integridade_dworkin

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  • 8/6/2019 Integridade_Dworkin

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    A LEI EM RONALD DWORKIN. BREVES CONSIDERAES SOBREA INTEGRIDADE NO DIREITO.

    Marcos Csar BOTELHO1

    RESUMO: O presente artigo visa discutir os principais aspectos do modelo tericoproposto por Ronald Dworkin referente a noo de integridade no Direito. Adiscusso partiu da distino feita pelo pensador americano entre regras e princpiose como ele compreende estes ltimos como Standards. Discutiu-se, ainda, aconcepo dworkiana da lei como interpretao e de como ele a entende como umadescrio da histria legal combinada com elementos descritivos e valorativos, almdo papel do juiz Hrcules, figura idealizada por Dworkin, possuidora de habilidade econhecimento sobre-humanos. Tratou-se, ao final, do conceito de integridade nodireito, como elemento necessrio para o desenvolvimento da atividadeinterpretativa do juiz, alm de tecidas consideraes finais e algumas crticas aopensamento de Dworkin, sobretudo em relao as idealizaes e o papel daintegridade no Direito, buscando apontar como caminho para as falhas no modelo,as idias propostas por Habermas em seu procedimentalismo.

    Palavras-chave: Dworkin; Integridade; regras; princpios; interpretao.

    ABSTRACT: The present article wants to discuss the most important parts of RonaldDworkins theoretical model considering his idea of Law Integrity. The analysisstarted of distinction made by Dworkin between rules and principles and as heunderstood the principles as standards. Also it has discussed de manner as Dworkinhas a conception of law as interpretation e his understanding this fact as a

    description of the legal history combined with descriptive elements as well as the roleof the judge Hercules, a Dworkins idealization, which it has a great knowledge andcapability. It has dealt with about de concept of law integrity, as a necessary elementto the development of interpretative activity of the judge as well as it was made someconsiderations e some critical to the Dworkins thought trying to show a possible wayto solve this failures through habermasian model.

    Key-words: Dworkin; integrity, rules; principles; interpretation.

    INTRODUO

    As discusses modernas sobre a fundamentao e aplicao do direito

    trazem tona os desafios a que so submetidos os operadores do direito na

    sociedade ps-moderna.

    Pensadores como Gadamer, Habermas, Alexy, Raz, Gnther e

    Dworkin travaram debates intensos sobre a melhor forma de se construir uma

    Advogado da Unio. Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Pblico.Doutorando em Direito pela Instituio Toledo de Ensino. Coordenador-Geral de Atos Normativos daCONJUR do Ministrio da Defesa

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    interpretao da lei que reflita o carter democrtico e inclusivo exigido pelo direito

    contemporneo.

    Mais do que modelos de fundamentao da norma, o grande problema

    reside na concretizao do comando legal, sobretudo diante das peculiaridades que

    os casos concretos apresentam.

    As discusses, ento, perpassam pela existncia de uma distino ou

    no entre regras e princpios, o papel do contexto histrico, valores e moral,

    elementos idealizadores e universais, dentre outros pontos reveladores da

    complexidade do assunto.

    Ronald Dworkin, criticando o positivismo jurdico apresenta um modelo

    terico que visa dar uma resposta adequada a questo da interpretao, sobretudopara o que ele chama de casos difceis (hard cases), partindo de sua ideia de

    integridade do Direito.

    O presente artigo visa discutir alguns pontos do pensamento de

    Dworkin, visando extrair os seus principais aspectos, sobretudo quanto ao papel do

    juiz Hrcules e seu lugar em um modelo de integridade do Direito.

    Neste diapaso, iniciou-se uma abordagem da distino feita por

    Dworkin entre princpios e regras, e o modo como ele concebe aqueles comostandardse no como mandatos de otimizao. No segundo tpico, discutiu-se a

    concepo dworkiana da lei como interpretao e de como ele a entende como uma

    descrio da histria legal combinada com elementos descritivos e valorativos. No

    tpico seguinte, abordou-se o papel do juiz Hrcules, figura idealizada por Dworkin,

    possuidora de habilidade e conhecimento sobre-humanos. No quarto ponto analisou-

    se o conceito de integridade no direito, como elemento necessrio para o

    desenvolvimento da atividade interpretativa do juiz. Por fim, foram tecidasconsideraes finais e algumas crticas ao pensamento de Dworkin, sobretudo em

    relao as idealizaes e o papel da integridade no Direito, buscando apontar como

    caminho para as falhas no modelo, as idias propostas por Habermas em seu

    procedimentalismo.

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    1 DISTINO ENTRE REGRAS E PRINCPIOS

    A compreenso do pensamento formulado por Dworkin passa

    necessariamente pelo entendimento da distino que ele faz entre regras e

    princpios. Essa diferenciao no modelo dworkiano de suma importncia, na

    medida em que figura como elemento basilar na sua compreenso acerca da tese

    da nica resposta correta.

    Para Dworkin, Argumentar juridicamente significa trazer luz

    problemas jurdicos relevantes [...] numa vasta rede de princpios derivados da

    ordem jurdica ou da moralidade poltica. (DWORKIN, 2007c, p. 4)2Em seu entender, o direito consiste em um fenmeno social complexo,

    e esta caracterstica, aliada a sua funo e conseqncias, passa a exigir uma

    caracterstica especial de sua estrutura, a que Dworkin vai atribuir ao carter

    argumentativo do Direito (DWORKIN, 2003, p. 17). Assim:

    Todos os envolvidos nessa prtica compreendem que aquilo que ela

    permite ou exige depende da verdade de certas proposies que s adquiremsentido atravs e no mbito dela mesma; a prtica consiste, em grande parte, em

    mobilizar e discutir essas proposies.

    Essa compreenso leva Dworkin a se opor ao positivismo,

    especialmente aquele preconizado por Hart (CASALMIGLIA, 1992, p. 157). Para

    Hart, a lei possui um carter descritivo ao invs de ser um projeto de valorao

    moral ou tica (DWORKIN, 2006b, p. 140; HART, 2007, p. 321)

    3

    .

    2 Para o filsofo americano, a lei freqentemente se torna aquilo que o juiz afirma. (DWORKIN,2003, p. 4).3 Segundo Dworkin, A verso do positivismo de H.L.A. Hart mais complexa que a de Austin. Emprimeiro lugar, ele reconhece ao contrrio de Austin, que regras podem ser de tipos lgicos diferentes(Hart distingue dois tipos de regras, que chama de primrias e secundrias). Em segundo lugar, elerejeita a teoria de Austin segundo a qual uma regra uma espcie de ordem e a substitui por umaanlise mais elaborada e geral do que so regras. DWORKIN, 2007a, p. 31). Tratando sobre adistino entre regras e princpios, Hart afirmou que h, pelo menos, dois aspectos daqueles que osdistinguem das regras. O primeiro uma questo de grau: os princpios so, relativamente s regras,

    extensos, gerais ou no especficos. [...] O segundo aspecto reside em que os princpios, porque sereferem mais ou menos explicitamente a um certo objectivo, finalidade, direito ou valor, soencarados,a partir de certo ponto de vista, como desejveis de manter ou de ser objecto de adeso,e, por isso, no apenas enquanto capazes de fornecer uma explicao ou fundamento lgico das

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    Dworkin, portanto, entende que o princpio se configura como um

    standardo qual dever ser observado pelo intrprete/aplicador como uma exigncia

    de justia, equidade ou, qualquer outra dimenso da moral, no podendo ser visto,

    por conseguinte, como uma permisso para a realizao ou atendimento de uma

    situao econmica, poltica ou social julgada desejvel6.

    2 LEI COMO INTERPRETAO

    Para Dworkin, o ato de interpretar conferir sentido a uma atividade.

    Dessa forma, o prprio ato de interpretar pressupe que a atividade a serinterpretada cumpra um desiderato e uma finalidade, no se podendo engajar em

    um ato interpretativo sem se fundamentar nesse pressuposto7.

    Para ele, as proposies de lei no so simples descries da histria

    legal em um modo direto; no so tambm simples avaliaes realizadas de forma

    divorciada dessa histria legal. Em Dworkin, portanto, as proposies da lei so

    interpretaes da histria legal, combinada com elementos descritivos e avaliativos

    (DWORKIN, 1982, p. 528). Nas palavras de Wayne Morrison:

    A prtica do direito implica reflexes, reflexividade, elucidao terica ecrtica, a soluo de litgios e argumentaes, a obteno de respostas, adescoberta do direito e a discusso dos precedentes judiciais; em suma,itens de prtica interpretativa so apresentados como uma atividade jsubmetida reflexo, unificada e autocrtica (MORRISON, 2006, p. 503).

    No modelo terico de Dworkin, texto e norma no se confundem, no

    obstante exista uma correspondncia entre ambos, na medida em que onde houver

    um, necessariamente estar presente o outro (LIMA, 2006, p. 50).Neste contexto, a interpretao ser vista no como um ato de

    descrio de um significado que previamente dado, mas sim, em um ato de

    deciso que constitui a significao e os sentidos de um texto. (LIMA, 2006, p. 50) A

    consequncia disto esclarecida por Lima, quando afirma que:

    6 Jappelle principe um standard qui doit tre observe, non ps quil permettrait de raliser ou

    datteindre une situation conomique, politique ou sociale, juge dsirable, mais parce quil constitueune exigence de la justice ou de lquit ou bien dune autre dimension de la morale. (DWORKIN,1985, p. 41)7 Segundo Dworkin, O direito um conceito interpretativo. (DWORKIN, 2003, p. 109).

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    Em face disto, no h que se falar em subsuno entre conceitos prontosna aplicao do Direito. Pode-se afirmar que o intrprete no s constri,mas reconstri sentido, tendo em vista a existncia de significadosincorporados ao uso lingstico e construdos na comunidade do discurso,pois interpretar construir a partir de algo, por isso reconstruir. Em suma,

    a qualificao de determinadas normas como princpios ou regras dependeda colaborao constitutiva do intrprete (LIMA, 2006, p. 50).

    Para Dworkin, a lei no assunto de uma poltica partidria pessoal,

    sendo que uma compreenso em sentido contrrio ter o condo de gerar uma

    ideia-guia pobre. Em Law as Interpretation, Dworkin chega a propor uma anlise

    comparativa entre a interpretao legal com a interpretao em outros campos do

    conhecimento, particularmente a literatura, como forma de melhorar nossa

    compreenso sobre o assunto (DWORKIN, 1982, p. 527).Embora as proposies legais paream ser descritivas, na realidade,

    elas so sobre como as coisas esto na lei e no como elas sero na realidade. Por

    isso Dworkin afirma que as proposies legais no so simples descries da

    histria legal em um sentido estrito, sendo, a outro giro, a interpretao da histria

    legal, a qual combina elementos descritivos e valorativos (DWORKIN, 1982, p. 528).

    Por isso h que haver uma participao constitutiva do intrprete na

    qualificao de determinadas normas como princpios ou regras, o que levou

    Dworkin a asseverar que a ideia de interpretao no serve como uma relao

    geral da natureza ou verdade de proposies legais. (DWORKIN, 1982, p. 529).

    No significa que Dworkin rejeite o papel do momento histrico e local.

    Segundo Dworkin o direito somente poder florescer como um empreendimento

    interpretativo, seja qual for a comunidade, a menos que exista um consenso inicial

    suficiente sobre quais prticas podem ser consideradas jurdicas (DWORKIN, 2003,

    p. 113). Para o pensador americano, todos entramos na histrica de uma prtica

    interpretativa em um determinado momento; nesse sentido, o necessrio acordo pr-

    interpretativo contingente e local. (DWORKIN, 2003, p. 113).

    Dworkin prope trs etapas interpretativas, a saber, uma pr-

    interpretativa, uma interpretativa e outra ps-interpretativa. Na primeira, h a

    identificao das regras e padres que considera-se fornecer o contedo emprico

    da prtica. Na etapa interpretativa o intrprete ir se concentrar numa justificativa

    geral para os principais elementos que foram extrados da prtica identificada na

    etapa anterior. Finalmente, a etapa ps-interpretativa que serve para que o

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    intrprete ajuste sua idia daquilo que a prtica realmente requer para melhor

    servir justificativa que ele aceita na etapa interpretativa. (DWORKIN, 2003, p. 82)8

    Assim, Dworkin vale-se de uma postura construtivista visando um

    relacionamento produtivo com o princpio hermenutico, tendo por desiderato evitar

    que haja legitimao das tradies de forma autnoma e acrtica, pois exige a

    reflexividade tica com base em uma noo universalista de direitos fundamentais

    ou humanos. (RODRIGUES, 2008, p. 79).

    3 O PAPEL DO JUIZ HRCULES

    Dworkin parte do pressuposto de que os juzes devem aplicar um

    princpio de consistncia articulada, quando da determinao da aplicabilidade de

    leis e precedentes aos casos polmicos.

    Ele cria um juiz ideal, Hrcules, a quem descreve como possuidor de

    uma habilidade, sabedoria, pacincia e perspiccia sobre-humanas, consciente de

    suas responsabilidades constitucionais.O papel de Hrcules criar um esquema de princpios abstratos e

    concretos que possam fornecer uma justificao coerente para todos os precedentes

    do Common Law. Hrcules, diante de casos difceis elabora algumas teorias

    polticas que poderiam servir como justificaes do conjunto de regras

    constitucionais que so relevantes para o problema. Havendo a constatao de que

    duas ou mais teorias parecem adequar-se ao caso, Hrcules dever voltar-se para o

    conjunto remanescente de regras, prticas e princpios constitucionais a fim de criaruma teoria poltica da Constituio como um todo (MORRISON, 2006, p. 508).

    Conforme entendimento de Dworkin, o veredicto do juiz suas

    concluses ps-interpretativas deve ser extrado de uma interpretao que ao

    mesmo tempo se adapte aos fatos anteriores e os justifique. (DWORKIN, 2003, p.

    286).

    No Direito, a interao entre a adequao e justificao afigura-se

    complexa e, a exemplo do que ocorre em um romance em cadeia, a interpretao ir

    8 Cf. VIDAL,1999, p. 44.

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    representar para cada intrprete um equilbrio frgil entre as diferentes convices

    polticas (DWORKIN, 2003, p. 287). Significa que:

    [...] tanto no direito quanto na literatura, estas devem ser suficientementeafins, ainda que distintas, para permitirem um juzo geral que troque osucesso de uma interpretao sobre um tipo de critrio por seu fracassosobre outro. (DWORKIN, 2003, p. 287)

    Da utilizar Dworkin, nessa estrutura complexa da interpretao

    jurdica, a figura de um juiz imaginrio, com capacidade e pacincia sobre-humanas,

    e que aceita o direito como integridade, a quem ele denomina Hrcules (DWORKIN,

    2003, p. 287; CASALMIGLIA, 1992, p. 173):

    Podemos, portanto, examinar de que modo um juiz filsofo poderiadesenvolver, nos casos apropriados, teorias sobre aquilo que a intenolegislativa e os princpios jurdicos requererem. Descobriremos que eleformula essas teorias da mesma maneira que um rbitro filosficoconstruiria as caractersticas de um jogo. Para esse fim, eu inventei umjurista de capacidade, sabedoria, pacincia e sagacidade sobre-humanas, aquem chamarei de Hrcules (DWORKIN, 2007a, p. 165).

    Hrcules, portanto, aceita as principais regras incontroversas que

    fundamentam e regem o direito em sua jurisdio. Porm, ao analisar os casos

    concretos particularmente os hard cases Hrcules ir formular teorias de forma a justificar as decises anteriores proferidas no seu tribunal ou nos tribunais

    superiores.

    Em seu papel, Hrcules dever no s desenvolver as possveis

    teorias capazes de justificar os diferentes aspectos do sistema, mas tambm test-

    las, contrastando-as com a estrutura institucional mais ampla, sendo que, quando o

    poder de discriminao desse teste estiver exaurido, ele dever elaborar os

    conceitos contestados que a teoria exitosa utiliza. (DWORKIN, 2007a, p. 168)

    Ora, consoante alerta de Casalmiglia, certo que se Hrcules possui

    tempo ilimitado, inteligncia fora do comum e informao completa, ele ser capaz

    de oferecer uma boa teoria para resolver os problemas (CASALMIGLIA, 1992, p.

    173).

    Todavia, Calsalmiglia critica a idia do juiz Hrcules asseverando que,

    o ideal regulativo que deve presidir a atividade judicial no pode ser entendido de

    forma literal, j que o mundo real totalmente distinto do mundo ideal da informao

    completa e tempo ilimitado, entendendo que as teses de Hrcules somente seriam

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    corretas se no mundo real se cumprissem estas condies. (CASALMIGLIA, 1992,

    p. 173)

    4 INTEGRIDADE DO DIREITO

    Dworkin compreende a interpretao jurdica como uma forma de

    interpretao construtiva (PEDRON, 2005, p. 74), capacitando o juiz a tomar as

    prticas sociais da melhor forma possvel.

    Neste contexto, em cada caso o juiz dever, ao decidir, considerar-se

    como parte de um complexo empreendimento em cadeia no qual as inmerasdecises, convenes e prticas representam a histria, que ser o seu limite. Isso

    ocorre pelo fato de que incumbe ao juiz [...] interpretar a histria jurdica que

    encontra e no inventar uma histria melhor, como pressuposto pelos adeptos do

    pragmatismo. (PEDRON, 2005, p. 74).

    Para Dworkin, portanto, a integridade exige que a interpretao e

    aplicao de cada lei se fundamente em uma justificativa que a ajuste a um conjunto

    da legislao vigente.Neste diapaso:

    O princpio judicirio de integridade instrui os juzes a identificar direitos edeveres legais, at onde for possvel, a partir do pressuposto de que foramtodos criados por um nico autor a comunidade personificada ,expressando uma concepo coerente de justia e eqidade (DWORKIN,2003, p. 271-272).

    No h tolerncia para com a irracionalidade na integridade, j que as

    normas componentes do ordenamento jurdico esto fundamentadas em umconjunto de princpios justificadores, sendo que a fidelidade a lei uma fidelidade

    ao conjunto de princpios que identificam a comunidade. (CASALMIGLIA, 1992, p.

    171).

    Da porque Dworkin vai propor que o tratamento dos problemas

    jurdicos seja feita sobre o enfoque da integridade, isto , o ordenamento jurdico

    deve ser tratado como se fosse o produto de uma pessoa coerente e ntegra

    moralmente (CASALMIGLIA, 1992, p. 170; DWORKIN, 2006a, p. 15).

    Ou seja, a quando se fala em integridade, surge a exigncia de que as

    leis no sejam resultado de um compromisso entre concepes de justia subjetivas

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    contraditrias. O que deve haver uma concepo que apresente uma coerncia

    com uma justia pblica (CASALMIGLIA, 1992, p. 167).

    Logo, o direito como integridade ensejar proposies jurdicas

    verdadeiras somente se elas forem derivadas dos princpios da justia, equidade e

    do devido processo legal, capazes de oferecer a melhor interpretao construtiva da

    prtica jurdica da comunidade (DWORKIN, 2003, p. 272).

    Neste contexto, no se pode negar a importncia da histria para a

    compreenso do direito como integridade, no obstante asseverar Dworkin que a

    integridade no exige coerncia de princpio em todas as fases histricas do direito

    de uma certa comunidade ou que devem os magistrados tentar entender leis de um

    sculo antes ou mesmo de gerao anteriores, que estejam em desuso. O que aintegridade exige uma coerncia de princpio mais horizontal do que vertical ao

    longo de toda a gama de normas jurdicas que a comunidade agora faz vigorar.

    (DWORKIN, 2003, p. 273). Para Dworkin:

    O direito como integridade, portanto, comea no presente e s se volta parao passado na medida em que seu enfoque contemporneo assim odetermine. No pretende recuperar, mesmo para o direito atual, os ideais ouobjetivos prticos dos polticos que primeiro o criaram. Pretende, sim,

    justificar o que eles fizeram. (DWORKIN, 2003, p. 274)

    Para Casalmiglia, o direito como integridade tem a virtude de permitir

    ao cidado uma postura ativa frente ao direito, recomendando-se que ele seja

    tomado como um dado interpretativo, capaz de colaborar com a tarefa coletiva de

    justificao e crtica das decises pblicas (CASALMIGLIA, 1992, p. 168).

    CONSIDERAES FINAIS

    inegvel a importncia do pensamento de Dworkin para o Direito

    moderno. Seu tratamento sobre os hard casestraz significativas contribuies para

    a interpretao e aplicao do Direito, considerando as peculiaridades que o caso

    concreto exige.

    Contudo, algumas crticas e esclarecimentos ao seu modelo terico sefazem necessrias.

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    Primeiramente, h que se ressaltar que sua distino entre regras e

    princpios no a mesma que adota Alexy. Embora este ltimo tenha se valido de

    algumas idias de Dworkin, princpios e regras para Alexy so institutos distintos da

    noo dworkiana.

    Ao tratar sobre as teorias que abordam a distino entre princpios e

    regras, Virglio Afonso da Silva afirmou que tanto Dworkin, quanto Alexy inserem-se

    na teoria da distino forte (SILVA, 2008, p. 31)9.

    Esse enquadramento na mesma categoria ou mesma teoria no

    significa, porm, que Dworkin e Alexy tenham a mesma concepo acerca dos

    princpios e das regras.

    Isso porque, para Alexy princpios so mandatos de otimizao, o quefaz com que eles exijam que algo seja realizado na maior medida possvel diante

    das possibilidades fticas e jurdicas existentes (SILVA, 2008, p. 32).

    J Dworkin, ao compreender a lei como interpretao, afirma que os

    princpios enunciam uma razo condutora a um argumento e a uma determinada

    direo. No so, portanto, mandatos de otimizao, sendo, um padro (standard)

    que contm uma exigncia de justia, equidade, devido processo legal ou qualquer

    outra dimenso de moralidade (PEDRON, 2005, p. 73).Ao tratar acerca da lei como interpretao, Dworkin vai afirmar que ela

    ocorre em um determinado contexto histrico de uma determinada prtica

    interpretativa, combinando elementos descritivos e valorativos. Dworkin no vincula

    as proposies legais ao mero ato de descrio da realidade, mas tambm, no o

    deixa merc dos valores.

    Entende que essa insero histrica exige que haja acordos pr-

    interpretativos, os quais so contingentes e locais, de modo que o contexto histricode determinada prtica interpretativa possa ser apreendido em conjunto com

    elementos valorativos.

    Todavia, seu modelo no deixa claro de que forma esse acordo pr-

    interpretativo local e contingente ocorre. Outros pensadores, como Gadamer e

    Habermas buscaram trabalhar com o papel do contexto histrico local e contingente,

    9 Segundo Silva, as teorias sobre a distino entre princpios e regras so classificadas em trsgrandes categorias, a saber, a teoria da distino forte, que entende que princpios e regras so

    normas que possuem estruturas lgicas distintas, as teorias da distino dbil, que preconizam que adiferena entre ambos to-somente uma diferena de grau e as teorias que rejeitam a possibilidadede distino entre princpios e regras, compreendendo que as qualidades lgico-denticas estopresentes tanto nos princpios quanto nas regras. (SILVA, 2008, P. 31)

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    aquele com sua ideia de pr-compreenso e este com a noo de mundo da vida

    (BOTELHO, 2008, p. 116; HEKMAN, 1990, p. 187).

    Em Dworkin, porm, no h uma meno clara de que forma esse

    consenso pr-interpretativo fomentado, seja em um modelo gadameriano do

    Daseinou no Lebenswelthabermasiano, razo pela qual ele falha em fornecer esse

    elemento importante para a fundamentao das normas.

    Ora, esse consenso pr-interpretativo a que alude Dworkin de

    fundamental importncia em seu modelo, na medida em que ele fornece os pontos

    de partida necessrios para que o intrprete/aplicador da norma possa desenvolver

    sua atividade interpretativa, observando a prtica hermenutica local e contingente e

    os valores subjacentes.Sem um mtodo claro ou uma proposta objetiva da forma como esse

    consenso prvio ocorre, Dworkin deixa de fornecer um slido ponto de partida para a

    sua idia de interpretao que realmente promova a justia, equidade e outros

    valores que lhe so to caros.

    Mesmo a sua proposta de uma etapa pr-interpretativa no suficiente

    para sanar esse problema. Se as regras sociais no possuem rtulo, como afirma

    Dworkin, havendo a necessidade de um alto grau de consenso (DWORKIN, 2003, p.81), h que se estabelecer um elemento norteador slido capaz de figurar como um

    ponto de partida assaz evidente e eficaz para fundamentar esse consenso.

    Essa lacuna parece ter levado Dworkin a formular idealizaes, que

    afastam seu modelo da realidade contingente e histrica. Seno vejamos, sua

    tentativa de combinar contexto histrico e valoraes, sem a considerao da forma

    em que o consenso prvio deve ser construdo levou-o a criar a figura do juiz

    Hrcules.Hrcules no pode ser visto como um ponto de partida e isso porque

    ele atua com tempo e conhecimento ilimitados e no no contexto histrico e

    contingente que o prprio Dworkin afirma ser o locusem que um consenso prvio

    deve ocorrer (CASALMIGLIA, 1992, p. 173).

    Ademais, sendo uma idealizao, h que se ressaltar que o juiz

    Hrcules na prtica no existe. Os juzes, justamente por estarem inseridos em um

    contexto histrico e contingente, sofrem limitaes de tempo e conhecimento e,

    portanto, nesse quadro que eles devem exercer sua atividade interpretativa.

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    A exigncia de que as leis no sejam o resultado de concepes

    solipsistas no pode ser afastada recorrendo-se a uma idealizao como o juiz

    Hrcules. Neste sentido, a proposta de Habermas parece apontar para um caminho

    melhor, quando postula um procedimento capaz de garantir um debate livre de

    coeres internas e externas e que inclua todos os possveis afetados (BOTELHO,

    2008, p. 12).

    Somente em uma prxis argumentativa pblica que esse solipsismo

    rejeitado por Dworkin poder ser efetivamente afastado e no recorrendo-se ao juiz

    Hrcules. O consenso deve ser quanto s pretenses de validade, a saber,

    veracidade, verdade e correo normativa, sendo que o discurso surge todas as

    vezes em que esse consenso sobre qualquer pretenso de validade abalado,levando os atores sociais sua tematizao (BOTELHO, 2008, p. 96).

    Em outras palavras, a proposta de Habermas confere aos prprios

    participantes do processo argumentativo a tarefa de construir consensos e de

    estabelecer contedos paradigmticos e no a um juiz ideal.

    Assim, a fidelidade a lei no , simplesmente, uma mera fidelidade a

    um determinado conjunto de princpios identificadores da comunidade. No uma

    fidelidade as pr-compreenses ou aos elementos estruturais do mundo da vida,mas ela decorre da conscincia de que a lei fruto de uma deciso racional,

    construda em um procedimento pblico argumentativo, a qual todos os interessados

    tm acesso de forma livre e sem coeres internas ou externas.

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