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INSTRUMENTOS E SIGNOS COMO MEDIADORES DO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE ALUNOS CEGOS

Autora: Odila Maria Nunes1

Orientadora: Lucia Terezinha Zanato Tureck2

RESUMO

Este artigo aborda o processo de aprendizagem e desenvolvimento do aluno cego e do de baixa visão e recursos pedagógicos adaptados, como elementos mediadores fundamentais para a compreensão dos conteúdos curriculares do ensino básico e a apropriação do conhecimento científico, filosófico e artístico, conhecimentos estes que foram produzidos ao longo da história da humanidade. Objetiva aprofundar o conhecimento dos professores sobre a aprendizagem e o desenvolvimento das pessoas cegas e justifica-se a abordagem para contrapor aos entendimentos equivocados em relação às pessoas cegas e de baixa visão, formulações assentadas em concepções e práticas produzidas historicamente, desde as sociedades primitivas até os tempos atuais, conforme estudos de Bianchetti (1998), Bueno (1993), Jannuzzi (2004), Vigotski (1997). Fundamenta-se na Psicologia Histórico-Cultural pela abordagem voltada para o histórico-social do psiquismo humano. Atividade constitutiva do Programa de Desenvolvimento da Educação – PDE, este estudo compôs o projeto de intervenção na escola, em duas etapas: levantamento da educação de alunos cegos e com baixa visão nas escolas comuns e curso de formação para professores, dos quais constam alguns relatos. Na avaliação dessas atividades, depreendeu-se ser possível deixar de lado a idéia de que a deficiência é um obstáculo intransponível, e que somente o saber especializado poderia dar conta da sua educação, pensamento frequente no imaginário e nas práticas excludentes da sociedade contemporânea, e crer num trabalho que leve a pessoa cega à validez social, para ser capaz de também contribuir no processo produtivo, no sustento e desenvolvimento da sociedade.

Palavras-chave: alunos cegos e com baixa visão; processo ensino - aprendizagem;

psicologia histórico cultural; mediação.

Introdução

A escolha desse tema na formação realizada no Programa de

Desenvolvimento da Educação – PDE, da Secretaria de Estado da Educação do

Paraná, articula-se com a finalidade e a necessidade primordial de aprofundar o

conhecimento dos professores das escolas de ensino fundamental e médio da rede

pública, sobre a aprendizagem e o desenvolvimento das pessoas cegas, bem como,

sobre a importância dos recursos didático-pedagógicos adaptados no processo de

1 Professora PDE, Pedagoga da rede púbica estadual, atuando no Centro de Apoio Pedagógico para alunos com deficiência visual - CAP, no Núcleo de Educação de Cascavel, Paraná.2 Orientadora, Pedagoga, mestre em Educação, docente do Colegiado de Curso de Pedagogia, do CECA, e membro do Programa de Educação Especial – PEE, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus de Cascavel, Paraná.

ensino. Justifica-se a abordagem para contrapor às ideias e entendimentos

equivocados que ainda hoje continuam sendo observados em relação à

aprendizagem e desenvolvimento das pessoas cegas e de baixa visão, como: o seu

processo de aprendizagem e desenvolvimento é muito diferente em relação às das

demais pessoas; a falta da visão atrasa o desenvolvimento das crianças com

deficiência visual; as pessoas cegas possuem memória, atenção, audição e tato

extraordinários; a visão é o sentido mais importante no processo de apropriação do

legado humano.

Estas e outras formulações encontram-se assentadas em concepções e

práticas produzidas historicamente, desde as sociedades primitivas até os tempos

atuais, conforme estudos de Bianchetti (1998), Bueno (1993), Jannuzzi (2004).

Encontra-se também em Vigotski (1997, p. 74), ao estudar as diferentes

compreensões produzidas pela humanidade em relação às pessoas com deficiência,

a identificação de quatro épocas distintas: práticas históricas de Extermínio ou

Abandono e Institucionalização (concepção mística que abrange a Antigüidade, a

Idade Média e uma parte muito considerável da História Moderna); Integração

(concepção biológica ingênua) e Inclusão (concepção contemporânea, científica,

sócio-psicológica ou Histórico-Cultural).

A concepção presente na Psicologia Histórico-Cultural é baseada no

marxismo, como afirma Duarte (2001)

somente uma psicologia marxista poderia abordar de forma plenamente historicizadora o psiquismo humano. O psiquismo humano não pode ser plenamente compreendido se não for abordado enquanto um objeto essencialmente histórico (DUARTE, 2001, p. 84).

Esse entendimento da teoria vigotskiana sobre o desenvolvimento do

psiquismo do homem, segundo Duarte (2001), constituiu num divisor de águas,

caracterizando a Psicologia Histórico-Cultural naquilo que a diferencia das demais

correntes psicológicas, ou seja, sua abordagem voltada para o histórico-social do

psiquismo humano.

A afirmação de Vigotski (1925, apud VAN DER VEER e VALSINER, 1991, p.

76) de que as novas idéias surgidas na época em relação à educação das pessoas

com deficiência, como desenvolvimento de pesquisas e atitudes se contrapunham,

no sentido de que "na União Soviética isso era uma questão de educação social

enquanto que nos países ocidentais, isso era uma questão de caridade social". E é

esse modelo ocidental que foi importado pelo Brasil e permeia até hoje o

pensamento e as atitudes da grande maioria dos educadores, tanto da educação

comum quanto da educação especial, governantes, profissionais de instituições

públicas e privadas que prestam serviços voltados às pessoas com deficiência, bem

como da sociedade em geral.

Assim, o presente estudo aborda o processo de aprendizagem e

desenvolvimento e os recursos pedagógicos adaptados como elementos

mediadores fundamentais para a compreensão dos conteúdos trabalhados pelos

professores do ensino básico comum e a apropriação do conhecimento científico,

filosófico e artístico pelo aluno cego, conhecimentos estes que foram produzidos ao

longo da história da humanidade.

Discutir este assunto com os professores mencionados acima se faz

necessário porque, na maioria das vezes, o livro didático é o único material

pedagógico de apoio impresso que o aluno cego dispõe na sala de aula. Porém,

este não é o único recurso didático pedagógico utilizado pelo professor nas aulas

com os demais alunos para a compreensão do conteúdo trabalhado e a apropriação

do conhecimento científico.

Ainda assim, o livro didático, quando é disponibilizado ao aluno cego, vem

com atraso e incompleto, ou seja, por partes; vem sem ilustrações, sendo que estas

ilustrações (denominadas neste texto de signos) são somente descritivas,

contribuindo então para diminuir o estimulo do aluno cego e, de certa forma,

dificultar e prejudicar sua compreensão em relação ao conteúdo.

Esta distribuição, na maioria das vezes não é realizada no início do ano letivo

como ocorre para os demais alunos. Isso porque o MEC não faz cumprir a medida

que encontra amparo legal no decreto federal nº 7084 (BRASIL, 2010), que no seu

artigo 28, parágrafo único, afirma: "Os editais dos programas de material didático

poderão prever obrigações para os participantes relativas à apresentação de

formatos acessíveis para atendimento do público da educação especial." Ou seja,

que as editoras ao apresentar o livro didático ao Plano Nacional do Livro Didático -

PLND devem fazer essa apresentação devidamente adaptada para a impressão em

braile e com caracteres devidamente ampliados para a sua distribuição aos alunos

de baixa visão.

Há muito tempo as pessoas cegas vêm reivindicando a solução desse

problema. Entretanto, se aos demais alunos, além do livro didático, lhes são

proporcionados e ofertados outros recursos didático-pedagógicos (ferramentas) que

os auxiliam na compreensão do conteúdo trabalhado pela escola, possibilitando

assim a aprendizagem; aos alunos cegos deve-se proporcionar as mesmas

condições de aprendizagem, ou seja, igualdade de oportunidades educacionais

(BRASIL, 2008).

Nesse caso, nem o aluno cego e nem o professor do ensino comum devem

se conformar com a ausência desses recursos didático-pedagógicos na escola,

importantes e necessários para o processo de ensino aprendizagem.

Por outro lado, é preciso fazer a discussão, no intuito de desmitificar o tal

comentado "método de ensino específico/diferenciado" do qual tanto falam os

professores do ensino comum, ao abordar a aprendizagem do aluno cego e de baixa

visão junto aos demais alunos da sala de aula.

Vigotski (1997), extraordinário teórico da Psicologia Histórico-Cultural, que

fundamenta e sustenta este trabalho, ao abordar a problemática sobre a cegueira,

propõe argumentos que contrariam os princípios básicos e gerais que costumam

orientar o pensamento humano, desafiando a opinião pré-concebida, a crença

compartilhada pela maioria das pessoas da sociedade contemporânea, na qual

baseam seu entendimento no senso comum a respeito da cegueira e das pessoas

cegas.

O autor afirma que a linha mestra da psicologia do homem cego dirige-se à

superação do defeito “através de sua compensação social, através do conhecimento

da experiência dos que vêem, através da linguagem” (VIGOTSKI, 1997, p. 82). E

numa frase sintetiza todo o processo metodológico do vencimento da cegueira: “a

palavra vence a cegueira” (idem).

Evidencia-se, dessa forma, o princípio de que o intelecto das pessoas cegas

está preservado e "no ponto final ao qual se dirige o desenvolvimento da criança

cega: não há nenhuma diferença de princípio entre a criança cega e a criança

vidente" (VIGOTSKI, 1997, p. 82). Isto porque, segundo ele, ambas almejam a

mesma finalidade em relação ao seu desenvolvimento, quer dizer, a conquista da

posição social na vida, vencendo o estado de menos valia social, insegurança,

inferioridade, mediante ào processo de compensação, pois “qualquer criança possui

uma deficiência orgânica relativa na sociedade dos adultos na qual cresce”

(VIGOTSKI, 1997, p. 82).

Nesse sentido, Vigotski (1997, p. 86) afirma que “a educação da criança cega,

deve ser organizada como a educação da criança apta ao desenvolvimento normal,

de pleno valor no aspecto social", rompendo com as práticas pedagógicas elitistas/

homogeneizadoras da escola comum que as impedem de aprender, uma vez que,

as dificuldades apresentadas pelas pessoas cegas para alcançar níveis mais

elevados de escolarização são provenientes muito mais de problemas de natureza

de processos e procedimentos pedagógicos inadequados e falta de uma formação

mais abrangente do professor, do que propriamente de alguma dificuldade de

aprendizagem apresentada pelo aluno cego.

O educador da escola básica precisa ter, segundo Silveira Bueno (1999, p.

23), “uma formação teórica sólida e adequada aos diferentes processos

pedagógicos que envolvam tanto o "saber" como o "saber fazer", para que possam

dar conta das mais diversas diferenças de aprendizagem", entre elas a das crianças

com deficiência, demandando, conforme ele, modificações profundas e radicais nas

formas usuais até então utilizadas, deslocando, o eixo das dificuldades educacionais

das pessoas com deficiência, historicamente concebidas, para as suas capacidades

e potencialidades. Esses são, portanto, desafios que estão colocados para os

professores da escola básica.

Assim, fundamentando-se nessa teoria, não se justifica a utilização de método

de ensino específico/diferenciado no processo de ensino-aprendizagem para o aluno

cego, mas sim, metodologia e recursos didáticos pedagógicos adaptados, que

correspondam ao atendimento às necessidades de aprendizagem deste segmento,

possibilitando aos mesmos a apropriação do conteúdo sistematizado e

consequentemente a apropriação do conhecimento científico produzido e acumulado

historicamente pela humanidade.

Instrumentos e signos no processo de aprendizagem de alunos cegos

Espera-se que esta temática possa contribuir para que os professores do

ensino fundamental e médio aprofundem a sua compreensão quanto ao processo de

aprendizagem e desenvolvimento das pessoas cegas, bem como, a importância de

se utilizar recursos didático-pedagógicos adaptados - instrumentos e signos - como

elementos mediadores na compreensão do conteúdo e na apropriação do

conhecimento pelo aluno cego, favorecendo o trabalho em sala de aula.

Viabilizar a utilização destes materiais didáticos como ferramentas auxiliares

para que a pessoa cega possa ter acesso ao conhecimento científico sistematizado,

contribui, no caso dos signos - marcas externas - para o aumento de

armazenamento de informações na memória e a capacidade de atenção psicológica

consciente e voluntária do aluno, atividade típica da espécie humana. Isto porque

são orientados para as atividades internas do sujeito, controlando as ações

psicológicas, seja do próprio indivíduo, seja de outras pessoas; “são ferramentas

que auxiliam nos processos psicológicos e não nas ações externas, como os

instrumentos de trabalho" (OLIVEIRA, 2000, p. 30).

Assim, os livros didáticos utilizados pelo professor na sala de aula são

organizados contendo textos, mapas, ilustrações, fotos, gráficos e outras imagens,

com o intuito de estimular os alunos a refletir sobre o tema estudado, despertando

neles a curiosidade em relação ao conteúdo trabalhado.

Estes signos mencionados, que para o aluno cego devem ser adaptados em

relevo, atuam como elementos de mediação, estabelecendo conexões com o texto

estudado, contribuíndo para que o aluno amplie seu conhecimento para outras áreas

do saber, ajudando-o a compreender melhor o conteúdo trabalhado pelo professor

nas diversas disciplinas do currículo.

Em relação à disciplina de Geografia, por exemplo, os mapas permitem

localizar países, cidades, montanhas, rios, etc, além de trazer informações

importantes sobre acontecimentos, povos, culturas, civilizações, música, dança,

alimentação, linguagens, modo de ser e de viver dos povos.

No entanto, nos livros didáticos impressos em braille e nas aulas, essas

informações mencionadas são possíveis através de descrições feitas pela pessoa

vidente e pode ocorrer que a ideia que essa pessoa faz, no seu imaginário, sobre a

pessoa cega é a de que, pelo fato dessa não enxergar, as informações transmitidas

por intermédio de signos como gráficos, mapas, ilustrações, etc., não são

importantes como são para as pessoas videntes. Ideia esta que este trabalho

procura desmistificar aos professores do ensino fundamental e médio da escola

comum que os signos, utilizados como elementos mediadores no ensino-

aprendizagem dos alunos videntes, têm a mesma importância para as pessoas

cegas.

A utilização desses recursos didático-pedagógicos contribui também para

orientação e mobilidade da pessoa cega, levando-a conhecer o local onde vive,

como ruas, prédios, bairros, etc., contribuindo com sua locomoção independente.

O segundo elemento de mediação discutido nesse texto é o instrumento de

trabalho que, para Vigotski, segundo Oliveira (2000, p. 29-30):

tem o papel de transformar e controlar a natureza ampliando sua transformação, é um elemento interposto entre o trabalhador e o objeto de seu trabalho, constituindo-se num objeto social mediador da relação entre o indivíduo e o mundo. É criado e utilizado para um determinado objetivo. São ferramentas que auxiliam o homem nas suas ações concretas.

Na área educacional, em relação à educação da pessoa cega, esses

elementos de mediação se referem aos seguintes instrumentos pedagógicos:

máquina braille, perkins, o sistema computacional sintetizador de voz Dosvox, o leitor de tela do windows, sintetizador de voz, Jaws, scanners, impressoras braille, instrumentos eletrônicos portáteis para tradução ou para cálculo, lupas eletrônicas, multiplano, softwares e ampliadores de tela, como X-lupa, que é um ampliador de tela inteligente destinado às pessoas com visão reduzida, desenvolvido pelo Núcleo de Inovações Tecnológicas da Unioeste, cujo projeto foi financiado pelo CNPq em 2005 (SILVA e SILVA, 2006, p. 125).

A eles pode-se acrescentar, ainda, pen drive, reglete, régua, fita métrica,

esquadro, transferidor, soroban, e muitos outros instrumentos de trabalho, de

extrema importância para que a pessoa cega e de baixa visão possa ter acesso ao

conhecimento científico sistematizado, trabalhado pela escola.

Não se pode deixar de citar que, atualmente, o uso da tecnologia

computadorizada se destaca com relevância, por tornar possíveis, às pessoas com

deficiência, coisas que até então não eram acessiveis a elas. Conforme Silva e Silva

(2006), sem dúvida a tecnologia melhorou as condições de vida das pessoas com

deficiência, pois, com a utilização da tecnologia elas podem alcançar maior

autonomia pessoal, integração social e educacional. O uso da informática como

recurso educacional vem possibilitando que as pessoas com deficiência dêem um

salto qualitativo quanto ao acesso ao conhecimento sistematizado, em particular às

pessoas cegas e de baixa visão.

Dessa forma, o uso de tecnologias computacionais traz maior perspectiva de

ascensão profissional, proporcionando que as pessoas cegas e de baixa visão

aumentem seu nível de escolarização pelas condições de participar de concursos

públicos e atendendo exigências colocadas para o ingresso ao mercado de trabalho

formal.

Oliveira (2000) apresenta a visão de Vigotski sobre a ideia de mediação, de

que a relação do homem com o mundo não é uma relação direta, mas mediada por

instrumentos e signos, ou seja, "de que entre o homem e o mundo real existem

mediadores, ferramentas auxiliares da atividade humana" (p. 27), constituindo-se

num "processo de mediação, por meio de instrumentos e signos, fundamental para o

desenvolvimento das funções psicológicas superiores" (idem, p. 33).

É importante observar que ao longo do desenvolvimento da pessoa, os

processos de mediação também sofrem transformações, constituindo-se em funções

psicológicas mais sofisticadas, pois, as representações mentais dos objetos do

mundo real, vão sendo construídas, atribuídas de significado cultural pelas pessoas

do seu grupo social, os signos são internalizados, irão se organizar em estruturas

complexas e articuladas, os sistemas simbólicos; servem, dessa forma, como

elementos mediadores na sua relação com o mundo externo. Ao utilizar-se da

linguagem, que é o principal sistema simbólico básico de todo grupo humano, a

pessoa não precisa a todo momento valer-se de marcas externas na sua relação

com o mundo, pois substitui os objetos do mundo real, para se lembrar, comparar,

relatar objetos e conceitos.

Este trabalho, entretanto, aponta para a direção de que as pessoas cegas

desenvolvem sua superestrutura psíquica ao transpor os obstáculos existentes,

numa sociedade padronizada para os videntes, conforme escreveu Vigotski (1997).

Fundamentado nesse princípio vigotskiano, precisamente entende-se que a

pessoa cega poderá participar da vida social e cultural com a mesma qualidade que

uma pessoa vidente. Para isso, durante sua aprendizagem, os processos de

compensação precisam estar direcionados de forma a levar a pessoa cega a

estabelecer relações sociais com os videntes; guiando-se à adaptação à vida social,

sob a pressão e as exigências impostas pela sociedade.

Nesse caso, na abordagem da teoria Histórico-Cultural, as pessoas cegas

não têm a audição, e nenhum outro órgão dos sentidos remanescentes, superior em

relação às demais pessoas sem deficiência, mesmo apresentando desempenho

positivo na realização de atividades que lhes são atribuídas pela sociedade,

superando a visão biológica de substituição dos sentidos. Portanto, o

desenvolvimento dessas funções nas pessoas cegas somente poderão ser

explicadas sob à luz da compensação:

Para conquistar uma posição na vida social, a pessoa cega se vê forçada a desenvolver todas as suas funções compensatórias, desenvolve-se sob a pressão das tendências à compensação da menos valia originada pela cegueira (ADLER, 1927, apud VIGOTSKI, 1997, p. 79).

Assim, o tato, a audição, a memória e a atenção das pessoas cegas não são

melhores ou piores em relação às dos que vêem, mas diferentes, desenvolvendo-se

de um modo totalmente específico, numa reorganização cerebral. Dessa maneira, é

incorreto analisar o desenvolvimento das funções psíquicas nas pessoas cegas em

comparação com as pessoas videntes, do ponto de vista funcional quantitativo, mas,

deve ser realizada, do ponto de vista do desenvolvimento funcional qualitativo.

Diante desse entendimento, a concepção científica contemporânea, abordada

neste texto, formula a problemática da

solução da cegueira como um problema social e psicológico. A idéia da compensação, não faz retornar ao passado, ao ponto de vista do cristianismo da Idade Média. Essa teoria, porém, valoriza um modo positivo não da cegueira por si mesmo, nem do defeito, mas sim as forças que nele se encerram, as fontes de seu vencimento, os estímulos para o desenvolvimento. Vê-se a debilidade como via para a força (VIGOTSKI, 1997, p. 85).

Portanto, para Vygotsky, "as crianças cegas não percebem originalmente sua

cegueira como um fato psicológico. A cegueira é percebida apenas como um fato

social, um resultado secundário e mediado de sua experiência social" (VYGOTSKY,

1924, apud VAN DER VEER e VALSINER, 1991, p. 75).

Ou seja, a pessoa cega, somente sente seu defeito físico refletido nas

conseqüências sociais, quando ao relacionar-se com outras pessoas sem

deficiência, estas a trata com preconceito e discriminação, devido a sua

característica física, colocando a deficiência antes da pessoa humana, ou seja,

vendo a incapacidade em vez da sua capacidade.

Essa atitude constitui-se, entretanto, num erro ingênuo da pessoa que vê em

relação à pessoa cega. Sendo assim, crianças cegas devem ser educadas para se

tornarem pessoas socialmente valorizadas. Entretanto, é na relação social

estabelecida com o vidente, transpondo e superando os obstáculos existentes na

sociedade organizada para as pessoas sem deficiência, que a pessoa cega alcança

o êxito do processo de compensação, estudado por Vigotski (1997), transcendendo

os limites da pedagogia individualista.

Nesse entendimento, "o significado dos objetos e conceitos da sociedade

organizada para o vidente, tem a mesma relação de significação para a pessoa

cega, e sua importância como relações entre os objetos tampouco é menor" (A.

PETLZED, 1923 apud VIGOTSKI, 1997, p. 82). Isto porque todo processo educativo

não é neutro, e está atrelado a uma intenção, a uma finalidade social.

Este trabalho, portanto, fundamentado para o direcionamento de uma prática

pedagógica de utilização de recursos didático-pedagógicos adaptados (instrumentos

e signos), e a adoção, por parte do professor, de metodologias que incluam tanto

alunos cegos quanto videntes na sala de aula comum, objetiva formação acadêmica

dos estudantes cegos, visando à apropriação do saber sistematizado produzido ao

longo da história da humanidade, o desenvolvimento da sua autonomia e a

capacidade de refletir, posicionar-se e tomar decisões adequadas diante da

realidade em que vive.

A inclusão escolar, porém, coloca a questão da incorporação das pessoas

com deficiência pelo ensino regular sob outra ótica, reconhecendo a existência das

mais variadas diferenças entre os alunos como: condições pessoais, sociais,

culturais, etc, admitindo que a escola atual não consegue dar conta dessas

diferenças, proclamando a necessidade de modificações estruturais da escola atual,

para que "elas sejam capazes de prover uma educação de alta qualidade a todas as

crianças" (SILVEIRA BUENO, 1999, p. 9).

Sendo assim, a escola não demonstra dificuldade somente em trabalhar com

o ensino-aprendizagem das pessoas com deficiência, mas sim, com a aprendizagem

de todos os alunos que exigem uma prática pedagógica diferenciada daquela usual.

Na concepção do processo inclusivo, "a aprendizagem é que deve se adaptar às

necessidades da criança e não a criança se adaptar às funções preconcebidas a

respeito do ritmo e da natureza do processo de aprendizagem" (CONFERÊNCIA DE

SALAMANCA, 1994, p. 4 apud SILVEIRA BUENO, 1999, p. 9).

Assim, pode-se indicar que a visão de educadores que afirmam a dificuldade

da incorporação das pessoas com deficiência no ensino regular pelas suas

características físicas, demonstra segundo Silveira Bueno (1999, p. 9): "uma visão

acrítica da escola, isto é, considera que, de alguma forma, ela vem dando conta dos

seus fins, pelo menos em relação aos alunos considerados normais".

Nesse sentido, conforme Silveira Bueno (1999, p. 9), a Declaração de

Salamanca constituiu avanço significativo, na medida em que incitou os governos a

priorizarem política e financeiramente o aprimoramento dos sistemas educacionais,

para tornarem-se aptos a incluírem todas as crianças, independentemente de suas

condições físicas, econômicas e sociais. Faz-se necessário, porém, esclarecer que,

o processo inclusivo se deu muito mais pela luta do movimento organizado de

pessoas com deficiência, na segunda metade do século XX, reivindicando o fim dos

procedimentos segregativos e excludentes, bem como, a adoção de medidas que

favorecessem a sua inclusão nos diferentes espaços e atividades sociais,

principalmente na escola comum e no mercado de trabalho formal.

Como expõe a Secretaria Estadual de Educação (PARANÁ, 2006, p. 26), no

Brasil, o instrumento jurídico brasileiro que legitimou o objeto da luta desses

movimentos sociais pela inclusão educacional é

a Constituição Federal de 1988 (CF) na qual se explicita, pela primeira vez, de que o atendimento educacional especializado aos alunos com deficiência deverá ocorrer, preferencialmente, na rede regular de ensino. Além desse claro indicador integrador, a CF estabelece diretrizes para tratar a Educação Especial como modalidade de educação escolar obrigatória e gratuita, ofertada em estabelecimentos públicos de ensino, de maneira a propiciar aos alunos com deficiência os benefícios conferidos aos demais alunos.

Porém, as contradições entre o proposto nas leis e a realidade do sistema

escolar brasileiro continuam a existir, como demonstra o dia-a-dia escolar das

pessoas com deficiência. Por isso, faz-se necessário, mesmo depois de aparentes e

frágeis conquistas e avanços, que as pessoas com deficiência de modo organizado,

continuem articuladas na luta em defesa dos direitos conquistados, por meio dos

movimentos sociais organizados, uma vez que o avanço dos direitos, a definição de

metas e as políticas públicas dependem, sim, de condicionantes políticos e

econômicos, mas também são definidos de acordo com as pressões populares, dos

movimentos mencionados.

O projeto de intervenção na escola

Atividade constitutiva do Programa de Desenvolvimento da Educação – PDE,

realizou-se o projeto de intervenção na escola, em duas etaps, a saber, a aplicação

de um questionário e a realização de um curso de formação para professores, dos

quais seguem alguns relatos.

O levantamento de informações, realizado através de questionário aplicado

para a professora do CAEDV do Colégio Estadual Eleodoro Ébano Pereira, bem

como para os coordenadores pedagógicos das escolas de ensino fundamental e

médio onde estudam os alunos cegos atendidos por esse centro mencionado,

apontou, que o atendimento educacional especializado está sendo ofertado e

realizado a contento, atendendo às necessidades educacionais dos alunos cegos,

Os coordenadores pedagógicos das escolas averiguadas foram unânimes em

suas respostas, afirmando que as escolas organizam da melhor maneira possível o

apoio pedagógico, de forma a atender aos alunos cegos em suas necessidades

específicas em relação a sua aprendizagem, procurando trabalhar dentro da classe,

valores de cooperação e coletividade, ou seja, um aluno auxiliando o outro nas

atividades para a aquisição do conhecimento. As escolas, para atingir esses

objetivos, proporcionam aos seus professores apoio pedagógico para melhor

atender os alunos com deficiência, organizando grupo de estudos e projetos na área

da diversidade escolar, para continuar trabalhando as questões da inclusão, com o

objetivo de enfrentar o preconceito e a discriminação.

Os coordenadores pedagógicos que responderam aos questionários,

afirmaram que as disciplinas curriculares que exigem maiores apoio dos elementos

mediadores, abordados ao longo desse artigo, são as disciplinas na área das

exatas, como: Matemática, Física, Química, Biologia, etc., bem como na área das

ciências humanas, ou seja, aquelas que trabalham com mapas e gráficos, como

Geografia e História. Relataram também que as equipes pedagógicas das escolas

são orientadas com frequência pelos professores especializados do CAEDV.

No que diz respeito aos livros didáticos em braille e digitalizados, utilizados

pelos alunos cegos nas escolas, informaram que estes livros são confeccionados

pelo Centro de Apoio Pedagógico para Atendimento às Pessoas com Deficiência

Visual - CAP, de Cascavel, Paraná.

Os alunos cegos também são acompanhados nas escolas de ensino

fundamental e médio, onde estudam, pelo serviço de itinerância do CAEDV, quando

são repassados aos seus professores informações e sugestões para que possam

direcionar os trabalhos pedagógicos a serem executados.

Na sala de aula das escolas que frequentam, os alunos cegos fazem uso do

livro didático em braile e digitalizado (para ler no computador), realizam os registros

escritos utilizando-se da reglete, máquina braille e computador portátil com

sintetizador sonoro. As atividades escritas em braille na sala de aula pelos alunos

cegos são transcritas posteriormente, a tinta, pelos professores do CAEDV.

Com todos esses serviços de apoio pedagógico mencionados, oferecidos

para o professor e para o aluno cego na sala de aula comum, afirmam, portanto, os

coordenadores pedagógicos que os alunos cegos que nelas estudam não deixam

nada a desejar em relação à aprendizagem dos demais alunos.

Mas será que em todos os municípios pequenos, afastados dos grandes

centros urbanos, do estado do Paraná e dos demais estados do Brasil, de regiões

inóspitas, principalmente aqueles das regiões Norte e Nordeste do país; estes

recursos didáticcos adaptados mencionados, bem como o assessoramento de apoio

pedagógico aos professores da sala de aula comum, estão sendo ofertados

efetivamente, nas mesmas proporções e condições, para que as pessoas cegas

possam apropriar-se do conhecimento científico sistematizado e trabalhado pela

escola?

O mesmo questionário foi também aplicado para a professora do CAEDV,

porém, direcionando as questões com o intuito de conhecer como está sendo

realizado o atendimento educacional de apoio em relação aos recursos didático-

pedagógicos adaptados (instrumentos e signos) no assessoramento aos alunos

cegos e seus professores nas escolas de ensino fundamental e médio, onde estes

alunos estudam.

A professora do CAEDV, no entanto, respondeu que, no Colégio de ensino

fundamental e médio onde funciona o Centro Especializado, estuda um aluno cego

no 8º ano do ensino fundamental, sendo o mesmo favorecido pelo fácil acesso aos

recursos pedagógicos adaptados e professora itinerante.

Os materiais com adaptações perceptíveis ao tato que estão disponíveis para

utilização deste aluno à compreensão do conteúdo trabalhado em sala de aula são:

máquina braille, notebook, soroban, livros adaptados em braille e digitalizados, globo

tátil, mapas em alto relevo, tabela periódica adaptada, pranchas em thermoform com

conteúdos da disciplina de Ciências, Química, Geografia, História, etc, maquetes,

material dourado, gráficos, material multiplano, tangram, dominó, figuras

geométricas, sólidos geométricos, régua, fita métrica, esquadro, transferidor, xadrez,

dama, etc.

A professora ressalta que, por estar frequentemente em contato com os

professores do aluno da sala comum, sempre que precisam de orientação para

auxiliá-los na forma de trabalhar com o aluno cego os conhecimentos específicos de

suas disciplinas, eles recorrem aos professores do CAEDV.

Além deste aluno, nesse CAEDV são atendidos outros alunos cegos que

estão cursando o ensino fundamental e médio em outras escolas estaduais do

município de Cascavel, sendo dois alunos no 6º ano (CEBJA) e dois alunos no 1º e

2º ano do ensino médio.

Para os alunos mencionados, este Centro de Atendimento Especializado na

Área da Deficiência Visual disponibiliza os mesmos materiais de apoio pedagógico

adaptado e, através do serviço de itinerância, são repassados aos professores das

outras escolas orientações com sugestões quanto ao direcionamento do trabalho

pedagógico a ser realizado e de que forma podem estar adaptando esses materiais

no decorrer do processo de ensino-aprendizagem.

Quanto à direção, coordenação pedagógica e aos professores das disciplinas,

são disponibilizados, a eles, telefones, endereço de contato, como o eletrônico, para

encaminhamentos, questionamentos e esclarecimentos que se fizerem necessários.

A segunda etapa da implementação na escola, proposta no projeto, foi o

curso de formação para professores ministrado no Colégio Estadual Eleodoro Ébano

Pereira. A sua programação contemplou a abordagem e discussão os seguintes

temas, com realização de atividades escritas pelos professores participantes:

- Aspectos históricos da educação de cegos, embasado no capítulo "A educação

especial na sociedade moderna", da obra “Educação especial brasileira: integração/

segregação do aluno diferente”, do autor José Geraldo Silveira Bueno (1993);

- Aspectos históricos da educação especial no Brasil, com o capítulo II da obra

“Educação especial no Brasil - história e políticas públicas”, de Marcos J. S.

Mazzotta (1996);

- Aprendizagem e desenvolvimento dos alunos cegos, fundamentado no capítulo "A

Criança Cega", da obra “Fundamentos de Defectologia”, de L. S. Vigotski (1997);

- A mediação no processo de aprendizagem dos alunos cegos, com o texto

"Vygotsky, Aprendizado e desenvolvimento - um processo sócio-histórico", de Marta

Kohl de Oliveira (2000);

- As tecnologias como instrumento de apoio para o acesso ao conhecimento

sistematizado de pessoas cegas e de baixa visão, com embasamento do texto "O

uso da informática como um instrumento de apoio no processo educacional de

pessoas com deficiência visual", de Dorisvaldo Rodrigues da Silva e Vera Lucia Ruiz

Rodrigues da Silva (2006).

Nas análises e discussões realizadas nos encontros, procurou-se evidenciar

as perdas educacionais e sociais que as pessoas cegas e com outras deficiências,

pertencentes às camadas populares, tiveram ao longo de sua trajetória histórica,

trazendo essa discussão para o Brasil.

Na sequência, procurou-se mostrar que a educação da criança cega, no que

diz respeito à aprendizagem e desenvolvimento, deve ser organizada como a

educação da criança apta ao desenvolvimento normal, levando-a a formar uma

personalidade de pleno valor no aspecto social, superando o defeito orgânico e

vencendo as consequências da cegueira, através da utilização da linguagem,

através do processo de supercompensação, e da adaptação as exigências sociais

impostas pela pressão social do vidente, conforme preconizado por Vigotski (1997).

O destaque para a importância dos dois tipos de elementos mediadores

-instrumentos e signos - no processo de aprendizagem e desenvolvimento de

qualquer pessoa teve por objetivo oportunizar aos professores participantes a

compreensão de que a diferença do processo de ensino-aprendizagem das pessoas

cegas em relação ao das pessoas videntes se dá unicamente na utilização de

recursos didático-pedagógicos adaptados e na adoção de metodologias

diferenciadas, quando se fizer necessário, de forma que atendam às necessidades

específicas das pessoas cegas, adaptando em relevo os signos como: mapas,

gráficos, tabelas, etc., e utilizando os instrumentos educacionais atualmente

existentes para que ela tenha acesso ao conhecimento científico, filosófico e

artistico, trabalhado pelo professor na sala de aula junto dos demais alunos.

Enfatizou-se a necessidade e a importância de se constituir o sistema simbólico no

decorrer do processo de aprendizagem da criança cega, uma vez que, ao longo do

processo de desenvolvimento do sujeito, a relação mediada passa ser predominante

sobre a relação direta no seu relacionamento com o mundo externo.

A proposição de se ministrar um curso para a formação continuada dos

professores do ensino básico alcançou o objetivo de aprofundar o conhecimento

sobre o processo de ensino-aprendizagem de alunos cegos. Por meio das

discussões e atividades escritas ao longo dos encontros, observou-se que os

professores participantes modificaram sua visão e entendimento sobre a educação

escolar de alunos cegos.

Quanto à importância do tema proposto no projeto e sua fundamentação

teórica para formação continuada, os professores participantes consideraram de

suma importância, demonstrando a necessidade de se ampliar discussões sobre

questões educacionais como estas, para que o trabalho pedagógico do professor

seja enriquecido.

Os professores participantes concluíram que o professor é, sim, um mediador

indispensável no processo de ensino-aprendizagem do aluno, exercendo um papel

fundamental na aprendizagem e desenvolvimento dos mesmos. Entretanto, alguns

professores mencionaram dificuldades encontradas durante o processo educativo,

pois, na maioria das vezes, o professor encontra-se sozinho para buscar

metodologias e recursos didático-pedagógicos adaptados para ensinar, porque as

instituições de ensino ainda não têm um envolvimento efetivo no processo inclusivo.

Por outro lado, mesmo afirmando que esse é um desafio constante,

demonstraram concordância que o professor precisa buscar fundamentação teórica

visando novas formas de ensinar, comprometendo-se com a educação de todos.

Relataram também que gostaram muito de participar desta temática, pois,

aprenderam a ver a pessoa cega de uma forma diferente do que a imaginavam até

então, que a fundamentação teórica utilizada foi esclarecedora e pertinente ao

momento de consolidação e efetivação do processo educacional inclusivo. E que

terão prazer em refletir e compartilhar o conhecimento adquirido, socializando com

os demais professores das escolas nas quais atuam, por terem enriquecido suas

práticas pedagógicas, ampliando seus conhecimentos sobre a pessoa cega e seu

processo de aprendizagem.

Considerações finais

Espera-se que a teoria Histórico-cultural utilizada na abordagem a respeito do

processo de aprendizagem e desenvolvimento das pessoas cegas, bem como, a

intervenção dos recursos didático-pedagógicos como elementos mediadores nesse

processo, tenha contribuido para desmitificar que, por ser cega, a pessoa precisa de

método de ensino diferenciado no seu processo educativo. Por isso, este trabalho é

muito mais do que a resposta a uma exigência formal: ele é um instrumento para

superar a visão dicotômica entre ensino para pessoas cegas e para pessoas

videntes.

Porém, as dificuldades de acesso ao conhecimento científico sistematizado

encontradas pelas pessoas cegas e de baixa visão continuarão a existir no interior

das escolas brasileiras; estas pessoas continuarão a ter dificuldades de inserção no

meio social, impossibilitadas de alcançar níveis mais elevados de escolarização, de

obter ocupação profissional minimamente satisfatória e de se constituir como

cidadãos de quem são exigidos deveres, em contrapartida ao respeito aos seus

direitos.

Entretanto, espera-se que esse trabalho contribua para a visão dos

educadores que tais dificuldades não residem nas suas características físicas

peculiares; mas, são provenientes de processos e procedimentos pedagógicos

inadequados, historicamente adotados pela escola, que sempre colocou sobre os

alunos, independente de terem ou não deficiência, considerável responsabilidade

quanto aos seus sucessos e fracassos escolares, eximindo-se da sua

responsabilidade quanto ao processo de ensinar.

Este trabalho, portanto, procurou expor questões de fundo que precisam ser

encaradas de frente por políticos, administradores e professores, por refletirem-se

nas ações cotidianas no âmbito dos sistemas de ensino, nas instituições escolares

e na sala de aula, incitando a ver que grande parte dos problemas enfrentados pelas

pessoas com deficiência na escola comum não são diferentes das dificuldades

apresentadas por pessoas sem deficiência, tendo em vista um dos postulados

básicos do materialismo histórico e dialético: o homem é um ser histórico, que se

constrói através de suas relações; as pessoas nascem da espécie humana, mas só

se fazem humanas, no conjunto de suas relações sociais, nos diversos meios de se

produzir a vida material.

Diante do que já foi exposto, parece ser desnecessário elencar novos

argumentos para comprovar que as medidas governamentais que vêm sendo

adotadas para favorecer o processo educacional das pessoas com deficiência têm

demonstrado serem insuficientes. Porque, mesmo com os incentivos da legislação

da educação brasileira contida na LDB 9.394/96, com a afirmação de que as

pessoas com deficiência devem realizar sua escolarização na escola comum, elas

continuam encontrando e enfrentando muitas dificuldades para se apropriarem do

conhecimento científico sistematizado trabalhado pela escola, devido às barreiras

atitudinais e de acesso à comunicação escrita e oral. Na maioria das vezes a direção

e coordenação pedagógica das escolas acabam transferindo a responsabilidade da

educação da pessoa com deficiência alí inserida, para o professor da sala de aula e

para os serviços de apoio pedagógicos especializados da educação especial.

No entanto, o verdadeiro motivo que está nas entrelinhas do desinteresse por

parte dos governantes e da sociedade pela educação das pessoas desse segmento

social é de que o capitalismo não se interessa pela capacidade produtiva das

mesmas, por não se enquadrarem à lógica da produção capitalista vigente. Embora,

tenha aumentado atualmente o número de pessoas com deficiência inseridas no

mercado de trabalho, não há dúvidas de que esta força de trabalho não interessa à

maioria das empresas privadas, bem como, das instituições públicas. Mesmo assim,

algumas pessoas com deficiência, devido ao desenvolvimento tecnológico, vêm

melhorando seu nível de escolarização, o que amplia as possibilidades de contribuir

no processo de produção dos meios de vida de que os homens necessitam para

sobreviver.

A única forma de modificar este quadro é as pessoas com deficiência de

modo organizado coloquem-se em luta para romper com práticas sociais

excludentes que vigoram desde os tempos mais remotos da história da humanidade,

como a mística, que continua a compreender a pessoa com deficiência enquanto o

resultado de ações demoníacas ou como desígnios divinos; a tradicional medicina

cientificista, que os vê como inválidos, incapazes e inúteis; a educação, tanto a

comum como a especial, que os considera elementos perturbadores da ordem

social; e, principalmente, contra a exploração do modo de produção capitalista,

classista, sendo ele a base fundamental da exclusão da maioria da população, tanto

quanto das pessoas com deficiência.

Para isso, não basta buscar apenas, aumentar o nível de escolaridade das

pessoas com deficiência para a sua inserção no mercado de trabalho capitalista.

Faz-se necessária a construção de uma nova sociedade, onde o modo de produção

e a forma de tratamento em relação às pessoas com deficiência não seja definida a

partir da quantidade de riqueza que as mesmas poderão produzir, mas sim, pelas

necessidades específicas de cada uma delas.

Embasada nessas reflexões, nossa época possui, conforme Vigotski (1997, p.

87), "três tipos de armas para lutar contra a cegueira e suas conseqüências: a

profilática social, a educação social e o trabalho social dos cegos". O papel da

educação deve ser o de: "formar na pessoa cega uma personalidade de pleno valor

no aspecto social e eliminar a palavra e o conceito de deficiente em relação à

pessoa cega", oportunizando que a mesma tenha acesso ao conhecimento científico

sistematizado produzido historicamente pela humanidade e trabalhado pela escola,

como forma de obter

o direito ao trabalho social não em suas formas humilhantes, filantrópicas, de inválidos (como se tem cultivado até o momento), senão as formas que respondem à verdadeira essência do trabalho, unicamente capaz de criar para a personalidade a posição social necessária (VIGOTSKI, 1997, p. 87).

Dessa forma, será possível deixar de lado a idéia de que a deficiência é um

obstáculo intransponível, e que somente o saber especializado poderia dar conta da

sua educação, pensamento ainda muito frequente no imaginário e nas práticas

excludentes da sociedade contemporânea. E crer num trabalho que leve a pessoa

cega à validez social, para se sentir capaz de também contribuir no processo

produtivo, no sustento e desenvolvimento da sociedade, que, segundo Vigotski

(1997), "são tarefas sociais e somente uma nova sociedade pode resolvê-las

definitivamente".

Portanto, o papel próprio do pedagogo e professores será o de prover a

escola de uma organização que garanta a cada educando, em especial aquele das

camadas trabalhadoras, a apropriação dos conhecimentos sistematizados para o

ingresso na cultura letrada, de forma que seja possível conferir qualidade às suas

lutas na sociedade burguesa classista, objetivando a luta pela emancipação popular.

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