informação e mercadoria a utilização de telejornais populares como pontos de promoção de venda...
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7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTOCENTRO DE ARTES
DEPARTAMENTO DE COMUNICAO SOCIAL
RENAN CORREIA CHAGAS
INFORMAO E MERCADORIA: A UTILIZAO DE TELEJORNAIS
POPULARES COMO PONTOS DE PROMOO DE VENDA
Vitria
2015
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RENAN CORREIA CHAGAS
INFORMAO E MERCADORIA:
A UTILIZAO DE TELEJORNAIS POPULARES COMO PONTOS DEPROMOO DE VENDA
Trabalho de concluso de curso apresentado aodepartamento de Comunicao Social, do Centro deArtes, da Universidade Federal do Esprito Santo,como requisito parcial para a obteno do grau de
bacharel em Comunicao Social, Jornalismo.Orientador: Prof. Dr. Rafael da Silva Paes Henriques
Vitria2015
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RENAN CORREIA CHAGAS
INFORMAO E MERCADORIA:
A UTILIZAO DE TELEJORNAIS POPULARES COMO PONTOS DEPROMOO DE VENDA
Trabalho de concluso de curso como requisitoparcial para a obteno do grau de bacharel emComunicao Social, Jornalismo, UniversidadeFederal do Esprito Santo, Centro de Artes,Departamento de Comunicao Social.
Aprovado em______ de____________ de ______.
Clber Jos Carminati _________________________________________________Mestre em Comunicao e Semitica pela Pontifcia Universidade Catlica de SoPaulo, PUC/SP, Brasil.Universidade Federal do Esprito Santo
Rafael da Silva Paes Henriques- Orientador ________________________________Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, Brasil.Universidade Federal do Esprito Santo
Victor Israel Gentilli ___________________________________________________Doutor em Cincias da Comunicao pela Universidade de So Paulo, USP, Brasil.
Universidade Federal do Esprito Santo
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente gostaria de agradecer aos meus pais, Regina Maria Correia Chagas
e Gilberto Felisberto Chagas, pela pacincia, luta, confiana e apoio para comigo
durante todos esses anos. Vocs so o verdadeiro motivo de tudo isso. Aos meus
irmos, por acreditarem que eu era capaz de seguir os meus sonhos e atingir os
meus objetivos. minha prima Rosa Maria Costa, por ter aberto as portas da casa e
da vida para que eu pudesse fazer parte, por ter estado disponvel sempre que eu
necessitava e por me dar suporte durante esses quatro anos. Esse trabalho tambm
seu. Novamente agradeo Rosa e minha amiga Milena Mangabeira, por teremme ajudado na coleta da amostra para esta pesquisa, deixando de lado as suas
prioridades para me ajudar nas minhas. Aos meus amigos de Ufes, que
compartilharam comigo cada um dos dias em sala, na batalha para conseguirmos o
nosso to sonhado diploma. Vocs sero carregados eternamente comigo. Ao meu
amigo-irmo Hildiney Meirelles, para quem a minha vitria sempre foi certa, mesmo
quando nem eu acreditava. Aos integrantes do grupo S.M.P., por terem me acolhido
to bem quando me mudei de cidade e por terem me ajudado a entender melhor oque significa a amizade verdadeira. Aos meus amigos de escola, com quem dividi os
primeiros de estudo. Essa vitria de todos ns. Agradeo minha tia Rita Correia
(in memorian) e minha av Lica Correia (in memorian). A vocs, presto esta
homenagem com lgrimas nos olhos. Ao meu mestre e professor Rafael Paes, que
esteve comigo, que acreditou em mim e que me ajudou at o ltimo minuto durante
o desenvolvimento deste trabalho. A voc, um muito obrigado mais do que especial.
Por fim, a todos os meus familiares, companheiros, amigos e conhecidos que, em
algum momento, puderam estar nesse sonho com este, agora, ex-universitrio: sem
vocs, eu no poderia concluir essa etapa da minha vida. Minha gratido infinita.
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RESUMO
O presente trabalho busca analisar o emprstimo de credibilidade do telejornal
popular Balano Geral ES s inseres publicitrias realizadas dentro do programa,
diariamente. Para isso, foram arquivadas trs semanas do noticirio, sobre os quais
foram aplicados os operadores propostos por Itnia Maria Mota Gomes (2005; 2011)
e pelo Grupo de Pesquisa de Anlise de Telejornais da Universidade Federal da
Bahia (UFBA). Por meio deles, foi realizada a observao, descrio e
exemplificao da maneira como os contedos informativos e publicitrios se
relacionam dentro da atrao, num trabalho de contaminao mtua. O objetivo eraresponder ao seguinte questionamento: quais so as tcnicas utilizadas dentro dos
noticirios populares de TV para transmitir credibilidade e confiana aos
merchandisings de produtos e servios inseridos dentro destas atraes? Como
resultado, chegou-se concluso de que a atuao performtica dos mediadores, a
postura do programa e o tipo de assunto abordado so os artifcios que criam as
condies ideias para atrair e manter o pblico, ao mesmo tempo em que garantem
um poder muito maior aos anncios realizados.
Palavras-chave: Telejornal Popular. Merchandising testemunhal. Modos de
endereamento. Balano Geral ES. Emprstimo de credibilidade.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Amaro Neto danando ........................................................... 65
Figura 2 Interpretao de Amaro Neto ................................................ 67
Figura 3 Amaro em primeiro plano ...................................................... 69
Figura 4 Praa do Povo ....................................................................... 80
Figura 5 Close nos olhos de criana que chora ................................... 81
Figura 6 Jovem urina ao ser preso ...................................................... 82Figura 7 Insero do Super Clcio D ................................................... 85
Figura 8 Insero da construtora MRV ................................................ 86
Figura 9 Depoimento de Ubirajara ....................................................... 87
Figura 10 Amaro em fazendo compras no Perim .................................. 87
Figura 11 Amaro em clnica odontolgica .............................................. 88
Figura 12 Carto de Todos personalizado ............................................. 89
Figura 13 Insero da Jaklayne Joias ................................................... 90
Figura 14 Marca da Colmeia das Festas na TV..................................... 91
Figura 15 Insero do refrigerante Uai .................................................. 91
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SUMRIO
1 INTRODUO ............................................................................... 8
2 HISTRICO DA TELEVISO NO BRASIL ................................... 12
2.1 PERODO DE EXPANSO ............................................................ 16
2.2 A LIGA O NACIONAL ................................................................. 18
2.3 NASCE O NCORA E CRESCE O PESO SOBRE O 'CARA' DOJORNALISMO ................................................................................
23
2.4 FIRMAMENTO DA ANCORAGEM: JORNALISMO DE OPINI O.........................................................................................................
24
2.5 DISPUTA ENTRE AS TVS ABERTA E SEGMENTADA .............. 262.6 TERCEIRO MILNIO ..................................................................... 27
3 NARRATIVAS POPULARES NA TV E NO TELEJORNALISMO.........................................................................................................
28
3.1 O TELEJORNALISMO ................................................................... 30
3.1.1 O telejornalismo e o carter Comercial ...................................... 32
3.1.2 O poder de 'fazer crer' e 'fazer pertencer' .................................. 37
3.1.3 Telejornais Populares .................................................................. 40
3.1.4 Do local ao nacional, do nacional ao local................................ 463.2 MARKETING .................................................................................. 50
3.2.1 Definio de Merchandising ........................................................ 53
3.3 REDE RECORD ............................................................................. 56
3.4 TV VITRIA .................................................................................... 58
4 ANLISE DO MATERIAL EMPRICO: BALANO GERAL ES.........................................................................................................
60
4.1 FERRAMENTAS DE ANLISE ...................................................... 62
4.2 OBSERVA O E ESTUDO DAS ESTRATGIAS USADASPELO BALANO GERAL ES .........................................................
64
4.2.1 Apresentador crtico .................................................................... 71
4.2.2 Balano como espao de participao popular........................ 77
4.2.3 Recursos para manter a audincia ............................................. 80
4.2.4 Os merchandisings no Balano Geral ES .................................. 84
5 CONCLUSO ................................................................................ 94
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .............................................. 99
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1. INTRODUO
As transformaes tecnolgicas pelas quais o mundo vem passando na atualidade
tm influenciado a maneira como a sociedade consome a informao no seucotidiano. Aos poucos, novos equipamentos vo sendo incorporados ao dia a dia,
fornecendo aos usurios uma srie de novas e diferentes opes para ficar
informado. O advento da internet foi um importante marco dessa transformao: a
instantaneidade, as mltiplas possibilidades de utilizao dos contedos, a grande
quantidade de dados, a personalizao permitida, entre outras questes, foram os
fatores responsveis por fazer com que a mundo da web se tornasse to popular.
Esse servio s foi possvel por conta do desenvolvimento do computador,
dispositivo que permitiu a convergncia de todos os outros meios de comunicao
de massa at ento estabelecidos em um nico equipamento, de forma rpida,
prtica e cmoda. Depois, o uso da internet foi potencializado pelos celulares, que
comearem a atrair o interesse dos usurios. Muito alm de realizar e receber
chamadas, estes aparelhos acabaram ganhando novos aplicativos, passando a ter o
status de smartphones e, por meio de um sistema de conexo internet mvel, se
estabeleceram como uma companhia de todas as horas.
Foram basicamente esses dois dispositivos, unidos ao servio de conexo web, os
responsveis pela criao do fenmeno conhecido como segunda tela, hbito de
utilizar um dispositivo eletrnico adicional para interagir com outros usurios,
enquanto se consome contedos em uma plataforma diferente. Passando a fazer
parte da intimidade das pessoas, tanto o computador quanto os celulares iniciaram a
ocupao de um espao que at ento era prioritariamente da televiso. Meio de
comunicao de massa predominante no Brasil, a TV , talvez, a mdia que maisvem sofrendo com essas transformaes. Pela mistura de imagem e som que se
complementam, ela possui no seu modo de ser a necessidade de prender a ateno
do telespectador, que deve direcionar olhos e ouvidos para o que ela tem a mostrar
e dizer. Agora, ela tem sido forada a se adaptar para conseguir sobreviver a esse
processo de diviso de ateno, desenvolvendo e colocando em uso algumas
tcnicas para atrair e manter o pblico.
Aos poucos, a audincia cada vez mais vai retirando o hbito de ver televiso da suarotina e incluindo novas prticas de consumo da informao e da tecnologia. Alm
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de brigar com outros aparelhos, a televiso tambm precisa lutar contra ela mesma:
nos dias atuais, o televisor foi adaptado para esse contexto cultural no qual a
sociedade se encontra, recebendo vrias outras funes que superam a simples
recepo passiva no sinal eletrnico.
No Brasil, a televiso surgiu a partir da iniciativa do empresrio Assis Chateaubriad
como uma atividade comercial, o que significa que a audincia 'revertida' em lucro
para as empresas de telecomunicao. Por conta disso, a necessidade de se
reinventar e desenvolver artifcios para reconquistar um pblico cada vez mais
esparso passou a ser a palavra de ordem no pas, resultando inclusive na mudana
de frmulas j estabelecidas, como a do telejornalismo.
O caso da publicidade no foi diferente. Com uma infinidade de assuntos mais
atraentes, os intervalos comerciais passaram a ser descartados pelos
telespectadores. O resultado desses novos hbitos ocasionou o aumento do uso da
tcnica que ficou conhecida como Merchandising, inseres de contedos
publicitrios no interior dos programas, numa tentativa de diminuir as perdas de
visibilidade que os anunciantes tm durante o descarte dos intervalos por parte dos
telespectadores. Essa frmula passou a ser seguida pelas duas reas prioritrias daTV no Brasil: o entretenimento, como j era esperado, e a informao jornalstica
veiculada neste meio.
Foi justamente por meio da observao dessa tendncia que o tema deste trabalho
foi pensado. Afinal de contas, por que, em meio a tantos outros gneros presentes
dentro da TV, os anunciantes optariam por escolher um telejornal para inserir seus
produtos e servios? Alm disso, como o jornalismo, que tem como preceitos
bsicos a verdade e imparcialidade, pode aceitar ser permeado pela publicidade,
uma atividade claramente parcial que tem foco na venda?
Aqui, parte-se da ideia de que as empresas que financiam as emissoras e,
logicamente, os telejornais buscam associar a mensagem das suas marcas
credibilidade do jornalismo. Mais especificamente, no caso dos telejornais populares,
que aqui sero estudados, tambm se busca a incorporao de uma relao mais
ntima e de confiana com a audincia.
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Por isso, a problemtica que este trabalho prope : quais so as tcnicas utilizadas
dentro do noticirio popular de TV Balano Geral ES para transmitir credibilidade e
confiana aos merchandisings de produtos e servios inseridos dentro da atrao?
O objetivo geral aqui proposto analisar esse ponto de convergncia entre o
Telejornalismo e a Publicidade e Propaganda (por meio do formato do
Merchandising) em programas voltados para a massa, observando o papel
desempenhado pelos mediadores da informao e o modo com essas atraes so
construdas. J o objetivo especfico observar como essa conexo pode ser
percebida e entender o por qu ela se faz necessria para ambas as reas.
O estudo deste tema se mostra importante por se configurar como um passo para seentender o jornalismo de televiso brasileiro no contexto nacional na sua forma ativa
e emprica, fugindo dos debates do que ele deveria ser para trabalhar aquilo que ele
de fato . O material, baseado na anlise de um programa capixaba, tambm
contribui para a produo de contedo acadmico sobre a produo televisiva,
jornalstica e popular desenvolvida dentro do Esprito Santo, produo essa que
ainda se encontra tmida na bibliografia existente atualmente.
Alm disso, por meio da observao, descrio e exemplificao, este trabalho pode
ajudar a futuros pesquisadores a seguirem no estudo deste tema e compreenderem
como as atraes televisivas se comunicam com a sua audincia, permitindo que, a
partir de ento, novas pesquisas sejam iniciadas para colaborar com os resultados
ou para dar outra viso sobre o mesmo assunto.
Aqui ser realizada uma anlise dos modos de endereamento utilizados pelo
Balano Geral ES, dando destaque principal funo assumida pelo mediador,
construo de um texto verbal atraente e envolvente, e construo do prprio
noticirio, sendo possvel, ento, observar como ele posiciona as informaes e os
Merchandisings e como a relao entre essas duas reas mostrada para o pblico.
Para se tentar chegar a esses resultados, o trabalho foi dividido em trs captulos de
acordo com o assunto abordado. O primeiro captulo abriga um retorno histrico do
telejornalismo no Brasil, desde a transmisso dos primeiros sinais at a primeira
dcada dos anos 2000, sob a uma viso econmica, social e poltica. Nestaspginas, os pontos de contato e convergncia entre a informao e a promoo das
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marcas foram destacados com o intuito de demonstrar as influncias do passado na
atual conjuntura.
No segundo, ser abordada a utilizao das narrativas populares na televiso; oconceito de telejornalismo e telejornalismo popular sob a viso de diversos autores;
as influncias do carter comercial sobre a produo, veiculao e escolha de temas
abordados pelo noticirio de TV; a mistura de gnero como uma ferramenta de
atrao da populao; o uso recorrente da espetacularizao e do sensacionalismo;
os ganhos e perdas provocados pelo convvio no mesmo espao entre a
publicidade e o jornalismo; as tcnicas de seduo da audincia; os mtodos para a
criao do sentimento de pertencimento; e a importncia assumida pelas emissoras
locais no seu contato mais prximo com o pblico telespectador. Em seguida, ser
feita uma introduo simplificada s noes do que so o marketing e o
merchandising. O objetivo proporcionar fundamentos e conceituaes necessrias
para embasar a anlise realizada no captulo seguinte. Por fim, o leitor ser
apresentado Rede Record e TV Vitria, responsveis pela transmisso do
Balano Geral ES.
O ltimo captulo abriga a anlise das edies do telejornal, gravadas entre os dias08 e 27 de junho de 2015. Sobre elas, foram aplicados os operadores propostos por
Itania Maria Mota Gomes (2005; 2011), citados exemplos de como eles so
trabalhados dentro da atrao e de como eles so utilizados para envolver a
audincia, criar sentimento de pertencimento, trabalhar positivamente a
diferenciao e a credibilidade, e emprestar suas conquistas s marcas inseridas
dentro da atrao. O uso da amostragem de frases e da disponibilizao de imagens
se faz necessrio para ajudar a fortalecer os argumentos utilizados. As ediesgravadas para serem analisadas seguem anexas a este trabalho, em mdias de
DVDs.
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2. HISTRICO DA TELEVISO NO BRASIL
Para que se possa pensar sobre a relao existente entre o Jornalismo e a
Publicidade nos dias atuais, necessrio, ainda que de forma breve, realizar umretorno histrico que englobe o incio da televiso no Brasil e os processos pelos
quais ela passou ao longo dessas mais de seis dcadas de existncia no pas. Por
meio dessa visualizao histrica, possvel marcar quais pontos de contato as
duas reas tiveram para, ento, entender o ponto de convergncia atual, onde um
consegue utilizar o espao que antes era destinado ao outro e se contaminar por
ele.
Para isso, vamos utilizar como ponto de referncia o trabalho produzido pelo autorSrgio Mattos, intitulado "Histria da televiso Brasileira: uma viso econmica,
social e poltica", que "tenta organizar o material histrico sobre a televiso, tanto do
ponto de vista estrutural como funcional, identificando as relaes existentes entre o
crescimento da televiso com o prprio desenvolvimento do Brasil", como aponta a
descrio disponvel na orelha do prprio livro, publicado em 2010.
O marco inicial utilizado como base para este retorno o dia 18 de setembro de
1950, quando o Brasil colocava no ar a sua primeira estao televisiva, a PRF3 TV
Difusora, - que depois veio a se tornar a TV Tupi de So Paulo. A emissora foi
instalada no pas pelo empresrio Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de
Melo, j conhecido no meio da Comunicao. De acordo com Paternostro (1991), o
empresrio era dono do Dirio e Emissoras Associadas, que poderia ser
considerado o "primeiro imprio" comunicacional brasileiro, englobando jornais,
revistas e emissoras de rdio.
Mattos (2010, p. 22) explica que aes tomadas durante o Estado Novo (1937-1945)
na economia - como o incentivo ao consumo de bens nacionais, os investimentos
diretos nas indstrias pelo Governo, e o Estado mais ativo como investidor
econmico brasileiro - tiveram um efeito importante no estilo de desenvolvimento da
economia, contribuindo para formao de um modelo em que os capitais estrangeiro
e nacional fossem os principais responsveis pelo crescimento econmico.
Chateaubriand aproveitou esse processo pelo qual passava o pas para realizar ainstalao do novo sistema. O incio da dcada de 1950 trazia uma indstria
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nacional em processo de crescimento. Alm disso, os centros urbanos comeavam a
tomar formas com o desenvolvimento das regies metropolitanas, que passaram a
abrigar migrantes que saam do interior. Na comunicao, as rdios, que eram
dominantes at ento, iniciavam o perodo de decadncia da chamada "poca de
ouro", mas ainda assim conseguiam se firmar junto s massas como o principal
veculo de comunicao (PATERNOSTRO, 1991).
Foi em meio a esse cenrio que Chateaubriand viu a oportunidade de lanar uma
nova opo de comunicao de massa, que j estava em vigor em outros pases,
como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e Unio Sovitica1. Para realizar esse
trabalho, foi contratado o grupo estadunidense American Radio Corporation (RCA),
responsvel pela instalao de emissoras tambm no pas norte-americano.
Equipamentos que seriam utilizados para captura das imagens e transmisso do
sinal tambm foram importados do exterior. (PATERNOSTRO, 1991).
Junto com o advento do sistema televisivo, os brasileiros tambm viram surgir o
primeiro programa telejornalstico, colocado ao ar dois dias depois do nascimento da
TV. Intitulado 'Imagens do Dia', o telejornal no possua um horrio fixo e se resumia
a transmitir "uma sequncia de filmes dos ltimos acontecimentos locais" (SAMPAIOapud REZENDE, 2010, p. 105). Dois anos mais tarde, em 1952, a TV Tupi So
Paulo criava um novo telejornal, chamado "Telenotcias Panair", que substituiria o
programa 'Imagens do Dia' e o modelo at ento adotado.
Rezende (2010) destaca que nesse comeo, devido a questes tcnicas, os
programas careciam de um nvel mnimo de qualidade. As dificuldades enfrentadas
para realizar coberturas externas faziam com que o ao vivo ocupasse quase todo o
tempo dos noticirios. Esteticamente, ele era considerado simples, dando mais
enfoque na figura dos narradores da informao, responsveis por ler as notcias.
Na primeira dcada, a TV no Brasil no firmou um formato prprio. Fortemente
influenciada pelo rdio, ela chegou a importar profissionais que trabalhavam no setor
de radiodifuso para ocuparem a funo de apresentadores, inclusive dos telejornais
(mesmo no possuindo formao em Jornalismo). Muito por conta disso, o texto e a
entonao lembravam aquela feita no meio radiofnico.
1 Breve Histria da Televiso. Disponvel em: . Acesso em 23 de janeiro de 2015.
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Alm disso, as produes brasileiras tambm sofreram forte influncia daquelas
feitas nos Estados Unidos, bero de outras importantes caractersticas que
configuraram - e ainda configuram - o meio no Brasil. Entre elas, est a colocao
do nome dos patrocinadores nos ttulos dos programas, comum nas duas primeiras
dcadas da TV no pas. Alm do ttulo, os patrocinadores tambm apareciam
visualmente durante a atrao. Barbosa Lima (apud REZENDE, 2000, p. 106)
aponta que nessa poca "todos os telejornais eram parecidos: uma cortina de fundo,
uma mesa e uma cartela com o nome do patrocinador". Desta forma, as empresas
anunciantes conseguiam se mostrar para o pblico ao financiar as atraes. Este
hbito s foi alterado anos mais tarde, principalmente aps algumas decises
estratgicas e comerciais da Rede Globo com relao ao financiamento da emissora(SQUIRRA, 1993).
Segundo Squirra, "a deciso adotada na televiso norte-americana foi tambm aqui
seguida" (1993, p. 111). O autor explica que, no Brasil, "este hbito tambm
representou um caminho natural, j que os patrocinadores eram 'senhores absolutos'
dos programas" (ibidem, p. 111). Nos Estados Unidos, diversas atraes adotaram
essa prtica.
A Festa da Famlia General Motors ("General Motors Family"), a HoraPalmolive ("Palmolive Hour"), o Teatro de Estrelas Texaco ("TexacoStar Theater") e Carretel de Notcias Esso ("The Esso Neewsreel"),entre outros. Este ltimo programa se tornaria, nos EUA, em 1947, oReprter Esso ("The Esso Reporter"). (SQUIRRA, 1993, p. 111).
A exemplo, no Brasil tornaram-se conhecidos, a partir de 1952, vrios programas
que tinham essa caracterstica, como a Gincana Kibon, Sabatina Maizena e
Teatrinho Trol. No telejornal, a situao no era diferente: Telenotcias Panair,
Telejornal Bendix, Reportagem Ducal, Telejornal Pirelli e Reprter Esso. (MATTOS,
2010, p. 76)
Baseado no modelo dos EUA, o 'Reprter Esso' tambm teve um correspondente na
TV brasileira, considerado por muitos autores como o principal telejornal desta
primeira dcada. Patrocinado pela empresa Standard Oil New Jersey (conhecida
como Esso), o programa viria a se tornar "o telejornal mais importante da TV
brasileira da dcada de 1950" (REZENDE, 2000, p. 105). Veiculado a partir de 1952
pela TV Tupi do Rio de Janeiro, com uma verso de sucesso em So Paulo no ano
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seguinte, a atrao foi comandada por Gontijo Teodoro e "se firmou por muitos anos
no horrio nobre da noite. Seu contedo abrangia os noticirios nacional e
internacional veiculado, inclusive, por meio de filmes" (REZENDE, 2000, p. 106). O
programa ficou no ar at 1970.
possvel constatar, at ento, que a possibilidade de desenvolvimento das
emissoras de televiso no Brasil surgiu principalmente como uma oportunidade de
negcio. Sendo desenvolvida sobre bases comerciais, ela dependeu desde o seu
incio de anncios de empresas e marcas.
A indstria televisiva brasileira tem na publicidade a sua principalfonte de renda, apesar de no incio terem sido poucos os comerciais,alm de estarem limitados a escassos recursos tcnicos: o uso deslides e da chamada "garota-propaganda" ou "garota de reclame"(MATTOS, 2010, p. 88).
Essa relao de dependncia vista desde o primrdio fortaleceu-se ao longo do
desenvolvimento deste meio.
O controle acionrio das emissoras, orientadas para o lucro, estconcentrado nas mos de uns poucos grupos familiares, comexceo das emissoras estatais. Alm disso, a televiso brasileira fortemente dependente das verbas publicitrias, alocadasprincipalmente pelas agncias de publicidade (MATTOS, 2010, p.55).
O primeiro decnio da TV no Brasil, segundo Priolli (apudREZENDE, 2010, p.106),
termina tendo como uma das principais caractersticas "a subordinao total dos
programas aos interesses e estratgias dos patrocinadores". Ela tambm marcada
pelo surgimento de outros importantes canais, como a TV Tupi Rio (1951); a TV
Paulista (1952); TV Record (1953) e a TV Cultura (1958).
Em seu comeo, a TV no conseguia atingir grande pblico e, por isso, no atraa
um nmero significativo de anunciantes.
Mas as agncias de publicidade estrangeiras, instaladas no Brasil, eque j possuam experincia com esse veculo, em seus pases deorigem, logo comearam a utilizar a televiso brasileira como veculopublicitrio, passando a decidir, tambm, o contedo dos programas.Nos primeiros anos, os patrocinadores determinavam os programasque deveriam ser produzidos e veiculados, alm de contratardiretamente os artistas e produtores (MATTOS, 20010, p. 75).
Essa transformao no cenrio comea a ocorrer quando se aumenta o nmero de
emissoras, de televisores nas casas e de atraes disponveis na programao.
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No incio dos anos de 1960, existiam 15 emissoras de televisooperando nas mais importantes cidades do pas. Entretanto, squando os efeitos do consumo de produtos industrializadoscresceram e o mercado se consolidou foi que as emissoras deteleviso se tornaram economicamente viveis como empresascomerciais e comearam a competir pelo faturamento publicitrio. Afim de receber maior quantidade de anncios, a televiso comea adirecionar seus programas para grandes audincias, aumentandoassim seus lucros (MATTOS, 2010, p. 31).
Tal direcionamento abordado por Mattos deu origem a diversas modificaes no
modo de fazer da televiso brasileira, que passou a mesclar linguagens e
contedos, buscando, ao mesmo tempo, conquistar tanto telespectador quanto
anunciantes. Estes temas sero abordados ao longo das prximas pginas.
2.1 PERODO DE EXPANSO
O sucesso que naquele momento j era experimentado pelas emissoras de rdio
ainda estava comeando a vingar nas emissoras de TV. Paternostro (1991) explica
que nos primeiros anos os aparelhos receptores eram caros e considerados artigos
de luxo, sendo possudos somente por uma parcela pequena da populao. A autora
aponta que em 1954 a quantidade de televisores entre Rio de Janeiro e So Paulo
chegava a 12 mil. Quatro anos mais tarde, esse nmero teve aumento significativo,saltando para 78 mil em todo o pas.
Sobre o contedo, a programao tambm contou com programas mais elitistas
neste incio, estrelando figuras vindas do rdio e do teatro. Nas transmisses,
entrevistas, debates e apresentaes musicais clssicas, entre outros, tinham
espao garantido. As emissoras tambm encontraram uma forma de baratear a
programao transmitindo programas produzidos por Hollywood e que difundiam o
'american way-of-life', "revelando uma constante atuao cultural transnacional que
atingiu em cheio todo o continente" (SQUIRRA, 1993, p. 110).
Sendo feita por profissionais do rdio, a televiso acabou incorporando muitos
programas de sucesso deste veculo, como atraes humorsticas e de variedades,
que tinham como objetivo ser o divertimento do pblico e uma opo de lazer nos
momentos livres.
Na dcada de 1960, quando o Brasil entrou do perodo ditatorial (1964 a 1985), osavanos tecnolgicos que chegaram ao pas permitiram o desenvolvimento mais
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aprimorado na forma de se fazer os programas. Porm, para Rezende (2000), no
foi possvel ver uma melhoria proporcional em seu contedo. Devido a uma srie de
amarras impostas pela censura, os jornalistas que haviam conseguido espao como
produtores, apresentadores das informaes e cronistas foram dispensados, e os
locutores, chamados novamente para ocupar os postos. Nesta poca, os programas
jornalsticos ainda careciam de um estilo prprio. Com os limites impostos pelo
regime, a televiso encerrava a dcada afastada da realidade brasileira com trs
frentes principais voltadas novamente para o entretenimento, que segundo Rezende
(2000) eram: as novelas, os 'enlatados' - produes prontas importadas de outros
pases, principalmente dos Estados Unidos - e os shows de auditrios.
A chegada do videotape (VT), em 1962, tambm um marco dessa dcada,
permitindo no somente novelas dirias (at ento elas eram apresentadas poucas
vezes na semana e ao vivo) e uma programao horizontal, que possibilitava a
veiculao de um mesmo programa em vrios dias da semana, mas criando "um
hbito de assistir televiso rotineiramente, prendendo a ateno do telespectador"
(MATTOS, 2010, p. 93). Essa prtica substituiu a programao vertical, em voga at
ento, com programas diferentes todos os dias da semana.
Com o tempo o preo dos televisores se tornou mais acessvel(aumento na escala de produo) e emissoras foram se instalandoem outros estados: a TV ampliava a sua rea de penetrao ecomeava a atrair as agncias de propaganda e os anunciantes(PATERNOSTRO, 1991, p. 26).
O veculo em expanso comea, ento, a chamar a ateno como uma possibilidade
de aumentar as vendas dos produtos. Os benefcios para o mundo da promoo de
bens voltados para a venda sero caractersticas ainda mais atrativas nas dcadas
seguintes, como se ver nas prximas pginas.
tambm nesse perodo que o meio se consolida no pas. "Na disputa pelas verbas
publicitrias, ela assume, definitivamente, o seu carter comercial: as emissoras
comeam a briga pela audincia" (PATERNOSTRO, 1991, p. 27). A disputa acaba
tornando necessria a veiculao de uma programao que atraia e fixe o pblico
em frente tela, j que um maior nmero de aparelhos televisores ligados significa
maiores possibilidades de conquistar os anunciantes. Resumindo, obter lucro.
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A televiso se transformou no meio favorito de agncias depublicidade do Brasil, devido ao seu grande potencial de audincia,que atinge tanto a populao alfabetizada como a analfabeta. Ateleviso comeou a se transformar no meio publicitrio maispoderoso s a partir dos anos 1960, quando adaptou a programaopara aumentar a magnitude da audincia, ao dirigir-se s classesmais baixas para satisfazer necessidades das agncias depublicidade e seus clientes. A televiso brasileira recebe maisinvestimentos em publicidade, devido em parte, sua organizaoem redes nacionais, o que facilita o trabalho das agncias depublicidade (MATTOS, 2010, p. 79).
At o final desta dcada, os anunciantes multinacionais (como a Nestl, a Jhonson &
Jhonson, entre outras marcas) exerceram importante influncia sobre o meio, j que
a maior parte da verba destinada s emissoras era proveniente de empresas com
sede no exterior. Desde ento, esse poder foi sofrendo uma grande diminuio,
passando a ser assumido mais indiretamente (MATTOS, 2010).
Alm de todas essas questes, os anos 1960 ainda englobam o surgimento da Rede
Globo e, posteriormente, do Jornal Nacional. Alm disso, a dcada seguinte j
comea com o fim do principal telejornal at ento, o Reprter Esso, "no dia 31 de
dezembro de 1970, poca em que os anunciantes passaram a comprar espaos
entre programas em vez de patrocinar o programa como um todo"(MATTOS, 2010,
p. 90). Vale lembrar que em 1961, o ento presidente Jnio Quadros promulgou o
decreto n 50.450 que regulava a projeo de pelculas cinematogrficas e a
propaganda comercial por meio das emissoras de televiso. Entre as regras
impostas, estava aquela que fixava em trs minutos a durao do intervalo
comercial.
2.2 A LIGAO NACIONAL
At o incio da dcada de 1960, os estados brasileiros ainda no contavam com
uma programao que interligasse todos os telespectadores, ou seja, que fosse
transmitida para toda a populao em um mesmo momento. Essa necessidade foi
apresentada pelo regime ditatorial vigente na poca, que objetivava, entre outras
coisas, a integrao nacional.
Mattos explica que nesta dcada,
[...] tanto a Unesco como os Estados Unidos estavam aconselhandoa utilizao dos meios de comunicao de massa para promover odesenvolvimento nacional. Pases desenvolvidos como os Estados
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Unidos serviam de modelo para os subdesenvolvidos ou emprocesso de desenvolvimento (MATTOS, 2010, p. 32).
Com os meios de comunicao de massa, o regime militar queria atingir alguns
objetivos especficos. Entre eles estava o desejo de construir um programa dedesenvolvimento nacional por meio de uma nova ordem, tanto social quanto
econmica. Para isso, era necessria a construo de um esprito nacional.
A fim de alcanar esses objetivos, o regime precisou de um meio dedisseminao das ideias da nova ordem, ou seja, das aspiraes econceitos do desenvolvimento, paz e integridade do movimentorevolucionrio. Os meios de comunicao de massas setransformaram no veculo atravs do qual o regime poderiapersuadir, impor e difundir seus posicionamentos, alm de ser a
forma de manter o status quo aps o golpe. A televiso, pelo seupotencial de mobilizao, foi mais utilizada pelo regime, tendotambm se beneficiado de toda a infraestrutura criada para astelecomunicaes (MATTOS, 2010, p. 39).
A entrada da Rede Globo nesse cenrio, em 1965, acontece primeiramente no Rio
de Janeiro. Quatro anos depois - e 19 aps o lanamento da TV no Brasil -, a
emissora seria responsvel pelo primeiro jornal brasileiro transmitido em rede
nacional e j em horrio nobre. Esse grande passo para a comunicao foi uma
possibilidade trazida pelas ligaes por micro-ondas e transmisso via satlite, quepermitiram a "aproximao com o restante do mundo" (REZENDE, 2000, p. 109).
Como destaca Squirra, "nesse sentido, o Jornal Nacionalda Rede Globo tornou-se a
primeira experincia jornalstica da televiso brasileira que conseguiu unir
instantaneamente todo o pas" (1993, p. 108).
Para o mercado publicitrio, a chegada de uma programao que pudesse ser vista
por milhes de brasileiros ao mesmo tempo se tornou uma espcie de 'galinha dos
ovos de ouro'. Tal caracterstica permitiu que a emissora conquistasse parcelasignificativa dos anncios. Alm disso, a Rede Globo adotou alguns procedimentos
que permitiram ainda mais sucesso ao seu modelo de financiamento por meio da
utilizao de espaos publicitrios. Entre as mudanas, est:
A reorganizao do processo de produo dos telejornais - no maisatrelados a uma agncia de publicidade - e os princpios dinmicosde mercadologia implantados pela Globo - que no aceitava mais opatrocnio de um programa por um nico anunciante (SQUIRRA,
1993, p. 106).
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Essas modificaes fizeram com que o hbito comum de colocar o nome do
patrocinador no ttulo do programa fosse abandonado, permanecendo longe dos
telejornais por anos a fio. Na prpria Globo, por exemplo, a meno ao patrocinador
dentro do telejornal, com o objetivo de promoo, s iria voltar a aparecer de forma
significativa nos anos 2000, com o quadro "Avio do JN", quando a aeronave
utilizada no quadro recebeu a 'logo' do Banco Bradesco.
A chegada do Jornal Nacional trouxe outras mudanas. Com a capacidade de falar
para todo o Brasil, a Rede Globo passou a adotar alguns mtodos e tcnicas que
fizeram sua receita dar certo e que foram copiados pelos concorrentes. Squirra
(1993) relembra que apesar de muitas caractersticas da TV terem sido importadas
dos Estados Unidos e j estarem em vigor naquela poca, foi a rede de Roberto
Marinho que introduziu grande parte dessas 'novidades' no pas. Uma delas foi a
noo de "faixas" na programao, que "consiste em usar o satlite, no perodo da
manh, para enviar a programao para as emissoras que integram a rede"
(SQUIRRA, 1993, p. 115). Esse seria, segundo Mello e Souza (apud SQUIRRA,
1993), o primeiro passo para se aproximar do que hoje se conhece como a
programao, com cada uma das atraes indo ao ar em horrios fixos. Antes, as
emissoras precisavam utilizar fitas de vdeo para encaminhar os programas para as
emissoras, tcnica que demandava um tempo muito maior.
Em sua obra, Rezende explica que a Globo tambm se destacou ao direcionar maior
"cuidado com a forma de apresentao de notcias - visvel na escolha dos cenrios,
dos locutores, na qualidade das imagens e na edio das matrias" (2000, p. 113).
Pignatari (apudREZENDE, 2000) explica que foi imposta uma durao mais rgida
ao noticirio; feita a adequao da linguagem, correta, porm mais coloquial; e foiaplicada mais preciso escolha das pessoas que dariam 'cara' s notcias.
Para Lins da Silva, alm do fato indito da interligao nacional, o JN se destacou
por "consolidar um modelo de 'timing' da informao [...], porque consagrou um estilo
de apresentao visual requintado e frio, pretensamente objetivo, [...] pela extenso
dos assuntos abrangidos, com a instalao de escritrios no exterior..." (LINS DA
SILVA apudSQUIRRA, 1993, p. 109). Em 1971, a Rede Globo deu mais um passo
pioneiro ao criar um departamento de pesquisa e anlise. Por meio dele, ela pode
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planejar a publicidade e adaptar programas a diferentes gostos, adequando-os para
cada tipo de resultado obtido pelas pesquisas socioculturais.
Foi nessa fase que os custos dos televisores baixaram, ampliando o mercado dessesetor e atraindo mais investimentos publicitrios. Mattos (2010) esclarece que para
atender s exigncias do seu pblico, os contedos dos programas passaram a ser
cada vez mais populares. neste perodo, tambm, que houve um avano no
nmero de telejornais na grade de programao. At ento ainda perdiam em
instantaneidade da informao para o rdio. Os contedos policiais tambm
ganharam mais espao.
Programas de jornalismo policial que traziam o mundo co para aTV multiplicaram-se na segunda metade da dcada de 1960: "002Contra o Crime" e "Polcia s suas Ordens", na Excelsior; "Patrulhada Cidade", na Tupi; "Planto Policial Canal 13", na TV Rio; e "ACidade Contra o Crime", na TV Globo (RIBEIRO; SACRAMENTO,2010, p. 112).
Mattos (2010) classifica o perodo de 1964 a 1975 como a fase populista da TV,
quando "programas de auditrio e de baixo nvel tomavam grande parte da
programao" (MATTOS, 2010, p. 85). Para ele, as atitudes de censuras tomadas
pelo regime militar contriburam para a queda de qualidade da programao nestafase, que passou a adotar um "contedo popularesco, chegando s raias do
grotesco" (MATTOS, 2010, p. 97). Na final da dcada de 1960 e incio de 1970, a
Globo fortaleceu sua hegemonia, principalmente ao direcionar a programao para
as camadas socioeconmicas mais baixas. Para Arthur de Tvola
Um dos fatores de crescimento da Rede Globo foi o de jamais haverdesdenhado sua relao com o mercado real. Se a classe C constituia base da audincia, nela se d a deciso majoritria; tambm em
sua funo devem ser montados os padres de produo emercadolgicas. S depois de obtido esse amlgama poder-se-cogitar do atingimento dos padres artstico e cultural (apudMATTOS, 2010, p. 103).
O populismo escolhido at ento pela Globo tambm foi a opo adotada pelas
outras emissoras. Na Bandeirantes, por exemplo, o telejornal Titulares da Notcia, j
em 1970, trazia a dupla sertaneja Tonico e Tinoco apresentando as informaes
referentes ao interior do estado de So Paulo. Nesta mesma dcada, a Globo
passou a reformular sua programao, incluindo opes de sucesso, como o GloboReprter, Fantstico e outros programas que tiveram curta durao, mas que
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simbolizaram uma nova etapa da histria do jornalismo brasileiro. Surgia o 'padro
Globo' de produes.
Boa parte dessa mudana foi provocada pela assinatura de um decreto peloPresidente Mdice, em 1970, que proibia as emissoras de transmitirem matrias
consideradas "ofensivas moral e aos bons costumes", e uma mensagem enviada a
participantes do VI Congresso Brasileiro de Telerradiodifuso, em que destacava a
funo do meio e afirmava que o Governo no podia "permanecer inativo e
silencioso, enquanto cresce a competio e o tamanho da audincia resultando
numa perda para a populao" (MATTOS, 2010, p. 104). Para o presidente, esse
veculo deveria exercer uma funo social mais efetiva na sociedade.
Uma das marcas dessa nova estratgia adotada pela Rede Globo de abandono de
contedo mais popularesco foi registrada pela imprensa da poca, que em 1972
relatou a sada de Abelardo Barbosa, mais conhecido pelo grande pblico como
Chacrinha, da emissora. O artista "era o ltimo remanescente da programao da
Globo dos tempos em que ela apelava para programas mais populares para manter
a audincia" (MATTOS, 2010, p. 213). Com a sada, ele e outros artistas passaram a
integrar a equipe da TV Tupi, que tentava repetir a frmula popular que aconcorrente adotara na dcada de 1960 para obter a audincia. Em contrapartida, a
Globo investia para atrair telespectadores mais qualificados no que diz respeito ao
poder aquisitivo. No mesmo ano, a Record passou a investir mais no telejornalismo,
lanando o programa Tempo de Notcias. Apresentado pelo Hlio Ansaldo, a atrao
levava temas que estavam em pauta na sociedade para debate, com a ajuda de
especialistas (MATTOS, 2010, p. 212).
No perodo entre o anncio do fim da censura imprensa, em 1978, e o fim do
regime de exceo, em 1985, o pas comeou a sentir os primeiros 'sintomas' do
retorno da democracia. O momento de transio entre essas duas dcadas, com o
regime com menos fora em relao ao que se via at ento, fez surgir uma srie de
programas que nasciam para o debate, veiculados em diversos canais. Rezende
(2010) destaca o programa "abertura", da TV Tupi, que abria o microfone para
pessoas que haviam sido exiladas durante a ditadura e que comeavam a voltar ao
Brasil. Na TV Cultura, outro destaque foi "Opinio Pblica", que trazia assuntospolmicos e reportagens com nfase nas coberturas artstica e cultural. Outras
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emissoras seguiram o mesmo fluxo, investindo em programas de entrevistas e
debates.
Porm, nenhuma dessas tentativas conseguiu tirar a supremacia conquistada pelaGlobo, que adotou novas frmulas para se manter na liderana: foi promovida uma
maior interao entre o apresentador e o cenrio - como nos casos de programas
Fantstico e Globo Reprter -, que passaram a apresentar toques mais profissionais,
eliminando o tom improvisado; montaram-se cenrios com estticas mais
agradveis; e profissionais com timbres bonitos e boa aparncia foram selecionados
para apresentar as atraes ao pblico. Alm disso, a liberao poltica
experimentada na poca, "introduziu-se timidamente um tom mais crtico nos
telejornais do fim da noite" (REZENDE, 2010, p. 65). Houve, ainda, o crescimento de
especialistas para comentar determinados assuntos.
Nesse decnio, o Brasil assistiu pela primeira vez o Merchandising introduzido em
uma produo de TV do pas. Segundo Mattos (2010), a tcnica, que promove a
publicidade indireta de algum produto inserida dentro do contedo de um programa,
viu o seu incio na novela Cavalo de Ao, da Rede Globo.
2.3 NASCE O NCORA E CRESCE O PESO SOBRE O 'CARA' DO JORNALISMO
Os anos 1980 foram marcados pelo surgimento, e posterior projeo nacional, de
outros dois canais: o Sistema Brasileiro de Televiso (SBT), do popular Silvio Santos
- que em pouco tempo conquistaria a segunda colocao nos ndices de audincia -,
e a Rede Manchete, do grupo Bloch. Em contrapartida, a primeira emissora a
inaugurar o sinal televisivo no pas - a TV Tupi So Paulo - fecha as portas devido a
problemas financeiros.
Mesmo assim, a televiso destacou-se por absorver grande parte das verbas
destinadas Publicidade. Mattos (2010) explica que em 1987, a TV atingiu a marca
potencial de 90 milhes de telespectadores, equivalendo a 63% da populao.
Esses resultados positivos j vinham sendo refletidos em lucro: um levantamento
realizado pelo World Advertising Expenditures em 1976 apontou que o Brasil j
ocupava a quarta posio na lista dos dez pases do mundo que investiam acima de
um bilho de dlares em publicidade. Nesse ano, por exemplo, a TV recebeu 42%de toda a verba publicitria investida no pas (MATTOS, 2010, p. 46). J em 1988, a
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televiso ficou com 60,9% desses investimentos, segundo o Grupo Mdia/Meio &
Mensagem (MATTOS, 2010).
Entre as principais mudanas trazidas por esta dcada, uma das mais importantesfoi o nascimento da figura do ncora. Baseada no anchorman norte-americano, o
papel foi desempenhado pela primeira vez por um jornalista na TV brasileira por
Joelmir Beting (REZENDE, 2010). Anos mais tarde, a figura iria se fixar no
jornalismo por meio do jornalista Boris Casoy, como ser visto em pginas futuras.
2.4 FIRMAMENTO DA ANCORAGEM: JORNALISMO DE OPINIO
Uma das experincias mais reconhecidas quando se fala em ancoragem a de
Boris Casoy frente do TJ Brasil, veiculado pelo SBT. A emissora, que havia vivido
diversos fracassos com outras atraes telejornalsticas, encontrou na figura do
ento diretor do jornal Folha de So Paulo a possibilidade de permitir que o Brasil
passasse por uma experincia que j era vivida nos EUA. Nesse momento, a figura
do apresentador - que j ocupava um papel fundamental na conduo do jornal,
dando cara atrao - ganhou novos limites, incluindo a emisso de comentrios e
opinies, deixando "subentendido que o telejornal a sua imagem, tem sua marca,
sua assinatura, como se fosse sua propriedade" (SQUIRRA, 1993, p. 177).
Squirra (1993) destaca que essa funo proveniente do telejornalismo americano,
onde o apresentador assumiria funes alm da apresentao, sendo tambm o
editor-chefe do programa e tendo certa autonomia sobre o jornal, como, por
exemplo, a de escolher a equipe com quem iria trabalhar.
O surgimento do ncora no pas ocorreu em uma poca em que os telejornais
tinham como principal objetivo mostrar para o pblico valores como iseno e
objetividade, a exemplo das produes da Globo. Alm disso, a ideia de uma prtica
mais opinativa ainda causava constrangimento em parte dos profissionais. Rezende
(2010) conta que o SBT, que nunca havia investido com peso no setor jornalstico,
mas sempre com apelo pelo popular, cobrava um telejornal que traduzisse a "cara
da emissora". Foi em meio a essa nsia, por exemplo, que surgiu o programa policial
popular "Aqui Agora", em 1991, baseado no "Aqui e Agora", que foi ao ar pela TV
Tupi, no ano de 1979.
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Casoy assumiu o TJ Brasil em 1988, com liberdade para fazer crticas ao vivo.
Rezende conta que ele
[...] no se conformou ao modelo norte-americano de ancoragem.Alm de conduzir o noticirio, passou a fazer entrevistas e emitircomentrios pessoais sobre os fatos. A resposta do pblico serefletiu logo no faturamento e o "TJ Brasil" veio a se transformar nosegundo produto do SBT a atrair mais publicidade, superado apenaspelo programa de Silvio Santos (REZENDE, 2010, p. 68).
Squirra aponta que o formato adotado pelo jornalista acabou conquistando o pblico.
O autor destaca uma pesquisa realizada pela Revista Imprensa e Vox Populli em
1991 revelou que o TJ Brasil conquistava uma boa colocao em confiabilidade por
boa parte da populao. Ele havia ficado em terceiro lugar no quesito credibilidade eem segundo no quesito imparcialidade entre todos os jornais veiculados em horrio
nobre o pas (SQUIRRA, 1993).
Em entrevista feita pelo autor do livro 'Boris Casoy: o ncora no telejornalismo
brasileiro', o jornalista relembrou como se deu o incio das opinies no ar.
Argumentaram que os comentrios eram chatos, que iam afastar opblico. Mas foi porque os colegas perdiam o controle de mim notelejornal. Num momento admiti diminuir o nmero de comentrios.Depois eu percebi que, quando eu colocava mais comentrios,aumentava a audincia. Com o aparelho do Ibope, o Dataibopecolocado perto de mim, eu constatei que quanto mais comentrios eucolocava, mais aumentava a audincia. Um dia informei ao DcioNatrini, a pessoa mais prxima a mim, que eu ia colocar comentrioem tudo o que merecesse. Aquele foi o dia em que batemos recordede audincia. (SQUIRRA, 1993, p. 167)
Assim surgiu uma tendncia que estaria presente em diversos telejornais futuros,
fundamentada basicamente na busca pela audincia e pelo lucro. No caso dos
telejornais populares, tema de interesse deste trabalho, a opinio tambm foi umacaracterstica fortemente adotada pelas emissoras para conquistar o seu pblico,
como se ver mais frente. Uma vez apresentada essa nova face do jornalismo, se
ver como a utilizao dessas e de outras ferramentas de seduo tornaram-se
importantes para os veculos, principalmente por conta das novidades que passaram
a disputar a ateno do pblico.
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2.5 DISPUTA ENTRE AS TVS ABERTA E SEGMENTADA
Os anos 1990 tambm foram importantes para o desenvolvimento e fortalecimento
dos canais segmentados (por assinatura) e para o debate da TV em alta definio.V-se, ainda, o crescimento no nmero de videocassetes nas residncias e a
instalao de diversas emissoras locais e regionais, "ampliando a possibilidade de
uma maior regionalizao e utilizao de canais de televiso alternativos" (MATTOS,
2010, p. 132).
As novas possibilidades permitidas pela prpria televiso, como o aumento na
adeso de canais pagos e a utilizao do televisor para outras funes, como o
videocassete e, mais tarde, a popularizao dos videogames, promoveram umaqueda na audincia dos canais generalistas (abertos). Mais futuramente, em 1995, a
internet entra de vez nesta lista das opes de diverso que disputam a ateno
com a TV. Na luta para se manter presente no dia a dia da populao, a televiso v
o retorno dos contedos s classes mais populares devido disputa pelo pblico.
Segundo dados veiculados pela imprensa, em 1993 existiam cercade 31 milhes de aparelhos televisores em uso no pas. Entre 1994 e1998 [...] foram vendidos cerca de 28 milhes de aparelhos,
calculando-se que cerca de seis milhes foram comprados porfamlias que estavam adquirindo o primeiro televisor, todas elasintegrantes das camadas mais baixas da sociedade, contribuindopara o surgimento de um contingente de aproximadamente 24milhes de novos telespectadores que representavam cerca de 20%do antigo total da audincia (MATTOS, 2010, p. 108).
Com esses dados nas mos, os produtores e diretores voltaram a investir em
contedos populares. Ainda de acordo com o Mattos, em 1998 j era possvel notar
um rebaixamento de nvel de qualidade da programao, baseado na trade sexo,
sangue e desastres. Na luta para elevar a audincia, os noticirios foram utilizados
em momentos de grande comoo nacional, como no assassinato da atriz de TV
Daniela Prez, em 1992, e na luta do cantor Leandro, da dupla Leandro e Leonardo,
contra o cncer. "A vulgaridade continuou sendo usada, na tentativa de manter os
mesmos ndices de audincia, para compensar a perda de audincia das classes A
e B, que estavam migrando para a TV por assinatura" (MATTOS, 2010, p. 143).
Com o sucesso do Plano Real, as camadas mais pobres da
populao aumentaram o poder aquisitivo, podendo adquiririnmeros novos televisores, o que fez crescer a audincia dasclasses C, D e E. Essa nova audincia acirrou a briga entre as redes
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de TV aberta, principalmente pelo fato de terem perdido grande parteda audincia das classes A e B, que passaram a compor a audinciados canais por assinatura. Na disputa pela audincia C, D e E que,apesar de menos qualificada, quantitativamente maior, asemissoras apelaram para programas popularescos, sensacionalistas,e tambm passaram a lanar mo de sexo e violncia, como o AquiAgora, Cidade Alerta, 190 urgente, No Limite e, entre outros, Casados Artistas(MATTOS, 2010, p. 158).
O expoente dessa conjuntura, segundo Mattos, que volta a ganhar espao o
Programa do Ratinho, exibido pelo SBT, que traz um misto de entretenimento e
informao. Na atrao, o apresentador Carlos Massa se coloca como uma espcie
de representante do povo, falando de problemas dos humildes, mas mesclando as
histrias com outros contedos engraados, jocosos, inacreditveis. "Analisando
essa tendncia de retono ao grotesco, podemos afirmar que, na verdade, esses
programas tm o objetivo de atrair a nova massa de telespectadores das classes D
e E, agregados a partir da dcada de 1990" (MATTOS, 2010, p. 147).
2.6 TERCEIRO MILNIO
A primeira dcada do terceiro milnio marcada por uma oposio. Na disputa pela
conquista do pblico com a Record, que exibia a novela "Prova de Amor" (2006), a
Globo elimina os comentrios de especialistas do principal telejornal da emissora - o
Jornal Nacional -, mantendo-o apenas com a funo informativa. Por outro lado, os
programas telejornalsticos que apresentam a opinies explcitas dos
apresentadores ganham espao na grade. o caso do "Brasil Urgente", da Band; e
do Balano Geral, da Rede Record, que j existia em alguns estados, mas que
passa a ser transmitido para todo o pas.
A fase de ganho para a televiso aberta, que v crescer a adeso e expanso do
sinal digital. Porm, o perodo tambm marcado pelo crescimento significativo nos
servios das TVs pagas, internet e telefonia mvel, que surgem como outras opes
de ocupao de tempo que, antes, pertenciam ao aparelho televisor.
nesta dcada que aps mais de 30 anos ocupando apenas os intervalos
comerciais, a publicidade volta a contaminar o jornalismo, principalmente aquele dito
popular. Por meio do uso do merchandising, diversas atraes passam a dividir o
tempo que antes era destinado informao para tornar pblico e estimular a vendade produtos e servios. Esta , entre outras formas, a maneira de burlar a crise de
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ateno que se instalou e conseguir se mesclar quilo em que o pblico destina seu
tempo, assunto que ser trabalhado no prximo captulo.
3. NARRATIVAS POPULARES NA TV E NO TELEJORNALISMO
Neste captulo, sero trabalhadas algumas das principais formas de linguagem da
televiso em geral, mas dando-se maior ateno para o gnero telejornalstico.
Dentro deste, o foco principal ser no subgnero popular, destacando algumas
ferramentas utilizadas nesse tipo de programa para atrair e manter o pblico em
frente ao televisor, criando o sentimento de pertencimento. O estudo dessas
temticas fundamental para se que possa entender o motivo pelo qual algumas
marcas e empresas optam pelo telejornalismo popular, e entender tambm o quecada uma das reas tem a oferecer e receber da outra.
Ao longo dos ltimos 65 anos, a televiso passou de um item de luxo para um
aparelho que faz parte da rotina da maior parte da populao brasileira, incluindo as
classes financeiramente menos favorecidas. Como vimos no primeiro captulo, a
popularizao do meio comeou quando o preo dos aparelhos foi reduzido. Com
isso, a populao passava a contar com uma nova opo de entretenimento e
informao.
Um dos primeiros motivos que fizeram a televiso conquistar tal sucesso foi a sua
principal caracterstica: a unio de som e imagem em movimento com a transmisso
simultnea para grandes distncias permitiram ao meio se diferenciar de outros
veculos de massa at ento existentes - rdio, cinema e fotografia (FRANA,
2006). Bourdieu (1997) destaca que, pelas possibilidades inerentes a ela, a televiso
cria uma sensao que os crticos literrios denominam como 'efeito do real'. "Ela
pode fazer ver e fazer crer no que faz ver" (BOURDIEU, 1997, p. 28). Seria
justamente por essa questo que a TV passou a ser percebida como uma espcie
de "janela para o real" ou como um veculo especialista na transmisso da realidade.
Utilizando as ideias de Bourdieu, Frana (2006) explica que por meio de um jogo
de visibilidade e invisibilidade, de mostrar escondendo, que a televiso exerce ao
extremo um poder simblico de dominao por meio da imagem. Para a autora, na
atualidade, o meio vai alm dos meros fatos reais, tornando-se responsvel porfabricar suas prprias imagens e um mundo prprio, criando "cenrios, formas,
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movimentos, recupera[ando] e reedita[ando] trilhas e musicais, acoplada a novos
recursos multimdia, gera[ando] imagens e sons criativos e inusitados" (FRANA,
2006, p. 5).
Ainda segundo a autora, a televiso tornou-se uma instituio social que conseguiu
atravessar clivagens sociais, permanecendo como uma das responsveis "pela
disseminao e partilhamento de cdigos, referncias, representaes, e pelo
estabelecimento de uma pauta ou roteiro de ateno" (FRANA, 2006, p. 8). Na
sociedade brasileira, ela teve ampla disseminao, deixando de ocupar apenas os
espaos comuns para adentrar na privacidade dos quartos, das cozinhas, da sala de
refeio. Por conta disso, a ela tambm coube o papel de preencher os espaos
vazios, como possibilidade de lazer e descanso, alm de fazer companhia como voz,
como presena (FRANA, 2006).
Temer (2010) explica que:
Na televiso a transmisso de informaes se caracteriza por usartodas as condies tcnicas possveis para conquistar e reconquistardiariamente o seu pblico, com grande investimento nosensacionalismo e na espetacularizao da informao (2010, p.
104).A autora acrescenta que a televiso construiu uma linguagem prpria e criou
representaes que fazem com que ela se imponha por meio da seduo da
imagem, do imediatismo, das diversas possibilidades de uso, de preencher os
sentidos como se fosse um narctico. "Em funo disso, a televiso tem uma forte
vocao para o entretenimento, e o seu uso cresce no tempo livre (ou tempo para o
lazer) dos receptores" (TEMER, 2010, p. 108).
Duarte (apudTEMER, 2006) diz que a produo televisiva oscila entre duas funes
bsicas, dois objetivos: o de informar e o de divertir. De forma geral, pode-se
entender que o primeiro seria representado pelos telejornais, e o segundo, pelos
demais programas, como as atraes de auditrio e as novelas. Nessa disputa entre
a informao e a diverso na TV, "o entretenimento seu nicho e funo
preferencial" (FRANA, 2006, p. 11).
Nas emissoras brasileiras generalistas (sinal aberto), os noticirios ocupam um
espao na grade de programao muito menor do que o tempo destinado a outros
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tipos de atraes. Para Temer (2010), isso ocorre porque ainda que ainda que
tenham uma audincia cativa, para os empresrios o "telejornalismo caro e pouco
atrativo em termos de pblico" (LINS DA SILVA apudTEMER, 2010, p. 108). Mas
apesar de ocupar uma pequena parte da totalidade da programao, os noticirios
assumem papel fundamental e estratgico nas emissoras porque, como explicam
Becker e Mateus (2010, p. 131), "vendem credibilidade e atraem investimentos,
revelando um surpreendente valor comercial".
Indo alm de Duarte, para quem a produo televisiva gira em torno das funes de
informar e de entreter, Castro (2009) acrescenta outras duas funes a ela: o papel
educativo e o promocional. Detentora de prestgio, a TV se mostra especialista em
esclarecer dvidas, levar assuntos para debate e at ser didtica. Criada como um
negcio, ela se consagrou tambm como um espao para a promoo de produtos,
servios, pessoas (como no caso de polticos, por exemplo), e da prpria emissora.
Castro destaca que esse meio
[...] nasceu sob a gide da iniciativa privada e, como tal, estestruturada pelo marketing, pela dimenso comercial. Sua meta aconquista do mercado, a obteno de lucro, o que significa aliar opropsito comunicativo com o interesse comercial. Isso quer dizerque, ao lado da dimenso comunicativa, centrada na relao com ostelespectadores, existe a preocupao financeira, responsvel pelasustentabilidade da emissora enquanto tal (CASTRO, 2009, p. 125).
Castro (2009) ainda aponta que tanto as emissoras quanto os patrocinadores saem
ganhando nessa relao: enquanto a potencialidade do meio atrai os anunciantes,
que querem ter os seus produtos expostos no veculo com altssimo poder de
penetrao, as emissoras mantm a busca pelos altos ndices de audincia com o
objetivo de atrair a verba publicitria, obtendo lucro e valorizando o seu espao, no
que ele chama de um "verdadeiro crculo vicioso" (CASTRO, 2009, p. 129).
A seguir, sero abordados os efeitos dessa caracterstica mercadolgica sobre as
produes telejornalsticas, objeto central de estudo deste trabalho.
3.1 O TELEJORNALISMO
O telejornalismo firmou-se como uma fonte de informao barata e cmoda, que
assume um papel central na vida em sociedade (SIQUEIRA; VIZEU, 2010).
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Para Temer (2010), entre os gneros televisivos existentes, o telejornal um dos
mais fceis de ser identificado como tal. De acordo com a autora, os noticirios
podem ser definidos como um jornalismo feito para e veiculado na televiso. Desta
forma, ele deve seguir as mesmas estruturas, ideias, valores e ideais ticos do
jornalismo impresso na hora de lidar com a informao, seu principal objeto de
trabalho.
O jornalismo tem por princpio um compromisso com a verdade, coma informao verdadeira. Alm disso, por princpio tico, o jornalismopressupe uma comunicao organizada a partir do interessepblico, do que afeta a vida do indivduo enquanto cidado (na suarelao com o estado) e enquanto indivduo (na sua relao com asociedade) (TEMER, 2010, p. 103).
J na viso de Castro,
A meta do telejornalismo o estabelecimento de uma relao quealie confiana e identidade total com o pblico telespectador. Paraalcanar esse patamar, a emissora, em sintonia com osacontecimentos da realidade, local ou nacional, e com as aspiraesda comunidade, precisa trazer ao pblico as informaes de maneirarpida e precisa, relatando, investigando e analisando, sem perderde vista o compromisso com a liberdade de informao e apreservao da credibilidade (CASTRO, 2009, p. 132).
Para Arlindo Machado (2000, p.102), os noticirios no devem ser vistos apenas
como "um simples dispositivo de reflexo dos eventos", mas como uma forma de
mediao. A prpria fala dos reprteres e protagonistas aparecerem como
mediaes inevitveis e como condio essencial do relato telejornalstico
(MACHADO, 2000). Segundo o autor (Ibidem, p. 104), "o telejornal , antes de tudo,
um lugar onde se do atos de anunciao a respeito dos eventos", alm de ser uma
colagem de diversas vozes montadas em discursos, onde fontes de imagem e som
distintas ajudam a compor a mensagem.
Na sua relao com o pblico, Machado (2000) tambm destaca que os telejornais
podem ser lidos e interpretados de maneira diferente pela sociedade, que leva em
considerao suas ideologias e experincias de vida na hora de decodificar a
mensagem transmitida. Assim, por mais 'fechado' que o noticirio possa parecer, os
telespectadores so capazes de filtrar e operar leituras diferenciadas.
Correia e Pereira Junior (2008) apontam que o telejornalismo tambm funcionacomo um lugar de referncia para a populao, que se assemelha a outros lugares
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comuns da vida, como aquele assumido pela famlia. Isso ocorreria porque, entre
outras funes, os noticirios ajudariam na formao da pessoa, na construo da
ideia de realidade e no desenvolvimento de uma espcie de conhecimento.
Desta forma, os jornais de TV contribuiriam para a construo da ideia de 'real' ao
organizarem a vida e os acontecimentos, ajudando a interpretar o mundo por meio
da reproduo da realidade. Ao jornalista caberia, ento, traduzir esse mundo de
maneira pedaggica, didtica. O jornalismo passa a ser entendido como "uma
espcie de lugar de orientao nas sociedades complexas que homens e mulheres
recorrem para o bem e para o mal" (CORREIA; PEREIRA JUNIOR, 2008, p. 19). Os
noticirios mostram-se como
[...] uma espcie de referncia, de estabilidade, diante da violncia,da insegurana e da complexidade do cotidiano. Os telejornaisfuncionariam como uma janela para a realidade, mostrando que omundo circundante existe, est l e tudo no se transformou numcaos e a vida segue sua normalidade (CORREIA; PEREIRAJUNIOR, 2008, p. 21).
Ao telejornalismo tambm caberia a funo de fazer e ser familiar, permitindo que a
audincia se identifique com o mundo que transmitido e sinta segurana de viver
nele. "A forma como ele [o telejornal] organizado, as notcias que se sucedem, ofinal com uma mensagem de esperana, ou com uma matria para cima"
(CORREIA; PEREIRA JUNIOR, 2008, p. 22) servem para levantar o nimo de quem
o assiste, criando um sentimento de confiana e conformidade. Alm disso, ele seria
o principal meio responsvel pela agenda de temas que fazem parte do cotidiano da
populao: aborda assuntos que, depois de veiculados, passam a ser discutidos na
sociedade; ou temas que j esto repercutindo entre as pessoas.
Assim, o jornalismo televisivo se assume como processo social, fazendo a mediao
entre os fatos e a sociedade, com o objetivo de facilitar o conhecimento e o
entendimento do pblico (TEMER, 2010). Com essas possibilidades e assumindo
tamanho papel, ele ainda permanece firme como uma fonte de informao para os
cidados.
3.1.1 O telejornalismo e o carter comercial
Como toda e qualquer produo televisual veiculada em emissoras comerciais, otelejornalismo tambm sofre influncia mercadolgica no seu modo de ser. Essa
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influncia atinge principalmente a informao, produto bsico dos noticirios. na
seleo, na edio e nos modos escolhidos de transmisso que o objetivo do lucro
torna-se visvel.
No caso dos noticirios de TV, so os jornalistas que exercem o papel de mediador,
como aqueles que selecionam o que vai ser exibido e definem aquilo que no ser
(VIZEU; SIQUEIRA, 2010). Na operao dessa seleo, Temer (2010) aponta que a
noo de servio pblico que deveria ser prestada esbarra no carter
mercadolgico, quando a informao transformada em mercadoria. Em funo
disso, a notcia recebe um tratamento diferente, sendo "categorizada, organizada,
hierarquizada e trabalhada esteticamente a partir de uma relao que envolve dois
elementos complementares: o interesse pblico e o interesse do pblico" (TEMER,
2010, p. 103).
Cabe televiso utilizar todos os artifcios disponveis para conquistar a audincia,
que a razo de ser do telejornalismo (TEMER, 2010). Na busca por essa
conquista, os noticirios tendem a fazer aquilo que a pesquisadora define como
diluio de fronteiras entre o real e o imaginrio, chegando a mesclar sua linguagem
com outras.
Para conquistar a ateno do telespectador, o telejornalismo dpreferncia aos assuntos emocionais e faz uso intencional de umalinguagem dramtica. Ocorre que ao trabalhar os contedosemocionais e dramatizar a informao, o telejornalismo comprometea prpria informao; A soma destes elementos torna otelejornalismo em si mesmo uma contradio: suas informaes soreais, pois se referem a algo que realmente ocorreu, mas irreal,porque esse real "romanceado", "dramatizado", colorido comsuspense (TEMER, 2010, p. 110-111).
Para Temer (2010), o objetivo mercadolgico que foi adotado pela TV brasileira faz
com que as notcias sejam narradas para causar impacto, ao mesmo tempo em que
distraem o telespectador. Para conseguir bons resultados, este gnero se v
obrigado a criar vnculos com outros, como a telenovela. "Juntos no horrio nobre, a
novela e o telejornal se contaminam e so contaminados mutuamente pelo material
publicitrio" (TEMER, 2010, p. 113).
Como exemplo, a pesquisadora explica que os noticirios televisivos se organizam
como novelas, com reportagens/captulos em sequncia que vo revelando a
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informao em pequenas partes cumulativas (TEMER, 2010). A hibridizao de
gneros passa a ser um hbito cada vez mais comum na telinha.
Brasil Urgente, por exemplo, um telejornal que se apoiaconstantemente em recursos dramticos (performance do apresentador,recursos sonoros e visuais); o Programa do Ratinho um programa deauditrio, um programa de variedades, que incorpora recursosdramticos (encenaes), informativos (pequenas reportagens); show, denncia, enfim, uma mistura (FRANA, 2006, p. 14).
Em resumo, Temer (2010) entende que os noticirios tm se transformado cada vez
mais em espetculos e se aproximado dos contedos ficcionais. A informao saiu
do topo da lista de importncia, e o lugar passou a ser ocupado pelas
representaes, cenas coloridas, pela preciso quase cronometrada das matrias,
da atuao de jornalistas e do desempenho dos entrevistados (TEMER, 2010, p.
119). Tudo com o objetivo de atingir maior nmero de pessoas, atraindo os
anunciantes e, consequentemente, o lucro.
Na obra 'O Jornalismo na era da Publicidade', Leandro Marshall (2003) realiza um
estudo sobre as influncias mercadolgicas pelas quais o jornalismo passou para se
adaptar a essa caracterstica comercial nos mais diversos meios. Segundo o autor,
em consequncia dessa lgica baseada no lucro, a funo de informar passou a serreduzida "a uma simples esfera de sustentao para interesses eminentemente
comerciais" (2003, p. 24). Mais frente, ele destaca que "embora desempenhe um
funo pblica, a imprensa opera como empresa privada, com interesses e fins
privados" (MARSHALL, 2003, p. 26).
A partir da segunda metade do sculo XX, a publicidade comercialassumiu um papel central no mundo capitalista. A linguagem daseduo passou a modelar as razes sociais, polticas, econmicas e
transmutou diretamente o universo da sociedade, da comunicao eda cultura. Hoje podemos afirmar que a publicidade transformou-seem um dos motores da engrenagem da sociedade capitalista demassa e, sobretudo, qualifica-se j a assumir o lugar da imprensa noposto de quarto poder de nosso modelo econmico (MARSHALL,20003, p. 93).
Ainda que exista uma forte presso entre o jornalismo e a publicidade, Marshall
aponta que essa relao, tanto nos jornais impressos como nos meios eletrnicos,
fundamental, porque "o jornalismo s se torna factvel no e pelo financiamento do
poder econmico publicitrio" (MARSHALL, 2003, p. 10). Por conta disso, o autoraponta que as notcias passam a ser submetidas s regras e determinaes do
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marketing empresarial, muitas vezes sendo trocadas por informaes de
entretenimento, "que tem maior efeito sobre a audincia e custam bem menos
empresa" (MARSHALL, 2003, p. 27).
Como consequncia desse processo de mutao, os telejornais,radiojornais, net-jornais e jornais impressos tm submetidoinvariavelmente a sociedade a uma dieta de notciassensacionalistas. Esse o caminho mais curto entre aaudincia/vendagem e o lucro e tem sido explorado com pequenasvariaes na maioria dos veculos (MARSHALL, 2003, p. 42).
Marcondes Filho (apudMARSHALL, 2003, p. 123) explica o porqu de o jornalismo
ser considerado pelos anunciantes como um espao propcio para a promoo de
produtos e servios, atendendo ao objetivo final de estmulo compra. Ele tambmdestaca o motivo pelo qual o jornalismo aceita ser permeado pela publicidade.
[...] os publicitrios veem na apresentao jornalstica de seusanncios, isto , no desfiguramento do carter de anncio de suapublicidade (por meio da mistura da parte publicitria com aredacional), um aumento de eficincia propagandstica desta. Aqualidade da parte noticiosa, que pode aumentar o poder do anncio,apresenta-se para os editores como fonte especial de lucros.
Apesar de falar para um pblico formado por indivduos bastante diferentes - seja
pela idade, sexo, religio, espao geogrfico, entre outros -, a televiso tem tentado
escolher os assuntos "comuns" que englobem a maior quantidade de pessoas
possvel. Manuel Piedrahita (apud MARSHALL, 2003) explica que os veculos
escolhem e moldam informao de acordo com o pblico que eles possuem. No
caso dos telejornais, Bourdieu (1997) destaca que a seleo feita atravs de um
"culos" que os jornalistas possuem, que os permitem ver certas coisas e outras
no, alm de enxergar de forma especfica aquilo que veem. Essa escolha dos
temas abordados parte direta da estratgia que cativar a audincia.
O princpio da seleo a busca do sensacional, do espetacular. Ateleviso convida dramatizao, no duplo sentido: pe em cena,em imagens, um acontecimento e exagera-lhe a importncia, agravidade e o carter dramtico, trgico. [...] preciso palavrasextraordinrias. [...] Os jornalistas, grosso modo, interessam-se peloexcepcional. [...] Eles se interessam pelo extraordinrio, pelo querompe o ordinrio, pelo que no cotidiano (BOURDIEU, 1997, p.25, 26).
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Como resultado, aumenta-se a procura por assuntos diferentes, por histrias que
cada vez mais superam o limite do imaginvel, compostas por informaes
inacreditveis, imagens de momentos curiosos.
A estratgia consiste em oferecer as informaes geralmente ligadasa acontecimentos ou coisas incomuns, que despertem e prendam aateno e, se possvel, atraiam o interesse do pblico para o relatoou para o desenrolar dos fatos. a ttica de abalar, sacudir,desestabilizar, assustar, estremecer, emocionar ou inquietar aspessoas, provocando intencionalmente uma erupo de sensaes(MARSHALL, 2003, p. 42).
Para Marshall (2003), esse processo acaba transformando os noticirios em
produtos hbridos que englobam ora publicidade, ora entretenimento, ora persuaso,
ora consumo, o que afetaria na misso de informar. nesse contexto que a
publicidade passa a "'pular o muro' e invadir o territrio da informao" (MARSHALL,
2003, p. 41).
Nessa onda, a mdia tem desempenhado, principalmente, as funesde consumo e entretenimento, relegando a segundo plano as tarefasessenciais da informao, cultura, educao e conscientizao. Apercepo generalizada na sociedade de que os jornais tornaram-se um grande shopping de mercadorias, em que a diverso, oespetculo e a emoo funcionam como estratgia de audincianessa gigante mquina de dinheiro (MARSJALL, 2003, p. 41).
Em sua obra, Douglas Kellner (2006) utiliza o conceito de "sociedade do
espetculo", desenvolvido pelo terico francs Guy Debord, para pensar em como
esse desejo pelo espetacular se transformou em algo comum na vida da sociedade
atual. Kellner explica que para Debord, o espetculo tinha relao com o estado de
consumo instaurado, que se baseia na produo e consumo. O conceito seria
utilizado para descrever "a mdia e a sociedade de consumo, incluindo a produo,
promoo, exibio de mercadorias e produo, e seus efeitos" (KELLNER, 2006, p.
121).
Desenvolvido na dcada de 1960, o conceito ganhou novos ares nas obras de
diversos autores, incluindo o prprio Kellner. De acordo com ele, os espetculos
fazem parte da histria da sociedade desde a antiguidade, a considerar, por
exemplo, as batalhas, as olimpadas, entre outros. Segundo o autor, essas seriam
as razes que teriam originado o entretenimento popular como conhecido hoje.
"Agora, com o desenvolvimento de novas tecnologias da informao e multimdia, os
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tecnoespetculos vm moldando decisivamente os contornos e trajetrias das
sociedades atuais, ao menos nos pases capitalistas" (2006, p.120).
Vale ressaltar que muitas dessas mudanas podem ser sentidas em maiores oumenores escalas nos telejornais, dependendo da anlise que feita ou da tica que
se empregada. Porm, deve ficar evidenciado que o telejornalismo (englobando
aqui todas as suas subdivises) tem como principal ferramenta a informao e como
principal objetivo, informar. Ainda assim, comum que as pessoas utilizem o termo
'entretenimento' erroneamente para se referir ao que acontece, por exemplo, nos
telejornais populares, quando em muitos casos o termo "informalidade" seria mais
adequado.
Silva (2009, p. 8) destaca que houve certa resistncia por parte do jornalismo de se
misturar com outros gneros.
Ao fortalecer-se como instituio social, o jornalismo tornou-seresponsvel por ser o porta-voz dos assuntos srios, daquilo que erarealmente importante para a sociedade: poltica e economia. Talpostura configurou-se no modelo dominante de jornalismo, marcadopelo paradigma da objetividade (a no-opinio e no-emoo doreprter), [...] e o privilgio de fatos em detrimento das opinies.
Outras formas de jornalismo que se desenvolveram no mesmoperodo o sensacionalismo, por exemplo eram consideradasprticas depreciadas, inferiores, populares. o campo jornalstico,portanto, que procura legitimar-se socialmente como um noentretenimento, buscando desassociar de sua linguagem qualquerrelao com o entretenimento (SILVA, 2009, p. 8).
No programa Balano Geral ES, que ser estudado no quarto captulo deste
trabalho, se ver que mesmo no sendo o objetivo principal, o entretenimento
tambm existe no telejornal. O quadro 'A Praa do Povo' pode ser tomado como
exemplo. Porm, o entretenimento no ultrapassa a linha da informao e dos fatos,onde se debrua o jornalismo. Alm disso, veremos que esta apenas uma das
caractersticas utilizadas para 'segurar' o pblico, criar identificao e desenvolver o
sentimento de pertencimento, garantindo a fidelidade da audincia.
3.1.2 O poder de 'fazer crer' e 'fazer pertencer'
O telejornalismo utiliza tcnicas para criar sensaes e sentimentos no pblico que o
assiste. Abaixo, foram selecionados alguns mecanismos que se fazem presentesdurante esses programas e que so importantes para 1) entender a relao
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existente entre o pblico e as emissoras e tambm 2) embasar a escolha dos
telejornais populares para realizao dos anncios dos produtos.
Como j dito neste trabalho, a televiso aberta generalista no Brasil precisa secomunicar para um pblico diverso, que engloba classes sociais diferentes, indo de
analfabetos a pessoas alfabetizadas (FRANA, 2006). Para conseguir se comunicar
com a sua audincia, os telejornais se utilizam de uma fala simples, sem palavras
rebuscadas ou que no estejam presentes no dia a dia das pessoas (TEMER, 2010,
p. 115).
Vera Iris Paternostro (1991) destaca que, por conta da sua instantaneidade, a
linguagem precisa ser eficiente, sendo captada da primeira vez.
A busca do coloquial consiste, principalmente, na necessidade de seencontrar um nvel comum de entendimento para mensagem que sevai transmitir. Quanto mais as palavras (ou o texto global) foremfamiliares ao telespectador, maior ser o grau de comunicao. Umamensagem com um texto simples tem a capacidade de atingir ummaior pblico receptor heterogneo (classes sociais, instruo eidades diferentes). Simples aqui no usado no sentido pobre ouvulgar; usado para identificar a forma natural, espontnea deescrever: com simplicidade (PATERNOSTRO, 1991, p. 55).
Nesse caso, o discurso marcado pela agilidade e rapidez que, integradas, criam a
ideia de dinamismo e do ideia de urgncia dos fatos. O verbo, sempre no presente,
d a ideia de atualidade.
A segunda caracterstica a ser trabalhada aqui a imagem do apresentador/
'noticiarista'/ ncora do telejornal. De acordo com Temer (2010, p. 114), eles
aparecem para a audincia como aquele que ocupa a posio hierrquica mais alta
dentro do programa. A ele cabe o papel de chamar as notcias e os reprteres,
delimitando o tempo de participao de cada um dos personagens. Eles tambm se
apresentam - ou so apresentados - como aqueles que tm oniscincia sobre todos
os fatos ocorridos. Eles trabalham com elementos de identificao com o pblico,
fazendo com que a audincia tenha a impresso de estar recebendo um visitante
importante e ilustre dentro de casa.
Os telespectadores so convidados a manter uma espcie de dilogo com a figura
que conduz os noticirios. Exatamente por isso, os telejornali