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Ano 2 (2013), nº 6, 5569-5603 / http://www.idb-fdul.com/ ISSN: 2182-7567 INCIDENTE DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: ASPECTOS LEGAIS, JURISPRUDENCIAIS E DOUTRINÁRIOS Ana Maria de Almeida Ribeiro Sumário: Introdução. 1. Modelos de controle de constituciona- lidade. 1.1. Controle concentrado. 1.2. Controle difuso. 1.3. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 2. O incidente de controle de constitucionalidade. 2.1 Objeto da arguição de inconstitucionalidade. 2.2 Legitimidade para a arguição. 2.3 Momento da arguição. 2.4 Obrigatoriedade da manifestação do Ministério Público. 2.5 Admissão ou inad- missão do incidente pelo órgão fracionário. 2.6 Competência para o julgamento da questão constitucional a regra do full bench. 2.7 Procedimento junto ao Tribunal Pleno/Órgão Espe- cial. 2.8 Julgamento e irrecorribilidade. 2.9 Força vinculante da decisão proferida. Considerações finais. INTRODUÇÃO controle judicial de constitucionalidade das leis ocupa papel de extremo relevo no cenário jurídi- co atual, reflexo da conjunção de inúmeros fato- res. No Brasil, o Poder Judiciário é diuturna- mente chamado a analisar a conformidade de leis e de atos normativos com as cartas políticas federal e esta- dual. O sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, quanto à competência para a análise das questões de conforma- ção constitucional, caracteriza-se por congregar os dois mode- Especialista em Direito Público. Mestranda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Advogada.

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Page 1: INCIDENTE DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: … · 2018-10-15 · Quanto ao ponto, Fernandéz Segado observa que tal questão não é assim tratada por outros sistemas, “como

Ano 2 (2013), nº 6, 5569-5603 / http://www.idb-fdul.com/ ISSN: 2182-7567

INCIDENTE DE CONTROLE DE

CONSTITUCIONALIDADE: ASPECTOS LEGAIS,

JURISPRUDENCIAIS E DOUTRINÁRIOS

Ana Maria de Almeida Ribeiro†

Sumário: Introdução. 1. Modelos de controle de constituciona-

lidade. 1.1. Controle concentrado. 1.2. Controle difuso. 1.3.

O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 2. O

incidente de controle de constitucionalidade. 2.1 Objeto da

arguição de inconstitucionalidade. 2.2 Legitimidade para a

arguição. 2.3 Momento da arguição. 2.4 Obrigatoriedade da

manifestação do Ministério Público. 2.5 Admissão ou inad-

missão do incidente pelo órgão fracionário. 2.6 Competência

para o julgamento da questão constitucional – a regra do full

bench. 2.7 Procedimento junto ao Tribunal Pleno/Órgão Espe-

cial. 2.8 Julgamento e irrecorribilidade. 2.9 Força vinculante

da decisão proferida. Considerações finais.

INTRODUÇÃO

controle judicial de constitucionalidade das leis

ocupa papel de extremo relevo no cenário jurídi-

co atual, reflexo da conjunção de inúmeros fato-

res. No Brasil, o Poder Judiciário é diuturna-

mente chamado a analisar a conformidade de

leis e de atos normativos com as cartas políticas federal e esta-

dual.

O sistema brasileiro de controle de constitucionalidade,

quanto à competência para a análise das questões de conforma-

ção constitucional, caracteriza-se por congregar os dois mode-

† Especialista em Direito Público. Mestranda em Direito pela Universidade Federal

do Rio Grande do Sul (UFRGS). Advogada.

Page 2: INCIDENTE DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: … · 2018-10-15 · Quanto ao ponto, Fernandéz Segado observa que tal questão não é assim tratada por outros sistemas, “como

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los jurisdicionais de controle conhecidos: o de perfil difuso e o

de perfil concentrado. Assim, qualquer juiz pode realizar o

controle de constitucionalidade nas demandas que são levadas

a seu conhecimento, afastando a aplicação da lei reputada in-

constitucional ao caso concreto; contudo, apenas o Supremo

Tribunal Federal (e, quanto à análise da conformidade das leis

municipais com a Constituição Estadual, os Tribunais de Justi-

ça estaduais) está autorizado a conhecer das ações voltadas a

questionar a constitucionalidade de determinada lei em abstrato

– ou seja, independentemente da existência de um caso concre-

to subjacente.

O presente artigo tem por finalidade analisar, exclusiva-

mente, o incidente de controle de constitucionalidade discipli-

nado nos arts. 480 a 482 do Código de Processo Civil. Dito

incidente, como se verá a seguir, tem lugar quando, no bojo de

uma causa submetida à análise de um tribunal, surge questão

de constitucionalidade a ser resolvida.

A exposição será dividida em duas partes: primeiramen-

te, para melhor situar a questão, cumpre distinguir os modelos

de controle de constitucionalidade e apontar o modo como este

se dá no direito brasileiro, para, posteriormente, tratar especifi-

camente sobre o incidente regulado pelo Código de Processo

Civil.

1. MODELOS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALI-

DADE

De acordo com classificação tradicional, dois são, no que

concerne ao aspecto orgânico ou subjetivo, os modelos de con-

trole de constitucionalidade: concentrado e difuso. Conforme

observa Fernández Segado, foi Calamandrei, em sua obra Insti-

tuições de Direito Processual Civil, que, em caracterização

conhecida, veio a conotar por uma série de binômios contra-

postos os dois grandes sistemas de controle de constitucionali-

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dade1, cujas principais características serão a seguir arroladas,

ainda que de modo breve.

1.1. CONTROLE CONCENTRADO

Também conhecido como modelo austríaco, o modelo ju-

risdicional de controle de constitucionalidade concentrado foi

concebido por Hans Kelsen por ocasião da redação da Consti-

tuição da Áustria de 1920. Dita carta política, sob a influência

de Kelsen, previu a instituição de uma Corte Constitucional,

dotada da exclusiva atribuição de controlar a constitucionalida-

de dos atos dos Poderes Legislativo e Executivo2.

Ensina Cappelletti que a Constituição austríaca de 1920,

além de criar um tribunal voltado exclusivamente ao conheci-

mento de questões de constitucionalidade, “confiou a esta Cor-

te um poder de controle que, para ser exercido, necessitava de

um pedido especial (‘Antrag’), isto é, do exercício de uma ação

especial por parte de alguns órgãos políticos”3, daí decorrendo,

de conseqüência, a desvinculação do controle de constituciona-

lidade de um caso concreto.

1 Cf. FERNÁNDEZ SEGADO, Francisco. La obsolescencia de la bipolaridad

“Modelo Americano - Modelo Europeo-Kelseniano” como criterio analítico del

control de constitucionalidad y la búsqueda de una nueva tipología explicativa.

Disponível em: <http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=1060359>. Acesso

em: 20 set. 2011, p. 22. 2 Como ensina Cappelletti, ‘Analogamente, o sistema ‘concentrado’ poderia também

ser designado como o tipo “austríaco” de controle. De fato, o arquétipo foi posto em

prática pela Constituição austríaca de 1º de outubro de 1920 (chamada oktoberver-

fassung), redigida com base em um projeto elaborado, a pedido do governo, pelo

Mestre da “escola jurídica de Viena”, Hans Kelsen, e posta de novo em vigor na

Áustria, no último pós-guerra, no texto da Emenda de 1929, que tinha sofrido notá-

veis modificações exatamente em matéria de justiça constitucional”. CAPPELLE-

TTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito compara-

do. Tradução de Aroldo Plínio Gonçalves. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris

Editor, 1984, p. 68. 3 CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no

direito comparado. Tradução de Aroldo Plínio Gonçalves. Porto Alegre: Sergio

Antonio Fabris Editor, 1984, p. 104.

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Posteriormente, contudo, a reforma constitucional de

1929 possibilitou que a parte em uma causa deduzida ante o

Tribunal Supremo ou o Tribunal de Justiça Administrativa sus-

citasse o problema da constitucionalidade de uma lei aplicável

ao caso concreto; nesse caso, o Tribunal Supremo ou o Tribu-

nal de Justiça Administrativa deveria analisar a questão e deci-

dir por levá-la ou não ao conhecimento do Tribunal Constituci-

onal4. Como salienta Fernandéz Segado, antes de remeter a

questão ao Tribunal Constitucional, tais órgãos “deveriam logi-

camente levar a cabo um primeiro juízo de constitucionalidade

para sustentar sua decisão final”.5 Assim, mitigou-se a desvin-

culação total do controle de constitucionalidade de um caso

concreto.

De acordo com Fernandéz Segado, Calamandrei, na obra

já referida, arrolou as seguintes características do sistema con-

centrado:

O sistema concentrado, além de ser exercido

tão somente por “um único e especial órgão consti-

tucional”, é caracterizado como “principal” (o con-

trole se propõe como tema separado e principal da

petição, questionando diretamente a legitimidade

4 Tal instituto processual, de acordo com Fernández Segado, é conhecido na Itália

como pregiudizialitá, consistindo na “faculdade que em vários sistemas se concede

aos órgãos jurisdicionais ordinários, não de decidir as questões constitucionais

autonomamente, mas sim de elevar à decisão do Tribunal Constitucional normas

supostamente violadoras da Constituição, que devam aplicar em uma litis concreta

de que estejam conhecendo, situação que, como já indicamos, vige (pelo menos em

relação aos órgãos jurisdicionais supremos) desde a Verfassungsnovelle austríaca de

1929”. FERNÁNDEZ SEGADO, Francisco. La obsolescencia de la bipolaridad

“Modelo Americano - Modelo Europeo-Kelseniano” como criterio analítico del

control de constitucionalidad y la búsqueda de una nueva tipología explicativa.

Disponível em: <http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=1060359>. Acesso

em: 20 set. 2011, p. 22. 5 FERNÁNDEZ SEGADO, Francisco. La obsolescencia de la bipolaridad “Modelo

Americano - Modelo Europeo-Kelseniano” como criterio analítico del control de

constitucionalidad y la búsqueda de una nueva tipología explicativa. Disponível em:

<http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=1060359>. Acesso em: 20 set.

2011, p. 22.

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da lei em geral, sem esperar que se ofereça a ocasi-

ão de uma controvérsia especial), “geral” (a decla-

ração de inconstitucionalidade conduz à invalida-

ção da lei “erga omnes”, fazendo-a perder para

sempre sua eficácia normativa geral) e “constituti-

vo”, (o pronunciamento de inconstitucionalidade

opera como anulação ou eficácia ex nunc, que vale

para o futuro mas respeita quanto ao passado a va-

lidade da norma inconstitucional ou ilegítima).6

No que diz respeito ao modo ou à forma pelo qual se

concretiza, o controle de constitucionalidade pode ser classifi-

cado como incidental ou principal. O controle principal, carac-

terizado pela possibilidade de que “a questão constitucional

seja suscitada autonomamente em um processo ou ação princi-

pal, cujo objeto é a própria inconstitucionalidade da lei”7, é

associado ao sistema de controle concentrado, como se verifica

dos traços caracterizadores formulados por Calamandrei.

Nesse sentido, salienta-se que o modelo de controle con-

centrado adota “ações individuais para a defesa de posições

subjetivas e cria mecanismos específicos para a defesa dessas

posições, como a atribuição de eficácia ex tunc da decisão para

o caso concreto que ensejou a declaração de inconstitucionali-

dade”.8

Outro traço marcante do sistema de controle de constitu-

cionalidade concentrado refere-se aos efeitos da decisão prola-

tada. A declaração de inconstitucionalidade de determinada lei

retroage, ou seja, possui efeitos ex nunc, com eficácia erga

6 FERNÁNDEZ SEGADO, Francisco. La obsolescencia de la bipolaridad “Modelo

Americano - Modelo Europeo-Kelseniano” como criterio analítico del control de

constitucionalidad y la búsqueda de una nueva tipología explicativa. Disponível em:

<http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=1060359>. Acesso em: 20 set.

2011, p. 25. 7 MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito

constitucional. 6. ed. Rev. E atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1.060. 8 MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito

constitucional. 6. ed. Rev. E atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1.061.

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omnes. Quanto ao ponto, Fernandéz Segado observa que tal

questão não é assim tratada por outros sistemas, “como o ale-

mão, italiano ou espanhol, em que o controle também se con-

centra em um Tribunal Constitucional”.9

Tais são, em síntese, as principais características do mo-

delo concentrado de controle de constitucionalidade.

1.2. CONTROLE DIFUSO

O modelo difuso também é conhecido como modelo

americano de controle de constitucionalidade. A esse respeito,

ensina Cappelletti que

(...) não é de todo inexato (...) julgar que este

sistema tenha sido posto em prática, pela primeira

vez, nos Estados Unidos da América, de cujo orde-

namento jurídico ele ainda agora constitui, como

escreveu um constitucionalista daquele País, “the

most unique and the most characteristic instituti-

on”.10

Dito modelo teve seus contornos explicitados pela Su-

prema Corte norte-americana na famosa decisão proferida no

caso Marbury vs. Madison, de 1803, pelo chief Justice John

Marshall. De acordo com Cappelletti, tal é o raciocínio que

preside o modelo difuso:

(...)

a função de todos os juízes é a de interpretar

as leis, a fim de aplicá-las aos casos concretos de

vez em vez submetidos a seu julgamento; 9 FERNÁNDEZ SEGADO, Francisco. La obsolescencia de la bipolaridad “Modelo

Americano - Modelo Europeo-Kelseniano” como criterio analítico del control de

constitucionalidad y la búsqueda de una nueva tipología explicativa. Disponível em:

<http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=1060359>. Acesso em: 20 set.

2011, p. 32. 10 CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no

direito comparado. Tradução de Aroldo Plínio Gonçalves. Porto Alegre: Sergio

Antonio Fabris Editor, 1984, p. 67/68.

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uma das regras mais óbvias da interpretação

das leis é aquela segundo a qual, quando duas dis-

posições legislativas estejam em contraste entre si,

o juiz deve aplicar a prevalente;

tratando-se de disposições de igual força

normativa, a prevalente será indicada pelos usuais,

tradicionais critérios “lex posterior derogat legi pri-

ori”, “lex specialis derogat legi generali”, etc;

mas, evidentemente, estes critérios não valem

mais – e vale, ao contrário, em seu lugar, o óbvio

critério “lex superior derogat legi inferiori” – quan-

do o contraste seja entre disposições de diversa for-

ça normativa: a norma constitucional, quando a

Constituição seja “rígida” e não “flexível”, preva-

lece sempre sobre a norma ordinária contrastante,

do mesmo modo como a lei ordinária prevalece, na

Itália assim como França, sobre o regulamento, ou

seja, na terminologia alemã, as Gesetze prevalecem

sobre as Verordnungen.

Logo, conclui-se que qualquer juiz, encon-

trando-se no dever de decidir um caso em que seja

“relevante” uma norma legislativa ordinária con-

trastante com a norma constitucional, deve não

aplicar a primeira e aplicar, ao invés, a segunda.11

O modelo de controle difuso, partindo do raciocínio aci-

ma transcrito, “assegura a qualquer órgão judicial incumbido

de aplicar a lei a um caso concreto o poder-dever de afastar a

sua aplicação se a considerar incompatível com a ordem consti-

tucional”.12

Ou seja, a tarefa de controlar a conformidade das

leis com a Constituição não é atribuída, como no controle con-

11 CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no

direito comparado. Tradução de Aroldo Plínio Gonçalves. Porto Alegre: Sergio

Antonio Fabris Editor, 1984, p. 75. 12 MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito

constitucional. 6. ed. Rev. E atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1.062.

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centrado, a uma corte especial; todo e qualquer juiz encontra-se

autorizado a efetuar o controle de constitucionalidade nos casos

levados a sua apreciação, deixando de aplicar, na hipótese con-

creta, norma que eventualmente repute inconstitucional.

Em razão da mencionada característica, o modelo difuso

é associado à forma de controle incidental, em que “a inconsti-

tucionalidade é arguida no contexto de um processo ou ação

judicial, em que a questão da inconstitucionalidade configura

um incidente, uma questão prejudicial que deve ser decidida

pelo Judiciário”; acrescenta Gilmar Mendes que se pode, tam-

bém, cogitar “de inconstitucionalidade pela via de exceção,

uma vez que o objeto da ação não é o exame da constituciona-

lidade da lei”.13

Calamandrei, ao caracterizar os dois grandes sistemas de

controle de constitucionalidade, indicou a predominância dos

seguintes traços no modelo de controle difuso, de acordo com a

lição de Fernández Segado:

O sistema difuso era caracterizado como “in-

cidental” (somente pode propô-lo em via prejudici-

al aquele que é parte de uma controvérsia concre-

ta), “especial” (a declaração de inconstitucionalida-

de conduz tão somente a negar a aplicação da lei ao

caso concreto) e “declarativo” (o pronunciamento

de inconstitucionalidade opera como declaração de

certeza retroativa de uma nulidade preexistente e,

portanto, com efeitos ex tunc) e obviamente pres-

supõe que todos os órgãos jurisdicionais (da autori-

dade judicial, como diz Calamandrei) possam exer-

citá-lo.14

13 MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito

constitucional. 6. ed. Rev. E atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1.059. 14 FERNÁNDEZ SEGADO, Francisco. La obsolescencia de la bipolaridad

“Modelo Americano - Modelo Europeo-Kelseniano” como criterio analítico del

control de constitucionalidad y la búsqueda de una nueva tipología explicativa.

Disponível em: <http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=1060359>. Acesso

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Assim, além de caracterizar-se pelo fato de ser franquea-

do a todos os juízes e de ser argüível no bojo de um caso con-

creto, no controle difuso os efeitos da declaração de inconstitu-

cionalidade são retroativos e circunscrevem-se, em princípio,

ao caso concreto.

Diz-se em princípio porque nos Estados Unidos da Amé-

rica, por exemplo, berço do controle difuso de constitucionali-

dade, vige a regra do stare decisis, que determina a eficácia

vinculante dos precedentes. Desse modo, se a Suprema Corte

americana, ao analisar um caso concreto, declara a inconstitu-

cionalidade de determinada norma, dito precedente vincula os

demais juízes, podendo deixar de ser aplicado em determinadas

circunstâncias especiais. Vê-se, pois, que a declaração de in-

constitucionalidade, por força da regra do stare decisis, não se

restringe ao caso concreto.

Resumidamente, são essas as principais notas caracteri-

zadoras do modelo de controle difuso. A seguir, ver-se-á como

se dá o controle jurisdicional de constitucionalidade no Brasil.

1.3. O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO

DIREITO BRASILEIRO

O direito brasileiro adotou um modelo de controle de

constitucionalidade misto, congregando o sistema de perfil

difuso e o sistema de perfil concentrado. Vale salientar que não

se trata de terceiro modelo de controle de constitucionalidade,

mas, sim, de mera cumulação dos dois grandes sistemas, como

se vê da descrição a seguir:

O sistema brasileiro é misto porque admite as

duas formas de declaração: a) pelo método difuso

incidental, qualquer juiz pode afastar, deixar de

aplicar a lei que considera inconstitucional (o juiz

não declara), e qualquer tribunal pode declará-la

em: 20 set. 2011, p. 22.

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pela maioria absoluta de seus membros como inci-

dente no procedimento de recurso ou processo de

competência originária; b) além dessa possibilida-

de, prevê a CF a declaração pelo STF em ação dire-

ta, proposta pelas entidades referidas no art. 103. A

ação direta pode ter por objeto a declaração de in-

constitucionalidade de lei federal ou estadual e po-

de ter finalidade interventiva (a de provocar a in-

tervenção federal nos estados) ou genérica (sim-

plesmente suprimir a validade da lei inconstitucio-

nal).15

A fim de bem situar a questão, cumpre, primeiramente,

traçar um panorama histórico do controle jurisdicional de cons-

titucionalidade no Brasil.

Segundo ensina Hermes Zaneti Júnior,

Em 1891, na Constituição Republicana, o

Brasil, como República Federativa dos Estados

Unidos do Brasil, recepcionou, como a grande par-

te dos países latino-americanos, e por influência di-

reta de Rui Barbosa, o direito constitucional norte-

americano. Ocorreu então uma revolução coperni-

cana em nossas instituições jurídicas, que ainda ho-

je desenvolve suas potencialidades democratizan-

tes. Entre tantas conseqüências, faz-se referência à

Constituição escrita e rígida e à garantia da judicial

review que dela naturalmente decorre no modelo

norte-americano, ou seja, a garantia de adequação

dos atos de poder e dos atos particulares ao que está

preceituado no texto constitucional.16

A Constituição de 1891 previu, pela primeira vez, o con-

trole jurisdicional de constitucionalidade no Brasil, franqueado 15 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. Vol. 2. 20. ed. rev. e

atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 402. 16 ZANETI JÚNIOR, Hermes. Processo constitucional – o modelo constitucional do

processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 11.

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a todo e qualquer juiz, nos exatos moldes do modelo america-

no. Tal possibilidade foi mantida pela Constituição de 1934,

que previu, ainda, a hipótese de extensão erga omnes da decre-

tação de inconstitucionalidade pelo Senado Federal, além da

regra do “full bench, determinando o julgamento pelo órgão

especial (Tribunal Pleno) quando ocorresse o controle de cons-

titucionalidade”17

, disposição que, como se verá a seguir, cons-

titui pilar do incidente de controle de constitucionalidade.

A Constituição de 1937, por seu turno, manteve o contro-

le de constitucionalidade, prevendo, contudo, “a possibilidade

de a lei, após ser decretada inconstitucional pelo Tribunal, ser

reapreciada nessa inconstitucionalidade pelo exame do parla-

mento, a pedido do Presidente, e no interesse do povo”.18

A Constituição de 1946 expurgou tal possibilidade, de-

volvendo ao Supremo Tribunal Federal a competência para

efetuar o controle de constitucionalidade de forma integral; a

Emenda Constitucional de 16/65 trouxe importante modifica-

ção: possibilitou o controle abstrato de constitucionalidade por

representação do Procurador-Geral da República, recepcionan-

do, assim, o modelo concentrado, ainda que de forma parcial,

“porque nunca se chegou a desenvolver, por total falta de ne-

cessidade institucional, um tribunal constitucional como quarto

poder, entre outras distinções importantes”.19

A Constituição

de 1967 e a Emenda Constitucional nº 1/69 mantiveram o mo-

delo de controle da Constituição de 1946.

A Constituição de 1988, por seu turno, traz em seu bojo,

igualmente, ambos os modelos de controle de constitucionali-

dade – o difuso, exercido por todos os juízes e tribunais, “que

podem e devem rejeitar a aplicação da norma violadora ou con-

17 ZANETI JÚNIOR, Hermes. Processo constitucional – o modelo constitucional do

processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 36. 18 ZANETI JÚNIOR, Hermes. Processo constitucional – o modelo constitucional do

processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 38. 19 ZANETI JÚNIOR, Hermes. Processo constitucional – o modelo constitucional do

processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 41.

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trária ao escopo da Constituição, no caso concreto”, e, também,

o “sistema austríaco de controle concentrado, de competência

privativa do Supremo Tribunal Federal (ações direta de incons-

titucionalidade, declaratória de constitucionalidade e de des-

cumprimento de preceito fundamental)”.20

Cumpre salientar que a Carta Constitucional de 1988

ampliou o rol de legitimados para a propositura das ações vol-

tadas à discussão da constitucionalidade das leis in abstrato

(art. 103, CF).

O controle de constitucionalidade difuso, tal como de-

senvolvido no Direito brasileiro, é exercido por qualquer órgão

judicial incidentalmente a um processo. A decisão, que não é

feita sobre o objeto principal da lide, mas sobre questão prévia,

indispensável ao julgamento do mérito, afasta, tão somente, a

incidência da norma viciada. Contudo, como destaca Marino-

ni, “quando esse reconhecimento se dê por órgão colegiado

(tribunal), existe certo procedimento próprio que deve ser obe-

decido, em homenagem ao previsto no art. 97 da CF”21

, que

positivou a regra do full bench, originária do direito norte-

americano, segundo a qual nos tribunais a declaração de in-

constitucionalidade poderá ser pronunciada apenas pelo voto

da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do ór-

gão especial.

O Código de Processo Civil introduziu, nos arts. 480 a

482, breve disciplina do controle incidenter tantum, exercido

por órgãos fracionários dos tribunais. É a respeito desse inci-

dente de controle de constitucionalidade de que trataremos.

2. O INCIDENTE DE CONTROLE DE CONSTITUCIONA-

LIDADE

20 ZANETI JÚNIOR, Hermes. Processo constitucional – o modelo constitucional do

processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 45. 21 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo

de conhecimento. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribu-

nais, 2006, p. 609.

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O incidente disciplinado nos arts. 480 a 482 do Código

de Processo Civil afigura-se cabível quando, no bojo de um

caso concreto, é arguida a inconstitucionalidade de uma lei ou

de um ato normativo do poder público perante órgão

fracionário de um tribunal. Dito instrumento consiste, segundo

lição de Cássio Scarpinella Bueno, em “um incidente

processual que impõe o sobrestamento do julgamento e o

‘destaque’ da questão sobre se determinada lei ou ato

normativo é, ou não, constitucional, que deverá ser apreciada

independentemente da causa em julgamento”. 22

Os principais aspectos de tal incidente serão abaixo

abordados.

2.1. OBJETO DA ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALI-

DADE

A arguição de inconstitucionalidade tem por objeto, na

dicção do art. 480 do Código de Processo Civil, lei ou ato nor-

mativo do poder público. Em tais categorias enquadram-se,

segundo Humberto Theodoro Júnior, “a lei ordinária, a lei

complementar, a emenda à Constituição, as Constituições esta-

duais, a lei delegada, o decreto-lei, o decreto legislativo, a reso-

lução, o decreto ou outro ato normativo baixado por qualquer

órgão do poder público”.23

Destaca o iminente processualista que, para verificação

do incidente, “não se distingue entre lei estadual, federal ou

municipal. E o conflito também pode ser entre a lei local e a

Constituição tanto do Estado como da União”.24

22 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. Vol.

5. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 382. 23 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Volume 1.

51ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 704. 24 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Volume 1.

51ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 704.

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Trata-se de pressuposto objetivo de admissibilidade do

controle incidental; como realça Gilmar Ferreira Mendes, “a

questão há de envolver ato de natureza normativa a ser aplica-

do à decisão da causa, devendo ser rejeitada a arguição de in-

constitucionalidade de ato que não tenha natureza normativa ou

não seja oriundo do Poder Público”.25

Além disso, a lei ou o

ato normativo há de ser relevante para o julgamento do feito,

sob pena, igualmente, de rejeição da instauração do incidente.

Vale sublinhar, ainda, que a lei ou o ato normativo do

poder público questionado por meio de tal incidente é cotejado

com a Constituição vigente quando da sua edição; nesse senti-

do é a lição de Gilmar Ferreira Mendes, segundo a qual “de

modo diverso do que se verifica com o controle abstrato de

normas, que tem como parâmetro de controle a Constituição

vigente, o controle incidental realiza-se em face da Constitui-

ção sob cujo império foi editada a lei ou ato normativo.”26

2.2. LEGITIMIDADE PARA A ARGUIÇÃO

Segundo a doutrina, têm legitimidade para argüir a in-

constitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público as

partes, “inclusive os assistentes”, e o Ministério Público, “seja

como parte, seja como custus legis”, podendo vir a ser suscita-

da, igualmente, ex officio “pelo relator, pelo revisor ou por ou-

tros juízes do órgão do tribunal encarregado do julgamento da

causa principal”.27

Consoante refere Cássio Scarpinella Bueno, “a prévia oi-

tiva do MP para a instauração do incidente imposta pelo art.

480 não se confunde com e não elimina a sua legitimidade pa-

25 MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito

constitucional. 6. ed. Rev. E atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1.134. 26 MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito

constitucional. 6. ed. Rev. E atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1.141. 27 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Volume 1.

51ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 704/705.

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ra, como parte ou como fiscal da lei que já atue no processo,

requerer a sua instauração”.28

2.3. MOMENTO DA ARGÜIÇÃO DO INCIDENTE

O incidente de inconstitucionalidade tem lugar a qualquer

tempo, visto que, “em se tratando de matéria de direito, não há

preclusão do direito de provocar a apreciação da inconstitucio-

nalidade”.29

Há de se observar, contudo, que o incidente deve

ser proposto, obviamente, “antes de concluído o julgamento do

recurso (ou da ação originária) pelo colegiado”.30

Pode ser argüido nos autos “de qualquer processo sujeito

a julgamento pelos tribunais: recursos, causas de competência

originária ou casos de sujeição obrigatória ao duplo grau de

jurisdição”.31

Quando realizada pelas partes ou pelo Ministério Públi-

co, “a arguição pode ser feita em petição que já consta dos au-

tos, em razões de recurso, em contrarrazões, em sustentação

oral por ocasião do julgamento ou por pedido expresso, mane-

jado especificamente para essa finalidade”.32

Alerta Cássio Scarpinella Bueno, contudo, que é vedado

às partes e ao Ministério Público “que o suscitem após o profe-

rimento do voto do relator (STJ, MS 10.595/DF)”, ressalvando,

no entanto, a possibilidade de o incidente vir a ser argüido por

meio de embargos de declaração, entendendo pertinente tal via

28 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. Vol.

5. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 383. 29 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Volume 1.

51ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 705. 30 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo

de conhecimento. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribu-

nais, 2006, p. 609/610. 31 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Volume 1.

51ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 705. 32 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. Vol.

5. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 384.

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“mesmo quando não houve, ainda, alegação de inconstituciona-

lidade da lei que fundamenta a decisão, visto que se trata de

matéria de ordem pública, razão suficiente para entender apli-

cável à espécie o efeito translativo”.33

De ofício, os julgadores podem suscitar o incidente “co-

mo preliminar de seus votos na sessão de julgamento do fei-

to”.34

Salienta José Carlos Barbosa Moreira que, nessa hipóte-

se, “a argüição será admissível desde o início do julgamento

até o encerramento da votação, enquanto não anunciado pelo

presidente o resultado desta”.35

2.4. OBRIGATORIEDADE DA MANIFESTAÇÃO DO MI-

NISTÉRIO PÚBLICO

O art. 480 do Código de Processo Civil prevê a oitiva do

órgão do Ministério Público antes da instauração do incidente;

Conforme ensina Humberto Theodoro Júnior, “salvo caso

em que a provocação seja de sua própria iniciativa, o Ministé-

rio Público será sempre ouvido sobre a arguição de inconstitu-

cionalidade, antes da decisão pela Turma ou Câmara, a que

tocar o conhecimento do processo”.36

Assim, “quando suscitado no voto de algum juiz, na pró-

pria sessão, a decisão do incidente terá que ser adiada para

cumprir-se o disposto no art. 480, que manda ouvir-se, previa-

mente, o Ministério Público”.37

Cássio Scarpinella Bueno refere que “a participação do

33 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. Vol.

5. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 384. 34 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Volume 1.

51ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 705. 35 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 23. ed. rev. e

atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 178. 36 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Volume 1.

51ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 705. 37 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Volume 1.

51ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 705.

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RIDB, Ano 2 (2013), nº 6 | 5585

MP para a instauração do incidente é indispensável mesmo que

ele não tenha funcionado como parte ou como fiscal da lei até

então”, destacando que “a ausência de sua participação gera

nulidade processual, nos termos do art. 84”.38

O mencionado doutrinador entende que prevalece, mes-

mo diante do novo parágrafo único do art. 481, a regra constan-

te do art. 480 sobre a necessária e prévia manifestação do MP

acerca da questão constitucional.39

2.5. ADMISSÃO OU INADMISSÃO DO INCIDENTE PELO

ÓRGÃO FRACIONÁRIO

De acordo com os arts. 480 e 481, caput, do Código de

Processo Civil, cabe ao órgão fracionário do tribunal (turma ou

câmara) perante o qual se processa a causa analisar o cabimen-

to do incidente.

Com efeito, a inconstitucionalidade é argüida, nos autos

de um caso concreto em trâmite junto ao tribunal (seja recurso,

seja ação originária), perante o órgão fracionário ao qual toca o

julgamento da causa. Assim, cabe a tal órgão examinar a alega-

ção: entendendo que a lei ou ato normativo do poder público

tachado de inconstitucional não padece do vício apontado, re-

jeita-a; reputando existente a propalada inconstitucionalidade,

acolhe-a, observando, então, o restante do procedimento es-

tampado no art. 482 do Código de Processo Civil.

Ao órgão fracionário, pois, compete decidir sobre a ad-

missão ou inadmissão do incidente.

Na dicção do art. 481 do Código de Processo Civil, “se a

alegação for rejeitada, prosseguirá o julgamento”, hipótese em

que o órgão fracionário poderá aplicar a lei hostilizada. Segun-

do ensina Gilmar Mendes, “o pronunciamento do órgão fracio- 38 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. Vol.

5. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 383. 39 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. Vol.

5. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 390.

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nário, pela rejeição ou acolhimento da arguição de inconstitu-

cionalidade, é irrecorrível”.40

O órgão fracionário pode rejeitar a arguição por inadmis-

sível ou improcedente pelas seguintes razões:

- a questão há de envolver ato de natureza

normativa a ser aplicado à decisão da causa, de-

vendo ser rejeitada a arguição de inconstitucionali-

dade de ato que não tenha natureza normativa ou

não seja oriundo do Poder Público;

- a questão da inconstitucionalidade há de ser

relevante para o julgamento da causa, afigurando-

se “inadmissível a arguição impertinente, relativa a

lei ou a outro ato normativo de que não dependa a

decisão sobre o recurso ou a causa”;

- a arguição será improcedente se o órgão

fracionário, pela maioria de seus membros, rejeitar

a alegação de desconformidade da lei com a norma

constitucional.41

Se a argüição, do contrário, for acolhida – “não, é claro,

no sentido de que o órgão haja declarado inconstitucional a lei

ou o outro ato normativo, o que não lhe seria lícito fazer, mas

no sentido de que a argüição será submetida ao tribunal pleno,

ou ao ‘órgão especial’”42

-, o julgamento do feito será suspen-

so, lavrando-se o acórdão e remetendo-se a questão ao Tribunal

Pleno (ou ao órgão especial, onde houver), como dispõe o art.

481 do Código de Processo Civil.

José Carlos Barbosa Moreira observa que a argüição po-

de ser acolhida ou rejeitada integral ou parcialmente:

É óbvio que a argüição pode ser acolhida ou

40 MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito

constitucional. 6. ed. Rev. E atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1.135. 41 MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito

constitucional. 6. ed. Rev. E atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1.134/1.135. 42 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 23. ed. rev. e

atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 179.

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rejeitada quer in totum, quer parcialmente: nada

obsta a que o órgão fracionário entenda incompatí-

vel com a Constituição apenas uma parte da lei ou

do outro ato normativo objeto da argüição. Tam-

bém pode ocorrer, se se argüiu a inconstitucionali-

dade de mais de uma lei ou de mais de um ato nor-

mativo, que o órgão fracionário a acolha em rela-

ção a alguma ou algumas das leis, ou a algum ou

alguns dos atos, e a rejeite quanto ao mais. Só se te-

rá por acolhida a argüição naquilo em que a seu fa-

vor se manifeste a maioria dos votantes, e unica-

mente nesses limites será a argüição submetida ao

tribunal.43

Mister salientar, por fim, que a arguição “poderá ser por

maioria simples”.44

2.6. COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO DA QUES-

TÃO CONSTITUCIONAL – A REGRA DO FULL BENCH

O órgão fracionário, a quem compete o julgamento da

causa e perante o qual é argüido o incidente de inconstituciona-

lidade, limita-se a, depois de ouvido o órgão ministerial, admi-

tir ou não o processamento do incidente. Não possui ele, por

força do art. 97 da Constituição Federal, competência para de-

clarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder

público, razão pela qual remete o julgamento da questão ao

tribunal pleno ou ao órgão especial, conforme determina a refe-

rida disposição constitucional.

O art. 97 da Constituição Federal dispõe que “somente

pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos mem-

bros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar 43 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 23. ed. rev. e

atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 179. 44 MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito

constitucional. 6. ed. Rev. E atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p.1.135.

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a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Públi-

co”. Trata-se de disposição que positivou, no direito brasileiro,

a regra do full bench.

A regra do full bench constitui construção jurisprudencial

norte-americana, segundo a qual a declaração de inconstitucio-

nalidade deveria ser proferida pela maioria absoluta da totali-

dade dos membros do tribunal julgador. No Brasil, segundo

José Levi Mello do Amaral Júnior, dita regra foi positivada

pela Constituição de 1934, ao dispor que somente pelo voto da

maioria absoluta da totalidade de seus juízes poderiam os tri-

bunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do poder

público.45

Posteriormente, a Constituição de 1967, em razão do

grande número de integrantes em certos tribunais, previu a pos-

sibilidade de criação de um órgão especial para “exercitar as

competências do pleno, inclusive as de índole constitucio-

nal”.46

O órgão especial, mantido pela Constituição de 1988,

pode ser constituído naqueles tribunais com número superior a

vinte e cinco julgadores para o exercício das atribuições admi-

nistrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribu-

nal pleno, sendo composto de no mínimo onze e no máximo

vinte e cinco membros (art. 93, XI, CF). No Estado do Rio

Grande do Sul, o regimento interno do Tribunal de Justiça do

Estado prevê a competência do órgão especial para o julgamen-

to do incidente de inconstitucionalidade (art. 8º, V, “s”); no

mesmo sentido é a previsão contida no art. 199 do regimento

interno do Superior Tribunal de Justiça.

Da regra do full bench decorre, portanto, a competência

45 AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Incidente de argüição de

inconstitucionalidade: comentários ao art. 97 da Constituição e aos arts. 480 a 482

do Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 27. 46 AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Incidente de argüição de

inconstitucionalidade: comentários ao art. 97 da Constituição e aos arts. 480 a 482

do Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 34.

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exclusiva do pleno ou do órgão especial do tribunal para decla-

rar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo do po-

der público questionado no bojo de um caso concreto em trâmi-

te (seja por via recursal, seja como ação originária) perante um

de seus órgãos fracionários.

Se o órgão fracionário, confrontado com uma questão

constitucional, reconhece a inconstitucionalidade da norma

sem remeter o assunto ao tribunal pleno ou ao órgão especial,

“o acórdão que reconheceu a inconstitucionalidade é nulo, por

violação aos arts. 480-482 do CPC, salvo expressa previsão

legal de dispensa (parágrafo único do art. 481)”.47

Cumpre salientar, por oportuno, que, entendendo o órgão

fracionário que a norma questionada não padece da inconstitu-

cionalidade apontada, pode prosseguir no julgamento do caso,

não necessitando levar a questão ao tribunal pleno ou ao órgão

especial. Isso porque o art. 97 da Constituição Federal não pre-

vê a competência exclusiva do tribunal pleno ou do órgão es-

pecial para o reconhecimento da constitucionalidade de uma lei

ou ato normativo, mas somente para a declaração de sua in-

constitucionalidade. Como observa Humberto Theodoro Jú-

nior, “esse órgão parcial não tem competência para declarar a

inconstitucionalidade, mas pode perfeitamente reconhecer a

constitucionalidade da norma impugnada e a irrelevância da

arguição dos interessados”.48

Ademais, registra Cássio Scarpinella Bueno que “quando

o Tribunal se limita a interpretar o dispositivo à luz da Consti-

tuição Federal, não há também espaço para instauração do in-

cidente de inconstitucionalidade (STJ, Resp 915.309/RS)”,

hipótese diversa daquela em que o órgão fracionário deixa de

“aplicar a norma, reputando-a inconstitucional, sem, contudo,

47 MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil

comentado artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.

487. 48 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Volume 1.

51ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 705.

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declará-la formal, expressa ou fundamentadamente (STF, RE-

AgR 463.278/RS)”.49

Partindo de tais pressupostos, quando o órgão fracionário

utilizasse a técnica da interpretação conforme a Constituição,

não haveria falar em inobservância do art. 97 da Constituição

Federal e dos arts. 480 a 482 do Código de Processo Civil, já

que “a interpretação conforme a Constituição, por definição,

importa – ou deveria importar – na improcedência da argüição

de inconstitucionalidade, seja incidental, seja direta.

De outro lado, a declaração parcial de inconstitucionali-

dade sem redução de texto, por implicar “efetiva censura de

pelo menos uma hipótese de incidência do texto impugnado”50

,

o que significa a acolhida, pois, da argüição de inconstituciona-

lidade, requereria a observância do art. 97 da Constituição Fe-

deral.

Com a edição da Súmula Vinculante nº 10 pelo Supremo

Tribunal Federal, segundo a qual “viola a cláusula de reserva

de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário de tri-

bunal que, embora não declare expressamente a inconstitucio-

nalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afaste a sua

incidência, no todo ou em parte”, colocou-se em dúvida se tais

técnicas de controle de constitucionalidade devem ou não ob-

servar a regra do full bench. A esse respeito, assim manifestou-

se Luiz Guilherme Marinoni:

(...) A interpretação conforme e a declaração

parcial de inconstitucionalidade sem redução de

texto afastam a incidência de norma jurídica. Nessa

perspectiva não se submeteriam à cláusula de re-

serva de plenário. Porém, a razão de ser da Súmula

49 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. Vol.

5. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 385. 50 AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Incidente de argüição de

inconstitucionalidade: comentários ao art. 97 da Constituição e aos arts. 480 a 482

do Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p.

101.

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Vinculante 10 é evitar o escamoteamento da decla-

ração de inconstitucionalidade, ou melhor, o afas-

tamento ou a mera não aplicação da lei considerada

– sem ser dita – inconstitucional, e não resguardar

pronunciamentos – liberando-os da reserva de ple-

nário – que agregam sentido constitucional ou ex-

cluem sentidos inconstitucionais. Ao contrário, se o

objetivo da súmula é submeter a pronúncia de in-

constitucionalidade de lei a quórum qualificado,

não há razão para dispensar esta exigência quando

se tem em conta interpretações ou normas jurídi-

cas.51

Tendo em conta tal raciocínio, os órgãos fracionários de

um tribunal que se utilizassem das técnicas da interpretação

conforme e da declaração parcial de inconstitucionalidade sem

redução de texto estariam violando o art. 97 da Constituição.

2.7. PROCEDIMENTO JUNTO AO TRIBUNAL PLE-

NO/ÓRGÃO ESPECIAL

Uma vez admitida, pelo órgão fracionário, a instauração

do incidente de inconstitucionalidade, lavrando-se o acórdão

exigido pelo art. 481 do Código de Processo Civil, o art. 482

determina que cópia sua seja enviada a todos os julgadores que

compõem o tribunal pleno ou, se for o caso, o órgão especial.

Ainda de acordo com o mesmo dispositivo, o Presidente do

Tribunal designará data para julgamento do incidente.

Antes de a questão ser levada a julgamento, contudo,

permite-se o contraditório. Conforme sublinham Marinoni e

Mitidiero,

Porque plural a sociedade, o juízo a respeito

da constitucionalidade dos atos normativos do po-

51 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2010, p. 505.

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der público deve ser precedido de amplo debate,

sendo admitidos ao diálogo judiciário as pessoas

jurídicas de direito público responsáveis pela edi-

ção do ato, o Ministério Público, os legitimados à

propositura de ação direta de inconstitucionalidade

e, considerada a relevância da matéria, todos aque-

les órgãos ou entidades representativos de setores

sociais potencialmente atingidos pela decisão a ser

tomada (amicus curiae).52

Circunstância que destaca a necessidade de permitir-se a

oitiva de tais pessoas e entidades é o fato de que o parágrafo

único do art. 481 prevê que é dispensável nova instauração do

incidente quando houver prévia manifestação do Plenário do

Supremo Tribunal Federal ou do próprio Tribunal. Assim, o

relator deve “permitir o ingresso e, mesmo de ofício, determi-

nar a oitiva do maior número possível de pessoas, entidades ou

órgãos que possam vir a ser afetados futuramente pelo prece-

dente que está por ser estabelecido”53

.

De acordo com Greco Filho, a diferença entre as entida-

des e pessoas referidas nos parágrafos 1º e 2º do art. 482 reside

no fato de que “as do § 1º poderão manifestar-se também oral-

mente, e as do § 2º somente por escrito”; acrescenta o doutri-

nador que os órgãos ou entidades a que se refere o parágrafo

terceiro do citado artigo “têm sua intervenção em caráter facul-

tativo, a critério do relator, que, em despacho irrecorrível,

apreciará a relevância da matéria e a representatividade dos

postulantes ao ingresso”. Finaliza destacando que “as hipóteses

de intervenção não se enquadram nas situações de intervenção

de terceiros e, de fato, somente lei poderia criar essa possibili-

52 MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil

comentado artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.

488. 53 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. Vol.

5. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 391.

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dade”. 54

Depois de ouvidas as pessoas ou entidades interessadas, o

tribunal pleno (ou seu órgão especial), na data designada, reu-

nir-se-á, “analisando, primeiramente, o cabimento do incidente

de inconstitucionalidade. Admitido, terá início seu julgamen-

to”.55

2.8. JULGAMENTO E IRRECORRIBILIDADE

Reconhecido o cabimento do incidente pelo tribunal ple-

no ou órgão especial, passa-se ao exame da conformidade da

lei ou do ato normativo questionado com a carta constitucional.

A análise realizada pelo tribunal pleno ou pelo órgão es-

pecial limita-se à questão da constitucionalidade da lei ou ato

normativo atacado; “o julgamento é puramente de direito, em

torno da questão controvertida. Não há devolução da matéria

de fato, nem de outras questões de direito não atingidas pela

argüição da inconstitucionalidade”.56

O caso concreto, portanto, não é analisado pelo tribunal

pleno ou pelo órgão especial: o órgão competente para apreciar

o incidente de inconstitucionalidade tão somente examina a

questão da compatibilidade da lei ou ato normativo questiona-

do com a Constituição e, posteriormente, o julgamento do caso

concreto prossegue no órgão fracionário, que aplicará a orien-

tação fixada pelo tribunal pleno ou órgão especial.

Como salienta José Carlos Barbosa Moreira, no incidente

de inconstitucionalidade ocorre “cisão de competência do pon-

to de vista funcional. Ao plenário (ou ao ‘órgão especial’) in-

54 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. Vol. 2. 20. ed. rev. e

atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 404. 55 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo

de conhecimento. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribu-

nais, 2006, p. 610. 56 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Volume 1.

51ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 705.

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cumbirá, se for o caso, resolver a questão de constitucionalida-

de, e ao órgão fracionário julgar, depois, à luz dessa decisão, a

matéria restante”.57

Em verdade, pois, realiza-se o controle de constituciona-

lidade da lei in abstrato, visto que, embora o incidente tenha

lugar no bojo de um caso concreto, a resolução da questão

constitucional dá-se de forma separada e independente.58

Ressalte-se que “o Plenário somente pode pronunciar-se

sobre o que, efetivamente, foi acolhido pelo órgão fracionário,

sendo-lhe defeso emitir juízo sobre questão julgada inadmissí-

vel ou rejeitada pela Turma ou Câmara”.59

José Carlos Barbosa

Moreira, a esse respeito, destaca:

(...) Dentro desses limites, contudo, é plena a

cognição do tribunal, quer no exame da admissibi-

lidade da arguição, que não fica precluso, quer, de

meritis, no exame da constitucionalidade. Não está

o plenário (ou o “órgão especial”) adstrito aos fun-

damentos indicados na argüição, isto é, a verificar a

compatibilidade entre a lei ou o outro ato normati-

vo e a determinada regra (ou as determinadas re-

57 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 23. ed. rev. e

atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 176. 58 Nesse sentido, José Levi Mello do Amaral Júnior leciona: “Mais do que uma

espécie recursal sui generis – como pretende Pontes de Miranda -, a argüição de

inconstitucionalidade dos arts. 480 a 482 do CPC é incidente processual ‘quase’

autônomo em relação ao feito que o originou. Sim, a procedência do incidente

implica, na prática, a declaração de inconstitucionalidade em tese da lei ou do ato

normativo questionado. A uma, porque a decisão não é tomada à luz do caso

concreto: o pleno do tribunal aprecia somente a questão de direito relativa à

constitucionalidade ou não da norma inquinada. A duas, porque a decisão plenária

não se circunscreve aos autos do caso concreto em que foi suscitada, mas repercute,

a teor do parágrafo único do art. 481 do CPC, sobre todos os demais feitos que

envolvam a mesma quaestio iuris constitucional”. AMARAL JÚNIOR, José Levi

Mello do. Incidente de argüição de inconstitucionalidade: comentários ao art. 97 da

Constituição e aos arts. 480 a 482 do Código de Processo Civil. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2002, p. 47. 59 MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito

constitucional. 6. ed. Rev. E atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p.1.135.

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RIDB, Ano 2 (2013), nº 6 | 5595

gras) da Constituição, com que o argüente afirma

existir conflito. A argüição pode ter-se fundado na

alegada incompatibilidade entre a lei ou o ato nor-

mativo e a regra x, e o tribunal declarar inconstitu-

cional uma ou outro por incompatível com a regra

y. Não há que cogitar de vinculação do tribunal a

uma suposta causa petendi, até porque a argüição

não constitui “pedido” em sentido técnico, e as

questões de direito são livremente suscitáveis, ex

officio, pelos órgãos judiciais, na área em que lhes

toque exercer atividade cognitiva.60

A regra do art. 97 da Constituição Federal dispõe que a

inconstitucionalidade somente pode ser pronunciada pela maio-

ria absoluta dos votos dos membros do tribunal pleno ou do

órgão especial. Como visto, vários podem ser os fundamentos

utilizados pelos componentes do tribunal pleno ou do órgão

especial para a acolhida ou rejeição do incidente; assim, “para

ter-se como declarada a inconstitucionalidade, é preciso que a

maioria dos votantes a pronuncie no que tange, pelo menos, a

um mesmo dos vários fundamentos”.61

Humberto Theodoro Júnior refere, ainda, que não é sufi-

ciente que a maioria dos membros do Tribunal participe do

julgamento:

(...) Para o reconhecimento da inconstitucio-

nalidade é indispensável que haja votos homogêne-

os em tal sentido proferidos por número de juízes

superior à metade do total dos membros do tribu-

nal, ou do órgão especial. Se o reconhecimento for

apenas de maioria simples (isto é, maioria dos vo-

tantes, mas não do tribunal ou do órgão especial), a

lei ou ato impugnado não será declarado inconsti- 60 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 23. ed. rev. e

atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 180. 61 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 23. ed. rev. e

atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 180.

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5596 | RIDB, Ano 2 (2013), nº 6

tucional.62

José Carlos Barbosa Moreira sublinha que “quer na hipó-

tese de ser vitoriosa (por maioria absoluta ou simples) a tese da

constitucionalidade, quer na de ser vitoriosa, mas só por maio-

ria simples, a tese da inconstitucionalidade, é idêntico o resul-

tado prático”.63

Quanto à possibilidade de a decisão adotada pelo pleno

ou pelo órgão especial ser atacada por meio de recurso, Cássio

Scarpinella Bueno adverte que “a doutrina e a jurisprudência

são uníssonas no reconhecimento da irrecorribilidade do acór-

dão relativo ao enfrentamento da questão constitucional pelo

tribunal pleno ou pelo órgão especial”.64

Assim, recurso caberá tão somente em face da decisão do

caso concreto adotada pelo órgão fracionário à luz do entendi-

mento fixado pelo tribunal pleno ou pelo órgão especial, “pois

só com esse acórdão se completará o julgamento do recurso ou

da causa, cindido em virtude do acolhimento da argüição”.65

A respeito do tema, vale transcrever as seguintes súmulas

do Supremo Tribunal Federal:

SÚMULA Nº 293 STF: SÃO INADMISSÍ-

VEIS EMBARGOS INFRINGENTES CONTRA

DECISÃO EM MATÉRIA CONSTITUCIONAL

SUBMETIDA AO PLENÁRIO DOS TRIBU-

NAIS.

SÚMULA Nº 455 STF: DA DECISÃO QUE

SE SEGUIR AO JULGAMENTO DE CONSTI-

TUCIONALIDADE PELO TRIBUNAL PLENO,

SÃO INADMISSÍVEIS EMBARGOS INFRIN- 62 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Volume 1.

51ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 706. 63 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 23. ed. rev. e

atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 181. 64 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. Vol.

5. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 393. 65 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 23. ed. rev. e

atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 181.

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RIDB, Ano 2 (2013), nº 6 | 5597

GENTES QUANTO À MATÉRIA CONSTITU-

CIONAL.

SÚMULA Nº 513 STF: A DECISÃO QUE

ENSEJA A INTERPOSIÇÃO DE RECURSO

ORDINÁRIO OU EXTRAORDINÁRIO NÃO É A

DO PLENÁRIO, QUE RESOLVE O INCIDENTE

DE INCONSTITUCIONALIDADE, MAS A DO

ÓRGÃO (CÂMARAS, GRUPOS OU TURMAS)

QUE COMPLETA O JULGAMENTO DO FEITO.

As duas primeiras súmulas acima transcritas devem ser

entendidas, segundo Cássio Scarpinella Bueno, “no sentido de

que recorrível é sempre a decisão proferida pelo órgão fracio-

nário que julga concretamente a causa, consoante estejam pre-

sentes os seus respectivos pressupostos”.66

O autor destaca,

ainda, que “eventual ação rescisória caberá do acórdão que

aplica o resultado do julgamento do incidente ao caso concreto,

e não da manifestação do tribunal pleno ou de seu órgão espe-

cial”.67

Por fim, vale anotar a possibilidade de interposição de

embargos declaratórios, para fins de aclaramento ou comple-

mentação, em face da decisão proferida pelo plenário ou órgão

especial.

2.9. FORÇA VINCULANTE DA DECISÃO PROFERI-

DA

Julgada a questão constitucional pelo tribunal pleno ou

pelo órgão especial, “o acórdão respectivo deverá ser encami-

nhado para o órgão fracionário que o suscitou, que se limitará a

aplicar a tese, tal qual decidida, ao caso concreto”.68

66 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. Vol.

5. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 393/394. 67 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. Vol.

5. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 394. 68 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. Vol.

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5598 | RIDB, Ano 2 (2013), nº 6

A decisão, contudo, não é vinculante apenas para o caso

concreto em cujo bojo foi suscitado o incidente de inconstitu-

cionalidade.

De fato, o parágrafo único do art. 481 do Código de Pro-

cesso Civil dispõe que “os órgãos fracionários dos tribunais

não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição

de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento

destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a

questão”. Trata-se de hipótese de dispensa de instauração do

incidente, que denota a força vinculante da decisão proferida

em sede de controle de constitucionalidade difuso pelos tribu-

nais.

A respeito do tema, vale transcrever a seguinte lição:

Não obstante, a decisão tomada pelo tribunal

pleno não valerá somente para o caso concreto em

que surgiu a questão de constitucionalidade. Será

paradigma (leading case) para todos os demais fei-

tos – em trâmite no tribunal – que envolvam a

mesma questão constitucional. Daí a importância

de bem determinar a natureza das regras constituci-

onais e legais que regem a problemática em causa,

em especial para que se compreenda o significado

da decisão plenária relativamente ao caso concreto

que a ensejou, bem como o seu impacto no dia-a-

dia forense.69

Luiz Guilherme Marinoni alerta que “todas as Câmaras

ou Turmas ficam obrigadas perante a decisão tomada pelo ple-

nário ou pelo órgão especial”, bem como que “todos os juízos –

inclusive os de 1º grau de jurisdição – subordinados ao Tribu-

nal de Justiça ou Regional Federal ficam vinculados à decisão

5. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 392. 69 AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Incidente de argüição de

inconstitucionalidade: comentários ao art. 97 da Constituição e aos arts. 480 a 482

do Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 39.

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RIDB, Ano 2 (2013), nº 6 | 5599

tomada pelo plenário ou pelo órgão especial”.70

O renomado

jurista acrescenta:

Assim, uma vez decidida a questão constitu-

cional no tribunal, as Câmaras ou Turmas não mais

podem submeter argüição de inconstitucionalidade

ao plenário ou ao órgão especial. Até porque estes

estão proibidos de voltar a tratar da questão consti-

tucional sem que presentes os requisitos hábeis a

justificar a revogação de precedentes, como a trans-

formação dos valores sociais ou da concepção geral

do direito ou ainda erro manifesto. Aliás, é impro-

vável que a decisão do tribunal, sem ter chegado à

análise do Supremo Tribunal Federal, possa estar

sujeita a tais condições.

Advirta-se que a alteração da composição do

órgão julgador não é suficiente para a revogação do

precedente. Da mesma forma, os fundamentos que

foram – ou poderiam ter sido – levantados quando

do julgamento não podem simplesmente voltar a

ser discutidos. O rejulgamento é viável apenas

quando se tem consciência de que a manutenção do

precedente constitui a eternização de um erro ou de

uma injustiça, seja porque há equívoco grosseiro na

decisão, seja porque a evolução da sociedade e do

direito está a mostrar que a decisão primitiva não

mais pode prevalecer.71

Há, contudo, quem entenda que a decisão proferida por

ocasião da resolução de um incidente de inconstitucionalidade

não possui força vinculante. Nesse sentido, Vicente Greco Fi-

lho sustenta que “a declaração vale apenas entre as partes”.72

70 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2010, p. 508/509. 71 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2010, p. 508/509. 72 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. Vol. 2. 20. ed. rev. e

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5600 | RIDB, Ano 2 (2013), nº 6

Barbosa Moreira, no mesmo norte – e a despeito da redação

conferida ao parágrafo único do art. 481 pela Lei nº 9.756, de

1998 -, sustenta que não há regra legal “que a torne obrigatória

ad futurum”, bem como que “a eficácia do pronunciamento é

só intraprocessual”.73

O parágrafo único do art. 481, no entanto, é claro: se já

houver pronunciamento do tribunal pleno ou do órgão especial,

ou, ainda, do plenário do Supremo Tribunal Federal, sobre a

matéria, o órgão fracionário não submeterá a argüição de in-

constitucionalidade ao órgão competente para o seu julgamen-

to. A redação do dispositivo é imperativa: não se trata, pois, de

faculdade conferida ao órgão fracionário, que deve, sim, apli-

car o entendimento já manifestado pelo pleno ou órgão especial

ou pelo plenário do Supremo Tribunal Federal.

Não se pode deixar de ressaltar, neste ponto, a necessida-

de de observância dos precedentes firmados em sede de contro-

le difuso de constitucionalidade pelos tribunais. Isso porque,

como ressalta Luiz Guilherme Marinoni,

Quando o controle de constitucionalidade é

deferido ao Supremo Tribunal e à magistratura or-

dinária, a necessidade de um sistema de preceden-

tes é ainda mais evidente, já que não está em jogo

apenas a unificação da interpretação do direito in-

fraconstitucional, mas também a própria afirmação

judicial do significado da Constituição.74

A desconsideração da solução que um tribunal dá, por

seu pleno ou órgão especial, a respeito de uma questão consti-

tucional, não guarda coerência com o sistema adotado e com o

procedimento previsto pelo Código de Processo Civil para a

solução de controvérsias constitucionais pelos tribunais. Ora,

atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 402. 73 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 23. ed. rev. e

atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 181. 74 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2010, p. 74.

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RIDB, Ano 2 (2013), nº 6 | 5601

se a decisão proferida pelo tribunal pleno ou por seu órgão es-

pecial em sede de incidente de inconstitucionalidade não tem

força vinculante, qual a razão da cisão de competência opera-

da? Se assim é, qual a justificativa para submeter uma mesma

questão – de caráter constitucional, frise-se - à decisão de um

mesmo tribunal repetidas vezes, desconsiderando os pronunci-

amentos anteriores?

Consoante destaca Luiz Guilherme Marinoni, “é intuitivo

que, num sistema que ignora o precedente obrigatório, não há

racionalidade em dar a todo e qualquer juiz o poder de contro-

lar a constitucionalidade da lei”.75

A necessidade de se reconhecer obrigatoriedade aos pre-

cedentes constitucionais é evidente. As razões são várias, e a

premente necessidade de desafogar os tribunais, cujo funcio-

namento encontra-se severamente prejudicado pelo alto núme-

ro de demandas, é apenas a mais visível.

Não se pode emprestar às normas constitucionais signifi-

cados “ambulantes”. Os próprios tribunais, bem como os juízes

a eles subordinados, devem observar os precedentes fixados

nessa seara, a fim de conferir à Constituição efetividade e apli-

cabilidade, bem como segurança jurídica e tratamento igualitá-

rio aos cidadãos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Brasil, ao adotar um sistema misto de controle judicial

de constitucionalidade, conferiu a todos os juízes a possibilida-

de de analisar a conformidade constitucional de leis e atos

normativos editados pelo poder público e, ao mesmo tempo, ao

Supremo Tribunal Federal a competência para proceder a tal

exame quando confrontado com certas ações de constituciona-

lidade dotadas de perfil abstrato.

75 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2010, p. 77.

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5602 | RIDB, Ano 2 (2013), nº 6

O incidente de inconstitucionalidade disciplinado pelos

arts. 480 a 482 do Código de Processo Civil constitui instru-

mento do controle difuso de constitucionalidade, tendo lugar

quando os tribunais, diante de um caso concreto, são confron-

tados com a argüição da inconstitucionalidade de determinada

lei ou de certo ato normativo.

Dito incidente visa a concretizar a regra constitucional

insculpida no art. 97 da Carta Política de 1988, que determina

que somente pela maioria absoluta dos votos dos membros do

tribunal pleno ou do órgão especial pode ser declarada a in-

constitucionalidade de lei ou ato normativo editado pelo Poder

Público.

A fim de conferir ao incidente a sua real importância,

cumpre ressaltar a necessidade de observância das decisões

proferidas em sede de controle incidental de constitucionalida-

de pelos tribunais. A efetividade da Constituição depende de

decisões coerentes; não se pode admitir que o precedente for-

mado no bojo de um incidente de inconstitucionalidade seja

desconsiderado, sob pena de comprometer-se, além da efetiva

aplicação das normas constitucionais, a segurança jurídica e a

igualdade de tratamento devidas a todos os cidadãos.

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