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Rua Barão de Itapetininga, 93 – 5º andar São Paulo-SP 01042-908 Brasil Tel/Fax (55 11) 3884-7440 www.conectas.org [email protected] ILUSTRE SECRETÁRIO DA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS FRANCISCA EVANGELISTA ALVES DE SOUZA, brasileira, casada, doméstica, portadora da cédula de identidade RG nº 29.187-522-X SSP/SP, inscrita no CPF/MF sob nº 297.898.068-09, residente e domiciliada na Rua José Pereira Cruz, nº 239, Parque Bristol, 04193-050 São Paulo/SP, Brasil (doc. 1 e 2); HELENITA BARBOSA DE ANDRADE, brasileira, casada, doméstica, portadora da cédula de identidade RG nº 21.284.607 SSP/SP, inscrita no CPF sob nº 090.325.758-05, residente e domiciliada na Rua Jorge de Moraes, nº 57, Parque Bristol, 04193-090 São Paulo/SP, Brasil (doc. 3 e 4); MARIA JOSÉ DE LIMA ANDRADE, brasileira, casada, doméstica, portadora da cédula de identidade RG nº 36.060.498-5 SSP/SP, inscrita no CPF sob nº 588.019.955-04, residente e domiciliada na Rua Jorge de Moraes, nº 76, Parque Bristol, 04193-090 São Paulo/SP, Brasil (doc. 5 e 6) e CONECTAS DIREITOS HUMANOS, associação civil sem fins lucrativos qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, inscrita no CNPJ/MF sob o nº 04.706.954/0001-75, com sede na Rua Barão de Itapetininga, 93 – 5º andar, 01042-908 São Paulo/SP, Brasil, por seu Diretor Jurídico Dr. Oscar Vilhena Vieira (docs. 7 e 8) e seus advogados e bastante procuradores (docs. 9 e 10), vem respeitosamente apresentar DENÚNCIA em face da REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL por violação dos artigos 1.1, 4, 5 e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo país em 25 de setembro de 1992.

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Rua Barão de Itapetininga, 93 – 5º andar • São Paulo-SP • 01042-908 • Brasil

Tel/Fax (55 11) 3884-7440 • www.conectas.org • [email protected]

ILUSTRE SECRETÁRIO DA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS

FRANCISCA EVANGELISTA ALVES DE SOUZA, brasileira, casada, doméstica,

portadora da cédula de identidade RG nº 29.187-522-X SSP/SP, inscrita no

CPF/MF sob nº 297.898.068-09, residente e domiciliada na Rua José Pereira Cruz,

nº 239, Parque Bristol, 04193-050 São Paulo/SP, Brasil (doc. 1 e 2); HELENITA BARBOSA DE ANDRADE, brasileira, casada, doméstica, portadora da cédula de

identidade RG nº 21.284.607 SSP/SP, inscrita no CPF sob nº 090.325.758-05,

residente e domiciliada na Rua Jorge de Moraes, nº 57, Parque Bristol, 04193-090

São Paulo/SP, Brasil (doc. 3 e 4); MARIA JOSÉ DE LIMA ANDRADE, brasileira,

casada, doméstica, portadora da cédula de identidade RG nº 36.060.498-5

SSP/SP, inscrita no CPF sob nº 588.019.955-04, residente e domiciliada na Rua

Jorge de Moraes, nº 76, Parque Bristol, 04193-090 São Paulo/SP, Brasil (doc. 5 e

6) e CONECTAS DIREITOS HUMANOS, associação civil sem fins lucrativos

qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP,

inscrita no CNPJ/MF sob o nº 04.706.954/0001-75, com sede na Rua Barão de

Itapetininga, 93 – 5º andar, 01042-908 São Paulo/SP, Brasil, por seu Diretor

Jurídico Dr. Oscar Vilhena Vieira (docs. 7 e 8) e seus advogados e bastante

procuradores (docs. 9 e 10), vem respeitosamente apresentar DENÚNCIA em face

da REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL por violação dos artigos 1.1, 4, 5 e 25

da Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo país em 25 de

setembro de 1992.

2 Rua Barão de Itapetininga, 93 – 5º andar • São Paulo-SP • 01042-908 • Brasil

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Esta denúncia se refere às violações de direitos humanos ocorridas na “Chacina do Parque Bristol”, que culminaram nos homicídios consumados de EDIVALDO BARBOSA DE ANDRADE, FÁBIO DE LIMA ANDRADE e ISRAEL ALVES DE SOUZA e nos homicídios tentados de EDUARDO BARBOSA DE ANDRADE e

FERNANDO ELZA no dia 14 de maio de 2006, bem como no arquivamento das

investigações correspondentes sem que qualquer autor tenha sido identificado.

I. FATOS

No final da noite do dia 14 de maio de 2006, em frente a sua casa na Rua Jorge de

Moraes, no Parque Bristol, zona sul da cidade de São Paulo, os irmãos EDIVALDO BARBOSA DE ANDRADE (24 anos) e EDUARDO BARBOSA DE ANDRADE (23

anos) conversavam com os amigos FÁBIO DE LIMA ANDRADE (24 anos),

FERNANDO ELZA (21 anos) e ISRAEL ALVES DE SOUZA (25 anos).

Por volta das 22h30 um carro modelo Vectra verde escuro, com vidros escurecidos,

parou repentinamente na frente do grupo. Três homens totalmente encapuzados

desceram atirando contra os jovens, que não tiveram qualquer oportunidade de se

protegerem. Rapidamente o carro fugiu do local.

Os cinco amigos foram socorridos por vizinhos e levados ao hospital. EDIVALDO,

FÁBIO e ISRAEL morreram. Apenas EDUARDO e FERNANDO sobreviveram.

Para investigar os fatos foi instaurado o Inquérito Policial nº 1.124/06

(052.06.002082-4 - anexo) no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa

da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.

Nos depoimentos dos sobreviventes fica clara a surpresa e a intenção homicida do

ataque. FERNANDO não viu o carro ou quantas pessoas atiravam e ainda assim foi

atingido pelas costas (depoimento de 16/05/2006 – fls. 12/14 do anexo). Já

EDUARDO disse que viu o carro e os três atiradores, e embora tenha se jogado ao

chão, foi atingido no braço esquerdo, costela esquerda, nas costas e nas nádegas (depoimento de 3 de agosto de 2006 – fls. 48/50 do anexo).

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Segundo os exames de corpo de delito de lesão corporal, FERNANDO (Laudo

26680/2006 - fls. 62 do anexo) foi atingido no pé direito e na região glútea

esquerda; e EDUARDO (Laudo 45263/2006 – fls. 64/65 do anexo) foi atingido por

três tiros, no hemi-tórax esquerdo, região infraescapular esquerda e terço superior

da região anterior do antebraço esquerdo.

Por seu turno, nos exames necroscópicos das vítimas fatais, constatou-se que a

causa da morte de FÁBIO (Laudo 2533/2006 – fls. 71/74 do anexo) foi “morte

violenta por choque hemorrágico”, após oito tiros, sendo um deles com armamento

de caça1; a mesma causa foi indicada para ISRAEL (Laudo 2534/2006 – fls. 75/78

do anexo), que foi atingido por doze disparos (sendo quatro pelas costas e um de

grande impacto pela frente); já EDIVALDO (Laudo 2531/2006 – fls. 79/82 do anexo)

teve como causa da morte “politraumatismo”, atingido por quatro disparos (dois

pelas costas).

Uma viatura da polícia militar chegou em dez minutos. Os policiais que atenderam à

ocorrência não preservaram o local, sob o argumento de que o lugar seria de

“grande periculosidade” (Boletim de Ocorrência nº 463/2006 – fls. 4/5 do anexo).

Ainda assim, os peritos recuperaram “diversos estojos vazios e com as espoletas

detonadas”, totalizando mais de quinze (Laudo 0499/06 – fls. 52/55 do anexo).

No dia seguinte à chacina dois investigadores de polícia foram ao local e relataram

que “as pessoas aparentavam estar assustadas, devido a [sic] voracidade do

ocorrido, e temendo represálias nada informaram”. Eles obtiveram a informação de

que “um veículo GM, modelo Vectra aparentemente na cor verde escura, parou em

frente a [sic] residência de nº 50, lugar este onde as vítimas estavam, momento

onde [sic] desceram entre dois ou tres [sic] homens encapuzados e armados, com

armas de fogo, e começaram a desferir vários tiros em direção das vítimas” (fls.

36/37 do anexo).

Quando foram convocadas para prestar depoimento, as mães das vítimas

entregaram à autoridade policial três projéteis e um cartucho que haviam ficado no

1 Foram recuperados sete projéteis (um 9mm e seis calibre 12) e uma bucha pneumática (calibre 18mm), sendo que os calibres 12 e 18mm “teriam feito parte de munição de para arma de fogo de ante carga, do tipo pica pau ou munição para arma de caça do calibre 12” segundo laudo 02-140-44.223/06 – fls. 84/86 do anexo.

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local (fls. 198 do anexo). Constatou-se em perícia que dois eram de calibre 380, um

9mm e um de calibre 12 (laudo 391/08 – fls. 218/221 do anexo).

Conquanto apenas naquele dia tenham sido registradas ocorrências com 29

feridos e 115 mortos por arma de fogo, sendo 12 vítimas de grupos de extermínio

encapuzados e 12 vítimas de grupos de extermínio não encapuzados, não houve

qualquer menção desse contexto nas investigações, tão pouco qualquer tentativa

de relacionar ou comparar esses homicídios com os demais que ocorreram no

período (v. item seguinte). Não houve comparação a respeito dos fatos, dos

veículos, das armas utilizadas, da localização anatômica dos ferimentos ou

confronto balístico dos projéteis recuperados nos locais e cadáveres. O local do

crime não foi preservado pela polícia.

Testemunha ocular da chacina, o pai de EDIVALDO e EDUARDO, senhor Israel Soares de Andrade, informou que as vítimas conversavam em frente a sua

residência, como de costume, quando foi acordado por mais de vinte tiros. Ele

tentou sair da casa, mas um dos atiradores o impediu, ameaçando-o de ser morto

também. Os atiradores estavam encapuzados até o pescoço, sendo impossível

identificar qualquer traço físico, nem mesmo a cor da pele. Quando saiu de casa

seu filho já estava morto e ele ainda pode ver um veículo Vectra verde escuro com

vidros escuros deixando rapidamente o local. A forma como atiravam fez com que

ele pensasse que os agressores eram policiais (depoimento de 02/06/2006 – fls.

30/32 do anexo).

Apenas em novembro de 2007 (mais de um ano e meio após o evento) foram

ouvidas as mães das vítimas fatais, ora peticionarias. A senhora Maria José de Lima Andrade, mãe de FÁBIO, reiterou que havia comentários sobre a

participação de policiais atuando em represália aos ataques do PCC (fls. 192/194

do anexo).

A senhora Francisca Evangelista Alves de Souza, mãe de ISRAEL, reiterou a

existência de comentários de que os autores do crime seriam policiais agindo em

represália aos ataques do PCC (fls. 195/196 do anexo).

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A irmã de FÁBIO, Tarciana de Lima Andrade, depôs que no dia da chacina estava

na casa de uma amiga, próxima ao local dos fatos. Num primeiro momento ouviu

vários tiros em aparentemente em um bairro próximo. Quando se dirigia a casa de

seu namorado viu passar uma viatura policial de grande porte, com dois policiais

usando boina, seguida de perto por um carro ocupado por homens sem farda.

Alguns minutos após, ouviu os tiros que vinham da sua rua e recebeu a notícia de

que seu irmão tinha sido baleado (fls. 211/212 do anexo).

A partir da informação de que um carro semelhante ao usado na chacina teria sido

visto num Batalhão da Polícia Militar, a condução das investigações se limitou a

trocar alguns ofícios com o comando da corporação a respeito de policiais que

fossem proprietários de carros semelhantes.

Embora quatro policiais militares tenham sido indicados como proprietários de

veículos Vectras verdes (fls. 94 do anexo), sendo que um deles estava em serviço

na “Força Tática” naquele dia e outros três em folga (fls. 103/112 do anexo),

nenhum desses carros chegou a ser visto pela autoridade policial. Nada além da

obtenção dessas informações foi feito para localizar o veículo.

Além dos familiares das vítimas não foram ouvidas outras testemunhas. Nenhum

vizinho do local dos fatos prestou depoimento.

Seis meses e meio após a chacina, no dia 4 de dezembro de 2006, um dos

sobreviventes, FERNANDO ELZA, foi assassinado (Boletim de Ocorrência nº

1037/2006 – fls. 114/116 do anexo). O fato deu ensejo à instauração do Inquérito

Policial nº 2831/2006 no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa

(“Equipe C Sul”).

Numa residência a poucos metros de onde havia sofrido a tentativa de homicídio

em maio de 2006, FERNANDO havia participado de um churrasco. No final da noite

ele saiu para guardar a sua moto quando foi atingido por vários tiros disparados do

interior de um veículo modelo Corsa azul escuro que passou rapidamente pela rua.

Dois amigos tentaram socorrê-lo, porém perderam o controle do carro e acabaram

colidindo em um poste. (Depoimentos de Eder Ferreira Grilo – fls. 97/99 e Jefferson

Guimarães dos Santos – fls. 126/127 do anexo).

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As investigações indicam que o assassinato foi uma emboscada, pois o veículo

ficou estacionado em uma esquina próxima até que FERNANDO saísse à rua

(conforme Relatório de Investigação de fls. 124/125 do anexo).

Já no exame perinecroscópico (laudo RE 1137/06-DHPP – fls. 132/154 do anexo)

foram constatados oito ferimentos causados por projéteis de arma de fogo. No

exame necroscópico (laudo 7202/2006 – fls. 155/157 do anexo), constatou-se que a

causa da morte foi “hemorragia interna traumática por agente perfuro contundente”.

No exame externo foram constatados cinco ferimentos de entrada de projéteis de

arma de fogo (terço proximal do antebraço direito, dois na região dorsal torácica direita, região dorsal torácica esquerda e região lombar esquerda) e quatro

ferimentos de saída (terço distal do antebraço direito, dois no 6º espaço intercostal

direito na linha hemiclavicular, 8º espaço intercostal direito na linha axilar média).

Foi resgatado um projétil de calibre .382 no retroperitônio.

O relatório final do Inquérito Policial instaurado para investigar o homicídio de

FERNANDO ELZA foi concluído em 13 de julho de 2007 sem que qualquer autor

do fato tenha sido identificado (conforme Relatório Final – fls. 174/180 do anexo).

Também nesse caso não se buscou efetivamente relacionar o homicídio com a

tentativa sofrida na chacina. Não foi feito qualquer esforço para comparar com os

demais crimes ocorridos no período de maio de 2006 (v. próximo item), seus

veículos, agentes, forma de ação, tipo de armamento ou confronto balístico. As

investigações foram conduzidas como se fosse um caso isolado e destacado de

qualquer contexto.

Embora tenham sido solicitadas cópias de partes do inquérito, o assassinato da

vítima sobrevivente apenas foi citado pela autoridade responsável pela investigação

da chacina, sem maiores aprofundamentos, como se fosse uma mera coincidência.

Dois anos, cinco meses e 22 dias após a chacina a autoridade policial decidiu

encerrar as investigações. Em seu “Relatório Final” restringiu-se a resumir os

2 Segundo o laudo pericial 02/140/27.581/07 (fls. 233/235 do anexo).

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depoimentos e elencar os laudos juntados para concluir que “não foi possível, até a

presente data, identificar os autores” do crime (fls. 237/242 do anexo).

No dia 18 de novembro de 2008, o 4º Promotor de Justiça do I Tribunal do Júri da

Capital requereu o arquivamento do inquérito policial pois “apesar de todas as

diligências encetadas não foi apurada a autoria delitiva, inexistindo quaisquer outras

diligências a serem efetivadas pela DD. Autoridade Policial” (fls. 244/245 do anexo).

O pedido de arquivamento foi acolhido judicialmente no dia seguinte (fls. 246 do

anexo).

Verifica-se, portanto, que a investigação não levou em consideração o contexto em

que ocorreu a chacina, agindo como se as execuções e tentativas de homicídios

fossem um fato isolado. Apenas foram solicitados os laudos obrigatórios e nada foi

feito com os seus resultados que pudesse aprofundar as investigações. Também os

depoimentos foram tomados como mera coleta de informações, engordando os

volumes dos autos de uma investigação pro forma.

II. CONTEXTO

1. OS “CRIMES DE MAIO DE 2006”

Maio de 2006 foi um mês sem precedentes na história do Brasil. No dia 12 a facção

criminosa “Primeiro Comando da Capital”, conhecida como “PCC”, que domina

diversos presídios e ações criminosas, iniciou uma série de ataques coordenados a

prédios e agentes públicos, especialmente da área de segurança pública, bem

como rebeliões em presídios, cadeias públicas e carceragens de todo o Estado.3

3 MAIOR ATAQUE DO PCC FAZ 32 MORTOS EM SP - Facção mata policiais, atira bombas e metralha delegacias; houve rebeliões em 22 presídios do Estado. Folha de São Paulo de 14/05/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1405200601.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 11. FACÇÃO PROMOVE 63 ATENTADOS EM 24 HORAS - Ataques ocorreram em 23 cidades e houve até morte de civil; Marcola, líder do PCC, é transferido para presídio de segurança máxima. Folha de São Paulo de 14/05/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1405200604.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 12. REBELIÕES EM 24 PRISÕES FAZEM 174 REFÉNS. Folha de São Paulo de 14/05/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1405200603.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 13.

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Em pouco tempo os ataques passaram a se dirigir também aos serviços e veículos

de transporte público e em seguida a prédios públicos, especialmente agências

bancárias.4

Trabalhadores e estudantes foram dispensados mais cedo e nos dias seguintes

muitas empresas, escolas e universidades simplesmente não abriram. O boato de

que havia um “toque de recolher” nunca foi confirmado, mas as ruas estavam

vazias à noite. A cidade parou.5

Todo o efetivo policial foi colocado em prontidão, as férias e as folgas dos policiais

foram suspensas. Após os primeiros dias de ataques as notícias mudaram. Agora

os suspeitos que eram mortos, às dezenas, em supostos confrontos com a polícia e

em episódios característicos de execuções sumárias:6

4 PCC ATACA ÔNIBUS E FÓRUNS, PROMOVE MEGARREBELIÃO E AMPLIA MEDO NO ESTADO - 74 mortes, 150 ataques, 80 rebeliões. Folha de São Paulo de 15/05/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1505200601.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 14. 5 MEDO DE ATAQUES PÁRA SÃO PAULO - Atentados na madrugada e onda de boatos fazem lojas, escolas e repartições públicas fecharem as portas. Uma onda de pânico fez parar ontem a maior e mais rica cidade do país e espalhou choque e medo pelo Estado de São Paulo. Folha de São Paulo de 16/05/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1605200601.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 15. 40% DAS ESCOLAS SUSPENDEM SUAS AULAS - Para sindicato de professores, é a primeira vez que tantas escolas têm sua rotina alterada; particulares aumentam segurança. Folha de São Paulo 16/05/2009. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1605200612.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 16. UNIVERSIDADES TAMBÉM DISPENSAM. Folha de São Paulo de 16/05/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1605200613.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 17. 6 QUINZE SUSPEITOS MORREM NO QUARTO DIA - No total, foram 20 mortos ontem, incluindo dois policiais militares e um civil; comunidades do Orkut pedem reação das forças de segurança. Folha de São Paulo de 16/05/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1605200624.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 18. FAMILIARES ACUSAM POLICIAIS POR MORTES. Folha de São Paulo de 16/05/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1605200625.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 19. EM 12 HORAS, POLÍCIA MATA 33 SUSPEITOS E PRENDE 24 - Governo afirma que todos tinham ligação com o PCC, mas não divulga nomes. Folha de São Paulo de 16/05/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1705200601.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 20. TESTEMUNHAS DE CHACINA ACUSAM POLICIAIS. Folha de São Paulo de 18/05/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1805200620.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 21. QUANTIDADE DE CORPOS EM POSTOS DO IML DOBRA. Folha de São Paulo de 19/05/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1905200616.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 22. GOVERNO RETIRA LAUDOS DE MORTOS DO IML - Ordem do secretário da Segurança é que dados sobre mortes em confronto com policiais, que são públicos, não permaneçam nas repartições. Folha de

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POLÍCIA JÁ MATOU MAIS QUE EM 2 MESES Em seis dias de crise com o PCC, 93 suspeitos foram mortos em confronto; no primeiro trimestre do ano, a média mensal é de 39 A polícia matou mais 22 suspeitos em todo o Estado de São Paulo e prendeu outros sete, subindo para 93 os casos classificados pelas autoridades como "enfrentamentos contra homens do PCC". Ou seja, em média, 15,5 por dia, desde sexta, quando a facção criminosa iniciou os ataques. No primeiro trimestre do ano, as polícias Civil (12) e Militar (105) mataram 117 pessoas no Estado, o que dá uma média de 1,3 pessoas mortas por dia em "confrontos". A média de assassinatos cometidos por policiais em janeiro, fevereiro e março é de 39 pessoas, em todos os municípios paulistas. A comparação das mortes de janeiro, fevereiro e março com as mortes causadas pelas duas polícias desde sexta-feira, aponta que, em seis dias, matou-se 79% do total dos três primeiros meses. (...) Toucas ninjas e motos Em meio ao caos enfrentado pelo governo de São Paulo na área da segurança pública, uma velha tática de ação para o cometimento de assassinatos voltou à cena: desde sexta-

São Paulo de 20/05/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2005200601.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 23. LISTA DO IML APONTA "SOBRA" DE MORTOS NA GRANDE SP - Órgão recolheu 272 cadáveres no período em que governo contabiliza 138 mortes. Há duas hipóteses para a diferença de números: ou a violência sem relação com o PCC aumentou no período ou a polícia tem matado mais. Folha de São Paulo de 21/05/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2105200610.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 24. POLÍCIA MATOU 107 SUSPEITOS EM SETE DIAS - Desde a última sexta-feira, início dos ataques do PCC, outras 124 pessoas supostamente envolvidas nos atentados foram presas. Folha de São Paulo de 19/05/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1905200615.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 25. GRUPO MASCARADO VOLTA A ATACAR EM SP - Vestidos com toucas "ninjas" e blusões pretos, homens já mataram pelo menos 20 pessoas desde segunda-feira passada. Testemunhas viram os assassinos saírem de carros da Força Tática da PM; o governo orientou famílias a fazer denúncia à Ouvidoria. Folha de São Paulo de 21/05/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2105200615.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 26. OUVIDORIA APONTA 40 MORTES SUSPEITAS - As corregedorias das polícias Militar e Civil terão 45 dias para apurar as denúncias e encaminhar relatório para a Promotoria. Pelo menos 12 assassinatos feitos por grupos que atuam disfarçados com toucas ninjas também deverão ser investigados pelos órgãos. Folha de São Paulo de 23/05/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2305200611.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 27. LAUDOS APONTAM INDÍCIOS DE ABUSO POLICIAL. Folha de São Paulo de 26/05/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2605200604.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 28. POLÍCIA MATOU 22 CIVIS COM TIROS DE CIMA - Rascunhos de laudos necroscópicos apontam que, de 28 mortos em confrontos com policiais, 22 foram atingidos dessa maneira. Trajetória do disparo pode indicar abuso; pesquisa abrange casos de resistência entre as 132 mortes listadas pelo IML Central de São Paulo. Folha de São Paulo de 29/05/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2905200601.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 29.

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feira, quando começou a onda de violência orquestrada por homens da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), várias pessoas foram mortas em todo o Estado por assassinos que usavam toucas "ninjas" e, em quase todas as ações, estavam em motocicletas. Grupos de extermínio costumam agem com essas características. Entre a noite de domingo e a madrugada de ontem, pelo menos 19 pessoas foram assassinadas, somente na capital e na Grande São Paulo, por assassinos que usavam toucas "ninja". Sem conseguir acumular e repassar informações mais precisas sobre cada uma das mortes, a Secretaria da Segurança Pública afirma que boa parte desses casos não tem ligação com os recentes confrontos entre as forças de segurança e supostos integrantes da facção. Até o início dos confrontos entre PCC e Estado, São Paulo havia registrado apenas três chacinas. O governo não sabe informar o número total de vítimas nesses crimes. Desde sexta-feira, esse tipo de crime, caracterizado pela morte de três ou mais pessoas em um único ataque, saltou para seis, ou seja, houve um aumento de 100% nos casos de chacinas. (...) (Folha de São Paulo – 18/05/20067)

Atendendo pedido do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública do Estado

de São Paulo, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CRM-

SP) fiscalizou o trabalho dos médicos legistas em relação à produção dos laudos de

exames necroscópicos de ferimento por arma de fogo.

O CRM-SP analisou 493 laudos de 23 unidades do Instituto Médico Legal em todo

o estado de São Paulo, correspondentes aos cadáveres com causa mortis

apontada como “politraumatismo causado por agente perfurocontundente” no

período das 0h do dia 12 de maio de 2006 até as 13h30 do dia 20 de maio de 2006.

De acordo com Relatório8 (doc. 31), constatou-se que 96,3% das vítimas eram do

sexo masculino e em significativa maioria jovens, especialmente entre 21 e 31

anos:

7 Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1805200615.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 30. 8 In CONDEPE. Crimes de Maio. São Paulo, 2006, p.31-81.

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O Conselho também desenvolveu um primoroso trabalho de sistematização da

localização anatômica dos ferimentos, constando um número elevado de tiros

dirigidos às regiões posteriores do corpo:

Total de indivíduos, ferimentos e média de ferimentos por indivíduo9

Região corporal atingida Total indivíduos

Total ferimentos

Média ferimentos/ indivíduos

Abdome

anterior 141 215 1,52

lateral 16 23 1,43

posterior 80 103 1.28

Cabeça

anterior 140 216 1,54

lateral 169 244 1,44

posterior 119 189 1,58

nuca 56 80 1,48

Membros inferiores

anterior 73 95 1,30

lateral 23 34 1,47

medial 17 17 1

posterior 55 87 1,58

Membros superiores anterior 90 121 1,34

lateral 57 77 1,35

9 Análise Quantitativa dos Laudos dos Institutos Médicos-Legais do Estado de São Paulo, in CONDEPE. Crimes de Maio. São Paulo, 2006, p.31-81.

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medial 17 25 1,47

posterior 110 168 1,52

Tórax

anterior 246 399 1,62

lateral 43 54 1,25

posterior 142 266 1,87

No universo analisado pelo Conselho Regional de Medicina, de um total de 2.359

lesões por tiros, 893 foram disparados contra as regiões posteriores, equivalendo a 37,9% dos ferimentos. Essa taxa de tiros pelas costas indica uma

alta intenção de matar, bem como um contexto em que as vítimas ou não puderam

reagir ou já estavam dominadas, condizentes com execuções sumárias e a ação de

grupos de extermínio.

Além disso, com o auxílio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em

São Paulo, órgão que integrou a Comissão Independente10 para fiscalização do

tratamento dado às mortes por arma de fogo no período, foi possível obter cópia de

Boletins de Ocorrência e Laudos de Exames Necroscópicos relativos a 564 mortes

causadas por arma de fogo de 12 a 21 de maio de 2006.

Esse material foi então enviado para o Laboratório de Análise da Violência (LAV) da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) que se debruçou sobre esses

dados para consolidar uma aprofundada pesquisa11 a respeito das mortes. Não

foram analisados casos em que não foi possível obter Laudos Necroscópicos ou

Boletins de Ocorrência.

Em primeiro lugar verificou-se um significativo aumento do número de mortes do

período em comparação com os anos anteriores, evidenciando que Maio de 2006

fugia do padrão usual. Com dados obtidos no Sistema de Mortalidade do Ministério 10 A Comissão Independente foi composta pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, Ministério Público do Estado de São Paulo, Ministério Público Federal, Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CONDEPE), Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CNDDPH), Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo, Conectas Direitos Humanos, Núcleo de Estudos de Violência da Universidade de São Paulo, Centro Santo Dias de Direitos Humanos, Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, Tortura Nunca Mais, Associação Cristã Contra a Tortura (ACAT), Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, Movimento Nacional de Direitos Humanos, Centro de Direitos Humanos de Sapopemba e Pastoral Carcerária, dentre outros. 11 A pesquisa “Análise dos impactos dos ataques do PCC em São Paulo em maio de 2006”, coordenada pelo Dr. Ignácio Cano (LAV-UERJ) é publicada pela Conectas no dia 12 de Maio de 2009 e acompanha a presente (doc. 32)

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da Saúde (Datasus), o número de mortos por arma de fogo nos meses de maio dos

anos anteriores foi:

Número de mortos por arma de fogo nos meses de maio no Estado de São Paulo12

Ano Mortos por arma de fogo 2003 923

2004 723

2005 546

Se no ano anterior houve 546 mortes em todo o mês de maio, é possível estimar

que para um período de dez dias o esperado seria 176 mortes. Se, além disso,

levarmos em consideração a visível tendência de diminuição do número de óbitos

por arma de fogo no Estado, a estimava para o mês de maio de 2006 seria de

aproximadamente 420 mortes e, portanto, para um período de dez dias, 135 óbitos

por arma de fogo.

No período pesquisado foram registradas 564 mortes por arma de fogo, ou seja, aproximadamente o quádruplo de óbitos projetados para o período:

Em 401 eventos analisados, 564 pessoas foram mortas e 110 pessoas foram

feridas, destancando-se uma significativa preponderância de vítimas civis:

12 Fonte: CANO, I. “Análise dos impactos dos ataques do PCC em São Paulo em maio de 2006”. 2009.

14 Rua Barão de Itapetininga, 93 – 5º andar • São Paulo-SP • 01042-908 • Brasil

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Número de vítimas por tipo e dano13 Mortos Feridos Total

Agentes do Estado 59 13 72

Civis 505 97 602

Total 564 110 674

Verifica-se assim que, embora haja um número elevado de vítimas agentes de

Estado, o número de vítimas civis é aproximadamente 8,5 vezes maior,

correspondendo a 90% das vítimas:

Esses eventos, contudo, não estão distribuídos de forma uniforme no período.

Verificou-se um padrão crescente de mortes até o dia 14 de maio de 2006 seguido

por uma queda, com notável distinção entre vítimas civis e agentes estatais de

acordo com a data, como se ilustra na tabela e gráfico a seguir.

Número de vítimas por data, tipo e dano14

Data Agentes Públicos Civis Mortos Feridos Mortos Feridos

12 de maio de 2006 10 3 12 3

13 de maio de 2006 23 8 39 18

14 de maio de 2006 8 1 107 28 15 de maio de 2006 5 0 84 21

16 de maio de 2006 6 1 75 4

13 Fonte: CANO, I. “Análise dos impactos dos ataques do PCC em São Paulo em maio de 2006”. 2009. 14 Fonte: CANO, I. “Análise dos impactos dos ataques do PCC em São Paulo em maio de 2006”. 2009.

15 Rua Barão de Itapetininga, 93 – 5º andar • São Paulo-SP • 01042-908 • Brasil

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17 de maio de 2006 3 0 65 6

18 de maio de 2006 0 0 22 7

19 de maio de 2006 0 0 13 0

20 de maio de 2006 0 0 6 7

21 de maio de 2006 0 0 2 0

Sem data 4 0 80 3

Total 59 13 505 97

Diante desses dados, asseveram os pesquisadores:

“Este quadro é compatível com o cenário de uma série de

ataques contra agentes nos dias iniciais, com muitas vítimas

entre eles, e uma série de operações de represália

realizadas por policiais nos dias seguintes, com um alto

número de vítimas civis. A conclusão mais clara é que a

letalidade dos civis não acontece basicamente durante os

ataques contra policiais ou agentes penitenciários, mas num

momento posterior, provavelmente em intervenções

realizadas policiais.” (in Análise dos impactos dos ataques

do PCC em São Paulo em maio de 2006, p. 11).

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Ou seja, os agentes públicos são alvos principalmente nos dois primeiros dias,

enquanto que os civis são alvos principalmente nos dias que se seguem, indicando

a possibilidade de que as mortes civis tenham ocorrido, ao menos em significativa

parte, em represália às mortes e aos ataques contra agentes e órgãos públicos nos

primeiros dias.

As circunstâncias dos fatos também são diferentes de acordo com o tipo de vítima,

evidenciando de que forma morreram os agentes do Estado e os civis, de acordo

com as informações constantes nos documentos analisados:

Número de vítimas de acordo com o tipo de vítima e a tipologia dos fatos15

Tipologia Agentes públicos Civis Mortos Feridos Mortos Feridos

Confronto com a polícia 16 7 118 4

Execução sumária: individual 3 0 50 7

Execução sumária: grupo não-encapuzado 16 2 35 27

Execução sumária: grupo encapuzado 1 0 53 31 Execução sumária: policiais 1 0 4 0

Ataques contra delegacias ou batalhões 9 1 10 3

Conflito interindividual 0 0 6 0

Acidente ou bala perdida 1 0 2 0

Outros 1 0 21 19

Desconhecido 11 3 206 6

Total 59 13 505 97

Os agentes públicos falecem principalmente em consequência de ataques de

grupos não encapuzados, em confrontos e em ataques contra delegacias e

batalhões. Já os civis morrem principalmente em confrontos com a polícia e em execuções sumárias, especialmente por grupos encapuzados. Diante

disso, os pesquisadores asseveram que:

“O contraste entre a vitimização provocada por grupos não

encapuzados e por grupos encapuzados, com um número

muito superior de vítimas civis no caso destes últimos, é

compatível com a suspeita de que membros das instituições

15 Fonte: CANO, I. “Análise dos impactos dos ataques do PCC em São Paulo em maio de 2006”. 2009.

17 Rua Barão de Itapetininga, 93 – 5º andar • São Paulo-SP • 01042-908 • Brasil

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policiais poderiam estar, por trás dos capuzes, participando

de grupos de extermínio.”

(in Análise dos impactos dos ataques do PCC em São Paulo

em maio de 2006, p. 13).

Analisando a tipologia dos fatos de acordo com a data dos acontecimentos, os

pesquisadores indicam a alta possibilidade de execuções sumárias dirigidas contra

civis, enfatizando que:

“Os ataques indiscriminados contra policiais acontecem,

sobretudo, nos dias 12 e 13. As execuções sumárias

cometidas por indivíduos e por grupos não encapuzados

correspondem mais do que nada aos dias 13 ao 15. Por sua

vez, o ponto mais alto dos casos de mortes em confronto

policial e pela atividade dos grupos encapuzados pode ser

situado entre os dias 14 a 17. Em outras palavras, o cenário

é condizente com mortes de civis que são resultado não

exatamente da reação dos agentes públicos no momento

em que estes estavam sendo atacados, mas, sobretudo, de

operações policiais, presumivelmente de represália,

acontecidas nos dias posteriores. Da mesma forma, a

atuação dos grupos encapuzados, dentro dos quais há

suspeita da participação de policiais, também se produz

como uma represália aparente aos ataques iniciais.

O número de casos sem informação suficiente para

determinar sua tipologia também aumenta nas mesmas

datas em que se incrementam os confrontos policiais e as

execuções, incluindo as cometidas por encapuzados, o que

reforça a suspeita de que uma proporção significativa pode

corresponder, na verdade, aos casos descritos

anteriormente.” (in Análise dos impactos dos ataques do

PCC em São Paulo em maio de 2006, p. 14).

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Esses dados, no entendimento dos pesquisadores, apontam a existência de

indícios de que um grande número de civis tenha sido vítima de atos de represália

contra os ataques perpetrados pelo PCC.

Há também a possibilidade que agentes do Estado tenham participado dessas represálias, especialmente nos grupos de extermínio encapuzados.

Esses indícios de execução sumária são, ainda, reforçados pelos resultados da

análise dos laudos necroscópicos. Foi possível obter cópia de 447 laudos

necroscópicos de pessoas mortas por arma de fogo no Estado de São Paulo no

período de 12 a 21 de maio de 2006.

Constatou-se que mais da metade das vítimas tinha sido alvejada por mais de três

tiros, sendo que a média de projéteis por cadáver foi de 4,8. Essa média é superior

ao que foi encontrado nas pesquisas sobre execuções sumárias pela polícia do Rio

de Janeiro nos anos 1990 (4,3).16

Em 362 laudos havia indicações precisas sobre a localização dos ferimentos por

projéteis de arma de fogo. Com base neles, verificou-se um número elevado de

disparos contra a cabeça das vítimas, totalizando 386, ou seja, média de um disparo contra a cabeça de cada vítima.

Chama atenção o fato de haver 157 disparos contra a parte posterior da cabeça,

uma área muito letal e que dificilmente é atingida num verdadeiro confronto. O fato

de 27% das vítimas apresentarem pelo menos um disparo contra a região posterior da cabeça é um forte indício da ocorrência de execuções sumárias.

Houve também 197 disparos contra a região dorsal, indicando que ou as vítimas

estavam fugindo, ou foram surpreendidas de costas, ou já estavam dominadas

quando foram alvejadas. Disparos contra as costas podem indicar que as vítimas

não tiveram a oportunidade de se defender ou proteger.

16 CANO, Ignacio. Letalidade da Ação Policial no Rio de Janeiro. ISER, 1997.

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Dos laudos analisados, havia 988 orifícios de entrada na região frontal e 600 na

região posterior, assim, para cada cinco tiros pela frente há dois tiros pelas costas,

evidenciando uma forte intenção homicida em um número elevadíssimo de casos.

Verificou-se que 57% dos cadáveres apresentavam pelo menos um disparo na região posterior e que aproximadamente 10% (48 vítimas) foram atingidas à

queima-roupa, situação em que há claro propósito de matar.

A média de disparos varia de acordo com a tipologia do fato, observando-se que as

vítimas de grupos foram atingidas por mais projéteis, sugerindo que algumas

vítimas foram simultaneamente atingidas por mais de um atirador.

Média de orifícios de entrada de projéteis de arma de fogo por vítima, de acordo com a tipologia do fato17

Tipologia Média de orifícios de entrada de PAF Número de vítimas

Confronto com a polícia 3,62 94

Execução sumária: individual 4,55 47

Execução sumária: grupo não-encapuzado 7,11 37

Execução sumária: grupo encapuzado 5,59 44

Execução sumária: policiais 7,67 3

Ataques contra delegacias ou batalhões 2,69 13

Conflito interindividual 2,75 4

Acidente ou bala perdida 2,33 3

Outros 5,56 18

Desconhecido 4,88 184

Total 4,77 447

Embora a determinação da tipologia tenha sido feita de acordo com as descrições

oficiais nos Boletins de Ocorrência, a localização anatômica dos disparos em cada

um desses casos reforça a sua classificação e demonstra, mais uma vez, a

intenção de matar dos grupos de execução sumária:

17 Fonte: CANO, I. “Análise dos impactos dos ataques do PCC em São Paulo em maio de 2006”. 2009.

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Proporção de vítimas com ao menos um disparo na região posterior ou na cabeça, de acordo com tipologia dos fatos18

Tipologia Ao menos um

disparo na região posterior

Ao menos um disparo na cabeça

Confronto com a polícia 27% 26%

Execução sumária: individual 73% 70%

Execução sumária: grupo não-encapuzado 75% 75%

Execução sumária: grupo encapuzado 78% 72%

Execução sumária: policiais 100% 100%

Ataques contra delegacias ou batalhões - 75%

Conflito interindividual 100% -

Acidente ou bala perdida 67% 33%

Outros 71% 86%

Desconhecido 63% 68%

Total 57% 60%

Em média, cada vítima foi atingida por um grande número de tiros, com larga

incidência de ferimentos na cabeça, especialmente na região posterior da cabeça, e

na região dorsal.

Todos esses dados comprovam um contexto extremamente violento que vitimizou

um número grande de agentes do Estado e um número ainda muito maior de civis.

Em apenas dez dias foram mortas quatro vezes mais pessoas do que o

estatisticamente projetado para o período.

Em geral, as vítimas foram alvos de ataques altamente letais, com significativo

número de disparos contra a cabeça e as costas. Além disso, a discrepância das

datas em que morrem os agentes do Estado e os civis é outro fato que contribui

para fortalecer os indícios da atuação de grupos de extermínio no estado de São

Paulo, em maio de 2006.

A Ouvidoria da Polícia de São Paulo analisou 54 casos com 89 vítimas, separados

em razão da suposta participação de grupos de extermínio com policiais. Destes 54

casos, que envolvem chacinas como a do Parque Bristol, 33 foram arquivados sem

18 Fonte: CANO, I. “Análise dos impactos dos ataques do PCC em São Paulo em maio de 2006”. 2009.

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nenhuma providência, ou seja, 63%19. A atenção a poucos casos dado pela

Ouvidoria, diante do total de mortos do período, indica também a ineficácia e

ineficiência dos órgãos de controle externo das forças de segurança em São Paulo.

2. VIOLÊNCIA E IMPUNIDADE NO BRASIL

As estatísticas dos Crimes de Maio de 2006 são alarmantes. Porém elas não

representam um momento “fora da realidade” e sim um momento de exacerbação

de um contexto de violência e impunidade persistentes e sistemáticas no Brasil.

Com efeito, o país tem uma elevada taxa de homicídios. De acordo com o Mapa da

Violência nos Municípios Brasileiros de 2008,20 as estatísticas apontam para uma

preponderância de homicídios causados por armas de fogo:

Homicídios no Brasil

Ano Causados por arma de fogo Total

2000 31.515 (68,4%) 46.082 2001 33.373 (69,7%) 47.889 2002 34.124 (68,7%) 49.640 2003 36.081 (70,8%) 50.980 2004 34.187 (70,7%) 48.374 2005 33.419 (70,2%) 47.578 2006 33.284 (71,3%) 46.660

Embora os números oficiais mostrem um declínio21 no número de homicídios

registrados no estado de São Paulo, as taxas ainda são elevadas e respondem por

uma grande parte dos homicídios no país:

19 Dados da Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo (2009). 63% DAS MORTES DE CIVIS DURANTE AÇÃO DO PACC SÃO ARQUIVADAS – Entre 12 e 21 de maio de 2006, 170 pessoas foram mortas em ataques, das quais 89 são vítimas de atentado com característica de execução. Disponível em http://www.noticias.bol.uol.com.br/brasil/2009/05/12/ult4733u35529.jhtm. Jornal Folha de São Paulo, 12/05/2009. 20 WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros 2008. Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana, Instituto Sangari, Ministério da Saúde e Ministério da Justiça, 2008. 21 Deve-se notar a prática comum das autoridades policiais de registrar os casos de mortes causadas pelas polícias como “resistência seguida de morte” ou “autos de resistência” e não como homicídios, influenciando as estatísticas relativas a homicídios, porém sem influenciar o número de pessoas mortas por arma de fogo. Esta realidade foi destacada pelo Relator Especial sobre Execuções Sumárias, Arbitrárias e Ilegais da ONU, Dr. Philip Alston, em virtude da sua visita ao Brasil em novembro de 2007 (Relatório A/HRC/11/2/Add.2 – doc. 33), in verbis: “Policiais em serviço são responsáveis por uma proporção significativa de todas as mortes no Brasil. [Na realidade, as taxas de homicídios de muitos estados do Brasil, incluindo o Rio de Janeiro e

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Número de homicídios22 Taxa de homicídios, por mil habitantes23 Ano Brasil São Paulo Ano Brasil São Paulo 2000 45.360 15.581 (34%) 2000 26,71 42,07 2001 47.943 15.731 (33%) 2001 27,81 41,80 2002 49.695 14.488 (29%) 2002 28,46 37,95 2003 51.043 13.901 (27%) 2003 28,86 35,91 2004 48.374 11.203 (23%) 2004 27,01 28,55 2005 47.578 8.732 (18%) 2005 25,83 21,59 2006 49.106 8.172 (17%) 2006 26,29 19,90

Os jovens são as maiores vítimas de homicídio e violência no Brasil. As estatísticas

do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) da Secretaria de Assuntos

Estratégicos da Presidência de República apontam um crescimento dessas mortes:

Número de homicídios de jovens de 15 a 29 anos24 Ano Brasil Estado de São Paulo 1998 22.481 8.025 1999 23.054 9.043 2000 25.048 9.270 2001 26.250 9.163 2002 27.603 8.586

Depreende-se das estatísticas que os homicídios de jovens correspondem a

aproximadamente metade de todos os homicídios no Brasil e a maior parte dos

homicídos do estado de São Paulo.

Nos sucessivos estudos sobre violência realizados pela UNESCO, verificou-se que

o perfil predominante das vítimas de homicídio no Brasil é de jovens pobres, não-

bracos e com pouca escolaridade.

São Paulo, são significativamente mais elevadas do que o demonstrado pelas estatísticas, porque as mortes praticadas por policiais em serviço são excluídas das estatísticas de homicídios]. Enquanto a taxa de homicídios oficial de São Paulo diminuiu nos últimos anos, o número de mortos pela polícia aumentou, de fato, nos últimos 3 anos, sendo que em 2007, os policiais em serviço mataram uma pessoa por dia. No Rio de Janeiro, os policiais em serviço são responsáveis por quase 18% do número total de mortes, matando três pessoas a cada dia” (parágrafo 9, incorporando nota de rodapé 11). 22 Fonte: Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP) com dados do SIM/DATASUS. 23 Fonte: Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP) com dados do SIM/DATASUS. 24 Fonte: IPEA com dados do Datasus.

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Nas estatísitcas há uma clara prevalência de vítimas de homicídio do sexo

masculino:

Proporção e taxa de mortalidade de acordo com o sexo e a faixa etária, 200225

Vítimas

Brasil Estado de São Paulo

% vítimas masc

vítimas por 100.000 % vítimas masc

vítimas por 100.00

taxa masc taxa fem taxa masc taxa fem

Jovens 93,8% 102,5 6,7 93,7% 152,2 10,2

População total 92,2% 53,2 4,4 92,7% 71,9 5,4

No ano de 2002 os homicídios foram responsáveis por 39,9% das mortes de jovens no Brasil. Porém, para o estado de São Paulo, os homicídios corresponderam a 49% das

mortes de jovens. Verificou-se que o momento de maior risco de morte por

homicídio é aos 20 anos de idade: nessa faixa etária a taxa de 69,1 homicídois para

cada mil jovens.26

A população não-branca é a maior vítima de homicídios no país, com uma taxa de

34 para cada mil, em contrates com uma taxa de 20,6 para cada mil na população

branca. Assim, “a proporção de vítimas de homicídios entre a população parda ou

preta é 65,3% superior à branca”.27

No cruzamento das duas estatísticas, chega-se a um dado alarmante: “A taxa de homicídios dos jovens negros (68,4 em 100.000) é 74% supeior à taxa dos jovens brancos (39,3 em 100.000)”.28

A esse quadro soma-se um contexto de violência e uso excessivo da força pelas

polícias. No relatório da sua recente visita ao Brasil em novembro de 2007, o

Relator Especial de Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias do Conselho

25 WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência IV: os jovens do Brasil. UNESCO, Instituto Ayrton Senna e Secretaria Especial de Direitos Humanos. Brasília, 2004, p. 59 e seguintes. Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001351/135104porb.pdf (último acesso em 09/05/2009). 26 WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência IV: os jovens do Brasil. ob. cit. p. 52 e seguintes. 27 WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência IV: os jovens do Brasil. ob. cit. p. 56. 28 WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência IV: os jovens do Brasil. ob. cit. p. 58, grifou-se.

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de Direitos Humanos da ONU, Dr. Philip Alston, destacou a realidade da diária

violência policial e do uso excessivo e abusivo de força letal:

Um motivo chave da ineficácia da polícia em proteger

os cidadãos dessas facções é que muitas vezes os

próprios policiais usam violência excessiva e

contraproducente em serviço e participam daquilo que

se assemelha ao crime organizado quando não estão

em serviço. (...) Muitas vezes, os integrantes das

forças policiais contribuem com o problema das

execuções extrajudiciais ao invés de ajudar a

solucioná-lo. Em parte, existe o problema relevante

dos policiais em serviço que usam força excessiva e

praticam execuções extrajudiciais em esforços ilegais

e contraproducentes para combater o crime. (...) As

execuções extrajudiciais são cometidas por policiais

que assassinam em vez de prender um suspeito de

cometer um crime, e também durante o policiamento

confrontacional de grande escala seguindo o estilo de

“guerra”, onde o uso de força excessiva resulta nas

mortes de suspeitos de crimes e de pessoas na

proximidade.29

Apenas nas estatísticas divulgadas pela Secretaria de Segurança Pública do estado

de São Paulo já é possível verificar que a Polícia Militar mata por ano uma média

de uma pessoa por dia:

Número de vítimas de violência policial em São Paulo30

Ano Policiais militares

em serviço Policiais militares

fora de serviço Matara Feriram Mataram Feriram

2005 278 352 19 54 2006 495 370 15 13 2007 377 341 14 31 2008 371 283 21 39

29 A/HRC/11/2/Add.2 (29 de agosto de 2008), parágrafos 4, 5 e 9. (doc. 33 ) 30 Consolidação de dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (Lei 9.155/95), disponíveis em http://www.ssp.sp.gov.br/estatisticas/trimestrais.aspx (último acesso em 09/05/2009).

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Com efeito, a violência e o uso excessivo da força pela polícia foi objeto de

recomendação específica no relatório sobre o Brasil do mecanismo de Revisão

Periódica Universal do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Diz o relatório:

The recommendations formulated during the

interactive dialogue have been examined by Brazil and

enjoy the support of Brazil: (…)

2. Continue its commitment to resolving the issue of

abuse of power and excessive use of force.31

De acordo com dados do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade

de São Paulo (USP), no ano de 2006 foram registradas oficialmente 708 mortes

causadas pela polícia, assim distribuídas:

Casos de mortes causadas por policiais32 2006

Resistência seguida de morte 570

Homicídios dolosos e culposos 138

TOTAL 708

Analisando os dados da violência policial do ano 2000, compilados pelo

pesquisador Ignácio Cano, verificamos que a média do número de pessoas mortas

por policiais em serviços é alta, especialmente na Região Sudeste, com São Paulo,

Minas Gerais e Rio de Janeiro:33

Região Média do número de pessoas mortas por policias militares em serviço, por 100 mil habitantes, no ano 2000

Norte 0,11

Nordeste 0,30

Sul 0,30

Centro-Oeste 0,62

31 A/HRC/8/27, parágrafos 83(2). 32MESQUITA NETO, Paulo de. “Falta de Transparência na segurança pública”. Disponível em http://www.unodc.org/pdf/brazil/Paulo_Mesquita.doc (último acesso em 04/10/08). 33 CANO, Ignácio. “O uso da força pelos agentes do Estado”. Justiça Global e NEN – Núcleo de Estudos Negros, p. 13 e seguintes.

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Sudeste 1,16

Ano 2000 Pessoas mortas por policias militares em

serviço

Taxa de pessoas mortas por policias militares em serviço

para cada 100 mil habitantes

Taxa de pessoas mortas por policiais militares em serviço

para cada mil policiais

Brasil 1.127 0,82 3,60

São Paulo 524 1,44 6,36

A Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo recebeu, no ano de 2008, 315

denúncias de homicídios, tentativas de homicídios e lesões corporais perpetradas

por policiais (civis e militares), destas, 228 ocorreram na região metropolitana de

São Paulo:

Denúncias de homicídios, tentativas de homicídios e lesões corporais perpetradas por policias (civis e militares)34 2005 2006 2007 2008

Estado de São Paulo 302 543 475 315

Região metropolitana de São Paulo 223 273 339 228

Nos dez anos de existência da Ouvidoria da Polícia do estado de São Paulo, foram

registradas 27.587 denúncias contra policiais, porém apenas 32,8% deles foram

investigados, levando à punição de 61% dos investigados (ou 20% dos

denunciados), assim distribuídos:

Policiais (civis e militares) denunciados e punidos a partir de denúncias feitas à Ouvidoria da Polícia do estado de São Paulo, 1998-200835

Policiais Denunciados Investigados Punidos Civis 10.128 1.972 880

Militares 17.450 7.066 4.638

TOTAL 27.578 9.038 5.518

A impunidade, porém, não se aplica somente aos agentes do Estado. A pesquisa

Identificação e Medida da Taxa de Impunidade Penal do Núcleo de Estudos da

Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), ainda em andamento,

34 Compilados a partir dos dados da Ouvidoria da Polícia do estado de São Paulo, disponíveis em http://www.ouvidoria-policia.sp.gov.br/pages/Relatorios.htm (último acesso em 09/05/2009). 35 Fonte: Ouvidoria da Polícia do estado de São Paulo, Resumo de policiais punidos a partir de denuncias na Ouvidoria 2008 disponível em http://www.ouvidoria-policia.sp.gov.br/pages/policiaispunidos2008.htm (último acesso em 09/05/2009).

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aponta a uma alta taxa de impunidade penal.36 Segundo os dados parciais, do final

dos anos 1990 e início dos 2000, de um total de 338,6 mil crimes registrados em 16

delegacias da cidade de São Paulo num período de cinco anos, apenas 21,8 mil (ou

6,5%) foram convertidos em inquéritos policiais.

Desses, estima-se que 40% (8,7 mil) serão arquivados e, portanto, apenas 13,1 mil

(ou 3,8% do total de crimes) serão objeto de um processo criminal. Os

pesquisadores estimam que após o trâmite das ações, apenas 5% (algo em torno

de 16,9 mil) do total de crimes será punido criminalmente.

Diante desse quadro, verifica-se que o Brasil é palco de graves e persistentes

violações de direitos humanos. As taxas de homicídios e mortes por armas de fogo

superam os números produzidos nos grandes conflitos armados recentes. Além

disso, as polícias agem rotineiramente com abuso e excesso de violência e força

letal, matando em São Paulo pelo menos uma pessoa por dia.

Esse contexto é reforçado e garantido pelas altas taxas de impunidade. Não

apenas os agentes das forças públicas se beneficiam de carta branca para matar

sem serem punidos, mas pouquíssimos crimes são efetivamente investigados e

uma fração ainda menor chega a ser punida.

Diante disse quadro, é a falta de vontade política e a ineficácia do Estado que

garantem e aprofundam uma realidade de impunidade e insegurança cotidiana que

apenas foi exacerbada pelo episódio de violência dos Crimes de Maio de 2006.

III. DIREITO – REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE

O caso ora apresentado a esta Ilustre Comissão Interamericana ocorreu no Estado

Brasileiro em maio de 2006, violando direitos previstos na Convenção Americana e

obrigações do Estado dela decorrentes. Satisfaz, portanto, todos os requisitos de

admissibilidade para o Sistema Interamericano.

1. Competência ratione personae

36 Revista Pesquisa FAPESP, Edição 88 – Junho de 2003, disponível em http://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=2183&bd=1&pg=1&lg (último acesso em 09/05/2009).

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O artigo 44 da Convenção Americana de Direitos Humanos dispõe:

ARTIGO 44

Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade

não governamental legalmente reconhecida em um ou

mais Estados-Membros da Organização, pode

apresentar à Comissão petições que contenham

denúncias ou queixas de violação desta Convenção

por um Estado-Parte.

Neste caso são quatro peticionarias: as senhoras Francisca Evangelista Alves de Souza (mãe de ISRAEL ALVES DE SOUZA), Helenita Barbosa de Andrade (mãe

de EDIVALDO BARBOSA DE ANDRADE e de EDUARDO BARBOSA DE ANDRADE) e Maria José de Lima Andrade (mãe de FÁBIO DE LIMA ANDRADE) e a organização Conectas Direitos Humanos, entidade não governamental

legalmente constituída e que tem como objetivo a proteção dos direitos humanos.

Todas preenchem, portanto, os requisitos para apresentar petições perante essa

Ilustre Comissão Interamericana.

2. Competência ratione materiae

Foram violados os artigos 1.1 (obrigação de respeitar os direitos), 4 (direito à vida),

5 (direito à integridade pessoal) e 25 (proteção judicial). O Estado Brasileiro deixou

de proteger e garantir a segurança, integridade e vida das vítimas EDIVALDO BARBOSA DE ANDRADE, FÁBIO DE LIMA ANDRADE, ISRAEL ALVES DE SOUZA, EDUARDO BARBOSA DE ANDRADE E FERNANDO ELZA. Após, falhou

em conduzir uma investigação imparcial e adotar medidas para concretizar a

legislação, mantendo e reforçando um contexto de impunidade e violência.

Ressalte-se que este é um caso representativo de um contexto de graves e

sistemáticas violações de direitos humanos: em um período de apenas dez dias

foram registradas 564 mortes por armas de fogo, muitas delas com características

de execuções sumárias, como já se demonstrou acima.

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3. Competência ratione temporis

A República Federativa do Brasil ratificou a Convenção Americana de Direitos

Humanos no dia 25 de setembro de 1992 e reconheceu a competência da Corte

Interamericana de Direitos Humanos a partir do dia 9 de dezembro de 1998,

evidente, portanto, que os fatos que ensejam a apresentação desta denúncia estão

na jurisdição da Comissão e da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

4. Competência ratione loci

Os fatos narrados nesta denúncia ocorreram na cidade de São Paulo, estado de

São Paulo, na República Federativa do Brasil, Estado signatário do Pacto de San

José da Costa Rica e que já reconheceu a competência da Corte Interamericana,

como destacado no item acima.

5. Esgotamento dos recursos internos e tempestividade da denúncia

O inquérito policial 052.06.002082-4 (1.124/06 – Delegacia de Homicídios Múltiplos

do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), que tramitou perante o I

Tribunal do Júri da Capital do Estado de São Paulo foi concluído pela autoridade

policial no dia 5 de novembro de 2008. Seu arquivamento foi requerido pelo 4º

Promotor de Justiça do I Tribunal do Júri no dia 18 de novembro de 2008 e acolhido

pela autoridade judiciária no dia 26 de novembro de 2008, quando se encerram as possibilidades de recurso, sendo, portanto, tempestiva a apresentação da

presente denúncia.

6. Ausência de litispendência e coisa julgada internacional

Nos termos do artigo 46.c da Convenção Americana de Direitos Humanos, não há

outra demanda que verse sobre o mesmo objeto na esfera internacional.

Do mesmo modo, não há coisa julgada internacional a respeito dos homicídios

consumados de EDIVALDO BARBOSA DE ANDRADE, FÁBIO DE LIMA

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ANDRADE e ISRAEL ALVES DE SOUZA, bem como os homicídios tentados de

EDUARDO BARBOSA DE ANDRADE e FERNANDO ELZA.

IV. DIREITO – MÉRITO: VIOLAÇÕES À CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

No estado de São Paulo, de 12 a 21 de maio de 2006, 564 pessoas foram mortas e

110 feridas por armas de fogo. Dessas, há mais de 50 vítimas civis fatais em

circunstâncias de execuções sumárias e atuação de grupos de extermínio.

Os jovens EDIVALDO, FÁBIO, ISRAEL, EDUARDO e FERNANDO são cinco

dessas vítimas. O crime de que foram alvos ocorreu no final da noite do dia 14 de

maio de 2006, data em que foram registradas as mortes de 107 civis e de oito

agentes do Estado.

As investigações foram conduzidas como se o crime estivesse isolado de qualquer

contexto. Foram produzidas apenas as provas obrigatórias e nada foi feito a partir

do seu resultado. Não houve busca por novas testemunhas ou a comparação e

investigação conjunta com crimes análogos que ocorreram naqueles dias.

Em virtude da ineficácia do sistema policial e judiciário, a verdade não foi

descoberta e os autores do crime não foram processados e, consequentemente,

punidos. Com isso, o Estado Brasileiro violou os direitos à vida, à integridade

pessoal e à proteção judicial, previstos nos artigos 4, 5 e 25 da Convenção

Americana de Direitos Humanos, todos em relação à obrigação de respeitar direitos

prevista no artigo 1.1 do mesmo tratado.

1. ARTIGO 4 – DIREITO À VIDA

Dispõe a Convenção Americana de Direitos Humanos:

ARTIGO 4 - Direito à Vida

1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua

vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em

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geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode

ser privado da vida arbitrariamente. (...)

No “caso de los Niños de la Calle” (Villagrán Morales y Otros), esta Comissão

Interamericana já firmou o entendimento de que o direito à vida é um direito

cogente no âmbito internacional:

En los alegatos finales, la Comisión destacó las

características de ius cogens del derecho a la vida y el

hecho de que constituye la base esencial del ejercicio

de los demás derechos.37

A Corte Interamericana teve inúmeras oportunidades de destacar que o direito à

vida não requer apenas uma obrigação negativa do Estado, mas também uma

obrigação positiva no sentido de protegê-la:

La Corte ha establecido que el derecho a la vida juega

un papel fundamental en la Convención Americana por

ser el corolario esencial para la realización de los

demás derechos. Al no ser respetado el derecho a la

vida, todos los derechos carecen de sentido. Los

Estados tienen la obligación de garantizar la creación

de las condiciones que se requieran para que no se

produzcan violaciones de ese derecho inalienable y,

en particular, el deber de impedir que sus agentes

atenten contra él. El cumplimiento del artículo 4,

relacionado con el artículo 1.1 de la Convención

Americana, no sólo presupone que ninguna persona

sea privada de su vida arbitrariamente (obligación

negativa), sino que además requiere que los Estados

tomen todas las medidas apropiadas para proteger y

preservar el derecho a la vida (obligación positiva),

bajo su deber de garantizar el pleno y libre ejercicio de

los derechos de todas las personas bajo su

37 Caso “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros) Vs. Guatemala – Sentença de 19/11/1999, parágrafo 139.

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jurisdicción. Esta protección activa del derecho a la

vida por parte del Estado no sólo involucra a sus

legisladores, sino a toda institución estatal y a quienes

deben resguardar la seguridad, sean éstas sus fuerzas

de policía o sus fuerzas armadas. En razón de lo

anterior, los Estados deben tomar las medidas

necesarias, no sólo para prevenir y castigar la

privación de la vida como consecuencia de actos

criminales, sino también prevenir las ejecuciones

arbitrarias por parte de sus propias fuerzas de

seguridad.38

A vasta jurisprudência da Corte Interamericana já fixou a importância e o alcance

desse direito:

El derecho a la vida es un derecho humano

fundamental, cuyo goce pleno es un prerrequisito para

el disfrute de todos los demás derechos humanos. De

no ser respetado, todos los derechos carecen de

sentido. En razón de dicho carácter, no son admisibles

enfoques restrictivos del mismo. De conformidad con

el artículo 27.2 de la Convención este derecho forma

parte del núcleo inderogable, pues se encuentra

consagrado como uno de los derechos que no puede

ser suspendido en casos de guerra, peligro público u

otras amenazas a la independencia o seguridad de los

Estados Partes.

En virtud de este papel fundamental que se le asigna

en la Convención, los Estados tienen la obligación de

garantizar la creación de las condiciones necesarias

para que no se produzcan violaciones de ese derecho

inalienable, así como el deber de impedir que sus

agentes, o particulares, atenten contra el mismo. El

38 Caso 19 Comerciantes Vs. Colombia – Sentença de 5 de julho de 2004, parágrafo 153.

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objeto y propósito de la Convención, como instrumento

para la protección del ser humano, requiere que el

derecho a la vida sea interpretado y aplicado de

manera que sus salvaguardas sean prácticas y

efectivas (effet utile).

La Corte ha señalado en su jurisprudencia constante

que el cumplimiento de las obligaciones impuestas por

el artículo 4 de la Convención Americana, relacionado

con el artículo 1.1 de la misma, no sólo presupone que

ninguna persona sea privada de su vida

arbitrariamente (obligación negativa), sino que además

requiere, a la luz de su obligación de garantizar el

pleno y libre ejercicio de los derechos humanos, que

los Estados adopten todas las medidas apropiadas

para proteger y preservar el derecho a la vida

(obligación positiva) de quienes se encuentren bajo su

jurisdicción.

En razón de lo anterior, los Estados deben adoptar las

medidas necesarias para crear un marco normativo

adecuado que disuada cualquier amenaza al derecho

a la vida; establecer un sistema de justicia efectivo

capaz de investigar, castigar y dar reparación por la

privación de la vida por parte de agentes estatales o

particulares (...).39

Também no sistema global de proteção da Organização das Nações Unidas o

direito à vida é entendido como de central importância, conforme já notado pela

Corte Interamericana:

[l]a protección contra la privación arbitraria de la vida,

que es explícitamente exigida por el tercer párrafo del

artículo 6.1 [del Pacto Internacional de Derechos

39 Caso Baldeón García Vs. Perú – Sentença de 06/04/2006, parágrafo 85.

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Civiles y Políticos] es de suprema importancia. El

Comité considera que los Estados Partes deben tomar

medidas no sólo para prevenir y castigar la privación

de la vida [causada por] actos criminales sino también

para prevenir los homicidios arbitrarios [cometidos por]

sus propias fuerzas de seguridad. La privación de la

vida por autoridades del Estado es una cuestión de

suma gravedad. En consecuencia, [el Estado] debe

controlar y limitar estrictamente las circunstancias en

las cuales [una persona] puede ser privada de su vida

por tales autoridades.40

Ademais, a Corte Interamericana entende que as falhas e deficiências de uma

investigação que impedem a descoberta da verdade e dos autores de um crime que

viola a vida é um descumprimento do próprio direito à vida:

(…) any deficiency or fault in the investigation affecting

the ability to determine the cause of death or to identify

the actual perpetrators or masterminds of the crime will

constitute failure to comply with the obligation to

protect the right to life.41

O caso ora exposto trata de um evento de execução sumária com cinco jovens

vítimas. Três delas morreram imediatamente e, dos dois sobreviventes, um foi

assassinado em um ataque semelhante seis meses depois e o outro fugiu do

estado de São Paulo, temendo por sua vida.

A chacina aconteceu num contexto de graves e sistemáticas violações de direitos

humanos. Como se não bastassem os elevados índices de mortalidade de jovens

por arma de fogo no Brasil e as altas estatísticas de violência e uso excessivo de

força policial, era também um evidente momento de violência exacerbada, como se

demonstrou acima.

40 Caso “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros)Vs. Guatemala - Sentença de 19 /11/1999, parágrafo 145. 41 Case Montero-Aranguren et al. (Detention Center of Catia) v. Venezuela – Sentença de 05/07/2006, parágrafo 83.

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Em apenas dez dias foram mortas por armas de fogo ao menos 564 pessoas. Suas

mortes não foram investigadas corretamente, seus algozes não foram identificados

e, portanto, não foram processados e punidos. Ao contrário, a impunidade foi

reiterada e aprofundada no país.

É, portanto, inquestionável que o Estado Brasileiro falhou em garantir e proteger o

direito à vida previsto no artigo 4 da Convenção Americana de Direitos Humanos e

em diversos outros tratados internacionais.

2. ARTIGO 5 – DIREITO À INTEGRIDADE PESSOAL

No dia 14 de maio de 2006, das cinco vítimas, EDUARDO e FERNANDO foram

alvejados e sobreviveram. Tiveram a sua integridade pessoal fortemente atingida.

Para além da evidente violação da sua integridade física, não se pode deixar de

considerar os danos causados à integridade psíquica e moral de dois sobreviventes

que além de vítimas tentadas de uma chacina, viram seus amigos serem mortos

por diversos tiros de arma de fogo num contexto de impunidade que gera medo e

insegurança na continuidade de suas vidas.

Ressalta-se que FERNANDO foi morto seis meses depois da chacina de uma

maneira semelhante ao primeiro ataque. Não sem justificação EDUARDO, único

sobrevivente, fugiu e foi se esconder fora do estado, fora de alcance.

Prevê o Pacto de San José da Costa Rica:

ARTIGO 5 - Direito à Integridade Pessoal

1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua

integridade física, psíquica e moral. (...)

Nesse sentido, no caso do Massacre de La Rochela, A Corte Interamericana

entendeu que o sofrimento causado às vítimas sobreviventes era uma grave

violação ao artigo 5 da Convenção Americana, destacando:

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With regard to the suffering endured by the three

survivors during and after the massacre, the Court

notes that, during the executions, these individuals

endured additional circumstances of intense

psychological suffering, as well as physical injuries,

given that they had just survived a violent attack with

bursts of gunfire and, later, the final fatal shots.

Moreover, they were present during the suffering and

death of their friends and colleagues, and felt the

possibility that they might die in those moments as

well. They even had to feign their own death in order to

survive. Likewise, after the massacre, surviving victim

Arturo Salgado had to endure five hours of great fear

and anxiety when he found himself alone, knowing that

the paramilitaries could return at any moment and

execute him. (…).42

Trata-se de caso análogo ao relatado na presente denúncia. Os dois sobreviventes

viram seus amigos e irmão morrerem enquanto também eram alvejados. Um dos

sobreviventes foi assassinado meses depois, aprofundando ainda mais o

sofrimento de EDUARDO.

Além disso, a Corte Interamericana consolidou entendimento de que as famílias das

vítimas também são vítimas de violação à sua integridade pessoal, especialmente

quando o Estado não conduz uma investigação imparcial e eficaz, mantendo uma

realidade de impunidade e aprofundando o sofrimento psicológico e emocional dos

familiares.

Nesse sentido, entre diversos julgamentos afirmando este entendimento, destaca-

se uma condenação ao Brasil no Caso Ximenes-Lopes:

The Court has repeatedly pointed out that the next of

kin of the victims of violations of human rights may be,

in turn, victims themselves. The Court considers that

42 Caso La Rochela vs. Colômbia - Sentença de 11/05/2007, parágrafo 135.

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the right to the psychological and moral integrity of the

victims´next of kin has been violated as a result of the

additional suffering they have endured due to the

specific circumstances of the violations committed

against their beloved persons and to the subsequent

actions or failure to act by the State officials regarding

such facts.43

Desta feita, é certo que as famílias de EDIVALDO e EDUARDO, FÁBIO e ISRAEL,

aqui representadas pelas senhoras Helenita Barbosa de Andrade, Maria José de Lima Andrade e Francisca Evangelista Alvez de Souza, respectivamente, desde

o dia 12 de maio de 2006, estão sofrendo pela morte de seus filhos, sofrimento

reiterado e agravado pela inércia do Estado em elucidar a verdade e buscar,

processar e punir os responsáveis pela execução sumária dos jovens.

Não resta dúvida de que, sendo também vítimas, essas famílias têm direito à

compensação pelas violações de direitos previstos na Convenção Americana que

sofreram pessoalmente.

3. ARTIGO 25 – PROTEÇÃO JUDICIAL

A falta de isenção e imparcialidade dos órgãos policiais e judiciários responsáveis

pela condução da investigação criminal e aplicação da justiça penal resultou na

condução de uma investigação falha e deficiente que não aparentou ter o objetivo

verdadeiro de determinar a verdade e punir os autores do crime, uma investigação

pro forma.

Com efeito, a Chacina do Parque Bristol não foi um evento isolado. Em um período

de apenas dez dias, 564 pessoas foram mortas por tiros no Estado de São Paulo e,

após três anos, não houve uma resposta estatal para esclarecer a verdade a

respeito daqueles acontecimentos e tão pouco para corrigir as violações e prevenir

que elas se repitam.

43 Caso Ximenes-Lopes v Brasil - Sentença de 04/07/2006, parágrafo 156.

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Todos os dias as famílias das 564 vítimas fatais (505 delas civis) sofrem uma

reiterada violação pelo descumprimento da obrigação estatal de investigar tais

crimes, determinar a verdade dos fatos e processar criminalmente os autores

materiais e intelectuais desses crimes.

A Convenção Americana de Direitos Humanos aduz:

ARTIGO 25 - Proteção Judicial

1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e

rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os

juizes ou tribunais competentes, que a proteja contra

atos que violem seus direitos fundamentais

reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela

presente Convenção, mesmo quando tal violação seja

cometida por pessoas que estejam atuando no

exercício de suas funções oficiais. (...)

A Corte Interamericana de Direitos Humanos vem consolidando o seu entendimento

de que as vítimas e seus familiares têm o direito de saber a verdade e ver

processados os violadores em um tempo razoável:

This Court has indicated that the right to judicial access

must secure the right of the alleged victims or their

next of kin to have every measure taken such that the

truth of the events may be known within a reasonable

time and that those eventually found responsible be

punished.44

Ademais, a Corte é enfática ao reiterar que as investigações não podem ser

conduzidas como meros expedientes pro forma predestinados ao fracasso,

especialmente nos casos de graves violações de direitos humanos que atinjam o

direito à vida:

44 Case of the Rochela Massacre v. Colombia – Sentença de 11/05/2007, parágrafo 146.

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In particular, since full enjoyment of the right to life is a

prior condition for the exercise of all the other rights,

the obligation to investigate any violations of this right

is a conditions for ensuring this right effectively. Thus,

in cases of extrajudicial executions, forced

disappearances and other grave human rights

violations, the State has the obligation to initiate, ex

officio and immediately, a genuine, impartial and

effective investigation, which is not undertaken as a

mere formality predestined to be ineffective. This

investigation must be carried out by all available legal

means with the aim of determining the truth and the

investigation, pursuit, capture, prosecution and

punishment of the masterminds and perpetrators of the

facts, particularly when State agents are or may be

involved.45

O Tribunal vai além, clarificando que as investigações devem ser conduzidas por

órgãos verdadeiramente independentes com todos os meios legais disponíveis:

Moreover, in such cases, it is particularly important that

the competent authorities adopt all reasonable

measures to guarantee the necessary probative

material in order to carry out the investigation and that

they be independent, both de jure and de facto, from

the officials involved in the facts of the case . The

foregoing requires not only hierarchical or institutional

independence, but also real independence. The said

investigation must be carried out with all available legal

means and must be directed towards the determination

of the truth and the investigation, pursuit, capture,

prosecution and possible punishment of all the

45 Case of the Pueblo Bello Massacre v. Colombia- Sentença de 31/01/2006, parágrfo 143.

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masterminds and perpetrators of the facts, particularly

when State agents are or may be involved.46

Do contrário, estaríamos diante de uma situação em que o Estado age ou tolera

atos violadores de direitos humanos, tornando-se ele próprio o violador:

Upon implementing or tolerating acts directed toward

the perpetration of extrajudicial executions, or by failing

to investigate or punish those responsible, the State

violates the obligation to respect and ensure the full

and free exercise of the rights of the alleged victims or

their next of kin as recognized in the Convention. In

addition, these violations prevent society from knowing

the truth of the events, encourage the chronic

repetition of human rights violations and perpetuate the

total defenselessness of the victims and their next of

kin. The investigation into the events must be

conducted using all available legal means, in order to

determine the truth of what occurred and in order to

pursue, capture, prosecute, and convict all the material

and immaterial authors, particularly when State agents

are or could be involved.47

A Corte, portanto, entende que a impunidade, por si mesma, é uma violação de

direitos humanos:

(...) entendiéndose como impunidad la falta en su

conjunto de investigación, persecución, captura,

enjuiciamiento y condena de los responsables de las

violaciones de los derechos protegidos por la

Convención Americana, toda vez que el Estado tiene

la obligación de combatir tal situación por todos los

medios legales disponibles ya que la impunidad

46 Case of Zambrano Vélez et al. v. Ecuador – Sentença de 04/07/2007, parágrafos 122 e 123. 47 Case of the Rochela Massacre v. Colombia- Sentença de 11/05/2005, parágrafo 148.

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propicia la repetición crónica de las violaciones de

derechos humanos y la total indefensión de las

víctimas y de sus familiares.48

O caso em tela é um lamentável exemplo de violação ao direito de proteção judicial.

O Estado Brasileiro falhou em conduzir uma investigação adequadamente isenta e

voltada à elucidação da verdade e responsabilização judicial dos culpados. O

inquérito policial foi conduzido como um instrumento pro forma, no qual apenas as

diligências obrigatórias foram realizadas.

Com efeito, num contexto de violência extremamente exacerbado no qual se

registrou diversas mortes em circunstâncias semelhantes à Chacina do Parque

Bristol, inclusive no mesmo dia e em dias próximos, não houve uma investigação

conjunta desses fatos. Não houve ao menos comparação quanto aos

acontecimentos, tipos de armas e munições, confrontos balísticos, tipos de carro,

oitiva de testemunhas, perícias do local etc.

Pela forma de condução das investigações conclui-se que não havia a verdadeira

intenção de elucidar o crime e punir os culpados. Manteve-se uma realidade de

impunidade que permite a repetição de tais crimes, peça fundamental do ciclo de

sistemáticas e reiteradas graves violações de direitos humanos, aprofundando a

fragilidade e marginalização das vítimas.

Tal situação é insustentável pois configura uma afronta a todo o sistema de

proteção de direitos humanos criado pela Convenção Americana, como a Corte

Interamericana já apontou em diversos julgados, merecendo destaque o exposto no

Caso Ximenes-Lopes, no qual o Brasil foi condenado:

Under Article 25(1) of the Convention, the States have

the duty to ensure that all persons under its jurisdiction

have effective judicial recourse against violations of

their fundamental rights. Not only must recourse be

provided, but it also must be effective, i.e., it must be

capable of producing results or providing answers to

48 Caso “Panel Blanca” (Paniagua Morales y otros) Vs. Guatemala – Sentença de 08/03/1998, parágrafo 143.

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violations of rights established by the Convention. This

safeguard is one of the cornerstones of the American

Convention and the Rule of Law in a democratic

society, as set forth in the Convention.49

Nesse aspecto, a Corte vai além, reiterando que um poder judiciário autônomo e

efetivo é um dos pilares fundamentais de um Estado Democrático de Direito,

expondo mais um motivo pelo qual o Brasil deve ser condenado a corrigir esta

violação e tomar medidas reais e efetivas para que fatos semelhantes sejam

verdadeiramente investigados e punidos até que não voltem mais a se repetir.

4. ARTIGO 1.1 – OBRIGAÇÃO DE RESPEITAR OS DIREITOS

Com a violação dos artigos 4, 5 e 25 da Convenção Americana de Direitos

Humanos, o Brasil também violou a obrigação de respeitar e garantir os direitos

nela previstos, nos termos do artigo 1.1, in verbis:

ARTIGO 1 - Obrigação de Respeitar os Direitos

1. Os Estados-Partes nesta Convenção

comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades

nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno

exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua

jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de

raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou

de qualquer outra natureza, origem nacional ou social,

posição econômica, nascimento ou qualquer outra

condição social. (...)

Explicitando o seu conteúdo, a Corte Interamericana entendeu que:

(...) Los Estados tienen la obligación de garantizar la

creación de las condiciones que se requieran para que

no se produzcan violaciones de ese derecho

49 Caso Ximenes-Lopes v Brasil - Sentença de 04/07/2006, parágrafo 192.

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inalienable y, en particular, el deber de impedir que

sus agentes atenten contra él.50

A correlação dos artigos 1.1 e 4 da Convenção Americana foi explicitada pela Corte

Interamericana no caso Instituto de Reeducación del Menor:

El derecho a la vida y el derecho a la integridad

personal no sólo implican que el Estado debe

respetarlos (obligación negativa), sino que, además,

requiere que el Estado adopte todas las medidas

apropiadas para garantizarlos (obligación positiva), en

cumplimiento de su deber general establecido en el

artículo 1.1 de la Convención Americana.51

No caso Villagran Morales, a Corte Interamericana explicitou o alcance da

combinação dos artigos 1.1 e 25 da Convenção Americana:

(...) quando se ha violado un derecho protegido, “el

Estado está obligado a responder sua sponte con

determinadas medidas de investigación, actos

encaminados a sancionar y castigar a los

perpetradores, y mecanismos que garanticen el

acceso a la indemnización” y, “[a]l mismo tiempo, la

víctima tiene un derecho directo a procurarse

protección y reparación judicial”.52

O mesmo se deu recentemente, no caso Salvador Chiriboga:

(...) este Tribunal recuerda que en virtud de la

protección otorgada por los artículos 8 y 25 de la

Convención, los Estados están obligados a suministrar

recursos judiciales efectivos a las víctimas de

violaciones de los derechos humanos, que deben ser

sustanciados de conformidad con las garantías

judiciales, todo ello dentro de la obligación general, a

50 Caso Juan Humberto Sánchez Vs. Honduras – Senteça de 07/06/2003, parágrafo 110. 51 Caso "Instituto de Reeducación del Menor" Vs. Paraguay – Sentença de 02/09/2004, parágrafo 158. 52 Caso “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros) v. Colômbia – Sentença de 19/11/1999, parágrafo 199.

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cargo de los mismos Estados, de garantizar el libre y

pleno ejercicio de los derechos reconocidos por la

Convención a toda persona que se encuentre bajo su

jurisdicción (artículo 1.1).53

A combinação dos artigos 1.1 e 25 exige que as pessoas tenham acesso a um

poder judiciário imparcial e isento. A falta dessas características é, segundo a Corte

Interamericana, uma grave violação de direitos humanos:

El derecho a la tutela judicial efectiva exige entonces a

los jueces que dirijan el proceso de modo de evitar que

dilaciones y entorpecimientos indebidos, conduzcan a

la impunidad, frustrando así la debida protección

judicial de los derechos humanos.54

Esta Corte ha señalado reiteradamente que la

obligación de investigar debe cumplirse “con seriedad

y no como una simple formalidad condenada de

antemano a ser infructuosa”.

La investigación que el Estado lleve a cabo en

cumplimiento de esta obligación “[d]ebe tener un

sentido y ser asumida por el [mismo] como un deber

jurídico propio y no como una simple gestión de

intereses particulares, que dependa de la iniciativa

procesal de la víctima o de sus familiares o de la

aportación privada de elementos probatorios, sin que

la autoridad pública busque efectivamente la verdad”.55

Por fim, a Corte Interamericana também expôs o alcance do artigo 1.1 na Opinião

Consultiva nº 17:

Esta Corte ha establecido reiteradamente, a través del

análisis de la norma general consagrada en el artículo

1.1 de la Convención Americana, que el Estado está

53 Caso Salvador Chiriboga vs. Ecuador – Sentença de 06/05/2008, parágrafo 58. 54 Caso Bulacio Vs. Argentina – Sentença de 18/09/2003. Serie C, nº100. Parágrafo 115. 55 Caso Hermanas Serrano Cruz Vs. El Salvador – Sentença de 01/03/2005, parágrafo 61.

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obligado a respetar los derechos y libertades

reconocidos en ella y a organizar el poder público para

garantizar a las personas bajo su jurisdicción el libre

y pleno ejercicio de los derechos humanos.

Según las normas del derecho de la responsabilidad

internacional del Estado aplicables en el Derecho

Internacional de los Derechos Humanos, la acción u

omisión de cualquier autoridad pública, de cualquiera

de los poderes del Estado, constituye un hecho

imputable al Estado que compromete su

responsabilidad en los términos previstos en la

Convención Americana. Dicha obligación general

impone a los Estados Partes el deber de garantizar el

ejercicio y el disfrute de los derechos de los individuos

en relación con el poder del Estado, y también en

relación con actuaciones de terceros particulares.56

Toda a normativa internacional, o entendimento desta I. Comissão Interamericana e

a jurisprudência da Corte Interamericana convergem no sentido de que a vida e

integridade das pessoas devem ser protegidas e garantidas pelo Estado, que tem a

obrigação de investigar e responsabilizar, de maneira imparcial e efetiva, as

violações que ocorrerem.

O desrespeito a esses direitos, quando não são devidamente investigados e

corrigidos pelo Estado torna-o o próprio violador, na medida em que tolera as

violações que nele acontecem, garantindo um contexto de impunidade para que

elas se repitam.

Desta feita, o Estado se afasta da obrigação que assumiu de respeitar e garantir

direitos, como previsto no artigo 1.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos

e torna-se ambiente fértil e propício para a reiteração de sistemáticas violações de

direitos humanos, exatamente o que se retrata na presente denúncia.

56 Corte Interamericana de Direitos Humanos. Opinião Consultiva nº 17, de 28/08/2002 – Serie A, nº 17. Parágrafo 87.

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V. PEDIDO

Por todo o exposto as peticionarias solicitam que esta I. Comissão Interamericana

de Direitos Humanos admita o processamento da presente denúncia, para que

possa ela servir de caso exemplar para a alteração de práticas sistemáticas de

violações de direitos humanos perpetradas pelo Estado Brasileiro por meio do

desrespeito à Convenção Americana de Direitos Humanos.

Diante das violações aos direitos previstos no Pacto de San José da Costa Rica, as

peticionarias solicitam que esta I. Comissão recomende ao Estado brasileiro:

a) O reconhecimento pelo Estado Brasileiro de sua responsabilidade por

violação dos artigos 1.1, 4, 5 e 25 da Convenção Americana de Direitos

Humanos no caso da Chacina do Parque Bristol;

b) A reparação dos danos morais e materiais causados às famílias das vítimas,

como forma de indenização pelo desrespeito do Estado Brasileiro ao direito

à vida, à integridade pessoal e à proteção judicial, bem como ao dever de

respeitar os direitos, previstos nos artigos 4, 5, 25 e 1.1, respectivamente,

do Pacto de San José da Costa Rica;

c) A adoção e implementação de legislação e políticas públicas consistentes

em um Código de Conduta Policial que seja respeitador e garantidor dos

direitos humanos e que regule o uso de força letal;

d) O fim dos registros policiais na modalidade “resistência seguida de morte”,

“encontro de cadáver” ou quaisquer outras que não “homicídio”;

e) A reabertura das investigações das mortes decorrentes da atuação de

grupos encapuzados, grupos de extermínio, policiais e demais casos

suspeitos de participação de agentes públicos, entre os dias 12 e 21 de

maio de 2006 no estado de São Paulo, com o cruzamento das informações

de todos os projéteis, veículos, pessoas, laudos, testemunhos e demais

informações relevantes;

f) A criação de um banco de dados nacional e público em que sejam

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obrigatoriamente inseridos todos os casos de delitos praticados por

membros das forças de segurança, incluindo os casos decorrentes de

confronto, bem como o andamento e conclusão de cada investigação;

g) A adoção de efetivas políticas públicas de transparência e controle da

atividade de investigação policial, com os correspondentes investimentos e

programas de treinamento, capacitação e valorização dos agentes do

Estado e instituições que atuam nessa área.

De São Paulo/Brasil para Washington/EUA, aos 12 de maio de 2009.

Eloísa Machado de Almeida Samuel Friedman [email protected] [email protected] Advogada Conectas – OAB/SP 201.790 Advogado Conectas – OAB/SP 285.816 Marcela Cristina Fogaça Vieira Vivian Sampaio Gonçalves [email protected] [email protected] Advogada Conectas – OAB/SP 252.930 Estagiária Endereço para comunicação: Conectas Direitos Humanos Rua Barão de Itapetininga, 93, 5ºandar São Paulo/SP Brasil CEP 01042-908 Tel/Fax. 55 11 3884 7440 www.conectas.org