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PEDRO EDUARDO ANDRADE CARVALHO
Memorial Acadêmico
Memorial Acadêmico apresentado ao
programa de pós-graduação em Letras da
Universidade Federal do Rio de Janeiro
como parte dos requisitos necessários ao
processo seletivo 2014/1.
Área de Concentração: Língua Portuguesa
Linha de Pesquisa: Língua e sociedade:
variação e mudança
Mariana,
22 de setembro de 2013
1
Comecei minha graduação em História pela Universidade Federal de Ouro Preto
(UFOP) em abril de 2005 com o intuito de me tornar professor do ensino fundamental e
médio. Logo nas primeiras aulas me foi apresentado o Arquivo Histórico da Câmara
Municipal de Mariana (AHCMM) no qual estava disponível para consulta pública a
documentação referente à primeira Câmara Municipal de Minas Gerais com documentos
que datam, desde 1711, até a década de 1960. O gosto pelo trabalho com as fontes
manuscritas do XVIII e XIX veio à tona ainda quando cursava o primeiro período do
curso quando me ofereci para participar como voluntário para a organização e catalogação
dos documentos avulsos do sobredito arquivo. Ao todo eram cerca de 200 caixas com a
mais variada gama de tipos documentais. Me foquei nas caixas ainda “não identificadas”
o que proporcionou-me bom aprendizado sobre o conteúdo das fontes daquela instituição.
Há de se mencionar que três caixas de correspondências recebidas pela Câmara de
Mariana as quais ainda não possuíam catálogo serviram de base para o desenvolvimento
de minha pesquisa monográfica.
O trabalho com documentos dos Séculos XVIII e XIX trouxe consigo as barreiras
da leitura documental, mas, ao mesmo tempo, o fascínio pela caligrafia e ortografia
pretéritas as quais fazem parte do meu interesse até hoje. O exercício da paleografia se
impôs e fez com que durante a greve ocorrida no segundo semestre de 2005 me
voluntariasse para catalogar a documentação notarial do 1º e 2º ofícios da cidade de
Mariana disponíveis no Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana – IPHAN.
Tratavam-se de processos cíveis e crimes, testamentos, inventários e livros de notas
balizados entre os anos de 1709 e 1920. A variabilidade ortográfica encontrada na
documentação ainda me chamava a atenção e foi neste período quando passei a ler
gramáticas e consultar dicionários do XVIII e XIX a fim de uma melhor compreensão das
diferentes formas de grafia das palavras no período. Compreendi ao longo deste período
a importância da multidisciplinaridade para as pesquisas científicas.
Tendo já adquirido um conhecimento mais vasto sobre os arquivos de Mariana
participei como voluntário do projeto de extensão “Arquivo Aberto” o qual tinha como
objetivo coordenar visitas orientadas de alunos do ensino fundamental ao AHCMM com
o intuito de aproximar o conteúdo ensinado nas salas de aula com a pesquisa documental.
Especificamente, coube a mim transcrever os documentos a serem expostos e explicar as
questões relativas à organização do Arquivo durante as visitas.
Entre 2006 a 2009 fui contemplado com uma bolsa de Iniciação Científica
vinculada ao CNPq para participar do projeto “Administração Fazendária e Conjunturas
2
Financeiras do Estado do Brasil, 1718-1808” sob a orientação do professor Ângelo Alves
Carrara da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A questão da
multidisciplinaridade novamente se impunha já que para trabalhar com a documentação
fiscal era preciso conhecer os sistemas de pesos e medidas, as diferentes formas de
registros contábeis e o trâmite das finanças coloniais. O Centro do Estudo do Ciclo do
Ouro (CECO – Casa dos Contos) foi onde a pesquisa foi desenvolvida. A documentação
pesquisada incluía os balancetes de receita e despesa da Capitania de Minas Gerais entre
1725 e 1811 e as correspondências trocadas entre o Erário Régio e a Real Fazenda do
Brasil com o intuito de mapear a reação portuguesa frente os problemas relativos a
extração aurífera. Ao longo da Iniciação Científica as correspondências me despertaram
maior interesse já que percebia os diferentes usos da ortografia a depender de seu
escriturário.
Em fins de 2006 já havia me decidido investigar as variações ortográficas nas
correspondências avulsas recebidas pela Câmara de Mariana entre 1813 e 1848 como
pesquisa monográfica. Para tanto frequentei diferentes disciplinas do Departamento de
Letras para um maior embasamento teórico para com minha pesquisa. Na disciplina
“Introdução aos Estudos Linguísticos I” tomei contato com autores clássicos da teoria
linguística como Émile Benveniste, Ferdinand de Saussure e Noam Chomsky. No
semestre seguinte cursei “Introdução aos Estudos Linguísticos II”, disciplina na qual
tomei contato com os estudos relativos ao prefácio das gramáticas do XVIII e XIX
focando, principalmente a em: o que é gramática?, o que é Língua?, e o que é ortografia?.
A disciplina auxiliou no desenvolvimento de minha pesquisa monográfica e da posterior
pesquisa de mestrado nas quais as questões anteriormente mencionadas se colocavam
como ponto-chave para o desenvolvimento das pesquisas. “Gramática Histórica” foi outra
disciplina importante que cursei ao longo da graduação. As leituras e aulas expositivas
tinham por objetivo formular um panorama da evolução da língua portuguesa ao longo
dos anos partindo das línguas românicas, passando pelo português arcaico, antigo e
chegando nas gramáticas contemporâneas.
Por último, a disciplina de “Sociolinguística” me deu as bases necessárias para
compreender a teoria da variação linguística ao apresentar as ideias de William Labov
que buscaram solucionar o que o autor chama de “paradigma saussuriano”. Para Saussure
“é a fala que faz evoluir a língua” ao ouvirmos os outros construímos uma série de
impressões que são responsáveis pela mudança em nosso hábito linguístico. “Há,
3
portanto, interdependência da língua e da fala; aquela é, ao mesmo tempo o instrumento
e o produto desta”.1 Por seu turno,
Labov apontou a contradição, ou pelo menos o paradoxo, no qual
desembocava a distinção língua-fala: define-se a língua como ‘a parte
social’ da linguagem, remete-se a fala às variações individuais; mas
estando a parte social fechada sobre si mesma, disso resulta
necessariamente que um único indivíduo testemunhará em direito pela
língua, independentemente de qual dado exterior, ao passo que a fala só
será descoberta em um contexto social.2
A fala dá-se sempre em um contexto social enquanto a língua pode ser analisada em sua
individualidade. A sociolinguística variacional, portanto, tem como intuito descrever a
mudança linguística por meio da análise das variações presentes na fala de determinados
grupos sociais. Quando aplicada a textos antigos ela busca encontrar marcas de oralidade
que permitam perceber o fenômeno da mudança linguística considerando a variedade de
uma determinada variante em seu contexto de escrita.
Tendo aprimorado minhas bases para o desenvolvimento de um pesquisa
multidisciplinar lancei mão de uma metodologia cooperativa entre História e Letras para
o desenvolvimento de meu trabalho monográfico. Tratava-se assim de analisar uma
amostragem das correspondências recebidas pela Câmara de Mariana (300 ao todo)
comparando a escrita encontrada nas mesmas com o padrão linguístico proposto pelo
dicionarista Antônio de Morais Silva na edição de 1813 de seu dicionário. Tendo os livros
de Morais como fiel da balança as variações ortográficas encontradas em cada
correspondência eram quantificadas e depois comparadas ao número total de linhas
escritas.3 Desde a monografia já me dedico as pesquisas que conjugam Letras e História
e me preocupo com o variação linguística e o uso das gramáticas.
Em 2009 publiquei o artigo “Escrever e Publicar Gramáticas no Império Luso-
brasileiro 1770-1813” na revista Crátilo. Nele analisei o tramite burocrático que envolvia
a publicação de textos em Portugal no século XVIII dando especial atenção ao caso do
“Resumo da Grammatica da Lingua Portugueza” de Antônio José dos Reis Lobato. O
Autor havia enviado uma “Grammatica da Lingua Portugueza” como proposta de
publicação que fora aceita e bastante elogiada pelos censores que compunham a mesa em
1 SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. 20. ed. São Paulo: Cultrix, 1995. p. 49.
2 DELEUZE, Gilles ; GUATTARI, Félix. Postulados da Linguística. In.: ________. Mil Platôs. Vol. 2. 2.
Ed. Trad.: Ana Lúcia de Oliveira ; Lúcia Cláudia Leão. São Paulo: Ed. 34, 2011. p. 15. (nota 06).
3 Há de se ressaltar, neste ponto, que a menor partícula variante que consideramos foi a sílaba. Portanto,
mesmo que uma palavra padronizada por Morais com a letra “XA” fosse escrita com as letras “CHO”,
apenas uma variação era computada.
4
1770. Tanto elogiaram que solicitaram ao mesmo autor que produzisse um resumo de seu
próprio texto para que fosse utilizado nas escolas de Ler e Escrever. Nas palavras dos
censores,
Não julga porem a Meza que esta / se deva ensinar aos Meninos nas /
Escollas de ler, e escrever, não só por / defeito de capacidade nos
Mestres, / que pela maior parte sam pouco / habeis para entenderem a
anato-/mia da lingua por mais clara que / se lhes-exponha, e para
comprehen-/derem as partes da Grãmática, / que he feita sobre o plano
da Lati-/na, por forma que scientifica-/mente possam instruir os seus /
Discipulos, mas tambem porque a / tenra idade destes lhes-não permit-
/te o estudo das muitas regras, precei-/tos, e excepçoes de huma
Grãmática / perfeita; sendo na verdade muito / mais útil que V Mag.e
ordene ao / Author desta faça hum simples / Epîthome, ou Abreviado,
em que se/ achem os Elementos da Lingua Por/tuguesa clara, e
sucintamente ex-/postos; porque por este meio se / con- // fot. 07
conseguirá que elles se appliquem / com gosto a este estudo pela
brevida-/de das lições, que podem sem muito / custo decorar; e que
vertendo sobre / principios geraes da sua propria / lingua, os-não
necessitará a mai-/ores reflexões, que dependem de ou-/tra idade:
Vindo assim a preparar-/se de longe o caminho da Latinida-/de, aos
que nelle entrarem, e a se adi-/antar ao conhecimento das regras Grã-
/máticaes de qualquer lingua pelas / primeiras noções, que deste modo
/ facilmente poderam alcançar nas / ditas Escolas.4
Lobato envia o resumo de sua gramática para ser apreciado pelos censores, mas
este não tem a mesma sorte que a versão integral da “Grammatica da Lingua
Portugueza”. O censor responsável por avaliar o texto de Lobato denuncia,
De sorte que sempre insinua [Lobato,] justa-/mente, que a Orthografia
Portugueza deve seguir a Lati-/na, quanto permittem as diversas
propriedades, que nes-/tes Idiomas se-conhecem. <mas que importa
estabele-/cer esta bem fundada e universal Regra, se elle conti-
/nuamente se-contradiz?.5
Seguida a crítica, o censor passa a enumerar uma série de “erros” de ortografia cometidos
por Lobato em seu próprio texto. O que se via era o jogo de poder envolvido na publicação
dos textos setecentistas acompanhado da questão ritualística segundo a qual, um
gramático não deveria, ele próprio, cometer desvios ortográficos. Ao nos depararmos com
o nome do censor responsável pela crítica, Frei Luis de Monte Carmello, nova mostra das
questões políticas que envolviam as publicações de gramáticas no XVIII já que este havia
4 Parecer da Real Mesa Censória sobre o pedido de inclusão do ensino de gramática portuguesa nas
escolas dentro das aulas de latinidade feito por Antônio José dos Reis Lobato. 03 de agosto de 1770.
Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Real Mesa Censória (RMC), Documento não numerado.
5 Resumo da Grammatica da Lingua Portugueza, composto pelo Bacharel Antonio Jozé dos Reis Lobato
para uso das Escolas de Ler, e escrever. ANTT, Real Mesa Censória, 1771, doc. 42.
5
publicado seu “Compendio de Orthografia” três anos antes de ter em mãos o “Resumo”
de Lobato.
No artigo para a Crátilo sintetizei o produto das minhas inquietações, em 2009,
sobre as questões políticas envolvendo a publicação de gramáticas no XVIII. O tema foi
retomado e ampliado em minha pesquisa de mestrado pela análise das menções, citações,
referências e exemplos dos autores de algumas gramáticas publicadas no XVIII e XIX.
Sobre isto escreverei mais adiante.
Em 2010 iniciei meu mestrado em História pela UFOP com projeto intitulado
“Minas de Babel: padrões ortográficos e alterações burocráticas na Câmara de Mariana –
MG entre 1824 e 1853” (por sugestão do professor Afrânio Gonçalves Barbosa enviei
junto ao material da inscrição uma cópia do resultado final desta pesquisa). Ao longo dos
dois semestres de 2010 cursei quatro disciplinas: PPH 010 – Estado, Sociedade e Região:
Perspectivas Historiográficas – Prof. Dr. Valdei Lopes de Araujo; PPH 011 – Sociedade,
Poder e Região: Aspectos Historiográficos – Prof. Dr. Ronaldo Pereira de Jesus; PPH 113
– Poderes do Antigo Regime e lógica colonial na América: Estado e Administração
eclesiástica nas Minas Gerais – Profs. Drs. Francisco Andrade e Maria do Carmo e
PPH212 – Novas abordagens e métodos da História Intelectual – Prof. Dr. Valdei Lopes
de Araujo, com participantes externos.
A disciplina obrigatória de tronco (PPH 010) apresentou a situação atual da
historiografia com relação as problemáticas do Estado Nacional e do conceito de região.
O professor insistiu para que fosse feita, sempre que possível, ligação entre a temática
desenvolvida dentro da disciplina e os objetivos dos discentes em sua dissertação. No
meu caso, o diálogo com as letras foi a principal contribuição da disciplina uma vez que
autores como Pocock foram contemplados nas discussões em sala de aula. Como trabalho
final foi entregue um ensaio do problema a ser tratado na dissertação que contou com
levantamento de bibliografia específica sobre “o que é o letramento?” publicada nos
últimos 40 anos. O levantamento bibliográfico exigido pela disciplina e pela própria
necessidade da pesquisa me colocara em contato com textos de Antonio Viñao Frago,
Justino Pereira de Magalhães, Luiz Antônio Marcuschi e Walter Ong.6
6 Cf.: VIÑAO FRAGO, Antonio. A alfabetização na sociedade e na história: vozes, palavras e texto. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1993. ; MAGALHÃES, Justino Pereira de. Alquimias da Escrita: alfabetização,
história, desenvolvimento no mundo ocidental no mundo ocidental o Antigo Regime. Bragança Paulista:
Editora da Universidade São Francisco, 2001. ; MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da Fala Para a Escrita:
atividades de retextualização. 10. ed. São Paulo: CORTEZ Editora, 2010. ; ONG, Walter. Oralidade e
Cultura Escrita: a tecnologização a palavra. Trad.: Enid Abreu Bobránsky. – Campinas, SP: Papirus, 1998.
6
Com relação a disciplina obrigatória de linha (PPH 011), o professor Ronaldo
Pereira de Jesus fez uma retomada das propostas metodológica em autores variados com
base na leitura semanal de livros completos e não apenas de fragmentos. Neste sentido
foram discutidos os Annales, o Marxismo birtânico, a Micro-história, entre outros. Houve
espaço para discussões acerca de metodologia empregada por cada mestrando em seus
respectivos projetos o que, no meu caso, trouxe à tona a multidisciplinaridade, a
variabilidade linguística e a quantificação de notas e referências textuais para mapear as
relações de poder intrínsecas as publicações de gramáticas no XVIII e XIX.
Na disciplina eletiva “Poderes do Antigo Regime e lógica colonial na América:
Estado e Administração eclesiástica nas Minas Gerais” os professores empenharam-se
em uma abordagem nova para os assuntos tratados. As discussões foram bastante
produtivas e a problemática das interações entre Estado e Igreja foram levantadas de
maneira a instigar os alunos a pensá-la como um contínuo e não como uma dicotomia.
Por certo as discussões sobre justiça e as alterações neste conceito ao longo do XVIII e
XIX levantadas, principalmente durante os seminários contribuíram para a pesquisa então
desenvolvida.
A última disciplina (PPH212), ministrada pelo professor Valdei Araujo, me foi
importante. Em primeiro lugar, por se tratar de eletiva em linha distinta da que nosso
projeto se desenvolve, a oportunidade de enxergar as análises por outro ponto de vista
contribuiu, tanto para a formação geral quanto para o desenvolvimento da dissertação em
si. Segundo que, por constituir-se em um apanhado de palestras distribuídas ao longo do
semestre que tinha como base pesquisas ainda em andamento e me colocou em contato
com pensamentos mais recentes sobre teoria da história. As leituras desta disciplina, via
geral, forma os textos expostos nas conferências o que estimulou as discussões posteriores
à comunicação. Em especial palestra proferida pelo professor João Cezar de Castro Rocha
na qual tomei contato com o pensamento acerca da mimeses proposto por René Girard
ainda pesa no desenvolvimento de minhas pesquisas.
O exame de qualificação é outro momento importante já que foi o primeiro contato
com o professor Afrânio Barbosa que aceitou compor a banca de avaliação e levantou
questionamentos importantes que motiva a ampliação metodológica da pesquisa. Não
bastava, a partir daí, quantificar as variações ortográficas com base no texto de Morais
Silva. Era preciso comparar os textos das correspondências como um todo percebendo
7
diferenças que iam, desde de a qualidade caligráfica até falhas na concordância nominal.
Com isto o texto da dissertação ganhou em profundidade de conteúdo teórico e a
metodologia foi aprimorada para satisfazer as sugestões da banca examinadora.
No ano de 2011 e primeiro semestre de 2012 escrevi o texto final da dissertação o
qual ficara dividido em quatro capítulos além da introdução e conclusão. O primeiro –
Perspectivas sobre a história da alfabetização e do letramento – consiste em um balanço
acerca das pesquisas que se vinham desenvolvendo na historiografia sobre o letramento
e a alfabetização. O enfoque principal concentrou-se em Brasil e Portugal, mas pesquisas
de outros países também foram analisadas para permitir uma melhor compreensão dos
temas. O principal elemento desta análise colocou as assinaturas como forma de se pensar
o contato com a escrita. Apontei, a partir disso, as vantagens e desvantagens da
metodologia por meio dos signatários identificando os limites práticos desse tipo de
investigação. De modo geral, até 1725, pude identificar que a assinatura “em cruz” que
os pesquisadores consideravam como incapacidade de escrita na verdade passou por um
momento de transição no qual era possível encontrar indivíduos que assinavam de próprio
punho seus nomes e, ao mesmo tempo, marcavam uma cruz como forma de adorno no
meio de seus nomes.
No segundo capítulo discuti a gramática e o gramático em Portugal. O referencial
teórico utilizado centrou-se nas considerações de René Girard sobre a mediação “interna”
e “externa” para ressignificar a figura do “clássico” ou do “bom autor”. Esta foi encarada
como o produto direto de uma disputa necessária e contínua entre os gramáticos
contemporâneos ao setecentos e oitocentos. Definir um autor sob o rótulo de clássico é,
em última instância, excluir aquele da disputa e restringi-lo a seu próprio tempo. Neste
mesmo capítulo, ainda, analisei de maneira quantitativa as citações presentes em dez
gramáticas sobre o ponto de vista dos autores e obras citadas bem como a temática
envolvida em cada obra a fim de reforçar a hipótese de que valorizou-se a citação ao
longo do século XIX já que houve um relevante aumento de textos e autores citados.
Ampliou-se a quantidade de citações sendo que um mesmo texto poderia ser referenciado
mais de cinquenta vezes na mesma gramática. De modo qualitativo, analisei as disputas
em torno da publicação de textos sobre a Língua Portuguesa em Portugal entre os séculos
XVIII e XIX com base nos pareceres da Real Mesa Censória e dos prefácios das
gramáticas os quais revelaram-se como fonte rica à pesquisa sobre as relações de força
que envolviam a publicação daqueles textos. Escrevendo este capítulo percebi a
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potencialidade de pesquisa com base nas citações o que me motivou a escolher tema
semelhante para o anteprojeto de doutorado.
No terceiro capítulo, esbocei um panorama sobre a educação em Portugal e no
Brasil nos séculos XVIII e XIX. Dois enfoques foram dados para esta análise. O primeiro,
no processo educacional relativo ao ensino da língua portuguesa, e o segundo, no que toca
ao ensino em geral nas minas gerais. Tive por objetivo compreender a prática dos usos
dos compêndios sobre língua portuguesa em sala de aula. No feche desta parte,
analisamos três bibliotecas de professores cujas composições são bastante distintas. A
primeira tinha um porte pequeno e o professor pareceu recorrer a outros meios para
compor suas aulas. A segunda, de porte médio, permitia ao professor maior combinação
entre os elementos que iam muito além dos simples compêndios sobre a língua portuguesa
e passavam pelo pensamento político, religioso e moral. A última, composta de mais de
cem exemplares, apresenta-nos o consumo dos livros em uma biblioteca diversificada
cujo dono acumulava cargos e funções na administração da localidade. Demonstrei o
caráter diversificado das bibliotecas dos professores o que os aproximava das citações
encontradas nas gramáticas já que em ambos os casos o conjunto de obras listadas não se
restringiam a um único tema, ou mesmo, havia a predominância maciada de textos
voltados para uma disciplina específica.
No quarto capítulo analisei o universo da administração da justiça e a burocracia
a partir da Província. Tracei comentários acerca da justiça no século XVIII e XIX. Esta,
uma vez institucionalizada, aumentou a demanda por pessoas capazes de ler e escrever.
Em seguida, reuni evidências da demanda por letrados para suprir as necessidades
burocráticas pós-independência. A seguir, comparei os percentuais de variação
encontrado nas correspondências com a capacidade signatária dos cargos analisados
tentando perceber os padrões de escrita destes cargos. Por fim, elaborei um mapa que
representa a dispersão dos percentuais de variação de acordo com as localidades
remetentes das correspondências (pág. 313 da dissertação). Com isto, a hipótese inicial
de que a proximidade geográfica para com a capital da província promovia maior
proximidade com o padrão ortográfico por ela apresentado não foi comprovada. Se os
dados nos indicam algo que é o oposto. Percebe-se, no entanto, o estabelecimento de
nichos de escrita que se sobrepunham. Sendo que a falta de um padrão linguístico
condizente com o apresentado pelas maiores hierarquias políticas não significava uma
falta de padrão na escrita dos administradores locais, mas sim, uma maior flexibilidade
deste padrão.
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Na ocasião da defesa, tive o texto final aprovado com indicação à publicação pela
banca composta pelos professores Renato Pinto Venâncio (orientador), Álvaro Araujo
Antunes (membro) e Afrânio Gonçalves Barbosa (membro) com ênfase para a inovação
metodológica e o caráter multidisciplinar da pesquisa. Após a defesa manifestei ao
professor Afrânio Barbosa meu interesse em continuar a pesquisa, não mais em História,
mas na área de Letras com ênfase na história da língua portuguesa e da gramática. Tendo
o professor se proposto a me orientar em futura pesquisa de doutorado passamos a nos
comunicar via e-mail para que pudesse me prepara melhor para aquela mudança.
No ano de 2013 fui convidado para participar de projetos de pesquisa
desenvolvidos com base na documentação de Mariana e região. Atualmente integro
projeto intitulado “Justiça e poder numa sociedade em transformação: Mariana, Minas
Gerais (1745-1872)” coordenado pelo professor Marco Antônio Silveira. O objetivo deste
projeto consiste em investigar a maneira pela qual se deu, entre 1745 e 1872, a ocupação
e a institucionalização do território que compôs o antigo termo de Mariana, em Minas
Gerais, privilegiando as estruturas de justiça. Almeja-se, através da consulta a dezesseis
códices guardados pelo Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Mariana (AHCMM)
e pelo Arquivo Histórico da Casa Setecentista (AHCS) – relativos fundamentalmente à
concessão de provisões, patentes e sesmarias –, reconstituir de forma mais acurada não
apenas a ocupação dos fundos territoriais e sua autonomização, mas também a gradual
multiplicação, neles, de agentes judiciais, administrativos e militares voltados à
constituição de um estado de polícia em áreas marcadamente rurais. Ademais, fui
contemplado com uma Bolsa de Apoio Técnico (BAT) sobre a orientação do professor
Álvaro Antunes atuando no projeto: “Continentes e contingências: a circulação da cultura
letrada e os Estudos Menores em Mariana, Minas Gerais (1750-1834)”. O projeto visa
estudar a circulação do saber letrado e o universo sociocultural dos professores, mestres
e alunos que exerceram o ofício e viveram em Mariana, Minas Gerais, entre 1750 e 1834
o que tem contribuído para melhor compreender a difusão do ensino da escrita nesta
região.
Bibliografia e Referências:
Parecer da Real Mesa Censória sobre o pedido de inclusão do ensino de gramática
portuguesa nas escolas dentro das aulas de latinidade feito por Antônio José dos
Reis Lobato. 03 de agosto de 1770. Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT),
Real Mesa Censória (RMC), Documento não numerado.
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Resumo da Grammatica da Lingua Portugueza, composto pelo Bacharel Antonio Jozé
dos Reis Lobato para uso das Escolas de Ler, e escrever. ANTT, Real Mesa
Censória, 1771, doc. 42.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. 20. ed. São Paulo: Cultrix, 1995.
DELEUZE, Gilles ; GUATTARI, Félix. Postulados da Linguística. In.: ________. Mil
Platôs. Vol. 2. 2. Ed. Trad.: Ana Lúcia de Oliveira ; Lúcia Cláudia Leão. São Paulo:
Ed. 34, 2011.