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INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DE PRÉ-ESCOLARES DOS CENTROS DE EDUCAÇÃO E ALIMENTAÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR * José Fernandes ** Yaro R. Gandra*** FERNANDES, J. & GANDRA, Y. R. Instrumento de avaliação do desenvolvimento de pré-escolares dos Centros de Educação e Alimentação do Pré-Escolar. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 15(supl.) :79-90, 1981. RESUMO: Para testar os efeitos do programa dos Centros de Educação e Alimentação do Pré-Escolar (CEAPE) no desenvolvimento sócio-psico-pedagó- gico dos pré-escolares, foram estudados e selecionados itens de fácil obtenção e de sensibilidade suficiente para a estimativa da eficácia do programa nessa área. Estes itens constituiram o "Instrumento de Avaliação do Desenvolvi- mento do Pré-Escolar (IADPE)". Com o objetivo de se efetuar uma análise das principais características do "Instrumento", foi avaliado seu grau de discriminação e comparado seus resultados com os da "Escala de Compor- tamento" quando aplicados a crianças de 4, 5 e 6 anos que frequentavam e as que não frequentavam o programa CEAPE. A análise dos resultados revelou que o "Instrumento" possui bom grau de discrinação; que seus itens variaram, sistematicamente, num mesmo sentido; e que quando considerados individualmente tenderam a correlacionar-se positivamente com o total do teste. O total do "Instrumento" apresentou correlações altamente significa- tivas com o total da "Escala". O IADPE resultou num instrumento útil de avaliação psico-pedagógica de crianças de baixo nível sócio-econômico. UNITERMOS: Pré-escolares, avaliação. Criança, desenvolvimento. Pro- grama CEAPE. * Convênio 10/77 INAN/DN/FSP/USP. ** Do Programa CEAPE Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP. *** Do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP — Av. Dr. Arnaldo, 715 — 01255 — São Paulo, SP — Brasil. INTRODUÇÃO Para que o desenvolvimento integral dos pré-escolares ocorra de modo adequado são necessários, pelo menos, dois fatores básicos: alimentação e estimulação ambien- tal satisfatórias. Estas duas condições, entre- tanto, nem sempre podem ser totalmente satisfeitas pelo meio familiar em que o pré-escolar vive, não havendo, tampouco, uma assistência suficiente a ele por parte dos serviços públicos existentes. Em con- seqüência, constata-se que os casos mais graves de desnutrição infantil ocorrem, geralmente, no primeiro ano de vida e na idade chamada pré-escolar e em crianças que são, na grande maioria dos casos, oriundas de famílias de baixo nível sócio- -econômico. Analogamente, este mesmo quatro pode ser traçado quanto ao desen-

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INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTODE PRÉ-ESCOLARES DOS CENTROS DE EDUCAÇÃO

E ALIMENTAÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR *

José Fernandes **Yaro R. Gandra***

FERNANDES, J. & GANDRA, Y. R. Instrumento de avaliação do desenvolvimentode pré-escolares dos Centros de Educação e Alimentação do Pré-Escolar. Rev.Saúde públ., S. Paulo, 15(supl.) :79-90, 1981.

RESUMO: Para testar os efeitos do programa dos Centros de Educaçãoe Alimentação do Pré-Escolar (CEAPE) no desenvolvimento sócio-psico-pedagó-gico dos pré-escolares, foram estudados e selecionados itens de fácil obtençãoe de sensibilidade suficiente para a estimativa da eficácia do programa nessaárea. Estes itens constituiram o "Instrumento de Avaliação do Desenvolvi-mento do Pré-Escolar (IADPE)". Com o objetivo de se efetuar uma análisedas principais características do "Instrumento", foi avaliado seu grau dediscriminação e comparado seus resultados com os da "Escala de Compor-tamento" quando aplicados a crianças de 4, 5 e 6 anos que frequentavam eas que não frequentavam o programa CEAPE. A análise dos resultadosrevelou que o "Instrumento" possui bom grau de discrinação; que seus itensvariaram, sistematicamente, num mesmo sentido; e que quando consideradosindividualmente tenderam a correlacionar-se positivamente com o total doteste. O total do "Instrumento" apresentou correlações altamente significa-tivas com o total da "Escala". O IADPE resultou num instrumento útil deavaliação psico-pedagógica de crianças de baixo nível sócio-econômico.

UNITERMOS: Pré-escolares, avaliação. Criança, desenvolvimento. Pro-grama CEAPE.

* Convênio 10/77 — INAN/DN/FSP/USP.** Do Programa CEAPE — Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP.

*** Do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP — Av. Dr. Arnaldo,715 — 01255 — São Paulo, SP — Brasil.

INTRODUÇÃO

Para que o desenvolvimento integral dospré-escolares ocorra de modo adequadosão necessários, pelo menos, dois fatoresbásicos: alimentação e estimulação ambien-tal satisfatórias. Estas duas condições, entre-tanto, nem sempre podem ser totalmentesatisfeitas pelo meio familiar em que opré-escolar vive, não havendo, tampouco,uma assistência suficiente a ele por parte

dos serviços públicos já existentes. Em con-seqüência, constata-se que os casos maisgraves de desnutrição infantil ocorrem,geralmente, no primeiro ano de vida e naidade chamada pré-escolar e em criançasque são, na grande maioria dos casos,oriundas de famílias de baixo nível sócio--econômico. Analogamente, este mesmoquatro pode ser traçado quanto ao desen-

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volvimento de determinados aspectos psico-lógicos 6, que são tidos como pré-requisitosessenciais para importantes eventos, como aescolarização, por exemplo. Nota-se, assim,que os anos pré-escolares fornecem os ali-cerces para outros acontecimentos impor-tantes que ocorrerão nos anos seguintes.As deficiências nutricionais, aliadas ao de-senvolvimento limitado de determinados as-pectos psicológicos (exemplo: operaçõescognitivas e funções psico-neurológicas —Poppovic e col.14, 1975), refletem-se nasaltas taxas de evasão e reprovação naprimeira série do primeiro grau, que porsua vez geram outras conseqüências graves,ao nível individual e social.

Em função destes pontos levantados eda sua gravidade em nosso país, são neces-sárias medidas urgentes factíveis, que per-mitam dar algum grau de contribuição paraa solução desses problemas.

O programa CEAPE — Centros de Edu-cação e Alimentação do Pré-Escolar —(Gandra, 1973, 1976) 4,5, desenvolvido nointerior do Estado de São Paulo, é ummodelo alternativo para o atendimento aopré-escolar. Foi planejado para atendercrianças entre 2 e 6 anos, fornecendo-lhessuplementação alimentar e atividades psico--pedagógicas, na forma de recreação orien-tada. O programa caracteriza-se pela prati-cidade, baixo custo e flexibilidade. Estesaspectos viabilizaram a expansão do pro-grama, pois cada comunidade o implantade acordo com os recursos de que dispõe,obedecendo, entretanto, um mínimo exigidoe à orientações básicas gerais do programa

Torna-se importante a tarefa de avaliaçãode programas pré-escolares alternativos maissimples como o CEAPE, pois eles são atual-mente mais viáveis em termos de implan-tação a curto prazo e de atendimento aum grande número de crianças, conformemostrou a expansão do modelo CEAPE, emvárias áreas do país.

Para o CEAPE foram selecionados mé-todos não sofisticados de avaliação, porémadequados.

Em termos de avaliação psico-pedagógica,procurou-se inicialmente um teste que dis-criminasse entre idades diferentes e quetambém pudesse ser utilizado para avaliaros efeitos educacionais do programa.

Por solicitação do Departamento de Nu-trição da Faculdade de Saúde Pública daUniversidade de São Paulo, o trabalhoinicial foi desenvolvido por Poppovic eCampos12, 1975 que escolheram o teste"Preschool Inventory" (Caldwell 2, 1970)como ponto de partida para a avaliaçãopsico-pedagógica deste programa.

Foram realizadas, nos EUA, algumaspesquisas que utilizaram os testes de Cald-well 2 (bastante semelhantes ao "PreschoolInventory", em conteúdo) com o objetivode avaliar a influência do programa HeadStart sobre aspectos cognitivos e os resul-tados mostraram diferenças estatísticassignificativas entre os grupos em estudono teste de Caldwell, mas não no Quocientede Inteligência (QI). Estes resultados sãocompatíveis com a filosofia que orientou aconstrução dos testes de Caldwell, que foio de buscar um teste de aproveitamentosensível, principalmente a aspectos relacio-nados com a escolarização, abordados numprograma, como o Head Start, sem a preo-cupação de avaliar "inteligência", porexemplo.

Em princípio, então, este teste poderia serescolhido como suficientemente sensível paradiferenciar duas populações — uma formadapor crianças atendidas por um programade educação pré-escolar e outra por criançassem este tipo de atendimento.

As características do "Preschool Inven-tory" foram consideradas bastante promis-soras (Poppovic e Campos, 1975) 12, parao uso na avaliação de um programa comoo CEAPE. Estes autores realizaram a adap-tação inicial deste teste. Foram acrescen-tados itens de coordenação motora ampla(equil íbrio), baseados na Escala de Desen-volvimento Motor de Ozeretzky, mantendo--se itens de avaliação de conceitos de cor,

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forma, tamanho, posição, número; itens decópia, conhecimento de partes do corpo,do meio ambiente e execução de ordens.Paralelamente, também foi acrescentada umaversão resumida da "Escala de Comporta-mento Intra-Teste" (Poppovic e col.,1975)14, aqui chamada também de "Escala"utilizada para avaliar o comportamento dacriança, em termos de sua relação com oexaminador e com a tarefa, durante o teste.A adaptação de itens foi denominada "In-ventário de Habilidade para Pré-Escolares"e foi testada, em outubro de 1975, com oobjetivo básico de avaliar o grau de discri-minação deste instrumento entre as idadesde 4, 5 e 6 anos. Os resultados obtidosencorajaram um trabalho mais intensivo como "Inventário".

A versão inicial deste teste sofreu pos-teriormente uma nova adaptação, originandoo "Instrumento de Avaliação do Desenvol-vimento para Pré-Escolares — IADPE" ou,simplesmente neste trabalho, "Instrumento".Foram retirados itens pouco discriminados,isto é, os que apresentavam pequenos incre-mentos em termos de percentagens deacerto, ou pequenas variáveis ao longo dasidades estudadas.

Paralelamente, foram acrescentados outrositens que permitissem uma amostragemmais abrangente dos conteúdos. Estes acrés-cimos foram realizados para aumentar onúmero de itens e a abrangência de certasáreas já existentes no teste e também paraamostrar áreas ainda não representadas noinstrumento (exemplo: analogias opostas,atenção e memória de curta duração, entreoutros).

Em ambos os casos, os itens acrescenta-dos foram baseados na li teratura existentesobre a testagem de pré-escolares (Poppovice col., 197514; Anastasi, 19671; Kahn9 , 1 0 ;Szekely 16, 1960), procurando-se manter aconcepção original do instrumento.

Assim, o objetivo principal do presentetrabalho é efetuar uma análise das caracte-rísticas estatísticas principais do "IADPE",avaliando também o grau de discriminaçãoapresentado por este instrumemnto e pela"Escala de Comportamento", entre as idadesde 4, 5 e 6 anos, quando aplicados a crian-ças "Ceapenses" e "Não-Ceapenses".

MATERIAL E MÉTODOS

Características dos instrumentos

O "IADPE" ou simplesmente "Instru-mento", segue a mesma orientação que ostestes originais de Caldwell2 , ou seja, esteinstrumento é um teste de aproveitamentoque pretende avaliar alguns aspectos ele-mentares, considerados básicos para a es-colarização *.

O "IADPE" contém 70 itens, sendo tam-bém aplicada a "Escala de ComportamentoIntra-Teste"14.

A aplicação do material é individual eleva cerca de 25 min por criança. Os seus70 itens cobrem os seguintes aspectos:conhecimento de partes do corpo, de cores;conceitos básicos (quantidade, tamanho,posição, entre outros); atenção e memóriade curta duração, conceitos numéricossimples, reconhecimento de formas geo-métricas, equil íbrio estático e dinâmico,cópia de f iguras geométricas e analogiasopostas. Todos os itens admitem apenasas respostas "certo" (valor 1) ou"errado" (valor zero). Estes valores so-mados constituem o "Total do Instru-mento", cujo valor máximo é 70 pontos.

A "Escala de Comportamento Intra-Teste"é utilizada para avaliar o comportamentoda criança, com relação ao examinador eà tarefa, após a aplicação dos 70 itensiniciais. Esta "Escala" inclui 6 itens: quan-tidade de fala, persistência, atenção, auto--confiança, "rapport" e participação duranteo teste. Cada item é avaliado pelo exami-

* O Manual de Instruções e o material do "Instrumento de Avaliação do Desenvolvimento doPré-Escolar" podem ser encontrados no Departamento de Nutrição da Faculdade de SaúdePública da Universidade de São Paulo.

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nador numa escala de 1 a 5 pontos (dis-cretos), definidos operacionalmente. O ponto1 corresponde à pior realização possível no

item e o ponto 5, à melhor realização.Estes valores são somados e constituem o"Total da Escala", cujo máximo é 30 pontos.

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Critérios de Seleção da Amostra

Em vista da expansão do programa e davariabilidade existente, em termos de funcio-namento entre os CEAPEs do Estado deSão Paulo, optou-se por concentrar os tra-balhos de avaliação psico-pedagógica nacidade de Leme. Esta localidade contava,no início dos trabalhos de avaliação, comcerca de 12 CEAPEs operando sob super-visão educacional direta da Prefeitura local.

O "IADPE" e a "Escala de Comporta-mento" foram aplicados a crianças de 4, 5e 6 anos. Para cada idade, foram formadosdois grupos: um de crianças que freqüenta-vam o programa CEAPE ("Ceapenses") eum grupo de crianças "Não-Ceapenses". Ascrianças Ceapenses foram selecionadas combase na idade cronológica e no tempo defreqüência ao programa (pelo menos 6meses letivos seguidos, com freqüência deno mínimo 75%).

As crianças "Não-Ceapenses" não fre-qüentavam nenhum tipo de creche ou pré--escola e residiam em áreas próximas aosCEAPEs utilizados *, sendo originárias, nogeral, de famílias de baixo nível sócio-eco-nômico.

Descrição dos grupos

Foram testadas 353 crianças "Ceapenses"e 214 "Não-Ceapenses"", com idades de 4, 5e 6 anos. O número de crianças de cadagrupo, por idade, está definido em trabalhoanterior (Tabela 1)3.

Algumas informações referentes ao nívelsócio-econômico familiar foram coletadas ementrevista com a mãe ou responsável pelacriança, e já apresentadas em trabalhoanterior 3. Resumindo-se, pode-se dizer queambos os grupos de crianças — "Ceapenses"e "Não-Ceapenses" — foram originária nogeral, de famílias de baixo nível sócio-eco-nômico.

RESULTADOS

Serão considerados alguns aspectos anali-sados com relação ao grau de discriminaçãodo "IADPE" e da "Escala de Comporta-mento", entre as idades de 4, 5 e 6 anos.

Estas análises foram feitas separadamentepara os grupos "Ceapense" e "Não-Ceapen-se", dada a existência de diferenças entreelas, no que se refere a medidas de ten-dência central e de variabilidade 3.

Médias, Desvios-Padrões eMedianas do Total do "IADPE"

De um modo geral, em ambos os grupos,as percentagens de acerto aumentaram, nagrande maioria dos itens, com o aumentodas idades**. Obviamente, estes aumentosrefletem-se no total dos resultados do "Ins-trumento".

As médias aritméticas, os desvios-padrãoamostrais e medianas do total do "IADPE",para as diferentes idades dos grupos estu-dados podem ser verificados em trabalhoanterior (Tabela 7)3.

Pode-se notar que tanto os valores médioscomo os medianos aumentaram em funçãoda idade. Análises iniciais mostraram queas variâncias dos diversos grupos foramsignificativamente diferentes, o que inva-lidaria o uso de procedimentos de Análisede Variância para a verificação dos efeitosda idade sobre o total do "Instrumento"(Keppel, 1973)11. Assim para a comparaçãodas diferentes idades em cada grupo, optou--se pela prova não-paramétrica de Kruskal-Wallis (Siegel, 1975)15. Foram feitas aná-lises separadas para os grupos "Ceapense"e "Não-Ceapenses" e, em ambos os casos,encontravam-se valores altamente significa-tivos (H ceapenses = 75,739; H não-ceapense= 66,993; X 2

c, 2g.1 = 13,815, p<.001).Rejeitou-se, portanto a hipótese de equi-valência dos valores do total do "Ins-

* Detalhes sobre a seleção da amostra podem ser encontrados no artigo "Avaliação Inicial dosEfeitos Psico-Pedagógicos do CEAPE" 2.

** As tabelas das percentagens de acerto de cada item, por idade, podem ser encontradasna Comissão Central do CEAPE — Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Públicada USP.

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trumento", nas diferentes idades, em cadagrupo.

Análises subseqüentes, através da provanão -paramétrica de Mann-Whitney (Siegel,1975)15, revelaram, em ambos os grupos,diferenças altamente significativas entre asidades de 4 e 5 anos, e entre 5 e 6 anos.A Tabela 1 mostra os valores de Z obtidosatravés da prova de Mann-Whitney.

Assim, os resultados obtidos indicaramque o "IADPE" discriminou significativa-mente entre as idades de 4, 5 e 6 anos,tanto para o grupo "Ceapense" como parao "Não-Ceapense".

Em ambos os grupos, pode-se observaruma tendência crescente praticamente linear,em função da idade, em termos de resultadosmedianos. Isto significa que o número de

pontos ganhos, em termos de valores me-dianos do "Total", foi bastante constantede uma idade para outra, dentro de ummesmo grupo.

Aparentemente, no grupo "Ceapense"existe uma tendência à concentração nosresultados próximos ao total máximo, como aumento da idade (médias crescentes ediminuição dos desvios-padrões). Isto indicaque o "IADPE" tende a ser mais fácil naidade de 6 anos, no grupo "Ceapense" eque, em função deste aumento de "faci-lidade" do instrumento, ele diminui nestecaso o seu grau de discriminação.

Agrupamentos dos Itens do "Instrumento deAvaliação do Desenvolvimento do Pré-Escolar— IADPE"

Com o objetivo de se estudar melhor ocomportamento das áreas nos diferentesgrupos etários, foram definidos 10 agrupa-mentos mutuamente exclusivos, com os itensdo "IADPE". Este proceder apresentoualgumas dificuldades, já que os vários itensavaliam mais de um aspecto. Assim, as par-tições envolveram critérios pessoais, emalguns casos. A orientação geral seguida

foi reunir itens que avaliem predominante-mente características em comum.

Os agrupamentos definidos, o total má-ximo possível de pontos para cada agrupa-mento e as características avaliadas foramapresentadas em trabalho anterior (Tabela8)3. As Figuras 1 e 2 apresentam as médiasde pontos obtidas em cada agrupamentoexpressas em percentagens do seu total má-ximo, para cada idade em cada grupo.

Todos os agrupamentos, com exceção doVI - Geometria (Não-Ceapenses" entre 4 e5 anos) apresentaram médias de pontoscrescentes, em função ao aumento da idade,tanto para o grupo "Ceapense" como parao "Não-Ceapense".

Estes resultados mostram, portanto, queas diferenças observadas entre as idades,no total do "Instrumento" não são atri-buíveis apenas à alguns agrupamentos espe-cíficos, mas refletem diferenças de desem-penho, entre as idades, ao longo de todoo teste. Estas diferenças entre as idadesforam observadas tanto no grupo "Ceapense"como no "Não-Ceapense". Embora possuamvalores diferentes para cada grupo, elasindicam que o "IADPE", considerado no seu

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"Total" ou em agrupamentos, foi sensívelaos efeitos da idade.

Médias das correlações Item-Total("IADPE")

Os valores da correlação entre um de-terminado item e o total do teste fornecemuma avaliação da "validade" do item(Guil ford, 1954)8, ou seja, indicam qual ograu em que um determinado item variano mesmo sentido que os demais, tomadosem conjunto. Assim, as correlações item--total são essencialmente medidas de homo-geneidade (Anastasi, 1976)1. De um modogeral, considera-se que a média das corre-lações item-total fornece uma medida dopoder de discriminação do teste entrecrianças de alto e baixo desempenho (Pop-povic e Campos, 1975)13.

A Tabela 2 apresenta as médias aritmé-ticas das estimativas dos valores de corre-lação ponto-bisserial * entre a nota de cadaitem (zero ou 1) e o total do "Instrumento",excluída a nota do referido item. Estas esti-mativas foram obtidas empregando-se afórmula de correção proposta por Guilford(1954)8 nos valores originais das correla-ções. A correção foi utilizada para eliminaraumentos indevidos nos valores das corre-lações, decorrentes do fato de se correla-

cionar a nota de um item com um total,do qual a nota deste item faz parte. Asmédias ** destes valores foram calculadasatravés da transformação Z de Fisher(Gui l ford , 1956)7 e são apresentadas naTabela 5 para cada grupo e idade, sepa-radamente.

Esta Tabela mostra que as médias dasestimativas das correlações item-total forampositivas e significativas, em todas as idades.Isto indica que os itens do "IADPE" varia-ram, no geral, sistematicamente no mesmosentido que o conjunto dos demais, discri-minando satisfatoriamente entre as criançasque obtiveram altos e baixos resultados nof i n a l do teste, dentro de cada idade.

Coeficientes de Precisão (KR-20) do"IADPE"

A Tabela 3 mostra os valores dos coe-ficientes de precisão do "IADPE", segundoa fórmula KR-20 (Guilford, 1954)8, paraos diferentes grupos de idade. Num sentidoamplo, a precisão de um teste indica o grauem que as diferenças individuais nos resul-tados do teste são atribuíveis a erros casuaisde mensuração e o grau em que elas sãoatribuíveis a diferenças verdadeiras, exis-tentes entre os indivíduos, nas característicasem consideração (Anastasi, 1967)1. O coe-f ic ien te de precisão KR-20 é um dos vários

* Para obtenção dos valores das correlações item-total, no caso de testes formados por itensdicotômicos, os cálculos feitos a partir das fórmulas de correlação produto-momento de Pearsonfornecem os mesmos resultados numéricos que os obtidos através das fórmulas de correlaçãoponto-bisserial (Tavella, 1978, pág. 68) 17.

** Os valores da correlação ponto-bisserial, para cada item em cada grupo e idade podem serencontrados na Comissão Central dos CEAPEs. (Departamento de Nutrição da Faculdade deSaúde Pública da Universidade de São Paulo).

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métodos utilizados para a avaliação daconsistência interna de um teste. Este coe-ficiente indica o grau de inter-correlaçãoentre os itens e é, portanto, também umamedida de homogeneidade do teste.

Conforme mostra a Tabela 3, os coefi-cientes de precisão variaram entre 0,85 e0,92. Estes resultados permitem classificara precisão (consistência interna) do "Instru-mento" entre "boa" e "ótima", de acordocom os padrões tradicionalmente aceitos.

Erros Padrões de Medida

O erro padrão de medida (Guilford,1954)8 está intimamente associado com ocoeficiente de precisão. A utilização doserros-padrão parte do pressuposto de quea nota total do "Instrumento", obtida poruma determinada criança, envolve algumgrau de erro de mensuração.

A Tabela 4 mostra os valores dos erros--padrão de medida para cada grupo e idadeestudada.

Supondo-se, por exemplo, uma criança"Ceapense" de 5 anos que obtenha 45 pontosno total do "Instrumento", existe uma faixaentre 45 — 3,5 pontos e 45 + 3,5 pontosque, com uma probabilidade de cerca de0,68, contém o "Total" real desta criança.

Conforme mostra a Tabela 4, os erros-padrão de medida variaram entre 3,0 e 3,5pontos para as diferentes idades dos grupos,o que indica que o grau de erro envolvido,ao longo das idades, é razoavelmenteestável.

Médias, Desvios-Padrões e Medianas do totalda "Escala"

Conforme já foi levantado, a "Escala deComportamento Intra-Teste"14 é utilizadapara avaliar o comportamento da criançacom relação ao aplicador e à tarefa, duranteo teste. Ela é formada por 6 itens, cadaum recebendo uma ponderação de 1 a 5pontos. Portanto, o total máximo da "Escala"é 30 pontos.

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As médias, desvios-padroes e medianasdo "Total da Escala de Comportamento",para as diferentes idades dos grupos estu-dados, podem ser verificados em trabalhoanterior, na Tabela 93.

Novamente pode-se observar que os re-sultados médios e medianos obtidos aumen-taram em função da idade, em ambos osgrupos ("Ceapense" e "Não-Ceapense").Por outro lado, existiu também uma dimi-nuição da variabilidade em função doaumento da idade, o que sugere que osresultados concentraram-se cada vez maisnos valores mais altos da "Escala" ("efeitode limite").

As diferenças entre idades foram nova-mente testadas através da prova não-para-métrica de Kruskal-Wallis (Siegel, 1975)15,separadamente para o grupo "Ceapense" e"Não-Ceapense". Os resultados altamentesignificativos, em ambos os grupos, mostra-ram que as três idades não receberam ava-liações equivalentes na "Escala" H ceapenses= 30,032, H não-ceapense = 24,752, X2

c,2g.1 = 13,815, p<.001), e que, portanto,existiram diferenças significativas entre pelomenos duas das três idades pesquisadas.

Foram feitas análises posteriores, atravésda prova não-paramétrica de Mann-Whitney.Estas análises revelaram, em ambos osgrupos, diferenças significativas entre asidades de 4 e 5 anos, e entre 5 e 6 anos.

A Tabela 5 mostra os valores de Z obtidosatravés desta prova.

Dessa forma, os resultados obtidos indi-caram que o total da "Escala de Comporta-mento" discriminou significativamente entreas idades de 4, 5 e 6 anos, em ambos osgrupos, embora houvesse uma tendência aconcentração de resultados nos valores maispróximos ao valor máximo do instrumento,com o aumento da idade.

Correlações "IADPE" — "Escala"

A Tabela 6 mostra os valores da corre-lação não-paramétrica de Spearman (Siegel,1975)15 entre o total do "Instrumento" eo total da "Escala", para as diferentesidades de cada grupo.

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Todos os valores foram altamente signi-ficativos (p <.001) e tenderam a diminuircom o aumento da idade, em ambos osgrupos. Aparentemente, estes decréscimosnos valores das correlações foram decor-rentes do "efeito de limite" observado na"Escala de Comportamento". Ou seja, como aumento da idade, os resultados do totalda "Escala" como era de se esperar con-centravam-se cada vez mais nos valorespróximos ao seu máximo. Não houve, por-tanto, no grupo de 6 anos variabilidadesuficiente para que o total da "Escala"pudesse manter correlações com o total do"IADPE" tão altas quanto as verificadasaos 4 anos.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

Conforme já foi levantado, as análisesforam feitas separadamente para o grupo"Ceapense" e "Não-Ceapense" da cidadede Leme (SP), uma vez que houve dife-renças nítidas entre eles quanto a medidasde tendência central e de variabilidade. Esteprocedimento permitiu, portanto, a avaliaçãomais sistemática das diferentes caracterís-ticas do instrumento, nas diferentes idades.

A análise de alguns aspectos estatísticosdo "IADPE" revelou que, nos grupos estu-dados, este instrumento possui bom graude discriminação entre e dentro das idadespesquisadas. O teste apresentou coeficientesde precisão (consistência interna) bastantesatisfatórios. Pode-se afirmar, então, que,de um modo geral, seus itens variaram siste-maticamente num mesmo sentido, com boasinter-correlações entre si. Como conse-qüência, os itens, considerados isoladamente,tenderam a se correlacionar positivamentecom o total do teste.

No caso do grupo Ceapense, aos 6 anos,o teste tendeu diminuir seu grau de discri-minação, na medida em que aumenta asua "facilidade". Isto sugere que, nestaidade, o teste tende a um "efeito de limite"(concentração nos valores próximos aomáximo possível).

Em ambos os grupos, os resultados da"Escala de Comportamento" também apre-sentaram diferenças significativas entre asidades estudadas. Aos 5 anos, o total da"Escala" já começou a concentrar-se nosvalores próximos ao seu máximo ("efeitode limite"); mesmo assim foram encontra-das diferenças significativas entre 5 e 6anos, em ambos os grupos.

As correlações altamente significativasentre o total do "Instrumento" e o totalda "Escala" são compatíveis com resultadosexistentes na literatura (Anastasi, 1967)1

acerca das relações entre o comportamentoe atitudes do examinando, na situação deavaliação e o seu resultado final no teste.Estes resultados reproduziram também osobtidos por Poppovic e Campos, 197512 ePoppovic e col.14, 1975, em que foram en-contradas correlações significativas entre a"Escala" e testes psico-pedagógicos.

As análises feitas em termos de aspectosestatísticos, juntamente com a seleção eadaptação prévias dos conteúdos dos itens,apontam para a adequação do "IADPE"como instrumento útil de avaliação psico--pedagógica de pré-escolares, de 4 a 6 anos,de baixo nível sócio-econômico. É óbvio,entretanto, que ele deve ser utilizado einterpretado dentro dos limites fixados porseus objetivos, pelo conteúdo dos seus itense pelas próprias características decorrentesde uma testagem breve.

Page 11: INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ......tidade de fala, persistência, atenção, auto--confiança, "rapport" e participação durante o teste. Cada item é avaliado pelo

FERNANDES, J. & GANDRA, Y. R. [An instrument for the assessment of the deve-lopment of preschool children (IADPE) in the CEAPE Program]. Rev. Saúdepúbl.. S. Paulo, 15(suppl.):79-90, 1981.

ABSTRACT: Selected items, with adequate sensibility to evaluate theeficacy of the CEAPE program with regard to the psycho-pedagogical deve-lopment of preschool children were tested. These selected items togethercomposed the "Instrumento de Avaliação do Desenvolvimento do Pré-Escolar— IADPE". The objective of this paper was to study statiscally theprincipal characteristics of that "Instrument" evaluating its capacity of dis-crimination and comparing its results to those obtained on a "Behavior Scale"for preschoolers. The results show that the "Instrument" correlated wellwith those of the "scale" and that it is a very useful and practical systemfor the evaluation of the psycho-pedagogical development of preschoolers.

UNITERMS: Preschool child, evaluation. Child development. CEAPEProgram.

REFERÊNCIAS BJBLIOGRÁFICAS

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Recebido para publicação em 10/07/1981

Aprovado para publicação em 17/11/1981