inserindo a cultura africana nas aulas de matemática

230
Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP Instituto de Ciências Exatas e Biológicas ICEB Departamento de Matemática DEMAT Mestrado Profissional em Educação Matemática Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática: um estudo com alunos de 6º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública de Betim (MG) Fabiana Pereira de Oliveira (Mestranda) Ana Cristina Ferreira (Orientadora) Ouro Preto 2014

Upload: lydiep

Post on 10-Jan-2017

233 views

Category:

Documents


3 download

TRANSCRIPT

Page 1: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP

Instituto de Ciências Exatas e Biológicas – ICEB

Departamento de Matemática – DEMAT

Mestrado Profissional em Educação Matemática

Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática: um estudo com

alunos de 6º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública de

Betim (MG)

Fabiana Pereira de Oliveira (Mestranda)

Ana Cristina Ferreira (Orientadora)

Ouro Preto

2014

Page 2: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

2

Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP

Instituto de Ciências Exatas e Biológicas – ICEB

Departamento de Matemática – DEMAT

Mestrado Profissional em Educação Matemática

Fabiana Pereira de Oliveira

Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática: um estudo com

alunos de 6º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública de

Betim (MG)

Dissertação apresentada à Banca de

Qualificação, como exigência parcial à

obtenção do Título de Mestre em Educação

Matemática pelo Mestrado Profissional em

Educação Matemática da Universidade

Federal de Ouro Preto, sob orientação da

Profa. Dra. Ana Cristina Ferreira.

Ouro Preto

2014

Page 3: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

3

Catalogação: [email protected]

O482i Oliveira, Fabiana Pereira de.

Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática [manuscrito] : um

estudo com alunos de 6º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública

de Betim (MG)/ Fabiana Pereira de Oliveira – 2014.

230f.: il. color.; tab.; figs..

Orientadora: Profª Drª Ana Cristina Ferreira.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto

de Ciências Exatas e Biológicas. Departamento de Matemática. Programa de

Mestrado Profissional em Educação Matemática.

Área de concentração: Educação Matemática.

1. Matemática - Estudo e ensino - Teses. 2. Aprendizagem - Teses. 3.

Patrimônio cultural - Teses. I. Ferreira, Ana Cristina. II. Universidade Federal

de Ouro Preto. III. Título.

CDU: 51:373.3(815.1)

CDU: 669.162.16

Page 4: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

4

Page 5: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

5

Dedico à minha amada família

que sempre fez tudo

por mim....

Page 6: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

6

AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço à Deus que possibilitou todo esse caminho árduo, mas

gratificante, pois sinto que Ele é a razão de tudo isso ter dado certo.

Agradeço à minha mãe pelo amor incondicional, apoio e cooperação.

À minha filha por me permitir estar aqui, ao meu irmão por me apoiar e suprir a

minha falta junto à família, a minha irmã por me apoiar e ajudar em tudo mesmo.

Agradeço aos meus companheiros de mestrados com os quais dividi o trabalho, as

angústias, os momentos de descontração e a parceria nas atividades, e até nas

brincadeiras.

Agradeço aos meus amigos do curso de Matemática por me incentivar a estar aqui

e por confiarem no meu potencial.

À minha orientadora por todo o esforço e por não desistir de mim.

Page 7: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

RESUMO

A Lei 10.639/03 instituiu a obrigatoriedade do ensino da História da África e dos

africanos no currículo do Ensino Fundamental e Médio de todas as redes de ensino.

Contudo, os professores e futuros professores de Matemática, de modo geral, não têm

sido preparados para trabalhar com a temática. A presente pesquisa busca superar tais

obstáculos ao analisar o potencial e as limitações de uma proposta de ensino na qual a

cultura africana e a Matemática sejam protagonistas. Em especial, investigamos o

potencial de algumas tarefas envolvendo a arquitetura vernacular africana para a

aprendizagem matemática de alunos de 6ª ano do Ensino Fundamental de uma escola

pública da periferia de Betim (MG). Tal proposta se fundamenta em uma perspectiva

situada da aprendizagem e se propõe a identificar indícios de mudança de participação

dos participantes nas práticas escolares. Os dados foram coletados por meio de gravações

em áudio e vídeo dos encontros, diário de campo da pesquisadora e registros produzidos

pelos alunos ao longo das atividades. A análise do processo evidencia um grande

interesse, envolvimento e participação dos alunos nas tarefas propostas. Em certa medida,

pode-se observar, uma ampliação do conhecimento dos alunos acerca de nossas origens,

com destaque para as raízes africanas. Além disso, verificou-se a apropriação de

conhecimentos matemáticos (principalmente relacionados à Geometria e Medidas) e

habilidades (principalmente relacionadas ao uso de instrumentos de construção

geométrica e medida). Este estudo gerou ainda um Produto Educacional no formato de

livro no qual a proposta de ensino é apresentada e discutida com detalhes. Tal material

destina-se a professores e futuros professores de Matemática, formadores de professores

e demais interessados.

Palavras chave: Educação Matemática; Ensino Fundamental, História e Cultura Africana,

Participação, Aprendizagem Situada.

Page 8: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

8

ABSTRACT

The brazilian Law 10.639/03 establishes the mandatory teaching of History of Africa and

of Africans in the curriculum of elementary and secondary education in the brazilian

education system. However, teachers and prospective mathematics teachers, in general,

have not been prepared to work with this theme. This research aims to overcome such

obstacles as it analyses both the potential and the limitations of a teaching proposal in

which African culture and mathematics are protagonists. We particularly investigate the

potential of some tasks involving the African vernacular architecture for the mathematical

learning of students in the 6th year of secondary school in a public school on the outskirts

of Betim, a city in the state of Minas Gerais. This proposal is based on a situated learning

perspective and it aims to identify evidence of change in students’ participation in the

school practices. Data were collected through video and audio recordings of the meetings,

through the researcher's field journal, and through records produced by the students

during the activities. The process analysis shows a great interest, involvement, and

participation of students in the proposed tasks. To some extent, one can observe a

broadening of students' knowledge about our origins, emphasizing the African roots.

Moreover, there was an appropriation of the mathematical knowledge (especially related

to Geometry and Measurement) and skills (especially related to the use of instruments of

geometrical construction and measurement). This study also generated an Educational

Product in the form of a textbook, in which this teaching proposal is presented and

discussed in detail. Such material is intended for teachers and future teachers of

mathematics, teacher educators, and other interested parties.

Keywords: Mathematics Education; Elementary Education; African History and Culture;

participation; situated learning.

Page 9: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

9

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - Moradias da tribo Gurunsi (Kassena) Burkina Faso e Gana..................... 39 FIGURA 2 - Planta das casas Iorubás. (Figura modificada pelo autor) ........................ 44

FIGURA 3 - Vista de um Compound Iorubá. .............................................................. 44 FIGURA 4 - Planta do Quilombo de São Gonçalo ....................................................... 45

FIGURA 5 - Representação das tipologias arquitetônicas identificadas nas plantas dos

quilombos mineiros. .................................................................................................... 46

FIGURA 6 - “Borrow pits”. ........................................................................................ 47 FIGURA 7 - Habitação de negros................................................................................ 48

FIGURA 8 - Negra pobre dando a mão ao filho que leva uma cana na mão, aquarela de

Guillobel, 1814. .......................................................................................................... 49

FIGURA 9 - Interior de uma casa do baixo povo, aquarela de Guillobel, 1820. ........... 50 FIGURA 10 - Árvore Genealógica da professora (pesquisadora) construída no primeiro

encontro. ..................................................................................................................... 78 FIGURA 11 - Produção do cartaz da árvore genealógica. ............................................ 80

FIGURA 12 - Produção do cartaz da árvore genealógica. ............................................ 80 FIGURA 13 - Produção do cartaz da árvore genealógica. ............................................ 80

FIGURA 14 - Produção do cartaz da árvore genealógica. ............................................ 80 FIGURA 15 - Produção do cartaz da árvore genealógica. ............................................ 81

FIGURA 16 - Produção do cartaz da árvore genealógica. ............................................ 81 FIGURA 17- Produção do cartaz da árvore genealógica. ............................................. 81

FIGURA 18 - Produção do cartaz da árvore genealógica. ............................................ 81 FIGURA 19 – Resposta do aluno Renato a questão: Quem somos? ............................. 93

FIGURA 20 – Resposta do aluno André a questão: Quem somos? .............................. 93 FIGURA 21 – Resposta do aluno Eduardo a questão: Quem somos? ........................... 94

FIGURA 22– Resposta do aluno Pedro a questão: Quem somos? ................................ 94 FIGURA 23 – Resposta do aluno Angélica a questão: Quem sou eu? .......................... 94

FIGURA 24 – Resposta do aluno Amanda a questão: Quem sou eu? ........................... 94 FIGURA 25 – Resposta do aluno Estela a questão: Quem sou eu? .............................. 95

FIGURA 26 – Resposta do aluno Fernanda a questão: Quem somos? .......................... 95 FIGURA 27 – Resposta do aluno Nádia a questão: Quem somos? ............................... 95

FIGURA 28- Relato do aluno Carlos a respeito da sua formação familiar.................... 98 FIGURA 29- Relato do aluno Pedro a respeito da sua formação familiar. .................... 98

FIGURA 30- Relato da aluna Amanda a respeito da sua formação familiar. ................ 99 FIGURA 31- Relato do aluno André a respeito da sua formação familiar. ................. 100

FIGURA 32- Resposta da aluna Amanda. ................................................................. 103 FIGURA 33- Resposta do aluno André. .................................................................... 104

FIGURA 34 - Resposta da aluna Amanda. ................................................................ 104 FIGURA 35- Resposta da aluna Fernanda. ................................................................ 105

FIGURA 36- Resposta do aluno Renato. ................................................................... 105 FIGURA 37- Resposta da aluna Angélica. ................................................................ 105 FIGURA 38 - Resposta da aluna Estela. .................................................................... 106

FIGURA 39- Resposta da aluna Nádia. ..................................................................... 106 FIGURA 40- Atividade produzida pelo aluno Carlos. ............................................... 107

FIGURA 41 - Casa do avô do Carlos. ....................................................................... 109 FIGURA 42- Relato do aluno Carlos sobre o encontro. ............................................. 109

FIGURA 43 - Quadro construído pela aluna Amanda. ............................................... 111 FIGURA 44 - Quadro construído pela aluna Amanda. ............................................... 111

Page 10: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

10

FIGURA 45 - Quadro construído pela aluna Amanda. ............................................... 111

FIGURA 46 - Foto da casa do avô do aluno Carlos. .................................................. 112 FIGURA 47 - Relato do encontro feito pela aluna Fernanda. ..................................... 112

FIGURA 48 - Relato do encontro feito pela aluna Amanda. ...................................... 112 FIGURA 49- Construção da planta baixa. ................................................................. 115

FIGURA 50 – Resposta do aluno Carlos. .................................................................. 118 FIGURA 51 – Resposta do aluno Carlos. .................................................................. 118

FIGURA 52 – Resposta do aluno Carlos. .................................................................. 118 FIGURA 53 – Resposta da aluna Fernanda. .............................................................. 119

FIGURA 54 – O grupo 1 fazendo as medições na argila para recortar o retângulo. .... 122 FIGURA 55 – Montagem do telhado da aldeia com argila......................................... 127

FIGURA 56 – Montagem do telhado com argila. ...................................................... 128 FIGURA 57 – Casa construída com telhado de argila. ............................................... 129

FIGURA 58 – Casa construída com telhado de argila. ............................................... 129 FIGURA 59 – Casa construída com telhado de argila. ............................................... 129

FIGURA 60 – Tentativa de construir o telhado com compensado. ............................. 130 FIGURA 61 – Casa montada da Nádia. ..................................................................... 132

FIGURA 62 – Casa montada da Nádia. ..................................................................... 132 FIGURA 63 – Casa montada. .................................................................................... 133

FIGURA 64 – Casa montada. .................................................................................... 133 FIGURA 65- Pesquisa feita pela aluna Fernanda sobre o tempo de viagem de navio e de

avião. ........................................................................................................................ 134 FIGURA 66- Pesquisa feita pela aluna Amanda sobre o tempo de viagem de navio e de

avião. ........................................................................................................................ 134 FIGURA 67 - Tabela produzida pela aluna Amanda.................................................. 139

FIGURA 68- Construção da planta baixa. ................................................................. 141 FIGURA 69- Construção da planta baixa. ................................................................. 142

FIGURA 70 – Construindo a planta baixa, em tamanho real da casa cilíndrica. ......... 143 FIGURA 71 – Construindo a planta baixa, em tamanho real da casa cilíndrica. ......... 143

FIGURA 72 – Construindo a planta baixa, em tamanho real, da casa cilíndrica. ........ 144 FIGURA 73 – Carlos verificando se caberia na casa desenhada no chão da sala. ....... 145

FIGURA 74 - A divisão da argila do grupo 1. ........................................................... 147 FIGURA 75 – Construindo a planta baixa, usando barbante, da casa cilíndrica. ........ 150

FIGURA 76 – Construindo a planta baixa, usando barbante, da casa cilíndrica. ........ 151 FIGURA 77 – Construindo a planta baixa, usando barbante. ..................................... 155

FIGURA 78 – Construindo a planta baixa, usando barbante. ..................................... 156 FIGURA 79 – Construindo a planta baixa, usando barbante. ..................................... 157

FIGURA 80 – relato da aluna Fernanda. ................................................................... 158 FIGURA 81 – relato do aluno André. ........................................................................ 158

FIGURA 82 – Montagem do muro da aldeia. ............................................................ 159 FIGURA 83 – Tentativa de montagem do telhado usando papelão. ........................... 160

FIGURA 84 - A divisão da argila do grupo 1. ........................................................... 168 FIGURA 85 – O grupo 1 montando a casa com a argila. ........................................... 168 FIGURA 86 – O grupo 1 montando a casa com a argila. ........................................... 168

FIGURA 87 – O grupo 1 montando a casa com a argila. ........................................... 169 FIGURA 88 – Construindo o telhado da casa do grupo 1. ......................................... 169

FIGURA 89– Armação da casa do grupo 2. .............................................................. 172 FIGURA 90 – Tentativa de construção da casa do grupo 2. ....................................... 174

FIGURA 91 – Tentativa de construção da casa do grupo 2. ....................................... 174 FIGURA 92- Relato do encontro da aluna Amanda. .................................................. 175

Page 11: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

11

FIGURA 93- construção da planta baixa. .................................................................. 176

FIGURA 94 - construção da planta baixa. ................................................................. 176 FIGURA 95 – O relato do aluno Carlos ao final do encontro ..................................... 177

FIGURA 96 – Construindo a casa do grupo 3. .......................................................... 178 FIGURA 97 – Construindo a casa do grupo 3. .......................................................... 179

FIGURA 98 – Construindo a casa do grupo 3. .......................................................... 179 FIGURA 99 – Construindo a casa do grupo 3. .......................................................... 180

FIGURA 100 – Construindo a casa do grupo 3.......................................................... 180 FIGURA 101 – Construindo a casa do grupo 3.......................................................... 180

FIGURA 102 – Relato do encontro do aluno André. ................................................. 180 FIGURA 103 - Construção da planta baixa. .............................................................. 181

FIGURA 104 - Casa do avô do Carlos. ..................................................................... 187 FIGURA 105 – Casa de argila da Angélica com móveis. ........................................... 188

FIGURA 106 – Casa de argila da Angélica com móveis. ........................................... 189 FIGURA 107 – Casa de argila montada e pintada pela aluna Patrícia. ....................... 189

FIGURA 108 – Estratégia de montagem do telhado. ................................................. 191 FIGURA 109 – Montagem do telhado com argila. .................................................... 191

FIGURA 110 – Casa montada. .................................................................................. 192

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 - Pesquisas que relacionam a ensino de matemática com África. ............. 22

QUADRO 2 - Pesquisas que relacionam a Educação com a cultura africana................ 23 QUADRO 3- Caracterização dos alunos participantes da pesquisa. ............................. 66

QUADRO 4– Encontros ............................................................................................. 68 QUADRO 5– Formação dos grupos de alunos nos encontros. ..................................... 69

Page 12: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

12

SUMÁRIO

Introdução ................................................................................................................... 14

Capítulo I: ................................................................................................................... 18

Cultura, cultura africana e ensino de Matemática ........................................................ 18

1.1. Discutindo cultura ......................................................................................... 18

1.2. Revisão de literatura ..................................................................................... 22

Capítulo II: ................................................................................................................. 25

Explorando a cultura africana nas aulas de Matemática: conceitos e ideias que

fundamentaram a pesquisa .......................................................................................... 25

2.1. Os negros na sociedade mineira .................................................................... 31

2.2 Arquitetura vernacular africana e sua influência na formação da paisagem

mineira .................................................................................................................... 33

2.3. Relatos dos viajantes sobre a arquitetura de terra em Minas Gerais ............... 34

2.4. A arquitetura popular .................................................................................... 36

2.5. Arquitetura popular africana ......................................................................... 37

2.6. Arquitetura popular africana em Minas Gerais .............................................. 41

2.7. Estabelecendo conexões entre a arquitetura vernacular africana e a Matemática

escolar..................................................................................................................... 51

Capítulo III: ................................................................................................................ 53

A aprendizagem da Matemática em uma perspectiva situada: em busca de caminhos

para a prática docente .................................................................................................. 53

3.1. Diferentes perspectivas: Caminhos para aprendizagem situada ...................... 54

3.2. Prática Social ................................................................................................ 56

3.3. Participação ................................................................................................. 59

Capítulo IV: ................................................................................................................ 62

A pesquisa .................................................................................................................. 62

4.1. Contexto ....................................................................................................... 64

4.2. Participantes ................................................................................................. 65

4.3. Procedimentos metodológicos ....................................................................... 66

4.3.1. A construção das tarefas ........................................................................ 67

4.3.2. Dinâmica dos encontros ........................................................................ 67

4.3.3. A coleta de dados e sua organização...................................................... 69

Capítulo V: ................................................................................................................. 72

Page 13: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

13

O trabalho de campo – descrição dos encontros ........................................................... 72

5.1. Primeiro encontro: dia 8 de maio de 2013 ..................................................... 76

5.2. Encontro do dia 15 de maio de 2013 ............................................................ 79

Capítulo VI: ................................................................................................................ 88

Analisando as vivências: desvelando saberes matemáticos e saberes associados à cultura

africana ....................................................................................................................... 88

6.1. Cultura africana ............................................................................................ 89

6.1.1. Ideias associadas à raça/ etnia/ identidade ............................................ 89

6.1.2. Questões associadas à geografia e à arquitetura afro-brasileira. ......... 102

6.2. Noções da Matemática escolar .................................................................... 119

6.2.1. Formas geométricas ............................................................................ 119

6.2.2. Unidade de medidas............................................................................. 133

6.2.3. Planta baixa e Escala .......................................................................... 140

6.2.4. Uso de instrumentos............................................................................. 147

6.3. Construção de identidades coletivas ............................................................ 162

Episódio 1: A construção de casas de barro .................................................. 163

Episódio 2: Discussões, interações nos encontros .......................................... 182

Episódio 3: Criatividade ................................................................................ 187

Considerações ....................................................................................................... 193

Considerações finais ................................................................................................. 196

Referências ............................................................................................................... 201

Page 14: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

14

Introdução

A partir de um curso de aperfeiçoamento em História da África e das Culturas

Afro-Brasileiras, realizado na Faculdade de Educação da UFMG e, mais especificamente,

da disciplina Matemática e sociedades africanas, entramos em contato com distintas

matemáticas construídas pelos povos africanos. Como trabalho final desse curso,

elaboramos um projeto com o jogo Mancala, cujo enfoque era a História e sua aplicação

prática em sala de aula. Todo esse processo nos levou a perceber a presença da

Matemática em outro universo cultural e o potencial dessa diversidade na formação de

nossos alunos, tanto em termos de aprendizagem matemática quanto de construção de

identidade e formação cidadã.

No entanto, sentimos que existe uma lacuna em nossa formação quando se trata

dos conhecimentos relacionados à diversidade cultural brasileira. Mais especificamente,

à cultura negra.

Ações governamentais já observavam a pertinência de um estudo mais amplo de

outras culturas, especialmente as não europeias. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação

(LDB), no Art. 26, d 4º, apontava que “o ensino da História do Brasil levará em conta as

contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro,

especialmente das matrizes indígena, africana e européia.” (BRASIL, 1997, p. 15). Tal

orientação também aparecia nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998),

inclusive com sugestões a serem implementadas por meio dos temas transversais.

Finalmente, a Lei 10.639/03 institui a obrigatoriedade do ensino da História da África e

dos africanos no currículo do Ensino Fundamental e Médio, representando um avanço no

sentido de reverter o quadro de discriminação e de total invisibilidade da cultura negra

até então existente.

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio,

oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro- Brasileira.

§ 1ª - O Conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo

incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade

nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social,

econômica e política pertinentes à História do Brasil.

§ 2ª - Os Conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas

de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.

Page 15: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

15

Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como

“Dia Nacional da Consciência Negra.”

(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm)

Contudo, a obrigatoriedade, embora necessária, não é suficiente para a

implementação, de fato, da lei. Nem os futuros professores, nem a maioria dos professores

em exercício, de modo geral, estão preparados para trabalhar com a temática. Tal fato não

diminui a importância da iniciativa, nem seu valor social, entretanto, precisa ser

considerado com atenção pelas instituições formadoras e pelos gestores das escolas no

sentido de proporcionar oportunidades de aprendizagem e estudo para seus docentes.

Desse modo, a partir do ingresso no Mestrado, procuramos aprofundar os nossos

conhecimentos e práticas sobre o tema com o intuito de contribuir para a construção de

propostas que pudessem tanto subsidiar nossa prática pedagógica quanto a de outros

docentes e formadores de professores. Para isso, estudamos diversas práticas sociais

africanas – artesanato, culinária, técnicas construtivas etc. – e realizamos inicialmente um

estudo piloto com um grupo de alunos do 6º ano em 2012. Uma análise desse estudo

piloto evidenciou o potencial das técnicas construtivas em terra, muito comum na África

ainda hoje, a qual veio a constituir uma herança fortemente apropriada ao Brasil,

especialmente em Minas Gerais. Esse tipo de arquitetura – tradicional de uma cultura – é

denominado arquitetura vernacular1.

No caso da arquitetura vernacular africana em terra, encontramos um exemplo

interessante da transmissão de conhecimentos entre culturas. Os negros africanos,

trazidos como escravos para o Brasil, introduziram, na construção de suas casas, técnicas

construtivas em barro que, ainda hoje, são utilizadas aqui. Dessa forma, na presente

pesquisa, investigamos o potencial de algumas tarefas envolvendo a arquitetura

vernacular africana para a aprendizagem matemática de alunos de 6º ano do Ensino

Fundamental de uma escola pública da periferia de Betim (MG). Parece-nos significativo

explorar tais práticas junto aos estudantes, tanto com o propósito de conhecer e valorizar

a cultura africana e perceber sua influência em nosso próprio repertório cultural, quanto

de criar oportunidades de vivenciar conhecimentos matemáticos de uma forma distinta da

rotineira. Não mais por meio de exemplos e exercícios, mas de sua aplicação em situações

concretas surgidas em práticas sociais.

1 Arquitetura vernacular “é todo o tipo de arquitetura em que se empregam materiais e recursos do próprio

ambiente em que a edificação é construída, caracterizando uma tipologia arquitetônica com caráter local ou

regional.” (MARQUES, ASUMA e SOARES, 2009, p. 47).

Page 16: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

16

Tendo em vista todo o exposto, recortamos as seguintes questões norteadoras:

Como explorar noções matemáticas nos modos de construções próprias da cultura

africana? Que contribuições essa exploração pode trazer para a aprendizagem

matemática de alunos do 6º ano do Ensino Fundamental?

Para responder a essas questões, estudamos a história e a cultura do povo africano,

principalmente a influência da arquitetura africana em nossa cultura. Na medida do

possível, procuramos investigar a Matemática presente nas práticas sociais construtivas

africanas. O trabalho busca cumprir, pois, uma dupla função: ampliar o conhecimento dos

alunos acerca de nossas origens e da composição do povo brasileiro, com destaque para

as raízes africanas, bem como construir conhecimento matemático a partir da observação,

análise e interpretação desse conhecimento e vivência. Ademais, constitui objetivo deste

estudo gerar, ao seu término, um produto educacional em forma de um livreto com uma

proposta de ensino, o qual será disponibilizado para professores, formadores de

professores e demais interessados.

A Dissertação está organizada em seis capítulos.

No primeiro capítulo fazemos uma discussão sobre o conceito de cultura. Em um

segundo momento, nos situamos no campo da Educação Matemática acerca do ensino da

disciplina relacionado com a cultura africana. Apresentamos sínteses de nossas leituras

de pesquisas realizadas no Brasil, as quais abordam os temas “cultura africana” ou

“África” e “ensino” ou “ensino de Matemática.”

Começamos o segundo capítulo, fazendo um pequeno relato histórico da inclusão

de políticas educativas voltada para a inserção da cultura negra nas escolas. No primeiro

tópico, há um relato histórico da presença do negro africano na sociedade mineira e, no

segundo, uma breve descrição da história da formação da paisagem mineira e seus

vínculos com a cultura africana. No terceiro tópico, apresentamos algumas descrições

panorâmicas das vilas mineiras a partir da visão de viajantes da época, que referiram as

construções que utilizavam as técnicas de construção com terra crua. No quarto tópico,

definimos, segundo Faria (2011), arquitetura popular. O quinto tópico, trata da arquitetura

popular africana, suas características, a influência do ambiente nas construções e as

formas das casas e materiais de construções utilizados. O sexto tópico relata a influência

da arquitetura popular africana em Minas Gerais. Ao final do capítulo, relacionamos a

arquitetura africana com o ensino de Matemática.

Page 17: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

17

No terceiro capítulo, apresentamos algumas considerações acerca dos estudos

sobre a aprendizagem situada de Lave (1990, 1991, 1993, 1996) e suas contribuições para

o entendimento da aprendizagem, uma vez que as ideias dessa autora constituem-se no

principal referencial teórico da presente pesquisa.

O quarto capítulo apresenta nossas opções metodológicas, bem como o contexto

do estudo, os participantes, os procedimentos e as técnicas de coleta de dados utilizadas.

No quinto capítulo, descrevemos o trabalho de campo realizado, apresentando um

pequeno resumo das atividades desenvolvidas no trabalho bem como descrições dos

encontros de pesquisa. Buscamos detalhar cada tarefa, de modo a evidenciar o contexto e

a dinâmica com a qual se desenvolveram. Procuramos dar especial destaque às falas e

comportamentos dos alunos.

No sexto capítulo fazemos a análise dos dados por meio de categorias, buscando,

simultaneamente, dialogar com a literatura revisada e com nosso referencial teórico.

Finalizamos com algumas considerações sobre todo o processo vivido e, em

seguida, referências e apêndices.

Page 18: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

18

Capítulo I:

Cultura, cultura africana e ensino de Matemática

Iniciamos nossos estudos com o intuito de trabalhar conceitos matemáticos em

atividades que envolvessem a cultura africana. E, para melhor aprofundarmos nestes

termos, vamos entender o que estamos tratando por cultura, propondo uma discussão do

conceito. Na segunda parte do capítulo, buscaremos nos situar no campo da pesquisa em

Educação Matemática, com o intuito de extrair informações para a construção de uma

perspectiva acerca da produção de pesquisa que, de certo modo, aborde o tema “cultura

africana” nessa área em nosso país.

1.1. Discutindo cultura

Como Geertz (2008), entendemos a noção de cultura como sendo padrões

simbólicos, com significados, transmitidos historicamente. As pessoas se comunicam por

meio desse sistema de concepções herdados expressos de forma simbólica, dessa forma,

perpetuando e desenvolvendo seus conhecimentos e atitudes relacionadas à vida.

Hall (1997, p.1) considera que “toda ação social é “cultural”, que todas as práticas

sociais expressam ou comunicam um significado e, neste sentido, são práticas de

significação”. Assim,

A ação social é significativa tanto para aqueles que a praticam quanto

para os que a observam: não em si mesma mas em razão dos muitos e variados sistemas de significado que os seres humanos utilizam para

definir o que significam as coisas e para codificar, organizar e regular

sua conduta uns em relação aos outros. Estes sistemas ou códigos de

significado dão sentido às nossas ações. Eles nos permitem interpretar significativamente as ações alheias. Tomados em seu conjunto, eles

constituem nossas “culturas” (HALL, 1997, p. 1).

Por exemplo, na escola, quando toca o sinal (a sirene), alunos e professores sabem

que acabou a aula, ou seja, toda a comunidade escolar reconhece e dá significado para a

ação ‘tocar o sinal’. Já uma pessoa fora dessa comunidade, apenas reconhece como mais

um sinal, sem significá-lo. Portanto, para a comunidade escolar, a ação social de ‘tocar o

sinal’ faz parte de sua cultura.

Page 19: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

19

Segundo esse autor, a cultura tem uma centralidade substantiva e um peso

epistemológico2, que nem sempre foi atribuído a ela, como merecido, pelas ciências

humanas e sociais.

No século XX, ocorreu o que se denominou de “revolução cultural”3. A cultura

assumiu uma função de importância no que diz respeito à estrutura e à organização da

sociedade “moderna”. No entanto, apesar da globalização e da facilidade de acesso às

informações, não há uma homogeneização cultural4 (HALL, 1997).

A cultura global necessita da “diferença” para prosperar — mesmo que apenas para convertê-la em outro produto cultural para o mercado

mundial (como, por exemplo, a cozinha étnica). É, portanto, mais

provável que produza “simultaneamente” novas identificações (Hall, ibid.) “globais” e novas identificações locais do que uma cultura

global uniforme e homogênea (HALL, 1997, p. 3).

O resultado dessa mistura de diferenças culturais dilui barreiras e, muitas vezes,

ocorre a troca do velho pelo novo. Contudo, mais frequentemente, ocorre o que Hall

(1997) denominou de ‘sintetização’ de elementos de ambas as culturas se transformando

em uma nova cultura que não é nenhuma delas.

Nesse contexto, a cultura é entendida de forma mais dinâmica e muito mais

imprevisível, temporal. “É quase impossível para o cidadão comum ter uma imagem

precisa do passado histórico sem tê-lo tematizado, no interior de uma “cultura herdada”,

que inclui panoramas e costumes de época” (HALL, 1997, p. 5).

Pensando a revolução cultural de modo substantivo, observamos que a vida

cotidiana das pessoas foi revolucionada, o que foi desorganizando e causando

deslocamentos. Esses deslocamentos, segundo Hall (1997), causam impacto na “vida

interior”, o que está relacionado à centralidade da cultura na constituição da subjetividade,

da sua própria identidade, ou seja, da pessoa como um ator social.

2 Hall (1997) por “substantivo”, “o lugar da cultura na estrutura empírica real e na organização das

atividades, instituições, e relações culturais na sociedade, em qualquer momento histórico particular”

(HALL, 1997, p.1). E por “epistemológico”, “à posição da cultura em relação às questões de conhecimento

e conceitualização, em como a “cultura” é usada para transformar nossa compreensão, explicação e modelos

teóricos do mundo” (HALL, 1997, p.1). 3 No século XX os meios de produção, circulação e troca cultural, através das tecnologias e da revolução

da informação, têm se expandido. Essa expansão de trocas culturais é o que Hall (1997) chama de

“Revolução Cultural”. 4 Homogeneização cultural é a tendência “de que o mundo se torne um lugar único, tanto do ponto de vista

espacial e temporal quanto cultural: a síndrome que um teórico denominou de McDonaldização do Globo”

(HALL, 1997, p.3).

Page 20: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

20

Ainda de acordo com Hall (1997, p. 8), a identidade emerge “do diálogo entre os

conceitos e definições que são representados para nós pelos discursos de uma cultura e

pelo nosso desejo (consciente ou inconsciente) de responder aos apelos feitos por estes

significados”. A nossa identidade é o espelho visto pelo nosso olhar e pelo olhar do outro,

em suma, nossas emoções são investidas em uma ou em outra daquelas imagens pelas

quais nos identificamos.

O que denominamos “nossas identidades” poderia provavelmente ser

melhor conceituado como as sedimentações através do tempo daquelas

diferentes identificações ou posições que adotamos e procuramos “viver”, como se viessem de dentro, mas que, sem dúvida, são

ocasionadas por um conjunto especial de circunstâncias, sentimentos,

histórias e experiências única e peculiarmente nossas, como sujeitos

individuais. Nossas identidades são, em resumo, formadas culturalmente (HALL, 1997, p. 8).

Isso significa que as identidades sociais são construídas, através da cultura, no

interior das representações sociais.

Nesse sentido, segundo Hall (1997), está ocorrendo uma revolução conceitual

importante nas ciências sociais e humanas. Refere-se a uma abordagem da análise social

dos tempos, que passou a ver a cultura como uma condição constitutiva da vida social,

provocando, dessa forma, uma mudança de paradigma conhecida como “virada cultural”,

nas ciências sociais e nas humanidades. A “virada cultural” está ligada à mudança de

percepção da linguagem, que a torna como um termo geral para as práticas de

representação, e a colocou numa posição de destaque na construção e circulação do

significado” (Hall, 1997, p. 9).

Isso manteve aberto um fosso entre a existência e o significado de um

objeto. O significado surge, não das coisas em si — a “realidade” —

mas a partir dos jogos da linguagem e dos sistemas de classificação nos

quais as coisas são inseridas. O que consideramos fatos naturais são, portanto, também fenômenos discursivos (HALL, 1997, p. 10).

Por exemplo, dizer, que uma pedra é apenas uma pedra, num determinado

esquema discursivo ou classificatório, não é negar que a mesma pedra tenha existência

material, mas é dizer que seu significado é resultante não de sua essência natural, mas de

seu caráter discursivo. Dessa forma, podemos afirmar que todas as práticas sociais,

associadas a um significado, têm uma dimensão “cultural”.

O que aqui se argumenta, de fato, não é que “tudo é cultura”, mas que

toda prática social depende e tem relação com o significado:

conseqüentemente, que a cultura é uma das condições constitutivas de existência dessa prática, que toda prática social tem uma dimensão

Page 21: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

21

cultural. Não que não haja nada além do discurso, mas que toda prática

social tem o seu caráter discursivo (HALL, 1997, p. 13).

Sendo a educação uma prática social produtora de discursos e significados, ela

também possui uma dimensão cultural. Considerando o ponto de vista educacional,

consideramos, como Godoy (2011), que a escola tanto produz quanto reproduz a

sociedade em que está inserida.

As práticas de significação e os sistemas simbólicos, constituintes de um

sistema de representação, atuam na constituição do sujeito, da sua

subjetividade e identidade e na fabricação de formas de diferenças entre os elementos de um mesmo ou distinto grupo social. Essa sujeição é

responsável pela produção das diferenças, que são intrínsecas à

constituição das identidades, regulando os sujeitos e as suas condutas

(GODOY, 2011, p. 91).

Entendemos a cultura, aqui, como uma forma de regulação, que molda, direciona

nossas práticas humanas. Ou seja, à medida que a cultura se torna centralizada no debate

e na compreensão das questões contemporâneas, a sujeição por meio da cultura é uma

forma de poder. “Seja o que for que tenha a capacidade de influenciar a configuração

geral da cultura, de controlar ou determinar o modo como funcionam as instituições

culturais, isso exerce um tipo de poder explícito sobre a vida cultural” (HALL, 1997, p.

15).

Assim, entendemos que a vida escolar, entendida como uma prática social, pode

exercer poder sobre o ser humano – aluno. Portanto, olhar o currículo escolar na

perspectiva que adota a centralidade da cultura, para Godoy (2011), pode ser o caminho

para conseguir visualizar quais são os saberes que devem ser privilegiados na educação

escolar, quais os produzidos pela cultura do opressor e do oprimido.

Segundo Tomaz (2007), um dos aspectos da cultura escolar é que a escola é uma

instituição que promove, intencionalmente, relações sociais que envolvem o ensinar e o

aprender.

Por tudo isso, acreditamos na importância de estudar a cultura negra bem como a

de diferentes grupos sociais, atentando para visualizá-las com consciência e dignidade,

atentando para as contribuições sociais, econômicas, culturais, seus pontos positivos e

negativos, experiências e valores. É indispensável a conexão das situações de diversidade

com a vida cotidiana nas salas de aula, uma vez que os alunos podem aprender conceitos,

analisar fatos e se tornarem capacitados para intervir na própria realidade, a fim de

transformá-la. É, pois, de fundamental importância, conhecer a História, a cultura do povo

Page 22: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

22

negro, e de outros grupos sociais de modo a compreender melhor os porquês das

condições de vida dessas populações e a correlação entre estas e conflitos

contemporâneos de nossa sociedade, tais como o racismo e as desigualdades sociais.

Cientes dessa relevância, procuramos nos situar em termos da produção científica

brasileira sobre o tema.

1.2. Revisão de literatura

Realizamos um levantamento no Banco de Teses da Capes utilizando os termos

“Africa”5 e “ensino de Matemática”. Como resultado, localizamos oito pesquisas, das

quais somente quatro se relacionavam efetivamente ao ensino de Matemática.6

Autor/ título Ano Instituição

SILVA, L. M. S. A cerâmica utilitária do povoado histórico Muquém: a

Etnomatemática dos remanescentes do Quilombo dos Palmares.

2005 PUC SP

SANTOS E. C. Os tecidos de Gana como atividade escolar: uma

intervenção etnomatemática para a sala de aula.

2008 PUC-SP

SANTOS. M. C. B. Mate, Má, Tica! Um caso de resistência e violência

na territorialidade.

2010 UEBA

PEREIRA. R. P. O Jogo Africano Mancala e o Ensino de Matemática em face da Lei 10.639/03.

2011 UFCE

QUADRO 1 - Pesquisas que relacionam a ensino de matemática com África.

As quatro pesquisas são de mestrado. Silva (2005) estudou, por meio do Programa

Etnomatemática, a obra de uma artesã brasileira. Por meio desse referencial, pretendeu

compreender o conhecimento matemático envolvido nesse trabalho e também a maneira

como esse conhecimento vem sendo transmitido. Em suas conclusões, a autora considera

que, para resgatar o saber/ fazer de uma comunidade, é necessário provocar um diálogo

entre os saberes científicos e os saberes tradicionais. Santos (2008) procurou investigar

como a cultura africana, por meio da representatividade dos fazeres dos teares africanos

Kente, pode contribuir com os processos de ensino e aprendizagem em uma sala de aula

de Matemática. Concluiu que é possível a transposição para a sala de aula da experiência

vivenciada com os tecelões em Gana e parte da cultura, mas não o saber fazer local do

povo de Gana. Santos (2010) analisou as concepções de estudantes e de professores

5 Usamos “Africa” assim sem acento, pois estamos nos referindo não só ao continente mais todo o contexto

Histórico Cultural que envolve e se relaciona com o Brasil. 20 de junho de 2012. 6 As demais pesquisas se relacionavam com a história da África.

Page 23: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

23

acerca da pluralidade cultural que permeia o contexto escolar. Pereira (2011) investigou

o jogo de tabuleiro africano Awalé, da família do Mancala, como recurso metodológico

para o ensino e a aprendizagem matemática, associado ao ensino de história, cultura

africana e afro-brasileira. Segundo o autor, a prática do jogo promoveu aulas interativas,

contribuindo para a mudança de posturas com relação ao reaprender e aprender a ensinar

Matemática. Considera que houve contribuições no campo do ensino de Matemática,

História e Cultura Afro-brasileira. Promoveu motivação, aumento da autoestima do aluno

em relação ao negro, ao ser negro e a nossa cultura. Todas as pesquisas têm a

Etnomatemática e as ideias de D’Ambrosio como referencial teórico.

Em uma busca mais ampla, usando os termos “educação” e “cultura africana”,

encontramos cinco pesquisas, todas de mestrado, que, embora não tratassem do ensino e/

ou da aprendizagem da Matemática escolar, mereceram nossa atenção.

Autor/ título Ano Instituição

SILVA, D. J. Afrodescendência e Educação: a concepção identitária do

alunado.

2000 UFPE

FERREIRA, C. M. S. Formação de professores à luz da História e

Cultura Afro-Brasileira e Africana: nova tendência, novos desafios para

uma prática reflexiva.

2009 USP

MORAES, G. K. História da cultura afro-brasileira e africana nas

escolas de educação básica: igualdade ou reparação?

2009 UNISO

GOMES, L. M. S. Irmandades negras – educação, música e resistência

nas Minas Gerais do Século XVIII.

2010 UNISAL

SILVA, E. J. Um caminho para a África são as sementes: histórias sobre

o corpo e os jogos africanos Mancala na aprendizagem da educação das

relações étnico-raciais.

2010 UFBA

QUADRO 2 - Pesquisas que relacionam a Educação com a cultura africana.

Silva (2000) procurou escutar o alunado afrodescendente sobre a identidade e a

percepção do racismo na sociedade e na escola. Ferreira (2009) investigou a formação de

professores à luz da história e cultura afro-brasileira e africana. O autor procurou

investigar as contribuições teóricas e metodológicas dos conteúdos e atividades na

formação de professores reflexivos e na instrumentalização, capacitação e fundamentação

destes para realizarem a transposição didática dos conteúdos, com vistas ao tratamento

pedagógico adequado das questões raciais dentro do espaço escolar. Considera que foi

possível apontar aspectos marcantes na pesquisa como o reconhecimento da existência

do racismo no Brasil e da escola enquanto espaço privilegiado de suas manifestações; a

existência de lacunas na formação de professores; as dificuldades no trato das questões

Page 24: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

24

religiosas; a importância do trabalho com a identidade como fio condutor da formação; a

pesquisa e a reflexão como estratégias e os problemas da descontinuidade da formação

no espaço escolar.

Já Moraes (2009) investigou o processo de tramitação da Lei 10.639/03, a qual

instituiu a obrigatoriedade da inclusão, entre outras temáticas, da história e cultura afro-

brasileira e africana no currículo oficial da rede de Ensino de Educação Básica. Concluiu

que a reparação traz a igualdade, ou seja, que a reparação, do ponto de vista histórico, é

o reconhecimento da história da população negra, suas contribuições para a formação do

Brasil e a história de sua luta, para sua autoafirmação, enquanto sujeitos históricos.

Gomes (2010), por sua vez, estudou as Irmandades Negras no Brasil, analisando

como elas se transformaram em veículo de manutenção da cultura africana. A autora

dividiu a pesquisa em algumas frentes: o estudo da formação de Minas Gerais, o estudo

das Irmandades Negras e sua história com o território, o estudo das populações africanas

que aí se instalou, da educação e musicalidade, entendidas aqui como complementares,

bem como o estudo das suas representações na África e no Brasil do século XVIII.

Conclui-se que as junções dessas características proporcionaram o surgimento de uma

cultura afro-brasileira moldada na convivência dos moradores de Minas Gerais,

especificamente na cidade de Ouro Preto. Proporcionaram também a expansão e a

manutenção da cultura africana criando laços intrínsecos com as práticas culturais dos

antepassados e recriando laços com as novas situações cotidianas coletivas e individuais

favorecidas pela atividade musical intensa do século XVIII.

Silva (2010) estudou as potencialidades do jogo Mancala vinculada a uma

concepção de práxis pedagógica sustentada em unidade de três elementos: corpo, jogo e

conhecimento. Os resultados evidenciaram que a atividade artística e o ato experimental

do jogo permitiram novas expressões e movimentos. E com relação ao conhecimento da

África, ficaram comprovadas rupturas com padrões estereotipados. Conclui-se que o jogo

Mancala, quando trabalhado em um processo de aprendizagem mediada, possibilita um

conhecimento da cultura e história da África, permitindo ao aluno condições para outra

visão desse continente.

Desses estudos extraímos informações para a construção de uma perspectiva

acerca da produção na área em nosso país. Absorvemos as contribuições e perspectivas

da pesquisa que, de certo modo, abordam o tema “cultura africana” e as diversas

possibilidades do trabalho no campo da Educação Matemática.

Page 25: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

25

Capítulo II:

Explorando a cultura africana nas aulas de Matemática: conceitos e

ideias que fundamentaram a pesquisa

Iniciamos este capítulo fazendo um pequeno relato histórico da inclusão de

políticas educativas voltadas para a inserção da cultura negra nas escolas.

A educação como direito social foi privilégio de brancos e negada aos negros até

o final do século XIX e o início do século XX. O processo educativo exerceu um papel

fundamental na consolidação do eurocentrismo no Brasil. Até o início do século XX não

houve incentivo à inserção do negro no processo educacional no Brasil. O saber

dominante, reproduzido pela historiografia oficial, ignorou e até mesmo tornou obscura a

história negra e sua trajetória histórica de luta por cidadania. A cultura negra e seus

elementos não entraram no ambiente escolar por meio dos currículos. As relações

desiguais presentes na sociedade brasileira permeavam todos os espaços, sobretudo, o

escolar.

De acordo com Jesus (2011), a historiografia do Brasil, desenvolvida até o início

do século XX, destaca-se pela anulação do elemento negro na sociedade, exceto os

episódios vinculados à escravidão. Esses cumpriram, de certo modo, importante papel na

legitimação e na sustentação de um sistema produtivo escravocrata, centrado no trabalho

braçal das populações africana e afro-brasileiras escravizadas. Nas produções literárias e

no pensamento social produzido no país durante a primeira metade do século XIX,

segundo Jesus (2011), é notável o longo silêncio sobre as etnias negras que povoavam o

Brasil. Sendo, pois, a presença negra ignorada na construção da sociedade e de uma

identidade nacional.

Com isso, tomados numa perspectiva puramente econômica, os

africanos e seus descendentes no Brasil foram compreendidos como

mero objeto de trabalho, indignos de qualquer reconhecimento; ou,

quando isso ocorria, reconhecidos, tão somente, pelo contributo laboral no desenvolvimento do sistema produtivo, sendo, portanto,

desconsiderados como elementos humanos capazes de contribuir para

a construção da moderna e civilizada nação brasileira (JESUS, 2011, p. 31).

De acordo com Moura (1990 apud JESUS, 2011), é notória a diferença dos papeis

sociais atribuídos aos atos de negros e brancos no período escravista, pelos autores das

Page 26: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

26

diferentes Histórias do Brasil. Observa-se um processo de “limpeza étnica”, que implicou

na eliminação física de determinados grupos étnico-raciais da história oficial, ou seja, não

se deu visibilidade às populações negra e subalternizadas.

Apesar das diversas posições em que esses historiadores se situam, uma

coisa lhes é comum: a visão de que os negros, índios e mestiços em geral são elementos bárbaros, pagãos, gentios sem capacidade

civilizadora e os brancos, detentores de estruturas de poder, aqueles

elementos que impulsionaram a nossa sociedade em direção à civilização (JESUS, 2011, p. 32).

A partir da segunda metade do século XIX, com a inevitabilidade da abolição da

escravatura, houve um favorecimento da retirada do elemento negro de relativa

invisibilidade. Contudo, as reflexões produzidas pelos pensadores sociais estavam

baseadas em ideias que concebiam os negros como classe inferior, contribuindo para o

fortalecimento das teses sobre sua imaturidade civilizatória.

Convencidos da inferioridade intelectual e moral dos negros e mestiços

brasileiros, e de seu papel insignificante na criação de uma civilização, o projeto de embranquecimento racial, moral e intelectual da nação

passou a constituir o cerne do movimento nacionalista da Primeira

República. Construir uma nova nação brasileira, e equipará-la às nações mais modernas e civilizadas da Europa, não implicava somente

na purificação étnica da população, ainda que, considerando a grande

miscigenação da população brasileira, este fosse um procedimento fundamental (JESUS, 2011, p. 36).

Viana (1938 apud JESUS 2011) defende a tese de inferioridade biológica dos

negros e seus descendentes como forma de explicar as desigualdades sociais vigentes.

Ele, de fato, de um modo geral, acreditava que nenhum mestiço “prestava”, fosse ele de

cruzamento com indígenas ou com negros. Justificando que a imobilidade social desses

grupos seria uma comprovação empírica de sua tese. Ainda,

Conforme advogava, a eliminação dos mestiços, pela degenerescência

ou pela morte, pela miséria física ou moral, representava uma saída possível; posto que outra parte destes mestiços (minoria absoluta) em

virtude de seleções favoráveis seria apurada, a partir da quarta ou da

quinta geração, de seu sangue bárbaro. Deste modo, a única solução adequada para o Brasil e para os próprios mestiços seria a imitação,

física e moral, das características dos brancos, a partir da assimilação

da "moral e da mentalidade ariana” (JESUS, 2011, p. 41).

Ao longo do século XIX e até as primeiras décadas do século XX, é possível notar

que houve uma incompatibilidade entre as imagens projetadas por meio da elaboração da

história oficial e/ ou do pensamento social sobre a nação e sua população. As tentativas

de construir uma nação civilizada no Brasil se fizeram por meio da negação de suas

marcas constitutivas, ou seja, da negação das marcas culturais, religiosas e valorativas

Page 27: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

27

das diversas etnias indígenas, dos diferentes grupos africanos arrancados de seus

territórios.

Na década de 1930, Gilberto Freyre, revela em seus estudos um novo tipo de

racismo no país. Segundo D’Adesky (2001, p. 82 apud JESUS, 2011, p. 45), para esse

autor, “não se trata de um racismo genocida que leva à execução de um programa de

eliminação física baseado em uma ideologia racista. Ao contrário, trata-se de um racismo

universalista totalitário, que a todos impõe um modelo normativo de síntese do humano”.

Assim, aqueles que não correspondem a um tipo humano idealizado são excluídos. Tais

ideias vieram a constituir o que ficou conhecido como “Mito da Democracia Racial”, o

que contribuiu para a criação das bases simbólicas que subsidiariam a construção da

imagem de um Brasil moderno (JESUS, 2011).

Apesar de as críticas e denúncias constantes feitas por entidades negras, ao longo

das primeiras décadas do século XX, o caráter de homogeneidade das relações raciais no

Brasil permanece inalterado (JESUS, 2011). Isso ficou evidente quando o país foi

escolhido pela ONU como laboratório de experiências bem-sucedidas de contatos entre

etnias. Esse experimento visava apresentar ao mundo os detalhes de uma experiência no

campo das interações raciais julgadas, na época, singulares e bem-sucedidas, tanto interna

quanto externamente. No entanto, a experiência denunciava a existência de

discriminações raciais e de condições desfavoráveis aos negros nas disputas com os

brancos no Brasil (JESUS, 2011, p. 49).

A perpetuação das posições sociais, bem como dos estereótipos

negativos em relação a negros e mestiços, contribuíram para a manutenção dos padrões discriminatórios em pleno século XX, fazendo

com que a pressão dos fatos modificasse as representações sociais e as

atitudes discriminatórias.

Segundo Jesus (2011), os autores acreditavam que somente a pressão dos fatos

poderia modificar as representações sociais e as atitudes discriminatórias. Assim, deveria

ocorrer uma transformação radical das posições ocupadas por negros e mulatos para

proporcionar as mudanças profundas em atitudes tão fortemente arraigadas.

... criava-se um círculo vicioso: se por um lado, as alterações das

representações sociais a respeito dos negros e mestiços dependiam da

alteração real dos papéis sociais ocupados por eles; a alteração do

status dos negros e mestiços também dependia, ao menos em parte, da alteração da representação a seu respeito, que tornava-se mais difícil

de ser alterada, na medida em que muitos negros e mestiços

internalizavam as representações negativas sobre eles e seus pares (JESUS, 2011, p. 49).

Page 28: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

28

No campo educacional, segundo Jesus (2011, p. 53) “algumas políticas dirigidas

à população negra se destacaram por seu forte caráter moralizador”, tendo de cumprir,

pelo menos, dois papeis: “a) possibilitar a aquisição, por parte da população negra, de

requisitos mínimos de civilidade e b) oferecer à nação brasileira, trabalhadores com

qualificação mínima necessária, com o intuito de viabilizar o ingresso do Brasil no rol de

países civilizados”.

A valorização da educação formal foi uma das várias técnicas sociais utilizadas

pelos negros para melhorar a sua posição social e/ ou obter mobilidade social vertical,

como artifício de superar a condição de excluídos ou miseráveis (SANTOS, 2005). Ou

seja, a escola passa a ser um veículo de ascensão social.

A escola passou a ser definida socialmente pelos negros como um veículo de ascensão social, conforme pesquisa realizada pelo sociólogo

Florestan Fernandes em 1951 (1978: 09, 275-276)2. Mas antes mesmo

desta data o Jornal Quilombo, dirigido pelo intelectual e militante negro Abdias do Nascimento, já indicava a necessidade de educação

formal para os negros como uma condição necessária à superação da

exclusão sócio-racial a que estavam submetidos (SANTOS, 2005, p.

22).

No entanto, embora a escola fosse necessária, não era suficiente para garantir a

superação da exclusão sócio racial. Mesmo porque, a educação no Brasil tinha, ou tem,

como princípios o currículo escolar baseado na cultura europeia, a qual pregava uma

educação de branqueamento cultural, que desvaloriza e/ ou desqualifica o continente

africano e a imagem do negro (MUGANGA, 1999; SANTOS, 2005; ANJOS, 2009).

Desde então, o movimento negro passa a reivindicar, em prol da educação, “o

estudo da história do continente africano e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a

cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional brasileira”

(SANTOS, 2005, p. 23), junto ao Estado Brasileiro. De acordo com Santos (2005), na

declaração final do I Congresso do Negro Brasileiro, promovido pelo Teatro

Experimental do Negro (TEN), em 1950, já se recomendava o estímulo ao estudo das

tradições africanas e a criação de institutos de pesquisa para estudar formas de remoções

das dificuldades enfrentadas pelos negros brasileiros. No entanto, as reivindicações desse

movimento, só se intensificaram na esfera educacional após o ressurgimento dos

movimentos sociais negros em 1978. As reivindicações na educação, entre outras, eram:

Contra a discriminação racial e a veiculação de idéias racistas nas

escolas. • Por melhores condições de acesso ao ensino à comunidade negra. • Reformulação dos currículos escolares visando à valorização

do papel do negro na História do Brasil e a introdução de matérias

como História da África e línguas africanas. • Pela participação dos

Page 29: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

29

negros na elaboração dos currículos em todos os níveis e órgãos

escolares (HASENBALG, 1987 apud SANTOS, 2005, p. 24).

Já a Convenção Nacional do Negro pela Constituinte, realizada em Brasília- DF,

nos dias 26 e 27 de agosto de 1986, apresenta as seguintes reivindicações aos líderes

nacionais:

• O processo educacional respeitará todos os aspectos da cultura

brasileira. É obrigatória a inclusão nos currículos escolares de I, II e

III graus, do ensino da história da África e da História do Negro no Brasil; • Que seja alterada a redação do § 8ª do artigo 153 da

Constituição Federal, ficando com a seguinte redação: “A publicação

de livros, jornais e periódicos não dependem de licença da autoridade. Fica proibida a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de

preconceitos de religião, de raça, de cor ou de classe, e as publicações

e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes.”

(CONVENÇÃO, 1986 apud SANTOS, 2005, p. 24).

A constituição de 1988 deu novo rumo à história. O Art. 210 preconiza: “Deve-se

promover o respeito devido pela educação aos valores culturais”. Também o Art. 227

atribui ao Estado o dever de “colocar a criança a salvo de toda forma de discriminação”.

O Art. 242 estabelece que “o ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições

das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro” (BRASIL, 2000, p.

131).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) no Art. 26, d 4º, aponta que “o

ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e

etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana

e europeia” (BRASIL, 1997, p. 15). Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)

também sinalizaram algumas possibilidades por meio dos temas transversais.

Na III Conferência Internacional contra o Racismo, Xenofobia e outras

Intolerâncias Correlatas (2001), em Durban, na África do Sul, o Brasil reforçou propostas

de ações afirmativas na educação nacional e comprometeu-se a contribuir e a elaborar um

plano de ações para operacionalizá-las (SANTOS, 2005). Todavia, o marco mais

representativo para a trajetória do movimento negro contra o racismo no Brasil foi o

movimento intitulado Marcha Zumbi dos Palmares Contra o Racismo, Pela Cidadania e

a Vida, que foi realizado no dia 20 de novembro de 1995, em Brasília (SANTOS, 2005).

Nesse movimento, seus organizadores foram recebidos pelo então presidente Fernando

Henrique Cardoso e, mais uma vez, denunciaram o racismo, a desigualdade e a

descriminação racial contra o negro brasileiro. Apresentando, dentre outras, as seguintes

reinvindicações, no que diz respeito a educação:

Page 30: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

30

• Implementação da Convenção Sobre Eliminação da Discriminação

Racial no Ensino. • Monitoramento dos livros didáticos, manuais

escolares e programas educativos controlados pela União. • Desenvolvimento de programas permanentes de treinamento de

professores e educadores que os habilite a tratar adequadamente com

a diversidade racial, identificar as práticas discriminatórias presentes na escola e o impacto destas na evasão e repetência das crianças

negras (EXECUTIVA, 1996 apud SANTOS, 2005, p. 24).

Um dos pontos que foram atendidos pelo governo foi a revisão dos livros didáticos

e a consequente eliminação daqueles em que os negros apareciam representados como

seres inferiores, entre outras características negativas. Alguns municípios brasileiros

reformularam as normas estaduais e municipais que regulam o sistema de ensino,

passando a impedir a adoção de livros didáticos preconceituosos e discriminatórios.

Em 2003, o então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, reconheceu

a importância das lutas antirracistas dos movimentos sociais negros, as injustiças e

discriminações raciais contra os negros no Brasil e, querendo dar prosseguimento à

construção de um ensino democrático que incorporasse a história e a dignidade de todos

os povos que participaram da construção do Brasil, alterou a Lei nº 9.394, de 20 de

dezembro de 1996 (LDB), sancionando a Lei nº 10.6397, de 9 de janeiro de 2003.

Juntamente com esse processo, a lei 10.639/03 institui a obrigatoriedade do ensino da

História da África e dos africanos no currículo do Ensino Fundamental e Médio,

representando, sem dúvida, um avanço. Contudo, a obrigatoriedade, embora necessária,

não basta para a implementação da lei, efetivamente, no sentido de reverter o quadro de

exclusão ainda presente na Educação em relação aos negros no Brasil.

O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no

Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade

nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e políticas pertinentes à História do Brasil. Os conteúdos

referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no

âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação

Artística e de Literatura e História Brasileira (D.O. de 10/01/2003, p. 1).

Várias ações foram implementadas em prol da legitimação da lei, uma delas foi a

criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão

(SECADI), que em articulação com os sistemas de ensino, dentre suas atividades,

7 Essa lei foi alterada pela Lei 11.645 de 10 de março de 2008, passando a incorporar também a História e

Cultura dos povos indígenas.

Page 31: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

31

implementa políticas educacionais nas áreas de alfabetização e educação quilombola e

educação para as relações étnico-raciais. O objetivo da SECADI é contribuir para o

desenvolvimento inclusivo dos sistemas de ensino, voltado à valorização das diferenças

e da diversidade. Por meio da Resolução CD/FNDE nº 14, de 28 de abril de 2008, o

Ministério da Educação

Estabelece critérios para a assistência financeira com o objetivo de

fomentar ações voltadas à formação inicial e continuada de

professores de educação básica e a elaboração de material didático

específico no âmbito do Programa de Ações Afirmativas para a População Negra nas Instituições Federais e Estaduais de Educação

Superior (UNIAFRO).

Uma das propostas para ajudar na implementação da Lei 10.639/2003 foi o curso

oferecido pelas Ações Afirmativas em nível de Pós- Graduação Lato Sensu, promovido

pela Faculdade de Educação da UFMG, intitulado “História da África e das Culturas

Afro- Brasileiras”. A minha participação nesse curso despertou o meu interesse pela

cultura africana, o qual se reforçou pela apropriação da lei 10.639/2003, alimentando,

assim, o desejo de trabalhar a cultura africana nas aulas de Matemática.

2.1. Os negros na sociedade mineira

A formação das Américas constituiu-se de milhares de europeus e africanos. Os

africanos foram escravizados e trazidos para as Américas, eram comprados com produtos

como: arma de fogo, rum, tecidos, ferro, e joias de pouco valor, vindos da Europa. Isso

configurava um comércio triangular. Segundo Anjos (2009), o Brasil foi o país,

estatisticamente, com maior número de africanos escravizados. O contingente que

desembarcou nos portos brasileiros foi da ordem de quatro milhões de pessoas. A mão de

obra escrava foi a base de nossa economia, desde a produção de açúcar para exportação,

nos séculos XVI e XVII, passando pela exploração das minas de ouro e diamante do

Brasil central e, mais tarde, no século XIX, ao desenvolvimento da cultura do café.

Anjos (2011) não deixa de observar que foram criados dispositivos reais para que

os povos escravizados trazidos da África perdessem as suas referências de identidade

étnica africana no Brasil.

São “trazidos” para constituir a formação, a expansão e a ocupação efetiva do território brasileiro seres humanos: Minas, Congos,

Ombundos, Bacongos, Ovibundos, Monjolos, Balundos, Jejes, Angolas,

Anjicos, Lundas, Quetos, Hauças, Fulas, Ijexás, Jalofos, Mandingas, Anagôs, Fons, Ardas, dentre muitos outros, que possibilitaram o que

podemos simplesmente denominar de afro-brasileiros, brasileiros de

matriz africana ou população de ascendência africana. Por exemplo,

Page 32: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

32

as populações de matriz Bantu, com origem na África Central e os

Iorubás, também denominados, Nagôs, oriundos da África Ocidental

apresentam registros e características relevantes no cotidiano do “Brasil Real” (ANJOS, 2011, p. 267).

É no período do tráfico clandestino que temos total desinformação, oficial, das

origens dos africanos escravizados trazidos para o Brasil. Para Anjos (2011), essa falta de

registros, de história da nossa ancestralidade, de origem africana, é mais um fator

geográfico que interfere de forma profunda no sentimento de pertencimento territorial e

de construção de identidade nacional.

Faria (2011) concorda que na primeira metade do século XVIII houve um

predomínio de povos “minas” escravizados trazidos para a capitania mineira, que, naquele

momento era abastecida pelo mercado de escravo soteropolitano. E que na metade

seguinte dos setecentos, será notável a presença significativa de escravos de origem

Centro-Ocidental, vindos do porto do Rio de Janeiro. Paiva (2001 apud FARIA 2011)

alerta para o fato de que, apesar das designações encontradas na documentação oficial

não corresponderem a origem dos negros escravizados, é possível especular que a

predominância das denominações Mina e Angola nas listagens dos testamentos e

inventários sugerem, “no mínimo, a preponderância dos portos localizados nessas regiões

africanas, onde eram embarcados os cativos que mais tarde seriam levados para as Minas

Gerais” (PAIVA, 2001, p. 71 apud FARIA, 2011, p. 21). Ainda segundo Faria (2011), a

mudança do mercado abastecedor de povos escravizados, da Bahia para o Rio de Janeiro,

na segunda metade do século, irá provocar dois fenômenos significativos. Sendo o

primeiro a diminuição do poder aquisitivo causado pelo declínio da extração aurífera, que

obrigou os senhores a se utilizarem dessa mão de obra, e o segundo a predominância de

africanos escravizados advindos da África Centro-Ocidental em Minas, explicada pela

ascensão do comércio entre esta capitania e o Rio de Janeiro.

De acordo com Libby (2007 apud FARIA, 2011, p. 25), os centros auríferos

foram os maiores compradores de cativos, pois entre os anos de 1716 e 1728, Vila Rica e

Vila do Carmo absorveram entre 47% e 55,7% dos africanos escravizados transportados

para Minas Gerais. A sociedade mineira era, pois, formada de homens livres, libertos e

africanos escravizados. Compondo uma sociedade mestiça nos núcleos urbanos e nas

áreas rurais, permeada de relações sociais escravistas que acabaram por gerar um universo

colonial tão peculiar. Nesse emaranhado de relações encontram-se os “trabalhadores e

empregados africanos, que exerceram seu papel de transmissores de uma cultura africana

Page 33: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

33

para as Américas e fomentadores de uma nova cultura afro-atlântica” (THORNTON,

2004, p. 190 apud FARIA, 2011, p. 25).

Esta nova cultura emergente vivenciou a interseção de dois grupos aos quais pertenciam: a comunidade da propriedade onde moravam e

trabalhavam, e a nação, em que podiam encontrar a familiaridade

cultural e linguística. Nessa dimensão do viver, do dia-a-dia colonial,

nos contatos triviais foi permitido ao negro certa mobilidade cultural e certa expressão de suas práticas com suas histórias, memórias, hábitos

e conhecimentos técnicos (FARIA, 2011, p. 25).

Os diversos povos que vieram para o Brasil e os que já aqui existiam, para Faria

(2011), influenciaram na culinária, na música, nos festejos e celebrações, na religiosidade,

na indumentária e nos ornamentos, na língua, no conhecimento técnico, medicinal e

mágico. Tendo, assim, misturas de heranças culturais diversas.

O universo cultural das Minas Gerais do século XVIII foi o pano de

fundo e o palco onde foram encenadas as práticas cotidianas dos escravos. A vida doméstica, o morar, o alimentar-se, o trabalhar, o

vestir-se e o socializar dos africanos e afro-brasileiros, neste solo se

impregnava das suas práticas culturais, que não foram apagadas ou

esquecidas na travessia do Atlântico, na instituição da escravidão ou pela sua condição de escravo (FARIA, 2011, p. 26).

Em suma, a origem desses escravos esteve centrada em três regiões: África

Centro-Ocidental, Oriental e Ocidental, havendo predominância de negros de origem

Afro-Ocidental na primeira metade do século XVIII.

2.2 Arquitetura vernacular africana e sua influência na formação da paisagem

mineira

Faremos aqui uma breve descrição da história da formação da paisagem mineira

e seus vínculos com a cultura africana8.

A paisagem arquitetônica do século XVIII, em Minas Gerais, é resultado da

associação entre o meio ambiente físico e o sincretismo social e cultural resultante do

povoamento urbano na região, a sociedade mineradora ficará marcada por uma forte

presença africana (libertos e escravizados).

A casa, enquanto representação de uma tipologia arquitetônica, é uma expressão

cultural. O negro, como parte dessa sociedade, estava na condição de escravo, tinha

8 Esse tópico e os seguintes teve como fonte principal a dissertação de mestrado de Juliana Prestes Ribeiro

de Faria, defendida em 2011, na qual a autora propôs um estudo das influências africanas na arquitetura de

Minas Gerais, ocorridas devido à interação entre as culturas dos negros escravizados, de origem afro-

ocidental trazida para trabalhar, e daquelas técnicas usadas nas construções do século XVIII.

Page 34: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

34

consigo apenas os valores culturais (suas lembranças, costumes, crenças), os quais, de

alguma maneira, funcionaram como armas para resistir à escravidão. A casa vernácula

como uma expressão cultural funcionou como uma dessas estratégias para manter sua

africanidade.

Segundo Faria (2011), as diversas técnicas de construções, que utilizavam como

material a terra crua, foram trazidas pelos portugueses e africanos, os quais detinham o

conhecimento da técnica de modos distintos. Pressupõe-se, então, que no período definido

entre os séculos XVIII e XIX tenha ocorrido uma inter-relação arquitetônica entre Brasil

e África no âmbito da arquitetura de terra e das técnicas construtivas.

A busca pelo elo que permitiu a transferência de tradições da cultura

construtiva afro-ocidental para a cultura de Minas Gerais no século

XVIII, através de um olhar retrospectivo sobre a literatura de viagem,

nos conduz a revelar certas limitações e potencialidades deste trabalho (FARIA, 2011. p. 13).

Para essa autora: “(...) as contribuições africanas em âmbito arquitetônico e

tecnológico estão impressos em nossos saberes e fazeres construtivos que estão

estampados em nossa arquitetura e da mesma forma em nossa paisagem como uma

expressão cultural do povo brasileiro.” (FARIA, 2011, p. 14). Faria considera, assim, que

a arquitetura dos povos africanos no Brasil é um patrimônio cultural nacional, devendo

ser reconhecida e valorizada pela sociedade.

2.3. Relatos dos viajantes sobre a arquitetura de terra em Minas Gerais

No Brasil, segundo Oliveira (2005 apud FARIA, 2011), a utilização da terra crua

como material de construção ocorreu conjuntamente com o nosso processo de

colonização, sendo essa uma herança dos colonizadores portugueses e da mão de obra

escrava, que na África dominava amplamente os sistemas construtivos em terra crua.

Vasconcellos (1983 apud FARIA, 2011) ressalta que, desde as primeiras

ocupações, utilizaram-se das técnicas de construção com terra crua – simples ranchos de

quatro esteios de pau roliço fechados com tramas de varas que serviam para a sustentação

do barro com que se dava o acabamento – até a posterior casa com cômodos diferenciados,

janelas a meia altura das paredes construídas de taipa de pilão, revestidas com argamassa

de barro ou de cal e areia, caiadas.

Na narrativa das viagens de Mawe e Saint-Hilaire (apud FARIA, 2011),

encontramos os caminhos percorridos acompanhados de descrições das paisagens nas

quais essas construções aparecem.

Page 35: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

35

Saint-Hilaire em sua descrição de uma vila mineira expõe que “As

casas próximas umas das outras são pequenas, baixas, cobertas de

telhas e só tem o rés do chão” (1974, p.77). [...] “Como em todas as fazendas que vi hoje, a casa do proprietário é baixa, pequena, coberta

de telhas, construída de pau-a-pique e rebocada de barro (SAINT-

HILAIRE, 1974, p. 100 apud FARIA, 2011, p. 32).

De acordo com Faria (2011), o conceito europeu de arquitetura dessa época estava

interligado à construção ornamental e monumental, onde o mais evidente elemento da

grandeza da arquitetura era a sua magnitude física. Um edifício de grande escala era

considerado sempre mais majestoso que um de reduzida escala. Esse conceito é então

associado à técnica construtiva, relacionando a dimensão e a volumetria, baixa e pequena

da fazenda ao pau-a-pique. Segundo Vasconcellos (1983 apud FARIA, 2011), o partido

das primeiras edificações mineiras é definido por plantas quadradas, com cômodos

quadrados e um pé direito baixo, com cerca de 2,50 metros. Essas técnicas construtivas

em terra crua não ficaram restritivas à construção de edificações majestosas como a Igreja

Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Sabará, que é constituída de uma estrutura

autônoma de madeira e vedação em adobe, e a Igreja Matriz de Santo Antônio, em

Tiradentes, que foi edificada em taipa. Essa influência também pode ser observada nas

análises de Luccock, comerciante inglês que viajou por Minas Gerais. Em seu relato da

cidade de São João Del Rey, relata o privilégio desta ainda não ter sofrido as

transformações causadas pela industrialização, assim como ele assistiu na Inglaterra.

A visão panorâmica das regiões e lugares visitados, assim como do cenário urbano

com suas casas, igrejas e edifícios públicos, de acordo com Faria (2011), são recorrentes

na literatura dos viajantes. Nessas descrições, a estética da arquitetura de terra, na

percepção de cada viajante, liga-se diretamente ao seu acabamento externo. Há uma

desvalorização da estética das casas africanas, o que fica evidente no relato de Saint-

Hilaire. Em sua visita a Vila Rica, descreve as casas, como casas sem caiação, onde a

técnica construtiva com terra crua se encontra aparente, o que é associado a uma estética

privada de valores, na qual o reboco de barro atesta “cores sombrias” e o aspecto de

desmazelo é referenciado pela expressão “mal conservada”.

A fragilidade das construções em terra com relação a estações chuvosas também

é abordada pelos viajantes. “Toda a cidade conta cerca de 700 casas, na maioria

construída de madeira e barro, de um só andar. Na estação chuvosa muitas vezes penetra

nelas a água e, então, desabam muitas dessas casas mal construídas” (POHL, 1951, p.

327, v. I apud FARIAS, 2011, p. 33). Apesar dessas afirmações, as construções com terra

Page 36: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

36

crua permanecem, até hoje, nas cidades históricas, porque utilizaram alguns detalhes

arquitetônicos, com materiais e camadas impermeáveis que tinham a função protetora dos

elementos construtivos, como observado por Vasconcellos (1979 apud FARIA, 2011),

que relata que as coberturas avançavam externamente, em beirais salientes apoiados em

cachorros de madeira ou séries de telhas sobrepostas.

O primitivismo das construções em terra é uma característica encontrada nos

relatos de Pohl e Mawe. O primeiro comenta que as casas de barro e madeira, que são

“construídas a maneira deste país”, têm o aspecto da decadência, com “paredes

desabadas”, que sempre estão prestes a ruir. O segundo utiliza-se do termo “miserável”

abundantemente, de modo a caracterizar as casas dos lavradores como “miseráveis

choupanas de um andar, o chão não é pavimentado nem assoalhado, e os compartimentos

são formados de vigas trançadas, emplastadas de barro e nunca regularmente construídas”

(MAWE, 1978, p. 68 apud FARIA, 2011, p. 34).

Percebe-se, notadamente, uma visão eurocêntrica nos relatos, o que é uma

característica do século XIX, que privilegiava o povo e a cultura europeia em detrimento

de outras culturas, firmadas na suposta superioridade física, econômica, religiosa e social

dos grupos étnicos europeus perante os demais, que eram percebidos como exóticos e

inferiores (BELLUZZO, 1994 apud FARIA, 2011). Assim, nas descrições panorâmicas

das vilas mineiras, as construções que utilizavam as técnicas de construção com terra crua

eram taxadas de uma estética privada de valores, o que demonstrava certo “pré-conceito”.

Como na Europa já se utilizava o tijolo cozido e o ferro, estes novos materiais eram

entendidos como superiores aos materiais naturais (a pedra, a madeira e o barro).

2.4. A arquitetura popular

Segundo Faria (2011), no período colonial, a arquitetura erudita compreendia, em

grande parte, as obras dos arquitetos e engenheiros militares formados nas escolas

europeias, com uma longa tradição construtiva que descendia dos mestres-construtores e

das reminiscências dos grandes canteiros-escola. As igrejas, fortificações, edifícios civis

e cidades se materializavam em inúmeros desenhos realizados pelos arquitetos e

engenheiros militares portugueses a serviço da coroa.

À estes profissionais de formação especializada foi designada a

construção da arquitetura religiosa brasileira – as catedrais, igrejas

matriz, igrejas das ordens beneditinas, franciscanas e carmelitas, e por fim das capelas –, assim como dos edifícios públicos como as casas de

câmara e cadeia e, em menor âmbito, a arquitetura residencial como

Page 37: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

37

as casas rurais, os solares das famílias patrícias, as casas-grandes de

engenhos e fazendas e as residências de governadores e bispos. As

fortificações e as obras de defesa completam todo o espectro de atuação dos arquitetos e engenheiros militares portugueses, que do

ponto de vista das edificações são especificamente uma arquitetura

reinol transplantada e fortemente baseada em tratados arquitetônicos que estavam à disposição dos construtores do Brasil setecentista

(FARIA, 2011, p. 36).

A arquitetura popular em Minas Gerais, no século XVIII, é o produto de uma

sociedade que se formara segundo a condição social dos grupos de seres livres, forros e

escravos. Ao negro cabia o trabalho na lavoura, na mineração, no ofício doméstico e na

construção da casa dos brancos e da sua própria moradia. Por isso torna-se adequada a

utilização da terminologia “arquitetura popular” (FARIA, 2011). As características dessa

arquitetura se referem a sua simplicidade, o que se justifica pela utilização de materiais

fornecidos pelos meio ambientes. Correlacionadas a essas características estão os

processos e os fatores determinantes da criação da forma construída, que, de modo

teórico, se relacionam aos aspectos físicos – o clima, a função de proteção do homem dos

fenômenos naturais, os materiais, a tecnologia, o lugar e aos aspectos sociais, que se

materializam na economia, na defesa e na religião das sociedades. (RAPOPORT, 1972

apud FARIA, 2011).

No estudo dos edifícios, é possível perceber que existe uma relação entre os

grupos culturais que os produzem e relações sociais presentes nesses grupos. Esses

aspectos se apresentam por meio das características visíveis, tais como recursos para

construção, tecnologia empregada etc. E os invisíveis, exemplificados pelas estruturas

comunitárias – tribais, de família nuclear ou extensa – pelas funções atribuídas a homens

e mulheres dentre outras.

2.5. Arquitetura popular africana

Faremos um recorte espacial do continente africano correspondente à região da

África Ocidental na Costa dos Escravos, local de procedência de uma parte da população

africana que chegou a Minas Gerais no século XVIII. De acordo com Faria (2011), essa

região da África abrange três ambientes ecológicos diferentes e, por esse motivo são nela

encontradas arquiteturas distintas e coerentes a diferentes climas.

A África Ocidental engloba uma diversidade de climas. Na costa litorânea tem-se

a floresta tropical úmida, à medida que se aproxima do interior, a floresta modifica-se,

gradualmente, em vegetação savana, até, finalmente, se transformar em clima semiárido

Page 38: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

38

e árido, típico do deserto do Saara. À medida que as terras se afastam da costa, a vegetação

de floresta perde o vigor, e esta se torna esparsa e de reduzido porte, sendo que no extremo

norte da savana o crescimento das pequenas árvores é gradualmente substituído pela

acácia espinhosa com sua malha de ramos curtos e finos.

A arquitetura popular africana sempre se utilizou de materiais como a madeira

para a estrutura, as fibras e as folhas para a cobertura e os fechamentos. A natureza e a

textura desses materiais são variáveis. Encontra-se desde madeiras macias até as duras e

de resinosas a fibrosas, assim como aquelas de pequenas até grandes dimensões,

dependendo da disponibilidade (FARIA, 2011).

O clima da faixa costeira de floresta tropical úmida é caracterizado

pela pequena variação de temperatura entre o dia e a noite e entre as

estações seca e chuvosa. Para assegurar o conforto humano as casas

nesta região demandam a ventilação cruzada, assim, os construtores da costa incorporaram variações de tipos de aberturas. Os pisos são

elevados e a casa fica sobre uma plataforma capaz de capturar a brisa

do oceano. A forma tradicional retangular encontrada nesta zona climática torna-se adequada devido a sua adaptação a uma orientação

cardeal, e por permitir à exploração da ventilação cruzada. Nesta

região as coberturas são de folha de palmeira (FARIA, 2011, p. 43).

Na zona de transição entre a floresta e a savana (Ashanti, Baule, Ibo, Urbobo e

Ioruba), a técnica tradicional de construção de paredes é parecida com o pau-a-pique.

Essa técnica requer uma armadura para que as chuvas fortes e a umidade não as

desmorone (PRUSSIN, 1974 apud FARIA, 2011).

Saindo da floresta tropical úmida em direção à savana, as casa retangulares de

estruturas de madeira, da floresta tropical úmida, são substituídas por construções

redondas e curvilíneas de terra crua da savana. Assim, os assentamentos são formados

por unidades de moradia cilíndricas e coberturas em formas de sólidos geométricos,

encontradas nos povos Malinka, Gurunsi (FIG. 1), Mossi, Dogomba, Somba, Hausa e

Msusgu.

Page 39: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

39

FIGURA 1 - Moradias da tribo Gurunsi (Kassena) Burkina Faso e Gana9

O clima tropical da savana consiste nas estações fria e seca, e outra quente e

úmida. O alto índice de chuvas anuais colabora para o crescimento de vegetação, o que

torna possível a produção de culturas como a agricultura, que é a atividade predominante.

As estações úmida e seca, a disponibilidade de solos argilosos e o modo de vida sedentário

dos produtores favoreceram o surgimento de uma tipologia arquitetônica que abrange

ambas as estações (OLIVER, 1997 apud FARIA, 2011).

Esta tipologia deve proteger os habitantes dos ventos frios cortantes e

ao mesmo tempo resguardar os mesmos do intenso sol do meio-dia. As

paredes externas erigidas em terra crua detêm a capacidade de isolamento térmico, o que permite o acúmulo do calor do dia e a sua

manutenção para o conforto da noite. A forma circular, em contraste

com a retangular, contribuiu para a concentração da radiação térmica em um espaço central, fechado e interior. Ao contrário da costa, o

construtor da savana irá evitar a ventilação pelas aberturas, retirando

as janelas e reduzindo as dimensões da porta única, maximizando as

propriedades térmicas da terra crua (FARIA, 2011, p. 46).

Dessa forma, as casas servem como um microclima para seus residentes, além de

outras funções. O conhecimento do clima desses povos tradicionais permitiu o surgimento

de diversas soluções arquitetônicas, permanentes até hoje na arquitetura popular africana.

Por outro lado, a ausência de vegetação densa na savana permite uma

incidência mais intensa de luz nas superfícies. O contraste entre luz e

escuridão criado por planos perpendiculares, típico das florestas tropicais, é convertido em sombra suavemente graduada nas Savanas,

com a adoção de formas arredondadas e curvilíneas, e o emprego de

9 Fonte: (disponível em: http://www.flogao.com.br/czeiger/75806759).

Page 40: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

40

paredes em terra crua, que detém uma textura áspera (PRUSSIN, 1974

apud FARIA, 2011, p. 46).

A construção em terra crua torna-se mais adequada a determinadas condições

climáticas, pois o próprio clima seco permite o uso de materiais em terra sem estrutura de

suporte e reforço. As paredes curvilíneas em terra crua são rebocadas de ambos os lados.

Outra solução era a utilização de conchas e espinhas de peixes para o endurecimento das

argamassas de terra. Estas técnicas eram adotadas pelos povos que viviam próximos dos

rios como os “Konkomba e os Sorko que se assentaram ao longo dos bancos do Niger, os

Oti, no rio Volta e os Bani” (PRUSSIN, 1974 apud FARIA, 2011, p. 47). Também as

pedras, com origem em afloramentos graníticos, foram utilizadas como material

preferencial em algumas regiões, em detrimento do solo.

A criação de formas arquitetônicas se relaciona diretamente com o

ambiente tecnológico de cada sociedade, que perpassa pelo uso dos

materiais, das ferramentas empregadas, da especialização de habilidades, da divisão do trabalho e da distinção entre o processo de

construção individual e o comunal. A relação entre estas

especificidades do trabalho construtivo é fundamental para o

entendimento do desenvolvimento da tecnologia de construção da África Ocidental. [...] A habitação é processo e artefato, concebido por

homens e mulheres com capacidade e vontade de moldar seu ambiente

familiar e relacioná-lo com a sua comunidade (FARIA, 2011, p. 48).

Na construção de uma nova moradia ou de um assentamento há a participação de

toda a família, assim como a comunidade, configurando um processo de construção

comunal.

Nas savanas, a terra é trazida pelo homem das áreas de captação adjacentes, a água é carregada pelas mulheres para a mistura da terra

até a consistência adequada, e o barro amassado é então moldado em

bolas esféricas, cônicas e cilíndricas e entregue ao proprietário – o

construtor mestre – que os define no local (FARIA, 2011, p. 48).

Nesse processo de construção, o proprietário é o construtor mestre de sua casa,

mas a construção é feita por todos os integrantes da comunidade. A divisão do trabalho

entre homens e mulheres reflete as funções atribuídas a cada gênero nas sociedades rurais

africanas. O direito sobre a terra está relacionado com as responsabilidades agrícolas

assumidas pelos membros homens da comunidade, assim como o transporte de água e a

provisão estão arroladas ao domínio doméstico, uma responsabilidade da mulher

(FARIA, 2011). Destacamos que as práticas construtivas na África Ocidental envolvem

as comunidades como um todo, constituem, pois, apropriações de ordem social,

ambiental, técnica e econômica, que podem ser generalizadas em dois arranjos

Page 41: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

41

arquitetônicos distintos. O primeiro, na Costa, com casas de planta retangular e quadrada

sob pisos elevados, com várias aberturas capazes de promover a ventilação cruzada e o

conforto no seu interior. O segundo, na região das savanas, com moradias de planta

circular com coberturas cônicas e um número reduzido de aberturas.

2.6. Arquitetura popular africana em Minas Gerais

Nesta sessão, trataremos da arquitetura africana produzida pelos escravos em

Minas Gerais. Primeiro, examinaremos as origens de uma tipologia arquitetônica

identificada nas plantas de alguns dos quilombos que se formaram e floresceram durante

todo o período colonial em Minas Gerais. Em seguida, avaliaremos a presença das

moradias escravas na composição da paisagem mineira através dos relatos de viagem que

descrevem a vista dessas habitações nas fazendas mineiras, nos arredores de povoados,

arraiais e vilas, assim como nos assentamentos de empresas mineradoras.

Moradias nos quilombos mineiros

Nas sociedades africanas a escravidão tinha uma concepção e significado diferente

da conotação adotada na Europa e nas Américas coloniais. Segundo Faria (2011), essa

diferença está ligada a uma estrutura institucional em que os escravos eram a única forma

de propriedade privada que produzia rendimentos nas leis africanas. A difusão da

escravidão na África está relacionada à ausência de propriedades privadas de terra e o

predomínio da propriedade coletiva, desse modo, a única forma de propriedade rentável

e legal era a humana.

Já para os europeus, a terra era a principal forma de propriedade privada lucrativa

e a escravidão ocupava uma posição relativamente inferior.

Assim, aqui se apresenta uma questão primordial. Se o negro já estava na condição de escravo em seu país de origem, porque este não aceitou

a escravidão no Brasil? A compreensão deste fato se baseia na

excessiva violência a qual esta mão-de-obra estava exposta, e que

ocasionou a sua resistência e resposta à exploração de diferentes formas, que se iniciavam com a má vontade e a sabotagem ao trabalho,

a revolta, e que culminavam na fuga para quilombos (FARIA, 2011, p.

58).

Ao buscar a origem da palavra “quilombo”, constata-se que é uma palavra

originária dos povos de língua banto, especificamente, de língua umbundu, de acordo com

Miller (1976). Quilombo, na África, se refere a uma instituição sociopolítica e militar

capaz de reunir grande número de etnias desvinculadas de seus clãs, que eram submetidos

Page 42: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

42

a rituais de iniciação (FARIA, 2011). A iniciação conferia a esses homens forças e

qualidades específicas aos grandes guerreiros. O quilombo africano se caracterizava por

uma estrutura centralizada e com disciplina militar, liderado por um guerreiro chefe que

comandava seus súditos. No século XVIII, a palavra aparece nos regimentos emitidos

pelo governador de Minas definida como: “distantes da povoação onde estejam acima de

quatro negros, com ranchos e pilões, e modo de ali se conservarem” (FARIA, 2011, p.

60). Já na provisão régia expedida pelo Conselho Ultramarino, em 1741, quilombo é

definido como: “toda habitação de negros fugidos que passasse de cinco em parte

despovoada ainda que não tenha ranchos levantados nem nela se achem pilões” (FARIA,

2011, p. 60).

De acordo com a primeira definição, seriam necessários quatro escravos para

caracterizar um quilombo; a distância do assentamento com relação a povoação; - a

presença de moradias, os ranchos, e o pilão, um utensílio que transforma grãos em

alimento e que simbolizava a manutenção da vida comunitária e, consequentemente, um

modo de ali se conservarem. No entanto, os quilombos, em Minas Gerais, eram próximos

às vilas, pois os escravos fugiam a pé, não conseguindo, por isso, ir para muito longe das

comunidades urbanizadas.

[...] Esses quilombos ficavam num raio de apenas alguns quilômetros

das zonas de mineração, não havendo a presença de grandes

quilombos, mas sim de numerosos e pequenos agrupamentos, em sua maioria sem nome ou identificadas por sua localização (RAMOS, 1996

apud FARIA, 2011, p. 62).

Com a proximidade e a necessidade de sobrevivência, desenvolveram uma

organização econômica, cultural e social. Os quilombolas mantiveram uma teia de

relacionamentos comerciais que permitiam a compra e venda de produtos específicos,

além de um trânsito de informações capazes de alertar e prevenir a ação de perseguidores.

Desse modo, mantinham relações clandestinas com contrabandistas, taverneiros e até

mesmo com fazendeiros, assim como relações afetivas entre escravos, forros e

quilombolas.

Segundo Faria (2011), nas regiões auríferas, os quilombolas realizavam a

exploração do ouro e diamantes com o objetivo de troca por suprimentos. Também eram

negociados, em vendas nos centros urbanos, os excedentes do cultivo de alimentos e os

produtos de roubos feitos a viajantes e sítios isolados. A riqueza da produção agrícola

dessas comunidades demonstra uma forte tradição africana. Os quilombolas se tornaram

Page 43: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

43

grandes fornecedores de alimentos para os mercados locais e regionais, cultivavam para

se alimentarem e para o comércio.

Os quilombos mineiros eram formados por homens, mulheres, crianças e idosos,

com a predominância expressiva dos homens sobre os demais. Eram negros de origens

distintas, índios e brancos, com predominância dos africanos, escravos ou libertos,

nascidos no Brasil ou em nações africanas. “Esse sincretismo inter africano, gerou a

criação de novas formas culturais com base em diversas crenças, ideias e práticas dos

africanos que compunham a população” (FARIA, 2011, p. 66).

A paisagem mineira, com suas montanhas, contribuiu para a proteção dos

quilombos, dificultando o acesso a essas comunidades, o que colaborou para a

permanência desses assentamentos durante todo o século XVIII. Segundo Faria (2011),

esta particularidade dos quilombos mineiros pode ser traduzida em uma relação de uso

africana, pois são os mesmos critérios utilizados pelos africanos da África Ocidental na

escolha da localização dos seus assentamentos. Conforme Foyle (1953 apud Faria), as

localizações das vilas nigerianas são em concordância com a natureza. “Usualmente

escolhia-se o topo da montanha mais alta, onde as casas eram empoleiradas nas

superfícies planas, sendo que por ser tão íngreme, o acesso só era possível por um ou dois

caminhos” (FARIA, 2011, p. 86). Para dificultar o acesso ainda mais, era construída uma

cerca viva espessa e impenetrável.

As casas eram dispostas próximas umas das outras, se configurando

em um modelo compacto de assentamento. Tal disposição, se apresenta de forma dispersa ou até semi-dispersa com a composição de uma série

de construções arranjadas informalmente, apresentando

características similares com os assentamentos da África Ocidental (FARIA, 2011, p. 88).

A representação gráfica dessas casas é de uma edificação com planta retangular e

cobertura de duas águas. As habitações de plantas quadradas e retangulares são

encontradas em toda a faixa costeira da floresta tropical úmida na África Ocidental.

No caso do quilombo da Samambaia e dos Santos Fortes as construções

são representadas por uma planta retangular com uma divisão central.

Esta tipologia provavelmente é de origem Ioruba. O mais simples

destes, segundo Oliver (1997), são o das casas construídas no campo, que se constituem de blocos retangulares de até três apartamentos,

onde cada qual tem dois cômodos de 3X3 metros (FARIA, 2011, p. 89).

Page 44: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

44

FIGURA 2 - Planta das casas Iorubás. (Figura modificada pelo autor)10

A Figura 2 mostra três tipos básicos de plantas retangulares de origem Iorubá,

essas plantas também foram encontradas no Brasil, dando indícios da participação da

cultura construtiva africana na constituição da nossa paisagem.

Nas cidades, a complexidade destas estruturas de moradia aumenta à

medida que estas unidades são agrupadas em torno de um espaço

central, destinado às atividades sociais, e que leva até um quintal onde está a cozinha comunitária, banheiros e áreas de estocagem de

alimentos. As casas consistem em uma dupla fileira de quartos que se

abrem em um longo hall central ou corredor, ou um quadrilátero de apartamentos dispostos em torno de um pátio (FIG. 3). A associação

de pátios com os respectivos prédios pode levar a moradias que

abrigam centenas de moradores, formando um intricado sistema de passagens, salas e quartos em torno de grandes pátios. Este é o aspecto

dos bairros mais antigos e congestionados (WEIMER, 2005, p. 150

apud FARIA, 2011, p. 89).

FIGURA 3 - Vista de um Compound Iorubá.11

10 1 – Unidade básica de moradia Iorubá. 2 – Agrupamento de duas unidades básicas de moradia Iorubá. 3

– Agrupamento de múltiplas unidades básicas Iorubá. Fonte: (OSASONA, 2007, p. 11 e 12 apud FARIA

2011, p. 89). 11 Estes assentamentos apresentam estruturas quadradas em plano, sendo circundadas por uma parede

contínua que conecta diversos cômodos. Fonte: (OLIVER, 1990, p. 198 apud FARIA 2011, p. 90).

Page 45: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

45

As casas dos quilombos apresentam estruturas não agrupadas. Na planta do

quilombo de São Gonçalo, que apresenta a mesma representação gráfica de Perdição, a

maioria das habitações está ligada por uma “parede de casa a casa”, formando como que

um bloco com três unidades de moradia. Faria (2011) supõe certa similaridade com as

estruturas de moradia Iorubá, na África Ocidental, o que se justifica pelo aparecimento,

nessa planta, da mesma forma básica cuboidal, com o pátio localizado internamente ao

complexo. Nesse quilombo, aparece, em sua formação mais complexa, a casa Iorubá,

conhecida por seu arranjo de espaços retilíneos em torno de um pátio central, que atua

como ponto focal e um lugar de interação entre os membros da família.

FIGURA 4 - Planta do Quilombo de São Gonçalo12

São dezessete as habitações do quilombo de São Gonçalo (FIG. 4). Aparecem na

planta desse quilombo duas casas, que estão afastadas do centro do assentamento e que

estão representadas como as demais, com a “parede de casa a casa”. Segundo Faria

(2011), esse espaçamento pode simbolizar preceitos políticos ou religiosos, pois,

consoante com as tradições de alguns povos africanos, as casas dos chefes deveriam estar

separadas das demais, como no caso do reino do Congo.

É possível constatar que as casas de todos os quilombos apresentados possuem plantas retangulares ou quadradas, isso vem corroborar com

a constatação de que não foram identificadas estruturas circulares no

Brasil colonial. Sendo que a única exceção é a planta do quilombo do Buracu do Tatu, na Bahia, em que podem ser identificadas algumas

cubatas semi-esféricas (WEIMER, 2005). Por isso, é possível supormos

que o predomínio das plantas retangulares e quadradas indica a influência de povos da África Ocidental, onde esta estrutura predomina

amplamente sobre a circular, e ainda de toda a influência portuguesa

as quais estes povos estiveram sujeitos tanto no Brasil como em sua

pátria (FARIA, 2011, p. 88).

12 Planta do Quilombo de São Gonçalo, com destaque para os blocos de três moradias dispostos ao redor

de um pátio central. Fonte: (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988, p. 107, apud FARIA 2011, p. 92). (Figura

modificado pelo autor).

Page 46: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

46

FIGURA 5 - Representação das tipologias arquitetônicas identificadas nas plantas dos quilombos

mineiros.13

Dessa forma, os três tipos de plantas estão de acordo com a representação

topológica da FIG. 5. Sendo que a primeira tipologia foi observada nos quilombos dos

Santos Fortes e Samambaia, o que nos leva a considerá-las similares às plantas dos povos

Iorubás e dos seus vizinhos, os Edos.

Segundo Vlach (1991 apud FARIA, 2011), a tipologia básica da casa Iorubá pode

ser sintetizada como uma moradia de planta retangular de (10’ x 20’), com dois cômodos,

na qual o primeiro é a cozinha e o segundo guarda a função de quarto. Este modelo é

usualmente multiplicado ou transformado em espaços unificados de dimensão (10´x 20´)

sem a parede divisória. A altura dessas habitações estaria entre 6 a 8 pés, que

corresponderiam aproximadamente às medidas de 1,80 a 2,40 metros. A maioria dessas

medidas se assemelha às encontradas nas plantas dos quilombos analisados.

O retorno de negros (escravizados libertos) brasileiros ao sul da Nigéria

proporcionou legados quantificáveis e visíveis à escala arquitetônica e urbanística de

diversas cidades do continente africano.

As casas desses afro-brasileiros são de dois pavimentos que em planta

consiste em um bloco de cômodos consecutivos. Os cômodos arranjados simetricamente de cada lado de um corredor central se

estendem da porta da frente até o fim da casa. As funções são flexíveis,

mas a cozinha se instala nos fundos assim como o banheiro está fora do corpo da casa. Um segundo tipo de casa brasileira é a térrea, que

apresenta o mesmo plano da casa tipo sobrado, mas é uma versão mais

modesta desta arquitetura trazida para a África por grupos de ex-escravos (OLIVER, 1997 apud FARIA, 2011, p. 95).

13 1 – Representação da tipologia dos Quilombos dos Santos Fortes, Samambaia e Ambrósio. 2 -

Representação da tipologia dos Quilombos dos Braços da Perdição e do Rio da Perdição. 3 - Representação

da tipologia do Quilombo de São Gonçalo. Fonte: (FARIA 2011, p. 93).

Page 47: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

47

A identidade Iorubá está bem representada na arquitetura formal afro-brasileira.

Segundo Faria (2011), hoje, mais de 70% desses povos vive em alguma variação dessa

casa brasileira, o que demonstra uma ligação histórica estreita entre Brasil e África. Além

disso, houve influência mútua, na arquitetura, nas duas regiões, Brasil e África Ocidental.

Em distintas cidades da África Ocidental encontramos buracos na terra, produto da

escavação do solo para seu emprego nas técnicas de construção em terra crua das

moradias urbanas (FIG. 6).

FIGURA 6 - “Borrow pits”.14

Conforme Faria (2011), antigamente avaliava-se a cor, a textura e o odor do solo

através do tato e da observação visual, para, assim, identificar se a terra era apropriada

para a construção de determinada moradia. Burton (1864, p. 59 apud FARIA, 2011, p.

134), em suas descrições dos solos em Whydah, cita: “o solo quando molhado,

transformado em pasta, e exposto ao sol, se torna duro como um tijolo, o que poderia ser

feito, mas não é realizado”. Isso sugere que, nessa região, provavelmente não se utilizava

a técnica construtiva do adobe.

Em Burton (1864 apud FARIA, 2011), também há a descrição da utilização da cal

(pó de concha), obtida da quebra e queima de conchas ou corais, que era adicionada à

mistura para reforçar o material. Este fato evidencia que esses povos detinham amplo

conhecimento da terra como material de construção. De acordo com os conhecimentos de

hoje, os efeitos dessa antiga prática estavam ligados à ocorrência de uma reação

exotérmica de hidratação, capaz de reduzir a quantidade de água da mistura e, assim,

aumentar a resistência à compressão da estrutura ao longo do tempo. Além dessa técnica,

14 Áreas destinadas à obtenção de solo desértico para construção de casas. Kano, norte da Nigéria. Fonte:

(OLIVER, 2006, p.132 apud FARIA 2011, p. 135).

Page 48: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

48

era utilizada a técnica da caiação, que é a pintura a base de cal. Essa pintura, cuja aplicação

se dava em várias demãos, de forma cruzada, até a obtenção do recobrimento desejado,

acumulava as funções estética e protetora. “Esta camada servia de proteção contra a

erosão causada pelas chuvas, assim como um consolidaste do próprio reboco ou da

própria técnica em terra crua, quando esta era aplicada diretamente” (FARIA, 2011, p.

137).

Nos relatos de Burton (1864 apud FARIA, 2011), há sempre destaque para a

ausência de chaminés e janelas nas moradias dos escravos, sendo que em algumas casas

se cozinhava dentro das habitações e em outras esta era uma atividade externa. O autor

descreve uma aldeia em Camarões como duas linhas paralelas de cabanas com apenas

uma porta e nenhuma janela ou chaminé. “O interior é dividido em três: em uma

extremidade está um cômodo escuro, que serve, eu presumo, para o pai e a mãe que

formam a família; o centro é o hall; e a outra extremidade pode ser chamada de cozinha”

(BURTON, 1864, v. II, p. 99 apud FARIA, 2011, p. 139). Nessa narração, há uma grande

semelhança com a moradia Iorubá, especialmente, no último trecho, quando, ao

apresentar a divisão interna da habitação, remete a unidade familiar seccionada em três

cômodos típica desse povo.

As construções dos espaços dos escravos em solo brasileiro, retratadas por

artistas-viajantes, evidenciam que muitas práticas mantinham padrões africanos. A

litografia colorida à mão de Johann Moritz Rugendas representa o cenário da vida

cotidiana na residência escrava, onde, ao fundo e no alto, está a casa do senhor, com uma

mulher à varanda que observa. (FIG. 7).

FIGURA 7 - Habitação de negros15.

15Fonte: Biblioteca Nacional. Disponível em:

<http://bndigital.bn.br/scripts/odwp032k.dll?t=xs&pr=fbn_dig_pr&db=fbn_

Page 49: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

49

As crianças brincam, alguns descansam e outros tecem esteiras. Apesar de não

termos a perspectiva interna da casa, segundo Faria (2011), provavelmente, dentro dela

havia fogo, devido ao fato de, na cena, aparecer uma mulher trazendo de seu interior uma

brasa para acender o cachimbo do homem sentado à porta. Além disso, a casa não tinha

nem chaminé, nem janelas, sua planta era retangular, com telhado de duas águas coberto

com folhas de palmeira, e baixo, a julgar pelo tamanho das pessoas representadas. A

evidência de uma trama de madeira no desenho das paredes evidencia a técnica de

construção de pau-a-pique, com uma gaiola de madeira.

Na pintura de Joaquim Candido Guillobel, intitulada “Negra pobre dando a mão

ao filho que leva uma cana na mão” (FIG. 8), aparecem, em primeiro plano, a negra com

seu filho e, aos fundos, a sua casa, que segue a tipologia arquitetônica das moradias

escravas: planta retangular, sem janelas, com apenas uma porta, e cobertura vegetal.

FIGURA 8 - Negra pobre dando a mão ao filho que leva uma cana na mão, aquarela de Guillobel,

1814.16

Em outro quadro, (FIG. 9), o mesmo pintor retrata o interior de uma casa habitada,

aparentemente, por uma família negra, e apresenta a perspectiva da vida doméstica dessas

famílias com seus usos e costumes. No centro do desenho está um homem e uma mulher,

que fumam cachimbo deitados cada qual em uma rede. À esquerda da cena, uma criança

trabalha no pilão e uma mulher segura um bebê de colo.

dig&disp=list&sort=off&ss=new&arg=habitacao+escravos&argaux=habita%C3%A7%C3%A3o+escravo

s&use=kw_livre&x=33&y=14> Acesso em: 10 maio 2013. 16 Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais. Disponível em:

<http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_obras&acao

=mais&inicio=1&cont_acao=1&cd_verbete=2235> Acesso: 10 maio 2013.

Page 50: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

50

FIGURA 9 - Interior de uma casa do baixo povo, aquarela de Guillobel, 1820.17

De acordo com Faria (2011), a casa se resume a uma peça de planta retangular,

com porta e janela, piso de terra batida e cobertura vegetal plana. As redes e a cômoda ou

baú são toda a mobília da moradia, que, possivelmente, foi construída em adobe, já que

fica evidente na representação das paredes o desenho de blocos com dimensão próxima

daquela utilizada pela técnica. Essa afirmativa se verifica com a observação do fato de

que os ganchos utilizados para a colocação das redes estão fixados em peças de madeira

e não na própria parede. Além disso, a proporção das figuras humanas com relação à

altura da casa e ao tamanho dos blocos de adobe revela que esta era, relativamente, mais

alta que aquelas representadas por outros pintores.

Para Faria (2011), fica evidente que dentro do universo técnico africano foi

priorizado o emprego de determinadas técnicas em detrimento de outras. Como no caso

do “swish” que apesar de fazer parte do universo técnico africano não foi empregado

pelos africanos e afrodescendentes na construção de suas moradias no Brasil, enquanto

que o adobe e o pau-a-pique o foram. Além disso, como bem representado pelos artistas-

viajantes em suas pinturas, a técnica do pau-a-pique teve um uso superiormente notável

em relação ao adobe nas construções das moradias escravas no Brasil.

Supõe-se que o pau-a-pique, técnica predominante em toda a costa da África Ocidental, fosse aquela que melhor se adaptava as novas

condições que haviam sido impostas ao escravo. Fatores ambientais

como a disponibilidade de materiais, o tipo de clima, solo e vegetação, ou ainda por outros fatores como o tempo disponível para a

construção, devem ter sido ponderados antes da escolha do emprego

desta técnica. Juntamos a estas condições, o fato de que o pau-a-pique era conhecido e empregado pelos portugueses em determinadas

17 Fonte: (MOURA, 2000 apud FARIA, 2011. p. 143).

Page 51: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

51

regiões de seu país, obviamente que em menor escala que a taipa. Tudo

nos leva a conjeturar que o emprego maciço desta técnica nas moradias

escravas esteja mais conectado a África Ocidental que a Portugal, assim como o emprego da taipa esta mais ligada a Portugal que a

África (FARIA, 2011, p. 148).

Faria (2011) ainda ressalta que, independentemente das técnicas construtivas

utilizadas, as moradias dos negros escravizados do Brasil eram habitações de plantas

retangulares com cobertura vegetal, com um número reduzido de aberturas e é

relativamente baixa.

2.7. Estabelecendo conexões entre a arquitetura vernacular africana e a

Matemática escolar

A partir dos estudos da arquitetura vernacular africana e de sua influência na

arquitetura mineira, desenvolvemos esse trabalho. Buscamos aproximar algumas práticas

sociais presentes na cultura africana das aulas de Matemática.

Além de considerar as leituras feitas – em especial, a dissertação de Faria (2011)

– nos apoiamos em estudos desenvolvidos por Paulus Gerdes18. Esse autor possui uma

perspectiva próxima à que defendemos: de valorização da diversidade cultural, sem

considerar algumas superiores às demais, aliada à ideia de que a Matemática escolar pode

ser trabalhada de forma interligada à cultura, à vida e à história dos povos, em um

processo de construção social de identidade.

A construção de um olhar matemático sobre o mundo, bem como a apreensão e o

domínio de sua linguagem própria e conceitos, pode acontecer de modo integrado ao

conhecimento de práticas sociais. Gerdes (1992) estudou as noções geométricas presentes

nas tradições dos povos africanos. A partir do conhecimento das técnicas de fabricação

sobreviventes de produtos de trabalho tradicionais (como esteiras, cestos, massas,

armadilhas), o pesquisador indaga: ‘que considerações de natureza geométrica

desempenham um papel para se chegar à fase seguinte?’. Segundo o autor, os elementos

de um pensamento geométrico encontram-se ‘escondidos’ ou ‘congelados’, o que permite

um despertar histórico da Geometria.

18 Em especial, nas obras: “Sobre o despertar do pensamento geométrico” (1992),

“Sona, gráficos na areia angolana” (2005), “Da etnomatemática a arte-design e matrizes cíclicas” (2010).

Page 52: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

52

Para ele, a cultura dos povos, dos artistas, dos artesãos e outras culturas,

constituem-se uma fonte inesgotável para a pesquisa matemática, para a Educação

Matemática, para professores e para alunos. O diálogo entre professor e estudantes, a

experimentação, a surpresa e a beleza da descoberta e invenção desempenham um papel

crucial no ensino e na aprendizagem da Matemática (GERDES, 2010). Nesse sentido, os

diversos modos e contextos socioculturais pelos quais as ideias matemáticas são

desenvolvidas, em cada cultura, oferecem um rico material para a experimentação e o

estudo de seus aspectos matemáticos.

Todas essas ideias estão vinculadas a uma visão da Matemática “como uma

construção histórica – cultural pan-humana – parcialmente independente das expressões

particulares usadas para ela em vários contextos culturais – compreensíveis através dum

dialogo intercultural” (GERDES, 2010, p. 160).

Com essa compreensão, pode-se desenvolver uma abertura para ideias

matemáticas noutras culturas e uma consciência de que experiências e práticas

contrastantes podem enriquecer a concepção de ideias matemáticas por parte do professor

e do aluno (GERDES, 2010).

Page 53: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

53

Capítulo III:

A aprendizagem da Matemática em uma perspectiva situada: em

busca de caminhos para a prática docente

Em todo o nosso percurso de trabalho como docente, sentimos falta de discussões

sobre as formas de aprender, ou seja, como perceber se o aluno está ou não aprendendo

Matemática? Em que medida pode-se averiguar esse aprendizado?

Mesmo já tendo ingressado no Mestrado Profissional em Educação Matemática,

em minha prática docente, ainda sentia grandes dificuldades em responder tais questões.

Com o início da pesquisa, isso se tornou mais evidente: que concepção de aprendizagem

norteia as ações propostas?

Com o intuito de responder, pelo menos em parte, a essas inquietações,

apresentamos, neste capítulo, uma tentativa de aproximação à noção de aprendizagem

situada proposta por Jean Lave (1996). Esse referencial se distingue das outras

abordagens de aprendizagem matemática, historicamente anteriores, por três

características:

O caráter particular da aprendizagem em oposição ao caráter universal,

isto é, a crença que uma e a mesma teoria da aprendizagem é válida para

todas as pessoas, grupos sociais e comunidades de prática, em qualquer contexto geopolítico e institucional; o enfoque por processos coletivos,

oposto aos de caráter individual; e a ideia de conhecimento enquanto

prática social, em oposição à concepção da matemática como produto ou domínio de conhecimento. Ou seja, o foco deste estudo é o caráter

particular e coletivo da aprendizagem situada e a natureza da

matemática como uma prática social (VILELA, 2006, p. 43).

Assim como Vilela (2006, p. 45), entendemos que a aprendizagem situada “é uma

ilustração atual e expressiva do referencial sócio-histórico-cultural relativamente ao da

aprendizagem matemática”. Esse estudo representa nossa primeira aproximação a essas

ideias. O presente capítulo reflete, dessa forma, nossas construções. Discutiremos, pois,

apenas os conceitos mais relevantes tendo em vista o objetivo do estudo.

Page 54: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

54

3.1. Diferentes perspectivas: Caminhos para aprendizagem situada

São inúmeras as perspectivas de aprendizagem. Podemos começar citando a

associacionista-behavioristas, na qual o processo de aprendizagem é:

Um processo de reforço de comportamentos ou de acumulação de

condicionamentos provocados de forma externa ao sujeito e que o

conhecimento resultante desse processo passa a ser uma característica pessoal que pode ser desenvolvida e usada em diferentes situações

(TOMAZ; DAVID, 2008, p. 29).

Também podemos citar as perspectivas, que são resultantes da crítica ao

associacionismo. Ou o construtivismo piagetiano, “que defende que a aprendizagem é

uma auto-organização de processos baseada na assimilação, na acomodação dentro dos

próprios esquemas cognitivos dos sujeitos como parte de suas próprias ações e

construções” (TOMAZ; DAVID, 2008, p. 29). Segundo Abreu (1995), essa perspectiva

valoriza os aspectos lógicos e psicológicos sobre o problema, a universalidade dos

estágios de desenvolvimento da espécie humana e a centralidade do indivíduo que

aprende Matemática de acordo com o desenvolvimento de sua estrutura cognitiva.

Também há outras perspectivas fundamentadas no trabalho de Vygotsky, nas

quais aprendizagem é atribuir novos significados. Para Abreu (1995), a diferença entre as

perspectivas vysgotskyana e piagetiana é que, na primeira, existe uma primazia dos

aspectos socioculturais sobre os individuais. Vilela (2006) considera que a teoria

vysgotskyana, em suas formulações sobre o desenvolvimento cognitivo, destaca os signos

como um instrumento mental constitutivo do sujeito. Nessa perspectiva, o signo está nas

relações entre sujeito e objeto e nas relações entre os sujeitos. Dessa forma, na ideia de

representação mental, é imprescindível a influência dos signos como aquilo que se

produziu e estabilizou nas relações entre as pessoas, e das significações, que é a criação

e o uso dos signos. Para Abreu (1995), o desempenho depende do sistema usado como

mediador. Contudo, Abreu (1995 apud VILELA) aponta uma restrição de tal abordagem

ao questionar suas limitações. A perspectiva sociocultural de Vygotsky não permitiria

compreender

Por que uma pessoa bem sucedida num campo tem dificuldades em

outro. Como se explica a dificuldade de fazer pontes entre as formas de

conhecimento matemático da escola em outra atividade em que as mediações ou as situações são alteradas, ou ainda, por que os

conhecimentos não são transferidos de um contexto para o outro

(ABREU, 1995 apud VILELA, 2006, p. 44).

Page 55: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

55

Abreu (1995) estabelece uma relação entre ordem social e cognição, em que se

pode explicar que as relações entre os saberes, em diferentes contextos, dependem da

valorização das práticas e do tipo de linguagem. Ela propõe abordar a Matemática em

suas representações, nas diferentes práticas, integrando cognição, afetos e valores

situados no contexto social e cultural. O conhecimento aqui é entendido como

representação social, e é mediado por identidade social (aspectos cognitivo-afetivos).

Para explicar a Matemática presente em atividades cotidianas e a de situações

escolares e não escolares, em oposição às metodologias que apresentam a Matemática

formal como referência, Lave (1996 apud VILELA, 2006, p. 46) explica o conceito de

“meios de estruturação” e “aprendizagem situada”. Para Lave (1996 apud VILELA, 2006,

p. 46), o “meio de estruturação” é a forma (estrutura) específica que uma prática

matemática adquire conforme a atividade e o meio no qual tal atividade se passa. Portanto,

os modos de pensar e as formas de conhecimento são entendidos como fenômenos

históricos, sociais e culturalmente situados.

Vilela (2006) considera que a cognição está determinada por situações externas e

pelos meios de estruturação. E, em contraposição a uma perspectiva universal, considera

que a ênfase nas situações traz o caráter particular e específico da aprendizagem. O

conceito de prática social de Lave, segundo Vilela (2006), inclui tanto os aspectos

explícitos (linguagem, os instrumentos, os documentos, as imagens, os símbolos, os

papéis definidos etc.) como os implícitos (as convenções tácitas, as normas não escritas,

as instituições reconhecíveis, as formas, compreensões encarnadas, as suposições

subjacentes e as noções compartilhadas da realidade).

Seguindo a idéia de atividade, em que o motivo e o objetivo se destacam, a prática é vista como uma atividade material de

transformação, envolta numa ideologia, conforme a idéia de práxis não

deixa escapar. Isso acrescenta o caráter coletivo e social da prática em oposição ao “querer deliberado” ou uma “representação na

consciência” que indicam abordagens que têm processos individuais

como referência (VILELA, 2006, p. 47).

Na presente pesquisa, entenderemos a aprendizagem como “uma atividade social

e cultural embasada em componentes antropológicos e sociológicos inerentes às práticas

escolares de que os sujeitos estão participando” (TOMAZ e DAVID, 2008, p. 31). A

aprendizagem, nesse contexto, passa a ser caracterizada como uma mudança de

participação do indivíduo nas práticas de um grupo e, consequentemente, se traduz no

desenvolvimento de sua identidade como membro desse grupo (LAVE, 1996 apud

DEODATO, 2012).

Page 56: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

56

3.2. Prática Social

Nosso estudo se situa na escola, mais especificamente, em aulas de Matemática.

Como falar de práticas nesse contexto? Que práticas estão aqui envolvidas? Tais questões

nos levaram a procurar entender um pouco melhor a noção de prática social. A princípio,

tomamos como referência os trabalhos de Lave, nos quais a autora define prática social

como “uma estrutura complexa de processos inter-relacionados de produção e

transformação de comunidades e dos participantes” (LAVE 1993 apud TOMAZ, 2007,

p. 84).

Santos (2004), ao comentar essa mesma citação de Lave, afirma que pensar a

prática como uma atividade em transformação é uma forma de ver a prática enquanto

ação. Desse modo, é possível dizer que Lave compreende a prática enquanto ação e

considera fundamental identificar as relações entre a ação humana e o sistema social e

cultural no nível das atividades cotidianas em cenários culturalmente organizados.

Contudo, essa ação vai além de ‘fazer algo’ em um meio social. Matos (1999) nos fornece

um exemplo interessante:

Ler um livro é uma prática social mesmo que feito a sós, no sentido de

que estamos a interagir com ideias de outros, codificadas (socialmente)

através da escrita nesse meio de comunicação, mediador numa relação entre o autor e o leitor. A tecnologia desta prática social de leitura está

muito centrada em coisas como a organização do livro, os procedimentos

que usamos para ler (de cima para baixo, da esquerda para a direita), etc. mas há a questão central dos significados, do dar sentido àquilo que

se lê. É principalmente aqui que parece reconhecer-se a prática social

dado que os significados são partilhados (construídos, legitimados) por um dado grupo social (MATOS, 1999, p. 69).

Para Wenger (2002 apud TOMAZ, 2007), a prática é um conhecimento específico

que a comunidade desenvolve, partilha e mantém. Ele considera prática como “um

conjunto de estruturas, ideias, ferramentas, informações, estilos, linguagem, estórias e

documentos que os membros de uma comunidade partilham” (WENGER, 2002 apud

TOMAZ, 2007, p. 85). Compreendemos que a prática dá uma estrutura e significado ao

que está sendo feito. Dessa forma, a prática inclui o que é e o que não é dito, o que é

representado externamente e o que é assumido. Além de incluir a linguagem, símbolos,

ferramentas, documentos, papéis e regras bem definidas, procedimentos, regulamentos,

contratos, relações implícitas e convenções, percepções, pressupostos, entendimentos e

visões de mundo compartilhadas e crenças.

O conceito de prática refere-se a um fazer […] mas um fazer num

contexto histórico e social que dá estrutura e significado ao que se faz.

Neste sentido, prática é sempre prática social. […] o conceito de prática

Page 57: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

57

salienta o carácter social e negociado tanto do explícito como do tácito

das nossas vidas (WENGER, 1998, p. 47 apud SANTOS, 2002, p. 4).

Essa noção envolve algo mais amplo e dinâmico, não se limitando ao ato de ‘fazer’

alguma coisa. Nessa perspectiva, Santos (2002) nos fornece o seguinte exemplo:

O ato de ‘descascar batatas’ (que se aprende através da ‘prática’ e não

pela teoria, como é dito em linguagem comum) não será entendido como uma prática social, mas antes como uma pequena prática ou uma

‘prática dispersa’ que deve ser vista como fazendo parte de diversas

‘constelações de práticas’19 características de práticas sociais distintas que, por sua vez, estão associadas a comunidades de práticas também

diferentes (por exemplo, ao ‘ser cozinheiro’ ou ao ‘ser dona de casa’)

(SANTOS, 2002, p. 4).

Dessa forma, a prática social é mais do que uma ação, um fazer. Para Wenger (1998

apud SANTOS, 2002), o engajamento mútuo dos participantes é a primeira característica

da prática como fonte de coerência da comunidade, sendo a segunda o empreendimento

conjunto e a terceira um repertório partilhado. Essas três dimensões se inter-relacionam e

cada uma delas tem interação com as outras.

Segundo Santos (2002) e Fernandes (2004), a prática está associada a uma

comunidade de pessoas e nas relações de mútuo engajamento pelas quais elas praticam a

ação. Sendo necessária, ainda, uma proximidade geográfica, pois o engajamento mútuo

requer interação, mas não é suficiente para desenvolver uma prática. Na construção de

uma prática social é importante a capacidade de interagir com as competências dos outros.

Assim, a diversidade que se desenvolve ao longo da participação na prática, também se

relaciona com as competências de cada participante ou com a ideia da parcialidade dos

saberes. Santos (2002) considera importante a interajuda na prática. Ou seja, considera

ser mais importante saber dar e receber ajuda do que saber tudo sozinho, e mais,

[..] se cada um procurar funcionar de uma forma isolada como ‘o’ especialista numa dada área, não existirá um clima favorável para o

desenvolvimento dessa sua competência o que conduzirá à estagnação

não só do próprio como da comunidade local de prática a que pertence (aquela cozinha) (SANTOS, 2002, p. 11).

Embora o engajamento mútuo seja necessário para a constituição de uma

comunidade de prática, nem sempre essa prática se desenvolve de forma pacífica ou

harmoniosa. Ou seja, pode haver conflitos, desacordos e tensões. Aliás, muitas das

Page 58: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

58

situações que envolvem engajamento interpessoal geram partilhas de tensões e conflitos

de modo favorável ao desenvolvimento da prática.

Como segunda característica da prática, Wenger (1998 apud SANTOS, 2002)

propõe a ideia de empreendimento conjunto. A conjugação das duas palavras,

empreendimento e conjunto, realça o caráter de produção coletiva. Realça que o produto

é construído por iniciativa de um conjunto de pessoas e não por imposição ou decreto

externos. Nesse sentido, existe um sentido de apropriação e responsabilidade por aquilo

que se constrói, revelando, assim, uma ligação com o empenhamento mútuo e com as

questões de poder.

Negociar um empreendimento conjunto dá lugar a relações de

responsabilidade entre os envolvidos. Estas relações incluem o que

interessa e o que não interessa, o que é importante e porque é importante,

o que fazer e o que não fazer, ao que prestar atenção e o que ignorar, sobre o que falar e o que não dizer, o que justificar e o que assumir como

justificado, o que exibir e o que conter, perceber quando as acções e

artefactos são suficientemente bons e quando necessitam ser melhorados ou refinados (FERNANDES, 2004, p. 133).

A terceira característica da prática, como fonte de coerência da comunidade, é o

repertório partilhado. Ao longo da trajetória da prática, as várias pessoas envolvidas vão

ajustando as várias interpretações das suas ações, das condições e constrangimentos que

sofreram. Os diversos participantes, nesse processo quotidiano e dinâmico, desenvolvem

significados distintos, que se inter-relacionam, se conjugam e ganham coerência

relativamente à prática que os une. Com essa coerência e através da negociação de

significados que se torna possível a emergência de uma compreensão partilhada do que é

participar de forma competente da prática em questão.

Assim, entendemos que uma prática social está inerentemente ligada à existência

de conjuntos de pessoas que se reconhecem mutuamente como associadas a um

determinado conjunto de ‘fazeres’ e desenvolvem formas próprias e mais ou menos

próximas de o ‘fazer”. E mais, entendemos, como Lave e Wenger (1991, apud

DEODATO, 2012, p. 25), que “a aprendizagem é um aspecto integral e inseparável da

prática social”. Fernandes (2004) ressalta que a prática social existe porque as pessoas

estão envolvidas em ações cujo significado negociaram. E ainda afirma “que se se quer

pensar sobre a aprendizagem, temos que olhar para a prática social” (FERNANDES,

2004, p.115). Ou seja, a aprendizagem acontece no desenvolvimento da prática.

A aprendizagem como aspecto da prática social envolve a pessoa na sua

totalidade. Muda o foco do indivíduo “enquanto alguém que aprende, para o aprender

Page 59: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

59

como participação no mundo social, e do conceito de processo cognitivo para a visão de

prática social" (LAVE e WENGER, 1991 apud MATOS 1999, p. 72). Nessa perspectiva,

a aprendizagem não é vista como um tipo de atividade, mas, antes, como um aspecto de

qualquer atividade, como "uma parte integral da prática generativa social no mundo em

que se vive" (LAVE e WENGER, 1991 apud MATOS 1999, p. 72). Implica tornar-se um

participante completo, um membro, tornar-se capaz de estar envolvido em novas

actividades, desempenhar novas tarefas e funções e dominar novas compreensões. As

atividades, tarefas, funções e compreensões não são isoladas, são parte de um sistema de

relações nas quais têm significado. “Aprender implica tornar-se uma pessoa diferente no

que diz respeito a possibilidades capacitadas por esse sistema de relações”

(FERNANDES, 2004, p. 128).

Dentro dessa perspectiva de prática social, a escola seria um local no qual diversas

práticas sociais se realizam (estudar, conviver com os pares em momentos de recreio e

atividades extraclasse etc.). Da mesma forma, as tarefas e atividades realizadas no âmbito

de uma sala de aula também seriam práticas sociais, uma vez que pessoas estão envolvidas

em ações consideradas socialmente relevantes. Indo um pouco além, perceberemos

características tais como o engajamento mútuo em um empreendimento conjunto e um

repertório partilhado em diversos momentos do trabalho realizado com os alunos.

3.3. Participação

Segundo Deodato (2012), Lave, ao apresentar suas conclusões na palestra

intitulada “What is Apprenticeship?”, afirma que “se você quer saber quem é uma pessoa

vá atrás da participação dela em sua prática diária. Por outro lado, as práticas diárias são

transformadas pela participação de seus participantes”. No encerramento da palestra em

questão, a antropóloga concluiu que “somos todos aprendizes no processo de apreender

o que já estamos fazendo”. O que nos permite inferir que uma boa maneira de se analisar

uma prática é observar a participação de seus participantes.

Aprender significa por isso tornar-se uma pessoa diferente com respeito

às possibilidades trazidas por esses sistemas de relações. Ignorar este aspecto da aprendizagem é não perceber o facto de que aprender envolve

a construção de identidades. Mas aprender não é meramente uma

condição de pertença, é ela mesmo uma forma evolutiva de pertença

(LAVE e WENGER, 1991 apud MATOS, 1999, p. 67).

Lave e Wenger (1991 apud DEODATO, 2012) conceituam a participação por

meio do conceito de Participação Periférica Legítima (PPL). Para eles, um sujeito,

Page 60: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

60

inserido numa comunidade de prática, tem níveis de participação diferenciados, desde

uma participação central ou completa até uma participação mais periférica. Os autores

ressaltam ainda que o participante periférico não está participando menos da prática em

questão, é simplesmente uma participação diferente. Contudo, alertam para a inexistência

de sentido na análise desses três elementos (participação, periferialidade, legitimidade)

separadamente.

Participação Legítima Periférica promove um meio de falar sobre as relações entre aprendizes e membros experientes, e sobre actividade,

identidades, artefactos e comunidade de conhecimento e de prática. É o

processo através do qual aprendizes se tornam parte de uma comunidade de prática. O significado da aprendizagem é configurado através de um

processo de tornar-se um participante completo na prática social (LAVE

e WENGER, 1991 apud FERNANDES, 2004, p. 138).

Fernandes (2004) ressalta que a pertença de uma pessoa ao grupo constitui-se não

só uma condição crucial de aprendizagem como um elemento constitutivo do seu

conteúdo. O aspecto periférico da participação diz respeito ao posicionamento de quem

aprende no mundo social, ou seja, traduz a existência de múltiplas formas de participação

e a possibilidade de diversos graus de envolvimento que são definidos por essa

comunidade. E a legitimidade da periferia é uma noção implicada em estruturas sociais

que envolvem relações de poder, por exemplo, se o caráter de periferia for legitimado

através do acesso a uma crescente e mais intensa participação, estamos perante uma

posição que, progressivamente, vai dar poder a quem aprende; mas se a participação se

mantém periférica, porque existe legitimidade para impedir um maior envolvimento na

participação, estamos perante uma posição que impede o acesso ao poder.

Para Wenger (1998 apud FERNANDES, 2004), participação se refere não apenas

aos eventos locais de engajamento em certas atividades em grupo de pessoas, mas a

processos de construir identidades em relação a comunidades sociais e se tornar

participante ativo nas práticas dessas comunidades. “Participar nas atividades do recreio

ou numa equipe de trabalho, por exemplo, é um tipo de acção, mas também um modo de

pertença. Tal participação molda, não apenas o que fazemos, mas também quem somos e

como interpretamos o que fazemos” (FERNANDES, 2004, p. 140).

Como a participação é pessoal e social, pode envolver todos os tipos de relações,

harmônicas ou de conflitos, íntimas ou políticas, competitivas ou cooperativas. A nossa

participação em comunidades sociais nos molda, em nossas experiências, e transforma as

comunidades, ou seja, a transformação acontece em ambos os lados. Esse é um aspecto

importante da nossa experiência de participação em práticas sociais.

Page 61: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

61

Santos (1996 apud MATOS, 1999) argumenta que a participação é sempre

baseada na negociação e na renegociação situada de significados no mundo, assim,

compreensão e experiência não só estão em interação como são, mutuamente,

constitutivos. Dessa forma, “a ideia de participação dissolve dicotomias entre atividade

mental e corporal, entre contemplação e envolvimento, entre abstração e experiência: as

pessoas, as ações e o mundo estão implicados em todo o pensamento, discurso,

conhecimento e aprendizagem” (MATOS, 1999, p. 73). Participar “inclui falar, fazer,

sentir e pertencer; a aprendizagem é tratada mais em termos de distinção entre tipos de

empreendimentos que nas distinções das qualidades e conhecimentos humanos”

(FRADE; TATSIS, 2009, apud DEODATO, 2012, p. 28). Ainda podemos acrescentar

que, na prática, as pessoas partilham rituais, valores, estilos, formas de comunicação,

refletindo perspectivas de mundo e se transformam ao desenvolverem atividades com

objetivos bem direcionados.

Todas as ideias aqui expostas nos auxiliaram tanto na elaboração das tarefas – no

sentido de promover a pertença e o engajamento em um empreendimento conjunto –

quanto na análise.

Page 62: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

62

Capítulo IV:

A pesquisa

Como Kilpatrick (1992), entendemos a pesquisa em Educação Matemática como

uma ‘indagação metódica’.

Uma definição de investigação ampla e útil é a de “indagação

metódica”. O termo indagação sugere que o trabalho está direcionado a

responder a uma questão específica; não é uma especulação inútil ou

uma erudição por interesse pessoal. E o termo metódico sugere não só que a investigação pode guiar-se por conceitos e métodos que provém de

disciplinas tais como a psicologia, a história, a filosofia e a antropologia,

como também dever apresentar, segundo a linha de indagação, algo que pode ser verificado e examinado (KILPATRICK, 1992, p. 16).

Nesse sentido, a partir da problemática exposta – configurada pelas necessidades

criadas pela Lei 10.639/03 e a quase ausência de trabalhos nos quais a história e a cultura

da África e dos afrodescendentes aparecessem articuladas à Matemática escolar – e das

reflexões proporcionadas pelo estudo piloto realizado com alunos do 6º ano, em 2012,

construímos um estudo a partir das seguintes indagações:

Como explorar noções matemáticas nos modos de construções próprias da cultura

africana? Que contribuições essa exploração pode trazer para a aprendizagem

matemática de alunos do 6º ano do Ensino Fundamental?

A primeira questão, mais próxima de nosso objetivo geral – criar situações, em

sala de aula, que permitam uma efetiva inclusão da história e cultura africana nas aulas

de Matemática –, remete ao processo de criação, desenvolvimento e análise de tarefas. A

segunda questão focaliza mais especificamente as possíveis contribuições de tais tarefas

para a aprendizagem da Matemática.

Para tratar de modo metódico tal indagação, optamos pela abordagem qualitativa.

Estamos interessados em compreender como os alunos se relacionam com as tarefas

propostas (em termos de envolvimento, interesse e participação) e o potencial dessas

tarefas na ampliação dos conhecimentos acerca da cultura africana, bem como na

apropriação de conceitos matemáticos.

Conforme Bogdan e Taylor (1984, apud SANTOS FILHO, 2009, p. 43), “a

pesquisa qualitativa [..] está mais preocupada com a compreensão (verstehen) ou

interpretação do fenômeno social, com base nas perspectivas dos atores por meio da

Page 63: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

63

participação em suas vidas” e tem como propósito fundamental a compreensão,

explanação e especificação do fenômeno. Nessa abordagem, o papel do pesquisador é

tentar compreender os significados dados, pelas pessoas analisadas, das situações em

análise.

Trata-se de um processo de compreensão, em geral, com dois níveis. O

primeiro é o da compreensão direta ou a apreensão imediata da ação

humana sem qualquer inferência consciente sobre a atividade. No segundo nível, que é mais profundo, o pesquisador procura compreender

a natureza da atividade em termos do significado que o indivíduo dá à

ação (FILHO, 2009, p. 43).

Na abordagem qualitativa, estuda-se o sujeito no seu contexto natural, “o que

ajuda o leitor a compreender as definições da situação das pessoas que são pesquisadas”

(GOODENOUGH, 1971, apud FILHO, 2009, p.44). De acordo com Filho (2009), o foco

na abordagem qualitativa é a experiência individual de situações, o “como” se pratica a

ação. Nessa abordagem, também

Opta-se pelo método indutivo, por definições que envolvem o processo e

nele se concretizam, pela intuição e criatividade durante o processo da

pesquisa, por conceitos que se explicitam via propriedades e relações, pela síntese holística e análise comparativa e por uma amostra pequena

escolhida seletivamente (FILHO, 2009, p. 44).

O principal objetivo neste estudo foi construir, desenvolver e analisar tarefas nas

quais a arquitetura vernacular africana fosse o objeto de estudo da classe e a partir dele,

seriam explorados conceitos matemáticos. O trabalho cumpre uma dupla função: ampliar

o conhecimento dos alunos acerca de nossas origens e da composição do povo brasileiro,

com destaque para as raízes africanas, bem como construir conhecimento matemático a

partir da observação, análise e interpretação desse conhecimento e vivência. Ao final da

pesquisa, além da dissertação, construímos um livreto, no qual a proposta de ensino, em

sua versão aprimorada, é apresentada de modo detalhado e reflexivo. Tal material destina-

se a professores, futuros professores e formadores de professores, interessados na

temática.

Page 64: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

64

4.1. Contexto

Desenvolvemos a proposta numa escola municipal localizada na cidade de

Betim20 (Minas Gerais). A escolha por desenvolver a pesquisa nessa escola se deu pelo

fato de ser o local onde a pesquisadora exerce à docência. Trata-se de uma escola do

Ensino Fundamental, que oferece do 6º ao 9º ano, no horário matutino, das 7 h às

11h30min e, no período vespertino, os anos iniciais, ou seja, do 1º ao 5º ano.

A escola, considerada de médio porte, possui 17 salas de aula de,

aproximadamente, 35m² de área e uma sala ampla de vídeo (com cerca de 70 m²). Este

foi o espaço que mais utilizamos nos encontros. As salas possuem exatamente o número

de carteiras necessário para acomodar os alunos e o professor, geralmente, dispostas em

cinco filas. A sala de vídeo é o único ambiente da escola que só possui cadeiras soltas,

sem carteiras. Para os encontros, utilizamos três mesas grandes que foram colocadas nessa

sala para este fim.

Os professores (nós, inclusive) utilizam, diariamente, o livro didático adotado pela

escola, disponível em número suficiente para todos os alunos da sala. Em geral, as classes

possuem de 28 a 34 alunos. A dinâmica das aulas de Matemática, geralmente, privilegia

a exposição, por parte do professor, dos conteúdos matemáticos, seguida de exercícios.

Os alunos, comumente, conversam entre si em sala, mas pouco se discute sobre os

assuntos ministrados durante as aulas. A escola valoriza o desenvolvimento de projetos

e, dentre outras datas comemoradas, realiza atividades relacionadas com a “consciência

negra”, na Semana da Consciência Negra.21

Como docente nessa escola, iniciamos o ano de 2013 com turmas de 6º ano do

Ensino Fundamental. O desenvolvimento do trabalho extraclasse, acerca da cultura

africana, iniciou-se em abril, permitindo que ultrapassássemos o período de

reconhecimento mútuo (docente-alunos) e que estabelecêssemos uma dinâmica de

trabalho com os alunos.

Os encontros aconteceram no contra turno, na própria escola, no horário de 13h

às 15h. Escolhemos esse período, por já se configurar uma prática habitual na escola as

aulas de reforço nesse horário. Ademais, os alunos poderiam participar do lanche da

escola, que é servido às 15h. As aulas, a princípio, ocorreriam no auditório, mas, por

motivos de estruturação dos trabalhos na escola, tivemos encontros em outros espaços

20 Betim é uma cidade de porte médio que pertence à região metropolitana de Belo Horizonte. 21 Acontece na semana do dia 20/11, pois nesse dia é considerado feriado em Betim.

Page 65: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

65

como sala de aula e laboratório de ciências. O auditório da escola, como mencionado

anteriormente, é um espaço amplo, com cadeiras soltas e com suporte de vídeo, televisão

e data show, além de um quadro branco, o que facilitou a aplicação das atividades. Esse

foi o espaço utilizado na maioria dos encontros.

Uma vantagem dos encontros acontecerem no contra turno foi a opção por uma

quantidade menor de alunos, apenas dezesseis. Como tínhamos somente uma professora

nos encontros e na escola não havia espaço amplo que comportasse todos os grupos em

atividade, devido a natureza dessas atividades, o grupo menor facilitou o registro

(gravação de áudio e vídeo) e o acesso/ assistência da professora aos grupos. Outro fator

importante para se estabelecer essas opções foi a realização de um estudo piloto no ano

anterior. Nele, dentre outras coisas, percebemos que precisaríamos de espaço físico,

tempo com os alunos, número limitado de alunos e liberdade em termos de currículo, para

a realização da pesquisa.

4.2. Participantes

Convidamos 20 alunos do 6º ano do ensino Fundamental, no entanto, tivemos uma

média de 16 discentes por encontro. Esses alunos foram convidados a participar do

projeto e contarem com a autorização formal de seus pais.22 O projeto foi submetido e

aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFOP.23 Consideramos como

participantes da pesquisa apenas aqueles que estiveram em todos os encontros. A seguir,

descrevemos algumas das características do grupo. Essa caracterização leva em conta a

observação das pesquisadoras.

Participante Características

Eduardo Negro, cabelo liso, calado, agitado entre os colegas do grupo.

Carlos Negro, cabelo cacheado, participativo, ativo em todas as atividades.

André Branco, cabelo liso, participativo, centrado nas atividades.

Pedro Negro, cabelo raspado, agitado e comunicativo.

Paulo Negro, cabelos raspados e crespos. Conversa mais com os colegas,

participativo.

Renato Negro, cabelos crespos, cortados curto. Tímido, mas agitado entre os

colegas.

Ygor Negro, cabelos cacheados e claros. Conversa mais com os colegas.

22 Os nomes dos alunos foram modificados, utilizamos pseudônimos, para garantir o anonimato. 23 CAAE: 8806212.0.0000.5150

Page 66: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

66

Angélica Negra, cabelos cacheados e claros, participativa e tímida.

Amanda Negra, cabelos lisos, participativa, ativa e centrada em todas as atividades.

Estela Branca, cabelos loiros e cacheados, tímida, conversa baixinho só com as

integrantes de seu grupo.

Fernanda Negra, cabelos cacheados, tímida, mas participativa.

Paula Negra, cabelos cacheados, ativa nas atividades, conversa com todos os

alunos da sala e participativa.

Nádia Negra, cabelos alisados com mechas loiras. Participativa e agitada.

Patrícia Negra, cabelos lisos ondulados, participativa.

Raquel Negra, cabelos crespos alisados, ativa, conversa com todos os alunos, e

participa de todas as atividades.

Vanessa Negra, cabelos crespos alisados e com mechas loiras, é muito ativa,

conversadeira e participa de todas as atividades.

QUADRO 3- Caracterização dos alunos participantes da pesquisa.

Apesar de aqui estarmos denominando a maioria dos alunos como negros, ao

longo do trabalho, a maioria deles se consideraram vindos de uma origem mista e não se

auto identificaram enquanto negros ou brancos. Todavia, consideramos que seria

importante para a compreensão das descrições e análise essa caracterização física e

comportamental dos alunos pesquisados.

De acordo com nossa percepção, esse grupo de alunos era dinâmico, participativo

e comunicativo entre si e com a pesquisadora. E poderiam sim se intitular negros, ou seja,

afrodescendentes.

4.3. Procedimentos metodológicos

Para a constituição do grupo de participantes da pesquisa, foi feito um convite

(Apêndice 2, p. 223) aos alunos do 6º ano, cujas idades variavam entre 11 e 12 anos.

Limitamos o número de participantes a vinte, devido ao espaço físico disponível. Entre

abril e junho de 2013, realizamos onze encontros de, aproximadamente, duas horas24

cada. Todos os encontros foram conduzidos por uma das pesquisadoras.

Convidamos os alunos a participar do projeto – por meio de carta convite e de

uma breve apresentação do projeto nas classes do 6º ano – e, em seguida, enviamos a

carta convite aos pais, na qual, apresentamos a proposta da pesquisa (ver no Apêndice 2

a Carta convite e o Termo de consentimento livre e esclarecido). Para participar da

24 Os encontros aconteciam de 13:00 as 15:00h.

Page 67: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

67

pesquisa, além de demonstrar interesse, o aluno precisaria contar com o consentimento

de seus pais (e/ ou responsáveis). Todos estavam cientes das condições de realização do

estudo, características e propósito das atividades, bem como que os encontros seriam

gravados em áudio e vídeo. Além disso, todos foram informados que poderiam deixar de

participar do estudo em qualquer momento, sem que houvesse qualquer contingência.

É importante destacar que, em todos os encontros, os alunos participantes foram

estimulados a se expressar a respeito das atividades propostas, explicitando grau de

dificuldade, aspectos positivos, pontos que poderiam ser melhorados. Nosso propósito foi

que eles se sentissem como de fato eram: parceiros em um processo de construção e

avaliação de uma proposta diferenciada para o ensino de Matemática, com base na

proposta de participação em uma prática social. Desde o início, até a conclusão da

proposta, os participantes tiveram um papel central, auxiliando no aprimoramento de

nossas atividades.

4.3.1. A construção das tarefas

A construção das tarefas desenvolvidas neste estudo se deu a partir de estudo da

história e da cultura do povo africano, de seus hábitos, tradições e práticas sociais

relacionando os conceitos matemáticos trabalhados na escola. Na medida do possível,

procuramos perceber a Matemática presente nas referidas práticas sociais para construir

as tarefas que foram propostas em sala de aula. Essa percepção se deu através da

visualização e de nossa própria experiência como professora de matemática.

Em seguida, faço a relação das tarefas, nos dias em que aconteceram, suas

dinâmicas e seus objetivos.

4.3.2. Dinâmica dos encontros

Os encontros seguiram o cronograma descrito no quadro abaixo.

Sequência

de

encontros

Data Atividade Dinâmica do

encontro

Objetivos

1º 8/5

Árvore

Genealógica

Construção da

árvore genealógica

da professora

Nosso propósito é que cada

aluno se perceba como fruto da

miscigenação étnico/ racial e, em particular, que a grande

maioria é afrodescendente. 2º 15/5 Construção da

arvore genealógica

dos alunos

Page 68: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

68

3º 22/5 Apresentação da

arvore genealógica

de cada aluno para a turma

Desenvolver habilidades de

organização de espaço.

4º 4/6 Conhecendo o

continente

africano

Apresentação dos

mapas do

continente africano, relacionar

a história da África

com a do Brasil e localizar os alunos

no espaço e tempo.

Reconhecer o continente

africano e suas diversas culturas.

Reconhecer que a cultura brasileira é fruto da mistura

dessas culturas com a de outros

povos que vieram e de povos já existentes neste país.

5º 5/6 Conhecendo

casa em barro

Apresentação e

discussão do barro como material

construtivo.

Aproximar os alunos da cultura

dos nossos antepassados e entender seus modos de vida,

seus costumes e como moravam.

6º 11/6 Construção de

casas de base retangulares,

herança

cultural africana.

Apresentação das

técnicas construtivas e a

construção da

planta baixa de uma casa de base

retangular.

Aproximar os alunos da cultura

dos nossos antepassados e entender seus modos de vida,

seus costumes e como moravam.

Explorar a técnica construtiva taipa, a noção espacial na

transformação da planta baixa

para a figura espacial, a noção de paralelismo e retas

perpendiculares, escalas, utilizar

instrumentos para calcular

medidas de comprimento.

7º 12/6 Construindo a

estrutura em madeira das casas

de base retangular

brasileiras de barro.

8º 18/6 Finalizando a

construção de

casas de base retangular

brasileiras de

barro.

9º encontro 19/6 Construção de

casas de base

circular

tradicionais de alguns grupos

africanos.

Construção da

planta baixa das

casas, utilizando o

barbante.

Aproximar os alunos da cultura

dos povos africanos e entender

seus modos de vida. Explorar

figuras geométricas espaciais e planas, fazer estimativas de

escalas, realizar medidas de

comprimentos, de raios e diâmetros utilizando o

compasso.

10º

encontro

24/6 Reconstrução da

planta baixa das

casas, utilizando o compasso.

Construção da

parede das casas.

11º encontro

25/6 Finalizando a construção da

parede das casas,

fazendo os telhados e o muro.

QUADRO 4– Encontros

Page 69: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

69

Para uma melhor compreensão da dinâmica do trabalho de campo desenvolvido

na pesquisa, fornecemos, no quadro 4, um resumo dos encontros em ordem cronológica,

com as atividades desenvolvidas e seus objetivos.

As atividades nos encontros, em sua maioria foram desenvolvidas

individualmente ou no grande grupo. Mas, nos encontros 6, 7 e 8 optamos por

trabalharmos em grupo, devido à natureza das atividades a serem desenvolvidas. Os

grupos foram organizados inicialmente, de acordo com o desejo dos alunos, conforme

mostra o quadro 5.

Grupos Formação Características

Grupo

1

Fernanda,

Paula, Patrícia

e Raquel

Grupo das meninas, disciplinado, cumpre todas as tarefas

propostas nos encontros.

Grupo

2

Amanda,

Pedro,

Eduardo e

Ygor

Grupo misto, tem a aluna Amanda como líder e tem muitas

dificuldades na atividade de construção de casas de base

retangular. Não conseguem terminar as atividades de construção

das casas. (O aluno Ygor participa apenas até o 8º encontro).

Grupo

3

Carlos, André,

Paulo e Renato

Grupo formado só por meninos, muito agitados, dispersos e com

muitas conversas não relacionadas com o trabalho. Tiveram

ideias inovadoras e conseguiram terminar as atividades propostas. (O aluno Eduardo transita pelo grupo 2 e 3).

Grupo

4

Angélica,

Estela, Nádia e

Vanessa

Grupo formado só por meninas, muito disperso, sem

concentração em suas atividades, os integrantes estavam sempre

em comunicação com os outros grupos (às vezes, perturbando). Não terminaram as atividades propostas.

QUADRO 5– Formação dos grupos de alunos nos encontros.

Essa formação dos grupos não permaneceu intacta durante todos os encontros.

Houve, em vários momentos, intercâmbio e migração de alunos entre grupos, o que

consideramos como positivo, pois descreve a realidade vivida em sala de aula.

4.3.3. A coleta de dados e sua organização

Neste estudo, pretendemos compreender tanto o sentido atribuído pelos alunos ao

processo, bem como verificar possíveis mobilizações do conhecimento matemático

desses alunos. Além disso, importa-nos compreender se e como os alunos alteram sua

percepção acerca da cultura africana, de sua própria identidade afrodescendente e do valor

dessa cultura para a formação do povo brasileiro.

Utilizamos, então, as técnicas de coleta de dados que consideramos mais

adequadas:

Page 70: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

70

- diário de campo,

- gravações em áudio e vídeo (autorizadas por pais, alunos e escola) de momentos dos

encontros,

- registros produzidos pelos alunos ao longo do trabalho.

Após a aplicação dos instrumentos citados acima e levantamento dos registros das

atividades, analisamos os dados coletados associando nossas observações com as

referências teóricas determinadas pelo estudo bibliográfico anteriormente realizado.

Procuramos verificar quais foram as contribuições da pesquisa. Consideramos como

contribuições a verificação do surgimento de elementos que caracterizam a absorção de

conhecimento dos conteúdos trabalhados na pesquisa. Também parecia relevante

observar a participação, interesse e envolvimento dos alunos. Utilizamos ainda a

triangulação de dados, visando aumentar a confiabilidade da análise ao contrastar

evidências coletadas por diversas técnicas. Segundo Maxwell (1996 apud AZEVEDO;

OLIVEIRA; GONZALEZ; ABDALLA, 2013, p. 3), a triangulação “reduz o risco de que

as conclusões de um estudo reflitam enviesamentos ou limitações próprios de um único

método”, pelo que conduz a “conclusões mais credíveis”. Para esses autores,

[...] triangulação não é uma ferramenta ou uma estratégia de validação,

é uma alternativa à validação. A combinação de diferentes perspectivas metodológicas, diversos materiais empíricos e a participação de vários

investigadores num só estudo devem ser vista como uma estratégia para

acrescentar rigor, amplitude, complexidade, riqueza, e profundidade a

qualquer investigação (DENZIN e LINCOLN, 2000 apud AZEVEDO; OLIVEIRA; GONZALEZ; ABDALLA, 2013, p.4).

Dessa forma, a triangulação significa que estamos olhando, a partir de mais de

uma fonte de dados, para o mesmo fenômeno, o que pode diminuir os vieses pessoais e

metodológicos da pesquisa. (DECROP, 2004 apud AZEVEDO; OLIVEIRA;

GONZALEZ; ABDALLA, 2013). Essa metodologia possibilita a combinação de

diferentes métodos e fontes de coleta de dados, como: entrevistas, questionários,

observação e notas de campo, documentos, além de outras. Também pode ter diferentes

métodos de análise dos dados, como: análise de conteúdo, análise de discurso, métodos e

técnicas estatísticas descritivas e/ ou inferenciais etc. Neste estudo, optamos pela

triangulação dos métodos de coleta de dados através do diário de campo, observações e

registros produzidos pelos alunos.

Buscamos, como propõe Azevedo et al (2013, p. 4), “contribuir não apenas para

o exame do fenômeno sob o olhar de múltiplas perspectivas, mas também enriquecer a

nossa compreensão, permitindo emergir novas ou mais profundas dimensões”. E,

Page 71: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

71

ademais, de acordo com Kelle (2001 apud AZEVEDO; OLIVEIRA; GONZALEZ;

ABDALLA, 2013, p. 8), o que se pretende com a triangulação é “produzir um retrato do

fenômeno em estudo que seja mais completo do que o alcançado por um único método”.

Finalmente, organizamos nossa análise em categorias, que serão apresentadas no Capítulo

6.

Page 72: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

72

Capítulo V:

O trabalho de campo – descrição dos encontros

Neste capítulo, apresentamos – de modo sucinto – o processo vivido. Para isso,

descrevemos de modo mais detalhado os primeiros encontros e brevemente os demais.

Nosso intuito é dar a conhecer o trabalho realizado, dando voz aos participantes. De modo

a proporcionar uma visão geral das tarefas realizadas ao longo dos encontros,

mencionamos as principais:

A árvore genealógica

Nessa atividade, iniciamos contando a história da constituição familiar da

pesquisadora, evidenciando suas origens étnicas. Desenhamos a árvore genealógica no

quadro, contando a história de seus ancestrais e dispondo as fotos de cada um.

Em seguida, convidamos os alunos a começarem a construção de suas próprias

árvores e propusemos tirar uma foto de cada aluno na sala. Eles gostaram da ideia e

sugeriram que fôssemos ao pátio, próximo a uma árvore, para que as fotos ficassem mais

bonitas, as fotos foram tiradas neste local.

Para o encontro seguinte, pedimos que trouxessem fotos de seus ancestrais (pais,

avôs, bisavôs, tataravós) e que conversassem com seus pais sobre as histórias da família:

de onde vieram, de como eram, qual a aparência de seus ancestrais mais distantes etc.

Iniciamos o encontro seguinte entregando uma cartolina para cada aluno.

Disponibilizamos também réguas, canetas hidrocor, cola, durex colorido e as fotos que

tiraram no último encontro. A maioria trouxe as fotos dos parentes (pais, avós, bisavós).

Aos que não trouxeram, sugerimos que montassem o trabalho deixando os espaços para

colar as fotos no próximo encontro, ou que fizessem caricaturas, ou ainda que

escrevessem características dos seus antepassados. Conversamos um pouco sobre as

histórias e as fotos trazidas pelos alunos. Foi um momento de muita euforia. Todos

queriam falar ao mesmo tempo e todos queriam contar suas histórias, especialmente para

as pesquisadoras. Procurando organizar um pouco o ambiente, propusemos que se

reunissem em pequenos grupos, de modo que todos conhecessem as histórias de alguns

colegas e nós ficaríamos circulando entre os grupos.

Page 73: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

73

Propusemos, então, que cada aluno pensasse em estratégias para a construção dos

cartazes, de forma a aproveitar o espaço do papel, a valorizar o trabalho. Sugerimos que

centralizassem as fotos. Todos os alunos produziram o cartaz, no entanto, somente alguns

quiseram socializar seu trabalho através de uma apresentação ao grupo. Essa atividade

teve a duração de três encontros (1º, 2º e 3º), com cerca de duas horas cada.

Conhecendo o continente africano

Começamos a atividade apresentando o mapa do mundo, no globo, com o intuito

de localizarmos o Brasil, a África e Portugal. Contamos uma história resumida da

descoberta e da formação do povo brasileiro. Mostramos, no mapa, as trajetórias descritas

nas viagens de navios para o Brasil.

Entregamos um mapa do mundo impresso aos alunos e pedimos que localizassem

o Brasil e colorissem todo o país com a cor que achassem mais legal. Apenas ressaltamos

que não poderia ser usado o azul, pois essa é a cor do oceano. Depois de colorido o Brasil,

pedimos que colorissem Portugal, usando outra cor. Tiveram dificuldade em localizar

Portugal no mapa, então, mostramos novamente no globo a localização desse país. Logo

em seguida, pedimos que ligassem Portugal ao Brasil por uma linha. Pedimos aos alunos

que já estavam terminando para colorir o oceano de azul. Os alunos incitaram uma

discussão sobre o lugar onde os portugueses chegaram no Brasil. Nós, então, o

localizamos no mapa.

Mostramos outro mapa, com as rotas marítimas entre África e Brasil, mostramos

os lugares na África de onde foram retirados os africanos escravizados transportados para

cá. Os alunos iniciaram uma discussão sobre o tempo de viagem entre Brasil e África, o

que gerou uma pesquisa na internet, realizada por eles mesmos. Os dados da pesquisa

foram anotados no quadro e, como foram encontrados valores muitos diferentes em

relação a dois meios de transporte, avião e navio, houve primeiro uma discussão dos

possíveis motivos para essa diferença. Propusemos que medissem nos mapas as distâncias

entre Brasil e África entre Brasil e Portugal e construíssem uma tabela na qual fizessem

a transformação das unidades de medidas de tempo de dias para horas. Essa atividade

ocorreu no 4º e início do 5º encontro.

Page 74: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

74

Conhecendo casas em barro

Iniciamos o assunto com uma conversa sobre a construção das casas dos índios,

dos materiais que eles usavam, do estilo de construção e da formação da aldeia. Falamos

um pouco como eram os estilos de casas dos portugueses e dos africanos.

Após o depoimento de um dos alunos, sobre a casa de seu avô ser de barro e se

comprometer em trazer fotos para mostrar para a turma, pedimos aos outros alunos para

também pesquisarem em casa, com seus pais e avós, e que trouxessem fotos das casas de

seus antepassados.

Mostramos slides de fotos antigas de Betim. Com fotos da comunidade

quilombola dos Arturos, imagem de uma vila antiga e imagem de uma família tradicional.

Essa família era composta por negros, brancos, mulatos e índios. Pedimos que

observassem bem as casas, os estilos das construções e fizemos uma discussão.

Mostramos também imagens antigas de outros lugares de Betim, uma delas foi a da Casa

de Cultura, localizada na praça central da cidade.

A seguir, perguntamos e escrevemos no quadro algumas questões para debate:

Qual o formato das casas? Por que escolher construir uma casa com esse formato? Que

tipo de materiais eles utilizavam? Por que são diferentes das nossas casas? Que tipo de

materiais eles deveriam ter à sua disposição? Seriam que os mesmos que nós temos hoje?

Observem o tamanho das casas, há diferença com as nossas casas de hoje? Conseguem

estipular a altura dessas casas? É uma casa com muitos cômodos?

Neste momento, deixamos os alunos se expressarem, reforçando as ideias

elaboradas. As intervenções foram apenas para enriquecer a discussão. Procuramos levá-

los a pensar, mais profundamente, que as condições do ambiente influenciam nas

escolhas. Essa atividade iniciou-se no final do 4º encontro, estendeu-se a todo o 5º

encontro e finalizou-se no início do 6º.

Construção de casas de base retangular, herança cultural africana

Iniciamos a atividade com a apresentação de Power Point. Com algumas imagens

de casas brasileiras que utilizaram o barro como principal material de construção.

Focamos as casas que utilizaram a técnica construtiva taipa de mão. Mostramos como é

a construção usando essa técnica. Após a apresentação iniciamos a construção da planta

baixa.

Para a construção da planta baixa, formamos os grupos, sendo que cada grupo

faria uma planta. Distribuímos o material para a construção. Pedimos que fizessem uma

Page 75: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

75

escala para a construção da planta. Para essa escala, pedimos aos alunos que

estabelecessem medidas adequadas das dimensões de uma casa retangular, de acordo com

as imagens mostradas na projeção. Ou seja, um tamanho real adequado para a casa.

Depois que realizaram as medidas, fomos ao quadro e fizemos a escala da planta com

eles. Então, pedimos que realizassem a construção das plantas baixas.

Em seguida, convidamos os alunos para que cada grupo construísse uma maquete

da casa desenhada na planta baixa. Para essa construção, pedimos que utilizassem argila

(barro) e desenvolvessem a técnica de construção de taipa. Essa construção se

desenvolveu em três momentos, a construção da estrutura em madeira (palitos de

churrasco) da casa, a aplicação da argila na estrutura e a construção do telhado. Toda a

atividade se desenvolveu ao longo dos 6º, 7ºe 8º encontros.

Construção de casas de base circular tradicionais de alguns grupos africanos

Iniciamos a atividade, distribuindo cópias das imagens de casas típicas de grupos

africanos25 (as duas folhas juntas em uma cópia colorida grande, com a reprodução de

ambas as páginas em uma folha de A3). Demos um tempo para que cada aluno lesse e

visse as imagens. Depois, pedimos que cada qual lesse um pequeno trecho e, então,

comentassem o que entenderam. A seguir, perguntamos: Qual o formato das casas? Por

que escolher construir uma casa com esse formato? Que tipo de materiais eles utilizam (e

utilizavam)? Por que são diferentes das nossas casas? Que tipo de materiais eles deveriam

ter à sua disposição? Será que os mesmos que nós temos?

Nesse momento, deixamos os alunos se expressarem, reforçando as ideias

elaboradas. Trabalhamos também as noções espaciais e formas geométricas presentes nas

imagens, para, então, questionar: Por que você disse que é um quadrado? Não seria um

retângulo? Qual a diferença? Círculo, circunferência etc.? Qual o instrumento de medida

utilizado? Como deveriam conseguir fazer as casas circulares, que instrumento

utilizavam?

Propomos a construção de uma das casas presentes na imagem, cada aluno

realizando uma construção. Essa construção foi dividida em três fases: construção da

planta baixa, construção da base (paredes) e construção do telhado. Para a construção da

planta baixa, iniciamos simulando a construção da planta de uma casa real de base

25 Imagens reproduzidas do livro África – O despertar de um continente, Jocelyn Murray, Editora Folio, p.

80 e 81, 2007.

Page 76: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

76

circular. Com o barbante, medimos e marcamos no chão uma circunferência de 3 metros

de diâmetro (medida estipulada pelos alunos). Logo após, propomos as seguintes

questões: Com que altura se deveria construir essa casa, imaginária? Com essa medida,

como poderíamos encontrar uma boa escala para fazer a maquete? Assim, estabeleceram

uma escala e construíram a planta baixa utilizando o barbante. Reconstruímos a planta

baixa da casa de base circular utilizando um compasso, devido à dificuldade de se

construir a planta baixa de suas casas circulares utilizando o barbante. Após a construção

da planta, medimos o comprimento da circunferência utilizando o barbante, para

sabermos as dimensões da placa retangular da argila. Após a realização das medidas,

construíram suas casas.

Para a construção dos telhados, propusemos que trouxessem material para a

realização da tarefa. Deixamos que cada aluno descobrisse, investigasse formas de

construir seus telhados. Construímos também um muro para abrigar todas as casas.

Auxiliamos os alunos a desenvolverem estratégias para essa construção. Toda a atividade

se desenvolveu ao longo dos 9º, 10º e 11º encontros.

Passamos, a seguir, à apresentação de alguns encontros de modo a evidenciar

sua dinâmica.26

5.1. Primeiro encontro: dia 8 de maio de 2013

Esse primeiro encontro aconteceu em uma sala comum de aula, pois nesse dia o

auditório estava ocupado com outras atividades. Organizei os alunos de forma tradicional,

em fileiras nas cadeiras.

Iniciei o projeto fazendo uma descrição dos temas que iria abordar nos encontros.

Para isso, iniciei perguntando aos alunos o que achavam que iríamos trabalhar nesses

encontros.

Patrícia- Formas de aplicar a matemática na cultura africana.

Nádia- Preconceitos da sociedade até hoje. Amanda – Os negros antigamente eram escravos e sofriam grandes preconceitos.

Nesse instante, fui ao quadro e escrevi o título do projeto. Os alunos copiaram em

seus caderninhos.

26 Como apenas uma das pesquisadoras esteve presente durante os encontros, usaremos a primeira pessoa

do singular neste capítulo.

Page 77: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

77

Passei então à construção, no quadro, da árvore genealógica de minha família.

Colava fotos e comentava quem era. Ao colar uma foto, na qual estou acompanhada de

minha filha, comentei:

P- Sou eu e minha linda filha.

Nádia- Professora, ela é linda mesmo!

Todos se levantaram e foram ao quadro olhar de perto a foto, muito curiosos.

Eduardo- Professora é sua filha mesmo?

Patrícia- Claro que é, eu vi ela no facebook.

P- É minha filha sim, parece comigo?

Eduardo- Parece sim, mas a senhora não é casada! Patrícia- Mas tem uma filha.

P- Só pessoas casadas tem filhos?

Eduardo- Não, mas... André- Não precisa ser casado pra fazer filhos.

[Todos riram]

Continuei e colei no quadro a foto de meus irmãos. Novamente, houve uma

movimentação na sala e todos se levantaram para observar de perto as imagens. Solicitei

que se sentassem para continuarmos a conversa. Em seguida, colei as fotos de meu pai e

de minha mãe e, novamente, todos se levantaram para observá-las de perto.

Carlos- Professora, sua irmã não parece com a senhora.

P- Ela é mais escura, mas se olhar bem, temos alguns traços em comum.

P- Meu pai já faleceu. E essa é minha mãe. Angélica- O meu pai também professora, eu nem lembro dele.

Carlos- Não conheço meu pai, eu tenho padrasto.

Paula- Mas ele morreu de que professora? P- De câncer no esôfago.

Paula- Onde é isso?

Expliquei a localização do esôfago no corpo humano, mostrando a parte do

pescoço em cuja altura aproximada ele se encontra.

P- Meu pai era negro, e minha mãe bem clara. Angélica- Sua mãe é branca.

P- Vamos olhar para os pais dela, ai você vai ver se ela é realmente branca.

Colei o restante das fotos e pedi para que eles as observassem.

Angélica- O pai da sua mãe é claro, a mãe tem cabelos lisos e é morena.

Carlos- Parece índia.

P- Vocês ainda acham que minha mãe é branca?

Angélica- Mas ela é clara e tem cabelos claros. P- Será que é a cor da pele que define como negra ou branca?

P- Vamos continuar.

P- A mãe de meu pai é negra.

Page 78: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

78

P- Essa é minha família.

Paula- Legal professora.

Carlos- Nossa professora, a sua família é mista. [Todos riram]

P- O que é ser mista?

Carlos- É que tem, tem todas as cores. Seu pai é preto, sua mãe branquinha e tem até índio.

P- Então, depois de conhecerem minha família “mista”, eu sou o quê? Carlos- Você é mista.

Nádia- Você é morena.

Angélica- Você é negra, com a cor clara. P- Isso mesmo meninos, eu sou afrodescendente.

P- Depois que conheceram minha família, agora quero conhecer a de vocês.

Solicitei que eles trouxessem fotos dos parentes (mãe, pai, irmãos, avós, bisavós)

e relatos da história de vida desses parentes (onde nasceram, os lugares por que passaram),

um pouco da história de cada membro da família para o próximo encontro.

Eduardo- Professora, não tenho foto dos meus avós.

Paula- Vou trazer fotos de quando eu era pequenininha. Carlos- É só tirar uma dele hoje.

Paula- Você é muito bobo.

P- Meninos, vamos tirar umas fotos para colocarmos na árvore semana que vem. Paula- Ah, não, não gosto de tirar fotos.

Paulo- Eu também não.

P- É legal, eu apago se não ficar boa, vamos.

No começo, só os meninos quiseram tirar fotos, aos poucos as meninas vieram,

porém, algumas se recusaram.

FIGURA 10 - Árvore Genealógica da professora (pesquisadora) construída no primeiro encontro.

Após as fotos, reestabeleci a ordem na sala e solicitei que os alunos escrevessem

um texto, no caderno, respondendo à pergunta: ‘Quem somos? Quem sou eu?’. Todos

escreveram um pequeno parágrafo descrevendo suas características. Logo após o relato

Page 79: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

79

no caderno, apresentei um vídeo27 sobre as heranças culturais dos negros no Brasil. Esse

vídeo mostra um pouco da influência da cultura africana no Brasil. Em seguida, propus

as seguintes questões:

Quais os assuntos abordados no vídeo?

Quais as influências culturais apresentadas no vídeo?

Após os alunos responderem em seus cadernos as questões, encerramos o

encontro.

5.2. Encontro do dia 15 de maio de 2013

Iniciei o segundo encontro com a proposta da construção das árvores genealógicas

dos alunos. Entreguei o material (lápis coloridos, canetas hidrocor, cartolina, cola e

tesoura) a cada um deles, que se organizaram em grupos escolhidos da forma que

preferiram.

Alguns dos alunos não trouxeram fotos de seus antepassados. Então, pedi que

desenhassem ou descrevessem suas características no lugar das fotos.

Enquanto trabalhavam, caminhei pelos grupos. Em um deles, ouvi:

Vanessa- A minha irmã fala tanta besteira, ela falou que a filha da minha prima ia nascer

negra, mas ela nasceu branca do cabelo bom. E a dela nasceu negra do cabelo duro. Bem feito pra ela.

P- Bem feito por quê?

Vanessa- É que ela ficou falando mal da minha prima. Nádia- É que ela falou mal da outra.

P- Mas ter nascido negra não é ruim, é?

Nádia- Isso é preconceito. P- Isso mesmo, é uma forma errada de considerar a beleza.

Vanessa- Meu preconceito é sobre cabelo. Não gosto de cabelo duro. O meu, eu mudei desde

a terceira série. Imagine professora o meu filho nascer com o cabelo durinho na cabeça.

P- Não vejo problema algum. Você se acha feia por ter o cabelo encaracolado? Vanessa- Não, mas eu queria ter ele lisinho.

Nádia- É professora as novelas mostra aqueles cabelos lindos, lisinhos.

P- É um padrão errado de beleza que a mídia passa pra gente. Angélica- A Vanessa é muito preconceituosa.

Vanessa- Mas você queria que sua filha nascesse de cabelo duro?

Angélica- Não tem nada a ver. Qual o problema disso. Vai parecer comigo. Minha mãe me

criou e me ama muito. [...]

Nádia- Meninas, olha só. Há muito tempo atrás tinha escravos, não é? Já passou muitos anos

e tem gente escravo até hoje no mundo. E tem gente cheia de preconceitos igual a Vanessa.

27 História (Ensino Médio): A África Antes do Século XV - Novo Telecurso. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=RQD1HTnegh0

Page 80: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

80

Os alunos se concentraram na construção dos cartazes e não tivemos mais

discussões.

FIGURA 11 - Produção do cartaz da árvore genealógica.

Nádia- Ô Estela, faz um coração pra mim.

Estela- Espera aí. Angélica- Deixa eu fazer. Deixa eu escrever.

Nádia- É o coração dela.

Nádia- Ficou gordinho o coração dela. Vanessa- Vou fazer vários corações, um grande aqui e outros pequenos aqui.

Estela- Deixa eu te ajudar Paula.

Paula- Não consigo fazer isso aqui certinho.

FIGURA 12 - Produção do cartaz da árvore

genealógica.

FIGURA 13 - Produção do cartaz da árvore

genealógica.

FIGURA 14 - Produção do cartaz da árvore genealógica.

Page 81: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

81

O aluno Eduardo não havia trazido fotos e resolveu fazer a caricatura de seus pais

e a descrição de suas características.

FIGURA 15 - Produção do cartaz da árvore

genealógica.

FIGURA 16 - Produção do cartaz da árvore genealógica.

FIGURA 17- Produção do cartaz da árvore

genealógica.

FIGURA 18 - Produção do cartaz da árvore

genealógica.

Nos encontros seguintes, finalizei a tarefa e passamos ao trabalho de localização

da África, continente de onde vieram a maioria dos antepassados desse grupo. Meu

intuito, em um primeiro momento, era trabalhar com mapas e localizar África, Brasil e

Portugal.

P- Este é o globo, a terra com todos os continentes. Tentem localizar o Brasil. Carlos- Eu dei uma rodada e não vi o Brasil.

Nádia- Aqui tá o Brasil.

Vanessa- Aonde é o Japão? Paulo- Aqui.

Continuaram a explorar o globo. Então, perguntei se só existia uma raça no

planeta.

Page 82: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

82

P- Meninos, só existe uma raça no nosso planeta?

Todos- Não.

Renato- Lógico que não professora. P- É, temos no mundo vários povos, com várias culturas diferentes.

Contei uma história resumida da descoberta e da formação do povo brasileiro.

Mostrei no mapa as trajetórias descritas nas viagens de navios para o Brasil.

P- Vou contar um pouco, resumido, da história da formação do nosso país. Sabe, esse mundo

todo aqui não era todo conhecido, mas tinha gente em todo ele. No Brasil só tinha índios de várias tribos diferentes, com aparências diferentes também.

André- Então foram os índios os primeiros moradores do Brasil?

P- Isso mesmo. Aqui tinha várias tribos, claro que tinha as disputas de terras, as guerras entre

tribos. P- Agora, se só tinha índios, como que começa essa mistura?

P- Um povo lá longe, lá da Europa...

Vanessa- Os europeus. Carlos- Aqui no mapa.

P- Isso, um povo daqui, Portugal, começa a desenvolver navios. Aí começam as navegações

em busca de novas terras. Pedro- Aí eles vêm pra cá, no Brasil.

P- Então eles vão navegando, navegando e descobrem terra aqui.

Vanessa- A professora lá do pré disse que tem só isso de terra e o resto é água.

P –É. O mundo é formado por, aproximadamente, 30% de terra e 70% de água.

Entreguei o mapa do mundo e pedi que localizassem o Brasil e colorissem todo o

país com a cor que achassem mais legal. Ressaltei que só não poderiam usar o azul, pois

essa é a cor do oceano. Depois que colorimos o Brasil, solicitei que colorissem Portugal,

utilizando outra cor. Houve dificuldade para localizar Portugal no mapa, então, mostrei

no globo a localização desse país. Em seguida, propus que ligassem Portugal ao Brasil

com uma linha. Pedi aos alunos que já estavam terminando, para colorir o oceano de azul.

Nesse momento, começou uma discussão sobre o lugar no qual os portugueses

desembarcaram no Brasil.

André- Professora era pra ligar no Rio de Janeiro, porque os portugueses chegaram ao Brasil pelo Rio de Janeiro.

Nádia- Não, é pra ligar em qualquer lugar.

P- Na verdade, os portugueses chegaram primeiro na Bahia, em Porto Seguro, e depois eles foram para o Rio de Janeiro.

Nádia- Viu?

André- Mas eles foram para o Rio. Eu pesquisei na internet.

P- Pode ligar na Bahia ou no Rio.

Retomei a atividade e pedi que localizassem onde morávamos.

P- Agora, no mapa, mostra onde moramos.

Amanda- Em Minas Gerais. Nádia- Em Betim.

Carlos- Mas não dá pra ver Betim aqui.

Page 83: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

83

P- Vamos localizar Minas no mapa grande.

Amanda- Eu olho.

Nádia-Minas é muito grande. André- Mas aqui tem Belo Horizonte.

P- Betim é perto de BH.

Amanda- Achei.

Vanessa- Nossa estamos bem aqui no mapa. P- É, agora marca no mapa de vocês.

Pedi que colorissem, no mapa, Minas Gerais e fizessem uma marca na cidade de

Betim.

P- Agora que a gente já se localizou dentro do mapa, retomamos a história da população

brasileira. P- Aqui tinha índios de várias tribos. Portugal mandou navios para explorar as novas terras.

No Brasil, os portugueses descobriram que tínhamos muitas riquezas. Como os portugueses

eram mais “desenvolvidos”, dominaram os índios e os escravizaram. Os portugueses colocaram os índios para trabalhar na extração de Pau-Brasil.

Renato- Nó, que paia!

P- Os índios estavam acostumados com isso? Todos – Não.

P- A maioria dos índios se revoltaram, mas tinha como lutar contra os portugueses?

Todos- Não.

P- Mas também os índios não estavam acostumados a trabalhar tanto. Então, eles adoeciam, entravam em depressão. Não era fácil lidar com eles. Nesse meio tempo, os portugueses

começaram a explorar a costa africana, e lá eles encontraram os africanos, que escravizavam

outros africanos, geralmente eram tribos vencidas que viravam escravos.

A aluna Vanessa se referiu a África como um país. Mostrei a ela que África é um

grande continente, e que existe um país que se chama África do Sul. Continuei nossa

história.

P- Mais importante é que os africanos escravos faziam o trabalho pesado. Carlos- Eram bombados.

P- Isso mesmo. Eram fortes, acostumados ao trabalho duro.

P- Então, o que os portugueses fazem?

Nádia- Levam eles para o Brasil para escravizar. P- Vamos levar esse povo para o Brasil, lá precisamos de gente forte e que dê conta do

trabalho.

Vanessa- Os índios foram soltos depois disso? P- Aos poucos eles foram sendo libertados e substituídos pelos escravos negros. Foi assim que

começou a grande mistura.

Carlos- Foi assim que formou nossa cultura mista P- Isso mesmo.

Mostrei outro mapa com as rotas marítimas entre África e Brasil, por onde vieram

as pessoas escravizadas aqui.

P- Esses são os caminhos que os portugueses fizeram para chegar ao Brasil.

Vanessa- Eles vieram de que professora?

Page 84: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

84

Carlos- De barco.

P- É. De navio, conhecidos como navios negreiros.

Os alunos iniciaram uma discussão sobre o tempo de viagem entre Brasil e África,

a aluna Nádia questionou se era muito demorada, mas como eu não sabia com exatidão

esses dados, pedi que fizessem uma pesquisa para o próximo encontro.

P- Vocês vão fazer uma pesquisa, pode anotar aí no caderno.

P- Qual o tempo de viagem, de navio, do Brasil até Portugal e do Brasil até a África. André- Professora, eu posso pesquisar na internet?

Todos- Claro!

P- Isso mesmo, podem pesquisar onde quiserem.

Todos ficaram empolgados com a pesquisa, mas alguns não teriam acesso a

internet e acharam que seria difícil fazer isso para o dia seguinte, quando seria o nosso

próximo encontro.

P- Acho que seria interessante sabermos também qual o tempo de avião.

André- De avião até São Paulo é 45 minutos.

Nádia- Daqui até o Pará é dois dias.

P- De ônibus Nádia.

Nesse momento, houve grande tumulto, pois todos queriam falar ao mesmo tempo

e não se conseguia entender bem as falas.

Nádia- Eu tenho certeza que os índios moravam em uma cabana de palha. E os objetos deles

eram feitos de madeiras e barro. Eles não tinham chuveiro.

André- Eles tomavam banho no rio. Nádia- Tomavam banho em cachoeiras, rios...

Eduardo- À noite eles faziam fogueiras e cozinhavam.

Nádia- Faziam aquelas coisa em volta da fogueira. Amanda- Cantavam e dançavam em volta da fogueira.

Nádia- A comida deles não era exatamente igual a nossa. Eles tinham que caçar para comer

Eduardo- Eles comiam peixe.

P- Eles caçavam. Vanessa- Tinha onça também.

Nádia- Eles comiam carne assim, olha, de animais que eles matavam.

São percepções espontâneas dos alunos, sem consulta nenhuma consulta a fontes.

Tentei transferir as observações para a construção das casas dos índios, dos materiais que

eles usavam, do estilo de construção e da formação da aldeia.

P- Como eram as casas deles? Carlos- Era tipo uma pirâmide.

Nádia- A aldeia deles era muitas casas, cabanas, e bem lá no meio, tinha a fogueira onde eles

reuniam para as festas.

Nádia- Eles dormiam nas redes e comiam nas cascas de coco.

Page 85: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

85

Falei um pouco sobre como eram os estilos de casas dos portugueses e dos

africanos.

P- Com a mistura no Brasil dos índios, africanos e portugueses. Os portugueses já usavam casas com blocos tipo tijolo, já tinham camas.

André- Os africanos usavam barro?

P- Usavam. Mas eu quero dizer que a cultura do Brasil, com a mistura, já não era mais igual

a dos índios, nem igual a dos portugueses ou dos africanos. Formamos uma nova cultura, com uma colaboração de cada um desses povos.

P- Vocês sabem como eram as casas aqui antigamente?

Amanda- Eram casas de madeiras. Carlos- De barro.

Nádia- Fazia material tipo assim, lama. Juntavam a terra com a água e faziam uma lama.

P- Vocês têm noção de como era Betim há muito tempo atrás?

Eduardo- Era uma floresta.

Esse momento foi muito rico, pois tivemos o depoimento do Carlos falando do

conserto da casa de sua avó, que é toda feita de madeira e barro. Mostrei a foto da casa

de minha avó, que também foi construída com barro. Como houve falta de energia elétrica

na escola, não pude exibir o slide montado com as fotos. Mostrei a própria fotografia para

os alunos.

P- Meninos, na minha infância, eu morava em uma fazenda. As casas eram feitas de barro. Na

verdade, era uma armação de madeira coberta com barro. O fogão também era de barro, o filtro de água e tinha uns potes de barro. Minha mãe construiu a casa que eu morava, que era

de chão batido. Ela conta que fazia uma estrutura de madeira e depois vinha embarriando

essa estrutura para formar a parede. E o telhado era feito com madeira também. Carlos- A casa da minha avó também é assim. Quando eu era pequenininho eu fui lá e estava

rachando, meu tio ia consertar e nos ajudamos ele fazendo o barro. Foi muito legal.

André- Minha avó também morava em casa de madeira, só que a casa dela é pequenininha. P- Ótimo, para ilustrar eu trouxe a foto da casa da minha avó que é toda de barro. Mas como

a luz não voltou vocês vão ter que ver assim, passe aí...

André- Que legal, que massa.

Alguns comentários sobre as fotos.

P- Essa casa é feita toda de barro.

Carlos- A casa da minha bisavó não é bonita assim não professora! A da mina avó é um lixo

professora. P- Mas aqui é a frente da casa, nos fundos está mal conservada.

Carlos- A da minha avó tá toda despencando.

P- Essa aqui é da vizinha da minha avó. Ela já tá menos conservada. Carlos- A da minha bisavó também é assim, ela é parecida com essa daqui. Parece que as

paredes estavam caindo.

P- É porque a construção de barro exige um cuidado especial para ser conservada.

Depois de um tempo, passei a palavra para a aluna Nádia que estava com dúvidas

sobre a construção em barro.

Nádia- A casa que você morava era de madeira e barro, não era?

Page 86: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

86

P- Era.

Nádia- E quando molhava? E quando molhava por dentro da casa?

P - Boa pergunta, Nádia- Quando chovia, a casa caía ou molhava por dentro?

Carlos- Não caía, a casa fica firme.

P- Depende de como ela foi feita, se ela for bem feita, toda moldadinha, certinha, ela não cai.

Mas há vários comentários de casas que caíam por terem sido mal feitas. Hoje mesmo, se faz uma casa mal feita, ela cai.

André- Professora, eu vi, na televisão, que quando uma pessoa vai construir essas casas de

barro, elas cavam um buraco grandão e coloca água nele e faz... P- O barro.

André- E eles pega tipo assim... Aqueles carrinhos velhos...

P- Carrinho de mão. André- É esse mesmo. E coloca o carrinho lá separado para ir colocando o barro para fazer

as pilastras. E na casa todinha.

Nádia- Quando ela constrói a casa dela e a casa caía, ela ia pra onde?

André- Ela ia pra casa dos outros, dos parentes. E os outros iam juntar e construir uma casa pra ela...

Comentei sobre a fragilidade da casa.

Nádia- Tem casa de barro até hoje? Carlos- Tem sim, a casa da minha avó é toda de barro e tá lá até hoje.

Nádia- Professora, a casa da mãe da minha mãe, da minha avó, era de uns pedacinhos que

parece pedra. André- A casa da minha bisavó também era de uns tijolinhos de barro, que não é esse tijolo

que a gente usa hoje. [...]

Nádia- Professora, o barro é argila, não é?

P- É, mas não é um barro qualquer não, ele tem uma liga. Carlos- É ele tem uma liga especial, que fica grudento.

P- Isso mesmo, essa liga que faz o barro grudar na estrutura de madeira. Os antigos falam

que eles estão amassando a parede. P- A técnica de amassar a parede é quando eles fazem a armação e vem um de um lado e o

outro do outro e vão tampando os buracos com o barro.

Vanessa- Professora, argila cheira mal? P- Não, argila tem cheiro de barro mesmo. Mas dependendo da mistura que eles usavam na

argila para dar mais liga, ou melhorar sua resistência, isso sim, poderia dar algum cheiro

diferente.

Esse encontro e alguns dos seguintes foram dedicados a conversas sobre costumes

e práticas sociais de africanos, brasileiros e portugueses, bem como ao trabalho com

medidas (por exemplo, tempo gasto para chegar da África ao Brasil em navio e de avião,

velocidade). Passei, então, ao trabalho de observação das casas – nossas e de povos

africanos – buscando levantar suas características, métodos construtivos, diferenças e

semelhanças.

Percebi grande dificuldade no uso de instrumentos de medida e desenho (régua,

transferidor, compasso, etc), bem como na construção de uma planta baixa em escala.

Page 87: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

87

Em um encontro seguinte, trabalhando com a construção das casas antigas, as

típicas casas construídas pelos nossos avós e bisavós, apresentei algumas técnicas de

construção usadas pelos escravos negros no Brasil e difundidas ao longo do tempo. Essas

técnicas persistem, até hoje, principalmente nas moradias rurais. Embora tenha mostrado

várias técnicas construtivas, destaquei a taipa de mão, por ser a mais utilizada pelos

escravos e a mais simples para a construção de uma maquete (tarefa que viria a seguir).

P- Para começarmos, essa foi uma técnica trazida pelos escravos. Por que escolhemos essa técnica para o nosso trabalho? Essa técnica foi muito difundida no Brasil, que é a técnica da

Taipa, taipa de mão. De todas as técnicas, vamos usar a taipa de mão. Essa técnica é usada

desde a época da colonização, os escravos usavam nas suas construções, nas senzalas e em

algumas construções de seus donos. Depois, essa técnica foi se difundindo e, até hoje, a gente ainda encontra construções que utilizam essa técnica.

Em particular, relatei que minha mãe utilizou essa técnica na construção de nossa

primeira casa em uma fazenda da Bahia, e que ela me contou que a havia aprendido com

seus pais. Ela só morou em uma casa construída com tijolos aqui em Minas, assim, desde

sua infância, sempre ajudou ou construiu sua própria casa utilizando o barro.

P- Minha mãe, a primeira casa que ela morou foi construída dessa forma, então essa técnica

foi passando de geração em geração, desde a época dos escravos. A casa que eu morei na

roça, eu morei na roça até os sete anos, e a casa que a gente morou foi construída dessa forma, minha mãe construiu.

Apresentei imagens de algumas casas da época da colonização, destacando a

apropriação de práticas entre povos e a constituição de nossa herança. Dedicamo-nos, por

vários encontros, à construção de casas de taipa de mão de pequenas proporções.

Paralelamente, discutimos vantagens e desvantagens desse tipo de construção, o porquê

da escolha da terra (e do barro) na construção de casas etc.

Ao final da maioria dos encontros, pedia aos alunos que registrassem, em seus

cadernos, algumas impressões acerca do mesmo. Propus aos alunos, em um dos últimos

encontros, a realização de uma atividade avaliativa. Para eles, seria apenas um registro a

mais, um pouco distinto dos anteriores. Para a pesquisa, constitui-se numa oportunidade

de verificar a apropriação de conhecimentos matemáticos (ver atividade no Apêndice 1,

p. 215), uma vez que, durante a análise, optamos por valorizar mais o processo que esse

momento em particular.

Page 88: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

88

Capítulo VI:

Analisando as vivências: desvelando saberes matemáticos e saberes

associados à cultura africana

Neste capítulo, analisamos como as interações entre os participantes desta

pesquisa e entre eles e as atividades desenvolvidas nos encontros contribuíram para a

apropriação de conhecimentos matemáticos.

A apropriação pode ser entendida como “uma resposta ativa do sujeito à interação

social e não uma reprodução mecânica; tal conceito está relacionado ao problema da

significação e, portanto, das formas mobilizadas pelos indivíduos para interpretar uma

situação social” (SMOLKA, 2000, p. 22). De acordo com Bakthin (1997), apropriação de

discursos são “os processos em que os sujeitos convertem as palavras alheias em próprias,

apondo à palavra do locutor uma contra palavra” e é um modo de compreender os

processos de aprendizagem como apropriação de discurso. Para Smolka (2000, p.33) o

termo apropriação tem sua significação veiculada aos “diferentes modos de participação

nas práticas sociais, diferentes possibilidades de produção de sentidos”. Nesse texto,

quando concluímos que os alunos se apropriam de conhecimentos matemáticos estamos

nos referindo aos seus diferentes modos de participação nas práticas e sentidos dados

pelos alunos às noções matemáticas escolares envolvidas na construção de casas por meio

da arquitetura de origem na cultura africana.

Analisamos os dados coletados associando nossas observações com as referências

teóricas determinadas pelo estudo bibliográfico realizado. A análise consistiu na

verificação da ocorrência de contribuições para a apropriação de conhecimentos

matemáticos. Como contribuições, consideramos o surgimento de elementos que

caracterizam a diferentes aprendizagens nas práticas analisadas nesta pesquisa. Tais

aprendizagens serão descritas pela observação das mudanças de participação dos alunos

nessas práticas.

Optamos por utilizar três categorias para organizar este capítulo, as quais foram

construídas a partir de inúmeras leituras das informações coletadas e organizadas. A

primeira categoria de análise denominamos de ‘Cultura africana’, a qual subdividimos

em dois eixos de estudo: ideias associadas à raça/ etnia/ identidade e questões associadas

à geografia e à arquitetura afro-brasileira. Na segunda categoria de análise, ‘Noções da

Page 89: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

89

matemática escolar’, optamos, metodologicamente, por constituir quatro eixos de estudo:

formas geométricas, unidade de medidas, planta baixa e escala, uso de instrumentos. E a

última categoria, ‘Construção de identidades coletivas’, apresenta episódios que

pareceram significativos em termos de mudança de participação no decorrer do processo

de aprendizagem. Ressaltamos que essa é apenas uma das formas possíveis de se analisar

os dados e a que melhor se adaptou aos nossos esforços de ‘ler’ o processo vivido à luz

de nosso referencial.

6.1. Cultura africana

Dentro da categoria de análise: ‘Cultura africana’, optamos, metodologicamente

(uma vez que na prática todas as categorias são indissociáveis, se entrelaçando ao longo

dos encontros), por constituir dois eixos de estudo: ideias associadas à raça/ etnia/

identidade e questões associadas à geografia e à arquitetura afrobrasileira.

6.1.1. Ideias associadas à raça/ etnia/ identidade

Nesse eixo, abordamos assuntos relacionados à identidade do negro no Brasil.

Buscaremos relacionar, dentro da dinâmica dos trabalhos desenvolvidos nas atividades

dos encontros de pesquisas, as questões étnicas raciais que permearam as discussões entre

os alunos e alunos e pesquisadora, bem como as análises dos seus registros.

Sentimos a necessidade de definir alguns conceitos que serão usados largamente

neste trabalho. Primeiramente, identidade.

Segundo Munanga (1996), a identidade está presente em todas as sociedades

humanas. Através do seu sistema axiológico, qualquer grupo humano, sempre selecionou

alguns aspectos pertinentes de sua cultura para definir-se em contraposição ao alheio. E

de acordo com Gomes (2005), a identidade é entendida como um modo de ser e de ser

visto pelo outro no mundo. Dessa forma, nenhuma identidade é construída isoladamente.

É negociada, durante a vida, por meio do diálogo, consigo e com os outros. A construção

da identidade possui dimensões pessoais e sociais, que não se separam, são interligadas e

construídas na vida social. Essas múltiplas e diferentes identidades formam o sujeito.

Voltando a Gomes (2005), se reconhecer numa identidade supõe responder

afirmativamente a uma interpelação e, portanto, estabelecer um sentido de pertencimento

a um grupo social de referência. Entenderemos, pois, neste trabalho, que a identidade

negra "como uma construção social, histórica, cultural e plural. Implica a construção do

Page 90: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

90

olhar de um grupo étnico/racial ou de sujeitos que pertencem a um mesmo grupo

étnico/racial, sobre si mesmos, a partir da relação com o outro” (GOMES, 2005, p. 43).

Raça é outro termo que merece considerações. De acordo com Gomes (2005), as

raças são construções sociais, culturais e políticas produzidas nas relações sociais e de

poder ao longo da história. Não nos referiremos aqui, ao aspecto biológico. Contudo,

preferiremos utilizar, no contexto desta pesquisa, o termo étnico/ racial. Para Gomes

(2005), etnia é outro conceito ou termo usado para se referir ao pertencimento ancestral e

étnico/ racial dos negros e outros grupos sociais. Mais ainda, etnia é um grupo social cuja

identidade se define pela cultura, tradições, monumentos históricos, território e

comunidade de língua. As diferenças são construções sociais, culturais e políticas.

Entendemos também que os indivíduos negros brasileiros enfrentam o desafio de

construir uma identidade negra positiva em uma sociedade que, historicamente, ensina a

eles, desde muito cedo, que para ser aceito é preciso negar-se a si mesmo (GOMES,

2005). Neste estudo, procuramos – de modo inicial e ainda tímido – abordar tais questões.

Tentamos aqui, incorporar essa realidade ao discutirmos sobre a diversidade cultural e a

constituição do povo brasileiro.

A identidade negra também é construída durante a trajetória escolar

desses sujeitos e, nesse caso, a escola tem a responsabilidade social e educativa de compreendê-la na sua complexidade, respeitá-la, assim

como às outras identidades construídas pelos sujeitos que atuam no

processo educativo escolar, e lidar positivamente com a mesma

(GOMES, 2005, p. 44).

No primeiro dia de atividades, perguntamos aos alunos o que achavam que

trabalharíamos nesse projeto: “O que vocês acham que vai ser esse projeto? Do que se

trata essa pesquisa?”. Percebemos que os alunos estavam interessados, mas a maioria

não se arrisca a apresentar suas ideias.

Patrícia afirma: “formas de aplicar a Matemática na cultura africana”,

evidenciando uma noção interessante do que poderia ser o trabalho.

Porém, Nádia e Amanda respondem relacionando o estudo da cultura africana ao

preconceito:

Patrícia- Formas de aplicar a Matemática na cultura africana.

Nádia- Preconceitos da sociedade até hoje. Amanda – Os negros antigamente eram escravos e sofriam grandes preconceitos.

[Demos continuidade a dinâmica do encontro com a atividade da ‘árvore genealógica’] (Trecho da transcrição do dia 8 de maio de 2013, 1º encontro)

Page 91: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

91

No início da primeira atividade, ‘Árvore Genealógica’, quando construímos nossa

própria árvore como exemplo, houve uma grande movimentação, envolvimento e

questionamentos dos alunos. Percebemos que, ao longo da atividade, as observações se

aprofundavam, assim como as referências para a caracterização das pessoas quanto a cor

da pele, bem como a diferenciação física, entre os membros da família, iam se

modificando, passando a cor do cabelo, tipo de cabelo “liso ou crespo”, tom da pele.

Carlos- Professora, sua irmã não parece com a senhora. P- Por quê? Ela é mais escura, mas se olhar bem, temos alguns traços em comum. Meu pai

era negro, e minha mãe bem clara.

Angélica- Sua mãe é branca.

P- Vamos olhar para os pais dela, aí você vai ver se ela é realmente branca. [Colamos o restante das fotos e pedimos para que eles as observassem]

Angélica- O pai da sua mãe é claro, a mãe tem cabelos lisos e é morena.

Carlos- Parece índia. P- Vocês ainda acham que minha mãe é branca?

Angélica- Mas ela é clara e tem cabelos claros.

P- Será que é a cor da pele que define como negra ou branca? [Continuamos a conversa]

(Trecho da transcrição do dia 8 de maio de 2013, 1º encontro)

Na fala de Carlos, observamos a surpresa – “Professora, sua irmã não parece com

a senhora”. – provavelmente, associada ao fato daquela possuir a pele mais escura. Ora,

isso sugere um preconceito enraizado, mas como se tratava da professora, o aluno fica

receoso de se expor. Então, finalizamos com a resposta muito comum no Brasil, que

escutamos no percurso de nossa vida. – “Ela é mais escura, mas se olhar bem, temos

alguns traços em comum. Meu pai era negro, e minha mãe bem clara”. – E, em seguida,

a Angélica afirma: “Sua mãe é branca.”, ou seja, de acordo com a tonalidade da pele

classificam-se as pessoas.

Segundo Anjos (2009), devido à grande expressão demográfica do Brasil, a

descriminação étnica, particularmente o contingente de ascendência africana, é sem

dúvida a de maior extensão social e territorial. Os problemas já surgem quando se quer

saber qual o número real de “negros” e “negras” ou da população de ancestralidade da

África presentes no Brasil. De acordo com Anjos (2009)

A palavra “negro” foi uma invenção do colonialismo, do sistema escravista, da retirada de seres humanos do continente africano

denominado “tráfico negreiro”. Secularmente, ficou associado a um

significado pejorativo, de algo ruim, que não é humano, mas relacionado a animal. Esse é um ponto de reflexão e correção histórica necessária e

que requer uma ação política e educacional consequente, até porque está

incorporado de forma consistente no pensamento social brasileiro. Se

não fossem os negreiros e seus navios, comerciantes de populações escravizadas no continente africano, não existiria os “negros”, tratados

Page 92: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

92

como mercadoria. Daí vem a “invenção” e promoção do engano secular

denominado “raça negra”. (ANJOS, 2009, p. 155)

Essa negação ao negro fica evidente quando buscamos os dados oficiais do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que é o instituto brasileiro

responsável pela produção e divulgação das informações demográficas do Brasil. Anjos

(2009) evidencia que uma parte da população brasileira, informada ou desinformada,

geralmente dividida nas suas referências individuais e familiares e sem identidade

firmada, se registra no recenseamento como “parda” ou “branca”. Isso demonstra a

continuidade de uma postura do país de se “mostrar”, de ser representado e de ser

valorizado a partir das referências europeias. O que constitui um dos componentes

estruturais da negação das outras matrizes culturais existentes. Seria uma forma

consciente ou não de se sentir “dentro” de uma fronteira social explícita dos “incluídos”

e “excluídos” do sistema dominante, ou seja, de ser aceito ou inserido nesse sistema

dominante.

Outro fato que exemplifica essa negação ao negro surge ao final da montagem da

árvore genealógica, quando aparece a ideia da pessoa mista.

O aluno Carlos, depois de observar a nossa constituição familiar, afirma: “Nossa

professora, a sua família é mista”. Família mista, para ele, é aquela que “tem, tem todas

as cores. Seu pai é preto, sua mãe branquinha e tem até índio”. Desta forma, fica evidente

a percepção de mistura étnica na formação familiar evidenciada no Brasil.

Já a aluna Angélica fecha o diálogo afirmando: “Você é negra, com a cor clara”.

Demonstrando que há um reconhecimento da descendência negra e um início de

conceituação do que é ser negro, independentemente da cor da pele, promovendo uma

aceitação da herança negra africana na formação familiar brasileira por parte da aluna.

De acordo com os dados do IBGE (2000), aproximadamente 47% da população

brasileira é “preta” e “parda”. Contudo, segundo Anjos (2009, p. 159):

associado ao “pardo” está a indefinição da sua identidade, do seu lugar na sociedade, da sua referência ancestral, em síntese, da sua

territorialidade. São milhares de homens, mulheres, crianças e idosos

que sentem internamente que não existe, ainda, um lugar definido na estrutura social do país.

Esse contingente populacional foi formado através de um processo de “mistura”

étnica. E as relações de valores dos povos europeus foram associadas como “modelo” de

referência aceito pelo sistema dominante. O que gerou a impressão de vários desajustes

nas formas de pensar, de se inserir e de se enquadrar na sociedade brasileira.

Page 93: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

93

A discussão sobre a questão racial também é evidenciada nos registros produzidos

nos cadernos após as atividades do primeiro encontro. A seguir, alguns exemplos de

respostas dadas à pergunta: Quem somos? Quem sou eu?

FIGURA 19 – Resposta do aluno Renato a questão: Quem somos?

Inserindo a cultura africana nas aulas de matemática

Quem somos? Somos partes de um povo diferente um dos outros, mas somos todos iguais uns com os

outros. FIGURA 20 – Resposta do aluno André a questão: Quem somos?

Nesses registros, os alunos Ándre e Renato pregam a igualdade entre as pessoas.

Um olhar para um país ideal, idealizado. Já no registro seguinte, do aluno Eduardo, ele

compara a sua família com a da professora, ou seja, uma família comum brasileira, cheia

de misturas. E finaliza com “ Não tenho mais o que falar”, o que pode siginificar essa

incerteza de identidade, insegurança quanto ao seu pertencimento social.

Quem somos? Somos parte de um povo diferentes uns dos outros, mas somos todos iguais.

Page 94: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

94

Quem somos? Eu sou, e a minha familia é misturada igual a da professora e só e fim e não eu

tenho mais a falar. Eu moro em Contagem e minha familia, o meu pai é do Serro e minha mãe

é de Teofilotone e o meu irmão mora em contagem. FIGURA 21 – Resposta do aluno Eduardo a questão: Quem somos?

Quem somos? Estudantes, negros, pardos, feios, bonitos, manças às vezes, gostosos até

demais. Na vedade eu sou lindo. FIGURA 22– Resposta do aluno Pedro a questão: Quem somos?

Quem sou? Eu sou uma pessoa que seria capaz de fazer qualquer coisa por minha família. Um

primo meu é negro, penso eu faço brincadeiras com ele mas no fundo ele é meu chegado. FIGURA 23 – Resposta do aluno Angélica a questão: Quem sou eu?

Quem sou eu?

Eu me considero uma pessoa parda nascida no estado do Pará na cidade de Rondon. Minha

familha é meio dividida no caso de lugares de nascimento, porque a minha familia paterna e

a maioria paraense e a minha familia materna é tambem a maioria mineira. FIGURA 24 – Resposta do aluno Amanda a questão: Quem sou eu?

Page 95: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

95

Quem sou? Eu sou uma menina que é capaz de fazer de tudo para sua família e que jamais deixaria sua família só.

FIGURA 25 – Resposta do aluno Estela a questão: Quem sou eu?

Quem somos? Somos aquelas pessoas que ajuda o mundo, a melhora cada vez mais. Ex: não

desmata, não estragar a natureza que Deus criou, não fazer mal ao nesse planeta, por que é o

único que a gente tem. FIGURA 26 – Resposta do aluno Fernanda a questão: Quem somos?

Quem somos? Eu sou parda tenho 11 anos. FIGURA 27 – Resposta do aluno Nádia a questão: Quem somos?

Em suas caracterizações, os alunos abordaram temas de modo generalizado e

colocaram os assuntos de maneira, politicamente, correta evidenciando que sabiam se

tratar de um trabalho para a professora. Não conseguem se expressar na escrita da mesma

maneira espontânea com que o fazem na forma oral.

Apesar de termos discutido o tema da nossa constituição, de formação da nossa

“cor”, nos relatos, percebemos um distanciamento desse tema. Na pergunta “Quem

somos?”, Eduardo, André, Pedro e Renato falam sobre a família ser misturada e destacam

a igualdade das pessoas independentes da cor da pele. Mas, na pergunta “Quem sou eu?”,

só as alunas Amanda e Nádia se caracterizam quanto a cor da pele, deixando evidente que

Page 96: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

96

são negras ou pardas. A formação de uma identidade negra ainda parece muito difícil para

eles, que não conseguem ainda se perceber enquanto tal. Além disso, no relato da aluna

Angélica há menção de um ato de preconceito, percebido por ela mesma, quando escreve:

“Um primo meu é negro, penso, eu faço brincadeiras com ele mas no fundo ele é meu

chegado”. Sua declaração demonstra a dificuldade que ainda sente em sair do paradigma

do preconceito, apesar de reconhecê-lo.

No Brasil, para Paixão (2006), há uma modalidade de preconceito entendido como

de marca, em que a questão da origem racial de uma pessoa seria pouco, ou quase nada

relevante. Nesse caso, as formas de discriminação e de preconceitos se configuram pelos

fenótipos de cada pessoa: tonalidade da cor da pele, o tipo de cabelo e o formato de partes

da face (nariz, boca, textura da pele). O que não descaracteriza o preconceito, que

constitui ato hediondo por si mesmo, devendo ser incessantemente combatido.

Um outro momento de evidente preconceito foi presenciado no segundo encontro

de pesquisa. Estávamos desenvolvendo a atividade ‘construção da árvore genealógica’,

então aproximamo-nos de um grupo que comentava sobre preconceitos contra o “negro”.

A aluna Vanessa contava para sua colega Nádia que a filha de sua irmã nascera “negra do

cabelo duro”, como castigo pelo fato dela desejar uma criança assim para uma prima. No

entanto, a filha da tal prima nascera “branca do cabelo bom”. Percebemos nessa fala o

preconceito com relação ao negro, a negação de ser negro. Vanessa procura se justificar,

contudo, acaba, novamente sugerindo a negação da própria identidade: “Meu preconceito

é sobre cabelo. Não gosto de cabelo duro. O meu, eu mudei desde a terceira série.

Imagine professora o meu filho nascer com o cabelo durinho na cabeça”.

O corpo e o cabelo negro estão relacionados com a questão da construção da

identidade negra. No contexto desta pesquisa, consideraremos identidade como um

processo que se dá na relação do negro com o olhar do outro, um olhar do que está de

fora, e não somente com o próprio olhar sobre si. (GOMES, 2003). Portanto, seguindo

os direcionamentos de Gomes (2003), podemos entender a identidade negra no Brasil

como um processo construído historicamente em uma sociedade que padece de um

racismo ambíguo e do mito da democracia racial, a qual se constrói no contato com o

outro, no contraste com o outro, na negociação, na troca, no conflito e no diálogo. Dessa

forma, o cabelo crespo e o corpo negro podem ser considerados expressões e suportes

simbólicos da identidade negra no Brasil. Não podendo ser considerados simplesmente

como dados biológicos. Juntos, cabelo e corpo, possibilitam a construção social, cultural,

Page 97: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

97

política e ideológica de uma expressão criada no seio da comunidade negra: a beleza

negra.

O que caracteriza a imagem que um indivíduo faz de si mesmo, de seu “eu”, é

intermediada pelo reconhecimento obtido dos outros.

Ainda segundo Gomes (2003), o cabelo do negro expressa o conflito racial vivido

por negros e brancos na sociedade brasileira. Esse conflito é coletivo e todos participamos

dele. O que difere na questão do negro é que a esse segmento étnico/ racial foi relegado

estar no lugar daquele que sofre o processo de dominação política, econômica e cultural.

E ao branco ser o dominante. Em razão da recusa, pelos negros, dessa separação rígida,

práticas políticas são construídas e práticas culturais são reinventadas.

Uma forte expressão do racismo e da desigualdade racial que recai sobre o negro

está no olhar que se dá a seu cabelo, visto como “ruim”, em contraponto ao do branco,

considerado como “bom”. Essas padronizações expressam um impiedoso conflito. Assim,

uma tentativa do negro de sair do lugar de inferioridade é a mudança do seu cabelo. O

que ainda pode representar um sentimento de autonomia, expresso nas formas ousadas e

criativas de usar esse cabelo. Essa é, sem dúvida, uma zona de tensão.

De acordo com Gomes (2003) é dessa zona de tensão que emerge um padrão de

beleza corporal real e outro ideal. No Brasil, vivemos em contradições, visto que esse

padrão ideal é o branco, embora o real seja negro e mestiço. Então, o tratamento dado ao

cabelo pode ser considerado uma das maneiras de expressar essa tensão. Em alguns casos,

há a consciência, em outros, o encobrimento desse conflito, vivido na estética do corpo

negro, o que marca a vida e a trajetória do negro brasileiro. Fica implícito, para o negro,

que a intervenção no cabelo e no corpo é mais que uma questão de vaidade ou de

tratamento estético, se configura uma questão de identidade.

No caso dos negros, o cabelo crespo é visto como um sinal diacrítico que

imprime a marca da negritude nos corpos. Ele é mais um elemento que compõe o complexo processo identitário. Dessa forma, podemos afirmar

que a identidade negra, enquanto uma construção social, é

materializada, corporificada. Nas múltiplas possibilidades de análise

que o corpo negro nos oferece, o trato do cabelo é aquela que se apresenta como a síntese do complexo e fragmentado processo de

construção da identidade negra (GOMES, 2003, p. 7).

Dessa forma, o estilo de cabelo, o tipo de penteado, de manipulação, bem como o

sentido a eles atribuído, pelo sujeito que os adota, podem ser usados para camuflar o

pertencimento étnico/ racial, na tentativa de encobrir dilemas referentes ao processo de

construção da identidade negra. Assim como a democracia racial encobre os conflitos

Page 98: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

98

raciais. Por outro lado, podem expressar um estilo de vida ou podem representar um

processo de reconhecimento das raízes africanas, assim como de reação, resistência e

denúncia contra o racismo.

Já na descrição, por escrito, de suas famílias, na atividade da “árvore genealógica”,

observamos uma afirmação e uma aceitação da cor negra presente na miscelânea familiar.

O que pode ser observado nos relados a seguir.

Para mim minha família é perfeita, muitas pessoas dela já morreram mas isso não importa.

Eu amo a minha família. Eles são de cores diferentes. FIGURA 28- Relato do aluno Carlos a respeito da sua formação familiar.

Novamente evidencia-se a questão da mistura racial, e a não afirmação do ser

negro.

Eu sei que minha família toda negra só a minha vô paterna que não. Meu pai morreu. Minhas

irmãs são um pouco chatas e eu nasci em 2001 meus avôs e meus tios ficam felizes quando me veem.

FIGURA 29- Relato do aluno Pedro a respeito da sua formação familiar.

Este é um dos poucos relatos no qual percebemos a aceitação da família negra.

Page 99: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

99

Como não conversei com meus pais vou contar o que sei.

Infelizmente não conheci meus bisavós e nem meu avô materno. Toda a minha família é mineira menos minha mãe e eu que somos naturais do Pará, moramos um bom tempo no estado do

Pará até vir para Betim por causa de um aneurisma que a minha avó materna teve. Hoje tenho

parentes que moram em diversos lugares como: Pará, São Paulo, Estados Unidos, Minas

Gerais. Eu me considero parda e minha família é mista. Amo muito todos eles por mais... FIGURA 30- Relato da aluna Amanda a respeito da sua formação familiar.

Page 100: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

100

Meu avô paterno é pardo, morreu com 82 anos, ele morreu quando eu tinha nove meses. Minha

avó paterna é branca, teve 4 filhos e 6 filhas, morreu com aproximadamente 50 anos. Meu avô

materno, negro (preto), eu não gosto demais dele, por que ele torceu o pescoço da minha mãe e separou da minha avó. Minha avó materna tem 57 anos e é negra e eu gosto dela por que ela

é legal e se interessa com a família dela. Meu avô já é diferente, ele nem se importa com a

família dele. Minha mãe é negra, tem 31 anos e cuida de mim com meu pai. Meu pai tem 42 anos, trabalha como mestre de obras. Minha irmã tem 9 anos, estuda e está no 2 ano. Minha

irmã recém nascida chama..., tem uma semana e 6 dias.

Essa é a minha família, eu não falei de todos que ia ser bastante, mas só isso já mostra a minha

família toda. Eu sou..., tenho 12 anos, e gosto de minha família como ela é. FIGURA 31- Relato do aluno André a respeito da sua formação familiar.

Page 101: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

101

Nesses relatos, observamos uma caracterização da família como constituída de

diversas tonalidades de pele, reforçando a constituição da família mista, só o aluno Pedro

considerou sua família negra. Apesar da não afirmação como negros, percebemos que a

atividade despertou o interesse pela formação familiar, mostrou que, tipicamente, a

formação familiar brasileira é constituída de povos de diferentes origens. Isso fica

evidente também nos relatos do início do 4º encontro, quando retomamos as ideias

desenvolvidas nos encontros até aquele momento.

P- O que que vocês perceberam nas apresentações das famílias? Uma fala que ficou marcante

para mim foi que a minha família é mista. Acho que foi o Renato quem falou. Nádia- A minha família tem preto, tem branco...

André- Aminha também é mista professora.

Carlos- Professora, professora, toda a minha família é mista. A família da minha mãe é negra

e a do meu pai é branca e parda. Eduardo- A minha também. Eu sou pardo.

Vanessa- Você é branco!

Eduardo- Que branco. Nádia- A minha mãe é preta, minha tia é branca. Eu tenho uma parte branca e uma parte preta.

[Passamos a questioná-los em relação aos possíveis motivos das misturas étnicas/ raciais no

Brasil] (Trecho da transcrição do dia 4 de junho de 2013, 4º encontro)

Para Munanga28 (2003), a identidade negra não surge da tomada de consciência

de uma diferença biológica entre populações negras e brancas e/ ou negras e amarelas ou

de uma diferença de pigmentação da pele. Essa diferença é o resultado de um longo

processo histórico, que começou com o descobrimento, no século XV, do continente

africano e de seus habitantes pelos navegadores portugueses. Essa história iniciou-se com

o tráfico negreiro, a escravidão e, enfim, a colonização do continente africano e de seus

povos. Como já sabemos, esses povos foram sequestrados, capturados, arrancados de suas

raízes e trazidos amarrados aos países do continente americano, o Brasil inclusive, sem

saber para onde estavam e por que motivos estavam sendo levados. No trecho do diálogo

seguinte, procuramos levar os alunos a essa reflexão sobre as razões para a mistura racial

no Brasil.

P- Como que surgiu? Ou melhor, o que vocês acham que tornou essas famílias tão misturadas? Vanessa- Professora antigamente tinha os escravos, não tinha?

P- Tinha.

Vanessa- Os escravos começaram a namorar com as brancas e as escravas com os brancos, aí...

P- O André queria falar.

André- Eu não. Desde o princípio de Adão e Eva...

28 Palestra proferida no 1º Seminário de Formação Teórico Metodológica – SP, pelo Profº Drº Kabengele

Munanga, do Departamento de Antropologia – USP, 2003.

Page 102: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

102

P- Desde o princípio, como era o Brasil?

Carlos- Tinha preto, branco, pardo...

André- Tinha só índio. Vanessa- Não tinha só índio, como que nasceu um branco?

P- Boa pergunta, no Brasil antes dessa mistura toda tinha índios, de diferentes etnias. Depois

vieram os portugueses. Depois os portugueses começaram a trazer pessoas negras, como

escravos da África. Carlos- Mas índio é que cor?

André- Vermelho.

Nádia- Tem índio branco, preto. P- Os índios do Brasil tinham uma cor mais corada, não é negro e nem branquinho. Tem uma

coloração especial, não sei uma cor específica. Como também tem várias tonalidades de

negros e de brancos. [Passamos para a apresentação do mapa do mundo, no globo, com o intuito de localizarmos o

Brasil, a África e Portugal] (Trecho da transcrição do dia 4 de junho de 2013, 4º encontro)

Consideramos que os alunos e nós ganhamos, além de conhecimentos e

experiências, em se tratando de cultura africana, com o exercício de nos olharmos e,

enquanto cidadãos brasileiros, nos analisarmos e indagarmos os porquês de nossas

heranças culturais. Embora ainda de modo rudimentar, os alunos conseguiram uma

reflexão acerca das suas origens e identificaram o seu pertencimento a uma cultura negra,

enquanto herança cultural relevante, ainda que não tenham conseguido expressar isso de

maneira tranquila, sem conflitos. O conflito também foi algo que ficou evidente, uma vez

que a formação da identidade negra para todos nós, ainda é difícil e frágil devido a todos

os processos históricos evidenciados neste trabalho.

6.1.2. Questões associadas à geografia e à arquitetura afro-brasileira.

Neste eixo, procuramos tratar de questões relativas à geografia e à arquitetura afro-

brasileira, relacionadas à construção da identidade do negro no Brasil. Buscaremos

relacionar, dentro da dinâmica dos trabalhos desenvolvidos nas atividades dos encontros

de pesquisa, as questões geográficas às questões relacionadas à arquitetura (das

construções de casas em barro) africana.

No primeiro encontro, perguntamos aos alunos o que eles imaginavam quando

ouviam a palavra ‘África’, e escrevemos no quadro as palavras que eles foram relatando.

A aluna Amanda se ofereceu para nos auxiliar, transcrevendo em seu caderno o que

registramos no quadro. Os termos utilizados pelos alunos sugerem uma visão de África

como um continente inferiorizado, pobre, subdesenvolvido. Visão essa, que perdurou

durante séculos de negação de nossa descendência africana.

Page 103: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

103

África: Índio, Seca, neve, pobreza, fome, caridade, amor, humildade, natureza, escravidão,

floresta, desmatamento, deserto, novas culturas, animais, racismo. FIGURA 32- Resposta da aluna Amanda.

De acordo com Anjos (2009), se considerarmos que a população brasileira

apreciada como “parda” é de fato mestiça e que tem graus diferentes de ascendência

africana, fica evidente que essa população não é minoria. E não se pode negar que “o

Brasil é o que é, porque teve e tem as referências africanas marcadas, irreversivelmente,

no seu espaço geográfico, na sua população e, sobretudo, na sua cultura” (ANJOS, 2009,

p. 160). O Brasil é a segunda maior nação do planeta com população de ascendência

africana. E é em relação a esse continente que as estatísticas apontam os maiores índices

de descriminação e de depreciação socioeconômica.

Anjos (2009) considera que um dos principais obstáculos, criados pelo sistema

para a inserção da população de matriz africana na sociedade brasileira, está relacionado

com a inferiorização dessa população no ensino. Uma possível solução para essa situação

é a desmitificação do continente africano para a população do Brasil, sobretudo, através

da inserção desse assunto nas escolas.

O brasileiro não pode mais ficar achando que a África é um país; nem tão pouco achar que somente existem doenças; seres humanos e culturas

primitivas; espaços para safári e animais exóticos etc. O dano principal

dessa informação errônea é auxiliar a manutenção de uma população preconceituosa às referências africanas e ser feita uma associação

imediata aos afro-brasileiros e afro-brasileiras (ANJOS, 2009, p. 162).

Concordamos com Anjos (2009) quando este ressalta que a informação

equivocada auxilia na manutenção do preconceito. Trata-se, pois, de um ponto estrutural

para um processo de mudança, no qual, o brasileiro, como ser humano de ascendência

africana seja valorizado e devidamente respeitado no sistema. Uma forma que

Page 104: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

104

encontramos de, num primeiro momento, promover essa desmitificação foi apresentando

o vídeo sobre as heranças culturais dos negros no Brasil. Esse vídeo mostra um pouco da

influência da cultura africana no Brasil. Ao final, propusemos as seguintes questões:

Quais os assuntos abordados no vídeo?

O que que você entendeu do vídeo?

Que os primeiros humanos habitavam na África, e que da África abitou todo o mundo e países. FIGURA 33- Resposta do aluno André.

O que entenderam do vídeo, trouxe algo de novo para você? O quê?

Eu entendi um pouco de cada coisa que o vídeo mostrou.

Trouxe muitas coisas novas que eu não tinha conhecimento, como: o banto- várias línguas que faz parte da cultura africana, e também várias coisas que o museu afro-brasileiro me permitiu

conhecer. FIGURA 34 - Resposta da aluna Amanda.

Percebemos, no relato da Amanda, que a atividade promoveu novos

conhecimentos.

Page 105: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

105

1- O que entenderam do vídeo? Eu entendi que a África é um lugar muito especial para

as pessoas, e para eles que moram lá também.

2- Trouxe algo de novo para você? Sim, trouxe mais informações sobre a África, as artes

que eles faziam lá. FIGURA 35- Resposta da aluna Fernanda.

Continente africano, berço da humanidade. A África tinham escravos que trabalhavam na América entre os séculos IX- XI haviam poderosos reis. “Ferro do ouro”.

Eu entendi sobre a cultura africana, eu entendi sobre o reino de Kush, sobre o tempo medieval,

sobre a migração dos povos e parte da África, sobre os reinos, etc... FIGURA 36- Resposta do aluno Renato.

O que entenderam do vídeo? Que o no vídeo, que os africanos não são muitos conhecidos no

Brasil. Algumas pessoas diziam que eram de São Paulo, Betim e etc. bem eu entendi isso. FIGURA 37- Resposta da aluna Angélica.

Page 106: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

106

O que entenderam do vídeo, trouxe algo novo para vocês? O que?

Eu entendi pouca coisa, mas pelo que eu vi, eu entendi que a cultura africana é pouca reconhecida no Brasil e que ninguém sabe de onde que vem a cultura africana.

Sim trouxe algo, que eu não sabia que e que a África era um peso para todos. FIGURA 38 - Resposta da aluna Estela.

O que entendeu do vídeo?

Eu consegui perceber que nós sabemos que não tem quase nada na África, mas sim no outro país.

FIGURA 39- Resposta da aluna Nádia.

Percebemos nos relatos que as informações apresentadas no vídeo foram uma

novidade para os alunos. Apesar de em algum momento da vida escolar os alunos terem

visto sobre África e cultura africana29, esses conhecimentos eram superficiais e eles não

29 Tendo em vista que a Lei 10639/03 já era implementada na rede municipal, mas não de maneira

abrangente, sendo restrita às atividades da semana da consciência negra.

Page 107: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

107

conseguiram reproduzir isso na forma escrita. Notamos, no decorrer das atividades,

espanto e curiosidade nos relatos, principalmente no que se refere à influência da cultura

Banta no idioma brasileiro. Influências culturais que vão além da culinária e da religião.

Observamos que os alunos não têm contato com esse tipo de experiência na escola,

o de conhecer outras culturas. O que se explica pela presença, nos livros didáticos, da

história ocidental dos brancos, ou seja, a cultura do dominante. E é essa história que é

repassada na escola, com suas crenças, mitos e valores. Além disso, quando os livros

didáticos se referem à cultura negra, dedica-se apenas ao momento temporal da

escravidão, atribuindo-lhes uma visão de ser inferior.

Não ser visível nas ilustrações do livro didático e, por outro lado,

aparecer desempenhando papéis subalternos, pode contribuir para a

criança que pertence ao grupo étnico/racial invisibilizado e

estigmatizado desenvolver um processo de auto-rejeição e de rejeição ao seu grupo étnico/racial (SILVA, 2005, p. 25).

Uma das atividades do 4º encontro foi “um pouco de história”, na qual pedimos

que os alunos colorissem, no mapa do Brasil, Minas Gerais e fizessem uma marca na

cidade de Betim. Enquanto os alunos realizavam a atividade, íamos conversando sobre a

história da formação do nosso país. Nessa conversa, percebemos grande interesse pelo

tema, participação, desejos de interações e demonstração de curiosidade sobre o assunto.

FIGURA 40- Atividade produzida pelo aluno Carlos.

Após o pequeno relato histórico, começamos a direcionar a discussão para as

construções das casas dos índios. Percebemos, pelas falas, que ainda que de forma bem

superficial, começavam a comparar suas casas e seus hábitos com os dos índios. Falamos

Page 108: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

108

um pouco como eram os estilos de casas dos portugueses e dos africanos. Percebemos

que não há, nessa comparação, referências preconceituosas ou um olhar de superioridade

perante as diferenças entre as culturas, pelo contrário, observamos os alunos muito atentos

e interessados em conhecer outra cultura. Percebemos que, nessa atividade, ao direcionar

as discussões para a diversidade cultural, racial e social, possibilitamos uma possível

ampliação da sua construção de identidade étnica/ racial.

Nádia- eu tenho certeza que os índios moravam em uma cabana de palha. E os objetos deles eram feitos de madeiras e barro. Eles não tinham chuveiro.

André- eles tomavam banho no rio.

Nádia- tomavam banho em cachoeiras, rios,

Eduardo- a noite eles faziam fogueiras e cozinhavam. Nádia- faziam aquelas coisas em volta da fogueira.

Amanda- cantavam e dançavam em volta da fogueira.

Nádia- a comida deles não era exatamente igual a nossa. Eles tinham que caçar para comer. Eduardo- eles comiam peixe.

P- eles caçavam.

Vanessa- tinha onça também! Nádia- eles comiam carne assim, olha de animais que eles matavam.

(Trecho da transcrição do dia 4 de junho de 2013, 4º encontro)

Quando focamos a conversa nas casas construídas com o barro, tivemos o

depoimento do Carlos, falando do conserto da casa de sua avó, que é toda feita de madeira

e barro. No encontro seguinte, ele trouxe a foto da casa de sua avó e a mostramos para os

demais alunos30. O relato de Carlos mostra que a influência da arquitetura antiga africana

(construções utilizando a técnica de construção, taipa de mão) em barro não é tão remota

quanto se pensa, está presente ainda hoje na vida dos meninos. Não estamos nos referindo

a um passado que ocorreu na época da escravidão, mas sim de uma influência que

perpassou gerações e está presente até hoje em muitas famílias. Isso transforma a herança

cultural africana em algo vivo e positivo.

30 Era para apresentar a foto em um slide, mas faltou energia na escola e tivemos que mostrá-la a cada

aluno, o que gerou tumulto.

Page 109: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

109

FIGURA 41 - Casa do avô do Carlos.

Hoje pra mim foi ótimo eu aprendi sobre os escravos e suas diferenças de vida. FIGURA 42- Relato do aluno Carlos sobre o encontro.

Os relatos registrados ao final desse encontro evidenciam um maior interesse dos

alunos pela cultura africana e suas influências na cultura brasileira. Esse interesse

permanece ao longo dos demais encontros. Um exemplo é o início do 5º encontro, quando

mostramos slides de fotos antigas de Betim. A primeira se tratava de uma foto da

comunidade quilombola dos Arturos.

P- Essa é uma comunidade quilombola aqui de Betim.

Nádia- O que é quilombola, professora? P- São comunidades que, desde a época da escravidão, vivem em locais afastados das cidades.

Têm costumes e crenças próprios.

André- Tipo os quilombos dos Palmares? P- É, só que o quilombo dos Palmares foi destruído, mas o dos Arturo está até hoje.

(Trecho da transcrição do dia 5 de junho de 2013, 5º encontro)

Ao fazer nossa análise, percebemos que poderíamos ter explorado mais a noção

de quilombos, entretanto, como o nosso foco estava nas construções, não tivemos essa

ideia no momento do trabalho de campo, deixando passar a oportunidade. Dando

continuidade à atividade, mostramos outras imagens, uma delas foi à casa de minha avó,

no Espírito Santo, e a casa dos avós do aluno Carlos, no interior de Minas Gerais.

Questionaram se seriam casas de pessoas pobres ou ricas. Aqui, percebemos uma

comparação, indireta, com o modelo das habitações de hoje. Nessas falas, observamos

Page 110: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

110

que a diferenciação entre pobres e ricos está presente também na arquitetura das casas e,

nesse sentido, reproduzem um olhar sob a ótica da cultura europeia, na qual as casas de

pobres são sempre pouco acabadas e raramente utilizam da alvenaria mais elaborada. Essa

percepção se aproxima daquela apresentada pelos viajantes ao relatarem as construções

das vilas mineiras31, embora apresentem o tema de outra maneira, os alunos acabam por

expor uma concepção de que habitação de pobre é necessariamente inferior àquelas que

mostramos nas fotos, ou seja, as casas consideradas melhores se parecem com casas de

ricos.

Nádia- Professora, como era as casas dos pobres da época?

P- Mas essas são casas de pobres.

Vanessa- Nossa se essa era casas de pobres, então como serão as casas dos ricos? [Começaram a fazer os relatos comparando as casas antigas com as suas casas.]

(Trecho da transcrição do dia 5 de junho de 2013, 5º encontro)

Os relatos a seguir mostram algumas das características comuns e das diferenças

encontradas pelos alunos em relação às casas mostradas nos slides comparadas com as

suas casas. Percebemos nos relatos escritos que os alunos conseguiram identificar as

características das casas antigas e diferenciá-las das casas de hoje. Compararam-nas com

suas próprias casas. A estética das casas ficou bem evidenciada, bem como os materiais

dessas construções.

Características comuns

Casas antigas Minha casa

31 Os viajantes vão desvalorizar esteticamente as construções mineiras, pois não acompanhavam o modelo

eurocêntrico.

Page 111: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

111

Tinham fogão a lenha, chaminé, quintal

grande e árvores de frutos no quintal

Quintal grande, árvores no quintal, forma de

casa colonial (na roça). FIGURA 43 - Quadro construído pela aluna Amanda.

Características diferentes

Casas antigas

São feitas de barro, com janelas de madeira,

pouca “cor” (não era pintada).

Minha casa

São feitas de cimento e tijolo, janela de vidro e

são pintadas.

FIGURA 44 - Quadro construído pela aluna Amanda.

Características das ruas e comunidades

Antigamente As ruas não eram asfaltadas, as casas eram todas

praticamente iguais.

Hoje As ruas são asfaltadas e as casas são todas

diferentes.

FIGURA 45 - Quadro construído pela aluna Amanda.

Page 112: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

112

FIGURA 46 - Foto da casa do avô do aluno Carlos.

Ao final do encontro pedimos que relatassem suas impressões do encontro.

Como foi o encontro:

Foi interessante e bem divertido, gostei muito pois fiquei sabendo mais um pouco da história de cada colega.

FIGURA 47 - Relato do encontro feito pela aluna Fernanda.

Como foi o encontro: hoje o encontro foi parcialmente legal, pois o barulho e a bagunça foi

dois elementos infelizmente presente, mas hoje finalizando a primeira etapa, aprendi coisa que não sabia tipo sobre: as casas antigas, como eram feitas, e o que tem em comum e diferente

das casas de hoje. FIGURA 48 - Relato do encontro feito pela aluna Amanda.

Page 113: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

113

No 6º encontro, desenvolvemos a atividade “Construção da casa com base em

formato retangular”.

P- Por que escolher construir uma casa com esse formato? E que tipo de materiais eles utilizavam (e utilizam)?

Todos- Barro.

Fernanda- Madeira.

Nádia- Água. Angélica- Palha.

André- Barro, argila.

Carlos- Barro. André- Eu já falei barro.

Angélica- Qual é a segunda pergunta Nádia?

[A aluna Angélica retomou a segunda pergunta e começou um diálogo.]

Nádia- Por que construir desse jeito? Angélica- Por quê?

Amanda- É que na época só tinha como fazer, só dava para fazer casa desse formato.

Renato- Tinha recurso pra fazer casa nesse formato. (Trecho da transcrição do dia 11 de junho de 2013, 6º encontro)

Essa fala mostra, inconscientemente, a herança cultural africana. Segundo Faria

(2011), a tipologia básica da casa Iorubá pode ser sintetizada como uma moradia de planta

retangular (10’ x 20’) com dois cômodos. Um dos alunos questionou porque as casas de

antigamente eram tão baixinhas. Para o autor, a altura das casas de plantas retangulares

Iorubás estaria entre 6 a 8 pés, que corresponderiam, aproximadamente, às medidas 1,80

a 2,40 metros. Essa semelhança vem de encontro às observações dos alunos.

Carlos- Professora, por que essas casas são tão baixinhas? A casa de meu avô é baixinha, eu

consigo encostar no teto.

Paulo- A casa tem um metro e oitenta. Renato- A minha casa tem dois e vinte.

Nádia- Eu não sei o tamanho de casa nenhuma. (Trecho da transcrição do dia 11 de junho de 2013, 6º encontro)

Aproveitamos esse momento de discussão para refletirmos sobre as dimensões das

casas antigas comparando com as dimensões das casas de hoje.

P- Então! Quanto vocês acham que media essa casa aqui da imagem? Essas casas eram baixas

ou altas? Nádia- Ela é da altura dos moradores.

P- Por que, vocês conseguem imaginar um motivo para isso?

Renato- É que eles construíam com as mãos, então não dava altura para construir assim muito alto.

P- É uma boa justificativa.

Carlos- Na casa do meu avô é tão baixinha que dá pra ver o teto todo, e quando tem alguma

pingueira dá pra consertar fácil. (Trecho da transcrição do dia 11 de junho de 2013, 6º encontro)

Nádia comentou com Paulo que as casas eram baixas e compridas.

Page 114: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

114

Nádia- Então as casas eram baixas e compridas Paulo?

Paulo- Eram baixas, compridas não sei.

Nádia- Professora, eram baixas e compridas, não eram? P- Eram sim, em formato de um retângulo e algumas eram quadradas também. Então, nem

todas eram compridas.

Nádia- Por que elas têm esse formato?

P- Mas isso é que eu quero que vocês respondam. Nádia- Mas você poderia responder.

(Trecho da transcrição do dia 11 de junho de 2013, 6º encontro)

Então perguntamos sobre as diferenças dessas casas em relação às nossas hoje.

P- Quais são as diferenças das nossas casas?

Nádia- Tudo é diferente. (Trecho da transcrição do dia 11 de junho de 2013, 6º encontro)

Respondemos que essas diferenças eram devido às diferenças de materiais e

recursos que estavam à disposição para a construção. E não em relação às origens das

construções. O que não justifica, pois hoje se tem vastos matérias de construções e ainda

se constroem casas nesse formato. Percebemos que cometemos uma falha em não

relacionarmos os modos de construção com nossas heranças culturais.

P- Que materiais eles tinham para a construção?

Nádia- Madeira e argila.

Angélica- Barro.

Nádia- Argila é barro. P- Mas era só isso?

Eduardo- Cimento.

P- Eles tinham cimento? P- Brita?

Todos- Não.

P- Não? Tinham sim, não a brita toda quebradinha que compramos no depósito, mas tinham pedras que poderiam quebrar e usar na construção.

André- A areia também.

P- Mas como não tinha um material para dar liga na areia, era pouco utilizada.

[Enceramos a discussão fazendo um apanhado de tudo que discutimos. Mostramos novamente cada casa e os alunos iam falando os materiais que provavelmente teriam sido utilizados em

cada construção.] (Trecho da transcrição do dia 11 de junho de 2013, 6º encontro)

Na atividade de construção da planta baixa, encontramos uma relação entre o tipo

de casa e a condição socioeconômica do morador (dono) da casa. Essa relação é

exemplificada pelos alunos do grupo 2 ao comentarem a planta baixa da casa retangular

produzida pelo grupo. Uma particularidade desse grupo é que a aluna Amanda se tornou

sua líder, e nessa atividade ela descreve a casa que gostaria de ter. Relatamos a descrição

da planta baixa da casa da Amanda feita pelo grupo 2.

Page 115: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

115

Amanda- A porta de entrada é essa daqui. Aí vai pra cá. Da sala tem uma porta que vai pra

cozinha.

Raquel- Não, é da copa que vai pra cozinha. Amanda- Da copa vai pra cozinha, da cozinha vai pra lavanderia, da lavanderia tem um

corredor descendo até a suíte.

Pedro- Você vai fazer é casa de rico.

Raquel- É. Amanda- Temos que fazer uma saída aqui e outra aqui. Tem um quarto aqui.

Pedro- Faz uma garagem também.

Amanda- Aqui vai ser o quarto 2, e aqui o quarto das visitas. Pedro- É uma casa de rico.

Carlos- Não é melhor fazer uma casa de pobre mesmo, não?

Amanda- Essa é minha casa. Pedro- Seu pai é rico? Sua mãe é rica? Você não pode fazer uma casa de rico, você não é rica!

(Trecho da transcrição do dia 11 de junho de 2013, 6º encontro)

FIGURA 49- Construção da planta baixa.

Nesse momento, a casa surge como uma representação social.32 A casa tem um

papel social, uma casa de pobre tem poucos cômodos, menos divisões, é mais fácil de

fazer. Já a casa do rico é mais complicada, cheia de detalhes. E mais, se sua família é

pobre ela não pode sonhar (nem desenhar?) uma casa de rico. Isso mostra o lugar social

no qual o sujeito se encontra. O que está de acordo com o conceito europeu de arquitetura,

onde o mais evidente elemento da grandeza da arquitetura era a sua magnitude física.

O que não acontece em relação às casas africanas. Os alunos não questionam se

são casas de pobres ou de ricos, apenas que são diferentes das suas em alguns aspectos

como: quartos separados para os filhos, formato das casas (estudadas), presença de

32 Nesse texto entende-se por representação social o lugar que o indivíduo ocupa na esfera social, ou seja,

a casa representa sua posição social, se é rico ou pobre.

Page 116: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

116

animais dentro de casa, tipo de materiais de construção. E encontram algumas

semelhanças também.

No 9º encontro, na atividade “construção de casas circulares africanas”,

perguntamos aos alunos quais as semelhanças e as diferenças entre as casas dos diversos

grupos africanos.

P- Quais as semelhanças entre essas casas? E quais as diferenças? Carlos- Barro, todas são de barro.

Nádia- Tem celeiro.

Angélica- Tem quartos. [Na sequência, pedimos que comparassem os quartos, as casas dos grupos africanos com as

nossas casas.] (Trecho da transcrição do dia 19 de junho de 2013, 9º encontro)

Todos os alunos responderam rapidamente que nossos dormitórios eram muito

diferentes dos africanos (dos grupos estudados).

P- Qual a diferença dos quartos das nossas casas? Os quartos são iguais aos nossos?

Vanessa- La é separado da casa[...] P- O que podemos falar em relação às pessoas que moram nas casas?

Nádia- As crianças dormem em lugar diferente, longe da mãe. [...]

P – Quais são as diferenças dessas casas em relação às nossas?

Renato- Têm o telhado redondo, é de barro. Patrícia- Têm palha no telhado.

Renato- Muro de madeira.

Carlos- Têm portas redondas. Raquel- Têm desenhos na parede.

André- É de barro, as nossas são de tijolos.

Angélica- As nossas são modernas. Estela- Não têm portas e portões.

Vanessa- Têm formato cilíndricos.

Patrícia- Outra diferença é que as mães não ficam com os filhos na mesma casa.

Eduardo- Também todas são de barro e palha. E têm celeiros.

Angélica- Os quartos não são dentro da casa. E todo mundo dorme em quartos diferentes

Raquel- Os animais ficam dentro de casa. [...]

Nádia- Elas são quadradas com um terreiro no meio e as nossas são quadradas com quintal

no fundo.

Renato- A casa é de barro e a nossa de cimento.

André- O telhado nosso é de telha o deles é de capim.

Angélica- A nossa casa tem portão e a deles tem um buraco redondo. [...]

P- Tem uma coisa que vocês não falaram ainda e que é muito diferente das nossas.

Nádia- Cimento?

Carlos- Cozinha? Carlos- Madeira, banco?

Angélica- Ah, já sei, elas não têm janelas.

Carlos- A minha casa também não tem janelas.

P- Mas isso não é o mais comum na nossa sociedade. [No meio da discussão, fomos surpreendidos pelo questionamento da aluna Angélica sobre a

presença negra na África.]

(Trecho da transcrição do dia 19 de junho de 2013, 9º encontro)

Page 117: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

117

A pergunta de Angélica: “Professora, por que na África só tem negros?”, me

surpreendeu e, de certa forma, surpreendeu a todos os alunos; mas essa dúvida não era só

dessa aluna, pois todos silenciaram na expectativa da minha resposta. O fato sugere,

novamente, desinformação sobre o continente africano, e mais, são assuntos que aguçam

a curiosidade dos alunos, pois faz parte da nossa construção de identidade, da nossa

formação familiar, dos nossos antepassados, da nossa história.

Angélica- Professora, por que na África só tem negros?

P- Hoje lá não tem mais só negro, lá também teve mistura como nós aqui. Mas pensa, no Japão

tem só pessoas de olhos puxados, não é? É um biótipo, um tom de pele mais escuro. Mas na África tem muitos biótipos diferentes. Como o Japão é pequeno, todos parecem iguais. Mas

vemos semelhanças entre chineses e japoneses que tem biótipos parecidos, mas vemos

diferenças. Angélica- Entendi.

Carlos- Professora, na casa da minha tia também só tem negros.

[Após essa discussão, apareceu uma dúvida sobre a língua falada na África.] (Trecho da transcrição do dia 19 de junho de 2013, 9º encontro)

Outro exemplo dessa curiosidade, ou vontade de conhecer o povo africano, é

evidenciado quando Fernanda pergunta sobre a língua falada na África: “Professora, os

africanos falam que língua?”.

Fernanda- Professora, os africanos falam que língua?

P- Lá tem várias línguas. A maioria das pessoas fala vários idiomas locais. Mas tem as línguas oficiais, dependendo dos países. Tem país que fala o português. Esses que falam o português

foram os colonizados por Portugal. Tem os que falam francês, acho que esses são a maioria.

Mas cada grupo tem sua língua e continua falando seu próprio idioma e também o oficial do país. É o continente que tem a maior variedade de línguas faladas.

Nádia- Então qual é a mais falada na África?

P- Não tenho certeza, mas acho que é o francês.

[Enceramos a conversa e passamos para a atividade de construção da planta baixa das casas em formato cilíndrico típicas africanas.]

(Trecho da transcrição do dia 19 de junho de 2013, 9º encontro)

No encerramento das atividades da pesquisa, pedimos que respondessem, no caderno

de anotações, às perguntas:

1. Como foi a experiência de construir casa com argila?

1º Como foi a experiência de construir casas com argila?

Page 118: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

118

Foi interessante para mim, foi um novo jeito de se conhecer uma nova cultura que

encontrando. FIGURA 50 – Resposta do aluno Carlos.

2. Como se sentiram conhecendo outra cultura?

2º Como se sentiram conhecendo outra cultura? Eu me senti inteligente de poder aprender sobre as culturas diferentes.

FIGURA 51 – Resposta do aluno Carlos.

3º Como se sentiram conhecendo outra cultura?

Dependendo do momento me senti alegre, triste, impressionado ou não senti nada de

diferente. Mas isso (aprender sobre outras culturas) é com certeza muito interessante. FIGURA 52 – Resposta do aluno Carlos.

Page 119: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

119

3º Como se sentiram conhecendo outra cultura?

Eu me senti como se eu fosse uma exploradora do mundo estudando sobre a África e sobre as casas antigas e várias outras coisas apesar de não ser nada disso, mas eu gostei de

mais de ter participado desta inovação da cultura brasileira. FIGURA 53 – Resposta da aluna Fernanda.

As nossas análises sugerem que os alunos ampliaram seus conhecimentos acerca

de novas culturas e que as reflexões proporcionadas pelo trabalho podem ter contribuído,

em alguma medida, para o processo de construção de identidades.

Percebemos também que, em alguns momentos, deixamos de explorar questões

importantes. O tênue equilíbrio entre o tempo disponível e nossos objetivos iniciais pode

ter conspirado para que deixássemos de responder a algumas dúvidas e de explorar ricas

possibilidades. Percebemos que os alunos desejam saber mais acerca da geografia e

línguas presentes no continente africano. Ficou evidente o interesse acerca dos temas

relativos à cultura africana e também foi possível perceber que conseguiram identificar

que temos uma herança africana e que essa herança é positiva.

6.2. Noções da Matemática escolar

Dentro da categoria de análise: ‘Apropriação de conhecimentos matemáticos’,

optamos, metodologicamente (uma vez que na prática todas as categorias são

indissociáveis, se entrelaçando ao longo dos encontros), por constituir quatro eixos de

estudo: formas geométricas, unidade de medidas, planta baixa e escala, uso de

instrumentos.

6.2.1. Formas geométricas

No 4º encontro, quando iniciamos os questionamentos sobre as casas típicas

brasileiras, introduzimos o diálogo pelas casas indígenas que eles já conheciam. Como o

Page 120: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

120

assunto já era de conhecimento de todos, houve grande tumulto, pois todos queriam falar

ao mesmo tempo e participar da discussão.

Nessa discussão, os alunos associaram as construções indígenas a formas

geométricas espaciais33. Carlos confundiu a pirâmide com o cone. Mas quando diz: “era

tipo uma pirâmide”, ele ainda não consegue distinguir as propriedades da pirâmide das

de um cone. Já Amanda e Nádia não se lembram do nome da figura, mas conseguem

identificar outro objeto que tem a mesma forma geométrica.

[Conversávamos sobre as casas indígenas]

P- Como eram as casas deles? Nádia- Eu tenho certeza que os índios moravam em uma cabana de palha. E os objetos deles

eram feitas de madeiras e barro.

Carlos- Era tipo uma pirâmide.

Nádia- A aldeia deles era muitas casas, cabanas, e bem lá no meio, tinha a fogueira onde eles reunião para as festas.

P- Mas essas casas eram em formato de pirâmides?

Amanda- Não, eu vi na televisão que eram assim [Ela mostra com as mãos o formato de um cone.]

André- Tem a parte de baixo que é redondo e a de cima que é de palha.

Nádia- Parece aquele negócio que a gente coloca pra encher garrafa. Amanda- Funil.

Nádia- Isso.

P- Mas alguém sabe o nome dessa forma geométrica espacial?

André- Há ... esqueci professora. P- A figura que forma o telhado é um cone. E a que forma as paredes da casa é um cilindro.

[Explicamos como eram as casas dos africanos no continente África, dos portugueses em

Portugal e demos continuidade a conversa falando que a cultura do Brasil era uma mistura, essa mistura era formada por todas as culturas dos povos que constituiu o Brasil. Que já não era

mais igual à dos índios, nem igual à dos portugueses ou dos africanos. Formamos uma nova

cultura com uma colaboração de cada um desses povos.] (Trecho da transcrição do dia 4 de junho de 2013, 4º encontro)

André tenta se lembrar do nome, mas, infelizmente, nos precipitamos e

apresentamos as respostas, sem lhe dar tempo para pensar.

No sexto encontro fizemos uma apresentação de slides com imagens de casas

retangulares brasileiras construídas com barro. Em seguida, perguntamos e escrevemos

as seguintes pergunta no quadro e pedimos que respondessem no caderno: Qual o formato

das casas?

Carlos- Que casa?

André- A casa que ela mostrou.

33 Este conteúdo ainda não havia sido trabalhado neste ano. Mas as formas geométricas espaciais já haviam

sido trabalhadas no ano anterior, porque esse conteúdo faz parte da grade do 5º ano, e em conversa com as

professoras do ano anterior desses alunos, elas afirmaram terem ensinado esse conteúdo através de

resolução de alguns exercícios do livro didático em sala de aula. Uma das professoras fez construções dos

sólidos geométricos.

Page 121: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

121

P- Qual o formato das casas?

André- É um prisma.

Amanda- É um prisma de base retangular. Nádia- É um paralelepípedo.

Eduardo- Paralelepípedo! O que é isso professora?

Carlos- É um prisma de base retangular.

André- Uma caixa. Renato- É mesmo!

[Tanto o aluno Eduardo como Renato, se demonstraram satisfeitos com a explicação da forma

geométrica do paralelepípedo, depois do exemplo da caixa, dado pelo colega, e continuou-se a conversa sobre as formas presentes nas casas.]

(Trecho da transcrição do dia 11 de junho de 2013, 6º encontro)

Novamente, André e Amanda reconheceram as formas geométricas espaciais e

aqui conseguiram nomeá-las. O primeiro conseguiu relacionar a forma geométrica com

objetos do cotidiano (caixa). Percebemos que Carlos consegue explicar ao colega

Eduardo o que é um paralelepípedo: “é um prisma de base retangular”, evidenciando

uma apropriação do conceito por parte do aluno. Quando perguntamos quais eram as

outras formas planas que apareciam na casa:

P- Que outras formas aparecem na casa? Formas planas. Eduardo- Retângulos e triângulos.

Paulo- Não tem triângulos aqui não.

Eduardo- Essa parte aqui perto do telhado é um triângulo. Paulo- é.

P- mas só se tivesse alguma coisa dividindo aqui. Dessa forma que tá ai, isso é um pentágono,

uma figura de cinco lados. Carlos- é mesmo, têm cinco lados.

Amanda- retângulos, quadrados.

Nádia- onde você está vendo quadrados?

André- na janela. Nádia- é a porta é um retângulo.

Amanda- a parede é um retângulo.

Carlos- o teto também é um retângulo, só que ele está virado. P- É sim, se você olhar do alto é um retângulo.

[Continuamos a observar as outras construções.] (Trecho da transcrição do dia 11 de junho de 2013, 6º encontro)

Mostramos no desenho, que para ser um triângulo deveria ter um lado dividindo

a parede em duas partes. Mas, do jeito que foi construída, era um pentágono, ou seja, uma

figura plana de cinco lados. Nessa atividade, percebemos que os alunos conseguiam

identificar as formas planas retangulares e quadrados. Tentavam localizar o triângulo, no

entanto, não encontraram confundindo-o com um pentágono. Essa tentativa de busca se

deve ao fato de nas aulas tradicionais serem estudadas mais essas formas (triângulos,

quadrados e retângulos), não se dando muita ênfase às demais figuras planas.

No oitavo encontro, o grupo 1, no desenvolvimento da atividade ‘Construção da

maquete da casa em base retangular’, apresentou grande dificuldade no momento de

Page 122: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

122

transferir suas medidas da estrutura de pauzinhos para a argila e para construir o

retângulo. As medidas não ficavam iguais, não faziam os ângulos retos o que deixava a

figura torta. Depois de algumas tentativas, perceberam que deveriam formar as quinas e

utilizaram a própria régua para fazê-las. Percebemos que esse grupo aprendeu a construir

o retângulo a partir de medidas pré-determinadas.

FIGURA 54 – O grupo 1 fazendo as medições na argila para recortar o retângulo.

No 9º encontro mostramos algumas imagens de casas típicas de povos africanos.

E começamos uma discussão sobre as formas geométricas presentes nessas construções.

Mostramos a imagem de um agrupamento de moradias dos Zulus (casas em formato de

semiesferas e com uma parte subterrânea). Nessa imagem, os alunos conseguiram

perceber, de início, a presença do círculo, ou seja, a forma circular. Tiveram mais

dificuldade em nomear a esfera, primeiro a relacionaram com o objeto bola e só depois

lembraram o nome da forma geométrica.

P- Que formato é esse?

Carlos- Circular. Pedro- É uma bola.

P- Qual o nome da figura espacial que é do formato da bola?

Angélica- Cilindro. André- É uma esfera.

P- É uma esfera completa?

Nádia- Não.

Fernanda- É a metade da esfera. P- É uma semiesfera.

Carlos- Nossa, que loco!

[Carlos se referia ao fato da casa ser subterrânea. Continuamos as leituras dos outros tipos de construções e os referidos povos e suas tradições culturais.]

(Trecho da transcrição do dia 19 de junho de 2013, 9º encontro)

Page 123: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

123

Em seguida, mostramos a imagem de uma casa de um grupo Iorubá. São casas

onde há um terreiro central e a construção ao redor. Geralmente, os cômodos têm saídas

para esse espaço livre central.

O que mais chamou a atenção dos alunos na imagem foi o vão central. Também

percebemos uma confusão entre figuras planas e figuras espaciais, quando Paula diz:

“Professora. essa daqui é quadrada e tem um buraco no meio”. E mais uma vez, eles se

referem à lateral da casa (retângulo) como se fosse a forma da casa (prisma).

Nessa conversa, os alunos tentam dar uma explicação para a não existência de

uma entrada aparente da casa no desenho, o que André bem observou, questionando a

ausência. Renato achava que a entrada, deveria estar dentro da casa, por isso não era

visível no desenho. E Fernanda e Nádia já consideravam que a entrada estava do outro

lado da casa e, por esse motivo, não estava presente no desenho. Tais observações podem

evidenciar um princípio de visão de perspectiva de imagens visuais.

P- Quais as formas dessa casa?

Paula- Professora essa daqui é quadrada e tem um buraco no meio.

P- Esse vão no meio é o pátio da casa. Mas qual o formato do vão?

Nádia- É um quadrado. P- Então temos uma construção com um vão quadrado.

André- Professora, para a gente entrar nessa casa tem que pular o muro?

P- Não. Renato- Ela deve tá aqui dentro. [Estava se referindo a porta de entrada.]

Nádia- Eu acho que tá do outro lado.

P- Te garanto que deve haver uma entrada, nem que seja um buraco redondo. [Continuamos a conversa sobre as formas presentes nas casas, e o aluno não se convenceu da

existência de uma entrada. Após alguns comentários, a aluna Fernanda encerrou o assunto

dizendo que a entrada estava do outro lado da casa, que não estava aparecendo no desenho.] (Trecho da transcrição do dia 18 de junho de 2013, 9º encontro)

Neste trecho do diálogo, fica novamente evidente a troca de nomes das figuras

planas e espaciais. Novamente há a ligação da forma geométrica espacial (cone) com o

objeto chapéu de bruxa.

P- Qual o formato das casas?

Carlos- Redondas. P- A casa era redonda ou possuía a base circular?

André- Não, tem quadrados.

Renato- Triangular. Vanessa- Aqui é triângulo? [Estava se referindo a lateral de uma das casas.]

Renato- O que é triângulo?

Carlos- Esse aí é um triângulo?

Vanessa- Não é um triângulo. P- Então, qual o nome dessa figura aí?

Carlos- Chapéu de bruxa.

[O diálogo continua a seguir, com a intervenção de um dos alunos que se referia a outra figura.] (Trecho da transcrição do dia 18 de junho de 2013, 9º encontro)

Page 124: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

124

No trecho seguinte do diálogo, através da contagem dos números dos lados, Carlos

identificou a figura geométrica e explicou aos colegas a sua descoberta. Esse foi um

momento em que os alunos conseguiram relacionar o nome do polígono com o número

de seus lados.

P- Não é essa, estamos falando dessa aqui.

Nádia- É um pentágono.

P- Pentágono? Carlos- É sim, olha, tem um, dois, três, quatro, cinco lados.

P- Isso mesmo, pentágono é uma figura plana de cinco lados.

[O diálogo continua no trecho a seguir.] (Trecho da transcrição do dia 18 de junho de 2013, 9º encontro)

Pedro- O que é uma figura plana?

P- A parede é uma figura de cinco lados e é espacial. Se não considerarmos a profundidade dela é uma figura plana.

Nádia- Uma figura plana é tipo a folha de papel.

P- Isso mesmo, um bom exemplo. Agora, todas as paredes têm cinco lados? Paula- Não professora, essa daqui é quadrada e tem um buraco no meio.

[Continuaram observando as formas presentes nas casas da imagem.] (Trecho da transcrição do dia 18 de junho de 2013, 9º encontro)

Outro momento observado foi a comparação feita por Vanessa do cilindro com

um cano de pvc. A aluna estava apontando para o cano que estava encostado no canto da

parede, mas não sabia o nome correto da figura. Após algumas interferências, Amanda

conseguiu lembrar o nome do cilindro. Consideramos interessante, nessa atividade, a

comparação feita pela aluna, que na falta do nome da figura, procura por objetos que

guardam semelhanças para demonstrar que sabe qual é a forma, apenas não se lembra do

nome. Essa estratégia se repete ao longo de todos os encontros.

P- Qual o formato? André- Redondo.

P- Quais os formatos que aparecem na imagem?

Fernanda- Circular.

Nádia- Círculo. Carlos- Circular.

Paulo- Circular.

Renato- Esfera. Vanessa- Redonda e triângulo.

Carlos- Pentágono.

P- O que mais temos, além disso? Vanessa- Tem esse que é tipo assim....

[A aluna Vanessa mostra o cano no canto da parede]

Amanda- É um cilindro.

[Continuaram observando as formas presentes nas casas da imagem.] (Trecho da transcrição do dia 18 de junho de 2013, 9º encontro)

Page 125: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

125

Evidenciamos também, que os alunos conseguem relacionar o cone com outras

imagens (chapéu de aniversário de criança, funil, telhado de casa africana). O que

evidencia o conhecimento da forma, apesar da dificuldade para memorização do nome.

(Trecho da transcrição do dia 18 de junho de 2013, 9º encontro)

Nesse momento, a estratégia muda, a forma geométrica do cone é representada

com as mãos. Esta foi uma nova estratégia de representação da figura geométrica.

P- Meninos ajudem ela, qual é esse formato do telhado da casa do centro da imagem?

Renato- Cone.

Angélica - Cone.

Nádia – Cone. [Encerramos a atividade de observação e passamos para outra atividade.]

(Trecho da transcrição do dia 18 de junho de 2013, 9º encontro)

Na atividade de construção da planta baixa da casa, em formato cilíndrico, típica

africana, temos um momento em que os alunos precisam construir uma circunferência e,

para isso, precisam determinar uma medida ideal para ela. Carlos sinaliza com os braços,

um na horizontal e um na vertical.

Carlos- Assim e assim.

P- Então é a distância de um lado ao outro passando pelo centro, certo?

Carlos- É. [Fomos ao quadro e desenhamos duas retas, uma na vertical e outra na horizontal e demos

continuidade à atividade em conjunto.] (Trecho da transcrição do dia 18 de junho de 2013, 9º encontro)

Fomos ao quadro e desenhamos duas retas, uma na vertical e outra na horizontal.

A partir dessas duas retas, desenhamos um círculo. O centro da circunferência era o ponto

onde as retas estavam se cruzando. Depois de termos feito a construção, perguntamos se

esses dois segmentos teriam a mesma medida. Nesse diálogo, pudemos introduzir,

intuitivamente, a noção de circunferência, que ainda não havia sido trabalhada nas aulas

convencionais34.

P- Mas em um círculo essas distâncias são diferentes? Carlos- Não.

André- Claro que é, olha se for menor fica achatado e se for maior fica igual a um ovo.

Nádia- É mesmo.

34 Esse conteúdo só é trabalhado no final do terceiro trimestre. E a turma estava no segundo trimestre.

P- Quais outros objetos que têm o formato de cone?

Nádia- O chapéu de aniversário de criança.

Angélica- Funil. André- Telhado de casa africana.

[Continuaram observando as formas presentes nas casas da imagem.]

Page 126: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

126

P- Você quer dizer que são iguais. É isso?

André- É, é isso.

P- Então podemos concluir que em um círculo as medidas de qualquer parte da borda até a outra borda, passando pelo centro é sempre a mesma.

Nádia- É professora.

P- E a distância da borda até o centro também é a mesma.

André- Claro, é a metade do caminho. P- Isso mesmo e esse tamanho chamamos de raio. E a distância da borda até a outra borda

passando pelo centro é o diâmetro.

[Fomos construir a planta baixa no tamanho real da casa, no chão da sala.] (Trecho da transcrição do dia 18 de junho de 2013, 9º encontro)

Outro momento interessante foi a percepção da aluna Vanessa sobre planificação

do cilindro. Ela queria construir um cilindro a partir de uma forma cônica, já que se trata

de um corpo redondo. Vanessa parecia não compreender porque tínhamos que fazer o

bloco retangular, pois, para ela, como a casa era redonda, bastava construir uma placa

redonda. Após nossa explicação e demonstração com as mãos, ela entende a diferença da

figura espacial para a plana. Ao analisar os dados, percebemos que não permitimos que a

aluna fizesse uma tentativa para verificar sua hipótese, ao invés disso, corrigimos

imediatamente.

Vanessa- Por que tem que fazer desse jeito? P- Mas como você queria fazer?

Vanessa- Desse jeito.

P- Não, Vanessa. Vamos construir uma casa tipo africanas, como que vimos na imagem que lemos na aula anterior.

Vanessa- Então professora, aqui é um círculo. P- Mas não é o desenho da casa, é ela espacial, assim.

[Representamos com as mãos a casa espacial.] Vanessa- Mas então, como é pra fazer?

P- Faz uma plaquinha tipo essa aqui do Renato, depois prega assim.

Vanessa- Ah, tá. P- Mas tem que ser maior que essa, ou duas dessas, porque fica muito apertadinha. Não dá o

tamanho da planta baixa aqui.

[Afastamo-nos da aluna Vanessa, deixando-a em atividade. Mas, quando retornamos, não havia progredido na tarefa.]

(Trecho da transcrição do dia 25 de junho de 2013, 11º encontro)

No último encontro, Fernanda, Paula, Patrícia e Raquel, em grupo, construíram

uma casa. Ao finalizar a casa, começaram a construção do telhado. Depois de

desenvolverem diversas ideias, construíram um telhado de argila. Então, uma delas abriu

a argila em formato quadrado, com dimensões de 18 cm. Quando percebemos a iniciativa

das meninas, nossa primeira pergunta foi “É um quadrado? Certinho?”, pois elas tiveram

muitas dificuldades em recortar os blocos retangulares de argila na atividade da

construção da casa de base retangular.

Page 127: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

127

P- O que que você vai fazer com essa argila Raquel?

Raquel- Espera aí que você vai ver.

Fernanda- Vamos fazer o telhado.

P- De argila? Fernanda- É de argila.

P- Antes de colocar aí, quais as dimensões dessa argila?

Raquel- Fiz com 18 cm cada lado, que ver? P- É um quadrado? Certinho?

Fernanda- É sim, nós medimos dos quatro lados e deu 18 cm.

P- E está com quininha igual à da régua? Fernanda- Essa aqui?

P- É.

P- E agora?

Fernanda- Vamos colocar... Raquel cadê o pauzinho? Raquel- Ah... tá aqui.

Fernanda- Vamos por esse pauzinho aqui no meio pra ficar alto e colocamos a argila por cima.

Assim.

[Finalizaram a construção.]

(Trecho da transcrição do dia 25 de junho de 2013, 11º encontro)

As alunas fizeram questão de mostrar que era realmente um quadrado. Nesse

instante, a aluna Raquel põe a argila no chão e verificamos se é mesmo um quadrado.

Medimos todos os lados e conferimos os vértices, todos estavam com um ângulo

aproximado de 90º e as medidas dos lados era realmente 18 cm. Elas ficaram contentes

em nos desafiar e mostrar que sabiam fazer as medidas corretas. Isso sugere uma

apropriação de conceitos e uma mudança na participação no sentido de argumentar e

procurar convencer matematicamente.

FIGURA 55 – Montagem do telhado da aldeia com argila.

Além disso, a ideia de construir o telhado com argila foi inovadora e criativa. O

grupo étnico africano, que aparece no texto de referência dados aos alunos, não fazem o

telhado de argila, o que indica que uma atividade desse tipo não é apenas de reprodução.

Page 128: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

128

Para finalizar, Raquel fez uma bolinha com argila e colocou marcando o centro da

cobertura. Além de ornamentar, a bolinha ajudava a tampar a pontinha do pauzinho que

estava aparecendo, demonstrando ainda o interesse e empenho do grupo na realização da

tarefa.

FIGURA 56 – Montagem do telhado com argila.

Outro fato importante nessa montagem foi a ideia que as meninas desse grupo

tiveram de recortar as pontas que estavam sobrando na lateral da casa, para que, assim,

ficasse mais parecida com a casa do grupo africano que queríamos construir. Como a

cobertura da casa desse grupo era em formato de cone, elas acreditaram que, cortando as

pontas, estariam construindo um cone.

Fernanda- Vou cortar aqui?

Raquel- Cuidado pra não rachar. [Recortaram a lateral da argila que estava sobrando.]

(Trecho da transcrição do dia 25 de junho de 2013, 11º encontro)

Nos diálogos do grupo, perceberam que teria sido melhor se tivessem feito um

círculo em vez de um quadrado, mas, quando tentaram tirar a argila de cima da casa e

viram que estava quase quebrando, optaram por tentar recortar as pontas. Tentativa não

deu muito certo. Então, preferiram deixar do jeito que estava. Percebemos, nesse

momento, que as alunas compreenderam que a planificação de um cone não pode ser um

quadrado, contudo, não houve tempo para o teste da forma de um círculo, atividade que

ficou em aberto. Acreditamos que, com mais tempo, poderíamos ter aprofundado mais

nesse exercício.

Page 129: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

FIGURA 57 – Casa construída com telhado de

argila.

FIGURA 58 – Casa construída com telhado de

argila.

FIGURA 59 – Casa construída com telhado de argila.

Na atividade de construção do telhado de suas casas, Nádia trouxe pedaços de

compensados. Observamos que a aluna queria montar o telhado reto, sem inclinação.

P- Nádia, e o seu telhado?

Nádia- Ah! Eu trouxe um negócio pra fazer.

P- O que? Nádia- Aqui!

P- Ótimo, vamos começar. Como você vai fazer o telhado?

Nádia- Vou colocar assim. P- É! Colocando assim vai dar certo?

Nádia- Eu vou cortar essas pontas.

P- E quando chover? Como você vai fazer com esse telhado nesse formato?

Nádia- Eu acho que vai molhar. Não sei não. P- Nádia, eu queria um telhado que não molhasse. Lembra como era o formato das casas da

aldeia africana que vimos na imagem, no encontro anterior.

Nádia- Era assim professora. [Ela mostra montando o telhado com os pedaços de madeiras.]

(Trecho da transcrição do dia 25 de junho de 2013, 11º encontro)

Page 130: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

130

FIGURA 60 – Tentativa de construir o telhado com compensado.

Nádia- Com isso pra baixo, tipo palha.

P- Como que será em cima?

Nádia- Era caído. P – Então como você vai fazer para... Com esse material para ficar caído?

Nádia- Eu não sei não.

P- Pensa um pouco.

Nádia- Ah, professora, eu não sei. P- O formato da casa era um cone, Nádia.

Nádia- O que que é cone?

P- O que é cone? Lembra do chapeuzinho de aniversário, o chapéu da bruxa! Nádia- Sei, ah, é assim.

[Ela mostra segurando os pedaços de madeiras formando um cone.] (Trecho da transcrição do dia 25 de junho de 2013, 11º encontro)

Percebemos ao analisar os dados que forçamos a aluna a construir um telhado nos

moldes que queríamos, ou seja, que fosse realizado uma construção de uma forma

semelhante a do cone. No entanto, não consideramos que as casas do bairro da periferia

de Betim, onde a aluna mora, são em sua maioria casas com coberturas de laje ou de telha

com uma queda de água, o que justifica a percepção de cobertura da aluna.

Depois da discussão, a aluna consegue representar, mostrando com as mãos e

depois com as madeiras o formato de um cone.

P- O telhado é no formato de um cone, igual um chapeuzinho de aniversário. Nádia- É professora, mas como vou fazer pra chegar nesse formato?

P- É isso, eu queria que você encontrasse uma maneira, uma forma pra fazer esse telhado.

Nádia- Ah, professora, eu ia pôr assim o telhado. Assim não molha.

P- Mas desse jeito molha Nádia, não vai ficar em formato de um cone. P- Se a água cai aqui ela vai ficar aqui, não escorre.

Nádia- Então! Então não molha.

P- Mas como a água fica parada, vai infiltrar, vai molhar. Isso assim parece a laje. Não é pra fazer uma laje, a deles não é de laje. É desse formato, um cone.

P- Como você vai fazer?

Nádia- Não sei.

P- Primeiro eu acho que você deve tirar tiras. Nádia- Ah, tá! Agora?

Page 131: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

131

P- Vai fazer uma ponta aqui em cima. Você vai ter que arrumar um jeito de juntar aqui em

cima.

Nádia- Como? P- Você vai ter que arrumar um jeito de pregar aqui em cima, vai cruzando até cobrir toda a

casa.

Nádia- Professora, a Nádia não foi feita pra pensar não, professora.

P- Ah, a Nádia não foi feita pra pensar? Nádia- Só às vezes.

P- Então, agora você vai pensar.

[Deixamos a aluna sozinha pensando em como realizar a atividade.] (Trecho da transcrição do dia 25 de junho de 2013, 11º encontro)

É interessante observar que Nádia conseguiu explicar a dinâmica da atividade para

os colegas Paulo e Angélica, mas não queria pensar em estratégias para solucionar o

problema de amarrar as madeiras na base da casa. O que demonstra que a aluna reconhece

e sabe construir a forma geométrica, no entanto, sua dificuldade está em como

operacionalizar a forma na estrutura da casa.

P- Ajuda a Nádia a encontrar uma forma de fazer esse telhado.

Nádia- Eu estou tentando fazer assim.... P- Vão pensando, depois eu volto.

Nádia- Vamos pensar em uma forma de fazer o telhado em formato de um cone.

Angélica- Mas não dá pra prender. Paulo- Mas não era pra fazer a casa desse jeito, não?

Nádia- A casa não. É pra fazer o telhado. Agora temos que fazer o telhado assim, olha.

Paulo- Vocês construíram essa casa foi ontem? Nádia- Foi ontem.

Paulo- Por que não faz igual elas.

Nádia- Não, vamos prender com o durex. Professora você tem durex?

P- Tenho! Pega ali. [Depois de um tempo.]

Nádia- Professora! Podemos fazer igual a elas?

P- Mas elas estão usando grama, vocês têm gramas? Paulo- Podemos pegar lá fora.

P- Vocês têm certeza disso?

Nádia- É professora.

[Formaram colher a grama e terminaram a atividade.] (Trecho da transcrição do dia 25 de junho de 2013, 11º encontro)

Observando a construção da Patrícia, resolveu a princípio, usar o barbante, depois,

o durex e, por último, mudou da madeira para a grama. Suas atitudes mostram, sobretudo,

interesse em terminar a tarefa, mesmo perante as dificuldades encontradas.

Page 132: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

FIGURA 61 – Casa montada da Nádia.

FIGURA 62 – Casa montada da Nádia.

Nessa mesma atividade, Patrícia e Amanda uniram para construir o telhado da

casa da primeira, optando por usar a grama que ambas recolheram no entorno do pátio da

escola. O trecho a seguir apresenta um diálogo sobre como iriam pregar a grama na casa

para formar o telhado.

Amanda- Patrícia você prega uns aqui e a outra metade você prende aqui. Patrícia- Ah, tem que abrir aqui.

Amanda- Nossa! Agora como vai fazer pra grudar agora?

Patrícia- Não vai grudar. É só encaixar aqui. Patrícia- É assim?

P- É! Só que tem que prender mais.

Patrícia- Amanda, segura aqui. Amanda- Ponha um tanto desse lado e um tanto do outro, né?

Patrícia- Tá, segura direito.

Patrícia- E agora, professora?

P- Ficou bom. [Continuaram a fazer a atividade.]

(Trecho da transcrição do dia 25 de junho de 2013, 11º encontro)

Essas alunas amarraram com barbante, primeiro, as folhas de capim, e

espalharam-nas em torno da casa formando um telhado em formato de cone. Como as

folhas estavam se soltando, elas resolveram usar o durex para apertar o montinho de

folhas e para fixar na casa o telhado. Conforme a imagem,

Page 133: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

FIGURA 63 – Casa montada.

FIGURA 64 – Casa montada.

Pode-se observar que as alunas conseguem reconhecer a figura espacial cone. No

entanto, percebemos, ao analisar os dados, que poderíamos ter explorado também a

construção e a planta baixa do cone. Sucede que, para essa atividade, esperávamos que

os alunos partissem da planificação para a construção do cone, o que não ocorreu.

Nesta análise verificamos a facilidade que os alunos tiveram em se envolver com

o tema apesar da dificuldade recorrente em relação às figuras geométricas, uma

dificuldade que permeia o currículo regular nas escolas e que, muitas vezes, embora

detectada pelo professor, não é sanada em virtude do tempo de aplicação dos conteúdos

ao longo do ano letivo. Contudo, os alunos demonstraram apropriação de conhecimentos

matemáticos relacionados às formas geométricas, principalmente na construção de

cilindros, cones e paralelepípedos; na comparação de formas geométricas com objetos do

cotidiano; na diferenciação de formas planas e espaciais e na planificação de cilindros e

paralelepípedos.

6.2.2. Unidade de medidas

Iniciamos o quinto encontro conversando sobre a pesquisa: “Quanto tempo se

gasta do Brasil até a África?”.

Page 134: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

134

FIGURA 65- Pesquisa feita pela aluna Fernanda sobre o tempo de viagem de navio e de avião.

FIGURA 66- Pesquisa feita pela aluna Amanda sobre o tempo de viagem de navio e de avião.

Vários alunos responderam que fizeram a pesquisa. Porém, outros manifestaram

suas dificuldades.

Renato- Professora, eu pesquisei viagens para o Brasil.

Vanessa- Eu não tenho internet.

Paulo- Eu também não. P- Mas quem pesquisou, o que encontraram? Vamos socializar as informações.

[Socializamos as informações da pesquisa, fomos ao quadro para anotarmos os dados que

foram encontrados.] (Trecho da transcrição do dia 5 de junho de 2013, 5º encontro)

Renato- O tempo de Portugal ao Brasil de navio é 14 dias e de avião é 9 horas e 45 minutos.

Nádia- É muito mais rápido de avião. P- Qual foi a outra viagem?

[Todos responderam: Da África ao Brasil.]

Raquel- De 30 a 45 dias. Carlos- Num!

P- É muito tempo mesmo.

Page 135: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

135

Amanda- Professora olha que estranho, eu pesquisei e encontrei que o tempo de navio até a

África é 30 dias a 45 dias e de avião é 21 dias. Muito esquisito.

Carlos- Nossa! P- Vocês acham estranho ser 21 dias, vamos colocar uma interrogação aqui.

[Colocamos uma interrogação no quadro e começamos uma discussão sobre os motivos que

tornavam a viagem de avião do Brasil à África tão demorada] (Trecho da transcrição do dia 5 de junho de 2013, 5º encontro)

P- Mas você pesquisou para o mesmo lugar?

Amanda- Foi sim! Renato- Eu não consegui encontrar a viagem de avião pra África.

Carlos- Eu pesquisei e encontrei 35 dias de navio e 19 dias de avião.

André- Mas, por que, professora, é dias? P- O que vocês acham que pode estar influenciando isso?

[Essa pergunta gerou grande tumulto na sala e todos tinham diversos motivos para essa demora,

buscamos ouvir a todos e socializar suas ideias.] (Trecho da transcrição do dia 5 de junho de 2013, 5º encontro)

Percebemos que houve uma comparação35 entre grandezas e medidas quando

André e Amanda questionaram o fato do tempo de viajem de avião ser dado em dias em

vez de horas: “O tempo de navio até a África é 30 dias a 45 dias e de avião é 21 dias.

Muito esquisito”. Ou seja, a aluna não compreendia por que se demorava tanto tempo em

uma viagem de avião. E o aluno André insiste: “Mas, por que, professora, é dias?”,

questionando, novamente, a unidade de medida de tempo usada ser dias e não horas.

Então, como haviam encontrado na pesquisa que o tempo da viagem de avião do Brasil à

África é aproximadamente 21 dias, começamos a discussão das possíveis influências para

a demora de uma viagem de avião.

P- O que vocês acham pelo mapa... Vamos olhar pelo mapa. Achem o mapa do mundo no

caderno e vamos observá-lo. Renato- É porque Portugal fica mais rápido do que a África.

P- Vamos observar a distância que tínhamos calculado na aula anterior. Brasil a Portugal é

mais perto que Brasil e África? Fernanda- Professora, não tem aqui.

P- Mede com a régua.

[Todos pegaram as réguas e os mapas e começaram a realizar as medidas.] (Trecho da transcrição do dia 5 de junho de 2013, 5º encontro)

Pedimos que refizessem as medidas utilizando a régua e anotassem no mapa.

André- Tá dando 3 cm.

P- Do Brasil até Portugal aproximadamente...

Estela- 14 dias!

Nádia- Brasil até Portugal? Dá 3.

35 Essa comparação se justifica pelo fato de não ser usual a utilização da unidade de medida dias na medida

de tempo de viajem de avião, esse tempo usualmente é medido em horas. O que gerou estranhamento nos

alunos.

Page 136: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

136

Renato- Dá 5 cm.

P- Pensando no Brasil partindo do Rio.

Renato- Ah, dá 4 cm. Nádia- Não, dá 3 cm.

P- Deixa eu ver, Nádia. É daqui dá 4 cm.

[Alguns alunos disseram 3 cm e outros afirmaram que eram 4 cm. Então, posicionamos a régua

e medimos todos juntos. De acordo com o mapa, a distância era de 4 cm do Brasil (Rio de Janeiro) a Portugal (costa).]

[...]

P- Então podemos considerar que é de 4 cm, tá? Anotem aí no mapa a distância. P- Agora vamos medir a distância do Brasil a África. Vamos considerar Gana. Gana é mais

ou menos aqui no mapa.

Nádia- Deixa-me ver professora. É aqui, professora? P- Isso!

Raquel- Onde, professora?

P- Aqui, olha. Deu quanto?

Patrícia- O meu deu dois. Renato- Ah, professora, o meu deu dois e meio.

P- Então, anotem aí no mapa.

[Depois que eles coletaram os dados no mapa, questionamo-los novamente sobre o tempo de viagem entre o Brasil e esses países.]

(Trecho da transcrição do dia 5 de junho de 2013, 5º encontro)

A nossa intenção nesses questionamentos era que refletissem sobre as

divergências nos tempos de viagens.

P- Pelo mapa, a distância do Brasil até Portugal é maior do que a distância do Brasil a costa

da África. Eduardo- É professora?

Nádia- Uma é 4 e a outra é 2,5 cm.

Fernanda- A maior é 4 professora. A do Brasil a Portugal. Eduardo- Agora, professora, por que a viagem de Portugal ao Brasil é mais rápida do que a

do Brasil à África?

Carlos- É por causa do vento.

P- O navio tem a ver com o vento? Todos- Tem!

Pedro- Professora, depende do mar.

Renato- Do mar, professora! P- O navio anda em linha reta no mar?

André- Não, depende da corrente marítima.

Renato- Da direção do vento. Eduardo- A gente já estudou isso em geografia, lembra? Quando a professora trouxe o mapa

cheio daquelas linhas.

Nádia- Eu não era da sua sala.

[Para finalizar a discussão, fizemos um resumo de todos os dados que descobrimos] (Trecho da transcrição do dia 5 de junho de 2013, 5º encontro)

Nesse momento do diálogo percebemos um avanço nas discussões. Eduardo,

Fernanda e Nádia conseguem fazer inferências quando comparam as distâncias do mapa

com o tempo de viajem e percebem que existe uma relação inversa. A partir dessa

inferência, tivemos a iniciativa de discutir os possíveis motivos de interferência em uma

Page 137: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

137

viagem de navio. Eduardo, então, comenta: “A gente já estudou isso em geografia,

lembra? Quando a professora trouxe o mapa cheio daquelas linhas”. Ao se lembrar da

aula de geografia e relacionar o trabalho atual ao conteúdo já estudado nessa disciplina,

o aluno evidencia a interdisciplinaridade da tarefa.

No trecho seguinte, propomos que os alunos fizessem a transformação das

unidades de medidas para uma comparação dos valores encontrados na pesquisa.

[Para facilitar a visualização dos dados, pedimos que montassem uma tabela com as

informações. Além disso, pedimos que transformassem os dias de viagens em horas, para

podermos comparar uma informação com a outra.] P- Trinta dias de viagens são quantas horas? Então, vocês vão calcular pra mim quantas horas

são. Como que eu calculo isso?

Renato- Um dia tem 24 horas. André- Então, é só multiplicar 24 por 30. Está certo, professora?

P- Isso mesmo.

Nádia- Como? Raquel- Multiplica 24 por 30.

Nádia- Ah, tá.

[A aluna foi realizar a multiplicação.] (Trecho da transcrição do dia 5 de junho de 2013, 5º encontro)

A partir da fala de André (“Então é só multiplicar 24 por 30. Está certo, professora?”),

achávamos que a atividade de transformação de unidades de medidas de tempo, de dias

para horas, a princípio, seria fácil, porém, tiveram muitas dificuldades em realizar as

operações, o que já era comum nas aulas regulares36.

Vanessa- Professora, olha aqui.

P- Arma tudo de novo, apaga isso aqui.

Vanessa- Professora 0 vezes 4 é 0, não é? P- Isso mesmo.

Vanessa- Olha aqui.

Vanessa- Então dá 3 horas e 30 minutos? P- Não, 3 vezes 2 dá ...

Vanessa- 6.

P- Mais 1 é 7, aqui. [...]

Vanessa- É 7 horas e 20 minutos?

P- Não, é 720 horas mesmo. (Trecho da transcrição do dia 5 de junho de 2013, 5º encontro)

Notamos que, mais uma vez, fomos apressadas em responder para a aluna, quando

poderíamos ter aproveitado esse momento para trabalhar a transformação de horas e

minutos e minutos em horas. Um conceito que ainda não era familiar para esses alunos e

faz parte da grade de conteúdo do sexto ano.

36 Como professora desses alunos, percebemos que eles tinham muitas dificuldades em realizar as operações

básicas (adição, subtração, multiplicação e divisão).

Page 138: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

138

Pedimos aos alunos que organizassem as informações em uma tabela. No entanto,

percebemos as dificuldades em utilizarem as réguas, planejar o espaço e fazer medidas.

Pedro não sabia construir uma tabela, não tinha noção de organização de espaço e não

utilizava a régua para traçar linhas retas. Ele estava fazendo a tabela sem usar a régua,

toda torta.

P- Assim não, use a régua para traçar as divisões de espaço. Pedro- Como?

P- Pensa, vão ser quantos espaços?

Pedro- Cinco. P- Então mede e divide em cinco pedaços.

Pedro- Ah tá, pode ser assim: 3, 6, 9, 12 e 15.

P- Isso, agora faz o risco. Paula- Professora, agora é aula de Matemática?

P- Sempre foi aula de Matemática. (Trecho da transcrição do dia 5 de junho de 2013, 5º encontro)

Após a explicação, fui surpreendida com a afirmação de Paula: “Professora,

agora é aula de Matemática?”, a qual demonstrava que os alunos não estavam

considerando as nossas atividades como tal. Isso por que não fazíamos contas, fazíamos

discussões, assistíamos a vídeos e desenvolvíamos atividades manuais, diferentes das

aulas convencionais de Matemática. A própria organização do espaço da sala, estava o

tempo todo organizado em grupos ou em meia lua, diferia das aulas tradicionais37.

Pedimos que os alunos finalizassem suas operações e a construção da tabela.

37 Nas aulas tradicionais, os alunos são organizados em filas e não há muitas discussões, o diálogo é,

normalmente, entre professor e alunos. A maioria das atividades propostas são exercícios dos livros

didáticos, que são desenvolvidos individualmente.

Page 139: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

139

FIGURA 67 - Tabela produzida pela aluna Amanda.

Notamos que, apesar de fazer a associação com as aulas regulares de Matemática,

os alunos conseguiram se envolver no assunto proposto e discuti-lo com interesse e

entusiasmo diferente do que se observa, frequentemente na sala de aula convencional.

Pode-se considerar que houve, desse modo, apropriação de conhecimentos matemáticos

relacionados às unidades de medidas, principalmente no que se refere a transformação de

unidades de tempo e uso de medidas de comprimento.

Page 140: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

140

6.2.3. Planta baixa e Escala

Convidamos os alunos a produzirem a planta baixa de uma casa retangular. Essa

planta baixa seria o primeiro passo para a construção das maquetes. A classe estava

organizada em grupos e cada grupo iria construir uma planta. Achávamos que eles seriam

capazes de fazer a planta sem nossa interferência, embora eles nunca houvessem feito

atividade semelhante38, o que gerou muitas dúvidas e dificuldades na produção.

Carlos- Professora o que é uma planta baixa?

André- É um desenho de uma casa.

P- É um desenho de uma casa vista de cima, sem o telhado. (Trecho da transcrição do dia 11 de junho de 2013, 6º encontro)

A partir dessa afirmação, percebemos que os alunos não haviam trabalhado com

plantas baixas nas aulas tradicionais. Então, pedimos que fizessem uma escala para a

construção da planta.

Amanda- Como assim, escala?

Nádia- O que é escala?

P- São as relações entre a medida do desenho e o tamanho real da casa.

Fernanda- Mas como faz isso? P- Vamos fazer juntos. Para fazermos a escala, temos que ter uma ideia do tamanho real que

a casa deverá ter. Vamos pensar em um tamanho adequado para essa casa. [Em seguida, pedimos aos alunos que estabelecessem medidas adequadas das dimensões de uma casa de base retangular, de acordo com as imagens mostradas na projeção. Ou seja, um

tamanho real adequado para a casa.] (Trecho da transcrição do dia 11 de junho de 2013, 6º encontro)

Mais uma vez, os alunos mostraram que não haviam tido contato com esse assunto

anteriormente. Para exemplificar, optamos em fazer, juntos, a planta baixa da sala onde

estávamos, no quadro. Essa foi uma atividade conjunta, na qual buscamos a opinião dos

alunos, suas observações e alguns, inclusive, foram ao quadro ajudar na produção do

desenho. Percebemos que nessa atividade houve um envolvimento dos alunos que

facilitou a construção posterior nos grupos. Entendemos que o trabalho desenvolvido em

conjunto facilita e estimula o aprendizado.

P- Eu quero que vocês estipulem um tamanho adequado para a casa. Um tamanho real. Nádia- Como assim?

André- Seria um comprimento?

Amanda- É o comprimento e a largura.

Nádia- Tem altura também. P- Isso mesmo, comprimento, altura e largura.

38 Esse conteúdo não foi ensinado nos anos anteriores, de acordo com a conversa que tivemos com as

professoras desses alunos. Esse conteúdo está na grade de conteúdos de Matemática e de Artes do 6º ano.

E o professor de Artes ainda não havia trabalhado a respeito, o que ocorreu no segundo semestre.

Page 141: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

141

Nádia- Mas, como vamos medir isso.

P- Usa a régua e o espaço da sala.

Carlos- Professora, por que temos que fazer isso? P- É por que vamos estabelecer uma escala para construirmos a planta baixa.

Carlos- Mas, por que precisa da planta, é só ir fazendo.

P- Não, temos que saber quais são as medidas para construir. Quando alguém vai construir

uma casa, ela faz pelo menos um risco no chão para fazer o alicerce. [Os alunos foram realizar as medidas.]

(Trecho da transcrição do dia 11 de junho de 2013, 6º encontro)

Mediram o chão da sala e mediram a altura da casa, tomaram como referência a

altura da janela da sala. Consideraram que seria uma medida adequada para uma casa

daquele tipo. Depois que realizaram as medidas, fomos ao quadro e fizemos a escala do

desenho.

𝐸𝑠𝑐𝑎𝑙𝑎 =𝑐𝑜𝑚𝑝𝑟𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜 𝑑𝑜 𝑑𝑒𝑠𝑒𝑛ℎ𝑜

𝑐𝑜𝑚𝑝𝑟𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜 𝑟𝑒𝑎𝑙

No grupo 4, houve divergências e não chegaram a um consenso quanto à forma

da casa. Fizeram plantas baixas de diferentes casas, sem considerarem a escala e nem as

medidas estabelecidas no grupo. A aluna Nádia permaneceu com sua planta retangular

sem escala; a aluna Vanessa tentou, sem sucesso, fazer uma planta quadrada. Ao final, a

aluna Estela fez uma planta quadrada, sem a ajuda das colegas.

Tivemos muita resistência dos alunos para o trabalho com a escala, apesar de

termos desenvolvidos todos os cálculos conjuntos, na hora de aplicar as medidas na

planta, encontraram dificuldades. Percebemos que não realizavam as medidas, queriam

fazer logo o desenho da planta.

FIGURA 68- Construção da planta baixa.

Page 142: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

142

O grupo 1 teve dificuldade em calcular a escala. Ajudamos no cálculo da medida

do comprimento no desenho e elas calcularam a medida da largura da casa. Ao fazerem

os cálculos usando a escala 1

50 encontraram as dimensões 11,4 cm por 4,8 cm. Com essas

medidas, acharam que a casa ficaria muito pequena, então, resolveram usar 22,8 cm por

9,6 cm. Esse foi um momento em que as alunas do grupo mostraram ter compreendido a

noção de escala como uma proporção. Conseguiram ampliar adequadamente sua planta

usando essa noção de proporção.

FIGURA 69- Construção da planta baixa.

No 9º encontro, na atividade de construção da casa circular africana, pedimos que

cada aluno começasse construindo a planta baixa da sua casa. Da mesma forma que foi

construída a planta da casa retangular, pedimos que desenhassem, no chão da sala, o

traçado de um dos cômodos da casa, para depois desenhar a planta na folha de A4.

Uma das estratégias que os alunos utilizaram para saber a forma dessa planta foi

olhar a lata de “Toddy” de cima. Nesse momento, percebe-se iniciativa, busca por

recursos para resolver os problemas (facilitar a visualização, no caso), trabalho e

discussão em grupo, desenvolvimento de ideias em grupo e, mais que isso, percebemos

que houve apropriação de conhecimento matemático, pois valeram-se da mesma

estratégia de construção da planta baixa da casa retangular, que consistia em olhar a casa

de cima sem o telhado. Além de, claro, relacionar o cilindro (casa em formato cilíndrico)

com o objeto de formato semelhante (pote de Toddy).

P- Primeiro vamos construir uma casa no formato cilíndrico. Temos que saber o tamanho real

dessa casa. Como construímos a planta baixa de uma casa circular?

André- A planta vai ser mesmo que... Carlos- É só olhar o cano de cima.

Vanessa- Mas, é muito grande, como olhar de cima?

Page 143: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

143

Nádia- Mas, deve ter outra coisa aqui...

André- O vidro de Toddy.

P- Pega lá. Nádia- É um círculo.

Vanessa - Deixa eu ver. É só fazer um círculo assim. [Ela faz o formato do círculo usando o

dedo no papel.]

P- O que vocês precisam medir para achar as dimensões da casa africana circular? Fernanda- podemos fazer igual à da casa quadrada.

P- Como?

Carlos- Ah, a gente pode marcar no chão o tamanho dela. P- Mas, qual deve ser esse tamanho?

Fernanda- Ah, pode ser uns dois metros.

Carlos- Não, 30 cm. [...] [Pegamos a régua e perguntamos se aquele tamanho seria suficiente.]

P- Vocês acham que esse tamanho é suficiente?

Fernanda- Não, claro que não. [...]

P – Como faremos para medir um círculo? Que medida importa no círculo? [Nesse momento, desenvolvemos a ideia de raio e diâmetro.]

(Trecho da transcrição do dia 19 de junho de 2013, 9º encontro)

Após terem realizados as medidas, pedimos que desenhassem o círculo no chão

usando o barbante. Fernanda segurou o rolo de barbante no centro e Eduardo foi rodando

com o barbante esticado e marcando com um giz a circunferência. Nessa tarefa,

observamos que todo o grupo de alunos cooperaram de alguma forma, ou afastando as

carteiras para liberar o espaço ou dando opiniões. Percebemos também que todos ficaram

concentrados observando a construção da circunferência, o que não é usual nas aulas

tradicionais39.

FIGURA 70 – Construindo a planta baixa, em

tamanho real da casa cilíndrica.

39 Nos relatos dos professores das outras disciplinas e na minha experiência em sala de aula, percebemos

que são alunos muito agitados e de difícil concentração. Se dispersam com muita facilidade na sala de aula

FIGURA 71 – Construindo a planta baixa, em

tamanho real da casa cilíndrica.

Page 144: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

144

FIGURA 72 – Construindo a planta baixa, em tamanho real, da casa cilíndrica.

Após a construção da circunferência no chão, questionamos se seria suficiente a

área da casa para morarem.

P- Vocês acham que esse tamanho é suficiente? Nádia- É bem grande professora.

Carlos- Deixa eu ver se me cabe.

[Os alunos começaram a mobiliar a casa, no sentido de saber sua capacidade.] (Trecho da transcrição do dia 19 de junho de 2013, 9º encontro)

Carlos se deitou no chão para ter certeza que caberia no desenho. Os alunos

aproveitaram e começaram a desenhar a cama, o guarda roupa, a cômoda e até abajur.

Page 145: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

145

FIGURA 73 – Carlos verificando se caberia na casa desenhada no chão da sala.

Essa interação do grupo com o desenho no centro da sala mostra como os alunos

estavam interessados e envolvidos na atividade. Esse envolvimento fica ainda mais

evidente quando começam a querer representar os utensílios dos seus quartos ou do quarto

dos seus sonhos nessa construção.

Após a construção, pedimos que definissem uma área adequada para construir a

planta baixa. Nossa intenção era que eles estabelecessem uma escala.

P- Qual seria um bom tamanho para fazermos a planta baixa agora? Eduardo- Pode ser 30 cm.

Carlos- Mas, 30 cm não dá pra desenhar na folha.

André- Então, pode ser 20 cm. (Trecho da transcrição do dia 19 de junho de 2013, 9º encontro)

André mediu os 20cm na folha e considerou que ainda seria grande. Essa

consideração levava em conta que o diâmetro ultrapassaria a largura da folha de A4.

André- É, ainda é grande. Que tal 15 cm?

Carlos- É, esse dá, olha aqui. [Ele mostra o tamanho na régua]

P- Lembram, a escala é o tamanho do desenho pelo tamanho na real. Qual era a dimensão de nossa casa na realidade?

Renato- 3 metros.

P- 3 metros que é igual a 300 cm. E o nosso desenho? Nádia- 15 cm.

P- Então, temos que a cada 15cm no desenho temos 300 cm na realidade. [Pedimos aos alunos que realizassem a simplificação da fração, para estabelecer a escala.]

P- Então vamos dividir para encontrar valores menores, tanto em cima quanto em baixo da fração. Ou seja, dividimos o numerador e o denominador pelo mesmo número. Por quanto

podemos dividir?

André- Por 3. P- É.

P- 300 por 3 da quanto?

Nádia- É... 100. P- E 15 por 3?

Carlos- É 5.

P- Então, temos 5 sobre 100. Isso significa que a cada 5 cm no desenho temos 100 cm na casa

no tamanho real. [Continuamos a simplificação.]

(Trecho da transcrição do dia 19 de junho de 2013, 9º encontro)

Dessa forma, fizemos nossa primeira simplificação na fração. Depois pedimos que

dividissem novamente para obtermos números menores do que esses.

P- Vamos melhorar nossa escala. Então, dá pra dividir novamente por quanto? André- Dá pra dividir 5 por 5.

P- E 100 dá pra dividir por 5?

Nádia- Dá sim é...

Carlos- É 20.

Page 146: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

146

P- Então, temos 5 por 5 que é 1 e 100 por 5 que é 20. Nossa escala será 1 por 20. Ou seja,

cada centímetro no desenho equivale a 20 cm na realidade. (Trecho da transcrição do dia 19 de junho de 2013, 9º encontro)

Percebemos que há uma dificuldade em realizar divisões usando o cálculo mental.

No entanto, essa dificuldade, só notamos na análise dos dados, pois na atividade,

oralmente, a partir de nossas intervenções, os alunos conseguiram realizar as divisões.

Percebemos, mais uma vez, que apressamos a conclusão da tarefa, deveríamos ter dado

oportunidade aos alunos com dificuldade de tentarem resolver as divisões antes de

socializar os resultados.

Estabelecemos a seguinte escala:

𝑐𝑜𝑚𝑝𝑟𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜 𝑑𝑜 𝑑𝑒𝑠𝑒𝑛ℎ𝑜

𝑐𝑜𝑚𝑝𝑟𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜 𝑟𝑒𝑎𝑙=

15 𝑐𝑚

300 𝑐𝑚=

5 𝑐𝑚

100 𝑐𝑚=

1 𝑐𝑚

20 𝑐𝑚

P- Então, com essa escala, estamos construindo uma casa que representa a nossa construção.

A cada um centímetro no desenho, temos vinte centímetros no tamanho real. André- Mas, então, nossa casa vai ter 15 cm de largura?

P- Isso mesmo, mas essa casa representa 300 cm ou 3 m na realidade.

André- Entendi. [Fomos construir a planta baixa da casa cilíndrica.]

(Trecho da transcrição do dia 19 de junho de 2013, 9º encontro)

Utilizamos a medida de 15 cm de diâmetro na construção da planta baixa.

Fernanda- Professora, vamos fazer igual no chão? Medindo a metade?

P- Isso mesmo. Qual a metade de 15 cm? Vanessa- É 7.

André- É 7,5.

P- Isso mesmo, 7,5 cm. [Os alunos realizaram as medidas e foram fazer os desenhos utilizando o barbante.]

(Trecho da transcrição do dia 19 de junho de 2013, 9º encontro)

Vanessa ficou em dúvida de como localizar o 7,5 cm na régua e recebeu a ajuda

da aluna Nádia. Essa interação entre as alunas mostra que Nádia aprendeu a medir

utilizando a régua, pois é capaz de ensinar a colega Vanessa. E mais, essa atitude de se

dispor a ajudar os colegas não é muito comum na sala de aula regular, onde predomina o

comportamento de disputa, pois acreditam ser mais importante acabar a atividade

primeiro que ajudar o colega.

Nesse eixo, observamos que houve apropriação do conhecimento matemático

relacionado a construção de plantas baixas e ao cálculo de escalas. Denota-se uma

Page 147: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

147

dificuldade com as operações básicas. A relutância em usar a escala, muito se justifica

pela dificuldade com o uso das frações e também no estudo das proporções.

6.2.4. Uso de instrumentos

No 8º encontro, os grupos estavam construindo suas casas de bases retangulares.

O grupo 1 teve dúvida para dividir a argila, não sabiam como fazer a divisão de modo

que ficassem todas as paredes com a mesma quantidade de argila. Estavam com

dificuldade de calcular a proporção adequada.

P- São quantas paredes?

Fernanda- Quatro. P- Então, vão dividir em quatro partes a argila. Mas, são quatro partes iguais?

Fernanda- São duas maiores e duas menores.

P- Isso. Dividam a argila de acordo com o tamanho das casas.

Fernanda- Vamos dividir agora. Fernanda- Como dá pra dividir?

Patrícia- Usa a régua.

Fernanda- Calma aí. É duro. Paula- Espera aí, mede assim primeiro.

Patrícia- Tem que medir igual, né gente!

Paula- Esse lado pode ser pra parede pequena. Patrícia- Aqui é pra parede pequena.

Paula- E esse divide pra parede grande.

Fernanda- Não, assim não.

Paula- Me deixa cortar. [As alunas realizaram as medidas e cortaram a argila nas proporções estabelecidas por elas.]

(Trecho da transcrição do dia 18 de junho de 2013, 8º encontro)

Como o grupo estava envolvido na tarefa, ele próprio encontrou uma solução para

o problema. Quando as alunas expõem que “são duas maiores e duas menores”, e que assim,

“esse lado pode ser pra parede pequena” e “e esse divide pra parede grande”, fica evidente o

uso da proporcionalidade. Um conceito ainda não trabalhado nas aulas regulares.

FIGURA 74 - A divisão da argila do grupo 1.

Page 148: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

148

Após medirem os comprimentos com a régua, riscaram a argila e cortaram.

Consideraram que nas pontas havia menos argila, portanto ficaria para as paredes menores

da casa e as do meio para as paredes grandes.

Outra dificuldade enfrentada pelo grupo foi no momento de recortarem a argila de

acordo com a área da parede.

P- Mede a sua Patrícia. Patrícia- Como?

P- Com a régua. Usa a régua como instrumento de medidas.

Paula- A gente tem que medir até aqui ou até aqui em cima? [O diálogo continua no próximo trecho.]

(Trecho da transcrição do dia 18 de junho de 2013, 8º encontro)

As alunas ficaram em dúvida até onde deveriam fazer suas medidas, pois haviam

feito as laterais da casa com altura menor que a frente. Quando estavam fazendo a

estrutura, questionamos essa diferença da área e elas justificaram como sendo o modelo

da casa.

P- O que você acha? Até onde vai a parede? Vai colocar argila até aí ou até em cima?

Raquel- Até em cima. Patrícia- Mas como vai levantar a argila pra cima?

P- então, Ela vai até em cima?

Patrícia- Não. [Perceberam que não poderiam pôr a argila até em cima, pois não teria pauzinhos para sustentá-

la. Então realizaram as medidas.] (Trecho da transcrição do dia 18 de junho de 2013, 8º encontro)

Paula- Aqui tá dando 12.

Paula- E aqui tem 17. (Trecho da transcrição do dia 18 de junho de 2013, 8º encontro)

Esse grupo conseguiu, afinal, utilizar o instrumento de medida (régua) de forma

adequada.

No 9º encontro, realizamos a atividade da construção da planta baixa da casa

cilíndrica tipicamente africana. Para dar uma ideia da área dessa casa, a desenhamos em

usando medidas reais. Pedimos dois voluntários para fazer o desenho do círculo no chão

da sala. A aluna Fernanda e os alunos Carlos e Eduardo se ofereceram como voluntários

para a tarefa.

P- Qual seria o tamanho adequado para fazer uma casa circular? No tamanho real. Os voluntários pegaram o barbante e estipularam um tamanho.

Nádia- Tem que ser maior que esse. (Mostrando o barbante que os alunos estavam esticando)

Renato- Bem maior. P- Então quantos metros?

Carlos- Poderia ser de 3 m.

P- De uma lateral até a outra?

Page 149: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

149

Nádia- é.

P- Então vamos medir para ver esse tamanho.

Nádia- Deixa que eu vou medir. Renato- Toma a régua.

(Trecho da transcrição do dia 19 de junho de 2013, 9º encontro)

Nádia pegou a régua e começou medindo o barbante esticado, Fernanda segurava

a ponta do barbante e Eduardo o desenrolava à medida que ia sendo medido. Nessa

interação, percebemos a vontade de participar do grupo, de contribuir. Percebemos um

empenho na realização da tarefa que não costuma acontecer nas aulas tradicionais, o que,

aliás, em grande parte, se deve a natureza das atividades desenvolvidas nessas aulas,

geralmente, apenas resolução de exercícios, no decorrer das quais os alunos não têm

espaço para interação em grupos.

Angélica- Estica o barbante.

Fernanda- Tá, segura aí Eduardo e estica.

Nádia- 30, 60, 90, 120,... P- Só ela vai contar? Ajuda meninos.

Todos- 150, 180, 210, 240.

Nádia- Já deu. P- 3 metros são quantos centímetros?

Carlos- 300 cm.

André- Continuando, 270, 300. P- Esse tamanho é de um lado a outro. Não é, André? Então, do centro até a borda é quanto?

André- É a metade.

P- Então, qual a metade de 300 cm?

Renato- Segura aqui Fernanda. É essa, professora. P- Quanto esse pedaço de barbante mede?

Carlos- É...

P- Qual a metade de 300? Renato- 150.

P- Então, esse pedaço mede quanto?

Renato- 150 cm.

[Após realizarem as medidas, foram fazer o desenho da circunferência no chão da sala.] (Trecho da transcrição do dia 19 de junho de 2013, 9º encontro)

Desenvolveram estratégias de medidas próprias, usaram o próprio barbante para

realizar as medidas. Fizeram a divisão de 300 por 2 usando o pedaço de barbante: “Então

qual a metade de 300 cm?”, e Renato divide o pedaço de barbante ao meio e nos mostra:

“Segura aqui Fernanda. É essa, professora”. Então questionamos: “Quanto esse pedaço

de barbante mede?”. Esperávamos que eles fizessem o cálculo mental da divisão de 300

por 2, e respondessem, no entanto, eles medem novamente o barbante e, só então

respondem “150”. Isso não acontece nas aulas convencionais, quando eles buscam

sempre o algoritmo para realizar suas divisões.

Page 150: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

150

Em outro momento, na mesma atividade, Nádia não estava conseguindo medir o

barbante para desenhar sua planta baixa, pois estava medindo através da régua40.

Nádia- Professora é assim? P- Não, Nádia, a gente começa a medida pelo zero e não no meio da régua.

Nádia – É mesmo.

Nádia- Mas onde dá 7,5?

F- Entre o 7 e o 8, no meio dos dois. Nádia- Aqui? [Indicando para a marca na régua entre os números 7 e 8.]

P- Essa mesma. (Trecho da transcrição do dia 19 de junho de 2013, 9º encontro)

Após a nossa interferência, a aluna mostrou que compreendeu a forma correta de

utilizar a régua. Isso ficou evidente quando ela se propõe a ensinar a colega (Patrícia) a

utilizar o instrumento de acordo com nossa explicação. Atitude colaborativa que, ressalte-

se mais uma vez, não é comum nas aulas tradicionais.

Patrícia- Professora, eu também não estou conseguindo?

Nádia- Deixa professora, que eu ensino ela. (Trecho da transcrição do dia 4 de junho de 2013, 4º encontro)

Os alunos realizaram as medidas e começaram a construção da planta baixa

usando pedaços de barbante, segundo o modelo da que estava desenhada no chão da sala.

FIGURA 75 – Construindo a planta baixa, usando barbante, da casa cilíndrica.

Eles tiveram muita dificuldade em utilizar o barbante, não conseguiam esticá-lo

sem tirar a ponta do centro da circunferência. Fernanda e Paula conseguiram fazer a planta

40 Essa dificuldade aparece ao longo de todos os encontros, e é um erro comum nas aulas regulares, os

alunos esquecem-se de iniciar suas medidas pelo zero, às vezes, inicia-se no começo da régua, ou pelo 1,

ou, aleatoriamente, por qualquer número da régua. E consideram a medida indicada na régua, sem fazer a

diferença dos comprimentos, caso comecem fora do zero.

Page 151: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

151

baixa e foram auxiliar a aluna Angélica, que estava quase desistindo da tarefa. Mais uma

vez, destacamos a interação e ajuda mútua entre os alunos, o que funciona como estímulo

para continuar a realização da tarefa, mesmo diante de dificuldades. Importante ainda

registrar que a aluna Angélica, embora não estivesse conseguindo realizar a tarefa,

persistia, desmanchando, refazendo e consertando, buscando melhorar. O destaque que

seu interesse e empenho merecem se deve ao fato de, em momentos da aula convencional,

essa aluna desistir frequentemente de realizar tarefas que considerava difíceis.

Angélica- Professora não vou mais fazer isso, olha, tá quase rasgando o papel de tanto que eu

já desmanchei. Fernanda- Deixa, professora que eu ajudo ela.

Paula- É só segurar aqui.

[A aluna vai ajudar a outra a realizar sua construção.] (Trecho da transcrição do dia 19 de junho de 2013, 9º encontro)

No 10º encontro, propomos a utilização do compasso para a construção das plantas

baixas das casas cilíndricas, pois os alunos tiveram dificuldades de construir a planta

baixa de suas casas utilizando o barbante. Nádia e André já haviam usado o compasso e

demonstraram habilidade em manuseá-lo.

FIGURA 76 – Construindo a planta baixa, usando barbante, da casa cilíndrica.

Pedimos que desenhassem novamente as plantas baixas das casas redondas.

Entregamos aos alunos os compassos para que desenhassem a circunferência na folha.

Mas eles esperavam uma explicação da atividade, essa reação é comum nas aulas

regulares, nas quais o professor explica a atividade antes de sua realização. Porém, a

reação do aluno André, mostrando que já sabia utilizar o compasso, foi uma forma de

ilustrar aos demais alunos a importância da aplicação de seus conhecimentos prévios.

Fernanda- Professora! Como vamos fazer isso?

André- Eu sei, é assim.

Page 152: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

152

[O aluno André desenhou uma circunferência no centro da folha.] (Trecho da transcrição do dia 24 de junho de 2013, 10º encontro)

André, ao desenhar uma circunferência no centro da folha, fica todo orgulhoso por

ser o primeiro a realizar a tarefa. Porém, sua circunferência ficou com 9 cm de diâmetro,

pois não havia medido a abertura do compasso antes de desenhar. Isso mostra uma

urgência em realizar a tarefa e uma desatenção nas instruções dadas.

P- André, meça a sua casa.

André- Como?

P- Meça o comprimento do diâmetro. Meça de um lado a outro da circunferência. André- Assim.

P- É isso mesmo.

André- Tá dando 9 cm.

P- Mas, não tínhamos estipulado uma escala com 15cm? André- É, tá errada, vou fazer de novo.

[Os alunos continuam a realizar a atividade.] (Trecho da transcrição do dia 24 de junho de 2013, 10º encontro)

O aluno apaga sua circunferência e demonstra dúvida sobre como fazer para

desenhar um círculo de 15 cm de diâmetro. Não só ele, mas todos os alunos. Então,

passamos as orientações para a tarefa.

P- Primeiro! Qual deve ser a abertura do compasso? Fernanda- 15 cm.

André- Não, assim vai ficar muito grande. (Trecho da transcrição do dia 24 de junho de 2013, 10º encontro)

André novamente desenha em sua folha uma circunferência de raio 15 cm e mostra

para a turma. Ele queria exemplificar a sua afirmativa anterior através do desenho, mas

não sabia qual era o tamanho certo da abertura do compasso para a circunferência ficar

do tamanho da combinada no encontro anterior.

Para explicarmos como iriam realizar a tarefa, relembramos como havíamos

utilizado o barbante no encontro anterior para desenhar o círculo. O barbante estava

fazendo o papel do compasso e a medida utilizada com o barbante seria a mesma medida

da abertura. Novamente compreendemos que deveríamos ter deixado mais tempo para os

alunos chegarem a essa conclusão, e não dar a resposta ao problema para eles.

P- Meninos! Vocês lembram de como fizemos com o barbante?

Nádia- Nós medimos 7cm no barbante.

Carlos- Não, medimos 7,5 cm. Porque é a metade de 15cm. P- Isso mesmo.

P- Então, meçam aí 7,5 cm e desenhem o círculo.

[Os alunos começaram a fazer os desenhos.] (Trecho da transcrição do dia 24 de junho de 2013, 10º encontro)

Page 153: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

153

Nádia estava com dificuldade de calcular a abertura do compasso.

Nádia- Professora, qual a abertura do compasso? P- É a metade do diâmetro. Qual a metade de 15 cm?

André- 7,5 cm.

Nádia- Por quê? Eduardo- A metade de 14 é 7 e a metade de 1 é meio. O que nos dá 7,5 cm.

[Os alunos seguiram fazendo os desenhos.] (Trecho da transcrição do dia 24 de junho de 2013, 10º encontro)

Eduardo calcula, mentalmente, a divisão de 15 por 2, da seguinte forma: 14

dividido por 2 e, depois, 1 por 2. Essa estratégia é pouco utilizada nas aulas

convencionais, quando, conforme já se mencionou, recorre-se ao algoritmo mesmo se há

uma sugestão para o cálculo mental.

Como outros alunos manifestaram dúvidas ao estabelecer medidas e usar o

compasso, fizemos junto com eles a tarefa.

P- Então vocês vão pegar o compasso e medir 7,5 cm com a régua, a abertura dele. Carlos- Assim, professora?

P- Não, começa do zero até os 7,5 cm.

P- Viram. Zero até o 7,5. Angélica- Assim?

Eduardo- Onde tá o 7,5?

André- Entre o 6 e o 7. P- Não, no meio do 7 e 8.

André- Ah tá, isso mesmo.

Eduardo- Não tô conseguindo medir.

André- Aqui Eduardo, olha onde tá o 7,5. Eduardo- Ah tá, entendi.

[Os alunos continuaram a fazer os desenhos.] (Trecho da transcrição do dia 24 de junho de 2013, 10º encontro)

Eduardo não estava conseguindo medir, pois não conseguia localizar o número

7,5 na régua. Depois da nossa explicação, Eduardo continuou com dúvidas e teve a ajuda

de André. Essa atitude mostra que o aluno André compreendeu a explicação ao ponto de

se sentir capaz de ensinar ao colega. Além disso, demonstra o interesse de participar, de

cooperar no grupo, auxiliando os demais.

Após medirem a abertura do compasso, pedimos que marcassem um centro na

folha que entregamos a eles. E, posicionando o compasso nesse centro, fossem girando-

o para desenhar a circunferência. Alguns alunos não estavam conseguindo fazer o giro

correto com o compasso, tiveram o nosso auxílio e o dos colegas que já haviam

conseguido realizar a tarefa. Novamente observa-se o espírito de cooperação.

Angélica- Ah, professora, o meu tá ficando torto.

P- Apaga e faz de novo. Não pode por força no compasso porque ele abre.

Angélica- Professora, me dá outra folha.

Page 154: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

154

P- Pega aqui.

Estela- Deixa que eu seguro e você gira.

Angélica- Professora, professora, eu consegui. P- Ficou ótimo.

[Todos os alunos construíram suas plantas baixas. Começamos, então, a construção da casa

circular com argila.] (Trecho da transcrição do dia 24 de junho de 2013, 10º encontro)

Todos os alunos construíram suas plantas baixas, aqueles que tiveram dificuldades

de utilizar o compasso e receberam ajuda dos colegas. Nessa atividade, observamos a

participação em grupos, cooperação, ajuda mútua, empenho na realização da tarefa e

aceitação do erro como forma de aprendizagem.

Prosseguindo, pedimos que medissem o comprimento da circunferência.

Novamente desejavam maiores explicações da atividade. Abrimos para a discussão. Essa

ação não é comum na sala de aula tradicional, onde costuma-se, optar por fornecer todas

as instruções previamente.

Nádia- Mas, como fazemos isso?

André- Professora, é 15 cm. Fernanda- É 15 cm.

P- Mas, 15 cm é o comprimento do diâmetro.

Nádia- O que é diâmetro?

P- Diâmetro é o comprimento de um lado até o outro lado da circunferência passando pelo centro. O centro é esse pontinho que você fez aí.

André- Esse aqui. O que colocamos a pontinha do compasso.

[Sugerimos que fizessem a medida do comprimento da circunferência. Utilizaram o barbante para realizar a medida.]

(Trecho da transcrição do dia 24 de junho de 2013, 10º encontro)

Como os alunos não sabiam encontrar o comprimento da circunferência,

sugerimos que utilizassem o barbante para obterem uma medida aproximada. O aluno

Carlos compreendeu de imediato a atividade e nos ajudou a explicar aos outros,

mostrando como ele estava fazendo a medida aos demais.

P- Agora vocês vão pegar um barbante para medir o comprimento da circunferência e

estipular a altura da casa. Passa o barbante ao redor do círculo que você desenhou e depois

mede o barbante com a régua. Dessa forma vocês vão descobrir o tamanho que vocês deverão abrir a argila.

Carlos- Assim?

P- Isso mesmo.

[Os alunos foram realizar as medidas do comprimento da circunferência.] (Trecho da transcrição do dia 24 de junho de 2013, 10º encontro)

Page 155: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

155

FIGURA 77 – Construindo a planta baixa, usando barbante.

Angélica não estava conseguindo contornar a circunferência com o barbante. Ela

nos pediu ajuda, mas, antes, recebeu-a de Estela. Novamente, percebemos um momento

de interação entre os alunos, cooperação.

Angélica- Não consigo, professora. P- É só não esticar tanto o barbante.

Angélica- Ah não, não consigo.

Estela- Deixa que eu te ajude.

Angélica- Eu seguro aqui. Estela- Pega a régua.

Angélica- Segura ali...

Angélica- Como eu meço esse pedaço na régua? P- Coloca a régua em cima do barbante. Aí deu quanto?

Angélica- 30 cm.

Estela- Mais esse pedaço aqui de 16 cm.

P- Então, quanto mede o barbante todo? Estela- Professora, deu 46 cm.

(Trecho da transcrição do dia 24 de junho de 2013, 10º encontro)

Depois que contornaram toda a circunferência, elas seguraram marcando o

comprimento e mediram com a régua. Angélica e Estela estavam em dúvida de como

medir o restante do barbante que ultrapassava o tamanho da régua. Então, sugerimos que

pegassem outra régua para fazer a medida complementar. Essa tarefa evidencia a

necessidade do objeto concreto (régua) para a compreensão de situações de medidas. As

alunas não conseguiam transpor a mesma régua que estavam usando, sentiram a

necessidade de completar com uma segunda régua para garantir a medida exata.

Page 156: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

156

FIGURA 78 – Construindo a planta baixa, usando barbante.

Após realizar suas medidas, André comparou seu resultado 46 cm, com o de

Fernanda, 35cm, Paulo faz o mesmo. Então, perguntamos qual estaria correta. Nessa

situação, desejavam que houvesse um único resultado, o que acontece nos exercícios

propostos nas aulas normais de Matemática. Nessa atividade, poderíamos ter trabalhado

a ideia de aproximação de medidas e a experimentação de resultados práticos, que nem

sempre correspondem ao esperado na teoria.

Fernanda- O meu deu 35 cm.

P- Tem certeza? Fernanda- Tenho, olha.

P- Sua circunferência tá menor que a dos outros. Tem certeza que ela tem 15 cm de diâmetro?

Fernanda- Não, tem 13,5 cm.

P- Mesmo com esse diâmetro a sua medida do comprimento tá pouca. Meça de novo. Paulo- Professora. Por que a minha deu 45 e a da Fernanda deu 46?

Nádia- Primeiro a minha deu 30. Depois 45. P- É porque estamos fazendo uma aproximação.

Vanessa- Não sei porque, mas a minha deu 50.

Paulo- 50?

P- Aí você não encostou direitinho no traçado. [O aluno foi refazer suas medidas.]

(Trecho da transcrição do dia 24 de junho de 2013, 10º encontro)

Outro momento interessante dessa atividade foi a estratégia de medida do

comprimento da circunferência utilizada por Nádia. A aluna tentou medir de outra forma.

Sua ideia era que se dobrasse o comprimento do diâmetro encontraria o comprimento da

circunferência.

Nádia- O meu deu 30 cm. P- O quê?

Nádia- É esse tamanho.

P- Como você mediu? Nádia- Eu medi 15 cm e depois dobrei.

P- Por que você fez assim?

Nádia- Assim dá.

Page 157: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

157

P- Pega um pedaço de barbante que mede 30 cm e coloca ao redor da circunferência para

vermos de você tá certa.

[A aluna foi fazer o procedimento.] (Trecho da transcrição do dia 24 de junho de 2013, 10º encontro)

Nádia pegou um pedaço de barbante e mediu os 30 cm. Depois colocou ao redor

da circunferência. Ela tentou mostrar que a sua medida estava certa, mas não conseguiu.

Essa situação demonstra iniciativa e busca por estratégias próprias, embora a tentativa

tenha resultado em erro. Nas atividades em sala, devido a sua natureza, não há espaço

para essas iniciativas.

P- E aí, deu Nádia?

Nádia- Ah, não dá. Mas, como medir? P- Pega um pedaço maior de barbante e coloca ao redor da circunferência. Depois corta e

mede esse pedaço.

Nádia- Professora, agora deu. P- Quanto deu Nádia?

Nádia- 45 cm.

P- Agora sim... (Trecho da transcrição do dia 24 de junho de 2013, 10º encontro)

FIGURA 79 – Construindo a planta baixa, usando barbante.

Quando pedimos para comparar o compasso (instrumento) com o compasso

artesanal (barbante) foi unânime a preferência pela ferramenta literal. Porém, não

deixamos de lembrá-los da necessidade dos dois instrumentos.

Carlos- O compasso é mil vezes bem melhor que o barbante.

P - Lembra da construção da casa no tamanho real no chão, dava pra usar compasso? André- Só um compasso gigante.

Carlos- Não dava não, é melhor o barbante.

P- Escrevam suas ideias no caderno. [Os alunos escreveram rapidamente suas ideias no caderno.]

(Trecho da transcrição do dia 24 de junho de 2013, 10º encontro)

Page 158: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

158

Qual a diferença em usar compasso ou o barbante? O uso do barbante é muito difícil porque

temos que medir tudo o barbante o tamanho da casa e etc. E o uso do compasso é bem mais fácil porque colocamos no lugar certo e é só rodar o compasso

e já sai o círculo certo. FIGURA 80 – relato da aluna Fernanda.

Qual é a diferença de usar o compasso ou o barbante? Que o compasso é bem melhor do que

no barbante, que o barbante e o lápis desliza com o barbante. FIGURA 81 – relato do aluno André.

No último encontro, um dos grupos ficou com a tarefa de construção do muro.

Sugerimos que o construíssem procurando manter a espessura e a altura da placa de argila

e recordamos que deveriam colar uma plaquinha na outra até completar todo o muro.

Os integrantes desse grupo estavam bem entrosados, tinham duas réguas no grupo,

cada um fez a sua medida, um auxiliando os outros para posicionar a régua corretamente

na argila. Esse fato mostra o reforço da integração, cooperação e colaboração do grupo,

além do amadurecimento do diálogo, pois os integrantes buscavam opiniões entre si.

André- Tem que colocar no zero.

Eduardo- Está ficando torto. Segura assim. André- Aqui tá dando 13 cm.

Eduardo- E do outro lado?

André- É 13cm também. Eduardo- Agora mede o meu.

André- É 8cm aqui e 8,4 aqui.

P- É só cortar um pouquinho. André- Marca aqui. Cadê a tesoura?

P- Vocês tão cortando com tesoura?

Page 159: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

159

Eduardo- Não, é com a régua, me dá aí, André.

André- 13 cm, esse é o meu.

Eduardo- O meu tá dando 8 cm. Paulo- O meu é 10…, 10 cm.

P- Aproximadamente 10 cm.

P- Meninos, como vocês são um grupo, tem que ter um consenso no grupo. Não podemos usar

tamanhos diferentes, pois na hora de juntar as plaquinhas vai dar diferença. Mas é o grupo que vai decidir essa medida.

[Continuaram a atividade.] (Trecho da transcrição do dia 25 de junho de 2013, 11º encontro)

Notamos também que Eduardo e André eram os líderes do grupo, os que

comandavam as tarefas. Por exemplo, no momento das medidas, os outros integrantes

ficaram observando como eles estavam realizando as medições e, depois, fizeram as suas

medidas também. Outro momento em que se percebe essa liderança é quando precisam

definir a melhor altura para o muro. Os integrantes do grupo começaram a discutir sobre

a medida que iriam usar. André levantou e foi medir, utilizando uma régua, a altura das

casas. As casas tinham, em média, 10 cm de altura. Então, o grupo achou conveniente

fazer o muro com 8 cm de altura, considerando que a placa que Eduardo havia construído

tinha essa altura. Esse fato também demonstra iniciativa e liderança.

Outro momento que fica evidente a liderança de André é no início da montagem

do muro. André conferia as medidas das plaquinhas antes de juntá-las para formar o muro;

ao mesmo tempo em que dava as instruções de como fazer a ligação entre placas para não

se soltassem; neste ponto, também delega tarefas ao grupo, colocando Eduardo e Renato

como responsáveis pela montagem do muro. Este último se integrara ao grupo

recentemente, após sair de seu grupo de origem devido a um desentendimento com a

aluna Vanessa.

FIGURA 82 – Montagem do muro da aldeia.

Page 160: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

160

Na atividade “construção do telhado”, Angélica foi ajudar a construir sua

cobertura. Estavam, então, tentando construir a cobertura da casa de Estela utilizando

como material de construção o papelão. Tiveram dificuldade em descobrir seus erros, pois

o desenho no papelão estava ficando maior do que o necessário para a cobertura da casa.

P- O que vocês mediram lá na casa e o que estão medindo no papelão? Angélica- Ah, não sei, o teto da casa.

Estela - O tamanho da casa.

P - Ah, o tamanho todo do teto, não é isso?

P- Então, vamos voltar lá pra ver o que vocês mediram. [As alunas vão medir novamente para comprovarem suas medidas.]

(Trecho da transcrição do dia 25 de junho de 2013, 11º encontro)

Após medir novamente o diâmetro da casa, Estela afirma que a medida é 15 cm.

Estela - Aqui dá 15 cm. P- O que vocês mediram, então?

Angélica- Ah, o tamanho do teto.

Angélica- Esse tamanho daqui até aqui. Estela - Não, o tamanho de um lado no outro, é isso?

P- Então, vamos retornar para o papelão.

Angélica- Tá certo, o tamanho no compasso é 15 cm. (Trecho da transcrição do dia 25 de junho de 2013, 11º encontro)

Na hora de fazer o círculo, elas estavam percebendo que havia algo de errado, mas

não estavam percebendo onde estava o erro.

FIGURA 83 – Tentativa de montagem do telhado usando papelão.

P- Quando vocês medem no compasso, vocês estão medindo o quê? Que distância vocês estão medindo aí?

(Trecho da transcrição do dia 25 de junho de 2013, 11º encontro)

Page 161: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

161

Elas apontam para o centro do círculo e mostram que estão medindo a distância

do centro até a borda. Dessa forma, as alunas dão evidências que sabem o que querem

medir, mas não sabem como fazê-lo, uma vez que não sabem como localizar o centro da

base do cilindro. Percebemos, aqui, a dificuldade das alunas em transpor o espacial para

o plano.

P- Que distância você mediu aí? Que distância é essa que o compasso desenha aí? Angélica- 15 cm.

P- Mas, 15 é o quê?

Estela - É a distância do centro até a berrada. P- Mas, lá na casa, você mediu o quê? Lá vocês pegaram a régua e colocou de um lado até o

outro, não foi? (Trecho da transcrição do dia 25 de junho de 2013, 11º encontro)

Queríamos que as alunas percebessem que, quando estão desenhando com o

compasso, sua abertura é a medida do raio do círculo, mas elas não estavam conseguindo

estabelecer uma relação entre as duas medidas.

Estela - O tamanho de um lado até o outro. P- Então, qual é o erro?

Angélica- Não sei.

P- Então, vamos pensar. Na casa você mediu a distância de um lado até o outro. E aqui você

mede a distância do centro até a borda. Então o que vocês têm que fazer para desenhar o círculo do mesmo tamanho que a cobertura da casa?

(Trecho da transcrição do dia 25 de junho de 2013, 11º encontro)

Desejávamos que, com esse questionamento, elas pudessem perceber que o erro

era considerar a medida total do diâmetro da base da casa igual à abertura do compasso.

Estela - Temos que medir de um lado até o outro aqui também.

Angélica- Vamos ver, dá 30 cm. P – 30 cm é o quê?

Angélica- A distância de um lado até o outro.

Estela - E agora? P- Essa distância é o dobro da outra, não é?

P- Pensem um pouco, o que vocês têm que fazer para conseguir a distância 15?

Angélica- A gente quer, tipo, fazer um triângulo aí embaixo dele redondo. A gente vai colar aqui do lado para fazer o telhado.

P – Entendi.

Angélica- Mas, pra fazer isso precisava de tá do mesmo tamanho isso.

P- Pensa, na hora que vocês mediram 15 cm no compasso deu 30 cm de diâmetro no círculo. O compasso mede a distância do centro até a borda. Pra dá 15 cm de um lado no outro vocês

tem que medir o quê? (Trecho da transcrição do dia 25 de junho de 2013, 11º encontro)

Explicamos a elas que o compasso mede a distância do centro até a borda, ou seja,

é a medida do raio do círculo. Questionamos, assim, qual deveria ser a medida para que

o diâmetro do círculo fosse 15 cm.

Page 162: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

162

Estela - Medir do centro até o meio da casa.

Angélica- Mas, professora, como fazer isso? Não dá pra saber o centro.

P – Se de um lado até o outro é 15 cm, do centro até a borda vai ser quanto? Estela - É só dividir ao meio.

Angélica- 15 dividido por 2 é....

Estela – 7.

Angélica – 7 e meio. P- Então, qual é a medida que você tem que usar.

Estela - 7,5 cm.

[Por falta de tempo, não demos continuidade à tarefa.] (Trecho da transcrição do dia 25 de junho de 2013, 11º encontro)

A análise sugere que, no tocante a questões matemáticas, os alunos demonstraram

dificuldade em relação aos temas de proporção, frações e também dificuldades em relação

aos instrumentos de medidas, dificuldades essas que muitas vezes passam despercebidas

nas aulas regulares. Demonstraram também que conhecem os instrumentos de medidas,

mas que desconhecem como utilizá-los. Contudo, no que se refere ao trabalho em grupo,

percebemos que se adaptam muito bem a esse tipo de atividade, que é pouco explorada

nas aulas regulares de matemática. Como o tempo da aula se restringe a 50 min, procura-

se otimizar esse tempo no intuito de conseguir vencer todo o conteúdo proposto pelo

currículo adotado pelas instituições de ensino.

6.3. Construção de identidades coletivas

A participação é um dos conceitos centrais da aprendizagem situada. Como

Lerman (2001 apud FERNANDES, 2004, p. 130), entendemos que:

A sala de aula e salas de seminários são sítios complexos de influências

políticas e sociais, interacções sócio-culturais e múltiplos

posicionamentos envolvendo classe, género, etnia e relações

professor/aluno e outras práticas discursivas nas quais o poder e o conhecimento são situados. (...) Descrever a aprendizagem em termos

de tornar-se (...) é onde a abordagem de Lave é particularmente fértil

para nós professores de Matemática e investigadores em Educação Matemática. O foco de Lave na formação de identidades na prática

social dá ênfase à centralidade da relação social constituída e

negociada durante a aprendizagem na sala de aula.

Entendemos que os encontros descritos no capítulo anterior, e que aqui serão

analisados, são sítios completos de influências políticas e sociais, com interações sócio

culturais que envolveram práticas nas quais houve diversos tipos de interação, nas quais

o poder e o conhecimento são situados.

Assim, procuramos observar indícios de mudanças na participação dos alunos.

Para isso, focalizamos, especialmente: o engajamento nas tarefas propostas, o

Page 163: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

163

relacionamento estabelecido entre alunos e desses com a professora e indícios do

desenvolvimento de habilidades/ conhecimentos relacionados à tarefa.

Essa categoria apresenta episódios que pareceram significativos em termos de

mudança de participação. O episódio trata de uma tarefa específica, porém, pode envolver

vários encontros.

Episódio 1: A construção de casas de barro

Como descrito no capítulo anterior41, esta tarefa foi realizada em três encontros,

com duração de duas horas cada, e foi dividida em quatro partes: 1ª construção da planta

baixa; 2ª construção da estrutura em madeira; 3ª aplicação da argila na estrutura e a 4ª

construção do telhado.

Algo que chama a atenção durante todos os três encontros é a cooperação entre os

alunos. Isso não era usual nas aulas regulares. É preciso observar que, geralmente, as

aulas regulares de Matemática não ofereciam muitas oportunidades de trabalho em grupo,

porém, isso não quer dizer que os alunos mantinham só uma relação de competição e

nunca de cooperação.

Em um determinado momento, pedimos aos alunos que estabelecessem medidas

adequadas das dimensões de uma casa retangular, de acordo com as imagens mostradas

na projeção.

Os grupos estavam todos separados e sem saber bem como fazer a tarefa. O grupo

2 começou liberando o espaço em seu entorno, afastando as carteiras e medindo, com

uma única régua, o chão da sala. Em seguida, todos os outros grupos se juntaram a eles

para ajudar a medir as dimensões da casa. No momento das medidas todos os alunos

cooperaram, uns afastando as carteiras e cadeiras, para liberarem o espaço, e outros

fazendo as medidas. Eles perceberam que ficaria difícil medir com uma única régua e

propuseram o uso de várias.

41 Organizamos a classe em grupos, tendo cada qual a tarefa de construir uma maquete em argila. Os grupos

foram formados pelos próprios alunos, sem minha interferência. O grupo 1 foi formado pelas alunas

Fernanda, Paula, Patrícia e Raquel. O grupo 2 foi formado pela aluna Amanda e os alunos Pedro e Ygor. O

grupo 3 foi formado pelos alunos Eduardo, Carlos, André, Paulo e Renato. E o grupo 4 pelas alunas

Angélica, Estela, Nádia e Vanessa. Participaram 16 alunos. Para ver mais detalhes, ver páginas 68 desta

dissertação.

Page 164: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

164

(Trecho da transcrição do dia 11 de junho de 2013, 6º encontro)

Eles utilizaram todas as réguas de que dispúnhamos e foram enfileirando-as até

encontrarem medidas que consideraram adequadas. Os relatores dos grupos anotaram as

medidas. Quando foram medir a altura da casa, tomaram como referência a altura da

janela da sala. Consideraram que seria um tamanho adequado para uma casa daquele tipo.

Esse momento evidencia engajamento mútuo em uma tarefa, cooperação em torno de

propósitos comuns e atividade – ação pessoal – em oposição à passividade (que

caracteriza muitos momentos nas aulas regulares de Matemática). É claro que a natureza

da tarefa influenciou o comportamento dos alunos.

Boaler (2000 apud FERNANDES, 2004, p. 153), em seu estudo sobre jovens

aprendendo Matemática, em seis escolas inglesas, encontrou que “as representações dos

estudantes sugerem que as práticas dominantes na aula de Matemática são memorização,

reprodução de procedimentos e trabalho individualizado e que todas elas têm um papel

limitado em situações fora da sala de aula”. Infelizmente, as práticas predominantes nas

minhas aulas de Matemática e na de muitos colegas ainda são essas.

Ao desenvolver o projeto, procuramos construir um ambiente de aprendizagem no

qual os alunos tivessem um papel mais ativo, em torno de uma tarefa interessante e que

trouxesse significados variados (tanto matemáticos quanto acerca da cultura africana, por

exemplo). Acreditamos que o ambiente criado estimulou uma mudança na forma usual

de participação manifestada pelos alunos nas aulas regulares.

Como Boaler, percebemos que “não é nova a ideia de que o ensino da Matemática

deve possibilitar o engajamento dos alunos na discussão e negociação, mas a perspectiva

situada acrescenta uma outra dimensão”.

Se a aprendizagem da Matemática implica mais do que a construção

de formas cognitivas, então uma comunidade (de sala de aula) que

falha nas qualidades humanas de interagir socialmente e de engajar significativamente pode limitar o conhecimento dos alunos. Não é a

Pedro- Passa a canetinha quando der 30 cm.

Amanda- Toma a outra régua. Pedro- Não, vamos usar uma só.

André- Se usar mais fica mais rápido, olha.

Pedro- Me dá mais uma. Nádia- Pega mais régua.

Amanda- Não precisa de tantas.

Paula- Nossa, a casa não é desse tamanho. Tem que ser bem maior.

Nádia- Precisamos de todas as réguas, tem mais, professora? P- Estão todas com vocês.

Amanda- Pega nas mesas.

Pedro- Toma, toma.

Page 165: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

165

‘quantidade’ de conhecimento que está em questão mas a sua

acessibilidade (BOALER, 2000 apud FERNANDES, 2004, p. 153).

Outro exemplo, durante a construção da maquete da casa de barro foi a experiência

do grupo 1.

O grupo começou sem entrosamento e querendo fazer a tarefa individualmente,

mas, ao longo do trabalho, percebeu que não seria possível realizar a empreitada sem a

ajuda dos companheiros. Ao final, havia bom entrosamento e realizavam a tarefa em

grupo, compartilhando opiniões e oferecendo ajuda mútua. Tiveram dificuldades para

realizar as medidas das paredes, não que estava impedindo a finalização da estrutura.

Contudo, esse obstáculo foi vencido e o grupo conseguiu, inclusive, construir a porta da

casa, que foi feita usando palitos de picolé amarrados com barbante. Inicialmente, a

tentativa de cortar os palitinhos de madeira com uma tesoura, pela aluna Paula, estava

resultando em pontas desiguais, lascando a madeira.

Paula- Professora! Acho que não vai dar.

Nádia- Desse jeito não vai dar mesmo. Paula- Faz o trem direito.

Raquel- Estou fazendo.

Paula- Deixe-me ensinar a você como é que se quebra.

Paula- Está vendo é assim. (Trecho da transcrição do dia 12 de junho de 2013, 7º encontro)

A aluna Paula pegou a tesoura para mostrar a Raquel como deveria cortar a

madeira, mas, logo percebeu que o problema estava no fato da madeira ser muito dura

para ser cortada com a tesoura.

Raquel- Eu sabia. É que está muito dura. Viu!

Paula- É esta dura mesmo. Raquel- É isso que estraga a ponta.

(Trecho da transcrição do dia 12 de junho de 2013, 7º encontro)

Em outra situação, a aluna Paula pegou os pauzinhos para amarrar sozinha, mas

não conseguiu.

Paula- Me ajuda aqui Patrícia, segura que eu amarro.

Patrícia- Essa parte vai ser tampada de barro. Fernanda- É isso mesmo, os nós vão ser tampados.

Raquel- Agora dá um nó aqui.

Patrícia- Não é isso não. Aperta o negócio direito. Paula- Olha, tá vendo, ficou certo.

(Trecho da transcrição do dia 12 de junho de 2013, 7º encontro)

Page 166: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

166

Depois que amarraram o primeiro par de pauzinhos, ficaram empolgadas com a

tarefa e distribuíram pares de pauzinhos para cada dupla, para dinamizar o processo da

armação da casa.

Patrícia- Nossa, como vamos montar se o negócio não fica durinho?

Fernanda- Espera aí, que eu vou segurar aqui, aí dá pra amarrar. (Trecho da transcrição do dia 12 de junho de 2013, 7º encontro)

Nesse instante, perceberam que precisavam de mais pessoas para montar a

estrutura. O grupo inteiro precisaria estar mobilizado na tarefa.

Esse trecho do encontro ilustra como a tarefa – que inicialmente estava sendo

desenvolvida individualmente – torna-se coletiva. Nesse sentido, observa-se que:

Participação refere-se ao processo de tomar parte e também às

relações com os outros que reflectem este processo. Isto sugere tanto,

acção como conexão. [...] Participação é pessoal e social. É um processo complexo que envolve fazer, falar, sentir e pertencer. Envolve

a pessoa total, incluindo os nossos corpos, mentes, emoções e relações

sociais (FERNANDES, 2004, p.157).

Por outro lado, não se pode confundir participação com colaboração. Como afirma

Fernandes (2004, p.157):

(Participação) Pode envolver todos os tipos de relações, conflituosas

ou harmoniosas, íntimas bem como políticas, competitivas como

cooperativas. A participação em comunidades sociais molda a nossa experiência e também molda as comunidades; o potencial

transformativo vai para ambos os lados. De facto, a nossa capacidade

(ou incapacidade) para moldar a prática das nossas comunidades é um aspecto importante da nossa experiência de participação.

O trecho a seguir ilustra isso.

Raquel- Nossa olha como a Fernanda amarra, como você faz isso?

Fernanda- É assim olha, dá uma volta por cima e volta por baixo, assim fica firme e dá para

amarrar sem soltar. (Trecho da transcrição do dia 12 de junho de 2013, 7º encontro)

Os alunos do grupo 3 observaram como o grupo 1 estava amarrando os palitinhos.

As meninas não se mostraram amistosas, considerando que eles deveriam tentar fazer

sozinhos, como elas estavam fazendo. Após eles retornarem a seus grupos elas

comentaram:

Patrícia- Nossa estes meninos são tão burros, que não sabem fazer nada. (Trecho da transcrição do dia 12 de junho de 2013, 7º encontro)

A aluna Patrícia percebeu que Fernanda estava amarrando os pauzinhos errados.

Page 167: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

167

Patrícia- Não vai dar certo Fernanda. (Trecho da transcrição do dia 12 de junho de 2013, 7º encontro)

Nesse instante, o aluno Carlos do grupo 3 voltou ao grupo 1 e começou a achar

defeito no trabalho de Fernanda.

Carlos- Está ruim Fernanda! Está errado olha! (Trecho da transcrição do dia 12 de junho de 2013, 7º encontro)

Isso fez a aluna Fernanda ficar nervosa. As alunas do grupo expulsaram o Carlos

e foram ajudar a colega a consertar seu erro. Em um momento seguinte, a aluna Raquel

comenta:

Raquel- Se a gente não trabalhar juntas, a gente não vai conseguir. Não vai dar tempo.

Paula- Raquel, estou quase acabando, você quer ajuda? Raquel- Não, pode deixar Paula, tô quase acabando. Obrigada.

Paula- Toma aqui, essa parte aqui.

Raquel- Ah, tá!

[...] Patrícia- Raquel, olha, eu consegui amarrar todas.

Raquel- Hum, aqui, cadê a corda.

Fernanda- Deixa que eu corte no tamanho. Paula- Aqui gente, eu já tenho aqui.

Patrícia- Me deixa segurar pra você.

Raquel- Subiu muito. Paula- Não, tá certo.

Fernanda- Tá certinho.

Paula- Segura aqui olha.

Patrícia- Estou segurando. Fernanda- E aí também, olha.

Fernanda- Amarra pra frente.

Patrícia- Agora vou dar um monte de nós. Paula- Não dá muito perto daqui não, Patrícia, senão ele solta.

[...]

Patrícia- A Fernanda cortou aqui muito certinho. Fernanda- Não foi eu, foi a Paula.

Paula- Não era você que estava cortando aqui, lembra?

Fernanda- Agora falta por aqui, olha.

Patrícia- Coloca aqui. (Trecho da transcrição do dia 12 de junho de 2013, 7º encontro)

Esse momento mostra como o grupo estava entrosado e compartilhando ideias.

Contudo, se mostrava fechado à socialização de seus saberes. Outro exemplo: após

medirem os tamanhos com a régua, riscaram a argila e cortaram. Consideraram que nas

pontas havia menos argila, portanto ficaria para as paredes menores da casa e as do meio

para as paredes grandes.

Page 168: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

168

FIGURA 84 - A divisão da argila do grupo 1.

Cada um dos integrantes do grupo pegou um pedaço de argila e foi abri-la em

formato retangular. Daí, começaram a aplicação da argila na estrutura da casa.

FIGURA 85 – O grupo 1 montando a casa com

a argila.

FIGURA 86 – O grupo 1 montando a casa com

a argila.

O grupo estava preparando a argila para cobrir o outro lado da estrutura:

Patrícia- Agora vamos fazer aqui pro lado.

Fernanda- Gente, olha onde o palito veio parar.

Raquel- Abre mais aqui no meio, está ficando muito grosso. Paula- Já forramos uma parede, agora vamos fazer a outra.

[...]

Fernanda - Deixa eu ajudar? Segura que eu modelo.

Paula- Cuidado aqui. Fernanda – Segura que eu modelo.

Paula- Régua.

Patrícia- Está rachando. Paula- Licença, vocês podem virar fazendo favor, senão não consigo.

Patrícia- Vai Fernanda, vira aí pra Paula.

Raquel- Deixa-me ver. (Trecho da transcrição do dia 18 de junho de 2013, 8º encontro)

Page 169: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

169

Nesse momento, percebemos que o grupo estava entrosado e dividindo as tarefas:

duas das alunas estavam abrindo a argila e as outras duas estavam aplicando a argila na

estrutura. Diferente do começo dos trabalhos do grupo, houve mudança de participação.

O engajamento no trabalho foi tamanho que não observaram os trabalhos que estavam

sendo desenvolvidos nos outros grupos. Não se importaram com o que os outros estavam

fazendo, isso só aconteceu ao final do seu próprio trabalho.

FIGURA 87 – O grupo 1 montando a casa com a argila.

Outro momento interessante evidencia como as meninas se sentiam em relação à

tarefa: como algo de seu interesse, importante. Assumindo-a como uma tarefa do grupo,

elas usaram de criatividade e autonomia para solucionar problemas. A certa altura,

pediram cola quente, e como não havíamos levado, solicitaram permissão para pedir à

direção. Quando voltaram, trouxeram a cola quente que a direção havia lhes emprestado

e retomaram o trabalho.

FIGURA 88 – Construindo o telhado da casa do grupo 1.

Page 170: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

170

Ao final da tarefa, o grupo 1 terminou sua estrutura com a colaboração de todas

as meninas. Fizeram as medidas corretas e deram conta de completar a tarefa. Tiveram

várias ideias, como molhar a argila para moldá-la na estrutura, molhar os palitos da

estrutura antes de aplicar a argila, cortar as pontas dos palitos da estrutura, além de outras

na hora de montar o telhado. Colaboraram entre si na montagem da casa: enquanto uma

segurava a estrutura, a outra aplicava a argila. Dividiram as tarefas, ficando cada uma

responsável por fazer uma parede. Todas se ajudaram mutuamente.

O grupo 2, vivenciou a tarefa de forma distinta. Observamos que, após a

construção da planta baixa, eles relacionaram a planta com uma casa de “rico”,

imaginação da aluna Amanda que fora, aliás, questionada pelos outros integrantes do

grupo. No entanto as ideias dessa aluna serviram para que tivessem outras ideias

interessantes.

Segundo Fernandes (2004), a capacidade de imaginar pode fazer uma grande

diferença para a nossa construção de identidade e é um grande potencial para a

aprendizagem essencial às nossas atividades. Portanto, a imaginação é um importante

componente da nossa experiência com o mundo e de nosso sentido de lugar nele. Esse

conceito se refere ao modo de expandir-se, transcender-se, transformar, ver além do que

está a sua frente.

Imaginação requer a capacidade para deslocar participação e reificação em ordem a reinventar em nós próprios, os nossos empreendimentos, a

nossa prática e as nossas comunidades. Novas e incongruentes misturas

de participação e reificação são um modo de criar novas situações de aprendizagem (FERNANDES, 2004, p. 154).

O que pode ser observado no exemplo a seguir. Antes mesmo de terminarem de

fazer a planta baixa, já estavam escolhendo as cores das paredes das casas, os móveis e

onde iriam colocar as pessoas. Nesse instante, tiveram a ideia de colocar, dentro da casa,

bonequinhos feitos de barro para representar seus moradores.

Pedro- A gente poderia colocar aqueles bonequinhos aqui, um empregado aqui.

Eduardo- É mesmo, aqueles bonequinhos.

Amanda- Aqueles bonequinhos de pauzinhos, peladinhos?

Pedro- O que tem? Eduardo- Peladinhos.

Amanda- A gente pode colocar dentro da maquete.

Pedro- É mesmo, a gente pode dar ideia para a professora. Amanda- Como chama aquele trabalho daquelas maquetes que tem as mesinhas, as cadeiras?

Pedro- Não sei, mas a gente pode colocar na nossa.

Page 171: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

171

Na segunda parte da atividade, “construção da estrutura em madeira”, o grupo 2

começou com muita discussão e divergência na organização e realização da atividade. A

aluna Amanda e o aluno Pedro discordavam de tudo e fomos solicitadas várias vezes para

resolver essas discussões. Porém, ao longo do trabalho, conseguiram realizar a atividade.

A aluna Amanda percebeu que a planta baixa que haviam produzido no encontro anterior

estava muito pequena para a construção da casa. Então, decidiram fazer outra planta com

dimensões dobradas, mas, a princípio, os integrantes do grupo acharam que era exagero

dela e não concordaram.

Após ela ter feito a ampliação, eles entenderam que não daria para fazer a estrutura

no tamanho anterior, e que ela queria apenas ajudar o trabalho do grupo. De acordo com

Wenger (1998, p. 186 apud FERNANDES, 2004, p. 158) o trabalho de alinhamento

implica em processos como os de:

Investir energia de um modo directo e criar um foco para coordenar esse investimento de energia; negociar perspectivas, encontrando ‘terrenos’

comuns; impor a visão pessoal, usar o poder e a autoridade; convencer,

inspirar, unir; definir visões e inspirações amplas, propor histórias de identidade; dividir procedimentos e quantificação e controlar estruturas

que são portáteis; criar práticas fronteiriças, reconciliar perspectivas

divergentes.

O processo de alinhamento nos leva a redefinir os nossos empreendimentos e a

ampliar o contexto de nossa própria participação. “Dos nossos mal-entendidos, podemos

vir a compreender, de modos surpreendentes e abertos, as particularidades históricas e as

ambiguidades das nossas acções e artefactos”. (FERNANDES, 2004, p. 160).

Reinterpretando, assim, nossas visões, nesse processo.

Outro exemplo foi na atividade de montagem da estrutura de madeira. Esse grupo

conseguiu dividir as tarefas e todos participaram da montagem. O grupo estava com

dificuldade para amarrar os pauzinhos. Eles já estavam querendo desistir da tarefa, poisos

integrantes do grupo 3 estavam lhes atrapalhando ainda, dando ideias erradas e fazendo

chacotas dos companheiros que estavam fazendo tentativas. Então, fomos auxiliá-los.

André- Ah não, está ruim Amanda, o negócio está desmontando.

Pedro- Para, gente, está atormentando demais. P- Meninos! Volta para os seus grupos, o de vocês só o Carlos está fazendo.

Amanda- Para, gente deixa nós fazer.

Amanda- Professora, não está amarrando, olha.

Pedro- Professora, ela que fazer tudo de novo.

Amanda- Está pequeno.

P- Vocês é que tem que decidir, o trabalho é do grupo.

Amanda- Deixa que eu sei o que tô fazendo.

Page 172: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

172

P- Deixa eu tentar, tenta fazer assim, segura aí pra mim Pedro, pega o barbante e passa por

baixo e dá a volta assim, por cima e amara aqui. Assim fica seguro. Mas sem mexer Pedro,

segura firme, senão fica mole. Amanda- Deixa eu tentar...

P- Isso mesmo, agora por baixo, e amarra em cima. Está certo!

Amanda- É que o Pedro fica mexendo toda hora. E o Renato só fica brincando com os meninos.

Renato- Eu não eu estou ajudando, é ela que fica xingando toda hora. P- Eu quero que vocês terminem o trabalho. Está ficando legal.

(Trecho da transcrição do dia 12 de junho de 2013, 7º encontro)

A aluna Amanda terminou de amarrar um dos pauzinhos e mostrou para os

companheiros como estava ficando.

Amanda- Olha aqui, este ficou durinho. Agora vamos fazer a parte de baixo. A parte de cima está bom.

(Trecho da transcrição do dia 12 de junho de 2013, 7º encontro)

O grupo se depara com uma grande dificuldade (estava recebendo incentivo

negativo) e consegue se superar, alguma liderança é fundamental para a realização da

tarefa. Em outro momento, os alunos do grupo se depararam novamente com dificuldades,

desta vez, a construção da porta da casa.

Amanda- Agora como vai ser a estrutura da porta?

P- Pensa um pouquinho aí no grupo.

Amanda- Não sei.

P- Coloca um pauzinho aqui. Amanda- E agora? Onde vai ser a porta?

Pedro- Ah. Podemos fazer os pauzinhos amarrados assim.

P- Isso mesmo. (Trecho da transcrição do dia 12 de junho de 2013, 7º encontro)

Percebemos que houve entrosamento e aceitação de ideias entre os integrantes do

grupo, não só partindo de sua liderança, o que demonstra o quanto estavam envolvidos

na tarefa. Encerraram o encontro com a montagem dessa estrutura.

FIGURA 89– Armação da casa do grupo 2.

Page 173: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

173

No encontro seguinte, os alunos do grupo 2 começaram empolgados, querendo

desfazer tudo que já haviam feito no encontro anterior e começar tudo novamente, pois

consideraram que estava feio e queriam fazer melhor. Isso demonstra verdadeiro interesse

em produzir um bom trabalho, foram críticos em suas avaliações e consideraram que

poderiam melhorar. Percebemos que havia interesse do grupo, principalmente da aluna

Amanda, em contribuir na atividade e deixar evidente o esforço, além de buscar o

reconhecimento público de suas ações. Portanto, entendemos que, nesse caso, houve a

intenção de uma participação mais central. No entanto, não contaram com as adversidades

do momento do encontro. A aluna Amanda (líder do grupo) empolgada, querendo

produzir uma montagem mais sólida, pois já tinha a experiência da anterior, considerou

que poderia aperfeiçoar o trabalho. Mas, não percebeu que seu companheiro, o aluno

Pedro, estava passando mal, apático e que não poderia contribuir da mesma forma na

atividade, como aconteceu. E que a participação do grupo completo era essencial no

desenvolvimento da atividade. Dessa forma, o trabalho exigiu muito dela, que precisou

suprir a lacuna deixada pelo colega. Ao final, até conseguiram fazer a armação bem

estruturada, com as madeiras bem amarradas. Porém, o aluno Pedro deixou-a despencar

no chão e ela entortou toda. Tentamos ajudá-los, mas não ficaram satisfeitos com o

resultado.

A comunhão desse fato com o cansaço do grupo exaltou os ânimos, gerando

tumulto, discussões e uma desestruturação. Essas relações de conflitos também são

formas de participações em práticas.

Como participação é pessoal e social, pode envolver todos os tipos de

relações, harmônicas ou de conflitos, íntimas ou políticas, competitivas

ou cooperativas. A nossa participação em comunidades sociais nos molda, em nossas experiência e transforma as comunidades, ou seja, a

transformação acontece em ambos os lados. Esse é um aspecto

importante da nossa experiência de participação em práticas sociais

(FERNANDES, 2004, p. 28).

Na terceira parte da atividade, “aplicação da argila na estrutura”, faltou

cooperação no grupo. Não conseguiram aplicar a argila na estrutura, que começou a

rachar. Isso afetou o trabalho do grupo. Essa falta de cooperação deixou a aluna Amanda

nervosa.

Page 174: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

174

FIGURA 90 – Tentativa de construção da casa do grupo 2.

O aluno Pedro tentou consertar a casa, mas não deu conta de sozinho fazer os

reparos, pois Amanda estava muito decepcionada querendo desistir da atividade.

FIGURA 91 – Tentativa de construção da casa do grupo 2.

Pedimos que a aluna Vanessa, integrante do grupo 4, para participar desse grupo,

uma vez que o dela já havia desistido da atividade. Mesmo com nova formação, o grupo

não deu conta de terminar o trabalho e a aluna Amanda acabou muito decepcionada com

os colegas.

Page 175: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

175

Como foi o encontro: Gostei muito, foi bem divertido, mas para construir senti falta do

apoio do grupo. Porque o peso ficou em cima de mim e pra falar a verdade não

conseguimos terminar a casa. FIGURA 92- Relato do encontro da aluna Amanda.

A prática, além de incluir livros, artigos, bases de conhecimento, web sites, e

outros repositórios partilhados pelos membros de um grupo (comunidade), “também

incorpora um certo modo de comportar-se, uma perspectiva dos problemas e ideias, um

modo de pensar, e em muitos casos uma posição ética. Neste sentido, uma prática é uma

espécie de mini-cultura que liga a comunidade” (FERNANDES, 2004, p. 120).

O sucesso de uma prática depende do equilíbrio entre as atividades partilhadas. É,

de certo modo, essa falta de equilíbrio que a aluna Amanda sugere ter ocorrido em seu

grupo: “Porque o peso ficou em cima de mim e pra falar a verdade não conseguimos

terminar a casa”. E essa falta de equilíbrio é uma das causas, sugeridas pela aluna, do

‘fracasso’ do grupo no cumprimento da atividade.

Já o grupo 3 desenvolveu a primeira parte da atividade, “construção da planta

baixa”, de maneira totalmente individual. Cada aluno do grupo fez sua planta baixa,

separadamente, sem trocarem opiniões entre eles. Eles até escondiam, uns dos outros, o

que estavam fazendo. Quando tinham dúvidas se reportavam a mim, e não ao grupo.

Todas as plantas ficaram com erros, e eles refizeram várias vezes até acertarem. Pedimos

várias vezes para que se agrupassem, para fazerem a tarefa juntos, mas não conseguiram

trabalhar em grupo. Ao contrário do comportamento usual diante de uma tarefa nova ou

difícil – enrolar, não fazer, reclamar, ficar com vergonha por não saber – os alunos, em

situações similares durante o projeto, se empenharam e insistiram. E esse comportamento

de não compartilhar as ideias no grupo é usual nas aulas convencionais, quando,

normalmente, a única referência para o saber é o professor, não se cogitando qualquer

troca entre os colegas. Além disso, esse foi o grupo que mais conversou sobre outros

assuntos, distintos do tema do encontro.

Page 176: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

176

FIGURA 93- construção da planta baixa.

FIGURA 94 - construção da planta baixa.

Na segunda parte da atividade, “construção da estrutura em madeira”, os alunos

do grupo 3 ficaram dispersos no início, observando o trabalho dos outros grupos e, muitas

vezes, atrapalhando-os. Em vários momentos, precisamos pedir-lhes que retornassem às

suas tarefas. Apesar disso, esse grupo teve ideias inovadoras na construção da estrutura.

Foi o único que a fez toda interligada, diferente dos outros que fizeram as paredes

separadas para, só depois, uni-las. Por muitas vezes não acreditamos que soubessem o

que estavam realmente fazendo, parecia que estavam apenas ligando palitinhos, porém,

quando questionados, sabiam exatamente onde queriam chegar e, até dispensavam nossas

sugestões, garantindo que tinham plena certeza de seus projetos. O que, sem dúvida,

demonstra um crescimento enquanto grupo em relação à atividade anterior. Sugere uma

produção coletiva de experiências e competências, o que gera a aprendizagem.

“Aprendizagem depende da nossa capacidade para contribuir para a produção colectiva

do significado porque é por este processo que experiência e competência puxam uma pela

outra” (FERNANDES, 2004. p. 127).

E mais, de acordo com Lave e Wenger (1991 apud FERNANDES, 2004),

contextos adequados para a aprendizagem são lugares, ou práticas, onde os aprendizes

tenham acesso a papeis participantes em execuções de especialistas. E não em atividades

meramente de treino. Isso nos parece bem exemplificado na atividade descrita acima.

Diferente dos outros encontros, nesse, o grupo conseguiu trabalhar em conjunto, trocaram

ideias entre si e todos trabalharam na montagem da estrutura da casa.

Page 177: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

177

Hoje pra mim foi legal. Terminamos uma parte da nossa casa de barro e usamos a técnica de taipa de

mão.

FIGURA 95 – O relato do aluno Carlos ao final do encontro

Um fator importante a ser analisado nessas práticas foi a não participação de

alguns, em certos momentos, das atividades do grupo. Em alguns casos pelo desinteresse

na atividade desenvolvida, em outros pela falta de espaço no grupo (marginalização). De

acordo com Fernandes (2004) a nossa identidade é moldada pela combinação da não-

participação e da participação em práticas sociais. E a relação com as práticas envolvem

tanto uma como outra. Temos a seguir um exemplo de mistura de participação e não

participação na prática, resultando, ao final da atividade, no engajamento de todos do

grupo.

Na terceira parte da atividade, “aplicação da argila na estrutura”, o trabalho do

grupo 3 estava concentrado nos alunos Eduardo e André. Porém, no decorrer das tarefas

os outros foram se interessando pela atividade e colaboraram na construção. Na

finalização da construção, novamente, o trabalho se concentrou em dois integrantes do

grupo, os alunos Carlos e Eduardo. Uma das reclamações do grupo foi, então, a falta de

cooperação entre os colegas.

P- Meninos precisam ajudar. O Carlos sozinho não vai conseguir, a casa vai desmoronar.

Renato- Ele não quer ajuda.

Carlos- Claro que quero. Eduardo- Eu vou ajudar.

Carlos- Vem, vamos ter que colocar no local já. É esse nosso problema. (Trecho da transcrição do dia 18 de junho de 2013, 8º encontro)

Fomos solicitados pelo grupo 3 para acompanharmos os seus trabalhos.

Eduardo- Está parecendo uma arapuca.

P- Por que está desse jeito?

Renato- Quando colocarmos a última parte vai ficar certo. P- Então, tá bom!

(Trecho da transcrição do dia 18 de junho de 2013, 8º encontro)

Após um tempo o grupo 3 estava tentando desentortar sua estrutura.

P- Tem que abrir mais isso aí?

Carlos- Vai ficar bom professora, não preocupa. Eu sei o que estou fazendo.

P- Ótimo. (Trecho da transcrição do dia 18 de junho de 2013, 8º encontro)

Page 178: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

178

O grupo 3 nos chamou para mostrar o que eles estavam construindo e para

opinarmos sobre o trabalho que eles estavam desenvolvendo.

André- É assim professora? P- Olha o formato da casa.

André- É quadrada.

P- E o formato da massa?

André- Bolinha. P- Então, o que vocês devem fazer?

Carlos- Recortar.

P- Mas antes tem que medir na casa o tamanho dela e medir na massa. Carlos- É isso que estou fazendo.

P- Ótimo. (Trecho da transcrição do dia 18 de junho de 2013, 8º encontro)

Após um tempo, o grupo 3 foi aplicar a argila na estrutura de palitos.

P- Ajuda a segurar, senão vai rachar a argila.

Carlos- Assim não dá.

P- Ajudem o Carlos. Renato- Deixa que eu ajudo!

(Trecho da transcrição do dia 18 de junho de 2013, 8º encontro)

Demoraram muito na construção da estrutura de pauzinhos. Após essa construção,

aplicaram a argila nas paredes da casa. Diferente do grupo 1, que aplicava os blocos

retangulares de argila do tamanho da parede. Esse grupo aplicava pedacinhos de argila

por vez, da mesma forma que os africanos faziam em suas casas, seguindo o modelo da

construção em taipa. Só que essa estratégia deu mais trabalho do que a outra, com os

blocos grandes, necessitando de uma habilidade para alisar a parede.

FIGURA 96 – Construindo a casa do grupo 3.

À medida que os alunos iam tentando moldar a parede, ela ia entortando. Houve

falta de entrosamento no grupo nessa parte da atividade, que deveria ter dividido melhor

as tarefas, visto que só dois alunos estavam manipulando a argila na parede e, nesse caso,

Page 179: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

179

necessitariam de pelo menos mais um para segurar a estrutura, não deixando a casa

despencar.

FIGURA 97 – Construindo a casa do grupo 3.

Após nossa interferência, o aluno Renato veio ajudar, segurando a casa para que

o aluno Carlos continuasse moldando a parede.

FIGURA 98 – Construindo a casa do grupo 3.

Esse grupo desenvolveu uma estratégia para a construção da porta. Primeiro, fez

sua estrutura toda de madeira, mas não houve tempo para terminá-la, ficando só o vão de

entrada na casa.

Page 180: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

180

FIGURA 99 – Construindo a casa do grupo 3.

FIGURA 100 – Construindo a casa do grupo 3.

FIGURA 101 – Construindo a casa do grupo 3.

Após muitas brincadeiras e trabalho, os integrantes do grupo 3 conseguiram

finalizar a atividade. Não houve tempo também para que fizessem a cobertura da casa que

seria a quarta parte da atividade.

O que você achou da aula de hoje?

Eu achei legal e o meu grupo conseguiu construir uma casa como se fosse uma casa de sapé. FIGURA 102 – Relato do encontro do aluno André.

Fica evidente que, apesar das brincadeiras, o grupo apresenta uma capacidade de

imaginação que, de acordo com Fernandes (2004. p. 156), é

Page 181: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

181

[..] um modo de pertença que envolve sempre o mundo social para

expandir o alcance da realidade e identidade. Requer a capacidade para

distanciar-se – para afastar-se e olhar para o nosso engajamento através dos olhos de ‘um de fora’. Requer a capacidade para explorar, correr

riscos e criar conexões improváveis.

E o trabalho apresentado pelo grupo sugere o alcance de um certo alinhamento da

prática, pois conseguem investir energia de um modo direto; negociam perspectivas,

encontrando ‘terrenos’ comuns; impõem suas visões pessoais; usam de poder e a

autoridade; convencem, inspiram, se unem; definem visões e inspirações; de certo modo,

dividem procedimentos e criam práticas, o que segundo Wenger (1998, apud

FERNANDES, 2004), são características do processo do trabalho de alinhamento.

No grupo 4, houve discussões e não chegaram a um consenso quanto ao formato

da casa na primeira atividade “construção da planta baixa”. Fizeram plantas baixas de

diferentes casas, sem considerarem a escala e nem as medidas estabelecidas no grupo. A

aluna Nádia permaneceu com sua planta retangular sem escala, a aluna Vanessa tentou,

sem sucesso, fazer uma planta quadrada. Ao final, a aluna Estela fez uma planta quadrada,

sem a ajuda das colegas.

FIGURA 103 - Construção da planta baixa.

Na segunda atividade, “construção da estrutura em madeira”, um aluno do grupo

4 veio ao grupo 1 perguntar como é que elas estavam cortando os pauzinhos para montar

a estrutura.

Angélica- Como vocês estão cortando isso aqui

Paula- Com a tesoura.

Angélica- Como?

Fernanda- É assim, olha! Angélica- É duro.

Fernanda- Eu sei, mas cortamos com ela. (Trecho da transcrição do dia 12 de junho de 2013, 7º encontro)

Page 182: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

182

A aluna Patrícia chamou a atenção da colega por ter ensinado a aluna Angélica a

cortar os pauzinhos.

Patrícia- Você não devia ter falado.

Paula- O que é que tem, não tem nada a ver. (Trecho da transcrição do dia 12 de junho de 2013, 7º encontro)

O grupo 4 estava brincando o tempo todo e não conseguia fazer a estrutura da

casa. Tivemos muitos momentos de intervenção, nos propomos a fazer com eles, mas a

todo instante um integrante saía do grupo para perturbar os outros. Não se engajaram. O

pouco que cumpriram da atividade foi graças aos esforços das alunas Estela e Angélica.

A aluna Vanessa teve pouca participação. As integrantes desse grupo discutiram o tempo

todo e não conseguiram entrar em um consenso sobre as tarefas, pois cada qual queria

realizar sozinha a construção, mas não conseguia. Tiveram muita dificuldade para amarrar

os palitos com o barbante, tentamos ajudar, mas elas queriam que fizéssemos as

amarrações. Várias vezes pedimos que se organizassem no grupo. As alunas Nádia e

Vanessa ficaram dispersas e frequentaram os outros grupos, tivemos, em vários

momentos, que recolocá-las em sua formação original, pois estavam atrapalhando os

outros.

Ao final do encontro, o grupo só havia feito uma parede da estrutura da casa e

estavam revoltadas com o resultado de seus trabalhos. O que demonstra que o grupo não

conseguiu se formar, não havendo engajamento e empenho mútuo na prática. No entanto,

não podemos dizer que não houve aprendizagem, pois a não participação na prática

também pode moldar o sujeito e transformá-lo. Exemplo disso é que, mesmo vendo todos

os outros grupos terminando suas tarefas, elas não desistiram, a seus modos, de continuar

tentando montar as armações. Apenas não conseguiram perceber que o trabalho seria

impossível de ser feito individualmente, necessitava do empenho de todo o grupo.

Episódio 2: Discussões, interações nos encontros

Nesse episódio, analisaremos alguns momentos de diálogos e interações nos

encontros, que, de certo modo, mudam a dinâmica das atividades. Aqui, analisamos

trechos de diálogos ocorridos ao longo de todos os encontros.

No que se refere à aprendizagem da Matemática, Lave argumenta que

aprendizagem e prática da Matemática são atividades sociais (coletivas e individuais),

Page 183: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

183

sociais, culturais e contextuais. “Os aprendizes aprendem a pensar, a argumentar, a actuar

e a interagir de forma cada vez mais sabedora, com as pessoas que fazem algo bem,

fazendo-o com elas enquanto participantes legítimos periféricos” (LAVE, 1990, p. 311

apud FERNANDES, 2004, p. 109).

Passamos a mostrar alguns exemplos dessa forma de participação (em diálogos)

ocorridos nos encontros, os quais evidenciam o engajamento mútuo, a cooperação, a

pessoa em ação em atividades situadas, em contrapartida a posição passiva, que é uma

característica comum em salas de aula de Matemática.

Passamos a mostrar aqui, como exemplo, uma situação ocorrida no 4ª encontro da

pesquisa. Mostrávamos aos alunos mapas com as rotas marítimas entre África e Brasil,

mostrávamos os lugares na África de onde vieram os escravos para o Brasil.

P- Esses são os caminhos que os portugueses fizeram para chegar no Brasil.

Vanessa- Eles vieram de que professora? Carlos- De barco.

P- É. De navio, conhecidos como navios negreiros. (Trecho da transcrição do dia 4 de junho de 2013, 4º encontro)

Analisamos aqui que, a indagação da aluna Vanessa “Eles vieram de que

professora?”, gera um novo direcionamento para a dinâmica da atividade, não prevista.

Percebe-se o aluno, assim, como parte integrante da ação (diálogo).

Novamente, na continuidade da discussão, os alunos questionaram sobre o tempo

de viagem entre Brasil e África, a aluna Nádia questionou se era muito demorada, mas

como não sabíamos com exatidão esses dados, pedimos que fizessem uma pesquisa para

o próximo encontro. Essa nossa ação, decerto ilustrou para os alunos que o professor não

é detentor de todo o conhecimento, e que eles (alunos) podem contribuir para enriquecer

a atividade.

Embora todos tenham se empolgado com a pesquisa, alguns acharam dificuldades

para fazê-la porque não dispunham de internet e o próximo encontro já seria no dia

seguinte. Percebemos nessa situação descrita, que os alunos faziam perguntas que

demonstravam interesse, alguns buscavam informações fora da escola – internet – ao

contrário do que, usualmente, costumava se verificar em sala de aula e através dos relatos

de professores das demais disciplinas. Nesse estudo, os alunos manifestavam um

comportamento diferenciado.

Percebemos também, ao longo dos encontros diversos, momentos nos quais os

alunos expressaram um desejo de se expor, uma necessidade de ‘falar de qualquer jeito’

Page 184: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

184

– o que sugere uma forma de manifestação, de envolvimento com o tema e o trabalho.

Podemos dar como exemplo o relato seguinte.

Nádia- Professora, me deixa eu falar. Nádia- Corta pra mim.

Nádia- Corta pra mim. Corta pra mim, corta pra mim...

Nádia- Professora, corta pra mim... (Trecho da transcrição do dia 4 de junho de 2013, 4º encontro)

Ouvindo a gravação, percebemos que a Nádia estava tentando falar e nós não

demos atenção para ela, dando a voz somente ao Carlos, que estava comentando sobre a

casa da sua bisavó. Depois de um tempo, demos a voz para a aluna Nádia que estava com

dúvidas sobre a construção em barro, sua resistência às chuvas.

Novamente, a pergunta da aluna redireciona o diálogo, de forma a enriquecê-lo,

pois nos leva a falar da fragilidade das casas construídas em barro. A aluna, no entanto,

quer saber mais, e outra vez questiona: “Tem casa de barro até hoje?”. Dessa vez, é o

aluno Carlos que dá sua contribuição: “Tem sim, a casa da minha avó é toda de barro e

tá lá até hoje”, e a partir dessa resposta, começamos a falar da existência de diversas

construções em barro. O diálogo acabou nos conduzindo ao assunto central desta

pesquisa, ‘arquitetura africana’. E mais, incentivava os outros alunos a participar. É o

que ocorre com o Carlos, que a partir das questões da Nádia “Professora, o barro é argila,

não é?”, dá sua contribuição ao diálogo respondendo: “É, ele tem uma liga especial, que

fica grudento”. Ora, isso demonstra que, além de participar, ele apresenta respostas às

questões, ou seja, os sujeitos também aprendem com outros aprendizes mais experientes,

sugerindo uma mudança de participação na ação, ou seja, no próprio diálogo.

A Nádia questionou, em outro encontro, a forma de secagem das casas.

Nádia- Professora, quando eles terminavam de fazer a casa, eles secavam a casa com fogo?

André- Não, ela é secada no sol. Carlos- O sol é que seca a casa.

Nádia- Mas se estivesse chovendo?

P- Eles não construíam casas em tempo de chuva.

Vanessa- Professora, se na hora que estavam construindo a casa começasse a chover? Nádia- É, eles não tinham televisão pra saber. Como é que eles tinham a capacidade de saber

se ia ou não chover?

P- Os antigos tinham formas de olhar para o céu e saber se ia ou não chover. Eles tinham uma forma de olhar para as nuvens e perceber isso. Meu avô era assim, ele olhava para o céu e

sabia exatamente que horas era. Tinha dia que a gente ia chamar ele pra almoçar e ele olhava

para o céu e falava: é, espera um pouco, falta cinco minutos para o meio dia. André- Mas, como ele sabia?

Carlos- Ele sabia a posição do sol no céu.

P- É isso mesmo, de tanto observar, ele sabia.

Fernanda- Professora, a minha avó também fala que vai chover aí, de repente, começa a chover.

Page 185: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

185

Amanda- Minha mãe diz que quando tem neblina baixa, é sol. E quando a neblina tá alta é

chuva.

Nádia- Mas hoje teve neblina e não choveu. P- Eu não sei olhar isso, tem que ser uma pessoa que conhece.

Nádia- Mas a minha avó por parte de mãe também sabe quando vai chover.

P- As pessoas mais antigas observavam mais o tempo do que nós hoje. Hoje nós olhamos a

televisão. André- Eu olho a metrologia todo dia.

Vanessa- Eu também.

P- Nós deixamos de olhar pro tempo por causa da tecnologia. (Trecho da transcrição do dia 12 de junho de 2013, 7º encontro)

A aluna Nádia já havia demonstrado uma preocupação em relação aos dias

chuvosos. Ela não conseguia entender como que uma casa feita de barro poderia resistir

aos dias chuvosos.

Nádia- Professora, quando eles estão fazendo a casa, se chover o que eles fazem? Carlos- A gente nunca constrói em dia de chuva, é só em dia sem chuva.

Vanessa- Mas, se quando começou não tem chuva e se chover depois que já tinha começado.

André- É só olhar a meteorologia pra ver se vai chover ou não. Nádia- Mas, antigamente, não tinha meteorologia.

(Trecho da transcrição do dia 12 de junho de 2013, 7º encontro)

Os alunos começaram a questionar a maneira como os povos antigos faziam a

previsão do tempo.

Carlos- Meu avô olha pro céu e diz se vai chover ou não.

Nádia- E se ele não acertar?

Carlos- Ele nunca errou quando eu estava lá, ele conta que é uma forma de prever a chuva é olhar para as nuvens pra ver se é nuvem de chuva.

André- Que doido, é só olhar pro céu. Então vou ver se tá com chuva hoje.

P- Vocês estão achando engraçado! Mas é assim mesmo que o povo antigo previa as chuvas. Meu avô só ia almoçar quando ele olhava para o céu e via o sol no meio do céu, aí ele dizia

que era meio dia. Dava certo sempre.

P- Outra coisa é que não precisa de transporte para o barro para fazer as construções,

geralmente, cava-se um buraco perto da construção mesmo. Carlos- Já na do cimento tem que pedir para entregar em casa, fazem o carreto.

P- E tem que pagar para entregar.

P- Então vamos construir....

Angélica- É nós, professora!

Trecho da transcrição do dia 12 de junho de 2013, 7º encontro)

A sequência de questões propostas pelos alunos, além demonstrar interesse pelo

tema e de dinamizar a discussão, possibilita a abertura para outros alunos se

manifestarem, se exporem, dando relatos pessoais e compartilhando conhecimentos

adquiridos em vivências dentro e fora da escola, ou seja, socialmente e historicamente

adquiridas. O que torna o ambiente de sala de aula agradável e de real troca de saberes

Page 186: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

186

entre professor/ aluno e aluno/ aluno. Outro momento dos encontros no qual constatamos

essa interação está descrito a seguir.

No 9º encontro, estávamos estudando vários formatos diferentes de casas

africanas, questionamos se sabiam das possíveis justificativas dessas escolhas de

construções das casas. Então, perguntamos: “Por que escolher casas com esse formato?”.

Todos os alunos mostraram, com suas expressões, não saber dos possíveis motivos de

tantas diferenças.

Nádia- Não sei

Angélica- Como assim? Trecho da transcrição do dia 19 de junho de 2013, 9º encontro)

Então, explicamos que as casas não costumavam ter janelas para melhor se

adaptarem às condições climáticas da região. Na África, que é um grande continente há

regiões muito frias e regiões extremamente quentes. Dependendo da região, a janela só

iria aumentar a possibilidade das casas serem invadidas pela areia, pelo vento e até por

animais. Em meio a explicação, o aluno André surge com a pergunta: “Mas, professora,

dá para morar no deserto?”, o que novamente redireciona a conversa, há demonstração

de interesse pelo tema. E mais, percebe-se que os alunos consideram o espaço dos

encontros como um lugar onde podem questionar, tirar dúvidas e fazer indagações.

Realmente, um ambiente de trocas de saberes.

André- Mas, professora, dá para morar no deserto?

P- Tem regiões próximas ao deserto que são habitadas. Só que de dia faz muito calor e a noite

muito frio. Por isso que eles usam o barro, que de dia ele é fresco e absorve o calor. Então de noite a noite fica quentinha. Além disso, se as casas tiverem muitas aberturas, entra muito

calor e não dá pra ficar lá dentro durante o dia.

Renato- Nossa professora. P- É. A madeira e o barro tem essa capacidade térmica maior que o cimento. Eles absorvem

o calor de dia e a noite elas não esfriam demais. Trecho da transcrição do dia 19 de junho de 2013, 9º encontro)

Aqui temos um exemplo dessa liberdade, construída ao longo dos encontros. No

meio da discussão, fomos surpreendidos pelo questionamento da aluna Angélica sobre a

presença negra na África: “Professora, por que na África só tem negros?”. Após essa

discussão, apareceu uma dúvida ainda mais instigante, que se referia sobre a língua falada

na África, apresentada, agora, pela aluna Fernanda: “Professora, os africanos falam que

língua?”.

Uma forma de participação nos diálogos, que detectamos nos relatos, foi a

exposição pessoal dos alunos nos encontros. Passaremos, pois, a relatar uma dessas

Page 187: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

187

exposições. Estávamos relatando e mostrando a foto da casa da minha avó, que também

foi construída com barro. Como tivemos problema de falta de energia elétrica na escola,

não pudemos exibir o slide que montamos com as fotos. Mostramos a própria fotografia

para os alunos. O aluno Carlos, passa a relatar, então, o conserto da casa de sua avó que

é toda feita de madeira e barro “A casa da minha avó também é assim. Quando eu era

pequenininho eu fui lá e estava rachando, meu tio ia consertar e nós ajudamos ele

fazendo o barro. Foi muito legal”.

FIGURA 104 - Casa do avô do Carlos.

Carlos- Professora, voltando na questão da argila lá. Quando eu fui à casa de meu avô, eu

tinha oito anos ainda. Chegou lá meu avô tinha comprado um monte daqueles telhados, aquele

sabe aquele telhado comum. Aí ele cortou a árvore e estava consertando uma das paredes. Nós fomos até o rio e pegamos a argila lá. Aí ele cortou um tanto de madeirinha e aí ele mandou a

gente pregar a argila na madeira. Aí a gente foi tomar café, quando a gente voltou, estava

sequinho.

P- É o barro seca rápido. (Trecho da transcrição do dia 4 de junho de 2013, 4º encontro)

O que demonstra que essas construções, antigas, estão presentes na vida dos

alunos, e que eles têm muitas experiências históricas culturais (historicamente

construídas) que podem contribuir para o enriquecimento de nossas aulas. Quando eles

têm abertura para esse tipo de participação, participam efetivamente e colaboram para a

participação de outros alunos, incentivando, ensinando, demonstrando com suas

experiências. Um ambiente que, com certeza, gera aprendizagem.

Episódio 3: Criatividade

Neste episódio vamos analisar a participação em uma prática impulsionada pelo

uso da criatividade dos alunos.

A imaginação é uma importante componente da nossa experiência com

o mundo e o nosso sentido de lugar nele. Pode fazer uma grande

Page 188: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

188

diferença para a nossa experiência de identidade e o potencial para a

aprendizagem inerente às nossas actividades. Podemos pensar na

história dos dois cortadores de pedra a quem foi perguntado o que faziam. Um respondeu que estava a cortar uma pedra de forma

quadrada, de uma forma perfeita. O outro respondeu que estava a

construir uma catedral. [...] Mas sugere que as suas experiências do que estão a fazer e os seus sentidos de ‘eu’ fazendo o que estão a fazer são

bastante diferentes. Esta diferença é uma questão de imaginação. Como

resultado, podem estar a aprender coisas muito diferentes da mesma

atividade (Wenger, 1998, p. 176 apud FERNANDES, 2004, p. 154).

Esse conceito se refere ao processo de expandir, é a capacidade de nos transcender

e criar novas imagens do mundo e de nós mesmos.

A imaginação, segundo Fernandes (2004), envolve um tipo diferente de trabalho

do eu, que transcende o engajamento. Um tipo de trabalho que refere-se a produção de

imagens do eu e imagens do mundo. A imaginação é um processo para criar a realidade.

Enquanto que é através do engajamento mútuo que os participantes criam uma realidade

partilhada, na qual atuam e constroem uma identidade.

Selecionamos alguns momentos dos encontros que evidenciam a capacidade de

imaginação dos alunos através de suas criatividades.

A aluna Angélica nos chamou para mostrar sua obra de arte.

Angélica- Olha professora, o que eu fiz!

P- Vocês estão brincando com a argila de novo?

Angélica- Não, estamos fazendo os moveis da casa. P- Ah tá, isso pode.

Patrícia- Nossa, está ficando linda.

Renato- Está mesmo. Paulo- Como vocês conseguiram fazer isso, é tão pequenininho?

Angélica- É só fazer com a ponta dos dedos.

Paulo- Posso tentar também?

Angélica- Faz então o abajur. (Trecho da transcrição do dia 24 de junho de 2013, 10º encontro)

FIGURA 105 – Casa de argila da Angélica com móveis.

Page 189: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

189

As alunas Estela, Fernanda e Paula juntaram se a Angélica para ajudá-la na

construção dos móveis de sua casa. Após a construção, pedimos que colocassem para

secar no cantinho da sala, para que não caísse e quebrasse.

FIGURA 106 – Casa de argila da Angélica com móveis.

A criatividade da aluna Angélica, despertou outras alunas para a criação e

inovação. Um exemplo foi a Patrícia, que trouxe, no encontro seguinte, uma casa

mobiliada e pintada. A aluna Patrícia relatou que fez todo o trabalho, sozinha, em casa.

Recebeu os elogios da turma e de sua mãe. Ela pediu para ficar com a casa para ela, para

enfeitar seu quarto. Além disso, mostrou o interesse de construir também a casa dos

encontros anteriores, nos pedindo materiais para a realização da tarefa em casa.

Patrícia- Professora, eu posso fazer a outra casa também?

P- Pode sim, vou te dar no final do encontro argila para você construir a casa retangular

também. Pinta ela bem bonita e traz depois das férias. Patrícia- Tá bom!

(Trecho da transcrição do dia 25 de junho de 2013, 11º encontro)

FIGURA 107 – Casa de argila montada e pintada pela aluna Patrícia.

Page 190: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

190

Outro exemplo de criatividade e uso da imaginação como forma de participação

nos encontros foi observado nas construções dos telhados das casas de base circular.

Havíamos pedido aos alunos que trouxessem material para a construção dos telhados das

casas. Mas a maioria deles não trouxe.

Paula- Já acabamos.

P- Ótimo! É essa a casa? E a porta?

Fernanda- Aqui. P- Nossa! Ficou perfeito. Deixe secar um pouco e vão pensando no telhado.

Raquel- Mas nós não trouxemos nada para o telhado.

P- Então vá lá fora e achem alguma coisa que dê pra cobrir a casa. (Trecho da transcrição do dia 25 de junho de 2013, 11º encontro)

Então pedimos que fossem andar pela escola para tentar encontrar material para

cobrir a casa. Nosso intuito era que observassem ao redor e aproveitassem os materiais

disponíveis no entorno, da mesma forma que acontecia nas construções antigas africanas

e brasileiras.

Fernanda- Professora, não encontramos nada.

P- Nada? Paula- Não professora, é que queríamos pegar uma palmeira ali.

(Trecho da transcrição do dia 25 de junho de 2013, 11º encontro)

Elas estavam querendo cobrir a casa de palmeira, mas não alcançaram a folha da

palmeira que temos no pátio, na parte do fundo da escola. Então, sugerimos que pegassem

grama, que temos no mesmo local. Então, elas coletaram as gramas e começaram a fazer

o telhado.

Fernanda- Professora, me dá um pedaço de barbante? P- O que vocês estão pensando em fazer?

Fernanda- Vamos amarrar com barbante.

P- Tá bom! (Trecho da transcrição do dia 25 de junho de 2013, 11º encontro)

Elas saíram muito animadas com o material. Depois de um tempo, observamos o

que estavam fazendo. Elas furaram as folhas de grama e passaram o barbante pelos furos

para amarrar. Formaram um varal de gramas. Amararam uma ponta do varal na mesa e a

outra ficava na mão da aluna Fernanda enquanto Paula furava as gramas. Como mostra a

imagem.

Page 191: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

191

FIGURA 108 – Estratégia de montagem do telhado.

Depois de um tempo, a aluna Raquel teve a ideia de fazer o telhado de barro,

dispensando a ideia do varal de grama. Então, abriu a argila em formato quadrado, com

dimensões de 18 cm. Essa foi uma ideia inovadora, pois nenhum outro grupo a teve e as

imagens de casas de base circular que mostramos não tinham telhados de barro. O que

demonstra o poder criativo das alunas.

FIGURA 109 – Montagem do telhado com argila.

Outro exemplo inovador de construção de telhado foi a tentativa da aluna Nádia

de construir um telhado utilizando madeira, tipo compensado. Ela quebrou o compensado

em tiras e começou a simular a montagem do telhado. Apesar da se julgar inadequada

para a produção de conhecimento, evidenciado na fala: “Professora, a Nádia não foi feita

pra pensar não, professora”, observa-se uma construção criativa e que apresenta

estratégias para a solução do problema, neste caso, construção do telhado.

Como estavam tendo muita dificuldade de prender a madeira na casa e viram que

a aluna Patrícia já estava terminando sua cobertura utilizando folhas de grama, resolveram

usar o mesmo material da colega. O que manifesta que as alunas encontraram a solução

Page 192: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

192

para o seu problema (construção da cobertura) através de troca de experiências com outros

colegas.

Da mesma forma, as alunas Patrícia e Amanda estavam construindo o telhado da

casa de Patrícia, usando a grama que ambas recolheram no entorno do pátio da escola.

Estavam nesse instante discutindo como iriam pregar a grama na casa para formar o

telhado.

Amanda- Patrícia você pega uns aqui e a outra metade você prende aqui. Patrícia- Ah, tem que abrir aqui.

Amanda- Nossa! Agora como vai fazer pra grudar agora?

Patrícia- Não vai grudar. É só encaixar aqui.

Patrícia- É assim? P- É! Só que tem que prender mais.

Patrícia- Amanda, segura aqui.

Amanda- Ponha um tanto desse lado e um tanto do outro, né! Patrícia- Tá, segura direito.

Patrícia- E agora professora?

P- Ficou bom (Trecho da transcrição do dia 25 de junho de 2013, 11º encontro)

Essas alunas amararam com barbante primeiro as folhas de capim e espalharam-

nas em torno da casa formando um telhado em formato de cone. Como as folhas estavam

se soltando, resolveram usar o durex para apertar o montinho de folhas e para fixar na

casa o telhado. O que novamente demonstra criatividade na resolução de um problema.

Conforme a imagem.

FIGURA 110 – Casa montada.

Mais uma vez observa-se o poder criativo dos alunos na construção do telhado da

casa da aluna Estela. A aluna Angélica foi ajudá-la a construir sua cobertura, utilizando

como material de construção o papelão.

Page 193: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

193

Apesar de não terem terminado sua construção, podemos observar, nesse

trabalho, que as alunas não se importaram em terminar puramente a atividade, poderiam

ter aceitado as ideias já desenvolvidas pelos outros grupos, mas persistiram em sua ideia

mesmo perante as dificuldades ocorridas durante o percurso de montagem. Além disso,

percebemos que nessa dupla houve um entrosamento, uma aceitava a opinião da outra.

Esse fato não ocorreu na atividade da construção da casa de base em formato retangular,

quando ocorreram várias divergências que comprometeram o desenvolvimento daquela

atividade. E nesta atividade, nos momentos que havia discordância, uma deixava a outra

realizar a tarefa primeiro, para comprovar se daria certo. Quando a aluna Angélica

pensava em desistir tinha o incentivo da colega Estela para continuar. Percebemos que as

alunas Angélica e Estela estavam se ajudando mutuamente, com cooperação e

participação. Formaram uma dupla de trabalho. O que demonstra a mudança de

participação em práticas sociais, gerando aprendizado.

Considerações

Ao longo do capítulo analisamos diversas formas de participação nas quais os

alunos se envolveram durante os encontros. Merece menção, contudo, os ‘momentos

perdidos’ ou ‘oportunidades perdidas’. Após o trabalho, ao analisar a experiência, à luz

das nossas leituras, observamos que, em diversas situações, deixamos de aproveitar

oportunidades oferecidas pelos alunos para tratar de temas importantes. Como por

exemplo, o momento no qual a aluna Vanessa comenta sobre a questão do cabelo e surge

o assunto ‘preconceito’ e descriminação étnico/ racial’, durante a atividade de construção

da ‘arvore genealógica’.

Poderíamos ter aprofundados nessa discussão, mas não o fizemos, devido a nossa

ansiedade em dar continuidade à construção em que estávamos envolvidos, ou a nossa

falta de conhecimento para lidar com o assunto, ou a falta de outras pessoas nos

auxiliando para podermos dar atenção ao grupo e propor uma discussão geral.

Outro exemplo está no momento em que foram mencionados os quilombos.

Deixamos de discutir o tema que, embora pareça de conhecimento dos alunos e tenha sido

trabalhado em outros momentos ao longo do currículo escolar, é ainda pouco explorado.

Também faltou explorar mais sobre as línguas faladas nas regiões africanas. Esse tema,

em específico, gerou grande interesse por parte dos alunos, suscitando dúvidas e

Page 194: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

194

discussões interessantes. A exploração desse tema poderia ter expandido mais ainda

nossos conhecimentos culturais, mas o tempo não foi hábil para essa exploração.

Mais uma oportunidade se configurara após a construção da casa de base

retangular. Os alunos notaram que as casas ficaram tortas, e tentaram consertar, sem

sucesso. Na análise, observamos que poderíamos ter trabalhado o conceito de ângulo, de

inclinação. Seria uma excelente oportunidade concreta de aplicação do ângulo reto. Ou

na construção da planta baixa da casa de base circular, quando medimos o comprimento

da circunferência utilizando o barbante. Os alunos questionaram o porquê das diferenças

encontradas nas mediadas, poderíamos ter desenvolvido experimentalmente a formula

para medir o comprimento da circunferência.

Percebemos que, em alguns momentos, nos precipitamos, deixando de esperar que

os alunos desenvolvessem os conceitos por si mesmos, íamos formulando-os e os

direcionando para eles. Essa atitude nos levou a perder algumas reflexões que os alunos

poderiam nos apresentar. Falhas só percebidas quando analisamos nossa prática.

Esses momentos servem de alerta para que outros pesquisadores ou professores

possam ampliar essa pesquisa em outros momentos.

Observamos que, no tocante a herança cultural africana, há muito a ser aprendido

e que é possível ampliar ainda mais o ensino da Matemática a partir desses temas. É

evidente que neste intervalo não conseguimos dar encaminhamento às ideias

desenvolvidas pelos alunos em sua totalidade, as análises não se extinguem, pois, neste

trabalho, podendo, inclusive, se tornarem mais ricas no futuro.

Durante a pesquisa não utilizamos de forma aprofundada a noção de participação

periférica, porém, a noção de participação é central. Buscamos criar condições para que

os participantes do estudo se sentissem membros de um grupo. No ambiente escolar,

sempre existem grupos (classes, por ex.), porém, nem sempre existe o sentimento de

pertença, nem sempre existe um engajamento mútuo (muitas vezes, temos a mera

obediência mecânica às orientações dadas por uma ‘autoridade’) em um empreendimento

comum (aprender é algo que se faz ‘pelo outro’, não algo ‘meu’). Nesse sentido, a

participação no projeto foi voluntária e a dinâmica dos encontros procurava criar

oportunidades de expressão, bem como espaço para a criatividade e o desenvolvimento

da autonomia.

Segundo Fernandes (2004), as componentes necessárias para caracterizar a

participação social como um processo de aprendizagem e de conhecimento na teoria da

aprendizagem social são:

Page 195: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

195

- significado: um modo de falar sobre a nossa capacidade, em mudança, individual ou

coletivamente para ter experiência na nossa vida e no mundo com significado,

- prática: perspectivas que podem sustentar o engajamento mútuo na ação, um modo de

falar sobre os recursos históricos e sociais partilhados,

- comunidade: a nossa participação é reconhecida como uma competência, um modo de

falar sobre as configurações sociais nas quais os nossos empreendimentos são definidos

como buscas válidas,

- identidade: cria histórias pessoais de pertença no contexto das nossas comunidades, um

modo de falar sobre como a aprendizagem muda quem somos.

Durante o trabalho com os alunos percebemos que indícios de significado na

medida em que os alunos conseguiam expressar não só seu espanto pelo tema como

também dar contribuições na formulação de conceitos.

Nas discussões foi possível perceber um engajamento mutuo pesquisadora e

alunos, para a construção do projeto arquitetônico em que cada um desenvolvia não só o

seu papel como também partilhava e auxiliava os colegas.

Em diversos momentos os alunos se envolviam tanto com a pesquisa que se

esqueciam de que estavam em uma aula, e especial aula de matemática. Acabamos por

formar uma comunidade em que nenhum de nós pode dizer que somos os mesmos após

os encontros. Houve um partilhar de conhecimentos, pesquisadora/alunos, alunos/alunos.

Portanto, a participação é um processo complexo e ativo que envolve fazer, falar,

sentir e pertencer. Envolve os nossos corpos, mentes, emoções e relações sociais, ou seja,

a pessoa em sua totalidade.

Page 196: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

196

Considerações finais

Este trabalho nasceu com o propósito de responder à seguinte questão: Como

explorar noções matemáticas nos modos de construções próprias da cultura africana?

Que contribuições essa exploração pode trazer para a aprendizagem matemática de

alunos do 6º ano do Ensino Fundamental?

Nesse intuito, começamos por desenvolver a atividade ‘Árvore genealógica’, para

aproximar os alunos da temática da pesquisa e, ao mesmo tempo, como uma forma de

fazê-los se perceberem enquanto negros brasileiros, uma vez que todos os alunos da

pesquisa são afrodescendentes. Buscando, assim, facilitar a identificação da descendência

de cada um, constatamos a nossa mestiçagem. Desenvolvemos uma sequência de

atividades relacionadas à cultura africana e a arquitetura africana em terra, principalmente

os modos de construções dos negros africanizados em Minas Gerais, que perpassaram as

gerações e são encontradas até hoje em algumas comunidades, materializando, assim,

uma herança cultural africana.

A partir dessas construções, tivemos a oportunidade de explorar diversos assuntos

relacionados à Matemática, como: os sólidos geométricos e suas planificações, as plantas

baixas de casas, o uso de instrumentos e medidas e o cálculo de escalas. Essa exploração

ocorreu à medida que as ideias matemáticas surgiam na prática, ou eram necessárias para

dar continuidade a prática desenvolvida. Por exemplo, quando os alunos foram construir

as paredes da casa de base circular, eles precisaram reconhecer que a planificação de um

cilindro é um retângulo, que as dimensões desse retângulo seriam a altura da casa e a

base, seria o comprimento da circunferência. E mais, que eles precisavam desenvolver

estratégias para realizar essas medidas sem usar uma fórmula. Esse tipo de exploração da

Matemática que possibilita ao aluno a participação ativa na prática, promove o

desenvolvimento de seu lado criativo e o leva a encarar essa ciência como um recurso

necessário à vida.

Tendo como metas desta pesquisa, construir, desenvolver e analisar tarefas nas

quais a arquitetura vernacular africana fosse o objeto de estudo, a partir do qual se

construiria, desenvolveria e aprofundaria conceitos matemáticos, consideramos que, em

certa medida, cumprimos com os nossos objetivos. Apesar de percebermos, na análise,

momentos em que poderíamos ter nos aprofundado ou feito uma exploração mais

Page 197: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

197

significativa, no geral, conseguimos, no decorrer das atividades, desenvolver e aprofundar

conceitos matemáticos.

Foi possível, ainda, ampliar o conhecimento dos alunos acerca de nossas origens

e da composição do povo brasileiro, com destaque para as raízes africanas, sobretudo,

através das atividades iniciais ‘Arvore genealógica’, ‘Conhecendo o continente africano’

e nas atividades de apresentação dos tipos de casas, tanto as de base retangular brasileiras

quanto das típicas construções africanas. Percebemos essa ampliação de conhecimento

pelas indagações, pela participação e pelos registros dos alunos ao longo do trabalho.

Ademais, puderam construir conhecimento matemático a partir da observação, análise e

interpretação desses conhecimentos e vivências culturais ao longo dos encontros. A

conclusão dessa experiência também nos permitiu a confecção de um livreto, o qual

apresenta, em versão aprimorada, a proposta de ensino aqui desenvolvida, com

observações e com sugestões em pontos que consideramos que poderiam ser mais

explorados. Esse material didático será disponibilizado para docentes, futuros docentes e

formadores.

Ao desenvolver práticas em sala de aula, verificamos não só uma mudança na

identidade do aluno, como também na identidade do professor, no nosso caso, professora

e pesquisados. Em nosso referencial teórico defendemos que a aprendizagem é

conquistada ou adquirida em práticas sociais. Por conseguinte, também estávamos

envolvidos em uma prática social ao elaborarmos, aplicarmos e finalizarmos esta

pesquisa. Produzimos conhecimentos, as atividades planejadas eram significantes para

nós, portanto, aprendemos, tanto em sua elaboração quanto em sua aplicação e análise.

Se aprendemos, mudamos ou aprimoramos, de algum modo, transformamos nossa

identidade. Ou seja, nossa dinâmica enquanto professora em sala de aula mudou,

procuramos hoje, muito mais, atividades que envolvam a investigação, a resolução de

problemas, a modelagem. Atividades capazes de tirar o professor do centro do

conhecimento e dar mais protagonismo aos alunos, o que consideramos ser um grande

ganho, para os nossos alunos e para nós enquanto educadores, pois nosso trabalho, se

tornou mais agradável e produtivo

Dessa forma, não conseguimos mais, e nem podemos, olhar a sala de aula de

Matemática como um local de mera repetição, sem espaço para reflexões, onde o aluno

fica recebendo informações e esperando o modelo que deve reproduzir. Desejamos uma

sala de aula dinâmica, envolvente, com projetos que considerem as vivências dos alunos.

Page 198: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

198

Contudo, sabemos que ainda estamos distantes de colocar em prática todas essas ideias,

visto que esbarram em prazos, currículos, além de concepções errôneas de ‘harmonia’ e

‘limpeza’ do ambiente, ainda arraigadas em algumas instituições, que acabam

considerando certas práticas pedagógicas inadequadas ao espaço escolar.

Diante das reflexões que os alunos realizaram, certamente possíveis, em grande

parte, pelo modo como se sentiram à vontade nos encontros, o que pode ser demonstrado

através de vários momentos de relato aqui citados, deflagra-se o quanto se perde dessa

perspectiva nas aulas regulares, o que é, sem dúvida, um prejuízo para o ensino de

Matemática. Assim, nossa concepção de ensino de Matemática muda em razão da

transformação proporcionada pela experiência da pesquisa. Minhas aulas regulares se

tornaram mais dinâmicas, privilegiando espaço para reflexões e participações, bem como

maior movimentação dentro da sala. O que antes considerávamos desnecessário, como

quando os alunos estavam em grupos, e geralmente, nos desdobrávamos para atendê-los

em suas dúvidas todo o tempo, agora buscamos reforçar a conversa e troca de experiência

entre eles, antes de interferir em seus dilemas, pois atentamos para a importância de sua

vivência enquanto grupo. A relação entre os alunos também se modificou, eles se

tornaram mais participativos em sala, desinibiram, questionam mais, buscam informações

externas e as trazem para a sala de aula, sem, necessariamente, pedirmos. Um exemplo

está numa atividade em que calculávamos o consumo médio de alimentos (básico) de uma

família em um mês, atribuindo um valor aproximado para o cálculo, quando um dos

alunos discordou desse valor, justificando que em sua casa se consome mais, o que gerou,

naturalmente, discussão na turma. Então, outro aluno propôs à turma que calculassem o

quanto cada família gastava para que comparassem na próxima aula. Uma atitude que

ainda não havia ocorrido antes dos encontros da pesquisa. Sem citar as inúmeras outras

pesquisas sobre os mais diversos assuntos na internet, que se tornou hábito entre alguns.

Consideramos que um maior envolvimento, interesse e participação promova mais prazer

em aprender, que é um fruto da visão da Matemática como uma prática relevante para a

vida.

Portanto, entendemos que esta pesquisa apresenta uma sugestão de trabalho que

nos permite refletir sobre uma proposta de currículo que rompa com o modelo vigente de

disciplinas desvinculadas, com conteúdo fragmentados e isolados das questões sócio

culturais dos alunos e da nossa sociedade. Leva-nos, pois, a observar que a Matemática

escolar pode ser um meio, uma linguagem, uma lente pela qual, os fenômenos sociais

Page 199: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

199

serão explorados e compreendidos. A Matemática escolar pode, portanto, ir além,

aproveitando melhor o que os próprios alunos apresentam ao longo do processo. Em nossa

experiência verificou-se muito bem como os alunos conseguiram expandir as fronteiras

do nosso trabalho, suscitando reflexões bem mais amplas que, infelizmente, não puderam

ser exploradas devido ao recorte da pesquisa e a questões relativas ao cronograma do

Mestrado que precisava ser vencido.

Quando concebemos esta pesquisa, tínhamos como ideais o desejo de mudar o

quadro de racismos e preconceitos e, principalmente, criar estratégias para a

implementação da lei 10639/03. No entanto, ao aprofundar as leituras e, dessa forma,

conhecer mais sobre a nossa constituição social e cultural, percebendo em que medida se

dá a contribuição africana para a formação cultural brasileira, isto é, muito além da

culinária e da música como o senso comum costuma difundir, foi possível entender que

este estudo não implicava apenas na prática em sala de aula, mas, sobretudo, na prática

enquanto agente desta sociedade. Houve, então, a possibilidade de me reconhecer

enquanto negra, saber enxergar os preconceitos por mim sofridos e aqueles que continuo

sofrendo devido a minha origem. Tudo isso fortaleceu minha identidade negra e me deu

potencial para levantar discussões que antes considerava desnecessárias ou sequer

percebia. Um exemplo disso se refere à proibição do uso de bonés na escola. Não se

discute que questões estão permeando a insistência do uso desse acessório entre os

adolescentes. Ora, não se valoriza o cabelo do aluno, apenas existe a proibição. Logo,

nosso olhar para as questões culturais e étnico/raciais brasileiras não podem continuar

sendo simplistas em relação a temas que envolvem preconceito ou racismo. Os nossos

alunos, ainda hoje, enfrentam graves problemas que, de certo modo, estão diretamente

vinculados a questão étnico/ racial. Fecharmos os nossos olhos para isso é jogar por terra

o trabalho e esforço de grupos que vêm lutando pelas conquistas do espaço do negro em

nossa sociedade. À identidade negra, durante muitos séculos, foi atribuído valores

negativos, o que permitiu que fosse diminuída. Cabe, hoje, à escola, em virtude de sua

responsabilidade social e educativa, o encargo de reconstruir essa identidade,

compreender a sua complexidade, respeitá-la e lidar de forma positiva com ela. Sabemos

que esse trabalho não é milagroso e nem pode ocorrer individualmente. No entanto, nosso

papel enquanto professor é de pôr em prática novas concepções. Por isso, vemos nesta

proposta de ensino, uma possibilidade de se trabalhar esse tema na sala de aula. O que

não deve ser vinculado apenas ao conteúdo de Matemática e nem a um espaço de tempo

Page 200: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

200

restrito, pode e, aliás, deve ser um projeto de todo o corpo escolar, funcionado em todos

os níveis de ensino.

Ficou claro que a formação docente ainda se ressente de perspectivas que

trabalhem a Matemática sobre o enfoque desta pesquisa. Muito se fala sobre

interdisciplinaridade, mas pouco se tem feito para aplicá-la, de maneira coerente, nas

escolas, percebemos que são muitos os entraves. Nesse sentido, esta pesquisa sugere uma

ampliação dos horizontes na formação dos professores, buscando realmente apresentar

subsídios para que se possa trabalhar a história da África e a cultura africana em todos os

âmbitos do currículo escolar, e não somente em momentos estanques ou fracionados nas

disciplinas de História ou Arte. As questões sobre África vão além e, lamentavelmente,

são tão pouco exploradas. Nossa contribuição é mostrar que existem muitas maneiras de

se apresentar esses temas no currículo comum de Matemática.

Contudo, observamos que, para ampliar ou mesmo efetivar a aplicação da Lei

10.639/03, é preciso que haja uma maior participação dos gestores na realização de

discussões sobre o assunto e também maior acesso dos professores às novas pesquisas

implementadas pelas universidades sobre o assunto. Os cursos de formação continuada

precisam ter seu acesso ampliado a um grupo mais significativo de professores. O livreto

como produto final de nossa pesquisa busca contribuir no sentido de facilitar o acesso dos

professores as novas pesquisas realizadas nas academias.

Verificamos que, ao longo da pesquisa, muitas das dúvidas suscitadas pelos alunos

se configuram em novos campos de pesquisas. Muitos temas poderiam ter sido mais

explorados, no entanto, o recorte inerente à pesquisa, assim como o cronograma do

Mestrado, não nos permitiram o devido aprofundamento. Todavia, não há o que se

lamentar se considerarmos que este trabalho, embora tenha apresentado apenas uma

possibilidade, possa vislumbrar a ampliação de inúmeras discussões a outros

pesquisadores.

Page 201: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

201

Referências

ABREU, G. A teoria das representações sociais e a cognição matemática. Quadrante,

Cidade, v. 4, n. 1, p. 25-41, mês.1995.

ANJOS, R. S. A. A África Brasileira População e territorialidade. Acervo, Rio de Janeiro,

v. 22, n. 2, p. 147-164, jul/dez. 2009.

______. Cartografia da Diáspora África-Brasil. Revista da ANPEGE, Cidade, v. 7, n. 1,

p. 261-274, out. 2011. (nº especial).

AZEVEDO, C. E. F; OLIVEIRA, L. G. L; GONZALEZ, R. K; ABDALLA, M. M. A

estratégia de triangulação: objetivos, possibilidades, limitações e proximidades com

o pragmatismo. In: ENCONTRO DE ENSINO E PESQUISA DE ADMINISTRAÇÃO

E CONTABILIDADE, IV, 2013, Brasília.

BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal [tradução feita a partir do francês por

PEREIRA, M. E. G.G.] 2’ ed. Coleção Ensino Superior. São Paulo. 1997.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Brasília: Câmara dos

Deputados, Coordenação de Publicações, 2000. (Série Texto Básicos, n.2).

______. DOU, Lei 10639, de 9 de janeiro de 2003. Brasília: 10 jan. 2003.

______. MEC-SEF. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros

curriculares nacionais. Brasília: 1997b.

______. MEC-SEF. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros

curriculares nacionais. Brasília: 1998.

______. SINPRO-MG. Lei de Diretrizes e Bases, 1997. (Encarte Especial: Extra Classe

83).

BORGES, L. V. S; COLOMBO, C. R. Construções com terra: Alternativa voltada à

sustentabilidade. 2009. Disponível em:

<http://info.uscsal.br/banmon/mostra_dados_doc.php?Seq=212> Acesso em: 28

nov.2013.

DEODATO, A. A. Matemática no projeto escola integrada: distanciamentos e

aproximações entre as práticas das oficinas e as práticas da sala de aula. 2012. (Mestrado

em Educação) – Faculdade de educação da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo

Horizonte, 2012.

FARIA, J. P. R. Influência africana na arquitetura de terra de Minas Gerais. 2011.

(Mestrado em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável) – Programa de Pós-

Graduação em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável da Escola de Arquitetura

e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011.

FERNANDES, E. M. S. Aprender matemática para viver e trabalhar no nosso

mundo. 2004. (Doutorado em Educação) – Universidade de Lisboa, Lisboa, 2004.

Page 202: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

202

FERREIRA, C. M. S. Formação de professores à luz da história e cultura afro-

brasileira e africana: nova tendência, novos desafios para uma prática reflexiva. 2009.

Dissertação de Mestrado – Universidade de São Paulo, 2009.

FILHO, J. C. S; GAMBOA, S. S. (Org.). Pesquisa educacional: quantidade-qualidade.

7. ed. São Paulo: Cortez, 2009. (Coleção Questões da nossa época, v. 42).

GEERTZ, C. A interpretação das culturas. 1 ed. (13ª reimpr.). Rio de Janeiro: LTC,

2008.

GERDES, P. Da etnomatemática a arte-design e matrizes cíclicas. Belo Horizonte:

Autêntica Editora, 2010.

______. Sobre o despertar do pensamento geométrico. Curitiba: Editora da UFPR,

1992.

______. Sona gráficos na areia angolana. Scientific Americn, Brasil, n. 11, p. 68- 71,

2005. (Edição Especial Etnomatemática).

GODOY, E. V. Currículo, cultura e Educação Matemática: uma aproximação

possível? 2011. (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade de

São Paulo, São Paulo, 2011.

GOMES, L. M. S. Irmandades negras – educação, música e resistência nas Minas Gerais

do século XVIII. 2010. (Mestrado em História) – UNISAL, Cidade, 2010.

GOMES, N. L. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no

Brasil: uma breve discussão. In: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. 2. ed. Educação anti-

racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Brasília, 2005, p. 39- 62.

(Secretaria de Educação Continuada, alfabetização e Diversidade).

______. Corpo e cabelo como símbolos da identidade negra. In: SEMINÁRIO

INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO INTERCULTURAL, GÊNERO E

MOVIMENTOS SOCIAIS, II, 2003, Florianópolis, Anais UFSC... Disponível em:

< http://www.rizoma.ufsc.br/pdfs/641-of1-st1.pdf> Acesso em: 15 mai. 2013.

HALL, S. A centralidade da Cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo.

Educação e realidade, Porto Alegre, v. 22, n. 2, p. 1-23, 1997

JESUS, R. E. Ações afirmativas, educação e relações raciais: conservação, atualização

ou reinvenção do Brasil? 2011. (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação da

Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011.

KILPATRICK, Jeremy. História de la investigación em educación matemática. In:

KILPATRICK, Jeremy. et al. Educación matemática e investigación . Madrid: Sintesis,

1992. p. 15–92.

MARQUES, C. S. P; ASUMA, M. H; SOARES, P. F. A importância da arquitetura

vernacular. Akrópolis, Umuarama, v. 17, n. 1, p. 45–54, jan/ mar. 2009.

MATOS, J. F. Aprendizagem e prática social: contributos para a construção de

ferramentas de análise da aprendizagem Matemática Escolar. ATAS DA II ESCOLA DE

Page 203: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

203

VERÃO, 1999, Santarém. (Sessão de Educação Matemática da Sociedade Portuguesa de

Ciências da Educação).

MORAES, G. K. História da cultura afro-brasileira e africana nas escolas de

educação básica: igualdade ou reparação? 2009. (Mestrado em Educação) –

Universidade de Sorocaba, Sorocaba, 2009.

MUNANGA, K. Algumas considerações sobre “raça”, ação afirmativa e identidade negra

no Brasil: fundamentos antropológicos. Revista USP, São Paulo, n. 68, p. 46- 57, dez/

fev, 2005.

______. Diversidade, etnicidade, identidade e cidadania. Ação Educativa, ANPED.

SEMINÁRIO DE FORMAÇÃO TEÓRICO METODOLÓGICA, 1º, 2003, São Paulo.

(Palestra proferida).

______. Identidade, cidadania e democracia: algumas reflexões sobre os discursos anti-

racistas no Brasil. In: Resgate- Revista Interdisciplinar de Cultura, Campinas/ Centro

de Memória/ UNICAMP, n. 6, p. 17-24, 1996.

______. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade

negra. Petrópolis: Vozes. 1999.

PAIXÂO, M. Desigualdade nas questões racial e social. Saberes e Fazeres- Modo de

ver, Rio de Janeiro, v. 1, p. 21-35, 2006.

PEREIRA R. P. “O jogo africano Mancala e o ensino de Matemática em face da lei

10.639/03”. 2011. (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Ceará, 2011.

PISANI, M. A. J. Taipas: a arquitetura de terra. Sinergia, São Paulo, v. 5, n. 1, p. 09-15,

jan/jun. 2004.

REGO, T. C. Vygostsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 22. ed.

Petrópolis:Vozes, 2011.

RESOLUÇÃO/ CD/ FNDE Nº 14 DE 28 DE ABRIL DE 2008. Disponível em

<http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/UNIAFRO/resolucao14_2008.pdf> Acesso

em: 18 abr.2014.

ROCHA, R. M. C. Almanaque pedagógico afrobrasileiro: uma proposta de intervenção

pedagógica na superação do racismo no cotidiano escolar. Belo Horizonte: Mazza/

Nzinga, 2004.

____________________. Educação das relações étnico-raciais: pensando referências

para a organização da prática pedagógica. Belo Horizonte: Mazza edições, 2007.

SANTOS, E. C. Os tecidos de Gana como atividade escolar: uma intervenção

etnomatemática para a sala de aula. 2008. (Mestrado em Educação Matemática) –

Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, 2008.

SANTOS, M. C. B. Mate,Má,Tica! Um caso de resistência e violência na territorialidade.

2010. (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual da Bahia, 2010.

Page 204: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

204

SANTOS, M. P. Encontros e esperas com os Ardinas de Cabo Verde: aprendizagem e

participação numa prática social. 2004. (Doutorado em Educação) – Universidade de

Lisboa, Portugal, 2004.

____________. Um olhar sobre o conceito de ‘Comunidades de prática’. 2002.

Disponível em:

<http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/jfmatos/mestrados/santos_Cdp_2002.pdf> Acesso

em: 22 mai 2013.

SANTOS, S. A. A Lei no 10.639/03 como fruto da luta anti-racista do Movimento Negro.

In: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. 2. ed. Educação anti-racista: caminhos abertos

pela Lei Federal nº 10.639/03. Brasília, 2005, p. 21-38. (Secretaria de Educação

Continuada, alfabetização e Diversidade).

SILVA, A. C. A desconstrução da descriminação no livro didático. In: MUNANGA, K.

(Org.). Superando o Racismo na escola. 2. ed. Brasília: Ministério da Educação,

Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.

SILVA, D. J. Afrodescendência e educação: a concepção identitária do alunado.

2000. (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2000.

SILVA, E. J. Um caminho para a África são as sementes: histórias sobre o corpo e os

jogos africanos Mancala na aprendizagem da educação das relações étnico-raciais. 2010.

(Mestrado em Educação) – Universidade Estadual da Bahia, 2010.

SILVA, L. M. S. A cerâmica utilitária do povoado histórico Muquém: a

etnomatemática dos remanescentes do Quilombo dos Palmares. 2005. (Mestrado em

Educação) Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, 2005.

SMOLKA, A. L. B. (im)próprio e o (im)pertinente na apropriação das práticas sociais.

In: Cadernos CEDES, 50, Relações de Ensino: análise na perspectiva histórico-cultural,

1ª edição, 2000.

TOMAZ. V. S; DAVID. M. M. M. S. Interdisciplinaridade e aprendizagem da

Matemática em sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008. (Coleção

Tendência em Educação Matemática).

TOMAZ, V. S. Práticas de transferência de aprendizagem situada em uma atividade

interdisciplinar. 2007. (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação da

Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007.

VILELA, D. S. Notas sobre a matemática escolar no referencial sócio-histórico-cultural.

Horizontes, v. 24, n. 1, p.43-50, jan/ jun. 2006.

Page 205: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

205

APÊNDICE I

Atividades

Atividade 1 - Árvore genealógica

Somos todos herdeiros de uma cultura múltipla que mescla índios, europeus,

africanos e asiáticos, e é interessante refletir sobre o valor de cada cultura na composição

da nossa própria.

FIGURA 1- Minha árvore genealógica.

Objetivo

Percebesse como fruto da miscigenação racial e, em particular, que a grande

maioria é afrodescendente. Esse seria nosso ponto de partida para conhecer melhor a

cultura africana.

Material

Informações dos familiares dos alunos;

Fotos membros das gerações anteriores dos alunos;

Nomes dos membros das gerações anteriores dos alunos.

Desenvolvimento

Começaremos apresentando nossa própria árvore com fotos e nomes de membros

da família, comentando sua procedência e, então, estimularemos os alunos a construírem

suas próprias árvores. Ao longo do trabalho, comentaremos sobre o valor e a riqueza

cultural originada dessa miscigenação para nosso país.

meus avôs

meus pais

EuFabiana -

Parda

Zelita -branca

Joana-índia

João-branco

Erivaldo-negro

Diomar-negra

João -negro

Page 206: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

206

Atividade 2 - Um passeio ao Continente africano

A volta ao passado para compreender o presente é um caminho importante a ser

trilhado para entender a nossa própria história.

Objetivo

Reconhecer o continente africano e suas diversas culturas. Reconhecer que a

cultura brasileira é fruto da mistura dessas culturas com a de outros povos que para cá

vieram e de povos aqui já existentes.

Materiais

Mapa geopolítico da África grande;

Mapa do Mundo grande;

Mapa do Brasil;

Lápis de cores, caneta, lápis de cera e papel.

Desenvolvimento:

Espalhar o material (mapas do mundo, mapa do continente africano, mapa do

Brasil) na sala, convidar os alunos para manusear o material e discutirem suas

impressões;

Convidá-los a fazer um passeio ao continente africano;

Deixar que andassem pelo mapa, brincando entre os países, buscando identificar,

pelo formato, a localização de cada país;

Falar da localização, da história, da relação do continente africano com o Brasil;

Distribuir lápis colorido para, após localizarem os países, colorir aqueles que

falam a língua portuguesa, que, assim como o Brasil, foram colonizados por

Portugal;

Contarem quantos países da África tem como língua oficial o português e qual a

porcentagem desses países em relação ao total de nações que língua portuguesa

no mundo. Contarem o total de pessoas no mundo que falam a língua portuguesa.

Socialização da experiência;

Conhecimentos matemáticos a serem desenvolvidos

Page 207: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

207

Desenvolver a habilidade de operar com números nas classes dos milhares e

milhões, comparar quantidades, representar de diferentes formas um mesmo

número (exemplo 1,1 milhão = 1.100.000);

Introduzir a ideia de porcentagem dentro do contexto social e científico, como

instrumento de compreensão de processos matemáticos. Desenvolver a habilidade

de calcular a porcentagem através da ideia de fração;

Desenvolver a habilidade de analisar tabelas e gráficos, extraindo deles as

informações necessárias para a solução de um problema. Relacionar informações

apresentadas em tabelas com gráficos.

Algumas imagens para a atividade.

FIGURA 1

FIGURA 3

Page 208: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

208

Atividade 3 – Conhecendo e construindo casa em barro

Objetivos

Aproximar os alunos da cultura dos nossos antepassados e entender seus modos de vida,

seus costumes e como moravam. Explorar figuras geométricas planas (tanto no sentido

de construir por meio de instrumentos, quanto no sentido de trabalhar com características,

nomenclatura e propriedades de figuras geométricas), estipular escalas, utilizar

instrumentos para calcular medidas de comprimento e desenvolver noções espaciais e

planas na reprodução de uma casa de barro retangular.

Primeiro: conhecendo as casas

Apresentar aos alunos uma sequência de imagens de casas antigas brasileiras, feitas de

barro.

A seguir, perguntar, escrever a pergunta no quadro e pedir que respondam no caderno:

Qual o formato das casas?

Por que escolher construir uma casa com esse formato?

Que tipo de materiais eles utilizavam (e utilizam)?

Por que são diferentes das nossas casas?

Neste momento, deixar os alunos se expressarem, reforçando as ideias elaboradas. As

intervenções serão apenas para enriquecer a discussão:

Que tipo de materiais eles deveriam ter à sua disposição?

Será que os mesmos que nós hoje?

Observem o tamanho das casas, há diferença das nossas casas hoje?

Conseguem estipular a altura dessas casas?

É uma casa com muitos cômodos?

Procurar levá-los a pensar, mais profundamente, que as condições do ambiente

influenciam as escolhas.

Segundo: fazendo um a planta baixa

Dividir os alunos em grupos com 4 alunos. Iniciar pedindo aos alunos que estabeleçam

medidas adequadas das dimensões de uma casa retangular, de acordo com as imagens

mostradas na projeção. Logo após, pedir aos alunos para fazer a planta baixa de uma casa

retangular de barro típica brasileira. Para isso eles deverão: estimar medidas adequadas,

estabelecer uma escala, desenhar retângulos e quadrados.

Page 209: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

209

Atividade 4 – Técnicas construtivas, aplicando na construção

Objetivos

Aproximar os alunos da cultura dos nossos antepassados e entender seus modos de vida,

seus costumes e como moravam. Nessa atividade, pretendemos explorar a técnica

construtiva taipa (tanto como construção, como características e riscos e benefícios dessa

técnica construtiva). Explorar a noção espacial na transformação da planta baixa para a

figura espacial, a noção de paralelismo e retas perpendiculares, escalas, utilizar

instrumentos para calcular medidas de comprimento na reprodução de uma casa de barro

retangular.

Primeiro: apresentar a técnica construtiva taipa

Iniciar o encontro com a apresentação de Power Point, através da qual serão exibidas

algumas imagens de casas brasileiras que utilizaram o barro como principal material de

construção. Focar as casas que utilizaram a técnica construtiva Taipa de mão. Mostrar

como é a construção usando essa técnica.

Segundo: construindo uma maquete

Após a apresentação e a construção da planta baixa, que deverá ser desenvolvida no

encontro anterior, convidar os alunos para que cada grupo construa uma maquete da casa

desenhada na planta baixa. Para essa construção, orientar que utilizem argila (barro) e

desenvolvam a técnica de construção do adobe ou do pau a pique. Para isso

disponibilizaremos a argila e palitos de churrasco.

Após a construção da estrutura das casas, de palitos de churrasco, vamos aplicar

o barro nessas estruturas.

Depois da estrutura das casas concluída, vamos convidar os alunos para a

construção dos telhados com os materiais que eles trouxerem.

Ao final do encontro, solicitaremos que cada grupo traga, para o próximo encontro,

materiais que considerem adequados para a construção dos telhados das casas

Page 210: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

210

Atividade 5 – Conhecendo as construções das casas tradicionais de alguns grupos

africanos

Objetivos

Aproximar os alunos da cultura dos povos africanos e entender seus modos de vida.

Explorar figuras geométricas (tanto no sentido de construir por meio de instrumentos

quanto no sentido de trabalhar com características, nomenclatura e propriedades de

figuras geométricas), fazermos estimativas de escalas, fazer medidas de comprimentos,

de raios e diâmetros na reprodução de uma aldeia africana.

Primeira atividade: Conhecendo as construções das casas tradicionais de alguns grupos

africanos

Desenvolvimento

Distribuir cópias das imagens 1a e 2a (as duas folhas juntas em uma cópia colorida

grande, com a reprodução de ambas as páginas em uma folha de A3). Dar um tempo para

cada aluno ler e ver as imagens. Depois, pedir que cada aluno lesse um pequeno trecho

(incentivar cada aluno a ler pelo menos um pequeno trecho do texto) e então comentar

com eles o que entenderam.

A seguir, perguntar:

Qual o formato das casas?

Por que escolher construir uma casa com esse formato?

Que tipo de materiais eles utilizavam (e utilizam)?

Por que são diferentes das nossas casas?

Neste momento, deixar os alunos se expressarem, reforçando as ideias elaboradas. As

intervenções serão apenas para enriquecer a discussão:

Que tipo de materiais eles deveriam ter à sua disposição?

Será que os mesmos que nós?

Procurar levá-los a pensar, mais profundamente, que as condições do ambiente

influenciam nas escolhas.

Dando continuidade ao encontro, trabalhar com a disposição espacial, formas geométricas

presentes nas imagens. Utilizar os seguintes questionamentos:

Por que você disse que é um quadrado?

Não seria um retângulo?

Page 211: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

211

Qual a diferença? Círculo, circunferência etc.

Qual o instrumento de medida utilizado?

Como conseguiam fazer as casas circulares, que instrumento utilizava?

Simular a construção real de uma casa:

Com o barbante, medir e marcar no chão uma circunferência de 2 metros de

diâmetro.

Pedir que verifiquem se esse espaço é suficiente para que eles possam dormir. Se

não for qual é o tamanho necessário?

Com que se altura deverá construir essa casa, imaginária?

Com essa medida, como poderemos encontrar uma boa escala para fazer a

maquete?

Os alunos serão convidados a escrever um texto com as ideias desenvolvidas no encontro.

Atividade 5 – Construindo casas tradicionais dos grupos africanos

Objetivos

Aproximar os alunos da cultura dos povos africanos e entender seus modos de vida

através da construção da aldeia de um grupo africano. Explorar figuras geométricas planas

e espaciais (tanto no sentido de construir por meio de instrumentos quanto no sentido de

trabalhar com características, nomenclaturas e propriedades de figuras geométricas) na

reprodução de uma aldeia africana.

Primeira atividade - Casas tradicionais dos grupos africanos

Desenvolvimento

Como no encontro anterior os alunos tiveram dificuldades de construir a planta baixa de

suas casas circulares utilizando o barbante, proporíamos que construíssem utilizando o

compasso.

Convidar os alunos a construírem uma maquete das aldeias com argila.

Trabalhar com os alunos a construção das formas que aparecem nas figuras.

Construção da maquete:

Agora, como faremos para medir o tamanho da aldeia?

Marcar em uma folha de papel a circunferência para ser a base da casa.

Disponibilizar um quilo de argila para cada aluno

Pedir que dividissem a argila em duas partes. Como fazer isso?

Page 212: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

212

Qual o tamanho necessário para a placa retangular?

Abrir a argila e fazer um retângulo e modelá-lo para fazer um cilindro para formar

as paredes da casa.

Questionar: como faremos os telhados?

Pedir aos alunos que tragam, para o nosso próximo encontro materiais para

cobrirem a casa deles.

Atividade 6 - Casas tradicionais dos grupos africanos – cobertura das casas

Objetivos

Aproximar os alunos à cultura dos povos africanos e entender seus modos de vida através

da construção de uma aldeia de um grupo africano. Explorar desenhos geométricos planos

e espaciais (tanto no sentido de construir por meio de instrumentos, quanto no sentido de

trabalhar com características, nomenclaturas e propriedades de figuras geométricas) na

reprodução de uma aldeia africana. Trabalhar, em particular, o cone, com sua planificação

e formato espacial.

Desenvolvimento

Dando continuidade ao encontro anterior, trabalhar a construção dos telhados das casas

que eles construíram. No encontro anterior foi pedido que os alunos pensassem e

trouxessem material para cobrir as casas. Auxiliar, pois, os alunos a desenvolverem

estratégias para cobrirem as casas. Construir também o muro do entorno da aldeia.

Page 213: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

213

APÊNDICE II

Convite aos alunos e aos pais

Convite aos alunos

Caro (a) aluno (a),

Você está convidado a participar de um trabalho extraclasse no qual a cultura

africana será o foco principal e, a partir dela, estudaremos vários conceitos de

Matemática.

Pretendemos construir um conjunto de atividades que poderá ser divulgado para

outros professores de Matemática e, para isso, esperamos contar com sua colaboração.

Assim, os participantes desse projeto avaliarão cada atividade e nos auxiliarão a melhorá-

las. Seremos parceiros na construção de uma proposta de ensino da Matemática que traga

a cultura africana para a sala de aula. Planejamos trabalhar com jogos, materiais

manipulativos e atividades criativas que possam auxiliá-lo(a) na compreensão dos

conteúdos que você está aprendendo na escola e no desenvolvimento de habilidades

necessárias nas tarefas escolares e de seu cotidiano.

O projeto terá duração de dois ou três meses e as atividades acontecerão em sua

própria escola, uma ou duas vezes por semana, fora do horário das aulas, em dias e

horários que definiremos junto com a direção da escola.

Você poderá desistir de participar em qualquer momento, sem problemas.

Esse projeto faz parte de uma pesquisa, assim, gostaria que você autorizasse a

gravação em áudio e vídeo das atividades. Prometo não revelar seu nome em nenhuma

parte da pesquisa e, ao final, apresentarei os resultados para os participantes do projeto e

todos os interessados, em dia e local que a direção da escola definirá.

Para participar, basta desejar fazer parte do projeto e contar com a autorização de

seus pais ou responsável.

Um abraço, Professora Fabiana.

Page 214: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

214

Convite aos pais (carta de esclarecimento)

Caro pai, mãe ou responsável pelo(a) aluno(a) __________________________,

Após conversar com a direção da escola na qual seu(sua) filho(a) estuda, apresentar minha

proposta e contar com seu apoio, venho convidar seu(sua) filho(a) a participar de um

projeto de ensino que abordará a Matemática presente na cultura africana.

Estou realizando uma pesquisa sob orientação da Prof.ª Dr.ª Ana Cristina Ferreira, da

Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Nessa pesquisa, pretendo desenvolver uma

proposta de ensino que explora a Matemática presente na cultura africana.

Participarão dessa pesquisa até vinte alunos do 6º ano do Ensino Fundamental,

sorteados dentre aqueles que se interessarem em participar e que possam contar com a

autorização dos pais ou responsável.

As atividades acontecerão na própria escola, no 1º semestre de 2013, durante cerca de

dois ou três meses, uma ou duas vezes por semana em horário diferenciado das aulas, de

modo a não prejudicar o andamento das aulas regulares. Por meio de jogos, materiais

manipulativos e atividades criativas pretendemos auxiliar seu (sua) filho(a), explorando

o espaço em que ele vive, a relação dele com o ambiente que o cerca e com sua vivência.

A participação de seu (sua) filho(a)não envolverá qualquer gasto para família e nem para

a escola, uma vez que a pesquisadora providenciará todos os materiais necessários.

Tendo em vista a idade dos participantes, acreditamos que o único incômodo gerado

pela participação no projeto será a necessidade de se deslocar até a escola 1 ou 2

vezes/semana, durante 2 ou 3 meses, em horário diferenciado das aulas, contudo,

planejamos verificar, junto à escola, a possibilidade de– caso assim o desejem –

permanecerem na escola e aí se alimentarem, evitando os custos e ônus dos

deslocamentos. Além disso, procuraremos conhecer e minimizar qualquer

desconforto que, por ventura, possam experimentar. Nossa intenção é criar um

espaço de convívio e estudo agradável, respeitosos, divertido e produtivo no qual

seu(sua) filho(a) se sinta estimulado a participar.

Caso o(a) senhor(a) ou seu(sua) filho(a) desejem desistir do projeto, poderão fazê-lo a

qualquer momento. Além disso, nem seu nome, nem o nome de se(sua) filho(a), ou de

qualquer professor, funcionário ou da escola será citado em nenhum documento

produzido nesta pesquisa.

Page 215: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

215

Como tal trabalho fará parte de uma pesquisa de Mestrado, peço sua permissão para

gravar em áudio e vídeo alguns momentos das atividades. Todas as gravações e atividades

realizadas durante o trabalho estarão à sua disposição e à disposição da escola ao longo

do estudo. Essas informações serão salvas em um CD que será guardado por mim, em

minha casa, durante 5 (cinco) anos e, ao final desse período, será destruído. Ao final da

pesquisa, os resultados encontrados serão divulgados em reunião com pais, alunos,

professores e demais interessados, a ser realizada na escola em data e horário definidos

pela direção. Além disso, a pesquisa, na íntegra, poderá ser acessada na página do

programa do Mestrado Profissional em Educação Matemática (www.ppgedmat.ufop.br).

Caso ainda tenha alguma dúvida, por favor, sinta-se à vontade para me consultar, ao meu

orientador, ou, ainda, ao Comitê de Ética em Pesquisa da UFOP, em qualquer momento.

Se você se sentir esclarecido em relação à proposta e concordar em participar,

voluntariamente, desta pesquisa, peço-lhe a gentileza de assinar e devolver o termo em

anexo.

Um abraço!

Professora Fabiana Pereira de Oliveira

[email protected]

(31) 8775-8740

Professora Doutora Ana Cristina Ferreira

[email protected]

(31) 35591241

Comitê de Ética em Pesquisa – Universidade Federal de Ouro Preto (CEP/UFOP)

Campus Universitário – Morro do Cruzeiro – ICEB II – sala 29

[email protected]

(31) 3559-1368 / Fax: (31) 3559-1370

Page 216: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

216

APÊNDICE III

Termo de consentimento livre e esclarecido (pais e alunos)

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (PAIS)

Eu, _____________________________________ pai (mãe) ou responsável legal

do(a) estudante _______________________________________________, fui

informado(a) que meu(minha) filho(a) foi convidado(a) pela Prof.ª Fabiana Pereira de

Oliveira, aluna do Mestrado Profissional em Educação Matemática da Universidade

Federal de Ouro Preto, a participar de sua pesquisa. Sei que tal pesquisa conta com o

apoio da direção desta escola.

Estou ciente que este projeto envolve o desenvolvimento de uma proposta de

ensino de Matemática. Sei, ainda, que participarão desta pesquisa até vinte alunos do 6º

ano do Ensino Fundamental indicados pela direção da escola, que desejem participar e

contem com a autorização dos pais ou responsável.

Fui informado(a) de que as atividades acontecerão na própria escola, no 1º

semestre de 2013, durante cerca de três meses, uma ou duas vezes por semana, em horário

diferenciado das aulas, e que não envolverá qualquer gasto para família e nem para a

escola, uma vez que a pesquisadora providenciará todos os materiais necessários. Sei que

meu(minha) filho(a) não será prejudicado, pois as aulas regulares acontecerão

normalmente e que podemos desistir de participar do projeto a qualquer momento.

Finalmente, estou ciente de que algumas atividades serão gravadas em áudio (voz)

e vídeo e que nenhum estudante, pai, professor ou escola, terá seu nome real mencionado

em qualquer registro produzido. Além disso, terei acesso aos resultados do estudo por

meio de uma reunião na escola, tão logo estejam disponíveis e poderei acessar a pesquisa

completa na página do Mestrado (www.ppgedmat.ufop.br).

Caso eu deseje, por qualquer motivo que seja, esclarecer algum aspecto ético

do projeto e/ ou das atividades desenvolvidas no mesmo, sei que poderei entrar em

contato com os pesquisadores ou com o CEP através dos contatos mencionados ao

final deste termo.

Sinto-me esclarecido(a) acerca da proposta, concordo com a participação de

meu(minha) filho(a) na pesquisa e permito que algumas dessas aulas sejam gravadas em

vídeo e áudio.

______________________________ ____________________________ Assinatura do Pai ou Responsável Identidade

Betim, _______ de _____________________ de 2013.

Page 217: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

217

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (ALUNO)

Eu, ___________________________________________, estudante do 6º ano do

Ensino Fundamental, fui convidado(a) pela Prof.ª Fabiana Pereira de Oliveira, para

participar de um projeto que conta com o apoio da direção dessa escola.

Estou ciente que este projeto envolve o desenvolvimento de uma proposta de

ensino de Matemática. Sei ainda que participarão desta pesquisa até vinte alunos do 6º

ano do Ensino Fundamental indicados pela direção da escola, que desejem participar e

contem com a autorização dos pais ou responsável, e que esses alunos participarão de

modo ativo no projeto, auxiliando na elaboração e análise das atividades propostas de

modo a melhorá-las. Dessa forma, meu papel será o de colaborador na construção da

proposta e poderei contribuir para o ensino e aprendizagem de outros estudantes.

Fui informado(a) de que as atividades acontecerão na própria escola, no 1º

semestre de 2013, durante cerca de dois ou três meses, uma ou duas vezes por semana,

em horário diferenciado das aulas, e que não envolverá qualquer gasto para minha família

e nem para a escola, uma vez que a pesquisadora providenciará todos os materiais

necessários. Sei que não serei prejudicado, pois as aulas regulares acontecerão

normalmente e que posso desistir de participar do projeto a qualquer momento.

Finalmente, estou ciente de que algumas atividades serão gravadas em áudio e

vídeo e que meu nome nem o de nenhum estudante, pai, professor ou escola, será

mencionado em qualquer registro produzido. Além disso, terei acesso aos resultados do

estudo por meio de uma reunião na escola, tão logo estejam disponíveis e poderei acessar

a pesquisa completa na página do Mestrado (www.ppgedmat.ufop.br).

Caso eu deseje, por qualquer motivo, esclarecer algum aspecto ético do

projeto e/ ou das atividades desenvolvidas, sei que poderei entrar em contato com os

pesquisadores ou com o CEP através dos contatos mencionados ao final desse termo.

Sinto-me esclarecido(a) acerca da proposta, quero participar do projeto e aceito

que a Prof.ª Fabiana filme e grave algumas atividades. Caso meus pais ou responsável

legal permitam, farei parte do projeto. Sei que posso desistir de participar do projeto a

qualquer momento.

__________________________________________________________

Assinatura do aluno (ou digital ou outra forma de registro de sua aquiescência)

Betim, _______ de _____________________ de 2013.

Page 218: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

218

APÊNDICE IV

Orçamento Financeiro

Ouro Preto, outubro de 2012

Ao Comitê de Ética,

Prezados(as) senhores(as),

Declaro que o projeto: “Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática: um

estudo com alunos de 6º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública de Betim

(MG)” não possui financiamento de qualquer natureza (bolsa, nem apoio financeiro de

agências de fomento) nem dependerá de recursos da Universidade para se desenvolver.

Os gastos previstos se relacionam com transporte dos pesquisadores até a universidade,

fotocópias de instrumentos e alguns materiais de consumo (papel, cartuchos de tinta,

envelopes, fita de vídeo, cd, DVD etc.) e serão custeados pelos pesquisadores.

Atenciosamente,

Professora Fabiana Pereira de Oliveira

[email protected]

(31) 8775-8740

Prof.ª Dr.ª Ana Cristina Ferreira

Pesquisadora Responsável

Page 219: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

219

APÊNDICE V

Construções da África Ocidental

Os assentamentos africanos na literatura internacional designam uma entidade

plural da África Ocidental Rural, formada por um número de famílias organizadas sobre

uma base de descendência patriarcal que cultiva, separadamente ou coletivamente, e

reside no mesmo espaço. Este espaço se constitui de diversas unidades de moradia

individuais habitadas por gerações de uma linhagem apoiada sobre um homem ancestral

(PRUSSIN, 1974 apud FARIA, 2011, p. 50).

De acordo com Faria (2011), as construções desses assentamentos são habitações

e outras formas de construção que servem a propósitos relacionados com a vida. De

acordo com a dinâmica social, há espaços como celeiros, estábulos, currais, casas de

reunião, mercados e locais de culto, que ajudam a sustentar a vida física e espiritual dessas

sociedades.

Os assentamentos africanos são habilmente localizados uma vez que

privilegiam a proximidade aos recursos naturais e a sua própria defesa. Os lugares escolhidos são inóspitos e de difícil ingresso, com apenas um

caminho de acesso ao assentamento. A localização é planejada com o

intuito de que o assentamento se funda na paisagem tornando-se dificilmente visível até mesmo a uma pequena distância. O efeito da

ocultação se completa com a construção de muros capazes de proteger

as famílias de animais selvagens e de clãs inimigas (FOYLE, 1953 apud FARIA, 2011, p. 50).

Segundo Faria (2011), na região das Savanas, os assentamentos são classificados

como semidispersos e dispersos. Essa classificação se refere à composição de uma série

de construções arranjadas informalmente, que obedecem a associações clânicas ou

familiares.

Em todos estes são encontradas guaritas e celeiros, o primeiro é

concebido como um caramanchão e posicionado na entrada do

assentamento, sendo utilizado para o descanso dos adultos e a

supervisão da circulação de entrada e saída do “compound”. Os celeiros guardam a produção anual de cereais como o milho e o sorgo,

consistindo em um contenedor da garantia de continuidade para a

sobrevivência das famílias, e sendo ornamentados de acordo com as práticas e simbologias do grupo (OLIVER, 1997 apud FARIA, 2011, p.

51).

Conforme Faria (2011), na floresta tropical, os cultivos de subsistência não

requerem estocagem anual, são cultivados os tubérculos como a mandioca e o inhame.

Page 220: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

220

Na região das savanas, predomina o cultivo de cereais como o milho, que requerem

armazenagem de uma colheita para a outra. Dessa forma, os celeiros em terra crua são

raramente encontrados na região das florestas tropicais.

As moradias nestes assentamentos estão sujeitas à cinética da estrutura

social, sendo necessária certa capacidade de adaptação a mudanças que venham a ocorrer na vida das famílias. À medida que a família cresce

com a entrada de cônjuges e filhos, o assentamento e as próprias

habitações se expandem pela inclusão dos novos, o que é claramente perceptível na demarcação e extensão dos espaços (FARIA, 2011, p. 51).

Se algum membro da família partir, morrer ou estabelecer novos laços sociais e

econômicos ocorrem as alterações físicas do ambiente.

De acordo com Faria (2011), o conceito de permanecia existe talvez apenas na

medida em que este marca o “espaço sagrado” para a habitação ancestral. Ou seja,

somente as construções sagradas são permanentes nos assentamentos, sendo preservadas

ao longo das gerações.

O próprio conceito de habitação é visto principalmente a luz da

continuidade familiar e sua organização social. A casa, como local central da existência humana, onde o homem encontra sua identidade, é

também uma expressão concreta da continuidade que marca o ciclo da

vida da família que habita. As paredes da casa parecem existir quando os espaços anexos são ocupados. Uma edificação sem ocupantes é sem

vida e isso irá leva - lá ao arruinamento, a não ser que esta seja imbuída

com significados sagrados que justifiquem a sua contínua manutenção (FARIA, 2011, p. 52).

A distribuição dos espaços de moradia revela a relação entre esposas e maridos,

entre pais e filhos, definindo áreas de responsabilidade e territorialidade. A disposição

das unidades reflete não apenas as relações entre residentes, mas a relação destes como

um todo e com toda a extensão que cultivam.

Aliadas a estas características têm-se outras três que são constitutivas

dos assentamentos da África Ocidental: a centralidade, divisa e a

verticalidade. A origem da primeira está atrelada ao islã, que por muitos

séculos influenciou a região da África Ocidental, e personificou o conceito de “centro” como um ideal. Para muitos povos africanos, o

centro do universo é a terra em si mesma, na qual seus ancestrais

residem e da qual eles vem, o que valida o conceito da terra ter o caráter sagrado (PRUSSIN, 1974 apud FARIA, 2011, p. 55).

Faria (2011) acrescenta que a estrutura política hierarquizada entre os povos

Iorubá, os Fon e os Ashanti e a influência do Islã, trouxe novas definições arquitetônicas

ao espaço.

Page 221: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

221

A direção vertical é dotada de um significado especial. Ela representa o

sagrado e pode conectar o homem terreno ao céu. O eixo vertical também

se refere à conquista da gravidade física, que é notada na concepção da arquitetura africana, no caso da posição central do celeiro no

assentamento, e do significado simbólico do pilar em terra crua. O

conceito da verticalidade também é expresso no uso da altura para a distinção política nas sociedades, que pode ser ilustrada com o fato de

que o reino Fon em Abomey não permitia a nenhuma pessoa a

construção da sua casa com mais de quatro níveis, entretanto o próprio

Palácio tinha cinco níveis. Casas de dois pavimentos eram de direito exclusivo não apenas dos reis de Abomey, mas daqueles de Kumasi, a

capital do reino Ashanti, assim como em Benin. (PRUSSIN, 1974 apud

FARIA, 2011, p. 56).

Segundo Faria (2011) a centralidade, divisa e verticalidade se fundam para formar

o quarto, a cúpula. “A forma cônica foi associada, ao longo da história mundial, com o

sagrado – com ancestrais, divina realeza e residências celestiais” (FARIA, 2011, p. 56).

Aparecendo com esse mesmo simbolismo na África Ocidental, representado através de

“estruturas arredondadas nos mausoléus no reino Fon em Abomey, em Daomé, os

santuários dos deuses Ashanti e os santuários Bambara, todos no meio de casas

tradicionais retangulares” (FARIA, 2011, p. 56).

As principais características destes assentamentos se resumem a

existência de uma entrada única, a delimitação territorial do

assentamento com muros, a presença dos santuários ancestrais assim como de guaritas e celeiros. Além disso, fatores como a proximidade de

recursos naturais e a escolha de locais de difícil acesso, que permitam a

defesa das comunidades completam o espectro que configura estes

assentamentos dispersos, semi-dispersos e nucleados da África Ocidental (FARIA, 2011, p. 56).

Os quilombos mineiros eram formados por homens, mulheres, crianças e idosos,

com a predominância expressiva dos homens sobre os demais. Eram negros de origens

distintas, índios e brancos, com predominância dos africanos, escravos ou libertos,

nascidos no Brasil ou em nações africanas. “Esse sincretismo interafricano, gerou a

criação de novas formas culturais com base em diversas crenças, ideias e práticas dos

africanos que compunham a população” (FARIA, 2011, p. 66).

No quilombo do Ambrósio, a expedição encontrou “arruinados edifícios e

multiplicados fossos, todos crivados de estrepes de que era composto o mesmo quilombo”

(BIBLIOTECA NACIONAL, 1992, p. 68 apud FARIA, 2011, p. 70).

Relatos dessa expedição manifestam a surpresa ao encontrar o assentamento, pois

assim se confirmava que “os negros, portanto existiam, cavavam fossos e levantavam

guaritas nos morros para divisar ao longe o inimigo, tinham casas, roças bem plantadas,

Page 222: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

222

paios, gamelas e potes de barro para cozinhar seus alimentos – testemunhos que se

somavam a outros tantos” (SOUZA, 1996, p. 205 apud FARIA, 2011, p. 70).

Eram localizados próximos de um ribeirão, “miúdos exames dos sucações e

buracos até o centro dos seus cascalhos e piçarra, para se perceber se haviam alguas

mostras de ouro” (BIBLIOTECA NACIONAL, 1992, p. 68 apud FARIA, 2011, p. 70).

O que demonstra que uma das atividades econômicas desenvolvidas nesse quilombo

deveria ser a mineração, contudo, segundo Guimarães (1983), a principal atividade desse

quilombo foi a agricultura. Isso se justifica pela formação do quilombo em uma região

agropastoril. A expedição encontrou apenas vestígios do Quilombo da Samambaia e do

Quilombo de São Gonçalo, este foi queimado pelo comandante de uma das bandeiras,

José Cardoso. Estes restabeleceram as extensas lavouras plantadas “uã roça de milho,

feijão e algodão, e se plantou um alqueire de milho” (BIBLIOTECA NACIONAL, 1992,

p. 70 apud FARIA, 2011, p. 71).

As plantas das casas dos quilombos mineiros que relatamos acima podem ser

classificadas em três grupos distintos. No primeiro grupo tem-se o quilombo chamado

Rio da Perdição e o quilombo de um dos Braços da Perdição, que detêm certa similaridade

na sua disposição espacial e na representação gráfica das construções. E aparecem as

mesmas funções dadas às habitações, que se materializam na casa do conselho (ou casa

do rei), casa do tear e a roça (algodoais e mandiocal). Também aparece o desenho

representativo de uma cruz no centro do assentamento, o que sugere ser fruto de um

sincretismo religioso afro-brasileiro. Em uma análise do quilombo dos Braços da

Perdição, Faria (2011, p.71) descreve:

vamos visualizar na posição central a construção intitulada de “casa do rei”, de altura maior que as demais, o que a atribui certo destaque.

Próximo desta está a casa do tear e uma outra construção que se refere

ao mandiocal, que suponha ser um espaço para guarda de alimentos, já que há no desenho a indicação de plantações. O restante das

construções imagina-se que sejam as casas dos negros.

A presença de lideranças (chefes) pode ser explicada pela existência de espaços

designativos de “casa do rei” e de “casa do conselho” nos quilombos mineiros. Na África,

a “casa do conselho” é um espaço criado para os encontros da comunidade, para resolver

ou discutir seus assuntos. Faria (2011) supõe que ocorre uma recriação dessa concepção

de espaço africano nos quilombos da Samambaia, onde há uma “casa de audiência com

assentos” e no quilombo do Rio da Perdição, com a “casa do conselho”.

Comparativamente, é possível supor que a instituição de lideranças nos

quilombos poderia estar ligada a práticas de origem africana, o que

Page 223: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

223

geraria a formação de estruturas políticas similares àquelas de

referência dos povos que vieram para Minas Gerais e, como

consequência, o uso de denominações semelhantes, e a criação de espaços análogos (FARIA, 2011, p.79).

O espaço do “mandiocal” era “provavelmente o lugar de armazenamento de

alimentos produzidos no assentamento, ou ainda um espaço de fabricação de farinha”

(FARIA, 2011, p. 79). Como nos quilombos mineiros havia o cultivo de tubérculos, do

mesmo modo que nos assentamentos da região costeira da África Ocidental, não há neles

presença de celeiros.

Faria (2011) define como segundo grupo os quilombos da Samambaia e dos

Santos Fortes, por apresentarem similaridade quanto às construções (as casas eram

retangulares com um divisor central): “No quilombo da Samambaia tem-se no centro do

assentamento a presença da “casa e forje de ferreiro” e de outra edificação que julgamos

ser a casa de audiência com assentos. Ao redor destas, estão as casas do quilombo, a

casa do curtume de couros e as roças” (FARIA, 2011, p. 80).

Quanto a “casa e forje de ferreiro”, pode-se supor que era um espaço destinado

aos técnicos da metalurgia do ferro. Sendo esta uma prática tradicional do continente

centro-africano e dos povos da África Ocidental.42 (PENA, 2004 apud FARIA, 2011,

p.80).

O “curtume de couros” foi um espaço encontrado somente no quilombo da

Samambaia. Faria (2011, p. 82) levanta a “hipótese de que o tratamento do couro cru

poderia visar a produção e abastecimento da própria economia quilombola ou ainda para

ser comercializado com pequenos mineiros”. O couro era muito utilizado na mineração

nas regiões auríferas da África negra, e essa técnica de utilização também foi difundida

nas Minas Gerais.

Ao terceiro grupo de plantas pertencem os quilombos de São Gonçalo e do

Ambrósio. Sendo que o primeiro deles apresenta a casa do ferreiro na posição central, e

a casa do tear e de pilões próximas das demais habitações. Em seu relato de expedição

Inacio Pomplona, descreve a atividade de alguns negros que “se ocupavam em fazer

farinhas para os mais, as quais o mesmo comandante confiscou junto com vários trastes

e panos de algodões feitos ricamente pelos mesmos negros”. Faria (2011) supõe que tais

42 Na África Ocidental, no reino Edo de Benin, no reino Fon de Daomé e em numa série de reinos Iorubás

tiveram como instrumento de dominação e expansão política o uso de exércitos fortemente armados,

exigindo destes povos o domínio sobre a fundição e a metalurgia do ferro.

Page 224: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

224

atividades fossem desenvolvidas na “casa de pilões”, que seria o lugar para abrigar os

pilões e os grãos, e na “casa do tear”, o que explica a concepção desses espaços no

assentamento.

Também foi difundida nos quilombos mineiros a arte da tecelagem, uma técnica

bastante utilizada na África.

“A arte da tecelagem aparece nas regiões florestais e costeiras da Guiné

Inferior, antes mesmo da chegada dos portugueses a esta região, mas é

no século XVIII que esta atingiu entre os akan e os ewe a plena perfeição.

Os tecidos multicoloridos kente dos akan, os suntuosos estofos adanudo dos ewe e os estofos adinkra, largos tecidos imprimidos de motivos e

símbolos akan tradicionais, alcançaram renome na região de Brong e

foram posteriormente copiados pelos ashanti. (BOAHEN, 2010 apud FARIA, 2011, p. 85).

Para os Iorubás, a tecelagem é para ambos os sexos, mas há diferença entre os

tipos de teares utilizados por cada um, o que gera tecidos diferentes.

[...] Tradicionalmente, os homens teciam em um tear horizontal que produzem tiras de pano de alguns centímetros de largura, enquanto as

mulheres tecem em tear vertical, produzindo panos maiores, mas muito

mais curtos do que aqueles produzidos pelos homens (FARIA, 2011, p.

85).

Com relação ao ato de se cozinhar ou apenas ter o fogo dentro da cabana, Slenes

(1999, p. 252) esclarece que:

as razões simbólicas e práticas dos escravos de origem ou descendência

centro-africana, eram “além de esquentar, secar e iluminar o interior de suas moradias, afastar insetos e estender a vida útil de suas coberturas

de colmo, também servia-lhes para ligar o seu lar aos lares ancestrais”.

Estes povos detinham o conhecimento de que um dos problemas do uso

de vegetais na cobertura era o desgaste provocado por insetos, sendo uma forma de evitar isto a circulação da fumaça da cozinha em toda a

casa, de forma que o forro ficasse seco e impedindo que os insetos se

alojassem (LENGEN, 2004 apud FARIA, 2011, p. 140).

Outro saber arquitetônico que, provavelmente, foi trazido pelos africanos

escravizados “foi aquele de que o fogo constante também provocava o enegrecimento das

paredes pela fuligem, que atuava como um verniz capaz de proteger o interior da

habitação dos ataques do cupim” (SLENES, 1999 apud FARIA, 2011, p. 140). Segundo

Faria (2011), a constante exposição das paredes internas ao fogo causaria um aumento,

ainda que ínfimo, da resistência e durabilidade destas estruturas.

Já a instituição da “casa do tear” nos quilombos mineiros, mostra que a prática

artesanal africana também foi realizada nos espaços do quilombo.

Page 225: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

225

Um aspecto comum a todos os seis quilombos se refere a sua localização acerca

de recursos naturais, sendo condição fundamental para sua manutenção a presença de

rios, solos adequados ao plantio e a proximidade de áreas de caça e pesca. De acordo com

Faria (2011), essa particularidade dos quilombos mineiros pode ser traduzida em uma

relação de uso africana, pois são os mesmos critérios utilizados pelos africanos da África

Ocidental na escolha da localização dos seus assentamentos. Segundo Foyle (1953), as

localizações das vilas nigerianas são em concordância com a natureza. “Usualmente

escolhia-se o topo da montanha mais alta, onde as casas eram empoleiradas nas

superfícies planas, sendo que por ser tão íngreme, o acesso só era possível por um ou dois

caminhos” (FARIA, 2011, p. 86). Para dificultar o acesso ainda mais, era construída uma

cerca viva espessa e impenetrável.

Segundo Faria (2011) esse mesmo artifício é utilizado pelo quilombo de São

Gonçalo. Na descrição do mestre de campo, “todo o assentamento é circundado por uma

“trincheira de altura de 10 palmos” sendo que o acesso ao centro do quilombo se dava por

dois “buracos por onde fugiam”, ou por dois caminhos com “estrepes”” (FARIA, 2011,

p. 86). Também é constatada, no quilombo do Ambrósio a mesma estrutura de defesa,

pois o assentamento é circundado por um “fosso de 15 palmos de largo” e uma trincheira

com estepes, além da presença de “guaritas”, que poderiam ser pontos de visualização

sobre os obstáculos naturais ou estruturas construídas para esse fim.

Os assentamentos da África Ocidental se utilizavam destas guaritas para

a supervisão da circulação de entrada e saída do “compound”, o qual era quase sempre delimitado com cercas ou outros estratagemas. Essas

práticas e estratégias revelam similaridades entre os quilombos em

Minas Gerais e os assentamentos da África Ocidental (FARIA, 2011, p. 88).

De acordo com Faria (2011), os quilombos dos Braços da Perdição apresentam

oito construções e o do Rio da Perdição nove. Sendo que algumas possuem usos definidos

e o restante são casas de moradia. Provavelmente, essas moradias eram para uma família

e estavam localizadas em um espaço exclusivamente residencial. As atividades relativas

à dinâmica social da comunidade ficariam restritas como, por exemplo, às casas de tear e

pilão.

As casas eram dispostas próximas umas das outras, se configurando em

um modelo compacto de assentamento. Tal disposição, se apresenta de

forma dispersa ou até semi-dispersa com a composição de uma série de construções arranjadas informalmente, apresentando características

similares com os assentamentos da África Ocidental (FARIA, 2011, p.

88).

Page 226: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

226

A representação gráfica dessas casas é de uma edificação com planta retangular e

cobertura de duas águas. As habitações de plantas quadradas e retangulares são

encontradas em toda a faixa costeira da floresta tropical úmida na África Ocidental.

No caso do quilombo da Samambaia e dos Santos Fortes as construções

são representadas por uma planta retangular com uma divisão central. Esta tipologia provavelmente é de origem Ioruba. O mais simples destes,

segundo Oliver (1997), são o das casas construídas no campo, que se

constituem de blocos retangulares de até três apartamentos, onde cada qual tem dois cômodos de 3X3 metros (FARIA, 2011, p. 89).

FIGURA 1 – Planta das casas Iorubás. 1 – Unidade básica de moradia Iorubá. 2 – Agrupamento de duas

unidades básicas de moradia Iorubá. 3 – Agrupamento de múltiplas unidades básicas Iorubá. Fonte:

(OSASONA, 2007, p. 11 e 12, figura modificada pelo autor).

Nas cidades, a complexidade destas estruturas de moradia aumenta à

medida que estas unidades são agrupadas em torno de um espaço central, destinado às atividades sociais, e que leva até um quintal onde

está a cozinha comunitária, banheiros e áreas de estocagem de

alimentos. As casas consistem em uma dupla fileira de quartos que se

abrem em um longo hall central ou corredor, ou um quadrilátero de apartamentos dispostos em torno de um pátio (FIG. 1). A associação de

pátios com os respectivos prédios pode levar a moradias que abrigam

centenas de moradores, formando um intricado sistema de passagens, salas e quartos em torno de grandes pátios. Este é o aspecto dos bairros

mais antigos e congestionados (WEIMER, 2005, p. 150 apud FARIA,

2011, p. 89).

Page 227: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

227

FIGURA 2 – Vista de um Compound Iorubá. Estes assentamentos apresentam estruturas quadradas em

plano, sendo circundadas por uma parede contínua que conecta diversos cômodos. Fonte: (OLIVER, 1990,

p. 198).

As casas dos quilombos apresentam estruturas não agrupadas. Na planta do

quilombo de São Gonçalo, que apresenta a mesma representação gráfica das de Perdição,

a maioria das habitações estão ligadas por uma “parede de casa a casa”, formando como

que um bloco com três unidades de moradia. Faria (2011) supõe que certa similaridade

com as estruturas de moradia Iorubá na África Ocidental, se justificam pelo aparecimento,

nessa planta, da mesma forma básica cuboidal com o pátio localizado internamente ao

complexo. Nesse quilombo, aparece em sua formação mais complexa, a casa Iorubá,

conhecida por seu arranjo de espaços retilíneos em torno de um pátio central que atua

como ponto focal e um lugar de interação entre os membros da família.

FIGURA 3 – Planta do Quilombo de São Gonçalo, com destaque para os blocos de três moradias dispostos

ao redor de um pátio central. Fonte: (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988, p. 107, figura modificado pelo autor).

É dezessete o total de habitações do quilombo de São Gonçalo. Aparecem na

planta desse quilombo duas casas, que estão afastadas do centro do assentamento e que

estão representadas, como as demais, com a “parede de casa a casa”. Segundo Faria

(2011), esse espaçamento pode simbolizar preceitos políticos ou religiosos, pois de

acordo com as tradições de alguns povos africanos, as casas dos chefes deveriam estar

separadas das demais, como no caso do reino do Congo.

É possível constatar que as casas de todos os quilombos apresentados

possuem plantas retangulares ou quadradas, isso vem corroborar com a constatação de que não foram identificadas estruturas circulares no

Brasil colonial. Sendo que a única exceção é a planta do quilombo do

Buracu do Tatu, na Bahia, em que podem ser identificadas algumas

cubatas semi-esféricas (WEIMER, 2005). Por isso, é possível supormos que o predomínio das plantas retangulares e quadradas indica a

influência de povos da África Ocidental, onde esta estrutura predomina

Page 228: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

228

amplamente sobre a circular, e ainda de toda a influência portuguesa as

quais estes povos estiveram sujeitos tanto no Brasil como em sua pátria

(FARIA, 2011, p. 88).

FIGURA 4 – Representação das tipologias arquitetônicas identificadas nas plantas dos quilombos

mineiros. 1 – Representação da tipologia dos Quilombos dos Santos Fortes, Samambaia e Ambrósio. 2 -

Representação da tipologia dos Quilombos dos Braços da Perdição e do Rio da Perdição. 3 - Representação

da tipologia do Quilombo de São Gonçalo. Fonte: Acervo da autora.

Então, os três tipos de plantas estão de acordo com a representação topológica da

FIG. 4. Sendo que a primeira tipologia foi observada nos quilombos dos Santos Fortes e

Samambaia, o que nos leva a considerar similares às plantas do tipo dos povos Iorubás e

dos seus vizinhos, os Edos. Segundo Vlach (1991 apud Faria 2011), a tipologia básica da

casa Iorubá pode ser sintetizada como uma moradia de planta retangular de (10´X 20´),

com dois cômodos, onde o primeiro é a cozinha e o segundo guarda a função de quarto.

Sendo este modelo multiplicado, ou transformado em espaços unificados, tendo dimensão

(10´X20´) sem a parede divisória. A altura destas habitações estaria entre 6 a 8 pés, que

corresponderiam, aproximadamente, às medidas de 1,80 a 2,40 metros. A maioria dessas

medidas se assemelha à encontrada nas plantas dos quilombos analisados.

O retorno de negros escravizados brasileiros, libertos, ao sul da Nigéria

proporcionou legados quantificáveis e visíveis a escala arquitetônica e urbanística de

diversas cidades do continente africano.

As casas desses afro-brasileiros são de dois pavimentos que em planta

consiste em um bloco de cômodos consecutivos. Os cômodos arranjados

simetricamente de cada lado de um corredor central se estendem da porta da frente até o fim da casa. As funções são flexíveis, mas a cozinha

se instala nos fundos assim como o banheiro está fora do corpo da casa.

Um segundo tipo de casa brasileira é a térrea, que apresenta o mesmo

plano da casa tipo sobrado, mas é uma versão mais modesta desta arquitetura trazida para a África por grupos de ex-escravos (OLIVER,

1997 apud FARIA, 2011, p. 95).

Page 229: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

229

A identidade Iorubá está bem representada na arquitetura formal afro-brasileira.

Para Faria (2011), hoje, mais de setenta por cento desses povos vive em alguma variação

dessa casa brasileira, o que demonstra uma ligação histórica estreita entre Brasil e África.

Além disso, houve influência mútua, na arquitetura, nas duas regiões, Brasil e África

Ocidental.

Em síntese

O quilombo foi um espaço criado pela instituição da escravidão. Ele foi o

ambiente da materialização da cultura construtiva africana na concepção das estruturas

arquitetônicas e nos usos atribuídos a cada espaço. As revelações da estrutura interna dos

quilombos e a identificação da constituição de espaços de poder como a casa do rei, do

conselho, e do ferreiro, assim como de espaços destinados às práticas artesanais e de

subsistência dessas comunidades corporificadas na casa do tear e dos pilões, representam

uma reelaboração de estruturas políticas, econômicas e sociais similares as da África

Ocidental.

Nos quilombos não existia as influências e imposições dos senhores. Por isso, os

quilombolas detinham autonomia e controle sobre os aspectos de sua vida material e

cultural, o que lhes permitiram reproduzir determinados aspectos da estrutura física dos

assentamentos da África Ocidental. Esta similaridade sugere uma filiação arquitetônica

direta e uma conexão cultural entre estas duas formas arquitetônicas.

O trabalho escravo nas áreas urbanas e nas propriedades rurais

permitia um contato de elevado grau de proximidade com a cultura do

colonizador, lhes facultando um nível superior ao dos quilombos tanto de influencia como de menor autonomia sobre a concepção dos espaços

de moradia de acordo com seus padrões construtivos. Apesar disso a

moradia escrava nas fazendas mineiras, nas proximidades das vilas e

nos assentamentos das empresas mineradoras, que estão descritas na literatura de viagem e retratadas pelos artistas-viajantes do século

XIX, irão se revelar um modelo que não esconde filiação com tipologias

arquitetônicas africanas. As várias correspondências se resumem a forma retangular sem compartimentação interna que se configura em

um volume simples, a cobertura duas águas com materiais vegetais, a

ausência de janelas e a presença de uma porta como entrada única e finalmente a baixa altura da edificação (FARIA, 2011, p. 150).

De acordo com Faria (2011), as mesmas preferências espaciais que tinham na

África, certamente, foram inclusas a sua moradia no Brasil, já que a memória construtiva

africana guiou as escolhas e percepções da experiência escrava.

Page 230: Inserindo a cultura africana nas aulas de Matemática

230

Para esse autor, a arquitetura de terra crua africana não foi excluída de nossa

paisagem, pelo contrário, foram exatamente essas adaptações arquitetônicas que se

fundiram definitivamente e fizeram parte constituinte de nossa arquitetura popular. Dessa

forma, de nossa paisagem cultural. Esta tipologia permanece em nossa paisagem até os

dias atuais.

Segundo Faria (2011), independentemente do nível de interação e assimilação

ocorrido entre as culturas construtivas envolvidas, houve uma inter-relação arquitetônica

e tecnológica entre Brasil e África, e estas implicaram na criação de uma tipologia seguida

por uma motivação cultural. A principal contribuição africana é justamente a expressão

dos valores e conceitos que perfazem sua filosofia arquitetônica.