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Armamar-Tabuaço-S. João da Pesqueira III S. João da Pesqueira Távora S. Salvador do Mundo Riodades Vilarouco Longa Arcos S. Martinho das Chãs S. Cosmado EN 313 Vila Seca Granjinha Trevões EN 222 Sendim S. Domingos Fontelo Paredes da Beira Valongo dos Azeites Granja do Tedo EN 229 EN 323 Tabuaço Barcos Armamar

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Page 1: III Armamar-Tabua o-S. Jo o da Pesqueira · suas lendas e memórias. Uma das mais contadas é a Lenda da Misarela, já aqui reproduzida, que deu nome a um dos ... Capela de S. Domingos

Armamar-Tabuaço-S. João da Pesqueira

III

S. Joãoda Pesqueira

Távora

S. Salvadordo Mundo

Riodades

Vilarouco

Longa

Arcos

S. Martinhodas Chãs

S. Cosmado

EN 313

Vila Seca

GranjinhaTrevões

EN 222

Sendim

S. Domingos

Fontelo

Paredesda Beira Valongo

dos Azeites

Granja do TedoEN 229

EN 323

TabuaçoBarcos

Armamar

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I T I N E R Á R I O I I I

Armamar, a terra natal do poeta Fausto José que foi presi-dente da Câmara Municipal, é também celebrada pela suagastronomia tradicional. O prato de eleição é o sobeja-mente conhecido cabrito à moda de Armamar com arrozde forno; no entanto há outras iguarias típicas, igualmentedeliciosas como: as falachas; o bolo podre; os bolos ama-relos, o folar; o queijo de cabra e o doce de maçã, con-feccionado com a fruta mais característica da região.Armamar, como tantas outras vilas, tem uma forte tradiçãooral, que corre de geração em geração, perpetuando assuas lendas e memórias. Uma das mais contadas é a Lendada Misarela, já aqui reproduzida, que deu nome a um dosdois miradouros do concelho (os miradouros da Misarela,em Armamar, e o de S. Domingos de Fontelo).

O percurso pelo concelho de Armamar deve ser iniciado em Fontelo pela EN 313.

Em Fontelo, não muito distante da ermida, no centro dopovoado, deve visitar-se a capela da Senhora dos Remédios,uma capela quinhentista deraiz românica. Edificada noséculo XII, em forma de ca-pela românica, esta ermidapertenceu, no século XIV, àcomenda de Vila Cova àCoelheira, época em querecebeu transformações gó-ticas.No seu interior sobressaium túmulo manuelino e umretábulo-mor maneirista. Segundo a tradição eramaqui sepultados os defuntosda Galafura e Além-Douro.

52 Roteiros Medievais do Douro Sul

I T I N E R Á R I O I I I

Armamar

Oforal manuelino de Herma-mar, de 3 de Maio de 1514,dá conta da riqueza da terra

em cereais, castanhas pisadas e picadase linho, e determina que os direitosreais fossem aí pagos a Pero da CunhaCoutinho, importante fidalgo duriense. No presente, o concelho de Armamarbusca preservar o seu património. Do período medieval, o maior núme-ro de imóveis classificados concentra-se nas freguesias de Armamar, Fonteloe S. Martinho das Chãs. Além destas,cite-se o caso de Folgosa, uma vez quenesta freguesia está situada a Quinta dosFrades, uma das mais antigas proprie-dades do Douro, fundada pela iniciativados poderosos conventos cisterciensesda região. Neste caso particular, a quin-ta, importante núcleo de produção vití-cola, fazia parte do património doMosteiro de Salzedas.

Armamar - Tabuaço - S. João da Pesqueira 53

Lenda da Misarela

Certo dia um pastor anda-va a guardar o seu reba-nho, numa encosta juntode Armamar. Quandoestava junto a um fragão,ouviu gemer e impressio-nado, perguntou:- Ó voz que gemeis,quem sois? Que quereis?Ouviu então uma vozmuito meiga que disse:- Sou uma dona encanta-da; quebrai-me o encantoe serei libertada.Então, respondeu o pastor:- Que quereis que eufaça? Não sei, nem tenhopoder para tal...E a voz respondeu-lhe:- Traz uma bola de pãocom quatro patinhas,neste fragão, darás trêspancadinhas; à meia-noite,em ponto, põe a bola nochão e diz em voz alta:- Ó bola de pão, feita defarinha, passarás de umabola a uma broinha, vaipara a mourama e levaesta menina.Se isto fizeres, dou-te o meu tesouro: pedraspreciosas, ouro e prata.O pastor perguntou denovo:- Como te chamas?E a voz respondeu: - O meu nome éMiserere (tende piedadede mim).E desde então o local ficoua chamar-se Misarela, por que ainda hoje é conhecido.

J. Gonçalves Monteiro,Subsídios para a monografiado Concelho de Armamar

Itinerário III

ARMAMAR - TABUAÇO -

- S. JOÃO DA PESQUEIRA

Amamar. Maçãs

Fontelo. Capela de Nossa Senhora dos Remédios

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I A Igreja Matriz de Armamar estásituada no coração da vila, junto aoantigo solar da família Cardoso, e dis-põe de um miradouro sobre o vale dorio Temilobos. É uma igreja do séculoXIII, que teve origem na ermida de S.Miguel. Tornou-se sede da paróquiadevido a um acontecimento tantas ve-zes referido na tradição oral duriense:uma praga de formigas que, segundo atradição, implicou a deslocação da se-de do lugar de Almuinha para o actual.De acordo com a memória local, estetemplo terá sido erigido por determinação de Egas Moniz,e será mesmo anterior ao Mosteiro de Santa Maria deSalzedas. Outra tradição popular conta que o templo foilevantado a partir de pedras provenientes de um velhocastelo, muito provavelmente do tempo do rei D. Dinis.A fachada, maciça e sóbria, flanqueada por uma torre qua-drangular, tem no centro um portal sem tímpano de duplaarquivolta com imposta encordoada, sob um óculo. Noportal Sul o tímpano apresenta alguns vestígios de policro-mia, onde parece descortinar-se a figura de um cavaleiro.No interior, de três naves sem transepto divididas por trêscolunas de capitéis, há boa imaginária barroca que repre-senta santos populares: Nossa Senhora do Rosário, SantoAntónio e S. Sebastião, e duas pias baptismais com restosde pintura.

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I No Monte de S. Domingos foi im-plantada em finais do período medievaluma capela do estilo gótico, localizadanum promontório de onde se podeapreciar uma agradável paisagem sobreas cidades da Régua e de Lamego.Esta capela, da invocação de S. Domin-gos terá sido, muito provavelmente,reconstruída por vontade de D. Afon-so V, na segunda metade do século XV,uma vez que este monarca parecianutrir uma especial afeição pelo local

onde terá sido concebido, com benção divina, o seu filho D. Afonso.Conta a lenda que uma pedra propiciatória aqui existente,junto das escadas da sacristia, terá satisfeito os desejos deinúmeros casais impossibilitados de produzirem descen-dência. Dos mais famosos casais que a ela recorreramcontam-se D. Afonso V e a sua segunda esposa, que visita-ram Fontelo no último quartel de Quatrocentos, após abatalha de Toro de 1476, e o seu filho e sucessor D. JoãoII e sua mulher D. Leonor, a protectora das Misericórdiasportuguesas.S. Domingos, o padroeiro do templo, é festejado entre 5 e 6 de Agosto, numa concorrida festa onde, tradicional-mente, os romeiros colhiam a erva de S. Domingos, quelevavam consigo para suas casas ou para ser trocada entrenamorados.Da frontaria desta ermida ressalta um portal de quatroarquivoltas de arco quebrado com decoração vegetalista,sobrepujado pelas armas de Portugal. Na fachada lateral, opórtico é composto por um arco lobulado joanino. Inte-riormente apresenta um arco triunfal decorado por moti-vos vegetalistas e zoomórficos, tecto forrado a caixotões eum retábulo de talha.

Armamar - Tabuaço - S. João da Pesqueira 55

Igreja matriz de Armamar. Fachada

I Igreja de S. Miguel de Armamar (MN)

Praça da RepúblicaArmamarHoráriodas 10h00 às 13h30 e das 14h00 às 18h00Aos Domingos das 14h30 às 18h00Encerra à Segunda-feira

Capela de S. Domingos de Fontelo. Portal principal

Capela de S. Domingos de Fontelo.Portal lateral

I Capela de S. Domingos

Monte de S. DomingosFontelo - ArmamarHoráriodas 10h00 às 13h30 e das 14h00 às 18h00Aos Domingos das 14h30às 18h00Encerra à Segunda-feira

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Em Granja do Tedo deve-se visitar a Igreja Matriz e oPelourinho, estrutura esta que recorda os tempos em quea terra foi cabeça do concelho. E deve ainda evocar-se ahistória do Cisma da Granja do Tedo (1840-1847) prota-gonizado por uma seita religiosa formada pelos Custódiose liderada por Maria Coroada, uma personagem bastantefamosa também por ser mãe da não menos célebre figura

56 Roteiros Medievais do Douro Sul

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No século XVIII, talvez por iniciativa do comendador, oconde de Val de Reis, a igreja sofreu grandes alterações noseu interior. Muito tempo depois, na década de 50 do sé-culo XX, a sua cabeceira foi restaurada pela DirecçãoGeral dos Edifícios e Monumentos Nacionais.

Se pretende ir de Armamar para Barcos tome a EN 323. No caminho faça uma paragem no lugar de Marmelal. Se pretende seguir em direcção a Granjado Tedo, tome a EN 313, passando pelas povoaçõesde S. Martinho das Chãs e S. Cosmado. A primeiraaldeia está classificada como Centro Rural, projectoque ajuda a dinamizar e melhorar a qualidade de vidadas populações das zonas mais desertificadas.

S. Martinho das Chãs - - S. Cosmado - Granja do Tedo (Itinerário Opcional)

Em S. Martinho das Chãs, no Largo da Igreja, encon-tra-se uma igreja de raiz medieval de cujo recheiohá a referir duas tábuas representando cenas da vida

de S. Martinho, o púlpito e uma pia baptismal, provavel-mente do século XVI. Na vizinha freguesia de S. Cosmado, está sepultado Fran-cisco Gomes Teixeira, o insígne matemático e professoruniversitário, que foi homenageado através de um bustocolocado no exterior da igreja, próximo da Casa do Pátio. Quem visita Tabuaço tem obrigatoriamente de fazer umaparagem em Granja do Tedo, povoação incluída no projec-to Aldeias de Portugal, que visa a valorização do patrimónioe a revitalização do potencial económico e social do meio ru-ral. Esta é uma povoação que preserva a sua tipicidade, divi-dida entre Povo de Cima e Povo de Baixo, e servida porduas pontes: a do rio Tedo e a do rio Tedinho. Aqui, o visitan-te dispõe de uma agradável praia fluvial; na povoação, os ar-tesãos mantêm a tradicional produção de cestos durienses.

Armamar - Tabuaço - S. João da Pesqueira 57

Francisco Gomes Teixeiranasceu em S. Cosmado a 28 de Janeiro de 1851,e veio a falecer no Porto a 8 de Fevereiro de 1933.Formou-se na Faculdadede Ciências de Coimbraem 1875, doutorou-senesse ano começando a leccionar de imediato.Transcorridos oito anospassou a desempenhar o cargo de lente da Academia Politécnicado Porto, da qual se tornou director. Entre os anos de 1911 e 1918, foi reitor da Universidade do Porto,vindo depois a ser seu reitor honorário.Também teve uma intervenção políticano Partido Regenerador,pelo qual foi deputadoentre 1879 e 1884. Foi fundador do Jornal das Ciências Matemáticase Astronómicas e seu director até ao início da década de 20do século XX.

S. Cosmado. Sepultura medieval

Granja do Tedo. Ponte

Igreja matriz de Armamar. Fresta

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Tabuaço

Tabuaço conserva um valiosopatrimónio histórico, bem re-presentado pelo povoado fortificado da Citânia

Longa, pelos quatro marcos graníticos e por um grandeconjunto de pelourinhos (em Arcos, Chavães, Granja doTedo, Sendim, Tabuaço e Valença do Douro). Porém, oseu núcleo patrimonial mais significativo é aquele quereúne a Igreja de Barcos, primitiva sede do concelho, oSantuário de Sabroso e a Igreja de S. Pedro de Águias. Estetemplo secular é, inegavelmente, o seu grande cartão devisita.Daqui saíram personagens ilustres da cultura portuguesa,como o escritor Abel Botelho, natural de Tabuaço, nasci-do numa casa de pedraria lavrada na Travessa das Amen-doeiras, no início da segunda metade do século XIX.O concelho tem também para oferecer uma rica culináriatradicional onde nãofaltam os pratos de pei-xe do rio, o vinho ma-duro, os enchidos e,obviamente, produtosnaturais como a uva demesa e a castanha, fru-tos de uma terra fértilque é um dos principaiselementos de uma des-lumbrante paisagemnatural.

Antes de chegar a Tabuaço tome a EN 226-2 para Barcos e para o Santuário da Senhora do Sabroso.

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da Mulher/Homem de Granja do Te-do. Estas práticas religiosas foram neu-tralizadas pelo administrador do antigoconcelho de S. Cosmado, mas no Po-vo de Baixo preserva-se ainda uma ve-lha habitação que o povo chama a Ca-sa das Coroadas.

Seguidamente tome o caminho de Arcos.

Nesta terra, para além da igreja de S. Silvestre, encontra uma casa comuma janela de decoração manuelina,na Rua de António Morte da Costa,enquadrada por casario tradicional, euma outra casa com uma janela domesmo estilo.

Antes de chegar a Tabuaço pareno Marmelal, em Pai Calvo, ondesubsiste um conjunto de casasrurais, recentemente recuperadaspara serem utilizadas como cenáriode uma adaptação cinematográficada Trilogia do Port Wine, de AlvesRedol, um projecto que não chegoua ser concretizado.

Armamar - Tabuaço - S. João da Pesqueira 59

«Vila na descida d’umaserra de fragas escarpadassobre o rio Távora»

D. Joaquim de Azevedo

Sendim. Pelourinho

Granja do Tedo. Cesteiro

Do segundo casamentoMaria das Neves Custódioou como também eraconhecida, MariaCoroada, teve três filhas:Maria da Trindade,Rosalina e Helena.A primeira delas nasceu

em Quintela, Sernancelhe,mas foi viver para Granjado Tedo com tenra idade(1851). Vestia roupas masculinas e adoptou o nome de António das Neves. E assim se manteve naescola e no trabalho àjorna no Douro e depoisno comércio no Porto,cidade onde se veio a fixar. Viveu tranquilamentecomo homem, até queem 1879 o seu segredofoi descoberto, suposta-mente no dia em que apolícia portuense suspei-tou da sua situação, pelofacto de não se fazeracompanhar de documentos militares. O caso foi entregue à justiça e todo o Porto ficou a saber a história da mulher/homem, cujahonestidade e dotes detrabalho eram abonadospor todos os patrões aquem servira. Depois des-tes acontecimentos, sob onome de Antónia Custódiadas Neves, veio a casar-secom o filho de um antigopatrão. No entanto, a tra-gédia abater-se-ia sobreela: Antónia Custódia dasNeves, a antiga mulher//homem viria a ser umadas vítimas mortais dogrande incêndio que destruiu o Teatro Baquet,no Porto, a 20 de Marçode 1888.

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Do recheio deste templo são dignos de referência umaarca tumular com uma pedra de armas e uma obra detalha de excelente valor artístico na capela-mor. Esta, porsua vez, denota tecto apainelado com vinte e oito caixo-tões.O terramoto de 1755, que destruiu grande parte da cida-de de Lisboa, também produziu resultados nefastos nestaigreja duriense. Os estragos foram substanciais a ponto deterem motivado um restauro da cabeceira por volta de1764, transformada ao gosto barroco, em moda nestaépoca.

60 Roteiros Medievais do Douro Sul

Na localidade de Barcos, junto da igre-ja matriz, destacam-se a Casa da Cole-giada, enquadrada pela casa dos Cou-tinhos e pela residência paroquial, e aCasa da Roda dos Expostos. A Casa daColegiada, um edifício de dois pisosassente em afloramento rochoso eservido por uma escadaria de acessoao andar nobre, foi, curiosamente,considerada por uma das autoridadesda história da arte e arquitectura por-tuguesas como um edifício românico deresistência muito tardia, pelo aspectorobusto e medieval que mantém, ape-sar de ser da Época Moderna.Nas proximidades de Barcos, na Matada Forca, num declive, subsistem vestí-gios de construções que, diz o povo,pertenceram à forca que deu o nomeà mata. Além disso, conta uma lendaque um rego escavado na rocha, aindahoje visível, era usado para escoar osangue dos condenados que aí seriamsupliciados.

I A igreja matriz de Barcos é posteriorao santuário de Nossa Senhora do Sa-broso, a primitiva sede da paróquia, de-pois para ali transferida. O templo, deplanta rectangular, apresenta exterior-mente um portal de arco de volta per-feita com quatro colunelos contendo oshabituais elementos decorativos pró-prios do estilo românico: motivos an-tropomórficos, zoomórficos, denticu-lados e meias esferas; ao longo da cor-nija correm linhas de modilhões e noportal Sul existe um nicho adossado.

Armamar - Tabuaço - S. João da Pesqueira 61

Abel Botelho

Abel Acácio de AlmeidaBotelho, militar, escritor e jornalista nasceu na freguesia de Sendim a23 de Setembro de 1856.Entre 1867 e 1878 rece-beu formação militar e as-cendeu na carreira, vindoa atingir o posto de gene-ral. Com a implantação daRepública foi deputado,senador e Ministro dosNegócios Estrangeiros naArgentina.Durante a sua actividadede jornalista colaborou nos seguintes periódicos: O Dia, Ocidente e Ilustracção. Mas a suafaceta mais conhecida é a de escritor naturalista,tendo sido muito influen-ciado por Emile Zola eCamilo Castelo Branco.Em 1885 publicou o seuprimeiro livro, LiraInsubmissa, seguido logoem 1898 pela edição deum livro de contos intitu-lado Mulheres da Beira. Em 1901 deu à estampa oromance Amanhã, umadas obras mais celebradasdo autor por introduzirpela primeira vez na litera-tura portuguesa o proletariado como per-sonagem colectiva. Estelivro é o terceiro de um conjunto de cincoobras que constituem a série Patologia Social,1898-1910, que lhe gran-jeou a posição do maiscaracterístico representantedo naturalismo ou realismoexagerado. Esta tendêncialiterária encontra-se tam-bém presente na sua produção teatral em obrascomo Jucunda, de 1889, e Claudina de 1890.

Igreja matriz de Barcos. Portal lateral e nicho

Casa da Roda dos Expostos

I Igreja Matriz de Barcos (MN)

Barcos - TabuaçoHoráriodas 10h00 às 13h30e das 14h00 às 18h00Aos Domingos das 14h30 às 18h30Encerra à Segunda-feira

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I Numa ravinosa vertente do rio Tá-vora, voltada para uma escarpa rocho-sa, foi fundada no século XII a capelade S. Pedro das Águias. Ermida emble-mática do Douro esteve em risco dese perder pela incúria dos homens.Todavia, acabou por ser completa-mente reconstruída na década de 40do século XX, pela Direcção Geraldos Edifícios e Monumentos Nacio-nais, permanecendo como exemploda presença cisterciense na região.

62 Roteiros Medievais do Douro Sul

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I Este santuário foi a original igreja deBarcos e antecedeu a construção daactual matriz, também ela românica.Este pequeno recinto foi edificado numermo coberto por vegetação selva-gem, e de onde se podem avistar doistipos de paisagens contrastantes, umaduriense e outra beirã.A fachada da capela tem no centro umportal simples de arco de volta perfei-ta. Em volta do edifício existe uma ca-chorrada ornada por boleados e moti-

vos antropomórficos. Nos seus muros estão dispostastampas sepulcrais com cruzes. Na nave, de pequenas pro-porções, desprovida de lajeado, estão colocadas lápidesmedievais e, no altar, subsiste um retábulo sem decoração.Uma lenda muito antiga estima que o Santuário de NossaSenhora de Sabroso foi erigido pelos mouros e posterior-mente cristianizado. Uma vez expulsos após a Reconquis-ta, cantavam assim: Ó Sabroso, ó Sabroso/ Ó Sabroso daMesquita/ Tanto ouro tanta prata/ Como no Sabroso fica.

Vá ao encontro da EN 323 para a Granjinha.

I Santuário de NossaSenhora de Sabroso

Barcos - TabuaçoHoráriodas 10h00 às 13h30 e das 14h00 às 18h00Aos Domingos das 14h30 às 18h30Encerra à Segunda-feira

I Igreja de S. Pedro das Águias (MN)

Junto da Fraga Amarela,sob o TávoraGranjinha - TabuaçoHoráriodas 10h00 às 13h30 e das 14h00 às 18h00Aos Domingos das 14h30 às 18h30Encerra à Segunda-feira

Igreja do Santuário de Sabroso. Portal principal Igreja de S. Pedro das Águias

Igreja de S. Pedro das Águias. Pormenor do trabalho escultórico

Igreja do Santuário de Sabroso.

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Em termos patrimoniais, o notávellabor escultórico desta ermida inci-de sobretudo no portal lateral e nafachada voltada para o rochedo, deonde transparece uma evidente in-fluência orientalizante. O pórticosecundário representa, no interiordo tímpano, um Agnus Dei que,provavelmente por ter umas pro-porções desmesuradas, se en-contra de patas flectidas. No fechodo arco há uma inscrição latina queavisa: o Senhor dos Exércitos prote-ge a entrada e a saída do templo.No portal principal a decoração ébem mais exuberante. Essa carac-terística resulta da conjugação dediversos elementos zoomórficos ede uma preciosa cruz trepanada,no tímpano, simbolizando Cristo.Nas margens do rio Távora, juntoà EN 323, preservam-se algunsvestígios do “mosteiro novo” de S. Pedro das Águias (o claustro, parte do mosteiro e a igre-ja reconvertida em adega), que veio substituir o S. Pedrovelho. Actualmente este aglomerado constitui o centro deuma importante exploração vitícola, que produz umamarca de vinho com o nome de “Quinta do Convento deS. Pedro de Águias”.Temporariamente extinto no tempo do Marquês de Pombal,este mosteiro foi reaberto com D. Maria I. Mas não teria vidalonga. Como tantos outros, foi definitivamente encerradoem 1834 com a extinção das ordens religiosas, decretadapelo governo liberal de Joaquim António de Aguiar. Destecenóbio perduraram algumas receitas de doçaria tradicional,confeccionada pela população monástica.

Continue pela EN 323, passe Paradela e estará em Sendim.

Esta é uma igreja ímpar por ter sido erigida num local iso-lado e por ser depositária de um invulgar conjunto de or-namentação escultórica, bastante original no contexto doromânico desta região. A sua construção neste local deve-rá estar relacionada com uma ocupação anterior, que pa-rece estar comprovada pela existência de um antigo abri-go na rocha, certamente usado como eremitério.A sua originalidade e mística também se prendem com ofacto de a sua fundação estar intimamente ligada a umalenda da Reconquista Cristã peninsular. Esta legenda giraem torno de dois cavaleiros de Entre Douro e Minho, D. Rosendo e D. Tedo, ou Tedon, que vieram fixar-se nes-ta região para combater os muçulmanos ocupantes destavertente do Douro, e da figura da mourisca princesa Ardí-nia ou Ardinga. Esta, por amor ao casto D. Tedo, que atradição refere como fundador da célebre família Távora,decidiu converter-se ao cristianismo, provocando a ira deseu pai, que castigou a sua insolência com a morte.O primeiro documento régio sobre este mosteiro é umacarta de couto outorgada pelo conde D. Henrique, entre-tanto desaparecida, mas que aparece referenciada nas In-quirições de Afonso III.

Armamar - Tabuaço - S. João da Pesqueira 65

Igreja de S. Pedro das Águias. Portal lateral

Rebuçados de ovos de S. Pedro(Receita do Mosteiro de S. Pedro das Águias)

Leve 1 kg de açúcar a ponto deespadana e depois de retirar dolume deite 25 gemas de ovos,sempre a mexer bem com umacolher de pau, de forma a obteruma boa ligação. Volte outra vezao lume e assim que a massaestiver a pegar-se às paredes dotacho retire do lume e deixeesfriar completamente. Deitedepois a massa num tabuleiroou uma tábua de madeira.Modele com as mãos pequenasporções desta massa, em formade rebuçados. Depois passe poraçúcar em ponto de cabelo.Coloque num tabuleiro ounuma tábua de madeira e leveao forno para cozerem mais umpouco e criarem uma crosta naparte de cima. Embrulhe empapel de várias cores, comrecortes, conforme a habilidade.

Alfredo Saramago, Doçaria conventual do Norte

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I T I N E R Á R I O I I I

Aqui encontrará, além da igreja de S. Bartolomeu, a Quin-ta de Azevedo com a capela setecentista dos Santos Már-tires, onde estão depositados os túmulos de S. Pedro, S. Paulo e S. Félix, mártires da Guerra Santa em África,enviados pelo Papa Benedito ou Bento XIV. Nesta capelaestão patentes igualmente interessantes ex-votos de ma-deira pintados, expressões de uma devoção popular mar-cante na mentalidade popular.Testemunho da antiga importância administrativa da locali-dade, é o Pelourinho de Paredes da Beira, totalmente re-construído em 1989.Também é recompensador contemplar o Dólmen deAreite, um monumento megalítico de corredor recente-mente restaurado. Conserva ainda a câmara e a laje supe-rior e faz parte de um grupo de cinco tumuli, que teste-munham o passado longínquo deste local.

Para alcançar Trevões siga pela EM 504, uma estrada à face da qual encontrará o solar da família Caiado Ferrão.

I A igreja medieval de Trevões, um dos ex-libris desta terra,sofreu profundas reformas no Período Moderno (séculosXVII e XVIII); contudo, ainda conserva vestígios da sua pri-mitiva fundação: as suas espessas paredes, o pórtico, can-taria siglada, vestígios de policromia e algumas peças dearte sacra.

66 Roteiros Medievais do Douro Sul

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Impõe-se também uma paragem em Sendim. Nesta po-voação, segundo afirma D. Fernando de Brito, existiam oschamados Castelos de Cabris ou os rochedos acasteladosde Cabris, que a lenda diz terem sido refúgio e reduto deD. Tedo e D. Rosendo. Uma vez em Sendim merece a pena visitar o Pelourinho,o solar da família Gouveia Couraça, junto da capela de S. Miguel no lugar do Paço, e o solar setecentista dos Gue-des no cimo do povo, nas imediações da igreja. As origensdesta casa remontam ao século XVI e diz-se que terá sidoconstruída sobre os alicerces de uma mesquita. Na sua ca-pela dedica-se grande devoção às relíquias de S. Brás.

Prossiga pela estrada municipal para Trevões, fazendo uma paragem em Paredes da Beira.

Paredes da Beira - Trevões(Itinerário Opcional I)

Antes de entrar em Trevões, e iniciar o percurso pe-la vila de S. João da Pesqueira, o viajante deve de-morar-se na freguesia de Paredes da Beira, terra de

lendas e tradições, conhecida como a cidade do sol cerca-do de sete castelos.

Armamar - Tabuaço - S. João da Pesqueira 67

Sendim. Solar da família Gouveia Couraça

Igreja de Trevões. Cachorros

I Igreja de SantaMarinha de Trevões (MN)

Largo do Adro - Trevões -- S. João da PesqueiraHoráriodas 10h00 às 13h30 e das 14h30 às 18h00Aos Domingos das 14h30 às 18h30Encerra à Segunda-feira

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S. João da Pesqueira

Acarta de foral outorgada à Pesqueira por FernandoMagno, em pleno período da Reconquista, é consi-derada o primeiro documento do género no futuro

território português, facto que comprova a antiguidade daterra. Por isso mesmo, o concelho de S. João da Pesqueirafoi organizado, muito provavelmente, em época anterior àformação Portugal enquanto nação independente.De facto, o foral velho de S. João da Pesqueira é reco-nhecido como um dos mais antigos ou até o mais antigodo país. D. Fernando, o Magno, rei de Leão, terá conce-dido a primeira versão deste documento entre 1055 e1065. Durante muito tempo este documento regulou avida socio-económica do concelho, sendo confirmadopelo bisneto do seu primeiro outorgante, D. AfonsoHenriques, entre os anos de 1167 e de 1175.

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No extremo direito dafrontaria encontramos atorre sineira edificadapelo bispo D. Manuelde Vasconcelos Pereira,que nesta terra mandouerigir o Palácio Episco-pal. Em redor da igrejacorre uma cachorradafigurativa e vegetalista.A nave única da igreja,lajeada e coberta porcaixotões decoradospor motivos barrocos ecom as armas episco-pais, conserva altares de

boa talha, como o da Santíssima Trindade que se diz contero sepulcro de S. Francisco Xavier, uma pia baptismal comestrias e meias esferas, e a capela dos Melos datada de 1632.O coro está assente em duas pias baptismais. O arco cru-zeiro, de colunelos esculpidos, tem dois altares de talhacom imaginária e nos vãos há vestígios de policromia, quetambém aparece por trás da cabeceira, local onde estaráretratado o episódio bíblico da Ascensão da Virgem.Esta igreja encontra-se implantada numa praça de arqui-tectura erudita, na qual sobressai o já referido antigoPalácio Episcopal, obra patrocinada pelo bispo D. Manuelde Vasconcelos Pereira. Ali bem perto encontra-se omonumental solar barroco da família Caiado Ferrão, naEM504, onde trabalhou o pintor coimbrão de renomePascoal Parente, autor das pinturas da capela privada dacasa. É quase certo que este mestre tenha sido o autor deuma intervenção artística na igreja matriz.Ainda em Trevões há uma fonte medieval, a Fonte deSanto António, localizada junto da capela do mesmonome, e algumas sepulturas escavadas na rocha. Aconse-lha-se ainda uma visita ao Museu Paroquial onde, entremuitas outras peças de valor, se guarda uma cupae de gra-nito, monumento funerário da época romana.

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Igreja de Trevões. Portal principal

S. João da Pesqueira. Torre do Relógio

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I A Igreja Matriz de S. João da Pesquei-ra foi erigida no século XIV. É um templode sabor medievo que, com o passardos séculos, foi perdendo alguma da suatraça original. Nos dias de hoje é aindapossível, no entanto, vislumbrar algo dotempo da sua primitiva edificação seatentarmos ao portal principal de arcoogival. O remate da fachada, feito atra-vés de uma sineira de dupla ventana,parece ser obra posterior à sua funda-ção. No interior da igreja há um bomretábulo-mor barroco colocado na cabeceira. A coberturado tecto é seiscentista.Na Rua General Ramalho Eanes, bastante próxima da ma-triz, é obrigatória a passagem pela Casa do Cabo, um solarsetecentista com um jardim de tipo francês, que apresen-ta um vocabulário arquitectónico filiado em Nicolau Naso-ni. O solar pertenceu aos Sande de Castro, mas nos nos-sos dias foi convertido em Tribunal da Comarca. À saída da Pesqueira, junto da EN 222-3, podem avistar--se as ruínas do antigo convento de S. Francisco, cuja quin-ta foi transformada em casa de lavoura. Diz a tradição quepor ele terá passado o Marquês de Pombal, que frequen-tou as aulas conventuais aqui em S. João da Pesqueira.Pode apreciar-se também a Casa do Sidrô, um solar doséculo XIX que foi do primeiro marquês de Soveral, hojepertencente à Real Companhia Velha.

O núcleo populacional inicialterá partido de uma póvoa oupobra de pescadores, que nãocoincide com a actual localiza-ção da vila. Diz-se que este pri-meiro assentamento surgiu nasproximidades de uma pesqueirano Douro, de onde advém oseu nome. De resto, as pes-queiras continuarão a ser umariqueza desta região e delas dáconta o foral manuelino de 1 deJunho de 1510, referindo-se,por exemplo, a uma pesqueiragrande que chamam a Pena.Efectivamente, a actividade

económica da pesca, tão importante para esta região, estábem presente na sua tradição religiosa. Em Soutelo doDouro (EN 222), na Igreja da Senhora da Nassa, existeuma curiosa representação da santa padroeira, que segun-do a tradição foi recolhida do rio nas redes (ou nassas) dospescadores, num dia de trovoada. É grande a devoção aesta santa. Entre as variadas ofertas que lhe são feitas, des-

tacam-se os vestidos dasnoivas da freguesia, readap-tados para ela os poder usar.

Seguidamente deverátomar a EN 222 que olevará ao centro urbanode S. João da Pesqueira. Aqui encontrará a matriz e o centro histórico na Praça daRepública, nas traseirasdo qual se encontra a antiga Judiaria.

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I Igreja matriz de S. João da Pesqueira

Avenida Marquêsde Soveral - S. João da PesqueiraHoráriodas 10h00 às 13h30 e das 14h00 às 18h00Aos Domingos das 14h30 às 18h30Encerra à Segunda-feira

S. João da Pesqueira. Casa do Cabo

Igreja matriz de S. João da Pesqueira. Fachada

Soutelo do Douro. Igreja de Nossa Senhora da Nassa

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os cavaleiros cristãos elevados a heróis da Reconquista edos quais já aqui se fez uma invocação. Luís Álvares de Tá-vora, o célebre Balio de Leça, homem de confiança de Fili-pe II e Filipe III, foi o primeiro conde de S. João da Pesquei-ra, recebendo esse título em 1611 em razão dos serviçosprestados ao exército e armada luso-castelhanos. Em1665 o regente D. Pedro, futuro D. Pedro II, concedeu otítulo de Marquês de Távora ao seu descendente e homó-nimo D. Luís Álvares de Távora. No prolongamento deste conjunto arquitectónico surgeuma arcada que encerra com a Torre do Relógio, umaconstrução quadrangular com uma decoração em tudosemelhante à da casa da Câmara.No passado, o sino da Torre da Câmara, torre que tam-bém já teve função de cadeia, era usado para chamar osvereadores, dar início às rondas e sinalizar o recolher (co-mo então se dizia, “tocava o sino de correr”). Na arcadatinham lugar as animadas e concorridas feiras regionais.

I Nas traseiras da magnífica Praça daRepública, restaurada no final da décadade noventa, subsiste um conjunto ha-bitacional outrora pertencente a umajudiaria. No local da antiga e poderosacomunidade judaica subsistem casas dexisto, distribuídas por um estreito e aca-nhado arruamento que imediatamenteevoca as irregulares ruas das cidadesmedievas.Este “povo itinerante, em constante pe-regrinação pelo mundo”, como o des-creve Leite de Vasconcelos, desde o iní-cio da nacionalidade teve diversas comu-nidades espalhadas um pouco por todoo país. A Pesqueira não foi uma excep-ção e também recebeu uma colectivida-de hebraica, que aqui se terá fixado, naárea da actual Rua dos Gatos.

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Na Praça da República, um espaço preenchido por edifí-cios de bela arquitectura, além do Arco da Porta do Cas-telo e da Torre do Relógio, evidenciam-se a Casa dos Tá-voras e a Capela da Misericórdia, bem como os AntigosPaços do Concelho, uma construção de 1794, portantodo tempo de D. Maria, no qual funciona o Museu Munici-pal, que tutela um valioso espólio arqueológico.

I Nesta harmoniosa praça, bem no coração urbano da ci-dade de S. João da Pesqueira, conserva-se um arco tre-centista de formato ogival, que corresponderia ao portalou ao que restou da cerca do castelo medieval da povoa-ção da Pesqueira. Sobre este arco assenta a torre da cape-la da Misericórdia, no passado pertencente ao solar sete-centista dos Távoras, e um nicho com uma escultura deNossa Senhora, datada de 1632. Essa família nobre, umadas mais poderosas do Reino e conhecida de todos pelaferoz perseguição que lhe foi movida por Pombal, foi umadas mais destacadas desta região, por onde detinha pode-rosos domínios e influência. Os seus costados remontama Ramiro II de Leão, o bisavô de D. Rosendo Hermiges dequem descendeu D. Tedo Rosendes e D. Ramiro Teodónis,

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I Arco e Porta do Castelo e Torre do Relógio

Praça da RepúblicaS. João da PesqueiraAberto todo o ano Visita exterior

I Antiga Judiaria

Rua dos Gatos S. João da PesqueiraEstá aberta todo o anoVisita exterior

S. João da Pesqueira. Rua dos Gatos

Praça da República

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Santuário de São Salvador do Mundo(Itinerário Opcional II)

No monte da Fraga deparamo-nos com um dosprincipais atractivos turísticos da região da Pes-queira: o Santuário de S. Salvador do Mundo. Tra-

ta-se de um conjunto de nove ermidas patrocinadas porGaspar da Piedade, que iniciou a construção deste santuá-rio, após a concessão de uma licença do Papa ClementeVIII, como forma de agradecer a salvação da sua vida postaem perigo num naufrágio ao largo da ilha de Rodes. Outro naufrágio célebre, mas mais funesto e marcante nahistória do rio Douro, foi o que vitimou o primeiro Barãode Forrester, Joseph James Forrester. Nas palavras de umdos seus biógrafos, este súbdito da coroa britânica foi “umartista curioso, um escritor incansável, um negociante inteli-gente, um agricultor activo” apaixonado pelo Douro, senti-mento que perpetuou no mais célebre mapa que algumavez se produziu sobre o rio. Sobre esse “rio de mau nave-gar” onde viria a perder a vida quando o barco provenien-te da Quinta do Vesúvio, de D. Antónia, se perdeu no pe-rigoso Cachão da Valeira, a 12 de Maio de 1861. A estatragédia sobreviveram D. Antónia Adelaide Ferreira, aFerreirinha, e o proprietário Francisco Torres. Com o ba-rão pereceram igualmente a cozinheira Gertrudes, a únicavítima que o cáustico Camilo Castelo Branco verdadeira-mente lamentou, e um criado de Torres.

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A presença de Judeus na Pesqueira está documentada,pelo menos para o reinado de D. João II (1481-1495),onde aparece citada entre as outras judiarias do reino.Bem perto de S. João da Pesqueira, em Lamego e emSalzedas, a presença judaica foi bastante forte. E, emboranão fosse comparável às judiarias do Porto e de Lisboa,com as quais, aliás, mantinha estreitos contactos, a suaproximidade com outras judiarias beirãs, transmontanas ecastelhanas, fazia dela uma das mais estratégicas.Antes do século XIV, as comunidades judaicas habitual-mente instalavam-se em bairros, bem próximos da popu-lação cristã. Alguns dos seus habitantes desempenhavamrelevantes actividades, como as de comerciantes, médicosou usurários, que os tornavam úteis à comunidade cristã eao rei que deles recebia uma boa parte dos rendimentosque engrossavam a fazenda pública. Apesar da proximida-de entre estas duas populações, as barreiras religiosas nãopermitiam uma maior miscigenação destes dois povos.Durante a Idade Média e, sobretudo, a partir do séculoXVI, judeus e cristãos-novos (isto é, antigos judeus con-vertidos ao cristianismo desde o fim do século XV) tiveramum importante papel na dinamização económica do Dou-ro. Sobretudo durante a Época Moderna interessaram-sepela produção vinícola e, tirando partido da teia de rela-ções familiares em diversos centros, desenvolveram am-plas redes de comércio, solidificando a ligação entre estaregião e a cidade do Porto, centro escoador natural detoda a região Norte.

Parta em direcção ao Santuário de S. Salvador do Mundo, seguindo a EM 1121. Se seguir a EN 222vai a Vilarouco, onde encontra uma fonte de mergulhomedieval sobre um murete de xisto, composta poruma arcada sob cornija, onde assenta o escudo e as quinas de Portugal.

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De S. Salvador do Mundo, feito mira-douro, avistava-se o temível cachão.Essa fraga de grandes dimensões quecortava o rio. Eram sete metros dequedas de água, de correntes traçoei-ras, de redemoinhos, de medos. Já notempo dos Romanos o geógrafo Es-trabão considerava-o o ponto de par-tida da navegação das barcas para oPorto. Para cima dele, outro rio. Ou-tro rio que ligava as comunidades por-tuguesas a Castela e a alguns dos gran-des centros económicos da Península.

Desde sempre o Homem tentou eliminar este obstáculonatural e estabelecer a navegabilidade do Douro sem inter-rupções. Em 1531 Rui Fernandes descreve as primeiras ini-ciativas de destruição do fraguedo, por Martins de Figuei-redo, “com fogo de vinagre”. Mas coube à Companhia Geralde Agricultura das Vinhas do Alto Douro, sob patrocínio deD. Maria, a remoção do Cachão da Valeira. O padre AntónioManuel Camelo e o engenheiro sardo José Maria Yola encar-regaram-se de o fazer, concluindo a tarefa em 1792.Ainda hoje se pode ler, na parede da margem,a inscriçãocomemorativa da “abertura” do rio, que reproduz a origi-nal, que se encontra submersa pelas águas do Douro,alteadas pela barragem aí existente.Mas fique mais uma derradeira nota a propósito de S. Salva-dor do Mundo. Os romeiros ou visitantes do santuário aindahoje perpetuam o velho costume de dar nós nas numerosasgiestas espalhadas ao longo do caminho que sobe por estemonte. É a tradição casamenteira do lugar: dar um nó nasgiestas é garantia de casamento, de feliz enlace, nesse mes-mo ano. Este uso poderá ter tido origem num hábito dopromotor do santuário, uma vez que Frei Gaspar da Piedadeao passear pelo promontório costumava fazer cruzes nashastes das giestas.

[SPB]

S. João da Pesqueira. Barragem da Valeira

Capelas do Santuário de S. Salvador do Mundo