imaginah - perse...vivemos muitas vezes correndo de um lado para o outro clamando para que se cumpra...

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Imaginah pg. Esta é uma publicação independente. Todos os Direitos reservados para Diogo Alves Pinto. Contato: [email protected] Feira de Santana, BA – Brasil. 2013 Imaginah meu Deus e Pai que me deu a graça de imaginar, e a minha irmã Ester que me inspirou a ser recebido por Ele como criança que experimenta esse dom.

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Page 1: Imaginah - PerSe...vivemos muitas vezes correndo de um lado para o outro clamando para que se cumpra o nosso desejo: “Montes, caiam sobre nós!2”. A dura realidade que sofremos

Imaginah pg.

Esta é uma publicação independente.

Todos os Direitos reservados para Diogo Alves Pinto.

Contato: [email protected]

Feira de Santana, BA – Brasil. 2013

Imaginah meu Deus e Pai que me deu

a graça de imaginar, e a minha

irmã Ester que me inspirou a ser

recebido por Ele como criança

que experimenta esse dom.

Page 2: Imaginah - PerSe...vivemos muitas vezes correndo de um lado para o outro clamando para que se cumpra o nosso desejo: “Montes, caiam sobre nós!2”. A dura realidade que sofremos

Imaginah pg.

.................... Índice: ....................

Prefácio. Pág. 3.

Capítulo 1: Constante Disciplina. Pág. 6.

Capítulo 2: Ponto de vista do Coração. Pág. 11.

Capítulo 3: Gosto de Você. Pág. 17.

Capítulo 4: Que lugar é esse? Pág. 23.

Capítulo 5: A Biblioteca. Pág. 29.

Capítulo 6: Uma conversa entre os Eruditos. Pág. 35.

Capítulo 7: Galeria de Artes falida. Pág. 43.

Capítulo 8: Escravos da Gravidade. Pág. 50.

Capítulo 9: Luz onde Sentimos mais Falta Dela. Pág. 54.

Capítulo 10: O Corredor. Pág. 61.

Capítulo 11: Monstros Dentro do Exterior. Pág. 66.

Capítulo 12: Um Clamor a Encontrar o Caminho do

Coração. Pág. 69.

Capítulo 13: Profundo Interior. Pág. 73.

Capítulo 14: Um Encontro breve e Emocionante. Pág. 81.

Capítulo 15: Deslize! Pág. 87.

Capítulo 16: Kardiah. Pág. 91.

Capítulo 17: Restauração. Pág. 95.

Capítulo 18: Um Último Mergulho. Pág. 108.

Capítulo 19: Despertar para Novos Mundos. Pág. 116.

Palavra Final. Pág. 124

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Prefácio “Uma das características mais notáveis da preocupação é

que ela fragmenta nossas vidas (...). Preocupação nos leva

a estar em todo lugar, mas raramente em casa”.1

HENRY NOUWEN.

Estar em casa é um sentimento que diz respeito a

toda existência, a todos os mundos, a toda humanidade.

Escrevi esta narrativa com o desejo de atrair crianças a

concluírem que suas vidas devem ser desfrutadas a partir do

dom da humildade e simplicidade em viver intensamente a

infância. Enquanto pequeninos nos sentimos em casa, é

quando crescemos que nos tornamos duvidosos quanto a

nossa identidade e isso nos faz sentir o desejo de encontrar

aconchego em qualquer coisa ao nosso redor. Assim,

emigramos para o sistema e vivemos a eterna busca e a

constante frustração.

Ao decorrer de nossas vidas somos rodeados de

sentimentos com relação ao mundo ao nosso redor. Muitas

vezes é ele próprio quem nos leva a desejar que a vida

passe rapidamente enquanto nossa existência é suprida por

mendigar migalhas de satisfação verdadeira. Por isso

vivemos muitas vezes correndo de um lado para o outro

clamando para que se cumpra o nosso desejo: “Montes,

caiam sobre nós!2”. A dura realidade que sofremos tende a

desejar ser suprimida por alguma coisa que nos sufoque a

1 NOUWEN, Henry J. M. – Espaço Para Deus. Worship produções; pg 14.

2 Lucas 23:30.

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ponto de não sentirmos mais a dor desta doença ou vício de

viver. Palavras como estas podem nos levar a dois

sentimentos: depressão profunda ou esperança

transcendente.

A depressão profunda leva a perda de todo senso de

sobrevivência, todo sabor em existir, toda alegria presente e

o conviver com todos ao redor. Esse é o fim de nosso

mundo, e consequentemente a prisão ao inexistente, ou

também chamada “solidão da morte”. Essa é a ilusão

tomando forma e gerando a corda no nosso pescoço,

seguida de nossa proferida sentença de destruição.

Muitos definem que isto é reflexo de vivermos em

uma sociedade tão enclausurada em suas próprias

realizações. Esse estilo de vida egoísta nos ensina a

encontrarmos, em tudo, a nós mesmos; e quando por fim

não encontramos em nós mesmos nada que nos leve além,

perecemos com o contínuo e amargo sentimento de auto-

rejeição. Enfadamo-nos muito fácil de nossa existência,

mas profundamente nem sequer nos conhecemos, apenas

nos enojamos da persistente repetição da rotina até o

desgaste completo da vida.

Mas há uma esperança transcendente. Esta

esperança existiu em nós até que chegamos ao ponto de

ignorá-la pelo senso de responsabilidade em darmos rumo

ao nosso futuro. Ela era presente em dias em que a ilusão

não estava em conflito com a realidade, pelo contrário, uma

enriquecia a outra tornando o mundo um ambiente digno de

se explorar e desfrutar. Experimentávamos isso em nossa

infância quando, pela capacidade de imaginar, interagíamos

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com a realidade criando nela o relacionamento entre dois

mundos: o da nossa mente desejosa de aventuras e o em

que poderíamos realizá-las.

Imaginar, talvez, tenha sido a primeira droga que

usamos para amenizar a dor da angústia criada pela

realidade do sistema em que vivemos. Mas agora o desafio

é encontrar nesta droga a cura completa de todas as dores

que nos rodeiam por toda a parte. O que poderia

transformar a ilusão de imaginar em uma essência real e

absoluta capaz de perdurar para sempre dando sentido às

nossas vidas e mudando o presente século em uma verdade

aconchegante para se desfrutar?

Imaginah fala da existência de uma cura para essa

nossa crise de sobrevivência em relacionamento íntimo

com o enfado. Fala sobre alguém que imaginou além dos

limites da mente, descobriu novos mundos, descobriu uma

profundidade no humano que ultrapassa o compreensível, e

por fim encontrou a cura para sua falta de propósito em

existir.

Desvendemos novos sonhos a partir de Imaginah;

entre de cabeça nesta história e experimente a vida além

dos mundos.

Diogo Alves Pinto.

...¨¨...

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Capítulo 1: Constante Disciplina

“Quanto tempo mais vou ter que ficar aqui?”,

perguntou Ruthinha como que gemendo, espremendo os

olhos que lacrimejavam.

“Até aprender a ser uma criança obediente!”,

respondeu a orientadora com firmeza.

“Mas eu não desobedeci de propósito, eu não estava

ali para fugir da professora. Só pensei que não tinha

problema dar mais uma voltinha”, replicou ainda a menina.

“Hum! Você vai ficar aí até aprender a parar de dar

voltinhas por aí. Seus professores sempre me dizem como

você vive vagando pela biblioteca ou sentada ali em algum

canto como se fosse uma alma penada, às vezes não come e

não dorme direito, vive choramingando.”

“Eu gosto da Biblioteca porque ler faz bem,

imaginar me leva a sentir menos a dor de parecer ser

esquecida deste mundo, e foi por isso que perdi a hora,

estava pensando nas coisas que via e como vivia aquele

povo morto no museu...”.

“Menina, chega de tagarelice! Você está de castigo

se lembra. A sua inteligência sempre me surpreende, mas

não torna você melhor do que ninguém aqui neste instituto.

Você é mais uma abandonada, assim como os livros velhos

da biblioteca... não me admira que você os tenha como

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amigos! Você só sai daqui quando eu mandar, e só fala

quando eu mandar.”, concluiu a orientadora.

“... ... ...”

“Que bom que entendeu”, disse a mulher

acrescentando sarcasmo a suas palavras contra a pobre

criança...

...

À noite Ruthinha, antes de dormir, pensava na tarefa

de literatura que tinha em mãos. No mesmo momento que

meditava em seu trabalho de casa recordou sobre todos os

fatos que ocorreram naquele dia. Lembrou-se de como

acordou com tanta alegria por ser seu dia de aniversário, dia

de visita ao museu e por admirável conclusão, dia de bolo

de chocolate no café da tarde. Aquele vinte e um de Agosto

prometia ser o melhor dia de sua pequenina vida. Ela agora

tinha onze anos.

Ruthinha vivia no Instituto Ricardo de São Vítor,

um colégio interno para meninas onde funcionava também

um orfanato, colégio teológico e conservatório. Ela estava

ali desde que podia lembrar, não tinha pai, ou mãe, ou

irmãos e não tinha amigas. Também não se divertia com

jogos e brincadeiras, não era uma criança como

costumamos observar por aí. Ela tinha dificuldade em ser

obediente aos professores, ou à orientadora, e vivia sempre

sozinha e melancólica pelos cantos; as duas únicas pessoas

em quem confiava eram Joanne e Ricardo.

Joanne era a professora de literatura que ensinava

que ler livros e imaginar-se neles era uma experiência

comparada a desfrutar dos manjares do Natal, neste caso,

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disponíveis a qualquer dia do ano. Em sua imaginação

Ruthinha podia ser quem quisesse ser, fazer qualquer coisa,

mandar em qualquer um. Estas experiências definiam o

caráter de vida e ideais da menina, que ainda muito jovem,

agora parecia despertar para uma indignação com tudo ao

seu redor.

Ricardo era um simples seminarista que trabalhava

no instituto. Ele estava ora na biblioteca, ora no jardim e

sempre quando encontrava Ruthinha nestes lugares em que

ela costumava vagar, dizia a menina: “Jesus não te deixa

só!”. Ela se sentia bem com aquelas palavras, mas mesmo

tentando muito, a tristeza íntima que possuía não mudava

ainda que imaginasse o tal Jesus presente com ela. Tudo o

que podia fazer era tentar imagina-lo, visto que

evidentemente nunca o vira. Apesar da pequena desilusão,

não concluía que esse homem, de quem Ricardo e alguns

professores falavam com tanta convicção, poderia ser uma

farsa. Ela sempre sentia que a sinceridade de tais palavras o

tornava real de alguma forma. Por fim, chegou à convicção

de que ele deveria existir, mas ser misterioso e silencioso

demais para ser totalmente reconhecível, ainda que

parecesse presente nas expressões absolutas dos que

falavam a respeito dele.

Naquele dia vinte e um, Ruthinha acordou, rezou e

aprontou-se para ir ao museu. No passeio que tiveram, ela e

suas colegas de classe, estavam todas fascinadas com a

exposição dos habitantes do passado quando aquela região

não passava de uma selva. Ela admirava-se com quase tudo

e sempre viajava eras para viver em sua mente o que era,

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talvez, a existência daqueles que estavam ali expostos como

objeto de estudo. Tudo era maravilhoso, até demais.

Quando se deu conta, toda a classe tinha ido

embora, um homem disse que iria fechar o lugar e

perguntava o que ela fazia ali sozinha. Ruthinha recordou

que havia um horário fixado em que todas deveriam partir,

e também se lembrou de que uma colega a havia chamado

para saírem juntas, enquanto a fascinação a impediu de dar

uma resposta. Algumas horas depois, a criança perdida foi

recolhida pela professora responsável pelo passeio que, na

ocasião, entrou furiosa no museu. O resultado final foi

castigo. Já no instituto, virada para a parede na sala da

orientadora, sem poder falar, ela acabara de ouvir que era

uma abandonada. De fato, mais uma vez havia sido

esquecida, mas lhe ocorria na mente que o erro era da

professora que havia se esquecido de fazer chamada no

ônibus antes deste sair. Depois e ter sido ofendida tentou

guardar silêncio, mas só suportou alguns segundos e então

respondeu:

“Sei que sou uma abandonada porque até vocês não

se importam comigo! Sei disso porque não fizeram a

chamada quando o ônibus saía pra voltar ao instituto; foi o

que ouvi de minhas colegas. Não nos levam em conta se

não somente para dar a vocês mais orgulho em pensar que

estão ajudando pobres menininhas, mas eu sei que no final

de tudo, não se importam nem um pouco conosco!”

exclamou Ruthinha em protesto.

A resposta a esta última frase foi pouco verbal.

Agora, o castigo prosseguia para ajoelhar no milho e não

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comer o bolo de chocolate, que mesmo àquela altura já se

contava como perdido. Dia terrível para inaugurar os seus

onze aninhos. Por fim, toda aquela trajetória resultou na

resposta para a questão da tarefa de literatura. Ali em sua

cama, Ruthinha, depois de recordar todos os fatos daquele

dia, inclusive recobrar as dores de cada palavra cortante e

do castigo que recebeu, somando também a infelicidade de

todos os seus anos passados, respondeu à questão do texto

“A vida é bela!”. A pergunta era pessoal e estava por último

na tarefa de “interpretação de texto”, dizendo: “O que é a

vida em sua opinião?”. Dando margem a uma resposta

vaga, a menina respondeu conforme o que sentia:

“Para mim vida é um motivo para ser

constantemente disciplinada. Faz 11 anos que parece que

estou ajoelhada no milho. O que se vive é o que se sente, e

quanto mais meus dias passam, mais eu sofro em existir.”

Guardou o caderno e o livro de estudos que continha

o texto que lera, deitou o rosto no travesseiro e deixou

escorrer algumas lágrimas após aquele desabafo; por fim

pensou: “Se alguém me amasse de verdade, pelo menos

ficaria triste ao ver-me assim. Estou abandonada! Amor é

coisa para família, não existe no meu mundo. Talvez com

esperança para crianças que se comportam...”.

Então silenciou... e logo adormeceu.

...¨¨...

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Capítulo 2: Ponto de vista do Coração

Enquanto os primeiros fachos de luz começavam a

dar distinção às figuras daquele quarto onde algumas

garotinhas dormiam calmamente, Ruthinha começou a abrir

os olhos e despertar. Rostinho inchado, já lavado, pijama

trocado, toda higiene pessoal já fora feita, ela apenas

esperava o horário do café da manhã. O costume era de

acordar às seis da manhã, tomar café logo em seguida, e

depois esperar pelas aulas que começavam oito e quinze e

se estendiam, de segunda à sexta, até a tarde, com aulas

práticas, serviço no instituto, e também alguns intervalos

para lanche, almoço e descanso.

Freqüentemente, enquanto esperava o horário do

café, Ruthinha encontrava distração na leitura. Por não

encontrar o que ler naquela manhã ela decidiu descansar

sua mente observando o jardim. O que havia para

contemplar ali? Flores de diversas cores, pássaros, insetos,

e de relance, pessoas que passavam na rua do lado de lá das

grades, o contraste entre dois mundos, ou três, ou mais.

Observar leva a contemplar, e contemplar, por sua

vez, leva a avaliar, experimentar, agradecer, rejeitar,

entender, ou reconhecer a própria ignorância; por fim,

encontrar um relacionamento com o objeto em foco. Por

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mais incrível que isso parecesse, naquela manhã, no jardim,

tudo parecia mais bonito. O sol começava a aparecer entre

as nuvens e dava vida às cores. Estas faziam seu trabalho

distinguindo flores de pássaros, pessoas de grades de ferro,

arbustos de insetos, e evidenciavam uma figura singular

entre folhas verdes de um abacateiro. Ali, sentado embaixo

deste, com um livro frente à sua face estava Ricardo.

Ruthinha sabia que ele entregava-se a leitura e

meditação ali naquele lugar. Ela o admirava por observar

que fazia as mesmas coisas que ela: ora, em literatura, ora

de olhos fechados – “talvez imaginando coisas”, pensava

ela – e outras vezes movendo os lábios e falando com o

nada, sorrindo a ninguém como se estivesse “bobo”, ou

com melhor definição: “apaixonado”. Com marcas de dias

tristes que passaram, ela imaginava se Ricardo gostava

mesmo dela, se seria abraçada ao expressar uma

aproximação, se brigaria se ela interrompesse a leitura, se

simplesmente poderia ignorá-la... Mesmo assim, tudo

valeria a pena considerando ser ele uma pessoa doce em

quem ela devotava esperança. Em passos lentos aproximou-

se para quebrar o silêncio.

Entre a caminhada, esperou por um momento e

pensou consigo em algo realmente relevante para perguntar.

Algo além de um “oi, tudo bem?”, ou “bom dia tio.”

Aproximou-se bem e então:

“Tio Ricardo, esse jardim, essas cores, elas

representam alguma coisa não é?”, perguntou Ruthinha.

“... ... ...”

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“Tio Ricardo?”, insistiu ela ao perceber que ele não

a notara.

“Hã? Bom dia Ruthinha, pensei ouvir alguém que

falava comigo, mas não tinha te visto aí. Tudo bem com

você criança?”

“Neste momento acho que sim...”. Ela pensou que

não poderia mentir que estava triste já por muitos dias, mas

naquele momento, apenas por ser tão pouco correspondida,

já se sentia um pouco melhor.

“Sobre cores... hum... eu não sou especialista em

artes, mas me sinto bem em meio a coisas coloridas. Isso

ajuda?”, respondeu ele com um sorriso.

“Acho que sim. Então, é só pra isso que serve, para

nos sentirmos melhor? Parece tão pouco...”, respondeu a

menina sem entusiasmo.

“Ah, que bom que você deseja saber mais do que se

pode sentir à primeira impressão. Sempre, sua primeira

impressão diz muitas coisas a respeito de um assunto, mas

o que ela mostra principalmente é que você não sabe nada

sobre ele.”, Ricardo reprimiu uma gargalhada e prosseguiu:

“Quando você observa cores e o papel delas em expressar a

natureza criada, é fácil ver beleza em tudo, e assim o que é

belo faz você se sentir bem. Esteja o seu coração feliz ou

alegre naquele momento, apreciar o belo pode lhe levar a

alguma paz interior, mas se não há cor é muito difícil

contemplar qualquer coisa que seja. A cor é luz, é o que a

ciência diz, sem boa luz as coisas são como as velhas

fotografias no preto e branco...”.

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“Um mundo como fotografia velha?”, disse ela

pensativa, “Elas tem uma beleza em recordar alguma coisa,

mas viver sem cor seria...”

“Seria chato não é?”, interrompeu ele.

“Verdade.”, concluiu ela.

Seguiram-se uns dois minutos de silêncio onde os

dois respiraram fundo e olharam ao redor. Contemplaram

minuciosamente tudo que se encontrava visível, como que

examinando e provando cada coisa cuidadosamente.

Ricardo fixou os olhos em Ruthinha que expressava em sua

face um semblante tristonho e enfadado. Então, a menina,

voltando-se ao seminarista disse:

“Você deve ver mais cores do que eu. Acho tudo tão

lindo, mas não consigo me sentir tão satisfeita quanto você

parece estar. Tem algo sobre tudo isso que você parece

entender e eu não, e tem algo que você sente de olhos

fechados que te faz sorrir, e de olhos abertos expressar esse

sorriso a alguém assim...”

“Agora entendo. Você não quer tanto saber sobre

natureza, mas quer saber a meu respeito. A diferença é que

eu conheço a luz, conheço quem fez todas estas coisas que

contemplamos e posso ver tudo novo a cada segundo que

passa, porque tenho uma consciência nova. A maioria das

pessoas vê o mundo colorido com um olhar que converte

tudo em fotografia velha”, respondeu ele mansamente,

considerando o sentimento de tristeza que a menina agora

evidenciava cada vez mais.

“Sabe tio, outro dia você me falou de Jesus. Dizem

que quem fez tudo foi Deus. Eu já sei que você gosta dele,

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mas o que tem conhecer tudo isso a ver com

„consciência‟?”, perguntou ela.

“Consciência é um dos pontos de vista coração.

Depende muito de quem você conhece e se está em você

quem conhece o seu coração. Se sua consciência vê tudo

preto e branco é porque você é tão velho, teimoso e egoísta

que já escureceu a visão.”, explicou ele.

“Tio Ricardo?”, chamou ela com uma voz um pouco

rouca reprimindo choro... “Por que tem pessoas que

parecem já ter nascido nessa velhice?”.

Ricardo sorriu por fora, mas tinha o coração

apertado por dentro pela expectativa em ver sua amiguinha

chorar. Com mais este sorriso ele encerrou a conversa:

“Todos nascemos assim, mas há uma nova maneira

de nascer a partir do coração, e este caminho eu posso lhe

ensinar, mas pense mais sobre isso, esta é sua primeira

impressão a respeito de sua consciência ainda. Agora é hora

do seu café, e se você se atrasar pode pegar mais um

castigo. Eles têm se tornado um pouco freqüentes e isso me

entristece...”.

Logo Ruthinha abaixou a cabeça e concluiu que

Ricardo sabia como havia sido o dia que ela tanto odiara.

Antes mesmo de levantar os olhos ela sentiu um carinho na

cabeça, e ouviu-o continuar:

“Mas você não deveria somar mais tristezas a seu

coraçãozinho. Tome este presente de aniversário, através

dele você vai encontrar de onde vem cor para sua

consciência, a luz do coração. Não chore mais.”