inclusÃo social e desenvolvimento local apoiados …
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TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA NO RIO DE JANEIRO:
INCLUSÃO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO LOCAL APOIADOS PELA
ATIVIDADE TURÍSTICA
Vitor Lederman Rawet
Projeto de Graduação apresentado ao
Curso de Engenharia de Produção da
Escola Politécnica, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como parte
dos requisitos necessários para a
obtenção do título de Engenheiro de
Produção.
Orientador: Ivan Bursztyn
Coorientador: Roberto dos Santos Bartholo Junior
Rio de Janeiro
Agosto/2014
ii
TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA NO RIO DE JANEIRO:
INCLUSÃO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO LOCAL APOIADOS PELA
ATIVIDADE TURÍSTICA
Vitor Lederman Rawet
PROJETO DE GRADUAÇÃO SUBMETIDO AO CORPO DOCENTE DO CURSO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO DA ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE ENGENHEIRO DE PRODUÇÃO.
Examinado por:
Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Agosto de 2014
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Lederman Rawet, Vitor
Turismo de base comunitária no Rio de Janeiro:
Inclusão social e desenvolvimento local apoiados pela
atividade turística/ Vitor Lederman Rawet. – Rio de
Janeiro: UFRJ/ Escola Politécnica, 2014.
VIII, 105 p.: il; 29,7cm.
Orientador: Ivan Bursztyn
Projeto de graduação – UFRJ / Escola Politécnica /
Curso de Engenharia de Produção, 2014.
Referências Bibliográficas: p. nº 103-105.
1. Turismo de Base Comunitária I. Bursztyn, Ivan II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ,
Engenharia de Produção III. Turismo de base
comunitária no Rio de Janeiro: Inclusão social e
desenvolvimento local apoiados pela atividade turística.
iv
“O turismo vai além dos sonhos e conquista o verdadeiro significado da vida.”
Rinaldo Pedro
v
AGRADECIMENTOS
À minha família pelos momentos difíceis, pelo suporte e pelas alegrias dadas ao longo
dos estudos da graduação.
Aos meus amigos de faculdade e também de fora dela, que fizeram dos momentos
passados na graduação mais alegres, menos difíceis e mais interessantes.
À minha companheira Bárbara Fieto pelo apoio, ajuda técnica, ajuda psicológica, pela
paciência, conforto e tempo doados com carinho durante todo o período deste
trabalho.
Ao SOLTEC/UFRJ e todos que estiveram comigo no período em que estive lá, pelo
intenso aprendizado, importante para a formação como engenheiro e para a execução
deste trabalho. Em especial, aos professores Sidney Lianza e Ricardo Mello, que
muito bem me orientaram ao longo de dois anos no SOLTEC.
Aos meus amigos e professores do curso de guia de turismo da Marc Apoio, que
fizeram eu me apaixonar pelo turismo e foram importantes do meu aprendizado, sendo
essenciais para a realização deste trabalho.
Ao professor Ivan Bursztyn não só pelas horas disponibilizadas na orientação, pela
confiança e credibilidade, mas também pela consideração e apreço.
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Resumo do Projeto de Graduação apresentado ao DEI/POLI/UFRJ como parte integrante dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Engenheiro de
Produção.
TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA NO RIO DE JANEIRO: INCLUSÃO SOCIAL E
DESENVOLVIMENTO LOCAL APOIADOS PELA ATIVIDADE TURÍSTICA
Vitor Lederman Rawet
Agosto/2014
Orientador: Ivan Bursztyn
Coorientador: Roberto dos Santos Bartholo Junior
Curso: Engenharia de Produção
Diante do crescimento do turismo e dos seus consequentes impactos, é visto uma forma alternativa da prática da atividade turística. O Turismo de Base Comunitária surge como proposta de colocar a comunidade em um papel central. Seus habitantes tem o poder de decisão sobre a maneira que o empreendimento comunitário será desenvolvido, levando em conta os anseios da própria comunidade em uma organização auto-gestionária. Sendo assim, o TBC tem alta capacidade de potencializar o desenvolvimento local. Esse trabalho tem como objetivo ser um instrumento de fortalecimento do turismo comunitário na cidade do Rio de Janeiro, fazendo com que ele possa ser um fator de inclusão social de cidadãos que hoje estão marginalizados pelos roteiros do turismo convencional. Do ponto de vista da demanda por este tipo de turismo, o turista poderá procurar por passeios que envolvam a participação dos próprios membros da comunidade. Esse tipo de roteiro ainda sofre de certa carência no Rio de Janeiro, podendo ser, portanto, um “pontapé inicial” de um novo jeito de prática e aproveitamento da atividade turística. O trabalho se desenvolve a partir de um levantamento bibliográfico, um mapeamento de casos de TBC já existentes, uma pesquisa de campo para verificar e analisar esses empreendimentos, sistematização com resultados dessa pesquisa levando a conclusões e gerando conteúdo, reflexões acerca dos estudos de caso e por fim uma conclusão geral.
Palavras chaves: Turismo de Base Comunitária, Inclusão Social, Desenvolvimento Local, Protagonismo Comunitário.
vii
Abstract of Undergraduate Project presented to DEI/POLI/UFRJ as a partial fulfillment of the requirements for the degree of Production Engineer.
COMMUNITY BASED TOURISM IN RIO DE JANEIRO: SOCIAL INCLUSION AND LOCAL DEVELOPMENT SUPPORTED BY TOURIST ACTIVITY
Vitor Lederman Rawet
August/2014
Advisor: Ivan Bursztyn
Joint Advisor: Roberto dos Santos Bartholo Junior
Course: Production Engineering
Given the growth of tourism and its associated impacts, is seen an alternative form of the practice of tourism. The Community Based Tourism emerges as a proposal to put the community in a central role. Its inhabitants have the power to decide on the way the community enterprise will be developed, taking into account the wishes of the community in a self-managed organization. Thus, the CBT has high ability to leverage local development. This paper aims to be a tool for strengthening community-based tourism in the city of Rio de Janeiro, enable it to be a factor for social inclusion of citizens who are now marginalized by the conventional tourist routes. From the point of view of demand for this kind of tourism, the tourist can look for tours that involve the participation of the community members themselves. This kind of tour is still missing in Rio de Janeiro, and may therefore be a “kickoff” of a new way to practice and benefit from tourism. The work evolves from a literature survey, a mapping of existing cases of TBC, a field survey to verify and analyze these cases, systematization with these search results leading to conclusions and generating content, reflections on the case studies and finally a general conclusion.
Keywords: Community Based Tourism, Social Inclusion, Local Development, Community Leadership
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 1
1. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ............................................................................................ 6
1.1 O conceito de turismo comunitário ................................................................................ 7
1.2 O turismo comunitário e seus quatro eixos ............................................................... 10
1.3 As dificuldades da comercialização de iniciativas de TBC ..................................... 14
1.4 Estratégias para a inserção do TBC no mercado do turismo ................................. 15
1.5 O perfil do turista que busca o turismo de base comunitária .................................. 18
1.6 As limitações do TBC .................................................................................................... 22
1.7 Diferenças entre o TBC rural e o TBC urbano .......................................................... 23
1.8 TBC urbano – as favelas e sua caracterização ........................................................ 26
2. MAPEAMENTO DOS ESTUDOS DE CASO ....................................................................... 34
2.1 A metodologia do mapeamento ................................................................................... 34
2.2 Projetos gerais ............................................................................................................... 38
2.3 Santa Marta .................................................................................................................... 40
2.4 Complexo de Favelas da Maré .................................................................................... 46
2.5 Ilha de Paquetá .............................................................................................................. 50
2.6 Morro do Pereirão e o Projeto Morrinho ..................................................................... 56
2.7 Morro do Cantagalo-Pavão-Pavãozinho .................................................................... 60
2.8 Morro da Babilônia/Chapéu Mangueira ...................................................................... 67
2.9 Rocinha ........................................................................................................................... 72
3. REFLEXÕES ACERCA DOS ESTUDOS DE CASO ............................................................. 88
3.1 Análise Geral .................................................................................................................. 88
3.2 Elaboração de roteiros de TBC ................................................................................... 90
3.3 Análise FOFA ................................................................................................................. 93
CONCLUSÃO................................................................................................................. 99
REFERÊNCIAS BILBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 103
1
INTRODUÇÃO
A) Apresentação do tema e contextualização
A atividade turística não se trata apenas de satisfazer e lidar com quem viaja, mas
também tem reflexos para os moradores locais. Se não praticado de maneira
consciente e responsável, pode causar danos ambientais, sociais e econômicos.
Sendo assim, torna-se imprescindível envolver mais um ator na análise do turismo: O
habitante local. É necessário que este se torne parte ativa da atividade, garantindo
assim que os danos citados acima não aconteçam. Ao contrário, o turismo deve ser
encarado como uma ferramenta de desenvolvimento local e inclusão social.
Uma importante ferramenta para que os que vivem onde o turismo é praticado é
justamente o TBC – Turismo de base comunitária. Este modelo de turismo consiste em
uma forma de organização sustentada na propriedade e na autogestão dos recursos
patrimoniais comunitários, como o arranjo das práticas democráticas e solidárias no
trabalho e na distribuição dos benefícios gerados pela prestação de serviços turísticos,
com vista a fomentar encontros interculturais de qualidade com os visitantes
(RIBEIRO, 2009). Por esta definição, pode-se ver que o TBC é um grande
potencializador de desenvolvimento local, em que a própria comunidade pode ofertar
um serviço turístico.
Cada vez mais o turista procura este tipo de empreendimento. Há um crescente
interesse em conhecer além do local visitado, estendendo-se a visita às pessoas que
vivem nele e o seu modo de viver. Por isso, se feito de maneira organizada, o TBC
pode gerar benefícios tanto para turistas quanto para a comunidade em questão.
Analisaremos casos situados no estado do Rio de Janeiro. Com a recente criação das
UPP’s e o aumento da segurança, as favelas se tornaram locais mais seguros para se
passear e conhecer se tornando um polo de cultura diferente refletindo no cotidiano do
2
carioca. O turismo de base comunitária tem potencial de se encaixar nessa nova
realidade. Com os moradores da favela se inserindo na atividade, oferecendo roteiros
e criando pequenos empreendimentos que possam oferecer produtos aos turistas, o
desenvolvimento local é potencializado, com possível melhora na qualidade de vida
dos habitantes.
Além disso, vale ressaltar o potencial turístico que o Rio de Janeiro tem, com uma rica
história, atrativos naturais e por isso certamente está entre as cidades com os
melhores visuais do planeta. Com isso, o turismo cresce cada vez mais, exigindo
diversificação e adequação aos diferentes tipos de turistas, incluindo esse que buscam
uma forte integração com quem mora na cidade, caso do turismo comunitário.
Com a realização da copa do mundo no mês de junho de 2014, e os jogos olímpicos
em 2016, este processo se torna ainda mais evidente. Em função disso, as agências
de turismo podem e muitas vezes até desejam praticar a atividade sem
responsabilidade, acarretando nos danos citados anteriormente. Porém, surge uma
oportunidade justamente no campo do turismo comunitário. Portanto, este trabalho
buscou fazer uma análise de como pequenos empreendedores ou comunidades
podem ser aproveitar desse cenário promissor e garantir que o legado desses dois
megaeventos para o turismo no Rio de Janeiro seja positivo para quem mora na
cidade.
B) Objetivo geral
O trabalho tem como grande objetivo ser um instrumento de potencialização do
turismo comunitário na cidade do Rio de Janeiro, fazendo com que ele possa ser um
fator de inclusão social de cidadãos que hoje estão marginalizados pela sociedade.
Sendo assim, que se possibilite a melhora ou criação de empreendimentos de TBC
que tenham viabilidade econômica, social, cultural e ambiental.
Do ponto de vista da demanda por este tipo de turismo, o turista poderá procurar por
passeios que envolvam a participação dos próprios membros da comunidade. Esse
tipo de roteiro, ainda sofre de certa carência no Rio de Janeiro, podendo ser, portanto,
um pontapé inicial de um novo jeito de prática e aproveitamento da atividade turística.
C) Objetivos específicos
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Os objetivos específicos aqui listados serão etapas que se cumpridas de acordo com o
esperado, atingirão o objetivo final. Porém, os objetivos específicos por si só já seriam
importantes contribuições para o turismo comunitário, seja no campo de sua análise
ou mesmo para o seu crescimento na cidade.
Esses objetivos consistem um levantamento bibliográfico, um mapeamento de casos
de TBC já existentes, uma pesquisa de campo para verificar e analisar esses
empreendimentos, sistematização com resultados dessa pesquisa levando a
conclusões e gerando conteúdo, uma análise crítica deste conteúdo, avaliando o
turismo praticado nesses casos e por fim uma conclusão.
D) Metodologia
A metodologia desse trabalho foi realizada de acordo com o desenvolvimento dos
objetivos específicos citados anteriormente. Os métodos estão descritos abaixo:
D.1)Levantamento Bibliográfico
Primeiramente, foi feita uma revisão bibliográfica sobre o tema, buscando aprofundar o
conhecimento e com isso, definir conceitos que irão nortear o desenvolvimento do
projeto. Esses conceitos serão não apenas no que tange ao turismo comunitário, como
também abordagens sobre ideias que são importantes para a vida comunitária, como
pesquisa-ação, economia solidária, cooperativismo e associativismo.
Foram estudados artigos e publicações que incluem reflexões teóricas e diferentes
estudos de caso de turismo comunitário para que sejam usados como exemplos e
através deles, se obter ferramentas para gerar outros empreendimentos ao longo do
trabalho. Também será importante a leitura de textos que envolvam a viabilidade
econômica e empresas com base em TBC. Artigos nacionais e internacionais
contribuem para compreender a diversidade as experiências.
Após este levantamento bibliográfico e consequentemente aquisição de conhecimento
sobre o tema, foi estabelecida a adoção de critérios para definir quais
empreendimentos seriam de turismo comunitário e quais não seriam. Esses critérios
estarão de acordo principalmente com envolvimento da comunidade e com o
4
crescimento do desenvolvimento local
D.2)Mapeamento de casos de TBC
A segunda etapa consistiu em uma extensa pesquisa por locais em que o turismo
comunitário é praticado, seja de forma embrionária ou já com certo nível de
desenvolvimento. Além de mapear, cabe definir qual o tipo de turismo explorado
(ecoturismo, turismo cultural, turismo de aventura, etc.) e a complexidade e diferentes
necessidades.
É importante ressaltar que aqui ainda não há uma pesquisa de campo. Uma busca foi
feita por meio de professores, profissionais de turismo e mesmo entidades publicas
que tenham conhecimento no assunto e possam fornecer informações de onde
existem casos de TBC.
D.3)Pesquisa de Campo
Após o mapeamento, foi feita uma escolha baseada na importância, na facilidade e na
potencialidade de crescimento dos casos de TBC que serão estudados em pesquisa
de campo. Esse número foi de sete casos, buscando diversificação entre os casos.
Essa diversificação inclui a modalidade do turismo, a região da cidade e o número de
pessoas da comunidade que estão envolvidas no projeto.
Com a definição desses estudos de caso, foi feita a pesquisa de campo propriamente
dita. O objetivo incluiu recolher material dos empreendimentos, entrevistando alguns
dos atores participantes, incluindo os membros da comunidade que trabalham com o
turismo, os membros que não são ativos nele, eventuais parceiros e naturalmente
turistas.
D.4)Sistematização e geração de conteúdo
Com a pesquisa de campo concluída, foi necessário sistematizá-la com as explicações
de cada caso, comparações entre eles, avaliação da possibilidade de crescimento e
interesse e satisfação dos turistas que nele tem experiências.
Pode-se fazer uma análise do impacto do turismo no desenvolvimento local,
verificação da existência de conflitos e possibilidades de crescimento e fortalecimento
5
do turismo comunitário como mais uma prática da atividade turística.
Outra ideia vinda da pesquisa de campo que está no conteúdo proveniente dela é um
dos objetivos finais, sendo a elaboração de roteiros interligados exclusivamente de
turismo comunitário, fazendo com que no futuro, existam roteiros prontos em que o
turista possa usufruir do envolvimento com os moradores da comunidade e de uma
experiência diferente, imersa na cultura local.
D.5) Reflexão crítica do conteúdo sistematizado
Uma vez completa a sistematização, foi feita uma reflexão e uma análise crítica a
partir deste documento gerado. Isso é importante, uma vez que os conceitos
abordados na revisão bibliográfica são verificados nos estudos de casos, podendo
atender ou não as “exigências” de um empreendimento de turismo de base
comunitária.
A principal ferramenta utilizada nesta reflexão crítica é a chamada análise SWOT,
traduzindo para o português, análise FOFA – Forças, fraquezas, oportunidades e
ameaças. Com essa ferramenta, é possível definir possíveis prioridades a serem
seguidas para potencializar e melhorar a prática do TBC no sentido de tornar o serviço
mais qualitativo, além de atrair mais turistas que buscam este tipo de turismo no Rio
de Janeiro.
Outra interessante análise foi a elaboração de um possível roteiro de turismo
comunitário na cidade do Rio de Janeiro que inclua não só os casos estudados, como
também coloque em evidência outros casos que não foram abordados neste trabalho.
D.6) Conclusão
Ao final deste trabalho, retomaremos o tema inicial tratado na revisão bibliográfica,
mas com um incremento baseado no que foi adquirido nos estudos de caso,
sistematização de conteúdo e na reflexão crítica.
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1. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Antes de entrar propriamente na teoria que diz respeito ao turismo comunitário, pode-
se fazer uma reflexão da conjuntura que levou ao crescimento dele, do ponto de vista
da demanda, ou seja, dos turistas procurarem este tipo de passeio durante as férias. A
novidade da consciência ambiental, nos anos 80, atingiu o setor turístico, que passou
oferecer roteiros com o chamado turismo de natureza, ou ecoturismo (MALDONADO,
2009). Além dele, ganhou força o turismo cultural, em que a valorização do
conhecimento de uma cultura diferente passou a ser parte do cenário. Na maioria das
vezes é organizado por comunidades tradicionais, com cultura distinta, se utilizando da
interação com a natureza para garantir sua sobrevivência como comunidade, levando
a cabo o ecoturismo. A pesca artesanal, que muitas vezes é desenvolvida com
atividade complementar ou conjunta com o turismo comunitário, pode ser vista com
um exemplo.
Além do ecoturismo e do turismo cultural, outro conceito prévio ao turismo de base
comunitária é o turismo responsável. Não se trata de um novo segmento de mercado,
mas de uma nova atitude do turista frente à oferta de produtos e serviços turísticos. O
turista responsável é aquele que não se esquece, em seus momentos de lazer e
diversão, dos inúmeros impactos negativos decorrentes de suas opções de viagem.
Podemos identificar hoje duas grandes tendências com relação às ações de turismo
responsável. A primeira delas procura colocar em questão ações de responsabilidade
social e ambiental dos empreendimentos e empresários diretamente ligados ao setor.
Já a outra tendência é a de promoção de práticas de turismo que abram possibilidade
para uma relação direta entre os turistas e as comunidades receptoras,
potencializando os encontros interculturais e a geração de benefícios no âmbito local
(BURSZTYN, BARTHOLO, 2012). Na definição fornecida pela Associação Italiana de
Turismo Responsável (AITR, Associazione Italiana Turismo Responsabile), o Turismo
Responsável pode ser definido como:
7
[...] o turismo realizado segundo os princípios de justiça social e
econômica e no pleno respeito ao meio ambiente e as culturas. O
turismo responsável reconhece a centralidade da comunidade local e
o seu direito em ser protagonista no desenvolvimento turístico
sustentável e socialmente responsável de seu território. Opera
favorecendo uma interação positiva entre indústria do turismo,
comunidade local e viajantes1.
De um modo geral, os resultados das pesquisas revelam o enorme potencial para o
desenvolvimento deste emergente nicho de mercado. Entre os principais destinos para
o turismo responsável, o sul do mundo ganha destaque. Em primeiro lugar a África,
seguida por países como a Índia, a Austrália, o Brasil e o México (BURSZTYN, 2009).
1.1 O conceito de turismo comunitário
Podemos utilizar duas definições como base para definir o conceito de TBC. Uma
síntese de Brohman (1996) e de Ribeiro (2009) dirá que o esse tipo de
empreendimento deve ser visto como uma atividade econômica que estimule a
participação dos habitantes locais gerando um bem estar social e cultural. Sua
organização deve ser feita de maneira auto-gestionária, dialogando com a comunidade
e com vista a fomentar encontros interculturais com os de qualidade com os turistas
visitantes.
Através dessa reflexão, pode-se ver que é necessário que a empresa que tenha como
base o turismo comunitário possua um caráter de funcionamento de autogestão, em
que seus líderes sejam eleitos de maneira democrática, os lucros sejam repassados
ou de maneira equitativa, ou de maneira em que todos concordem. Esses lucros não
podem ser vistos como o único interesse do empreendimento. Deve haver,
principalmente, preocupação com o desenvolvimento social.
Além disso, é pré-condição para uma comunidade que deseja fazer do turismo a sua
atividade de sustento que tenha consciência ambiental a fim de que garanta que a
extração de recursos seja feita de maneira sustentada, bem como o seu uso seja
aproveitado também pelas gerações futuras.
1 www.aitr.org
8
Fica claro que quem deve oferecer esse serviço são os moradores da própria
comunidade. Eles devem ser protagonistas no empreendimento, que deve ser gerido
de acordo com as suas necessidades. Exemplos disso são a construções de
pousadas anexas as casas, passeios em que os guias e planejadores são os
habitantes do local, ou pequenos restaurantes em que a comida ofertada é preparada
e servida por esses mesmos membros da comunidade.
Há ainda uma análise feita por dois importantes órgãos que fomentam o turismo
comunitário. Um deles, a Rede Tucum (Rede cearense de turismo comunitário) que há
mais de duas décadas empreende neste tipo de turismo, define oito ideias que estão
atreladas ao TBC2:
1. As atividades de turismo são desenvolvidas por grupos organizados, e os projetos
são coletivos, de base familiar.
2. O turismo se integra à dinâmica produtiva local, sem substituir as atividades
econômicas tradicionais.
3. O planejamento e a gestão das atividades são de responsabilidade da organização
comunitária local.
4. O turismo comunitário baseia-se na ética e na solidariedade para estabelecer as
relações comerciais e de intercâmbio entre a comunidade e os visitantes.
5. O turismo comunitário promove a geração e a distribuição equitativa da renda na
comunidade.
6. O turismo comunitário fundamenta-se na diversidade de culturas e tradições,
promovendo a valorização da produção, da cultura e das identidades locais.
7. O turismo comunitário promove o relacionamento direto e constante entre grupos
que também desenvolvem a experiência de um turismo diferente, estabelecendo
relações de cooperação e parceria entre si.
8. O turismo comunitário fundamenta-se na construção de uma relação entre
sociedade, cultura e natureza que busque a sustentabilidade socioambiental.
Por outro lado a Rede Brasileira de Turismo solidário e comunitário (TURISOL)
define onze princípios que devem ser essenciais á prática do turismo comunitário3:
1. Produto turístico ou atração turística é o modo de vida.
2. Turismo é instrumento para o fortalecimento comunitário e associativo. 2 http://www.tucum.org/oktiva.net/2313/nota/118393 3 http://bahiaplus.wordpress.com/tag/rede-turisol/
9
3. Participação – a comunidade é proprietária, gestora, empreendedora dos
empreendimentos turísticos.
4. O turismo é uma atividade complementar a outras atividades econômicas já
praticadas.
5. Distribuição justa do dinheiro e transparência no uso dos recursos.
6. Valorização cultural e afirmação da identidade.
7. Relação de parceria e troca entre o turista e a comunidade.
8. Questão fundiária – o turismo auxilia na luta pela posse da terra pela comunidade.
9. Conservação e sustentabilidade ambiental.
10. Cadeia de valor focada no desenvolvimento das comunidades – todos os elos da
cadeia contribuem.
11. Organização e normatização.
Como era de se esperar, essas duas diferentes diretrizes propostas não se opõe, ao
contrário, possuindo uma complementaridade no que tange à importância da
consciência coletiva, preocupação ambiental e manutenção e expressão da cultura
nas comunidades.
Outra questão importante colocada em ambas as definições, diz respeito ao caráter
contra hegemônico do turismo comunitário em relação ao turismo convencional, um
turismo de massa. Enquanto um visa uma massificação da atividade com intuito quase
exclusivo de garantir lucros, característico da sociedade capitalista, o outro entra com
um viés alternativo, em que o lucro se não é proibido, tem de conviver com condição
de fornecer benefícios sociais para a comunidade.
E vale dizer que no caso do turismo convencional, se praticado de maneira não
sustentada, pode vir a sufocar comunidades tradicionais, com menos recursos e que
costumam ficar a margem da prioridade dada pelo poder público. Podemos citar dois
exemplos em que isso acontece: grandes empreendimentos hoteleiros a beira de
praias paradisíacas acabam trazendo impactos negativos para os pescadores que lá
residem e a expulsão dos pobres moradores das favelas recém-pacificadas no Rio
pela especulação imobiliária. O que pode ser dito é que no turismo tradicional, as
comunidades são convencidas a abandonar suas atividades tradicionais para
trabalharem em subempregos.
10
1.2 O turismo comunitário e seus quatro eixos
Outro conceito importante para moldar um empreendimento de turismo de base
comunitária é o desenvolvimento sustentável. Este deve ser direcionado no sentido de
satisfazer as necessidades do presente sem comprometer as capacidades das futuras
gerações de suprirem as suas próprias demandas. Não se pode, portanto, esgotar os
recursos de modo que em no futuro esse empreendimento tenha qualquer risco de se
acabar.
Porém, um turismo que se preocupe com o desenvolvimento sustentável somente no
seu sentido amplo será considerado apenas um caso de turismo sustentável. Para
chegar a um caso de TBC com as características citadas no item anterior, é
necessário que essa sustentabilidade se amplie em quatro eixos e todos eles devem
ser satisfeitos. Uma TBC bem sucedida deve ser sustentável em quatro importantes
dimensões: Econômica, Social, Cultural e Ambiental (MALDONADO, 2006).
Dimensão Econômica
Nesta dimensão, é importante que o turismo comunitário seja um instrumento de
superação da pobreza. Na maioria dos casos de TBC, sejam eles já existentes ou
apenas potenciais, a maioria das comunidades em questão convive com a escassez
de recursos. Sendo assim, as receitas geradas pela atividade têm de fornecer
benefícios reais, como bem-estar e segurança.
Por isso, é importante que a comunidade possa cobrir os seus gastos com a atividade
turística e gerar lucros que possam trazer ganhos sociais. Portanto, é preciso acesso a
crédito e capacidade de saldar dívidas. Torna-se importante a criação de fundos
comunitários e a melhora na infraestrutura do local para fazer com que a oferta de
serviços seja competitiva.
Além disso, outro fator que pode ser essencial na sustentabilidade e prosperidade
econômica é a capacidade e possibilidade de uma comunidade fazer parcerias que
venham a desenvolver o próprio empreendimento. São dois os principais parceiros
que podem fazer diferença: O poder público e agências de turismo. No caso do poder
público, incentivos fiscais, fornecimento de material ou mesmo estudos provenientes
de universidades podem potencializar a atividade turística. E agências de turismo, por
11
outro lado, tem maior conhecimento e prática no que se refere à proximidade com
clientes e venda de pacotes.
Dimensão Social
O âmbito em questão diz respeito ás relações sociais que são geradas e impactadas
pelo TBC. É importante que os moradores da comunidade sejam protagonistas nas
decisões do empreendimento comunitário, tomando as decisões referentes a ele.
Porém, essas decisões devem ser tomadas de maneira democrática por toda a
comunidade, até mesmo dando voz àqueles que não lidam diretamente com o turismo.
Isso irá garantir que todos participem, dando a sensação de pertencimento,
melhorando a confiança entre os membros e atingindo ganhos sociais. Esses ganhos
serão repartidos entre todos e lucros têm de ser investidos para o bem da
comunidade, em áreas como saúde, educação e moradia.
É valido abordar nesta dimensão social, o conceito de empoderamento (ALDECUA,
2010). Uma comunidade vai ganhando poder aos poucos. Isso se dá em três etapas.
Em um estágio inicial, é necessária a aquisição de confiança por parte dos membros
com objetivo de lutar pelos seus objetivos. Com isso, pode-se fazer uma análise de
conjuntura para se ver as demandas da comunidade. Após isso, se alcança um
consenso entre os membros para posterior tomada de decisões. Uma vez que estas
decisões são consolidadas, passa o momento de a comunidade atuar e agir para
transformar o seu entrono e melhorar suas circunstâncias (ver figura 3).
Há diferentes níveis de empoderamento da comunidade, fazendo-o inclusive em forma
de pirâmide invertida, indo do empoderamento débil, passando ao empoderamento em
processo, chegando ao empoderamento máximo (ALDECUA, 2010).
No primeiro nível, ou seja, o empoderamento débil há duas possibilidades de
participação da comunidade. A pior delas vem por parte da manipulação de um agente
externo que finge consultar a comunidade para legitimar a atuação muitas vezes
danosa. O outro nível se dá por participação passiva, em que a comunidade é apenas
avisada das decisões tomadas.
No empoderamento em processo, em um primeiro nível ocorre a participação como
consulta, em que é a comunidade é consultada, mas os agentes externos não tem
12
obrigação de levar em conta o que pensam os membros. A participação incentivada
materialmente vem em seguida, onde a comunidade recebe recursos em troca de
concessão do uso dos recursos naturais da região. Na participação funcional, a
comunidade já participa do processo de tomada de decisão, porém as decisões
maiores e mais importantes ainda ficam por conta de outros atores.
No empoderamento máximo, a comunidade participa das análises, desenvolve planos
de ação e apoia o fortalecimento das instituições locais. A participação é encarada
como um direito. Há um processo de aprendizagem comunitário sistemático e
estruturado. Os próprios moradores locais definem como serão usados os recursos
disponíveis. E finalmente no nível máximo, ocorre a automobilização: A comunidade
caminha totalmente independente de agentes externos e do poder público e se torna
protagonista de relações com ONGs e buscando meios de se desenvolver ainda mais.
Dimensão Cultural
Muitas vezes, o turismo de massa acaba por sufocar culturas tradicionais, se não for
praticado de maneira responsável. Isso ocorre porque diversos motivos. Antes de tudo,
o turismo convencional está preocupado quase que exclusivamente com o lucro,
gerando consequências negativas.
Um exemplo disso pode ser visto quando a especulação imobiliária ou mesmo por
Figura 1 - Pirâmide invertida do empoderamento (ALDECUA; 2011; p. 42)
13
meios ilegais, se expulsa as populações tradicionais – como pescadores, indígenas ou
moradores de favela – de seus locais de moradia, dizimando a cultura ali existente.
Impactos ambientais também são responsáveis por transformações culturais, já que
praias são poluídas, prejudicando pescadores. Ainda podemos citar o fato de que
muitos membros dessas comunidades abandonam esta comunidade já que a oferta de
emprego fora dela é mais atrativa.
O turismo comunitário tem o compromisso de ir à contramão dessa tendência. Deve
ser um instrumento importante de valorização da própria cultura através deste modelo
de atividade. Isso se dá com ofertas de serviços turísticos que não só mostram como
também enaltecem a cultura local aos turistas interessados.
Atividades de TBC que tem esse potencial envolvem roteiros que mostram a culinária,
história, danças e ritmos, artesanato e elementos de integração da natureza, como
trilhas, entre outros. Esses instrumentos serão essenciais para a perpetuação da
cultura podendo chegar às próximas gerações. Além disso, esta cultura ainda será
mostrada aos turistas, que passarão a conhecê-la e também valorizá-la.
Dimensão Ambiental
Cada vez mais cresce modalidades de turismo alternativo, como o ecoturismo e o
turismo de aventura. Se praticados sob o olhar do turismo de massa, essas atividades
tem alta probabilidade de impactar o meio ambiente. Podem poluir mares e desmatar
florestas, gerando consequências negativas para os moradores locais.
Por outro lado, as iniciativas de TBC, na maioria dos casos, preserva o meio ambiente.
As razões para isso envolvem em primeiro lugar o fato de que os moradores locais
dependem dos recursos naturais para a sua sobrevivência e por isso, valorizarão mais
o ambiente ao redor. A outra questão diz respeito à necessidade de preservação para
a prática da atividade turística com visão de longo prazo.
O principal meio de preservação do meio ambiente pelas comunidades que se utilizam
de TBC é criação de unidades de conservação. Elas freiam a especulação imobiliária,
garantindo a posse da terra e permitem a exploração de recursos naturais de maneira
limitada, garantindo a proteção necessária ao meio ambiente. Já há várias
experiências de UC's pelo Brasil, onde o TBC cresceu e é praticado de maneira
14
sustentável, como a Rede Tucum4, no litoral do Ceará.
1.3 As dificuldades da comercialização de iniciativas de TBC
Recentemente, o turismo de base comunitária se tornou uma alternativa da prática de
turismo no Brasil em âmbito local. A consequência desse fato foram iniciativas de
políticas públicas que fomentem e qualifiquem o TBC. Porém, isso ainda não tem sido
suficiente para que este modo de turismo chegue aos avanços sociais desejados pelas
comunidades. Os empreendedores locais precisam se qualificar de modo a melhorar a
gestão dos negócios, garantir sucesso na governança e estar em constante processo
de monitoração da atividade turística. Além disso, a principal transformação exigida é
a inserção do TBC no acesso ao mercado para a comercialização do serviço.
Pode-se dizer que os roteiros de TBC devem ser comercializados a fim de garantir a
sobrevivência e, portanto a existência do empreendimento, uma vez que a principal
causa para o insucesso das iniciativas é justamente essa dificuldade da inserção no
mercado por parte desses pequenos empreendedores. Por este motivo, torna-se
essencial a adoção de estratégias para sanar este obstáculo presente na consolidação
do TBC como alternativa ao turismo convencional.
Podem-se apontar algumas diretrizes que tem capacidade de ajudar a reduzir esse
quadro problemático: Usar o mercado convencional e integrar nestes roteiros de TBC;
aumentar o mercado de distribuição com ferramentas baseadas em tecnologia da
informação; e a concorrência em prêmios nacionais e internacionais com intuito de
tornar conhecidos os empreendimentos de TBC (BURSZTYN; BARTHOLO, 2012).
Felizmente, esse tema vem sendo debatido em fóruns onde há possibilidade de
promoção do turismo de base comunitária. Um exemplo disso ocorreu no I encontro
nacional da rede Turisol, em Uruçuba (BA), onde foi possível estabelecer seis linhas
de ação que busquem a melhora nos serviços:
Em relação à comercialização, foi sugerido o desenvolvimento de
parcerias com agências de viagem interessadas em trabalhar com
TBC; o apoio à estruturação de roteiros nas comunidades que fazem
parte da Rede; e o fortalecimento da Rede como veículo de promoção
e divulgação coletiva (BURSZTYN; BARTHOLO, 2012, p. 101).
Outra importante inciativa que pode ser citada é a parceria com agências e operadoras
4 http://www.tucum.org/
15
de turismo, uma vez que estas possuem conhecimento prévio na operação da
atividade turística e poderiam ser de grande valia para empreendimentos comunitários
que desejam se inserir no mercado de turismo. Porém, essa relação conta com certa
desconfiança quando aplicada com agências com tamanho e inserção nacional, uma
vez que o perfil do turista que as procuram difere daquele interessado em TBC. As
empresas locais, por outro lado, têm maior conhecimento sobre o perfil do visitante e o
tipo de experiência de visitação que as iniciativas oferecem.
É interessante relatar os resultados de uma pesquisa com projetos de TBC, por
pesquisadores vinculados à Universidade do Estado do Rio de Janeiro e à Leeds
Metropolitan University Intitulada “Monitoramento dos Projetos de Turismo Base
Comunitária”. Em princípio, foram apontadas fragilidades em três áreas: acesso ao
mercado, governança e monitoramento (BURSZTYN; BARTHOLO, 2012).
Descobriu-se que o principal meio de divulgação dos roteiros de TBC é o “boca a
boca” e as redes de relacionamento direto. Naturalmente, esses dois métodos são
deficientes quando se trata do conhecimento das iniciativas para o grande público e
por isso são necessárias estratégias a fim de mudar esse cenário. Porém, o aspecto
positivo é que ainda não é possível para o TBC ofertar os serviços em grande escala e
há uma garantia de que o visitante que chega para conhecer o local está imbuído em
ter uma relação diferente com os moradores e se aprofundar na experiência.
A internet, por mais que tenha se massificado de maneira geral, ainda não é usada de
maneira eficaz pelos empreendedores de TBC em ambos os casos: divulgação dos
roteiros e atividades e ferramenta de comunicação com turistas interessados em visita-
los. Isso ocorre porque existem dificuldades no acesso a rede, sendo assim
necessária a capacitação dos membros no uso dessas tecnologias.
1.4 Estratégias para a inserção do TBC no mercado do turismo
A aproximação conceitual entre turismo responsável e TBC é evidente. O primeiro
atrai turistas com consciência de que estão ali para conhecer o ambiente de visitação
de maneira passiva, mas passa ser mais um ator presente na localidade. Já o
segundo reúne os viajantes que buscam maior autenticidade nos seus passeios e
fazem questão do acolhimento por parte das pessoas que oferecem o serviço, não
sendo apenas cliente, mas também participantes e transformadores da realidade local.
16
Naturalmente, é preciso que existam comunidades dispostas a oferecer tal tipo de
turismo.
Entretanto, para garantir a sustentabilidade de ambos os casos, é necessário que eles
dialoguem entre si e também com o mercado consumidor de modo a encontrar seu
público-alvo e divulgas os seus serviços. Portanto, devem ser feitas estratégias com
esse objetivo. Burstzyn e Bartholo (2012) descrevem essas linhas de ação da seguinte
maneira:
O turismo responsável e o TBC representam novas utopias para as
práticas de turismo e não segmentos de mercado, como
apresentados, anteriormente, em alguns dos documentos e pesquisas
consultados. Para realizar esse potencial transformador, as iniciativas
de TBC precisam estabelecer uma estratégia sólida de
comercialização, no intuito de garantir sua viabilidade econômica sem
que isso signifique a perda dos valores que sustentam e dão
identidade às suas práticas. Priorizar o trabalho de divulgação do TBC
junto a grupos sociais sensíveis à temática socioambiental, como os
elencados acima, pode representar um importante avanço no sentido
de vincular o TBC como opção de lazer prioritária desses grupos
(BURSZTYN; BARTHOLO, 2012, p.110).
Serão enumeradas três ações principais no sentido de melhorar a inserção do TBC no
mercado:
Informação e facilitação da comunicação
O mais importante para as iniciativas de TBC é não existir qualquer dificuldade de
aproximação entre demandante e ofertante do serviço, ou seja, entre os visitantes que
se interessam em conhecer lugares onde é praticado o TBC e os empreendedores
locais. O primeiro passo para isso é ter na divulgação um conteúdo com os princípios
e valores que caracterizam o TBC para que potenciais viajantes se identifiquem e se
interessem em fazer a visita. Tal divulgação é importante para marcar uma identidade
única existente no TBC e a certeza de que o turista terá uma experiência diferente da
vivida com o turismo tradicional.
O conteúdo dessa divulgação deve ter os projetos sociais e ambientas existentes na
comunidade e como o visitante terá a oportunidade de influir no desenvolvimento
cultural, social e humano da região. Além disso, tem igual importância a explicitação
17
dos atrativos turísticos de lazer, como praias, monumentos históricos e museus que o
turistas poderá desfrutar. Para atingir êxito, deve-se facilitar a comunicação entre
viajante e iniciativas locais através de internet, telefones e outros mecanismo que
possibilitem que não haja falha na nesta ligação.
Outro ponto importante se refere ao idioma. Como muitos são estrangeiros, o
aprendizado de um segundo idioma se faz essencial para atrair este público externo.
Além disso, a comunidade deve se esforçar ao máximo para manter o vínculo com
aquele turista que se mostrou feliz com uma visita realizada, com o objetivo de fazê-lo
um dia voltar ou mesmo de incentiva-lo a divulgar para conhecidos no seu país de
origem.
Canais de promoção e divulgação
A estratégia para a melhora da comercialização do TBC passa pelo uso principalmente
dos instrumentos de comunicação já massificados e passíveis de acesso pelas
iniciativas de TBC. Naturalmente, a internet é a principal ferramenta que se enquadra
nesse perfil e deve ser encarada como essencial no fortalecimento da divulgação das
atividades turísticas. Os empreendimentos de turismo comunitário devem investir na
criação de websites de fácil navegação contendo as informações que podem ser
relevantes aos turistas. A tradução do site para uma segunda língua também tem
grande utilidade. A inserção desses empreendimentos em sites de viagens já
reconhecidos pode ser uma alternativa interessante. Por fim, as redes sociais ajudam
na divulgação “boca a boca”.
Apesar disso, os custos para tomar tais iniciativas por vezes podem estar acima do
orçamento. É valida a ideia da criação de um portal que contenha exclusivamente
iniciativas de TBC regional ou mesmo nacional. Essa medida poderia diminuir os
custos e gerar um público identificado com a causa, conforme abaixo:
A inserção dos serviços e atividades oferecidos pelas comunidades no
elenco de atrativos dos destinos primários mais próximos contribui
para difundir o TBC entre os visitantes que já estão na região e podem
se interessar por agregar às suas viagens uma experiência diferente.
O foco prioritário nos viajantes independentes não quer dizer que as
iniciativas de TBC devem se fechar para o diálogo com agências e
operadores de turismo. Os empreendedores comunitários podem se
beneficiar do contato com esses agentes de mercado e abrir novas
oportunidades de negócios (BURSZTYN; BARTHOLO, 2012, p.112).
18
Outra importante estratégia é a participação em eventos de turismo. A todo o
momento, acontecem feiras e congressos sobre o tema que se enquadram também no
TBC. Nesses eventos, é possível o estabelecimento de parcerias com outras agências
e uma oportunidade de divulgação do turismo de base comunitária.
Formação continuada
Outro problema enfrentado pelas comunidades que tenham interesse na prática do
turismo comunitário é a baixa qualificação. Sendo assim, é necessária a capacitação
dos moradores locais para garantir a qualidade do serviço prestado aos viajantes,
baseado nas suas demanda e preferências de visitação. Para isso, é importante o
suporte técnico proveniente de eventuais parcerias com universidades e o SEBRAE.
Outra parte da capacitação tem de ser justamente nas ferramentas de divulgação.
Conforme já abordado, a internet é uma das responsáveis por aproximar clientes e
interessado. Portanto, o ensino do uso de computadores e de montagens de site em
mais de um idioma também deve ser priorizado.
Por fim, cursos de línguas estrangeiras serão importantes tanto para a divulgação,
quanto para a realização do serviço propriamente dito. Uma vez que um guia local
saiba falar um segundo idioma, ele agrega valor ao seu trabalho e passa a se permitir,
mas turistas, aumentando o seu leque de clientes.
1.5 O perfil do turista que busca o turismo de base comunitária
Após uma análise de quais as estratégias poderiam fomentar o turismo de base
comunitária no que se refere a inserção no mercado, cabe um estudo sobre o mercado
potencial, isto é, quais são as características presentes em um turista que está
interessado em ter uma vivência de TBC em sua viagem. Isso é importante porque
traça um limita a busca apenas àqueles que de alguma maneira, tem possibilidade de
serem eventuais visitantes, descartando os que não têm qualquer chance, como os
que se interessam por um turismo de luxo.
Em primeiro lugar, é necessário um engajamento ativo por parte do turista, já que esse
protagonismo será essencial ao do TBC. Além desse perfil, o visitante dessas
comunidades desfruta dos momentos de diversão e lazer, mas não ignora os impactos
negativos que por ventura sua viagem possa oferecer, se esforçando para mitiga-los,
transformando-os em positivos e trazendo benefícios a comunidade.
19
Além disso, é valido citar algumas pesquisas que foram feitas sobre o turismo de base
comunitária e o perfil do visitante em questão. De acordo com uma pesquisa feita pela
SNV Netherlands Development Organization, o conceito de turismo comunitário deve ser
visto como uma atitude consciente como turista ou mesmo como uma filosofia de
viagem (SNV, 2009). Os dados dessa pesquisa se revelam interessantes: os “turistas
responsáveis” são em gerais jovens e idosos, porém abrangem todas as faixas etárias,
tem elevado nível de escolaridade, rendimentos acima da média, são provenientes de
áreas urbanas e não visitam apenas as grandes cidades onde reinam o turismo
convencional. Além disso, costuma planejar as férias ativamente e além de conhecer
os locais que visitam, tem intenção de vivenciar experiências interativas, como
filantropia e voluntariado. Em termos de nacionalidade, os norte-americanos “vencem”
em números absolutos, mas com destaque para os britânicos e os espanhóis, estes
últimos em expansão.
Ainda de acordo com esta pesquisa, é possível verificar o que os turistas mais
valorizam em relação aos interesses turísticos. O quesito mais valorizado pelos
turistas em suas viagens pelo Brasil é a água (rios, cachoeiras ou mar), com 46% das
respostas. O contato com as comunidades locais, ou seja, a “cultura regional” foi
citada por 19% dos entrevistados. Em seguida, veio “jeito do povo” (12%) e
“personagens da cultura local” (3%). Um terço das pessoas revelou que tem interesse
nas iniciativas de TBC. Em outra pesquisa, o motivo principal na escolha dos destinos
está na natureza e nas praias. Porém, conhecer a cultura local e as festas populares
têm ganhado importância nos últimos tempos (MTUR, 2009).
Outro dado importante está relacionado às fontes de informação para viagem. Foi
demonstrado o papel fundamental da internet nesse sentido, uma vez que 62% dos
entrevistados, em uma das pesquisas, a definiram como principal fonte de
informações. Além disso, ainda é utilizada para realizar compras relacionadas à
viagem, como de passagens e para efetuar reservas em hotéis. Porém, a propaganda
“boca a boca” também exerce papel importante como fonte de informações, em uma
das pesquisas os entrevistados definiram as dicas de parentes e amigos como
principal fonte de informações para suas viagens (MTUR, 2010).
O perfil do turista brasileiro é viajar com a família, consistindo esse grupo em mais da
metade dos entrevistados. Outro dado importante é que não costuma comprar pacotes
de viagem em agências turísticas, tendo por hábito entrar em contato direto com os
20
prestadores de serviço (MTUR, 2009).
Além disso, é necessário atentar para algumas mudanças que estão ocorrendo no
interesse do viajante. Aos poucos, os ícones culturais vão sendo menos importante
enquanto aspectos gerais da cultura tem ganhado relevância. As empresas terão de
se adequar a essa realidade, combinando cultura, lazer, conforto e produtos de
entretenimento, oferecendo, por exemplo, viagens que permitam hospedagem familiar
como parte da experiência.
Cabe dizer que cada turista interessado no TBC é diferente e procura experiências
diferentes. Alguns querem hospedagem no local e uma estadia curta. Outro topam
algum programa de voluntariado que aceitam ficar por meses convivendo com a
comunidade. Portanto, torna-se difícil traçar um perfil e definir claramente o TBC que o
viajante deseja. O melhor caminho para o desenvolvimento acaba sendo focar no
público mochileiro (BURSZTYN; BARTHOLO, 2012).
Estrangeiros, que quase sempre estão interessados em um turismo de luxo, passam
aos poucos a buscar o contato com outras culturas e conhecimento mais profundo
delas. É um perfil de turista que foge das praias badaladas e procura algo mais
sossegado. Portanto, não é aquele visitante que procura o turismo sexual, que está
mais presente nas praias onde o turismo de massa é forte, inexiste em ambientes
litorâneos com atividade de TBC.
E no caso dos turistas em geral, sejam eles brasileiros ou vindos de fora, sentirem
uma valorização maior por parte dos ofertantes de serviço já que estes moram,
conhecem e dão mais importância a história e ao desenvolvimento do local. É comum
turistas que usufruem de experiências de turismo comunitário, além de recomendarem
para amigos, manter o contato com os habitantes e retornarem em outra ocasião.
Isso no início é uma quebra de paradigma para os moradores. Os turistas costumam
fazer perguntas, querer saber como se desenvolve a vida no local. As comunidades,
porém, estão mais habituadas com outras atividades, como a pesca, com o contato
restrito aos próprios membros e teve que de certa maneira, de reinventar e “quebrar o
muro” para fazer o contato com os turistas.
A tabela 1 define o perfil dos turistas consumidores de TBC Foi feita com o intuito de
conseguir informações sobre o mercado de TBC na América Latina.
21
Tabela 1 - Perfil do Consumidor de TBC (Adaptado de SNV, 2009, p.70).
Pode-se ver, nos anos recentes, um aumento no número de turistas motivados pelos
itens enumerados na tabela anterior. Aos poucos, há maior preocupação no
conhecimento da cultura local e das pessoas que lá residem, em um detrimento das
“coisas” que lá tem, isto é, dos pontos turísticos que lá existem. Não que se ignorem
monumentos, praias ou rios, mas esta visita não pode vir sem a inserção na
comunidade local. Em outras palavras, além de se conhecer os monumentos, se
conhece as pessoas que construíram e mantêm este monumento. Além de se
conhecer praias e rios, se entende também como se dá a rotina dos pescadores que
necessitam e usufruem dessas praias e rios.
A constante troca entre hóspede e hospedeiro é um das grandes combustíveis do
turismo comunitário, que certamente cresce com essa tendência de mudança nos
interesses dos turistas. A figura 2 ilustra essa mudança e revela o potencial de
crescimento do TBC.
22
1.6 As limitações do TBC
Outro assunto que deve ser tratado com destaque diz respeito às limitações do TBC.
O turismo comunitário é um grande potencializador do desenvolvimento local, mas não
avança para outros aspectos de igual importância. No mundo desigual em que
vivemos, essa ferramenta é insuficiente para de fato transformar a sociedade e
tampouco caminha neste sentido, já que as pequenas comunidades não costumam
disputar os espaços institucionais e pouco se interessam no que acontece longe delas,
se preocupando apenas com o seu entorno. (ALDECUA, 2010)
Além disso, essas comunidades, em suas grandes maiorias tradicionais, não possuem
poderio econômico e ou lastro social capazes de se organizar em cooperativas,
associações ou qualquer grupo que seja capaz de lutar por melhoras para essa
própria comunidade. E aí está o grande desafio: Fazer com que haja uma construção
coletiva de modo a dar empoderamento a estas comunidades.
Portanto, ao analisarmos estas duas limitações, pode-se ver que uma está no caminho
externo devido à limitação do desenvolvimento ser apenas local, enquanto a outra se
dá no campo interno, que devido a conflitos ou mesmo incapacidade, dificulta a
implantação de empreendimentos de base comunitária ou do TBC.
É no acontecimento desses conflitos que é importante desmistificarem certos
romantismos que acercam a ideia do turismo comunitário. Ao longo de todo este
Figura 2 - Interesse do turista (BURSZTYN, 2009, p. 75).
23
levantamento, o turismo comunitário foi tratado como se não houvesse defeitos,
enquanto as experiências de turismo de massa eram “como se fosse o diabo”. É
importante colocar um contraponto a esse paradigma.
Quanto mais democracia se preza em uma comunidade, mais difícil ela será de ser
gerida. Brigas de ego e distorções nas relações pessoais são normais, geram conflitos
e acabam prejudicando empreendimento, tornando-o cada vez mais difícil de auto
sustentar.
Algumas comunidades contam hoje com poucas pessoas que participam do
empreendimento de turismo comunitário de maneira direta. Embora todos os membros
do local possam tomar partidos e influam nas decisões do empreendimento, alguns
acabam sendo mais beneficiados do que outros, atraindo mais capital para si.
Há ainda locais em o que os conflitos chegam ao nível de certos membros da
comunidade defenderem abertamente uma migração de atividade comunitária para a
prática do turismo de massa, já que este pode render mais lucros e não foca na
coletividade. Esse caso é o exemplo da Prainha do Canto Verde, no litoral cearense
(FORTUNATO; SILVA, 2013).
1.7 Diferenças entre o TBC rural e o TBC urbano
O TBC Rural e o cenário propício a isso
Conforme abordado, é essencial para o TBC que haja protagonismo da própria
comunidade. Portanto, um local em que a vida comunitária seja mais presente e tenha
as suas instituições fortalecidas, tem uma maior potencial de desenvolver o turismo de
base comunitária.
Por esse cenário apontado, é de se esperar que o TBC seja mais praticado em
ambientes rurais ou ao menos não urbanos, já que nestes locais, a vida é menos
dinâmica, mais linear e com diversificação em níveis menores. O campo ou uma praia
não “frequentada” são ambientes mais propícios para seus habitantes se organizarem
em grupos e comunidades. Com isso, a vida comunitária se aflora e os grupos de
moradores acabam se tornando também grupos de trabalho.
24
Alguns dos ali residentes, vendo que os moradores da cidade tem o hábito de em suas
horas de lazer, buscar um refúgio fora da agitação do ambiente urbano e passear em
locais mais tranquilos, escolhem o turismo como forma de garantir o seu sustento. O
empreendimento de TBC é então formado para atender uma necessidade local e
também garantir uma demanda vinda dos turistas de fora. Portanto, é muito mais fácil
e mais comum o TBC ser aplicado a um local mais rupestre, praticando-se o agro
turismo em um ambiente rural, praticando-se o ecoturismo uma unidade de
conservação ou até mesmo o turismo de aventura em locais propícios a escalada.
Estas tendências podem ser verificadas historicamente, uma vez que o TBC se iniciou
no campo, com comunidades rurais de origem indígena da América Latina e aos
poucos se estendeu para quilombolas, pescadores e outros grupos que representam
as comunidades tradicionais. No Brasil, o desenvolvimento ainda é recente e sendo
praticado também por esses agentes citados anteriormente (BURSZTYN, 2009).
O TBC Urbano: outro viés
Por outro lado, as características presentes da cidade grande e urbanizada se diferem
muito das encontradas no espaço rural, o que irá impactar também na maneira em que
se dá o turismo de base comunitária praticado. Na cidade, as comunidades se
organizam de maneira diferente o que tornará a análise de TBC mais profunda e com
certa dificuldade de ser feita.
Ao contrário da vida no campo, a cidade conta com um alto grau de dinamismo. A
diversificação entre as pessoas é bastante elevada, seja em classes sociais, em
bairros de moradia ou acesso aos bens essenciais. Além disso, a rotina das pessoas
também se difere, com alguns tendo de se deslocar quilômetros ao local de trabalho e
outros praticando os seus afazeres próximo às residências. A complexidade urbana
acaba por ser maior que aquela verificada no ambiente rural. Assim, se torna mais
difícil analisar uma comunidade, já que ela também terá estes altos níveis de
diversificação. Por vezes, se torna complicado até mesmo classificar determinada
moradia como uma comunidade.
No Rio de Janeiro, cidade onde está sendo realizado este trabalho, essa realidade se
acentua ainda mais, por ser a segunda maior cidade do país, com seis milhões de
habitantes e caráter extremamente cosmopolita. Outro interessante aspecto quase
25
exclusivo à Cidade Maravilhosa é o fato de muitas vezes a pobreza conviver lado a
lado com a riqueza, já que as favelas podem estar localizadas mesmo nas zonas mais
abastadas da cidade.
O perfil do turista que visita a cidade, em contrapartida, também conta com diferenças
em relação àquele que vai para um ambiente mais sossegado. Ele tem interesse em
conhecer essa energia e esse dinamismo específico de cada cidade. No Rio de
Janeiro, com uma variada cultura e inúmeras formas de expressá-la, isso se torna
ainda mais evidente. O turista quer ao mesmo tempo visitar o Corcovado, comer no
restaurante mais caro da cidade e conhecer o bairro mais nobre, mas também curtir
um samba e cerveja na favela da Mangueira. Como então o TBC entrará neste
aspecto tão diverso?
Por esse cenário, a definição de comunidade e do consequente turismo de base
comunitário praticado por ela será simplificada para este trabalho como sendo um
empreendimento que faz uso da atividade turística (não necessariamente exclusiva) e
o protagonista e colhedor dos benefícios do turismo esteja com o morador local, seja
esta uma favela ou um bairro nobre.
Porém, quando se trata de TBC, o recente histórico e a visão mais comum é a que
este tipo de turismo é aquele praticado em uma favela, um turismo “pra pobre”. Cabe
então refutar esta teoria e afirmar que nem todo turismo feito em favela é TBC e
também colocar como falsa a ideia de que turismo em que o pobre não seja
evidenciado acarreta na impossibilidade de ser turismo de base comunitária.
TBC urbano – casos de não favela
No Rio de Janeiro, existem os chamados tours culturais que vão além de visitas aos
pontos turísticos tradicionais como corcovado e pão-de-açúcar. Esses passeios
envolvem o conhecimento de bairros ou regiões específicas. A principal delas é área
do centro da cidade, com muitos museus e outras atrações culturais. Outros locais
com alto potencial para a realização de tour são os bairros nobres da zona sul –
Copacabana, Ipanema e Leblon – o bairro boêmio e pacato de Santa Tereza, a ilha de
Paquetá, além de alguns bairros da zona norte e oeste.
Embora não seja a visão mais convencional, o turismo de base comunitária pode ser
26
praticado nestes locais. Para isso acontecer, basta que a iniciativa de promover os
eventos turísticos parta dos próprios moradores residentes nestes locais. Sendo
assim, ele irá conhecer o cotidiano dos que ali vivem e poder transmitir com maior
entusiasmo, qualidade e precisão os hábitos e costumes locais. Também por ter
nascido e crescido no local, este guia tem alta capacidade de contar com detalhes a
história do bairro, que irá por vezes e em certos momentos, se confundir com a sua
própria história.
Também pode ser o exemplo de turismo comunitário a hospedagem em locais
históricos da vizinhança, como é o exemplo de Santa Tereza, em que casas com rica
história e muitas vezes até mesmo tombadas pelo patrimônio público são usadas com
estre propósito. Essa hospedagem gera identificação maior do turista com o bairro ou
mesmo do dono do empreendimento com este.
Porém, o maior exemplo de turismo comunitário praticado pro um determinado guia
local (ou um empreendimento), é uma eventual parceria com a associação de
moradores. Em conjunto, é possível melhorar certos aspectos do bairro, fomentando o
turismo e melhorando a qualidade do produto turístico para o visitante. Tal associação
tem o dever de cobrar do poder publico a implantação de placas sinalizadoras de
hotéis, restaurantes, ruas e pontos turísticos, garantir a limpeza do local ou revitalizar
uma praça em mal estado. Nos bairros banhados pela praia, também é papel da
associação e um de um possível núcleo de turismo comunitário a promoção de
campanhas que conscientizam a população para manter a areia limpa e uma água
própria para o banho.
É visível que nesses casos, os ganhos não se restringiriam ao turismo. Esses
benefícios seriam também ambientais (limpeza dos locais), e sociais (as placas
gerariam mais segurança). O dinheiro deixado pelos turistas também ficaria para o
bairro, gerando renda e garantindo um viés econômico ao TBC. Com esses fundos
adquiridos, novos investimentos podem ser feitos, gerando um ciclo virtuoso.
1.8 TBC urbano – as favelas e sua caracterização
Caracterização da favela
As favelas são caracterizadas por construções em pobres, sem planejamento e por
27
certas vezes ilegais e em locais de risco, onde a população pobre das grandes
metrópoles se instala na busca de conseguir uma vida melhor de onde estava antes. É
um espaço onde a pobreza e a miséria se fazem presentes, bem como a ausência da
garantia dos bens essenciais. O poder público muitas vezes é negligente e
despreocupado com as questões acerca da favela.
É um fenômeno mundial, mas com características específicas ao caso brasileiro e
mais ainda a cidade do Rio de Janeiro. Seu histórico começa no final do século XIX,
com a abolição da escravidão. Os negros, sem ter onde viver e abandonados a sua
própria sorte, ocuparam os morros existentes na cidade.
Ao longo do século XX, o êxodo rural – principalmente da região Nordeste - foi se
intensificando e as favelas crescendo, porém sem ordenamento, aumentando ainda
mais os problemas sociais: ausência de educação, saneamento básico, empregos
precarizados e uma forte tendência à economia informal. Esse crescimento
desordenado também gerou problemas de saúde, já que o ar não cirucla como deveria
pelos becos e vielas. Os chamados “puxadinhos”, um andar construído acima do
primeiro pavimento dos barracos.
Mais recentemente, desde a década de 70, as favelas ganharam uma conotação ainda
pior. A ausência de oportunidades de emprego e educação levou os seus moradores
a se associarem com o tráfico de drogas como meio de vida. Isso levou o pânico e o
medo aos morros e favelas do Rio de Janeiro, tendo estes que conviver com uma alta
criminalização e índices elevados de violência. Essa violência era também causada
pelas invasões da polícia militar, que com a “desculpa” de conter o tráfico de drogas,
acabava gerando o “efeito colateral” de mortes de inocentes.
Porém, há também de se destacar o lado positivo da favela. É um local onde cultura
“transpira”. É o berço de ritmos genuinamente brasileiros, como o samba, e o funk. O
cotidiano dos moradores locais se difere bastante daquele presente no “asfalto” -
expressão designada para denominar o espaço onde a favela não está presente. No
Rio de Janeiro, isso se acentua ainda mais uma vez que “favela” e “asfalto”, ao mesmo
tempo em que estão distantes do ponto de vista dialógico e cultural, estão próximo do
ponto de vista geográfico. As favelas da zona sul, por exemplo, contam com atrações
únicas, como um belo visual da cidade. É nesse contexto que o turismo surge como
opção de emprego e desenvolvimento social para a favela.
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O Rio de Janeiro é a cidade com o maior número de favelas do Brasil. São mais de 1,3
milhão de pessoas ou 22% da população total (Censo IBGE, 2010). A comparação dos
indicadores das favelas com outras regiões da cidade também se faz interessante:
Rocinha e Alemão, com renda per capita de R$176,90 e R$220, estão muito abaixo da
média de R$615 da cidade. Os anos de estudo também estão aquém do necessário -
5,36 anos nas favelas contra 8,29 anos fora delas. Os dados foram retirados de censo
feito em comunidades de baixa renda, da FGV, em 20095.
Por isso, a favela não pode de maneira nenhuma ser ignorada com um espaço de
produção cultural e também um espaço a ser olhado com atenção pelos governos sob
todos os aspectos.
O novo contexto das UPP's
Em 2007, o governo instalou a primeira UPP (unidade de polícia pacificadora) em uma
favela do Rio de Janeiro, no morro Santa Marta em Botafogo. Desde então, já foram
instaladas quase 40 UPP's nas favelas cariocas, sendo a ampla maioria na zona sul,
entorno do aeroporto e do estádio do Maracanã e zona portuária carioca.
A UPP consiste em uma ocupação permanente por parte da polícia militar carioca nas
comunidades em que o tráfico estava presente. O governo a define com um trabalho
com os princípios da polícia de proximidade, um conceito que vai além da polícia
comunitária e que tem sua estratégia fundamentada na parceria entre a população e
as instituições da área de segurança pública6.
Essa teoria nem sempre se equivale à prática, já que por vezes os moradores
reclamam de abusos por parte dos policiais e impedem os habitantes de praticarem a
sua cultura, por exemplo, com a não permissão dos bailes funks. Há opiniões de que a
UPP, até certo ponto, restringe a liberdade, já que é preciso comunicar quando vai
haver festas e outros eventos. Além disso, na pesquisa de campo foi ouvido que o
tráfico continua presente na comunidade e que os jovens continuam tendo este
caminho como alternativa a ausência de políticas públicas.
Um exemplo dessa contradição presente nas UPP´s em que ao mesmo tempo ela 5 Disponível em <http://www.cps.fgv.br/cps/bd/favela2/Favelas2_Apresenta%C3%A7%C3%A3o3_VISUAL.pdf > 6 http://www.upprj.com/index.php/o_que_e_upp
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reprime o tráfico que é negativo para o desenvolvimento da comunidade, também
acaba reprimindo a própria comunidade. A UPP, antes de tudo, deve ser encarada
como uma ocupação, em que muitas vezes os moradores locais se submetem as
decisões policiais dos militares que estão na “gestão” da UPP. Esses policiais podem
não estar de acordo com os interesses da comunidade, exercendo a mesma função
que o tráfico exercia anteriormente.
Porém, é inegável o avanço das UPP's nas favelas cariocas. A violência diminuiu e a
favela voltou passou a ser um espaço não apenas ocupados pelos moradores. A
garantia da segurança fez com que o governo, embora ainda seja muito incipiente a
trazer os outros direitos básicos – saúde, educação e saneamento básico – pôde atuar
nas favelas e começar a melhorá-las. Muitos empreendimentos foram legalizados,
como brechós e lojas internas e a economia da favela pode aflorar melhor com esse
comércio interno.
É nesse contexto que o turismo começa a ser oferecido e praticado. Já existia TBC
antes da UPP, porém com a sua criação, o turista pode se sentir mais seguro e o
morador mais propenso a criar os empreendimentos e buscar este visitante. De certa
forma, pode-se dizer que o impacto da instalação das UPP´s no turismo é mais
externo do que interno. As agências passaram a ter segurança de que poderiam
realizar tours nas favelas e o turista também ganhou confiança para visita-las.
O TBC nas favelas
A favela é um espaço onde o cotidiano é diversificado. A cultura deste espaço tem uma
peculiaridade exclusiva não encontrada em qualquer lugar do Rio de Janeiro. O modo
de seus habitantes viverem é particular. A culinária, a dança, a música tocada nas
rádios comunitárias, a história e outros aspectos são muito interessantes. Soma-se
isso ao fato delas estarem localizadas em pontos estratégicos da cidade, próxima de
trilhas ecológicas e festas noturnas, fica pronto o cenário para as favelas fazerem
parte do roteiro do turismo do Rio de Janeiro.
Sendo assim, várias favelas já têm o seu núcleo de turismo e os serviços desejados.
Nem todos são necessariamente caracterizados como TBC, já que para isso, o
empreendimento deve ao menos atender alguns dos requisitos já tratados neste
trabalho.
30
Sempre o protagonismo deve ser dos próprios moradores da favela. Eles devem
verificar quais são as melhores ofertas de passeios e buscar o melhor modo de atrair
os turistas. Assim como no TBC fora das favelas, dentro delas também é necessário
uma parceria com a associação de moradores, que pode dar o suporte ou até mesmo
ter um “braço” de suas atuações ligado à atividade turística. Isso é essencial para a
comunidade se sentir ativa e perceber que ela própria é a principal atora do
empreendimento. Deve haver também os quatro eixos que compõem o TBC. A
iniciativa deve ser sustentável sob o aspecto econômico, social, cultural ou ambiental.
O empreendimento de TBC não pode dar prejuízo, sendo importante que a favela
receba suporte da associação de moradores ou mesmo do governo. O papel do
governo deve ser incentivando o turista a conhecer a favela, incluindo este tipo de
passeio nos guias e folhetos oficiais da cidade. Assim, o dinheiro deixado pelos
turistas fica para a comunidade.
Socialmente e culturalmente, a favela deve “se mostrar” para o turista. Todos os
aspectos culturais se reforçam e sem mantém com o turismo, gerando uma troca de
“ganha-ganha” com essa expressão cultural. O turista, entre outros motivos, vem para
conhecer a cultura local, para se inserir no cotidiano. Na favela, ele conhece o samba,
a capoeira, o funk ou até mesmo os grafites pintados nas paredes das casas e locais
públicos. E para o morador, os laços sociais se fortalecem e a comunidade como um
todo desfruta do benefício.
Do ponto de vista ambiental, a preservação é essencial para garantir que as favelas
com trilhas e o consequente potencial para o ecoturismo possa atrair turistas que têm
o perfil para este tipo de passeio. Isso garantiria também que as favelas em
crescimento não teriam casas erguidas em áreas de risco, aumentando a possibilidade
deslizamentos e altos impactos sociais.
Podem-se citar alguns exemplos já existentes de serviços e maneiras de explorar o
turismo nas favelas cariocas. Várias delas já possuem festas e eventos culturais,
sendo a mais clássica e que representa o Brasil e o Rio de Janeiro, os ensaios das
escolas de samba para o carnaval carioca. A culinária é outra maneira de mostrar as
características da favela, com tira-gostos ou mesmo restaurantes. Há ainda os hostels
localizados nos morros que dão oportunidade do turista se hospedar e se inserir ainda
mais no dia-a-dia dos moradores.
31
Porém, a principal oferta turística já existente e a ser explorada são os tours culturais
pela favela, e feitos pelos guias locais, garantindo que o turismo seja de base
comunitária. Santa Marta, Rocinha e Morro do Alemão são algumas das favelas que
contam com esses tours. O passeio passa por pontos estratégicos, vistas
interessantes e vez ou outra, inclui uma visita a uma laje de um morador. Existe ainda
a oportunidade de ver a produção artística da favela, como a passagem em lojas de
artesanato organizadas pelos habitantes locais.
Logo, a favela pode e deve ser explorada como o caso típico e com alto potencial de
prática para a exploração do turismo de base comunitária em cidades grandes, como é
o caso do Rio de Janeiro. É o exemplo de que o TBC não deve se restringir a
ambientes rurais e de comunidades tradicionais, podendo ser também aplicado a
comunidades com cotidiano mais dinâmico e diversificado.
TBC x Jeep Tour
“Se tiver qualquer coisinha pra doar pro pobre, qualquer coisinha, não doa não, porque
é disso que a gente vive”.
Essa frase foi transcrita de um vídeo do canal humorístico do youtube Porta dos
Fundos7. O vídeo destaca o ator principal como um guia turístico (não morador da
favela) que leva os visitantes para conhecer a favela. O passeio não evidencia em
nenhum momento a cultura local e o cotidiano dos residentes. Ao contrário, a “atração”
do passeio é justamente a pobreza e a miséria presentes nas favelas cariocas. E o
guia utiliza esse elemento para ganhar dinheiro, enquanto o turista se “delicia” com a
pobreza.
O vídeo naturalmente é fictício, mas revela uma realidade cada vez mais presente nas
agências de turismo de fora da favela. A principal delas é a jeep tour, que não faz um
passeio muito diferente daquele demonstrado no vídeo. O turista compra o passeio em
uma agência, é apanhado em seu hotel e passeia de jeep pela favela. Ou seja, a
impressão que passa é que se está em um safári e o “bicho” é o habitante local,
muitas vezes pobre e sem acesso aos bens essenciais. O pior ocorre quando além de
mostrar a realidade da favela, ainda invade a privacidade daqueles que lá vivem.
7 https://www.youtube.com/watch?v=8NlLQp2xmZ8
32
Tiram-se fotos de pessoas sem perguntar se essas autorizam ou até mesmo invadem
casa e lojas sem qualquer consulta ou benefício para a comunidade. A figura 3
demonstra essa realidade através de propaganda para o turista.
Figura 3 - Exemplo de Propaganda de "Safari" (Site rocinha.org)
A agência, mesmo com esses elementos, tem a “ousadia” de chamar caracterizar essa
“modalidade” de turismo como turismo comunitário. Porém, não há qualquer troca
entre visitante e visitado, sendo esta feita apenas na forma de observação. A iniciativa
não parte da própria comunidade, não há qualquer comunicação com a associação de
moradores, e não nenhum ganho ou benefício que fique com há comunidade. A favela
é apenas uma mercadoria. O TBC é totalmente descaracterizado.
Outro problema evidenciado está no fato de que os guias, que não são locais, não
abordam o turismo de favela da maneira em que ele deveria ser colocado. Muitas das
vezes, a comunidade é apenas um espaço de contemplação com as belas vistas ou
outros pontos turísticos. Quando o morador está no centro das atenções, é
evidenciada apenas a sua alegria e o seus aspectos positivos. Os problemas sociais
existentes na favela, como a falta de recursos, a pobreza e a violência são ignoradas
no tour (MESQUITA, 2007). A miséria presente não pode e nem deve passar em
branco, uma vez que ela faz parte da realidade do favelado e é esta realidade que o
guia deve ter preocupação em passar. O maior problema, porém, desta “política” de
tour é que não há interação entre visitante e morador, essencial ao TBC. O visitante
não é transformado pela realidade da favela e o morador não recebe o benefício de
estar em contato com o turista. A relação ganha-ganha é deixada de lado.
33
Portanto, cabe deixar claro que nenhum tour ou agência deste tipo foi estudado neste
trabalho e essa reflexão teórica serve para refutar qualquer hipótese de considerar
este tipo de empreendimento como TBC. Ele só não pode ser considerado assim,
como na maioria das vezes é prejudicial ao desenvolvimento social na favela.
34
2. MAPEAMENTO DOS ESTUDOS DE CASO
2.1 A metodologia do mapeamento
Neste capítulo será traçada uma explicação e os critérios utilizados para a definição de
quais os estudos de caso de turismo de base comunitária já existentes – em maior ou
menor grau - na cidade do Rio de Janeiro.
A primeira etapa consistiu em uma ampla busca de todos os locais na cidade que
poderiam de alguma maneira e em alguma análise, serem considerados como um
empreendimento de turismo em que a comunidade local pudesse ser a protagonista,
de acordo com as definições explicitadas na revisão bibliográfica deste trabalho.
Naturalmente, a primeira vista com um “pensamento livre”, veio em mente as favelas
da zona sul carioca, sendo dois os principais motivos: A grande maioria tem uma visão
privilegiada da praia e de morros como o Corcovado e o Pão de Açúcar e por já
estarem próximas ao corredor hoteleiro da zona mais nobre da cidade e presente nos
roteiros dos guias turísticos impressos pelas agências. Algumas favelas da Zona Norte
também se encaixariam, uma vez que tem sido alvo de altos investimentos por parte
do governo (como a construção de teleféricos). Outras têm em suas escolas de samba
o carro-chefe para a exploração do turismo. Por fim, o bairro de Santa Tereza e a Ilha
de Paquetá seriam aqueles com potencial de TBC onde não há favela por conta do
seu ar bucólico e reservado.
Com essas ideias em mente, a busca inicial se deu na internet, com sites
especializados em turismo, como o Trip Advisor8 e outros locais mais institucionais,
como o Guia Oficial do Rio de Janeiro9. Foi possível também verificar em sites dessas
próprias favelas, comunidades e bairros se havia algo em torno da prática do TBC.
8 http://www.tripadvisor.com.br/ 9 http://www.rioguiaoficial.com.br/
35
Além disso, houve a ajuda de dois acadêmicos para realizar o mapeamento. Um deles
foi o orientador deste trabalho, que já possuía um conhecimento prévio do assunto e o
segundo de uma dissertação de mestrado feita sobre o tema que já abordava um
estudo de caso de turismo em algumas das favelas do Rio de Janeiro. A tese é
intitulada de TURISMO EM FAVELAS CARIOCAS E DESENVOLVIMENTO SITUADO:
A POSSIBILIDADE DO ENCONTRO EM SEIS INICIATIVAS COMUNITÁRIAS e sua
autora é Elisa Spampinato.
Em um segundo momento, foi decidido o número de estudos de casos a serem
anlisados. O número de locais com empreendimentos de TBC, seja em potencial, seja
já em um estágio mais avançado era elevado e com certa diversificação nas
características de cada um. Evidentemente, não poderiam ser todos os casos
encontrados a serem estudados, para não deixar o trabalho extenso, sendo difícil de
compreendê-lo tanto por parte dos avaliadores e leitores, quanto pelo próprio autor.
Sendo assim, a decisão foi de escolher oito casos em que o TBC era explícito e tinha
um potencial de crescimento ou mesmo já tivesse atingido a maturidade.
Por fim, foram adotados alguns critérios a serem decididos. Era interessante que
tivesse uma gama variada de empreendimentos. Essa variação poderia incluir a
localização da cidade, o fato de ser favela e a presença de tipos diferentes de turismo
praticados. Outros critérios foram o tamanho da comunidade, o potencial do turismo
como atividade econômica baseado na localização e nos atrativos turísticos presentes
e o fato de estar no roteiro das principais agências. O status de cada empreendimento
foi feito com base em informações adquiridas pelo orientador e em pequenas
pesquisas realizadas via internet.
Porém cabe dizer que o primeiro critério, sendo este eliminatório, foi a prática de
Turismo de base comunitária ou ao menos uma projeto embrionário que viria a se
tornar assim. Portanto, todos os locais em que o TBC não era praticado, foram
descartados.
Para definir os casos a serem estudados, foi construída a tabela 2, de modo a auxiliar
fundamentar uma justificativa para as escolhas.
36
Tabela 2 - Possíveis casos de TBC (elaboração própria)
TBC Favela Localização Tamanho Potencial Roteiro de agências
Rocinha Sim Sim Zona Sul Enorme Alto Sim
Alemão Não Sim Zona Norte Enorme Médio Médio
Santa Tereza Sim Não Centro Médio Alto Sim
Ecomunitário Sim Não Zona Oeste Pequeno Médio Não
Santa Marta Sim Sim Zona Sul Médio Alto Sim
Mangueira Não Sim Zona Norte Grande Médio Sim
Paquetá Sim Não Baía de Guanabara Pequeno Médio Não
Maré Sim Sim Zona Norte Enorme Baixo Não
Salgueiro Não Sim Zona Norte Grande Médio Sim
Cantagalo Sim Sim Zona Sul Pequeno Alto Médio
Pereirão Sim Sim Zona Sul Pequeno Médio Não
Chapéu Mangueira Sim Sim Zona Sul Pequeno Alto Não
Ladeira dos Tabajaras Sim Sim Zona Sul Pequeno Médio Não
Vidigal Não Sim Zona Sul Médio Alto Sim
Com essa tabela, os casos foram escolhidos. Foram decididos dois casos em que não
fosse uma favela, sendo Paquetá, por apresentar possibilidades diferentes e o projeto
Ecomunitário em Campo Grande, por ser o único caso presente na Zona Oeste. A
representante da Zona Norte foi a Maré, não só por ser a única com TBC na região,
como também para se realizar uma análise de um local, que em teoria, não tem
potencial para desenvolvimento do turismo.
As escolhas da Zona sul ficaram por conta da Rocinha, maior favela da América
Latina, Cantagalo e Chapéu Mangueira, por estarem no coração de Ipanema e
próximo a Copacabana respectivamente, dois dos bairros mais nobres da cidade. Por
fim, Santa Marta e Pereirão foram as últimas escolhas. As figuras 4 e 5 mostram um
mapa mostrando a localização dos casos.
37
Figura 4 - Mapa geral. Indicações de Rocinha, Maré e Paquetá (Google maps).
Figura 5 - Mapa geral. Indicações de Cantagalo, Babilônia, Santa Marta e Pereirão (Google maps).
38
Infelizmente, por motivos de incompatibilidade de contatos, o projeto Ecomunitário foi
descartado, já que as circunstâncias não permitiram pesquisas feitas pela internet –
muito por conta da ausência de um website - ou visitas de campo que possibilitassem
a compreensão de como funciona o projeto. Sendo assim, o número de casos
estudados caiu para sete.
2.2 Projetos gerais
Antes, é importante dizer que a favela (não necessariamente sendo empreendimento
de TBC) tem sido cada vez mais procurada pelos turistas. Eles buscam conhecer a
cultura local deste modo de vida tipicamente carioca. Isso tem se revelado nos
números. Em pesquisa recente divulgada pela FGV, os dados mostraram que 58,1%
dos brasileiros e 51,3% dos turistas que visitam o Rio de Janeiro tem interesse de
conhecer uma favela10. Antes de dar início aos estudos de caso, serão enumerados
alguns projetos existentes que envolvem todas as favelas do Rio de Janeiro.
Soul Brasileiro11
O soul brasileiro é um projeto que busca fazer turismo nas favelas do Rio de Janeiro,
de maneira responsável. Existe um foco na sustentabilidade, que permite que haja
uma continuidade natural dos benefícios obtidos mesmo ao término dos programas.
Os membros do projeto sempre procuram estabelecer relações positivas com as
comunidades, deixando parte da renda no local.
As favelas envolvidas no projeto são Chapéu Mangueira/Babilônia, Cantagalo/Pavão-
pavãozinho, Santa Marta e Vale Encantado.
O Guia das Favelas12
É um projeto realizado em conjunto pela agência de notícias das favelas, Minas de
Ideias Comunicação Integrada e ANF Produções. A ideia é a geração de um guia em
que o turista possa obter informações detalhadas de como chegar às favelas que tem
algum aproveitamento turístico. Também, o guia revela as atrações como mirantes e
10
http://infosurhoy.com/pt/articles/saii/features/society/2013/01/23/feature-01?change_locale=true 11
http://soulbrasileiro.com.br/ 12
http://www.guiadasfavelas.com/
39
museus, além de restaurantes e lojas com produtos locais.
O guia já conta com onze favelas recém-pacificadas: Morro dos Prazeres, Morro da
Providência, Santa Marta, Rocinha, Complexo do Alemão, Chapéu Mangueira,
Salgueiro, Mangueira, Cantagalo-pavão-pavãozinho e Vidigal.
O projeto Top Tour
Em 2010, foi lançado o projeto Rio Top Tour. É uma parceria dos governos federal e
estadual trabalhando em conjunto com o ministério do turismo, que busca promover
inclusão social e econômica e desenvolvimento local através da atividade turística. O
investimento previsto seria de 230 mil reais13, envolvendo a capacitação de moradores
das favelas para ser guias de turismo, a preparação dos mesmos a receber turistas
estrangeiros e o incentivo ao microcrédito a pequenos empreendedores. Em várias
das favelas, houve ainda a instalação de placas de sinalização bilíngues e postos de
informação turística na base das favelas.
Há ainda a criação do selo “amigo do turista”, concedido pela secretaria estadual do
turismo. Este selo identifica os moradores de favelas que participam do projeto Top
Tour e são capazes de desenvolver empreendimentos de qualidade. Algumas das
comunidades beneficiadas pelo projeto são Santa Marta, Chapéu Mangueira,
Cantagalo, Borel e Cidade de Deus. Pode-se ver também a inclusão das favelas nos
principais guias de roteiros da cidade, incluindo aqueles fornecidos gratuitamente pela
RioTur.
Porém, ao se fazer uma simples pesquisa, é possível ver que boa parte do projeto não
foi a frente. A última notícia referente ao Top Tour data de 2011 e não há sequer um
site que explique o intuito e os benefícios do projeto. O blog já inexistente revelou que
boa parte dos recursos prometidos pelo poder público chegou, em parte também pelos
escândalos de corrupção no ministério do turismo (CARVALHO; SILVA, 2012). A
principal promessa que não se concretizou foi a formação de guias locais nas favelas
cariocas.
Diante deste fato, vale fazer uma reflexão que o governo exerce no que tange ao
incentivo do turismo que visa a inclusão social, base para os empreendimentos de
13
http://www.turismo.gov.br/turismo/noticias/todas_noticias/20100830.html
40
TBC. Um projeto que parecia interessante acabou não impactando positivamente nas
favelas, já que a sua ausência acabou por abrir espaço para empresas de fora das
favelas e que já estão consolidadas e despreocupadas com um turismo responsável,
de praticar atividades que não trazem benefícios aos moradores das favelas. Isso será
visto melhor ao se analisar cada caso que será incluído neste mapeamento.
2.3 Santa Marta
2.3.1 Caracterização da Favela
A favela Santa Marta está localizada em um local privilegiado do Rio de Janeiro (ver
figura 6). Fica no bairro de Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro, área nobre da
cidade. Para se chegar, não há grandes dificuldades, já que a oferta de transportes é
boa. A sua base, a Praça do Corumbá, recebe um grande número de linhas de ônibus
e está a apenas 10 minutos de caminhada do Metrô.
Figura 6 - Mapa com localização do Santa Marta (g1.globo.com)
Não é uma favela de tamanho relativamente grande, com 4700 moradores espalhados
pelas suas 1370 residências. Há um limite de expansão, já que em 2009 foi construído
um muro de contenção supostamente para preservar a mata nativa e evitar
construções em áreas de risco. Sendo assim, a única possibilidade de crescimento
populacional se dá através da verticalização, apresentando construções de até cinco
pavimentos (CARVALHO; SILVA, 2012).
41
Na década de 1980, assim como na grande maioria das favelas cariocas, viu crescer o
tráfico de drogas e chamado poder paralelo. Por esse motivo, os indicadores de
violência subiram e os moradores passaram a conviver com o medo no cotidiano. Em
2008, porém, a comunidade foi escolhida para ser a primeira no Rio de Janeiro a
receber uma unidade de polícia pacificadora (UPP), que afastou o tráfico de drogas
armados e assim reduzir a violência.
Também em 2008, a construção de um plano inclinado facilitou a mobilidade dos
moradores que viviam nas regiões mais altas do morro, permitindo que a população
não necessitasse subir os 1300 degraus da escadaria. Houve ainda melhorias na rede
de esgoto, no sistema viário com pavimentação de ruas e distribuição de água.
Em 2012, houve nova investida do governo em obras com intuito de melhorar a vida
dos habitantes locais. O PAC (programa de aceleração do crescimento) pretende
construir 64 unidades habitacionais para os moradores em áreas de risco e 225 casas
devem receber reformas. Será construído também um centro comunitário de ação
social e reflorestamento de áreas por ocupações irregulares.
Mesmo com as obras recentes e a implantação da UPP, os indicadores econômicos e
sociais ainda se encontram bem abaixo do esperado. 20% estão na linha da pobreza e
6% estão em nível de indigência. Quando se trata de educação, a média de
escolaridade é de apenas seis anos e 30% dos jovens entre 15 e 18 anos não
estudam. Nos jovens de 15 a 24 anos, esse número chega 50%. O salário médio per
capita é o mais baixo entre as favelas da Zona Sul, atingindo apenas R$481,50
(FURTADO, 2012).
Isso mostra que o desenvolvimento social ainda está longe de ser alcançado pelos
moradores e assim se vê que o Turismo, se não tem a capacidade de resolver o
problema, tem o potencial de amenizá-lo, potencializando o desenvolvimento local e
fazendo a economia local ser estimulada, através de pequenos empreendimentos.
Prova disso é o número de turistas subiu de 60/dia antes da criação da UPP para
300/dia.
Felizmente, os recentes investimentos na favela já foram suficientes para alavancar o
turismo comunitário, já que existem guias locais com pequenos empreendimentos.
42
2.3.2 Os empreendimentos turísticos já existentes
Em pesquisas sobre o turismo praticado na favela do Santa Marta, pode ser visto dois
empreendimentos que podem ser caracterizados como turismo de base comunitária.
São eles o Favela Santa Marta Tour e o Brazilidade.
Ambos têm em comum o fato de que seus principais atores nasceram e foram criados
no chão da favela e sendo assim, mostram a sua própria identidade, sua própria
cultura, seu próprio povo, ao oferecer tours guiados pela favela. Sendo assim, os dois
se enquadram em TBC, já que é praticado pelos próprios moradores e o benefício fica
para a comunidade ao invés de agentes externos.
É de se esperar também que ambos os empreendimentos façam passeios parecidos,
mostrando o que há de principal na favela. Além disso, há ainda o fato de que não há
uma “consulta popular” a comunidade na gestão do negócio e os ganhos das
atividades, se analisados de maneira direta, ficam quase que exclusivamente com os
empreendedores, não se entendendo a comunidade como um todo, a exceção de
cidadãos pontuais que vendem seus produtos, como é o caso de comida e artesanato.
Seria uma boa iniciativa procurar uma parceria com a associação de moradores.
Favela Santa Marta Tour14
Thiago Firmino, morador da favela, é guia credenciado pelo SEBRAE e iniciou em
2008 a realização de passeios guiados pelos principais pontos da favela que poderiam
ser de interesse do turista, seja ele brasileiro ou estrangeiro. Desde então, aumentou e
diversificou sua oferta de serviços turísticos pelo morro e hoje a pequena empresa já
conta com quatro guias moradores do Santa Marta. Por seu sucesso, Thiago já
concedeu entrevistas aos mais variados meios de comunicação e ganhou prêmios.
Recentemente, viajou a Colômbia para ajudar a implementar o turismo social em uma
favela colombiana.
O principal passeio oferecido é o tour guiado de duas horas pela favela. O turista tem
oportunidade de conhecer os becos e vielas do local, ouvindo sua história, além de
vivenciar o modo de vida dos moradores e passar pelos locais onde já estiveram
Rainha Elizabeth II, Alicia Keys e Madonna. Os pontos altos do passeio são a subida 14
http://favelasantamartatour.blogspot.com.br/
43
no plano inclinado, a visita à estátua do Michael Jackson, no local onde ele gravou o
clipe para o seu CD “They don't care about us” em 1996. A visita também proporciona
ao visitante uma excelente vista do Rio de Janeiro. Do alto do morro, é possível avistar
o Corcovado, o Pão de Açúcar, a Lagoa e todo o bairro de Botafogo. Há ainda a visita
em lojas de souvenires geridos pelos próprios moradores. O custo é de R$50,00 por
pessoa para o tour em português e R$70,00 para o tour em inglês, com um tradutor
para o guia local. Algumas fotos com esses locais podem ser vistas na Figura 7.
Figura 7 - Painel de fotos com atividades de turismo no Santa Marta
O segundo interessante passeio é o chamado “Um dia na favela”. Neste passeio, o
turista visita os mesmos pontos do passeio anterior, mas com opção de almoço. O
interessante é que o almoço é preparado por uma moradora da favela, que come junto
com o turista em sua própria casa. Sendo assim, o turista pode observar exatamente
como vivem os cidadãos do Santa Marta. O passeio dura quatro horas e custa
R$150,00, incluindo almoço.
Por fim, a Santa Marta Favela Tour oferece opção de hospedagem para os que
44
querem “morar” na favela, enquanto visitam o Rio de Janeiro. A estadia mínima é de
dois dias em uma pequena casa no meio do morro, com uma cama de casal e
colchonetes. O grupo que quiser fechar o pacote terá exclusividade no alojamento.
Não há valores no site.
Quando há demanda, há ainda passeios e serviços esporádicos. É feita a trilha até o
mirante Santa Marta, com bela vista do Rio de Janeiro. Outra opção é fazer uma festa
no Lajão, um salão na favela em que é oferecido caixa de som e bebidas. Há rodas
de samba, show de capoeira e tour fotográfico, entre outros. Até mesmo um paint-ball
foi aberto pela agência.
Vale ainda ressaltar o projeto Pipa na Laje, onde crianças e adolescentes da
comunidade ensinam os turistas a confeccionar pipas e empiná-las. A brincadeira
entretém moradores e visitantes e mais uma vez a cultura local é evidenciada, já que é
muito comum ver nas favelas cariocas pipas empinadas ao céu em grande número.
O site da agência (que na verdade é um blog), apesar de possuir muita informação,
ainda carece de certa organização, que poderia proporcionar ao turista maior
facilidade no acesso. Também conta o fato de que não há tradução para o inglês, o
que limita o site ao uso de falantes apenas do português. Por outro lado, pode-se ver
uma preocupação explicita com os impactos – positivos e negativos – com a existência
da atividade turística na comunidade.
Brazilidade15
Sheilla Gama, começou a promover passeios guiados pelo Santa Marta ainda em
1992. Formou-se em Turismo e ainda fez MBA em turismo e negócios e em 2010,
criou a empresa Brazilidades. A preocupação com a comunidade em que ela nasceu e
foi criada é visível em seu site, assim como a prática do turismo de base comunitário.
Inclusive esse é o termo usado por ela para designar o seu empreendimento.
Os passeios oferecidos são semelhantes ao do empreendimento anterior, com
passagem pelos principais pontos da favela e ainda a oportunidade de conversar
diretamente com alguns moradores e visitas a casa de outros. O diferencial é que
Sheilla, talvez por ser formada em turismo, também oferece palestras sobre o que faz
15
http://brazilidade.com.br/
45
e tours para estudantes de arquitetura, turismo e outras especialidades que
enxerguem no morro algo para a sua profissão. Há ainda “pontes” com outras favelas,
em que Sheilla também realiza passeios.
O site da empresa é organizado e tem qualidade, além de ser oferecida uma versão
em inglês, mas carece de informações importantes, como e duração do passeio.
2.3.3 As características dos turistas
Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas de 201316 permitiu traçar um perfil dos
turistas que visitam o morro Santa Marta. 400 pessoas responderam o questionário em
quatro línguas diferentes. 78,9% tiveram suas expectativas superadas. 57,2%
recomendariam o programa aos seus amigos e a arquitetura foi o que mais
impressionou para 56% dos entrevistados. Sobre insegurança, apenas 27,8% disse ter
se sentido inseguro em algum momento, mostrando que nas suas percepções, o Rio
de Janeiro é relativamente seguro. 85,9% estavam pela primeira vez na cidade.
Um dado importante para a comunidade é o quanto cada turista gastou no local.
81,4% dos estrangeiros gasta até R$10,00 e 61,4% até R$5,00. Dos que não gastam
nada, 40,6% disseram achar a oferta de produtos ruim e 11,6% reclamou da higiene
do local, O principal atrativo citado foi a estátua do Michael Jackson. Outros pontos
interessantes foram a trilha para o mirante, o Cantão e o Lajão Cultural. A se
desenvolver, consta o paint-ball e exposições culturais.
Os moradores também foram entrevistados e afirmaram que a principal barreira é a
língua, que impede muitos de oferecerem passeios turísticos a estrangeiros. Outro
ponto citado foi a necessidade da história do local ser mais bem aproveitada.
2.3.4 Dificuldades e Concorrência com agências externas
Conforme cita Furtado (2012), uma barreira que governantes e moradores ainda tem
de enfrentar está no caráter sazonal do turismo. Por ser o Rio de Janeiro uma cidade
que depende de sol e dias quentes para ser aproveitada pelo turista, acaba que o
turismo se dá em sua maior parte na alta temporada, isto é, no verão. Isso faz com
16
http://www.turismo.gov.br/turismo/noticias/todas_noticias/20130121-1.html
46
que alguém da favela que dependa do turismo para se sustentar, deve estar sujeito a
esta limitação. Isso se reflete de maneira clara no Santa Marta, fazendo com que guias
procurem outras atividades na baixa temporada.
O principal problema, porém, é a concorrência com agências externas à comunidade.
Em primeiro lugar, estas estão mais consolidadas no mercado, contam com mais
estrutura e tem acordo com hotéis para oferecerem os passeios. A Jeep Tour, mesmo
cobrando preços mais caros que as agências locais, consegue clientes que poderiam
estar beneficiando a economia local.
O grande revés das agências externas, é que na maioria das vezes essas não estão
interessadas nos benefícios da comunidade com a atividade turística. E por
consequência disso, acabam impactando negativamente na favela, não respeitando a
privacidade dos moradores e não gerando renda para eles, já que os guias não são
locais. O turista, por outro lado, perde a autenticidade do passeio e não se insere
propriamente no local, já que seu guia não conhece o morro. Isso se revela nas
opiniões dos moradores:
“Quando são os monitores locais as pessoas dão força, mas quando é
guia de fora, os moradores não gostam muito. Quando é com eles, os
visitantes sequer compram alguma coisa aqui dentro, nem os
artesanatos que a gente põe para vender, nem na lojinha que tem lá
embaixo.” (MAIA e BISPO, s.d., p. 14).
2.4 Complexo de Favelas da Maré
2.4.1 Caracterização da Favela
É uma comunidade grande, formada por um conjunto de dezesseis favelas, localizada
na zona norte do Rio de Janeiro. Está na junção das principais vias de acesso a
cidade – Linha Amarela, Linha Vermelha e Av. Brasil – além de ser a primeira vista do
turista que chega pelo aeroporto internacional do Galeão. A figura 8 mostra a
localização da Maré.
As dificuldades começam no acesso a favela. A oferta de transporte na região não é
boa. Quem vem de transporte público deve utilizar um ônibus que passe pela Av.
47
Brasil. Não há trem ou metrô nas proximidades e mesmo para quem tem opção do
transporte particular, a ausência de estacionamentos contribui para aumentar esta
dificuldade.
Figura 8 - Mapa com localização da Maré (g1.globo.com)
O complexo da maré tem um tamanho elevado, se estendendo por cerca de 800 mil
m2, sendo maior que a área de favelas como Rocinha e Complexo do Alemão. O
número total de habitantes gira em torno de 130.000 e a quantidade casas é de
aproximadamente 43.000, de acordo com o censo de 2010. É interessante verificar
que 65% da população local é formada por afrodescendentes e 70% dos domicílios é
chefiado por mulheres. Há um número alto de crianças e adolescentes, com 33% do
total17.
Assim como em outras favelas cariocas, o tráfico de drogas foi responsável por trazer
violência ao local. Talvez por esse motivo, o poder público sempre ignorou a favela.
Isso se reflete de maneira direta nos indicadores sociais. O IDH é o terceiro pior,
dentre os bairros cariocas e na comunidade e arredores, a apenas duas escolas,
mostrando que o cenário, ao menos neste quesito, não é animador. Além disso, o
saneamento básico é ruim e os centros de saúde não tem qualidade. A maioria dos
trabalhadores está no mercado informal.
Recentemente, em março/2013, a esperança se renovou entre os moradores da maré,
já que foi instalada uma unidade de polícia pacificadora (UPP). Por ser ainda muito
recente, ainda não é possível fazer uma avaliação dos impactos, mas já existe
projetos que envolvem a melhoria no tratamento de esgoto visando melhorar as
condições de balneabilidade.
17
http://www.acaocomunitaria.org.br/acb/index.php?option=com_content&view=article&id=124&Itemid=124
48
Existem também inúmeros projetos sociais que fortalecem a comunidade dos mais
variados jeitos. Alguns exemplos interessantes de ser citados são o centro de estudos
e ações solidárias da maré, escola de fotógrafos populares e o núcleo interdisciplinar
de ações para a cidadania18.
2.4.2 O turismo na Maré
Por sua localização, a Maré não tem a mesma oferta de atrativos turísticos das favelas
da Zona Sul. A dificuldade de acesso e ausência de vistas panorâmicas interessantes
faz com que poucos turistas se interessem por conhecer o local. Além disso, os
centros turísticos da cidade, como praias, bons restaurantes, hotéis e principais pontos
turísticos da cidade se encontram relativamente longe da favela.
Outro motivo que dificulta a inserção do turismo com atividade econômica na região é
a violência. A inexistência da UPP até o presente ano colocava a favela como violenta,
o que naturalmente afugentava turistas e que agências agendassem passeios.
Obviamente, as perspectivas também não permitiam a criação de pequenos
empreendimentos turísticos dentro da própria comunidade.
Mesmo assim, há alguns projetos embrionários que procuram desenvolver turismo de
base comunitária na comunidade e que agora tem altas chances de sucesso devido a
implantação da UPP. O principal projeto em questão é o Projeto Vila Solidária19. De
acordo com a definição do projeto, ele se propõe a incentivar a criação de pequenos
empreendimentos na Vila do João (uma das favelas que integra o complexo da Maré),
baseado no comércio justo, sob os preceitos da economia solidária. A ideia é a
valorização da cultura afro-brasileira pelos moradores negros da favela. Já existem
algumas atividades que podem ser desfrutadas pelos turistas, como a refeição no
Buffet Mareação, especializado em culinária africana e a fábrica e loja de cerâmica da
maré, que reúne artesanato típico. Trata-se de atividades que resgatam a memória e
fortalecem a identidade local, favorecendo a alteridade entre visitantes e anfitriões.
18
http://soulbrasileiro.com.br/main/rio-de-janeiro/favelas/complexo-da-mare/complexo-da-mare/ 19
http://www.ivt-rj.net/ivt/
49
O Museu da Maré20
Hoje, já há um ponto turístico para os interessados em conhecer a história da favela e
que partiu de iniciativa dos moradores da própria comunidade. Nasce do desejo dos
habitantes pela preservação da memória e afirmação de sua identidade. Fica
localizado na Av. Maxwell, e a entrada é gratuita.
O acervo do museu conta com material variado sobre a história local, composto por
fotografias, publicações, fitas de vídeo e áudio, jornais e mapas. O acervo está
disponível à consulta de moradores, professores e alunos das escolas públicas do
bairro e de pesquisadores das diversas instituições da cidade. Algumas fotos podem
ser vistas na figura 9.
Figura 9 - Painel de fotos do Museu da Maré
As pesquisas do museu são feitas pelos moradores que foram alunos de um pré-
vestibular comunitário e hoje estão em faculdades de história, geografia e serviço
20
http://museudamare.org.br/joomla/
50
social. Há ainda a oferta de oficinas de ballet, jazz, teatro, entre outros. O projeto
Marias da Maré permite que mulheres com saberes populares de ensinar a confecção
de artesanato. Estes exemplos nos mostram que o museu transcende o papel de
mostrar a história do local, sendo um centro cultural que pode ser aproveitado não só
pelo turista, mas também pelo habitante local, estando assim muito de acordo com o
turismo de base comunitária.
O Site do museu conta com qualidade e se mostra organizado, principalmente para os
moradores da favela, já que informa localização, horário de oficinas, projetos e o
conteúdo do acervo. Por outro lado, ainda não possuí versão em inglês, o que pode
“afugentar” turistas estrangeiros.
2.5 Ilha de Paquetá
2.5.1 Caracterização da Ilha
Antes de dar início à analise deste estudo de caso, vale dizer que ele difere de todos
os outros analisados por não ser um projeto de turismo de base comunitária em uma
favela ou comunidade carente. Por este motivo, a análise não será na necessidade
dos governos de proverem os recursos que normalmente estão escassos em uma
favela. Porém, isso não impede de Paquetá ter as suas demandas e se fortalecer
como comunidade, seja no âmbito econômico, ambiental, social ou cultural.
Naturalmente, o turismo é uma ferramenta que pode promover tais progressos.
A pequena Ilha de Paquetá, com apenas 8 km2 se localiza no meio da baía de
Guanabara e é considerada um bairro do Rio de Janeiro. Embora o acesso seja fácil e
relativamente barato, a viagem é demorada. Essa viagem é feita em uma barca que
parte da praça XV, no centro da cidade e desembarca em Paquetá de cinquenta a
setenta minutos depois, dependendo do tipo de barca. A viagem de volta tem a mesma
duração e o preço é de R$4,80 cada perna. Em média, as barcas saem de duas em
duas horas nos dois sentidos. A localização da ilha pode ser vista na figura 10.
A ilha é um verdadeiro refúgio para quem quer fugir da vida agitada e barulhenta do
Rio de Janeiro. Um local em que carros são proibidos, as ruas ainda são de saibro e
os meios de transporte são as bicicletas, charretes e barcos, certamente tem potencial
51
para ser um destino turístico. É comum ver os habitantes em passeios a pé ou
relaxando nas praças. As praias, ainda que não sejam próprias para o banho, são
bons pontos de lazer.
Figura 10 - Mapa com a localização de Paquetá (http://www.pensamentosequivocados.com)
Embora seja um lugar bucólico e pitoresco, todas as casas contam com o
oferecimento de energia elétrica e água encanada, o que reflete mais uma vez a
grande diferença entre a Ilha de Paquetá e as favelas estudadas neste trabalho. Ao
contrário, o local é extremamente tranquilo e seguro. Por esse ambiente e ser um
lugar com uma história rica, que vem desde a colonização portuguesa, Paquetá se
tornou uma APAC (área de preservação do ambiente cultural).
A população de Paquetá é cerca de 4500 pessoas fixas que tem um forte vínculo
comunitário, já que são antigas na ilha. Cerca de 10% faz o chamado movimento
pendular, trabalhando na “cidade continental” e voltando para a ilha ao final do dia. Os
outros são absorvidos pelo mercado local, no serviço público, ou em restaurantes e
bares. Há ainda uma grande quantidade de casas de veraneio, aonde “cariocas” vão à
Paquetá para disfrutar fim de semanas e feriados. Avalia-se que pelo menos 50% dos
domicílios da Ilha seja de veranistas. Somando-se as casas de veraneio e as
52
residências fixas, o número de casas é de 2200, distribuídas em 40 ruas21.
2.5.2 O Turismo na Ilha
Por todas as características enumeradas, o turismo se faz muito presente na ilha,
sendo a sua principal atividade econômico. O ambiente bucólico e tranquilo atrai os
“cariocas”, que podem ser considerados turistas, para um dia ou um fim de semana de
lazer. Isso se mostra no trabalho dos residentes da ilha, que em sua maioria trabalham
em algo ligado ao turismo. Em consequência, a atividade turística já não está em fase
embrionária, contando com certo desenvolvimento. Prova disso é a existência de guias
e revistas em que o visitante pode obter mais informações e ganhar mais qualidade no
seu passeio. Além disso, por ser uma comunidade pequena e consciente, o TBC tem
alto potencial de ser praticado.
O passeio já começa antes do desembarque na Ilha. A vista proporcionada pela baía
de Guanabara é exuberante com a serra dos órgãos ao fundo e a Cidade do Rio de
Janeiro nas margens da baía. Ao chegar a Paquetá, o turista conta com uma boa
infraestrutura, sendo disponibilizado a ele uma boa quantidade de restaurantes e
bares, e caso queira pernoitar, há bons hotéis e pousadas a um preço relativamente
acessível. São ofertados ainda passeios de charrete e bicicletas e pedalinho pelas
principais praias, dando ao turista o que ele veio buscar: Fugir do barulhento Rio de
Janeiro sem sair do Rio de Janeiro.
São vários os pontos que podemos destacar que podem ser de interesse ao turista.
Entre os atrativos naturais, têm-se as praias, que se não podem ser aproveitadas para
banho, são locais de prática de esportes e passeios de pedalinho. Além deles, há
existência de trilhas aos pequenos morros que permitem uma visão privilegiada da
ilha. Exemplos dessas trilhas são a Pedra da Moreninha e Morro da Cruz. O Parque
Durke de Mattos atrai os visitantes a ver suas árvores centenárias.
Entre os atrativos culturais, pode-se citar a igreja do Senhor Bom Jesus do Monte e
capela de São Roque. A História pode ser vista através do Canhão de saudação a D.
João VI e o Solar del Rei, uma propriedade que recebeu o monarca português em
diversas oportunidades. Porém, o que mais impressiona são as quantidades de
centros culturais existentes para uma ilha pequena: o Coreto Renato Antunes (típico 21
http://www.ilhadepaqueta.com.br/geografia.htm
53
de pequenas cidades e vilas, onde são realizados eventos cívicos); a Casa de Artes
Paquetá; o Centro Cultural da Ilha de Paquetá (com promoção regular de eventos
artísticos e culturais); o Centro de Memória da Ilha (para consultas e pesquisas) são
as referências que promovem Paquetá para habitantes locais e visitantes. A figura 11
mostra alguns desses locais.
Figura 11 - Painel de fotos com pontos turísticos de Paquetá
Vale fazer uma ressalva, porém, que o turista que visita a ilha, na maioria das vezes,
se limita ao morador da própria cidade do Rio de Janeiro. São raros os casos em que
chegam visitantes não cariocas à Paquetá e o número de estrangeiros é quase nulo. É
interessante inserir Paquetá no roteiro turístico dos guias que os turistas externos
usam para fazer seus passeios no Rio de Janeiro, algo que não acontece hoje.
2.5.3 Os empreendimentos Turísticos já existentes
54
A Paquetur22
Como já tratado anteriormente, Paquetá vê no turismo a sua atividade principal.
Exatamente por esse motivo, a ilha conta com uma própria empresa de turismo. A
Paquetur oferece passeios pela ilha, indica restaurantes e até mesmo oferece pacotes
de visita, ou seja, é possível fazer reservas nas pousadas e hotéis e comprar passeios
diretamente com a empresa.
Ela está presente logo quando se chega a Paquetá, na Praça São Roque. Além de
organizar o turismo receptivo na Ilha com informações e serviços ao visitante,
veranista e morador, trabalha também na produção de eventos artísticos e culturais,
colocando Paquetá regularmente no roteiro cultural da cidade.
É a empresa a principal responsável pela confecção de mapas e guias da ilha. O seu
site apresenta boa qualidade, contendo todas as informações necessárias ao turista
que deseja conhecer a ilha, contendo os principais pontos turísticos, localização e
passeios. Falta apenas uma versão do site em língua estrangeira com intuito de atrair
o turista de fora.
O Projeto Reviver Paquetá23
Para complementar a existência de uma agência de turismo exclusiva, foi criado um
projeto de modo a valorizar o patrimônio social e cultural da Ilha. Enquanto a Paquetur
foca na promoção da atividade turística para os que vêm de fora de um modo direto, o
projeto Reviver Paquetá apresenta uma ideia mais transversal e que transcenda o
turismo para desenvolver a Ilha.
O projeto é promovido pela Casa das Artes de Paquetá, um centro cultural usado para
exposições, atividades musicais, entre outros. Conforme descrito no site do Reviver
Paquetá, o projeto se propõe a preservar e revitalizar a ilha e seu acervo natural e
cultural, que coloque em evidência o desenvolvimento sustentável, valorizando sua
identidade cultural, história, lendas, arquitetura, paisagismo e modo peculiar de vida da
comunidade. Busca-se o estabelecimento de permanente diálogo com o poder público
no sentido de programar políticas de gestão participativa e programas de revitalização
22
http://www.ilhadepaqueta.com.br/paquetur 23
http://www.ilhadepaqueta.com.br/reviverpaqueta
55
e inclusão social. Nesse contexto, o protagonista é o próprio habitante da ilha, já que
outra ideia é a capacitação de mão de obra para promover o turismo.
Com essas definições, se tem uma visão clara de que se trata de um exemplo de
turismo de base comunitária, já que o trabalho de desenvolve através de práticas não
nocivas ao meio ambiente e a sociedade local, e atua na geração de empregos e
renda, desenvolvendo a economia local. O morador, o veranista e o próprio bairro
ganham com o Reviver Paquetá.
O projeto se divide em dois grandes eixos principais. O primeiro deles se propõe em
uma visão interna, visando mobilizar os moradores da Ilha a melhorar os serviços
turísticos. O segundo eixo é voltado para fora da comunidade, onde as principais
atribuições são a divulgação dos atrativos turísticos para o visitante que se interessa
em conhecer a Ilha.
Ao se fazer um aprofundamento nestes dois eixos do projeto, podemos enumerar
algumas das principais ideias de cada vertente.
O primeiro deles trata das estratégias e ações do projeto no seio da comunidade,
direcionadas a grupos, categorias profissionais e diferentes públicos alvo, visando à
melhoria da prestação de serviços e dos produtos turísticos artesanais e culturais de
Paquetá. Esse público-alvo é composto de prestadores de serviços e comércio da Ilha
como um todo, como charreteiros e bicicleteiros, pescadores artesanais e funcionários
de hotéis e restaurantes.
Entre as etapas e ações para ter sucesso nesse eixo, estão a capacitação dos
habitantes de confeccionar peças de artesanato através de oficinas usando produtos
que descrevam a identidade da ilha e palestras sobre associativismo e cooperativismo.
A segunda ação se dá através da qualificação profissional para melhorar a atratividade
cultural de Paquetá através de oficinas que ensinem a história do local e a formação
de um Coral interno. Por fim, outra ação interessante é o acompanhamento do projeto
junto à comunidade, com elaboração de questionários para moradores acerca do
turismo e informação do fluxo de passageiros junto as Barcas S/A.
O eixo de iniciativa voltado para fora da comunidade envolve a divulgação dos
serviços, produtos, atrativos e vida cultural, resgatando o imaginário positivo que o
56
bairro tem como polo romântico, bucólico e seguro da cidade. Assim, o principal
objetivo é atrair o turista para visitar a Ilha com mais frequência e fazer com que
Paquetá seja mais conhecida no cenário turístico carioca. Sendo assim, o público-alvo
envolve os moradores do Rio de Janeiro, bem como os turistas que visitam a cidade, e
que se interessem por lugares bucólicos e tranquilos e possam usufruir de atrativos
naturais e culturais. O projeto visa também buscar os veranistas que possuem casa na
Ilha a frequentar mais o local.
As iniciativas principais nessa linha externa podem ser enumeradas da seguinte
maneira: A elaboração de materiais gráficos e audiovisuais que promovam Paquetá,
como por exemplo um livreto que conte a história da ilha, roteiros culturais e a criação
da revista Paquetá Viva, com agenda de eventos e notícias da ilha. Após isso,
destaca-se a importância de divulgar tal material, com a colação em pontos
estratégicos do Rio de Janeiro, a interatividade e conexões com outros projetos de
turismo de base comunitária, e elaboração de um vídeo institucional da Ilha. Por fim,
busca-se a estruturação do funcionamento do Centro de Referência ao Turista e a
criação de uma agenda de eventos para a ilha, como o Paquetá de Portos Abertos,
focado em passeios guiados, exposições culturais, entre outros.
Assim, pode-se ver que o Reviver Paquetá já é um projeto bastante estruturado, com
ações firmes e interessantes que visam promover o turismo de base comunitária na
pequena ilha de Paquetá e pode servir de exemplo para outros locais que desejam
implementar as mesmas ideias de modo a desenvolver a própria comunidade através
da atividade turística.
2.6 Morro do Pereirão e o Projeto Morrinho
2.6.1 Caracterização da Favela
O Morro do Pereirão está localizado no bairro de Laranjeiras, na zona sul do Rio de
Janeiro. É mais uma das muitas favelas da cidade, habitada na sua maioria por pobres
que vieram a Zona Sul em busca de emprego. A favela possui dois acessos, sendo um
por Laranjeiras, outro por Santa Teresa. O acesso através de Laranjeiras se dá pela
Rua Pereira da Silva, próxima a Av. Pinheiro Machado enquanto por Santa Teresa, o
acesso é feito através da Rua Almirante Alexandrino. A figura 11 mostra a localização.
57
Figura 12 - Mapa com a localização do Morro do Pereirão (Google maps)
A comunidade é relativamente pequena, contando com 2000 habitantes distribuídos
400 residências em apenas 50 mil m2. Aos poucos, a ocupação avança de maneira
perigosa, com casas construídas em áreas de risco, merecendo atenção do poder
público.
O morro começou a ser ocupado pela população de baixa renda em 1945, onde existia
uma fazenda abandonada. Foi crescendo aos poucos e também sendo dominada pelo
tráfico de drogas, sendo por isso um lugar bastante inseguro para quem lá vivia e de
constantes reclamações dos moradores do bairro de Laranjeiras24.
Esse cenário mudou radicalmente em dezembro de 2000, quando o governo do
estado instalou a sede do BOPE, o batalhão de operações policiais especiais,
erradicando o tráfico de drogas e a violência do local. Hoje, pode-se dizer que o local
vive um clima tranquilo e os moradores da favela costumam elogiar a atuação da
polícia. Os moradores das proximidades também agradecem o fim dos constantes
tiroteios24.
Essa medida foi o pontapé inicial para o estabelecimento de parcerias entre ONGs e
poder público que passaram atuar na favela, impactando positivamente a vida no
morro. A formação da associação de moradores e o projeto Vida Nova25, que capacita
os jovens a serem agentes comunitários e os incentiva a estarem presentes na escola
são alguns exemplos disso. Outro projeto que daremos destaque é o projeto Morrinho,
24
http://www2.tvcultura.com.br/caminhos/35pereirao/terra-pereirao.htm#9711404270492494 25
http://www2.tvcultura.com.br/caminhos/35pereirao/pereirao2.htm
58
que já ficou conhecido internacionalmente.
2.6.2 O Projeto Morrinho26 e o turismo na favela
O Projeto Morrinho é um grande exemplo de ação que partiu de baixo para cima, ou
seja, da base. É um dos poucos projetos que parte por iniciativa da própria
comunidade, mais especificamente de um único indivíduo que queria apenas se
divertir.
Em 1997, Necirlan de Souza Silva havia acabado de chegar ao Rio de Janeiro e se
impressionou com a maneira que as favelas eram construídas. Com apenas 14 anos,
o jovem e seu irmão mais novo recolheram alguns azulejos e começaram a montar
uma maquete no quintal do barraco que representasse a favela. Enquanto o grupo da
“construção” cresceu, a maquete também foi crescendo, ganhando tijolos e
equipamentos mais resistentes e hoje já soma mais de 300 m2 e o retrato fiel contendo
forma e conteúdo de como é a favela em miniatura (ver figura 13). O caráter único e
inovador da maquete são reconhecidos atualmente por experientes críticos de arte
como uma legítima manifestação artística contemporânea.
Em 2001, o que era brincadeira, virou algo mais sério. Quando três diretores de
cinema visitaram a comunidade do Pereirão e viram a maquete, se encantaram de tal
maneira que junto aos jovens “artistas” criaram a TV Morrinho, uma produtora
responsável por captar imagens e gerar material audiovisual sobre a vida na
comunidade e histórias que retratem o cotidiano da favela. A comunidade ganhou com
a capacitação de vinte jovens moradores do Pereirão que ganharam um emprego e
são exemplo de desenvolvimento local ao trabalharem no projeto. As filmagens já
contam com mais de 150 horas até hoje.
O que era apenas um projeto se transformou em ONG em 2007. Além da TV Morrinho,
outras iniciativas se fizeram presentes. Além da já existente TV, a ONG abarcou outros
três projetos. O Expo Morrinho27 que ficou responsável por fazer exposições da
maquete e esteve presente em locais como Londres e Nova York. O Morrinho Social
busca oferecer oficinas de audiovisual, arte-educação, cultura brasileira, juventude e
cidadania aos moradores da favela. Por fim, vale destacar o projeto Turismo no
26
http://www2.tvcultura.com.br/caminhos/35pereirao/pereirao2.htm 27
http://www.petrtv.com.br/2013/06/o-cinema-do-morrinho.html#1767827144358307
59
Morrinho, um exemplo de TBC que será objeto de análise.
Figura 13 - Painel de fotos com a maquete exposta no Pereirão
O Projeto Turismo no Morrinho
O projeto consiste em visitas guiadas pela favela, onde o ponto alto é a visita à
maquete feita pelos garotos da comunidade. Necirlan se capacitou para ser guia e
conduz o turista pela favela, mostrando os seus hábitos e costumes e explicando
como funciona a ONG que ele mesmo ajudou a construir e como ela atua no morro.
Além da maquete, local em que a maioria dos turistas se encanta, o alto do morro
proporciona ao visitante uma vista privilegiada da praia de Botafogo, com o Pão de
Açúcar o fundo.
De acordo com a descrição do próprio projeto, o objetivo é trazer os pontos positivos
das favelas cariocas e também contribuir com a comunidade mostrando uma real
vivência em um local onde o visitante pouco conhece, de modo que as comunidades
de toda a cidade se tornem ponto de inclusão social e cultural dentro da sociedade
moderna. No último carnaval, entre 100 e 150 turistas passaram pelo Pereirão ao
60
longo dos cinco dias28.
O passeio conta com uma hora de duração, aproximadamente e tem o custo de
R$50,00. Caso o turista tenha o interesse em colocar seu nome em um dos tijolos da
maquete, o preço é R$ 70,00 e ainda há a possibilidade de um Workshop sobre a
maquete por R$90,00. Caso seja necessária a tradução para o inglês, existe
possibilidade de uma “tradução simultânea”. É recomendado que se faça uma reserva
com dois dias de antecedência para garantir o passeio29.
Pousada Favelinha
Fora do projeto Morrinho, há outro empreendimento turístico na favela. Quem se
interessar em se hospedar no Pereirão durante sua estadia no Rio de Janeiro, tem
essa opção com a pousada favelinha, no alto da comunidade. Funciona como um
hostel e conta com uma boa infraestrutura e uma bela vista da cidade. O preço é de
110 reais no quarto duplo e 45 reais para o simples. O site da pousada conta com
versão em inglês, podendo assim atrair turistas estrangeiros30.
2.7 Morro do Cantagalo-Pavão-Pavãozinho
2.7.1 Caracterização da Favela
Localizada na nobre Zona Sul do Rio de Janeiro, esta favela é na verdade um conjunto
de três comunidades entre os bairros de Ipanema e Copacabana, dois dos bairros
onde muitos sonham viver e habitado por ricos. Há três acessos para se chegar favela.
O primeiro deles, pelo bairro de Ipanema é feito próximo a Rua Teixeira de Melo, na
saída do Metrô General Osório, através de um elevador panorâmico. Os outros dois se
dão por Copacabana, sendo um deles na Rua Sá Ferreira e outro na Rua Saint
Roman. A localização pode ser vista na figura 14.
Embora possa ser considerada uma favela só pela proximidade existente entre
Cantagalo e Pavão-Pavãozinho e assim o trataremos neste trabalho, é importante
dizer que há diferença entre as duas comunidades. O morro do Cantagalo, mais 28
http://acervo2.vivafavela.com.br/imagens/o-turismo-t%C3%A1-bombando-no-morrinho 29
https://www.facebook.com/ProjetoMorrinho 30
http://www.favelinha.com/en/travel-tipps/pereira-da-silva-our-favela/
61
próximo a Ipanema, é composto basicamente por cariocas que descendem dos
escravos, tendo uma maioria negra. O Pavão-pavãozinho, rodeado por Copacabana,
tem nos imigrantes nordestinos a sua maior parte da população. Essa diferença gera
por vezes pequenos conflitos entre as duas comunidades, segundo um assistente
social que atua na comunidade.
Figura 14 - Mapa com a localziação dos Morros Cantagalo/Pavão-pavãozinho (riosonho.blogspot.com)
A população total gira em torno das 20 mil pessoas, dividas em 5 mil pelo Cantagalo e
15 mil por Pavão-pavãozinho O número de imóveis totais é de 5300. Os indicadores
sociais estão acima da média das favelas do Rio de Janeiro, o que era de se esperar,
por ser um local mais valorizado em virtude da localização na Zona Sul. Exemplos
disso são que 94% dos moradores tem acesso a rede de esgoto e 80% possuem
telefone.
Mesmo assim, a “tríplice favela” não esteve ou está livre das principais mazelas que as
favelas cariocas costumam enfrentar. A pobreza ainda é presente e o domínio do
tráfico sempre impôs aos moradores uma violência constante com as tradicionais leis
do silêncio e toque de recolher. As estimativas são de que o tráfico arrecadava entre
R$ 220 mil e R$ 330 mil por mês31.
A instalação da Unidade de Polícia Pacificadora, em 2009, obteve sucesso com o fim
tráfico na favela. Apesar de alguns incidentes envolvendo os policiais da UPP, a
violência diminuiu consideravelmente e permitiu aos habitantes investir em pequenos
31
http://soulbrasileiro.com.br/main/rio-de-janeiro/favelas/cantagalo-e-pavao-pavaozinho
62
empreendimentos comerciais e atividades culturais. Porém, vale ressaltar que a UPP
não foi suficiente para erradicar a violência no local. Um exemplo disso foi a morte de
um bailarino que fugia do fogo cruzado promovido pela polícia, em abril de 201432.
Outro ponto positivo da implementação da UPP foi a criação de diversas iniciativas
sociais. Há projetos de educação para os moradores da comunidade trazidos por
ONGs, poder público e mesmo a UNESCO. Alguns exemplos são o Projeto Criança
Esperança, o AfroReggae com o programa “Dançando para Não Dançar”. No prédio
conhecido como Brizolão, também funciona o Centro Integrado de Educação Pública.
A escola serve de sede para aulas e palestras sobre cidadania, informática, circo,
costura, capoeira, dança e boxe. Ao lado dos professores, os próprios policiais ajudam
a administrar o espaço31.
2.7.2 O turismo na Favela
O Mirante da Paz
Além de ser um instrumento de mobilidade para os moradores da favela, a construção
do elevador trouxe ao Cantagalo uma possibilidade de turismo para a comunidade. No
alto do elevador, a 65m de altura, foi instalado um mirante que permite ao visitante
uma vista privilegiada da Zona Sul da cidade (ver figura 15 – 3ª foto). Faz parte do
visual as praias de Ipanema, Copacabana e Leblon, o morro Dois Irmãos, a Lagoa
Rodrigo de Freitas e a Floresta da Tijuca.
A entrada é feita pela estação de metrô da Praça General Osório e o uso do elevador
é gratuito. A estimativa é de que aos fins de semana, 3300 pessoas, entre turistas e
moradores (a grande maioria de moradores), utilizem o elevador, mostrando que ele
se faz útil33.
Os impactos indiretos envolvem a criação de pequenos empreendimentos comerciais
ao redor do complexo do mirante. Como são de inciativa dos próprios moradores, há
uma pequena movimentação da economia local. O principal exemplo dessa
comercialização é o bar da Bica, que vende comida. Existe também uma pequena loja
32
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/04/dancarino-do-esquenta-e-morto-em-favela-da-zona-sul-e-causa-protesto.html 33
http://oglobo.globo.com/rio/com-elevador-upp-morro-do-cantagalo-vira-ponto-turistico-2971650
63
que vende artesanato feito pelos próprios moradores.
Embora seja um projeto que interesse aos moradores, ele ainda é insuficiente para
fazer com que o turista conheça de fato a favela. A maioria deles apenas sobe o
elevador, contempla a vista do mirante para então descer sem impactar positivamente
na favela. Não há qualquer contato com os moradores e o cotidiano da favela, sua
cultura e seus hábitos são colocados em segundo plano pelo turista. Por este fato,
pode-se constatar que o mirante por si só, não constitui um projeto de TBC, sendo
apenas um ponto turístico que não revela a realidade da favela. (Entrevista AS34)
O MUF - Museu de Favela35
É de longe o empreendimento turístico que mais atua na favela e um dos melhores
exemplos de TBC do Rio de Janeiro. A ONG foi formada em 2008, por dezesseis
sócios fundadores, moradores da favela que decidiram aproveitar o potencial turístico
do morro para valorizar a cultura e o modo de viver da favela e mostrar para cariocas e
turistas uma comunidade que vai além dos problemas econômicos e sociais. Dentre
esses dezesseis moradores, estavam líderes comunitários, e profissionais da área de
jornalismo, fotografia e propaganda.
A principal proposta da é fazer da favela um museu a céu aberto em que se exalte a
cultura e memória da comunidade, transformando este museu em um patrimônio
histórico e cultural da cidade do Rio de Janeiro. Nos passeios, os guias se propõem a
contar a história da formação das favelas cariocas, as origens culturais do samba, as
culturas negras e nordestinas (na qual estão inseridos os habitantes), a dança e as
artes visuais presentes no morro. Logo que se chega à favela, ainda nos corredores
do mirante da paz, há uma exposição organizada pelo MUF com depoimentos e fotos
de moradores que tem história na favela, contando como eram os primeiros tempos,
as principais mudanças ocorridas no território (ver figura 15 – 1ª foto). Em outras
palavras, o visitante se insere no cotidiano da favela durante a visita e pode ver e
entender como vive e quais os hábitos ali presentes. Sendo assim, o grande objetivo é
fazer do MUF um grande roteiro de visitação turística nacional e internacional, em que
se explora a diversidade cultural da favela (Entrevista AS).
34
Entrevista realizada com Antônia Soares, diretora do MUF, em 17/06/2014, por meio de áudio. 35
http://www.museudefavela.org/
64
Figura 15 - Painel de Fotos com atrações do MUF e Morro do Cantagalo/Pavão-pavãozinho
O tour propriamente dito consiste em um passeio guiado por guias locais capacitados
em projetos da ONG. Inicia-se no mirante da paz, no Cantagalo, de onde se pode
contemplar uma excelente vista da Zona Sul. A partir daí, o passeio vai pelo coração
da favela, onde os turistas passam por pequenas biroscas onde são vendidos tira-
gostos e podem conversar com os moradores. São vistas também 27 pinturas e
“pichações” nas paredes pintadas por artistas que expressam suas poesias por meio
das artes visuais e textos escritos. A história da favela também é contada, enquanto os
guias mostram o local dos primeiros barracões construídos em 1907 até os dias de
hoje e o contato com os bairros de Ipanema e Copacabana. Também são vistas
apresentações de danças e músicas típicas, como dança de salão, capoeira, forró,
entre outras.
Portanto, é uma inserção em que o turista pode conhecer moradores e também o
território da favela. Ao final do passeio, também há uma visita á loja da REDEMUF, em
que são vendidos produtos locais e artesanato, movimentando a economia local e
tornando o projeto viável economicamente. O passeio tem duração de
aproximadamente três horas e o custo é de R$ 60,00 para brasileiros e membros do
MERCOSUL e R$ 100,00 para estrangeiros.
65
Porém, o MUF transcende a questão do museu. É um verdadeiro ativo da favela, já
que traz impactos positivos para a toda a comunidade. Existem outros projetos que
não necessariamente estão diretamente ligados ao turismo, mas que a ONG procura
fazer de modo a trazer benefícios para os habitantes. Um dos focos de gestão do
MUF são projetos pedagógicos e de animação cultural que envolve artes,
comunicação e ritmo. Outro foco diz respeito à inserção da cidade na comunidade,
com roteiros culturais, festivais e eventos. Há ainda a parceria com universidades e o
poder público para atrair investimentos e auxílios técnicos. Um exemplo é a parceria
com o IBMEC e visitas da secretaria de cultura (Vídeo MUF36).
Podemos citar também a realização de oficinas para os moradores, para que estes se
capacitem em uma determinada atividade, podendo fazer desta uma fonte de renda.
Ou seja, existe não só a ideia da cidade conhecer a favela, mas da favela também
atuar no asfalto. Algumas das atividades promovidas pelo MUF que os moradores
puderam usufruir foram oficinas de artes plásticas, artesanato, percussão, teatro,
graffiti, e a elaboração de um guia turístico comunitário (Vídeo MUF).
O que mais reflete o MUF como um empreendimento de turismo de base comunitária
é o fato de que as tomadas de decisão sobre a ONG são tomadas pelo conjunto de
moradores do complexo Cantagalo-pavão-pavãozinho. A comunidade tem um papel
central nos destinos do MUF. O conselho comunitário do MUF é na verdade reunido
por representantes das diversas entidades e projetos existentes na favela. Fazem
parte deste conselho a academia de boxe, academia de dança, a associação de
comerciantes, o Afroreggae, o Surf na Favela, as igrejas, a Escola de Samba Alegria
da Zona Sul, a Rádio Comunitária, a Associação de Moradores, a associação de
comerciantes, entre outros. Pode-se ver que há um grupo bastante diversificado
responsável pelos rumos do museu e que colhem os seus benefícios (Vídeo MUF).
Através dessa análise, pode-se ver que o TBC está entranhado no projeto MUF,
devendo servir de exemplo para outras favelas e bairros que tem intenção de colocar
no turismo uma atividade em que a comunidade seja protagonista, em um ambiente
democrático e que os impactos, sejam eles positivos ou negativos, sejam divididos
entre todos (Vídeo MUF).
36
Vídeo institucional do MUF, disponível no endereço:
http://www.youtube.com/watch?v=SWCLI7Ni5Ps
66
Apesar disso, algumas críticas devem ser feitas, enquanto muitos problemas são
encontrados. O turismo não é suficiente para manter o projeto do ponto de vista
financeiro. Os recursos são todos provenientes de editais promovidos pelo governo
(Faperj, CNPQ, etc.), deixando o projeto com um viés mais acadêmico e menos
empreendedor. Os auxílios por parte da academia são importantes, mas insuficientes
para inserir o MUF no mercado do turismo. Além disso, como a única maneira de
obtenção de recursos são os editais, fazendo com que o empreendimento se torne
independente deste mecanismo. Portanto, poderia ser positivo para os organizadores
do projeto repensarem essa estratégia (Entrevista AS).
Este problema acaba se referindo no número de turistas que visitam o morro – ao
menos através do MUF. Segundo os organizadores do projeto, a quantidade é de
apenas 10 turistas por mês, dependendo da época, se colocando muito diferente dos
outros estudos de caso neste trabalho. As principais justificativas pra isso são a não
inclusão do morro como um todo nos guias da cidade (apenas o Mirante da Paz está
explícito nesses locais) e a divulgação na rede hoteleira também é pequena. Outra
dificuldade é em relação ao domínio dos idiomas estrangeiros. Já houve casos em que
se dispensou o tour por conta de não existir voluntários capazes de fazer a tradução
para os guias locais (Entrevista AS).
Outros empreendimentos turísticos
Serão citados e explicados aqui outros dois empreendimentos que praticam a
atividade turística no morro, mas que não estão ligados ao MUF, apesar de não serem
uma concorrência a ele. Por vezes, o próprio MUF ajuda na divulgação deles, como é
o caso do Réveillon na Lage.
Todo fim de ano, o empresário Daniel de Piá organiza na laje da Dona Azelina a festa
conhecida como Réveillon na Laje. O turista tem a sua disposição comida e bebida
durante toda a noite, além de um café da manhã ao amanhecer. É possível ver a
queima de fogos da praia de Copacabana com uma vista privilegiada. A festa VIP no
Pavão custa R$ 1350, enquanto a versão “popular” é R$ 350. Embora o empresário
não seja um morador da favela, toda a renda é revertida para a comunidade37.
Outro empreendimento, a Pousada Cantagalo está localizada na favela e é
administrada por Dona Lígia, uma moradora local. Em sua maioria, os hóspedes vêm 37http://infosurhoy.com/pt/articles/saii/features/society/2013/01/23/feature-01?change_locale=true
67
da Europa e ficam encantados com a vista. Os preços estão a partir de R$140,00 a
diária. A única reclamação de Dona Lígia é a de que a Comlurb não faz o trabalho
ideal, deixando o lixo acumular e de certa maneira, atrapalha a intenção de
hospedagem dos turistas38.
Há ainda guias locais que realizam os tours por conta própria, que não
necessariamente estão ligados ao museu de favela. Esses guias oferecem seus
serviços de maneira espontânea e na maioria dos casos, “sozinhos”, sem qualquer
amparo por parte da associação de moradores da favela ou do governo (Entrevista
AS).
2.8 Morro da Babilônia/Chapéu Mangueira
2.8.1 Caracterização da Favela
Estas duas favelas que estão “conurbadas” entre si, estão localizadas no bairro do
Leme, zona sul do Rio de Janeiro, bem próximo a Copacabana. Por estarem
praticamente juntas, sendo separadas apenas por uma rua, as duas comunidades
serão tratadas com uma única neste estudo. A localização é privilegiada, em primeiro
lugar, por estar colada a um dos bairros mais concorridos do Rio de Janeiro e, além
disso, estar situada no Leme, um local tranquilo e sem muita movimentação. A favela
fica a apenas 200m da praia, o que permite aos moradores desfrutarem de uma boa
opção de lazer.
O acesso é feito pela ladeira a Ary Barroso, no Leme. Há um bom número de linhas de
ônibus que chegam ao local e fica por volta de 20 min da estação Arcoverde do Metrô.
A subida é relativamente leve, e ao chegar ao final da ladeira, a rua a direita leva a
comunidade do Chapéu Mangueira, enquanto se for utilizado o caminho à esquerda,
chega-se ao Morro da Babilônia. A figura 16 mostra essa localização. Segundo dados
do Censo do IBGE de 2010, a população total nas duas comunidades é de 4 mil
moradores divididos em 1178 domicílios39.
38
http://turismonafavela.wordpress.com/tag/pousada-favela-cantagalo/ 39
http://uppsocial.org/territorios/chapeu-mangueira-babilonia/
68
Figura 16 - Mapa com a localização dos Morros Chapéu Mangueira e Babilônia (Google maps).
Os indicadores sociais deixam a bastante a desejar em ambos os lados. Segundo o
site soulbrasileiro.com, 20% dos moradores ainda não possuem acesso à rede de
esgoto e água potável, precarizando assim as suas vidas. Os serviços de educação e
saúde também são insuficientes, já que existe apenas uma escola e duas creches e
há ausência de postos de saúde. Por outro lado, o sempre existente problema de falta
de segurança devido à presença do tráfico de drogas parece ter sido resolvido através
da intervenção policial por meio da UPP, em 2008.
A associação de moradores do Chapéu Mangueira é consideravelmente atuante na
comunidade. Além de projetos de fomento ao turismo que serão abordados mais
adiante, a associação organiza trilhas ecológicas, feiras de arte e almoços com comida
típica. A preocupação ambiental é bastante evidente pela associação e os moradores,
já que estes se mobilizaram para fazer do morro da Babilônia uma APA (Área de
proteção ambiental) em 2001 e formaram a Cooperativa de Reflorestadores da
Babilônia (CoopBabilônia40) e desde então vem promovendo um processo de
reflorestamento do morro com a plantação de 190 mil mudas.
Recentemente, os habitantes conviveram com dois problemas, que poderiam até
mesmo estar ligados entre si. O primeiro caso é de que alguns moradores relataram
ameaça de remoção por parte da prefeitura41, contra a sua vontade e sem a
40
http://coopbabilonia.blogspot.com.br/ 41
http://favelanaosecala.blogspot.com.br/2013/02/moradores-historicos-do-morro-da.html
69
indenização necessária. O outro caso diz respeito à intenção de criar a primeira
estação do bondinho do Pão de Açúcar no morro. Isso gerou revolta não só dos
habitantes do morro, mas também de todos que moram no bairro do Leme, já que a
construção de tal estação acarretaria em danos ambientais ao morro e transformaria o
caráter tranquilo e silencioso do Leme.
É interessante dizer que o morro serviu de cenário para as gravações do filme Orpheu
Negro, em 1959, promovendo a favela até mesmo no cenário internacional42.
2.8.2 O turismo na Favela
Conforme já foi dito, a associação de moradores do Chapéu Mangueira é bastante
influente na favela e está constantemente buscando trazer benefícios através de
atividades sociais em que a comunidade esteja inserida, participando ativamente das
decisões e colhendo os frutos. É a única associação de moradores de favela do Rio de
Janeiro que possuí uma secretaria de turismo comunitário. Esse turismo é praticado
de diferentes formas através de passeios turísticos, de um hostel e de um restaurante
na favela. Algumas fotos podem ser vistas na figura 17.
A Chapéutour43
A Chapéutour é a empresa de turismo comunitária que gere os passeios aos turistas
interessados em conhecer o morro. A ideia nasceu da Coopbabilônia, que ao
reflorestar o morro, percebeu a existência de trilhas que poderiam interessar aos
turistas. A partir desse momento, Os condutores tiveram capacitação em condução em
trilhas e turismo, adquirindo certificado de guias pela EMBRATUR.
Portanto, o grande diferencial do passeio pelo Morro da Babilônia, é que além do
turista conhecer a comunidade e as características dos moradores, tem a
oportunidade de fazer trilhas pela mata que leva à vistas muito interessantes da cidade
do Rio de Janeiro. Em um contexto que o ecoturismo cada vez tem atraído mais
turistas e as trilhas a fazer no morro são leves, o cenário se torna bastante propício ao
desenvolvimento do turismo comunitário. São quatro os mirantes principais: Mirante
das Ruínas, Mirante do Rio Sul, Mirante do Rio Sul e Mirante do Campinho. Deles, é 42
http://www.riofilmcommission.rj.gov.br/locacao/babilonia-e-chapeu-mangueira-leme 43
http://chapeutour.blogspot.com.br/
70
possível ver locais como a enseada de Botafogo, o Pão-de-Açúcar, as praias do Leme
e Copacabana, o Shopping Rio Sul e o Corcovado.
O passeio tem duração de duas horas, em média, e custa R$40,00. Além de passar
pelos referidos pontos, o visitante tem oportunidade de conhecer a favela, por vezes
assistindo apresentações de dança e capoeira, conhecendo o trabalho das
associações ou visitando biroscas e bares, podendo assim comer pequenos tira-
gostos ou mesmo feijoadas e desenvolvendo assim a economia local.
Para alguns tours, existe parceria com empresas de turismo externas, que oferecem
guias para traduzir para o inglês as informações fornecidas pelos guias locais. Como
projeto Chapéu Tour pertence à associação de moradores do Chapéu Mangueira e
dos moradores que participam do projeto, toda a renda das visitas fica na comunidade.
Até hoje, já foram feitas melhoras na favela com a renda proveniente do turismo, como
pintura da creche e realização de mutirões de limpeza, além de despesas da
associação.
Pode-se ver que o turismo comunitário está garantido, já que as melhorias acontecem
para quem está na própria favela. Isso é retratado também em um dos objetivos claros
do empreendimento. De acordo com o blog do guia legal44, O projeto tem por
finalidade trazer renda e criar empregos na comunidade além de ajudar a associação
de moradores.
O Favela Inn Hostel45
Cristiane de Oliveira é a empreendedora e gerente do hotel. A ideia veio quando ela
guiava turistas pela comunidade e eles por vezes pediam para descansar em sua laje.
Junto com seu cunhado, dono do imóvel, Cristiane fundou o hostel que serve de
abrigos a turistas que têm interesse em se hospedar na comunidade, próximo da praia
e localizado em um dos bairros mais concorridos do Rio de Janeiro.
O empreendimento ganhou apoio da associação de moradores e se tornou um
importante instrumento de potencialização do turismo no morro. Já conta com dezoito
leitos e atende hóspedes do mundo inteiro e por isso, a filha da gerente está
44
http://blogdooguialegal.blogspot.com.br/2010/03/opcoes-cde-turismo-na-comunidade.html 45
http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2012/07/04/albergue-em-favela-pacificada-do-rio-atrai-turistas-estrangeiros.htm
71
estudando inglês para atender este público. Segundo os dados do site uppsocial.com,
90% dos hóspedes são estrangeiros. Além disso, Cristiane frequentou curso de
pequenos empreendendores no SEBRAE e assim se capacitou para tornar o negócio
viável, mesmo na baixa temporada. O empreendimento cresceu de tal maneira que já
aparece como opção de pousada no guia oficial do Rio e em sites de referência em
viagens, como o Trip Advisor.
Por vezes, o albergue serve de espaço para os turistas e hóspedes assistirem
apresentações de samba e choro e outras expressões culturais feitas pelos próprios
habitantes. Sendo assim, o albergue mostra sintonia com a comunidade, Chapéutour e
associação de moradores de colocar a favela no centro, como protagonista. Uma foto
do hostel pode ser vista na figura 17.
O hostel também mostra sinais de preocupação com a sustentabilidade. As divisórias,
por exemplo, utilizam bambu. As almofadas de fuxico, as luminárias e os pufes de
garrafa PET são produzidos por artesãos de comunidades cariocas. Os tapetes são
feitos com malotes bancários e o teto é reforçado com embalagens tetrapak. Também
foi implantada coleta seletiva e as lâmpadas foram trocadas por modelos mais
econômicos. Em breve, será instalado um coletor solar. A iniciativa foi reconhecida. O
albergue foi escolhido como referência e apresentado em junho no estande do Sebrae
na Rio+20 – Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável.
O Favela Inn já espelho para outras iniciativas parecidas. Recentemente, o grupo
Tabatur, pequena agência de turismo da favela dos Tabajaras, em Copacabana, visitou
o Morro da Babilônia e estabeleceu parcerias com intenção de criar um hostel em sua
própria comunidade46.
O Bar do David47
O que antes da implantação da UPP era apenas um bar que servia petiscos para os
moradores do morro da Babilônia, hoje serve em torno de 150 variedades de prato e a
média de pedidos chega a 40 por dia. O dono do bar, David de Jesus conta com três
funcionários e coloca a UPP como fator essencial de sucesso do empreendimento. A
foto pode ser vista na figura 17.
46
http://www.uppsocial.org/2012/07/grupo-de-turismo-do-tabajaras-visita-albergue-no-chapeu-mangueira/ 47
http://rioshow.oglobo.globo.com/gastronomia/restaurantes/bar-do-david-2280.aspx
72
Em 2011, o bar foi o primeiro estabeleceimento de uma favela carioca a ser convidado
a disputar a famosa competição entre os botecos do Rio de Janeiro, o Comida di
Buteco48. Os preços são bastante acessíveis, já que o preço médio de um prato custa
apenas R$10,00.
Figura 17 - Painel de fotos do Morro da Babilônia
2.9 Rocinha
2.9.1 Caracterização da Favela
É mais uma das favelas com localização privilegiada no Rio de Janeiro. Instalou-se em
uma das bases do morro Dois Irmãos (na outra está o Vidigal), no bairro de São
Conrado, conhecido por ser um bairro nobre, com prédios e casas em que residem
pessoas de alta renda, aumentando ainda mais o contraste entre a riqueza dessas
residências e a pobreza da favela. Os pontos positivos da localização, além de
naturalmente estar na zona mais nobre, envolvem um excelente visual – de um lado
48
http://www.comidadibuteco.com.br/
73
do morro, se avista o bairro de São Conrado, Pedra Bonita, Pedra da Gávea e Praia
do Pepino e do outro, na direção de onde a favela cresceu, já é possível contemplar a
Lagoa Rodrigo de Freitas e o Corcovado. A figura 18 mostra a sua localização.
Figura 18 - Mapa com a localização da Rocinha (Google maps).
A Rocinha é não só a maior favela do Rio de Janeiro, como também a maior da
América Latina. Os números, porém, variam entre diferentes fontes, o que de certa
maneira é esperado, dada a dificuldade de mapear uma favela com esse tamanho e
complexidade e adicionando o fato de que o acesso a certas regiões é difícil. Segundo
o censo de IBGE de 2010, a população local é de aproximadamente 70 mil pessoas.
Porém, os moradores contestam esse valor. Segundo Leonardo Rodrigues Lima,
presidente da União Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha (UPMMR), os
habitantes da Rocinha estão entre 180 e 220 mil pessoas. A discrepância se explica
pelo fato de o IBGE não entrevistar todos os moradores ao fazer o censo, conforme
disseram em depoimento os próprios moradores49. O mais provável é que devido ao
tamanho da favela, o número está em torno de 150 mil pessoas. As projeções são de
que só nos últimos dez anos, a população da Rocinha tenha dobrado50.
O número de domicílios (de acordo com o IBGE) é em torno de 30 mil, o que revelaria
uma média de cinco habitantes por residência. Eles estão espalhados pelos quase
49
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2011/12/maior-favela-do-pais-rocinha-discorda-de-dados-de-populacao-do-ibge.html 50
http://soulbrasileiro.com.br/main/rio-de-janeiro/favelas/rocinha/rocinha/
74
1,44 Km2 que abrangem as residências, o que mostra o tamanho elevado da
comunidade comparado com as outras favelas cariocas. Por este motivo, é
considerado um bairro independente de São Conrado desde 199251.
Hoje os principais serviços já chegam à comunidade, como televisão a cabo, energia
elétrica, agências bancárias, creches e escolas públicas. Porém, por ser muito grande,
a Rocinha também conta com uma diversificação que lhe é peculiar. Enquanto há
habitantes até mesmo de classe média nas áreas com os melhores indicativos sociais
e um comércio desenvolvido no sub-bairro do Barcellos, há também aqueles que
vivem na extrema pobreza, com casas construídas de madeira e de difícil acesso e
sem os bens essenciais. Algumas estão erguidas em áreas de risco, nos locais mais
pobres da favela48.
Apesar dessa diversidade, os dados mostram que a Rocinha está entre as duas
favelas com os piores indicadores sociais do Rio de Janeiro. Segundo os dados
levantados pelo centro de políticas sociais da FGV em 2010, a renda per capita é de
apenas R$220 por mês. De acordo com Marcelo Nery, coordenador desta pesquisa, “A
Rocinha (...) está praticamente 30 anos atrás do resto das regiões administrativas em
termos de escolaridade. A (...) comunidade, onde a idade média é de 27 anos, não
dispõe de um passaporte para o futuro para essa juventude". O tempo médio de
estudo na comunidade é de apenas 5,08 anos52.
Ainda de acordo com a pesquisa, 80,2% da renda da Rocinha vem dos moradores, o
que causa surpresa ao demonstrar que políticas de transferência de renda como o
bolsa-família se fazem ausentes. O desemprego é alto, atingindo 17,2% e revelando a
falta de oportunidades, um dos pontos de maiores reclamações por parte dos
moradores. Outras queixas foram a segurança pública, as unidades de saúde e o
escoamento de esgoto. Por outro lado, os habitantes elogiaram o abastecimento de
água e o fornecimento de energia elétrica50.
É importante também traçar um breve histórico de ocupação da comunidade. As
primeiras casas começaram a ser construídas na década de 30 do século passado e
se intensificou após a chegada de imigrantes portugueses depois do fim da segunda
guerra mundial. Havia o cultivo de plantas e hortaliças que abasteciam uma pequena
51
http://pt.wikipedia.org/wiki/Rocinha 52
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/38834-alemao-e-rocinha-sao-as-favelas-mais-pobres-do-rio
75
feira na Praça Santos Dumont, na Gávea. Nas décadas de 60 e 70, o crescimento foi
exponencial a partir da chegada de imigrantes nordestinos em busca de ofertas de
emprego no Rio de Janeiro. Com o crescimento desordenado, veio também a carência
de infraestrutura e os problemas sociais. Assim como em outras favelas cariocas, a
Rocinha foi castigada com a presença do tráfico de drogas e constantes incursões da
polícia militar, que por várias vezes acabava custando a vida de inocentes. Os
traficantes, por outro lado, aliciavam os jovens para o tráfico a medida que as
oportunidades de vida iam rareando.
Mais recentemente, a favela foi objeto de investimento do poder público, através do
programa de aceleração do crescimento (PAC) do governo federal. Com ele, veio a
construção de uma passarela, o alargamento de ruas e melhora no serviço de energia
elétrica. Em 2011, foi implantada a UPP, que expulsou o tráfico e melhorou
relativamente a segurança, além de permitir a melhora de outros serviços, podendo
aqui incluir o turismo. Porém cabe dizer que os moradores ainda sofrem com a
violência diária, como foi o caso do assassinato do pedreiro Amarildo por policiais da
UPP, em julho de 2013.
2.9.2 O turismo na Favela
Conforme já foi abordado, é cada vez mais comum a procura dos turistas em conhecer
as favelas do Rio de Janeiro e a consequente oferta de passeios deste tipo por parte
de agências ou mesmo dos moradores da comunidade. A Rocinha é a melhor favela
que representa esse cenário. Foi a primeira a ter passeios turísticos, muito antes da
pacificação, quando a cidade foi sede do evento sobre sustentabilidade ECO 92. O
turismo no local foi crescendo aos poucos e hoje as visitas a maior favela da América
Latina é o terceiro ponto turístico mais visitado da cidade, perdendo apenas para o
Cristo Redentor e o Pão de Açúcar53.
Embora tenha começado no início da década de 90, o crescimento do turismo na
Rocinha de deu na segunda metade da última década, tendo inclusive uma
preocupação por parte do poder público neste sentido. Rubem Medina, Secretário
Especial de Turismo do Rio de Janeiro, esclarece alguns fatos que ligam a favela com
o turismo, com as seguintes palavras:
53
http://www.rocinha.org/noticias/rocinha/view.asp?id=2656
76
A prefeitura do Rio considera a Rocinha uma atração turística e não
vejo como isso possa prejudicar a imagem da cidade. Pelo contrário.
Existe uma demanda de turistas para conhecer a favela e esse roteiro
turístico já existe e movimenta o comércio local, os artesãos. [...]
(RENATO, 2007)
A Instalação da UPP também foi essencial para garantir maior confiança na visita
pelos turistas e também ganhar maior participação do governo no que tange a
atividade turística. Além disso, a Rocinha possui os diferenciais de estar próxima aos
principais hotéis, o que facilita a logística dos turistas serem apanhados e possuí duas
saídas, pela Gávea e por São Conrado, o que facilita para a saída em casos de
emergência, como possíveis conflitos (FREIRE-MEDEIROS, 2008).
O turismo na Rocinha foi crescendo nos últimos anos ao ponto de chegar a um
número médio de visitante de dois mil por mês, mostrando não só o potencial turístico,
mas também a o desenvolvimento desse potencial. Isso coloca a Rocinha em primeiro
lugar dentre as mais favelas visitadas da cidade (Vídeo da rocinha original tour54).
Os principais pontos turísticos da favela
Curiosamente, mesmo sendo a favela mais visitada, os seus pontos turísticos não são
o que mais marcam, como é o caso de outras comunidades. O principal a ser visitado
é o cotidiano dos moradores, conhecendo os seus hábitos e vendo a realidade de
suas vidas, suas casas e sua cultura. Isso é algo extremamente positivo, já que “o
grande acervo da favela é o favelado” (Entrevista AS). E isso se faz presente na
Rocinha. Inevitavelmente, o turista é obrigado no mínimo a ver - não necessariamente
a interagir – com o morador.
Entre os pontos que as agências de turismo levam – ou deveriam levar – os visitantes,
podemos destacar o Parque ecológico da Rocinha, inaugurado recentemente e com
opções de lazer e vista para a favela, o conjunto do PAC com casas renovadas e
pintadas, o Largo do Boiadeiro, a histórica igreja da Nossa Senhora de Boa Viagem, a
biblioteca cultural, que inclui um cineteatro e internet comunitária, a curva do S e a
praça dos artesãos, porta de entrada para a comunidade. Alguns destes pontos estão
colocados na figura 19.
54
https://www.youtube.com/watch?v=rx_gRCT8npY
77
Figura 19 - Painel de Fotos com exemplos de turismo na Rocinha
Os atrativos culturais ficam por conta principalmente por conta dos ensaios da escola
de samba Acadêmicos da Rocinha. Como o carnaval é um ativo do Rio de Janeiro e
representa muito bem a cultura do morador de favela, acaba sendo também bastante
procurado pelos turistas. A quadra da escola não fica no interior da favela, se
localizando próxima a entrada, mas é possível dizer que quem a visita, conhece o
cotidiano a realidade dos habitantes locais.
Outro ponto cultural bastante apreciado nos tours é a culinária local, que não deixa de
ser carioca em uma visão ampla, mas com as particularidades presentes da favela. O
principal bar local, o bar do Elizeu oferece a feijoada típica por um preço mais em
conta do que aqueles encontrados nos principais gourmets da cidade, porém com a
mesma qualidade. Há ainda a presença dos tradicionalíssimos baião de dois e bife
com batata frita pelos restaurantes e o açaí, refresco que é figura constante nas
lanchonetes e bares. A vantagem dessas refeições servidas na favela comparada aos
restaurantes, é que é a mesma comida que os próprios moradores costumam se
78
alimentar no seu dia-a-dia, aproximando turista e morador e atingindo o objetivo do
turismo de base comunitária55.
Por fim, há ainda na chamada Rua 1, na parte alta da favela, um comércio de
souvenires. O local é ponto de parada para boa parte das agências e guias que
oferecem os tours e conta com artesanato produzido pelos próprios membros da
comunidade, potencializando o desenvolvimento local. São oito barracas que os
turistas contemplam, tiram fotos e muitas vezes compram os produtos ofertados. Cabe
a crítica que muitos guias de fora da Rocinha recebem uma comissão de 10% na
venda, fazendo com que o dinheiro saia da comunidade. Entre os souvenires
oferecidos, estão bolsas e cintos de anel de alumínio, imãs e mini-maquetes feitas
com caixas de remédio, bolsas e chapéus de sacolas plásticas. Taco, madeira
reaproveitada e vinil transformam-se em quadros coloridos, que oferecem imagens do
Cristo Redentor, da paisagem que se vê do alto do morro e de casas da favela
(NUNES, 2008).
As agências externas e os seus tours
Primeiramente, foram as agências de turismo tradicionais que começaram a fazer os
tours pela favela, no ano de 1992. Marcelo Armstrong começou a organizar os
passeios e foi o pioneiro no turismo de favela, a partir de uma experiência que teve no
Senegal. Até hoje, com uma agência própria, ele realiza o tour pela favela e tem uma
agência própria, a Favela Tour. No caso desta agência, as estatísticas mostram que
98% dos turistas são estrangeiros, em sua maioria de Estados Unidos e Europa56.
Depois da “inauguração”, o negócio da Rocinha só foi crescendo e em 2007 já havia
sete agências que faziam o passeio: Forest Tour; Exotic Tours; Favela Tour; Be a
Local, Don’t Be a Gringo; Private Tour; Jeep Tour; Indiana Jungle e Rio Adventures
(MESQUITA, 2007). Hoje, ainda mais agências se juntaram a essas, mostrando que a
Rocinha e a favela carioca como um todo estão no roteiro pretendido por um turista
que visita o Rio de Janeiro. Dentre essas agências mais recentes, podemos destacar:
Carioca Free Culture; Rio40graus e Favelatour.
O passeio que cada agência oferta tem variações, mas costuma ter um padrão. Todas
55
http://www.rocinhaoriginaltour.com.br/paginas/gastronomia.html 56
http://turismo.ig.com.br/destinos_nacionais/2010/09/17/subindo+os+morros+do+rio+de+janeiro.html
79
pegam os turistas no hotel, passam pelos principais pontos da favela, como a feira de
souvenires, os locais com vistas privilegiadas, o centro comercial e a visita a laje de
um morador. O custo do passeio fica em média de R$65,00. As diferenças ficam por
conta da maneira de visitação: algumas agências oferecem o passeio em jeep, outras
em moto-táxis locais e uma parte oferece o passeio a pé. Outra questão se dá em
relação às refeições na favela. Algumas as oferecem, enquanto outras não. Vale dizer
que há um ponto positivo, já que boa parte dos turistas deixa um bom dinheiro, ao
comprar suvenires ou fazer sua refeição na favela, beneficiando os seus moradores.
A crítica a essa agências externas fica por conta na maneira com que o passeio se dá,
conforme já foi abordado na revisão bibliográfica: O morador é evidenciado apenas da
maneira positiva, com sua alegria e os problemas da realidade da favela não são
abordados. Além disso, há relatos de que os guias não locais dessas agências não
conhecem a história da Rocinha e das favelas em geral, dando informações erradas
ou incompletas, o que certamente não aconteceria se os guias fossem locais
(MESQUITA, 2007).
Porém, entre as agências externas, há algumas exceções que merecem alguns
destaques. A Exotic Tours não é uma empresa local, mas emprega guias locais, já que
possuí uma escola própria de guias e lhes ensina noções de inglês ou espanhol
(MESQUITA, 2007). É um exemplo excelente de como uma agência, mesmo que
externa, pode aplicar TBC, já que não só emprega moradores, como os capacita. Fica
claro que a comunidade se fortalece com essa iniciativa. Além desse caso, a Favela
Adventures tem um tour também oferecido por um guia local, o mesmo ocorrendo com
a Carioca Free Culture, sendo que neste caso o guia é um ex-morador54.
Cabe dizer que os tours oferecidos na Rocinha tem um excelente retorno dos turistas
em relação à satisfação dos mesmos, o que já torna algo positivo, uma vez que o
chamado “boca-a-boca” é uma das formas de divulgação e certamente o visitante
estrangeiro indicará um passeio à favela para os seus conterrâneos quando esses
vierem ao Brasil, além de ser uma visita certa em um possível retorno. Segundo a
pesquisa feita pelo Estudo de Potencialidades Turísticas da Rocinha, ao serem
questionados sobre o atendimento recebido, a Rocinha recebeu o conceito Ótimo em
primeiro lugar, sendo citado por 89,2% dos entrevistados57.
57
http://www.rocinhaoriginaltour.com.br/paginas/rocinha.html
80
3.9.3 O fórum de turismo comunitário e a Rocinha Original Tour
Embora todos os casos citados anteriormente podem ser questionados quanto a se
enquadrar como um caso de turismo comunitário, há um exemplo clássico de TBC na
comunidade. A Rocinha Original Tour58 é uma agência de turismo genuinamente
“rocinheira”, nascida e criada na própria favela, com guias e trabalhadores locais e em
total sintonia com outras associações da comunidade, a ponto de ser criado e estar
constante desenvolvimento um fórum de turismo comunitário pelo organizador e líder
local Ailton Macarrão.
Pode-se dizer que o Fórum não existe sem a agência e tampouco a agência sobrevive
sem o fórum. Um é o complemento do outro. É possível ver que as ideias que existem
na agência são as mesmas que perpassam no fórum: a visão de que o TBC é um
instrumento de desenvolvimento local e social para a comunidade, que esta deve ser a
principal beneficiada da atividade turística e os trabalhadores devem ser membros da
própria comunidade. Por tudo isso, pode se dizer que ambos estão afinados entre si e
totalmente de acordo com a prática do turismo de base comunitária, uma vez que o
protagonismo parte dos moradores locais. Segundo o próprio organizador, a agência é
um “braço” do fórum que faz a interface com o mercado (Entrevista AM59).
Neste trabalho, abordaremos os dois de maneira separada, primeiro explicitando como
trabalha a agência, como o tour é feito e a divulgação do trabalho, para depois analisar
o fórum de turismo comunitário, suas ideias e práticas em relação à comunidade e
seus eventuais parceiros.
A Rocinha Original Tour
A preocupação com o desenvolvimento da favela está explícito nas entrelinhas do site
da agência. O slogan “Conheça a Rocinha com quem a conhece” é só o primeiro
indício de que em primeiro lugar está a favela e que esta deve ser mostrada por quem
lá vive para dessa maneira, o turista aproveita-a maximizando o seu conhecimento.
Segundo o próprio site:
Nesse lugar, a Rocinha Original Tour faz um turismo solidário,
58
http://www.rocinhaoriginaltour.com.br/ 59
Entrevista realizada com Aílton Macarrão, em 26/06/2014.
81
participativo e interativo, em conexão e articulação com parceiros
ancorados à preservação do meio ambiente, à interação e justiça
social. Somos Rocinha, somos locais, somos Rocinha Original Tour60.
Esse viés ligado à preservação ambiental, a interação entre visitante e morador e a
superação da pobreza através da justiça social é o combustível para a prática de um
turismo responsável, que agregue valor para os dois lados que usufruem da atividade
turística: Habitante local e turista. Há ainda a expressão cultural como um ativo que é
mostrado e valorizado nos tours da agência. Arte, cultura e entretenimento fazem parte
dos atrativos.
Os tours oferecidos têm um grande diferencial em relação às agências externas, uma
vez que além de passar pelos locais tradicionais, também passa por ambientes que a
primeira vista não são tão atrativos, mas que são de extremo interesse para alguém
que quer se entranhar a fundo no cotidiano da favela. Isso é algo que só pode ser
exercido com maestria qualidade quando realizado por um guia local. Os tours contam
por vezes com estabelecimentos comerciais que não necessariamente são conhecidos
pelas agências tradicionais (que muitas vezes se limitam aos barracões de suvenires
na Rua 1).
Além disso, podemos destacar o forte apelo cultural que estes tours contam ao passo
que as agências externas ignoram esta parte. Isso se refere, por exemplo, a visita a
sede da ONG Rocinha Surf Escola, a escola de samba Acadêmicos da Rocinha, e
alguns polos comerciais. Por vezes, há rodas de capoeira e bailes funk. Aos domingos,
o pagode toma conta do Pagomix. Há ainda os eventos esporádicos sempre
enaltecidos pela agência.
Vale dizer que ainda não é possível ter um parâmetro do sucesso ou mesmo das
capacidades da agência, uma vez que sua criação é muito recente. Aílton Macarrão
começou a operacionaliza-la e oferecer os serviços apenas no dia 27 de março deste
ano. Por este motivo, a empresa ainda está se organizando e quando há demanda,
procura alguns guias locais existentes na favela e dialogam com restaurantes e outros
empreendimentos da favela (Entrevista AM). Uma foto com o próprio Ailton Macarrão é
vista na figura 19.
Por ser uma agência ainda em fase embrionária, o principal meio de divulgação ainda 60
http://www.rocinhaoriginaltour.com.br/paginas/quemsomos.html
82
é o “boca-a-boca”, embora já haja a ideia de parceria com hotéis. É importante
destacar que o site da agência é bastante esclarecedor, com explicações de como é
feito o tour, meios de fazer reserva, seu preço e os locais visitados. Há ainda conteúdo
sobre a favela e a cidade e o desenvolvimento da noção com o TBC, ainda que este
nome não esteja explícito. Para melhorar, o site é bilíngue com tradução para o inglês,
aumentando o mercado potencial para os turistas estrangeiros. O que mais representa
o caráter comunitário e gerador de emprego e renda proporcionado pelo turismo é que
o site foi desenvolvido por uma web designer local (Entrevista AM).
Há seis diferentes tours oferecidos, segundo o site:
O tour panorâmico - indicado para o público jovem e caminha-se pelos principais
pontos, incluindo o Parque ecológico e artesanato local. Seu custo é de R$80,00 e a
duração de 2h30min.
O tour área crítica - Passa por locais entranhados da comunidade, onde raramente
outras agências passam, como o visual “laboriaux”, a Rua do Valão, e o “Bate-Lata”,
onde a arte de comunidade é mostrada, O custo é de R$90,00.
O tour turismo cultural - Além de passar pelos principais pontos, inclui visita à escola
de samba, a escola de Surf e a casa das artes. A duração é 1h30min e o custo de
R$ 80,00.
O tour roteiro radical – É indicado ao público jovem por fazer a subida no moto-táxi
pela entrada de São Conrado e a descida ser toda a pé. A vista panorâmica, o
caminho do Boiadeiro e travessa das Palmas são pontos de visitação. O custo é de
R$ 90,00.
O tour turismo sociocultural (full day) – Com duração de cinco horas, cobre quase
todos os pontos turísticos já citados, além de um almoço em um dos restaurantes com
culinária típica e por vezes, recepção com música. O preço é de R$ 150,00.
O Roteiro Ecológico – Como o nome sugere, passa pelas trilhas presentes no morro
com consequente apreciação da mata atlântica. Há também visitas aos mirantes 199 e
do Laboriaux, com vista para todas as praias da zona sul. O custo é de R$ 80,00 e a
duração de 2h30min.
O Fórum de Turismo Comunitário
O líder comunitário e sócio fundador da escola de samba local, a Acadêmicos da
Rocinha, não estava satisfeito com a forma que o turismo estava se desenvolvendo na
favela. A exploração das agências externas não estava deixando benefícios a quem
83
realmente interessa: a comunidade local. Ignorar a vida dos habitantes e não interagir
com eles são apenas alguns pontos negativos que a exploração da atividade turística
trazia ao local. Segundo o próprio Ailton:
A demanda foi crescendo, o ambiente foi sendo degradado, as
agências explorando um turismo de marginalidade, sem história e
equivocado. Não tem um real revertido para o social e não há
estrutura. Eles querem ganhar o todo e pagar a comissão para a
gente. Tinha que ser o contrário (Entrevista AM)
A denúncia é clara no que tange a preocupação com o ambiente local, através da
degradação do mesmo, do esquecimento ou abordagem incorreta da história da favela
e principalmente do ganho financeiro das agências sem qualquer contrapartida para a
favela, já que os guias não são locais e os ganhos daqueles que vendem sem
produtos são quase nulos, já que há um acordo prévio das agências com
comerciantes específicos, que são explorados (SPAMPINATO, 2009). Um exemplo
desse problema se verifica em um exemplo citado por Ailton quando uma vez estava
tendo um passeio promovido pela Jeep Tour e o jeep em que os turistas estavam
passou direto por uma roda de capoeira. Os turistas tentaram olhar, mas perderam a
chance de ver uma expressão cultural da favela (Entrevista AM).
Essa é mesma opinião da maioria dos moradores da Rocinha. Eles têm a perfeita
noção de que o que mais deveria ser mostrado, a alegria, a cultura e o cotidiano deles,
não é de forma alguma explicitado. Eles não veem problemas com os passeios e têm
perfeita noção de que o turismo de favela pode ser algo positivo, se praticado com
responsabilidade e respeitando o morador. Porém, tal oportunidade é perdida, como
revela uma moradora:
“Eu não vejo aquela publicidade por parte de quem está trazendo
[agências e guias] de ir lá mostrar a arte que acontece dentro da
comunidade. Tem uns lugares que eu não vejo eles visitarem, como
programas de assistência social. As coisas legais que existem
ninguém visita (entrevista R. 45 anos, professora do Ensino
Fundamental em FREIRE-MEDEIROS, 2009, p.119)”
A mídia também contribuí negativamente para mostrar ao asfalto o que é a realidade
da favela. As informações nos jornais são sensacionalistas e muitas vezes assumem
práticas de criminalização da pobreza por generalizar e revelar o que a favela não é –
84
um espaço onde só há crimes e por isso, um local que deve ser temido por quem a
visita. Isso tem mudado, mas ainda é insuficiente e as agências externas continuam
evitando locais que supostamente são perigosos, mas que de fato não o são
(SPAMPINATO, 2009). Segundo é relatado por François, outro importante membro do
fórum, “a mídia vende o medo” (Entrevista F61).
É nesse contexto que Aílton decide fundar e criar o fórum de turismo comunitário da
Rocinha. O principal objetivo envolve a prática de um turismo solidário, responsável e
que o morador esteja no centro da atividade em ambos os casos: na prática do turismo
– com guias, comerciantes, hoteleiros, empreendedores, todos estes locais – e
também nos benefícios colhidos através da oferta de serviços. Pode-se dizer que esta
ideia está bastante afinada com um turismo de base comunitária.
Além disso, o essencial seria criar uma maior interação entre visitante e morador,
essência do TBC. Os guias locais, por conhecem a comunidade com melhor qualidade
teriam grande vantagem em relação aos guias não locais. E esse seria o maior
exemplo de um dos principais objetivos do fórum: a geração de emprego e renda para
os residentes locais (Entrevista AM). Isso seria visto não só com os guias, mas
também com outras atividades essenciais a cadeia produtiva do turismo, como lojistas,
vendedores de artesanato ou donos de pequenos hotéis. Um bom exemplo para isso é
que já trabalha uma estagiária estudante de turismo e moradora da comunidade em
conjunto com Aílton e François no Fórum.
A primeira ideia de Ailton quando o fórum, foi criado, em 2007, foi de dialogar com as
agências externas a fim de garantir um turismo mais responsável e qualificado. A
proposta foi entorno da utilização de trabalhadores locais, principalmente guias, para
realizar e fazer parte do passeio. Para isso seria necessário capacitar esses guias com
o aprendizado de um idioma estrangeiro. Em teoria, essa estratégia poderia ser
positiva tanto para as agências, que melhorariam a qualidade dos seus tours, quanto
para a comunidade, já que teria seus jovens e adultos trabalhando em um emprego
formalizado. Porém, estas agências não toparam tal projeto em nenhum momento, já
que não enxergavam a capacitação com um investimento e sim como custo, o que
manteve a mesma lógica do turismo praticado até então (SPAMPINATO, 2009).
Com a negativa das agências, o fórum foi o propulsor da criação de uma agência de
61
Entrevista realizada com François em 26/06/2014
85
turismo interna, que conta hoje com quase 100% dos seus trabalhadores ou
colaboradores como moradores locais. Assim, em março de 2014 nasceu a Rocinha
Original Tour, a primeira – e até o momento única - agência de turismo receptivo
interna da Rocinha. O objetivo seria contrastar com o turismo praticado por essas
agências externas.
O método de divulgação, tours e preços e principais ideias de operação da agência já
foram explicitados neste trabalho, porém cabe aqui colocar que o que levou a oferta de
vários tours diferentes foi justamente uma ideia partida do fórum e que expressa muito
bem o TBC. As diferentes formas de turismo, como o ecoturismo, o turismo cultural, o
turismo culinário ou o “turismo de compras” estão alocados nos diferentes tours. Como
não existe “uma Rocinha” e sim “diferentes Rocinhas dentro de uma só”, nada mais
natural que ter mais de um tipo de tour para estas “diferentes Rocinhas”. Outra
iniciativa que o fórum pode proporcionar a foi a (re)criação do Parque ecológico, em
2009, uma área verde com 8 mil metros quadrados e equipamentos de lazer, turismo e
cultura, praça para idosos, ciclovia e parque infantil(SPAMPINATO, 2009).
Obviamente, além de ser um ganho para o turismo, foi um ganho para a comunidade,
que passou a poder desfrutar de tal área de lazer.
Um problema inicial na implantação do fórum, porém que persiste até hoje e que é
constante preocupação por parte de Aílton é em relação à união – ou melhor dizendo –
a não união entre os empreendedores, donos de negócios, lojistas e comerciantes em
geral. Isso pode ser evidenciado no trabalho feito por Spampinato (2009):
Nas conversas com o assessor de comunicação e com o presidente
do Fórum, ficou evidente a existência de problemas e dificuldades que
a instância precisa enfrentar para que comece a andar sozinha. Entre
esses problemas o mais grave seria, sem dúvida para os
entrevistados, a fragmentação dos comerciantes e dos grupos
produtivos presentes no território, que, junto com o ceticismo por
decepções anteriores, leva a uma escassa participação em suas
atividades, fazendo com que os que deveriam ser seus principais
atores, ficam esperando por ações que dependeriam
fundamentalmente de sua participação, ativando, dessa forma, um
perigoso círculo vicioso de inatividade organizativa e baixa
participação comunitária. (SPAMPINATO, 2009, p. 138).
Isso evidencia uma clara ausência de parcerias entre a comunidade no sentido de unir
forças para a comunidade ter um progresso. E isso não é um problema apenas para o
86
desenvolvimento do turismo, como para todos os outros ramos comerciais e não
comerciais. O fortalecimento de uma comunidade depende da união entre os seus
membros e suas consequentes parcerias.
Além das parcerias internas, é importante também que haja parcerias externas. São
elas que irão garantir a comunicação, divulgação, promoção e o conhecimento das
atividades da favela para quem está fora dela. Se o turismo é uma atividade em que
os clientes não são locais, é essencial que existam instrumentos que garantam que
um turista em potencial vire um visitante de fato. Além disso, o governo, que pode ser
considerado um ente externo, é o principal promotor de políticas públicas que irão
influenciar diretamente a favela e também o turismo praticado nela. Pode-se dizer que
o governo é um dos principais stakeholders nas políticas da favela.
Sendo assim, destacaremos as parcerias já existentes entre o fórum de turismo
comunitário com outros empreendimentos internos e externos. No âmbito interno, o
fórum tem procurado estabelecer relações com os restaurantes e bares locais. Isso
porque é esperado que o turista tenha interesse em conhecer a culinária local e o que
comem os habitantes no seu cotidiano. Portanto, também será interessante que os
restaurantes e bares se adequem a essa realidade, proporcionando tal experiência ao
turista. No momento em que estávamos realizando a entrevista, Aílton e François
estavam marcando uma reunião com um pequeno empresário que tinha um bar
vendendo açaí e sanduíches (até mesmo em domicílio) para este entrar no fórum e
aumentar a sua renda através do turismo.
Além dos restaurantes, há outro foco com papel preponderante no fomento ao turismo.
Hoje, já há pequenos hotéis que hospedam turistas na Rocinha. Porém, não há
articulação entre eles e deles com o fórum. Além disso, o fórum desenvolveu um hotel
localizado na base da favela e uma loja. Por fim, vale citar a parceria entre o fórum e
um centro de convenções que serve para a realização de eventos, incluindo reuniões
da agência e do próprio fórum. Esse centro de convenções também pode servir como
um pub e receber festas para turistas e moradores (Entrevista AM). É com essas
parcerias que o fórum vai crescendo e se consolidando como um importante ativo da
favela. Hoje já fazem parte do fórum empresários, guias, e outros profissionais locais.
As parcerias externas começaram com a criação do fórum de TBC, em 2007, por
iniciativa própria e solitária de Aílton. Essa parceria se deu com a Turisrio através de
87
seu diretor. Isso já colocou o fórum em parceria com a principal “empresa” de turismo
do governo. Em 2008, a parceria também foi com o SEBRAE, órgão governamental
que fomenta pequenos empreendimentos. Houve cursos de capacitação e a inclusão
do fórum de turismo na Rocinha no guia SEBRAE 2008. Além do governo,
ultimamente Aílton tem procurado a parceria com outro ente público: a universidade. O
conhecimento acadêmico pode ser essencial na modelagem de negócios e na
sustentabilidade econômica do fórum. Sendo assim, uma das intenções da minha
visita a campo e também do orientador deste trabalho e mais uma estudante foi
justamente estabelecer um canal de comunicação entre academia e favela.
Há também parcerias com entidades privadas. Foi conseguida uma aliança essencial
na formação e capacitação dos guias locais. A Fest tem na sua atividade o ensino de
idiomas estrangeiros, sendo assim possível o aprendizado por parte dos guias e a
consequente qualificação para fazer passeios com turistas estrangeiros. Para a
realização de eventos, acabou de ser firmada uma parceria com a empresa Embarque
Cultural, especialista na realização de eventos turísticos, aumentando e
potencializando as atividades do fórum62.
Há também um espaço físico em que o fórum funciona, no alto da favela. É importante
para a realização de reuniões como a nossa e para garantir a chancela de um
empreendimento sério, competente e por motivo de crença no sucesso por parte de
eventuais parceiros. Porém é interessante que haja um quiosque que divulgue o
produto turístico, algo que ainda não existe e que em principio, o fórum não coloca
como prioridade fazê-lo.
Apesar de todas essas parcerias, algumas já consolidadas e outras em processo de
construção, o fórum de turismo comunitário da Rocinha ainda não se formalizou.
Segundo disse Aílton, “primeiro a intenção é crescer, para depois formalizar”. Isso não
é prejudicial, já que o trabalho do fórum vem ocorrendo de maneira normal. Outro
ponto importante está no sustento da atividade, uma vez que a agência está recém-
formada e engatinhando na sua operação. Há um sócio que acredita no potencial do
turismo comunitário na favela e topa investimento momentâneo (Entrevista AM).
62
https://www.facebook.com/RocinhaTour?ref=ts&fref=ts
88
3. REFLEXÕES ACERCA DOS ESTUDOS DE CASO
Nesta etapa do trabalho, serão discutidas e analisadas possíveis inferências que
envolvem os estudos de caso citados no capítulo anterior. Primeiramente, a
abordagem será uma análise geral sobre os casos, se fazendo utilização da
ferramenta “análise SWOT” e elaborando possíveis roteiros de turismo de base
comunitária.
3.1 Análise Geral
Após verificar os estudos de caso através de pesquisas e visitas a campo, poderemos
fazer uma reflexão de como o TBC está sendo desenvolvido na cidade do Rio de
Janeiro, o quanto apoio existe a esse fomento e quais os próximos passos a serem
dados no intuito de potencializar ainda mais esse mercado, garantindo a prática de um
turismo solidário e responsável, onde a comunidade esteja no centro das prioridades
dessas práticas.
Em primeiro lugar, é visível que o turismo como um todo cresce no Rio de Janeiro. A
cidade já tinha um grande potencial e recebia um alto número de turistas, mas os
grandes eventos colocaram ou colocarão - o Rio de Janeiro na rota do turismo
mundial. A quantidade de turistas já aumentou após a realização dos jogos pan-
americanos, em 2007 (Entrevista AM). A Rio +20, em 2012, trouxe a delegação de
inúmeros países. Em 2013, foi a vez da jornada mundial da juventude católica
aumentar o fluxo de turistas com o maior evento já realizado em número de pessoas.
Por fim já existem dados de que a Copa do Mundo superou as expectativas e trouxe a
cidade 886 mil turistas, que deixaram a quantia R$ 4 bilhões ante ao esperado de
R$ 1,1 bi63. Além disso, a Cidade Maravilhosa ainda será sede dos jogos olímpicos em
63
http://m.sportv.globo.com/site/programas/sportv-news/noticia/2014/07/numeros-do-turismo-na-copa-superam-expectativas-do-governo.html
89
2016, o que certamente trará verba e mais turistas.
Com o crescimento do turismo na cidade, é esperado que os principais pontos
turísticos do Rio de Janeiro também aumentem suas visitações. E a favela entra neste
aspecto. Conforme já foi dito, a Rocinha, maior favela da América latina é o terceiro
atrativo turístico mais visitado da cidade51. Isso mostra que o turista esta cada vez
mais interessado em conhecer a realidade da favela, seja a Rocinha pelo tamanho e a
mística, seja o Alemão pela presença do teleférico, seja Salgueiro e Mangueira pelas
tradicionais escolas de samba. Não á toa que foram crescendo os hostels localizados
em favelas e passeios para conhecê-las foram sendo criados pelas agências. Dona
Marta, Cantagalo, Chapéu Mangueira/Babilônia, além dos já citados Rocinha e Alemão
são alguns exemplos disso. Pode-se concluir através dessa análise que o turismo de
favela já está impregnado no roteiro turístico do Rio de Janeiro.
Porém, o crescimento do turismo de favela não está automaticamente ligado ao
crescimento do turismo de base comunitária. Na revisão bibliográfica, foi abordado o
tema e explicitado as diferenças entre um e outro. Quando agências externas
promovem passeios pelas favelas, isso não se configura TBC. E isso se revela na
construção do turismo existente nas favelas. Podemos tomar a Rocinha como o maior
exemplo: quem primeiro atuou no local foram as agências externas, com um viés
exploratório e sem retorno para a favela. Essa mesma linha foi a que se seguiu em
outras favelas, arrancando certa antipatia dos moradores por conta da pobreza ser
propulsora do turismo, baseado na ideia de um safári da Jeep Tour.
Porém, veio nos moradores a percepção de que a atividade turística poderia ser um
instrumento no caminho do progresso e que o benefício do turismo ficaria na própria
comunidade. Começaram a surgir então pequenos empreendedores nas favelas que
ou lidavam com a atividade turística de maneira direta, realizando guiamentos ou
fornecendo hospedagens em suas lajes ou hostels locais, ou ainda indiretamente,
oferecendo aos turistas que visitam a favela seus produtos, como refeições e
artesanato. Isso pode ser visto nos estudos de caso. A Rocinha criou seu fórum e
agência, o Cantagalo tem o MUF, o morro da Babilônia conta com a Chapéutour e o
hostel e os passeios no Dona Marta são majoritariamente guiados por Thiago Firmino,
empreendedor e guia local. Os ganhos com o turismo começam a aparecer. Também
não podemos esquecer-nos do TBC praticado em ambientes que não sejam de favela,
como é o caso de Paquetá, que já tem um projeto mais desenvolvido.
90
Apesar disso, cabe fazer a crítica que embora o TBC esteja em franco crescimento,
ainda está em fase inicial de desenvolvimento. A grande prioridade do governo ainda
caminha no sentido do turismo tradicional e a competição ainda existente com
agências externas, que já operam a mais tempo e tem profissionais mais gabaritados
para lidar com o mercado desafia o TBC a crescer ainda mais. Por isso, é preciso que
haja mais capacitação nos idiomas, como ficou evidente no caso do MUF. Outras
qualificações a serem adquiridas e que dizem respeito a todos os estudos de caso
está no que tange à gestão de empreendimentos turísticos.
Além disso, os empreendimentos de TBC devem procurar estabelecer um número
maior de parcerias, principalmente externas. As relações com o governo devem ser
fortalecidas, com incentivos financeiros para potencializar um crescimento maior e
incluir o turismo de favela como TBC no roteiro dos principais guias institucionais. A
criação de um subsecretaria de turismo de base comunitária e consequente criação de
um conselho para isso seria interessante. As universidades também podem oferecer
parcerias com conhecimento acadêmico e suporte nas atividades, como é o caso
adotado pelo MUF e que começou a ter relações na Rocinha.
Outro ponto importante e que pode ser verificado é que o diálogo presente entre as
favelas ainda é incipiente. Houve um número pequeno de relatos ou citações de um
conselho de turismo comunitário nas favelas ou simples trocas de experiências em
seminários ou debates, conforme falado na revisão bibliográfica. Esse tipo de evento é
importante para promover o TBC e mostrar que ele existe e tem força entre as
comunidades que o praticam. Isso enalteceria o turismo de base comunitária para o
mercado turístico, colocando-o como um alternativa real ao turismo tradicional. Um
exemplo que pode ser citado e que vai à contramão dessa realidade é a procura e o
interesse de guias moradores da Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana, irem visitar
e ver como é o funcionamento do Favela Inn Hostel, no Chapéu Mangueira/Babilônia.
Há também já marcada uma reunião do fórum de turismo comunitário da Rocinha em
que estarão presentes membros de outras favelas na tentativa de adquirir experiências
e elaborar parceria para quem sabe, atingir a criação de um conselho (Entrevista AM).
3.2 Elaboração de roteiros de TBC
Nesta seção do trabalho esboçaremos possíveis tours a serem realizados para um
91
público que demande certo tipo de passeio, em que em todos os locais visitados o
TBC esteja presente. Cabe dizer que quem se interessa em visitar atrativos turísticos
que o turismo de base comunitária seja aplicado tem a opção de conhecer todos os
estudos de caso aqui citados e outros que acabaram não sendo abordados, como é o
caso de Santa Tereza e Ladeira dos Tabajaras. Outra ressalva importante é que em
todos os roteiros elaborados, é importante que as condições do TBC sejam satisfeitas,
como o guia ser local, geração de benefícios para a comunidade, entre outros.
Roteiro Ecoturista
Este roteiro é indicado para aqueles que gostam do contato com a natureza e
conhecer um novo local através trilhas, cachoeiras e caminhadas pela mata, podendo
fugir do barulho da cidade grande, mesmo estando próximo a ela. Pela presença de
mata, trilhas já demarcadas, é recomendado procurar algumas das favelas estudadas.
O morro da Babilônia tem uma APA onde o ecoturismo pode ser explorado. A Ladeira
dos Tabajaras conta com trilhas para os morro dos cabritos. O Dona marta conta com
um mirante próprio após caminhada e a Rocinha tem seu parque ecológico. Um tour
ecoturista passando por essas quatro favelas poderia ter grande valia para os jovens,
que cada vez mais se interessam por esta modalidade de turismo.
Roteiro Culinário
Para quem se interessa em provar a comida carioca, nada melhor do que conhecer as
refeições do dia a dia do morador do Rio de Janeiro e também das favelas.
Naturalmente, há vários restaurantes gabaritados, mas as há certos locais em que
essa culinária transborda da melhor maneira a cultura carioca, como as favelas e
alguns ambientes específicos. Nesse tour, poderíamos citar a Rocinha, que já conta
com o seu próprio passeio destinado a esse público, o Bar do David, no morro da
Babilônia por ser uma referência no serviço local e ter um preço acessível, e o bairro
de Santa Tereza, característico por ser boêmio, mas também por restaurantes
especializados em feijoada, comida típica carioca.
Roteiro Cultural
A história dos locais a serem conhecidos são sempre procuradas por aqueles que se
interessam pela cultura local e entender como se deu o desenvolvimento de
92
determinada região. É nesse sentido que é essencial um roteiro cultural de TBC. Cada
favela tem a sua história, o seu modo de expressar, o seu cotidiano. É por isso que
cada uma irá revelar uma realidade diferente. Não á toa, algumas já contam com
museus e outros atrativos culturais que podem ser colocados em um mesmo roteiro.
As favelas da Maré e do Cantagalo contam com os seus museus, sendo um fechado
como é o caso da Maré e um outro a céu aberto, como é o MUF. Além deles dois, o
turismo no morrinho possuí uma obra de arte de grande valor que merecer ser incluída
neste roteiro. Por fim, a Rocinha também já possuí um roteiro cultural que pode ser
visitado.
Roteiro Bucólico
Para quem está cansado da agitação e do barulho presente na cidade do Rio de
Janeiro, além dos locais cheios como praias e outros pontos turísticos, este tour tem o
potencial de ser uma alternativa de passeio tranquilo e alegre. É o caso da Ilha de
Paquetá associado ao bairro de Santa Tereza. Ambos se enquadram neste cenário
descrito acima e podem ser o refúgio não só dos turistas, como também dos cariocas
nos seus dias de folga ou fins de semana.
Roteiro Vistas Panorâmicas
Um roteiro para os interessados em ver o Rio de Janeiro do alto, porém em vistas não
tradicionais, como Cristo Redentor e Pão-de-Açúcar. Praticamente todas as favelas da
zona sul tem no seu visual um grande diferencial, porém cada um com uma
particularidade. Unir esses visuais em um tour poderia ser bastante interessante. O
Cantagalo tem o mirante da paz com vista para a Praia de Ipanema e Lagoa. Da
Rocinha, se avista a Praia do Pepino, Pedra da Gávea e Pedra Bonita. O Morro da
Babilônia permite a contemplação da Praia de Copacabana e do Alto do Dona Marta, a
vista para o Corcovado é peculiar, além de também ser possível ver um pedaço da
Lagoa e a Enseada de Botafogo e o Pão de Açúcar. Pode-se ver que quase todos os
pontos turísticos do Rio de Janeiro foram mencionados. Portanto, esse roteiro tem alto
potencial por possuir belas vistas.
Roteiro do Samba
O samba é sem dúvida nenhuma um patrimônio imaterial do Rio de Janeiro. Aqui se
93
vive samba, se vive carnaval. O samba faz parte da cultura do carioca. Por este
motivo, poderia estar sem nenhum problema no Roteiro cultural. Porém, por ser algo
tão peculiar e especial para o carioca, merece um roteiro próprio. Naturalmente,
podemos incluir neste roteiro duas das principais escolas de samba da cidade:
Salgueiro e Mangueira. Além destas, a Rocinha também possuí sua própria escola de
samba e com uma quadra ampla. Portanto, o roteiro do samba incluiria ensaios para o
carnaval destas três escolas.
Aqui, cabe uma ressalva. Salgueiro e Mangueira ainda não possuem a prática do TBC
nas suas comunidades. Portanto é condição essencial para que estas favelas se
adequem ao turismo de base comunitária para então existir um tour em que o samba
esteja no centro das atenções e que também veja no TBC o tour acontecer. Um
passeio apenas com a Rocinha seria relativamente pobre se for apenas de Samba.
3.3 Análise FOFA
A ampla pesquisa e também as visitas de campo nos permitem enumerar os pontos
fortes e os pontos fracos presentes no turismo de base comunitária praticado no Rio
de Janeiro. Entre os aspectos positivos, faremos uma análise das forças e
oportunidades. Pelo lado negativo, serão verificadas as fraquezas e possíveis
ameaças. Esses quatro pontos juntos, forças, fraquezas, oportunidades e ameaças
constituem a chamada análise FOFA. Além de elencar exemplos para estes itens, será
conferido um nível de importância para tais exemplos em vista de uma análise
posterior. Os níveis irão variar de “alguma importância” até “muito importante”
passando pelo “importante”. As tabelas 3 a 6 demonstram esses exemplos.
Cabe ressaltar um ponto negativo acerca desta ferramenta. O melhor seria que os
próprios atores, no caso os empreendedores do TBC nos locais estudados
enumerassem suas FOFA's. porém o desenvolvido do trabalho acabou não permitindo
que isso acontecesse. Portanto, todos os pontos aqui listados foram de elaboração do
autor do trabalho e sem a validação dos moradores locais. Apesar disso, muitas ideias
vieram a partir da entrevista realizada com Aílton Macarrão, na Rocinha.
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Tabela 3 - Forças (elaboração própria)
Exemplos Nível Serviços Básicos e Infraestrutura existente Muito Importante
Localização e Acesso Muito Importante Atrativos culturais, gastronômicos e visuais Muito Importante
Existência de Site e blog voltados a atividade turística na comunidade
Muito Importante
Hospitalidade dos Moradores Muito Importante Preços Acessíveis Alguma Importância
Existência de Guias Locais Muito Importante
Tabela 4 - Oportunidades (elaboração própria)
Exemplos Nível Aumento do Emprego e Renda Muito Importante
Mais recursos de saneamento básico Muito Importante Interesse do turista para produto sociocultural Muito Importante
Investimentos ligados aos megaeventos Importante Aumento na procura pelo turismo de
experiência Muito Importante
Aumento do fluxo do turismo internacional Importante Aumento da receita do turismo no setor
terciário Importante
Tabela 5 - Fraquezas (elaboração própria)
Exemplos Nível Tratamento de Esgoto Insuficiente Muito Importante
Precariedade na Estrutura para o turismo (ex: sinalização, pouca profissionalização, baixa qualificação, ausência de centro turístico)
Muito Importante
Divulgação Ineficaz Muito Importante Poucas parcerias e articulações entre
associações Muito Importante
Baixa participação dos atores locais Muito Importante
Tabela 6 - Ameaças (elaboração própria)
Exemplos Nível Concorrência com agências externas Muito Importante
Valorização do Real Alguma Importância Desastres Ambientais Muito Importante
Aumento desordenado do fluxo de turistas Muito Importante Aumento dos preços internos Alguma Importância
Descontinuidade de políticas públicas Muito Importante
95
Após essas definições, se organizará a Matriz FOFA (tabela 7) com intuito de
instrumentalização para o estabelecimento de relações entre os pontos positivos e
negativos. Nesta matriz estarão os organizados os fatores externos (oportunidades e
ameaças) e internos (forças e fraquezas) se relacionando com os pontos favoráveis
(forças e oportunidades) e os pontos desfavoráveis (fraquezas e ameaças).
Colocaremos nessa análise somente os pontos considerados como “muito
importantes” a fim de reduzir o universo e poder fazer melhores avaliações.
Tabela 7 - Matriz FOFA (elaboração própria)
Favorável Desfavorável
Fatores Internos da
Organização
Forças • Serviços Básicos e Infraestrutura existente • Localização e Acesso • Atrativos Culturais, gastronômicos e visuais • Existência de Site e blog voltados a atividade turística na comunidade • Hospitalidade dos Moradores • Existência de Guias Locais
Fraquezas • Tratamento de Esgoto Insuficiente • Precariedade na Estrutura para o turismo (ex: sinalização, pouca profissionalização, baixa qualificação, ausência de centro turístico) • Divulgação Ineficaz • Poucas parcerias e articulações entre associações • Baixa participação dos atores locais
Fatores Externos da Organização
Oportunidades • Aumento do Emprego e Renda • Mais recursos de saneamento básico • Interesse do turista para produto sociocultural • Aumento na procura pelo turismo de experiência
Ameaças • Concorrência com agências externas • Desastres Ambientais • Aumento desordenado do fluxo de turistas • Descontinuidade de políticas públicas
A partir desta matriz, mas uma análise profunda deve ser feita. Esta é a chamada
análise FOFA cruzada, que também gerará uma nova matriz. Nesta etapa, são
estabelecidas mais quatro relações. A primeira, entre fraquezas e ameaças, que
implicarão em ações para a sobrevivência do TBC como viável. A segunda relaciona
ameaças e forças visando a manutenção dessas forças ante a perspectivas das
ameaças. A terceira análise se dá entre oportunidades e fraquezas, em que se
buscará a adoção de medidas que busquem o crescimento do turismo de base
96
comunitária na cidade. Por fim, a última relação é feita entre os dois pontos favoráveis,
forças e oportunidades, que unidos, poderão proporcionar o desenvolvimento. Um
exemplo da matriz pode ser visto na figura 20.
Antes de construir esta matriz para o caso do turismo praticado no Rio de Janeiro,
colocaremos os pontos principais das relações estabelecidas e a conclusão que se
chega destas relações, conforme se segue nas tabelas 8 a 11.
Com essas relações, podemos chegar à parte final da análise FOFA, a construção da
matriz cruzada da tabela 12 que permite ver quais medidas devem ser tomadas de
modo a trazer grandes melhoras e quem devem ser postas em prática pelos
empreendedores do TBC.
Figura 20 - Exemplo de matriz FOFA cruzada (http://pt.wikipedia.org/wiki/An%C3%A1lise_SWOT)
Tabela 8 - Forças + Oportunidades (elaboração própria)
Forças Oportunidades Desenvolvimento Serviços Básicos e
Infraestrutura existente Mais recursos de saneamento
básico Ausência de defeitos na
Infraestrutura Atrativos Culturais,
gastronômicos e visuais Interesse do turista para produto sociocultural
Fortalecimento da cultura local
Hospitalidades dos moradores Aumento da procura do turismo de experiências
Aumento da troca ganha-ganha entre turista e morador
Existência de Guias Locais Aumento de emprego e renda Alternativa concreta de emprego aos moradores
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Tabela 9 - Forças + Ameaças (elaboração própria)
Forças Ameaças Manutenção Existência de Guias Locais Concorrência com agência
externas Alocação dos guias locais nas
agências externas Serviços Básicos e
Infraestrutura existente Desastres Ambientais Garantia que chuvas não
acarretarão em problemas Existência de Site e blog
voltados a atividade turística na comunidade
Concorrência com agência externas
Estratégia de divulgação que explicite a vantagem de se utilizar de agência interna
Localização e Acesso Aumento desordenado do fluxo de turistas
Adequação a recepção dos turistas sem prejuízos pra a
comunidade
Tabela 10 - Fraquezas + Oportunidades (elaboração própria)
Fraquezas Oportunidades Crescimento Tratamento de Esgoto
Insuficiente Mais recursos de saneamento
básico Melhora no tratamento de
esgoto Precariedade na Estrutura
para o turismo Aumento do Emprego e
Renda Melhora da Estrutura turística com maior renda proveniente
dos empregos Baixa participação dos atores
locais Interesse do turista para
produto sociocultural Envolvimento dos atores
locais Divulgação Ineficaz Aumento na procura pelo
turismo de experiência A procura exigir melhor
divulgação
Tabela 11 - Fraquezas + Ameaças (elaboração própria)
Fraquezas Ameaças Sobrevivência Tratamento de Esgoto
Insuficiente Descontinuidade de políticas
públicas Exigir a participação do
governo de maneira contínua Precariedade na Estrutura
para o turismo Aumento desordenado do
fluxo de turistas Melhora na estrutura e
controle no fluxo de turistas de modo a não prejudicar a
comunidade Divulgação Ineficaz Concorrência com agências
externas Melhorar a maneira e
estratégia de divulgação Poucas parcerias e articulações entre
associações
Descontinuidade de políticas públicas
Incentivo do fortalecimento das instituições internas a partir de políticas públicas
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Tabela 12 - Matriz FOFA cruzada (elaboração própria)
Fraquezas Forças
Ameaças
Sobrevivência • Exigir a participação do governo de maneira contínua • Melhora na estrutura e controle no fluxo de turistas de modo a não prejudicar a comunidade • Melhorar a maneira e estratégia de divulgação • Incentivo do fortalecimento das instituições internas a partir de políticas públicas
Manutenção • Alocação dos guias locais nas agências externas • Garantia que chuvas não acarretarão em problemas • Estratégia de divulgação que explicite a vantagem de se utilizar de agência interna • Adequação a recepção dos turistas sem prejuízos pra a comunidade
Oportunidades
Crescimento • Melhora no tratamento de esgoto • Melhora da Estrutura turística com maior renda proveniente dos empregos • Envolvimento dos atores locais • A procura exigir melhor divulgação
Desenvolvimento • Ausência de defeitos na Infraestrutura • Fortalecimento da cultura local • Aumento da troca ganha-ganha entre turista e morador • Alternativa concreta de emprego aos moradores
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CONCLUSÃO
Na introdução do trabalho, foi colocado o contexto em que está do Rio de Janeiro no
que se refere ao turismo. Sendo uma das cidades mais atrativas do mundo quando o
tema é beleza e diante da já passada realização de megaeventos, como Jornada
Mundial da Juventude Católica e Copa do Mundo de Futebol e da proximidade e
outros, como os jogos olímpicos, pode-se dizer que a Cidade Maravilhosa está entre
as principais rotas turísticas internacionais e nacionais.
É nesse sentido que tem crescido e pode crescer ainda mais a demanda pelo turismo
de base comunitária. Na análise FOFA, citamos como “muito importante” duas
oportunidades que são essenciais que fazem essa procura aumentar: Interesse do
turista para produto sociocultural e Aumento na procura pelo turismo de experiência.
Ambas em conjunto, tem capacidade de transformar o TBC numa alternativa real para
turistas e para aqueles interessados em ofertar o serviço turístico.
Vimos que o turismo comunitário é um importante instrumento de inclusão social.
Através dele, é possível atingir o desenvolvimento local, já que a atividade turística
pensada no âmbito de trazer benefícios para a comunidade pode gerar tais ganhos
aumentando a quantidade de emprego e renda. O TBC não é um fim em si mesmo,
mas um meio para a obtenção de crescimento e integração para a comunidade
(SPAMPINATO, 2009). Os quatro eixos tratados em Maldonado (2006) também são
essenciais e sempre tem de ser avaliados. O viés cultural garante o fortalecimento da
cultura da comunidade, o ambiental é importante para a preservação e consequente
exploração de maneira sustentável, o econômico terá papel fundamental na obtenção
de recursos para investimento posterior em outras áreas não necessariamente ligadas
ao turismo e o viés social está envolvido nos ganhos de democracia para a
comunidade.
100
Outro conceito importante a ser avaliado é o Empoderamento (Aldecua, 2010). Ao
longo dos estudos de caso, pode-se ver como ele foi importante para a favela da
Rocinha, quando o inicio do processo se deu com passividade por parte da
comunidade, que aos poucos foi se empoderando e fundou o fórum de turismo
comunitário local.
Como os estudos de caso se dariam em uma cidade grande, ou seja, em um ambiente
tipicamente urbano, foi importante colocar características peculiares a um TBC
praticado na cidade, uma vez que os estudos realizados até o presente momento são
em sua maioria com ambientes rurais. Sendo assim, foi quebrada uma visão
convencional de que o TBC praticado na cidade é um turismo em favela ou em outras
palavras, um turismo “pra pobre”. Não só o TBC pode ser praticado em um ambiente
urbano que não seja de favela, como o turismo de favela não garante que estará
adequado ao TBC. Mesmo assim, as favelas são o grande exemplo de TBC praticado
no Rio de Janeiro. Por este motivo, seis dos sete casos estudados são de favelas.
Porém, a escolha de um caso que não fosse não foi sem propósito, foi feito justamente
com a intenção de mostrar a contrapartida.
Cabe reiterar nesta conclusão que o turismo de favela abre margem para a prática de
um turismo “opressor”. Isso ocorre porque as agências externas com guias não locais
não estão preocupadas com o bem-estar e o benefício adquirindo pelos moradores. A
inclusão social, objetivo principal do TBC, fica em segundo plano. A favela mais parece
um “safári”. Conforme aborda o tema Spampinato (2009), deve-se “pensar de outra
forma”, uma maneira mais humana, com a comunidade no centro, sendo protagonista
e sujeita das próprias ações ligadas ao turismo.
Foi com esses conceitos que os estudos de caso foram vistos. E com eles pode-se ver
como o TBC pode realmente ser um instrumento de desenvolvimento local, conforme
colocado nas primeiras linhas do trabalho. O Cantagalo ganhou opções de lazer para
sua comunidade através do MUF, a Rocinha gerou emprego e renda, a agência de
turismo em Paquetá é referência para a ilha, O museu da maré é um acervo com a
história da favela, O Dona Marta tem um guia local que assumiu tudo com um
protagonismo especial, o Turismo no Morrinho se transformou em ONG e por fim, a
Chapéutour tem ligação direta com associação de moradores do Chapéu Mangueira e
Babilônia. Apesar de todos os problemas conferidos nos estudos de caso, podem-se
101
ver os benefícios claros que o TBC trouxe a todas essas comunidades, que puderam
se desenvolver em âmbito local.
Deve-se, entretanto não esquecer os limites do TBC e tomar certo cuidado para não
se ter uma visão relativamente míope e romantizada. O turismo pode ser um
instrumento de inclusão, mas não é o “salvador da pátria”. Ele não tem o potencial
sozinho de trazer educação, saúde e saneamento a uma determinada comunidade. É
importante que sempre se exija do poder público que esses direitos de qualquer
cidadão sejam garantidos através de políticas públicas.
Após os estudos de caso, foi importante fazer reflexões e obter conclusões de como
eles estão se desenvolvendo. A principal ferramenta foi a análise FOFA, em que foi
possível, após relacionar forças, fraquezas, oportunidades e ameaças, projetar ações
que garantam melhorias para a prática do turismo comunitário nas favelas.
Foi interessante também elaborar roteiros que sejam capazes de agregar apenas
experiências de TBC. Esses seis diferentes roteiros, se aplicados em conjunto pelas
comunidades que ofereçam os passeios, podem se consolidar como uma alternativa
real ao turismo convencional e entrar como um roteiro clássico do turista que vem ao
Rio de Janeiro interessado no turismo de experiência. Por este motivo, é válido
apresentar a ideia para os empreendedores de TBC no Rio de Janeiro, de modo a
agregar valor ao turista.
Portanto, fica como convite ao turista que lê este trabalho que varie as suas opções de
turismo quando for viajar. É importante valorizar não só o local em que a visita
acontece, mas também quem vive neste local. A prática de um turismo responsável é
essencial para que a atividade não seja predatória e prejudicial aos habitantes locais.
Além disso, a possibilidade de conhecer o lugar de maneira mais qualificada é
potencializada quando a consciência impera entre turistas e ofertantes do serviço
turístico, que são os moradores do local.
Podemos ainda traçar futuros objetivos nos quais este trabalho pode servir de
ferramenta. Explicitamos a importância do estabelecimento de parcerias. Sendo assim,
é valido elaborar um mapeamento de potenciais parceiros que possam fortalecer a
prática do turismo comunitário. No caso do conhecimento, universidade e instituições
privadas podem, por exemplo, oferecer cursos que melhorem a qualidade do negócio,
102
como formação de guia de turismo, curso de idiomas estrangeiros para poder
aumentar o mercado de turistas ou ainda cursos de gestão de empresas. No que se
refere à aquisição de recursos, entidades do poder publico podem vir a ser parceiras.
Prefeitura e governo do estado podem incentivar e a RioTur teria a possibilidade de
incluir esses roteiros e atrações no seu guia oficial.
Por fim, seria possível ainda a construção de um aparato tecnológico que permita a
exposição os diferentes empreendimentos de turismo comunitário enquanto empresa
turística, ofertando um serviço e com isso, gerando valor para a comunidade. Essa
plataforma pode possibilitar também a criação de uma rede entre os diferentes
empreendimentos, permitindo trocas de experiências e o consequente fortalecimento
do turismo comunitário na cidade. Do ponto de vista da demanda, isto é, do turista, tal
plataforma tem a capacidade fornecer uma ferramenta rápida, acessível e com
facilidade de uso para que este turista interessado em conhecer outra realidade do Rio
de Janeiro possa fazê-lo.
Cabe também um questionamento acerca deste trabalho com o curso de engenharia
de produção. Um dos conceitos mais enfatizados ao longo do curso é a gestão. O
turismo é um negócio como qualquer outro, portanto para ter sucesso econômico e
gerar valor ao cliente, é essencial que a gestão desse negócio seja feita com
qualidade, buscando a otimização dos recursos e sendo positiva para o ofertante e o
demandante do produto. Outra importante análise é quando a organização e avaliação
do trabalho realizado por quem pratica o turismo. É evidente que é importante
entender como o trabalhador está operando o negócio de modo a melhorá-lo e
potencializar o seu desenvolvimento. A psicologia tanto do cliente, quanto do operador,
outro assunto abordado com ênfase pelo curso, está neste trabalho do principio ao
término, ainda que indiretamente. Um bom exemplo disso é a invasão do território da
favela por parte de agentes externos que não estão preocupados com quem lá vive.
Quando se trata do turismo comunitário, esses conceitos também podem ser
aplicados, porém com uma visão mais humana e menos tecnicista. A disciplina de
gestão de projetos solidários busca justamente uma formação que dialogue com essa
ideia. Pode-se enquadrar o turismo de base comunitária em um projeto solidário, uma
vez que o seu desenvolvimento desencadeia em benefícios para toda a comunidade,
com preocupações com a sustentabilidade ambiental, econômica, social e cultural.
103
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