instituto de ciências sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/tese mestrado_inês...

86
Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada na Administração Local em Portugal (2004-2008) Inês Glória Simões Lima Tese de Mestrado em Política Comparada 2011

Upload: dangque

Post on 20-Oct-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

Instituto de Ciências Sociais

Universidade de Lisboa

A Corrupção Participada na Administração Local em Portugal (2004-2008)

Inês Glória Simões Lima

Tese de Mestrado em Política Comparada

2011

Page 2: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

Instituto de Ciências Sociais

Universidade de Lisboa

A Corrupção Participada na Administração Local em Portugal (2004-2008)

Inês Glória Simões Lima

Tese de Mestrado em Política Comparada

Tese orientada pelo Professor Doutor Luís de Sousa

2011

Page 3: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

i

RESUMO

Um estudo recente sobre a corrupção participada e criminalidade conexa em

Portugal mostrou, no que toca aos Ministérios e Serviços com maior número de

arguidos, que a Administração Local é o principal foco de corrupção participada entre

os anos 2004-2008. Construído através dos dados do Projecto “O Estudo da Corrupção

em Portugal: A realidade judiciária – Um enfoque sociológico”, baseado numa amostra

composta pelos processos instaurados entre o ano de 2004 e 2008 por crime de

corrupção e infracções conexas (N=345) e numa amostra dos arguidos constituídos no

âmbito desses mesmos processos-crime (N=352), o presente estudo centra-se na análise

da interdependência entre os múltiplos indicadores de caracterização sociológica dos

agentes corruptos e dos processos-crime instaurados e pretende averiguar que

configurações são definidas no contexto da governação local. Este trabalho procura

ainda reflectir acerca das causas que condicionam a ocorrência e persistência da

corrupção na Administração local e as suas implicações no capital social e na qualidade

e desempenho da governação local democrática.

Palavras-chave: Corrupção, Qualidade da Democracia, Administração Local

ABSTRACT

A recent research regarding corruption and related offences has show that local

government is the main sector of corruption in Portugal between 2004 and 2008.

Building on the project “O Estudo da Corrupção em Portugal: A realidade judiciária –

Um enfoque sociológico”, based on a sample of criminal proceedings (N=345) and

defendents (N=352), the present study focus on the analysis of the linkage between the

multiple sociological indicators of the suspects of crime and the features on the criminal

proceedings and seeks to determine which settings are defined in the context of local

government. Corruption is a multidimensional phenomenon and this study also intends

to determine the causes behind corruption at local level and understand its implications

on the quality of democracy, social capital and government performance.

Key-words: Corruption, Quality of democracy, Local Government

Page 4: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

ii

Quero expressar os meus sinceros agradecimentos ao Prof. Dr. Luís de Sousa, ao Prof.

Dr. Filipe Carreira da Silva e ao Prof. André Freire, pela orientação, pelo voto de

confiança no meu trabalho, pela disponibilidade, pelos desafios apresentados, pelo

estímulo, dedicação e amizade.

Ao Tiago e Nuno, Luís e Rui por todo o amor e apoio incondicional e pela realização do

impossível.

Page 5: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

iii

ÍNDICE

Introdução 5

1. A qualidade da Democracia na governação local: evolução, problemas e

desafios 9

1.1 A “qualidade da democracia” e da governação local 9

1.2. Evolução da Administração local em Portugal 13

1.2.1. Evolução do Poder Local: do Liberalismo até à Constituição de 1976 14

2. A Multidimensionalidade do Crime de Corrupção 23

2.1. Corrupção e ética em Democracia 23

2.1.1. A codificação do crime de corrupção e infracções conexas: a dimensão

legal/formal da corrupção

28

2.1.2. Nuances cromáticas na definição de Corrupção enquanto representação

social 31

2.2. Causas, áreas de risco e estruturas de oportunidades 35

3. Metodologia 41

3.1. A Corrupção Participada 41

3.2. Amostra 42

3.3. Indicadores 46

4. O fenómeno da corrupção participada na Administração Local em

Portugal: 2004-2008 48

4.1.Configurações do crime de corrupção e criminalidade conexa na

Administração Local em Portugal, 2004-2008: Objectivos, recursos, contextos

e processos de troca 48

4.2.Perfil do agente corrupto na Administração Local em Portugal, 2004-2008 54

4.2.1. Os indivíduos 54

4.2.2. As Empresas e Colectividades 60

5. Mecanismos de combate e estratégias de prevenção da corrupção na

Administração Local 62

Conclusões 68

Referências bibliográficas 72

Anexos 78

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1. Relação entre indicadores (medidas de descriminação) 49

Gráfico 2. Configuração topológica do espaço do crime na Administração

Local em Portugal, 2004-2008 50

Gráfico 3. Caracterização do local de ocorrência do crime e data de

instauração do processo-crime 52

Gráfico 4. Categoria Profissional dos arguidos em crimes de corrupção na

Administração Local em Portugal, 2004-2008 59

Gráfico 5. Categoria Profissional dos arguidos em crimes de peculato e

participação económica e negócio na Administração Local em Portugal, 2004-

2008 60

Page 6: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

iv

LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Autor da participação do crime de corrupção e infracções conexas

na Administração Local em Portugal, 2004-2008 42

Tabela 2. Distribuição do volume de processos instaurados por tipo de crime

na Administração Local em Portugal, 2004-2008 44

Tabela 3. Categorias de distinção entre os diversos arguidos/intervenientes de

acordo com o tipo de crime 45

Tabela 4. Dimensões de análise: indicadores (processo-crime) 46

Tabela 5. Dimensões de análise: indicadores (arguidos) 47

Tabela 6. Contribuição das variáveis: medidas de descriminação com

variáveis suplementares 48

Tabela 7. Sexo dos arguidos no crime de corrupção e infracções conexas na

Administração Local em Portugal, 2004-2008 55

Tabela 8. Idade dos arguidos no crime de corrupção e infracções conexas na

Administração Local em Portugal, 2004-2008 56

Tabela 9. Antecedentes criminais dos arguidos no crime de corrupção e

infracções conexas na Administração Local em Portugal, 2004-2008 57

Tabela 10. Área de Actividade da pessoa colectiva nos crimes de Corrupção

na Administração Local em Portugal, 2004-2008 61

Page 7: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

5

Introdução

As Democracias têm vivido significativas transformações no que toca à

aplicação dos princípios de ética sob os quais assentam a governação das suas

instituições e o seu desempenho (De Sousa e Triães, 2008a). A corrupção tem minado a

estabilidade e a segurança das instituições, pondo em risco os valores da Democracia,

da Justiça, do desenvolvimento económico e da igualdade democrática. O fenómeno da

corrupção tem vindo, não só a afectar a percepção dos cidadãos face ao desempenho da

Democracia, como também está entre os factores explicativos do actual declínio dos

níveis de confiança institucional (Johnston 1991; Mény 1996; Pharr e Putnam 2000).

Desde a década de 90, que as instâncias internacionais tais como a Organização

para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), a Organização das Nações

Unidas (ONU), o Conselho da Europa, o Banco Mundial, o Grupo dos Estados contra a

Corrupção (GRECO), revelam a emergência de um problema global e têm apresentado

um conjunto de iniciativas políticas, de estudos, reformas legislativas e de

recomendações com vista à prevenção e combate deste crime e á tipificação das

actividades e ocorrências de risco na Administração Pública central, regional e local e

no sector público empresarial.

A corrupção é um tema de grande actualidade na sociedade portuguesa, não só

pelo número de casos que são denunciados e levados à barra do tribunal como pela sua

controvérsia e impacto mediático. A questão da transparência e da moralização da vida

política têm dominado a agenda de debates e reformas parlamentares. Um estudo

recente sobre a corrupção participada e criminalidade conexa em Portugal1 mostrou, no

que toca aos Ministérios e Serviços com maior número de arguidos, que a

Administração Local é o principal foco de corrupção participada entre os anos 2004-

20082 (DCIAP-PGR/CIES-ISCTE, 2009). De facto, a qualidade da governação local

tem sido questionada em aspectos flagrantes tais como os que estão relacionados com a

tolerância dos cidadãos face ao comportamento pouco ético dos seus líderes políticos,

principalmente em momentos em que o voto serviria para punir eventuais actividades

ilícitas do seu governo. Para ilustrar este facto, temos o caso das eleições de autarcas

1 Estudo da Corrupção Participada em Portugal: a realidade judiciária – um enfoque sociológico (Fase

2) financiado pela Procuradoria-Geral da República ao abrigo do programa PIDDAC 2009. 2 Os serviços mais representados são os órgãos de poder local (42,1%) - Câmaras Municipais e Juntas de

Freguesia. Seguindo-se, com uma percentagem mais baixa, os serviços das empresas municipais (16,8%),

dos quais se destacam os serviços municipalizados de água e saneamento (SMAS) (14,7%) (DCIAP-

PGR/CIES-ISCTE, 2009).

Page 8: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

6

envolvidos em escândalos de corrupção nas Eleições Autárquicas de 2005 – das quais se

destaca a de Valentim Loureiro (Câmara Municipal de Gondomar), Isaltino Morais

(Câmara Municipal de Oeiras) e de Fátima Felgueiras (Câmara Municipal de

Felgueiras) – que apesar de terem sido afastados dos seus partidos viram a sua

candidatura independente ser aprovada pela maioria dos cidadãos.

Neste contexto, considera-se importante não só o conhecimento das

configurações do crime de corrupção, peculato e participação económica e negócio na

Administração Local, assim como a caracterização sociológica dos arguidos envolvidos.

E ainda, em consequência do facto da corrupção se constituir como um fenómeno

multidimensional, um comportamento desviante de um conjunto de valores pautados

tanto pelas normas legais como normas socio-culturais e expectativas, importa discutir

as causas que facilitam/condicionam a ocorrência e a persistência da corrupção no

contexto específico da Administração Local e as suas implicações para a qualidade da

governação local democrática.

Para tal é necessário ter em linha de conta alguns aspectos determinantes na

construção do modelo de análise:

Em primeiro lugar, que a corrupção é constituída por um lado por regras

formais/legais – que definem o exercício de um determinado cargo ou função – e, por

outro, regras sociais/culturais ou expectativas relativamente ao exercício de um

determinado cargo sob o qual foi depositada confiança. Como tal, é necessário ter em

conta, por um lado, as alterações processuais e o ordenamento jurídico – legislação

sobre práticas corruptas e código penal. Aqui, uma perspectiva histórica, dá uma visão

muito alargada sobre todo o processo de organização espacial do nosso território, sobre

as reformas e os códigos administrativos dos vários legisladores ao longo dos vários

períodos históricos, a questão sempre presente da relação entre o poder do centro e a

constante luta pela autonomia do poder local, o papel e a caracterização das elites locais,

a asfixia financeira dos municípios, o caciquismo/a compra de votos e o clientelismo no

processo eleitoral. E por outro, compreender as representações sociais no processo de

criminalização através da variação pluri-dimensional presente na avaliação dos

indivíduos da prática ou comportamento considerado corrupto e dos seus impactos

negativos para a ordem social. Este último aspecto oferece-nos o lado simbólico e

Page 9: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

7

estratégico, a visão fluida e volátil dos julgamentos dos indivíduos através dos seus

valores – níveis de permissividade ou intolerância face à corrupção3.

Em segundo lugar, a Administração Local é aqui perspectivada como conjunto

não só de “instituições políticas e administrativas dos municípios, mas também das

funções e responsabilidades sociais/políticas das associações locais, bem como a

dinâmica das relações sociais subjacentes” (Ribeiro, 2007:65). Ou seja, Administração

Local assume-se aqui como o conjunto de serviços municipais que uma determinada

autarquia ou junta de freguesia dispõe, assim, como os próprios órgãos de decisão

política e institucional democrática dos municípios e das juntas de freguesia.

Em terceiro lugar, argumenta-se a existência de uma variedade de corrupção,

com diferentes graus de intensidade e de frequência na sociedade portuguesa, resultante

da sofisticação dos processos de troca e da multiplicidade de objectivos do acto corrupto

assim como o facto de este crime ser (para além dos actores que possam estar

envolvidos, das transacções levadas a cabo, dos montantes oferecidos ou solicitados e

das decisões que possam ser transaccionadas) um fenómeno de poder (enquanto

capacidade de influenciar o comportamento dos outros) que tem evoluído ao longo dos

tempos e manifesta-se de forma diferente de acordo com o nível de complexidade da

organização das sociedades.

O objectivo deste trabalho é descrever as características dos arguidos e dos

processos-crime instaurados por crimes de corrupção e criminalidade conexa e

averiguar que configurações são definidas no contexto da governação local. Analisar a

interdependência entre os múltiplos indicadores - de caracterização sociológica dos

arguidos; facto participado; objectivos do acto corrupto; recursos e contrapartidas;

contextos e processos de troca – tornando-os legíveis na estrutura multidimensional do

crime de corrupção na Administração Local. Que tipos de crime de corrupção ocorrem

na administração local no período em análise? Quais são as configurações que os

processos-crime apresentam - de que forma os diversos objectivos do acto corrupto se

relacionam com as várias formas de corrupção e criminalidade conexa?; como se

distribuem pelos vários serviços e organismos da administração local? Será que é

possível encontrar diferentes perfis de arguidos de acordo com os vários tipos de crime

3 Corrupção e Ética em Democracia: O caso de Portugal (POCI/CPO/60031/2004) financiado pela FCT

ao abrigo do POCI 2010 comparticipado pelo Fundo Comunitário Europeu (FEDER).

Page 10: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

8

definidos? Como se relacionam as características dos arguidos em crimes de corrupção,

peculato e participação económica e negócio?

Page 11: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

9

I.

A qualidade da Democracia na governação local:

evolução, problemas e desafios

1.1. A qualidade da democracia e da governação local

Nos últimos anos, a política comparada tem centrado a sua atenção na análise da

qualidade da democracia. Com o progresso da Terceira Vaga da democratização, os

cientistas sociais têm focado nos seus trabalhos temas como as transições para a

consolidação democrática ou a forma como os regimes democráticos se podem tornar

cada vez mais estáveis e seguros. No final da Guerra Fria e com a expansão da

democracia liberal, os cientistas começaram a questionar-se acerca das qualidades da

democracia, em todos os aspectos que podem fazer deste sistema bom ou mau e de que

forma este pode ser aperfeiçoado e fortalecido (Diamond e Morlino 2005; Morlino

2006).

A definição do conceito de qualidade da democracia é bastante complexa e

multidimensional. A definição do conceito de democracia foi oferecida por Robert Dahl

que distinguiu sete princípios para o ideal tipo de democracia, a que designou de

poliarquia (Dahl, 1989). Embora tenha sido enriquecido com outros contributos

(Schmitter and Karl 1991; Morlino 2006), o conceito manteve-se inalterado na sua

essência inicial. O conceito de poliarquia, tal como definida pelo seu autor, oferece uma

conceptualização minimalista e processual da democracia (De Sousa, 2009). Apesar

disto, enquanto sistema de governação, a democracia não é apenas caracterizada por um

conjunto de regras básicas e de procedimentos estabelecidos, cujo objectivo está na

tomada de decisão colectiva de acordo com tais procedimentos. Para além disso, ela é

um conjunto fundamental de valores e uma complexa união de instituições que,

historicamente, têm aplicado esses princípios com mais ou menos sucesso (Bobbio

1988; Beetham 1994; Mény 1999).

Por qualidade, Larry Diamond e Leonardo Morlino (2005) sugerem três

significados com diferentes implicações para a sua medição: procedure quality, na qual

a qualidade de um produto é o resultado de um processo exacto e controlado levado a

cabo de acordo com métodos precisos e recorrentes; content quality, é a qualidade que

resulta das características estruturais de um produto, tal como o seu design, material e

funcionamento; e result quality, é a qualidade de um produto ou serviço que é indicado

Page 12: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

10

directamente pelo grau de satisfação do cliente, independentemente da forma como é

produzido ou do seu actual conteúdo (De Sousa, 2009).

De acordo com estas definições, os autores conceptualizaram a qualidade da

democracia como um regime no qual os cidadãos têm como garantido um alto nível de

liberdade, igualdade política e controlo popular sobre as políticas públicas e os seus

legisladores, através do funcionamento legitimado e legal de instituições estáveis (De

Sousa, 2009).

Desta forma, uma boa democracia é: do ponto de vista dos resultados, um

regime com capacidade para satisfazer as expectativas de cidadãos; do ponto de vista do

seu conteúdo, permite que os seus cidadãos, associações e comunidades usufruam de

liberdade e de igualdade política; e, finalmente, tendo em conta os procedimentos, é um

regime no qual os seus cidadãos têm o poder soberano para avaliar, independentemente

do governo providenciar ou não liberdade ou igualdade de acordo com os critérios do

Estado de Direito. Os cidadãos, as organizações e os partidos políticos participam e

competem para manter os seus eleitos responsáveis pelas suas políticas e pelas suas

acções. Fazem a monitorização da eficiência e da justeza da aplicação das leis, da

eficácia das decisões do governo, assim como da responsabilidade política e capacidade

de resposta dos seus eleitos (Diamond e Morlino, 2005).

Por um lado, podemos dizer que a operacionalização do conceito de qualidade

da democracia foi pensada pelos seus autores como sendo harmoniosa e, por isso, acaba

por ser um ideal tipo. A Democracia é um sistema que acaba por reunir aspectos

democráticos e não democráticos em múltiplas combinações que variam no tempo e no

espaço e cuja legitimidade está sempre sujeita à avaliação dos seus cidadãos (Mény,

1999:115).

Por outro, os autores pressupõem que há um consenso no que respeita à

compreensão destes padrões na sociedade. Os níveis cognitivos acerca da estrutura e do

processo da democracia são significativamente diferentes entre os vários grupos sociais.

Os cidadãos organizam o conhecimento acerca da democracia através de imagens

mentais abstractas e alimentadas por um conjunto de fontes de informação com

diferentes níveis de sofisticação e consistência. Estes quadros mentais representam o seu

entendimento sobre como opera a democracia e sobre como esta organizada. Já a

percepção dos políticos é endógena ao sistema político e, por essa razão tende a

expressar-se uma visão mais elaborada e informada sobre a sua forma de actuação. Este

contraste nos níveis cognitivos é essencial para compreender o apoio e a legitimidade da

Page 13: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

11

democracia. É importante distinguir entre percepções sobre o desempenho das regras

democráticas assumidas por um actor com responsabilidades directa para o seu

funcionamento, dos cidadãos em geral que estão normalmente mais à margem das

questões políticas e que são apenas chamados a intervir em actos eleitorais (De Sousa,

2009).

Mas o debate em torno da qualidade da democracia local é, antes de mais, uma

discussão sobre a qualidade da governação local. A governação local é um aspecto

central da democracia ocidental (Loughlin 1996, 2001) e está a passar por um conjunto

de transformações estruturais, tais como: a introdução dos instrumentos da nova

administração pública, o nascimento de novos modelos de governação e ainda as

mudanças nas relações entre níveis de governo e o declínio da importância dos partidos

políticos. As transformações da arena política local envolvem cada vez mais os eleitos e

os actores não convencionais – grupos de pressão que interagem com os agentes

municipais e com o processo de tomada de decisão (Loughlin 2001; Geissel 2008; De

Sousa, 2009) – e promovem o contacto directo e significativo entre os órgãos de

deliberação e os cidadãos, fortalecendo os cidadãos no seu papel como utentes dos

serviços municipais ou através da utilização de procedimentos de consulta (Ribeiro,

2007). De facto, o conceito de governância pressupõe “uma relação necessária entre a

adaptação pragmática às evoluções dos contextos políticos e a renovação dos valores

de acção colectiva e dos rituais de decisão” (Ribeiro, 2007:51). Introduz uma noção de

reinvenção das políticas locais, das novidades quanto às formas alternativas de

associação dos cidadãos à tomada de decisão, que não somente pela representação mais

convencional. Por outro, reforça a ideia de proximidade que o nível do governo local

apresenta para o exercício da liberdade dos cidadãos e a expressão das suas identidades.

A nova governância exige uma capacidade de gestão em rede e de coordenação na

tomada de decisão num contexto complexo de conciliação contínua (Ribeiro, 2007:51).

A maioria das inovações democráticas locais, verificadas desde a primeira

metade dos anos 90, está directamente relacionada com a promoção da cidadania e com

o envolvimento dos cidadãos na vida política. Embora as formas tradicionais de

representação e participação política tenham sido afectadas negativamente nos últimos

anos, novas formas de participação política vão ganhando contornos. Exemplos disso

são: a democracia directa, com os referendos e as petições públicas – através dos quais

os cidadãos podem exprimir a sua opinião e as suas preferências sobre determinadas

políticas públicas; a democracia deliberativa, com o orçamento participativo – através

Page 14: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

12

do qual os cidadãos decidem sobre a gestão de uma parte do orçamento público e/ou

municipal; a democracia consultiva, através da qual diferentes stakeholders – de

organizações da sociedade civil; empresas; profissionais; populações locais – são

consultadas previamente sobre uma determinada política pública ou investimento antes

da tomada de decisão; e a reforma eleitoral que visa reforçar a vertical accountability

na administração local (De Sousa, 2009).

Mas a democracia local é, acima de tudo, a democracia representativa e os

partidos políticos apresentam-se como os principais mediadores de interesses na política

local. A sua importância é muito variável e está dependente da sua localização dentro ou

fora dos sistemas de governo local. E em toda a Europa, as estruturas partidárias a nível

local estão a enfraquecer e isso representa um verdadeiro desafio para a qualidade da

democracia local. No sul da Europa, por exemplo, poucos são os partidos que

conseguiram desenvolver eficazmente fortes estruturas partidárias locais, funcionando

essencialmente como aglomerados de personalidades e, muitas vezes, dominados por

clãs ou famílias locais com pouca renovação interna das elites. Fortes lideranças

carismáticas e acções clientelistas profundamente enraizadas caracterizam grande parte

da política local do sul (De Sousa, 2009).

Em muitos sistemas democráticos locais, a introdução das candidaturas

independentes tem sido um processo de aprendizagem tanto para os eleitores como para

os próprios partidos. Não só contribuíram para a redução do deficit de representação e

mediação, assim como também serviram para eliminar candidatos por motivos de falta

de ética que se manteriam no poder e contestar a estrutura partidária local (Meirinho

2003, 1997). A possibilidade de escolha de candidatos alternativos e a alternância de

elementos no poder são o produto de boas instituições e também uma questão de cultura

política. Mas a compreensão sobre as regras do jogo e sobre as normas que deveriam

reger uma governação democrática, assim como a importância deste aspecto da

alternância dos actores políticos no poder, não é homogéneo no território nacional (De

Sousa, 2009).

A questão da incapacidade dos municípios responderem às expectativas e

necessidades dos seus cidadãos está relacionada com o problema da descentralização do

poder e da fraca autonomia financeira e fiscal. Na Europa, a maioria dos municípios

vive das transferências orçamentais, que representam uma grande fatia das suas

finanças. Por isso, acabam por ficar condicionados pelas prioridades do governo e pelo

desenvolvimento da política nacional. Estas restrições financeiras têm forçado a

Page 15: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

13

criatividade e o empreendedorismo dos decisores políticos o que, por sua vez, permitiu

que a governação democrática estivesse exposta a um conjunto de riscos. A necessidade

de flexibilidade no governo local e da imaginação na prestação de serviços, impôs a

procura de soluções alternativas, algumas das quais fora da legalidade. O problema da

corrupção e do desempenho dos sistemas locais de integridade assumem aqui especial

importância (Auden, 2000; De Sousa, 2009).

A qualidade da democracia e da governação local está relacionada com a

necessidade de um equilíbrio entre competências e financiamento. A autonomia na

angariação de recursos aumenta o poder local e a responsabilização dos decisores

políticos. No entanto, não existe consenso quanto á melhor forma para alcançar essa

autonomia. Na tentativa de reduzir a omnipresença do Estado e como consequência

indirecta da europeização, o governo central tem vindo a descentralizar várias funções

para o governo local. Este processo tem sido realizado de cima para baixo contribuindo

deste modo para agravar a relação de desconfiança entre o governo central e o governo

local (De Sousa, 2009).

A qualidade da governação democrática local depende, por um lado, do

equilíbrio entre a tomada de decisões descentralizadas – a transferência negociada de

funções do governo central para o nível municipal – e da autonomia fiscal e, por outro

lado, do equilíbrio entre autonomia e responsabilidade. Um aumento das competências

municipais e uma maior autonomia financeira exige o desenvolvimento de um forte

checks-and-balances interno e externo (De Sousa, 2009).

1.2. Evolução da Administração Local em Portugal

As várias mudanças ocorridas a nível económico, social e político têm uma

grande importância na compreensão da dinâmica das relações de governação entre o

poder central e local. Mas, para além disso, a dimensão legal cumpre um aspecto

indispensável para a avaliação do impacto que esses desenvolvimentos tiveram no

sistema de governação. De facto, uma das mais importantes transformações

contemporâneas nas relações da governação entre o poder central e o poder local tem

sido a utilização da lei como instrumento primário de regulação das relações (Loughlin,

1996:2). As políticas locais devem ser entendidas como um processo histórico de

transformação das sociedades (das relações sociais) e de reorganização dos governos

locais e de reordenação do território. O problema não está no poder do Estado em si

Page 16: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

14

(central ou local) mas nas novas configurações sociais inseridas nas formas

democráticas de gerir os compromissos, os conflitos e os interesses entre grupos

diversificados (Mozzicafreddo et al., 1991:13,16). A história dos municípios e do poder

local não está reduzida á história do direito administrativo aplicado às autarquias. É

importante considerar também que a evolução do ordenamento jurídico-formal no

quadro do qual se moveram os municípios correspondeu quer ao processo de

desenvolvimento económico, social e cultural da sociedade portuguesa quer, por outro

lado, á evolução política global e às transformações e aos diversos momentos de

rupturas políticas. É necessário, assim, situar o poder municipal e local no contexto da

evolução dos normativos jurídicos e administrativos que foram configurando ao longo

do tempo, atendendo a que, um e outro, constituíram sempre, a expressão de processos

de transformações económicas, sociais, culturais e políticas que ocorreram em Portugal

(Monteiro et al, 1996:11). Desta forma, pretende-se fazer uma articulação

permanentemente entre a evolução do direito administrativo aplicável aos municípios, a

sociedade portuguesa e as grandes balizas definidoras da evolução política, permitindo

assim, a compreensão do processo da divisão administrativa do espaço geográfico de

Portugal europeu e insular, do contexto global em que se afirmou ou não a autonomia

dos municípios e do quadro da evolução das suas atribuições e competências próprias

(Monteiro et al, 1996:11).

Para além disso, importa ressalvar que equacionar o poder autárquico implica

considerar o grau de autonomia ou de dependência – de articulação com a administração

central. Funcionamento do sistema político local face ao poder central, tentando

delimitar os níveis de autonomia ou de dependência da acção municipal – neste

contexto, importa referir a dinâmica da gestão autárquica numa situação de austeridade

fiscal (processos políticos de decisão autárquica e as estratégias de intervenção local e

de relacionamento com as comunidades locais) – particularidade do sistema político

local português (Mozzicafreddo et al., 1991).

1.2.1. Evolução do Poder Local: do Liberalismo até à Constituição de 1976

O advento do Liberalismo trouxe consigo a reforma administrativa do Estado,

em particular no que toca ao ordenamento do território com a reorganização municipal.

Assim, o país foi integralmente dividido em distritos, cada qual englobando certo

número de concelhos. Em cada distrito o Governo estaria representado por

Page 17: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

15

administradores gerais, de nomeação régia, enquanto os concelhos elegiam os seus

representantes a uma junta administrativa que funcionava junto dos administradores.

Estes princípios eram de inspiração francófona (Marques, 1998: 120). Todavia, a contra

revolução que se seguiu logo no ano seguinte acabou por decretar o fim dessas mesmas

reformas antes de puderem ser levadas da letra do papel à prática. Aliás, em face da

forte turbulência política que se instalou nos primeiros anos do Liberalismo

Constitucional, com lutas fratricidas pelo poder, só em 1832 é que fica desenhado o

esboço daquilo que iria dar forma ao Portugal moderno pelas mãos de Mousinho da

Silveira.

Deste modo, Portugal ficou dividido em províncias, comarcas e concelhos,

sendo todas de nomeação régia. Como tal, as províncias seriam governadas por prefeito,

as comarcas por um subprefeito e os conselhos estariam a cargo de um provedor. Cada

um destes funcionários seria coadjuvado por corpos colectivos, indirectamente eleitos

pela população. Estávamos perante um formato administrativo claramente centralizador

e que concedia amplos poderes aos representantes do Governo (Marques, 1996: 121).

Porém, este quadro é alterado três anos mais tarde sem que os seus fundamentos

básicos fossem alterados. Com efeito, as províncias as comarcas desaparecem e dão

lugar aos distritos. Como consequência disso mesmo nascem os governadores civis, que

substituem os subprefeitos, e os administradores dos concelhos que tomam o lugar dos

prefeitos. Sendo que no último caso passam a ser eleitos pela população, embora com

confirmação governamental (Marques, 1996: 121).

As eleições para as novas juntas gerais dos distritos passam a ser directas, assim

como para as câmaras municipais. Abaixo dos concelhos, o novo ordenamento

reconhece a existência de paróquias, com juntas eleitas pela população e de comissários

de paróquia, também de eleição directa mas homologados pelos administradores do

concelho (Marques, 1996: 121).

No ano seguinte é elaborado o Código Administrativo que, salvo ligeiras

alterações, introduzidas por Passos Manuel, confirma a legislação aprovada no ano

anterior. Existe uma preocupação em ambos os casos: favorecer uma maior autonomia

local.

A primeira metade do século XIX é pródiga em fabricar legislação para

posteriormente ser revogada. O Código Administrativo de 1836 não é excepção e com a

aprovação de um novo texto volvidos seis anos, o pendor descentralizador é substituído

pelo atávico centralismo do Terreiro do Paço que enforma a nossa administração. Assim

Page 18: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

16

sendo, o espírito que assistiu à elaboração da legislação de 1832 é retomado e com ele

as escolhas e nomeações régias. Ou seja, os administradores dos concelhos e os novos

regedores de paróquia passam uma vez mais a ser de escolha governamental (Marques,

1996: 121). Esta é a tónica que vai marcar os anos subsequentes até ao 5 de Outubro de

1910, isto é, a alternância entre uma perspectiva mais centralista e uma visão mais pró

reforço do poder local.

Assim, e depois de várias tentativas de correcção da legislação de 42, o Código

Administrativo de 1878, da autoria de Rodrigues Sampaio, é marcadamente pró

autonomia local, retirando ao Governo a maior parte dos poderes de inspecção e

supervisão. Doze anos depois, e com posteriores alterações, o centralismo regressa pelo

punho de José Luciano de Castro com a extinção as juntas gerais dos distritos. Os

Códigos de 1895 e 1896 vão pelo mesmo caminho de reforçar o poder central face à

autonomia local, em particular no que diz respeito aos distritos e aos concelhos4

(Marques, 1996: 121).

Independentemente de tendência centralizadora ou descentralizadora o

denominador comum a essas variações políticas era a compra de votos e o controlo do

poder pelos próceres. Um bom exemplo disso mesmo é a imagem que Júlio Diniz nos

oferece na Morgadinha dos Canaviais em que encontramos representado um dos traços

mais antigos e ao mesmo tempo mais contemporâneos de Portugal, o caciquismo. De

acordo com Pedro Tavares de Almeida são “o único meio eficaz, embora condicionado,

para compreender os mecanismos do exercício concreto do poder local” (Monteiro et

al., 1996:222).

Deste modo, podemos dizer, ainda de acordo com o mesmo autor, que Estado

organizado, burocratizado e com níveis de decisão político-administrativa, com maior

ou menor centralização, o Estado fundado no primado da Lei e dominado por uma

lógica formal assente no discurso jurídico e no saber letrado, acabou por constituir as

autoridades locais, fossem elas eleitas ou nomeadas, num baluarte dos interesses das

elites locais e das classes médias das vilas e cidades portuguesas. Era um Estado dos

mais ricos, dos mais poderosos, prestigiados e ilustrados habitantes dos diferentes

concelhos. No plano dos concelhos e dos distritos eram estes grupos que asseguravam a

mediação entre o poder local e o poder central e que, sobretudo, superintendiam na

distribuição de serviços e bens junto dos restantes membros de cada comunidade. O

4 O Governo adquiriu capacidade para dissolver as Câmaras Municipais e as juntas de paróquia, sendo

previamente ouvidas e precedendo a consulta do Procurador Geral da Coroa e Fazenda.

Page 19: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

17

Estado moderno constituído pelo liberalismo e pela monarquia constitucional era,

essencialmente, não um Estado de cidadãos livres com capacidade de participação e

intervenção política mas um Estado das elites (rurais e urbanas) e das classes médias das

vilas e das cidades (Monteiro et al., 1996:218).

É com este Estado que chegamos à República e, porque não dize-lo, é desse

Estado que o Partido Republicano Português se vai apropriar, ou seja, um país com

cinco milhões de pessoas pobres e pouco instruído onde os poucos republicanos, cerca

de 100 mil (Valente, 2009: 47) poderiam não ser suficientes para instalar a República,

dado que o republicanismo era fundamentalmente um movimento urbano. Como

empreender essa tarefa era a questão que se colocava. A resposta estava numa espécie

de reprodução dos velhos métodos monárquicos. Senão veja-se, com o fito de combater

a corrupção do antigo regime, os republicanos propuseram a criação de círculos

uninominais e o sufrágio universal masculino. Resultado, as eleições de 1911

realizaram-se mantendo-se os círculos plurinominais e ainda restringindo o sufrágio aos

alfabetizados. Qual o intuito, diminuir o efeito das influências locais sobre o voto, em

particular as bolsas da oposição e falsificar mais facilmente os recenseamentos e as

contagens (Valente, 2009: 55). Ou seja, a República não trouxe nada de novo na

manifesta vontade do poder central controlar o mundo rural.

Esta atitude contrariava largamente os propósitos republicanos. Assim, ainda no

Parlamento da Monarquia, em 1908, Afonso Costa proclamava a necessidade de

retomar o Código Administrativo de 1878, ou seja, mais descentralizador (Lopes, 1994:

101). Na realidade o Código de 1895-96 foi revogado pela República e o de 1878 foi

repristinado. Todavia, foram introduzidas algumas alterações e assim conservaram-se as

disposições vigentes sobre a tutela administrativa e outros aspectos (Lopes, 1994: 101).

A primeira proposta de efectivação de um novo Código Administrativo foi apresentada

em 1911 e o texto final foi aprovado em 1913 e, no que toca à organização, atribuições

dos órgãos administrativos, só em 1916 é que foi explicitada, regulamentada e

completada (Lopes, 1994: 101).

Relativamente ao anterior código importa destacar que a administração ficou a

cargo do governador civil, mas a par com administração dos interesses distritais sob a

forma autárquica e por meio de órgão próprio e eleito, dotado de poderes de deliberação

e execução (Lopes, 1994: 101). Importa ainda mencionar que a tutela deixou de ter o

controlo jurídico, tendo passado esta para a esfera dos tribunais, assim como a

competência para decidir sobre a dissolução.

Page 20: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

18

Em suma e de acordo com Fernando Farelo Lopes (1994: 102), os republicanos

procuraram reformar paulatinamente a administração Estado. Contudo, a letra da lei

nem sempre foi levada à prática, sendo que a instrumentalização dos funcionários locais

para fins partidários foi uma constante. Aliás, e citado pelo mesmo autor, apraz-nos

referir Brito Camacho a este respeito: “por um vício que vem de tempos imemoriais, os

governadores civis, funcionários do Estado, são pessoas do ministro que os nomeia, e

que deles, por via de regra, só exige bons serviços partidários Por sua vez, os

administradores de concelho, escolhidos pelos governadores civis, são também agentes

de política partidária” (Brito Camacho citado em Lopes, 1994: 102).

Deste modo, podemos dizer que a prevalência e o domínio do caciquismo

burocrático durante a I República não significaram o desaparecimento de outras

modalidades de caciquismo tradicional confinadas ao plano municipal. A função de

mediador entre a comunidade local e o Estado exercida pelos influentes, aparece como

uma característica estrutural do sistema político do constitucionalismo monárquico do

séc. XIX, definindo o influente/cacique como um intermediário entre os segmentos

sociais locais e o Estado que os engloba. Ele fornece os meios, os votos, indispensáveis

á reprodução e legitimação das instituições políticas. Em troca, garante às comunidades

em que se encontra situado um conjunto de serviços, sob forma individualizada de

favores. Quanto aos partidos, a organização destes repousa em redes locais que

obedecem á divisão administrativa (Monteiro et al., 1996:280). São relações do tipo

centro-periferia.

O pacto estado-concelhos sobreviveu, no entanto. Os municípios puderam

formar as suas vereações, apesar da ténue representatividade do corpo eleitoral e da

fraca participação eleitoral, a composição dos órgãos foi ampliada, apelando a uma

presença alargada das elites locais na vereação. Se a margem de manobra destas é

reduzida nem por isso as municipalidades deixaram de constituir um ensejo para que

alguns segmentos dessa elite experimentassem um braço de ferro com o centro do

sistema, através da apresentação das candidaturas alternativas à do partido do regime, da

gestão de conflitos com os delegados de nomeação governamental, ou se aventurassem

a projectar directamente sobre o sistema uma legitimidade adquirida através de listas

relativamente marginais ao regime de partidos maioritariamente sufragadas. E foi assim

por estas vias que as elites locais garantiram para si a continuidade política (Monteiro et

al., 1996:280).

Page 21: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

19

Com o Estado Novo podemos dizer que a autonomia do poder local entra na sua

idade das trevas, aliás, como menciona Oliveira Rocha (1997: 5), “os últimos

resquícios de poder local foram erradicados e a Administração local passou

definitivamente a ser um prolongamento da Administração central, a qual nomeava

todos os titulares de cargos locais”. Esta, fruto das alterações introduzidas pelo Código

Administrativo de 1936, passa a estar dividida em duas categorias: municípios urbanos

e rurais, sendo que qualquer um deles fica dividido em três ordens. O Código previa,

ainda, a criação de federações para os municípios urbanos e para os de Lisboa e Porto e

estabelecia uma igualdade entre municípios no que respeita às atribuições e regime

tutelar (Ribeiro, 2007: 66).

A ditadura do Estado Novo foi cerceadora das liberdades cívicas e, nessa

medida, o poder local não foi excepção. Um dos propósitos da Constituinte era

consagrar a restauração da democracia local. O Titulo VIII da Constituição da

República Portuguesa é reservado ao poder local nos seus diferentes níveis. É de

salientar que no texto aprovado em 1976 ficou prevista a criação de um nível intermédio

entre o poder central e as autarquias que seria a Região Administrativa do território

continental. Todavia, e pese embora as sucessivas revisões de que o texto fundamental

tem sido alvo nunca terem suprimido o capítulo IV do titulo atinente ao poder local, a

divisão administrativa em regiões tem sido protelada e alvo de acesas discussões entre

os que são a favor e os que rejeitam esta solução. Aliás, em referendo o povo português

sufragou essa questão e optou por não viabilizar a regionalização.

A expressão do poder local é uma das conquistas da democracia e que desde a

sua instauração tem-se vindo a reforçar. O reforço das competências e atribuições do

poder local tem vindo a ganhar espessura sobretudo a partir do momento em que foi

aprovada a lei das finanças locais (Ferreira, 1994: 197).

Um dos aspectos inovadores da Constituição de 1976 é sem dúvida o seu pendor

descentralizador. Nessa linha enquadra-se no princípio da subsidiariedade que prevê a

execução de uma determinada política deve ser realizada pela autoridade política mais

adequada aos objectivos de eficácia na utilização dos meios públicos e do interesse

geral (Ribeiro, 2007: 68). Deste modo, a consagração do poder autárquico não se

esgotou na Constituinte e nos trabalhos que esta levou a cabo. Se aí ficou delineado os

contornos administrativos do país, a consubstanciação do seu poder deu-se com a

aprovação da Lei do Poder Local (competências e atribuições das autarquias) na I

Sessão Legislativa da Assembleia da República e de um primeira Lei das Finanças

Page 22: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

20

Locais numa II Sessão Legislativa (Ferreira, 1994: 197). Aliás, o carácter

descentralizador que assistiu à elaboração da Constituição fica bem patente no artigo

235.º n.º 2 da mesma que plasma que “as autarquias locais são pessoas colectivas

territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses

próprios das populações respectivas”. Já no artigo 237.º n.º 2 fica evidenciada a

autonomia de que as autarquias gozam, em particular no que diz respeito à aprovação

dos seus planos de acção e dos seus orçamentos. Assim, podemos dizer que os

representantes locais deixam de ser simples veículos da vontade do Estado central, e de

estar na dependência deste no que toca à transferência de verbas, para passarem a ser os

representantes das suas populações junto do Governo central. A importância do órgão

municipal no texto fundamental está patente, ainda, no artigo 111.º n.º 2 quando este

prevê que “nenhum órgão de soberania, de região autónoma ou de poder local pode

delegar os seus poderes noutros órgãos, a não ser nos casos e nos termos

expressamente previstos na Constituição e na lei”. Desta maneira, se a Constituição, na

sua unicidade, se aplica de forma imparcial, a todos os corpos administrativos nela

instituídos, não haverá diferenciação entre municípios, sendo que a todos são atribuídas

iguais competências e responsabilidades (Ribeiro, 2007: 65).

Relativamente às leis das autarquias locais, podemos mencionar que esta ficou

definida pela legislação aprovada em 1984, complementada pela lei das finanças locais

de 1998 (Ribeiro, 2007: 70).

Uma das características que assiste aos políticos é a sua ambição de conquistar e

exercer o poder. Como tal, não é de estranhar que os edis queiram ganhar eleições e,

nessa medida, procurem realizar obra. A relação que se estabelece ao nível local conduz

a uma inversão das solidariedades políticas, ou seja, em primeira instância está a

solidariedade para com o povo que os elege, secundarizando, desse modo, as fidelidades

partidárias. Assim, assumem-se como uma nova elite com peso eleitoral nas suas

circunscrições. Tal permite-lhes granjear peso político e com isso fazer valer o seu

poder noutros níveis de poder, em especial quando se trata de escolher deputados por

um determinado círculo eleitoral.

Se considerarmos o trabalho levado a cabo por Maria Antónia Pires de Almeida

(2006: 281) ao contrário do que sucedeu em 1937, em que a maioria dos Presidentes das

Comissões Administrativas foram reconduzidos nos seus lugares, o que revelava o seu

alinhamento com o regime político, aqui importa referir que estamos a falar de

nomeações e não de eleitos, a transição para a democracia introduziu uma quebra na

Page 23: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

21

continuidade das elites dirigentes, ou seja, “nas 304 câmaras, e entre os 404

Presidentes de Comissão Administrativa, apenas 16,6% dos Presidentes (em 25,5% das

Câmaras) foram eleitos a partir de 1976”. Deste modo, podemos dizer que a transição

para a democracia abriu espaço para o surgir de novas elites locais, até mesmo se

fizermos uma análise de indicadores socio-profissionais das mesmas verificamos que o

poder passa ser exercido por uma categoria de actores políticos muito mais diversificada

em vez dos lugar-tenentes do regime junto das populações locais. Certamente que a isso

não é alheio o facto de estarmos perante um processo que passa por eleições e não por

escolhas de gabinete feitas pela administração central.

Estes novos actores políticos desenvolvem as suas carreiras dentro dos partidos

políticos numa relação de dependência quanto à sua escolha para encabeçar uma lista

para uma autarquia, mas com a sua eleição, adquirem um estatuto e uma posição que

está para além da liderança partidária ou do próprio partido. A discrepância de

resultados que os partidos políticos apresentam num mesmo concelho pode ser

expressão que um autarca pode valer mais do que o partido que o apoia. Disso é

exemplo a transferência de candidatos para outros partidos ou a sua opção por

candidaturas independentes quando perdem a confiança política das direcções nacionais

dos respectivos partidos (De Almeida, 2008: 358 – 359).

A transição para a democracia traduziu-se no reconfigurar do quadro dirigente

local dado que menos de 3% dos anteriores Presidentes de Câmara foram

consecutivamente eleitos e apenas por um curto período de tempo (De Almeida, 2008:

361).

Uma renovação de quadros e uma renovação no modos operandi de fazer

política. O monopólio dos partidos no sistema político português, e no poder autárquico

em especial, não impossibilitou o caminho para a personalização do exercício do poder

por parte dos edis. Exemplo disso mesmo é o número considerável de autarcas que se

mantêm no exercício de funções há mais de uma década ou os dissidentes que se vêm

reconduzidos nos seus lugares derrotando os seus partidos de origem.

Perante isto, podemos dizer que, como corolário de quase dois séculos de poder

local, e pese embora todas as tentativas descentralizadoras, o mesmo continua muito

dependente do Governo central, mesmo em matérias como o urbanismo ou o ambiente.

Se as suas atribuições e competências conheceram um incremento considerável, o

mesmo não poderá ser dito relativamente aos meios financeiros para a concretização de

projectos que se enquadrem com as mesmas (Ribeiro, 2007: 69). O que nos remete para

Page 24: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

22

uma das principais queixas dos autarcas que é o incumprimento da lei das finanças

locais. Importa ainda mencionar que a integração europeia introduziu um factor de

maior dependência face à administração central, dadas as exigências dos programas

comunitários em matéria de avaliação técnica, perícia ou planeamento, que só a

primeira reúne os meios para as satisfazer (Ribeiro, 2007: 76).

Page 25: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

23

II.

A Multidimensionalidade do Crime de Corrupção

2.1. Corrupção e ética em Democracia

Grande parte da literatura sobre a crise da Democracia está centrada

essencialmente na crise da representação. Esta crise tem sido analisada do ponto de

vista dos inputs e outputs que afectam a legitimidade democrática (Scharpf, 1999). Os

estudos têm focado o processo de afastamento da sociedade civil em relação aos

partidos políticos, assim como a proximidade/identificação dos cidadãos com o Estado

(Katz e Mair, 1996). Apontaram-se como sinais mais visíveis desta crise, os seguintes: o

enfraquecimento do sentido de comunidade e de solidariedade pública (Putnam, 2000);

o crescente cinismo em relação à política e a desafeição em relação às instituições

democráticas – por exemplo, partidos políticos e o Parlamento (Magalhães, 2005); o

declínio da militância; o declínio das instituições que medeiam a sociedade civil e o

poder político; e o aumento da abstenção eleitoral que caracteriza a maior parte das

sociedades democráticas (Freire e Magalhães, 2002).

É possível então dizer que, não se trata de um “desencantamento com os valores

democráticos”, mas sim com o desempenho da classe política e com alguns dos

mecanismos tradicionais de representação política (Cabral, 2008:214), possivelmente

devido ao facto de estes últimos não satisfazerem os “critical citizens” – mais instruídos

e mais sofisticados do que as gerações que os antecederam – que distinguem as

sociedades contemporâneas mais afluentes e desenvolvidas (Norris, 1999).

Mas em torno deste debate existem dois ângulos de análise. Por um lado, é

defendida a ideia de que o declínio da confiança dos cidadãos nas instituições e agentes

políticos se deve a factores como a erosão da família e dos laços comunitários, a

influência dos meios de comunicação de massas nas actividades de lazer e na

socialização política que levaram ao declínio do capital social ao substituírem

actividades cívicas por formas de lazer individualistas (Putnam, 2000). Por outro lado,

num registo menos conservador, outros autores apontam o crescimento económico, o

bem-estar e a expansão dos níveis de instrução como factores que conduziram,

especialmente entre os mais jovens, a uma mudança cultural pós-moderna nas nações

mais desenvolvidas (Inglehart, 1974; Dalton, 2008a, 200b). Ao ter como característica

principal uma maior autonomia e mobilização na procura do bem-estar subjectivo

Page 26: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

24

individual, liberta de todos os tipos de autoridade, a Modernidade levou, não só, a um

crescente apoio à democracia como regime político, como também a um declínio na

confiança depositada nas instituições hierárquicas convencionais e no Governo em geral

(Magalhães, 2003).

Para além disso, tem sido observada a forma como os programas dos partidos

reflectem as preocupações expressas pelos cidadãos e o modo como os seus líderes

mantiveram as suas promessas ao eleitorado após os resultados eleitorais. Enquadrando-

se igualmente nesta perspectiva, tem sido ainda objecto de análise a capacidade e a

competência das elites no poder para desenvolver e implementar políticas convincentes

e satisfatórias face às expectativas dos cidadãos.

Todos estes aspectos dão conta do impacto do sistema democrático da interacção

dos cidadãos com o Estado e as instituições políticas, assim como das atitudes das elites

governantes e políticas face às preocupações dos cidadãos e a sua avaliação por parte

dos últimos. Por outro lado, pouco revelam acerca do ambiente ético em que as

Democracias operam (De Sousa, 2002).

As Democracias têm vivido significativas transformações no que toca aos

princípios de ética sob os quais assentam as suas instituições e o seu desempenho. A

corrupção é um tema de grande actualidade na sociedade portuguesa, não só pelo

número de casos que são denunciados e levados à barra do tribunal como pela sua

controvérsia e impacto mediático. O fenómeno da corrupção tem vindo, não só a afectar

a percepção dos cidadãos face ao desempenho da Democracia, como também está entre

os factores explicativos do actual declínio dos níveis de confiança institucional

(Johnston 1991; Mény 1996; Pharr e Putnam 2000).

Algumas transformações nos processos de decisão têm posto em risco a

aplicação dos princípios de ética da governação: “o distanciamento e a falta de

renovação dos partidos, o autismo dos governantes face aos problemas dos cidadãos, o

esvaziamento do Parlamento e a sua resignação a uma função submissa dos governos,

o redimensionamento da administração pública por lógicas economicistas, a

proliferação de novos híbridos administrativos sem que sejam clarificadas fronteiras de

interacção público/privado e salvaguardado o interesse público, a insuficiência do

Estado face aos desafios da economia global” (De Sousa e Triães, 2008:23).

Os princípios orientadores do exercício de funções e do relacionamento dos

cidadãos com as instituições são a alma mater da Democracia (De Sousa e Triães,

2008). Os valores fundamentais da Democracia são a “igualdade” – de voto, de

Page 27: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

25

interesses, de participação; a “liberdade” – de escolha, de expressão, de ideias, de culto,

etc.; a “transparência” – a obrigatoriedade de tornar públicas todos os actos do Governo,

de manter os cidadãos informados, de desvendar interesses privados que possam colidir

com o interesse colectivo; a “responsabilidade” e a “responsabilização” – perante a Lei

e os cidadãos; a “legalidade” e “justiça” – a obrigatoriedade de actuar conforme a Lei e

o Direito, tanto na forma como na essência e de tomar decisões equitativas e

respeitadoras dos direitos dos cidadãos; a “honestidade” e a “integridade” – o

reconhecimento do mérito e responsabilidade depositadas num cargo de autoridade e o

entendimento, por parte do detentor do poder de que o exercício das suas funções se

deve reger pelo respeito, promoção e reforço da coisa pública e da vontade de fazer

colectiva; e a “eficiência” e a “eficácia” – o dever de providenciar e de decidir com

sucesso e rapidez e de conseguir o efeito ou resultado esperado, abrangendo o maior

número de beneficiários (De Sousa e Triães, 2008).

No entanto, pode gerar-se algum conflito na combinação de dois ou mais

princípios no exercício de funções. Por exemplo, o aumento das exigências de eficiência

administrativa pode comprometer o nível de integridade dos agentes e da transparência

dos procedimentos. Por outro lado, um aumento das exigências de transparência poderá

atrasar o processo administrativo.

Quando falamos nos valores associados ao Estado Democrático é necessário

distinguir entre três tipos de legitimidade democrática que nos permitem reflectir sobre

os standards de ética através dos quais a nossa Democracia funciona: input legitimacy –

igualdade, accountability e mérito; troughput legitimacy – legalidade e transparência; e

output legitimacy – eficiência, imparcialidade, compaixão e formalidade (Scharpf,

1999).

Cada um destes tipos de legitimidade corresponde um conjunto de standards de

ética. Input legitimacy significa government by the people e of the people. Em

Democracia, os cidadãos gozam do princípio de igualdade fundamental que consiste na

capacidade eleitoral activa e passiva – direito a votar e, simultaneamente, direito de se

candidatar ao poder. Para além disso, gozam ainda da liberdade de expressão,

informação e associação que lhes permite contestar as decisões dos seus governantes e

lhes garante a possibilidade de intervir de forma directa ou indirecta no processo de

tomada de decisão. O conceito de input legitimacy está igualmente relacionado com o

princípio de accountability. Este princípio define-se pela capacidade dos cidadãos de

exigirem dos seus eleitos o cumprimento de um conjunto de padrões assim como de

Page 28: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

26

avaliar se estes cumpriram as suas responsabilidades à luz desses princípios e de lhes

imporem sanções por incumprimento. O conceito de troughput legitimacy corresponde

ao modo como as decisões são tomadas. Uma das principais dimensões deste tipo de

legitimidade é a legalidade dos processos, fundamental à existência de um Estado de

Direito Democrático. A segunda dimensão é a transparência, ou seja, a capacidade do

sistema político de tornar claro para o cidadão quem é responsável por qual decisão e a

que nível. Em Democracia, a transparência dos processos de decisão, a publicidade e

escrutínio público das decisões são peças essenciais deste tipo de legitimidade.

Finalmente, output legitimacy refere-se à eficácia e eficiência dos processos de tomada

de decisão. A decisão política tem sempre como último objectivo melhorar a capacidade

de solucionar problemas. Independentemente do modo democrático como seja tomada

uma decisão e da abertura à participação dos cidadãos no processo de tomada de

decisão, será sempre considerado ilegítimo qualquer ordem política que não ofereça aos

seus cidadãos instrumentos que assegurem o seu bem-estar e qualidade de vida assim

como a resolução dos seus problemas (De Sousa e Triães, 2008).

A estabilidade de qualquer Democracia não está apenas dependente do

desenvolvimento económico da sua sociedade, como também da eficácia e legitimidade

do seu sistema político (Lipset, 1960). A eficácia – dimensão mais instrumental – está

relacionada com o desempenho da Democracia e na forma em como esta satisfaz as

funções básicas de Governo segundo as expectativas criadas pelos cidadãos. A

legitimidade – dimensão mais valorativa – refere-se à capacidade do sistema político de

criar e manter a ideia generalizada de que as instituições políticas existentes são as mais

apropriadas para a sociedade em causa (De Sousa e Triães, 2008). A discrepância entre

expectativas geradas pelos cidadãos e o desempenho das instituições pode deteriorar os

padrões de ética em sociedade e aprofundar ainda mais a crise da Democracia.

Os cidadãos estão preocupados com a transparência dos processos e com a

igualdade de acesso ao Estado assim como com a legalidade das suas decisões e a

eficácia da sua actuação. Apesar disso, a posição simultânea da legalidade e da

eficiência no nível de preocupações dos cidadãos pode explicar a troca da legalidade

pela eficiência em contextos em que o Estado esteja mais fraco no que respeita a input

legitimacy – por exemplo, se promover desigualdades, perpetuar assimetrias

económicas e sociais – mas também ao nível de output legitimacy se se mostrar

ineficiente. Neste contexto, há uma maior tendência para ignorar a legalidade dos

Page 29: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

27

processos e contornar a Lei para atingir aquilo a que têm direito (De Sousa e Triães,

2008).

Desde o momento de transição para a Democracia que Portugal pode ser

considerado como um caso bem conseguido de consolidação democrática, tendo em

conta as suas características formais – eleições livres e universais periódicas, pluralismo

partidário, autonomia da sociedade civil em relação ao aparelho de Estado,

independência dos órgãos de comunicação social, liberdade de associação, acesso

público aos documentos de informação governamental – que se verificam igualmente

nas velhas Democracias ocidentais. Para além destes aspectos, o país rege-se pelos

mesmos princípios consagrados na Constituição e na Lei que são colocados em prática

através do funcionamento das instituições representativas e das actividades dos actores

políticos e apropriadas pelos cidadãos. No entanto, a apropriação dos valores

democráticos pelos indivíduos num dado território não é homogénea.

Nas últimas décadas, Portugal também foi assolado pela vaga de escândalos de

corrupção que percorreu grande parte das Democracias ocidentais. Mas o caso

português é singular face aos restantes, na medida em que, neste país, “coexistem modos

modernos/racionais e pré-modernos, assentes em laços primários ou familiares de

estruturação das relações diárias entre os cidadãos e a sua Administração Pública”

(De Sousa, 2008:75). Isto significa que o acto corrupto em Portugal não se restringe

apenas a práticas de suborno de funcionários públicos e está aberto a outros

comportamentos em que o processo de troca de decisões por uma determinada

contrapartida não é clara nem imediata. Por esta razão, muitas outras formas de tráfico

de influência na administração portuguesa não são consideradas como sendo

prejudiciais para a Democracia, mesmo que violem os princípios de justiça e

imparcialidade característicos do Estado de Direito.

Page 30: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

28

2.1.1. A codificação do crime de corrupção e infracções conexas: a dimensão

legal/formal da corrupção

Na sua essência, a definição penal5 portuguesa do crime de corrupção refere-se a

um abuso de funções (por parte de eleitos, funcionários públicos ou agentes privados)

que visa a sujeição de bens públicos (sejam eles a autonomia intencional do Estado, a

confiança necessária no comércio internacional, na actividade empresarial ou a lealdade

e ética no âmbito da corrupção desportiva) aos interesses privados de terceiros,

mediante promessa ou aceitação de vantagens patrimoniais ou não patrimoniais (De

Sousa, Lima e Triães, 2011). O crime de corrupção não é impulsivo, antes calculado.

Trata-se de uma troca em que se conhecem os custos e os proveitos para ambas as

partes. Regra geral, trata-se de um crime em que a vítima não tem rosto. A vítima é o

contrato social, a coisa pública, os princípios sob os quais assenta o desempenho das

instituições que estão na base de qualquer comunidade política (igualdade,

solidariedade, imparcialidade, transparência, accountability, legalidade, eficácia,

integridade).

Embora do ponto de vista legal a corrupção se distinga de uma série de

comportamentos fraudulentos frequentes na esfera pública e privada, tais como o

favoritismo, o nepotismo, a cunha, a promiscuidade, na prática, e do ponto de vista da

condenação moral, os mecanismos e as formas cruzam-se. O pagamento de uma

comissão ilícita para a obtenção de uma licença é muitas das vezes precedida por uma

troca de favores e simpatias entre as partes “contratantes” (De Sousa, Lima e Triães,

2011).

A codificação do crime de corrupção e infracções conexas tem acompanhado,

ainda que tardiamente, a complexidade crescente do fenómeno. Tradicionalmente, o

conceito penal de corrupção aparecia associado apenas ao exercício de funções públicas.

A corrupção era, e continua a ser na maioria dos casos, uma troca ilícita entre

um agente corruptor privado, um indivíduo ou uma pessoa colectiva (empresa,

fundação, instituto, etc.) e um agente corrupto público. Em alguns casos a solicitação

5 Existem vários diplomas que tipificam o crime de corrupção, os quais se distinguem essencialmente pela

definição do bem público a proteger e pela natureza do cargo exercido pelo actor passivo. A lei diferencia

a corrupção no exercício de funções públicas (artigos 372º, 373º e 374º, do Código Penal), no exercício

de cargos políticos (artigos 16º, 17º e 18º, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho – Crimes das Responsabilidade

de Titulares de Cargos Públicos), com prejuízo para o comércio internacional e no sector privado (Lei n.º

20/2008, de 21 de Abril) e, por fim, na actividade desportiva (artigos 8º e 9º da Lei n.º 50/2007, de 31 de

Agosto).

Page 31: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

29

parte de quem ocupa o cargo de decisão, noutros é o próprio privado a aliciar o

funcionário público com dádivas de todo o tipo, com o intuito de obter uma decisão,

serviço ou benefício a que não tem direito (corrupção por acto ilícito) ou a acelerar um

processo que lhe diz respeito (corrupção por acto lícito).

Posteriormente, o conceito foi alargado a eleitos e cargos de nomeação, mas o

conjunto de práticas e comportamentos proscritos continuavam a estar circunscritos à

interacção entre a esfera pública e privada. A criminalização de comportamentos

corruptos na esfera política é uma das áreas mais sensíveis e menos consensuais do

Direito Penal. São vários os mecanismos e garantias que atestam a frágil punibilidade

destes crimes, começando pelos próprios regimes de imunidade que protegem os

detentores de cargos eleitos da acção judicial.

Mais recentemente, fruto da redução da dimensão empresarial do estado e da

complexidade crescente da economia, o crime de corrupção entre actores de mercado

passou a ganhar uma maior relevância social e política. Actualmente, Portugal dispõe de

um vasto leque de infracções que tipificam o crime de corrupção6, mas a sua

aplicabilidade nem sempre tem sido a melhor. Importa também referir que o excesso de

zelo na codificação das infracções, característica dos sistemas Penais inspirados no

Direito Romano como o português, é ilustrativo da fragilidade e falta de flexibilidade do

sistema repressivo em lidar com a complexidade dinâmica do fenómeno. A tendência

para interpretar o fenómeno à luz de um minimalismo legal – corrupção é o que a lei

diz ser corrupção – é perigosa para o desempenho do Estado de Direito, pois desobriga

os actores de qualquer responsabilidade adicional que não esteja prevista na lei (De

Sousa, Lima e Triães, 2011).

A dimensão legal do fenómeno é um elemento crucial para a sua condenação em

sociedade e não deve ser perdida de vista, contudo, representa uma leitura estanque,

restrita e insuficiente do fenómeno. O crime de corrupção depende de estruturas de

oportunidade, de recursos, de bens transaccionáveis mas também de custos legais e

morais, isto é, da capacidade do sistema judicial de reprimir este tipo de ocorrências e

6 Código Penal: art. 372º, 373º, 374º Corrupção, art. 334º, Tráfico de influência, art. 336º a 343º, Crimes

eleitorais, art. 359º a 371º, Dos crimes contra a realização da justiça, art. 375º e 376º, Peculato, art. 378º

a 382º Do abuso de autoridade (art. 379º, Concussão e 382º, Abuso de Poder), art. 377º, Participação

económica em negócio; Lei 34/87 de 16 Julho 1987, crimes de responsabilidade dos titulares de cargos

políticos (lei crime subsidiária); Decreto-Lei 28/84 de 20 Janeiro 1984, infracções antieconómicas e

contra a saúde pública (lei crime subsidiária): art. 41º-A Corrupção activa com prejuízo do comércio

internacional, art. 41º-B Corrupção passiva no sector privado, art. 41º-C Corrupção activa no sector

privado.

Page 32: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

30

de predisposições éticas dos indivíduos para violar a lei ou para actuar contrariamente

ao interesse público. Os modos e a qualidade da organização burocrática, do

funcionamento do mercado, de estruturação do sistema político, assim como a natureza

da cultura política explicam a existência e prevalência da corrupção num determinado

contexto espacial e temporal.

Para além deste aspecto mais processual, temos, por parte dos magistrados

portugueses, uma interpretação da intencionalidade e da causalidade demasiada centrada

nos actores e não no contexto e na relação imprópria que estes estabelecem entre si. A

separação de processos activo e passivo, prevista nos Códigos Penal e de Processo

Penal, aparenta trazer mais prejuízos para o exercício da Justiça do que benefícios. Nos

casos onde o passivo é um alto cargo público ou eleito, a probabilidade de virem a ser

condenados é quase nula. Esta ineficácia do sistema judicial não só alimenta uma

atitude de impunidade nos detentores de cargos de influência, como agrava a péssima

imagem que os cidadãos têm da Justiça.

Ao longo de todos estes anos, não se vislumbrou nenhuma vantagem ou virtude

na criação de uma lei crime especial para os detentores de cargos eleitos ou altos cargos

públicos. Alguns dos crimes tipificados na Lei 34/87, de 16 de Julho (alterada pela Lei

108/2001, de 28 de Novembro, Crimes da responsabilidade dos titulares de cargos

políticos) não têm qualquer aplicabilidade, por exemplo: o crime de prevaricação, de

participação em negócio ou de violação de normas orçamentais. A forma como a

criminalidade económico-financeira é tratada revela a “secundarização dos bens

jurídicos macro-sociais em relação às garantias individuais dos arguidos” (De Sousa,

2011a; Morgado e Vegar, 2003).

A definição e o tratamento penal da corrupção não dizem apenas respeito a uma

questão conceitual ou de enquadramento destes crimes; existe também um problema de

cultura jurídica e de formação/especialização dos nossos magistrados. O sistema judicial

tem demonstrado, em inúmeras situações, ser incapaz ou reticente em lidar com a

criminalidade no exercício de funções públicas ou eleitas, de maior complexidade na

obtenção de prova ou que não suscitem uma forte condenação social.

Num universo de 345 processos, analisados entre 2004-2008, o crime de

participação económica em negócio representava apenas 10,0% dos casos de corrupção

participada em Portugal no contexto da Administração Local. Podemos igualmente

observar, através da análise desses dados, que, independentemente do tipo de crime

(corrupção, peculato, ou participação económica em negócio), a grande parte dos

Page 33: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

31

processos é arquivada (55,7%). As razões do arquivamento de processos são várias, mas

é sobretudo a “insuficiência de indícios probatórios relativos ao crime” (53,3%), que

leva ao arquivamento de mais de metade dos processos. A incapacidade de deduzir uma

acusação com base nos indícios recolhidos é tanto maior quanto maior for a

complexidade do crime em questão ou a fragilidade da prova. Processos que envolvam

figuras políticas, altos cargos públicos, partidos, grupos económicos, tendem a arrastar-

se inconclusivamente no tempo e acabam por ser arquivados. Nos processos onde não

existem provas (documentais, áudio, vídeo, fotográficas) que possibilitem a

confirmação da denúncia, e que apenas se corroboram em provas testemunhais (as quais

em tribunal se tornam pouco credíveis já que é a palavra de um interveniente contra a de

outro) ou em denúncia através de relatos anónimos, que normalmente são acusatórios e

não apresentam provas de consistência documental, a probabilidade de arquivamento é

também elevada.

Mas a corrupção não pode ser compreendida, exclusivamente, através da análise

de infracções, desvendadas e condenadas, à luz dos preceitos legais estipulados para o

exercício de um cargo público ou eleito. Uma definição puramente legal omitiria todos

os comportamentos corruptos que, não implicando necessariamente uma violação da lei

ou de códigos formais de conduta, não deixam de constituir “uma violação grave dos

padrões e expectativas associados a um cargo público” (Friedrich, 1966; Jos, 1993:

360-361).

2.1.2. Nuances cromáticas na definição de Corrupção enquanto representação

social

Do ponto de vista sociológico a corrupção é algo mais abrangente e fluido,

sendo o fenómeno balizado não apenas por normas legais/formais, expressas nas leis,

nos códigos penais e deontológicos, nos procedimentos administrativos, etc., mas

também pelas expectativas e normas socio-culturais associadas ao desempenho de um

cargo de autoridade delegada, num determinado contexto social e temporal. (De Sousa,

Lima e Triães, 2011)

A corrupção vai mais além da transacção diádica entre dois actores, activo e

passivo, da qual resulta uma compra/venda de decisões, informação ou prerrogativas

com contrapartidas/benefícios para as partes contratantes ou para terceiros. A corrupção

enquanto construção social é um conceito volátil, fluido e flexível que varia no espaço e

Page 34: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

32

no tempo. Não se rege necessariamente pela definição-crime do fenómeno e tende a ser

discrepante entre a generalidade abstracta e a aplicabilidade concreta (De Sousa e

Triães, 2008).

Apesar das sociedades democráticas estarem munidas de códigos penais e leis-

crime que condenam certo tipo de práticas e comportamentos no exercício de funções e,

apesar das várias tentativas de uniformização, ao nível internacional, dessas definições,

na prática a sua aplicação, mesmo do ponto de vista jurídico, varia no espaço e no

tempo. A própria norma jurídica é produto da sociedade e, por conseguinte, acompanha

a evolução das relações sociais, dos papéis dos diferentes actores e das interacções entre

as diversas esferas de actividade, sendo que alguns crimes vão deixando de ter

significado social – por exemplo, a corrupção eleitoral – e outros passam a ganhar mais

acuidade – como o financiamento político. Outro exemplo, que ilustra bem esta

evolução dos tempos em termos daquilo que é definido como crime ou prática ilegal,

temos o caso recente do debate parlamentar em torno da proposta do Partido Socialista e

da aprovação da constituição do “crime de prevaricação urbanística e edificação não

autorizada”, uma vez que o crime de corrupção tem tido, actualmente, especial

incidência ao nível das irregularidades nos processos de licenciamento e há a

necessidade de protecção penal específica do bem jurídico da gestão e ordenamento do

território.

Desta forma, mesmo de um ponto de vista legal, a corrupção é produto de uma

construção social. A definição penal comporta apenas as práticas e comportamentos que

a sociedade (ou segmentos dessa) decidiu, a um dado momento, considerar como

desviantes e prejudiciais ao normal funcionamento das instituições, portanto, passíveis

de acção judicial e de sanções para os infractores (De Sousa, Lima e Triães, 2011).

Para a opinião pública a corrupção constitui-se como o comportamento que viola

as expectativas dos cidadãos, passando a fronteira do que estes consideram aceitável

para os titulares desses cargos, sem que necessariamente haja um entendimento claro

das regras formais que definem o cargo e o exercício de funções inerentes ao mesmo.

Mesmo assim, é possível estabelecer duas dimensões de factores que influenciam e

condicionam os julgamentos dos indivíduos: as que dizem respeito às variáveis de

caracterização social, económica e política e as que se relacionam com as propriedades

dos actos expostos a julgamento (De Sousa e Triães, 2008).

Page 35: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

33

O conceito de corrupção inclui, assim, diversas dicotomias ou discrepância entre

estes dois conjuntos de normas que qualificam certas ocorrências sob essa etiqueta de

condenação.

Uma das dicotomias centrais, no que respeita à sua definição, é a avaliação que o

público faz dos comportamentos como sendo desviante ou conforme às normas de

funcionamento de uma sociedade. O modo de organização das sociedades, a cultura

política das populações em causa e o seu sentido cívico são condições que explicam a

maior ou menor frequência e relevância do fenómeno numa determinada sociedade e

época.

A corrupção é uma construção social e, como tal, é produto de interpretações e

de percepções (Heidenheimer, 2005; Peters e Welch, 1978; Becquart-Leclercq, 1984).

Esses julgamentos não são uniformes e variam consoante os contornos que revestem o

acto corrupto.

A distinção entre corrupção de mercado e corrupção paroquial (Scott, 1972)

permite compreender as dinâmicas do fenómeno social da corrupção. A corrupção de

mercado é a venda de bens e serviços do Estado ao proponente que oferece o preço mais

alto, quer tenha ligações, quer não. Por outro lado, na corrupção paroquial a actividade

corrupta para a obtenção de bens e serviços resulta de uma relação de proximidade e

mobiliza recursos simbólicos – tais como, a amizade e/ou laços familiares. A confiança,

enquanto norma de reciprocidade geral, é a peça fundamental desta relação. A aceitação

deste tipo de práticas varia de um país para outro e de um grupo social para outro.

Por isso, a corrupção está relacionada com as percepções. O seu significado está

constantemente em transformação. A designação de corrupção para descrever práticas

ou comportamentos que vão desde as formas que recaem na definição penal do

fenómeno – tais como, suborno, extorsão, tráfico de influências e o peculato – ,

passando por formas que têm vindo a ser objecto de reformas legislativas, mas que não

suscitam desaprovação por parte dos cidadãos – por exemplo, o conflito de interesses e

o financiamento político – até às formas que estão isentas de qualquer tipo de regulação

– assim, como o favoritismo, o nepotismo e o “puxar os cordelinhos” (De Sousa, 2008).

A análise destas variações está inserida na lógica desenhada por Heidenheimer

(1970) que estabelece uma escala cromática de aceitação ou de gravidade e identifica

quais os comportamentos que cabem dentro das categorias negras, cinzentas ou brancas.

Depois, olhando para o interior de cada categoria é possível isolar factores que explicam

ou que pesam na entrada desse comportamento para essa categoria. Este modelo fala de

Page 36: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

34

propensões que os indivíduos têm para considerar determinados factores mais ou menos

corruptos do que outros.

“The thesis was that whether a particular type of unethical activity was

tolerated as “white,” or demonized as “black” corruption depended upon the

type of community in which the observer lived and the social grouping with

which he was identified. Hence, these achromatic notations described which of

the forms of behavior a significant portion of the population regard as corrupt,

and why they were more likely to be more pervasive in one type of community

than in another. More severe judgments were likely to be more numerous in a

„civic culture suburban community‟ than in a „patron-client‟ or „boss-follower‟

based community. In the latter, such practices were more likely to be tolerated

as white corruption and to be accepted as standard operating procedures.”

(Heidenheimer, 2004:100)

A condenação é mais vigorosa quando estão em causa formas de corrupção

consideradas muito graves pela generalidade da população – designada por corrupção

preta. Os indivíduos condenam ou julgam como corruptos os cenários que mais se

aproximam do conceito penal de corrupção – tal como o suborno – e crimes similares –

peculato e participação económica em negócio – mesmo quando envoltos em

circunstâncias atenuantes (Peters e Welch, 1978; Atkinson e Mancuso, 1985; Johnston,

1986; Mancuso, 1993). Segundo o estudo Corrupção e Ética em Democracia: o Caso

de Portugal, o cenário mais negro em termos de condenação, trata-se de uma prática de

peculato ao nível local – condenação por 94,7% da população, dos quais 78,7% em

absoluto. Surpreendentemente, o nepotismo aparece com um grau de condenação, ao

nível simbólico, bastante elevado, pelo facto de constituir-se como uma prática

impulsionadora do sentimento de “privação relativa” dos cidadãos em relação aos

ocupantes de cargos de responsabilidade pública – condenado por 90,7% do inquiridos,

dos quais 69,3% em absoluto. Tendo em conta as transformações que se têm verificado

no mercado de trabalho – tal como o aumento da precariedade laboral, incerteza e

redução de contratações públicas sem compensações, crescimento do emprego no sector

privado – é compreensível que uma situação de nepotismo suscite condenação por

“privação relativa”, inveja e sentimento de injustiça social. Além disso, a ênfase dada à

formação e qualificação dos trabalhadores, assim como à consolidação de um mercado

Page 37: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

35

assente no mérito e no conhecimento, promove também essa condenação simbólica do

nepotismo.

Os cenários em que existe alguma discrepância de julgamentos – a que se poderá

designar de corrupção cinzenta – são os que estão relacionados com práticas de oferta

de prendas e hospitalidades – tal como o conflito de interesses, a pequena corrupção, ou

o financiamento político. As práticas mais toleradas – corrupção branca – são, por um

lado, a facilitação de bens para privados às custas do património público, normalmente

praticados por autarcas e justificados em nome do desenvolvimento das comunidades

locais e, por outro lado, a “cunha”. Os julgamentos tendem a ser menos severos se os

benefícios reverterem a favor da comunidade ou constituintes (Peters e Welch, 1978).

A condenação é maior relativamente a actores de responsabilidade pública do

que a cidadãos e actores privados (Peters e Welch, 1978; Johnston, 1986 e 1991).

O grau de condenação em relação a prendas e hospitalidades varia em relação à

visibilidade pública de quem a pratica e não em função da possibilidade dessa dádiva

poder conduzir a uma situação de reciprocidade que resulta num favorecimento para

privados às custas do interesse público.

A tolerância é ainda maior relativamente aos inspectores de trabalho de uma

secção regional que recebem das empresas locais sob sua fiscalização cabazes de natal.

Por um lado, admite-se que a dádiva e a reciprocidade no relacionamento entre cidadãos

e empresas e os detentores de cargos de responsabilidade pública; mas, por outro,

condena-se mais severamente os casos em que o ocupante do cargo é um político (De

Sousa, 2008).

2.2. Causas, áreas de risco e estruturas de oportunidades

Em consequência do facto da corrupção se constituir como um fenómeno

multidimensional, um comportamento desviante de um conjunto de valores pautados

tanto pelas normas legais como normas socio-culturais e expectativas, importa

distinguir as várias causas que facilitam/condicionam a ocorrência, difusão e frequência

da corrupção num determinado contexto social e período históricos assim como os

factores conjunturais de risco. As primeiras dizem respeito, por exemplo, à relação entre

Estado e mercado (a distinção entre interesse/domínio público e privado, os modos de

intervenção do Estado na economia), os níveis de modernização e desenvolvimento

humano, as culturas cívicas e os modos de organização e funcionamento da

Page 38: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

36

administração do Estado e do sistema político. Os segundos, referem-se aos factores

conjunturais de risco e explicam mais directamente a existência de estruturas de

oportunidade específicas para a corrupção.

As desigualdades sociais na distribuição dos recursos e das oportunidades têm

sido referidas como um factor explicativo da prevalência da corrupção numa

determinada sociedade (Uslander, 2005; You, 2005). A pequena corrupção e o tráfico

de influências surgem como resposta informal à rigidez do sistema na resolução dos

problemas dos cidadãos, funcionando com mecanismo paralelo de redistribuição de

bens, serviços e benefícios às populações e substitui a incapacidade do Estado em

desempenhar essa função (Manzetti e Wilson, 2007; De Sousa, 2011a, De Sousa e

Triães, 2008). A troca mútua e desigual de vantagens e favores permite a concretização

da satisfação das suas necessidades básicas.

Numa sociedade assente em oportunidades desiguais, o conhecimento do

elemento intermediário certo é talvez a forma mais importante para conseguir fazer-se

ouvir e obter do sistema os bens e serviços a que se tem direito. A assimetria de redes

informais de apoio, baseadas em laços familiares e amizades é favorável para as classes

que gozam de maior capital cultural e económico e menos útil para os desfavorecidos.

Por exemplo, o recurso à corruptela para se conseguir um emprego tende a reforçar a

desigualdade social (Guerreiro e Pegado 2006 citado em De Sousa, 2011a).

Os baixos níveis de desenvolvimento humano tornam os cidadãos reféns da

lógica neo-patrimonialista do poder que promove a falta de transparência e a

ambiguidade legal e inibe a responsabilização dos infractores (Magone, 2008). Aqui

preside a ideia de uma cultura cívica – caracterizada por baixos índices de confiança

social e institucional, participação e interesse pela política, associativismo – assente na

satisfação das necessidades básicas, que tolera e pactua com um conjunto de práticas

corruptas desde que estas resultem em benefícios para a população em geral, em

protecção ou ajuda.

Do ponto de vista do contexto ético e social, os resultados do estudo Corrupção

e Ética em Democracia: o Caso de Portugal confirmaram a ideia de que Portugal é um

país propício para a Corrupção não transactiva. Os portugueses condenam

essencialmente a corrupção enquanto suborno ou extorsão mas toleram as suas

manifestações mais cinzentas como, por exemplo, a prática de “puxar cordelinhos”. Os

portugueses são muito tolerantes em relação a um conjunto de práticas não

regulamentadas e de difícil regulação, por exemplo, ao nível do conflito de interesses,

Page 39: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

37

“cunhas”, “amiguismos”, favorecimento, patrocínio político. No inquérito realizado à

população Portuguesa em 2006, constatou-se que 63,6% dos portugueses toleram a

corrupção desde que essa produza efeitos benéficos para a população em geral.

Em matéria de corrupção, os portugueses demitem-se de produzir os seus juízos

éticos ao tornarem mais abrangente a ética e a moral condicionando-se apenas à

definição jurídica do fenómeno. A nobreza e a consequência do acto, apesar de pesarem

menos na restrição do que pode ou não ser considerado como corrupto do que as

dimensões moral e legal, não deixam de apresentar valores significativos. Por isso, não

é de estranhar o apoio da população a autarcas que tomam decisões ruinosas alegando o

interesse público. A demarcação de partidos políticos destes casos não abalou a

confiança das populações nos actores locais que, ao contrário dos primeiros, até os

premiaram – por exemplo, Fátima Felgueiras, Valentim Loureiro, Isaltino Morais,

eleitos como independentes nas autarquias de 2005, após terem sido afastados pelos

respectivos partidos por envolvimento em escândalos de corrupção.

Estas discrepâncias deterioram os laços sociais entre os indivíduos e os diversos

grupos sociais, enfraquecendo-os e aumentam o sentimento de injustiça, desconfiança e

insatisfação com o modo de funcionamento do sistema democrático.

A cultura de corrupção em Portugal resulta da demissão, ancorada na legalidade,

dos juízos morais e éticos dos cidadãos, mais do que das características do regime

democrático. O problema de escolha em agir mais do que a Lei permite e menos do que

a ética exige está ao nível da falta de mobilização para alterar o actual estado de coisas.

Deste ponto de vista, podemos dizer que os níveis de mobilização cognitiva que os

portugueses atribuem ao “bom cidadão” (Dalton, 2008b) são relativamente baixos.

Segundo José M. Magone “a debilidade da sociedade civil e a correspondente cultura

política enfraquecem os mecanismos políticos e sociais de controlo” o que explica a

prevalência da corrupção na sociedade portuguesa (Magone, 2008: 101). A Democracia

portuguesa goza de uma cidadania informal – ainda com graves deficiências na

qualidade e sobretudo no acesso á informação – mas politicamente pouco informada e

interessada. A maioria dos cidadãos não compreende o papel que lhes cabe no processo

de controlo democrático, já que centralizam o ideal de cidadania nos direitos individuais

em detrimento das responsabilidades e deveres colectivos.

Por um lado, os portugueses prezam os princípios subjacentes a um Estado de

Direito democrático e desaprovam a ideia de que os fins justificam sempre os meios.

Por outro, estão dispostos a abandonar estes mesmos valores quando colidem com os

Page 40: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

38

seus próprios interesses. As teses funcionalistas tendem a considerar as formas de

corrupção paroquial – tais como o tráfico de influências – como úteis e culturalmente

enraizadas. O pequeno tráfico de influências constitui uma resposta informal à rigidez

do sistema na resolução dos problemas dos cidadãos.

Ao nível do funcionamento do sistema político coexistem duas realidades que

resultam de uma “democracia a duas velocidades”: uma democracia moderna assente

numa cidadania activa, que exige padrões elevados de desempenho das suas instituições

representativas e dos seus governantes; e por outro lado, formas tradicionais/clientelares

de mobilização eleitoral e de exercício do poder. Assim, coexiste um Estado de Direito

moderno com exigências éticas com o funcionamento de um Estado neo-

patrimonialista, caracterizado pelo clientelismo e por formas paroquiais de corrupção,

tal como a “cunha”, o “puxar de cordelinhos”, as ofertas e a troca de favores.

O desenvolvimento da corrupção parece estar associado aos países onde o

Estado foi menos bem sucedido em criar fortes solidariedades nacionais, onde os

valores democráticos estão menos enraizados em consequência de recentes experiências

autoritárias e onde as instituições políticas gozam de baixos níveis de confiança. As

sociedades com uma forte cultura cívica apresentam níveis de corrupção menos

preocupantes (Rothstein e Uslander, 2005; De Sousa, 2011a).

Os factores organizacionais que explicam a prevalência da corrupção: o modo de

organização do Estado (centralizador ou descentralizador; unitário ou policêntrico;

assente em modelos de gestão verticais ou horizontais); a dimensão do aparelho do

Estado; o grau de intervenção do Estado na economia, directamente pelo peso do seu

sector empresarial ou da sua intervenção directa na gestão de empresas privatizadas, ou

indirectamente através da regulação do mercado; o grau de circulação e renovação de

elites; e as formas de organização do poder político (sistemas de governo, sistemas

eleitorais, organização de grupos de interesse, equilíbrios e garantias constitucionais)

assim como pela capacidade do Estado de impor a observância da lei e dos princípios

orientadores da esfera pública (De Sousa, 2011a).

Quanto às estruturas de oportunidades da corrupção, estas resultam, por

exemplo, da combinação entre a lentidão administrativa e a utilização estratégica de

poderes para agilizar processos e influenciar decisões. Esta combinação é possível na

medida em que existe uma resistência ao processo de modernização na administração e

gestão públicas, assim como o receio pelas transformações que reduzem o poder e

estatuto dos funcionários no aparelho burocrático.

Page 41: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

39

É possível identificar-se sete áreas críticas da corrupção em Portugal: a área de

adjudicação de obras públicas e da aquisição de bens e serviços pela administração

central e autárquica; área de fiscalização de obras públicas; a área de licenciamento de

obras particulares por parte dos órgãos autárquicos; a área de fiscalização tributária; a

área da actuação fiscalizadora de órgãos de polícia; a área dos exames para a obtenção

de título de condução automóvel e a área dos actos médicos e prescrição de

medicamentos (Simões, 2002 citado por Grilo, 2005:44). Do conjunto de áreas de risco

apresentadas é de salientar as áreas relacionadas com o poder local. Para além destas,

acrescente-se a tríade compostas pelos sectores Autarquias/construção civil/futebol

(Morgado e Vegar, 2003 citado por Grilo, 2005:45).

De facto, sectores como o urbanismo, as obras públicas, fornecimentos e

manutenção de equipamentos são áreas de negócio com somas avultadas de lucro onde

a aquisição de bens e serviços não é feita de forma transparente – com uma gestão que

protege os interesses pessoais – e onde falha o escrutínio público nos processos de

tomada de decisão.

Para além destes factores que tornam o poder local permeável e vulnerável à

corrupção existe ainda uma desordem e complexidade normativa em vários domínios de

regulação municipal7 no que diz respeito às leis de urbanismo, de fornecimento de água

e na recolha e tratamento de resíduos. Assim como uma insuficiência, ou quase

inexistência, de mecanismos e procedimentos de monitorização, avaliação e fiscalização

de funções internas à administração autárquica. Veja-se o caso recente da nova

reestruturação autárquica que prevê a extinção da Inspecção-geral da Administração

Local (IGAL) com a fusão deste organismo com a Inspecção-geral das Finanças (IGF).8

Também é possível encontrar factores explicativos ao nível do financiamento de

campanhas eleitorais e dos partidos políticos. Ao nível do poder local, a problemática

do financiamento ilícito está intrinsecamente ligada às relações clientelares e

promíscuas entre candidatos e empreiteiros/fornecedores e às baixas exigências

democráticas do eleitorado. “São sobretudo as campanhas em zonas suburbanas e

7 Os objectivos da corrupção na administração local expressa-se através de favorecimentos indevidos a

terceiros. A alteração ou aprovação de PDM‟s e projectos por interesses económicos ilegítimos, o

licenciamento irregular de obras, o favorecimento de compradores com prejuízo da autarquia e a

obstrução de fiscalização ou isenção do pagamento de coimas aos infractores de regras de ordenamento

de território, desenham os contornos das irregularidades mais comummente identificadas no âmbito da

actividade autárquica, com maior incidência nos negócios ao nível do urbanismo e das obras públicas. 8 Notícia do Jornal Público, “A reforma autárquica está „envenenada‟”, 3/10/2011, pág.6; Notícia do

Jornal Público, “Luís de Sousa alerta para riscos de extinção da IGAL”, 23/09/2011, pág.8

Page 42: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

40

rurais do interior centro e norte do país as mais ostensivas e abusivas do ponto de vista

do cumprimento das regras de financiamento político”9.

9 Dados do relatório produzido para a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) referente à

acção de monitorização de custos de campanha efectuada para as eleições autárquicas de 2005.

Page 43: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

41

III.

Metodologia

3.1. A Corrupção Participada

O estudo aqui proposto está baseado nos dados do projecto O Estudo da

Corrupção em Portugal: A realidade judiciária – Um enfoque sociológico,

desenvolvido através da parceira estabelecida entre Procuradoria-Geral da

República/Departamento Central de Investigação e Acção Penal (PGR/DCIAP) e o

Centro de Investigação e Estudos de Sociologia o Instituto Universitário de Lisboa

(CIES-ISCTE/IUL). A corrupção aqui analisada consiste nas notícias de crime de

corrupção e criminalidade conexa que chegaram ao conhecimento do Ministério Público

e que deram origem a processos-crime instaurados nos diversos Serviços do Ministério

Público junto dos Tribunais da Comarca, a nível nacional, bem como nos

Departamentos de Investigação e Acção Penal (DIAP) regionais e Departamento

Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), entre os anos de 2004 e 200810

.

O Ministério Público adquire notícia do crime, quer por conhecimento próprio,

por intermédio de Organismos de Polícia Criminal11

ou de outra entidade ou mediante

denúncia (artigo 241.º CPP) (DCIAP-PGR/CIES-ISCTE, 2009).

As denúncias são obrigatórias para os Organismos de Polícia Criminal quanto a

qualquer crime que tenham conhecimento, e para os funcionários quanto a crimes de

que tomem conhecimento no exercício das suas funções (artigo 242.º CPP), sendo

facultativas para qualquer outra pessoa (artigo 244.º CPP). A denúncia não está sujeita a

qualquer formalidade, podendo ser verbal ou escrita (artigo 246.º/1 CPP) (DCIAP-

PGR/CIES-ISCTE, 2009).

O auto de notícia, elaborado pelas autoridades policiais ou judiciárias quando

presenciam um crime, vale como denúncia, sendo posteriormente remetido ao MP

(artigo 243.º CPP) (DCIAP-PGR/CIES-ISCTE, 2009).

10

Os dados do projecto “A corrupção participada em Portugal 2004-2008”, desenvolvido em parceira

pelo DCIAP-PGR e o CIES-ISCTE, foram recolhidos entre 2008 e 2009, sob a coordenação científica de

Luís de Sousa. A recolha e centralização dos processos de corrupção foi coordenada pelo DCIAP, ao

abrigo das Circulares 11/99 de 3 de Novembro, 10/99 de 16 de Julho e 6/2002 de 11 de Março da

Procuradoria-geral da República. 11

Os OPC têm o dever de comunicar a notícia de um crime ao MP no prazo de 10 dias. (artigo 248.º

CPP).

Page 44: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

42

A notícia do crime origina a abertura de inquérito12

pelo MP (artigo 262.º CPP),

terminando num arquivamento ou numa acusação, transitando, neste caso, o processo

para uma fase de julgamento (ou de instrução (se houver requerimento nesse sentido),

que poderá resultar numa condenação ou numa absolvição (DCIAP-PGR/CIES-ISCTE,

2009).

De acordo com os dados, a maior parte dos processos instaurados teve origem

em denúncias anónimas (38,6%), o que reflecte debilidades nos mecanismos de reporte

e de protecção às testemunhas e denunciantes nos processos de corrupção (Tabela 1).

Existem ainda outros factores de ordem social e cultural que podem levar os

denunciantes a não revelarem a sua identidade, mas o principal motivo está relacionado

com o medo de sofrer represálias ou até mesmo de virem a ser constituídos como

arguidos em processos de denúncia caluniosa. Seguem-se os processos desencadeados

por participação de terceiros identificados (30,4%), do próprio serviço (18,8%), através

de certidão13

(7,8%) e finalmente, por participação de um dos envolvidos (2,0%). A

forma da denúncia é relevante tanto para a realização da justiça, como para o

apuramento do perfil dos corruptos, já que as denúncias anónimas tendem para o

arquivamento, não só pela dificuldade da colecta de provas, mas também por falta de

informação relativa aos actores, mecanismos e contextos (Triães, 2004).

Tabela 1: Autor da participação do crime de corrupção e infracções conexas na

Administração Local em Portugal, 2004-2008

Autor da participação N %

Anónimo 133 38,6%

Por terceiros identificados 105 30,4%

O próprio serviço 65 18,8%

Por certidão 27 7,8%

Um dos envolvidos (activo ou passivo) 7 2,0%

Não apurado 8 2,3%

Total 345 100,0%

3.2. Amostra

O universo de análise registado na base de dados do Projecto O Estudo da

Corrupção em Portugal: A realidade judiciária – Um enfoque sociológico é composto

12

Note-se, no entanto, que a denúncia anónima não constitui fundamento de abertura de inquérito se dela

não se retirarem indícios da prática de crime, ou se ela própria não constituir crime (artigo 246.º/5, alíneas

a) e b) do CPP). 13 Denúncias resultantes de outras investigações e de iniciativas das forças policiais.

Page 45: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

43

pelos processos-crime de corrupção, participação económica em negócio e peculato,

instaurados a nível nacional, nas 255 comarcas do país, DIAP‟s e DCIAP, entre os anos

de 2004 e 2008. O Projecto considera 838 processos distribuídos pelos 3 tipos de crime

em análise: 387 processos instaurados por crime de corrupção (activa e passiva), 54

processos instaurados por crime de participação económica em negócio e 276 processos

instaurados por crime de peculato (incluindo o crime de peculato de uso), sendo que, em

115 processos denunciam-se factos susceptíveis de, simultaneamente, integrarem dois

ou três tipos de crime e 6 processos nos quais não foi possível apurar o tipo de crime.

Tendo em conta o objectivo do estudo aqui proposto foram apenas considerados,

do universo de análise que o Projecto oferece, o conjunto de casos que dizem respeito a

processos de corrupção, peculato e de participação económica em negócio instaurados

entre 2004-2008, cujo facto esteja relacionado com organismos da Administração Local.

Isto significa considerar: câmaras municipais, juntas de freguesia, empresas

intermunicipais de água e saneamento, serviços municipalizados de água e saneamento

(SMAS) assim como um conjunto de serviços municipalizados – no qual foram

incluídos piscinas, parques de campismo, cemitérios, feiras e mercados municipais,

veterinário.

Aplicado este filtro, o universo de análise é reduzido para 345 processos

distribuídos pelos 3 tipos de crime em análise (Tabela 2): 204 processos instaurados por

crime de corrupção (activa e passiva), 35 processos instaurados por crimes de

participação económica em negócio e 104 processos instaurados por crimes de peculato

(incluindo peculato de uso), sendo que, em 2 processos denunciam-se factos

susceptíveis de, simultaneamente, integrarem dois ou três tipos de crime.

Partindo da análise dos factos expressos nas denúncias e dos objectivos do acto

corrupto presentes nos processos-crime instaurados nos diversos Serviços do Ministério

Público junto dos Tribunais da Comarca, a nível nacional, bem como nos DIAP‟s

regionais e DCIAP, por factos susceptíveis de integrarem crimes de corrupção,

participação económica em negócio e peculato, entre os anos de 2004 e 2008, foi

possível desmontar o crime de corrupção em diversos tipos: suborno, clientelismo,

conflito de interesses, extorsão, favoritismo, nepotismo, troca de influências e

financiamento político (Transparency International, 2010; Anti-Corruption Resource

Centre (U4); De Sousa, 2008).

Page 46: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

44

Tabela 2: Distribuição do volume de processos instaurados por tipo de crime

na Administração Local em Portugal, 2004-2008

Tipo de Crime N %

Corrupção

Clientelismo 58 16,8%

Troca de Influências 41 11,9%

Favoristismo 32 9,3%

Nepotismo 18 5,2%

Conflito de interesses 15 4,3%

Suborno 13 3,8%

Corrupção 12 3,5%

Financiamento Político 11 3,2%

Extorsão 4 1,2%

Total 204 59,1%

Peculato 104 30,1%

Participação Económica em Negócio 35 10,1%

Dois ou mais crimes 2 0,6%

Total 345 100,0%

Fonte: Com base na análise do facto expresso nas denúncias e

dos objectivos do acto corrupto presentes nos processos-crime

que compõem a base de dados do Estudo da Corrupção

Participada em Portugal: a realidade judiciária – um enfoque

sociológico (Fase 2).

A amostra referente aos processos-crime instaurados no âmbito da

Administração Local (Tabela 2) revela que 59,1% dos casos denunciados como crime

de corrupção configuram práticas de clientelismo (16,8%), troca de influências (11,9%)

e de favoritismo (9,3%). Com valores mais baixos, foi ainda possível identificar casos

de nepotismo (5,2%), conflito de interesses (4,3%), suborno (3,8%) e financiamento

político (3,2%) e ainda quatro casos de extorsão. É ainda de salientar, como nota

indicativa, que não foi possível estabelecer uma tipificação para 12 dos casos de

corrupção que foram participados.

Todos os processos identificados são considerados, independentemente do seu

estado processual no momento da análise: em fase de investigação, acusação, instrução,

julgamento, recurso ou findo. A limitação do estudo aos processos findos resultaria na

exclusão de uma parte considerável da informação e de dados relevantes e essenciais

para o entendimento, não só do fenómeno em si, mas do desempenho das entidades

judiciárias neste domínio. Fazer incidir a análise em processos ainda a decorrer permite

uma caracterização mais dinâmica e abrangente do fenómeno da corrupção participada

em Portugal.

Page 47: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

45

Importa também tecer algumas considerações prévias relativas à classificação

dos intervenientes e o seu impacto na delimitação do universo da análise. Nem todos os

processos resultam na constituição de arguidos assim como podem ser constituídos dois

ou mais arguidos no âmbito do mesmo processo-crime. Resulta assim, uma amostra

referente aos dados dos arguidos que é composta por 352 indivíduos. Na Tabela 3, estão

sistematizadas as diversas categorias de distinção entre os arguidos/intervenientes por

cada tipo de crime assim como o respectivo volume de casos.

Tabela 3: Categorias de distinção entre os diversos Arguidos/Intervenientes

de acordo com o tipo de crime

Crime Categorias N %

Corrupção

Pessoa Colectiva Activa 21 6,0%

Pessoa Colectiva Passiva 37 10,5%

Pessoa Singular Activa 33 9,4%

Pessoa Singular Passiva 104 29,5%

Peculato Pessoa Singular Activa e Passiva 90 25,6%

Participação Económica em Negócio Pessoas Singular Activa e Passiva 67 19,0%

Total 352 100,0%

No que concerne aos intervenientes singulares identificados nos processos, optou-se

por tratar apenas os indivíduos formalmente constituídos arguidos. Contudo, em relação

às pessoas colectivas, optou-se por considerar todos os intervenientes

independentemente da sua constituição ou não como arguidos, por duas ordens de razão,

primeiro, pretende-se evitar a disparidade de regimes de responsabilidade criminal

dentro do período em análise, já que a punibilidade das pessoas colectivas pela prática

das infracções sob análise apenas entrou em vigor com a Lei 59/2007, de 4 de

Setembro; Segundo, é quase inexistente a constituição como arguidas de pessoas

colectivas nos casos em análise, mesmo após a publicação da citada Lei 59/200714

(DCIAP-PGR/CIES-ISCTE, 2009).

Desta forma, tendo por base a lógica de distinção entre as pessoas singular e

colectiva no que se refere à caracterização dos intervenientes nos crimes em análise,

importa salientar os seguintes aspectos: 1) os dados relativos à pessoa colectiva referem-

se apenas ao crime de corrupção e ao conjunto dos processos onde foi deduzida

acusação contra pessoas colectivas, estruturas organizacionais de carácter público ou

14

Anota-se, no entanto, que o DL 28/84 de 28 de Janeiro, já previa a responsabilização das pessoas

colectivas quanto aos crimes nele previstos, entre os quais se incluíam o crime de corrupção no sector

privado e corrupção com prejuízo do comércio internacional.

Page 48: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

46

privado; 2) os dados relativos à pessoa singular referem-se ao conjunto dos

intervenientes constituídos arguidos no âmbito dos processos instaurados por crimes de

corrupção, participação económica em negócio e peculato; 3) os dados relativos aos

objectivos do crime dizem respeito: a) ao conjunto dos crimes de corrupção,

participação económica em negócio, peculato; b) a todos os processos, sem prejuízo da

ocorrência de constituição formal de arguidos; 4) os dados sobre os recursos e

contrapartidas contemplam igualmente todos os processos, independentemente de ter ou

não ocorrido constituição de arguidos, relativos a crimes de corrupção. O mesmo

critério é aplicado na análise dos montantes envolvidos nos crimes de participação

económica e negócio e de peculato; 5) os dados sobre os contextos e processos de troca

dizem respeito aos processos instaurados por crime de corrupção, independentemente de

ter ou não ocorrido a constituição de arguidos.

3.3. Indicadores

Para analisar a configuração relacional que caracteriza o crime de corrupção e a

criminalidade conexa na Administração Local, privilegiou-se a Análise de

Correspondências Múltiplas para os indicadores relativos aos processos-crime (Tabela

4). Este é um método de análise multivariada adequado á gestão de múltiplos

indicadores de natureza qualitativa e que permite realizar análises estruturais e explorar

associações entre múltiplas variáveis (Carvalho, 2008, 2010; Ramos e Carvalho, 2009).

Tabela 4: Dimensões de Análise: Indicadores (processos-crime)

Dimensões Indicadores

Pro

cess

os

Facto participado

Data de Instauração do processo

Tipo de crime

Organismo/serviço da Administração Local

Região de ocorrência do crime

Objectivos do acto corrupto Objectivos do acto corrupto

Recursos e Contrapartidas Vantagens patrimoniais (dinheiro)

Vantagens patrimoniais (géneros)

Contextos e processos de troca Iniciativa da abordagem

Local da abordagem

Fonte: Estudo da Corrupção Participada em Portugal: a realidade judiciária – um enfoque sociológico

(Fase2).

Page 49: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

47

Para além disso, optou-se por uma análise mais descritiva e interrelacional dos

indicadores relativos às características sociográficas dos arguidos de forma a

compreendê-los na dinâmica processual (Tabela 5).

Tabela 5: Dimensões de Análise: Indicadores (arguidos)

Dimensões

Indicadores

Arg

uid

os

Sócio-profissional

Sexo

Idade

Antecedentes criminais

Categoria Profissional

Ramo de Actividade

Fonte: Estudo da Corrupção Participada em Portugal: a realidade judiciária –

um enfoque sociológico (Fase2).

Pretende-se assim que a apreensão “das características das relações corruptas”

(Triães, 2004) presentes nos processos-crime objecto de estudo seja feita ao nível da

análise:

a) Configuração do crime de corrupção, participação económica em negócio e

peculato na Administração Local em Portugal, 2004-2008;

b) Perfil dos arguidos em crimes de corrupção, participação económica em

negócio e peculato na Administração Local em Portugal, 2004-2008

Page 50: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

48

IV.

O fenómeno da corrupção participada na Administração Local em

Portugal: 2004-2008

4.1. Configurações do crime de corrupção e criminalidade conexa na

Administração Local em Portugal, 2004-2008: Objectivos, recursos, contextos e

processos de troca

Exploraram-se associações entre múltiplas variáveis (Tabela 4), tendo sido

seleccionadas duas dimensões15

: eixos estruturantes do espaço do crime de corrupção,

participação económica em negócio e peculato na Administração Local em Portugal. Na

Tabela 6 podemos avaliar a importância das variáveis para a definição das duas

dimensões escolhidas. A dimensão 1 é determinante com uma consistência bastante

elevada (alpha=0,877).

Tabela 6: Contribuição das variáveis: Medidas de discriminação com variáveis

suplementares

Variáveis Dimensões

1 2

Objectivos do acto corrupto ,561 ,337

Vantagens patrimoniais (dinheiro) ,275 ,432

Vantagens patrimoniais (géneros) ,107 ,255

Iniciativa da abordagem ,918 ,564

Local de Abordagem ,916 ,497

Tipo de crime ,935 ,294

Organismos e serviços da Administração Local a ,113 ,028

Região de ocorrência do crime a ,062 ,028

Data de Instauração do Processo a ,045 ,023

Inércia ,619 ,397

% Variância explicada a Variável suplementar

Através do mapeamento do Gráfico 1 podemos concluir que as variáveis

relacionadas com o tipo de crime denunciado, a iniciativa de abordagem, o local de

abordagem e os objectivos do acto corrupto remetem para a Dimensão 1, enquanto que

as variáveis que se destacam na Dimensão 2 são as que se referem às vantagens

patrimoniais em géneros e em dinheiro. As variáveis relacionadas com a região de

ocorrência do crime, com os organismos e serviços da administração local e a data de

15

No Anexo A, página 78 está disponível informação que justifica esta opção.

Page 51: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

49

instauração do processo-crime não são boas medidas de discriminação em nenhuma das

dimensões apresentadas.

Gráfico 1: Relação entre indicadores (medidas de discriminação)

No Gráfico 2 é possível observar as configurações desenhadas pelas associações

entre todas as categorias. Essas configurações reflectem a disposição das características

do crime de corrupção, peculato e participação económica em negócio na

Administração Local.

Analisando as posições relativas das múltiplas categorias dos diversos

indicadores nas duas dimensões podemos captar as distinções entre cada uma delas.

Assim, na Dimensão 1, há que salientar a disposição do facto denunciado e a

forma como os objectivos do acto corrupto acompanham esta distribuição. Se por um

lado, o crime de corrupção denunciado configura práticas que estão associadas quer a

formas de favorecimento baseada em relações familiares através da qual alguém com

um cargo superior explora o seu poder e autoridade para proporcionar um emprego ou

um favor a um familiar mesmo que este não apresente as qualificações necessárias para

o cargo (Nepotismo); a inclinações para preferir ou seleccionar um amigo e/ou

familiares em detrimento de outros e que é demonstrada através da distribuição desigual

de posições e recursos (Favoritismo); as relações informais entre duas pessoas com um

estatuto social e económico diferente: o “patrão” (o homem poderoso) e o seu “cliente”

(dependentes, seguidores, protegidos). Esta relação inclui uma troca mútua, embora

Page 52: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

50

desigual, de favores (Clientelismo); e participações em actividades que colocam em

risco o julgamento profissional, a objectividade e independência do funcionário com

responsabilidade formal para servir o público (Conflito de interesses).

Por outro lado, o facto denunciado também configura outras práticas associadas

a trocas de vantagens na qual o funcionário usa a sua real ou suposta influência para

beneficiar outra pessoa em troca de dinheiro ou favores (Troca de influências); a ofertas

ou aceitação de uma oferta, empréstimo, prémio ou outra vantagem ou valor (impostos,

serviços, donativos, etc.) a ou de qualquer pessoa como forma de persuadi-la a fazer

algo em troca que seja desonesto, ilegal no contexto das seus deveres profissionais

(Suborno) assim como de Financiamento político.

Gráfico 2: Configuração topológica do espaço do crime na Administração Local

em Portugal, 2004-200816

Para além disso, existem ainda factos denunciados que correspondem não só à

apropriação ilegítima de dinheiro, em proveito próprio ou de outra pessoa assim como

ao uso para fins alheios aquele a que se destinam, de bens e equipamento do serviço no

qual o funcionário trabalha (Peculato e Peculato de uso), como também a intenções de

obter participação económica ilícita, lesando negócios ou interesses patrimoniais que

16

As coordenadas e contribuições das variáveis activas podem ser consultadas no Anexo B, pág.80

Page 53: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

51

cumpre ao funcionário administrar, fiscalizar, defender ou realizar (Participação

económica em negócio). Na Dimensão 2, é de salientar a oposição entre as vantagens

patrimoniais em géneros e as vantagens patrimoniais em dinheiro.

A análise conjugada das duas dimensões permite-nos compreender a

configuração topológica do espaço do crime na Administração Local e identificar as

combinações, indicando assim estar-se perante um espaço no qual coexistem diferentes

tipos de corrupção agrupados entre si e que se distinguem dos crimes de peculato e de

participação económica em negócio. Da mesma forma, cada um destes grupos apresenta

diferenças ao nível dos objectivos do acto corrupto assim como do tipo de vantagens

patrimoniais envolvidas.

No 1º quadrante, podemos observar uma associação privilegiada entre os crimes

de troca de influências, suborno e financiamento político e os objectivos do acto

corrupto que se relacionam quer com a aceleração de processos e/ou decisões

favoráveis, quer com o objectivo de influenciar avaliações e com o financiamento de

partidos políticos e associações. Para além disso, relativamente próximos, verifica-se

outra configuração entre o crime de corrupção e os objectivos relacionados com a

construção sem licença e com o favorecimento de empresas em concurso público e com

o favorecimento de projectos.

O 2º quadrante e 3º quadrante combinam categorias uma vez que o crime de

peculato está estritamente ligado ao desvio de verbas e apropriação de dinheiro assim

como à utilização de bens dos serviços para benefício indevido. O 2º quadrante é

predominantemente marcado pelas categorias das vantagens patrimoniais em dinheiro, o

que contrasta com o 4º quadrante no qual que não foi possível apurar os dados relativos

a este tipo de vantagens e onde estão posicionadas as vantagens patrimoniais em

géneros. Ainda no 3º quadrante é possível associar o crime de participação económica

em negócio com o objectivo de favorecimento de compradores com prejuízo para a

autarquia. É de salientar, que a análise das contrapartidas não permite aferir com clareza

os montantes e as vantagens envolvidas, uma vez que a grande maioria dos processos

não dispõe de tal informação. A pouca pormenorização das transacções pode dever-se

ao facto dos autores das denúncias não estarem a par de todos os contornos da

ocorrência devido à natureza furtiva e opaca do fenómeno.

No 4º quadrante, verifica-se uma associação privilegiada entre os crimes de

nepotismo, favoritismo, clientelismo e conflito de interesses e os objectivos do acto

corrupto que estão relacionados com o licenciamento irregular de obras, com alterações

Page 54: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

52

ao Plano Director Municipal e outros projectos por interesses económicos ilegítimos

assim como está associado ao não pagamento de impostos e ao interesse em ganhar

concursos públicos. Quanto ao nível da análise das categorias dos indicadores referentes

ao contexto e processos de troca, verifica-se que neste quadrante os dados da iniciativa e

do local da abordagem não foram apurados. O que já não acontece no 1º quadrante onde

as categorias dos indicadores da iniciativa e do local da abordagem aparecem

distribuídos junto das restantes categorias que compõem esse quadrante, sendo difícil

estabelecer uma clara associação privilegiada entre categorias específicas, sendo que

duas ou mais categorias do mesmo indicador podem pertencer a mais do que um tipo de

crime de corrupção. Se arriscarmos é possível dizer que a iniciativa da abordagem no

crime de financiamento político é feita pelo corruptor passivo em local público. Já no

caso do crime de suborno e de troca de influências, a iniciativa da abordagem parte do

corruptor activo.

Gráfico 3: Caracterização do local de ocorrência do crime e data de instauração do

processo-crime, 2004-2008

Conhecendo as configurações do espaço do crime de corrupção e criminalidade

conexa é possível ainda descrever as suas características recorrendo a outros

indicadores. Como tal, foram seleccionados como variáveis ilustrativas outros

indicadores – data de instauração do processo-crime, qual o organismo ou serviço da

administração local e a região de ocorrência do crime - que constituem unidades

Page 55: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

53

temáticas distintas de todas as outras variáveis anteriormente utilizadas mas que não

deixam de ser complementares da análise que pretendemos obter neste estudo.

Desta forma, do plano apresentado no Gráfico 3 é de salientar a oposição entre

os diversos organismos e serviços da Administração Local e os crimes de corrupção e

de peculato e participação económica em negócio. Por um lado, os serviços

municipalizados estão fortemente associados a crime de peculato com o desvio de

verbas e a apropriação de dinheiro. Já as Juntas de Freguesia e os Serviços de

Abastecimento de Água e Saneamento, estão associados à utilização de bens dos

serviços para benefício indevido assim como á participação económica em negócio.

São muitos os casos em que os funcionários se apropriam totalmente das

quantias monetárias que lhes eram entregues por exemplo, pelos utentes de um

cemitério ou resultantes do pagamento de guias de utilização de transportes escolares,

de rendas cobradas pela utilização de bancadas no Mercado Municipal ou até mesmo da

mensalidade dos utentes da Piscina Municipal. Para além disso, há ainda casos da

utilização de bens e recursos – quer seja mão-de-obra ou materiais de construção e

maquinaria – da junta de freguesia para a realização de obras particulares em casa do

próprio presidente da junta ou de familiares e amigos. Quanto ao crime de participação

económica em negócio temos casos relacionados com irregularidades no processo de

permuta e de venda de terrenos da autarquia/junta de freguesia. Como exemplo, o caso

de uma sociedade concessionária do Serviço Público de Abastecimento de Água de um

determinado concelho que fez negócios do contrato de direito de superfície de um

terreno propriedade do vice-presidente da Câmara Municipal para instalação da Estação

de Tratamento de Águas e um outro de venda de um prédio rústico, havendo a suspeita

que tais negócios possam ter lesado os interesses patrimoniais daquela sociedade pelos

seus administradores.

Por outro, verifica-se que é no contexto das Câmaras Municipais que se

desenrolam os restantes crimes de corrupção. Podemos ilustrar isto com diversos casos

relacionados quer com favorecimentos de empresas em concursos públicos e projectos,

favorecimentos no Plano Director Municipal e a realização de obras públicas em

benefício de membros da Câmara Municipal e/ou Junta de Freguesia e/ou familiares e

amigos destes; quer com a Implicação da autarquia/junta de freguesia com empresas,

associações e clubes desportivos. Por exemplo, o caso do presidente da Câmara

Municipal que subornou um inspector da Inspecção Geral da Administração do

Território (IGAT) no âmbito da realização de uma vistoria à Câmara Municipal

Page 56: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

54

referente à construção da estação de tratamento de água. Ou o caso do funcionário da

Câmara Municipal que recebeu uma chamada telefónica a oferecer-lhe vantagem

patrimonial para que, no âmbito das funções que exerce junto da Autarquia, facilitasse a

fiscalização da obra que se encontra a decorrer na cidade e para a qual não existia

licença. Como este há também casos que envolvem a alteração do Plano Director

Municipal ou de projectos, por interesses económicos ilegítimos, favorecendo empresas

imobiliárias na aquisição de terrenos municipais em hasta pública e sem encargos assim

como o licenciamento ilegal de obras e alteração de planos de construção. Muitas das

vezes, estas empresas de prestação de serviços às autarquias são compostas por sócios

com relações familiares com membros da autarquia e/ou Junta de Freguesia e têm como

especial objectivo interferir no despachos dos projectos e ganhar concursos públicos

com adjudicações ilegais. Esta preferência pelas redes familiares também está presente

não só, no que diz respeito ao favorecimento de familiares e amigos na contratação de

pessoal para a autarquia ou em acções de formação e exploração de estabelecimentos

comerciais e de restauração propriedade da Câmara Municipal. Mas também ao nível da

distribuição das condições e dos recursos básicos, tais com obras de electrificação de

calcetamento de ruas, que favorecem a zona pública envolvente da propriedade de

familiares de membros da Câmara Municipal.

Para além disso, há ainda casos que reportam situações de financiamento

político, tal como, por exemplo, os sócios de uma empresa que entregaram um cheque

para donativos de campanha eleitoral com o objectivo de ganhar o concurso

internacional para fornecimento de aquecimento alternativo das escolas primárias do

concelho, promovido pela Câmara Municipal. Ou ainda, o favorecimento de empresas

em concurso público para venda de terrenos destinados à construção de habitação

social, beneficiação de estradas sem contrato ou visto do Tribunal de Contas, pagamento

de indemnizações superiores às pedidas, aos adjudicatários das obras lançadas e não

realizadas, como forma indirecta de financiamento de campanhas políticas.

4.2. Perfil do agente corrupto na Administração Local em Portugal, 2004-2008

4.2.1. Os indivíduos

Importa agora analisar o perfil do agente corrupto de forma a identificar alguns

padrões sociais que emergem dos processos de corrupção participada.

Page 57: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

55

A grande maioria dos arguidos em processos instaurados por crimes de

corrupção é do sexo masculino (os homens representam 78,8% dos activos e 88,5% dos

passivos envolvidos nos processos de corrupção, contra a presença de 21,2% e 11,5%

de mulheres, respectivamente, para a forma activa e passiva de corrupção) (Tabela 7).

Tabela 7. Sexo dos arguidos no crime de corrupção e infracções conexas na

Administração Local em Portugal, 2004-2008

Sexo

Total Masculino Feminino

Co

rru

pçã

o

Pessoa Singular

Activa

N 26 7 33

% 78,8% 21,2% 100,0%

Pessoa Singular

Passiva

N 92 12 104

% 88,5% 11,5% 100,0%

Total

N 118 19 137

%

Total

86,1% 13,9% 100,0%

Infr

acç

ões

Co

nex

as

Arguido em crime de

Peculato

N 63 27 90

% 70,0% 30,0% 100,0%

Arguido em crime de

Participação

económica em

negócio

N 60 7 67

% 89,6% 10,4% 100,0%

Total N 241 53 294

%

Total

82,0% 18,0% 100,0%

No que respeita às infracções conexas, verifica-se a mesma tendência do crime

de corrupção. A maioria dos arguidos é do sexo masculino (os homens representam

70,0% no crime de peculato e 89,6% nos processos de participação económica em

negócio). É de salientar que, neste caso, o universo das mulheres aqui representado é

superior ao número de mulheres arguidas em crimes de corrupção (o total de mulheres

arguidas em crimes de corrupção corresponde a 19 casos e nas infracções conexas

corresponde a 34 casos). Para além disso, é ainda de sublinhar que a presença das

mulheres no crime de peculato é superior (30,0%) ao número de mulheres no crime de

participação económica em negócio (10,4%) (Tabela 7).

A fraca expressão de arguidos do sexo feminino não denota uma maior

consciencialização, permissividade ou intolerância das mulheres face à corrupção.

Espelha as desigualdades de género no acesso ao mercado de trabalho e especialmente

Page 58: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

56

as limitações no acesso a posições de chefia. Estudos de opinião no domínio das

atitudes, práticas e valores da sociedade portuguesa, têm revelado que, ao nível do

fenómeno da corrupção, não há diferenças significativas entre homens e mulheres (De

Sousa e Triães, 2008). Mas é ainda de salientar que estudos anteriores demonstraram

uma ligeira tendência de crescimento no número de mulheres envolvidas em processos

de corrupção (Ferreira, 1997; Maia, 2003; Triães, 2004 citado em De Sousa, Lima e

Triães, 2011).

A maioria dos indivíduos que exercem práticas corruptas e infracções conexas

tem idades compreendidas entre os 37 e os 65 anos (61,5% para os activos e 81,7% para

os passivos, respectivamente; 80,5% para o crime de peculato e 85,1% para o crime de

participação económica em negócio) (Tabela 8).

Tabela 8. Idade dos arguidos no crime de corrupção e infracções conexas na

Administração Local em Portugal, 2004-2008

Escalões

Etários

Corrupção Infracções conexas

Total

Pessoa

Singular

Activa

Pessoa

Singular

Passiva Peculato

Participação

económica

em negócio

19-27 anos N - 3 3 1 7

% - 5,0% 4,2% 2,1% 3,6%

28-36 anos N 2 8 9 4 23

% 15,4% 13,3% 12,5% 8,5% 12,0%

37-45 anos N - 18 25 13 56

% - 30,0% 34,7% 27,7% 29,2%

46-65 anos N 8 31 33 27 99

% 61,5% 51,7% 45,8% 57,4% 51,6%

>65 anos N 3 - 2 2 7

% 23,1% - 2,8% 4,3% 3,6%

Total N 13 60 72 47 192

% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

As características deste período de vida, normalmente marcado por dificuldades

e responsabilidades financeiras acrescidas, podem estar na origem deste padrão. O nível

de endividamento desproporcional ao rendimento familiar, a alteração abrupta do

agregado familiar ou o aumento exponencial do custo de vida das famílias, pode levar a

um afrouxamento dos padrões de ética na vida pública, sobretudo por funcionários

Page 59: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

57

públicos com mais anos de antiguidade no serviço e, portanto, mais conhecedores dos

riscos e das oportunidades associadas à prática do crime de corrupção.

Nos extremos, escalão mais novo (19 aos 27 anos) e mais envelhecido (+ de 65

anos), o volume de ocorrências é menor (5% nos mais novos, e 21,3%, nos mais velhos,

para os passivos e para os activos respectivamente), chegando mesmo a não registar-se

nenhum caso tanto para o corruptor activo nos escalões mais novos como para o

corruptor passivo nos escalões mais velhos (Tabela 8). No caso do crime de peculato e

de participação económica em negócio verifica-se a mesma tendência no escalão mais

novo (19 aos 27 anos) (4,2% no crime de peculato e 2,1% no crime de participação

económica em negócio) e mais envelhecido (+ de 65 anos) (2,8% e 4,3% no crime de

peculato e participação económica, respectivamente (Tabela 8).

Este facto pode se resultante de vários aspectos. No caso dos escalões mais

elevados, ao facto do limite da idade da reforma se situar entre os 60 e os 70 anos e, no

caso dos escalões etários mais baixos, a entrada tardia dos jovens no mercado de

trabalho, a tardia autonomização da família nuclear e por não trabalharem, não gerirem

“negócios”, nem terem responsabilidades familiares, a probabilidade de interacção com

os serviços da administração pública, no sentido de procurar obter benefícios ou

serviços a que não têm direito por via de um suborno, é menor.

Tabela 9. Antecedentes criminais dos arguidos no crime de corrupção e infracções

conexas na Administração Local em Portugal, 2004-2008

Arguidos

Corrupção Infracções conexas

Total

Pessoa

Singular

Activa

Pessoa

Singular

Passiva Peculato

Participação

económica

em negócio

Com antecedentes

criminais

N 2 5 4 1 12

% 14,3% 6,9% 5,7% 2,2% 5,9%

Sem antecedentes

criminais

N 12 67 66 45 190

% 85,7% 93,1% 94,3% 97,8% 94,1%

Total N 14 72 70 46 202

% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Em relação aos antecedentes criminais dos arguidos (Tabela 9), apurou-se que a

esmagadora maioria não tem antecedentes criminais (85,7% e 93,1% dos indivíduos

activos e passivos, respectivamente; 94,3% dos arguidos em crime de peculato e 97,8%

dos arguidos em crime de participação económica em negócio). Apesar desta tendência,

Page 60: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

58

existe uma ligeira diferença entre a pessoa singular activa e passiva. Tal como

demonstrado em estudos anteriores, “o custo moral existente para os reincidentes em

corrupção activa parece ser mais baixo do que o custo moral existente para

reincidentes em corrupção passiva” (Triães, 2004: 94). Tal poderá ser determinado

pela circunstância dos arguidos passivos passarem a ser objecto de maior vigilância nos

casos em que mantêm os seus postos de trabalho, contrariamente aos corruptores

activos em que esta vigilância não existe. E isto verifica-se por dois motivos: ou porque

os objectivos do acto corrupto são individuais e ocorrem fora do controlo do seu

contexto de trabalho ou porque os objectivos dizem respeito às organizações a que o

corruptor activo pertence. Neste último caso, a substituição do actor que representou a

organização serve tanto para proteger a instituição como o próprio indivíduo, não

significando porém uma acção preventiva real ao nível da estrutura organizacional que

motivou a acção corrupta (DCIAP-PGR/CIES-ISCTE, 2009)

Os antecedentes criminais dos arguidos singulares passivos são, essencialmente,

crimes contra a honra e integridade física. Este tipo de crime surge também

referenciado para os arguidos no crime de Peculato com antecedentes criminais. No que

respeita à pessoa singular activa, como antecedentes criminais aparecem os crimes

contra direitos patrimoniais. Já nos arguidos no crime de participação económica em

negócio os antecedentes criminais surgem relacionados com roubo e condução perigosa

de veículo rodoviário.

O crime de corrupção requer recursos, por parte de quem procura obter um

favor ou decisão favorável, e poder, por parte de quem está em condições de vender

esses bens transaccionáveis. São os agentes do topo da hierarquia que mais têm o

controlo e o poder de decisão quanto à forma como são distribuídos e gastos os recursos

da organização. Os recursos e o poder não estão assim à disposição de todos os

indivíduos. Regra geral, os arguidos passivos envolvidos no crime de corrupção detêm,

por inerência da sua categoria profissional, níveis mais elevados de formação e de

responsabilidade. Existem por isso, algumas diferenciações de natureza funcional e que

dizem respeito à categoria profissional17

dos arguidos no crime de corrupção.

17

As categorias profissionais que foram utilizadas têm como fonte a Classificação Nacional de profissões

– Versão 1994, Lisboa, Instituto de Emprego e Formação Profissional, 2001. Onde são apresentados nove

grupos profissionais, com a seguinte designação: QSAPDQSE – Quadros superiores da Administração

Pública, Dirigentes e Quadros Superiores de Empresas; EPIC – Especialistas das Profissões Intelectuais e

Científicas; TPNI – Técnicos e Profissionais de Nível Intermédio; PAS – Pessoal Administrativo e

Similares; PSV – Pessoal dos Serviços e Vendedores; ATQAP – Agricultores e Trabalhadores

Qualificados da Agricultura e Pescas; OATS – Operários, Artífices e Trabalhadores Similares; OIMTM –

Page 61: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

59

Gráfico 4. Categoria Profissional dos arguidos em crimes de corrupção na

Administração Local em Portugal (%), 2004-2008

De acordo com os dados apurados (Gráfico 4), os arguidos passivos concentram-

se no grupo dos Políticos (27,6%), seguidos do grupo dos Quadros Superiores da

Administração Pública, Dirigentes e Quadros Superiores de Empresas (QSAPDQSE)

(21,4%), dos Especialistas das Profissões Intelectuais e Científicas (EPIC) (19,4%) e

dos Técnicos e Profissionais de Nível Intermédio (TPNI) (19,4%). Os corruptores

activos centram-se predominantemente no grupo profissional dos Técnicos e

Profissionais de Nível Intermédio (TPNI) (20,0%), seguidos do grupo dos Especialistas

das Profissões Intelectuais e Científicas (EPIC) (16,0%).

No que respeita ao crime de participação económica em negócio, os dados

apurados revelam que o grupo profissional dos arguidos centra-se maioritariamente no

grupo dos Políticos (35,6%), seguido do grupo dos Quadros Superiores da

Administração Pública, Dirigentes e Quadros Superiores de Empresas (QSAPDQSE)

(27,1%) e dos Especialistas das Profissões Intelectuais e Científicas (EPIC) (20,3%). No

caso do crime de peculato, os arguidos pertencem essencialmente ao grupo dos Políticos

(32,2%), ao Pessoal Administrativo e Similares (PAS) (16,1%) assim como ao grupo

dos Quadros Superiores da Administração Pública, Dirigentes e Quadros Superiores de

Empresas (QSAPDQSE) (13,8%) e dos Técnicos e Profissionais de Nível Intermédio

(TPNI) (12,6%).

Operadores de Instalações de Máquinas e Trabalhadores de Montagem; TNQ – Trabalhadores Não

Qualificados. Refira-se ainda que a cada destes grupos se associam profissões com o mesmo tipo de

formação e funções profissionais exigidas. Decidiu-se ainda destacar o n. de processos que envolvem

arguidos políticos e militares, não obstante não constituam categorias profissionais de acordo com a

classificação nacional de profissões.

Page 62: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

60

Gráfico 5. Categoria Profissional dos arguidos em crimes de peculato e de

participação económica em negócio na Administração Local em Portugal (%),

2004-2008

4.2.2. As empresas e colectividades

No que diz respeito aos processos onde foi deduzida acusação contra pessoas

colectivas – estruturas organizacionais de carácter privado ou público – identificam-se

diferenças significativas, entre tipos de organismos.

Os organismos privados estão menos representados (27,5%) no universo em

análise do que os organismos públicos ou equiparados (72,5%) (Tabela 10). Contudo

importa salientar que o universo respeitante a estas variáveis em análise é mais reduzido

(N=51).

Ao analisarem-se os intervenientes colectivos passivos identificados nos

processos (Tabela 10) verifica-se que as Câmaras Municipais (58,8%) foram as

entidades mais participadas no período 2004-2008, representando mais de metade da

amostra. Constata-se que as instituições da Administração Local constituem, directa e

indirectamente (considerando as empresas municipais) 66,7% dos intervenientes

colectivos passivos deste sub-universo.

Já no que concerne à distribuição de crimes de corrupção por áreas de actividade

das pessoas colectivas activas, identificadas nos processos, constata-se que a área de

actividade com maior número de organismos suspeitos é a Construção Civil e Obras

Públicas (9,8%). Das restantes áreas destaca-se ainda o Desporto (Futebol) (5,9%) e a

Área da Imobiliária (3,9%) (Tabela 10).

Page 63: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

61

Tabela 10. Área de Actividade da pessoa colectiva nos crimes de Corrupção na

Administração Local em Portugal, 2004-2008

Área de Actividade

Pessoa

Colectiva

Activa

Pessoa

Colectiva

Passiva

Total

N N N %

Sec

tor

bli

co Câmara Municipal 1 29 30 58,8%

72,5%

Empresa Municipal 3 3 5,9%

Prestação de cuidados e assistência médica a

idosos 2 2 3,9%

Junta de Freguesia 1 1 2,0%

Creches e Jardins de Infância 1 1 2,0%

Sec

tor

Pri

va

do

Construção Civil 5 5 9,8%

27,5%

Desporto 3 3 5,9%

Imobiliária 2 2 3,9%

Hotelaria e Restauração 1 1 2,0%

Bombeiros Voluntários 1 1 2,0%

Confecção 1 1 2,0%

Engenharia e Arquitectura 1 1 2,0%

Total 18 33 51 100,0% 100,0%

Ficou igualmente explícito, através da análise de conteúdo dos processos, que as

totalidades das transacções corruptas, relativas aos intervenientes colectivos activos, são

efectuadas, essencialmente, pelos proprietários, sócios e dirigentes das empresas e

colectividades.

Page 64: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

62

V.

Mecanismos de combate e estratégias de prevenção

da corrupção na Administração Local

No que diz respeito ao combate e prevenção da corrupção não podemos descurar

o papel da sociedade civil. O escrutínio que esta necessariamente tem de fazer sobre

quem gere a res publica é fundamental para o bom funcionamento da mesma e para

evitar o sentimento de impunidade dos titulares de cargos públicos. Para além do ónus

judicial que recai sobre os prevaricadores, deve igualmente de haver um juízo negativo

por parte da opinião pública sobre os mesmos. Todavia, e se considerarmos os casos de

titulares de cargos públicos que são reconduzidos nos seus lugares e sobre os quais

impende processos judiciais atinentes às funções que exerciam, o juízo da opinião

pública não é tão exigente quanto a letra da lei exigia que fosse. Importa, igualmente,

referir que, em alguns casos, estamos perante casos onde já se encontravam deduzidas

acusações, ou seja, já não se tratavam de simples arguidos.

Antes de entrarmos nos mecanismos de combate à corrupção propriamente ditos,

é de todo relevante procurar apurar qual é o conceito de cidadania que está presente na

sociedade portuguesa. Assim, “o ideal que os portugueses têm do “bom cidadão” –

passivo na participação cívica, moderado no compromisso social e muito prático na

valorização normativa – demite indivíduos do controlo e participação social na vida

pública, ao mesmo tempo que permite desmascarar um certo cinismo relacionado com o

que eles afirmam fazer e o que realmente praticam” (De Sousa, 2011b: 159). Como tal,

a noção dos direitos individuais sobrepõem-se claramente à noção dos deveres de cada

cidadão na partilha de um mesmo espaço politicamente organizado, ou seja, de uma

mesma comunidade. Rocha considera que Portugal sofre de uma cultura política de tipo

de sujeição e paroquial (Rocha, 1991:40 citado por Ribeiro, 2007). A maior parte dos

portugueses situa-se entre dois parâmetros: a do conhecimento do sistema e os seus

outputs, mas sem se envolver e, por outro, o seu desconhecimento por completo e a

sujeição sem questionamento. Não há cultura política generalizada nem uma cultura de

protesto organizada (Ribeiro, 2007:46).

Mas esta debilidade da sociedade civil e a sua cultura política enfraquecem os

mecanismos políticos e sociais de controlo (Magone, 2008). Segundo Tavits, o capital

social está relacionado com o desempenho do governo na medida em que influencia o

aumento do nível de sofisticação política da cidadania e facilita a cooperação entre os

Page 65: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

63

cidadãos assim como ajuda a ultrapassar o problema da acção colectiva numa dada

comunidade – facilitando assim a articulação das exigências dos cidadãos e permitindo

a monitorização que assegura que as políticas implementadas estão de acordo com essas

necessidades – assim como ajuda a superar problemas de agenda no interior das

organizações burocráticas (2006: 211).

O nível de criticismo político expresso pela cidadania de um Estado não só se

correlaciona como tem efeito na qualidade da governação e nas características de um

sistema democrático. Um Estado onde os cidadãos estão mais atentos aos seus deveres

cívicos, apresenta uma maior grau de eficácia e de legitimação da governação do que os

Estados cujos cidadãos estão mais alheados deste tipo de cidadania onde a

monitorização das políticas por parte dos cidadãos é uma componente integral do

conceito de “bom cidadão” (Geissel, 2008:855-857). O controlo da corrupção é um

indicador de uma governação eficaz. Uma cidadania mais atenta influencia este controlo

na medida em que aumenta de acordo com a maior associação da cidadania com a

noção de dever cívico (Geissel, 2008:870). Em contrapartida, o acesso ao processo

político como indicador de uma governação legitimada pode ser influenciado por uma

cidadania atenta, uma vez que este tipo de cidadania, enquanto dever cívico, obriga a

que sejam prestadas informações aos cidadãos assim como seja dado o acesso ao

processo de tomada de decisão política de uma forma clara e compreensível (Geissel,

2008:870).

O estudo da relação entre o grau de capital social e a distribuição de serviços

públicos por parte do governo, tendo em conta indicadores como a confiança dos

cidadãos no governo e a eficiência burocrática demonstrou que as sociedades com um

alto nível de confiança tendem significativamente a ter melhor performance

governamental (Putnam, 1993; La Porta et al., 1997; Knack e Keefer, 1997; Knack,

2000).

Uma boa governância está associada a uma boa performance (Knack, 2000). A

performance de um governo democrático depende da cultura cívica. Esta pode ser

entendida como a forma pela qual as elites políticas tomam decisões, as suas normas e

atitudes assim como contempla igualmente as normas e as atitudes dos seus cidadãos, a

sua relação com o governo e com os outros cidadãos. Para além disso, ela está baseada

na premissa do sentido de responsabilidade cívica (Almond e Verba, 1989). Mas a

confiança interpessoal interligada com outras dimensões do conceito de capital social

(Putnam, 1993) e relacionada com a eficiência e responsabilidade do governo

Page 66: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

64

democrático permite-nos compreender as formas através das quais o capital social pode

melhorar a performance governamental. Primeiro, pode aumentar a accountability

governamental de forma a que o governo seja responsável para com os cidadãos e para

com os interesses dos cidadãos. Segundo, pode facilitar o entendimento quando as

preferências políticas se encontram polarizadas. E terceiro, está associado a uma maior

inovação na formulação de políticas face a novos desafios (Knack, 2000:2-6).

Conseguir que os governos mantenham a sua prestação de contas e as suas

responsabilidades é a melhor forma do capital social influenciar a performance de um

governo. Um alto nível de confiança interpessoal e uma cidadania activa pode melhorar

o desempenho do governo porque influencia o nível e o perfil de participação política.

O conhecimento das políticas e dos assuntos públicos por parte dos cidadãos juntamente

com a sua participação através não só do voto como também através de outras formas

de participação política é uma forma importante de verificação das reais capacidades

dos governantes.

Deste modo, importa no presente capítulo apontar alguns dos caminhos que

devem ser trilhados para a prevenção e combate da corrupção. Aqui, e dentro do papel

fiscalizador que está acometido à sociedade civil, os media e as organizações não

governamentais que tratam destes assuntos podem, e devem, protagonizar uma acção de

escrutínio, quer através de denuncia e publicitação de casos de corrupção, isto no que

concerne aos media, quer no acompanhamento e “monitorização de processos e

instituições, através de diagnósticos regulares aos mecanismos de combate à corrupção

ou o acompanhamento do progresso na implementação de convenções e reformas anti-

corrupção” (De Sousa, 2011b: 161).

Nesse sentido, a sociedade civil organizada deve contribuir para o esclarecer da

opinião pública, alertando-a para a existência do problema, através de campanhas de

informação, sensibilização e educação (De Sousa, 2011b: 160).

Não basta ter leis tecnicamente bem-feitas. É preciso implementa-las e avaliar os

resultados obtidos. Daí a importância de criar estruturas organizacionais cuja missão e

objectivos não se cinjam a uma acção circunstancial, mas que perdurem no tempo. Estas

organizações devem apresentar ideias, fruto de trabalhos de investigação, que visem

dotar a administração de mecanismo de decisão que sejam mais transparentes.

Contudo, importa ter presente que estas organizações não têm poderes

legislativos ou judiciais. A sua esfera de intervenção situa-se dentro daquilo que a

sociedade civil organizada pode fazer para melhorar a qualidade da democracia.

Page 67: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

65

Outro vector importante no combate à corrupção são os media. Para combater e

controlar a corrupção é preciso, primeiro, denunciá-la, o que nos remete para o papel

dos media nesse particular (Triães, 2011:165). “Os media livres e independentes são

peça integrante da infra-estrutura do combate à corrupção numa determinada

democracia e contribuem, desse modo, para a melhoria do seu desempenho” (De Sousa

e Triães, 2007: 1 citado em Triães, 2011).

Os media são encarados como uma espécie de contra-poder. Aliás, esse é o papel

que a população dela espera, isto é, que seja o “cão de guarda” do poder político. Esse

papel não é posto em causa por eventuais pressões que o mesmo exerça sobre ela. Diga-

se que nos últimos anos o número de casos de corrupção e infracções conexas

acompanhados e denunciados pelos media tem crescido substancialmente, ou seja,

demonstra a sua independência quer face ao poder político, quer face ao poder

económico (Triães, 2011:177).

Assim sendo, podemos sistematizar o contributo dos media no combate à

corrupção do seguinte modo: por um lado investigar e/ou recolher provas/indícios de

corrupção ou de situações passíveis de gerar corrupção; expor casos de corrupção;

avaliar diferentes tipos de informação prestada pela administração pública,

desempenhando um papel de watchdog do funcionamento do aparelho do Estado;

analisar processos de decisão, em particular os que envolvem fluxos financeiros;

acompanhar os processos legislativos e debates parlamentares sobe o tema da corrupção

e seu controlo; acompanhar os processos e decisões judiciais; desempenhar um papel de

mecanismo de denúncia da sociedade civil ao serviço das populações locais;

desempenhar um papel educativo junto das populações através do desenvolvimento e/ou

participação em campanhas de esclarecimento e de mobilização; desempenhar um papel

de enquadramento, agregador (ou polarizador) da opinião pública na construção social

das percepções e na clarificação de julgamentos (De Sousa, 2011b: 76).

Deste modo, podemos dizer que o livre acesso à informação associado à

liberdade e pluralidade dos media contribuem para a melhoria do sistema democrático,

já que expõem a corrupção e potenciam a sua vigilância por parte dos cidadãos e das

demais instituições da sociedade (Triães, 2011: 176 – 177).

A promulgação da Lei n.º 54/2008 de 4 de Setembro institui o Conselho de

Prevenção da Corrupção. O artigo 7º dessa lei identifica as fontes de risco agravado,

porém, não se conhece supervisão eficaz e interligação com as autoridades de

investigação criminal (Morgado, 2011: 69).

Page 68: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

66

Para um eficaz combate à corrupção é importante que se verifiquem acções pró-

activas. Estas situam-se no campo da prevenção e dissuasão desse crime. Assim, como

refere Maria José Morgado (2011: 69-70), é fundamental que se apliquem regras de

transparência e objectividade no que diz respeito à contratação na administração pública

e no regime excepcional do alargamento do âmbito de adjudicações directas pelo

Estado. É necessário cortar no desperdício público e para isso seria importante a criação

de um portal onde se acompanhem os gastos do Estado e seu desempenho, como

acontece, por exemplo nos Estados Unidos.

Até ao momento temos focado a questão dos mecanismos do combate à

corrupção em geral, todavia, o nosso trabalho versa sobre a questão da corrupção no

poder local. Dessa forma, parece-nos pertinente mencionar a Recomendação aprovada

pelo Conselho de Prevenção da Corrupção em 1 de Julho de 2009 sobre “Planos de

gestão de riscos de corrupção e infracções conexas” onde se prevê que “os órgãos

máximos das entidades gestoras de dinheiros, valores ou patrimónios públicos, seja

qual for a sua natureza, devem, no prazo de 90 dias, elaborar planos de gestão de

riscos e infracções conexas” (ANMP, 2000: 2). Estes devem conter os seguintes

elementos: a) Identificação, relativamente a cada área ou departamento, dos riscos de

corrupção e infracções conexas; b) Com base na identificação dos riscos, identificação

das medidas adoptadas que previnam a sua ocorrência (por exemplo, mecanismos de

controlo interno, segregação de funções, definição prévia de critérios gerais e abstractos,

designadamente na concessão de benefícios públicos e no recurso a especialistas

externos, nomeação de júris diferenciados para cada concurso, programação de acções

de formação adequada, etc.); c) Definição e identificação dos vários responsáveis

envolvidos na gestão do plano, sob a direcção do órgão dirigente máximo; d)

Elaboração anual de um relatório sobre a execução do plano.

No que respeita à Administração Autárquica é feita uma referência para que esta

se abra ao escrutínio da população permitindo o acesso dos arquivos administrativos,

uma vez que tal é, de facto, um desígnio de cidadania e simultaneamente um

instrumento de modernização dos serviços públicos.

Os planos de prevenção de riscos de gestão incluindo os de corrupção e

infracções conexas pelas autarquias, deve respeitar a seguinte estrutura:1) Compromisso

ético; 2) Organograma e Identificação dos responsáveis; 3) Identificação das áreas e

actividades, dos riscos de corrupção e infracções conexas, da qualificação da frequência

dos riscos, das medidas e dos responsáveis; 4) Controlo e monitorização do Plano.

Page 69: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

67

Deste plano de prevenção da corrupção importa sublinhar os dois últimos pontos

dado que é aí que se encontra o diagnostico dos potenciais risco de corrupção e onde se

apresentam soluções para se obviar essa questão. Assim, no ponto três deste plano

procura-se construir um quadro que identifique as áreas susceptíveis de geração de

riscos. Trata-se da elaboração de riscos em abstracto, ou seja, podem ou não ocorrer,

como tal, devem de ser considerados. O Plano indica que cada autarquia deve preencher

esse quadro de acordo com a sua realidade. A qualificação do risco deve nortear o tipo

de medidas preventivas a adoptar por parte dos municípios. O ponto quatro requer que

se identifique em cada unidade orgânica os responsáveis do plano e respectivas tarefas.

Por fim refere-se a necessidade de elaborar um relatório anual de execução do plano.

Page 70: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

68

Conclusão

A corrupção não pode ser definida, exclusivamente, através da análise de

infracções, desvendadas e condenadas, à luz da concepção legal estabelecida para o

exercício de um cargo público ou eleito. Uma definição meramente legal põe de lado

todos os comportamentos corruptos que, não implicando necessariamente uma violação

da lei ou de códigos formais de conduta, constituem também uma violação grave dos

padrões e expectativas associados a um cargo público. Mesmo de um ponto de vista

legal, a corrupção é produto de uma construção social. A definição penal comporta

apenas as práticas e comportamentos que uma determinada sociedade, num determinado

momento, decidiu considerar como desviantes e prejudiciais ao normal funcionamento

das instituições e, como tal, passíveis de acção judicial e de sanções para os infractores.

Reconhecendo a multidimensionalidade do fenómeno da corrupção, foi possível

desmontar este crime denunciado em 345 processos-crime instaurados entre 2004-2008

nos diversos Serviços do Ministério Público junto dos Tribunais da Comarca, a nível

nacional, bem como nos Departamentos de Investigação e Acção Penal (DIAP)

regionais e Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP). A análise

qualitativa dos processos revelou que existem práticas e comportamentos na

Administração Local – quer em órgãos de decisão política e institucional dos

municípios e das juntas de freguesia quer nos serviços municipais – de clientelismo,

troca de Influências, favoritismo, nepotismo, conflito de interesses, suborno, corrupção,

financiamento político e extorsão.

A análise conjugada das dimensões relativas aos factos participados, objectivos

do acto corrupto, recursos e contrapartidas, contextos e processos de troca, permitiu-nos

aferir sobre a configuração topológica do espaço do crime de corrupção e infracções

conexas na Administração Local em Portugal. Revelou-se um espaço marcado pela

clivagem entre os diversos tipos de crime de corrupção e as infracções conexas tanto ao

nível dos objectivos como ao nível dos órgãos de decisão política local e serviços

municipais assim como do tipo de vantagens patrimoniais envolvidas.

A especificidade das diferentes configurações do crime na Administração Local

concretiza-se pela conjugação de diferentes tipos de corrupção e infracções conexas

agrupados entre si e que revelam práticas associadas: 1) ao crime de nepotismo,

favoritismo, clientelismo e conflito de interesses onde predominam objectivos

relacionados com o licenciamento irregular de obras, alteração ao Plano Director

Page 71: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

69

Municipal e outros projectos por interesses económicos ilegítimos, não pagamento de

impostos e ganhar concursos públicos; 2) ao crime de troca de influências, suborno e

financiamento político, cujos objectivos do acto corrupto se prendem quer com a

aceleração de processos e decisões favoráveis, quer com o interesse em influenciar

decisões e avaliações assim como o financiamento de partidos políticos e associações;

3) ao crime de peculato – com o objectivo de desvio de verbas e apropriação de dinheiro

e utilização de bens dos serviços para benefício indevido – e participação económica em

negócio – com o objectivo de favorecer empresas com prejuízo para a autarquia; 4) ao

crime de corrupção onde predominam os objectivos de construir sem licença assim

como o de favorecer empresas e projectos em concurso público.

Para além disso, ficou demonstrado que os serviços municipalizados estão

fortemente associados a crime de peculato com o desvio de verbas e a apropriação de

dinheiro. Já as Juntas de Freguesia e os Serviços de Abastecimento de Água e

Saneamento, estão associados à utilização de bens dos serviços para benefício indevido

assim como á participação económica em negócio. Por outro, verifica-se que é no

contexto das Câmaras Municipais que se desenrolam os restantes crimes de corrupção.

Dos factores disponíveis para caracterizar os perfis dos agentes corruptos

concluímos que não há nenhuma variável de caracterização social (sexo, idade, estado

civil, antecedentes criminais) que se revele como factor explicativo da predisposição

para violar a lei ou que configure um perfil distinto de acordo com os vários tipos de

crime em análise. A predisposição para corrupção e infracções conexas é um

comportamento estratégico, racional e voluntário que resulta da existência, num

determinado contexto organizacional, de estruturas de oportunidade, recursos e bens

transaccionáveis de elevado valor para as partes implicadas e de baixos custos legais e

morais associados a este tipo de troca.

Por outro lado, existem diferenciações de natureza funcional. O crime de

corrupção requer recursos e poder que não estão disponíveis a qualquer indivíduo na

sociedade. Os arguidos envolvidos em práticas de corrupção detêm níveis mais elevados

de formação e de responsabilidade. A posição hierárquica de quem representa uma dada

organização no acto corrupto e a categoria profissional dos arguidos envolvidos em

práticas de corrupção mostraram ser características mais diferenciadoras relativamente

aos restantes indicadores que remetem mais para uma dimensão de ciclo de vida/sócio-

gráfica.

Page 72: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

70

Do universo dos processos onde foi deduzida acusação contra estruturas

organizacionais de carácter privado ou público, identificaram-se diferenças

significativas, entre tipos de organismos. Se por um lado, distribuição de crimes de

corrupção por áreas de actividade das pessoas colectivas activas, identificadas nos

processos, revela que a área de actividade com maior número de organismos suspeitos é

a Construção Civil e Obras Públicas, destacando-se ainda o Desporto e a área da

Imobiliária. Por outro, são as Câmaras Municipais as entidade mais denunciadas como

interveniente colectivo passivo no crime de corrupção no âmbito da governação local.

Mas para além desta perspectiva da corrupção como um fenómeno

multidimensional – pautado por normas legais e normas socio-culturais e expectativas –

verifica-se que a corrupção é também o resultado de dinâmicas jurídico-administrativas

ocorridas desde o Liberalismo até à transição democrática no poder municipal e local

que atenderam, não só ao processo de desenvolvimento económico, social e cultural da

sociedade portuguesa, como também aos níveis de autonomia e dependência da gestão

autárquica e articulação com a administração central assim como às novas

configurações sociais inseridas na forma de gestão de compromissos, conflitos e os

interesses entre grupos diversificados.

Daí se conclua que, ao nível das causas que condicionam a ocorrência e a

persistência da corrupção na Administração Local, tal como verificámos, as restrições

financeiras têm forçado a criatividade e o empreendedorismo dos decisores políticos o

que, por sua vez, permitiu que a governação democrática estivesse exposta a um

conjunto de riscos. E a necessidade de flexibilidade no governo local e a imaginação na

prestação de serviços, impôs a procura de soluções alternativas, algumas das quais fora

da legalidade. A qualidade da governação democrática local depende, por isso, do

equilíbrio entre a tomada de decisões descentralizada e da autonomia fiscal e financeira,

sem esquecer a necessidade do desenvolvimento de sistemas de controlo.

Para além deste aspecto, foi possível verificar que existem ainda outras razões

para as significativas transformações nos princípios de ética de governação nos quais

assentam as instituições democráticas e o seu desempenho. Destaca-se a coexistência de

laços familiares de estruturação das relações diárias entre os cidadãos e a administração

pública - formas tradicionais/clientelares de mobilização eleitoral e de exercício do

poder; as desigualdades sociais na distribuição dos recursos e das oportunidades – a

pequena corrupção e o tráfico de influências surgem como resposta informal à rigidez

do sistema na resolução dos problemas dos cidadãos, funcionando com mecanismo

Page 73: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

71

paralelo de redistribuição de bens, serviços e benefícios às populações e substituindo a o

Estado no desempenho dessa função; os baixos níveis de desenvolvimento humano –

caracterizado por baixos índices de confiança social e institucional, participação e

interesse pela política, associativismo; a tolerância dos cidadãos face um conjunto de

práticas corruptas desde que estas resultem em benefícios para a população em geral,

em protecção ou ajuda, contribuindo para a falta de transparência e a ambiguidade legal

e para a inibição na responsabilização dos infractores; o grau de circulação e renovação

de elites.

Quanto às estruturas de oportunidades da corrupção, estas resultam, por

exemplo, da combinação entre a lentidão administrativa e a utilização estratégica de

poderes para agilizar processos e influenciar decisões. Salienta-se também as aquisição

de bens e serviços que não é realizada de forma transparente, protegendo interesses

pessoais e onde falha o escrutínio público nos processos de tomada de decisão.

Para além destes factores que tornam o poder local permeável e vulnerável à

corrupção existe ainda uma desordem e complexidade normativa em vários domínios de

regulação municipal no que diz respeito às leis de urbanismo, de fornecimento de água e

na recolha e tratamento de resíduos. Assim como uma insuficiência, ou quase

inexistência, de mecanismos e procedimentos de monitorização, avaliação e fiscalização

de funções internas à administração autárquica.

Ainda ao nível do poder local, a problemática do financiamento ilícito está

também intrinsecamente ligada às relações clientelares e promíscuas entre candidatos e

empreiteiros/fornecedores e às baixas exigências democráticas do eleitorado.

É possível, assim, acrescentar que a debilidade da sociedade civil e a sua cultura

política enfraquecem os mecanismos políticos e sociais de controlo. Desta forma,

revela-se de extrema importância o papel da sociedade civil no combate e prevenção da

corrupção. Para além do ónus judicial que recai sobre os prevaricadores, deve

igualmente de haver um juízo negativo por parte da opinião pública sobre os mesmos.

Sendo o controlo da corrupção um indicador de uma governação eficaz, o nível de

criticismo político e os altos níveis de confiança expressos pela cidadania de um Estado

não só se correlacionam como têm efeito na qualidade da governação e nas

características de um sistema democrático.

Page 74: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

72

Referências bibliográficas citadas:

ALMOND, Gabriel e Verba, Sidney (1989), The Civic Culture. Political

Attitudes and Democracy in Five Nations, London, Sage Publications

ANMP (2000), Plano-tipo de Prevenção de Riscos de Gestão, incluindo os de

Corrupção e Infracções Conexas

Anti-Corruption Resource Centre(U4), http://www.u4.no/document/glossary.cfm

ATINKSON, M. M. e Mancuso, M. (1985), “Do we need a code of conduct for

politicians? The search for an elite political culture of corruption in Canada” in

Canadian Journal of Political Science, XVIII (3), pp.459-480

AUDEN, W.H. (2000), “Local Government” in Transparency International

Source Book, Confronting Corruption: The elements of a national integrity system,

Cap.13, pp. 115-118

BECQUART-LECLERCQ, J. (1984), “Paradoxes de la corruption politique” in

Pouvoirs, 31, pp.19-36

BEETHAM, David (eds.) (1994) Defining and Measuring Democracy. London:

Sage Publications

BOBBIO, Norberto (1988) O Futuro da Democracia. Lisboa: Publicações Dom

Quixote

CABRAL, M.V.V, “Efeito metropolitano e cultura política: novas modalidades

de exercício da cidadania na metrópole de Lisboa”, Cabral, M.V; Silva, F.C e Saraiva,

T. (orgs.), Cidade&Cidadania, ICS/Imprensa das Ciências Sociais, 2008, pp.213-241

CARVALHO, H. (2008), Análise Multivariada de Dados Qualitativos.

Utilização da Análise de Correspondências Múltiplas com o SPSS, Lisboa, Edições

Sílabo

CARVALHO, H., Análise de Correspondências Múltiplas (ACM): variáveis

activas versus variáveis complementares, Pós-graduação em Análise de Dados em

Ciências Sociais, 2010-2011

CARVALHO, H., Análise de Correspondências Múltiplas. Resultados e Ficha

Técnica, Pós-graduação em Análise de Dados em Ciências Sociais, 2010-2011

DAHL, Robert (1989), Democracy and Its Critics. New Haven/London: Yale

University Press

DALTON, R.J. (2008a), “Citizenship norms and the expansion of political

participation” in Political Studies, vol.56, pp.76-98

DALTON, R. J. (2008b), The Good Citizen: How a younger generation is

reshaping American politics, Washington DC, CQ Press, 2008

Page 75: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

73

DCIAP-PGR/CIES-ISCTE, A Corrupção Participada em Portugal, 2004-2008:

Resultados de uma pesquisa em curso, Relatório Final, 2009 (não publicado)

DE ALMEIDA, Maria Antónia Pires (2006), “Elites locais do Estado Novo à

Democracia”, separata da Revista de Administração Local, nº213, Lisboa, Maio-Junho,

pp.267-288

DE ALMEIDA, Maria Antónia Pires (2008), “Party Politicsin Portugal:

municipalities and central government” in European Societies, 10 (3), Routledge,

pp.357-378

DE SOUSA, L. (2002), Corruption: Assessing Ethical Standards in Political

Life Through Control Policies, Tese de Doutoramento, Florença: Instituto Universitário

Europeu

DE SOUSA, L. e João Triães (orgs.) (2008a), Corrupção e Ética em

democracia: o caso de Portugal, Lisboa

DE SOUSA, L. (2008), Clientelism and the quality(ies) of Democracy public

and policy aspects, Center for the Study of Imperfections in Democracy, Central

European University, Disc working paper series 2008/02, pp. 2-19

DE SOUSA, L. (2009), “The quality of local democracy: Towards a new

conceptual framework”, X Congreso Español de Ciencia Política y de la

Administración “Repensar la democracia: inclusion y diversidad”, Málaga 23-25

September 2009

DE SOUSA, Luís; Lima, Inês e Triães, João (2011), “Um de nós": algumas

anotações sobre o perfil do agente corrupto nos processos-crime em Portugal (2004-

2008) in Revista Peritia, Cap.17 (a aguardar publicação)

DE SOUSA, Luís (2011a), Corrupção, Fundação Francisco Manuel dos Santos,

Relógio d‟Água Editores, Lisboa

DE SOUSA, Luís (2011b), “Sociedade civil contra a corrupção”, Luís de Sousa

e Domitília Soares (orgs.), Transparência, Justiça e Liberdade. Em memória de

Saldanha Sanches, Lisboa, Edições Rui Costa Pinto, pp.147-162

DIAMOND, Larry e Morlino, Leonardo (eds.) (2005) Assessing the Quality of

Democracy, (A Journal of Democracy book) Baltimore: The John Hopkins University

Press.

FERREIRA, José Medeiros (1994), “O poder local como obra eminente dos

constituintes”, José Mattoso (org.); José Medeiros Ferreira (coord.) História de

Portugal: Portugal em Transe (1974-1985), Editorial Estampa,Vol.8, pp.197-199

FREIRE, A.; Magalhães, P. (2002), A abstenção eleitoral em Portugal,

ICS/Imprensa da Ciências Sociais, pp.15-87; 97-113; 115-145; 151-160.

FRIEDRICH, C.J. (1966), “Political pathology” in Political Quarterly, 37,

pp.70-85

Page 76: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

74

GEISSEL, Brigitte (2008), “Do critical citizens foster better governance? A

comparative study” in West European Politics, Vol.31, nº.5, 855-873

GRILO, Tânia (2005), A tematização da corrupção na Imprensa escrita

portuguesa (1999-2001), tese de Licenciatura, ISCTE

HEIDENHEIMER, Arnold J. (ed.) (1970), Political Corruption: Readings in

Comparative Analysis, New York: Holt, Rinehart and Winston, Inc.

HEIDENHEIMER, Arnold J. (2004), “Disjunctions between corruption and

democracy? A qualitative exploration” in Crime, Law & Social Change, No. 42, pp.99–

109

HEIDENHEIMER, Arnold J. (2005), “Perspectives on the perception of

corruption”, A.J. Heidenheimer e M. Johnston (eds.), Political Corruption: Concepts

and Contexts, New Brunswick, NJ: Transaction Publishers, pp.141-154

INGLEHART, R. (1974), The Silent Revolution: changing values and political

styles among Western Publics, Princeton: Princeton University Press

JOHNSTON, M. (1986), “Right & Wrong in American Politics”, A.J.

Heidenheimer, M. Johnston e V.T. LeVine (org.) (1989), Political Corruption, a

Handbook, New Brunswick: Transaction Publishers

JOHNSTON, M. (1991), “Political Corruption: Historical Conflict and the Rise

of Standards” in Journal of Democracy, 2 (4): 48-60

JOS, P. (1993), “Empirical corruption research: Beside the moral point?” in

Journal of Public Administration Research and Theory, 3, pp.359-375

KNACK, Stephen e Keefer (1997), “Does capital social have an economic pay-

off? Cross-country investigation” in Quarterly Journal of Economics, 112(4), pp.1251-

1288

KNACK, Stephen (2000), “Social Capital and the Quality of Government:

evidence from the United States”, Policy Research Working Paper, The World Bank

Development Research Group, Regulation and Competition Policy, pp.1-32

KATZ, Richard e Mair, Peter (1996) “Cadre, catch-all or cartel? a rejoinder” in

Party Politics, vol.2, nº4, pp. 525-534

LA PORTA et al. (1997), “Trust in large organizations” in American Economic

Review Papers and Proceedings, n.87, pp.333-38

LIPSET, S.M (1960), Political Man: The Social Bases of Politics, Garden City,

NY: Doubleday & Company, Inc.

LOPES, Fernando Farelo (1994), Histórias de Portugal: Poder Político e

Caciquismo na 1ª República Portuguesa, Editorial Estampa

Page 77: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

75

LOUGHLIN, Martin (1996), Legality and locality: the role of law in central-

local government relations, Oxford: Clarendon Press

MAGALHÃES, P. (2005), “Disaffected Democrats: Political Attitudes and

Political Action in Portugal” in West European Politics, Vol. XXVIII, nr.5, November,

pp.973-991

MAGALHÃES, P. (2003), “A confiança nos parlamentos nacionais: regras

institucionais, representação e responsabilização política” in Análise Social, Vol.

XXXVIII, n.º167, pp. 443-465

MAGONE, J. (2008), “Democracia neo-patrimonial e corrupção política”, Luís

de Sousa e João Triães (orgs.), Corrupção e os Portugueses: atitudes, práticas, valores,

Lisboa, Edições Rui Costa Pinto, pp.101-130

MANCUSO, M. (1993), “The ethical attitudes of British MPs: A Typology”,

Parliamentary Affairs, 46(2):179-191

MARQUES, A. H. de Oliveira (1998), História de Portugal: Das Revoluções

Liberais aos nossos dias, Lisboa, Editorial Presença, Vol. III

MANZETTI, Luigi e Wilson, Carole J. (2007), “Why Do Corrupt Governments

Maintain Public Support?” in Comparative Political Studies, Vol.40, nº8, pp. 949 -970

MEIRINHO MARTINS, Manuel (2003), Participação Política e Grupos de

Cidadãos Eleitores - um contributo para o estudo da democracia portuguesa. Lisboa:

ISCSP

MEIRINHO MARTINS, Manuel (1997), As eleições autárquicas e o poder dos

cidadãos. Lisboa: Vega

MÉNY, Yves (1996), “Fin-de-siécle corruption: change, crisis and shifting

values”, in International Social Science Journal, 48 (3) pp.309-20

MÉNY, Yves (1999) „Five (Hypo)theses on Democracy and Its Future‟ in

Progressive Governance for the XXI Century, Conference Proceedings, 20th

and 21st of

November 1999, Florence: EUI and NYU Law, pp. 111-126.

MONTEIRO, Nuno Gonçalo; Oliveira, César (coord.), História dos municípios e

do poder local: dos finais da Idade Média à União Europeia, Lisboa : Círculo de

Leitores, 1996

MORGADO, M.J e Vegar, J. (2003), O Inimigo sem rosto: Fraude e Corrupção

em Portugal, Lisboa: Dom Quixote

MORGADO, M.J (2011), “Investigação criminal do nosso descontentamento”,

Luís de Sousa e Domitília Soares (orgs.), Transparência, Justiça e Liberdade. Em

memória de Saldanha Sanches, Lisboa, Edições Rui Costa Pinto, pp.55-72

Page 78: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

76

MORLINO, Leonardo (2006) “„Good‟ and „Bad‟ Democracies: How to Conduct

Research into the Quality of Democracy‟, Hutcheson, D. and Korosteleva, E. (eds.) The

Quality of Democracy in Post-Communist Europe. London/NY: Routledge, pp. 5-27

MOZZICAFREDDO, Juan; Guerra, Isabel; Fernandes, Margarida; Quintela,

João P. A. (et al.) (1991), Gestão e legitimidade no sistema político local, Lisboa:

Escher

NORRIS, P. (eds.) (1999), Critical Citizens: Global Support for Democratic

Governance, Oxford, Oxford University Press

PETERS, J.G. e Welch, S. (1978), “Gradients of Corruption in Perceptions of

American Life”, A.J. Heidenheimer e M. Johnston (org.) (2005), Political Corruption:

Concepts and Contexts, New Brunswick, NJ: Transaction Books, pp.155-172

PHARR, S. e Putnam, R. (org.) (2000), Why Western Citizens Don‟t Trust their

Governments, Princeton: Princeton University Press

PUTNAM, R. (2000), Bowling Alone: The Collapse and Revival of American

Community, Nova Iorque: Simon&Schuster

PUTNAM, R., Leonardi, R, Raffaella Y. Nanetti (1993), Making democracy

work: civic traditions in Modern Italy, Princeton: Princeton University Press

RAMOS, Margarida e Helena Carvalho (2009), “Os métodos quantitativos no

Ensino Superior: uma tipologia de representações”, Educação e Pesquisa, São Paulo,

V.35, n.1, pp.015-032, Jan./Abr.

RIBEIRO, Arnaldo (2007), Governância Municipal: cidadania e governação

nas câmaras municipais portuguesas, Viana do Castelo: Centro de Estudos Regionais

ROCHA, J. A. Oliveira (1997), O Futuro da Governação Local, comunicação

adaptada de um artigo do autor publicado nos Cadernos de Estudos Municipais, nº 8,

Dez. de 1997, com o título, Esboço dum Modelo de Análise dos Municípios

ROTHSTEIN, Bo e Uslander, Eric M. (2005), “All for all: equality, corruption

and social trust” in World Politics, Vol. 58, pp.41-72

SCHARPF, F. (1999), Governing in Europe: effective and Democratic?, Oxford:

Oxford University Press

SCHMITTER, Philippe C. and Karl, Terry L. (1991) „What Democracy Is… and

Is Not‟, Journal of Democracy, 2(3), pp.75-88.

SCOTT, J.C. (1972), Comparative Political Corruption, Upper Saddle River,

NJ: Prentice Hall.

TAVITS, M., “Making democracy work more? Exploring the linkage between

social capital and government performance” in Political Research Quarterly, vol.59,

nº.2 (Jun., 2006), pp.211-225.

Page 79: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

77

TRANSPARENCY INTERNATIONAL (2010), Preventing Corruption in

Humanitarian Operations – Handbook of Good Practices: Glossary, Berlin, pp.153-163

TRIÃES, João (2004), Aspectos sociológicos da corrupção em Portugal:

Actores, recursos e mecanismos do crime de corrupção entre 1991-2001, dissertação de

Licenciatura, Lisboa, ISCTE

TRIÃES, João (2011), “Acesso à informação, media e corrupção em Portugal”

in Luís de Sousa e Domitília Soares (orgs.), Transparência, Justiça e Liberdade. Em

memória de Saldanha Sanches, Lisboa, Edições Rui Costa Pinto, pp.163-177

USLANDER, Eric M. (2005), “Economic Inequality and the Quality of

Government”, Annual Meeting of the Society for the Advancement of Socio-

Economics: What Counts? Calculation, Representation, Association, Budapeste,

Hungria, 30 de Junho – 2 de Julho

VALENTE, Vasco Pulido (2009), Portugal, ensaios de história e de política,

Lisboa, Aletheia Editores

YOU, Jong-sung e Khagram, Sanjeev (2005), “A comparative study of

inequality and corruption” in American Sociological Review, Vol.70, pp.136-157

Page 80: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

78

ANEXO A

Model Summary

Dimension

Cronbach's Alpha

Variance Accounted For

Total (Eigenvalue) Inertia

dimension0

1 ,877 3,713 ,619

2 ,696 2,379 ,397

3 ,550 1,848 ,308

4 ,472 1,648 ,275

5 ,464 1,630 ,272

6 ,434 1,566 ,261

7 ,389 1,480 ,247

8 ,371 1,447 ,241

9 ,310 1,348 ,225

10 ,261 1,279 ,213

11 ,224 1,230 ,205

12 ,173 1,169 ,195

13 ,121 1,112 ,185

14 ,094 1,085 ,181

15 ,061 1,053 ,176

16 ,020 1,017 ,169

17 ,003 1,002 ,167

18 -,064 ,949 ,158

19 -,116 ,912 ,152

20 -,148 ,890 ,148

21 -,182 ,868 ,145

22 -,225 ,842 ,140

23 -,317 ,791 ,132

24 -,333 ,783 ,130

25 -,348 ,775 ,129

26 -,442 ,731 ,122

27 -,582 ,673 ,112

28 -,736 ,620 ,103

29 -,963 ,555 ,092

30 -1,115 ,518 ,086

31 -1,187 ,503 ,084

32 -1,395 ,462 ,077

Page 81: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

79

33 -1,940 ,382 ,064

34 -2,062 ,368 ,061

35 -2,791 ,301 ,050

36 -3,201 ,273 ,045

37 -60,591 ,019 ,003

38 -260,318 ,005 ,001

39 ,000 ,000 ,000

40 ,000 ,000 ,000

Total 38,227 6,371

Mean -,056a ,956 ,159

a. Mean Cronbach's Alpha is based on the mean Eigenvalue.

Cálculo do nº máximo de dimensões:

Foi solicitada numa primeira fase uma solução com 40 dimensões. Existem 6 variáves

activas de input, totalizando 44 categorias. Como das 6 variáveis há 4 sem não-resposta,

pelo que m1= 4. Assim, o nº máximo de dimensões será: rmax= 44 – 4 = 40

Gráfico 1: Variância das Dimensões (Processos-crime, 2004-2008)

,000 ,100 ,200 ,300 ,400 ,500 ,600 ,700

1

5

9

13

17

21

25

29

33

37

Dim

ensõ

es

Inércia

Case Processing Summary

Valid Active Cases 336

Active Cases with Missing Values 9

Supplementary Cases 0

Total 345

Cases Used in Analysis 345

Page 82: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

80

Tipo de crime

Points:Coordinates

Category

Frequency

Centroid Coordinates

Dimension

1 2

1 Suborno 13 ,704 1,262

2 Clientelismo 58 ,858 -,466

3 Conflito de interesses 15 ,970 -,408

5 Favoristismo 32 ,863 -,327

6 Nepotismo 18 ,722 -,093

8 Troca de Influências 41 ,702 ,876

9 Financiamento Político 11 ,677 1,333

10 Peculato 104 -1,263 -,113

11 Participação Económica em

Negócio

35 -,852 -,514

13 Corrupção 12 ,893 ,199

Missing 6

Variable Principal Normalization.

Tipo de crime

Points:Contributions

Category

Frequency Mass Inertia

Contribution

Of Point to Inertia of Dimension Of Dimension to Inertia of Point

1 2 1 2 Total

1 Suborno 13 ,006 ,163 ,005 ,025 ,019 ,061 ,080

2 Clientelismo 58 ,028 ,139 ,033 ,015 ,149 ,044 ,193

3 Conflito de interesses 15 ,007 ,159 ,011 ,003 ,043 ,008 ,050

5 Favoristismo 32 ,016 ,151 ,019 ,004 ,076 ,011 ,087

6 Nepotismo 18 ,009 ,158 ,007 ,000 ,029 ,000 ,029

8 Troca de Influências 41 ,020 ,148 ,016 ,038 ,066 ,103 ,169

9 Financiamento Político 11 ,005 ,161 ,004 ,024 ,015 ,059 ,074

10 Peculato 104 ,050 ,116 ,129 ,002 ,689 ,006 ,695

11 Participação Económica

em Negócio

35 ,017 ,150 ,020 ,011 ,082 ,030 ,112

13 Corrupção 12 ,006 ,161 ,007 ,001 ,029 ,001 ,030

Missing 6

Active Total ,164 1,506 ,252 ,124

Variable Principal Normalization.

ANEXO B: Coordenadas e Contribuições das variáveis activas

Page 83: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

81

Objectivos do acto corrupto

Points:Coordinates

Category

Frequency

Centroid Coordinates

Dimension

1 2

1 Aceleração do processo e/ou decisão favorável 7 ,444 1,071

2 Alterar o PDM ou projectos por interesses

económicos ilegítimos

50 ,781 -,354

5 Favorecer compradores com prejuízo de autarquia 21 -,155 -,737

6 Ganhar um concurso público 20 ,817 -,172

8 Influenciar avaliações 29 ,598 1,118

12 Construções sem licença 18 ,729 -,007

16 Não pagamento de impostos/taxas 7 ,597 -,935

17 Utilização de bens dos serviços para benefício

indevido

46 -,977 -,488

18 Desvio de verbas/Apropriação de dinheiro 80 -,929 ,239

19 Licenciamento irregular de obras 13 ,305 -,254

22 Favorecimento de empresas em concurso

público/favorecimento de projectos

36 ,488 ,219

24 Financiamento de partidos políticos e associações 6 ,404 1,833

32 Não apurado 10 ,418 -,969

Missing 2

Variable Principal Normalization.

Objectivos do acto corrupto

Points:Contributions

Category

Frequency Mass Inertia

Contribution

Of Point to Inertia of Dimension Of Dimension to Inertia of Point

1 2 1 2 Total

1 Aceleração do processo e/ou decisão

favorável

7 ,003 ,163 ,001 ,010 ,004 ,024 ,028

2 Alterar o PDM ou projectos por

interesses económicos ilegítimos

50 ,024 ,142 ,024 ,008 ,103 ,021 ,125

5 Favorecer compradores com prejuízo

de autarquia

21 ,010 ,156 ,000 ,014 ,002 ,035 ,037

6 Ganhar um concurso público 20 ,010 ,157 ,010 ,001 ,041 ,002 ,043

8 Influenciar avaliações 29 ,014 ,153 ,008 ,044 ,033 ,115 ,148

12 Construções sem licença 18 ,009 ,158 ,007 ,000 ,029 ,000 ,029

16 Não pagamento de impostos/taxas 7 ,003 ,168 ,002 ,007 ,007 ,018 ,025

17 Utilização de bens dos serviços para

benefício indevido

46 ,022 ,144 ,034 ,013 ,147 ,037 ,184

18 Desvio de verbas/Apropriação de

dinheiro

80 ,039 ,130 ,054 ,006 ,256 ,017 ,273

19 Licenciamento irregular de obras 13 ,006 ,160 ,001 ,001 ,004 ,003 ,006

22 Favorecimento de empresas em

concurso público/favorecimento de

projectos

36 ,017 ,149 ,007 ,002 ,028 ,006 ,033

24 Financiamento de partidos políticos e

associações

6 ,003 ,164 ,001 ,025 ,003 ,059 ,062

32 Não apurado 10 ,005 ,162 ,001 ,011 ,005 ,028 ,033

Missing 2

Active Total ,166 2,007 ,151 ,142

Variable Principal Normalization.

Page 84: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

82

Vantagens patrimoniais (dinheiro)

Points:Coordinates

Category

Frequency

Centroid Coordinates

Dimension

1 2

2 <500€ (V) 12 -,158 1,820

3 501€-1500€ (V) 10 -,456 1,388

4 1501€-2500€ (V) 10 -1,128 ,138

5 2501€-7000€ (V) 19 -,669 ,837

6 7001€-15000€ (V) 9 -,518 ,675

7 15001€-50000€ (V) 17 -,388 1,382

8 >50000€ (V) 34 -,460 ,309

9 Valor da vantagem em

dinheiro não apurada

189 ,460 -,421

10 Não há vantagens em

dinheiro

45 -,652 -,267

Variable Principal Normalization.

Vantagens patrimoniais (dinheiro)

Points:Contributions

Category

Frequency Mass Inertia

Contribution

Of Point to Inertia of Dimension Of Dimension to Inertia of Point

1 2 1 2 Total

2 <500€ (V) 12 ,006 ,172 ,000 ,048 ,001 ,112 ,113

3 501€-1500€ (V) 10 ,005 ,162 ,002 ,023 ,006 ,058 ,064

4 1501€-2500€ (V) 10 ,005 ,162 ,010 ,000 ,038 ,001 ,039

5 2501€-7000€ (V) 19 ,009 ,157 ,007 ,016 ,026 ,041 ,067

6 7001€-15000€ (V) 9 ,004 ,162 ,002 ,005 ,007 ,012 ,019

7 15001€-50000€ (V) 17 ,008 ,160 ,002 ,040 ,008 ,098 ,106

8 >50000€ (V) 34 ,016 ,150 ,006 ,004 ,023 ,010 ,034

9 Valor da vantagem em dinheiro não

apurada

18

9

,092 ,075 ,031 ,041 ,257 ,215 ,472

10 Não há vantagens em dinheiro 45 ,022 ,146 ,015 ,004 ,063 ,011 ,074

Active Total ,167 1,347 ,074 ,182

Variable Principal Normalization.

Page 85: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

83

Vantagens patrimoniais (géneros)

Points:Coordinates

Category

Frequency

Centroid Coordinates

Dimension

1 2

1 Vantagens patrimoniais

em género_Sim

214 ,257 -,391

2 Vantagens patrimoniais

em género_Não

131 -,417 ,651

Variable Principal Normalization.

Vantagens patrimoniais (géneros)

Points:Contributions

Category

Frequency Mass Inertia

Contribution

Of Point to Inertia of Dimension Of Dimension to Inertia of Point

1 2 1 2 Total

1 Vantagens patrimoniais em

género_Sim

214 ,104 ,063 ,011 ,040 ,108 ,249 ,357

2 Vantagens patrimoniais em

género_Não

131 ,064 ,104 ,018 ,068 ,105 ,257 ,362

Active Total ,167 ,168 ,029 ,107

Variable Principal Normalization.

Iniciativa da Abordagem

Points:Contributions

Category

Frequency Mass Inertia

Contribution

Of Point to Inertia of Dimension Of Dimension to Inertia of Point

1 2 1 2 Total

1 Corruptor activo ao passivo 81 ,039 ,129 ,026 ,116 ,125 ,354 ,479

2 Corruptor passivo ao activo 16 ,008 ,159 ,006 ,042 ,022 ,106 ,128

3 Não apurado 109 ,053 ,115 ,070 ,071 ,376 ,247 ,622

4 . 139 ,067 ,099 ,146 ,008 ,909 ,031 ,940

Active Total ,167 ,502 ,247 ,237

Variable Principal Normalization.

Iniciativa da Abordagem

Points:Coordinates

Category

Frequency

Centroid Coordinates

Dimension

1 2

1 Corruptor activo ao passivo 81 ,643 1,082

2 Corruptor passivo ao activo 16 ,675 1,475

3 Não apurado 109 ,905 -,733

4 . 139 -1,159 -,214

Variable Principal Normalization.

Page 86: Instituto de Ciências Sociaisrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/4875/1/Tese Mestrado_Inês Lima... · Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa A Corrupção Participada

A Corrupção participada na Administração Local em Portugal, 2004-2008

84

Local da Abordagem

Points:Coordinates

Category

Frequency

Centroid Coordinates

Dimension

1 2

1 Local de trabalho do corruptor activo 75 ,741 ,552

2 Local de trabalho do corruptor passivo 20 ,555 1,777

3 Local público 12 ,666 1,428

4 Residência do corruptor activo 8 ,656 ,672

8 Outra 91 ,896 -,748

9 . 139 -1,159 -,214

Variable Principal Normalization.

Local da Abordagem

Points:Contributions

Category

Frequency Mass Inertia

Contribution

Of Point to Inertia of Dimension Of Dimension to Inertia of Point

1 2 1 2 Total

1 Local de trabalho do corruptor

activo

75 ,036 ,131 ,032 ,028 ,152 ,084 ,236

2 Local de trabalho do corruptor

passivo

20 ,010 ,160 ,005 ,077 ,019 ,190 ,209

3 Local público 12 ,006 ,164 ,004 ,030 ,016 ,072 ,088

4 Residência do corruptor activo 8 ,004 ,163 ,003 ,004 ,010 ,011 ,021

8 Outra 91 ,044 ,124 ,057 ,062 ,286 ,199 ,485

9 . 139 ,067 ,099 ,146 ,008 ,909 ,031 ,940

Active Total ,167 ,841 ,247 ,209

Variable Principal Normalization.