impacto da substituiÇÃo de linhas mecanizadas … · operador especialista operador generalista...

13
IMPACTO DA SUBSTITUIÇÃO DE LINHAS MECANIZADAS POR CÉLULAS DE MANUFATURA EM UMA INDÚSTRIA CALÇADISTA Joao Pereira Leite (UFCG) [email protected] Osiran Felicio de Lima (UFCG) [email protected] Daniel Augusto de Moura Pereira (UFCG) [email protected] Robson Fernandes Barbosa (UFCG) [email protected] Na busca por melhorias, muitas empresas têm optado por substituir os arranjos físicos baseados na filosofia da produção em massa, caracterizados pelo fluxo “empurrado” de material, por arranjos que contribuam para a viabilização da produçãoo puxada. Para atingir este objetivo, o arranjo físico celular, também conhecido como tecnologia de grupo (TG), tem sido um poderoso aliado, juntamente com ferramentas como o Kanban. Neste contexto, a empresa estudada, buscando alavancar seus indicadores de desempenho, optou por iniciar a otimização de seu sistema de produção através da melhoria do seu fluxo de materiais. Desta forma, dentre as opções existentes, escolheu substituir as linhas mecanizadas de acabamento e embalagem de produtos por células de manufatura, cujo impacto se deseja apresentar. Palavras-chaves: Leiaute Celular, Tecnologia de Grupo, Kanban XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

Upload: duongphuc

Post on 03-Dec-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

IMPACTO DA SUBSTITUIÇÃO DE

LINHAS MECANIZADAS POR CÉLULAS

DE MANUFATURA EM UMA

INDÚSTRIA CALÇADISTA

Joao Pereira Leite (UFCG)

[email protected]

Osiran Felicio de Lima (UFCG)

[email protected]

Daniel Augusto de Moura Pereira (UFCG)

[email protected]

Robson Fernandes Barbosa (UFCG)

[email protected]

Na busca por melhorias, muitas empresas têm optado por substituir os

arranjos físicos baseados na filosofia da produção em massa,

caracterizados pelo fluxo “empurrado” de material, por arranjos que

contribuam para a viabilização da produçãoo puxada. Para atingir

este objetivo, o arranjo físico celular, também conhecido como

tecnologia de grupo (TG), tem sido um poderoso aliado, juntamente

com ferramentas como o Kanban. Neste contexto, a empresa estudada,

buscando alavancar seus indicadores de desempenho, optou por

iniciar a otimização de seu sistema de produção através da melhoria

do seu fluxo de materiais. Desta forma, dentre as opções existentes,

escolheu substituir as linhas mecanizadas de acabamento e embalagem

de produtos por células de manufatura, cujo impacto se deseja

apresentar.

Palavras-chaves: Leiaute Celular, Tecnologia de Grupo, Kanban

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

2

1. Introdução

A volatilidade dos mercados e a exigência de seus clientes obrigam as organizações a

investirem cada vez mais em técnicas e ferramentas de gestão que permitam a otimização de

seus sistemas de produção. Essa otimização perpassa o conhecido objetivo de ser produtivo,

adentrando pela necessidade de ser produtivo atendendo as necessidades dos clientes. Neste

contexto, produzir com qualidade, com o menor custo e propiciar maior agilidade nas entregas

são resultados almejados por quaisquer organizações, mas devem ocorrer a partir de sistemas

flexíveis e confiáveis. A flexibilidade possibilitará mudanças rápidas para atender as

necessidades específicas dos clientes ou para enfrentar mudanças no comportamento do

mercado e a confiabilidade permitirá que toda a cadeia produtiva funcione com regularidade e

previsibilidade.

Na busca por melhorias, muitas empresas têm optado por substituir os arranjos físicos

baseados na filosofia da produção em massa, caracterizado pelo fluxo “empurrado” de

material, por arranjos que contribuam para a viabilização da produção puxada. Sob essa ótica,

o arranjo físico celular, também conhecido como tecnologia de grupo (TG), tem sido um

poderoso aliado na implementação da produção puxada, juntamente com ferramentas como o

Kanban.

Segundo Moreira (2010), a TG consegue congregar todos os equipamentos e instalações

necessárias para fazer exatamente o que se quer, na seqüência ótima, sendo capaz de encurtar

as distâncias entre as operações, suavizar o fluxo de materiais, reduzir os estoques de

materiais nos postos de trabalho e os tempos de espera em filas. Ainda segundo ele, um

leiaute celular pode ajudar no aprimoramento da qualidade, dando uma oportunidade de

inspeção visual depois de cada operação, enquanto o operador movimenta uma peça de uma

máquina ou posto de trabalho para outro. Vê-se que tais características se encontram em total

harmonia com os objetivos de otimização dos sistemas produtivos tão buscados pelas

empresas.

Face ao exposto, este trabalho pretende ilustrar, a partir de um estudo de caso concreto, os

resultados conseguidos com a substituição de linhas de montagem mecanizadas por células de

manufatura no setor de acabamento e embalagem de produtos de uma empresa de grande

porte, do ramo calçadista, localizada no estado da Paraíba. Serão comparados dados relativos

à produção, produtividade, mão de obra necessária, área necessária, estoque em processo

(WIP – work in process), dentre outros. Por fim será feita uma análise de como o leiaute

celular pode alavancar os objetivos de desempenho do negócio, levando como consideração

os 05 (cinco) objetivos de desempenho propostos por Slack et al (2009).

2. Aspectos teóricos

Para se analisar adequadamente a mudança realizada fez-se necessário o aprofundamento em

conceitos específicos sobre o tema a partir de uma adequada revisão bibliográfica, que no

caso específico será delimitada pelo entendimento da filosofia Just in Time (JIT), definição e

diferenciação entre produção empurrada e puxada, apresentação dos tipos de leiaute

existentes, e por fim pela apresentação dos 05 (cinco) objetivos de desempenho propostos por

Slack et al (2009) que serão utilizados como referenciais para comparação da situação do

setor antes e após a mudança.

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

3

2.1. A filosofia Just inTime (JIT)

De acordo com Gaither et al (2002), o JIT “se baseia na eliminação planejada de todo

desperdício e na melhoria contínua da produtividade”. Ainda segundo ele, os princípios

elementares do JIT que devem ser buscados continuamente se baseiam em:

Manter estoques mínimos, e apenas quando forem necessários;

Aprimorar a qualidade até que se chegue a um “nível zero” de defeitos;

Diminuir o lead time (tempo total de produção, incluindo movimentação e esperas).

Essas práticas levam a um estado de estoque mínimo que expõe os demais problemas antes

ocultados por ele. Dessa forma, um sistema de produção estará sendo construído em sintonia

com a filosofia JIT se a manufatura ocorrer a partir do “sistema de puxar a produção” em vez

de “empurrá-la”, pensamento este referendado por Moreira (2008) ao definir o JIT como

“uma das tentativas básicas de eliminar o desperdício, produzindo sempre a peça certa, no

lugar certo, na hora certa”, o que levará a redução contínua dos níveis de estoque.

Um sistema empurrado tem seus materiais estocados de acordo com a antecipação da

demanda, o qual resulta muitas vezes em superprodução e estoque, pois a demanda antecipada

pode não se concretizar. Já no sistema puxado, se não houver requisição dos produtos, não

haverá produção, minimizando esses malefícios.

2.2. O modelo de produção empurrada e a produção puxada

O modelo de produção empurrada foi criado por Henry Ford, que recebeu o título de pai da

produção em massa graças à invenção da linha de montagem mecanizada, que possibilitou a

produção em larga escala. Segundo esse modelo, quanto maior fosse a produção em termos de

tamanhos de lote ou volume, menores seriam os tempos gastos com a preparação do trabalho

e setup de máquinas e maior seria a especialização do operador, o que culminava no aumento

da produtividade. Essa lógica ficou conhecida como economia de escala.

Este modelo possibilitou às empresas ocidentais uma posição privilegiada frente às asiáticas

por um longo tempo, mostrando sua primeira fragilidade durante a crise do petróleo da década

de 1970. Nesta época a Toyota Motor Company conseguiu enfrentar a crise com menos

dificuldades graças ao sistema de produção criado por ela, baseado na lógica de puxar a

produção em vez de empurrar. Em contrapartida, várias as empresas que utilizavam o modelo

de produção em massa sucumbiram à época.

As diferenças básicas entre essas duas filosofias podem ser verificadas na tabela 1.

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

4

Produção empurrada Produção puxada

Grandes lotes Pequenos lotes

Pequena variedade de produtos Grande variedade de produtos

Operador especialista Operador generalista

Cada etapa produz o máximo Cada etapa produz apenas o necessário

Ritmo de produção ditado por máquinas Ritmo de produção ditado pelos operadores

Lucrar pela escala de produção Lucro pela redução dos desperdícios

Integração por máquinas Integração por Kanban

Fluxo de materiais e informações complexos Fluxo de materiais e informações simples

Inflexibilidade Flexibilidade

Tabela 1 – Principais características da produção empurrada e da produção puxada

Analisando-se a Tabela 1 se pode ver que o sistema de produção empurrada é feito a partir de

uma filosofia que viabiliza grandes lotes e pequena variedade de produtos, em oposição ao

sistema de produção puxada, que busca viabilizar pequenos lotes e uma maior variedade de

produtos, que excetuando-se os commodities, tem sido o desejo atual dos consumidores

(produtos cada vez mais exclusivos e customizados). Dessa maneira tornou-se necessário o

reestudo dos arranjos físicos na busca por modelos mais adequados a essas novas

necessidades.

2.3. Os tipos de arranjo físico

Davis (2003) classifica os arranjos físicos em quatro diferentes grupos: leiaute de processo,

produto, posição fixa e celular (ou tecnologia de grupo - TG). Ainda segundo este autor, cada

um deles pode assim ser definido:

Leiaute de processo, também chamado “job shop” ou leiaute por função é aquele onde

equipamentos e funções similares são agrupadas e os produtos caminham ao longo de

diversas áreas, posicionadas sem que haja obrigatoriamente uma relação direta com o

fluxo produtivo específico do produto;

Leiaute de produto, também chamado de leiaute de fluxo, é aquele no qual processos de

trabalho ou equipamentos estão dispostos de acordo com etapas progressivas pelas

quais o produto caminha, no sentido do seu fluxo produtivo específico;

Leiaute de posição fixa, no qual os equipamentos e processos de trabalho deslocam-se

até o item em processamento, que permanece fixo até a sua completa transformação;

Leiaute celular, onde se colocam juntas máquinas diferentes, em células, para que

trabalhem produzindo produtos que tem forma e procedimentos similares (conhecidos

como famílias tecnológicas).

O leiaute celular surgiu a partir da necessidade de se flexibilizar o processo de fabricação do

ponto de vista do fluxo de materiais como também do ponto de vista operacional. Isto pode

ser confirmado por Davis (2003) que atesta a sua similaridade com o leiaute de processo, no

sentido de que as células são projetados para desempenhar um conjunto específico de

processos e a sua similaridade com o leiaute de produto no sentido de que as células são

dedicadas a determinadas famílias tecnológicas. Desta maneira, as células de manufatura

podem ser consideradas como um modelo híbrido, capaz de absorver as melhores

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

5

características de cada um dos demais tipos de arranjo físico existentes. Suas principais

características são:

Alta flexibilidade para alocação, rodízio e implementação de multi-função da mão de

obra direta (MOD);

Facilidade de balanceamento da linha, com melhor aproveitamento dos tempos manuais

residuais;

Eficácia no tratamento de anomalias, com a horizontalização da comunicação e rapidez

no acionamento da cadeia de ajuda;

Possibilidade de produção em pequenos lotes;

Pequenas distâncias para deslocamento dos recursos produtivos;

Possibilidade de implantação do controle de qualidade na operação (inspeção na fonte).

Analisando-se as características do leiaute celular pode-se concluir que ele contribui

significativamente com os objetivos de desempenho pretendidos pela maioria das empresas,

buscados diretamente ou indiretamente, em maior ou menor intensidade, dependendo das

especificidades de cada negócio.

2.4. Os cinco objetivos de desempenho

Segundo Slack et al (2009) o desempenho da maioria das organizações pode ser medido a

partir de cinco objetivos de desempenho básicos:

a) Qualidade – concordância, coerência com o desejo do consumidor. É o componente mais

visível que a operação executa. Além disso, é aquilo que o interessado avalia julgar a

respeito da operação;

b) Velocidade – partindo da análise da cadeia de valor por completo (todas as fases

envolvidas no processo de atendimento ao cliente), pode ser definida como o tempo

decorrido entre a solicitação e o recebimento do bem ou serviço pelo cliente;

c) Confiabilidade – é quando as coisas são feitas no tempo adequado para os clientes

receberem seus produtos ou serviços justamente quando esperados ou no tempo

prometido;

d) Flexibilidade – definido como a capacidade da operação ser alterada no que ela realiza,

quando realiza ou como realiza, ou seja, é a capacidade de mudar rapidamente quando

surge uma nova necessidade a ser atendida;

e) Custo – significa o quanto foi gasto na produção do que fora solicitado. Quando forem

produzidos produtos ou serviços com um custo menor, o lucro pode ser maximizado pelo

produtor ou o preço de venda reduzido, criando-se um novo patamar de preços ao

consumidor, o que implicará na necessidade de adequação dos concorrentes para

alcançarem esses novos patamares.

Ainda segundo Slack et al (2009), esses cinco objetivos de desempenho surgem da

necessidade do nível operacional de ter um grupo de objetivos definidos restritivamente, que

se relacionem especificamente a sua tarefa básica de atender as cobranças dos consumidores,

aplicando-se a todos os tipos básicos de operações produtivas, motivo pelo qual serão

adotados na análise dos resultados da implementação na célula de manufatura proposta.

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

6

3. Aspectos metodológicos

Para a realização deste trabalho se utilizou um estudo de caso na área de produção de uma

indústria calçadista de grande porte do estado da Paraíba. O setor escolhido para

implementação do arranjo celular foi o setor de acabamento e embalagem de calçados

vulcanizados. Sua escolha se deu por três motivos principais: o setor tinha uma eficiência

muito baixa quando comparado aos demais setores; representava a última fase do processo

produtivo e repetidamente prejudicava o faturamento nos dias finais do mês; tinha uma

família tecnológica já definida, que abrangia todos os calçados que passavam por um processo

de vulcanização posterior à montagem.

As metodologias usadas na análise são as pesquisas de campo e documental. Na primeira,

através de observação direta, buscou-se examinar e mensurar os fatos que se deseja estudar e,

na segunda, obter dados representativos do comportamento atual das variáveis envolvidas

para comparativos futuros.

Quanto à natureza, a pesquisa pode ser considerada do grupo Quantitativo-Descritivo que, de

acordo com Lakatos (2000), se utiliza de métodos formais, apresenta coleta sistemática de

dados e é caracterizada pela precisão e controle das informações que serão úteis à verificação.

4. Diagnóstico do estado atual

A implantação da célula de acabamento e embalagem de produtos foi precedida pelo

diagnóstico do estado atual. Nesta fase foram coletadas informações básicas sobre o processo

e se realizou um detalhamento do leiaute, da sequência operacional e dos tempos de

realização de cada tarefa.

O processo de acabamento e embalagem consiste na execução de uma seqüência de etapas

operacionais (figura 1) realizadas em uma linha de montagem mecanizada com ritmo de

trabalho ditado pelo equipamento (figura 2), onde são agregados os aviamentos que comporão

o produto final (palmilhas, atacadores) seguido de sua embalagem (colocação de bucha e

papel, etiquetas e encaixotamento do calçado). A linha onde ocorreu a intervenção ocupava,

na época, uma área de 110m2 partilhada com outra linha que funcionava no lado oposto à

mesma, trabalhando simultaneamente, em turnos diários de 8 horas, com um efetivo de 16

pessoas envolvidas diretamente nas atividades de transformação, trabalhando de pé e em

regime mono-tarefa (cada operador só realizava uma atividade).

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

7

Colo

car

palm

ilha

14’’

Dese

nfor

mar

ca

lçado

Colo

car a

taca

dor

69’’

Colo

car

palm

ilha

8’’

Colo

car b

ucha

22’’

33’’

Pist

olar

/ que

imar

fios

Revis

ar

21’’ 21’’

Mon

tar

caix

as

Enca

ixar

/ lib

erar

16’’

Figura 1 – Sequência operacional e tempos-padrão (seg)

Figura 2 – Leiaute com arranjo físico linear (linha de montagem mecanizada)

Na sequência se analisou a distribuição da mão de obra, o balanceamento de linha e o volume

de produção objetivado. A necessidade de mão de obra e o balanceamento da linha eram

calculados com base na previsão de vendas mensal, sendo realizada pelo próprio coordenador

da área, conforme apresentado na figura 2.

Co

loca

r pa

lmilh

a

7’’

Des

enf.

calç

ado

Colo

car

atac

ador

17,3’’

Colo

car

palm

ilha

8’’

Colo

car

buch

a

11’’16,5’’

Pist

olar

/ qu

eim

ar fi

os

Rev

isar

10,5’’ 10,5’’

Mon

tar

caix

as

Enca

ixar

/ l

iber

ar

16’’

MO = 2 MO = 1 MO = 4 MO = 2 MO = 2 MO = 2 MO = 2 MO = 1

Onde: MO = Mão de obra dada (pessoas)

Figura 3 – Distribuição da mão de obra (balanceada)

Da análise do leiaute (figura 2) e da distribuição da mão de obra (figura 3), vê-se que apesar

do processo ser formado por uma sequência relativamente pequena de tarefas (apenas 8

tarefas) havia um grandes desnivelamento das cargas de trabalho, existindo desde operadores

que trabalhavam em ciclos de 7 segundos, a operadores que trabalhavam em ciclos de 17,3

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

8

segundos. Acredita-se que o uso de uma esteira mecanizada gerou uma disposição dos postos

de trabalho que dificultava o agrupamento das operações, contribuindo para a sub-utilização

da mão de obra, inviabilizando o desenvolvimento da multifuncionalidade e

consequentemente uma melhor distribuição das cargas de trabalho.

Analisando-se essa distribuição, pode-se ver que o maior ciclo operacional balanceado era

17,3 segundos a ser gasto na realização da atividade de “colocar atacador”. Dessa maneira,

tomando-se esse tempo como o fator mais restritivo do ponto de vista de capacidade

produtiva, pode-se calcular a volume total balanceado, dado por:

Volume total

balanceado

(pares / turno)=

Tempo disponível total

Tempo operacional

máximo balanceado

Volume total

balanceado

(pares / turno)

=

8h x 3600 seg

17, 3 seg= 1665 pares/turno

O volume total balanceado representa o valor máximo de itens que podem ser processados em

um turno de trabalho, que no caso estudado foi de 1665 pares. Apesar disso, a meta estipulada

para o setor era de 1500 pares e mesmo assim não era atingida. A preocupação em entender o

motivo de se estipular a meta abaixo do valor possível, mesmo havendo “folgas” visíveis nas

cargas de trabalho tornou necessário o mapeamento das possíveis anomalias que impactavam

em tempo perdido e parada da linha. O resultado dessa investigação pode ser observado na

figura 4.

91%

9%

Tempo total utilizado Tempo total perdido

0,0%10,0%20,0%30,0%40,0%50,0%60,0%

59,8%

24,3%

15,5%

0,4%

Figura 4 – Mapeamento de anomalias e tempo perdido

Da análise da figura 4 se pode verificar que apenas 91% do tempo total do turno estava de

fato disponível para a produção, perdendo-se 9% do tempo total disponível com anomalias.

Isso justificava, mesmo que empiricamente, a necessidade de redução da meta de produção

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

9

proposta pela coordenação em proporções equivalentes, ou seja, de 1665 pares teóricos para

1500 pares reais (aproximadamente 9% de redução).

Ainda da análise da figura 4 vê-se que do tempo perdido, 59,8% se referia a problemas de

qualidade, seguido de problemas de não cumprimento do tempo-padrão com 24,3%, e falta de

material com 15,5% das paradas.

5. Projeto do leiaute celular

O projeto da célula de acabamento e embalagem teve como base o combate às dificuldades

visualizadas no diagnóstico do estado atual, a saber:

Desnivelamento da carga de trabalho;

Trabalho realizado em regime de mono-tarefa;

Problemas de qualidade;

Não cumprimento do tempo-padrão;

Falta de material e equipamentos.

Iniciou-se o projeto pela análise de demanda dos clientes no médio prazo (06 meses), como

forma de gerar um melhor balanceamento da carga de trabalho e evitar a necessidade de

utilização de ritmos de trabalho excessivos seguidos por períodos de ociosidade, que

poderiam gerar problemas de qualidade e falta de material e capacidade de máquinas. A partir

da análise dos pedidos dos clientes (previsão de vendas) determinou-se uma demanda estável

de 1200 pares/turno para os produtos a serem processados na referida célula. O Takt-Time,

tempo necessário à produção de cada item, com base na demanda do cliente, dado pelo

quociente do tempo total disponível pela demanda prevista no período, foi determinado em 24

segundos/par, conforme calculado abaixo:

Takt - Time =

Tempo disponível total

Demanda prevista

Takt - Time

(seg. / par) =

8h x 3600 seg

1200 pares= 24 segundos/par

Na seqüência, utilizando o conceito de Takt-Time, procedeu-se uma análise sistemática das

operações visando a criação de uma distribuição mais equitativa da carga de trabalho da mão-

de-obra e uma melhor utilização dos equipamentos. Nessa fase buscou-se inicialmente

eliminar atividades ou movimentos desnecessários para em seguida simplificar e/ou agrupar

atividades. Essa análise gerou um novo agrupamento e por conseqüência uma nova seqüência

operacional e balanceamento de carga (figura 5) através da qual se constatou as seguintes

melhorias:

Redução de mão-de-obra;

Redução de tempo padrão;

Eliminação dos transportes mecanizados.

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

10

22’’

20,8’’

De

sen

f.

Cal

çad

o e

co

loca

r p

alm

ilha

Re

visa

r

Mo

nta

r ca

ixas

24’’ T. T.= 24’’

MO = 1 MO = 4 MO = 1 MO = 1 MO = 1

Onde: T. T. = Takt TimeOp. = OperaçãoMO = Mão de obra dada (pessoas)

Co

loca

r at

acad

or

e

colo

car

bu

cha

21’’ 21’’

Pis

toar

e

En

caix

ar /

lib

era

r

Figura 5 – Sequência operacional e balanceamento de carga de trabalho em célula

Dessa forma, observou-se um a possibilidade de se ter um setor concebido com operações

melhor balanceadas e tempos mais próximos do Takt Time (figura 5). O entendimento da

importância de se balancear olhando para a real demanda do cliente também possibilitou uma

produção puxada mais estável em termos de volume, gerando um menor nível de

desabastecimento ou excesso de material para processamento.

Para se garantir um nível adequado de abastecimento também se estabeleceu um nível mínimo

e máximo de estoque na entrada da célula, controlado a partir de um Kanban tipo B. Neste

tipo de Kanban o abastecimento da célula é garantido por uma fila de materiais que alimenta a

célula a partir do conceito de FIFO (first input – first output). Este Kanban foi implantado na

saída do processo de Autoclave, de onde saem os calçados vulcanizados que sofrerão o

acabamento final e embalagem. Um esquema de seu funcionamento pode ser observado a

partir da figura 6.

CÉLULA

DE

ACABAMENTO

SETOR DE

AUTOCLAVES

Kanban B

Nível

mínimo

Nível

Normal

Nível

Máximo

Estímulo

Desestímulo

Sentido do

FIFO

Sentido da

Puxada

Figura 6 – Kanban de abastecimento da célula de acabamento

Seguindo esse conceito, quando o nível mínimo de estoque era atingido um sinal de estímulo

à produção era enviado ao processo antecedente, ocorrendo o inverso para o caso de

atingimento do volume máximo previsto (figura 6). Essa ferramenta garantiu o abastecimento

contínuo de materiais na entrada da célula, que por sua vez contribuiu, junto com as demais

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

11

mudanças para o estabelecimento e a manutenção de um ritmo constante de trabalho,

garantindo a estabilidade adequada ao atendimento da demanda do cliente. O leiaute celular

proposto pode ser observado na figura 7.

7,5

4,5

saída

saída

Figura 7 – Leiaute com arranjo físico celular

Os recursos produtivos (mão de obra, equipamentos e espaço físico) foram otimizados, uma

vez que os postos de trabalhos foram aproximados e dispostos em configuração de “L”. Essa

configuração foi adotada para otimizar a utilização do recurso humano que realiza as

operações 1 e 2. Desta maneira o arranjo físico ficou com um formato em “L duplo”, ou seja,

uma entrada (na operação agrupada Op. 1 e 2) e duas saídas (nas operações agrupadas Op. 3 e

4).

Após a elaboração das propostas de balanceamento de operações e arranjo físico celular deu-

se início à implementação. Nesta etapa foram realizados os ajustes necessários ao perfeito

funcionamento do sistema incluindo a adaptação dos equipamentos, projeto dos postos de

trabalho, criação de dispositivos e treinamento dos colaboradores que passaram a executar

várias atividades (multi-função).

Uma vez realizados os ajustes, a célula passou a fazer parte do processo produtivo em

condições normais de trabalho, sendo avaliada a partir do comparativo dos resultados reais

alcançados utilizando-se o arranjo físico linear mecanizado e o leiaute celular implementado,

tomando-se por base os indicadores escolhidos para sua devida mensuração, conforme

apresentados na tabela 2.

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

12

Comparativo Layout

Linear

Layout

Celular Diferença

(quantidade)

Diferença

(%)

Produção média real (pares/turno) 1500 1200 -300 -20,0%

Número de pessoas 16

155,13

8 -8 -50,0%

Área utilizada 55,0 33,8 -21,2 -38,5%

Produtividade da MO (pares/pes/h) 11,7 18,7 +7,0 +60,0%

Nível de material em processo (pares) 55 24 31 -56,0%

Tabela 2 – Comparativo arranjos físicos: Linha de montagem mecanizada x leiaute celular

6. Discussão dos resultados

Com a implementação da célula de acabamento e embalagem buscou-se melhorar os objetivos

de desempenho a partir do tratamento das dificuldades encontradas. Os cinco objetivos de

desempenho avaliados foram: custo, qualidade, tempo, flexibilidade e confiabilidade. Através

da tabela 3 pode-se comparar os itens avaliados e os objetivos de desempenho impactados.

Item avaliado Diferença (%) Objetivo(s) de desempenho impactado(s)

Produção média real (pares/turno) -20,0% Qualidade

Número de pessoas -50,0% Custo

Área utilizada -38,5% Custo

Produtividade da MO (pares/pes/h) +60,0% Custo

Nível de material em processo (pares) -56,0% Custo, Tempo

Kanban Qualitativa Custo, Tempo, Confiabilidade

Multi-função Qualitativa Custo e Flexibilidade

Transporte manual Qualitativa Flexibilidade

Tabela 3 – Impacto das ações nos objetivos de desempenho

A partir da análise da tabela 3 acredita-se que todos os 05 (cinco) objetivos de desempenho

foram impactados de alguma maneira. Os indicadores criados para mensuração dos resultados

possibilitou a quantificação de apenas alguns deles, porém, o feedback dado por operadores e

pela coordenação possibilitou inferir, de forma qualitativa, o impacto das demais mudanças.

Acredita-se que a redução da produção a nível apenas suficiente para o atendimento da

demanda possibilitou uma melhor qualidade, pois os processos antecedentes, cientes da

capacidade ociosa comumente mandavam ao setor calçados com problemas de qualidade, o

que foi tratado e eliminado nesta nova filosofia, na origem (montagem).

O número de pessoas, a área utilizada e a produtividade tiveram impacto direto sobre o custo,

já que foi possível se usar menos pessoas e uma área menor de maneira mais produtiva. O

menor nível de estoque também contribuiu com este objetivo, já que menos capital precisou

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

13

ser imobilizado em estoques. Sua redução também impactou no objetivo tempo, já que os

tempos de espera do lote e do processo foram reduzidos.

O kanban garantiu o abastecimento, evitando paradas que impactavam em custo e tempo,

isso tornou o processo mais confiável, pois os resultados passaram a ser mais previsíveis.

A multi-função possibilitou uma melhor utilização dos recursos humanos e aumentou a

flexibilidade, uma vez que cada operador passou a poder executar mais atividade.

Por fim, o transporte manual possibilitou a retirada da esteira transportadora, que tinha

aproximadamente 20 metros e inviabilizava mudanças rápidas no leiaute para atender

demandas específicas, aumentando a flexibilidade.

Acredita-se também que um mesmo item possa ter impacto de forma indireta em outros

objetivos de desempenho. Nesta discussão buscou-se avaliar os objetivos de desempenho que

tiveram o(s) maior(es) impactos para cada item. Acredita-se também que outros ganhos

também podem ter ocorrido, como o aumento da motivação dos operadores em função do

enriquecimento da tarefa, a maior facilidade de gestão do setor (gestão visual) e o house-

keeping (organização).

7. Conclusões e considerações finais

Com base no estudo apresentado, pode-se concluir que o leiaute celular trouxe uma mudança

significativa nos resultados do negócio e um impacto direto nos objetivos de desempenho

propostos por Slack et al (2009), específicos ao setor onde ocorreu a intervenção. Os

indicadores escolhidos, embora não avaliem por completo todos os benefícios conseguidos,

tiveram uma evolução significativa, traduzindo de maneira satisfatória os benefícios gerados

por esta abordagem em particular.

O arranjo físico possibilitou a implementação do fluxo contínuo nivelado, viabilizando a

produção JIT. Isso foi possível pela utilização dos princípios da melhoria contínua aliados ao

uso de ferramentas capazes de estabilizar o processo, como os dispositivos kanban.

Acredita-se que a partir da expansão da implementação dessas ferramentas a outros setores da

manufatura, pode-se obter resultados expressivos nos objetivos de desempenho de toda a

organização, com impacto significativos nos resultados globais do negócio, motivo pelo qual

propõe-se, para futuros trabalhos, essa mensuração em níveis globais.

Referências

DAVIS, MARK M. Fundamentos da administração da produção. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2003.

GAITHER et al. Administração da Produção e Operações. 8. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2002.

LAKATOS, EVA MARIA; MARCONI, MARINA DE ANDRADE. Metodologia científica: ciência e

conhecimento científico, métodos científicos, teorias, hipóteses e variáveis, metodologia jurídica. 3. ed. São

Paulo: Atlas, 2000.

MOREIRA, DANIEL AUGUSTO. Administração da produção e operações. 2. ed. São Paulo: Cengage

Learning, 2010.

SLACK, N.; et al. Administração da Produção. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

WOMACK, JAMES P. A mentalidade enxuta nas empresas: elimine o desperdício e crie riqueza. Rio de

Janeiro: Campus, 1998.