informação e mercadoria a utilização de telejornais populares como pontos de promoção de venda...

Upload: renan-chagas

Post on 11-Feb-2018

225 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    1/102

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTOCENTRO DE ARTES

    DEPARTAMENTO DE COMUNICAO SOCIAL

    RENAN CORREIA CHAGAS

    INFORMAO E MERCADORIA: A UTILIZAO DE TELEJORNAIS

    POPULARES COMO PONTOS DE PROMOO DE VENDA

    Vitria

    2015

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    2/102

    RENAN CORREIA CHAGAS

    INFORMAO E MERCADORIA:

    A UTILIZAO DE TELEJORNAIS POPULARES COMO PONTOS DEPROMOO DE VENDA

    Trabalho de concluso de curso apresentado aodepartamento de Comunicao Social, do Centro deArtes, da Universidade Federal do Esprito Santo,como requisito parcial para a obteno do grau de

    bacharel em Comunicao Social, Jornalismo.Orientador: Prof. Dr. Rafael da Silva Paes Henriques

    Vitria2015

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    3/102

    RENAN CORREIA CHAGAS

    INFORMAO E MERCADORIA:

    A UTILIZAO DE TELEJORNAIS POPULARES COMO PONTOS DEPROMOO DE VENDA

    Trabalho de concluso de curso como requisitoparcial para a obteno do grau de bacharel emComunicao Social, Jornalismo, UniversidadeFederal do Esprito Santo, Centro de Artes,Departamento de Comunicao Social.

    Aprovado em______ de____________ de ______.

    Clber Jos Carminati _________________________________________________Mestre em Comunicao e Semitica pela Pontifcia Universidade Catlica de SoPaulo, PUC/SP, Brasil.Universidade Federal do Esprito Santo

    Rafael da Silva Paes Henriques- Orientador ________________________________Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, Brasil.Universidade Federal do Esprito Santo

    Victor Israel Gentilli ___________________________________________________Doutor em Cincias da Comunicao pela Universidade de So Paulo, USP, Brasil.

    Universidade Federal do Esprito Santo

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    4/102

    AGRADECIMENTOS

    Primeiramente gostaria de agradecer aos meus pais, Regina Maria Correia Chagas

    e Gilberto Felisberto Chagas, pela pacincia, luta, confiana e apoio para comigo

    durante todos esses anos. Vocs so o verdadeiro motivo de tudo isso. Aos meus

    irmos, por acreditarem que eu era capaz de seguir os meus sonhos e atingir os

    meus objetivos. minha prima Rosa Maria Costa, por ter aberto as portas da casa e

    da vida para que eu pudesse fazer parte, por ter estado disponvel sempre que eu

    necessitava e por me dar suporte durante esses quatro anos. Esse trabalho tambm

    seu. Novamente agradeo Rosa e minha amiga Milena Mangabeira, por teremme ajudado na coleta da amostra para esta pesquisa, deixando de lado as suas

    prioridades para me ajudar nas minhas. Aos meus amigos de Ufes, que

    compartilharam comigo cada um dos dias em sala, na batalha para conseguirmos o

    nosso to sonhado diploma. Vocs sero carregados eternamente comigo. Ao meu

    amigo-irmo Hildiney Meirelles, para quem a minha vitria sempre foi certa, mesmo

    quando nem eu acreditava. Aos integrantes do grupo S.M.P., por terem me acolhido

    to bem quando me mudei de cidade e por terem me ajudado a entender melhor oque significa a amizade verdadeira. Aos meus amigos de escola, com quem dividi os

    primeiros de estudo. Essa vitria de todos ns. Agradeo minha tia Rita Correia

    (in memorian) e minha av Lica Correia (in memorian). A vocs, presto esta

    homenagem com lgrimas nos olhos. Ao meu mestre e professor Rafael Paes, que

    esteve comigo, que acreditou em mim e que me ajudou at o ltimo minuto durante

    o desenvolvimento deste trabalho. A voc, um muito obrigado mais do que especial.

    Por fim, a todos os meus familiares, companheiros, amigos e conhecidos que, em

    algum momento, puderam estar nesse sonho com este, agora, ex-universitrio: sem

    vocs, eu no poderia concluir essa etapa da minha vida. Minha gratido infinita.

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    5/102

    RESUMO

    O presente trabalho busca analisar o emprstimo de credibilidade do telejornal

    popular Balano Geral ES s inseres publicitrias realizadas dentro do programa,

    diariamente. Para isso, foram arquivadas trs semanas do noticirio, sobre os quais

    foram aplicados os operadores propostos por Itnia Maria Mota Gomes (2005; 2011)

    e pelo Grupo de Pesquisa de Anlise de Telejornais da Universidade Federal da

    Bahia (UFBA). Por meio deles, foi realizada a observao, descrio e

    exemplificao da maneira como os contedos informativos e publicitrios se

    relacionam dentro da atrao, num trabalho de contaminao mtua. O objetivo eraresponder ao seguinte questionamento: quais so as tcnicas utilizadas dentro dos

    noticirios populares de TV para transmitir credibilidade e confiana aos

    merchandisings de produtos e servios inseridos dentro destas atraes? Como

    resultado, chegou-se concluso de que a atuao performtica dos mediadores, a

    postura do programa e o tipo de assunto abordado so os artifcios que criam as

    condies ideias para atrair e manter o pblico, ao mesmo tempo em que garantem

    um poder muito maior aos anncios realizados.

    Palavras-chave: Telejornal Popular. Merchandising testemunhal. Modos de

    endereamento. Balano Geral ES. Emprstimo de credibilidade.

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    6/102

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Amaro Neto danando ........................................................... 65

    Figura 2 Interpretao de Amaro Neto ................................................ 67

    Figura 3 Amaro em primeiro plano ...................................................... 69

    Figura 4 Praa do Povo ....................................................................... 80

    Figura 5 Close nos olhos de criana que chora ................................... 81

    Figura 6 Jovem urina ao ser preso ...................................................... 82Figura 7 Insero do Super Clcio D ................................................... 85

    Figura 8 Insero da construtora MRV ................................................ 86

    Figura 9 Depoimento de Ubirajara ....................................................... 87

    Figura 10 Amaro em fazendo compras no Perim .................................. 87

    Figura 11 Amaro em clnica odontolgica .............................................. 88

    Figura 12 Carto de Todos personalizado ............................................. 89

    Figura 13 Insero da Jaklayne Joias ................................................... 90

    Figura 14 Marca da Colmeia das Festas na TV..................................... 91

    Figura 15 Insero do refrigerante Uai .................................................. 91

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    7/102

    SUMRIO

    1 INTRODUO ............................................................................... 8

    2 HISTRICO DA TELEVISO NO BRASIL ................................... 12

    2.1 PERODO DE EXPANSO ............................................................ 16

    2.2 A LIGA O NACIONAL ................................................................. 18

    2.3 NASCE O NCORA E CRESCE O PESO SOBRE O 'CARA' DOJORNALISMO ................................................................................

    23

    2.4 FIRMAMENTO DA ANCORAGEM: JORNALISMO DE OPINI O.........................................................................................................

    24

    2.5 DISPUTA ENTRE AS TVS ABERTA E SEGMENTADA .............. 262.6 TERCEIRO MILNIO ..................................................................... 27

    3 NARRATIVAS POPULARES NA TV E NO TELEJORNALISMO.........................................................................................................

    28

    3.1 O TELEJORNALISMO ................................................................... 30

    3.1.1 O telejornalismo e o carter Comercial ...................................... 32

    3.1.2 O poder de 'fazer crer' e 'fazer pertencer' .................................. 37

    3.1.3 Telejornais Populares .................................................................. 40

    3.1.4 Do local ao nacional, do nacional ao local................................ 463.2 MARKETING .................................................................................. 50

    3.2.1 Definio de Merchandising ........................................................ 53

    3.3 REDE RECORD ............................................................................. 56

    3.4 TV VITRIA .................................................................................... 58

    4 ANLISE DO MATERIAL EMPRICO: BALANO GERAL ES.........................................................................................................

    60

    4.1 FERRAMENTAS DE ANLISE ...................................................... 62

    4.2 OBSERVA O E ESTUDO DAS ESTRATGIAS USADASPELO BALANO GERAL ES .........................................................

    64

    4.2.1 Apresentador crtico .................................................................... 71

    4.2.2 Balano como espao de participao popular........................ 77

    4.2.3 Recursos para manter a audincia ............................................. 80

    4.2.4 Os merchandisings no Balano Geral ES .................................. 84

    5 CONCLUSO ................................................................................ 94

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .............................................. 99

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    8/102

    8

    1. INTRODUO

    As transformaes tecnolgicas pelas quais o mundo vem passando na atualidade

    tm influenciado a maneira como a sociedade consome a informao no seucotidiano. Aos poucos, novos equipamentos vo sendo incorporados ao dia a dia,

    fornecendo aos usurios uma srie de novas e diferentes opes para ficar

    informado. O advento da internet foi um importante marco dessa transformao: a

    instantaneidade, as mltiplas possibilidades de utilizao dos contedos, a grande

    quantidade de dados, a personalizao permitida, entre outras questes, foram os

    fatores responsveis por fazer com que a mundo da web se tornasse to popular.

    Esse servio s foi possvel por conta do desenvolvimento do computador,

    dispositivo que permitiu a convergncia de todos os outros meios de comunicao

    de massa at ento estabelecidos em um nico equipamento, de forma rpida,

    prtica e cmoda. Depois, o uso da internet foi potencializado pelos celulares, que

    comearem a atrair o interesse dos usurios. Muito alm de realizar e receber

    chamadas, estes aparelhos acabaram ganhando novos aplicativos, passando a ter o

    status de smartphones e, por meio de um sistema de conexo internet mvel, se

    estabeleceram como uma companhia de todas as horas.

    Foram basicamente esses dois dispositivos, unidos ao servio de conexo web, os

    responsveis pela criao do fenmeno conhecido como segunda tela, hbito de

    utilizar um dispositivo eletrnico adicional para interagir com outros usurios,

    enquanto se consome contedos em uma plataforma diferente. Passando a fazer

    parte da intimidade das pessoas, tanto o computador quanto os celulares iniciaram a

    ocupao de um espao que at ento era prioritariamente da televiso. Meio de

    comunicao de massa predominante no Brasil, a TV , talvez, a mdia que maisvem sofrendo com essas transformaes. Pela mistura de imagem e som que se

    complementam, ela possui no seu modo de ser a necessidade de prender a ateno

    do telespectador, que deve direcionar olhos e ouvidos para o que ela tem a mostrar

    e dizer. Agora, ela tem sido forada a se adaptar para conseguir sobreviver a esse

    processo de diviso de ateno, desenvolvendo e colocando em uso algumas

    tcnicas para atrair e manter o pblico.

    Aos poucos, a audincia cada vez mais vai retirando o hbito de ver televiso da suarotina e incluindo novas prticas de consumo da informao e da tecnologia. Alm

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    9/102

    9

    de brigar com outros aparelhos, a televiso tambm precisa lutar contra ela mesma:

    nos dias atuais, o televisor foi adaptado para esse contexto cultural no qual a

    sociedade se encontra, recebendo vrias outras funes que superam a simples

    recepo passiva no sinal eletrnico.

    No Brasil, a televiso surgiu a partir da iniciativa do empresrio Assis Chateaubriad

    como uma atividade comercial, o que significa que a audincia 'revertida' em lucro

    para as empresas de telecomunicao. Por conta disso, a necessidade de se

    reinventar e desenvolver artifcios para reconquistar um pblico cada vez mais

    esparso passou a ser a palavra de ordem no pas, resultando inclusive na mudana

    de frmulas j estabelecidas, como a do telejornalismo.

    O caso da publicidade no foi diferente. Com uma infinidade de assuntos mais

    atraentes, os intervalos comerciais passaram a ser descartados pelos

    telespectadores. O resultado desses novos hbitos ocasionou o aumento do uso da

    tcnica que ficou conhecida como Merchandising, inseres de contedos

    publicitrios no interior dos programas, numa tentativa de diminuir as perdas de

    visibilidade que os anunciantes tm durante o descarte dos intervalos por parte dos

    telespectadores. Essa frmula passou a ser seguida pelas duas reas prioritrias daTV no Brasil: o entretenimento, como j era esperado, e a informao jornalstica

    veiculada neste meio.

    Foi justamente por meio da observao dessa tendncia que o tema deste trabalho

    foi pensado. Afinal de contas, por que, em meio a tantos outros gneros presentes

    dentro da TV, os anunciantes optariam por escolher um telejornal para inserir seus

    produtos e servios? Alm disso, como o jornalismo, que tem como preceitos

    bsicos a verdade e imparcialidade, pode aceitar ser permeado pela publicidade,

    uma atividade claramente parcial que tem foco na venda?

    Aqui, parte-se da ideia de que as empresas que financiam as emissoras e,

    logicamente, os telejornais buscam associar a mensagem das suas marcas

    credibilidade do jornalismo. Mais especificamente, no caso dos telejornais populares,

    que aqui sero estudados, tambm se busca a incorporao de uma relao mais

    ntima e de confiana com a audincia.

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    10/102

    10

    Por isso, a problemtica que este trabalho prope : quais so as tcnicas utilizadas

    dentro do noticirio popular de TV Balano Geral ES para transmitir credibilidade e

    confiana aos merchandisings de produtos e servios inseridos dentro da atrao?

    O objetivo geral aqui proposto analisar esse ponto de convergncia entre o

    Telejornalismo e a Publicidade e Propaganda (por meio do formato do

    Merchandising) em programas voltados para a massa, observando o papel

    desempenhado pelos mediadores da informao e o modo com essas atraes so

    construdas. J o objetivo especfico observar como essa conexo pode ser

    percebida e entender o por qu ela se faz necessria para ambas as reas.

    O estudo deste tema se mostra importante por se configurar como um passo para seentender o jornalismo de televiso brasileiro no contexto nacional na sua forma ativa

    e emprica, fugindo dos debates do que ele deveria ser para trabalhar aquilo que ele

    de fato . O material, baseado na anlise de um programa capixaba, tambm

    contribui para a produo de contedo acadmico sobre a produo televisiva,

    jornalstica e popular desenvolvida dentro do Esprito Santo, produo essa que

    ainda se encontra tmida na bibliografia existente atualmente.

    Alm disso, por meio da observao, descrio e exemplificao, este trabalho pode

    ajudar a futuros pesquisadores a seguirem no estudo deste tema e compreenderem

    como as atraes televisivas se comunicam com a sua audincia, permitindo que, a

    partir de ento, novas pesquisas sejam iniciadas para colaborar com os resultados

    ou para dar outra viso sobre o mesmo assunto.

    Aqui ser realizada uma anlise dos modos de endereamento utilizados pelo

    Balano Geral ES, dando destaque principal funo assumida pelo mediador,

    construo de um texto verbal atraente e envolvente, e construo do prprio

    noticirio, sendo possvel, ento, observar como ele posiciona as informaes e os

    Merchandisings e como a relao entre essas duas reas mostrada para o pblico.

    Para se tentar chegar a esses resultados, o trabalho foi dividido em trs captulos de

    acordo com o assunto abordado. O primeiro captulo abriga um retorno histrico do

    telejornalismo no Brasil, desde a transmisso dos primeiros sinais at a primeira

    dcada dos anos 2000, sob a uma viso econmica, social e poltica. Nestaspginas, os pontos de contato e convergncia entre a informao e a promoo das

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    11/102

    11

    marcas foram destacados com o intuito de demonstrar as influncias do passado na

    atual conjuntura.

    No segundo, ser abordada a utilizao das narrativas populares na televiso; oconceito de telejornalismo e telejornalismo popular sob a viso de diversos autores;

    as influncias do carter comercial sobre a produo, veiculao e escolha de temas

    abordados pelo noticirio de TV; a mistura de gnero como uma ferramenta de

    atrao da populao; o uso recorrente da espetacularizao e do sensacionalismo;

    os ganhos e perdas provocados pelo convvio no mesmo espao entre a

    publicidade e o jornalismo; as tcnicas de seduo da audincia; os mtodos para a

    criao do sentimento de pertencimento; e a importncia assumida pelas emissoras

    locais no seu contato mais prximo com o pblico telespectador. Em seguida, ser

    feita uma introduo simplificada s noes do que so o marketing e o

    merchandising. O objetivo proporcionar fundamentos e conceituaes necessrias

    para embasar a anlise realizada no captulo seguinte. Por fim, o leitor ser

    apresentado Rede Record e TV Vitria, responsveis pela transmisso do

    Balano Geral ES.

    O ltimo captulo abriga a anlise das edies do telejornal, gravadas entre os dias08 e 27 de junho de 2015. Sobre elas, foram aplicados os operadores propostos por

    Itania Maria Mota Gomes (2005; 2011), citados exemplos de como eles so

    trabalhados dentro da atrao e de como eles so utilizados para envolver a

    audincia, criar sentimento de pertencimento, trabalhar positivamente a

    diferenciao e a credibilidade, e emprestar suas conquistas s marcas inseridas

    dentro da atrao. O uso da amostragem de frases e da disponibilizao de imagens

    se faz necessrio para ajudar a fortalecer os argumentos utilizados. As ediesgravadas para serem analisadas seguem anexas a este trabalho, em mdias de

    DVDs.

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    12/102

    12

    2. HISTRICO DA TELEVISO NO BRASIL

    Para que se possa pensar sobre a relao existente entre o Jornalismo e a

    Publicidade nos dias atuais, necessrio, ainda que de forma breve, realizar umretorno histrico que englobe o incio da televiso no Brasil e os processos pelos

    quais ela passou ao longo dessas mais de seis dcadas de existncia no pas. Por

    meio dessa visualizao histrica, possvel marcar quais pontos de contato as

    duas reas tiveram para, ento, entender o ponto de convergncia atual, onde um

    consegue utilizar o espao que antes era destinado ao outro e se contaminar por

    ele.

    Para isso, vamos utilizar como ponto de referncia o trabalho produzido pelo autorSrgio Mattos, intitulado "Histria da televiso Brasileira: uma viso econmica,

    social e poltica", que "tenta organizar o material histrico sobre a televiso, tanto do

    ponto de vista estrutural como funcional, identificando as relaes existentes entre o

    crescimento da televiso com o prprio desenvolvimento do Brasil", como aponta a

    descrio disponvel na orelha do prprio livro, publicado em 2010.

    O marco inicial utilizado como base para este retorno o dia 18 de setembro de

    1950, quando o Brasil colocava no ar a sua primeira estao televisiva, a PRF3 TV

    Difusora, - que depois veio a se tornar a TV Tupi de So Paulo. A emissora foi

    instalada no pas pelo empresrio Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de

    Melo, j conhecido no meio da Comunicao. De acordo com Paternostro (1991), o

    empresrio era dono do Dirio e Emissoras Associadas, que poderia ser

    considerado o "primeiro imprio" comunicacional brasileiro, englobando jornais,

    revistas e emissoras de rdio.

    Mattos (2010, p. 22) explica que aes tomadas durante o Estado Novo (1937-1945)

    na economia - como o incentivo ao consumo de bens nacionais, os investimentos

    diretos nas indstrias pelo Governo, e o Estado mais ativo como investidor

    econmico brasileiro - tiveram um efeito importante no estilo de desenvolvimento da

    economia, contribuindo para formao de um modelo em que os capitais estrangeiro

    e nacional fossem os principais responsveis pelo crescimento econmico.

    Chateaubriand aproveitou esse processo pelo qual passava o pas para realizar ainstalao do novo sistema. O incio da dcada de 1950 trazia uma indstria

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    13/102

    13

    nacional em processo de crescimento. Alm disso, os centros urbanos comeavam a

    tomar formas com o desenvolvimento das regies metropolitanas, que passaram a

    abrigar migrantes que saam do interior. Na comunicao, as rdios, que eram

    dominantes at ento, iniciavam o perodo de decadncia da chamada "poca de

    ouro", mas ainda assim conseguiam se firmar junto s massas como o principal

    veculo de comunicao (PATERNOSTRO, 1991).

    Foi em meio a esse cenrio que Chateaubriand viu a oportunidade de lanar uma

    nova opo de comunicao de massa, que j estava em vigor em outros pases,

    como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e Unio Sovitica1. Para realizar esse

    trabalho, foi contratado o grupo estadunidense American Radio Corporation (RCA),

    responsvel pela instalao de emissoras tambm no pas norte-americano.

    Equipamentos que seriam utilizados para captura das imagens e transmisso do

    sinal tambm foram importados do exterior. (PATERNOSTRO, 1991).

    Junto com o advento do sistema televisivo, os brasileiros tambm viram surgir o

    primeiro programa telejornalstico, colocado ao ar dois dias depois do nascimento da

    TV. Intitulado 'Imagens do Dia', o telejornal no possua um horrio fixo e se resumia

    a transmitir "uma sequncia de filmes dos ltimos acontecimentos locais" (SAMPAIOapud REZENDE, 2010, p. 105). Dois anos mais tarde, em 1952, a TV Tupi So

    Paulo criava um novo telejornal, chamado "Telenotcias Panair", que substituiria o

    programa 'Imagens do Dia' e o modelo at ento adotado.

    Rezende (2010) destaca que nesse comeo, devido a questes tcnicas, os

    programas careciam de um nvel mnimo de qualidade. As dificuldades enfrentadas

    para realizar coberturas externas faziam com que o ao vivo ocupasse quase todo o

    tempo dos noticirios. Esteticamente, ele era considerado simples, dando mais

    enfoque na figura dos narradores da informao, responsveis por ler as notcias.

    Na primeira dcada, a TV no Brasil no firmou um formato prprio. Fortemente

    influenciada pelo rdio, ela chegou a importar profissionais que trabalhavam no setor

    de radiodifuso para ocuparem a funo de apresentadores, inclusive dos telejornais

    (mesmo no possuindo formao em Jornalismo). Muito por conta disso, o texto e a

    entonao lembravam aquela feita no meio radiofnico.

    1 Breve Histria da Televiso. Disponvel em: . Acesso em 23 de janeiro de 2015.

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    14/102

    14

    Alm disso, as produes brasileiras tambm sofreram forte influncia daquelas

    feitas nos Estados Unidos, bero de outras importantes caractersticas que

    configuraram - e ainda configuram - o meio no Brasil. Entre elas, est a colocao

    do nome dos patrocinadores nos ttulos dos programas, comum nas duas primeiras

    dcadas da TV no pas. Alm do ttulo, os patrocinadores tambm apareciam

    visualmente durante a atrao. Barbosa Lima (apud REZENDE, 2000, p. 106)

    aponta que nessa poca "todos os telejornais eram parecidos: uma cortina de fundo,

    uma mesa e uma cartela com o nome do patrocinador". Desta forma, as empresas

    anunciantes conseguiam se mostrar para o pblico ao financiar as atraes. Este

    hbito s foi alterado anos mais tarde, principalmente aps algumas decises

    estratgicas e comerciais da Rede Globo com relao ao financiamento da emissora(SQUIRRA, 1993).

    Segundo Squirra, "a deciso adotada na televiso norte-americana foi tambm aqui

    seguida" (1993, p. 111). O autor explica que, no Brasil, "este hbito tambm

    representou um caminho natural, j que os patrocinadores eram 'senhores absolutos'

    dos programas" (ibidem, p. 111). Nos Estados Unidos, diversas atraes adotaram

    essa prtica.

    A Festa da Famlia General Motors ("General Motors Family"), a HoraPalmolive ("Palmolive Hour"), o Teatro de Estrelas Texaco ("TexacoStar Theater") e Carretel de Notcias Esso ("The Esso Neewsreel"),entre outros. Este ltimo programa se tornaria, nos EUA, em 1947, oReprter Esso ("The Esso Reporter"). (SQUIRRA, 1993, p. 111).

    A exemplo, no Brasil tornaram-se conhecidos, a partir de 1952, vrios programas

    que tinham essa caracterstica, como a Gincana Kibon, Sabatina Maizena e

    Teatrinho Trol. No telejornal, a situao no era diferente: Telenotcias Panair,

    Telejornal Bendix, Reportagem Ducal, Telejornal Pirelli e Reprter Esso. (MATTOS,

    2010, p. 76)

    Baseado no modelo dos EUA, o 'Reprter Esso' tambm teve um correspondente na

    TV brasileira, considerado por muitos autores como o principal telejornal desta

    primeira dcada. Patrocinado pela empresa Standard Oil New Jersey (conhecida

    como Esso), o programa viria a se tornar "o telejornal mais importante da TV

    brasileira da dcada de 1950" (REZENDE, 2000, p. 105). Veiculado a partir de 1952

    pela TV Tupi do Rio de Janeiro, com uma verso de sucesso em So Paulo no ano

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    15/102

    15

    seguinte, a atrao foi comandada por Gontijo Teodoro e "se firmou por muitos anos

    no horrio nobre da noite. Seu contedo abrangia os noticirios nacional e

    internacional veiculado, inclusive, por meio de filmes" (REZENDE, 2000, p. 106). O

    programa ficou no ar at 1970.

    possvel constatar, at ento, que a possibilidade de desenvolvimento das

    emissoras de televiso no Brasil surgiu principalmente como uma oportunidade de

    negcio. Sendo desenvolvida sobre bases comerciais, ela dependeu desde o seu

    incio de anncios de empresas e marcas.

    A indstria televisiva brasileira tem na publicidade a sua principalfonte de renda, apesar de no incio terem sido poucos os comerciais,alm de estarem limitados a escassos recursos tcnicos: o uso deslides e da chamada "garota-propaganda" ou "garota de reclame"(MATTOS, 2010, p. 88).

    Essa relao de dependncia vista desde o primrdio fortaleceu-se ao longo do

    desenvolvimento deste meio.

    O controle acionrio das emissoras, orientadas para o lucro, estconcentrado nas mos de uns poucos grupos familiares, comexceo das emissoras estatais. Alm disso, a televiso brasileira fortemente dependente das verbas publicitrias, alocadasprincipalmente pelas agncias de publicidade (MATTOS, 2010, p.55).

    O primeiro decnio da TV no Brasil, segundo Priolli (apudREZENDE, 2010, p.106),

    termina tendo como uma das principais caractersticas "a subordinao total dos

    programas aos interesses e estratgias dos patrocinadores". Ela tambm marcada

    pelo surgimento de outros importantes canais, como a TV Tupi Rio (1951); a TV

    Paulista (1952); TV Record (1953) e a TV Cultura (1958).

    Em seu comeo, a TV no conseguia atingir grande pblico e, por isso, no atraa

    um nmero significativo de anunciantes.

    Mas as agncias de publicidade estrangeiras, instaladas no Brasil, eque j possuam experincia com esse veculo, em seus pases deorigem, logo comearam a utilizar a televiso brasileira como veculopublicitrio, passando a decidir, tambm, o contedo dos programas.Nos primeiros anos, os patrocinadores determinavam os programasque deveriam ser produzidos e veiculados, alm de contratardiretamente os artistas e produtores (MATTOS, 20010, p. 75).

    Essa transformao no cenrio comea a ocorrer quando se aumenta o nmero de

    emissoras, de televisores nas casas e de atraes disponveis na programao.

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    16/102

    16

    No incio dos anos de 1960, existiam 15 emissoras de televisooperando nas mais importantes cidades do pas. Entretanto, squando os efeitos do consumo de produtos industrializadoscresceram e o mercado se consolidou foi que as emissoras deteleviso se tornaram economicamente viveis como empresascomerciais e comearam a competir pelo faturamento publicitrio. Afim de receber maior quantidade de anncios, a televiso comea adirecionar seus programas para grandes audincias, aumentandoassim seus lucros (MATTOS, 2010, p. 31).

    Tal direcionamento abordado por Mattos deu origem a diversas modificaes no

    modo de fazer da televiso brasileira, que passou a mesclar linguagens e

    contedos, buscando, ao mesmo tempo, conquistar tanto telespectador quanto

    anunciantes. Estes temas sero abordados ao longo das prximas pginas.

    2.1 PERODO DE EXPANSO

    O sucesso que naquele momento j era experimentado pelas emissoras de rdio

    ainda estava comeando a vingar nas emissoras de TV. Paternostro (1991) explica

    que nos primeiros anos os aparelhos receptores eram caros e considerados artigos

    de luxo, sendo possudos somente por uma parcela pequena da populao. A autora

    aponta que em 1954 a quantidade de televisores entre Rio de Janeiro e So Paulo

    chegava a 12 mil. Quatro anos mais tarde, esse nmero teve aumento significativo,saltando para 78 mil em todo o pas.

    Sobre o contedo, a programao tambm contou com programas mais elitistas

    neste incio, estrelando figuras vindas do rdio e do teatro. Nas transmisses,

    entrevistas, debates e apresentaes musicais clssicas, entre outros, tinham

    espao garantido. As emissoras tambm encontraram uma forma de baratear a

    programao transmitindo programas produzidos por Hollywood e que difundiam o

    'american way-of-life', "revelando uma constante atuao cultural transnacional que

    atingiu em cheio todo o continente" (SQUIRRA, 1993, p. 110).

    Sendo feita por profissionais do rdio, a televiso acabou incorporando muitos

    programas de sucesso deste veculo, como atraes humorsticas e de variedades,

    que tinham como objetivo ser o divertimento do pblico e uma opo de lazer nos

    momentos livres.

    Na dcada de 1960, quando o Brasil entrou do perodo ditatorial (1964 a 1985), osavanos tecnolgicos que chegaram ao pas permitiram o desenvolvimento mais

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    17/102

    17

    aprimorado na forma de se fazer os programas. Porm, para Rezende (2000), no

    foi possvel ver uma melhoria proporcional em seu contedo. Devido a uma srie de

    amarras impostas pela censura, os jornalistas que haviam conseguido espao como

    produtores, apresentadores das informaes e cronistas foram dispensados, e os

    locutores, chamados novamente para ocupar os postos. Nesta poca, os programas

    jornalsticos ainda careciam de um estilo prprio. Com os limites impostos pelo

    regime, a televiso encerrava a dcada afastada da realidade brasileira com trs

    frentes principais voltadas novamente para o entretenimento, que segundo Rezende

    (2000) eram: as novelas, os 'enlatados' - produes prontas importadas de outros

    pases, principalmente dos Estados Unidos - e os shows de auditrios.

    A chegada do videotape (VT), em 1962, tambm um marco dessa dcada,

    permitindo no somente novelas dirias (at ento elas eram apresentadas poucas

    vezes na semana e ao vivo) e uma programao horizontal, que possibilitava a

    veiculao de um mesmo programa em vrios dias da semana, mas criando "um

    hbito de assistir televiso rotineiramente, prendendo a ateno do telespectador"

    (MATTOS, 2010, p. 93). Essa prtica substituiu a programao vertical, em voga at

    ento, com programas diferentes todos os dias da semana.

    Com o tempo o preo dos televisores se tornou mais acessvel(aumento na escala de produo) e emissoras foram se instalandoem outros estados: a TV ampliava a sua rea de penetrao ecomeava a atrair as agncias de propaganda e os anunciantes(PATERNOSTRO, 1991, p. 26).

    O veculo em expanso comea, ento, a chamar a ateno como uma possibilidade

    de aumentar as vendas dos produtos. Os benefcios para o mundo da promoo de

    bens voltados para a venda sero caractersticas ainda mais atrativas nas dcadas

    seguintes, como se ver nas prximas pginas.

    tambm nesse perodo que o meio se consolida no pas. "Na disputa pelas verbas

    publicitrias, ela assume, definitivamente, o seu carter comercial: as emissoras

    comeam a briga pela audincia" (PATERNOSTRO, 1991, p. 27). A disputa acaba

    tornando necessria a veiculao de uma programao que atraia e fixe o pblico

    em frente tela, j que um maior nmero de aparelhos televisores ligados significa

    maiores possibilidades de conquistar os anunciantes. Resumindo, obter lucro.

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    18/102

    18

    A televiso se transformou no meio favorito de agncias depublicidade do Brasil, devido ao seu grande potencial de audincia,que atinge tanto a populao alfabetizada como a analfabeta. Ateleviso comeou a se transformar no meio publicitrio maispoderoso s a partir dos anos 1960, quando adaptou a programaopara aumentar a magnitude da audincia, ao dirigir-se s classesmais baixas para satisfazer necessidades das agncias depublicidade e seus clientes. A televiso brasileira recebe maisinvestimentos em publicidade, devido em parte, sua organizaoem redes nacionais, o que facilita o trabalho das agncias depublicidade (MATTOS, 2010, p. 79).

    At o final desta dcada, os anunciantes multinacionais (como a Nestl, a Jhonson &

    Jhonson, entre outras marcas) exerceram importante influncia sobre o meio, j que

    a maior parte da verba destinada s emissoras era proveniente de empresas com

    sede no exterior. Desde ento, esse poder foi sofrendo uma grande diminuio,

    passando a ser assumido mais indiretamente (MATTOS, 2010).

    Alm de todas essas questes, os anos 1960 ainda englobam o surgimento da Rede

    Globo e, posteriormente, do Jornal Nacional. Alm disso, a dcada seguinte j

    comea com o fim do principal telejornal at ento, o Reprter Esso, "no dia 31 de

    dezembro de 1970, poca em que os anunciantes passaram a comprar espaos

    entre programas em vez de patrocinar o programa como um todo"(MATTOS, 2010,

    p. 90). Vale lembrar que em 1961, o ento presidente Jnio Quadros promulgou o

    decreto n 50.450 que regulava a projeo de pelculas cinematogrficas e a

    propaganda comercial por meio das emissoras de televiso. Entre as regras

    impostas, estava aquela que fixava em trs minutos a durao do intervalo

    comercial.

    2.2 A LIGAO NACIONAL

    At o incio da dcada de 1960, os estados brasileiros ainda no contavam com

    uma programao que interligasse todos os telespectadores, ou seja, que fosse

    transmitida para toda a populao em um mesmo momento. Essa necessidade foi

    apresentada pelo regime ditatorial vigente na poca, que objetivava, entre outras

    coisas, a integrao nacional.

    Mattos explica que nesta dcada,

    [...] tanto a Unesco como os Estados Unidos estavam aconselhandoa utilizao dos meios de comunicao de massa para promover odesenvolvimento nacional. Pases desenvolvidos como os Estados

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    19/102

    19

    Unidos serviam de modelo para os subdesenvolvidos ou emprocesso de desenvolvimento (MATTOS, 2010, p. 32).

    Com os meios de comunicao de massa, o regime militar queria atingir alguns

    objetivos especficos. Entre eles estava o desejo de construir um programa dedesenvolvimento nacional por meio de uma nova ordem, tanto social quanto

    econmica. Para isso, era necessria a construo de um esprito nacional.

    A fim de alcanar esses objetivos, o regime precisou de um meio dedisseminao das ideias da nova ordem, ou seja, das aspiraes econceitos do desenvolvimento, paz e integridade do movimentorevolucionrio. Os meios de comunicao de massas setransformaram no veculo atravs do qual o regime poderiapersuadir, impor e difundir seus posicionamentos, alm de ser a

    forma de manter o status quo aps o golpe. A televiso, pelo seupotencial de mobilizao, foi mais utilizada pelo regime, tendotambm se beneficiado de toda a infraestrutura criada para astelecomunicaes (MATTOS, 2010, p. 39).

    A entrada da Rede Globo nesse cenrio, em 1965, acontece primeiramente no Rio

    de Janeiro. Quatro anos depois - e 19 aps o lanamento da TV no Brasil -, a

    emissora seria responsvel pelo primeiro jornal brasileiro transmitido em rede

    nacional e j em horrio nobre. Esse grande passo para a comunicao foi uma

    possibilidade trazida pelas ligaes por micro-ondas e transmisso via satlite, quepermitiram a "aproximao com o restante do mundo" (REZENDE, 2000, p. 109).

    Como destaca Squirra, "nesse sentido, o Jornal Nacionalda Rede Globo tornou-se a

    primeira experincia jornalstica da televiso brasileira que conseguiu unir

    instantaneamente todo o pas" (1993, p. 108).

    Para o mercado publicitrio, a chegada de uma programao que pudesse ser vista

    por milhes de brasileiros ao mesmo tempo se tornou uma espcie de 'galinha dos

    ovos de ouro'. Tal caracterstica permitiu que a emissora conquistasse parcelasignificativa dos anncios. Alm disso, a Rede Globo adotou alguns procedimentos

    que permitiram ainda mais sucesso ao seu modelo de financiamento por meio da

    utilizao de espaos publicitrios. Entre as mudanas, est:

    A reorganizao do processo de produo dos telejornais - no maisatrelados a uma agncia de publicidade - e os princpios dinmicosde mercadologia implantados pela Globo - que no aceitava mais opatrocnio de um programa por um nico anunciante (SQUIRRA,

    1993, p. 106).

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    20/102

    20

    Essas modificaes fizeram com que o hbito comum de colocar o nome do

    patrocinador no ttulo do programa fosse abandonado, permanecendo longe dos

    telejornais por anos a fio. Na prpria Globo, por exemplo, a meno ao patrocinador

    dentro do telejornal, com o objetivo de promoo, s iria voltar a aparecer de forma

    significativa nos anos 2000, com o quadro "Avio do JN", quando a aeronave

    utilizada no quadro recebeu a 'logo' do Banco Bradesco.

    A chegada do Jornal Nacional trouxe outras mudanas. Com a capacidade de falar

    para todo o Brasil, a Rede Globo passou a adotar alguns mtodos e tcnicas que

    fizeram sua receita dar certo e que foram copiados pelos concorrentes. Squirra

    (1993) relembra que apesar de muitas caractersticas da TV terem sido importadas

    dos Estados Unidos e j estarem em vigor naquela poca, foi a rede de Roberto

    Marinho que introduziu grande parte dessas 'novidades' no pas. Uma delas foi a

    noo de "faixas" na programao, que "consiste em usar o satlite, no perodo da

    manh, para enviar a programao para as emissoras que integram a rede"

    (SQUIRRA, 1993, p. 115). Esse seria, segundo Mello e Souza (apud SQUIRRA,

    1993), o primeiro passo para se aproximar do que hoje se conhece como a

    programao, com cada uma das atraes indo ao ar em horrios fixos. Antes, as

    emissoras precisavam utilizar fitas de vdeo para encaminhar os programas para as

    emissoras, tcnica que demandava um tempo muito maior.

    Em sua obra, Rezende explica que a Globo tambm se destacou ao direcionar maior

    "cuidado com a forma de apresentao de notcias - visvel na escolha dos cenrios,

    dos locutores, na qualidade das imagens e na edio das matrias" (2000, p. 113).

    Pignatari (apudREZENDE, 2000) explica que foi imposta uma durao mais rgida

    ao noticirio; feita a adequao da linguagem, correta, porm mais coloquial; e foiaplicada mais preciso escolha das pessoas que dariam 'cara' s notcias.

    Para Lins da Silva, alm do fato indito da interligao nacional, o JN se destacou

    por "consolidar um modelo de 'timing' da informao [...], porque consagrou um estilo

    de apresentao visual requintado e frio, pretensamente objetivo, [...] pela extenso

    dos assuntos abrangidos, com a instalao de escritrios no exterior..." (LINS DA

    SILVA apudSQUIRRA, 1993, p. 109). Em 1971, a Rede Globo deu mais um passo

    pioneiro ao criar um departamento de pesquisa e anlise. Por meio dele, ela pode

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    21/102

    21

    planejar a publicidade e adaptar programas a diferentes gostos, adequando-os para

    cada tipo de resultado obtido pelas pesquisas socioculturais.

    Foi nessa fase que os custos dos televisores baixaram, ampliando o mercado dessesetor e atraindo mais investimentos publicitrios. Mattos (2010) esclarece que para

    atender s exigncias do seu pblico, os contedos dos programas passaram a ser

    cada vez mais populares. neste perodo, tambm, que houve um avano no

    nmero de telejornais na grade de programao. At ento ainda perdiam em

    instantaneidade da informao para o rdio. Os contedos policiais tambm

    ganharam mais espao.

    Programas de jornalismo policial que traziam o mundo co para aTV multiplicaram-se na segunda metade da dcada de 1960: "002Contra o Crime" e "Polcia s suas Ordens", na Excelsior; "Patrulhada Cidade", na Tupi; "Planto Policial Canal 13", na TV Rio; e "ACidade Contra o Crime", na TV Globo (RIBEIRO; SACRAMENTO,2010, p. 112).

    Mattos (2010) classifica o perodo de 1964 a 1975 como a fase populista da TV,

    quando "programas de auditrio e de baixo nvel tomavam grande parte da

    programao" (MATTOS, 2010, p. 85). Para ele, as atitudes de censuras tomadas

    pelo regime militar contriburam para a queda de qualidade da programao nestafase, que passou a adotar um "contedo popularesco, chegando s raias do

    grotesco" (MATTOS, 2010, p. 97). Na final da dcada de 1960 e incio de 1970, a

    Globo fortaleceu sua hegemonia, principalmente ao direcionar a programao para

    as camadas socioeconmicas mais baixas. Para Arthur de Tvola

    Um dos fatores de crescimento da Rede Globo foi o de jamais haverdesdenhado sua relao com o mercado real. Se a classe C constituia base da audincia, nela se d a deciso majoritria; tambm em

    sua funo devem ser montados os padres de produo emercadolgicas. S depois de obtido esse amlgama poder-se-cogitar do atingimento dos padres artstico e cultural (apudMATTOS, 2010, p. 103).

    O populismo escolhido at ento pela Globo tambm foi a opo adotada pelas

    outras emissoras. Na Bandeirantes, por exemplo, o telejornal Titulares da Notcia, j

    em 1970, trazia a dupla sertaneja Tonico e Tinoco apresentando as informaes

    referentes ao interior do estado de So Paulo. Nesta mesma dcada, a Globo

    passou a reformular sua programao, incluindo opes de sucesso, como o GloboReprter, Fantstico e outros programas que tiveram curta durao, mas que

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    22/102

    22

    simbolizaram uma nova etapa da histria do jornalismo brasileiro. Surgia o 'padro

    Globo' de produes.

    Boa parte dessa mudana foi provocada pela assinatura de um decreto peloPresidente Mdice, em 1970, que proibia as emissoras de transmitirem matrias

    consideradas "ofensivas moral e aos bons costumes", e uma mensagem enviada a

    participantes do VI Congresso Brasileiro de Telerradiodifuso, em que destacava a

    funo do meio e afirmava que o Governo no podia "permanecer inativo e

    silencioso, enquanto cresce a competio e o tamanho da audincia resultando

    numa perda para a populao" (MATTOS, 2010, p. 104). Para o presidente, esse

    veculo deveria exercer uma funo social mais efetiva na sociedade.

    Uma das marcas dessa nova estratgia adotada pela Rede Globo de abandono de

    contedo mais popularesco foi registrada pela imprensa da poca, que em 1972

    relatou a sada de Abelardo Barbosa, mais conhecido pelo grande pblico como

    Chacrinha, da emissora. O artista "era o ltimo remanescente da programao da

    Globo dos tempos em que ela apelava para programas mais populares para manter

    a audincia" (MATTOS, 2010, p. 213). Com a sada, ele e outros artistas passaram a

    integrar a equipe da TV Tupi, que tentava repetir a frmula popular que aconcorrente adotara na dcada de 1960 para obter a audincia. Em contrapartida, a

    Globo investia para atrair telespectadores mais qualificados no que diz respeito ao

    poder aquisitivo. No mesmo ano, a Record passou a investir mais no telejornalismo,

    lanando o programa Tempo de Notcias. Apresentado pelo Hlio Ansaldo, a atrao

    levava temas que estavam em pauta na sociedade para debate, com a ajuda de

    especialistas (MATTOS, 2010, p. 212).

    No perodo entre o anncio do fim da censura imprensa, em 1978, e o fim do

    regime de exceo, em 1985, o pas comeou a sentir os primeiros 'sintomas' do

    retorno da democracia. O momento de transio entre essas duas dcadas, com o

    regime com menos fora em relao ao que se via at ento, fez surgir uma srie de

    programas que nasciam para o debate, veiculados em diversos canais. Rezende

    (2010) destaca o programa "abertura", da TV Tupi, que abria o microfone para

    pessoas que haviam sido exiladas durante a ditadura e que comeavam a voltar ao

    Brasil. Na TV Cultura, outro destaque foi "Opinio Pblica", que trazia assuntospolmicos e reportagens com nfase nas coberturas artstica e cultural. Outras

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    23/102

    23

    emissoras seguiram o mesmo fluxo, investindo em programas de entrevistas e

    debates.

    Porm, nenhuma dessas tentativas conseguiu tirar a supremacia conquistada pelaGlobo, que adotou novas frmulas para se manter na liderana: foi promovida uma

    maior interao entre o apresentador e o cenrio - como nos casos de programas

    Fantstico e Globo Reprter -, que passaram a apresentar toques mais profissionais,

    eliminando o tom improvisado; montaram-se cenrios com estticas mais

    agradveis; e profissionais com timbres bonitos e boa aparncia foram selecionados

    para apresentar as atraes ao pblico. Alm disso, a liberao poltica

    experimentada na poca, "introduziu-se timidamente um tom mais crtico nos

    telejornais do fim da noite" (REZENDE, 2010, p. 65). Houve, ainda, o crescimento de

    especialistas para comentar determinados assuntos.

    Nesse decnio, o Brasil assistiu pela primeira vez o Merchandising introduzido em

    uma produo de TV do pas. Segundo Mattos (2010), a tcnica, que promove a

    publicidade indireta de algum produto inserida dentro do contedo de um programa,

    viu o seu incio na novela Cavalo de Ao, da Rede Globo.

    2.3 NASCE O NCORA E CRESCE O PESO SOBRE O 'CARA' DO JORNALISMO

    Os anos 1980 foram marcados pelo surgimento, e posterior projeo nacional, de

    outros dois canais: o Sistema Brasileiro de Televiso (SBT), do popular Silvio Santos

    - que em pouco tempo conquistaria a segunda colocao nos ndices de audincia -,

    e a Rede Manchete, do grupo Bloch. Em contrapartida, a primeira emissora a

    inaugurar o sinal televisivo no pas - a TV Tupi So Paulo - fecha as portas devido a

    problemas financeiros.

    Mesmo assim, a televiso destacou-se por absorver grande parte das verbas

    destinadas Publicidade. Mattos (2010) explica que em 1987, a TV atingiu a marca

    potencial de 90 milhes de telespectadores, equivalendo a 63% da populao.

    Esses resultados positivos j vinham sendo refletidos em lucro: um levantamento

    realizado pelo World Advertising Expenditures em 1976 apontou que o Brasil j

    ocupava a quarta posio na lista dos dez pases do mundo que investiam acima de

    um bilho de dlares em publicidade. Nesse ano, por exemplo, a TV recebeu 42%de toda a verba publicitria investida no pas (MATTOS, 2010, p. 46). J em 1988, a

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    24/102

    24

    televiso ficou com 60,9% desses investimentos, segundo o Grupo Mdia/Meio &

    Mensagem (MATTOS, 2010).

    Entre as principais mudanas trazidas por esta dcada, uma das mais importantesfoi o nascimento da figura do ncora. Baseada no anchorman norte-americano, o

    papel foi desempenhado pela primeira vez por um jornalista na TV brasileira por

    Joelmir Beting (REZENDE, 2010). Anos mais tarde, a figura iria se fixar no

    jornalismo por meio do jornalista Boris Casoy, como ser visto em pginas futuras.

    2.4 FIRMAMENTO DA ANCORAGEM: JORNALISMO DE OPINIO

    Uma das experincias mais reconhecidas quando se fala em ancoragem a de

    Boris Casoy frente do TJ Brasil, veiculado pelo SBT. A emissora, que havia vivido

    diversos fracassos com outras atraes telejornalsticas, encontrou na figura do

    ento diretor do jornal Folha de So Paulo a possibilidade de permitir que o Brasil

    passasse por uma experincia que j era vivida nos EUA. Nesse momento, a figura

    do apresentador - que j ocupava um papel fundamental na conduo do jornal,

    dando cara atrao - ganhou novos limites, incluindo a emisso de comentrios e

    opinies, deixando "subentendido que o telejornal a sua imagem, tem sua marca,

    sua assinatura, como se fosse sua propriedade" (SQUIRRA, 1993, p. 177).

    Squirra (1993) destaca que essa funo proveniente do telejornalismo americano,

    onde o apresentador assumiria funes alm da apresentao, sendo tambm o

    editor-chefe do programa e tendo certa autonomia sobre o jornal, como, por

    exemplo, a de escolher a equipe com quem iria trabalhar.

    O surgimento do ncora no pas ocorreu em uma poca em que os telejornais

    tinham como principal objetivo mostrar para o pblico valores como iseno e

    objetividade, a exemplo das produes da Globo. Alm disso, a ideia de uma prtica

    mais opinativa ainda causava constrangimento em parte dos profissionais. Rezende

    (2010) conta que o SBT, que nunca havia investido com peso no setor jornalstico,

    mas sempre com apelo pelo popular, cobrava um telejornal que traduzisse a "cara

    da emissora". Foi em meio a essa nsia, por exemplo, que surgiu o programa policial

    popular "Aqui Agora", em 1991, baseado no "Aqui e Agora", que foi ao ar pela TV

    Tupi, no ano de 1979.

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    25/102

    25

    Casoy assumiu o TJ Brasil em 1988, com liberdade para fazer crticas ao vivo.

    Rezende conta que ele

    [...] no se conformou ao modelo norte-americano de ancoragem.Alm de conduzir o noticirio, passou a fazer entrevistas e emitircomentrios pessoais sobre os fatos. A resposta do pblico serefletiu logo no faturamento e o "TJ Brasil" veio a se transformar nosegundo produto do SBT a atrair mais publicidade, superado apenaspelo programa de Silvio Santos (REZENDE, 2010, p. 68).

    Squirra aponta que o formato adotado pelo jornalista acabou conquistando o pblico.

    O autor destaca uma pesquisa realizada pela Revista Imprensa e Vox Populli em

    1991 revelou que o TJ Brasil conquistava uma boa colocao em confiabilidade por

    boa parte da populao. Ele havia ficado em terceiro lugar no quesito credibilidade eem segundo no quesito imparcialidade entre todos os jornais veiculados em horrio

    nobre o pas (SQUIRRA, 1993).

    Em entrevista feita pelo autor do livro 'Boris Casoy: o ncora no telejornalismo

    brasileiro', o jornalista relembrou como se deu o incio das opinies no ar.

    Argumentaram que os comentrios eram chatos, que iam afastar opblico. Mas foi porque os colegas perdiam o controle de mim notelejornal. Num momento admiti diminuir o nmero de comentrios.Depois eu percebi que, quando eu colocava mais comentrios,aumentava a audincia. Com o aparelho do Ibope, o Dataibopecolocado perto de mim, eu constatei que quanto mais comentrios eucolocava, mais aumentava a audincia. Um dia informei ao DcioNatrini, a pessoa mais prxima a mim, que eu ia colocar comentrioem tudo o que merecesse. Aquele foi o dia em que batemos recordede audincia. (SQUIRRA, 1993, p. 167)

    Assim surgiu uma tendncia que estaria presente em diversos telejornais futuros,

    fundamentada basicamente na busca pela audincia e pelo lucro. No caso dos

    telejornais populares, tema de interesse deste trabalho, a opinio tambm foi umacaracterstica fortemente adotada pelas emissoras para conquistar o seu pblico,

    como se ver mais frente. Uma vez apresentada essa nova face do jornalismo, se

    ver como a utilizao dessas e de outras ferramentas de seduo tornaram-se

    importantes para os veculos, principalmente por conta das novidades que passaram

    a disputar a ateno do pblico.

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    26/102

    26

    2.5 DISPUTA ENTRE AS TVS ABERTA E SEGMENTADA

    Os anos 1990 tambm foram importantes para o desenvolvimento e fortalecimento

    dos canais segmentados (por assinatura) e para o debate da TV em alta definio.V-se, ainda, o crescimento no nmero de videocassetes nas residncias e a

    instalao de diversas emissoras locais e regionais, "ampliando a possibilidade de

    uma maior regionalizao e utilizao de canais de televiso alternativos" (MATTOS,

    2010, p. 132).

    As novas possibilidades permitidas pela prpria televiso, como o aumento na

    adeso de canais pagos e a utilizao do televisor para outras funes, como o

    videocassete e, mais tarde, a popularizao dos videogames, promoveram umaqueda na audincia dos canais generalistas (abertos). Mais futuramente, em 1995, a

    internet entra de vez nesta lista das opes de diverso que disputam a ateno

    com a TV. Na luta para se manter presente no dia a dia da populao, a televiso v

    o retorno dos contedos s classes mais populares devido disputa pelo pblico.

    Segundo dados veiculados pela imprensa, em 1993 existiam cercade 31 milhes de aparelhos televisores em uso no pas. Entre 1994 e1998 [...] foram vendidos cerca de 28 milhes de aparelhos,

    calculando-se que cerca de seis milhes foram comprados porfamlias que estavam adquirindo o primeiro televisor, todas elasintegrantes das camadas mais baixas da sociedade, contribuindopara o surgimento de um contingente de aproximadamente 24milhes de novos telespectadores que representavam cerca de 20%do antigo total da audincia (MATTOS, 2010, p. 108).

    Com esses dados nas mos, os produtores e diretores voltaram a investir em

    contedos populares. Ainda de acordo com o Mattos, em 1998 j era possvel notar

    um rebaixamento de nvel de qualidade da programao, baseado na trade sexo,

    sangue e desastres. Na luta para elevar a audincia, os noticirios foram utilizados

    em momentos de grande comoo nacional, como no assassinato da atriz de TV

    Daniela Prez, em 1992, e na luta do cantor Leandro, da dupla Leandro e Leonardo,

    contra o cncer. "A vulgaridade continuou sendo usada, na tentativa de manter os

    mesmos ndices de audincia, para compensar a perda de audincia das classes A

    e B, que estavam migrando para a TV por assinatura" (MATTOS, 2010, p. 143).

    Com o sucesso do Plano Real, as camadas mais pobres da

    populao aumentaram o poder aquisitivo, podendo adquiririnmeros novos televisores, o que fez crescer a audincia dasclasses C, D e E. Essa nova audincia acirrou a briga entre as redes

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    27/102

    27

    de TV aberta, principalmente pelo fato de terem perdido grande parteda audincia das classes A e B, que passaram a compor a audinciados canais por assinatura. Na disputa pela audincia C, D e E que,apesar de menos qualificada, quantitativamente maior, asemissoras apelaram para programas popularescos, sensacionalistas,e tambm passaram a lanar mo de sexo e violncia, como o AquiAgora, Cidade Alerta, 190 urgente, No Limite e, entre outros, Casados Artistas(MATTOS, 2010, p. 158).

    O expoente dessa conjuntura, segundo Mattos, que volta a ganhar espao o

    Programa do Ratinho, exibido pelo SBT, que traz um misto de entretenimento e

    informao. Na atrao, o apresentador Carlos Massa se coloca como uma espcie

    de representante do povo, falando de problemas dos humildes, mas mesclando as

    histrias com outros contedos engraados, jocosos, inacreditveis. "Analisando

    essa tendncia de retono ao grotesco, podemos afirmar que, na verdade, esses

    programas tm o objetivo de atrair a nova massa de telespectadores das classes D

    e E, agregados a partir da dcada de 1990" (MATTOS, 2010, p. 147).

    2.6 TERCEIRO MILNIO

    A primeira dcada do terceiro milnio marcada por uma oposio. Na disputa pela

    conquista do pblico com a Record, que exibia a novela "Prova de Amor" (2006), a

    Globo elimina os comentrios de especialistas do principal telejornal da emissora - o

    Jornal Nacional -, mantendo-o apenas com a funo informativa. Por outro lado, os

    programas telejornalsticos que apresentam a opinies explcitas dos

    apresentadores ganham espao na grade. o caso do "Brasil Urgente", da Band; e

    do Balano Geral, da Rede Record, que j existia em alguns estados, mas que

    passa a ser transmitido para todo o pas.

    A fase de ganho para a televiso aberta, que v crescer a adeso e expanso do

    sinal digital. Porm, o perodo tambm marcado pelo crescimento significativo nos

    servios das TVs pagas, internet e telefonia mvel, que surgem como outras opes

    de ocupao de tempo que, antes, pertenciam ao aparelho televisor.

    nesta dcada que aps mais de 30 anos ocupando apenas os intervalos

    comerciais, a publicidade volta a contaminar o jornalismo, principalmente aquele dito

    popular. Por meio do uso do merchandising, diversas atraes passam a dividir o

    tempo que antes era destinado informao para tornar pblico e estimular a vendade produtos e servios. Esta , entre outras formas, a maneira de burlar a crise de

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    28/102

    28

    ateno que se instalou e conseguir se mesclar quilo em que o pblico destina seu

    tempo, assunto que ser trabalhado no prximo captulo.

    3. NARRATIVAS POPULARES NA TV E NO TELEJORNALISMO

    Neste captulo, sero trabalhadas algumas das principais formas de linguagem da

    televiso em geral, mas dando-se maior ateno para o gnero telejornalstico.

    Dentro deste, o foco principal ser no subgnero popular, destacando algumas

    ferramentas utilizadas nesse tipo de programa para atrair e manter o pblico em

    frente ao televisor, criando o sentimento de pertencimento. O estudo dessas

    temticas fundamental para se que possa entender o motivo pelo qual algumas

    marcas e empresas optam pelo telejornalismo popular, e entender tambm o quecada uma das reas tem a oferecer e receber da outra.

    Ao longo dos ltimos 65 anos, a televiso passou de um item de luxo para um

    aparelho que faz parte da rotina da maior parte da populao brasileira, incluindo as

    classes financeiramente menos favorecidas. Como vimos no primeiro captulo, a

    popularizao do meio comeou quando o preo dos aparelhos foi reduzido. Com

    isso, a populao passava a contar com uma nova opo de entretenimento e

    informao.

    Um dos primeiros motivos que fizeram a televiso conquistar tal sucesso foi a sua

    principal caracterstica: a unio de som e imagem em movimento com a transmisso

    simultnea para grandes distncias permitiram ao meio se diferenciar de outros

    veculos de massa at ento existentes - rdio, cinema e fotografia (FRANA,

    2006). Bourdieu (1997) destaca que, pelas possibilidades inerentes a ela, a televiso

    cria uma sensao que os crticos literrios denominam como 'efeito do real'. "Ela

    pode fazer ver e fazer crer no que faz ver" (BOURDIEU, 1997, p. 28). Seria

    justamente por essa questo que a TV passou a ser percebida como uma espcie

    de "janela para o real" ou como um veculo especialista na transmisso da realidade.

    Utilizando as ideias de Bourdieu, Frana (2006) explica que por meio de um jogo

    de visibilidade e invisibilidade, de mostrar escondendo, que a televiso exerce ao

    extremo um poder simblico de dominao por meio da imagem. Para a autora, na

    atualidade, o meio vai alm dos meros fatos reais, tornando-se responsvel porfabricar suas prprias imagens e um mundo prprio, criando "cenrios, formas,

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    29/102

    29

    movimentos, recupera[ando] e reedita[ando] trilhas e musicais, acoplada a novos

    recursos multimdia, gera[ando] imagens e sons criativos e inusitados" (FRANA,

    2006, p. 5).

    Ainda segundo a autora, a televiso tornou-se uma instituio social que conseguiu

    atravessar clivagens sociais, permanecendo como uma das responsveis "pela

    disseminao e partilhamento de cdigos, referncias, representaes, e pelo

    estabelecimento de uma pauta ou roteiro de ateno" (FRANA, 2006, p. 8). Na

    sociedade brasileira, ela teve ampla disseminao, deixando de ocupar apenas os

    espaos comuns para adentrar na privacidade dos quartos, das cozinhas, da sala de

    refeio. Por conta disso, a ela tambm coube o papel de preencher os espaos

    vazios, como possibilidade de lazer e descanso, alm de fazer companhia como voz,

    como presena (FRANA, 2006).

    Temer (2010) explica que:

    Na televiso a transmisso de informaes se caracteriza por usartodas as condies tcnicas possveis para conquistar e reconquistardiariamente o seu pblico, com grande investimento nosensacionalismo e na espetacularizao da informao (2010, p.

    104).A autora acrescenta que a televiso construiu uma linguagem prpria e criou

    representaes que fazem com que ela se imponha por meio da seduo da

    imagem, do imediatismo, das diversas possibilidades de uso, de preencher os

    sentidos como se fosse um narctico. "Em funo disso, a televiso tem uma forte

    vocao para o entretenimento, e o seu uso cresce no tempo livre (ou tempo para o

    lazer) dos receptores" (TEMER, 2010, p. 108).

    Duarte (apudTEMER, 2006) diz que a produo televisiva oscila entre duas funes

    bsicas, dois objetivos: o de informar e o de divertir. De forma geral, pode-se

    entender que o primeiro seria representado pelos telejornais, e o segundo, pelos

    demais programas, como as atraes de auditrio e as novelas. Nessa disputa entre

    a informao e a diverso na TV, "o entretenimento seu nicho e funo

    preferencial" (FRANA, 2006, p. 11).

    Nas emissoras brasileiras generalistas (sinal aberto), os noticirios ocupam um

    espao na grade de programao muito menor do que o tempo destinado a outros

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    30/102

    30

    tipos de atraes. Para Temer (2010), isso ocorre porque ainda que ainda que

    tenham uma audincia cativa, para os empresrios o "telejornalismo caro e pouco

    atrativo em termos de pblico" (LINS DA SILVA apudTEMER, 2010, p. 108). Mas

    apesar de ocupar uma pequena parte da totalidade da programao, os noticirios

    assumem papel fundamental e estratgico nas emissoras porque, como explicam

    Becker e Mateus (2010, p. 131), "vendem credibilidade e atraem investimentos,

    revelando um surpreendente valor comercial".

    Indo alm de Duarte, para quem a produo televisiva gira em torno das funes de

    informar e de entreter, Castro (2009) acrescenta outras duas funes a ela: o papel

    educativo e o promocional. Detentora de prestgio, a TV se mostra especialista em

    esclarecer dvidas, levar assuntos para debate e at ser didtica. Criada como um

    negcio, ela se consagrou tambm como um espao para a promoo de produtos,

    servios, pessoas (como no caso de polticos, por exemplo), e da prpria emissora.

    Castro destaca que esse meio

    [...] nasceu sob a gide da iniciativa privada e, como tal, estestruturada pelo marketing, pela dimenso comercial. Sua meta aconquista do mercado, a obteno de lucro, o que significa aliar opropsito comunicativo com o interesse comercial. Isso quer dizerque, ao lado da dimenso comunicativa, centrada na relao com ostelespectadores, existe a preocupao financeira, responsvel pelasustentabilidade da emissora enquanto tal (CASTRO, 2009, p. 125).

    Castro (2009) ainda aponta que tanto as emissoras quanto os patrocinadores saem

    ganhando nessa relao: enquanto a potencialidade do meio atrai os anunciantes,

    que querem ter os seus produtos expostos no veculo com altssimo poder de

    penetrao, as emissoras mantm a busca pelos altos ndices de audincia com o

    objetivo de atrair a verba publicitria, obtendo lucro e valorizando o seu espao, no

    que ele chama de um "verdadeiro crculo vicioso" (CASTRO, 2009, p. 129).

    A seguir, sero abordados os efeitos dessa caracterstica mercadolgica sobre as

    produes telejornalsticas, objeto central de estudo deste trabalho.

    3.1 O TELEJORNALISMO

    O telejornalismo firmou-se como uma fonte de informao barata e cmoda, que

    assume um papel central na vida em sociedade (SIQUEIRA; VIZEU, 2010).

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    31/102

    31

    Para Temer (2010), entre os gneros televisivos existentes, o telejornal um dos

    mais fceis de ser identificado como tal. De acordo com a autora, os noticirios

    podem ser definidos como um jornalismo feito para e veiculado na televiso. Desta

    forma, ele deve seguir as mesmas estruturas, ideias, valores e ideais ticos do

    jornalismo impresso na hora de lidar com a informao, seu principal objeto de

    trabalho.

    O jornalismo tem por princpio um compromisso com a verdade, coma informao verdadeira. Alm disso, por princpio tico, o jornalismopressupe uma comunicao organizada a partir do interessepblico, do que afeta a vida do indivduo enquanto cidado (na suarelao com o estado) e enquanto indivduo (na sua relao com asociedade) (TEMER, 2010, p. 103).

    J na viso de Castro,

    A meta do telejornalismo o estabelecimento de uma relao quealie confiana e identidade total com o pblico telespectador. Paraalcanar esse patamar, a emissora, em sintonia com osacontecimentos da realidade, local ou nacional, e com as aspiraesda comunidade, precisa trazer ao pblico as informaes de maneirarpida e precisa, relatando, investigando e analisando, sem perderde vista o compromisso com a liberdade de informao e apreservao da credibilidade (CASTRO, 2009, p. 132).

    Para Arlindo Machado (2000, p.102), os noticirios no devem ser vistos apenas

    como "um simples dispositivo de reflexo dos eventos", mas como uma forma de

    mediao. A prpria fala dos reprteres e protagonistas aparecerem como

    mediaes inevitveis e como condio essencial do relato telejornalstico

    (MACHADO, 2000). Segundo o autor (Ibidem, p. 104), "o telejornal , antes de tudo,

    um lugar onde se do atos de anunciao a respeito dos eventos", alm de ser uma

    colagem de diversas vozes montadas em discursos, onde fontes de imagem e som

    distintas ajudam a compor a mensagem.

    Na sua relao com o pblico, Machado (2000) tambm destaca que os telejornais

    podem ser lidos e interpretados de maneira diferente pela sociedade, que leva em

    considerao suas ideologias e experincias de vida na hora de decodificar a

    mensagem transmitida. Assim, por mais 'fechado' que o noticirio possa parecer, os

    telespectadores so capazes de filtrar e operar leituras diferenciadas.

    Correia e Pereira Junior (2008) apontam que o telejornalismo tambm funcionacomo um lugar de referncia para a populao, que se assemelha a outros lugares

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    32/102

    32

    comuns da vida, como aquele assumido pela famlia. Isso ocorreria porque, entre

    outras funes, os noticirios ajudariam na formao da pessoa, na construo da

    ideia de realidade e no desenvolvimento de uma espcie de conhecimento.

    Desta forma, os jornais de TV contribuiriam para a construo da ideia de 'real' ao

    organizarem a vida e os acontecimentos, ajudando a interpretar o mundo por meio

    da reproduo da realidade. Ao jornalista caberia, ento, traduzir esse mundo de

    maneira pedaggica, didtica. O jornalismo passa a ser entendido como "uma

    espcie de lugar de orientao nas sociedades complexas que homens e mulheres

    recorrem para o bem e para o mal" (CORREIA; PEREIRA JUNIOR, 2008, p. 19). Os

    noticirios mostram-se como

    [...] uma espcie de referncia, de estabilidade, diante da violncia,da insegurana e da complexidade do cotidiano. Os telejornaisfuncionariam como uma janela para a realidade, mostrando que omundo circundante existe, est l e tudo no se transformou numcaos e a vida segue sua normalidade (CORREIA; PEREIRAJUNIOR, 2008, p. 21).

    Ao telejornalismo tambm caberia a funo de fazer e ser familiar, permitindo que a

    audincia se identifique com o mundo que transmitido e sinta segurana de viver

    nele. "A forma como ele [o telejornal] organizado, as notcias que se sucedem, ofinal com uma mensagem de esperana, ou com uma matria para cima"

    (CORREIA; PEREIRA JUNIOR, 2008, p. 22) servem para levantar o nimo de quem

    o assiste, criando um sentimento de confiana e conformidade. Alm disso, ele seria

    o principal meio responsvel pela agenda de temas que fazem parte do cotidiano da

    populao: aborda assuntos que, depois de veiculados, passam a ser discutidos na

    sociedade; ou temas que j esto repercutindo entre as pessoas.

    Assim, o jornalismo televisivo se assume como processo social, fazendo a mediao

    entre os fatos e a sociedade, com o objetivo de facilitar o conhecimento e o

    entendimento do pblico (TEMER, 2010). Com essas possibilidades e assumindo

    tamanho papel, ele ainda permanece firme como uma fonte de informao para os

    cidados.

    3.1.1 O telejornalismo e o carter comercial

    Como toda e qualquer produo televisual veiculada em emissoras comerciais, otelejornalismo tambm sofre influncia mercadolgica no seu modo de ser. Essa

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    33/102

    33

    influncia atinge principalmente a informao, produto bsico dos noticirios. na

    seleo, na edio e nos modos escolhidos de transmisso que o objetivo do lucro

    torna-se visvel.

    No caso dos noticirios de TV, so os jornalistas que exercem o papel de mediador,

    como aqueles que selecionam o que vai ser exibido e definem aquilo que no ser

    (VIZEU; SIQUEIRA, 2010). Na operao dessa seleo, Temer (2010) aponta que a

    noo de servio pblico que deveria ser prestada esbarra no carter

    mercadolgico, quando a informao transformada em mercadoria. Em funo

    disso, a notcia recebe um tratamento diferente, sendo "categorizada, organizada,

    hierarquizada e trabalhada esteticamente a partir de uma relao que envolve dois

    elementos complementares: o interesse pblico e o interesse do pblico" (TEMER,

    2010, p. 103).

    Cabe televiso utilizar todos os artifcios disponveis para conquistar a audincia,

    que a razo de ser do telejornalismo (TEMER, 2010). Na busca por essa

    conquista, os noticirios tendem a fazer aquilo que a pesquisadora define como

    diluio de fronteiras entre o real e o imaginrio, chegando a mesclar sua linguagem

    com outras.

    Para conquistar a ateno do telespectador, o telejornalismo dpreferncia aos assuntos emocionais e faz uso intencional de umalinguagem dramtica. Ocorre que ao trabalhar os contedosemocionais e dramatizar a informao, o telejornalismo comprometea prpria informao; A soma destes elementos torna otelejornalismo em si mesmo uma contradio: suas informaes soreais, pois se referem a algo que realmente ocorreu, mas irreal,porque esse real "romanceado", "dramatizado", colorido comsuspense (TEMER, 2010, p. 110-111).

    Para Temer (2010), o objetivo mercadolgico que foi adotado pela TV brasileira faz

    com que as notcias sejam narradas para causar impacto, ao mesmo tempo em que

    distraem o telespectador. Para conseguir bons resultados, este gnero se v

    obrigado a criar vnculos com outros, como a telenovela. "Juntos no horrio nobre, a

    novela e o telejornal se contaminam e so contaminados mutuamente pelo material

    publicitrio" (TEMER, 2010, p. 113).

    Como exemplo, a pesquisadora explica que os noticirios televisivos se organizam

    como novelas, com reportagens/captulos em sequncia que vo revelando a

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    34/102

    34

    informao em pequenas partes cumulativas (TEMER, 2010). A hibridizao de

    gneros passa a ser um hbito cada vez mais comum na telinha.

    Brasil Urgente, por exemplo, um telejornal que se apoiaconstantemente em recursos dramticos (performance do apresentador,recursos sonoros e visuais); o Programa do Ratinho um programa deauditrio, um programa de variedades, que incorpora recursosdramticos (encenaes), informativos (pequenas reportagens); show, denncia, enfim, uma mistura (FRANA, 2006, p. 14).

    Em resumo, Temer (2010) entende que os noticirios tm se transformado cada vez

    mais em espetculos e se aproximado dos contedos ficcionais. A informao saiu

    do topo da lista de importncia, e o lugar passou a ser ocupado pelas

    representaes, cenas coloridas, pela preciso quase cronometrada das matrias,

    da atuao de jornalistas e do desempenho dos entrevistados (TEMER, 2010, p.

    119). Tudo com o objetivo de atingir maior nmero de pessoas, atraindo os

    anunciantes e, consequentemente, o lucro.

    Na obra 'O Jornalismo na era da Publicidade', Leandro Marshall (2003) realiza um

    estudo sobre as influncias mercadolgicas pelas quais o jornalismo passou para se

    adaptar a essa caracterstica comercial nos mais diversos meios. Segundo o autor,

    em consequncia dessa lgica baseada no lucro, a funo de informar passou a serreduzida "a uma simples esfera de sustentao para interesses eminentemente

    comerciais" (2003, p. 24). Mais frente, ele destaca que "embora desempenhe um

    funo pblica, a imprensa opera como empresa privada, com interesses e fins

    privados" (MARSHALL, 2003, p. 26).

    A partir da segunda metade do sculo XX, a publicidade comercialassumiu um papel central no mundo capitalista. A linguagem daseduo passou a modelar as razes sociais, polticas, econmicas e

    transmutou diretamente o universo da sociedade, da comunicao eda cultura. Hoje podemos afirmar que a publicidade transformou-seem um dos motores da engrenagem da sociedade capitalista demassa e, sobretudo, qualifica-se j a assumir o lugar da imprensa noposto de quarto poder de nosso modelo econmico (MARSHALL,20003, p. 93).

    Ainda que exista uma forte presso entre o jornalismo e a publicidade, Marshall

    aponta que essa relao, tanto nos jornais impressos como nos meios eletrnicos,

    fundamental, porque "o jornalismo s se torna factvel no e pelo financiamento do

    poder econmico publicitrio" (MARSHALL, 2003, p. 10). Por conta disso, o autoraponta que as notcias passam a ser submetidas s regras e determinaes do

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    35/102

    35

    marketing empresarial, muitas vezes sendo trocadas por informaes de

    entretenimento, "que tem maior efeito sobre a audincia e custam bem menos

    empresa" (MARSHALL, 2003, p. 27).

    Como consequncia desse processo de mutao, os telejornais,radiojornais, net-jornais e jornais impressos tm submetidoinvariavelmente a sociedade a uma dieta de notciassensacionalistas. Esse o caminho mais curto entre aaudincia/vendagem e o lucro e tem sido explorado com pequenasvariaes na maioria dos veculos (MARSHALL, 2003, p. 42).

    Marcondes Filho (apudMARSHALL, 2003, p. 123) explica o porqu de o jornalismo

    ser considerado pelos anunciantes como um espao propcio para a promoo de

    produtos e servios, atendendo ao objetivo final de estmulo compra. Ele tambmdestaca o motivo pelo qual o jornalismo aceita ser permeado pela publicidade.

    [...] os publicitrios veem na apresentao jornalstica de seusanncios, isto , no desfiguramento do carter de anncio de suapublicidade (por meio da mistura da parte publicitria com aredacional), um aumento de eficincia propagandstica desta. Aqualidade da parte noticiosa, que pode aumentar o poder do anncio,apresenta-se para os editores como fonte especial de lucros.

    Apesar de falar para um pblico formado por indivduos bastante diferentes - seja

    pela idade, sexo, religio, espao geogrfico, entre outros -, a televiso tem tentado

    escolher os assuntos "comuns" que englobem a maior quantidade de pessoas

    possvel. Manuel Piedrahita (apud MARSHALL, 2003) explica que os veculos

    escolhem e moldam informao de acordo com o pblico que eles possuem. No

    caso dos telejornais, Bourdieu (1997) destaca que a seleo feita atravs de um

    "culos" que os jornalistas possuem, que os permitem ver certas coisas e outras

    no, alm de enxergar de forma especfica aquilo que veem. Essa escolha dos

    temas abordados parte direta da estratgia que cativar a audincia.

    O princpio da seleo a busca do sensacional, do espetacular. Ateleviso convida dramatizao, no duplo sentido: pe em cena,em imagens, um acontecimento e exagera-lhe a importncia, agravidade e o carter dramtico, trgico. [...] preciso palavrasextraordinrias. [...] Os jornalistas, grosso modo, interessam-se peloexcepcional. [...] Eles se interessam pelo extraordinrio, pelo querompe o ordinrio, pelo que no cotidiano (BOURDIEU, 1997, p.25, 26).

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    36/102

    36

    Como resultado, aumenta-se a procura por assuntos diferentes, por histrias que

    cada vez mais superam o limite do imaginvel, compostas por informaes

    inacreditveis, imagens de momentos curiosos.

    A estratgia consiste em oferecer as informaes geralmente ligadasa acontecimentos ou coisas incomuns, que despertem e prendam aateno e, se possvel, atraiam o interesse do pblico para o relatoou para o desenrolar dos fatos. a ttica de abalar, sacudir,desestabilizar, assustar, estremecer, emocionar ou inquietar aspessoas, provocando intencionalmente uma erupo de sensaes(MARSHALL, 2003, p. 42).

    Para Marshall (2003), esse processo acaba transformando os noticirios em

    produtos hbridos que englobam ora publicidade, ora entretenimento, ora persuaso,

    ora consumo, o que afetaria na misso de informar. nesse contexto que a

    publicidade passa a "'pular o muro' e invadir o territrio da informao" (MARSHALL,

    2003, p. 41).

    Nessa onda, a mdia tem desempenhado, principalmente, as funesde consumo e entretenimento, relegando a segundo plano as tarefasessenciais da informao, cultura, educao e conscientizao. Apercepo generalizada na sociedade de que os jornais tornaram-se um grande shopping de mercadorias, em que a diverso, oespetculo e a emoo funcionam como estratgia de audincianessa gigante mquina de dinheiro (MARSJALL, 2003, p. 41).

    Em sua obra, Douglas Kellner (2006) utiliza o conceito de "sociedade do

    espetculo", desenvolvido pelo terico francs Guy Debord, para pensar em como

    esse desejo pelo espetacular se transformou em algo comum na vida da sociedade

    atual. Kellner explica que para Debord, o espetculo tinha relao com o estado de

    consumo instaurado, que se baseia na produo e consumo. O conceito seria

    utilizado para descrever "a mdia e a sociedade de consumo, incluindo a produo,

    promoo, exibio de mercadorias e produo, e seus efeitos" (KELLNER, 2006, p.

    121).

    Desenvolvido na dcada de 1960, o conceito ganhou novos ares nas obras de

    diversos autores, incluindo o prprio Kellner. De acordo com ele, os espetculos

    fazem parte da histria da sociedade desde a antiguidade, a considerar, por

    exemplo, as batalhas, as olimpadas, entre outros. Segundo o autor, essas seriam

    as razes que teriam originado o entretenimento popular como conhecido hoje.

    "Agora, com o desenvolvimento de novas tecnologias da informao e multimdia, os

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    37/102

    37

    tecnoespetculos vm moldando decisivamente os contornos e trajetrias das

    sociedades atuais, ao menos nos pases capitalistas" (2006, p.120).

    Vale ressaltar que muitas dessas mudanas podem ser sentidas em maiores oumenores escalas nos telejornais, dependendo da anlise que feita ou da tica que

    se empregada. Porm, deve ficar evidenciado que o telejornalismo (englobando

    aqui todas as suas subdivises) tem como principal ferramenta a informao e como

    principal objetivo, informar. Ainda assim, comum que as pessoas utilizem o termo

    'entretenimento' erroneamente para se referir ao que acontece, por exemplo, nos

    telejornais populares, quando em muitos casos o termo "informalidade" seria mais

    adequado.

    Silva (2009, p. 8) destaca que houve certa resistncia por parte do jornalismo de se

    misturar com outros gneros.

    Ao fortalecer-se como instituio social, o jornalismo tornou-seresponsvel por ser o porta-voz dos assuntos srios, daquilo que erarealmente importante para a sociedade: poltica e economia. Talpostura configurou-se no modelo dominante de jornalismo, marcadopelo paradigma da objetividade (a no-opinio e no-emoo doreprter), [...] e o privilgio de fatos em detrimento das opinies.

    Outras formas de jornalismo que se desenvolveram no mesmoperodo o sensacionalismo, por exemplo eram consideradasprticas depreciadas, inferiores, populares. o campo jornalstico,portanto, que procura legitimar-se socialmente como um noentretenimento, buscando desassociar de sua linguagem qualquerrelao com o entretenimento (SILVA, 2009, p. 8).

    No programa Balano Geral ES, que ser estudado no quarto captulo deste

    trabalho, se ver que mesmo no sendo o objetivo principal, o entretenimento

    tambm existe no telejornal. O quadro 'A Praa do Povo' pode ser tomado como

    exemplo. Porm, o entretenimento no ultrapassa a linha da informao e dos fatos,onde se debrua o jornalismo. Alm disso, veremos que esta apenas uma das

    caractersticas utilizadas para 'segurar' o pblico, criar identificao e desenvolver o

    sentimento de pertencimento, garantindo a fidelidade da audincia.

    3.1.2 O poder de 'fazer crer' e 'fazer pertencer'

    O telejornalismo utiliza tcnicas para criar sensaes e sentimentos no pblico que o

    assiste. Abaixo, foram selecionados alguns mecanismos que se fazem presentesdurante esses programas e que so importantes para 1) entender a relao

  • 7/23/2019 Informao e mercadoria a utilizao de telejornais populares como pontos de promoo de venda - Renan Chagas

    38/102

    38

    existente entre o pblico e as emissoras e tambm 2) embasar a escolha dos

    telejornais populares para realizao dos anncios dos produtos.

    Como j dito neste trabalho, a televiso aberta generalista no Brasil precisa secomunicar para um pblico diverso, que engloba classes sociais diferentes, indo de

    analfabetos a pessoas alfabetizadas (FRANA, 2006). Para conseguir se comunicar

    com a sua audincia, os telejornais se utilizam de uma fala simples, sem palavras

    rebuscadas ou que no estejam presentes no dia a dia das pessoas (TEMER, 2010,

    p. 115).

    Vera Iris Paternostro (1991) destaca que, por conta da sua instantaneidade, a

    linguagem precisa ser eficiente, sendo captada da primeira vez.

    A busca do coloquial consiste, principalmente, na necessidade de seencontrar um nvel comum de entendimento para mensagem que sevai transmitir. Quanto mais as palavras (ou o texto global) foremfamiliares ao telespectador, maior ser o grau de comunicao. Umamensagem com um texto simples tem a capacidade de atingir ummaior pblico receptor heterogneo (classes sociais, instruo eidades diferentes). Simples aqui no usado no sentido pobre ouvulgar; usado para identificar a forma natural, espontnea deescrever: com simplicidade (PATERNOSTRO, 1991, p. 55).

    Nesse caso, o discurso marcado pela agilidade e rapidez que, integradas, criam a

    ideia de dinamismo e do ideia de urgncia dos fatos. O verbo, sempre no presente,

    d a ideia de atualidade.

    A segunda caracterstica a ser trabalhada aqui a imagem do apresentador/

    'noticiarista'/ ncora do telejornal. De acordo com Temer (2010, p. 114), eles

    aparecem para a audincia como aquele que ocupa a posio hierrquica mais alta

    dentro do programa. A ele cabe o papel de chamar as notcias e os reprteres,

    delimitando o tempo de participao de cada um dos personagens. Eles tambm se

    apresentam - ou so apresentados - como aqueles que tm oniscincia sobre todos

    os fatos ocorridos. Eles trabalham com elementos de identificao com o pblico,

    fazendo com que a audincia tenha a impresso de estar recebendo um visitante

    importante e ilustre dentro de casa.

    Os telespectadores so convidados a manter uma espcie de dilogo com a figura

    que conduz os noticirios. Exatamente por isso, os telejornali