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III ENCONTRO LATINOAMERICANO CIÊNCIAS SOCIAIS E BARRAGENS 30 novembro a 03 de dezembro de 2010, Belém (PA) Grupo de trabalho: Desenvolvimento Regional A importância das eclusas nos barramentos para o transporte aquaviário no Brasil Eduardo Pessoa de Queiroz 1 Fábio Augusto Giannini 2 Introdução É consensual, na literatura especializada em transportes, as vantagens de se movimentar mercadorias, em trechos de longas distâncias, pelo modal aquaviário. Entre elas, destacam-se as vantagens econômicas, sociais e ambientais. Entretanto, esse modal de transporte depende das condições físicas da via navegável. Uma dessas condições é a existência de sistemas de engenharia que superem obstáculos naturais e os barramentos. Esses sistemas são conhecidos como eclusas, que permitem a superação de impedimentos naturais ou antrópicos e garantem o uso das águas para fins de transporte. Entretanto, a falta de integração entre as políticas setoriais brasileiras criou um quadro crítico para a navegação em águas interiores, pois apenas uma ínfima parte dos barramentos construídos nos rios brasileiros para a geração de energia elétrica contemplou a instalação de eclusas. O objetivo deste trabalho é demonstrar a importância da previsão de eclusas nos empreendimentos hidrelétricos, como meio de propiciar o desenvolvimento do transporte aquaviário no Brasil, fato que pode contribuir, consequentemente, para o desenvolvimento sustentável da economia. Outro objetivo é discutir um dos fatores causadores do conflito entre setor elétrico e transportes. Para tanto, faremos uso de uma análise descritiva do atual quadro brasileiro, sempre sob o prisma dos conceitos de uso múltiplo das águas e da multimodalidade. Este artigo está dividido em quatro partes, além desta introdução e dos 1 Geógrafo. Mestre em Geografia. Especialista em regulação de serviços de transportes aquaviários da Agência Nacional de Transportes Aquaviários. E-mail: [email protected] 2 Mestre em Teoria econômica/UEM. Economista. Especialista em regulação de serviços de transportes aquaviários da Agência Nacional de Transportes Aquaviários. E-mail: [email protected].

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III ENCONTRO LATINOAMERICANO CIÊNCIAS SOCIAIS E BARRAGENS

30 novembro a 03 de dezembro de 2010, Belém (PA)

Grupo de trabalho: Desenvolvimento Regional

A importância das eclusas nos barramentos para o transporte aquaviário no Brasil

Eduardo Pessoa de Queiroz1

Fábio Augusto Giannini

2

Introdução

É consensual, na literatura especializada em transportes, as vantagens de se

movimentar mercadorias, em trechos de longas distâncias, pelo modal aquaviário.

Entre elas, destacam-se as vantagens econômicas, sociais e ambientais. Entretanto,

esse modal de transporte depende das condições físicas da via navegável. Uma

dessas condições é a existência de sistemas de engenharia que superem

obstáculos naturais e os barramentos. Esses sistemas são conhecidos como

eclusas, que permitem a superação de impedimentos naturais ou antrópicos e

garantem o uso das águas para fins de transporte.

Entretanto, a falta de integração entre as políticas setoriais brasileiras criou

um quadro crítico para a navegação em águas interiores, pois apenas uma ínfima

parte dos barramentos construídos nos rios brasileiros para a geração de energia

elétrica contemplou a instalação de eclusas.

O objetivo deste trabalho é demonstrar a importância da previsão de eclusas

nos empreendimentos hidrelétricos, como meio de propiciar o desenvolvimento do

transporte aquaviário no Brasil, fato que pode contribuir, consequentemente, para o

desenvolvimento sustentável da economia. Outro objetivo é discutir um dos fatores

causadores do conflito entre setor elétrico e transportes. Para tanto, faremos uso de

uma análise descritiva do atual quadro brasileiro, sempre sob o prisma dos conceitos

de uso múltiplo das águas e da multimodalidade.

Este artigo está dividido em quatro partes, além desta introdução e dos

1 Geógrafo. Mestre em Geografia. Especialista em regulação de serviços de transportes aquaviários da Agência Nacional de

Transportes Aquaviários. E-mail: [email protected] 2 Mestre em Teoria econômica/UEM. Economista. Especialista em regulação de serviços de transportes aquaviários da

Agência Nacional de Transportes Aquaviários. E-mail: [email protected].

2

comentários finais. A primeira apresenta o conceito do uso múltiplo da água. A

segunda parte descreve como o transporte hidroviário é tratado na Europa, EUA e

Brasil. A terceira parte discute a importância do transporte para o desenvolvimento

econômico, destacando a eclusa como fator basilar nesse processo. Por fim, é

apresentada a discussão sobre o conflito no uso das águas entre o setor energético

e de transportes.

1. O uso múltiplo da água

A água é um recurso natural escasso e possui uma série de funções nas

atividades de uma sociedade. Em especial, as águas dos rios podem ser utilizadas

na irrigação, na geração de energia, no abastecimento público, no transporte de

cargas e passageiros, na pesca, nas indústrias, entre outros, além de serem

fundamentais para a manutenção da vida nos ecossistemas.

Todavia, muitas vezes, a forma como o rio é explorado em um daqueles usos

traz prejuízos a outros, gerando conflitos de interesse. Esses foram, e ainda são,

objetos de grandes discussões. Cabe destacar que, no Brasil, há entendimento de

que os rios devem ser explorados preservando todas as utilizações que ele pode

oferecer, sempre buscando o uso múltiplo das águas. Gavião, Reis e Silva (2003)

definem o princípio do uso múltiplo da água como aquele que assegura o direito de

utilizar os recursos hídricos em todos os fins para os quais são necessários, em

igualdade de condições.

A discussão a respeito dos usos das águas não é recente. No Brasil, em

1934, decretou-se o Código das Águas, cujo teor visava criar regras para o controle

e incentivo no uso das águas. O referido código contemplou em seu escopo a

navegação e o artigo n°. 37 (combinado com o art.48) expressou que o uso das

águas públicas se deve realizar, sem prejuízo da navegação, salvo quando não haja

uso para o comércio, ou se o uso para o transporte prejudicar a utilização para

primeiras necessidade de vida.

Destarte, tendo em vista os novos desafios do limiar do novo século, os

gestores do Estado compreenderam que era necessário reconstruir o ambiente legal

e institucional no intuito de melhorar o gerenciamento das águas. Assim, destaca-se

a edição da Lei das Águas (Lei Federal n°.9.433, 1997), a criação da Agência

3

Nacional de Águas – ANA e da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL.

A ANEEL passou a ser responsável pelas determinações do setor elétrico,

mas não sobre os recursos hídricos. Esta Agência deve regular e fiscalizar o setor

elétrico em consonância com a Lei das Águas. A ANA é a responsável por executar a

Lei das Águas, o que torna a ANEEL subordinada aquela que se refere ao uso da

água.

A Lei das Águas criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos

Hídricos e enfatiza que a gestão dos recursos hídricos deve levar em consideração o

uso múltiplo das águas, logo em seus fundamentos (art. 1º, IV). É imperioso

destacar a ênfase dada ao transporte aquaviário nos objetivos da Política Nacional

de Recursos Hídricos – PNRH, (art. 2º, II). A referida lei ainda, em seu art.13 e art.

15, VI, vincula as outorgas ao referido uso múltiplo das águas. Cabe destacar que

essa lei também enfatizou a água como bem público e priorizou o consumo humano

e a dessedentação de animais.

Importante ressaltar que o transporte aquaviário foi o único uso

expressamente citado nos objetivos da PNRH: o plano objetiva “II - a utilização

racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário3

, com

vistas ao desenvolvimento sustentável”. Do fato da navegação aparecer

expressamente, deduz-se que há entendimento de que a navegação não foi

contemplada como deveria no passado, mas há a intenção de mudar este quadro, a

exemplos do que ocorreu em outros países.

2. A navegação interior no mundo e no Brasil 2.1 O sistema estadunidense de navegação interior

A origem do desenvolvimento da navegação interior, como importante modal

de transportes nos Estados Unidos - EUA, ocorreu no início do século XIX, a partir

da emergência do processo de industrialização. Expedições ao interior, pela

navegação dos rios Missouri e Columbia, foram autorizadas em 1803, e estudos

diversos foram realizados visando à utilização dos rios para o transporte. O

resultado foi a melhoria e a adaptação dos rios citados, e de outros para o uso das 3 Grifo nosso.

4

águas para o transporte. A recessão da década de 1930, provocada pela crise

sistêmica do capitalismo, além de promover discussões sobre o uso múltiplo das

águas, motivou a maior utilização das hidrovias para o transporte de carga (MMA,

2006, p.27). A finalidade era alavancar a economia e o setor financeiro do país.

A essência do aproveitamento hidroviário dos rios estadunidenses é declarada

pelo Congresso daquele país e pode ser resumida em três temas: Segurança

Nacional, Desenvolvimento Regional e Exportação (MMA, 2006, p.29). A segurança

está ligada às obras de infraestrutura, necessárias para a contenção de cheias,

enchentes e a viabilização do tráfego aquaviário. O desenvolvimento regional

traduz-se na filosofia socio-territorial de integração de regiões deprimidas do interior

do país visando o desenvolvimento não apenas econômico, mas também de cunho

social. Exportação é decorrente da própria expansão e a competitividade das

commodities estadunidenses no mercado internacional.

A malha hidroviária estadunidense possui mais de 17.000 quilômetros

navegáveis. No total, são 192 eclusas e 238 berços4

Na gestão das hidrovias dos EUA, setor público e o privado trabalham em

sistema de cooperação, no sentido de alcançar seus interesses e incrementar o

transporte aquaviário pelos rios. Um exemplo é a Tennessee Valley Authority - TVA,

que segundo o MMA (2006, p.27) é uma “agência pública com roupagem

institucional privada, responsável pelo fomento econômico e social da bacia daquele

afluente do rio Mississipi”. Uma das missões do TVA é proporcionar o planejamento

territorial integrado da bacia hidrográfica. O uso múltiplo das águas e o

desenvolvimento regional são os dois principais paradigmas para constituição de

suas ações. A TVA cuida da bacia hidrográfica como um todo. As hidrovias, por sua

vez, estão sob orientação do United States Corps of Engineers – USACE. Essa é

. São movimentadas nas

hidrovias estadunidenses mais de 625 milhões de toneladas por ano, o que

corresponde a um valor de mais de US$ 70 bilhões. Segundo Rodrigues (2007,

p.23) a participação da matriz aquaviária no país chega aos 25%. Entre as principais

commodities transportadas, destacam-se os grãos para o mercado nacional e

internacional, aço, derivados de petróleo, carvão, produtos químicos e materiais

para construção.

4 Conforme informações oriundas da apresentação do USACE, realizada em Brasília, em 28 de agosto de 2007, no seminário

internacional de hidrovias Brasil-EUA.

5

uma corporação militar que também contrata mão-de-obra civil. A USACE está

presente ao longo de várias bacias e possui como uma de suas atribuições a

realização de obras de engenharia, como a dragagem de trechos sedimentados e

outras que viabilizam o transporte aquaviário.

2.2 O sistema europeu de navegação interior

A utilização de rios para meios de transporte não é uma novidade no

continente europeu. Esse modal vem sendo utilizado intensamente desde antes da

Idade Média5

Na atualidade, a Europa possui uma rede de aproximadamente 37.000 km de

hidrovias. Essa perpassa por 20 dos 27 países da União Européia - UE. É possível,

com a interligação de bacias, o transporte de mercadorias entre os portos do Mar do

Norte e o Mar Negro. Essa ligação, e outras, foram possíveis com a construção de

canais e eclusas que formaram verdadeiros corredores logísticos, como o corredor

Norte-Sul. Atualmente, existe um projeto de expansão da rede com a construção do

canal que ligará o rio Sena ao Scheldt, o que possibilitará o transporte entre as

cidades de Paris e Amsterdam.

. Registros mostram que a construção de canais, como meio de

contenção de cheias, já ocorriam no século XII. Esses canais serviam como vias

navegáveis também, mostrando que a construção de barragens também pode ser

importante contribuição para a navegação, viabilizando o trânsito de embarcações

em trechos antes inavegáveis. Outro fator que contribuiu para o desenvolvimento do

transporte hidroviário na Europa foi o expansionismo territorial de alguns países no

século XVI.

Parte da interligação da rede hidroviária européia foi concebida como parte de

projetos entre os estados membros da UE. Um exemplo foi o projeto, NAIADES6. O

objetivo desse documento era promover a navegação em vias interiores na Europa7

5 Segundo informações do:

.

Entretanto, ações anteriores ao NAIADES já permitiam que a navegação interior

entrasse na agenda de planejamento dos países da UE. Um exemplo foi a

http://www.historyworld.net/wrldhis/PlainTextHistories.asp?historyid=aa19, acesso em 25/10/2010 às 18:41.

6 Navigation and Inland Waterway Action and Development in Europe, elaborado pelo Comitê de Mobilidade e Transporte da União Européia.

7 Informações retiradas do seguinte sitio eletrônico: http://www.naiades.info/page.php?id=84&path=80, acesso em 25/102010 às 19:50.

6

Resolução 92 do CEMT8

Entre os países europeus detentores de hidrovias interiores significantes

destacam-se a Bélgica e a Holanda. Os belgas possuem mais de 1400 quilômetros

de rios navegáveis e canais. Entretanto, possuem 36 barragens e 17 sistemas de

eclusas. O total de cargas transportado pelas hidrovias em 2006

, que criou uma classificação e padronização de utilização

de embarcações nas hidrovias européias. Assim, passou a ser possível a construção

de uma rede de transportes hidroviária intra-continental, com classificação de

embarcações e de hidrovias.

9

foi de mais de 105

milhões de toneladas, o que representou 13% da matriz de transportes. Por seu

turno, a matriz holandesa gira em torno de 32 %. A Holanda apresenta 96 eclusas e

mais de 6.000 quilômetros de malha hidroviária. A importância da navegação interior

para ambos os países, se dá pela necessidade de competitividade dos portos,

terminais e vias navegáveis em relação aos países vizinhos, grandes importadores e

exportadores mundiais, como Alemanha, França e Inglaterra. A logística torna-se

uma solução das atividades econômicas para as balanças comerciais.

2.3 O sistema brasileiro

A utilização dos rios brasileiros para fins de transporte não é uma atividade

recente. Na verdade, a penetração em regiões distantes das primeiras vilas do país

ocorreu, também, pelas navegações exploratórias em rios como Amazonas, Negro,

Solimões, Tietê, Paraná, Paranaíba, São Francisco, entre outros.

Na atualidade, o país possui uma malha hidroviária aproximada de 27 mil

quilômetros de extensão (MMA, 2006, p.38). Entretanto, o Plano Nacional de Viação

– PNV10

8 Resolução do European Conference of Ministers of Transport, obtida no sitio eletrônico:

, estima que essa malha possa chegar, aproximadamente, a 40 mil

quilômetros (BRASIL,1973). Em relação à infraestrutura aquaviária interior, o país

possui 34 Portos Organizados, 131 Terminais de Uso Privativo - TUP, três Estações

de Transbordo de Cargas - ETC, 21 eclusas, com 17 sistemas de transposição de

desníveis, além de vários terminais de passageiros distribuídos na bacia amazônica,

vários desses em estado rudimentar (ANTAQ, 2010).

http://www.internationaltransportforum.org/europe/acquis/wat19922e.pdf, acesso em 26/10/2010 às 15:53. 9 Seminário Internacional Sobre Hidrovias Brasil – Flandres/Bélgica. Brasília, 26 e 27 de março de 2007. 10 Criado pela lei 5.917 de 10 de setembro de 1973. As atualizações estão disponíveis no seguinte endereço eletrônico:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l5917.htm

7

O Brasil possui uma frota homologada na Agência Nacional de Transportes

Aquaviários - ANTAQ de 2.604 embarcações11, o que soma mais de 4,5 milhões de

TPB12

A administração, a manutenção e a regulação das hidrovias no Brasil ficam

sob responsabilidade de diferentes órgãos do Estado. A administração é de

competência do Ministério dos Transportes

. Desse total, 1.407 são embarcações de empresas que atuam na navegação

hidroviária interior, somando mais de um milhão de TPB (ANTAQ, 2010). Para o

transporte interno de grãos, as embarcações mais utilizadas são formadas por

comboios que possuem arranjos de empurradores autopropulsados e barcaças.

Esses comboios devem ser dimensionados para superar os obstáculos naturais e

artificiais e impedâncias da navegação, como as eclusas, ou seja, barreiras relativas

(Rodrigue, 2006, p.9).

13. A execução da política é exercida pelo

Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transporte - DNIT14. A regulação, a

supervisão e fiscalização da prestação de serviços de transporte aquaviário é

competência da ANTAQ15

Os Estados Unidos e vários países europeus, de modo geral, incorporaram o

transporte aquaviário interior na sua matriz de transportes. Isso não significa,

necessariamente, que os modelos adotados em outros territórios sirvam, de forma

plena às necessidades brasileiras, que são distintas e diferentes em cada região.

Contudo, as vantagens econômicas da hidrovia, para o transporte de determinados

tipos de carga, devem ser analisadas como integrantes do processo de crescimento

e desenvolvimento econômico do país. A fluidez do sistema de transporte depende

da existência de infraestrutura condizente às necessidades de trafegabilidade, por

isso a importância das eclusas para as hidrovias e, consequentemente, para o

desenvolvimento econômico do país.

.

3. A importância das eclusas para o desenvolvimento econômico

Preliminarmente, convém diferenciar os conceitos de crescimento e

11 Informações do Panorama Aquaviário, ANTAQ, vol. 5 – maio de 2010. 12 Tonelagem de Porte Bruto (Dead Weight) o que é potencialmente transpotável em uma embarcação. 13 Conforme disposto na lei 10.683 de 23 de maio de 2003. 14 Segundo a lei 10.233 de 5 de junho de 2001. 15 Conforme estabelecido no Capítulo IV, Seção I e II da lei 10.233/01.

8

desenvolvimento econômico. O primeiro diz respeito à majoração do produto

agregado do país e pode ser avaliado a partir das contas nacionais. Por outro lado,

desenvolvimento é um conceito bem mais amplo, que leva em conta a elevação da

qualidade de vida da sociedade e a redução das diferenças econômicas e sociais

entre os agentes (Paulani e Braga, 2003).

Este trabalho defende o transporte aquaviário e os seus elementos de

infraestrutura, especificamente as eclusas, como fatores basilares no processo de

desenvolvimento econômico, haja vista que a presença desses instrumentos

viabiliza a utilização de um modal de transporte com vantagens econômicas, sociais

e ambientais. Esta parte do trabalho está dividida em três tópicos. O primeiro traz

uma visão teórica sucinta da importância do transporte para as economias, em

termos gerais. Em seguida, apresenta-se a importância e as dificuldades da

navegação interior no Brasil. Por fim, são apresentados os esforços governamentais

no intuito alterar o atual quadro da matriz de transportes do país.

3.1. Transporte e desenvolvimento econômico

Dada a relevância do setor de transportes, vários autores se dedicaram em

estudar o seu papel no desenvolvimento econômico, incluindo Owen (1987),

Kawamoto (1994), Hilling (1996), Barat (2007) e Almeida (2008). Este tópico tem o

objetivo de apresentar sucintamente a relação entre transporte e desenvolvimento,

sem a menor pretensão de esgotar o assunto.

Sob o prisma microeconômico, o transporte é determinante na formação dos

mercados. Se o Brasil não tivesse portos para exportar o excedente da produção,

não haveria motivo para produzir no atual patamar, pois o mercado interno não

absorveria, por exemplo, o total de soja colhida. A possibilidade de transportar

mercadorias amplia o tamanho dos mercados e, consequentemente, a produção, o

emprego e a renda.

Impende destacar que a dinâmica do setor de transportes se propaga sobre a

competitividade dos diversos setores da economia e exerce um papel salutar sobre

seu desempenho. O custo do transporte encontra-se embutido em praticamente

todos os bens produzidos por um país e, dependendo do produto, é crucial para a

viabilidade dos empreendimentos.

9

Para ilustrar o impacto do frete sobre os preços dos produtos, vale mencionar

informações da Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB. Avaliando o

período de 2002 a 2009 do preço da soja em grãos FOB (Porto de Santos) e do frete

rodoviário, este último representou uma média aproximada de 24% do valor do

produto.

A teoria do consumidor demonstra a relação inversa entre demanda por bens

e seus preços. Isso decorre da restrição orçamentária dos agentes econômicos, que

podem consumir no limite de suas rendas (Pindyck e Rubinfelt, 2002). Assim, quanto

maior o custo do transporte, maior o preço dos produtos e menor a demanda. Menor

demanda implica em menor produção, emprego e renda.

Com o transporte é possível vencer barreiras espaciais referentes ao acesso

a educação, a saúde, a mão de obra, ao conhecimento; fatores esses fundamentais

para o desenvolvimento das regiões. Neste escopo, é interessante a abordagem de

Owen (1987), cujas conclusões sobre transporte vão além do transporte de produtos

e investimentos: Many factors contribute to economic and social progress, but mobility is especially important because the ingredients of a satisfatory life, from food and health to education and employment, are generally available only if there is adequate means of moving people, goods and ideas (Owen, 1987, apud Hilling, 1996).

É possível abordar o transporte como um instrumento de distribuição de

renda. Regiões isoladas geograficamente podem ter acesso facilitado a outras

regiões. Esta ligação pode gerar competitividade, por exemplo, em mercados de

insumos utilizados na produção local, antes ofertado por um monopolista. A redução

dos preços dos insumos implica em uma margem de lucro maior para os produtores

da região. (KAWAMOTO, 1994 apud ALMEIDA, 2008).

Do ponto de vista macroeconômico, pode-se destacar o conhecido efeito

multiplicador, decorrente da realização dos investimentos em infra-estrutura de

transporte, cujo volume demandado de recursos público e privado é representativo

em relação à produção dos países (Barat, 2007).

Conforme exposto, é evidente o papel do transporte e suas implicações sob o

crescimento e desenvolvimento econômico. Destarte, a existência de uma rede de

transporte eficiente ocupa grande espaço na dinâmica das economias. Cabe, então,

analisar o atual quadro do setor de transportes brasileiro. Como o foco deste

trabalho é a navegação interior, o próximo tópico abordará este tema

10

especificamente.

3.2. Eclusas e desenvolvimento econômico

Atualmente, há cinco principais meios de se transportar pessoas e bens: o

transporte aéreo, rodoviário, ferroviário, aquaviário (hidroviário e marítimo) e o duto-

viário. Todos esses possuem características ímpares, com vantagens e

desvantagens dependendo do objeto a ser transportado, da distância a ser

percorrida e da urgência na entrega. Sobre este fato, é interessante mencionar

Almeida (2008): Nenhum modo de transporte é melhor do que outro. Sua opção segue os objetivos logísticos, que articulam a multimodalidade a fim de alcançar a eficiência, eficácia e redução dos custos da cadeia logística. No que se refere à longa distância, é por meio da combinação de, pelo menos, dois modos que a economia de transporte pode ser alcançada, surgindo o conceito do transporte multimodal. (ALMEIDA, 2008, p. 32)

Diversos são os estudos com o objetivo de mensurar as características

econômicas, sociais e ambientais dos modais, incluindo Santana e Tachibana

(2008). O escopo deste trabalho limita-se ao caso do transporte de grandes volumes

de carga, para grandes distâncias, cujo modal mais vantajoso é o hidroviário. As

vantagens deste modal, principalmente em relação ao rodoviário, extrapolam o custo

logístico (frete), oferecendo vantagens sociais e ambientais, em consonância com o

desenvolvimento sustentável e orientações do Ministério do Meio Ambiente. As

principais vantagens segundo Santana e Tachibana (2008) são: • necessita de menos intervenções e investimentos para viabilizar a malha viária;

• racionaliza o potencial dos motores (com 1 HP se pode movimentar 5 toneladas por

hidrovia, 0,5 a 1 tonelada por ferrovia e somente 0,15 a 0,20 tonelada por rodovia);

• mobiliza maior carregamento de uma só vez (1 barcaça pode carregar o equivalente a

60 carretas);

• demanda menor consumo de combustível (rodoviário 96L, ferroviário 10L e hidroviário

5 L por 1000 TKU);

• apresenta menor peso necessário para transportar 1 tonelada de carga útil;

• possui maior tempo de vida útil dos veículos e;

• gera menor poluição do ar (emissão de CO2: rodoviário 119, ferroviário 34 e

hidroviário 20 Kg/1000 TKU), menor nível de ruídos, menor contaminação do sítio

ocupado e menor índice de acidentes fatais.

Como visto, as vantagens econômicas ocorrem por meio da redução do custo

11

de transporte (rodoviário 1, ferroviário 0,5 e hidroviário 0,25), dado o menor consumo

de combustível e maior vida útil dos veículos, e da necessidade de menos recursos

públicos para a construção e manutenção das vias (obras de dragagem,

derrocamento, sinalização, entre outras). No que tange aos ganhos sociais, tem-se a

redução de caminhões nas estradas, reduzindo o número de acidentes fatais e a

redução dos congestionamentos nas cidades. Já os ganhos ambientais se

encontram no menor nível de emissão de gases poluentes, a exemplo do Dióxido de

Carbono, no menor nível de ruídos e na necessidade da preservação do leito dos

rios para a manutenção da navegação.

O resultado da combinação de todas essas vantagens com um país de

proporções continentais dotado de grandes bacias hidrográficas e muitos rios

deveria ser uma matriz de transporte de cargas bem distribuída, aproveitando as

malhas naturais, ou seja, os rios, e interligando-os com os modais terrestres, de

forma eficiente. Entretanto, ao se observar a matriz de transporte brasileira verifica-

se um grande viés rodoviarista, como é possível observar na figura 1, em anexo. O

modal aquaviário aparece com apenas 14% das cargas transportadas,

aproximadamente. Cabe destacar, que há estimativas que o modal hidroviário tenha

uma participação bem menor, entre 3% e 4%, segundo o Ministério dos Transportes

(2010), na medida em que 10% a 11% corresponderiam à navegação de cabotagem.

Muitos são os fatores que corroboraram para este quadro na navegação

interior. Destaca-se a regulamentação da atividade hidroviária, cujas celeumas

quanto ao uso múltiplo das águas e a construção de empreendimentos hidrelétricos

sem as obras de transposição das barragens se tornaram entraves ao

desenvolvimento do setor.

A figura 2, em anexo, apresenta o mapa do Brasil com os reservatórios das

barragens de Usinas Hidrelétricas – UHE, e as eclusas. É possível observar que há

apenas 17 sistemas de transposição de barragens, com 21 eclusas, frente a 168

reservatórios.

A hidrovia Tietê-Paraná contempla 10 eclusas16, sendo duas no Paraná e oito

no Tietê, é exemplo da importância das eclusas. Esta hidrovia movimentou em 2009

mais de cinco milhões de toneladas, conforme dados da AHRANA17 e DH18

16 Segundo o relatório da hidrovia Paraná-Tietê – CESP, as eclusas presentes são: Barra Bonita, Bariri, Ibitinga, Promissão,

Nova Avanhandava (inf.), Nova Avanhandava (sup.), Três Irmãos (sup.), Três irmãos (inf), Jupiá e Porto Primavera.

. Entre os

17 Administração Hidroviária do Paraná. 18 Departamento Hidrográfico do Estado de São Paulo.

12

produtos movimentados na referida hidrovia incluem: no Tietê; cana-de-açúcar, soja,

farelo de soja, açúcar, milho e areia; no Paraná; areia, sementes/máquinas,

calcário/adubo, soja, milho, trigo, madeira/carvão, arroz, mandioca, carne, produtos

alimentícios e polietileno.

Em respeito ao princípio do uso múltiplo das águas, as eclusas da hidrovia do

Tietê-Paraná foram construídas concomitantemente às barragens das usinas

hidrelétricas. Como conseqüência, a referida hidrovia abastece o estado de São

Paulo de energia e, ao mesmo tempo, possibilita a navegação, a irrigação de

culturas agrícolas, o turismo fluvial, os esportes náuticos e o lazer.

Outros casos são as eclusas de Tucuruí, Lajeado e Boa Esperança, que

serão comentadas adiante. A implantação dessas eclusas possibilitará a geração de

empregos para a população da própria bacia hidrográfica e de outras regiões, numa

contribuição para o desenvolvimento do Centro-Oeste e Amazônia e para a

desconcentração industrial do país, uma vez que será formado um corredor de

exportação da produção regional com o aproveitamento do transporte hidroviário até

um porto para embarcações marítimas.

Por outro lado, a maioria das hidrelétricas não previram em seus projetos a

construção de eclusas e não permitem a plena navegação nas hidrovias. A título de

exemplo, a Hidrelétrica de Itaipu, em Foz do Iguaçu, impede que a hidrovia do

Paraná tenha saída para o mar.

Cabe destacar que é possível superar o barramento após sua construção,

entretanto, com custos muito maiores do que se o projeto já tivesse previsto a

introdução futura da eclusa, deixando o espaço necessário para tal obra19

(…) seria mais razoável que as eclusas fossem consideradas já na concepção dos barramentos, de modo que as ações preliminares de derrocamento, licenciamento ambiental e a construção total ou parcial da eclusa ocorram simultaneamente à construção da usina hidrelétrica, o que reduziria bastante o tempo e o custo de implantação da eclusa (Diretriz da Política Nacional de Transporte Hidroviário, p. 30).

. Uma

alternativa seria a construção de um canal lateral, o que torna não só o custo de

construção maior, mas também a operação. Cabe mencionar posicionamento do

Ministério dos Transportes:

19 Informações concretas a respeito da diferença dos custos de construção das eclusas concomitantemente ou posteriormente ao barramento são de difícil acesso. Para elucidar este ponto, cita-se reportagem publicada no sítio do Conexão Tocantins, a respeito das eclusas da Hidrelétrica de Tucuruí, no Tocantins: “A obra, que faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), foi orçada em R$ 700 milhões. Se ocorresse simultaneamente à obra da usina, não passaria dos R$ 116 milhões.” (http://conexaoto.com.br/2008/06/23/falta-de-eclusas-ameaca-hidrovias/ ). A partir deste número é possível verificar a importância da previsão da eclusa no projeto inicial da usina hidrelétrica, de forma a racionalizar os recursos públicos.

13

Destarte, entende-se as eclusas como instrumento basilar para o

desenvolvimento dos países, haja vista que sem elas, os barramentos hidrelétricos

impedem o transporte pelo modal hidroviário. Este último apresenta vantagens

econômicas, sociais e ambientais em comparação aos outros modais. Por isso, o

governo deve caminhar para uma solução comum para os vários setores, de forma a

permitir a produção de energia elétrica e a navegação ao mesmo tempo. É

imprescindível ainda que as eclusas sejam previstas nos projetos das usinas

hidrelétricas logo de início. Por fim, a próxima seção apresenta planos, estudos e

diretrizes do governo que visam uma matriz de transportes mais eficiente.

3.3. Planejamento, investimento e transporte hidroviário

A atual conjuntura econômica evidenciou as deficiências do setor de

transportes e a necessidade da melhor utilização do modal hidroviário. Neste

contexto, emerge o Plano Nacional de Logística de Transporte – PNLT, o Plano

Hidroviário Estratégico - PHE, as Diretrizes da Política Nacional de Transporte

Hidroviário - DPNT e o Plano Nacional de Integração Hidroviária - PNIH, cujos

objetivos são o planejamento do setor. Em relação aos investimentos, pode-se citar

a primeira versão do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC e o PAC 2.

O PNLT objetiva dar suporte para as intervenções públicas e privadas na

infraestrutura e organização dos transportes, visando horizontes de médio a longo

prazos. O plano almeja alterar a matriz de transportes, elevando a participação do

modal aquaviário de 13% para 29% em 2025, em detrimento do modal rodoviário,

conforme figura 3, em anexo. No que tange especificamente as eclusas, o PNLT

estabelece que: (...) a principal diretriz para o setor hidroviário é garantir que o aproveitamento de rios para a geração elétrica permita sempre a instalação de eclusas ou outro tipo de dispositivo de transposição dos desníveis resultantes, não inviabilizando a navegação fluvial, de forma a ampliar a participação desta modalidade na matriz de transporte brasileira (PNLT).

Em outubro do ano corrente, o Ministério dos Transportes divulgou as

Diretrizes para o setor aquaviário - DNPT. O referido documento visa orientar o

fomento à navegação interior, em consonância com a garantia dos usos múltiplos

14

das águas e o planejamento integrado dos recursos hídricos. Entre outros pontos, as

eclusas possuem espaço especial neste trabalho, onde é apresentada uma lista20

O PHE é um desmembramento do PNLT, de forma a priorizar o sub-setor

hidroviário inserindo-o no contexto do planejamento nacional de transportes. Este

trabalho terá como foco principal a elaboração de um portfólio de investimentos.

Auxiliará o Ministério dos Transportes na tomada de decisão, já que informará qual o

investimento necessário para viabilizar uma hidrovia.

com 62 eclusas prioritárias e o orçamento necessário de R$ 28 bilhões para efetiva

construção.

O PNIH, de iniciativa da ANTAQ, terá como um dos produtos um sistema de

informações georreferenciadas, cujo objeto será auxiliar nas atividades regulatórias.

O referido trabalho fornecerá subsídios para análise de rios potencialmente

navegáveis, caminhos mínimos a serem percorridos, assim como será fundamental

para a elaboração do Plano Geral de Outorgas Hidroviário, o qual indicará os

melhores locais para a construção de instalações portuárias interiores.

Todos esses planos devem guiar as políticas públicas, direcionando recursos

para o setor de transporte, de forma a corrigir os problemas diagnosticados no PNLT

e buscar as soluções apontadas por aquele. Dentro deste contexto, emerge o PAC e

sua continuação, o PAC 2. Esse programa visa dar maior agilidade aos

investimentos considerados estratégicos para a retomada do crescimento brasileiro.

A figura 4, em anexo, apresenta a evolução dos investimentos em hidrovias

realizados e previstos, de 1995 a 2014. Os recursos direcionados para as hidrovias

aumentaram gradativamente, o que mostra a vontade ou necessidade de utilizar

melhor este modal. O destaque fica para a previsão orçada no PAC 2, para o período

de 2011 a 2014, que atingiu o patamar de R$ 2,7 bilhões, contra R$ 1,2 bilhões no

período anterior. É relevante mencionar que dos R$ 1,2 bilhões direcionados para os

anos de 2007 a 2010, R$ 700 milhões foram para a conclusão dos obras das

eclusas de Tucuruí.

Todavia, quando se comparam os valores investidos nas hidrovias com os

outros modais, os números mostram que, apesar do relevante aumento, dificilmente

20 A lista de eclusas foi estabelecida pelo Grupo de Trabalho GT Eclusas, sob a coordenação do Ministério dos Transportes e

a participação do Ministério da Agricultura, Agropecuária e Abastecimento, da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, da Agência Nacional de Águas, da Agência Nacional de Transportes Aquaviários, do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, da Confederação Nacional da Agricultura e do Instituto Brasileiro de Mineração.

15

corrigiremos a matriz de transportes de carga no Brasil se não houver um grande

aumento nos recursos direcionados para as hidrovias. O montante de recursos

direcionados para as rodovias e ferrovias são maiores do que os direcionados às

hidrovias, conforme tabela 1, em anexo. Este fato não é condizente com a vontade

expressa no PNLT de alterar a matriz de transportes. 4. O conflito no uso das águas: barragens com eclusas

Considerando o princípio do uso múltiplo das águas, as experiências

internacionais e a importância das eclusas para o país, esse tópico visa aprofundar a

discussão sobre o conflito dos setores de energia e transportes. Esta celeuma é um

dos principais fatores que dificultam a construção das eclusas junto a

empreendimentos elétricos.

Um dos maiores empecilhos para a fluidez da navegação interior no Brasil são

as barragens sem previsão de sistemas de engenharia que as superem21. As

barragens são represas artificiais e funcionam como reservatórios, construídas

basicamente para abastecimento humano e geração de energia. O Brasil possui, na

atualidade, 168 reservatórios destinados para utilização das UHE. Essas usinas são

responsáveis pela geração de 92 mil Megawatts de energia, ocupando uma área de

38 mil quilômetros quadrados. Adicionalmente, existem 1.628 Pequenas Centrais

Hidrelétricas – PCH - e 1.494 Usinas Termoelétricas - UTE. Essas possuem uma

capacidade outorgada pela ANEEL de mais de 15 e 45 milhões de Kilowatts22

O crescimento na demanda por energia, como mostra o Plano Nacional de

Energia - PNE 2030, implicará na necessidade de maiores investimentos no setor,

inclusive em usinas geradoras de energia elétrica

,

respectivamente.

23

21 Conforme já comentado, a construção de barragens pode ser uma solução de navegação para trechos de rios que

possuem alguma barreira natural, a exemplo de pedrais.

. Esse crescimento ocorreu de

forma intensa nas últimas décadas. Entre os anos de 1970 e 2005, a taxa ao ano foi

de 3,3%. O Plano Decenal de Energia – PDE 2019 é um exemplo da preocupação

22 Conforme informações da ANEEL, disponíveis no sítio eletrônico www.sigel.aneel.gov.br. 23 Segundo o estudo realizado pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE, o Brasil terá, entre o período de 2005 até 2030

um crescimento de aproximadamente 4% ao ano no consumo de energia. Esse fato, não necessariamente significará crescimento da participação da energia elétrica na matriz de energética nacional, mas sim uma maior diversificação de investimentos em outras fontes.

16

do setor com a oferta e a demanda por energia no país. O documento tornou-se

referência para os investimentos que serão realizados em curto e médio prazo.

Ambos os documentos, PNE e PDE, são legitimas e necessárias demonstrações

das intenções do setor energético para os próximos anos. Os estudos apontam que

a geração de energia elétrica, incluindo a construção de usinas hidrelétricas e,

consequentemente barragens, demandará investimentos, até 2030, na ordem de

281 bilhões de dólares.

O problema para a navegação interior não é propriamente as barragens, mas

os desníveis criados para elas e a não previsão de sistemas de superação, como os

sistemas de eclusas. Os barramentos e seus reservatórios são potenciais

inviabilizadores do transporte hidroviário, quando não são previstos, na sua

concepção, projetos de superação dessas barreiras artificiais. Defensores do setor

de energia alegam que as eclusas não devem ser financiadas pelo setor e que a

falta de cronograma de transportes atrapalha na discussão para a sua inclusão nos

empreendimentos. Os aquaviaristas, por sua vez, defendem que as eclusas sejam

construídas, prioritariamente, de forma concomitante às obras dos barramentos.

As eclusas devem ser consideradas como elementos do sistema de

transporte, assim como a própria via, os veículos, a carga, os terminais, entre outros.

No Brasil, o sistema de transporte e suas infraestruturas foram levados ao

ostracismo, com a desarticulação e liquidação de empresas públicas e órgãos

governamentais responsáveis pelo planejamento e execução de obras do sistema de

transporte24

O sistema de transposição de desníveis está desigualmente distribuído no

país. Apenas a hidrovia Tietê-Paraná, as hidrovias do sul e no rio São Francisco

(Sobradinho) possuem eclusas concluídas, enquanto outros empreendimentos

hidrelétricos não disponibilizaram nenhuma. Há exemplo de obras não concluídas há

. Quando esse planejamento ocorreu, não houve integração adequada

com outros setores. A falta de integração entre setores, entre outras razões já

citadas, explicam os baixos investimentos para o setor de transportes e,

conseqüentemente, para o baixo uso do modal aquaviário interior na matriz de

transporte nacional.

24 Cabe salientar a participação de empresas públicas como o GEIPOT e a Portobrás, que durante décadas realizaram

pesquisas e concretizaram a construção de obras como terminais portuários e eclusas.

17

décadas como a de Tucuruí25, no rio Tocantins, e a de Boa Esperança no rio

Parnaíba. Esse é um dos motivos para a estagnação plena ou parcial, para fins de

transporte, de rios como Parnaíba, Paranaíba e Paraná. Ainda existe a preocupação

na construção das barragens de Jirau e Santo Antônio, ambas no rio Madeira. A

construção de sistemas de transposição nesse rio ainda depende de estudos por

parte da Agência Nacional de Águas26. A não construção de eclusas dificultará a

interligação do mencionado rio com os rios Mamoré e Guaporé, que é parte da

carteira de projetos da IIRSA – Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional

Sul-Americana27

As barragens e as eclusas não devem ser concebidas como elementos de

sistemas fechados, no caso o de recursos hídricos e de transportes,

respectivamente. Por possuírem uma relação indissociável com o território, devem

ser idealizadas como parte do espaço geográfico e de seu planejamento. Milton

Santos (2002, p.63) considerava o espaço geográfico sinônimo de território usado,

ou seja, “(...) um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de

sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas

como o quadro único no qual a história se dá”. O sistema de transporte contempla

elementos pertinentes aos sistemas de objetos, como os terminais e eclusas, além

de outros ligados aos sistemas de ações, como a operação de transporte em si.

Assim, os transportes não devem ser segregados de nenhuma política que tenha o

território como foco.

.

O declarado conflito entre os setores de energia e transporte é, na verdade,

um debate sobre a inclusão, ou não, de eclusas nos projetos hidrelétricos. O setor

de energia já possui um planejamento constituído, com cronograma de obras a

serem executadas, conforme os planos citados. Em contraposição, o setor de

transporte não se planejou adequadamente e agora sinaliza com projetos visando

reverter o atual quadro. Entretanto, até o presente momento, o Estado não definiu

com clareza quais são as suas prioridades no que tange ao transporte hidroviário, a

sua interface com os empreendimentos do setor de energia e o uso múltiplo das

águas. Essa indefinição é um verdadeiro estímulo para o surgimento de planos 25 A atual previsão para conclusão das obras é novembro de 2010. 26 Conforme mostra o Edital n° 3/2010, publicado do Diário Oficial de 14 de setembro de 2010, na seção 3, página n° 121 27 Projeto pertencente ao Eixo Peru-Brasil-Bolívia e situado no grupo G03:G3 – Corredor Fluvial Madeira – Madre de Dios

Beni. Mais informações disponíveis no endereço eletrônico: <http://www.iirsa.org>

18

setoriais.

A criação de planos setoriais é a forma de organização de atividades futuras

de cada setor. O conflito entre os setores é verdadeiro e sempre existirá, mas deve

ser minimizado com o posicionamento do Estado. Esse deveria reunir seus líderes,

grupos de interesses, agentes governamentais e a sociedade para definir o que é

prioritário, onde serão realizadas as benfeitorias e quando. Os planos setoriais

deveriam tornar-se desdobramentos de planejamentos maiores, os quais incluiriam

os fundamentos e instrumentos de ordenamento territorial como premissas básicas.

Sobre a necessidade de criação de um planejamento territorial, os estudos do

Ministério da Integração Nacional discorrem sobre esses planos e o planejamento a

partir dos usos do território:

A articulação desse conjunto de mandatos atomizados de ordenamento territorial poderia se estabelecer a partir de uma política coerente, de abrangência nacional, que fosse expressão de um projeto nacional de desenvolvimento com estratégia territorial definida pela sociedade brasileira. Daí a necessidade da formulação de uma Política Nacional de Ordenamento Territorial - PNOT que se mostre capaz de dirimir conflitos de interesse e imprimir uma trajetória convergente para o uso harmonioso do território em consonância com os objetivos do desenvolvimento sustentável que o país almeja (Ministério da Integração Nacional, 2005, p.3).

A configuração de um sistema de transporte fluido, que atenda as

necessidades sociais, econômicas, políticas e culturais da sociedade, somente será

conquistada com o seu planejamento integrado com os outros sistemas pertinentes

ao território. Com o planejamento dos recursos naturais, especialmente os hídricos,

não deve ser diferente. O Estado deve reunir, em um amplo debate, todos os atores

responsáveis pelos usos das águas e definir quais são os usos prioritários, onde

devem ser implementados, como serão realizados e qual a interface com os outros

usuários. Essa atitude minimizará esforços e recursos, além de proporcionar a

focalização nos empreendimentos viáveis para cada usuário28

(MPOG, 2008).

Considerações Finais

O transporte hidroviário apresenta vantagens econômicas, sociais e

ambientais no transporte de grandes volumes por grandes distâncias, como

28 Cabe ressaltar que o Estado tentou, e ainda tenta, inserir e instrumentalizar a discussão a cerca do planejamento a partir

do território. Propostas de planejamento e práticas de ordenamento territorial já existem há relativo tempo. Entretanto, são poucos os avanços no que tange a integração de políticas públicas, principalmente aquelas que possuem o território como base fundamental.

19

verificado em outros países. Em relação aos ganhos econômicos, o modal

hidroviário poderia gerar redução de custos, aumentando a competitividade do país,

elevando as exportações e, conseqüentemente a produção, a renda e o emprego.

Outro efeito seria possibilitar um ganho maior aos produtores, que dada a acirrada

concorrência internacional tem suas margens de lucro cada vez menores. Pode-se

ainda vislumbrar efeitos positivos no balanço comercial e de pagamentos, o que é de

extrema relevância na atual conjuntura, com o real valorizado.

Entretanto, o uso do modal hidroviário tem consequências que vão além do

conceito de crescimento econômico, pois gera efeitos fundamentais sobre a

qualidade de vida da população. A redução de caminhões nas estradas e nas

cidades reduz o risco de acidentes fatais, os engarrafamentos, a poluição, entre

outros são alguns exemplos. Desta forma, deve-se tratar a hidrovia como relevante

instrumento ao desenvolvimento socioeconômico de forma sustentável, haja vista as

consagradas diretrizes sobre a redução do aquecimento global.

As eclusas, como forma de transposição dos empreendimentos hidrelétricos,

possibilitam a navegação e são, portanto, fator basilar no processo de

desenvolvimento do país. Por essa razão, os projetos do setor elétrico devem prever

a construção dessas obras sempre que necessário.

Esse cenário somente será alcançado com um planejamento integrado a

outros sistemas pertinentes ao território. Os planejadores do Estado, que na última

década retomaram as suas atividades, devem dar o próximo passo e pensar o

território como um todo e não como frações ou faixas de domínio. A tarefa não é das

mais fáceis, pois cada grupo da sociedade possui seus próprios interesses.

Entretanto, há de se realizar um planejamento de forma integrada, considerando as

especificidades de cada setor e obtendo as melhores respostas para a sociedade.

Por fim, é relevante ressaltar, que o conflito entre o setor elétrico e o de

transporte não é o único problema para o desenvolvimento do transporte hidroviário

no Brasil. Cabe destacar também, até como forma de sugestão de estudos, a

concorrência entre os modais terrestres, que foram constituídos, muitas vezes, de

forma paralela e não complementar. Outro ponto importante são os grandes

subsídios indiretos dados ao setor rodoviário e a forma de operação muitas vezes

abaixo do próprio custo.

20

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21

ANEXOS

Figura 1 – Composição percentual das cargas no Brasil - 2007 Fonte: Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT

Figura 2 – Eclusas e Reservatórios no Brasil Fonte: ANEEL. Elaboração própria.

61,10%20,70%

13,60%4,20%0,40%

Rodoviário Ferroviário Aquaviário Dutoviário Aéreo

22

Figura 3 - Matriz de Transportes Atual e Futura Revisada Fonte: Ministério dos Transportes – PNLT

Figura 4 – Investimento em hidrovias –milhões de Reais (R$) Fonte: Ministério dos Transportes

Tabela 1 - Previsão de investimentos preliminar PAC2 – R$ Bilhões

Fonte: Presidência da República – Brasil 2010

Rodoviário Ferroviário Aquaviário Dutoviário Aéreo0

10

20

30

40

50

6058

25

13

3,60,4

3035

29

51

2005 2025

1995/1998 1999/2002 2003/2006 2007/2010 – Previsto 2011/2014 – Previsto0

500

1000

1500

2000

2500

3000

104273 206

1236

2700

EIXOS 2011-2014 PÓS 2014 TOTALRODOVIAS 48,4 2 50,4FERROVIAS 43,9 2,1 46PORTOS 4,8 0,3 5,1HIDROVIAS 2,6 0,1 2,7AEROPORTOS 3 - 3EQUIPAMENTOS PARA ESTRADAS VICINAIS 1,8 - 1,8TOTAL 104,5 4,5 109