indústria da consciência
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7/30/2019 Indstria da Conscincia
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GRUPO DE PESQUISA
Indstria da Conscinciaartigo escrito em 1962 por
Hans Magnus Enzensberger
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Qualquer pessoa, mesmo a mais despersonalizada, julga-se soberana, no que
se refere sua prpria conscincia. Desde que s se fala em alma quando se chama o
confessor ou o psicanalista, a conscincia passa por ser o ltimo refgio que o sujeito procura
e encontra em si mesmo, para abrigar-se de um mundo catastrfico, como se ela fosse uma
cidadela que pudesse resistir ao cerco do cotidiano.
Tambm sob as condies extremas de um poder totalitrio, ningum deseja
admitir que ela talvez h muito tenha tombado.1 No h iluso que se defenda mais
encarniadamente, to profundo o efeito da filosofia, mesmo nos que a desprezam. Pois a
superstio de ser senhor da prpria conscincia, j que de nada mais o somos, pertence a
uma filosofia decadente desde Descartes at Husserl, uma filosofia burguesa, idealismo de
chinelas, reduzida medida do privado.
Em contrapartida, lemos num livro antigo: "A conscincia de antemo um
produto social e continuar sendo enquanto existirem pessoas".2 No de antemo e a qualquer
momento, pode-se dizer o que h de verdade nessa expresso. Ela se data a si mesma. Desde
o comeo da diviso do trabalho, determinou-se que poucos pensassem, julgassem e
decidissem pela maioria; mas enquanto sua mediao era evidente para todos, enquanto oprofessor aparecia nitidamente diante do aluno, o falante diante do ouvinte, o mestre diante
do aprendiz, o padre diante da comunidade, a conscincia transmitida permanecia como algo
bvio, invisvel. Visvel apenas o opaco; s quando assume medida industrial a induo e
transmisso social da conscincia torna-se um problema.
A indstria da conscincia filha dos ltimos cem anos. Desenvolveu-se to
depressa, to variadamente, que sua existncia como um todo ainda hoje no foi concebida eparece inconcebvel. O presente est fascinado plos seus fenmenos e inquieto tambm; mas
a discusso corrente parece no estar altura do seu objeto, porque dificilmente o percebe na
sua totalidade. Cada um de seus ramos exige novas discusses, nova crtica, como se com o
filme falado ou com a televiso aparecesse no cenrio alguma coisa absolutamente nova. A
natureza dos chamados mass media no pode ser deduzida a partir de suas premissas e
condies tecnolgicas.
1A "emigrao interna" durante o domnio de Hitler na Alemanha, d exemplos desse auto-engano. Umadescrio muito perspicaz de fenmenos semelhantes no comunismo dada por Czeslaw Milosz, VerfhrtesDenken, Colnia, 1953.2MARX, Karl. A ideologia alem, Parte I (1845-46).
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Da mesma forma, o nome "indstria da cultura", com o qual at agora nos
conformamos, no recobre inteiramente o assunto. Ele deve ser atribudo a uma iluso de
tica de seus crticos, aos quais lhes agradou receber da sociedade a imputao da dita "vida
cultural", por isso adotando o nome fatal de "crticos culturais"; no raro ainda se divertindo e
se orgulhando do fato, porque tal nome atesta-lhes sua inofensividade, transformando seu
trabalho em uma simples seo de jornal.
Mas, embora indistintamente, esse nome indica a origem daquele "produto
social", a conscincia. Ela situa-se alm de qualquer indstria. A impotente palavra "cultura"
h de recordar isso: que a conscincia, ainda que falsa, pode ser industrialmente reproduzida
ou induzida, mas no produzida. De que maneira, ento? No dilogo de cada um com os
demais. Cada indivduo age, portanto, socialmente, mas no pode ser substitudo pelo
trabalho de equipe ou coletividade e, muito menos, por procedimentos industriais. Esse lugar-
comum faz parte do ser paradoxal da indstria da conscincia, e nele consiste uma boa parte
da sua incompreensibilidade. A indstria da conscincia monstruosa porque nunca depende
da produo, mas sempre, apenas, da sua mediao, das derivaes secundrias e tercirias,
das infiltraes e do lado fungvel daquilo que ela multiplica e vende. Assim, a cano com
ela se transforma em hit e o pensamento de um Karl Marx em slogan resplandecente. Com
isso, aponta-se, contudo, o seu lugar vulnervel: a sua excessiva teimosia. Mas a indstria da
conscincia prefere ignorar tal fato. Filosofia e msica, arte e literatura, tudo do que vive,
embora apenas em ltima instncia, ela coloca de lado, demarca e indica-lhes reservados
onde devero ficar abrigados. Essa rejeio daquilo do que ela vive auxiliada pelo nome
indstria cultural. Ela torna esse fenmeno inofensivo e obscurece as conseqncias polticas
e sociais resultantes da intermediao e transformao industrial da conscincia.
Inversamente, a crtica das ideologias e a da propaganda poltica desconhecem
o alcance da indstria da conscincia, julgando seus efeitos limitados teoria e prtica
polticas no sentido estrito; como se industrialmente s nos transmitissem solues e como se
a conscincia privada pudesse ser separada da conscincia pblica, em condies de formular
por si mesma seus juzos.
Enquanto se discutem os novos instrumentos tcnicos como rdio, filme,televiso e indstria de discos, a fora da propaganda, do reclame, das public relations, a
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indstria da conscincia como um todo, permanece fora de considerao. O jornalismo, por
exemplo, seu mais antigo ramo, hoje em dia em muitos aspectos ainda o mais instrutivo,
praticamente nem mencionado nesse contexto, presumivelmente, porque j no valeria
como novidade cultural, como sensao tcnica. Moda e Gestaltung, instruo religiosa e
turismo, mal se reconhecem e pesquisam como sees da indstria da conscincia; tambm a
maneira de se induzir industrialmente a conscincia "cientfica" algo que deveria ser
estudado segundo o exemplo da mais recente Fsica, Psicanlise, Sociologia e outras
disciplinas.
Mas, principalmente, no temos clareza perfeita do fato de que a indstria da
conscincia todavia no atingiu seu desenvolvimento mximo, pois ainda no pode dominar a
sua fatia central, a educao. A industrializao do ensino apenas comeou em nossos dias;
enquanto nos detemos na discusso em torno de planos de ensino, sistemas escolares, falta de
professores e ensino estratificado, j se constrem os meios tcnicos que tornam anacrnica
qualquer discusso sobre reforma escolar.
A indstria da conscincia, muito em breve, nos obrigar a tomar
conhecimento de um poder radicalmente novo, que cresce vertiginosamente e que, devido s
suas dimenses grandiosas, ser difcil de ser avaliado. ele a verdadeira indstria-chave do
sculo XX. Onde quer que hoje se ocupe ou se liberte um pas altamente desenvolvido, onde
quer que haja um golpe de Estado, uma revoluo, uma derrubada de poder, o novo regime j
no se apossa primeiramente das ruas e dos centros da indstria pesada, mas das emissoras,
das impressoras e das centrais de comunicao a distncia. Enquanto os administradores e
peritos das indstrias pesadas e de consumo, como dos servios pblicos, podem ser
mantidos nos seus postos, os funcionrios da indstria da conscincia so trocados
imediatamente. Nesses casos extremos, a sua posio-chave torna-se visvel.
Ao primeiro olhar podemos descobrir e citar resumidamente quatro condies
de sua existncia:
1. O esclarecimento, no sentido mais amplo, o pressuposto filosfico de
toda a indstria da conscincia. Ela depende, portanto, de pessoas emancipadas, mesmo
quando se trata de as sujeitar. Seu monoplio s pode ser construdo quando estiver desfeito oda teocracia e com ela a crena na revelao e na iluminao, no Esprito Santo intermediado
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plos padres. Essa premissa filosfica est dada para todo o mundo, desde o apagar da
teocracia tibetana.
2. O pressuposto poltico da indstria da conscincia a proclamao (no a
realizao) dos direitos humanos, especialmente o da liberdade e da igualdade. O modelo
histrico para toda a Europa a Revoluo Francesa, para os pases comunistas a Revoluo
de Outubro e para os pases americanos, asiticos e africanos a libertao do colonialismo. S
a fico de que cada homem tem direito de dispor dos destinos da comunidade e do seu
prprio torna a conscincia que o indivduo e a sociedade tm de si mesmos um fato poltico,
e sua induo industrial a condio de qualquer imprio futuro.
3. O seu desenvolvimento pressupe, economicamente, a acumulao
primria. Nos primrdios do capitalismo (ou em condies anlogas), isto , enquanto
trabalhadores e camponeses apenas conseguem sobreviver com os frutos do seu trabalho, a
indstria da conscincia no possvel, nem necessria. Nesse estgio a franca opresso
econmica desmascara totalmente a fico de que o proletariado possa decidir sobre si
prprio e para sustentar as minorias dominantes bastam-lhes os processos pr-industriais de
intermediao da conscincia. S quando a indstria de produtos essenciais se instala e
assegura a produo em massa de bens de consumo, pode-se desenvolver a indstria da
conscincia, O refinamento de mtodos de produo fora um grau crescente de educao,
no apenas na camada dirigente mas na maioria de seus cidados. Seu padro de vida
ascendente, combinado com a reduo da jornada de trabalho, permite-lhes agora ter uma
conscincia menos embotada do que anteriormente. Assim, liberam-se energias que no so
inofensivas aos poderosos. Observa-se hoje esse fenmeno em muitos pases em
desenvolvimento, onde por muito tempo ele foi artificialmente retardado; do dia para a noite
cumprem-se neles as premissas polticas, mas no as econmicas, para a indstria da
conscincia.
4. O processo econmico de industrializao traz consigo as ltimas
premissas, as tecnolgicas, sem as quais no se pode induzir industrialmente a conscincia. A
tecnologia do rdio, do cinema e da televiso foi estabelecida s em fins do sculo XIX, .isto
, um momento em que a eletrotcnica h muito fora introduzida na produo industrial de
bens. Dnamo e motor eltrico precederam amplificadores e cmera cinematogrfica. Esse
atraso histrico corresponde evoluo econmica. Contudo as premissas tcnicas da
indstria da conscincia no precisam ser ainda conquistadas, elas j esto dadas, e
definitivamente.
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decide sobre ela no , em primeira instncia, o sistema social que dela se serve, nem
tampouco o fato dela ser administrada pelo poder estatal, pblico ou privado, mas a sua
funo social. Ela hoje mais ou menos a mesma por toda parte: perpetuar as relaes de
poder existentes, no importa de que tipo sejam. Ela induz a conscincia apenas para explor-
la.
Entendamo-nos, primeiro, quanto ao conceito da explorao imaterial.
Durante o perodo da acumulao primria, a explorao material do proletariado est no
primeiro plano em todos os pases; o mesmo tambm vale para as sociedades comunistas,
como os exemplos da Rssia stalinista e da China Vermelha nos mostram. Mas mal esse
perodo se aproxima do seu fim, torna-se evidente que a explorao no apenas um fato
econmico, mas tambm um fenmeno da conscincia. A questo de quem o senhor e de
quem o escravo no se resolve apenas a partir de quem dispe de capital, fbricas e armas,
mas tambm, e cada vez mais, a partir de quem dispe das conscincias alheias.
Assim que a produo de bens materiais se expandiu suficientemente, as
antigas proclamaes provaram sua validade, mesmo depois de dcadas de obscurecimento,
devidas opresso econmica, crises e terror. Nada pode contest-las. Desde que elas
existem, qualquer poder sente-se por princpio inseguro, dependendo da adeso dos seus
sujeitos; ele precisa conquistar essa adeso, precisa justificar-se incessantemente, at ali onde
se apie unicamente no poder das armas.3 A explorao material precisa abrigar-se atrs do
imaterial e conseguir por novos meios a adeso dos dominados. A acumulao de poder
poltico segue-se de riquezas. J no se penhora apenas fora de trabalho, mas a capacidade
de julgar e de decidir-se. No se elimina a explorao, mas a conscincia da explorao.
Comea-se com a eliminao de alternativas a nvel industrial, de um lado atravs de
proibies, censura e monoplio estatal sobre todos os meios de produo da indstria da
conscincia, de outro lado atravs de "autocontrole" e da presso econmica. Em lugar do
depauperamento material aparece um imaterial, que se manifesta mais claramente na reduo
das possibilidades polticas do indivduo: uma massa de joes-ningum polticos, revelia
dos quais se decide at mesmo o suicdio coletivo, defronta-se com uma quantidade cada vez
menor de polticos todo-poderosos. Que esse estado seja aceito e voluntariamente suportado
pela maioria, hoje a mais importante faanha da indstria da conscincia.
3Em nenhuma parte se leva mais a srio a "formao da conscincia", a "conscincia das massas" e
a sua manipulao do que nos pases comunistas.
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Com seus efeitos atuais porm no se descreveu ainda a sua natureza. Assim
como de uma indstria txtil ou siderrgica no se pode deduzir trabalho infantil e
deportao, pouco se pode deduzir da existncia de uma indstria da conscincia sobre a
explorao imaterial, com a qual hoje temos que contar por toda parte. Conscincia,
julgamento, capacidade decisria no so seus pressupostos apenas como direito abstrato no
indivduo; a indstria da conscincia os produz constantemente como sua prpria
contradio. S podem ser exploradas foras que existem; para domestic-las a servio do
poder preciso primeiro despert-las. Muitas vezes apontou-se o fato, sempre usado como
prova da natureza ameaadora da indstria da conscincia, de que no possvel esquivar-se
ao seu ataque; mas o fato de que ela obtm a participao de cada indivduo no todo pode
muito bem voltar-se contra aqueles a cujo servio isso ocorre. Ela no pode sustar seu prprio
movimento; e a acontecem momentos necessrios que contrariam a sua atual tarefa, a
estabilizao das relaes de poder existentes. Depreende-se desse movimento, que a
indstria da conscincia no totalmente controlvel. S ao preo de sua prpria morte, ela
pode se transformar em sistema fechado, isto , tornando-a inconsciente fora e entregando-
se a seus efeitos mais profundos. Mas nenhum poder pode mais esquivar-se desses efeitos
hoje em dia. A ambigidade que existe nessa situao, de que a indstria da conscincia
precisa sempre oferecer aos seus consumidores aquilo que depois lhes quer roubar, repete-se
e agua-se quando se pensa em seus produtores: os intelectuais. Estes no dispem do aparato
industrial, mas o aparato industrial que dispe deles; mas tambm essa relao no
unvoca. Muitas vezes acusou-se a indstria da conscincia de promover a liquidao de
"valores culturais".
O fenmeno demonstra em que medida ela depende das verdadeiras minorias
produtivas; na medida que ela rejeita seu trabalho atual por consider-lo incompatvel com
sua misso poltica, ela se v dependendo dos servios de intelectuais oportunistas e da
adaptao do antigo, que est apodrecendo sob as suas mos.4Os mandantes da indstria da
conscincia, no importa quem sejam, no podem lhe comunicar suas energias primrias;
devem-nas quelas minorias a cuja eliminao ela se destina: seus autores, a quem desprezam
como figuras secundrias ou petrificam como estrelas, e cuja explorao possibilitar a
explorao dos consumidores. O que vale para os clientes da indstria vale mais ainda para
seus produtores; so eles a um tempo seus parceiros e seus adversrios. Ocupada com a
4Compare-se por exemplo na DDR o chamado "Cultivo da herana cultural nacional".
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