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NARRATIVA DE ANALOGIAS BIOLÓGICAS NA ARQUITECTURA INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA À FACULDADE DE ARQUITECTURA DA UNIVERSIDADE DO PORTO PROFESSOR ORIENTADOR GONÇALO FURTADO FAUP 2013

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Page 1: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

NARRATIVA DE ANALOGIAS BIOLÓGICAS NA ARQUITECTURA

INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA À FACULDADE DE ARQUITECTURA DA UNIVERSIDADE DO PORTO

PROFESSOR ORIENTADOR GONÇALO FURTADO

FAUP 2013

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À minha família e amigos pelo seu amor, apoio e natureza

inspiradora.

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Abstract

O presente estudo desenvolve-se no campo da teoria, história e projecto de

arquitectura, sendo intitulado “Arquitectura e Biónica – Narrativa de Analogias

Biológicas na Arquitectura”.

O objectivo geral deste trabalho consiste no estudo da relação entre biologia e

arquitectura, e a aceitação da natureza como referência desta. Atende-se que a

proliferação de termos biológicos como a biónica, biomimetismo, biomimética,

biognose, biotécnica e biomorfismo deve-se, em parte, pela omnipresença das

analogias biológicas na história, sendo por isso necessário o seu estudo. Como tal, o

objectivo particular da primeira parte é proceder a um enquadramento teórico e

histórico do tema. Este compreende a definição de conceitos biológicos relevantes, e o

aprofundamento da sua história. Por conseguinte, reformula-se o sistema de analogias

biológicas de Philip Steadman, e expõe-se as vantagens e desvantagens dos novos

métodos de criação digital.

A segunda parte tem por objectivos particulares o estudo de um conjunto de projectos

arquitectónicos biónicos, e sua categorização. Esta depende do tipo de analogia

biológica de cada – formal ou funcional. Em geral podemos avançar que cada projecto

apresenta mais que uma metáfora biológica, implicando por vezes a analogia animal,

vegetal, genética, ecológica, simbólica ou matemática. Salienta-se que a natureza é

uma prodigiosa inventora, tendo esta produzido todo o tipo de estruturas e materiais;

despertando no Homem o desejo de a mimetizar. Efectivamente, a segunda parte

deste estudo foca-se na aplicação desse exercício biológico às construções.

A terceira parte tem como objectivos particulares a análise comparativa entre os

casos-de-estudo expostos anteriormente, e a reflecção sobre o potencial futuro da

arquitectura biónica. Este estudo compreende a distinção dos benefícios ou prejuízos

de uma arquitectura de inspiração biológica. Podemos avançar alguns dos problemas

discutidos como o uso de novos materiais na arquitectura, o comportamento biológico

de um edifício, e a necessidade ecológica da arquitectura biónica. Uma das maiores

dádivas de aprender a partir da natureza é a possibilidade de criarmos uma

arquitectura verde e sustentável, ou seja, construir arquitectura sem destruir o meio-

ambiente. Como tal, o terceiro momento deste estudo foca-se no debate ecológico.

Por fim, torna-se desejável o desmontar da praticabilidade da utopia que se encontra

inerente à ideia de arquitectura biónica. Este remate utópico confere-nos um

afastamento necessário para um final tanto platónico como realista.

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Abstract

The present essay is developed in the field of architectural theory, history and project,

being entitled “Architecture and Bionics – Narrative of Biological Analogies in

Architecture”.

The broad objective of this essay consists in the study of the relationship between

biology and architecture, and the acceptance of nature as a reference. Biological

concepts like bionics, biomimetics, biognose, biomimicry, biotechnics and biomorphism

owe their proliferation, in part, to the ubiquity of biological analogies in history.

Therefore, the specific objective of this essay’s first part is the theoretical and historical

framework of bionic architecture. This consists on the definition of relevant biological

concepts, and the study of their history. Then, we reformulate Philip Steadman’s

biological analogy system, and present the advantages or disadvantages of new

methods of digital creation.

The objectives of the second chapter of this study presuppose the analysis of a group of

bionical architectural projects, and their categorization – it depends on the type of

biological analogy each project conceives, formal or functional. In general each of the

projects represent more than one biological metaphor, for example: animal, vegetal,

genetic, ecological, symbolic or mathematical analogy. As we know Nature is a

prodigious inventor, and it has produced all kinds of structures and materials;

awakening in Man the desire of mimic biological shapes and qualities. In short, the

second part of this study focus in the application of this “biological exercise” in

architectural structures.

The objectives of the third part of this study are: to compare bionic projects presented

in the previously chapter; and to speculate about the future of bionic architecture. This

study perceives the distinction between the benefits and losses of a biological inspired

architecture. Some of the problems to be discussed are: the use of new materials in

architecture, the biological behavior of a building, and bionic architecture’s ecological

need. We can say that one of the greatest gifts of learning from Nature is the

possibility of creating a green sustainable architecture – we must build without

destroying our environment. Therefore, the third part of the present study focuses in

the ecological debate.

Finally, it was necessary to discuss bionic’s utopic practicability. This utopic upshot

works as a personal, metaphysical end.

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Objecto

A omnipresença de analogias biológicas na história implicou o aparecimento de ideias

como biónica, biomimetismo, biomimética, biognose, biotécnica e biomorfismo.

Estes conceitos estudam uma relação com a biologia e, quando associados à

arquitectura, são tidos como os objectos de análise. A narrativa das analogias

biológicas na arquitectura consiste, no entanto, no objecto de reflexão central.

Salienta-se que dos biotermos apresentados a biónica assegura uma posição de

destaque, não só pela actualidade do tema, mas também pelo uso formal e funcional

das aprendizagens naturais/biológicas. Como tal, é justo assumir a natureza como

objecto único e indispensável no desenvolvimento da presente dissertação.

Objectivo

O objectivo geral da presente dissertação consiste no estudo da aliança ou tensão

entre a natureza e arquitectura. O desenvolvimento da arquitectura ao longo do

tempo é, antes de mais, exemplo de relação entre o mundo natural e o mundo

artificial intrínseco ao acto de construir. Esta relação entre natureza e construído

enfatiza movimentos como a arquitectura orgânica, ou interesses contemporâneos

como a ecologia ou a sustentabilidade. Mais recentemente há uma vontade não só da

arquitectura se integrar na natureza, mas de se comportar como esta. Neste sentido,

iremos estudar a história da arquitectura e sua relação com a natureza/biologia; bem

como definir o significado de tal relação.

Como objectivo, também iremos categorizar e analisar caso-de-estudo e seus tipos de

analogia biológica – quer sugiram, por exemplo, uma analogia meramente formal ou a

nível do seu desempenho. As obras de arquitectura seleccionadas demonstram

diferentes inspirações biológicas, admitindo diferentes leituras e usos a quem a estas

recorre. Posteriormente será feita uma análise comparativa entre os referidos casos-

de-estudo. Esta permitirá proceder a uma reflecção sobre o potencial da arquitectura

biónica, procurando analisar lições passadas e especular sobre desenvolvimentos

futuros. Ou seja, a intenção geral do estudo é aproximar a história, teoria e projecto

de arquitectura, quando associada à biologia; cruzar objectivos e responder a questões

pertinentes que se colocam no seu decorrer (por exemplo, qual a utilidade da referida

tendência).

Como objectivo final iremos atestar se o conceito de arquitectura biológica deve

permanecer num imaginário utópico, hipotético e virtual ou se pode ser concretizado

na arquitectura com sucesso, beneficiando-a.

1

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Sistematizando, os objectivos são:

● Estudar a relação entre arquitectura e natureza/biologia;

● Aprofundar a história e conceitos-chave da referida relação;

● Categorizar casos-de-estudo e seus tipos de analogia biológica;

● Analisar comparativamente os referidos casos-de-estudo;

● Distinguir possíveis benefícios e prejuízos de uma arquitectura biológica;

● Reflectir sobre o potencial futuro da arquitectura biónica/biológica;

● Desmontar a praticabilidade da utopia que se encontra inerente ao conceito.

Metodologia e estrutura

A metodologia de fundo consiste na recolha e leitura de bibliografia referente ao

tema, procurando-se compreender e sistematizar ideias dispersas relevantes. O

objecto central motiva reflecções secundárias referentes a diferentes temas. Nestes,

são resumidas opiniões divergentes ou concordantes entre autores. Paralelamente são

construídos juízos relativos aos temas abordados. A metodologia envolve pois a

“(…)análise de situações, a recolha de informação pertinente, o desenvolvimento e

selecção ou concepção das metodologias de abordagem e dos instrumentos de

resolução do problema proposto, a sua resolução, e o exercício de síntese e elaboração

de conclusões”, como previsto nos objectivos da Unidade Curricular.

Salienta-se que a bibliografia específica existente não é ampla. Entre as obras de maior

relevo para a elaboração deste estudo encontram-se, por exemplo, D’Arcy Thompson,

“On Growth And Form” (1917); Philip Steadman, “The Evolution Of Designs – Biological

Analogy In Architeture And Applied Arts” (1979); Frei Otto, “Architecture Et Bionique –

Constructions Naturelles” (1982); Greg Lynn, “Animate Form” (1999) e o livro de Hugh

Williams, “Zoomorphic – New Animal Architecture” (2003).

A estrutura do estudo desenvolve-se em três fases, ao que correspondem três

capítulos: o primeiro expõe a história e consolidação da arquitectura biológica e

biónica (passado); o segundo analisa diferentes projectos/construções e seus

contextos (passado e presente); e o último compara os casos-de-estudo, reflectindo

sobre contributos futuros e obstáculos a ultrapassar (passado, presente e futuro).

3

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A primeira fase visa a definição de conceitos biológicos na arquitectura e seu

enquadramento histórico. Como tal, compreende a exposição de matéria de interesse.

O termo biónico surgiu no séc.XX, porém a história da arquitectura biológica atravessa

uma multiplicidade de analogias até chegar a essa definição. Deste modo,

distinguimos duas épocas importantes: uma onde a analogia biológica podia ser feita

(consciente ou inconscientemente) dentro de modelos clássicos ou antigos; e uma

moderna e computorizada que formaliza a denominada biónica.

A segunda fase visa explorar diferentes projectos arquitectónicos de inspiração

biológica. Os referidos projectos serão analisados segundo dois vectores: um formal,

referente a uma analogia morfológica e estética; e um funcional, referente ao

desempenho ou expressão de capacidades biológicas de um organismo. Sublinha-se

que muitos dos casos analisados demonstram mais que uma analogia formal ou

funcional, apresentando intenções biológicas materiais, genéticas e até simbólicas.

Ainda no segundo capítulo prevê-se a análise de projectos não-biónicos, mas que

apresentam uma sintonia orgânica com a natureza. Reforça-se que o termo biológico

foi frequentemente preferido ao termo orgânico, por se tratar de um termo mais

específico – apesar de haver uma área de sobreposição entre os dois, explorar uma

arquitectura orgânica seria contraprodutivo.

A terceira fase visa a comparação dos casos-de-estudo abordados. Recorrendo a uma

tabela, serão sistematizadas as analogias encontradas em cada projecto (estes

partilham entre si semelhanças e diferenças). Reavaliando os objectivos iniciais,

revendo a história da relação entre arquitectura e biologia, e analisando os casos-de-

estudo, será possível concluir o potencial desta arquitectura (as suas vantagens e

desvantagens). Este é o objectivo máximo da terceira fase da presente dissertação:

operar uma reflexão acerca do potencial da arquitectura biónica, revelar os erros

cometidos no passado e apresentar soluções para o futuro. No final, abordamos a

questão metafísica/abstracta sobre a prática utópica da arquitectura biónica.

A estrutura tripartida tem como objectivo a adição progressiva de informação.

Inicialmente debruçamo-nos sobre o passado, criando uma base forte para apresentar

o real/construído para com a análise deste projectar o futuro. O remate utópico

confere-nos um afastamento necessário para um final tanto platónico como realista.

5

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Índice

Introdução 11

1. Das analogias biológicas à consolidação da arquitectura biónica 25

1.1 Definições gerais de conceitos 29

1.2 História das analogias biológicas na arquitectura (séc.XVIII a séc.XX) 35

1.3 História de um novo tipo de arquitectura (séc.XX a séc.XXI) 53

1.3.1 O protagonismo do grupo alemão «Biologia e Construção» 55

1.3.2 Evolução das ferramentas (digitais) 57

2. Categorização da arquitectura biónica 65

2.1 Forma e Estrutura (Morfologia) 71

Casos-de-estudo (autores): Paxton; Gaudí; Eero Saarinen; Utzon; Kenzo Tange; Gehry; Sorkin; Calatrava

2.2 Função e Performance 85

Casos-de-estudo (autores): Invernizzi e Gagiuoli; Grimshaw and Partners; Eugene Tsui; Greg Lynn; Wilkinson Eyre; Buckminster Fuller; Foster and Partners

2.3 Dúvidas em relação à organicidade da arquitectura biónica 99

Casos-de-estudo (autores): Frederick Kiesler; MIT

3. O futuro da arquitectura biónica 107

3.1 Análise comparativa entre casos-de-estudo 111

3.2 Discussão sobre o futuro da arquitectura biónica 121

3.2 Relação espontânea utópica 133

Conclusões 141

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Se às vezes digo que as flores sorriem | E se eu disser que os rios cantam, | Não é porque eu julgue que há

sorrisos nas flores | E cantos no correr dos rios. | Porque escrevo para eles me lerem sacrifico-me às vezes |

À sua estupidez de sentidos… | Não concordo comigo mas absolvo-me, | Porque só sou essa coisa séria, um

intérprete da Natureza, | Porque há homens que não percebem a sua linguagem, | Por ela não ser

linguagem nenhuma.1

(Alberto Caeiro)

1 CAEIRO, Alberto, Obras completas de Fernando Pessoa – Poemas de Alberto Caeiro, 9ª ed., Lisboa, Edições Ática, 1991, organizado por Luiz de Montalvor, p.56

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Fig.1 A pequena gota de água que acaba por se perder na imensidão do mar

(Frei Otto)

Fig.2 O universo das formas

(Frei Otto)

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A natureza como elemento inspirador

Porquê ideias biológicas na arquitectura?

Natureza, s. f. (redução de naturaleza, de natural, se não mesmo derivado de natura) Conjunto de

todos os seres de que se compõe o universo e dos fenómenos que nele se produzem. | Deus, a causa

do universo. | As manifestações das forças naturais numa determinada região; aspecto paisagem. |

O organismo, o conjunto dos órgãos e aparelhos do corpo humano, considerado em si e nas suas

funções. | Conjunto das forças que presidem aos diversos fenómenos de que os seres criados são

objecto no espaço e no tempo. | Espécie, qualidade, jaez. | A essência de ser eterno e necessário; a

essência, o âmago dos seres abstractos. | Causa, sintoma, condição, efeito, circunstância. |

Natureza, por oposição à arte, designa as coisas naturais em geral, ou uma coisa natural em

particular. | Criar, viver à lei da natureza, criar, viver livremente, à margem das normas sociais, das

convenções.2

Comecemos por definir o que entendemos por natureza, para com tal percebermos

em que sentido esta é considerada como inspiração na arquitectura. Retomando a

definição enciclopédica, a natureza tanto diz respeito ao “conjunto de todos os seres

de que se compõe o universo e dos fenómenos que nele se produzem” como, num lado

mais esotérico, podemos entendê-la como criação divina de tudo o que nos rodeia. A

natureza é assim entendida como a representação e criação de tudo o que compõe o

universo, não sendo por isso necessário elevar o conceito e as comparações que se

seguem a uma extensão maior do que a própria Terra.

No presente estudo, a natureza é entendida mais do que como inspiração e

contemplação da essência natural que nos rodeia, focando-se também a natureza do

corpo e suas funções biológicas, a paisagem e, como veremos posteriormente,

também a matemática. É interessante relembrar que a natureza, “por oposição à arte,

designa as coisas naturais em geral, ou uma coisa natural em particular”; e que

segundo a definição enciclopédica viver à lei da natureza corresponde a uma vida livre

de “normas sociais e convenções”. Constata-se por mera coincidência ou conveniência,

que as obras arquitectónicas consideradas dentro dos parâmetros orgânicos ou

naturais, inspirados na natureza e metaforização biológica, demonstram

frequentemente uma certa liberdade de critérios e convenções. Poderemos afirmar

que os casos-de-estudo e respectivos criadores criam à lei da natureza? Será então

toda uma obra criativa livre de preconceitos, natural?

Após esta definição de natureza, aborde-se o porquê das ideias biológicas na

arquitectura.

2 Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Lisboa: Publicações Alfa S.A, 1991, Volume IV, p.586

11

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Fig.3 Massas minerais : montanhas, vulcões, cristais e basalto

(Frei Otto)

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A caracterização de certos objectos e edifícios através da metáfora biológica confere-

lhes um certo lado descritivo e comunicativo, tanto a nível individual como cultural.

Para Philip Steadman, em “The Evolution Of Designs”, e para os autores do artigo

“Discussions on Theories of Bionic Design”, os conceitos de “correlação” ou

“integração”, usados para expressar a relação de harmonia presente na concepção

biológica de um organismo (como a relação organizada entre os órgãos de um ser-

vivo), podem ser aplicados para descrever qualidades semelhantes na arquitectura. De

facto, os autores verificam que a adaptação e correlação de um organismo ao meio-

ambiente pode ser comparada com a de um edifício ao meio que o rodeia. No

entanto, apesar dos arquitectos recorrerem com frequência à biologia, Philip

Steadman3 não deixa de recordar que esta história é seriamente fragmentada, apesar

da actualidade do tema. Para o autor é surpreendente que ainda não tenha sido

escrito um livro dedicado à história da teoria da analogia biológica.4

De acordo com as afirmações de Aristóteles, no seu livro “On the Parts of Animals”, a

operação da natureza é feita com um propósito ou objectivo, para a sua “causa final”,

e pela sua “intrínseca finalidade”. O facto de os humanos estarem no topo da

hierarquia da natureza não é por os seus órgãos ou funções estarem mais

desenvolvidos, mas por usarem o pensamento lógico e analítico, e terem desenvolvido

o sistema de expressão da ‘linguagem’.5

O atrevimento de se afirmar que o Homem é paragono aos animais, deve ter em conta

que tal afirmação se baseia no facto do Homem ter modificado o seu meio-ambiente

natural para o adaptar à sua inteligência, mas não por ser superior a outros animais.

Ou seja, apesar dos animais terem inteligência inferior à dos seres-humanos, estes

adaptam-se melhor às complexas circunstâncias do meio-ambiente natural. Como tal,

a inteligência que surge da evolução é algo com que os humanos deviam aprender.6

A natureza engloba uma diversidade de sistemas e de mecanismos (como as plantas,

rochas, céu e mar), todos filhos de uma complexidade natural. A arquitectura, quando

relacionada com a natureza, também pode ser subdividada pelo tipo de analogias que

estabelece, dependendo de como as categorizamos. Admitindo que os animais

adaptam-se frequentemente melhor aos diferentes ambientes, não seria absurdo que

a arquitectura tentasse aprender com estes. De facto, muitos arquitectos defendem

que problemas que surgem na arquitectura podem estar já resolvidos no sistema da

3 STEADMAN, Philip, The Evolution Of Designs – Biological Analogy In Architeture And Applied Arts, Cambridge: Cambridge University Press, 2008 (1979), p.XV 4 Idem, p.8 5 ARISTÓTELES, On the Parts of Animals, livro 1, parte 5, secção 645 citado em THOMPSON, D’arcy Wentworth, On Growth and Form, Cambridge University Press, Cambridge, 1917 p.8 6 WAN-TING, Chiu, SHANG-CHIA, Chiou, Discussions on Theories of Bionic Design, Graduate School of Design Doctoral Program, National Yunlin University of Science and Technology p.7

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Fig.4 À esquerda: fases de crescimento de um sapo; À direita: fases de crescimento do Homem

(Frei Otto)

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natureza. Por exemplo, os animais e as plantas possuem um sistema de protecção

perfeito, onde se verifica uma grande eficiência no seu conjunto com um mínimo de

gastos energéticos; esta é uma faculdade que podia ser mimetizada na arquitectura do

futuro. Os autores do artigo “Discussions on Theories of Bionic Design” exploram a

potencialidade desta arquitectura. Para estes, a evolução tecnológica, se serve o

homem, peca por ser altamente demorada – sendo necessário investir muito tempo

para que esta evolua. Desta maneira, podíamos emprestar da natureza o tempo que

essa investiu na evolução orgânica de homólogos naturais.7

Para além de muitas outras razões, a natureza é fonte fértil de ideias.

Frei Otto, em “Architecture et Bionique”, inicia a discussão com a ideia de que todos os

objectos materiais são construções da natureza. Estes são constituídos por elementos

e partes mais pequenas. Tal acontece tanto na natureza como a tudo o que fez o

Homem. Para o autor, todos os objectos materiais são, no sentido estrito do termo,

construções da natureza.8

Ao falar-se de construções naturais, não associamos a natureza a tudo o que nos

rodeia, visualizamo-la dentro de parâmetros específicos (o mesmo deve acontecer

relativamente a “atitudes naturais”). A técnica é uma ferramenta criada por um

“objecto” natural, o Homem, permitindo-se afirmar no resto da natureza ou contra

esta, de forma anti-natural. Considerando a técnica como um produto do Homem,

esta também é parte integrante da natureza.9

Tal como Wan-Ting em “Discussions on Theories of Bionic Design”, e Aristóteles em

“On the Parts of Animals”, Frei Otto defende que o Homem domina a natureza porque

aprendeu a usá-la. O autor reconhece que este interfere com a natureza, a perturba e

aniquila. Como tal, resta ao Homem investir em maneiras de salvaguardá-la. “Este já

não procura lutar contra a natureza, mas integrar-se nesta. Para isso, ele utiliza

técnicas próximas da natureza.” É a isso que o autor se refere quando menciona a

construção natural.10

Por o Homem ter finalmente compreendido a necessidade de preservar a natureza

(responsabilidade ecológica), mais atenção confere às ideias biológicas. Apesar de

serem discutíveis maneiras do Homem causar menos impacto na natureza,

nomeadamente situações de impacto ambiental.

7 Idem, p.7 8 OTTO, Frei, Architecture et Bionique – Constructions Naturelles, Denges, Editions Delta & Spes SA, 1982, p.8-9 9 Ibidem 10 Ibidem

15

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Fig.5 Esboço de uma estrutura que se assemelha a uma coluna vertebral

(Frei Otto)

Page 25: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Certo é que muitas vezes os padrões da natureza inspiraram os arquitectos. Estes

tentaram construir dialogando com esta, apesar de termos demonstrado por alguns

autores que, pelo contrário, as técnicas têm sido na maioria das vezes um adversário

da própria. Frei Otto refere que o Homem, temendo as forças da natureza, protegia-se

em edifícios, pela arquitectura. No entanto, é inegável que a natureza sempre foi uma

forte inspiração. Assim como Steadman reconhece as vantagens da metáfora biológica

numa obra, outros autores admitem o potencial inspirador da invenção natural, e sua

diversidade. Chegamos mesmo a ver como é redundante discutir este assunto, ao nos

questionarmos se tudo não faz parte da natureza, mesmo o que parece ameaçá-la. As

construções são obra do Homem e o Homem obra da natureza, serão todas as obras

naturais? Aqui chegando, arriscamos sumarizar o porquê das ideias biológicas na

arquitectura.

Porquê ideias biológicas na arquitectura?

● Porque a metáfora biológica confere um lado descritivo e comunicativo à arquitectura ou obra

de arte;

● Porque a arquitectura e a biologia partilham semelhanças de “correlação” e “integração”,

como a adaptação do organismo/arquitectura ao meio-ambiente;

● Porque apesar da diferença entre a inteligência animal e humana (que reside no facto do

Homem ter modificado o meio-ambiente natural para se adaptar à sua inteligência) podemos

aprender com as capacidades de adaptação dos animais ou dos organismos;

● Porque os problemas que surgem na arquitectura podem estar já resolvidos na natureza,

sendo que esta pode “emprestar” o tempo que investiu na sua evolução;

● Pela diversidade que encontramos na natureza – rochas, plantas, animais, céu, mar –

transmitida na diversidade de analogias que podem ser feitas, e por esta diversidade ser uma

fonte fértil de ideias;

● Porque todos os objectos e materiais são construções da natureza, uma vez que o próprio

Homem é uma criação da natureza;

● Porque no âmbito de uma atitude ecológica, o Homem pretende investir em maneiras de

salvaguardar a natureza, e essa meta pode passar pelo uso de técnicas próximas desta.

17

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Fig.6 e 7 Em cima: desenho geométrico de uma espiral; Em baixo: secção de um Náutilos

(D’arcy Thompson, On Growth and Form)

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De seguida iremos analisar a obra de D’Arcy Thompson, “On Growth and Form”, e seus

contributos matemáticos, geométricos e biológicos. O referido autor, aprofundando os

conceitos de tempo, espaço e massa, chegou à conclusão que o nosso conhecimento e

necessidades estão satisfatoriamente associados ao conceito de número (à

matemática) – “como nas visões e sonhos de Pitágoras”11. De facto, aos olhos do

autor, “A precisão numérica é a verdadeira alma da ciência”12. Este tinha como

objectivo calcular matematicamente todos os fenómenos da natureza. O número

traduziria as suas teorias e experiências formuladas ao longo dos anos.

Invocar o associar de matemática ao campo da natureza é uma tarefa difícil, tal como

pode ser difícil e grotesco tratar o homem apenas como um mecanismo –

principalmente para amantes da natureza como Johann Wolfgang Goethe. Este não

compreenderia a ambição de Thompson de traduzir por linguagem matemática a mais

simples forma orgânica, tarefa de difícil concretização: se previsível a

“imprevisibilidade” da natureza.13

De facto, Thompson recorre muito a Goethe para exemplificar a relutância existente à

abordagem matemática da natureza. Goethe, na sua obra “Wahrheit und Dichtung”,

ao se deparar com uma forma geométrica simples (como as formas hexagonais da

colmeia) prontamente a explicava associando-a ao instinto animal, ou à habilidade e

ingenuidade; em vez de a associar às operações da força física ou às leis da

matemática, claramente presentes na forma animal. Por exemplo, a forma de um

caracol, náutilos ou concha é explicada pelas formas radiais que se aproximam de uma

esfera ou espiral. Goethe é inclinado a acreditar que há “algo mais” que uma esfera ou

uma espiral, não explicável por matemáticos ou físicos. Em suma, mostra relutância na

comparação do que é vivo com o que não é, ou em explicar mediante geometria ou

mecânica coisas que permanecem um mistério da vida. “Ainda mais importante, este

não sente a necessidade de tais explicações”14. Segundo Thompson:

“It may be that all the laws of energy, and all the properties of matter, and all the chemistry (…) are

as powerless to explain the body as they are impotent to comprehend the soul. For my part, I think

it is not so.”15

Portanto, Thompson defende que os fenómenos da natureza podem ser traduzidos

matemática ou cientificamente. Não só a forma da colmeia, ou das espirais das

conchas; mas também a distribuição geográfica dos pássaros, as teias de aranha e

tudo o que aparente não mais que simples acções de adaptação inteligentes e belas

11 THOMPSON, D’arcy Wentworth, On Growth and Form, Cambridge, Cambridge University Press, 1917, p.5-8 (Trad. do autor) 12 Ibidem 13 Ibidem 14 Ibidem 15 Ibidem

19

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Fig.8 Morfologia do crânio de um cavalo

(D’arcy Thompson, On Growth and Form)

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dos seres vivos. Enquanto para naturalistas como Goethe há uma relutância em

associar o belo ao matemático.16

Thompson admitiu que o estudo da química, das leis da energia, da física ou da

matemática poderia nunca vir a explicar a essência da alma, ou mesmo a frieza e

escuridão da morte; mas o autor acreditava que sim. Confiante na ciência, este

entendia que o crescimento gradual ou parcial da forma dependia de vários aspectos,

daí o nome da sua obra: “On Growth and Form”. Uma das principais descobertas do

zoologista escocês foi a análise das variações na morfologia dos animais usando

grelhas deformáveis, que produziam linhas curvas impostas pelas mudanças na forma.

Thompson foi um dos primeiros cientistas a reparar nas forças gradientes através da

curvatura.17

Reforçamos que, para o autor, não existem formas orgânicas, pois estas estão em

conformidade com simples leis físicas.

Resumindo, nesta introdução propusemo-nos explicar o porquê da natureza como

elemento inspirador, e/ou o porquê das ideias biológicas na arquitectura (no qual se

formulou um quadro síntese). Tal como Steadman (entre outros que sentiram o

fascínio pelas lógicas naturais), defendemos que a arquitectura não escapa às

metáforas biológicas. Deste modo, a arquitectura pode assumir semelhanças com a

natureza e ser inspirada por esta, estabelecendo relações de comparação ou imitação.

No entanto, a natureza (bem como o conceito de organicidade), pode ser entendida

de várias maneiras.

Ao primeiro olhar, a natureza transmite-nos uma sensação de fluidez, de inesperado,

de "orgânico", natural, divino, bucólico e inexplicável. Olhando-a sob o ponto de vista

de D'Arcy Thompson, podemos entendê-la inversamente, quase como a sua antítese.

Para Thompson, a natureza está satisfatoriamente associada à matemática e à física.

Para este não há fenómenos inexplicáveis nem mesmo orgânicos, “pois estão em

conformidade com simples leis físicas”18

. No nosso entender, interessa-nos reconhecer

este dilema inicial: a natureza entendida como relação espontânea, orgânica e livre; e

a natureza entendida como matemática, regida por leis fixas e previsíveis. Não

obstante, encontramos em ambos a natureza como objecto de análise.

Concluindo, a introdução da presente dissertação finaliza com a polémica da

matemática na natureza, arruinando o cenário bucólico e metafísico pré-existente.

Reforça-se que o dilema da matemática versus liberdade, bem como os conceitos

16 Ibidem 17 LYNN, Greg, Animate Form, Princeton, Princeton Architectural Press, 1999, p.19-20 18 THOMPSON, D’arcy op.cit, p.9

21

Page 30: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.9 Teia de aranha

(Mike Hansell, Built by Animals)

Page 31: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

referidos nesta introdução, atravessarão todos os capítulos posteriores. Reforça-se

que todos os livros e autores mencionados provam desde já o interesse que o tema

suscita, sendo que este não pode deixar de atender a diferentes áreas. Para

eventualidades futuras, regista-se a necessidade de definir a biologia como parte

integrante da natureza.

Em suma, a natureza é elemento inspirador e pode ser usado tanto para justificar a

espontaneidade e liberdade dos nossos actos, como para consciencializar que ao fazê-

lo estaremos a negar a sua previsibilidade, talvez pelo erro precoce da sua definição.

23

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Page 33: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

1. Das analogias biológicas à consolidação da arquitectura

biónica. Enquadramento teórico e histórico

Page 34: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA
Page 35: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Neste capítulo pretenderemos, num primeiro momento, esclarecer a terminologia de

termos como Biónica, Biomimética, Analogia Biológica, Biodesign, Biotécnica entre

outros. Apesar de distintos, estes termos são frequentemente usados como

sinónimos, admitindo-se alguma sobreposição nos conceitos. A interpretação não é

rígida e tão pouco está consolidada no campo da Arquitectura.

Num segundo momento, procedendo a um enquadramento teórico e histórico, será

exposto o sistema de divisão de Steadman no livro “The Evolution of Designs –

Biological Analogy In Architecture And Applied Arts”; onde o autor, ao confrontar-se

com a existente e complicada divisão temporal na história das analogias biológicas,

optou por agrupá-las produtivamente segundo o tipo de analogia que estas

apresentavam, ao invés de as colocar numa sequência cronológica. A exposição estará

no entanto cruzada com as opiniões de outros autores, pelo que será apenas

emprestado o seu sistema de divisão das analogias: analogia classificatória, analogias

anatómicas e estruturais e analogias ecológicas.

Por último, o produto da arquitectura do século XX e XXI fica neste capítulo

estruturado em dois pontos: o grupo de trabalho alemão «Biologia e Construção»

(onde são dados importantes passos no campo da biologia e construção e, por isso

mesmo, na Biónica); e na evolução das ferramentas (digitais). De facto, o actual

ressurgimento do interesse na analogia biológica deve-se, em grande parte, à

introdução dos métodos computorizados no desenho nos anos 80; enquanto os anos

90 antecederam um novo tipo de arquitectura biomórfica, através de algoritmos

genéticos e outras técnicas programáticas. Por estas razões, justifica-se o fecho do

capítulo com um assunto que confere um enquadramento não só histórico como

teórico relevante para a actualidade, e que se estenderá por capítulos posteriores.

Em suma, de Viollet-le-Duc a Greg Lynn completamos um ciclo histórico de analogias

biológicas. O presente capítulo caracterizará o passado, construindo bases para o

desenvolvimento posterior do estudo.

27

Page 36: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.10 Esquema ilustrativo dos diferentes conceitos e suas relações

Page 37: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

1.1 Definições gerais de termos

Avancemos nas definições das terminologias:

Segundo os autores de “Discussions on Theoris of Bionic Design” o termo BIÓNICO, em

inglês bionics, foi usado em 1958 pelo americano Jack E.Steele, o qual expandiu o seu

uso mais tarde em 1960. Nessa altura “biónico” referia-se à transformação da

tecnologia em vida, também conhecida por biomimética, biognose, biomimetismo ou

engenharia biónica criativa. Steele abordou inúmeras tentativas de mimetizar órgãos e

criar próteses médicas (por exemplo fígados artificiais), chegando a ambicionar a

criação de robots antropomórficos e cibernéticos. (Atende-se que mais tarde o termo

biónico foi aplicado às artes, que relacionava o humano e a natureza com o

desenho).19

Os mesmos autores referem que o termo BIOMIMÉTICA, em inglês biomimetics,

reflecte a combinação de duas palavras - “Bio” e “Mimética”. Tal como a palavra

insinua, a biomimética diz respeito ao mimetismo na biologia. Isto significa que os

animais podem imitar um certo organismo – em termos de aparência, cor ou

comportamento – para benefício da sua subsistência. A biomimética foca a interacção

entre o organismo e o meio-ambiente. De facto, o comportamento de imitação de

certos animais é formado acidentalmente pela necessidade de adaptação destes ao

meio-ambiente. (Atende-se que a biónica também pode ser considerada como o

estudo da sabedoria da natureza e a ciência de imitar certas habilidades dos animais,

sendo que também integra o conceito de biomimetismo).20 Quando aplicada à

arquitectura, a biomimética foca o mimetismo biológico que o edifício apresenta. Tal

como os animais “copiam” capacidades de outros animais ou organismos; o

Homem/arquitecto/edifício também. Assim sendo, uma vez que os animais o fazem

para se integrarem no meio-ambiente; também a arquitectura o deve fazer.

Em adição Steadman refere que o termo biomimético foi criado por Otto Schmitt em

1950. O autor menciona ainda Janine Benyus, por esta ter listado três tipos de

abordagens biomiméticas: métodos naturais de manufactura; mecanismos e

estruturas encontradas na natureza; e princípios organizacionais no comportamento

social dos animais.21

Há também argumentos a favor da separação das formas biónicas da biologia, que

propõem o termo BIODESIGN para se referir à transformação da aparência de um

19 WAN-TING, Chiu, SHANG-CHIA, Chiou, Discussions on Theories of Bionic Design, Graduate School of Design Doctoral Program, National Yunlin University of Science and Technology, p.2 20 Idem, p.3 21 STEADMAN, Philip, The Evolution Of Designs – Biological Analogy In Architeture And Applied Arts, Cambridge, Cambridge University Press, 2008 (1979), p.260

29

Page 38: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.11

(Homes without Hands, Rev.J.G.Wood)

Page 39: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

“objecto” em algo que aparenta inspiração biológica, mas que pode ser circunstancial.

Este termo é usado com mais frequência na criação de objectos de designers e não por

arquitectos, em construções arquitectónicas. (Atende-se que o biodesign geralmente

associa-se à tecnologia).

O termo BIOTÉCNICA, em inglês biotechnics, é usado por Steadman em “Evolution of

Designs”, no seu capítulo “‘Biotechnics’ – plants and animals as inventors”. O termo

significa o uso das invenções da natureza como protótipos das invenções humanas. A

história da ideia biotécnica é difícil de reconstruir, mas parece ter originado na

tradição de alguns livros populares em estabelecer analogias entre a natureza e as

máquinas, publicados desde 1870. Entre os autores mais conhecidos destaca-se

J.G.Wood, que escreveu uma série de livros sobre a história natural para o leitor

comum, incluindo um estudo sobre a arquitectura animal, “Homes without Hands”.22 A

sua intenção era exprimir a ligação próxima entre a natureza e as invenções humanas,

sendo que para este quase não há invenção do Homem que não tenha o seu protótipo

na natureza.

Wood acreditava que, se muitas das ferramentas e máquinas do Homem foram

inspiradas na natureza ou antecipadas em adaptações orgânicas, é certo ser na

natureza que se encontram os protótipos das invenções ainda não descobertas pelo

Homem:

“There is scarcely an invention of man that has not its prototype in Nature (…) so it will be surely

found that in Nature lie the prototypes of inventions not yet revealed to man”23

Steadman refere que o conceito de biotécnica voltou a atrair os olhares curiosos no

final dos anos 1920/30. A proposta da biotécnica era: na evolução das plantas e dos

animais, a natureza ela mesma já teria feito uma grande variedade de “invenções”.

Estas invenções resolveram de maneiras engenhosas todo o tipo de problemas

funcionais, estruturais, mecânicos, químicos ou eléctricos. Logo, a solução para os

problemas e necessidades técnicas podia ser encontrada nos “modelos da natureza”,

na sua engenharia, com aplicação nas máquinas ou outras estruturas.24

Além da biónica, referente à transformação da tecnologia em vida; da biomimética,

referente à mimetização de propriedades biológicas; e da biotécnica referente à

procura de soluções na natureza; alguns objectos sondam respostas na natureza de

22 WOOD, Rev. J. G. Wood, Homes Without Hands, Nova Iorque, D.Appleton & Co., 1866, p.14, disponível em google.pt/books 23 Idem 24 STEADMAN, op.cit., p.153-162

31

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Page 41: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

maneira mais descomprometida. Os que obedecem a uma propriedade biológica

“descaracterizada” são resumidos a DESENHOS DE INSPIRAÇÃO BIOLÓGICA.25

Relativamente às ANALOGIAS BIOLÓGICAS, no livro “Changing Ideals in Modern

Architecture 1750-1950”26

, o arquitecto Peter Collins inclui um capítulo no qual discute

a ideia de analogias biológicas (assim como Philip Steadman que lhes dedica um livro).

Collins refere que a origem das analogias biológicas começou no ano 1750. Este

propunha retirar ideias das funções da natureza, estrutura e forma, assim como da

evolução biológica, e aplicá-las ao desenho – chamando a isto a aplicação de analogias

biológicas. (Atende-se que apesar do termo não ser idêntico, pode-se associar com a

biónica.)

Resumindo, a natureza é uma prodigiosa inventora, tendo esta incentivado a

proliferação de termos biológicos durante muitos anos.

25 WAN-TING, Chiu, SHANG-CHIA, Chiou, op.cit, p.3 26 COLLINS, Peter, Changing Ideals in Modern Architecture, Canada, Faber and Faber Limited, 1965, p.149

33

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Fig.12 Urpflanze

(Goethe)

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1.2 O desenvolvimento das analogias biológicas na arquitectura (segundo a

obra de Philip Steadman)

“The most expert Artists among the Ancient (…) were of the Opinion that an Edifice was like an

Animal, so that in the Formation of it we ought to imitate Nature.”27

Após descrever a origem e terminologia de conceitos biológicos interessa, neste

capítulo, e segundo a obra de Philip Steadman, explorar diferentes tipos de analogias

biológicas feitas ao longo do tempo na arquitectura. Apesar do termo biónico ter sido

primeiramente concebido em meados do séc.XX, houve sempre uma necessidade por

parte dos arquitectos em procurar inspiração biológica no “princípio” da ciência em

fins do séc.XVIII, inícios do séc.XIX. Steadman afirma que os arquitectos solicitaram a

ciência não só no sentido de imitar as formas das plantas e animais, mas para

encontrar metodologias que se assemelhassem ao processo de crescimento e

evolução da natureza. 28

A “correlação das partes”; a “coerência” e a “unidade” no corpo orgânico; o uso das

regras anatómicas para a reconstrução fóssil; a classificação das espécies com

referência à função; e a relação dos organismos com o seu meio-ambiente; seriam

alguns dos tópicos mais presentes na comparação directa ou indirecta entre a biologia

e a arquitectura.

A analogia das classificações. (Possíveis paralelismos entre “famílias de

espécies” e “famílias arquitectónicas”)

Segundo Steadman, em primeiro lugar, das vastas analogias possíveis entre

arquitectura e biologia, está a analogia das classificações. De facto, muita da história

do séc.XVIII foi dedicada à questão da classificação, ou sistematização. Constatou-se

que havia uma continuidade existente entre espécies, que desencadearam vários

processos ou tentativas de agrupamento. Com o desenvolvimento de técnicas de

classificação, pretendeu-se determinar diferenças visíveis e semelhanças formais entre

espécies, e agrupá-las em famílias. Isto também desencadeou a criação de modelos

biológicos hipotéticos como a Uprflanze de Goethe.29

Durante o séc.XVIII também os teóricos da arquitectura depararam-se com uma

grande quantidade de material desorganizado, e com uma variedade histórica de

construções e estilos. A teoria da arquitectura teve de ordenar o material e organizá-lo

27 ALBERTI, L.B, The Ten Books on Architecture, trans. J.Loni, London, 1955, livro 9, p.194 28 STEADMAN, Philip, The Evolution Of Designs – Biological Analogy In Architeture And Applied Arts, Cambridge,

Cambridge University Press, 2008 (1979), p.21-30 29 Ibidem

35

Page 44: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.13 Forth Bridge, Escócia, 1883-1890

Fig.14 e 15 À esquerda: Torre Eiffel (Gustav Eiffel, 1889); À direita: Diagrama de forças do

fémur humano

Page 45: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

segundo um esquema ou estilo (classificação e análise de tipos de edifícios, assim

como variações de acordo com a geografia e história). Segundo Steadman,

paradoxalmente, tal não deixou de afectar a arquitectura do séc.XIX, criando um

“ecleticismo caótico” – sendo que vários estilos históricos renasceram e foram

adoptados.30

Paralelamente à arquitectura, a biologia deparou-se com o aumento do número de

espécies naturais conhecidas à ciência durante o século XVIII (como resultante das

descobertas e expedições); levando aos descritos esforços na classificação de espécies.

Assim, a geográfica variedade de estilos na arquitectura encontrou correspondência

com a variedade de espécies vivas. Por exemplo, estilos históricos reconstruídos e

evidências arqueológicas teriam como paralelo as espécies fósseis.31

Analogias anatómicas e estruturais. (Sistemas geométricos de proporção e

harmonia derivados da natureza e aplicados às artes)

De acordo com Steadman, e relativamente às analogias anatómicas e estruturais, é

essencial referir filósofos desde a Grécia que viram nos organismos da natureza,

modelos perfeitos de equilíbrio harmonioso e proporção entre as partes do desenho,

expressando a ideia clássica de beleza. Por exemplo, as qualidades de unidade,

integridade e pureza numa estrutura; ou o somatório das partes que contribuem para

a construção de um todo; são características de tal visão.32 Encontramos estes

conceitos centrais na estética e história de Aristóteles.

Aristóteles, em “On the Parts of Animals”, afirmava que a nossa percepção de beleza

nos animais surgiu através de uma apreciação racional da estrutura das suas partes e

funcionamento dos seus órgãos. A visão de Aristóteles compreendia o edifício que

servia um propósito, ou uma função, transmitindo a sua beleza pelo papel que

desempenhava.33

Steadman alerta-nos, que para os defensores do funcionalismo e da estética, é o papel

eficiente de cada órgão na engrenagem do corpo, a razão do nosso prazer estético

perante a forma das criaturas. Assim sendo, o nosso agrado e satisfação depende de

uma percepção intelectual mais do que uma impressão visual e estética.34

30 Idem, p.31-53 31 Ibidem 32 Ibidem 33 ARISTÓTELES, On the Parts of Animals, Londres, K.Paul French & Co, 1882, livro 1, parte 5, secção 645

disponível em www.archive.org 34 STEADMAN, Philip, op.cit., p.9

37

Page 46: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.16 Figura humana inscrita na planta de uma igreja (Francesco di Giorgio)

Fig.17 Diagrama comparando a estrutura da arquitectura gótica com o esquelecto humano

(A.Bartholomew)

Fig.18 Pavilhão Carlos Ramos, F.A.U.P (Álvaro Siza Vieira)

Page 47: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Neste sentido, entende-se que arquitectos, que lidam com problemas estáticos e de

distribuição de peso e força, se interessem pela área da biologia e anatomia. Por

exemplo, a ponte Forth Bridge, um dos grandes trabalhos de engenharia Victoriana, foi

desde sempre usada pelos arquitectos para exemplificar um caso de beleza e

funcionalidade.

A mesma ponte é tomada por Thomspon, em “On Growth and Form”, para

comparação às raízes ou caules das plantas (verifica-se uma analogia de estruturas

anatómicas em estruturas de engenharia).35 Steadman apoia a analogia, referindo:

“The analogy is more than poetically true. In art as in nature an organism is an assemblage of

interdependent parts of which the structure is determined by the function and of which the form is

an expression of the structure.”36

Thompson não deixa de referir a torre de Gustave Eiffel (1889), símbolo universal de

Paris, cujos elementos estruturais foram baseados no fémur humano.

Segundo Steadman, as primeiras analogias biológicas feitas na arquitectura podem ser

consideradas, em comparação com invenções posteriores, ingénuas e imediatas.

Reflectiam uma época clássica e sustentavam um efeito antes poético. Muitas destas

analogias entre edifícios e animais baseavam-se apenas na semelhança simétrica

bilateral entre estes.

Neste sentido, um dos primeiros exemplos a referir poderia ser a comparação entre a

planta de um edifício religioso e o corpo humano, por Giorgio Vasari (1511-1574). A

simetria encontrada no edifício era equivalente à encontrada no corpo humano. Tais

visões podiam ser expressas em diagramas onde a figura humana, que tinha uma

importância significativa na arte Renascentista, podia ser inscrita na planta de uma

igreja. Para além desta comparação, Vasari compara a fachada de um palácio com a

cara humana: a porta central com a boca, as janelas simétricas com os olhos.37

Atenda-se à comparação semelhante com a face humana que podemos encontrar nas

fachadas de Siza Vieira, da Faculdade de Arquitectura do Porto.

Por outro lado, Greg Lynn sugere: “[symmetry is] the cheapest form of beauty”38.

Para Steadman, entre muitos outros autores, uma das figuras mais importantes na

leitura das analogias biológicas foi Georges Cuvier (1769-1832). Cuvier publicou dois

livros de interesse referentes ao presente tema: “Rapport Historique sur le Progrès des

35 THOMPSON, D’arcy Wentworth, On Growth and Form, Cambridge, Cambridge University Press, 1917, p.52 36 SCHUYLER, M., ‘Modern Architecture’, Architectural Record 4, 1894, p.1–13 37 STEADMAN, Philip, op.cit., p.10 38 LYNN, Greg, Animate Form, Princeton, Princeton Architectural Press, 1999, p.7

39

Page 48: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.19 Imagem ilustrativa da teoria da reconstrução fóssil de Georges Cuvier

Fig.20 Georges Cuvier

Page 49: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Sciences Naturelles” (1808) e “Leçons d’Anatomie Comparée” (1800). O autor

acreditava (como Aristóteles) na integridade funcional inalterável de um organismo,

em que cada órgão e cada parte de um animal têm um papel único e necessário.

Juntos complementam-se entre si, as acções dos animais e a sua maneira de viver. De

facto, duas das mais importantes regras anatómicas ditadas por Cuvier foram: a

correlação das partes e a subordinação de caracteres. Atende-se que o trabalho de

Cuvier inspirou arquitectos como E.E.Viollet-le-Duc e G.Semper, que expuseram os

métodos de Cuvier como modelos no estudo dos edifícios em França e na Suíça em

meados de 1850). De facto, muito do que Cuvier escreveu sobre anatomia podia ser

aplicado na arquitectura. Foram os princípios estruturais subjacentes na base

intelectual dos edifícios góticos, que Viollet-le-Duc quis demonstrar em primeiro lugar

nos seus escritos.

“Just as when seeing the leaf of a plant, one deduces from it the whole plant; from the bone of an

animal, the whole animal; so from seeing across-section one deduces the architectural members;

and from the members, the whole monument.”39

Viollet-le-Duc defendia a possibilidade de um historicista ou arquitecto poder

reconstruir toda a estrutura de um edifício, apenas conhecendo parte deste. Tal ideia

era claramente baseada na teoria de reconstrução fóssil de Cuvier, o qual defendia

que através da análise de um osso fóssil poderíamos deduzir o restante esquelecto –

com base nas suas regras de ‘correlação das partes’ e ‘subordinação de caracteres’.

Assim, as abordagens de Cuvier e de Viollet-le Duc coincidiram com estudos biológicos

importantes em termos de analogias anatómicas, permitindo uma comparação entre

estruturas de engenharia e os esquelectos animais.

Como referido, Viollet-le-Duc ficou conhecido pelo seu trabalho de reconstituição de

monumentos góticos em França, aludindo a Cuvier pela possibilidade de usar as suas

regras anatómicas na reconstrução de “fósseis arquitectónicos”.40

Viollet-le-Duc e Gottfried Semper seguiram estilos diferentes (Gótico e Clássico

respectivamente), mas ambos basearam-se em estudos de Cuvier. Steadman aponta

que estes conseguiram escapar à influência da história da arquitectura.41

Uma importante consequência da regra de ‘correlação das partes’ de Cuvier era a

relevância das relações funcionais e simultâneas entre vários órgãos. As proporções e

dimensões do animal devem resultar numa combinação sistemática, tal que o

aumento hipotético de um animal não significa necessariamente o aumento do

39 VIOLLET-LE-DUC, E. E., Dictionnaire Raisonné de l’Architecture Française du XIe au XVIe Siècle, Paris, ‘Style’, 1854-68, 8/10 vol., p. 482 referido em STEADMAN, Philip, op.cit, p.38-41 40 STEADMAN, Philip, op.cit, p.45 41 WILLIAMS, Hugh Aldersey, Zoomorphic – New Animal Architecture, London: Laurence King Publishing Ltd, 2003, p.34

41

Page 50: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.21 Étienne Jules Marey, oscilações do galope do cavalo

Fig.22 Étienne Jules Marey, o voo do pelicano

Page 51: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

tamanho dos órgãos equivalente. Por exemplo, um pássaro com a dimensão do corpo

duas vezes maior que outro teria um peso oito vezes superior – em proporção ao

volume. Autores como Steadman apontaram para a relevância deste efeito entre os

sistemas de proporção na arquitectura e problemas estruturais de engenharia de um

edifício.42

Em engenharia, o estudo deste problema é denominado por “análise dimensional”,

tendo implicação na construção de pontes, vigas e outras estruturas que têm o mesmo

tamanho e desenho, mas que variam na força de acordo com o seu tamanho absoluto.

Um modelo que seja semelhante à estrutura original não nos dá uma representação

da performance mecânica fiel à escala.43

D’Arcy Thompson, no seu capítulo “On Magnitude”, dedicou-se ao princípio da

similitude, que tem muitas consequências subtis e vastas na formação dos animais.

Estes factos explicam o porquê de animais mais pequenos precisarem de comer mais;

a razão das pulgas conseguirem saltar tanto em relação ao seu tamanho; ou a razão

pela qual pássaros maiores precisam de voar mais depressa; a razão dos insectos

conseguirem andar nas paredes e no tecto; e a razão pela qual as árvores não podem

ser maiores que 130 metros; assim como outras limitações teóricas variadas e

surpreendentes à variedade de formas naturais e comportamento animal.44

Buckminster Fuller, por exemplo, aplica o princípio de similitude nas suas cúpulas

geodésicas hemisféricas, mostrando como cúpulas maiores perdem calor mais devagar

(ver 2.2). Estas descobertas podem ser revistas na sua obra “Synergetics” (1975).

Antes de Thompson (1860-1948) ter sido pioneiro na análise da deformação como

índice de forças contextuais que agem no organismo, Étienne-Jules Marey (1830-1904)

foi pioneiro no estudo da curvatura como resultado da força e do tempo. Greg Lynn,

na sua obra “Animate Form”, apresenta Marey como um dos primeiros morfologistas a

romper com o estudo da forma no espaço inerte cartesiano, para o estudo de ritmos,

movimentos, impulsos e fluxos, e o seu efeito na forma. Este fotografava sequências

rítmicas dos animais, registando os seus movimentos. Apesar de não se relacionar com

a arquitectura, Marey mostrou interesse em registar sequências ou curvaturas dos

movimentos da natureza, por nesta puderem residir “proporções mágicas”, ou mesmo

para desvendar a perfeição rítmica da natureza.45

42 STEADMAN, op.cit, p.43 43 STEADMAN, Philip, The Evolution Of Designs – Biological Analogy In Architeture And Applied Arts, Cambridge, Cambridge University Press, 2008 (1979), p.47 44 THOMPSON, D’arcy Wentworth, On Growth and Form, Cambridge University Press, Cambridge, 1917 p.8 45 LYNN, Greg, Animate Form, Princeton, Princeton Architectural Press, 1999, p.27

43

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Fig.23 e 24 Em cima: Pavilhão de vidro (Bruno Taut, 1914); Em baixo: Desenhos de Ernst

Haeckel

Page 53: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Para além de tudo o referido, outro aspecto a ser apontado no âmbito da inspiração

biológica presente na arquitectura (mas que não deve ser referido como analogia), é o

uso das formas orgânicas e vegetação como modelo decorativo ou ornamento de

edifícios. De facto, o uso de plantas e desenhos de animais na decoração é

praticamente universal através da história da arquitectura. Hugh Aldersey Williams,

em “Zoomorphic”, relembrou que a Art Nouveau também tinha inspiração em formas

vegetais e animais, referindo mesmo a possibilidade da zoologista Ernst Haeckel ter

inspirado Bruno Taut no seu pavilhão de vidro em 1914.

Neste momento do nosso estudo, interessa reter o método de Cuvier de restauração

de ossos fósseis, usado para transmitir a ideia arquitectónica de que, por exemplo no

Gótico, a estrutura do edifício forma um sistema coordenado em que os elementos

interagem transferindo o peso de um sítio para o outro. Mais tarde, na obra de Le

Corbusier “Précisions sur un État Présent de l’Architecture et de l’Urbanisme” ,

encontraríamos comparações biológicas entre: a fisiologia do sistema respiratório com

a ventilação dos edifícios; o sistema nervoso com o fornecimento de redes eléctricas,

comunicação e serviços telefónicos num edifício ou cidade; as entranhas com os canos

do esgoto; a circulação de sangue com a circulação das pessoas ou tráfego. (Apesar de

Le Corbusier admitir subjectividade na exactidão destas analogias).46

Recentemente

outros autores têm estudado essas analogias de maneira mais aprofundada

comparando, por exemplo, os cabelos com respiradouros ou a íris com os estores ou

persianas.

Analogias ecológicas (A função e adaptação dos edifícios e dos seres-vivos

no meio-ambiente e as suas consequências formais)

Outra analogia que podemos ter em conta na arquitectura, ainda segundo a obra de

Steadman, é a analogia ecológica. Esta desenvolve conceitos de função e adaptação do

edifício ao meio-ambiente. Neste sentido, e de acordo com o artigo “Discussions on

Theories of Bionic Design”, percebe-se que o Feng Shui estuda a estética e ciência da

arquitectura, investigando o carácter da formação e abstracção. Mais especificamente,

estuda os registos construídos pelos anciãos chineses, baseados em elementos da

natureza. Em comunhão com fenómenos naturais mais amplos (geologia dos terrenos,

o tempo, as actividades sociais, hidrologia, paisagem) estes procuraram combinar os

dois maiores elementos, os seres-humanos e a natureza. Alguns com o propósito de

manter a presença da vida natural na vida humana.47

46 STEADMAN, Philip, op.cit., p.39 47 WAN-TING, Chiu, SHANG-CHIA, Chiou, Discussions on Theories of Bionic Design, Graduate School of Design Doctoral Program, National Yunlin University of Science and Technology, p.11

45

Page 54: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA
Page 55: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Se analisarmos o padrão teórico e as operações concretas do Feng Shui constatamos

tratar-se essencialmente de um sistema ecológico. Por outro lado, no

desenvolvimento do conceito de residência, tanto a teoria ocidental da arquitectura

orgânica, como a teoria oriental do Taoísmo, levantam a discussão da importância da

vida e preocupação com o meio-ambiente.48

A comparação anatómica de Cuvier enfatizava a coordenação entre as partes internas

do corpo associadamente às condições externas e ambiente do animal. (Como

exemplo: animais que vivem em meios aquáticos têm órgãos próprios para a sua

locomoção). De facto, é impossível e não teria significado tentar definir qual é a

“função” do animal em termos gerais. Neste sentido, Frei Otto, em “Architecture et

Bionique – Constructions Naturelles”, refere:

“Os animais não agem cientificamente mas instintivamente, os seus princípios “construtivos” são

condicionados pela sua actividade.”49

Encontramos aqui uma analogia “ecológica” – a forma está relacionada com a função,

mas a função está relacionada com o meio-ambiente.

Falando de edifícios, devemos questionar qual será o seu meio-ambiente. Tal

compreende o clima, área e local de inserção e ambiente “tecnológico” e material

(obviamente que também é decisivo o meio-ambiente cultural). Trata-se de mais um

caso onde a analogia biológica se identifica, dada a variedade de materiais nas

estruturas ser facilmente comparável com a variedade de texturas naturais.50

Se há diferentes meio-ambientes para edifícios, então, a forma dos edifícios deve

corresponder-lhes.

Recorde-se que o funcionalismo na arquitectura do Movimento Moderno deixou as

suas marcas, por meios de novas construções e uso de materiais. Os vários espaços

internos apresentam-se como os órgãos de um corpo evidenciando-se no exterior.51

Leopold Edilitz (1823-1906), em “The Nature and Function of Art More Especially of

Architecture”, declarou que na natureza “as formas são o resultado do meio-ambiente.

O meio-ambiente determina a função, e as formas são o resultado da função”52. Os

edifícios, como os animais ou as plantas, devem adaptar-se ao meio-ambiente. A ideia

que sumariza este conceito é talvez a popular “Form Follows Function” de Louis

Sullivan (1856-1924), presente no seu artigo “The Tall Office Building Artistically

48 Ibidem 49 OTTO, Frei, Architecture et Bionique – Constructions Naturelles, Denges, Editions Delta & Spes SA, 1982, p.5 50 STEADMAN, op.cit., p.54-70 51 Ibidem 52 EIDLITZ, L., The Nature and Function of Art, More Especially of Architecture, University of Michigan, A.C.Armstrong & son, 1881, p.358

47

Page 56: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.25 Exemplo de um edifício bioclimático de Ken Yeang

Page 57: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Considered” (1896). Apesar de Steadman argumentar que Form is related to Function

fizesse mais sentido, e que talvez Louis Sullivan, como Steadman aponta, tenha sido

traído no gosto pela aliteração.53 O próprio Sullivan, referindo-se à relação entre a

forma e a função e como esta se apresenta em todas as criações da natureza,

recordou:

“It stands to reason that a thing looks like what it is, and vice-versa, it is what it looks like”54

.

Em suma, no artigo “Discussions on Theories on Bionic Design”55, é referido o Feng

Shui, prática que associa a residência com as características do terreno, hidrologia,

paisagem, meio-ambiente e actividades sociais – expressando um sentido ecológico .

O já referido Cuvier relacionava as partes internas do corpo com as condições externas

e meio-ambiente do organismo animal. Isto remete para a conclusão de que a forma

está relacionada com a função, mas a função está dependente do meio-ambiente.

Quando Steadman questionou-se sobre o que seria o meio-ambiente de um edifício,

concluiu-se a sabedoria dos orientais.

Relativamente à forma, função e meio-ambiente pudemos também abordar o

funcionalismo da arquitectura do Movimento Moderno. De Cuvier (1769-1832), para

Leopold Edilitz (1823-1906) para Louis Sullivan (1856-1924), este debate desenvolveu-

se num novo sentido arquitectural que culminava na popular expressão "Form Follows

Function".

O assunto tem importância na discussão da relação entre arquitectura e biónica,

porque perante a globalização e actual despertar no desenvolvimento sustentável, o

futuro da arquitectura biónica é indissociável de uma consciência ambiental e

ecológica. De facto, a arquitectura verde e sustentável tem protagonizado um papel

central no desenvolvimento de novos materiais, estruturas e formas; sendo que a

aplicação da biónica pode apontar para contributos relevantes nessa área.

No entanto, Hugh Aldersey Williams, em “Zoomorphic – new animal architecture”,

considera que a arquitectura biónica não está restringida a compromissos com o meio-

ambiente. Salienta que um edifício com uma aparência mais suavizada é

frequentemente considerado mais responsável para com o meio-ambiente, do que

uma chamada “caixa”. Obviamente que um edifício “verde” não exige uma aparência

biomórfica. Por exemplo, os edifícios bioclimáticos do arquitecto Ken Yeang, são

53 STEADMAN, Philip, op.cit., p.54-70 54 SULLIVAN, L. H., Kindergarten Chats, sections 12 and 13, p.42–8 citado em STEADMAN, Philip, op.cit., p.54-70 55 WAN-TING, Chiu, SHANG-CHIA, Chiou, op.cit., p.12

49

Page 58: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.26 e 27 Em cima: Eastgate Center (Mick Pearce, 1996) Em baixo: Comparação com o

habitat das térmitas

Page 59: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

arranha-céus e não são especialmente biomórficos. Nem devemos assumir que todos

os edifícios biomórficos são protótipos de uma arquitectura verde e ecológica. 56

No entanto, o edifício Eastgate Center de Mick Pearce em Zimbabwe (1996) atende

aos aspectos ecológicos e biológicos. Este foi construído para ventilar e arrefecer por

meios naturais, inspirado nos habitats das térmitas. Janine Benyus (ver 1.1), por sua

vez, formulou alguns princípios para uma arquitectura ecológica, estes incluíam o uso

energético de forma eficiente, a moderação do uso de materiais e o equilíbrio com a

biosfera. Este é um assunto de extrema relevância, pelo que será de novo abordado

no último capítulo.

56 WILLIAMS, Hugh Aldersey, Zoomorphic – New Animal Architecture, London: Laurence King Publishing Ltd, 2003, p.20-21

51

Page 60: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA
Page 61: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

1.3 Um novo tipo de arquitectura do séc.XX e séc.XXI

No século XX ocorreram mudanças na maneira de pensar e construir a forma

arquitectónica, dissolvendo-se um sistema estético compositivo que estabelecia

critérios unitários e intemporais, baseados na ordem, na simetria, na harmonia, na

hierarquia e na representação. Sistemas esses que não impediram que as analogias

biológicas desabrochassem, como já exposto, e que inspiraram arquitectos como

Viollet-le-Duc (sendo a arquitectura gótica objecto de estudo nas suas metáforas

biológicas).

De acordo com Montaner, em “As Formas do Séc.XX”, inicia-se uma nova época,

influenciada pelos movimentos De Stijl e Bauhaus, onde a inovação, “recebeu um grau

limitado de aceitação geral”.57 O desenvolvimento aberto pelas vanguardas artísticas

afectou as fronteiras entre disciplinas, intensificando a relação da arquitectura com as

demais artes. Posteriormente, procurou-se desenvolver um pensamento que

atendesse a mais dimensões que as simplificações racionalistas, não deixando de

considerar “visões criativas e intuitivas, orgânicas e irracionais, holísticas e

ecológicas”.58

A diluição entre disciplinas coincide com o debate entre as ciências e as humanidades.

No artigo “Discussions on Theories on Bionic Design”, os autores fazem referência a

Thomas Henry Huxley, um biólogo que em 1880 fez um famoso discurso sobre a

ciência e a cultura (declarando a existência de um embate entre as ciências e as

humanidades) dizendo que a literatura iria inevitavelmente ser substituída pela

ciência. Os mesmos autores fazem referência ao físico e novelista Charles Percy Snow,

que em 1959 deu o seu discurso influenciador, “The Two Cultures and the Scientific

Revolution”, identificando o enorme espaço entre cientistas e humanistas no seu

desenvolvimento educacional, disciplinas, objectivos de estudo, metodologias e

ferramentas.59

Para estes, uma cultura isoladamente, não sendo capaz de solucionar os desafios com

que os seres humanos se confrontam, deveria reconhecer a sua insuficiência e aceitar

os conselhos da outra cultura, em prole do alargar dos horizontes a ambos. A

propósito desta aliança entre áreas, gostávamos de salientar o grupo de trabalho

alemão «Biologia e Construção», que comprovou ser possível alcançar metas em

conjunto.

57 MONTANER, Josep Maria, As Formas Do Século XX, Barcelona, Gustavo Gili, 2002, p.12 58 Ibidem 59 WAN-TING, Chiu, SHANG-CHIA, Chiou, Discussions on Theories of Bionic Design, Graduate School of Design Doctoral Program, National Yunlin University of Science and Technology, p.17

53

Page 62: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.28, 29 e 30 Em cima: teia de aranha em suspensão múltipla Em baixo: tenda ondulada em

forma de estrela (Cologne) e tenda com mastros ramificados

Page 63: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

1.3.1 O protagonismo do grupo de trabalho alemão «Biologia e Construção»

Na relação entre Arquitectura e Biologia, o grupo de trabalho alemão «Biologia e

Construção» ocupou um espaço único: biólogos, arquitectos e engenheiros a trabalhar

juntos. O grupo foi fundado em 1961 e pretendia trabalhar um melhor entendimento

entre a engenharia, biologia e arquitectura.

O trabalho iniciou-se em 1962, em Berlim, com um seminário focalizado em tais

questões, sendo o elemento motor Johann Gerhardt Helmcke. O intuito de Helmcke

seria o de incentivar jovens engenheiros ao estudo da biologia. Este tentou não só

interpretar os esquelectos e conchas, mas também perceber a génese deste tipo de

objectos e crescimento da natureza. Percebeu que as construções ligeiras, em

particular no domínio da arquitectura e da aeronáutica, partilhavam processos

semelhantes. Para o estudo das construções leves, cada estrutura teria um interesse

que partia do campo da natureza morta, da natureza viva ou da sua técnica.60

O grupo «Biologia e Construção» estabeleceu que a massa dispensada relativa aos

objectos é muito diversa. Estes constataram que, no domínio da técnica, há apenas um

pequeno número de objectos que requerem uma massa inferior à dos objectos da

natureza viva. (Por exemplo, o Homem só foi capaz de fabricar fibras cada vez mais

resistentes e mais leves que o algodão, a seda e a lã, após 30 anos de esforço).61

“O resultado mais importante do nosso trabalho é a descoberta de que todos os objectos da

natureza viva são construídos seguindo um sistema de montagem única e a partir de um elemento

único: um conteúdo líquido, revestido de uma pele resistente à tensão e flexível. Isto aplica-se tanto

às plantas como aos animais e por todos os micro-organismos. Este esquema contém milhões de

variantes. Imaginem que existe na arquitectura um só método de construção (o uso do tijolo por

exemplo) e que todas as estradas, barragens ou pontes são realizadas pelo mesmo método. (…) O

nosso trabalho durante estes anos será o de multiplicar os testes, procurar saber que objectos da

natureza viva são ligeiros, e quais as estruturas técnicas que têm uma massa e uma dispensa de

energia reduzido. Não haja dúvida que temos adquirido muitos conhecimentos, mas a biologia tem

por agora tido mais lucro das contribuições da arquitectura e do génio civil, que a construção das

contribuições da biologia.”62

É Frei Otto, em “Architecture Et Bionique – Constructions Naturelles”, que nos fala

sobre este grupo de trabalho, ao qual pertenceu. De facto, a sua obra de 1982 é um

marco na história da arquitectura biónica. Otto também é exemplo de uma exploração

matemática, principalmente física e química, entre a arquitectura e a biologia. Este

explora obras e casos de estudo comparando-as visualmente com a natureza, seja esta

60 OTTO, Frei, Architecture et Bionique – Constructions Naturelles, Denges, Editions Delta & Spes SA, 1982, p.8 61 Ibidem 62 Ibidem

55

Page 64: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.31 e 32 Em cima: Orvieto Aircraft Hangar (Pier Luigi Nervi, 1935) Em baixo:

comparação com o centro de um gira-sol

Page 65: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

natureza não-viva (nature non vivante), natureza viva (nature vivante) ou natureza

morta (nature morte); numa busca incessante por construções ligeiras.

1.3.2 Evolução das ferramentas (digitais)

Nas palavras do arquitecto Tom Verebes:

“The emerging architectural culture is less to do with the architectural mastermind and much more

to do with the tools that we use.”63

As ferramentas mudaram a relação entre o Homem e a natureza, dito de outro modo

o percurso das ferramentas é o percurso das civilizações humanas. Este é um dos

aspectos que Steadman e Greg Lynn exploraram, sendo neste estudo indispensável

uma breve referência à evolução das ferramentas e instrumentos usados na

arquitectura. De facto, o desenvolvimento paralelo noutras tecnologias também

alterou o reportório de materiais possíveis, métodos de manufactura, aparelhos e

componentes disponíveis para os arquitectos. É importante referir descobertas como

as de Pier Luigi Nervi no campo do betão armado: a invenção de um material com

núcleo em malha de aço permitiu uma maior flexibilidade nas criações arquitectónicas.

Por outro lado, Steadman reflecte sobre a dificuldade de testar novos desenhos para o

mundo real através de protótipos, e a necessidade de fazermos previsões sobre a

performance dos edifícios. Tais previsões também deveriam abranger a aparência,

comportamento estrutural e físico (por exemplo, as propriedades de resistência dos

materiais ao tempo, a física do aquecimento ou luz dos edifícios, etc.), utilidade no

mundo real e comportamento das pessoas em relação ao edifício. 64

O computador viria em certa medida solucionar o problema que Steadman colocou, de

testar novos desenhos através de protótipos.

É importante referir que o surgimento de novos materiais e processos construtivos

leva frequentemente ao abandono de métodos “artesanais” e procedimentos agora

ultrapassados. Esta evolução é entendida por alguns autores como perda de tradição.

No entanto, devemos suportar o uso de novos materiais e instrumentos. Este dilema

entre tradição e novidade é aprofundado por Greg Lynn.

Greg Lynn, na sua obra “Animate Form”, defende que introduzir na arquitectura

modelos de organização que não são estáticos, não ameaçará a essência da disciplina,

63 VEREBES, Tom, citado em WILLIAMS, Hugh Aldersey, Zoomorphic – New Animal Architecture, London: Laurence King Publishing Ltd, 2003, p.25 64 STEADMAN, Philip, The Evolution Of Designs – Biological Analogy In Architeture And Applied Arts, Cambridge, Cambridge University Press, 2008 (1979), p.222

57

Page 66: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.33 Embryological House (Greg Lynn, 1998)

Page 67: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

pelo contrário fá-la-á evoluir (deixando para trás a tradição de construir num espaço

neutro de coordenadas cartesianas). O movimento virtual permite à forma ocupar

uma multiplicidade de posições possíveis continuamente. O arquitecto sublinha então

que os softwares evoluíram para que possam ser usados não só como ferramentas

para efeitos de renderização, mas também para efeitos de desenho. Em vez de um

espaço neutro abstracto no processo de desenho, o contexto de desenho e

performance torna-se num espaço abstracto activo, que relaciona a forma com a força

e pressão a que está sujeito, dando a possibilidade da arquitectura ser modelada como

participante e estando sujeita a fluxos dinâmicos.65

Greg Lynn recorda que há alguns equívocos sobre o papel dos computadores no

processo de desenho. Muitos arquitectos acreditam que a capacidade criativa dos

computadores facilita estratégias de desenho genéticas. Williams, em “Zoomorphic”,

também detecta graves defeitos nesta analogia. O autor refere que é um alívio saber

que estes arquitectos geralmente fazem “batota” ao intervirem neste procedimento:

“(…) it is a relief to learn that these architects in fact often cheat by intervening, God-like, in the

evolution to pick out some especially pleasing mutation”.66

Assim como Williams, Lynn também adverte que os processos genéticos não devem

ser equiparados nem com a inteligência nem com a natureza:

“The genetic, or rule-based, phenomenon of computation should not be discounted. Yet at the same

time, genetic processes should not be equated with either intelligence or nature. The computer is

not a brain. (…)Instead of approaching the computer as either a brain or nature, the computer

might be considered as a pet. Like a pet, the computer has already been domesticated and

pedigreed, yet it does not behave with human intelligence”67

No entanto, os benefícios do fenómeno genético ou baseado em regras da

computorização não devem ser descartados. Previsivelmente as obras de Lynn

obedecem a este fenómeno. O autor decidiu fazer uso do cálculo informático na

definição da forma. O edifício é desenhado como um todo e, ao se modificarem

elementos, todos os outros mudam seguindo uma fórmula. A sugestão é que este seja

um processo evolucionário baseado no ADN e em sequências genéticas. Ao deparar-se

com alterações, por exemplo na fachada, o programa distribui a nova informação

sobre a fachada do edifício modificando-a. Ou seja, cada parte tem efeito no seu todo

– apesar de diferenciados, os elementos mantêm-se conectados.68

Steadman destaca

o projecto Embryological House de Greg Lynn (1998), onde várias versões do mesmo

65 LYNN, Greg, Animate Form, Princeton, Princeton Architectural Press, 1999, p.7 66 WILLIAMS, Hugh Aldersey, Zoomorphic – New Animal Architecture, London: Laurence King Publishing Ltd, 2003, p.25 67 LYNN, Greg, op.cit., p.19-20 68 LYNN, Greg, Calculus and the new forms of architecture, TED conferences, January 2009, disponível em www.ted.com

59

Page 68: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.34 e 35 Diagrama de Eisenman para a fachada do Biozentrum (1987) e diagrama de

planta

Fig.36 Estrutura expansiva de Chuck Hoberman desenhada em AutoCad

Page 69: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

projecto são possíveis, dependendo do sítio. Ou seja, a "semente" do desenho é fixa,

enquanto o computador gera as diferentes mutações.69

Recordo, mais uma vez, a regra anatómica de Cuvier da ‘correlação das partes’. Como

o zoologista francês defendia, a presença de um órgão ou estrutura implicaria

necessariamente a presença de muitos outros, sendo que qualquer alteração ou

mudança num implicaria uma mudança nos outros. Citando Cuvier:

“All the organs of one and the same animal form a single system of which all the parts hold

together, act and react upon each other; and there can be no modifications if any one of them that

will not bring about analogous modifications in them all”70

.

A discussão sobre códigos genéticos incorporados na criação de projectos de

arquitectura remete-nos também para os trabalhos de arquitectos como Peter

Eisenman, em especial para o projecto Biozentrum (1987). Este projecto de Eisenman,

entre outros como os de Frank Gehry, demonstraram como o computador tem

influência na arquitectura. Peter Eisenman partiu da estrutura de ADN para o

diagrama do Biozentrum, com a intenção de que os cientistas pudessem ler o ADN do

edifício.71 Eisenman, em entrevista a Greg Lynn, refere:

“I was teaching at Ohio State, I had this job to do at Ohio State. Chris Yessios was teaching

computers. I didn’t know what that was. And I am not sure he knew what it was, either, by the way.

And I said, “Hey, Chris, you could really help us. We don’t have a way to model the things that we

want to do. And if you are interested in 3-dimensional modeling, which is what you say you’re

interested in, develop something that we can use.”72

Desta maneira, reforça-se que o futuro da arquitectura e biónica do séc.XX e XXI

parece passar inevitavelmente pela influência das ferramentas tecnológicas. No

entanto, o problema foi identificado e diagnosticado no passado.

“Now is the time when we can stop having discussions about digital technology that start with “in

the future.”73

Outra personalidade importante na discussão arquitectural do séc.XXI, mais

exactamente sobre a introdução de métodos digitais em projectos arquitecturais, é

Chuck Hoberman. Este desenhou em AutoCad uma esfera expansiva que se podia

desdobrar no espaço pela NASA.74

69STEADMAN, Philip, op.cit., p.259 70 CUVIER, Georges, Rapport Historique sur le Progrès des Sciences Naturelles depuis 1789 et sur leur État Actuel, Paris, 1808, p. 330, citado em STEADMAN, Philip, op.cit., p.31-53 71 ABRAHAMS, Tim, Computers in Theory and Practice disponível em www.architectural-review.com 72 EISENMAN, Peter, entrevista a Greg Lynn, citado em ABRAHAMS, Tim, “Computers in Theory and Practice” 73

LYNN, Greg, Animate Form, Princeton, Princeton Architectural Press, 1999, p.10 74 ABRAHAMS, Tim, op.cit.

61

Page 70: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.37 Exemplo de uma árvore criada virtualmente usando o programa de Lindenmayer

Page 71: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Parte do trabalho destes arquitectos foi o de fortalecer o argumento do potencial

digital nas construções arquitectónicas. Paralelamente, desenvolveram software e

ferramentas digitais que os arquitectos usam hoje em dia.

Destaca-se ainda, em analogia à Urpflanze de Goethe, a colaboração entre o

especialista em gráficos computorizados Przemyslaw Prusinkiewicz e o biologista

Lindenmayer (“The Algorithmic Beauty of Plants”, 1988). Estes produziram uma série

de modelos digitais realistas de plantas, introduzindo um nível de aleatoriedade ao

processo de criação, e aplicando cores e texturas.75

Concluindo, levanta-se a possibilidade de que o presente biomorfismo é apenas a

primeira fase de um mundo inimaginavelmente rico, uma nova arquitectura visual,

funcional (e “animada”), que só se obterá quando o potencial dos computadores

estiver mais esclarecido.76

Em relação aos desenvolvimentos construtivos na

arquitectura, é justo dizer que a maior parte do trabalho no passado concentrou-se no

comportamento de elementos isolados dos edifícios e nas propriedades estruturais,

físicas e químicas de diferentes materiais construtivos. No entanto, recentemente têm

sido feitos esforços para se obter um ponto de vista mais holístico, capaz de estudar o

comportamento complexo de vários sistemas de que o edifício é composto: o sistema

estrutural, os sistemas de ventilação e aquecimento, o sistema de luz.77

No próximo capítulo os assuntos discutidos irão espelhar-se em alguns dos casos-de-

estudo abordados.

75 STEADMAN, Philip, op.cit., p.231 76 WILLIAMS, Hugh Aldersey, op.cit., p.155 77 STEADMAN, Philip, op.cit., p.231

63

Page 72: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA
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2. Categorização da Arquitectura Biónica. Forma e Estrutura

versus Função e Performance

Page 74: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.38 A Natureza e os seus elementos

(Frei Otto, Architecture et Bionique – Constructions Naturelles)

Page 75: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Após apresentada a história das analogias biológicas, bem como alguns conceitos,

interessa no próximo capítulo analisar diferentes casos-de-estudo, integrados num

processo de categorização da arquitectura biónica. Distinguimos dois grandes grupos,

um respeitante à forma e morfologia da obra, e outro respeitante à sua função ou

performance. (Aceitando uma espécie de folga para casos menos definidos).

Sobressai a importância da categorização de casos-de-estudo em algumas obras como

a de Frei Otto ou a de Hugh Aldersey Williams, já referidas anteriormente:

Frei Otto, na sua obra “Architecture Et Bionique-Constructions Naturelles”, faz a

distinção de natureza viva (nature vivante), natureza não-viva (nature non vivante),

natureza morta (nature morte), técnicas animais (techniques animales) e técnicas

humanas (techniques humaines). A categorização das obras que apresenta, é feita

atendendo a essas condições. A natureza não-viva (montanhas, seixos, entre outros)

nasce de uma interacção com uma multiplicidade de processos (como o vento ou a

neve). Para Otto, todo o objecto conta uma história sobre a sua génese. Ao observar

essas formas e essas construções típicas, “temos de ser prudentes quando, a partir

dessas formas, tiramos deduções da sua génese e processo de construção”. Na

natureza viva (os organismos celulares, as plantas e os animais ou os humanos), o

crescimento é feito mediante processos autónomos.78

Nas palavras de Otto:

“O homem, no desenvolvimento da técnica, inventou os seus próprios processos de formação e os

seus próprios sistemas de construção que, a maior parte das vezes, são diferentes dos da natureza.

Somente nas obras de arte que imitam a natureza, e nas construções particularmente

preformantes, é que as formas e produtos do Homem aproximam-se das formas da natureza viva e

da natureza morta.”79

Deste modo, Otto foca-se em construções e na dinâmica da forma, da força e da

massa; dando especial relevo às leis físicas, às construções duras, às colunas, às

pontes, aos arcos, às obras suspensas, tendas e construções pneumáticas. Apesar da

intemporalidade da obra (primeira edição de 1982), Otto usa apenas a imagem para

demonstrar essa ligação entre a natureza e algumas das formas arquitectónicas do

Homem; os artigos e obras mais recentes exploram mais minuciosamente essa ligação,

ou mesmo o conceito de arquitectura biónica. Também devemos ter em conta que

desde 1982 muitas outras construções e tipos de construções surgiram, enquanto as

ambições arquitectónicas também se modificaram.

78

OTTO, Frei, Architecture et Bionique – Constructions Naturelles, Denges, Editions Delta & Spes SA, 1982, p.9

(Trad. do autor) 79 Ibidem (Trad. do autor)

67

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Page 77: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Hugh Aldersey Williams, na sua obra “Zoomorphic – New Animal Architecture”,

procura condensar toda a informação relativa à arquitectura biónica e às analogias

biológicas na arquitectura, e disseca a maior parte dos “biotermos” revistos

anteriormente. Relativamente a casos-de-estudo, este categoriza-os de acordo com a

simbologia do animal (animal as symbol), a mimetização da função animal (animal by

function – statics e animal by function – dynamics) e ainda animais “por acidente”

(animal by accident) desvendando algumas obras que se revelaram biológicas sem

intenção.

“(…) buildings that employ biological, (…) animal form for symbolic purposes, buildings where the

animalism emerges more or less logically from the functional program; and buildings that appear to

the observer to possess biological qualities even though it may never have been the architect’s aim

to incorporate them.”80

Nos casos-de-estudo que seleccionámos para o nosso estudo, optámos por uma

categorização mais simplificada que ilustra uma visão mais pessoal sobre o tema. Estes

encontram-se divididos, como já foi referido, em dois grandes grupos: Forma e

Estrutura (Morfologia) e Função e Performance. Dentro de cada grupo os casos-de-

estudo são apresentados cronologicamente. Alguns destes são mencionados em

simultâneo, por serem obras do mesmo autor.

Foi assim possível categorizar a arquitectura biónica, consoante a analogia que uma

construção faz. Esta pode imitar os sistemas de informação dos organismos, incluindo

como estes recuperam, extraem, transferem e sentem; pode imitar as suas funções

como a orientação, a navegação e controle de movimentos (controlo biónico); pode

também imitar as estruturas mecânicas dos organismos (biónica mecânica); ou até

imitar as acções catalíticas dos organismos, acções de síntese e transformação de

energia (biónica química). Todos estes processos fazem parte do que alguns

denominam de biosimulação (em inglês biosimulation).81

80 WILLIAMS, Hugh Aldersey, Zoomorphic – New Animal Architecture, London: Laurence King Publishing Ltd, 2003, p.22 81 WAN-TING, Chiu, SHANG-CHIA, Chiou, Discussions on Theories of Bionic Design, Graduate School of Design Doctoral Program, National Yunlin University of Science and Technology, p.4

69

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Fig.39 e 40 Em cima: Renderização do Palácio de Cristal (Paxton, 1851); Em baixo: O

nenúfar gigante Victoria Regia

Page 79: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

2.1 Forma e Estrutura (Morfologia)

Por morfologia entende-se o estudo da forma e da estrutura; lidando com a

configuração dos objectos e com a configuração das partes do objecto. A morfologia

pode pois ser aplicada a qualquer disciplina, quando discutida a natureza e estrutura

de uma entidade. Segundo os autores de “Discussions on Theories of Bionic Design”, o

desenho biónico envolve a ideia do “produto” e a ideia biológica. Para estes autores,

uma compreensão e uma boa combinação dos dois é a chave para um modelo bem

conseguido.82

O desenho biónico tem como ponto de partida a inspiração, estudo, observação e

descoberta na natureza. Por outro lado, desenha o produto guiado pelos conceitos

biológicos.

Muitos arquitectos inspirados em vários modelos da natureza aplicam tais inspirações

no desenho da arquitectura. Esta técnica normalmente sugere a associação interactiva

do espectador com o edifício, pela unicidade do projecto. Alguns arquitectos de

renome desta abordagem incluem, por exemplo, a Sagrada Família de António Gaudí,

inspirado pelo contorno e forma das plantas, ou o edifício de Frank Ghery “Fish Dance

Restaurant”, no Japão. A última obra remete-nos para a tradição de representar

edifícios como animais de maneira literal – como o pato de Robert Venturi (Big Duck,

de 1931), ou no séc. XVIII a vacaria em forma de vaca de Jean-Jacques Lequeu. De

acordo com Paolo Portoghesi:

“The symbolism attributed to animal bodies by numerous civilisations has made it possible for the

architect to use symbolic imitation to comunicate ideas and confirm collective values.”83

Quando se trata de estrutura, os arquitectos tomam emprestado as estruturas formais

aos organismos e aplicam-nos com padrões idênticos. Através da compreensão da

estrutura de um organismo e do mecanismo das suas formas, pode ser possível o

controlo dos contornos e da estrutura na arquitectura biónica.

O PALÁCIO DE CRISTAL DE PAXTON (LONDRES-INGLATERRA, 1851) foi um dos casos

pioneiros a usar a aprendizagem biológica na construção de uma estrutura que

mimetiza ou representa a natureza (o nenúfar). O reverendo J.G.Wood (ver 1.1,

Biotécnica) menciona o Palácio de Cristal em Londres como uma ideia arquitectural

retirada de um modelo natural, reconhecendo nos telhados de vidro de Paxton uma

relação directa com o tecido nervurado do nenúfar Victoria Regia84

.

82 Idem, p.10 83 PORTOGHESI, Paolo, citado em WILLIAMS, Hugh Aldersey, op.cit., p.40 84 STEADMAN, Philip, The Evolution Of Designs – Biological Analogy In Architeture And Applied Arts, Cambridge: Cambridge University Press, 2008 (1979), p.155

71

Page 80: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.41, e 42 e 43 Em cima: Fachada da Sagrada Família comparada com a planta Sedum

Sediforme; Em baixo: Tecto da Sagrada Família (Gaudí, 1882)

Page 81: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

É também defendido que o palácio imita o osso da coxa humano, pela maneira como

este distribui a força e peso acumulado, suportando o máximo de carga com o mínimo

de materiais.

A título de curiosidade, refira-se que Steadman relembra que Honzik, em ‘Note on

Biotechics’ (1937), compara o nenúfar Victoria Regia com a construção de betão da

fábrica da Fiat em Turin.85

Para Kiesler, no entanto, a simples cópia de protótipos naturais não é um método de

biotécnica. Steadman refere mesmo que Kiesler atribuiu uma eventual destruição do

Palácio de Cristal com fogo ao facto da sua construção ser “baseada numa analogia

biológica demasiado simples”.86

A SAGRADA FAMÍLIA DE ANTÓNIO GAUDÍ (BARCELONA-ESPANHA, 1882) também

pertencente ao séc.XIX, é mencionada em muitos dos autores estudados. Possui um ar

natural, em que lhe revemos um cuidado orgânico e particularidades que remetem

para uma floresta ou mundo subaquático. No interior da obra somos inundados pela

panorâmica encantada de um bosque. Os jogos de luz e os estreitos pilares densificam

a atmosfera. Salientamos que o arquitecto inspirou-se na planta Sedum Sediforme na

construção das torres principais, visíveis na fachada, sendo essas pontuadas por

pináculos ou flores.87

Muitos outros aspectos apenas confirmam a importância desta obra na história das

metáforas biológicas. Gaudí confere torsões parabólicas à fachada e preenche a obra

de motivos vegetais destacando a sua atitude naturalista e orgânica. Sabemos também

que o arquitecto considerava a arquitectura gótica imperfeita, argumentando que as

linhas rectas não reflectiam as leis da natureza – que segundo Gaudí abundam em

formas geométricas como as hipérboles, as parábolas, as helicoides e as conoides.88

A atitude naturalista de Gaudí que se apoia na matemática, foi previamente abordada

por D’Arcy Thompson. Apesar de Thompson não ter direccionado os seus estudos para

a arquitectura, para este autor significava o mesmo: o acordo entre a natureza e o

previsível, o matemático e o geométrico. Gaudí por seu lado fez uso das hipérboles,

parábolas e espirais na construção de várias partes da Sagrada Família, formas que são

tanto funcionais como estéticas.

85 Idem, p.159 86 Idem, p.261 87 BASSEGODA I NONELL, Joan, El Grand Gaudí, Barcelona Sabadell, Ed.Ausa, 2002 (1989), p.113-120 88 Ibidem

73

Page 82: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.44 e 45 Em cima: Ingalls Rink, a baleia (Eero Saarinen, 1953-1958); Em baixo: Ilustração

do Terminal TWA (Eero Saarinen, 1956-1962)

Page 83: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Montaner, por conseguinte, destaca como Gaudí experimentava formas e materiais

novos. De certa maneira Montaner oculta a face mais rigorosa do arquitecto. Para o

autor a Sagrada Família “parece surgir de um espírito natural, romântico ou até

orgânico resultante da observação da disposição das folhas, caules e raízes das

plantas, e dos padrões das pétalas das flores”.89

Além disso, as obras de Paxton e de Gaudí pertenceram à mesma época. Em ambas há

uma delicadeza, talvez típica da altura, em representar a natureza. O Palácio de Cristal

talvez aparente uma tendência biológica demasiado directa e ilustrativa, enquanto

Gaudí batalhou cada esquina e cada pormenor numa organicidade que acabou por

caracterizá-lo. As próximas obras foram criadas um século depois e representam,

evidentemente, novas mentalidades e novas maneiras de afigurar analogias biológicas.

O edifício de hóquei INGALLS RINK DE EERO SAARINEN (NEW HAVEN-USA, 1953-1958) é

muitas vezes denominado de Baleia (The Whale) devido à sua aparência. O ringue

emprega um sistema estrutural inovador onde um arco de betão com 90 metros

suporta o telhado de madeira.90 Tanto o edifício Ingalls Rink como o TERMINAL TWA DE

EERO SAARINEN (NOVA IORQUE-USA, 1956-1962) revelam uma despreocupação

construtiva, sendo que o ringue de hóquei também nos relembra não só uma baleia

mas algum tipo de crustáceo com espigão.

Estes casos-de-estudo são fundamentais, pois revelam uma preocupação a nível

formal e estético que tem inspiração na natureza ou que tenta integrar-se nesta.

Apesar da evidente semelhança entre estes edifícios e a anatomia de alguns animais,

desconhece-se se o arquitecto terá partido de uma analogia biológica para chegar a

tais propostas; ou se a própria proposta sugeriu a analogia. Nas palavras de Saarinen:

"All the curves, all the spaces and elements right down to the shape of the signs, display boards,

railings and check-in desks were to be of a matching nature. We wanted passengers passing

through the building to experience a fully-designed environment, in which each part arises from

another and everything belongs to the same formal world."91

De facto, a arquitectura de Eero Saarinen foi sendo marcada pela presença de

geometrias que não correspondiam às visões comuns. O resultado foram obras de

figura espacial, mas que nos relembram a liberdade e espontaneidade da natureza,

sendo o Terminal TWA um cruzamento entre um espécime animal e o desenho

futurista. Nas palavras do autor “as curvas, os espaços e todos os elementos do edifício

teriam uma natureza correspondente (…) em que cada parte surge de outra e tudo

pertence ao mesmo mundo formal”.

89 MONTANER, Josep Maria, as formas do século XX, Barcelona, Gustavo Gili, 2002, p.22 90 SAARINEN, Eero, Architecture in the Twentieth Century, Peter Gossel e Gabriele Leuthauser, p.110 91 Ibidem

75

Page 84: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.46 Ópera de Sydney (Jorn Utzon 1957-1974)

Fig.47 Pavilhões Olímpicos (Kenzo Tange, 1961-1964)

Page 85: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Na altura das obras de Eero Saarinen, também a ÓPERA DE SYDNEY DE JORN UTZON

(SYDNEY-AUSTRÁLIA, 1957-1974) estava a dar os primeiros passos. Jorn Utzon tentou

conciliar as exigências de repetição e normalidade da produção industrial com a

criação de “formas flexíveis, ampliáveis e emocionantes”.92

Na ópera de Sydney

reconhece-se um desenho moderno e expressionista, com uma série de conchas em

betão que formam a cobertura da estrutura (construtivamente são painéis e não

conchas). De modo inovador, o trabalho de desenho e análise da estrutura desta

cobertura envolveu o uso do computador.93

A Ópera de Sydney, em semelhança com a Sagrada Família, e até mesmo o Palácio de

Cristal, supera os desafios que comportaram a sua construção, concretizando-se numa

das maiores obras de arquitectura, e um símbolo da cidade de Sydney.

Esta obra, também inspirada nas formas da natureza, demonstrou que o orgânico

pode conferir máxima expressividade monumental à arquitectura moderna, abstracta

e avançada tecnologicamente, num momento em que esta se encontrava “num beco

sem saída”, como nos refere Montaner.94

Para Montaner, as formas relembram-lhe a natureza, adjetivando-as como

“orgânicas”. Porém, no nosso entender, este caso teve como aliado importante o uso

das ferramentas digitais na definição da estrutura construtiva. É inegável a semelhança

e utilização de uma espécie de conchas que prefazem a cobertura, conferindo-lhe essa

propriedade “natural” ou “biológica” que procuramos; no entanto é a história

construtiva desta obra que marca a sua morfologia.

Os dois PAVILHÕES OLÍMPICOS DE KENZO TANGE (TÓQUIO-JAPÃO, 1961-1964), por outro

lado, constituem uma criação de síntese perfeita. Estes pavilhões respondem ao

projecto de estabelecer um novo diálogo com a arquitectura tradicional japonesa a

partir da arquitectura moderna.95

As coberturas são feitas de velas presas a um ou dois mastros por processos

conhecidos desde 1950, tal como estádio de hóquei em New Haven de Eero Saarinen,

apresentado anteriormente.96 Os pavilhões de Kenzo Tange são mais um exemplo em

que o resultado final se assemelha a um animal aquático, ou pelo menos aparenta

uma clara noção biológica mesmo que, mais uma vez, seja apenas uma analogia

formal e estética. É evidente uma sintonia orgânica entre as formas monumentais dos

pavilhões. O estabelecimento de uma comparação entre a obra de Kenzo Tange e a de

92 MONTANER, Josep Maria, op.cit., p.19 93 JONES, Peter, Ove Arup: Masterbuilder of the Twentieth Century, Yale University Press, 2006 94 MONTANER, Josep Maria, op.cit., p.19 95 Idem, p.26 96 VON DER MUHL, H.R., Kenzo Tange studiopaperback, Barcelona, Gustavo Gili, 1981

77

Page 86: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.48 Fishdance Restaurant (Frank Gehry, 1986-1987)

Fig.49 e 50 Em cima: Animal Houses, sapo; Em baixo: Animal Houses, cão (Michael Sorkin,

1989-1991)

Page 87: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Eero Saarinen em New Haven seria de esperar, dada a semelhança formal mas

também construtiva.

Dentro das analogias naturais, a analogia animal é muito recorrente, e destaca-se nos

casos apresentados anteriormente de Eero Saarinen e nos pavilhões de Kenzo Tange.

(Talvez por isso mesmo Hugh Aldersey Williams, em “Zoomorphic”, dedica um capítulo

completo às analogias animais na arquitectura.) Outro exemplo natural a ser exposto

será o FISHDANCE RESTAURANT DE FRANK GEHRY (KOBE-JAPÃO, 1986-1987). Este também

se situa no Japão, mas destaca-se da arquitectura tradicional japonesa.

Como sabido, o peixe tornou-se num fetiche para Gehry, representado em diversas

obras e projectos do arquitecto. “Porquê um peixe?” é a pergunta imediata que nos

surge. Começou por ser “uma resposta trocista à arquitectura clássica do pós-

modernismo dos anos 80”?97

Representou apenas uma afirmação de liberdade

estilística?98 Ou significou uma admiração biológica que o levou a procurar uma forma

animal histórica onde se apoiar? Em todos os casos a resposta para “Porquê um

peixe?” será “Porque não?”.99 Recorde-se que o peixe é recorrente na arquitectura,

aparecendo por exemplo nos Pavilhões Olímpicos de Kenzo Tange em 1964, e na pista

de gelo de hockey na Universidade de Yale de Eero Saarinen. Nas palavras de Gehry,

relativamente ao seu Fishdance Restaurant:

“Almost immediately this idea worked better from all aspects (…) It not only complemented and

strengthened the tower and its presence, but it also created a much stronger public space”100

O peixe em Gehry não decorre da analogia, porque a semelhança é o próprio objecto.

Trata-se de uma forma emprestada à natureza, em que a “analogia” é objectiva. O

peixe de Gehry expressa um encanto funcional e formal da estrutura, enquanto os

materiais usados homenageiam a indústria local.

Ainda no tema das analogias animais que integram a maior parte das arquitecturas

formais biológicas, e apenas dois anos depois do peixe de Ghery no Japão, surgem as

ANIMAL HOUSES DE MICHAEL SORKIN (1989-1991), uma série de projectos conceptuais

que materializam o animalismo. Nos primeiros estudos e modelos, uma janela alta e

alguns pilotis mostraram-se o suficiente para sugerir uma cabeça e pernas; enquanto

outros elementos da composição sugerem a massa e movimento do animal.

97 WILLIAMS, Hugh Aldersey, Zoomorphic – new animal architecture, 1ªed, London, Laurence King Publishing Ltd, 2003, p.47 98 GEHRY, Frank, El-Croquis 74/75, 1995, p.45-48 99 WILLIAMS, Hugh Aldersey, op.cit., p.47 100 GEHRY, Frank, op.cit., p.45-48

79

Page 88: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.51 e 52 Em cima: Aeroporto de Lyon (Calatrava, 1989-1994); Em baixo: Museu de Arte

de Milwaukee (Calatrava, 1994-2001)

Page 89: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Segundo Williams, com desenvolvimentos posteriores as semelhanças animais

começam a ser subvertidas por leituras arquitectónicas mais convencionais.101

Em Sorkin a analogia, apesar de ser evidente, repele a realidade. Trata-se de um caso

conceptual que se afasta das convenções de casa e residência, pondo mesmo em

questão a funcionalidade do objecto do autor. Devemos obviamente questionar se

uma analogia, para ser benéfica na arquitectura, pode prejudicar a funcionalidade das

criações, ou se deve apenas completá-la. Relembro o dilema “da ideia biológica à ideia

do produto ou da ideia do produto à ideia biológica” (ver 3ºparágrafo de 2.1).

As analogias formais biológicas não estariam completas sem mencionar obras como o

LYON AIRPORT STATION DE SANTIAGO CALATRAVA (SATOLAS LYON-FRANÇA, 1989-1994) e

MILWAUKEE ART MUSEUM DE SANTIAGO CALATRAVA (MILWAUKEE WISCONSIN-USA, 1994-

2001). Salienta-se que o significado atribuído aos animais está muito presente nas

obras arquitectónicas de Calatrava. Williams refere que os pássaros e os peixes

sempre simbolizaram transcendência. De facto, o pássaro é a representação clássica

do elemento ar, justificando-se assim o uso deste animal como inspiração na

construção de aeroportos.102A título de curiosidade relembro o ninho de pássaros em

Pequim da dupla Herzog & Meuron.

O pavilhão de Calatrava em Milwaukee oferece uma dramática encenação visto de

qualquer ponto: da cidade ou do lago de Milwaukee. Simetricamente balançado com

duas asas modeladas por setenta e duas cordas metálicas finas, presas a uma espécie

de espinha dorsal; o edifício forma o que parece ser uma gigante estrutura cinética.

Williams afirma:

“The physical resemblance to the bones of a bird’s wing is actually rather slight, but as a symbol it

is no less effective (…)”103

O aeroporto de Lyon exemplifica a atitude que Calatrava tem por grandes e ousadas

estruturas. As suas referências formais ao projecto de Saarinen são ainda mais

explícitas que em Milwaukee. A metáfora do voo contida no projecto também é

evidente, assim como o seu perfil também nos lembra um porco-espinho ou papa-

formigas (até mesmo o olho humano), efeito acentuado pela coloração do edifício. A

estrutura é rica em alusões biomórficas, apesar de Calatrava se basear mais na

exploração da física e do equilíbrio de massas e forças do que em analogias biológicas,

como nos refere Williams.104

101 WILLIAMS, Hugh Aldersey, op.cit., p.41-54 102 Ibidem 103 Ibidem 104 Ibidem

81

Page 90: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA
Page 91: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Em conclusão, expusemos alguns casos-de-estudo que estabelecem analogias formais;

veremos separadamente analogias de outra natureza.

83

Page 92: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.53 e 54 Analogia anatómica funcional (o olho) aplicada a um elemento particular do

edifício; Instituto do Mundo Árabe (Jean Nouvel, 1981-1987)

Page 93: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

2.2 Função e Performance

De acordo com Williams:

“A new biomorphism is emerging where the meaning derives not from any specific representation

but from a more general allusion to BIOLOGICAL PROCESSES.”105

“Animals offer lessons in thermal performance; plants provide models of response to solar

radiation; both suggest novel methods of weather protection. The presumption is always that

nature’s solutions to problems of adaptation, reached after millions of years of evolution, are better

– if not in type, then in degree – than the ones achieved by architects and engineers over a few

centuries.”106

Dentro de uma grande diversidade de casos-de-estudo, tentou-se estabelecer

diferentes grupos que partilham entre si conceitos formais chave, e aprofundá-los

individualmente. Os projectos relativos à forma foram estudados no subcapítulo

prévio; enquanto os projectos relativos à função e à performance serão analisados

posteriormente. Estes, ao contrário dos casos formais apresentados anteriormente,

relacionam-se com a natureza não (só) pelo aspecto físico e formal que o edifício

aparenta, mas pela função ou qualidade específica (não morfológica) que este

mimetiza da natureza. Ou seja, centra-se na distinção entre um edifício parecer-se

com um animal ou comportar-se (a níveis energéticos por exemplo) como um animal.

Uma vez que os organismos naturais desenvolveram habilidades complexas e

altamente adaptáveis; os arquitectos podem transformar essas aptidões funcionais e

aplicá-las no desenho da arquitectura.

A função e performance dos organismos, quando mimetizadas na arquitectura,

apresentam-se de diversas maneiras. Enquanto formalmente as analogias são

limitadas, funcionalmente as analogias são múltiplas. Deste modo, os processos

biológicos na arquitectura integram: analogias construtivas, mecânicas, ecológicas,

genéticas, matemáticas, materiais, entre outras. Antes de expormos os restantes

casos-de-estudo, analisaremos as diferentes áreas que estes compreendem.

Em primeiro lugar, discutiremos a possibilidade de surgirem casos-de-estudo que

possuem características biológicas funcionais, mas por vezes ainda formais. Este

capítulo compreende uma espécie de “segunda fase biónica”, pelo que são aceites (e

até desejados) casos onde a forma e a função biológica estejam presentes em

simultâneo. Ao inverso, e a título de curiosidade, recordo a existência de projectos que

funcionalmente possuem qualidades biológicas mas morfologicamente não. Por

exemplo, o Instituto do Mundo Árabe de Jean Nouvel em Paris ficou famoso pela

105 WILLIAMS, Hugh Aldersey, Zoomorphic – new animal architecture, 1ªed, London, Laurence King Publishing

Ltd, 2003, p.60 106 Idem, p.169

85

Page 94: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.55 “Blobitecture” (The Sage Gateshed, Norman Foster, 2004)

Page 95: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

tecnologia da sua fachada. Esta é composta por pequenos óculos que abrem e fecham

permitindo diferentes níveis de luminosidade. Encontra-se aqui uma analogia

anatómica, porque o edifício manifesta-se como um organismo vivo abrindo e

fechando os “olhos”, possuindo uma dinâmica biónica invulgar. Na parte interior do

edifício, este mecanismo confere uma atmosfera natural comparado à filtragem do sol

através das folhas das árvores. Apesar do referido, a sua aparência não é biomórfica.

Em segundo lugar, é importante incorrer sobre a mimetização material dos

organismos nos edifícios. No campo da arquitectura e biónica procuram-se estratégias

de mimetizar a natureza, nomeadamente a sua “matéria”, “pele” ou “material”.

Investigações recentes anunciaram que algumas especificidades dos organismos

podem ser reproduzidas em materiais artificiais. Como exemplo, o Fishdance

Restaurant de Frank Guery faz uso de um material translúcido e repartido semelhante

às escamas de um peixe. Refira-se, por outro lado, a existência de pesquisas que

demonstram que na natureza há alguns organismos capazes de se transformar em

materiais artificiais (como a membrana biónica da folha de lótus é usada para afastar o

pó quando aplicada na parede).107

Em terceiro e último lugar, podemos retomar o discurso do uso das ferramentas

digitais (ver 1.3.2). Esta matéria reflecte-se agora em alguns dos casos-de-estudo a

abordar. Os computadores oferecem novas possibilidades para os arquitectos criarem

formas fluídas, revolucionando a aparência dos edifícios. Greg Lynn já afirmava que

este seria o futuro: “I knew it was the future”108. Relembramos que Lynn foi o pioneiro

da denominada “blobitecture”, uma arquitectura gerada por computadores com

peculiares influências orgânicas ou biológicas. No entanto, também não podemos

deixar de perguntar o porquê destas formas levarem à interpretação biológica. Uma

das razões pode ser a nossa tendência, por estarmos acostumados às coordenadas

cartesianas, de ler qualquer outra geometria como orgânica.109

Frank Gehry, curiosamente, não incentiva o uso do computador para gerar a forma.

Este insiste que “a imagem na cabeça acaba por tomar precedência sobre a imagem

no ecrã” (apesar dos usuários do computador poderem acreditar que foram estes que

criaram a forma extracorpórea). Greg Lynn é a antítese de Gehry. Este autor, como já

vimos, defende que as novas ferramentas do computador dão aos arquitectos

possibilidades de criar novas formas, pondo de lado toda a história e teoria que os

aprisiona mentalmente.

107 WAN-TING, Chiu, SHANG-CHIA, Chiou, Discussions on Theories of Bionic Design, Graduate School of Design Doctoral Program, National Yunlin University of Science and Technology, p.16 108 LYNN, Greg, citado em WILLIAMS, Hugh Aldersey, op.cit., p.28 109 WILLIAMS, Hugh Aldersey, op.cit., p.24

87

Page 96: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.56 Villa Girasole (Angelo Invernizzi e Ettore Fagiuoli, 1929-1935)

Fig.57 Waterloo International Terminal (Nicholas Grimshaw and Partners, 1988-1993)

Page 97: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Interessa agora expor e analisar os casos-de-estudo referentes à analogia performativa

da arquitectura e da biologia. Estes irão espelhar as matérias e dilemas que acabámos

de estudar. Neste sentido, os engenheiros italianos Angelo Invernizzi e Ettore Fagiuoli

desenharam e construíram com sucesso uma casa rotativa que imita um gira-sol –

VILLA GIRASOLE (THE SUNFLOWER) DE ANGELO INVERNIZZI E ETTORE FAGIUOLI (VERONA-

ITÁLIA, 1929-1935). A casa em “L” funciona como uma charneira girando em torno de

um pátio circular; os motores a diesel conseguem girar a casa 360 graus em calhas

circulares, fazendo a casa seguir o sol durante todo o dia, enquanto à noite volta à

posição inicial. O objectivo era maximizar as propriedades do sol.110

Esta casa tem sido considerada como uma tentativa interessante de arquitectura

ecológica em termos de uso da energia solar. Salienta-se que apesar de não fazerem

uso de painéis solares, poderia ser benéfica a instalação destes na cobertura,

armazenando energia para quando necessário. É um dos casos que encontrámos que

ilustram a biónica no sentido de mimetizar e aprender com as funções dos

organismos.

Só nos finais do séc.XX é que começou a ser possível construir estruturas geométricas

como as WATERLOO INTERNATIONAL TERMINAL DE NICHOLAS GRIMSHAW AND PARTNERS

(LONDRES-INGLATERRA, 1988-1993). O desenho de Grimshaw para este projecto celebra

tais conquistas, apesar do sítio ser limitado. A assimetria cónica do edifício traz-nos

semelhanças animais à cabeça. Numa fotografia aérea da estrutura, conseguimos

distinguir uma lagarta a comer de uma folha, mas a analogia estende-se além da sua

morfologia ou aparência biológica. De facto, o edifício deveria desdobrar-se para cima,

para baixo e para os lados, de maneira a cumprir o programa – o arco do terminal

alcança esta flexibilidade usando um sistema de painéis de vidro, fixados na parte

superior, em que cada painel pode deslizar para três lados. Apesar do movimento ser

pequeno em comparação ao animal que inspirou esta criação, o edifício demonstra

uma flexibilidade semelhante à do pangolim.111

Por sua vez a casa de Reyes – REYES HOUSE DE EUGENE TSUI (OAKLAND CALIFÓRNIA-USA,

1991-1993) – foi das primeiras construções revolucionárias do arquitecto Eugene Tsui,

uma arquitectura que implementa as práticas evolucionárias da natureza. Nas palavras

de Tsui:

“An architecture that implements the evolutionary practices of nature as a synthesis of billions of

years of evolution applied to immediate needs and circumstances of form, function and purpose.”112

110 WAN-TING, Chiu, SHANG-CHIA, Chiou, op.cit., p.16 111 WILLIAMS, Hugh Aldersey, op.cit. 112 TSUI, Eugene, Evolutionary Architecture: Nature as a Basis for Design, New York: Willey, 1999, p.14-15

89

Page 98: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.58 Reyes House (Eugene Tsui, 1991-1993)

Fig.59 e 60 Casa de Florence e William Tsui (Eugene Tsui, 1993-1995)

Page 99: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

O projecto para a casa de Reyes previa alterações ao interior de uma casa existente,

como a adição de um novo espaço. A cobertura deste novo espaço é feita com um par

de asas de fibra de vidro de seis metros, semelhantes às asas de uma libelinha. Estas

podem ser abertas num efeito mais dramático para ventilar a casa.113

As construções de Tsui contêm influências de Fuller, e nestas também abundam

elementos biológicos – conchas, olhos de insectos, escamas e barbatanas. A casa que

Tsui desenhou para os seus pais – FLORENCE AND WILLIAM TSUI HOUSE DE EUGENE TSUI

(BERKELEY CALIFÓRNIA-USA, 1993-1995) – é baseada na morfologia dos tardígradas

(tardigrade), também denominadas como ursos de água, criaturas extremamente

resistentes. A planta da casa é elíptica e tal como o tardígrada, foi construída para

resistir a temperaturas extremas e a terramotos.114

Refere-se ter havido alguma indecisão se este caso-de-estudo deveria pertencer à

categoria formal, por possuir evidências de obras que aparentam ser cópias

morfológicas de organismos naturais, ou se deveria pertencer à categoria funcional

por este também se preocupar com a funcionalidade, sustentabilidade, e tom

ecológico. A opção de o integrar no capítulo sobre analogia performativa deve-se ao

facto de, para além da obra, a teoria do autor ser evolucionária, tentando aprender

com a natureza não só no sentido estético. Tsui, na sua obra “Evolutionary

Architecture”, destaca como vários organismos são mimetizados em vários campos: os

telhados geralmente imitam conchas e espirais; os pilares imitam árvores; as formas

parabólicas são usadas em estruturas pneumáticas.115

Sobre arquitectos que conjugam a obra construída com a teoria, como Eugene Tsui,

Greg Lynn demonstra um ponto de vista essencial na discussão do desenho da

arquitectura biónica ou biomórfica. Em várias entrevistas Greg Lynn viu-se forçado a

dar respostas ao seu fascínio pelos algoritmos, matemática, manipulações digitais,

superfícies e animações claramente presentes no seu trabalho. Lynn refere que acima

disso está a criação de espaços e formas, sendo que este não é adepto do que é

diferente apenas por ser diferente; o interesse reside na resolução de problemas ou

restrições através de novas ferramentas. Nas suas palavras:

“(…) the market is demanding a combination of brand identity and rapid variation in models, there

is a new problem today that didn’t exist before.”116

A igreja do referido arquitecto Greg Lynn – KOREAN PRESBYTERIAN CHURCH DE GREG

LYNN (NOVA IORQUE-USA, 1995-1999) – tem relevo sobretudo pelo seu método de

113 WILLIAMS, Hugh Aldersey, op.cit. 114 TSUI, Eugene, Evolutionary Architecture: Nature as a Basis for Design, New York: Willey, 1999, p.14-15 115 Ibidem 116 LYNN, Greg, palestra no Museum of Fine Arts, Houston, Abril, 2012

91

Page 100: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.61 e 62 Em cima: Korean Presbyterian Church (Greg Lynn, 1995-1999); Em baixo: Ark of

the World Carara National Park (Greg Lynn, 2002)

Page 101: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

trabalho, o uso das ferramentas digitais e de cálculo na definição da forma. A

inspiração biológica concretiza-se no seu edifício, pela incorporação de uma espécie

de elemento genético. Ao se modificar uma parte/elemento do edifício este reformula

automaticamente os restantes aspectos, reflectindo a nova informação na fachada e

restantes partes do edifício. Lynn usa a análise das malformações genéticas para

explicar a criação dos seus edifícios (ver 1.3.2).

Por outro lado o seu edifício na Costa Rica – ARK OF THE WORLD CARARA NATIONAL PARK

DE GREG LYNN (COSTA RICA, 2002) – uma atracção turística no tema da ecologia, prende-

se com uma forma biológica mais explícita que a maioria dos outros projectos de Lynn.

O arquitecto suspendeu as suas regras habituais de evolução da forma e permitiu-se

produzir um desenho inspirado nas plantas locais e animais.

E se Greg Lynn teve de responder pelo seu fascínio por algoritmos e matemática,

também o teve Wilkinson Eyre. O seu edifício Multiplex Cinema – MULTIPLEX CINEMA

DE WILKINSON EYRE (MERRY HILL DUDLEY-INGLATERRA, 1998-?) – é composto por vinte

auditórios empilhados e dispostos numa forma espiral visível na planta do edifício. A

sequência Fibonnacci encontrada nas espirais naturais forneceu a inspiração

primordial na concepção do edifício, apesar de a capacidade ter aumentado para

responder ao programa.

Este edifício não só usa a biologia no sentido matemático que D’Arcy Thompson

explorou com determinação, compreendendo o sentido “funcional” das metáforas

biológicas na arquitectura; como em termos formais expressa a aparência de um

náutilos, um molusco cuja forma natural também apresenta a sequência Fibonnacci

(uma das formas mais incríveis da natureza). Citando Jim Eyre:

“Even though viewers might not see the natural analogy or the structural principle, they can

appreciate that it looks as if it has grown, and can connect deeply with that.”117

O tema da função e performance em casos-de-estudo biónicos estaria incompleto sem

mencionar Buckminster Fuller e as suas cúpulas geodésicas (em inglês geodesic

domes). Como se sabe, Fuller ficou conhecido em grande parte pela realização de

cúpulas de grande alcance, a maioria com estruturas ligeiras. Como já mencionámos

anteriormente, Steadman (ver 1.2.) refere-nos que Fuller aplica às suas cúpulas

geodésicas um princípio anatómico de similitude (mostrando como cúpulas maiores

perdem calor mais devagar); e que ao mesmo tempo o arquitecto explora as

propriedades energéticas dessa geometria omnidirecional que encontramos,

117 EYRE, Jim, Bridging Art and Science, London: Booth-Clibborn, 2001, p.233

93

Page 102: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.63 e 64 À esquerda: Multiplex Cinema (Wilkinson Eyre, 1998); À direita: diagrama

estrutural da concha Cyelammina

Fig.65,66,67 e 68 À esquerda em cima: Buckminster Fuller e a maquete de uma das suas cúpulas

geodésicas; À direita em cima: exemplo de um micro organismo Radiolaria; À esquerda em baixo:

Buckminster Fuller e uma das suas cúpulas geodésicas; À direita em baixo: Esquelectos de Radiolarias

encontrados no mar

Page 103: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

curiosamente, em organismos mais pequenos como a Radiolaria – formas

inteiramente simétricas, normalmente esféricas.118

Frei Otto, em “Architecture et Bionique”, também referiu que as cúpulas de

Buckminster Fuller tentam incluir o maior volume com o mínimo de peso possível.

Otto comentou:

“Não nos podemos esquecer da reacção do nosso amigo Buckminster Fuller que, em 1962, no

Instituto Max Planck de Berlim foi subjugado pelas fotos estereoscópicas das algas das conchas

siliciosas (diatomáceas) (…) aumentando de 5 a 50 000 vezes as algas tinham semelhanças

inacreditáveis com as cúpulas de Fuller, apesar das fotos serem recentes e de Fuller nunca ter tido

conhecimento das mesmas. Essas imagens estereoscópicas assemelhavam-se estranhamente às

maquetes das suas célebres cúpulas. Para todos os envolvidos na pesquisa, ficou claro que se Fuller

tivesse tido conhecimento mais cedo das conchas diatomáceas, todo o mundo diria que este tinha

copiado a natureza. Ou, se este tivesse conhecido as conchas na sua realidade, era provável que

nem sequer se atravesse a repeti-las nas suas construções.”119

Este caso-de-estudo destaca-se de todos os outros por ser acidentalmente biónico.

Apesar das parecenças físicas e funcionais das estruturas de Fuller com algas ou

organismos pequenos como a Radiolaria, o arquitecto nunca teve como intenção

procurar na natureza inspiração, nem tão pouco copiar, imitar ou mimetizar as suas

invenções. Não deixa no entanto de ser surpreendente e admirável como é que este

chegou a uma obra estrutural que tão sabiamente usa as leis da física à semelhança da

própria natureza.

A título de curiosidade refere-se que as invenções de Fuller inspiraram grandes obras

como o Projecto de Eden nos Estados Unidos, uma atracção composta por biomas

(ecossistemas) onde estão coleccionadas plantas de todo o mundo.

Por fim, o projecto de Norman Foster – SWISS RE HEADQUARTERS DE FOSTER AND

PARTNERS (LONDRES-INGLATERRA, 1997-2004) – tem uma razão estritamente funcional

para a radicalidade da forma. A maior parte do peso do edifício é distribuída pela sua

grelha externa de aço, endurecida por aros horizontais. Pela particular estrutura do

edifício, o arquitecto conseguiu colocar clarabóias (ou poços de luz) que permitem a

circulação natural do ar, assistida pelo invólucro aerodinâmico do edifício, reduzindo o

consumo de energia.120

118 STEADMAN, Philip, The Evolution Of Designs – Biological Analogy In Architeture And Applied Arts, Cambridge, Cambridge University Press, 2008 (1979), p.262 119 OTTO, Frei, Architecture et Bionique – Constructions Naturelles, Denges, Editions Delta & Spes SA, 1982

(original em francês, tradução do autor), p.6 120 WILLIAMS, Hugh Aldersey, op.cit., p.98

95

Page 104: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.69,70 e 71 Em cima/centro: Swiss Re Headquarters (Foster and Partners, 1997-2004); Em

baixo: Porífero ou esponja do mar

Page 105: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

No piso térreo, a morfologia cónica do edifício leva a uma redução da sua implantação,

e a um melhor aproveitamento do espaço público, enquanto a sua forma arredondada

dinamiza o fluxo do vento.

A forma do edifício está próxima à de uma variedade de poríferos (ou esponjas) do

mar. Como refere Williams “(…) any hint of nature, of course, helps to advertise claims

to environmental sustainability.”121 Esta analogia estende-se aos aspectos funcionais

do edifício, dado que a sua forma melhora o fluxo do vento, assim como a forma dos

poríferos ajuda o fluxo da água que a atravessa. Internamente, o sistema de ventilação

encontra o seu precedente na maneira como o porífero se alimenta, sugando a água

pelas suas membranas e expelindo-a através de uma “chaminé” no topo.122 A título de

curiosidade refere-se que também podemos identificar, neste caso, alguma inspiração

em Buckminster Fuller e nas suas cúpulas geodésicas, bem como um pouco de Bruno

Taut.

É ainda de salientar o artigo “Why Green Often Isn’t”, onde Michael Mehaffy se debate

com a veracidade dos chamados edifícios verdes, ou sustentáveis. O autor constata

que estes frequentemente revelam-se menos sustentáveis do que alegavam ser. Em

alguns casos, sublinha, demonstram até que a sua performance sustentável é inferior

à de outros edifícios sem tais pretensões. Faz também referência ao artigo do New

York Times, “Some buildings not living up to green label”, onde são documentados

problemas graves em alguns dos ícones da arquitectura verde. Entre outras razões, o

Times aponta para o uso excessivo de cortinas de vidro dispendiosas, e desenhos de

edifícios onde o espaço útil se afasta das paredes exteriores, forçando o uso de luz

artificial e de sistemas de ventilação.123

De facto, o próprio edifício de Foster and Partners surge como um dos maus exemplos

de sustentabilidade. (O autor chega mesmo a chamá-lo de “pepino sensacionalista de

Londres”.) O seu sistema de ventilação ficou comprometido quando os inquilinos,

preocupados com a segurança, forçaram a abertura de janelas. O número de janelas

operáveis que necessitavam de especificações era reduzido, devido ao sistema de

ventilação natural, e uma vez comprometido, o sistema teve de ser fechado

permanentemente. O objectivo ambicioso de um sistema de ventilação natural mais

sofisticado paradoxalmente resultou numa ventilação ainda pior.124

Salienta-se que a maioria dos casos apresentados neste capítulo segue a sequência de

ideias de Hugh Aldersey Williams, com excepção dos casos de Lynn e da Villa Girasole.

121 Ibidem 122 Ibidem 123 MEHAFFY, Michael, SALINGAROS, "Why Green Architecture Hardly Ever Deserves the Name" Julho 2003

disponível em www.archdaily.com 124 Ibidem

97

Page 106: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA
Page 107: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

2.3 Dúvidas em relação à organicidade da arquitectura biónica

De acordo com Williams:

“ ‘Organic’ has lost its precision, and tends to be applied loosely to anything with a few curves.

Labels have been proposed such as ‘biotechnic’ or ‘technorganic’ but these imply a restrictive

dependence of biological form upon technological means. Biomorphism (...) remains more specific

than ‘organic’, but suggests that it is only shape that matters, whereas it is also patterns and

mechanisms of building use and operation derived from biological models that interest a number of

architects today (…)”125

De acordo com Montaner:

“(…) intrínseco – entidade, no sentido filosófico, sempre que o todo está para a parte assim como a

parte está para o todo; sempre que a natureza dos materiais, a natureza das intenções, a natureza

de todo o processo torna-se claramente uma necessidade. Arquitectura orgânica (ou intrínseca) é a

arquitectura livre na democracia ideal”.126

Pode parecer questionável o porquê da definição de arquitectura orgânica num estudo

“biotécnico”. Apesar do enorme esforço em tentar privar a biónica da arquitectura

orgânica pareceu-me incontornável atender brevemente à sua definição,

mencionando o que é orgânico, a organicidade e a sua subjectividade. Neste caso,

surge em contraste aos “biotermos” já apresentados no capítulo anterior, tendo que a

arquitectura orgânica não deixa de usar a natureza.

Para Williams o que é "orgânico" perdeu a sua precisão, e a minha hesitação provinha

da banal associação do orgânico a qualquer coisa que tenha curvas. A citação de

Williams também nos fornece uma explicação sensata acerca do uso de biotermos

que, apesar de implicarem uma dependência ao biológico, permanecem mais

específicos que o termo orgânico. O autor enfatiza assim a importância não só da

forma biológica mas também dos modelos e mecanismos biológicos que inspiram

edifícios.

Os autores seleccionados e analisados (nos casos-de-estudo), consciente ou

inconscientemente, recorrem a diversos tipos de formas e estruturas que, caso a caso,

pertencem a posturas e lógicas muito diferentes; e possuindo “raízes, mecanismos

combinatórios e implicações científicas, filosóficas e sociais variadas”127.

Montaner toma a decisão de dedicar uma parte do seu livro “As formas do século XX”

a dois fenómenos. Um destes adopta a “vitalidade, a versatilidade e a energia dos

125 WILLIAMS, Hugh Aldersey, Zoomorphic – new animal architecture, 1ªed, London, Laurence King Publishing Ltd, 2003 126 MONTANER, Joep Maria, as formas do século XX, Barcelona, Gustavo Gili, 2002, p.12 127 Idem, p.19

99

Page 108: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.72 Falling Water (Frank Lloyd Wright, 1937)

Fig.73 Museu de Arte Contemporânea em Nitéroi (Oscar Niemeyer, 1996)

Page 109: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

seres vivos e da natureza como fonte de inspiração”128

, onde percorre alguns dos casos

de estudo analisados anteriormente, salientando-se que não menciona quaisquer

termos técnicos como biónica, biomimética, biognose ou biotécnica.

Como foi apontado inicialmente, hesitei em explorar o conteúdo do que era

“orgânico”, por este tema ser muito mais vasto e abrangente do que o termo mais

científico de “biológico” ou “biónico”. Tendo tal denominado “organicismo” inspirado

figuras como António Gaudí e Frank Lloyd Wright; e mais tarde Óscar Niemeyer, Eero

Saarinen, Kenzo Tange ou na teórica de Bruno Zevi. Sendo importante neste ponto,

questionar-se alguns casos-de-estudo como a Sagrada Família, em Montaner

categorizada como orgânica pelo que, por fazer uso das aprendizagens da natureza,

também pode ser considerada biónica. Neste sentido será de recordar que o estudo e

consolidação do termo biónico, ou da arquitectura biónica, é ainda muito precoce.

Enquanto existem obras que procuram na natureza inspiração, muitas delas tentam

dialogar com esta. A nosso ver estas duas visões representam pontos de vista

diferentes. Para Montaner, a arquitectura orgânica é aquela que procura imitar as

formas da natureza. Quais seriam as formas da natureza? As ondas, as parábolas, os

hexágonos, as espirais, os círculos. 129

Como este autor entende, a arquitectura orgânica é “aquela que procura imitar as

formas da natureza”; nesse sentido, tal tem lugar neste estudo. A acrescentar a sua

certeza da relação da natureza com as ondas, parábolas ou hexágonos, uma geometria

que também procurámos ter em consideração. Não podendo, no entanto, deixar de

recordar o já exposto na introdução, onde D’Arcy Thompson recusava as formas

orgânicas, argumentando que “não há fenómenos inexplicáveis nem mesmo orgânicos,

pois estão em conformidade com simples leis físicas”130 (ver Introdução). Apesar de

termos formado no início do trabalho uma exacta definição do objecto de estudo,

retomar a questão “orgânica” pareceu inevitável.

Abordaremos então alguns casos-de-estudo orgânicos. Nas palavras de Montaner:

“Frederick Kiesler é uma personagem interessante que parte de formas impossíveis e maleáveis,

criando espaços flexíveis e plásticos. Foi o primeiro a experimentar as formas do espaço do sonho:

sem tempos nem limites, contemplado e ensimesmado, curvo, suave e macio, onde tudo é

permitido.”131

O autor salienta na ENDLESS HOUSE (CONCEPTUAL) DE FREDERICK KIESLER (PARIS-FRANÇA,

1942) o espaço onírico que esse cria. É importante salientar que Kiesler defendeu as

128 Ibidem 129 MONTANER, Josep Maria, op.cit., p.32 130 THOMPSON, D’arcy Wentworth, On Growth and Form, Cambridge, Cambridge University Press, 1917, p.9 131 MONTANER, Josep Maria, op.cit., p.40

101

Page 110: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.74 Endless House (Frederick Kiesler, 1942)

Page 111: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

formas orgânicas mais humanas, contra a ditadura das formas planas e racionais de

então. Um espaço curvo e contínuo, sem paredes ou limites, quase sensual – apesar

de inabitável.

Os conceitos que surgem associados a este projecto são mais confusos do que

procuramos – a analogia animal, biológica, natural. Apesar da organicidade da Endless

House, essa qualidade por si só não é suficiente para a entendermos e estabelecermos

uma comparação. A relação que se consegue estabelecer é mais pessoal: identificamos

um habitat de um roedor, e conseguimos compará-la a habitações animais

espontâneas. A sua morfologia deixa muito à interpretação de cada um. Para

Steadman, em “The Evolution Of Designs”, apesar das teorias de Kiesler, este pareceu

demonstrar algumas dificuldades em ultrapassar a fase da "invenção" nos seus

projectos.132

Ainda relativamente à Endless House e de esta poder incentivar analogias animais

como sugeridas, tal não se relaciona com o animal, mas com a forma como o animal

constrói a sua arquitectura, o espaço que constrói. De facto, do estudo foram

excluídas arquitecturas inspiradas não pela forma dos animais, mas pelas estruturas

que os animais constroem eles mesmos (o estudo das metáforas biológicas é por si só

muito extenso). Refere-se, no entanto, que estas analogias foram extensivamente

estudadas por autores como Bernard Rudofsky, Mike Hansell e Karl von Frisch.

Contudo, conferimos às analogias das construções animais algum valor. Reforço alguns

casos-de-estudo já mencionados como o estádio de Pequim de Herzog & De Meuron;

e o Eastgate Center de Mick Pearce (ver 1.2).

Neste sentido, o projecto SILK PAVILLION (MEDIATED MATTER RESEARCH GROUP/ MIT

LAB), pela sua excepcionalidade, não podia deixar de ser mencionado. O Pavilhão de

Seda explora a relação entre o fabrico digital e biológico no desenho e produto à

escala arquitectural. A estrutura primária foi criada com vinte e seis painéis poligonais

feitos com fios de seda dispostos por uma máquina CNC (Computer Numerically

Controlled). Inspirados pela habilidade dos bichos-da-seda de criar um casulo 3D feito

de um único fio de seda, a geometria global do pavilhão foi criada usando um

algoritmo que dispõe um único e contínuo fio através de padrões, fornecendo vários

graus de densidade.133

A variação de densidade global foi conseguida pelo próprio bicho-da-seda, implantado

como uma “impressora” biológica na criação de uma segunda estrutura. Um conjunto

132 STEADMAN, Philip, The Evolution Of Designs – Biological Analogy In Architeture And Applied Arts, Cambridge, Cambridge University Press, 2008 (1979), p.159 133 Mediated Matter Group, Mit Media Lab, “Silk Pavilion” disponível em vimeo.com

103

Page 112: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.75 Silk Pavillion (Mediated Matter Research Group/ MIT Lab, 2012)

Page 113: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

de bichos-da-seda (aproximadamente 6.500) foi posicionado no aro inferior da

estrutura/cúpula giratória. Assim, estes reforçaram localmente os espaços entre as

fibras de seda dispostas pela máquina CNC.134

Apesar de se relacionar com uma arquitectura biológica, por estudar as capacidades

únicas de um animal e seu processo construtivo (neste caso o bicho-da-seda que

produz o próprio material que necessita para satisfazer as suas necessidades

construtivas), este projecto distancia-se de todos os outros apontados. O uso que o

Pavilhão de Seda faz do conhecimento biológico que recolhe não é só teórico mas

prático. É teórico no sentido em que a máquina CNC simula um padrão em seda que se

constitui como uma base. Por si só, esta base já demonstrava uma analogia biológica

(se não tecnológica) presente ao simular o processo construtivo dos bichos-da-seda,

no entanto o projeto é prático ao se densificar através dos próprios bichos-da-seda.

Cientes das particularidades singulares do projecto, torna-se importante sublinhar a

qualidade utópica e conceptual do projecto. Emprega avanços tecnológicos

surpreendentes, no entanto argumenta-se que o uso de uma máquina CNC para a

base de seda inicial que depois transporta os bichos requer um uso excessivo não só

de tempo, energia e dinheiro, que resume este projecto a algo interessante, porém

pouco prático ou útil. Também nos podemos questionar porque razão não construir

toda a cúpula apenas com a máquina CNC num material mais resistente que a seda.

Feito o estudo que descreve projectos biológicos a nível formal e a nível funcional; e

discutida a possibilidade da arquitectura orgânica também compreender a biológica; o

próximo capítulo focar-se-á numa análise comparativa entre os casos-de-estudo

expostos.

134 Ibidem

105

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Page 115: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

3. O futuro da Arquitectura Biónica

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Page 117: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Finalizado um estudo que preencheu os conceitos teorizados da história da biónica e

das analogias biológicas na arquitectura, e expostos diversos casos-de-estudo,

seleccionados entre uma variedade extensa de projectos; cabe-nos concretizar agora

uma análise comparativa entre esses casos, assim como reflectir sobre a sedimentação

do conhecimento da arquitectura biónica, e sistematizar significados desta

arquitectura e seu potencial. No fim, incorrer sobre o seu desenvolvimento e

contribuição para o futuro, e colocar uma última questão:

O que é que pode ser considerado útil e valioso no futuro de tais analogias, metáforas,

construções biomórficas, biológicas, biomiméticas, biónicas (…) e o que deve ser

rotulado de perigoso e inútil? Que lições levamos do passado e o que podemos prever

para o futuro?

Em primeiro lugar, e no seguimento da exposição de diferentes casos-de-estudo

(apresentados no capítulo 2), tentaremos concretizar uma análise comparativa

coerente que relacione os casos-de-estudo expostos. Tal revela-se necessário para

uma abordagem mais completa – não só descritiva mas também relacionada com os

elementos biológicos históricos abordados no primeiro capítulo. Apercebemo-nos que

as analogias biológicas na arquitectura compreendem mais que uma análise formal e

funcional, os casos-de-estudo englobam, entre outras, analogias vegetais, animais,

ecológicas, genéticas, simbólicas, materiais, gerais ou particulares.

Em segundo lugar, abordaremos questões pertinentes colocadas por diferentes

autores, que tentam aconselhar a arquitectura biológica do futuro. Das opiniões

divergentes apontadas, realizaremos respostas concisas. De seguida revemos as

temáticas analisadas nos capítulos prévios, emitindo opiniões sobre o futuro desta

arquitectura. Esta discussão é então abreviada num quadro síntese. Deduzimos que

alguns dos temas a serem debatidos neste capítulo envolvem as diferentes

perspectivas de aceitar a natureza na arquitectura, a modernização de materiais e

técnicas construtivas, e as necessidades “verdes” dos edifícios biónicos.

Por último abordaremos a condição utópica da arquitectura biónica, numa

introspecção mais pessoal e metafísica. Reflectir sobre a utopia como sociedade ideal,

pode ajudar-nos a desmistificar conceitos biológicos, muitas vezes associados a

extravagâncias egoístas. Também nos ajudará a repensar a utilidade de conceitos

discutidos previamente. Sumariamente este último ponto explora o sonho, e a

(des)necessidade humana de descobrir todos os segredos da natureza.

109

Page 118: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA
Page 119: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

3.1 Análise comparativa entre casos-de-estudo

As presentes tabelas introduzem o breve resumo comparativo entre os casos-de-

estudo expostos no capítulo anterior. Recordo que estas representam uma análise

pessoal, estando associada à informação recolhida. Desta maneira, alguns parâmetros

assumem-se apenas como hipóteses ou possibilidades.

As analogias animais e vegetais podem ser apropriadas na estrutura globalmente ou

particularmente. Ou seja, focam-se na diferença entre a função animal/vegetal estar

aplicada em todo o edifício ou apenas num elemento – por exemplo, no sistema

estrutural das janelas. Saliento que a mimetização animal e vegetal também pode ser

diferenciada entre particular e global – a inspiração pode partir, por exemplo, da asa

de um pássaro e não do pássaro como um todo.

A segunda tabela apresentada especifica as qualidades funcionais das analogias

biológicas animais e vegetais (material, mecânica ou ecológica).

ANALOGIA BIOLÓGICA

Animal Vegetal Genética Matemática/

Geométrica Formal

Funcional Formal

Funcional G P S G P S Formal

De Processo

Palácio de Cristal ●

Sagrada Família ● ● ● ● ●

Ingalls Rink ●

Terminal TWA ●

Ópera de Sydney ● ● ●

Pavilhões Kenzo ●

Fishdance Rest. ● ● ●

Animal Houses ● ●

Lyon Airport ● ●

Milwaukee Mus. ● ●

Villa Girasole ●

Waterloo Int.Ter. ● ● ●

Reyes House ● ●

Florence Tsui H. ● ● ● ●

Korean Pres.Ch. ● ●

Ark of the World ● ● ● ● ●

Multiplex Cinem. ● ● ● ●

Swiss Re. Headq. ● ●

Endless House ● ●

Silk Pavillion ● ● ● ●

(G) Global (P) Particular (S) Simbólica

ANALOGIA BIOLÓGICA

Analogia animal funcional Analogia vegetal funcional

Global Particular Ecológica

Global Particular Ecológica

M C M C M C M C

Palácio de Cristal ●

Fishdance Rest. ●

Villa Girasole ● ●

Waterloo Int. Term. ●

Reyes House ● ● ●

Florence Tsui House ● ●

Ark of the World ● ●

Swiss Re Head. ● ●

Endless House ● ●

Silk Pavillion ● ● ●

(M)Material (C)Construtiva/Mecânica

111

Page 120: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.76 e 77 Em cima: tardígrada; Em baixo: Florence Tsui House

Page 121: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Verifica-se que quase todos os casos-de-estudo listados respondem a uma analogia

animal ou vegetal (ou ambas), apesar da arquitectura biónica compreender

comparações biológicas que podem, em alguns casos, não serem nem animais nem

vegetais (no caso da natureza morta ou de micro-organismos). Destaca-se as cúpulas

geodésicas de Buckminster Fuller que fazem uma analogia biológica acidental com o

micro-organismo Radiolaria (ver 2.2).

Referente às analogias animais aquáticas, o pavilhão de hóquei de Eero Saarinen é

comparado com uma baleia. A ópera de Sydney, no entanto, reflecte uma analogia

animal devido à sua cobertura em forma de concha. Como sabemos, as conchas são

órgãos externos característicos dos moluscos, sendo que a morfologia da concha é a

característica usada na sua classificação. Os pavilhões de Kenzo Tange, à semelhança

da “baleia”, concebem uma analogia animal também aquática (porém, pouco

específica). Ghery sublinha a sua preferência pelo peixe, enquanto Eugene Tsui

privilegia estruturas simbólicas, repletas de elementos biológicos como conchas, olhos

de peixe, escamas e barbatanas. No edifício Multiplex Cinema, pela sua forma espiral,

distingue-se um náutilos.

As casas animais de Sorkin diferem dos outros casos pela sua imagem animal tão

característica, até infantil e trocista. A evidência animal é aprofundada pelos pilotis

que se assemelham a pernas, e as janelas que se assemelham a olhos. Não podíamos

deixar de mencionar as comparações de Giorgio Vasari (ver 1.2) entre um palácio e a

cara humana.

A obra de Eugene Tsui (Reyes House) é característica pela sua cobertura única. Esta

não deixa dúvidas em relação ao animal a que se assemelha, a libelinha. Por outro

lado, a casa dos seus pais baseia-se na morfologia das tardígradas. As analogias de Tsui

são quase todas animais (ou zoomórficas) destacando-se também o seu projecto para

a Escola Internacional Watsu Center, inspirado nas formigas pote-de-mel.

Referente às analogias vegetais, destacam-se o Palácio de Cristal que imita o tecido

nervurado do nenúfar Victoria Regia; as torres da Sagrada Família que copiam a

morfologia da planta Sedum Sediforme; a Villa Girasole que copia o movimento

rotativo dos girassóis; o projecto de Greg Lynn para a Costa Rica, inspirado no desenho

das plantas locais; e o emblemático edifício de Foster and Partners em Londres

baseado nas estruturas dos poríferos.

Na primeira tabela apercebemo-nos também que além das analogias animais e

vegetais possíveis, destacam-se as analogias genéticas e matemáticas. Greg Lynn é

pioneiro de uma arquitectura genética. Devo porém relembrar o projecto de Peter

113

Page 122: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Fig.78 Residência e Colecção Kramlich (Herzog & De Meuron, 2000)

Page 123: INÊS VALADAS MARQUES PEREIRA

Eisenmann para o Biozentrum, onde o arquitecto usou sequências de ADN na

elaboração da fachada (ver 1.3.2). Ao dividir a analogia genética em “formal” e “de

processo” tivemos em mente projectos como a Residência e Colecção Kramlich de

Herzog & De Meuron (Napa Valley, 2000). Este projecto tem uma inspiração genética

claramente formal, uma vez que a planta curvilínea imita a estrutura molecular do

ADN. Por outro lado, Greg Lynn aplica uma analogia genética “de processo”. A sua

mimetização biológica não é evidente no exterior, nem mesmo na planta, porque

compreende um método de criação genético.

A matemática e geometria são por vezes interpretadas como representações naturais.

Ou seja, reforça-se que para alguns autores (como D’Arcy Thompson) e arquitectos a

natureza expressa-se através de números ou formas geométricas como as parábolas

ou hipérboles (ver Introdução). Ao adicionar o parâmetro da analogia

matemática/geométrica à primeira tabela apresentada, indico uma possível

preocupação do arquitecto em fazer uso de cálculos matemáticos ou geometrias na

construção da obra biónica. Como tal, destacam-se: Gaudí pelo uso de torsões

parabólicas, hipérboles, parábolas, helicoides e conoides na construção da inacabada

Sagrada Família; Greg Lynn por usar o computador e técnicas programáticas/genéticas

na construção da forma; e Wilkinson Eyre pelo uso da sequência Fibonacci. Este tema

remonta às inúmeras tentativas propostas de usar a matemática e a ciência na

arquitectura, onde a preocupação em encontrar, por exemplo, secções douradas ou

séries Fibonacci, pode deixar de lado os benefícios de usar a natureza e a biologia no

enriquecimento da arquitectura. Atende-se que mesmo para D'Arcy Thompson não

fazeria sentido aplicar tais descobertas na arquitectura.

Relativamente à simbologia admitimos alguma ambiguidade. No caso das analogias a

peixes ou conchas podemos considerar alguma simbologia transcendental, uma vez

que o peixe simboliza o elemento água. Como tal, justifica-se o seu uso em

construções perto do mar ou do rio (por exemplo a ópera de Sydney ou o peixe de

Ghery). Por sua vez o pássaro simboliza o elemento ar e justifica-se usar em

construções aéreas como aeroportos. Muitas das estruturas arquitectónicas de

Calatrava são comparáveis a pássaros.

Ao analisarmos o potencial ecológico dos casos-de-estudo (analogia ecológica),

entendemos que a Villa Girasole deveria beneficiar da sua longa exposição solar,

através da utilização de painéis – esta representaria uma analogia ainda mais alargada,

aprendendo com a capacidade dos organismos de reagir ao sol e de absorver energia.

Por sua vez, o edifício de Foster inova pela sua morfologia cónica e sistema de

ventilação (apesar de poder não responder às espectativas ecológicas). Arquitectos

115

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como Lynn e Tsui demonstram preocupações ecológicas, porém este indicador parece

ter surgido tardiamente na arquitectura – se este surgiu como motivação para

arrojados desenhos biológicos, ou como genuína preocupação ambiental é um assunto

que analisaremos de seguida. Relembro que Williams, em “Zoomorphic – New Animal

Architecture”, considera que a arquitectura biónica não está restringida a

compromissos com o meio-ambiente (ver 1.2).

Todos os casos expostos desenvolveram elaboradas analogias, demonstrando um nível

construtivo e estrutural exigente. Como tal, não será absurdo pensar que muitas das

semelhanças formais necessitem iguais semelhanças estruturais. Ou seja, na

representação arquitectónica de um animal não haverá melhor inspiração que o

próprio animal. No entanto, considerei quase todos os casos-de-estudo que

respondem a uma analogia formal dignos de analogias construtivas.

A respeito do uso de materiais que possam mimetizar tecidos biológicos destacam-se

o “nenúfar” de Londres; o “peixe” de Ghery; o terminal de Grimshaw and Partners; a

casa de Reyes (este usou fibra de vidro na tentativa de mimetizar a transparência das

asas da libelinha); a “tardígrada” de Tsui (construída para resistir a temperaturas

extremas e desastres naturais); e o pavilhão de seda. Este último projecto não (só)

mimetiza acções biológicas dos bichos de seda, como é o próprio bicho de seda que

deixa a sua impressão biológica.

Em suma, analisando o quadro elaborado é possível distinguir que os casos-de-estudo

referentes ao capítulo "Forma e Estrutura" atendem a menos parâmetros biológicos

que os casos referentes ao capítulo "Função e Performance". No todo, reflectem a

diversidade natural apresentada no início do trabalho. Relembra-se que são ainda

muitos os organismos, animais e plantas que podem ser estudados e aplicados na

arquitectura, sendo que o seu estudo funcional encaminha-nos para uma arquitectura

activa que acompanha as descobertas científicas. Uma vez estas são constantes, os

estudos biológicos na arquitectura também o poderão ser.

Nas definições dos termos biológicos (ver 1.1) recordo que a definição de Biónica

ditava a “transformação de tecnologia em vida”. Neste sentido, podemos deduzir que

uma verdadeira arquitectura biónica necessita “estar viva”. Como tal, reforça-se que a

biónica pode desenvolver-se em vários níveis: numa mimetização total ou parcial (daí

os quadros elaborados fazerem distinção entre analogias globais ou particulares).

Desta maneira, para os edifícios serem mimetizações biológicas totais têm de

responder a ambas as partes. Atende-se também que certos edifícios possuem apenas

uma inspiração biológica quase “acidental” ou usam um mecanismo biológico

117

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isolado.135

Reforço o interesse de mimetizar processos biológicos atendendo à sua

estética mas também à performance. No artigo “Discussions on Theories of Bionic

Design” os autores tentam distinguir na arquitectura biológica do futuro, uma biónica

informativa (como os organismos extraem, transferem e sentem); uma biónica de

controlo (como os organismos se orientam); uma biónica mecânica (como os

organismos se movem); e uma biónica química (como os organismos transformam a

energia).136

Podemos fazer uma breve análise dos casos-de-estudo expostos (ou

mencionados) segundo estes parâmetros. Desta maneira, como possibilidade de uma

biónica informativa, recordo o projecto de Jean Nouvel em Paris que “abre e fecha os

olhos”; como possibilidade de uma biónica mecânica de controlo, recordo a Villa-

Girasole.

135 PODBORSCHI, V., VACULENCO, M., ADJER, V. Mimicry of natural forms for Eco-design, Technical University of Moldova, 2005, p.60 136 WAN-TING, Chiu, SHANG-CHIA, Chiou, Discussions on Theories of Bionic Design, Graduate School of Design Doctoral Program, National Yunlin University of Science and Technology, p.4

119

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3.2 Discussão sobre o futuro da arquitectura e biónica

“ (…) when all is said and done, the fact is that buildings, machines and implements are inert

physical objects and not organisms; and the relevance of biological ideas to their study can only

remain in the end of an analogical and metaphorical nature. In a mature science the use of

intellectual props of this kind can be dispensed with. But at an early stage they have their value (if

also their dangers)”. 137

Para Philip Steadman, acima citado, na finalização dos edifícios, por estes serem

objectos físicos e não organismos, a relevância das ideias biológicas deve permanecer

como uma analogia e metáfora natural. O que podemos apreender destas afirmações

é que é desejável que a metáfora biológica permaneça apenas num universo simbólico

– e não literal.

O autor também considera que o uso de “adereços” intelectuais (biológicos) pode ser

dispensado, mas que o seu uso “numa fase inicial pode ter o seu valor, como o seu

perigo”. Já testámos diferentes exemplos que se sucederam de maneiras diferentes –

a metáfora biológica como inspiração inicial ou resultante do projecto – apesar de ser

difícil averiguar se os casos-de-estudo partiram inicialmente de um conceito biológico.

Hugh Aldersey Williams, na conclusão da sua obra “Zoomorphic - New Animal

Architecture” também explora as considerações de Steadman relativas à metáfora

biológica, usando mesmo a citação de Steadman que introduz esta discussão (acima

descrita). Este refere:

“If this was true in 1979 when Steadman’s The Evolution of Designs was published, it’s certainly not

true now. There is today a widespread interest in buildings that respond actively to their

environment, which indicates a deeper relevance of biological similitude to their function and

behavior as well as their appearance. (…) We would like the ‘intelligent’ building of a future

generation to open its windows like eyelids to the dawn and to sense the heat in the rising sun or

respond to the chill of a breeze by raising the hairs on its back for insulation. Whether it does such

things literally or metaphorically is now the issue”138

Até hoje é um facto que, enquanto o meio-ambiente se altera, os edifícios

permanecem os mesmos. Os organismos vivos, no entanto, estão adaptados ao meio-

ambiente seguindo uma evolução necessária a essa adaptação, como tal, são capazes

de responder de várias maneiras às mudanças “from moment to moment and day to

day”139

.

Williams reflectiu sobre o desejo de aprendermos não só com as formas de vida, mas

também com o próprio ciclo de vida. De facto, o edifício como um organismo é uma

137 STEADMAN, Philip, The Evolution Of Designs – Biological Analogy In Architeture And Applied Arts, Cambridge: Cambridge University Press, 2008 (1979), p.6 138

WILLIAMS, Hugh Aldersey, Zoomorphic – New Animal Architecture, London: Laurence King Publishing Ltd,

2003, p.168 139

Ibidem

121

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visão sedutora. Para o autor, os organismos vivos são de uma complexidade que não

podemos deixar de admirar. Como sabemos, os animais são capazes de curar as suas

próprias feridas – ao contrário destes, os edifícios (ainda) não podem renovar ou

reparar a sua “pele”, mas para Williams é claro que ganhariam com isso.140

O primeiro dilema é encontrado entre Steadman e Williams: a analogia biológica no

edifício deve permanecer num universo simbólico ou deve, como defende Williams,

estender-se a outros níveis? Deverá o edifício comportar-se como um organismo vivo?

Uma vez definida a arquitectura biónica como mimetização da natureza a níveis

estéticos e funcionais (também aprendendo com a performance térmica e respostas

sensoriais dos animais ou plantas); seria um contrassenso não apoiar a opinião de

Williams. Como foi referido anteriormente, uma verdadeira arquitectura biónica

pondera aprendizagens naturais não só a níveis morfológicos mas também funcionais.

Consideramos que uma arquitectura biológica que permanece num universo

meramente simbólico não explora todas as capacidades desta arquitectura.

Para Tom Mueller, autor do artigo “Biomimetics: Design by Nature”, apesar da

excelência das estruturas biológicas, a natureza deve ser considerada meramente

como um ponto de partida para a inovação. A estrutura natural fornece pistas sobre o

que é útil nesse mecanismo, mas talvez, como o autor defende, consigamos fazer

melhor. Um projecto biomimético é considerado bem-sucedido apenas quando tem o

potencial de fazer uma ferramenta “útil” à população. Admirar a beleza das estruturas

naturais não é suficiente. A mesma pergunta mantém-se: será que conseguimos

transformar estas estruturas em algo objectivo e palpável com verdadeira utilidade no

mundo real?141

Recordemos Frei Otto, em Architecture et Bionique – Constructions Naturelles:

“ (…) A natureza dificilmente pode fornecer uma ordem de ideias aos inventores e técnicos

desprovidos de inteligência. A ideia que se difundiu revelando que todos os objectos da natureza

viva estão optimizados é uma meia-verdade que tem feito muitos estragos. A tendência de

considerar a natureza como uma invenção técnica, que deverá apresentar respostas imediatas,

conduziu a um impasse. Continua a ser evidente que a natureza está fechada para aqueles que a

estudam com o único propósito de a utilizar. Mas esta revela os seus segredos a quem se dedica

sem intenção premeditada de pesquisar os seus efeitos e as suas causas.”142

Deste modo, encontramos não só divergências de opiniões sobre a arquitectura

biológica, como também alguns conselhos futuros. Mueller defende que a inspiração

140 Idem, p.171 141

MUELLER, Tom, Biomimetics: Design by Nature, National Geographic articles online, Abril 2008 142 OTTO, Frei, Architecture et Bionique – Constructions Naturelles, Denges, Editions Delta & Spes SA, 1982 (Trad. do autor)

123

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natural deve ser apenas um ponto de partida, e que o Homem é capaz de melhor. Otto

defende que a ideia de que todos os objectos da natureza viva estão optimizados é

uma meia-verdade, pois a natureza não apresenta soluções rápidas. Mueller e Otto

assumem uma posição cautelosa em relação às inspirações biológicas. Apesar de

fascinante, a natureza não pode ser entendida como enciclopédia arquitectural,

portadora de soluções imediatas.

Das afirmações anteriores relativas ao “perigo” das ideias biológicas na arquitectura,

aparentamos ter investido em lógicas cautelosas que nos impedem de cometer erros

ou que tentam traçar limites na presente discussão, tendo também sido alcançadas

algumas metas. No entanto, cabe-nos ainda referir que se atendermos ao

“pensamento” do desenho biónico e a sua aplicação à arquitectura, percebemos que a

biónica também não pode ser limitada a uma mera técnica de apresentação, mas

deve-se estender a um pensamento mais aprofundado que esteja para lá da inovação

do conceito.143

Acerca dos capítulos prévios, também podemos rever algumas lições do passado, e

formular hipóteses para o futuro desta arquitectura. A lição mais ostensiva será a de

que tudo o que é história, é contexto, é aprendizagem. Ou seja, não só ganhamos uma

noção geral do que foi alcançado e do que disso derivou, como podemos usar a

história como fonte de investigação e de análise descartando uma infinidade de

possibilidades já testadas, ou evidenciar experimentos bem-sucedidos.

Recordamos o quadro que sumariza o porquê das ideias biológicas na arquitectura,

reforçando o incentivo. Recordemos a multiplicidade de analogias biológicas feitas no

passado que sublinham a importância desta arquitectura, e a multiplicidade de

analogias biológicas que ainda podem ser feitas. De modos por vezes irreflectidos, o

discurso de muitos autores e arquitectos tende a aproximar-se de conceitos

biológicos.

No que concerne a temática ecológica é importante concluir que a arquitectura

biónica deve-se associar a uma consciência ambiental, apesar de não estar restringida

a compromissos ecológicos (os edifícios biomórficos não são necessariamente verdes).

Janine Benyus, em “Biomimicry: Innovation Inspired by Nature” (2002) formulou

alguns princípios importantes para uma concepção ecológica da arquitectura que

devemos recordar: o uso energético de forma eficiente, a moderação do uso de

materiais e o equilíbrio com a biosfera. Atribuímos aos princípios de Benyus algum

valor. Devemos realçar que alguns edifícios com pretensões ecológicas, além de não

143 WAN-TING, Chiu, SHANG-CHIA, Chiou, Discussions on Theories of Bionic Design, Graduate School of Design Doctoral Program, National Yunlin University of Science and Technology, p.11

125

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cumprirem com as expectativas, fazem um uso ineficaz de materiais. A arquitectura

biónica não deve ser compreendida como mais um método “extravagante” e

“popular” de fazer arquitectura, uma consciência ambiental é desejável.

Recordamos também a necessidade de diluir fronteiras entre disciplinas. A

arquitectura deve obter conteúdos de outras áreas, questionando os seus limites e

capacidade de incorporar diferentes temas. Nas palavras de Jean-Nouvel:

“The future of architecture is not architectural. (...) It is not important to know which traces to

follow, which maestro to worship, which architecture to impose or which architects to banish.

Architecture must go beyond its frontiers (…) Architecture must have significance. It must speak,

relate, question, if necessary in detriment (and it often is) to technological purity, to constructed

tradition, to conformity with references to cultural models (whether this be classical or modern in

origin).”144

Há medida que o nosso conhecimento sobre a forma e função biológica cresce, novas

analogias e metáforas podem ser feitas a partir de organismos. Qualquer ciência pode

fornecer uma fonte de inspiração à arquitectura, que é tão legítima como outra fonte

qualquer. Uma das maiores características da arquitectura biónica é a possibilidade de

imitar um infindável número de organismos. Esta mimetização pode atender ao desejo

de cada um. Ou seja, podemos procurar na biologia soluções ecológicas, belas ou

construtivas; soluções gerais ou parciais. No entanto relembramos que nem toda a

metáfora científica é boa. Citando Forty:

“Many of the metaphors in the architectural lexicon come from science… but we should not assume

that just because a terms comes from science it will make a good metaphor.”145

Em relação ao uso dos computadores este foi um problema já diagnosticado no

passado. Concluiu-se que a sua utilização e dos novos softwares não constitui perigo

para arquitectura. Como tal, o computador pode beneficiar a criatividade dos

utilizadores e facilitar a construção de protótipos virtuais que antecedem os impactos

do edifício (ambientais, construtivos, sociais; visuais, etc.). No entanto relembramos

que este não pode ser equiparado com a inteligência natural do – o edifício em si não

deve ser gerado automaticamente pelo computador, através da mimetização das

sequências de ADN e sem o controlo ou decisão formal de um arquitecto. Apesar de

ser importante pensarmos na possibilidade de uma arquitectura botânica digital, onde

a natureza é imitada na sua génese.

Por fim, relativamente ao abandono de métodos e processos artesanais,

compreendeu-se a sua inevitabilidade. É necessário aceitar que o reportório de

144 NOUVEL, Jean, Jean Nouvel: la obra reciente - 1967-1990, p.126 145 FORTY, Adrian, The Architecture Of Science, Georgia, Adobe Garamond, 1999, disponível em www.wikispaces.com/ www.books.google.pt

127

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materiais disponíveis na arquitectura altera-se – tal mudança deve ser entendida

como natural e até necessária.

Num sentido mais abstracto também nos cabe reflectir sobre o objectivo de alguns

arquitectos que querem construir não só edifícios mas cidades que sejam naturais. Frei

Otto, em “Architecture et Bionique” realça que o objectivo a longo termo, que

certamente não será alcançado antes do próximo século, é que as casas e as cidades,

juntamente com as plantas e animais, se tornem num um habitat natural (biotope

naturel). Assim, a casa não se opõe à natureza, mas o homem e a sua técnica são parte

integrante desta.146

Este tema compreende uma análise biológica não à micro mas à macro escala.

Geoffrey West, numa conferência sobre o biomimetismo, identifica nas cidades de

hoje a origem do aquecimento global, impacto ambiental e poluição; incentivando o

uso de teorias biológicas aplicadas à cidade. Este questiona-se se uma cidade como

Nova Iorque não pode ser equiparada a um cavalo, comparando o metabolismo

citadino com o metabolismo animal. 147

Finalmente, a arquitectura deve definir um limite sobre quão longe deve um projecto

biónico ser estendido de maneira viável ou desejável, servindo as tarefas do dia-a-dia

e ao mesmo tempo superar as suas ambições arquitectónicas. Ou seja, transformar as

estruturas em algo objectivo e útil no mundo real.

Os temas abordados nesta discussão são de seguida apresentados num quadro

síntese.

146 OTTO, Frei, Architecture et Bionique – Constructions Naturelles, Denges, Editions Delta & Spes SA, 1982, p. 147 WEST, Geoffrey, Biomimicry, Outubro 2012 disponível em www.ted.com

129

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Arquitectura e Biónica: lições do passado/ previsões para o futuro

● A arquitectura biónica não deve, necessariamente, permanecer num universo simbólico. Esta

pode aparentar analogias biológicas morfológicas e funcionais;

● A arquitectura biónica deve servir-se da natureza como elemento de inspiração, admitindo

que esta não oferece respostas imediatas;

● A arquitectura biónica não deve reduzir-se a uma técnica de apresentação;

● A arquitectura biónica deve servir-se da história das analogias biológicas não só como

contexto mas como aprendizagem;

● A arquitectura biónica deve associar-se a uma consciência ecológica mas não está restringida

a esta;

● A arquitectura biónica deve conseguir incorporar diferentes temas;

● A arquitectura biónica possibilita a mimetização de um infindável número de organismos,

respeitando as intenções do arquitecto (ecológicas, belas, construtivas);

● A arquitectura biónica pode beneficiar da utilização das ferramentas digitais. Estas facilitam a

criação de formas biomórficas e protótipos virtuais;

● A arquitectura biónica deve entender como natural e necessária a modernização de materiais

e processos construtivos;

● A arquitectura biónica pode estender-se a um pensamento que ambiciona o diálogo entre

homem e natureza;

● A arquitectura biónica deve comprovar a sua utilidade/objectividade no mundo real;

131

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3.3 Relação espontânea utópica

Utopia, s. f. Deu-se o nome de utopia a uma sociedade ideal cujos habitantes vivessem em

condições perfeitas, daí resultando que o adjectivo utópico se usa para designar uma reforma

visionária, que não toma em conta os defeitos da natureza humana; a palavra apareceu pela

primeira vez na obra Utopia, de Thomas More. O vocábulo foi composto pelo próprio More, do

grego ou (não) e topos (lugar). | Projecto imaginário. | Coisa irrealizável. | Quimera, fantasia.148

Como a utopia é por definição um lugar que não existe – um “não lugar” (do grego ou

topos) – torna o conceito imóvel e restrito ao ser qualificado, logo à partida, como

impossível e irreal. Se a utopia é explicada como premissa impossível e inexistente,

como é possível imaginar um lugar utópico se o utópico nega o seu próprio lugar?

Parece lógico prever que a qualidade utópica de qualquer objecto ou lugar, seria não

ter qualidade utópica nenhuma. A “utopia” resume-se, então, a uma espécie de

recurso estilístico, metáfora, para qualquer realidade que se aproxime dela.

Estabelecer uma definição de utopia que seja menos abstracta é quase impossível,

assim como transformá-la num objecto real e palpável. É importante sublinhar que a

utopia, antes de se envolver com a arquitectura, não deixava de ser a “sociedade

ideal”. Pensar na arquitectura e na cidade para o bem da sociedade, aproximá-la do

que é “ideal”, apesar de parecer utópico não deixa de ser uma atitude positiva da

parte de quem constrói – uma atitude altruísta que contrasta com o egoísmo às vezes

atribuído ao desejo utópico. A utopia pode ser considerada infantil e ingénua nesse

sentido porque “não toma em conta os defeitos da natureza humana”149.

A utopia pressupõe, para fins analíticos, um afastamento da realidade. A utopia

também é um assunto que se pode usar de modos desiguais, ou seja, esta desenvolve-

se em várias matérias sendo que é já um assunto demasiado dilatado. Podemos

associar o utópico às cidades imaginárias (construtiva e socialmente) das narrativas

utópicas; podemos associar às cidades irreais criadas virtualmente; às ideias que se

juntam com o surreal, com a tecnologia como bem supremo, podemos associar ao

absurdo, à liberdade, ao criativo, ao científico.

Essencialmente, o ponto de contacto entre o que é uma arquitectura utópica (já por si

de difícil definição) e o que é uma arquitectura biónica ou biológica é talvez a

viabilidade, a utilidade, o imaginário e o impossível. No entanto, esta não se enquadra

tanto no absurdo e inexplicável – na quimera, sonho ou fantasia – se houver algum

vestígio de surrealismo está na condição da arquitectura biónica ser, à partida, pouco

“prática” ou “útil”; tirando isso esta parte desde o início de fortes bases explicativas,

científicas, até matemáticas (sempre que não parte de bases metafóricas criativas).

148 Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Lisboa: Publicações Alfa S.A, 1991, Volume VI, p.421 149 Ibidem

133

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Fig.79 Utopia

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Pode, por um lado, falhar ao tentar criar algo apenas esteticamente interessante,

como por outro tentar aplicar qualidades dos organismos de modo a poder beneficiar

a construção (ou mesmo usar a forma que é, por um lado, bela e por outro funcional).

Embora se possa suspeitar que a arquitectura é incompatível com a ciência pela sua

condição prática e útil se distanciar de fenómenos puramente científicos, acreditamos

ter atestado que esta pode completar e inovar a arquitectura de diversas maneiras –

não só estéticas como funcionais. No final, são precisamente os aspectos mais reais do

objecto conseguido com essa fusão que lhe podem dar, de alguma maneira, uma

condição extasiada de utópico/surreal. O que de certa forma é uma ironia porque é a

própria ciência, a própria realidade materializável que confere à obra uma qualidade

utópica, quando o próprio utópico não é, à partida, concretizável.

A arquitectura biónica pode facilmente se cruzar com a utopia. Será importante

questionar: a utopia, por definição, não se concretiza; se o utópico ultrapassa a sua

conotação visionária para se construir numa visão fixa, qual o perigo? Muito

facilmente se toma a utopia como rápido resumo de todas as propostas de

arquitectura de motivo teórico e crítico (diria mesmo conceptual). Sendo que o

impossível e (in)útil não significa necessariamente utópico . Será por isso fácil, quase

inevitável, encaixar a biónica na prateleira utópica – o objectivo não é encaixar no

“impossível e inútil” com que difamam a utopia, mas reflectir sobre a ciência e

matemática que a arquitectura biónica nos reserva e defender, se não contestar, essa

inevitável relação utópica.

“Is the present eruption of biomorphism any more that a flash in the pan? (…) Is biological form of

the kind that architects are now able to realize in any way truly apt for our lives? Does it reconnect

us with nature in any meaningful way? Is it form that humans feel specially comfortable with?”150

“What about the interiors? A building that looks like a starfish or a sea anemone is all very well, but

what would it feel like to live inside one? And what about their relation to other buildings? How

many buildings like this can a city stand? (…) How, when the time comes, should one biomorphic

building relate to another? What are the chances of a successful biomorphic urbanism?”151

A arquitectura biónica encontra também um certo utopismo de conceito por este

levantar questões que ainda estão por resolver. Hugh Aldersey Williams faz algumas

das questões mais pertinentes, sem receios questiona o que mais temos medo de

questionar ou debater em relação a este assunto. Será o biomorfismo, a ideia

biológica na arquitectura, a biónica, biotécnica (…) mais do que uma moda? Será que

surge de época a época para depois voltar a cair no esquecimento? É a relação com a

natureza que com determinação e optimismo vemos na arquitectura biónica,

150WILLIAMS, Hugh Aldersey, Zoomorphic – New Animal Architecture, London: Laurence King Publishing Ltd,

2003, p.26 151 Idem, p.28

135

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relevante? Será que nos reaproxima da natureza, ou será que cada vez nos afasta

mais? Mais importante ainda: será que esta arquitectura é confortável? É possível

existir um urbanismo biomórfico ou biónico? Todas estas questões também nos fazem

repensar a ideia de cidade biológica.

Ainda em relação à qualidade utópica desta arquitectura, relembramos que Frei Otto

frisa questões como a complexidade da natureza, plena de enigmas, assim como de

fenómenos que escapam ao nosso entendimento. A multiplicidade das formas da

natureza é atribulada por ela mesma. O que é fascinante nos objectos da natureza –

planetas, montanhas, cristais, plantas, animais – é que estes processos autónomos

presidem à nascença. A sua forma e a sua organização resultam da interacção de

diferentes “condições” que nós definimos como leis naturais, como a força da

gravidade.152

Ou seja, tentar compreender na totalidade os fenómenos da natureza para depois os

conseguir aplicar com sucesso na arquitectura é já uma tarefa ousada, suicida, utópica

e mesmo antinatural uma vez que, como Frei Otto defende, os objectos da natureza

presidem à nascença e são condicionados pelas suas leis; a arquitectura ainda não

alcançou uma independência onde fenómenos e leis regem o resultado, sendo precisa

não uma mão divina, mas uma mão humana.

Concluindo, a arquitectura biónica demonstra algumas qualidades utópicas já

referidas, o que por um lado lhe dá uma desvantagem algo pessimista – pois a utopia

não é realizável e implica alguma “infantilidade” de conceito – por outro confere-lhe

um lado ousado, complexo e misterioso associado a uma utopia sonhadora. Assim

como a natureza a vida passa pelo equilíbrio: para cada mal, existe um bem. Apesar de

sermos incapazes de perceber na totalidade a natureza, pouco a pouco aprendemos a

responder a algumas questões. O espaço entre a natureza e o homem está

gradualmente a fechar-se, ou assim se espera.

“Species evolve, individual organisms develop and reproduce, respond and adapt to their

environment – and then they die. Perhaps only when buildings too are able to curl up and die will

the biomimetic project be complete, and architecture’s age of monumentalism be truly over.”153

Resta-nos responder se o Homem deseja conquistar alguns dos segredos da natureza,

ou se prefere, em contrapartida, permanecer na ignorância. Este dilema final acentua

a relação atribulada entre a natureza e a arquitectura. A artificialidade do acto de

construir contrasta com a “naturalidade” biológica. As cidades estão sobrecarregadas,

poluídas; as casas crescem como árvores; mas ao contrário dos objectos da natureza

152 OTTO, Frei, Architecture et Bionique – Constructions Naturelles, Denges, Editions Delta & Spes SA, 1982 153 WILLIAMS, Hugh Aldersey, Zoomorphic – New Animal Architecture, London: Laurence King Publishing Ltd, 2003, p.171

137

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destinados a morrer e pertencentes a uma ordem ecológica perfeita, os edifícios

perduram infinitamente, ou são abandonados em ruínas, intocáveis. Alguns dos

segredos da natureza já foram desmistificados e podem ser traduzidos numa

arquitectura sustentável, optimizando o uso de recursos naturais e usando fontes de

energia renováveis. Pelo contrário, a ignorância do Homem é muitas vezes usada

como pretexto egocêntrico. Mesmo que utópico, o desejo por uma arquitectura

biónica é sincero.

139

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Conclusões

Concluir significa finalizar, rematar ou despedir. Neste caso concluir também significa

contar a história com uma brevidade necessária, revisitando o(s) assunto(s)

discutido(s) e daí retirando o que considerámos mais importante. Ao invés de

ramificarmos as ideias, estas são convergidas numa “conclusão”.

Inicialmente, como objectivo geral, propusemo-nos estudar a relação entre

arquitectura e biónica, desenvolvendo a dissertação no campo da teoria, história e

projecto de arquitectura. Como tal, a conclusão revê os objectivos propostos no início

do presente estudo, no sentido de atestar o seu cumprimento.

● Aprofundar a história e conceitos-chave da relação entre arquitectura e biónica;

Os conceitos-chave da relação entre arquitectura e biónica são esclarecidos no

primeiro momento do primeiro capítulo; enquanto o aprofundar da história foi feito,

essencialmente, na segunda parte do mesmo capítulo.

Relativamente aos conceitos-chave denotámos que, há uma multiplicidade de

referências naturais que em vez de nos direccionar para uma definição exacta “válida”

de arquitectura biónica, nos abandona numa indefinida situação biológica, juntamente

com outros temas solitários como a biomimese, biotécnica, analogia biológica entre

outros. Compreendemos que a biónica é um conceito actualizado, uma vez que só

surgiu no séc.XX, significando pois a evolução de outros conceitos mais antigos como o

biomimetismo.

Relativamente à história da arquitectura biónica, esta desenvolve-se maioritariamente

através de analogias biológicas. No primeiro capítulo recorremos a estas, explorando

obras como a de Philip Steadman, e expondo casos onde a natureza (ou biologia) teria

servido de inspiração. Reflectimos sobre o tipo de analogias feitas desde o séc. XVIII –

classificatória, anatómica, estrutural e ecológica – e sobre as mudanças ocorridas no

séc.XX e XXI – o aparecimento da arquitectura moderna e, mais tarde, do computador.

Reforça-se que no modernismo a relação com a natureza surge dissimulada, sendo

que a relação deste movimento com a biologia necessita ser renegociada. É ainda

discutida a necessidade da arquitectura incorporar diferentes temas e áreas, como o

grupo estudado de Frei Otto «Biologia e Construção». Pontualmente, a arquitectura

orgânica conquista o lugar neste discurso, pela sua relação com a natureza (explorada

principalmente na época modernista, onde as comparações entre a arquitectura e a

natureza eram abundantes, apesar de responderem a uma relação de “integração”

mais do que de “mimetização”). A contextualização histórica termina com o debate

sobre o potencial das ferramentas digitais.

141

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● Categorizar casos-de-estudo e seus tipos de analogia biológica; Analisar

comparativamente os referidos casos-de-estudo;

A categorização de casos-de-estudo e seus tipos de analogia biológica é feita no

segundo capítulo; enquanto a sua análise comparativa é feita no início do terceiro, e

último capítulo.

Relativamente à sua categorização inicial, estes foram divididos em dois grandes

grupos, um referente à morfologia e outro alusivo à performance. Reforça-se que a

arquitectura biónica dispõe de vários níveis de mimetização, sendo que os projectos

biónicos que concernem uma aplicação biológica a nível formal e funcional acentuam

o potencial desta arquitectura.

No último capítulo fez-se uma análise entre os casos-de-estudo abordados,

formulando-se tabelas comparativas e destacando-se os principais tipos de analogias:

animal, vegetal, genética, ecológica, construtiva, simbólica, material, matemática

(existindo, naturalmente, outro tipo de analogias não apresentadas). Salienta-se ainda

que as tabelas especificam se a analogia do caso em estudo é feita globalmente ou

parcialmente. Ou seja, se a ideia biológica foi aplicada numa parte específica ou no seu

todo. De novo, atesta-se o cumprimento do objectivo proposto.

● Distinguir possíveis benefícios e prejuízos de uma arquitectura biológica;

A distinção entre os benefícios e prejuízos da arquitectura biónica é feita,

essencialmente, na finalização do último capítulo. Esta depreende dos capítulos

anteriores as vantagens e desvantagens de uma arquitectura biológica.

Chegámos à conclusão que os benefícios de uma arquitectura biológica são múltiplos,

sendo estes: a diversidade de escolha; a exploração de formas criativas belas e

funcionais; a possibilidade de imaginar novas formas através de ferramentas digitais e

de cálculos genéticos; o uso de formas simbólicas; a exploração de sistemas biológicos

ecológicos aplicáveis à arquitectura; a inovação construtiva e tecnológica; entre

outros. Por sua vez, as desvantagens da arquitectura biónica são: a inutilidade; a

praticabilidade; o uso dispendioso de materiais ou recursos económicos; a

possibilidade de concretizações biológicas disfuncionais ou que não correspondem às

expectativas; o incentivo ao uso de processos genéticos demasiado automatizados; o

uso compulsivo de proporções matemáticas perfeitas; entre outros.

143

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Neste momento torna-se necessário defender a necessidade de arriscar no campo da

arquitectura biónica. Como tal, o essencial é experimentar e inovar, mesmo que o

resultado final não corresponda às espectativas iniciais.

● Reflectir sobre o potencial futuro da arquitectura biónica/biológica;

A reflecção sobre o potencial futuro da arquitectura biológica é feita no decorrer do

trabalho estando distribuída no primeiro e segundo capítulo, e consolidada no final.

O último capítulo responde às questões divergentes de alguns autores, aconselhando

o futuro da arquitectura biónica. Ao especular sobre desenvolvimentos futuros,

reforçamos o nível de optimização das criações da natureza. Devemos afastar-nos de

uma arquitectura que atende só ao belo (“venustas”) sem atender à solidez

(“firmitas”) e utilidade (“utilitas”). Como tal, mimetizar dos organismos outros

aspectos além de estéticos. Sobre o potencial futuro da arquitectura biológica também

reflectimos sobre a analogia biológica à macro e micro escala, discutindo a

possibilidade de entender a cidade como um organismo vivo. No entanto, entendemos

que são as aprendizagens biológicas aplicáveis a uma arquitectura verde, ecológica ou

sustentável as mais interessantes a serem reproduzidas.

● Desmontar a praticabilidade da utopia que se encontra inerente ao conceito.

O desmontar da praticabilidade da utopia que se encontra inerente ao conceito foi

elaborado no final do último capítulo. Neste, são explorados os pontos de contacto

entre a utopia e a biónica.

Chegámos à conclusão que esta arquitectura pode pecar por ser pouco realista e até

infantil. Falta-lhe, por ventura, a praticabilidade e utilidade necessárias para o dia-a-

dia. Neste capítulo divaga-se abstractamente sobre a (im)possibilidade da

concretização desta utopia (ou de uma utopia no geral); dos receios sobre a duração

desta “moda”; e sobre a impraticabilidade de existir um urbanismo biomórfico. Talvez

seja importante sublinhar que não há qualquer intenção de pregar à biónica como

solução urbanística, esta pode ser utilizada à conveniência, imaginação e bolso do

criador.

Atestado o cumprimento dos objectivos do trabalho propostos no ínicio resta apenas

fazer uma análise pessoal e global sobre o estudo desenvolvido.

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● Análise pessoal

Confesso que inicialmente hesitei na escolha do tema, deambulando em interesses

utópicos e até niilistas formatados por uma personalidade (des)interessada. No

entanto, a arquitectura biónica rapidamente tomou um lugar fundamental no meu

pensamento (não só) arquitectónico. Não devo, nem consigo, ser indiferente ao

número infindável de organismos e seus processos. A natureza é uma referência muito

real, muito palpável. Esta esconde-se na respiração, no tacto, na visão ou na dor. Mais

que uma analogia poética, a biologia compreende um estudo funcional tão evidente e

perfeito que quase parece absurdo espreitar sem entender.

Não procuro nenhuma epifania biológica pois o trabalho desenvolvido fala por si.

Apesar do discutido e das opiniões que podem divergir; das diversas maneiras que os

arquitectos podem ler a natureza; acredito que os edifícios devem imitar as

capacidades biológicas dos organismos não por diversão, mas para alcançar o seu nível

de optimização. Tudo na natureza funciona com um propósito, e devemos aprender

com o seu ciclo-de-vida. Acredito que o Homem deve salvaguardar a natureza e não

prejudicá-la por interesses próprios, encontrando um equilíbrio já há muito perdido e

já há muito desejado. Se tal equilíbrio engloba um pensamento ecológico, não

entendo a aversão ou desconfiança ao conceito. A vida tem muito para nos ensinar,

penso sermos capazes de construir uma arquitectura espectacular e que cuide do

meio-ambiente. Ou seja, “fazer o que temos a fazer” sem prejudicar o espaço onde

vivemos, sem destruir o lugar que perdurará depois da nossa existência.

Do estudo elaborado levo respostas e uma teoria que pretendo levar à pratica,

palavras de alguém que já tomo como minhas. Os conceitos funcionam como

organismos vivos que se multiplicam ou aniquilam. Não desminto que a arquitectura

biológica, para muitos, é apenas mais um “conceito” ou “moda” lutando pelo seu lugar

no mundo. No entanto, não se trata de uma questão de estar “in” ou “out” mas de

aceitar a natureza como referência na arquitectura. Não só aceitar: usar, rasgar,

bisbilhotar, experimentar e talvez errar. O erro faz parte do exercício. E se nos cabe

construir na memória e ruína de outros?

Sejamos naturais e, por isso, imprudentes.

147

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“In a world which we believe to be without feeling and without intelligence, we imagine first of all that the

least of our ideas creates new combinations and new relations. But if we look at things more closely, it seems

more than likely that we really are not capable of creating anything at all. We are the last corners on this

earth. All we do is rediscover what has always been in existence, and like children we follow in wonder the

path which life has traversed before us.”154

154 MAETERLINCK, M., L’Intelligence des Fleurs, 6ªed., Paris, Eugène Fasquelle Éditeur, 1907 disponível em www.archive.org

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Referências das imagens:

Fig.1 Frei Otto, “Architecture et Bionique”, p.10

Fig.2 Frei Otto, “Architecture et Bionique”, p.15

Fig.3 Frei Otto, “Architecture et Bionique”, p.18

Fig.4 Frei Otto, “Architecture et Bionique”, p.20

Fig.5 Frei Otto, “Architecture et Bionique”, p.21

Fig.6 D’Arcy Thompson, “On Growth and Form”, p.533

Fig.7 D’Arcy Thompson, “On Growth and Form”, p.580

Fig.8 D’Arcy Thompson, “On Growth and Form”, p.766

Fig.9 Mike Hansell, “Built by Animals”, p.42

Fig.10 (esquema do autor)

Fig.11 Rev. J.G.Wood, “Homes without Hands”, p.56

Fig.12 Philip Steadman, “The Evolution Of Designs”, p.24

Fig.13 [www.imperial.ac.uk/structuralengineering/structprinciples]

Fig.14 [www.ieiffeltower.com/eiffel-tower-cartoon/]

Fig.15 [www.bartleby.com/107/59.html]

Fig.16 Philip Steadman, “The Evolution Of Designs”, p.17

Fig.17 Philip Steadman, “The Evolution Of Designs”, p.40

Fig.18 [www.users.med.up.pt/vitorper/siza.html]

Fig.19 [www.rockglacier.blogspot.pt]

Fig.20 [trilobiteclothing.blogspot.pt/2008_03_01_archive.html]

Fig.21 Greg Lynn, “Animate Form”, p.30

Fig.22 [www.creativeapplications.net/wp-content/uploads/2010/01/marey3.jpg]

Fig.23 [4rts.wordpress.com/2010/02/11/]

Fig.24 [ernst-haeckel.deviantart.com/gallery/]

Fig.25 [www.inhabitat.com/wp-content/uploads/editttower34.jpg]

Fig.26 [www.asknature.org/product/373ec79cd6dba791bc00ed32203706a1]

Fig.27 [www.tdrinc.com/natarch.html]

Fig.28 Frei Otto, “Architecture et Bionique”, p.36

Fig.29 Frei Otto, “Architecture et Bionique”, p.36

Fig.30 Frei Otto, “Architecture et Bionique”, p.37

Fig.31 [fp.auburn.edu/heinmic/ConcreteHistory/Pages/OrvietoAircraftHanger.html]

Fig.32 [anestamidthorns.blogspot.pt/2010/04/quick-backyard-snaps.html]

Fig.33 [www.remixtheschoolhouse.com/content/greg-lynn-embryological-house-generative-plans]

Fig.34 Tim Abrahams, “Computers in Theory and Practice”

Fig.35 Tim Abrahams, “Computers in Theory and Practice”

Fig.36 Tim Abrahams, “Computers in Theory and Practice”

Fig.37 [algorithmicbotany.org/papers/abop/abop.pdf]

157

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Fig.38 Frei Otto, “Architecture et Bionique”, p.48

Fig.39 [visservices.sdsc.edu/projects/london/]

Fig.40 [nybg.tumblr.com/post/47023958252/victoria-amazonica-has-been-a-long-running]

Fig.41 [upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/ba/Sagrada_Familia_nave_roof_detail.jpg]

Fig.42 [pastmycurfew.com/my-top-10-1-favorite-man-made-wonders]

Fig.43 [www.xtec.cat/col-anunciata-cerdanyola/plantes/flor%20sedum01.jpg]

Fig.44 [4.bp.blogspot.com/ingall+rink.jpg]

Fig.45 [www.gwynnemccue.com/storage/TWATerminal.jpg]

Fig.46 [seesydneypass.iventurecard.com/wp-content/uploads/2010/12/Sydney-Opera-House-1.jpg]

Fig.47 [www.caroun.com/architecture/architects/k-tange/KenzoTange1.jpg]

Fig.48 [places.designobserver.com/media/images/Schwarzer_Gehry_525.jpg]

Fig.49 [www.sorkinstudio.com/frog3.jpg]

Fig.50 [behance.vo.llnwd.net]

Fig.51 [es.wikiarquitectura.com/images//8/86/TGV_Lyon_7.jpg]

Fig.52 [images.frontdoor.com/FDOOR/0-City-Pages/Milwaukee/Art_Museum_Calatrava.jpg]

Fig.53 [static.guim.co.uk/sys-images/Guardian/Pix/pictures/The-Ima-Institut-Du-Monde-001.jpg]

Fig.54 [therepublicofless.files.wordpress.com/2010/04/nouvel-arabworldinst-screen-close.jpg]

Fig.55 [en.wikipedia.org/wiki/File:The_Sage_Gateshead_2004.jpg]

Fig.56 [3.bp.blogspot.com]

Fig.57 [grimshaw-architects.com/media/cache/81/ed/81edd3a98949c291dc38ecebb345dc14.jpg]

Fig.58 Hugh Aldersey Williams, “Zoomorphic”, p.58

Fig.59 [www.tdrinc.com/images/photos/large/house37.jpg]

Fig.60 Hugh Aldersey Williams, “Zoomorphic”, p.60

Fig.61 [farm5.staticflickr.com/4090/4952658929_ec64ce0d89_o.jpg]

Fig.62 [glform.com/buildings/ark-of-the-world/]

Fig.63 [www.vam.ac.uk/vastatic/microsites/1269_zoomorphic/templatenautilus.htm]

Fig.64 D’Arcy Thompson, “On Growth and Form”, p.596

Fig.65 [3.bp.blogspot.com]

Fig.66 [www.ucmp.berkeley.edu/protista/radiolaria/bigradball.gif]

Fig.67 [www.interiordesign.com/Dymaxion_car_and_Monohex_geodesic_dome_.jpg]

Fig.68 Frei Otto, “Architecture et Bionique”, p.5

Fig.69 [media.glassdoor.com/m/4716/swiss-re-office.jpg]

Fig.70 [www.mylifescoop.net/wp-content/uploads/2012/08/0e67c__Rooftop-Swiss-Re-Tower-in-London.jpg]

Fig.71 [www.mundoeducacao.com/upload/conteudo_legenda/ea21eedf23485e86f567376505cbaa6e.jpg]

Fig.72 [www.arquitetonico.ufsc.br/wp-content/uploads/fallingwater1.jpg]

Fig.73 [eliinbar.files.wordpress.com/2012/03/oscar_niemeyer1.jpg]

Fig.74 [ad009cdnb.archdaily.net/wp-content/uploads/2011/04/1302389804-endless12.jpg]

Fig.75 [vimeo.com/67177328]

Fig.76 [www.freewebs.com/invertebratezoology/Tardigrada.jpg]

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Fig.77 [www.tdrinc.com/images/photos/large/house13.jpg]

Fig.78 [eliinbar.files.wordpress.com/2012/03/oscar_niemeyer1.jpg]

Fig.79 [www.forgottenoh.com/Utopia/utopia1.jpg]

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