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Impactos da adesão na agricultura e nas pescas

Professor na Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica PortuguesaMinistro da Agricultura, Pescas e Alimentação (1990-1994)

Arlindo Cunha

A Política Comum de Pescas (PCP) constituiu um dos pilares da construção europeia, a par da Política Agrícola Comum (PAC) e da Política Regional, já que este processo se iniciou pela comunitarização das áreas económicas e respectivas políticas.

A integração europeia teve um impacto fortíssimo no sector da pesca, que ficou especialmente marcado pela redução da dimensão da frota, do emprego e da sua importância relativa na economia.

Na agricultura portuguesa, não obstante a redução global da produção, foi possível assistir a um aumento significati-vo dos rendimentos por activo agrícola devido, essencialmente, à redução do número de activos no sector e experimentar alguma convergência, ainda que muito ténue, com o nível médio da UE.

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The Common Fisheries Policy (CFP) has been one of the basic pillars of European building, along with the Com-mon Agricultural Policy (CAP) and with the Regional Policy, given the fact that this process was started through the common linking of economical areas and their respective policies.

European integration has had very deep impact in the fishery sector, a sector that was especially marked by the reduc-tion of the fleet’s dimension, of employment in the sector and of its relative importance to the economy.

In the Portuguese agriculture, despite the global reduction of production, has nevertheless shown a significant increase in income per agricultural employee, due, essentially, to the reduction of the number of employees in the sector and to the experiencing of some degree of convergence, although very thin, with the medium European levels.

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Aagricultura e as pescas são dois sectores da actividade económica com características completamen-te diferenciadas, em resultado da sua própria natureza. Têm, po-

rém, em comum dois importantes factores que eram particularmente marcantes à época da ade-são à Comunidade Económica Europeia (CEE): nunca terem estado realmente submetidos à con-corrência exterior e apresentarem os mais baixos índices de desenvolvimento económico e social no conjunto dos sectores económicos que com-põem a economia portuguesa. Pela sua maior dimensão relativa, a agricultura será objecto de uma análise mais extensa.

Integração agrícola: uma estratégia reveladora das debilidades estruturais

À época da adesão, Portugal tinha mais de 600 mil explorações agrícolas, com uma dimensão média de 6 hectares (85% das quais com menos de 5 hectares) e baixos níveis de produtividade da terra e do trabalho, reflectidos no contraste entre os 20% que representava do emprego total e os 9% com que contribuía para o produto interno bruto (PIB). O sector era altamente intervencio-nado pelas políticas públicas de apoio aos preços (especialmente nos sectores da carne, dos cereais e do leite), de subsídio aos factores de produção e de regulação do comércio externo, e estava com-pletamente isolado da concorrência exterior, com muito poucas e honrosas excepções: o vinho do Porto e o tomate para transformação industrial, para além da cortiça e da pasta para papel no sec-tor florestal. Reflexo desse contraste de mundos era o facto de os preços dos produtos mais sub-sidiados serem sensivelmente superiores aos da CEE: 90,6% para o leite em pó desnatado, 71,6% para o trigo, 57,5% para o milho e 28% para o leite em natureza (Varela, 1987).

Face a semelhante contraste, os negociadores portugueses conseguiram a aprovação de dois programas de ajudas de pré-adesão1 e fazer pre-

1 As ajudas de pré-adesão começaram em 1980 e visavam acelerar o ajustamento estrutural da agricultura portuguesa

valecer a ideia de uma estratégia de integração original. Para os produtos nos quais não exis-tiam grandes diferenciais de preços, ou estes eram mais baixos em Portugal (vinho, ovinos e caprinos, tabaco e frutas e legumes transforma-dos), foi decidida uma transição clássica com a aplicação progressiva das políticas comunitárias em sete anos. Para aqueles cujos preços eram mais elevados em Portugal ou que levantavam questões mais delicadas de competitividade e in-tegração (que representavam 85% da produção agrícola portuguesa), foi decidida uma transi-ção em duas etapas: na primeira, prevaleceriam as políticas portuguesas de preços e mercados; os preços poderiam aumentar em escudos, mas não em ecu2; na segunda, teria início o proces-so de harmonização de preços e demais regras da PAC.

Entretanto, Portugal tinha direito, desde o início, a beneficiar em toda a extensão das me-didas e apoios da componente socioestrutural da PAC, incluindo um programa especial a 10 anos, com um envelope de 700 milhões de ecu (o Programa Específico de Desenvolvimento da Agricultura Portuguesa – PEDAP), a uma taxa de cofinanciamento de 75%. Em resultado des-te esforço de apoio, quer por via das medidas horizontais normais, quer do PEDAP, o inves-timento na agricultura mais do que triplicou nos primeiros cinco anos da adesão.

para facilitar a sua integração na CEE. O primeiro progra-ma de ajudas ascendia a 275 milhões de ecu, visando o fi-nanciamento de três subprogramas: a implantação da rede de contabilidade agrícola (RICA); o sistema de informação sobre preços e mercados agrícolas (SIMA) ; e equipamen-to e formação para os serviços regionais do Ministério da Agricultura, designadamente o reforço dos serviços de ex-tensão rural e agrícola. O segundo programa, importando em 50 milhões de ecu, teve início em 1985 e destinava-se a um conjunto de acções estruturantes para a modernização do sector. O considerável atraso com que foi implementado, os níveis de inflação prevalecentes e a sobreposição já com programas de apoio mais vantajosos decorrentes da adesão a partir de 1986, levou à desistência de muitos dos propo-nentes dos projectos, o que limitou consideravelmente os objectivos pretendidos.

2 Apesar da considerável margem de manobra de subida dos preços na moeda nacional, as autoridades portuguesas aproveitaram o contexto para iniciar o processo de harmo-nização. Assim, entre 1985 e 1989, a redução real de preços foi de: 23%, 26,9%, 27%, 29,8% e 33,3% para o trigo, leite e lacticínios, ovos, carne de frango e carne de porco, respecti-vamente (Avillez, 1993, p. 37).

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Os choques de uma integração em contra-ciclo

Passado o período da euforia, em que os agri-cultores portugueses tinham pleno acesso aos apoios estruturais, mas em que os aspectos nega-tivos da adesão (designadamente a harmonização dos preços e o desmantelamento das protecções na fronteira) ainda não tinham chegado, a situação começou a evoluir num sentido de desaceleração do ritmo de investimento e da baixa de preços e rendimentos, e o ajustamento estrutural do sector experimentou um ritmo mais rápido. Para além dos impactos previstos para a segunda etapa da adesão, ocorreram três situações (uma que já vi-nha de trás e duas novas), que vieram alterar ra-dicalmente o quadro de adesão que foi negocia-do: a política comunitária de redução dos preços agrícolas, a reforma da PAC de 1992 e o início do mercado único, em Janeiro de 1993.

Desde a primeira metade da década de 80 que a Comissão Europeia iniciou uma política de re-dução sistemática nos preços institucionais dos produtos agrícolas como forma de combater os excedentes que o mercado não conseguia escoar e as derrapagens orçamentais. Entre 1985 e 1991, nos anos que precederam a primeira grande re-forma da PAC, o conjunto dos preços agrícolas baixou 15% em termos reais. Em consequên-cia desta tendência, Portugal teria de fazer um esforço muito maior para harmonizar os seus preços com os dos seus novos parceiros. O que explica, aliás, que os governos da época tenham aproveitado a desvalorização do escudo face ao ecu para iniciar o processo de harmonização, ao não reflectir integralmente estas no nível inter-no dos preços em moeda nacional, conforme atrás referido.

A primeira grande reforma da PAC, ocorrida em 1992, sob a primeira Presidência portuguesa da CEE, veio alterar consideravelmente o mo-delo de política agrícola seguido no passado, ao decidir reduções drásticas dos preços de garantia, a fim de desencorajar a produção e compensar essa redução por ajudas directas ao rendimento calculadas com base no efectivo pecuário, ou nas áreas cultivadas e respectivas produtividades físi-cas dos produtos cujos preços foram reduzidos. Para além do muito maior esforço de harmoni-zação de preços que implicaria para Portugal,

a reforma vinha dar um sinal contrário ao que os agricultores esperavam: baixar os preços, redu-zir e desintensificar a produção, quando a agri-cultura portuguesa precisava de uma dinâmica contrária, atendendo à necessidade de aumentar as suas produtividades para vencer o seu atra-so e de expandir a produção, devido à sua ele-vada dependência das importações. Face a um tal quadro, não é difícil compreender a reacção de grande hostilidade à reforma, que incorpo-rava simultaneamente uma reacção ao processo de integração, que só então tinha entrado na se-gunda etapa.

A decisão dos chefes de Estado e de Governo em iniciar a implementação do mercado único europeu no dia 1 de Janeiro de 1993, significou o fim abrupto da segunda etapa da adesão. Apesar das dificuldades acrescidas que se adivinhavam, o governo decidiu que a agricultura não seria uma excepção, por duas razões: primeiro, porque seria muito pouco prático manter as estruturas adua-neiras só para as mercadorias agrícolas, uma vez que os restantes sectores já tinham terminado a fase de transição; segundo, porque se avizinha-vam as negociações do Pacote Delors II, com perspectivas de um considerável aumento de fun-dos estruturais (também em parte destinados à agricultura) e o Governo não queria entrar nelas com a fragilidade de ser o único país membro a não aplicar o mercado único. A antecipação para metade da duração da segunda etapa foi objecto de uma negociação específica, que levou à apro-vação por parte do Conselho Agricultura de um programa de medidas compensatórias dos sec-tores mais lesados no montante de 106 milhões de contos e de um atraso de três meses no início da aplicação efectiva do mercado único no sec-tor agro-alimentar.

Tal como era previsível, com a harmonização dos preços a ser comprimida para três campanhas, e com a exposição plena à concorrência externa, o choque foi fortíssimo, apesar do efeito amorte-cedor das contrapartidas financeiras negociadas. Uma situação que se agravou substancialmente nos sectores dos cereais, oleaginosas e carne, em resultado de duas secas consecutivas, em 1992 e 1993. Pode dizer-se que nos anos de 1991 a 1993, a agricultura portuguesa bateu no fundo, já que aos efeitos das reformas internas se juntaram os das externas, numa dose que deixou o doente pro-

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fundamente abalado… Com excepção de 1987 e, sobretudo, de 1988 devido ao muito mau ano agrícola, os rendimentos por unidade de trabalho agrícola desde a adesão subiram sempre até 1990. É nos três anos seguintes que se concentram to-dos os impactos da harmonização dos preços e da abertura total das fronteiras que, conjugados com os efeitos das secas, levaram a uma baixa acumulada do rendimento de 23,5% neste perío-do3 (Cunha, 2004).

Ainda que não decorrendo directamente das reformas agrícolas resultantes da adesão, o cres-cimento fulgurante das grandes superfícies co-merciais neste período teve também um efeito devastador nos preços internos. Com o desman-telamento de grande parte dos circuitos tradicio-nais do comércio retalhista, que se abastecia na produção mais próxima, o comércio alimentar passou a ser dominado por cadeias totalmente in-ternacionalizadas, que privilegiavam os produtos importados. Nuns casos, porque elas próprias têm raízes no estrangeiro; noutros casos, pela compe-titividade dos preços; noutros, ainda, por mera conveniência logística e de gestão. Passada que foi esta primeira vaga de impactos decorrentes do contraste brutal entre uma procura altamente concentrada e uma oferta estruturalmente atomi-zada, as duas partes foram, pouco a pouco, des-cobrindo formas de cooperação, e proporcionar crescentemente aos consumidores portugueses a oportunidade de comprarem mais produtos na-cionais. Trata-se, todavia, de uma situação que está longe de resolvida, que tem levantado con-siderável polémica e levado vários países a uma actividade reguladora mais forte no sentido de atenuar a enorme desigualdade de capacidade negocial entre as partes.

É esta coincidência no tempo de tantos facto-res, que chegou a levar a maior parte dos agricul-tores a associar as reais dificuldades que defron-tam no seu dia-a-dia com a reforma da PAC. Na verdade, inquéritos então realizados demonstra-ram que os agricultores que mais imputavam as suas dificuldades à reforma, eram precisamente

3 Não deixa de ser curioso e até intrigante verificar que as estatísticas publicadas à época (incluindo as do INE e do EUROSTAT) apontavam para perdas de rendimento catas-tróficas, da ordem dos 41% nesse mesmo período, quando, afinal, os números definitivamente apurados acabaram por fixar essa perda de rendimento em cerca de metade.

aqueles que operavam em sectores que não foram por ela abrangidos, como é o caso das frutas, dos hortícolas e das culturas permanentes4.

Os impactos das reformas

Passada a fase do choque da integração e das reformas introduzidas pela União Europeia, a agricultura portuguesa aprendeu a conviver com a nova realidade da PAC reformada, tendo con-seguido obter importantes transferências finan-ceiras com vantagens negociais, quer antes quer no contexto dessas reformas: ainda em 1990, negociou uma quota-leiteira superior em 40% ao nível da produção, o que lhe permitiu produ-zir sem penalizações durante mais de 10 anos; na reforma de 1992, obteve uma derrogação à regra da produtividade histórica para cálculo das aju-das directas às culturas aráveis, que lhe valeu um ganho médio anual de 10 milhões de contos; na reforma da Agenda 2000, em 1999, conseguiu a duplicação da quota do trigo rijo; e na refor-ma de 2003, conseguiu transformar a franquia de 73 000 toneladas à ultrapassagem da quota leiteira nos Açores, negociada no Conselho Europeu de Nice de 2000, num aumento definitivo de 50 000 toneladas de quota a partir de 2000-2006, com destino àquela Região Autónoma.

As reformas da PAC de 1999, de 2003 e de 2008 vieram consolidar o modelo de reforma iniciado em 1992, com o desligamento das aju-das relativamente à produção e ao reforço pro-gressivo do segundo pilar, que se tem afirmado como um instrumento interessante de resposta aos problemas estruturais, de desenvolvimento rural, agro-ambientais, de segurança e de quali-dade alimentar, e que já absorve 22% da dotação orçamental da PAC para o conjunto da União. Por outro lado, a PAC tem evoluído no sentido de uma maior descentralização na sua aplicação, quer em relação ao seu segundo pilar, quer mes-mo em relação ao primeiro, sendo de esperar re-levantes alterações a este respeito na política que terá início em 2014.

Pelo quadro seguinte e por outros estudos que foram desenvolvidos, é possível sintetizar algu-

4 Ver FARMSTAT – Observatório Rural, 1995, Lisboa, AGROGÉS.

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mas das grandes evoluções estruturais da agricul-tura portuguesa desde a adesão:i) Um aumento de 11% no valor da produção

em 20 anos, o que na prática corresponde a pouco mais do que uma estagnação e a que, mesmo calculado a preços constantes de 2000, não pode ser desligado quer da harmonização dos preços portugueses numa fase inicial, quer da política comunitária de redução de preços antes e durante o proces-so de reformas da PAC;

ii) Um recuo do sector vegetal (essencialmente devido à redução da produção de cereais) e um aumento da produção animal acompa-nhada do aumento considerável de áreas de pastagens, a que não é certamente alheio o sistema de prémios por cabeça de gado;

iii) Uma redução global de 9% do valor acres-centado bruto, o que, conjugado com a evo-lução do valor da produção, evidencia um aumento do custo dos consumos intermé-dios e uma redução relativa da remuneração dos factores;

iv) Com a modesta evolução da produção e o considerável aumento do consumo, a taxa de auto-abastecimento (medido pelo rácio entre a produção agro-alimentar interna e o consumo interno total) diminuiu signifi-cativamente, passando de 80% à época da adesão para cerca de 70% no início do século XXI (CE, 2003);

v) Uma redução do peso da agricultura no em-prego e na economia, como seria expectável num processo de modernização a longo pra-zo. Neste contexto, o peso da mão-de-obra agrícola na mão-de-obra total passou de 20% à época da adesão para 12% actualmente e a con-tribuição para o PIB passou de 9% para 3,5%;

vi) Uma redução de 60% da mão-de-obra total das explorações;

vii) Uma redução de 54% do número de explo-rações, o qual derivou de um decréscimo acentuado das explorações de menor dimen-são (sobretudo as inferiores a 5 hectares) e de um acréscimo nas de dimensão superior a 50 hectares;

viii) Um aumento da dimensão média das explo-rações, de 6,3 para cerca de 10 hectares;

ix) Um aumento considerável da formação bruta de capital fixo (49%) ao longo do

período e um aumento de 47% no indi-cador de competitividade (medido pelo rendimento dos factores por activo) entre 1986-1988 e 1998-2000, apesar do decrés-cimo nos últimos anos (Avillez et al., 2004; Avillez, 2009).

Como reflexo da redução relativamente peque-na do valor acrescentado e da grande baixa de mão-de-obra, o rendimento por activo agrícola experimentou, por regra, um aumento, com ex-cepção do período de 1991-1993 acima referido e de alguns maus anos agrícolas. Num estudo sobre a agricultura portuguesa (CE 2003, op. cit), a Comissão Europeia refere que os rendimentos agrícolas aumentaram cerca de 30%, entre 1986 e 1995, e 32% de 1995 a 2002, contra uma mé-dia europeia de 25% e 8%, respectivamente. Não obstante tais aumentos, os rendimentos por uni-dade de trabalho não ultrapassavam os 4200 eu-ros, o que equivalia a cerca de 27% da média da União Europeia, apesar de este valor já constituir uma convergência, ainda que modesta, face aos 21%, que representava, em 1986. Esta tendência de crescimento manteve-se nos anos posteriores, mas a níveis muito mais modestos, com aumen-tos reais anuais de 1% a 11,6% entre 2003 e 2007 em relação ao ano base de 2002, apesar de com-portar também reduções face a anos anteriores nos anos de 2005, 2007 e 2009. Globalmente, o acréscimo real a preços de 2000 foi de 4,4% en-tre 2002 e este último ano.

Notas de conclusão

Não é possível num trabalho desta natureza avaliar todas as dimensões principais da evolução da agricultura portuguesa após a adesão. Do que foi dito anteriormente é, porém, possível extrair algumas conclusões.

A primeira conclusão é a de que a agricultura portuguesa foi capaz de sobreviver aos violentos choques que teve de defrontar no início da década de 1990, pela conjugação dos efeitos da harmo-nização de preços e desarmamento alfandegário previstos para a segunda etapa, redução real dos preços comunitários, turbulência da reforma da PAC de 1992 e redução para metade da duração da segunda etapa, devido ao início da aplicação do mercado único.

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Evolução da produção, do valor acrescentado e da formação bruta de capital fixo agrícola (em milhões de euros, a preços constantes de 2000) e de alguns indicadores estruturais

Variáveis 1986-1988 1991-1993 1998-2000 2004-2006Variação

2004-6/1986-88 (%)

Valor Bruto da Produção (VBP) 5961 6688 6214 6601 10,7%

VBP Vegetal 3864 4275 3716 3863 -0,3%

VBP Animal 1809 2019 2280 2466 +36,3%

VBP Outros(ª) 278 394 218 272 -0,2%

Valor Acrescentado Bruto (VAB) 2832 2679 2385 2576 -9%

Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) 491 647 760 731 +49%

Mão de Obra Agrícola Total (x1.000) 850 611,5 526,1 339,9 -60%

Número Total de Explorações (x1.000) 546,7 (1) 450,6 (2) 416 (3) 251,5 (4) -54%

Fonte: INE – Contas Económicas da Agricultura.(ª) Produção de serviços agrícolas e de actividades secundárias nas explorações.(1) Ano de 1989; (2) 1993; (3) 1999; (4) 2007.

A segunda conclusão é que, não obstante a re-dução global da produção, foi possível assistir a um aumento significativo dos rendimentos por activo agrícola devido, essencialmente, à redução do número de activos no sector e experimentar alguma convergência, ainda que muito ténue, com o nível médio da UE. No entanto, as suces-sivas reformas da PAC, com as ajudas directas ao rendimento, também desempenharam um papel considerável (Avillez, 2009).

A terceira conclusão é que a agricultura expe-rimentou um ajustamento estrutural profundo, com redução para cerca de metade do número de activos, aumento de 6 para 10 hectares da dimen-são média das explorações, aumento e melhoria qualitativa do capital fixo e, sobretudo, uma no-tável melhoria da qualidade dos produtos. Ape-sar disso, a produtividade da terra ainda se en-contra a pouco mais de 70% do nível médio da UE, enquanto que a produtividade do trabalho se mantém em cerca de 30% da respectiva mé-dia comunitária.

A quarta nota de conclusão é a de que resulta hoje claro que a estratégia de adesão por etapas não constituiu a melhor opção. Na verdade, o facto de o processo de harmonização dos preços e do desmantelamento proteccionista apenas co-meçar efectivamente para a maioria dos produ-tos na segunda etapa, permitiu que nos primei-ros anos após a adesão se tivesse criado entre os

agricultores um imaginário de que a integração na CEE incluía apenas os aspectos positivos (o acesso aos fundos estruturais) e não os negativos (como a redução dos preços e a abolição das protecções na fronteira).

Em quinto lugar, importa sublinhar que, apesar de a agricultura se ter aguentado razoavelmente, ainda que com perda de poder no contexto da economia e da balança comercial, muitas ques-tões permanecem por resolver, como sejam de-signadamente o aumento das produtividades da terra e, especialmente, do trabalho, a organiza-ção económica dos produtores e das cooperati-vas para poderem fazer face à globalização e ao avanço e poderio negocial da grande distribuição, ou ainda a resolução de importantes problemas ambientais criados, designadamente, pelas acti-vidades pecuárias.

Finalmente, é um facto evidente que a agri-cultura portuguesa não foi capaz de criar novas dinâmicas capazes de contrariar os efeitos estru-turais das reformas da PAC. Em particular, não foi capaz de encontrar uma estratégia de desen-volvimento alternativa, mobilizando novos ac-tores e valorizando o potencial produtivo que, apesar dos grandes constrangimentos fundiários e estruturais, ainda tem. Para vencer este desafio, Portugal terá de fazer uma forte aposta no apoio aos investimentos nas explorações e na organi-zação económica da produção, algo que não foi

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conseguido nos últimos anos, a avaliar pela mo-desta taxa de execução do PRODER5. Desde a reforma de 2003 e, especialmente, a reforma de 2008, a PAC permite uma considerável margem de aplicação descentralizada, não só no segundo pilar, como também no primeiro. Tratando-se de uma tendência, que muito provavelmente se acentuará com a PAC, para o período de 2014 a 2020, importa que o nosso país seja capaz de en-contrar o seu próprio caminho dentro da PAC e co-financiado por ela.

Pescas em Portugal: um sector em profundo ajustamento

O sector da pesca, com uma produção total de 286 000 toneladas em 2009, apresenta um peso relativamente baixo na economia nacional, esti-mando-se em 0,6% o emprego directo criado no conjunto do sector (pesca/captura, aquicultura e indústria transformadora dos produtos da pesca), e em 0,3% o seu contributo para o valor acres-centado bruto. De destacar, ainda, o saldo exter-no dos produtos da pesca, altamente negativo, com um défice superior a 615 milhões de euros em 2009 (Datapescas n.º 83, Dezembro de 2009). A pesca costeira artesanal representa 70% dos cerca de 30 000 empregos no sector e o rendi-mento médio de um trabalhador neste ramo equi-vale a 56% do rendimento médio nacional.

A política comum de pescas (PCP) constituiu um dos pilares da construção europeia, a par da política agrícola comum (PAC) e da política regio-nal, já que este processo se iniciou pela comuni-tarização das áreas económicas e respectivas po-líticas. Por ser das mais antigas políticas comuns, a PCP tem sido sujeita a intensos debates no seio da União Europeia, à semelhança, aliás, do que tem sucedido e está a suceder com as suas con-géneres noutras partes do mundo.

As dimensões mais marcantes da PCP, que re-sistiram às suas sucessivas revisões, e que marca-

5 Em Dezembro de 2009, a taxa de execução do programa de desenvolvimento rural para o período de 2007 a 2013 era, ao fim do terceiro ano do período de aplicação, de apenas 16%, resultante de uma taxa de 34 % no eixo 2 (essencial-mente medidas agro-ambientais e destinadas às regiões des-favorecidas) e de 3% no eixo 1 (financiador das medidas de investimento visando a melhoria da competitividade).

ram a sua aplicação em Portugal são: o princípio do livre acesso aos recursos, a redução da capaci-dade da frota e o abastecimento externo.

Conhecida que é a conflitualidade tão frequen-te no sector das pescas, a experiência ensina-nos que, sendo teoricamente correcto, o princípio do livre acesso aos recursos pesqueiros por par-te de todos os Estados-Membros (EM) tem de ser temperado com preocupações de estabilida-de relativa. Daí o termos beneficiado, tal como outros Estados-Membros, da derrogação que permite a reserva absoluta de pesca aos pesca-dores nacionais no interior de um determinado limite máximo; este é actualmente de 12 milhas, mas justifica-se o seu alargamento, se a ele cor-responder menor conflitualidade e melhor ges-tão dos recursos.

A redução da capacidade da frota tem sido asse-gurada, desde há vários anos, no quadro dos Pla-nos de Orientação Plurianual das Pescas (POP). Portugal tem sido dos países mais cumpridores deste princípio, tendo reduzido a sua frota de cerca de 18 500 embarcações em 1986 para cerca de 9000 em 2006, para o que também aprovei-tou os subsídios comunitários ao abate de navios. Actualmente, cerca de 90% das embarcações na-cionais têm um comprimento fora a fora inferior a 12 metros e apresentam reduzida capacidade em termos de arqueação bruta.

Compreende-se esta prioridade política face à preocupação com a sustentabilidade dos recur-sos, dado que a frota pesqueira comunitária estava sobredimensionada. Todavia, para que os POP produzam resultados efectivos terá de existir uma base jurídica que accione sanções para os incum-primentos, de forma a que não suceda como ac-tualmente, em que Estados-Membros, que não cumprirem as metas politicamente aprovadas, continuam impunes e a penalizar indirectamente os que cumpriram as suas obrigações.

Sendo altamente deficitária em abastecimento de pescado, a União Europeia precisa de recor-rer a importações e a acordos de pesca com paí-ses terceiros para garantir o seu abastecimento, quer em produtos frescos, quer em matéria-prima para as indústrias de conserva, transformação e congelação. Neste contexto, Portugal também tem beneficiado de algumas destas medidas, de-signadamente do acesso a águas de países tercei-ros, principalmente de África. Importa, porém,

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que a política pesqueira comum seja capaz de assegurar que as suas indústrias de transforma-ção de pescado tenham as mesmas condições de abastecimento em matérias-primas das dos seus principais competidores. Por isso, para além de ter de continuar a negociar acordos de pesca que garantam um mínimo de aprovisionamen-to interno, as concessões de mercado que fizer em acordos preferenciais, ou outros, com países terceiros, não podem pôr em causa a sua sobre-vivência. A deslocalização maciça, que se tem verificado na indústria de conservas, terá de ser evitada a todo o custo para outros subsectores da actividade pesqueira, sob pena de estarmos a criar condições para o desemprego generalizado nas zonas mais marcadamente pesqueiras, como tem sucedido em Portugal.

É por demais evidente que a integração euro-peia teve um impacto fortíssimo no sector da pes-ca e que tal impacto ficou especialmente marcado pela redução da dimensão da frota, do emprego e da sua importância relativa na economia. Apesar de todos estes choques, a produção da frota por-tuguesa baixou das 305 000 toneladas, que cap-turava em 1986, para as actuais 286 000; ou seja, uma redução de 6,3%, que evidencia uma razoá-vel capacidade de resistência, tendo em conta o contexto. Mas seria injusto limitar os impactos

a estas dimensões, tendo em consideração que o sector se modernizou consideravelmente e se equipou para poder ter novas ambições em ma-téria de produtividade, de rendimento por activo, de qualidade e de segurança a bordo das embar-cações. Se soubermos aproveitar estas oportu-nidades, poderemos aspirar a ter uma activida-de pesqueira durável, com mais elevados níveis de rendimento e condições de vida mais dignos para os pescadores e maior competitividade para as nossas indústrias.

Por fim, importa sublinhar a evolução da aqui-cultura no nosso país, ainda que algo distanciado dos avanços já conseguidos pela maioria dos Esta-dos-Membros da UE. Na verdade, face à pressão da procura por pescado, teremos de enfrentar com discernimento esta nova problemática, que implica novas abordagens em termos tecnológicos, mas que, por ser incontornável, constitui também uma oportunidade de empreendimento, de emprego e de criação de riqueza para as áreas e comunidades pesqueiras no nosso país. Na verdade, importa su-blinhar que a aquicultura não pode ser encarada como uma ameaça para o sector pesqueiro tradi-cional, mas sim como uma actividade complemen-tar cujo desenvolvimento contribui para assegurar a sustentabilidade e, consequentemente, o futuro da histórica pesca de captura.

Page 10: Impactos da adesão na agricultura e nas pescas · 161 A agricultura e as pescas são dois sectores da actividade económica com características completamen-te diferenciadas, em