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IMAGENS CONTEMPORÂNEAS E OUTROS SENTIDOS:
NOVOS HORIZONTES NA INTERAÇÃO COM A IMAGEM DIGITAL
JOANA FRANCISCA PIRES RODRIGUES
Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do títulode Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco,
sob a orientação da Profª . Drª . Maria do Carmo de Siqueira Nino.
RECIFE
2012
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO
JOANA FRANCISCA PIRES RODRIGUES
IMAGENS CONTEMPORÂNEAS E OUTROS SENTIDOS:
novos horizontes na interação com a imagem digital
Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco, sob a orientação da Profª. Drª. Maria do Carmo de Siqueira Nino.
Recife
2012
2
Catalogação na fonte
Andréa Marinho, CRB4-1667
R696i Rodrigues, Joana Francisca Pires Imagens contemporâneas e outros sentidos: novos horizontes na interação com a imagem digital / Joana Francisca Pires Rodrigues. – Recife: O Autor, 2012.
102p.: il.; 30 cm.
Orientador: Maria do Carmo de Siqueira Nino. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco,
CAC.Comunicação, 2012. Inclui bibliografia.
1. Comunicação. 2. Fotografia. 3. Fotografia – técnicas digitais. I. Nino, Maria do Carmo de Siqueira (Orientador). II. Titulo. 302.23 CDD (22.ed.) UFPE (CAC2012-87)
FOLHA DE APROVAÇÃO
Autora do Trabalho: JOANA FRANCISCA PIRES RODRIGUES
Título: Imagens Contemporâneas e Outros Sentidos: novos horizontes na interação com
a imagem digital
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco, sob a orientação da Professora Dra. Maria do Carmo de Siqueira Nino.
Banca Examinadora:
____________________________________Maria do Carmo de Siqueira Nino
____________________________________Gentil Alfredo Magalhães Duque Porto Filho
____________________________________José Afonso da Silva Junior
____/____/____Data da aprovação
3
A Bel,
que me ensinou o que eu sei e o que eu não sei mais
4
Agradecimentos
Sentar e agradecer, repetindo os clichês mais embaraçosos, é um dos momentos mais especiais de um trabalho conquistado. Não por se cumprir qualquer compromisso programático, mas pelo sentimento de redenção mesmo. De dizer finalmente as questões que se tornaram compreensíveis durante o processo, após todo o esforço que não foi à toa.
Antes de mais nada, é fundamental agradecer ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (PPGCOM da UFPE) por ter me dado a oportunidade e completo apoio para a realização dessa pesquisa. Agradeço igualmente à Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE), pelo incentivo financeiro que tornou a pesquisa viável.
Uma vez escrevi que existem três coisas que me interessam. A língua, a fotografia e o amor. Não necessariamente nessa mesma ordem e menos ainda com papeis pré-definidos.
Dessa tríade, duas me despertaram a atenção quase que simultaneamente, e vivem em conjunto como que unidas por casamento desde então. Foi ainda com olhar de adolescente que eu redescobri a língua e o amor. A linguagem como o lugar da constituição da subjetividade, como diria Bakhtin - o espaço do eu. O amor como o lugar de teste dessa subjetividade - o confronto com o outro.
"Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro" e não é possível falar só. Quando falamos, mesmo sozinhos, montamos um discurso que possa ser claro a um interlocutor imaginário, alguém que é outro, mesmo estando dentro da gente. É nessa presença externa - que pode ser nosso eu-obscuro ou uma pessoa-encantada qualquer - que encontro o "excedente da visão", um olhar que me completa e que me define.
Nesses agradecimentos, apresento aqueles que são o meu principal “excedente de visão”, os olhares que me formam e que, juntos, foram os principais responsáveis por isso tudo o que está escrito aqui, bem como por tudo o que eu um dia ainda vá escrever.
A mainha, por ser minha dupla e minha companheira, por todo o seu esforço em me fazer quem sou e por toda a sua dedicação em me fazer feliz. A Pedro e a painho, pelo amor que sinto por eles e por me ensinarem a ser família.
A Maria, por ter me ensinado que os guias podem nos tirar das situações mais adversas e nos fortalecer com doçura. A Afonso, por ter apontado um desvio fundamental para que eu encontrasse o meu trajeto verdadeiro. A Nina, por suas recomendações preciosas durante o processo de qualificação.
A Ceça, pela presença forte e amável na minha vida e pela inspiração que ela representa. A Sergio, por apoiar todos os meus projetos, mas principalmente por tornar minha família mais feliz. A Buga e a Tanya, pelo apoio fundamental nos momentos iniciais, quando esse trabalho não tinha sequer um formato.
A Helder por ter insistido em me ver como sou mesmo nos dias em que não fui eu mesma, mesmo nos dias em que eu não tive vontade nem de abrir meus olhos.
5
A Carolina, por entender principalmente o que eu não preciso falar. A Alba, Daniel e a Lucas por deixarem meu coração mais tranquilo. A Cecília, por me completar em sangue e em pensamento.
A Rodrigo e a Alane, por terem compartilhado os mesmos desesperos, entre risadas e carinhos, mesmo à distância. A Manuela, por tudo o que ela é e por tudo o que tento ser por ela. A Eugênia e Milena, pela parceria em todos os momentos.
A Val, Priscilla, Maíra, Ana e Bella, por deixarem os meus dias mais poéticos, entre afazeres e amizades.
A Gatis, Raquel e Lu, companheiros de mestrado, com os quais dividi algumas da angústias e muitas das questões desse processo.
A Joana, Rodrigo, Mari e Camila, pela amizade e pelo carinho, que me fortaleceu em tantos outros momentos.
Aos amigos que, mesmo não participando diretamente, são valiosíssimos por sua presença constante: Tati, Suelen, Teresa, Mayumi, Marcia, Hilda, Patrícia e Larissa.
A Clovinho.
A Iracema, sempre.
A Chet por me mostrar a trilha, a Duane por me mostrar a prova. Essa dissertação é minha prova também, minha obra.
"Não tomo consciência de mim mesmo senão através dos outros". E, creio, essa relação pode chegar ao seu auge na presença, mesmo que cafona, do amor – o amor que me acompanha em todas as minhas decisões e que me faz feliz, por todas as pessoas que me amam e que eu escolhi de uma forma ou de outra amar.
"Para a palavra e, por conseguinte, para o homem nada é mais terrível do que a falta de resposta". Para o amor, nada é mais frustrante que a indiferença. Contamos com respostas por sabermos que, mais do que uma definição, uma resposta é uma prova de existência nossa no olhar e no mundo externo. Essas pessoas são as que me dão respostas, as provas de que eu existo. E nada é mais intenso do que se sentir existindo.
Com amor, Joana
(aspas de Bakhtin)
RESUMO
6
A transposição da nossa cultura para o ambiente digital incentiva o surgimento de novas
dinâmicas de trato com os conteúdos culturais, as imagens entre eles. Entre as
consequências deste acontecimento está uma profunda modificação do nosso
relacionamento com o visual. O presente trabalho analisa as perspectivas que
acompanham essas transformações, buscando entender como as novas circunstâncias de
experiência com a imagem, reproduzida e difundida em meio digital, se organizam no
tempo e no espaço das pessoas, quais as potencialidades de interação com a imagem que
elas trazem e quais as consequências disso nos nossos hábitos perceptivos. Com o
objetivo de refletir sobre a fotografia, não por seu viés produtivo, mas pelas novas
circunstâncias da interação com essas imagens e as alterações que essas mudanças
provocam no nosso relacionamento com as obras, faz-se a relação entre a análise
proposta por Fred Ritchin sobre as potencialidades hipertextuais da fotografia numérica
e a abordagem de Edmond Couchot a respeito das recentes transformações que estas
imagens têm produzido nos nossos hábitos culturais e, portanto, perceptivos. Para
ilustrar os percursos da pesquisa, analisaremos o trabalho do artista norte-americano
Jonathan Harris, um dos principais nomes nas Artes Visuais contemporâneas e
desenvolvedor de projetos que reimaginam, reconfiguram e potencializam nossa
interação com a tecnologia.
Palavras-chaves: hiperfotografia, hiperconteúdos, interação, numérico
7
ABSTRACT
The implementation of our culture for the digital environment encourages the
emergence of new dynamics of dealing with cultural content, including images. Among
the consequences of this event there is a profound change in our relationship with the
visual. This work aims to examine the prospects that accompany these changes, seeking
to understand how the new circumstances of experience with the image, reproduced and
difused in digital form, are organized in time and space of people, what is the potential
for interaction with the image they bring and what are the consequences in our
perceptual habits. In order to analyze the images in the new circumstances of our
interaction with them, and consequently the changes caused in our relationship with the
works, rather than their production, we try to relate the analysis proposed by Fred
Ritchin on the potential hypertext of digital photography with the numerical approach
proposed by Edmond Couchot do about recent changes that have produced these images
in our cultural and therefore perceptive habits. In order to illustrate the paths of
research, we will analyze the work of the american artist Jonathan Harris, one of the
leading names in contemporary visual arts and proposer of projects that re-imaginate,
reconfigure and enhance our interaction with technology.
Keywords: hiperphotography, hipercontents, interaction, numerical
SUMÁRIO
8
1. Apresentação.............................................................................................................11
a. Imagens: guias no mundo........................................................................................11
2. Eixo 1: Uma introdução necessária........................................................................16
a. Imagens cotidianas: os usos e funções da
fotografia...........................................16
b. Apreciação: o retrato e seu status social..............................................................18
c. Difusão: a febre dos postais.................................................................................23
d. Conservação e armazenamento: os álbuns fotográficos......................................24
e. Desdobramentos...................................................................................................25
3. Eixo 2: Desenvolvimentos sobre formatos digitais.................................................27
a. O Contexto da Novidade: novas mídias, novas
tecnologias.................................29
b. Horizonte inicial: o digital e suas
virtualidades....................................................34
4. Eixo 3: Hiperconteúdos e a hiperfotografia............................................................38
a. A escrita eletrônica.................................................................................................39
b. Do leitor ao navegador.........................................................................................41
c. Sobre a morte do autor e outros assassinatos.......................................................43
c.1. Direitos autorais na cultura da tecnologia.......................................................48
d. A quebra da página e a questão das instabilidades do formato digital – ou as
imaturidades do hipertexto..........................................................................................51
e. Da natureza das imagens digitais.........................................................................55
f. As novas potencialidades da fotografia: a hiperfotografia..................................61
5. Eixo 4 – Novas dinâmicas perceptivas....................................................................75
a. As questões do feedback e a sensação de invasão da informação.......................81
9
6. Conclusão: Mudanças de perspectivas ou considerações finais
inacabadas.................................................................................................................85
a. Historia e subjetividade.......................................................................................92
7. Referências
Bibliográficas......................................................................................98
10
Apresentação
One never sees things, one always sees them through a screen. Alberto Giacometti
a. Imagens: guias no mundo
Nossa relação com as imagens é, geralmente, intuitiva e natural. Criamos imagens até
quando usamos a imaginação. Criamos imagens para nos comunicarmos, para dar conta
da nossa vontade de conhecer mais, de compreender mais, são elas que facilitam o
nosso contato com o que está à nossa volta.
As imagens são superfícies que pretendem representar algo, afirmou Vilém Flusser no
livro Filosofia da Caixa Preta (2002). Apesar do risco de má interpretação, a palavra
representação encontra-se sempre referenciada quando tratamos o conceito de imagem.
Perceber a imagem como uma representação é admitir que ela sempre remete a alguma
coisa. Esse algo pode existir ou não - e o próprio conceito de existir, nesse caso, é
bastante flexível, afinal uma imagem criada pela mente existe naquela mente.
De todas as possibilidades de abordagem do conceito, detenho-me neste estudo àquela
que vê a imagem como uma superfície de contato com o mundo, um plano de
representação que, em suas duas dimensões, agrega dezenas de significados. Essa
conceituação nos levaria às telas de pintura, às fotografias ampliadas e impressas, às
imagens eletrônicas exibidas em computador, tanto no formato de imagem em
movimento, como de imagem fixa.
Há quase 50 anos, o escultor Alberto Giacometti foi capaz de perceber algo que
sintetizaria nossa relação com a imagem naquela época e que acredito se aplicar mais
ainda à sociedade contemporânea em crescente interação com ambientes e formatos
digitais, vivendo a adaptação de nossa cultura para formas de produção, distribuição e
comunicação mediadas pelo computador (MANOVICH, 2002, p.43). “Nós nunca
vemos as coisas, nós vemos as coisas através de uma tela”, disse Giacometti, referindo-
se ao papel que a fotografia, ainda analógica, tinha assumido na vida de pessoas que,
mais do que preocupadas com viver experiências, estavam ocupadas com o registro
11
dessas experiências. Em O museu imaginário (2011), André Malraux abordou, entre
outras questões, o papel da fotografia na divulgação do conhecimento sobre a arte.
Segundo Flusser, as imagens são instrumentos criados para orientar o homem no mundo
(2002, p. 9), ou seja, servem para dar sentido e localização à nossa existência. Existem
desde que o homem existe, desde que o homem, consumido e impregnado por tudo o
que viu, se preocupou em também inserir no mundo um pouco de ‘como’ ele via.
Se, durante muito tempo, a produção de imagens foi restrita apenas aos que dominavam
saberes específicos, foi com a invenção da fotografia que a produção de imagens se
tornou mecânica e entrou, com a ajuda de uma máquina, pela primeira vez, na vida
cotidiana. Desde então, nossa produção imagética mantém uma relação muito íntima
com a tecnologia.
Qual a realidade da imagem hoje? Pergunto por uma sincera dificuldade de me
conformar com as definições e limites da própria palavra imagem. Meio de expressão
cultural e artística durante toda a história humana, foi com a invenção da fotografia que
a criação de imagens viveu o forte impacto da mecanização, tornando-se uma prática
simples e acessível a uma parcela bem maior da população. A produção técnica da
imagem ganhou repercussão gigantesca e se sobressaiu em quantidade quando
comparada a técnicas de criação de imagem até então tradicionais, como a gravura e a
pintura.
O impacto da fotografia foi tamanho que fez com ela fosse capaz de, em certa medida,
“tomar o lugar” de quase toda a produção de imagens anterior a ela, no momento em
que a presença da obra cedeu espaço à sua imagem registrada em película, e as pessoas
passaram a ter muito mais contato com a foto do quadro da Mona Lisa do que com a
própria Mona Lisa. Por isso, creio ser praticamente impossível falar de imagem na
sociedade pós-industrial sem falar, inevitavelmente, de fotografia.
A situação se desloca ainda mais quando o formato digital passa a massivamente tentar
agregar nossa produção cultural. É, na verdade, um processo semelhante ao vivenciado
pela pintura quando essa passou a ser fotografada para fins de divulgação. Num
processo praticamente equivalente, a imagem passa agora a ser digitalizada, virar
código numérico, display eletrônico. Mais que isso, não depende mais sequer do
aparelho fotográfico, podendo ser completa simulação, manipulação de pixels.
12
A fotografia será a base deste texto sempre que menciono a palavra imagem, não por
simples predileção pelo formato, mas porque acredito que ela foi a imagem que melhor
se adaptou às transformações e novas estratégias impostas pela sociedade
contemporânea, cada vez mais repleta de hibridismos entre mundos on e off line – ou
entre o mundo não-mediado e o mundo mediado pelo computador.
Como nos ensinou Flusser (2009), a fotografia foi a primeira imagem técnica, ou seja, o
primeiro tipo de imagem a ser produzido por aparelhos.
Historicamente, as imagens tradicionais são pré-históricas; as imagens técnicas são pós-históricas. Ontologicamente, as imagens tradicionais imaginam o mundo; as imagens técnicas imaginam textos que concebem imagens que imaginam o mundo (FLUSSER, 2009, p.13).
Flusser compara, quanto à importância histórica, a invenção da imagem técnica com a
invenção da escrita. “Textos foram inventados num momento de crise de imagens
(tradicionais), a fim de ultrapassar a idolatria. Imagens técnicas foram inventadas num
momento de crise dos textos, a fim de ultrapassar o perigo da textolatria”, afirma
(FLUSSER, 2009, p.17). Apesar de todos os desenvolvimentos tecnológicos
posteriores, a fotografia manteve-se como base da maioria dos formatos de imagens
existentes atualmente (entre cinema, vídeo, etc.) e adaptou-se a todas as transformações
de linguagem impostas a formas de expressão humana mesmo após a transcodificação
digital da nossa cultura.
É na perspectiva de propor uma continuidade contextual que localizo as imagens
digitais como prosseguimentos históricos das imagens técnicas, introduzindo um novo
universo de produção, publicação e apreciação de conteúdos: o computador e sua rede
de troca de informação, o ciberespaço. O ciberespaço, segundo o conceito utilizado por
Piérre Levy, é o “novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos
computadores” (1990, p.17), abrigando a infra-estrutura material da comunicação
digital, em seu universo de informações e sujeitos que o alimentam. Segundo Martin
Dodge e Rob Kitchin, o termo ciberespaço significa etimologicamente "espaço
navegável", derivado da palavra grega Kyber (Navegar). Entretanto, segundo Pires
(2009, p. 57): “foi William Gibson, em sua novela ‘Neuromancer’ escrita em 1984,
13
quem inaugurou o uso do termo ciberespaço, que é relativo ao navegável, espaço digital
das redes computacionais acessíveis a partir de um computador”.
Cada vez mais controlada pelas tecnologias do cálculo automático, nossa relação com as
imagens tem se configurado a partir de novos modos de utilização que induzem
transformações nos nossos hábitos culturais. Produzir, reproduzir, conservar e difundir
imagens são práticas vivenciadas de formas diferentes na sociedade contemporânea.
O objetivo deste estudo é analisar as perspectivas que acompanham essas
transformações, buscando entender como as novas circunstâncias de experiência com a
imagem, reproduzida e difundida em meio digital, se organizam no tempo e no espaço
das pessoas, quais as potencialidades de interação com a imagem que elas trazem e
quais as consequências disso nos nossos hábitos perceptivos.
O percurso metodológico proposto aqui percorrerá quatro eixos. O primeiro eixo,
introdutório, tem o objetivo de buscar uma referencialidade histórica para que possamos
embasar a ideia de que o formato digital transformou realmente nosso relacionamento
com a fotografia. Esse eixo introdutório vai analisar os hábitos sociais relativos à
fotografia nos séculos XIX e XX.
No segundo eixo, propomos uma análise da linguagem numérica e as transformações
que ela operou nas imagens e, por extensão, a todos os conteúdos culturais das
sociedades ocidentais. No terceiro eixo, propomos explicitar as potencialidades da
fotografia em seu formato numérico e conectado em rede, a partir da relação do
conceito de hiperfotografia (RITCHIN, 2009) com a análise de alguns exemplos
encontrados durante a pesquisa, entre eles, a obra do artista Jonathan Harris. Somente
então, no quarto e último eixo do estudo, abordaremos as transformações que essas
mudanças têm produzido nos nossos hábitos perceptivos.
Esse percurso se mostrou o que mais se encaixava ao objetivo da pesquisa de analisar a
fotografia não por seu viés produtivo, mas pelas circunstâncias de novas experiências na
visualização dessas imagens e as alterações que essas mudanças provocam no nosso
relacionamento com as obras fotográficas.
14
Eixo 1: Uma introdução necessária
a. Imagens cotidianas: os usos e funções da fotografia
15
As transformações estruturais na passagem da imagem química para a imagem
numérica produziram formas diferentes de interação com a imagem, cuja produção e
circulação passaram também a ser mediadas pelo computador. Transitamos da
materialidade da fotografia analógica para a flexibilidade da fotografia digital, que
requer não apenas diferentes usos cotidianos, como também diferentes noções sensoriais
de trato com a imagem.
Traçar um marco referencial sobre os diferentes relacionamentos estabelecidos com a
imagem fotográfica ao longo de sua história é o ponto de partida para que possamos
compreender o impacto da revolução digital na produção contemporânea de imagens.
Para ter uma dimensão mais pontual desse impacto, analisarei a relação do sujeito com a
fotografia no cotidiano social ainda no século XIX, como por exemplo, a tradição de
manter galerias de retratos permanentes de familiares e amigos, desenvolvida a partir da
carte de visite, e que tem sido paulatinamente substituída por álbuns de família em redes
sociais.
Por acreditar que a divisão tradicional da fotografia como arte ou documento,
antagonismo bastante proposto no século XIX, é questionável diante dos hibridismos da
produção fotográfica contemporânea, para fazer essa retomada histórica, privilegiarei
nossa relação com a fotografia como imagem, partindo de aspectos dos usos sociais, da
difusão e conservação das imagens já produzidas, sem me direcionar à observação da
fotografia como atividade, prática de produção de conteúdos.
Me apoio, para dar conta desse objetivo, na defesa proposta por François Soulages no
livro Estética da Fotografia de uma pesquisa que não se detenha entre as “fotografias
sem arte” ou as “fotografias que pertencem a uma obra fotográfica” (2010, p.14). “Não
se pode pensar a fotografia a partir de uma única obra ou de um certo tipo de obras”,
afirma o autor. De onde penso tirar uma boa justificativa para não mergulhar em um
campo fotográfico específico dentro deste trabalho, visto que o objetivo é analisar as
condições de modalidades de reprodução e difusão das imagens em ambiente digital e
as interações que elas possibilitam.
Essa fotografia faz parte do cotidiano social, selecionada por suas dimensões afetivas
(seja na documentação de memórias do sujeito, nos álbuns e galerias de família, ou no
16
colecionismo de obras de arte e vistas geográficas em postais fotográficos – ambas
práticas submetidas a critérios, em sua maioria relativos ao gosto).
Para analisar essas transformações históricas no trato da imagem fotográfica, propomos
a observação de três aspectos importantes na relação cotidiana e complexa que a
sociedade estabeleceu com a fotografia: a apreciação, a difusão e a conservação das
fotos.
Essa abordagem faz-se importante ao procurar entender como lidávamos com a imagem
no passado, como a manuseávamos, como a conservávamos, como interagíamos com
ela, para que, a partir dessa abordagem, possamos perceber as mudanças no nosso
relacionamento com as imagens digitais, as formas emergentes de difusão, cópia,
armazenamento, conservação, etc.
Durante o século de XIX, podemos identificar três etapas nucleares na relação complexa
entre a fotografia e a sociedade, como apontadas por Annateresa Fabris (2008, p.17). De
1839 à década de 1850, a fotografia despertou o interesse de pequeno número de
amadores, provenientes das classes abastadas, pagantes dos preços cobrados por artistas
fotógrafos como Nadar, Le Gray, Carjat. Com a carte de visite de Disdéri passou-se a
um segundo período, em que a fotografia alcança uma dimensão industrial, com
barateamento do produto e vulgarização dos ícones fotográficos. O terceiro período
corresponde à década de 1880, momento da massificação e da consolidação da
fotografia como um fenômeno comercial. Nessa etapa, a busca pelo status de arte
também se tornou intensa. É nesses três momentos que proponho localizar a nossa
análise sobre apreciação, difusão e conservação.
b. Apreciação: o retrato e seu status social
Durante os seus primeiros dez anos de existência, período de afirmação inicial, a
fotografia atraiu um público restrito, diretamente interessado nos emblemas da nitidez e
da credibilidade que só um processo químico e mecânico proveria com tanta rapidez.
17
Nesse momento, as experiências fotográficas estavam pautadas em três aspectos que
negociavam entre si: uma herança artística, presente na relação da prática com a câmara
escura, já utilizada na pintura; uma lógica industrial, muito relacionada ao consumo
icônico que ganhava força com a litografia; e um teor científico, presente no processo
químico e nas teorias óticas empregadas pela fotografia (VIRILIO, 1994, p. 104-105).
A conjunção desses três fatores justifica a afirmação de que a fotografia se apresentou como a melhor imagem da sociedade industrial, ícone do crescimento das metrópoles, do desenvolvimento de uma economia monetária, industrializada, influenciada pelas mudanças no conceito de espaço e de tempo, pelas revoluções das comunicações e pela consolidação do modelo democrata burguês (ROUILLÉ, 2009, p. 16).
Mas no cotidiano da maior parte da população, a fotografia ainda não tinha alcançado
uma presença tão marcante. Apesar de ter custos inferiores à produção de retratos à
mão, o daguerreótipo ainda era um método de preços altos, que não conseguiu se
popularizar imediatamente. Os primeiros fotógrafos eram pintores, e a grande maioria
de seus clientes pertencia à burguesia. Dentro dessas casas, a fotografia começou a
consolidar o seu papel de afirmadora de um estatuto social. Mas apesar de ter surgido
sob o título de “arte democrática”, a fotografia só entrou efetivamente no cotidiano das
pessoas com as práticas da carte de visite. Na segunda metade do século XIX, quando a
competitividade entre os estúdios e o avanço da técnica incentivaram a redução dos
preços cobrados pelos retratos, que, durante essa primeira fase, eram bem acima das
condições salariais da população mais pobre1.
No Brasil, o pionerismo da Família Imperial no interesse pela fotografia e o montante
de gastos dispensados pela realeza com essa prática davam indícios de quão dispendioso
era manter essa atividade. “Segundo os livros da Casa Imperial, no período de 1848 a
1867, gastou-se em fotografias e álbuns de fotos uma soma correspondente a 14% da
verba oficial alocada todo ano na rubrica orçamentária Professores, etc. para a Família
Imperial” (MAUAD, 1997, p. 198).
Em artigo publicado no livro História da vida privada no Brasil, Ana Maria Mauad
analisa, dentre outros documentos históricos, álbuns de fotografias das elites cafeeiras 1 O valor de seis retratos pequenos poderia custar até dez vezes o salário médio de um empregado de uma empresa de pequeno porte na Europa (FABRIS, 2008, p. 45)
18
do Vale do Paraíba, durante o Segundo Reinado. A respeito de dois álbuns de duas das
famílias mais importantes nesse contexto (os Werneck e os Avellar), a autora afirma:
Nestas séries estão retratados os membros da família e toda a rede social que a troca de fotografias teceu, apontando para o fato de que o objetivo da fotografia era também a circulação entre os pares de uma imagem considerada ideal, consubstanciando-se nesse circuito o comportamento necessário à sedimentação da classe senhorial enquanto fração social dominante. (MAUAD, 1997, p. 216-217)
Tais fotografias eram passadas de pais para filhos como um legado, com comprovação
histórica e relevância na memória afetiva da família, repleto de poses e técnicas de auto-
representação.
Apenas no início dos anos 1860, a fotografia começou sua ascensão como uma
economia de mercado, conquistando o seu espaço como prática financeiramente mais
democratizada. Essa fase marcou a adaptação do retrato às leis mercadológicas,
incentivada pela difusão da carte de visite. Em formatos menores, com clichês
compostos por entre quatro a dez retratos ao invés de um único retrato maior, esse
modelo, patenteado por Disdéri em 1854, barateou os custos e transformou a fotografia
numa moeda de alta circulação, incentivando o acesso de grande parte da população ao
retrato.
A carte de visite promove uma repetição quase vulgar de ícones fotográficos,
difundindo o uso exaustivo de poses estereotipadas, cenários e objetos simbólicos que,
em muitos casos, simularam um status social distante da realidade. A classe menos
favorecida passou não apenas a ter acesso ao retrato, mas a utilizá-lo como uma
ferramenta de simulacro.
Esses pequenos retratos materializaram a fotografia como papel, palpável, colecionável,
de fácil circulação e permuta. Tornaram-se objetos socialmente emblemáticos, com
valor expositivo no cotidiano social.
Todos se encantaram em multiplicar os exemplares de sua graciosa pessoa, e, no mundo elegante, enviava-se o retrato para facilitar suas visitas por procuração. Logo veio a ideia de reunir esses retratos e de
19
fazer uma galeria com eles, e de manter em exposição permanente de seus amigos e de suas relações (D’AUDIGIER, apud Rouillé, 2005, p.54).
Em casa, as galerias genealógicas passaram a suprir a ausência de certos membros da
família, inclusive os mortos. Expostas em paredes, ou em móveis especiais, algumas
galerias reafirmaram uma prática de adoração às raízes e ganharam importância como
efígies familiares (FABRIS, 2008, p.42). Apesar de ausente, o membro da família se
fazia presente como matéria, registrada naquele papel carregado de tempo e de
afetividade.
Paralelamente, a elite começa a buscar técnicas de diferenciação já que a fotografia não
era mais de seu domínio exclusivo. Começa um movimento elitista de valorização do
trabalho dos artistas fotógrafos, cujas obras eram tratadas como verdadeiras pinturas –
não é à toa que nesse período, começa a se fortalecer o trabalho dos pictorialistas, que se
utilizavam não apenas do mesmo repertório, mas também de algumas técnicas da
pintura para produzir fotografias retocadas, pouco nítidas, com recorrência de
paisagens, naturezas mortas e retratos. Ao contrário do trabalho de estúdios mais
baratos - extremamente serializado - essas fotografias se apresentavam como prova da
criação do artista e reforçavam o status social de quem as podia pagar.
Em sua análise das práticas de auto-imagem da elite brasileira nas décadas de 1860 a
1890, Ana Maria Mauad afirma que, em alguns casos:
Antes de ser fotografada, a elite cafeeira do Vale [do Paraíba] foi pintada por Barrandier, artista francês que viajou pela região por volta de 1840. Seus retratos figuravam nas paredes das fazendas, sendo mais tarde fotografados pelos próprios fotógrafos itinerantes, como uma forma de adequar a pintura à nova função da imagem, que não era só de ostentação no âmbito doméstico, mas de circulação numa esfera mais ampliada (MAUAD, 1997, p. 225).
A carte de visite incentivou uma circulação mais intensa entre os retratos que, trocados
entre pessoas, passavam a ter uma relevância social ainda maior. Era comum que
pessoas enviassem a parentes e amigos o seu retrato como forma de garantir o seu
espaço no seio familiar e nos demais círculo afetivos. Esse movimento de troca 20
reafirmou uma relação íntima entre a fotografia e o dinheiro, o que seria segundo Gilles
Deleuze a característica essencial à arte industrial (1985, p. 104).
Mauad observa também que, nessas fotografias de pequeno porte, era comum ver, além
do retrato, pequenas anotações dos donos das imagens, seja para identificar os
personagens, retificar identificações, ou registrar pequenas dedicatórias. A fotografia era
um objeto palpável, e como tal, deveria ser manuseada. Estudioso da fotografia como
um objeto vernacular, Geoffrey Batchen lembra que:
Algumas vezes, essa escrita simplesmente fornece à fotografia uma citação que a identifique (“Eu”) ou uma data. Em outras ocasiões, esse ato permite quem escreve de adicionar humor ou sentimento a uma imagem ordinária, ao colocar palavras na boca do sujeito da foto ou através da pura pungência das palavras (“Enfim”, por exemplo) (2004).2
Em suas pesquisas, Batchen se dedica bastante ao que chama de sculptural
photographs, ou em tradução livre como fotografias esculturais. Essas fotografias são
objetos do cotidiano do século XIX que além da imagem, eram vinculadas a outros
materiais que adicionavam texturas ao manuseio das fotografias, tais como pedaços de
tecidos, mechas de cabelos, restos de algum objeto pessoal capazes de remeter o
observador a lembrar mais ativamente as pessoas retratadas. “E ao incluir essas texturas
extras, elas transformavam ver em uma forma de toque. Mesmo quando isso está atrás
de um vidro, você imagina a sensação do cabelo ou acariciando aquela seda bordada”
(Idem, 2004)3.
Num trecho fundamental do livro Forget Me Not, Batchen afirma:
[...] a capacidade do objeto de provocar rememoração, por si só dá a essas fotografias substância e textura, tornando-as tocáveis e quentes, e permitindo passado e presente a coabitar na vida doméstica do dia-a-dia. [...]Vale a pena refletir sobre o papel do toque na experiência do objeto fotográfico.4 (2004, p.31)
2 “Sometimes this writing simply provides a photograph with an identifying caption (“Me”) or a date. On other occasions it allows the writer to add humor or sentiment to an otherwise ordinary image, by putting words in the subject’s mouth or through the sheer poignancy of the words themselves (“At Rest,” for example)”. Em entrevista a Cabinet Magazine, disponível em: http://www.cabinetmagazine.org/issues/14/dillon.php
3 “And by including these extra textures, it turned looking into a form of touch. Even when it’s behind glass, you imagine feeling this hair or stroking that embroidered silk”. Idem.
21
O que se pode apreender dessa abordagem que Geoffrey Batchen faz dos objetos
fotográficos é a importância do gesto na interação com as fotografias no cotidiano da
sociedade do século XIX. Essa presença gestual não estava contida apenas no ato
fotográfico (como a pincelada está contida no ato da pintura), mas também nos atos
sociais da fotografia que sua apreciação pressupunha. O ato de tocar uma imagem como
um objeto provocou uma interação especial em que “ambos dedos e olhos
desempenham um papel na percepção” (BATCHEN, p.31).
c. Difusão: a febre dos postais
Muitas fotografias, a partir de 1870, começam a ser editadas em cartões postais. A
origem dessa prática ainda é controversa. Afirma-se que em 1875, um livreiro de
Oldenburg, na Alemanha, teria sido o primeiro a editar duas séries de 25 cartões postais
ilustrados. Mas, para alguns pesquisadores, o postal surgiu como uma sugestão que o
professor austríaco Emmanuel Hermann fez ao Correio de seu país para a “a criação de
um meio de comunicação mais fácil, barato e rápido, enviado a descoberto, ideal para
mensagens curtas, mas que custasse a metade do valor de uma carta convencional”
(DALTOZO, 2006, p.13). A sugestão foi aceita e no dia 01 de outubro de 1869 surgiu o
Correspondenz-Karte, espécie de cartão-postal. Mas, só a partir do momento em que
começaram a reproduzir fotografias, os cartões postais se tornaram verdadeiramente
populares. Na França, isso ocorreu em 1889 com a criação de um postal da Torre Eiffel
para a Exposição Universal (BARBUY, 1999) e no Brasil, em 1901 (FABRIS, 2008, p.
33).
Para Daltozo, a carte de visite foi precursora do cartão postal, com suas fotos
“distribuídas nos eventos sociais ou enviadas dentro de envelopes [...] como prova de
amor e amizade” (DALTOZO, 2006, p. 14).
4 “[…]the object's capacity to provoke remembrance, for it gives these photographs substance and texture, making them touchable and warm, and allowing past and present to cohabit in everyday domestic life. [...] It is worth reflecting on the role of touch in the experience of photographic object (...)” (2004, p.31)
22
O surgimento do postal tem um espaço de bastante relevância na história social da
fotografia porque cumpriu com o papel de divulgar o mundo para os seus apreciadores.
Diante daquelas imagens, arquétipos da cultura popular ganhavam corporeidade e se
tornaram parte de um grande inventário.
A consequência foi que essas imagens levadas ao consumo da massa produziam no
público uma sensação de posse simbólica do mundo (FABRIS, 2008, p.33) que agora
ele conhecia visualmente. Acredito que essa posse simbólica era reforçada também pelo
sentimento de posse referente à matéria, ao cartão fotográfico. Não apenas as imagens
dos membros da família, mas também retratos de celebridades e paisagens passaram a
ser colecionáveis e a estimular uma sensação de pertencimento ao indivíduo.
Aos poucos, o postal também foi sendo apresentando como um formato de reprodução
da obra de arte, mais acessível e mais difundido socialmente. No seu auge de
popularidade, de 1900 a 1925, passou a ser exposto dentro das casas das pessoas
emoldurado como um quadro, não só na Europa e nos Estados Unidos, como também
no Brasil.
Edmond Haracourt, curador do museu de Clunny, afirmou que o cartão postal levou às
últimas consequências a “missão civilizadora” conferida à fotografia para a “educação
do homem ao belo” (apud FABRIS, 2008, p. 35). A respeito desse aspecto, podemos
afirmar que o cartão postal, por sua intensa difusão, seria o formato que mais teria se
adequado à idéia de fotografia como “arte democrática” que acompanhou a prática
desde seu surgimento.
A viagem imaginária e a posse simbólica são as conquistas mais evidentes de uma nova concepção do espaço e do tempo, que abole fronteiras geográficas, acentua similitudes e dessimilitudes entre os homens, pulveriza a linearidade temporal burguesa numa constelação de tempos particulares e sobrepostos (idem).
d. Conservação e armazenamento: os álbuns fotográficos
Uma das práticas mais estimuladas pela fotografia em seus primeiros cem anos foi o
colecionismo. Com a multiplicação da carte de visite e dos castões postais, os álbuns 23
fotográficos foram se tornando um sistema imprescindível para organização e
principalmente, para a conservação daqueles “museus imaginários ideais” (apud Fabris,
2008), criados com critérios variados de acordo geralmente com o interesse e o gosto de
seus donos.
Além de conter imagens de membros da família, alguns álbuns, já no século XX, se
tornaram moda ao retratar vistas geográficas, o que despertou ainda mais o interesse dos
colecionadores e se adequou bastante à “mentalidade classificadora da época”
(FABRIS, 2008, p.42).
No que concerne à importância das vistas, Solange Ferraz de Lima destaca que “se o
retrato representou para a classe burguesa a possibilidade de expressar sua
individualidade, como afirmou Gisele Freund, as vistas expressam a conquista do
espaço urbano” (LIMA, 2008, p.33).
Ainda segundo Solange Lima, a primeira notícia de comercialização de vistas no Brasil
saiu no Correio Paulistano em 1859 e são fotografias da Academia de Direito para
“aquelles srs estudantes que desejarem levar para seus lares uma lembrança do lugar de
sua vida acadêmica” (apud LIMA, 2008, p. 67). A partir de então, começa a se formar
um mercado de vendas de fotografias para álbuns e de álbuns completos para coleções.
A popularização das vistas, seja em cartões postais ou em álbuns, marcou o terceiro
momento na relação da sociedade com a fotografia. Esse período ficou conhecido não
mais pela vulgarização icônica com a imagem reproduzida em larga escala, mas pela
massificação da prática fotográfica com a introdução, no mercado, das máquinas de
Eastman Kodak. O surgimento de câmeras de médio porte, mais leves, estimulou na
população o desejo de retratar o mundo conforme sua própria perspectiva. A partir de
então, a fotografia se popularizou não apenas como objeto, mas como atividade.
e. Desdobramentos
Na época de seu surgimento, o grande impacto que o dispositivo fotográfico provocou
ao introduzir um novo produto visual foi, justamente, a possibilidade de transformar o
24
visível em algo palpável. Nunca antes foi tão clara a perspectiva da luz como matéria,
numa associação entre dois sentidos humanos: a visão e o tato. É no grão que essa
materialidade se dava, na esfera descontínua dos grãos. A película condensava a
natureza física e química do processo fotográfico. Através da máquina fotográfica, toda
e qualquer outra realidade se tornou familiar. E essa realidade cabia no espaço das mãos
dos indivíduos, permitindo que a experiência fotográfica fosse vivenciada com a
intimidade do toque.
Quase 150 anos depois, a fotografia digital surgiu para introduzir uma nova tecnologia e
uma nova superfície de “impressão” da imagem. Como é de se esperar, essas novidades
comprometem o relacionamento do homem com o visual e traçam novos
comportamentos.
Com a digitalização e o surgimento de imagens eletrônicas, cada vez mais populares, foi
instrumentalizada uma mudança na própria dinâmica de interação com essas imagens.
Repensar o passado é o ponto de partida para uma relação mais competente com a
tecnologia contemporânea e seus potenciais de comunicação.
25
Eixo 2: Desenvolvimentos sobre formatos digitais
Cada avanço tecnológico, a transmissão elétrica da imagem fixa, o cinema, o rádio, o vídeo, a televisão, mas também outras técnicas sem relação direta com a imagem, não deixam de ter efeitos tecnestésicos5
consideráveis modificando a percepção do mundo, das coisas e da sociedade (COUCHOT, 2003, p.18).
As transformações culturais que produziram a contemporaneidade têm como um dos
maiores motivadores o desenvolvimento das técnicas de comunicação. Com a
assimilação da tecnologia digital, a cultura contemporânea de imagens vive uma nova
sensibilidade visual. A Internet se tornou uma importante ferramenta de
armazenamento, reprodução e difusão da produção de conteúdo imagética. A presença
digital da imagem vem redefinindo o seu regime de apreciação, para além das formas de
contato físico, off line. O termo “revolução digital” já expressa as mudanças massivas
que a digitalização tem provocado nos meios de comunicação.
No computador, a imagem se corporifica como código numérico, digitalizando-se.
Surge um novo regime de produção, cada vez mais composto por linguagens híbridas e
suportes eletrônicos (softwares) que comportam conteúdos de formatos tão
diversificados que classificá-los taxonomicamente se torna um esforço vão.
Walter Benjamin, em seu célebre artigo sobre a obra de arte e sua reprodução mecânica
(1993), traçou os percursos das técnicas modernas que operaram mudanças na
sensibilidade humana ao transformarem o objeto artístico, autêntico e original, em obra 5 Sobre o conceito de efeitos tecnestésivos, ver página 72.
26
valorizada por sua possibilidade de encontro com o espectador. A sensibilidade se
alinhou à reprodutibilidade.
Com a imagem digital, novos problemas emergiram nas configurações da subjetividade
contemporânea. Nesse período, que alguns teóricos chamam de “Era do Simulacro”6, o
homem se vê diante da dificuldade, e até desinteresse em distinguir ilusão e realidade,
cópia e original, falso e verdadeiro. Vivemos uma mudança de época, um período de
transformação que conta com a convivência de diversos formatos e que solicita um jeito
diferente de apreciar uma imagem.
Segundo a análise de Maria Lúcia Bastos Kern e Annateresa Fabris, no livro Imagem e
Conhecimento:
É incontestável a transformação da imagem diante do crescente fenômeno da simulação que, com base em outros critérios, fornece novas definições para o antigo aparato lógico e simbólico e para a própria concepção de corporeidade, cada vez mais mediada, cada vez mais distante das visões humanísticas e existenciais anteriores (2006, p. 178).
As imagens se transformaram, reformularam os paradigmas fotomecânicos. Tornaram-
se fluídas, recicláveis, facilmente clonáveis, vinculadas a novos formatos de superfície,
mais dinâmicos e flexíveis, ocupando espacialidades que não se referem mais a um
lugar geográfico. Até a noção de tempo se alterou já que a Internet nos possibilita uma
liberdade de acesso a qualquer instante.
A rede de computadores tem sido cada vez mais utilizada como espaço de
armazenamento, exposição e difusão de conteúdo. No Brasil, que em outubro de 2011
tornou-se o terceiro país do mundo em número de internautas, 78 milhões de pessoas
têm acesso à Internet7. Ao representar 40% do total dos quase 191 milhões de
brasileiros8, esse número nos dá uma boa dimensão do universo de possibilidades de
alcance dos conteúdos digitais dispostos em rede, principalmente quando esse alcance é 6 Sobre o conceito de Simulacro, ver Baudrillard, Jean. Simulacros e Simulações. Lisboa: Relógio D´Água, 1991.
7 Dados divulgados pelo IBOPE Nielsen Online e disponibilizados em: http://www.ibope.com.br ou através do email: [email protected]
8 Dado divulgado pelo IBGE e disponibilizado em: http://www.ibge.gov.br/home/default.php 27
comparado às formas tradicionais de acesso e divulgação de conteúdo – publicações em
livros, jornais, revistas, etc.
Partimos da premissa de que a digitalização da imagem produz uma transformação
intensa nas nossas atitudes em basicamente todos os setores de produção e fruição
cultural. O espaço e o tempo são comprimidos ao ponto de quase suprimir a distância
existente entre observador e imagem. Isso impõe novos desafios à subjetividade. Torna-
se, portanto, fundamental discutir as especificidades desse “novo universal” - em termos
usados por Pierre Levy (1999, p. 15) para descrever o impacto das novas formas
culturais do ciberespaço - e pensar a relação do sujeito com a produção contemporânea
de imagens nesses suportes digitais, compreendendo o processo e intervindo nele.
a. O Contexto da Novidade: novas mídias, novas tecnologias
“Estamos testemunhando a emergência de novas formas de consumo cultural e de novas
práticas sociais”, afirma André Lemos (2005, p. 8) sobre a configuração cultural que
vemos ser delineada pelas novas tecnologias da informação e comunicação. A
recorrência do adjetivo “novo” nos permite fazer uma associação provável entre o
conceito de cibercultura e uma lógica da inovação, do ineditismo, que o valoriza.
Lev Manovich faz um apanhado relevante sobre a utilização do termo “novas mídias”
no livro “The Language of New Media” (2001):
[…] a definição popular de novas mídias identifica-as ao uso de um computador para distribuição e exibição, em vez de para produção. […] Fotografias que são colocadas em um CD-ROM e requerem um computador para serem visualizadas são consideradas novas mídias; as mesmas fotografias impressas em um livro não são. […] Não há nenhuma razão para privilegiarmos o computador no papel de máquina de exibição e distribuição de mídia em contraponto ao computador usado como ferramenta para a produção de mídia ou como um dispositivo de armazenamento midiático. Todos têm o mesmo potencial para mudar as linguagens culturais existentes. E todos têm o mesmo potencial para deixar a cultura como está. (traduzido de 2001, p.43)9
9 “[…] the popular definition of new media identifies it with the use of a computer for distribution and exhibition, rather than with production. […] Photographs which are put on a CD-ROM and require a computer to view them are considered new media; the same photographs printed as a book are not.
28
No capítulo “How media become new?” (2001), Manovich faz um levantamento sobre
o paralelismo histórico existente entre as trajetórias da mídia e do computador e como
elas entraram em confluência para o desenvolvimento das novas mídias.
Manovich afirma que ambas as histórias, das tecnologias da computação e da mídia,
começaram na década de 1830, respectivamente com a máquina analítica (Analytical
Engine) de Babbage e o daguerreótipo de Daguerre. Seis anos antes da formalização do
invento de Daguerre no Palácio Nacional da França em 1839, Babbage criou o
dispositivo capaz de operar dados, cujos resultados seriam escritos na memória da
própria máquina.
Como aponta Manovich, não foi por uma simples coincidência que essas tecnologias
foram desenvolvidas quase ao mesmo tempo. As próprias necessidades da sociedade de
massa na modernidade criaram as condições favoráveis para o surgimento de métodos
de divulgação de ideologias (mídias), e catalogação de informação (o computador)
como esses.
Em 1890, a história da mídia vai ganhar um novo capítulo com o desenvolvimento das
imagens em movimento por Edison e os Irmãos Lumiére. Manovich destaca a
importância do cinema para acalmar a ansiedade do público, cada vez em mais contato
com uma quantidade de informação que não parava de crescer. “Se os cérebros dos
indivíduos estavam sobrecarregados pelo montante de informação que eles tinham que
processar, o mesmo era verdade sobre as corporações e os governos”.10 (idem, p.46)
Alguns outros equipamentos foram essenciais para a história da computação, como o
leitor de cartões perfurados de Herman Hollerith, cuja empresa deu origem à
International Business Machines Corporation - IBM. Em 1936, Alan Turing deu um
importante passo para a união da história da mídia e do computador, ao descrever em
um artigo uma máquina que processava números e os gravava numa fita. Manovich
compara essa máquina com um projetor de filmes:
[…]There is no reason to privilege computer in the role of media exhibition and distribution machine over a computer used as a tool for media production or as a media storage device. All have the same potential to change existing cultural languages. And all have the same potential to leave culture as it is.”(2001, p.43)
10 “If individuals' brains were overwhelmed by the amounts of information they had to process, the same was true of corporations and of government”. (idem, p.46)
29
Se acreditarmos na palavra cinematógrafo, que significa "movimento de escrita", a essência do cinema será registrar e armazenar informação visível em uma forma material. Uma câmera de película grava dados em um filme; um projetor de filme lê-los. Este aparelho cinematográfico é semelhante a um computador em um aspecto fundamental: um programa de computador e dados também têm de ser armazenados em alguma mídia. É por isso que a Máquina de Turing [a máquina desenvolvida mais tarde e nomeada em homenagem a Alan Turing] parece um projetor de filmes. É uma espécie de câmera de filmar e projetor de filme ao mesmo tempo: lendo instruções e dados armazenados em uma fita infinita e escrevendo-os em outros locais nesta fita. (idem, p.47) 11
Mas foi o surgimento do primeiro computador eletrônico, criado pelo alemão Konrad
Zuze, que provocou pela primeira vez e de forma inusitada a união entre a mídia e a
tecnologia computacional. O computador de Zuze foi o primeiro dispositivo
eletromecânico que processava os cálculos e os exibia numa fita perfurada. A fita
utilizada por Zuze foi um rolo de 35mm que havia sido previamente descartado e que
trazia gravado uma cena qualquer com duas pessoas.
Qualquer significado e emoção contidos nesta cena do filme tinham sido dizimados por sua nova função como um suporte de dados. A pretensão dos meios de comunicação modernos para criar simulações de realidade sensível é igualmente cancelada; a mídia é reduzida à sua condição original, como suporte de informação, nada além, nada mais. (idem, p. 48)12
Para Manovich, o filme de Zuze antecipou a convergência, um conceito que só viria a
ser conhecido cinquenta anos depois. Como resultante gráfico, fotografias, sons, textos
e toda forma de conteúdo tornaram-se “computáveis”. In short, media becomes new
11 “If we believe the word cinematograph, which means "writing movement", the essence of cinema is recording and storing visible data in a material form. A film camera records data on film; a film projector reads it off. This cinematic apparatus is similar to a computer in one key respect: a computer's program and data also have to be stored in some medium. This is why the Universal Turing Machine [a máquina desenvolvida mais tarde e nomeada em homenagem a Alan Turing] looks like a film projector. It is a kind of film camera and film projector at once: reading instructions and data stored on endless tape and writing them in other locations on this tape”. (2001, p.47)
12 “Whatever meaning and emotion was contained in this movie scene has been wiped out by its new function as a data carrier. The pretense of modern media to create simulation of sensible reality is similarly canceled; media is reduced to its original condition as information carrier, nothing else, nothing more”. (MANOVICH, 2001, p. 48)
30
media (idem, p.48) ou “mídia se tornou novas mídias” e o computador passa a ser,
portanto, um processador midiático.
Em seu livro (2001), Manovich aponta as principais diferenças entre as novas mídias e
as mídias analógicas. Uma das questões mais importantes no estabelecimento dessas
distinções é o compartilhamento do mesmo código. Mesmo quando se tratam de mídias
analógicas representadas digitalmente, as novas mídias, apesar de resultarem em
conteúdos diferentes, possuem o mesmo código digital, o que permite que sejam
processadas na mesma plataforma, o computador. Essa comunhão de um mesmo código
é um dos pontos que motiva a cultura numérica a uma desespecificação e a um
complexo hibridismo – no computador, imagem, som e escrita dividem o mesmo espaço
e se interrelacionam de uma forma nova, que não se pauta na completa distinção entre
os formatos.
Além disso, se por um lado, é característica da mídia analógica a perda inevitável de
informação em relação ao original, seja por excesso de cópias sucessivas ou
simplesmente pelo processo de digitalização da mídia; por outro lado, a cópia da mídia
digital não significa perda de qualidade do arquivo. Portanto, podemos perceber que o
arquivo digital não pode mais ser julgado segundo critérios de originalidade e não é aí
que está residido o seu valor.
Para completar essa abordagem comparativa, Manovich destaca também a
interatividade das novas mídias, que permitem ao usuário desempenhar o papel de uma
espécie de co-autor do trabalho ao qual ele tem acesso; ao contrário da mídia analógica,
que apresentaria uma obra fechada, dotada de uma mensagem original previamente
determinada pelo autor.
Feitas essas definições, torna-se importante trazer à tona uma observação feita pela
artista e pesquisadora Giselle Beiguelman, em mesa redonda no 2º Fórum Latino-
Americano de Fotografia - Forum Foto (2010)13. Durante o evento, a pesquisadora
afirmou que “a ideia de novidade, especialmente hoje no âmbito da cultura digital, é
muito traiçoeira por conta do processo de descartabilidade das coisas” (2010)14. Por
isso, ela prefere utilizar o termo “mídias emergentes”, como forma de barrar o uso
13 Realizado em São Paulo, em 2010.
14 Disponível em: http://www.forumfoto.org.br/pt/ 31
abusivo do termo ‘novo’ e sua identificação com a idéia de novidade, cada vez mais
suplantável diante do ritmo dos avanços tecnológicos.
Esse tipo de desconfiança diante do conceito do novo é típico de um momento de
transição técnica. O formato digital da imagem, de natureza completamente diferente da
imagem química, provocou instabilidades nas bordas do campo da fotografia que
incentivaram posturas alarmistas, inclusive pregando o fim da prática fotográfica.
André Rouillé chegou a apontar “a impossibilidade de uma legitimidade” fotográfica no
contexto “desmaterializado e fragmentado” do ambiente digital (apud FATORELLI
(Org.), 2008, p. 22 e 23) porque, segundo o autor, a fotografia digital opera um regime
de verdade completamente diferente da fotografia analógica, ou seja, ambas possuem
diferentes relacionamentos com a realidade.
A fotografia de película, a normal, sem ser digital, a fotografia comum, seu regime de verdade se baseia no fato de que essa é uma imagem de impressão, relativamente estática, no sentido em que era difícil transformá-la, falsificá-la, [para isso] era preciso retocá-la.[...] Com a fotografia digital, tudo muda. Primeiro vendem a máquina fotográfica com o software de tratamento de imagem. O retoque, o falso, portanto, se podemos dizê-lo assim, não é periférico, não é exterior à imagem, pertence à imagem. De certa maneira, a imagem digital já nasce falsa. (apud FATORELLI (Org.), 2008, p. 25)
Esse posicionamento do autor já seria um pouco menos radical que suas primeiras
propostas de pesquisas sobre o formato digital, nas quais ele chegou a afirmar que a
fotografia digital não era fotografia (apud FATORELLI (Org.), 2008, p. 28). Esse tipo
de questionamento toma força nos momentos de insegurança entre processos de
transição, quando precisamos viver a reconfiguração das nossas referências.
Ainda no Forum Foto, Giselle Beiguelman faz uma observação sobre as diferenças e
especificidades entre a imagem digital e a imagem química, que talvez nos ajude a
compreender abordagens como a de André Rouillé, mesmo que as conclusões a que
chegamos não sejam as mesmas que as desse autor.
No caso das imagens digitais, afirma Beiguelman, o que nós temos é uma operação de transcodificação, onde a luz é reinterpretada como
32
dado. Basicamente, a luz da imagem digital é reinterpretada por um sensor que traduz a luz em elétrons, em sinal, interpretado pelo computador como um dado que vai ser reconstruído a partir de uma matriz - que é a imagem no final das contas (BEIGUELMAN, 2010).
Para a autora, a questão da escrita da luz pertenceria sim, à imagem química, mas isso
não retiraria da fotografia digital o direito de ser identificada como fotografia, como
Rouillé chegou a pensar, mas uma fotografia que responderia diretamente a outras
operações e interpretações, condizentes com suas novas práticas - observações estas
com as quais concordo.
b. Horizonte inicial: o digital e suas virtualidades
O fim do século XX e o início do século XXI já nos permitem perceber intensas
transformações na nossa lógica de relacionamento com a imagem. Importantes
mudanças na sensibilidade humana foram intensificadas pelo desenvolvimento das
imagens eletrônicas em novos meios de comunicação visual – primeiro a televisão em
meados da década de 1930 e, principalmente, no final do século XX, com o
computador. O desenvolvimento da imagem digital tem uma conseqüência cada dia
mais provocadora: o surgimento de novos modos de ver.
Em A Máquina da Visão (1994), Paul Virilio comenta os novos processos de percepção
das imagens diante da intensificação do processo de virtualização - que ultrapassa a
questão da informática e domina os mais diversos aspectos da nossa vida. Para o autor,
nesse novo contexto, a imagem perde a sua unicidade e reafirma uma reconstrução
sintética do olhar. As imagens se reconstroem numa outra codificação, os códigos
numéricos - o código binário do computador – e distanciam-se das características da
imagem analógica, o que influencia uma fusão/confusão entre o real e o virtual.
“No uso corrente, a palavra virtual é empregada com frequência para significar a pura e
simples ausência da existência, a 'realidade' supondo uma efetuação material, uma
presença tangível" (LÉVY, 1996, p.15). Como Lévy destacou, faz parte do senso
33
comum a associação da virtualidade a uma espécie de demérito da ilusão, contrapondo o
real ao virtual e associando-o ao falso.
O autor explica que a associação entre o virtual e o falso apreende apenas uma das
existências do virtual:
A virtualidade não tem absolutamente nada a ver com aquilo que a televisão mostra sobre ela. Não se trata de modo algum de um mundo falso ou imaginário. Ao contrário, a virtualização é a dinâmica mesma do mundo comum, é aquilo através do qual compartilhamos uma realidade. Longe de circunscrever o reino da mentira, o virtual é precisamente o modo de existência de que surgem tanto a verdade como a mentira. Não há verdadeiro e falso entre as formigas, os peixes ou os lobos: apenas pistas e engodos. (LÉVY, 1996, p. 101)
Uma importante observação sobre esse pensamento proposto por Pierre Lévy pode ser
estendida à questão da informatização e do conteúdo digital. Para respeitarmos a
verdade é preciso lembrar que a questão da virtualização e da perda da presença fazem
parte do dia-a-dia da humanidade muito antes da reorganização da nossa cultura para os
códigos do computador. A religião e a imaginação são bons exemplos do
relacionamento antigo que mantemos com a virtualidade. O virtual não é específico do
ambiente digital.
A fotografia digital, por exemplo, ao se popularizar, foi muito associada a uma pretensa
imaterialidade. Creio que esse relacionamento entre o digital e o ambiente em rede,
virtual, é um dos responsáveis por essa vinculação superficial do conteúdo digital a uma
desmaterialização. Sobre isso, Lévy é taxativo: “a virtualização não é de modo algum
um desaparecimento no ilusório, nem uma desmaterialização. Convém antes assimilá-la
a uma 'dessubstanciação’, que pode ser declinada em mutações associadas: a
desterritorialização, o efeito Moebius” (1996, p.135).
O virtual nos propõe uma reorganização das nossas coordenadas de espaço e de tempo.
É esse desprendimento do aqui e agora que faz com que o senso comum admita a
virtualização como um processo de desrealização. Como Lévy exemplificou, o fato de
não conseguirmos situar nossas conversas telefônicas não é suficiente para acreditarmos
que elas são inacessíveis, ou que são imaginárias.
34
A desterritorialização é, portanto, uma das características do virtual. Sobre ela, Lévy
completa:
Quando uma pessoa, uma coletividade, um ato, uma informação se virtualizam,[...] não se tornam completamente independentes do espaço-tempo de referência, uma vez que devem sempre se inserir em suportes físicos e se atualizar aqui ou alhures, agora ou mais tarde (1996, p. 21).
De onde podemos concluir que o lugar do virtual é a sincronização e o seu tempo, a
interconexão.
Outro importante caráter associado à virtualização é o que Lévy chama de efeito
Moebius: “passagem do interior ao exterior e do exterior ao interior”, que poderia ser
observada pela colagem e quase indistinção entre, por exemplo, o público e o privado,
entre o subjetivo e o objetivo, entre o autor e o leitor, no ambiente virtual.
O hipertexto é um bom exemplo para oferecer a compreensão desses dois princípios do
virtual: além de inserir-se numa nova dinâmica entre autor e leitor,
desterritorializado, presente por inteiro em cada uma de suas versões, de suas cópias e de suas projeções, desprovido de inércia, habitante ubíquo do ciberespaço, o hipertexto contribui para produzir acontecimentos de atualização textual, de navegação e de leitura (LÉVY,1996, p. 20).
Como já observamos, no ambiente digital, novas situações de interação com conteúdo
questionam e expandem as fronteiras da espacialidade e temporalidade tradicionais.
Novas dinâmicas perceptivas são estimuladas quando as máquinas passam a mediar a
sensibilidade humana.
Migramos de uma lógica de consumo massiva da sociedade industrial, fundada na
economia da informação, para uma lógica de consumo interativa, autônoma e
personalizada que começou a ser produzida pela sociedade pós-industrial (BELL, 1973)
e, mais ainda, pela sociedade de rede (CASTELLS, 2000).
Conjugando todos os estágios de comunicação, incluindo aquisição, manipulação,
armazenamento e distribuição de informação (MANOVICH, 2002, p.43) e promovendo
35
uma nova forma de contato entre o espectador e a cultura, o computador passa a
estimular hábitos perceptivos distintos. Por meio de novas interfaces, a máquina se
conecta ao sujeito, apresentando-se não apenas como um prolongamento do corpo
humano, mas dotando-o de sensibilidades corporais inovadoras. Graças à interação
autor-obra-espectador na web 2.015, diferentes formas de ver, significar e memorizar
passam a ser assimiladas pelo público.
A rede oferece ao público um conteúdo que deve ser reconstituído de acordo com a
bagagem cultural do sujeito, suas vontades, seus desejos, suas experiências e saberes
prévios. Não-linear e interativa, a mídia digital, apesar de oferecer conteúdo
indiferenciadamente a todos os sujeitos conectados, possibilita uma infinita diversidade
de trajetos de informação e, conseqüentemente, respostas variadas.
Em sua estrutura, as novas mídias são igualitárias. Por meio de um simples processo de conexão, todos podem participar dela (...) As novas mídias têm a tendência a eliminar todos os privilégios de formação, e com isso também o monopólio cultural da inteligência burguesa. (Enzensberger apud LEMOS, 2005, p.1)
Eixo 3: Hiperconteúdos e a hiperfotografia
A fotografia é uma imagem adaptável. A breve análise proposta aqui sobre sua
historicidade é capaz de denotar uma multiplicidade de transformações que foram
incentivando a relocação da prática fotográfica no desenvolvimento da sociedade, desde
a época moderna. Entre carte de visite, cartões postais, álbuns fotográficos, câmeras
analógicas de diversos formatos e cartões de memória, as formas de trato e interação
com a fotografia sofreram modificações importantes nesses quase dois séculos de
história.
A imagem digital requer não apenas diferentes usos cotidianos, como também
diferentes noções sensoriais de trato com a imagem. Um novo contexto de leitura dessas
15 O termo, criado por Tim O’Reilly, refere-se a uma segunda geração de serviços oferecidos na Internet, que consideram o efeito em rede como um dos aspectos mais importantes para o mercado, e visualiza a web como uma plataforma em constante mudança e que depende da participação ativa dos usuários.
36
imagens precisa ser questionado, a partir do momento em que o acesso a elas passa a ser
mediado por interfaces em rede.
Em uma entrevista cedida à edição de 2010 do site do Fórum Latino-Americano de
Fotografia de São Paulo, Giselle Beiguelman afirmou:
O mais importante, contudo, não é o fato de [as formas contemporâneas de produção de conteúdo] lidarem com tecnologia, mas sim o de serem mediadas por um dispositivo que é uma máquina em rede e que é, a um só tempo, uma máquina de leitura, escritura – seja ela textual, audiovisual, imagética, etc. – e publicação. (BEIGUELMAN, 2010)16
A grande novidade da produção imagética da era digital, segundo Beiguelman, não é a
produção em si, os novos temas, os novos instrumentos utilizados na criação de
imagens, as novas formas de publicação, os novos meios de divulgação, mas sim, o fato
de que isso tudo ocorre numa plataforma só: o computador.
É ele que introduz novas dinâmicas no circuito de produção de imagens, permitindo não
só alargamento da capacidade de produção de conteúdo, mas o reconhecimento de toda
uma produção cultural que antes permanecia subjugada a filtros editoriais tradicionais.
Com a web 2.0, esse contexto se intensifica. Diminuem as desigualdades de espaço e o
espectador passa a atuar como editor de conteúdo, que escolhe o que deve ser publicado,
visualizado, repassado. O usuário de Internet está submetido agora a novos
intermediários, como o acesso às velocidades de conexão e ao equipamento.
O computador, portanto, proporciona uma nova forma de interação entre o homem e a
imagem, mais pautada na união das potencialidades dos dois do que no simples uso da
máquina como instrumento de visão ou na simples subordinação do homem à tela.
O ato de observar em si já muda de forma radical com a digitalização. O contato com
imagens numéricas é apenas mais um dos aspectos com que o sujeito tem que lidar
enquanto navega na rede, dividindo-se entre caixas de email, ferramentas de bate-papo,
redes sociais e páginas diversas. Sua atenção agora se dispersa entre os
desenvolvimentos do que podemos chamar de hiperconteúdos – conteúdos em formato
16
1
Disponível em: http://www.forumfoto.org.br/pt/2010/07/giselle-beiguelman/ 37
de texto, imagem, músicas, etc., que se relacionam e localizam no grande espaço da
virtualidade da rede, “multilineares, multisequenciais e indeterminados”, como disse
Bolter (1991, p.10), referindo-se ao hipertexto.
Pelo computador o sujeito vai entrar em contato com o hipertexto – forma de conteúdo
que, para dar conta das ambiguidades existentes em qualquer comunicação, oferece ao
leitor links que citam, explicam, aprofundam a temática abordada, permitindo uma
possibilidade de derivações que só vai ser desencadeada de acordo com a vontade do
sujeito. Ele é o novo caminho da comunicação.
a. A escrita eletrônica
O termo hipertexto foi desenvolvido, em 1964, pelo filósofo americano Ted Nelson, um
dos pioneiros da Tecnologia da Informação. Segundo ele, “o hipertexto, ou a escrita
não-seqüencial com liberdade de movimentação entre os links, é uma idéia simples e
óbvia. É apenas a versão eletrônica das conexões literárias tal como já as conhecemos”
(apud BEILGUELMAN, p.66), como as notas de rodapé, as citações, as referências
bibliográficas e as imagens que se apresentam como informações complementares de
um texto. Mas se essa noção de conexão já existia nos textos tradicionais, o que faz o
hipertexto ser considerado um novo paradigma na produção textual?
O hipertexto é, antes de tudo, uma “escritura eletrônica não-sequencial e não-linear”
(MARCUSCHI, 1999, p.1) que possibilita ao leitor um trajeto de leitura particular e
individual, com resultado indeterminável, guiado por suas escolhas pessoais.
“O hipertexto perturba nossa noção linear de texto rompendo a estrutura convencional e
as expectativas a ela associadas” (Snyder, apud MARCUSCHI, 1999, p.1) permitindo
que um tema se desenvolva por muitos níveis de tratamento e propondo diferentes
abordagens simultaneamente. Essa multiplicidade de desenvolvimentos exige do leitor
uma postura consciente sobre o que ele busca, a fim de evitar o que Marcuschi nomeou
de “stress cognitivo”, ou seja, “a carga ou pressão cognitiva que o hipertexto põe a mais
para o seu leitor em relação ao leitor de um texto impresso e linear” (MARCUSCHI,
2001, p. 85). O stress que se constrói na intersecção entre a quantidade sempre crescente
38
de conteúdo oferecido e a responsabilidade do leitor quanto à filtragem dessa
informação.
Além da não-linearidade, outra característica parece ser fundamental para a
compreensão do hipertexto: sua volatibilidade, apontada por Bolter como uma
instabilidade inerente ao formato (Bolter, 1991, p. 31). Esse aspecto faz do hipertexto
um fenômeno virtual em essência, com “escolhas tão passageiras quanto as conexões
estabelecidas por seus leitores” (MARCUSCHI, 1999, p.2). Além da volatilidade, a
questão da virtualidade (MARCUSCHI, 1999, p.4) do hipertexto é o que determina que
esse tipo de escrita não se encerre num todo, mas nos permita um deslocamento
indefinido e praticamente ilimitado.
Segundo Marcuschi, mais alguns aspectos são importantes na observação da natureza
do hipertexto, entre eles: a topografia, que sugere o hipertexto como um espaç o de
escritura e leitura que “desestabiliza os frames17 de que dispomos para identificar limites
textuais” (1999, p.2); a fragmentariedade; a acessibilidade ilimitada; a interatividade, à
qual atribuímos a tênue relação entre leitor-autor de um hipertexto; a multisemiose, que
seria a possibilidade de conexão entre diferentes linguagens (música, cinema, texto
escrito, fotografia); e a iteratividade que, segundo o autor trata-se da “natureza
intrinsecamente intertextual marcada pela recursividade de textos ou fragmentos” (1999,
p.2) o que pode ser feito na forma de notas, citações, etc.
b. Do leitor ao navegador
Bolter afirma que o hipertexto introduz um novo “espaço de escrita” baseado no
ambiente eletrônico do computador. Por espaço de escrita ele compreende “os
campos físico e visual definidos por uma determinada tecnologia de escrita" (1991,
p.11). O livro é um espaço de escrita, assim como um papiro já foi, assim como hoje, o
computador é.
17 Marcuschi faz referência a H. Weinrich que, segundo o autor, “definia o texto como uma produção lingüística unitária e contínua entre dois vazios, representada pela fórmula: # T #” (apud Marcuschi, 1991, p.2).
39
“Um repertório de gestos, um jogo tátil entre a mão e o papel (ou o “mouse”), uma
constelação de objetos e de instrumentos de visão definem a posição da leitura neste
mundo”, afirma Beiguelman (2001, p.35), e esta, por sua vez, é capaz de definir a
posição do sujeito capacitado para fruí-la.
É a virtualidade que permite ao hipertexto a abertura responsável por demandar um
comportamento diferente do leitor em interação com o conteúdo. O leitor do hipertexto
não é mais um sujeito que percorre um caminho horizontal, como muitas vezes
percorreu um texto impresso. No ambiente virtual do hipertexto, o leitor navega,
percorre a informação, faz escolhas e cria sua própria linearidade.
Por sua relevância no processo comunicativo, incentivado pelo hipertexto, o leitor tem
sido muitas vezes reconhecido como um “co-autor”, pois cabe a ele o controle do curso
da informação.
O leitor determina não só a ordem da leitura, mas o conteúdo a ser lido. Embora o leitor usuário do hipertexto (o hipernavegador) não escreva o texto no sentido tradicional do termo, ele determina o formato da versão final de seu texto, que pode ser muito diversa daquela proposta pelo autor. (MARCUSCHI, 2001, p. 96)
Essa associação com a autoria é competente, mas prefiro a concepção defendida por
Pierre Lévy de que, no contexto da mídia digital, o espectador, leitor, o usuário de
Internet que circula pelos textos das redes de computadores locais e mundiais é não só
autor, mas um editor em potencial (1996, p.50), porque sua autoria seria, na verdade,
uma reorganização da informação, o julgamento de qual conteúdo buscar, e qual deve
ser descartado.
40
A questão da autoria para o hipertexto se polemiza por dois aspectos: a autoria que edita
a informação e a autoria que se apropria dela18. Sobre esta segunda, trataremos mais
especificamente no desenvolvimento a cerca da propriedade intelectual.
c. Sobre a morte do autor e outros assassinatos
Houve um tempo em que esses textos que hoje chamaríamos de ‘literários’ (narrativas, contos, epopeias, tragédias, comédias) eram aceitos, postos em circulação, valorizados sem que fosse colocada a questão do seu autor; o anonimato não constituía dificuldade, sua antiguidade, verdadeira ou suposta, era para eles garantia suficiente. (FOUCAULT, 2011, p.95)
A presença do autor nem sempre foi reconhecida na nossa produção cultural, como
podemos perceber a partir do trecho acima do artigo “O que é um autor?”, de Michel
Foucault, escrito em 1969. Por muito tempo, o discurso não foi tido como propriedade
de alguém, mas, sim, como uma ação. A falta de identificação entre o ato de escrever e
o processo de criação individual pode ser identificada em grande parte dos textos da
Idade Antiga até a Idade Média. A própria Bíblia, cujos livros teriam sido escritos como
‘revelação divina’, e os escritos de São Tomás de Aquino e de São Agostinho - que
segundo os próprios autores seriam, na verdade e apenas, a “palavra de Deus” passada a
eles - remetem a essa relação instável entre a cultura ocidental e a autoria da criação.
18 A respeito da autoria, Marchuschi expõe a classificação de Michael Joyce que dividiu o hipertexto em duas categorias: o exploratório e o construtivo. “Num extremo, o caso do hipertexto exploratório, os usuários são navegadores que têm que fazer escolhas e seguir como se estivessem numa ação linear. Preserva-se uma certa autonomia do autor do texto original e, como lembram Moulthrop & Kaplan (1994, p. 221), trata-se de uma alternativa hipertextual que mantém muito da “passividade do texto escrito”. No outro extremo, o do hipertexto construtivo, o texto original deve ser tão aberto que possibilite interconexões e controle do usuário. Na atividade exploratória, podemos escolher o caminho a seguir e na construtiva podemos até adicionar notas ou produzir novas ligações. [...]Se o hipertexto exploratório está desenhado para “leitores” e exploradores de conhecimentos, o hipertexto construtivo está desenhado para operadores-escritores” (Marcuschi, 2001, p. 89).
41
Faz-se necessário, antes de prosseguir com essa proposta de reflexão a respeito da
autoria, destacar que, apesar de estar, em termos de exemplos, me referindo ao autor
como um autor de um texto, de uma obra escrita, a ideia de autoria que abordo aqui
certamente também faz referência ao autor de uma pintura, de uma fotografia, de uma
música. A opção por esse trajeto está de acordo com os exemplos propostos pelos dois
autores em quem me baseio, Foucault e Barthes, e suas abordagens de extrema
relevância sobre o tema. Falar sobre a autoria nessa pesquisa é imprescindível para que
possamos compreender as transformações que esse conceito viveu até o contexto
digital.
Como destacado por Foucault, o termo “autor” não se refere simplesmente à atribuição
de um produto a seu criador, mas a uma função que seria, “portanto, característica do
modo de existência, de circulação e de funcionamento de certos discursos no interior de
uma sociedade” (2011, p.94). Para ele, o autor não é simplesmente a pessoa que
escreve, cria uma obra, mas seria uma função variável e complexa de um discurso,
responsável por conferir determinado status e por localizar o criador na produção
cultural da sociedade.
Na visão de Foucault, o discurso científico percorreu o caminho oposto ao da literatura:
na Idade Média, os textos sobre ciências da natureza, medicina, geografia e astronomia
só eram aceitos se vinculados ao nome de um autor que os atestasse como verdade. Era
a cultura da Idade Média criando ferramentas para assegurar a coerência desses
discursos com o pensamento autorizado na época. Qualquer texto que transgredisse essa
ordem era identificado e punido.
Os textos, os livros, os discursos começaram a ter realmente autores (diferentes dos personagens míticos, diferentes das grandes figuras sacralizadas e sacralizantes) na medida em que o autor podia ser punido, ou seja, na medida em que os discursos podiam ser transgressores. (FOUCAULT, 2011, p.94)
Mais tarde, entre os séculos XVII e XVIII, essas obras passaram a ser aceitas “no
anonimato de uma verdade estabelecida ou sempre demonstrável novamente”
(FOUCAULT, 2011, p.95). Já o discurso literário percorreu o caminho inverso: da
42
legitimação pela tradição, característica das obras gregas, para a ansiedade da
identificação de suas origens.
Pouco antes de Foucault, Barthes já tinha percebido a valorização da autoria como um
dos aspectos do abandono da Idade Média e da descoberta do homem como sujeito,
momento importante no processo de individualização que marcou a modernidade. “O
autor é uma personagem moderna, produzida sem dúvida pela nossa sociedade, na
medida em que, ao terminar a idade Média, com o empirismo inglês, o racionalismo
francês e a fé pessoal da Reforma, ela descobriu o prestígio pessoal do indivíduo”
(Barthes, 2004, p. 66).
Apenas no final do séc. XVIII e início do séc. XIX, diante do fortalecimento da noção
de propriedade privada, com a ascensão da sociedade burguesa, começou a ser
regularizada a propriedade de textos, voltando a atenção da sociedade para as questões
da autoria e dos direitos de reprodução.
Como resposta a isso, podemos destacar, como fizeram Barthes e Foucault em seus
textos, a importância crucial de Mallarmé, um dos primeiros a abandonar o papel do
autor e, distante desse status, valorizar a escrita, “atingir esse ponto onde só a linguagem
age, ‘performa’, e não ‘eu’” (BARTHES, 2004, p.67).
É que a literatura, objeto privilegiado da crítica, não cessou, desde Mallarmé, de se aproximar daquilo que é a linguagem no seu ser mesmo e, com isso, ela solicita uma linguagem segunda que não seja mais em forma de crítica mas de comentário. [...] À questão nietzschiana: quem fala? Mallarmé responde e não cessa de retomar sua resposta, dizendo que o que fala é, em sua solidão, em sua vibração frágil, em seu nada, a própria palavra — não o sentido da palavra, mas seu ser enigmático e precário. (FOUCAULT, 2001, p.111, 420)
Mallarmé dessacralizou a linguagem e iniciou o percurso ao que Barthes chamou de “a
morte do autor”, um modo de agir que ganhou força nos trabalhos de diversos artistas
durante todo o decorrer do séc. XX, o século de contestação das noções tradicionais de
arte, artista, originalidade, intencionalidade, inspiração e talento, cultuadas pelo
modernismo.
43
O modernismo foi, na história da arte, o momento de valorização da figura individual
do artista e sua importância como o ponto originário da obra. Em contraposição a esses
dogmas se seguiram diversas posturas polêmicas, a começar pelo trabalho de Marcel
Duchamp. Com seus ready-made19, Duchamp colou o status de arte em objetos
industriais como forma justamente de confundir as fronteiras do artístico. Como ele
mesmo costumava afirmar, sua obra maior era viver. “Cada segundo, cada respiração é
uma obra que não é inscrita em lugar algum, que não é nem visual nem cerebral” (apud
COUCHOT, 2003, p.63).
Essa confusão foi o ponto de partida para anunciar a morte da arte que, ao contrário de
provocar consigo também a morte do artista, acentuou sua singularidade criadora,
tornando-o o único capaz de definir o que é uma obra de arte. Seria, portanto, o artista a
instância em que residiria a criação mais verdadeira e sua originalidade.
Entremeio a todos esses anúncios de ruptura com a tradição da arte e como parte do
processo de reconsideração dos preceitos modernos, Duchamp, alguns anos antes de
Barthes, destacou a importância do papel do espectador no processo de criação e
recriação de uma obra, a partir da percepção. Ele disse que é o observador que faz a
obra, assertiva que também era muito cara à pintura impressionista, “a primeira a exigir
do olho uma participação ativa na síntese cromática” (COUCHOT, 2001, p.110).
Barthes também destaca a importância do Surrealismo na dessacralização da imagem do
autor, com seu estímulo à escrita automática que escreveria “tão depressa quanto
possível o que a própria cabeça ignora” (2004, p.67).
Para Barthes, o texto não poderia ter sua autoria considerada porque se trataria sempre
de uma imitação de um discurso antecedente, um “tecido de citações” que não poderia
ser considerado original. Buscar identificá-lo com um “Autor” seria o mesmo que tentar
fechá-lo, impondo a ele um significado único. Essa identificação entre obra e criador era
muitas vezes incentivada pela própria crítica com o objetivo de, por meio da descoberta
do Autor, decifrar o texto e “vencê-lo”.
À desvalorização do autor como lugar da originalidade do texto, Barthes contrapôs a
relevância do leitor, o lugar em que poderiam ser localizadas todas as escritas múltiplas
que compõem um texto. “A unidade de um texto não está na sua origem, mas em seu
19 Para saber mais sobre os ready-made de Duchamp, ler A Salutar Ruptura, de Janis Mink. Em: Marcel Duchamp: a arte como contra-ataque
44
destino” e completa “é preciso inverter o seu mito: o nascimento do leitor tem de pagar-
se com a morte do autor” (2004, p.70).
Desse modo, o feudo estruturalista nega ao artista e também ao autor, o papel de origem da obra; e, à obra, seu status de lugar originário de um sentido a ser interpretado. Ao mesmo tempo em que o texto substitui a pluralidade e o intermediário pela unidade da obra, a exploração pela interpretação, e a colaboração prática do autor e do espectador pelo consumo. Os porvires eclipsam as antigas noções de origem e de original. (ROUILLÉ, 2009, p. 346)
Esse ofuscamento da noção de original se intensificou ainda mais com as reflexões
desenvolvidas pelos artistas conceituais e os questionamentos, dez anos mais tarde,
incentivados pelo discurso pós-moderno. O conflito entre original e cópia que, segundo
Benjamin (1993), foi inaugurado pelas imagens técnicas (em termo flusseriano), operou
mudanças intensas na nossa sensibilidade e na arte, transformando o objeto artístico,
autêntico e original, em obra valorizada de acordo com sua possibilidade de reprodução
e encontro com o espectador.
Nesse momento, foi, portanto, especialmente por meio da fotografia, que a cópia
contestou a “aura”20 do objeto de arte, e questões sobre originalidade, direito do autor,
propriedade intelectual e plágio se alinharam à produção cultural da época, pouco mais
de cem anos após as primeiras inovações introduzidas pela imagem fotomecânica.
Pouco depois de Barthes ter declarado a morte do autor (1969), nos anos 1980, diversos
artistas, motivados pelo interesse em contestar a ideologia exclusivista do modernismo,
confrontaram diretamente as convenções sobre a criação ao apropriar-se de trabalhos
anteriores a eles. Foi o caso de Sherrie Levine, que fotografou as provas de fotógrafos
icônicos como Walker Evans, Edward Weston, entre outros, e as reproduziu sob os
títulos de “Sherrie Levine after Walker Evans”, “Sherrie Levine after Edward Weston”,
etc. A intenção da artista estava diretamente afinada com esse questionamento pós-
moderno do que define o valor artístico de uma obra (seja uma fotografia ou outra
forma de expressão): seria o gesto do artista, o uso de uma determinada ferramenta, a
20 O conceito de aura é definido por Benjamin como a existência única de um objeto de arte, cunhada por sua tradição, ou “uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais próxima que ela esteja” (BENJAMIN, 1993, p.170).
45
crítica ou o resultado final? Andre Rouillé faz uma análise interessante sobre esse
trabalho em particular:
A eloqüência desconstrutiva do gesto de apropriação de Sherrie Levine mobiliza em alto grau o material, o procedimento e as obras fotográficas, porque, para o senso comum, a fotografia é o emblema do procedimento mecânico, logo não artístico, de apropriação das aparências, de fabricação de simulacros. (2009, p. 347)
Ou seja, no que concerne a uma obra fotográfica, Levine leva o debate sobre
apropriação a um patamar muito especial ao lembrar que a fotografia é em si a
apropriação de uma determinada imagem do fotografado, ou de um determinado ponto
de vista a respeito de um acontecimento. O trabalho da artista é uma forma de afirmar
que, se uma obra fotográfica – a apropriação que o fotógrafo faz da imagem de algo –
pode ser considerada como produto de autoria de alguém, a apropriação de outra
apropriação não é menos legítima que a primeira. No mesmo percurso, uma fotografia
da série “Untitled Cowboy”, do artista Richard Prince, entrou para o rol das dez
fotografias mais caras do mundo ao ser vendida por US$1.248.000 (um milhão e
duzentos e quarenta e oito mil dólares). A fotografia de 1989 se tratava da reprodução
feita por Prince de um trecho de um anúncio do cigarro Marlboro, contestando não
apenas questões de propriedade, autenticidade, mas os próprios limites entre arte e
outros campos, como a publicidade.
Sabemos que a arte desempenha um importante papel no agendamento de reflexões e
questionamento sobre a nossa cultura e na nossa percepção do mundo. Não é à toa
portanto que, pouco antes de começarmos a vivenciar as primeiras inserções da
tecnologia digital no nosso cotidiano, alguns artistas começassem a discutir questões
como autoria, propriedade intelectual, autenticidade e cópia, que serão tão caras para a
nossa sociedade diante do processo de transcodificação da nossa cultura para a
linguagem do computador.
c.1. Direitos autorais na cultura da tecnologia
46
A conjugação entre tecnologia digital e a Internet tem transformado nossas vias de
acesso a expressões culturais. Se durante boa parte do século XX, a tecnologia tornou
possível o consumo de produtos culturais por meio de técnicas de difusão como o rádio,
a televisão e os toca-discos; com a Internet, vivemos os impactos de uma nova dinâmica
cultural, que permite não apenas o consumo, mas também a produção e, principalmente,
a divulgação de conteúdo. O nosso relacionamento com as diversas formas de expressão
abandonou um caminho de mão única em prol de traçar um novo percurso por vias
múltiplas que permitem trajetos indeterminados.
Podemos perceber o aumento intenso do uso de plataformas de divulgação de conteúdo
baseadas na ação de um indivíduo em rede, como o youtube, o twitter e o facebook, que
transformam o usuário de internet em um canal possível, um novo mediador disposto a
continuamente alimentar as bolhas de dados da rede mundial. A reprodução passa a
compor, junto com a produção e a remixagem, os principais comportamentos dessa
nossa cibercultura. O professor André Lemos chama essa configuração cultural de
“ciber-cultura-remix” (2005, p.1) que, “sob o prisma de uma fenomenologia social”,
altera nossa relação com a autoria e a propriedade intelectual.
Em palestra na mesa “Música, a fronteira do mundo – criatividade, tecnologia e
políticas públicas”21, o criador do Creative Commons, Lawrence Lessig destacou que a
Internet incentiva uma “diferente ecologia da criatividade”, que permite não apenas
consumo eficiente, mas uma produção amadora também eficiente. A grande polêmica é
que essa nova ecologia da criatividade ameaça a hegemonia da lógica da propriedade
incentivada pelo mundo industrial moderno.
Desde seu florescimento na década de 1990, a cibercultura é guiada por algumas
características fundamentais à sua dinâmica interna, que foram mapeadas por diversos
autores22. Para a nossa análise, acho importante destacar os seguintes pontos: a conexão
21 O evento, realizado no dia 24 de agosto de 2011, no Auditório do Ibirapuera, em São Paulo, contou com a presença de nomes importantes para o debate da questão da propriedade intelectual na Internet e as políticas de regulamentação do acesso e do uso das novas tecnologias da informação, tais como Ronaldo Lemos, professor da FGV e diretor do Creative Commons no Brasil, o ex-ministro da Cultura Gilberto Gil, o professor Sérgio Amadeu e a deputada Manuela D’Ávila.
22 Dentre os autores que já tentaram definir os princípios que regem a cibercultura, gostaria de destacar as contribuições de dois brasileiros: André Lemos, para quem “A cibercultura caracteriza-se por três ‘leis’ fundadoras: a liberação do pólo da emissão, o princípio de conexão em rede e a reconfiguração de formatos midiáticos e práticas sociais” (2005, p.2); e Ronaldo Lemos que, por sua vez, identifica os seguintes princípios da Internet: descentralidade, transparência, responsabilidade (accountability), a inovação perpétua e o acesso sem barreiras, que tem o potencial de influenciar as instituições: a
47
em rede, a descentralidade do pólo emissor, a neutralidade e universalidade da rede, a
reconfiguração cultural e a recombinação de conteúdos. A maioria dessas características
incentivam comportamentos que entram em choque direto com os princípios da
propriedade intelectual.
A propriedade intelectual é posta em xeque, por exemplo, quando se considera, do ponto de vista da realidade de nossos dias, a proteção a outros interesses, tais como a privacidade, a garantia da existência de espaços públicos (commons) na rede, a liberdade de expressão e a livre concorrência. (LEMOS, 2005, p.65)
Se observarmos com atenção esses aspectos fundamentais à cibercultura, poderemos
perceber que mesmo a conexão em rede, a descentralidade, a neutralidade e a
universalidade, que aparentemente não oferecem ameaça real ao direito da propriedade
intelectual, são princípios que incentivam diretamente os aspectos da reconfiguração
cultural e da recombinação de conteúdos.
Um indivíduo usuário de Internet, por estar conectado à rede, tem a possibilidade de
assumir pra si o papel de divulgador do conteúdo de outras pessoas assim como o que
ele mesmo produz a partir das referências que ele tem, recombinando os códigos e
reconstruindo nossa cultura. É essa liberdade que vai de encontro às formas já
estabelecidas de produção cultural, incentivadas pelas indústrias de intermediação como
a indústria fonográfica. E essa liberdade não provoca alterações apenas no nosso
relacionamento com a música, mas com todas as outras formas de conteúdos culturais,
inclusive a fotografia.
Vivemos hoje uma tendência mundial de “substituir a cultura da liberdade pela cultura
da permissão” (LESSIG, 2011), e o resultado disso tem sido a emergência de diversos
mecanismos que, sob o pretexto de regulamentar o uso da internet, têm tentado
remodelar os princípios que regem o meio, transformando as práticas das liberdades
digitais em cibercrimes.
Há uma celeuma entre o direito e as novas dinâmicas tecnológicas. E esta não reside
apenas na questão da distinção impossível entre a cópia e o original de qualquer
politica, os estados, a criação de leis (S.d).48
conteúdo digital, mas principalmente na própria dinâmica de fluxo da cibercultura, que
não permite aos meios jurídicos tradicionais nenhuma forma de regulagem além do
controle do acesso à rede.
Giselle Beiguelman fala que, no espaço da Internet, a autoria:
[está] ameaçada de extinção não pela facilidade de reprodução permitida pelo meio digital, o que reduziria a discussão a um problema jurídico equivalente ao problema do xerox, mas por estar disponível em uma Rede mundial de fluxo contínuo de dados (e idéias), fundada em uma nova tecnologia de escrita que se rebela contra sua função de inscrever.(2003, p.36)
A internet estimula a livre circulação de conteúdo, mais que isso, a Internet nos modos
que a vivenciamos hoje só existe por conta desse princípio, seu funcionamento alimenta
esse princípio e é retroalimentado por ele. Diante desse fluxo, a cultura da permissão
que a propriedade intelectual estimula se enfraquece e o conceito de autor precisa ser
recolocado.
d. A quebra da página e a questão das instabilidades do formato digital –
ou as imaturidades do hipertexto
Com o surgimento do hipertexto - e de todas as outras formas de conteúdos culturais
virtuais acessíveis no ambiente digital (hiperconteúdos) -, o contexto de leitura se
tornou constantemente mediado por interfaces conectadas em rede. Esse processo exigiu
uma recolocação das nossas produções culturais e resultou em transformações
importantes no nosso relacionamento com esses produtos.
O livro como um objeto de sentido precisou ser redirecionado para dar conta das
especificidades de espaços diferentes que passam a se relacionar quando a cultura
cibernética se expande a praticamente todos os campos da cultura ocidental. Giselle
Beiguelman, em O Livro Depois do Livro, aposta nas potencialidades de uma cultura
cíbrida, “pautada pela interpenetração de Redes on e off line, que incorpore e recicle os
49
mecanismos de leitura já instituídos, apontando para novas formas de ver e significar”
(2003, p. 13).
O que está em jogo é a necessidade de engendrar não só repertórios capazes de transcender o formato do códex e a cultura material da página, como as únicas possibilidades para a exposição de ideias, mas também suas funções simbólicas, como as de suporte de memória, e econômicas, como o valor material da autoria. (BEIGUELMAN, 2003, p.17)
A questão da cultura material da página é uma das principais imaturidades da
experiência de leitura no ambiente digital. Beiguelman destaca que o livro impresso
ainda é o paradigma do universo de leitura on line, que se organiza em páginas, pastas, e
segue critérios biblioteconômicos de organização. Essa questão, segundo a autora, está
pautada em um apaziguamento de instabilidades (2003, p.11), segundo o qual a
associação do conteúdo on line com a mesma dinâmica de leitura da cultura material da
página é um processo que mascara a transição entre redes on e off line. A aproximação
destes repertórios simbólicos não indica, no entanto, que essas metáforas estão operando
uma transição adequada entre diferentes formações culturais.
Talvez a metáfora do site (sítio), para designar a situação de não-localidade que estrutura o ciberespaço, esteja na raiz desse fenômeno de equívocos terminológicos que não são inconvenientes por serem errôneos, mas por mascararem a situação inédita de uma espacialidade independente da localização em um espaço tridimensional. (2003, p. 12)
Talvez para simularmos uma relação mais natural com o ambiente on-line, ou por falta
de maturidade no reconhecimento das especificidades da linguagem digital, ou ainda
por falta de uma noção real das transformações que essa linguagem opera, o fato é que
até hoje fazemos usos on line de termos que nos são comuns no ambiente off line,
negligenciando as especificidades de cada um desses espaços. Questionar as
especificidades dessas novas experiências de leituras é um ponto inicial na observação
das possibilidades de diálogos permitidos com os procedimentos digitais.
50
As mudanças que vieram à tona com o formato digital provocaram um alardeamento do
“perigo” de destruição imposto ao conteúdo analógico. Em seu livro (2003),
Beiguelman faz uma análise interessante do quanto essa perspectiva apocalíptica do
conteúdo digital esteve associada a um sensacionalismo publicitário incentivado pela
indústria da informática. Para estimular a consolidação de livros digitais como produtos
de consumo, muito se pregou o fim do livro impresso, classificado como artigo
obsoleto. Mas, apesar da declaração de morte, o livro tradicional ainda desfruta de
estabilidade no mercado, mesmo após o surgimento dos tablets.
Com a fotografia digital não foi diferente. Uma série de discursos definitivos quanto à
necessidade de separação entre a imagem digital e a fotografia analógica foram
delineados, alguns23 apresentados como uma espécie de rememoração das abordagens
ontológicas do “isso-foi” de Barthes24 e do índice fotográfico, de Dubois25.
Mas a fotografia e praticamente toda a cultura ocidental tem se adaptado sem muitos
sacrifícios às mudanças de linguagem impostas pelo hipertexto. “É difícil falar de
fotografia, hoje”, diz Beiguelman, “assim como de vídeo. Prefiro falar de imagens e de
aparelhos que permitem a criação de imagens” (2010).
Essa opinião encontra eco em dois aspectos fundamentais ao formato digital: o primeiro
deles é, como vimos anteriormente, o argumento de que “toda a mídia digital
compartilha o mesmo código” (MANOVICH, 2001, p.66). As imagens fixas, como as
fotografias, as imagens em movimento, os áudios, os textos, as imagens 3D, todos esses
conteúdos têm em comum o fato de serem compostos por código binário, informações
interpretadas e processadas pelo computador. Um outro aspecto que dificulta essa
classificação taxonômica dos conteúdos digitais é o seu hibridismo: o fato de vermos
cada vez mais vídeos compostos por fotografias, cada vez mais ensaios fotográficos em
formato de vídeo, cada vez mais imagens associadas a uma trilha sonora, etc.
Sobre esse processo de hibridização, Santaella afirma:
23 Como o pensamento inicial de André Rouillé, mais detalhado no capítulo introdutório dessa dissertação.
24 Barthes, Roland. A Câmara Clara. Edições 70, 2006.
25 Dubois, Phillippe. O Ato Fotográfico e Outros Ensaios. São Paulo: Papirus, 1993.51
[...] o computador se transformou em um laboratório experimental no qual diferentes mídias podem se encontrar e suas técnicas e estéticas podem se combinar na geração de novas espécies sígnicas. Quando uma mídia é simulada no computador, propriedades e métodos de trabalho lhe são adicionados até o ponto de transformar a identidade dessa mídia. Isso acontece porque os softwares, como as espécies em uma ecologia comum -- neste caso, o ambiente computacional compartilhado -- uma vez liberados, começam a interagir, mutar e gerar híbridos.” (2007, p.5)
O que Santaella afirma é que, no momento em que são traduzidas para o código
numérico, as mídias perdem suas propriedades específicas e se transformam em cálculo,
algoritmos, se misturando, se hibridizando. Imagens, sons, textos, no computador, são
compostos pelos mesmos códigos e se interrelacionam, na construção de uma cultura
híbrida. A respeito disso, Giselle Beiguelman propõe a discussão “dos pressupostos de
uma cultura cíbrida, fruto das conexões entre Redes on e off line, dos processos de
hibridação dos meios e, nesse âmbito, dos direcionamentos para os quais aponta a
ciberliteratura e seus horizontes imaginários” (2001, p.32). Para nossa discussão
podemos pensar em uma ciberfotografia, ou melhor, a fotografia hipertextual e seus
novos horizontes.
O espaço digital tem possibilitado o surgimento de novas estratégias de produção de
imagens prontas para suplantar muitas das limitações impostas à imagem analógica.
Apesar disso, assim como no livro on line, o relacionamento social estabelecido com a
fotografia digital ainda mantém, de forma generalizada, o modelo analógico como o
modelo central de trato com a fotografia.
e. Da natureza das imagens digitais:
52
As imagens de síntese são em primeiro lugar linguagem
(Quéau, 1999, p. 91).
À medida que se numerizam, as imagens analógicas vão abrindo espaço para um novo
tipo de imagem, imagens de síntese, que nos remetem a "uma nova relação entre
imagem e linguagem", anexando ao legível a existência do visível. Para Couchot, a
imagem de síntese é constituída por pontos descontínuos, "cada ponto é definido por
duas coordenadas. (...) abcissas e ordenadas correspondem às linhas horizontais e
verticais que constituem a trama invisível da imagem" (1982).
Essa imagem radicaliza os princípios sob os quais a sociedade moderna vive.
Reduzindo, ou seria melhor dizer, recodificando toda a nossa cultura em dados
numéricos, a imagem de síntese não nos remete mais ao real, mas a uma modelização.
Como afirma Couchot, ela
torna-se o lugar, e define o instante em que [objeto e sujeito] se conectam, se absorvem e se hibridam um no outro – onde eles comutam. As fronteiras do mundo real entre objeto, sujeito e imagem se dissolvem no mundo virtual. A imagem só existe na medida em que o sujeito entra nela. (2003, p.188).
Essas imagens não possuem referente no real, como as imagens analógicas, mas são
uma simulação numérica, ou seja, uma interpretação da realidade em dados eletrônicos
matemáticos. Seu formato, não-linear, potencialmente interativo, pode produzir novas
abordagens do discurso imagético, dando conta de algumas das ambiguidades e
limitações que a imagem analógica não conseguia.
Suas cores – um elemento básico da percepção visual – são produzidas por sistemas numéricos, operações lógicas e displays eletrônicos. Por isso, permitem operações de imersão e navegabilidade que expandem a visão, incorporando outros sentidos e gestos ao processo de interação com imagens. (BEIGUELMAN, 2010)
53
No livro After Photography (2009), Fred Ritchin aborda a produção de imagens pós-
revolução digital e como o formato numérico tem transformado nossos modos de ver e
pensar, em suma, nossa percepção de mundo. O formato digital modifica as imagens e
nós modificamos nosso relacionamento com o visual.
Curiosamente, Ritchin observa que usamos termos do nosso cotidiano e da natureza (ou
mesmo um ponto de vista moldado por ela) – ele exemplifica: apple, mouse, web,
blackberry, windows, lap top, desk top, Word, personal assistant, firefox - para
descrever o ambiente on line, que não tem cheiro, gosto, e em que o tato é reduzido ao
clique e à digitação e a visão é continuamente emoldurada por outro retângulo (2009,
p.15). Mais um aspecto do apaziguamento de instabilidades que Beiguelman destaca em
seu livro.
E mesmo diante de uma plataforma sem sabor, sem cheiro, e com o tato e a visão,
limitados aos elementos da máquina (mouse, teclado e tela), somos capazes de vivenciar
as mais diversas experiências – sociais, políticas, estéticas, etc..
O computador tem a capacidade de emitir sobre as interfaces de saída informações visuais – geralmente sobre a tela – ou sonoras [...]. O espectador, por sua vez, age sobre o computador através de diferentes interfaces de entrada por meio de seus dedos, da mão, dos movimentos do corpo, dos comandos sonoros ou mais raramente vocais, etc., que abrem o sistema sobre seu meio ambiente. A manipulação de uma interface de entrada não é somente por meio de comunicação entre o espectador e o computador, ela produz igualmente efeitos sobre o aparelho sensorial do espectador. (COUCHOT, 2003, p.221)
As imagens são apenas um dentre tantos mediadores responsáveis pela reformulação da
nossa sensibilidade em contato com as novas mídias. Estimulados cada vez mais a viver
boa parte do nosso tempo diante do computador, somos obrigados a aprender a filtrar o
fluxo de informação digital em busca do que deve ser visto, arquivado, reutilizado, etc.
Nossa forma de lidar com essas novas mídias foi nomeada pela pesquisadora Linda
Stone como um estado de “atenção continuamente parcial” (continuous partial
attention) (apud RITCHIN, 2009, p. 18), que descreve a forma de assimilação de
conteúdo mais comum para os usuários da web: a multitarefa ou multitasking.
Inundados por uma quantidade de imagens muito maior e pelo surgimento instantâneo
54
de novos conteúdos na Internet, nosso aparelho perceptivo passa por uma adaptação
para ser capaz de, ou pelo menos tentar, dar conta da maior quantidade de informação.
Esse tipo de conflito faz com que, diante do computador, dividamos nossa atenção
continuamente entre múltiplas tarefas, no fim das contas, não dedicando uma atenção
total a cada uma delas.
A fotografia digital oferece ao nosso aparelho perceptivo uma profusão de imagens,
numa produção superabundante e muitas vezes com função exclusiva de
entretenimento, que corre o risco de sobrecarregar nossos sentidos. Ter consciência
desse processo ajuda a estimularmos produção e consumo mais responsáveis de
imagens.
Mais do que isso, observar as particularidades da lógica digital pode facilitar a
exploração das diversas potencialidades oferecidas por essa nova linguagem, tais como:
a amplificação do alcance da comunicação; a possibilidade de acabar com as
ambiguidades dos conteúdos, contextualizando-os com outras informações; o incentivo
à seleção de conteúdos a ser operada pelo usuário de internet; o estímulo à
interatividade e às respostas; enfim, a dinamização do processo comunicativo.
Pensar novas estratégias de apresentação de imagens explorando as novas mídias é
apontar para o desenvolvimento de formas de interação com os conteúdos culturais, que
contemplem o interesse de uma sociedade cada vez mais envolvida na simulação26 e se
adeque a sua lógica numérica. Afinal, a questão que se impõe é a mesma feita por
Ritchin: por que fazer a mesma coisa que se pode fazer no papel quando o digital
oferece tantas possibilidades? (2009, p. 101)
Repensar a forma da fotografia é um caminho para transformar nossos modos de visão,
ampliando as possibilidades comunicativas do frame fotográfico e conciliando toda uma
sorte de informações e referências possíveis. Nesse contexto, Ritchin defende que
um novo tipo de fotografia surge, nem janela, nem espelho, mas mosaico. Ela nos leva a múltiplas vias – o hipertexto. Nele, a fotografia
26 Entende-se aqui o conceito de simulação conforme foi abordado por Couchot: a simulação (numérica) não busca nem imitar nem fingir o real, com a vontade secreta de nos extraviar. Ela busca, em contrapartida, substituí-lo por um modelo lógico-matemático que não seja uma imagem enganadora como o simulacro, mas uma interpretação formalizada da realidade ditada pelas leis da racionalidade científica. (2003, p.176)
55
não é apenas um objeto tangível, um retângulo relembrando uma pintura, mas sim uma imagem efêmera feita de ladrilhos. (RITCHIN, 2009 p.70)
A analogia do mosaico é um desenvolvimento de Ritchin a partir da exposição “Mirrors
and Windows”, curada em 1978 por John Szarkowski que, na ocasião, explicou que os
fotógrafos ali apresentados estavam divididos em duas categorias: “mirror” (espelho),
com os trabalhos daqueles que pensam a fotografia como um meio de expressão de si
mesmo, e “window”, com os trabalhos dos que pensam a fotografia como um meio de
exploração.
Mcluhan já havia proposto essa comparação com o mosaico ao estudar a imagem da
televisão, no livro Os Meios de Comunicação como extensões do Homem (1974). Para
ele, esse tipo de imagem exigia do olho um trabalho de recomposição sintética e uma
focalização diferenciada daquela imposta pela leitura, por exemplo. Em comparação
com a comunicação escrita, a imagem televisa era descontínua, assimétrica, não-linear
(MCLUHAN, 1974, p.375). O caráter de mosaico que McLuhan via na TV estava
relacionado à confusão de informações que a televisão jogava diante do telespectador,
sem que, em contrapartida, fosse oferecida a esse espectador alguma forma de
segurança diante da perda da linearidade da escrita.
Ritchin, por sua vez, analisa a imagem digital sob essa perspectiva do mosaico que
admite a fotografia como uma “meta-imagem” (2009, p. 141), uma malha de pontos
potencialmente interativos, que a conectam com o todo dinâmico de informação na rede.
A fotografia hipertextual entende o ambiente digital como um espaço a ser descoberto.
O autor observa que a fotografia no ambiente digital é wired, ou seja, sem fio,
instantânea, maleável, automática, faz parte de uma imensa multimídia, capaz de
influenciar e mudar toda a produção cultural do séc. XXI.
On line, uma série de operações nos permite desafiar a estrutura tradicional da
fotografia. Outros gestos são possíveis com o mouse e o jogo tátil estabelecido entre ele
e o computador.
Estar em contato com uma imagem pode não ser mais, como era há menos de meio
século, ter essa imagem nas mãos, sentir com os dedos uma espécie de materialização
56
do que o olho vê. No ambiente digital, a imagem é uma tela composta de milhões de
pixels, prontos para se comportar como portas a nos levar a diversos outros caminhos.
Não é a superfície que é relevante para a imagem digital e sim a interface mediada pela
superfície. A interface é justamente o que vai traduzir os processos algoritmos da
linguagem computacional em algo compreensível à linguagem humana e que, por sua
vez, vai recodificar os gestos humanos em ações compreensíveis ao computador,
permitindo a ocorrência de um contato sensível entre homem e máquina.
Essas trocas entre o corpo e o computador são fundamentadas em um modo dialógico
de comunicação, o que produz uma relação com a imagem completamente diferente. A
imagem numérica permite uma interatividade quase imediata entre autor e espectador. O
resultado é uma participação fortemente ativa deste último mesmo na produção de uma
obra.
Até os conceitos de autor e espectador se alteram nesse modo de diálogo estabelecido
entre homem e máquina. Couchot, ao falar sobre a arte de modo geral, lembra que “a
obra é um objeto em que cada um pode encontrar a forma originária concebida pelo
autor, mas na qual cada um ocasiona uma abertura através da releitura pessoal que faz
dela, sua sensibilidade, sua cultura” (2003, p. 138). Essa releitura pessoal atinge um
estado muito específico com a informação numérica.
Ao poder do autor de responsabilidade sobre a obra, é equiparado o poder do espectador
que, percorrendo a obra segundo seus próprios caminhos, torna-se co-autor de seu
sentido. “Cada obra é, de uma certa maneira, única sem ser original, uma vez que cada
confrontação com a obra, cada leitura-visão dialógica é singular e reiterável”
(COUCHOT, 2003, p.298).
Isso dá ainda mais razão a nossa afirmação de enriquecimento do sentido da imagem já
que, como bem destaca Couchot, ao contrário do que acontece na mídia de massa, as
informações numéricas têm a plataforma do computador como um espaço de
remodulação de seu sentido, ou seja, o sentido da mensagem não se define previamente,
pela fonte emissora, mas se constrói na interação que a interface promove entre autor,
observador e computador, interconectados de forma dialógica.
57
Não há mais comunicação, no sentido estrito, entre um enunciador e seu destinatário, mas comutação mais ou menos instantânea entre um receptor tornado emissor, um emissor tornado (eventualmente) receptor e um ‘propósito’ flutuante, que por sua vez emite e recebe, se aumenta ou se reduz. (2003, p. 187)
A imagem numérica se afirma na medida em que o espectador pode intervir nela. Por
isso, não se trata mais de uma unidade estática e não possui os mesmos efeitos de
sentido que as imagens tradicionais. Faz-se imprescindível, portanto, a articulação dessa
possibilidade polissêmica que a interface e seu modelo interativo engendram nos
hiperconteúdos, e entre eles a hiperfotografia. “Em suma, polissemia ao invés de
monotonia” (2001, p.31), como aponta Beiguelman a respeito da leitura na era digital.
A multiplicidade de sentidos dos conteúdos culturais é inerente ao contexto interativo
da informação em rede.
As novas condições de acesso à informação (ao mesmo tempo no sentido cibernético e jornalístico) oferecidas pela interatividade numérica (imersão na imagem, navegação, etc.) privilegiam um visual enriquecido e como que “recorporalizado”, fortemente sinestésico, em detrimento de um visual sequencial, linear e essencialmente retiniano. (COUCHOT, 2003, p.181)
Essa possibilidade de enriquecimento da imagem a partir do numérico é um dos
principais aspectos a serem repensados na codificação de formatos de visualização
novos para a fotografia. “Cada pixel pode ser reconfigurado para servir às portas da
percepção, guiando a novas aventuras de exploração” (RITCHIN, 2009, p. 70). A
própria imagem digital pode ser um caminho, um link com outro conteúdo.
Para Ritchin, devemos explorar um novo template para a fotografia no ambiente digital,
que permita guardar informações em todas as quatro arestas da obra, informações que
passam a ser acessadas com o cursor do mouse, como o autor exemplifica no trecho
abaixo:
O canto inferior direito [de uma fotografia] pode conter questões de autoria e copyright; o canto inferior esquerdo poderia conter a
58
legenda e esclarecedores comentários do fotógrafo; o canto superior esquerdo poderia conter informações sobre como o tema respondeu à imagem; e no canto superior direito poderia ter informações a respeito de como o leitor pode se envolver, ajudar, aprender mais, fornecendo endereços de web e outras orientações. (2009, p.72)
Há que se pensar no quanto esse formato pode tornar a foto dependente do texto, como
se não fosse possível à imagem encontrar soluções próprias para suas ambigüidades.
Mas é importante perceber que a capacidade de guardar esse conteúdo mencionado por
Ritchin é um incentivo ao diálogo da imagem com qualquer forma de conteúdo,
inclusive a própria imagem.
Em acordo com a difusão do hipertexto, Ritchin defende a prática de uma
hiperfotografia – uma fotografia dinâmica, linkada, que poderia abrir e ampliar a
imagem, permitindo a ela um papel mais vibrante e dialético numa plataforma
multimídia.
f. As novas potencialidades da fotografia: a hiperfotografia
A fotografia digital, na forma como vem sendo abordada geralmente (como uma
simples “impressão” nos desktops dos computadores) não faz uso do potencial
transformador da fotografia como um mosaico interativo. Geralmente, as escolhas
permitidas ao observador ao interagir com imagens em plataformas digitais têm tido
mais a ver com a sequência de visualização das imagens do que com qualquer
exploração de outras abordagens narrativas, de outras informações até mesmo visuais.
As flexibilidades emergentes da encarnação digital da fotografia, incluindo a capacidade de vincular todos os tipos de dados, para rapidamente representar o conceito, bem como a percepção, permitem explorações mais intensas e produtivas das questões menos visíveis. (RITCHIN, 2009, p.179)
59
Como mensagem hipertextual, a fotografia pode nos revelar diversos universos
paralelos dentro de uma mesma informação, possibilitando a construção de diálogos
entre incontáveis perspectivas e reflexões.
Ao espectador é oferecido mais do que simplesmente a assimilação de uma mensagem
visual, a hiperfotografia incentiva a participação dele, exigindo e produzindo uma nova
forma de ver: ver-clicando, ver-aprofundando, ver os caminhos diferentes possibilitados
pela mesma imagem.
“Ao contrário da fotografia analógica, em que o espectador é persuadido a nunca tocar
o seu centro pra não deixar marcas, o leitor é convidado a entrar no interior da imagem
digital” (RITCHIN, 2009, p. 74). Diante da foto digital, o leitor pode desenvolver uma
série de operações que o transformam em ator do processo, alguém que pode escolher
entre pular uma imagem, parar numa imagem, observar atentamente, ver
superficialmente, ampliar, reduzir, minimizá-la, maximizá-la, salvá-la.
A visualização passa, portanto, a ser uma ação ativa, dependente quase exclusivamente
da decisão do espectador. Se num espaço de exibição tradicional, como uma galeria ou
um museu, o espectador precisava se adequar às regras do comportamento social para
usufruir de uma obra; na Internet, é ele quem dita grande parte das regras com a qual
convive.
Aonde a imagem do tanque de guerra vai me levar – para fotografias da batalha, ou para o vídeo de uma entrevista com os soldados, ou para os perfis dos políticos em suas conferências de paz [...]? E o garotinho – vou aprender sobre sua família, sobre ele, ou sobre a quantidade de civis vítimas desse conflito específico?[...] Ele vai falar comigo? Eu deveria, se sou uma testemunha, afirmar minha própria opinião, repudiando o estranhamento das imagens ou afirmando seu apego aos fatos, e ver minha resposta e minhas questões se tornarem parte do contexto mais amplo? Deveria eu, em certo sentido, tomar o controle da imagem? (idem, p. 74)
A quantidade massiva de informação exige do leitor uma postura mais ativa em busca
do conteúdo que lhe interessa. Na web, a imagem pode ser apenas um ponto de partida.
Seus milhares de ladrilhos, os pixels, nos possibilitam criar acesso fácil a outros
destinos, através de menus, mapas de imagem, etc. Diante da imagem digital, uma série
60
de novos comportamentos nos são permitidos. Podemos simplesmente ver a imagem,
apreciá-la, podemos salvá-la, numa tentativa de resguardá-la, podemos imprimi-la, para
vê-la se corporificar, podemos ampliá-la, para melhor observar, podemos reduzir, para
ter uma visão mais geral, podemos reeditá-la do jeito que bem entendermos, podemos
enviá-la por email e incentivar sua divulgação.
Tudo isso a uma distância mínima entre o nosso corpo e a tela do computador. Guiados
pelo mouse, tateando o teclado, fazemos da visão um sentido mais amplificado, ou
amplamente conjugado à necessidade do toque. É dessa forma que as imagens digitais
abrem espaço para uma espécie de expansão da nossa visão, e até nos exigem isso ao
estimular novas formas de navegar sobre elas.
Trata-se de usar e abusar daquilo que confere especificidade à imagem digital: sua possibilidade de ser mapeável, de incorporar comportamentos e ações, transformando-se em imagem-interface, recuperando procedimentos e atualizando a linguagem e os códigos visuais no contexto híbrido da Internet. (BEIGUELMAN, 2003, p. 25)
Atento a isto, o artista americano Jonathan Harris tem se tornado um dos principais
nomes nas Artes Visuais27 justamente por desenvolver projetos que reimaginam,
redirecionam e potencializam a relação que os homens estabelecem com a tecnologia e,
entre si, em sociedade. Estes projetos traçam um panorama sobre como as pessoas têm
se relacionado com a cultura através da web, como elas usam novos mecanismos para
contar suas próprias histórias, além de mostrar uma nova gama de potencialidades que
esses novos mecanismos incorporam à nossa produção cultural. Adequados ao processo
de hibridização das mídias, esses projetos geralmente interrelacionam texto, imagem e
sons de modo a unir as três linguagens de forma indissociável. Neste capítulo,
analisaremos um dos projetos de Harris: The Whale Hunt28.
Em 2007, Harry e o amigo fotógrafo Andrew Moore viajaram até o Alaska para
documentar o período de caça a baleias na vila de Barrow. Eles passaram nove dias,
27 Em 2005, Jonathan Harris venceu a bolsa de estudos Fabrica e ganhou três Webby Awards . O trabalho dele também recebeu o reconhecimento de publicações especializadas como a Print Magazine (que o colocou na lista New Visual Artist de 2008) e também do The World Economic Forum (que o colocou na lista de Young Global Leader em 2009).
28 Disponível em: http://thewhalehunt.org/whalehunt.html 61
entre os preparativos e o acampamento dos caçadores. Segundo o próprio artista, o
projeto intitulado The Whale Hunt (A Caça às Baleias) é um experimento sobre
narrativas criadas por homens.
Eu documentei toda a experiência em uma sequência intensa de 3.214 fotografias, começando com a corrida de táxi para o aeroporto de Newark, e terminando com o abate da segunda baleia, sete dias depois. As fotografias foram tiradas em intervalos de cinco minutos, mesmo durante o sono (usando um cronômetro), o que cria uma "pulsação fotográfica" constante. Em momentos de alta adrenalina, este batimento cardíaco fotográfico acelarava (a uma taxa máxima de 37 fotos em cinco minutos, enquanto a primeira baleia estava sendo cortada), imitando o ritmo de mudança do meu próprio coração. (traduzido de HARRIS, [S.d.])29
O autor explica que o objetivo do trabalho estava dividido em três questões: a primeira
diz respeito à experimentação de uma nova interface de narrativa. A história da caça das
baleias é contada passo a passo em uma sequência de imagens que tenta simular um
ritmo de uma frequência cardíaca, cujo gráfico está disponibilizado na parte inferior das
imagens. É o modelo dessa frequência que dita o ritmo de reprodução de cada imagem,
sugerindo o nível de envolvimento do fotógrafo nas cenas e envolvendo o observador.
Essa timeline pode ter seu desenvolvimento regulado de acordo com o interesse do
espectador, que pode ver cada imagem de forma pausada, ou ainda isolar cada parte da
narrativa maior, escolher ordenar suas imagens pelo tempo, etc.
Um dos aspectos mais enfatizados por Harris é justamente a possibilidade de
transformação dessa narrativa, que depende especialmente do usuário para se
desenvolver. “Cada espectador vai vivenciar a história da caça às baleias de maneira
diferente, e não necessariamente de forma linear, construindo a sua própria
compreensão da experiência” (traduzido de HARRIS, [S.d.]30), afirma.
29 “I documented the entire experience with a plodding sequence of 3,214 photographs, beginning with the taxi ride to Newark airport, and ending with the butchering of the second whale, seven days later. The photographs were taken at five-minute intervals, even while sleeping (using a chronometer), establishing a constant “photographic heartbeat”. In moments of high adrenaline, this photographic heartbeat would quicken (to a maximum rate of 37 pictures in five minutes while the first whale was being cut up), mimicking the changing pace of my own heartbeat.”
30 “Each viewer will experience the whale hunt narrative differently and not necessarily in a linear fashion, constructing his or her own understanding of the experience.” (HARRIS, [S.d.])
62
A segunda questão que norteia o trabalho diz respeito a estimular um emparelhamento
entre o humano e a máquina, ao estipular que as imagens fossem produzidas
incessantemente sem serem submetidas de forma completa à escolha do fotógrafo.
Vivendo um processo de coleta incessante e automatizada de dados semelhante ao da
computação, Harris tenta se tornar sensível à perspectiva da máquina, caminho numa
espécie de contramão de iniciativas anteriores, como a inteligência artificial que busca
codificar uma espécie de raciocício humano em computadores.
Por fim, o terceiro objetivo levantado por ele no projeto era bastante prático: traduzir
essa experiência pessoal vivida no mundo físico para a Internet, de forma a contemplar
as linguagens e potencialidades da comunicação em rede. Mas, apesar de ser uma
questão prática, a reprodução otimizada para o contexto digital tem sido um dos
aspectos mais negligenciados na produção de conteúdos fotográficos para a Internet.
Se por um lado as potencialidades da difusão de conteúdos têm sido percebidas e
abordadas por muitos produtores de imagem, como artistas e veículos de comunicação;
por outro lado, as ilimitadas qualidades do computador como plataforma de reprodução
ainda continuam pouco exploradas. Algumas iniciativas mais pontuais, como o projeto
acima citado, já se destacam nesse contexto, enquanto a grande parte da produção ainda
repercute a imagem digital seguindo as mesmas expectativas de uma imagem analógica.
É fácil reconhecer que muitos dos produtores de imagens não percebem as
potencialidades que a web oferece no momento de reprodução do conteúdo. Essa
situação segue a mesma linha de raciocínio proposta por Beiguelman no conceito de
apaziguamento de instabilidades citado anteriormente.
Grande parte das imagens divulgadas on line retomam o formato dos álbuns de
fotografias analógicas, oferecendo ao observador unicamente a opção de ver a imagem,
sem que ela incentive a construção de uma narrativa visual mais complexa, com a
vinculação de outros conteúdos e informações. A imagem é simplesmente o que
podemos acessar visualmente entre suas arestas.
Enciclopédicas em termos de possibilidades, efêmeras na tela, oferecendo um enorme número de percpectivas e combinações entre mídias, atualizadas continuamente e constantemente presentes em parte das próprias imagens do observador, essas novas estratégias das
63
imagens digitais não exatamente oferecem um objeto concreto da mesma forma que a fotografia convencional faz”. (RITCHIN, 2009 p.57)
Perceber que é importante considerar o interesse do espectador em percorrer outros
caminhos e montar estratégias para que essas imagens não se esgotem nas suas próprias
arestas é valorizar as possibilidades que o formato digital nos oferece. “Essa fotografia
tem a possibilidade de representar um ponto de vista mais sintético e impressionista,
capaz de mesclar-se com outras imagens ou de criar cópias variadas que podem crescer
como obras derivadas” (RITCHIN, 2009, p.57).
Essas ínumeras possibilidades do formato numérico foram bem exploradas por Harris
em The Whale Hunt. Para entender melhor esse processo de adequação, é interessante
ter acesso às questões colocadas pelo artista para que essa narrativa pudesse ser ajustada
à linguagem digital.
[...] como apresentar um grande conjunto de fotografias (3214) on line, mantendo o tempo de download relativamente breve; como expressar tanto a topografia de toda a narrativa quanto as maneiras pelas quais qualquer momento único se encaixa na narrativa; como extrair e revelar as muitas sub-histórias que ocorriam dentro do contexto da história maior; como transmitir as inúmeras sensações experimentados na caça (tédio, fadiga, curiosidade, excitação, exaustão, beleza sublime) e de forma mais geral como resgatar uma experiência do mundo real tão épica na Internet. (traduzido de HARRIS, [S.d.])31
A solução criada por Harris foi o desenvolvimento de uma interface especial que
corresponda exatamente a essas expectativas e que ofereça ao usuário um mergulho
diferente nesse universo de imagens. No site do projeto, ele explica os fundamentos de
cada ferramenta dessa interface, oferecendo ao usuário condições de transformá-la de
acordo com seus objetivos e vontades pessoais. Bem como afirma Couchot: “é pouca
31 “[…]how to present a large set of photographs (3,214) online while keeping download times relatively brief; how to express both the topography of the entire narrative and the ways in which any single moment fits into that narrative; how to extract and reveal the many substories occuring within the context of the larger story; how to convey the many feelings experienced on the hunt (boredom, fatigue, curiosity, excitement, exhaustion, sublime beauty); and more generally how to restage an epic real world experience on the Internet. The resulting Whale Hunt interface is described in more detail below” (HARRIS, [S.d.])
64
coisa clicar sobre um ícone ou sobre um link, mas quando o programa é bem concebido,
os resultados podem ser muito ricos e muito pessoais” (2003, p.279).
Dentro da série de possíveis alterações que cada usuário pode fazer ao navegar pelo site
do projeto de Harris, acho fundamental destacar duas questões que alteram bastante a
nossa experiência com essa fotografia: a disposição em diferentes modos de
visualização e a possibilidade de divisão das imagens em diferentes agrupamentos.
Quanto à visualização, Harris divide o seu álbum de fotografias em três modos: um
oferece uma visualização no formato de mosaico, com a organização das 3.214 imagens
em ordem cronológica em uma grade colorida capaz de revelar padrões de cor em cada
momento, cada situação e atestar uma atmosfera diferente entre os ambientes que
contextualizam a viagem.
Figura 1: Primeira forma de visualização do The Whale Hunt no formato de mosaico.
As outras duas formas de visualização – uma timeline no formato de uma frequência
cardíaca e uma timeline em formato esférico – possuem o mesmo objetivo de mostrar o
ritmo em que as fotos eram feitas ao longo da viagem, dando uma ideia da experiência
65
vivida pelo fotógrafo. Em ambos os casos, o usuário pode usar o cursor para selecionar
um pedaço específico da timeline e ver cada imagem de forma isolada.
A questão dos agrupamentos (constraints) pode ser ainda mais ilustrativa do que
estamos defendendo nesse texto. Essa seção oferece ao observador a possibilidade de
restringir a narrativa de acordo com os assuntos, os personagens, os lugares ou até o
ritmo de fotos que o interesse. Esses agrupamentos podem ser usados para isolar várias
pequenas histórias que acontecem dentro da história maior. Cada imagem é classificada
em uma série de tags que as agrupam nesses classificadores (concepts, cast, context,
cadence), que podem ser explorados pelo usuário na criação de uma subnarrativa única.
Por exemplo, podemos selecionar as imagens que contem o próprio Jonathan Harris,
escolher como assunto comida e definir a casa da família Patkotak que o recebeu no
Alasca como o local e, após essas seleções, veremos a única foto em que Harris come
alguma coisa na casa da família. Ou ainda, se selecionarmos como assunto o livro Moby
Dick e o local como o Alaska, teremos uma série de 38 imagens em que Harris lê o livro
como inspiração durante sua viagem.
Figura 2: Visualização em timeline em formato esférico.
66
Essa questão dos agrupamentos no projeto The Whale Hunt é um bom exemplo de
como o formato digital e a Internet podem ser duas ferramentas importantes na
construção de uma narrativa interessante para qualquer conteúdo, especialmente a
fotografia.
Figura 3 - Agrupamentos baseados na seleção de classificadores, projeto The Whale Hunt.
É certo que novas formas de interação com a fotografia já são exploradas em algumas
páginas de visualização de imagens na Internet, como por exemplo, o Flickr. Um dos
sites de gerenciamento de fotos mais famosos do mundo, o Flickr possibilita ao usuário
a manutenção de álbuns digitais com algumas funcionalidades específicas como:
vinculação de cada imagem ou álbum a grupos temáticos variados, divulgação das
imagens em redes sociais, permissão de comentários de usuários em qualquer imagem,
sistema de tags para localização de imagens sobre um mesmo tema, possibilidade de
criação de notas ou marcação de pessoas em cada uma das imagens, monitoramento de
estatísticas de visualização da sua página, etc.
No entanto, quando falamos sobre construção narrativa, o Flickr, como a grande maioria
dos álbuns digitais, oferece uma navegação que lembra bastante a linearidade, tradição e
a sequência cronológica dos álbuns analógicos, não sendo oferecidas ao usuário
67
possibilidades de construção narrativa mais aprimoradas. Como quase todo o conteúdo
na Internet, a maioria das galerias virtuais, como o Flickr, permitem que o usuário
explore o seu acervo de imagens de forma desordenada, mas sugerem uma navegação
simples e parecida com a interação com imagens analógicas.
Figura 4 - PrintScreen de modo de visualização da plataforma Ffffl*ckr
Bem menos sofisticada que The Whale Hunt, uma outra plataforma de visualização de
imagens que explora algumas das potencialidades da linguagem numérica é o site
ffffl*ckr32. Vinculado ao Flickr, este site trabalha a partir do mapeamento de
informações da conta do usuário, traçando, segundo as características mais recorrentes
de sua navegação, aspectos sobre as imagens que ele costuma visualizar, comentar, e
principalmente marcar como favoritas. A partir daí, o site agrupa algumas imagens e as
sugere ao usuário, na expectativa de que elas correspondam à sua preferência. Cada vez
que o observador clica em uma foto, novas imagens vão aparecendo na tela. É
interessante perceber que essa sugestão conecta o usuário a uma quantidade quase
inesgotável de fotografias que vão aparecendo na tela ao sabor de um clique.
Como destaca Beiguelman, “o que está em pauta aqui é a capacidade de reinvenção da
cronologia pela linkagem das imagens sucessivas.” (2001, p.24). Não somente isso, já
que propomos uma reinvenção narrativa na forma de oferecermos as imagens para a
interação do espectador.
32 http://fffflckr.com/ 68
Outro projeto de Jonathan Harris que caminha nesta mesma direção é o site We Feel
Fine, que faz uma espécie de scanner virtual das postagens publicadas nos blogs do
mundo inteiro em busca da ocorrência de frases como "i feel" ou "i am feeling" e tenta
organizar um acervo público dessas produções, divulgando textos e imagens que
possam contar um pouco das histórias e sentimentos dessas pessoas.
Figura 5 - Print da página do projeto We Feel Fine, de Jonathan Harris
Os conteúdos são exibidos numa malha de milhares de pontos coloridos em constante
movimento, como um universo cheio de vagalumes. O usuário pode explorar o site de
forma autônoma, escolhendo aleatoriamente entre as opções de conteúdo, ou ainda
restringir as opções, para achar postagens específicas.
É importante deixar claro que todas essas possibilidades de navegação introduzidas pela
linguagem hipertextual são só um dos aspectos e formas de abordagem. Mesmo na
Internet, uma imagem pode não apontar para nada além do que se faz presente
visualmente no seu frame. Ou ainda, por mais que aponte, estará sempre submetida a
outras possibilidades, sem esgotar de todo as potencialidades do formato.
69
Não podemos cair na ingenuidade de apresentar o espaço digital como um ambiente já
consolidado e dotado apenas de aspectos favoráveis. Estão apontadas aqui, questões
apenas iniciais, principalmente diante da necessidade cada vez mais presente de
pensarmos a ecologia das imagens digitais (BENTES e FELINTO, 2010) e refletirmos
“sobre a cadeia de produção e o consumo em relação às estéticas que elas engendram e
aos seus contextos de recepção” (BEIGUELMAN, 2010).
É importante notar que a informação, como destacou Ritchin, não é um direito
assegurado ao consumidor, que chegará a ele de forma completa, igualitária,
indiscriminada. Ao contrário, a informação é, sim, algo a ser conquistado de acordo
com nossos interesses, nossas ferramentas de busca, até mesmo no mundo digital.
O mesmo dilema é enfrentado também pela fotografia, cuja reprodutibilidade é levada
às últimas conseqüências no espaço digital, composto em toda a sua totalidade de
arquivos que são eles mesmos cópias que não remetem a nenhum original, mas se
mantém em constante circulação.
Para o conteúdo digital, baseado na combinação de um código numérico complexo, o
original e a cópia são os mesmos. “No mundo analógico, a fotografia da fotografia tem
sempre uma geração a mais de opacidade, não é a mesma; a cópia digital da fotografia
digital é indistinguível ao ponto de o ‘original’ perder o sentido” (RITCHIN, 2009,
p.21).
Domar o conteúdo disposto em rede, impondo-o um limite é tentar ir contra o fluxo
natural e contínuo de dados e ideias característico da Internet. Beiguelman tece um
comentário sobre a escrita digital que pode ser estendido a praticamente todo o
conteúdo em rede on line que, segundo ela aponta, vive o paradoxo de “ao mesmo
tempo em que se confunde com um espaço construído de memória, desenha uma
arquitetura do esquecimento” (BEIGUELMAN, 2003, p.36).
Esse novo espaço que pode nos levar ao esquecimento, por sua fluidez, por se firmar
numa reprodutibilidade efêmera, e principalmente por conviver com um constante
movimento de informações e consequente perda de dados, também pode nos ajudar a
reforçar a rememoração, à medida que nos leva a estabelecer um relacionamento mais
sofisticado com os conteúdos.
70
Não é mais a obra que vai ser nossa ferramenta de contar nossas próprias histórias e
resolver nossos problemas de memória, mas o momento em que nós a vemos, o
momento em que nós temos contato com ela e em que ela nos leva a outros lugares.
Douglas Davis, ao estudar a arte e sua reprodutibilidade digital afirma que: “Aqui é o
lugar em que a aura reside – não na coisa mesma mas na originalidade do momento em
que a vemos, a ouvimos, a lemos, repetimos, revisamos” (1995, p.386).
A fotografia, suas formas de memorização, suas funções econômicas como produto
material, tentam agora se adaptar de forma consistente ao ambiente digital e com a série
de relacionamentos entre autor e público que esse ambiente permite. Cabe também aos
consumidores e produtores de imagens buscarem essa adaptação, compreendendo os
parâmetros que regem essa nova linguagem.
Não é a tecnologia, no entanto, que vai produzir sozinha o desenvolvimento desse
diálogo. Ninguém consegue sempre o que quer, mesmo de um computador, defende
Ritchin.
A observação da existência de um novo contexto e a análise de suas características nos
obrigam a estabelecer novas ligações com a comunicação, novos relacionamentos com
as tecnologias. Muito já se conseguiu mudar na nossa forma de conviver com a imagem
digital, mas ainda é gigantesco o conjunto de informações que podem ser melhor
compartilhadas. O novo horizonte do conteúdo digital está apenas sendo traçado.
Eixo 4 – Novas dinâmicas perceptivas
71
Como pudemos observar nos capítulos anteriores, a influência que as tecnologias do
cálculo automático têm exercido sobre a imagem não se limita a um campo específico,
mas já controla todos os aspectos da nossa relação com essas formas de expressão -
produção, reprodução, conservação e difusão não são as mesmas desde que a imagem se
tornou digital.
Anteriormente, busquei focar nossa reflexão na reprodução e nas possibilidades de
interação do homem com esses novos processos de visualização de imagens. Nesse
último eixo do trabalho, voltaremos nossos olhares para os resultados provocados no
indivíduo em contato com essas novas formas de reprodução - ou seja, para as
transformações que obras reproduzidas e difundidas no computador provocam na
sensibilidade e nos mecanismos de percepção do observador.
A participação da informação numérica em todos os nossos modos de comunicação tem
modificado intensamente nossos hábitos culturais e, como consequência, nossos hábitos
perceptivos.
A fotografia foi capaz de nos ensinar que uma nova técnica não é simplesmente um
novo modo de produção, mas que, alterando nossas formas de representação, é também
um meio de transformar nossa forma de perceber o mundo, nós mesmos e a sociedade.
Pouco mais de 100 anos depois, a imagem digital vai recolocar novamente nossos
modos de figuração no centro de outra transformação da percepção. “Uma nova técnica
figurativa [...] modela a percepção; age sobre o imaginário; impõe uma lógica figurativa
e uma visão de mundo” (p.19), afirma Couchot no livro A tecnologia na arte: da
fotografia à realidade virtual (2003).
Nessa obra, o artista e pesquisador francês estuda os efeitos tecnestésicos que essas
técnicas operam na nossa percepção. Como efeito tecnestésico, ele admite “a
experiência adquirida durante manipulações técnicas” 33.
Analisando o formato digital a partir de sua influência na arte do século XX, o autor
afirma que “o numérico parece, aos olhos de alguns, despojar o criador de toda
singularidade e de toda expressividade e reduzir o ato da criação a automatismos
maquinícos” (2003, p.15) Isso ocorre, segundo Couchot, porque a experiência
33 Entrevista a Marco Aurélio Fiochi, em 12 of Jun, 2007 http://www.cibercultura.org.br/tikiwiki/tiki-read_article.php?articleId=22
72
tecnestésica acontece sob um modo de existência que nos expõe a uma diferente
subjetividade, associada a um forte caráter de despersonalização.
A técnica, ao contrário da mão do artista, sempre sofreu com o preconceito de incentivar
uma homogeneização das formas de expressão, que seria responsável por tornar
anônima a própria subjetividade do indivíduo. Nossa relação com o computador é
marcada por um número cada vez maior de ações numerizadas e automáticas. Essa
percepção levou-nos em inúmeros momentos a considerar uma abordagem reducionista
da subjetividade tanto no ato de criação quanto no ato de recepção de conteúdos
numéricos.
Ao longo dos séculos XIX e XX, a arte viveu os conflitos de questionar essa relação do
artista e do observador com a tecnologia e a subjetividade. Essa tendência se firma por
ser a arte o caminho mais palpável na reeducação do homem diante das provações a que
sua sensibilidade é submetida pela tecnologia.
Passamos a ser inundados por um fluxo cada vez maior de informação (entre textos,
sons e imagens reproduzidos pelo computador e distribuídos na Internet) sem que
consigamos a isso atribuir significações exatas. Vivemos o que Couchot chama de
“deriva de sentido sistemática” (2003, p.68) – um estado em que a quantidade de
informação não cessa de ser produzida, sem fins claros, não sendo, portanto, importante
saber o que fazer com ela. Vivemos à deriva, em um mar de informação que não para de
nos inundar.
A partir das tecnologias de trato automático da informação, como o computador, se
opera uma reformulação nos próprios conceitos da comunicação, que passa a ser
percebida como uma troca de mensagens entre organismos, “independente de suas
naturezas físicas” (Moles apud COUCHOT, 2003, p. 97).
Essa noção, introduzida pela cibernética de Norbert Wiener, vai modificar nossa forma
de nos relacionarmos com as máquinas em geral e nossa forma de perceber as
mensagens. “Ao limite da concretude não existe mais nem natureza nem artifício, mas
uma síntese original e movente que podemos chamar uma natureza artificial ou um
artifício natural” (DELPECH, 1968, p. 43).
73
Couchot afirma que com a computação, vivemos em um “depósito de percepções,
comportamentos novos onde o artifício domina um pouco mais sobre o natural” (2003,
p.25), o que nos impulsiona a uma intimidade com a máquina a ponto de
potencialmente possibilitar um hibridismo de nós mesmos – agindo e pensando parte
como humanos, parte como as máquinas, como se fôssemos os homens biônicos criados
pela ficção científica, ou os androides de Blade Runner. Somos os computadores e os
computadores somos nós.
Mas não é apenas de forma geral que essa nova codificação da comunicação causa
mudanças na nossa percepção ao interagirmos com a infinidade de conteúdos com que
convivemos em novos suportes de informação.
Pequenos fatores da recepção também transformam a nossa percepção. Diante do
computador, somos impelidos a efetuar certos tipos de ação, atuar de tal modo para que
possamos nos fazer entender pela inteligência da máquina. O fato de que essa
informação nos chega por uma tela, o fato de, geralmente, estarmos sentados diante
dela, o fato de, geralmente, estarmos sozinhos diante dela; tudo isso influencia na
recepção do conteúdo.
Com o desenvolvimento da tecnologia digital, tornou-se fundamental a criação de novas
codificações dos gestos humanos para que esse diálogo homem-máquina se tornasse
ainda mais produtivo. Antes do desenvolvimento de certas tecnologias numéricas muito
avançadas que se conectam com os humanos pelo tato no touchscreen, pela detecção de
movimento ou pela identificação das modulações da voz, essas mudanças gestuais já
foram introduzidas pelo mouse e pelo teclado.
É através desses dois instrumentos que primeiro nos conectamos com o mundo
cibernético, são eles que nos colocam em contato direto com os conteúdos a que
acessamos pelo computador. Atados ao mouse, vamos apontando os caminhos que nos
levarão a um universo cada vez mais inesgotável de informações em rede. Com o
teclado, vamos expressando nossa subjetividade de forma simbólica, através de uma
série de operações que, mesmo automatizadas, são reposicionadas de acordo com nossas
próprias vontades.
74
Além deles, a tela se faz fundamental na nossa interatividade com os conteúdos digitais.
Sobre ela, Manovich afirma “podemos debater se a nossa sociedade é a sociedade do
espetáculo ou da simulação, mas, indubitavelmente, é a sociedade da tela” (2001, p.99).
Essa tecnologia, que como o autor lembra, é utilizada para fins de representação visual
há séculos – na pintura, na fotografia, no cinema, etc.-, nas últimas décadas, tem se
tornado o meio principal de acesso à informação. Por meio da tela, vivenciamos as
últimas tecnologias da realidade virtual, lemos jornal, nos conectamos com nossos
amigos, apreciamos uma obra de arte, etc.
Manovich define:
a tela é um quadro que separa dois espaços completamente diferentes que de alguma forma coexistem. [...] É uma superfície retangular achatada, com o propósito de oferecer uma visão frontal, dentro do nosso espaço normal, o espaço do nosso corpo, e atua como uma janela para outro espaço. Esse outro espaço, o espaço de representação, tipicamente, tem uma escala diferente da escala do nosso espaço normal. (2001, p.99 e 100).
Essa conceituação clássica se aplica de forma geral a qualquer tela – seja uma tela de
pintura, uma fotografia, a tela do cinema ou ainda o monitor do computador. Mas é
importante destacar algumas especificidades de um meio ao outro, como as observadas
pelo autor.
Manovich afirma que, “em vez de ser um meio neutro de apresentar informação, a tela é
agressiva” (2001). Cada um dos tipos de tela é capaz de realizar uma série de operações
que dá sentido a um determinado conteúdo, apresentando-o, filtrando-o ou
simplesmente ignorando sua existência. No cinema, a tela, gigantesca, se impõe diante
do espectador, induzindo-o a se conectar diretamente com a imagem que, por ser
exibida em um ambiente escuro e neutralizado, convence ainda mais o público. A tela
da televisão, por sua vez, menor e misturada a outros objetos do dia-a-dia do
observador, não exige uma concentração total e é integrada à sua rotina, permanecendo
ligada mesmo enquanto ele desempenha outras atividades.
Essas formas de imagens, apesar de exibirem um conteúdo dinâmico, reproduzem um
regime de visão estável, em que o observador, sentado, imóvel, recebe o conteúdo de
75
uma fonte emissora autoritária – sendo a ele reservados apenas os direitos de zapear os
canais, no caso da TV, ou abandonar a sala de projeção, no caso do cinema.
Com a tela do computador um novo regime visual é experimentado:
[...]em vez de mostrar uma imagem única, uma tela de computador normalmente exibe um número de janelas coexistentes. De fato, a coexistência de um número de janelas sobrepostas é um princípio fundamental da interface gráfica de um computador moderno. (MANOVICH, 2001, p.100)
Neste sentido, na tela do computador, a atenção do usuário está dividida entre múltiplas
janelas, sem que a nenhuma seja garantido o domínio sobre as outras. Para Manovich,
essa característica poderia ser comparada ao zapping da televisão, mas acho importante
lembrarmos a questão da interatividade na comunicação numérica, um dos principais
pontos a tornar o computador um espaço de conteúdo tão peculiar.
Pelo fato de a tela do computador ser um tipo interativo de tela que, ao ser acessada
através de múltiplos comandos, pode alterar completamente o conteúdo ali exibido, a
presença do usuário diante de sua imagem é marcada por um grau diferenciado de
participação – o que se diferencia do regime visual estável da televisão ou do cinema e o
que nos distancia da prática do zapping.
No computador, a atenção do observador se tornou ainda mais instável, ele não se
concentra mais exclusivamente em uma só imagem. O fato de a informação estar
completamente disseminada por toda a rede tem incentivado o usuário a manter sua
atenção entre múltiplos universos coexistentes. É como se ao invés de estar disposto
fixamente diante de uma imagem única, como no cinema, ou de estar preso a uma
imagem de cada vez, como na televisão, o observador tivesse a possibilidade de
percorrer os universos possibilitados por múltiplas imagens, dispostas em janelas que
coexistem em um mesmo ambiente. Tudo isso submetido ao seu poder de escolha, de
resposta, de interação.
É certo que não se pode controlar a forma através da qual o observador recebe qualquer
imagem, nem como isto se dá em termos significativos para ele – seja isso em uma sala
de projeção cinematográfica, em uma galeria ou em um jornal impresso. Mas uma
76
imagem digital, apesar de não ter a mesma corporificação que uma imagem analógica,
se materializa na tela do computador do observador, e entre ele e o que ele vê, a uma
distância mínima, é viável supormos que possa emergir um momento de contemplação
mais autêntico. No computador, uma nova forma de recepção se torna possível, mais
íntima, mais individual, menos submetida aos constrangimentos e obrigações sociais
que uma imagem como o cinema, ou um quadro em um museu poderiam exigir.
Benjamin faz uma observação importante sobre a influência do caráter coletivo da sala
de projeção na percepção dos indivíduos (1991), ele diz:
no cinema, mais que em qualquer outra arte, as reações do indivíduo, cuja soma constitui a reação coletiva do público são condicionadas, desde o início, pelo caráter coletivo dessa reação. Ao mesmo tempo em que essas reações se manifestam, elas se controlam mutuamente (1991, p.188). Sobre a pintura, ele afirma: a pintura não pode ser objeto de uma recepção coletiva, como foi sempre o caso da arquitetura, como antes foi o caso da epopeia, e como hoje é o caso do cinema. (1991, p.188)
Dentro do espaço neutro da sala escura de projeção, o cinema exige a recepção coletiva
de uma obra – o que não se caracterizaria exatamente por contemplação, conceito mais
relacionado à pintura, mas por uma espécie de atenção sustentada pelo hábito do olho.
Diante das imagens cinematográficas, apenas é possível uma recepção tátil
caracterizada pelo passeio do olho pelos frames projetados em sequência. Novas
responsabilidades foram impostas à percepção humana porque a contemplação não dava
mais conta disso.
Foi Crary quem destacou que a atenção moderna é baseada em seu potencial para a
desatenção, a distração, porque esse seria o requisito para impedir a percepção de ser
um caos de sensações (apud CHARNEY e SCHWARTZ, 2004). Ante o choque
sensorial de informações que a vida moderna oferecia - entre novas noções espaciais e
temporais -, a distração era a forma de o homem resguardar sua sanidade.
Por sua vez, alguns aspectos da informação em rede numérica transformam o momento
de recepção dos conteúdos e provocam sensíveis mudanças nos nossos hábitos
perceptivos. Se por um lado, o usuário está sozinho diante da imagem e tem a
77
autonomia de escolher acessá-la, de escolher o tempo que passa diante dela, o nível de
atenção que ela merece; por outro, ele também está submetido ao stress cognitivo e
divide sua atenção entre múltiplas outras atividades (e-mail, bate-papo, redes sociais,
sites de informação, etc., todos acessados ao mesmo tempo em abas diferentes de um
mesmo navegador). Portanto, podemos perceber que, para contar com a atenção do
usuário de computador é preciso antes conquistá-lo e para isso, garantir sua
participação. Essa conquista só é possível com o domínio dos novos modos de ver e dos
novos modos de informar que a era digital inaugura.
Considerar a autonomia do usuário na hora de produzir um conteúdo é um dos
caminhos mais diretos para, através da exploração de estratégias mais adequadas à web,
produzir um conteúdo mais sofisticado e socialmente competente.
a. As questões do feedback e a sensação de invasão da informação
Desde as técnicas ótico-mecânicas do início até as tecnologias da informática do fim do século, passando pelas tecnologias eletrônicas, notam-se importantes modificações. Acontece o mesmo com as redes de comunicação. As redes numéricas controladas por computador não funcionam mais como as redes de telecomunicações radiofônicas e audiovisuais, e introduzem importantes modificações na transmissão de informações. (COUCHOT, 2003, p. 67)
Entre essas modificações na transmissão de informações que Couchot menciona, vale
falarmos mais um pouco a respeito da relação estabelecida entre a emissão e a recepção
de informações, marca do próprio conceito de comunicação.
As mídias de massa, que dominaram a comunicação social durante boa parte do século
XX, como o rádio e a televisão, promovem uma relação desequilibrada entre emissor e
receptor, sendo ao ouvinte e telespectador negado o direito de comunicação com a fonte
pelo mesmo canal.
Nessas mídias, o poder de comunicar é restrito a uma classe diretamente representativa
do poder econômico de uma sociedade. A mínima participação do público é
maximamente controlada por filtros editoriais específicos que permitem apenas
78
mensagens autorizadas. É essa noção de feedback que a comunicação em redes
numéricas vai revolucionar.
É interessante destacarmos, como o fez Couchot, que o que é veiculado em mídias de
massa não coincide sequer com o conceito de comunicação defendido por Wiener – que
seria a comunicação feita através da troca de mensagens em igual equilíbrio entre
emissor e receptor e auto-gerida, sem a necessidade de regulação artificial do processo
comunicativo. Esse regime de comunicação desenvolvido pelas mídias de massa seria,
portanto, “apenas um aspecto particular do modelo comunicacional geral” (COUCHOT,
2003, p. 96).
O novo espaço da comunicação em rede numérica, por sua vez, é justamente
fundamentado na liberação do polo de emissão:
A nova dinâmica técnico-social da cibercultura instaura assim, não uma novidade, mas uma radicalidade: uma estrutura midiática ímpar na história da humanidade onde, pela primeira vez, qualquer indivíduo pode, a priori, emitir e receber informação em tempo real, sob diversos formatos e modulações, para qualquer lugar do planeta e alterar, adicionar e colaborar com pedaços de informação criados por outros. (LEMOS, 2005, p.2)
Essa radicalidade favorece a participação perceptiva do observador e leva às últimas
consequências a assertiva duchampiana de que é o observador que faz a obra. Na
Internet, o usuário é capaz de influenciar diretamente qualquer tipo de conteúdo, dando
sentido a ele, oferecendo respostas às suas indagações, compartilhando-o,
recombinando-o ou simplesmente ignorando-o.
A produção linear de uma obra se tornou, portanto, um modelo obsoleto à medida que
qualquer usuário consegue intervir no produto depois que ele é divulgado na web. Além
disso, amadores estão produzindo tanto quanto profissionais e sem precisar de museus,
jornais, revistas ou galerias para exibir esses conteúdos, burlando os filtros editoriais e
atingindo uma audiência ainda maior que a desses espaços oficiais de reconhecimento.
A cibercultura tem incentivado o usuário a produzir, distribuir e remixar conteúdos de
todos os tipos, na tentativa de fazer circular as diferentes vozes que compõem a
79
sociedade e divulgar o conhecimento. O ato de se conectar, de navegar pela rede,
alimentá-la, reconstruí-la, modificá-la é por si só um aspecto de tomada de poder,
domínio da comunicação e da informação.
A emergência do discurso individual do usuário provoca um sentimento de participação
que não é possível em nenhum outro meio de comunicação e influencia de modo geral
toda a produção cultural, inclusive, a produção artística.
Se compararmos a Internet com a televisão e à submissão que essa última empreende do
telespectador à fonte emissora de informação, podemos perceber os principais efeitos
que a liberdade de emissão acarreta também na recepção de conteúdos.
Se por um lado, a tevê sempre esteve localizada como um objeto mobiliário qualquer
que jogava dentro da casa do telespectador toda uma sorte de conteúdos e imagens
variadas que ele não podia controlar, invadindo diariamente o ambiente familiar do
público; por outro lado, diante do computador conectado em rede não é a imagem que
salta ao contexto do observador, mas o observador que mergulha, imerge no ambiente
digital.
A tevê é como um buraco na parede trazendo o mundo de fora para dentro da sala de
estar do espectador; o computador é uma prancha de mergulho trazendo o espectador
para dentro do enorme mar de informações do mundo. À sensação de invasão que a tevê
proporciona, o computador contrapõe a de acolhimento. Isso se deve a essa participação
imediata que a cibernética não apenas estimula como defende.
Muitas iniciativas da arte já investiram na participação do espectador na elaboração ou
simplesmente na recepção da obra. Essa tendência, que começou de forma ainda tímida,
mas bastante paradigmática com o neo-impressionismo e o impressionismo,
investigando as ações do olho na síntese das imagens pictóricas, alcançou níveis
bastante dramáticos com alguns exemplares de Arte Conceitual, Land Art, Arte
Cinética, etc. Sobre a arte e a criatividade na era da cibernética, Frank Popper vai
afirmar que “o essencial não é o objeto em si, mas a confrontação dramática do
espectador a uma situação perceptiva” (1980, p. 13).
Analisando essa questão, Annateresa Fabris afirma que:
80
as novas tecnologias fazem reaflorar aquele unicum, que a reprodutibilidade fotográfica parecia ter relegado à esfera da manualidade, e uma atenção, próxima por vezes da contemplação, antes negada ao olhar distraído que as superfícies tradicionais causam nesse flâneur peculiar que é o fruidor hodierno. (2006, p. 178)
Lembramos aqui o que Douglas Davis disse sobre a aura da era digital residir no
momento em que o observador vê, lê, percebe uma obra, ou seja, no momento da
situação perceptiva. É isso que nos faz pensar sobre a importância de uma formatação
de conteúdo mais adequada à linguagem computacional.
O momento do contato entre o espectador e a imagem, tenha ela fins artísticos ou não, é
o momento mais importante na construção do sentido da obra. Com o computador, esse
momento pode acontecer a cada dia, a cada hora, a cada minuto.
6. Conclusão – Mudanças de perspectivas ou considerações finais inacabadas
Apesar de ter evitado demarcar esse estudo entre fotografias que apresentem ou não
características artísticas, peço a devida licença para situar as reflexões que nos levarão à
conclusão desse projeto no campo da arte. Porque a arte, como dito anteriormente,
desempenha um papel fundamental na reeducação da sociedade para esses novos modos
de ver e principalmente de imaginar que a linguagem dos computadores tem promovido.
Couchot lembra que “o desenvolvimento das técnicas e a complexidade crescente da
automatização constituíram o mais decisivo fator na evolução da arte há um século e
meio” (2003, p.18). Não é à toa. A tecnologia numérica muda tudo e é a arte que
primeiro tenta nos chamar a atenção e nos preparar para as fundamentais mudanças
pessoais e sociais introduzidas pela tecnociência. Não teremos, portanto, dificuldades de
relembrar os tantos grupos de artistas que, ainda na metade do século XX, se mostraram
81
engajados em interrogar a matéria da arte, o papel do autor, a troca de informações em
redes, o poder de comunicar, a participação do público na obra, antecipando os
questionamentos que a sociedade teria de se fazer com a digitalização.
Muito antes que as transformações que o numérico introduziu pudessem ser sentidas, a
arte já tentou nos preparar para essa modalidade de interação com a imagem
possibilitada pelo computador. Na virada do século XIX, os impressionistas e pós-
impressionistas introduziram novos hábitos visuais discutindo o funcionamento da
máquina-olho e a participação do observador na recriação da imagem através da síntese
cromática, muito baseada na pesquisa do menor elemento constituinte da imagem que
levou a pintura a caminhos tão diversos no século XX. Anos mais tarde, as Combine
Paintings modificaram nossa noção de tela, apresentando-a como um plano em que
diferentes níveis de realidade bidimensional e tridimensional pudessem coexistir. Por
sua vez, Andy Warhol entrou no debate sobre o humano e os automatismos, pensando-
se como um homem-máquina, e questionando a arte e suas novas tecnologias, buscando
socializá-la, intervindo no que a arte oferece aos olhos, ao mercado e ao público
diretamente. A respeito disso, Alain Renaud afirma:
Ver-se-ão pintores como Rauschenberg, Rosenquist, trabalhar na mesma operação “superficial” de destruição plástica (destruir a Representação Figurativa com a Imagem), jogando decididamente com os efeitos de trama, de textura, com o critério (sempre a imagerie34) da bidimensionalidade e dos enquadramentos tipo BD, gestos igualmente iconográficos já “fora da pintura”, nos quais não podemos deixar de ver, em retrospecto, quase prefigurações intuitivas da estética numérica das sucessivas imagens-pixel (tratamento e síntese numérica das imagens); o que aqui está se dando é uma mudança de princípio da Imagem, que deriva de uma obsolescência cultural das antigas Superfícies. (2009, p.14-15)35.
34 A imagerie, para Renaud, é um conceito que remete a um conjunto, à produção de imagens como um todo, à prática dessa visibilidade embasada pelo “simulacro interativo”. (2009)
35 . “Se verán pintores como Rauschenberg, Rosenquist, trabajando en la misma operación «superficial» de destrucción plástica (¡destruyendo la Representación figurativa con la Imagen!), jugando resueltamente con los efectos de trama, de textura, con el criterio (siempre la «imagerie») de la bi-dimensionalidad y de los encuadres tipo BD, otros tantos gestos iconográficos ya «fuera de la pintura», en los cuales no se nos puede impedir el ver, retrospectivamente, unas prefiguraciones casi intuitivas de la estética numérica de las sucesivas imágenes-pixel (tratamiento y síntesis numérica de las imágenes); está a punto de realizarse un cambio de principio de la Imagen, que deriva de una obsolescencia cultural de las antiguas Superficies”. (2009, p. 14-15)
82
Essas antigas superfícies passaram a ser questionadas pelos artistas interessados em
lançar questões complexas sobre a função da arte e principalmente sobre possíveis
mudanças na sua natureza. As “prefigurações intuitivas” da linguagem numérica e das
imagens-pixel, de que fala Renaud, marcaram a arte durante todo o século XX. Mas
acredito ser no cubismo que a remodelação da nossa percepção espacial promovida pela
simulação numérica encontra sua “prefiguração” mais forte.
Pautado na “quebra da coerência do espaço figurativo” (idem, p.51), o Cubismo
engendra uma transformação na nossa referência visual. Para os cubistas, o espaço é
uma noção a ser conquistada, reinterpretada e reconstruída.
O quadro [cubista] não remete mais a um modelo no qual o pintor interpreta com mais ou menos exatidão ou deformação as aparências. Ele remete aos movimentos que o olho do pintor realiza, expulsando-o do seu habitar tradicional, deslocando-se de um ponto perspectivo a outro. E ele oferece ao olhar o conjunto desses pontos de vista multiplicados, não mais segundo uma hierarquia espacial ou narrativa mas simultaneamente. (idem, p.51)
Para propor a visão a partir de um conjunto de perspectivas diferentes, o cubismo
promove o “estilhaçamento do ponto de vista único” (idem, p.48). A esses artistas não
interessa uma descrição minuciosa dos objetos segundo o que aparentam visualmente,
mas sim, “revelar sua organização interna e cambiante” (idem, p.51), fazer uma
apresentação baseada no fracionamento da visão, ao invés da mera representação.
Auxiliado pela colagem de outras matérias na formação da obra, o cubismo buscou
projetar a imagem do objeto sobre a tela do quadro, sugerindo que a imagem rompesse a
homogeneidade do plano. Podemos fazer um paralelo entre essa projeção no plano do
quadro e a imagem do computador. No monitor, a imagem é luz projetada, que salta aos
olhos, se dá a ver, conquista o observador, se lança a ele e busca o seu mergulho.
Comum ao computador e ao quadro cubista, a sensação de que a imagem salta aos olhos
do observador presentifica a obra porque sugere que a imagem se forma no momento de
sua apresentação. Por conta desse aspecto particular, é possível dizer que o tempo do
quadro cubista remete ao presente.
Nesse contexto, é importante lembrarmos que a temporalidade numérica se afirma na
automaticidade do tratamento da informação e na rapidez da resposta que o computador
oferece. O numérico transforma o nosso tempo a partir do reforço da interatividade: o
83
tempo do computador é o agora, o “tempo real”, o tempo em que o homem e a máquina
se comunicam.
“A modalidade temporal dos mundos virtuais é a eventualidade – que se resulta da
interface entre o tempo do observador, este que ele viveu no momento em que vê a
imagem, e o tempo da imagem no momento em que ela é engendrada pelo cálculo”
(COUCHOT, 2003, p. 169). É no momento em que a imagem numérica encontra o
observador que ela se completa, que o seu cálculo toma sentido. Por isso Couchot
afirma que o autor e o observador partilham do mesmo espaço utópico e do mesmo
tempo ucrônico – porque espaço e tempo só se definem no momento em que ambos os
personagens se conectam e dialogam. No computador, “o artista e o público são
intimados a partilhar da mesma hora” (idem, p.157). Assim como no cubismo, o tempo
da obra só se firma no presente, no momento da apresentação.
As transformações que o cubismo buscou afirmar produziram consequências que podem
ser sentidas até hoje, não apenas na arte, mas, por exemplo, também na comunicação. A
mudança na diagramação de páginas de jornal, revistas e livros ilustrados foi uma das
tantas novidades que o movimento liderado por Picasso e Braque trouxe à nossa
percepção do espaço. Cada página passou a ser vista como quadros “onde coabitam
espaços heterogêneos (letras, desenhos ou esquemas, fotos na forma de clichês
tramados, cores de mesma matéria) sem ponto de vista único, ao mesmo tempo
espalhados e ordenados” (idem, p. 50).
Vejo nisso um impressionante paralelo com a imagem do computador que, remodelada
em código numérico, instaura novos pontos de visão e, portanto, novos modelos de
relacionamento com o visual, baseados também em um fracionamento da tela, da
superfície. Apenas a título de comparação direta, creio ser interessante perceber que tal
diagramação heterogênea parece dialogar de forma contígua com o formato de janelas
múltiplas que a tela do computador introduz à visualização de imagens.
A divisão da tela em janelas interrompe o regime visual da perspectiva que busca
coincidir o ponto de vista do pintor com o ponto de vista do observador e que foi
explorado largamente até que o cubismo viesse contestá-lo.
Esse ponto de vista único, no entanto, foi marca também da fotografia e do cinema,
imagens já automáticas, mas que ainda contavam com a indivisibilidade do olhar do
84
observador e o seu emparelhamento com o olhar da câmera. Na contrapartida disso, no
computador, essa imagem se divide em blocos de conteúdo que não obedecem a alguma
hierarquia narrativa, como no caso do cinema, ou espacial, como no caso da fotografia.
De fato, “A perspectiva renascentista de um ponto único deve tornar-se um pouco
estranha num mundo de múltiplas visões, onde cada olho vê um mundo governado por
regras diferentes, e o espectador, por sua vez, vai ser visto por várias máquinas”,
pondera Ritchin (2009, p.171).
Romper com a perspectiva foi, para o cubismo, romper com toda uma cultura de
representação baseada na projeção central e em um observador fixo, quase inerte. A
quebra do olhar centralizador mudou definitivamente os hábitos culturais da sociedade.
Com o rompimento da unidade perspectiva pelo cubismo, se engendra uma tentativa de
ocupar simultaneamente diversos lugares em torno do objeto, tanto para o pintor como
para o observador. Essa tentativa, apesar de ser uma das principais marcas do
movimento não é bem sucedida. Couchot lembra:
Quaisquer que sejam os pontos de vista diversos ocupados pelo sujeito nos seus deslocamentos “em torno” do objeto visto, o olhar não se detém além de na frente do objeto. [...] Na realidade, o pintor, diga-se o que disser, jamais faz a volta completa sobre o objeto, jamais mostra a frente e o verso do objeto, jamais as seis faces do cubo. Sua visão permanece ainda frontal. (2003, p.65)
O quadro cubista, apesar de toda a sua pretensão de abertura da imagem e apesar da
genialidade de seus artistas, não conseguiu suplantar completamente as limitações que a
superfície do quadro impunha aos seus objetivos. Diante de um quadro, nunca foi
possível dar a volta completa no objeto. A frontalidade dessa visão era inevitável.
Por outro lado, se pensarmos as novas formas de interação que as tecnologias do cálculo
automático têm introduzido à visualização das imagens, e se explorarmos as imensas
possibilidades da simulação numérica, acredito ser possível afirmarmos que a sensação
de mergulho que o computador nos proporciona produz uma forma completamente
transformada de relação com as imagens, o que pode possibilitar a solução dessa
frustração cubista.
85
Na simulação, a informação numérica é uma informação flexível, fluída, sem aderência
espacial ou temporal alguma, que pode ser manuseada de diferentes maneiras, e cujos
limites podem ser continuamente alargados. O numérico nos permite tocar as imagens,
explorá-las, abri-las, revelando-a sob pontos de vistas múltiplos.
Figura 6 - Trecho da simulação 3D do quadro Guernica.
A título de exemplo, basta lembrarmos a exploração 3D que a artista novaiorquina Lena
Gieseke propõe ao quadro Guernica de Picasso36. Nessa simulação, disponível na
Internet em formato de vídeo, o observador é convidado a “dar a volta completa” no
cenário desenhado por Picasso em 1937, entrando no quadro e efetivamente
desbravando a imagem.
O cubismo tentou fracionar a visão, admitida como um sentido não tão seguro e que
impunha certa distância ao objeto. Afirma Couchot: “é o corpo inteiro, enquanto órgão
perceptivo, e não exclusivamente a visão, que participa da pintura” (idem, p.50). Mas é
no computador que esse fracionamento de visão passa a adquirir real sentido. Com a
simulação numérica, a perspectiva estática, linear e fixa é efetivamente quebrada e até
as fronteiras entre visão, tato, audição (e, quem sabe em breve, olfato e paladar) são
confundidas.
Vivemos uma “situação de experimentação visual inédita” (Renaud, 2009, p.1) com o
domínio da simulação sobre os demais condutores da nossa sensibilidade corporal.
Além da visão e da audição, o tato está cada vez mais hibridado a esses processos 36 Disponível em: https://vimeo.com/1176750
86
tecnológicos de interação com os conteúdos culturais. O cubismo já tentou isso quando
buscou unir a visão à sugestão do toque dando às sensações táteis uma relevância
transformadora no processo de apreciação visual de um quadro. Com a simulação, a
nossa noção separatista entre visão, tato e audição é questionada. Entramos tão
densamente em uma imagem, como na simulação 3D de Guernica, que temos a
impressão de podermos tocar os volumes de cada componente do quadro. O olho tateia
e expande a visão.
É justamente esse papel de questionamento e transposição de fronteiras que o
computador e a comunicação em rede numérica têm desempenhado, propondo a
reconfiguração não só das nossas noções sensoriais, mas também de todas as categorias
culturais que embasam conceitualmente nossa sociedade, entre elas, as noções de obra,
autoria, mensagem, comunicação, entre outras.
Fracionamos a imagem, o meio, a mensagem, quebramos a homogeneidade da nossa
noção de espaço e de tempo, reapresentamos as imagens não como aparência visual
fechada, mas como pontos de vistas multiplicados e coexistentes que se abrem quase
infinitamente.
Creio ser importante destacar que o exemplo da Guernica 3D, apesar de se apresentar
em formato de vídeo, levanta questionamentos que podem ser estendidos a toda a
produção cultural numérica, inclusive às imagens ditas fixas como a fotografia. É, na
verdade, na defesa dessa abertura da imagem e, por expansão, da abertura de nossos
conteúdos culturais, que o este texto se embasa. Essa abertura se torna possível com a
devida percepção dos novos regimes de sentido e de uso que a linguagem numérica vem
indicar. Renaud chama a atenção para um novo regime de discursividade e saber
definido pelas novas tecnologias da imagem (2009, p. 1) e para a consequência disso na
modificação do conjunto dos nossos gestos culturais.
O fato de que a imagem passa a ser composta a partir da materialização de um conceito
(algorítmico, para ser mais exato) transforma a identidade da imagem e acrescenta a ela
novas possibilidades de uso, mas também estéticas. Promover a abertura da fotografia
no ambiente digital é, portanto, utilizar as estratégias mais apropriadas para que essa
imagem, enquanto discurso, possa ser tocada em suas novas complexidades.
87
Abordar o cubismo é, na verdade, uma forma de percebermos que o contexto do
surgimento da simulação numérica começou a ser traçado e discutido na sociedade
através da arte, da comunicação e das tecnologias muito antes da década de 1980,
quando a linguagem numérica mudou completamente nossas formas de tratamento da
informação. O cubismo, nos deslocamentos que provocou na arte e nas perturbações
que incentivou na cultura, pode ser visto como um dos momentos antecipadores dessa
linguagem.
a. Historia e subjetividade
A respeito das mudanças estéticas que a simulação introduziu na nossa sociedade, Alain
Renaud destaca o que já em 1935, Paul Valéry afirmava, quase como uma premonição:
Nem a matéria, nem o espaço, nem o tempo são, de vinte anos pra cá, o que sempre foram. Há de se esperar que inovações tão grandes transformem toda a técnica das artes, atuando além da invenção mesma, quiçá chegando até a modificar maravilhosamente a noção mesma de Arte. (apud Renaud, 2009, p.4)
De fato, as transformações que a simulação impôs às nossas noções de tempo, espaço e
matéria transformaram não apenas as técnicas das artes, mas o conceito de arte como
um todo. Vivemos um processo de flexibilização da concepção de arte e da concepção
de artista. A respeito desta última, Derrick de Kerckhove afirma que o artista
contemporâneo é qualquer pessoa capaz de “compreender as implicações das próprias
ações e dos novos conhecimentos do próprio tempo” (apud FABRIS, p.178). A isso,
Kerckhove chamou de “consciência integral”.
Sua afirmação está localizada na compreensão de uma nova forma de inteligência, que
se associa ao entendimento das potencialidades de uso da tecnologia. O usuário
tecnológico hoje em dia está situado em um ambiente cognitivo coletivo construído
pelas tecnologias numéricas. Neste ambiente, a inteligência não é mais relacionada ao
armazenamento da informação através da memória, mas à compreensão das formas de
88
conquistá-la. “Burros são aqueles que não usam o Google”37, afirmou De Kerckhove em
resposta a Nicholas Carr, autor que questionou “O Google nos deixou mais burros?”
(2008)38. O “artista” contemporâneo é o usuário de computador que entende as
potencialidades da informação conectada e sabe como tirar o melhor resultado dela.
Mais do que a informação, ele compreende o processo de informar.
“Caminhamos em direção a uma estética de procedimentos em que o processo
predomina sobre o objeto: a forma cede à morfogênese, vivemos o fim da hegemonia do
espetáculo fechado e estável”, afirmou Renaud (2009, p.3). Isso acontece porque a obra
em si não é mais o objeto hermético que permaneceu o centro das atenções da Arte. A
obra agora se abre.
Couchot cita Leon Battista Alberti e sua apresentação da perspectiva de projeção central
como uma das teorias fundadoras da pintura ocidental. No texto39, Alberti delineia a
teoria geométrica da pintura e acrescenta importantes questões a respeito da construção
de uma obra de arte. Couchot diz:
Para Alberti, o quadro é o resultado de uma série de operações bem hierarquizadas. A mais elementar constitui em delimitar as pequenas superfícies componentes dos objetos. Graças ao intersector, o pintor capta – “mede” – com precisão os contornos do objeto, ele os desenha, ou como diz Alberti, ele os circunscreve. [...] As superfícies devem ser reunidas entre si para formar os membros, os quais formarão, por sua vez, os corpos. Alberti chama este trabalho de composição (compositio). Quanto ao encaixe final dos corpos, este é regulado pelo que ele nomeia a história (historia), “último degrau de acabamento da obra do pintor”. A historia é para Alberti bem mais do que a mensagem do quadro. É graças a ela que o agenciamento dos corpos figurados retém e emociona os olhos e a alma dos espectadores [...]. “A historia, diz ele ainda, é a função mais importante do pintor”. (2003, p.29)
Neste momento da pintura, a historia do quadro estava submetida ao agenciamento do
pintor. É ele quem domina a historia e é ele, portanto, o “mestre da obra”.
37 Em entrevista ao site Fortkey, em: http://www.40kbooks.com/?p=3811
38 Artigo publicado na edição de julho/agosto de 2008 da revista The Atlantic.
39 Alberti, L. “De Pictura” (1435)89
Com a fotografia, o conceito de historia se transforma e ela passa a ser composta não
apenas pelo autor, mas também pelo automatismo da máquina fotográfica. O autor
deixa de ser o responsável único pela historia, já que a composição não responde apenas
à “análise sintática do objeto visto e sua formulação simbólica” (FABRIS, p.157) pelo
autor, como era característico da tradição pictográfica. A composição na fotografia
passa a responder também aos processos óticos do enquadramento e aos processos
químicos da sensibilização dos grãos de prata.
Essas transformações provocaram consequências na arte como um todo. Em resposta à
fotografia, os impressionistas incentivaram uma nova forma de operar com a historia de
uma pintura ao utilizarem o conceito de síntese cromática. Pela primeira vez, a questão
da historia – abalada pelo quadro impressionista – passa pela intersecção entre o sujeito
do pintor, como instaurador da imagem, e o sujeito do observador. “O que é essencial
na historia que o quadro descreve não é mais a maneira pela qual o sujeito agenciou as
figuras, os membros e as superfícies – e observemos que a circunscrição cessa -, mas a
maneira pela qual ela funciona” (COUCHOT, 2003, p.42).
A historia, portanto, caminhou em paralelo às transformações técnicas que os
automatismos trouxeram à arte – seja se aproximando ou se afastando do autor que não
apenas viu o seu domínio sobre a obra ser questionado, como também a sua própria
subjetividade ser transformada, na tentativa de se manter firme mesmo quando
desafiado pela mecanização das formas de expressão.
Mas é na era da simulação que essa relação entre sujeito e historia realmente se
transforma. No computador, a cultura passa por um processo de modelização, é
recalculada e recriada virtualmente em linguagem matemática. A máquina analisa o
mundo, o reinterpreta. Esse processo se passa dentro da “caixa preta”40 do aparelho
computacional. Não é um processo claro ao sujeito e acontece mesmo que à sua revelia.
Ele perde, por conta disso, o controle sobre uma parte fundamental da criação. No
entanto, sua presença não se deixa apagar. O sujeito agora se reconfigura, ainda como
autor, mas com outras responsabilidades.
É requisitado ao sujeito que abra mão de uma parte do processo: não só das codificações
mais complexas da simulação, que agora competem à máquina, como também do
40 Para fazer um paralelo ao termo utilizado por Flusser quanto à máquina fotográfica. Filosofia da Caixa
Preta.90
domínio completo do sentido da obra, que passa, como vimos anteriormente, a dialogar
diretamente com o espectador.
A historia no modo dialógico do numérico se compõe em dupla: ela é, parcialmente, mas efetivamente, obra do espectador, a projeção de suas reações, de seus pensamentos, de sua subjetividade; ela é o produto de dois sujeitos que hibridam sua singularidade respectiva através de uma interface. (COUCHOT, 2003, p.279)
O sujeito aí se transforma e essa questão torna ainda mais clara a concepção de De
Kerckhove sobre os artistas contemporâneos. À medida que o autor passa a dividir a
historia da sua obra quase em equilíbrio com o observador, a distinção entre autor e
observador se torna frágil e, na rede, todos os usuários se tornam artistas em potencial,
artistas que têm a possibilidade de agir sobre a obra.
Sabemos que a participação do espectador como co-autor passa pelos automatismos do
computador, mas defendo que, por outro lado, ela pode ser potencializada como um
recurso estético. Como observamos, com a fotografia hipertextual, a imagem torna-se
uma apropriação do sujeito observador que, ao transpor a distância original
recomendada a uma boa observação, mergulha na imagem numérica, se move, navega
pelo pavimento de informações que compõem esse mosaico visual e se desloca entre as
interfaces e a rede.
Mais complexa, a comunicação hibridiza os campos da escrita, da fala e da imagem e
busca sensibilizar o corpo de forma mais completa. Em contato com o corpo é que a
obra passa a efetivamente existir. Interativas, as obras numéricas tomam outra
proporção a partir do momento que passamos a agir sobre elas.
O computador é o ponto de conexão do espectador com esse universo aumentado. Paul
Valéry percebeu ainda cedo a direção que o nosso relacionamento com o visual vinha
tomando:
Como a água, como o gás, como a eletricidade vem de longe para as nossas casas para atender às nossas necessidades, mediante esforço quase zero, assim seremos alimentados por imagens visíveis ou
91
auditivas, que nascerão e se devanecerão a um mínimo gesto, quase a um sinal... Eu não sei se algum filósofo já sonhou com uma sociedade que tenha a distribuição da Realidade sensível a domícilio (apud Renaud, 2009)41.
É com a computação que a intensa distribuição dessa “Realidade sensível a domicílio”
toma mais corpo. Sua presença tem tornado complexos outros aspectos do nosso
relacionamento com os conteúdos culturais, além da questão do acesso. As imagens
adquirem outros efeitos de sentido graças às possibilidades da interação numérica. Faz-
se imprescindível, portanto, a articulação dessas novas abordagens possibilitadas pelos
hiperconteúdos, e entre eles a hiperfotografia.
Pensar a criação, utilizando a novidade estética para incentivar a polissemia é, como
vimos, uma forma de enriquecer os conteúdos culturais. A produção de sentido não é
mais de responsabilidade exclusiva da arte, mas passa também por uma questão
logística relacionada ao uso da técnica.
O desenvolvimento dessas questões, no entanto, permanece inacabado, transforma-se
diariamente nas conquistas tecnológicas que reduzem ao mínimo o tempo do que é
novo, ao mesmo tempo em que alargam nosso conceito de obsoleto. Dominar
conceitualmente todas essas transformações, além de me parecer impossível, não me é
interessante, uma vez que acredito que, o momento em que essa realidade se tornar
completamente perceptível será o sinal de que estaremos vivenciando alguma espécie de
estagnação.
Ainda assim, as mudanças que nos são compreensíveis não são superficiais, apesar de
muitas vezes terem sido tratadas de forma pouco aprofundada. Não é somente o custo e
o acesso à técnica que muda, mas todo o comportamento cultural da humanidade. Do
mesmo modo, a rede numérica não é simplesmente a conexão quantitativa do maior
41 Como el agua, como el gas, como la corriente eléctrica vienen desde lejos hasta nuestras moradas para
satisfacer nuestras necesidades, mediante un esfuerzo casi nulo, así seremos alimentados por imágenes
visivas o auditivas, que nacerán y se desvanecerán al mínimo gesto, casi con una seña... No sé si un
filósofo ha soñado alguna vez con una sociedad para la distribución de la Realidad sensible a domicilio.
(apud, Renaud, 2009)
92
número de pessoas e computadores, mas a constituição de uma nova forma de
socialização.
Diferentes formas de ver também se desenvolvem com a imersão da visão em uma série
de outros modos de percepção (sensibilizados por conteúdos cada vez mais hibridizados
entre imagens, sons, textos e gestos). A imersão, o mergulho passam a fazer parte da
interação com os conteúdos culturais na tentativa de cativar o público a se interessar
pela informação, a se conectar e construir a rede, evitando o embarque pela indiferença,
a apatia. O resultado tem nos direcionado a uma busca da sensibilização do corpo que
reflete as novas formas de pensar que aprendemos na nossa relação com a máquina. O
sujeito, sua íris, seus poros, os conteúdos, o códigos, os programas, todos precisam ser
conquistados. O computador não é tão frio quanto parece. A arte não está assim tão
distante.
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