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-11 ^im A PROPRIEDADE INDUSTRIAL NO NOVO PROCESSO CML MARCELO MAZZOLA Advogado e sócio de Dannemann, Siemsen. Mestrando em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Vice-presidente de Propriedade Intelectual do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem - CBMA. E-mail: [email protected] Sumário: 1. Introdução - 2. O dever de fundamentação no NCPC - 3. Dever de cooperação: uma mudança de paradigma - 4. Os negócios jurídicos processuais nas ações envol- vendo Propriedade Industrial - 5. Mediação na administração pública: reflexões sobre o posicionamento da Advocacia Geral da União nas ações da Propriedade Industrial - 6. A sustentação oral no agravo de instrumento - 7. Intimação de advogado por advogado - 8. Considerações sobre a estabilização da tutela em ações da Propriedade Industrial - 9. O sistema brasileiro de precedentes e seus reflexos na área da Propriedade Industrial - lO. O impacto do IRDR nas ações da Propriedade Industrial - 11. A possibilidade de julgamen- to parcial do mérito de ações repetitivas suspensas pelo IRDR - 12. Conclusão - Referências bibliográficas 1. INTRODUÇÃO No último dia 18 de março, entrou em vigor o Novo Código de Processo Civil - NCPC. Com 1.072 artigos, o novo diploma legal trouxe inúmeras modifica- ções. Em seu capítulo inaugural - a espinha dorsal do código -, posi- tivou consagrados princípios constitucionais, como, por exemplo, a duração razoável do processo, o contraditório, a isonomia, a dignidade d&pessoaiiumana,aiiecessidadeddundamentação das decisões Ju- diciais, a legalidade, a eficiência, a publicidade e a transparência. Para resgatar o ideal de uma justiça fraterna e solidária prevista na Carta Magna, o NCPC estimula fortemente os métodos alternati - vos de solução de conflitos (conciliação, mediação e arbitragem) e realça valores como a boa-fé e a cooperação. Na busca por efetividade e maior fluidez da marcha processual, procedimentos foram desburocratizados, prazos unificados, recur- sos abolidos e hipóteses recursais reduzidas. O legislador também se preocupou em assegurar a isonomia e a segurança jurídica, exaltando e valorizando os precedentes judi- ciais, especialmente através da criação de incidentes para acelerar a sua formação (IRDR e IAC). Independentemente de algumas críticas, que, aliás, são importantes para o amadurecimento do direito, não podemos enxergar o novo código com lentes retrospectivas. Devemos respeitá-lo, compreen- dendo que não é perfeito, mas valorizando suas alterações, fruto da vontade e do envolvimento da sociedade como um todo. Neste trabalho abordaremos alguns temas relevantes do NCPC, analisando os impactos na área da Propriedade Industrial. 2. O DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO NO NCPC Como se sabe, o artigo 93, X, da Constituição Federal estabelece que "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão pú- blicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade". O referido comando constitucional foi literalmente reproduzido pelo legislador do NCPC (art. 11), que ainda regulou no artigo 489 os elementos essenciais da sentença e o dever de fundamenta- ção das decisões judiciais. Santos &Borges Barbosa Sociedade de Advogados PROPRIEDADE INTELECTUAL, TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA, FRANQUIA, DIREITO DE INFORMÁTICA E TELECOMUNICAÇÕES, LICENCIAMENTO E AREAS CORRELATAS DENIs BORGES ASSOCIADO A BARBOSA - - RUA FUNCHAL, N°203, ANDAR . 04551-904, SÃO PAULO, SP TEL. (55 11)3045-2470 FAX (55 11)3045-7033 REVISTA DA ABPI— N° 143— JuIJAGo 2016 3

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A PROPRIEDADE INDUSTRIAL NO

NOVO PROCESSO CMLMARCELO MAZZOLA

Advogado e sócio de Dannemann, Siemsen. Mestrando em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Vice-presidente dePropriedade Intelectual do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem - CBMA. E-mail: [email protected]

Sumário: 1. Introdução - 2. O dever de fundamentação no NCPC - 3. Dever de cooperação: uma mudança de paradigma - 4. Os negócios jurídicos processuais nas ações envol-

vendo Propriedade Industrial - 5. Mediação na administração pública: reflexões sobre o posicionamento da Advocacia Geral da União nas ações da Propriedade Industrial - 6. A

sustentação oral no agravo de instrumento - 7. Intimação de advogado por advogado - 8. Considerações sobre a estabilização da tutela em ações da Propriedade Industrial - 9. Osistema brasileiro de precedentes e seus reflexos na área da Propriedade Industrial - lO. O impacto do IRDR nas ações da Propriedade Industrial - 11. A possibilidade de julgamen-to parcial do mérito de ações repetitivas suspensas pelo IRDR - 12. Conclusão - Referências bibliográficas

1. INTRODUÇÃO

No último dia 18 de março, entrou em vigor o Novo Código deProcesso Civil - NCPC.

Com 1.072 artigos, o novo diploma legal trouxe inúmeras modifica-ções. Em seu capítulo inaugural - a espinha dorsal do código -, posi-tivou consagrados princípios constitucionais, como, por exemplo, aduração razoável do processo, o contraditório, a isonomia, a dignidaded&pessoaiiumana,aiiecessidadeddundamentação das decisões Ju-diciais, a legalidade, a eficiência, a publicidade e a transparência.

Para resgatar o ideal de uma justiça fraterna e solidária prevista naCarta Magna, o NCPC estimula fortemente os métodos alternati -vos de solução de conflitos (conciliação, mediação e arbitragem) erealça valores como a boa-fé e a cooperação.

Na busca por efetividade e maior fluidez da marcha processual,procedimentos foram desburocratizados, prazos unificados, recur-sos abolidos e hipóteses recursais reduzidas.

O legislador também se preocupou em assegurar a isonomia e asegurança jurídica, exaltando e valorizando os precedentes judi-

ciais, especialmente através da criação de incidentes para acelerara sua formação (IRDR e IAC).

Independentemente de algumas críticas, que, aliás, são importantespara o amadurecimento do direito, não podemos enxergar o novocódigo com lentes retrospectivas. Devemos respeitá-lo, compreen-dendo que não é perfeito, mas valorizando suas alterações, fruto davontade e do envolvimento da sociedade como um todo.

Neste trabalho abordaremos alguns temas relevantes do NCPC,analisando os impactos na área da Propriedade Industrial.

2. O DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO NO NCPC

Como se sabe, o artigo 93, X, da Constituição Federal estabeleceque "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão pú-blicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade".

O referido comando constitucional foi literalmente reproduzidopelo legislador do NCPC (art. 11), que ainda regulou no artigo489 os elementos essenciais da sentença e o dever de fundamenta-ção das decisões judiciais.

Santos&Borges Barbosa

Sociedade de Advogados

PROPRIEDADE INTELECTUAL, TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA, FRANQUIA,DIREITO DE INFORMÁTICA E TELECOMUNICAÇÕES, LICENCIAMENTO E AREAS CORRELATAS

DENIs BORGESASSOCIADO A

BARBOSA

- -RUA FUNCHAL, N°203, 5° ANDAR . 04551-904, SÃO PAULO, SPTEL. (55 11)3045-2470 • FAX (55 11)3045-7033

REVISTA DA ABPI— N° 143— JuIJAGo 2016

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A PROPRIEDADE INDUSTRIAL NO NOVO PROCESSO CIVIL

Vale registrar que esse artigo 489 foi alvo de críticas de algumasassociações de magistrados,' mas permaneceu hígido e não foi al-terado com a Lei no 13.256/2016.

Em linhas gerais, o texto do novo código estabelece uma espécie descript a ser seguido pelos juízes no momento de fundamentação dadecisão judicial, seja ela interlocutória ou não.

Como se sabe, a fundamentação da decisão deve refletir os motivosque justificam, juridicamente, a conclusão. 2 Afinal, uma decisãosem fundamentação é como um corpo sem coração.

A partir de agora - embora isso já devesse ser a regra -, caso osmagistrados não queiram ver suas decisões anuladas por falta defundamentação, deverão observar o roteiro delineado no artigo489, parágrafo 1° e seus incisos, do NCPC.

Assim, não será considerada fundamentada a decisão judicialque a) se limitar a indicar determinado artigo de lei sem fazer acorrelação com o caso concreto; b) empregar conceitos jurídicosindeterminados, sem explicar o motivo de sua incidência no caso;c) invocar motivos que serviriam para embasar qualquer outradecisão; d) não enfrentar os argumentos deduzidos no processocapazes de infirmar a conclusão adotada pelo julgador; e) se li-mitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem demons-trar sua pertinência à hipótese em discussão; e O deixar de seguirenunciado de súmula ou precedente invocado pela parte, semdemonstrar a existência de distinção no caso concreto ou supera-ção do entendimento.

Com isso, não há mais espaço para decisões lacônicas ("Diante dapresença dos elementos autorizadores da medida, defiro a tutela")ou embasadas em conceitos jurídicos vagos ("Em nome da ordempública e da dignidade da pessoa humana, condeno"), e tambémaquelas claramente padronizadas que serviriam para qualqueração, sem enfrentamento das peculiaridades do caso concreto.

Ao mesmo tempo, prestigia-se o princípio do contraditório, evitan-do-se decisões que não levem em consideração os argumentos daspartes, bem como os precedentes jurisprudenciais, seja para aplicá-

los ou não.

A sistemática é interessante e pode impedir decisões superficiais,especialmente em ações de infração e de nulidade de marca, emque a magnitude econômica da discussão, a complexidade dotema e as consequências de eventual ordem de abstenção de usoou de cancelamento de um registro marcário exigem prudência euma fundamentação com maior densidade por parte dos julgado-

res. Até porque, muitas vezes o maior ativo de uma empresa é a

sua própria marca.

Em demandas dessa natureza, algumas ferramentas podem auxi-liar os juízes na fundamentação da respectiva decisão, minimizandoa possibilidade de sua posterior anulação, por suposta inobservân-cia a uma das hipóteses do artigo 489, parágrafo l', do NCPC.

Uma dessas ferramentas é o Manual de Marcas do Instituto Na-cional da Propriedade Industrial,' que estabelece, dentre outrascoisas, as diretrizes para a análise de registrabilidade do sinalmarcário. Por se tratar de um documento expedido pela própriaAutarquia responsável pela concessão de registros marcários, suasdisposições, se aplicáveis, podem ser incorporadas na fundamenta-ção das decisões judiciais.

Outra ferramenta valiosa é a metodologia proposta por GAMACERQUEIRA, já na década de 1980,' que sistematizou as dire-trizes para análise da possibilidade de confusão de marcas.

Também vale mencionar a parametrização utilizada nos EUA -conhecida como Polaroid Factors 5 -' que traz conceitos interessan-

tes e bastante atuais.

Por fim, merece destaque o Teste 360° de Confusão de Marcas,6cuja aplicabilidade já foi reconhecida pelo STJ (AgRg no REspn° 1 .346.089/RJ), que estabelece 7 (sete) critérios a serem obser-vados no momento de avaliação da possibilidade de confusão entredois signos distintivos.

Em suma, esperamos que as inovações do NCPC ajudem a aprimorara qualidade das decisões judiciais, sobretudo em ações de infração e denulidade de registro de marca, o que, de um lado, pode desestimulara interposição de recursos desnecessários e, de outro, permitirá maiorcontrole das decisões judiciais pelas partes interessadas.

3. DEVER DE COOPERAÇÃO: UMA MUDANÇA DE PARADIGMA

Antes mesmo da aprovação do NCPC, doutrinadores já divergiamsobre a efetividade da norma elencada no artigo 6 0 , que dispõe que"todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que seobtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva".

Parte da doutrina entende que a referida disposição cria uma situaçãoutópica, pois a expressão "entre si" sugere que autor e réu caminhemde mãos dadas para alcançar a solução final, o que não seria condizen-te com o espírito bélico dos litigantes e suas posições antagônicas que,invariavelmente, impedem essa solidariedade processual.

1. Associação dos Juizes Federais do Brasil - Ajufe, Associação dos Magistrados Brasileiros

- AMB e Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - Anamatra.

2. CAMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Atlas,

p.274,2015.

3. http://manualdemarcas.inpi.gov.br/projects/manuaVwikilManual_de_Marcas,

4. "A possibilidade de confusão deve ser apreciada pela impressão de conjunto deixada pelas

marcas, quando examinadas sucessivamente, sem apurar as suas diferenças, levando-se em

conta não só o grau de atenção do consumidor comum e as circunstâncias em que

normalmente se adquire o produto, como também a sua natureza e o meio em que o seuconsumo é habitual", ia Tratado da Propriedade Industrial, 2 ed., Revista dos Tribu-nais, vol. 2, p. 919. São Paulo.

5. Polaroid Corp. v. Polarad Electronics Corp, 287 F. 2d 492 (2nd Cir.).6. Revista da EMERJ, no 69, jun/juVago de 2015, p. 129-155.

4MENNENMF-

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A PROPRIEDADE INDUSTRIAL NO NOVO PROCESSO CML

Alguns chegam a sustentar a inconstitucionalidade do aludidodispositivo - ou, no mínimo, a necessidade de uma interpretaçãoconforme, limitando sua incidência.'

Vale lembrar, porém, que não se deve interpretar um dispositivo deforma isolada, ignorando-se o contexto, a essência, a teleologia e asistemática do ordenamento jurídico.

Assim, quando o artigo 6° menciona que os sujeitos do processodevem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável,decisão justa e efetiva, o que deve ser aquilatado é a ratio essendido dispositivo.

Nesse contexto, parece claro que a intenção do legislador tem duasvertentes. A primeira é estimular e incentivar o diálogo entre o juize as partes. De fato, o magistrado não pode mais ser um mero es-pectador do conflito e usar sua autoridade para se livrar do imbró-glio. Precisa escutar com ouvidos de ouro, enxergar com olhos de-mocráticos, pedir esclarecimentos, dirimir dúvidas, prevenir e darorientações. Uma espécie de guia do caminho a ser trilhado.

Mais do que isso, o juiz deve tentar aproximar as partes, refletir einserir os litigantes nessa busca da justa e efetiva solução, não sur-preendendo os jurisdicionados com Mecisões surpresa". Por exem-plo, não pode indeferir a produção de prova pericial em ação en-volvendo patentes e depois julgar improcedente o pedido alegandoinstrução probatória deficiente. Ou, então, determinar a emendada petição inicial em ação de marcas, sem esclarecer o que, na suavisão, não estaria adequado (ausência do certificado do registro demarcaporexemp1o) e.depois.indeferira.. peça . inaugural. Poder-se-ia citar várias situações análogas.

Por outro lado, antes de decidir sobre uma questão não ventiladana lide capaz de influenciar o resultado da causa, o juiz deveráintimar as partes para se manifestarem a respeito, ainda que setrate de matéria que ele deva decidir de oficio.

7. STRECK, Lenio Luiz; MOTTA, Francisco José Borges. Um debate com (e sobre)

o formalismo-valorativo de Daniel Mitidiero, ou "colaboração no processo civil" é um

princípio), lo: Revista de Processo, V. 213, p. 13, 2012.8. MITIDIERO, Daniel. "Bases para construção de um Processo Civil cooperativo" -

Tese de Doutorado na UFRGS, Porto Alegre, 2007, p. 12, 70 e 74. PINHO,

Da mesma forma, deverá garantir a paridade de armas, distribuirdinamicamente o ônus da prova entre os litigantes e apontar asdeficiências postulatórias das partes, permitindo que elas sejamsupridas. Sua participação ativa não fere sua isonomia, pois, , nacooperação, os deveres são recíprocos e todos os agentes são prota-gonistas da própria condução do processo.

Sob outra ótica, o dever de cooperação exige que os litigantes cooperementre si. Porém, diferentemente do que se possa pensai; não se esperaque uma parte forneça munição à outra, reconheça a procedência dodireito alheio ou cometa o chamado "sincericídio". isso, obviamente, nãofaria muito sentido. Se fosse assim, um réu, vislumbrando a fragilidadede sua posição, cogitaria ficar revel ao invés de contestar a ação.

Na verdade, o espírito do NCPC é alçar a ética, a honestidade ea lealdade das partes como slandards de conduta,' facilitando agestão do processo pelo juiz e permitindo que se chegue à soluçãomais justa e efetiva.

A cooperação não significa assunção de culpa. O litigante pode atéomitir algum acontecimento, mas essa omissão não pode contami-nar a narrativa como um todo. Exige-se, na realidade, a boa-féobjetiva como comportamento e uma atuação limpa dos litigantes,reprovando-se o uso de artifícios e ardis para distorcer os fatos eretardar a entrega da prestação jurisdicional.

Com isso, o processo deixa de ser um conjunto de despachos e deci-sões, e passa a ser uma grande atividade cooperativa, na qual cadaagente tem sua função e seus interesses próprios, mas ambos caminhamcom o mesmo foco,-almejando um justo e efetivo desfecho para a causa.

Não há dúvidas de que a democratização do processo implica umatotal remodelação do papel do juiz na condução da causa, mas amudança vem em boa hora, pois uma das maiores aflições do juris-dicionado é não ser ouvido, enquanto a do magistrado, talvez, sejaa de decidir sem justiça e efetividade.

Humberto Dalla Bernardina de. A cooperação e a principiologia no processo civil

brasileiro. Uma proposta de sistematização. Revista Eletrônica de Direito Processual

REDP, Volume XII. Rio de Janeiro: Periódico da Pós-Graduação Stri cio Senso emDireito Processual da UERJ, 2013, P. 291, 293, 297 e 305.

JOHANSSON Abogados, Propiedad Intelectual____________________________________________

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A PROPRIEDADE INDUSTRIAL NO NOVO PROCESSO CML

4. Os NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS NAS AÇÕES

ENVOLVENDO PROPRIEDADE INDUSTRIAL°

Como visto, o princípio da cooperação consagra o princípio daautonomia da vontade e reflete a preocupação do legislador emestabelecer no âmbito do Poder Judiciário "um espaço não apenasde julgamento, mas de resolução de conflitos".9

Nesse contexto, o artigo 190 do NCPC positiva o chamado "ne-gócio jurídico processual", permitindo que as partes estipulem, noscasos em que se admita autocomposição, mudanças no procedi-mento para ajustá-lo às especificidades da causa é convencionarsobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais,antes ou durante o processo.

E bem verdade que, no passado, as partes já podiam pactuar algu-mas questões, antes ou durante o processo, como, por exemplo, oforo de eleição em caso de competência territorial (cláusula deeleição de foro), o pedido de suspensão do feito para a tentativa decomposição amigável, entre outros.

Porém, a existência de uma cláusula geral no NCPC amplia oleque de possibilidade de novos negócios processuais)°

Na área da Propriedade Industrial, em que a complexidade dotema e a envergadura econômica da discussão dão o tom das de-mandas, essa possibilidade de customização do litígio traz muitasvantagens.

A partir de agora, portanto, ganha especial importância o momen-to da celebração do contrato, oportunidade em que as partespodem convencionar algumas questões que terão repercussão prá-tica em eventual demanda judicial.

Dessa forma, podem ajustar, por exemplo, o foro de eleição, o in-teresse em métodos alternativos de solução de conflitos (mediação,conciliação e arbitragem), o rateio das despesas processuais e doshonorários advocatícios, o número máximo de pareceres sobre de-terminado tema, a impenhorabilidade de algum bem específico eetc. Muitos outros negócios jurídicos processuais já foram elenca-dos pelo Fórum Permanente de Processualistas Civis. 11

Além disso, o NCPC prevê algumas convenções processuais típi-cas, tais como a redistribuição consensual do ônus da prova, a de-

limitação consensual do objeto do processo e, principalmente, aescolha do perito pelas partes, o que se trata de um grande avanço.

Na área da Propriedade Industrial, em que os direitos em discus-são são os maiores ativos das empresas, as ações são normalmentecomplexas e exigem conhecimento técnico especializado, deman-dando a atuação de um perito com conhecimento na matéria.

Muitas vezes, ainda, as perícias envolvem duas áreas de conheci-mento (por exemplo, Propriedade Industrial e engenharia; Pro-priedade Industrial e química), o que torna ainda mais difícil parao juiz a indicação de profissionais adequados.

Dessa forma, a possibilidade de as partes escolherem consensual-mente o profissional que atuará no caso traz uma dupla vantagem.De um lado, permite que os litigantes tenham a certeza de que otema será examinado por alguém que conhece o assunto e, de outro,retira dos ombros do juiz o peso de uma indicação desconectada coma especificidade da matéria, fato recorrente nos dias de hoje.

Outra novidade do NCPC é a possibilidade de as partes ajustaremum "calendário processual" para a prática dos atos do processo(art. 191), o que também se aplica às perícias.

Nesse calendário, que pressupõe a participação do juiz, os prazoslegais podem ser dilatados, permitindo que as partes e seus assis-tentes técnicos tenham tempo hábil para preparar suas manifesta-

idades do caso concreto. Uma verdadeirações, à luz das especific adaptação do procedimento realidade dos litigantes.

Além disso, com o cronograma definido, tornam-se desnecessáriasas intimações via Diário Oficial, o que, de certa forma, alivia oprocedimento cartorário.

Vale registrar que, na perícia consensual (art. 471), que - paratodos os efeitos, substitui aquela que seria realizada por perito no-meado pelo juiz -, as partes devem indicar desde logo seus assis-tentes técnicos, podendo, inclusive, agendar datas para as fases daperícia e para entrega do laudo pericial, o que gera maior previsi-bilidade e prestigia a celeridade e a duração razoável do processo.

Em suma, enxergamos com entusiasmo a realização de negóciosjurídicos processuais na área da Propriedade Industrial, comoforma de promover uma prestação jurisdicional cooperativa maisjusta e eficiente.

Artigo escrito em coautoria com Paula Salles Fonseca de Mello Franco, advogada de

Dannemann Siemsen Advogados e pós-graduanda em Direito da Propriedade Intelec-

tual pela PUC-RIO.9. DA CUNHA, Leonardo Carneiro. Negócios jurídicos processuais no novo processo

civil brasileiro. Disponível emhttp://www.academia.ediil10270224/Neg%C3%B3cios

jur%C3%ADdicosprocessuais_no_processo.civil_brasileiro.

lo. TALAMINI, Eduardo. Um processo pra chamar de seu: notas sobre negócios jurídi-

cos processuais. Disponível em http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI228734,61

044Um +processo+ pra +chamar+ de+ seu+ nota+sobre+os+negocios+juridicos.

11. Vide Enunciados no 19, 20, 21,135, 262, 403, 490, 580. Transcreve-se, a título

ilustrativo, o Enunciado n° 19: São admissíveis os seguintes negócios processuais,

dentre outros: pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos das partes

de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de as-

sistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo de recurso, acordo para não promover

execução provisória; pacto de mediação ou conciliação extrajudicial prévia obrigatória, indu-

sive com a correlata previsão de exclusão da audiência de conciliação ou de mediação pre-

vista no art. 334; pacto de exclusão contratual da audiência de conciliação ou de mediação

prevista no art. 334; pacto de disponibilização prévia de documentação (pacto de disdosu-

re), inclusive com estipulação de sanção negocial, sem prejuízo de medidas coercitivas,

mandanientais, sub-rogatórias ou indutivas; previsão de meios alternativos de comunicação

das partes entre si; acordo de produção antecipada de prova; a escolha consensual de depo-

sitário-administrador no coso do art. 866; convenção que permita a presença da parte con-

trária no decorrer da colheita de depoimento pessoal. (Grupo: Negócio Processual; redação

revista no III FPPC- RIO, no V FPPC-Vitória e no VI FPPC-Curitiba).

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_wÇ^w_A PROPRIEDADE INDUSTRIAL NO NOVO PROCESSO CIVIL

5. MEDIAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: REFLEXÕES SOBRE O

POSICIONAMENTO DA ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO NAS AÇÕES

DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL.

Em recente oficio expedido pela Advocacia Geral da União(AGU) e assinado pela Procuradoria Regional Federal da 2Região, dra. Lucila Carvalho Medeiros da Rocha, a AGU deixaconsignado desde logo o desinteresse do INPI na realização de"audiências prévias" previstas no artigo 334 do NCPC.

Como se sabe, o referido dispositivo legal estabelece que, se a pe-tição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso deimprocedência liminar do pedido, o juiz designará audiência deconciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trin-ta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) diasde antecedência.

Cumpre destacar que a audiência só não será realizada se ambasas partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composi-ção consensual ou quando não se admitir a autocomposição (40,

1 e II).

Pois bem, como base no referido oficio, alguns Magistrados Fede-rais estão determinando diretamente a citação do INPI, deixandode designar audiência de mediação ou conciliação.

Em linhas gerais, a AGU defende que, em âmbito público, a au-tocomposição somente pode ser realizada quando houver normaexpressa autorizando a Administração Pública a assim proceder.Além disso;sustentaquea-autonornia-dmadvugado público fedeiaipara transação é limitada pela Lei n° 9.469/1997 e por normasinternas, como, por exemplo, a Portaria AGU n° 109/2007 e aPortaria PU no 915/2009.

Nada obstante, a AGU pondera que a realização de audiênciaspreliminares sem resultado prático prejudica a celeridade proces-sual e organização do trabalho, "diante da inexistência de Procu-

** Artigo escrito com coautoria como Dr. Rafael Carvalho Rezende Oliveira, Procurador

do Município do Rio de Janeiro. Ex-Defensor Público da União. Doutor em Direito

pela UVA/RJ. Professor de Direito Administrativo do IBMEC, da EMERJ e do

radores em número suficiente para comparecer às aludidas audiên-cias, e os próprios autores, em sua maioria idosos e enfermos".

Com todo o respeito, não concordamos com tal orientação e o temaexige uma maior reflexão.

Primeiramente, vale destacar que o NCPC estabelece, logo emseu capítulo inicial intitulado "Das Normas Fundamentais doProcesso Civil", que o Estado promoverá, sempre que possível, asolução consensual dos conflitos, devendo a conciliação, a media-ção e outros métodos de solução consensual de conflitos ser esti-mulados por juízes, advogados, defensores públicos e membrosdo Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial(art.3,2 e3).

Ou seja, o estímulo aos métodos alternativos de solução de confli-tos é regra nuclear do NCPC, que deve ser observada por todosos agentes do processo, sem qualquer distinção. Aliás, os artigos174 do NCPC e 32 da Lei no

13.140/2015 (Lei de Mediação)preveem expressamente a necessidade de criação de Câmaras deconciliação/mediação pelos entes públicos.

Por outro lado, nem todo interesse público é um direito indisponí-vel, sendo certo que os direitos indisponíveis também admitemtransação, exigindo-se, nesse caso, a homologação judicial, com aprévia oitiva do Ministério Público (art. 3°, § 2°, da Lei no13.140/2015).

Enquanto, em sua concepção clássica, a ideia de Estado de Direi-to estava intimamente vinculada à submissão da AdministraçãoPública à legalidade, hoje, no Estado Democrático de Direito,além do respeito à lei e à Constituição, deve a atividade adminis-trativa pautar-se por uma legitimidade reforçada.

A necessidade de conferir maior legitimidade à atuação do PoderPúblico, no contexto de um verdadeiro Estado Democrático deDireito, leva ao surgimento de novos mecanismos de participaçãopopular na elaboração de normas e na tomada de decisões admi-

Curso Forum. Professor dos cursos de pós-graduação FGV e da UCAM. Advogadoe consultor jurídico.

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A PROPRIEDADE INDUSTRIAL NO NOVO PROCESSO CIVIL

nistrativas, assim como o incremento de meios consensuais de atu-ação administrativa.A busca pelo consenso acarreta mudanças,inclusive, na mentalidade dos agentes públicos e na estrutura daAdministração Pública. Nesse sentido, a própria estrutura orgâni-ca da AGU conta, por exemplo, com a Câmara de Conciliação eArbitragem da Administração Federal - CCAE

A consensualidade administrativa tem sido efetivada pelos acordosadministrativos que não colidem com o princípio da indisponibili-dade do interesse público. Em razão da pluralidade de interessespúblicos e da necessidade de maior eficiência na ação administra-tiva, a legitimidade dos atos estatais não está restrita ao cumpri-mento da letra fria da lei, devendo respeitar o ordenamento jurídi-co em sua totalidade (juridicidade).

Por esta razão, a ponderação entre os interesses conflitantes justifi-ca a celebração de acordos por parte da Administração Pública,tais como: Termo de Ajustamento de Condutas (TAC): artigo 5°,parágrafo 6°, da Lei 7.347/1985; Termo de Compromisso:artigo 11, parágrafo 5', da Lei

no 6.385/1976 (Comissão de Va-

lores Mobiliários - CV1VI); Acordos terminativos de processosadministrativos: artigo 46 da Lei

no 5.427/2009 (Lei do ProcessoAdministrativo do Estado do Rio de Janeiro); Termo do compro-misso de cessação de prática e acordo de leniência: artigos 85 e 86da Lei no 12.529/2011 (Sistema Brasileiro de Defesa da Concor-rência - SBDC); Acordo de leniência: artigo 16 da Lei n°12.646/2013 (Lei Anticorrupção); Acordos e conciliação em se-tores regulados: artigo 93, inciso XV, da Lei n° 9.472/1997(ANATEL), artigo 43, inciso X, da Lei n° 9.478/1997 (ANP),artigo 29 da Lei n° 9.656/1998 (ANS), etc.[l]

Ressalte-se, inclusive, a recente revogação do parágrafo 1° do arti-go 17 da Lei n°8.429/1992 (LIA) pela MP 703/2015, viabili-zando, agora, a celebração de transação nas ações de improbidadeadministrativa.

No tocante à conciliação e mediação em ações judiciais envolvendoa Administração Pública, a autorização legal é expressa no NCPCe na Lei n° 13.140/2015, cabendo ressaltar que, no caso específi-co da Administração federal, a AGU deve adotar as medidas ne-cessárias para efetividade da autocomposição dos conflitos, naforma do artigo 4°, inciso VI, da Lei Complementar n° 73/1993,da Lei n° 9.469/1997, alterada pela Lei da Mediação, e do De-

creto n 7.392/2010.

Especificamente em relação ao INPI, seus procuradores devem in-centivar e estimular os métodos alternativos de resolução de conflitos.

Até porque, o próprio INPI, no curso de demandas judiciais,muitas vezes concorda com a própria tese autoral e postula a pro-cedência do pedido formulado na petição inicial.

12. OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo, 4' ed.,

São Paulo: Método, p. 50-54 e 528-529, 2016.

Mais do que isso, o INPI já vem celebrando acordos judiciais comos litigantes, encerrando as respectivas demandas judiciais. Comoexemplo, podemos citar casos em que a Autarquia assinou acordosa) reconhecendo que as patentes de determinada ação de nulidadenão eram mailbox; b) concordando com o pedido alternativo porela formulado (para redução do prazo de vigência da patente); c)admitindo que a própria decisão administrativa havia sido equivo-cada, ficando, nesse caso, a patente mantida com quadro reivindi-catório distinto, entre outros.

Na área de marcas, podemos destacar o Parecer Técnico doINPI/CPAPD n° 001/2012, que autoriza a Autarquia a admi-tir acordos de coexistência" ainda que como subsídios aoexame de registrabilidade do sinal requerido como marca oupara fins de eventual recurso contra indeferimento -, desde quenão prejudiquem os consumidores e os titulares da marca. Umainterpretação a contrario sensu, portanto, revela que a própriaDiretoria de Marcas do INPI admite a possibilidade de soluçãoconsensual do conflito.

Ademais, cumpre registrar que o INPI, por intermédio da Portariano 84/2013, instituiu o Regulamento de Mediação do INPI, ex-pedindo as Instruções Normativas n

os 23 e 28, ambas de 2013,

que, em síntese, dispõem sobre o processamento de pedido demediação administrados pelo Centro de Arbitragem e Mediaçãoda OMPI (Centro da OMPI), envolvendo controvérsias relativasa direitos marcários presentadas-perante-aquela-Autarquia-

Até onde se sabe, o projeto não foi para frente, mas não deixa deser um indicativo de que existe o espírito de cooperação e de incen-tivo aos métodos alternativos (adequados) de solução de conflitos.

Para arrematar, vale pontuar que eventual déficit de mão de obranão pode ser um álibi para a violação dos princípios norteadoresdo NCPC, principalmente o estímulo aos métodos alternativos desolução de conflitos e a duração razoável do processo.

Se existe um problema de política pública e orçamentária, esse éum assunto a ser resolvido no campo político e administrativo, 12 Oque não se pode é, de antemão, ceifar o direito de autocomposiçãoe sacrificar o direito à razoável duração do processo (artigos 5°,LXXVIII, da Carta Magna e 4 0 e 6° do NCPC), de forma gené-rica e abstrata, prejudicando o jurisdicionado.

Aliás, vale lembrar que, se o autor manifestar, na exordial, seudesinteresse na realização de audiência de conciliação/media-ção e o INPI apresentar petição no mesmo sentido até 10 (dez)dias antes da audiência (art. 334, § 5°, do NCPC), o juiz re-tirará a audiência de pauta e dará prosseguimento ao feito. Ouseja, num juízo de ponderação, não há que se falar em prejuízoà celeridade processual.

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REVISTADAABPI - N° 143-JuIJAGo 2016

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Nesse contexto, ao invés de manifestar, de forma irrestrita e incon-dicionada, o seu desinteresse pela não realização das audiênciasprévias, afastando de plano qualquer tentativa de conciliação ou demediação, talvez fosse mais adequado a atualização dos regulamen-tos à luz do NCPC e da Lei no 13.140/2015, que, como visto,incentivam a autocomposição no âmbito da Administração Públi-ca, com a fixação de parâmetros para efetivação de acordos e solu-ções consensuais em litígios envolvendo Propriedade Industrial.

Em resumo, a posição da AGU materializado no ofício em ques-tão, uma espécie de cartão vermelho preliminar ao consenso, estáem total dissintonia com os princípios do NCPC e com o própriocomportamento do INPI ao longo do tempo.

6. A SUSTENTAÇÃO ORAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO

Algumas novidades do NCPC repercutem diretamente na vidados advogados (contagem dos prazos em dias úteis, férias foren-ses no período entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, tarifaçãodos honorários sucumbenciais nos casos em que a Fazenda Públi-ca for parte, etc.).

Mas existe uma que certamente vai impactar a rotina dos advoga-dos nos tribunais, qual seja, a possibilidade de sustentação oral noagravo de instrumento, o que, aliás, já era admitido por algunstribunais do País. Com isso, valoriza-se a oratória e se maximiza aatuação dos advogados.

—C-onvém-esclarecer,-porém-que-de• acordo com, o NCPC, a sus-tentação oral só será admitida no caso de agravo de instrumentointerposto contra "decisões interlocutórias que versem sobre tutelasprovisórias de urgência ou da evidência" (art. 937, VIII). Ou seja,uma novidade que se aplica a quase todas as ações envolvendoPropriedade Industrial.

Nesse ponto, cabe uma crítica: o legislador também deveria terprevisto a possibilidade de sustentação oral no agravo de instru-mento interposto contra decisões interlocutórias que versem sobre omérito do processo, como, por exemplo, o julgamento parcial domérito (art. 356) e a improcedência liminar parcial (art. 332).

Isso porque, se foi permitida a sustentação oral em situações decognição sumária - as tutelas provisórias -, mais razão ainda paraautorizá-la quando se tratar de cognição exauriente, isto é, no jul-gamento parcial do mérito. A velha máxima de que quem podemais, pode (ou deveria poder) menos.

De qualquer forma, a alteração legislativa em questão veio em boahora. Como sabemos, muitas vezes as tutelas provisórias ganhamcontornos de um provimento definitivo.

E o que acontece, por exemplo, nas decisões proferidas em açõesda Propriedade Industrial que determinam a retirada de umproduto do mercado ou mesmo a alteração de sua embalagem.Diante da forte concorrência mercadológica, ordens judiciaisdessa natureza podem, na prática, ser irreversíveis, pois que,mesmo sendo revogadas posteriormente, o prejudicado já teráperdido considerável fatia de sua clientela e certamente enfrenta-rá dificuldades para se reposicionar.

Nesse sentido, a sustentação oral no agravo de instrumento certa-mente propiciará maiores debates sobre a controvérsia e uma aná-lise mais cuidadosa dos riscos da concessão (ou não) da tutelaprovisória, assegurando o contraditório participativo, um dos prin-cípios norteadores do NCPC.

Em uma sustentação oral, o advogado habilidoso consegue resu-mir, em poucos minutos, dezenas de laudas e sintetizar dias detrabalho. Os negritos e sublinhados de suas peças ganham sonori-dade e as imagens colacionadas, movimento. A posição corporal eo timbre de voz traduzem as pontuações e exclamações. Um desfi-le estático, com sentimento e tecnicidade.

Assim, os advogados das partes não mais comparecerão às sessõesde julgamento para assistir e ouvir, passivamente, o resultado pro-clamado pelo colegiado, ou, quando muito, pedir um "pela ordem"para pontuar alguma questão fática, mas sim para defender oral-mente os fundamentos e as razões de suas teses.

Nessa toada, é fundamental que os advogados em formação ou emexercício desenvolvam cada vez mais a oratória, uma ferramentaessencial na estratégia de convencimento dos desembargadores,principalmente dos vogais, que normalmente não tiveram acesso

RESTADAABPI - N° 143-JULJAG020I6

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aos autos e, quando muito, passaram rapidamente os olhos nosmemoriais entregues em gabinete.

Sob outro prisma, a alteração promovida pelo NCPC pode esti-mular uma postura mais ativa por parte do advogado do réu. Ex-plica-se: se o causídico estiver monitorando informalmente a de-manda e detectar a interposição de agravo de instrumento, poderáoptar por intervir no feito desde logo para tentar bloquear a con-cessão de eventual tutela provisória. E, é claro, vai levar em consi-deração a possibilidade de sustentação oral.

A estratégia se torna ainda mais sedutora quando se verifica que aintervenção do réu, nessa hipótese, não inaugurará automaticamen-te seu prazo de defesa. Isso porque, como se sabe, o prazo dacontestação no NCPC só começará a fluir depois de encerrada afase de mediação/conciliação (exceto nos casos em que ambas aspartes declaram não ter interesse na composição consensual e na-queles em que não se admite autocomposição).

Por fim, temos uma preocupação. Constantemente vemos situações emque o relator julga o agravo de instrumento de forma monocrática,mesmo fora das hipóteses do artigo 557 do CPC de 1973 (art. 932 doNCPC), seja para prover ou desprover o recurso. Registre-se apenasque, à luz do NCPC, para dar provimento ao recurso em tais hipóteses,o relator deverá primeiro ouvir a parte contrária (art. 932, V).

O problema é que, se não houver o devido enquadramento das hipó-teses de julgamento monocrático ao caso concreto, aregra do NCPCacabará sendo esvaziada, já que não há previsão legal de sustentaçãooral no agravo interno - embora o que esteja em julgamento seja opróprio agravo. Nesse ponto, convém lembrar que o dispositivo doanteprojeto do NCPC que previa a sustentação oral no agravo internoda apelação foi vetado, o que evidencia que não foi a intenção do le-gislador franquear o uso da palavra em tal hipótese. Menos ainda,portanto, em sede agravo interno no agravo de instrumento.

Em casos assim, caberá ao advogado interpor agravo interno etentar anular a decisão monocrática, demonstrando o distinguishing

e requerendo o regular prosseguimento do recurso, a fim de quepossa fazer a sustentação oral na respectiva sessão de julgamento.Apesar de viável a interposição de Recurso Especial com base noartigo 932 do NCPC, na prática a irresignação terá pouca efetivi-dade, pois, quando do desate da questão na Corte Especial, a tu-tela provisória já terá produzido seus efeitos no tempo.

Assim, entendemos que a alteração promovida pelo NCPC émuito bem vinda, pois, de um lado, valoriza cada vez mais a parti-cipação dos advogados e, de outro, assegura o amplo contraditório,e, ao mesmo tempo, estimula e incentiva o exercício da oratória.

7. INTIMAÇÃO DE ADVOGADO POR ADVOGADO

Com a vigência do NCPC, já se ouve nos corredores do Fórumque o advogado será, agora, quase um oficial de justiça.

Exageros à parte, explica-se: de acordo com o novo diploma legal,caberá ao advogado da parte informar ou intimar a testemunha porele arrolada do dia e hora da audiência designada, dispensando-sea intimação do juízo (artigo 455).

A intimação deverá ser feita por carta com aviso de recebimento -AR, devendo o advogado juntar aos autos, com antecedência mí-

nima de 3 (três) dias da data da audiência, cópia da correspondên-cia de intimação e do comprovante de recebimento.

Da mesma forma, poderá o advogado promover a intimação doadvogado da parte contrária por meio do correio, juntando aosautos a cópia do oficio de intimação e do aviso de recebimento(artigo 269, parágrafo 10). O ofício de intimação deverá ser ins-truído com cópia do respectivo provimento jurisdicional. Nessahipótese, o prazo começará a fluir, para o advogado intimado, apartir da data de juntada aos autos do aviso de recebimento.

Como se vê, longe de invadir a esfera de atuação dos oficiais dejustiça, os advogados serão responsáveis por promover algumasintimações. No caso das testemunhas, a providência é obrigatória,a exceção das hipóteses previstas no artigo 455, parágrafo 4°, mci-sos 1 a IV Já no caso da intimação do advogado da parte contrária,trata-se de mera faculdade e sua pertinência pode ser avaliada pelocausídico em cada caso concreto.

Examinaremos, então, algumas particularidades da intimação doadvogado pelo advogado do ex adverso, o oue, de certa forma, nãochega a ser uma novidade nas ações da Propriedade Industrial,pois alguns causídicos, maliciosamente ou não, já têm o costume deenviar e-mails para os patronos da parte contrária, anexando acópia de determinada decisão, na tentativa de acelerar a intimaçãodo adversário.

Em linhas gerais, consideramos que a alteração legislativa é positi-va. De um lado, o expediente pode desafogar o trabalho burocráti-co dos cartórios, pois, uma vez comprovada a intimação do advo-gado nos autos, não haverá necessidade, a princípio, de seexpedirem novas intimações referentes ao mesmo despacho, deci-são ou sentença. Por outro lado, a intimação via correios pode sermais rápida que a própria intimação judicial, inclusive eletrônica,o que favorece a duração razoável do processo.

Basta pensar, por exemplo, na hipótese de concessão de uma tute-la de urgência ou de uma tutela de evidência. Pode ser que o ad-vogado da parte que obteve a tutela não queira aguardar o regularprocessamento do feito pelo cartório e as providências de praxe,decidindo acelerar desde logo a intimação do advogado da partecontrária, a fim de que o prazo recursal se inicie mais rapidamente.

Isso até pode fazer parte de uma estratégia processual, pois evita queo advogado da parte contrária desfrute daquele prazo de 10 (dez)dias do processo eletrônico para abrir a respectiva intimação (artigo5°, parágrafo

30, da Lei no 11.419/2006 c/c 231, \7 do NCPC) e,

com isso, tenha mais comodidade para preparar seu recurso.

lo

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A primeira dúvida que surge é a seguinte: essa intimação só podeser feita pelos correios mediante aviso de. recebimento?

Entendemos que não. A intimação é o ato pelo qual se dá ciênciaa alguém dos atos e dos termos do processo (artigo 269). Emborao NCPC apenas mencione a intimação por correio nessa hipótese

específica, sustentamos que, se, de algum outro modo, restar com-provada a ciência do advogado da parte contrária, a intimação terácumprido seu desiderato.

Assim, por exemplo, se o advogado enviar um e-mail ao advo-gado da parte contrária anexando a decisão objeto da intimaçãoe esse responder a mensagem tomando ciência do ato, a intima-

ção terá sido formalizada. Nesse ponto, vale lembrar que a in-dicação dos endereços eletrônicos dos advogados do autor e do

réu passou a ser um requisito da petição inicial (artigo 319, II),o que reforça o nosso pensamento. Afinal, a intenção do legis-lador ao incluir tal providência revela a sua preocupação emdesburocratizar e dar celeridade ao processo, em sintonia comos princípios norteadores do NCPC (dever de cooperação,duração razoável do processo, etc.).

Ressalvamos, porém, que o mero aviso de recebimento do e-mailenviado não é suficiente para caracterizar a intimação. E que nãose pode garantir que a mensagem tenha sido efetivamente aberta elida pelo titular da conta de e-mail.

Como sabemos, muitos advogados compartilham, em períodos de-Viagem ouíériaso. acesso à.caixade.emails .com. ..secretárias e as-sistentes, o que, na prática, torna muito difícil saber se a mensagemfoi efetivamente entregue ao seu destinatário naquele exato momen-to. Assim como o NCPC impede a prolação de "decisões surpre-sa", não devem existir "intimações surpresa".

E quanto à intimação por correio com aviso de recebimento: comocomprovar o conteúdo da correspondência? E difícil acreditar quealgum advogado enviaria ao seu colega uma carta sem qualquerconteúdo ou faltando páginas da decisão. Até porque, vale lem-brar, todo aquele que participa do processo deve comportar-se deacordo com a boa-fé (artigo 50)

Porém, como não vivemos em um País de apenas bons samaritanos,a situação, de certa forma, preocupa, pois, ainda que o ônus deprovar o conteúdo em caso de eventual controvérsia seja do reme-tente, muitas vezes a discussão envolverá a perda de um prazoprocessual, o que, por si só, causa tensão.

Para evitar qualquer discussão nesse sentido, sugerimos, em casosmais relevantes, que a intimação do advogado seja feita por cartóriode títulos e documentos, valendo-se, assim, da fé pública do tabe-lião. Em se tratando de correspondência enviada pelo correio,ainda há a possibilidade de lavratura de uma Ata Notarial (artigo384) para atestar o exato conteúdo da comunicação.

Em suma, a possibilidade de intimação do advogado pelo patronoda parte contrária veio em boa hora e pode desburocratizar e ace-lerar o andamento do processo, mas o expediente exige cuidadosespeciais e, obviamente, boa-fé e respeito aos princípios positivadospelo novo diploma legal.

8. CONSIDERAÇÕES SOBRE A ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA EM

AÇÕES DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

Abordaremos, agora, uma outra novidade trazida pelo NCPC, qualseja, a estabilização da tutela antecipada em caráter antecedente,fazendo um paralelo com as ações da Propriedade Industrial.

Inspirada no direito francês, a estabilização da tutela antecipadaparte de uma lógica de que, se ambas as partes estão satisfeitas coma decisão antecipatória, não há necessidade de dilação probatóriae de se prosseguir em busca de uma decisão exauriente no planovertical. Um brinde à duração razoável do processo e à efetividadeda prestação jurisdicional!

De acordo com o NCPC, se o autor lançar mão do benefício datutela antecipada em caráter antecedente (artigo 303, parágrafo50), não precisará preparar uma extensa petição inicial, formulan-do desde logo os pedidos indenizatórios e requerimentos secundá-rios. Bastará requerer a tutela antecipada, demonstrando sucinta-mente a plausibilidade de seu direito e o perigo de dano ou do riscoao resultado útil do processo, indicando, ainda, o valor da causa.

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REVISTA DA ABPI - 143 - Jui.JAco 2016

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Uma vez concedida a tutela, deverá aditar a petição inicial em15 (quinze) dias ou em prazo maior que o juiz fixar (artigo303, parágrafo 1°). Registre-se apenas que, em nossa opinião,não faz sentido o NCPC determinar que o autor adite a petiçãoinicial, com a complementação de sua argumentação, a juntadade novos documentos e a confirmação do pedido de tutela finalno prazo acima, uma vez que, se o réu não interpuser o recurso,todo esse trabalho do advogado terá sido em vão. Melhor teriasido postergar esse aditamento para após a notícia da interposi-ção do agravo de instrumento 13 ou, então, adotar a metodologiadefendida adiante.

Pois bem, caso a ordem judicial seja concedida e o réu não inter-ponha agravo de instrumento, o processo será julgado extinto e atutela antecipada tornar-se-á estável (artigo 304, caput e parágra-

fo 10). Convém esclarecer, todavia, que qualquer das partes,dentro do prazo de dois anos, pode ajuizar uma ação para rever,reformar ou invalidar a tutela antecipada. Ultrapassado esseprazo, a ordem judicial torna-se estável, porém sem força de coisajulgada (artigo 304, § 60).

A sistemática é interessante e pode ajudar a desafogar o Judici-ário (os processos serão encerrados precocemente), mas nãodevemos fazer uma interpretação literal dos dispositivos, sobpena de nos depararmos com algumas perplexidades jurídicas.Defendemos, assim, a necessidade de uma interpretação siste-mática ilustrando a problemática com exemplos da área daPropriedade Industrial.

Em litígios dessa natureza, sobretudo nas ações de infração, o autornormalmente formula um pedido de tutela antecipada e tambémpleiteia indenização pelas violações perpetradas pelos infratores.

Imaginemos então a seguinte situação: se o autor formular umpedido de tutela antecipada em caráter antecedente, valendo-sedo benefício de apresentar uma petição inicial simplificada(sem os pedidos indenizatórios, por exemplo), terá, em tese,que torcer para o réu interpor agravo de instrumento, evitando-se a estabilização da tutela e o consequente encerramento pre-maturo do processo (que, a essa altura, já terá recebimento oaditamento da petição inicial). Sim, porque de acordo com oartigo 304, parágrafo 1 °, do NCPC, a inércia do réu enseja aextinção do feito.

Com a devida venha, essa "extinção" do processo não parece lógi-ca. Obrigar o prejudicado a pagar novas custas judiciais, estendera contratação de seu advogado e propor uma nova ação judicialpara buscar o ressarcimento dos valores devidos viola o sincretismoprocessual e os princípios norteadores do NCPC.

13.. SICA, Heitor Vitor Mendonça. Doze problemas e onze soluções quanto à chamada

'estabilização da tutela antecipada". Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro,ed. 55, 2015, p. 92, nota de rodapé 13, disponível em http://publicacao.mpij.mp.br/

rnsprj/rmps55/fil&assets/basic-html/page88.html.

Do ponto de vista do réu, a questão também é inusitada: será eleobrigado a recorrer mesmo não tendo interesse recursal? Imagine-mos a hipótese de uma ordem judicial proibindo o réu de utilizar amarca do autor em evento já realizado à época do prazo recursal.Por que ele precisaria pagar custas e arcar com honorários de seuadvogado para elaboração de um recurso sem qualquer efeito prá-tico? Não soa razoável. Da mesma forma, qual seria o interesse doréu de recorrer de uma ordem judicial proferida nos autos de umaação de infração de patente, se ele percebe que no momento deinterposição do agravo de instrumento a patente já caiu em domí-nio público?

Nesse particular, sem embargo de balizadas opiniões em contrário,filiamo-nos à corrente de processualistas que entendem que a esta-bilização da tutela antecipada não pode resultar simplesmente danão interposição do recurso pelo réu, mas também, necessariamen-te, do não oferecimento da contestação, à luz dos princípios docontraditório e da ampla defesa. 14

Neste sentido, sustentamos a necessidade de uma interpretaçãoteleológica, prestigiando a seguinte linha de raciocínio:' 5 i) se oautor aditar a petição inicial e o réu agravar ou contestar, nãohaverá estabilização e o processo prosseguirá normalmente; ii) seo autor aditar a petição inicial e o réu não agravar ou contestar,o autor deverá ser intimado para dizer se pretende prosseguir ebuscar uma sentença de mérito (com exame dos demais pleitos)ou desistir da demiida, caso em que a tutela ficará estabilizadae o processo será extinto sem resolução do mérito; iii) se o autornão aditar a petição inicial, o réu pode, mesmo assim, quereragravar ou contestar para impedir a estabilização da tutela, sendoque nessa hipótese o processo será julgado extinto e eventual re-curso declarado prejudicado; e iv) se o autor não aditar a exordiale o réu não agravar ou contestar, ocorrerá a estabilização e oprocesso será extinto sem resolução de mérito, devendo o Juizdeclarar estabilizada a tutela.

A compreensão dessa sistemática é fundamental para que haja es-tímulo ao requerimento da tutela antecipada em caráter anteceden-te. Caso contrário, os advogados só farão uso do expediente naque-las hipóteses em que a situação é urgentíssima a ponto deinviabilizar o desenvolvimento de uma petição inicial completa ounos casos em que o prejudicado se satisfaça com eventual ordem deabstenção de uso (para evitar o lançamento de um produto nomercado, por exemplo).

Afinal, ninguém vai querer correr o risco de ser prejudicado pelainércia do réu, se contentando com uma tutela antecipada que,apesar de estável, sequer fará coisa julgada.

14. GRECO, Leonardo. A Tutela da urgência e da tutela da evidência no Código de Pro-

cesso Civil de 2014/2015. Revista Eletrônica de Direito Processual - REDP, vol. )(IV15. CAIVIARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Atlas,

p. 166, 2015.

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REVISTA DAABPI_ N°143- JUIJAGO 2016

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9. O SISTEMA BRASILEIRO DE PRECEDENTES E SEUS REFLEXOS

NA ÁREA DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL***

O NCPC consagrou um sistema de precedentes inspirado nacommon lato e adaptado para o civil lato."

Contudo, essa perspectiva de valorização dos precedentes noNCPC não é inédita e tampouco pode ser considerada uma novi-dade contemporânea.

Em nosso ordenamento jurídico, o primeiro marco relevante foi acriação da Súmula da Jurisprudência Predominante do SupremoTribunal Federal em 1963.17 Embora não tivesse qualquer efeitovinculante, passou a exercer grande influência nos julgamentos.

Em 1990, foi editada a Lei n o 8.038, que autorizava o desprovi-mento de recursos perante o STJ e STF quando "contrariar, nasquestões predominantemente de direito, Súmula do respectivoTribunal" (art. 38).

Posteriormente, a Emenda Constitucional n o 03/1993 passou a con-ferir efeito vinculante à decisão proferida pelo STF em Ação Declara-tória de Constitucionalidade (art. 102, § 2 0, da Carta Magna).

Em 'l(VSA Emenda 1 O A 1 flV)um LUULt, a Lonstituclonal n 't..' incluiu os artigos iinciso III, parágrafo 30,18 e 103-A' 9 na Constituição Federal, ins-tituindo a repercussão geral para o recurso extraordinário e a cha-mada súmula vinculante.

Em 2008, a Lei n° 11.672 acrescentou o artigo 543-C aoCPC/1 973 e estabeleceu o procedimento para o julgamento derecursos repetitivos no ambito do Superior Tribunal de justiça.

Ao longo do tempo, outras reformas legislativas modificaram oCPC/1973, incentivando a valorização dos precedentes, com refle-

*** Artigo escrito em coautoria com Nathalia Ribeiro, advogada de Dannemann Siemsen

Advogados e pós-graduada em Direito Processual Civil pela Escola da Magistratura

do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ.16. CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo processo civil brasileiro, 2 a

ed. São Paulo:Atlas, P. 427, 2016.

17. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Súmula, Jurisprudência, Precedente: umaescalada e seus riscos. Rev. Dialético de Dir. Proc., no 27, 2005.

18. Art. 102, III, § 3°: No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a reper-

cussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de

xos, por exemplo, na improcedência liminar do pedido (art. 285-A)

e no julgamento monocrático (provimento/desprovimento) de recur-

sos que envolvessem matéria sumulada ou objeto de jurisprudênciadominante dos tribunais (art. 557).

Nessa toada, o legislador do NCPC, dentro da ótica de eficácia

horizontal dos direitos fundamentais, positivou consagrados princí-

pios constitucionais, tais como a isonomia, a duração razoável doprocesso, a segurança jurídica, a efetividade, que são verdadeiros

cânones do sistema de precedentes.

A ideia é racionalizar a entrega da prestação jurisdicional e impe-dir que casos semelhantes sejam julgados de forma distinta, evitan-do a odiosa "justiça lotérica".

Nesse sentido, o artigo 926 do NCPC dispõe que "os tribunais

devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e

coerente", observando a) as decisões do Supremo Tribunal Federal

em controle concentrado de constitucionalidade; b) os enunciadosde súmula vinculante; c) os acórdãos em incidente de assunção de

competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julga-mento de recursos extraordinário e especial repetitivos; d) os enun-

ciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria

constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infra-constitucional; e e) a orientação do plenário ou do órgão especialaos quais estiverem vinculados (art. 927).

Na área da Propriedade Industrial, em que normalmente as discus-sões são técnicas, complexas e envolvem valores expressivos, a sis-

temática é interessante, pois a ausência de homogeneidade de en-

tendimento causa flagrante insegurança segurança jurídica.

que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela mani-

festação de dois terços de seus membros.

19. Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, me-diante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria

constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá

efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração

pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como procederà sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

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A PROPRIEDADE INDUSTRIAL NO NOVO PROCESSO CIVIL

A propósito, vale registrar que, passados mais de 20 (vinte) anosda Lei n° 9.279/1996, a única súmula (não vinculante) sobre amatéria versa sobre o prazo prescricional para a propositura deação de perdas e danos decorrente de uso de marca." Não existequalquer súmula vinculante ou julgamento de recursos repetitivos.

Aliás, somente alguns meses atrás o STJ afetou o primeiro caso àsistemática dos recursos repetitivos. No REsp 1 .527.232/SP, aCorte decidirá se "é possível à justiça estadual impor abstenção deuso de marca registrada pelo INPI", bem como determinar a abs-tenção de uso de elementos não registrados no INPI (trade dress)

em ações de concorrência desleal.

Nesse particular, parece-nos claro que, nos conflitos entre o titularde uma marca registrada e um suposto infrator sem registro conce-dido pelo INPI, a justiça estadual é competente para decidir aquestão. Porém, quando o conflito envolver duas empresas comregistros concedidos pelo INPI, a justiça federal será a competentepara dirimir a controvérsia. Caso contrário, a justiça estadual esta-ria, por via oblíqua, esvaziando os efeitos de um registro marcárioe usurpando a competência exclusiva da justiça federal.

Quanto ao segundo ponto a ser analisado pelo STJ, entendemos quea justiça estadual é competente para julgar as ações de concorrênciadesleal com base em &ade dress, pois a discussão não pressupõe aanálise de eventual nulidade dos signos distintivos, mas sim o exameda alegada prática desleal, materializada pela imitação ou reprodu-ção indevida da identidade visual de determinado produto/serviço.

Muitas outras controvérsias na área da Propriedade Industrial tam-bém deveriam ser pacificadas, clareando o horizonte dos litigantes.

Uma delas, por exemplo, versa sobre a regra de competência paraas ações de infração de marca com pedido indenizatório. A discus-são reside em saber se deve ser aplicada a regra geral do foro dodomicílio do réu (art. 94 do CPC/1 973 - art. 46 do NCPC) ouse pode ser invocado o local do ato ou do fato, ou mesmo o foro dedomicílio do autor (art. 100, V, "a", e § único do CPC/1 973 - art.53,1V, "a", e V, do NCPC).

Depois de algumas decisões conflitantes no âmbito do STJ, o temafoi equalizado no julgamento dos Embargos de Divergencia n783.280/RS,21 prevalecendo a regra do foro especial. Porém,como o julgamento não ocorreu sob a sistemática dos recursos re-petitivos, não há que se falar em efeito vinculante do decisum, o queainda abre espaço para decisões contraditórias em casos análogos.

Na área das patentes, a discussão sobre o prazo de vigência daspatentes pipeline foi equacionada pela Segunda Seção do STJ, nojulgamento do REsp n° 73 1. 1 01/Ri, consignando-se que "a Lei daPropriedade Industrial, em seu art. 230, § 4°, c/c o art. 40, estabe-lece que a proteção oferecida às patentes estrangeiras, chamadas

20. Súmula 143 do STJ: 'Prescreve em cinco anos a ação de perdas e danos pelo uso de

marca comercial".

patentes pipeline, vigora 'pelo prazo remanescente de proteção nopaís onde foi depositado o primeiro pedido', até o prazo máximo deproteção concedido no Brasil - 20 anos - a contar da data do pri-meiro depósito no exterior, ainda que posteriormente abandonado".

Embora o dccisum possa ser uma diretriz para os magistrados, nãofoi proferido em sede de recurso repetitivo e, portanto, não temefeito vinculante. Além disso, a discussão exige maior reflexão eampla participação plural da sociedade, não apenas em razão da

mens legis do legislador da LPI, mas também por conta dos valoresconstitucionais em jogo, o que justifica a reabertura dos debates.

Outro tema recorrente nos tribunais que merece ser enfrentadoenvolve o chamado direito de precedência ao registro de marca(art. 129, § 1°, e 158 da LPI). A jurisprudência é vacilante.Existem julgados reconhecendo que o direito de precedência podeser manifestado judicialmente, após a concessão do registro(TRF2 - AC n° 2009.51.01.813202-0), e outros arestos defen-dendo que o direito de precedência deve ser necessariamente ma-nifestado antes da concessão do registro de terceiro (TRF2 - ACno 0029525-38.2012.4.02.5101).

Antes de encerrai um último comentário: consideramos que a valoriza-ção dos precedentes não fomenta o chamado imobilismo jurisprudencial.Isso porque, existem técnicas - importadas da common 10w —de supera-ção dos entendimentos (overruling e oterriding) e de confronto do para-digma com caso conc (dislinguishing), que podem ser invocadaspelas partes e pelos julgadores, sempre de forma fundamentada.

Ou seja, nessa escalada histórica dos precedentes, o NCPC criauma parametrização que pode racionalizar a entrega da prestaçãojurisdicional, garantindo a isonomia, a efetividade e a duração ra-zoável do processo.

10.0 IJVIPACFO DO IRDR NAS ACÓES DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

Uma das maiores novidades do NCPC é o Incidente de Resolu-ção de Demandas Repetitivas, previsto no artigo 976 e seguintes.Inspirado no Musterverfahrcn alemão, no PilotJudgement da CorteEuropeia de Direitos Humanos e no Group Litigation Order daInglaterra, o IRDR surge para dar concretude ao sonho dos juris-tas de garantir uma decisão de mérito, em tempo razoável.

De fato, a preocupação com o tempo e a duração razoável doprocesso é uma tônica do novo código, o que, aliás, está evidencia-do logo no capítulo inicial intitulado "Das Normas Fundamentaisdo Processo Civil"ivil , especialmente nos artigos 4 e 6

Em linhas gerais, o IRDR tem como objetivo garantir a isonomiadas decisões judiciais e a segurança jurídica, toda vez que existir umamultiplicidade de causas versando sobre a mesma questão de direito.

21. Embargos de Divergência no

783.280/RS, Rei. Ministra Nancy Andrighi, Segunda

Seção, julgado em 23/02/2011, DJe 19/04/2012.

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1^^wA PROPRIEDADE INDUSTRIAL NO NOVO PROCESSO CML

O incidente pode ser instaurado de oficio pelo juiz ou peio relator,ou por meio de petição, pelas partes, assim como pelo MinistérioPúblico e pela Defensoria Pública.

Funcionará assim: o pedido ou o oficio será endereçado ao tribu-nal com os documentos necessários à demonstração do preenchi-mento dos pressupostos legais. Em seguida, o presidente do tri-bunal encaminhará o pleito ao órgão competente. Sorteado orelator, será feito o juízo de admissibilidade. Uma vez admitidoo incidente, todos os processos que versam sobre a mesma ques-tão de direito serão suspensos. Após ouvidas as partes e o Minis-tério Público, além de eventuais interessados (artigo 983), o re-lator levará o feito a julgamento. Definida a questão de direito noprazo máximo de um ano (artigo 980), a tese será aplicada atodos os processos individuais ou coletivos que versem sobreidêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdiçãodo respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juiza-dos especiais do respectivo estado ou região, bem como aos casosfuturos que envolvam idêntica questão de direito e que venham atramitar no território de competência do tribunal.

Contra a referida decisão é possível a interposição dos recursosespecial e extraordinário, que, excepcionalmente, são dotados deefeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral da questãoconstitucional debatida. Esse pronunciamento das cortes superio-res, embora não obrigatório, é importante para permitir a uniformi-zação do tema em nível nacional, com efeitos erga omnes.

Na.áreaÀaPropriedadeJndustriaassimcomo em outros ramosdo direito, existem temas que se repetem em múltiplas demandas.São matérias de densidade infraconstitucional e constitucional queainda não foram pacificadas e causam grande insegurança jurídicaà comunidade empresarial.

Como já salientado, nenhuma dessas teses foi apreciada em sedede recurso repetitivo pelo STJ ou teve a repercussão geral reconhe-cida pelo STF. Tampouco é objeto de súmula vinculante, o quedemonstra a inexistência de efeito vinculativo dos precedentes.

A consequência disso são decisões discrepantes, inclusive dentrodo mesmo tribunal, causando instabilidade e insegurança jurídica.

Em boa hora então surge o IRDR, que será fundamental para oprocesso de consolidação da jurisprudência na área da Proprieda-de Industrial.

O espaço é limitado para maiores aprofundamentos, mas citaremosalguns exemplos práticos de possível instauração do IRDR.

Na área de marcas, por exemplo, persiste a discussão se a indeniza-ção por dano material depende da comprovação dos prejuízos ou seé mera consequência do ato ilícito (REsp 11 74098/MG x AgRgno AREsp 111 842/SP). A questão ainda não está pacificada.

No seguimento das patentes, merece registro a distribuição decentenas de ações de nulidade pelo INPI em relação às chamadaspatentes mailbox, que visam a proteger produtos farmacêuticos eprodutos agroquímicos, cuja discussão gira em torno do respectivoprazo de validade dessas patentes.

Esses breves exemplos demonstram que relevantes questões de di-reito na área da Propriedade Industrial podem ser objeto doIRDR, acelerando a formação de precedentes e garantindo a iso-nomia das decisões e a segurança jurídica, e ainda contribuindo -torcemos - para a duração razoável do processo.

11. A POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO PARCIAL DO MÉRITO DE

AÇÕES REPETITIVAS SUSPENSAS PELO IRDR

Como visto, o IRDR poderá ser instaurado sempre que existir umarepetição de processos versando sobre a mesma questão de direitoe houvër rico de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. Taisrequisitos são cumulativos e devem estar demonstrados no pedidode instauração do incidente.

Nesse momento de sedimentação do incidente, surgem muitas dúvi-das e o NCPC não traz uma resposta precisa para todas elas. Porexemplo, quantos processos versando sobre a mesma questão de di-reito são suficientes para caracterizar a "efetiva repetição de proces-sos"? A matéria de direito pode compreender questões de direitoprocessual ou apenas de cunho material? Para que esteja configura-do o"risco a isonomia e a segurança jurídica", e necessano que va-rias demandas já tenham sido julgadas em sentido conflitante ou

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REVISTA DA ABPI - 143 - JuLJAco 2016

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A PROPRIEDADE INDUSTRIAL NO NOVO PROCESSO CIVIL

basta a possibilidade de decisões contraditórias? É preciso que jáexista um, recurso pendente no tribunal para que seja admitido oIRDR? E recorrível a decisão do órgão colegiado que rejeitar ainstauração do IRDR? Pode o juiz solicitar a instauração do IRDRem processo ainda não decidido ou somente quando da remessa dorespectivo feito ao tribunal por força de recurso ou reexame necessá-rio? Apenas os legitimados do artigo 977, incisos II e III (partes,MI? e Defensoria) podem requerer ao STJ ou STF a suspensão detodos os processos individuais ou coletivos repetitivos (art. 982, § 30)ou também os demais interessados, inclusive o amicus curiae?

Algumas dessas questões e outras controvérsias estão sendo debati-das pelos processualistas e posicionamentos já foram assentados. 22

Poderíamos enfrentar cada um dos questionamentos acima, mas,diante da reduzida dimensão deste artigo, iremos examinar umasituação muito relevante que diz respeito aos efeitos da suspensãodas ações repetitivas por força da decisão de admissão do IRDR.

De acordo com NCPC, os processos ficam suspensos pelo prazode 1 (um) ano e, após esse prazo, voltam a correr normalmente,salvo decisão fundamentada do relator em sentido contrário (art.980 e seu parágrafo único).

Surgem então novas indagações. O processo fica totalmenteparalisado nesse prazo de 1 (um) ano? O que pode ser apre-ciado pelo juiz da causa suspensa? Ele pode julgar um dospedidos não relacionados ou que não sejam preudcias à ma-téria objeto do IRDR?

Pois bem, inicialmente vale registrar que o próprio NCPC ressalvaque, durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência será diri-gido ao juízo onde tramita o processo suspenso (art. 982, § 20).Claro, não seria razoável permitir que uma situação de urgênciacapaz de causar dano ou lesão a direito não fosse tutelada peloEstado (art. 5°, XXXV da CF).

Entendemos que a decisão do relator que determina a suspensãodas ações repetitivas não é um sopro górgono23 capaz de petrificaro processo. Este não fica congelado e adormecido (Enunciado n205 do FPPC).

Na verdade, além das tutelas de urgência, o juiz pode, por exem-plo, homologar o pedido de desistência da ação, o que, porém, nãoimpedirá o exame de mérito do incidente (art. 976, § 1°).

Nada obstante, o juiz pode dar andamento ao feito, determinandoprovidências necessárias e avançando na instrução probatória emrelação às demais matérias de direito e de fato que não tenhamrelação ou subordinação com o tema do IRDR.

22. Vide os Enunciados nos 87, 88, 89,90,91, 92, 93,94, 95,206,342,343,345, 347,349, 473, 481, 556, 605 e 606 do FPPC.

23. Górgona é uma criatura da mitologia grega que tinha o poder de transformar todos queolhassem para ela em pedra. Conta-se que existiam três górgonas: as três filhas deFórcis e Ceto. Seus nomes eram Medusa, "a impetuosa", Esteno, "a que oprime" eEuríale, "a que está ao largo".

Mais do que isso: sustentamos que o juiz pode julgar parcialmenteo mérito (art. 356), providência que tem cabimento quando um oumais dos pedidos formulados, ou parcela deles, mostrar-se incon-troverso ou estiver em condições de imediato julgamento (desneces-sidade de novas provas ou o réu for revel e não houver protestadopela produção de prova).

Imaginemos a hipótese de o autor, que ainda não tem uma marcaregistrada no INPI, ajuizar uma demanda com base em dois fun-damentos distintos: infração de marca e violação de direito autoral,formulando os respectivos pedidos indenizatórios. Pode ser que otema marcário não possa ser julgado desde logo (por força deeventual IRDR em que se decidirá se o depositante de um pedidode registro de marca pode compelir alguém a se abster de usar osinal depositado, ou, ainda, se a indenização por dano materialdecorre da infração em si ou se os prejuízos precisam ser efetiva-mente demonstrados).

Nesse exemplo ilustrativo, nada obsta que o juiz, verificando que oprocesso não demanda a produção de outras provas e se encontraem condições de imediato julgamento, enfrente e decida a alegadaviolação de direito autoral e o respectivo pedido indenizatório.Caberá agravo contra tal decisão (art. 356, § 55.

Sem dúvida que a flexibilização da regra de suspensão das açõesrepetitivas será um grande avanço, 24 prestigiando a celeridade e aduração razoável do processo (parte da causa será decidida desdelogo), a economia processual (o autor optou por cumular os pedidosao invés de propor duas demandas), efetividade (permitir a realiza-ção dos direitos em menor tempo) e a segurança jurídica (eliminaçãode incertezas), todos princípios norteadores do NCPC.

Nesse contexto, propõe-se uma interpretação sistemática, a fim deque os efeitos da mencionada suspensão dos processos repetitivosse restrinjam às matérias relacionadas ou prejudiciais ao tema dedireito objeto do IRDR, não impedindo, porém, o julgamentoparcial do mérito em relação às questões não vinculadas ou afeta-das pelo incidente.

12. CONCLUSÃO

O NCPC trouxe importantes alterações que podem impactar dire-tamente os litígios na área da Propriedade Industrial.

Ainda não sabemos como os tribunais irão se posicionar em muitasdas questões aqui levantadas, mas as novidades são bem-vindas epodem contribuir para um processo mais ético e célere, com respei-to à isonomia e à segurança jurídica.

24. MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; TEMER, Sofia. O Incidente de Resoluçãode Demandas Repetitivas no novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, vol.243/2015, p. 283-331, mxi 2015 DTR015/7913.

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MA PROPRIEDADE INDUSTRIAL NO NOVO PROCESSO CIVIL

Esperamos que a bússola interpretativa de nossos tribunais esteja

calibrada para equacionar as controvérsias à luz dos princípios

norteadores do novo processo civil, e consolidar, com brevidade,

entendimentos jurisprudenciais, especialmente na área da Proprie-

dade Industrial.

Em suma, temos um novo código de processo civil e devemos respeitá-

lo. As críticas e os quesfionamentos sempre vão existir e fazem parte

do processo de amadurecimento do direito, o que, aliás, é fundamental

em qualquer sociedade e para o progresso das relações jurídicas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrati-vo. 4

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PINHO, Humberto DalIa Bernardina de. A cooperação e a principio-logia no processo civil brasileiro: uma proposta de sistematização.Revista Eletrônica de Direito Processual REDP vol. XII. Rio deJaneiro: Periódico da Pós-Graduação Stricto Senso em DireitoProcessual da UERJ, p. 291, 293, 297 e 305, 2013.

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LILIAN DE MELO SILVEIRA.1,1YL.IeY I•tIIlV.i'I•1

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