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INSTITUTO AVANÇADO DE ENSINO SUPERIOR DE BARREIRAS IAESB FACULDADE SÃO FRANCISCO DE BARREIRAS FASB CURSO DE DIREITO FELIPE DIAS BISPO OS LIMITES DA CLÁUSULA GERAL DE NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL NO DESENVOLVIMENTO DE TRATATIVAS PROCEDIMENTAIS DAS PARTES E A SUA COMPATIBILIDADE COM A ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO À LUZ DA SEGURANÇA JURÍDICA BARREIRAS/BA 2018

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INSTITUTO AVANÇADO DE ENSINO SUPERIOR DE BARREIRAS –

IAESB

FACULDADE SÃO FRANCISCO DE BARREIRAS – FASB

CURSO DE DIREITO

FELIPE DIAS BISPO

OS LIMITES DA CLÁUSULA GERAL DE NEGOCIAÇÃO

PROCESSUAL NO DESENVOLVIMENTO DE TRATATIVAS

PROCEDIMENTAIS DAS PARTES E A SUA COMPATIBILIDADE COM

A ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO À LUZ DA SEGURANÇA

JURÍDICA

BARREIRAS/BA

2018

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FELIPE DIAS BISPO

OS LIMITES DA CLÁUSULA GERAL DE NEGOCIAÇÃO

PROCESSUAL NO DESENVOLVIMENTO DE TRATATIVAS

PROCEDIMENTAIS DAS PARTES E A SUA COMPATIBILIDADE COM

A ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO À LUZ DA SEGURANÇA

JURÍDICA

Artigo Científico apresentado à Faculdade São

Francisco de Barreiras (FASB), como exigência

à obtenção do título de bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Daniel de Souza Nogueira

BARREIRAS/BA

2018

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FELIPE DIAS BISPO

OS LIMITES DA CLÁUSULA GERAL DE NEGOCIAÇÃO

PROCESSUAL NO DESENVOLVIMENTO DE TRATATIVAS

PROCEDIMENTAIS DAS PARTES E A SUA COMPATIBILIDADE COM

A ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO À LUZ DO PRINCÍPIO DA

SEGURANÇA JURÍDICA

Artigo Científico apresentado à Faculdade São Francisco de Barreiras (FASB), como

exigência à obtenção do título de bacharel em Direito.

Data de aprovação: _____/_____/________

Banca examinadora:

_________________________________________________________

Orientador: Prof. Daniel de Souza Nogueira

Faculdade São Francisco de Barreiras (FASB)

_________________________________________________________

Professor: Marcus Talvany Santos Marinho

Faculdade São Francisco de Barreiras (FASB)

___________________________________________________________

Professor: Rogério Almeida Guedes de Oliveira

Faculdade São Francisco de Barreiras (FASB)

BARREIRAS/BA

2018

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“Não há outro meio de atalhar o arbítrio, senão dar contornos definidos e

inequívocos à condição que o limita.”

Rui Barbosa

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OS LIMITES DA CLÁUSULA GERAL DE NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL NO

DESENVOLVIMENTO DE TRATATIVAS PROCEDIMENTAIS DAS PARTES E A

SUA COMPATIBILIDADE COM A ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO À LUZ DA

SEGURANÇA JURÍDICA

Felipe Dias Bispo 1 Daniel de Souza Nogueira 2

RESUMO

A nova era processual civil é marcada por maior atuação das partes, em atenção aos princípios da autonomia privada e da cooperação. Versando sobre o tema de negociação processual, o presente artigo científico aborda esse importante instituto, que afastou do processo civil brasileiro a concepção publicista. Analisando os limites da cláusula geral de negociação processual no desenvolvimento de tratativas procedimentais pelas partes e a sua compatibilidade com a organização do processo à luz da segurança jurídica, pretende-se examinar a integração entre as partes e a capacidade de influenciarem na organização do processo. Identificaram-se os ensinamentos doutrinários acerca dos fatos, atos e negócios jurídicos, e os negócios processuais, bem como o entendimento dos Tribunais acerca dos limites da cláusula geral de negociação, e, ainda, a atuação das Fazendas Públicas nos negócios processuais. Traçando um paralelo entre o antigo e o novo Código de Processo Civil, foram analisados os institutos dos negócios processuais e do saneamento e organização do processo, bem como a compatibilidade desses, trazida pelo parágrafo 2° do artigo 357, do CPC/2015. A pesquisa revelou que quando o saneamento e a organização são realizados de forma consensual, o processo civil recebe uma decisão de mérito mais efetiva, justa e eficaz. Palavras-chave: Negócio Processual. Autonomia das partes. Autorregramento. Organização processual.

ABSTRACT

The new civil procedural era is marked by greater action by both parts, in accordance with the principles of private autonomy and cooperation. On the topic of procedural negotiation, the present paper aims to approach this important institute that removed from the Brazilian civil process the publicist conception. By analyzing the limits of the general clause of procedural bargaining in the development of procedural negotiations by the parties and their compatibility with the organization of the process in the light of legal certainty, the intention is to examine the integration between the parties and the capacity to influence the organization of the process. Doctrinal teachings about facts, acts and legal transactions, and procedural business, as well

1 Acadêmico do Curso de Direito, da Faculdade São Francisco de Barreiras [FASB], E-mail: [email protected] 2 Professor do Curso de Direito, da Faculdade São Francisco de Barreiras [FASB], E-mail: [email protected]

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as the understanding of the courts about the limits of the general negotiating clause, and the performance of the Public Treasury in the procedural business were also identified. Drawing on a parallel between the old and the new Code of Civil Procedure, the institutes of procedural affairs and reorganization and organization of the process, as well as their compatibility, brought by paragraph 2 of article 357 of CPC / 2015, were analyzed. The research revealed that when sanitation and the organization are carried out in a consensual way, the civil process receives a decision of merit more effective, just and effective. Keywords: Business process. Autonomy of the parts. Self-healing. Organization procedural

SUMÁRIO

Introdução p. 6; 1. O publicismo processual frente às normas fundamentais do

processo civil, p. 8; 1.1 Princípios do direito contratual, p. 10; 1.1.1 Princípio da

autonomia privada, p. 11; 1.1.2 Princípio pacta sunt servanda, p. 11; 1.1.3 Princípio

da relatividade dos efeitos dos contratos, p. 11; 1.1.4 Princípio da função social, p.

12; 1.1.5 Princípio da boa-fé, p. 12; 2. Fatos jurídicos, atos jurídicos e negócios

jurídicos, p. 13; 3. O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15) e a Cláusula Geral

de Negociação, p. 14; 3.1 Afronta à segurança jurídica, p. 15; 4. Limite dos negócios

processuais, p. 17; 4.1 Negociação processual e a Fazenda Pública, p. 21; 5.

Saneamento e organização processual e a compatibilidade com o negócio

processual, p. 23; 5.1 Saneamento e organização do processo conforme CPC de

1973, p. 23; 5.2 Saneamento e organização do processo conforme CPC de 2015 e suas

modalidades, p. 24; 5.2.1 Saneamento por decisão, p. 25; 5.2.2 Audiência de

saneamento, p. 26; 5.2.3 Saneamento consensual, p. 27; Considerações finais, p. 29;

Referências, p. 30.

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INTRODUÇÃO

Uma nova era processual iniciou-se com a vigência do Novo Código de Processo

Civil de 2015. Marcado pela simplificação do processo civil, o novo diploma

processual trouxe significativas inovações, dentre elas a procedimentalidade do

processo civil.

O presente artigo trata sobre a negociação processual, e tem como delimitação “os

limites da cláusula geral de negociação processual no desenvolvimento de tratativas

procedimentais das partes e a sua compatibilidade com a organização do processo

à luz da segurança jurídica”.

A importância desta temática está em explorar a inovação trazida pelo Novo Código

de Processo Civil, quanto à cláusula geral de negociação processual, com

possibilidade do exercício da autonomia privada no processo para desenvolver

mudanças procedimentais.

Os negócios jurídicos típicos eram permitidos na vigência do Código de Processo

Civil de 1973, e, com o Código de Processo Civil de 2015, a inauguração da cláusula

geral de negociação conota a extensão da possibilidade de negociação, pois confere

aos litigantes em um processo convencionarem acerca das formas procedimentais

que melhor atendam os seus anseios.

Busca-se, em termos gerais, analisar a integração entre as partes e a capacidade de

influenciarem na organização e saneamento do processo, à luz do consagrado

princípio da segurança jurídica.

Especificamente, é forçoso identificar o condicionamento das tratativas

procedimentais das partes na negociação processual e a sujeição à homologação

pelo juiz como fator de validade do negócio jurídico processual, apontar a

significativas alterações experimentadas pelo novo Código de Processo Civil, bem

como identificar os limites conferidos a uma negociação processual.

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Na primeira seção, cuidar-se-á de traçar um paralelo entre o publicismo e privatismo

processuais, com estudo dos princípios do direito contratual aplicáveis, por lógica,

aos negócios processuais.

Após, serão individualizados os atos, os fatos e os negócios jurídicos, para, enfim,

adentrar no universo dos negócios processuais, com a fundamentação no Novo

CPC. Por conseguinte, os limites alçados pela jurisprudência e enunciados editados

no Encontro de Jovens Processualistas e no Encontro do Fórum Permanente de

Processualistas Civis.

Os Enunciados do Encontro de Jovens Processualistas (EJP) e do Encontro do

Fórum Permanente de Processualistas Civis (EFPPC) dão maior ênfase aos textos

normativos, e servem de orientação aos aplicadores do direito. Os mais renomados

doutrinadores se reúnem para analisar a redação da lei processual, aperfeiçoando,

revisando ou ainda cancelando esses enunciados pertinentes a determinados

temas.

E, finalmente, passa-se a analisar a importância do saneamento processual para

uma efetiva e justa decisão de mérito, juntamente com suas modalidades

introduzidas pelo NCPC, e fazendo uma comparação com o Código de Processo

Civil de 1973.

Para melhor compreensão de tais institutos, serão particularizados alguns conceitos,

corroborados com as teorias ensinadas pela doutrina, que auxiliarão na

compreensão dos institutos jurídicos objetos do presente estudo, nas lições de

Fredie Didier Junior, Humberto Theodoro Júnior, Antônio do Passo Cabral, Leonardo

Carneiro da Cunha, Daniel Mitidiero, Luiz Guilherme Marinoni, Teresa Arruda Alvim

Wambier dentre outros.

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1. O PUBLICISMO PROCESSUAL FRENTE ÀS NORMAS FUNDAMENTAIS DO

PROCESSO CIVIL

O sistema jurídico adotado no Brasil tem como fonte principal a lei positivada,

conforme artigo 5°, inciso II da Constituição Federal de 1988. O Estado detém de

todo o domínio normativo, desde a elaboração, até a sua aplicação. Por esse

motivo, a norma processual é de direito público, e a sua sujeição é forçosamente

mandatória.

Ao juiz, membro do Poder Judiciário, unicamente, cabe interpretar e aplicar a lei,

garantindo a tutela jurisdicional, por meio de um processo, quando provocada ou

suscitada pelas partes. Essas, por sua vez, estariam restritas apenas a narrar os

fatos, e manifestar no processo quando determinado pelo juiz, não possuindo

qualquer outra participação no processo.

A cultura do publicismo processual, ou, ainda, o “hiperpublicismo” (CABRAL, 2017,

p. 151), abraçada pelo nosso ordenamento jurídico no Código de Processo Civil de

1973, transformou a figura do juiz como aquele ser que tudo podia, e o processo

dependia de sua ação, afastando, assim, a autonomia das partes, e fazendo-se

valer, sempre, do princípio do impulso oficial.

As prerrogativas do juiz eram reverenciadas, e a intervenção das partes, mínimas,

cabendo a elas somente definir ou renunciar ao direito estritamente material. Ou

seja, enquanto as partes eram coadjuvantes no processo, o juiz exclusivamente

exercia o protagonismo.

De acordo com o modelo inquisitivo mais puro, o órgão jurisdicional assume a função de protagonista da relação processual. Rompida a inércia da jurisdição pela provocação da parte, o processo passa a se desenvolver por impulso oficial. O magistrado é quem realiza a maior parte da atividade processual, especialmente no que tange a condução, ao desenvolvimento e à instrução do processo. (REDONDO in WAMBIER, 2016, p. 228).

Contudo, Didier Jr (2015) assevera que são identificados dois modelos que

estruturam o processo: o adversarial e o inquisitorial. No modelo adversarial, há

uma disputa entre as partes perante um órgão jurisdicional, colocado para decidir

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sobre o litígio, no qual sobressai o princípio dispositivo. Já no modelo inquisitorial,

o órgão jurisdicional assume o papel de protagonista no processo, sobressaindo o

princípio inquisitivo.

Para Didier Jr (2015), não se pode afirmar que o ordenamento jurídico brasileiro

adotava totalmente o princípio dispositivo ou inquisitivo, podendo ser rotativo

quando relacionado com questão distinta, como produção de provas, delimitação

do objeto litigioso etc.

O publicismo processual vai de encontro às normas fundamentais do processo

civil, como destaque os princípios da adequação (negocial), do respeito ao

autorregramento da vontade no processo, e, consequentemente, da duração

razoável do processo, da cooperação e da eficiência.

O princípio do respeito ao autorregramento do processo atrela-se ao direito

fundamental à liberdade, consagrado pela Constituição Federal. Em plano

processual, está ligado ao direito das partes de presidir seus interesses, da melhor

e mais conveniente maneira num processo. Nessa esteira, a liberdade não deve

ser depreciada, uma vez que constitui em base do Estado Democrático de Direito.

É curioso, e um tanto contraditório, como processualistas estufam o peito para falar em democratização do processo, defendendo técnicas de facilitação do acesso à justiça, p. ex., e, simultaneamente, ignoram o papel da liberdade, pilar da democracia, no processo. Discurso que afasta a liberdade do ambiente processual tem ranço autoritário. Processo e liberdade convivem. Liberdade não é nem pode ser palavra maldita na Ciência do Direito Processual e no próprio Direito Processual Civil. (DIDIER, 2015, p. 133)

Não obstante, com o advento da Lei 13.105 de 2015, que institui o Novo Código de

Processo Civil, a autonomia das partes foi enaltecida, e o processo tornou-se mais

cooperativo e útil. Diferente da relação de hierarquia anteriormente acometido, o

chamado modelo misto (REDONDO in WAMBIER, 2016) passou a ser adotado, e

os poderes do juiz e as prerrogativas das partes, compatíveis com o equilíbrio e

equivalência. (CABRAL, 2018)

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Assim, a autonomia privada surgiu como uma estabilização entre o publicismo e o

privatismo, moderando os poderes do juiz em razão da atuação legítima das partes.

Dessa forma, visa atribuir maior segurança jurídica ao processo, conotando outros

importantes avanços trazidos pelo NCPC, quais sejam o princípio da adequação

negocial e a cláusula geral da negociação.

A adequação negocial permite às partes maior participação e poder de decisão

sobre o processo ao qual integra. Está diretamente ligada à cláusula geral de

negociação, que tende a ampliar a liberdade de convecção acerca de ônus,

poderes e deveres num processo.

1.1 PRINCÍPIOS DO DIREITO CONTRATUAL

Os contratos são acordos de vontades entre duas ou mais pessoas, que pretendem

contrair, proteger, modificar ou cessar direitos patrimoniais, de forma que oficializem

a proteção de interesses que estão sendo contrapostos.

Entrementes, como se verá mais adiante, o negócio processual, como

materialização da cláusula geral de negociação, trata-se de um acordo de vontades,

ou mesmo um contrato de cunho processual. Para tanto, faz-se mister observar

alguns princípios que regem o direito contratual. Na definição de Dantas (2016, p.

452),

princípios são categorias lógicas e, tanto quanto possível, universais, muito embora não possamos esquecer que, antes de tudo quando incorporados a um sistema jurídico-constitucional positivo refletem a própria estrutura ideológica do Estado, como tal representativa dos valores consagrados por uma determinada sociedade.

Os princípios contratuais têm forte influência do Direito Romano, e servem de base o

nosso ordenamento jurídico, conduzindo os operadores do direito para uma melhor e

mais justa solução de litígio.

Ademais, para que um contrato seja válido é imprescindível que haja: a) agentes

capazes; b) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e c) forma prescrita

ou não defesa em lei, na forma do artigo 104 do Código Civil de 2002.

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Não só os princípios contratuais, mas também o art. 104 do Código Civil de 2002

servirão de embasamento para o estudo dos negócios processuais.

1.1.1 Princípio da Autonomia Privada

Teve seu ápice com o fim da Revolução Francesa, na qual prevaleceu a liberdade

em todas as searas (GONÇALVES, 2014), e está ligado à faculdade de cada

indivíduo em regular seus interesses próprios, sem intercessão do Estado,

restringida pelo princípio da função social.

Rege-se pelo direito à liberdade, consagrado pela Constituição Federal, e no Direito

Processual Civil, refere-se ao poder de estatuir seus direitos dentro do processo.

1.1.2 Princípio Pacta Sunt Servanda

Considerando que o indivíduo é livre para contratar, o que e com quem ele quiser,

Kelsen estabelece que o contrato é lei entre as partes (apud PINTO, 2017). Assim

sendo, as partes contratantes estão obrigadas ao estrito comprimento do conteúdo

contratual.

Embora defendido como prevalência do princípio, o pacta sunt servanda pode ser

relativizado pelo judiciário, desde que comprovada a onerosidade excessiva,

admitindo a variação das cláusulas, ou mesmo a resolução do contrato.

Quanto aos negócios processuais, observar-se-á se a cláusula fere algum direito

fundamental ou mesmo norma de ordem pública.

1.1.3 Princípio da Relatividade dos Efeitos dos Contratos

Tal princípio parte da premissa de que os efeitos decorrentes de um contrato,

somente serão produzidos em relação àqueles que o celebraram, sob a ótica de

vinculação das partes contratantes.

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Evidentemente, o princípio da relatividade dos efeitos dos contratantes pode ser

relativizado, quando no contrato envolver um terceiro. Pinto (2017) exemplifica com

a estipulação em favor de terceiro, ou promessa de fato de terceiro.

1.1.4 Princípio da Função Social

Consagrado nas diversas áreas do Direito, a função social deve ser entendida como

uma relação entre interesses individual, social e geral (de MORAES apud PINTO,

2017). Surge, portanto, com a finalidade de atingir interesses individuais e sociais,

sem depreciar os interesses gerais.

Ademais, o enunciado n° 22 da Jornada de Direito Civil instrui que a função social é

cláusula geral do direito contratual que fortalece o princípio de conservação do

contrato. Dessa forma, todo ajuste de vontades deve ater-se à função social.

(BRASIL, 2017)

1.1.5 Princípio da Boa-Fé

O princípio da boa-fé demanda das partes comportamento íntegro, honesto, leal e

probo, em todas as fases contratuais, desde a formação até a extinção, na forma do

artigo 422 do Código Civil de 20021. Constitui, portanto, na reunião de modelos

éticos de conduta, também limitando a liberdade contatual, inerente aos contratos.

(PINTO, 2017)

Nesse sentido, o Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) destacou a

importância da boa-fé nos negócios processuais, por intermédio dos enunciados

405: “Os negócios jurídicos processuais devem ser interpretados conforme a boa-fé

e os usos do lugar de sua celebração” e o 407: “Nos negócios processuais, as

partes e o juiz são obrigados a guardar nas tratativas, na conclusão e na execução

do negócio o princípio da boa-fé”.

1 Art. 422 do Código Civil de 2002: Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como na sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

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Analisados alguns princípios aplicados ao direito contratual, passa-se a analisar a

teoria dos fatos, atos e negócios jurídicos.

2. FATOS JURÍDICOS, ATOS JURÍDICOS E NEGÓCIOS JURÍDICOS

Assim como as pessoas e as coisas, os fatos são anteriores ao direito. Os fatos

naturais são assim denominados uma vez que não possuem relevância para o

universo jurídico. Contudo, os fatos naturais podem assumir a condição de fatos

jurídicos quando houver hipótese de incidência da norma (CABRAL, 2018).

Para Bernardes de Mello (apud FARIAS, 2014, p. 527), o ponto divergente entre o

fato natural e fato jurídico é a produção de efeitos no direito:

Para que determinado acontecimento esteja inserto o mundo jurídico, então é preciso que cumpra diferentes momentos, interdependentes, essenciais à sua qualificação. Assim, é possível sintetizar: i) definição pela norma jurídica da hipótese fática merecedora de qualificação; ii) concreção da hipótese definida na realidade fenomenológica da vida (realização concreta da hipótese); iii) incidência automática da norma sobre a hipótese valorada; iv) juridicização do acontecimento, como consequência da incidência. (...)

Cristiano Sobral (2017) explica que o fato jurídico em sentido amplo divide-se em

fato jurídico em sentido estrito e ato jurídico sentido amplo, e os distinguem-se pela

voluntariedade. Dessa forma, o primeiro, exclusivamente naturais (ou involuntários),

pois independem do ser humano, tratando-se de ação da natureza, e o segundo,

voluntariamente praticados pelo ser humano.

Assim sendo, os atos jurídicos em sentido amplo podem ser subdivididos em lícitos e

ilícitos, marcados pela observância ou não à lei. Os atos jurídicos lícitos produzem

efeitos em conformidade com a lei (ex. casamento), e os ilícitos, produzidos em

contrariedade à lei (ex. homicídio).

Na esteira dos atos jurídicos lícitos, é possível conferir-lhe duas divisões: em ato

jurídico em sentido estrito (ato não negocial, de efeitos necessários), e o negócio

jurídico (atos negociais, cujos efeitos são desejados pelas partes). Aos negócios

jurídicos é conferido grau máximo de liberdade de ajuste pelos agentes. Ainda na

lição de Marcos Bernardes de Mello (apud CABRAL, 2018, p. 46),

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é o fato jurídico cujo elemento nuclear do suporte fáctico consiste em manifestação ou declaração consciente de vontade, em relação à qual o sistema jurídico faculta às pessoas, dentro de limites predeterminados e de amplitude vária, o poder de escolha de categoria jurídica e de estruturação do conteúdo eficacial das relações jurídicas respectivas, quanto ao seu surgimento, permanência e intensidade no mundo jurídico.

Concretiza-se, portanto, o princípio da autonomia privada, garantida às partes

contratantes.

Por sua vez, o negócio jurídico processual é um ato jurídico capaz de produzir

efeitos num processo, decorrente de um acordo de vontades. Para Didier e Nogueira

(apud DIDIER, 2015, p. 376-377) constitui no “fato jurídico voluntário, em cujo

suporte fático confere-se ao sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou

estabelecer, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas

situações jurídicas processuais”.

Nessa esteira, Chiovenda (apud CABRAL, 2018) finaliza como sendo aqueles

capazes constituir, modificar e extinguir situações do plano processual.

No tocante à legislação processual, a negociação processual era permitida, porém

bastante limitada. Como era pouco discutido, o legislador resolveu ampliar a

possibilidade de negociação, com o fim de abarcar, também, negócios jurídicos

atípicos, garantindo maior efetividade à autonomia das partes.

3. O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 (CPC/15) E A CLÁUSULA GERAL

DE NEGOCIAÇÃO

Os negócios processuais típicos eram manifestos no CPC/73, e, sob sua égide, as

partes poderiam reduzir ou prorrogar prazos dilatórios (art. 181, CPC/73),

convencionar acerca da suspensão do andamento do processo (art. 265, II,

CPC/73).

Permaneceram vigorando no atual diploma processual, desta feita sob o preceito da

cláusula geral de negociação, o que conota uma formação contratual atípica.

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Prevista no artigo 190 do NCPC, a cláusula geral de negociação está intimamente

ligada à ampla possibilidade de convencionar, podendo versar não só sobre o direito

material no âmbito do processo, como no caso da autocomposição, mas também

sobre as regras procedimentais dispostas no direito processual.

A lei processual atribui aos litigantes, tanto em causas individuais ou coletivas, a

faculdade de adaptar o procedimento do Processo Civil.

Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. (BRASIL, 2015, on line)

Entrementes, a norma processual contrai caráter subsidiário, quando legítima a

convenção das partes, concretizando, assim, os princípios do respeito ao

regramento processual, da autonomia da vontade das partes, ou mesmo o pacta

sunt servanda (SILVA apud CABRAL, 2017). Logo, tais princípios insurgem com

uma participação mais intensa e contributiva das partes no desenvolvimento e

viabilização do conflito em cognição.

Cumpre ainda destacar que, se constituir ato perfeito, e a lei não prever forma

diversa sobre o objeto da convenção, é lícito e válido o negócio processual,

vinculando as partes e o juiz, não podendo este recusar a sua aplicação.

Nesses casos, o juiz está adstrito apenas à verificação da validade do negócio, se

atendidos os requisitos do reportado artigo 104 do CC/02. Nada obstante, não

constitui em direito absoluto, uma vez que há determinados direitos que não podem

ser objeto de métodos autocompositivos, como se verá mais adiante.

3.1 AFRONTA AO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA

Imperioso tratar da segurança jurídica como previsibilidade e estabilidade das

decisões judiciais. Alguns doutrinadores opuseram-se contra os negócios

processuais, por acreditarem que prejudicariam o reportado princípio, de tal forma

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que posicionam o juiz como figura superior em detrimento às partes e suas

vontades, no tocante ao publicismo processual.

Humberto Theodoro Jr (2015, p. 189) afirma que “esse argumento se apoia em uma

noção rígida dentro da qual apenas um sistema hermeticamente estabelecido

poderia promover para os litigantes a expectativa de segurança acerca da condução

do processo pelo magistrado”.

A segurança jurídica é uma relevante proteção constitucional que confere às

relações jurídicas firmadas na vigência de norma anterior, estabilidade para normas

posteriores. Em outras palavras, uma situação jurídica que possui segurança jurídica

é imutável, em razão do direito adquirido. Na lição de Cunha Junior (2012), a

segurança jurídica impõe que o poder público respeite a imutabilidade das relações

jurídicas já fundadas.

Apesar da ínfima abordagem doutrinária acerca desse importante princípio inerente

ao Estado democrático de Direito, está previsto no inciso XXXVI, artigo 5° da

Constituição Federal de 1988, ao dizer que “a lei não prejudicará o direito adquirido,

o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

O novo CPC contribui com a segurança jurídica em vários aspectos, ao observar

casos semelhantes. Caso o suporte fático seja similar, a decisão será, por óbvio,

motivada, e, enfim, replicada, uniformizando o entendimento. Não que a

dinamicidade do direito, também, estará abalada, mas impede que casos iguais

tenham decisões diferentes. Por isso a importância da jurisprudência.

A Constituição, nesse sentido, veda as decisões surpresas, de modo que as partes

possam manifestar, dizer o que entendem sobre determinado tema. Paulo Henrique

dos Santos Lucon (2017), no Congresso Brasileiro de Processo Civil, realizado pela

OAB/SC, usa o exemplo da prescrição. Considerando que não haja discussões

acerca da prescrição, o juiz não poderia decidir somente pelo que ele entende

acerca desse instituto. Seria necessária a manifestação das partes, e a partir daí,

decidir da melhor forma.

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Leonardo Grego (apud THEODORO Jr, 2015, s.p) explica que a concordância dessa

premissa importa em admitir que as partes,

“como destinatárias da prestação jurisdicional, têm também interesse em influir na atividade-meio e, em certas circunstâncias, estão mais habilitadas do que o próprio julgador a adotar decisões sobre os seus rumos e a ditar providências em harmonia com os objetivos publicísticos do processo, consistentes em assegurar a paz social e a própria manutenção da ordem pública”.

Ao falar da segurança jurídica nos negócios processuais, não quer dizer que as

decisões serão julgadas igualmente. Logicamente, elas serão diferentes pela

especificidade da causa. Contudo, a segurança jurídica vincula-se à livre autonomia

das partes e o autorregramento, tratado por diversas vezes no presente estudo, e

essa prevalecerá sobre as normas de ordem pública, e fará com que o juiz vincule-

se aos negócios processuais.

No caso dos negócios processuais, a segurança jurídica está ligada à exclusividade

da decisão, e visa a proteger a vontade das partes. Sendo assim, não poderá lei

posterior alterar o que já foi anteriormente consolidado.

Desta forma, a negociação processual, ao conferir maior participação das partes no

processo, torna o processo civil menos desembaraçoso, a tutela jurisdicional mais

efetiva, equilibrada e dotada de segurança jurídica.

4. LIMITE DOS NEGÓCIOS PROCESSUAIS

Como sabido, o atual CPC privilegia a autonomia da vontade das partes, bem como

a solução amigável de conflitos. Entretanto, para a realização do negócio jurídico, é

forçoso que seja previamente observado o amparo aos direitos fundamentais e

processuais, ajustando-os com a autonomia das partes, com vistas a almejar a

segurança jurídica.

Apesar de ter conferido às partes maior liberdade de negociação, a lei processual

estabelece como condição que o objeto da negociação envolva direitos passíveis de

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autocomposição, a qual é uma forma de resolução de conflitos, no qual uma das

partes, ou ambas, cede algum interesse, no todo ou em parte, sem que necessite de

decisão judicial para alinhar tais direitos.

Em outras palavras, as partes, por intermédio da autocomposição, chegam à solução do problema que mantêm entre si em virtude de consenso que estabelecem a respeito, fazendo-o por intermédio da conciliação, da mediação ou mesmo da negociação direta. (WAMBIER, 2015, p. 353)

Wambier (2015) explica, ainda, que os direitos que admitem autocomposição não se

confundem com os direitos disponíveis, considerando a categoria jurídica menos

ampla dos direitos disponíveis em relação aos direitos que a admitem. Ou seja, os

direitos que admitem autocomposição constituem em gênero, que tem como espécie

não só os direitos disponíveis, mas também os direitos indisponíveis.

Embora a negociação processual limite-se ao plano da procedimentalidade, o objeto

do litígio deve ser passível de autocomposição. A título de exemplo, podem-se citar

os direitos irrenunciáveis e intransmissíveis, como os direitos da personalidade, e os

direitos aos alimentos e guarda dos filhos menores, dentre outros.

O limite de negociação processual é a própria dignidade da pessoa humana, bem

como a ordem pública. Ou seja, é livre a negociação, desde que não atinja a

dignidade da pessoa, e nem da justiça, sujeita a verificação por parte do juiz.

De ofício ou a requerimento, ao verificar a validade, o juiz declarará a nulidade

quando for violada ordem pública, ou caso uma das partes se encontre em

manifesta situação de vulnerabilidade.

Como exemplo, o enunciado 20 (art. 191) do II Encontro de Jovens Processualistas

orienta a rejeição de acordos que modifiquem a competência absoluta, bem como a

supressão da primeira instância.

Na seguinte ementa, embora houvesse norma de ordem pública que estabelecesse

o prazo inadiável de 06 meses para suspensão do processo, o juiz entendeu que

tal prazo não seria satisfatório, prevalecendo a autonomia privada.

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APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. ACORDO ENTABULADO ENTRE AS PARTES PARA ADIMPLEMENTO DO SALDO DEVEDOR EM 36 PARCELAS MENSAIS. SENTENÇA DE EXTINÇÃO QUE ENTENDEU INVIÁVEL A SUSPENSÃO DO PROCESSO POR PERÍODO SUPERIOR A 6 MESES, A TEOR DO ARTIGO 313, II, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. RECURSO DO EXEQUENTE. SUSPENSÃO CONVENCIONAL DO PROCESSO POR PRAZO ESCOLHIDO PELAS PARTES. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL. POSSIBILIDADE DE EXCEDER SEIS MESES. EXEGESE DO ARTIGO ARTIGO (sic) 922 DO MESMO DIPLOMA, INSERIDO NO CAPÍTULO "DA SUSPENSÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO". RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (Tribunal de Justiça de Santa Catarina, AC 00014254520158240082, Rel. Min. Raulino Jacó Brüning julg. 22 jun. 2017) (Grifa-se)

O relator fundamentou a sua decisão nos ensinamentos doutrinários de que a

suspensão do processo de conhecimento (art. 313, NCPC), sujeito ao prazo

máximo de seis meses (§4°, art. 313 do NCPC) não se confunde com suspensão

do processo executivo (art. 922, NCPC). A disposição desse último permite que o

prazo escolhido pelas partes exceda os seis meses.

Além disso, o Enunciado 135 (art. 191, § 4º) do III Encontro do Fórum Permanente

de Processualistas Civis ensina que a indisponibilidade do direito material não

impede, por si só, a celebração de negócio jurídico processual. Dessa forma, como

no caso em tela, o objeto é de natureza alimentar, pode a parte, portanto, dispor

livremente sobre os valores e formas de pagamento, por interpretação extensiva da

norma.

Noutro julgado, este da seara trabalhista, a decisão do relator desconsiderou a

constatação da boa-fé dos contratantes, por parte do juiz a quo, levando-se em

consideração ao quanto convencionado. Vejamos:

AGRAVO DE PETIÇÃO. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL. DESCUMPRIMENTO. MULTA CONVENCIONAL DE 100%. PRAZO DECADENCIAL PARA DENÚNCIA. INÉRCIA DO INTERESSADO. IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DE OFÍCIO. I. Tratando-se de negócio jurídico processual validamente realizado, não é facultado ao juiz imiscuir-se na aplicação das disposições acordadas, de modo que o seu convencimento acerca da boa-fé da parte executada não afasta a incidência da multa de 100% fixada em caso de descumprimento do pacto. II. A decadência convencional do direito de denunciar o inadimplemento não pode ser conhecida de ofício pelo julgador, nos termos do art. 211 do Código Civil. III. A inércia da parte interessada em se manifestar sobre a decadência convencional configura

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renúncia e, considerando a impossibilidade de o Juízo reconhecê-la de ofício, resta devida a multa convencional pleiteada. Agravo de petição conhecido e provido. (Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, AP n° 0000853-94.2015.5.06.0291, Rel. Min. Antonio Wanderley Martins, Julg. em 07 jun. 2017) (Grifa-se)

Nesse caso, a incidência da multa não teve relação com a boa-fé dos contratantes,

e a penalidade, quando descumprido o acordo, prevaleceu consoante o que foi

firmado. Entrementes, o enunciado 17 (art. 191) do II Encontro de Jovens

Processualistas perfeitamente indica que às partes é conferida a faculdade de

constituir deveres e sanções diversas, quando restar descumprida a convenção,

mais uma vez, consagrando o princípio da autonomia privada e o autorregramento

processual.

Este importantíssimo julgado, quanto a uma também novidade do NCPC, disposta

no art. 191, prevê que as partes fixem um calendário para a prática de atos

processuais, que as vincula juntamente com o juiz da causa.

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA CONTRA REVELIA DECRETADA PELA ORIGEM DO CALENDÁRIO PROCESSUAL FIRMADO PELAS PARTES PELO QUAL A CONTESTAÇÃO DEVERIA SER ENTREGUE EM 20/12/2016. PROTOCOLO DA PEÇA APENAS EM 23/01/2017, APÓS O RECESSO FORENSE. POSIÇÃO DA MAIORIA DESTA EG. CÂMARA NO SENTIDO DE RECONHECER SUA TEMPESTIVIDADE. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL QUE DEVE SER LIMITADO PELAS CHAMADAS EXTERNALIDADES QUE IMPÕE CUSTOS A TERCEIROS POR UMA LINHA MAGISTÉRIO DA DOUTRINA ENUNCIADO Nº 36 DA ENFAM SOBRE O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SUSPENSÃO DOS PRAZOS ENTRE O DIA 20 DE DEZEMBRO E 20 DE JANEIRO NA FORMA DO ARTIGO 220 DA LEI ADJETIVA, POR INTEGRAR O PRÓPRIO FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS NÃO PODE SER AFASTADO POR CONVENÇÃO DOS LITIGANTES. REVELIA AFASTADA. NECESSIDADE DE INSTRUIR O FEITO E ANALISAR AS OBJEÇÕES E EXCEÇÕES FORMULADAS PELO RÉU. RESSALVA DO VOTO DO RELATOR QUANTO À REVELIA ANULAÇÃO DA SENTENÇA POR UNANIMIDADE. AFASTAMENTO DA REVELIA POR MAIORIA (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, APL 0011211-63.2016.8.19.0003, Rel. Min. Custódio de Barros Tostes, Pub. 20 out. 2017) (Destacam-se)

No caso em tela, o réu deixou de apresentar a contestação no dia 20/12/2016, como

pactuado, haja vista que seria o primeiro dia do recesso forense, para apresentar no

dia 23/01/2017, primeiro dia útil do retorno das atividades do fórum. Ao decidir, o

relator afastou a revelia, relativizando o negócio processual. E firmando que não

poderia um calendário ajustado pelas partes prevalecer sobre matéria

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regulamentadora do próprio funcionamento do Tribunal, previsto no art. 220 do

NCPC.

Por fim, neste julgado, levaremos em consideração o quanto ensinado acerca do

negócio processual. Apesar de o processo ter sido oriundo do Juizado Especial

Cível, que até então se escusa a assistência do advogado, o negócio processual

também foi firmado sem que o advogado desse amparo à parte.

Agravo de instrumento – Decisão interlocutória que rejeitou impugnação ao cumprimento e sentença homologatória de acordo extrajudicial – Desnecessidade de atuação de advogado constituído – Art. 57, da Lei 9.099/95 – Negócio jurídico processual de caráter patrimonial e disponível a critério dos figurantes – Eficácia do art. 200 do Código de Processo Civil – Inocorrência de carência de ação – Excesso de execução verificado – Necessidade do recálculo do saldo consolidado na origem para eliminação das dúvidas e incertezas – Recurso provido, em parte. (Tribunal de Justiça de São Paulo, AI 2139881-02.2016.8.26.0000 SP, pub. 30 set. 2016, Rel. Min. Cesar Peixoto) (Assinala-se)

Nessa esteira, assim é o juízo materializado nacionalmente:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. REAJUSTE DE 28,86%. EXECUÇÃO INDIVIDUAL DE SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ACORDO EXTRAJUDICIAL. HOMOLOGAÇÃO PELO JUÍZO. IRRELEVÂNCIA NO CASO. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A transação, por se tratar de negócio jurídico de direito material, prescinde da presença de advogado para que seja considerada válida e eficaz. Precedente do STJ (REsp. 825.181/RS, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe 17.11.2008). [...] 4. Agravo Regimental desprovido. (STJ, AgRg no REsp 1213893/RS, julg. 25 out. 2011, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho). (Destaca-se)

Além disso, o Enunciado 18 (art. 191) II Encontro de Jovens Processualistas define

a falta de advogado na celebração de acordo de procedimento como indício de

vulnerabilidade.

4.1 NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL E A FAZENDA PÚBLICA

A Fazenda Pública é a expressão utilizada para denominar as pessoas jurídicas de

direito público quando litigam em ação judicial. Ou seja, é considerada Fazenda

Pública todas as entidades da administração pública direta ou indireta, que tenham

personalidade jurídica de direito público.

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É representada em juízo por procuradores judiciais, titulares de cargos públicos

privativos de advogados regularmente inscritos na OAB, que possuem capacidade

postulatória, e exercem a promoção e defesa dos interesses públicos da União,

Estados, Municípios e Distrito Federal, no permissivo do artigo 182 do CPC2.

A grande problemática acerca da possibilidade da Fazenda Pública negociar é que o

Poder público, em regra, não pode dispor de seus interesses, em virtude de não

haver norma permissiva para tal.

Para Cunha (2016), se a Fazenda Pública é parte processual, pode livremente

celebrar atos negociais. Se ao advogado público é atribuído poder para executar

atos processuais, não haveria pretexto para lhe vedar a celebração de negócios

processuais. Os casos mais comuns de negociação processual em que a Fazenda

Pública litiga são a suspensão do processo, escolha do procedimento a ser seguido

ou do meio de impugnação a ser empregado.

Por outro lado, Teixeira (apud CUNHA, 2016) defende que a Fazenda Pública

somente celebre negócio processual visando alcançar um melhor desenvolvimento

processual. Caso contrário, é incabível a celebração do negócio processual.

Nesse ínterim, o Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) pacificou, por

meio do enunciado 256, a discussão ao entender que “A Fazenda

Pública pode celebrar negócio jurídico processual”. Como é cediço, os enunciados

aprovados nesse Fórum funcionam como um amparo interpretativo, direcionando

determinada norma, e contribuindo com um processo mais eficiente.

Entrementes, o enunciado 383 (art. 75, §4º) dispõe que tanto as autarquias quanto

as fundações de direito público estaduais e distritais podem ajustar compromisso

recíproco para prática de ato processual por seus procuradores em favor de outro

ente federado, mediante convênio firmado pelas respectivas procuradorias. 2 Art. 182. Incumbe à Advocacia Pública, na forma da lei, defender e promover os interesses públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por meio da representação judicial, em todos os âmbitos federativos, das pessoas jurídicas de direito público que integram a administração direta e indireta. (BRASIL, 2015)

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Por tudo isso, havendo leis permissivas, as Fazendas Públicas podem concluir

livremente pela celebração de acordos de cunho processual, desde que beneficiem

o Estado, e não prejudiquem a parte contrária.

5. SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO PROCESSUAL E A COMPATIBILIDADE

COM O NEGÓCIO PROCESSUAL

O saneamento, em definição gramatical, significa o ato de reparar, consertar,

organizar. No plano jurídico, seu conceito é mais abrangente. Constitui a fase

processual, entre a fase postulatória e a instrutória, em que o juiz realiza uma

verificação, visando à retificação de vícios, irregularidades ou nulidades processuais,

e a consequente organização do processo, para que esse receba uma decisão de

mérito. (HOUAISS, 2009)

Sanear o processo, segundo Sampaio Junior (2017, p. 209-210), “significa corrigir

eventuais defeitos, eliminar vícios ou nulidades, para então prepará-lo para receber

uma sentença, de forma que, assim se fazendo, teremos um processo organizado e

pronto para prolação da melhor decisão possível”.

Didier Jr (2015) afirma que “é importante notar que a atividade de saneamento do

magistrado não se esgota nessa fase, que se caracteriza, apenas, pela

concentração de atos de regularização do processo”. Ou seja, a qualquer tempo, o

juiz fará a verificação do feito, e, consequentemente, organizá-lo, com vistas a uma

tutela jurisdicional mais justa.

5.1 SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO CONFORME CPC DE 1973

Pela redação do artigo 323, do CPC de 1973, os autos eram conclusos após o

decurso do prazo para resposta do requerido, para que o juiz, em dez dias,

determinasse as providências preliminares referidas nas seções do Capítulo IV.

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Conforme os artigos 324 e seguintes do CPC/73, o juiz, ao verificar o processo,

poderia:

Art. 324. Se o réu não contestar a ação, o juiz, verificando que não ocorreu o efeito da revelia, mandará que o autor especifique as provas que pretenda produzir na audiência. Art. 325. Contestando o réu o direito que constitui fundamento do pedido, o autor poderá requerer, no prazo de 10 (dez) dias, que sobre ele o juiz profira sentença incidente, se da declaração da existência ou da inexistência do direito depender, no todo ou em parte, o julgamento da lide (art. 5o). Art. 326. Se o réu, reconhecendo o fato em que se fundou a ação, outro Ihe opuser impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, este será ouvido no prazo de 10 (dez) dias, facultando-lhe o juiz a produção de prova documental. Art. 327. Se o réu alegar qualquer das matérias enumeradas no art. 301, o juiz mandará ouvir o autor no prazo de 10 (dez) dias, permitindo-lhe a produção de prova documental. Verificando a existência de irregularidades ou de nulidades sanáveis, o juiz mandará supri-las, fixando à parte prazo nunca superior a 30 (trinta) dias. (BRASIL, 1973, on line)

Após a adoção dessas medidas, o juiz anunciava o julgamento conforme o estado

do processo, julgando-o extinto, antecipando a lide, ou proferindo despacho

saneador.

A prática era pronunciada única e exclusivamente pelo julgador, em audiência, sem

intercessão das partes, conforme o §3° do art. 331 do CPC/733. Por meio do

denominado “despacho saneador”, questões processuais que as partes arguiam

eram apreciadas pelo juiz, que decretava o saneamento do feito, fixando os pontos

controvertidos e delimitando as provas a serem produzidas.

5.2 SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO CONFORME O CPC DE

2015 E SUAS MODALIDADES

O artigo 357 do CPC, incluso no Capítulo IX, que trata das providências preliminares

e do saneamento, aponta as medidas a serem tomadas pelo juiz, fazendo-o adstrito

a ele.

Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo: I - resolver as questões processuais pendentes, se houver; II - delimitar as questões de

3 § 3o Se o direito em litígio não admitir transação, ou se as circunstâncias da causa evidenciarem ser improvável sua obtenção, o juiz poderá, desde logo, sanear o processo e ordenar a produção da prova, nos termos do § 2o. (BRASIL, 1973)

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fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos; III - definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373; IV - delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito; V - designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento. (BRASIL, 2015, on line)

É notório que o órgão jurisdicional está diante de uma resolução do objeto litigioso.

Porém, não há concretude dos indícios probatórios daquele direito, que lhe

permitam por fim à lide (DIDIER Jr, 2015). Nesse sentido, todas as questões ainda

pendentes devem ser regularizadas.

Para Marinoni, Arenbart e Mitidiero (2015, p. 381),

Nosso Código fala a respeito em "saneamento e organização do processo" (art. 357, CPC), mas é certo que melhor seria falar aí apenas em organização do processo – saneamento e preparação são atividades que nele se realizam a fim de organizá-lo para que se possa seguir adiante rumo à prestação da tutela jurisdicional. Tradicionalmente em nosso sistema, toda a atividade de organização do processo era tratada sob o nome de saneamento da causa e era realizada de forma concentrada e escrita mediante o chamado despacho saneador.

Câmara (2015) leciona que a decisão se divide em saneamento e organização do

processo, de modo que o saneamento consiste na resolução das questões

eventualmente pendentes e na declaração de que não há qualquer impedimento

para o exame do mérito, cujo processo está sem vícios, apto para o julgamento, e a

organização, no disposto no art. 357, incisos I, II, III, IV e V do CPC/15.

O artigo 357 do CPC de 2015 dispõe não só sobre as providências a serem

adotadas, mas também compõe as modalidades de saneamento, que pode ocorrer

por meio de decisão do Juiz, apresentado consensualmente pelas partes e

homologado em Juízo (negócio processual), ou em audiência de saneamento.

(BRASIL, 2015, on line)

5.2.1 Saneamento por decisão

Na decisão de saneamento, cabe ao magistrado observar o disposto, nos incisos do

artigo 357. O primeiro inciso confere ao juiz o dever de resolver questões

processuais pendentes, para que esse avance para a fase instrutória, buscando

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afastar vícios que possam comprometer a entrega da prestação jurisdicional

pleiteada (BUENO, 2015).

O juiz deve delimitar as questões de fato, que necessitarem de produção probatória,

para que sejam especificados os meios de prova admitidos, o que apressa a fase

instrutória, uma vez que define sobre quais fatos será necessária à produção de

provas e quais os meios admitidos, na forma dos incisos II, do artigo 357 do NCPC.

Ademais, definir a quem das partes caberá ônus da prova, delimitar as questões de

direito que influenciarão na decisão de mérito e designar audiência de instrução e

julgamento, quando essa for necessária, conforme os incisos III a V, do mesmo

diploma legal citado anteriormente.

5.2.2 Audiência de saneamento

Há uma modalidade de saneamento, que consiste no saneamento e organização

do processo, realizados em cooperação com as partes em audiência, quando a

matéria de fato ou direito apresentar complexidade. Tal disposição está prevista no

§3° do artigo 357, do CPC/2015, e, segundo Didier Junior (2015, p. 693) concretiza

uma das principais inovações do Novo CPC, o princípio da cooperação, disposto

em seu artigo 6°.

Didier Junior (2015, p. 694) pontua que

não é raro o juiz deparar-se com causas extremamente complexas, as quais se revelam incompreensíveis para ele, um terceiro estranho ao litígio. É inegável que as partes são os sujeitos que mais bem conhecem a controvérsia. O saneamento em diálogo com as partes tende a ser muito mais fácil e útil.

De fato, a audiência de saneamento põe fim a possíveis controvérsias, o que

consequentemente torna a fase probatória do processo mais útil, uma vez que

evitaria provas desnecessárias. Além disso, ao passo que oportuniza uma

autocomposição, reduz a possibilidade de interposição de recurso (WAMBIER

apud DIDIER, 2015).

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5.2.3 Saneamento consensual

O saneamento consensual tende a garantir maior efetividade ao processo,

retirando a tarefa privativa do juiz de formular questões, para que este se digne

apenas a acompanhar e homologar o quanto assentado pelas partes.

Nessa modalidade de saneamento as partes levam ao juiz uma organização do

processo, decorrente de negociação, para que este homologue, por força do

parágrafo segundo do artigo 357 do CPC/15, relativamente a ônus de prova, e ainda

as questões de direito determinantes à decisão de mérito.

É, portanto, um negócio jurídico bilateral, que, presentes os requisitos gerais

dispostos no artigo 190 do CPC/15, vincula juiz e partes.

Homologado, o acordo se estabiliza e vincula as partes e o juiz, nos exatos termos em que vincula a decisão de saneamento e organização do processo proferida solitariamente pelo julgador. Essa vinculação estende-se a todos os graus de jurisdição, caso contrário não faria sentido; o propósito é estabilizar o processo dali em diante. Por isso, essa vinculação limita a profundidade do efeito devolutivo de futura apelação: somente as questões ali referidas serão devolvidas ao tribunal, caso seja interposta apelação. (DIDIER JR, 2015, p. 695)

Além disso, é defeso ao juiz a não homologação do negócio processual, uma vez

que deve haver, segundo Didier Jr (2015), o mínimo de verossimilhança nos fatos

consensualmente havidos como ocorridos, conferindo ao julgador maior segurança

na obrigação de julgar, com base em uma incoerência.

A regra revela uma das tantas facetas do novel e interessantíssimo caput do art. 190 e dos “negócios processuais” nele previsto. Nada há que impeça, até mesmo por força da lembrança do parágrafo único daquele dispositivo, que o magistrado rejeite a homologação. Se a homologar, contudo, resta vinculado a ela tanto quanto às partes. As razões são as mesmas que animam a estabilidade da decisão proferida com fundamento no § 1º do art. 357. (BUENO, 2018, on line)

Percebe-se, portanto, mais uma concretização do princípio de cooperação das

partes, consagrado no artigo 6° do NCPC, visto que, até então, o juiz era quem

deveria cooperar com as partes, recomendando retificações e emendas.

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Dessa forma, as partes contribuem para um processo mais célere, uma vez que

ninguém melhor do que as partes envolvidas no litígio para organizar o processo,

obtendo, assim, a melhor prestação jurisdicional.

É importante, portanto, que as partes se atentem à fase de saneamento, visto que,

até ela, podem, por exemplo, realizar emendas à inicial, por força do art. 329 do

CPC/15.

Art. 329. O autor poderá: (...) II – até o saneamento do processo, aditar ou alterar o pedido e a causa de pedir, com consentimento do réu, assegurado o contraditório mediante a possibilidade de manifestação deste no prazo mínimo de 15 (quinze) dias, facultado o requerimento de prova suplementar. Parágrafo único. Aplica-se o disposto neste artigo à reconvenção e à respectiva causa de pedir. (BRASIL, 2015, on line)

O seguinte julgado retrata bem o apego à fase de saneamento. Veja-se a ementa:

Agravo de instrumento. Ação indenizatória. Acidente de trânsito. Denunciação da lide à seguradora em momento posterior ao previsto no art. 126 do CPC/15. Ampliação dos limites subjetivos da demanda. Impossibilidade. Feito já saneado. Negócio jurídico processual que não pode suprimir garantias constitucionais. Risco a direito de terceiro estranho ao processo. Decisão mantida. Recurso improvido. (Tribunal de Justiça de São Paulo, AI 2161535-45.2016.8.26.0000 SP, Pub. 19 set. de 2016, Rel. Min. Walter Cesar Exner) (Destaca-se)

Ao negar provimento ao recurso, o relator, diferente da parte autora, atentou-se à

redação do art. 329 do NCPC, que dispunha sobre o tempo de denunciar à lide.

Apesar de haver sido ajustado em negócio processual que a parta autora

denunciasse à lide, caso a seguradora rejeitasse o sinistro, não poderia o juiz

naquela fase permitir que uma garantia constitucional fosse violada.

Além disso, o artigo 126 do NCPC apregoa que a denunciação à lide deve ocorrer

na petição inicial, quando o denunciante for o autor, ou na contestação, se réu.

Desta feita, o relator acredita que os limites da cláusula geral se estendem, também,

a terceiros, mesmo que alheios ao processo. No caso, uma vez saneado o processo,

restaria prejudicada a denunciação à lide da seguradora.

Por tudo isso, imperioso ressaltar a importância de as partes realizarem o

saneamento processual, visto que o processo civil adquire mais eficácia, celeridade,

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e evita maiores conflitos, como no caso em destaque. Nele, se as partes tivessem

ajustado negócio processual de saneamento e organização do processo, ou mesmo

feito isso em audiência de saneamento, teria melhor aproveitamento do processo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que se extrai do presente estudo é que o legislador, ao adotar um sistema jurídico

mais cooperativo, no qual permite um maior protagonismo das partes num processo,

concretiza o respeito à autonomia privada e o autorregramento do processo. Com a

visão publicista a que o nosso ordenamento jurídico foi acometido, o judiciário

ainda enfrenta problemas para delinear a aplicação deste importante instituto

trazido pelo Novo Código de Processo Civil.

A cláusula geral de negociação, por meio da atipicidade dos negócios processuais,

ampliou consideravelmente a possibilidade de negociação pelas partes, podendo

elas dispor de seus direitos, quando esses puderem ser passíveis de

autocomposição.

O entendimento dos Tribunais brasileiros acerca dos negócios processuais

permitiu uma melhor verificação dos limites restringidos pela própria lei processual,

bem como o equilíbrio entre o acordo, a dignidade das partes e o interesse público.

Por fim, ficou evidenciada a importância de as partes realizarem um ajuste

consensual das questões de fato e de direito, na fase de saneamento e

organização do processo, para uma melhor, efetiva decisão de mérito. Para isso,

devem se valer do negócio processual, sem ferir a integridade das partes e as

normas de ordem pública.

Por todo exposto, a segurança jurídica protege os negócios processuais, quando

esses forem perfeitos, na forma da lei e dos princípios fundamentais destacados no

presente estudo.

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A solução consensual é, por obvio, mais benéfica. E, não sendo possível, é bom que

as próprias partes disciplinem a forma de exercício de suas capacidades no

processo. Dessa forma, é de bom tom que os julgadores provoquem a participação

mais ativa das partes, para evitar a aplicação do direito como fórmulas prontas. Sem

falar que diminuiria o alto número de recursos protocolados, haja vista que, até

então, não caberiam de negócios processuais.

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