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IMPACTO DA METODOLOGIA ÁGIL NA GESTÃO DE PRODUTOS TECNOLÓGICOS: O CASO DE UMA EMPRESA DE SOLUÇÕES DE PAGAMENTOS Gabriel Tavares da Silva Oliveira Guilherme Brito de Marsillac Projeto de Graduação apresentado ao Curso de Engenharia de Produção da Escola Politécnica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Engenheiro. Orientador: Renato Flórido Cameira Rio de Janeiro Agosto de 2019

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IMPACTO DA METODOLOGIA ÁGIL NA

GESTÃO DE PRODUTOS TECNOLÓGICOS: O

CASO DE UMA EMPRESA DE SOLUÇÕES DE

PAGAMENTOS

Gabriel Tavares da Silva Oliveira

Guilherme Brito de Marsillac

Projeto de Graduação apresentado ao Curso de

Engenharia de Produção da Escola Politécnica,

Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte

dos requisitos necessários à obtenção do título de

Engenheiro.

Orientador: Renato Flórido Cameira

Rio de Janeiro

Agosto de 2019

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Oliveira, Gabriel Tavares da Silva

de Marsillac, Guilherme Brito

Impacto da metodologia ágil na gestão de produtos

tecnológicos: o caso de uma empresa de soluções de

pagamento / Gabriel Tavares da Silva Oliveira, Guilherme

Brito de Marsillac – Rio de Janeiro: UFRJ/ Escola Politécnica,

2019.

XV, 115 p.: il.; 29,7 cm.

Orientador: Renato Flórido Cameira

Projeto de Graduação – UFRJ/ POLI/ Engenharia de

Produção, 2019.

Referências Bibliográficas: p. 128-130.

1. Gestão de produtos. 2. Metodologias ágeis. 3. Product Design.

I. Cameira, Renato Flórido. II. Universidade Federal do Rio de

Janeiro, UFRJ, Curso de Engenharia de Produção. III. Impacto da

metodologia ágil na gestão de produtos tecnológicos: o caso de

uma empresa de soluções de pagamento.

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Resumo do Projeto de Graduação apresentado à Escola Politécnica/ UFRJ como parte dos

requisitos necessários para a obtenção do grau de Engenheiro de Produção.

Impacto da metodologia ágil na gestão de produtos tecnológicos: o caso de uma

empresa de soluções de pagamento

Gabriel Tavares da Silva Oliveira

Guilherme Brito de Marsillac

Agosto/2019

Orientador: Renato Flórido Cameira

Curso: Engenharia de Produção

O atual panorama de atuação das maiores empresas do mundo, em contínua mutação, tem

evidenciado o papel de destaque que as empresas de tecnologia (da informação) têm

assumido. Tal contexto reflete como o mercado de tecnologia atende a uma exigência

crescente por novos produtos e soluções inovadoras, com destaque à demanda por aguda

velocidade de entrega, alta confiabilidade e flexibilidade. O protagonismo dessa indústria

traz à tona discussões sobre como a introdução da tecnologia tem afetado o ciclo de vida

dos produtos.

Uma das vertentes refere-se aos métodos de gestão desses produtos e, em particular, à

opção por metodologias ágeis que estimulem a iteração, com feedback rápido e constante,

e o lançamento assertivo de soluções inovadoras num curto espaço de tempo.

Este trabalho apresenta, a partir da identificação dos pontos de compatibilidade entre as

metodologias ágeis e a gestão do desenvolvimento de produtos de tecnologia, a definição

de um modelo de gestão ágil que seja eficiente e viável. Posteriormente, realiza-se uma

aplicação no caso de uma empresa de soluções de pagamentos, em que são analisados os

aspectos da gestão de produtos na companhia e, depois, as principais oportunidades de

incorporação do conhecimento acumulado no desenvolvimento e na gestão de produtos,

e os possíveis impactos do modelo definido para a entrega de soluções de alto valor.

Palavras-chave: gestão de produtos, metodologias ágeis, entrega de valor.

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Abstract of Undergraduate Project presented to POLI/UFRJ as a partial fulfilment of

the requirements for the degree of Industrial Engineer.

Leverage points and the impact of agile methodology on tech product

management: a case study of a payment solutions company

Gabriel Tavares da Silva Oliveira

Guilherme Brito de Marsillac

August/2019

Advisor: Renato Flórido Cameira

Course: Industrial Engineering

The current landscape of the biggest companies in the world, in continuous mutation,

endorse the important role tech business companies are assuming. This scenario reflects

how tech product’s market meets the growing demand for innovative solutions and new

products, mainly for faster product launches and flexible and reliable releases. The

leading role played by technology industry highlights discussions about how technology

introduction has affected the product life cycle.

One of the main discussions refers to the products management methods and, specifically,

the choice for agile methodologies that stimulate iterations, with rapid and constant

feedbacks, and the assertive launching of innovative solutions in a short period.

This work presents, as a result of the identified points as to the compatibility of the agile

management with the tech product management, the definition of a agile model that is

both efficient and viable. Later, there is a practical case application of the study in a

payment solutions company, in which the main aspects of the product management are

analyzed, and afterwards, the main opportunities of incorporating the accumulated

knowledge in products development and management, as well as the possible impacts of

the defined model for delivering high value solutions.

Keywords: product management, agile methodologies, value delivery.

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AGRADECIMENTOS GABRIEL TAVARES

A felicidade que sinto de atingir mais um objetivo é enorme e com ela vem a

enorme gratidão que tenho pelas companhias que tive longo dessa trajetória. Vocês foram

minha base. Pai, muito obrigado por ter me capacitado e permitido que eu chegasse até

aqui.

Deixo um agradecimento mais do que especial aos meus pais, Eliane e Josué, por

todo o sacrifício que fizeram para que eu pudesse estar vivendo esse momento. Não tenho

palavras para descrever o meu amor por vocês e o quanto foi confortante ter todo o apoio

que me deram em absolutamente todos os momentos. Estendo esse agradecimento ao meu

irmão Rafael e aos meus avós Pedro e Maria.

Agradeço também aos meus amigos de colégio pelo suporte de vocês e pela

amizade de longa data. Aos meus amigos de baixo F, agradeço por terem tornado esses

anos mais leves e divertidos. Certamente preciso destacar também minha gratidão à Fluxo

Consultoria por ter sido uma verdadeira escola para mim, especialmente em termos

profissionais, mas também por todos os amigos que pude fazer ao longo da minha

passagem pelo Movimento Empresa Junior.

À Universidade Federal do Rio de Janeiro deixo meu reconhecimento por ter me

formado enquanto aluno e acrescentado valores tão importantes na minha formação

enquanto cidadão brasileiro. Destaco também minha felicidade por ter compartilhado

esses anos com profissionais de excelência e tão dedicados a essa instituição quanto os

professores que pude ter ao longo do curso de engenharia de produção. Deixo, como

símbolo disso, meu agradecimento ao professor Renato Flórido Cameira.

Aos amigos da Stone Co e meus queridos amigos da Ralé, deixo meu muito

obrigado por acrescentarem tanto em tão pouco tempo, esse lugar é realmente feito para

esticar gente e, o principal, feito por pessoas integras, inteligentes e com muita energia.

Deixo dois últimos agradecimentos. À Catarina, pois sem ela teria sido muito mais

difícil. Cata, obrigado por todo companheirismo, apoio e carinho, você é muito especial

para mim. E ao Guilherme, muito obrigado pela confiança e pela amizade que

construímos ao longo desse período, você foi o melhor parceiro que eu poderia ter.

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AGRADECIMENTOS GUILHERME MARSILLAC

É extremamente gratificante agradecer - de forma sincera e um tanto emocionada

- a todos os que, à sua forma, contribuíram para o presente momento. Seguem abaixo

meus agradecimentos:

Aos meus pais, Marcelo e Márcia, por seu apoio, incentivo e amor incondicional,

sem os quais eu não estaria aqui. Não há agradecimento suficiente para a dedicação e para

o esforço vocês;

À Universidade Federal do Rio de Janeiro, por me oferecer conhecimento e

aprendizados que me engrandeceram pessoal e academicamente e me tornaram mais

preparado para o mercado de trabalho e - mais importante - para a vida;

Ao professor Renato Cameira, por sua confiança, paciência e orientação nesse

processo, além de sua leal e admirável dedicação ao curso de Engenharia de Produção;

Ao meu grande amigo e parceiro, Gabriel, por estar ao meu lado sempre, do início

ao fim. Não consigo imaginar forma e companhia melhor para encerrar esse ciclo;

À minha família e ao Clã dos Marsillacs, por seu constante apoio e,

principalmente, por me ensinarem que tudo vale a pena se a alma não é pequena;

Aos amigos do Baixo F, por todas as provas, noites mal dormidas e por todas as

resenhas ao longo desses anos;

Aos meus amigos do Colégio de São Bento, por sua amizade inabalável apesar do

tempo e da distância e por todo o apoio e carinho;

Aos amigos da Ambev, e especialmente à Ju, pela cumplicidade, pelo incentivo e

pelo apoio essenciais e indispensáveis nesses últimos momentos;

Por fim, sou grato às experiências, momentos, alegrias e tristezas que construí até

aqui e que me condicionaram ao que vem a seguir.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Distribuição do número de ofertas públicas iniciais e volumes captados. ...... 25

Figura 2: Histórico de preço das ações da Microsoft ao longo do tempo em dólares. ... 26

Figura 3: Análise das vendas de iPhone, iPad and iPod do primeiro trimestre de 2006 ao

quarto trimestre de 2018 (em milhões de unidades) ....................................................... 32

Figura 4: Ciclo de vida de um projeto ............................................................................ 38

Figura 5: Características do ciclo de vida do projeto. .................................................... 39

Figura 6: Ciclo de feedback Construir-Medir-Aprender de Eric Ries. ........................... 46

Figura 7: O atalho proposto por Jake Knapp no processo de aprendizado .................... 47

Figura 8: Os ciclos e fases do modelo de Desenvolvimento do cliente. ........................ 48

Figura 9: Lean Canvas para registro de hipóteses e aprendizados das etapas de descoberta

do negócio. ..................................................................................................................... 50

Figura 10: Framework da metodologia Scrum ............................................................... 52

Figura 11: Quadro kanban para gestão de produto......................................................... 55

Figura 12: Principais motivos pelos quais startups falham ............................................ 62

Figura 13: Quadro representativo do Mapa de Empatia do cliente ................................ 65

Figura 14: Exemplo de aplicação do Mapa de Empatia para curso de ensino à distância

........................................................................................................................................ 66

Figura 15: Exemplo da estrutura de uma persona definida sobre um grupo de potenciais

clientes ............................................................................................................................ 68

Figura 16: Relação entre o canvas de modelo de negócios e o canvas de proposta de valor.

........................................................................................................................................ 72

Figura 17: Canvas de proposta de valor. ........................................................................ 72

Figura 18: Processo de validação de conceitos e usabilidade com o cliente. ................. 74

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Figura 19: Exemplo de aplicação de um teste A/B. ....................................................... 76

Figura 20: Matriz de priorização de funcionalidades. .................................................... 83

Figura 21: Evolução dos níveis de concentração do segmento bancário conforme índice

de Herfindahl-Hirschman (IHH). ................................................................................... 93

Figura 22: Análise da evolução do índice de concentração do segmento bancário nos

quatro maiores participantes. .......................................................................................... 93

Figura 23: Apresentação da Agenda BC+ do Banco Central do Brasil. ........................ 95

Figura 24: Ferramenta de estruturação de roadmap e identificação de dependências de

iniciativas. ..................................................................................................................... 120

Figura 25: Canvas de comunicação dos fluxos do piloto do produto. .......................... 121

Figura 26: Importância do registro de aprendizados nas entrevistas de problema e solução.

...................................................................................................................................... 124

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Ranking de maiores empresas públicas nos EUA em 1967 .......................... 23

Tabela 2: Lista das dez maiores empresas públicas dos EUA em 18/03/2019. ............. 27

Tabela 3: Classificação das maiores empresas de tecnologia por receita por colaborador

(2014-2017) .................................................................................................................... 28

Tabela 4: Comparativo da redução do custo médio de funcionalidades ao longo do tempo

........................................................................................................................................ 29

Tabela 5: Princípios do Lean aplicado a produtos tecnológicos. ................................... 54

Tabela 6: Guia de entrevistas com clientes. ................................................................... 69

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................ 14

1.1. Motivação .................................................................................................... 14

1.2. Objetivos ..................................................................................................... 15

1.2.1. Objetivo geral ....................................................................................... 15

1.2.2. Objetivos específicos ............................................................................. 15

1.3. Estrutura de Escopo ................................................................................... 15

1.4. Metodologia................................................................................................. 16

1.5. Limitações e delimitações .......................................................................... 17

2. MERCADO DE TECNOLOGIA .................................................................... 18

2.1. Evolução da tecnologia e introdução da ‘tecnologia da informação’ .... 18

2.2. Tendências do mercado tecnológico ......................................................... 22

2.2.1. Democratização do mercado ................................................................ 22

2.2.2. Necessidade de agilidade e enfoque na gestão de produtos ................. 30

3. METODOLOGIAS ÁGEIS ............................................................................. 34

3.1. Definição e contextualização ..................................................................... 34

3.1.1. Modelo Cascata versus Métodos Ágeis ................................................ 37

3.1.1.1. Modelo Cascata ............................................................................... 37

3.1.1.2. Breve Comparativo ......................................................................... 39

3.1.2. Manifesto Ágil ....................................................................................... 40

3.1.3. Lean Market Validation ........................................................................ 43

3.1.4. Scrum .................................................................................................... 51

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3.1.5. Lean Kanban ......................................................................................... 53

3.2. Compatibilidades com o mercado de tecnologia ..................................... 55

4. GESTÃO DE PRODUTOS TECNOLÓGICOS ............................................ 59

4.1. Definição ...................................................................................................... 59

4.2. Validação do problema .............................................................................. 61

4.3. Definição e validação de requisitos ........................................................... 74

4.4. Gestão e desenvolvimento do produto ...................................................... 77

4.4.1. Iterações ou ciclos de gestão ................................................................ 78

4.4.2. Elementos de gestão .............................................................................. 80

4.4.3. Priorização de desenvolvimento ........................................................... 82

4.4.4. Validação de entregas .......................................................................... 84

4.4.5. Definição e acompanhamento de metas e indicadores ......................... 86

4.5. Gestão do conhecimento ............................................................................ 88

4.6. O papel do gestor: product manager ......................................................... 89

5. CASO APLICADO: UMA EMPRESA DE SOLUÇÃO DE PAGAMENTOS

91

5.1. Caracterização da empresa ....................................................................... 91

5.1.1. Mercado de soluções de pagamento no Brasil ..................................... 91

5.1.2. Histórico e composição ........................................................................ 96

5.2. A gestão de produtos tecnológicos na empresa XPTO ........................... 99

5.2.1. Validação do problema ....................................................................... 100

5.2.2. Definição e validação de requisitos .................................................... 103

5.2.3. Gestão e desenvolvimento do produto ................................................ 106

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5.2.4. Gestão do conhecimento ..................................................................... 110

5.2.5. O papel do gestor ................................................................................ 111

5.3. Aplicabilidade da metodologia ágil nos pontos de alavancagem ......... 114

5.3.1. Validação do problema ....................................................................... 114

5.3.2. Definição e validação de requisitos .................................................... 116

5.3.3. Gestão e desenvolvimento do produto ................................................ 119

5.3.4. Gestão do conhecimento ..................................................................... 122

5.3.5. O papel do gestor ................................................................................ 124

6. CONCLUSÃO ................................................................................................. 126

7. BIBLIOGRAFIA ............................................................................................ 128

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1. INTRODUÇÃO

Ao longo desse primeiro capítulo, serão detalhados aspectos iniciais em relação ao

desenvolvimento desse trabalho e sobre o que é esperado como resultado dele. Dentre os

principais pontos, inicialmente é apresentada a motivação dos autores pela escolha do

tema e condução do projeto, assim como os objetivos do presente trabalho e a estrutura

de escopo estabelecida. Por fim, são esclarecidas também a metodologia utilizada e sob

quais delimitações e limites esse trabalho se desenvolveu. Com todos esses

esclarecimentos será possível ter a compreensão da forma como o projeto evoluiu.

1.1. Motivação

Marc Andreessen, co-fundador da Andreessen Horowitz, um dos principais fundos

de venture capital dos Estados Unidos, escreveu em 2011 sobre porque o software está

dominando o mundo1. Acompanhada dessa mudança no contexto mundial, surge uma

série de questões sobre a abordagem ágil quanto à gestão de produtos, e de suas

aplicabilidades no mercado de produtos de tecnologia e de tecnologia da informação. Esse

mercado ainda possui grande possibilidade de análise e investigação e é extremamente

importante, do ponto de vista econômico e estratégico, compreender os impactos da

implementação da metodologia ágil na gestão de produtos tecnológicos.

Portanto, a motivação para o presente estudo veio da possibilidade de ser capaz de

analisar de forma profunda e eficiente um mercado dinâmico e flexível como o de

tecnologia, bem como refletir sobre as melhores e mais compatíveis formas de gestão de

produtos ou projetos nesse mercado, sendo as principais conhecidas como metodologias

ágeis. Por fim, a motivação veio também da possibilidade de tangibilizar o conhecimento

adquirido em um caso prático em um mercado extremamente atual e com grande potencial

no Brasil como o de solução em pagamentos.

1 Disponível em: <https://a16z.com/2011/08/20/why-software-is-eating-the-world/> Acesso em

05/07/2019.

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1.2. Objetivos

Os objetivos de um projeto são uma das partes mais importantes de um trabalho

como esse pois sintetizam o resultado esperado pelos autores na condução e aplicação dos

conhecimentos adquiridos ao longo da graduação. A seguir, são esclarecidos o objetivo

geral - o elemento que resume e apresenta a ideia central do trabalho acadêmico - e os

objetivos específicos - elemento que relaciona mais profundamente o objeto do trabalho

e suas particularidades.

1.2.1. Objetivo geral

Como objetivo geral é esperado discursar sobre a gestão ágil, apresentar suas

principais metodologias e compreender os diversos elementos gerenciais, desde a

validação de mercado até a gestão de produtos e/ou projetos, que viabilizem de forma

eficiente a gestão de produtos digitais, cumprindo seu propósito de entrega de valor.

1.2.2. Objetivos específicos

No que tange a objetivos específicos, busca-se a partir de uma análise inicial do

cenário do mercado de tecnologia e de gestão de produtos, tema ainda com exploração

incipiente, entender quais os impactos da aplicação da metodologia ágil nesse contexto e

enquadramento de ferramentas e técnicas que deem mais agilidade ao processo de

desenvolvimento de produtos. A partir daí, procura-se tangibilizar e destacar as vantagens

oriundas da compatibilidade e aplicabilidade dos temas aprofundados para empresas.

1.3. Estrutura de Escopo

Primeiramente, a presente seção busca apresentar o estudo a seguir, definindo

requisitos técnicos como motivação, objetivos, metodologia de pesquisa e

desenvolvimento do projeto e, por fim, limites e limitações para o estudo.

Na seção 2, é feita uma introdução ao mercado de tecnologia (e tecnologia da

informação), com uma análise histórica de sua evolução e de seus avanços. Também são

analisadas as tendências desse mercado, não quanto às tecnologias desenvolvidas, mas

quanto às características competitivas e dinâmicas do mesmo.

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Posteriormente, na seção 3, aborda-se o conceito das metodologias ágeis. Nesse

sentido, realiza-se uma contextualização de seu surgimento e de seus princípios, bem

como um breve comparativo entre essa metodologia e o modelo cascata de gestão.

Também, são descritos alguns dos métodos mais conhecidos de gestão ágil e de

pensamento ágil e, por fim, é realizada uma análise quanto à compatibilidade entre o

cenário do mercado de tecnologia exposto na seção 2 e a metodologia ágil abordada.

A seguir objetiva-se, na seção 4, encontrar um modelo de gestão ágil que reúna

diversos pontos abordados na seção anterior e que seja viável e eficiente para a criação e

para a gestão de produtos e projetos tecnológicos, considerando a validação das ideias, o

desenvolvimento do produto e a manutenção e/ou validação com o cliente final.

Chega-se, então, à seção 5, em que é analisado o caso prático de uma empresa de

tecnologia em pagamentos. Essa análise possui uma introdução à empresa, com descritivo

de sua história, de sua estrutura e de sua abordagem quanto à gestão de projetos e produtos

tecnológicos. Posteriormente, é realizado um levantamento dos pontos de falha quanto à

gestão de produtos dessa empresa e, por fim, define-se a aplicabilidade do modelo de

metodologia ágil sugerido nos pontos definidos para benefício da companhia.

Finalmente, a seção 6 contém a conclusão quanto ao estudo realizado, e a seção 7

contém as referências bibliográficas utilizadas para embasar as análises.

1.4. Metodologia

De acordo com a classificação das pesquisas com base em seus objetivos,

apresentada em GIL (2010), este trabalho se enquadra como uma pesquisa de caráter

exploratório. A pesquisa exploratória consiste tanto em pesquisas bibliográficas quanto

em estudo de caso (GIL, 2010) e, portanto, esses foram os dois tipos de coleta de dados

empregados no presente estudo.

Primeiramente realizou-se uma pesquisa bibliográfica, que buscou reunir insumos

quanto ao mercado de tecnologia, à gestão de produtos e a metodologias ágeis, para

posterior estudo do caso prático e elaboração de uma análise consistente quanto aos

pontos mencionados. O levantamento foi feito por meio da busca dessa base teórica em

artigos e publicações encontrados em bases de artigos científicos online - Academia,

Google Acadêmico, RefSeek, dentre outros - bem como livros dos assuntos supracitados

e matérias em revistas e websites.

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O estudo de caso na empresa de soluções de pagamento foi realizado como forma

de investigação da aplicação prática dos pontos mencionados, considerando a aplicação

da metodologia ágil na gestão de produtos tecnológicos. O acesso à empresa foi ilimitado,

buscando apenas manter a discrição quanto ao nome da empresa (a ser chamada de

empresa XPTO) e dos produtos analisados, para evitar possível divulgação de informação

confidencial.

Por fim, as sugestões e inferências da aplicabilidade da metodologia ágil e de seu

impacto no caso estudado podem servir como insumo para estudos futuros focados em

sua implementação e na consequente mensuração desses impactos de forma quantitativa

e qualitativa.

1.5. Limitações e delimitações

Devido ao escopo do projeto, decidiu-se por não adentrar a temática de estratégia

na análise de gestão de projetos e produtos, bem como na validação das ideias. Isso porque

essa temática é extremamente profunda e vasta, e abordá-la exigiria mudança de escopo.

Pelo mesmo motivo o tema de inovação também é abordado de forma apenas superficial

ao longo do texto, sem aprofundamentos técnicos e teóricos acerca do assunto.

No que tange ao tema de Lean Market Validation, na seção 2, o estudo possui

como limite as duas primeiras fases do processo. Isso se dá porque as duas últimas fases

se referem à escalabilidade do negócio, o que foge do escopo do estudo sobre gestão de

produtos. Por fim, o estudo também não aborda os processos de alteração do produto,

tornando isso de seus limites.

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2. MERCADO DE TECNOLOGIA

O mercado de tecnologia tem mudado de forma muito rápida e isso tem impactado

a dinâmica com que ele se comporta e a forma com que são desenvolvidos novos produtos

no mundo. Ao longo deste capítulo serão debatidas algumas das consequências da

evolução da tecnologia, quais são as principais tendências em termos de mercado e como

tudo isso tem afetado a dinâmica competitiva das empresas e deixado o mercado cada vez

mais democrático e exigindo agilidade daqueles participantes que desejam ter vantagem

competitiva.

2.1. Evolução da tecnologia e introdução da ‘tecnologia da informação’

O ser humano, em toda a sua história, teve que enfrentar diversas situações em

que foi exigido aplicar sua inteligência para superar desafios de diferentes naturezas,

inclusive relacionados à sua sobrevivência. Em meio a esses momentos, é possível

observar a existência de inovações que, hoje, podem ser encaradas como marcos da

história da humanidade, como o surgimento de instrumentos que facilitaram a busca por

alimentos, a comunicação escrita, a descoberta do fogo, os primeiros motores a vapor, a

eletricidade, a internet, entre outros. Algumas dessas novas tecnologias modificaram

completamente a forma como vivemos e abriram caminho para o surgimento de novas

empresas e modelos de negócio que as explorassem.

O período considerado como pré-revolução industrial pode ser destacado como

responsável por avanços diretamente relacionados à sobrevivência e pelo

desenvolvimento da humanidade enquanto sociedade. Sob essa ótica, este longo período

ficou marcado por avanços político-sociais que proporcionaram o começo das primeiras

civilizações urbanas.

A utilização dos primeiros instrumentos que exploravam recursos disponíveis,

como ossos e pedras, e que passaram a ser entendidos como modeláveis para diferentes

propósitos, criou uma base de aprendizado que culminou na descoberta e exploração do

fogo e roda - importantíssimo para avanços de transporte -, nas primeiras construções,

avanços de irrigação e agricultura, bem como na manufatura e posterior utilização de

metais e armas de fogo. Todas essas novas habilidades acumuladas possibilitaram o

crescimento populacional e implicaram numa economia majoritariamente agrária com

atividade produtiva artesanal e emprego de algumas máquinas simples.

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A revolução industrial ficou marcada como uma época de mudanças significativas

e avanços tecnológicos relevantes num curto espaço de tempo. Um dos principais

destaques podem ser as máquinas a vapor, que mudaram completamente o nível de

produção industrial, já que não só substituíram outras fontes de energia utilizadas até

então, como também foram importantes na melhoria do design e eficiência das fontes

tradicionais. Eficiência, aliás, nesse mesmo período, virou obsessão2.

A máquina a vapor é símbolo de um período que ficou marcado pela mudança de

paradigma na organização e avaliação do trabalho, já que as máquinas potencializaram a

técnica, com a criação de instrumentos mecânicos em substituição às operações manuais,

além de poderem ser comandadas por pessoas que não necessariamente tinham aptidão

para as atividades artesanais. Duarte (1999, p.15) destaca que, em decorrência das

transformações produtivas, tem-se um redesenho dos territórios dos países que se

industrializavam em virtude do movimento populacional do campo para as cidades. Essa

nova conjuntura agravou a necessidade de desenvolvimento dos meios de comunicação,

pois o aumento da população urbana e o crescimento na oferta de bens e serviços

modificaram o aspecto das grandes cidades, inserindo a rapidez de produção e

distribuição de produtos e informações como fatores chave.

Ainda no século XIX, os estudos de Benjamin Franklin, Alessandro Volta e

Michael Faraday foram cruciais para o desenvolvimento da eletricidade como fonte de

energia, já em um primeiro momento com resultados que introduziram a geração de

energia mecânica a partir da corrente elétrica e utilização dos motores elétricos. Neste

mesmo período, foram conhecidas as técnicas básicas de geração, distribuição e utilização

dessa forma de energia que se espalharia por todo mundo a partir do século XX.

A partir do advento da eletricidade, uma série de inovações no campo da

comunicação, principalmente, pôde ser notada. O surgimento da primeira dessas

inovações, o telégrafo elétrico, responsabilidade de Alexander Graham Bell em 1876, que

introduziu a comunicação oral de curta distância; e, no final do mesmo século, do

primeiro sistema de radiocomunicação, de Guglielmo Marconi, utilizado para conexão de

duas pessoas separadas pelo oceano Atlântico, impactaram positivamente numa

sociedade globalizada - ainda que em um estágio inicial - por meio da possibilidade

prematura de comunicação instantânea.

2 Disponível em https://hbr.org/2019/01/rethinking-efficiency. - Acesso em 31/07/2019

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Essa gama de acontecimentos do século XIX potencializou um volume ainda

maior de inovações nos séculos posteriores. O século XX é um período reconhecido por

mudanças políticas que têm relação direta com a capacidade tecnológica de cada país,

especialmente por ter duas Guerras Mundiais que trouxeram consigo novos materiais e

tecnologias que eram inimagináveis até então. Invenção dos aviões, foguetes, bomba

atômica e avanços na indústria farmacêutica, foram aparatos resultantes da inovação

estimulada tanto na indústria privada quanto pública. Segundo Castells (2011), o forte

impulso tecnológico dos anos 1960 promovido pelo setor militar preparou, por exemplo,

a tecnologia norte-americana para o grande avanço que culminou na primeira revolução

da tecnologia da informação, nos EUA nos anos 70.

Além disso, os estudos não ficaram concentrados apenas em novas tecnologias,

mas também evoluíram nos campos de ganho de produtividade e melhoria de técnicas

empregadas. Os estudos do trabalho e os conceitos de administração científica,

introduzidos por Taylor, se espalharam por todas organizações industriais dos EUA e da

Europa no início do século.

Com o final da Segunda Guerra Mundial, foi observada também a introdução da

engenharia de controle e automação de processos e técnicas computadorizadas. O estopim

para o surgimento rápido dos primeiros computadores pode ser a invenção dos

transistores, resultado das invenções decorrentes da era espacial e principal responsável

pela revolução da eletrônica. Dali em diante, verificou-se impressionante expansão de

tecnologias de processamento de dados e de técnicas e métodos que marcaram época,

como o Toyotismo e o Controle de Qualidade.

Peter Drucker elucida ainda que o trabalhador industrial tradicional passou a ser

substituído pelos knowledge workers, os ‘trabalhadores do conhecimento’, que aliam o

trabalho teórico com o antigo trabalho manual (Drucker, 1959). Todo esse processo de

mudança estabeleceu um novo paradigma em que a informação passa a ser a matéria-

prima e a tecnologia permeia toda a atividade humana.

Esse novo paradigma alterou completamente as formas utilizadas de acesso aos

dados e como armazená-los; reduziu custos e intensificou a comunicação das pessoas e

organizações, através de programas de processamento de texto, de formação de bancos

de dados, bem como de tecnologias que permitiam a transmissão de documentos,

compartilhamento de mensagens e arquivos, mas também a interligação de dados a outros

computadores da época, a Internet. Essa última explodiu e ganhou capilaridade de forma

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comparável à eletricidade, e, a partir da sua popularização deu-se início a revolução

digital, que modificou completamente a sociedade e as organizações.

De modo geral, como tendência desse paradigma estabelecido, há a convergência

de tecnologias específicas em um sistema integrado com foco na geração de informação.

Gordon Moore, co-fundador da Intel, definiu, naquilo que ficou conhecida como Lei de

Moore, que a densidade de transistores deve dobrar a cada dois anos, enquanto o custo de

produção dos chips cai. Assim, como consequência, ano após ano, os computadores e

dispositivos móveis seriam significativamente mais rápidos e poderiam ser comprados

com a mesma quantidade de dinheiro. Esse cenário projetado por Moore já é observado

na medida em que, nesse padrão de duplicação, são construídos computadores mais

rápidos que auxiliam na construção de computadores ainda mais rápidos que servem de

base para tecnologias que fazem a informação também seguir nessa mesma trajetória

exponencial através da inteligência artificial, biotecnologia, data science, internet das

coisas e outras.

Nesse contexto, Ismail (et al., 2015) defende que, nos próximos anos, a maioria

dos grandes empreendimentos construirá seus negócios a partir de novas fontes de

informação ou pela conversão de ambientes previamente analógicos em informação, de

modo que as organizações de sucesso do século XXI serão aquelas que conseguirem se

adaptar a esse mundo de informação onipresente e convertê-la em vantagem competitiva

(Ismail et al., 2015). Com base nisso, a exploração da tecnologia da informação por parte

das empresas passa a ser encarada como sinônimo de vantagem competitiva e fonte de

capacitações importantes para a sustentação da posição competitiva das empresas em um

cenário que demanda alta flexibilidade estratégica e capacidade de resposta às mudanças.

Não à toa, o termo economia digital tem sido utilizado com frequência para

descrever o momento atual. O termo se refere à atividade econômica que resulta das

bilhões de interações geradas todos os dias entre as pessoas, negócios e, agora, dados e

dispositivos. Tudo como consequência de um processo de transformação digital que

possibilita uma maior conectividade e alavanca a conexão entre pessoas, máquinas e

organizações. Essa mudança de contexto destaca algumas mudanças naturais de

princípios de estruturação de negócios, interações entre as empresas e a dinâmica de

competição, desenvolvimento de produtos e como os usuários consomem produtos,

serviços e informações.

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2.2. Tendências do mercado tecnológico

A partir da aproximação inicial feita quanto ao mercado de tecnologia, cabe

apresentar as tendências do mesmo. Explorar esse assunto traz benefícios para a

compreensão do que é possível se esperar de um mercado que agora possui outro ritmo

de crescimento de demanda. Serão analisados portanto, não essencialmente aspectos

quanto às tecnologias de estado da arte, mas quanto às principais características que os

comportamentos e a competição dentro desse mercado passam a exigir de empresas,

equipes e sistemas, bem como as capacitações insurgentes no meio.

2.2.1. Democratização do mercado

O avanço no desenvolvimento de tecnologias proporcionou ganhos de eficiência

e outros impactos positivos em uma série de situações do cotidiano humano, esse

incremento foi também uma das principais alavancas para o crescimento populacional na

velocidade que temos hoje. Não à toa, esse comportamento exponencial que o

desenvolvimento tecnológico tem dado às coisas traz consigo tópicos importantes de

serem compreendidos, como o efeito de rede, a alta exigência de escalabilidade e,

também, a democratização dos mercados. Se por muitos anos o mundo dos negócios

apresentou um cenário em que os líderes de mercado e marcas mais valiosas do mundo

tinham um posicionamento praticamente hegemônico, quando se torna possível um

movimento de migração global do hardware e do bem físico para o software, a dinâmica

muda em uma velocidade inédita e atinge volumes que impressionam.

Em 1967, a lista de companhias mais valiosas dos EUA, divulgada anualmente

pela Forbes, contava com a presença de gigantes do ramo de óleo e gás na maioria das

dez primeiras posições - a Exxon Corp., antiga Standard Oil of N.J., era a quinta maior

companhia de uma lista que tinha também entre as dez maiores a Texaco e Gulf Oil, que

posteriormente deram origem à Chevron (Tabela 1). Analisando as empresas que se

destacavam à época, é fácil perceber que a lista era dominada por empresas relacionadas

a bens tangíveis como computadores, câmeras fotográficas, carros e afins. O surgimento

da internet proporcionou então mudanças em cadeia na dinâmica de negócios de muitas

empresas, seja por seu potencial atingimento em massa ou simplesmente pelo fato de

permitir a digitalização e desmaterialização de uma série de negócios.

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Tabela 1 - Ranking de maiores empresas públicas nos EUA em 1967

Rank Empresa Indústria

Valor de

mercado (em

bilhões de

dólares)

Valor de

mercado (com

ajuste de

inflação - 2017)

1

International Business

Machines Tecnologia $35.20 $258.57

2

American Telephone &

Telegraph Telecom $27.30 $200.54

3 Eastman Kodak Filmes $24.10 $177.03

4 General Motors Auto $23.40 $171.89

5 Standard Oil of N.J. Óleo e Gás $14.50 $106.51

6 Texaco Óleo e Gás $11.20 $82.27

7 Sears, Roebuck Consumo $8.80 $64.64

8 General Electric Conglomerado $8.70 $63.91

9 Polaroid Filmes $7.90 $58.03

10 Gulf Oil Óleo e Gás $7.90 $58.03

Fonte: <https://howmuch.net/articles/100-years-of-americas-top-10-companies> - Acesso em 06/07/2019

Segundo ponto de vista de Diamandis e Kotler (2015), há algumas décadas atrás,

as discussões chave nas empresas estavam relacionadas a criação de determinado produto

- em geral físico - ou serviço e em como, quase que obsessivamente, encontrar

mecanismos e ajustes em toda a produção para produzir entregáveis de maior qualidade

e a um custo inferior ao dos demais concorrentes. O momento atual inverte alguns pontos

da lógica anterior já que, ao invés de milhares de funcionários e grandes plantas físicas,

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exige que as empresas modernas coordenem suas atividades como pequenas organizações

focadas em tecnologias da informação.

Essa inversão força as empresas, em meio à transformação digital, a usar as

tecnologias mais modernas para fazer atividades já desempenhadas, porém melhor. O

resultado disso é a contínua desmaterialização do que antes era físico. Ainda segundo os

autores, quando um processo ou produto é digitalizado – passando do meio físico para o

meio digital –, ele passa a adquirir poder de impacto exponencial e se tornar disruptivo,

ou seja, cria um mercado e abala outro já existente (Diamandis & Kotler, 2015, p.18).

“Imagine a primeira câmera digital da Kodak dobrando de 0,01 megapixel para

0,02, de 0,02 para 0,04, de 0,04 para 0,08. Para o observador desatento, todos

esses números parecem zero. No entanto, há uma grande mudança no

horizonte. Como essas duplicações rompem a barreira dos números inteiros

(tornando-se 1, 2, 4, 8 etc.), estão a apenas 20 duplicações de distância de uma

melhoria de 1 milhão de vezes e a somente 30 de 1 bilhão.

Toda a teoria dos autores está alinhada com o potencial de escalabilidade de

determinado modelo de negócio, o que, principalmente após essa fase de transformação

digital, tem sido um dos principais pontos de atenção de investidores. Cabe destacar a

repercussão e todo o impacto econômico gerado pela bolha das empresas ponto.com no

final dos anos 90 e início dos anos 2000. Durante esse período, a economia americana

passava por um cenário de excessiva liquidez no mercado acionário e o número de IPOs

- empresas abrindo capital nas bolsas de valores - cresceu de forma expressiva, sendo

majoritariamente ligados a empresas de tecnologia. Era uma época de negócios sendo

alavancados pelo surgimento da internet que deixavam de ser negócios locais e tomavam

proporções globais, como no exemplo da Amazon.

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Figura 1: Distribuição do número de ofertas públicas iniciais e volumes captados.

Fonte: <https://www.nytimes.com/interactive/2019/05/09/business/dealbook/tech-ipos-uber.html> -

Acesso em 06/07/2019.

Um dos principais motivos da formação da bolha foi o fato de que os benefícios

trazidos pela digitalização afetaram a percepção de valor dos investidores que se

defrontaram com uma realidade de baixo investimento, alta capilaridade e alcance e

velocidade de atingimento de resultados esperados muito maiores do que a de até então.

Sob esse novo ponto de vista, a volume e ritmo de captação de capital para financiar todo

o crescimento da indústria tecnológica acelerou e teve como efeito disso que os preços

dos ativos foram incorporando, além dos fundamentos econômicos, um componente

especulativo alimentado pelas taxas de crescimento anormais, daí a formação da bolha

especulativa que posteriormente veio a estourar, conforme tese apresentada por SHILLER

(2001, apud MORANDIM, 2018).

Independente disso, como parte de um processo evolutivo e de seleção natural,

algumas empresas que incorporaram esses conceitos muito rapidamente começaram a

despontar e figurar entre as maiores empresas e consolidar o protagonismo do setor de

tecnologia. E é nesse contexto, que a Microsoft atinge o maior resultado já registrado de

valor de mercado de uma companhia (figura 2).

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Figura 2: Histórico de preço das ações da Microsoft ao longo do tempo em dólares.

Fonte: <https://www.nasdaq.com> - Acesso em 06/07/2019.

A partir dali, com a desmaterialização e maior democratização do mercado,

começa o surgimento das hoje gigantes Apple, Facebook e Amazon, assim como outras

iniciativas de impacto gigantesco ao redor do mundo, como as chinesas Alibaba e

Tencent3. O fato é que essas empresas fazem parte de uma geração que, conforme

destacado por Ismail (et al. 2015), está expandindo e gerando valor a um ritmo inédito,

pois conseguiram criar organizações suficientemente escaláveis, velozes e inteligentes,

com um mínimo de tempo e recursos. Todas elas conseguiram de forma muito rápida e

com equipes cada vez menores alcançar resultados que até então exigiam ser parte de

grandes corporações com investimento alto e presença em uma centena de países.

3 Disponível em <https://singularityhub.com/2018/08/17/baidu-alibaba-and-tencent-the-rise-of-chinas-

tech-giants/> - Acessado em 06/07/2019.

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Tabela 2: Lista das dez maiores empresas públicas dos EUA em 18/03/2019.

Rank Empresa

Valor de marcado (em

18/03/2019)

#1 Microsoft $902 billion

#2 Apple $887 billion

#3 Amazon $856 billion

#4 Alphabet $824 billion

#5 Alibaba $471 billion

#6 Facebook $458 billion

#7 Intel $243 billion

#8 Cisco $236 billion

#9 Oracle $192 billion

#10 Netflix $159 billion

Fonte: <https://www.visualcapitalist.com/biggest-tech-companies-market-cap-23-years/> - Acesso em

30/06/2019.

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Tabela 3: Classificação das maiores empresas de tecnologia por receita por colaborador (2014-2017)

Rank Empresa

Receita por

colaborador

2017

($000s)

Crescimento

da receita

por

colaborador

Crescimento

de receita

Crescimento

do quadro de

colaboradores

1 Apple 1.864 0% 6% 6%

2 Facebook 1.619 0% 47% 47%

3 Alphabet 1.384 10% 23% 11%

4 Broadcom 1.260 49% 33% -11%

5 Visa 1.224 15% 22% 6%

6 VeriSign 1.224 6% 2% -4%

7 HP 1.062 8% 8% 0%

8 Mastercard 933 3% 16% 13%

9 Lam Research 853 9% 36% 25%

10 NVIDIA 843 26% 41% 12%

11 Applied

Materials

790 22% 34% 10%

12 Microsoft 725 -3% 5% 9%

13 Activision

Blizzard

716 4% 6% 2%

14 PayPal 700 17% 21% 3%

15 eBay 679 -5% 7% 12%

16 Qualcomm 659 -15% -5% 11%

17 Cisco 659 -1% -3% -1%

18 Intuit 631 6% 10% 4%

19 Xilinx 613 -4% 6% 11%

20 Intel 611 9% 6% -3%

Fonte: <https://craft.co/reports/where-do-the-most-productive-employees-work> - Acesso em 30/06/2019.

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É válido destacar que as mais novas gigantes mencionadas acima são bons

exemplos de uma mudança significativa na dinâmica de mercado: barreiras de entrada

reduzidas e surgimento de novos entrantes. Em muitos setores, já é possível fazer upload

de seus produtos e serviços, empreender negócios inéditos, utilizando as mais recentes

ferramentas on-line para projetar e imprimir a partir da nuvem sua mais recente inovação

a um custo cada vez menor.

Tabela 4: Comparativo da redução do custo médio de funcionalidades ao longo do tempo

Funcionalidade

Custo médio para uma

funcionalidade equivalente Escala

Impressão 3D De US$ 40 mil (2007) para US$

100 (2014)

400x em 7 anos

Robôs Industriais De US$ 500 mil (2008) para US$

22 mil (2013)

23x em 5 anos

Drones De US$ 100 mil (2007) para US$

700 (2013)

142x em 6 anos

Energia Solar De US$ 30 por kWh (1984) para

US$ 0,16 por kWh (2014)

200x em 20 anos

Sensores (sensor LIDAR 3D) De US$ 20 mil (2009) para US$

79 (2014)

250x em 5 anos

Biotecnologia (sequenciamento de

DNA humano)

De US$ 10 milhões (2007) para

US$ 1 mil (2014)

10.000x em 7 anos

Neurotecnologia (dispositivos de

interface cérebro-computador)

De US$ 4 mil (2006) para US$ 90

(2011)

44x em 5 anos

Medicina (escaneamento completo) De US$ 10 mil (2000) para US$

500 (2014)

20x em 14 anos

Fonte: ISMAIL, 2015

O Youtube, em pouco mais de um ano e meio fundação, deixou de ser uma

empresa financiada com cartões pessoais de seus fundadores e foi comprada pelo Google

por US$1,65 bilhões4. À época, com cerca de apenas um ano operacionalmente ativa, a

empresa já estimava ter mais de 50 milhões de usuários ativos, hoje esse número já passa

4 Disponível em <https://www.nytimes.com/2006/10/09/business/09cnd-deal.html> - Acesso em

30/06/2017.

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de 1,9 bilhão de 2 de todo o mundo ativos no mês5. O Whatsapp, fundado em 2009, cinco

anos depois a taxa de novos usuários era de 1 milhão por dia e atrai atenção do Facebook,

que o adquiriu por cerca de US$19 bilhões6. Uma leitura possível desses movimentos é

que tanto Google quanto Facebook optaram por comprar empresas insurgentes que

escalaram rapidamente e usufruíram das novas oportunidades que o mercado agora digital

e democrático traz.

2.2.2. Necessidade de agilidade e enfoque na gestão de produtos

O cenário teorizado por Gordon Moore e explicitado na Lei de Moore mostra, como

citado anteriormente, que computadores cada vez mais capazes e potentes criarão

tecnologias cada vez mais disruptivas e avançadas, originando um ciclo de feedback de

reforço que tende à exponencialização de tecnologias da informação e, por consequência,

de sistemas e empresas como um todo. Segundo Salim Ismail (et al., 2015), em seu livro

“Organizações Exponenciais”, as empresas que conseguirem utilizar esse comportamento

exponencial para garantir vantagem competitiva serão as empresas que dominarão o

mercado.

Nesse contexto, a aceleração da tecnologia da informação faz com que haja

avanços cada vez maiores e mais disruptivos, permitindo assim uma cultura de busca e

estímulo à inovação como poucas vezes se viu na história. Como descrito nos pontos

anteriores, é visível a democratização do mercado - com redução das barreiras de entrada

- e uma mudança na dinâmica de competição. Assim, empresas de diversos portes

competem de forma mais acirrada, exigindo cada vez mais diferenciação e, da mesma

forma, inovação. Em 1934 o cientista econômico Josef Schumpeter, em seu artigo “The

Theory of Economic Development” afirmou, em linhas gerais, que empresas que não

inovarem estarão fadadas ao insucesso.

A realidade do mercado tecnológico prova, constantemente, que Schumpeter

estava correto, mas além disso explicita um outro ponto acerca do assunto: não basta

apenas inovar, mas inovar com agilidade e assertividade. Isso porque o mercado

tecnológico, como já mostrado, se transforma de forma cada vez mais rápida, e o

5 Disponível em <https://youtube.googleblog.com/20,18/06/vidcon-2018-helping-creators-earn-

more.html> – Acesso em 30/06/2019. 6 Disponível em <https://money.cnn.com/2014/02/20/technology/social/whatsapp-19-billion/> - Acesso

em 30/06/2019.

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consumidor muda seus gostos e suas preferências também com frequência cada vez

maior. De acordo com NAJRANI (2017), o maior motivo para quedas de grandes

companhias como Kodak e Ericsson foi a inabilidade de se adaptar a novas tecnologias e

às mudanças do mercado consumidor. Ainda segundo NAJRANI (2017), essas empresas

falharam em inovar de forma rápida e essa foi a principal razão para que elas estejam no

seu atual panorama.

Inúmeros são os exemplos de empresas que, como as citadas acima, não

conseguiram se adaptar às mudanças de mercado e perderam market share, foram

compradas por concorrentes ou, nos piores casos, encerraram suas atividades. Inúmeros

também são os casos de empresas como a Dupont, a Apple ou o Google, que por inovarem

constantemente, sempre focadas em captar as percepções, tendências e necessidades do

mercado e, dessa forma, atingiram (ou permaneceram em) posições consolidadas em seus

respectivos mercados. Fica claro assim que a agilidade organizacional, implicando em

agilidade de inovação e absorção de tecnologias, se torna vantagem competitiva

significativa e, mais ainda, condição essencial para a subsistência e manutenção de

empreendimentos em mercados tecnológicos e rapidamente mutáveis.

Um outro fator extremamente relevante com toda essa dinâmica acelerada do

mercado de produtos de tecnologia é o de que o incumbente passa a ter responsabilidade

de conciliar tanto uma estratégia sustentadora quanto disruptiva. Esse dilema foi discutido

e apresentado pelo professor Clayton M. Christensen e nos ajudou a compreender porque

empresas como Uber, Netflix e Airbnb deixaram incumbentes gigantescos para trás de

forma muito rápida. Esses exemplos, especialmente no mercado de tecnologia, acendem

um sinal de alerta daqueles que estão como líderes de mercado. O Dilema da Inovação é

a análise de que empresas que já estão em ritmo de sustentação dificilmente conseguem

conciliá-lo com os riscos necessários para o crescimento inovador. Os exemplos de

aquisições que foram destacados no tópico anterior ilustram a preocupação das hoje

gigantescas Google e Facebook em momentos que lidaram com insurgentes que se

destacavam.

A introdução do conceito do Dilema da Inovação se torna relevante para a

discussão desse tópico pois está diretamente relacionada, numa análise mais macro, com

o efeito prático da redução do tempo de vida de produtos, especialmente digitais. A

necessidade de disrupção vir de “dentro de casa”, quando se olha sob o prisma da gestão

de produtos, exige dois pontos principais: tirar o foco do produto oferecido e direcioná-

lo para o problema que ele resolve e desapegar-se da realização de seu produto principal.

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Um bom exemplo disso foi a ideia de Steve Jobs de substituir o seu produto de maior

sucesso, o iPod, pelo iPhone, medida que não contou com apoio do conselho da Apple na

época.

Figura 3: Análise das vendas de iPhone, iPad and iPod do primeiro trimestre de 2006 ao quarto trimestre

de 2018 (em milhões de unidades)

Fonte: <https://www.statista.com/> Acesso em 30/06/2019.

Exemplos como esse, bem como todo o cenário acima reportado e as

características apresentadas, tornam claro que o mercado tecnológico está cada vez mais

competitivo, democrático, dinâmico e ágil. Isso faz com que seja essencial a capacidade

das empresas de se transformarem, de absorverem novas tecnologias e de se adaptarem

às mudanças de mercado. Esses processos, que consequentemente exigem a busca por

constante e ágil inovação, demandam alta criatividade das companhias, o que durante

muito tempo passou a ideia de que empresas deveriam ter liberdade criativa, ou a

permissividade de ser criativo de forma descontrolada e desinibida.

Segundo WILSON (2005), contudo, cada vez mais percebe-se a necessidade de

gerenciar a criatividade e, também, a inovação nas empresas. Wilson define, em seu

artigo, inovação e criatividade como conceitos distintos, definindo como criatividade a

geração de ideias, e inovação a capacidade de explorar e executar as ideias geradas. De

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qualquer forma, o autor afirma que é preciso ter controle sobre os processos de cada um

desses conceitos para fazê-los de forma eficiente e produtiva.

Para tal, é necessário que se tenha uma gestão contínua e eficiente sobre o negócio,

que envolva todos os stakeholders, que compreenda as vontades (e as mudanças) do

mercado consumidor e que tenha capacidade de síntese e de execução, utilizando as

ferramentas e os recursos necessários (humanos, físicos, tecnológicos, etc.) para

implementar melhorias e inovar, de forma disruptiva ou incremental.

No mercado atual, em que empresas de tecnologia buscam diversificar cada vez

mais seus pontos de contato com o consumidor, percebe-se cada vez mais uma

pulverização de produtos e enfoques dentro de uma companhia. Assim, não basta apenas

uma gestão empresarial eficiente, como também uma gestão de cada um dos produtos,

dado que seu sucesso pode, como citado, transformar e redirecionar a empresa para novos

mercados e focos. Torna-se fundamental, portanto, no cenário tecnológico e competitivo

apresentado, que se passe a gerir produtos de forma similar à gestão da companhia em si,

com equipes, processos, metas distintos entre si, ainda que partilhem de metas e objetivos

que façam com que as companhias avancem e se sustentem economicamente.

Essa tendência vem sendo percebida e, consequentemente, implementada em

empresas do mercado de tecnologia. A busca por uma gestão de produtos tecnológicos

eficiente e produtiva fez com que surgissem, dos meios prático e acadêmico, diversas

metodologias e diversos processos que buscam garantir o sucesso desses produtos.

Abaixo serão abordados alguns desses métodos que se tornaram, por diversos motivos a

serem apresentados, conhecidos e aplicados mundialmente em larga escala.

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3. METODOLOGIAS ÁGEIS

No capítulo anterior, foi enfatizada a mudança de cenário competitivo e a

necessidade de agilidade que se faz necessário no desenvolvimento de novos produtos,

especialmente os digitais. Essa mudança traz consigo novos princípios fundamentais que

foram explorados no que ficou conhecido como Manifesto Ágil e que passa a ter o cliente

no centro da gestão e desenvolvimento do produto. Os conceitos de validação do mercado

que serão apresentados ajudam a diminuir incertezas de que os esforços e recursos serão

empregados sobre o que realmente tem demanda validada e entrega valor para o cliente.

Ao longo da etapa de desenvolvimento em si, as metodologias conhecidas para a

condução desse processo também foram refatoradas e com isso, surgem as metodologias

ágeis, que compartilham princípios e direcionamentos sobre como encaminhar essa etapa

já diante dessa necessidade de agilidade nas entregas. Ao longo deste capítulo, serão

apresentadas as principais diferenças entre esses métodos ágeis e os métodos clássicos de

gestão de projetos e produtos e como esses métodos são compatíveis com o mercado de

tecnologia.

3.1. Definição e contextualização

No início de 2001, dezessete conceituados gestores e desenvolvedores de

softwares se uniram para escrever o “Manifesto for Agile Software Development” ou,

como ficou conhecido posteriormente, “Manifesto Ágil”. Esse documento uniu doze

princípios fundamentais para um desenvolvimento com agilidade, baseados em

experiências pessoais, profissionais e conhecimentos técnicos de diversas metodologias

que prezavam pela velocidade e continuidade de entrega de valor, como Scrum, Lean

Kanban e Design Sprint.

Essas metodologias, ainda que sejam, possivelmente, mais antigas do que o

próprio Manifesto, tornaram-se mais conhecidas e utilizadas devido a ele e, apesar de

terem abordagens diferentes quanto à gestão de projetos, possuem princípios similares e

estreitamente ligados aos princípios ágeis.

No que tange ao desenvolvimento, gestão e acompanhamento de produtos (ou

projetos), o Agile pode ser considerado uma disrupção ao que existia, dado que propõe

abordagens significativamente distintas das utilizadas nos métodos mais empregados até

então, sendo mais conhecido o Waterfall Project Management Methodology, ou

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Metodologia Cascata de Gestão de Produtos. Ele foi concebido exatamente pela

percepção, por parte de seus criadores, dos pontos de falha - ou defasagem - do modelo

cascata para o desenvolvimento de produtos tecnológicos. FILHO (2008, p. 22) retrata

esse momento na seguinte passagem:

“Durante a evolução dos processos de Engenharia de Software, a indústria se

baseou nos métodos tradicionais de desenvolvimento de software, que

definiram por muitos anos os padrões para criação de software nos meios

acadêmico e empresarial. Porém, percebendo que a indústria apresentava um

grande número de casos de fracasso, alguns líderes experientes adotaram

modos de trabalho que se opunham aos principais conceitos das metodologias

tradicionais. Aos poucos, foram percebendo que suas formas de trabalho,

apesar de não seguirem os padrões no mercado, eram bastante eficientes.

Aplicando-as em vários projetos, elas foram aprimoradas e, em alguns casos,

chegaram a se transformar em novas metodologias de desenvolvimento de

software. Essas metodologias passaram a ser chamadas de leves por não

utilizarem as formalidades que caracterizavam os processos tradicionais e por

evitarem a burocracia imposta pela utilização excessiva de documentos.”

Essa “nova abordagem” coloca o cliente no centro do desenvolvimento e da gestão

de produtos e preza pela interação constante com stakeholders e envolvidos no projeto,

exigindo a sua participação na idealização, na priorização e na validação de todas as

entregas. De acordo com PRESSMAN (2011), “a filosofia defende a satisfação do cliente

e a entrega de incremental prévio; equipes de projeto pequenas e altamente motivadas”.

Além disso, o objetivo é garantir sempre entregas incrementais em períodos curtos -

chamados iterações -, passando para o cliente a sensação de entrega de valor contínua por

parte da equipe.

Ainda, devido a esses curtos períodos de execução, exige-se menos tempo de

planejamento e de definição de escopo, o que teoricamente faz com que haja menos

retrabalho e maior capacidade de adaptação e alteração do entregável ao longo do projeto

ou, também, dinamização do direcionamento do produto gerido.

A centralização do cliente nesse processo, bem como o curto tempo de iteração

traz outra grande vantagem: feedbacks constantes, rápidos e assertivos. Dessa forma, a

equipe consegue validar se o seu produto ou projeto está atingindo o objetivo almejado e,

em caso negativo, realizar o pivoteamento (adaptação) do produto para a direção correta.

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Isso poupa tempo, recursos e acelera a entrega de valor, atingindo as necessidades do

mercado de forma mais rápida e assertiva.

É válido mencionar que, como citado por FILHO (2008), a ideia foi concebida

para o desenvolvimento de softwares. Segundo SOMMERVILLE (2011), “os métodos

ágeis foram desenvolvidos para serem usados por equipes de programação de pequeno

porte que podiam trabalhar juntas na mesma sala e se comunicar de maneira informal”.

A ideia é que equipes pequenas podem ser autogeridas, podem trocar informações de

forma mais clara e direta e seus membros podem auxiliar uns aos outros sem grandes

empecilhos. Posteriormente, o ágil foi analogamente utilizado como abordagem para a

gestão de produtos, de sistemas e de organizações de distintos e inúmeros mercados.

Ademais, ficou clara a necessidade de agilidade, principalmente para produtos

tecnológicos, mas também para diversos outros, não só no desenvolvimento do produto,

mas também no que tange ao desenvolvimento de protótipos, soluções e validação de

ideias antes de efetivamente engajar-se em um projeto. Esse processo foi definido por

Steve Blank (2012), em seu livro “The Startup Owner’s Manual”, como Customer

Development, processo em que a empresa busca o seu market fit, ou alinhamento com

mercado consumidor.

Atualmente, metodologias ágeis são extremamente populares e utilizadas cada vez

mais por empresas tecnológicas. Segundo uma pesquisa do Product Management Journal

(volume 7), em 2017 50% da base de empresas de tecnologia contatadas utilizavam

exclusivamente metodologias ágeis, 42% utilizavam adaptações de metodologias ágeis e

tradicionais e apenas 8% utilizavam metodologias tradicionais7. Por isso, neste capítulo

serão descritos os princípios do Manifesto Ágil, o aprofundamento do conceito de Lean

Market Validation e sua importância para o mercado tecnológico e, por fim, as principais

metodologias de desenvolvimento de produtos utilizadas pelo mercado. Ao final,

objetiva-se definir as principais compatibilidades desse modelo de gestão (e

desenvolvimento) com o mercado já caracterizado anteriormente.

Contudo, é válido, antes, realizar um breve comparativo entre o método de gestão

de projetos tradicional, conhecido também como Cascata (do inglês, Waterfall), e a

metodologia ágil. É fato que ambos têm vantagens e desvantagens, e não se pode dizer se

um ou outro são “melhores”, mas pode-se pontuar as suas principais características e

7 Disponível em <https://www.productfocus.com/journals/product-management-agile/?page=1> – Acesso

em 05/06/2019.

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divergências para, posteriormente, compreender qual metodologia tem maior sinergia

com o mercado de produtos de tecnologia.

3.1.1. Modelo Cascata versus Métodos Ágeis

Nesta seção é realizada uma breve introdução ao Modelo Cascata de gestão de

projetos, bem como uma comparação entre tal modelo e as metodologias consideradas

ágeis. Isso é importante para caracterizar de forma mais completa e profunda cada um dos

modelos e as diferenças e divergências de paradigmas entre eles, para posteriormente

analisar a compatibilidade de um ou outro método com o mercado de produtos

tecnológicos. A análise segue abaixo.

3.1.1.1. Modelo Cascata

Antes da disseminação da metodologia ágil, a principal metodologia

implementada na gestão e no desenvolvimento de produtos e projetos era o modelo

cascata. Ele possui esse nome em analogia ao fluxo de uma cachoeira (waterfall), em que

todo o fluxo de atividades é sequencial e linear, ou seja, segue-se uma lógica de um nível

alto para um nível mais baixo. Neste modelo é necessário que uma fase termine para que

outra possa ser iniciada e todos os processos precisam estar bem documentados para uma

execução efetiva. Segundo RAMOS E GHODDOSI (2016, p. 48), “baseia-se em

processos bem definidos e bem documentados em todas as etapas do projeto,

preocupando-se também com fatores como testes e qualidade do produto ou serviço a ser

desenvolvido”.

O método tradicional de gerenciamento de projetos é dividido em cinco grupos de

processos, conhecidos como Ciclo de Vida do Projeto, baseado no método PDCA (Plan,

Do, Check, Act). São eles: iniciação, planejamento, execução, controle e encerramento.

Abaixo na figura 4 pode-se ver um gráfico que define essas etapas quanto ao esforço a

ser empregado:

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Figura 4: Ciclo de vida de um projeto

Fonte: ALMEIDA, 2006, p.18.

Cada um deles é extremamente importante para o modelo cascata e, como já

citado, precisa estar encerrado para se passar ao seguinte. A Fase de Iniciação é quando

surge a necessidade ou demanda e o projeto inicia. Na Fase de Planejamento é realizada

a elaboração e o detalhamento de cronogramas, interdependências de atividades, alocação

de recursos e outros fatores referentes ao que foi levantado na primeira fase do Ciclo de

Vida. Segundo Vargas (2009), “nesta fase, os planos de escopo, tempo, custos, qualidade,

recursos humanos, comunicações, riscos e aquisições são desenvolvidos”.

Ainda de acordo com Vargas (2009), a Fase de Execução “é a fase que materializa

tudo aquilo que foi planejado anteriormente. (...). Grande parte do orçamento e do esforço

do projeto é consumida nessa fase”. É a fase em que emprega-se o maior esforço ao

projeto.

Concomitantemente deve-se realizar a Fase de Monitoramento, que objetiva

controlar as tarefas desenvolvidas durante o Ciclo de Vida, de modo que quaisquer

problemas ou divergências sejam detectados de forma mais rápida e assertiva, e que as

ações corretivas causem o menor impacto no projeto. Na Fase de Encerramento ocorre a

validação das entregas do projeto, bem como da gestão de conhecimento e das lições

aprendidas.

Pode-se ver abaixo característica importante do modelo tradicional de gestão de

projetos quanto ao custo e quanto à influência das partes interessadas (feedbacks e

validações de stakeholders) dado o andamento do projeto (figura 5):

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Figura 5: Características do ciclo de vida do projeto.

Fonte: <wpm.wikidot.com/conceito:caracteristicas-do-ciclo-de-vida-do-projeto> - Acesso em 07/01/2019.

É possível concluir que quanto mais o projeto avança, no modelo cascata, maior

é o custo de mudanças e modificações e, dessa forma, menor é a influência das partes

envolvidas, já que o escopo fechado dificulta alterações no projeto.

3.1.1.2. Breve Comparativo

Dada a explanação inicial, bem como a introdução ao ágil já realizada, é possível

então pontuar algumas das principais divergências referentes às mesmas características

de cada uma delas, para compreender o movimento de popularização da metodologia ágil,

especialmente no que tange à gestão e ao desenvolvimento de projetos e produtos

tecnológicos.

Quanto ao objetivo de cada um dos métodos, percebe-se que enquanto o método

tradicional é centrado em processos e orientado por atividades, a metodologia ágil é

centrada em pessoas e orientada por produtos. Além disso, enquanto a gestão de

projetos/produtos tradicional é estável, estruturada e com baixa possibilidade de

mudanças (vide figura 5), o método ágil possui feedback constante e mudanças rápidas.

Isso se dá devido à divergência quanto ao planejamento do projeto/produto, posto que o

Cascata exige planejamento estruturado e detalhado no início do Ciclo de Vida,

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majoritariamente sem envolvimento de quem o realiza. Por outro lado, a gestão ágil

possui curto planejamento, com total envolvimento da equipe que a executa.

Essa equipe, no modelo tradicional, possui papéis claros e bem definidos, e deve

atuar de forma funcional e hierárquica, respondendo sempre ao gerente de projetos, com

comunicação majoritariamente formal. Em projetos ágeis, contudo, as equipes são

essencialmente multidisciplinares e autônomas, o gerente de projeto tem função de

facilitação e auxílio e a comunicação é essencialmente direta e informal. Ainda, a

execução do projeto é realizada de forma sequenciada e linear (semelhante a uma

cachoeira) na gestão tradicional, enquanto que na gestão ágil é iterativa e incremental.

A participação do cliente é, também, diferente entre os métodos. O cliente, no

modelo cascata, participa das fases iniciais de levantamento de requisitos, bem como das

validações dos produtos ao final, mas não tem alta relevância ao longo do planejamento

e da execução. Já no ágil, o cliente possui papel central e essencial, validando entregas

incrementais e dando feedbacks rápidos e constantes. Feedbacks esses que são absorvidos

de forma dinâmica e rápida devido às curtas iterações da metodologia ágil, enquanto que

no modelo tradicional o controle de mudanças é burocrático e tende a ser caro e lento.

Sobre isso, segundo Palmquist et al (2013), em ambientes dinâmicos, o modelo

tradicional tem dificuldades em realizar entregas, já que está sempre referenciado a

planejamentos e prioridades fixados no início do projeto, enquanto que projetos ágeis

conseguem se adaptar, já que realizam entregas incrementais focadas em participação do

cliente e envolvendo alterações de prioridades e requerimentos para escopos também

dinâmicos.

Portanto, é possível perceber que, no que tange às principais características de um

projeto, os métodos cascata e ágil possuem grande divergência de enfoque e abordagem.

Feita a comparação, pode-se então prosseguir com aprofundamento às metodologias

ágeis, dada a sua popularização e, também, a sua aparente compatibilidade com o

mercado de produtos tecnológicos, que ainda será abordada neste estudo. O primeiro

ponto a ser abordado será, assim, o fundamento de todo o ágil, o chamado Manifesto Ágil,

que segue abaixo.

3.1.2. Manifesto Ágil

Como citado no início do capítulo, o Manifesto Ágil foi criado em 2001, em uma

convenção em que diversos gestores e desenvolvedores reuniram-se para debater as

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dificuldades e os pontos de alavancagem dos modelos de gestão presentes à época. O

manifesto é composto de doze princípios de “agilidade” para a gestão, que estão descritos

abaixo (agilemanifesto.org, 2001):

1. Nossa maior prioridade é satisfazer o cliente através da entrega contínua e

adiantada de software com valor agregado;

2. Mudanças nos requisitos são bem-vindas, mesmo tardiamente no

desenvolvimento. Processos ágeis tiram vantagem das mudanças visando

vantagem competitiva para o cliente;

3. Entregar frequentemente software funcionando, de poucas semanas a poucos

meses, com preferência à menor escala de tempo;

4. Pessoas de negócio e desenvolvedores devem trabalhar diariamente em conjunto

por todo o projeto;

5. Construa projetos em torno de indivíduos motivados. Dê a eles o ambiente e o

suporte necessário e confie neles para fazer o trabalho;

6. O método mais eficiente e eficaz de transmitir informações para e entre uma

equipe de desenvolvimento é através de conversa face a face;

7. Software funcionando é a medida primária de progresso;

8. Os processos ágeis promovem desenvolvimento sustentável. Os patrocinadores,

desenvolvedores e usuários devem ser capazes de manter um ritmo constante

indefinidamente;

9. Contínua atenção à excelência técnica e bom design aumenta a agilidade;

10. Simplicidade - a arte de maximizar a quantidade de trabalho não realizado - é

essencial;

11. As melhores arquiteturas, requisitos e designs emergem de equipes auto-

organizáveis;

12. Em intervalos regulares, a equipe reflete sobre como se tornar mais eficaz e então

refina e ajusta seu comportamento de acordo.

É possível compreender, ao ler os princípios listados, que o Manifesto buscou

posicionar o cliente no centro do desenvolvimento do projeto. O cliente é diretamente

envolvido na validação de ideias, na busca por feedbacks assertivos e recebe entregas de

valor contínuas. Dessa forma, consegue enxergar avanços, avaliar mudanças e propor

melhorias, dado que uma das conclusões do Manifesto é que a colaboração com o cliente

é mais importante que negociação de contra (agilemanifesto.org, 2001).

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Também, pode-se ver o posicionamento do grupo quanto à equipe envolvida no

trabalho. Busca-se, com esses princípios, não mais uma organização hierarquizada, em

que o líder ou gerente de projetos é supervisor e controlador, mas sim uma autonomia da

equipe, que deve receber as tarefas e os objetivos e definir a melhor forma de alcançá-los

no prazo estipulado. A equipe deve, portanto, ser multidisciplinar, possuir capacidade de

auto-organização, auto-crítica e, por fim, auto-reflexão, garantindo um momento formal

de análise dos pontos de melhoria e de alavancagem ao final de cada iteração.

A empresa deve garantir também, como dito anteriormente por Nonaka, as

melhores condições possíveis para o trabalho de sua equipe, garantindo assim indivíduos

motivados e que enxergam propósito no que fazem. Deve-se evitar comunicações e

feedbacks internos desgastantes ou burocráticos, prezando pela simplicidade e pela

comunicação “face a face”. Dessa forma, o Manifesto conclui que indivíduos e iterações

são mais importantes do que processos e ferramentas (agilemanifesto.org, 2001).

Além disso, é tangível a necessidade de reduzir as burocracias e encurtar as

entregas de valor. A possibilidade de alterações ao longo do projeto, sem escopo

totalmente definido desde o início, bem como a definição de entregáveis menores e mais

compactos, faz com que o cliente tenha a sensação de entrega contínua e, também, permite

que a empresa consiga adaptar ou alterar o projeto para satisfazer a real necessidade do

cliente, antes que se tenha investido tempo e dinheiro de forma indevida e seja necessário

retrabalho. Portanto, quanto à entrega de valor contínua e assertiva, define-se que o

software funcionando é mais importante que documentação completa, e que a adaptação

a mudanças é mais importante do que seguir o plano normal (agilemanifesto.org, 2001).

Percebe-se, então, que o Manifesto Ágil objetiva, segundo seus autores, reduzir

burocracias (tanto processuais quanto nas relações de trabalho), aproximar o produto do

cliente, fazendo-o coator no desenvolvimento, e entregar valor de forma contínua e

rápida, sem escopo de projeto fixo, possibilitando maior satisfação para o cliente e maior

flexibilidade na adaptação e na redefinição de escopo, evitando assim retrabalhos e

lentidão no processo de desenvolvimento de projetos. Pode-se dizer que o foco do Agile

é desenvolver a capacidade de rápida adequação do software em desenvolvimento de

acordo com as necessidades do cliente, além da obtenção de resultados em um curto

espaço de tempo (ROLA et al, 2016).

Esses princípios são base de diversas metodologias de desenvolvimento de

produtos e, portanto, extremamente importantes no contexto de gestão de produtos e

projetos. Devido a ele, foram criadas - ou disseminadas - grande parte das metodologias

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utilizadas hoje na gestão de produtos, que se estruturam em torno da agilidade de entrega

e do foco no cliente para tal. Algumas a serem citadas são Feature Driven Development

(FDD), eXtreme Programming (XP), Dynamic Systems Development Model (DSDM),

Scrum e Lean Software Development, também conhecida como Lean Kanban (FILHO,

2008).

Dentre essas, talvez tenham maior destaque o Scrum e o Lean Kanban, muito

porque, apesar de serem metodologias ágeis, possuem processos e ferramentas pré

definidos para o desenvolvimento, ainda que não se limitem a eles e sejam adaptáveis de

acordo com o projeto ou os times envolvidos. Essa flexibilidade, atrelada à escalabilidade

e a uma dificuldade não tão alta de implementação faz com que elas sejam as

metodologias ágeis mais utilizadas pelo mercado atualmente (ROLA et al, 2016).

A seguir os conceitos trazidos pelo Manifesto serão mostrados como, ao longo do

tempo, também foram incorporados em um processo anterior ao desenvolvimento do

produto em si, mas que também exigia grande agilidade nas validações de hipóteses

críticas a determinados modelos de negócios. Esse aproveitamento de princípios permitiu

com que a agilidade estivesse presente tanto na etapa de validação do mercado quanto nas

metodologias ágeis de desenvolvimento de produto, o que, conforme será mostrado a

seguir, pode se tornar uma vantagem competitiva importante no cenário de

democratização e desmaterialização do mercado.

3.1.3. Lean Market Validation

A mudança na dinâmica de mercado, que tem a tecnologia como um dos seus

principais motores, passa então a ser fator de muita relevância quando se pensa no sucesso

de determinado produto. A concorrência e os mercados, até então consolidados e

comandados pelas empresas multinacionais, caminhava em um ritmo que permitia que a

velocidade de mudança de rumo dos gigantes garantisse a capacidade de entrega de

produtos que, explorando todos os métodos mais clássicos de gestão de produtos e

projetos, tinham milestones espaçados e canais de distribuição majoritariamente físicos.

A introdução da tecnologia se torna disruptiva em termos comerciais pois ela

desmaterializa os produtos e os canais de distribuição, ou seja, é possível observar a

migração do mercado para produtos digitais e que exploram esse mesmo ecossistema no

relacionamento com o cliente. O cliente assume ainda o protagonismo e o centro da

construções dos produtos pois, além de toda troca de mentalidade que o coloca no centro

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- “customer centric” -, há, em meio a essa revolução digital, a democratização da

resolução de determinados problemas (Diamandis & Kotler, 2015).

Dessa forma, torna-se viável a observação de dois movimentos importantes: o

primeiro deles é que, mais do que nunca, a escalabilidade passa a ser um fator crítico de

sucesso para os produtos e soluções desenvolvidas e, o segundo deles, a concorrência se

torna descentralizada e inclui agora as startups “de fundo de garagem” no radar das

grandes organizações.

Que a competição acirrada exige agilidade de todos já está mais do que claro,

porém, o contexto mantém a exigência de eficiência de processos e custos e reduz a

margem de erro. Nesse sentido, para unir todos esses pontos, resolução de problemas,

demanda de clientes, ganho de escala, eficiência e margem mínima para erro, tornou-se

relevante o conceito, introduzido por Steve Blank (2012), de Customer Development, uma

metodologia que propõe um ciclo iterativo para descobrir o real problema a ser resolvido

e a solução de menor custo que atende a esse problema do cliente.

Esse posicionamento de que as organizações que desejam ter vantagem

competitiva e sucesso de longo prazo em seus produtos e novos negócios está, de certa

forma, alinhado com alguns princípios do Manifesto, especialmente por alterar o foco de

um modelo anterior de desenvolvimento do produto e, estabelecer uma outra ótica

centrada no cliente, em uma busca iterada por um mercado que faça sentido e por um

solução que esteja de acordo com a real necessidade do cliente.

É válido enfatizar inicialmente a iteração sugerida como uma das questões

principais do processo. Segundo Blank (2006), cada etapa do processo exige iteração pois,

diferente da abordagem linear dos processos de desenvolvimento de produtos, encontrar

os clientes e mercados certos é imprevisível e expõe o responsável pelo produto à falha

uma série de vezes já que a maioria dos produtos e novos negócios falham nas etapas de

descoberta do mercado, validar as hipóteses de negócio e escalando o uso e resultados do

produto.

Um ponto importante é que, exatamente como enunciado no Manifesto, o

processo de Desenvolvimento do Cliente é um processo ágil e, portanto, tira,

essencialmente, vantagem das mudanças. Esta é inclusive uma premissa básica do modelo

já que é a partir do conhecimento incorporado nas iterações que a empresa descobrirá

quem, de fato, são os clientes iniciais que estarão dispostos a pagar pelo produto, validar

as hipóteses e o modelo de distribuição e vendas, bem como, ter clareza da escalabilidade

do negócio.

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Podemos acrescentar ainda que essa mudança de mentalidade na linha de

valorização de uma etapa em que haja entregas rápidas, exponha o produto à falha

rapidamente e incorpore as lições aprendidas é característica das principais empresas de

tecnologia de sucesso no mundo. Se poucas são as empresas e produtos que sobrevivem

aos primeiros contatos com os clientes e mercados reais, todas aquelas que foram bem

sucedidas precisaram, em algum momento, alterar aquele que seria o plano “A” (Maurya,

2010).

Eric Ries, que é empreendedor residente na Harvard Business School, defende

que as empresas não fiquem presas às ideias que elas próprias têm do produto que os

consumidores querem e, comecem, a partir dessa concepção inicial, a empregar tempo e

recursos no desenvolvimento e aperfeiçoamento do produto (Ries, 2011). Para ele,

especialmente em um cenário repleto de incertezas, as empresas devem se preocupar em

testar as visões iniciais delas continuamente e alterando seus questionamentos de “esse

produto pode ser fabricado?” para “esse produto deve ser fabricado?” e, de forma

complementar, analisar se é viável a construção de um negócio sustentável em torno

desses produtos ou serviços.

Tanto Blank quanto Ries convergem ao defender que sem a validação de que a

demanda pelo produto realmente existe e que as pessoas realmente estariam dispostas a

pagar pela solução pensada, nenhum investimento massivo (tempo, dinheiro e gente) deve

ser feito planejando, pesquisando e desenvolvendo ou ainda, considerando um cenário

projetado de marketing ou vendas. O foco absoluto deve ser em descobrir o que o mercado

deseja, testando o mais cedo possível sua aceitação ao produto pensado. As iterações

propostas por Ries no ciclo de feedback que ele denominou Construir-Medir-Aprender,

do inglês Build-Measure-Learn, tem como essência, e, uma das principais contribuições

para nova forma de encarar o desenvolvimento de produtos, o aprendizado validado.

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Figura 6: Ciclo de feedback Construir-Medir-Aprender de Eric Ries.

Fonte: <http://startuplessonslearned.blogspot.com/ (adaptado)> - Acesso em 06/07/2019.

Isso pode ser dito pois, mesmo com a introdução das ideias de que seria

recomendado um produto mínimo viável para tal, nesse mesmo contexto do mercado atual

em constante aceleração, surgem frentes que já consideram o tempo de construção desse

MVP como algo sofisticado demais para um estágio inicial de um produto que ainda não

tem seus conceitos principais validados (Knapp, 2017). Essa ideia se popularizou com a

apresentação, feita pela Google Ventures, do método próprio de desenvolvimento de

produtos do Google, conhecido como Design Sprint, que se propõe a, num tempo mais

reduzido ainda, aumentar os aprendizados e hipóteses validadas para os produtos

propostos antes mesmo do desenvolvimento de um produto mínimo viável.

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Figura 7: O atalho proposto por Jake Knapp no processo de aprendizado

Fonte:<https://brasil.uxdesign.cc/google-design-sprint-como-funciona-e-como-aplicar-no-seu-projeto-

279107363659> - Acesso em 06/07/2019.

É verdade que as metodologias mencionadas anteriormente não são excludentes,

especialmente, porque compartilham de princípios fortes que tem origem justamente no

processo de Desenvolvimento de Clientes de que é necessário que seja desenvolvido,

além do processo de desenvolvimento do produto em si, uma etapa de compreensão do

problema que será resolvido por ele. Para maior entendimento prático, é fundamental

conhecer o objetivo de cada um dos passos que compõem o que Blank chamou de quatro

passos “do sonho à realização”: Descoberta do cliente, validação do cliente, geração de

demanda e estruturação do negócio (Blank, 2006).

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Figura 8: Os ciclos e fases do modelo de Desenvolvimento do cliente.

Fonte: <https://neigrando.wordpress.com/2011/08/05/o-modelo-de-desenvolvimento-do-cliente/> -

Acesso em 06/07/2019.

De forma geral, a etapa de Descoberta do Cliente foca na compreensão dos

problemas e necessidades dos clientes; Validação do cliente, em desenvolver um modelo

de vendas e distribuição que possa ser facilmente replicado; Geração de Demanda, em

criar uma demanda para o usuário final através dos canais de venda e se preparar para o

ganho de escala; e, Estruturação do Negócio, quando há a estruturação de departamentos

em torno do produto desenvolvido e da venda em escala.

Como introduzido, o objetivo da etapa de Descoberta de Cliente é conseguir

identificar quem são os clientes para o produto a ser desenvolvido e que espécie de

problema acredita-se que seria importante para eles de ser resolvido a partir de uma nova

solução. A parte mais importante e frisada por todos os autores dessa nova frente é que o

responsável pelo produto, se quiser ser bem-sucedido em seu desenvolvimento, deve

deixar de lado qualquer sentimento de que possa haver algum conhecimento prévio de

como o mercado consumidor em potencial pensa e ir à rua captar do próprio mercado o

que é valor para ele.

Cabe destacar que a preocupação neste momento, não é criar uma lista de features

que o produto precisa ter, ou seja, o foco deve ser o problema em si e, só depois, a solução.

Segundo Ash Maurya, o processo de Descoberta do Cliente pode ser dividido em três

pontos de checagem: compreensão de quem são os clientes de fato e definição daqueles

que serão os primeiros a serem atacados logo de cara, compreensão de qual o real

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problema solucionável e demandado pelos clientes e, por último, validação se a solução

pensada é mesmo a esperada e se realmente preenche a lacuna do problema identificado

anteriormente (Problem/Solution fit).

A partir do conhecimento apreendido nesse processo de conhecimento do

mercado e de suas necessidades reais, é que a organização e o produto começa a se

diferenciar das demais e a estabelecer eventuais vantagens competitivas. Neste ciclo é

esperado já saber responder algumas questões fundamentais:

● Quais são os principais problemas de seus clientes? Quanto eles vão pagar para

resolvê-los?

● Será que o seu conceito de produto resolve os problemas? Os clientes concordam?

Quanto eles vão pagar por isso?

● Desenhe um dia de trabalho de um cliente – antes e depois de seu produto.

A etapa seguinte, de Validação de Cliente, visa aprender a construir um modelo

de venda, forma de relacionamento e canal de distribuição para o produto desenvolvido,

de acordo com os aprendizados validados da etapa anterior. Os resultados desse passo

complementam os já obtidos na de Descoberta do Cliente pois é nesse momento em que

as conclusões a respeito dos clientes e do mercado, de forma geral, serão postas à prova

e poderá se observar quais clientes, numa escala maior, reagem positivamente ao produto.

O objetivo é acompanhar se houve o desenvolvimento de um processo de vendas e

conhecimento suficiente do comportamento do mercado que impliquem em vendas

recorrentes e, posteriormente, em um modelo de negócios estabelecido que seja

sustentável, rentável e escalável (Blank, 2006).

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Figura 9: Lean Canvas para registro de hipóteses e aprendizados das etapas de descoberta do negócio.

Fonte: Maurya, 2010, p.45.

Na fase de Validação de Cliente, o produto pode acabar sofrendo mudanças na

direção com ajustes, em seu cliente-alvo, modelo de negócio ou até mesmo

reposicionamento do produto. Neste caso, é fundamental voltar para fase de Descoberta

do Cliente. Esta correção de curso é conhecido como pivotar, ou seja, ela procura garantir

que cada mudança de visão dentro da empresa ou produto busque o ajuste necessário em

relação ao mercado.

O objetivo com tudo isso é alcançar tração, isto é, comprovar que as ideias obtidas

até então, quando aplicadas, conseguem garantir crescimento e sustentabilidade ao

produto a partir do fit do produto com o mercado. Cabe destacar que é nesta etapa que o

uso de metodologias ágeis de desenvolvimento começa a fazer sentido. A partir de então,

é possível avançar para as outras duas fases em que o foco passa a ser direcionado a

acelerar o plano de um produto já validado para a escala.

Esses conceitos se tornam importantes pois, reforçam que, independentemente do

tamanho da empresa em si, ao menos que se esteja atuando em um mercado já

estabelecido e que já se tenha um conhecimento disseminado de comportamento do

consumidor, as etapas de descoberta do negócio não só garantem uma compreensão maior

do que é valor e de como é possível entregá-lo para determinado mercado - o que impacta

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diretamente o volume de vendas e receita - mas também, colaboram para que não haja

investimentos expressivos para descobrir se a ideia é boa ou não.

3.1.4. Scrum

A metodologia Scrum de desenvolvimento de projetos foi criada no início dos

anos 1990 por Jeff Sutherland e Ken Schwaber, com a finalidade de entregar valor de

forma mais rápida e transformas as mudanças de escopo do projeto em vantagem

competitiva (SABBAGH, 2013).

Os autores se basearam nos estudos conduzidos por Takeuchi e Nonaka (1986)

em empresas como Honda, Xerox e Hewlett-Packard, que comparavam equipes de alto

desempenho e multidisciplinares (ou multifuncionais) a times de rúgbi, e mais

especificamente à formação do scrum. Takeuchi e Nonaka perceberam que as equipes

possuíam seis semelhanças principais:

1. Instabilidade embutida;

2. Auto-organização nas equipes;

3. Sobreposição nas fases de desenvolvimento;

4. Aprendizado múltiplo;

5. Controle sutil pela alta gerência;

6. Transferência organizacional de aprendizado.

Sutherland e Schwaber, utilizando tais conclusões, buscaram definir uma

metodologia que conduzisse equipes a esses resultados. No texto The Scrum Guide (Guia

do Scrum), os autores definem o Scrum como um framework para que empresas possam

resolver problemas complexos e adaptativos, ao mesmo tempo que entregam produtos de

maior valor possível, de forma produtiva e criativa (SCHWABER e SUTHERLAND,

2013).

Ainda segundo eles, o framework é adaptável e pode ser empregado com

diferentes processos e técnicas, o que permite a ele flexibilidade para diferentes modelos

de negócios e produtos. Ele é composto de regras (ou cerimônias) que devem ser seguidas

para que a equipe chegue às características objetivadas (citadas acima). Seu

funcionamento é explicado na figura abaixo:

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Figura 10: Framework da metodologia Scrum

Fonte: < https://www.scrum.org (adaptado)> - Acesso em 30/06/2019

Ele funciona com alguns processos básicos. Deve-se definir um product backlog,

ou uma lista de tarefas a serem feitas, em ordem de prioridade de entrega. A prioridade

deve ser definida pela maior entrega de valor, ou pela importância da entrega, e para isso

é necessário consultar todos os stakeholders (internos e externos) envolvidos. As tarefas

mais acima na lista precisam ser detalhadamente descritas quanto ao objetivo, ainda que

não se deva determinar a forma de fazê-la. Isso porque a equipe de desenvolvimento, no

Scrum, possui a autonomia de decidir a melhor forma de completar as tarefas.

A equipe é composta por membros multifuncionais (geralmente engenheiros de

software, um product manager e um designer, podendo incluir outras pessoas). Esses

devem definir e priorizar os seus trabalhos a partir de iterações chamadas Sprints, ciclos

curtos e rápidos de repetição do processo do Scrum. Ao final de cada sprint, deve-se

aprovar - ou não - as tarefas feitas, validando as entregas e definindo assim o valor

entregue pela equipe ao cliente, bem como quaisquer feedbacks do cliente (ou do

mercado) quanto ao novo contexto.

É necessário realizar, também, uma revisão da iteração, pontuando os pontos

fortes, os pontos de alavancagem e as possibilidades de melhora, de forma direta e sincera,

da equipe naquela iteração. Dessa forma, a equipe consegue realizar a gestão do

conhecimento e, também, sua auto-gestão, possibilitando à gerência maior liberdade para

tomar decisões estratégicas e se afastar (no sentido positivo) da operação.

No Scrum não são definidos processos ou ferramentas específicos e detalhados

pela equipe. A metodologia determina funções, cerimônias (rotinas), artefatos (conceitos)

e regras que a equipe do projeto deve utilizar para atingir seu objetivo, garantindo

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autonomia a ela (SABBAGH, 2013, FILHO, 2008). Portanto, existe uma grande

variedade de possibilidades no uso desses artefatos, o que torna-a simples de entender,

mas pode implicar em uma maior dificuldade de aplicação desse framework em projetos

(SCHWABER e SUTHERLAND, 2013 apud SABBAGH, 2013).

É fácil associar cada um dos pontos citados ao Manifesto Ágil, apesar do mesmo

ter sido desenvolvido posteriormente (com a contribuição dos autores do Scrum). Essa

metodologia agrega os princípios ágeis a regras fixas e processos e ferramentas flexíveis,

tornando o Scrum a metodologia mais utilizada atualmente por empresas tecnológicas ao

redor do mundo (ROLA et al, 2016).

3.1.5. Lean Kanban

Com o passar do tempo, alguns estudiosos e, também, algumas empresas

começaram a não se adaptar ao Scrum - apesar da necessidade de se tornarem ágeis - ou

perceberam falhas nesse modelo, e isso fez com que novos métodos ágeis surgissem.

Nesse contexto, um dos modelos de gestão ágil que vem ganhando força e se

popularizando no cenário mundial é o Lean Kanban.

Esse método remete à abordagem Lean, que foi introduzida inicialmente em

sistemas produtivos japoneses (mais especificamente por Taiichi Ohno na Toyota) na

década de 1940. Ela tem como objetivos entregar valor ao cliente de forma mais eficiente,

eliminando inconsistências e desperdícios de forma contínua, e desenvolver, nesses

sistemas, a capacidade de resolver problemas de maneira sistemática. Para isso, são

necessários alguns fundamentos, como otimização de fluxos, aumento de eficiência,

diminuição de desperdício, melhoria dos métodos de aprendizado e de gestão do

conhecimento e utilização de métodos de auxílio à tomada de decisão (ANDERSON et

al, 2011).

O modelo aborda a produção como um sistema puxado, e não mais empurrado.

Isso significa que a produção é comandada pela demanda do mercado, e um produto só é

produzido quando o seu anterior estiver pronto, em cada etapa do processo. O lean exige

a utilização de ferramentas para acompanhar o fluxo de trabalho realizado, ou Work in

Progress (WIP) e, dessa forma, facilitar a produção puxada, tornando o processo claro

para as equipes e para os stakeholders. Para tal, Taiichi Ohno criou, em 1953, uma

ferramenta chamada kanban, significa “cartão virtual”.

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Essa ferramenta representava, na produção, pedidos ou ordens de requisição e

produção e, segundo Ohno, com ela os funcionários teriam autonomia de trabalho, sem

necessidade de instruções ou supervisão constante da gerência, já que esses cartões

indicavam as peças ou produtos a serem produzidos. Dessa forma, foi possível dirigir

sistemas produtivos de forma eficiente e produtiva, impulsionando a produção, posto que

o uso correto da ferramenta diminui o WIP, evidencia os gargalos e coordena o trabalho

da equipe (ANDERSON et al, 2011).

Recentemente, o Lean Kanban passou a ser utilizado para a gestão e o

desenvolvimento de softwares e, consequentemente, para gestão ágil de produtos

tecnológicos. Quando aplicado corretamente, o modelo faz com que o desenvolvimento

do produto seja de alta qualidade, além de ser realizado rapidamente e possuir um baixo

custo (FADEL et al, 2010).

POPPENDIECK et al (2003) define princípios que deve-se seguir para a aplicação

do lean em gestão de produtos tecnológicos e softwares. Segundo os autores, são sete,

que podem ser resumidos no quadro abaixo, baseado também na visão de FILHO (2008)

e de FADEL et al (2010):

Tabela 5: Princípios do Lean aplicado a produtos tecnológicos.

Fonte: elaboração própria.

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Para acompanhar o andamento de implementações, entregas e desenvolvimentos,

o método lean aplicado à tecnologia utiliza um quadro no padrão kanban, que define o

WIP de cada subproduto (ou tarefa) e detalha o fluxo de trabalho. Um exemplo de quadro

pode ser visto abaixo:

Figura 11: Quadro kanban para gestão de produto.

Fonte: <https://www.heflo.com/blog/agile/lean-kanban-board/ (adaptado)> - Acesso em 30/06/2019.

Dessa forma, pode-se perceber que o Lean aplicado para gestão e

desenvolvimento de produtos tecnológicos possui extrema sinergia com o manifesto ágil

e com os princípios de agilidade já descritos nesse estudo, ainda que divirja do Scrum em

diversos aspectos, principalmente no que tange às cerimônias e aos artefatos mencionados

na seção anterior.

3.2. Compatibilidades com o mercado de tecnologia

Retomando a caracterização do mercado tecnológico feita no início do estudo, tem-

se cada vez mais um mercado extremamente flexível, que se volatiza conforme a demanda

e as preferências do consumidor, além da reação de outros competidores quanto às

mesmas percepções e alterações. Empresas extremamente inovadoras exigem que o

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mercado ao seu redor seja, também, extremamente inovador, e fazem com que o número

de novos produtos e de diversificações seja cada vez maior. Além disso, a escalabilidade

das entregas tecnológicas (e de tecnologia da informação), associada a uma disseminação

consideravelmente mais fácil da tecnologia e dos produtos faz com que o cenário atual (e

a tendência para o futuro) seja de um mercado muito mais democrático e competitivo,

principalmente no que tange à equidade de disputa entre pequenas e grandes empresas,

alterando a dinâmica de competição de todo o mercado.

Todos esses aspectos derivam para a necessidade de inovação acelerada, com

liberdade de criação (e de criatividade) e possibilidade de mudança ou pivoteamento de

produtos e ideias. Empresas rígidas, burocráticas e sem capacidade de percepção de

mercado não conseguem se adaptar a esse cenário e, dessa forma, ficam sem espaço e,

sem possibilidade de reação, tendem a perder participação, como afirmado por Najrani.

Ademais, o fluxo contínuo de inovações incrementais reduz o ciclo de vida (life cycle) de

produtos, fazendo com que o mercado seja ainda mais incerto.

Christopher (2000) analisa que em mercados incertos e turbulentos, com grandes

forças competitivas e produtos com ciclo de vida encurtados, o risco atrelado à processos

burocráticos e lentos torna-se insustentável. Isso força organizações a repensarem a forma

como se estruturam e se gerenciam. Christopher sugere que, nesse sentido, o fator chave

para a subsistência e, certamente, para a sobrevivência de companhias nesse cenário é a

agilidade, principalmente no que se tange a criar organizações responsivas, ao mercado

consumidor, à concorrência e a tecnologias já existentes e emergentes, em mercados

relativos ou não.

Isso endossa a tendência também identificada no estudo quanto à necessidade de

agilidade de gestão, inovação, dentro desse mercado. Agilidade essa que é,

provavelmente, a característica mais crítica a ser perseguida por empresas e, muito por

isso, suscitou diversos debates, estudos e resultou pelo desenvolvimento de métodos,

metodologias e processos de gestão.

A Metodologia Ágil deriva diretamente desse cenário e das tendências inerentes

ao mercado tecnológico, e explora, de forma implícita ou explícita, cada um dos pontos

frisados acima. Como já citado, ainda que existam diversos modelos ou métodos de gestão

ágil, todos convergem no que tange à explícita necessidade de agilidade na gestão. Pode-

se mencionar a clara intenção de reduzir a quantidade de processos burocráticos em todas

as etapas de gestão de produtos e projetos, desde a definição de pré-requisitos até a

validação de entregáveis e de seu impacto. Busca-se também, a simplificação das

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ferramentas de gestão, com interfaces e dashboards intuitivos, que não exijam

complexidade e/ou auxílio computacional. Pode-se ver isso na gestão por cartões no

método kanban e na utilização de post its para acompanhamento de etapas do método

Scrum. Isso de forma alguma significa que não se pode (ou deve) utilizar a tecnologia a

favor da otimização e da centralização da gestão, mas apenas que o processo não exige

ferramentas complexas e facilita a compreensão por todos os seus membros.

Esses membros formam, segundo a metodologia ágil, equipes autônomas e

diversas, com capacidade analítica com conhecimento profundo não necessariamente

sobre o mercado, ou os mercados a serem atingidos, mas sim sobre o modelo de gestão

ágil e a mentalidade necessária. Também, as equipes precisam ter capacidade de

gerenciamento de stakeholders, sendo um deles o consumidor, o que torna o

desenvolvimento do produto mais rápido, eficiente e compatível com as necessidades

emergentes.

Além disso, é comum entre todos os modelos estudados a diminuição das entregas

realizadas, com redução de tempo entre etapas e, principalmente, redução do escopo de

cada entrega, o que faz com que seja possível à empresa ser responsiva às avaliações e

críticas do mercado, bem como às mudanças de preferências, tendências e perspectivas

do consumidor. Faz com que seja também possível analisar a viabilidade do projeto ou

produto e, caso seja necessário, a despriorização do mesmo de forma menos custosa e

mais eficiente possível.

Outro ponto chave que reforça a compatibilidade entre a metodologia ágil e o

panorama do mercado de tecnologia da informação é a centralização do consumidor

(cliente) no processo de gestão e desenvolvimentos de projetos e produtos. Isso garante

alinhamento inicial do consumidor com as propostas e ideias levantadas, bem como a

verificação da compatibilidade do desenvolvimento do produto com as necessidades e

vontades do consumidor a cada entrega. Qualquer desvio pode ser, então, rapidamente

percebido e ajustado para que o resultado final resulte em valor agregado o consumidor

ou, em caso de desenvolvimento contínuo de um serviço, resulte em valor incremental

constante.

Pode-se perceber, por esses e diversos outros motivos descritos ao longo dos

capítulos acima, uma grande sinergia entre a Metodologia Ágil de gestão e o mercado de

tecnologia, atualmente e segundo as próprias tendências de mercado analisadas. Essa

compatibilidade é observada, de forma prática, com o sucesso da aplicação de métodos

ágeis em empresas de tecnologia ao redor do mundo. É válido frisar que de forma alguma

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objetiva-se, com essa declaração, afirmar que outros métodos de gestão sejam

incompatíveis ou inviáveis em empresas e produtos de tecnologia, contudo torna-se claro,

por toda a análise, embasamento histórico e técnico, que empresas do mercado de

tecnologia que implementam a metodologia ágil possuem maior responsividade ao

mercado, maior capacidade de adaptação à mudanças e mais agilidade na entrega de

inovações, disruptivas ou incrementais, o que garante a elas vantagem competitiva

extremamente forte perante a outras.

A partir desse entendimento, o trabalho busca a seguir definir um breve modelo

de gestão de produtos tecnológicos, aliando conhecimento técnico, embasamento

histórico e características de diversos dos métodos e exemplos citados até este ponto. Não

é intenção do estudo definir este como um modelo universal, ou como guia para gestão

de produtos, mas sim um exemplo eficiente e viável de gestão ágil para produtos e

projetos tecnológicos.

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4. GESTÃO DE PRODUTOS TECNOLÓGICOS

Como já mencionado, o intuito deste capítulo não é definir um método a ser

seguido, ou uma metodologia estruturada para que gestores e empresas sigam ao realizar

a gestão de produtos tecnológicos. Essa seção objetiva pontuar, baseado em todos os

conceitos abordados anteriormente, características de gerenciamento essenciais para uma

gestão eficiente, pouco burocrática e ágil, de produtos de tecnologia e de tecnologia da

informação. A definição da mesma, bem como suas características e seus processos

essenciais segue abaixo.

4.1. Definição

Como mencionado na seção anterior, há grande compatibilidade entre o

pensamento ágil e o mercado de tecnologia, e ficam claros os pontos de interseção entre

a mentalidade ágil e as características desse mercado. Marty Cagan acredita que a maioria

dos produtos inclusive já tem alguma estrutura apoiada em tecnologia e que as empresas

que não se atentarem e se adaptarem a esse ponto serão alvo de disrupção (Cagan, 2017).

A base de toda a gestão deve ser, portanto, a noção de agilidade e a busca pela capacidade

de entregar valor de forma rápida e contínua para o consumidor, colocando-o sempre no

centro do desenvolvimento, validando com ele todas as entregas e garantindo, caso

necessário, a possibilidade de adaptações e de pivoteamento (mudanças de direção) no

desenvolvimento do produto.

É válido também, para o prosseguimento da análise, definir alguns requisitos

quanto aos objetivos e quanto à natureza da empresa ou órgão a implementar e utilizar

esse tipo de gestão. Primeiramente, é importante que se esteja inserido em um mercado

que absorva e desenvolva tecnologias. É necessário, também, que o cliente seja priorizado

e posto no centro do negócio, como principal stakeholder e como a razão de ser do

produto/projeto. Além disso, faz-se necessário que a empresa busque ganhar market share

ou, ainda, manter-se em posição consolidada no mercado, dado que qualquer

desalinhamento com esse ponto diverge do objetivo da gestão ágil.

Ademais, precisa-se assumir que há total liberdade para implementação de uma

nova forma de pensar, sem barreiras, impeditivos ou limites. Dessa forma, busca-se evitar

uma má ou parcial implementação do pensamento ágil, o que pode dificultar ou impedir

o avanço quanto às características de gestão buscadas. Dados esses requisitos, pode-se

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assumir que a empresa ou organização está pronta, ou ao menos aberta, ao sistema de

gestão apresentado, que ele é viável e que faz sentido para o mercado em que se está

inserido.

Definido o cenário de implementação da gestão, cabe então introduzir brevemente

cada uma das etapas definidas. A definição foi feita para que todo o processo de criação

e desenvolvimento seja contemplado, garantindo então que não haja lacunas para o

pensamento ágil e para a eficiência do processo. Suas etapas seguem abaixo:

1. Validação do problema: antes de iniciar o desenvolvimento oficial de um produto,

é necessário validar junto ao mercado (consumidores, concorrência) a viabilidade

de seu lançamento e de sua manutenção. Vale-se ressaltar, claro, que a qualquer

momento essa confirmação inicial pode ser invalidada devido à rapidez como o

mercado muda;

2. Definição e validação de requisitos: garantida a validação inicial do mercado

quanto à ideia concebida, é necessário definir quais os requisitos iniciais para o

desenvolvimento do mesmo, validando-os sempre com o consumidor e garantindo

sua viabilidade e sua assertividade com embasamento lógico e técnico mais do

que com intuição;

3. Gestão e desenvolvimento do produto: definidos e validados os requisitos, pode-

se então partir para o desenvolvimento do produto. Ele deve ser realizado com

uma gestão presente, contínua e ágil, que permita entregas contínuas de valor e,

caso necessário, mudanças com o mínimo de custo ao longo do processo;

4. Gestão do conhecimento: ao longo de todo o desenvolvimento e, ademais, ao fim

do mesmo, é necessário que haja a gestão do conhecimento, ou a manutenção de

tudo o que se aprende ao longo do processo, desde os pontos positivos até as

oportunidades e pontos de atenção para projetos seguintes ou para a manutenção

do mesmo produto. A disponibilidade de ferramentas que possibilitem o acesso

aos aprendizados da companhia são processo chave na gestão de produtos.

Para realizar todas essas etapas de forma a otimizar o processo, entende-se que é

necessária uma equipe sem hierarquia estrutural, polivalente, capacitada e com autonomia

para definir prioridades, prazos e requisitos do projeto, bem como para tomar decisões e

dialogar com stakeholders diretamente. Assim, busca-se reduzir a burocracia, aumentar a

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eficiência, garantir o senso de responsabilidade e permitir a responsividade da equipe (e

do produto) ao mercado.

Portanto, acredita-se que será possível garantir o melhor do desenvolvimento do

projeto ou produto, da forma mais ágil, eficiente e menos custosa possível, extraindo o

máximo das da equipe envolvida. Cada um dos pontos é detalhado e abordado abaixo, na

sequência em que devem se suceder. Por fim, é descrito de forma também detalhada o

trabalho do “gestor” do projeto ou produto tecnológico, comumente conhecido como

Product Manager.

4.2. Validação do problema

Em estudo divulgado em fevereiro de 2018 pela The CB Insights, plataforma de

inteligência de mercado especializada no mercado de tecnologia, são elencadas as vinte

principais razões pelas quais startups falham (Figura X). O estudo é resultado da análise

de mais de cem startups que falharam e conclui que, apesar de não ser possível apontar

uma única razão - em determinados casos, mais de uma razão foi apresentada -, a maioria

delas converge para a falha de fit do produto com o mercado, o chamado product-market

fit apresentado anteriormente.

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Figura 12: Principais motivos pelos quais startups falham

Fonte: https://www.cbinsights.com/research/startup-failure-reasons-top/ - Acesso 30/06/2019.

O resultado do quadro anterior corrobora a importante de validar o mercado de

forma rápido e do quanto é importante que se adquira conhecimento de forma rápida sobre

o par cliente-problema. É fundamental que durante esse processo esteja claro que

qualquer visão inicial é construída sobre suposições não testadas e que, por isso, é

imprescindível que elas sejam refinadas e testadas sistematicamente. Esse ponto se torna

relevante porque toda a etapa de validação deve ser orientada a dados e, como destacado

por Blank (2012), deve ocorrer do lado de fora do escritório, de frente para o cliente, com

uma série de experimentos que testem e estressem as hipóteses que se tem e incorpore

novos aprendizados sobre quem é essencialmente o cliente e como o problema se

caracteriza.

O primeiro passo é a análise profunda do problema. Andy Rachleff, co-fundador

da Benchmark Capital, empresa de venture capital com participação em negócios como

eBay, Dropbox, Uber, Twitter e outras, defende que se se endereçar um mercado

consumidor que realmente queira seu produto e ainda assim, a condução do negócio não

for tão boa, o resultado ainda será positivo8. Por outro lado, mesmo que se tenha alta

8 Disponível em https://a16z.com/2017/02/18/12-things-about-product-market-fit/ – Acesso em

22/07/2019.

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capacidade na execução, mas o mercado consumidor não tenha interesse no produto, não

há chance de vitória.

A definição de hipóteses bem estruturadas que identifiquem claramente aspectos

de features a serem desenvolvidas que o público-alvo de fato queira e que encorajariam

os clientes a comprar o produto é parte da etapa de estruturação da rodada de entrevistas

que é recomendado conduzir. As hipóteses de valor definem o que, para quem e como,

ou seja, o que se acredita ser valor para um segmento “desesperado” e qual será o modelo

de negócio que será desenvolvido para que a entrega de valor seja feita. A partir daí pode-

se aprofundar e definir três perguntas chave para condução desse processo de

aprendizado: Quem tem o problema? Qual é o maior problema? Como ele é resolvido

hoje?

Conhecer o cliente é uma das máximas do desenvolvimento de produtos.

Conforme defendido por Osterwalder (2011), os clientes são o âmago de qualquer modelo

de negócios e sem eles, nenhuma empresa sobreviveria por muito tempo. Essa linha de

raciocínio, alinhada com o ponto de Andy Rachleff apresentado anteriormente, faz com

o cliente seja o primeiro passo de qualquer modelo de negócio ou novo produto. Cabe a

ressalva de que não significa que o olhar do cliente seja a única alavanca de um produto,

mas certamente é uma das mais importantes variáveis.

Inovações bem sucedidas exigem uma compreensão profunda dos clientes,

incluindo seu ambiente, seu dia a dia, suas preocupações e inspirações (Osterwalder &

Pigneur, 2011, p.128). A Apple é um bom exemplo disso. A empresa, em meio a toda

época em que o download ilegal estava descontrolado e a maioria das empresas defendia

que as pessoas não estariam dispostas a pagar por música na internet, compreendeu que

os clientes não estavam interessados na mídia social por si só e criou uma experiência que

integrava o software de música e mídia, a loja online e o tocador digital.

O desafio é desenvolver uma compreensão dos clientes de maneira que qualquer

decisão tomada em relação ao rumo do produto seja embasada em todo conhecimento

incorporado. Duas ferramentas podem se destacar nessa etapa - e podem ser combinadas

também: mapa de empatia, ferramenta desenvolvida pela XPLANE, e a definição de

personas. No fim, ambas convergem para tentativa de caracterização do cliente quanto

aos aspectos já apontados de seu contexto e tem por objetivo criar um ponto de vista do

cliente que ajude a questionar as hipóteses que se tem a respeito do produto.

O mapa de empatia é uma ferramenta de análise de clientes que ajuda a ganhar

profundidade sobre seu ambiente, comportamentos, preocupações e aspirações. Essa

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recurso é uma ótima opção quando se tem um baixo conhecimento de como é o ambiente

do cliente e como ele se comporta justamente por exigir uma imersão no mundo do

usuário alvo do produto. O propósito de fazer um mapa de empatia é justamente eliminar

suposições através de fatos que são resultados de observações e entrevistas e, de forma

visual, expor as necessidades desses clientes e revelar oportunidades de como atingi-los

de forma mais assertiva e com soluções que eles realmente vejam valor (Gray, 2010).

Segundo os autores, para utilizar o mapa de empatia - ou Mapa da Empatia do

Cliente (figuras 13 e 14) - devem ser escolhidos alguns segmentos de clientes promissores

e, a partir do quadro abaixo, construir um perfil deles perguntando e respondendo a seis

perguntas macro:

1. O que ele vê?

Essa parte descreve o que o cliente vê em seu ambiente, como ele o descreve,

quem o acompanha e o cerca nesse contexto, bem como analisa quais são as

ofertas que o mercado já oferece para esse cliente e quais os problemas

encontrados.

2. O que ele escuta?

Essa seção descreve como o ambiente influencia o cliente, ou seja, o que o cliente

costuma ouvir das pessoas que fazem parte de seu ambiente, sejam eles amigos,

familiares, investidores e outros influenciadores. Um ponto importante é

conseguir identificar quem realmente tem influência sobre ele e como, elencando

também quais são os canais mais influentes sobre ele.

3. O que ele realmente pensa e sente?

Essa parte é uma tentativa de identificar o que acontece na cabeça do cliente e

formatar uma visão sobre o que realmente é importante para ele, o que é capaz de

motivar, preocupar e tirar o sono dele durante a noite. É uma oportunidade de

entender o que é valioso para o cliente no seu interior, mas que não

necessariamente seja exposto por ele de forma verbal (daí, a importância das

observações in loco).

4. O que ele diz e faz?

De forma complementar à seção anterior, nessa devem ser representados os pontos

que o cliente externaliza a partir de suas ações e fala em público. Aspectos como

qual a atitude dele na frente de stakeholders-chave e o que ele diz para outras

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pessoas. Esse complemento é importante pois evidenciará conflitos potenciais

entre o que o cliente realmente diz e o que pensa e sente.

5. Qual a sua dor?

Nessa parte do quadro se concentram quais são as maiores frustrações do cliente,

quais são os obstáculos que ele se depara entre o que ele quer e/ou precisa ter; os

riscos mais temidos por ele também devem ser elencados.

6. O que ganha o cliente?

Os ganhos são aquilo que o cliente realmente se importa em obter ou o que ele

realmente quer. Para entendimento desses pontos é importante aprofundar sobre

como o cliente define e mede o sucesso dele e quais as estratégias que ele

considera para alcançar seus objetivos listados.

Figura 13: Quadro representativo do Mapa de Empatia do cliente

Fonte: <https://resultadosdigitais.com.br/blog/mapa-da-empatia/> - Acesso 30/07/2019.

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Figura 14: Exemplo de aplicação do Mapa de Empatia para curso de ensino à distância

Fonte: <https://resultadosdigitais.com.br/blog/mapa-da-empatia/> - Acesso em 30/07/2019

Esse processo de aprofundamento sobre o comportamento do cliente pode ser

entendido como parte do processo de definição de personas, que de forma muito simples,

é uma maneira de formalizar alguns perfis de clientes que representam todos os possíveis

usuários com as mesmas características e padrões de comportamento. É possível abstrair

um pouco essa necessidade de fazer A antes de B e compreender como etapas que ajudam

a equipe do produto a ter conhecimento sobre e definir quem é o cliente do produto –

Customer Discovery (Blank, 2006).

O resultado esperado da definição de personas é conseguir representar de forma

fictícia quem é aquele cliente X, criar suas histórias pessoais, baseado em fatos e dados

reais sobre comportamento e características demográficas, bem como descrever as

motivações, objetivos, desafios e preocupações (figura 15). Outro ponto importante é que,

se houve uma base de clientes, essa base é uma fonte rica de informações para começar

esse processo. Por último, como ponto inicial também de como proceder, é o destaque de

que deve se analisar clientes de perfis não necessariamente positivos para o produto, ou

seja, focar tanto em clientes satisfeitos quanto clientes insatisfeitos, pois é uma fonte

importante de aprender sobre a percepção do produto e quais as análise que os clientes

têm feito.

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Inicialmente, alinhado com o pensamento de construir-medir-aprender de Ries

(2011), é importante que se defina quem é o público a ser estudado e informações iniciais

sobre quem ele é na visão do time, porém antes do aprofundamento que as entrevistas

geram. Esse exercício inicial ganha relevância pois ajuda a ter uma visão geral do espectro

de usuários que se quer atingir com a solução pensada. Além disso, o aprendizado das

entrevistas de campo é alavancado pelo que é compilado nessa etapa prévia já que ter uma

visão inicial das necessidades, contextos e história do potencial usuário ajuda a começar

a pesquisa de campo com perguntas mais inteligentes (IDEO.org, 2015).

Essa abordagem é compartilhada por Alan Cooper, responsável pela introdução

desse conceito de personas para o desenvolvimento de produtos. Em um dos casos que o

autor destaca, em trabalho desenvolvido na Sony Trans Com, divisão responsável pelo

desenvolvimento de soluções in-flight – filmes, programas TV, vídeo games e outros

artifícios de entretenimento para voos comerciais -, ele conta que durante parte do

desenvolvimento do produto, criou, a partir das entrevistas que realizava a cada voo,

quatro personas e atribuiu nomes a elas: Clevis, Marie, Ethan, e Chuck (Cooper, 2004, p.

103-107). O efeito disso sobre o time foi que, ao longo do desenvolvimento, os próprios

desenvolvedores começavam a se referir às personas pelos nomes criados e não mais

como simples usuários.

Um efeito prático de todo esse processo de trabalhar com base em personas é que,

quando bem definidas, ajuda o próprio time a entender para quem se está desenvolvendo

o software antes mesmo de escrever alguma linha de código. Por vezes, personificar faz

com que o time de desenvolvimento, que nem sempre está em contato direto com o cliente

ou usuário final, possa se colocar no lugar dele e desenvolver features com a visão do que

é valorizado pelo cliente final.

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Figura 15: Exemplo da estrutura de uma persona definida sobre um grupo de potenciais clientes

Fonte: <https://neilpatel.com> - Acesso em 27/07/2019.

As entrevistas com os clientes in loco são um bom canal de coleta dessas

informações. Importante ter claro que elas devem partir do princípio de que perguntas

abertas permitem coletar mais informações do que perguntas fechadas, do tipo que gere

respostas de sim ou não. Além disso, preferencialmente, elas devem ser conduzidas na

casa ou no escritório do cliente para que se possa ter compreensão também do contexto e

outros fatores do ambiente natural do usuário que possam ter influência sobre ele.

As perguntas abertas são fundamentais pois, geralmente, têm um cunho de

descrição de coisas, seja como o usuário faz algo, pensa, vê e etc, e podem ajudar a

responder todas as perguntas sugeridas nas ferramentas mencionadas neste capítulo.

Guiá-las também exige que o entrevistador consiga explorar aspectos mais gerais e depois

explorar aspectos mais detalhados. A IDEO.org destaca também as perguntas mais gerais

ajudam os entrevistados a se sentirem mais confortáveis, estimula que acabem falando

mais e se familiarizem com o assunto explorado – Open general then go deep (IDEO.org,

2015, p.41).

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Tabela 6: Guia de entrevistas com clientes.

Perguntas gerais Perguntas específicas

Que tipo de trabalho você tem? Como você investe seu dinheiro hoje?

Como você é remunerado? Onde você geralmente guarda seu dinheiro hoje

para realizar seus investimentos?

Como você se organiza para poupar

dinheiro para seu futuro?

O que te ajuda a poupar dinheiro no fim do mês?

Como é sua relação com seu banco? Como tem sido

suas últimas experiências?

Fonte: IDEO.org, 2015, p.41 - adaptado.

Mayrya (2010) reforça também que nas entrevistas de descoberta do problema,

deve ser feito um enfoque na redução dos riscos de mercado, de usuário e técnicos do

produto. O que, em resumo, tem a ver com (i) identificar o problema-chave - que também

pode ser analisado como o Job-to-be done - que auxilia a reduzir o risco do produto em

si, ou seja, a solução ataca um problema que existe; (ii) identificar o segmento de clientes

e garantir que de fato existem pessoas que compartilham da necessidade e que estariam

dispostas a pagar por isso e, reduzem assim, o risco de cliente; e, por fim, (iii) identificar

quais as outras alternativas que hoje são utilizadas pelo cliente para resolver determinado

problema, esse último ponto é o que endereça os riscos de mercado.

§ Isso é algo que os clientes querem? (must have)

§ Eles (ou alguém) vão pagar por isso? (viável)

§ É algo que pode ser resolvido? (factível)

§ Quem tem essa dor?

§ Como identificar quem serão os early-adopters?

§ Qual é o problema que se está resolvendo?

§ Como os clientes ordenam seus três principais problemas hoje?

§ Qual o nível da dor deles atualmente: must-have, nice-to-have ou não precisam de

nada?

§ Como os clientes resolvem os problemas deles hoje?

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§ Qual a entrega mínima necessária para garantir o aprendizado que valide as

hipóteses iniciais (MVP – Minimum Viable Product, ou Mínimo Produto Viável)?

O entendimento do cliente e dos problemas que ele enfrenta no dia a dia ajudam

a estruturar portanto uma solução que esteja de acordo com as principais carências do

usuário. A etapa de pesquisa exploratória mencionada anteriormente ajuda a ganhar

profundidade do contexto que o usuário está inserido também. Endereçar o problema a

ser atacado com uma solução de produto exige que se tenha clareza sobre um outro

aspecto do negócio: job-to-be done (JTBD). O conceito foi introduzido por Clayton

Christensen, professor da Harvard Business School, e ganhou popularidade quando

apresentado o famoso caso do milkshake do McDonald’s.

A ideia por trás do JTBD é de que um usuário não compra produtos, eles os “contratam”

para resolver determinado trabalho ou problema. Ash Maurya contribuiu posteriormente,

esclarecendo de forma simplificada que um job é uma necessidade ou desejo do momento

que não é atendida, o que enfatiza a janela de tempo que geraria um senso de urgência

maior sobre a necessidade não atendida – e do ponto de vista do usuário aumenta o valor

percebido. O autor complementa ainda que um JTBD é uma resposta a um gatilho e esse

gatilho é o que define o contexto que formata o job-to-be done.

“São 12h36 e meu estômago está roncando. Eu preciso comer.”

“São 19h36, meu estômago está roncando e é aniversário da minha esposa. Eu

quero leva-la à um restaurante bacana.”

E é justamente sobre os triggers que começa a análise compartilhada por

Christensen dos consumidores de milkshake ao definir que a questão é que, em algum

lugar lá fora, existe um job que surge na vida das pessoas em algum momento e que causa

nelas a necessidade de contratar um milkshake para ter esse job resolvido.

De forma complementar ao que foi explicado nos capítulos anteriores sobre como

falar com o usuário, a abordagem de Christensen no caso citado foi de observar por cerca

de 18 horas quais eram os padrões de consumo de compradores de milkshake e tomar

notas sobre o horário em que o consumidor comprava o milkshake, o que ele estava

ouvindo, se estava acompanhado de alguém, se comprou algo para comer junto com a

bebida, se comprou e consumiu no próprio restaurante ou se levou embora.

A conclusão é de que o milkshake ocupa um espaço que precisa ser preenchido

pelas pessoas no caminho de casa para o trabalho e que, pelo tempo que se toma para

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consumi-lo todo, ter a disposição os porta-copos e tudo mais, ajudam inclusive os

motoristas a se manterem alertas e não caírem no sono. Portanto, eles não queriam

exatamente comprar um milkshake.

Os resultados dessa ação foram de que, a partir desse conhecimento, o

McDonald’s passou a produzir um milkshake de café da manhã mais espesso, com

pedaços de fruta, que durasse mais tempo e alimentasse bem. Outro ponto de mudança

foi o de ajustar o processo de compra para que ele se tornasse mais ágil, já que os

consumidores não podiam se atrasar para o trabalho. Assim, a empresa não ofereceu

apenas um produto melhor. Ela conseguiu transformar a jornada até o trabalho mais

agradável e eficiente para o consumidor. E as vendas, consequentemente, aumentaram

cerca de sete vezes.

Feito isso, ainda sem ter o desenho do produto em si na cabeça pode ser que seja

interessante compilar alguns desses pontos aprendidos e relacioná-los com algumas

características principais que servem como direcionamento para o desenvolvimento do

produto em si. O Canvas da Proposta de Valor (CPV) é uma boa ferramenta para sintetizar

esse conhecimento e representar a visão do time. O Canvas da Proposta de Valor é uma

ferramenta que pode ajudar a criar e posicionar produtos ou serviço em torno do que o

cliente realmente valoriza e precisa e que ajuda a encontrar/representar o encaixe produto-

mercado de forma estruturada. O CPV é um aprofundamento entre duas partes do Canvas

de modelo de negócios de Osterwalder: o bloco de segmentos de clientes e o de proposta

de valor (figuras 16 e 17).

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Figura 16: Relação entre o canvas de modelo de negócios e o canvas de proposta de valor.

Fonte: <https://analistamodelosdenegocios.com.br/canvas-da-proposta-de-valor/ (adaptado)> - Acesso em

27/07/2019.

Figura 17: Canvas de proposta de valor.

Fonte: <https://analistamodelosdenegocios.com.br/canvas-da-proposta-de-valor/> - Acesso em

27/07/2019.

1. Tarefas dos Clientes: é o primeiro passo e se baseia em analisar melhor os clientes

e descrever o que seus clientes estão tentando fazer, realizar ou completar,

problemas que estão tentando resolver ou necessidades que estão tentando

satisfazer. A análise de job-to-be done e as personas montadas podem ajudar nessa

etapa.

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2. Dores dos Clientes: É a seção em que se descreve as emoções negativas, riscos e

outras experiências ruins que o seu cliente pode vivenciar em meio às tarefas

listadas, independente do momento, seja antes, durante ou depois da execução das

tarefas. O mapa de empatia pode ajudar no preenchimento desta seção. Algumas

perguntas que podem ajudar também são: O que tira o sono do usuário

atualmente? O que o usuário acha muito custoso e requer grande esforço? Como

soluções atuais estão deixando a desejar para seus clientes (ex: falta de

funcionalidades, performance, defeitos, etc.)? Quais são as principais dificuldades

e desafios que seus clientes encontram?

3. Ganhos do Cliente: São os benefícios que os clientes esperam, desejam ou que

poderia surpreendê-los positivamente se existisse. Isso inclui utilidade funcional,

ganhos sociais ou redução de custos. Nesse momento cabe todo o aprendizado

sobre o que tornaria as tarefas dos clientes mais fáceis para eles (ex: curva de

aprendizado menor, mais serviços, menor custo de propriedade, etc.)? Como o

cliente mede o sucesso e quais as principais alavancas para ele (ex: custo,

performance, likes nas redes sociais, etc.).

Do lado esquerdo da ferramenta tem espaço destinado para esboçar como os

produtos e serviços criam valor.

4. Produtos e Serviços: com base no perfil do usuário desenha, é possível estruturar

a proposta de valor do produto ou serviço. O primeiro passo é listar todos os

produtos e serviços em que a proposta de valor está baseada.

5. Aliviadores de Dores: em seguida é a descrição de como as funcionalidades dos

produtos e serviços aliviam as dores dos clientes e como eliminam ou reduzem

emoções negativas, custos e riscos que os clientes vivenciam ou vivenciaram

antes, durante ou depois de um job-to-be done.

6. Criadores de Ganhos: são como as funcionalidades dos produtos e serviços criam

ganhos para seus clientes e como eles criam benefícios que os clientes esperam,

desejam ou seriam surpreendidos por incluir uma feature, ganho social, emoções

positivas ou redução de custos.

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Com base nesse avanço em termos de aprendizado sobre o cliente e sobre o

problema a ser atacado, é possível endereçar o desenho da solução e validação das

primeiras versões do produto - de novo - diretamente com o cliente.

4.3. Definição e validação de requisitos

Como mencionado anteriormente, é fundamental que a definição dos requisitos e

funcionalidades de determinado produto só seja feita apenas uma compreensão profunda

do real problema atacado, conhecimento detalhado de quem é o verdadeiro cliente e em

que circunstância o produto se encaixa, o job to-be-done.

Inicialmente, conforme explicado por Maurya (2010), é possível que seja feita

uma validação inicial quanto ao encaixe da solução pensada com o problema encontrado,

porém esse ponto deve ser aprofundado em uma etapa de definição do design do produto

em si. Nesse momento, todos os conceitos e hipóteses de funcionamento do produto são

colocados à prova junto ao cliente em uma etapa anterior ao desenvolvimento em si.

Existem diversas forma e metodologias de realizar o aprofundamento desses pontos, uma

delas é apresentada abaixo na figura 18 e será detalhada neste tópico.

Figura 18: Processo de validação de conceitos e usabilidade com o cliente.

Fonte: Elaboração própria.

Durante o processo de descoberta do cliente e mergulho sobre qual é o real

problema que o afeta, é esperado que o conhecimento consolidado possa guiar as

primeiras hipóteses do que entra como escopo do produto ou não. Esses aprendizados

consolidados passam a ser o norte de uma etapa exploratória de qual deve ser o design do

produto que atende de maneira precisa, porém com o formato mais enxuto possível ao

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problema atacado. Daí a importância de consolidação dos dados analisados na etapa

anterior pois esses serão considerados no pontapé do design do produto em si.

Feita a análise de dados disponíveis sobre o problema e hábitos do cliente em

questão, outra alavanca de ser considerada é - se disponível - a forma como esse mesmo

problema já é atacado por possíveis concorrentes. Importante frisar que essa análise deve

ser feita de forma crítica para não gerar um viés que impeça a inovação no design da

solução. Essa etapa contribui bastante para a abertura de um leque de possíveis soluções

e compreensão do que faz parte, comparativamente falando, de um escopo mínimo na

solução do problema, o que acaba sendo um limite inferior do pacote inicial de

funcionalidades que deve ser oferecido e que, se não desenvolvidos, impedem a entrada

do produto no mercado e adoção pelos usuários iniciais - ainda não entra em questão o

mínimo produto viável - já que deixa de atender requisitos mínimos que o cliente já estaria

acostumado a ter.

A exploração da abordagem dos concorrentes é complementar a tudo o que foi

levantado internamente sobre o problema pela própria empresa. Diversas dinâmicas em

grupo podem ser conduzidas desde que o problema esteja bem definido, essa sempre será

a premissa básica. O resultado esperado delas é a listagem de quais as funcionalidades

chaves, preferencialmente classificadas entre quais são “must-have”, ou seja, aquelas que

estão entre as mais usadas pelo usuário e quais são as que comporiam o diferencial do

produto frente aos concorrentes.

Uma dinâmica possível é a de Pocket Design Sprint em que determinado problema

é exposto e, cada participante, individualmente, elenca três soluções para este problema.

Todas as soluções são expostas em um quadro e ficam disponíveis para votação de quais

são as melhores; após isso, é feito um debate e a melhor ideia - pelo menos desse momento

inicial - é definida. Essa dinâmica pode ser aplicada no processo de seleção do nome do

produto, por exemplo.

A partir disso, é comum seguir para uma etapa de prototipação da solução inicial

e posterior validação direta com o cliente. Em geral, é uma etapa conduzida por uma

equipe multidisciplinar de designers e product managers. O nível de fidelidade do

protótipo depende da necessidade de agilidade na validação da hipótese em questão, mas

também do quão crucial determinada funcionalidade é. Testes de validação de exposição

de um gráfico, por exemplo, exigem fidelidade muito menor do que testes de usabilidade

e validação de fluxos de navegação. A condução da validação começa com a seleção de

clientes que se enquadrem no perfil definido como segmento-alvo e definição do caso de

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uso que será testado, como numa espécie de narrativa expositiva do problema. Um passo

importante para escolha de clientes qualificados para as entrevistas pode ser a

apresentação do produto para quem está mais próximo do cliente para ouvir o feedback e

para conseguir potenciais contatos.

Assim como a teoria de Theodore Levitt, economista norte-americano

especialista em marketing, defende que as pessoas não querem uma broca de 1/4 de

polegada, mas sim um buraco de 1/4 de polegada, um exemplo de narrativa para avaliar

junto a um cliente se a broca poderia ser a melhor solução para o problema poderia ser:

“você acaba de comprar um quadro novo para sua filha e precisa prendê-lo na parede de

sua casa, o buraco precisa ter ¼ de polegada”, ou seja, de maneira lúdica o objetivo de

fazer um buraco na parede foi apresentado ao usuário. A partir de então é feita a

observação de como foi o uso e a experiência em geral do usuário com a máquina de

furar, por exemplo. Em algumas situações, quando não há um afunilamento de possíveis

soluções para o problema, para esse tipo de avaliação, é possível conduzir um teste A/B

em que, parte dos clientes terão a opção A como solução enquanto outra parte terá a opção

B (figura X).

Figura 19: Exemplo de aplicação de um teste A/B.

Fonte: <https://medium.com/@huxleydias/criando-um-teste-a-b-com-visual-website-optimizer-

2280b45f1ede> (adaptado) - Acesso em 19/07/2019.

Alguns pontos são chave na condução desse processo: caso haja algum ponto a

ser validado ou explorado com o cliente, é interessante que ele seja abordado no formato

de entrevista antes do contato do cliente com o protótipo para evitar algum viés; outro

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ponto, é que essa experiência é necessariamente de observação. É importantíssimo que os

condutores desse tipo de dinâmica compreendam esse segundo ponto. Essa dinâmica de

validação pode ser conduzida por várias vezes até que o time se sinta confortável com os

aprendizados validados.

A partir das conclusões de testes como esses é possível que seja feito o

refinamento de todas as hipóteses iniciais de qual deve ser a composição de um pacote

mínimo de funcionalidades que deve ser entregue ao cliente e quais são os critérios de

aceite de cada uma delas. Cabe destacar ainda que, ao longo desse processo de definição

e validação dos requisitos do produto, é esperado que o product manager consiga compor

uma visão de como seria a visão completa do produto e identificar qual a menor porção

desse todo que trará valor suficiente para os early-adopters de modo que eles fiquem

engajados, promovam o produto e acelerem a geração de aprendizados que a equipe pode

ter sobre o produto.

4.4. Gestão e desenvolvimento do produto

Findada a etapa de definição e validação de requisitos, deve-se iniciar

efetivamente a etapa de desenvolvimento do produto. Essa é a etapa que exige maior

aplicação dos conceitos de agilidade, para garantir um desenvolvimento que atenda às

demandas do consumidor - de forma a agregar valor - e que o faça de forma mais rápida

e assertiva do que a concorrência, ou do que própria mudança das demandas supracitadas.

Para tal, é necessário primeiramente reforçar a essencialidade de autonomia para

a equipe envolvida, permitindo a ela capacidade de definir a melhor forma de desenvolver

e validar o projeto/produto, bem como a priorização a ser feita, o tempo e a dificuldade

de cada um dos requisitos, as subtarefas de cada bloco de desenvolvimento, etc. Qualquer

intervenção externa aos membros da equipe (gerência, outras equipes, demandas

inesperadas ou repriorização de projetos por motivos não oriundos do próprio

desenvolvimento do produto) afeta drasticamente a agilidade e o andamento do

desenvolvimento, e torna a gestão do próprio burocrática, impondo catracas e limitações

ao andamento do processo. Ao garantir a autonomia da equipe, permite-se liberdade de

julgamento e de avaliação de quem está realmente envolvido no desenvolvimento e na

validação junto aos stakeholders (a ser abordada à frente), o que efetivamente torna o

processo ágil e próximo ao ideal.

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O ponto de partida para a definição do processo é a determinação da gestão por

iterações que, como já explicado anteriormente, determina intervalos - ou ciclos - de

gestão e revisão de desenvolvimento, ponto que será abordado a seguir.

4.4.1. Iterações ou ciclos de gestão

Parte do conceito de agilidade em todos os métodos analisados, a ideia de iteração

- ou de ciclos de gestão - propõe a repetição do mesmo processo de desenvolvimento

diversas vezes, em determinados períodos, para se obter velocidade e assertividade. Essa

definição é necessária para determinar qual o intervalo de tempo em que a equipe tem

liberdade para desenvolver, comprometendo-se claro a atingir o objetivo final definido

nesse período. A definição também infere a frequência de validação de entregas, de sub-

entregas e de revisão do andamento do projeto, bem como de priorização e, se necessário,

repriorização das tarefas por vir.

Não é objetivo do presente estudo definir o tempo exato que deve durar uma

iteração, posto que isso é impactado por diversos fatores. O primeiro deles é o nível

maturidade - de desenvolvimento - da equipe envolvida no trabalho. Quanto mais madura

for a equipe, maior a capacidade de absorver as demandas, analisar o esforço de

desenvolvimento, planejar com foco e eficiência e fazer as implementações necessárias.

Além disso, uma equipe com alto nível de maturidade possui maior capacidade autônoma

de desenvolvimento, podendo passar mais tempo sem intervenção ou processo de

validação do andamento e da evolução do produto.

Outro fator extremamente importante na definição do tempo de duração de uma

iteração - ou de um ciclo de gestão - é a volatilidade do mercado. Isso porque em mercados

muito voláteis, em que as demandas e as necessidades do consumidor são atendidas e/ou

mudam de forma extremamente rápida e imprevisível de acordo com novos produtos,

novas propostas ou novas prioridades, é essencial que o consumidor enxergue no produto

desenvolvido entrega constante e incremental de valor em curtos intervalos de tempo,

sentindo-se constantemente satisfeito pelo produto e, dessa forma, mantendo-se fiel ao

conceito e à proposta de valor e de entrega final do mesmo.

Tal análise, contudo, não implica que o tempo entre iterações pode ser longo caso

o mercado seja relativamente estável ou caso o produto atenda de forma clara e assertiva

as demandas do consumidor. Isso porque, primeiramente, tal cenário é improvável devido

ao contexto do mercado de tecnologia e tecnologia da informação já explicitado.

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Ademais, o desenvolvimento pode ser involuntariamente desviado do objetivo inicial, por

falta de maturidade ou de validação entre a equipe e os stakeholders, por má definição ou

mau entendimento das tarefas e dos requisitos a serem desenvolvidos, dentre outros

motivos, o que pode implicar em retrabalho, perda de credibilidade e de fidelização do

consumidor final.

É essencial também para a definição do ciclo de gestão compreender a

necessidade de alinhamento de expectativas e de evolução com stakeholders e

interessados internos. Muitas vezes projetos são desenvolvimentos em conjunto entre

diversas equipes, ou são utilizados (devido ao desenvolvimento por microprocessos, por

exemplo) por diversos outros produtos que se situam anterior ou posteriormente no fluxo

de utilização e de fidelização do cliente. Além disso, em produtos com desenvolvimento

arriscado e/ou custoso, torna-se evidente a necessidade de alinhamento de expectativas e

de demonstração de evolução para stakeholders que garantam a manutenção e o

financiamento do projeto (sejam eles gerentes, diretores, acionistas etc.).

O intervalo entre iterações não é unanimidade entre os métodos ágeis analisados.

A metodologia Scrum chama de sprint o processo de cada iteração, e o mesmo geralmente

ocorre a intervalos de duas semanas. Algumas metodologias, como a Lean Kanban,

chegam a ter iterações de até quatro semanas, enquanto equipes mais maduras, utilizando

metodologias extremamente ágeis, podem ter ciclos de apenas uma semana. Como dito

anteriormente, não é objetivo da presente análise definir o tempo ideal entre iterações,

mas precisa-se definir quais os fatores internos, condições externas e requisitos de gestão

que influenciam nessa decisão. Definidos os dois primeiros, deve-se abordar o terceiro

aspecto.

Independentemente da duração do ciclo, é essencial que ele não seja

extremamente longo ou demorado, devido a todos os aspectos já citados. Ainda assim,

ele deve ser longo o suficiente para garantir que haja um planejamento das tarefas a serem

feitas, bem como o desenvolvimento com entregas e impacto incrementais e significativos

para o produto e para o consumidor, análise dos problemas e dos aprendizados obtidos

durante a iteração e preparação para o próximo ciclo. Cada um desses passos - cerimônias

ou elementos - é essencial para a gestão de produtos e será abordado na seção a seguir.

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4.4.2. Elementos de gestão

Dentro de cada ciclo de gestão do produto, são necessários alguns processos - ou

elementos - que garantam alinhamento, agilidade e capacidade de execução da equipe

envolvida. A metodologia Scrum, uma das principais no cenário da gestão ágil de

produtos, denomina esses elementos de “cerimônias” a serem seguidas.

Independentemente do nome dado, esses momentos são essenciais para a gestão ágil e

devem ser incluídos de forma explícita e inegociável no período de desenvolvimento.

Novamente, não pretende-se, na presente análise, inferir ou determinar como, em

quais condições, com quais termos operacionais e de que forma esses momentos devem

acontecer. Contudo, é preciso definir quais são esses momentos, e em que ordem eles

devem ocorrer, para se ter coerência temporal e gerencial do processo alcançando, com

isso, obter maiores chances de sucesso quanto aos objetivos almejados com o produto.

O primeiro momento do ciclo deve ser o de apresentação das tarefas, bem como

o de planejamento, por conta da equipe, de como essas tarefas serão realizadas. Esse

elemento pode ser definido como Planejamento, e envolve o gestor, a equipe envolvida e

os stakeholders internos interessados, caso haja. Esse é o momento em que as tarefas

priorizadas (a priorização será abordada a seguir) são apresentadas, o esforço técnico é

avaliado e validado pela equipe, e ocorre o debate sobre a melhor forma de realizar as

demandas, bem como a delegação do responsável por cada uma das tarefas.

Esse momento é importantíssimo, dado que é o único em que a equipe pode se

opor à priorização definida ou aos requisitos levantados, indicando aspectos técnicos

inviáveis e sugerindo alterações no funcionamento ou na definição das entregas. Todas

as dúvidas para o desenvolvimento devem ser sanadas, e é essencial que, ao fim do

Planejamento, toda a equipe esteja totalmente ciente do que deve ser feito, reduzindo a

chance de desvios e/ou divergências entre alinhamento e entregas. Ao fim desse processo,

cada membro da equipe deve iniciar o aprofundamento sobre seus afazeres e,

posteriormente, iniciar o desenvolvimento.

Um segundo elemento, que na realidade deve se repetir ao longo de todo o ciclo,

é o de Alinhamento Interno, realizado pelo gestor, pela equipe e demais interessados.

Nesse momento, cada membro da equipe deve passar brevemente o que está fazendo, em

que etapa está e, principalmente, quais as principais dificuldades encontradas. Essa

interação é muito importante pois, em uma equipe multidisciplinar e com autonomia,

todos os membros podem opinar e mostrar diferentes perspectivas ou abordagens sobre

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uma mesma tarefa ou problema, auxiliando na resolução de impedimentos ou catracas de

outros.

Esse momento, que em quase todos os métodos ágeis se dá em forma de uma

reunião, deve ser rápido e objetivo, para evitar desperdício de tempo e de esforço no

desenvolvimento do produto. Além disso, ele não deve ser utilizado para aprofundamento

e análise de algum problema mais complexo, dado que isso tira o foco, a produtividade e

a eficiência da equipe. Qualquer dificuldade que não possa ser resolvida de forma simples

ao longo da reunião (ou que não possa ser explicada por um ou mais membros de forma

separada em momento posterior) deve ser explorada pelo responsável após a reunião, não

onerando o tempo do resto da equipe.

Como citado, o elemento de Alinhamento Interno deve ser repetido ao longo de

todo o ciclo de desenvolvimento, até que se chegue ao final da iteração. Nesse momento,

deve ocorrer a Entrega do ciclo. Momento mais importante do processo, ele envolve a

equipe, o gestor e os stakeholders, internos e externos, que sejam impactados, e será

abordado de forma mais profunda na seção seguinte.

Ao final do ciclo, também é necessário que haja o elemento de Revisão e Pré

Planejamento por parte do gestor e dos líderes técnicos do projeto. Nesse momento, os

líderes do produto devem avaliar o que foi feito no ciclo, qual o valor agregado e preparar

o Planejamento seguinte. É válido explicitar que o responsável por preparar e garantir o

Planejamento de forma precisa e eficiente é o Gestor do Produto (função abordada ao

final da seção), mas os líderes técnicos também devem se envolver no Pré Planejamento,

auxiliando o gestor a garantir que a direção correta está sendo tomada e que os requisitos

fazem sentido e podem ser levados para debate junto à equipe no Planejamento. Além

disso, é preciso também alinhar detalhes pontuais a serem abordados a nível de gestão de

equipe, como motivação, correção de postura, alinhamento de expectativas, etc.

Por fim, também ao final de cada iteração deve ocorrer o momento de Lições

Aprendidas, em que todos os membros da equipe debatem, de forma aberta e

irrepreensível, as maiores dificuldades e os maiores impedimentos deste ciclo, bem como

compartilhar os aprendizados e o conhecimento adquirido que podem ser utilizados para

potencializar e tornar mais eficientes os ciclos seguintes. Vale frisar que esse momento

não é necessariamente de feedback formal, mas que reconhecimentos e críticas, contanto

que sejam feitos de forma embasada e construtiva, são incentivados e devem ter espaço.

Cada uma desses elementos é essencial e importantíssimo, segundo a análise

realizada, para o bom funcionamento da metodologia ágil e para uma gestão eficiente e

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bem direcionada do produto. Eles devem ocorrer em cada um dos ciclos realizados, até

que o projeto seja finalizado ou, em outro caso, até que o produto seja descontinuado ou

despriorizado. É importante ressaltar, porém, que existe um momento importantíssimo,

paralelo a todos esses, que viabiliza e direciona todo o desenvolvimento, o de priorização.

Nesse momento são priorizados os requisitos a serem atendidos e as tarefas a serem feitas.

Uma forma de realizar essa priorização é abordada abaixo.

4.4.3. Priorização de desenvolvimento

Ao serem definidos e validados os requisitos de um produto ou projeto, faz-se

necessário garantir uma ordem - ou priorização - de desenvolvimento, de maneira

analítica, estratégica e metrificada. Esse ponto confere ao produto agilidade de entrega,

bem como capacidade de entrega de valor, especialmente no início, que podem fazer a

diferença na fidelização e na preferência do consumidor e do mercado. Portanto, é

processo essencial e deve-se ter foco realização do mesmo, dado que, se feito com clareza

e eficiência, torna-se vantagem competitiva e potencializa-se o desenvolvimento ágil do

produto.

É compreensível que, ao início de um projeto tecnológico, seja necessário

priorizar aspectos técnicos, de infraestrutura e computação, que façam com que o produto

possa ser desenvolvido. Essas devem ser as tarefas iniciais de uma priorização, enquanto

que funcionalidades, features e demais subprodutos devem vir posteriormente. Tais

tarefas devem ser totalmente levantadas, por meio de brainstorming e outros exercícios

criativos, para que se possa compreender todo o potencial do produto, ao menos

inicialmente.

Contudo, para começar o processo de desenvolvimento efetivo do produto,

visando sua liberação e utilização pelo mercado, faz-se necessário definir quais

implementações serão entregues de forma prioritária, e para tal é preciso definir critérios

de avaliação e de priorização. Dado o cenário do mercado, a necessidade de agilidade, de

entrega de valor e de capacidade de desenvolvimento, um critério de priorização pode ser

visto na figura 20.

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Figura 20: Matriz de priorização de funcionalidades.

Fonte: Elaboração própria.

A matriz acima indica dois critérios de avaliação extremamente relevantes para

implementações de produtos tecnológicos. Para cada tarefa, demanda ou pendência a ser

examinada, deve-se definir ambos os critérios e, então, classificar de acordo com o

gráfico. No eixo Y, tem-se o “valor agregado” da implementação, dado pela ponderação

do benefício que a conclusão da mesma trará para a necessidade ou demanda do mercado,

e os valores vão de 0 (pouco ou nenhum valor agregado) até 3 (muito ou significativo

valor agregado). Utiliza-se no eixo X o critério de “conhecimento do problema”, que

representa a confiança da equipe em relação à capacidade de implementar a solução ou

demanda exposta, de acordo com seu conhecimento já adquirido. Os valores desse eixo

também vão de 0 (pouco ou nenhum conhecimento sobre o assunto) até 3 (vasto ou

confiante conhecimento sobre o assunto).

Deve-se então inferir o valor de ambos os critérios para cada uma das

implementações ou tarefas listadas, posicionando-as no gráfico por meio de pontos.

Quanto mais próximo ao quadrado de número “1” da imagem, maior o valor agregado da

solução e o conhecimento da equipe que irá implementá-la, o que torna o

desenvolvimento mais seguro e ágil e a entrega mais assertiva, fazendo com que a

demanda tenha maior prioridade de desenvolvimento. Quanto mais a tarefa se afasta do

quadrado “1” e se aproxima do 9, menor deve ser a priorização dela.

Caso isso se dê pelo fato de a equipe não ter conhecimento suficiente para realizá-

la (números 5 ou 6), a tarefa pode ser priorizada de forma posterior, mediante estudo,

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pesquisa ou compartilhamento de conhecimento entre os membros da equipe e/ou

externos. Caso a tarefa se aproxime do 9 por conta do baixo valor agregado, ela deve

realmente ser despriorizada, até que encontre em um patamar comparativo que a faça

relevante, ou que se haja tamanho conhecimento e facilidade de desenvolvimento que não

atrapalhe a implementação de demandas com maior entrega de valor agregado.

Existem, claro, outras formas de se priorizar tarefas. Diversas metodologias ágeis

utilizam o critério de esforço, definindo pontuações de esforço para cada tarefa, definindo

quantos pontos cada membro consegue realizar baseado em experiência e, assim,

alocando e delegando tarefas de forma a atingir tal número de pontos em cada iteração.

A ideia é que, com o tempo, cada membro torne-se capaz de realizar mais pontos e, assim,

o desenvolvimento seja acelerado. Esse tipo de priorização é falho, contudo, pois não leva

em conta nenhum dos aspectos apresentados acima (valor agregado e conhecimento do

problema), o que faz com que não se possa definir a capacidade de implementação e,

também, o valor entregue ao final do ciclo.

Portanto, quando se define como critérios o “valor agregado” e o “conhecimento

do problema” (ou implementação), garante-se que as demandas ou tarefas priorizadas

sejam viáveis e realizáveis no ciclo de gestão, e que o resultado entregue valor

incremental para o consumidor, aumentando a preferência pelo produto desenvolvido.

Essa entrega de valor, por sua vez, é realizada ao final de cada ciclo, no processo de

validação de entregas. Esse processo é explicitado e descrito abaixo.

4.4.4. Validação de entregas

Como já citado, a validação de entregas é um dos momentos mais importantes da

gestão ágil. Na Entrega, ocorre a validação das demandas levantadas no Planejamento,

garantindo que todos os requisitos foram atingidos e que haja entrega de valor para o

consumidor. Esse momento é, efetivamente, o que indica se houve evolução, tanto em

desenvolvimento quanto em valor incremental, e se o produto está progredindo no que

tange a satisfazer as necessidades e demandas do consumidor.

Para muitas das entregas realizadas no dia a dia de uma equipe de

desenvolvimento tecnológico, a validação é realizada pela própria equipe e pelo gestor

do projeto (ou produto) ou por stakeholders internos, que devem testar cada uma das

funcionalidades e/ou features implementadas, validando os conceitos, os resultados e,

possivelmente, até os meios pelos quais alcançam-se os objetivos.

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Certamente, o essencial nesse processo é validar o resultado final, as entregas e as

funcionalidades referentes às mesmas, analisando se efetivamente elas atingem o objetivo

almejado, se apenas o tangenciam ou, no pior dos casos, se há algum desvio quanto a ele.

Quando a validação é feita a nível de programação (ou código), deve ser feita pela própria

equipe, com validação do gestor, por meio de testes em ambiente de simulação/teste, que

tenha as mesmas condições e infraestrutura do ambiente de produção (ambiente “real”)

para garantir que o resultado seja exatamente o esperado. O principal, porém, é realizar o

teste a nível de usuário - possivelmente com auxílio de membros especializados em User

Experience (UX) - para entender a jornada do usuário, possíveis dificuldades, erros e

comportamentos não mapeados.

Dada essa validação inicial, cabe envolver o próprio consumidor, que pode ser

participar do momento de Entrega, ou em parte dele, para teste e validação do valor

incremental, bem como da usabilidade e da acessibilidade da entrega. Esse momento é

extremamente importante porque muitas vezes, por estar envolvida com o projeto e com

seu desenvolvimento, a equipe torna-se alienada (no sentido de não enxergar com clareza

- possíveis problemas e dificuldades que, para um usuário sem intimidade ou costume,

pode ser impeditivo ou negativo.

É prática comum - e recomendada - que em caso de entregas significativas,

sensíveis e/ou complexas de valor, seja realizado um lançamento faseado, com liberação

inicial controlada para poucos e seletos consumidores, que vão experienciar e validar toda

a oferta de solução, levantar erros e pontuar possíveis melhorias. Por isso, é muito

importante manter boa e próxima relação entre equipe, gestor e consumidor, garantindo

a abertura para esse momento de troca e de parceria visando a melhor entrega possível

quando do lançamento geral.

Passado esse processo, e caso a tarefa seja validada, ela pode ser removida da lista

de pendências e/ou demandas da equipe, abrindo espaço para novas demandas,

subsequentes ou não, e permitindo evolução para o produto. Contudo, caso ela não esteja

de acordo com a definição, ela deve ser rejeitada e, na próxima iteração, ajustada ou

refeita para que atinja de forma assertiva os requisitos. A não realização desse processo

de forma acurada causa maior retrabalho e transtorno depois, pois implica em liberação

de entregas que não estejam alinhadas com o objetivo ou, muitas vezes, que não estejam

em condições perfeitas de uso, ocasionando erros e reclamações.

Portanto, é fundamental que se tenha fixa a noção de que mais vale, nesse

processo, garantir entregas que estejam testadas, validadas e em perfeitas condições e,

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assim, que garantam valor incremental ao consumidor, do que liberar produtos,

subprodutos ou funcionalidades que não estejam totalmente alinhados com a demanda,

com os requisitos e com os testes. O alinhamento de expectativas é mais interessante, para

a subsistência e longevidade de um produto, do que a entrega não validada do mesmo,

posto que evita reclamações, insatisfações e, até, perda de credibilidade do produto no

mercado. Deve-se, claro, errar rápido para acertar rápido, mas sempre com o objetivo de

entregar valor, e não apenas de entregar rápido.

Ao fim de cada validação, dessa forma, de cada ciclo, é possível então entender a

evolução - ou não - do produto em direção ao objetivo almejado. Essa compreensão e

análise só pode ser realizada caso sejam definidas as metas do produto e, também, os

indicadores que determinam se essas metas estão sendo atingidas ou não. Esse tema será

abordado na próxima seção.

4.4.5. Definição e acompanhamento de metas e indicadores

O processo de gestão deve sempre ser metrificado, de forma a possuir

acompanhamento quantitativo e palpável de seu andamento. Na gestão de produtos

tecnológicos isso se mantém como uma verdade irrefutável, e faz-se necessário portanto

definir as metas e métricas que auxiliarão o gestor, a equipe e os stakeholders a

compreender o status e a evolução do produto.

O passo inicial para tal é a definição do objetivo do produto e a sua validação,

ponto muito citado já nas seções 4.2 e 4.3. Definido o objetivo, pode-se então determinar

as metas que demonstrarão o atingimento do mesmo. Diversos são os métodos de se

definir metas, e não cabe aqui abordar qual o melhor deles. O essencial é entender que as

metas do produto devem estar alinhadas com as metas da companhia, dado que um

potencializa (ou não) o outro, e devem ser direcionadas a garantir a subsistência e a

sustentabilidade do produto até quando se quiser. Qualquer que seja o método adotado,

algumas são as características necessárias a toda e qualquer meta a ser definida.

Uma meta deve, necessariamente, ser específica, não podendo ser abstrata ou

abrangente. Ela deve representar apenas um dado, uma informação, que faça sentido e

seja relevante quanto ao objetivo definido. Além disso, metas precisam ser quantificadas.

Isso significa que deve-se, por fundamento, ter a capacidade de medir o indicador definido

a fim de compreender o atingimento da meta. Ademais, o indicador a ser medido deve

variar ao longo do tempo, dado que é necessária a compreensão, com o tempo, da

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evolução de tal dado para inferir a obtenção dos valores desejados. Por fim, é essencial

que a meta seja atingível. Essa é uma característica que deve-se frisar, dado que muitos

definem metas de forma tão “agressiva” que, em realidade, inviabilizam o atingimento da

mesma, gerando desmotivação e quebra de expectativas. De forma alguma espera-se que

uma meta seja algo necessariamente fácil de ser alcançado, mas deve, certamente, ser

possível nas condições e no contexto expostos.

A definição das metas do produto/ projeto devem envolver a entrega de valor para

o consumidor, bem como a sua utilização e a sua abrangência quanto ao mercado

potencial. Em um mercado altamente farto em dados e com grande capacidade de análise,

indicadores e metas bem definidos fazem a diferença na compreensão do sucesso do

produto ou, em outro caso, no seu fracasso. Esse ponto é essencial para decisões futuras,

posto que metas bem definidas, indicadores assertivos, medidos e confiáveis garantem

que, em caso positivo, o produto está atingindo seus objetivos, entregando valor ao

consumidor final e auxiliando na subsistência da empresa, organização ou pessoa que o

detém.

Por outro lado, metas e indicadores bem definidos e com acompanhamento

assíduo também podem indicar - atrelados a estudos e validação de mercado - o momento

de pivotear uma solução, alterando funcionalidades, subprodutos ou adaptando seu

objetivo final. Também, é possível que, com o devido acompanhamento, o produto possa

ser repriorizado dando preferência a outras implementações que estejam em situação

melhor no que tange ao sucesso obtido ou até, em casos extremos, despriorizando

totalmente o desenvolvimento, de forma mais eficiente e menos custosa possível.

Em um mercado extremamente ágil e volátil, saber a hora de investir, repriorizar

ou despriorizar um produto é cada vez mais uma vantagem competitiva, que reduz custos

e acelera o processo de inovação e de aprendizado. Esse processo, claro, deve ser

gerenciado para garantir que futuros desenvolvimentos e investimentos tenham maior

possibilidade de sucesso, utilizando os conhecimentos e as capacitações obtidas ao longo

do desenvolvimento e, também, as dificuldades e os problemas ocorridos. Essa gestão,

chamada gestão do conhecimento, é essencial para a evolução e para a dinamização das

capacitações de uma organização, e será abordada a seguir.

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4.5. Gestão do conhecimento

A gestão do conhecimento refere-se ao processo cujo objetivo é auxiliar e garantir

a criação, apoiar a criação, a disseminação, a implementação e a manutenção do

conhecimento em empresas e demais organizações. É, portanto, processo fundamental na

gestão de qualquer projeto ou produto, em qualquer âmbito.

Na gestão de produtos tecnológicos é essencial, como já mencionado diversas

vezes ao longo do estudo, que se haja agilidade e eficiência. Nesse sentido, torna-se clara

a necessidade de garantir rotina de uma gestão do conhecimento, de forma contínua e

eficiente. Isso porque o aprendizado de cada iteração facilita a iteração seguinte, e o

aprendizado gerado em cada desenvolvimento de produto facilita e auxilia em

desenvolvimentos futuros, reduzindo o “ramp up” no início do projeto e solucionando de

forma mais rápida problemas e dificuldades que por ventura apareçam.

Para tal, o primeiro passo é garantir comunicação e troca de conhecimento entre

a própria equipe de desenvolvimento. É preciso que se tenha momentos de diálogo, troca

e feedback formal e informal, com periodicidade e com processo definido, durante e ao

final de cada iteração, para que se extraia e se aproveite o máximo de conhecimento

adquirido. Por ser diversa e multidisciplinar, cada membro da equipe absorve as

informações, os acertos e as dificuldades de forma diferente, e ter pontos de vista distintos

certamente facilita a resolução de problemas futuros, bem como intensifica situações

positivas. Essa troca deve ser não só profissional (no sentido de qualidade do trabalho),

mas também pode se referir a soft skills e outras habilidades necessárias para o convívio

e para potencializar o trabalho em equipe.

Além disso, é preciso que se tenha comunicação entre equipes distintas dentro da

empresa. Como já explanado, o mercado de tecnologia hoje exige empresas que possuem

um portfólio cada vez mais variado, e isso faz com que uma empresa possua várias

equipes que apliquem gestão ágil. Da mesma forma que integrantes de uma equipe podem

passar por problemas e ter percepções diferentes, equipes distintas podem compartilhar

dificuldades ou oportunidades e, dessa forma, facilitar ou auxiliar na resolução de

problemas e/ou potencializar melhorias em outras equipes. Nesses casos é possível,

inclusive, que tecnologias ou subprodutos desenvolvidos em um dos projetos seja

utilizado ou possa ser absorvido (com adaptações ou não) por outros projetos, fazendo

com que as soluções melhorem ou até mesmo se integrem, garantindo soluções mais

completas e quiçá fidelizando ainda mais o cliente à empresa.

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Para garantir que as informações e que as trocas acima sejam guardadas e possam

ser revistas ou utilizadas posteriormente, faz-se necessário ter plataformas internas de

manutenção, exposição e disseminação de conhecimento adquirido, para que qualquer

integrante tenha acesso a informações e a conhecimentos (básicos ou aprofundados) sobre

os mais diversos produtos e subprodutos da organização. Dessa forma, equilibra-se o

conhecimento, atualiza-se a companhia sobre o andamento de cada projeto ou produto,

permite-se que o trabalho continue quando há trocas ou substituições na equipe sem perda

significativa de performance da equipe, por exemplo.

Por fim, cabe analisar a possibilidade de participação em fóruns e plataformas

externas (open source), que permitam transferência e troca de conhecimento entre

empresas e até entre pessoas. É certo que há certa criticidade e é necessária discrição em

alguns casos, incluindo sigilo em casos de inovação e de novos produtos, mas algumas

trocas são extremamente válidas e contribuem não só para a resolução de problemas e

para melhorias, como também para contribuições e colaborações positivas. De qualquer

forma, vê-se como essencial a gestão do conhecimento, em todos os níveis empresariais,

e a todo momento, em organizações e empresas do mercado de tecnologia.

4.6. O papel do gestor: product manager

Um ponto importante acerca de todo o processo de gestão definido acima é a figura

do gestor do projeto ou, nesse caso, produto, figura essa conhecida como Product

Manager (PM). Apesar de, na gestão ágil, não haver hierarquia definida para o gestor

frente ao resto da equipe, a liderança técnica e estratégica desse indivíduo é essencial para

o bom funcionamento do processo e para o fluxo contínuo de progresso.

Primeiramente, é preciso que ele tenha função estratégica no processo e no

desenvolvimento do produto, especializando-se no mercado a ser explorado, analisando

concorrentes (e suas soluções), possíveis entraves e barreiras de entrada, quais os

fornecedores e stakeholders a serem envolvidos e qual a melhor estratégia de entrada.

Deve, também, auxiliar na definição de missão e da estrutura de negócios (canvas, por

exemplo) do produto. Certamente que esse papel não é apenas dele, como também de

todo o corpo gerencial da empresa/organização, mas de qualquer forma, por ser o

responsável pelo andamento e, também, pelo sucesso ou não do produto, ele deve estar

atento e deve acompanhar cada um desses pontos.

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Além disso, o PM possui papel fundamental na gestão ágil do desenvolvimento.

É responsabilidade dele garantir que toda a equipe esteja em sintonia, que todos os

requisitos estejam validados, priorizados e descritos de forma clara, que todos os

integrantes da equipe saibam exatamente o que devem fazer, que haja alinhamento de

expectativa com os stakeholders e que o andamento do projeto seja acompanhado e

atualizado de forma clara e visível para todos. Ao final de cada entrega, faz parte da sua

função garantir que a mesma está funcionando e, principalmente, solucionando o que se

propôs a fazer, antes que seja enviada para validação do cliente.

Ademais, o Product Manager deve também ter características e funções

gerenciais, semelhantes à de um gerente de projetos clássico, como definição de objetivos,

metas e de seus desdobramentos, além dos indicadores e KPIs utilizados para

acompanhamento do produto/ projeto, sempre com auxílio da gerência da empresa, bem

como da equipe. É essencial que ele tenha conhecimento técnico e que acompanhe o

andamento de forma quantitativa, além da qualitativa (validação com o cliente), para

embasar decisões e próximos passos. É função gerencial dele, também, documentar todo

o avanço realizado, todo o valor incremental entregue, os pontos positivos do avanço e as

dificuldades encontradas. Ele deve, coletivamente, mas sob sua responsabilidade, garantir

a documentação e a gestão do conhecimento, garantindo o legado do produto e de seu

desenvolvimento.

Por fim, é papel do PM ser a figura representativa e focal da equipe, do produto e

de seu desenvolvimento em todas as frentes. Ele deve garantir alinhamento de

expectativas com a gerência e com as outras áreas da empresa, deve ser o responsável por

ouvir o cliente de forma ativa e contínua, bem como transmitir o conhecimento e o

andamento do produto/projeto de forma formal para todas as partes interessadas.

Portanto, vê-se que é essencial o bom trabalho do Product Manager para o sucesso

do produto. Seu trabalho é facilitado pela garantia de autonomia por parte da gerência,

pela proatividade e pela atitude de sua equipe. Deve-se reforçar a ausência de liderança

hierárquica do PM na estrutura organizacional, mas é fundamental que ele seja referência

e liderança técnica e de gestão.

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5. CASO APLICADO: UMA EMPRESA DE SOLUÇÃO DE PAGAMENTOS

Abaixo é realizado uma análise de caso de uma empresa de solução de

pagamentos, em que se objetiva compreender o cenário e a caracterização dela, bem como

o direcionamento da gestão de produtos realizada na companhia. Na análise, busca-se

descrever a gestão de produtos realizada pela empresa e compreender quais seriam os

efeitos da aplicação do método retratado na seção anterior para o cenário da empresa

analisada.

É válido ressaltar que o período em que a gestão de produtos da empresa foi

analisada foi todo o ano de 2018, período em que se obteve acesso ilimitado aos modelos

de gestão de produtos, seus impactos e os resultados - positivos ou negativos - do mesmo.

Os dados foram filtrados mediante entrevistas com gestores de produtos, líderes técnicos,

bem como membros da gerência. Além disso, cabe salientar que ambos os autores do

presente estudo estavam empregados na empresa analisada durante o período, e tiveram

experiência suficiente para agregar valor aos outros dados coletados.

5.1. Caracterização da empresa

O estudo de caso é direcionado ao contexto da empresa XPTO que tem se

destacado por seu rápido crescimento em um mercado de soluções de pagamentos que

têm tido sua competição acirrada bastante divulgada. A opção da empresa é por se

especializar nesse mercado e empacotar soluções que estejam ajudando o cliente a vender

mais e coletar capital de giro a partir das transações realizadas. A caracterização da

empresa passa pela compreensão de como tem funcionado esse mercado de soluções de

pagamentos no Brasil e como a empresa tem se posicionado. Além disso, é apresentada a

estrutura de empresas que compõem o grupo econômico da companhia XPTO a fim de

esclarecer quais são as soluções hoje ofertadas por ela e alinhar o campo de atuação

esperado para os próximos produtos da companhia.

5.1.1. Mercado de soluções de pagamento no Brasil

Um fenômeno em termos de novas oportunidades de negócios exploradas em um

curto espaço de tempo, bem como as características do mercado tecnológico e de

informação descritos ao longo do texto, é o surgimento de fintechs no Brasil. O cenário

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previamente configurado no país era de concentração extrema de todas as atividades de

pagamentos e bancárias em poucas instituições financeiras e o duopólio existente na

relação bandeiras-credenciadoras que limitava as transações comerciais a um pool

reduzido de players.

O mercado de meios de pagamentos como um todo evoluiu como a própria

evolução das transações comerciais. Em um primeiro momento, vale esclarecer que o

objeto tratado no escopo do estudo de caso como mercado de pagamentos será entendido

como o mercado composto por todo tipo de negócio que possibilite as transações

financeiras cashless, ou seja, sem a troca de dinheiro físico efetiva entre as partes de uma

transação comercial.

Como introduzido anteriormente, a compreensão da dinâmica desse setor passa

pela análise histórica da evolução da configuração dos arranjos de pagamentos e da

relação dos serviços complementares prestados pelos principais bancos do país. Até

pouco antes da crise de 2008, os quatro principais bancos do país detinham cerca de

53,1% dos ativos e 54,7% das operações de crédito do país. enquanto, em dezembro de

2017, esses números já estavam em 72,7% e 78,5% respectivamente9.

O Índice de Herfindahl-Hirschman – IHH é um instrumento de avaliação de níveis

de concentração econômica utilizado pelas autoridades nacionais e internacionais de

defesa da concorrência. O Banco Central avalia que mercados que registram valores de

IHH situados entre 0 e 1.000 podem ser considerados de baixa concentração; entre 1.000

e 1.800, de moderada concentração; e acima de 1.800 de elevada concentração. Nos

últimos 10 anos, esse índice subiu quase 70% e, hoje, registra 1741 quando olhamos as

operações de crédito do país (Gráfico 21).

Essa concentração bancária existente no Brasil, segundo AKRA e DUARTE

(2018), se reflete em todo o mercado de meios de pagamento porque a maior parte dos

incumbentes têm um dos cinco maiores bancos do país como controlador - o que não é

muito diferente quando se olha apenas para os quatro maiores participantes (Gráfico 22)

- e isso representa uma enorme barreira de entrada para um mercado que é extremamente

complexo do ponto de vista operacional e regulatório.

9 Disponível em < https://www.bcb.gov.br/htms/estabilidade/2018_04/refPub.pdf> - Acesso em

28/07/2019.

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Figura 21: Evolução dos níveis de concentração do segmento bancário conforme índice de Herfindahl-

Hirschman (IHH).

Fonte: Banco Central do Brasil (2017)

Figura 22: Análise da evolução do índice de concentração do segmento bancário nos quatro maiores

participantes.

Fonte: Banco Central do Brasil (2017)

O movimento de transações comerciais que não envolvem moeda física, de fato,

ainda é incipiente no país. Quando se olha o mercado de transações com cartões de crédito

e débito, o cenário competitivo é de que, enquanto as empresas veteranas no setor,

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controladas por grandes bancos, ainda têm margem para queimar diante da concorrência

mais acirrada, as novatas estão capitalizadas para enfrentar essas gigantes, em geral, em

um movimento seguinte ao de abertura de capital no exterior10. Segundo a Mastercard, a

expectativa é de que o mercado de cartões some cerca de R$ 2 trilhões em 2019,

crescimento de 25% frente ao ano de 201811.

A participação de insurgentes independentes é resultado de um marco regulatório

que impactou diretamente o fim do duplo monopólio que existia no país até 2010 em que

apenas as ‘maquininhas’ da Visanet poderiam transacionar os cartões de bandeira Visa e

as da Redecard eram as únicas habilitadas para transacionar os cartões Mastercard. Essa

postura adotada pelo Banco Central, órgão regulador, de estimular a competição

colocando itens em pauta na sua agenda BC+ (figura 23) que catalisem justamente essa

disputa entre mais participantes, potencializa uma série de outros negócios e

oportunidades que passam a existir ao redor do core transacional nesse mundo de

pagamentos.

10 Disponível em <https://epocanegocios.globo.com/Tecnologia/noticia/2019/01/investimento-em-

fintechs-no-brasil-aumentou-sete-vezes-em-tres-anos.html> – Acesso em 28/07/2019. 11 Disponível em <https://forbes.uol.com.br/last/2018/12/mercado-de-cartoes-no-brasil-pode-atingir-r-2-

tri-em-2019/> - Acesso em 28/07/2019.

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Figura 23: Apresentação da Agenda BC+ do Banco Central do Brasil.

Fonte: Banco Central do Brasil (2018)

Além de toda a complexidade regulatória do setor, é válido frisar a complexidade

e quantidade de players envolvidos diretamente no fluxo de uma transação comercial e

outros inúmeros participantes que podem explorar e complementar esse fluxo “principal”.

Uma transação comercial feita por um portador de cartão, por exemplo, envolve, pelo

menos, quatro participantes: lojista, credenciadora, bandeira do cartão e banco emissor

do cartão. Esse fluxo pode contar ainda com a participação de uma wallet, uma sub-

adquirente, um gateway de pagamentos, um anti-fraude e até mesmo uma conciliadora de

vendas e um sistema de gestão de estoque ou gestão do ponto de vendas.

O momento atual do mercado é de uma exigência por soluções mais completas e

mais formas de pagamentos - principalmente em um cenário de estratégias de

omnichannel, wallets, criptomoedas e pagamentos mobile e peer to peer - que alavanca o

cenário de novas oportunidades nesse mercado de pagamentos. Outro ponto que reforça

o leque de oportunidades que tem se aberto é a realidade de incumbentes pouco

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inovadores (players “fazendo o básico”) que contribui para o ambiente propício à

inovação e ao sucesso desses insurgentes.

5.1.2. Histórico e composição

A empresa XPTO iniciou suas operações oficialmente em 2012, dois anos após o

Banco Central alterar as regras do mercado de pagamentos brasileiro com a quebra da

exclusividade das bandeiras, criando assim um cenário mais amigável para novos

competidores, como descrito no ponto anterior. Seus dois sócios fundadores perceberam

a oportunidade no novo mercado e fundaram oficialmente a empresa credenciadora

(popularmente conhecida como adquirente), juntamente com uma empresa de gateway,

que oferece serviço de pagamentos não presenciais.

A empresa possui, desde o seu início, enfoque total em cultura organizacional,

contratando e estimulando seus contratados a sentirem-se aderidos à cultura ou, em caso

contrário, buscarem outras oportunidades. Sua missão é a de “transformar a indústria de

meios de pagamentos, equilibrando melhor as forças entre lojistas e bancos, mudando a

experiência de consumo e aumentando a produtividade dos nossos clientes”. A empresa

busca ir na contramão do mercado ao focar sempre no cliente - o lojista - e ao buscar

sempre alternativas para que ele possa ganhar ao escolhê-la em detrimento de outros

competidores. A cultura da XPTO é extremamente focada no cliente, e possui 5 valores,

que serão definidos e descritos abaixo:

1. Own it: seja dono. Como a maior parte das empresas, a XPTO se baseou no

conceito de “espírito de dono”, conceito criado no livro The Founder’s Mentality

(James Cook et al), para definir que todo colaborador e/ou funcionário deve tratar

a empresa como se fosse sua e, dessa forma, garantir que cada ação e decisão

tomada tenham impacto direto e efetivo no seu patrimônio;

2. No bullshit: Como disse Jack Welch em seu livro Paixão por Vencer, quaisquer

diálogos que envolvam burocracia e “política” atrapalham o andamento e o

desenvolvimento da empresa. Deve-se ser direto e sem rodeios, objetivando

sempre o melhor para a empresa, e não para o ego;

3. Teamplay: O trabalho em equipe é essencial. Não se pode alcançar nenhum

resultado sustentável a longo prazo de forma individual e solitária. Além disso,

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todo conhecimento deve ser disseminado de forma a garantir sua manutenção ao

longo do tempo;

4. Live the ride: Conceito comum na maior parte das empresas modernas, deve-se

aproveitar e celebrar o trabalho. Entende-se que o funcionário trabalha e entrega

mais quando está feliz e sente-se valorizado. Dessa forma, todo mérito deve ser

comemorado e anunciado;

5. The Reason: Por fim, o principal valor da companhia: o cliente. O cliente é a razão

de existência e deve ser posto em primeiro plano a todo momento, em detrimento

de tudo. Caso ele não esteja no centro, a empresa não está fazendo o que deveria,

perde-se seu sentido, e deve-se mudar seu rumo;

Desde sua fundação e principalmente por seu foco no cliente, seu tratamento

pessoal e sua disrupção tecnológica e empresarial, a companhia cresceu

consideravelmente e de forma extremamente acelerada. Pode-se ver abaixo alguns dos

principais pontos de sua história que valem ser mencionados:

● 2012: Fundação da empresa, com cultura forte e foco no cliente;

● 2016: Compra da quarta maior concorrente de adquirência, controlada até então

pelo Citibank Brasil, ocupando então o lugar dela em market share;

● 2017: Criação da holding que integraria todas as empresas do grupo sob um

mesmo guarda chuva;

● 2018: abertura de capital em bolsa de valores estrangeira. A empresa captou o

equivalente cerca de R$ 6 bilhões. Atualmente, a companhia conta com mais de

3.500 funcionários, mais de 200 mil clientes ativos e inicia um novo ciclo de

existência seguinte à abertura de capital.

Como pode ser visto nos fatos citados acima, no ano de 2017 a empresa XPTO

passou a fazer parte de uma holding, sendo então uma das subsidiárias da mesma. Junto

à holding, há outras cinco empresas, todas do mercado de soluções de pagamentos, que

fornecem serviços complementares entre si. Abaixo, segue uma breve descrição para cada

uma delas:

● Empresa A: gateway de pagamentos do grupo, que viabiliza o pagamento de

compras feitas de forma não presencial (online). Oferece outros serviços

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associados que facilitam o pagamento pelo usuário, provêm segurança e ajudam

na gestão das compras por parte do cliente, nesse caso lojista virtual;

● Empresa B: Provedor de Serviço de Pagamento (PSP), que iniciou-se como uma

sub-adquirente, similar à Pagseguro, mas se especializou na entrega de serviços

financeiros como o split de pagamentos (o split de pagamentos é a ferramenta que

calcula o valor recebível devido a cada parte envolvida, na situação em que o

cliente compra artigos de diferentes fornecedores em um único meio

(“marketplace”, ex: americanas.com), a antecipação de recebíveis e a conciliação

integrada. De maneira geral, os serviços da B visam a facilitar a taxa de conversão

do cliente e seu recebimento do pagamento;

● Empresa C: solução que visa facilitar a gestão contábil dos pagamentos recebidos

por cartão de crédito. Ela realiza a gestão e conciliação do fluxo de caixa do lojista,

integrando os pagamentos recebidos por diversas adquirentes, suas diferentes

taxas e condições de antecipação dos recebíveis. Também facilita o cálculo e a

gestão de impostos devidos e audita as taxas cobradas pelas adquirentes sobre os

serviços normais e de antecipação de recebíveis;

● Empresa D: serviço de Transferência Eletrônica de Fundos (TEF). Configura em

um serviço que captura as informações de pagamento realizadas pelo cartão,

integra a operação com a adquirente e realiza uma gestão única de pagamentos,

ainda que o lojista trabalhe com diferentes adquirentes. A interação do usuário

com o lojista é a mesma que a feita com um POS (a “maquininha”) - aquele insere

seu cartão em um terminal de pagamento, insere seus dados, o pagamento é

realizado e ele leva seu produto consigo - porém, a estrutura por trás do TEF é

operacionalmente diferente. Enquanto o POS possui um software próprio

embutido e único de acordo com a adquirente que o possui, o terminal do TEF

não possui software interno e está diretamente conectado a um computador. Esse

computador hospeda o software da TEF e realiza a comunicação com a adquirente.

● Empresa E: serviço integrado de ERP e PDV (ponto de venda), direcionado para

o setor de restaurantes e bares, que permite a gestão completa de ponta a ponta

dos lojistas. É um produto complementar que possibilita a consolidação de contas

a pagar e receber numa visão real sobre o caixa do seu estabelecimento, além de

controle de estoque em tempo real, relatórios gerenciais segmentados por períodos

para ajudar o lojista a extrair informações específicas sobre a operação dele de

food service.

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Percebe-se que a holding já possui um bom portfólio de produtos/empresas,

majoritariamente focados no mercado de meios de pagamento. Por ser uma empresa de

tecnologia, a maior parte de seus produtos são técnicos, e por isso é necessário focar em

sua gestão e/ou desenvolvimento. Abaixo abordaremos os principais direcionamentos

dessa gestão, com exemplos práticos e reais da companhia.

5.2. A gestão de produtos tecnológicos na empresa XPTO

Descrito o mercado em que a empresa está posicionada, bem como seu histórico e

suas características organizacionais, pode-se então prosseguir para a análise da gestão de

produtos realizada pela empresa. Por ser uma empresa de tecnologia, moderna e antenada

com as tendências de mercado, a empresa XPTO já assumia, em 2018, a utilização de

métodos de gestão ágil, ainda que não padronizados e não necessariamente fiéis a apenas

uma metodologia ágil, para gerir seus produtos e projetos. A presente seção busca

descrever, de acordo com cada um dos tópicos abordados no capítulo 4, como é a

realidade gerencial da empresa, citando exemplos para embasar a análise.

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5.2.1. Validação do problema

A validação do problema, como já destacado, é fundamental para compreender,

junto ao mercado de consumidores e concorrentes, se o lançamento de determinado

produto é realmente viável. Essa validação é embasada na aquisição rápida de

conhecimento sobre o par cliente-problema. Como destacado também, os últimos anos

do mercado de pagamentos foram marcados pela intensidade no surgimento de novos

players e, como em um processo que naturalmente ocorre em qualquer setor, já dá para

se observar um período de depuração. Essa “nova competição” se deu por uma medida

regulatória e assim se dá também o surgimento de novas oportunidades nesse negócio.

Um caso relevante foi a alteração estabelecida com a publicação da lei

13.455/2017 no Diário Oficial da União que autorizou os comerciantes a oferecer preços

diferenciados para pagamentos em dinheiro ou cartão de crédito ou débito. A medida

obrigou o comerciante a informar todo e qualquer desconto oferecido seja em função do

prazo ou do meio de pagamento escolhido em local visível ao consumidor. Na prática,

apesar de ser proibido até então, a prática já era adotada por muitos comerciantes, que

ofereciam descontos para quem pagasse com dinheiro a fim de buscar evitar as taxas

cobradas pelos cartões e o tempo padrão de liquidação das vendas para receber o dinheiro,

o que costuma acontecer em 30 dias após a venda.

Uma modalidade de compra que já existia há bastante tempo era o que ficou

conhecido como “parcelado emissor”, modalidade de compra que o comerciante podia

parcelar o valor de suas vendas diretamente com o emissor ou administradora de cartões

- em geral um banco. O estabelecimento comercial recebe o valor total da venda de uma

só vez, 30 dias após a data de processamento da vendas, como se fosse uma transação de

crédito à vista, enquanto que o portador do cartão paga a compra em parcelas que serão

lançadas mensalmente em sua fatura do cartão de crédito. Nesse cenário, diferente do que

realmente acontece em uma compra parcelada no fluxo “tradicional”, também conhecido

como “parcelado lojista”, o valor recebido pelo lojista não é comprometido e todo o

“financiamento” da operação é custeada pelo comprador na proporção dos juros cobrados

pelo emissor de seu cartão.

Diante desse cenário e novas opções, alguns bancos que possuem credenciadoras

em seus grupos econômicos, como resposta ao surgimento de novas credenciadoras que

tem como uma de suas principais linhas de receita a antecipação de recebíveis futuros dos

lojistas, optaram por lançar um produto - ainda em fase de piloto - conhecido como

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“crediário no cartão”. A proposta era de que, na hora de realizar o pagamento na loja, o

consumidor solicitaria ao lojista a opção de fazer o crediário diretamente na máquina do

cartão - o estabelecimento comercial tem a opção de disponibilizar ou não essa forma de

pagamento aos seus clientes.

Inicialmente, haveria uma consulta das taxas de financiamento disponíveis para o

comprar e alguns diferentes cenários simulados seriam retornados. Feita a simulação, o

consumidor visualizaria na tela ou em um comprovante impresso as informações de uma

ou mais opções de parcelamento, como a quantidade e o valor das parcelas, a taxa de juros

e o custo efetivo total (CET). A quantidade de parcelas, a taxa de juros e as demais

condições de financiamento poderiam variar de acordo com o emissor do cartão. Uma

vez escolhida a opção que considera melhor, o consumidor digita a senha e conclui a

transação com as parcelas do crediário sendo lançadas nas suas próximas faturas,

conforme a opção contratada. A concessão do crediário está atrelada ao limite de crédito

do cartão.

Até o final de 2018, quatro bancos haviam aderido à modalidade: Bradesco, Itaú,

Santander e Votorantim, novos participantes como o Nubank já haviam se manifestado

que não participaria. Cielo, Gerber, GetNet e Rede foram as credenciadoras que

ofereceriam o produto. O Bradesco informou que os clientes de seus cartões já poderiam

utilizar as novas linhas com taxas entre 0,99% a.m. até 3,99% a.m., de acordo com o perfil

do cliente. A proposta desses participantes era uma medida agressiva com estratégia

prevista de marketing em mídias de massa e comunicação direta com os públicos das

classes C, D e E.

A empresa XPTO então, em uma avaliação inicial e, baseada em informações

divulgadas nas reuniões envolvendo os participantes desse mercado de pagamentos em

que se passavam o andamento do piloto e o planejamento desse produto, optou por avaliar

a possibilidade de desenvolvimento de uma solução própria. A lógica era também de criar

uma nova modalidade de transação com pagamento acelerado para seus lojistas de modo

que os custos dessa aceleração seria financiada pelo portador do cartão. A premissa

assumida então era de que a influência que as propagandas de massa têm sobre

determinados públicos e o alto investimento previsto na divulgação do produto dos

bancos poderiam alterar a dinâmica de mercado e, sob efeito do famoso lobby por

pagamentos antecipados (D+2) que tem se propagado na indústria, poderia se tornar uma

modalidade extremamente popular mesmo ficando mais caro para o consumidor final.

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Justamente por ter essa premissa assumida, todo o processo de desenvolvimento

do produto XYZ ignorou a etapa de validação do mercado e da aceitação do cliente e

partiu direto para a validação de como deveria ser conduzida a usabilidade do cliente

quando estivesse utilizando uma máquina da empresa XPTO. Ao longo dessa fase, foram

marcadas entrevistas com alguns clientes, mas com um objetivo simplificado de tentar

entender quem, na prática tomava a decisão de que a compra poderia sair mais cara: o

cliente pedia para usar o parcelado emissor - produto análogo ao que estava sendo

proposto pelo crediário dos bancos - e topava os juros por conta própria ou o lojista dizia

que sob aquela condição só vendia parcelado se houvesse juros?

Feito isso, dois princípios de negócios desdobraram das entrevistas: o fluxo de

compra deveria ser mais simples do que o que seria proposto pelo produto dos bancos

(como o produto era resultado de um comitê facilitado pela Abecs - Associação Brasileira

das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços, os resultados eram compartilhados com

os associados) e, a taxa que seria incorporada no preço do produto deveria ser menor do

que a que seria oferecida pelos bancos. Por conta disso, boa parte das discussões eram

sobre como ofertar uma experiência que fosse tão melhor que, quando tivesse as duas

opções, o cliente escolhesse pelo produto XYZ, desde repensar o fluxo até cores e

nomenclatura.

Como exposto no capítulo anterior, todos esses pontos são importantes, mas em

uma fase seguinte em que, de fato, já se tem validação de que há um problema real. No

caso do produto XYZ, o fato de ter assumido como premissa de que uma medida

regulatória teria força suficiente para impor uma condição de pagamento diferente e que

ela seria adotada pelos clientes sem nenhuma objeção e que por conta disso, o produto

XYZ já teria a demanda validada e já poderia se considerar os passos de definição e

validação de requisitos acabou se mostrando falho.

Na prática, o produto envolveria algumas áreas da empresa já que, por ser uma

nova modalidade de transação - como crédito e débito -, isso impactaria na liquidação das

transações e alguns outros processos de back-office. A exigência de recursos e tempos de

outros times além do que já olhava o desenvolvimento de features do próprio POS - a

maquininha em si - passou a competir com outras demandas já validadas com clientes,

como por exemplo, o desenvolvimento de uma calculadora para facilitar o trabalho de

garçons na hora do pagamento ou simular para o lojista quanto seria o valor líquido de

cada transação dadas as taxas acordadas que seriam quick wins. Esse conflito de

prioridades desacelerou o lançamento de versões iniciais de validação da solução com

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clientes, o que não ajudou a reduzir as incertezas acerca do produto e de todas as hipóteses

estabelecidas.

Com o passar do tempo, o produto XYZ foi totalmente despriorizado pois, à

medida que não havia garantia de necessidade por parte dos clientes e potencial de tração,

a conversa dos bancos começou a mudar sobre a necessidade de investir em um produto

como o crediário de cartão, ao qual o produto XYZ seria um contra-ataque, e passou, na

visão dos associados, a ser encarado como uma opção de baixa penetração e de baixa

aceitação pelos consumidores.

A estratégia do mercado como um todo continuou a ter o direcionamento de

acelerar o pagamento para os lojistas, mas com a abordagem de, no caso dos grandes

bancos que possuem credenciadoras, combinar a estratégia de banking para subsidiar a

competição de taxas estabelecida no mercado de adquirência. No fim, tanto o produto dos

bancos quanto o da empresa XPTO expuseram que a premissa inicial desses participantes

não estava correta e que os consumidores não estariam dispostos a pagar mais para poder

parcelar suas compras.

5.2.2. Definição e validação de requisitos

Nesta etapa de definição e validação de requisitos foi apresentada a importância

de, como o próprio nome indica, os requisitos iniciais para o desenvolvimento do produto

de forma validada com o usuário e garantindo a viabilidade e assertividade da solução

com embasamento lógico e técnico. Um bom exemplo de como identificar potenciais

melhorias na execução dessa fase de desenvolvimento de produto é o produto W, da

empresa XPTO, mas que nasceu com alta sinergia com a empresa A do grupo, um

gateway de pagamentos.

O produto W nasce em um contexto em que um dos principais sócios da

companhia, após viagens pela Ásia, visualizou a oportunidade de reproduzir aqui no

Brasil o conceito de wallet de pagamentos. Inicialmente, a motivação era conseguir

extinguir as filas nos momentos de pagamento, especialmente em restaurantes. Olhando

para o cenário atual, diferente do cenário descrito para o produto XYZ, o problema de

fato existia e a demanda era verdadeira, tanto é que, logo em seguida diversas outras

wallets se mostraram viáveis, como PicPay, Ame Digital e etc. Um ponto fundamental

que se destaca nesses players, que não era realidade da empresa XPTO, por exemplo, é o

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conhecimento que esses participantes já têm de como conduzir um negócio B2C -

Business-to-Customer, enquanto a XPTO tem um modelo B2B - Business to Business.

O produto W deveria conseguir reduzir praticamente toda a fricção que ocorre

hoje no momento do pagamento pois o usuário já teria seus cartões cadastrados em sua

wallet e, ao receber a conta, como auto-serviço, colocaria o valor e escolheria o cartão

que deseja utilizar para o pagamento daquela conta; nesse momento, o lojista receberia

uma notificação em um dashboard do produto sinalizando que aquele usuário fez um

pagamento de determinado valor. Esse modelo é classificado por Osterwalder (2011,

p.77) como uma plataforma multilateral que une dois ou mais grupos distintos, porém

interdependentes, de clientes e que é de valor para um grupo de clientes apenas se os

outros grupos também estiverem presentes. Para o produto W, precisava-se tanto de

estabelecimentos comerciais dispostos a aceitá-lo como meio de pagamento quanto

usuários dispostos a cadastrar seus cartões e a pagar usando a wallet.

Essa situação exigia uma capacidade de distribuição expressiva nos dois lados da

plataforma para oferecer uma situação de pagamento que as pessoas não estão

acostumadas, que descarta a maquininha como parte do processo, não tem senha e etc. A

dificuldade de desenvolvimento do produto também atrapalhou o ganho de escala do

produto W, até mesmo para os clientes do tipo pessoa jurídica com quem a empresa XPTO

e a empresa A já tinham experiência de relacionamento. No fim, a maioria das

dificuldades encontradas para a distribuição do produto estavam relacionadas a não

atendimento de requisitos ou requisitos não mapeados.

O fluxo de pagamento através do produto W era relativamente simples -

tecnicamente falando - pois o produto funcionava como um cliente da empresa A, um

gateway de pagamentos, muito comum para compras online. Nessa circunstância, havia

uma conflito de prioridades já que, justamente por ser um produto B2C e um projeto

apartado, algumas demandas iam de encontro ao que o core business da empresa exigia

para o momento. Um exemplo era que o gargalo de opções de pagamento era definido

pela empresa A e não pelo produto em si já que a única coisa feita pelo próprio produto

era enviar a mensageria da transação para o gateway da empresa A que ficaria responsável

por autorizar a transação a partir da adquirente XPTO, exatamente como se o produto W

fosse um e-commerce.

Um exemplo claro é de que, majoritariamente, os estabelecimentos comerciais

que topavam fazer parte da plataforma eram do segmento de food service, então, no início

de cada mês, a utilização do produto W era muito baixo pois os usuários optavam por

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pagar utilizando seus vouchers de alimentação, que não tinha como cadastrar na wallet

pois não eram aceitos pelo gateway da empresa A, que era especializado no varejo. Na

prática, o produto funcionava dentro do esperado apenas nos últimos 10 dias de cada mês

quando o saldo dos usuários acabavam. Algumas conversas até rolaram para que houvesse

parceria com um dos principais vouchers do Brasil, porém, por ter uma regulação

específica e com requisitos definidos pelo Ministério do Trabalho, a burocracia para uma

liberação desse tipo se tornou inviável.

Na ponta de estabelecimentos comerciais, ficaram evidentes alguns pontos que

deveriam ter sido avaliados antes pois inviabilizaram penetração maior do produto. No

primeiro momento, caberia ao usuário inserir o valor da conta para então colocar no

produto e realizar o pagamento. No dia a dia, as filas reduziam menos do que se esperava,

pois na maioria dos restaurantes, o cliente precisava ir até o caixa saber quanto era ou

aguardar o garçom retornar com a conta. Sob a ótica dos lojistas, a redução era apenas do

tempo de pagamento com a máquina já que todo o processo continuava bem próximo do

que era antes. Um piloto foi feito na cantina terceirizada do escritório da empresa XPTO

disponibilizando QR code em cada produto que já acrescentaria o valor e o produto no

carrinho de compras do aplicativo W, o que permitiria o auto-serviço. Por outro lado,

todos os fluxos pensados até então, não endereçaram um problema que era considerado

ainda maior pelos estabelecimentos comerciais.

Como descrito, ao ter um pagamento realizado, o comerciante poderia

acompanhar por um dashboard que aquele usuário fez um pagamento naquele valor.

Acontece que uma das maiores dificuldades que os lojistas possuem é a de conciliar

vendas e pagamentos no fim do dia. No cenário proposto pelo produto W, o

estabelecimento que também fosse cliente da empresa XPTO - ou de qualquer outra

credenciadora - precisaria abrir o ERP - sigla para Enterprise Resource Planning, ou

Sistema Integrado de Gestão Empresarial, um software de gestão que automatiza alguns

processos e integra atividades da empresa - ou PDV que ele utilize, o portal com as vendas

feitas no cartão e o dashboard do produto W para fazer o batimento de informações. Ter

a informação completamente descentralizada e desassociada de sistemas de informação

que o cliente já está acostumado a utilizar acaba se tornando uma barreira de entrada.

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5.2.3. Gestão e desenvolvimento do produto

Quanto ao aspecto central da gestão de produtos tecnológicos, a própria gestão em

si, é necessário reforçar que a empresa XPTO, com sua mentalidade de startup fintech,

definiu como ideal a gestão ágil. Assim, é válido dizer que a gestão e o desenvolvimento

dos produtos na companhia são, até certo ponto, condizentes com princípios ágeis e,

também, possuem certa sinergia com algumas metodologias ágeis. A implementação de

tal gestão é, contudo, falha ou meramente parcial, limitando a capacidade gerencial e a

agilidade da empresa, inviabilizando a autonomia da equipe e impedindo uma gestão

eficiente, o que causa grande retrabalho e desperdícios financeiro e de tempo.

Quanto ao primeiro aspecto abordado no modelo, a empresa utiliza as iterações e

os ciclos de gestão, geralmente de duas semanas, para realizar a gestão de quase todos

(ou todos) os seus times responsáveis por produtos tecnológicos, apesar de isso não ser

uma definição ou um padrão. Assim, ao menos no que tange a esse ponto específico, a

gestão é satisfatória e pode-se dizer que condiz com o modelo definido na seção anterior.

Ainda nessa linha, a maioria dos times fazem uso de métodos ágeis que

contemplam os momentos descritos como cerimônias que têm por objetivo garantir

acompanhamento do andamento das entregas. A leitura feita sobre a situação atual da

empresa XPTO indica que as cerimônias existem e não preocupam os gerentes da

empresa, pois entendem que quaisquer problemas que surgem ao longo do

desenvolvimento acaba sendo efeito de um problema da etapa de priorização, validação

do mercado ou definição de requisitos. Além disso, alguns apontam inclusive que o fato

de terem por hábito realizar as cerimônias de planejamento e de acompanhamento do dia

a dia ajuda na identificação desses problemas de etapas anteriores. Um ponto de atenção

relacionado aos elementos de gestão é a forma como são conduzidas as validações de

entregas com clientes, já que nem sempre são realizadas com a participação de clientes,

o que compromete e atrasa a validação de alguns resultados.

A priorização na etapa de desenvolvimento tem grande relevância sobre o valor

percebido que as entregas têm para o cliente e sim, apresenta problemas críticos na gestão

de produtos da empresa XPTO. A ordenação do que é prioritário entre A e B deve ser

resultado de um desdobramento estratégico da companhia em que se define, no nível mais

alto, quais as iniciativas e macro-assuntos - em geral, atividades transversais aos times de

desenvolvimento - que precisam ser encaminhados no período. Na empresa XPTO, essa

falta de definição estratégica bem desdobrada para o nível tático afeta o desenvolvimento

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de soluções pois não é raro ver soluções concorrentes e/ou a mesma solução sendo

desenvolvida por dois ou mais times. Como consequência desse desalinhamento, em

alguns casos são tomadas medidas mais extremas visando “zerar” tudo, o que acaba

impactando na repriorização de atividades que envolviam times ou clientes externos que

dependiam daquela entrega.

As equipes de desenvolvimento têm autonomia para decidir com qual método ágil

tem mais familiaridade e se sente mais confortável para acompanhar o andamento das

entregas. Não é incomum ter equipes com diferentes métodos adotados trabalhando juntas

em um mesmo projeto ou produto. Um ponto de preocupação quanto a essa dinâmica é o

fato de que, independente de se trabalhar com scrum, kanban, extreme programming ou

qualquer outro método ágil, há perda de comparabilidade do andamento e da

produtividade dos times. Em última instância, esse ponto está muito relacionado com a

exigência de alinhamento e comprometimento de entrega e resultados que recai sobre os

times já que não há garantia de que os momentos de planejamento serão comuns e com

periodicidade casada. Em alguns relatos de gestores de produtos da empresa XPTO é

comum ouvir que eles já tiveram alguma entrega ou resultado comprometido pela não

entrega de outro time.

Quanto à autonomia de desenvolvimento em si, mostra-se um ponto falho, dado

que a priorização, definição de requisitos, de entregáveis e validação de produtos é

limitada. Muito porque há grande interferência externa da gerência, com repriorização,

mudança brusca de estratégia e de organização, e também com a demanda de grandes

clientes, que acaba ultrapassando e despriorizando demandas já priorizadas e definidas

pela equipe no desenvolvimento. Não é necessário entrar no mérito, possivelmente, do

impacto financeiro dessas demandas, mas sim da organização e da fluidez do

desenvolvimento, que é extremamente dificultada com interferência. Além disso, o

“imediatismo” e a pouca avaliação de demandas “surpresa” acaba causando retrabalho,

esforço sem resultado e, muitas vezes, a não utilização da implementação pelo cliente que

a requisita.

O principal objetivo da etapa de priorização é garantir que as principais entregas

chegarão rápido às mãos do cliente. A análise feita é de que no caso das empresa do grupo,

o maior gap não está na priorização e montagem do backlog em si das equipes, mas sim,

no alinhamento horizontal do times para evitar retrabalhos e repriorização das tarefas que

atrapalham a consistência e até mesmo a previsibilidade das entregas.

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A validação das entregas em si, como boa parte das etapas mencionadas até aqui,

não são padronizadas. Existem alguns times que conseguem conduzir o processo de

validação de entregas de forma satisfatória, mas muito construído de forma empírica e

com forte influência da pressão organizacional que se tem no que envolve o time

comercial e os times de atendimento ao cliente, como lançamentos de novas versões para

a maquininha (POS) ou versões no portal de acompanhamento de vendas do cliente. Esses

processos foram construídos pois já implicaram em momentos de churn de clientes alto

e, durante algum tempo foi acompanhado bem de perto por diretores da empresa e

lideranças mais influentes.

Nos demais casos, especialmente nos produtos que podem ser considerados

plataformas, que servem de estrutura básica de vários outros produtos que podem

consumir serviços específicos ou informações de forma centralizada, a validação das

entregas acaba sendo focada na especificação inicial de definição de feito e dos critérios

de aceite, definition of done, que - nem sempre são definidos - e a visão do cliente, que

nesses casos costumam ser clientes internos, não acontece.

Um exemplo de como isso tem gerado impacto negativo para o negócio da

empresa A, é que, recentemente, ao lançar uma nova API de pagamentos que permitia

operações inéditas de recorrência em cobras, criação de assinaturas e outras

funcionalidades que, do ponto de vista de negócios seriam fundamentais para expandir o

mercado endereçável da empresa, precisava lançar conjuntamente um dashboard novo

para acompanhamento das vendas. Essa necessidade tinha um cunho de marketing, mas

acabou sendo uma oportunidade de fazer o redesign de um produto que tem contato direto

e recorrente com o cliente final da empresa.

De fato, por trás da ideia do novo dashboad havia a tese de que o fato de possuir

novas funcionalidades, ter um visual mais limpo, contar com um design system que

poderia ser replicado em outras interfaces da companhia por já estar tudo componentizado

seria valorizado pelos clientes finais. Os testes internos se concentraram nos clientes

finais e nas funcionalidades novas, mas nunca teve o envolvimento de clientes reais. Tudo

estava de acordo com o que havia sido especificado inclusive. Ao fazer o lançamento do

produto, a quantidade de chamados no time de atendimento reclamando da falta de

funcionalidades “antigas” e básicas foi significativa.

Além disso, com o fato de que algumas funcionalidades como o cancelamento de

transações, configuração de prioridade da adquirente que receberá a transação de acordo

com a bandeira, configuração das regras de retentativa de transação foram suprimidas, o

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time de suporte ao cliente também teve seu potencial de resolução de problemas reduzido,

implicando em mais chamados internos para os times de desenvolvimento. Como medida

emergencial, a nova versão do dashboard utilizada pelo time de atendimento, precisou

voltar ao ar e, sempre que fosse necessário utilizar alguma das funcionalidades antigas,

os comandos eram feitos pelo portal antigo.

No que tange à definição e acompanhamento de metas e indicadores, percebe-se

grande possibilidade de melhoria, sendo ambos pontos de alavancagem extremamente

significativos para a companhia XPTO. Isso porque o processo de gestão estratégica não

é padronizado, e muitas vezes é pouco cobrado pela gerência e pelo gestor, que preferem

desenvolver o produto considerando “assertividade assumida” (problema reflexo de falha

na validação do problema). É válido dizer que para alguns produtos da empresa esse fluxo

acontece, mas pode também ser melhorado. Não há, de fato, estudo sobre principais

métricas para cada produto, bem como definição de quais metas devem ser alcançadas.

Por causa da perspectiva de “lançar rápido para aprender rápido”, muitas vezes

ignora-se a definição e o acompanhamento de indicadores e de metas, buscando apenas

feedback ativo do consumidor, o que pode não acontecer ou, por outro lado, pode ser

parcial e não representativo. Essa perspectiva de agilidade não pode, de forma alguma,

substituir a visão sistêmica e estratégica do produto e de sua gestão, dado que pode

dificultar e guiar a tomada de decisão de forma não acurada, causando prejuízos e

retrabalho. Por exemplo, produtos com ideias extremamente interessantes e até

disruptivas na companhia XPTO acabaram sendo despriorizados por excesso de

investimento com “assertividade assumida” e, ao analisar-se de forma posterior e já

adiantada no desenvolvimento, percebeu-se que os indicadores não estavam certos e não

informavam o que se gostaria. Além disso, a falta de metas dificultou todas as etapas do

processo - como priorização de tarefas, validação de entregas, visão estratégica etc. - o

que fez com que, já em estado avançado, com grande esforço de desenvolvimento e

inversão já realizados, decidisse-se por despriorizar o produto, de forma custosa,

desmotivadora e decepcionante.

Pode-se ver, portanto, que a gestão de produtos da companhia XPTO pode ser

considerada ágil e, até certo ponto, entrega o que se deseja. Contudo, a fim de se buscar

melhores resultados, maior responsividade ao mercado e às suas demandas e maior

capacidade de decisão e aprendizado, vê-se que são grandes os pontos de alavancagem, e

que é possível (e necessário) adaptar e incentivar a gestão de produtos da empresa nesse

sentido.

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5.2.4. Gestão do conhecimento

Outro ponto a ser analisado na gestão de produtos da empresa XPTO é a sua gestão

do conhecimento. Ao contrário de outras empresas, possivelmente menos preparadas, a

organização possui alguns processos de gestão do conhecimento. Esse processo é quase

que exclusivamente responsabilidade do gestor do produto, que deve documentar

avanços, dificuldades, implementações, modificações e atualizações do produto em

plataformas internas (para ciência de todos os membros da companhia) e plataformas

externas (para ciência e utilização do cliente). Esses processos, contudo, não são

padronizados ou definidos como obrigatórios, o que faz com que muitas equipes não o

realizem ou, ainda que o pratiquem, fazem de forma despadronizada, incompleta ou

insatisfatória, sem auxílio, críticas ou cobranças de líderes, de gestores ou da gerência.

Em muitos casos, a gestão do conhecimento é feita de forma apenas parcial. Existe

uma pressão maior por conseguir tangibilizar mudanças, lançamentos de novos produtos

e informações mais gerais com clientes externos, até como reflexo da cultura

organizacional de tê-lo numa posição centralizada. Quando se olha para comunicação

interna, essa gestão interna de conhecimento acaba sendo negligenciada, o que em alguns

casos pode ser um dos principais fatores da repetição de erros no desenvolvimento de

produtos. Há de se destacar também que, apesar dessas duas colocações, os padrões

adotados nos registros podem ser completamente diferentes quando se olha para as

diferentes empresas do grupo até porque, antes do posicionamento como grupo e junção

das empresas sob a holding, as empresas inclusive utilizavam ferramentas diferentes para

gerir o conhecimento adquirido.

A ausência de uma ferramenta centralizada e que permita acessos de todos os

colaboradores, como explicado no capítulo anterior, dificulta em desenvolvimentos

futuros, aumentando o tempo de ramp up no início do projeto e evitando a repetição de

erros já conhecidos pela organização. Para a empresa XPTO, isso é uma realidade a ser

enfrentada até pelo perfil etário de seus colaboradores e a velocidade com que se é

necessário trocar os membros de alguns times, independente do motivo da troca, já que,

em alguns casos, pode representar um novo começo. Um exemplo disso é o próprio

produto W mencionado nos tópicos anteriores. A ideia do produto W surgiu cerca de um

ano e meio antes de quando ele “emplacou” na empresa, porém, seguidas vezes, foi

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pausado e reiniciado com novas lideranças e times. O efeito prático disso é que o

aproveitamento das vezes anteriores para a gestão do produto foi praticamente nula.

Durante o próprio ano de 2018, a companhia optou por unificar todos os times

comerciais que seriam alocados de maneira aleatória entre os clientes da faixa de atuação

deles. O resultado disso foi que muitos comerciais que nunca haviam vendido a solução

da empresa A, por exemplo, precisavam aprender muito rápido sobre o produto. Como

solução de curto prazo para um problema de gestão do conhecimento que é estrutural, os

colaboradores passaram a usar a documentação da API (Application Programming

Interface) e de negócios que é compartilhada com o próprio cliente para aprender sobre a

solução, o que, por vezes, se tornava uma dor do processo de vendas, principalmente

quando havia troca de colaboradores em meio ao processo de vendas. Esse cenário fica

ainda mais crítico quando se analisa esse mesmo movimento impactando as vendas dos

produtos da empresa B, que não tem uma documentação de negócios, possui apenas uma

documentação técnica da API que é pouco amigável para quem não é desenvolvedor.

5.2.5. O papel do gestor

Dado todo o cenário já apresentado, cabe por fim analisar a figura do gestor de

produtos da companhia. É válido, primeiramente, afirmar que essa figura existe, e tem

significativa importância na equipe de desenvolvimento. No que tange ao seu papel,

assemelha-se muito à figura de gestão representada na metodologia Scrum, o Product

Owner (PO, ou Dono do Produto em tradução literal), possuindo inclusive a mesma

nomenclatura na maior parte dos casos.

Apesar de ter liderança implícita, seu papel é de semelhante - ou par dos demais -

na equipe teoricamente autônoma, não havendo, portanto, hierarquia que o garanta poder

de decisão e capacidade de gerir pessoas e delegar da forma ideal. Na empresa XPTO,

seu papel é focado em facilitar o trabalho do resto da equipe, e ele é portanto responsável

por definir as tarefas e demandas de forma clara e eficiente, garantindo uma explicação

da mesma, do motivo pelo qual ela foi priorizada, bem como seus resultados esperados e

a forma de validação do sucesso da tarefa realizada para garantir a finalização da mesma.

O PO deve, assim, estar totalmente ambientado no contexto do produto, bem como em

contato constante com as demandas. Ele deve, também, compreender o motivo das

demandas e, teoricamente, de que problema (ou observação) ela surgiu.

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Esse ponto, contudo, é extremamente falho ou imperfeito. O primeiro motivo para

isso é a falta de treinamento e preparo adequados para tal função. Por ser uma linha de

carreira relativamente recente, não são muitas as pessoas do mercado de trabalho que

estão devidamente preparadas para assumi-la. Faz sentido, portanto, que a empresa

confira aos contratados treinamentos e capacitações que garantam a eles deter o

conhecimento necessário para compreender, descrever, sintetizar e definir as demandas e

tarefas de maneira clara e compreensível. Contudo, ficou visível, mediante entrevistas

com gestores da empresa e, também, experiência própria dos autores do presente estudo,

que a companhia confere pouquíssimos - e deveras rasos - treinamentos para tal função

e, consequentemente, a capacidade de definir e descrever as demandas e tarefas é também

aquém do necessário.

Isso fez com que, em diversos momentos, e em produtos distintos, tarefas e

funcionalidades importantes fossem mal compreendidas, mal desenvolvidas e, assim,

subutilizadas - ou até mesmo criticadas - pelo mercado. Muitas vezes, tornou-se

necessário grande retrabalho técnico, além de esforço humano de relacionamento com os

consumidores e de perda financeira para a empresa. Um rápido exemplo foi a falha na

descrição de uma tarefa transacional na empresa A do grupo, que fez com que diversas

transações fossem geradas sem que fossem devidamente registradas e finalizadas

internamente, o que significa que, apesar de o valor ser creditado do cartão do consumidor

final, a empresa cliente (o lojista) não recebia a identificação de pagamento e, assim, não

garantia a liberação do serviço ou o envio de algum produto. Pode-se imaginar o esforço

técnico, comercial e financeiro envolvidos na reparação desse problema, que poderia ter

sido resolvido com uma descrição e definição assertiva das tarefas por conta do PO. Esse

ponto também impactou, como já mencionado, a gestão do conhecimento da empresa,

que novamente causa atrasos, retrabalhos e custos indevidos ou desnecessários, reduzindo

a capacidade ágil da gestão.

Outra função importante do gestor de produtos na empresa XPTO é a de priorizar

as tarefas e demandas apresentadas. Como já citado, esse processo é importantíssimo,

pois garante, na teoria, a priorização de tarefas que entreguem valor ao consumidor e que

contribuam para a evolução do produto. Mais uma vez, a falta de treinamento e

capacitação do gestor dificultam o processo, dado que seu conhecimento técnico e de

mercado, em grande parte dos gestores, é limitado e, portanto, a priorização é prejudicada.

Nesse processo, como também já mencionado, é essencial garantir a autonomia do gestor.

Na empresa XPTO, entretanto, essa autonomia é parcial e limitada. Muitas demandas são

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despriorizadas no meio de um ciclo, ou repriorizadas após o Pré Planejamento, devido a

ordens e decisões externas à equipe. É de se esperar que isso aconteça em casos extremos,

a nível estratégico para a empresa, mas o que ocorre é que demandas de clientes ou ideias

da gerência sobrepõem, em diversos casos de diferentes produtos, o planejamento, a

priorização e as tarefas realizadas pela equipe.

Um momento que retrata de forma clara esse ponto foi, como detalhado por um

líder técnico da empresa A, quando a gerência paralisou toda a priorização definida pelo

PO e pela equipe para realizar uma demanda que atenderia especificamente a um cliente

(lojista). Segundo a gerência, o cliente era grande e seu volume transacional era

significativo para o total da companhia, o que justificaria a repriorização. Quase duas

semanas foram gastas de forma praticamente exclusiva para o desenvolvimento desta

funcionalidade pela equipe, mas ao final ela acabou nunca sendo utilizada pelo cliente

final, que decidiu por não levar a sua intenção adiante. Esse exemplo mostra, com

exatidão, a falta de autonomia e a dificuldade de priorização (e de mantê-la

posteriormente) da empresa XPTO, o que claramente causa dificuldades de evolução,

atrasos, perdas financeiras e, por fim, perda da agilidade no desenvolvimento do produto.

Outra função do Product Owner na organização é a de interagir e gerir os

stakeholders e todas as partes envolvidas e interessadas no desenvolvimento do produto.

Essa função se torna, na empresa XPTO, deveras mais complicada posto que a falta de

multidisciplinaridade dentro da equipe exige maior e constante interação “demandante”

entre áreas, diminuindo a autonomia e aumentando a burocracia da gestão. Além disso, o

gestor possui pouco ou nenhum contato direto com o seu consumidor, seja em forma de

interação direta (comunicação) ou em forma de pesquisa e análise de dados, o que reduz

a sua capacidade analítica de compreender o mercado, de receber e absorver feedbacks e,

dessa forma, de compreender quais as reais necessidades e demandas do consumidor, bem

como se o produto desenvolvido está atendendo, cada vez mais, essa demanda, ou se está

se desviando da mesma.

Vê-se, portanto, que além de todos os pontos citados até aqui, o papel do gestor

de produtos na empresa XPTO é falho, limitado ou subestimado. Sua falta de autonomia,

de capacitação e de contato ágil com stakeholders e com o consumidor reduzem

drasticamente sua visão estratégica o seu domínio quanto ao mercado alvo, suas

demandas, seus anseios e, principalmente, sobre a capacidade de seu produto de endereçar

essas demandas, agregando valor ao consumidor e garantindo a subsistência do produto.

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Todos os fatores levantados e analisados mostram, de forma clara, a má ou falha

implementação da mentalidade e da metodologia ágil para a gestão de produtos da

empresa XPTO. Por este motivo, torna-se relevante e coerente que se utilize o caso

analisado para inferir quais seriam os impactos da implementação assertiva e eficiente -

considerando total sinergia e dedicação - da metodologia de gestão desenvolvida na seção

4 na parte seguinte do estudo, compreendendo vantagens viáveis e significativas para a

empresa XPTO.

5.3. Aplicabilidade da metodologia ágil nos pontos de alavancagem

A seção anterior salientou algumas oportunidades identificadas na empresa XPTO

que, com a implementação de alguns aspectos da metodologia ágil destacada neste

trabalho, poderiam ter os resultados obtidos até então no lançamento e gestão de produtos

da empresa alavancados. Com o objetivo de contribuir com a melhoria dos pontos

observados na gestão dos produtos mencionados na última seção, algumas das

ferramentas já apresentadas e que poderiam ser aplicadas em momentos que se mostraram

chave para o insucesso desses produtos serão analisadas destacando como poderia se dar

a introdução delas no contextos narrado de cada um dos produtos e como isso poderia

impactar o resultado obtido.

5.3.1. Validação do problema

Investir na validação do problema não é certeza de sucesso no lançamento de um

produto, porém ajuda, e muito, a reduzir as incertezas que são intrínsecas ao

desenvolvimento de uma nova solução. O motivo principal disso é que nesta fase é

possível validar a demanda do mercado e conhecer bem sobre a dupla problema-cliente,

o que acaba permitindo que, ao se pivotar uma ideia ainda se consiga avançar na solução

do problema do cliente e, assim, ter um mercado que seja, na prática, endereçável.

Como exposto, o produto XYZ foi uma tentativa de lançamento de um produto

que servisse como contra-ataque da empresa XPTO ao anúncio de alguns bancos de que

lançariam uma nova modalidade de compras que transferiria para o consumidor os custos

de parcelamento que hoje são dos lojistas. Nesse mesmo anúncio, feito em um grupo de

trabalho privado dos associados da Abecs, foram apresentados o nome do produto, como

seria desenvolvido o piloto dele e a estratégia de marketing para popularizá-lo - o que

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contava inclusive com personagens famosos do público. Ter assumido a demanda para o

produto a partir de uma medida é uma posição comum no mercado de pagamentos, mas,

no caso da empresa XPTO acabou atrasando o desenvolvimento de outros produtos que

já tinham demanda validada, o que pode ser crítico quando se tem recursos limitados.

Durante as entrevistas com o cliente, a abordagem já era visando validar os fluxos

de telas pensados e a usabilidade ao manejar a maquininha. Nos resultados dos testes de

usabilidade alguns indícios de que os clientes - tanto estabelecimentos comerciais quanto

consumidores - não viam o produto XYZ como algo que resolveria um job-to-be done

real dos consumidores, como pôde ser visto em alguns trechos do material compilado das

entrevistas: “sabemos que muitos clientes solicitam um produto que se chama calculadora

ABC” e “vimos potencial no produto conhecido como “Calculadora ABC”, que além de

ser pedido pelos clientes que visitamos, é muito pedido pelo próprio time Comercial,

chegando até a existir um aplicativo desenvolvido por um dos nossos Comerciais, que

segundo ele, possui cerca de 2000 usuários”.

A construção de um mapa de empatia exporia alguns aspectos que foram de

encontro às hipóteses de aceitação do produto como quando alguns comerciantes

anunciaram que “falar juros é furada com o cliente", o que sob a ótica do consumidor, vai

na contramão da essência do produto de que o cliente estaria disposto a pagar mais para

poder parcelar; ou quando se ouviu “normalmente a gente joga 10% em cima do valor em

todos os produtos parcelados até pro cliente não aceitar mesmo. Pra forçar ele pagar no

débito ou no dinheiro.”, o que corrobora não só a ideia anterior, quanto enfatiza o

imediatismo que o lojista tem quanto ao pagamento. Outro lojista destacou que “"hoje em

dia ta bem mais maleável, a gente passa todos os valores pro cliente fazer a conta, mas

claro que a gente prefere em dinheiro, porém o mais importante é vender.”, que destaca a

preocupação em não ter o valor cobrado se tornando deal breaker.

Dito isso, a partir das entrevistas feitas com a finalidade de testar usabilidade do

produto XYZ - já enviesadas por querer testar o nome e o fluxo de telas a fim de

economizar as interações necessárias com a maquininha, e já através de um protótipo de

alta fidelidade - seria possível ter se aprofundado melhor sobre essa dinâmica de “até

quanto vale a pena para o lojista parcelar e como ele constrói essa decisão na cabeça dele”,

destacada por falas como “(...) esse valor a gente parcela em até 3X, mas se quiser parcelas

mais vezes o juros vai para o cliente” e “parcelado é mais manutenção, aí a gente parcela

em 4 vezes no máximo.”, e ter encaminhado um problema que é muito mais frequente do

que a decisão de se comprar pagando juros que é o de conseguir simular valores de

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compras - ou dias inteiros de venda - e entender qual será o resultado líquido no fim do

dia para o empreendedor.

Esse problema acabou se configurando por uma clara falta de validação do

produto que, numa segunda leitura de alguns pontos trazidos pelos clientes, poderiam

indicar um outro produto de maior potencial de ganho de escala. Obviamente, essas falas

são sintomas que deveriam ser melhor investigados para que se tivesse uma validação

clara de que a oportunidade é real e que existiria demanda, por outro lado, através delas,

também ficou explícito que o time do produto XYZ falhou na validação do mercado e

que demoraram tempo demais para perceber que o produto não teria tração.

Caso tivessem ganhado profundidade sobre como o cliente pensa, o contexto em

que ele está inserido, quem o influencia, e outros fatores que a montagem de um mapa de

empatia e o desenho de personas - como ferramentas propostas neste trabalho -

evidenciariam, teria sido possível “errar mais rápido” e pivotado para uma outra ideia,

exatamente como defendido pela metodologia ágil. Esse exemplo reforça a máxima de

que se o produto falha pela falta de clientes, e não por falhas no desenvolvimento de

produto, então temos processo para gerenciar o desenvolvimento de produto, mas não

temos processo para gerenciar o desenvolvimento do cliente, o que deveria ter a atenção

da empresa XPTO visando o desenvolvimento de futuros produtos.

5.3.2. Definição e validação de requisitos

A definição e validação de requisitos é uma etapa importantíssima pois, é a partir

desse momento que se define o design da solução e validação dela com o cliente em

termos conceituais. Nesse momento é tomada a decisão de qual é o caminho que a

empresa acredita ser o melhor para atender a demanda do mercado alvo e solucionar o

problema-chave identificado.

O desenvolvimento do produto W explorou pouco a validação de requisitos para

que, antes e/ou em paralelo ao desenvolvimento do produto, se tivesse clareza quanto ao

que era prioritário para entregar o maior valor possível para o cliente no menor tempo

possível e por reduzir todas as barreiras iniciais que impedissem o produto de escalar. Um

dos princípios do Manifesto Ágil aborda a importância de se ter pessoas relacionadas à

negócios e desenvolvedores trabalhando em conjunto, durante todo o curso do projeto.

Um ênfase pode ser dada a esta etapa de design do produto.

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Existe um contexto de governança organizacional de como a ideia do produto

surgiu e foi conduzida, sendo cobrada de perto, porém sem acompanhamento e

direcionamentos claros das lideranças da empresa. As tentativas de levá-lo para frente

foram inúmeras e muitas delas falharam pois não se conseguia estruturar um “como fazer”

muito claramente. Com o amadurecimento do mercado e da tecnologia utilizada na

própria empresa e no mercado como um todo, a viabilidade e o caminho a ser seguido

ficaram mais claros. Porém, sob o ponto de vista técnico. Do ponto de vista de produto,

não havia dúvidas de que se teria investimento e patrocínio das lideranças da empresa no

projeto e de que a tentativa existiria independente de qualquer coisa, até pelo potencial de

mercado que já se apresentava. A partir daí, a principal tarefa era formar um time de

qualidade e que conseguisse arquitetar uma solução boa para atacar o problema

identificado.

No aspecto de formação de time, um ponto, assumidamente, prejudicou o

cumprimento desse objetivo de atacar o problema identificado: o time era

majoritariamente formado por desenvolvedores que tiveram muita dificuldade de

visualizar os aspectos de negócio do projeto, uma evidência disso é que o time demorou

muito para pensar em canais de distribuição para o produto e em compreender como era

desenvolver soluções para usuários e não mais negócios. Um exemplo de player que

conseguiu fazer isso muito bem foi o próprio PicPay que rapidamente ganhou

capilaridade agregando funcionalidades além do pagamento entre pessoas físicas e assim

foi se incorporando aos hábitos dos usuários sempre que era necessário pagar algo - além

da estratégia super agressiva de cashback em que parte do valor da compra retorna como

créditos para o usuário.

O fato é que boa parte das dificuldade encontradas pelo produto W poderiam ter

sido antecipadas com um método que colocasse à prova a ideia inicial de que “os usuários

estariam dispostos a utilizar o aplicativo W como forma de pagamento, cadastrariam seus

cartões e poderiam deixar suas carteiras em casa” ao mesmo tempo que “os

estabelecimentos comerciais estariam interessados numa nova forma de pagamento que

os próprios clientes pudessem realizar o pagamento, numa espécie de autosserviço”. Ao

longo do início do produto, ao se deparar com algumas das perguntas sugeridas ao longo

do último capítulo deste trabalho, a avaliação foi positiva, o que indica que realmente

havia um problema que valeria a pena resolver:

1. Isso é algo que os clientes querem?

2. Eles (ou alguém) vão pagar por isso? (viável)

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3. É algo que pode ser resolvido? (factível)

O problema ficou evidente quando se olhou para a validação de se estava sendo

construído algo que as pessoas queriam, norteados pelos seguintes questionamentos:

1. Você consegue adquirir novos clientes?

2. Você consegue reter clientes?

3. Você está sendo pago pelos clientes?

Uma forma que poderia ajudar a responder essas perguntas e incorporar

aprendizados importantes e que poderiam ter ajuda no sucesso do produto, especialmente

nas validações que envolviam a frequência de uso de usuários, era a orientação a

experimentos:

“Nós acreditamos que [fazendo isso] para [essas pessoas] resultará [nesse

resultado]. Nós saberemos que isso é verdade quando nós vermos [este feedback do

mercado].”

De modo que,

“Nós acreditamos que [integrando com o voucher de alimentação X] para [jovens

adultos que o utilizam para almoçar] resultará [no aumento da frequência de uso nos 20

primeiros dias do mês]. Nós saberemos que isso é verdade quando nós vermos [mais

restaurantes não-clientes tirando dúvidas sobre como funciona o produto W].”

Ou ainda, usando a estratégia de expansão do PicPay,

“Nós acreditamos que [ofertando cashback para cada compra realizada através do

nosso aplicativo] para [jovens adultos que valorizam recompensas financeiras] resultará

[no aumento da frequência de uso e de compras]. Nós saberemos que isso é verdade

quando nós vermos [mais restaurantes não-clientes tirando dúvidas sobre como podem

aceitar pagamentos através do aplicativo W].”

Existem diferentes maneiras de conduzir experimentos desse tipo e comprovar a

eficiência. Um bom caminho seria implementar o conceito de feature flag que facilita o

controle de testes A/B que envolvem funcionalidades; a partir disso, seria possível ter

uma amostra A podendo cadastrar seu voucher enquanto que a amostra B não teria essa

possibilidade num primeiro momento.

Um outro problema identificado no desenvolvimento do produto W era a

dificuldade de conciliação que isso traria para os lojistas. Uma alternativa para esse

problema poderia ser testar com alguns clientes como era a experiência atual de

conciliação e como seria uma nova experiência proporcionada pelo embarque de alguns

componentes do dashboard que era utilizado para acompanhar as vendas do aplicativo W

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no portal da empresa XPTO em que o cliente acompanha as vendas de cartão realizadas

em seu estabelecimento. A condução também poderia ser feita por meio de testes

amostrais e acompanhamento de métricas de sucesso estabelecidas previamente. Além de

ajudar a validar o impacto de centralizar as experiências e endereçar um problema comum

dos lojistas - a conciliação de vendas no fim do dia - essa também seria uma estratégia de

entregada no mercado - go-to-market strategy - conhecida como piggyback strategy, em

que, resumidamente, se conecta a plataforma em questão com a base de usuários de uma

plataforma diferente e passa a criar valor para eles, ainda que numa escala menor, com o

objetivo de recrutá-los para serem parte da sua plataforma (Parker, 2016, p.91)..

5.3.3. Gestão e desenvolvimento do produto

Analisar a empresa XPTO conforme os pontos de validação elencados neste

trabalho de como é conduzida a gestão e desenvolvimento de produtos na empresa e no

capítulo anterior de como deveria ser essa condução indica que, justamente por ser

familiarizada com alguns princípios ágeis, as maiores oportunidades de melhoria não

estão na lapidação dos ciclos ou elementos de gestão. Por outro lado, na análise feita sobre

a forma como a priorização de tarefas para o desenvolvimento tem sido conduzida, foi

identificado que há uma carência grande de alinhamento horizontal dos times para evitar

retrabalhos e repriorização das tarefas. Esse cenário observado está alinhado com a ideia

de que, independentemente do método ágil adotado pelo time, é fundamental que se tenha

algum instrumento ou ritual que formalize contratos entre os times e que esclareça quais

são as interdependências existentes.

A partir do momento em que se dá liberdade para os times se auto-gerenciarem, é

necessário que a gerência consiga estabelecer compromissos claros com os times e

consiga medir de alguma forma o progresso deles. O roadmap é uma ferramenta

importantíssima de alinhamento no nível tático e que explicita as prioridades dos times e

também evidencia interdependências que possam estar com prioridades descasadas. O

gráfico X pode ser aplicado também no posicionamento de atividades em um nível mais

macro do que as tarefas que compõem o backlog dos times, por exemplo. A dinâmica de

aplicação da ferramenta é a mesma descrita no capítulo 4 com a avaliação do time sobre

o quanto aquilo ajuda a resolver o problema do cliente - que representa o porquê - e sobre

o conhecimento que já se tem sobre aquele problema - que representa o como.

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Uma vez alinhado sobre o que é objetivo da companhia pelo próximo período em

questão, posicionamento das iniciativas no nível macro, é importante que tanto intra-times

quanto inter-times sejam feitos momentos de cross planning que visam garantir que todos

estão fazendo planejamento cruzado. Na prática, só deve haver comprometimento de um

time se o outro com quem há dependência também se comprometer. No cenário ideal, o

resultado e o prêmio dessas equipes também estarão atrelados, ou seja, nos casos em que

um falha, o outro também falha por consequência. A figura 24 ilustra um modo muito

simples de mapeamento das dependências de iniciativas para a montagem de um roadmap

unificado.

Figura 24: Ferramenta de estruturação de roadmap e identificação de dependências de iniciativas.

Fonte: elaboração própria.

Outro ponto que representa uma oportunidade de melhoria da empresa na gestão

de produtos é a forma como são feitas as validações das entregas. Algumas iniciativas

pontuais de alguns times da holding assumem algumas estratégias que deveriam ser

disseminadas pelas empresas do grupo e se tornarem benchmarks. A etapa de validação

deve ser acompanhada de perto e com método claro de como ser conduzido pois, entregas

e mudanças que estão em contato direto com clientes finais podem implicar em incidentes

e, eventualmente, rollback, quando sob alguma circunstância de problema se suspende a

última versão de um software e se retorna com a versão anterior.

Do ponto de vista de desenvolvimento, é boa prática que todo o código

desenvolvido passe pela etapa de testes unitários em que, de forma automatizada, se

verifica se uma função específica desenvolvida está funcionando, mas também se garante

que a aplicação continue funcionando após essa alteração em sua base de código. Sob a

ótica de negócios, a estratégia definida para se expor determinada versão nova para uma

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amostra de clientes é uma maneira de testar se a solução, quando exposta a situações reais

de larga escala, respondem conforme esperado, principalmente pois é nesse momento que

casos de uso não pensados podem surgir. A proposta de replicação da estratégia de subida

de novas versões no portal do cliente da holding ou de novas versões do POS dela também

é baseada no fato de que, lançamentos alinhados com a Implantação Canário podem ter

os riscos mais bem controlados (figura 25).

Figura 25: Canvas de comunicação dos fluxos do piloto do produto.

Fonte: elaboração própria.

A implantação canário é uma técnica utilizada no lançamento de novos softwares

para reduzir os riscos intrínsecos ao novo por meio do crescimento gradual de clientes

expostos àquela nova versão antes de disponibilizá-la para toda a base de clientes, assim,

caso haja algum bug ou resultado não esperado, pode-se revertê-lo rapidamente sem que

haja comprometimento - às vezes reputacional - com a base completa. Como reforçado

na etapa de priorização, é recomendado que durante a etapa de validação também haja

comunicação do cronograma de validação para evitar descasamento de informação

principalmente na comunicação direta com o cliente.

Por fim, mas não menos importante, é necessário abordar o aspecto mais

estratégico da gestão, no que tange à definição e à validação de metas e ao

acompanhamento de indicadores ao longo da gestão. Esse ponto, como já citado, é

extremamente importante, dado que garante visibilidade sistêmica do produto e análise

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embasada de sua evolução, bem como auxílio à tomada de decisão do gestor para casos

de repriorização, pivoteamento ou, até, despriorização do produto. Ao garantir que a

empresa XPTO tenha um fluxo de definição de metas, possivelmente padronizado e com

as exigências retratadas na seção 4.4.5, possibilita-se maior compreensão da realidade do

produto no contexto inserido, analisando-se qual o atingimento das metas de acordo com

os prazos definidos, quais os principais indicadores acompanhados e em quais deles deve

ser disposto maior esforço para se buscar melhorias.

É claro, também, que uma definição assertiva e padronizada de metas auxilia a

decisão, por parte da gerência, de investimento, reinvestimento ou desinvestimento em

seus diversos produtos, garantindo que eles sejam avaliados pelos menos critérios (ainda

que não necessariamente pelas mesmas metas) e a tomada de decisão torna-se muito mais

embasada, eficiente e menos custosa possível, visando sempre alcançar os objetivos da

companhia e a melhor condição para tal.

Vê-se, portanto, que o método de gestão, apesar de já implementado como ágil,

pode ser potencializado e melhorado, com alguns pontos falhos, principalmente no que

tange à agilidade na priorização, na garantia de autonomia à equipe e na definição e

validação de objetivos, metas e indicadores. É possível, contudo, reverter o cenário e

tornar a empresa e a sua gestão mais ágeis e eficientes de forma não muito custosa, não

muito demorada e extremamente viável.

5.3.4. Gestão do conhecimento

Todo o processo de gestão de produtos demanda disciplina pois tem como objeto

central os aprendizados adquiridos ao longo dele. Diferente do que se imagina quando se

aborda a gestão do conhecimento, a etapa de documentação pode ser de vital importância

para o sucesso de iterações futuras ou pivoteamento de algum produto. Válido destacar

que documentar e ter boa gestão do conhecimento não implica necessariamente em

aumento de burocracia, principalmente se tiver alinhado com os princípios de

simplicidade e que também é uma forma da equipe se tornar mais eficaz e poder refinar

seu comportamento de acordo.

A maioria dos problemas dos times envolvem falhas de comunicação, com

destaque para os casos em que se tem diferentes ferramentas de comunicação que

descentralizam completamente as informações. Como descrito, esse problema também é

compartilhado pela empresa XPTO que, como agravante, precisa se preocupar com a alta

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rotatividade que tem em algumas posições chave. A velocidade de crescimento da

empresa é alta e o ritmo de contratações também, o que exige um processo de onboarding

que seja muito fluido e que, minimamente, consiga equalizar ao conhecimento entre os

colaboradores. Parte desse problema foi encaminhado quando se pensa em atividades do

dia a dia e entendimento do modelo de negócios e operações chave da companhia com

um processo de onboarding unificado. Por outro lado, quando se analisa a vertente de

desenvolvimento de produtos e tecnologia, qualquer atividade que exija participação de

múltiplos times de diferentes empresas do grupo sempre têm uma primeira barreira a ser

encarada que é a de como se dará a comunicação. Independente do sucesso ou não dessa

iniciativas e decisões pontuais/casuais, o impacto disso para o negócio é maior pois

existem informações de diferentes projetos e produtos descentralizadas por, perto ou mais

do que, uma dezena de ferramentas, o que só torna mais fácil a perda de conhecimentos

que deveriam ser, de fato, incorporados; sem contar a dificuldade de encontrar

determinada informação.

Algumas das empresas do grupo, como a própria holding e as empresas A e B,

possuem assinaturas individuais de um software as a service, Confluence, da Atlassian,

que se propõe justamente a ajudar os times a trabalharem melhor juntos por meio do

compartilhamento de documentos e arquivos e integração com outras ferramentas de

gestão bastante comuns no ambiente de tecnologia, como Jira, BitBucket, Draw.Io e

outras ferramentas, o que facilitaria a comunicação dos times de negócios com os times

de tecnologia e traria transparência sobre a priorização e andamento do desenvolvimento

de determinada funcionalidade dos produtos. Assim como o Confluence, existem outras

opções que também conseguiriam atender essa demanda da empresa.

O mais importante é que, não só no processo de desenvolvimento do cliente e da

solução haja preocupação com a gestão do conhecimento e documentação dos

aprendizados, como evidenciado na Figura X, mas também os aprendizados das etapas

de desenvolvimento em si e iterações geradas, até porque, como destacado algumas vezes

ao longo deste trabalho, uma das métricas mais importante em um novo produto é a sua

capacidade de aprender com ele, independente de em que fase ele esteja.

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Figura 26: Importância do registro de aprendizados nas entrevistas de problema e solução.

Fonte: Maruya, (2010, p.114 e p.138).

5.3.5. O papel do gestor

Por fim, como mencionado na seção anterior, existem diversos pontos em que o

papel do gestor é minimizado, ou mal definido, na empresa XPTO. Primeiramente, é

necessário que se reinterprete o mesmo dentro da organização. Sua função deve ser maior

- no sentido de mais estruturada e com maior responsabilidade - do que apenas a de “dono

do produto”; ele deve ser um gestor, responsável por gerir o produto, tanto na operação

quanto a nível estratégico.

Dada a complexidade e a abrangência de tal função, é necessário que o gestor seja

capacitado em seu trabalho. Como já citado, não foi identificada no país capacitação

universitária e, portanto, seria interessante que a companhia incentivasse e estimulasse

seus gestores a realizarem cursos - internos, com pessoas já capacitadas, e externos, com

organizações e pessoas referências no meio - para tornarem-se totalmente aptos e prontos

para a função. É claro que não se deve esperar um nível altíssimo de entrega logo nos

primeiros momentos, mas ao longo do tempo - com experiência adquirida - seria possível

enxergar maior controle, domínio da função e, dessa forma, cada uma das

responsabilidades técnicas da função (descrição de tarefas, compreensão do produto,

conhecimento de negócios, etc.) seria mais eficiente, assertiva e embasada, o que geraria

maior entrega de resultados e maior possibilidade de sucesso para os produtos geridos.

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Outro ponto extremamente importante e essencial é a garantia de autonomia para

a função. Como descrito e exemplificado, muitas vezes a autonomia declarada é falaciosa

e perde espaço devido à hierarquia e a demandas de gerentes e de grandes clientes. Isso,

como citado, acaba dificultando diversos dos processos de responsabilidade do gestor.

Garantida a sua autonomia, o gestor pode realizar a priorização de tarefas de forma focada

e alinhada ao longo de todo o planejamento (ou roadmap), o que implicaria em maior

agilidade e coerência para o produto no médio prazo. Além disso, seria responsabilidade

dele certificar-se da não interferência de iterações e ciclos, evitando a entrada de tarefas

inesperadas, pouco planejadas e elaboradas, garantindo trabalho focado de sua equipe e

possibilitando, assim, entregas mais ágeis, com maior valor agregado e com foco no

objetivo e no planejamento. Exemplos de interferência sem resultado efetivo como o

mencionado na seção anterior não aconteceriam (ou apenas em caráter de urgência e sob

avaliação do gestor), o que garantiria maior confiança e foco da equipe.

Ademais, ainda no que tange à autonomia, o gestor teria maior controle sobre a

gestão de stakeholders no produto, possibilitando maior possibilidade de alinhamento e,

também, contato efetivo com as partes interessadas e envolvidas, o que permitiria maior

capacidade de absorção de opiniões, demandas, informações, críticas e demais

intervenções construtivas na gestão e no andamento do produto, bem como maior

capacidade de antecipação a tendências e maior alinhamento com outras áreas a serem

impactadas.

Por fim, o gestor deve possuir, como mencionado, visão estratégica do produto.

Isso atribuiria a ele responsabilidades gerenciais como compreensão de objetivos,

definição e acompanhamento de metas, indicadores e KPIs que permitam compreender a

evolução do produto e auxiliariam o gestor na tomada de decisão, permitindo a ele uma

visão completa e sistêmica do produto, do ecossistema em que ele está inserido, de suas

forças e oportunidades, bem como de suas fraquezas e ameaças. Ele se tornaria, portanto,

o responsável efetivo do produto, por suas ações e consequências e, com a devida e correta

capacitação, contribuiria de forma extremamente ágil, eficiente e assertiva para uma

gestão ágil e eficiente em si.

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6. CONCLUSÃO

O mercado de tecnologia é, sem dúvida, extremamente dinâmico, e se modifica de

forma extremamente rápida e vertical. Esse contexto gera em seu ambiente alta

democratização da competitividade, bem como fluxo intenso de inovações - incrementais

e disruptivas - e transformações intensas e frequentes nas demandas do mercado

consumidor, conjunto de características que exige das empresas alta capacidade de

compreensão das mudanças, capacidade de absorção, flexibilidade e capacidade de

adaptação. Em tal mercado, essas capacidades se tornam vantagem competitiva e passam

a determinar, em grande parte dos casos, a subsistência (ou não) de organizações.

Nesse sentido, uma gestão ágil de produtos e projetos se faz necessária, posto que

seus processos, bem como seus enfoques, reduzem a burocracia, aumentam a

flexibilidade e a responsividade de empresas - e seus produtos - às mudanças do mercado.

Diversas são as metodologias ágeis já existentes, e após análise e estudo sobre alguns dos

métodos mais conhecidos e disseminados, foi possível elaborar um modelo que

determinasse quais os critérios, processos e etapas essenciais para uma gestão ágil

eficiente e produtiva, que fosse de encontro às características do mercado e, assim, à busca

por vantagem competitiva.

Dado o embasamento teórico e posterior análise e, então, síntese conclusiva em um

modelo, pode-se observar um caso prático de uma empresa com perfil extremamente

condizente ao contexto e ao mercado estudado. Avaliou-se a gestão de produtos

tecnológicos de tal empresa, bem como os principais pontos de falha ou de incoerência

com uma gestão ágil e, posteriormente, com base no modelo definido, foi possível

compreender - por inferência - quais os principais impactos possíveis da aplicação do

mesmo na gestão de produtos da empresa XPTO.

Conclui-se, assim, que há de fato grande impacto positivo na implementação do

modelo desenvolvido no que tange à gestão de produtos da empresa XPTO. Esses

impactos são, acima de tudo, viáveis, pouco custosos e, de fato, reforçam a capacidade de

agilidade da empresa, garantindo assim maior compatibilidade coerência com o cenário

em que ela está inserida e, portanto, possível vantagem competitiva.

O presente estudo, portanto, foi bem sucedido, atingindo seus objetivos levantados

na parte introdutória. Ademais, ele pode ser utilizado, de forma prática e pragmática, por

pessoas capacitadas, com autonomia, foco e assertividade, para auxiliar a empresa XPTO

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a garantir sua subsistência no futuro, algo que, a nível acadêmico, é interessante e

satisfatório.

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