direito de

liberdade de expressatildeo devendo este arcar com uma indenizaccedilatildeo agraves partes prejudicadas

Ainda dentro dessa esfera de atuaccedilatildeo mais precisamente no que concerne ao direito

democraacutetico de livre reuniatildeo e associaccedilatildeo previsto no artigo 11105

da Convenccedilatildeo Europeia o

destaque pode ser dado aos casos do Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia106

julgado em 2005 e Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia107

julgado em 2006 O primeiro deles

trata da questatildeo de dissoluccedilatildeo do Partido Comunista da Turquia ordenado pelo Tribunal

Constitucional do paiacutes sob as razotildees de que era incompatiacutevel com as obrigaccedilotildees

constitucionais e convencionais do Estado

Ao apreciar tal caso a Corte alegou que os partidos poliacuteticos satildeo estruturas essenciais

para o bom e justo funcionamento da democracia Embora natildeo negue certa margem de

deferecircncia aos Estados para que dissolvam partidos poliacuteticos que poderiam tentar minar a

estrutura constitucional do Estado tal decisatildeo se executada pode sofrer revisatildeo se natildeo

105

Artigo 11 Liberdade de reuniatildeo e de associaccedilatildeo 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo

paciacutefica e agrave liberdade de associaccedilatildeo incluindo o direito de com outrem fundar e filiar-se em sindicatos para a

defesa dos seus interesses 2 O exerciacutecio deste direito soacute pode ser objeto de restriccedilotildees que sendo previstas na

lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa sociedade democraacutetica para a seguranccedila nacional a seguranccedila

puacuteblica a defesa da ordem e a prevenccedilatildeo do crime a proteccedilatildeo da sauacutede ou da moral ou a proteccedilatildeo dos direitos

e das liberdades de terceiros O presente artigo natildeo proiacutebe que sejam impostas restriccedilotildees legiacutetimas ao exerciacutecio

destes direitos aos membros das forccedilas armadas da poliacutecia ou da administraccedilatildeo do Estado CONVENCcedilAtildeO

EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS

1950 Disponiacutevel em httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 106

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Partido Comunista Unificado da Turquia vs Turquia

Sentenccedila de 2005 Acesso 05 nov 2014 107

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-57523itemid[001-57523] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia Sentenccedila de 15 de

julho de 2006 Acesso 05 nov 2014

52

adequar-se agraves previsotildees da Convenccedilatildeo Europeia Logo o Tribunal embora tenha feito a

ressalva de que podem os Estados dissolver partidos poliacuteticos na situaccedilatildeo afirmou que houve

violaccedilatildeo dos direitos de liberdade de associaccedilatildeo visto que natildeo havia qualquer indiacutecio de que

o partido por ter ideal comunista poderia colocar em risco a estrutura do Estado

Da mesma forma o caso Tuumlm Haber Sem y Cmar vs Turquia que envolve o direito

de liberdade sindical Na situaccedilatildeo o Governo turco justifica o fechamento de sindicatos com

base em previsotildees da legislaccedilatildeo trabalhista interna a qual natildeo permite que funcionaacuterios criem

sindicatos A Corte na anaacutelise da situaccedilatildeo tambeacutem asseverou que houve violaccedilatildeo do artigo

11 mesmo que neste existam ressalvas em relaccedilatildeo agrave liberdade de associaccedilatildeo de membros das

Forccedilas Armadas da Poliacutecia e da Administraccedilatildeo do Estado Contudo essas limitaccedilotildees devem

ser interpretadas pelos Estados dentro da sua margem de apreciaccedilatildeo de maneira restrita

Se esses casos expostos ilustram exemplos de margem nacional de apreciaccedilatildeo

reduzida ou inexistente o polo oposto envolve os direitos concernentes agrave propriedade para os

quais a Corte Europeia possui entendimento de que a margem de deferecircncia agraves autoridades

domeacutesticas deve ser maior e mais elaacutestica bem como a supervisatildeo por parte do Tribunal

Internacional deve ser menor e relativizada Isso porque as autoridades nacionais em uma

concepccedilatildeo semelhante agrave de juiz natural no processo estariam mais bem situadas que o juiz

internacional para avaliar qual eacute o interesse geral de uma comunidade nessa seara108

A proteccedilatildeo internacional dos direitos de propriedade encontra-se no artigo 1ordm109

do

Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo de Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades

Fundamentais Jaacute na previsatildeo normativa encontra-se a prerrogativa de que qualquer pessoa

singular ou coletiva tem direito ao respeito de seus bens natildeo podendo haver privaccedilatildeo da

propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica ou por condiccedilotildees previstas em lei Desta maneira

as demandas soacute seratildeo revistas pela Corte caso implicarem violaccedilatildeo expliacutecita a esse artigo

Segundo Roca110

a jurisprudecircncia internacional definiu que a previsatildeo normativa

anteriormente destacada segue trecircs criteacuterios em primeiro lugar deve ser respeitado o direito

ao respeito e gozo paciacutefico dos bens dos indiviacuteduos Na sequecircncia a segunda regra

108

CONTRERAS op cit p 40 109

Artigo 1 Proteccedilatildeo da propriedade Qualquer pessoa singular ou coletiva tem direito ao respeito dos seus bens

Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas

pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo

do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso

dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees

ou de multas CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS

LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 110

ROCA op cit p 127

53

compreende uma garantia contra a privaccedilatildeo ilegal ou seja somente poderaacute haver

expropriaccedilatildeo ou privaccedilatildeo da propriedade em casos de utilidade puacuteblica e de acordo com

condiccedilotildees legalmente previstas Por fim o terceiro paracircmetro eacute a possibilidade de o Estado

estabelecer restriccedilotildees ao direito de propriedade tendo por base a prevalecircncia do interesse

puacuteblico sobre o privado

Logo sob a base desses criteacuterios e de alguns casos jaacute julgados pelo oacutergatildeo jurisdicional

internacional eacute possiacutevel asseverar que a margem de apreciaccedilatildeo concedida aos paiacuteses eacute larga

quando se estaacute diante dos direitos de propriedade No caso Back vs Finlacircndia111

de 2004 que

trata de noccedilotildees de utilidade puacuteblica em casos de expropriaccedilatildeo haacute o reforccedilo da noccedilatildeo de

subsidiariedade da Corte Europeia com o entendimento de que esta deve respeitar as decisotildees

das autoridades nacionais soacute sendo possiacutevel e viaacutevel a intervenccedilatildeo se o juiacutezo for

manifestamente desprovido de bases racionais

Por fim poreacutem natildeo menos importante aborda-se o uacuteltimo grupo de jurisprudecircncias da

Corte Europeia de Direitos Humanos que pode ser enquadrado no que Roca determina como

ciacuterculo mediano vez que conteacutem temas em que o posicionamento do Tribunal de Estrasburgo

em relaccedilatildeo agrave margem nacional de apreciaccedilatildeo eacute oscilante Eacute nesse grupo que pode ser

visualizada toda a complexidade da margem e suas vaacuterias aplicaccedilotildees possiacuteveis em casos

semelhantes envolvendo por exemplo liberdade religiosa direito de homossexuais e

transexuais e outros temas

Justamente nesse ciacuterculo que natildeo apresenta por parte dos doutrinadores jaacute referidos no

capiacutetulo anterior um criteacuterio de unificaccedilatildeo se apresenta o embate entre o universalismo de

alguns direitos previstos nos marcos normativos internacionais de direitos humanos ndash com

destaque para a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos ndash e o relativismo relativo a noccedilotildees

religiosas e culturais que compotildeem a identidade dos diferentes povos europeus

Nesse aspecto no que tange agrave liberdade religiosa a qual eacute prevista pelo artigo 9ordm112

da

CEDH temos duas decisotildees emblemaacuteticas do Tribunal de Estrasburgo o caso Lautsi vs

111

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-114486itemid[001-114486] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Back vs Finlacircndia Sentenccedila de 13 de novembro de 2002

Acesso 05 nov 2014 112

Artigo 9 1 Qualquer pessoa tem direito agrave liberdade de pensamento de consciecircncia e de religiatildeo este direito

implica a liberdade de mudar de religiatildeo ou de crenccedila assim como a liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou a

sua crenccedila individual ou coletivamente em puacuteblico e em privado por meio do culto do ensino de praacuteticas e da

celebraccedilatildeo de ritos 2 A liberdade de manifestar a sua religiatildeo ou convicccedilotildees individual ou coletivamente natildeo

pode ser objeto de outras restriccedilotildees senatildeo as que previstas na lei constituiacuterem disposiccedilotildees necessaacuterias numa

sociedade democraacutetica agrave seguranccedila puacuteblica agrave proteccedilatildeo da ordem da sauacutede e moral puacuteblicas ou agrave proteccedilatildeo dos

direitos e liberdades de outrem CONVENCcedilAtildeO EUROPEIA PARA A PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS DO

54

Itaacutelia113

julgado em 2011 e o caso Leyla Sahin vs Turquia114

julgado em 2005 Isso porque

nesses casos respectivamente o TEDH referendou as normas que impotildeem a presenccedila de

crucifixos nas escolas puacuteblicas italianas e natildeo opocircs objeccedilotildees a restriccedilotildees estatais concernentes

ao uso do veacuteu islacircmico no contexto educativo

No primeiro caso o TEDH retificou a decisatildeo da Corte Constitucional Italiana que

em 2009 havia estabelecido por unanimidade que a norma italiana a qual impunha desde a

deacutecada de 1920 a presenccedila de crucifixo nas paredes de escolas puacuteblicas havia violado o direito

da senhora Lautsi a educar seus filhos conforme suas convicccedilotildees laicas e liberdade religiosa

Portanto o Tribunal italiano argumentou que a manutenccedilatildeo de um siacutembolo religioso em salas

de aula de uma escola puacuteblica poderia perturbar emocionalmente os estudantes que natildeo

professassem religiatildeo alguma a ter a percepccedilatildeo de que o contexto educativo estava marcado

pela religiatildeo

Para retificar tal sentenccedila o TEDH argumentou por uma valoraccedilatildeo abstrata de

compatibilidade entre a norma italiana que permitia o uso de crucifixos nas escolas puacuteblicas e

os direitos convencionais sendo que a margem nacional de apreciaccedilatildeo foi aplicada para essa

valoraccedilatildeo da norma italiana Em primeiro lugar o Tribunal Europeu matizou quais satildeo as

exigecircncias convencionais de neutralidade religiosa na educaccedilatildeo indicando que se proiacutebe o

proselitismo ou a adoccedilatildeo no marco educativo de algo compatiacutevel com o estabelecimento de

o ensino obrigatoacuterio de uma religiatildeo ou a imposiccedilatildeo de uma religiatildeo no ensino puacuteblico

O crucifixo no entendimento do TEDH eacute um siacutembolo religioso passivo cuja

influecircncia natildeo se compara a que exercem a educaccedilatildeo religiosa ou a participaccedilatildeo em atividades

religiosas Logo a percepccedilatildeo subjetiva de que o crucifixo supotildee uma ausecircncia de respeito ao

direito de liberdade religiosa natildeo basta para considerar que tenha havido uma violaccedilatildeo agrave

Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Para o TEDH portanto sempre que natildeo exista

a pretensatildeo de doutrinar o Estado goza de margem de deferecircncia para decidir sobre a

permanecircncia dos crucifixos em sala de aula

HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS 1950 Disponiacutevel em

httpwwwechrcoeintDocumentsConvention_PORpdf Acesso 08 out 2014 113

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-104040itemid[001-104040] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Lautsi vs Italia Sentenccedila de 18 de marccedilo de 2011 Acesso 05

nov 2014 114

O inteiro teor da decisatildeo encontra-se disponiacutevel no seguinte siacutetio eletrocircnico

httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-70956itemid[001-70956] CORTE

EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Caso Leyla Sahin vs Turquia Sentenccedila de 10 de novembro de

2005 Acesso 05 nov 2014

55

No caso Leyla Sahin de proibiccedilatildeo do uso do veacuteu islacircmico por uma jovem no recinto

de sua universidade para o TEDH os Estados tecircm autonomia para limitar o uso do veacuteu em

locais como escolas puacuteblicas ou universidades Para referendar essa restriccedilatildeo agrave liberdade

religiosa o Tribunal Europeu admitiu o uso da margem de apreciaccedilatildeo por parte do Estado em

razatildeo da ausecircncia de um consenso europeu sobre a mateacuteria somado agrave ideia de que as

autoridades nacionais podem lidar melhor com o assunto por estarem mais perto das

realidades nacionais do que o oacutergatildeo jurisdicional internacional

Para o TEDH desta forma a opccedilatildeo poliacutetica de um Estado pelo laicizismo pode

justificar restriccedilotildees agrave liberdade religiosa e exigir sacrifiacutecios aos indiviacuteduos em prol da

harmonia religiosa do paiacutes Embora portanto haja restriccedilatildeo da liberdade individual religiosa

no caso em questatildeo a proibiccedilatildeo natildeo viola a CEDH

A aplicaccedilatildeo dos princiacutepios da subsidiariedade e da proporcionalidade bem como a

falta de consenso na Europa acerca de questotildees como as apresentadas marcaram o

posicionamento do TEDH na concessatildeo de margem de deferecircncia aos Estados no que

concerne agrave liberdade religiosa A grande criacutetica contudo reside na falta de criteacuterios

especiacuteficos e de clareza no uso da ferramenta

Neste uacuteltimo grupo portanto vislumbra-se o que Kratochivil115

menciona como

ldquomedida misteriosardquo ou seja natildeo existem paracircmetros ou criteacuterios especiacuteficos para a aplicaccedilatildeo

da margem Pelo contraacuterio haacute falta de clareza e de limites demonstrando que a banalizaccedilatildeo

do uso da MNA liquidifica sua substacircncia e pode gerar inseguranccedila juriacutedica aos litigantes

Sob essa oacutetica no campo de direitos inderrogaacuteveis como eacute o caso dos direitos que compotildeem

esse uacuteltimo grupo a consideraccedilatildeo de Vila116

merece destaque

Segundo a autora nesse campo que envolve relativismos culturais a postura do TEDH

varia entre a adoccedilatildeo de uma versatildeo voluntarista de MNA ou a adoccedilatildeo de uma versatildeo

racionalista A primeira se centra no direito de que o Tribunal de Estrasburgo eacute um oacutergatildeo

internacional e assume uma visatildeo normativa e natildeo meramente temporal ou procedimental

acerca do princiacutepio da subsidiariedade Por isso o TEDH reconhece que sua legitimidade

poliacutetica eacute meramente derivada e outorga uma presunccedilatildeo em favor do Estado evitando realizar

uma valoraccedilatildeo independente de compatibilidade entre as medidas impugnadas e o convecircnio

Esta presunccedilatildeo soacute eacute rompida quando haacute razotildees fortes para concluir que o Estado extrapolou o

exerciacutecio de sua autonomia Sob a oacutetica desta concepccedilatildeo fatores como a falta de consenso

115

KRATOCHVIL op cit p 330 116

VILA op cit p 10

56

europeu ou a ideia de que os Estados situam-se em um local melhor apropriado para decidir

adquirem importacircncia por razotildees de legitimidade institucional

Entretanto a oacutetica racionalizada de MNA percebe a ferramenta como um resultado de

efetuar um balanccedilo entre os valores que estatildeo em jogo na proteccedilatildeo dos direitos convencionais

mais do que uma presunccedilatildeo de partida em favor do Estado O TEDH centra-se em examinar

se a medida estatal impugnada consegue alcanccedilar um balanccedilo equitativo entre direitos

individuais e valores democraacuteticos A finalidade natildeo eacute justificar a deferecircncia mas reconhecer

de modo equilibrado os valores democraacuteticos no seio da CEDH

Sobretudo neste uacuteltimo grupo analisado ao qual aqui somente satildeo trazidos casos em

relaccedilatildeo agrave liberdade religiosa (artigo 9ordm da CEDH) concentram-se as criacuteticas em relaccedilatildeo agrave

falta de paracircmetros do TEDH para deferir ou natildeo uma margem de apreciaccedilatildeo aos Estados

Essa variabilidade eacute por alguns117

definida como um ponto negativo de falta de definiccedilatildeo de

criteacuterios o que pode levar a uma margem larga ou a uma margem estreita A primeira poderia

conduzir ao processo de fragmentaccedilatildeo do espaccedilo europeu enquanto a segunda poderia forccedilar

a integraccedilatildeo sob o domiacutenio de uma concepccedilatildeo moderna de direitos humanos pautada pelo

liberalismo e individualismo

Deste modo duas respostas podem ser concedidas agrave pergunta cerne deste trabalho a

margem constitui-se em um instrumento eficaz no processo de construccedilatildeo de um direito

comum em mateacuteria de direitos humanos na Europa uma vez que sob a perspectiva eacutetica

destes direitos o TEDH preza pela preservaccedilatildeo do irredutiacutevel humano e dos direitos

inderrogaacuteveis e absolutos da pessoa humana Prova disso eacute a ausecircncia ou a miacutenima margem

que eacute concedida para casos envolvendo tortura ou tratamentos humanos degradantes ou

violaccedilatildeo de direitos democraacuteticos

No entanto a ausecircncia de paracircmetros e de criteacuterios por parte do Tribunal de

Estrasburgo (ausecircncia constatada por diversos doutrinadores trazidos ao longo deste trabalho

e exemplificada de modo sinteacutetico atraveacutes da anaacutelise de casos emblemaacuteticos envolvendo

liberdade religiosa) no julgamento de direitos humanos quando vinculados a questotildees

culturais demonstram que no campo praacutetico ainda haacute muito para avanccedilar no processo de

siacutentese entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo dos direitos culturais

117

BRUM et SALDANHA Op cit

57

CONCLUSAtildeO

Slavoj Zizek118

certa vez afirmou que o papel do filoacutesofo natildeo eacute o de propor iniciativas

capazes de mudar o mundo ou as situaccedilotildees em curso mas de observar e interpretar a realidade

que eacute posta A pretensatildeo deste trabalho natildeo difere da conceituaccedilatildeo de filoacutesofo por Zizek Isso

porque em nenhum momento busca-se apresentar alternativas fortes para resolver problemas

postos mas sim almeja-se observar sob um amplo espectro os reflexos da mundializaccedilatildeo

dentro do Direito e de modo especiacutefico como atua o Tribunal Europeu dos Direitos do

Homem no que concerne agrave aplicaccedilatildeo da figura da Margem Nacional de Apreciaccedilatildeo

Aos mais observadores da realidade que se apresenta eacute impossiacutevel negar que na atual

conjuntura da sociedade informacional a proliferaccedilatildeo exacerbada e anaacuterquica de normas e

instituiccedilotildees juriacutedicas gera uma sensaccedilatildeo de caos e de desordem que clama por uma ordenaccedilatildeo

Embora esse verdadeiro mosaico em que se transformou o Direito na atualidade possa ser

vislumbrado em acircmbito global uma anaacutelise mais apurada de uma parte do todo em

especiacutefico da Europa se mostra pertinente para avaliar as possibilidades de construccedilatildeo de um

pluralismo ordenado

A base possiacutevel desse pluralismo ordenado invariavelmente eacute um direito comum cujo

alicerce se encontra nos direitos humanos No contexto europeu de convivecircncia simultacircnea

de uma ldquopequena Europardquo e de uma ldquogrande Europardquo embora o direito comunitaacuterio jaacute tenha

se consolidado sendo um modelo sui generis para todo o globo ainda eacute preciso avanccedilar no

acircmbito da ldquogrande Europardquo ou do sistema regional europeu dos direitos do homem para a

criaccedilatildeo de um direito comum

Nesse sentido parece indiscutiacutevel que a base de um direito comum europeu seja

alicerccedilada na proteccedilatildeo dos direitos humanos em sua dimensatildeo moral miacutenima ou no que

Delmas denomina de miacutenimo eacutetico universal e irredutiacutevel humano Logo a universalizaccedilatildeo

almejada natildeo tem como objetivo impor referecircncias de uma cultura sobre as demais e sim o

diaacutelogo entre as diferentes particularidades existentes no seio das diversas sociedades que

convivem na Europa a fim de encontrar o que haacute de valores comuns em todas elas

Todavia por mais que a premissa seja de faacutecil compreensatildeo os embates entre

universalismos e relativismos culturais estatildeo na ordem do dia na agenda do Tribunal de

Estrasburgo de modo que um dos temais mais debatidos atualmente no continente se refere

118

ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo Boitempo 2008

58

ao uso da margem nacional de apreciaccedilatildeo por este tribunal a fim de conferir deferecircncia aos

Estados em algumas mateacuterias para decidir acerca de questotildees sensiacuteveis

O objetivo do presente trabalho foi o de analisar essa ferramenta hermenecircutica de

origem europeia sob a oacutetica de caos juriacutedico anteriormente apresentado De acordo com o que

fora apurado e estudado chegou-se a conclusatildeo de que o uso dessa doutrina contribui ainda

que de modo tiacutemido para a construccedilatildeo de um direito comum dentro do sistema europeu

Isso porque quando se tratam de temas concernentes agrave tortura a tratamentos humanos

degradantes a penas desproporcionais ou ainda a direitos democraacuteticos a Corte opta por

definir um entendimento que deve ser aplicado em todos os paiacuteses independentemente de

especificidades culturais Estariacuteamos proacuteximos portanto de uma definiccedilatildeo de direitos

humanos inderrogaacuteveis ou de um miacutenimo eacutetico universal proposto por Delmas e jaacute idealizado

por Kant em sua premissa de direito cosmopoliacutetico

No que tange ao restante dos direitos humanos em uma dimensatildeo cultural pode-se

dizer que a teoria da margem traduz uma ideia de que estaacute eacute capaz de harmonizar o

universalismo dos direitos humanos e o pluralismo advindo das diversidades culturais e

religiosas dos paiacuteses europeus Entretanto consoante a anaacutelise de posiccedilotildees doutrinaacuterias acerca

da utilizaccedilatildeo praacutetica do instituto pelo Tribunal de Estrasburgo bem como o embate

paradigmaacutetico de julgados envolvendo liberdade religiosa parece inevitaacutevel a conclusatildeo de

que como meacutetodo de harmonizaccedilatildeo entre plural e universal o oacutergatildeo jurisdicional

internacional do sistema europeu ainda tem muito a evoluir sobretudo na definiccedilatildeo de

paracircmetros e criteacuterios para servir de norte baacutesico em relaccedilatildeo aos mais diversos casos

59

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