inquérito policial -...

21
Inquérito Policial Como o assunto “Inquérito Policial” foi apurado em várias aulas de Legislação Penal Especial do nosso curso para o concurso de Agente da Polícia Federal 2014, eu resolvi fazer alguns apontamentos sobre o assunto. 1. Histórico 1.1 Conceito Procedimento administrativo inquisitório e preparatório, consistente em um conjunto de diligências realizadas pela polícia investigativa para apuração da infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo. Em suma, visa apurar indícios de autoria e prova da materialidade . O inquérito policial, após encerrado, possui destinatários imediatos e mediato: A. Imediatos Ação Penal Pública MP. Ação Penal Privada vítima ou seu representante legal. B. Mediato: Juiz É importante considerarmos, ainda, que o legislador atribuiu menor ofensividade a certas condutas típicas. Para esses casos, será lavrado um Termo Circunstanciado, isto é, um procedimento mais célere que o utilizado na confecção do Inquérito Policial. Termo Circunstanciado:procedimento reservado às infrações de menor potencial ofensivo. Infração de menor potencial ofensivo: todas as contravenções penais e os crimes cuja pena máxima não seja superior a dois anos, cumulada ou não com multa, submetidos ou não a procedimento especial (ex.: crime praticado por Deputado Federal). Veja-se o artigo 61 da Lei nº 9.099/95. Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.

Upload: vukien

Post on 06-Dec-2018

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Inquérito Policial

Como o assunto “Inquérito Policial” foi apurado em várias aulas de

Legislação Penal Especial do nosso curso para o concurso de Agente da

Polícia Federal – 2014, eu resolvi fazer alguns apontamentos sobre o assunto.

1. Histórico

1.1 Conceito

Procedimento administrativo inquisitório e preparatório, consistente

em um conjunto de diligências realizadas pela polícia investigativa para apuração da infração penal e de sua autoria, a fim de que o

titular da ação penal possa ingressar em juízo.

Em suma, visa apurar indícios de autoria e prova da

materialidade.

O inquérito policial, após encerrado, possui destinatários imediatos e

mediato:

A. Imediatos

Ação Penal Pública MP.

Ação Penal Privada vítima ou seu representante legal.

B. Mediato: Juiz

É importante considerarmos, ainda, que o legislador atribuiu menor

ofensividade a certas condutas típicas. Para esses casos, será lavrado um Termo Circunstanciado, isto é, um procedimento mais célere que

o utilizado na confecção do Inquérito Policial.

Termo Circunstanciado:procedimento reservado às infrações de

menor potencial ofensivo.

Infração de menor potencial ofensivo: todas as contravenções

penais e os crimes cuja pena máxima não seja superior a dois anos,

cumulada ou não com multa, submetidos ou não a procedimento especial (ex.: crime praticado por Deputado Federal). Veja-se o artigo

61 da Lei nº 9.099/95.

“Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial

ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os

crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois)

anos, cumulada ou não com multa.”

1.2 Natureza jurídica

Procedimento administrativo.

Se o delegado cometer uma irregularidade, esse vício é capaz

de contaminar todo o processo? Não, pois IP é apenas um procedimento.

Logo. Como o inquérito policial é mera peça informativa, eventuais vícios dele constantes não têm o condão de contaminar o processo

penal a que der origem. Havendo, assim, eventual irregularidade em

ato praticado no curso do inquérito, mostra-se inviável a anulação do processo penal subsequente. Afinal, as nulidades processuais

concernem, tão somente, aos defeitos de ordem jurídica que afetam os atos praticados ao longo da ação penal condenatória1.

Eventuais vícios constantes do IP não afetam a ação penal a que der origem.

1.3 Finalidade

De acordo com Fernando Capez, “a finalidade do inquérito policial é a apuração de fato que configure infração penal e a respectiva autoria,

para servir de base à ação penal ou às providências cautelares” 2.

Guilherme de Souza Nucci, a seu turno, aponta que a finalidade do

inquérito policial é “evitar acusações levianas, garantindo a dignidade da pessoa humana, bem como agilizar o trabalho do Estado na busca

das provas da existência do crime”.

Da lição dos eminentes doutrinadores, podemos resumir a finalidade do IP da seguinte forma: colheita de elementos de

informação relativos à autoria e à materialidade do delito.

Elementos de informação ≠ prova

Artigo 155, CPP: o juiz formará sua convicção pela livre apreciação

da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos colhidos

na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

1 Nesse sentido: STF, 1º Turma, HC 94.034/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 10/06/2008, DJe 167

09/04/2008. E ainda: STF, 2º Turma, HC 85.286/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 29/11/2005, DJ

24/03/2006. Também é entendimento dominante no STJ que eventual nulidade do inquérito policial não

contamina a ação penal superveniente, vez que aquele é mera peça informativa, produzida sem o crivo do

contraditório: STJ, 6º Turma, RHC 21.170/RS, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do

TRF 1º Região), j. 04/09/2007, DJ 08/10/2007 p. 368. 2 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 15ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

Elementos de informação Provas

Produzidos na fase investigatória. Em regra, são produzidas na fase

judicial.

Produzidos sem a participação dialética

das partes (não há contraditório e ampla defesa)

Produzidas com a participação

dialética das partes (há contraditório e ampla defesa).

Não são produzidos na presença do

juiz, pois pode prejudicar sua imparcialidade (garante das regras do

jogo).

Devem ser produzidas na

presença do juiz (presença direta ou presença remota -

videoconferência).

“Exclusivamente”: elementos de

informação, isoladamente

considerados, não podem fundamentar uma decisão, porém, não devem ser

completamente desprezados, podendo se somar à prova produzida em juízo,

servindo como mais um elemento na formação da convicção do juiz.

Princípio da identidade física do

juiz (artigo 399, § 2º, CPP – o

juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença). A

doutrina afirma que se aplica subsidiariamente o artigo 132 do

CPC (o juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará

a lide, salvo se estiver convocado, licenciado,

afastado por qualquer motivo, promovido ou

aposentado, casos em que passará os autos ao seu

sucessor).

Finalidade: prestam-se à fundamentação das medidas

cautelares e para a formação da convicção do titular da ação

penal(opinio delicti).

Como provas cautelares, temos o exemplo da interceptação

telefônica, Já as provas não repetíveis são aquelas que não têm como serem feitas em outro momento, como exemplo um depoimento de

uma testemunha em leito de morte, ou coleta de lesões corporais, que com o tempo venha desaparecer.

Consoante nos ensina Renato Brasileiro, “diante da nova redação do art. 155 do CPP, elementos de informação são aqueles colhidos na

fase investigatória, sem a necessária participação dialética das partes. Dito de outro modo, em relação a eles, não se impõe a obrigatória

observância do contraditório e da ampla defesa, vez que nesse momento ainda não há falar em acusados em geral na dicção do

inciso LV do art. 5º da Constituição Federal. Apesar de não serem produzidos sob o manto do contraditório e da ampla defesa, tais

elementos informativos são de vital importância para a persecução penal, pois além de auxiliar na formação da opinio delicti do órgão da

acusação, podem subsidiar a decretação de medidas cautelares pelo magistrado ou fundamentar uma decisão de absolvição sumária (CPP,

art. 397).

De seu turno, a palavra prova só pode ser usada para se referir aos

elementos de convicção produzidos, em regra, no curso do processo

judicial, e, por conseguinte, com a necessária participação dialética das partes, sob o manto do contraditório e da ampla defesa. O

contraditório funciona, pois, como verdadeira condição de existência e validade das provas, de modo que, caso não sejam produzidas em

contraditório, exigência impostergável em todos os momentos da atividade instrutória, não lhe caberá a designação de prova.

A participação do acusador, do acusado e de seu advogado é condição sine qua non para a escorreita produção da prova, assim como

também o é a direita e constante supervisão do órgão julgador, sendo que, com a inserção do princípio da identidade física do juiz no

processo penal, o juiz que presidir a instrução deverá proferir a sentença (CPP, art. 399,§ 2º). Funcionando a observância do

contraditório como verdadeira condição de existência da prova, só podem ser considerados como prova, portanto, os dados de

conhecimento introduzidos no processo na presença do juiz e com a

participação dialética das partes3”.

Quanto ao tema “elementos de informação”, vejamos algumas

decisões do Supremo Tribunal Federal:

RE 287.658

I. Habeas corpus: falta de justa causa: inteligência. 1. A previsão

legal de cabimento de habeas corpus quando não houver "justa

causa" para a coação alcança tanto a instauração de processo penal,

quanto, com maior razão, a condenação, sob pena de contrariar a

Constituição. 2. Padece de falta de justa causa a condenação que se

funde exclusivamente em elementos informativos do inquérito

policial. II. Garantia do contraditório: inteligência. Ofende a garantia

constitucional do contraditório fundar-se a condenação

exclusivamente em testemunhos prestados no inquérito policial, sob

o pretexto de não se haver provado, em juízo, que tivessem sido

obtidos mediante coação.

AgR 425.734

3 LIMA, Renato Brasileiro, Manual de Processo Penal. 2º ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2014. P. 109.

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. OFENSA AO

ART. 5º,INCISOS LIV E LV. INVIABILIDADE DO REEXAME DE FATOS

E PROVAS. SÚMULA STF Nº 279. OFENSA INDIRETA À

CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INQUÉRITO. CONFIRMAÇÃO EM JUÍZO

DOS TESTEMUNHOS PRESTADOS NA FASE INQUISITORIAL. 1. A

suposta ofensa aos princípios do devido processo legal, do

contraditório e da ampla defesa passa, necessariamente, pelo prévio

reexame de fatos e provas, tarefa que encontra óbice na Súmula

STF nº 279. 2. Inviável o processamento do extraordinário para

debater matéria infraconstitucional, sob o argumento de violação ao

disposto nos incisos LIV e LV do art. 5º da Constituição. 3. Ao

contrário do que alegado pelos ora agravantes, o conjunto

probatório que ensejou a condenação dos recorrentes não vem

embasado apenas nas declarações prestadas em sede policial, tendo

suporte, também, em outras provas colhidas na fase judicial.

Confirmação em juízo dos testemunhos prestados na fase

inquisitorial. 4. Os elementos do inquérito podem influir na

formação do livre convencimento do juiz para a decisão da causa

quando complementam outros indícios e provas que passam pelo

crivo do contraditório em juízo. 5. Agravo regimental improvido.

1.4 Valor Probatório do IP

A finalidade do inquérito policial é a colheita de elementos de informação quanto à autoria e materialidade do delito. Tendo em

conta que esses elementos de informação não são colhidos sob a égide do contraditório e da ampla defesa, deduz-se que o inquérito

policial tem valor probatório relativo.

Considerando que os elementos de informação são colhidos na fase

investigativa, sem a obrigatória observância do contraditório e da ampla defesa, questiona-se acerca da possibilidade de sua utilização

para formar a convicção do juiz em sede processual.

Tais elementos podem ser usados de maneira subsidiária,

complementando a prova produzida em juízo sob o crivo do

contraditório. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou, nos seguintes termos: “os elementos do inquérito podem influir na

formação do livre convencimento do juiz para a decisão da causa quando complementam outros indícios e provas que passam pelo

crivo do contraditório em juízo4”.

Com o advento da Lei nº 11.690/08, ao inserir o advérbio

exclusivamente no corpo do art. 155, caput, do CPP, acaba por confirmar a posição jurisprudencial a qual vinha prevalecendo. Pode-

se dizer que, isoladamente considerados, elementos informativos não são idôneos para fundamentar uma condenação. Porém não devem

4STF, 2º Turma, RE-AgR 425.734/MG, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 28/10/2005 p. 57.Em sentido

semelhante: STF, 1º Turma, RE 287.658/MG, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 03/10/2003 p. 22; STF, 1º

Turma, HC 83.348/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 21/10/2003, DJ 28/11/2003.

ser completamente desprezados, podendo se somar à prova produzida em juízo e, assim, servir como mais um elemento na

formação da convicção do órgão julgador. Tanto é que a nova lei não prevê a exclusão física do inquérito policial (CPP, art. 12) dos autos do

processo5.

1.5 Presidência do IP

A presidência do IP é reservada à Autoridade Policial no exercício de

funções de polícia investigativa.

Nas palavras de Julio Fabbrini Mirabete, “a Polícia, instrumento da Administração, é uma instituição de direito público, destinada a

manter e a recobrar, junto à sociedade e na medida dos recursos de que dispõe, a paz pública ou a segurança individual6”. Segundo a

doutrina majoritária, são atribuídas duas funções precípuas: 1) Polícia Administrativa; 2) Polícia Judiciária.

1) Polícia Administrativa: trata-se de atividade de cunho preventivo, ligada à segurança, visando impedir a prática de atos

lesivos à sociedade;

2) Polícia Judiciária: cuida-se de função de caráter repressivo,

auxiliando o Poder Judiciário.

Nesse momento, é oportuno diferenciar polícia investigativa de polícia

judiciária (Artigo 144, § 1º, incisos I a IV, CF/88).

Polícia investigativa: é a polícia quando atua na apuração de

infrações penais e de sua autoria.

Polícia judiciária: é a polícia quando atua no cumprimento de ordem do Poder Judiciário.

Essa diferença é adotada em alguns julgados do STJ, porém, o STF só usa a expressão “polícia judiciária”, com base no artigo 4º do CPP.

Com o mesmo entendimento, Renato Brasileiro explica: “Como se percebe, a própria Constituição Federal estabelece uma distinção

entre as funções de polícia judiciária e as funções de polícia investigativa. (Art. 144, §1º, I, II, e IV e §4º, da CF). Destarte, por

funções de polícia investigativa devem ser compreendidas as atribuições ligadas à colheita de elementos informativos quanto à

autoria e materialidade das infrações penais. A expressão polícia judiciária está relacionada às atribuições de auxiliar o Poder

Judiciário, cumprindo as ordens judiciárias relativas à execução de mandados de prisão, busca e apreensão, condução coercitiva de

testemunhas, etc. Por se tratar de norma hierarquicamente superior,

5 Com mesmo entendimento LIMA, Renato Brasileiro de, Manual de Processo Penal. 2º ed. Salvador:

Editora JusPodivm, 2014. P. 110. 6 Processo penal. 18º ed. São Paulo: Atlas, 2006. P. 57.

deve, então, a Constituição Federal, prevalecer sobre o teor do Código de Processo Penal (art. 4º, caput7).

Veja-se, então, que uma mesma Polícia pode exercer diversas funções. A título de exemplo, quando um Policial Militar anda fardado

pelas ruas, age no exercício de funções de polícia administrativa, já que atua com o objetivo de evitar a prática de delitos. Por sua vez,

supondo a prática de um crime militar por um policial militar do Estado de São Paulo, as investigações do delito ficarão a cargo da

própria Polícia Militar em questão, cujo encarregado do Inquérito

Policial Militar agirá no exercício de função de polícia investigativa. Por último, segundo o art. 8º, “c”, do CPPM, incumbe à polícia judiciária

militar cumprir os mandados de prisão expedidos pela Justiça Militar, atribuição esta inerente às funções de polícia judiciária militar8”.

Somos obrigados a admitir que prevalece na doutrina e na jurisprudência a utilização da expressão polícia judiciária para se

referir ao exercício de atividades relacionadas à apuração da infração penal.

Veja-se o teor da Súmula Vinculante nº 14:

“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos

elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado

por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do

direito de defesa9”.

O seguinte quadro ajudará a estabelecer os principais tópicos que

diferenciam os institutos:

POLÍCIA ADMINISTRATIVA POLÍCIA JUDICIÁRIA

Classificam-se em: Polícia Militar

(PM), Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Ferroviária Federal

(PFF), Corpo de Bombeiros Militar

(CBM) e Guarda Municipal – (GM).

Classificam-se em: Polícia Civil

(PC) e Polícia Federal (PF).

Rege-se pelo Direito

Administrativo.

Rege-se pelo Direito Penal e

pelo Direito Processual Penal.

7 Nesse sentido: FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 7º ed. Niterói/RJ:

Editora Impetus, 2010. P.173. A Lei nº 12.830/13, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida

pelo Delegado de Polícia, parece acolher essa terminologia ao dispor em seu art. 2, caput: “As funções de

polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza

jurídica, essenciais e exclusivas de estado”. 8 LIMA, Renato Brasileiro de, Manual de Processo Penal. 2º ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2014. P.

111. 9 Perceba-se que a súmula não preza por uma terminologia muito apurada. Afinal, faz menção à

competência de órgão de polícia judiciária, quando se sabe que competência é a medida limite da

jurisdição, parcela do poder de julgar outorgada aos juízes. Trata-se, portanto, de expressão inapropriada

para se referir à parcela de poder distribuída ás autoridades administrativas, tecnicamente chamada de

atribuição. No sentido da distinção entre função de polícia judiciária – qual seja, a de auxiliar do Poder

Judiciário -, e a de função investigatória, isto é, a de apurar infrações penais, confira-se: STJ, 6º Turma,

REsp 332.172/ES, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Dje 04/08/2008

É preventiva. Eventualmente, é repressiva.

É repressiva. Eventualmente, é preventiva.

Atua sobre bens e direitos e,

eventualmente, sobre pessoas.

Atua sobre pessoas e,

eventualmente, sobre bens e direitos.

Usam fardamento, pois são polícia ostensiva.

Art. 4º, CPP: é exercido por autoridade policial (delegado de

polícia).

O PM, quando prende alguém, está agindo na exceção de suas

atribuições.

Só preside inquérito

administrativo, e não policial.

Art. 4º, CPP

Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais

no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a

apuração das infrações penais e da sua autoria.

Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a

de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a

mesma função.

Art. 144, CF/88

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e

responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem

pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos

seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente,

organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-

se a:

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em

detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas

entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras

infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou

internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em

lei;

II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas

afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação

fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de

competência;

III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de

fronteiras;

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da

União.

Crime de competência da Justiça Militar da União Forças

Armadas (IPM) encarregado (oficial que conduz as investigações).

Crime de competência da Justiça Militar Estadual Polícia Militar

ou Corpo de Bombeiros (IPM).

Crime de competência da Justiça Federal Polícia Federal.

Crime de competência da Justiça Eleitoral Polícia Federal.

Crime de competência da Justiça Estadual Polícia Civil. Todavia, será de competência da Polícia Federal a apuração das

infrações penais de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme (artigo 144, § 1º, inciso I, CF/88 e Lei nº

10.446/2002).

2. Características do Inquérito Policial

2.1 Procedimento escrito (artigo 9º, CPP)

Todas as informações, diligências e procedimentos realizados

deverão estar descritos expressamente e por escrito nos autos do IP,

de forma que a autoridade que o receba, quando verificar da

possibilidade e da necessidade da ação penal, possa analisar se todos

os procedimentos necessários foram realizados.

Art. 9º Todas as peças do inquérito policial serão, num só

processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso,

rubricadas pela autoridade.

Pode ser usado, subsidiariamente, o artigo 405, § 1º, CPP:

“sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado,

indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou

recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica

similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das

informações.”

2.2 Procedimento dispensável

O próprio Código de Processo Penal, em vários dispositivos, deixa

claro o caráter dispensável do inquérito policial. De acordo com o art. 12 do CPP, “o inquérito policial acompanhará a denúncia ou a queixa,

sempre que servir de base a uma ou outra”. A contrario sensu10, se o inquérito policial não servir de base à denúncia ou queixa, não há

necessidade de a peça acusatória ser acompanhada dos autos do procedimento investigatório.

Por sua vez, o art. 27 do CPP dispõe que qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que

caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de

convicção. Ora, se qualquer pessoa do povo for capaz de trazer ao Ministério Público os elementos necessários pra o oferecimento da

denúncia, não haverá necessidade de se requisitar a instauração de inquérito policial. Por fim, o art. 46, §1º, do CPP, acentua que quando

o Ministério Público dispensar o inquérito policial, o prazo para o

oferecimento da denúncia contar-se-á da data em que tiver recebido as peças de informações ou a representação11.

Se o titular da ação penal contar com peças de informação (fonte autônoma) capazes de ministrar elementos quanto à autoria e à

materialidade poderá dispensar o IP. Vejamos os Artigos 29 e 39, § 5º, ambos do CPP.

Art. 29. Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se

esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público

aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir

em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova,

interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do

querelante, retomar a ação como parte principal.

Art. 39. (...)

§ 5º O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se

com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a

10

Utiliza-se a regra da interpretação a contrario sensu quando, a partir de uma disposição legal clara sobre

uma espécie, conclui-se que a espécie contrária está implicitamente excluída e deve ser regida por

princípios igualmente contrários. 11

LIMA, Renato Brasileiro de, Manual de Processo Penal. 2º ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2014. P.

114, 115.

promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no

prazo de quinze dias.

2.3 Procedimento sigiloso

A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.

Se na própria fase processual é possível a restrição, o que dizer,

então,dos atos praticados no curso de uma investigação policial? Se o inquérito policial objetiva investigar infrações penais, coletando

elementos de informação quanto à autoria e materialidade dos delitos, de nada valeria o trabalho da polícia investigativa se não fosse

resguardado o sigilo necessário durante o curso de sua realização. Deve-se compreender, desse modo, que o elemento da surpresa é, na

grande maioria dos casos, essencial à própria efetividade das investigações policiais12.

Em tese, o IP tem a característica de ser sigiloso, de forma que somente as partes envolvidas teriam acesso a ele.

Tal característica tem sua importância no fato de que diversas pessoas podem ser consideradas suspeitas em um IP e somente uma,

por exemplo, vir a ser indiciada e, mesmo indiciada, pode não ser denunciada.

Dessa forma, ser sigiloso tem a função de proteger pessoas que

estejam presumivelmente envolvidas, a fim de evitar qualquer julgamento.

Vale informar que o sigilo do IP não abrange o advogado, em relação aos documentos e às diligências anexadas aos autos do IP.

Para a presente situação, importante a leitura do artigo 20 do CPP:

“Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à

elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.

Parágrafo único. Nos atestados de antecedentes que lhe forem

solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer

anotações referentes a instauração de inquérito contra os

requerentes, salvo no caso de existir condenação anterior.”

12

Exemplo interessante de situação em que a publicidade – e não o sigilo – passa a ser essencial à eficácia

das investigações policiais diz respeito à hipótese em que as autoridades policiais dispõem do retrato

falado do criminoso, porém não sabem sua real qualificação. Nesse caso, é evidente que a publicidade

dada ao retrato falado será extremamente importante, já que, com a divulgação de tais imagens, talvez seja

possível que a polícia venha a obter informações acerca da identificação do agente, assim como dados

relativos acerca de sua possível localização.

É o que se denomina de sigilo interno, que visa assegurar a eficiência da investigação, que poderia ser seriamente prejudicada com a

ciência prévia de determinadas diligências pelo investigado e por seu advogado13.

Nessa esteira, como já se pronunciou a 1º Turma do Supremo Tribunal Federal, “a oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria

uma garantia constitucional do indiciado (CF, art. 5º, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a

assistência técnica do advogado, que este não lhe poderá prestar se

lhe é sonegado o acesso aos autos do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declarações14”. Este é o motivo pelo

qual o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº14, cujo teor é o seguinte: “É direito do defensor, no interesse do

representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão

com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

Quem terá acesso aos autos do IP?

Juiz e MP: amplo e irrestrito.

Advogado: artigo 5º, LXIII, CF/88, e artigo 7º, XIV, Lei nº

8.906/94.

Artigo 5º (...)

LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de

permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e

de advogado;

Artigo 7º São direitos do advogado:

(...)

XV - ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer

natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los

pelos prazos legais;

O acesso do advogado é amplo e irrestrito? O acesso do

advogado está limitado às informações já introduzidas nos Autos do IP, mas não em relação às diligências em andamento.

13

STF, 1º Turma, HC 82.354/PR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 24/09/2004. 14

STF, 1º Turma, HC 82.354/PR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 24/09/2004. Em sentido semelhante:

STF, 1º Turma, HC 94.387/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 25 05/02/2009; STF, 1º Turma, HC

90.232/AM, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 02/03/2007; STJ, 5º Turma, HC 58.377/RJ, Rel. Min.

Laurita Vaz, DJe 30/06/2008.

Se o acesso aos Autos for negado pelo delegado?

- Reclamação: considerando a edição da Súmula Vinculante nº 14, que tem efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder

Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, é viável o ajuizamento de reclamação

ao Supremo Tribunal Federal, a fim de que seja preservada sua competência e assegurada a autoridade de suas decisões. Afinal,

segundo o art. 103-A, §3º, da Constituição Federal, do ato

administrativo ou da decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo

Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará

que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso. No mesmo sentido, vide art. 7º da Lei nº 11.417/06;

- Mandado de Segurança (MS): independentemente da Reclamação, como houve violação a um direito líquido e certo do

advogado, previsto no art. 7º, XIV, da Lei nº 8.906/94, continua sendo cabível a impetração de mandado de segurança, apontando-se

como autoridade coatora, para os fins do art. 6º da Lei nº 12.016/09, a autoridade policial responsável pela negativa de acesso do

advogado aos autos do procedimento investigatório, daí porque a competência para o julgamento do writ será do magistrado da

primeira instância. Nesse caso, perceba-se que o que está em

discussão não é a liberdade de locomoção do investigado, mas sim o desrespeito ao exercício da defesa consubstanciado em violação à

prerrogativa profissional do advogado, o que autoriza a impetração de mandado de segurança, nos termos do art. 5º, LXIX, da CF, c/c art.

1º, caput, da Lei nº 12.016/0915;

- Habeas corpus (HC): para o STF, sempre que puder resultar,

ainda que de modo potencial, prejuízo à liberdade de locomoção, será cabível o HC. Nada impede que o acusado, seja pessoalmente, seja

por meio de seu advogado, mas sempre em seu benefício, possa se valer do remédio heróico do HC (CF, art. 5º, LXVIII), arguindo que a

negativa do acesso de seu advogado aos autos do procedimento

15

O cabimento de reclamação perante o Supremo não impede a impetração de mandado de segurança. A

uma porque a Lei nº 11.417/06, ao dispor sobre a edição, revisão e cancelamento de súmula vinculante,

prevê em seu art. 7º que a decisão judicial ou ato administrativo que contrariar enunciado de súmula

vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal

Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação. A duas porque, na medida

em que a reclamação tem natureza de ação de índole constitucional, e não de recurso, seu cabimento não

acarreta incidência do art. 5º, II da Lei nº 12.016/09, que veda o uso do mandado de segurança contra ato

judicial que caiba recurso com efeito suspensivo.

investigatório acarreta constrangimento ilegal a sua liberdade de locomoção16.

2.4 Procedimento inquisitorial

Apesar de o contraditório e a ampla defesa não serem aplicáveis ao

inquérito policial, que não é processo, não se pode perder de vista que o suspeito, investigado, ou indiciado possui direitos fundamentais

que devem ser observados mesmo no curso da investigação policial,

entre os quais o direito ao silêncio, o de ser assistido por advogado, etc. Aliás, como visto antes, do plexo de direitos dos quais o

investigado é titular, é corolário e instrumento de prerrogativa do advogado de acesso aos autos do inquérito policial (Lei nº 8.906/94,

art. 7º, XIV), tal qual preceitua a Súmula Vinculante nº 14 do Supremo17.

Não é obrigatória a observância do contraditório e da ampla defesa. Todavia, para parte da doutrina, sempre que houver a possibilidade

da prática de atos de violência e coação ilegal no curso do IP, deve se assegurar o contraditório e a ampla defesa (HC 69.405 – STJ).

HC 69.405 – STJ

Inquérito policial (natureza). Diligências

(requerimento/possibilidade). Habeas corpus (cabimento).

1. Embora seja o inquérito policial procedimento preparatório da

ação penal (HCs 36.813, de 2005, e 44.305, de 2006), é ele

garantia "contra apressados e errôneos juízos" (Exposição de

motivos de 1941).

2. Se bem que, tecnicamente, ainda não haja processo – daí que

não haveriam de vir a pêlo princípios segundo os quais ninguém

será privado de liberdade sem processo legal e a todos são

assegurados o contraditório e a ampla defesa –, é lícito admitir

possa haver, no curso do inquérito, momentos de violência ou de

coação ilegal (HC-44.165, de 2007).

3. A lei processual, aliás, permite o requerimento de diligências.

Decerto fica a diligência a juízo da autoridade policial, mas isso,

obviamente, não impede possa o indiciado bater a outras portas.

4. Se, tecnicamente, inexiste processo, tal não haverá de constituir

empeço a que se garantam direitos sensíveis – do ofendido, do

indiciado, etc.

5. Cabimento do habeas corpus (Constituição, art. 105, I, c).

16

No sentido de que o cerceamento à defesa do indiciado no inquérito policial pode refletir-se em prejuízo

de sua defesa e, em tese, redundar em condenação à pena privativa de liberdade ou na mensuração desta,

daí por que deve ser admitida a impetração de habeas corpus de modo a assegurar o acesso do advogado

aos autos: STF, 1º Turma, HC 82.354, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 24/09/2004. 17

STF, 1º Turma, HC 90.232, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 18/12/2006, DJ 02/03/2007.

6. Ordem concedida a fim de se determinar à autoridade policial que

atenda as diligências requeridas.

Por fim, há de se lembrar que a observância do contraditório é obrigatória em relação ao inquérito objetivando a expulsão de

estrangeiro. Regulamentando o Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/80), o Decreto nº 86.715/81 estabelece uma sequência de

etapas que devem ser observadas para que seja concretizado o ato de

expulsão, aí abrangida a possibilidade de ampla defesa e contraditório18.

2.5 Procedimento indisponível

O delegado não pode arquivar autos de IP. Uma vez que o IP é

instaurado, não poderá ser arquivado pela autoridade policial.

Esta deverá colher todas as informações que entender necessárias e

enviá-lo ao órgão competente. Nesse sentido, veja-se o artigo 17 do CPP:

“Art. 17. A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de

inquérito.”

2.6 Procedimento discricionário

O IP se movimenta por conveniência e oportunidade do delegado. A autoridade policial competente tem a discricionariedade de decidir

quais as diligências deverão ser realizadas a fim de se verificarem as informações do IP.

18

De acordo com o referido Decreto, o procedimento de expulsão do estrangeiro tem início com a

instauração de inquérito por meio de portaria do Departamento de Polícia Federal, a partir de

determinação do Ministro da Justiça. O expulsando será notificado da instauração do inquérito e do dia e

hora fixados para o interrogatório, com antecedência mínima de dois dias úteis. Comparecendo, o

expulsando será qualificado, interrogado, identificado e fotografado, podendo nessa oportunidade indicar

defensor e especificar as provas que desejar produzir. Ao expulsando e ao seu defensor será dada vista dos

autos, em cartório, para a apresentação de defesa no prazo único de seis dias, contados da ciência do

despacho respectivo. Encerrada a instrução do inquérito, deverá ser este remetido ao Departamento

Federal de Justiça, no prazo de doze dias, acompanhado de relatório conclusivo. Recebido o inquérito, será

este anexado ao processo respectivo, devendo o Departamento Federal de Justiça encaminhá-lo com

parecer ao Ministro da Justiça, que o submeterá à decisão do Presidente da República (Decreto nº

86.715/81, arts. 100 a 109).

Ressalta-se que a discricionariedade não é absoluta, tendo em vista que o próprio CPP informa que, no caso de fatos que deixem

vestígios, a autoridade policial é obrigada a proceder a diligências no sentido de sua comprovação.

“Art. 14. O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado

poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a

juízo da autoridade.”

Caso uma diligência requerida pela defesa à autoridade policial não tenha sido realizada, assiste ao advogado a possibilidade de reiterar

sua solicitação perante o juiz ou o Ministério Público, que poderão, então, requisitar sua realização à autoridade policial. Nessa linha, em

caso concreto em que o requerimento formulado pelo investigado para oitiva de testemunhas e quebra de seu sigilo telefônico foi

indeferido pela autoridade policial, conclui a 6º Turma do STJ ser

cabível a impetração de habeas corpus com o objetivo de assegurar o cumprimento das referidas diligências, até mesmo de modo a se

evitar apressado e errôneo juízo acerca da responsabilidade do investigado19.

2.7 Procedimento Oficial

Cabe ao Delegado a presidência do inquérito policial, com fulcro no

art. 144,§1º, I e §4º, da Constituição Federal, porquanto o inquérito policial fica a cargo de órgão oficial do Estado.

2.8 Procedimento oficioso

A característica da oficiosidade do inquérito não é incompatível com a

discricionariedade. A oficiosidade está relacionada à obrigatoriedade

de instauração do inquérito policial quando a autoridade policial toma conhecimento de infração penal de ação penal pública incondicionada;

a discricionariedade guarda relação com a forma de condução das investigações, seja no tocante à natureza dos atos investigatórios

(oitiva de testemunhas, acareações, etc.), seja em relação à ordem de sua realização.

3. Forma de instauração do IP

19

STJ, 6º Turma, HC 69.405/SP, Rel. Min. Nilson Naves, j. 23/10/2007, DJ 25/02/2008 p. 362. LIMA,

Renato Brasileiro, Manual de Processo Penal. 2º ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2014. P. 120.

3.1 Ação penal privada / Ação penal pública condicionada à

representação

Instaura-se o IP mediante requerimento da vítima ou de seu representante legal, ou à requisição do Ministro da Justiça. O Estado

não pode agir de ofício (ação penal pública condicionada - CPP, art. 5º, §4º).

Já na ação penal de iniciativa privada, o Estado também fica

condicionado, só que agora apenas ao requerimento do ofendido ou de seu representante legal (CPP, art.5º, §5º). O Delegado somente

poderá proceder ao inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentar a ação penal. No caso de ausência ou morte

do ofendido, o requerimento poderá ser formulado por seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão (CPP, art. 31). O requerimento é

condição de procedibilidade do próprio inquérito policial, sem o qual a investigação sequer poderá ter início.

O prazo decadencial para ser formulado o requerimento é de 6 (seis) meses, contado, em regra, do dia em que se vier a saber quem é o

autor do crime. Portanto, se o Delegado verificar que esse prazo foi ultrapassado, deve se abster de instaurar o inquérito, pois se tornou

extinta a punibilidade (CP, art. 107, IV20).

Nos crimes de ação penal pública condicionada e de ação penal de

iniciativa privada, a instauração do inquérito policial também poderá

se dar em auto de prisão em flagrante, fazendo cessar a agressão. No entanto, a lavratura do auto de prisão em flagrante estará

condicionada à manifestação da vítima ou de seu representante legal. Se a vítima não puder imediatamente ir à delegacia para se

manifestar, poderá fazê-lo no prazo de entrega da nota de culpa, que é de 24 (vinte e quatro) horas.

3.2 Ação penal pública incondicionada (artigo 5º, CPP)

A. De ofício: Portaria21. Por força do princípio da obrigatoriedade (que também se estende à fase investigatória), caso a autoridade

20

Vale lembrar que o requerimento de instauração de inquérito policial não interrompe nem suspende a

fluência do prazo decadencial. 21

Ferrajoli define tal postulado como “a obrigação dos órgãos da acusação pública de promover o juízo

para toda notitia criminis que vier a seu conhecimento – ainda que para requerer o arquivamento ou a

absolvição caso considerem o fato penalmente irrelevante ou faltarem indícios de culpabilidade (Direito e

razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. P. 457).

policial tome conhecimento do fato delituoso a partir de suas atividades rotineiras, deve instaurar o inquérito policial de ofício, ou

seja, independentemente de provocação de qualquer pessoa.

B. Requisição do juiz ou do MP(CPP, art.5º, II): o inquérito será

iniciado, nos crimes de ação pública, mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público.

Nos casos de Ação Penal Pública Condicionada (quando acompanhada de representação) e de Ação Penal Pública Incondicionada, o delegado

fica obrigado a investigar.

A doutrina expressa uma crítica quanto ao fato de o juiz poder requisitar a instauração do IP, sob o argumento de que estar-se-ia

violando o princípio da imparcialidade e o sistema acusatório.O ideal, nesse caso, seria o magistrado encaminhar as informações e

documentos ao Ministério Público para a competente requisição. Nesse sentido, acosta-se o artigo 40 do CPP:

“Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes

ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública,

remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos

necessários ao oferecimento da denúncia.”

Requisição do MP e recusa do delegado: a recusa do delegado não caracteriza o crime de desobediência (delegado não é considerado

um particular). Em relação ao crime de prevaricação, responderá caso

fique comprovado que deixou de instaurar o IP para satisfação de interesse ou sentimento pessoal (artigo 319, CP). Em caso negativo,

será mero ilícito administrativo.

Diante da requisição do Ministério Público, com o mesmo pensamento

de Renato Brasileiro, pensamos que a autoridade policial está obrigada a instaurar o inquérito. Não que haja hierarquia entre

promotores e delegados, mas sim, em decorrência do princípio da obrigatoriedade, que impõe às autoridades o dever de agir diante da

notícia da prática de infração penal.

“De mais a mais, o art. 129, VIII, da Constituição Federal,

determina que são funções institucionais do Ministério Público

requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito

policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações

processuais. Na mesma linha o art. 13, II, do CPP, dispões que

incumbe à autoridade policial realizar as diligências requisitadas

pelo Ministério Público.

Logicamente, em se tratando de requisição ministerial

manifestamente ilegal, deve a autoridade policial abster-se de

instaurar o inquérito policial, comunicando sua decisão,

justificadamente, ao órgão do Ministério Público responsável pela

requisição, assim como as autoridades correcionais22”.

C. Requerimento da vítima ou de seu representante legal: recurso inominado para o Chefe de Polícia no caso de negativa de

requerimento da vítima pelo Delegado (Artigo 5º, § 2º, CPP).

Artigo 5º (...)

(...)

§ 2º Do despacho que indeferir o requerimento de abertura do

inquérito caberá recurso para o Chefe de Polícia.

Caso a autoridade policial, justificadamente, se recuse a instaurar inquérito policial, sob o argumento de que os fatos levados a seu

conhecimento são atípicos, não há falar em violação a direito líquido e certo a dar ensejo à impetração de mandado de segurança, sobretudo

se consideramos que há previsão legal de recurso inominado ao Chefe de Polícia23.

D. Auto de Prisão em Flagrante Delito: apesar de não constar expressamente no art. 5º do CPP, o auto de prisão em flagrante é

uma das formas de instauração do inquérito policial, funcionando o próprio auto como peça inaugural da investigação.

E. Delatio criminis: é a notícia oferecida por qualquer do povo. Qualquer do povo que tiver conhecimento da existência de infração

penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito,

comunicá-la à autoridade policial.

É possível uma delatio criminis inqualificada (anônima,

apócrifa)?

A denúncia anônima, por si só, não serve para fundamentar a

instauração de IP. Entretanto, a partir das informações nela prestadas, pode a polícia realizar diligências preliminares para

verificar a procedência das informações, para, então, instaurar o IP. Ex.: disque-denúncia.

HC 84.827 - STF

ANONIMATO - NOTÍCIA DE PRÁTICA CRIMINOSA - PERSECUÇÃO

CRIMINAL - IMPROPRIEDADE. Não serve à persecução criminal

notícia de prática criminosa sem identificação da autoria,

consideradas a vedação constitucional do anonimato e a

22

LIMA, Renato Brasileiro de, Manual de Processo Penal. 2º ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2014. P.

123. 23

STJ, 6º Turma, RMS 7.598/RJ, Rel. Min. William Patterson, j. 09/04/1997, DJ 12/05/1997.

necessidade de haver parâmetros próprios à responsabilidade, nos

campos cível e penal, de quem a implemente.

HC 64.096 – STJ

HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO FISCAL, LAVAGEM DE DINHEIRO E

CORRUPÇÃO. DENÚNCIA ANÔNIMA. INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO

POLICIAL. POSSIBILIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA.

IMPOSSIBILIDADE. PROVA ILÍCITA. TEORIA DOS FRUTOS DA

ÁRVORE ENVENENADA. NULIDADE DE PROVAS VICIADAS, SEM

PREJUÍZO DA TRAMITAÇÃO DO PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO.

ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. Hipótese em que a instauração do inquérito policial e a quebra do

sigilo telefônico foram motivadas exclusivamente por denúncia

anônima.

2. "Ainda que com reservas, a denúncia anônima é admitida em

nosso ordenamento jurídico, sendo considerada apta a deflagrar

procedimentos de averiguação, como o inquérito policial, conforme

contenham ou não elementos informativos idôneos suficientes, e

desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito à

identidade do investigado. Precedente do STJ" (HC 44.649/SP, Rel.

Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ 8/10/07).

3. Dispõe o art. 2°, inciso I, da Lei 9.296/96, que "não será

admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando (...)

não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração

penal". A delação anônima não constitui elemento de prova sobre a

autoria delitiva, ainda que indiciária, mas mera notícia dirigida por

pessoa sem nenhum compromisso com a veracidade do conteúdo de

suas informações, haja vista que a falta de identificação inviabiliza,

inclusive, a sua responsabilização pela prática de denunciação

caluniosa (art. 339 do Código Penal).

(...)

4. Notitia criminis

4.1 Conceito

Conhecimento espontâneo ou provocado, por parte da Autoridade

Policial, acerca de um delito.

4.2 Espécies

A. De cognição imediata (ou espontânea)

Ocorre quando a Autoridade Policial toma conhecimento do fato delituoso por meio de suas atividades rotineiras. Ex.: jornal,

investigação.

B. De cognição mediata (ou provocada)

Ocorre quando a Autoridade Policial toma conhecimento do fato delituoso por meio de um expediente escrito. Ex.: representação,

requerimento da vítima, requisição do MP.

C. De cognição coercitiva

Ocorre quando a Autoridade Policial toma conhecimento do fato

delituoso por meio da apresentação de acusado preso em flagrante.