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INFÂNCIA E POBREZA: uma análise do município de Melgaço (Marajó/PA)
Jacqueline Tatiane da Silva Guimarães1 Letícia Costa de Carvalho2
Sara Soares de Araújo3 Silvana Ramos Lacerda4
Matheus César Silva da Silva5
RESUMO: Abordamos sobre infância marajoara, tendo como
recorte socioterritorial o município de Melgaço/PA, pertencente ao Marajó Ocidental. Primeiramente, refletimos sobre a construção histórica dos direitos da criança e os impactos da pobreza na efetivação de seus princípios. Em segundo, problematizamos os desafios a serem enfrentados pelo Marajó Ocidental e assim localizamos Melgaço dentro dessa realidade e os seus rebatimentos para o acesso às políticas públicas por suas famílias. Esta pesquisa é exploratória, em que foram realizados levantamentos bibliográfico, documental e pesquisa de campo, recorrendo à visita domiciliar, observação participante e entrevista semiestruturada, tendo como sujeitos os trabalhadores informais da área urbana.
Palavras-chave: Infância; Marajó; Políticas Públicas; Pobreza.
ABSTRACT: We discuss about the Marajoara childhood, having
as a socio-territorial cut the municipality of Melgaço / PA, belonging to the West Marajó. Firstly, we reflect on the historical construction of children's rights and the impacts of poverty on the realization of their principles. Secondly, we problematize the challenges to be faced by the Western Marajó and thus locate Melgaço within this reality and his refutations for the access to public policies by their families. This research is exploratory, in which bibliographical, documentary and field research were carried out, using the home visit, participant observation and semistructure interview, having as subjects the informal workers of the urban area.
Keywords: Childhood; Marajó; Public policy; Poverty
1 Assistente Social e Doutora em Educação. Professora efetiva da Faculdade de Serviço Social do Campus Universitário do Marajó/Breves da Universidade Federal do Pará/ UFPA. E-mail: [email protected]. 2 Graduanda do curso de Serviço Social do Campus Universitário do Marajó/Breves da Universidade Federal do Pará/ UFPA. Bolsista dos Projetos de Pesquisa e Extensão Direitos Humanos e Infância no Marajó. E-mail: [email protected]. 3 Graduanda do curso de Serviço Social do Campus Universitário do Marajó/Breves da Universidade Federal do Pará/ UFPA. Bolsista dos Projetos de Pesquisa e Extensão Direitos Humanos e Infância no Marajó. E-mail: [email protected]. 4 Graduanda do curso de Serviço Social do Campus Universitário do Marajó/Breves da Universidade Federal do Pará/ UFPA. Bolsista dos Projetos de Pesquisa e Extensão Direitos Humanos e Infância no Marajó. E-mail: [email protected]. 5 Graduando do curso de Serviço Social do Campus Universitário do Marajó/Breves da Universidade Federal do Pará/ UFPA. Bolsista dos Projetos de Pesquisa e Extensão Direitos Humanos e Infância no Marajó. E-mail: [email protected].
1 INTRODUÇÃO
Melgaço é um município marajoara, situado na mesorregião do Marajó e microrregião
de Portel, do estado do Pará, estando a 30 km do município de Breves, cidade polo do
Marajó, correspondendo à uma hora de lancha. Sua área tem aproximadamente 6 774 km²
e de acordo com dados Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2016, a
população melgacense está estimada em 26 652 habitantes e o seu Produto Interno Bruto
(PIB) é de R$ 132 117, 48 mil e seu PIB per capita é de R$ 5 055, 58.
Enquanto um rebatimento direto do baixo IDH na vida das famílias melgacenses
destaca-se o trabalho informal que de acordo com o Atlas Brasil (2013), no ano de 2010,
72,04% da população se encontrava ocupado, mas apenas 10,68% se encontravam na
modalidade formal. Considerando este contexto, no presente artigo abordamos sobre a
infância marajoara, tomando como recorte socioterritorial o município de Melgaço/PA,
pertencente ao arquipélago do Marajó, localizado na região Ocidental.
Temos como principal objetivo descrever e dar visibilidade à situação socioeconômica
do município de Melgaço, bem como refletir sobre as condições de vida e sobrevivência de
suas crianças, e por consequência de suas famílias, que enfrentam diferentes desafios
quanto o acesso às políticas públicas. Para tal debate, primeiramente, nos debruçamos
sobre a construção histórica dos direitos da criança e os impactos da pobreza na efetivação
real dos seus princípios.
A fim de nos debruçarmos sobre esta realidade foi realizada pesquisa exploratória,
em que optamos para serem sujeitos informantes os trabalhadores informais que atuam na
área urbana do município, tais como mototáxistas6 e vendedores (de picolés, sorvetes,
bombons, legumes e frutas). Após a identificação destes foi realizada visita domiciliar e
entrevistas com estes trabalhadores e os membros de suas famílias. Para garantia do sigilo,
utilizamos nomes fictícios.
Problematizamos as especificidades do Marajó Ocidental, e assim localizamos
dentro desta realidade o município em tela, assim como as suas principais problemáticas.
Na terceira parte expomos os desafios enfrentados pelas famílias no acesso às políticas
públicas em Melgaço (Marajó-PA). Ao final apresentamos a pesquisa de campo e os seus
resultados.
O município de Melgaço, apesar de ser uma cidade de pequeno porte, ainda se
6 No município de Melgaço não existe transporte público e não há a circulação de automóveis como carros e
ônibus, situação que decorre da inexistência de transportes fluviais maiores como balsas e navios que façam o trajeto Belém e Melgaço, ou Breves e Melgaço, havendo somente pequenas lanchas e barcos. A população melgacense recorre à bicicletas e motos, ao que não possuem estas duas opções de circulação acabam recorrendo aos serviços de mototaxistas que existem em número elevado, porém estes não são organizados enquanto categoria.
constitui em um verdadeiro desafio para as políticas públicas, que nesta região ainda se
encontram fragilizadas, aliada a uma sociedade civil que ainda necessita ser fortalecida por
uma política educacional e de assistência social que visem dar bases à população que se
encontra desamparadas social e politicamente. Este quadro atinge diretamente uma infância
fruto de famílias que desconhecem os seus direitos.
Assim, se expressa a necessidade de nos debruçarmos sobre Melgaço e o Marajó,
com especial ênfase na infância, enfatizando as diversas expressões da questão social e os
seus rebatimentos nas vidas de crianças pobres, pois enquanto filhos de uma pequena
parcela que concentra maior renda (empresários e políticos) conseguem se deslocar para
outros municípios e/ou estados para estudar, ter tratamento de saúde e acesso a esporte,
lazer e cultura, os filhos de famílias pobres não têm essas mesmas condições, e acabam
ficando expostos, vulneráveis a todo e qualquer de tipo de violações.
2 POLÍTICAS PÚBLICAS E INFÂNCIA: os desafios impostos pela pobreza
As primeiras ações de proteção e assistência à infância brasileira eram de caráter
caritativo e filantrópico que se aliavam às medidas punitivistas e repressoras, possuindo
restrições de seu uso conforme a classe social a qual pertencia a criança. Como é muito bem
destacado por Faleiros (2005), às crianças ricas eram dadas condições necessárias para
estudar, enquanto para as crianças pobres as condições eram escassas. Para a infância
pobre foi destinada instituições como as rodas dos expostos, os asilos, os educandários e
abrigos, por exemplo. Faleiros (2005) ainda acrescenta que quando se tratava de iniciativas
para pobres o Estado não via como obrigação/dever.
É na década de 1930 que começa a se organizar as primeiras ações voltadas para a
infância enquanto iniciativa estatal. Conforme Perez e Passone (2010) estas ações tinham
como principal intenção tornar a infância objeto de atenção e de controle. Na era Vargas
observa-se avanços no que se refere não somente à infância, mas também quanto à
maternidade. Contudo, ainda havia distinções no tratamento das diferentes condições sociais
de crianças e mães.
Logo, estas medidas ainda eram restritas. Para os filhos de famílias pobres a
educação, por exemplo, não era algo obrigatório, haja vista que o Estado não via como sua
obrigação a criação de mais escolas para que crianças pobres pudessem estudar. Isto
reforçava ainda mais a perpetuação da pobreza.
A partir da década de 1980 com a forte mobilização dos movimentos sociais, houve
avanços legais no que diz respeito às políticas de proteção à infância, não estando mais
restrita a uma classe social, sendo um processo resultante das lutas e mobilizações em prol
dos direitos das crianças. Verifica-se a consolidação da Constituição Federal de 1988,
reforçado pelo Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) e a Conselho Nacional dos Direitos
da Criança e do Adolescente (CONANDA), de 1990 e 1991, respectivamente.
Estas medidas influenciaram em ações que possibilitaram não somente políticas de
proteção, mas também deram estrutura para a criação de estratégias para assegurar
condições mínimas de sobrevivência para a população pobre, procurando garantir enquanto
direito básico o acesso às políticas de saúde, educação, cultura e outras. Considera-se que
tais medidas tenham rebatimentos na vida das crianças e adolescentes, a partir do combate
direto e indireto à pobreza e à desigualdade (PEREZ; PASSONE, 2010).
É fundamental discorrer sobre os avanços jurídicos no que diz respeito aos direitos da
infância, contudo concordamos com Gilberto Dimenstein (1995) que fala sobre uma cidadania
de papel, em que direitos básicos como água, alimentação, educação e saúde são oferecidos
somente no plano formal, não se efetivando realmente.
Estes direitos esbarram e acabam por não se concretizarem diante um sistema
econômico, político e ideológico que sobrevive da desigualdade. A infância e adolescência
brasileira são fortemente atingidas pela pobreza. Morais et al (2015, p. 304) ao problematizar
os impactos da pobreza sobre a infância brasileira, pautando-se em Diniz e Diniz (2009),
define que:
[...] a pobreza é vista como um fenômeno primariamente econômico, definido por renda inferior a um patamar pré-estabelecido. No entanto, embora a renda ainda seja um indicador bastante utilizado, atualmente a pobreza tem sido vista como um fenômeno multidimensional, ou seja, envolve não apenas a dimensão econômica, mas também política, social, cultural e aspectos relativos ao conceito de qualidade de vida segundo a percepção do indivíduo (DINIZ; DINIZ, 2009). O conceito de pobreza tem sido influenciado pelas ideias de privação de capacidades, ou seja, uma série de restrições que não permitem ao indivíduo alcançar a vida almejada como, por exemplo, não ter acesso a bens e serviços ou à saúde e à educação (DINIZ; DINIZ, 2009).
Portanto, para se tratar sobre a pobreza é importante ter o entendimento de que essa
não está restrita aos aspectos ligados à renda, ou seja, não se restringe à escassez material.
São fatores que acabam por virem associados às situações de privações quanto a direitos
sociais, humanos e políticos que são básicos, como acesso a uma educação de qualidade, à
moradia, à água potável, à cultura, ao lazer e a uma infância saudável e digna.
Este quadro de carência quanto a direitos que são básicos, resultam numa sociedade
que naturaliza a pobreza. Os sujeitos estão envoltos por um alto grau de vulnerabilidade
social, numa realidade em que políticas públicas não são tratadas e trabalhadas enquanto um
direito, prevalecendo à falaciosa compreensão de que qualquer iniciativa de caráter público,
que sejam coletivas e sociais, seriam favores ou até mesmo caridade.
3 O MARAJÓ OCIDENTAL: DESAFIOS A SEREM ENFRENTADOS
Conforme Pacheco (2010), o arquipélago do Marajó foi fundado sobre o embate de
diferentes etnias e visões de mundo que entraram em choque com as noções dos
estrangeiros. Logo as populações que viviam na região marajoara foram levadas a
evangelização pela “salvação”, que era trazida pelos jesuítas ao povo marajoara, pois viam
os indígenas como povos “bravos” que precisavam ser “civilizados”. Assim, foi por meio
dessas ações evangelísticas lideradas pelos padres que se foram formando vilas, que deram
origem às cidades florestas do Marajó.
O Marajó Ocidental compreende Breves, Portel, Melgaço, Gurupá e Bagre e se difere
do Marajó dos campos, por ter suas características voltadas para a floresta que influencia na
vivência, no modo de ser da população local, sendo conhecido também como o Marajó das
Florestas.
Segundo o Plano de Desenvolvimento Sustentável do Marajó (2007) o transporte
nessa área é realizado pelos rios, tanto para que pessoas possam ir para outras cidades,
quanto para que mercadorias possam chegar aos comércios. Observamos também que as
atividades desenvolvidas nessa região como a produção de farinha, coleta e venda de açaí,
se destacam como fontes de renda da população mostrando sua relação intrínseca com a
natureza e em segundo essa fonte de renda advém dos empregos do serviço público nas
áreas urbanas dos municípios.
O Relatório Analítico do Território do Marajó (2012, p.25) nos mostra que a região
marajoara tem dentre suas especificidades a reduzida oferta de emprego, em que
considerável parcela de sua população se encontra em situação de vulnerabilidade social. A
fim de se combater a fome e a miséria, programas como Bolsa Família (BF) e o Benefício de
Prestação Continuada (BPC) se destacam como elementos essenciais para a renda familiar.
Os programas de transferência de renda são direitos que se constituem em
importantes estratégias de enfrentamento da pobreza, entretanto em municípios como o de
Melgaço observa-se que as ações de viés assistencialistas ainda predominam. Decorrente
justamente de um enfraquecimento e desarticulação das instituições que visam garantir
direitos.
Não há como desconsiderar que este contexto socioeconômico e político atingem
diretamente crianças e adolescentes. Em 2018, no II Encontro “Diálogos do MPPA com a
rede de garantia de direitos da criança e do adolescente no combate à violência sexual no
arquipélago do Marajó”, foi exposto que 50% dos casos de violência sexual contra crianças e
adolescentes não são apresentados às autoridades competentes, não são registrados, o que
contribui para a errônea compreensão de que os direitos da infância e adolescência não estão
sendo violados.7
Crianças e adolescentes da Amazônia, e mais precisamente no Marajó, estão inseridas
em uma cruel realidade que as tornam mais suscetíveis aos diferentes tipos de violência,
como a exploração sexual, tráfico humano e fome. Os desafios que são apresentados ao
Marajó Ocidental devem ser fatores que sirvam para romper com o estigma da caridade a fim
de que efetivamente as suas crianças sejam reconhecidas enquanto sujeitos de direitos. Aliás,
não somente os sujeitos que vivem a infância, mas também as suas famílias.
3. 1 MELGAÇO E O BAIXO IDH: a pobreza e os seus rebatimentos na vida da infância
melgacense.
Discorremos sobre os desafios a serem enfrentados pelo Marajó Ocidental, contudo
no presente estudo é necessário salientar que as condições que são postas e dadas para o
município de Melgaço são as mais graves. Entre os dezessete municípios que compõem o
Arquipélago do Marajó este é o mais atingido pela pobreza e desigualdade. Quadro que se
revelou nacionalmente.
Nos anos de 1991 a 2010 o município apresentou o Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) baixo, conforme dados divulgados pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD). Em 1991 o município atingiu a 5475º com a nota de 0,177, já em
2000, ficando na posição 5559º com a nota 0,260 e no ano de 2010 alcançou a última posição
no ranking do IDH Brasileiro- 5565º, com a nota 0,418, tornando o município conhecido de
forma negativa na mídia nacional e internacional. (PNUD,2013).
Cabe destacar que os dados apresentados pelo IDH são baseados em um tripé
básico que são: renda, educação e saúde. Seu objetivo inicial foi ofertar uma nova vertente
para o PIB, indicador já existente, que leva em consideração apenas o fator econômico no
que tange o desenvolvimento. Neste sentindo o IDH nasce para compreender de forma mais
ampla o desenvolvimento dos municípios, estados e países.
De acordo com dados do IBGE (2010) Melgaço possui 1.052 domicílios localizados
em sua área urbana, e em observações iniciais percebemos que a área urbana possui
características que são próprias do Marajó Ocidental, como o fato do centro ser localizado na
frente da cidade, próximo ao rio que banha o município. Contudo, de acordo com dados do
PNUD (2013), apresentados em 2015, no relatório “Análise do contexto de Melgaço (PA)”
7 Para mais informações, acesse: www.mppa.mp.br.
informa que 78,93% da população não possuem abastecimento de água e esgotamento
sanitário adequado.
Ademais, somente 64,06% dos moradores possuem energia elétrica e apenas 21,93%
das casas possuem água encanada (PNUD, 2013). A ausência de água encanada e de uma
rede de fornecimento de energia elétrica impacta diretamente nas problemáticas quanto à
saúde e à educação, sobretudo nos casos de proliferação de bactérias e doenças causadas
por verminoses e no não funcionamento adequado das escolas diante da falta de energia e a
ausência de merenda escolar.
As crianças são as primeiras a sentirem os reflexos da falta de saneamento básico e
água encanada, que acarretam um elevado número de internações por diarreia estimada pelo
IBGE (2010) de 8.9 para cada 1000 habitantes, esta estatística coloca o município em 1º lugar
na microrregião quando se trata de internações por diarreia.
No ano de 2010 como já mencionado, o município de Melgaço (PA), foi anunciado com
base nas fontes do IBGE como o município com o pior IDH do Brasil, um extremo índice de
pobreza que logo tem impactos na vida das crianças, seja por seu não acesso à saúde, a
educação e à assistência social, quanto pela experiências precoce com a fome, trabalho
infantil e exploração sexual.
3.1.1 A SITUAÇÃO DA INFÂNCIA E DAS FAMÍLIAS DO MUNICÍPIO DE MELGAÇO
O centro de Melgaço, ou melhor, a área urbana, não se trata de uma região com
melhores estruturas se comparada com as áreas mais distantes. As palafitas fazem parte da
realidade do município, sendo generalizada a ausência de saneamento básico, estando
afastadas das unidades públicas como escolas e postos de saúde. Referente a isto
mencionamos o caso dos moradores da Rua Orlando Amaral, conhecida popularmente como
“Rua do Moconhas”, que é uma das ruas mais afastadas, porém possui importante papel na
localidade, uma vez que são por ela que as máquinas pesadas de mercadorias têm acesso
ao município.
Enquanto isso, a Rua Manoel Dias, uma das principais ruas da área urbana do
município conhecida com a “Rua do Matadouro”, estruturada sobre troncos de árvores de açaí
ou pontes de madeira é formada por palafitas que abrigam famílias com oito ou nove
componentes. Essas famílias não possuem água encanada e nem um sistema de iluminação
pública adequado, desenhando assim a realidade do município como um todo,
Estando próximas aos rios, em épocas que o nível do rio sobe as crianças encontram
dificuldades para chegar à escola, já que as mesmas são pequenas e não conseguem se
equilibrar nos troncos das árvores e acabam caindo no rio.
Os postes elétricos que distribuem energia para as casas se acumulam todos no início
da referida rua, gerando grandes riscos de incêndio. Tendo ciência desta realidade, resultado
de observação participante e de levantamento bibliográfico e documental que nos ofereceram
dados estatísticos (quantitativo) partimos para levantamento de campo preliminar em que
abordamos trabalhadores informais que atuavam na área urbana, como mototáxistas e
vendedores (de picolés, de sorvetes, de bombons e outros).
No mês de agosto de 2017 foram aplicados questionários com perguntas fechadas e
abertas com os trabalhadores informais, totalizando nove sujeitos, correspondendo a nove
famílias. Constatamos que em sua maioria as suas famílias são compostas por oito
integrantes, habitando em casas próprias, levando em consideração que apenas um
entrevistado mora em casa alugada. Dos entrevistados, 50% já trabalharam de carteira
assinada, sendo que seu tempo de trabalho informal varia de dois meses a trinta anos,
quando lhes era perguntado em quanto se estimava sua renda mensal, em maioria
respondiam com incerteza, como Seu Jorge que indicou:
Quando dá bem a venda, o cara ganha 20, 25 [reais por dia]. (Seu Jorge, 42 anos,
sorveteiro, 2017).
Salientando que a família de Seu Jorge é composta por seis filhos e a esposa que é
responsável pelo trabalho doméstico. A renda mensal dessas pessoas altera de acordo com
o pagamento do Programa Bolsa Família e dos funcionários da prefeitura, pois nessa época
aumenta o fluxo de pessoas advindas do interior e consequentemente há maior consumo de
seus produtos.
Durante as falas dos entrevistados, nota-se que sua renda é insuficiente para os
custos mensais, como se pôde observar na fala de dona Maria, esposa de Seu Jorge, um
dos sujeitos que entrevistamos, onde ao se referir à renda mensal da família destaca:
[...] eu queria olhar, e ver os meus filhos cumerem né [pausa] tiver alguma coisa pra eles cumere [pausa] ai tem vez que não tem, ai tem vez eles choram, querem cumer e não tem [pausa], ai eu digo que não tenho, ai eles querem sovete, ai eu pego um pra eles se aquietarem né [pausa], assim a bolacha pra eles merendarem três horas, ai não tem. (Dona Maria, 32 anos, doméstica, 2017).
O dinheiro arrecadado por Seu Jorge é insuficiente, onde para alcançar o seu mínimo,
a família conta com o benefício do Programa Bolsa Família, recebido pela maioria dos
entrevistados. O entrevistado afirma que com esse dinheiro “ele vai tariando8 devagar”, haja
vista que necessita criar estratégias de economia para garantir dinheiro o mês todo, quando
não é possível este recorre ao “fiado”. O desemprego vivido por Seu Jorge, afeta diretamente
os seus filhos, que recorrentemente sofrem com a fome.
8 No dialeto marajoara tariando significa equilibrar.
Seu Jorge relata que seu filho mais velho de 12 anos já quer trabalhar, porém, ele tem
consciência que isso não é permitido, mas não deixa de ressaltar “que se o conselho deixasse
era melhor”. Nessa fala se revela as reservas que não somente o Seu Jorge possui, mas que
consideráveis números de famílias têm quanto às ações do Conselho Tutelar, que ao ter as
suas medidas pautadas legalmente na Lei 8.069, Estatuto da Criança e do Adolescente
(1990), que destaca no artigo 60 que “é proibido qualquer trabalho a menores de quatorze
anos de idade, salvo na condição de aprendiz”, considerando como trabalho infantil qualquer
trabalho realizado por menores de quatorze anos.
A fala de Seu Jorge é corroborada pelas falas de Dona Maria Eunice, mãe e avó, que
sustenta filhos e netos com “bicos como lavadeira” na área urbana. A mesma enfatizou que
se fosse permitido pelo Conselho Tutelar, ela gostaria que os netos que possuem idades entre
seis e quinze anos trabalhassem para ajudar na renda da família, pois segundo ela só com os
“bicos” é difícil garantir as três refeições do dia, pois a família é composta por nove pessoas,
ou seja, “é muita gente”.
Como podemos perceber, é comum que as famílias que vivem em situação de
vulnerabilidade social desejem que as crianças já estivessem trabalhando para ajudar na
renda familiar, estando além da compreensão da necessidade de mais um membro ativo na
renda, há a concepção de que as crianças possuem capacidade de realizar pequenos
trabalhos que gerem dinheiro, por meio da venda de lanches ou bombons.
Dona Maria, esposa de Seu Jorge, ao contrário de Dona Eunice, deixa claro que
diferente do esposo quer ver seus filhos estudando para futuramente se formarem, mesmo
com o menino de 12 anos querendo trabalhar para ajudar seus pais, ela afirma:
[...] mas eu não quero que ele trabalhe ainda [risos] quero que ele estude pa se formar né pa da aula pu interior, assim né [pausa] eu quero tudinho eles pa estudarem assim né se formarem. (Dona Maria, doméstica, 32 anos)
Nesta fala percebemos que Dona Maria tem o professor como referência financeira,
pois dentro do município os professores são uma pequena parcela que recebe mais de um
salário mínimo, e são tidos como um ideal financeiro que deve ser seguido.
Com poucas oportunidades e muitas dificuldades as famílias que vivem do trabalho
informal se dizem felizes e realizadas com seu trabalho e ainda conseguem ver coisas
positivas, como podemos observar na fala de José, quando ele afirma que “o bacana que o
cara trabalha a hora que quer e larga a hora que quer” reafirmando assim a ideia de falsa
liberdade propagada pelo sistema vigente. Silva e Teixeira (2016, p.70) afirmam que,
[...] o modelo capitalista e liberal aboliu o escravismo, tomando todos os cidadãos livres formalmente, todavia, a liberdade encontrou o seu limite na renda e no trabalho, ou seja, as bases ideológicas segregacionistas e excludentes continuaram intrínsecas as relações humanas.
Ou seja, formalmente aboliu o escravismo a partir de um discurso de liberdade de
propriedade da mão de obra pelo próprio trabalhador, entretanto não estabelece realmente
condições de valorização e condições dignas para venda desta mercadoria, que é
representada pela força de trabalho dos indivíduos que se encontram em total relação de
desigualdade e desvantagens para “negociar”. Portanto, observa-se uma população
pauperizada e sem qualificação que não consegue nem ao menos atingir o salário mínimo.
Em Melgaço além de haver poucas possibilidades de inserção de trabalho formal,
também há poucos investimentos em políticas sociais que visem fortalecer estas famílias
economicamente, seja por meio das políticas de Educação e Assistência Social, que ainda
são frágeis na promoção de trabalho e renda. Resultado: estes sujeitos ficam à margem,
não estando “aptos” a assumirem cargos administrativos, sendo comum a contratação de
profissionais que não são do próprio município, logo estes são levados a ocuparem o
mercado de trabalho de maneira informal.
A realidade vivida pela família de seu Jorge e Dona Eunice é um recorte da realidade
vivida por diversas famílias que residem em Melgaço, uma vez que o munícipio possui um
alto índice de pobreza que interfere diretamente na educação e na saúde da população. A
falta de emprego rebate de forma negativa na vida das crianças, pois estas não conseguem
se desenvolver de forma integral, seja física, cognitiva e socialmente.
Em Melgaço, ainda esbarramos em discursos moralizantes que carregam senso
comum, que são reproduzidos diariamente e acabam perpetuando a violação de direitos
básicos de crianças, desconsiderando suas particularidades. Dessa forma, sem acesso a
lazer, educação e saúde de qualidade, as crianças melgacenses são um alvo direto do baixo
IDH do município, uma vez parte de famílias pobres repetem a trajetória percorrida por seus
pais e são inseridas de forma precoce no trabalho informal, prejudicando sua vida escolar e
fazendo com que as mesmas não vivam suas infâncias de forma integral e perpetuando
assim um ciclo de pobreza.
4 CONCLUSÃO
É possível observar nos dados que foram apresentados que o contexto
socioeconômico atinge diretamente a vida das crianças do município, haja vista que a
população acaba por não acessar de forma satisfatória e de qualidade a educação e a saúde,
que são serviços essenciais para a garantia de direitos humanos básicos não somente de
crianças, mas também de adultos, sobretudo quando se verifica que direitos básicos como
alimentação, água potável e energia elétrica não alcança a maioria das famílias.
Diante das poucas opções quanto ao mercado de trabalho e qualificação profissional,
a principal fonte de renda das famílias marajoaras advém dos programas de transferência de
renda, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e Bolsa Família. O acesso a esses
benefícios se dão por meio da rede socioassistencial representada pelos Centros de
Referência de Assistência Social (CRAS) e Centro de Referência Especializado de
Assistência Social (CREAS), que em reduzido número representam a estrutura institucional
da garantia de direitos humanos nos municípios, mesmo que de modo limitado e com muitas
restrições, que decorrem tanta da ausência de qualificação profissional, quanto pela ausência
de recursos econômicos, além das dificuldades que resultam da extensão e diversidade da
região.
A rede de proteção não alcança as regiões mais afastadas da área urbana, como por
exemplo, as comunidades que vivem no Rio Tajapurú, que desponta na mídia nacional como
local de exploração sexual infantil, destacando e estigmatizando meninas que sobem em
embarcações para vender peixe, camarão, açaí, pupunha e outros produtos próprios do
território marajoara, tendo sido conhecidas como “meninas balseiras”.
Destacamos a importância das ações de ensino, pesquisa e extensão que devem ser
mobilizadas pela a academia em regiões que apresentam fortes reflexos das expressões da
questão social, demonstrando o seu compromisso e missão no fortalecimento das políticas
públicas, contribuindo no processo de inclusão social dos diferentes sujeitos que compõem a
sociedade. Deste modo, não há como desconsiderar as ações e princípios gestado no interior
da Universidade Federal do Pará (UFPA), umas das maiores universidades da Amazônia,
dividida em diferentes unidades/campus.
A UFPA, por meio do Campus Universitário do Marajó/Breves (CUMB), localizado no
Marajó Ocidental, ao se comprometer com as demandas próprias da mencionada região,
destaca em seu 4º artigo que:
O Campus Universitário do Marajó - Breves tem por finalidade gerar, difundir e aplicar o conhecimento nos diversos campos do saber, contribuindo para o pensamento crítico reflexivo, visando à melhoria da qualidade de vida do ser humano em geral e em particular do marajoara, na forma do Estatuto, do Regimento Geral da UFPA e deste Regimento. (UFPA, 2008)
Neste sentido, o CUMB/UFPA, vem se comprometendo a formar profissionais
capacitados que possam compreender e intervir na realidade local, considerando as suas
particularidades, atendendo as suas diferentes demandas. A fim de atender a estes princípios
e colaborar no desenvolvimento dos municípios do interior, no ano de 2016, momento de
divulgação do IDH/2010, que revelou o baixo índice nos municípios do Marajó, destacando
aspectos gravíssimos quanto ao desenvolvimento humano no município de Melgaço, que
atingiu o último lugar no ranking, foi proposto a oferta de uma turma flexibilizada da Faculdade
de Serviço Social (FACSS) para Melgaço, com objetivo de formar assistentes sociais que
pudessem atuar em seu próprio município e região.
Enquanto um desdobramento dos princípios da Universidade e da própria faculdade
de Serviço Social propôs-se dentro FACSS os projetos de Extensão e Pesquisa “Direitos
Humanos e Infância no Marajó” que no decorrer de seu desenvolvimento vem realizando
formações e levantamento de dados acerca da infância marajoara. Dessa forma, os dados
aqui apresentados foram coletados pela equipe do referido projeto, que são discentes e
docentes que estavam em momento de realização das disciplinas de Laboratório de
Instrumentos e Técnicas do Serviço Social I, II e III, resultando em diferentes pesquisas sobre
as problemáticas da região que foram apresentados ao Ministério Público Estadual e ao
Tribunal de Justiça – Comarca de Melgaço.
Neste estudo não há intenção de esgotar o debate e não restringi-lo aos dados e
questionamentos levantados. Como mencionado anteriormente, o objetivo é de dar
visibilidade à região e a situação de suas infâncias e famílias a partir de problematizações
respaldadas teórica e estatisticamente, embasando e fornecendo bases iniciais para
pesquisas e intervenções atuais e futuras.
REFERÊNCIAS
Atlas do Desenvolvimento Humano. Brasil. Melgaço, PA. Disponível em:
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