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INFLUÊNCIA ARGENTINA NA FORMAÇÃO SOCIAL DE FOZ DO I GUAÇU: IMPLICAÇÕES EDUCACIONAIS

Denise Kloeckner Sbardelotto1

RESUMO: A formação social de Foz do Iguaçu, município “pioneiro” da mesoregião Oeste do estado do Paraná, ocorreu sob forte miscigenação étnica, principalmente por índios, brasileiros descendentes de europeus, paraguaios e argentinos. Antes e depois da fundação da Colônia Militar do Iguaçu, que ocorreu em 1889, esta região representou uma grande fonte de enriquecimento e de exploração, tanto de reservas naturais (erva-mate e madeira) que aqui existiam em abundância quanto da mão-de-obra de uma classe economicamente desprivilegiada. Desde os primórdios da ocupação branca da região da tríplice fronteira, a influência de países vizinhos como a Argentina, foram fatores decisivos no desenvolvimento de uma região que ainda hoje carrega características bastante peculiares em relação ao restante do Brasil. A influência argentina sobre Foz do Iguaçu se deu nos aspectos econômico (relações de comércio, companhias de exploração de erva-mate e de madeira, utilização de mão-de-obra argentina e brasileira, etc.), cultural (idioma, religião, etc.) e educacional. Com base numa abordagem materialista histórico-dialética, este artigo analisa estas influências argentinas na formação social de Foz do Iguaçu e as implicações desta influência na educação deste município. Partimos do pressuposto de que as relações econômicas e sociais estabelecidas entre brasileiros e argentinos foram determinantes para a construção das características da educação disponível ou não aos habitantes da região. Palavras-chave: História; Educação; Foz do Iguaçu; Argentina.

THE INFLUENCE OF ARGENTINA ON THE SOCIAL FORMATION OF IGUAÇU FALLS CITY: EDUCATIONAL IMPLICATIONS

Abstract: The social formation of Iguaçu Falls, pioneer city in the midwest of Paraná State, has occurred under strong ethnic miscegenation, mainly for indians, Brazilians descendents of Europeans, Paraguayans and Argentines. Before and after the foundation of the Iguaçu Falls' Military Colony, that occurred in 1889, this region represented a great source of enrichment and exploration, as much as its natural reserves (Mate herb and native woods) that here were native and abundant, as the labor from a class economically low. Since the beginning of the white men occupation in the region of the triple border, the influence of neighboring countries as Argentina, had been decisive

1 Mestranda em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG, linha de pesquisa em História e Políticas Educacionais. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa Estado, Educação e Trabalho – GEEPET e do Grupo de Pesquisa em História, Sociedade e Educação no Brasil - GT da Região Oeste do Paraná - HISTEDOPR. Bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES. Contatos: (42) 9112 1359 – [email protected] .

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factors in the development of a region that still today loads sufficiently peculiar characteristics in relation to the rest of Brazil. The influence of Argentine on the Iguaçu Falls was in the economical aspects (commerce relations, the exploration of Mate Herb and native woods, use of Argentine and Brazilians labor, etc.), cultural (language, religion, etc.) and educational. Based on a Materialistic and Historical-Dialectical Approach this article analyzes these Argentine's influences on the Iguaçu Falls' social formation and the implications of this influence in the education of this city. It was considered the hypothesis that the economic and social relations established between Brazilians and Argentines had been decisive for the construction of the characteristics of available or non-available education for inhabitants of the region. Key-Words: History; Education; Iguaçu Falls; Argentina.

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1. Introdução

Assim como não é comum encontrar o ponto de vista dos vencidos na

historiografia tradicional positivista, a participação das regiões Oeste no

desenvolvimento social e político do Brasil também foi bastante omitida ou não

enfatizada. Trata-se de um processo também pouco explicitado nos livros de História do

Brasil e de História do Paraná. Geralmente, além de ser contada como dos brancos, a

história é contada como do leste ou do litoral. À medida que as terras do leste do

continente sul americano foram ocupadas por portugueses, holandeses, franceses,

africanos e mestiços brasileiros, muitos povos nativos da América pré-crabalina2

migraram para o Oeste, onde o “contato” foi muito posterior aos 1500.

Na mesoregião3 Oeste do atual estado do Paraná – terras dos povos Guarani – a

partir do século XVI aconteceram “camadas” de ocupações pelos povos não-índios:

espanhóis, jesuítas, bandeirantes portugueses, obrageiros e mensus4 e, no final do

século XIX, o processo de ocupação por brasileiros iniciou-se com os militares e, já

próximo de meados do século XX, com os migrantes sulistas chamados de “colonos”.

Portanto, durante praticamente todo o século XIX o Oeste paranaense ficou esquecido

pelos governos brasileiros. O difícil acesso por terra, os acordos internacionais de

navegabilidade e a falta de fiscalização brasileira favoreciam a ocupação estrangeira e a

exploração ilegal de toda a riqueza natural deste território.

Além do reconhecimento à população indígena do grupo cultural tupi-guarani

que aqui habitavam há muito tempo, estamos cientes de que ao longo de sua história,

toda a ocupação e desenvolvimento do Oeste do estado do Paraná foi fortemente

influenciada por pessoas de diversas nacionalidades, incluindo paraguaios, árabes,

alemães, argentinos, etc. Contudo, ainda antes da Proclamação da República no Brasil e

durante as primeiras décadas do século XX, identifica-se o predomínio da influência

econômica e cultural argentina neste território. Buscando analisar como este processo

2 Termo que denomina o período anterior à chegada de Pedro Álvares Cabral à América em 1500. 3 O termo “mesorregião” se constitui num espaço com identidade regional e “[...] uma área individualizada, em uma unidade da Federação, que apresente formas de organização do espaço definidas pelas seguintes dimensões: o processo social, como determinante, o quadro natural, como condicionante e, a rede de comunicação e de lugares, como elemento de articulação espacial.” (IBGE apud Peiruccini; Bulhões, 2002, p.72). Cada mesorregião abrange “microrregiões” representadas por núcleos urbanos pólos. Estes conceitos passaram a ser empregados no Paraná a partir de 1997, como resultado de uma revisão das divisões estaduais definidas em 1968. A partir desta reorganização, a mesoregião Oeste do estado do Paraná compreende três microregiões: microregião de Cascavel, microregião de Foz do Iguaçu e microregião de Toledo, totalizando cinqüenta municípios e com área total de aproximadamente 22.811.242 km². (PIERUCCINI; BULHÕES, 2002). 4 Os termos obrages e mensus são originários do espanhol e significam, respectivamente, o local onde o trabalho manual é executado a condição de mensalista. Estas obrages extraíam e exportavam erva-mate e madeira, cujos proprietários eram denominados obrageiros e os mensus eram em sua maioria peões de origem paraguaia ou guarani.

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ocorreu, o objetivo deste artigo é identificar a influência argentina na formação social

do atual Município de Foz do Iguaçu, núcleo urbano “pioneiro”5 da atual mesoregião

Oeste do estado, identificando a relação entre a influência econômica, política e cultural

e o atendimento – ou ausência dele – às demandas por educação neste território de

tríplice fronteira. Com base em um referencial teórico-metodológico alicerçado no

materialismo histórico-dialético, partimos do pressuposto de que as relações

econômicas e políticas estabelecidas nesta região, em última instância, determinaram os

aspectos culturais e educacionais em Foz do Iguaçu. O recorte histórico estabelecido

para a análise compreende o período da Primeira República, do ano de criação da

Colônia Militar do Iguaçu em 1889 até 1930, quando se instaura o Movimento de 1930

no Brasil e desenvolve-se de forma mais acentuada as iniciativas de ocupação dos

territórios “vagos” do país, como parte do novo projeto nacionalista. Para construir esta

análise utilizamos documentos bibliográficos primários (testemunho oral de habitantes

“pioneiros”) e secundários (livros, artigos, monografias, dissertações, teses, etc.).

2. Influência argentina nos primórdios de Foz do Iguaçu

A iniciativa de organizar e viabilizar uma expedição para ocupar a mesoregião

Oeste paranaense e salvaguardar a estratégica tríplice fronteira só foi efetivada no final

do século XIX, quando o ministro João Alfredo criou a “Comissão Estratégica do

Paraná”, com a missão de fundar na região da foz do rio Iguaçu uma Colônia Militar e

de construir estradas estratégicas que ligassem a região ao restante da Província.

Segundo Brito (2005) como parte da incumbência desta Comissão, a expedição rumo ao

Oeste do Paraná partiu em 13 de setembro de 1889 e chegou à foz do Iguaçu em 22 de

Novembro de 1889, fundando a Colônia Militar do Iguassú. (WACHOWICZ, 2002).

Durante o trajeto da expedição, mais precisamente na região do atual Município de Céu

Azul, a expedição surpreendeu-se quando encontrou com grupos de índios paraguaios,

contratados por ervateiros argentinos para a extração da erva-mate. Com isso podemos

perceber que a presença dos capitalistas argentinos no Oeste do Paraná data do período

Imperial e muito antes da fundação da Colônia Militar. Além disso, a costa Oeste

paranaense possuía apenas portos estrangeiros: havia o Britânea, pertencente aos

ingleses, o Santa Helena e o Sol de Maio, cuja parte pertencia ao Banco Francês-

5 O termo “pioneiro (a)” será utilizado entre aspas, mostrando que não compactuamos com a análise eurocêntrica e indicando que nos referimos à ocupação brasileira do século XIX e XX. Não desconsideramos as ocupações ocorridas em períodos históricos anteriores, incluindo a ocupação indígena dos povos Guarani e Caingangue no estado do Paraná.

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Italiano, e todos os demais portos pertenciam aos capitalistas argentinos. Estes portos

serviam para exportar a grande quantidade de erva-mate e de madeiras de lei, extraídas

por estrangeiros e comercializadas na Argentina, muitas vezes de forma ilegal.

Como nas primeiras décadas do século XX o acesso por terra à atual mesoregião

Oeste do Paraná ainda era muito precário, os capitalistas argentinos tinham grandes

facilidades para ocupar e explorar os ervais e a madeira, escoando essa produção através

dos rios Paraná e Paraguai. Até o final da década de 1920, só se podia chegar a esta

região de maneira segura pelo rio Paraná, via Buenos Aires e dependia-se da navegação

argentina, pois todos os vapores eram de propriedade dos capitalistas argentinos.6

Wachowicz (2002) afirma que a atual mesoregião Oeste do Paraná se encontrava tão

vulnerável, que era mais explorada por argentinos do que por brasileiros.

Desta forma, a região Oeste do Paraná ficou mais exposta à penetração argentina, via fluvial, do que à ligação terrestre com os grandes centros brasileiros. Por volta de 1881, os argentinos começaram a explorar erva-mate na região de Misiones. Não demorou para que os portenhos chegassem ao oeste paranaense, atraídos pela erva-mate da região. Esta erva-mate saía do Paraná como contrabando. Não havia nem uma infra-estrutura instalada na região capaz de cobrar os impostos de exportação devidos. (WACHOWICZ, 2002, p. 225-231).

Além dos argentinos, havia também um grande número de paraguaios que

penetravam no Oeste do Paraná para trabalhar nas empresas que extraíam a erva-mate e,

posteriormente, a madeira da região. Contudo, enfatizamos a presença argentina, pois

estes eram aqueles que de fato detinham os meios de produzir e comercializar a

principal atividade produtiva da região e que, através deste controle econômico,

determinavam os costumes, a cultura e também a educação neste território.

No final do século XIX, esse tipo de exploração já era comum no Paraguai e na

Argentina (principalmente em Corrientes e Misiones) e estas propriedades

denominavam-se obrages. Os obrageiros argentinos, proprietários das obrages,

encontraram no Oeste do Paraná ótimas oportunidades de enriquecimento, além da

pouca ou nenhuma fiscalização alfandegária brasileira. Estes obrageiros chegaram ao

Oeste paranaense devido ao declínio da produção de erva-mate das obrages argentinas,

que era bastante consumida em todo o território sul americano. (COLODEL, 2002a).

Os obrageiros argentinos entravam neste território de duas formas: organizando

espécies de firmas e com a compra de terras junto ao governo paranaense ou

6 Conforme Colodel (2002b), “A única embarcação de nacionalidade brasileira presente nas águas do rio Paraná era um vaporzinho pertencente à repartição aduaneira e que para lá foi enviado em 1907.” (COLODEL, 2002b, p. 25).

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ilegalmente, o que acontecia com maior freqüência. (WACHOWICZ, 2002). “Essa

frente extrativa de erva-mate era pois de capital argentino, mão-de-obra paraguaia e

matéria-prima brasileira.” (WACHOWICZ, 2002, p. 234). O Brasil, que até então não

havia assumido efetivamente uma política para tomar posse e defender todo o Oeste de

seu território, entrava com a matéria prima de qualidade e perdia capital pela enorme

quantidade de produtos que eram exportados sem o devido recolhimento de impostos

alfandegários. O Paraguai, que fora um forte produtor e exportador de erva-mate em

período anterior à Guerra da Tríplice Aliança, economicamente empobrecido e

devastado pelo resultado da referida guerra, apenas fornecia mão-de-obra para as

empresas argentinas.

As principais obrages argentinas que legalmente se estruturaram na costa Oeste

paranaense foram: a Lopeí, desde 1905 de propriedade da empresa argentina Nuñes y

Gibaja e a expressiva obraje Porto Artaza, de propriedade do argentino Julio Thomas

Allica. Existiam outras obrages importantes e de propriedade de estrangeiros, tais como

a Braviaco, a Compañia de Maderas del Alto Paraná, a Mate Laranjeira, etc. Em 1930,

nas obrages totalizavam nada menos que 10.000 habitantes estrangeiros.

(WACHOWICZ, 2002). Das Sete Quedas até a foz do Iguaçu, vários portos foram

instalados, por onde os vapores embarcavam e desembarcavam os trabalhadores das

obrages e se abasteciam de mercadorias de exportação para a Argentina. Por deterem os

meios de produção da extração, beneficiamento e exportação da erva-mate e,

posteriormente da madeira, os capitalistas argentinos eram aqueles que de fato detinham

o controle da região Oeste do Paraná neste período.

Nas primeiras décadas do século XX, a extração e comercialização da erva-mate

para a Argentina – principal consumidor de erva-mate do continente nos anos finais do

Império e nos primeiros anos da República brasileira – era a principal fonte de lucro das

obrages. Na década de 1930, as exportações diminuíram muito, devido à política de

auto-abastecimento da Argentina, através das plantações artificiais de erva-mate nas

Misiones.7 Alguns obrageiros encontraram uma forma de manter suas obrages:

intensificação da exploração da madeira de pinho (cerrada) e de lei (em toras),

comercializada na Argentina.

7 Segundo Colodel (2002b), “[...] também governo argentino contribui para a decadência das obrages no Oeste paranaense e mato-grossense, a partir do momento em que incentivou e até subsidiou o plantio científico de ervais no território de Missiones. Assim o fez para diminuir sua dependência da erva-mate brasileira. A partir da década de 1930 o governo argentino dobrou a carga tributária para a importação da erva-mate. Assim, quando se inicia a nacionalização da região pelas autoridades brasileiras, as obrages já mostravam claros sinais de inviabilidade econômica.” (COLODEL, 2002b, p. 2-3).

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O domínio econômico argentino e o abandono da região Oeste do Paraná pelo

governo brasileiro acarretaram até mesmo na circulação da moeda argentina e a

inexistência de réis8 nas relações comerciais estabelecidas nesta região. Era o efetivo

domínio estrangeiro no território legalmente brasileiro. Segundo o depoimento de

Antonio A. Aguirra (1980), na região de Foz do Iguaçu “Só circulava a moeda

estrangeira. No fim do mês que tínhamos que recolher este dinheiro da reserva nacional

para Curitiba, tínhamos que fazer o câmbio do peso argentino para o nacional, a nossa

moeda corrente e ocupamos o cônsul brasileiro em Posadas.” (AGUIRRA, 1980).

Os trabalhadores das obrages eram chamados de mensus, ou seja, os peões

recrutados pelos obrageiros para efetuarem os trabalhos nas obrages, em sua maioria

índios paraguaios (guaranis modernos). (WACHOWICZ, 2002). Conforme depoimento

do iguaçuense Carlos Engel, filho de uma família tradicional de Foz do Iguaçu e antigo

funcionário gerente da Companhia Mate Laranjeira, os mensus eram contratados por

funcionários dos obrageiros argentinos, nos povoados existentes no trajeto feito pelas

embarcações de erva-mate pelo rio Paraná, que seguiam em direção à Posadas ou

Buenos Aires. (ENGEL, 1980). Estes contratos eram chamados de conchavos e a

antecipação salarial de três meses de salário era chamada de antecipo. Após o

recebimento do antecipo, os mensus tinham de aguardar algum tempo os vapores que os

levariam até as obrages, período em que gastavam todo este dinheiro e começavam a

trabalhar já endividados com o obrageiro. Quando estavam instalados nas obrages, não

recebiam em dinheiro, mas em uma espécie de vale, que chamavam de boleto, com o

qual eram obrigados a comprar nos armazéns ou centrais de abastecimento das

empresas. Não era permitido aos mensus o cultivo de alimentos ou criação de animais,

justamente para garantir e aumentar essa dependência em relação à empresa.

(WACHOWICZ, 2002). Esta forma de contratação dos trabalhadores das obrages era de

extremo benefício para os obrageiros detentores dos meios de produção da erva-mate e

da madeira, estabelecendo-se uma relação de servidão e violenta exploração.

Em 1905 já havia aproximadamente mil habitantes na Colônia Militar do

Iguassú. Segundo o depoimento de Aguirra (1980) Foz do Iguaçu “[...] era composta

mais ou menos quarenta por cento de brasileiros e sessenta por cento de estrangeiros,

paraguaios e argentinos.” (AGUIRRA, 1980). As autoridades da Colônia podiam

conceder lotes de terra aos habitantes que quisessem ali residir, fossem estrangeiros ou

8 Réis era a unidade monetária do Brasil no plural, denominada Real, utilizada desde o período colonial até o lançamento do Cruzeiro em 1942.

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brasileiros, sob condição de cultivar em seus lotes uma agricultura de subsistência,

necessária para os habitantes da região. Entretanto, depois de feita a concessão, a grande

dificuldade da Colônia era manter estes colonos na propriedade. Depois de explorados,

os lotes concedidos eram abandonados e os colonos partiam em busca de erva-mate em

outras terras, até mesmo em terras do governo. (WACHOWICZ, 2002). Este fenômeno

se devia à predominância da atividade de extração e beneficiamento da erva-mate e da

madeira como principal fonte de renda e riqueza na região. Apesar do incentivo, a

agricultura não era uma atividade atrativa para os colonos, que visualizavam na erva-

mate oportunidades mais seguras e de retorno garantido.

Mesmo com a fundação do Município de Foz do Iguaçu em 1914, o acesso por

terra via Guarapuava até o Oeste do Paraná ainda era muito precário – existiam apenas

picadas, que ficavam intransitáveis em períodos de chuva –, por isso era comum chegar

à região ou importar mercadorias de consumo da cidade argentina de Posadas, Puerto

Aguirre ou de Buenos Aires, donde partiam os vapores trazendo produtos de

alimentação, vestuário, móveis, remédios, etc. e aportavam em Foz do Iguaçu de quatro

a cinco vezes por semana. (LIMA, 2001). Esses barcos existiam para exportar erva-mate

e madeira para a Buenos Aires, mas também eram usados para o transporte de pessoas e

de mercadorias: “Mercadoria, tudo que se utilizava em Foz do Iguaçu era vindo da

Argentina, entrava livremente. Tanto na parte de alimentação, como de vestuário e

móvel de casa, tudo, tudo era da Argentina. Nós não tínhamos contacto nenhum com o

Brasil.” (SCHIMMELPFENG, 1980).

O Golpe de 1930 – marco do rompimento do pacto oligárquico e início

de uma economia voltada à ascensão urbano industrial – e a posse de Getúlio Vargas,

efetivamente consolidou a implantação do capitalismo no Brasil, através de acordos

entre novos setores da sociedade com o grupo tradicional e destes com o capital

internacional, definindo a vitória da influência tenentista por um governo centralizado e

nacionalista. Este novo projeto nacionalista de desenvolvimento do país não poderia

compactuar com o domínio estrangeiro sobre território brasileiro. Sendo assim, políticas

nacionais de interiorização e ocupação dos espaços brasileiros ainda “vagos” foram

colocadas como prioritárias para a conquista da brasilidade.

Em 1930, o interventor paranaense nomeado por Getúlio Vargas, General Mário

Tourinho, tomou algumas medidas que tinham o intuito de nacionalizar a região da

“fronteira guarani”. Através do Decreto Estadual n.º 300 de 1930, o engenheiro Otton

Mader foi nomeado prefeito de Foz do Iguaçu, com o intuito de “[...] promover uma

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administração agressiva, de ocupação brasileira do território, caracterizada pela

valorização do idioma e da moeda nacionais.” (SPERANÇA, apud Lopes, 2002, p. 49).

Através deste Decreto e da posse de Mader, a prefeitura de Foz do Iguaçu passou a ser

obrigada a despachar seus documentos, os anúncios comerciais, listas de preços ou

avisos, apenas em língua portuguesa e teve de cumprir a obrigatoriedade do uso da

moeda brasileira para o recebimento de taxas ou impostos. Todo o dinheiro estrangeiro

recebido pela prefeitura deveria ser convertido em dinheiro nacional e depositado em

um banco de Curitiba e as repartições públicas e entidades civis passariam a receber

gratuitamente jornais da capital do estado. Além disso, com o referido Decreto o

governo do Paraná retomou as amplas concessões de terras feitas às empresas Meyer

Anes e Cia. Ltda., Companhia de Colonização Espéria, Brazil Railway Company e pela

sua subsidiária, a Companhia Brasileira de Viação e Comércio – BRAVIACO e às

concessões feitas à Miguel Matte.

Segundo Colodel (2002a), a mais importante ação desencadeada a partir do

Decreto Estadual n.º 300 foi a retomada pelo estado do Paraná destas grandes extensões

de terras concedidas às companhias colonizadoras estrangeiras. Esta retomada estava

relacionada à necessidade de povoar o território e nacionalizar o Oeste do Paraná. Esta

medida acabou mais tarde possibilitando a migração para o Oeste do Paraná de grande

número de “colonos” dos estados de Santa Catarina e principalmente do Rio Grande do

Sul. (COLODEL, 2002a).

A tendência nacionalista de Vargas originou o programa de “Marcha para

o Oeste”, o qual previa a fundação de territórios federais nas regiões da fronteira

brasileira ameaçadas pela ocupação de países estrangeiros. O Oeste do estado do Paraná

fazia parte do projeto de criação do Território Federal do Iguaçu, que seria composto

pelo Oeste e Sudoeste do Paraná e Oeste catarinense, que para o governo “[...] estavam

sujeitos a riscos de ocupação por parte de estrangeiros.” (LOPES, 2002, p. 47). Este

Território teria vigência apenas de três anos, de 1943 a 1945, ano da deposição de

Getúlio Vargas. Lopes (2002) afirma que a principal preocupação do governo brasileiro

chefiado por Vargas em relação à ocupação de fronteiras, era com a influência da

Argentina nestes territórios.

Em 12 de dezembro de 1930 o governo federal firmou o Decreto n.º

19.842, que exigia a contratação de no mínimo dois terços de trabalhadores brasileiros

nas empresas estrangeiras que atuassem em território brasileiro. Tanto as mudanças na

economia mundial a partir da década de 1930, quanto a intensificação da fiscalização

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brasileira e a retomada das concessões de terras pelo governo do Paraná, dificultaram a

atuação das empresas estrangeiras no Oeste do Paraná, que aos poucos deram lugar às

empresas nacionais de exploração da madeira, cuja produção e exportação se

intensificou a partir da década de 1940.

Esta contextualização e caracterização do Oeste do Paraná e de Foz do

Iguaçu, seu núcleo urbano “pioneiro”, durante o último período do século XIX e início

do século XX, fizeram-se necessárias para que possamos a seguir, analisar quais foram

as implicações da influência econômica, política e cultural nas demandas por educação

e se educar era efetivamente necessário diante da forma como a sociedade estava

organizada.

3. Influência argentina em Foz do Iguaçu: implicações educacionais

O que foi exposto acima a respeito da influência econômica e política argentina na

região de Foz do Iguaçu não está desvinculado das questões culturais e educacionais.

Ao contrário, a estrutura da sociedade iguaçuense nas primeiras décadas do século XX

determinou a busca por alternativas para educar, bem como a quem era possível ter

acesso a algum tipo de educação.

O estado do Paraná, durante as primeiras décadas da República, encontrava-se

subordinado à descentralização das questões da instrução pública imposta pelo Ato

Adicional de 1834, que adicionou e alterou elementos à Constituição de 1832 e que

transferiu às províncias e estados a responsabilidade por criar e subvencionar a instrução

pública em seus territórios. Entretanto, o difícil acesso por terra, a predominância da

influência política e econômica argentina e a presença de grande número de estrangeiros

colocava o Oeste do Paraná em situação ainda mais precária do que o restante do estado.

A influência dos capitalistas argentinos estava longe de ser apenas econômica.

Como resultado desta hegemonia, predominava também toda a cultura argentina (a

religião, os costumes argentinos, língua castelhana, etc.). Ainda conforme o depoimento

de Ottília Schimmelpfeng, filha de um chefe-político de grande poder em Foz do Iguaçu

nas primeiras décadas do século XX, a região vivia isolada do restante do Brasil e todos

os hábitos de seus habitantes eram de influência argentina.

Eu sentia aqui como se não tivesse no Brasil. Me sentia aqui isolada, parecia que eu estava em outro país até. Porque todos os hábitos, a, a língua falada aqui era mais, que predominava era o espanhol, o castelhano como se dizia. Parece que as pessoas quando vinham pra cá, no Brasil, se achavam na obrigação de aprender o castelhano pra ser entendido. Parecia! E todo mundo se interessava em falar o castelhano, porque a convivência aqui era

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muito maior com os argentinos. Paraguai não tanto, porque nós não tínhamos Paraguai nessa região aqui, não era muito habitada. Mas tinha o Porto Aguirre, que hoje é Porto Iguaçu, que já era um porto de grande movimento de turismo já, já tava sendo legalizado, então já tinha mais desenvolvimento e mais recurso também pra atender Foz do Iguaçu, então nós tínhamos mais contacto com os argentinos. [...] Então a gente tinha aqui um contacto mesmo constante com os argentinos. E se falava só quase o castelhano, a moeda era só o peso argentino. (SCHIMMELPFENG, 1980).

Como o Oeste do Paraná permaneceu em completo estado de isolamento em

relação ao restante do Brasil, o maior contato da população iguaçuense era com os

argentinos. Tanto os bens de consumo quanto a prestação de serviços era buscada na

Argentina e, desta forma, os iguaçuenses se sentiam mais argentinos do que brasileiros.

Isso inclui o registro civil das crianças, a assistência religiosa e a educação, que também

era buscada em países vizinhos, sobretudo na Argentina. Segundo o depoimento do

iguaçuense Eugênio Victor Villordo, filho de argentinos que imigraram para Foz do

Iguaçu para trabalhar na extração de madeira para as obrages, não havia escola naquela

localidade e a alternativa era buscar escolarização em centros urbanos da Argentina:

“Não havia escola. Aprendi a ler e escrever na Argentina. Um tio que morava em

Posadas me levou pra lá e fiz o curso primário. Posadas era uma cidadezinha maior e

melhor que Foz do Iguaçu nesse tempo, lá por 1928/29”. (VILLORDO, 1994). Muitos

filhos de pessoas que viviam em Foz do Iguaçu eram escolarizados na Argentina. Isso

significa que, além do convívio cotidiano com a cultura argentina, muitos também eram

alfabetizados na língua castelhana e aprendiam a história, a geografia, enfim, todos os

conteúdos escolares referentes ao contexto argentino.

Lopes (2002) apresenta um trecho muito esclarecedor de Corrêa (2000), que

descreve como era a situação de desnacionalização em um município de Santa Catarina.

Em seguida, Lopes (2002) afirma que “[...] a situação do extremo-oeste catarinense não

era em nada diferente daquela constatada no extremo-oeste do Paraná [...].” (LOPES,

2002, p. 95).

Em Dionísio Cerqueira, na nascente do Rio Peperi-guaçu, fronteira com a Argentina, instalou um destacamento policial pois não havia uma só autoridade para impor as leis brasileiras; criou uma escola pública para ensinar o idioma português a todas as crianças que estudavam na Argentina por carência de qualquer instituição de ensino no lado brasileiro e ali aprendiam a história e os símbolos daquele país, e criou um Juizado de Paz, pois todos os nascidos em território catarinense registravam-se na Argentina. (CORRÊA, apud Lopes, 2002, negritos nossos).

A educação escolar institucionalizada em Foz do Iguaçu é bastante tardia, tendo

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em vista o ano da fundação da Colônia Militar do Iguaçu. Para melhor esclarecer como

se organizou as primeiras iniciativas educacionais no Oeste do Paraná, buscamos a

classificação de Emer (1991), que estabelece as seguintes modalidades: 1. a instrução

sem instituição, que era de iniciativa do grupo social, mas sem nenhuma

regulamentação; 2. a casa escolar, construída e mantida pelo grupo social “pioneiro”,

também sem regulamentação oficial; 3. a casa escolar pública dos núcleos urbanos,

criada e mantida pelo Município e; 4. o grupo escolar. As primeiras iniciativas de

escolarizar as crianças em Foz do Iguaçu, podem ser incluídas na primeira modalidade:

instrução sem instituição, sendo a única forma de ensino existente na região durante

todo o período de existência da Colônia Militar. Diante da ausência de ações

governamentais que viabilizassem a educação, o próprio grupo social iniciou e manteve,

para além da metade da década de 1920, um tipo de instrução não institucionalizada.

Emer (1991) afirma que a instrução particular e domiciliar era oferecida apenas

aos filhos daqueles que ocupavam um cargo mais elevado na Colônia e que até a criação

do Município de Foz do Iguaçu, a instrução particular e domiciliar era a única

modalidade educacional que existia na região “pioneira” do Oeste do Paraná: “No

período de 1889, ano da criação da Colônia Militar, até 1912, ano de sua extinção, não

existiu escola ou casa escolar em Foz do Iguaçu”. (EMER, 1991, p. 218). Tanto os

proprietários das obrages, que eram aqueles que detinham o maior poder econômico da

região, quanto aqueles “pioneiros” que tinham melhores condições econômicas ou

alguma influência política, encontravam soluções para que a educação não faltasse aos

seus filhos. Inicialmente, contratavam professores particulares que lecionavam em suas

residências, na modalidade de instrução sem instituição, em casas escolares mantidas

pelo grupo social ou mantidas pelo Município, ou enviavam seus filhos para estudarem

em grandes centros urbanos, no Brasil, no Paraguai ou na Argentina.

O primeiro Grupo Escolar do Oeste do Paraná foi criado apenas em 1927 e, em

27 de agosto de 1928, através do Decreto n.º 1326, passou a chamar-se “Grupo Escolar

Bartholomeu Mitre”, curiosamente em nome do general argentino que, no ano de 1865,

durante a Guerra da Tríplice Aliança, impediu que as tropas paraguaias cruzassem o

território a Oeste do estado do Paraná e adentrassem o território brasileiro. O referido

Decreto considera “[...] que entre os estadistas Argentinos, o Marechal Bartholomeu

Mitre foi, na sua gloriosa Pátria, em sua época, o corypheu do pacifismo continental e,

de modo particular, do accentuado espírito de fraternidade e harmonia entre o nosso

Paíz e a Argentina [...]” (DECRETO 1326, 27/08/1928).

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Segundo Emer (1991), o motivo pelo qual o grupo escolar ganhou este nome

não está totalmente esclarecido. O autor questiona: “[...] porque Bartolomeu Mitre?

Teria sido apenas uma inocente homenagem ao general argentino da Tríplice Aliança?”.

(EMER, 1991, p. 222). É contraditória a homenagem ao general argentino em nome da

paz e fraternidade entre Brasil e Argentina, exatamente em um momento histórico em

que há interesses comuns em relação a um mesmo território estratégico. Como vimos,

enquanto a Argentina inicia uma campanha de conquista de territórios de fronteira em

busca do fortalecimento do país e da hegemonia da América do Sul, o Brasil resiste

iniciando uma intensa campanha nacionalista e um programa de “Marcha para Oeste”.

Este Grupo Escolar marca a institucionalização da educação escolar no Oeste do Paraná

e o papel da educação enquanto um elemento necessário para a nacionalização da região

da tríplice fronteira.

Durante a vigência do Território Federal do Iguaçu, a Divisão de Educação

constatou que a situação das escolas isoladas ou Grupos Escolares que existiam na

região eram alarmantes e que o ensino era deficientes e deturpado pela influência de

termos estrangeiros. Segundo Lopes (2002) a Diretora da Divisão de Educação,

Laudímia Trotta, afirmava que “[...] as escolas estavam quase todas instaladas em

péssimas condições: casebres, choupanas, capelinhas.” (LOPES, 2002, 153). Ainda

conforme Trotta, “[..] sendo fraquíssimo o professor, é fácil calcular a deficiência do

ensino. [...] A nossa língua é ensinada de maneira deturpada, alunos e professores têm

um vocabulário paupérrimo, entremeado de termos estrangeiros.” (TROTTA, apud

Lopes, 2002, p. 153). Numa região em que só se falava o castelhano, só se lia no

castelhano (como vimos, todos os produtos que chegavam à Foz do Iguaçu eram

derivados da Argentina: rótulos de produtos, revistas, manuais, etc.), só se entendia o

castelhano e em que as pessoas até se esqueciam do português, como ensinar as letras,

os cálculos, a história, a geografia, lecionando em português? Durante a vigência do

Território Federal do Iguaçu, algumas medidas foram tomadas, como a distribuição aos

professores de uma cartilha modelo, contendo exercícios de português e matemática,

chamada “Ler, Escrever e Contar”, de autoria de Rita Amil de Rialva. Essa campanha

de nacionalização do ensino na região Oeste do Paraná incluía também a distribuição de

vitrolas e discos do Hino Nacional Brasileiro e do Hino da Bandeira para serem tocados

nas escolas, pois eram desconhecidos pela população ou cantados de forma equivocada.

(LOPES, 2002).

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Da mesma forma ocorreu com a oferta educacional a partir da criação das

primeiras iniciativas de ensino em Foz do Iguaçu. A elite economicamente dominante,

argentina ou brasileira, tratou de garantir aos seus uma educação, fosse em Foz do

Iguaçu, através de professores a domicílio ou casas escolares, fosse nos núcleos urbanos

mais distantes, como Guarapuava, Curitiba, Posadas, Corrientes, etc. Aos filhos de

obrageiros ou de representantes políticos de Foz do Iguaçu não faltavam alternativas

para escolarizar seus filhos. Enviavam-se as crianças desde muito pequenas para

estudarem onde houvesse escolas e com isso pudessem garantir a sucessão de seus

cargos e de sua influência naquele território. Aos filhos daqueles que viviam em Foz do

Iguaçu e que trabalhavam nas obrages, nas madeireiras ou garantiam seu sustento

através do cultivo da terra, não era sequer cogitada a possibilidade de estudar em

grandes centros urbanos. Nem sequer as condições básicas de higiene, alimentação e

saúde eram disponibilizadas para os mensus. Estes viviam em condições miseráveis e

transmitiam á seus filhos a única herança que podiam transmitir: o trabalho nas obrages

e a perpetuação da situação de dependência em relação ao obrageiro.

3. Considerações Finais

Não se pode fazer uma análise determinista no sentido de culpabilizar a

exploração ilegal argentina sobre o território a Oeste do estado do Paraná. As obrages

argentinas (que somavam o maior número delas), tal qual todas as outras obrages de

proprietários de outras nacionalidades, enriqueciam à custa de duas grandes

explorações: da exploração irrestrita das reservas naturais do Oeste do Paraná e da

exploração desumana da mão-de-obra essencialmente paraguaia, em estado de miséria

após a Guerra da Tríplice Aliança. Como não objetivamos assumir uma postura

patriótica, mas sim partir em defesa da classe trabalhadora que, antes de possuir uma

única nacionalidade, possui características afins e comuns em todo mundo, concluímos

que a mesma exploração de reservas naturais e de mão-de-obra barata continuou sendo

a realidade do Oeste do Paraná mesmo após as iniciativas de nacionalização e da

formação de um poderio político e econômico de nacionalidade brasileira.

A importância dada à educação na região de Foz do Iguaçu, bem como o acesso à

ela, era privilégio desta classe social que encontrava na escolarização uma maneira de

ascensão social: primeiro os proprietários de obrages, que escolarizavam seus filhos

provavelmente nos países de origem; depois as famílias de funcionários do governo ou

de representantes políticos da região, que buscavam na educação uma forma de manter

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o poder sobre os cargos e certo tipo de controle político. Essas possibilidades

demandavam recursos de que a população pobre ou o grande número de mensus não

dispunham. Apenas as famílias mais abastadas podiam pagar por aulas particulares,

ajudar a manter casas escolares ou enviar seus filhos para estudarem fora da localidade.

Embora a língua castelhana e os costumes facilitassem a permanência dos mensus

paraguaios no Oeste do Paraná, que somavam grande número nesta região, a

possibilidade de acesso a qualquer tipo de educação era bastante distante. Como o

trabalho nas obrages, tanto de extração de erva-mate quanto de madeira, era um ofício

que requisitava pouca ou nenhuma formação ou qualificação, eram realizados por

pessoas sem nenhum tipo de escolarização. Portanto, enquanto sobreviveu o sistema de

obrages no Oeste do Paraná, a educação não era uma demanda social. Por isso que as

primeiras iniciativas educacionais nesta região eram tão pontuais, isoladas e para uma

minoria abastada. Com o abandono do poder público paranaense e o domínio dos

obrageiros argentinos, a educação nesta região era desnecessária, pois não se

necessitava qualificar o grande número de trabalhadores das obrages. Quanto mais

desprovida econômica e culturalmente a mão-de-obra para o trabalho nestas empresas,

mais fácil se fazia a exploração e dependência destes trabalhadores.

Portanto, o Oeste do Paraná, por muito tempo isolado do restante do estado e do

Brasil e explorado por estrangeiros, teve seu desenvolvimento industrial, econômico e

educacional retardados. Este desenvolvimento mais lento em relação ao processo de

industrialização que começa a surgir nos grandes centros brasileiros, determinou que a

educação fosse também reivindicada tardiamente. A partir do processo de decadência

das obrages, que inicia em 1930, e a intensificação das medidas de nacionalização da

fronteira com o programa de ocupação dos territórios “vagos” do país, a necessidade de

educar para atender a um novo modelo de trabalhador, a uma nova exigência de mão-

de-obra para o trabalho, começam a sinalizar o desenvolvimento da educação escolar

em Foz do Iguaçu.

4. Referências:

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