indústria cearense - uma análise do emprego formal no segmento calçadista
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11 a 13 de abril de 2012
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INDÚSTRIA CEARENSE: UMA ANÁLISE DO EMPREGO FORMAL NO SEGMENTO CALÇADISTA
Ana Sara Emy de Andrade e Silva
Aluna de Graduação em Economia da UFRN, Natal – RN
William Eufrásio Nunes Pereira Professor do Departamento de Economia da UFRN, Natal – RN.
Tópico: Desenvolvimento Regional
RESUMO
O processo de industrialização brasileiro tem por característica a intensa concentração da indústria na região centro-sul do país, com destaque para São Paulo. A partir da década de 1970, essa concentração foi arrefecida, ocorrendo uma descentralização do capital, em particular do industrial, para as demais regiões do país. Com a abertura comercial, na década de 1990, decorrente de políticas baseadas em uma concepção neoliberal, a reestruturação da economia brasileira passou a ser mais afetada pelo processo de descentralização iniciado em 1970. A partir deste contexto, este trabalho visou mostrar a reconfiguração locacional do emprego formal na Indústria, com enfoque no Segmento Calçadista no estado do Ceará, no período de 1985 à 2010. No presente trabalho, foram utilizados dados coletados do Relatório Anual de Informações Sociais - RAIS, do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, juntamente com uma revisão bibliográfica permitindo a construção de um referencial teórico que deu suporte à pesquisa e possibilitou as análises realizadas.
Palavras-chave: reconfiguração industrial, indústria calçadista, emprego formal.
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Introdução
Nos últimos vinte anos, a economia brasileira tem experimentado a
intensificação de transformações técnicas e socioeconômicas. Essa intensificação se
deve em grande parte ao processo de reestruturação produtiva do capital possibilitado
pelas inovações tecnológicas e organizacionais do período. A reestruturação
produtiva afetou todos os setores produtivos e, em especial, a indústria. Nesse
contexto de reestruturação produtiva, a produtividade e a redução de custos
assumem papel fundamental à “sobrevivência” da indústria em face à acirrada
concorrência capitalista (PEREIRA; SILVA; APOLINÁRIO, 2007).
A partir da década de 1990, o processo de relocalização para a região
Nordeste, impulsionado pelo baixo custo da mão de obra e por incentivos dos
governos locais, produziu resultados no que se refere ao ganho de competitividade
das empresas situadas no nordeste.
Para a construção do trabalho, foram utilizados dados coletados do Relatório
Anual de Informações Sociais - RAIS, do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE,
referentes aos anos de 1985 a 2010, juntamente com uma revisão bibliográfica
permitindo a construção de um referencial teórico que deu suporte à pesquisa e
possibilitou as análises realizadas.
1. Reconfiguração Industrial no Brasil
Devido à crise do fordismo e a concorrência internacional, a organização da
produção e da demanda se modificaram. Uma nova concepção baseada nas
inovações, qualidade e variedade de produtos era definida. A inserção de novas
tecnologias na produção possibilitou a diminuição dos custos, principalmente
relacionados à mão de obra, levando, consequentemente, a descentralização da
região Sudeste para as demais regiões, principalmente para o Nordeste, onde a oferta
de mão de obra era mais barata. De acordo com Mouhoud e Moati (2005, p. 5), “a
redução dos custos em função do progresso nos transportes e das tecnologias de
informação e comunicação foi crucial para a maior internacionalização das firmas, que
se encontram atualmente mais livres para explorar as opções de vantagens de
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localização ofertadas”.
Até os anos de 1950, a maior parte da indústria brasileira localizava-se na
região Sudeste, principalmente no estado de São Paulo, sendo este o maior gerador
de empregos.
Entre os anos de 1970 e 1985, o país passa por um processo de reversão da
polarização industrial, desencadeando um processo de desconcentração produtiva e
distribuição espacial do emprego. Para Diniz (2000), esse fenômeno deveu-se a:
aumento dos custos de produção nas áreas metropolitanas;
ações do Estado por meio de incentivos ficais;
busca de recursos naturais, investimento direto e construção de infra-estrutura;
efeitos locacionais da competição.
Neste período, parte do capital industrial deslocou-se para as demais regiões
do país. São Paulo como principal centro produtivo industrial foi o estado que mais
perdeu com o processo de desconcentração, sua participação na produção industrial
nacional caiu de 58,2% para 51,9% (PEREIRA; 2008).
O processo de desconcentração da indústria, característica importante da
reestruturação produtiva brasileira, não pode ser limitado, em sua explicação, às
teorias neoclássicas de localização, devido a multiplicidade de dimensões e
complexidade dos fatores envolvidos no processo. Dentro deste contexto
multidimensional, destaca-se a atuação do Estado, em suas distintas esferas de ação
(CAIADO; 2002).
O fator principal para a relocalização dos empreendimentos deve-se aos
incentivos fiscal-financeiros concedidos pelos estados da federação, na guerra fiscal
que se deu no anos de 1990. O segundo fator refere-se à mão de obra barata que,
nas regiões periféricas, é abundante, embora não qualificada (PEREIRA; 2008).
A região Nordeste foi a região que mais se beneficiou com o processo de
descentralização ocorrido no período de 1970 a 1985.
Desde a fundação da SUDENE até o final dos anos 1970, a atuação do Estado
na região Nordeste caracterizou-se por ser influenciadora nas decisões de
investimentos dos setores produtivos, principalmente do industrial, por entender que a
industrialização promoveria efeitos encadeadores a montante e a jusante do processo
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estimulado ou subsidiado (HIRSCHAMANN, 1981).
A região Nordeste vem apresentando índices de crescimento do emprego
significativos ao longo do período analisado. Muitos autores, SIMÕES, 2003;
MATTOSO, 1998; entre outros, afirmam que esse crescimento se deve a incentivos
fiscais, políticas regionais e por um processo de relocalização da indústria brasileira.
Estudos elaborados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em conjunto
com a Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET), revelam que a migração
de fábricas e empresas para o Nordeste tem feito a região criar mais empregos que a
média nacional. Entre 1986 a 2004, foram gerados cerca de dois milhões de
empregos na região, correspondendo a uma taxa de crescimento de,
aproximadamente 3% ao ano, valor maior que a taxa nacional, que ficou em torno de
2,3%. Em suma, estados do Nordeste brasileiro respondem por cerca de 20% dos
empregos formais gerados no período de 1986 a 2004 (AZEVEDO; TONETO, 2001).
Os mesmo estudos mostram também que o setor de calçados está entre os
setores que mais se desenvolveram apresentando um crescimento na produção de
14% ao ano (CASTRO; MOREIRA, 2009).
Gráfico 01: Participação absoluta do emprego formal na indústria brasileira, segundo as regiões (1985-2010).
Fonte: Elaboração própria baseado nos dados da RAIS.
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De acordo com os dados coletados da RAIS, a indústria vem mostrando um
crescimento na quantidade de empregos formais ao longo dos anos, passando de
5.663.015 em 1985 para 8.499.202 em 2010. Podemos perceber através do gráfico, a
descentralização desses empregos, que no início do período estudado se
concentravam nas regiões Sul e Sudeste, mas que a partir da década de 1990 sofreu
uma reconfiguração, passando parte dos empregos formais para a região Nordeste.
No Nordeste, todos os estados, uns mais do que outros, participaram da guerra
fiscal que se estabeleceu nos anos 1990. Os estados do Ceará, de Pernambuco e da
Bahia se destacaram pelo esforço agressivo em atrair novos investimentos através
dos incentivos fiscais e financeiros (PEREIRA; 2008).
2. Reconfiguração Industrial no Segmento Calçadista
O setor industrial de calçados desempenha um papel importante na economia
brasileira. A produção anual de 2008 foi estimada em 804 milhões de pares, sendo
166 milhões voltados para a exportação (CASTRO; MOREIRA, 2009).
Em 1990, apenas 3,3% dos empregos formais do setor se encontravam na
região Nordeste. Mas a partir do ano 2000, esse número ultrapassa os 20%, onde os
Estados do Ceará, Bahia e Paraíba foram os mais empregadores da região, com
44.268, 22.973 e 8.461 respectivamente, no ano de 2005.
As exportações corresponderam acerca de 14% do total de calçados
exportados pelo Brasil no ano de 2000, onde o estado que mais se destacou foi o
Ceará, sendo responsável por cerca de 11% do total exportado. Sendo Fortaleza,
além de capital, o principal centro calçadista do estado. (BASTOS, 2010)
O deslocamento de grandes empresas calçadistas para o Ceará se deve, em
grande parte, a incentivos fiscais por parte do governo do estado, gerando um
elevado crescimento no número de emprego formal na região. Graças a essas
políticas de incentivo, outros estados como Bahia e Paraíba, captaram investimentos
nesse setor, trazendo mais emprego pra região nordestina. Costa & Fligenspan
(1997), mostraram que os governos destes estados outorgaram quatro tipos de
incentivos:
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a) financiamento de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadoria e
Serviços);
b) isenções de impostos municipais e beneficiamentos em infra-estrutura;
c) empréstimo visando à exportação e,
d) isenção de Imposto de Renda.
O Programa de Promoção ao Desenvolvimento da Bahia (PRÓ-BAHIA)
financia até 50% do ICMS para a região metropolitana de Salvador e até 75% no
interior do estado; ou ainda 75% do ICMS para projetos com investimentos previstos
superiores a R$ 400 milhões. No Ceará, o Fundo de Desenvolvimento Industrial do
estado (FDI) financia até 100% do ICMS a ser recolhido pela beneficiária. Esse
financiamento se destina às empresas industriais que se re-localizaram, e que contam
com um prazo de pagamento de seis anos para a região metropolitana de Fortaleza e
dez anos para o interior do estado. No estado da Paraíba, o Fundo de Apoio ao
Desenvolvimento Industrial da Paraíba (FAIN) favorece empréstimos de 60% do ICMS
para empresas que se instalem em João Pessoa (capital), 80% nos municípios de
Campina Grande e Queimadas e 100% em outros municípios (MATTOSO, 1998).
O Ceará apresentou nos últimos 20 anos o terceiro maior índice de
crescimento relativo do emprego formal no segmento calçadista consolidando sua
posição como principal espaço produtor no Nordeste. Esse crescimento lhe permite
ser responsável por mais de 54,2% do emprego formal no segmento (PEREIRA;
SILVA; APOLINÁRIO, 2007).
Tabela 01: Participação relativa do Segmento Calçadista na Indústria Cearense (1985-2010).
1985 1990 1995 2000 2005 2010
INDUSTRIA CALÇADISTA 1,27 1,22 4,30 15,11 20,27 24,33
INDUSTRIA TOTAL 100 100 100 100 100 100 Fonte: Elaboração própria com base nos dados da RAIS.
No ano de 1985, o Ceará apresentava cerca de 1.420 empregos formais, onde
mais de 86% desse emprego se concentrava em Fortaleza. E cerca de 63.562
empregos formais em 2010, apresentando um crescimento de 4376,2%.
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Cidades como Sobral e Crato se beneficiaram com os investimentos industriais
calçadistas. Em Sobral, a instalação da Grendene promoveu o desenvolvimento da
atividade calçadista a partir de 1993, provocando um efeito em cadeia em cidades
vizinhas. No Cariri cearense destaca-se o Juazeiro do Norte como um pólo de
produção relativamente consolidado no estado e como a área de maior concentração
de micro e pequenas empresas calçadistas (PEREIRA; SILVA; APOLINÁRIO, 2007).
Considerações Finais
A indústria tem demonstrado ser de grande relevância para fomentar o
desenvolvimento urbano, confirmando a relação entre pessoal ocupado e quantidade
de estabelecimentos. O processo de reestruturação produtiva na década de 1990 foi
confirmado com saldos positivos no setor industrial. Esses saldos positivos têm
configurado a urbanidade industrial das cidades nordestinas.
A relocalização industrial na região Nordeste se dá principalmente pelos
incentivos fiscais e o diferencial no piso salarial dos empregados em comparação com
outras regiões. Esta relocalização está concentrada nos estados do Ceará, Bahia e
Paraíba, onde o estado do Ceará é responsável por mais de 54,2% do emprego
formal na Indústria Calçadista, sendo o estado nordestino com maior destaque no
segmento.
Referências
CASTRO; Inez Sílvia Batista & MOREIRA, Carlos Américo Leite. Reestruturação da Indústria Calçadista na Região Nordeste nas Décadas de 1990/2000. IN: Revista Econômica do Nordeste. Vol. 40, N. 04, out. de 2009.
FERREIRA, Maria de Fátima S. & LEMOS, Mauro B. Localização Industrial e Fatos Estilizados da Nova Reconfiguração Espacial no Nordeste. IN: Revista Econômica do Nordeste. Vol.31, N. Especial, Fortaleza, nov. de 2000.
MATTOSO, M. A. de Q., (1998). A recente industrialização nordestina. Monografia de Bacharelado em Economia. Rio de Janeiro, FEA/UFRJ.
PEREIRA, William E. N.; SILVA, Marconi Gomes; APOLINÁRIO, Valdênia. A Distribuição Espacial da Indústria Calçadista no Nordeste (1985/2005). In.MACAMBIRA, Júnior; SANTOS, Sandra Maria dos (org.) Brasil e Nordeste:
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ocupação, desemprego e desigualdade. Fortaleza, IDT, BNB, 2007.
PEREIRA, William E. N. Reestruturação do Setor Industrial e Transformação do Espaço Urbano de Campina Grande – PB a partir dos anos 1990. Tese de doutoramento em Ciências Sociais. CCHLA UFRN, 2008.
RAIS. Relatório Anual de Informações Sociais. Ministério do Trabalho e do Emprego. CD-ROM, vários anos.