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Departamento de Cincia e Tecnologia DCT da Universidade de Cabo Verde Mestrado em Sade Pblica
Cooperao Internacional UNESP Universidade Estadual Paulista - Brasil Campus de Botucatu - Faculdade de Medicina
INFLUNCIA DA VIOLNCIA SOCIAL SOBRE AS RELAES AFETIVAS DE
JOVENS E A PREVENO DO VIH/SIDA. Estudo de caso nos bairros de Eugnio Lima e Brasil na cidade de
Praia, Cabo Verde.
Loureno Tavares
Cabo Verde 2014
Orientadora: Profa. Dra. Maria Dionsia do Amaral Dias
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Departamento de Cincia e Tecnologia DCT da Universidade de Cabo Verde
Mestrado em Sade Pblica
Cooperao Internacional UNESP Universidade Estadual Paulista - Brasil Campus de Botucatu - Faculdade de Medicina
INFLUNCIA DA VIOLNCIA SOCIAL SOBRE AS RELAES
AFETIVAS DE JOVENS E A PREVENO DO VIH/SIDA.
Estudo de caso nos Bairros de Eugnio Lima e Brasil
na cidade de Praia, Cabo Verde.
LOURENO TAVARES
Orientadora:
Dra. Maria Dionsia do Amaral Dias
Cabo Verde
2014
Dissertao apresentada Banca
Examinadora, como exigncia
parcial para obteno do ttulo
de Mestre em Sade Pblica.
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Pensamentos
A realidade uma mera iluso, ainda que bem persistente.
Albert Einstein
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Agradecimentos
Agradeo em especial a Deus, a minha queridssima filha Lilian Djamila que fez a
traduo do resumo do trabalho e orientadora, Professora Dra. Maria Dionsiado
Amaral Dias.
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Dedicatria
Dedico este trabalho s minhas queridas me e irm recentemente falecidas, a
Professora Ana Albuquerque Queirs, entidade, que sem dvida nenhuma, me deu
alento e incentivo em seguir a carreira de investigao e sobretudo me devolveu a
vontade de continuar a procura do saber.
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TAVARES,Loureno. INFLUNCIA DA VIOLNCIA SOCIAL SOBRE AS RELAES AFETIVAS DOS JOVENS E A
PREVENO DO VIH/SIDA. Estudo de caso nos Bairros de Eugnio Lima e Brasil na cidade de Praia, Cabo Verde. Praia-CV, 2013. Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Sade Pblica da Universidade de Cabo Verde em
Cooperao com a Faculdade de Medicina de Botucatu-UNESP (Brasil).
RESUMO
A violncia social a que os jovens esto expostos hoje em dia, ultrapassou os campos da
justia, tornando-se um problema de sade pblica. Nos ltimos anos, a cidade da Praia
assistiu a uma elevao progressiva dos ndices de criminalidade entre os jovens.
Entretanto h que considerar-se que o jovem delinquente acaba por ser, ele mesmo, vtima
desta violncia. Por outro lado, h indicativos de tendncia juvenilizao das doenas
sexualmente transmissveis em Cabo Verde, o que se constitui tambm em um problema
de sade pblica. Considerando estes aspectos da realidade atual do pais, oobjectivo deste
estudo verificar se existeindcios de influncia da violncia social nas relaes
afectivas de jovens residentes nos bairros Eugnio Lima e Brasil na cidade de Praia,
Cabo Verde.Para tanto realizou-se um estudo de caso nos citados bairrosnuma abordagem
qualitativa, que utilizou para a coleta de dados realizada com24 jovens de 18 a 24 anos,
umquestionrio com enfoque sobre o estilo de vida, comportamento afetivo, experincia
sexual e exposio violncia. Os resultados conseguidosno apontaram indcios
evidentes dainfluncia da exposio violncia sobre as relaes afetivas dos jovens e
comportamentos de risco para o HIV/SIDA, apesar de revelarem uma percentagem
elevada de comportamentos de risco desta infeco e uma exposio inequvoca e
preocupante violncia nestes bairros.Todavia, abre precedentes para se fazer um
estudo mais aprofundado, e apela tambm pela procura de causas em outros factores
sociais e institucionais, como por exemplo, o uso precoce e exagerado de lcool e outras
drogas, a submisso e a vulnerabilidade cultural e financeira da mulher, permitindo a
sua passividade e cumplicidade em no usar o preservativo, a desvirtuao da
informao sobre a soroprevalncia pela possibilidade de subnotificao dos casos de
VIH positivoe principalmente os modelos socioculturais em relao ao sexo.
Palavras-chave: IST, VIH, Violncia, Juventude, Comportamento de Risco,
Sexualidade.
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TAVARES, Loureno. INFLUENCE OF SOCIAL VIOLENCE ON THE AFFECTIVE RELATIONS YOUTH AND PREVENTION
OF HIV / AIDS.Case study in the Neighborhoods Eugenio Lima and Brazil in Praia, Cape Verde, 2013. Master's thesis submitted to the Graduate Program in Public Health at the University of Cape Verde in cooperation with the Faculty of Medicine of Botucatu,
UNESP (Brazil).
ABSTRACT
In nowadays, youth are exposed of exceeded in the field of justice of social violence,
making it a public health problem. The city of Praia witnessed a progressive increase in
crime in rates among them.However it must be a considered that young offender turns
out to be, him or herself of victim of this violence. Moreover, there are indications of a
tendency to juvenization of sexually transmitted diseases in Cape Verde, which also
constitutes a public health problem. This aspect is considered of the current reality of
the country. The objective of this study is to verify that if there is evidence of the
influence of social violence in affective relations of young residents in the
neighborhoods of Eugnio Lima and Brazil, both in the city of Praia, Cape Verde.
This case study has a qualitative approach which was used for data collection performed
of 24 youth between18 -24 years.This research focuses on their lifestyle, affective
behavior, sexual experience and their exposure to the violence. It also shows a clear
evidence of their exposure and influence of violence and affective relationships among
adolescents and risk behaviors HIV/AIDS. In addition, it exhibits an open precedent to a
further study, and other social issues, such as excessive use of alcohol and drugs
submission, cultural and financial vulnerability of young women allowing their
passivity and complicity of not using condom. The distortion of information about the
seroprevalence for the possibility of underreporting of HIV positive cases and mainly
socio - cultural models in relation of sex.
Keywords: STI, HIV, Violence, Youth Risk Behavior, Sexuality
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ACRNIMOS
ACRIDES Associao para as Crianas Desfavorecidas
AIDS Sindrome da Imunodeficincia Adequerida
APIS Inqurito dos Indicadores de preveno do VIH/SIDA
CCCD - Comisso Nacional de Cooprdenao e Combate Droga
CICBB Centro de Interveno Comunitria do Bairro de Brasil
CNEPS Comit Nacional de tica para Pesqusa em Sade
CPLP Comunidade dos Pases de lingua Oficial Portuguesa
ENDA-SANT - Environment and Development Action in the Third World (Meio
Ambiente e Desenvolvimento no Terceiro Mundo- vertente sade)
FEVE Fronteiras e Vulnerabilidades para o VIHISIDA para a Africa Ocidental
IDSRII II Inquerito Demogradico de Sade Reprodutiva
INE Instituto Nacional de Estatstica
INSIDA - Inqurito Nacional de Prevalncia, Riscos Comportamentais e Informao
sobre o HIV e SIDA em Moambique
ECRIP/IREFREA- Study of Recreative Culture as a means of Prevention/European
Istitute of Studies on Prevention (Instituto Europeu para o Estudo dos Fatores de Risco
em Crianas e Adolescentes)
IST Infeces Sexualmente Transmissiveis
MAHOT Ministerio de Ambiente Habiotao e Ordenamento do Territorio
MORABI Associao Caboverdiana de Auto Promoo da Mulher
OMS - Organizao Mundial da Sade
ONG - Organizao no Govenamental
ONUSIDA Programa Conjunta das Naes Unidas sobre o VIH/SIDA
SIDA - Sndrome da Imunodeficincia Adquirida
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THUGS Grupo de Jovens Dilinquentes
UERJ Universidade Estadual de Rio de Janeiro
VBG- Violncia Baseado no Gnero
VIH - Vrus da Imunodeficincia Humana
WHO World Health Organization (Organizao Mundial da Sade)
UNGASS Perodo Extraordinrio de Sesses de Assembleia-geral das Naes Unidas
WELFARE STATE - Estado do Bem-Estar Social
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INDICE DE TABELAS
Tabela 1 - Situao sociolaboral dos jovens entrevistados.....................53
Tabela 2 - Escolaridade dos inquiridos e nvel de instruo dos pais, segundo
percentual de respostas ao questionrio.......... 53
Tabela 3- Situao laboral dos pais dos jovens, segundo percentual de respostas ao
questionrio............................................................................................ 53
Tabela 4 - Percentual de respostas sobre segurana, presena e exposio dos jovens
violencia.. ... 56
Tabela 5- Percentual de jovens que presenciaram brigas violentas na comunidade......56
Tabela 6- Percentual e frequencia de respostas que expresso agresso sexual.... 58
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Sumrio
INTRODUO .................................................................................................................. 8
Objetivo Geral ....................................................................................................................... 11
Objetivos Especficos ............................................................................................................ 11
Captulo 1 ......................................................................................................................... 12
Enquadramento Terico ................................................................................................... 12
Compreendendo a Adolescncia e Juventude ............................................................. 12
1.2. O peso e o contributo da famlia ................................................................................... 13
1.3. A Comunidade ................................................................................................................ 16
1.4. Violncia .......................................................................................................................... 18
1.4.1. Violncia urbana ................................................................................................. 20
1.4.2. Violncia Familiar ............................................................................................... 21
1.4.3. Violncia na Juventude ....................................................................................... 22
1.4.4. Violncia afetiva .................................................................................................. 23
1.5. Danos impostos pela violncia sobre a sade ............................................................... 25
1.6. VIH/SIDA: resenha da literatura atual ........................................................................ 27
1.6.1. Desafios da soroprevalncia em Cabo Verde ....................................................... 30
1.6.2. A preveno entre os jovens (o equvoco e a razo) .............................................. 31
Capitulo 2 ......................................................................................................................... 34
Metodologia ...................................................................................................................... 34
2.1. Procedimentos de Coleta de Dados ............................................................................... 34
2.1.1. Observao participante ...................................................................................... 37
2.1.2. Entrevistas ........................................................................................................... 37
2.1.3. Anlise de documentos ........................................................................................ 38
2.1.4. Entrevistas com questionrio ............................................................................... 38
2.2. Sujeitos da pesquisa ....................................................................................................... 39
2.3.Anlise dos dados ............................................................................................................ 39
2.4.Aspectos ticos ................................................................................................................. 39
2.5. Caracterizao dos bairros ....................................................................................... 40
Captulo 3 ......................................................................................................................... 45
O Contexto da Vida dos Jovens ........................................................................................ 45
Capitulo 4 ......................................................................................................................... 50
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Os Jovens Entrevistados se revelam ................................................................................. 50
4.1. Situao socioeconmica dos inquiridos....................................................................... 50
4.2. Vivncia de violncia dos jovens e relaes afetivas .................................................... 52
Capitulo 5 ......................................................................................................................... 57
Discusso .......................................................................................................................... 57
Capitulo 6 ......................................................................................................................... 60
Consideraes finais ......................................................................................................... 60
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INTRODUO
A intencionalidade da escolha deste trabalho para a dissertao de mestrado em
Sade Pblica foi fortemente motivada pela preocupao de procurar fatores que
indiciam o risco de infeo pelo Vrus da Imunodeficincia Humana (VIH) entre os
jovens, tentando procurar outras causas que no sejam simplesmente a falta de
informao. Neste sentido, aliou-se a importncia que a violncia vem tomando nesta
faixa etria impulsionando-me para a proposta de investigar efeitos desta violncia
sobre a sade dos jovens.
Desde sempre os tericos tm-se cogitado, discutido e lamentado o rumo que o
mundo tem tomado. A verdade que o mundo tem sido guiado e teleguiado por uma
minoria, desviando a discusso para pases mais desenvolvidos e empurrando a
consequncia das decises para os menos desenvolvidos. A clebre frase de Edmund
Burke1'Tudo o que necessrio para o triunfo do mal, que os homens de bem nada
faam para o impedir, ter minado o pensamento de muitos, em como ser possvel,
solucionar as grandes disparidades sociais mundiais, sobretudo, pelas Naes Unidas e
outras instituies da defesa dos direitos humanos, para que se possa devolver o
equilbrio de bens a todos, facto bem refletido nos esforos que se fazem para apoiar os
milhes de refugiados que se multiplicam a cada dia, nos pases de frica, por causa de
conflitos polticos e sociais.
Na atualidade percebe-se um aumento circunstancial de violncia urbana no
mundo com dados que indicam claramente o seu impacto social negativo. E sobre a
matria a Organizao Mundial de Sade (OMS, 2002) afirmou que em todo o mundo a
violncia vem se comprovando como um dos mais graves problemas sociais e de sade
pblica. E estima-se que seja uma das principais causas de morte de pessoas entre 15 e
44 anos em todo o mundo,segundo Dahlberg e Krug (2002, p. 1164).
Em Cabo Verde, com predominncia na cidade da Praia, onde o estudo
foirealizado, em dez anos esta violncia repercutiu num aumento extraordinrio de
1Edmund Burke (12 de Janeiro de 1729 - 9 de Julho de 1797) era um estadista, um escritor, um autor,
um orador e um filsofo poltico, que serviu por muitos anos em terras comuns britnicas como um membro do partido Whig. recordado principalmente para sua sustentao das colnias americanas no esforo de encontro ao rei George III, durante a revoluo francesa. (Frase original: The only thing necessary for the triumph of evil is for good men to do nothing).
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populao prisional em 100%, segundo Bordonaro (2010).
O cenrio mais alarmante ao considerarmos outros fenomenos como a pobreza
e a excluso social, definida por Pereirinha comoa noo de no realizao de direitos
de cidadania (2004, citado por Proena, 2009, p. 18) e que se caracteriza como
acentuada em Cabo Verde. E, concordando com a questo das desigualdades, Fernandes
e Delgado (2008) caracterizaram a populao desprotegida como novo exrcito de
excludos (em que se integram jovens, mulheres, grupos tnicos, idosos), chamados de
minorias diferenciadas, relegados para o limbo das esferas sociais (p. 4).
Genericamenteo fenmeno da violncia tem repercusso mais exacerbada em
camadas mais vulnerveis, como afirma Silva (2011), quando expe uma anlise
comparativa entre a violncia contra a mulher e as relaes de poder: semelhana da
situao que ocorre no contexto global, em Cabo Verde, a violncia pode ser
apresentada como resultado do desequilbrio de poder historicamente determinado nas
sociedades e que podem pr em causa a prpria ordem instituda (p.2).
Na mesma perspetiva de entendimento o estudo relevante conduzido por
Fernandes e Delgado (2008), sobre jovens em conflito com a lei conclui que,a
subcultura da violncia, a privao parental, a vulnerabilidade familiar, a excluso
social, aambivalncia de referncias de conduta e convivncia sociais, o dfice de
autoridade e de proteo e os atributos de personalidade so fatores que possibilitam o
fenmeno da delinquncia juvenil em Cabo Verde.
Ainda, o mais comovente de todas as violncias o aumento preocupante de
infeco pelo VIH entre os jovens j de forma passiva, conforme demonstram os dados
do relatrio estatstico do Ministrio da Sade de Cabo Verde. Este o contexto que nos
faz buscar compreender melhor a situao, verificando se h alguma relao entre as
duas ocorrncias, j que parece evidente, que algumas das dificuldades econmicas que
se relacionam com o contexto de vida desses jovens, nomeadamente a
monoparentalidade e a convivncia com a violncia domstica e de rua e suas
consequncias, influenciam o desentendimento e a falta de harmonia nas relaes
afectivas,refletida muito objetivamentena ideiade R. Lima (2010), quando refere que:
esses jovens convivem com todos os nveis de violncia o que torna fcil a sua
utilizao, principalmente quando se encontram em situaes adversas e o uso da
violncia surge como reaco (p.8).
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Apresenta-se de seguida mais estudos que revelam que ser exposto violncia
no contexto social parece ter associao com vitimizao e perpetrao em outros
contextos, como o familiar e o interpessoal.
Nos relacionamentos amorosos com sinais de violncia, as relaes tendem a ser
de assimetria de poder, geralmente sem dilogo suficiente para que haja entendimento.
Segundo alguns estudos supe-se que este comportamento potencialize o risco de
Infeces Sexualmente Transmissveis (IST)/Sndrome da Imunodeficincia Adquirida
(SIDA) e gravidez no desejada, porque dificulta a negociao sobre o uso de
preservativo e contraceo nas relaes sexuais. Nesta perspetiva, as relaes violentas
podem levar falta de dilogo e submisso de parceiros sexuais a atos violentos ou
dispensa do uso de preservativo como proteo contra IST/SIDA, pondo em risco a
sade do adolescente (Gianini, Litvoc & Neto, 2009).
Outra pesquisa neste mbito, realizada na cidade de Baltimore-EUA (citado por
Ruzany, Taquette, Oliveira, Meirelles & Ricardo, 2003) com jovens americanos de
origem africana, revelou uma associao significativa entre o comportamento de risco
para IST/SIDA e relacionamentos violentos. Reala ainda que a vitimizao e a
perpetrao, tanto emocional como fsica, estavam associadas ao nmero de parceiros.
Neste mesmo mbito, Ruzany et al. (2003) realizaram um estudo epidemiolgico,
similar ao anteriomente citado, com 1.041 adolescentes e jovens (14 e 22 anos, sendo
53,6% do sexo feminino) e observaram uma associao estatisticamente significativa
entre o no uso de preservativo e as variveis que indicavam agressividade nas relaes
amorosas.
Com esta perspetiva e estabelecendo um paralelo na fragilidade de qualquer
adolescente e jovem numa fase de descobertas e dependncias, o presente trabalho foi
motivado pelas seguintes questes:
A violncia nas relaes afetivas dos jovens dificulta a preveno das IST/SIDA
em Cabo Verde?
Qual a relao da vivncia de violncias sociais nas relaes afetivas e o
comportamento auto e htero violento?
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OBJECTIVOS
Objetivo Geral
Verificar se h influncia da violncia social nas relaes afectivas de jovens
residentes nos bairros Eugnio Lima e Brasil na cidade de Praia, Cabo Verde.
Objetivos Especficos
1. Identificar a ocorrncia de situaes de violncia no quotidiano dos jovens
dos bairros Eugnio Lima e Brasil;
2. Identificar a ocorrncia de comportamentos de risco para IST/VIH/SIDA
entre os jovens entrevistados;
3. Verificar se h alguma relao entre exposio violncia e no adeso a
procedimentos preventivos de VIH/SIDA.
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Captulo 1
Enquadramento Terico
Compreendendo a Adolescncia e Juventude
Seguindo a classificao utilizada Pela OMS, na presente pesquisa consideramos
adolescncia como sendo delimitada pela 2 dcada da vida humana (dos 10 aos 19) e
juventude de 18 a 24 anos.
Eisenstein (2005) postula que a adolescncia o perodo de transio entre a
infncia e a vida adulta, em que a formao do indivduo se d pelos impulsos do
desenvolvimento fsico, mental, emocional, sexual e social e pelos esforos do
indivduo em alcanar os objetivos relacionados s expectativas culturais da sociedade
em que vive.
Esta referncia norteia para uma leitura de que a personalidade do jovem em
estudo, advm da sua vivncia durante a adolescncia, estando a adolescncia e a
juventude estritamente ligadas, com limites que dependem de cada individuo. Por isso,
este estudo embora incida sobre uma populao jovem, levar sempre em conta a
formao da personalidade do jovem em estudo.
A experincia da violncia vivenciada pelos adolescentes e jovens refletem
significativamente no comportamento destes. Segundo os estudos de Rosenberg (1989),
Bloch (1986) e Coopersmith (1967), citados por Assis et al. (2004), a imagem de si, as
construes dos valores e competncias e a forma como v o mundo sua volta pode
ser afetada pela intensidade da violncia sofrida ao longo da vida. Estes mesmos autores
acreditam que a experincia de violncia vivida pelos adolescentes represente um
importante papel na forma como estes fazem julgamentos de si prprios e dos outros.
Todos estes estudos deixam claros indcios de que a exposio violncia no
momento de crescimento e desenvolvimento do indivduo pode influenciar o seu
comportamento levando-o a ter condutas semelhantes em relao aos outros e at a se
comportar de forma passiva, permitindo ser agredido em silncio. Por isso, no se deve
analisar de forma superficial o comportamento dos adolescentes e jovens, sob pena de
no se chegar a profundidade do assunto e no se avaliar corretamente as causas.
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Estudos de Assis et al. (2004) revelam tambm que estes factores podem estar
relacionados com a forma como os elementos da famlia ou ligados criana e
adolescentes se comunicam, com sinais de dificuldades na construo da autoconfiana
e confiana nos outros, face a existncia de vitimizao por violncia fsica, psicolgica
e afetiva.
1.2. O peso e o contributo da famlia
Das definies de famlia estudadas, a de Elsen, Althof e Manfrini (2001) parece
a mais abrangente e consentnea com a famlia cabo-verdiana:
Uma unidade dinmica, com uma identidade que lhe peculiar,
constituda por seres humanos unidos por laos de sangue, de interesse
e/ou afetividade, que se percebem como famlia, que convivem por um
espao de tempo construindo uma histria de vida. Os membros da
famlia possuem, criam e transmitem crenas, valores, conhecimentos e
prticas de sade, tm direitos e responsabilidades, desenvolvendo uma
estrutura e uma organizao prpria. Estabelecem objetivos de vida e
interagem entre si e com outras pessoas e grupos, em diferentes nveis de
aproximao. (p. 93)
Portanto, as abordagens da famlia como clula bsica social so uma realidade.
Sobre a sua constituio, Fonseca (2005) citando antroplogos clssicos, como,
por exemplo, Fortes (1958), definiram trs fases do que consideravam um universal
ncleo familiar: formao inicial (em geral, por casamento), expanso (com nascimento
dos filhos), e declnio (quando os filhos adultos saem para estabelecer seus prprios
ncleos e a velha gerao deixada com o ninho vazio). Entretanto, nas ltimas
dcadas, pesquisadores confirmaram que a trajetria de qualquer famlia bem mais
complicada do que isso (Bilac, 1978 & Barros, 1987).
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Em funo da sua relao com o estado, Souza (2000) afirma que, a relao
entre welfare state2 (o Estado do Bem-Estar Social) e famlias pode ser tratada a partir
de dois enfoques bsicos: o primeiro procura verificar em que grau as medidas de
regulao da sociedade promovidas pelo Estado afetam a organizao das famlias; j o
segundo aborda o sentido inverso, ou seja, a importncia das famlias para o
funcionamento das polticas sociais. Normalmente, os dois enfoques so combinados
em uma mesma anlise, mostrando que h certa dependncia mtua entre padres de
welfare state e organizaes familiares. Esta abordagem estar estritamente ligada a
questo da violncia, pelo facto de, os desiquilbrios polticos e governamentais, muitas
vezes precursores de divergncias culturais, de desvalorizao das crenas e valores
familiares podem desencadear desajustes sociais geradores de conflitos de vria ordem,
como acontece um pouco pelo continente africano.
Bari (2006), nas suas reflexes sobre o (sub)desenvolvimento social em Africa,
que questionao comprometimento dos polticos africanos com o estado de Bem-Estar
(welfare state) se ainda perdura no formato de governao destes polticos a soluo de
continuidade.Ideializa ainda que, certamente em termos polticos, a deciso pessoal do
grupo que governa sobrepujar a legitimidade da Carta Magna. (pargrafo 41).
Numa leitura comparativa entre estratos sociais e comportamento familiar,
Fonseca (2005) refere que,
enquanto, entre pessoas da elite, prevalece a famlia como linhagem
(pessoas orgulhosas de seu patrimnio), que mantm entre elas um
esprito corporativista, as camadas mdias abraam em esprito e em
prtica a famlia nuclear, identificada com a modernidade. Para os grupos
populares o conceito de famlia est ancorada nas atividades domsticas
2 Welfare state- Estado de bem-estar social/sistema de segurana social. Conjunto de servios e benefcios sociais de alcance universal promovidos pelo Estado com a finalidade de garantir uma certa harmonia entre o avano das foras de mercado e uma relativa estabilidade social, suprindo a sociedade de benefcios sociais que significam segurana aos indivduos para manterem um mnimo de base material e nveis de padro de vida, que possam enfrentar os efeitos deletrios de uma estrutura de produo capitalista desenvolvida e excludente (Gomes, F., 2006, p. 203).
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do dia-a-dia e nas redes de ajuda mtua. (p. 51)
Entretanto, fazendo aluso relao afetiva da famlia,Amaral(2001) afirma
que:a famlia uma edificao social que varia segundo as pocas, permanecendo, no
entanto, aquilo que chama de sentimento de famlia, pelo fato de, apesar dos conflitos
e desunies entre os seus elementos, o pensamento global do ser humano continua
sendo de pertena. Isto revela que, genericamente todos sentem que pertencem a uma
famlia. No entanto, este mesmo sentimento parece um pouco agastado com a realidade
atual, pelo fato de, este mesmo sentimento de famlia, na realidade, estar se esgotando a
olho nu. De fato, atualmente a procura rdua pela vida, constatado aqui em Cabo
Verde, tem demonstrado claramente a sua fragilidade: um paradoxo portanto. Apesar
disso,o cabo-verdeano parece reter ainda o esprito e a vontade de viver a grande famlia
alargada (Fernandes & Delgado, 2008, p. 95)
Uma das explicaes causais bsicas desta desestruturao/estruturao,
segundo Gomes (2003) de que quando a casa deixa de ser umespao de proteo para
ser um espao de conflito,a superao desta situao se d de forma muitofragmentada,
uma vez que, esta famlia no dispede redes de apoios psicossociais e at econmicos
para encarar asadversidades, resultando, assim, na sua desestruturao.
Com mais contribuies Gomes e Pereira (2005), afirmaram que para a famlia pobre
marcada pela fome e pela misria, a casa representa um espao de privao, de
instabilidade e de esgaramento dos laos afetivos e de solidariedade.
Esta idia de variaes no sentimento da vida familiar tambm desenvolvida
na perspectiva de Petrini (2003), quando ele afirma que a famlia encontra novas formas
de estruturaoque, de alguma maneira, a reconstitue, sendo reconhecida como estrutura
bsica permanenteda experincia humana.
Portanto, o contributo da famlia no caso da exacerbao da violncia, torna-se
evidente retratada nas conseqncias da crise econmica a que est sujeita a mais pobre,
precipitando a ida de seus filhos para a rua e, na maioria das vezes, o abandono da
escola, a fim de ajudar no oramento familiar. Essa situao, inicialmente temporria,
pode se estabelecer medida que as articulaes na rua vo se fortalecendo, ficando o
retorno dessas crianas ao convvio scio-familiar cada vez mais distante. Percebe-se
que para essa famlia, a perda ou rompimento dos vnculos produz sofrimento e leva o
individuo descrena de si mesmo, tornando-o frgil e com baixa auto-estima. Esta
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descrena conduz ainda o indivduo a se desfazer do que pode haver de mais
significativo para o ser humano: a capacidade de amar e de se sentir amado,
incorporando um sentimento desagregador. (Gomes &Pereira, 2005; Fernandes &
Delgado, 2008; R. Lima, 2012)
1.3. A Comunidade
A comunidade cabo-verdiana, semelhana de outras pelo mundo fora,define-se
por um conjunto de pessoas com interesses, normas e padres de vida iguais e que
trabalham em comum, dividindo bens de sobrevivncia. Conceito assumido tcitamente
no livro do sociologo Bauman (2003) explanando que comunidade implica uma
obrigao fraterna de partilhar as vantagens entre seus membros, independentemente do
talento ou importncia deles (p. 59).
A capacidade participativa e de comunho social deve comear em cada
individuo, inserido dentro duma clula familiar que agrupado em harmonia dar lugar a
comunidade e isto deve obedecer a uma teoria chamada de sentimento comunitrio. Isto
, a nvel individual, quanto maior for o sentimento de comunidade, maior ser a
participao nos processos da comunidade, maior ser o capital e suporte social
percebido atravs das relaes em vizinhana e maior ser a satisfao e qualidade de
vida (Elvas & Moniz, 2010). As mesmas autoras fazem tambm aluso, como
complemento, ao bom desempenho de uma comunidade, levando em conta este mesmo
sentimento comunitrio referindo que a esse nvel, quanto maior for o sentimento de
identidade e de pertena, maior ser a capacitao comunitria, promovendo
comunidades saudveis e sustentveis, por conseguinte com isso, demonstrando um
maior sentimento de coletividade.
Tudo isso parece influenciar a harmonia comunitria que se exige no mundo
atual, que se expressa em teorias e conceitos apresentados a seguir. Antes de tudo,
importante salientar que todo tipo de grupo, comunidade, sociedade fruto de uma
rdua e constante negociao (itlico original)entre preferncias individuais (Costa,
2005, p. 236).
Esta relao de dependnciacomunitria tambm estar condicionada por uma
http://repositorio.ispa.pt/browse?type=author&value=Elvas%2C+Susana -
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boa ou m organizao estrutural urbana.
A cidade da Praia, onde se desenrolou o presente estudo, est agrupada em
bairros em que alguns (inclusive os dois objeto deste estudo) com acentuada
desorganizao urbanstica, caracterizada por construes clandestinas, como referido
em estudo do Ministrio do Ambiente, Habitao e Ordenamento do Territrio
(MAHOT, 2011).
Os bairros no planificados so urbanisticamente desordenados, com
ruelas estreitas, becos e pontos de estrangulamento em termos de
mobilidade, curvas e bloqueios que diminuem tanto a mobilidade quando
a visibilidade, o conforto e o acesso a bens e servios sociais de base e
mesmo chegada de socorro (policiais e corpo de bombeiros ou pessoal
de sade). A forte densificao ocupacional de muitos bairros impede a
construo de equipamentos coletivos, nomeadamente de segurana. (p.
87)
Esta exposio nos esclarece que at mesmo o ordenamento urbano, a par dos
problemas estruturais familiares e de seguimento educacional da criana e do
adolescente, estar a contribuir para o aumento ou para o baixo controle da violncia.
Tudo leva a crer que este fenmeno de violncia no se desenrola a toa. E que esta
aparente desorganizao socio/comunitria e familiar estar fortemente ligada a ela.
Face s muitas contestaes sobre os efeitos da globalizao sobre a cultura
comunitria, ainda com a nova perspectiva concetual do significado do comunitrio
(com a exacerbao das redes comunitrias cibernticas) desencadeou-se muitas
discusses sobre os destinos da vida em comunidade. E j existe uma preocupao em
retomar os conceitos bsicos do local, do comunitrio, valorizando o indivduo e o seu
contributo na construo dum ambiente mais harmonioso, o que ajudar a revitalizar o
apreo pelo local, pela comunidade e pelo familiar. No entanto, estes ensejos estaro
atualmente muito condicionados pelos efeitos do capitalismo, controlado por aqueles
que Bauman (2003) chamou de cosmopolitas e egostas que s percecionam o mundo
na tica do mrito e que no teriam interesse nem proveito nenhum numa sociedade
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18
com uma rede bem tecida de obrigaes comunitrias.
1.4. Violncia
Segundo a OMS, a violncia umacto que acarreta,
o uso de fora fsica ou poder, em ameaa ou na prtica, contra si
prprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte
oupossa resultar em sofrimento, morte, dano psicolgico,
desenvolvimento prejudicado ou privao (Dahlberg & Krug, 2007, p.
1165).
Neste sentido, inegvel a importncia de considerarem-se as questes de
violncia para o planeamento e aces de sade pblica. No entanto, muitas vezes,a
clareza desta definio fica condicionada ao critrio de quem determina polticas ou
controla o poder, verificando-se variaes claras no ajuizamento dos casos, com
situaes bem definidas num lugar a aparecer mal resolvida noutro, conforme elucida a
sociologa Rosa del Olmo (1975):
La violencia es un trmino ambiguo, cuyo significado es establecido a
travs de procesos polticos. Los tipos de hechos que se clasifican varan
de acuerdo a quin suministra la definicin y quin tiene mayores
recursos para difundir y hacer que se aplique su decisin. (p. 296)
Esta questo deve ser sempre levada em conta nas anlises da intensidade e dos
efeitos da violncia num pas, pois, a relao entre a violncia sofrida e sequelas
psicolgicas e orgnicas reveste-se de uma magnitude incalculvel, pelo facto de, a sua
reaco em atitudes futuras ser imensurvel, tendo em conta as modificaes no carcter
do indivduo que a sofre, serem quase sempre imperceptveis e imprevisveis.
Contudo, no se pode tratar este fenmeno como sendo uma matria isolada e de
responsabilidade individual, pois, o comportamento do indivduo depende muito, das
influncias ambientais que sofre e de factores ligados s relaes multifacetadas com os
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19
agentes sociais e naturais (Casique & Furegato, 2006). Para estes autores a violncia
sofre mutaes, pois incorpora influncias de pocas, locais, circunstncias e realidades
muito diferentes.
O homem em todo o lado, como um ser social e influencivel, est sujeito a
constantes agresses ambientais, como Dahlberg e Krug (2002) defenderam:
Pelo elevado nmero de vtimas que acarreta e pela magnitude de
sequelas orgnicas e emocionais que produz, a violncia configura-se no
incio do sculo XXI como grave problema de sade pblica em diversos
pases. Em todo o mundo, a cada ano mais de um milho de pessoas
perdem a vida e muitas outras sofrem ferimentos no fatais resultantes de
auto-agresses, de agresses interpessoais ou de violncia colectiva(p.
82).
No mundo a violncia esteve sempre em evidncia e atualmente ainda mais
exacerbado, em todas as instncias sociais, pondo em risco a estabilidade psquica,
emocional e social dos indivduos por todo o lado. Trata-se de um fenmeno global e
que toma propores cada vez mais preocupantes, como explicitou o estudo de Adorno,
Bordini e R. S. Lima (1999), que refere que tanto nos Estados Unidos e Canad quanto
em vrios pases europeus essas inquietaes sociais tm sido constantes desde a
segunda metade do sculo XIX, embora adquiram colorido mais dramtico em
determinadas conjunturas histrico sociais.
As ideologias da violncia, actualmente, num mundo globalizado, deixam
marcas claras de uma incapacidade de contornar este fenmeno, na medida em que, o
prprio conceito de violncia se tornou confuso, para muitos pesquisadores, j que at o
prprio fenmeno de globalizao tem se traduzido em violncia contra os mais
desfavorecidos, numa clara desigualdade de oportunidades de vida, num acesso desigual
a recursos e uma vivncia de situaes sociais desiguais, que ao fim e ao cabo se vai
traduzindo,dia aps dia, em aquilo que claramente explanou Tavares dos Santos (1993):
na vida quotidiana, realiza-se uma inter-relao entre mal-estar, violncia simblica e
insegurana (p. 22).
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Carltel (1998) e Santos (2002), so unnimes em elucidar que aos processos de
excluso social e econmica, acrescentam-se as prticas de violncia que se afirmam
como norma social particular de vrios grupos da sociedade, espelhando-se
inequivocamente em contextos da violncia social e poltica contempornea.
Parafraseando ainda os mesmos autores, depara-se com uma rotura do pacto
social e dos laos sociais, provocando fenmenos de desfiliao e de rompimentonas
relaes de alteridade, destruindo o vnculo entre o eu e o outro. E tais roturas
exacerbam-se nas prprias instituies figurando como clulas socializadoras (famlias,
escolas, religies) e at no prprio sistema de justia penal (policias, tribunais,
instituies de justia penal etc.), pelo facto de estarem a viver um processo de
ineficcia de controle social e caminharem para uma fase de desinstitucionalizao ou
de crise eminente.
Portanto, o fenmeno da globalizao, onde todos esto inevitavelmente
inseridos (pertencendo aos pases desenvolvidos, em desenvolvimento ou em vias de
desenvolvimento), sendo tambm uma forma de tentar resolver o fenmeno da
violncia, de suma, estar a combater a violncia incorrendo violncia. Isto ,
enquanto que o fenmeno da globalizao preconiza uma maior interligao entre as
economias mais dbeis e as mais fortes (nomeadamente aproximao e apoio dos pases
desenvolvidos aos em vias de desenvolvimento) o fosso se acentua e exacerba o
fenmeno de excluso social resultantes das sociedades capitalistas. Tudo leva a crer
que, em qualquer parte do mundo, assim como em Cabo Verde, a violncia deve ser
tambm analisada como sendo um fenmeno cultural e histrico, estimulando novas
formas de pensar a sua resoluo.
Por isso, h-que ter sempre em linha de conta que a delinquncia no um
fenmeno meramente escolhido pelos jovens, mas sim ser um processo influenciado
por factores diversos volta destes.
1.4.1. Violncia urbana
O estudo de peso, realizado pelo Ministrio de Ambiente, Habitao e
Ordenamento do Territrio de Cabo Verde (2011), revela uma grande acentuao da
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21
criminalidade na Cidade da Praia, com quase trinta pontos percentuais acima da mdia
nacional, com 79% dos inquritos a afirmarem que existem grupos juvenis violentos nos
respectivos bairros. E acrescentam um novo dado aos factores que influenciam a
violncia: o peso da organizao do espao urbano, em matrias como inexistncia de
infra-estruturas e equipamentos que possam inibir a violncia, como instituies sociais
de base de apoio, dificuldade de acesso a rendimentos, iluminao pblica e como no
podia deixar de estar, o trfico de drogas, com 74,6% de afirmao positiva dos
inquritos, figurando como principal causa de confrontos entre grupos rivais. No
entanto, afirma que a urbanizao em si, no um condicionante de comportamentos
violentos. Contudo, fatores associados ao crescimento descontrolado e desregrado,
deixa claro que a disposio das casas e a m iluminao propiciam deliciosos
esconderijos para os delinquentes e marginais.
No mesmo contexto, levantamos mais uma questo pertinente que se prende
com a interrelao e influncias impostas entre as vrias formas de violncias. No se
pode falar da violncia urbana sem se referir a outras formas de violncia adjacentes
como a familiar e a juvenil, pois a existncia de uma pode levar a existncia da outra.
Sobre este aspecto apraz citar a seguinte ilao: assim como a violncia urbana
reafirma a violncia domstica, a violncia domstica tambm reafirma a violncia
urbana, numa dinmica complexa, multicausal e que tem nos modos de vida seus
determinantes e condicionantes (Silva, 2010,sn).
1.4.2. Violncia Familiar
Vieira et al (2004) afirmam que a violncia origina medo e insegurana,
ameaa liberdade e integridade fsica, moral e social das famlias, dificultando a
busca de solues equilibradas, justas e humanas (p.1774). E neste mbito, como
corolrio, Mioto (2001) da mesma forma, refere que a famlia pode funcionar como
indutora do desvio comportamental dos seus, quando no desempenha ou falha no
desempenho de seu papel institucional de agncia de socializao (p. 91).
Por conseguinte, o cenrio denota insegurana, desconfiana e libertinagem,
sobretudo dando aos jovens uma viso de falta de regulao sobre os seus atos,
contando at com ausncias dirias dos progenitores de casa, sem oportunidades de
discutirem, entenderem e amainarem estaexposio violncia.
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1.4.3. Violncia na Juventude
Uma das valncias do conceito da violncia tem a ver com a violncia nas
relaes interpessoais, que muitas vezes observada nas camadas sociais menos
favorecidas, que do ponto de vista econmico frequentemente relacionada pobreza
(Gianini, Litvoc & Neto, 2009; Macedo, Paim, Silva & Costa, 2001).
O jovem que vive em condies de pobreza constantemente desafiado a buscar
formas de sobrevivncia ou apenas para ter bens que os seus semelhantes da mesma
idade (socialmente favorecidos) possuem e usam (Paim, Costa, Mascarenhas & Vieira,
2009).
Nos ltimos anos, a cidade da Praia, em Cabo Verde assistiu a uma elevao
progressiva dos ndices de criminalidade na adolescncia. E para espelhar a situao a
pesquisa solicitada pelo Ministrio da Justia de Cabo Verde em 2008 e implementada
por Fernandes e Delegado referiu que, na capital do pas, dos adultos inquiridos, 42,4%
declararam ter sido vtima de violncia e, em 76,6% dos casos, o acto foi praticado por
um jovem. Entretanto, afirmam que o jovem delinquente acaba por ser, ele mesmo,
vtima de violncia.
A realidade atual deixa muitas preocupaes, pois, os jovens mesmo vivendo em
qualquer famlia bem estruturada ou saudvel3, se no tiver um modo de sustento cair
certamente em frustraes. De uma forma simplista a sobrevivncia pressupe a procura
de felicidade e, esta procura passa por ter um emprego e que este tenha suficiente
rendimento para garantir o mnino que precisa.
Mas, inegvel e j descrito em alguns estudos, que a base do comportamento
social do jovem estar estritamente ligada aos valores transmitidos pela respectiva
famlia, embora o jovem no reproduza pura e simplesmente as formas de agir de sua
famlia. Seu comportamento delineia-se em funo da configurao das relaes de
interdependncia no seio da sociedade na qual est inserido (Gregori, 2000, p.124).
Por conseguinte, concordando com R. Lima (2010),os jovens sero ao mesmo
3Famlia bem estruturada e saudvel definida por Elsen, Althof e Manfrini (2001) como uma unidade que se auto-estima positivamente, onde seus membros convivem e se percebem mutuamente como famlia, tendo uma estrutura e organizao flexvel para definir objetivos e prover os meios para o crescimento, desenvolvimento, a sade e o bem-estar de seus membros (p. 93)
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tempo vtimas e agentes da violncia, em primeiro lugar, pelo facto de, o poder poltico
e social, ao posicionarem-se como os principais reprodutores e utilizadores da violncia,
no lhes deixarem outras alternativas seno responder com violnciae, por outro lado, a
precariedade habitacional agravada pela irresponsabilidade paternal, deixando-os a
merc da rudeza da vida nas ruas dos bairros da Capital. E tudo leva a crer que, este
facto estar ligado s representaes sociais da violncia aos olhos dos jovens, que
coabitam com este fenmeno no dia-a-dia, deixando sinais de alguma indiferena, como
elucida R. Lima (2012):
[...] nos grupos thugs delinquentes reparo uma cultura de urgncias, ou
seja, uma cultura em que a perspectiva da prpria existncia uma
constante, que embora no seja uma cultura de negao, entendo-o como
uma cultura de celebrao da vida, celebrao essa expressa nas msicas
do gangsta rap, baseada numa filosofia de que tudo tem de ser
experimentado, sentido, vivido e conquistado, antes que seja tarde
demais (p.11).
1.4.4. Violncia afetiva
As noes de afeto e violncia afetiva requerem uma anlise subjetiva e, a ajuda
de filsofos e idealistas na matria nos textos de Fontes (2012),citando Espinosa
(1973), encontram-se estas anlises: O poder dos afetos to grande que a nica
possibilidade de se triunfar sobre um afeto negativo, o qual ele intitulava de paixo
irracional, seria requerendo um afeto positivo ainda mais forte, desencadeado pela
razo (pargrafo 9).
Ilustra ainda Fontes (2012), algumas noes idealizadas por Espinosa (1973)
acerca do afeto: afetos so os estados fsicos do corpo pelos quais a potncia de agir
deste mesmo corpo aumentada ou diminuda, favorecida ou impedida a partir dos
encontros interpessoais (pargrafo 11). E enumera trs tipos de afetos primrios: a
alegria, a tristeza e o desejo, e outros que se acrescentam como desdobramento desses:
amor, dio, esperana, medo, estima, desestima, gratido etc.
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A compreenso filosfica da afetividade em Espinosa nos auxilia a pensar em
como um corpo afeta outro corpo ou, dito de outra forma, como as afetaes
determinam as possibilidades ou impossibilidades dos indivduos; como as relaes
interferem nos sentimentos e comportamentos das pessoas (Dias, 2007); pode-se dizer,
ento, que a violncia decorrente de uma tristeza e gera tristezas. Diante desta
compreenso poderemos tambm trazer discusso uma compreenso scio-histrica
da violncia, uma vez que no se tratam de comportamentos simplesmente instintivos.
As consequncias da afetao podem tambm ser compreendidas deste ponto de
vista, j que a diminuio da potncia de agir consiste na potncia de padecimento,
ou seja, numa condio de submisso que pode levar uma pessoa a aceitar qualquer
tipo de violncia e que pode ser, ao mesmo tempo, uma consequncia da vivncia de
violncias, que gerariam afetos tristes, que diminuem a potncia de ao (Dias, 2007).
Entrando ainda mais diretamente nas questes dos relacionamentos afetivos
entre casais, que nos interessa na questo da violncia, encontramos alguns autores
contemporneos que estudam o tema.
Walker (1979, apud Ncleo de Estudos da Sade do Adolescente/UERJ, 2002)
analisa o fenmeno da violncia entre casais, classificando-o em trs fases distintas,
embora admita haver variaes de intensidade e tempo para o mesmo casal e entre
diferentes casais e que obviamente no se trata de uma regra geral, podendo tambm
no ocorrer.
A fase um, denominada de aumento da tenso em que ocorrem pequenos e
freqentes incidentes de violncia; a fase dois, o incidente agudo da violncia,
caracterizando-se pela incontrolvel descarga de tenso acumulada na fase um, em quea
raiva do homem to grande que o impede de controlar seu comportamento e tenta dar
uma lio mulher e termina quando cr que ela aprendeu a "lio", tornando-se a
mulher ansiosa, deprimida e queixando-se de sintomas psicossomticos, com
sentimentos de terror, raiva, ansiedade, sensao de que intil tentando escapar; e a
fase trs, denominada de o apaziguamento ou lua-de-mel, em que o agressor sabe que
o seu comportamento foi inadequado e demasiadamente agressivo e tenta fazer as pazes.
Esta anlise complementa que, o casal que vive em uma situao de violncia
torna-se um par simbitico, to dependente um do outro que, quando um tenta separar-
se o outro torna-se drasticamente afetado. Conclui ainda que em diferentes combinaes
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de casal para casal, estas fases resumem o que se chama de dinmica da violncia
(itlico original). Portanto, sua compreenso muito importante para uma abordagem
adequada, permitindo ao profissional no atuar vitimizando a mulher e culpabilizando o
homem, mas compreendendo sua interao e interdependncia na relao violenta.
Esta observao, apesar de filosofica, se aproxima do comportamento violento
que se relata ser uma realidade antiga em Cabo Verde, fato que, desde a independncia
tem levado a uma grande luta de muitas instituies no seu combate. Luta esta que
motivou a criao recentemente do projeto de lei especial Violncia Baseado no Gnero
(VBG), j fortemente engajada e que conta com a parceria de vrias instituies
pblicas e privadas. O propsito desta luta visa no s combater a violncia como
estudar os seus factores e causas como forma de preveno deste flagelo social (Cabo
Verde, 2012a).
Um pouco por todo o lado este ser o retrato do ciclo de violncia conjugal
conforme o proposto por Walter com o qual convivemos durante toda a nossa vida. E
convm realar que a terceira fase, o de arrependimento do agressor, demonstrando
remorso e medo de perder a(o) companheira(o), prometendo mudar o comportamento e
implorar por perdo, propicia um reaviver dos factos e repetio do fenomeno tempos
depois. E os reflexos na educao e comportamento dos filhos so evidentes,
numatendncia de imitao do comportamento dos pais.
Resumindo, o comportamento afectivo do indivduo estar na dependncia da
experincia das relaes interpessoais que fizer com outrem, dando respostas positivas
ou negativas, aceites ou no pelas normas impostas socialmente.
1.5. Danos impostos pela violncia sobre a sade
Se levarmos em conta a Declarao de Jacarta4 de 1997 poderemos inferir que
pessoas que vivem em bairros supostamente violentos e pobres, no estaro a viver com
sade, pois a mesma reitera que, os pr-requisitos para uma vida saudvel so: paz,
abrigo, instruo, segurana social, relaes sociais, alimento, renda, direito de voz das
mulheres, um ecossistema estvel, uso sustentvel dos recursos, justia social, respeito
4Adotado na Quarta Conferncia Internacional sobre Promoo da Sade 21-25 de Julho de 1997
Jacarta, Repblica de Indonsia.
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aos direitos humanos e equidade. O medo constante de sair rua, o receio de ser
assaltado dentro das prprias casas, a pouca relao de vizinhana, a sensao de
injustia social, a alimentao deficitria, a falta de acesso a sade por dificuldades
financeiras, entre outros ditam uma vida doentia, triste e impotente.
Segundo Barros, Oliveira e Jorge (2003) o medo e a insegurana tendem a
desencadear no indivduo fortes alteraes emocionais, principalmente no que concerne
s relaes interpessoais. Dificilmente, o vitimado conseguir manter uma relao
afetiva sem desconfiana, insegurana e medo (p. 1778).
A repercusso da violncia sobre a sade hoje em dia, tem motivado o
desenvolvimento de muitas investigaes no mundo todo, comprovando a influncia do
ambiente hostil criado pelo prprio homem, tanto no domnio ecolgico como no social.
A degradao do ambiente a que chegamos no deixa dvidas de que o quadro de
adoecimento ligadoa este fenmeno tende a agravar-se. E a violncia social que cada
vez mais se afirma no nosso meio, est deixando rombos incalculveis na estrutura
social e, claro, na sade das pessoas.
Minayo (2006) sobre a matria reflete:
Por ser um fenmeno scio-histrico, a violncia no , em si, uma
questo de sade pblica e nem um problema mdico tpico. Mas ela
afeta fortemente a sade:
Provoca morte, leses e traumas fsicos e um sem nmero de agravos
mentais, emocionais e espirituais;
Diminui a qualidade de vida das pessoas e das coletividades;
Exige uma readequao da organizao tradicional dos servios de
sade;
Coloca novos problemas para o atendimento mdico preventivo ou
curativo;
Evidencia a necessidade de uma atuao muito mais especfica,
interdisciplinar, multiprofissional, intersetorial e engajada do setor,
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visando s necessidades dos cidados (p. 45).
Esta leitura de Minayo no deixa dvidas que os efeitos da violncia
transcendem a prpria estrutura social e, alm de causar estragos sade, propicia
barreiras severas a atuao e eficcia dos programas e polticas de sade, devido s
adaptaes sociais ao fenmeno violento. Cada vez mais as pessoas tentam se adaptar
aos fenmenos impostos pela violncia e desigualdades sociais, o que pode condicionar
a suaadeso s polticas pblicas, pela descrena.
1.6. VIH/SIDA: resenha da literatura atual
O aumento da incidncia doSIDA5na ltima dcada no mundo tem suscitado
diversos estudos com o objectivo de melhorar a compreenso para prevenir a infeco
pelo VIH. Apesar de tudo, na Comunidade dos Paises de Lngua Oficial Portuguesa
(CPLP), Cabo Verde um dos pases menos afetados, com uma prevalncia de 0,8%,
considerado nvel bom, equiparadoaos pases como o Brasil (0,68%) e Portugal
(0,50%),num momento em que est estimado em 2.394.846 de pessoas vivendo com
VIH, na comunidade (ONUSIDA/WHO, 2008; INSIDA, 2009 & UNGASS, 2010).
Dos dados da notificao acumulada em Cabo Verde, de acordo com dados da
Situao epidemiologica do VIH (Cabo Verde, 2010a e 2012b) e dos Relatrios do
Ministrio da Sade de Cabo Verde (Cabo Verde, 2010b e 2012a), de 1987 (ano da
notificao do primeiro caso) a 2011 verificam-se a existncia de 3678 pessoas vivendo
com o VIH/SIDA, sendo 54% do sexo feminino. Com um destaque especial na dcada
de 2001 a 2010, em que foram registrados 2561 novos casos, o que corresponde a cerca
de 75% do total de todos os casos ocorridos, desde o primeiro detectado, deixando uma
preocupao pelo crescente nmero de casos neste perodo, apesar de ainda baixa e
aceitvel prevalncia.
Em relao distribuio geogrfica, segundo dados do Relatrio do Ministrio
da Sade de Cabo Verde (2010a), o VIH est presente em todas as ilhas e concelhos de
Cabo Verde, com realce para a ilha de Santiago e o concelho da Praia como as regies
mais afetadas pela epidemia, situando-se as respectivas taxas de soroprevalncia em
5 Utilizo a sigla/acrnimo SIDA em letras maisculas pelo facto de encontrar assim grafado na maioria dos estudos e textos oficiais, nacionais e internacionais.
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1,2% e 1,7%, valores superiores ao verificado a nvel nacional de 0,8%.
O mesmo relatrio realou ainda que o Concelho da Praia registou em 2010, 154
casos novos de VIH, correspondendo a 37,5% do total nacional.
Apesar de no terem sido encontrados estudosque expliquem as causas e
relaes presentes na questo da preveno de VIH e SIDA em Cabo Verde, o perfil
epidemiolgico da doena revela uma juvenilizao: com um aumento de 9,7% para
11,5% de novos casos de infeco nos jovens(entre 15 e 24 anos), sobretudo do sexo
feminino, de 2007 a 2009 (Cabo Verde, 2007, 2009b). E levando em considerao o
senso comum de que Cabo Verde me duma sociedade conhecida como sendo
machista, em que as decises finais, em quase todas as circunstncias, so
essencialmente dos homens, deixando as mulheres muito mais vulnerveis a situaes
de risco da doena, sobretudo as mais jovens e menos experientes, digo que valeu a
pena prosseguir com este estudo.
Por esta razo, estes dados podero realar a premissa de que este
comportamento estar afectando o curso da infeco, sobretudo para mulheres jovens, j
que a evoluo estatstica de 2001 a 2010 retracta claramente uma supremacia de casos
novos entre as mulheres, 223 mulheres e 176 homens em 2010; quando em 2001 eram
63 em mulheres e 71em homens. Ainda, em relao distribuio na faixa etria aqui
em estudo observou-se uma disparidade enorme entre os casos notificados do sexo
masculino e feminino, no relatrio de 2010: 28 casos femininos e somente 7
masculinos. Estes dados demonstram uma clara inverso das tendncias, aprofundando
a preocupao de que a vulnerabilidade das mulheres se exacerba, contraindo
passivamente a infeco de homens possuidores de mltiplos parceiros. Outro indicador
importante que indicia preocupao em relao ao comportamento de risco ao
VIH/SIDA, revelado pelo Inqurito Demogrfico de Sade Reprodutiva (IDSR II,
2005): entre os jovens de 15 a 24 anos, 70% do sexo feminino e 91% do sexo masculino
tiveram uma relao sexual de alto risco (relao sexual com parceiro no coabitante)
nos ltimos 12 meses antecedentes ao inqurito e, no usaram preservativo nestas
relaes sexuais (51% das mulheres e 21% dos homens de 20 e 24 anos, e 36% das
mulheres e 22% dos homens, de 15 a 19 anos). Mais uma vez o sexo feminino se mostra
mais vulnervel ao risco. Contudo, deve-se levar em linha de conta nas analises
comparativas entre os sexos a percentagem maior de rastreamento do sexo feminino nos
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testes do que do sexo masculino.
Por conseguinte, a feminilizao da infeo por VIH uma preocupao em
todo o mundo e envolve questes culturais, como afirmou Porto (2005),
a vulnerabilidade da mulher epidemia da AIDS est no fato de ela ser
subjugada s decises do homem. Ao mesmo tempo, a adolescente inicia
suas relaes sexuais com homens mais velhos (em mdia trs anos mais
velho) e sem condies de negociao com seu parceiro (p. 1236).
O estudo realizado por Porto (2005) na cidade do Rio de Janeiro, demonstrou
menor poder de negociao das meninas no uso de preservativo nas relaes sexuais,
visto que, nenhuma das entrevistadas levava consigo preservativo e todas no
consideravam que pudessem ter a responsabilidade e iniciativa pelo uso do mesmo.Este
estudo veio revelar mais um dado importante em matria de negociao do uso de
preservativo como preveno do VIH entre os jovens, mesmo sem se levar em conta se
estes estiveram ou no expostos violncia. A vulnerabilidade da mulher em relao
preveno do VIH fica mais uma vez evidente, pelo facto de, remeterem a
responsabilidade da preveno aos rapazes.
Outras grandes preocupaes prendem-se com o diagnstico tardio da infeco
por VIH, que supostamente ser tambm um dos fatores responsveis pelo aumento da
incidncia do SIDA e de mortes associadas, sendo um importante obstculo para a
preveno eficaz e para o controle da propagao da infeco. Segundo o Inqurito aos
Indicadores de Preveno de VIH/SIDA (Cabo Verde [APIS], 2009a)6, realizado pelo
Instituto Nacional de Estatstica (INE) em Cabo Verde, confirma-se que 71% de pessoas
de 15 a 49 anos nunca fizeram rastreio ao VIH e que somente 25% j fizeram o teste
pelo menos uma vez na vida. Relaes sexuais de risco para o VIH, atendimento pr-
natal e doao de sangue tem sido a motivao para a realizao do teste, apontando
para uma supremacia de mulheres que fazem testes, pelo fato de, serem rastreados
durante a gravidez. Este estudo tambm d a entender que a maior parte dos testes no
realizada em procuras espontneas, mas sim, em rastreios semi-obrigatrios, deixando
indcios que de fato, pode-se estar perante um grande problema de subnotificao dos
casos. 6 APIS- Aids Prevention Indicators Survey (inqurito dos indicadores de preveno do VIH/SIDA)
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1.6.1. Desafios da soroprevalncia em Cabo Verde
No h dvida que um dos grandes desafios no combate ao VIH em Cabo Verde
se prende com o incentivo aos testes, pelo menos para se conhecer qual a real taxa de
prevalncia do pas. O calcanhar de Aquiles do programa de preveno ao VIH se
prende com a no adeso, ou melhor, a recusa dos homens em fazerem os testes,
relegando de certa forma esta responsabilidade s mulheres. No atendimento dirio a
jovens e adultos no aconselhamento para a realizao do teste rpido para o VIH,
percebe-se a veracidade dos dados de APIS (2009): a grande maioriados testes so
feitos pelas mulheres, voluntariamente ou nos rastreios durante a gravidez. Embora na
abordagem s mulheres sempre se pea que convidem os parceiros para a realizao dos
testes, pois existe a possibilidade de sorodiscordncia7, raro que eles atendam
solicitao. Conforme relatos das mulheres nos servios de sade, os homens acham
que se elas esto negativas eles tambm estariam, contudo, muitas delas acreditam que
elesno aderem por medo, tendo em conta a vida sexual de risco que levam.
H experincias em Cabo Verde de sorodiscordncias, com mulheres grvidas
positivas e respectivos parceiros negativos ou vice-versa. Os perigos da
sorodiscordncia so grandes, pelo fato de a gestante correr o risco de contrair infeco
no decorrer ou no final da gravidez, sem que os tcnicos da maternidade dem por
isso,porque confiam nos testes feitos durante a gravidez8. A situao agrava-se ainda
mais se colocarmos o problema da baixa adeso associado aos motivos da procura dos
testes que ao invs de apresentar uma alta percentagem de testagem voluntria,
associam-se mais a suspeita clnica (40,4%) e transmisso vertical (18%), segundo o
documento, situao epidemiologica da doenaem 2011(Cabo Verde, 2012b).
Tendo em conta que a taxa de adeso aos testes se situavam somente em 25% da
populao (APIS, 2009), apesar do aumento de 12% (entre 2005 e 2009) em relao aos
dados do IDSR II, pode-se dizer que com as relaes sexuais de risco, a tendncia para
o relacionamento com vrios parceiros e troca constante destes, estamos perante uma
grande incgnita em relao taxa de prevalncia. E pela experincia com alguns
homens que aderiram aos testes, no ser muito difcil sensibilizar esta franja social a
7 Situao em que um portador de VIH/SIDA convive com um parceiro seronegativo. 8 Experiencia vivida pelo autor, como especialista em Enfermagem Obsttrica, realizando aconselhamento pr e ps testes, tanto nas grvidas como nos outros utentes, desde 2008.
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procurar os testes, no entanto haveria necessidade dum programa especifico para estes,o
que aparentemente no se constitui como uma prioridade no pas no momento.
Nota-se que desde sempre tem se esquecidodo papel do homem, nos programas
de luta para a emancipao da mulher em Cabo Verde, pelo fato de, esta luta se centrar
somente no empoderamento das mulheres, na luta pelos direitos iguais. Por conseguinte,
querendo que se respeitem os direitos das mulheres necessrio que se sensibilize,
envolva e responsabilize toda a sociedade, sobretudo os homens, nesta
matria,promovendo um pensamento comum, como aponta Rocha-Coutinho (2006):
E, se o gnero um elemento chave da ordem social e institucional, ele
tambm uma dimenso crucial da identidade individual. As
desigualdades de gnero e as distines entre feminilidade e
masculinidade so to profundas e marcantes sobre os sujeitos que,
certamente, a categoria gnero no pode ser deixada de lado em qualquer
estudo psicolgico srio (p. 67).
Na verdade as disputas de igualdade de gnero devem ser sempre enquadradas
dentro do domnio dos direitos igualitrios entre os homens, tendo sempre em conta,
que na verdade existem diferenas acentuadas entre os gneros masculino e feminino,
sobretudo nos domnios sentimentais e at propriamente na atitude perante situaes de
vida similares. A percepo da igualdade de direitos entre os homens e mulheres, tendo
em vista a componente cultural e antropolgica so inegavelmente diferentes. E se os
dois gneros estiverem engajados ao invs de separados os efeitos seriam seguramente
mais satisfatrios e imediatos.
Por exemplo, enquanto os homens cabo-verdianos acharem que a
responsabilidade do planeamento familiar, das consultas pr-natais, da vacinao dos
filhos e dos testes de VIH das mulheres, esta luta ser sempre desigual e
desequilibrada, ainda mais se se levar em conta as mulheres mais vulnerveis, que
vivem na situao de dependncia total dos homens.
1.6.2. A preveno entre os jovens (o equvoco e a razo)
A experincia do autor mostra que h motivos para preocupao com relao
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preveno da disseminao do vrus VIH, sobretudo com relao aos jovens, visto que
estes podem estar a reproduzir as atitudes e comportamentos da sociedade cabo-
verdiana, sem reflexes e crticas.
Neste sentido, considera-se haver dois grupos de questes a nortear oquesito da
preveno da SIDA, a que denominamos equvocos e razo.
Equvocos
Como j mencionado anteriormente inegvel o fosso existente entre o nmero
de testes de VIH realizados por mulheres e homens nos servios de sade de Cabo
Verde. E algumas causas da baixa adeso dos homens se prendem com alguns
equvocos9:
1- Os homens acreditam que tendo as respectivas parceiras testes negativos,
no precisam fazer o referido teste, pois estariam tambm negativos;
2- O sentimento de medo demonstrado pelos homens durante o tempo de espera
dos resultados dos testes claramente mais exacerbado do que das mulheres,
denotando supostamente uma informao mal distribuda sobre a doena,
apesar de ser suposto que haja uma tima circulao de informao sobre
tema.
3- O receio de estar infectado, considerando os indcios de alto comportamento
sexual de risco entre os homens, pode ser que leve muitos deles a fugirem
da testagem10.
9Estas abordagens foram constatadas durante o atendimento/aconselhamento das pessoas que foram encaminhadas para a realizao dos testes de VIH das consultas, dos voluntrios que procuram esclarecer a situao da sade e do despiste de grvidas nos programas de preveno da transmisso vertical nos centros de sade do Tarrafal, da VERDEFAM, de Tira Chapu e Achadinha na cidade da Praia, durante os 13 anos de experincia do pesquisador na matria. 10Numa sesso de aconselhamento e sensibilizao para a adeso voluntria realizado por mim no mbito do projeto Fronteiras e Vulnerabilidades ao VIH/SIDA em frica Ocidental (FEVE) da ONG ENDA- SANT (Environment and Development Action in the Third World (Meio Ambiente e Desenvolvimento no Terceiro Mundo- vertente sade) coordenada pela VerdeFam), no bairro do Brasil, consegui realizar 36 testes rpidos (sendo 33 do sexo feminino e somente 3 do masculino). Intrigado com a baixa adeso dos homens, questionei-os sobre o motivo e as respostas foram unnimes: Os homens sentem medo de ser descoberto o seu comportamento eminente de risco. E, vocs porque
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4- Muitos homens convidados a fazer o teste afirmam que preferem ficar na
ignorncia que descobrir que estejam infectados. Que no aguentariam a
condio de soropositividade e sobretudo da estigmatizao.
Razo
Em relao razo, os nmeros de prevalncia do VIH em Cabo Verde do a
entender que a doena est realmente controlada e concentrada e que de certa forma a
circulao do vrus no perceptivelmente relevante. Ressalte-se que essa situao se
deve muito a colaborao das mulheres que sempre aderiram muito aos programas de
preveno e ajudaram muito a deslindar a situao, pois, uma vez feito o teste e com
resultado negativo, alguma cautela ser levada em conta, face aos comportamentos de
riscos futuros. Contudo, a circulao do vrus no pas, sobretudo nas cidades grandes,
no parece totalmente controlada, poisa baixa prevalncia pode influenciar o
abrandamento de alguma forma de preveno e cautela nas relaes sexuais ocasionais e
com parceiros desconhecidos.
Muitos soropositivos que realizaram testes halgum tempo no esto sendo
examinados, e existe uma grande probabilidade de estarem a disseminar o vrus
inescrupolosamente. Pois, os dados de soropositividade nos do at 2011, 3678 casos
positivos e foram registadosentre estes,791 bitos, estando em mdia apenas cerca de
50% sendo seguidos e os demais sem qualquer tipo de acompanhamento de sade.
Outro enigma prende-se com a inexistncia dum programa eficiente de
preveno, apoio e controle da infeco oferecida aos imigrantes da Africa ocidental,
aproveitando o projecto FEVE em Cabo Verde11 fazendo parcerias com as ONG que o
adminitra. O relatrio de 2011 apresentado pelo ENDA SANT (2012) pe nu umas
preocupaes:
Face alta prevalncia da doena na regio, a mobilidade transfronteiria no
estar a permitir a transmisso do VIH entre indivduos de pases diferentes
em Cabo Verde?
vieram? Porque queremos mudar de comportamento e para comear, temos que saber como que estamos. 11Coordenado pelas parcerias das ONG Cruz Vermelha de Cabo Verde, VerdeFam e MORABI (Associao Cabo-verdiana de Autopromoo da Mulher).
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Levando em considerao a elevada taxa de prevalncia do VIH encontrada
entre indivduos casados na regio, citados no referido relatrio, e tendo em
vista a ligao conjugal entre indivduos de pases diferentes que se verifica
em Cabo Verde, no estar a possibilitar a transmisso do vrus
inadvertidamente?
Estas ilaes nos remetem para uma maior inquietao e refora o propsito do
estudo, na medida em que, ainda existem vrias incgnitas a desvendar se cruzarmos os
equvocos e as razes. Na verdade, parece existir algum conforto e relaxamento por
causa dos baixos nmeros de prevalncia transmitidos aos jovens, que podem incentivar
a promiscuidade e sentimento de segurana no ato, passando a certeza de que se pode
ter relaes sexuais seguramente sem preservativo. E se associados ao clima de
violncia e atitude de superioridade muitas vezes constatados no homem cabo-verdiano
nas decises, os efeitos podem ser ainda muito mais negativos.
Capitulo 2
Metodologia
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, caracterizada como estudo de caso, consonante
aos objetivos e temtica de estudo proposto, na medida em que o estudo de caso
representa uma estratgia de pesquisa adequada investigao de um fenmeno
contemporneo dentro de seu contexto da vida real (Yin, 2005).
um estudo holstico valorizando o ambiente real a volta dum fenmeno atual,
sobretudo quando o fenmeno observado no se aproxima, nem se enquadra de forma
muito clara ao contexto que o envolve e tem tambm a vantagem de proporcionar a
utilizao de outras fontes de informao que ajudam a entrecruzar as suas fronteiras
(Yin apud Diogo, 1998).
2.1. Procedimentos de Coleta de Dados
Interessou-nos nesta investigao o caso da cidade de Praia, pelos motivos j
expostos na Introduo. Para melhor delimitao foram escolhidos os bairros Eugnio
Lima e Brasil caracterizados como sendo potencialmente violentos, segundo o mapa de
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ocorrncias de crimes, apresentado pelo estudo realizado em 2009, pelos investigadores
Pina e Correia, da Universidade de Cabo Verde e Negreiros, do Instituto Superior de
Estatstica e Gesto de Informao Universidade Nova de Lisboa.
Ademais, a escolha do bairro Eugnio Lima considerou outros fatores
facilitadores: localiza-se na rea de aco do Centro de Sade de Achadinha, local onde
o pesquisador actua como enfermeiro responsvel, o que possibilitar medidas de
interveno futuras; risco aumentado de infeco pelo VIH; crescente nmero de
infectados entre os jovens; comunidade de baixa renda e escolaridade, caracterizado
por populao evadida do meio rural e foco de vrios conflitos entre grupos de
delinquentes juvenis rivais; comunidade com dificuldades em aderir aos programas de
preveno das IST/VIH/SIDA em vigor12. E zona do Brasil, fica situada no Bairro de
Achada Santo Antnio, o mais populoso e considerado o mais violento da cidade da
Praia (Pina, Correia & Medeiros, 2009).
O estudo foi estrategicamente conduzido em duas etapas.
A primeira, a exploratria, visou conhecer o contexto e permitiu uma
aproximao s comunidades, com registos em dirio de campo13.
Nesta fase utilizou-se a observao participante nas comunidades e a explorao
livre com conversas abertas, informais, acerca do problema da investigao, com
pessoas de participao social nos bairros: trs lideres de associaes14, um agente de
segurana e um comerciante jovem em Eugnio Lima; participantes lderes do Centro
Comunitrio e da associao e uma me de famlia no bairro Brasil.
Reala-se tambm neste mbito que ficou acordado um encontro prvio com
jovens antes da aplicao dos questionrios, contudo, este encontro realizou-se sem a
presena do investigador. A presena do investigador se deu somente para a
apresentao pessoal informal aos membros da associao e uma observao do
comportamento participativo destes durante a reunio pois, conclu que no era
necessrio, pelo facto de os lideres terem j bem entrosado os objectivos da pesquisa
12 Observao feita in loco, em visitas de carcter investigativa 13O Dirio de Campo uma forma de registo de dados, para atividades investigativas ou de interveno, que consiste no registo de dados, fatos, opinies obtidas no trabalho de campo junto comunidade, bem como dos sentimentos, impresses e percees do pesquisador. 14Os lderes comunitrios (ou associativos) so considerados em Cabo Verde como pessoas pertencentes e residentes na comunidade, eleitos pela prpria comunidade e que presidem reunies, organizando atividades locais de promoo social e que geralmente so os responsveis pelas informaes.
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facilitando a adeso mesma.
A entrevista informal preparada e aplicada a lderes foi meramente de carcter
aproximativo, com questes simples, como forma de obter uma abordagem global de
aspectos sociais destas comunidades, a opinio deles sobre o aspecto da violncia nos
respectivos bairros e como se comportam os jovens em relao preveno do VIH.
Foram realizados dois encontros prvios com cada presidente das associaes e
um com membros nos dois bairros.
Realizou-se ainda anlise documental, sobretudo em relao aos dados de VIH e
de violncia nos bairros.
Foi tambm de muita importncia colher a histria informal do bairro, referente
viso das pessoas sobre o impacto da violncia sobre o comportamento dos jovens,
atravs de entrevistas no gravadas, revelando informaes importantes apresentadas
mais adiante neste estudo.
Esta etapa exploratria foi realizada no perodo de Julho a Agosto de 2012, em
horrios e dias diversos, nos locaisescolhidos pelo entrevistado.
Na segunda etapa foram entrevistados jovens entre 18 e 24 anos de idade, a
partir das directrizes traadas decorrentes da primeira etapa e o critrio de elegibilidade
do grupo alvo foi previamente analisado de acordo com os contributos dados pelos
lderes comunitrios dos bairros.
Como critrio de incluso dos jovens entrevistados, houve a preocupao de no
se limitar a jovens institucionalizados nem de se padronizar os inquiridos segundo o
comportamento violento. Para tanto, o melhor procedimento levado em conta, foi da
aproximao aos sujeitos de pesquisa e infomadores-chave entrevistados, delimitando o
grupo alvo no decorrer da primeira etapa da pesquisa.
A aproximao dos sujeitos para a entrevista foi feita a partir de pessoas ligadas
s associaes dos bairros. Esta estratgia foi necessria, pois o contedo das entrevistas
poderia gerar desconfianas dos jovens e recusa entrevista, portanto, para que o
pesquisador chegasse aos jovens moradores dos bairros escolhidos foi necessria a
mediao de membro da comunidade.
As entrevistas com jovens foram realizadas no perodo de ms de Setembro a
Novembro de 2012, em horrios e dias diversos, utilizando-se a sede das associaes
como local para as mesmas.
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2.1.1. Observao participante
Esta tcnica de investigao um excelente auxiliar nas pesquisas qualitativas,
na medida em que, permite ao investigador inteirar-se e fazer parte do quotidiano dos
sujeitos de pesquisa. Conhecer a vivncia dos participantes duma pesquisa ajuda a
compreender melhor as suas respostas e permite analisar e categorizar estas respostas
de acordo com o ambiente onde vivem.
Esta foi uma das etapas do estudo privilegiada, porque desde o incio previa-se
que no seria fcil penetrar no terreno dalguns destes jovens. Tentou-se em primeira
mo se inteirar dos problemas reais que afligiam estes jovens, alm do mais, os estudos
sobre esta matria que se encontrou foram todos quantitativos e no apresentavam uma
anlise ambiental, ou no caracterizavam de forma clara o contexto dirio de vida destes
jovens. Baseado nasteoriasde Fernandes (1999) e Zanelli (2002),tentou-se misturar
minimamente, no dia-a-dia da comunidade, com o propsito de aproximar o mais
possvel da verdade das questes, fazendo anlises crticas e reais do ambiente. Isto
proporciona abertura para que o entrevistado possa discorrer, nos limites de interesse da
pesquisa, do modo como lhe parecer melhor (Zanelli, 2002, p. 84).
2.1.2. Entrevistas
Foram realizadas entrevistasinformais, apenas com registo estenogrfico em
dirio de campo, como contribuio para a conformao do contexto de vida dos jovens
nos dois bairros escolhidos para a investigao. A escolha dos entrevistados deveu-se ao
facto de estes sujeitos serem peas chave nestes bairros, no que se refere violncia e
porque so detentores de dados sobre o delineamento das actividades juvenis nas
comunidades.
As entrevistas decorreram de forma descontrada, demonstrando muito interesse
dos sujeitos em colaborar com a pesquisa j que foram informados que o estudo seria
apresentado nos bairros e que as recomendaes decorrentes do estudo seriam
implementados com o apoio do investigador.
Das abordagens com lderese outros moradores nos bairros conseguiu-se um
leque de informaes importantes a todos os nveis o que possibilitou um resumo de
informaes bsicas para o enquadramento do estudo alm de facilitar o acesso aos
jovens das comunidades que participaram desta pesquisa.
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2.1.3. Anlise de documentos
Foram analisados os livros de registos de testes rpidos de VIH, realizados nos
Centros de Sade de Achadinha e Achada de Santo Antonio, de 2009 a 2012, tendo
como data de incio o ano em que foram introduzidos os testes nestes servios.
Tambm foi realizada a anlise de pesquisa sobre comportamento violento na
cidade de Praia (Pina, Correia & Medeiros, 2009).
2.1.4. Entrevistas com questionrio
Nasentrevistas com os jovens foi utilizado um questionrio, elaborado pelo autor
como adaptao de estudos similares de Ruzany (2003), Brito (2008) e
ECRIP/IREFREA, (2010), com questes abertas e fechadas focalizadas na problemtica
central.
A escolha deste instrumento de coleta visou obter informaes ligadas s
caractersticas socioeconmicas dos jovens e respectivas famlias de forma homognea,
bem como informaes de comportamento e atitudes semelhantes, sem se incorrer em
erros de hierarquizao destas questes, de acordo com Fernandes (1999) e Zanelli
(2002).
O questionrio (apndice 1) composto de 76 questes, sendo 68 com
alternativas de respostas e 8 perguntas abertas. A organizao do mesmo foi elaborada
com a preocupao de se agrupar questes que respondam a problemas relacionados
com o objetivo da pesquisa. Ficaram assim elaborados abordando 8 aspectos,
distribudos em grupos.
1 Caracterizao socioeconmica e familiar dos entrevistados
2 Conceo e perceo de violncia [questes 1 a 9]
3 Vivncia pessoal de violncia na comunidade [10 a 30]
4 Uso de drogas [31]
5 Comportamento e valores em relacionamento afetivo [32 a 43]
6 Apoio na educao sexual [44 a 46]
7 Vivncia de violncia em relacionamento afetivo e sexual [47 a 61]
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8 Comportamento preventivo em relaes sexuais [62 a 76].
Todas as entrevistas com os jovens foram realizadas pelo autor, nos bairros de
moradia dos mesmos.
2.2. Sujeitos da pesquisa
Os sujeitos da pesquisa foram 24 jovens, de 18 a 24 anos, dos dois bairros, sendo
13 do Brasil e 11 de Eugnio Lima, tendo sido utilizado o critrio desaturao para
encerramento das entrevistas, que se define como repetio de informao descoberta e
confirmao de dados previamente colhidos, na perspectiva de Morse (1994, citado por
Streubert e Carpenter, 2002, p. 18).
Dentre os sujeitos houve predomnio do sexo masculino (16), no por critrio de
estudo, mas sim pelo fato de este predomnio se observar entre os membros
dasassociaes e mesmo entre os jovens no associados que aderiram.
2.3.Anlise dos dados
Para a anlise dos dados foi realizada leitura do dirio de campo para
contextualizao da situao antes do incio da anlise dos questionrios.
Para as questes fechadas do questionrio apresentada uma anlise descritiva e
para as questes abertas foi utilizada a metodologia da anlise categorial proposta por
Bardin (2012).
2.4.Aspectos ticos
O projecto de pesquisa foi submetido ao Comit Nacional de tica em Pesquisa
para a Sade (CNEPS) do Ministrio da Sade de Cabo Verde e foi aprovado pela
deliberao n 48/2012, ao abrigo do Artigo n 11 do Decreto-Lei n 26/2007 de 30 de
Julho e autorizada a anlise documental nos centros de sade dos bairros em estudo,
pelo Delegado de Sade da Praia, a 21 de Agosto de 2012.
Foi garantida a proteco das pessoas com anonimato dos entrevistados e
salvaguardado o acordado na abordagem prvia.
Todos os entrevistados, na primeira e na segunda etapas da pesquisa, assinaram
o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes da coleta dos dados. Foram
previamente informados dos objetivos do estudo e do direito de recusar-se a participar
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no estudo ou de revogar o consentimento.
2.5. Caracterizao dos bairros
Bairro de Eugnio Lima
Eugnio Lima um dos bairros mais pobres da Capital do pas, localizado na
zona centro norte, que conta com uma populao de 7505 habitantes residentes,
equivalente a 5,7% da populao total da cidade da Praia, sendo: 1792 agregados
familiares (mdia de 4,1 pessoa por agregado); uma populao de menores de 15 anos
de 2460 habitantes (32,7%), de 15 a 64 de 4663 habitantes (62,1%) e populao idosa
de 198 habitantes (2,6%). A populao ativa entre os 15 e 65 anos corresponde a um
total de 3287 habitantes, equivalente a 43,7%. A relao populacional entre os sexos
muito prxima com margens de diferena percentuais mnimas, exceptuando entre a
populao idosa em que h predomnio do sexo feminino (78 masc/120 fem 39,4% /
60,6%).
O bairro conta com uma esquadra da Policial Nacional, funcionando com um
horrio de 24 horas.
Existem duas associaes comunitrias na zona, cada uma num extremo do
bairro tambm com caractersticas diferentes no captulo de atuaes: a que se encontra
em pleno funcionamento neste momento denomina-se, Associao Comunitria de
Eugnio Lima, fundada a 30 de Agosto de 1998, contava com um presidente recm-
eleito (5 meses de exerccio), com 125 scios activos, maioritariamente jovens, e
trabalha com parceria de algumas instituies.
A associao desempenha um papel importante no desenvolvimento de
actividad