interface morfologia-fonologia: teorias, abordagens e temas · por exemplo, o estruturalismo...

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333 Cadernos de Letras da UFF - Dossiê: Dossiê: Língua em uso n o 47, p. 333-355 INTERFACE MORFOLOGIA-FONOLOGIA: TEORIAS, ABORDAGENS E TEMAS Carlos Alexandre Gonçalves RESUMO Neste artigo, descrevemos os modelos teóricos para o tratamento da interface morfologia-fonologia na lin- guística contemporânea até o advento da teoria da oti- malidade, no início da década de 1990. Ao focalizar a diferença entre as propostas uni e bilaterais de interação desses dois níveis, apresentamos alguns fenômenos do português que podem ser abordados nessa interface. PALAVRAS-CHAVE: morfologia; fonologia; interface. Palavras iniciais S ão dois os principais objetivos deste texto: (a) fazer uma breve retros- pectiva dos enfoques sobre a interação da morfologia com a fonologia na linguística contemporânea pré-otimalista (inícios dos anos 1990) e (b) apresentar alguns fenômenos do português que podem ser descritos nessa interface. Com ênfase na descrição de dois modelos sobre a interface em foco, a fonologia lexical e a morfologia prosódica, procuramos abordar as formas de interação dos processos morfológicos com os fonológicos. 1. Retrospectiva dos estudos sobre interface morfologia-fonologia Como mostra Gussmann (1985) 1 , a consciência de que a morfologia e a fonologia estão interconectadas de várias maneiras sempre esteve presente 1 GUSSMANN, E. Phono-morphology: Studies in the interaction of phonology and morphology. Lublin: University of Lubeskiego, 1985.

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  • 333Cadernos de Letras da UFF - Dossi: Dossi: Lngua em uso no 47, p. 333-355

    iNTErfACE morfoLoGiA-foNoLoGiA: TEoriAS, AborDAGENS E TEmAS

    Carlos Alexandre Gonalves

    RESUMONeste artigo, descrevemos os modelos tericos para o tratamento da interface morfologia-fonologia na lin-gustica contempornea at o advento da teoria da oti-malidade, no incio da dcada de 1990. Ao focalizar a diferena entre as propostas uni e bilaterais de interao desses dois nveis, apresentamos alguns fenmenos do portugus que podem ser abordados nessa interface.

    PALAVRAS-CHAVE: morfologia; fonologia; interface.

    Palavras iniciais

    So dois os principais objetivos deste texto: (a) fazer uma breve retros-pectiva dos enfoques sobre a interao da morfologia com a fonologia na lingustica contempornea pr-otimalista (incios dos anos 1990) e (b) apresentar alguns fenmenos do portugus que podem ser descritos nessa interface. Com nfase na descrio de dois modelos sobre a interface em foco, a fonologia lexical e a morfologia prosdica, procuramos abordar as formas de interao dos processos morfolgicos com os fonolgicos.

    1. Retrospectiva dos estudos sobre interface morfologia-fonologia

    Como mostra Gussmann (1985)1, a conscincia de que a morfologia e a fonologia esto interconectadas de vrias maneiras sempre esteve presente

    1 GUSSMANN, E. Phono-morphology: Studies in the interaction of phonology and morphology. Lublin: University of Lubeskiego, 1985.

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    na lingustica ps-saussureana. Obviamente, o modo como essa interao concebida varia no apenas em funo do conceito de gramtica adotado, mas tambm conforme o aporte terico utilizado. Por exemplo, o estruturalismo americano de orientao bloomfieldiana encarou a relao como unidirecio-nal, pressupondo que os resultados da anlise fonmica determinam a maior parte da morfologia das lnguas naturais (cf., p. ex., JOOS, 1957)2. A figura em (01), a seguir, representa bem as ideias desse grupo de linguistas, que acre-ditava ser a anlise morfmica reflexo da fonmica: a morfologia vista como uma espcie de imagem em espelho da fonologia.

    Figura 1: Representao da relao morfologia-fonologia no Estruturalismo

    (01)Um fenmeno de anlise morfolgica que recebeu destaque no estru-

    turalismo lingustico foi a alomorfia. Definida como uma alterao na con-formao fsica de morfemas, a alomorfia envolve distrbio no ideal de uni-vocidade entre forma e contedo, pois o morfema (entidade do plano do contedo) pode aparecer representado por formas diferentes, perspectiva na qual os chamados alomorfes constituem as representaes fonticas divergen-tes (variaes) de um mesmo morfema. Como a maior parte das alteraes nos constituintes morfolgicos apresenta explicao segmental, especial nfase foi dada s mudanas no sistema fonmico do vocbulo com repercusso no sistema mrfico.

    2 JOOS, M. Readings in Linguistics I: The Development of Descriptive Linguistics in America since 1925. Washington: ACLS, 1957.

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    H alomorfia condicionada fonologicamente em praticamente todos os elementos morfolgicos do portugus: prefixos, sufixos, vogais temticas, de-sinncias verbais, desinncias nominais e radicais, como se observa nos exem-plos a seguir, respectivamente:

    (02) desmontar mortal ama cantava casas sinto desfazer dorsal amamos cantavas mares sente desabrigar escalar amei antavam canis sentes degelar escolar amou cantveis lpis sentem

    Nos dados em (02), observa-se, na primeira coluna, alomorfia no prefi-xo que indica reversibilidade, pois sua consoante final alterna, na posio de coda, entre surda (desfazer) e sonora (desmontar) ou se realiza com alveo-lar vozeada em onset da slaba seguinte (desabrigar), podendo, ainda, sofrer apagamento em contato com sibilantes (degelar, dessalgar, dessecar). Na segunda coluna, a realizao do sufixo modal que forma adjetivos a partir de substantivos condicionada pela existncia de /l/ no onset da slaba final: quando essa slaba apresenta uma lateral, o sufixo se manifesta {-ar}, a exemplo de escalar, escolar e milenar. Nos demais casos, a consoante do sufixo se realiza como lquida lateral (p. ex., vital, mortal, constitucional). Na tercei-ra, a vogal temtica de primeira conjugao no se realiza como /a/ em todas as pessoas, j que assimila a altura e a zona de articulao da vogal seguinte, a marca morfolgica de nmero/pessoa. Na quarta coluna, o elemento que expressa tempo/modo alterna entre /va-/ e /ve-/, sendo a ltima realizao determinada pela vogal alta que inicia o elemento responsvel pela informao de P5, a desinncia {-is}.

    No caso do plural, a anexao do {-S} pode levar a uma srie de mo-dificaes fonolgicas: desde a epntese voclica em palavras terminadas em consoantes (mares) at o apagamento de lquidas laterais (canis) e a dege-minao das sibilantes finais (lpis). Por fim, a raiz de sentir pode ter sua vogal realizada como alta por metafonia, ou seja, por influncia da vogal alta que manifesta P1.

    Dados de alomorfia como os apresentados em (02) do mostras de que a constituio segmental da palavra repercute na realizao dos elementos mor-folgicos, o que levou os estruturalistas interpretao unilateral da interface

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    morfologia-fonologia. Pike e seus discpulos, por outro lado, nunca endos-saram a hiptese da unidirecionalidade estrita, insistindo, ao contrrio, na necessidade de reconhecer os pr-requisitos gramaticais da anlise fonmica (PIKE, 1947: 39)3, numa clara aluso de que a morfologia tambm poderia repercutir na fonologia.

    O desenvolvimento da gramtica transformacional e, em particular, do modelo clssico de fonologia gerativa (CHOMSKY & HALLE, 1968)4mudou radicalmente o entendimento da relao morfologia-fonologia, assinalando a relevncia das alteraes morfofonmicas no estabelecimento de regularidades fonolgicas. Como resultado, a morfologia interessante anlise fonolgica passou a ser formalizada, nas regras fonolgicas que se aplicam a representa-es subjacentes abstratas, por smbolos de fronteira, deixando de existir um componente morfolgico autnomo. Pode-se afirmar, com isso, que especial destaque foi dado ao efeito do condicionamento morfolgico das operaes fonolgicas, perspectiva diametralmente oposta assumida pela maior parte dos estruturalistas. Por exemplo, observa-se, nos dados em (03), a seguir, que uma nasal alveolar ([n]) se desenvolve quando, numa fronteira morfolgica, o sufixo se inicia por vogal.

    (03) fim > final r > ranrio bom > bonssimo um > nico ordem > ordenar som > sonoro

    Uma regra fonolgica pode ser proposta para representar os dados em (03). Essa regra, no entanto, tem de fazer referncia fronteira de morfemas (representada por +), pois no se aplica entre palavras, como se observa pela agramaticalidade de realizaes como *irmanamiga ou *rangil. Assumindo que as bases apresentam uma nasal no especificada para ponto (/N/) na po-sio de coda silbica, pode-se propor a regra fonolgica em (04), que traz a nasal superfcie, atualizando-a como coronal, [n], numa fronteira de morfe-mas (+), quando o segmento seguinte uma vogal:

    3 PIKE, K. L. Phonemics: A technique for reducing languages to writing. Ann Arbor, MI: University of Michigan, 1974.

    4 CHOMSKY, N.; HALLE, M. The sound pattern of English. New York: Harper and Row, 1968.

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    (04)

    Na dcada de 1970, iniciou-se um movimento de reao no apenas contra a extrema abstrao das descries gerativistas baseadas em SPE (The Sound Pattern of English), mas tambm contra a falta de distino entre regras fonologicamente condicionadas e regras morfologicamente condicionadas, o que deu origem a vrias revises do modelo clssico de fonologia gerativa, amplamente denominadas de naturais. No entanto, como mostra Booij (1985), nenhuma generalizao relevante foi alcanada em relao interface morfologia-fonologia na fonologia gerativa natural nem no trabalho de Ho-oper (1976)5 nem no de Dressler (1977)6.

    Aps um perodo de abandono inicial, a morfologia derivacional assistiu a importantes desenvolvimentos em meados de 1970, a partir do trabalho de Chomsky (1970)7. Pela primeira vez na histria da teoria gerativa, postulou--se um componente morfolgico autnomo, independente do sinttico ou do fonolgico. Logo aps, Halle (1973)8 investigou com mais vagar os princpios que regem a estrutura das palavras, propondo um novo mdulo gramtica: o componente formao de palavras, localizado no lxico.

    Desse modo, Chomsky (1970)8 e Halle (1973)9 atriburam ao lxico uma estrutura mais refinada, contribuindo, decisivamente, para uma toma-da de conscincia sobre o papel desse componente na teoria lingustica de inflexo gerativista. A partir da, vrios autores dedicaram-se ao estudo da

    5 HOOPER, J. B. Word frequency in lexical diffusion and the source of morphophonological change. In Christie, W. (ed.) Current Progress in Historical Linguistics. Amsterdam: North Holland, p. 96-105, 1976.

    6 DRESSLER, W. Elements of a polycentristic theory of word formation. Wiener Lin-guistische Gazette, 15, 13-32, 1977.

    7 CHOMSKY, N. Remarks on Nominalization. In: JACOBS, R. and ROSENBAUM, P. (eds.). Readings in English Transformational Grammar. Ginn, Waltham: MA, 184-221, 1970.

    8 HALLE M. Prolegomena to theory of word formation. Linguistic Inquiry, 4, 3-16, 1973.

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    organizao do lxico e das regras que caracterizam a estrutura das palavras, como, entre tantos outros, Siegel (1974)9, Aronoff(1976)10 e Lieber (1980)11. Siegel (1974)10, por exemplo, defendeu que o lxico tambm poderia ser usa-do para expressar processos fonolgicos. Como observa Mohanan (1986: 5)12, estvamos, nessa poca, diante de um movimento intelectual em favor de um componente lexical mais robusto.

    Os chamados modelos de morfologia lexical produziram nova dimenso para a interface morfologia-fonologia, pois evidenciaram que regras de forma-o de palavras podem requerer acesso informao fonolgica, do mesmo modo que regras fonolgicas podem ser de algum modo condicionadas pela morfologia derivacional (SZYMANEK, 1980)13. Exemplifiquemos, com da-dos do portugus, cada uma das situaes acima comentadas. No primeiro caso, formas com alternncia entre -ar e -al, j referenciadas, revelam que h restries sobre a slaba resultante do encadeamento morfolgico.

    Nas formaes X-al, o sufixo silabificado com a raiz qual se adjun-ge. No entanto, isso no significa que a fronteira morfolgica da palavra seja respeitada pela fonologia, pois no necessariamente coincide com a fronteira silbica, no havendo, portanto, isomorfismo entre estruturas morfolgicas e prosdicas: o sufixo forma slaba com a ltima consoante da base. A regra de formao de adjetivos a partir de substantivos acessa informaes sobre o l-timo segmento da base, promovendo a automtica substituio da coda final por uma vibrante quando o raiz termina numa lateral alveolar (cavalo > ca-valar; famlia > familiar, tutela > tutelar), num claro processo de dissimilao.

    Regras fonolgicas so tambm condicionadas pela morfologia deriva-cional e um bom exemplo dessa situao em portugus a neutralizao das pretnicas. Como se sabe, perde-se a oposio entre as mdias nesse ambiente em favor de realizaes defaults mais fechadas na fala carioca (CMARA JR., 1970)14. Apesar de bastante geral, essa regra no se aplica no ambiente de sufixos

    9 SIEGEL, D. Topics in English Morphology. Massachusetts: The MIT Press, 1974.10 ARONOFF, M. Word formation in generative grammar. Massachusetts: The MIT Press,

    1976.11 LIEBER, R. On the organization of the lexicon. New Jersey: IULC, 1980.12 MOHANAN, K. P. The theory of lexical phonology. Dordrecht, Holland: Reidel, 1986.13 SZYMANEK, B. Phonological conditioning of word formation rules. Folia Linguistica 14:

    413-425, 1980.14 CMARA JR., J. M. Estrutura da lngua portuguesa. Petrpolis: Vozes, 1970.

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    no-coerentes (BOOIJ, 2005)14, como -mente e -(z)inho, diferentes dos de-mais por preservarem a integridade fnica das bases. Nos dados a seguir, con-trastam-se formas derivadas em que a neutralizao se aplica (primeira coluna) com formas em que esse processo no tem vez (segunda coluna), o que refora a tese de que a fonologia sensvel a informaes morfolgicas:

    (05) belo > beleza certo > certinho mel > melado veloz > velozmente vela > veleiro chapu > chapeuzinho bola> bolada bola > bolinha cola > colar alegre > alegremente

    Apesar dos inegveis desenvolvimentos, os vrios modelos de morfologia lexical continuaram defendendo a separao entre a morfologia e a fonologia. As regras do componente morfolgico aplicam-se em primeiro lugar, dando origem s estruturas das palavras que, depois de modificadas pelas regras de (re)ajustamento, constituem o inputpara o componente fonolgico. Nos ter-mos de Ferreira (2009: 39)15, os dois mdulos esto separados porque os pro-cessos morfolgicos se referem fonologia num sentido muito limitado, i.e., apenas acedem informao fonolgica presente na estrutura subjacente das palavras. De acordo com Szpyra (1989: 11)16, assume-se, nesses vrios movimentos, que uma anlise morfolgica adequada constitui pr-requisito para uma des-crio fonolgica apropriada. Contudo, apesar dessa constatao, a prtica fonolgica continuou recorrendo pouco ou nada morfologia.

    2. A fonologia lexical

    Foi na dcada de 1980, no entanto, que surgiu um modelo de anlise lingustica especificamente voltado para a interao das representaes fono-lgicas com as estruturas morfolgicas (e vice-versa). As relaes entre morfolo-gia e fonologia constituem o cerne da chamada fonologia lexical (KIPARSKY,

    15 FERREIRA, A. S. S. R. Flexo de nmero dos nomes terminados em ditongo nasal luz da fo-nologia lexical. Dissertao (Mestrado em Lingustica). Porto: Universidade do Porto, 2009.

    16 SZPYRA, J. The phonology-morphology interface: cycles, levels and words. London: Rout-ledge, 1989.

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    198217; MOHANAN, 198218; BOOIJ & RUBACH, 198419), abordagem que fornece alternativas analticas interessantes para a descrio das variaes morfolgicas e morfofonmicas, ao dividir a lngua em estratos nos quais se aplicam regras de formao de palavras (derivao, flexo e composio) e regras fonolgicas.

    A fonologia lexical pode ser considerada, como aponta Mohanan (1986: 05)20, uma extenso da tendncia lexicalista fonologia. Desse modo, o des-taque ao componente morfolgico e a concepo de que o lxico no um apenas um lugar para os fora-da-lei ou um depositrio de idiossincrasias cons-tituem a linha de frente desse modelo, que surge como consequncia natural da hiptese lexicalista de Chomsky (1970)21 e da morfologia lexical, desenvol-vida, sobretudo, por Aronoff (1976)22.

    O aspecto central do modelo a existncia de dois componentes o lexical e o ps-lexical , espelhando a dicotomia existente entre a estrutura da palavra e a da frase (MOHANAN, 1986:5)22. No mdulo lexical, ope-ram regras morfolgicas em interao com regras fonolgicas. No ps-lexical, que envolve domnios maiores que a palavra, aplicam-se regras fonolgicas posteriores aos processos sintticos. Da relao entre processos morfolgicos e operaes fonolgicas, resultam representaes lexicais (i. e. representaes fonolgicas de palavras geradas pelo lxico) distintas da representao subja-cente. Desse modo, para alm dos nveis de representao preconizados pela fonologia gerativa standard, a diviso da gramtica nos componentes lexical e ps-lexical pressupe a existncia de mais um tipo de representao: a lexical (MOHANAN, 1986:10)22.

    Tal como a fonologia estruturalista, a fonologia lexical reconhece a exis-tncia de um nvel de representao intermedirio, o morfofonmico. No en-

    17 KIPARSKY, P. From cyclic phonology to lexical phonology. In: HULST, H.; SMITH, N. (org.). The structure of phonological representations (Parte 1). Dordrecht: Foris, p. 131-176, 1982.

    18 MOHANAN, K. P. Lexical Phonology. Massachusetts: MIT, 1982.19 BOOIJ, G. & RUBACH, J. Morphological and prosodic domains in lexical phonology.

    Phonology Yearbook, n. 1, p. 1-27, 1984.20 MOHANAN, K. P. The theory of lexical phonology. Dordrecht, Holland: Reidel, 1986.21 CHOMSKY, N. Remarks on Nominalization. In: JACOBS, R. and ROSENBAUM, P.

    (eds.). Readings in English Transformational Grammar. Ginn, Waltham: MA, 184-221, 1970.22 ARONOFF, M. Word formation in generative grammar. Massachusetts: The MIT Press,

    1976.

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    tanto, a fonologia estruturalista no foi capaz de construir uma modelo formal que descrevesse adequadamente esse nvel de representao (MOHANAN, 1986:3-6). Tem-se, com a fonologia lexical, finalmente, uma concepo bidi-recional da interface morfologia-fonologia:

    Figura 2: Relao fonologia-morfologia na fonologia lexical

    (06)

    A fonologia lexical adota o conceito de morfologia ordenada em nveis originalmente encontrado em Siegel (1974)23. Para esse autor, o lxico de uma lngua est organizado em nveis (ou estratos ordenados) que constituem do-mnios de aplicao de regras morfolgicas e fonolgicas que a encontram a sua descrio estrutural. Essa diviso em estratos justificada pelo comporta-mento distinto dos afixos do ponto de vista morfofonolgico. Dito de outra maneira, a sensibilidade que afixos despertam em regras fonolgicas pode de-terminar sua alocao em um nvel ou outro do lxico. Em Kiparsky (1982)24, encontra-se a seguinte concepo de gramtica:

    23 SIEGEL, D. Topics in English Morphology. Massachusetts: The MIT Press, 1974.24 KIPARSKY, P. From cyclic phonology to lexical phonology. In: HULST, H.; SMITH, N.

    (org.). The structure of phonological representations (Parte 1). Dordrecht: Foris, p. 131-176, 1982.

    FONOLOGIA MORFOLOGIA

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    Figura 3: O modelo de fonologia lexical.

    (07)Uma importante contribuio desse modelo a postulao de dois prin-

    cipais tipos de regras fonolgicas: (a) as lexicais, que, entre outras caracters-ticas, respeitam as informaes morfolgicas e se aplicam quando a palavra ainda est em formao e (b) as ps-lexicais, totalmente cegas a informaes morfolgicas e aplicadas apenas quando a palavra j est pronta. O quadro a seguir resume algumas das propriedades das regras lexicais e ps-lexicais (cf. LEE, 1995: 07)25:

    25 LEE, S. H. Morfologia e fonologia lexical do portugus do Brasil. Tese de Doutoramento. Campinas: Unicamp, 1995.

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    Quadro 1: Diferenas entre regras lexicais e ps-lexicais

    LEXICAIS PS-LEXICAISFazem leitura de rtulos, ou seja, inspe-cionam a estrutura interna das palavras (reconhecem formativos); so regras que leem rtulos, no dispensando a informao contida nos colchetes mor-folgicos.

    So cegas estrutura mrfica das pa-lavras (no conhecem formativos), no lendo os rtulos contidos nos colchetes, pois ignoram tais informaes e atraves-sam fronteiras.

    Reconhecem categorias lexicais (p. ex., sabem o que verbo e o que no ).

    So category blind, ou seja, no reconhe-cem classes de palavras.

    Quanto ao domnio de aplicao, no podem operar fora de palavras (aplica-o intravocabular).

    Aplicam-se intra ou extravocabular--mente.

    Podem ser cclicas (atuar nos vrios ci-clos da derivao) ou no.

    So necessariamente no-cclicas.

    Preservam estruturas, j que operam apenas com elementos da representao subjacente (fonolgicos)

    No preservam estruturas, j que po-dem envolver elementos no-contrasti-vos (realizaes fonticas).

    So regras marcadas pela excepcionali-dade, ou seja, reconhecem excees.

    So categricas (no apresentam exce-es).

    (08)

    Exemplo de regra ps-lexical em portugus vocalizao da lateral palatal, cuja representao informal, bem ao estilo SPE, pode ser feita da seguinte ma-neira (/ l / [ w ] / $). Tal regra se aplica palavra pronta, como se v em (10), no operando em fronteiras morfolgicas. Alm disso, categrica e no preserva estrutura, j que /l/ e /w/ no contrastam na posio de coda silbica.

    (08)

    LEXICAIS PS-LEXICAIS

    Fazem leitura de rtulos, ou seja, inspecionam a estrutura interna das palavras (reconhecem formativos); so regras que leem rtulos, no dispensando a informao contida nos colchetes morfolgicos.

    So cegas estrutura mrfica das palavras (no conhecem formativos), no lendo os rtulos contidos nos colchetes, pois ignoram tais informaes e atravessam fronteiras.

    Reconhecem categorias lexicais (p. ex., sabem o que verbo e o que no ).

    So category blind, ou seja, no reconhecem classes de palavras.

    Quanto ao domnio de aplicao, no podem operar fora de palavras (aplicao intravocabular).

    Aplicam-se intra ou extravocabular-mente.

    Podem ser cclicas (atuar nos vrios ciclos da derivao) ou no.

    So necessariamente no-cclicas.

    Preservam estruturas, j que operam apenas com elementos da representao subjacente (fonolgicos)

    No preservam estruturas, j que podem envolver elementos no-contrastivos (realizaes fonticas).

    So regras marcadas pela excepcionalidade, ou seja, reconhecem excees.

    So categricas (no apresentam excees).

    Quadro 1: Diferenas entre regras lexicais e ps-lexicais

    Exemplo de regra ps-lexical em portugus vocalizao da lateral palatal, cuja

    representao informal, bem ao estilo SPE, pode ser feita da seguinte maneira (/ l /

    [ w ] / $). Tal regra se aplica palavra pronta, como se v em (10), no operando em

    fronteiras morfolgicas. Alm disso, categrica e no preserva estrutura, j que /l/ e

    /w/ no contrastam na posio de coda silbica.

    (09) papel [pa.pw]) mas [pa.pe.la.d ] jornal [ o .naw]) mas [ o .na.le.r ])

    Bom exemplo de regra lexical a assibilao, observada nos dados da primeira

    coluna em (10) 28. Nessas formas derivadas, a oclusiva final da base passa a sibilante

    diante da vogal que inicia o sufixo, uma alta anterior (LEE, 1995). Essa operao

    28 LEE, S. H. Morfologia e fonologia lexical do portugus do Brasil. Tese de Doutoramento. Campinas:

    Unicamp, 1995.

    Bom exemplo de regra lexical a assibilao, observada nos dados da pri-meira coluna em (10) 26. Nessas formas derivadas, a oclusiva final da base passa

    26 LEE, S. H. Morfologia e fonologia lexical do portugus do Brasil. Tese de Doutoramento. Campinas: Unicamp, 1995.

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    a sibilante diante da vogal que inicia o sufixo, uma alta anterior (LEE, 1995). Essa operao fonolgica s se aplica no interior de palavras, sendo inoperante na sintaxe, como atestam os dados da segunda coluna:

    (10) eltrico eletri[s]idade eltrico hidrante * eltri[s]idrante histrico histori[s]ismo histrico invlido * histori[s]invlido profeta profe[s]ia profeta ingls *profe[s]ingls presidente presidn[s]ia presidente intil *presiden[s]intil histrico histori[s]ice fraco irmo *fra[s]irmo histrico histori[s]ista consciente irmo *conscien[s]irmo

    Os dados em (10) reforam o iderio bsico da fonologia lexical, pois a assibilao, alm de duplamente condicionada (pelo segmento seguinte e pela fronteira morfolgica), sendo, por isso mesmo, especificada como lexical, tambm sensvel ao tipo de formativo que atua na fronteira base-afixo, apli-cando-se com -ista, -ismo, -ice e -ia, mas deixando de se aplicar com -inho e -ssimo, como se observa, por exemplo, em *fra[s]inho, *profe[s]inha e *ga[s]ssimo. Na perspectiva da fonologia lexical, podemos considerar que (a) os afi-xos em questo no figuram no mesmo nvel do lxico e (b) a regra discrimina diferentes fronteiras de morfema.

    Outro exemplo interessante, tambm relatado por Lee (1995)27, a regra de apagamento de nasal diante de soantes. A formalizao feita em (12), a seguir, que acolhe dados como ilegal, imoral e irreal, formas em que a nasal do prefixo no se manifesta, expressa uma falsa generalizao, uma vez que a nasal se mantm em dados como enlatar, enlutar, enredar e enrolar.

    27 LEE, S. H. Morfologia e fonologia lexical do portugus do Brasil. Tese de Doutoramento. Campinas: Unicamp, 1995.

  • 345Cadernos de Letras da UFF - Dossi: Dossi: Lngua em uso no 47, p. 333-355

    O que ocorre, nesses casos, que o processo fonolgico em questo se comporta de modo diferenciado quando atua em processos morfolgicos di-ferentes. Dito de outra maneira, o apagamento de nasal diante de soantes ocorre em casos de derivao prefixal (iN-+real > irreal; iN-+lgico > ilgico), mas no em casos de parassntese (eN-+raiva+-ecer > enraivecer, *erraivecer; eN-+luto+-ar > enlutar, *elutar). Tal fato revela que os dois processos devem ser alocados em diferentes estratos lexicais, em funo, por exemplo, da sensi-bilidade que despertam regra de apagamento de nasal.

    Como se v, a fonologia lexical aborda a interface morfologia-fonologia de modo bastante satisfatrio, conseguindo preencher uma srie de lacunas deixadas nas abordagens precedentes. Apesar disso, no foi capaz de lidar com um tipo de morfologia que sempre se colocou como desafio para vrios mode-los, de diferentes linhas tericas: a morfologia no-concatenativa.

    3. A morfologia no-concatenativa e os novos modelos para a interface em tela

    Nos processos aglutinativos, um elemento plenamente especificado re-mete a algum tipo de significado e adjungido ou esquerda ou direita de outro. Nos no-concatenativos, ao contrrio, uma forma de base sofre mo-dificaes fonolgicas de natureza variada, no havendo, em consequncia, estrito encadeamento de elementos morfolgicos: o resultado da operao dificilmente leva a uma diviso da palavra em unidades discretas de forma e significado. No quadro em (12) a seguir, adaptado de Gonalves (2011: 89)28, apresentamos e exemplificamos os principais tipos de operaes no--concatenativas encontradas em portugus:

    28 GONALVES, C. A. V. Iniciao aos estudos morfolgicos: flexo e derivao em portugus. So Paulo: Contexto.

  • 346 Gonalves, Carlos Alexandre. Interface morfologia-fonologia: teorias, abordagens e temas

    Quadro 2: Os processos no-concatenativos

    PROCESSO DETALHAMENTO E EXEMPLOSReduplicao Uma palavra (ou parte dela) redobrada, sendo o material

    replicado anexado, posteriormente, sua esquerda ou sua direita:pega-pega, bate-bate; bolol, choror, bafaf, trelel

    Subtrao Uma forma de base perde um segmento, uma slaba ou uma sequncia de sons:mau > m, irmo > irm; refrigerante > refri, bijuteria > biju; Alexandre > Al ou Xande, Helosa > Hel

    Cincunfixao Um elemento morfolgico dividido em partes para que, em seu interior, um outro seja anexado:anoitecer, empobrecer; alargar, enlatar

    Mutao segmental Uma alternncia voclica ou consonantal utilizada com fins morfolgicos, servindo ela mesma como expoente primrio ou secundrio de uma categoria gramatical:Sinto/sente, durmo/dorme; av/av, novo/novos

    Fuso Duas formas de base se emaranham de tal forma que acabam compartilhando um ou mais elementos:chaf, lixeratura, cantriz, boilarina

    Acronmia Palavra manufatura normalmente criada a partir das iniciais de expresses consitudas de pelo menos duas palavras:OVNI, CEP, PIS, CIC, CUT

    (12)

    O portugus, como as demais lnguas indo-europias, apresenta morfolo-gia predominantemente aglutinativa, uma vez que a grande maioria das opera-es envolve concatenao de afixos ou de radicais. No entanto, h vrios pro-cessos que no operam com rigoroso encadeamento de formas (GONALVES, 2006)29. Nesses exemplos, uma forma de base pode adquirir feio fonolgica diferente para veicular um contedo gramatical, como na flexo verbal, em que mudanas voclicas so associadas expresso de nmero/pessoa (pude/pde) e modo/tempo/aspecto (pde/pode), ou formar nova palavra, como ocorre

    29 GONALVES, C. A. V.Usos morfolgicos: os processos marginais de formao de palavras em portugus. Gragoat (UFF), v. 21, p. 219-242, 2006.

  • 347Cadernos de Letras da UFF - Dossi: Dossi: Lngua em uso no 47, p. 333-355

    no cruzamento vocabular (futevlei, sacol, brasiguaio) e na reduplicao (empurra-empurra, pula-pula), processos a servio da expanso lexical.

    At a dcada de 1980, processos como os apresentados em (13) foram deliberadamente deixados margem das descries morfolgicas: no ha-via como acomod-los satisfatoriamente em modelos estritamente lineares. Assim, foi graas ao advento das chamadas fonologias no-lineares, como a fonologia autossegmental, a fonologia mtrica e a fonologia prosdica, que esses processos saram da obscuridade e passaram a fazer parte da agenda de trabalho de dois importantes modelos liderados por Jonh McCarthy, da Universidade de Massachusetts Amherst: (1) a morfologia autossegmental (Mc-CARTHY, 1981)30 e (2) a morfologia prosdica (McARTHY, 1986)31. Desse modo, a abordagem no linear das representaes fonolgicas logo repercutiu no campo da morfologia, promovendo a rpida emergncia dos estudos sobre as operaes no-concatenativas. McCarthy (1981: 411)32 assim se posiciona acerca da importncia das operaes morfolgicas no-lineares:

    percebemos que o modelo prosdico de morfologia no somente fornece uma descrio reveladora das complexidades do verbo em rabe, mas tambm fornece uma grande variedade de resultados com relao s propriedades universais de fenmenos de morfologia no-concatenativa.

    Em McCarthy (1981)32, encontram-se as bases da morfologia autosseg-mental. Em linhas bem gerais, esse modelo constitui desdobramento natural da fonologia autossegmental, em sua verso apresentada em Goldsmith (1976)32. McCarthy (1981)32 prope que mecanismos autossegmentais independente-mente motivados inicialmente usados para o estudo do tom e de outros tra-os prosdicos sejam estendidos para o tratamento da morfologia no-con-catenativa. Crucial para a proposta a ideia de que expoentes identificveis de

    30 McCARTHY, J. A prosodic theory of nonconcatenative morphology. Linguistic Inquiry 12, Cambridge, MA, MIT, 1981, p. 373-418.

    31 McCARTHY, J. Prosodic morphology. Amherst: University of Massachusetts and Brandeis University, 1986.

    32 GOLDSMITH, J. The aims of autosegmental phonology. Bloomington, Indiana, Indiana University Press, 1976.

  • 348 Gonalves, Carlos Alexandre. Interface morfologia-fonologia: teorias, abordagens e temas

    categorias morfolgicas so separados em diferentes planos ou dimenses de re-presentao. Na sua aplicao da teoria autossegmental morfologia do rabe, McCarthy (1979)33 prope que uma palavra seja dividida em tiers separados para melodias voclicas e consonantais, que so linkadas a um template (molde) com informaes de posies de vogais e consoantes numa sequncia-modelo.

    A proposta de Morfologia Autossegmental, feita em McCarthy (1981)34, pode ser resumida da seguinte maneira: (i) camadas autnomas de autosseg-mentos representam diferentes tipos de morfema e se relacionam por linhas de associao que no podem cruzar; (ii) regras podem desligar segmentos do tier CV e, com isso, promover a realocao do elemento flutuante em outras posi-es disponveis no molde; (iii) cada morfema projeta uma camada morfolgica prpria (hiptese do tier morfmico); (iv) a ligao dos elementos de uma cama-da outra pode ser feita da esquerda para a direita ou da direita para a esquer-da, conforme a direcionalidade privilegiada pela lngua; e (v) um princpio da gramtica, chamado tier conflation, responsvel pela linearizao das formas.

    Passemos, a seguir, anlise de um fenmeno da morfologia do portu-gus que pode ser formalmente expresso com o instrumental fornecido pela morfologia autossegmental, a chamada mutao voclica (alternncia de vo-gais com fins morfolgicos). Para tanto, consideramos, aqui, apenas um pa-dro: a alternncia voclica que ocorre no pretrito perfeito do indicativo e o nico expoente da informao nmero-pessoal:

    (13) P1: tive, fiz, pude, estive P3: teve, fez, pode, esteve

    De acordo com Gonalves & Vivas (2011)35, trs tiers independentes so relevantes na representao morfolgica do verbo no pretrito perfeito do in-dicativo. O tier de raiz responsvel por expressar o contedo lexical do verbo

    33 McCARTHY, J. Formal problems in semitic phonology and morphology. Ph. D. Dissertation, MIT, Cambridge, MA, 1979.

    34 McCARTHY, J. A prosodic theory of nonconcatenative morphology. Linguistic Inquiry 12, Cambridge, MA, MIT, 1981, pp. 373-418.

    35 GONALVES, C. A. V.; VIVAS, V. M.Alternncia voclica na flexo verbal do portugus: anlise pela Morfologia Autossegmental. LinguStica, 7 (1), junho de2011, Teoria Fonol-gica: variao e arquitetura da gramtica, p. 79-98, 2011.

  • 349Cadernos de Letras da UFF - Dossi: Dossi: Lngua em uso no 47, p. 333-355

    e plenamente especificado para todos os seus segmentos, exceto para a vogal que se localiza na slaba tnica, referenciada apenas como [-aberto 1, -aberto 3] e no-especificada para [aberto 2], trao autossegmentalizado, por ser respon-svel pela informao de pessoa: a definio da vogal da raiz como alta (fiz, pude, tive, estive) ou mdia-alta (fez, pode, teve, esteve) determina se o verbo est na P1 ou na P3 e, por isso mesmo, o segmento da raiz no pode ser especificado por [aberto 2], nico expoente dessa informao morfolgica36.

    Alm dos tiers de raiz e de abertura voclica, a outra camada autnoma existente o tier esqueletal, ao qual os demais tiers devem ser linkados. A direo do mapeamento esquerda-direita; os diferentes segmentos da raiz linkam-se, um a um, ao tier esqueletal. A vogal subespecificada (indicada pelo smbolo V) linka-se, no molde esqueletal, a [aberto 2] da camada de abertura. Ilustramos, abaixo, o modelo de formalizao para a alternncia voclica nesse padro. Aqui, a letra grega representa informao morfolgica e a,b,c, seg-mentos plenamente especificados:

    36 Estamos utilizando a proposta de Clements & Hume (1995) para representar as vogais de nossa lngua. Em linhas gerais, o trao [+aberto 1] responsvel por indicar a altura baixa e [-aberto 2] diferencia o nvel alto. Para se referir s mdias, preciso observar a ligao de [aberto] na camada 3. Desse modo, verificamos que a altura mdia-baixa indicada pelo trao [+aberto 3] e a mdia-alta, por [-aberto 3].

    CLEMENTS, G. N. & HUME, E. V. The Internal Organization of Speech Sounds. In: GOLDSMITH, J. A. (ed.). The Handbook of Phonological Theory. Oxford, Blackwell Publi-shers, pp. 245-306, 1995.

  • 350 Gonalves, Carlos Alexandre. Interface morfologia-fonologia: teorias, abordagens e temas

    Na informao de P1, a vogal, previamente especificada como [-aberto1, -aberto 3], atualiza-se como alta, ligando-se, portanto, a [-aberto 2]. Como demonstrado na formalizao a seguir, para tive, a camada de abertura a res-ponsvel por manifestar o contedo nmero-pessoal (P1). Posteriormente, feito o link dos elementos meldicos da raiz s posies de X no tier esqueletal:

    Com a formalizao de tive, fica evidente que a realizao da vogal como alta o nico expoente da informao de P1. Como esse fato tambm acontece com a vogal posterior (pude), confirma-se serem as especificaes de local de V ([coronal], [labial], [dorsal]) irrelevantes. A formalizao para P3 semelhante de P1; a nica diferena est na especificao no tier de abertura. Como a vogal mdia (teve, pode) o segmento responsvel pela informao de P3, a especificao na camada de abertura [+aberto 2], como ilustramos a seguir, para pode:

  • 351Cadernos de Letras da UFF - Dossi: Dossi: Lngua em uso no 47, p. 333-355

    Com a formalizao de tive, fica evidente que a realizao da vogal como alta

    o nico expoente da informao de P1. Como esse fato tambm acontece com a vogal

    posterior (pude), confirma-se serem as especificaes de local de V ([coronal],

    [labial], [dorsal]) irrelevantes. A formalizao para P3 semelhante de P1; a nica

    diferena est na especificao no tier de abertura. Como a vogal mdia (teve, pode)

    o segmento responsvel pela informao de P3, a especificao na camada de abertura

    [+aberto 2], como ilustramos a seguir, para pode:

    (16)

    Numa posterior verso da morfologia no-concatenativa, a morfologia

    prosdica, McCarthy (1986)39 argumenta contra moldes segmentais em favor de moldes

    prosdicos. Nesse aspecto, foi de grande inspirao a fonologia prosdica, outro sub-

    39 McCARTHY, J. Prosodic morphology. Amherst: University of Massachusetts and Brandeis

    University, 1986.

    /p/ /o/ /d/ /I/ [po.]

    x x x x

    /p/ V /d/ /I/

    x x x x

    [+aberto 2]

    radical

    abertura (P3)

    tier esqueletal TC

    Numa posterior verso da morfologia no-concatenativa, a morfologia prosdica, McCarthy (1986)37 argumenta contra moldes segmentais em fa-vor de moldes prosdicos. Nesse aspecto, foi de grande inspirao a fonolo-gia prosdica, outro sub-ramo da fonologia no-linear (NESPOR; VOGEL, 1986)38, que, ao abordar com mais rigor a questo dos domnios relevantes para a aplicao das regras fonolgicas, prope uma organizao hierrquica de constituintes, como em (17), a seguir.

    ramo da fonologia no-linear (NESPOR; VOGEL, 1986)40, que, ao abordar com mais

    rigor a questo dos domnios relevantes para a aplicao das regras fonolgicas, prope

    uma organizao hierrquica de constituintes, como em (17), a seguir.

    (17) (palavra prosdica) >> (p) >> (slaba) >> (mora)

    A teoria da morfologia prosdica, desenvolvida em McCarthy & Prince

    (1990)41, baseada em trs principais teses:

    (18) Hiptese Bsica da MP: Moldes (templates) so definidos em termos de

    autnticas unidades da Prosdia mora (), slaba (), p ( ) e palavra

    fonolgica () e constituem afirmao geral a respeito da estrutura

    possvel de determinados processos morfolgicos (p. 98);

    Condio de Satisfao ao Molde: Processos morfolgicos satisfazem um

    molde especfico que pode ser determinado tanto por princpios universais da

    prosdia quanto por princpios de boa-formao de lnguas individuais; e

    Circunscrio Prosdica: O domnio sobre o qual determinadas operaes

    morfolgicas se aplicam pode ser mapeado por primitivos prosdicos, da

    mesma forma que, na morfologia concatenativa, afixos se circunscrevem a

    domnios morfolgicos como raiz, tema e palavra.

    A primeira tese estabelece que o molde, na morfologia prosdica, definido

    pelas categorias da hierarquia prosdica (no em termos de unidades CV), o que

    constitui importante novidade em relao proposta anterior. A segunda tese requer que

    o molde satisfaa condies de boa-formao prosdica. Sob essa condio, admite-se a

    presena de material fonolgico que seja posteriormente filtrado por um conjunto de

    40 NESPOR, Marina; VOGEL, Irene. Prosodic Phonology. Dordrecht: Foris, 1986. 41 McCARTHY, J. & PRINCE, A. Prosodic Morphology and Templatic Morphology. In: EID, M.;

    McCARTHY, J. J. (Org.). Perspectives on arabic linguistics: papers from the second symposium. Amsterdam: Benjamins. 1990, p.1-54.

    A teoria da morfologia prosdica, desenvolvida em McCarthy & Prince (1990)39, baseada em trs principais teses:

    (18) Hiptese Bsica da MP: Moldes (templates) so definidos em termos de autnticas unidades da Prosdia mora (), slaba (

    ramo da fonologia no-linear (NESPOR; VOGEL, 1986)40, que, ao abordar com mais

    rigor a questo dos domnios relevantes para a aplicao das regras fonolgicas, prope

    uma organizao hierrquica de constituintes, como em (17), a seguir.

    (17) (palavra prosdica) >> (p) >> (slaba) >> (mora)

    A teoria da morfologia prosdica, desenvolvida em McCarthy & Prince

    (1990)41, baseada em trs principais teses:

    (18) Hiptese Bsica da MP: Moldes (templates) so definidos em termos de

    autnticas unidades da Prosdia mora (), slaba (), p ( ) e palavra

    fonolgica () e constituem afirmao geral a respeito da estrutura

    possvel de determinados processos morfolgicos (p. 98);

    Condio de Satisfao ao Molde: Processos morfolgicos satisfazem um

    molde especfico que pode ser determinado tanto por princpios universais da

    prosdia quanto por princpios de boa-formao de lnguas individuais; e

    Circunscrio Prosdica: O domnio sobre o qual determinadas operaes

    morfolgicas se aplicam pode ser mapeado por primitivos prosdicos, da

    mesma forma que, na morfologia concatenativa, afixos se circunscrevem a

    domnios morfolgicos como raiz, tema e palavra.

    A primeira tese estabelece que o molde, na morfologia prosdica, definido

    pelas categorias da hierarquia prosdica (no em termos de unidades CV), o que

    constitui importante novidade em relao proposta anterior. A segunda tese requer que

    o molde satisfaa condies de boa-formao prosdica. Sob essa condio, admite-se a

    presena de material fonolgico que seja posteriormente filtrado por um conjunto de

    40 NESPOR, Marina; VOGEL, Irene. Prosodic Phonology. Dordrecht: Foris, 1986. 41 McCARTHY, J. & PRINCE, A. Prosodic Morphology and Templatic Morphology. In: EID, M.;

    McCARTHY, J. J. (Org.). Perspectives on arabic linguistics: papers from the second symposium. Amsterdam: Benjamins. 1990, p.1-54.

    ), p (

    ramo da fonologia no-linear (NESPOR; VOGEL, 1986)40, que, ao abordar com mais

    rigor a questo dos domnios relevantes para a aplicao das regras fonolgicas, prope

    uma organizao hierrquica de constituintes, como em (17), a seguir.

    (17) (palavra prosdica) >> (p) >> (slaba) >> (mora)

    A teoria da morfologia prosdica, desenvolvida em McCarthy & Prince

    (1990)41, baseada em trs principais teses:

    (18) Hiptese Bsica da MP: Moldes (templates) so definidos em termos de

    autnticas unidades da Prosdia mora (), slaba (), p ( ) e palavra

    fonolgica () e constituem afirmao geral a respeito da estrutura

    possvel de determinados processos morfolgicos (p. 98);

    Condio de Satisfao ao Molde: Processos morfolgicos satisfazem um

    molde especfico que pode ser determinado tanto por princpios universais da

    prosdia quanto por princpios de boa-formao de lnguas individuais; e

    Circunscrio Prosdica: O domnio sobre o qual determinadas operaes

    morfolgicas se aplicam pode ser mapeado por primitivos prosdicos, da

    mesma forma que, na morfologia concatenativa, afixos se circunscrevem a

    domnios morfolgicos como raiz, tema e palavra.

    A primeira tese estabelece que o molde, na morfologia prosdica, definido

    pelas categorias da hierarquia prosdica (no em termos de unidades CV), o que

    constitui importante novidade em relao proposta anterior. A segunda tese requer que

    o molde satisfaa condies de boa-formao prosdica. Sob essa condio, admite-se a

    presena de material fonolgico que seja posteriormente filtrado por um conjunto de

    40 NESPOR, Marina; VOGEL, Irene. Prosodic Phonology. Dordrecht: Foris, 1986. 41 McCARTHY, J. & PRINCE, A. Prosodic Morphology and Templatic Morphology. In: EID, M.;

    McCARTHY, J. J. (Org.). Perspectives on arabic linguistics: papers from the second symposium. Amsterdam: Benjamins. 1990, p.1-54.

    ) e pala-

    37 McCARTHY, J. Prosodic morphology. Amherst: University of Massachusetts and Brandeis University, 1986.

    38 NESPOR, Marina; VOGEL, Irene. Prosodic Phonology. Dordrecht: Foris, 1986.39 McCARTHY, J. & PRINCE, A. Prosodic Morphology and Templatic Morphology. In:

    EID, M.; McCARTHY, J. J. (Org.). Perspectives on arabic linguistics: papers from the second symposium. Amsterdam: Benjamins. 1990, p. 1-54.

  • 352 Gonalves, Carlos Alexandre. Interface morfologia-fonologia: teorias, abordagens e temas

    vra fonolgica (

    ramo da fonologia no-linear (NESPOR; VOGEL, 1986)40, que, ao abordar com mais

    rigor a questo dos domnios relevantes para a aplicao das regras fonolgicas, prope

    uma organizao hierrquica de constituintes, como em (17), a seguir.

    (17) (palavra prosdica) >> (p) >> (slaba) >> (mora)

    A teoria da morfologia prosdica, desenvolvida em McCarthy & Prince

    (1990)41, baseada em trs principais teses:

    (18) Hiptese Bsica da MP: Moldes (templates) so definidos em termos de

    autnticas unidades da Prosdia mora (), slaba (), p ( ) e palavra

    fonolgica () e constituem afirmao geral a respeito da estrutura

    possvel de determinados processos morfolgicos (p. 98);

    Condio de Satisfao ao Molde: Processos morfolgicos satisfazem um

    molde especfico que pode ser determinado tanto por princpios universais da

    prosdia quanto por princpios de boa-formao de lnguas individuais; e

    Circunscrio Prosdica: O domnio sobre o qual determinadas operaes

    morfolgicas se aplicam pode ser mapeado por primitivos prosdicos, da

    mesma forma que, na morfologia concatenativa, afixos se circunscrevem a

    domnios morfolgicos como raiz, tema e palavra.

    A primeira tese estabelece que o molde, na morfologia prosdica, definido

    pelas categorias da hierarquia prosdica (no em termos de unidades CV), o que

    constitui importante novidade em relao proposta anterior. A segunda tese requer que

    o molde satisfaa condies de boa-formao prosdica. Sob essa condio, admite-se a

    presena de material fonolgico que seja posteriormente filtrado por um conjunto de

    40 NESPOR, Marina; VOGEL, Irene. Prosodic Phonology. Dordrecht: Foris, 1986. 41 McCARTHY, J. & PRINCE, A. Prosodic Morphology and Templatic Morphology. In: EID, M.;

    McCARTHY, J. J. (Org.). Perspectives on arabic linguistics: papers from the second symposium. Amsterdam: Benjamins. 1990, p.1-54.

    ) e constituem afirmao geral a respeito da estrutura possvel de determinados processos morfolgicos (p. 98);

    Condio de Satisfao ao Molde: Processos morfolgicos satisfazem um molde especfico que pode ser determinado tanto por princpios uni-versais da prosdia quanto por princpios de boa-formao de lnguas individuais; e

    Circunscrio Prosdica: O domnio sobre o qual determinadas operaes morfolgicas se aplicam pode ser mapeado por primiti-vos prosdicos, da mesma forma que, na morfologia concatenativa, afixos se circunscrevem a domnios morfolgicos como raiz, tema e palavra.

    A primeira tese estabelece que o molde, na morfologia prosdica, de-finido pelas categorias da hierarquia prosdica (no em termos de unidades CV), o que constitui importante novidade em relao proposta anterior. A segunda tese requer que o molde satisfaa condies de boa-formao pro-sdica. Sob essa condio, admite-se a presena de material fonolgico que seja posteriormente filtrado por um conjunto de condies de boa-formao, como, por exemplo, a obrigatoriedade do constituinte onset e o licenciamento de determinados segmentos para a posio de coda silbica. A terceira tese a central e demanda que operaes morfolgicas sejam circunscritas por cri-trios prosdicos tanto quanto por expedientes morfolgicos. Fundamental para a circunscrio prosdica a funo de parseamento (F), que localiza um domnio prosodicamente delimitado para aplicao de uma regra morfolgica menor que a base. De acordo com McCarthy & Prince (1990)41, a circunscri-o pode ser tanto negativa quanto positiva.

    Numa circunscrio negativa, algum constituinte prosdico escane-ado dissociado e a operao morfolgica aplica o material remanescente. Na circunscrio positiva, o constituinte prosodicamente delimitado de uma margem serve, ele mesmo, como a base de uma operao morfolgica. Nesse caso, a frmula O/F (C, M)+ escrita para denotar a aplicao de O para o constituinte C, parseado na margem M por F, que ser efetivamente utilizado no processo (+).

  • 353Cadernos de Letras da UFF - Dossi: Dossi: Lngua em uso no 47, p. 333-355

    Um dos padres de truncamento descritos em Gonalves & Vazquez (2004)40, Vazquez41 (2008) e Belchor (2009)42 e aludido em Sandmann (1989)43 como encurtamento tipo refri pode ser analisado, com os instru-mentos da morfologia prosdica, por meio de uma circunscrio positiva. Nos dados em (19), a seguir, o processo de truncamento cria disslabos oxtonos:

    (19) refrigerante refri prejuzo preju tatuagem tatu profissional profi visual visu razovel razu bijuteria biju paraba par depresso depr

    Numa anlise pela morfologia prosdica, uma circunscrio positiva ras-treia, da esquerda para a direita (D E), duas slabas (

    ramo da fonologia no-linear (NESPOR; VOGEL, 1986)40, que, ao abordar com mais

    rigor a questo dos domnios relevantes para a aplicao das regras fonolgicas, prope

    uma organizao hierrquica de constituintes, como em (17), a seguir.

    (17) (palavra prosdica) >> (p) >> (slaba) >> (mora)

    A teoria da morfologia prosdica, desenvolvida em McCarthy & Prince

    (1990)41, baseada em trs principais teses:

    (18) Hiptese Bsica da MP: Moldes (templates) so definidos em termos de

    autnticas unidades da Prosdia mora (), slaba (), p ( ) e palavra

    fonolgica () e constituem afirmao geral a respeito da estrutura

    possvel de determinados processos morfolgicos (p. 98);

    Condio de Satisfao ao Molde: Processos morfolgicos satisfazem um

    molde especfico que pode ser determinado tanto por princpios universais da

    prosdia quanto por princpios de boa-formao de lnguas individuais; e

    Circunscrio Prosdica: O domnio sobre o qual determinadas operaes

    morfolgicas se aplicam pode ser mapeado por primitivos prosdicos, da

    mesma forma que, na morfologia concatenativa, afixos se circunscrevem a

    domnios morfolgicos como raiz, tema e palavra.

    A primeira tese estabelece que o molde, na morfologia prosdica, definido

    pelas categorias da hierarquia prosdica (no em termos de unidades CV), o que

    constitui importante novidade em relao proposta anterior. A segunda tese requer que

    o molde satisfaa condies de boa-formao prosdica. Sob essa condio, admite-se a

    presena de material fonolgico que seja posteriormente filtrado por um conjunto de

    40 NESPOR, Marina; VOGEL, Irene. Prosodic Phonology. Dordrecht: Foris, 1986. 41 McCARTHY, J. & PRINCE, A. Prosodic Morphology and Templatic Morphology. In: EID, M.;

    McCARTHY, J. J. (Org.). Perspectives on arabic linguistics: papers from the second symposium. Amsterdam: Benjamins. 1990, p.1-54.

    ramo da fonologia no-linear (NESPOR; VOGEL, 1986)40, que, ao abordar com mais

    rigor a questo dos domnios relevantes para a aplicao das regras fonolgicas, prope

    uma organizao hierrquica de constituintes, como em (17), a seguir.

    (17) (palavra prosdica) >> (p) >> (slaba) >> (mora)

    A teoria da morfologia prosdica, desenvolvida em McCarthy & Prince

    (1990)41, baseada em trs principais teses:

    (18) Hiptese Bsica da MP: Moldes (templates) so definidos em termos de

    autnticas unidades da Prosdia mora (), slaba (), p ( ) e palavra

    fonolgica () e constituem afirmao geral a respeito da estrutura

    possvel de determinados processos morfolgicos (p. 98);

    Condio de Satisfao ao Molde: Processos morfolgicos satisfazem um

    molde especfico que pode ser determinado tanto por princpios universais da

    prosdia quanto por princpios de boa-formao de lnguas individuais; e

    Circunscrio Prosdica: O domnio sobre o qual determinadas operaes

    morfolgicas se aplicam pode ser mapeado por primitivos prosdicos, da

    mesma forma que, na morfologia concatenativa, afixos se circunscrevem a

    domnios morfolgicos como raiz, tema e palavra.

    A primeira tese estabelece que o molde, na morfologia prosdica, definido

    pelas categorias da hierarquia prosdica (no em termos de unidades CV), o que

    constitui importante novidade em relao proposta anterior. A segunda tese requer que

    o molde satisfaa condies de boa-formao prosdica. Sob essa condio, admite-se a

    presena de material fonolgico que seja posteriormente filtrado por um conjunto de

    40 NESPOR, Marina; VOGEL, Irene. Prosodic Phonology. Dordrecht: Foris, 1986. 41 McCARTHY, J. & PRINCE, A. Prosodic Morphology and Templatic Morphology. In: EID, M.;

    McCARTHY, J. J. (Org.). Perspectives on arabic linguistics: papers from the second symposium. Amsterdam: Benjamins. 1990, p.1-54.

    ). O material fonol-gico escaneado pela circunscrio repassado para um molde, prosodicamente definido como um iambo, isto , como um p binrio em que a cabea figura direita (. *). Como resultado, a operao leva a formas com acento final, isto , a palavras sempre dissilbicas.

    (19) refrigerante refri prejuzo preju tatuagem tatu profissional profi visual visu razovel razu bijuteria biju paraba par depresso depr

    Numa anlise pela morfologia prosdica, uma circunscrio positiva rastreia, da

    esquerda para a direita (D E), duas slabas (). O material fonolgico escaneado

    pela circunscrio repassado para um molde, prosodicamente definido como um

    iambo, isto , como um p binrio em que a cabea figura direita (. *). Como

    resultado, a operao leva a formas com acento final, isto , a palavras sempre

    dissilbicas.

    (20) circunscrio positiva [input] [ta.tu.a. j ]] [p o.fi.sjo.aw]

    ## D E

    ( . *) [molde] [ta.tu] [p o.fi] ( . *) ( . *) [output] [ta.tu] [p o.fi]

    Como se v em (21), h um nvel intermedirio de representao entre o input e

    o output, o que faz da morfologia prosdica um modelo fundamentalmente

    transderivacional (GONALVES, 2009)46. Por fora da circunscrio prosdica,

    condies atuam no input, gerando um output (molde), que, por sua vez, passa a ser o

    input sobre o qual podem atuar determinadas condies de boa-formao. Uma vez

    satisfeitas, essas condies levam forma final (output real): o molde [...] a frma

    gerada pela circunscrio, mas tambm a forma a ser regulada pelas condies de boa-

    formao silbica (GONALVES, 2006, p.33)47.

    46 GONALVES, C. A. V. Introduo morfologia no-linear. Rio de Janeiro: Publit, 2009. 47 GONALVES, C. A. V. Usos morfolgicos. Gragoat (UFF), v. 21, p. 219-242, 2006.

    Como se v em (21), h um nvel intermedirio de representao entre o input e o output, o que faz da morfologia prosdica um modelo fundamental-

    40 GONALVES, C. A. V.; VAZQUEZ, R. P. Fla X Flu no Maraca: uma anlise otimalista do truncamento no portugus do Brasil. In: SILVA, J. P. da. (Org.). Questes de morfossintaxe. Volume 8. Rio de Janeiro: CiFeFil, 2004. p. 56-64.

    41 VAZQUEZ, R. P. A criao lexical via formas truncadas: uma anlise do fenmeno no espa-nhol. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ, 2008.

    42 BELCHOR, A. P. V. Construes de truncamento no portugus do Brasil: anlise estrutural luz da Teoria da Otimalidade. Dissertao (Mestrado em Letras Vernculas) UFRJ/Facul-dade de Letras, Rio de Janeiro, 2009.

    43 SANDMANN, A. J. Morfologia geral. So Paulo: Contexto, 1989.

  • 354 Gonalves, Carlos Alexandre. Interface morfologia-fonologia: teorias, abordagens e temas

    mente transderivacional (GONALVES, 2009)44. Por fora da circunscrio prosdica, condies atuam no input, gerando um output (molde), que, por sua vez, passa a ser o input sobre o qual podem atuar determinadas condies de boa-formao. Uma vez satisfeitas, essas condies levam forma final (ou-tput real): o molde [...] a frma gerada pela circunscrio, mas tambm a forma a ser regulada pelas condies de boa-formao silbica (GONAL-VES, 2006, p. 33)45.

    Sem dvida alguma, o modelo proposto por McCarthy & Prince (1990)46 consegue descrever e representar, satisfatria e elegantemente, pro-cessos morfolgicos considerados, at ento, mal-comportados, manobras difceis, mas necessrias ou mesmo de difcil formalizao (GONALVES, 2009: 23)47. A morfologia prosdica, portanto, abre espao para o estudo de mecanismos h muito relegados em funo de seu comportamento especial, diferenciado. Uma investigao sistemtica sobre a natureza desses processos tem de ser feita exatamente nessa dimenso, pois temos, aqui, exemplos con-cretos de como a morfologia e a fonologia se misturam de tal forma que mui-tas vezes difcil decidir onde uma termina e a outra comea.

    Com os recentes desenvolvimentos na teoria fonolgica e, mais espe-cificamente, a partir da emergncia do tratamento das restries no quadro estabelecido pela teoria da otimalidade (PRINCE & SMOLENSKY, 1993)48, McCarthy e Prince (1995)49 reformularam a morfologia prosdica, de modo que ela passasse a ser concebida tambm como uma teoria de interao de restries. H, no mbito da otimalidade, pelo menos dois sub-modelos que lidam mais diretamente com a interface morfologia-fonologia: a teoria da cor-respondncia (McCARTHY & PRINCE, 1995)50, que incorpora muitos dos

    44 GONALVES, C. A. V. Introduo morfologia no-linear. Rio de Janeiro: Publit, 2009.45 GONALVES, C. A. V.Usos morfolgicos. Gragoat (UFF), v. 21, p. 219-242, 2006.46 McCARTHY, J. & PRINCE, A. Prosodic Morphology and Templatic Morphology. In:

    EID, M.; McCARTHY, J. J. (Org.). Perspectives on arabic linguistics: papers from the second symposium. Amsterdam: Benjamins. 1990, p.1-54.

    47 GONALVES, C. A. V. Introduo morfologia no-linear. Rio de Janeiro: Publit, 2009.48 PRINCE, A. S.; SMOLENSKY, P. Optimality theory: constraints and interaction

    in Generative Grammar. Boulder: University of Colorado, 1993.49 McCARTHY, J. J.; PRINCE, A. S. Faithfulness and reduplicative e identity. In: BECK-

    MAN, J.; DICKEY, L.; URBANCZYK S. (Org.). University of Massachusetts Occasional Papers in Linguistics 18: Papers in Optimality Theory. Amherst: GLSA, 1995. p.333-379.

  • 355Cadernos de Letras da UFF - Dossi: Dossi: Lngua em uso no 47, p. 333-355

    achados da morfologia prosdica, e TO estratal (KIPARSKY, 1997)50, que abandona o princpio do paralelismo e com isso prev, como na fonologia le-xical, estratos ordenados na descrio de fenmenos morfo-fonolgicos. Isso, no entanto, assunto para outro paper.

    PHONOLOGY-MORPHOLOGY INTERFACE: THEORIES, APPROACHES AND THEMES

    ABSTRACTIn this paper, we describe the theoretical models for the treatment of the morphology-phonology interface in contemporary linguistics until the advent of optimality theory (in the early 1990s). By focusing on the differ-ence between uni and bilateral proposals to the treat-ment of these two levels, we present some phenomena of Portuguese that can be described in this perspective.

    KEYWORDS: morphology, phonology; interface.

    Recebido em: 20/03/2013 Aprovado em: 20/20/2013

    50 KIPARSKY, P. Lexical Phonology & Morphology. Iceland: Scancinavian Summer School in Generative Phonology, 1997.