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Informativo 612-STJ (25/10/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 612-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO CONCURSO PÚBLICO O candidato aprovado fora do número de vagas, mas que fique dentro do número de vagas em virtude da desistência de alguém melhor colocado, passa a ter direito subjetivo de ser nomeado. CONSELHOS PROFISSIONAIS Conselho de Contabilidade, no exercício de fiscalização, pode requisitar dos contadores os livros e fichas contábeis de seus clientes. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO Qual infração de trânsito pratica o condutor que se recusa a fazer o teste do "bafômetro" e/ou os exames clínicos? DIREITO MARÍTIMO Não é válida a norma contida em Decreto prevendo que a autoridade pública deverá fixar, de forma ordinária e permanente, o preço dos serviços de praticagem. DIREITO CIVIL RESPONSABILIDADE CIVIL Policial que, fora de suas funções, prende vizinho por conta de xingamentos sofridos, pratica ato ilícito que gera dano moral in re ipsa. DIREITO DO CONSUMIDOR DIREITO À INFORMAÇÃO Além de avisar que “contém glúten” as embalagens dos produtos deverão também alertar que o glúten é prejudicial para celíacos. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL Validade da cláusula de tolerância. CONTRATOS BANCÁRIOS O limite de desconto do empréstimo consignado não se aplica aos contratos de mútuo bancário em que o cliente autoriza o débito das prestações em conta-corrente PLANO DE SAÚDE Custeio das sessões de psicoterapia além dos limites previstos no contrato. DIREITO EMPRESARIAL TRADE DRESS Para analisar se houve violação do trade dress é indispensável a prova pericial.

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Informativo 612-STJ (25/10/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Informativo comentado: Informativo 612-STJ

Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO

CONCURSO PÚBLICO O candidato aprovado fora do número de vagas, mas que fique dentro do número de vagas em virtude da

desistência de alguém melhor colocado, passa a ter direito subjetivo de ser nomeado. CONSELHOS PROFISSIONAIS Conselho de Contabilidade, no exercício de fiscalização, pode requisitar dos contadores os livros e fichas contábeis

de seus clientes. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO Qual infração de trânsito pratica o condutor que se recusa a fazer o teste do "bafômetro" e/ou os exames clínicos? DIREITO MARÍTIMO Não é válida a norma contida em Decreto prevendo que a autoridade pública deverá fixar, de forma ordinária e

permanente, o preço dos serviços de praticagem.

DIREITO CIVIL

RESPONSABILIDADE CIVIL Policial que, fora de suas funções, prende vizinho por conta de xingamentos sofridos, pratica ato ilícito que gera

dano moral in re ipsa.

DIREITO DO CONSUMIDOR

DIREITO À INFORMAÇÃO Além de avisar que “contém glúten” as embalagens dos produtos deverão também alertar que o glúten é prejudicial

para celíacos. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL Validade da cláusula de tolerância. CONTRATOS BANCÁRIOS O limite de desconto do empréstimo consignado não se aplica aos contratos de mútuo bancário em que o cliente

autoriza o débito das prestações em conta-corrente PLANO DE SAÚDE Custeio das sessões de psicoterapia além dos limites previstos no contrato.

DIREITO EMPRESARIAL

TRADE DRESS Para analisar se houve violação do trade dress é indispensável a prova pericial.

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Informativo 612-STJ (25/10/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 2

SOCIEDADE ANÔNIMA Inventariante não pode votar em assembleia da sociedade anônima alterando o controle da companhia e alienando

bens do acervo patrimonial. Fechamento em branco ou indireto de capital.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

PROCESSO COLETIVO Não se aplica a remessa necessária do art. 19 da LAP para as ações coletivas tutelando direitos individuais

homogêneos.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

COLABORAÇÃO PREMIADA Homologação de colaboração premiada que mencione autoridade com foro privativo.

DIREITO TRIBUTÁRIO

TAXAS Isenção da taxa de registro de arma de fogo não se aplica para policiais rodoviários federais aposentados. IMPOSTO DE RENDA A cessão do precatório a terceiro não modifica a relação jurídica tributária existente entre o titular originário e o

Fisco, para fins de incidência do IR. IPI Quais indústrias podem gozar da suspensão de IPI prevista no art. 29, caput e § 5º da Lei nº 10.637/2002?

DIREITO ADMINISTRATIVO

CONCURSO PÚBLICO O candidato aprovado fora do número de vagas, mas que fique dentro do número de vagas em virtude da desistência de alguém melhor colocado, passa a ter direito subjetivo de ser nomeado

Importante!!!

A desistência de candidatos melhor classificados em concurso público convola a mera expectativa em direito líquido e certo, garantindo a nomeação dos candidatos que passarem a constar dentro do número de vagas previstas no edital.

STJ. 1ª Turma. RMS 53.506-DF, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 26/09/2017 (Info 612).

STJ. 2ª Turma. RMS 52.251/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 05/09/2017.

STF. 1ª Turma. ARE 1058317 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 01/12/2017.

O candidato aprovado dentro do número de vagas tem direito subjetivo à nomeação? SIM. O candidato aprovado dentro do número de vagas previstas no edital do concurso público possui direito subjetivo de ser nomeado e empossado dentro do período de validade do certame. O candidato aprovado fora do número de vagas tem direito subjetivo à nomeação? Em regra, não. Se o candidato foi aprovado fora do número de vagas, mas durante o prazo de validade do concurso foram criados novos cargos, ele terá direito subjetivo à nomeação? Em regra, não.

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Imagine que a Administração fez um concurso para 10 vagas, tendo nomeado e dado posse aos 10 primeiros. Alguns meses depois são criadas 5 novas vagas. O prazo de validade do concurso ainda não expirou. Apesar disso, o Poder Público decide fazer um segundo concurso. Os candidatos aprovados no primeiro certame fora do número de vagas inicialmente previsto poderão exigir sua nomeação? Em regra, não. A situação pode ser assim definida: REGRA: o surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo durante o prazo de validade do certame anterior não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital.

EXCEÇÃO: Haverá direito à nomeação se o candidato conseguir demonstrar, de forma cabal: • que existe inequívoca necessidade de nomeação de aprovado durante o período de validade do certame; e • que está havendo preterição arbitrária e imotivada por parte da administração ao não nomear os aprovados. Hipóteses nas quais existirá direito subjetivo à nomeação O STF listou as três hipóteses nas quais existe direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado em concurso público: 1) Quando a aprovação do candidato ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital; 2) Quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação; 3) Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da administração. Tese fixada pelo STF em repercussão geral

O surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizada por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato. Assim, o direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado em concurso público exsurge nas seguintes hipóteses: a) quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital; b) quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação; e c) quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da administração nos termos acima. STF. Plenário. RE 837311/PI, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 09/12/2015 (repercussão geral) (Info 811).

O candidato aprovado fora do número de vagas, mas que fique dentro do número de vagas em virtude da desistência de alguém melhor colocado, passa a ter direito subjetivo de ser nomeado? SIM.

A desistência de candidatos melhor classificados em concurso público convola a mera expectativa em direito líquido e certo, garantindo a nomeação dos candidatos que passarem a constar dentro do número de vagas previstas no edital. STJ. 1ª Turma. RMS 53.506-DF, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 26/09/2017 (Info 612). STJ. 2ª Turma. RMS 52.251/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 05/09/2017.

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Informativo 612-STJ (25/10/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 4

Ex: João foi aprovado em 13º lugar no concurso público para técnico administrativo. Vale ressaltar que o edital do certame previa a existência de 8 vagas. Ocorre que 5 candidatos melhor classificados que João desistiram. Logo, ele, que antes tinha mera expectativa de direito, passou a ter direito líquido e certo com as desistências. Há também precedentes do STF neste mesmo sentido:

O direito à nomeação também se estende ao candidato aprovado fora do número de vagas previstas no edital, mas que passe a figurar entre as vagas em decorrência da desistência de candidatos classificados em colocação superior. STF. 1ª Turma. ARE 1058317 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 01/12/2017.

O Plenário desta Corte, no julgamento do RE 598.099/MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, firmou entendimento no sentido de que possui direito subjetivo à nomeação o candidato aprovado dentro do número de vagas previstas no edital de concurso público. O direito à nomeação também se estende ao candidato aprovado fora do número de vagas previstas no edital, mas que passe a figurar entre as vagas em decorrência da desistência de candidatos classificados em colocação superior. STF. 2ª Turma. RE 643674 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 13/08/2013.

CONSELHOS PROFISSIONAIS Conselho de Contabilidade, no exercício de fiscalização, pode requisitar

dos contadores os livros e fichas contábeis de seus clientes

O ato do Conselho de Contabilidade que requisita dos contadores e dos técnicos os livros e fichas contábeis de seus clientes, a fim de promover a fiscalização da atividade contábil dos profissionais nele inscritos, não importa em ofensa aos princípios da privacidade e do sigilo profissional.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.420.396-PR, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 19/09/2017 (Info 612).

Imagine a seguinte situação hipotética: João, Pedro e Tiago são contadores e possuem um escritório de contabilidade. O Conselho Regional de Contabilidade iniciou um procedimento de fiscalização no referido escritório e, para isso, requisitou dos contadores a apresentação dos livros e documentos contábeis de seus clientes, bem como os contratos de prestação de serviços profissionais e a relação de clientes que estão sob sua responsabilidade técnica. Os contadores impetraram mandado de segurança pedindo para não serem obrigados a disponibilizar tais informações sob o argumento de que estariam protegidos pela privacidade e pelo sigilo profissional. O pedido contido no mandado de segurança foi acolhido? A exigência do CRC viola a privacidade e o sigilo profissional? NÃO.

O ato do Conselho de Contabilidade que requisita dos contadores e dos técnicos os livros e fichas contábeis de seus clientes, a fim de promover a fiscalização da atividade contábil dos profissionais nele inscritos, não importa em ofensa aos princípios da privacidade e do sigilo profissional. STJ. 1ª Turma. REsp 1.420.396-PR, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 19/09/2017 (Info 612).

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O art. 1.190 do Código Civil prevê o seguinte:

Art. 1.190. Ressalvados os casos previstos em lei, nenhuma autoridade, juiz ou tribunal, sob qualquer pretexto, poderá fazer ou ordenar diligência para verificar se o empresário ou a sociedade empresária observam, ou não, em seus livros e fichas, as formalidades prescritas em lei.

Dessa forma, apenas nos casos previstos em lei poderá a autoridade, juiz ou tribunal requisitar livros e fichas contábeis do empresário ou sociedade empresária para verificar a observância das formalidades legais. O Presidente do Conselho Regional de Contabilidade é uma autoridade administrativa e possui autorização legal para realizar o exercício da atividade fiscalizatória em relação a contadores e escritórios de contabilidade. Essa autorização legal advém do Decreto-Lei nº 9.295/46, que criou o Conselho Federal de Contabilidade e os Conselhos Regionais de Contabilidade. Com efeito, o art. 2º desse diploma prevê que:

Art. 2º A fiscalização do exercício da profissão contábil, assim entendendo-se os profissionais habilitados como contadores e técnicos em contabilidade, será exercida pelo Conselho Federal de Contabilidade e pelos Conselhos Regionais de Contabilidade a que se refere o art. 1º. (Redação dada pela Lei nº 12.249/2010)

De igual modo, o art. 10, letra “c” deste diploma legal preconiza:

Art. 10. São atribuições dos Conselhos Regionais: (...) c) fiscalizar o exercício das profissões de contador e guarda-livros, impedindo e punindo as infrações, e bem assim, enviando às autoridades competentes minuciosos e documentados relatórios sobre fatos que apurarem, e cuja solução ou repressão não seja de sua aIçada;

Dessa forma, como existe previsão legal específica para o exercício fiscalizatório pelos Conselhos de Contabilidade, pode-se concluir que o art. 1.190 do Código Civil está sendo respeitado. Vale ressaltar, por fim, que a fiscalização exercida pelo CRC tem por foco central verificar, não o mérito em si, mas os aspectos relacionados à forma, ou seja, atestar se o profissional da contabilidade, na sua rotina de trabalho, observa as normas técnicas concernentes à atividade contábil. Sendo esse o propósito primeiro da fiscalização desenvolvida pela entidade classista, não se antevê afronta à privacidade e ao sigilo profissional dos escritórios fiscalizados e da escrituração contábil de seus clientes.

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INFRAÇÃO DE TRÂNSITO Qual infração de trânsito pratica o condutor que se recusa a fazer o teste do "bafômetro" e/ou os exames clínicos?

A sanção do art. 277, § 3º, do CTB dispensa demonstração da embriaguez por outros meios de prova, uma vez que a infração reprimida não é a de embriaguez ao volante, prevista no art. 165, mas a de recusa em se submeter aos procedimentos do caput do art. 277, de natureza instrumental e formal, consumada com o comportamento contrário ao comando legal.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.677.380-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 10/10/2017 (Info 612).

Obs: a conclusão acima exposta foi acolhida pelo legislador que, por meio da Lei nº 13.281/2016, acrescentou uma infração administrativa exclusivamente para o condutor que se recusar a se submeter ao teste de etilômetro e/ou exames clínicos. Logo, atualmente, tais situações se enquadram no novo art. 165-A ao CTB, que tem a seguinte redação:

Art. 165-A. Recusar-se a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa, na forma estabelecida pelo art. 277:

O que acontece se o indivíduo dirigir veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência? Neste caso, ele poderá responder por duas sanções: 1) INFRAÇÃO DE TRÂNSITO (infração administrativa) prevista no art. 165 do Código de Trânsito, que sujeita o infrator a pagar multa e a ficar sem dirigir pelo período de 12 meses. Durante a blitz, ao constatar a embriaguez, a autoridade de trânsito já recolhe o documento de habilitação do condutor. O veículo só poderá sair do local se uma outra pessoa com habilitação for até lá para retirá-lo. Veja a redação do dispositivo:

Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: Infração - gravíssima; Penalidade - multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses. Medida administrativa - recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo, observado o disposto no § 4º do art. 270 da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 - do Código de Trânsito Brasileiro. Parágrafo único. Aplica-se em dobro a multa prevista no caput em caso de reincidência no período de até 12 (doze) meses.

2) CRIME previsto no art. 306 do CTB:

Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência: Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Qual é o meio de se provar a embriaguez do condutor? O principal instrumento para isso é o etilômetro, popularmente conhecido como "bafômetro", que mede o teor alcoólico no ar alveolar. No entanto, o CTB prevê que é possível essa constatação por outros meios, como por exemplo: • exame clínico; • perícia;

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• vídeo • prova testemunhal. Onde esse tema está previsto no CTB? Regras para comprovar a prática da INFRAÇÃO DE TRÂNSITO do art. 165 do CTB:

Art. 277. O condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito poderá ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios técnicos ou científicos, na forma disciplinada pelo Contran, permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência. (...) § 2º A infração prevista no art. 165 também poderá ser caracterizada mediante imagem, vídeo, constatação de sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora ou produção de quaisquer outras provas em direito admitidas.

Regras para comprovar a prática do CRIME do art. 306 do CTB:

Art. 306 (...) § 1º As condutas previstas no caput serão constatadas por: I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora. § 2º A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia ou toxicológico, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova. § 3º O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia ou toxicológicos para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.

Com o advento da Lei nº 12.760/2012, o art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro foi alterado, de forma a tornar dispensável a realização do teste do bafômetro para a constatação do estado de embriaguez do condutor do veículo. Assim, a alteração da capacidade psicomotora do condutor do veículo poderá ser verificada mediante exame clínico, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de provas admitidos, observado o direito à contraprova (STJ. 5ª Turma. HC 322.611/RS, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 01/10/2015). Sob o ponto de vista da sanção administrativa (INFRAÇÃO DE TRÂNSITO), o que acontece caso o condutor se recuse a fazer o teste do "bafômetro" e/ou os exames clínicos? O tema foi alterado pela Lei nº 13.281/2016. Compare:

Antes da Lei 13.281/2016 Depois da Lei 13.281/2016 (entrou em vigor no dia 01/11/2016)

O CTB determinava que, neste caso, o condutor receberia normalmente as penalidades e medidas administrativas previstas no art. 165. Em outras palavras, é como se dissesse o seguinte: não quer fazer o bafômetro, então presumo, para fins administrativos, que você praticou a infração de trânsito do art. 165.

Agora, o CTB prevê que esta recusa configura uma infração de trânsito autônoma, prevista no art. 165-A: Art. 165-A. Recusar-se a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa, na forma estabelecida pelo art. 277:

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Atenção: o condutor que recusa fazer o teste não mais responderá pela infração do art. 165, mas sim pelo art. 165-A. Vale ressaltar que, na prática, não muda nada. Isso porque as sanções do art. 165-A são idênticas às do art. 165, ou seja, para fins administrativos, o condutor continuará respondendo como se tivesse sido constatada a sua embriaguez.

Previsto no § 3º do art. 277 do CTB: § 3º Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo. (Redação anterior à Lei 13.281/2016)

Previsto no novo § 3º do art. 277 do CTB: § 3º Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165-A deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo. (Redação dada pela Lei 13.281/2016)

Veja a nova infração de trânsito prevista no art. 165-A:

Art. 165-A. Recusar-se a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa, na forma estabelecida pelo art. 277: Infração - gravíssima; Penalidade - multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; Medida administrativa - recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo, observado o disposto no § 4º do art. 270. Parágrafo único. Aplica-se em dobro a multa prevista no caput em caso de reincidência no período de até 12 (doze) meses.

Qual foi a razão desta mudança? O objetivo velado do legislador foi o de evitar questionamentos judiciais que anulavam as antigas autuações. Explico. Antes da Lei nº 13.281/2016, o condutor era punido pela infração do art. 165 do CTB (dirigir sob a influência de álcool/substância psicoativa) mesmo sem prova de que ele estava sob a influência dessas substâncias. A punição era feita com base em uma presunção legal absoluta. Recusou-se a fazer o teste, logo, presumo que praticou o art. 165 e determino a aplicação de suas sanções. Ocorre que esse sistema de presunção gerava questionamentos junto ao Poder Judiciário, conforme veremos na situação concreta abaixo analisada. A nova redação do § 3º do art. 277, promovida pela Lei nº 13.281/2016, não mais pune o condutor com base em uma presunção. Ele cria nova infração administrativa e agora sanciona o indivíduo que se recusa a cumprir a obrigação legal prevista no art. 277. Melhor explicando. O art. 277 do CTB impõe uma obrigação legal a todos os condutores de veículos automotores: em caso de uma fiscalização de trânsito (blitz), você poderá, a critério da autoridade, "ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios técnicos ou científicos" "permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência". Caso não cumpra esse dever, receberá uma punição administrativa, não por ter dirigido sob a influência de álcool, mas sim por não ter atendido à determinação da autoridade de trânsito.

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Sob o ponto de vista da sanção penal (CRIME), o que acontece caso o condutor se recuse a fazer o teste do "bafômetro" e/ou os exames clínicos? A recusa do condutor não poderá ser utilizada nem como presunção nem como argumento para a sua condenação criminal. Isso porque aqui vigoram, em sua plenitude, dois importantes princípios: o da não autoincriminação e o da presunção de inocência. Assim, a recusa do condutor deve ser considerada como um dado completamente irrelevante para o processo penal. Recusando-se o condutor a submeter-se ao bafômetro ou demais exames, cumpre ao Estado angariar outros meios de prova para atestar que ele praticou o delito previsto no art. 306 do CTB. O § 2º do art. 306 indica, exemplificativamente, quais seriam estes outros meios de prova, devendo ser destacados dois deles: vídeo e prova testemunhal. Se o condutor, parado na blitz, mal consegue andar, fala coisas desconexas e no interior do veículo é encontrada lata de cerveja aberta, tais circunstâncias configuram indícios de que ele estava dirigindo alcoolizado. Sendo esta situação filmada ou havendo testemunhas oculares do ocorrido, tais elementos informativos poderão ser levados ao processo onde, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, poderão se tornar provas suficientes para uma condenação.

Feita esta revisão sobre o tema, imagine a seguinte situação: Em 2012, João estava dirigindo seu veículo pela BR 116, quando foi abordado pela Polícia Rodoviária Federal e se negou a fazer o teste de etilômetro ("bafômetro"). Em virtude disso, ele foi autuado com base no art. 165 da Lei nº 9.503/97. Ressalte-se que não houve exame de sangue ou outro teste clínico para comprovação do seu estado de embriaguez. Também não foi lavrado nenhum termo testemunhal. A autuação foi única e exclusivamente baseada no fato de o condutor ter se negado a fazer o teste de etilômetro. Parêntese: João foi autuado pelo art. 165 porque o fato ocorreu antes da Lei nº 13.281/2016. Se fosse atualmente, ele seria autuado pelo art. 165-A do CTB. Diante disso, João ingressou com ação judicial pedindo a anulação do auto de infração. O autor alegou que a simples negativa em realizar o teste do bafômetro não significa que ele dirigia sob a influência de álcool, e que o termo testemunhal era requisito essencial para o ato, cujo não preenchimento torna inválida a autuação.

O STJ concordou com os argumentos do autor? NÃO. O STJ entendeu que:

A sanção do art. 277, § 3º, do CTB dispensa demonstração da embriaguez por outros meios de prova, uma vez que a infração reprimida não é a de embriaguez ao volante, prevista no art. 165, mas a de recusa em se submeter aos procedimentos do caput do art. 277, de natureza instrumental e formal, consumada com o comportamento contrário ao comando legal. STJ. 2ª Turma. REsp 1.677.380-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 10/10/2017 (Info 612).

Para o STJ, o CTB instituiu duas infrações autônomas, embora com mesmo apenamento: a) dirigir embriagado; b) recusar-se o condutor a se submeter a procedimentos que permitam aos agentes de trânsito apurar seu estado. Assim, para o Tribunal, quando o condutor se recusa a se submeter ao teste do bafômetro, ele será punido, não porque se “presume” a embriaguez do art. 165 do CTB, mas sim pelo fato de ter descumprido um dever positivo previsto no art. 277, caput, do CTB. Em outras palavras, para o STJ, mesmo antes da Lei nº 13.281/2016, ele já fazia essa distinção que agora está expressa nos arts. 165 e 165-A. Foi uma forma que o STJ encontrou de evitar ter que dizer que haveria uma punição do condutor com base em uma presunção de embriaguez. A conclusão exposta no julgado, contudo, atualmente, perde relevância porque agora existe um dispositivo específico para punir o agente que se recusar a fazer o bafômetro.

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DIREITO MARÍTIMO Não é válida a norma contida em Decreto prevendo que a autoridade pública deverá fixar,

de forma ordinária e permanente, o preço dos serviços de praticagem

Não é válido o disposto no art. 1º, II, do Decreto nº 7.860/2012, que estabelece a intervenção da autoridade pública na atividade de praticagem para promover, de forma ordinária e permanente, a fixação dos preços máximos a serem pagos na contratação dos serviços em cada zona portuária.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.662.196-RJ, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 19/09/2017 (Info 612).

Praticagem Praticagem é a atividade por meio da qual um profissional, chamado de “prático”, conduz a embarcarção durante as manobras de atracação e desatracação nos portos e durante a travessia em áreas que apresentam restrições à navegação ou que sejam especialmente relevantes para o meio ambiente. A praticagem é uma atividade importante para garantir a segurança da navegação, a preservação do meio ambiente e das instalações portuárias. As atividades do prático possuem natureza privada, sendo desempenhadas por particulares que preencham os requisitos estabelecidos pela autoridade marítima para sua seleção e habilitação. Lei nº 9.537/97 A Lei nº 9.537/97 dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional. Veja o que esse Diploma estabelece a respeito da praticagem:

Art. 12. O serviço de praticagem consiste no conjunto de atividades profissionais de assessoria ao Comandante requeridas por força de peculiaridades locais que dificultem a livre e segura movimentação da embarcação. Art. 13. O serviço de praticagem será executado por práticos devidamente habilitados, individualmente, organizados em associações ou contratados por empresas. § 1º A inscrição de aquaviários como práticos obedecerá aos requisitos estabelecidos pela autoridade marítima, sendo concedida especificamente para cada zona de praticagem, após a aprovação em exame e estágio de qualificação. § 2º A manutenção da habilitação do prático depende do cumprimento da frequência mínima de manobras estabelecida pela autoridade marítima. § 3º É assegurado a todo prático, na forma prevista no caput deste artigo, o livre exercício do serviço de praticagem. § 4º A autoridade marítima pode habilitar Comandantes de navios de bandeira brasileira a conduzir a embarcação sob seu comando no interior de zona de praticagem específica ou em parte dela, os quais serão considerados como práticos nesta situação exclusiva. Art. 14. O serviço de praticagem, considerado atividade essencial, deve estar permanentemente disponível nas zonas de praticagem estabelecidas. Parágrafo único. Para assegurar o disposto no caput deste artigo, a autoridade marítima poderá: I - estabelecer o número de práticos necessário para cada zona de praticagem; II - fixar o preço do serviço em cada zona de praticagem; III - requisitar o serviço de práticos. Art. 15. O prático não pode recusar-se à prestação do serviço de praticagem, sob pena de suspensão do certificado de habilitação ou, em caso de reincidência, cancelamento deste.

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Informativo 612-STJ (25/10/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 11

Decreto nº 7.860/2012 O Presidente da República editou o Decreto nº 7.860/2012 com o objetivo de regular alguns aspectos referentes à praticagem. Veja o que diz o art. 1º:

Art. 1º Fica criada a Comissão Nacional para Assuntos de Praticagem, com o objetivo de propor: I - metodologia de regulação de preços do serviço de praticagem; II - preços máximos do serviço de praticagem em cada Zona de Praticagem; III - medidas para o aperfeiçoamento da regulação do serviço de praticagem em cada Zona de Praticagem; e IV - abrangência de cada Zona de Praticagem. Parágrafo único. As propostas serão submetidas à Autoridade Marítima para homologação. Art. 2º A Comissão Nacional para Assuntos de Praticagem será composta por cinco membros titulares e respectivos suplentes, que representarão os seguintes órgãos e entidade: I - Ministério da Defesa, representado pela Autoridade Marítima, que a presidirá; III - Ministério da Fazenda; IV - Ministério dos Transportes; e V - Agência Nacional de Transportes Aquaviários.

Por força desse Decreto, caberia a essa comissão governamental definir os preços máximos do serviço de praticagem. Como era de se esperar, o Sindicato dos Práticos não concordou com esse art. 1º, II, do Decreto e questionou a sua legalidade. O Sindicato argumentou que somente por lei em sentido formal seria possível a imposição de preço ao serviço de praticagem. Sustentou que o Poder Público não poderia, por meio de decreto, promover a fixação dos preços a serem pagos nos serviços de praticagem nem mesmo a criação de comissão que tenha tal finalidade, haja vista a natureza da atividade, que somente admitiria intervenção para a hipótese de receio de interrupção do serviço. O STJ concordou com os argumentos do Sindicato? SIM.

Não é válido o disposto no art. 1º, II, do Decreto nº 7.860/2012, que estabelece a intervenção da autoridade pública na atividade de praticagem para promover, de forma ordinária e permanente, a fixação dos preços máximos a serem pagos na contratação dos serviços em cada zona portuária. STJ. 2ª Turma. REsp 1.662.196-RJ, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 19/09/2017 (Info 612).

Pela leitura dos arts. 4º, 12, 13 e 14 da Lei nº 9.537/97, percebe-se que o serviço de praticagem tem natureza privada, sendo confiada a particular (práticos) que preencher os requisitos estabelecidos pela autoridade pública para sua seleção e habilitação, e entregue à livre iniciativa e concorrência. O art. 14, parágrafo único, II, da Lei nº 9.537/97 prevê a possibilidade de a autoridade marítima fixar “o preço do serviço em cada zona de praticagem”. Ao se interpretar de forma sistemática esse dispositivo, em conjunto com o restante da lei e com a CF/88, conclui-se que essa interferência da autoridade marítima na fixação dos preços dos serviços de praticagem somente ocorre em caráter excepcional, para que não se cesse ou se interrompa o regular andamento das atividades.

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Informativo 612-STJ (25/10/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 12

A interferência do Estado na formação do preço somente pode ser admitida em situações excepcionais de total desordem de um setor de mercado e por prazo limitado, sob o risco de macular o modelo concebido pela CF/88, com exceção dos casos em que a própria Carta Constitucional instituiu o regime de exploração por monopólio público. É inconcebível, no modelo constitucional brasileiro, a intervenção do Estado no controle de preços de forma permanente, como política pública ordinária, em atividade manifestamente entregue à livre iniciativa e concorrência, ainda que definida como essencial. O limite de um decreto regulamentar é dar efetividade ou aplicabilidade a uma norma já existente, não lhe sendo possível a ampliação ou restrição de conteúdo, sob pena de ofensa à ordem constitucional. Assim, o STJ considerou que o art. 1º, II, do Decreto nº 7.860/2012 extrapolou a lei ao permitir que a autoridade pública, de forma ordinária (constante) e permanente, fixe os preços máximos dos serviços de praticagem.

DIREITO CIVIL

RESPONSABILIDADE CIVIL Policial que, fora de suas funções, prende vizinho por conta de

xingamentos sofridos, pratica ato ilícito que gera dano moral in re ipsa

A privação da liberdade por policial fora do exercício de suas funções e com reconhecido excesso na conduta caracteriza dano moral in re ipsa.

Durante uma discussão no condomínio, um morador, que é policial, algemou e prendeu seu vizinho, após ser por ele ofendido verbalmente.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.675.015-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/9/2017 (Info 612).

Imagine a seguinte situação hipotética: João e Pedro moram no mesmo condomínio e discutiram por causa de uma vaga na garagem. Durante a discussão, Pedro afirmou que João era um “policialzinho de merda”. Diante disso, João, que é policial militar, algemou Pedro e o levou preso até a delegacia de polícia sob o argumento de que teria praticado desacato. Vale ressaltar que João não estava no exercício de suas funções durante a briga e que Pedro possuía 60 anos de idade. Depois do ocorrido, Pedro ajuizou ação de indenização por danos morais contra João. O réu, ao contestar a ação, afirmou, dentre outros argumentos, que não restou comprovado o dano moral e que, portanto, não seria devida a indenização. O argumento do réu foi acolhido pelo STJ? NÃO.

A privação da liberdade por policial fora do exercício de suas funções e com reconhecido excesso na conduta caracteriza dano moral in re ipsa. STJ. 3ª Turma. REsp 1.675.015-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/9/2017 (Info 612).

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Informativo 612-STJ (25/10/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 13

Constitui grave violação da integridade física e psíquica do indivíduo, e, portanto, ofensa à sua dignidade enquanto ser humano, a privação indevida da liberdade, sobretudo por preposto do Estado e fora do exercício das funções, caracterizando dano moral in re ipsa. O réu agiu de forma arbitrária ao algemar o vizinho, pessoa idosa, no interior do condomínio onde moram, em meio à uma discussão, caracterizando-se, assim, a ofensa a sua liberdade pessoal e, consequentemente, a sua dignidade. Tal situação causa, indiscutivelmente, dano moral.

DIREITO DO CONSUMIDOR

DIREITO À INFORMAÇÃO Além de avisar que “contém glúten”, as embalagens dos produtos deverão também alertar que o glúten é prejudicial para celíacos

Importante!!!

O fornecedor de alimentos deve complementar a informação-conteúdo "contém glúten" com a informação-advertência de que o glúten é prejudicial à saúde dos consumidores com doença celíaca.

STJ. Corte Especial. EREsp 1.515.895-MS, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 20/09/2017 (Info 612).

Imagine a seguinte situação hipotética: “Biscotto” é uma indústria de bolachas e biscoitos. Seus produtos são todos feitos à base de farinha de trigo. Em razão disso, existe a presença de glúten na sua composição. Por conta dessa circunstância, as embalagens dos seus produtos possuem a seguinte informação destinada ao consumidor: “contém glúten”. Ocorre que uma associação de defesa do consumidor entendeu que essa informação seria incompleta para a proteção efetiva das pessoas. Diante disso, ingressou com ação civil pública contra a indústria pedindo que a ré fosse condenada a veicular no rótulo dos alimentos industrializados que produz a informação com a seguinte mensagem mais completa: “Contém glúten. O glúten é prejudicial à saúde das pessoas com doença celíaca.” O STJ concordou com o pedido formulado pela associação? É necessário que o fornecedor complemente a informação com essa advertência? SIM.

O fornecedor de alimentos deve complementar a informação-conteúdo "contém glúten" com a informação-advertência de que o glúten é prejudicial à saúde dos consumidores com doença celíaca. STJ. Corte Especial. EREsp 1.515.895-MS, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 20/09/2017 (Info 612).

Direito à informação O direito à informação está relacionado com a liberdade de escolha daquele que consome, direito básico previsto nos incisos II e III do art. 6º do CDC:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

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Informativo 612-STJ (25/10/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 14

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

Por força desse direito, é dever dos fornecedores veicular de forma correta, fidedigna e satisfatória as informações sobre os produtos e os serviços postos no mercado de consumo. A autodeterminação do consumidor, ou seja, a sua liberdade de escolha depende, essencialmente, da informação que lhe é transmitida. Se a informação é adequada, o consumidor age com mais consciência; se a informação é falsa, inexistente, incompleta ou omissa, retira-se a liberdade de escolha consciente do consumidor. Ao cuidar da oferta nas práticas comerciais, o CDC, em seu art. 31, deixa claro o dever de informar que os fornecedores possuem:

Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores. Parágrafo único. As informações de que trata este artigo, nos produtos refrigerados oferecidos ao consumidor, serão gravadas de forma indelével.

Quatro categorias de informação Se você observar bem o art. 31 do CDC, irá notar que existem, pelo menos, quatro categorias de informação, intimamente relacionadas:

CATEGORIAS DE INFORMAÇÃO

Informação-CONTEÚDO Informação-UTILIZAÇÃO Informação-PREÇO Informação-ADVERTÊNCIA

São as características intrínsecas do produto ou serviço.

São as instruções para o uso do produto ou serviço.

Indicam o custo, as formas e as condições de pagamento.

Estão ligadas aos riscos do produto ou serviço.

O fornecedor possui pleno conhecimento do produto ou serviço oferecido. Por essa razão, ele é o responsável por prestar ao consumidor, que é considerado o polo vulnerável ou hipervulnerável (que desconhece todo esse processo), o necessário esclarecimento para que este possa tomar atitude consciente diante do produto posto à venda no mercado: adquiri-lo ou rechaçá-lo. Necessidade de a informação-conteúdo "contém glúten" vir acompanhada da informação-advertência quanto aos riscos do glúten à saúde dos doentes celíacos A expressão “contém glúten” é apenas uma informação-conteúdo, devendo ser complementada por uma informação-advertência, com o objetivo de proteger o consumidor com doença ou síndrome celíaca. Em razão dos “riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores” (art. 31, caput, do CDC), a oferta e a apresentação de alimentos com glúten não devem trazer apenas a informação-conteúdo “contém glúten”, pois esta é omissa e incompleta perante as exigências do Código do Consumidor, que, em seu art. 37, §§ 1º e 3º, estabelece:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. § 1º É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. (...) § 3º Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

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Informativo 612-STJ (25/10/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 15

No Direito do Consumidor, não é válida a “meia informação” ou a “informação incompleta”. Também não é suficiente oferecer a informação, pois é preciso saber transmiti-la, já que mesmo a informação completa e verdadeira pode vir a apresentar deficiência na forma como é exteriorizada ou recebida pelo consumidor. Em suma, a informação-conteúdo “contém glúten” é insuficiente para alertar e prevenir o consumidor hipervulnerável sobre a prejudicialidade do glúten à sua saúde, devendo ser complementada pela informação-advertência. Prevenção e controle da doença celíaca prevista na Lei nº 10.674/2003 A Lei nº 10.674/2003, em seu art. 1º, dispõe que os produtos alimentícios comercializados devem informar sobre a presença de glúten em sua composição, como medida preventiva e de controle da doença celíaca:

Art. 1º Todos os alimentos industrializados deverão conter em seu rótulo e bula, obrigatoriamente, as inscrições “contém Glúten” ou “não contém Glúten”, conforme o caso.

O art. 1º da Lei nº 10.674/2003 é, porém, lacunoso quando estabelece que os alimentos industrializados devem trazer em seu rótulo e bula a informação “contém glúten”, isso é, apenas a informação-conteúdo. Em outras palavras, é certo que ele não exige expressamente uma advertência adicional alertando os consumidores sobre os malefícios do glúten para pessoas celíacas. Apesar dessa omissão, entende-se que a Lei nº 10.674/2003 (Lei do Glúten) não esvazia o comando do art. 31 do CDC, que determina, na parte final de seu caput, que o fornecedor de produtos ou serviços deve informar “sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores”, o que equivale a uma necessária informação-advertência. Assim, para que a informação seja correta, clara e precisa, torna-se necessária, portanto, a integração jurídica entre a Lei do Glúten (lei especial) e o CDC (lei geral), pois, em matéria de fornecimento de alimentos e medicamentos, ainda mais a consumidores hipervulneráveis, não se pode contentar com o standard mínimo e sim com o standard mais completo possível. Dessa forma, o fornecedor de alimentos deve complementar a informação-conteúdo “contém glúten” com a advertência do prejuízo que o glúten causa à saúde dos consumidores com doença celíaca.

COMPRA E VENDA DE IMÓVEL Validade da cláusula de tolerância

Importante!!!

No contrato de promessa de compra e venda de imóvel em construção (“imóvel na planta”), além do período previsto para o término do empreendimento, há, comumente, uma cláusula prevendo a possibilidade de prorrogação excepcional do prazo de entrega da unidade ou de conclusão da obra por um prazo que varia entre 90 e 180 dias. Isso é chamado de “cláusula de tolerância”.

Não é abusiva a cláusula de tolerância nos contratos de promessa de compra e venda de imóvel em construção, desde que o prazo máximo de prorrogação seja de até 180 dias.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.582.318-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 12/9/2017 (Info 612).

Imagine a seguinte situação: João deseja comprar um apartamento e procura uma incorporadora imobiliária. Ele celebra, então, um contrato de promessa de compra e venda com a incorporadora para aquisição de um apartamento que está sendo construído e que seria entregue em 05/05/2017.

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Informativo 612-STJ (25/10/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 16

O comprador compromete-se a pagar todos os meses uma determinada quantia e a incorporadora obriga-se a entregar o apartamento nesta data futura e certa. Ocorre que a cláusula 5.1.3 do ajuste previa que a construtora poderia prorrogar esse prazo de entrega em mais 180 dias, ou seja, poderia atrasar a entrega. O contrato previa que se a construtora não cumprisse a data de 05/05/2017, mas entregasse o imóvel dentro do prazo de 180 dias, ela não teria que pagar multa ou qualquer espécie de indenização ao adquirente. Qual é o nome dessa cláusula? É conhecida como “cláusula de tolerância” ou “prazo de tolerância”. Voltando ao nosso exemplo: Suponhamos que o apartamento foi entregue a João em 05/10/2017, ou seja, após a data estipulada, mas dentro do “prazo de tolerância”. Ocorre que João não ficou satisfeito e ajuizou ação de indenização contra a construtora alegando que a “cláusula de tolerância” seria abusiva. Isso porque essa tolerância não é estabelecida para o caso de deixar de pagar ou atrasar uma das prestações. Logo, segundo argumentou João, o contrato prevê uma vantagem excessiva em favor do fornecedor, sendo que essa mesma prerrogativa não é conferida ao consumidor. A referida cláusula seria, portanto, nula de pleno direito por colocar o consumidor em desvantagem exagerada, consoante preconiza o art. 51, IV, do CDC:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...) IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

A tese de João foi acolhida pelo STJ? A “cláusula de tolerância” é abusiva? NÃO.

Não é abusiva a cláusula de tolerância nos contratos de promessa de compra e venda de imóvel em construção que prevê prorrogação do prazo inicial para a entrega da obra pelo lapso máximo de 180 (cento e oitenta) dias. STJ. 3ª Turma. REsp 1.582.318-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 12/9/2017 (Info 612).

Existem, no mercado, diversos fatores de imprevisibilidade que podem afetar negativamente a construção de edificações e onerar excessivamente os incorporadores e construtoras, tais como intempéries, chuvas, escassez de insumos, greves, falta de mão de obra, crise no setor, entre outros contratempos. Assim, diante da complexidade desse negócio, é justificada a existência de uma cláusula contratual prevendo a possibilidade de eventual prorrogação do prazo de entrega da obra. A própria Lei de Incorporações Imobiliárias (Lei nº 4.591/64) prevê a possibilidade de prorrogação:

Art. 48. (...) § 2º Do contrato deverá constar a prazo da entrega das obras e as condições e formas de sua eventual prorrogação.

Logo, observa-se que a cláusula de tolerância para atraso de obra possui amparo legal, não constituindo abuso de direito (art. 187 do CC).

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Informativo 612-STJ (25/10/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 17

Por outro lado, não se verifica também, para fins de mora contratual, nenhuma desvantagem exagerada em desfavor do consumidor, o que comprometeria o princípio da equivalência das prestações estabelecidas. É que a disposição contratual de prorrogação da entrega do empreendimento adveio das práticas do mercado de construção civil consolidadas há décadas, ou seja, originou-se dos costumes da área, sobretudo para amenizar o risco da atividade, haja vista a dificuldade de se fixar data certa para o término de obra de grande magnitude sujeita a diversos obstáculos e situações imprevisíveis, o que concorre para a diminuição do preço final da unidade habitacional a ser suportada pelo adquirente. De fato, quanto maior o risco do empreendimento, maior o preço final ao consumidor. Prazo máximo de tolerância: 180 dias O STJ afirmou, contudo, que esse prazo de tolerância deverá ser de, no máximo, 180 dias, visto que, por analogia, é o prazo de validade do registro da incorporação e da carência para desistir do empreendimento (arts. 33 e 34, § 2º, da Lei nº 4.591/64 e 12 da Lei nº 4.864/65) e é o prazo máximo para que o fornecedor sane vício do produto (art. 18, § 2º, do CDC). Assim, a cláusula de tolerância que estipular prazo de prorrogação superior a 180 (cento e oitenta) dias será considerada abusiva, devendo ser desconsiderados os dias excedentes. Dever de informação Vale ressaltar, por fim, que o incorporador terá que informar claramente o consumidor, inclusive em ofertas, informes e peças publicitárias, do eventual prazo de prorrogação para a entrega da unidade imobiliária, sob pena de haver publicidade enganosa, cujo descumprimento implicará responsabilidade civil.

CONTRATOS BANCÁRIOS O limite de desconto do empréstimo consignado não se aplica aos contratos de mútuo bancário

em que o cliente autoriza o débito das prestações em conta-corrente

Importante!!!

A limitação de desconto ao empréstimo consignado, em percentual estabelecido pelo art. 45 da Lei nº 8.112/90 e pelo art. 1º da Lei nº 10.820/2003, não se aplica aos contratos de mútuo bancário em que o cliente autoriza o débito das prestações em conta-corrente.

Empréstimo consignado é diferente de débito das prestações do empréstimo em conta-corrente autorizado pelo cliente. Na consignação em folha de pagamento, antes mesmo de a pessoa receber sua remuneração, já há o desconto da quantia, o que é efetuado pelo próprio empregador/órgão pagador. No segundo caso, o devedor faz um empréstimo e autoriza que o credor desconte as parcelas do valor que ele tiver na conta-corrente.

Os arts. 45 da Lei nº 8.112/1990 e 1º da Lei nº 10.820/2003 preveem que o limite de desconto das parcelas do empréstimo consignado é de 30%. Tal limite, contudo, não vale para os contratos de mútuo bancário em que o cliente autoriza o débito das prestações em conta-corrente.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.586.910-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 29/08/2017 (Info 612).

Imagine a seguinte situação hipotética: João é servidor público aposentado e recebe seus proventos no banco “BB”. João fez contrato de mútuo com o banco e as parcelas são descontadas diretamente de conta-corrente todas as vezes em que é depositado algum dinheiro (ex: quando é depositada a aposentadoria). Ocorre que João está passando por dificuldades financeiras. Isso porque cerca de 50% do valor depositado é descontado para o pagamento das parcelas dos empréstimos.

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Informativo 612-STJ (25/10/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 18

Diante disso, João ingressou com ação judicial contra o banco pedindo para limitar o desconto em conta-corrente ao percentual previsto no art. 45 da Lei nº 8.112/90 e no art. 1º da Lei nº 10.820/2003:

Art. 45. Salvo por imposição legal, ou mandado judicial, nenhum desconto incidirá sobre a remuneração ou provento. § 1º Mediante autorização do servidor, poderá haver consignação em folha de pagamento em favor de terceiros, a critério da administração e com reposição de custos, na forma definida em regulamento. § 2º O total de consignações facultativas de que trata o § 1º não excederá a 35% (trinta e cinco por cento) da remuneração mensal, sendo 5% (cinco por cento) reservados exclusivamente para: I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.

Art. 1º Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos. § 1º O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento, cartão de crédito ou arrendamento mercantil, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento), sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. § 2º O regulamento disporá sobre os limites de valor do empréstimo, da prestação consignável para os fins do caput e do comprometimento das verbas rescisórias para os fins do § 1º deste artigo. § 3º Os empregados de que trata o caput poderão solicitar o bloqueio, a qualquer tempo, de novos descontos. § 4º O disposto no § 3º não se aplica aos descontos autorizados em data anterior à da solicitação do bloqueio. § 5º Nas operações de crédito consignado de que trata este artigo, o empregado poderá oferecer em garantia, de forma irrevogável e irretratável, até 10% (dez por cento) do saldo de sua conta vinculada no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS e até 100% (cem por cento) do valor da multa paga pelo empregador, em caso de despedida sem justa causa ou de despedida por culpa recíproca ou força maior, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 18 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990. § 6º A garantia de que trata o § 5º só poderá ser acionada na ocorrência de despedida sem justa causa, inclusive a indireta, ou de despedida por culpa recíproca ou força maior, não se aplicando, em relação à referida garantia, o disposto no § 2º do art. 2º da Lei nº 8.036, de 1990.

O STJ acolheu o pedido do autor? NÃO. Vamos entender as razões. Empréstimo consignado x débito em conta-corrente autorizado pelo cliente A primeira informação importante a ser ressaltada é que o contrato feito por João não se trata de consignação em folha de pagamento. Na consignação em folha de pagamento, antes mesmo de a pessoa receber sua remuneração/proventos, já há o desconto da quantia, o que é efetuado pelo próprio órgão ou entidade pagadora. Em outras

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Informativo 612-STJ (25/10/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19

palavras, há um desconto direto no salário, remuneração ou aposentadoria, com a participação do empregador/órgão público. Aqui a situação é diferente. A remuneração/aposentadoria é integralmente depositada na conta-corrente e, em seguida, são efetuados os descontos das parcelas da prestação por força de previsão contratual. Vale ressaltar que no empréstimo consignado em folha de pagamento, se é depositada na conta do devedor uma quantia referente a outra fonte de renda (ex: um “bico” feito pelo mutuário) ou a doação de amigo, tal quantia não entrará no desconto. Por outro lado, se foi um mútuo com autorização para desconto na conta-corrente, tais valores poderão ser utilizados para abater o empréstimo. Veja, por fim, uma terceira distinção: ao contrário do que sucede com o crédito consignado, no caso do débito em conta-corrente autorizado pelo cliente, o empregado/aposentador poderia, em tese, solicitar do empregador o pagamento do salário/aposentadoria em outro banco, arcando com as consequências do inadimplemento. Em outras palavras, em tese, João poderia pedir ao órgão pagador que depositasse sua aposentadoria no banco “CC”. Neste caso, o valor seria depositado integralmente e o banco “BB” teria que ingressar com uma execução, por exemplo, contra o devedor. No caso do empréstimo consignado, todavia, essa possibilidade não está ao alcance do mutuário. Limitação prevista nas leis é para empréstimos consignados A limitação trazida pelo art. 45 da Lei nº 8.112/90 e pelo art. 1º da Lei nº 10.820/2003 refere-se à consignação em folha de pagamento (e não para o desconto das prestações do empréstimo contratado). Dessa forma, o percentual máximo previsto nessas leis somente se justifica nas hipóteses que ela expressamente delimita (consignação ou desconto na folha de pagamento), não se podendo afastar da máxima segundo a qual a lei não contém palavras inúteis ou desnecessárias. A aplicação da analogia, no presente caso, significaria restringir o direito do credor, além de violar o princípio da autonomia privada. O desconto não era em conta-salário Importante esclarecer também que os descontos eram efetuados na conta-corrente do devedor (e não em uma conta-salário). É relevante dizer isso porque a conta-salário tem uma disciplina jurídica própria, servindo apenas para o crédito de salário, não admitindo descontos facultativos e sequer a entrega de talão de cheques. Não se trata, portanto, de penhora de salário nem de consignação em pagamento, mas sim de desconto livremente pactuado e autorizado pelo devedor, em benefício próprio, tendo em vista que as taxas de juros aplicáveis para esse tipo de mútuo são menores do que outras espécies de empréstimo. Em suma:

A limitação de desconto ao empréstimo consignado, em percentual estabelecido pelo art. 45 da Lei nº 8.112/90 e pelo art. 1º da Lei nº 10.820/2003, não se aplica aos contratos de mútuo bancário em que o cliente autoriza o débito das prestações em conta-corrente. STJ. 4ª Turma. REsp 1.586.910-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 29/08/2017 (Info 612).

O entendimento acima é pacífico? NÃO. Existem julgados da 3ª Turma em sentido contrário. Nesse sentido:

(...) 1. Validade da cláusula autorizadora de desconto em conta-corrente para pagamento das prestações do contrato de empréstimo, ainda que se trate de conta utilizada para recebimento de salário. 2. Os descontos, todavia, não podem ultrapassar 30% (trinta por cento) da remuneração líquida percebida pelo devedor, após deduzidos os descontos obrigatórios (Previdência e Imposto de Renda). 3. Preservação do mínimo existencial, em consonância com o princípio da dignidade humana. Doutrina sobre o tema. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 1584501/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 06/10/2016.

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PLANO DE SAÚDE Custeio das sessões de psicoterapia além dos limites previstos no contrato

É abusiva a cláusula contratual ou o ato da operadora de plano de saúde que limite ou interrompa o tratamento psicoterápico oferecido ao usuário sob o argumento de que já se esgotou o número máximo de sessões anuais asseguradas no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS.

Depois que terminarem as sessões obrigatórias que o plano tem o dever de custear integralmente, deverão continuar sendo oferecidas as sessões necessárias para o tratamento, no entanto, a partir daí, o custo delas será dividido, em regime de coparticipação, entre o plano de saúde e o usuário.

Ex: o médico solicitou para João 40 sessões de psicoterapia. Contudo, a ANS prevê que os planos de saúde são obrigados a custear apenas 18; para o STJ, isso significa que essas 18 o plano irá pagar sozinho e as 22 a mais deverão ser custeadas, de forma dividida, entre o plano e o usuário (João).

STJ. 3ª Turma. REsp 1.679.190-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 26/09/2017 (Info 612).

Imagine a seguinte situação hipotética: João é cliente do plano de saúde “Saúde Mil”. Ele foi diagnosticado com depressão e o médico que o atendeu solicitou 40 sessões de psicoterapia para tratar a enfermidade. Contudo, a operadora do plano de saúde autorizou apenas 18 sessões com o psicólogo, afirmando que este é o número máximo de sessões por ano, conforme previsão contratual, respaldada na Resolução Normativa nº 387/2015, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que especifica a cobertura obrigatória mínima dos planos de saúde. Em outras palavras, o plano de saúde afirmou que o contrato somente prevê 18 sessões de psicoterapia por ano e que isso é autorizado pela ANS. Diante disso, João ingressou com ação judicial pedindo a cobertura completa do tratamento psicológico. A questão chegou até o STJ. O que decidiu o Tribunal? O STJ entendeu que a cláusula contratual que limita o número de sessões de psicoterapia é abusiva. Aplicação do CDC Vale ressaltar, inicialmente, que, apesar de os planos e seguros privados de assistência à saúde serem regidos pela Lei nº 9.656/98, eles são enquadrados no conceito de fornecedor, existindo, pois, relação de consumo. Logo, tais contratos são regidos pelo Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido:

Súmula 469-STJ: Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde.

Vale ressaltar, no entanto, e isso pouca gente sabe, que o CDC é aplicado apenas subsidiariamente, conforme preconiza o art. 35-G da Lei nº 9.656/98:

Art. 35-G. Aplicam-se subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei as disposições da Lei nº8.078, de 1990.

Tratamentos psicoterápicos são contínuos e de longa duração Realmente, a Resolução Normativa da ANS estipula que os planos de saúde somente são obrigados a cobrir 18 sessões de psicoterapia por ano. Ocorre que os tratamentos psicoterápicos são contínuos e de longa duração, de modo que um número tão exíguo de sessões anuais não é capaz de remediar a maioria dos distúrbios mentais.

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Em outras palavras, essa restrição tão severa de cobertura poderá provocar a interrupção da própria terapia, o que comprometerá o restabelecimento da higidez mental do usuário, a contrariar não só princípios consumeristas, mas também os de atenção integral à saúde na Saúde Suplementar. Vale ressaltar que é o médico ou o profissional habilitado (no caso, psicólogo) que possui os conhecimentos necessários para definir o período de atendimento adequado segundo as necessidades de cada paciente, de forma que a operadora não pode limitar o número de sessões recomendadas para o tratamento integral de determinado transtorno mental. Justamente por isso, deve ser considerada abusiva qualquer cláusula contratual ou ato da operadora de plano de saúde que importe em interrupção de tratamento psicoterápico por esgotamento do número de sessões anuais asseguradas no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, visto que se revela incompatível com a equidade e a boa-fé, colocando o usuário (consumidor) em situação de desvantagem exagerada (art. 51, IV, do CDC). Como interpretar, então, a Resolução Normativa da ANS que estipula o número de sessões que o plano está obrigado? O número de consultas/sessões anuais de psicoterapia fixado pela ANS deve ser considerado apenas como cobertura obrigatória mínima a ser custeada plenamente pela operadora de plano de saúde. O que isso significa? Que se houver necessidade de mais sessões do que as 18 anuais, elas deverão ser suportadas tanto pela operadora quanto pelo usuário, em regime de coparticipação, aplicando-se, por analogia, o que ocorre nas hipóteses de internação em clínica psiquiátrica, sobretudo quando superados os 30 (trinta) dias de garantia (arts. 16, VIII, da Lei nº 9.656/98; 2º, VII e VIII, e 4º, VII, da Resolução CONSU nº 8/1998 e 22, II, da RN ANS nº 387/2015). Assim, no exemplo dado: João precisava de 40 sessões; a ANS afirma que são obrigatórias apenas 18; isso significa que essas 18 o plano irá pagar sozinho e as 22 a mais serão custeadas, de forma dividida, entre o plano e o usuário (João). Coparticipação A estipulação de coparticipação nessas situações se revela necessária, considerando que, por um lado, impede a concessão de consultas indiscriminadas ou o prolongamento em demasia de tratamentos e, por outro, restabelece o equilíbrio contratual (art. 51, § 2º, do CDC), visto que as sessões acima do limite mínimo estipulado pela ANS não foram consideradas no cálculo atuarial do plano de saúde. Dessa forma, evita-se a onerosidade excessiva para ambas as partes. Em resumo:

É abusiva a cláusula contratual ou o ato da operadora de plano de saúde que limite ou interrompa o tratamento psicoterápico oferecido ao usuário sob o argumento de que já se esgotou o número máximo de sessões anuais asseguradas no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS. Depois que terminarem as sessões obrigatórias que o plano tem o dever de custear integralmente, deverão continuar sendo oferecidas as sessões necessárias para o tratamento, no entanto, a partir daí, o custo delas será dividido, em regime de coparticipação, entre o plano de saúde e o usuário. STJ. 3ª Turma. REsp 1.679.190-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 26/09/2017 (Info 612).

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DIREITO EMPRESARIAL

TRADE DRESS Para analisar se houve violação do trade dress, é indispensável a prova pericial

Trade dress ou conjunto-imagem consiste no conjunto de elementos distintivos que caracterizam um produto, um serviço ou um estabelecimento comercial fazendo com que o mercado consumidor os identifique.

A caracterização de concorrência desleal por confusão, apta a ensejar a proteção ao conjunto-imagem (trade dress) de bens e produtos, é questão fática a ser examinada por meio de perícia técnica.

Ainda que se esteja diante de uma notória semelhança entre os dois produtos, é indispensável analisar se esta similitude é aceitável do ponto de vista legal ou se estamos diante de um ato abusivo, usurpador de conjunto-imagem alheio e passível de confundir o consumidor.

Ex: a empresa líder do mercado ajuizou ação contra a ré (empresa nova) afirmando que esta passou a utilizar embalagem copiando as cores e o design da autora. Será necessária perícia.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.353.451-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 19/09/2017 (Info 612).

Imagine a seguinte situação adaptada: “Leto” e “Fonte” são duas marcas concorrentes, que fabricam algodão. A empresa titular da marca “Leto” ajuizou ação de obrigação de fazer cumulada com indenização contra a empresa titular da marca “Fonte”. Na ação, a “Leto” afirmou que é líder do mercado e que a ré (empresa nova) passou a utilizar embalagem copiando as cores e o design da autora. Em outras palavras, a “Leto” afirmou que a “Fonte” está imitando sua embalagem com o objetivo de confundir o público consumidor. Proteção ao conjunto-imagem (trade dress) Trade dress ou conjunto-imagem consiste no conjunto de elementos distintivos que caracterizam um produto, um serviço ou um estabelecimento comercial fazendo com que o mercado consumidor os identifique. Nas palavras do Min. Marco Aurélio Bellizze: “O conjunto-imagem (trade dress) é a soma de elementos visuais e sensitivos que traduzem uma forma peculiar e suficientemente distintiva, vinculando-se à sua identidade visual, de apresentação do bem no mercado consumidor.” Ao contrário de outros países, no Brasil ainda não existe uma legislação que proteja, de forma específica, as violações ao trade dress. Apesar disso, a jurisprudência tem protegido os titulares das marcas copiadas. Nesse sentido:

(...) A despeito da ausência de expressa previsão no ordenamento jurídico pátrio acerca da proteção ao trade dress, é inegável que o arcabouço legal brasileiro confere amparo ao conjunto-imagem, sobretudo porque sua usurpação encontra óbice na repressão da concorrência desleal. Incidência de normas de direito de propriedade industrial, de direito do consumidor e do Código Civil. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 1677787/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/09/2017.

Trade dress é diferente de marca e desenho industrial O conjunto-imagem distingue-se dos institutos denominados “marca” e “desenho industrial”. Tanto a marca, como o desenho industrial e o conjunto-imagem têm, em comum, a finalidade de designar um produto, mercadoria ou serviço, diferenciando-o dos concorrentes. Apesar da finalidade ser semelhante, eles possuem características diferentes.

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Marca É um sinal que designa a origem do produto, mercadoria ou serviço. A marca cria um vínculo duradouro entre o bem e a pessoa que o colocou em circulação As marcas, para serem registradas, devem atender à distintividade ou novidade relativa, ou seja, dentro do mercado em que se insere o produto, o sinal visivelmente perceptível deve se distanciar do domínio comum, a fim de propiciar a utilização comercial exclusiva por seu titular. Esta fruição exclusiva, que será assegurada por meio do registro, pode se estender indefinidamente no tempo, desde que promovidas as tempestivas prorrogações. Isso porque o direito de exclusividade da marca tem por escopo assegurar ao consumidor a correspondência entre o produto designado e a empresa que o colocou em circulação. Desenho industrial Protege a configuração externa de um objeto tridimensional ou um padrão ornamental (bidimensional) que possa ser aplicado a uma superfície ou a um objeto. O desenho industrial insere no mercado uma inovação estética em objeto comum ou facilmente reproduzível em escala industrial. O desenho industrial, por se caracterizar em uma inovação estética facilmente reproduzível em escala industrial, a partir de sua publicidade, passa a integrar o estado da técnica. Nota-se, portanto, que o desenvolvimento de desenhos industriais movimenta-se, ao longo do tempo, numa crescente, podendo ser posteriormente incorporada pelos produtos de seus concorrentes de forma lícita e regular. Ao seu desenvolvedor (autor) é assegurado, mediante registro, o direito de exploração exclusiva, porém temporária (até, no máximo, 25 anos), nos termos do art. 108 da Lei nº 9.279/96. Trade dress O denominado trade dress, não disciplinado na legislação nacional atual, tem por finalidade proteger o conjunto visual global de um produto ou a forma de prestação de um serviço. Materializa-se, portanto, pela associação de variados elementos que, conjugados, traduzem uma forma peculiar e suficientemente distintiva de inserção do bem no mercado consumidor, vinculando-se à identidade visual dos produtos ou serviços. Como vimos, apesar de não haver legislação específica, a proteção do trade dress é assegurada com fundamento no dever geral de garantia de livre mercado, ou seja, no dever estatal de assegurar o funcionamento saudável do mercado, de forma a expurgar condutas desleais tendentes a criar distorções de concorrência. Violação ao trade dress O trade dress é violado quando uma empresa imita sutilmente diversas características da marca concorrente (normalmente a líder do mercado) com o objetivo de confundir o público e angariar vendas com base na fama da marca copiada. Exemplo de violação ao trade dress Em um caso concreto, o TJSP entendeu que uma empresa cuja marca era “Uai in box” teria violado a trade dress da “China in box”. Além do nome parecido, a empresa “Uai in box” também oferecia comida em delivery com pacotes iguais ao da “China in box”. Voltando ao exemplo: No caso concreto, o juiz indeferiu o pedido de prova pericial formulado pela ré e julgou procedente o pedido da autora reconhecendo que houve violação ao trade dress. O STJ não concordou com a decisão por entende que esse tema exige discussão fática para o qual é indispensável a prova pericial:

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A caracterização de concorrência desleal por confusão, apta a ensejar a proteção ao conjunto-imagem (trade dress) de bens e produtos é questão fática a ser examinada por meio de perícia técnica. STJ. 3ª Turma. REsp 1.353.451-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 19/09/2017 (Info 612).

Ainda que se esteja diante de uma notória semelhança entre os dois produtos, é indispensável analisar se esta similitude é aceitável do ponto de vista legal ou se estamos diante de um ato abusivo, usurpador de conjunto-imagem alheio e passível de confundir o consumidor. A dificuldade existe no fato de que muitas das características que assemelham os produtos se situam numa zona limítrofe entre o que se admite como concorrência saudável – e até desejável – e o que se reputa concorrência desleal e parasitária. Assim, a confusão que caracteriza concorrência desleal é questão fática, sujeita a exame técnico, a fim de averiguar o mercado em que inserido o bem e serviço e o resultado da entrada de novo produto na competição, de modo a se alcançar a imprevisibilidade da conduta anticompetitiva aos olhos do mercado. Nesses casos, não é possível, portanto, que o magistrado consulte única e exclusivamente o seu íntimo para concluir pela existência de confusão. Dessa forma, o indeferimento de prova técnica, para utilizar-se de máximas da experiência como substitutivo de prova, é conduta que cerceia o direito de ampla defesa das partes.

SOCIEDADE ANÔNIMA Inventariante não pode votar em assembleia da sociedade anônima

alterando o controle da companhia e alienando bens do acervo patrimonial

O inventariante, representando o espólio, não pode votar em assembleia de sociedade anônima da qual o falecido era sócio com a pretensão de alterar o controle da companhia e vender bens do acervo patrimonial.

Os poderes de administração do inventariante são aqueles relativos à conservação dos bens inventariados para a futura partilha, dentre os quais se pode citar o pagamento de tributos e aluguéis, a realização de reparos e a aplicação de recursos, atendendo o interesse dos herdeiros.

A atuação do inventariante, alienando bens sociais e buscando modificar a natureza das ações e a própria estrutura de poder da sociedade anônima, está fora dos limites dos poderes de administração e conservação do patrimônio.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.627.286-GO, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 20/06/2017 (Info 612).

Imagine a seguinte situação hipotética: João faleceu e deixou cinco filhos. Pedro, um dos filhos, foi nomeado como inventariante. Dentre os bens deixados por João aos herdeiros havia 500 ações da sociedade anônima “ZZZ”. A sociedade anônima marcou uma assembleia geral para tratar sobre alguns assuntos da companhia. Pedro, na condição de inventariante, compareceu à assembleia e votou em nome do falecido com a finalidade de alterar a natureza das ações, convertendo ações preferenciais em ordinárias. Além disso, Pedro votou no sentido de vender bens da sociedade. Vale ressaltar que um dos filhos de João não concordava com a mudança da natureza das ações em virtude de já possuir mais ações ordinárias que os demais herdeiros. Agiu corretamente Pedro? NÃO.

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No momento da sucessão (morte do autor da herança), o patrimônio do falecido se constitui numa universalidade de bens, que sofrerá divisão com o término da partilha. Enquanto perdura o processo de divisão do patrimônio, é preciso que alguém administre o espólio, zelando pelos bens que o integram. Essa pessoa é o inventariante. De acordo com o art. 618, II, do CPC/2015:

Art. 618. Incumbe ao inventariante: (...) II - administrar o espólio, velando-lhe os bens com a mesma diligência que teria se seus fossem;

Segundo o art. 619, I, do CPC, o inventariante somente poderá fazer a alienação de bens de qualquer espécie se ouvir previamente os interessados e desde que haja autorização judicial. O inventariante, ao participar da assembleia geral, tinha o objetivo de alterar o estatuto social da companhia para permitir a conversão de ações preferenciais em ordinárias, atendendo seu interesse pessoal e de alguns outros herdeiros. Com a alteração realizada, os herdeiros detentores de ações preferenciais, que não têm direito a voto, passariam a ter esse direito, o que poderia modificar o controle acionário da companhia. Trata-se, portanto, de ato que extrapola a simples administração. Nesse contexto, não há como entender que o voto do inventariante para modificar a natureza das ações e a própria estrutura de poder da sociedade anônima esteja dentro dos limites estabelecidos pelo art. 618, II, do CPC. Resumindo:

O inventariante, representando o espólio, não pode votar em assembleia de sociedade anônima da qual o falecido era sócio com a pretensão de alterar o controle da companhia e vender bens do acervo patrimonial. Os poderes de administração do inventariante são aqueles relativos à conservação dos bens inventariados para a futura partilha, dentre os quais se pode citar o pagamento de tributos e aluguéis, a realização de reparos e a aplicação de recursos, atendendo o interesse dos herdeiros. A atuação do inventariante, alienando bens sociais e buscando modificar a natureza das ações e a própria estrutura de poder da sociedade anônima, está fora dos limites dos poderes de administração e conservação do patrimônio. STJ. 3ª Turma. REsp 1627286/GO, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 20/06/2017.

SOCIEDADE ANÔNIMA Fechamento em branco ou indireto de capital

Não configura o fechamento em branco ou indireto de capital a hipótese de incorporação de ações de sociedade controlada para fins de transformação em subsidiária integral (art. 252 da Lei das S/A), realizada entre sociedades de capital aberto, desde que se mantenha a liquidez e a possibilidade de os acionistas alienarem as suas ações.

Assim, é desnecessária a oferta pública de ações em favor dos acionistas preferenciais da companhia que teve suas ações incorporadas, mas que continuam com plena liquidez no mercado de capitais.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.642.327-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, julgado em 19/09/2017 (Info 612).

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Imagine a seguinte situação hipotética: A sociedade empresária “AA” era titular de ações preferencias da sociedade anônima “BB”. A sociedade anônima “BB” era uma companhia de capital aberto, com ações negociadas na bolsa de valores. A sociedade anônima “CC” era a controladora da “BB”. A controladora “CC” decidiu alienar o controle da “BB” para a sociedade empresária “DD”. Para isso, foram realizadas diversas operações societárias, dentre elas a aquisição, pela “DD”, das ações do acionista controlador (“CC”). O objetivo final da “DD” era o de incorporar todas as ações da sociedade controlada (“BB”), fazendo com que ela se transformasse em uma subsidiária integral. Parêntese: subsidiária integral é uma companhia cuja totalidade de suas ações pertence a uma sociedade anônima brasileira. Daí o nome “integral”, para dizer que todas as ações pertencem integralmente a uma única companhia controladora. É, portanto, um tipo de sociedade anônima que somente admite um acionista, que deve ser uma sociedade brasileira. Alegações da sociedade empresária “AA” A sociedade empresária “AA” insurgiu-se contra essas operações societárias afirmando que o objetivo seria, de forma indireta, o de obter o fechamento de capital da empresa “BB”, da qual ela (“AA”) era acionista. A sociedade “AA” afirmou que somente poderia haver esse fechamento se fosse realizada a oferta pública para aquisição da totalidade das ações da empresa “BB” em circulação no mercado. Assim, o interesse da sociedade “AA” em qualificar a operação como fechamento de capital reside no fato de que aí o controlador da empresa “BB” teria a obrigação de formular oferta pública de aquisição de todas as ações (ordinárias e preferenciais) por preço justo, conforme previsto no art. 4º, § 4º, da Lei nº 6.404/76:

Art. 4º Para os efeitos desta Lei, a companhia é aberta ou fechada conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários. (...) § 4º O registro de companhia aberta para negociação de ações no mercado somente poderá ser cancelado se a companhia emissora de ações, o acionista controlador ou a sociedade que a controle, direta ou indiretamente, formular oferta pública para adquirir a totalidade das ações em circulação no mercado, por preço justo, ao menos igual ao valor de avaliação da companhia, apurado com base nos critérios, adotados de forma isolada ou combinada, de patrimônio líquido contábil, de patrimônio líquido avaliado a preço de mercado, de fluxo de caixa descontado, de comparação por múltiplos, de cotação das ações no mercado de valores mobiliários, ou com base em outro critério aceito pela Comissão de Valores Mobiliários, assegurada a revisão do valor da oferta, em conformidade com o disposto no art. 4º-A.

Transformar a “BB” em subsidiária integral A sociedade “AA” alegou ainda que, depois de a sociedade “DD” adquirir praticamente todas as ações da sociedade “BB”, ela iria incorporar esta última e transformá-la em sua subsidiária integral. A incorporação pode ser deliberada pelo controlador que detenha mais da metade das ações com direito a voto, restando aos minoritários dissidentes (como é o caso da “AA”) tão somente a opção pelo direito de retirada, que nem sempre é vantajosa, pois o reembolso da ação é calculado, em regra, pelo valor patrimonial da ação. Nesse sentido, é o que prevê o art. 252 da Lei das SA:

Art. 252. A incorporação de todas as ações do capital social ao patrimônio de outra companhia brasileira, para convertê-la em subsidiária integral, será submetida à deliberação da assembleia-geral das duas companhias mediante protocolo e justificação, nos termos dos artigos 224 e 225. § 1º A assembleia-geral da companhia incorporadora, se aprovar a operação, deverá autorizar o aumento do capital, a ser realizado com as ações a serem incorporadas e nomear os peritos que

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as avaliarão; os acionistas não terão direito de preferência para subscrever o aumento de capital, mas os dissidentes poderão retirar-se da companhia, observado o disposto no art. 137, II, mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 230. § 2º A assembléia-geral da companhia cujas ações houverem de ser incorporadas somente poderá aprovar a operação pelo voto de metade, no mínimo, das ações com direito a voto, e se a aprovar, autorizará a diretoria a subscrever o aumento do capital da incorporadora, por conta dos seus acionistas; os dissidentes da deliberação terão direito de retirar-se da companhia, observado o disposto no art. 137, II, mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 230. § 3º Aprovado o laudo de avaliação pela assembléia-geral da incorporadora, efetivar-se-á a incorporação e os titulares das ações incorporadas receberão diretamente da incorporadora as ações que lhes couberem. § 4º A Comissão de Valores Mobiliários estabelecerá normas especiais de avaliação e contabilização aplicáveis às operações de incorporação de ações que envolvam companhia aberta.

Dessa forma, a sociedade empresária “AA” alegou que todas as operações societárias acima explicadas tinham como objetivo transformar indiretamente a sociedade empresária “BB” em uma companhia fechada. É o que a doutrina denomina de “fechamento em branco” ou “fechamento indireto”. Teria havido, portanto, violação ao art. 4º, § 4º da Lei nº 6.404/76 acima transcrito. O STJ concordou com a tese da empresa “AA”? Houve fechamento em branco? NÃO. O STJ entendeu que não houve fechamento em branco ou indireto de capital. Como as companhias envolvidas na operação eram de capital aberto, com ações plenas de liquidez, a incorporação de ações por parte da “DD” não retirou da acionista “AA” a possibilidade de alienar suas ações no mercado de capitais. Se tivesse havido um verdadeiro fechamento de capital, as ações perderiam a liquidez, pois não poderiam mais ser negociadas no mercado de capitais. Justamente para proteger o minoritário dessa perda de liquidez é que a norma do art. 4, § 4º, exige do controlador uma oferta pública de aquisição de ações. Assim, mesmo com as operações realizadas por “DD”, a sociedade “AA” não perdeu a liquidez de suas ações, de forma que não se faz necessário aplicar a proteção do art. 4, § 4º. Em suma:

Não configura o fechamento em branco ou indireto de capital a hipótese de incorporação de ações de sociedade controlada para fins de transformação em subsidiária integral (art. 252 da Lei das S/A), realizada entre sociedades de capital aberto, desde que se mantenha a liquidez e a possibilidade de os acionistas alienarem as suas ações. STJ. 3ª Turma. REsp 1.642.327-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, julgado em 19/09/2017 (Info 612).

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

PROCESSO COLETIVO Não se aplica a remessa necessária do art. 19 da LAP para

as ações coletivas tutelando direitos individuais homogêneos

Não se admite o cabimento da remessa necessária, tal como prevista no art. 19 da Lei nº 4.717/65, nas ações coletivas que versem sobre direitos individuais homogêneos.

Ex: ação proposta pelo MP tutelando direitos individuais homogêneos de consumidores.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.374.232-ES, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/09/2017 (Info 612).

Noções gerais sobre o reexame necessário O chamado “reexame necessário” ou “duplo grau de jurisdição obrigatório” é um instituto previsto no art. 496 do CPC/2015 e em algumas leis esparsas:

Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público; II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal. § 1º Nos casos previstos neste artigo, não interposta a apelação no prazo legal, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presidente do respectivo tribunal avocá-los-á. § 2º Em qualquer dos casos referidos no § 1o, o tribunal julgará a remessa necessária.

Deixa eu explicar melhor: - Se a sentença proferida pelo juiz de 1ª instância: a) for contra a Fazenda Pública; ou b) julgar procedentes os embargos do devedor na execução fiscal (o que também é uma sentença contra a Fazenda Pública); - Essa sentença deverá ser, obrigatoriamente, reexaminada pelo Tribunal de 2º grau (Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal); - Mesmo que a Fazenda Pública não recorra; - E, enquanto não for realizado o reexame necessário, não haverá trânsito em julgado. Obs: o reexame necessário não possui natureza jurídica de recurso. Desse modo, é tecnicamente incorreto denominar este instituto de “recurso ex officio”, “recurso de ofício” ou “recurso obrigatório”. Exceções ao reexame necessário O CPC prevê, em dois parágrafos, situações em que, mesmo a sentença se enquadrando nos incisos do art. 496, não haverá a obrigatoriedade do reexame necessário:

§ 3º Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a: I - 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II - 500 (quinhentos) salários-mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados; III - 100 (cem) salários-mínimos para todos os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público. § 4º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em: I - súmula de tribunal superior;

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II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; IV - entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.

Reexame necessário “invertido” previsto na Lei de Ação Popular A Lei nº 4.717/65 prevê que se o juiz concluir pela carência ou pela improcedência da ação popular, essa sentença estará sujeita ao reexame necessário. Veja:

Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação, com efeito suspensivo.

Assim, quando a sentença da ação popular for procedente, não haverá reexame necessário. Perceba, portanto, que o art. 19 inverte a lógica da remessa necessária do CPC. Pelo CPC, se a Fazenda “perde”, haverá reexame. Na ação popular, o reexame necessário ocorre se o cidadão perde. Em virtude disso, podemos dizer que esse art. 19 traz uma hipótese de duplo grau de jurisdição invertido, ou seja, um duplo grau que ocorre em favor do cidadão (e não necessariamente da Fazenda Pública). É possível aplicar esse art. 19 da Lei nº 4.717/65 para as ações de IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA? SIM. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência de ação de improbidade administrativa está sujeita ao reexame necessário, com base na aplicação subsidiária do CPC e por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65. STJ. 1ª Seção. EREsp 1.220.667-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 24/5/2017 (Info 607). É possível aplicar esse art. 19 da Lei nº 4.717/65 para as AÇÕES CIVIS PÚBLICAS? Em regra, sim. O STJ entende que é possível aplicar, por analogia, a primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65 paras as sentenças de improcedência de ação civil pública. Nesse sentido: STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1596028/MG, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 26/09/2017. Existe, contudo, uma exceção:

Não se admite o cabimento da remessa necessária, tal como prevista no art. 19 da Lei nº 4.717/65, nas ações coletivas que versem sobre direitos individuais homogêneos. STJ. 3ª Turma. REsp 1.374.232-ES, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/09/2017 (Info 612).

Ex: ação proposta pelo Ministério Público pleiteando a defesa dos direitos dos consumidores contra empresa de seguros. Se forem analisadas as razões que levaram o STJ a considerar que deveria ser aplicado o art. 19 da Lei da Ação Popular às ações civis públicas, será possível concluir que isso ocorreu em virtude da transindividualidade dos direitos nela tutelados, de forma que a sua relevância para a coletividade como um todo justificaria esse cuidado. No entanto, em caso de ações coletivas que tutelam direitos individuais homogêneos, não se observa essa necessidade. Isso porque os direitos individuais homogêneos são apenas acidentalmente coletivos, não sendo transindividuais nem atingindo a coletividade como um todo.

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Informativo 612-STJ (25/10/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 30

DIREITO PROCESSUAL PENAL

COLABORAÇÃO PREMIADA Homologação de colaboração premiada que mencione autoridade com foro privativo

A homologação de acordo de colaboração premiada por juiz de 1º grau de jurisdição, que mencione autoridade com prerrogativa de foro no STJ, não traduz em usurpação de competência deste Tribunal Superior.

Ocorrendo a descoberta fortuita de indícios do envolvimento de pessoa com prerrogativa de foro, os autos devem ser encaminhados imediatamente ao foro prevalente, definido segundo o art. 78, III, do CPP, o qual é o único competente para resolver sobre a existência de conexão ou continência e acerca da conveniência do desmembramento do processo.

STJ. Corte Especial. Rcl 31.629-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/09/2017 (Info 612).

Imagine a seguinte situação hipotética: João e mais outras pessoas foram presas preventivamente por ordem do juiz da 6ª vara criminal, investigados por crimes contra a administração pública. João firmou acordo de colaboração premiada com o Ministério Público, tendo mencionado em suas declarações que os valores desviados dos cofres públicos seriam destinados à campanha eleitoral do atual Governador do Estado. O juiz homologou a referida colaboração premiada. Reclamação Quando soube da delação, o Governador do Estado ingressou com reclamação no STJ alegando que houve violação à competência deste Tribunal Superior. Isso porque, conforme prevê o art. 105, I, “a”, da CF/88, compete ao STJ processar e julgar os Governadores. O reclamante afirmou que, diante da menção feita à pessoa do Governador, os autos deveriam ter sido encaminhados ao STJ. Assim, alegou que a homologação do acordo de colaboração premiada não poderia ter sido feita pelo juiz de 1º grau. Ao final, o reclamante requereu que fosse reconhecida a usurpação de competência e, consequentemente, declarada a nulidade de todos os atos praticados na ação penal em curso no 1º grau de jurisdição. O STJ julgou procedente a reclamação? NÃO.

A homologação de acordo de colaboração premiada por juiz de 1º grau de jurisdição, que mencione autoridade com prerrogativa de foro no STJ, não traduz em usurpação de competência deste Tribunal Superior. STJ. Corte Especial. Rcl 31.629-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/09/2017 (Info 612).

Vamos entender com calma o que foi decidido. Supervisão judicial da investigação A fase de investigação de crimes imputados a Governador do Estado ocorre sob a supervisão do STJ, tendo em vista que este será o Tribunal competente para processar e julgar eventual ação penal. Assim, o STJ deverá realizar a atividade de supervisão judicial durante toda a tramitação das investigações envolvendo as autoridades mencionadas no art. 105, I, “a”, da CF/88, desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento da denúncia pelo Ministério Público.

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Informativo 612-STJ (25/10/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 31

Atuação do Relator na fase inquisitorial Embora o inquérito deva tramitar sob a supervisão do STJ, o Ministro Relator não se torna a autoridade investigadora. Não é o STJ quem investiga, nem poderia ser por conta do sistema acusatório segundo o qual a acusação, a defesa e o julgamento são atribuídos a órgãos distintos. O inquérito, procedimento administrativo destinado a formar o juízo de probabilidade que autorizará ou não recebimento da denúncia, mesmo quando relativo a fatos imputados a autoridades com foro por prerrogativa de função, deve ser, portanto, conduzido pelo Ministério Público, de modo a formar adequadamente a sua opinio delicti. A atividade de supervisão judicial sobre o inquérito deve ser realizada apenas quando provocado o Judiciário e limitando-se à função de juiz de garantias. De fato, segundo pontua a doutrina, na fase processual da investigação. Serendipidade (encontro fortuito de provas) e teoria do juízo aparente A colaboração premiada é uma forma de delatio criminis, ou seja, um meio de obtenção de elementos de convicção. Desse modo, as informações prestadas pelo colaborador podem se referir até mesmo a crimes diversos daqueles que dão causa ao acordo, configurando-se, nessa situação, a hipótese da descoberta fortuita de provas. A teoria do encontro fortuito de provas é utilizada quando, no cumprimento de uma diligência para investigar determinados delitos envolvendo certas pessoas, a autoridade policial ou o Ministério Público casualmente encontra provas relacionadas com outra infração penal ou com outros alvos que não estavam na linha de desdobramento normal da investigação. Assim, se durante as declarações prestadas pelo colaborador ele falar a respeito de outros crimes, sem conexão com a investigação primária, isso deve receber o mesmo tratamento conferido à descoberta fortuita ou ao encontro fortuito de provas. Vale ressaltar que são válidos os elementos probatórios indicativos da participação de pessoas detentoras de prerrogativa de foro colhidos fortuitamente no curso de medidas investigativas envolvendo indivíduos sem essa prerrogativa. Outra consequência do encontro fortuito de provas é a incidência da teoria do juízo aparente, segundo a qual é legítima a obtenção de elementos relacionados a pessoa que detenha foro por prerrogativa de função por juiz que, até aquele momento, era competente para o processamento dos fatos. Na hipótese, como as investigações, até então, se referiam a pessoas sem prerrogativa de foro e a informação a respeito do possível envolvimento de autoridade com prerrogativa de foro no STJ somente surgiu com a formalização do acordo de colaboração premiada, o juízo de 1º grau de jurisdição era competente para sua homologação, não havendo, portanto, nulidade a ser declarada em relação ao ponto. As informações prestadas pelo colaborador João relativas a outros crimes ou a outras pessoas, inclusive aquelas que detenham foro por prerrogativa de função em órgãos jurisdicionais de hierarquia superior, configuram a hipótese de descoberta fortuita de provas, a qual, por sua vez, atrai a incidência da teoria do juízo aparente. Depois que surgiram as informações a respeito da autoridade com foro privativo, qual é a postura a ser adotada pelo juízo de 1ª instância? A partir desse momento, diante do surgimento de indícios envolvendo autoridade com foro privativo, o juízo de 1ª instância tem o dever de encaminhar os autos à Procuradoria da República e ao STJ para que estes passem a conduzir e a supervisionar o curso das investigações.

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O juiz pode continuar investigando o Governador? NÃO. Isso porque essa investigação deverá ser supervisionada pelo STJ. Caso o magistrado continuasse as diligências investigatórias, estas seriam ilegais, podendo ser anuladas, por violação ao foro por prerrogativa de função. O juízo de 1ª instância terá que remeter ao STJ toda a investigação ou poderá fazer o desmembramento, determinando a remessa apenas da apuração envolvendo a autoridade com foro privativo naquele Tribunal? Deverá remeter toda a investigação. No entanto, o STJ poderá decidir desmembrar o feito, a fim de conduzir apenas a investigação da autoridade, determinando a remessa do restante da investigação para a 1ª instância. Assim, compete ao STJ decidir quanto à conveniência do desmembramento de procedimento de investigação ou persecução penal, quando houver pluralidade de investigados e um deles tiver prerrogativa de foro perante este Tribunal. Em suma:

Ocorrendo a descoberta fortuita de indícios do envolvimento de pessoa com prerrogativa de foro, os autos devem ser encaminhados imediatamente ao foro prevalente, definido segundo o art. 78, III, do CPP, o qual é o único competente para resolver sobre a existência de conexão ou continência e acerca da conveniência do desmembramento do processo. STJ. Corte Especial. Rcl 31.629-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/09/2017 (Info 612).

Em regra, o Tribunal determina o desmembramento ou faz a investigação/julgamento unificado? O desmembramento de inquéritos ou de ações penais de competência do STF ou STJ deve ser a regra geral, admitida exceção nos casos em que os fatos relevantes estejam de tal forma relacionados, que o julgamento em separado possa causar prejuízo relevante à prestação jurisdicional.

DIREITO TRIBUTÁRIO

TAXAS Isenção da taxa de registro de arma de fogo não se aplica

para policiais rodoviários federais aposentados

A isenção do recolhimento da taxa para emissão, renovação, transferência e expedição de segunda via de certificado de registro de arma de fogo particular prevista no art. 11, § 2º, da Lei nº 10.826/2003 não se estende aos policiais rodoviários federais aposentados.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.530.017-PR, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 21/09/2017 (Info 612).

Taxas de serviços relacionados com o porte de arma de fogo A Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) prevê que os proprietários de armas de fogo devem pagar algumas taxas de serviços. Veja:

Art. 11. Fica instituída a cobrança de taxas, nos valores constantes do Anexo desta Lei, pela prestação de serviços relativos: I – ao registro de arma de fogo; II – à renovação de registro de arma de fogo; III – à expedição de segunda via de registro de arma de fogo;

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Informativo 612-STJ (25/10/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 33

IV – à expedição de porte federal de arma de fogo; V – à renovação de porte de arma de fogo; VI – à expedição de segunda via de porte federal de arma de fogo.

Os integrantes dos órgãos responsáveis pela segurança pública são isentos do pagamento de tais taxas, conforme estabelece o § 2º do art. 11:

Art. 11 (...) § 2º São isentas do pagamento das taxas previstas neste artigo as pessoas e as instituições a que se referem os incisos I a VII e X e o § 5º do art. 6º desta Lei.

Art. 6º É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para: I – os integrantes das Forças Armadas; II – os integrantes de órgãos referidos nos incisos do caput do art. 144 da Constituição Federal; III – os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei; IV - os integrantes das guardas municipais dos Municípios com mais de 50.000 (cinquenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, quando em serviço; V – os agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência e os agentes do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; VI – os integrantes dos órgãos policiais referidos no art. 51, IV, e no art. 52, XIII, da Constituição Federal; VII – os integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, os integrantes das escoltas de presos e as guardas portuárias; (...) X - integrantes das Carreiras de Auditoria da Receita Federal do Brasil e de Auditoria-Fiscal do Trabalho, cargos de Auditor-Fiscal e Analista Tributário. (...)

Essa isenção existe considerando que a utilização da arma de fogo por essas pessoas, em regra, está diretamente ligada ao desempenho da função pública. Os policiais rodoviários federais precisam pagar as taxas do art. 11 da Lei nº 10.826/2003? NÃO. Isso porque eles se enquadram no inciso II do art. 6º acima transcrito c/c o art. 144, II, da CF/88:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (...) II - polícia rodoviária federal;

Os policiais rodoviários federais APOSENTADOS precisam pagar as taxas do art. 11 da Lei nº 10.826/2003? SIM.

A isenção do recolhimento da taxa para emissão, renovação, transferência e expedição de segunda via de certificado de registro de arma de fogo particular prevista no art. 11, § 2º, da Lei nº 10.826/2003 não se estende aos policiais rodoviários federais aposentados. STJ. 1ª Turma. REsp 1.530.017-PR, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 21/09/2017 (Info 612).

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Informativo 612-STJ (25/10/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 34

A aposentadoria constitui forma de vacância do cargo público. Assim, com a aposentadoria, o servidor é despojado dos deveres e das obrigações inerentes ao exercício do cargo. Desse modo, se, por um lado, ao passar à inatividade o servidor é dispensado dos ônus funcionais, por outro é razoável que ele deixe de usufruir dos direitos e instrumentos colocados à sua disposição para o desempenho efetivo do cargo. Logo, o policial rodoviário federal, quando se aposenta, mantém apenas vínculo previdenciário com a instituição, não mais gozando dos direitos relativos ao exercício do cargo. Assim, a norma de isenção prevista no art. 11, § 2º, da Lei nº 10.826/2003 destina-se apenas aos servidores ativos, ou seja, aqueles que precisam utilizar a arma de fogo (institucional ou particular) para se proteger dos riscos a que estão expostos por força do exercício efetivo das atribuições do cargo. Conforme a jurisprudência do STJ, não se pode interpretar de forma analógica ou extensiva as normas concessivas de isenção, não se podendo ampliar as suas hipóteses para abranger situações que não se enquadrem no texto expresso da lei, em conformidade com o art. 111, II, do CTN. Nesse sentido: STJ. 1ª Seção. REsp 1.116.620-BA, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 25/8/2010.

IMPOSTO DE RENDA A cessão do precatório a terceiro não modifica a relação jurídica tributária existente entre o titular originário e o Fisco, para fins de incidência do IR

A cessão de crédito de precatório não tem o condão de alterar a base de cálculo e a alíquota do Imposto de Renda, que deve considerar a origem do crédito e o próprio sujeito passivo originariamente favorecido pelo precatório.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.405.296-AL, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 19/09/2017 (Info 612).

STJ. 2ª Turma. RMS 42.409/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 06/10/2015.

Imagine a seguinte situação hipotética: João ingressou com uma ação contra o Estado-membro cobrando verbas de natureza salarial. A sentença foi procedente, condenando o Estado a pagar R$ 200 mil, tendo havido trânsito em julgado. João, ao receber esse precatório, teria que pagar imposto de renda com alíquota de 27,5%. Ocorre que João não queria esperar muito tempo para receber e, por isso, cedeu (“vendeu”) o precatório para uma empresa, tendo recebido R$ 160 mil. Ao receber os R$ 160 mil, a Receita Federal cobrou de João o imposto de renda com alíquota de 27,5%. Ele não concordou e disse que a alíquota teria que ser de 15%. Isso porque esta alíquota menor é a que se aplica no caso de ganho de capital. Veja o que diz o 21 da Lei nº 8.981/95:

Art. 21. O ganho de capital percebido por pessoa física em decorrência da alienação de bens e direitos de qualquer natureza sujeita-se à incidência do imposto sobre a renda, com as seguintes alíquotas: I - 15% (quinze por cento) sobre a parcela dos ganhos que não ultrapassar R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais);

Assim, a tese de João foi a seguinte: havendo cessão de direito de crédito de precatório a terceiros, a alíquota de imposto de renda é de 15%, e não de 27,5%, por se tratar de ganho de capital resultante da diferença entre o valor de alienação e o custo de aquisição de bens ou direitos. Desse modo, eu devo ser tributado pelo valor que recebi alienando um direito que eu possuía (precatório). Logo, a alíquota aplicável é a de ganho de capital (15%).

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O Fisco, por sua vez, não concordou: o contribuinte deve ser tributado com base na origem do crédito. E o precatório, em sua origem, referia-se a créditos referentes a trabalho assalariado. Neste caso, aplica-se a alíquota de 27,5%. Qual das duas teses prevaleceu? O argumento do Fisco. O STJ decidiu que:

A cessão de crédito de precatório não tem o condão de alterar a base de cálculo e a alíquota do Imposto de Renda, que deve considerar a origem do crédito e o próprio sujeito passivo originariamente favorecido pelo precatório. STJ. 1ª Turma. REsp 1.405.296-AL, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 19/09/2017 (Info 612).

Com a expedição de precatório judicial, a pessoa física ou jurídica favorecida aufere acréscimo de renda (salvo em caso de execução de verba indenizatória), o que configura o fato gerador do Imposto de Renda, nos termos do art. 43, I e II do CTN:

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

Fato gerador surge no momento da expedição do precatório O fato gerador do IR surge no momento da expedição do precatório. Neste instante, há aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda, considerando que o precatório nada mais é que um direito de crédito líquido, certo e exigível proveniente de decisão judicial transitada em julgado em favor de um determinado beneficiário. Cessão do precatório não altera a tributação A cessão de crédito desse precatório não tem o condão de alterar a tributação do Imposto de Renda, que deve considerar a origem do crédito e o próprio sujeito passivo originariamente favorecido pelo precatório, ou seja, o cedente. Não importa, para fins de IR, a ocorrência de cessão do precatório e a condição pessoal do cessionário. A natureza jurídica da renda que o originou não sofre alteração, sendo incabível se opor ao Fisco as convenções e acordos particulares decorrentes da cessão de crédito, de caráter nitidamente privado, a fim de interferir na definição do sujeito passivo, da base de cálculo ou da alíquota do IR, diante da expressa vedação do art. 123 do CTN:

Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.

Assim, o negócio jurídico firmado entre o titular originário do precatório e terceiros não desnatura a relação jurídica tributária existente entre aquele e o Fisco, para fins de incidência do Imposto de Renda.

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IPI Quais indústrias podem gozar da suspensão de IPI prevista

no art. 29, caput e § 5º da Lei nº 10.637/2002?

A manutenção e a utilização do crédito de IPI submetido à suspensão são incentivos fiscais reservados ao estabelecimento industrial fabricante das matérias-primas, dos produtos intermediários e dos materiais de embalagem que os vende (saída) para empresas que os utilizam na industrialização de produtos destinados à exportação.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.382.354-PE, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 22/08/2017 (Info 612).

IPI IPI é a sigla para Imposto sobre Produtos Industrializados. Trata-se de um tributo federal e que incide sobre a produção e a circulação de produtos industrializados. O IPI foi instituído por meio da Lei nº 4.502/64. Fato gerador do IPI Segundo o art. 46 do CTN, o IPI possui três fatos geradores: I - o desembaraço aduaneiro do produto industrializado, quando de procedência estrangeira; II - a saída do produto industrializado do estabelecimento industrial ou equiparado a industrial; III - a arrematação do produto industrializado, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão. Princípio da não-cumulatividade O IPI é um imposto não cumulativo (art. 153, § 3º, II, da CF/88), o que significa que é possível compensar o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores, ou seja, o valor pago na operação imediatamente anterior pode ser abatido do mesmo imposto em operação posterior (art. 49 do CTN). "A cada aquisição tributada de insumo, o adquirente registra como crédito o valor do tributo incidente na operação. Tal valor é um "direito" do contribuinte, consistente na possibilidade de recuperar o valor incidente nas operações subsequentes (é o "IPI a recuperar"). A cada alienação tributada de produto, o alienante registra como débito o valor do tributo incidente na operação. Tal valor é uma obrigação do contribuinte, consistente no dever de recolher o valor devido aos cofres públicos federais ou compensá-los com os créditos obtidos nas operações anteriores (trata-se do "IPI a recolher"). Periodicamente, faz-se uma comparação entre os débitos e créditos. Caso os débitos sejam superiores aos créditos, o contribuinte deve recolher a diferença aos cofres públicos. Casos os créditos sejam maiores, a diferença pode ser compensada posteriormente ou mesmo, cumpridos determinados requisitos, ser objeto de ressarcimento." (ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário esquematizado. São Paulo: Método, 2016, p. 586). Suspensão do IPI O art. 29 da Lei nº 10.637/2002 prevê um benefício fiscal, qual seja, a suspensão do pagamento do IPI. Assim, o produto industrializado sairá do estabelecimento industrial, mas a empresa não pagará IPI. Veja:

Art. 29. As matérias-primas, os produtos intermediários e os materiais de embalagem, destinados a estabelecimento que se dedique, preponderantemente, à elaboração de produtos classificados nos Capítulos 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 23 (exceto códigos 2309.10.00 e 2309.90.30 e Ex-01 no código 2309.90.90), 28, 29, 30, 31 e 64, no código 2209.00.00 e 2501.00.00, e nas posições 21.01 a 21.05.00, da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados - TIPI, inclusive aqueles a que corresponde a notação NT (não tributados), sairão do estabelecimento industrial com suspensão do referido imposto.

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Isso significa que o fato gerador do IPI ocorre e o crédito tributário é constituído, porém, o pagamento é protraído (fica suspenso) e, ao final, será dispensado se for cumprida a condição exigida (exportação dos produtos industrializados). Se as condições não forem cumpridas, ou seja, se houve “venda, exposição à venda, ou consumo no território nacional, de produtos destinados ao exterior, ou na hipótese de descumprimento das condições estabelecidas para a suspensão” (art. 37 do Regulamento do IPI), o pagamento do IPI torna-se exigível. O § 5º do art. 29 estabelece que, mesmo tendo havido a suspensão do IPI, é possível que a indústria mantenha e utilize seus créditos do IPI adquiridos em operações anteriores. Veja:

Art. 29 (...) § 5º A suspensão do imposto não impede a manutenção e a utilização dos créditos do IPI pelo respectivo estabelecimento industrial, fabricante das referidas matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem.

Assim, o direito ao crédito permanece mesmo com a suspensão (§ 5º). A dúvida que foi debatida e resolvida pelo STJ foi a seguinte: quais indústrias podem gozar desse benefício previsto no art. 29, caput e § 5º da Lei nº 10.637/2002?

A manutenção e a utilização do crédito de IPI submetido à suspensão são incentivos fiscais reservados ao estabelecimento industrial fabricante das matérias-primas, dos produtos intermediários e dos materiais de embalagem que os vende (saída) para empresas que os utilizam na industrialização de produtos destinados à exportação. STJ. 1ª Turma. REsp 1.382.354-PE, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 22/08/2017 (Info 612).

Assim, o art. 29, § 5º, da Lei nº 10.637/2002 não se refere à manutenção e à utilização de créditos de IPI decorrentes da aquisição dos bens pelo estabelecimento industrial que não seja fabricante dos referidos materiais.

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) A desistência de candidatos melhor classificados em concurso público convola a mera expectativa em

direito líquido e certo, garantindo a nomeação dos candidatos que passarem a constar dentro do número de vagas previstas no edital. ( )

2) O ato do Conselho de Contabilidade que requisita dos contadores e dos técnicos os livros e fichas contábeis de seus clientes, a fim de promover a fiscalização da atividade contábil dos profissionais nele inscritos, importa em ofensa aos princípios da privacidade e do sigilo profissional. ( )

3) A privação da liberdade por policial fora do exercício de suas funções e com reconhecido excesso na conduta caracteriza dano moral in re ipsa. ( )

4) O fornecedor de alimentos deve complementar a informação-conteúdo "contém glúten" com a informação-advertência de que o glúten é prejudicial à saúde dos consumidores com doença celíaca. ( )

5) É abusiva a cláusula de tolerância nos contratos de promessa de compra e venda de imóvel em construção. ( )

6) A limitação de desconto ao empréstimo consignado, em percentual estabelecido pelo art. 45 da Lei nº 8.112/90 e pelo art. 1º da Lei nº 10.820/2003, aplica-se também aos contratos de mútuo bancário em que o cliente autoriza o débito das prestações em conta-corrente. ( )

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7) É válida a cláusula contratual ou o ato da operadora de plano de saúde que limite ou interrompa o tratamento psicoterápico oferecido ao usuário sob o argumento de que já se esgotou o número máximo de sessões anuais asseguradas no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS. ( )

8) A caracterização de concorrência desleal por confusão, apta a ensejar a proteção ao conjunto-imagem (trade dress) de bens e produtos, é questão fática a ser examinada por meio de perícia técnica. ( )

9) O inventariante, representando o espólio, não pode votar em assembleia de sociedade anônima da qual o falecido era sócio com a pretensão de alterar o controle da companhia e vender bens do acervo patrimonial. ( )

10) Não se admite o cabimento da remessa necessária, tal como prevista no art. 19 da Lei nº 4.717/65, nas ações coletivas que versem sobre direitos individuais homogêneos. ( )

11) A homologação de acordo de colaboração premiada por juiz de 1º grau de jurisdição, que mencione autoridade com prerrogativa de foro no STJ, traduz-se em usurpação de competência deste Tribunal Superior. ( )

12) A cessão de crédito de precatório não tem o condão de alterar a base de cálculo e a alíquota do Imposto de Renda, que deve considerar a origem do crédito e o próprio sujeito passivo originariamente favorecido pelo precatório. ( )

Gabarito

1. C 2. E 3. C 4. C 5. E 6. E 7. E 8. C 9. C 10. C

11. E 12. C