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III ENCONTRO LATINOAMERICANO CIÊNCIAS SOCIAIS E BARRAGENS
30 novembro a 03 de dezembro de 2010, Belém (PA)
Grupo de trabalho: Desenvolvimento Regional
A importância das eclusas nos barramentos para o transporte aquaviário no Brasil
Eduardo Pessoa de Queiroz1
Fábio Augusto Giannini
2
Introdução
É consensual, na literatura especializada em transportes, as vantagens de se
movimentar mercadorias, em trechos de longas distâncias, pelo modal aquaviário.
Entre elas, destacam-se as vantagens econômicas, sociais e ambientais. Entretanto,
esse modal de transporte depende das condições físicas da via navegável. Uma
dessas condições é a existência de sistemas de engenharia que superem
obstáculos naturais e os barramentos. Esses sistemas são conhecidos como
eclusas, que permitem a superação de impedimentos naturais ou antrópicos e
garantem o uso das águas para fins de transporte.
Entretanto, a falta de integração entre as políticas setoriais brasileiras criou
um quadro crítico para a navegação em águas interiores, pois apenas uma ínfima
parte dos barramentos construídos nos rios brasileiros para a geração de energia
elétrica contemplou a instalação de eclusas.
O objetivo deste trabalho é demonstrar a importância da previsão de eclusas
nos empreendimentos hidrelétricos, como meio de propiciar o desenvolvimento do
transporte aquaviário no Brasil, fato que pode contribuir, consequentemente, para o
desenvolvimento sustentável da economia. Outro objetivo é discutir um dos fatores
causadores do conflito entre setor elétrico e transportes. Para tanto, faremos uso de
uma análise descritiva do atual quadro brasileiro, sempre sob o prisma dos conceitos
de uso múltiplo das águas e da multimodalidade.
Este artigo está dividido em quatro partes, além desta introdução e dos
1 Geógrafo. Mestre em Geografia. Especialista em regulação de serviços de transportes aquaviários da Agência Nacional de
Transportes Aquaviários. E-mail: [email protected] 2 Mestre em Teoria econômica/UEM. Economista. Especialista em regulação de serviços de transportes aquaviários da
Agência Nacional de Transportes Aquaviários. E-mail: [email protected].
2
comentários finais. A primeira apresenta o conceito do uso múltiplo da água. A
segunda parte descreve como o transporte hidroviário é tratado na Europa, EUA e
Brasil. A terceira parte discute a importância do transporte para o desenvolvimento
econômico, destacando a eclusa como fator basilar nesse processo. Por fim, é
apresentada a discussão sobre o conflito no uso das águas entre o setor energético
e de transportes.
1. O uso múltiplo da água
A água é um recurso natural escasso e possui uma série de funções nas
atividades de uma sociedade. Em especial, as águas dos rios podem ser utilizadas
na irrigação, na geração de energia, no abastecimento público, no transporte de
cargas e passageiros, na pesca, nas indústrias, entre outros, além de serem
fundamentais para a manutenção da vida nos ecossistemas.
Todavia, muitas vezes, a forma como o rio é explorado em um daqueles usos
traz prejuízos a outros, gerando conflitos de interesse. Esses foram, e ainda são,
objetos de grandes discussões. Cabe destacar que, no Brasil, há entendimento de
que os rios devem ser explorados preservando todas as utilizações que ele pode
oferecer, sempre buscando o uso múltiplo das águas. Gavião, Reis e Silva (2003)
definem o princípio do uso múltiplo da água como aquele que assegura o direito de
utilizar os recursos hídricos em todos os fins para os quais são necessários, em
igualdade de condições.
A discussão a respeito dos usos das águas não é recente. No Brasil, em
1934, decretou-se o Código das Águas, cujo teor visava criar regras para o controle
e incentivo no uso das águas. O referido código contemplou em seu escopo a
navegação e o artigo n°. 37 (combinado com o art.48) expressou que o uso das
águas públicas se deve realizar, sem prejuízo da navegação, salvo quando não haja
uso para o comércio, ou se o uso para o transporte prejudicar a utilização para
primeiras necessidade de vida.
Destarte, tendo em vista os novos desafios do limiar do novo século, os
gestores do Estado compreenderam que era necessário reconstruir o ambiente legal
e institucional no intuito de melhorar o gerenciamento das águas. Assim, destaca-se
a edição da Lei das Águas (Lei Federal n°.9.433, 1997), a criação da Agência
3
Nacional de Águas – ANA e da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL.
A ANEEL passou a ser responsável pelas determinações do setor elétrico,
mas não sobre os recursos hídricos. Esta Agência deve regular e fiscalizar o setor
elétrico em consonância com a Lei das Águas. A ANA é a responsável por executar a
Lei das Águas, o que torna a ANEEL subordinada aquela que se refere ao uso da
água.
A Lei das Águas criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos e enfatiza que a gestão dos recursos hídricos deve levar em consideração o
uso múltiplo das águas, logo em seus fundamentos (art. 1º, IV). É imperioso
destacar a ênfase dada ao transporte aquaviário nos objetivos da Política Nacional
de Recursos Hídricos – PNRH, (art. 2º, II). A referida lei ainda, em seu art.13 e art.
15, VI, vincula as outorgas ao referido uso múltiplo das águas. Cabe destacar que
essa lei também enfatizou a água como bem público e priorizou o consumo humano
e a dessedentação de animais.
Importante ressaltar que o transporte aquaviário foi o único uso
expressamente citado nos objetivos da PNRH: o plano objetiva “II - a utilização
racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário3
, com
vistas ao desenvolvimento sustentável”. Do fato da navegação aparecer
expressamente, deduz-se que há entendimento de que a navegação não foi
contemplada como deveria no passado, mas há a intenção de mudar este quadro, a
exemplos do que ocorreu em outros países.
2. A navegação interior no mundo e no Brasil 2.1 O sistema estadunidense de navegação interior
A origem do desenvolvimento da navegação interior, como importante modal
de transportes nos Estados Unidos - EUA, ocorreu no início do século XIX, a partir
da emergência do processo de industrialização. Expedições ao interior, pela
navegação dos rios Missouri e Columbia, foram autorizadas em 1803, e estudos
diversos foram realizados visando à utilização dos rios para o transporte. O
resultado foi a melhoria e a adaptação dos rios citados, e de outros para o uso das 3 Grifo nosso.
4
águas para o transporte. A recessão da década de 1930, provocada pela crise
sistêmica do capitalismo, além de promover discussões sobre o uso múltiplo das
águas, motivou a maior utilização das hidrovias para o transporte de carga (MMA,
2006, p.27). A finalidade era alavancar a economia e o setor financeiro do país.
A essência do aproveitamento hidroviário dos rios estadunidenses é declarada
pelo Congresso daquele país e pode ser resumida em três temas: Segurança
Nacional, Desenvolvimento Regional e Exportação (MMA, 2006, p.29). A segurança
está ligada às obras de infraestrutura, necessárias para a contenção de cheias,
enchentes e a viabilização do tráfego aquaviário. O desenvolvimento regional
traduz-se na filosofia socio-territorial de integração de regiões deprimidas do interior
do país visando o desenvolvimento não apenas econômico, mas também de cunho
social. Exportação é decorrente da própria expansão e a competitividade das
commodities estadunidenses no mercado internacional.
A malha hidroviária estadunidense possui mais de 17.000 quilômetros
navegáveis. No total, são 192 eclusas e 238 berços4
Na gestão das hidrovias dos EUA, setor público e o privado trabalham em
sistema de cooperação, no sentido de alcançar seus interesses e incrementar o
transporte aquaviário pelos rios. Um exemplo é a Tennessee Valley Authority - TVA,
que segundo o MMA (2006, p.27) é uma “agência pública com roupagem
institucional privada, responsável pelo fomento econômico e social da bacia daquele
afluente do rio Mississipi”. Uma das missões do TVA é proporcionar o planejamento
territorial integrado da bacia hidrográfica. O uso múltiplo das águas e o
desenvolvimento regional são os dois principais paradigmas para constituição de
suas ações. A TVA cuida da bacia hidrográfica como um todo. As hidrovias, por sua
vez, estão sob orientação do United States Corps of Engineers – USACE. Essa é
. São movimentadas nas
hidrovias estadunidenses mais de 625 milhões de toneladas por ano, o que
corresponde a um valor de mais de US$ 70 bilhões. Segundo Rodrigues (2007,
p.23) a participação da matriz aquaviária no país chega aos 25%. Entre as principais
commodities transportadas, destacam-se os grãos para o mercado nacional e
internacional, aço, derivados de petróleo, carvão, produtos químicos e materiais
para construção.
4 Conforme informações oriundas da apresentação do USACE, realizada em Brasília, em 28 de agosto de 2007, no seminário
internacional de hidrovias Brasil-EUA.
5
uma corporação militar que também contrata mão-de-obra civil. A USACE está
presente ao longo de várias bacias e possui como uma de suas atribuições a
realização de obras de engenharia, como a dragagem de trechos sedimentados e
outras que viabilizam o transporte aquaviário.
2.2 O sistema europeu de navegação interior
A utilização de rios para meios de transporte não é uma novidade no
continente europeu. Esse modal vem sendo utilizado intensamente desde antes da
Idade Média5
Na atualidade, a Europa possui uma rede de aproximadamente 37.000 km de
hidrovias. Essa perpassa por 20 dos 27 países da União Européia - UE. É possível,
com a interligação de bacias, o transporte de mercadorias entre os portos do Mar do
Norte e o Mar Negro. Essa ligação, e outras, foram possíveis com a construção de
canais e eclusas que formaram verdadeiros corredores logísticos, como o corredor
Norte-Sul. Atualmente, existe um projeto de expansão da rede com a construção do
canal que ligará o rio Sena ao Scheldt, o que possibilitará o transporte entre as
cidades de Paris e Amsterdam.
. Registros mostram que a construção de canais, como meio de
contenção de cheias, já ocorriam no século XII. Esses canais serviam como vias
navegáveis também, mostrando que a construção de barragens também pode ser
importante contribuição para a navegação, viabilizando o trânsito de embarcações
em trechos antes inavegáveis. Outro fator que contribuiu para o desenvolvimento do
transporte hidroviário na Europa foi o expansionismo territorial de alguns países no
século XVI.
Parte da interligação da rede hidroviária européia foi concebida como parte de
projetos entre os estados membros da UE. Um exemplo foi o projeto, NAIADES6. O
objetivo desse documento era promover a navegação em vias interiores na Europa7
5 Segundo informações do:
.
Entretanto, ações anteriores ao NAIADES já permitiam que a navegação interior
entrasse na agenda de planejamento dos países da UE. Um exemplo foi a
http://www.historyworld.net/wrldhis/PlainTextHistories.asp?historyid=aa19, acesso em 25/10/2010 às 18:41.
6 Navigation and Inland Waterway Action and Development in Europe, elaborado pelo Comitê de Mobilidade e Transporte da União Européia.
7 Informações retiradas do seguinte sitio eletrônico: http://www.naiades.info/page.php?id=84&path=80, acesso em 25/102010 às 19:50.
6
Resolução 92 do CEMT8
Entre os países europeus detentores de hidrovias interiores significantes
destacam-se a Bélgica e a Holanda. Os belgas possuem mais de 1400 quilômetros
de rios navegáveis e canais. Entretanto, possuem 36 barragens e 17 sistemas de
eclusas. O total de cargas transportado pelas hidrovias em 2006
, que criou uma classificação e padronização de utilização
de embarcações nas hidrovias européias. Assim, passou a ser possível a construção
de uma rede de transportes hidroviária intra-continental, com classificação de
embarcações e de hidrovias.
9
foi de mais de 105
milhões de toneladas, o que representou 13% da matriz de transportes. Por seu
turno, a matriz holandesa gira em torno de 32 %. A Holanda apresenta 96 eclusas e
mais de 6.000 quilômetros de malha hidroviária. A importância da navegação interior
para ambos os países, se dá pela necessidade de competitividade dos portos,
terminais e vias navegáveis em relação aos países vizinhos, grandes importadores e
exportadores mundiais, como Alemanha, França e Inglaterra. A logística torna-se
uma solução das atividades econômicas para as balanças comerciais.
2.3 O sistema brasileiro
A utilização dos rios brasileiros para fins de transporte não é uma atividade
recente. Na verdade, a penetração em regiões distantes das primeiras vilas do país
ocorreu, também, pelas navegações exploratórias em rios como Amazonas, Negro,
Solimões, Tietê, Paraná, Paranaíba, São Francisco, entre outros.
Na atualidade, o país possui uma malha hidroviária aproximada de 27 mil
quilômetros de extensão (MMA, 2006, p.38). Entretanto, o Plano Nacional de Viação
– PNV10
8 Resolução do European Conference of Ministers of Transport, obtida no sitio eletrônico:
, estima que essa malha possa chegar, aproximadamente, a 40 mil
quilômetros (BRASIL,1973). Em relação à infraestrutura aquaviária interior, o país
possui 34 Portos Organizados, 131 Terminais de Uso Privativo - TUP, três Estações
de Transbordo de Cargas - ETC, 21 eclusas, com 17 sistemas de transposição de
desníveis, além de vários terminais de passageiros distribuídos na bacia amazônica,
vários desses em estado rudimentar (ANTAQ, 2010).
http://www.internationaltransportforum.org/europe/acquis/wat19922e.pdf, acesso em 26/10/2010 às 15:53. 9 Seminário Internacional Sobre Hidrovias Brasil – Flandres/Bélgica. Brasília, 26 e 27 de março de 2007. 10 Criado pela lei 5.917 de 10 de setembro de 1973. As atualizações estão disponíveis no seguinte endereço eletrônico:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l5917.htm
7
O Brasil possui uma frota homologada na Agência Nacional de Transportes
Aquaviários - ANTAQ de 2.604 embarcações11, o que soma mais de 4,5 milhões de
TPB12
A administração, a manutenção e a regulação das hidrovias no Brasil ficam
sob responsabilidade de diferentes órgãos do Estado. A administração é de
competência do Ministério dos Transportes
. Desse total, 1.407 são embarcações de empresas que atuam na navegação
hidroviária interior, somando mais de um milhão de TPB (ANTAQ, 2010). Para o
transporte interno de grãos, as embarcações mais utilizadas são formadas por
comboios que possuem arranjos de empurradores autopropulsados e barcaças.
Esses comboios devem ser dimensionados para superar os obstáculos naturais e
artificiais e impedâncias da navegação, como as eclusas, ou seja, barreiras relativas
(Rodrigue, 2006, p.9).
13. A execução da política é exercida pelo
Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transporte - DNIT14. A regulação, a
supervisão e fiscalização da prestação de serviços de transporte aquaviário é
competência da ANTAQ15
Os Estados Unidos e vários países europeus, de modo geral, incorporaram o
transporte aquaviário interior na sua matriz de transportes. Isso não significa,
necessariamente, que os modelos adotados em outros territórios sirvam, de forma
plena às necessidades brasileiras, que são distintas e diferentes em cada região.
Contudo, as vantagens econômicas da hidrovia, para o transporte de determinados
tipos de carga, devem ser analisadas como integrantes do processo de crescimento
e desenvolvimento econômico do país. A fluidez do sistema de transporte depende
da existência de infraestrutura condizente às necessidades de trafegabilidade, por
isso a importância das eclusas para as hidrovias e, consequentemente, para o
desenvolvimento econômico do país.
.
3. A importância das eclusas para o desenvolvimento econômico
Preliminarmente, convém diferenciar os conceitos de crescimento e
11 Informações do Panorama Aquaviário, ANTAQ, vol. 5 – maio de 2010. 12 Tonelagem de Porte Bruto (Dead Weight) o que é potencialmente transpotável em uma embarcação. 13 Conforme disposto na lei 10.683 de 23 de maio de 2003. 14 Segundo a lei 10.233 de 5 de junho de 2001. 15 Conforme estabelecido no Capítulo IV, Seção I e II da lei 10.233/01.
8
desenvolvimento econômico. O primeiro diz respeito à majoração do produto
agregado do país e pode ser avaliado a partir das contas nacionais. Por outro lado,
desenvolvimento é um conceito bem mais amplo, que leva em conta a elevação da
qualidade de vida da sociedade e a redução das diferenças econômicas e sociais
entre os agentes (Paulani e Braga, 2003).
Este trabalho defende o transporte aquaviário e os seus elementos de
infraestrutura, especificamente as eclusas, como fatores basilares no processo de
desenvolvimento econômico, haja vista que a presença desses instrumentos
viabiliza a utilização de um modal de transporte com vantagens econômicas, sociais
e ambientais. Esta parte do trabalho está dividida em três tópicos. O primeiro traz
uma visão teórica sucinta da importância do transporte para as economias, em
termos gerais. Em seguida, apresenta-se a importância e as dificuldades da
navegação interior no Brasil. Por fim, são apresentados os esforços governamentais
no intuito alterar o atual quadro da matriz de transportes do país.
3.1. Transporte e desenvolvimento econômico
Dada a relevância do setor de transportes, vários autores se dedicaram em
estudar o seu papel no desenvolvimento econômico, incluindo Owen (1987),
Kawamoto (1994), Hilling (1996), Barat (2007) e Almeida (2008). Este tópico tem o
objetivo de apresentar sucintamente a relação entre transporte e desenvolvimento,
sem a menor pretensão de esgotar o assunto.
Sob o prisma microeconômico, o transporte é determinante na formação dos
mercados. Se o Brasil não tivesse portos para exportar o excedente da produção,
não haveria motivo para produzir no atual patamar, pois o mercado interno não
absorveria, por exemplo, o total de soja colhida. A possibilidade de transportar
mercadorias amplia o tamanho dos mercados e, consequentemente, a produção, o
emprego e a renda.
Impende destacar que a dinâmica do setor de transportes se propaga sobre a
competitividade dos diversos setores da economia e exerce um papel salutar sobre
seu desempenho. O custo do transporte encontra-se embutido em praticamente
todos os bens produzidos por um país e, dependendo do produto, é crucial para a
viabilidade dos empreendimentos.
9
Para ilustrar o impacto do frete sobre os preços dos produtos, vale mencionar
informações da Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB. Avaliando o
período de 2002 a 2009 do preço da soja em grãos FOB (Porto de Santos) e do frete
rodoviário, este último representou uma média aproximada de 24% do valor do
produto.
A teoria do consumidor demonstra a relação inversa entre demanda por bens
e seus preços. Isso decorre da restrição orçamentária dos agentes econômicos, que
podem consumir no limite de suas rendas (Pindyck e Rubinfelt, 2002). Assim, quanto
maior o custo do transporte, maior o preço dos produtos e menor a demanda. Menor
demanda implica em menor produção, emprego e renda.
Com o transporte é possível vencer barreiras espaciais referentes ao acesso
a educação, a saúde, a mão de obra, ao conhecimento; fatores esses fundamentais
para o desenvolvimento das regiões. Neste escopo, é interessante a abordagem de
Owen (1987), cujas conclusões sobre transporte vão além do transporte de produtos
e investimentos: Many factors contribute to economic and social progress, but mobility is especially important because the ingredients of a satisfatory life, from food and health to education and employment, are generally available only if there is adequate means of moving people, goods and ideas (Owen, 1987, apud Hilling, 1996).
É possível abordar o transporte como um instrumento de distribuição de
renda. Regiões isoladas geograficamente podem ter acesso facilitado a outras
regiões. Esta ligação pode gerar competitividade, por exemplo, em mercados de
insumos utilizados na produção local, antes ofertado por um monopolista. A redução
dos preços dos insumos implica em uma margem de lucro maior para os produtores
da região. (KAWAMOTO, 1994 apud ALMEIDA, 2008).
Do ponto de vista macroeconômico, pode-se destacar o conhecido efeito
multiplicador, decorrente da realização dos investimentos em infra-estrutura de
transporte, cujo volume demandado de recursos público e privado é representativo
em relação à produção dos países (Barat, 2007).
Conforme exposto, é evidente o papel do transporte e suas implicações sob o
crescimento e desenvolvimento econômico. Destarte, a existência de uma rede de
transporte eficiente ocupa grande espaço na dinâmica das economias. Cabe, então,
analisar o atual quadro do setor de transportes brasileiro. Como o foco deste
trabalho é a navegação interior, o próximo tópico abordará este tema
10
especificamente.
3.2. Eclusas e desenvolvimento econômico
Atualmente, há cinco principais meios de se transportar pessoas e bens: o
transporte aéreo, rodoviário, ferroviário, aquaviário (hidroviário e marítimo) e o duto-
viário. Todos esses possuem características ímpares, com vantagens e
desvantagens dependendo do objeto a ser transportado, da distância a ser
percorrida e da urgência na entrega. Sobre este fato, é interessante mencionar
Almeida (2008): Nenhum modo de transporte é melhor do que outro. Sua opção segue os objetivos logísticos, que articulam a multimodalidade a fim de alcançar a eficiência, eficácia e redução dos custos da cadeia logística. No que se refere à longa distância, é por meio da combinação de, pelo menos, dois modos que a economia de transporte pode ser alcançada, surgindo o conceito do transporte multimodal. (ALMEIDA, 2008, p. 32)
Diversos são os estudos com o objetivo de mensurar as características
econômicas, sociais e ambientais dos modais, incluindo Santana e Tachibana
(2008). O escopo deste trabalho limita-se ao caso do transporte de grandes volumes
de carga, para grandes distâncias, cujo modal mais vantajoso é o hidroviário. As
vantagens deste modal, principalmente em relação ao rodoviário, extrapolam o custo
logístico (frete), oferecendo vantagens sociais e ambientais, em consonância com o
desenvolvimento sustentável e orientações do Ministério do Meio Ambiente. As
principais vantagens segundo Santana e Tachibana (2008) são: • necessita de menos intervenções e investimentos para viabilizar a malha viária;
• racionaliza o potencial dos motores (com 1 HP se pode movimentar 5 toneladas por
hidrovia, 0,5 a 1 tonelada por ferrovia e somente 0,15 a 0,20 tonelada por rodovia);
• mobiliza maior carregamento de uma só vez (1 barcaça pode carregar o equivalente a
60 carretas);
• demanda menor consumo de combustível (rodoviário 96L, ferroviário 10L e hidroviário
5 L por 1000 TKU);
• apresenta menor peso necessário para transportar 1 tonelada de carga útil;
• possui maior tempo de vida útil dos veículos e;
• gera menor poluição do ar (emissão de CO2: rodoviário 119, ferroviário 34 e
hidroviário 20 Kg/1000 TKU), menor nível de ruídos, menor contaminação do sítio
ocupado e menor índice de acidentes fatais.
Como visto, as vantagens econômicas ocorrem por meio da redução do custo
11
de transporte (rodoviário 1, ferroviário 0,5 e hidroviário 0,25), dado o menor consumo
de combustível e maior vida útil dos veículos, e da necessidade de menos recursos
públicos para a construção e manutenção das vias (obras de dragagem,
derrocamento, sinalização, entre outras). No que tange aos ganhos sociais, tem-se a
redução de caminhões nas estradas, reduzindo o número de acidentes fatais e a
redução dos congestionamentos nas cidades. Já os ganhos ambientais se
encontram no menor nível de emissão de gases poluentes, a exemplo do Dióxido de
Carbono, no menor nível de ruídos e na necessidade da preservação do leito dos
rios para a manutenção da navegação.
O resultado da combinação de todas essas vantagens com um país de
proporções continentais dotado de grandes bacias hidrográficas e muitos rios
deveria ser uma matriz de transporte de cargas bem distribuída, aproveitando as
malhas naturais, ou seja, os rios, e interligando-os com os modais terrestres, de
forma eficiente. Entretanto, ao se observar a matriz de transporte brasileira verifica-
se um grande viés rodoviarista, como é possível observar na figura 1, em anexo. O
modal aquaviário aparece com apenas 14% das cargas transportadas,
aproximadamente. Cabe destacar, que há estimativas que o modal hidroviário tenha
uma participação bem menor, entre 3% e 4%, segundo o Ministério dos Transportes
(2010), na medida em que 10% a 11% corresponderiam à navegação de cabotagem.
Muitos são os fatores que corroboraram para este quadro na navegação
interior. Destaca-se a regulamentação da atividade hidroviária, cujas celeumas
quanto ao uso múltiplo das águas e a construção de empreendimentos hidrelétricos
sem as obras de transposição das barragens se tornaram entraves ao
desenvolvimento do setor.
A figura 2, em anexo, apresenta o mapa do Brasil com os reservatórios das
barragens de Usinas Hidrelétricas – UHE, e as eclusas. É possível observar que há
apenas 17 sistemas de transposição de barragens, com 21 eclusas, frente a 168
reservatórios.
A hidrovia Tietê-Paraná contempla 10 eclusas16, sendo duas no Paraná e oito
no Tietê, é exemplo da importância das eclusas. Esta hidrovia movimentou em 2009
mais de cinco milhões de toneladas, conforme dados da AHRANA17 e DH18
16 Segundo o relatório da hidrovia Paraná-Tietê – CESP, as eclusas presentes são: Barra Bonita, Bariri, Ibitinga, Promissão,
Nova Avanhandava (inf.), Nova Avanhandava (sup.), Três Irmãos (sup.), Três irmãos (inf), Jupiá e Porto Primavera.
. Entre os
17 Administração Hidroviária do Paraná. 18 Departamento Hidrográfico do Estado de São Paulo.
12
produtos movimentados na referida hidrovia incluem: no Tietê; cana-de-açúcar, soja,
farelo de soja, açúcar, milho e areia; no Paraná; areia, sementes/máquinas,
calcário/adubo, soja, milho, trigo, madeira/carvão, arroz, mandioca, carne, produtos
alimentícios e polietileno.
Em respeito ao princípio do uso múltiplo das águas, as eclusas da hidrovia do
Tietê-Paraná foram construídas concomitantemente às barragens das usinas
hidrelétricas. Como conseqüência, a referida hidrovia abastece o estado de São
Paulo de energia e, ao mesmo tempo, possibilita a navegação, a irrigação de
culturas agrícolas, o turismo fluvial, os esportes náuticos e o lazer.
Outros casos são as eclusas de Tucuruí, Lajeado e Boa Esperança, que
serão comentadas adiante. A implantação dessas eclusas possibilitará a geração de
empregos para a população da própria bacia hidrográfica e de outras regiões, numa
contribuição para o desenvolvimento do Centro-Oeste e Amazônia e para a
desconcentração industrial do país, uma vez que será formado um corredor de
exportação da produção regional com o aproveitamento do transporte hidroviário até
um porto para embarcações marítimas.
Por outro lado, a maioria das hidrelétricas não previram em seus projetos a
construção de eclusas e não permitem a plena navegação nas hidrovias. A título de
exemplo, a Hidrelétrica de Itaipu, em Foz do Iguaçu, impede que a hidrovia do
Paraná tenha saída para o mar.
Cabe destacar que é possível superar o barramento após sua construção,
entretanto, com custos muito maiores do que se o projeto já tivesse previsto a
introdução futura da eclusa, deixando o espaço necessário para tal obra19
(…) seria mais razoável que as eclusas fossem consideradas já na concepção dos barramentos, de modo que as ações preliminares de derrocamento, licenciamento ambiental e a construção total ou parcial da eclusa ocorram simultaneamente à construção da usina hidrelétrica, o que reduziria bastante o tempo e o custo de implantação da eclusa (Diretriz da Política Nacional de Transporte Hidroviário, p. 30).
. Uma
alternativa seria a construção de um canal lateral, o que torna não só o custo de
construção maior, mas também a operação. Cabe mencionar posicionamento do
Ministério dos Transportes:
19 Informações concretas a respeito da diferença dos custos de construção das eclusas concomitantemente ou posteriormente ao barramento são de difícil acesso. Para elucidar este ponto, cita-se reportagem publicada no sítio do Conexão Tocantins, a respeito das eclusas da Hidrelétrica de Tucuruí, no Tocantins: “A obra, que faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), foi orçada em R$ 700 milhões. Se ocorresse simultaneamente à obra da usina, não passaria dos R$ 116 milhões.” (http://conexaoto.com.br/2008/06/23/falta-de-eclusas-ameaca-hidrovias/ ). A partir deste número é possível verificar a importância da previsão da eclusa no projeto inicial da usina hidrelétrica, de forma a racionalizar os recursos públicos.
13
Destarte, entende-se as eclusas como instrumento basilar para o
desenvolvimento dos países, haja vista que sem elas, os barramentos hidrelétricos
impedem o transporte pelo modal hidroviário. Este último apresenta vantagens
econômicas, sociais e ambientais em comparação aos outros modais. Por isso, o
governo deve caminhar para uma solução comum para os vários setores, de forma a
permitir a produção de energia elétrica e a navegação ao mesmo tempo. É
imprescindível ainda que as eclusas sejam previstas nos projetos das usinas
hidrelétricas logo de início. Por fim, a próxima seção apresenta planos, estudos e
diretrizes do governo que visam uma matriz de transportes mais eficiente.
3.3. Planejamento, investimento e transporte hidroviário
A atual conjuntura econômica evidenciou as deficiências do setor de
transportes e a necessidade da melhor utilização do modal hidroviário. Neste
contexto, emerge o Plano Nacional de Logística de Transporte – PNLT, o Plano
Hidroviário Estratégico - PHE, as Diretrizes da Política Nacional de Transporte
Hidroviário - DPNT e o Plano Nacional de Integração Hidroviária - PNIH, cujos
objetivos são o planejamento do setor. Em relação aos investimentos, pode-se citar
a primeira versão do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC e o PAC 2.
O PNLT objetiva dar suporte para as intervenções públicas e privadas na
infraestrutura e organização dos transportes, visando horizontes de médio a longo
prazos. O plano almeja alterar a matriz de transportes, elevando a participação do
modal aquaviário de 13% para 29% em 2025, em detrimento do modal rodoviário,
conforme figura 3, em anexo. No que tange especificamente as eclusas, o PNLT
estabelece que: (...) a principal diretriz para o setor hidroviário é garantir que o aproveitamento de rios para a geração elétrica permita sempre a instalação de eclusas ou outro tipo de dispositivo de transposição dos desníveis resultantes, não inviabilizando a navegação fluvial, de forma a ampliar a participação desta modalidade na matriz de transporte brasileira (PNLT).
Em outubro do ano corrente, o Ministério dos Transportes divulgou as
Diretrizes para o setor aquaviário - DNPT. O referido documento visa orientar o
fomento à navegação interior, em consonância com a garantia dos usos múltiplos
14
das águas e o planejamento integrado dos recursos hídricos. Entre outros pontos, as
eclusas possuem espaço especial neste trabalho, onde é apresentada uma lista20
O PHE é um desmembramento do PNLT, de forma a priorizar o sub-setor
hidroviário inserindo-o no contexto do planejamento nacional de transportes. Este
trabalho terá como foco principal a elaboração de um portfólio de investimentos.
Auxiliará o Ministério dos Transportes na tomada de decisão, já que informará qual o
investimento necessário para viabilizar uma hidrovia.
com 62 eclusas prioritárias e o orçamento necessário de R$ 28 bilhões para efetiva
construção.
O PNIH, de iniciativa da ANTAQ, terá como um dos produtos um sistema de
informações georreferenciadas, cujo objeto será auxiliar nas atividades regulatórias.
O referido trabalho fornecerá subsídios para análise de rios potencialmente
navegáveis, caminhos mínimos a serem percorridos, assim como será fundamental
para a elaboração do Plano Geral de Outorgas Hidroviário, o qual indicará os
melhores locais para a construção de instalações portuárias interiores.
Todos esses planos devem guiar as políticas públicas, direcionando recursos
para o setor de transporte, de forma a corrigir os problemas diagnosticados no PNLT
e buscar as soluções apontadas por aquele. Dentro deste contexto, emerge o PAC e
sua continuação, o PAC 2. Esse programa visa dar maior agilidade aos
investimentos considerados estratégicos para a retomada do crescimento brasileiro.
A figura 4, em anexo, apresenta a evolução dos investimentos em hidrovias
realizados e previstos, de 1995 a 2014. Os recursos direcionados para as hidrovias
aumentaram gradativamente, o que mostra a vontade ou necessidade de utilizar
melhor este modal. O destaque fica para a previsão orçada no PAC 2, para o período
de 2011 a 2014, que atingiu o patamar de R$ 2,7 bilhões, contra R$ 1,2 bilhões no
período anterior. É relevante mencionar que dos R$ 1,2 bilhões direcionados para os
anos de 2007 a 2010, R$ 700 milhões foram para a conclusão dos obras das
eclusas de Tucuruí.
Todavia, quando se comparam os valores investidos nas hidrovias com os
outros modais, os números mostram que, apesar do relevante aumento, dificilmente
20 A lista de eclusas foi estabelecida pelo Grupo de Trabalho GT Eclusas, sob a coordenação do Ministério dos Transportes e
a participação do Ministério da Agricultura, Agropecuária e Abastecimento, da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, da Agência Nacional de Águas, da Agência Nacional de Transportes Aquaviários, do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, da Confederação Nacional da Agricultura e do Instituto Brasileiro de Mineração.
15
corrigiremos a matriz de transportes de carga no Brasil se não houver um grande
aumento nos recursos direcionados para as hidrovias. O montante de recursos
direcionados para as rodovias e ferrovias são maiores do que os direcionados às
hidrovias, conforme tabela 1, em anexo. Este fato não é condizente com a vontade
expressa no PNLT de alterar a matriz de transportes. 4. O conflito no uso das águas: barragens com eclusas
Considerando o princípio do uso múltiplo das águas, as experiências
internacionais e a importância das eclusas para o país, esse tópico visa aprofundar a
discussão sobre o conflito dos setores de energia e transportes. Esta celeuma é um
dos principais fatores que dificultam a construção das eclusas junto a
empreendimentos elétricos.
Um dos maiores empecilhos para a fluidez da navegação interior no Brasil são
as barragens sem previsão de sistemas de engenharia que as superem21. As
barragens são represas artificiais e funcionam como reservatórios, construídas
basicamente para abastecimento humano e geração de energia. O Brasil possui, na
atualidade, 168 reservatórios destinados para utilização das UHE. Essas usinas são
responsáveis pela geração de 92 mil Megawatts de energia, ocupando uma área de
38 mil quilômetros quadrados. Adicionalmente, existem 1.628 Pequenas Centrais
Hidrelétricas – PCH - e 1.494 Usinas Termoelétricas - UTE. Essas possuem uma
capacidade outorgada pela ANEEL de mais de 15 e 45 milhões de Kilowatts22
O crescimento na demanda por energia, como mostra o Plano Nacional de
Energia - PNE 2030, implicará na necessidade de maiores investimentos no setor,
inclusive em usinas geradoras de energia elétrica
,
respectivamente.
23
21 Conforme já comentado, a construção de barragens pode ser uma solução de navegação para trechos de rios que
possuem alguma barreira natural, a exemplo de pedrais.
. Esse crescimento ocorreu de
forma intensa nas últimas décadas. Entre os anos de 1970 e 2005, a taxa ao ano foi
de 3,3%. O Plano Decenal de Energia – PDE 2019 é um exemplo da preocupação
22 Conforme informações da ANEEL, disponíveis no sítio eletrônico www.sigel.aneel.gov.br. 23 Segundo o estudo realizado pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE, o Brasil terá, entre o período de 2005 até 2030
um crescimento de aproximadamente 4% ao ano no consumo de energia. Esse fato, não necessariamente significará crescimento da participação da energia elétrica na matriz de energética nacional, mas sim uma maior diversificação de investimentos em outras fontes.
16
do setor com a oferta e a demanda por energia no país. O documento tornou-se
referência para os investimentos que serão realizados em curto e médio prazo.
Ambos os documentos, PNE e PDE, são legitimas e necessárias demonstrações
das intenções do setor energético para os próximos anos. Os estudos apontam que
a geração de energia elétrica, incluindo a construção de usinas hidrelétricas e,
consequentemente barragens, demandará investimentos, até 2030, na ordem de
281 bilhões de dólares.
O problema para a navegação interior não é propriamente as barragens, mas
os desníveis criados para elas e a não previsão de sistemas de superação, como os
sistemas de eclusas. Os barramentos e seus reservatórios são potenciais
inviabilizadores do transporte hidroviário, quando não são previstos, na sua
concepção, projetos de superação dessas barreiras artificiais. Defensores do setor
de energia alegam que as eclusas não devem ser financiadas pelo setor e que a
falta de cronograma de transportes atrapalha na discussão para a sua inclusão nos
empreendimentos. Os aquaviaristas, por sua vez, defendem que as eclusas sejam
construídas, prioritariamente, de forma concomitante às obras dos barramentos.
As eclusas devem ser consideradas como elementos do sistema de
transporte, assim como a própria via, os veículos, a carga, os terminais, entre outros.
No Brasil, o sistema de transporte e suas infraestruturas foram levados ao
ostracismo, com a desarticulação e liquidação de empresas públicas e órgãos
governamentais responsáveis pelo planejamento e execução de obras do sistema de
transporte24
O sistema de transposição de desníveis está desigualmente distribuído no
país. Apenas a hidrovia Tietê-Paraná, as hidrovias do sul e no rio São Francisco
(Sobradinho) possuem eclusas concluídas, enquanto outros empreendimentos
hidrelétricos não disponibilizaram nenhuma. Há exemplo de obras não concluídas há
. Quando esse planejamento ocorreu, não houve integração adequada
com outros setores. A falta de integração entre setores, entre outras razões já
citadas, explicam os baixos investimentos para o setor de transportes e,
conseqüentemente, para o baixo uso do modal aquaviário interior na matriz de
transporte nacional.
24 Cabe salientar a participação de empresas públicas como o GEIPOT e a Portobrás, que durante décadas realizaram
pesquisas e concretizaram a construção de obras como terminais portuários e eclusas.
17
décadas como a de Tucuruí25, no rio Tocantins, e a de Boa Esperança no rio
Parnaíba. Esse é um dos motivos para a estagnação plena ou parcial, para fins de
transporte, de rios como Parnaíba, Paranaíba e Paraná. Ainda existe a preocupação
na construção das barragens de Jirau e Santo Antônio, ambas no rio Madeira. A
construção de sistemas de transposição nesse rio ainda depende de estudos por
parte da Agência Nacional de Águas26. A não construção de eclusas dificultará a
interligação do mencionado rio com os rios Mamoré e Guaporé, que é parte da
carteira de projetos da IIRSA – Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional
Sul-Americana27
As barragens e as eclusas não devem ser concebidas como elementos de
sistemas fechados, no caso o de recursos hídricos e de transportes,
respectivamente. Por possuírem uma relação indissociável com o território, devem
ser idealizadas como parte do espaço geográfico e de seu planejamento. Milton
Santos (2002, p.63) considerava o espaço geográfico sinônimo de território usado,
ou seja, “(...) um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de
sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas
como o quadro único no qual a história se dá”. O sistema de transporte contempla
elementos pertinentes aos sistemas de objetos, como os terminais e eclusas, além
de outros ligados aos sistemas de ações, como a operação de transporte em si.
Assim, os transportes não devem ser segregados de nenhuma política que tenha o
território como foco.
.
O declarado conflito entre os setores de energia e transporte é, na verdade,
um debate sobre a inclusão, ou não, de eclusas nos projetos hidrelétricos. O setor
de energia já possui um planejamento constituído, com cronograma de obras a
serem executadas, conforme os planos citados. Em contraposição, o setor de
transporte não se planejou adequadamente e agora sinaliza com projetos visando
reverter o atual quadro. Entretanto, até o presente momento, o Estado não definiu
com clareza quais são as suas prioridades no que tange ao transporte hidroviário, a
sua interface com os empreendimentos do setor de energia e o uso múltiplo das
águas. Essa indefinição é um verdadeiro estímulo para o surgimento de planos 25 A atual previsão para conclusão das obras é novembro de 2010. 26 Conforme mostra o Edital n° 3/2010, publicado do Diário Oficial de 14 de setembro de 2010, na seção 3, página n° 121 27 Projeto pertencente ao Eixo Peru-Brasil-Bolívia e situado no grupo G03:G3 – Corredor Fluvial Madeira – Madre de Dios
Beni. Mais informações disponíveis no endereço eletrônico: <http://www.iirsa.org>
18
setoriais.
A criação de planos setoriais é a forma de organização de atividades futuras
de cada setor. O conflito entre os setores é verdadeiro e sempre existirá, mas deve
ser minimizado com o posicionamento do Estado. Esse deveria reunir seus líderes,
grupos de interesses, agentes governamentais e a sociedade para definir o que é
prioritário, onde serão realizadas as benfeitorias e quando. Os planos setoriais
deveriam tornar-se desdobramentos de planejamentos maiores, os quais incluiriam
os fundamentos e instrumentos de ordenamento territorial como premissas básicas.
Sobre a necessidade de criação de um planejamento territorial, os estudos do
Ministério da Integração Nacional discorrem sobre esses planos e o planejamento a
partir dos usos do território:
A articulação desse conjunto de mandatos atomizados de ordenamento territorial poderia se estabelecer a partir de uma política coerente, de abrangência nacional, que fosse expressão de um projeto nacional de desenvolvimento com estratégia territorial definida pela sociedade brasileira. Daí a necessidade da formulação de uma Política Nacional de Ordenamento Territorial - PNOT que se mostre capaz de dirimir conflitos de interesse e imprimir uma trajetória convergente para o uso harmonioso do território em consonância com os objetivos do desenvolvimento sustentável que o país almeja (Ministério da Integração Nacional, 2005, p.3).
A configuração de um sistema de transporte fluido, que atenda as
necessidades sociais, econômicas, políticas e culturais da sociedade, somente será
conquistada com o seu planejamento integrado com os outros sistemas pertinentes
ao território. Com o planejamento dos recursos naturais, especialmente os hídricos,
não deve ser diferente. O Estado deve reunir, em um amplo debate, todos os atores
responsáveis pelos usos das águas e definir quais são os usos prioritários, onde
devem ser implementados, como serão realizados e qual a interface com os outros
usuários. Essa atitude minimizará esforços e recursos, além de proporcionar a
focalização nos empreendimentos viáveis para cada usuário28
(MPOG, 2008).
Considerações Finais
O transporte hidroviário apresenta vantagens econômicas, sociais e
ambientais no transporte de grandes volumes por grandes distâncias, como
28 Cabe ressaltar que o Estado tentou, e ainda tenta, inserir e instrumentalizar a discussão a cerca do planejamento a partir
do território. Propostas de planejamento e práticas de ordenamento territorial já existem há relativo tempo. Entretanto, são poucos os avanços no que tange a integração de políticas públicas, principalmente aquelas que possuem o território como base fundamental.
19
verificado em outros países. Em relação aos ganhos econômicos, o modal
hidroviário poderia gerar redução de custos, aumentando a competitividade do país,
elevando as exportações e, conseqüentemente a produção, a renda e o emprego.
Outro efeito seria possibilitar um ganho maior aos produtores, que dada a acirrada
concorrência internacional tem suas margens de lucro cada vez menores. Pode-se
ainda vislumbrar efeitos positivos no balanço comercial e de pagamentos, o que é de
extrema relevância na atual conjuntura, com o real valorizado.
Entretanto, o uso do modal hidroviário tem consequências que vão além do
conceito de crescimento econômico, pois gera efeitos fundamentais sobre a
qualidade de vida da população. A redução de caminhões nas estradas e nas
cidades reduz o risco de acidentes fatais, os engarrafamentos, a poluição, entre
outros são alguns exemplos. Desta forma, deve-se tratar a hidrovia como relevante
instrumento ao desenvolvimento socioeconômico de forma sustentável, haja vista as
consagradas diretrizes sobre a redução do aquecimento global.
As eclusas, como forma de transposição dos empreendimentos hidrelétricos,
possibilitam a navegação e são, portanto, fator basilar no processo de
desenvolvimento do país. Por essa razão, os projetos do setor elétrico devem prever
a construção dessas obras sempre que necessário.
Esse cenário somente será alcançado com um planejamento integrado a
outros sistemas pertinentes ao território. Os planejadores do Estado, que na última
década retomaram as suas atividades, devem dar o próximo passo e pensar o
território como um todo e não como frações ou faixas de domínio. A tarefa não é das
mais fáceis, pois cada grupo da sociedade possui seus próprios interesses.
Entretanto, há de se realizar um planejamento de forma integrada, considerando as
especificidades de cada setor e obtendo as melhores respostas para a sociedade.
Por fim, é relevante ressaltar, que o conflito entre o setor elétrico e o de
transporte não é o único problema para o desenvolvimento do transporte hidroviário
no Brasil. Cabe destacar também, até como forma de sugestão de estudos, a
concorrência entre os modais terrestres, que foram constituídos, muitas vezes, de
forma paralela e não complementar. Outro ponto importante são os grandes
subsídios indiretos dados ao setor rodoviário e a forma de operação muitas vezes
abaixo do próprio custo.
20
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21
ANEXOS
Figura 1 – Composição percentual das cargas no Brasil - 2007 Fonte: Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT
Figura 2 – Eclusas e Reservatórios no Brasil Fonte: ANEEL. Elaboração própria.
61,10%20,70%
13,60%4,20%0,40%
Rodoviário Ferroviário Aquaviário Dutoviário Aéreo
22
Figura 3 - Matriz de Transportes Atual e Futura Revisada Fonte: Ministério dos Transportes – PNLT
Figura 4 – Investimento em hidrovias –milhões de Reais (R$) Fonte: Ministério dos Transportes
Tabela 1 - Previsão de investimentos preliminar PAC2 – R$ Bilhões
Fonte: Presidência da República – Brasil 2010
Rodoviário Ferroviário Aquaviário Dutoviário Aéreo0
10
20
30
40
50
6058
25
13
3,60,4
3035
29
51
2005 2025
1995/1998 1999/2002 2003/2006 2007/2010 – Previsto 2011/2014 – Previsto0
500
1000
1500
2000
2500
3000
104273 206
1236
2700
EIXOS 2011-2014 PÓS 2014 TOTALRODOVIAS 48,4 2 50,4FERROVIAS 43,9 2,1 46PORTOS 4,8 0,3 5,1HIDROVIAS 2,6 0,1 2,7AEROPORTOS 3 - 3EQUIPAMENTOS PARA ESTRADAS VICINAIS 1,8 - 1,8TOTAL 104,5 4,5 109