informe ser tÃo vivo #4

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SER TÃO VERDE Publicação Especial do Núcleo Sertão do Instituto de Permacultura da Bahia Edição 4 Junho 2015 Patrocínio:

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Publicação especial do Instituto de Permacultura da Bahia

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Page 1: INFORME SER TÃO VIVO #4

SerTãoVerdePublicação especial do Núcleo Sertão

do Instituto de Permacultura da Bahia edição 4 Junho 2015

Patrocínio:

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Conversando com idosos moradores das comunidades ru-rais de Várzea da Roça, é comum ouvir histórias do tempo em que se colhiam alimentos com fartura, em que a mata era densa e os rios eram límpidos. As casas tinham toneis para reservar quilos de sementes de milho e feijão, além de va-silhas com sementes de abóbora, melancia, quiabo, melão sertanejo, entre outras plantas comestíveis.

Na residência do casal Rosália Pacheco da Silva, a Rosinha, de 75 anos de idade, e Enéas Machado da Silva, de 80, os toneis hoje são apenas lembranças da mocida-de. As chuvas são menos intensas e a produção, insuficiente para enchê-los. Mesmo assim, eles mantêm dezenas de gar-rafas pet com sementes de frutas e legumes que podem ser plantadas em época de chuva.

O que Rosinha, Enéas e seus contemporâneos não imaginavam é que filhos e netos um dia aprenderiam a beneficiar sementes de árvores nativas para ajudar a reflorestar a caatinga. “Somos de um tempo em que existia muita árvore, que soltava muita folha, adubava o solo e dava toda a fertilidade necessária para a semente germinar por si só”, diz Idalina Maria Reis, antiga moradora da comunidade de Cruz de Alma.

Com a perda crescente da mata nativa, principal-mente nas encostas dos rios, hoje se torna necessário as fa-mílias agricultoras reproduzirem mudas e plantarem árvores nativas para garantir o sustento. No Projeto Águas do Jacu-ípe, a introdução do beneficiamento de mais de 40 tipos de sementes tem envolvido jovens e mulheres, que já adminis-tram a Casa das Sementes e o Viveiro Escola do projeto. Este ano, será implantada a segunda Casa de Semente na região. O projeto Águas do Jacuípe é realizado pelo Instituto de Permacultura da Bahia (IPB) e patrocinado pela Petrobras por meio do Programa Petrobras Socioambiental.

“O mulungu e o tambori o povo gostava de usar para fazer porta, janela e até caixão de enterro”, conta Neusa Oliveira Santos Santana, moradora da comunidade Cruz de Alma e uma das mulheres beneficiadoras de sementes do Projeto Águas do Jacuípe. Essas e outras árvores, que povoavam sua infância em forma de mobílias, alimentos e até de remédios, hoje ela e outras mulheres da comunidade aprendem a manejar para reproduzir e impedir que deixem de existir. “Aprende-mos a descascar e cortar a semente de mulungu para ele brotar mais rápido”, conta Neusa.

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Por não fazer parte das produções familiares de Várzea da Roça em sua história, as sementes de árvores nativas acabaram se tornando invisíveis às comunidades rurais. “Eles não percebem que as sementes estão nas árvores”, conta Dirce Almeida, coordenado-

ra do Projeto Águas do Jacuípe. Por isso, acredita-se que a coleta e o beneficiamento de sementes praticados por jovens e mulheres no projeto seja um marco histórico na vida dessas comunidades. “Hoje, por exemplo, só encontramos umbuzeiros velhos porque tudo virou pasto e o gado acaba comendo as mudas novas. Por isso, cercamos nossas áreas de plantio. Nesse sentido, cuidar das sementes tem mostrado que é possível transformar destruição em reconstrução”, afirma Dirce.

A sabedoria sobre plantas e suas propriedades está na ponta da língua de dona Idalina Maria Reis, moradora de Várzea da Roça desde o tempo que se plantava tudo o que se comia – e em que havia árvore para todo lado. Ela descreve, um a um, os benefícios das plantas com as quais cresceu. A baraúna é árvore “puxadora” de raio, a barriguda tem a pluma para encher almofada, que pode ser feita ainda com palha de banana ou algodão. O pau d’alho cura asma, gripe e tontura. A casca da arapiraca faz chá para dor de coluna. E a catinga de porco é boa para a digestão. Ela e 22 irmãos

corriam mata adentro subindo em árvores. Hoje, Idalina se ressente da falta de contato do povo com a terra. “As crianças não conhecem direito as frutas porque não veem as árvores florarem, e a mãe não deixa pisar no espinho”, diz.

Para as mulheres da comunidade de Cruz de Alma, que beneficiam sementes no Viveiro Escola do Projeto Águas do Jacuípe, essa prática tem ensinado a reproduzir árvo-res que elas e seus familiares conhecem desde a juventude, mas nunca souberam muito bem como plantar. É o caso do umbuzeiro, cujo fruto, o umbu, é apreciadíssimo na região. “As pessoas perguntam pra gente como se faz para o umbu pegar. Pra isso tem uma ciência, que é colocar a semente no esterco para fermentar e deixar no chão até brotar”, diz Iraci de Oliveira Ferreira, participante do projeto.

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Realização: Projeto: Patrocínio:

Localizado no centro-norte do Estado da Bahia, o município de Várzea da Roça faz parte do Território de Identidade Bacia do Jacuípe. O Núcleo atua desde 2009 através do projeto Umbuzeiro: Escola Sustentável do Semiárido, construiu relações de parcerias locais com prefeituras, Sindicatos, Associações Comunitárias e a UNAVAR - União das Associações de Várzea da Roça. Atualmente realiza os projetos “Mulheres Organizadas: Um Desejo, Nossa Ação!” e “Águas do Jacuípe”.

EQUIPE TÉCNICA | COORDENAÇÃO GERAL | Dirce Almeida | ASSESSORIA PEDAGÓGICA | Maricélia Silva

| ASSESSORIA TÉCNICA | Paulo das Mercês | TÉCNICOS DE CAMPO | Alajaque Souza e Gerivaldo Santana

| AUXILIARES TÉCNICOS | Jucelio Santana e Romilton Cintra | ADMINISTRATIVO | Roselma Santana| E-MAIL: [email protected]

EXPEDIENTE | EDIÇÃO E REVISÃO | Débora Didonê | PROJETO GRÁFICO | Ravi Santiago | FOTOS | Arquivo IPB e Leila Aquino

| TEXTOS | Dirce Almeira e Débora Didonê

Os toneis de sementes, usados no passado por famílias agricultoras para guardar milho e feijão, reservavam de 12 a 18 sacas dos alimentos - que serviam para comer e plantar. Na tradição, também eram conservadas nas cin-zas do fogão. “No tempo dos meus pais, as sementes eram guardadas em pote de barro cheio de cinza”, diz dona Rosália Pacheco da Silva. Com o pai do agricultor Ariel não era diferente. “Ele guardou muita semente na cinza, e a de milho na palha, que a gente chamava de paiol”, diz Ariel. Embora a cinza tenha perdido a vez na conserva de sementes, ainda se encontram fogões e fornos à lenha ativos em Várzea da Roça.

Em mais de duas décadas de trabalho, o IPB já realizou dezenas de projetos estruturantes e educacionais, tendo suas metodologias reconhecidas no âmbito da Convivência com o Semiárido, no fortalecimento da Educação Contextualizada, na consolidação de Tecnologias Sociais para o Saneamento Ecológico e na promoção da Transição Agroecológica. Apoiou diversas iniciativas para a construção de um mundo pautado pelo paradigma da sustentabilidade e da solidariedade.