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Instituição do policiamento ambiental paulista: condições sociopolíticas e econômicas (1930 - 1949) Adilson Luís Franco NASSARO * formação e o desenvolvimento da atividade policial especializada na fiscalização do uso de recursos naturais, a partir de 14 de dezembro de 1949 no Estado de São Paulo, relacionam-se às condições sociopolíticas e econômicas que marcaram o Brasil e, particularmente, São Paulo, nos anos que antecederam a data referenciada. O percurso se inicia na década de 1930, em face da mudança de uma sociedade de ocupação e economia rurais para uma concentração urbana e um modo de produção industrial, com os efeitos da ocupação e da industrialização ligados à degradação ambiental, passando pela criação de estruturas para atender a uma demanda crescente de proteção de direitos. 1. O motivo de uma data e a delimitação do período analisado Nos quadros da Força Pública do Estado de São Paulo formou, se em 14 de dezembro de 1949, um 1º Pelotão de “Policiamento Florestal”. O efetivo foi ampliado ao longo dos anos, recebendo sucessivas denominações em estruturas mais complexas, nas seguintes conformações: “Corpo de Policiamento Florestal”, * Mestrando em História /UNESP/Assis. Orientador: Paulo Henrique Martinez A

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A formação e o desenvolvimento da atividade policial especializada na fiscalização do uso de recursos naturais, a partir de 14 de dezembro de 1949 no Estado de São Paulo, relacionam-se às condições sociopolíticas e econômicas que marcaram o Brasil e, particularmente, São Paulo, nos anos que antecederam a data referenciada. O percurso se inicia na década de 1930, em face da mudança de uma sociedade de ocupação e economia rurais para uma concentração urbana e um modo de produção industrial, com os efeitos da ocupação e da industrialização ligados à degradação ambiental, passando pela criação de estruturas para atender a uma demanda crescente de proteção de direitos.

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Instituição do policiamento ambiental paulista:

condições sociopolíticas e econômicas (1930 - 1949)

Adilson Luís Franco NASSARO *

formação e o desenvolvimento da atividade policial especializada na

fiscalização do uso de recursos naturais, a partir de 14 de dezembro de

1949 no Estado de São Paulo, relacionam-se às condições

sociopolíticas e econômicas que marcaram o Brasil e, particularmente, São Paulo,

nos anos que antecederam a data referenciada. O percurso se inicia na década de

1930, em face da mudança de uma sociedade de ocupação e economia rurais para

uma concentração urbana e um modo de produção industrial, com os efeitos da

ocupação e da industrialização ligados à degradação ambiental, passando pela

criação de estruturas para atender a uma demanda crescente de proteção de

direitos.

1. O motivo de uma data e a delimitação do período analisado

Nos quadros da Força Pública do Estado de São Paulo formou, se em 14

de dezembro de 1949, um 1º Pelotão de “Policiamento Florestal”. O efetivo foi

ampliado ao longo dos anos, recebendo sucessivas denominações em estruturas

mais complexas, nas seguintes conformações: “Corpo de Policiamento Florestal”, * Mestrando em História /UNESP/Assis. Orientador: Paulo Henrique Martinez

A

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no nível de companhia em 1956; “Corpo de Policiamento dos Recursos

Naturais”, em 1971; “1º Batalhão de Polícia Florestal e de Mananciais”, em 1975;

“Comando de Policiamento Florestal e de Mananciais”, nível de grande

comando, em 1987; e “Comando de Policiamento Ambiental”, nome oficializado

em 2001, mediante o Decreto Estadual nº 46.263. Manteve-se essa última

denominação na estrutura que envolve, atualmente, quatro batalhões

especializados, com efetivo total de 2.300 homens distribuídos em 116 unidades

operacionais para atuação em todo o território paulista. Em razão do trabalho

ininterrupto de fiscalização do uso dos recursos naturais e de sua formação

característica, é considerado o mais antigo corpo militar de proteção ao meio

ambiente da América Latina1.

Já nas últimas décadas do século XX, o fortalecimento da organização que

acompanhou a emancipação do tema “meio ambiente” é invocado como

justificativa da rememoração da data, apresentada como um marco do

surgimento de um grupo propriamente policial voltado à fiscalização do uso dos

recursos naturais em São Paulo, junto às manifestações de celebração dos seus

feitos.

A presente pesquisa, no entanto, não pretende explicar a origem do

policiamento ambiental paulista sob determinada perspectiva ou mesmo justificar

o seu surgimento em 1949, mas apresentar as circunstâncias em que tal fato

documentado ocorreu, ou seja, interessa a análise do momento histórico em que

se deu a formação do contingente especializado com integrantes destacados da

Força Pública. Procedimento diverso e de maior amplitude poderia incidir no

1 Até 1980, informações constantes no trabalho: GRITTI, Euzébio Carlos. Resumo histórico do 1º Batalhão de Polícia Florestal e de Mananciais. Pesquisa documental realizada em 28/04/80. São Paulo. PMESP. /datilografado/. Após 1980, informações obtidas diretamente no comando do órgão policial, em São Paulo, capital.

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vício da “explicação do mais próximo pelo mais distante”, conforme advertência

de Marc Bloch (2002, p.56), ao impulso que nomeou “obsessão das origens”.

Fosse o propósito a busca das raízes desse órgão policial, seria possível alcançar

um passado mais remoto, sob o ponto de vista da instituição originária de seus

integrantes, sondando-se a formação da Força Pública e, portanto, a consolidação

do próprio Estado que tem como uma de suas características essenciais o

monopólio do uso da força2.

Convém, diante disso, delimitar a análise ao período de 1930 a 1949,

observando-se as transformações sociais, políticas e econômicas que marcaram o

cenário do país nessas quase duas décadas de intenso movimento. Destacam-se,

no estudo dessa fase, a centralização do poder no país, as limitações impostas

pelo governo central à Força Pública após 1932 e a busca pelo desenvolvimento

na mudança de uma sociedade de ocupação e economia rurais para uma nova

concentração urbana e uma produção industrializada (FAUSTO, 1995, p.329).

O ponto de partida é o ano de 1930, considerado um divisor de águas para

o país exatamente pela aceleração das transformações sociais e políticas, no

momento em que “a história começou a andar mais rápido” (CARVALHO,

2001, p.87).

2 CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p.18: “Assim, para Weber, no resumo de Bendix, ‘a ordem legal, a burocracia, a jurisdição compulsória sobre um território e a monopolização do uso da força são as características essenciais do Estado moderno’. Não muito distinta é a caracterização feita por Immanuel Wallerstein: ‘Como se fortaleceram os reis, que eram os administradores da máquina estatal no século XVI? Usaram quatro mecanismos principais: burocratização, a monopolização da força, a criação de legitimidade e a homogeneização da população dos súditos’”.

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2. Fase revolucionária: o início de mudanças

De 1930 a 1934 o Brasil viveu uma fase revolucionária que resultaria

alterações no cenário político e social. O país inicia um processo de transição do

domínio das elites rurais para outro domínio caracterizado pelo começo da

industrialização e da urbanização, principalmente no sudeste. Depois do período

de revezamento no poder central entre São Paulo e Minas Gerais, que marcou a

Primeira República, Getúlio Vargas assume a chefia de um governo provisório,

na condição de chefe da revolução vitoriosa de 1930, sob grande expectativa

popular de mudanças e de desenvolvimento do país (SILVA, 1964, p.07).

De fato, o Brasil era ainda um país predominantemente agrícola até 1930.

Não houve censo nesse ano, mas o censo de 1920 indicava apenas 16,6% da

população vivendo em cidades de 20 mil habitantes ou mais e 70% com

ocupação em atividades agrícolas em uma economia que se chamava “voltada

para fora”, por conta da orientação pela exportação, no caso, de produtos

primários. Não somente a política, mas a economia da Primeira República fora

dominada pelos Estados de São Paulo e de Minas Gerais, especialmente em

função da riqueza do café produzido em São Paulo, produto migrado do Rio de

Janeiro para o sul de Minas e oeste de São Paulo, onde encontrou terras muito

férteis e trabalho dos imigrantes europeus, circunstâncias que multiplicaram sua

produção. Ao mesmo tempo, o desmatamento nessa fase pré-revolucionária

não constituía aparente fator de preocupação: “O processo de degradação

começou a acelerar com o advento do plantio de café, que, como um surto,

rapidamente passou a se expandir em direção ao interior, deixando um forte

rastro de degradação do meio ambiente natural” (MELE, 2006, p.121).

Em razão do avanço das plantações o problema enfrentado era exatamente

a superprodução, motivando medidas de controle do preço impostas pelo

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governo central e governos dos Estados produtores, o que se agravou com a

crise da Bolsa de Valores de Nova York em 1929, levando o preço do café a ser

reduzido à metade, sem possibilidade de venda de estoques. Esse fator gerou

grande insatisfação e, como consequência, mobilização certeira: “A crise

econômica que se seguiu foi um dos motivos que levaram ao movimento

político-militar que pôs termo à Primeira República” (CARVALHO, 2001, p.54).

Em 1930, São Paulo foi o centro dessas tensões, em razão da dissidência

paulista que apoiava e estimulava o movimento armado para a derrubada do

presidente Washington Luiz, aliando-se com lideranças e dissidências de outros

Estados, objetivando romper com o controle do Partido Republicano. Fato é que

o governador paulista tinha a seu serviço a mais bem treinada milícia estadual

brasileira – a Força Pública – e organizou uma resistência armada que, apesar da

mobilização no sul do Estado, em Itararé, que seria passagem obrigatória de

Vargas em direção ao Rio de Janeiro, não foi concretizada. Washington Luiz

deixou a presidência em 24 de outubro.

Conforme descreveu Dallari, a impossibilidade de resistir ao movimento

antigovernista, que fora “apresentado em cores emocionais” ao efetivo da milícia

paulista, como manifestação contrária à lei e a São Paulo, “deixou na Força

Pública um amargo sentimento de frustração, que se tornou mais agudo com a

designação de um interventor militar federal para governar o estado de São

Paulo”. Esse interventor buscou conquistar a confiança da burguesia paulista,

mediante repressão ao movimento operário utilizando a própria Força Pública

para dissolver comícios, greves e outras manifestações, o que agravou ainda mais

a situação, pois a oficialidade da Força Pública não se conformava em ver seus

batalhões “utilizados como arma política, a serviço dos inimigos da véspera”

(DALLARI, 1977, p.59).

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O governo central nomeou, então, Pedro de Toledo – civil, paulista e

homem idoso – como interventor em São Paulo, mas o movimento por um

governo constitucional para o Brasil cresceu rapidamente e o próprio Pedro de

Toledo aderiu a ele com apoio unânime de seu secretariado, declarando que não

mais acataria determinações do governo ditatorial de Getúlio Vargas. Iniciaram-

se ações de guerra de grande envergadura com o efetivo da Força Pública e de

milhares de civis voluntários de São Paulo na “Revolução Constitucionalista de

1932”, que São Paulo perdeu em termos bélicos quando se viu sem apoio de

outros Estados que haviam se comprometido inicialmente com a causa, e

enfrentou praticamente todo o país mobilizado por Vargas, com exceção de

Mato Grosso cuja guarnição federal aderiu a São Paulo (DALLARI, 1977, p.60).

Não obstante, a Constituinte Federal foi instalada em 15 de novembro de 1933, o

que os paulistas aclamaram como uma vitória, resultando na promulgação da

Constituição do país, em 16 de julho de 1934.

Quanto à caracterização da Força Pública depois 1932, foi imposta a

eliminação de seus setores militarmente importantes, por medidas sucessivas do

governo instalado em São Paulo, militar de nomeação federal. Identifica-se, nessa

fase, uma lenta transição, a partir da desmobilização de perfil bélico a fim de que

a milícia não mais fosse direcionada como instrumento de política armada e para

que agisse de forma mais discreta e voltada à manutenção da ordem. Até 1936, o

efetivo foi reduzido de 9.000 homens (em 1931) para 6.214, apesar de não haver

redução de despesas e, com isso, pode-se concluir que se investia no

aperfeiçoamento da milícia ao mesmo tempo em que o seu papel como

instrumento político era diminuído.

Em 1937, alguns dias depois de Vargas instalar um regime ditatorial que

perduraria até 1945, ao qual denominou Estado Novo, foi imposta à Força

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Pública a aplicação do regulamento disciplinar do Exército Brasileiro e a sua

subordinação direta ao interventor federal, não havendo a repetição de 1932

(DALLARI, 1977, p.70).

3. Os recursos naturais e as inovações legislativas da década de 1930

Superada a fase revolucionária, o cenário político e institucional favoreceu

inovações legislativas também relacionadas à proteção dos recursos naturais ao

longo da década de 1930. Pode-se explicar esse quadro por dois fatores: a

influência de movimentos organizados voltados à defesa do meio natural e a

construção de um projeto político para o país, “que tinha na modernização e na

busca de maior inserção internacional seu principal norte”. Como descreveu

Rodrigo Medeiros:

Mudanças políticas foram implementadas visando colocar o Brasil no trilho rumo à modernidade. Novas leis trabalhistas, incentivos à industrialização e à expansão e ocupação do oeste brasileiro ditaram o ritmo das mudanças. Neste cenário de ambiciosas transformações, o "ambientalismo" brasileiro que pregava a criação de áreas protegidas sob a forma de parques nacionais – a esta altura uma tendência internacional - encontrou enfim espaço. (MEDEIROS, 2006, p.06).

Quanto ao primeiro fator apontado, é certo que o rápido avanço da

degradação ambiental que se deu junto ao processo de ocupação de novas áreas,

a exemplo do oeste paulista – importante para o plantio do café –, mobilizou

intelectuais vinculados a instituições científicas e associações cívicas, culminando

com a realização da Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza,

entre 08 e 15 de abril de 1934. Ao pensar a proteção da natureza, mesmo sem

caracterizar propriamente um “movimento ambientalista” no Brasil (que

ocorreria apenas na década de 1970), esse grupo unia preocupações de estudiosos

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como a criação de áreas protegidas a um amplo projeto de “construção da

nacionalidade”, garantindo espaço nas deliberações do governo Vargas e

colaborando “na formulação e aprovação de uma série de leis, decretos e

regulamentos pertinentes, bem como na criação dos primeiros parques

nacionais” (FRANCO, 2009, p.22).

As mudanças são significativas, com a centralização na esfera federal da

competência de legislação relacionada aos recursos naturais, de acordo com a

Constituição Federal de 1934. Ela atribuiu à União a prerrogativa de legislar

sobre “bens do domínio federal, riquezas do subsolo, mineração, metalurgia,

águas, energia hidrelétrica, florestas, caça e pesca e a sua exploração” (alínea j, do

inciso XIX, do art. 5º). Ainda, estabeleceu que essa competência legislativa “não

exclui a legislação estadual supletiva ou complementar sobre as mesmas

matérias”, bem como, “As leis estaduais, nestes casos, poderão, atendendo às

peculiaridades locais, suprir as lacunas ou deficiências da legislação federal, sem

dispensar as exigências desta” (parágrafo 3º, do art. 5º)3.

Não se pode deixar de reconhecer que a década de 1930 representou um

marco para a legislação conservacionista de um modo geral, apesar do fato de

que os regulamentos foram motivados muito mais pela intenção de submeter a

exploração econômica de recursos naturais ao controle dos detentores do poder.

No mesmo ano de 1934, além das inovações da Constituição Federal, veio a

lúmen o Código de Caça e Pesca (Decreto nº 23.672, de 02 de janeiro), o Código

Florestal (Decreto nº 23.793, de 23 de janeiro) e o Código de Águas (Decreto nº

24.643, de 10 de julho). Houve, também em 1934, a criação no governo federal

do Serviço de Saúde Vegetal, do Serviço de Saúde Animal, para fiscalização de

3 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934. In: Constituições do Brasil. São Paulo: Livraria Cristo Rei Editora, 1944.

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alimentos e condições sanitárias da agricultura e da pecuária e do Serviço de

Irrigação, Reflorestamento e Colonização (DRUMMOND, 1998, p.135).

Os três primeiros parques nacionais foram criados na mesma década, em

sequência: o Parque Nacional de Itatiaia, pelo Decreto nº 1.713, de 14 de junho

de 1937, na divisa entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais e, dois anos depois, em

1939, o Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, e o Parque Nacional da Serra dos

Órgãos, no Rio de Janeiro (MEDEIROS, 2006, p.03). Esses parques e outros

posteriores, das três esferas de Poder Público, foram criados com base no artigo

9º do Código Florestal vigente, de 1934, que trazia a primeira referência legal a

parques nacionais, estaduais e municipais e proibia o exercício de qualquer

espécie de atividade contra a flora e a fauna nesses locais.

No aspecto de “preservação da natureza”, apesar do expressivo

ordenamento jurídico na direção de sua proteção e o funcionamento de novos

órgãos federais, pode-se concluir, acompanhando a interpretação de José

Augusto Drummond, que a década de 1930 e também o período posterior – até

1988 – nada tiveram de ambientalistas, “se entendermos o ambientalismo como

uma preocupação específica da sociedade com a qualidade do mundo natural,

expressa em leis, políticas e órgãos governamentais especificamente dedicados a

essa qualidade” e explica:

Pelo contrário, o período foi desenvolvimentista, no pior sentido que o termo pode ter para quem se preocupa com o ambiente natural. Não é que o desenvolvimento socioeconômico seja incompatível com a qualidade ambiental, nem que o atraso econômico seja necessariamente benigno ao ambiente natural. No caso, a nossa sociedade e os seus governos se mobilizaram pelo crescimento econômico a qualquer custo. De fato, foi entre as duas guerras mundiais que o Brasil acelerou o seu crescimento industrial, inclusive com políticas governamentais agressivas a partir do primeiro governo de Getúlio Vargas (1930, 1945), especialmente na ditadura do Estado

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Novo (1937, 1945). Já na década de 1950, restabelecida a democracia política, o "desenvolvimentismo" virou uma unanimidade nacional que levou governo e sociedade a se empenharem em fazer do Brasil uma potência econômica. (DRUMMOND, 1998, p.127).

O mérito da legislação da década de 30 foi o de tirar da exploração privada

uma grande parcela dos recursos naturais. Não obstante, o prevalecente

desenvolvimentismo provocou a intensa exploração e consumo desses bens, que

não ficaram protegidos diante de uma maciça ação empresarial do próprio

Estado nos anos seguintes. Ocorre que não houve exatamente políticas

conservacionistas ou preservacionistas e o governo se orientou pelo

desenvolvimento do país a qualquer preço. Como consequência, o Brasil veio a

se tornar, em pouco tempo, uma potência mundial na área mineral e hidrelétrica,

para lembrar alguns exemplos.

4. A ordem constitucional e o exercício do poder após 1937

Quanto à ordem constitucional vigente, nota-se que a Constituição

Federal, outorgada em 1937, não alterou a disposição dos órgãos policiais

estaduais, apesar de marcar o início do período ditatorial (Estado Novo, de 1937

a 1945) e, no que se refere aos recursos naturais, não retirou dos estados-

membros a possibilidade de legislar supletivamente ao poder central sobre

riquezas do subsolo, mineração, metalurgia, águas, energia hidrelétrica, florestas,

caça e pesca e sua exploração. Mesmo na existência de lei federal sobre a matéria,

a lei estadual independeria de autorização, “para suprir-lhes as deficiências ou

atender às peculiaridades locais, desde que não dispensem ou diminuam as

exigências da lei federal” ou, em não havendo lei federal e até que esta

sobrevenha a regular a respectiva matéria (art. 18, alínea “a”). A tendência de

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atribuir à legislação estadual um caráter de complementaridade à legislação

federal na área do meio ambiente manteve-se nas décadas seguintes, como

expressão característica do pacto federativo.

Quanto à Constituição promulgada em 1946, cuja vigência alcançou o

surgimento do Corpo de Policiamento Florestal em São Paulo, veio o seu art. 183

a vincular as forças estaduais à coordenação do Exército se necessária a

mobilização, na condição de força “auxiliar”4.

Em relação às Constituições do Estado de São Paulo, interessa ao período

em análise a verificação da Constituição de 1935 e a de 1947. A primeira,

acompanhando o espírito da Constituição Federal de 1934, após o intenso

movimento revolucionário de 1932, representou um “compromisso instável”

entre o governo central e as lideranças paulistas, na definição de José Luiz de

Anhaia Mello (1991, p.51), materializado logo no seu artigo 1º: “O Estado de São

Paulo, parte integrante da Federação Brasileira, exerce, em seu território, todos os

poderes que não tiverem sido, pela Constituição Federal, explícita, ou

implicitamente, atribuídos à União”. Justifica o autor: “este princípio registrou no

texto legal uma solução de compromisso, que a Carta Federal de 1934 havia

encontrado para a disputa entre os partidários da autonomia dos Estados e os

defensores do fortalecimento da União” (MELLO, 1991, p.53).

No que se refere às forças policiais, o art. 100 da Constituição Estadual de

1935 pontua que: “A Força Pública, corporação militar essencialmente obediente

ao Governador do Estado, é instituição permanente, destinada à manutenção da

ordem e da segurança pública” e, ainda, impõe sua ascendência às demais forças

estaduais nos seguintes termos do art. 100: “As corporações policiais, estaduais

4 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1946. In: Constituições do Brasil. São Paulo: Livraria Cristo Rei Editora, 1944.

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ou municipais, ficam sob a fiscalização do comando da Força Pública, o qual

possuirá tantos órgãos diretores, quantos se fizerem necessários, para que a

mesma fiscalização se exerça eficientemente”. No que tange à proteção dos

recursos naturais, sem maiores detalhamentos, estabelece o seu art. 18, inciso 21,

alínea “g”, que compete ao Estado, por meio de sua Assembleia, em harmonia

com a Carta Magna de 1934, legislar sobre florestas, caça e pesca e respectiva

exploração. A Constituição Federal de 1934 e a Constituição Paulista de 1935

tiveram vida muito curta, “naufragando em 1937 nas águas turvas do Estado

Novo” (MELLO, 1991, p.58).

A Constituição Estadual de 1947 não trouxe surpresas quanto à Força

Pública, mantendo-se no artigo 148 a mesma redação genérica do antigo art. 100.

Mas, no aspecto da proteção da natureza, apresentou um destaque: o seu

penúltimo artigo (116), sob o derradeiro Título V (Da Ordem Econômica e

Social), prescreve que: “O Estado e os municípios preservarão a flora e a fauna,

criando-lhes reservas invioláveis”. Essa previsão no texto constitucional paulista

indica a importância que o tema da preservação do meio natural veio a alcançar e,

tratando-se de um compromisso que o próprio estado federado assume em sua

lei maior, virá a honrá-lo com o direcionamento – pouco tempo depois – de

integrantes da Força Pública para atuação em um grupo policial autossuficiente,

voltado aos trabalhos de fiscalização. Ainda, uma sutileza reveladora pode ser

notada na medida em que, se a criação de “reservas invioláveis” em nível estadual

não aproveita a “Ordem Econômica” – posto que impedido o seu

aproveitamento privado – ela somente poder ser voltada à “Ordem Social”,

preconizando-se, ainda que não expressamente, o propósito de um ambiente

ecologicamente equilibrado, pela conservação de espaços indispensáveis para esse

fim, em benefício da coletividade.

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No plano do exercício do poder e nas relações entre estados federados e

governo central não houve significativas mudanças na década de 1940, e mesmo

no período imediatamente posterior ao Estado Novo, apesar do processo de

democratização ter ocorrido a partir de 1945. Nesse sentido, analisando as

origens do sistema partidário no Brasil, Maria do Carmo Campello de Souza

observou que, depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a oposição

interna brasileira contrária ao regime autoritário vigente no país desde 1937

ganhou maior vigor em função do descrédito no âmbito externo quanto aos

regimes fascista e nazista; desse modo, a restauração democrática em 1945 teria

sido causada “muito mais por eventos internacionais que por dissensões

econômicas internas graves que estabelecessem sério conflito de classes, não

produzindo uma substituição radical dos grupos no poder, embora exigisse uma

reformulação político-institucional”. Prova dessa posição é o fato de que as

preocupações no debate político da época se mantiveram sobre os temas da

unidade nacional, da incorporação de novos setores sociais e da modernização

institucional; enquanto isso, o pensamento liberal brasileiro vivia em uma

encruzilhada histórica:

Predisposto, por origem e formação, à defesa da autonomia estadual e da independência dos agrupamentos políticos de ‘notáveis’, e à proteção de ambos contra a centralização do poder, temia, no entanto, a crescente participação popular. (SOUZA, 1976, p.65).

Importa por fim registrar, ainda sobre os anos que se seguiram às

transformações da década de 1930, que se manteve durante longo tempo o

fenômeno do “coronelismo” dominando a vida política no interior do país,

apesar da decadência da figura do dono de terras diante do processo de

industrialização e a paulatina migração dos moradores da área rural para os

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centros urbanos. Destaca-se, nesse ponto, a questão da dicotomia do público e

do privado no meio em que chamou Victor Nunes Leal de “superposição de

formas desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica e

social inadequada”. Depois de um século da criação da Guarda Nacional (de

1831), o uso do título de “coronel” – que era atribuído ao comandante local de

fração – se manteve não justificado pelo comando e coordenação dos integrantes

dessa força em determinada área, mas então pela liderança política exercida ainda

pelo proprietário local, que garantia votos de cabresto a partir de uma relação

mantida com os trabalhadores que dele dependiam. O mesmo autor explica essa

situação na sua obra clássica de 1949, “Coronelismo, enxada e voto”:

Por isso mesmo o “coronelismo” é sobretudo um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores de terras. Não é possível, pois, compreender o fenômeno sem referência à nossa estrutura agrária, que fornece a base de sustentação das manifestações de poder privado ainda tão visíveis no interior do Brasil. Paradoxalmente, entretanto, esses remanescentes de privatismo são alimentados pelo poder público, e isto se explica justamente em função do regime representativo, com sufrágio amplo, pois o governo não pode prescindir do eleitorado rural, cuja situação de dependência ainda é incontestável (LEAL, 1975, p.20).

A influência do poder privado era sintomática enquanto os chefes locais, à

frente do governo municipal, podiam nomear o delegado e o subdelegado de

polícia como decisivo trunfo ainda na década de 1940, o que representava “pôr a

polícia do Estado sob as ordens do chefe situacionista local”. Dessa forma,

garantiam a representação “pelo bem e pelo mal”, de um lado pelo exercício do

filhotismo (o bem) e, por outro, pelo exercício do mandonismo (o mal) como

“recurso simultâneo ao favor e ao porrete”. O autor conclui que, todavia, já na

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ocasião do seu estudo, em 1949, a ausência do poder público – que teve como

consequência a atuação do poder privado – estava já muito reduzida no interior

dos estados federados e cita a melhoria dos serviços prestados pela polícia como

um fator que favoreceu essas mudanças junto à diminuição da influência dos

“coronéis”, com sua já perceptível decadência no final da década em um cenário

de industrialização e de concentração urbana:

A polícia de hoje, salvo em raros Estados, poderá comparecer ao local de perturbação e atuar com relativa eficácia num período de tempo, que cada vez se torna mais curto. A rebeldia do chefe local – tão característica de certo período da Colônia – já não é um meio de consolidar, mas de enfraquecer e minar a influência do “coronel” (LEAL, 1975, p.42).

O progressivo fortalecimento dos órgãos policiais, a partir da segunda

metade da década de 1940, seria sinal de diminuição do poder privado, em um

processo que se evidencia no interior de um país caracterizado por enormes

distâncias, em face de suas dimensões continentais, passados mais de cem anos

de sua formação e consolidação, com a manutenção da unidade territorial.

5. O policiamento voltado aos recursos naturais em São Paulo

Enquanto a Constituição Federal de 1934 havia centralizado na esfera

federal a competência de legislação relacionada aos recursos naturais, o Código

Florestal – também de 1934 – prescrevera as responsabilidades dos Estados e

Municípios relacionadas especialmente à fiscalização, constituindo o seu art. 56 o

primeiro dispositivo legal que prevê a organização de uma “guarda florestal”

estadual mediante coordenação, estímulo e orientação da repartição federal de

florestas, nos seguintes termos do seu parágrafo 3º:

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Os Governos dos Estados e dos Municípios organizarão os serviços de fiscalização e guarda das florestas dos seus territórios, na conformidade dos dispositivos deste Código e das instruções gerais das autoridades da União, e cooperarão com estas no sentido de assegurar a fiel observância das leis florestais. . (NOMURA, 2004, p. 57, grifo nosso).

Observou Milton Sussumu Nomura, o fato de que o poder central federal

avocava a questão das florestas sem, contudo, inibir ou descartar o necessário

envolvimento e participação dos Estados e Municípios. Na sua análise, a partir da

centralização, acompanhando definição de Klaus Frey, houve uma abordagem

“de caráter ecológico-tecnocrata de planejamento, caracterizado pela forte

presença da administração pública, por meio de instituições com amplas formas

de imposição e intervenção” (NOMURA, 2004, p.57).

As decisões impositivas do Governo Central, na conclusão de Warren

Dean, significaram uma “rejeição histórica do liberalismo e uma reversão para o

controle estatal, abafado desde os primeiros dias do império, mas agora revivido

sob a bandeira de um nacionalismo modernizante e tecnocrata” (DEAN, 1996,

p.276). Todavia, essa postura não impediu as iniciativas das unidades da

federação que inclusive foram incentivadas no plano da atividade de fiscalização,

dos trabalhos de “polícia florestal” nos termos do Capítulo IV, artigos de 56 a 69

do Código Florestal.

Em São Paulo, o Serviço Florestal já existia como repartição da Secretaria

da Agricultura, Indústria e Comércio, desde 31 de dezembro de 1927, criado pela

Lei Estadual nº 2.223 do mesmo ano, atribuindo-se a ele as funções até então a

cargo da Diretoria de Agricultura, por meio do Horto Botânico e Florestal, que

passou a denominar-se Horto Florestal. Nessa oportunidade, definiram-se as

linhas prioritárias para sua atuação como: conservação e preservação de matas;

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defesa, exploração racional dos recursos madeireiros; e ensino e divulgação de

práticas silviculturais e da indústria extrativa da madeira. Em 1941, esse mesmo

órgão foi objeto de reorganização para também desenvolver “fiscalização e

execução do Código Florestal, em colaboração com o Departamento de Botânica

e Procuradoria de Patrimônio Imobiliário e Cadastro do Estado”. Todavia, ainda

não comportava um corpo de fiscalização a que se pudesse atribuir o título de

“guarda florestal”, o que somente viria a ocorrer em 1943 (ZORAIDE, 1991,

p.217).

De fato, mesmo com o funcionamento do Serviço Florestal, não há

registros de criação, mediante lei estadual, de uma guarda específica para

proteção florestal na década de 1930 em São Paulo, apesar da prescrição do

Código Florestal. Em 08 de fevereiro de 1943, por meio do Decreto Estadual nº

13.213, atribuiu-se à Procuradoria do Patrimônio Imobiliário e Cadastro do

Estado a responsabilidade pelas atividades de proteção que, alguns meses depois,

em 28 de julho de 1943, por intermédio do Decreto-Lei nº 13.487, foram

direcionadas ao Serviço Florestal, nos seguintes termos: “Artigo 3º - Passam a

competir exclusivamente ao Serviço Florestal da Secretaria da Agricultura,

Indústria e Comércio, os serviços de guarda e fiscalização das florestas do Estado

[...]”.

O mesmo Decreto-Lei nº 13.487, de 1943, do então Interventor do

governo federal no Estado de São Paulo, também organizou a Polícia Florestal

do Estado, finalmente atendendo os termos do parágrafo 3º, art. 56, do Código

Florestal, com a seguinte redação:

Artigo 16 – Incumbe à Polícia Florestal os serviços de fiscalização e guarda das florestas existentes no território do Estado, das reservas florestais, oficiais e, ainda, cumprir e fazer cumprir as determinações

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de autoridade competente no tocante à defesa das matas, ao reflorestamento e à caça e pesca. Artigo 17 – A Polícia Florestal terá um corpo efetivo de guardas florestais, subordinados ao Delegado de Polícia Florestal, correndo as despesas pelos recursos referidos no artigo 1º. Artigo 18 – O Secretário de Segurança Pública designará um Delegado de Polícia para dirigir o policiamento florestal, diretamente subordinado à Diretoria do Serviço Florestal do Estado. (NOMURA, 2004, p.58).

Ainda, Nomura (2004, p.58) observa que “o efetivo de guardas florestais,

inicialmente previsto, era de quinhentos e vintes homens” e que passados dois

anos, em 1945, com o Decreto-lei 15.143, de 19 de outubro, “o Governo do

Estado reorganiza o Serviço Florestal, instituindo o cargo de Diretor do Serviço

Florestal, nomeado em comissão. As atribuições dos órgãos que compunham o

Serviço Florestal, por sua vez, seriam previstas em Regimento”.

O referido regimento (regulamento) veio a ser aprovado pelo Decreto nº

19.008-A, de 14 de dezembro de 1949, publicado no Diário Oficial do Estado

no dia 16 do mesmo mês e ano (nº 282, ano 59º, p.01 e 02). Exatamente por

meio desse instrumento legal que a Força Pública de São Paulo foi chamada à

proteção dos recursos naturais, constituindo um grupo propriamente policial para

exercício de fiscalização, conforme o seu artigo 4º:

Além do corpo efetivo de guardas-florestais a que se refere o artigo 17, do Decreto-lei nº 13.487, de 28 de julho de 1943, a Polícia Florestal contará com um contingente de oficiais e

praças da Força Pública do Estado, ao qual incumbirá o

exercício das funções policiais previstas no art. 1º deste Regulamento (NOMURA, 2004, p.58, grifo nosso).

Em extenso estudo sobre a Secretaria de Agricultura de São Paulo, ao

discorrer sobre sua história de mais de cem anos completados em 1991, Zoraide

Martins também identificou o momento em que a Força Pública passou a atuar,

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por meio de seus integrantes destacados, junto a essa pasta então denominada

Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio:

Na área florestal, em 1949 seria aprovado o Regulamento da Polícia Florestal (que fora criada em 1943), incumbida da fiscalização e guarda das florestas existentes no Estado, das Reservas, Hortos e Parques Florestais, na defesa das matas e reflorestamento, da caça e da pesca, zelando pela execução do Código Florestal. O serviço Florestal, além do corpo de guarda de florestas, passou a contar com o contingente de oficiais e praças da Força Pública do Estado. (ZORAIDE, 1991, p.347).

A data 14 de dezembro de 1949, portanto, representará um marco da

atuação policial em defesa do meio natural em São Paulo. A rigor, até então

existia uma guarda florestal, apesar de identificada como “Polícia Florestal” nos

termos do Decreto-Lei nº 13.487, de 1943, com missões não regulamentadas em

lei estadual e com a presença apenas de guardas – agentes civis – da própria

Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio. Com sua regulamentação, a

partir de 1949, estruturou-se um verdadeiro órgão policial especializado com

capacidade própria de uso da força, quando necessário, para suas intervenções

objetivando a proteção dos recursos naturais, o que até então não era possível.

As atividades atribuídas ao inicial contingente de 27 homens distribuídos

em um pelotão com cinco segundo-sargentos, quatro cabos e 18 soldados,

comandados pelo então 2º Tenente Odilon Spinola Neto, estavam relacionadas a

uma gama variada de serviços, entre os quais se destacam: guarda e fiscalização

das Reservas, Hortos e Parques Estaduais; fiscalização das regras contidas no

Código Florestal; divulgação da legislação florestal; prevenção e combate aos

incêndios florestais; prevenção e repressão dos crimes e contravenções nas zonas

de suas vigilâncias e fiscalização; fiscalização das determinações legais referentes à

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caça e pesca; lavratura de autos de multa e apreensão contra infratores da

legislação florestal; vigilância especial no que se refere à soltura de balões,

conforme artigo 1º do seu regulamento, nos termos do mesmo Decreto nº

19.008-A.

Em 1949, era então governador de São Paulo Adhemar de Barros,

responsável também pela ampliação do efetivo geral da Força Pública, de 11.571

para 13.503 homens, um aumento que indica um ciclo de crescimento

institucional contínuo (DALLARI, 1977, p.91).

6. Considerações finais

Em conclusão, superada a fase revolucionária e o inicial encolhimento da

milícia paulista na década de 1930 – como efeito do movimento de 1932 –, a

evolução da força policial estadual terá vínculo direto com o fortalecimento do

processo de industrialização, em conjunto com o aumento da concentração

urbana dele decorrente. Tal movimento é traduzido no crescimento da demanda

pelos seus serviços e a necessidade de crescimento dos quadros de seu efetivo,

especialmente nos últimos anos da década de 1940. Heloisa Rodrigues Fernandes

identificou esse aspecto gerador de tensões e impulsionador do aperfeiçoamento

contínuo da Força Pública de São Paulo, representado pelo crescimento

institucional em efetivo e em qualificação, compatibiliza-se com a economia do

estado federado:

[...] é sob o período republicano que se conjugam uma série de condições propícias ao aparecimento e expansão do processo de industrialização e, portanto, de urbanização, que amplia, quantitativa e qualitativamente, os focos de alteração da ordem pela ampliação e agudização das tensões econômicas, sociais e políticas. Estas, por sua vez, geram a necessidade de um aperfeiçoamento contínuo da força mantenedora da ordem. Ainda, ao mesmo tempo em que cada força

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repressiva estadual depende da riqueza do seu próprio Estado (antes Província), ou seja, do crescimento econômico de cada região, é este que intensifica as tensões do sistema e exige, por sua vez, o aperfeiçoamento contínuo da repressão. (FERNANDES, 1973, p.256).

O impulso abriu caminho para a especialização de algumas tarefas, com o

surgimento de modalidades particulares de policiamento como o Rodoviário e o

Florestal, ambos organizados no final da década de 1940 com base em

integrantes da Força Pública disponibilizados para essas atribuições, em atuação

direta com os respectivos órgãos originalmente responsáveis pela fiscalização.

Quanto à primeira modalidade, a partir de 19485, o efetivo destinado ao

policiamento rodoviário já atuava em conjunto com o Departamento de Estradas

de Rodagem, que fora criado em 1930 (NASSARO, 2008, p.22). Interessante

notar que os policiais que seriam direcionados para essas atividades passavam por

seleção mediante a imposição de algumas exigências, a exemplo dos critérios de

recrutamento junto ao Corpo de Policiamento Florestal, registrando-se no art. 6º

do Decreto nº 19.008-A, de 1949, que o candidato deveria ter os seguintes

requisitos: robustez física e gosto pela vida campestre; pelo menos instrução

primária; altura mínima de 1,60m e boa conduta.

No entanto, paradoxalmente, a nascente “Polícia Florestal” se encontrava

ligada a uma Secretaria que funcionava como grande fomentadora do

desenvolvimento da agropecuária em São Paulo (Agricultura, Indústria e

Comércio) e, portanto, com propostas, em tese, colidentes quanto à utilização

dos recursos naturais. Tal situação viria a ser mudada em 1986, com a criação da

Secretaria do Meio Ambiente (SMA) – que manteve a parceria de ação com o

efetivo da Polícia Militar – designação da milícia paulista já em 1970, com a

5 Em 10 de janeiro de 1948, com a edição do Decreto Estadual nº 17.868, foi instituída, em São Paulo, a “Polícia Rodoviária”, com o efetivo inicial de 60 homens.

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unificação da Força Pública com a Guarda Civil –, visando à contenção das

infrações ambientais mediante convênio para autuações administrativas,

sucessivamente renovado com a Secretaria da Segurança Pública.

Como final consideração, ainda quanto aos últimos anos da década de

1940, convém anotar que, depois da Segunda Guerra Mundial, com a Declaração

Universal dos Direitos do Homem, cresceu nitidamente o reconhecimento da

necessidade de proteção de direitos individuais, coletivos e difusos. Como

identificou Norberto Bobbio, a comunidade internacional passou a influenciar

fortemente a tutela dos Estados em um movimento contínuo e, ao lado dos

chamados “direitos de segunda geração”, que são os direitos sociais, emergiram

os direitos de “terceira geração”; nessa categoria heterogênea incluem-se

aspirações e direitos relacionados à convivência em equilíbrio e “o mais

importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de

viver num ambiente não poluído” (BOBBIO, 1992, p.05).

Pode-se identificar essa preocupação pelos efeitos trazidos pelo processo

de industrialização associado à degradação ambiental e às estruturas que surgiram

no Estado e que, depois de estabelecidas, prosseguem em aperfeiçoamento para

fazer frente a uma demanda contemporânea de proteção, em face da clara

definição das esferas pública e privada. Trata-se de um processo histórico em que

os direitos surgem e, com eles, o aparato para sua tutela, contrapondo-se à

capacidade do homem de dominar o próprio homem e também de dominar a

natureza.

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(Organizadoras)

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FCL – Assis – UNESP – Publicações

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca da F.C.L. – Assis – UNESP

E74 A escrita histórica e suas múltiplas faces / Zélia Lopes da Silva, Karina Anhezini (organizadoras).- Assis: FCL-Assis-UNESP- Publicações, 2011 989 p. : il. ISBN: 978-85-88463-66-0 1. Ciência política. 2. Religião. 3. Cultura. 4. Sociedades. I. Silva, Zélia Lopes da. II. Anhezini, Karina.

CDD 200 301.2

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