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Informativo 654-STJ (13/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 654-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO CIVIL LOCAÇÃO DE IMÓVEIS URBANOS O arbitramento do aluguel provisório na ação revisional faz nascer a obrigação do locatário de pagar esse novo valor e, se não o fizer, tais quantias já poderão ser incluídas na execução que pedia o pagamento de aluguéis atrasados. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA Termo inicial dos juros de mora incidentes sobre a restituição das parcelas pagas em caso de resolução judicial do contrato por iniciativa do promitente comprador de forma diversa da cláusula penal convencionada. ALIMENTOS No acordo ficou ajustado que o devedor pagaria a pensão durante certo tempo; passado esse período, o indivíduo, por mera liberalidade, continuou pagando; isso não significa, contudo, que ele passou a ter o dever de pagar para sempre a pensão. A genitora do menor alimentando pode prosseguir, em nome próprio, com a execução de alimentos, a fim de receber os valores referentes aos débitos alimentares vencidos, mesmo após a transferência da titularidade da guarda da criança para o pai executado? TESTAMENTO O indivíduo que recebeu um imóvel gravado com cláusula de inalienabilidade pode transferir esse imóvel por meio de testamento, considerando que a cláusula de inalienabilidade vitalícia dura apenas enquanto o beneficiário estiver vivo. DIREITO DO CONSUMIDOR PLANO DE SAÚDE Ainda que a iniciativa pelo descredenciamento tenha partido da clínica médica, o plano de saúde tem o dever de comunicar esse fato aos consumidores e à ANS com 30 dias de antecedência e o dever de substituir a entidade conveniada por outra equivalente. COMPRA DE IMÓVEIS Termo inicial dos juros de mora incidentes sobre a restituição das parcelas pagas em caso de resolução judicial do contrato por iniciativa do promitente comprador de forma diversa da cláusula penal convencionada. DIREITO EMPRESARIAL MARCA Mesmo que exista autorização para que um nome civil seja registrado como marca, para que esse nome seja registrado como nova marca não abrangida pela primeira, será necessária nova autorização do titular. RECUPERAÇÃO JUDICIAL Não é necessário que o contrato de compra e venda com reserva de domínio tenha sido registrado no cartório para que ele fique excluído da recuperação judicial, conforme previsto no § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005

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Informativo 654-STJ (13/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Informativo comentado: Informativo 654-STJ

Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO CIVIL

LOCAÇÃO DE IMÓVEIS URBANOS

• O arbitramento do aluguel provisório na ação revisional faz nascer a obrigação do locatário de pagar esse novo valor e, se não o fizer, tais quantias já poderão ser incluídas na execução que pedia o pagamento de aluguéis atrasados.

INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA

• Termo inicial dos juros de mora incidentes sobre a restituição das parcelas pagas em caso de resolução judicial do contrato por iniciativa do promitente comprador de forma diversa da cláusula penal convencionada.

ALIMENTOS

• No acordo ficou ajustado que o devedor pagaria a pensão durante certo tempo; passado esse período, o indivíduo, por mera liberalidade, continuou pagando; isso não significa, contudo, que ele passou a ter o dever de pagar para sempre a pensão.

• A genitora do menor alimentando pode prosseguir, em nome próprio, com a execução de alimentos, a fim de receber os valores referentes aos débitos alimentares vencidos, mesmo após a transferência da titularidade da guarda da criança para o pai executado?

TESTAMENTO

• O indivíduo que recebeu um imóvel gravado com cláusula de inalienabilidade pode transferir esse imóvel por meio de testamento, considerando que a cláusula de inalienabilidade vitalícia dura apenas enquanto o beneficiário estiver vivo.

DIREITO DO CONSUMIDOR

PLANO DE SAÚDE

• Ainda que a iniciativa pelo descredenciamento tenha partido da clínica médica, o plano de saúde tem o dever de comunicar esse fato aos consumidores e à ANS com 30 dias de antecedência e o dever de substituir a entidade conveniada por outra equivalente.

COMPRA DE IMÓVEIS

• Termo inicial dos juros de mora incidentes sobre a restituição das parcelas pagas em caso de resolução judicial do contrato por iniciativa do promitente comprador de forma diversa da cláusula penal convencionada.

DIREITO EMPRESARIAL

MARCA

• Mesmo que exista autorização para que um nome civil seja registrado como marca, para que esse nome seja registrado como nova marca não abrangida pela primeira, será necessária nova autorização do titular.

RECUPERAÇÃO JUDICIAL

• Não é necessário que o contrato de compra e venda com reserva de domínio tenha sido registrado no cartório para que ele fique excluído da recuperação judicial, conforme previsto no § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

AÇÃO RESCISÓRIA / SUSPENSÃO DE SEGURANÇA

• Não é cabível ação rescisória contra decisão do Presidente do Tribunal proferida em suspensão de liminar. AGRAVO DE INSTRUMENTO

• Cabe agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que acolhe ou afasta a arguição de impossibilidade jurídica do pedido (mérito do processo – art. 1.015, II, do CPC/2015).

RECURSO ESPECIAL

• Não deve ser conhecido o recurso especial tirado de agravo de instrumento quando sobrevém sentença de extinção do processo sem resolução de mérito que não foi objeto de apelação.

EXECUÇÃO FISCAL

• Na execução fiscal não cabe a retenção de passaporte ou a suspensão da CNH como forma de compelir o executado a pagar o débito.

PROCEDIMENTOS ESPECIAIS / AGRAVO DE INSTRUMENTO

• Não cabe agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que, na segunda fase da ação de prestação de contas, defere prova pericial.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

AÇÃO PENAL PRIVADA

• Apesar de o § 1º do art. 24 do CPP falar apenas em “cônjuge”, a companheira (hetero ou homoafetiva) também possui legitimidade para ajuizar ação penal privada.

DIREITO TRIBUTÁRIO

IPI

• O valor pago a título de IPI por ocasião da aquisição de brindes que serão inseridos em produtos industrializados não gera direito de creditamento de IPI.

DIREITO CIVIL

LOCAÇÃO DE IMÓVEIS URBANOS O arbitramento do aluguel provisório na ação revisional faz nascer a obrigação do locatário de pagar esse novo valor e, se não o fizer, tais quantias já poderão ser incluídas na execução que

pedia o pagamento de aluguéis atrasados

Na execução de contrato locatício, é possível a inclusão dos aluguéis vencidos no curso do processo com base em valor fixado provisoriamente em anterior ação revisional.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.714.393-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/08/2019 (Info 654).

Imagine a seguinte situação hipotética: João alugou um imóvel para a empresa Ipiranga. O contrato, com duração de 5 anos, previa o pagamento de aluguel no valor de R$ 8 mil. Em fevereiro de 2018, depois de 3 anos de vigência do contrato, João ajuizou ação revisional pedindo o reajuste do valor do aluguel, nos termos do art. 19 da Lei nº 8.245/91:

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Art. 19. Não havendo acordo, o locador ou locatário, após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado, poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço de mercado.

A empresa começou a ter dificuldades de fluxo de caixa e atrasou 3 meses de aluguel (junho, julho e agosto de 2018). Em razão disso, no começo de setembro, João ingressou com execução pedindo o pagamento dessa quantia. Também em setembro, o juiz concedeu liminar na ação revisional, fixando, provisoriamente, o valor do aluguel em R$ 12 mil. Diante desse fato, em dezembro de 2018, João peticionou na execução requerendo que a empresa executada, além de quitar os meses de junho, julho e agosto, pagasse também os aluguéis que venceram no curso do processo e que a empresa também não honrou (setembro, outubro, novembro e dezembro). O locador pediu que o juiz já cobrasse a empresa com base no novo valor do aluguel (R$ 12 mil). A empresa argumentou que, como a decisão fixando os aluguéis é provisória, não se pode dizer que se trate de obrigação líquida, certa e exigível. Afirmou, ainda, que eventuais diferenças constatadas no valor dos aluguéis devem ser cobradas na própria ação revisional e são exigíveis somente a partir do trânsito em julgado da decisão que fixou o novo aluguel. O pedido de João (exequente) pode ser acolhido mesmo sendo ainda a fixação de um valor provisório? É possível incluir na execução dos aluguéis as parcelas que vencerem no curso do processo, com base no valor da locação que foi fixado em ação revisional? SIM.

Na execução de contrato locatício, é possível a inclusão dos aluguéis vencidos no curso do processo com base em valor fixado provisoriamente em anterior ação revisional. STJ. 3ª Turma. REsp 1.714.393-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/08/2019 (Info 654).

A Lei nº 8.245/91, ao tratar sobre a ação revisional, preconiza que, se o juiz fixar aluguel provisório, ele será devido desde a citação (art. 68, II). Assim, o valor do aluguel fixado pelo juiz na ação revisional – seja o provisório ou o definitivo – é um crédito líquido, certo e exigível do locador, desde a citação na ação revisional. Desse modo, o arbitramento do aluguel provisório em R$ 12 mil fez nascer a obrigação da empresa/locatária de pagá-lo no vencimento, a partir da citação, e, por conseguinte, o direito do locador de exigi-lo, tão logo constatada eventual mora. Diante desse contexto, não prospera o argumento da empresa de que as quantias cobradas com base na fixação provisória não eram líquidas, certas e exigíveis. E se, depois de pagar os aluguéis com base em R$ 12 mil, o valor fixado na ação revisional, ao final, for inferior (ex: R$ 10 mil). A locatária pagou o valor provisoriamente fixado em R$ 12 mil e, ao final, chegou-se à conclusão que o valor correto dos aluguéis deveria ser R$ 10 mil. O que fazer, neste caso? A fixação do aluguel definitivo em quantia inferior à do aluguel provisório (ex: R$ 10 mil) fará nascer, neste segundo momento, o direito de a locatória pedir a repetição do indébito relativamente às parcelas pagas depois da citação, ou à compensação da diferença com os aluguéis vincendos. Conforme explica Sylvio Capanema de Souza:

“Existe unanimidade, entretanto, quanto ao cabimento de ação de execução, para que o locador reclame o pagamento do aluguel provisório. Se o aluguel definitivo for superior ao provisório, como ocorre quase sempre, o locatário pagará as diferenças apuradas e corrigidas, ao final da ação, e nos mesmos autos.

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Se for inferior, poderá o locatário reclamar, em ação própria, de repetição de indébito, a devolução das diferenças pagas a maior, também corrigidas, podendo ainda haver a compensação com as parcelas vincendas, se assim ajustarem as partes. Se o pedido for julgado improcedente, também se valerá o locatário dos mesmos mecanismos, para recuperar o que pagou indevidamente.” (A Lei do Inquilinato comentada. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 384)

A parte final do art. 69 da Lei nº 8.245/91 exige que ocorra o trânsito em julgado para que se possa cobrar o valor fixado na ação revisional? NÃO. O art. 69 da Lei nº 8.245/91 prevê o seguinte:

Art. 69. O aluguel fixado na sentença retroage à citação, e as diferenças devidas durante a ação de revisão, descontados os alugueres provisórios satisfeitos, serão pagas corrigidas, exigíveis a partir do trânsito em julgado da decisão que fixar o novo aluguel.

Não se pode dar uma interpretação a esse dispositivo para prejudicar o direito do locador de receber, desde logo, os aluguéis que lhe são devidos, condicionando o seu exercício ao trânsito em julgado da ação revisional. Duas são as razões para isso: 1) Em primeiro lugar, porque, nos termos do art. 58 da Lei nº 8.245/91, o recurso de apelação interposto contra a sentença proferida na ação revisional de aluguel deve ser recebido apenas no efeito devolutivo. Só isso já cairia por terra o argumento de que seria necessário aguardar o trânsito em julgado. Ora, se a sentença fixou um valor e a apelação não tem efeito suspensivo, já seria possível a execução provisória. 2) Em segundo lugar, porque as diferenças às quais alude a parte final do art. 69 dizem respeito ao quanto o valor do aluguel provisório, cobrado antecipadamente, é maior ou menor que o valor do aluguel definitivamente arbitrado, resultando essa operação matemática de subtração em um crédito para o locador, se este for maior que aquele, ou para o locatário, na hipótese contrária. Em outras palavras, quando o art. 69 fala em “exigíveis a partir do trânsito em julgado”, ele está se referindo ao crédito resultante da diferença entre o que foi efetivamente pago pelo locatário e o que realmente era devido por ele. É isso que somente pode ser exigido depois do trânsito em julgado. O valor fixado provisoriamente na ação revisional não precisa aguardar o trânsito em julgado.

INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA Termo inicial dos juros de mora incidentes sobre a restituição das parcelas pagas em caso de resolução judicial do contrato por iniciativa do promitente comprador de forma diversa da

cláusula penal convencionada

Nos compromissos de compra e venda de unidades imobiliárias anteriores à Lei nº 13.786/2018, em que é pleiteada a resolução do contrato por iniciativa do promitente comprador de forma diversa da cláusula penal convencionada, os juros de mora incidem a partir do trânsito em julgado da decisão.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.740.911-DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. Acd. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 14/08/2019 (recurso repetitivo – Tema 1002) (Info 654).

Obs: nos contratos celebrados a partir da Lei nº 13.786/2018 (28/12/2018), os juros de mora incidem a partir da citação válida, nos termos dos arts. 397 e 405 do Código Civil.

Veja comentários em Direito do Consumidor.

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ALIMENTOS No acordo ficou ajustado que o devedor pagaria a pensão durante certo tempo; passado esse

período, o indivíduo, por mera liberalidade, continuou pagando; isso não significa, contudo, que ele passou a ter o dever de pagar para sempre a pensão

Obrigação alimentar extinta, mas mantida por longo período de tempo por mera liberalidade do alimentante, não pode ser perpetuada com fundamento no instituto da surrectio.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.789.667-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/08/2019 (Info 654).

Imagine a seguinte situação hipotética: João e Maria eram casados e decidiram se divorciar. No acordo de divórcio, celebrado em março de 2001, ficou combinado que João pagaria pensão alimentícia em favor de Maria durante o prazo de 24 meses. Após isso, a obrigação alimentar estaria extinta. Alimentos Pode-se dizer que, neste caso, foram fixados, alimentos transitórios. Alimentos transitórios são aqueles fixados por um prazo determinado, após o qual cessa a obrigação de alimentar, mesmo que ainda exista necessidade do alimentando e possibilidade do alimentante. Assim, os alimentos transitórios não obedecem à regra do rebus sic stantibus, sendo estabelecidos em razão de uma causa temporária e específica. Terminado o prazo fixado, cessa a obrigação de alimentar, mesmo que a situação das partes envolvidas permaneça a mesma. Voltando ao caso concreto: Em março de 2003, ou seja, 24 meses depois do acordo, terminou o prazo fixado para que João pagasse a pensão alimentícia. Apesar disso, mesmo sem ter obrigação (ou seja, por mera liberalidade), ele continuou, todos os meses, depositando o valor da pensão na conta bancária de Maria. Essa situação durou 15 (!) anos. Em 2018, João disse para Maria que não mais iria pagar a pensão alimentícia. Maria não se conformou e ajuizou execução contra João cobrando a continuidade dos pagamentos. A autora alegou que o fato de João ter permanecido pagando a pensão alimentícia durante 15 anos, mesmo após cessado o prazo do acordo, gerou nela uma legítima expectativa de que a prestação alimentar havia se transformado em uma obrigação por prazo indeterminado. Para Maria, João tem o dever de continuar pagando os alimentos em virtude da surrectio. Alegou, ainda, que se encontra atualmente idosa e com diversos problemas de saúde. Surrectio A surrectio (erwirkung) significa que... - a parte passou a cumprir, na prática, uma obrigação que não estava prevista no acordo - e, em razão de essa conduta ter se repetido ao longo do tempo, - pode-se considerar que a parte assumiu essa nova obrigação, - surgindo, assim, um novo dever contratual para ela não originalmente previsto no contrato. O pedido de Maria foi aceito pelo STJ? O fato de João, por mera liberalidade, ter continuado pagando a pensão alimentícia faz com que surja para ele o dever de arcar com essa obrigação por prazo indeterminado? NÃO. A boa intenção de João perante a ex-mulher não pode ser interpretada em seu desfavor.

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Informativo 654-STJ (13/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 6

A espontânea solidariedade de João, que resolveu pagar durante todos esses anos a pensão, está relacionada com motivos de ordem pessoal e íntima, e que, portanto, refogem do papel do Judiciário, que deve se imiscuir sempre com cautela, intervindo o mínimo possível na seara familiar. Assim, não se pode dizer que houve exercício anormal ou irregular de direito. A liberalidade de pagar a pensão durante esses anos não gerou direito subjetivo na ex-mulher, considerando que a própria beneficiária já tinha ciência de que ela não tinha esse direito e que o ex-marido pagava mesmo sem que o acordo o obrigasse. Entender em sentido diverso desencorajaria a solidariedade entre ex-cônjuges que já não fazem parte do mesmo núcleo familiar, o que não é razoável no âmbito do Direito de Família. Assim, não há falar em ilicitude na conduta do ex-cônjuge, por inexistência de previsibilidade de pagamento eterno dos alimentos, especialmente porque ausente relação obrigacional. A boa-fé não pode, nesse momento, ser-lhe prejudicial. Portanto, a teoria do abuso de direito não se aplica no caso concreto, em que a assistência foi humanitária e, perceptivelmente, provisória. O dever de prestar alimentos entre ex-cônjuges ou companheiros é regra excepcional que desafia interpretação restritiva. No caso, a ex-esposa fez dos alimentos percebidos voluntariamente um modo de subsistência por escolha própria. A fixação de alimentos depende do preenchimento de uma série de requisitos e não pode decorrer apenas do decurso do tempo. A idade avançada ou a fragilidade circunstancial de saúde, fatos inexistentes quando da separação, não podem ser imputados ao ex-cônjuge, pois houve tempo hábil para se restabelecer após o divórcio, já que separada faticamente há quase duas décadas. Por fim, vale ressaltar que não há título executivo judicial ou extrajudicial apto a ensejar a cobrança dos alimentos, pois, desde que ultrapassado o prazo de 24 meses a obrigação findou, ficando exonerado o alimentante do pagamento a partir de então. Como é cediço, a execução desamparada em título judicial ou extrajudicial é nula. Em suma:

Obrigação alimentar extinta, mas mantida por longo período de tempo por mera liberalidade do alimentante, não pode ser perpetuada com fundamento no instituto da surrectio. STJ. 3ª Turma. REsp 1.789.667-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/08/2019 (Info 654).

ALIMENTOS A genitora do menor alimentando pode prosseguir, em nome próprio, com a execução de

alimentos, a fim de receber os valores referentes aos débitos alimentares vencidos, mesmo após a transferência da titularidade da guarda da criança para o pai executado?

Importante!!!

Atualize o Info 590-STJ

A mãe tem legitimidade para prosseguir na execução de pensão alimentícia proposta à época em que era guardiã do filho menor, ainda que depois disso a guarda tenha sido transferida ao pai executado?

4ª Turma do STJ: SIM.

A genitora que, ao tempo em que exercia a guarda judicial do filho, representou-o em ação de execução de débitos alimentares possui legitimidade para prosseguir no processo executivo

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com intuito de ser ressarcida, ainda que, no curso da cobrança judicial, a guarda tenha sido transferida ao genitor (executado).

STJ. 4ª Turma. REsp 1.410.815-SC, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 9/8/2016 (Info 590).

3ª Turma do STJ: NÃO.

A genitora do alimentando não pode prosseguir na execução de alimentos, em nome próprio, a fim de perceber os valores referentes aos débitos alimentares vencidos, após a transferência da titularidade da guarda do menor ao executado.

Não se pode falar em sub-rogação no caso, considerando que o direito aos alimentos possui caráter personalíssimo.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.771.258-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 06/08/2019 (Info 654).

Imagine a seguinte situação hipotética: João e Maria foram casados e são pais de Lucas. Depois que se separaram, iniciou-se uma disputa pela guarda do filho. Enquanto não se definia a questão, a guarda foi provisoriamente deferida para Maria. O juiz determinou que João pagasse pensão alimentícia em favor do filho. O pai ficou devendo 4 meses de pensão (abril a julho/2015). Em razão disso, Lucas, representado por Maria, ajuizou execução de alimentos cobrando a quantia. Em agosto de 2015, João voltou a pagar regularmente todos os meses a pensão. A execução continuava tramitando normalmente, mas aí, em novembro de 2015, houve uma reviravolta: no processo da guarda, o juiz, na sentença, determinou que Lucas deveria ficar com o pai. Com isso, foi revogada a decisão interlocutória anterior que havia deferido liminarmente a guarda da criança para Maria. Diante da sentença proferida, João peticionou no processo de execução afirmando que não deveria mais pagar os 4 meses atrasados porque, ao final, a guarda do filho ficou com ele. Argumentou que a transferência da guarda do menor para ele (genitor) acarretou a ilegitimidade da mãe para a execução e a perda superveniente do interesse de agir, considerando que se ele pagasse o valor dos 4 meses, estes reverteriam em favor da criança e esta já está sob a sua guarda. Logo, como ele é quem administra o dinheiro do filho menor, eventual pagamento seria dado para ele mesmo. A mãe contra argumentou afirmando que a criança estava sob a sua guarda quando surgiram os débitos e que ela teve que arcar sozinha com o sustento do seu filho no período em que era a guardiã, razão pela qual persiste o interesse de reaver o dinheiro despendido. O tema jurídico, portanto, é o seguinte: A genitora do menor alimentando pode prosseguir, em nome próprio, com a execução de alimentos, a fim de receber os valores referentes aos débitos alimentares vencidos, mesmo após a transferência da titularidade da guarda da criança para o pai executado? O STJ está dividido sobre o tema:

A mãe tem legitimidade para prosseguir na execução de pensão alimentícia proposta à época em que era guardiã do filho menor, ainda que depois disso a guarda tenha sido transferida ao pai executado?

4ª Turma do STJ: SIM 3ª Turma do STJ: NÃO

A genitora que, ao tempo em que exercia a guarda judicial do filho, representou-o em ação de execução de débitos alimentares possui legitimidade para prosseguir no processo executivo com intuito de ser ressarcida, ainda que, no curso da cobrança judicial, a guarda tenha sido transferida ao genitor (executado).

A genitora do alimentando não pode prosseguir na execução de alimentos, em nome próprio, a fim de perceber os valores referentes aos débitos alimentares vencidos, após a transferência da titularidade da guarda do menor ao executado.

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Informativo 654-STJ (13/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 8

STJ. 4ª Turma. REsp 1.410.815-SC, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 9/8/2016 (Info 590).

Não se pode falar em sub-rogação no caso, considerando que o direito aos alimentos possui caráter personalíssimo. STJ. 3ª Turma. REsp 1.771.258-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 06/08/2019 (Info 654).

Principais argumentos da 4ª Turma do STJ (pode prosseguir) Realmente, a partir do momento em que houve a alteração da guarda para o pai, cessou a obrigação do genitor de pagar a pensão alimentícia. No entanto, tal fato não o exime da dívida alimentar pretérita, contraída nos meses em que a guarda da criança estava com a mãe. O pai, mesmo estando atualmente com o filho, continua obrigado a pagar os meses de pensão alimentícia atrasados nos quais a guarda da criança estava com a mãe. Isso porque, neste período, enquanto não recebia o dinheiro da pensão, ela teve que assumir os gastos com a criação e sustento do filho e tais despesas devem ser ressarcidas. Assim, o débito alimentar no período em que Lucas estava sob a guarda materna permanece inalterado e a genitora tem legitimidade para continuar executando tal quantia. Maria Berenice Dias já se debruçou sobre este tema e ensina:

“Para evitar prejuízo enorme, como o genitor que detém a guarda é quem acaba sozinho provendo ao sustento da prole, indispensável reconhecer a ocorrência de sub-rogação. Ou seja, resta ele como titular do crédito vencido e não pago enquanto o filho era menor, ainda que relativamente capaz. Se ele está sob sua guarda, como o dever de lhe prover o sustento é de ambos os genitores, quando tal encargo é desempenhado somente por um deles, pode reembolsar-se com relação ao omisso. (...) O mesmo ocorre quando o filho passa para a guarda do outro genitor. Se existe um crédito alimentar, quem arcou sozinho com o sustento do filho pode reembolsar-se do que despendeu. Dispõe ele de legitimidade para cobrar os alimentos. Age em nome próprio, como credor sub-rogado.” (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 9ª ed. São Paulo: RT, 2013. p. 582.)

Vale ressaltar que agora constará na execução a mãe como sendo a exequente. Isso porque a 4ª Turma do STJ entendeu que há, neste caso, sub-rogação. A mãe, como arcou com a dívida que era do pai da criança, sub-rogou-se no direito de cobrar o pai como se fosse o filho. O CPC/2015 permite que o sub-rogado que não receber o crédito do devedor possa prosseguir na execução já iniciada pelo credor originário. Veja:

Art. 857 (...) § 2º A sub-rogação não impede o sub-rogado, se não receber o crédito do executado, de prosseguir na execução, nos mesmos autos, penhorando outros bens.

Por fim, deve-se ressaltar que, no processo de execução, a mãe não poderá pedir a prisão civil do devedor. A 4ª Turma do STJ entendeu que, como houve a alteração da guarda e a execução atualmente está correndo no interesse da mãe, não é mais possível pedir a prisão civil do devedor, razão pela qual o prosseguimento do feito deve seguir o rito previsto no art. 913 do CPC/2015. Principais argumentos da 3ª Turma do STJ (não pode prosseguir) Não há como conferir legitimidade à genitora para, em nome próprio, por sub-rogação, prosseguir com a execução de alimentos, visando ser ressarcida pelos débitos alimentares referentes ao período em que detinha a guarda do menor. Se fosse permitida essa sub-rogação, isso iria: • conflitar com a natureza jurídica do direito aos alimentos, que tem caráter personalíssimo;

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Informativo 654-STJ (13/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9

• afrontar a finalidade precípua dos alimentos, que têm por objetivo conferir àquele que os recebe a própria subsistência, como corolário do princípio da dignidade humana. Em conformidade com o direito civil constitucional — que preconiza uma releitura dos institutos reguladores das relações jurídicas privadas, a serem interpretados segundo a Constituição Federal, com esteio, basicamente, nos princípios da proteção da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e da isonomia material —, o direito aos alimentos deve ser concebido como um direito da personalidade do indivíduo. Trata-se, pois, de direito subjetivo inerente à condição de pessoa humana, imprescindível ao seu desenvolvimento, à sua integridade física, psíquica e intelectual e, mesmo, à sua subsistência. Os alimentos, concebidos como direito da personalidade, integram o patrimônio moral do alimentando, e não o seu patrimônio econômico, ainda que possam ser apreciáveis economicamente. Por se tratar de um direito da personalidade, o direito aos alimentos assume nítido viés personalíssimo, pois se destina a assegurar a subsistência da pessoa do alimentando, unicamente, em todos os seus aspectos (integridade física, psíquica e intelectual), como corolário dos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade que deve permear as relações familiares, a partir das específicas particularidades da pessoa do credor de alimentos e do alimentante. Como esse direito apresenta esse viés personalíssimo e se destina a assegurar a existência do alimentando (e de ninguém mais), não se pode admitir que ele possa ser transmitido a terceiros, seja por negócio jurídico, seja por qualquer outro fato jurídico. Isso é previsto no art. 1.707 do Código Civil:

Art. 1.707. Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.

Nessa linha de entendimento, é de se concluir que, uma vez extinta a obrigação alimentar pela exoneração do alimentante, como no caso concreto, a genitora não possui legitimidade para prosseguir na execução de alimentos (vencidos), em nome próprio, pois não há que se falar em sub-rogação, diante do caráter personalíssimo do direito discutido. Para a 3ª Turma, se a mãe entende que foi prejudicada e que o pai se beneficiou com a extinção da obrigação alimentar, ela deverá propor uma nova demanda (uma ação de enriquecimento sem causa), em nome próprio, contra o pai da criança, pedindo o ressarcimento pelos gastos despendidos no cuidado do alimentando que eram da obrigação do alimentante. Essa garantia de reembolso daquele que arca sozinho com as despesas do alimentando tem previsão no art. 871 do Código Civil:

Art. 871. Quando alguém, na ausência do indivíduo obrigado a alimentos, por ele os prestar a quem se devem, poder-lhes-á reaver do devedor a importância, ainda que este não ratifique o ato.

Dessa maneira, para o propósito perseguido, isto é, de evitar que o alimentante, a despeito de inadimplente, se beneficie com a extinção da obrigação alimentar, o que poderia acarretar enriquecimento sem causa, a genitora poderá, por meio de ação própria, obter o ressarcimento dos gastos despendidos no cuidado do alimentando, durante o período de inadimplência do obrigado, nos termos do que preconiza o art. 871 do Código Civil.

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TESTAMENTO O indivíduo que recebeu um imóvel gravado com cláusula de inalienabilidade pode transferir esse imóvel por meio de testamento, considerando que a cláusula de inalienabilidade vitalícia

dura apenas enquanto o beneficiário estiver vivo

As cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade não tornam nulo o testamento, que dispõe sobre transmissão causa mortis do bem gravado.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.641.549-RJ, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 13/08/2019 (Info 654).

Cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade As cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade são restrições voluntárias ao direito de propriedade. Podem ser estipuladas de duas formas: a) por ato de liberalidade inter vivos (doação); b) por ato relacionado com a morte – causa mortis (testamento). Cláusula de inalienabilidade É uma restrição imposta ao beneficiário, de forma que ele fica impedido de dispor da coisa, não podendo transferi-lo a terceiros, seja a título gratuito ou oneroso. Essa restrição pode ser imposta por tempo determinado (ex: 5 anos) ou de forma vitalícia. Cláusula de impenhorabilidade Consiste na proibição de constrição judicial do bem gravado para pagamento de débitos do herdeiro/beneficiário. Cláusula de incomunicabilidade Proíbe que o bem seja transferido para a fração ideal do cônjuge (companheiro) em caso de casamento ou união estável. Em outras palavras, se uma pessoa possui um imóvel com cláusula de incomunicabilidade, mesmo que se case com regime de comunhão de bens, esse imóvel não participará da comunhão dos bens do casal. Imagine agora a seguinte situação hipotética: Em 2005, João, por meio de testamento, deixou para Henrique, um de seus filhos, dois imóveis (dois galpões) gravados com as cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade. Em 2015, Henrique fez um testamento e nele constou que, quando morresse, esses galpões deveriam ser transmitidos para Carla, uma amiga do testador. Em 2017, Henrique morreu. A esposa e os filhos de Henrique questionaram o testamento, afirmando que ele seria nulo porque transmitiu para uma estranha os bens imóveis que estavam gravados com as cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade. Segundo alegaram, o objetivo de João, ao deixar os imóveis para Henrique, foi o de garantir o patrimônio não só do seu filho, mas também dos seus netos. Por isso, ele gravou os imóveis com essas cláusulas. A tese dos herdeiros de Henrique foi acolhida pelo STJ? É nulo o testamento que dispôs sobre bens gravados com cláusula de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade? NÃO. Vamos relembrar em que consiste a cláusula de inalienabilidade A cláusula de inalienabilidade “consiste na proibição de alienar o bem clausulado. Assim é que o proprietário fica impedido de praticar qualquer ato de disposição pelo qual o bem passe a pertencer a outrem. Em síntese, não pode transferi-lo voluntariamente, ou seja, por sua livre e espontânea vontade.

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Portanto, o proprietário não pode vendê-lo, permutá-lo ou doá-lo.” (MALUF, Carlos Alberto Dabus. Cláusulas de Inalienabilidade, Incomunicabilidade e Impenhorabilidade. 4ª ed., São Paulo: RT, 4ª ed. 2006, p. 49). A cláusula de inalienabilidade pode ser “para sempre”? NÃO. Por força do princípio da livre circulação dos bens, não é possível a inalienabilidade perpétua. A cláusula de inalienabilidade até pode ser vitalícia, mas não pode ser perpétua (para sempre). Assim, se a cláusula de inalienabilidade não tiver um prazo específico, ela será considerada vitalícia. Isso significa que ela terá vigência durante toda a vida do beneficiário. Depois que ele morrer, o bem volta a ficar livre e desembaraçado, sem nenhuma restrição. Logo, a cláusula de inalienabilidade incidente em relação ao imóvel deixado para Henrique é vitalícia e, portanto, tem vigência durante toda a vida do beneficiário (Henrique). Depois que ele falecer, a cláusula deixa de existir. O STJ já decidiu nesse mesmo sentido:

A cláusula de incomunicabilidade imposta a um bem transferido por doação ou testamento só produz efeitos enquanto viver o beneficiário, sendo que, após a morte deste, o cônjuge sobrevivente poderá se habilitar como herdeiro do referido bem, observada a ordem de vocação hereditária. STJ. 4ª Turma. REsp 1.552.553-RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 24/11/2015 (Info 576).

Desse modo, com o falecimento do beneficiário, acaba a eficácia da cláusula de incomunicabilidade. Ela deixa de produzir efeitos. O STJ afirma que “a cláusula de incomunicabilidade imposta a um bem não se relaciona com a vocação hereditária”. Em outras palavras, o que se quer dizer é que a cláusula de incomunicabilidade não interfere nas regras do Código Civil sobre a sucessão causa mortis. Assim, se o indivíduo recebeu, por doação ou testamento, algum bem imóvel com cláusula de incomunicabilidade, quando este morrer, o seu herdeiro ou o legatário irá receber normalmente o bem. Testamento só passa a produzir efeitos com a morte do testador O testamento é um negócio jurídico que somente produz efeito após a morte do testador, quando, de fato, ocorre a transferência do bem. Assim, a mera elaboração do testamento não acarreta nenhum ato de alienação da propriedade em vida. Isso evidencia apenas e tão somente a declaração de vontade do testador, revogável a qualquer tempo. Logo, quando Henrique fez o testamento, os imóveis ainda estavam com cláusula de inalienabilidade. Ocorre que, nesse momento, não houve transferência dos bens. Estes somente foram transferidos para o patrimônio da beneficiária quando o testador morreu. Em suma:

As cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade não tornam nulo o testamento, que dispõe sobre transmissão causa mortis do bem gravado. STJ. 4ª Turma. REsp 1.641.549-RJ, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 13/08/2019 (Info 654).

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DIREITO DO CONSUMIDOR

PLANO DE SAÚDE Ainda que a iniciativa pelo descredenciamento tenha partido da clínica médica, o plano de

saúde tem o dever de comunicar esse fato aos consumidores e à ANS com 30 dias de antecedência e o dever de substituir a entidade conveniada por outra equivalente

A operadora de plano de saúde só poderá validamente alterar a lista de conveniados, ou seja, só poderá fazer o descredenciamento de estabelecimentos hospitalares, clínicas médicas, laboratórios, médicos e outros serviços, se cumprir dois requisitos legais previstos no art. 17 da Lei nº 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde):

a) deverá substituir a entidade conveniada que saiu por outra equivalente, de forma a manter a qualidade dos serviços contratados inicialmente; e

b) deverá comunicar os consumidores e à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) com 30 dias de antecedência.

Esses dois deveres existem mesmo que a iniciativa pelo descredenciamento tenha partido de clínica médica.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.561.445-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/08/2019 (Info 654).

Imagine a seguinte situação hipotética: João, cliente da Unimed, estava fazendo tratamento quimioterápico para combater um câncer. O tratamento estava sendo realizado na Clínica Oncológica de Campinas, entidade credenciada pela Unimed, que custeava todo o procedimento. Ocorre que, no meio do tratamento, quando ainda restavam 5 sessões de quimioterapia, João descobriu, ao chegar no hospital, que a Clínica Oncológica de Campinas “não estava mais na Unimed”, ou seja, que ela havia sido descredenciada e, em razão disso, ele não mais poderia continuar o tratamento naquela entidade, salvo se pagasse. Vale ressaltar que o paciente não foi previamente informado sobre o descredenciamento e só descobriu esse fato no dia em que seria realizada a nova sessão de quimioterapia. Diante disso, João ajuizou ação de obrigação de fazer contra a Unimed pedindo que ela fosse condenada a continuar custeando o tratamento quimioterápico na Clínica Oncológica de Campinas. O pedido do autor foi baseado no art. 17, caput e § 1º, da Lei nº 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde), que prevê que o plano de saúde se compromete a manter o hospital credenciado ao longo do contrato, permitindo a substituição por outro prestador equivalente, desde que haja comunicação aos consumidores com 30 dias de antecedência:

Art. 17. A inclusão de qualquer prestador de serviço de saúde como contratado, referenciado ou credenciado dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei implica compromisso com os consumidores quanto à sua manutenção ao longo da vigência dos contratos, permitindo-se sua substituição, desde que seja por outro prestador equivalente e mediante comunicação aos consumidores com 30 (trinta) dias de antecedência. § 1º É facultada a substituição de entidade hospitalar, a que se refere o caput deste artigo, desde que por outro equivalente e mediante comunicação aos consumidores e à ANS com trinta dias de antecedência, ressalvados desse prazo mínimo os casos decorrentes de rescisão por fraude ou infração das normas sanitárias e fiscais em vigor. (...)

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Contestação A Unimed contestou a demanda alegando que esse art. 17 acima transcrito não pode ser aplicado no caso concreto porque foi a Clínica Oncológica de Campinas que rescindiu o contrato e pediu o descredenciamento. Logo, não foi o plano de saúde quem optou por substituir a entidade hospitalar, tendo sido uma decisão dela, motivo pelo qual não se aplicaria o art. 17 da Lei nº 9.656/98. Quem tem razão: o plano de saúde ou o consumidor? O consumidor. Vamos entender com calma. Incidência da Lei nº 9.656/98 e do CDC Os planos de saúde são regidos pela Lei nº 9.656/98. No entanto, incidem também as regras do Código de Defesa do Consumidor, conforme entendimento sumulado do STJ:

Súmula 608-STJ: Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.

Logo, a solução para esse caso deve abranger não apenas a análise da Lei nº 9.656/98, mas também do CDC. Assim, ambos os instrumentos normativos incidem conjuntamente, sobretudo porque esses contratos, de longa duração, lidam com bens sensíveis, como a manutenção da vida, ou seja, visam ajudar o usuário a suportar riscos futuros envolvendo a sua higidez física e mental, assegurando o devido tratamento médico. O art. 17 fala em “entidade hospitalar” e, no caso concreto, o descredenciamento foi de uma “clínica”. Mesmo assim, deve ser aplicado esse art. 17? SIM. O art. 17 da Lei nº 9.656/98 autoriza que o plano de saúde substitua qualquer entidade hospitalar credenciada, desde que o faça por outro equivalente e comunique, com 30 dias de antecedência, aos consumidores e à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A despeito de o art. 17 falar apenas em “entidade hospitalar”, esse termo, à luz dos princípios consumeristas, deve ser entendido como gênero, englobando também clínicas médicas, laboratórios, médicos e demais serviços conveniados. Assim, o usuário de plano de saúde tem o direito de ser informado acerca da modificação da rede conveniada, ou seja, do rol de credenciados, pois somente com a transparência poderá buscar o atendimento e o tratamento que melhor lhe satisfaz, segundo as possibilidades oferecidas. Nesse sentido:

(...) O termo 'entidade hospitalar' inscrito no art. 17, § 1º, da Lei nº 9.656/1998, à luz dos princípios consumeristas, deve ser entendido como gênero, a englobar também clínicas médicas, laboratórios, médicos e demais serviços conveniados. De fato, o usuário de plano de saúde tem o direito de ser informado acerca da modificação da rede conveniada (rol de credenciados), pois somente com a transparência poderá buscar o atendimento e o tratamento que melhor lhe satisfaz, segundo as possibilidades oferecidas. STJ. 3ª Turma. REsp 1.349.385/PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 16/12/2014.

Requisitos para que o plano de saúde possa alterar a lista de entidades conveniadas A operadora de plano de saúde só poderá validamente alterar a lista de conveniados, ou seja, só poderá fazer o descredenciamento de estabelecimentos hospitalares, clínicas médicas, laboratórios, médicos e outros serviços, se cumprir dois requisitos legais: a) deverá substituir a entidade conveniada que saiu por outra equivalente, de forma a manter a qualidade dos serviços contratados inicialmente; e b) deverá comunicar os consumidores e à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) com 30 dias de antecedência.

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Como deve ser essa comunicação? A rede conveniada constitui informação primordial na relação do associado frente à operadora do plano de saúde, mostrando-se determinante na decisão quanto à contratação e futura manutenção do vínculo contratual. Desse modo, tendo em vista a importância que a rede conveniada assume para a continuidade do contrato, a operadora somente cumprirá o dever de informação se comunicar individualmente cada associado sobre o descredenciamento de médicos e hospitais. STJ. 3ª Turma. REsp 1144840/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/03/2012. O plano de saúde é obrigado a comunicar o consumidor sobre o descredenciamento mesmo que a iniciativa tenha sido da própria entidade hospitalar? Aplica-se o art. 17 mesmo que tenha sido a entidade hospitalar quem tenha rescindido o contrato? SIM. Como o relacionamento do plano de saúde com seu cliente é uma relação de consumo, o plano de saúde responde solidariamente pela conduta da clínica que decide deixar a relação de credenciados. Assim, o plano de saúde não pode se isentar de responsabilidade pelo simples fato de a decisão de sair ter sido da entidade hospitalar. Como o plano de saúde é sabedor das suas obrigações legais perante os consumidores, ele deve se organizar para cumprir suas responsabilidades. Desse modo, os planos de saúde devem, conforme sua disponibilidade operacional, fazer contratos com as entidades credenciadas que permitam o cumprimento de suas obrigações legais, dentre elas o art. 17. Portanto, ainda que a iniciativa pelo descredenciamento tenha partido da clínica médica, espécie do gênero entidade hospitalar, subsiste a obrigação de a operadora de plano de saúde promover a comunicação desse evento aos consumidores e à ANS com 30 dias de antecedência, consoante o disposto no § 1º do art. 17 da Lei nº 9.656/98, bem como de substituir a entidade conveniada por outra equivalente, de forma a manter a qualidade dos serviços contratados inicialmente. O descumprimento desse dever de comunicação por parte do plano de saúde pode gerar indenização por danos morais? SIM. O descumprimento do dever de informação (descredenciamento da clínica médica de oncologia sem prévia comunicação) somado à situação traumática e aflitiva suportada pelo consumidor (interrupção repentina do tratamento quimioterápico com reflexos no estado de saúde), capaz de comprometer a sua integridade psíquica, ultrapassa o mero dissabor, sendo evidente o dano moral, que deverá ser compensado pela operadora de plano de saúde. STJ. 3ª Turma. REsp 1.349.385/PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 16/12/2014. Em suma:

Ainda que a iniciativa pelo descredenciamento tenha partido de clínica médica, subsiste a obrigação de a operadora de plano de saúde promover a comunicação desse evento aos consumidores e à ANS com 30 (trinta) dias de antecedência bem como de substituir a entidade conveniada por outra equivalente, de forma a manter a qualidade dos serviços contratados inicialmente. STJ. 1ª Turma. REsp 1.561.445-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/08/2019 (Info 654).

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INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA Termo inicial dos juros de mora incidentes sobre a restituição das parcelas pagas em caso de resolução judicial do contrato por iniciativa do promitente comprador de forma diversa da

cláusula penal convencionada

Nos compromissos de compra e venda de unidades imobiliárias anteriores à Lei nº 13.786/2018, em que é pleiteada a resolução do contrato por iniciativa do promitente comprador de forma diversa da cláusula penal convencionada, os juros de mora incidem a partir do trânsito em julgado da decisão.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.740.911-DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. Acd. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 14/08/2019 (recurso repetitivo – Tema 1002) (Info 654).

Obs: nos contratos celebrados a partir da Lei nº 13.786/2018 (28/12/2018), os juros de mora incidem a partir da citação válida, nos termos dos arts. 397 e 405 do Código Civil.

Imagine a seguinte situação hipotética: Em 2014, ou seja, antes da Lei nº 13.786/2018, João celebrou contrato de promessa de compra e venda de um apartamento com a construtora MRT Engenharia. O promitente-comprador se comprometeu a pagar o imóvel em 60 prestações. Quando estava na 20ª parcela, João foi demitido e, portanto, passou a não mais ter condições de pagar as parcelas. O pacto celebrado possuía uma cláusula penal prevendo que, em caso de resolução do contrato por iniciativa do promitente comprador, a construtora poderia reter 80% das prestações pagas, devolvendo ao consumidor 20% do valor pago, de forma parcelada em 12 vezes. João não concordou com isso e ajuizou ação contra a MRT pleiteando a extinção da promessa de compra e venda do imóvel alegando que não tem mais condições financeiras para prosseguir com o pagamento das parcelas avençadas. Pediu também: • o reconhecimento da abusividade da cláusula penal prevista no ajuste; • a retenção pela construtora de apenas 20% das prestações pagas; • a devolução de 80% do valor pago, de uma única vez, acrescido de juros e correção monetária. Os pedidos de João estão de acordo com a jurisprudência do STJ (anterior à Lei nº 13.786/2018)? SIM.

Súmula 543-STJ: Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.

É abusiva a cláusula de distrato, fixada no contrato de promessa de compra e venda imobiliária, que estabeleça a possibilidade de a construtora vendedora promover a retenção integral ou a devolução ínfima do valor das parcelas adimplidas pelo consumidor distratante. Vale ressaltar, no entanto, que a jurisprudência entende que é justo e razoável que o vendedor retenha parte das prestações pagas pelo consumidor como forma de indenizá-lo pelos prejuízos suportados, notadamente as despesas administrativas realizadas com a divulgação, comercialização e corretagem, além do pagamento de tributos e taxas incidentes sobre o imóvel, e a eventual utilização do bem pelo comprador. A jurisprudência normalmente considera razoável a retenção, pelo promitente vendedor, de um percentual que varia de 10% a 20% dos valores já pagos, devendo o restante ser devolvido ao promitente comprador. STJ. 4ª Turma. REsp 1.132.943-PE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/8/2013 (Info 530).

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Os valores que a construtora terá que devolver, por força da decisão judicial, devem ser acrescidos de juros de mora? Se sim, qual é o termo inicial? Antes de responder a esta pergunta, é importante que relembremos em que consistem os juros de mora. Os juros moratórios são pagos pelo devedor como forma de indenizar o credor quando ocorre um atraso no cumprimento da obrigação. É como se fosse uma sanção (punição) pela mora (inadimplemento culposo) na devolução do capital. O que é estar em “mora”? Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer (art. 394 do Código Civil). Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora (art. 396). Construtora não estava em mora na execução do contrato Nas hipóteses em que a iniciativa da rescisão do contrato parte do consumidor, sem culpa do fornecedor, o STJ entendia que não havia, até este momento, mora da construtora/incorporadora, considerando que ela vinha cumprindo regularmente o contrato. Sentença que determina a restituição em percentual maior cria a obrigação O contrato previa um percentual de restituição de apenas 20%. A sentença ampliou esse percentual para 80%. Diante disso, o STJ considera que a sentença que substitui cláusula contratual, sob esse aspecto, tem natureza constitutiva, com efeitos ex nunc, isto é, a partir da formação da nova obrigação pelo título judicial. A parte condenatória da sentença - restituição dos valores pagos após a revisão da cláusula penal - somente poderá ser liquidada após a modificação, pela decisão judicial, da cláusula questionada. Termo inicial: trânsito em julgado Com base nas considerações acima, conclui-se que os juros de mora relativos à restituição das parcelas pagas devem incidir a partir da data do trânsito em julgado da decisão que a determinou. Isso porque antes disso não havia mora por parte da promitente vendedora. Não há que se falar em mora da vendedora se a rescisão do contrato se deu por culpa do comprador com pedido de restituição de valores em desconformidade do que fora pactuado. Desse modo, somente a partir do trânsito em julgado da decisão é que podem incidir os juros de mora. E a correção monetária? A correção monetária das parcelas pagas, para efeitos de restituição, incide a partir de cada desembolso (STJ. 4ª Turma. REsp 1305780/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 17/4/2013). Em outras palavras, os índices de correção monetária deverão incidir a partir de cada parcela paga. Termo inicial dos juros de mora O tema jurídico discutido neste recurso repetitivo, no entanto, foi outro. Os valores que a construtora irá restituir ao promitente comprador que desistiu do negócio deverão ser acrescidos de juros de mora. Lei nº 13786/2018 Em 28/12/2018, entrou em vigor a Lei nº 13.786/2018, que dispõe sobre a resolução do contrato por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária. A Lei nº 13.786/2018 acrescentou o art. 67-A na Lei nº 4.591/64 prevendo as consequências jurídicas para o caso de resolução do contrato por inadimplemento do adquirente. Com essa lei foi previsto um percentual máximo das parcelas pagas que a incorporadora poderá reter a título de pena convencional:

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Art. 67-A. Em caso de desfazimento do contrato celebrado exclusivamente com o incorporador, mediante distrato ou resolução por inadimplemento absoluto de obrigação do adquirente, este fará jus à restituição das quantias que houver pago diretamente ao incorporador, atualizadas com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, delas deduzidas, cumulativamente: I - a integralidade da comissão de corretagem; II - a pena convencional, que não poderá exceder a 25% (vinte e cinco por cento) da quantia paga.

Assim, para os contratos celebrados (assinados) após a Lei nº 13.786/2018 não se aplica o entendimento do STJ acima exposto. Isso porque, com a Lei nº 13.786/2018, passou a existir no ordenamento jurídico regras para o percentual de restituição dos valores pagos. Logo, a sentença que determina a restituição, para contratos celebrados após a Lei nº 13.786/2018, não é uma sentença constitutiva, mas sim declaratória de nulidade de cláusula contratual e condenatória ao pagamento de valor. Diferenciando: • contratos celebrados até 27/12/2018: em caso de ser pleiteada a resolução do contrato por iniciativa do promitente comprador de forma diversa da cláusula penal convencionada, os juros de mora incidem a partir do trânsito em julgado da decisão; • contratos celebrados a partir de 28/12/2018: em caso de ser pleiteada a resolução do contrato por iniciativa do promitente comprador de forma diversa da cláusula penal convencionada, os juros de mora incidem a partir da citação válida, nos termos dos arts. 397 e 405 do Código Civil. Em suma:

Nos compromissos de compra e venda de unidades imobiliárias anteriores à Lei nº 13.786/2018, em que é pleiteada a resolução do contrato por iniciativa do promitente comprador de forma diversa da cláusula penal convencionada, os juros de mora incidem a partir do trânsito em julgado da decisão. STJ. 2ª Seção. REsp 1.740.911-DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. Acd. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 14/08/2019 (recurso repetitivo – Tema 1002) (Info 654).

DIREITO EMPRESARIAL

MARCA Mesmo que exista autorização para que um nome civil seja registrado como marca, para que

esse nome seja registrado como nova marca não abrangida pela primeira, será necessária nova autorização do titular

Cada novo registro de signo distintivo como marca, ainda que de mesma titularidade, deve atender todos os requisitos de registrabilidade, inclusive quanto à autorização do titular do nome civil eventualmente utilizado.

Caso concreto: Hospital Albert Einstein, mesmo tendo autorização para utilizar o nome civil “Albert Einstein” no hospital, só pode registrar uma nova marca denominada “Unidade Diagnóstica Einstein Jardins” se tiver nova autorização específica do detentor dos direitos autorais e de imagem do falecido físico alemão.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.715.806-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 20/08/2019 (Info 654).

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A situação concreta, com algumas adaptações, foi a seguinte: O “Hospital Albert Einstein” (Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein) é um hospital brasileiro, localizado na cidade de São Paulo (SP), sendo considerado um dos melhores da América latina. Esse hospital foi fundado pela comunidade judaica em 4 de junho de 1955. A autorização para que o nome do hospital fosse Albert Einstein foi dada pelo filho do físico, tendo em vista que o cientista havia morrido cerca de um mês antes. Em 2007, o Hospital Albert Einstein registrou, no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), a marca “Unidade Diagnóstica Einstein Jardins”. Ocorre que esse registro foi impugnado administrativamente pela “The Hebrew University of Jerusalem”. A “The Hebrew University of Jerusalem” é uma universidade localizada em Israel, sendo ela a detentora dos direitos autorais e de imagem de Albert Einstein. A Universidade hebraica impugnou o registro da marca “Unidade Diagnóstica Einstein Jardins” sob o argumento de que não havia autorizado a utilização do nome “Einstein” nesta nova marca. Para a Universidade, não houve autorização específica para esta nova marca, uma vez que o consentimento do filho do físico para a fundação do hospital, mesmo que válido, não seria extensível para novas utilizações. O hospital argumentou que se trata da mesma titularidade e que, portanto, a autorização original já abrangeria essa nova marca (“Unidade Diagnóstica Einstein Jardins”). Essa discussão chegou até o STJ. Qual das duas teses foi acolhida pelo STJ: a do Hospital ou da Universidade? Da Universidade. O registro da marca “Unidade Diagnóstica Einstein Jardins” foi anulado no INPI. Vejamos alguns aspectos jurídicos desse interessante caso. Registro de nome civil como marca O nome civil (ex: Einstein) é intimamente ligado à identidade da pessoa no meio social, sendo protegido pelos arts. 16 e seguintes do Código Civil. Trata-se de uma espécie de direito de personalidade, razão pela qual é absoluto, obrigatório, indisponível, exclusivo, imprescritível, inalienável, incessível, inexpropriável, irrenunciável e intransmissível. O nome civil não pode mesmo ser cedido, transferido ou comercializado, uma vez que não é viável separar o nome da pessoa que ele designa. Apesar disso, o nome civil pode ser objeto de transação e disposição parcial, tal como se dá na citação em publicações ou representações, bem como na extração de cunho econômico da utilização da imagem associada ao nome. Em razão disso, é possível o registro do nome como marca, nos termos do art. 124, XV, da Lei nº 9.279/96:

Art. 124. Não são registráveis como marca: (...) XV - nome civil ou sua assinatura, nome de família ou patronímico e imagem de terceiros, salvo com consentimento do titular, herdeiros ou sucessores;

Ampliação da autorização dada pelo filho do físico ultrapassa os limites de proteção do nome civil O filho de Albert Einstein conferiu a autorização para a utilização deste nome civil na fundação de um hospital. Não houve, por outro lado, qualquer autorização para a marca “Unidade Diagnóstica Einstein Jardins”. Assim, a nova marca que o Hospital pretende registrar desborda dos limites da proteção do nome civil, atingindo o núcleo intangível do direito ao nome e à imagem vinculados à pessoa natural. O direito brasileiro não admite a cessão de uso de nome civil de forma ampla. Essa cessão deverá sempre estar adstrita à finalidade definida no ato do consentimento. Não se pode pressupor que, àquela época, décadas atrás, o filho do cientista já teria autorizado essa nova utilização do nome civil do físico.

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A cada marca registrada, os requisitos devem ser analisados e preenchidos Para o STJ, toda vez que uma nova marca for submetida a registro, será necessário analisar se estão preenchidos os requisitos de registrabilidade. Neste caso, ao se registrar essa nova marca, percebe-se que não está preenchido um dos requisitos, qual seja, o consentimento dos herdeiros ou sucessores para a utilização do nome civil de Einstein em uma nova marca (art. 124, XV, parte final, a Lei nº 9.279/96. Em suma:

Cada novo registro de signo distintivo como marca, ainda que de mesma titularidade, deve atender todos os requisitos de registrabilidade, inclusive quanto à autorização do titular do nome civil eventualmente utilizado. STJ. 3ª Turma. REsp 1.715.806-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 20/08/2019 (Info 654).

Reputo importante ler os seguintes trechos da ementa oficial:

(...) 2. Conquanto o nome civil consista em direito de personalidade - absoluto, obrigatório, indisponível, exclusivo, imprescritível, inalienável, incessível, inexpropriável, irrenunciável e intransmissível -, a legislação nacional admite o destaque de parcela desse direito para fins de transação e disposição, tal qual se dá na sua registrabilidade enquanto marca, desde que autorizada de forma expressa e delimitada. 3. A autorização de uso de nome civil ou assinatura mantém latente, na esfera jurídica do titular do direito de personalidade, o direito de defesa contra utilização que desborde dos limites da autorização ou ofenda a imagem ou a honra do indivíduo representado. 4. Cada novo registro de signo distintivo como marca, ainda que de mesma titularidade, deve atender todos os requisitos de registrabilidade, inclusive quanto à autorização do titular do nome civil eventualmente utilizado. 5. No caso concreto, ainda que tenha havido o consentimento expresso para utilização do nome civil para a fundação da entidade recorrente, não há sequer a alegação de autorização de utilização do nome do cientista para a nova marca, objeto da anulação impugnada na presente demanda. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 1715806/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 20/08/2019.

RECUPERAÇÃO JUDICIAL Não é necessário que o contrato de compra e venda com reserva de domínio tenha sido

registrado no cartório para que ele fique excluído da recuperação judicial, conforme previsto no § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005

Os créditos concernentes a contrato de compra e venda com reserva de domínio não estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial da compradora, independentemente de registro da avença em cartório.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.725.609-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/08/2019 (Info 654).

Recuperação judicial A recuperação judicial consiste em um processo judicial, no qual será construído e executado um plano com o objetivo de recuperar a empresa que está em vias de efetivamente ir à falência. Logo, em vez de a empresa ir à falência (o que é nocivo para a economia, para os donos da empresa, para os funcionários etc.), tenta-se dar um novo fôlego para a sociedade empresária, renegociando as dívidas com os credores. Na antiga Lei de Falências, esse processo era chamado de “concordata” (DL 7.661/45). A Lei nº 11.101/2005 acabou com a “concordata” e criou um novo instituto, com finalidade semelhante, chamado de recuperação judicial.

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Assim, a recuperação judicial surgiu para substituir a antiga “concordata” e tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise do devedor, a fim de permitir que a atividade empresária se mantenha e, com isso, sejam preservados os empregos dos trabalhadores e os interesses dos credores. Créditos que estão sujeitos à recuperação judicial Na recuperação judicial, a empresa devedora, que está “sufocada” por dívidas, irá pagar os seus credores de uma forma mais “suave”, a fim de que consiga quitar todos os débitos e se manter funcionando. Assim, os credores da empresa em recuperação judicial são inscritos no “quadro geral de credores”, e cada um receberá seu crédito de acordo com o que for definido no plano de recuperação. Um dos temas importantes sobre esse assunto é saber quais créditos estão sujeitos à recuperação judicial, ou seja, quais credores irão ter que receber seus créditos conforme o plano de recuperação. Regra Em regra, estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido de recuperação judicial, ainda que não vencidos (art. 49, caput, da Lei nº 11.101/2005). Ex: a empresa tem que pagar uma dívida com um fornecedor daqui a 9 meses; se o pedido de recuperação foi feito hoje, esse crédito já será incluído nas regras da recuperação judicial, mesmo que ainda não tenha chegado a data do vencimento. Consequência dessa regra: Como vimos acima, tendo sido decretada a recuperação judicial, os credores irão receber conforme o plano. Como consequência disso, em regra, as ações e execuções que tramitam contra a empresa em recuperação são suspensas para poder não atrapalhar a execução do plano. Veja:

Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário. (...) § 4º Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial.

Esse prazo em que haverá a pausa momentânea das ações e execuções é chamado de stay period e tem por objetivo permitir que o devedor em crise consiga negociar, de forma conjunta com todos os credores (plano de recuperação) e, ao mesmo tempo, preservar o patrimônio do empreendimento, que ficará livre, por um determinado período de respiro, de eventuais constrições (ex: penhora) de bens necessários à continuidade da atividade empresarial. Com isso, minimiza-se o risco de haver uma falência. Exceções à regra: A regra acima exposta (caput do art. 49) possui exceções que estão elencadas nos §§ 3º e 4º. Dessa feita, nesses parágrafos estão previstos determinados créditos que NÃO se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial. Veja o § 3º, que interessa para explicar o julgado:

§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a

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coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º (chamado de “stay period”) desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

Contrato de compra e venda com reserva de domínio Assim, se a empresa em recuperação tinha um contrato de compra e venda com reserva de domínio, esse contrato enquadra-se na exceção do § 3º e, portanto, está fora dos efeitos da recuperação judicial. O que é mesmo o contrato de compra e venda com reserva de domínio? Trata-se do contrato de compra e venda no qual existe uma cláusula prevendo que o comprador ficará desde logo na posse direta do bem, mas que só irá adquirir realmente o domínio (só se tornará dono) depois de pagar integralmente o preço. O vendedor transmite desde logo a posse, comprometendo-se a transferir o domínio tão logo o comprador pague a integralidade do preço. Segundo o § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005 (acima transcrito), o vendedor (proprietário) do bem objeto do contrato de compra e venda com reserva de domínio não terá, em regra, que submeter seu crédito à recuperação judicial. Vejamos um exemplo para ficar melhor de entender: a empresa “X” tinha feito um contrato de compra e venda com reserva de domínio para adquirir uma máquina; como não tinha dinheiro para pagar à vista, está pagando essa máquina parceladamente; a empresa ficará usando a máquina (terá a posse direta), mas a máquina só será transferida para o seu nome depois que ela terminar de pagar. Imagine agora que esta empresa entrou com pedido de recuperação judicial. A indústria em nome de quem a máquina está registrada tem um crédito a receber da empresa (as parcelas que restam da venda). Esse crédito da indústria (proprietária da máquina) não está submetido aos efeitos do plano de credores. Em outras palavras, a empresa terá que continuar pagando as prestações da mesma forma que já estava ajustada no contrato e, se atrasar, a indústria poderá exigir o bem de volta. Nesse sentido:

(...) O credor titular da posição de proprietário fiduciário ou detentor de reserva de domínio de bens móveis ou imóveis não se sujeita aos efeitos da recuperação judicial (Lei 11.101/2005, art. 49, § 3º), ressalvados os casos em que os bens gravados por garantia de alienação fiduciária cumprem função essencial à atividade produtiva da sociedade recuperanda. STJ. 2ª Seção. AgInt no AgInt no AgInt no CC 149.561/MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/08/2018.

Segundo o art. 522 do Código Civil, a cláusula de reserva de domínio precisa ser registrada no domicílio do comprador para valer contra terceiros. A serventia competente para esse registro é o RTD (Registro de Títulos e Documentos). Diante disso, indaga-se: para que incida o § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005, também é necessário que o contrato de compra e venda com reserva de domínio tenha sido registrado no cartório? NÃO. O registro do contrato não é requisito constitutivo do negócio jurídico (não é requisito constitutivo do contrato de compra e venda com reserva de domínio). Isso porque o registro tem mera função declaratória, conferindo ao pacto eficácia contra terceiros, conforme dispõem os arts. 129, da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) e 522, parte final, do Código Civil. Por outro lado, o § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005, em nenhum momento exige que o contrato de compra e venda com reserva de domínio seja registrado no cartório para, só então, ter seu objeto preservado dos efeitos da recuperação judicial da devedora. Conforme já explicado, esse registro serve apenas e tão somente para fins de publicidade, ou seja, para que a reserva de domínio seja oponível a terceiros que, por alguma circunstância, possam ser prejudicados diretamente pela ausência de conhecimento da existência de tal cláusula. É o caso, por exemplo, daquela

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pessoa que venha a adquirir, do comprador, o bem cujo domínio encontra-se reservado a outrem (o que viria a caracterizar venda a non domino). No caso da recuperação judicial, contudo, não há necessidade desse registro para fins de aplicação do § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005. Em suma:

Os créditos concernentes a contrato de compra e venda com reserva de domínio não estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial da compradora, independentemente de registro da avença em cartório. STJ. 3ª Turma. REsp 1.725.609-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/08/2019 (Info 654).

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

AÇÃO RESCISÓRIA / SUSPENSÃO DE SEGURANÇA Não é cabível ação rescisória contra decisão do Presidente do Tribunal

proferida em suspensão de liminar

Importante!!!

Não é cabível ação rescisória contra decisão do Presidente do STJ proferida em Suspensão de Liminar e de Sentença, mesmo que transitada em julgado.

STJ. Corte Especial. AR 5.857-MA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 07/08/2019 (Info 654).

Suspensão de liminar O pedido de suspensão é - um instrumento processual (incidente processual) - por meio do qual as pessoas jurídicas de direito público ou o Ministério Público - requerem ao Presidente do Tribunal que for competente para o julgamento do recurso - que suspenda a execução de uma decisão, sentença ou acórdão proferidos, - sob o argumento de que esse provimento jurisdicional prolatado causa grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. Nomenclatura Comumente, esse instituto é chamado de pedido de “suspensão de segurança”. Isso porque ele foi previsto originalmente na lei apenas para suspender as decisões liminares ou sentenças proferidas em mandados de segurança. Ocorre que, com o tempo, foram editadas novas leis trazendo a possibilidade de suspensão para praticamente toda e qualquer decisão judicial prolatada contra a Fazenda Pública. Por essa razão, atualmente, além de “suspensão de segurança”, pode-se falar em “suspensão de liminar”, “suspensão de sentença”, “suspensão de acórdão” etc. Alguns julgados também falam em “pedido de contracautela”.

Previsão legal Há cinco diferentes dispositivos legais prevendo pedido de suspensão: • art. 12, § 1º da Lei nº 7.347/85 (suspensão de liminar em ACP); • art. 4º da Lei nº 8.437/92 (suspensão de liminar ou sentença em ação cautelar, em ação popular ou em ACP). É considerada pela doutrina como a previsão mais geral sobre o pedido de suspensão; • art. 1º da Lei nº 9.494/97 (suspensão de tutela antecipada concedida contra a Fazenda Pública);

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• art. 16 da Lei nº 9.507/97 (suspensão da execução de sentença concessiva de habeas data); • art. 15 da Lei nº 12.016/09 (suspensão de liminar e sentença no mandado de segurança). Veja as duas previsões mais “importantes” sobre o tema:

Lei nº 8.437/92: Art. 4º Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. § 1º Aplica-se o disposto neste artigo à sentença proferida em processo de ação cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública, enquanto não transitada em julgado. (...)

Lei nº 12.016/2009: Art. 15. Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição.

Possibilidade de formular pedido de suspensão e interpor recurso Contra uma decisão interlocutória proferida por um juiz, em 1ª instância, poderão ser interpostos, em tese, o agravo de instrumento e, concomitantemente, o pedido de suspensão. Isso porque o pedido de suspensão não é recurso. Logo, não há violação ao princípio da singularidade ou unirrecorribilidade. Além disso, os objetivos do agravo e do pedido de suspensão são diferentes. Vale ressaltar que essa possibilidade é prevista expressamente:

Lei nº 8.437/92 Art. 4º (...) § 6º A interposição do agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o Poder Público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo.

Lei nº 12.016/2009 Art. 15 (...) § 3º A interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o poder público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo.

Legitimidade Quem pode formular pedido de suspensão? a) União, Estados, Distrito Federal e Municípios; b) Autarquias e fundações; c) Ministério Público; d) Concessionárias de serviço público (desde que para tutelar o interesse público primário). Competência

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Decisão prolatada por juiz de 1ª instância:

A competência para apreciar o pedido de suspensão é do Presidente do Tribunal que teria competência para julgar o recurso contra a decisão. Ex: concedida liminar por juiz federal do AM, o pedido de suspensão será julgado pelo Presidente do TRF1. Ex2: concedida liminar por juiz de direito do AM, o pedido de suspensão será julgado pelo Presidente do TJAM.

Decisão prolatada por membro de TJ ou TRF:

O pedido de suspensão será decidido pelo: • Presidente do STF: se a matéria for constitucional. • Presidente do STJ: se a matéria for infraconstitucional. Ex: concedida liminar pelo Desembargador do TJ/AM, o pedido de suspensão será dirigido ao Presidente do STF ou do STJ, e não ao Presidente do TJ/AM (art. 25 da Lei nº 8.038/90).

Decisão prolatada por membro de Tribunal Superior:

Se a causa tiver fundamento constitucional, é possível o ajuizamento de pedido de suspensão dirigido ao Presidente do STF. Se a causa não tiver fundamento constitucional, não há possibilidade de pedido de suspensão.

Recurso contra a decisão proferida no pedido de suspensão Da decisão do Presidente do Tribunal de 2ª instância (TJ / TRF) que conceder ou negar a suspensão cabe algum recurso? SIM. Caberá agravo interno para o Plenário ou Corte Especial do próprio Tribunal. Novo pedido de suspensão Se, na decisão do agravo, não for concedida ou mantida a suspensão, a Fazenda Pública ainda terá a possibilidade de apresentar novo pedido de suspensão, desta vez para o STJ ou para o STF, a depender da natureza da matéria (se infraconstitucional ou constitucional). Nesse sentido, confira o que diz a Lei nº 8.437/92:

Art. 4º (...) § 4º Se do julgamento do agravo de que trata o § 3º resultar a manutenção ou o restabelecimento da decisão que se pretende suspender, caberá novo pedido de suspensão ao Presidente do Tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário.

Ex1: juiz concede liminar contra a Fazenda Pública, que formula pedido de suspensão para o Presidente do TJ; este concede a suspensão; a parte autora agrava da decisão do Presidente para o Plenário, que reforma a decisão do Presidente e restabelece a liminar concedida em primeira instância. Dessa decisão do Plenário, a Fazenda Pública terá a possibilidade de formular novo pedido de suspensão para o STJ ou para o STF.

Ex2: juiz concede liminar contra a Fazenda Pública, que formula pedido de suspensão para o Presidente do TJ; este não concede a suspensão; a Fazenda Pública agrava da decisão do Presidente para o Plenário, que mantém a decisão do Presidente e a liminar concedida em primeira instância. Dessa decisão do Plenário, a Fazenda Pública terá a possibilidade de formular novo pedido de suspensão para o STJ ou para o STF.

A doutrina afirma que se trata de um pedido de suspensão “por salto de instância”. Imagine agora a seguinte situação hipotética: João foi demitido do cargo de Delegado de Polícia Civil em processo administrativo disciplinar. Inconformado, ajuizou ação ordinária alegando que a demissão foi ilegal e pedindo a sua reintegração. O juiz concedeu a tutela provisória de urgência determinando, liminarmente, a sua volta ao cargo. Contra esta decisão, o Estado-membro apresentou pedido de suspensão de liminar dirigido ao Presidente do Tribunal de Justiça, que negou o pleito.

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A Fazenda Pública apresentou agravo contra a decisão do Presidente para o Plenário do TJ, que manteve, contudo, a decisão e a liminar concedida em primeira instância. Contra esta decisão do Plenário do TJ, o Estado-membro apresentou novo pedido de suspensão, desta vez dirigido ao Presidente do STJ. O Ministro Presidente do STJ determinou a suspensão da execução da medida liminar deferida pelo Juízo de 1º grau sob o fundamento de existência de grave lesão à ordem pública e à ordem econômica. O autor não interpôs qualquer recurso contra esta decisão do Ministro Presidente do STJ, tendo ela transitado em julgado. Logo em seguida, João ajuizou ação rescisória contra a decisão do Presidente do STJ. Esta ação rescisória foi conhecida? NÃO.

Não é cabível ação rescisória contra decisão do Presidente do STJ proferida em Suspensão de Liminar e de Sentença, mesmo que transitada em julgado. STJ. Corte Especial. AR 5.857-MA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 07/08/2019 (Info 654).

Um dos requisitos para a propositura da ação rescisória é a existência de coisa julgada, mais especificamente, a existência de “decisão de mérito, transitada em julgado” (art. 966 do CPC/2015). A decisão do Ministro Presidente do STJ não tornou indiscutível o objeto meritório da ação ordinária. Esta decisão apontou apenas a ocorrência de grave lesão à ordem pública e à ordem econômica. Com essa decisão do Ministro Presidente, os efeitos da decisão interlocutória do juízo de 1º grau foram suspensos, mas não necessariamente de forma permanente. Se a decisão de suspensão não é modificada, ela vigora, em tese, até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal, conforme prevê o art. 4º, § 9º, da Lei nº 8.437/92:

Art. 4º (...) § 9º A suspensão deferida pelo Presidente do Tribunal vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal.

Assim, o objeto na ação principal continua controvertido e não há decisão que tornou indiscutível e imutável a lide. Apenas os efeitos da decisão interlocutória, de natureza provisória e satisfativa, estão suspensos. Desse modo, a decisão do Presidente do STJ – que se quer rescindir – não está fundamentada no art. 487 do CPC/2015, que trata das “sentenças” de mérito. Apesar de ter transitado em julgado, a decisão do Presidente do STJ não formou coisa julgada material nos termos dos arts. 502 e 503, do CPC/2015, eis que não teve natureza exauriente:

Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso. Art. 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.

Logo, a decisão do Ministro Presidente do STJ que determina a suspensão dos efeitos da antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, mesmo quando transitada em julgado, não se sujeita a ação rescisória. Isso porque não faz coisa julgada material nem impede a rediscussão do objeto controvertido na ação principal.

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AGRAVO DE INSTRUMENTO Cabe agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que acolhe ou afasta a arguição de

impossibilidade jurídica do pedido (mérito do processo – art. 1.015, II, do CPC/2015)

Importante!!!

Cabe agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que acolhe ou afasta a arguição de impossibilidade jurídica do pedido.

Com o CPC/2015, a possibilidade jurídica do pedido deixou de ser uma condição da ação e passou ser classificada como “questão de mérito”. Logo, se uma decisão interlocutória acolhe ou rejeita a arguição de impossibilidade jurídica do pedido, trata-se de decisão que versa sobre o mérito do processo, sendo cabível a interposição de agravo de instrumento, com fulcro no art. 1.015, II, do CPC:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:

II - mérito do processo.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.757.123-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/08/2019 (Info 654).

Imagine a seguinte situação hipotética: João ajuizou ação de exigir contas contra Pedro. Em sua contestação, Pedro, dentre outros argumentos, suscitou, como preliminar, a impossibilidade jurídica do pedido. O juiz proferiu decisão interlocutória rejeitando (afastando) a arguição de impossibilidade jurídica do pedido. Pedro interpôs agravo de instrumento contra essa decisão interlocutória. O Tribunal de Justiça não conheceu do recurso afirmando que as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento estão elencadas taxativamente no art. 1.015 do CPC/2015 e que neste rol não há previsão de agravo contra decisão interlocutória que rejeita a arguição de impossibilidade jurídica do pedido:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I - tutelas provisórias; II - mérito do processo; III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem; IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica; V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI - exibição ou posse de documento ou coisa; VII - exclusão de litisconsorte; VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º; XII - (VETADO); XIII - outros casos expressamente referidos em lei. Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

Pedro não se conformou e recorreu ao STJ, que apreciou o tema. Cabe agravo de instrumento neste caso? SIM.

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Com base em qual hipótese de cabimento? Inciso II. A decisão que trate sobre a impossibilidade jurídica do pedido, sem extinguir o processo, é uma decisão interlocutória que versa sobre o mérito do processo, enquadrando-se, portanto, no inciso II do art. 1.015 do CPC/2015. Mas a “possibilidade jurídica” do pedido não é uma condição da ação? NÃO, não é. Possibilidade jurídica no CPC/1973 No CPC/1973, a possibilidade jurídica do pedido foi prevista como sendo uma das condições da ação. Isso foi inspirado na teoria eclética da ação desenvolvida pelo jurista italiano Enrico Tullio Liebman. O exemplo que inspirou Liebman a criar essa “condição” era o ajuizamento da ação de divórcio na Itália. O divórcio era proibido naquele país e Liebman dizia que, se fosse ajuizada uma ação requerendo o divórcio, haveria impossibilidade jurídica do pedido. Ocorre que Liebman, já na 3ª edição de seu livro “Manual de Direito Processual Civil “(publicado no ano em que foi aprovado o CPC/1973), deixou de defender a ideia de que a “possibilidade jurídica do pedido” seria uma terceira condição da ação. Isso se deu pelo fato, em 1970, de ter sido aprovada, na Itália, uma lei que passou a permitir o divórcio naquele país. Assim, o exemplo que era dado pelo jurista deixou de existir. Nesse sentido: DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Vol. 1. 11ª ed., Salvador: Juspodivm, 2009, p. 201. Conclui-se, assim, que a possibilidade jurídica do pedido como terceira condição da ação foi obra exclusiva do legislador do CPC/1973 e que sofreu, desde a sua entrada em vigor, contundentes críticas da doutrina que, àquela época, já qualificava a possibilidade jurídica do pedido como uma questão de mérito. Possibilidade jurídica no CPC/2015 O CPC/2015 deixou de considerar a possibilidade jurídica do pedido como sendo uma condição da ação e passou a entender que se trata de uma “questão de mérito”, conforme constou expressamente na Exposição de Motivos do novo Código: “Com o objetivo de se dar maior rendimento a cada processo, individualmente considerado, e atendendo a críticas tradicionais da doutrina, deixou, a possibilidade jurídica do pedido, de ser condição da ação. A sentença que, à luz da lei revogada seria de carência da ação, à luz do Novo CPC é de improcedência e resolve definitivamente a controvérsia.” Justamente por isso, o CPC/2015 não fala em “possibilidade jurídica do pedido” em seu art. 485, VI (que corresponde ao revogado art. 267, VI, do CPC/73):

CPC/2015 CPC/1973

Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: (...) VI - verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual;

Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (...) VI - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;

Em suma, atualmente, após o CPC/2015, a “possibilidade jurídica do pedido” compõe uma “parcela do mérito” que está sendo discutido no processo, suscetível de decomposição e que pode ser examinada em separado dos demais fragmentos que o compõem, de modo que a decisão interlocutória que versar sobre essa matéria, seja para acolher a alegação, seja também para afastá-la, poderá ser objeto de impugnação imediata por agravo de instrumento, com base no art. 1.015, II, CPC/2015.

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Informativo 654-STJ (13/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 28

Cabe agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que acolhe ou afasta a arguição de impossibilidade jurídica do pedido. STJ. 3ª Turma. REsp 1.757.123-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/08/2019 (Info 654).

RECURSO ESPECIAL Não deve ser conhecido o recurso especial tirado de agravo de instrumento quando sobrevém

sentença de extinção do processo sem resolução de mérito que não foi objeto de apelação

Não deve ser conhecido o recurso especial tirado de agravo de instrumento quando sobrevém sentença de extinção do processo sem resolução de mérito que não foi objeto de apelação.

Ex: juiz determinou que os autores fizessem a emenda da petição inicial, sob pena de indeferimento; os autores não concordaram e interpuseram agravo de instrumento, que não foi conhecido pelo TJ; contra esta decisão, foi manejado recurso especial; antes que o recurso especial fosse julgado, o juiz extinguiu o processo sem resolução do mérito indeferindo a petição inicial pelo fato de não ter sido cumprida a diligência (emenda da petição inicial); neste caso, os autores deveriam ter interposto apelação contra a sentença; como não interpuseram, o recurso especial tirado do agravo de instrumento – e que ainda estava pendente de julgamento – não será conhecido porque houve a formação de coisa julgada.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.750.079-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/08/2019 (Info 654).

Imagine a seguinte situação hipotética: Sete “empresas”, ou seja, sete sociedades empresárias, em litisconsórcio ativo facultativo, ajuizaram ação contra a sociedade empresária “A1”. O juiz proferiu decisão interlocutória dizendo que, em razão da natureza e da complexidade da causa, e tendo em vista que os autores possuem relações jurídicas distintas com a empresa ré, deverá permanecer no polo ativo apenas uma empresa como autora, devendo as demais ajuizar outras ações contra a ré. Para tanto, nesta mesma decisão, o magistrado determinou a intimação das autoras para que, no prazo de 15 dias, fizessem a emenda da petição inicial (art. 321, caput, do CPC/2015) dizendo qual das empresas ficará nesta ação como autora:

Art. 321. O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.

As autoras não concordaram com a decisão e interpuseram agravo de instrumento dirigido ao Tribunal de Justiça, invocando o art. 1.015, VII, do CPC/2015:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: (...) VII - exclusão de litisconsorte;

Agravo de instrumento não conhecido e interposição de recurso especial O Desembargador Relator no TJ proferiu decisão monocrática deferindo parcialmente efeito suspensivo para determinar ao juiz que não desse prosseguimento ao processo enquanto o agravo não fosse julgado. Assim, o juiz ficou aguardando o desfecho do recurso. Ocorre que, alguns meses depois, o Tribunal de Justiça decidiu não conhecer do agravo de instrumento, revogando a decisão monocrática outrora deferida.

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Contra esse acórdão do TJ, as autoras interpuseram recurso especial. Sentença Como o agravo de instrumento não foi conhecido, o juiz decidiu seguir o processo e, tendo em vista que as autoras não fizeram a emenda da petição inicial, conforme determinado, o magistrado proferiu sentença indeferindo a petição inicial, nos termos do parágrafo único do art. 321 do CPC/2015:

Art. 321 (...) Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial.

Confiando apenas no recurso especial tirado do agravo de instrumento, as autoras não interpuseram recurso (apelação) contra esta sentença. As autoras agiram corretamente ao não recorrerem contra a sentença? NÃO. Em razão disso, vão ter problema. Isso porque o recurso especial que estava pendente de julgamento não será conhecido:

Não deve ser conhecido o recurso especial tirado de agravo de instrumento quando sobrevém sentença de extinção do processo sem resolução de mérito que não foi objeto de apelação. STJ. 3ª Turma. REsp 1.750.079-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/08/2019 (Info 654).

Com a decisão do TJ de não conhecer do agravo, a decisão do magistrado de 1ª instância voltou a produzir efeitos e caberia às autoras cumprir a determinação de emenda da petição inicial. Como não fizeram e não havia mais motivos para o juiz manter o processo suspenso, ele agiu corretamente ao prolatar a sentença. Após a prolação da sentença, as autoras deveriam ter interposto recurso de apelação e, como não fizeram, houve o trânsito em julgado. A ausência de impugnação à sentença proferida (ausência de recurso contra a sentença) gerou, portanto, a formação de coisa julgada (ainda que meramente formal), sendo isso óbice intransponível ao conhecimento do agravo de instrumento e de seu subsequente recurso especial. Com o trânsito em julgado, não há mais processo e, portanto, não se pode mais examinar o recurso especial que versava sobre uma decisão interlocutória desse processo. Não se poderia defender a tese de que, enquanto o agravo de instrumento não for definitivamente julgado (com a apreciação do RESP) não teria havido coisa julgada? Não. Não se pode acolher essa argumentação. Isso porque admitir que o recurso de agravo de instrumento, por si só, teria o condão de obstar a prolação da sentença ou a formação da coisa julgada dela advinda apenas porque as questões vertidas na decisão interlocutória recorrida poderiam influenciar no resultado da controvérsia ou porque as conclusões do Tribunal sobre a interlocutória deveriam ser compatíveis com a sentença proferida, equivaleria a conferir a essa modalidade recursal um automático efeito suspensivo sem previsão legal, fazendo com que o agravo tivesse um efeito obstativo expansivo (por meio do qual a interposição do agravo de instrumento não impediria apenas a preclusão ou coisa julgada sobre a decisão recorrida, mas também sobre as decisões subsequentes). Não existe sentença condicional Não existe a possiblidade de prolação de sentença condicional, ou seja, aquela sentença que deixa dúvidas quanto à composição do litígio ou que se relaciona a eventos futuros e incertos. Logo, a sentença extinguindo o processo não pode ficar esperando o resultado do agravo. Não existe essa “condição” de ela só produzir efeitos se o recurso especial que estava pendente for improvido. Desse modo, se não desejava que a sentença produzisse efeitos, deveria ter recorrido contra ela.

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EXECUÇÃO FISCAL Na execução fiscal não cabe a retenção de passaporte ou a suspensão da CNH

como forma de compelir o executado a pagar o débito

Importante!!!

Em execução fiscal não cabem medidas atípicas aflitivas pessoais, tais como a suspensão de passaporte e da licença para dirigir.

STJ. 1ª Turma. HC 453.870-PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 25/06/2019 (Info 654).

O entendimento acima é diferente no caso da execução “comum”. O STJ possui julgados dizendo que, na execução “comum”, é possível a adoção de meios executivos atípicos desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade (STJ. 3ª Turma. REsp 1788950/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/04/2019).

Imagine a seguinte situação hipotética: João ajuizou execução cobrando R$ 200 mil de Pedro. O executado foi citado para pagar a dívida no prazo de 3 dias, contado da citação (art. 829 do CPC). O devedor, contudo, não efetuou o pagamento. A requerimento do exequente, tentou-se a penhora de bens do devedor, mas sem sucesso. Diante disso, o credor pediu que o juiz determinasse a suspensão do passaporte e da carteira nacional de habilitação (CNH) do executado. Essa providência é prevista expressamente na lei? NÃO. Não há previsão expressa dessa medida executiva no CPC. Em tese, é possível que o juiz, no cumprimento de sentença ou em um processo autônomo de execução comum, determine a suspensão do passaporte e da CNH do executado? SIM. Tais providências são classificadas como medidas executivas atípicas (meios executivos atípicos). A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que cumpridos os seguintes requisitos: • existam indícios de que o devedor possui patrimônio expropriável (bens que podem ser penhorados); • essas medidas atípicas sejam adotadas de modo subsidiário; • a decisão judicial que a determinar contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta; • sejam observados o contraditório substancial e o postulado da proporcionalidade. STJ. 3ª Turma. REsp 1788950/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/04/2019. Efetividade do processo, princípio do resultado na execução e atipicidade das medidas executivas O principal fundamento para isso seria o art. 139, IV, do CPC/2015, que representou uma importante novidade do Código e que teve por objetivo dar mais efetividade ao processo:

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;

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No caso do processo de execução, a adoção de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias apresenta-se como um importante instrumento para permitir a satisfação da obrigação que está sendo cobrada (obrigação exequenda). Com isso, podemos dizer que esse dispositivo homenageia (prestigia) o “princípio do resultado na execução”. Veja alguns enunciados doutrinários a respeito deste inciso:

Enunciado 48 da ENFAM. O art. 139, IV, do CPC/2015 traduz um poder geral de efetivação, permitindo a aplicação de medidas atípicas para garantir o cumprimento de qualquer ordem judicial, inclusive no âmbito do cumprimento de sentença e no processo de execução baseado em títulos extrajudiciais.

Enunciado 12 do FPPC. A aplicação das medidas atípicas sub-rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer obrigação no cumprimento de sentença ou execução de título executivo extrajudicial. Essas medidas, contudo, serão aplicadas de forma subsidiária às medidas tipificadas, com observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à luz do art. 489, § 1º, I e II.

Enunciado 396 do FPPC. As medidas do inciso IV do art. 139 podem ser determinadas de ofício, observado o art. 8º.

Esse dispositivo representa a adoção, pelo CPC, de um modelo de atipicidade das medidas executivas. O que isso quer dizer? As medidas que o juiz pode determinar para a execução dos comandos judiciais não precisam estar expressamente previstas na lei, podendo o magistrado impor outras medidas que não estão listadas no Código. Tais medidas são permitidas também na EXECUÇÃO FISCAL? Imagine, por exemplo, que o Município ingressou com execução fiscal contra Carlos. O executado não pagou nem foram localizados bens penhoráveis. Diante disso, será possível, em tese, a determinação judicial de retenção do passaporte e suspensão da CNH? NÃO. O Estado é considerado superprivilegiado em sua condição de credor. Dispõe de varas comumente especializadas para condução de seus feitos, um corpo de Procuradores altamente devotado a essas causas, e possui lei própria regedora do procedimento (Lei nº 6.830/80), com inúmeros privilégios processuais. Um exemplo desses privilégios é o fato de que o devedor, na execução fiscal, só pode apresentar embargos à execução se oferecer garantia do juízo (art. 16, § 1º, da LEF), ao contrário do que ocorre na execução “comum”. Desse modo, o crédito fiscal é altamente blindado dos riscos de inadimplemento, por sua própria conformação jusprocedimental. Além disso, existem diversas outras garantias previstas pelo ordenamento jurídico em favor do crédito tributário, como, por exemplo: • o crédito tributário é privilegiado (art. 184 do CTN), podendo, se for o caso, atingir até mesmo bens gravados como impenhoráveis, por serem considerados bem de família (art. 3º, IV da Lei nº 8.009/90); • o crédito tributário tem altíssima preferência para satisfação em procedimento falimentar (art. 83, III da Lei de Falências); • os bens do devedor podem ser declarados indisponíveis para assegurar o adimplemento da dívida (art. 185-A do CTN). Em razão de todos esses “privilégios” acima expostos, a 1ª Turma do STJ entendeu que haveria um excesso se na execução fiscal fossem permitidas medidas atípicas aflitivas pessoais, como é o caso da apreensão de passaporte e da suspensão da CNH.

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Resumindo:

Em execução fiscal não cabem medidas atípicas aflitivas pessoais, tais como a suspensão de passaporte e da licença para dirigir. STJ. 1ª Turma. HC 453.870-PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 25/06/2019 (Info 654).

PROCEDIMENTOS ESPECIAIS / AGRAVO DE INSTRUMENTO Não cabe agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que, na segunda fase da ação de prestação de contas, defere prova pericial

A decisão interlocutória que, na segunda fase da ação de prestação de contas, defere a produção de prova pericial contábil, nomeia perito e concede prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes, não é imediatamente recorrível por agravo de instrumento.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.821.793-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/08/2019 (Info 654).

Ação de exigir contas (ação de prestação de contas) No CPC 1973, havia a previsão de um procedimento especial chamado de “ação de prestação de contas”. O CPC 2015 alterou o nome para “ação de exigir contas” (art. 550). Duas fases O procedimento da ação de prestação de contas (ação de exigir contas) tem como característica a existência, em regra, de duas fases. 1ª fase: nela, o juiz irá decidir se existe ou não a obrigação de o réu prestar contas. Se o julgador decidir que não, o processo encerra-se nesta fase. Contudo, se decidir que sim, será aberta uma segunda fase. 2ª fase: servirá para que o réu propriamente preste as contas pleiteadas pelo autor e para que o julgador avalie se aquele o fez corretamente, reconhecendo a existência de saldo credor ou devedor. Em suma, tem-se que a ação de prestação de contas ocorre em duas fases distintas e sucessivas – na primeira, discute-se sobre o dever de prestar contas; na segunda, declarado o dever de prestar contas, serão elas julgadas e apreciadas, se apresentadas (STJ. 3ª Turma. REsp 1.567.768/GO, DJe 30/10/2017). “É preciso notar, porém, que não se está diante de dois processos distintos, tramitando simultaneamente nos mesmos autos. O processo, em verdade, é único, embora dividido em duas fases distintas. Há, pois, o ajuizamento de uma única demanda, contendo um único mérito. A análise deste, porém, é dividida em dois momentos: o primeiro, dedicado à verificação da existência do direito de exigir a prestação de contas, o segundo, dirigido à verificação das contas e do saldo eventualmente existente.” (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. São Paulo: Atlas, 21ª ed., 2014, p. 391). A segunda fase do procedimento é uma fase de conhecimento (cognição) A atividade jurisdicional que se desenvolve na segunda fase da ação de exigir contas não é de liquidação ou de cumprimento de sentença. Trata-se de uma fase de cognição própria (fase de conhecimento), em que há o acertamento da relação jurídica de direito material que vincula as partes. Imagine agora a seguinte situação hipotética: A empresa “A1” ajuizou ação de exigir contas contra a empresa “B2”.

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O juiz considerou que o autor da ação tinha razão em exigir as contas e, então, proferiu uma decisão determinando que o réu preste as contas no prazo de 15 dias, conforme determina o art. 550, § 5º do CPC/2015:

Art. 550 (...) § 5º A decisão que julgar procedente o pedido condenará o réu a prestar as contas no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor apresentar.

A ré não recorreu contra a decisão e fez a prestação de contas no prazo determinado. Iniciou-se, portanto, a segunda fase da ação de exigir contas. A parte autora da ação terá agora o prazo de 15 dias para se manifestar sobre as contas apresentadas:

Art. 550. (...) § 2º Prestadas as contas, o autor terá 15 (quinze) dias para se manifestar, prosseguindo-se o processo na forma do Capítulo X do Título I deste Livro.

Suponhamos que a empresa autora pediu ao juiz a produção de prova pericial contábil. O juiz proferiu decisão interlocutória na qual: a) deferiu a produção da perícia; b) nomeou o perito; c) concedeu prazo para as partes para a apresentação de documentos, formulação de quesitos e para a nomeação de eventuais assistentes técnicos. A empresa ré não concordou e interpôs agravo de instrumento contra essa decisão interlocutória fundamentando o cabimento no parágrafo único do art. 1.015 do CPC/2015:

Art. 1.015 (...) Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

Agiu corretamente a empresa ré? Cabe agravo de instrumento neste caso? NÃO.

A decisão interlocutória que, na segunda fase da ação de prestação de contas, defere a produção de prova pericial contábil, nomeia perito e concede prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes, não é imediatamente recorrível por agravo de instrumento. STJ. 3ª Turma. REsp 1.821.793-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/08/2019 (Info 654).

Conforme já explicado, a atividade jurisdicional que se desenvolve na segunda fase da ação de exigir contas não é de liquidação ou de cumprimento de sentença, mas sim de cognição própria da fase de conhecimento, em que há o acertamento da relação jurídica de direito material que vincula as partes. Nesse sentido, a fase de cumprimento da sentença na ação de prestação de contas apenas se iniciará após a prolação da sentença condenatória que porventura vier a ser proferida na segunda fase do referido procedimento especial. Nesse contexto, a decisão interlocutória que, na segunda fase da referida ação, deferiu a produção de prova pericial contábil, nomeou perito e concedeu prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes, não se submete ao regime recursal diferenciado que o legislador estabeleceu para as fases de liquidação e cumprimento da sentença (art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015). Ao contrário, submete-se ao regime recursal aplicável à fase de conhecimento, ou seja, incide o caput e os incisos do art. 1.015. Assim, como não existe previsão legal para a recorribilidade imediata da referida decisão interlocutória no caput e nos incisos do art. 1.015 do CPC, não cabe agravo de instrumento nesta hipótese.

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

AÇÃO PENAL PRIVADA Apesar de o § 1º do art. 24 do CPP falar apenas em “cônjuge”, a companheira (hetero ou

homoafetiva) também possui legitimidade para ajuizar ação penal privada

A companheira, em união estável homoafetiva reconhecida, goza do mesmo status de cônjuge para o processo penal, possuindo legitimidade para ajuizar a ação penal privada.

STJ. Corte Especial. APn 912-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 07/08/2019 (Info 654).

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: Como é do conhecimento geral, em 14/03/2018, a então Vereadora do Rio de Janeiro (RJ), Marielle Franco, foi assassinada. Alguns dias depois, uma determinada pessoa publicou, em seu perfil do Facebook, que Marielle Franco teria envolvimento com bandidos, além de uma série de outras ofensas. Diante disso, Mônica, companheira homoafetiva de Marielle, propôs queixa-crime (ajuizou ação penal privada) contra a autora das ofensas, imputando-lhe o crime de calúnia, previsto no art. 138, § 2º, do CP:

Art. 138. Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa. (...) § 2º - É punível a calúnia contra os mortos.

A legitimidade para a propositura da ação penal privada, em regra, é da vítima (ofendido). De quem será, contudo, neste caso em que a vítima já havia morrido quando do cometimento da calúnia? De quem é a legitimidade para ajuizar ação penal privada contra o querelado imputando-lhe o crime de calúnia contra pessoa morta? A legitimidade será do cônjuge, ascendente, descendente ou irmão, nos termos do § 1º do art. 24 do CPP:

Art. 24 (...) § 1º No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de representação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.

No caso concreto, a querelante era companheira da falecida (e não cônjuge). O § 1º do art. 24 do CPP não fala em “companheira”. Mesmo assim ela tem legitimidade? SIM.

A companheira, em união estável homoafetiva reconhecida, goza do mesmo status de cônjuge para o processo penal, possuindo legitimidade para ajuizar a ação penal privada. STJ. Corte Especial. APn 912-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 07/08/2019 (Info 654).

A companheira, em união estável reconhecida, goza do mesmo status de cônjuge para o processo penal, podendo figurar como legítima representante da falecida. Vale ressaltar que a interpretação extensiva da norma processual penal tem autorização expressa do art. 3.º do CPP:

Art. 3º A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.

Ademais, “o STF já reconheceu a 'inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico', aplicando-se a união estável

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entre pessoas do mesmo sexo as mesmas regras e mesmas consequências da união estável heteroafetiva'”. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis nº 8.971/1994 e nº 9.278/1996 e discriminar a companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente e da vedação do retrocesso” (STF. Plenário. RE 646721, Relator p/ Acórdão: Min. Roberto Barroso, julgado em 10/05/2017). No mesmo sentido é a lição da doutrina:

“3. Cônjuge: a lei processual penal admite analogia (art. 3º, CPP), razão pela qual entendemos ser possível estender a legitimidade ativa para a companheira (ou companheiro), quando comprovada a união estável ou desde que esta não seja questionada pelo querelado. A proteção dos interesses da família pode justificar essa iniciativa da pessoa que viva com a outra há muitos anos. Não teria sentido, em se tratando de mera legitimação ativa, excluir a companheira (ou companheiro).” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 12ª ed. São Paulo: RT, 2013, p. 155.)

DIREITO TRIBUTÁRIO

IPI O valor pago a título de IPI por ocasião da aquisição de brindes que serão inseridos em produtos

industrializados não gera direito de creditamento de IPI

O art. 11 da Lei nº 9.779/99 assegura o creditamento de IPI na aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem aplicados na industrialização do produto final, quer estes lhe integrem, quer sejam consumidos no processo (de industrialização).

Os brindes, produtos perfeitos e acabados em processo industrial próprio, incluídos em outros produtos industrializados, não geram direito ao creditamento de IPI.

Caso concreto: indústria adquiriu réguas para serem oferecidas como brinde aos consumidores que comprassem determinado biscoito; o valor pago a título de IPI por esta indústria ao adquirir estas réguas não gera direito de creditamento de IPI.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.682.920-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 06/08/2019 (Info 654).

IPI IPI é a sigla para Imposto sobre Produtos Industrializados. Trata-se de um tributo federal e que incide sobre a produção e a circulação de produtos industrializados. O IPI foi instituído por meio da Lei nº 4.502/64. Princípio da não-cumulatividade O IPI é um imposto não cumulativo (art. 153, § 3º, II, da CF/88), o que significa que é possível compensar o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores, ou seja, o valor pago na operação imediatamente anterior pode ser abatido do mesmo imposto em operação posterior (art. 49 do CTN).

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Informativo 654-STJ (13/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 36

"A cada aquisição tributada de insumo, o adquirente registra como crédito o valor do tributo incidente na operação. Tal valor é um "direito" do contribuinte, consistente na possibilidade de recuperar o valor incidente nas operações subsequentes (é o "IPI a recuperar"). A cada alienação tributada de produto, o alienante registra como débito o valor do tributo incidente na operação. Tal valor é uma obrigação do contribuinte, consistente no dever de recolher o valor devido aos cofres públicos federais ou compensá-los com os créditos obtidos nas operações anteriores (trata-se do "IPI a recolher"). Periodicamente, faz-se uma comparação entre os débitos e créditos. Caso os débitos sejam superiores aos créditos, o contribuinte deve recolher a diferença aos cofres públicos. Casos os créditos sejam maiores, a diferença pode ser compensada posteriormente ou mesmo, cumpridos determinados requisitos, ser objeto de ressarcimento." (ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário esquematizado. São Paulo: Método, 2016, p. 586). Feitos estes esclarecimentos, imagine a seguinte situação hipotética: A indústria Nestlé adquiriu matéria-prima e material de embalagem para produzir seu biscoito recheado Passatempo, pagando R$ 110 mil. Desse total, R$ 10 mil foi de IPI. Essa matéria-prima e esse material de embalagem foram utilizados na industrialização, ou seja, para fazer o produto Passatempo. Esta indústria poderá aproveitar esses R$ 10 mil que ela pagou a título de IPI como crédito junto à Receita Federal? SIM. Isso está previsto no art. 11 da Lei nº 9.779/99:

Art. 11. O saldo credor do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, acumulado em cada trimestre-calendário, decorrente de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, aplicados na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero, que o contribuinte não puder compensar com o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser utilizado de conformidade com o disposto nos arts. 73 e 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, observadas normas expedidas pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda.

O Regulamento do IPI (Decreto nº 7.212/2010) detalha esse direito:

Art. 226. Os estabelecimentos industriais e os que lhes são equiparados poderão creditar-se: I - do imposto relativo a matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, adquiridos para emprego na industrialização de produtos tributados, incluindo-se, entre as matérias-primas e os produtos intermediários, aqueles que, embora não se integrando ao novo produto, forem consumidos no processo de industrialização, salvo se compreendidos entre os bens do ativo permanente;

Imagine agora uma situação um pouco diferente: A Nestlé resolveu fazer uma promoção com seus clientes e oferecer, como brinde, uma régua infantil, que vinha dentro da embalagem do biscoito Passatempo. Assim, o cliente comprava o biscoito e, dentro do pacote, vinha esse brinde. Para fazer isso, a Nestlé comprou, de uma indústria, 200 mil réguas, pagando R$ 220 mil. Desse total, R$ 20 mil foi de IPI. A Nestle poderá aproveitar esses R$ 20 mil que ela pagou a título de IPI como crédito junto à Receita Federal, invocando o art. 11 da Lei nº 9.779/99? NÃO. O brinde é um produto perfeito e acabado, produzido em processo industrial próprio.

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Não se pode dizer que o brinde, ao ser incluído no pacote de outro produto industrializado (um biscoito), componha esse produto (biscoito). Da mesma forma, não se pode dizer que o brinde se confunda com o material de embalagem. Logo, como o brinde não compõe o produto nem é embalagem do produto, o valor gasto com a sua aquisição não gera direito ao creditamento do art. 11 da Lei nº 9.779/99. Não há como entender que uma régua possa integrar um recipiente destinado à armazenagem e à proteção dos biscoitos. Trata-se de um item independente utilizado como estratégia de marketing para estimular o público infanto-juvenil ao consumo, e, por óbvio, não integra o processo de industrialização dos biscoitos, produto final. Essa é a razão pela qual eventual IPI pago por ocasião da aquisição das réguas não gera direito de creditamento pelo produtor do biscoito. Em suma:

Os brindes, produtos perfeitos e acabados em processo industrial próprio, incluídos em outros produtos industrializados, não geram direito ao creditamento de IPI. STJ. 1ª Turma. REsp 1.682.920-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 06/08/2019 (Info 654).

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) Na execução de contrato locatício, é possível a inclusão dos aluguéis vencidos no curso do processo com

base em valor fixado provisoriamente em anterior ação revisional. ( ) 2) (TJ/RS 2018 VUNESP) Quanto à ação revisional de aluguel, o aluguel fixado na sentença retroage à data

do reajuste anteriormente pactuado. ( ) 3) Obrigação alimentar extinta mas mantida por longo período de tempo por mera liberalidade do

alimentante não pode ser perpetuada com fundamento no instituto da surrectio. ( ) 4) As cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade não tornam nulo o

testamento, que dispõe sobre transmissão causa mortis do bem gravado. ( ) 5) Ainda que a iniciativa pelo descredenciamento tenha partido de clínica médica, subsiste a obrigação de

a operadora de plano de saúde promover a comunicação desse evento aos consumidores e à ANS com 30 (trinta) dias de antecedência bem como de substituir a entidade conveniada por outra equivalente, de forma a manter a qualidade dos serviços contratados inicialmente. ( )

6) Nos compromissos de compra e venda de unidades imobiliárias anteriores à Lei nº 13.786/2018, em que é pleiteada a resolução do contrato por iniciativa do promitente comprador de forma diversa da cláusula penal convencionada, os juros de mora incidem a partir da citação válida. ( )

7) Cada novo registro de signo distintivo como marca, ainda que de mesma titularidade, deve atender todos os requisitos de registrabilidade, inclusive quanto à autorização do titular do nome civil eventualmente utilizado. ( )

8) Os créditos concernentes a contrato de compra e venda com reserva de domínio não estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial da compradora, desde que esse contrato tenha sido levado a registro em cartório. ( )

9) É cabível ação rescisória contra decisão do Presidente do STJ proferida em Suspensão de Liminar e de Sentença, desde que tenha transitada em julgado. ( )

10) Não cabe agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que acolhe ou afasta a arguição de impossibilidade jurídica do pedido. ( )

11) Não deve ser conhecido o recurso especial tirado de agravo de instrumento quando sobrevém sentença de extinção do processo sem resolução de mérito que não foi objeto de apelação. ( )

Informativo comentado

Informativo 654-STJ (13/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 38

12) A decisão interlocutória que, na segunda fase da ação de prestação de contas, defere a produção de prova pericial contábil, nomeia perito e concede prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes, não é imediatamente recorrível por agravo de instrumento. ( )

13) A companheira, em união estável homoafetiva reconhecida, goza do mesmo status de cônjuge para o processo penal, possuindo legitimidade para ajuizar a ação penal privada. ( )

14) Os brindes, produtos perfeitos e acabados em processo industrial próprio, incluídos em outros produtos industrializados, geram direito ao creditamento de IPI. ( )

Gabarito

1. C 2. E 3. C 4. C 5. C 6. E 7. C 8. E 9. E 10. E

11. C 12. C 13. C 14. E